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Garagem da Cidade:

Dispositivo Urbano Temporal

Ana Totti
Arthur Frensch
Betina Albrecht
Mariana Cruz

Trabalho desenvolvido no Atelier PA3, em 2019, com co-orientação de Juliana Sicuro.

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Projeto Ex-Cêntrico¹
Presos no ciclo de dependência da metrópole, os espaços peri metropolitanos são
sinônimos de lugares com ausência de políticas públicas (FARIAS, 2012, p. 224). O
crescimento desses espaços se deu por uma expansão heterogênea e descontínua que
cria vazios e diferenças de densidade. Hoje, a relação centro-periferia altera-se à medida
que novos padrões de deslocamento e ocupação se fazem presentes, criando-se novas
centralidades.
De maneira geral, as cidades e regiões periféricas são apenas contempladas quando
realizadas grandes obras de infraestruturas, buscando a conexão física com o centro,
mas que acabam por enfatizar ainda mais a condição de dependência. Paralelamente,
enfrentam dificuldades legislativas para uma articulação conjunta de recursos.

A Garagem
A garagem de ônibus da empresa de Transporte Flores se posiciona no cruzamento
entre duas vias essenciais para a mobilidade do Rio de Janeiro e para conexão entre o
centro de São João de Meriti e Vilar dos Teles, respectivamente, a Rodovia Presidente
Dutra e Avenida Automóvel Clube. Ademais, vale ressaltar que São João de Meriti
se localiza na Baixada Fluminense, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
ocupa 34,838 km² de área e possui uma população total de 472 406 hab. Diante
dessa densidade habitacional, distribuída em uma urbanização de pouquíssimos
espaços livres de edificação – e principalmente espaços livres públicos – a extensão e
proporção espacial da garagem de ônibus se torna um importante espaço para a cidade,
considerando as dinâmicas cotidianas do entorno; em especial da logística de fluxos
diários e constantes do transporte público na região e seu alcance na Baixada como um
todo.
Nesse sentido, tornou-se relevante a análise prévia do entorno imediato e das
principais questões acerca do significado da garagem e da sua organização técnica para a
elaboração de um projeto que reaja a essas oportunidades para a Baixada Fluminense.
Em algumas visitas de campo, identificamos algumas oportunidades de projeto em
relação ao lote da garagem e ao galpão desocupado, localizado em frente ao acesso
principal da garagem da Flores, na Avenida Automóvel Clube. Primeiramente,
entende-se que em um longo momento do dia esse espaço possui atividade interna
mínima, estando praticamente vazia entre 05:00 da manhã, com a saída da frota, até
o retorno dos ônibus a 00:00. Durante esse período (5h-24h), a frota está circulando
entre seus terminais ‘primários’ (isto é, aqueles nos quais uma rota inicia) e ‘secundários’
(isto é, aqueles para os quais uma rota termina). O projeto buscou, portanto, hackear
a logística interna e externa de circulação dos ônibus através de um projeto para uma
nova infraestrutura de apoio à Baixada Fluminense, em um ponto estratégico tanto para
São João de Meriti (Av. Automóvel Clube), quanto para a Baixada (garagem dos ônibus
que circulam por toda a Baixada), quanto também para a metrópole como um todo (às
margens da Rodovia Dutra).

O Dispositivo
Esse trabalho busca investigar as possibilidades de um projeto urbano “ex-cêntrico”¹,
como desenvolve Farias, que através da conexão com a Dutra, propõe relacionar
diversos espaços peri metropolitanos sem que para isso seja necessária uma grande
obra de infraestrutura. Através de algumas análises, entendemos a complexa
dinâmica cotidiana desse espaço e propusemos novas possibilidades de articulação e
aperfeiçoamento das relações existentes. Diante das problemáticas e potencialidades
observadas no espaço, constrói-se uma infraestrutura linear que atravessa toda extensão
da garagem; ligando a Rodovia Dutra ao galpão desocupado, na Avenida Automóvel
Clube. Esse novo dispositivo cria um eixo articulado a 6m de altura do chão, mantendo
o solo da garagem disponível para circulação e estacionamento dos ônibus durante
24h-5h da madrugada. Ao mesmo tempo, possibilita também o uso desse térreo entre
5h-24h para o desenvolvimento de novos dispositivos para a população, por meio do
hackeamento da garagem durante sua temporalidade diurna. Em particular, o projeto
propõe a elaboração de um Fórum das Baixadas, uma inovadora infraestrutura de
distribuição de alimentos e aglomeração política.

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56.052m²
Empresa de Transportes Flores, São João de Meriti - imagem
BandNews, 2018.

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Rodovia Presidente Dutra BR 116
Principal via para tráfego de carga e pessoas
entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Flores
Principal empresa de Transportes da
Baixada Fluminense.

Galpão
Grande edifício privado e desocupado na
Avenida Automóvel Clube

Avenida Automóvel Clube


Via que corta a Rodovia Presidente Dutra e faz a ligação
direta entre Centro de São João de Meriti e Vilar dos Teles.

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Mapa de terminais A e B
Primário e Secundário
A fim de justificar e evidenciar
as oportunidades espaciais e
organizacionais presente no
terreno da Flores, realizamos um
estudo mais amplo e específico
da logística de circulação da
frota dos ônibus. Dessa forma,
identificamos e classificamos os
tipos de terminais rodoviários
que estão intimamente
relacionados com a rota dos
ônibus após a saída da garagem.
Dividimos em terminais
Primários (A) e terminais
Secundários (B); assim, seguindo
a rota usual e obrigatória os
ônibus saem da garagem rumo ao
terminal primário, onde realiza
o trajeto sem passageiros. Em
seguida, os ônibus seguem para
os terminais secundários, destino
final da rota, que naturalmente
encontram-se mais afastados
geograficamente.

Terminais
terminais A - zero
A estrutura
- zero estrutura
Terminais
terminais B - zero
Bestrutura
- zero estrutura
terminais
Terminais A -estrutura
A - média média estrutura
terminais
Terminais B -estrutura
B - média média estrutura
terminais
Terminais A - estrutura
A - grande grande estrutura
terminais
Terminais B - estrutura
B - grande grande estrutura

Mapa de Rotas
Garagem x Terminais
Com o estudo aprofundado
sobre as dinâmicas de circulação
dos ônibus, observa-se a
relevante oportunidade de
hackear o sistema rodoviário
da empresa, diante da ausência
de passageiros no percurso
inicial da frota até os terminais
primários. Nesse sentido, com
a possibilidade de explorar esse
trajeto inicial, torna-se viável a
elaboração de uma estrutura de
distribuição de alimentos para a
Baixada associada aos percursos
rodoviários da empresa, em que
toda manhã os ônibus deixariam
a garagem repletos de alimentos
para terminais primários.

* imagem base para o mapa extraída da plataforma Google Earth. 2019.

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0 10 20 50 100

102
Térreo atual
Destacamos a forma de utilização diária da empresa Flores no terreno
estudado, no momento em que a garagem está sendo ocupada pela
frota. Além de evidenciar a estrutura presente no galpão, atualmente
desocupado.

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A Dutra
O trânsito da Rodovia Presidente
Dutra e o Eixo Infraestrutural.

104
O Eixo
Alimentos que estavam estocados
nos mezaninos sendo retirados
para serem levados aos ônibus às
4h da manhã.

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Integração urbana comunitária atenderia aos moradores durante o
O eixo se destaca com um novo dispositivo dia, com a consolidação de um local voltado para
articulador para as demandas da comunidade, debates, reuniões de coletivo, eventos, show e
criando assim uma lógica linear de distribuição e entretenimento. Vale ressaltar que o Fórum se
processamento de alimentos. Além de garantir uma organiza abaixo dos fingers com área técnica de
nova forma de integração social para população da apoio e uma arquibancada retrátil, que no momento
Baixada com a introdução de Fórum popular, sem que a garagem está vazia pode ser aberta.
relação administrativa institucional. Essa instituição

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O Fórum
Reportagem no jornal local sobre
a concentração para Ato Político
às 12:30h.

A Garagem
Ônibus da Flores sendo
carregados com alimentos para a
distribuição às 4h da manhã.

108
Esporte no Fórum
Evento de luta MMA.

Reunião no Fórum
Reunião da Comissão de
coletivos locais.

Cinema no Fórum
Cinema ao ar livre.

Show no Fórum
Show da banda de pagode
Ferrugem.

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0 10 20 50 100

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Primeiro Pavimento: eixo infraestrutural
Os principais fluxos de circulação do projeto passam pelo eixo
infraestrutural. Os alimentos encomendados para o futuro
processamento no galpão e para a distribuição direta aos terminais
chegam diretamente pela Rodovia Dutra e alcançam o nível do eixo
com o uso de elevadores monta-carga. Em seguida, são transportados
através de esteiras rolantes até o galpão ou ficam armazenados em
mezaninos ao longo do eixo até o momento que serão encaminhados
aos fingers e levados até os ônibus; assim, seguirão para a distribuição
nos terminais primários.

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A

0 10 20 50 100

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B

A
B

Térreo: fórum e estacionamento Corte


O projeto busca introduzir o eixo infraestrutural de maneira a não O corte evidencia a intenção do projeto de não interferir espacial na
interferir no funcionamento da garagem, tendo, dessa forma, o logística de circulação dos ônibus na garagem, destacando a presença
mínimo contato com solo. Os pontos em que o eixo encontra o chão do eixo a 6 metros do piso da Flores. Além de indicar a arquibancada
correspondem às escadas de acesso ao longo do trajeto, aos monta- retrátil e a área técnica de funcionamento do fórum.
cargas e à área técnica de funcionamento do fórum, abaixo dos
fingers. Além disso, destaca-se também a planta baixa do centro de
processamento, localizado do Galpão. Esse edifício está dividido em
chegada/ higienização dos alimentos, três ambientes de processamento,
embalagem e distribuição.

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O Galpão
Preparação e processamento
de alimentos para distribuição
através do Eixo.

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Notas:
1. FARIAS FILHO, J. A. . O Projeto Urbano Ex-Cêntrico como Instrumento de Política Metropolitana. In: COSTA, Lucia
Maria S. A.; MACHADO, Denise B. Pinheiro. (Org.). Conectividade, Resiliência: estratégias de projeto para a metrópole.1ª
ed. Rio de Janeiro: RioBooks / PROURB, 2012, v. , p. 31-61.

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