Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EXPLICA
r\ i I T I ii
RAES ROSA
r i,E NOGUEIRA CALVÂO f
f
I
AL BR f
r
r
PQ 9697 F
F
•R 7S r
p Z725 r
2000 x
p
V
© 2000 Publifolha - Divisão de Publicações da Empresa Folha da Manhã S.A
© 2000 Walnice Nogueira Galvão
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expresso
e por escrito do Publifolha - Divisão de Publicações da Empresa Folha do Manhã S . A.
Editor
Arthur Nestrovski
Revisão
Mário Vilela
Fotos
Folha Imagem Aí .
Editoração eletrónica f ôíL
Picture studio & fotolito
PUBLIFOLHA
Divisão de Publicações do Grupo Folha
CONCLUSÃO 69
BIBLIOGRAFIA 73
AL BR
PQ9697
.Z R725
76
2000 x
INTRODU ÇÃ O
uando Guimarã es Rosa publicou seu
primeiro livro, Sagarana , em 1946 , duas
vertentes assinalavam o panorama da fic-
çã o brasileira : o regionalismo e a rea -
çã o espiritualista .
Sua obra vai representar uma sí ntese feliz das duas
vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os in -
teriores do pa ís, pondo em cena personagens plebeias
e “ t í picas ” , a exemplo dos jagun ços sertanejos. Leva a
sé rio a fun çã o da literatura como documento, ao ponto
de reproduzir a linguagem característica daquelas pa-
ragens. Poré m , como os autores da rea çã o espiritualista ,
descortinando largo sopro metaf ísico, costeando o so-
brenatural , em demanda da transcendê ncia.
No que superou a ambas, distanciando-se, foi no
apuro formal , no cará ter experimentalista da lingua-
gem , na erudiçã o poligl ó tica , no trato com a literatura
universal de seu tempo, de que nenhuma das verten -
tes dispunha , ou a que n ã o atribu íam importâ ncia. E
Introdução 9
^ li I ti.
. >I
u /T f -
1 . O LUGAR DE
GUIMAR Ã ES ROSA NA
LITERATURA BRASILEIRA
REGIONALISMO, REGIONALISMOS
Antonio Câ ndido, Formação da Literatura Brasileira. Sào Paulo: Martins, 1959. José
Aderaldo Castello, A Literatura Brasileira. Sào Paulo: Edusp, 1999. L í gia Chiappini
Moraes Leite, “ Velha Praga? Kegionalismo Literá rio Brasileiro". Em: Ana Pizarro
(org. ) , America Latina - Falarra , Literatura , Cultura . Campinas: Unicamp, 1994. v. II .
O Lugar de Guimarães Rosa 15
O REGIONALISMO DE 30 E O
ROMANCE SOCIAL NORTE- AMERICANO
Se para o primeiro regionalismo a inspiraçã o tinha
provindo do romantismo e para o segundo do natura-
íS Guimarães Rosa
4
Sé rgio Miceli , Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil ( 1920 - 1945 ) . Sào Paulo: Difel ,
1979.
12 Guimarães Rosa
atualizada .
O lugar de Guimarães Rosa 23
w
uando Grande Sertão: Veredas é lan çado, em
1956, já foi precedido por Sagarana em
1946 e por Corpo de Baile igualmente em
1956. Até entào conhecido por narrativas
—
mais curtas os contos do primeiro livro e as novelas do
—
segundo , Guimarã es Rosa surpreendeu os leitores ao
brindá-los com um alentado romance de quase 600
pá ginas. A rea çã o da cr ítica foi instantâ nea e, após as
polêmicas iniciais, acabou por proclamar seu roman -
ce uma obra - prima . Os estudos se multiplicaram
imediatamente , os cr í ticos mais reputados dedican -
do-se a analisar e interpretar o novo livro. Aqui final-
mente se encontrava a verdadeira saga do sertã o, como
o pró prio t í tulo indica.
N ã o é só Grande Sertão : Veredas, mas toda a obra
de Guimarã es Rosa , de fato, que começa e acaba no
sert ã o. Para sempre identificado ao sert ã o, esse é seu
universo, seu horizonte, seu ponto de partida e de
chegada.
uando Grande Sertão: Veredas é lan çado, em
1956, já foi precedido por Sagarana em
1946 e por Corpo de Baile igualmente em
1956. Até entào conhecido por narrativas
—
mais curtas os contos do primeiro livro e as novelas do
—
segundo , Guimarã es Rosa surpreendeu os leitores ao
brindá-los com um alentado romance de quase 600
pá ginas. A rea çã o da cr ítica foi instantâ nea e, após as
polêmicas iniciais, acabou por proclamar seu roman -
ce uma obra - prima . Os estudos se multiplicaram
imediatamente , os cr í ticos mais reputados dedican -
do-se a analisar e interpretar o novo livro. Aqui final-
mente se encontrava a verdadeira saga do sertã o, como
o pró prio t í tulo indica.
N ã o é só Grande Sertão : Veredas, mas toda a obra
de Guimarã es Rosa , de fato, que começa e acaba no
sert ã o. Para sempre identificado ao sert ã o, esse é seu
universo, seu horizonte, seu ponto de partida e de
chegada.
Grande Sertão: Veredas 29
O SERT Ã O
OS JAGUN ÇOS
Desde a descoberta do pa ís, o sertã o fixou-se nos escri-
—
tos dos cronistas e viajantes nossos primeiros histo-
riadores -, mas també m na ficçã o em prosa e na poesia ,
como um território desconhecido, palco de violê ncia e
de ausência da lei . Apoiando-se sobre a tradiçã o oral , o
romance de Guimarães Rosa n ã o podia deixar de ser
uma história de bandos e de bandidos.
—
O bandido que o habita o jagun ço ocupa —
tanto o imagin á rio popular quanto o literá rio. Nesse
livro, cabe-lhe um lugar central nas reflex õ es de
Riobaldo, o narrador-protagonista , ele mesmo jagun -
ç o e outrora chefe de bando, ora praticando a auto-
biografia para um interlocutor empá tico.
Do que se sabe a seu respeito na história de nosso
país, o jagun ço nã o é um criminoso vulgar. Seus crimes
revelam um laço com a honra e com a vingança . O
jagunço nào age isolado, mas sempre coletivamente: nào
é um assassino nem um ladrão, mas um soldado em
guerra que devasta e saqueia . Nas palavras de Riobaldo,
ao advogar a absolviçã o de Z é Bebelo: “ Que crime ?
Veio guerrear, como nós também [...]. Crime que sei , é
fazer traição, ser ladrã o de cavalos ou gado nao cum-
•••
OS HOMENS E OS BOIS
Recapitulando: o “ sertã o ” designa uma zona vasta
do interior do Brasil , o cora çã o do pa ís . Suas carac-
ter ísticas f ísicas sã o vari á veis, embora as associa çõ es
de seca e de aridez sejam predominantes, e a vegeta-
çã o típica a caatinga . Mas há ah também , como se men-
cionou , muitas pastagens naturais , ao longo das
margens luxuriantes dos rios e das veredas que recor-
tam o sert ã o mineiro.
Numa tal diversidade, a unidade é fornecida pela
presen ça constante do gado e pela prá tica da pecu á ria
extensiva , com os animais criados soltos em largas ex-
tensões de territ ó rio desabitado: “ Lugar sert ã o se di-
vulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um
pode torar dez , quinze l éguas, sem topar com casa de
morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, ar-
redado do arrocho de autoridade ” ( p. 9) .
É assim que o gado constitui o pano de fundo
para o entrecho. E raro que apareça em primeiro pia-
i4 Guimar ães Rosa
7 **
Oxford * * vem de ox (boi ) tfotd (passagem , vau . trecho raso do rio) .
Grande Sertão: Veredas 35
A PLEBE RURAL
A PERSPECTIVA FEUDAL
Z É BEBELO E A
CENTRALIZAÇÃO REPUBLICANA
Enquanto durou essa é poca , que se concentrou na
cria çà o e consolida çã o das instituições republicanas, o
O PAPEL DO
NARRADOR-PROTAGONISTA
A situa çã o de narrar que Grande Sertão: Veredas propõe
mimetiza o testemunho de um velho jagun ço chama-
do Riobaldo, agora retirado das lides guerreiras e, por
artes que aos poucos se esclarecerã o, transformado em
próspero fazendeiro. Dispõe-se ele a contar a hist ó ria
de sua vida a um interlocutor letrado e urbano, que
anota suas palavras:
Nonada . Tiros que o senhor ouviu foram de
briga de homem n ã o, Deus esteja ” ( p. 9) . Por essa cé-
lebre frase se abre a narrativa , ou seja , por um travessã o
que é signo de fala , e de uma fala que só se encerra
quase 600 pá ginas depois, sem divisã o de cap í tulos.
Esse travessã o instaura um mon ólogo ininterrupto, que
é um dos lados de um suposto diá logo, já que em
nenhum momento aquele que monologa cede a pala-
vra ao interlocutor. Mas este é postulado desde a pri-
meira frase, pelo travessã o e pelo tratamento respeitoso
de “ o senhor ” , que se reitera at é o fim.
O interlocutor é interpelado, sempre dentro da
fala do narrador, através de “ respostas ” que o narrador
d á a suas presum í veis perguntas, em geral sugerindo
Grande Sertão: Veredas 45
O PERCURSO DE RIOBALDO
Riobaldo, o narrador- protagonista , numa espécie de
exame de consci ê ncia feito na velhice, analisa em
retrospecto seu duplo destino de jagun ço-letrado, por
solicita çã o do interlocutor “ mudo ” e contando com
sua parceria. Nascido pobre e bastardo, guarda uma
boa lembran ça da m ã e, falecida quando o filho mal
sa í a da inf â ncia . Rememora com frequ ê ncia o evento
mais marcante dessa primeira parte de sua vida , a sa-
ber o encontro com o Menino, ao qual ele fará subse-
quentemente repetidas alusões.
Após a morte da m ã e, Riobaldo é recolhido pelo
padrinho Selorico Mendes — na verdade, o pai igno-
—
rado , em cuja fazenda vai morar.
E o padrinho quem o inicia nas artes da guerra e
nas letras. O padrinho tinha ilimitada admira çã o pelos
jagun ços e gostava de se jactar das rela ções de amizade
que tinha com muitos deles. Nessa ordem de idéias,
pòe nas mã os do afilhado diversas armas com as quais
deve se exercitar. E , contrariado porque o pequeno,
analfabeto, n ã o consegue ler os documentos que lhe
mostra para atestar sua familiaridade com jagunços cé-
lebres, decide enviá-lo à escola da aldeia mais pró xima .
Grande Sertão: Veredas 47
RIOBALDO E DIADORIM
Antonio Cândido, “ O Homem dos Avessos". Em : Tese e Ant ítese. Sào Paulo: Com -
panhia Editora Nacional , 1964; p. 135 e 139.
3 . DOS PRIMÓ RDIOS
AOS P Ó STUMOS
SAGARANA
1
Saga : conjunto ou série de estórias orais; termo derivado do verbo “ dizer ” , por-
tanto um í ndice é pico.
56 Guimarães Rosa
CORPO DE BAILE
12 •* A
Revolução Guimarã es Rosa” . Em: Oswaldino Marques, op. cit . ; p. 175-6.
Edoardo Bizzarri (or . ) J . Guimarães Rosa - Correspondência com o Tradutor Italiano.
^ t
1969; p. 177 -8 .
Dos Primó rdios aos Póstumos 61
OS PÓ STUMOS
Ao morrer em 1967, Guimarã es Rosa deixou quase
prontos para serem editados dois outros livros , Estas
Est órias e Ave, Palavra . Lendo esses volumes, percebe-
se serem subprodutos dos extraordin á rios êxitos ante-
riores, que o alçaram ao posto de mais importante
ficcionista brasileiro, crit é rio partilhado pelos crí ticos
e pelo p ú blico.Tornara-se um sucesso editorial , e tudo
o que ele fornecesse seria bem-vindo e avidamente
comprado. Daí o surgimento desses dois livros, reu -
nindo textos que n ã o mostram a obsessã o com a uni-
dade e a coerê ncia que se encontram nos demais.
O primeiro deles, Estas Estórias (1969) , consti-
tui -se de nove contos, e seu t í tulo dá continuidade à
tradiçã o das “ primeiras” e “ terceiras ” estó rias.
Enquanto os anteriores se assinalam pela coesã o,
o mesmo n ã o ocorre nesse livro, que re ú ne estó rias
que o pró prio Guimarã es Rosa nã o quis incluir nos
outros, porque n ã o combinavam e n ã o alcan çavam o
mesmo n í vel . Figuram escritos que antes tinham sa í-
do em periódicos, mais um que tinha sa í do num vo-
lume coletivo, e alguns in éditos, entre eles sobras do
conjunto de Contos que depois se transformaria em
Sagarana . Mas ainda sã o, todos, est ó rias.
Renard !Vrez , “ Perfil de Joào Guimarães Rosa". Em: Em Memória dcjoào Guimarães
Rosa Rio de Janeiro:José Olympio, 1968 .Vicente Guimarães, Joàozito - btfánaa deJoào
Guimarães Roso . Rio de Janeiro: José Olympio/ INL, 1972 . Vilma Guimarães Rosa,
Rclcmbramcntos :Joào Guimarães Roso , Meu Pai , Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Traços Biográ ficos 67
Helo í sa Vilhena de Ara újo, Guimarães Rosa : Diplomata . Brasília: Ministé rio das
Relações Exteriores, 1987 .
68 Guimarães Rosa
SOBRE GUIMARAES
—
Vicente Guimarã es, JoãozitQ Inf ância de João Guima -
rães Rosa . Rio deJaneiro:José Olympio / INL , 1972.
Oswaldino Marques, “ Canto e Plumagem das Pala-
vras" e “ A Revolu çã o Guimarã es Rosa". Em: A Seta
e o Alvo. Rio de Janeiro: MEC / INL , 1957.
Benedito Nunes, “ Guimarães Rosa ” . Em: O Dorso do
Tigre. Sã o Paulo: Perspectiva , 1969.
M . Cavalcanti Proen ça , Trilhas no Grande Sert ão. Rio
de Janeiro: MEC, 1958.
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 41. Sã o Paulo:
USH 1996 ( n ú mero especial sobre Guimarães Rosa) .
Revista USP, 36, dez . / jan . / fev. 1997-8. Dossiê 30 Anos
Sem Guimarães Rosa.
Paulo R ó nai , “ Apê ndice - Os Prefá cios de Tutaméia -
As Estó rias de Tutaméia” . Em:João Guimarã es Rosa ,
Tutaméia - Terceiras Estó rias. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1967.
Vilma Guimarã es Rosa , Relemhramentos: João Guima-
rães Rosa , Meu Pai . Rio de Janeiro: Nova Fronteira ,
1983.
Kathrin Rosenfield , Os ( Des )caminhos do Demo. Tradi -
ção e Ruptura em Grande Sertã o: Veredas . Sã o Paulo:
Edusp, 1992.
—
Heloísa Starling, Lembranças do Brasil Teoria Polí tica ,
Histó ria e Ficçã o em Grande Sertã o: Veredas. Rio de
Janeiro: Iuperj / Revan , 1999.
Francis Ut é za , Metaf ísica do Grande Sertão. Sã o Paulo:
Edusp, 1994.
[ V á rios ] , Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de
Janeiro:José Olympio, 1968.
Teresinha Souto Ward , O Discurso Oral em Grande
Sert ã o: Veredas . Sã o Paulo: Duas Cidades / INL ,
1984.
SOBRE A AUTORA
GUIMARÃES ROSA
WALNICE NOGUEIRA GALVÁO
Guimarães Rosa ( 1908-67) é, por consenso, o maior escritor
brasileiro de ficção da segunda metade do século 20. Seu romance
Grande Sertào: Veredas transporta nossa língua para um plano de
invenção nunca antes alcançado. Juntamente com Sagarana e Corpo
de Baile, é uma das obras que nos definem para nós mesmos e ensi-
nam a pensar o país de outro viés.
Conjugando regionalismo (brasileiro) e espiritualismo (euro-
peu), Guimarães Rosa chega a uma síntese inimitável - embora
muito imitada. Sua presença extrapola a literatura e se faz sentir
no cinema, na TV, na música. Este livro aborda toda a sua
obra, compreendida no contexto histórico em que surgiu.
E uma porta de entrada, e revisão esclarecedora, de um
dos nossos maiores patrimónios.
PUBLIFOLHA