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Margem infraestrutural

Ariane Pereira
Clement Novaro
Larissa Monteiro

Trabalho desenvolvido no Atelier PEXUIA2020 - Transitoriedades e Fluxos, em 2019,


com co-orientação de Thiago Soveral.

331
Periferia da Periferia
O projeto se situa na baixada fluminense, em uma área cuja urbanidade pode ser
considerada representativa de boa parte da malha e do tipo de produção de cidade
na periferia fluminense do Rio de Janeiro. Sua ocupação se caracteriza por uma
urbanização densa, horizontal e de uso majoritariamente homogêneo. Este uso,
predominantemente habitacional, possui algumas apropriações para comércio de escala
local e ainda alguns pontos industriais de escala metropolitana, alienados do entorno
imediato. O ponto de excepcionalidade é o Rio Sarapuí, um rio de larga escala que corta
o tecido, hoje muito poluído.

As margens do Sarapuí
O primeiro interesse do projeto, está nas margens do Rio Sarapuí. Procura-se neste
momento compreender como se dão as atuais dinâmicas entre cidade e rio, em especial
no espaço de conflito que se materializa nas margens.
Observa-se primeiro como se configura como uma espécie de espaço lixo. Com se seu
corpo extremamente poluído, lhe desse um status de depósito de detritos dos mais
diversos; numa relação de causa-efeito.
Outro ponto que se apresenta é como a cidade avança em direção ao rio numa condição
precária como a dos muitos assentamentos que ocupam essas margens. A ocupação
não é positiva nem para o rio, e muito menos para os que ali vivem, dada sua condição
alagável e o não cumprimento do afastamento non aedificandi mínimo de um corpo
d’água.
Outra condição latente ao rio é a de limite. No recorte de projeto, ele divide Belford
Roxo e São João de Meriti. Os dois municípios só se conectam por uma ponte para
veículos, que salvo uma faixa com guarda-corpos, não contam com nenhuma estrutura
para travessia de pedestres.

Transbaixada
O terceiro ponto a se considerar é o planejamento da Transbaixada, uma rodovia
apresentada pela Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro como infraestrutura para
criar uma conexão transversal ao sentido Baixada - Centro do Rio. À priori, a temática
da transversalidade é de fato importante à metrópole, uma vez que contribuiria
no fortalecimento de outras centralidades metropolitanas através das conexões
interurbanas que não dependem do Rio como mediador. A questão colocada aqui,
entretanto é que a apresentação desse projeto se coloca com um forte descolamento do
contexto existente. O projeto desconsidera a escala local, além de enclausurar o rio entre
as suas vias, ignorando qualquer tentativa de diálogo e por conseguinte, a despoluição
do Rio Sarapuí.

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Vista para o rio Sarapuí a partir da Avenida Automóvel
Clube
A Avenida Automóvel Club é a única conexão entre os municípios
Belford Roxo e São João de Meriti. Esse tipo de configuração, na
qual rio se comporta como limite é bastante comum. Contudo essa
não foi a principal questão levantada em projeto. Encontramos nas
margens o lugar de mediação entre o limite do rio e o tecido urbano já
consolidado.

333
Localização do recorte de
projeto
O trecho selecionado para
projeto está localizado entre os
municípios de São João de Meriti
e Belford Roxo. É o com maior
ocupação das margens do rio
Sarapuí.

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A dupla condição
metropolitana e local
O desenvolvimento de um
projeto-resposta à Transbaixada
considera importante o
atravessamento das demandas
de cada escala. A dimensão
metropolitana do rio, o fluxo
aquático e um cenário de potente
conexão rodoviária, devem por
isso, coexistir à escala local. A
aproximação nos permite ver no
rio questões como a mobilidade
transversal ao corpo d’água,
enchentes e ocupação informal.
Esse processo visa compreender
a importância da escala local,
muitas vezes subjugada nos
projetos de escala metropolitana.

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Transbaixada
Há um grande contraste entre o que se desenha nos projetos da Transbaixada e o
provável cenário que se conformará com sua implantação. Desde a incongruência
apresentada nos desenhos até a lógica discursiva. Redesenhamos a seção apresentada
no projeto avaliando e corrigindo os erros de escala. Os desenhos abaixo explicitam a
discrepância entre a pretensão lúdica de um parque habitado com vias locais para o que
de fato as medidas reais e pretensões políticas sugerem. A lógica de ocupação dessas
rodovias segue o conceito da estrada mercantil apresentado por José Almir Farias1,
característico do espaço perimetropolitano:

“As rodovias, quando de sua abertura quase não têm relação funcional com a sua
vizinhança, e esta condição de estranha ao existente no território é propriedade
intrínseca do nascimento de eixos e nós da rede metropolitana. Com o tempo, elas
assumem o caráter de elemento primário de indução da estruturação urbana na grande
escala. A estrada constitui, assim, o fator de alavancagem da valorização fundiária,
influenciando diretamente a mercantilização e transformações do uso e ocupação do
solo.”

Dadas as experiências prévias na cidade do Rio de Janeiro: a Avenida Brasil, que em


sua implementação se pretendia como uma Avenida de fato, com térreos comerciais e
pistas laterais com velocidade local. E ainda, as demais avenidas como Presidente Dutra,
Washington Luís, etc. Analisando um contexto amplo de quais são as âncoras que a
Transbaixada futuramente faria conexão, é possível ter uma perspectiva do que poderia
vir a ser o seu entorno imediato. As colagens a seguir falam sobre isso.

Comparação entre seções


A seção superior foi
apresentada dentro da Proposta
Multifuncional Oeste2.
A inferior redesenha esta mesma
seção considerando agora, as
dimensões reais tanto de margens
quanto das vias propostas em
projeto.

0 10 50m

Dissimulação
A simulação utilizada na
divulgação da Transbaixada
mostra uma falsa ideia de
implantação da rodovia.
Imagem retirada de um vídeo de
apresentação da Transbaixada.

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Colagens
Colagens desenvolvidas com base no tipo de ocupação que ocorreu na
Avenida Brasil. Num primeiro momento, a imagem surge como forma
de alertar para a incoerência da retórica de divulgação da Transbaixada.
Esse exercício nos permitiu também prever alguns dos elementos que
acompanham a estrada mercantil, como o galpão logístico e a partir
disso repensar a partir de projeto as formas de implantação desses
elementos.

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Parque habitado
A partir de tais questões que se apresentam no contexto, desenvolvem-
se três estratégias projetuais:
1

Longitudinal
3 A retomada do contato do corpo com o corpo hídrico através de um
parque que pretende absorver a infraestrutura de mobilidade. Ao
2
mesmo tempo, reforça a presença do rio por um projeto de espaço livre.

Transversal
Projetos de arquitetura com duas finalidades. A primeira, edifícios
1
híbridos de realocação das pessoas que atualmente vivem em moradias
precárias. A segunda, equipamentos públicos-travessia, que visam
conectar os dois municípios através de edifícios ‘contenedores’ de
atividades públicas que promovem uso coletivo.

2 Transbordamento
Entendendo que a reboque da infraestrutura que escoa produção,
ocorrerão transformações no uso e ocupação do solo bem como na
legislação vigente, é necessário pensar locais de estocagem para esse uso
1 industrial. Ao invés de tentar combater tal lógica, quadras genéricas
e grandes foram projetadas como quadras-galpão. Tais quadras terão
em seu centro galpões de estocagem, enquanto no perímetro ocupam
residências. A ideia é que a relação de urbanidade seja mantida mesmo
com o crescimento de um uso descolado do contexto.

3 2
Masterplan
1. Estratégia Longitudinal: ‘Parque-Habitado’
2. Estratégia Transversal: ‘Edifício-Travessia’
3. Transbordamento: ‘Quadra-Galpão’

1
0 100m

338
O ‘Edifício-Travessia’
O atravessamento é mediado por edifícios híbridos que abrigam
desde estações de BRT a equipamentos culturais. Essa estratégia traz
uma releitura na potência dos fluxos de atravessamento de limites
infraestruturais.

339
O ‘Parque-Habitado’
As margens do rio Sarapuí foram reconfiguradas como parque. Nele
foi possível explorar a questão do espaço comum, da habitação e de
estratégias contra enchentes e despoluição das águas do rio.

340
A ’Quadra galpão’
Coabitam a quadra, o galpão e a casa. O galpão é implantado no centro
da quadra, e seu perímetro é composto por casas que formam uma
outra borda de contato com a rua.

341
O projeto das margens
Visada para o rio Sarapuí as
estratégias implantadas.

342
Notas:
1. FARIAS, J. A. (2012). O projeto urbano ex-cêntrico como instrumento de política urbana. In L. M. S. A. Costa & D. B
P. Machado (Eds.), Conectividade e resiliência: estratégias de projeto para a metrópole (pp. 223–256). Rio de Janeiro: Ri
Books e PROURB.

2. Câmara Metropolitana de Integração Governamental. (2017c). Caderno Metropolitano 4: Modelar a metrópole:


Construindo um modelo para a metrópole. (V. Loureiro, Ed.) (Vol. 4). Rio de Janeiro: Câmara Metropolitana de
Integração Governamental.

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Rio de Janeiro, 2020
Editora FAU UFRJ
GRUPO UrCA

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