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23/03/2021 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 2703/05.4TBMGR.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
PACTO SOCIAL
EXCLUSÃO DE SÓCIO
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
JUSTA CAUSA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 26-10-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO COMERCIAL - DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Doutrina: - Alexandre Soveral Martins, Da personalidade e Capacidade Jurídicas das Sociedades
Comerciais, Estudos de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 75 e 76.
- Avelãs Nunes, O Direito de Exclusão de Sócios nas Sociedades Comerciais, 1968, 23 e ss.
- Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13ª reimpressão, 2002,
196 e 197.
- Brito Correia, Direito Comercial, 2º volume, 1987, 292 e 459.
- Pereira Coelho, Obrigações, 1967, 215; Pessoa Vaz, Obrigações, 1966, 34.
- Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, I,
2ª reimpressão da 2ª edição de 1989, 136 e 159.
- Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais,
II, 2ª reimpressão da 1ª edição de 1989, 50, 51, 58 e 195.
- Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais,
III, 2ª reimpressão da 1ª edição de 1989, 104 e 118.
- Vaz Serra, RLJ, Ano 108º, 170; STJ, de 14-3-1991, BMJ nº 405º, 496.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, Nº2, 566.º, Nº2,1003.º,1005.º, NºS 1 E 3.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 2.º, 20.º, A), 25.º, Nº 1,
26.º, 56.º, Nº 1, A), C) E D) E 58º, Nº 1, A) E B), 186.º,N.º3, 203.º, NºS 1 E 3, 204.º, 241.º, N.º1,
242.º, 248.º, Nº 3, 251.º, Nº 1, D), 252.º, NºS 1 E 2, 257.º, NºS 3, 5 E 7, 259.º A 262.º-A.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 722.º, Nº 2, 729.º, Nº 2 E 712.º, Nº 6.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 23-6-1992, BMJ Nº 418, 793;
- DE 27-10-1994, CJ (STJ), ANO II, T3, 112;
- DE 4-12-1996, BMJ Nº 462, 441;
- DE 9-7-1998, BMJ Nº 488, 361;
- DE 20-1-1999, BMJ Nº 483, 176;
- DE 1-6-1999, BMJ Nº 479, 634.
Sumário : I - Sendo lícita a cláusula que deferia parte do cumprimento da obrigação de entrada que competia
ao sócio, para certa data, este incorre em mora, após, devidamente, interpelado para efectuar o
pagamento, e nas consequências desvantajosas daí advenientes.
II - A deliberação dos sócios, relativamente a prestação de entradas, pode ser tomada, por maioria
simples dos votos e não do número de sócios, quando o pacto social não disponha de maneira
diferente, pois que a lei não exige a maioria qualificada para esse efeito.
III - Está vedado o recurso à propositura de uma acção em tribunal quando a lei estabelece que a
causa de exclusão do sócio, como acontece com sócio remisso, não é impugnável pela via judicial.
IV - A falta de cumprimento da obrigação de entrada pelo sócio remisso constitui uma cláusula de
exclusão legal, especificamente, enunciada, e não contratual, que opera, validamente, por
deliberação dos sócios, sem necessidade do instrumento da sentença judicial, não obstante tratar-se
de uma sociedade por quotas constituída por dois sócios, um dos quais propôs uma acção contra o
outro.
V - As formalidades exigidas por lei ou pelo contrato para a convocação de assembleias gerais
tutelam interesses dos sócios e não interesses de terceiros, em especial, num tipo de sociedade
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como a sociedade por quotas, tendo, portanto, a convocação a função social interna de habilitar os
sócios a participarem na formação da deliberação, e não os gerentes, que não são os destinatários
da convocatória.
VI - O princípio geral da liberdade da destituição dos gerentes, em qualquer momento, em
consequência de deliberação tomada em assembleia geral ou por voto escrito, por acto unilateral e
discricionário dos sócios, é independente da existência de justa causa, excepto quando o pacto
social confia a um sócio um direito especial à gerência, hipótese em que a destituição tem de ser
efectuada, por via judicial, e com fundamento em justa causa.
VII - Mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, o princípio da livre revogabilidade do
mandato dos gerentes não conhece restrições, sendo certo que o recurso à acção judicial apenas se
mostra necessário para a prova do fundamento da justa causa da destituição do gerente.
VIII - A inexistência de justa causa da destituição do gerente de sociedade por quotas é compatível
com a deliberação dos sócios, tomada por maioria simples, a menos que o contrato de sociedade
imponha uma maioria qualificada ou a presença de outros requisitos.
IX - A inexistência de justa causa da destituição do gerente-autor destituído, cujo ónus competia à
ré, na qualidade de facto impeditivo do direito à indemnização daquele, apenas releva para efeitos
do direito à indemnização, não tendo qualquer repercussão quanto à aplicação do princípio da livre
discricionaridade da destituição do gerente.
X - A indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa deverá ter subjacente a existência
de prejuízos correspondentes aos ganhos esperados e aos danos não patrimoniais sofridos,
porquanto não é consequência necessária da destituição sem justa causa.
XI - A deliberação que destitui o autor da gerência da ré é lícita, e, potencialmente, geradora de
responsabilidade civil da ré, quando ocorre sem se haver demonstrado a justa causa, não carecendo
de ser obtida pela via judicial, não sendo o mesmo titular de um direito especial à gerência, por não
se tratar de sócio da ré.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1):

AA-“E... - Comércio de Materiais de Construção, Lda”, com sede em


Leiria, e BB, residente em Leiria, propuseram a presente acção
declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC-“C... - A...
M..., Lda”, com sede na Marinha Grande, pedindo que, na sua
procedência, sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as deliberações
adoptadas na assembleia geral de 16 de Novembro de 2005, entre as
quais a deliberação de exclusão de sócia da autora sociedade, nos
termos das alíneas c) e d), do n°1, do artigo 56°, do CSC [1],
subsidiariamente, se assim não se entender, seja declarada a
anulabilidade das supra mencionadas deliberações sociais, nos termos
da alínea a), do n°1, do artigo 58°, do CSC, por violação do n°3, do
artigo 1005°, do Código Civil, e dos artigos 241° e 242°, ambos do
CSC [2], consequentemente, seja a ré condenada a pagar à autora
sociedade uma indemnização pelo prejuízo sofrido com a deliberação
de exclusão de sócia, cujo montante, por não ser ainda determinável,
deve ser relegado para execução de sentença [3], sejam declaradas
nulas e de nenhum efeito as deliberações adoptadas, na assembleia
geral de 21 de Novembro de 2005, entre as quais se conta a destituição
da gerência do autor, pessoa singular, por força do disposto nas alíneas
a), c) e d), do n°1, do artigo 56°, do CSC [4] subsidiariamente, se assim
não se entender, seja declarada a anulabilidade das supra-mencionadas
deliberações sociais, nos termos das alíneas a) e b), do n°1, do artigo
58°, do CSC [5] consequentemente, seja a ré condenada a pagar ao
autor, pessoa singular, uma indemnização pelos prejuízos sofridos com
a destituição sem justa causa, cujo montante, por não ser ainda
determinável, deve ser relegado para execução de sentença [6],
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alegando, para o efeito, e, em síntese, a factualidade subsequente.


Em Abril de 2000, a autora sociedade e a DD-"I... S.A.” iniciaram
negociações, tendo em vista o desenvolvimento de um projecto
comum, consistente na conciliação do conhecimento desta última no
fabrico e execução de moldes com o «know how» daquela na criação
de materiais inovadores, no sector da construção civil, tendo acordado,
para a concretização de tal projecto, na constituição de uma sociedade
comercial, que teria como objecto a produção e comercialização de
produtos plásticos para a indústria da construção civil.
Mais, exactamente, o objecto social da sociedade comercial a constituir
seria o desenvolvimento, fabrico, comercialização e concepção de
novos produtos patenteáveis ou a patentear, de equipamentos
destinados à construção civil ou outras actividades conexas, de
preferência registados ao nível da patente europeia; tendo acordado que
o capital social da sociedade seria de €150.000,00, dividido em duas
quotas, uma no valor de €100.000,00, pertencente à DD-“I..., SA”, e
outra, no valor de € 50.000,00, pertencente à autora AA-"E..., Ldª”,
sendo a parte do capital social a subscrever por esta a realizar, dentro
dos cinco anos posteriores à criação da referida sociedade comercial.
E, em execução do acordado, em 17 de Outubro de 2002, a DD-"I...
SA” e a AA-"E... Lda” assinaram um acordo parassocial, em que
estabeleceram a constituição duma sociedade comercial por quotas com
o objecto referido, obrigando-se a “observar na constituição da nova
sociedade os seguintes princípios:
1. O capital social, de valor a definir, mas que na fase inicial não deverá
ultrapassar os €150.000,00, será subscrito pelas outorgantes na
proporção de duas terças partes para a DD-I...e uma terça parte para a
AA-E...;
(…)
3. A parte do capital social a subscrever pela AA-E... será realizada até
ao dia 30.06.2007;
4. A realização do capital social da AA-E... será efectuada, por tranches
anuais e até à data limite fixada, através de um fundo a constituir pela
retenção de 3% das vendas de produtos de fabrico da sociedade
constituenda, pelas quais é responsável directo BB;
5. De todas as vendas efectuadas pela sociedade constituenda, enquanto
esta durar e dela forem sócias as sociedades de que façam parte os
subscritores deste protocolo, ou eles na qualidade de pessoas
singulares, serão pagos a BB, ou por impedimento deste aos demais
sócios da AA-E..., a comissão de 5% da qual será retirada a
percentagem para a realização do capital na proporção e pelo tempo
referidos nas alíneas anteriores;
6. O direito à mencionada percentagem a partir da facturação é devida à
AA-E... em função dos contributos por esta transportados para a
sociedade pela transferência dos direitos de propriedade industrial atrás
referidos, e do valor das vendas dos produtos efectuados pela empresa,
da qual o Sr. BB será o responsável directo;
7. Caso da aplicação da percentagem referida não venha a obter-se a
importância necessária à constituição do capital da AA-E..., obriga-se

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esta a promover à realização do remanescente no prazo fixado”.


Além disto, ficou a constar, no acordo parassocial, que a sociedade
DD-"I..., SA” nomearia dois elementos para a gerência da sociedade
constituenda e a autora AA-E..., Lda nomearia um elemento, tendo
ficado acordado que “das duas assinaturas necessárias para obrigar a
sociedade, uma será de um representante da DD-I...e outra do
representante da AA-E...”.
Pelo que, em conformidade com o acordado, a autora AA-"E..., Lda” e
a DD-"I..., SA”, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de
Marinha Grande, em 9 de Outubro de 2002, constituíram a sociedade
comercial “CC-C..., Lda”.
Ficando a constar do artigo 4.° do pacto social da CC-C... que o capital
social desta é de 150.000,00€, distribuído pelos sociedades sócias da
seguinte forma: uma quota, no valor de 100.000,00€, pertencente à
sócia DD-I..., S.A., e uma quota, no valor de 50.000,00€, pertencente à
sócia AA-E..., Lda; e que a gerência seria exercida por EE e FF, estes
em representação da sócia DD-I..., S.A., e por BB, em representação da
sócia AA-E..., Lda.; tendo, por lapso de escrita – segundos os AA. –
ficado a constar, no artigo 4° do pacto social, que a autora AA-E...,
Lda, teria de realizar a sua parte do capital social, até 30 de Junho de
2005 (quando, segundo os AA., devia constar 30 de Junho de 2007).
Ora – sem que tivesse sido combinada qualquer alteração à data de
realização do capital social da sociedade AA-E... (de 30/06/2007) nem
qualquer alteração à forma de realização, por esta sociedade, do capital
social – em 18/07/05, a autora AA-E..., Lda recebeu uma comunicação
da ré, na qual esta a interpelava para, no prazo de trinta dias, proceder
ao pagamento do capital social alegadamente em dívida.
A autora AA-E..., Lda, não procedeu ao pagamento do capital social,
no prazo mencionado na mencionada comunicação – uma vez que o
prazo para aquela subscrever a sua parte do capital social terminava,
apenas, em 30 de Junho de 2007 – e, em 27/10/05, a autora AA-E...,
Lda, recebeu uma convocatória para uma assembleia geral da ré, a
realizar no dia 16/11/05, pelas 10h00, com a seguinte ordem de
trabalhos:
“Ponto 1: deliberar sobre a exclusão de sócio da AA-E... - Comércio de
Materiais de Construção, Lda, por não realização da obrigação de
entrada no prazo máximo previsto na lei e disposto no pacto social, em
sequência de interpelação que àquela foi realizada por CC-C... em
13.07.2005, nos termos do artigo 203.°/3 do Código das Sociedades
Comerciais e do Aviso por escrito efectuado em 22.08.2005 de
exclusão de sócio com perda da quota e dos pagamentos efectuados por
conta da obrigação de entrada de acordo com o preceituado no artigo
204.°/1 do CSC.
Ponto 2: deliberar sobre o destino a dar à quota nos termos do Código
das Sociedades Comerciais conquanto seja previamente deliberado
pelos sócios havê-la como perdida a favor da sociedade.”
No dia e hora mencionados, realizou-se tal assembleia geral, tendo sido
deliberada, com o voto único favorável da sócia DD-I..., S.A., a
exclusão de sócia da autora AA-E..., Lda, por “não cumprimento

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tempestivo da sua obrigação de entrada nos termos da lei e do contrato


social com a consequente perda da quota e dos pagamentos já
realizados por conta desta a favor da CC-C....”.
A assembleia-geral em que a autora AA-E..., Lda, não pôde exercer o
seu direito de voto, por força do estatuído no artigo 251°, n°1, do CSC,
pelo que a deliberação que a exclui de sócia foi adoptada apenas e só
com o voto favorável da sócia DD-I..., SA.
Ora, segundo a autora AA-E..., Lda, não incumpriu a sua obrigação de
entrada, pois o prazo para cumprir essa obrigação apenas terminava, no
dia 30 de Junho de 2007, pelo que a sua exclusão de sócia é ilícita.
Por outro lado, ainda segundo a autora AA-E..., Lda, tendo a sociedade
ré apenas dois sócios, a exclusão de um deles só podia ocorrer por
acção judicial; uma vez que à exclusão do sócio em causa aplica-se o
disposto nos artigos 241° e 242°, ambos do CSC, e 1005°, n°3, do
Código Civil.
Ademais, ainda que se admitisse como válida a exclusão de sócio da
autora AA-E..., Lda, operada através da mencionada deliberação social,
sempre a sociedade ré teria de demonstrar o carácter prejudicial do
comportamento da autora, não bastando alegar, sem mais, o
incumprimento da obrigação de entrada da autora AA-E..., Lda.
Daí que a autora AA-E..., Lda, conclua e peça a nulidade de tal
deliberação ou, se assim não se entender, que a mesma seja anulada.
Mais alegaram na petição inicial que:
Após ter excluído a autora AA-E..., Lda, de sócia, a ré enviou uma
carta, datada de 17 de Novembro de 2005, através da qual convocou o
Sr. BB, gerente da ré, para uma assembleia geral que se realizaria
quatro dias depois, em 21 de Novembro de 2005, às 10h00, cujo ponto
único da ordem de trabalhos era a deliberação da sua destituição de
gerente.
Convocatória que, segundo os autores, está ferida de nulidade, por
violação do n°3, do artigo 248°, do CSC, que preceitua que a
convocação das assembleias gerais deve ser feita, por meio de carta
registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias.
Tal assembleia geral veio, efectivamente, a ser realizada, no dia 21 de
Novembro de 2005, às 10h00, tendo sido deliberada a destituição de
gerente do autor BB, com o voto único favorável da sócia DD-"I...,
SA”.
Ora, ainda segundos os autores, a destituição de gerente do autor BB, é
ilícita, pois que, para ser válida, teria de ser obtida, por via judicial, e
nunca através de uma simples deliberação social, aprovada com o voto
único da sócia DD-"I..., SA”, além de que, sendo o autor BB titular de
um direito especial à gerência, só podia ser destituído, por via judicial,
e não através de simples deliberação, e com justa causa.
Daí que concluam e peçam a declaração de nulidade de tal deliberação
ou, se assim não se entender, que a mesma seja anulada.
Na sua contestação, a ré impugna parte da factualidade alegada pelos
autores, defendendo a legalidade das deliberações sociais postas em
crise pelos mesmos.
Os autores apresentaram a réplica, que foi mandada desentranhar, por

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despacho transitado em julgado.


A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e, nessa medida,
anulou a deliberação adoptada, em assembleia geral de 16 de
Novembro de 2005, mediante a qual foi decidida pela ré a exclusão da
primeira autora de sócia daquela e, quanto ao mais, julgou
improcedentes os pedidos formulados pelos autores, absolvendo a ré
dos mesmos.
Desta sentença, os autores e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal
da Relação julgado improcedente a apelação dos autores e procedente a
apelação da ré, confirmando-se e revogando-se, na parte respectiva, a
sentença recorrida que, com tais confirmação e revogação, se substitui
pela decisão de improcedência de todos os pedidos formulados pelos
autores, na presente acção, com a consequente absolvição da ré de
todos os pedidos.
Do acórdão da Relação de Coimbra, apenas os autores interpuseram
agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua
revogação, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:
1ª – O douto acórdão, com o devido respeito, viola o estatuído nos
artigos 10° e 1005° do Código Civil, bem como o disposto nos artigos
2°, 24°, 56°, 203°, 241°, 242°, 248° e 257° todos do Código das
Sociedades Comerciais.
2ª - Efectivamente, salvo o devido respeito, os Venerandos
Desembargadores não interpretaram correctamente os normativos supra
mencionados.
3ª - A recorrente não incumpriu a obrigação de entrada, desde logo,
porque ficou acordado que o pagamento das entradas seria diferido, nos
termos do disposto no n°1, do artigo 203° do C.S.C.
4ª - Sendo a sociedade recorrida constituída apenas por dois sócios, a
exclusão de qualquer deles, só pode ser pronunciada pelo tribunal. É
esta a solução que decorre do n°3 do artigo 1005°, do Código Civil,
aplicável ex vi do artigo 2°, do C.S.C, e dos artigos 241° e 242°, ambos
do C.S.C.
5ª - Por conseguinte, a exclusão de um sócio, numa sociedade com
apenas dois sócios, não pode ser feita por mera deliberação social.
6ª - Da orientação legislativa subjacente ao artigo 1005°, n° 3, do
Código Civil, ao artigo 186, n° 3, do CSC (sociedades em nome
colectivo) e ao artigo 257°, n° 5, do CSC, decorre uma lacuna na
regulamentação da exclusão judicial de sócio em caso de uma
sociedade por quotas com apenas dois sócios.
7ª - Nos termos do artigo 2° do C.S.C, os casos em que a lei não
preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos
análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o
contrato de sociedade, no que não seja contrário, nem aos princípios
gerais da presente lei, nem aos princípios informadores do tipo
adoptado.
8ª - O caso sub judice é análogo à hipótese contemplada no artigo 257º,
n° 5, do CSC. Pelo que, nos termos do n° 2 do artigo 10° do Código
Civil, deve o intérprete recorrer à analogia, já que quer num caso, quer
noutro, se justifica que o sócio não excluendo ou o sócio não

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destituendo sejam forçados a usar a via judicial.


9ª - De qualquer forma, de acordo com o artigo1005º, n° 3, do Código
Civil, aplicável ex vi do artigo 2° do CSC, numa sociedade com dois
sócios, a exclusão de um deles tem de ser pronunciada pelo tribunal.
10ª - Pelo exposto, conclui-se que a exclusão de sócio da 1.a Autora é
ilícita, desde logo, porque para ser válida teria de ser obtida por via
judicial e nunca através de uma simples deliberação social.
11ª - A deliberação de exclusão de sócia da 1.a recorrente é nula, nos
termos das alíneas c) e d) do n° 1 do artigo 56° do CSC, em virtude do
seu conteúdo não estar sujeito a deliberações dos sócios, pelo facto da
recorrida ter apenas dois sócios e, além disso, o seu conteúdo é
claramente ofensivo dos bons costumes.
12ª - Se assim não se entender, sempre se dirá que tal deliberação é
anulável, por força das alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 58° do CSC,
desde logo por violação de disposições legais imperativas,
nomeadamente o n° 3 do artigo 1005° do Código Civil e os artigos
241° e 242°, ambos do C.S.C.
13ª - A deliberação adoptada na assembleia geral de 21 de Novembro
de 2005, que destituiu o 2° recorrente da gerência da recorrida é nula,
porquanto a respectiva convocatória não cumpre o preceituado no n° 3
do artigo 248° do CSC, segundo o qual a convocação das assembleias
gerais deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a
antecedência mínima de quinze dias.
14ª - A destituição de gerente do 2° recorrente é ilícita, pois para ser
válida teria de ser obtida por via judicial e nunca através de uma
simples deliberação social.
15ª - O 2° recorrente é titular de um direito especial à gerência, criado
no pacto social. Por conseguinte, só podia ser destituído por via judicial
- e não através de simples deliberação - e, com justa causa.
Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser
negado provimento ao recurso interposto pelos autores, confirmando-
se, integralmente, o acórdão recorrido.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar
demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça
aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e
729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1. A autora AA-"E..., Lda”, dedica-se ao comércio de materiais de
construção.
2. Os sócios da autora AA-"E..., Lda” são quadros superiores na área
dos materiais de construção.
3. Os sócios da autora AA-"E..., Lda” dedicam-se à criação e
concepção de materiais de construção.
4. A cofragem “E...” é uma cofragem perdida para ser usada nas lajes
fungiformes reticulares, com a finalidade de gerar vazios, poupar aço e
betão e aligeirar essas mesmas lajes. Esta cofragem tem múltiplas
vantagens económicas e técnicas, o que a toma muito interessante para
o uso neste campo da construção.
5. Por sua vez, a sociedade comercial DD-"I..., SA” é uma sociedade
comercial que se dedica à concepção, ao fabrico e execução de moldes.

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6. Atenta a actividade desenvolvida pela sociedade requerente e pela


sociedade DD-"I..., SA”, estas sociedades, em Abril de 2000, iniciaram
negociações, com vista à futura colaboração entre ambas, no
desenvolvimento de um projecto comum.
7. O referido projecto comum visava a produção e comercialização de
patentes consubstanciadas em produtos plásticos para a indústria de
construção civil.
8. Para o desenvolvimento e execução do mencionado projecto de
colaboração entre as sociedades comerciais supra-mencionadas, estas
acordaram a constituição de uma sociedade comercial, que teria como
objecto a produção e comercialização dos supra-mencionados produtos
plásticos para a indústria da construção civil.
9. O objecto social da sociedade comercial constituenda seria o
desenvolvimento, fabrico, comercialização e concepção de novos
produtos patenteáveis ou a patentear, de equipamentos destinados à
construção civil ou outras actividades conexas, de preferência
registadas, ao nível da patente europeia.
10. As negociações levadas a cabo entre as sociedades DD-"I..., SA” e
AA-"E..., Lda” culminaram com a assinatura, por estas, de um acordo,
em 17 de Setembro de 2002 (conforme documento n°2 junto com o
requerimento inicial da providência cautelar a estes autos apensa).
11. As sociedades DD-"I..., SA” e AA-"E..., Lda”, por escritura pública
outorgada no Cartório Notarial de Marinha Grande, em 9 de Outubro
de 2002, constituíram a sociedade comercial “CC-C..., Lda”.
12. De acordo com o artigo 4° do pacto social da ré, o capital social
desta é de cento e cinquenta mil euros, distribuído pelas sociedades
sócias da seguinte forma: uma quota, no valor de cem mil euros,
pertencente à sócia DD-"I..., SA”, e uma quota, no valor de cinquenta
mil euros, pertencente à sócia AA-"E..., Lda”.
13. Em conformidade com o que ficou consignado na cláusula oitava
do acordo, ficou estabelecido, no pacto social da ré, que a gerência
desta é exercida, por EE e FF, estes em representação da sócia DD-"I...,
SA”, e por BB, em representação da sócia AA-"E..., Lda”.
14. De acordo com o artigo 5° do pacto social, a requerida obriga-se
pela assinatura conjunta de dois gerentes.
15. Ficou a constar, no artigo 4° do pacto social, que a sociedade AA-
"E..., Lda”, teria de realizar a sua parte do capital social, até 30 de
Junho de 2005.
16. Em 18 de Julho de 2005, a autora recebeu uma comunicação da ré,
na qual esta interpelou aquela sociedade para, no prazo de trinta dias,
proceder ao pagamento do capital social, alegadamente, em dívida.
17. A autora não procedeu ao pagamento do capital social, no prazo
mencionado na mencionada comunicação.
18. Em 24 de Agosto de 2005, a ré “CC-C..., Ldª” enviou nova
comunicação, por correio registado, à autora AA-"E..., Ldª”,
informando-a do incumprimento e das consequências que dele
poderiam advir, designadamente, da perda da quota, a favor da
sociedade, e de todos os pagamentos realizados por conta desta,
oferecendo-lhe novo prazo de 30 dias para cumprir a sua obrigação

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perante a sociedade.
19. Decorrido tal prazo de 30 dias, a primeira autora não efectuou
qualquer pagamento.
20. Em 27 de Outubro desse ano, a autora recebeu o teor do documento
9, relativo a uma assembleia geral da ré, a realizar no dia 16 de
Novembro de 2005, pelas 10h00, com a seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto 1: deliberar sobre a exclusão de sócio da AA-E...-Comércio de
Materiais de Construção, Lda. por não realização da obrigação de
entrada no prazo máximo previsto na Lei e disposto no pacto social, em
sequência de interpelação que àquela foi realizada por CC-C... em
13.07.2005, nos termos do artigo 203°/3 do Código das Sociedades
Comerciais e do Aviso por escrito efectuado em 22.08.2005 de
exclusão de sócio com perda da quota e dos pagamentos efectuados por
conta da obrigação de entrada de acordo com o preceituado no artigo
204°/1 do Código das Sociedades Comerciais.
Ponto 2: deliberar sobre o destino a dar à quota nos termos do Código
das Sociedades Comerciais conquanto seja previamente deliberado
pelos sócios havê-la como perdida a favor da sociedade.
21. A referida assembleia geral foi realizada no dia e hora
mencionados, tendo sido deliberada, com o voto único favorável da
sócia DD-I..., S.A., a exclusão de sócia da sociedade AA-E...
alegadamente por “não cumprimento tempestivo da sua obrigação de
entrada nos termos da Lei e do contrato social com a consequente perda
da quota e dos pagamentos já realizados por conta desta a favor da CC-
C....” (conforme documento 10).
22. Na referida assembleia geral, a autora apresentou uma declaração,
cujo teor se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e
legais efeitos e faz o documento 11.
23. A ora autora AA-"E..., Lda”, não votou.
24. A deliberação de exclusão de sócia da requerente foi adoptada com
o voto favorável da sócia DD-"I..., SA”.
25. A ré enviou a BB uma carta, datada de 17 de Novembro de 2005,
recepcionada no dia 18 de Novembro do mesmo ano, através da qual
comunicou ao Sr. BB, gerente da requerente, que uma assembleia geral
se realizaria, em 21 de Novembro de 2005, às 10h00, cujo ponto único
da ordem de trabalhos era a deliberação da destituição de gerente do Sr.
BB; acrescentando que ele poderia estar presente “na qualidade de
gerente da sociedade e nela participar ao abrigo do disposto nos art.
248º/1 e 379º/4, ambos do CSC” (conforme documento 12).
26. Tal assembleia geral veio efectivamente a ser realizada, no dia 21
de Novembro de 2005, às 10 horas, tendo sido deliberada a destituição
de gerente do autor BB, com o voto único favorável da sócia DD-"I...
SA”.
27. Os sócios da autora eram titulares de uma patente europeia e da
marca registada “E...”.
28. A referida patente e a aludida marca referem-se a material de
construção civil consistente em “caixa de plástico para lajes
fungiformes”.
29. Foi atribuída uma menção honrosa, numa feira internacional de

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construção e obras públicas, denominada “T... 0...”, à aqui ré, pelo


produto “cofragem plástica para lajes fungiforme”.
30. Aquando das negociações, referidas em 6., pretendia conciliar-se o
conhecimento da sociedade DD-"I..., SA”, no fabrico e execução de
moldes, com o «know how» da autora na criação de materiais de
construção inovadores, no sector da construção civil.
31. Um dos objectivos do projecto comum, referido em 6., consistia no
fabrico e comercialização do produto, a que se reportam a patente e a
marca, mencionadas em 34.
32. A sociedade DD-"I..., SA” tem uma avença com a ré, de acordo
com a qual esta se obrigou a pagar àquela € 500, por mês.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o


Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o
objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do
mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem
prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no
preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º,
664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão do cumprimento da obrigação de entrada.
II – A questão da exclusão de um dos sócios pelo outro, nas sociedades
por quotas com dois sócios.
III – A questão da nulidade da destituição de gerente do autor.
IV – A questão da ilicitude da destituição de gerente do autor

I. DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE ENTRADA

Alega a autora sociedade que não incumpriu a obrigação de entrada,


desde logo, porque ficou acordado que o pagamento das entradas seria
diferido, nos termos do disposto pelo artigo 203°, nº 1, do Código das
Sociedades Comerciais (CSC).
Ficou demonstrado, neste particular, que as sociedades DD-"I..., SA” e
a autora AA-"E..., Lda.”, constituíram, por escritura pública outorgada,
em 9 de Outubro de 2002, a sociedade comercial “CC-C..., Lda”, ora
ré, cujo capital social de cento e cinquenta mil euros foi distribuído por
ambas, de modo a que uma quota, no valor de cem mil euros, ficasse a
pertencer à sócia DD-"I..., SA”, e uma outra quota, no valor de
cinquenta mil euros, à sócia AA-"E..., Lda”, sendo certo que esta teria
de realizar a sua parte no capital social, por força do artigo 4° do
respectivo pacto social, até 30 de Junho de 2005.
Entretanto, em 18 de Julho de 2005, a ré interpelou a autora para, no
prazo de trinta dias, proceder ao pagamento do capital social de sua
responsabilidade, o que esta não satisfez, pelo que, em 24 de Agosto de
2005, a ré informou a autora, por correio registado, do incumprimento e
das consequências que dele poderiam advir, designadamente, da perda
da sua quota, a favor da sociedade, e de todos os pagamentos realizados
por conta desta, oferecendo-lhe um novo prazo de trinta dias para
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cumprir a sua obrigação perante a sociedade.


Porém, decorrido este novo prazo de trinta dias, a autora sociedade
voltou a não efectuar qualquer pagamento, pelo que, em 27 de Outubro
de 2005, recebeu uma comunicação relativa à convocação de uma
assembleia geral da ré, a realizar no dia 16 de Novembro de 2005, pelas
10h00, de cuja ordem de trabalhos constava a deliberação sobre a sua
exclusão de sócio pela não realização da obrigação de entrada, no prazo
máximo previsto na Lei e no pacto social.
Assim sendo, atendendo à matéria de facto fixada pelas instâncias, a
que este Supremo Tribunal de Justiça, em princípio, deve obediência,
com base no estipulado pelos artigos 722º, nº 2, 729º, nº 2 e 712, nº 6,
todos do CPC, e de que a presente situação não constitui excepção,
ficou demonstrado que a autora AA-"E..., Lda.” teria de realizar a sua
parte do capital social, em virtude da sua participação como sócia no
capital social da ré, no valor de cinquenta mil euros, até 30 de Junho de
2005, mas que não satisfez, não obstante ter sido interpelada por esta,
em 18 de Julho de 2005, para, no prazo de trinta dias, proceder ao
pagamento do capital social de sua responsabilidade, e, em 24 de
Agosto de 2005, com a concessão de um novo prazo de trinta dias, até
que foi convocada a realização de uma assembleia geral, para o dia 16
de Novembro de 2005, pelas 10h00, de cuja ordem de trabalhos
constava a deliberação sobre a sua exclusão de sócio, pela não
realização da obrigação de entrada, no prazo máximo previsto na lei e
no pacto social.
O capital social constitui uma importância fixada no contrato de
sociedade, formada pelo total das entradas dos sócios.
E as entradas dos sócios para a formação do capital social, que se
traduzem na transferência da propriedade ou de outros direitos, são
actos de transmissão, por parte dos sócios, e de aquisição, por parte da
sociedade (2).
Efectivamente, estipula o artigo 20º, a), do CSC, que “todo o sócio é
obrigado a entrar para a sociedade com bens susceptíveis de penhora
ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria”,
por forma a que, de acordo com o respectivo artigo 25º, nº 1, o valor da
entrada em dinheiro ou em espécie, de cada um dos sócios, iguale o
valor nominal da sua participação social.
E isto porque tal montante é necessário para a prossecução da
actividade social, quer no interesse da sociedade, quer da protecção dos
credores sociais (3), sendo certo que a sociedade não se compadece
com a existência de créditos seus sobre os sócios para a realização das
entradas, antes pressupõe a efectivação destas, com a respectiva
colocação dos bens à disposição da sociedade (4).
A propósito do «tempo das entradas», dispõe o artigo 26º, do CSC, que
“as entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da
celebração do contrato de sociedade, sem prejuízo de estipulação
contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em
dinheiro, nos casos e termos em que a lei o permita”, acrescentando o
artigo 203º, do mesmo diploma legal, em relação às sociedades por
quotas, que interessa ao caso decidendo, no seu nº 1, que “o pagamento

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das entradas que a lei não mande efectuar no contrato de sociedade ou


no acto de aumento de capital só pode ser diferido para datas certas ou
ficar dependente de factos certos e determinados; em qualquer caso, a
prestação pode ser exigida a partir do momento em que se cumpra o
período de cinco anos sobre a celebração do contrato ou a deliberação
de aumento de capital ou se encerre prazo equivalente a metade da
duração da sociedade, se este limite for inferior”, sendo certo que,
estatui ainda o respectivo nº 3, “não obstante a fixação de prazos no
contrato de sociedade, o sócio só entra em mora depois de interpelado
pela sociedade para efectuar o pagamento, em prazo que pode variar
entre 30 e 60 dias”.
Assim sendo, as importâncias diferíveis, relativamente às sociedades
por quotas, integrar-se-ão nos prazos estabelecidos no contrato de
sociedade, os quais só podem ser adiados para datas precisas ou ficar
dependentes de factos certos e determinados, independentemente de
poderem ser exigidas, em qualquer caso, logo que se cumpram cinco
anos sobre a data do contrato, ou metade da duração da sociedade, se
este limite for inferior a cinco anos.
Ora, sendo lícita a cláusula pela qual o cumprimento da obrigação de
entrada, na parte diferível, seja reportado para certa data que,
expressamente, ficou a constar do pacto social da ré, a autora não
cumpriu o acordado e incorreu em mora, após, devidamente,
interpelada para efectuar o pagamento, sem o ter satisfeito.
E, não tendo a autora, na qualidade de devedora, demonstrado o
cumprimento da obrigação de entrada, como lhe competia, por força do
estipulado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil (CC), incorre nas
consequências desvantajosas daí advenientes (5).

II. DA EXCLUSÃO DE UM DOS SÓCIOS PELO OUTRO NAS


SOCIEDADES POR QUOTAS DE DOIS SÓCIOS

Sustenta a autora sociedade que sendo a ré constituída apenas por dois


sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo
Tribunal, e não, como aconteceu, através de mera deliberação social.
Como já se disse, o CSC prevê, sob certas condições, o diferimento da
obrigação de entradas em dinheiro, ao mesmo tempo que consagra
mecanismos que asseguram o seu cumprimento, como acontece,
designadamente, e nas sociedades por quotas, com a possibilidade da
exclusão do sócio que, depois de interpelado, não efectuar, dentro do
prazo fixado, a prestação a que está obrigado, nos termos das
disposições combinadas dos artigos 203º, nº 3 e 204º, nº 1, daquele
diploma legal.
Com efeito, preceitua o artigo 241º, do CSC, no seu nº 1, que “um
sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na
presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu
comportamento fixados no contrato”.
A exclusão do sócio consiste na perda da sua participação na sociedade,
quer por deliberação desta, fundada em caso previsto na lei ou em
casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no
contrato, quer por sentença judicial, baseada em facto contemplado por
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lei.
O direito de exclusão do sócio é uma consequência necessária da
própria estrutura da sociedade, como um contrato de fim comum, como
uma organização económica que se deseja estável, no interesse geral e
dos próprios sócios, mas que resulta prejudicada com a actuação do
sócio que não cumpre os seus deveres sociais, pondo em perigo o seu
normal desenvolvimento, ao mesmo tempo que evita a sua extinção
para a sua prossecução (6).
Assim sendo, um sócio pode ser excluído da sociedade quando se
verificar um facto que, para esse efeito, esteja previsto na lei aplicável
às sociedades por quotas, que aqui interessa analisar, ou, no contrato,
em conformidade com o prescrito pelo artigo 241º, nº 1, do CSC.
Ora, o artigo 204º, do CSC, preceitua que, se o sócio não efectuar, no
prazo fixado na interpelação, a prestação de entrada a que está
obrigado, deve a sociedade avisá-lo, por carta registada, de que, a partir
do trigésimo dia subsequente à recepção da mesma, fica sujeito a
exclusão e a perda total ou parcial da quota, podendo a sociedade
deliberar a sua exclusão, se o pagamento não for efectuado nesse prazo.
Trata-se, na verdade, de uma deliberação vinculada, cujos pressupostos
são a mora no cumprimento da prestação, o aviso feito ao sócio, nos
termos do disposto pelo artigo 204º, nº 1, do CSC, e a não efectivação
da prestação em dívida, até à data da deliberação.
Porém, a deliberação dos sócios pode ser tomada, por maioria simples,
quando o pacto social não disponha de maneira diferente, pois que a lei
não exige a maioria qualificada para esse efeito, respeitando antes a
maioria aos votos e não ao número de sócios, por não haver na lei
nacional qualquer preceito que aponte para este sistema da maioria dos
sócios, que para certas sociedades e nalguns países tem sido
considerado mais adequado às hipóteses de exclusão (7) .
Contudo, a propósito do contrato de sociedade, sob a forma civil, o
artigo 1005º, do Código Civil, depois de, no seu nº 1, preceituar que “a
exclusão [de um sócio] depende do voto da maioria dos sócios, não
incluindo no número destes o sócio em causa, e produz efeitos
decorridos trinta dias sobre a data da respectiva comunicação ao
excluído”, acrescenta, no respectivo nº 3, que “se a sociedade tiver
apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser
pronunciada pelo tribunal”.
A isto acresce que, no que concerne às sociedades em nome colectivo,
preceitua o artigo 186º, nº 3, do CSC, que “se a sociedade tiver apenas
dois sócios, a exclusão de qualquer deles, com fundamento nalgum dos
factos previstos nas alíneas a) [quando lhe seja imputável violação
grave das suas obrigações para com a sociedade, designadamente da
proibição de concorrência prescrita pelo artigo 180º, ou quando for
destituído da gerência com fundamento em justa causa que consista em
facto culposo susceptível de causar prejuízo à sociedade] e c) [quando,
sendo o sócio de indústria, se impossibilite de prestar à sociedade os
serviços a que ficou obrigado] do nº 1, só pode ser decretada pelo
tribunal”, enquanto que, a propósito da destituição de gerentes em
sociedades por quotas, dispõe o artigo 257º, nº 5, do mesmo diploma

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legal, que “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da


gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser
decidida em acção intentada pelo outro”.
Por via de regra, o facto de uma sociedade ter apenas dois sócios não
obsta a que sejam tomadas deliberações sociais, por maioria
correspondente aos votos atribuídos a um deles, nem que um só dos
sócios tenha o direito de voto, estando o outro impedido de votar, como
acontece com o sócio remisso, no caso concreto, nos termos do
estipulado pelo artigo 251º, nº 1, d), do CSC, sendo certo que a
adopção por regime diverso, relativamente à exclusão de um sócio, em
sociedades de dois sócios, pressupõe a existência de razões especiais.
Contudo, resulta do teor das disposições legais dos artigos 1005º, nº 3,
do Código Civil, 186º, nº 3 e 257º, nº 5, do CSC, acabadas de
transcrever, uma orientação legislativa no sentido de proteger o sócio
excluendo, forçando o outro a usar a via judicial, que se poderia tornar
extensível à exclusão de sócios de sociedades por quotas.
De todo o modo, quando a causa de exclusão se encontra,
especificamente, enunciada na lei e esta estabelece os termos que lhe
devem corresponder, como acontece com a exclusão do sócio remisso,
consagrada pelo artigo 204º, do CSC, que se não compadecem com a
exclusão pela via judicial, está vedado o recurso à propositura de uma
acção em Tribunal (8) .
Porém, a autora sociedade, nas suas alegações de revista, sustenta que
das disposições legais acabadas de considerar decorre uma lacuna na
regulamentação da exclusão judicial do sócio, em caso de sociedades
por quotas com apenas dois sócios, que o intérprete deve preencher,
recorrendo à analogia, já que, quer num caso, quer no outro, se justifica
que o sócio não excluendo ou o sócio não destituendo sejam forçados a
recorrer à via judicial.
A lacuna convocada pela autora contende com o domínio das lacunas
da lei, cuja principal categoria consiste nas lacunas teleológicas que,
quando latentes ou ocultas, se traduzem na ausência de uma disposição
excepcional ou de uma disposição especial para uma subcategoria de
casos, respeitando à «ratio legis» da norma, que é o domínio de eleição
da analogia, que aqui serve tanto para determinar a existência de uma
lacuna, como para proceder ao respectivo preenchimento (9).
Dispõe o artigo 241º, nº 1, do CSC, já transcrito, que “um sócio pode
ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei,
bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu
comportamento fixados no contrato”.
A referência que este normativo faz à «presente lei» deve ser entendida
como a lei aplicável às sociedades por quotas, nas quais, como é óbvio,
a exclusão do sócio não pode basear-se no disposto pelo artigo 1003º,
do Código Civil, que se refere, especificamente, às sociedades sob a
forma civil, quer com o fundamento na analogia, quer com o recurso ao
carácter subsidiário do Código Civil, com base no disposto pelo artigo
2º, do CSC, porquanto inexiste qualquer lacuna, neste último diploma
legal, que, nos seus artigos 241º e 242º, contém uma regulamentação
completa e independente do instituto da exclusão de sócios.

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Aliás, ao contrário do que acontece na hipótese do artigo 240º, nº 1, do


CSC, onde se diz que “um sócio pode exonerar-se da sociedade nos
casos previstos na lei e no contrato…”, já o artigo 241º, nº 1, do mesmo
diploma legal, diz que “um sócio pode ser excluído da sociedade nos
casos e termos previstos na presente lei…”, o que significa que existem
termos diversos correspondentes a distintas espécies previstas na lei,
como acontece com o disciplinado pelo artigo 186º, nº 3, do CSC, já
citado, a propósito das sociedades em nome colectivo (10).
Assim sendo, atendendo à factualidade que ficou demonstrada, a causa
de exclusão analisada, que tem por fundamento a falta de cumprimento
da obrigação de entrada pelo sócio remisso, é uma cláusula legal,
especificamente, enunciada, e não contratual, que opera, validamente,
por deliberação dos sócios, sem necessidade do instrumento da
sentença judicial, não obstante a existência de uma sociedade por
quotas, constituída por dois sócios, e em que um deles propõe uma
acção contra o outro, sendo, consequentemente, lícita a exclusão da
autora sociedade, na sequência da deliberação social promovida pela ré.
Não ocorre, assim, o vício da nulidade ou da anulabilidade da
deliberação social impugnada, atento o preceituado pelos artigos 56º, nº
1, c) e d) e 58º, nº 1, a) e b), ambos do CSC.

III. DA NULIDADE DA DESTITUIÇÃO DO GERENTE

O autor sustenta, por seu turno, que a deliberação que o destituiu da


gerência da ré é nula, porquanto a respectiva convocatória não cumpre
o preceituado pelo artigo 248°, nº 3, do CSC, segundo o qual a
convocação das assembleias gerais deve ser feita, por meio de carta
registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias.
Voltando à matéria de facto que ficou consagrada, com vista à decisão
desta questão, importa registar que ficou estabelecido, no pacto social
de constituição da ré, que a gerência desta seria exercida, por EE e FF,
em representação da sócia DD-"I..., SA”, e pelo ora autor, BB, em
representação da sócia, aqui autora, AA-"E..., Lda”.
Porém, a ré enviou ao autor uma carta, datada de 17 de Novembro de
2005, recepcionada por este, no dia 18 de Novembro seguinte, através
da qual lhe comunicou que se realizaria, em 21 de Novembro de 2005,
às 10h00, uma assembleia geral, cujo ponto único da ordem de
trabalhos seria a deliberação da sua destituição de gerente,
acrescentando que ele poderia estar presente, “na qualidade de gerente
da sociedade e nela participar ao abrigo do disposto nos art. 248º/1 e
379º/4, ambos do CSC”.
A aludida assembleia geral veio, efectivamente, a ter lugar, na data para
que fora convocada, tendo sido deliberada a destituição de gerente do
autor, com o voto único favorável da sócia DD-"I... SA”.
A sociedade por quotas está dotada de uma gerência, composta por uma
ou mais pessoas singulares, com capacidade jurídica plena, que podem
ou não ser sócios, designados no contrato de sociedade ou eleitos,
posteriormente, por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no
contrato outra forma de designação, a quem compete administrar e
representar a sociedade, nos termos das disposições combinadas dos
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artigos 252º, nºs 1 e 2 e 259º a 262º-A, todos do CSC.


No que respeita à convocação das assembleias gerais nas sociedades
por quotas, preceitua o artigo 248º, nº 3, do CSC, que “a convocação
das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita
por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de
quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam
outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo”.
Por seu turno, a deliberação social proferida em assembleia geral
consiste no acto da sociedade pelo qual, através dos seus órgãos
competentes, exprime uma declaração de vontade destinada à produção
de certos efeitos jurídicos e constitui um procedimento que se inicia
com a convocação da mesma, de que a parte geral do CSC não se
ocupa, relegando-a para a disciplina institucional dos diferentes tipos
sociais, sendo certo que traduz um vício de forma gerador de nulidade a
tomada de deliberações pelos sócios “…em assembleia geral não
convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou
representados”, nos termos do disposto pelo artigo 56º, nº 1, a), do
mesmo diploma legal.
Porém, as formalidades exigidas por lei ou pelo contrato para a
convocação de assembleias gerais tutelam interesses dos sócios e não
interesses de terceiros, em especial, num tipo de sociedade como a
sociedade por quotas, em que a assembleia de sócios é convocada por
carta registada, dirigida a cada um dos sócios e em que é admitida a
forma de deliberação, através de voto escrito, tendo, portanto, a
convocação a função social interna de habilitar os sócios a participarem
na formação da deliberação (11).
Com efeito, competindo à gerência a administração e a representação
da sociedade e a qualquer dos gerentes a convocação das assembleias
gerais, é manifesto que estes não são os destinatários da convocatória,
cujas formalidades, a que se reporta o artigo 248º, nº 3, do CSC, só têm
de ser observadas, em relação aos sócios e não aos gerentes.
É que o gerente de uma sociedade é o titular de um órgão duma pessoa
colectiva, eleito pelos respectivos sócios, e com poderes para a
administrar e representar perante terceiros, cujos actos são, em si
mesmo, e não apenas nos seus efeitos, imputados à sociedade.
Não ocorre, portanto, a arguida nulidade da convocação da assembleia
geral que destituiu o autor das funções de gerente da ré.

IV. DA ILICITUDE DA DESTITUIÇÃO DO GERENTE

Defende, igualmente, o autor que a deliberação que o destituiu da


gerência da ré é ainda ilícita, por não ter sido obtida pela via judicial e,
com justa causa, sendo certo que é titular de um direito especial à
gerência, criado pelo pacto social.
Preceitua o artigo 257º, do CSC, no seu nº 1, que “os sócios podem
deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes”, acrescentando o seu
nº 2 que “o contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de
destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a
destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por
maioria simples”, e o respectivo nº 3 que “a cláusula do contrato de
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sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não


pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio…”.
Assim sendo, vale, nesta matéria, o princípio geral da liberdade da
destituição dos gerentes, em qualquer momento, independentemente da
existência de justa causa, em consequência de deliberação tomada em
assembleia geral ou por voto escrito, por acto unilateral e discricionário
dos sócios.
Aliás, mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, como acontece
no caso em apreço, o princípio da livre revogabilidade do mandato dos
gerentes não conhece restrições, sendo certo que o recurso à acção
judicial apenas se torna necessário para a prova do fundamento da justa
causa da destituição do gerente, em conformidade com o preceituado
pelo nº 5, do artigo 257º, do CSC(12).
Efectivamente, só é de excluir o princípio da discricionaridade na
destituição do gerente, quando o pacto social confia a um sócio um
direito especial à gerência, hipótese em que a destituição tem de ser
efectuada, por via judicial, e com fundamento em justa causa (13).
Porém, a existência de justa causa da destituição do gerente de
sociedade por quotas, permite que a deliberação dos sócios seja
tomada, por maioria simples, enquanto que a sua inexistência pode ser
compatível com idêntica deliberação, a menos que o contrato de
sociedade imponha uma maioria qualificada ou a presença de outros
requisitos.
Retornando ao caso concreto, importa referir que não ficou
demonstrada a existência de justa causa da destituição do autor, cujo
ónus competia à ré, na qualidade de facto impeditivo do direito à
indemnização do gerente destituído, nos termos do disposto pelos
artigos 257º, nº 7, do CSC, e 342º, nº 2, do Código Civil (14), nem a
obrigatoriedade de uma maioria qualificada ou a presença de outros
requisitos impostos pelo contrato de sociedade.
Porém, a inexistência de justa causa apenas releva para efeitos do
direito a indemnização, não tendo qualquer repercussão quanto à
aplicação do princípio da livre discricionaridade da destituição do
gerente.
Com efeito, o princípio geral da liberdade da destituição dos gerentes
visa satisfazer o interesse da sociedade, baseando-se na necessidade da
manutenção de uma relação de confiança desta com aqueles, mas sem
implicar o completo sacrifício dos interesses pessoais do gerente,
representando a obrigação de indemnização a contrapartida desse
direito e a compensação pelos prejuízos resultantes da quebra de
mandato conferido aos gerentes, de modo que ou a destituição se funda
em justa causa ou sujeita a ré-sociedade ao pagamento de uma
indemnização (15).
Então, a indemnização devida ao gerente destituído, sem justa causa,
deverá ter subjacente a existência de prejuízos, como resulta dos
princípios gerais, em matéria de responsabilidade civil, ou seja, dos
prejuízos correspondentes aos ganhos esperados e aos danos não
patrimoniais, em particular, quando seja atingido na sua dignidade
pessoal e profissional.

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Afastado que está o princípio da reconstituição natural, a que se reporta


o artigo 562º, que seria um contrasenso em relação ao princípio da livre
destituição, deve recorrer-se à forma subsidiária da indemnização em
dinheiro, consagrada pelo artigo 566º, ambos do Código Civil, que tem
como medida, nos termos do respectivo nº 2, “…a diferença entre a
situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser
atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não fossem os danos”.
Contudo, como foi decidido pelo acórdão recorrido e, neste particular,
sem impugnação do autor, este, a quem cabia o respectivo ónus, nada
demonstrou quanto à existência de danos sofridos, porquanto, muito
singelamente, nada alegou a este propósito.
E, assim, o incumprimento pelo autor deste ónus de alegação da
verificação dos danos inviabiliza a condenação da ré no pagamento da
indemnização peticionada, porquanto o dano não é consequência
necessária da destituição sem justa causa (16).
A isto acresce que a designação do gerente no pacto social, como
aconteceu em relação ao autor, não implica, em caso de destituição,
qualquer alteração ao mesmo, sendo certo que constituem realidades
distintas a atribuição ao sócio de um direito especial à gerência e a
mera indicação dos gerentes iniciais, no contrato de constituição da
sociedade, a que alude o nº 3 do artigo 257º, do CSC (17).
De facto, não só o autor, enquanto gerente da ré, não era sócio da
mesma, como, ao invés, o sócio pode não ser gerente e, finalmente, a
designação no pacto de um sócio, o que não era a situação do autor,
como gerente não lhe concede o valor de uma clausula estatutária que
lhe atribui um direito especial à gerência, mas antes obedece a um
propósito de facilitar a sua nomeação inicial, evitando-se um processo
autónomo de designação e de inscrição no registo comercial.
Assim sendo, a deliberação que destituiu o autor da gerência da ré é
lícita, e, potencialmente, geradora de responsabilidade civil da ré, por
ter ocorrido sem se haver demonstrado a justa causa, não carecendo de
ser obtida pela via judicial, sendo certo que, por não ser sócio da ré,
não é titular de um direito especial à gerência.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das
alegações de revista dos autores.

CONCLUSÕES:

I - Sendo lícita a cláusula que deferia parte do cumprimento da


obrigação de entrada que competia ao sócio, para certa data, este
incorre em mora, após, devidamente, interpelado para efectuar o
pagamento, e nas consequências desvantajosas daí advenientes.
II - A deliberação dos sócios, relativamente a prestação de entradas,
pode ser tomada, por maioria simples dos votos e não do número de
sócios, quando o pacto social não disponha de maneira diferente, pois
que a lei não exige a maioria qualificada para esse efeito.
III - Está vedado o recurso à propositura de uma acção em Tribunal
quando a lei estabelece que a causa de exclusão do sócio, como
acontece com sócio remisso, não é impugnável pela via judicial.
IV - A falta de cumprimento da obrigação de entrada pelo sócio
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remisso constitui uma cláusula de exclusão legal, especificamente,


enunciada, e não contratual, que opera, validamente, por deliberação
dos sócios, sem necessidade do instrumento da sentença judicial, não
obstante tratar-se de uma sociedade por quotas constituída por dois
sócios, um dos quais propôs uma acção contra o outro.
V - As formalidades exigidas por lei ou pelo contrato para a
convocação de assembleias gerais tutelam interesses dos sócios e não
interesses de terceiros, em especial, num tipo de sociedade como a
sociedade por quotas, tendo, portanto, a convocação a função social
interna de habilitar os sócios a participarem na formação da
deliberação, e não os gerentes, que não são os destinatários da
convocatória.
VI – O princípio geral da liberdade da destituição dos gerentes, em
qualquer momento, em consequência de deliberação tomada em
assembleia geral ou por voto escrito, por acto unilateral e discricionário
dos sócios, é independente da existência de justa causa, excepto quando
o pacto social confia a um sócio um direito especial à gerência,
hipótese em que a destituição tem de ser efectuada, por via judicial, e
com fundamento em justa causa.
VII - Mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, o princípio da
livre revogabilidade do mandato dos gerentes não conhece restrições,
sendo certo que o recurso à acção judicial apenas se mostra necessário
para a prova do fundamento da justa causa da destituição do gerente.
VIII - A inexistência de justa causa da destituição do gerente de
sociedade por quotas é compatível com a deliberação dos sócios,
tomada por maioria simples, a menos que o contrato de sociedade
imponha uma maioria qualificada ou a presença de outros requisitos.
IX - A inexistência de justa causa da destituição do gerente-autor
destituído, cujo ónus competia à ré, na qualidade de facto impeditivo
do direito à indemnização daquele, apenas releva para efeitos do direito
à indemnização, não tendo qualquer repercussão quanto à aplicação do
princípio da livre discricionaridade da destituição do gerente.
X - A indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa
deverá ter subjacente a existência de prejuízos correspondentes aos
ganhos esperados e aos danos não patrimoniais sofridos, porquanto não
é consequência necessária da destituição sem justa causa.
XI - A deliberação que destitui o autor da gerência da ré é lícita, e,
potencialmente, geradora de responsabilidade civil da ré, quando ocorre
sem se haver demonstrado a justa causa, não carecendo de ser obtida
pela via judicial, não sendo o mesmo titular de um direito especial à
gerência, por não se tratar de sócio da ré.

DECISÃO (18) :

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª


secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista,
confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

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Custas da revista, a cargo dos autores.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 26 de Outubro de 2010.

Helder Roque (Relator)


Sebastião Póvoas
Moreira Alves
____________________________________
(1) Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Sebastião Póvoas; 2º Adjunto: Conselheiro
Moreira Alves.
(2) Alexandre Soveral Martins, Da personalidade e Capacidade Jurídicas das Sociedades
Comerciais, Estudos de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 75 e 76.
(3) Brito Correia, Direito Comercial, 2º volume, 1987, 292.
(4) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª reimpressão da 2ª edição de 1989, 136.
(5) Pereira Coelho, Obrigações, 1967, 215; Pessoa Vaz, Obrigações, 1966, 34.
(6) Brito Correia, Direito Comercial, 2º volume, 1987, 459; Avelãs Nunes, O Direito de Exclusão
de Sócios nas Sociedades Comerciais, 1968, 23 e ss.
(7) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, I, 2ª
reimpressão da 2ª edição de 1989, 159.
(8) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, II, 2ª
reimpressão da 1ª edição de 1989, 58.
(9) Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13ª reimpressão, 2002,
196 e 197.
(10) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, II,
2ª reimpressão da 1ª edição de 1989, 50 e 51.
(11) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, II,
2ª reimpressão da 1ª edição de 1989, 195.
(12) STJ, de 4-12-1996, BMJ nº 462, 441.
(13) STJ, de 23-6-1992, BMJ nº 418, 793.
(14) STJ, de 1-6-1999, BMJ nº 479, 634; STJ, de 9-7-1998, BMJ nº 488, 361; STJ, de 27-10-1994,
CJ (STJ), Ano II, T3, 112.
(15) Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, III,
2ª reimpressão da 1ª edição de 1989, 104 e 118.
(16) STJ, de 1-6-1999, BMJ nº 479, 634; STJ, de 20-1-1999, BMJ nº 483, 176; e STJ, de 27-10-
1994, CJ (STJ), Ano II, T3, 112, já citados; em sentido contrário, Pinto Furtado, Curso de Direito
das Sociedades, 4ª edição, 2001, 368, para quem “nas sociedades por quotas, existe o dever de
indemnizar o destituído, sempre que este não tenha provado danos sofridos”, o que, no caso
decidendo, resulta estéril, porquanto o autor deixou cair o pedido de indemnização, nas sua
alegações de revista para esse STJ.
(17) Vaz Serra, RLJ, Ano 108º, 170; STJ, de 14-3-1991, BMJ nº 405º, 496.
(18) Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Sebastião Póvoas; 2º Adjunto: Conselheiro
Moreira Alves.

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