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VIDA RELIGIOSA: AMOR OU LOUCURA

Muitas pessoas têm feito este questionamento: seguir a Vida Religiosa (VR) é um amor ou uma loucura? Aí
poderíamos dizer que depende do seu ponto de vista. Devolvo a pergunta (pelo menos àqueles que são
casados): O casamento é um gesto de amor ou uma loucura? Ai as pessoas sorriem. Algumas nada
respondem, outra dizem: “É um gesto de amor, pois nós amamos a uma pessoa, com a qual nos casamos e
temos ela sempre conosco. E quanto a vocês que não podem ter uma pessoa para um relacionamento como
fica? Vocês estão deixando de lado algo que faz parte da natureza humana, o amor a uma pessoa.”

Pois é. Amar uma pessoa não significa necessariamente ter a pessoa para si. O amor requer liberdade. O
egoísmo é que retém a pessoa para si. Eu amo muito minha mãe e vivo a nove anos longe dela. De vez em
quando à visito. Porque amo a minha mãe e as outras pessoas, quero vê-las livres, felizes, sem nenhuma
obrigação comigo. Amar é querer bem a pessoa amada.

O que acontece muitas vezes é que quando dizemos que amamos alguém queremos esta pessoa perto da
gente sempre. Controlamos de uma certa forma sua liberdade. Queremos que ela vá onde nós vamos, faça o
que fazemos, goste daquilo que gostamos. Isso, a meu ver, não é amor, mas egoísmo.

Ao nos remetermos à Bíblia, vemos o amor universal que Deus tem pelas pessoas, manifestado na pessoa de
Jesus. Elas estavam sempre com Ele (Jesus) porque sentiam-se bem na sua companhia e não porque Ele as
obrigava a ficarem com Ele. Jesus pediu, ensinou e viver este amor universal. Quis que os seus apóstolos
amassem a todos igualmente, sem distinção ou preconceito. Com isso, Jesus, quer mostrar que a natureza
humana deve ser educada para viver esse amor. É preciso, e muitas vezes necessário, educarmos nosso corpo,
silenciarmos nossos instintos.

Antes de entrar nos votos, gostaria de falar um pouco mais sobre a Vida Religiosa que não é uma idéia
brilhante, mas, antes de tudo um fato cristão. A Vida Religiosa nos ajuda a compreender melhor o que
significa o Evangelho, a Igreja, o seguimento de Jesus. Entender Jesus olhando a Vida Religiosa. Na sua
origem, como já foi dito no artigo “Vida Religiosa no Plano de Deus”, o desejo era de viverem a aliança do
seu batismo de forma radical. A essência da Vida Religiosa está em amar a Deus Pai com toda a mente,
coração, entendimento e ao próximo como a si mesmo, pelo menos este é o convite e a proposta de Jesus.

Segundo Lourenço Kearns a Consagração religiosa “fala de amor. Fala do desejo sincero de amar a Deus
compaixão, e de entrar em todo um processo de apaixonamento por Deus, porque descobrimos na
contemplação que Deus foi quem primeiro se apaixonou por nós. E por causa do amor a Deus, nosso amor
tem de chegar até sinais proféticos de amor ao próximo.” (Teologia da Vida Consagrada, p. 19)

A consagração a Deus é um ofertório contínuo de toda a vida do consagrado. Tudo o que faz é para louvar a
Deus, em quem encontra a razão da sua consagração total.
A Vida Religiosa nos convida a fazermos algumas renúcias manifestadas pelos votos do Celibato, da Pobreza
e da Obediência. Estes votos professados pelos religiosos e religiosas são meios que ajudam a viver a
Consagração radical a Deus.

Muitos ficam impressionados e perguntam porque destas privações se estes aspectos fazem parte da natureza
humana. Pois bem. Pergunto agora: você sabia escrever logo que nasceu? Acredito que não. Você foi
aprendendo com o tempo. Assim acontece com suas vontades e desejos. É preciso educá-los para melhor
vivermos. Por exemplo: se você rezar todos os dias vai perceber que é muito bom e vai buscar e querer rezar
sempre mais. Assim você se educa para responder melhor a vocação e descobre a dimensão transcendental da
sua vida.

Temos que aprender a educar nossos instintos. A castidade, por exemplo, “não significa nem pode significar
menosprezo pelo matrimônio ou pela união física entre os cônjuges. Justamente por dar um grande valor a
essas coisas, o casto não admite que o instinto sexual aja nelas cegamente, sem ser controlado pela razão”.
(Pe. Luiz Carlos L. da Cruz).

Falar de castidade hoje é um pouco complicado, ainda mais porque a mídia está toda hora provocando nossos
instintos. Mesmo com tanto exagero na TV, em jornais, revista, manter-se casto não é uma loucura, mas um
ato de fé e muito amor. Uma pessoa nobre consegue viver assim, porque sabe que a função do ato sexual, não
é outra, se não a de gerar filhos. São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios 6,19 diz que o “corpo é templo do
Espírito Santo” e para tanto, deve ser respeitado. Aqui, penso estar uma boa resposta e um grande convite
para se viver a castidade. O respeito pelo próximo que não me pertence. O outro é templo, morada do
Espírito Santo e não objeto dos nossos desejos e instintos. São Paulo prossegue no versículo 20: “Glorificai
ao Senhor com vosso corpo”. Precisamos compreender melhor isso.

Precisamos amar as pessoas não como um objeto de prazer, mas como morada do Espírito Santo, a ponto de
vermos no outro estampado o rosto de Deus. Assim somos convidados e motivados a respeitar o outro.

Até mesmo os casados são convidados a viverem a castidade. Basta educarmo-nos para isso. Pe. Luiz C. L.
da Cruz diz: “Se todo homem tem o dever de ser casto, pelo simples fato de ser racional, o cristão tem um
motivo a mais para cultivar a castidade: ele é templo do Espírito Santo. Seus instintos devem ser governados,
não apenas pela razão natural, mas pela graça sobrenatural”. O casto deve ter um brilho maior, resplandecer a
luz que vem de Deus; é alguém feliz, e com virtudes.

Porém é claro que ninguém passa a viver do dia para a noite ou por um passo de mágica a castidade (assim
como outros conselhos Evangélicos). Ela é um exercício constante e requer atenção e vigilância. A graça de
Deus tudo pode, basta se confiar a Ele.
Ainda trago as palavras e reflexões do Pe. Luiz, onde diz que a “castidade não é privilégio daqueles que nada
sabem sobre o ato sexual (...). Casto é um forte, um herói, cuja fortaleza e heroísmo provocam inveja (...) O
casto é um vencedor cuja vitória irrita o impuro que é derrotado pelos próprios instintos”.

A castidade não é um mal, mas um bem que fortalece a pessoa e enriquece seu espírito. É uma virtude dos
santos, daqueles que põe Deus em primeiro lugar na sua vida e conseguem, ver no outro o rosto deste mesmo
Deus.

Assim como este, também os outros votos, se bem vividos e entendidos, servem para a edificação da pessoa
consagrada e para a salvação da sua alma.

A pobreza não significa miséria. Ser pobre é saber fazer uso das coisas que possui. Devemos lembrar-nos
sempre que não devemos colocar o nosso coração naquilo que temos, nos bens matérias, aí eles serão mais
importantes que Deus. Tudo o que temos é útil, mas nada substitui a graça de Deus. O que ocorre em muitos
casos é que colocamos mais confiança nas coisas materiais que temos do que no próprio Deus. Os bens
materiais jamais substituem os bens espirituais.

Uma pessoa com o voto de pobreza se alegra com o que tem, não reclama a todo momento daquilo que não
tem. Deveria saber controlar-se no uso de todas as coisas que dispõe. Pobreza na Vida Religiosa não é passar
fome, mas saber partilhar, esperar, servir.

É desafiador viver o voto de pobreza num mundo que incentiva o ter, o consumismo exagerado. Mas é
possível. Temos que educar nossos instintos e nosso egoísmo que muitas vezes fala mais alto.

“A virtude da pobreza pode se chamar de virtude da esperança, porque é por meio da pobreza que se vive a
fraternidade, a partilha e a confiança na Divina Providência o que nos leva a acreditar que o Deus criador nos
ama.” (Fonte não localizada).

A obediência é o voto que talvez mais custe viver hoje onde o mundo prega a autonomia, onde eu faço com
minha vida e meu tempo o que bem entendo. Se retornarmos ao Evangelho veremos que Jesus veio para fazer
a vontade do Pai e nos convida à mesma atitude. Seguir Jesus é viver como Ele viveu e não ficar inventando
moda. Viver na radicalidade o Evangelho, o que Ele pregou. Dizia nosso fundador São João Calábria: ou se
vive ou então que se rasgue o Evangelho. Falar até que é fácil. O difícil é realmente pôr em prática o que se
diz. Para isso a Vida Religiosa é chamada, para essa radicalidade.

A definição teológica da obediência religiosa diz que “a obediência religiosa na sua dinâmica e no seu
dinamismo interior é a consagração total a Deus da própria vontade que causa comunhão intensa com a
vontade salvífica do Pai, em imitação de Cristo servo sofredor. Obediência significa doação radical ao Pai,
para poder viver o Primado do Absoluto. Obediência, portanto, tem a ver com amor”. (Fonte não localizada).
O orgulho, fechamento, egoísmo, atrapalham o processo de obediência. Precisamos nos confiar ao Pai, pois
somente a Ele pertencemos e d´Ele tudo recebemos para nossa santificação. O que mais desejar que as graças
de Deus? Se não formos egoístas, isso nos bastará.

Pela obediência e também pelos demais votos, nos tornamos mais livres, dispostos à missão. Assim como
alguns são chamados a constituir uma família, outros são chamados a viverem a Vida Consagrada. A Vida
Religiosa é um convite para vivermos o amor a Deus e aos irmãos e não um amor egoísta que requer tudo
para si.

Antes de tudo, a Vida Religiosa é um ato de amor, confiança, abandono, serviço, entrega total a Deus, de
todo o ser: vontade, liberdade e afeto. A Vida Religiosa têm sua missão específica e especial de viver a
radicalidade do Evangelho a partir do seu batismo. Este gesto de amor e entrega tem que ser livre e
consciente, para que a missão seja realizada com amor total e doação da própria vida pela causa do Reino.

O que pode parecer loucura para alguns é um ato de amor extremo para outros, onde, deixam-se conduzir
pelo amor e pela misericórdia de Deus. O consagrado apenas se coloca nas mãos de Deus sem reserva,
restrições e é o próprio Deus quem vai conduzindo a fazendo caminhada com a pessoa, sempre, porém,
respeitando sua liberdade. A atitude da pessoa é abertura para Deus e é Ele quem faz acontecer as
maravilhas. É Deus quem opera na vida do consagrado. O que é loucura para muitos, é um ato de amor a
Deus para o consagrado.

Os religiosos não são pessoas perfeitas, mas pessoa que devem estar abertas para a graça de Deus, buscando
em, tudo fazer a sua vontade. A Vida Religiosa não é para perfeitos, mas para pessoa que aceitam a ação de
Deus na sua vida. Pessoas para a quais basta o Amor de Deus.

Hermes José Novakoski, PSDP


Farroupilha, setembro de 2006

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Hermes José Novakoski
Publicado no Recanto das Letras em 24/09/2006
Código do texto: T248271
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