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Uma maneira prática de ver o relacionamento entre doutrinas como a da

soberania de Deus e a da responsabilidade humana é considerar a doutrina


Bíblica da Providência Divina. A doutrina da Providência trata com a questão
sobre como o mundo sobrevive, e em que direção caminha. Ela procura dar
resposta para a pergunta sobre se há uma ordem por detrás de todos os
acontecimentos, ou se tudo acontece de forma aleatória.
Vivemos num tempo em que, por um lado, as pessoas pensam que o acaso
governa, ou, por outro, defendem uma espécie de fatalismo. A Bíblia não concorda
com nenhuma destas crenças. Ela afirma o controle soberano de Deus sobre
todas as coisas através de sua Providência. Estudar a doutrina da Providência nos
mostra o quanto Deus é pessoal e está diretamente envolvido em tudo o que
acontece neste mundo.
 
O homem sempre teve muitas crenças interessantes sobre o curso que o mundo
segue. Uma crença do século dezenove chamada “Deísmo” entendia que Deus
havia criado o mundo, mas a partir de então, não atuava mais nele. Deus havia
estabelecido leis fixas para todas as coisas, e então, o mundo simplesmente
seguia o curso dessas leis, sem nenhuma interferência do Criador. Nessa visão, o
mundo seria uma máquina que Deus acionou e que agora trabalha por conta
própria. Por outro lado, como já dissemos, popularmente as pessoas acreditam na
“sorte”, no “acaso”, na “fortuna” ou no “destino”. É como se o mundo e o destino
de todos os homens estivesse nas mãos de alguma força impessoal e
incompreensível.

O mundo não está nas mãos de uma força impessoal. O mundo está nas mãos
de um Deus que trabalha. Quando os fariseus recriminaram Jesus por ter curado
no Sábado, Jesus afirmou que o sétimo dia não significava o fim do trabalho
divino. Jesus disse: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (João
5:17). Deus continua trabalhando no mundo. A isto chamamos de Providência.
Uma boa definição de Providência pode ser: “O permanente exercício da energia
divina, pelo qual o Criador preserva todas as Suas criaturas, opera em tudo que se
passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu determinado fim”1 . Nas
Escrituras, podemos ver três formas como a Providência Divina se manifesta:
Preservação, Concorrência e Governo.
Deus preserva todas as coisas
 
Deus não apenas criou o mundo como também o sustenta. Rigorosamente
falando, o ato criador de Deus terminou no sexto dia. A partir daí iniciou-se a
Providência Divina. O texto de Hebreus 1:1-3 diz que o mundo foi criado através
de Jesus, e que é sustentado igualmente através dele “pela palavra do seu poder”.
É este poder de Deus que sustenta diretamente o mundo. Um Deus que criasse
todas as coisas e as entregasse à sua própria sorte não seria um Deus pessoal,
mas distante, impessoal e despreocupado. A Escritura ensina que Deus se
envolve com tudo aquilo que criou até nos mínimos detalhes. Veja que afirmação
maravilhosa sobre a criação e a Providência de Deus está em Neemias 9.6: “Só tu
és Senhor, tu fizeste o céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo
quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os preservas a todos com
vida, e o exército dos céus te adora”. Esse também é o entendimento do salmista:
“Em ti esperam os olhos de todos, e tu, a seu tempo, lhes dás o alimento. Abres a
tua mão e satisfazes de benevolência a todo ser vivente” (Salmo 145:15-16). Deus
preserva e sustenta a todos os seres que criou. Quando Deus deixa de sustentá-
los, eles morrem, conforme o salmista constata: “Todos esperam de ti que lhes
dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se
fartam de bens. Se ocultas o teu rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a
respiração, morrem, e voltam ao pó” (Salmo 104:27-29). O que mais se destaca
neste texto é a partícula “se”, que revela a condição pela qual a natureza continua
existindo. Tal é o controle preservador de Deus sobre sua criação que Jesus
disse: “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em
celeiros; contudo vosso Pai celeste as sustenta” (Mateus 6:26); e acrescentou
mais tarde: “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em
terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos
todos da cabeça estão contados” (Mateus 10:29-30). Se Deus cuida até dos
passarinhos, alimentando-os e sustentando-os durante toda a vida deles, se Deus
sabe até o número de cabelos que temos na cabeça, então é porque seu
envolvimento é total, desde as menores até as maiores coisas.

Diante dessas coisas como alguém pode crer no acaso ou na sorte? A


conclusão lógica do assunto discutido é que não existem coisas como “sorte”,
“acaso”, ou “destino”. Ninguém tem sorte de estar vivo, está vivo pela Providência
de Deus. Do mesmo modo imaginar um Deus que criou o mundo, mas o
abandonou à sua própria sorte é algo absurdo, pois segundo a Bíblia, a
Providência de Deus é a causa do mundo ainda existir. E veja quanta misericórdia
há nisso, pois o mundo é rebelde contra Deus, não obstante, Deus o preserva,
fazendo nascer o sol sobre “maus e bons”, e cair “chuvas sobre justos e injustos”
(Mateus 5:45). Deus providencia alimento até para os filhotes dos corvos (Jó
38:41). Devemos louvar a Deus pela grandiosidade de sua obra providencial como
faz o salmista: “Cantai ao Senhor com ações de graças; entoai louvores, ao som
da harpa, ao nosso Deus, que cobre de nuvens os céus, prepara a chuva para a
terra, faz brotar nos montes a erva e dá o alimento aos animais e aos filhos dos
corvos, quando clamam” (Salmo 147:7-9).
Deus age em todas as coisas

Uma outra forma de ver a Providência de Deus é através de sua operação


imediata em todas as coisas que acontecem. Os teólogos têm chamado isso de
Concorrência ou “Concursus”. “Concursus” se refere à junção de duas forças. Não
significa necessariamente que sejam duas forças em pé de igualdade, mas,
apenas que dois lados cooperam de alguma forma. Berkhof define concorrência
ou “concursus” como “a cooperação do poder divino com todos os poderes
subordinados, em harmonia com leis pré-estabelecidas de sua operação, fazendo-
os agir, e agir precisamente como agem”2 . Quando dizemos que Deus e o
homem agem conjuntamente não estamos querendo dizer que é 50% para cada
lado. A vontade de Deus é sempre superior à vontade humana. Este é um assunto
difícil, porém, devemos ser honestos com o ensino da Palavra de Deus, mesmo
que tenhamos dificuldades em entendê-lo. Por isso, acima de tudo, devemos
manter uma atitude reverente para com o Senhor ao meditarmos nos textos que
estão a seguir.

Vejamos alguns exemplos bíblicos sobre Concursus. Já estudamos em lição


anterior sobre o texto de Lucas 22:22, onde o decreto de Deus e a traição de
Judas acontecem paralelamente. Deus determinou, mas Judas foi responsável por
seu ato. O mesmo também foi visto no sermão de Pedro registrado em Atos 2,
quando ele justificou que Jesus morreu “sendo entregue pelo determinado
desígnio e presciência de Deus”, porém, quem havia realizado o ato infame foram
os homens, conforme Pedro inequivocamente aponta: “Vós o matastes,
crucificando-o por mãos de iníquos” (Atos 2:22-23). Note que Jesus foi entregue
porque Deus havia determinado que isto acontecesse, no entanto, o povo era o
verdadeiro culpado da morte de Jesus. O povo gritou para que ele fosse
crucificado, preferindo a libertação de Barrabás (Mateus 27:20-21). Esta mesma
idéia repercute no capítulo 4 de Atos, quando a igreja ora ao Senhor: “Porque
verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao
qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para
fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (Atos 4:27-28).
Está claro que a culpa pela morte de Jesus foi dos homens, porém, tudo o que
aconteceu, seguiu a vontade e a soberania de Deus, conforme seu plano pré-
estabelecido. O que os homens fizeram foi errado, pecaminoso, e eles certamente
pagarão por isso, porém, ao fazerem aquilo, em última instância, fizeram o que
Deus havia determinado. Isto é concorrência ou “concursus”.

O “Concursus” e os Atos Bons3

Nunca conseguiremos deixar Deus de fora de qualquer coisa de nossas vidas.


Precisamos nos lembrar que Paulo disse que “nele vivemos, e nos movemos, e
existimos” (Atos 17:28). Jamais o homem age de forma independente de Deus.
Por isso, todas as ações boas, que nós crentes praticamos, são ações que Deus
direcionou. Já vimos que segundo Filipenses 2:13 Deus opera em nós tanto o
querer quanto o realizar. O que isso quer dizer é que se eu faço alguma boa ação
o mérito é do Senhor. Quem realizou a obra fui eu, mas ela só foi possível, porque
o Senhor me capacitou. É o que Paulo fala sobre seu próprio trabalho apostólico:
“Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida,
não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu,
mas a graça de Deus comigo” (1 Coríntios 15:10). Paulo tinha consciência de duas
coisas: a graça de Deus e seu trabalho árduo, mas acima de tudo sabia que tudo
era pela graça.

O interessante é que isto pode ser visto também nas ações boas dos homens
não-regenerados. Eles também fazem coisas boas, não boas no sentido de
aceitáveis para salvação, mas boas, porque podem ter resultados benéficos para
as pessoas. Podemos ver pela Bíblia, que mesmo essas ações sofrem o
“concursus”. Ciro, o rei da Pérsia, é um grande exemplo disso. Veja o que está
escrito a seu respeito: “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo
pela mão direita (...). Eu irei adiante de ti, endireitarei os caminhos tortuosos,
quebrarei as portas de bronze e despedaçarei as trancas de ferro” (Isaías 45:1-2).
Deus está dizendo que age na vida de Ciro para o ajudar. Em seguida diz o
motivo: “Por amor do meu servo Jacó e de Israel, meu escolhido, eu te chamei
pelo teu nome e te pus o sobrenome, ainda que não me conheces” (Isaías 45:4).
Deus usou Ciro por amor de seu povo, ainda que Ciro não conhecesse o Senhor.
Ciro foi usado para que o povo pudesse voltar do cativeiro da Babilônia para sua
própria terra. O imperador foi responsável pela ordem que permitia a volta do
povo, e essa foi uma boa ação, mas, ele não fez isso pensando em agradar a
Deus, na verdade, ele estava fazendo uma manobra política, porém, acima de
tudo, estava cumprindo a vontade decretiva de Deus. Ciro agiu em busca de seus
próprios interesses, mas acabou fazendo algo de bom para o povo, e nisso ele foi
dirigido por Deus, que agiu na vida de Ciro.

Todas as boas ações desse mundo sofrem a ação do “concursus” de Deus. Tudo
o que acontece de bom, acontece porque duas coisas participaram: a vontade do
homem e a vontade de Deus. Em sua soberania, Deus não anula a vontade do
homem.

O “Concursus e os Atos Maus”


 
Não é difícil ver a atuação de Deus nas atitudes boas dos homens, afinal de
contas Deus é bom e fonte de todo bem. Mas e com relação as coisas más que
acontecem? Uma das coisas mais difíceis nesta vida é conciliar a vontade
soberana de Deus e os atos maus das pessoas. Uma forma de responder a
questão é dizer simplesmente que Deus permite que as pessoas façam coisas
más. Em parte esta resposta está certa. As atitudes más dos homens seriam
permitidas por Deus embora ferissem sua vontade preceptiva. Mas como já
estudamos, a vontade preceptiva é apenas um aspecto da vontade de Deus.
Nunca poderemos nos esquecer que ele também tem uma vontade decretiva.
Como os atos maus dos homens se relacionam com os decretos de Deus?
Podemos ver na Bíblia alguns casos que nos mostram que mesmo os atos maus
das pessoas não foram feitos independentemente de Deus. O “concursus” pode
ser visto nessas atitudes também. Em sua vontade decretiva, Deus determinou
tudo o que deve acontecer, inclusive os atos maus dos homens. Porém isso não
faz de Deus o autor do pecado destes homens. Embora certas coisas ruins
estejam decretadas, os homens as fazem livremente, e a culpa é somente deles,
porque desejaram fazê-las.

A história de José do Egito é novamente útil para entendermos isso. José era o
filho preferido de Jacó e seus irmãos tinham ciúmes dele. Num certo dia,
aproveitaram uma ocasião e venderam-no a alguns mercadores que iam para o
Egito. Aquele foi um ato muito mau da parte dos irmãos. José enfrentou muitos
problemas por causa disso, pois tornou-se um escravo no Egito, chegando até
mesmo a parar na prisão. Porém o Senhor agiu na vida de José que acabou
chegando ao cargo mais importante do Egito logo após o Faraó. Com isso, anos
mais tarde José pôde ajudar sua família que passava dificuldades com a grande
seca que se abateu sobre a terra. Quando se encontrou novamente com seus
irmãos, José disse-lhes: “vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém
Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita
gente em vida” (Gênesis 50:20). Tal foi o entendimento de José daquela situação
que até mesmo declarou: “Não fostes vós que me enviastes para cá, e, sim, Deus,
que me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa” (Gênesis 45:8).
Vender José foi uma ação má dos irmãos, e eles eram responsáveis por aquela
ação. Eles agiram segundo seus impulsos pecaminosos, porém, a Bíblia diz que,
em última instância, Deus havia planejado tudo. Deus não foi o autor do pecado
dos irmãos, mas agiu na vida deles, para que seu propósito maior se cumprisse.
Eles fizeram o que desejavam, pecaram e foram punidos, mas não deixaram de
fazer também o que Deus desejava. Embora esta não seja uma coisa fácil de
entender, precisa ser aceita pela fé. Deus quis que os irmãos vendessem José,
mas, o pecado foi somente deles, pois ao agir daquela forma, não estavam
obedecendo a uma ordem de Deus, e sim a sua própria vontade pessoal.

Ainda mais difícil é entender como Deus atua nos atos maus dos próprios
homens maus. Sempre imaginamos os irmãos de José como membros da Aliança,
e por isso não os consideramos ímpios. Agora veja o que a Bíblia fala sobre o
caso de Nabucodonozor, o ímpio rei da Babilônia. Esse rei invadiu Judá e
cometeu atrocidades, porém, a Bíblia diz que Deus é quem o trouxe e determinou
que fizesse aquilo (Jeremias 25:9-11). Nabucodonozor agiu conforme sua
iniqüidade determinava, por causa da sua sede de conquistas, entretanto, Deus
determinou que aquilo acontecesse, usando Babilônia, império de
Nabucodonozor, segundo seus propósitos, como ele próprio declara: “Tu,
Babilônia, eras meu martelo e minhas armas de guerra; por meio de ti, despedacei
nações e destruí reis; por meio de ti, despedacei o cavalo e o seu cavaleiro;
despedacei o carro e o seu cocheiro; por meio de ti, despedacei o homem e a
mulher, despedacei o velho e o moço, despedacei o jovem e a virgem; por meio
de ti, despedacei o pastor e o seu rebanho, despedacei o lavrador e a sua junta de
bois, despedacei governadores e vice-reis” (Jeremias 51:20-23). Note que Deus
diz que ele havia feito toda aquela destruição. Porém, Babilônia pagaria, pois
havia agido conforme ela própria desejava, pois Deus declara: “Pagarei, ante os
vossos próprios olhos, à Babilônia e a todos os moradores da Caldéia toda a
maldade que fizeram em Sião, diz o Senhor” (Jeremias 51:24). A culpa era da
Babilônia, pois agiu conforme sua cobiça, entretanto, em última análise, agiu como
Deus havia determinado. Não resta dúvidas, Deus usou Babilônia e
Nabucodonosor, agindo na vida deles para que fizessem aquilo que era seu plano
que acontecesse. Ao mesmo tempo, porém, Babilônia e seu imperador agiram
conforme seus próprios desejos infames, e seriam castigados por Deus por causa
disto. Isto é surpreendente.
 
Falta-nos espaço para tratar de Jeroboão (1Reis 14:10; 15:27-30); de Roboão (1
Reis 12:13-15; 22-24); do rei da Assíria (Isaías 10:5-15); de Absalão (2 Samuel
16:20-23; 12:11-12; 17:14) e de tantos outros casos que demonstram o mesmo
que aconteceu com Nabucodonozor. Em todos estes casos, os homens ímpios
agiram conforme seus desejos pecaminosos e são culpados por isto, porém, ao
agir daquela forma, estavam fazendo o que a vontade decretiva de Deus havia
determinado.
 
Tudo o que acontece nesse mundo, acontece debaixo do olhar e do comando
eficaz de Deus, nada foge ao seu controle, porém, tudo o que o homem faz, faz
porque sua vontade deseja. O “concursus” nos ajuda a entender a maneira como
Deus age neste mundo e também como os homens agem. Há uma concorrência
entre os dois, porém, não uma junção de forças, como se o homem fizesse
metade e Deus o resto. O fato é que Deus age no homem, levando-o a fazer a
Vontade Suprema, mas sem ferir a responsabilidade pessoal do homem por cada
ato seu, e sem ser o autor do pecado dos homens. No caso do pecado, todo ato
pecaminoso ocorre por ação do homem. Porém é inegável que o pecado do
homem esteja incluído no decreto permissivo de Deus.
 
Deus governa todas as coisas

A perspectiva do governo de Deus é mais uma forma de ver sua Providência.


Não quer dizer que seja algo diferente de preservação e concorrência, pois cada
parte pode ser considerada como a Providência toda, porém, ao enfatizarmos a
idéia de governo estamos nos referindo ao propósito final de Deus, ao qual o
mundo está sendo conduzido.
 
A Bíblia apresenta Deus como o Grande Rei que está assentado no trono e
governa todas as coisas conforme sua vontade determina. O que seria do mundo
se Deus não tivesse propósitos? Se ele simplesmente deixasse a “coisa rolar”,
seguindo o livre curso das decisões dos homens? Que garantias haveria de que
as promessas bíblicas se cumpririam? Como poderíamos saber que de alguma
forma, o homem não sabotaria o plano divino? Toda expectativa de fé se torna
muito efêmera se Deus não tem propósitos e poder para realizá-los.
Deus tem propósitos. A Providência de Deus nos fala que Ele guia os eventos
do mundo para um determinado fim. Esse fim é o “beneplácito de sua vontade”
(Efésios 1:5), é o seu supremo propósito para esse mundo que redunda em
“louvor da sua glória” (Efésios 1:12). Como já vimos, nada acontece por acaso.
Não existe a sorte ou a fortuna. Nem mesmo o destino cego. Às vezes falamos:
“hoje foi meu dia de sorte”, e nem percebemos o quanto é falsa essa afirmação.
Deveríamos evitar falar essas coisas, pois ao afirmarmos isso, estamos dizendo
que o acaso pendeu para o nosso lado e de alguma maneira inusitada, impensada
e não-planejada nos favoreceu. Isso tende até mesmo a ser uma forma de
idolatria, já que algo está sendo colocado no lugar de Deus. Esta atitude é muito
parecida com a que teve o povo de Israel após ter sido tirado do Egito. Naquela
ocasião fizeram bezerros de ouro para si e disseram: “São estes, ó Israel, os teus
deuses, que te tiraram da terra do Egito” (Êxodo 32:4). Também fazemos isso
quando, ao recebermos alguma bênção do Senhor, dizemos, “que sorte eu tive”.
Imaginar que o destino cego é que guia todas as coisas não melhora as coisas. As
vezes, as pessoas confundem a doutrina da soberania de Deus com o fatalismo. A
religião islâmica assume uma espécie de fatalismo. O muçulmano quando se
depara com um acontecimento imprevisto costuma dizer “maktub”, que significa
“está escrito”. O fatalismo diz: “o que tiver que ser será”. Há uma grande diferença
entre dizer que Deus dirige a história para seus propósitos e dizer que o destino a
dirige. O destino não tem sentimentos nem vontade, ele é cego, surdo e mudo.
Nosso Deus tem sentimentos e propósitos, ele fala, ouve e age. Não dizemos: “o
que tiver que ser será”, dizemos: o propósito de nosso Deus, sua vontade boa,
agradável e perfeita prevalecerá (Romanos 12:2).
 
Da mesma forma, não faz sentido a tendência moderna de que o homem é que
determina o que deve acontecer. Muitos líderes religiosos falam em programas
televisivos que Deus já liberou todas as suas bênçãos para os homens na pessoa
de Jesus, e que agora são as pessoas que precisam tomar posse da bênção que
está à disposição delas, enquanto Deus permanece impassível somente
esperando que os homens façam a obra dele. Alguns tele-evangelistas modernos
dizem que quem faz a obra de Deus hoje somos nós. Na visão destes, a
Providência já não é mais uma prerrogativa divina, passou a ser um atributo do
homem.
 
A despeito destas coisas, a doutrina da Providência é uma das mais belas
doutrinas da Bíblia. Ela nos fala da maneira como Deus preserva e dirige este
mundo para o cumprimento de seus objetivos. Fala de um Deus próximo, atuante,
vivo, que se importa conosco, que está presente e age em cada detalhe da nossa
vida. Nada é demasiado simples ou insignificante que não seja do interesse dele.
Nada acontece por acaso. Não existe sorte ou fortuna. Existe Deus e seus
propósitos eternos. Um Deus que causa admiração, pois como diz Isaías, “Desde
a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se
viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera” (Isaías 64:4).
 
1 Louis Berkhof. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992. p.
165.
2 Louis Berkhof. Teologia Sistemática, p. 170 .
3 Uma excelente exposição sobre o Concursus pode ser vista em H. C. Campos.
O Ser de Deus e as Suas Obras – A Providência e a Sua Realização Histórica.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 292-315.

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