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Psicologia & Sociedade, 30, e200112

NOTAS DESOBEDIENTES: DECOLONIALIDADE E A


CONTRIBUIÇÃO PARA A CRÍTICA FEMINISTA À CIÊNCIA
DISOBEDIENT NOTES: DECOLONIALITY AND THE CONTRIBUTION TO
THE FEMINIST CRITIQUE OF SCIENCE
NOTAS DESOBEDIENTES: DECOLONIALIDAD Y LA CONTRIBUCIÓN A
LA CRÍTICA FEMINISTA A LA CIENCIA
http://dx.doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30200112

Vívian Matias dos Santos1


1
Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE, Brazil

Resumo
Este escrito busca compartilhar reflexões, tensionamentos e intenções que o contato com o pensamento decolonial
pode provocar nos estudos sobre gênero e ciência, significando um possível movimento de insubmissão capaz
de potencializar a crítica feminista à ciência. Os caminhos aqui percorridos pelas ideias são produzidos pela
imersão no pensamento decolonial, por meio de pesquisa bibliográfica, em confronto com uma trajetória de
pesquisas realizadas sobre as expressões da discriminação de gênero nas universidades e na Política de Ciência,
Tecnologia & Inovação no contexto do Nordeste brasileiro. Como maior contribuição, traz para o centro do
debate a desobediência epistêmica como necessária à crítica feminista - como contraposição não somente
ao sexismo de modo abstrato, mas que o compreenda como parte indissociável das relações raciais, étnicas,
econômicas e epistêmicas.
Palavras-chave: decolonialidade; crítica feminista à ciência; desobediência epistêmica.

Resumen
Este escrito busca compartir reflexiones, tensiones e intenciones que el contacto con el pensamiento decolonial
puede provocar en los estudios sobre género y ciencia, significando un posible movimiento de insumisión capaz
de potenciar la crítica feminista a la ciencia. Los caminos aquí transitados por las ideas son producidos por la
inmersión en el pensamiento decolonial, por medio de investigación bibliográfica, en confrontación con una
trayectoria de investigaciones realizadas sobre las expresiones de la discriminación de género en las universidades
y en la Política de Ciencia, Tecnología e Innovación en el Nordeste de Brasil. Como mayor contribución, aporta
al centro del debate la desobediencia epistémica como necesaria para la crítica feminista, como contraposición
no sólo al sexismo de modo abstracto, sino que lo comprenda como parte indisociable de las relaciones raciales,
étnicas, económicas y epistémicas.
Palabras clave: decolonialidad; crítica feminista a la ciencia; desobediencia epistémica.

Abstract
This paper requests to share reflections, tensions and intentions that the decolonial thought can provide in
the studies on gender and science, meaning a possible movement of insubmission capable of fortification the
feminist critique of science. In this, the ideas are produced by the bibliographical research on decolonial thinking
in contrast with a trajectory of previous researches on gender discrimination in the universities and Policy of
Science, Technology & Innovation in the Northeast of Brazil. As a principal contribution, it puts epistemic
disobedience as necessary to feminist critique - as contraposition to sexism only in an abstract way, but to
understand it as an inseparable part of racial, ethnic, economic, and epistemic relations.
Keywords: decoloniality; feminist critique of science; epistemic disobedience.

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Santos, V. M. (2018). Notas desobedientes: decolonialidade e a contribuição para a crítica feminista à ciência.

Um movimento de insubmissão veio a ideia de uma ciência gendrada e a aposta no


gênero como individual, estrutural, simbólico e
sempre assimétrico (Harding, 1996). Nesta imersão,
Este escrito move-se como inquietude, tentativa
mesmo quase restrita aos pensamentos feministas do
de reconstrução das noções sobre como relações
centro, já foi possível um entendimento de que as
discriminatórias alicerçam saberes reconhecidos como
estratégias teórico-analíticas para crítica ao sexismo
sendo científicos. Ele é construído como possível
poderiam ser úteis também ao estudo dos alicerces
movimento de insubmissão capaz de potencializar a
racistas, cisheteronormativos e burgueses da ciência
crítica feminista à ciência.
hegemônica no Ocidente.
Antes de adentrarmos nas especificidades
Todavia, não obstante a imensa contribuição
do campo de reflexões aqui propostas, aposto na
crítica, percebo que, mesmo na crítica feminista,
relevância do falar sobre “de onde escrevo” e, assim,
constroem-se cânones em seu inerente movimento
evidenciar melhor algumas das questões que mobilizam
de “produção de ausências”, como diria Boaventura
os caminhos aqui percorridos pelas palavras. Cabe
de Sousa Santos (2006) – se com teorias feministas
afirmar que situar o “lugar de fala,” como contribuição
hegemônicas, já se colocava a ameaça aos alicerces
dos feminismos negros, não se reduz à postura de
(sexistas) da ciência, quais questões seriam postas pelos
partilhar experiências individuais, mas diz respeito a
pensamentos feministas periféricos, subalternizados?
explicitar experiências historicamente compartilhadas
Como e por quais caminhos estas questões seriam
por grupos localizados nas relações de poder (Ribeiro,
postas?
2017). Dialogando com feminist standpoint theory,
defendida por Patricia Hill Collins (1997), pensar em Neste sentido, aqui começo a tocar mais
“lugar de fala” significa pensar as especificidades das diretamente no que este escrito propõe: compartilhar
condições sociais que constituem as relações de poder reflexões, tensionamentos e intenções que o contato
entre diferentes grupos. com movimento decolonial proporcionou em minha
trajetória como pesquisadora feminista e periférica.
Diante desta compreensão, localizo minha
O olhar decolonial, ao questionar o projeto moderno,
escrita. Pensar meu lugar de fala significa pensar
eurocêntrico e ocidentalizante de ciência, tem se
sobre as condições de construção de pensamento e
colocado como lente capaz de denunciar e questionar
escrita. As reflexões aqui trazidas situam-se na minha
de modo complexo a sofisticação discriminatória
aproximação recente com a perspectiva decolonial,
das bases epistêmicas na ciência de forma geral
num lugar específico: sendo privilegiado – o lugar de
e, também, pode lançar uma atenção aos alicerces
uma mulher branca, jovem, cissexual; e, ao mesmo
discriminatórios nas disputas teóricas feministas que
tempo, construído como periférico – por ser proveniente
acabam por construir não somente hegemonias, mas
do semiárido nordestino, e pesquisadora atuante no
silenciamentos, apagamentos.
contexto da periferia científica global e nacional.
Então, por este caminho se deu meu contato
Nestas andanças investigativas, primeiramente,
com o “decolonial’: pelo necessário movimento de
mobilizadas pela preocupação com as desigualdades
insubmissão da crítica feminista à ciência. E meu
de gênero na produção científica e tecnológica, tanto
lugar de pensamento e escrita é também o não lugar
no âmbito das universidades, quanto na Política
produzido pelo confronto com os cânones na ciência e
de Ciência, Tecnologia e Inovação1, pude refletir
nos feminismos.
sobre como a lógica binária da “segregação sexual
territorial e hierárquica” (Schiebinger, 2001) permeia
as construções científicas2. O “giro” decolonial: aproximações históricas,
ético políticas e conceituais
Em seguida, as inquietações suscitadas por esta
preocupação inicial encontraram morada no diálogo
com a crítica feminista: não se tratava mais de buscar Penso ser importante um esforço para
apenas compreender o trabalho científico e a política desenvolver inicialmente uma discussão que permita,
científica numa perspectiva de gênero, mas de construir ao mesmo tempo, localizar a construção do decolonial
uma crítica mais profunda à ciência, questionando como movimento em disputa e apresentar alguns
a noção de “autoridade científica” em seus alicerces dos seus conceitos que, na minha leitura, parecem
sexistas. fundamentais. É, então, com este intuito que se coloca
esta seção.
Inicialmente, do diálogo com as epistemologias
feministas hegemônicas – aquelas produzidas por Como ponto de partida, é interessante considerar
feministas brancas e situadas em países centrais3 – que o pensamento decolonial emergiu como

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movimento de contraposição inerente à fundação da desprendimiento de la retórica de la modernidad y de


própria modernidade/colonialidade, como defende su imaginario imperial” (Mignolo, 2007, p. 31).
Walter Mignolo (2007), tendo ocorrido inicialmente
O “giro decolonial”, assim, não deve ser
nas Américas pela resistência do pensamento indígena
compreendido apenas como uma proposta teórica,
e afro-caribenho, e, de modo diferente, em contextos
mas como “movimento de resistência teórico e
asiáticos e africanos, num movimento de contraposição
prático, político e epistemológico, à lógica da
ao imperialismo britânico e ao colonialismo francês.
modernidade/colonialidade” (Mignolo, 2008, p.
Como produção científico-política, a “opção 249). Como movimento, a genealogia do pensamento
decolonial” (Mignolo, 2008), como posição decolonial é planetária, não se confundindo com uma
epistêmica insurgente, é uma construção do grupo abordagem restrita a indivíduos, ao contrário, encontra
de intelectuais latino-americanos/as Modernidad/ sentido em articulação com os movimentos sociais,
Colonialidad (M/C), fundado no fim dos anos 1990, especificamente nas resistências afros e indígenas.
propondo “a radicalização do argumento pós-colonial”
(Ballestrin, 2013, p. 89). Possuindo caminho distinto Descolonial ou decolonial? Sobre colonialismo e
de emergência e consolidação, esta “radicalização” colonialidade
significou a crítica à teoria pós-colonial construída na
Ásia e na África. Nos diálogos iniciais com as primeiras leituras
Como exemplo desta crítica, temos aquela no campo decolonial, percebi que em alguns escritos
ao Grupo de Estudos Subalternos, formado no sul produzidos por intelectuais que integram o grupo M/C,
asiático, nos anos de 1970. O questionamento central ao serem traduzidos para a língua portuguesa, encontra-
refere-se à suposta incoerência epistemológica se a expressão “descolonial” como aparente sinônimo
deste grupo de intelectuais que, mesmo tendo como de “decolonial”. O que pude observar é que não há um
base a contraposição ao empreendimento colonial consenso. No contexto latino-americano, por exemplo,
eurocêntrico, acaba tendo como referência principal é mais comum o uso da expressão “descolonial” nas
uma abordagem teórica cuja base epistêmica é europeia produções argentinas5. Assim, logo nas primeiras
– a categoria fundamental “subalterno” é tomada do aproximações, o decolonial demarca uma posição de
pensador marxista Antonio Gramsci. disputa epistemológica e, enquanto movimento, não é
unívoco.
Indo além, Mignolo (2007) reivindica para
o pensamento decolonial um fundamento mais Como se diferencia “descolonial” e “decolo-
genuíno “en la densa historia del pensamiento nial”? Primeiramente, é relevante pontuar que as dife-
planetario decolonial” (p. 27). Desta forma, o autor renciações postas por estes termos articulam-se como
distingue a opção decolonial da teoria pós-colonial teóricas e políticas. O decolonial encontra substância
e dos diversos estudos pós-coloniais os quais no compromisso de adensar a compreensão de que o
localiza genealogicamente como ancorados no pós- processo de colonização ultrapassa os âmbitos econô-
estruturalismo francês4. A tônica é que enquanto mico e político, penetrando profundamente a existência
genealogicamente o pensamento pós-colonial dos povos colonizados mesmo após “o colonialismo”
vincula-se às construções europeias, “la genealogía propriamente dito ter se esgotado em seus territórios.
del pensamiento decolonial es desconocida en la
O decolonial seria a contraposição à
genealogía del pensamiento europeo” (p. 41).
“colonialidade”, enquanto o descolonial seria uma
Neste campo, a expressão “giro decolonial” tem contraposição ao “colonialismo”, já que o termo
sido um modo recorrente de referência e caracterização descolonización é utilizado para se referir ao processo
do movimento decolonial com suas especificidades, histórico de ascensão dos Estados-nação após terem
empregada pela primeira vez pelo filósofo porto- fim as administrações coloniais, como o fazem
riquenho Nelson Maldonado Torres (2006), no final do Castro Gómez e Grosfoguel (2007) e Walsh (2009).
século XX. Imaginar um “giro decolonial”, mesmo que O que estes autores afirmam é que mesmo com a
cunhado inicialmente no terreno das ciências sociais descolonização, permanece a colonialidade.
latino-americanas, significa pensar o decolonial como
insurgência mais ampla em instituições modernas, a Qual seria, então, a diferença entre colonialismo
exemplo da universidade, da arte, da política (Castro-
e colonialidade?
Gómez & Grosfoguel, 2007). “El giro decolonial es la
apertura y la libertad del pensamiento y de formas de
vida-otras (economías-otras, teorías políticas-otras); Para Aníbal Quijano (1992), colonialismo diz
la limpieza de la colonialidad del ser y del saber; el respeito a uma “relação de dominação direta, política,

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Santos, V. M. (2018). Notas desobedientes: decolonialidade e a contribuição para a crítica feminista à ciência.

social e cultural dos europeus sobre os conquistados Por meio dos aspectos explorados até este ponto,
de todos os continentes.” Ainda afirma que o embora encontre uma relevante contribuição para
“colonialismo, no sentido de uma dominação política pensar a complexidade histórica das relações desiguais,
formal de algumas sociedades sobre outras, parece pude observar inicialmente uma contribuição maior
assunto do passado”6 (p. 437). para a crítica feminista quando, em contato com o
pensamento de Castro Gómez & Grosfoguel (2007),
A colonialidade é referente ao entendimento a categoria decolonialidade é compreendida como
de que o término das administrações coloniais e a uma segunda descolonização, sendo dirigida “a la
emergência dos Estados-nação não significam o fim heterarquía de las múltiples relaciones raciales, étnicas,
da dominação colonial. Há, como afirma o autor, a sexuales, epistémicas, económicas y de género que la
continuidade da estrutura de poder colonial e, portanto, primera descolonialización dejó intactas.” (p. 13).
da dominação colonial, por meio do que denomina
colonialidade sendo, então, posta a necessidade de Imaginar a indissociabilidade e a não hierarquia
um movimento teórico-político de contraposição: o entre as múltiplas relações (raciais, étnicas, sexuais,
decolonial. epistêmicas, econômicas e de gênero) mostrou-
se, na minha percepção, potente para uma intenção
Conforme Quijano (1992), a colonialidade, como mais consistente de crítica feminista à ciência e que,
permanência da estrutura de poder colonial, tem como até então, não conseguira construir nas pesquisas.
principais alicerces: a “racialização” e as intrínsecas Percebi, então, que meu olhar era (e ainda o é, mas
formas racializadas das relações de produção; o hoje movo-me para desconstruí-lo) adestrado por
“eurocentrismo”, como forma de produção e controle uma racionalidade moderna onde a compreensão
das subjetividades, das existências; a hegemonia do era a seguinte: “nesta pesquisa, minha preocupação
“Estado-nação” que, como processo intrínseco, após o é relativa às desigualdades de gênero na ciência,
colonialismo, é construído como periferia. Assim, por não tenho aqui como parte da “delimitação” do meu
estes alicerces, o empreendimento colonial permanece ‘objeto’ as questões étnicas ou raciais”.
vivo, concretizando-se como colonialidade do poder,
do saber e do ser. Hoje, a decolonialidade me fez perceber como
meus estudos eram limitados pela colonialidade, na
Então, a proposta decolonial diferencia-se da medida em que, ao construir “objetos” de investigação,
descolonial: hierarquizar e dissociar as múltiplas relações
Suprimir la “s” y nombrar “decolonial” . . . es marcar discriminatórias aparecia como esforço necessário e
una distinción con el significado en castellano del garantia de profundidade das análises.
“des”. No pretendemos simplemente desarmar,
deshacer o revertir lo colonial; es decir, pasar de un Se a “a colonialidade é o lado obscuro e necessário
momento colonial a un no colonial, como que fuera da modernidade”, sendo “sua parte indissociavelmente
posible que sus patrones y huellas desistan de existir. constitutiva” (Mignolo, 2003, p. 30), a proposta
La intención, más bien, es señalar y provocar un decolonial vai, então, desde a denúncia à colonialidade
posicionamiento –una postura y actitud continua– até a proposta de construção de um movimento
de transgredir, intervenir, in-surgir e incidir. Lo insurgente que rompa com a base epistêmica moderna.
decolonial denota, entonces, un camino de lucha Não se trata da aposta no pós-moderno. Trata-se de ir
continuo en el cual podemos identificar, visibilizar além. Significa apostar na potência da base epistêmica
y alentar “lugares” de exterioridad y construcciones
“não-moderna”, que não é sinônimo de pré-moderno8.
alternativas. (Walsh, 2009, pp. 14-15)
Para o movimento decolonial, a aposta no pós-
Portanto, o descolonial em seu significado de moderno aparece como aposta na crítica à modernidade
desfazer o colonial encontraria maior sentido como sem romper com sua base epistêmica. Considerando
contraposição ao colonialismo e não à colonialidade. que o eurocentrismo diz respeito “à hegemonia de uma
Para Grosfoguel (2005), a noção de colonialidade forma de pensar fundamentada no grego e no latim e
decorre do fato de que os processos de descolonização nas seis línguas europeias e imperiais da modernidade;
não resultam em mundos descolonizados. Para o ou seja, modernidade/ colonialidade” (Mignolo, 2008,
autor, não foi completa a primeira descolonização p. 301), questiono: A pós-modernidade em sua crítica
iniciada no século XIX pelas colônias espanholas e ao paradigma moderno rompe com a base epistêmica
no século seguinte pelas colônias inglesas e francesas. eurocêntrica hegemônica? A crítica pós-moderna
Este primeiro movimento implicou na independência reconhece a existência da colonialidade e esta se
apenas jurídico-política formal de Estados-nação contrapõe? É possível uma crítica pós-moderna à
construídos como periferia7. colonialidade?

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São questões complexas que não poderei aqui desmontar e depois relacionar sob as formas de
explorá-las uma a uma em profundidade, mas o leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade
caminho para nossas reflexões seria compreender que que nos impeça de desvendar os seus mistérios,
não há contraposição à colonialidade sem insurgência desvendamento que não é contemplativo, mas antes
ativo, já que visa conhecer a natureza para a dominar
epistêmica. e controlar. (Santos, 2005, p. 25)

Decolonialidade e a contribuição à crítica Esta analogia me permitiu a compreensão de que,


feminista no discurso de Bacon, para que houvesse a aceitação –
por parte da comunidade científica – de que era possível
Neste momento do escrito passo a tatear ideias o domínio da natureza pelo homem, a associação desta
sobre decolonialidade como um modo potente de com os estereótipos femininos foi estratégica (Matias
contribuição para a crítica feminista à ciência. Tenho, Santos, 2012) – constituía-se a ciência como domínio
num movimento de avanços e recuos, robustecido a masculino. Todavia, sem considerar a colonialidade,
aposta de que nos estudos voltados à compreensão não era possível compreender a complexidade do que
dos alicerces discriminatórios nas ciências, a noção significa afirmar que o androcentrismo é apenas um
de colonialidade pode ser decisiva para a insurgência dos aspectos discriminatórios nos fazeres científicos.
contra o paradigma europeu de conhecimento racional. A colonialidade do saber tem como base a noção
Considero importante ressaltar que a de que na dicotomia Sujeito x Objeto estabelece como
racionalidade europeia foi não apenas elaborada “no Sujeito (Humano) do conhecimento a Europa e, como
contexto de, mas como parte de uma estrutura de Objeto (Não humano), os povos colonizados e suas
poder que implicava a dominação colonial europeia expressões de existência, capturadas como “exóticas”,
sobre o restante do mundo” (Quijano, 1992, p. 444). bestiais. Autorizava-se e legitimava-se, deste modo,
A racionalidade do empreendimento europeu colonial a exploração, a escravização e o extermínio de povos
alicerça-se e é também alicerçante na/da lógica bestializados.
dicotômica moderna, cuja dicotomia central, conforme Com a feminista decolonial María Lugones
María Lugones (2014), é ‘Humano x Não humano’. (2014), pude entender que, ainda hoje, a lógica
Aqui, dicotomizar não significa apenas diferenciar, categorial dicotômica é o ponto central para o
mas marcar distinções hierarquizantes. pensamento “capitalista e colonial moderno” sobre
Análoga e inerente à dicotomia Humano x raça, gênero e sexualidade. A pensadora complexifica
Não humano, temos a dicotomia Cultura x Natureza, a noção de colonialidade de Quijano ao identificar a
Sujeito x Objeto, muito explícitas no pensamento existência do que ela denomina “Sistema Moderno
moderno de Francis Bacon, por exemplo, cujo Colonial de Gênero” como sistema binário, racializado,
empirismo constituiu-se como base hegemônica no heteronormativo e capitalista.
paradigma moderno. Para este pensador, o objetivo Para Lugones, é indispensável compreender
primeiro da ciência seria tornar possível o domínio da que, na dicotomia Humano x Não humano, havia um
natureza pelo homem. Em sua obra Novum Organum, modelo de humanidade: homem/mulher, branco/a,
desenvolve aforismos sobre a “interpretação da europeu/ia, civilizado/a, burguês/burguesa. Se a
natureza e o reino do homem”. Em seus argumentos, o “dicotomia hierárquica como uma marca do humano
homem de ciência torna-se o dominador da natureza. também tornou-se uma ferramenta normativa para
Para Bacon, “ciência e poder no homem coincidem” condenar os/as colonizados/as” (Lugones, 2014, p.
(Bacon, 1984, p. 6). 936), não se trata apenas de estabelecer “tipos ideais”,
Antes de me aproximar do pensamento mas de normatizar existências. Normatizar, pressupõe
decolonial, guiada por epistemologias feministas padronizar, disciplinar, controlar, verbos que se
hegemônicas, apenas era possível perceber que conjugam na concretude da vida por meio de violências
teorias como as formuladas por Bacon autorizaram a e até aniquilamento. Entendendo estas especificidades,
construção de saberes científicos descomprometidos pude perceber o gênero como invenção colonial
com as questões ambientais e, no máximo, conseguia organicamente vinculada à racialização sendo,
perceber a intrínseca associação entre a concepção de portanto, indissociáveis.
natureza e o que se compreende por mulher e feminino Como reflexo da pluralidade e das disputas que
no paradigma moderno. permeiam os feminismos, são diversas as abordagens
tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e e dissensos que cercam a compreensão sobre a
reversível, mecanismo cujos elementos se podem colonialidade do gênero. Numa leitura muito alinhada a

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Santos, V. M. (2018). Notas desobedientes: decolonialidade e a contribuição para a crítica feminista à ciência.

de María Lugones (2014), Oyèrónké Oyěwùmí (2004, lonialidade. Ademais, resguardadas tais distinções, o
p. 1) defende que “gênero e categorias raciais surgiram pensamento das três feministas aponta nos feminismos
durante essa época como dois eixos fundamentais hegemônicos a incapacidade de enfrentar o cisheteros-
ao longo dos quais as pessoas foram exploradas, e sexismo e o racismo, não sendo “nem eficaz nem opor-
sociedades, estratificadas”. Ou seja, gênero seria uma tuna a liderança do feminismo eurocêntrico” (Segato,
construção da modernidade colonial. 2012, p. 116).
Partindo das epistemologias africanas, Oyěwùmí No campo das epistemologias não hegemônicas,
(2004) defende a colonialidade do gênero – como o feminismo decolonial de Lugones vai ao encontro
categoria de análise e como eixo de articulação política da proposta interseccional das feministas negras11:
– ao afirmar que “apesar do fato de que o feminismo não se pode compreender a discriminação de gênero
tornou-se global, é a família nuclear9 ocidental que sem perceber a indissociabilidade entre este e raça no
fornece o fundamento para grande parte da teoria contexto capitalista e, logo, classe social. Aliás, sem o
feminista” (2004, p. 3), e a questão que deve ser posta é empreendimento colonial europeu racializado, o modo
o fato de a família nuclear não ser universal, mas “uma de produção capitalista não teria tido as condições para
forma especificamente euro-americana” (Oyěwùmí, acumulação primitiva que lhe foi condição histórica.
2004, p. 4). Hoje, a colonialidade é inerente ao capitalismo, quando
Ao desenvolver estudos sobre a sociedade Ioru- “asistimos, más bien, a una transición del colonialismo
bá, esta autora identifica e analisa a existência não ge- moderno a la colonialidad global ... De este modo,
nerificada da família Iorubá, cuja base não é conjugal preferimos hablar del ‘sistema-mundo europeo/
(como o é na família nuclear), sendo, nesta, alicerçan- euro-norteamericano capitalista/patriarcal moderno/
tes a linhagem e a idade cronológica. Ademais, ao ob- colonial’ (Grosfoguel, 2005) y no sólo del ‘sistema-
servar a matrifocalidade em muitos sistemas familiares mundo capitalista’” (Castro-Gómez & Grosfoguel,
africanos, enfatiza que “os três conceitos centrais que 2007, 13).
têm sido os pilares do feminismo, mulher, gênero e Assim, por meio do feminismo decolonial de
sororidade, são apenas inteligíveis com atenção caute- Lugones, percebemos que as contraposições ao pós-
losa à família nuclear da qual emergiram” (Oyěwùmí, colonial parecem se converter numa necessária coalizão
2004, p. 3). O gênero seria, então, uma noção alieníge- político-epistêmica entre os pensamentos produzidos
na a muitos contextos africanos. pelas resistências negra e indígenas. Situada no campo
Numa outra perspectiva, mas ainda no campo epistêmico não hegemônico, Lugones, então, (embora
da crítica à colonialidade, situam-se teóricas como se desloque dos feminismos de cor para os decoloniais)
Rita Laura Segato (2012). A antropóloga e feminista dialoga com linhas de construção teórico-política que
discorda de Lugones (2014) e Oyěwùmí (2004) perpassam também pelos feminismos negros, tal como
respaldada “por uma grande acumulação de evidências o pensamento de Patrícia Hill Collins (1997), que
históricas e relatos etnográficos que confirmam, de compreende raça, classe, gênero e sexualidade como
forma incontestável, a existência de nomenclaturas elementos da estrutura social, como legado colonial.
de gênero nas sociedades tribais e afro-americanas”
O decolonial, então, colocou-me num processo
(Segato, 2012, p. 116). Segato defende que nestas
de questionamento sobre tudo o que eu havia
sociedades já havia uma “organização patriarcal”
produzido. Como poderia pensar minhas pesquisas
antes do processo colonial, “ainda que diferente da do
diante da colonialidade do poder, do saber e do ser? De
gênero ocidental e que poderia ser descrita como um
que modos a colonialidade esteve presente nas minhas
patriarcado de baixa intensidade” (2012, p. 116).
interlocuções com epistemologias feministas centrais
Diante destas distintas posições, percebo que dis- produzidas por mulheres brancas? Com que base
putas teóricas são inelimináveis dos feminismos como epistêmica tenho dialogado? Qual a contribuição da
movimentos e como produtores de conhecimentos, e é decolonialidade para a reflexão sobre o meu lugar de
justamente nestas diferenciações e tensionamentos que fala, e como este lugar pode produzir e/ou aprofundar
também reside sua potência. Ademais, em Lugones ausências, apagamentos e silenciamentos?
(2014), Oyěwùmí (2004) e Segato (2012), embora não
haja consenso a respeito do gênero como construção A potência política Decolonial: a desobediência
derivada apenas da intrusão colonial, aparentemente,
epistêmica
é unânime entre estas autoras a compreensão de que
a violência das relações patriarcais vivenciada hoje
pelos povos afro-americanos traz as marcas do lega- Não desconsidero que há uma diferenciação
do colonial10, sendo o gênero aspecto intrínseco à co- entre os pensamentos decolonial e pós-colonial, mas

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defendo que, considerando as especificidades tanto das Uma das maiores contribuições da
construções feministas negras quanto das decoloniais, decolonialidade, assim como do pensamento feminista
a aposta deve ser uma coalizão entre os feminismos negro seria, então, convocar-nos a pensar no quanto
que impulsionam um movimento de transgressão as epistemologias hegemônicas são produtoras de
epistemológica contra-colonial. “epistemicídio”:
Por favor, deixem-me lembrar-lhes o que significa o epistemicídio é, para além da anulação e
o termo epistemologia. O termo é composto pela desqualificação do conhecimento dos povos
palavra grega episteme, que significa conhecimento, e subjugados, um processo persistente de produção
logos, que significa ciência. Epistemologia é, então, a da indigência cultural: pela negação ao acesso a
ciência da aquisição de conhecimento, que determina: educação, sobretudo de qualidade; pela produção da
(a). (os temas) quais temas ou tópicos merecem inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos
atenção e quais questões são dignas de serem feitas de deslegitimação do negro [e povos originários]
com o intuito de produzir conhecimento verdadeiro; como portador e produtor de conhecimento e de
(b). (os paradigmas) quais narrativas e interpretações rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência
podem ser usadas para explicar um fenômeno, isto é, a material e/ou pelo comprometimento da auto-
partir de qual perspectiva o conhecimento verdadeiro estima pelos processos de discriminação correntes
pode ser produzido; (c). (os métodos) e quais maneiras no processo educativo. Isto porque não é possível
e formatos podem ser usados para a produção de desqualificar as formas de conhecimento dos povos
conhecimento confiável e verdadeiro. Epistemologia, dominados sem desqualificá-los também, individual
como eu já havia dito, define não somente como, mas e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao
também quem produz conhecimento verdadeiro e em fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar
quem acreditarmos (Kilomba, 2016, pp. 10-11). o conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso
o epistemicídio fere de morte a racionalidade do
subjugado ou a seqüestra, mutila a capacidade de
O que Grada Kilomba suscita com esta fala é
aprender etc. (Carneiro, 2005, p. 97).
a necessidade da “desobediência epistêmica”. Sem
desobediência não há contraposição à colonialidade.
A desobediência epistêmica coloca-se, então,
Não havendo contraposição à colonialidade, não
como indispensável à crítica feminista à ciência,
há contraposição às múltiplas relações desiguais e
convoca-nos a uma abordagem em nossas pesquisas,
discriminatórias derivadas da dicotomia central do
capaz de, num momento inicial, permitir-nos perceber
paradigma moderno europeu – humano x não humano:
aquilo que nossa formação teórico metodológica
quem é sujeito do conhecimento x quem é dele objeto;
norte-americano e eurocentrada desconsidera. Que
quem merece ser escutado x quem deve ser silenciado;
implicações a desobediência epistêmica teria em nossos
quem merece viver x corpos, vidas que não importam.
saberes, em nossos processos de pensar e interpretar
Sem tomar essa medida e iniciar esse movimento, o real, as relações sociais? Como poderíamos pensar
não será possível o desencadeamento epistêmico e, os textos que escrevemos, as chaves analíticas
portanto, permaneceremos no domínio da oposição que construímos, os discursos que reiteramos ao
interna aos conceitos modernos e eurocentrados, imaginarmos como possibilidade a desobediência
enraizados nas categorias de conceitos gregos e latinos epistêmica?
e nas experiências e subjetividades formadas dessas
bases, tanto teológicas quanto seculares. . . . A opção A desobediência epistêmica é capaz de nos
descolonial é epistêmica, ou seja, ela se desvincula dos colocar num movimento de refazer caminhos,
fundamentos genuínos dos conceitos ocidentais e da desconstruir saberes e questionar alguns “achados” em
acumulação de conhecimento. Por desvinculamento nossas pesquisas, tal como tem me provocado. Então,
epistêmico não quero dizer abandono ou ignorância hoje, algumas questões emergem de modo a demarcar
do que já foi institucionalizado por todo o planeta .
um necessário movimento de insubmissão ao que me
. . Pretendo substituir a geo- e a -política de Estado
de conhecimento de seu fundamento na história foi apresentado como referência em minha formação
imperial do Ocidente dos últimos cinco séculos, política e acadêmica e, consequentemente, aquilo que
pela geo-política e a política de Estado de pessoas, construí como pesquisadora a partir de epistemologias
línguas, religiões, conceitos políticos e econômicos, hegemônicas.
subjetividades, etc., que foram racializadas (ou seja,
Como, ao pesquisar sobre as discriminações
sua óbvia humanidade foi negada). Dessa maneira,
por “Ocidente” eu não quero me referir à geografia de gênero na ciência, eu desconsiderei a racialização
por si só, mas à geopolítica do conhecimento. presente nos processos de construção de conhecimen-
Conseqüentemente, a opção descolonial significa, to? Por que eu não tomava como alicerçantes, nestes
entre outras coisas, aprender a desaprender”. estudos, o olhar atento para intersecção entre gênero,
(Mignolo, 2008, p. 290) raça, classe e sexualidade? Por que, ao me imaginar

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Santos, V. M. (2018). Notas desobedientes: decolonialidade e a contribuição para a crítica feminista à ciência.

como parte de meus estudos (já que investigava mu- nas realidades onde situamos nossas pesquisas, mesmo
lheres pesquisadoras assim como me tornei uma) não quando as entendemos como práticas políticas? O que
me atentei para pensar minha branquitude e os privi- seria resistência? Para Lugones (2014):
légios disso decorrentes? Como eu não percebia que A resistência é a tensão entre a sujeitificação (a
as epistemologias feministas com as quais dialogava formação/informação do sujeito) e a subjetividade
constituíam, de algum modo, um campo de hegemonia ativa, aquela noção mínima de agenciamento
dentre as infindáveis disputas e conflitos nas teorias necessária para que a relação opressão ← →
feministas? Como desconsiderei os pensamentos fe- resistência seja uma relação ativa, sem apelação ao
ministas não brancos, latino-americanos, caribenhos, sentido de agenciamento máximo do sujeito moderno.
africanos, asiáticos, oceânicos? Por que estes pensa- A subjetividade que resiste com frequência expressa-
se infrapoliticamente, em vez de em uma política do
mentos sempre eram vistos como “outros olhares”,
público, a qual se situa facilmente na contestação
diferentes, alternativos e exóticos? Por que, até este pública. Legitimidade, autoridade, voz, sentido e
momento, permanece a dificuldade de acesso a estes visibilidade são negadas à subjetividade oposicionista.
pensamentos na universidade, mesmo no campo dos A infrapolítica marca a volta para o dentro, em uma
estudos feministas e de gênero? política de resistência, rumo à libertação. Ela mostra
o potencial que as comunidades dos/as oprimidos/as
Parece-me que a resposta não é simples, mas um
têm, entre si, de constituir significados que recusam
caminho para ensaiá-la seria pensar no seguinte fato: os significados e a organização social, estruturados
nosso modo de produzir conhecimento é construído pelo poder. Em nossas existências colonizadas,
também pela mediação de nossas filiações institucionais racialmente gendradas e oprimidas, somos também
– as universidades, que, alicerçadas no processo diferentes daquilo que o hegemônico nos torna. Esta
ocidentalizante e eurocêntrico de academicização da é uma vitória infrapolítica. Se estamos exaustos/as,
pesquisa científica, fazem-nos crer que, como sujeitos completamente tomados/as pelos mecanismos micro
inseridos numa lógica de cooperação competitiva, e macro e pelas circulações do poder, a “libertação”
temos como condição para o reconhecimento dos perde muito de seu significado ou deixa de ser uma
questão intersubjetiva. (p. 940)
nossos saberes produzidos, tomarmos como referência
pensamentos e pensadores consagrados.
“Seguir” os processos de resistência à
Não é mera coincidência desconhecermos o colonialidade, inspirada pelo feminismo decolonial,
pensamento Ianomâmi, Guarani, Aymara mesmo diz respeito a perceber e pensar sobre a concretude
sendo brasileiras/os – latino-americanas/os – e que da “intersubjetividade historicizada, encarnada”, é
nossas referências advindas de outros continentes falar de “um ente relacional que resiste”. Aquilo que
sejam europeias, enquanto que os saberes alicerçados poderíamos, a depender do nosso “alinhamento”
nas epistemologias africanas são, sequer, considerados teórico-político, classificar como ações “primitivas”,
científicos, mesmo sabendo da influência de povos deste “ignorantes”, “estranhas”, “raras”, ou mesmo
continente na constituição da sociedade brasileira, esta “incognoscíveis” podem ser expressões de resistência.
que ainda repousa sobre o mito da democracia racial. Precisamos truncar e trocar as lentes pelas quais
olhamos para uma realidade que é pluriversa.
Notas inconclusas por desobediência
A resistência está no “ser-sendo” e no “estar-
sendo em relação” (Lugones, 2014). A resistência
Tenho pensado bastante em como “aprender a expõe as fraturas na colonialidade. Devemos olhar
desaprender”, em como pôr em prática uma desobedi- para estes “lócus-fraturados” e apostar que nossas
ência epistêmica em minhas pesquisas, em meus diá- pesquisas podem contribuir para um “movimento de
logos e práticas militantes. A proposta decolonial, aqui coalizão” na diferença.
destaco o pensamento de María Lugones, apresentou- É apostando neste movimento de coalização na
-me algumas construções categoriais que têm povoado diferença entre epistemologias feministas construídas
minhas ideias para a costura teórica, metodológica, éti- como subalternas, que tenho iniciado minha busca por
ca e político-investigativa. reconstruir meus olhares, compreendendo meu lugar
Em primeiro lugar, deve estar a compreensão de fala: as opressões que perpassam minha trajetória
de que a lente decolonial, diante da relação colonial como mulher pesquisadora nordestina, mas também os
opressão ← → resistência, propõe o comprometimento privilégios da branquitute e da cissexualidade ao tempo
dos nossos saberes com o fortalecimento da resistência. em que me favoreceu em minhas andanças acadêmicas
Mas, como contribuir para esta resistência à dificultou-me enxergar a interseccionalidade como
colonialidade se nem sequer conseguimos identificá-la imprescindível para a crítica feminista à ciência.

8
ARTIGOS Psicologia & Sociedade, 30, e200112

Há pouco mais de uma década, tenho pesquisado Para descolonizar o conhecimento, temos que
sobre mulheres nas ciências em contextos do Nordeste entender que todos/as nós falamos de tempos e de
brasileiro. Nestas pesquisas, buscando dialogar com lugares específicos, a partir de realidades e histórias
cientistas reconhecidas em suas áreas, encontrei específicas. Não existem discursos neutros. Quando
os acadêmicos/as brancos/as afirmam ter um discurso
mulheres brancas, cissexuais, heterossexuais e
neutro e objetivo, eles/as não estão reconhecendo que
provenientes de classes sociais mais abastadas também escrevem a partir de um lugar específico, que,
(Matias Santos, 2016). Diante deste fato, o que naturalmente, não é neutro nem objetivo, tampouco
está posto é: Poderia, após ter sido levada por estas universal, mas dominante. Eles/as escrevem a partir
derivas epistêmicas feministas não hegemônicas, de um lugar de poder. Há esta anedota: uma mulher
permanecer submissa à colonialidade? Poderia. Não Negra diz que ela é uma mulher Negra, uma mulher
apenas poderia, mas permanecer obediente e não ter o branca diz que ela é uma mulher, um homem branco
esforço de desaprender seria manter-me numa posição diz que é uma pessoa. Branquitude, como outras
“menos desconfortável”12. identidades no poder, permanecem sem nome. É
um centro ausente, uma identidade que se coloca no
Penso ser a contraposição à colonialidade, em centro de tudo, mas tal centralidade não é reconhecida
seu necessário convite à desobediência epistêmica, como relevante, porque é apresentada como sinônimo
uma grande contribuição do feminismo decolonial de humano. Em geral, pessoas brancas não se veem
para os estudos sobre gênero e ciência no Brasil. como brancas, mas sim como pessoas. A branquitude
Isso porque, tal posicionamento significa entender é sentida como a condição humana. No entanto,
é justamente esta equação que assegura que a
que não há possibilidade de construir uma crítica fe-
branquitude continue sendo uma identidade que marca
minista eficaz ao sexismo ou ao cisheterossexismo outras, permanecendo não marcada. E acreditem em
sem compreender estas opressões em sua articula- mim, não existe uma posição mais privilegiada do que
ção – e indissociabilidade – com o racismo no capi- ser apenas a norma e a normalidade. Descolonizar o
talismo. A crítica feminista não deve desconsiderar conhecimento significa criar novas configurações de
que alguns sujeitos, conceitos e teorias são hoje re- conhecimento e de poder. Então, se minhas palavras
conhecidos e consagrados às custas de práticas epis- parecem preocupadas demais em narrar posições e
temicidas. subjetividade como parte do discurso, vale a pena
relembrar que a teoria não é universal nem neutra, mas
Quem são as pessoas que se consagram no campo sempre localizada em algum lugar e sempre escrita
científico? Em que instituições foram formadas? Em por alguém, e que este alguém tem uma história.
quais instituições atuam? Para se consagrarem, quais (Kilomba, 2016, p. 17).
teorias e conceitos utilizam? Os sujeitos reconhecidos
como grandes cientistas têm suas pesquisas alicerçadas
em qual base epistêmica? Quem está ausente na Notas
produção de conhecimento científico e tecnológico?
Como se dá o processo de produção de ausências 1 Matias Santos, V. (2012) Mulheres e homens na política de
de negros e negras, indígenas, transexuais e pobres ciência e tecnologia. Fortaleza: Ed. UECE/Edmeta.
nos espaços acadêmicos? Quem está presente, mas é
invisibilizado/a? Quem tem acesso à maior parte dos 2 Pude constatar a permanência de campos disciplinares
recursos públicos de fomento à pesquisa? Como se construídos como “nichos masculinos” ou “nichos
constrói centro e periferia científica no Brasil? Como femininos” e mais: as áreas do conhecimento que angariam
maiores recursos da política científica brasileira são aquelas
o Brasil está situado no cenário científico global? construídas como “de/para/por homens”. Assim, se por um
Diante de um cenário desigual e epistemicida, como lado as mulheres já representam maioria de matrículas no
se expressa a resistência à colonialidade no cotidiano Ensino Superior brasileiro, por outro, elas ainda encontram
do trabalho científico? maiores dificuldades para atingirem níveis hierárquicos
mais elevados da carreira em pesquisa (Matias Santos,
Enfim, muitas questões sem respostas poderiam 2010). Como exemplo desta expressão da discriminação de
ainda ser construídas neste texto, já que foi escrito gênero, temos o fato de, dentre pesquisadores/as com Bolsa
como uma primeira tentativa de organização do de Produtividade em Pesquisa 1A do Conselho Nacional
pensamento em pleno processo de desestabilização de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, as
provocado pela proposta decolonial. Vendo diante mulheres terem, ao longo do período compreendido entre
os anos 2001 a 2015, uma média de 23,3% de participação
de mim um caminho desafiador e incerto, parece ser em contraposição ao elevado percentual médio de homens
a desobediência epistêmica a guia. E, não havendo bolsistas (76,7%) (Programa Mulher & Ciência, 2015).
até aqui conclusões, finalizarei este escrito não com Dados recuperados de http://cnpq.br/estatisticas1/
minha fala, mas a de Grada Kilomba – uma inspiração 3 Aqui, refiro-me aos pensamentos de feministas norte-
para insubmissão: americanas como Sandra Harding, Donna Haraway, Judith

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Santos, V. M. (2018). Notas desobedientes: decolonialidade e a contribuição para a crítica feminista à ciência.

Butler e Londa Schiebinger; e feministas europeias como por exemplo, é distinto do patriarcalismo, que por sua
Alicia Puleo, Cynthia Cockburn, Michelle Perrot, Danielle vez é diferente da opressão de classe. Na verdade, tais
Kergoat, dentre outras. sistemas, frequentemente, se sobrepõem e se cruzam,
4 Para compreender as diferenças e disputas teórico-políticas criando intersecções complexas nas quais dois, três ou
entre os pensamentos decolonial e pós-colonial, bem como quatro eixos se entrecruzam. As mulheres racializadas
a organização e construção dos distintos grupos e suas frequentemente estão posicionadas em um espaço onde o
propostas específicas, consultar: Ballestrin, L. (2013). racismo ou a xenofobia, a classe e o gênero se encontram.
América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Por consequência, estão sujeitas a serem atingidas pelo
Ciência Política, 1, 89-117. intenso fluxo de tráfego em todas essas vias. As mulheres
5 Afirmação de Alejandro De Oto, no artigo: Pensamiento racializadas e outros grupos marcados por múltiplas
descolonial/decolonial. CECIES - Proyecto diccionario opressões, posicionados nessas intersecções em virtude de
del pensamiento alternativo II. Recuperado de http://www. suas identidades específicas, devem negociar o ‘tráfego’
cecies.org/articulo.asp?id=285 que flui através dos cruzamentos. Esta se torna uma tarefa
6 Para Quijano (1992), o colonialismo, como experiência de bastante perigosa quando o fluxo vem simultaneamente de
dominação direta aparentemente já superada, tem como várias direções. Por vezes, os danos são causados quando
sucessor o imperialismo, este sendo “uma associação de o impacto vindo de uma direção lança vítimas no caminho
interesses sociais entre os grupos dominantes (classes de outro fluxo contrário; em outras situações os danos
sociais ou “etnias”) de países desigualmente colocados em resultam de colisões simultâneas. Esses são os contextos
uma articulação de poder, mais do que uma imposição a em que os danos interseccionais ocorrem - as desvantagens
partir do exterior” (p. 437). interagem com vulnerabilidades preexistentes, produzindo
uma dimensão diferente do desempoderamento”.
7 “Las nuevas instituciones del capital global, tales como el
Fondo Monetario Internacional (FMI) y el Banco Mundial 12 Aqui, a expressão “menos desconfortável” ao invés de
(BM), así como organizaciones militares como la OTAN, las “mais confortável” é escolhida por entender que, mesmo
agencias de inteligencia y el Pentágono, todas conformadas dialogando com epistemologias feministas hegemônicas,
después de la Segunda Guerra Mundial y del supuesto fin o fato de questionar a “autoridade científica” por meio
del colonialismo, mantienen a la periferia en una posición da crítica feminista é em si uma tarefa cuja marca é o
subordinada” (Castro-Gómez & Grosfoguel, 2007, p. 13). desconforto.
8 María Lugones (2014) considera como “não moderno”
“formas de organizar o social, o cosmológico, o ecológico, Referências
o econômico e o espiritual” (p. 935). Aposta na importância
de considerarmos a “distinção nítida quando nos dizem
Bacon, F. (1984). Novum Organum ou Verdadeiras indicações
que a modernidade tenta controlar, ao negar a existência,
acerca da interpretação da natureza. Recuperado de http://
o desafio da existência de outros mundos com diferentes
www.ufpa.br/ensinofts/cts/francis_bacon_novum_organum.
pressuposições ontológicas. A modernidade nega essa
pdf
existência ao roubar-lhes a validez e a coexistência no
Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial.
tempo. Esta negação é a colonialidade. Ela emerge como
Revista Brasileira de Ciência Política, 1, 89-117.
constitutiva da modernidade. A diferença entre moderno
Carneiro, A. S. (2005). A Construção do Outro como Não-
e não moderno torna-se – na perspectiva moderna – uma
Ser como fundamento do Ser. Tese de Doutorado, Programa
diferença colonial, uma relação hierárquica na qual o não
de Pós-graduação em Educação, Universidade de São Paulo,
moderno está subordinado ao moderno. Mas a exterioridade
SP.
da modernidade não é pré-moderna” (p. 943).
Castro Gómez, S. & Grosfoguel, R. (2007). Prólogo. Giro
9 “O que é a família nuclear? A família nuclear é uma família decolonial, teoría crítica y pensamiento heterárquico. In El
generificada por excelência. Como uma casa unifamiliar, é giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica
centrada em uma mulher subordinada, um marido patriarcal, más allá del capitalismo global. (pp. 09-23). Bogotá: Siglo
e as filhas e filhos. A estrutura da família, concebida como del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de
tendo uma unidade conjugal no centro, presta-se à promoção Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad
do gênero como categoria natural e inevitável, porque Javeriana, Instituto Pensar.
dentro desta família não existem categorias transversais Collins, P. H. (1997). Comentário sobre o artigo de Hekman
desprovidas dela” (Oyěwùmí, 2004, p. 4). “Thuth and Method: Feminist Standpoint Theory Revisited”:
10 “Isto indica, por um lado, que o gênero existe, mas de uma Onde está o poder? Signs, 22(2), 375-380.
forma diferente da que assume na modernidade. E, por Crenshaw, K. (2002). Documento para o Encontro de
outro, que quando essa colonial / modernidade intrude o especialistas em aspectos da discriminação racial relativos
gênero da aldeia, modifica-o perigosamente” (Segato, 2012, ao gênero. Estudos Feministas, 10(1), 171-188.
p. 118). Grosfoguel, R. (2005). The Implications of Subaltern
11 Destaco, aqui, as contribuição de Kimberle Crenshaw (2002, Epistemologies for Global Capitalism: Transmodernity,
p. 177): “Utilizando uma metáfora de intersecção, faremos Border Thinking and Global Coloniality. In R. P. Appelbaum
inicialmente uma analogia em que os vários eixos de poder, & W. I. Robinson (Eds.), Critical Globalization Studies (pp.
isto é, raça, etnia, gênero e classe constituem as avenidas 283-292). New York /London: Routledge.
que estruturam os terrenos sociais, econômicos e políticos. Harding, S. (1996). Ciencia y feminismo. Madrid: Ediciones
Através delas que as dinâmicas do desempoderamento se Morata. (Colección Psicología Manuales)
movem. Essas vias são, por vezes, definidas como eixos Kilomba, G. (2016). Descolonizando o conhecimento - Uma
de poder distintos e mutuamente excludentes; o racismo, Palestra-Performance. (J. Oliveira, Trad.). Recuperado

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ARTIGOS Psicologia & Sociedade, 30, e200112

de https://www.geledes.org.br/descolonizando-o- que proporcionou o enriquecimento desta versão do


conhecimento-uma-palestra/ texto por meio do debate plural sobre questões tão
Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial.
desafiadoras.
Estudos Feministas, 22(3), 935-952.
Matias Santos, V. (2010). Ciência e tecnologia: expressões sutis As reflexões neste escrito foram também
da discriminação de gênero? Emancipação, 10(2), 459-477. possibilitadas, em grande medida, pelos diálogos
Matias Santos, V. (2012) Mulheres e homens na política de
construídos no Grupo de Estudos sobre Feminismos
ciência e tecnologia.Fortaleza: Ed. UECE/Edmeta.
Matias Santos, V. (2016). Uma “perspectiva parcial” sobre ser Não Hegemônicos realizado ao longo do ano 2017
mulher, cientista e nordestina no Brasil. Estudos Feministas, promovido na Universidade Federal de Pernambuco
24(3), 801-824. pelos grupos de pesquisa HYPATIA -Núcleo de Estudos
Mignolo, W. D. (2003). Historias locales/disenos globales: e Pesquisas sobre Gênero, Ciências e Culturas- e
colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento GEPCOL – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder,
fronterizo. Madrid: Akal.
Cultura e Práticas Coletivas. Pelas trocas, agradeço a
Mignolo, W. D. (2007). El pensamiento decolonial:
desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In S. C. Gómez parceria das professoras Rosineide de Lourdes Meira
& R. Grosfoguel (Orgs.), El giro decolonial: reflexiones para Cordeiro e Flávia da Silva Clemente e das estudantes
una diversidad epistémica más allá del capitalismo global Carolina Alves Barbosa de Souza, Henrique Costa e
(pp. 25-46). Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Amanda Palha.
Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y
Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar. Ainda, relevante explicitar que estas construções
Mignolo, W. D. (2008). Desobediência epistêmica: a opção não seriam possíveis sem a execução de projetos de
descolonial e o sifnificado de identidade em política. pesquisa financiados pelo Conselho Nacional de
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
identidade, 34, 287-324.
no âmbito do HYPATIA, destacando-se os projetos:
Oto, A. (s.d.). Pensamiento descolonial/decolonial. CECIES
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Recuperado de <http://www.cecies.org/articulo.asp?id=285> Pernambuco (Edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA
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São Paulo: Cortez.
Aceite em: 13/08/2018
Santos, B. S. (2006). Para uma sociologia das ausências e uma
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para uma vida decente – ‘Um discurso sobre as ciências’
revisitado. (2ª ed., pp. 777-821). São Paulo: Cortez.
Schiebinger, L. (2001). O feminismo mudou a ciência? Bauru,
Vívian Matias dos Santos é professora adjunta (dedicação
SP: EDUSC. (Coleção Mulher)
exclusiva) da Universidade Federal de Pernambuco -
Segato, R. L. (2012). Gênero e colonialidade: em busca de
UFPE. Coordenadora do HYPATIA - Núcleo de Estudos
chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial, e Pesquisas sobre Gêneros, Ciências e Culturas (UFPE).
E-cadernos CES, 18, 106-131. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do
Torres, N. M. (2006). Against War. Durham/London: Duke Ceará - UFC. Possui graduação em Serviço Social e
University Press. Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade
Walsh, C. (2009). Intercuturalidade, Estado, Sociedad: Luchas pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. Tem
(de)coloniales de nuestra época. Quito: Universidad Andina experiência em pesquisa científica na área da Sociologia,
Simón Bolívar; Ediciones Abya-Yala. com ênfase nos estudos de Gênero e Feministas, atuando
principalmente nos seguintes temas: ciências, ciência &
Agradecimentos tecnologia, epistemologias feministas, violência e direitos
humanos.
https://orcid.org/0000-0003-2380-1778
Este artigo é derivado de palestra elaborada por Endereço para correspondência: Av. dos Funcionários,
ocasião do IV Encontro da Rede (Pós)construcionista s/n - CCSA, 1o. Andar, Departamento de Serviço Social -
(PUC-SP) realizado em maio de 2018, ministrada na Cidade Universitária/PE, Brasil. CEP 50.740-580
mesa “Decolonidade e memória”. Agradeço o convite E-mail: vivianmsa@yahoo.com.br

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