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Carta dos professores de História à comunidade do CEFET-MG: o PNLD 2021 e os riscos para a EPTNM

No dia 12 de fevereiro de 2021 os professores de História de várias unidades CEFET-MG estiveram reunidos para tratar do processo
de escolha dos livros didáticos referente ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2021). Na ocasião, os docentes debateram os
impactos que o formato da escolha e a organização do conteúdo teriam, bem como as suas implicações para a área de História, para
a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) e para a instituição.

A principal alteração trazida pelo PNLD 2021 é a diluição das disciplinas em grandes áreas (Ciências Humanas e Sociais, Ciências da
Natureza, Matemática e Linguagens). Os exemplares didáticos terão seus títulos organizados por “Competências” definidas pela Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e não pela sequência didática baseada na produção acadêmica do conhecimento.

Esta alteração traz consigo uma série de problemas e ameaças que gostaríamos de destacar:

1) Os conteúdos dos livros não poderão, da forma como apresentados, coincidir com os programas curriculares praticados
no CEFET-MG. Isso colocará um obstáculo para o uso desses livros como recurso didático.

2) Trata-se de uma concepção de educação escolar que torna o conhecimento científico e metodológico, próprio de cada
disciplina, mero apêndice de uma cultura geral superficial. Dessa forma, estando História, Geografia, Filosofia e Sociologia,
por exemplo, sintetizadas em poucas páginas dos livros de “Ciências Humanas e Sociais”, todo o repertório conceitual de
cada disciplina forjado em séculos de desenvolvimento da ciência se desmancharia em pinceladas desconexas. Defendemos
com muita força e certeza de que o letramento científico, próprio do Ensino Médio, em particular o letramento histórico
(capacidade interpretar e analisar acontecimentos e discursos do passado e sobre o passado, bem como a construção das
estruturas econômicas e sociais que organizam a vida em sociedade, potencializando uma relação e ação críticas dos sujeitos
em tempos e circunstâncias diversas) são fundamentais para a formação de cidadãos e cidadãs livres e com autonomia, em
especial, em tempos de negação do conhecimento.

3) Compreendemos que a organização do PNLD 2021 faz parte de um projeto muito maior de transformação do Ensino Médio
em instrumento puro e simples de formação para o mercado de trabalho, sem reflexão crítica sobre as relações sociais e
sobre as bases do conhecimento científico. O programa vem na esteira da BNCC (que transforma objetos do conhecimento
em competências e habilidades temáticas), da Reforma do Ensino Médio (que prevê percursos formativos, limitando a
trajetória educacional dos jovens) e, mais recentemente, das Novas Diretrizes Curriculares para Educação Profissional Técnica
de Nível Médio (Resolução CNE/CP 1, de 5 de janeiro de 2021).
Sobre esta última, alguns aspectos merecem ser destacados: em comparação com as diretrizes até então vigentes, foram
suprimidos os trechos que colocavam como princípios da EPTNM a compreensão das relações sociais e de trabalho, bem
como suas especificidades históricas; e, também, a formação de sujeitos capazes de atuar no trabalho com compromisso
ético e político, visando à “construção de uma sociedade democrática”. Portanto, as concepções tecnocratas, meritocráticas,
empresariais e individualistas da formação profissional parecem, no projeto hora em curso, se sobrepor a valores que
consideramos fundamentais. Por fim, vale lembrar a proposta de drástica redução da carga horária máximas das disciplinas
da Base Nacional Comum Curricular imposta pela referida Resolução CNE de 5 de janeiro de 2021, ameaçando o ensino
integrado. Para piorar, instituem-se “competência” e “experiência” como requisitos que substituem a formação acadêmica
para exercício do magistério.

4) Compreendemos que a estratégia governamental de impor uma determinada leitura da BNCC, através dos livros didáticos,
atinge não apenas as Ciências Humanas e Sociais, mas todas as disciplinas escolares, ao diluir o conhecimento científico e
reduzi-lo a um instrumento mercadológico. Vale lembrar que vivemos tempos de negação da ciência, em nome de projetos
políticos autoritários e excludentes, por isso o ataque a todas as áreas da ciência, que coloca em risco suas contribuições à
educação básica.

5) Compreendemos que todo esse projeto ameaça o direito a uma educação de qualidade, pautada pela construção de uma
postura crítica e pela autonomia intelectual, construídas a partir do desenvolvimento do árduo trabalho acadêmico das
diferentes áreas do saber. Sobre este último aspecto, vale destacar a nossa própria existência profissional e possibilidade de
atuação acadêmica no campo em que fomos formados para atuar. Corremos um risco de vermos dilaceradas nossas
condições de trabalho, a premissa da qualidade que prezamos para o ensino integrado e o espaço institucional de muitas
áreas do conhecimento. Em suma: está ameaçado também o direito de ensinar e de aprender

Por tudo isso, nós, professores e professoras de História, chamamos a atenção de toda a comunidade cefetiana e nosso corpo diretor
para a necessidade de garantirmos nossa autonomia pedagógica e curricular, prevista legalmente.

O PNLD é um dos aspectos que ameaçam a EPTNM e a qualidade do ensino integrado, sendo necessária a rejeição dos livros
distribuídos e a construção de um projeto para elaboração de material próprio. Acreditamos que nossa comunidade acadêmica tem
qualificação para essa tarefa.

Lembramos que nos anos de 1990, o CEFET-MG e outras instituições federais resistiram com sucesso aos ataques do governo federal
contra o modelo do ensino integrado. É chegado o momento, novamente, de defender esse formato que tem garantido tanto em
termos de qualidade, transformação social e, principalmente, de uma educação voltada para o conhecimento científico, profissional
e humano das relações sociais e do mundo do trabalho.

Corpo docente de História do CEFET-MG

05 de março de 2021

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