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FOLHA

EXPLICA

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RAES ROSA
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© 2000 Publifolha - Divisão de Publicações da Empresa Folha da Manhã S.A
© 2000 Walnice Nogueira Galvão

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Galvão, Walnice Nogueira


Guimarães Rosa / Walnice Nogueira Galvão -
São Paulo : Publifolha, 2000 - (Folha explica)
Bibliografia.
ISBN 85- 7402- 225-X

1. Ficção brasileira 2. Rosa, Guimarães, 1908- 1967 -


Crítico e interpretação I. Título. II. Série.

00-2870 CDD -869 9309

í ndices para catãlogo sistemãtico:


1. Fic ção : Literatura brasileira : História e crítica 869 9309

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7

1 . O LUGAR DE GUIMARAES ROSA


NA LITERATURA BRASILEIRA 13

2. GRANDE SERT ÃO : VEREDAS 17

3. DOS PRIMÓRDIOS AOS PÓSTUMOS 51

4. TRAÇOS BIOGR Á FICOS 65

CONCLUSÃO 69

BIBLIOGRAFIA 73

AL BR
PQ9697
.Z R725
76
2000 x
INTRODU ÇÃ O
uando Guimarã es Rosa publicou seu
primeiro livro, Sagarana , em 1946 , duas
vertentes assinalavam o panorama da fic-
çã o brasileira : o regionalismo e a rea -
çã o espiritualista .
Sua obra vai representar uma sí ntese feliz das duas
vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os in -
teriores do pa ís, pondo em cena personagens plebeias
e “ t í picas ” , a exemplo dos jagun ços sertanejos. Leva a
sé rio a fun çã o da literatura como documento, ao ponto
de reproduzir a linguagem característica daquelas pa-
ragens. Poré m , como os autores da rea çã o espiritualista ,
descortinando largo sopro metaf ísico, costeando o so-
brenatural , em demanda da transcendê ncia.
No que superou a ambas, distanciando-se, foi no
apuro formal , no cará ter experimentalista da lingua-
gem , na erudiçã o poligl ó tica , no trato com a literatura
universal de seu tempo, de que nenhuma das verten -
tes dispunha , ou a que n ã o atribu íam importâ ncia. E
Introdução 9

no fato de escrever prosa como quem escreve poesia —


ou seja , palavra por palavra , ou até fonema por fonema.
Nesse sentido, Guimarã es Rosa é ú nico na lite-
ratura brasileira : foi em sua pena que nossa l í ngua
literá ria alcan ç ou seu mais alto patamar. Nunca an-
tes, nem depois, a l í ngua foi desenvolvida assim em
todas as suas virtualidades. A tal ponto que, na formu-
la çã o de um de seus primeiros e melhores crí ticos,
Cavalcanti Proen ça , 1 ele chega a se confundir com a
lí ngua, colocando-se em seu ponto inaugural e, a exem-
plo dela , criando incessantemente.
Assim , por exemplo, toma a liberdade de trocar
um sufixo por outro (prefere “ abominoso ” a abomin á-
vel) . Ou deriva um adjetivo, até entã o inexistente, de
um substantivo; ou o contrá rio. Ou ainda inventa um
verbo, a partir da enumera çã o das vogais (“ o vento
aeiouava ” ) . Ou cunha um nome pró prio, juntando o
pronome de primeira pessoa em vá rias l í nguas - que,
pronunciados à brasileira , se tornam irreconhecí veis —
para batizar a personagem Moimeichego ( moi , me, ich ,
ego ) . E assim por diante. O escritor está reproduzindo
os processos de criaçã o da pró pria lí ngua .
Dedicou -se incansavelmente a atacar o lugar-
comum, que jamais utilizava , a menos que fosse para
criar um an á logo, antes escrevendo “ antenasal de mim
a palmo ” que “ a um palmo diante do nariz ” . Esse pro-
pósito de inova çã o lingu ística manifesta-se a todo
momento em sua obra ; e ele també m se pronunciou a
respeito em entrevistas e declara ções.
Outra razã o pela qual a leitura de Guimarã es Rosa
é uma experiê ncia imperativa reside em sua capacidade
de fabula çà o. Raramente houve na literatura brasileira

M . Cavalcanti Proen ça , Trilhas no Grande Sert ão. Rio de Janeiro: MEC,1958.


lo Guimarães Rosa

um autor uà o prol ífico em diferentes enredos, com


suma capacidade de inventar tramas e personagens.
Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu , o
escritor como que dignifica o sertanejo pobre, mos-
trando como o mais papudo dos catrumanos dos
cafund ós pode aspirar à transcend ê ncia e se entregar a
especula ções metafísicas, sem precisar sequer saber ler.
Este livro tem por objetivo apresentar a obra do
escritor, examinando-a de diferentes perspectivas. Um
primeiro capí tulo cuida de determinar o lugar que
ocupa na literatura brasileira , mostrando como sua
originalidade o torna incompará vel , embora tenha
precursores. O Cap í tulo 2 se concentra em esmiu çar

João Guimar àes Rosa ( 1908 -67 )


Introdução 11

o mais importante de seus livros e ú nico romance,


Grande Sert ão: Veredas (1956) , assumindo que todos os
grandes achados de sua ficçã o se encontram ali sinte-
tizados. O terceiro cap í tulo é dedicado ao restante da
obra de Guimarã es Rosa , analisando desde Sagarana
(1946) , passando por Corpo de Baile (1954) , Primeiras

Estórias (1962) e Tutaméia Terceiras Estórias (1967) , at é
seus dois livros póstumos, Estas Estó rias (1969) e Ave,
Palavra (1970) . O cap í tulo seguinte fornece os tra ços
biográficos do escritor. E a Conclusã o faz um balan ço
de seu papel em nossa cultura .
Completa este livro uma bibliografia de e sobre
o autor, em que se procurou selecionar o que é, de
fato, tanto indispensá vel quanto ilustrativo do amplo
espectro teó rico e crí tico que essa obra suscitou .

^ li I ti.
. >I

u /T f -
1 . O LUGAR DE
GUIMAR Ã ES ROSA NA
LITERATURA BRASILEIRA
REGIONALISMO, REGIONALISMOS

regionalismo2 foi uma manifesta çã o lite-


rá ria que em parte se opunha ao que ocor-
ria nas matrizes europeias , por isso
reivindicando a representa çã o da realida-
de local , e em parte as prolongava , ao aceitar normas
que de l á emanavam . Passou por vá rias metamorfoses,
como se verá a seguir.
No in í cio, ao aparecer como nativismo, finca
ra í zes na descri çã o da especificidade da nova terra ,
dando ê nfase à quilo que lhe é característico, para efei-
to de propaganda , como o fizeram os cronistas colo-
niais. Da í uma predominâ ncia do pitoresco, que se
revela nas enumerações de animais e frutas estranhos,
com nomes també m estranhos.

Antonio Câ ndido, Formação da Literatura Brasileira. Sào Paulo: Martins, 1959. José
Aderaldo Castello, A Literatura Brasileira. Sào Paulo: Edusp, 1999. L í gia Chiappini
Moraes Leite, “ Velha Praga? Kegionalismo Literá rio Brasileiro". Em: Ana Pizarro
(org. ) , America Latina - Falarra , Literatura , Cultura . Campinas: Unicamp, 1994. v. II .
O Lugar de Guimarães Rosa 15

O advento do romantismo, coincidindo com a


independê ncia polí tica, só viria a acentuar tais tra ços.
Se essa escola redescobre o folclore, pesquisando os con-
tos e cantos do povo na Europa , vinha a calhar para os
escritores nacionais a valorizaçã o da cultura popular no
país. Sua principal personagem seria o í ndio, escolhido
como emblema da nacionalidade para marcar a dife-
ren ça com relaçã o ao colonizador portugu ês. N ú mero
considerável de patriotas, nesses meados do século 19,
trocou seus patron í micos casti ços por nomes ind ígenas,
numa verdadeira moda . Repetindo o movimento ha-
bitual , o í ndio das Amé ricas adquiriu estatura de prota-
gonista antes na Fran ça, com Chateaubriand , para só
depois se tornar nosso primeiro herói literá rio, assinalan-
do a modalidade nativa de romantismo, ou seja , o in-
dianismo de José de Alencar e Gon çalves Dias.
O desenvolvimento das letras tendo por foco a
Corte, posiçã o que o Rio de Janeiro ocupou como
capital do país durante dois séculos, até a transferê ncia
para Brasília em 1960, suscitaria reações localistas, tanto
no sul quanto no norte do pa ís. Tais rea ções acusam a
literatura da Corte daquilo que hoje chamaríamos
etnocentrismo, opinando que o Brasil aut ê ntico fica
no interior e n ã o no litoral deslumbrado pela Europa ,
a quem macaqueia . E reivindicam uma expressã o tan -
to pró pria quanto aut ó noma de sua peculiaridade.
Assim nasceu aquilo que se conhece como o pri-
meiro regionalismo, subproduto do romantismo. Foi tam-
bé m chamado de sertanismo, porque trouxe o sertã o
para dentro da ficçã o, onde teria longa vida . Manifes-
tando-se entretanto com contornos pouco precisos,
pode-se dizer que sua vigê ncia recobre bem meio sé-
culo, pelo menos desde quando já ia avan çado o ro-
mantismo, passando pelo naturalismo até atingir o
limiar do modernismo.
ió Guimarães Rosa

Nesse amplo guarda-chuva cabem pioneiros como


Bernardo Guimarães,Taunay e FranklinTávora . O pró-
prio Alencar, de importâ ncia seminal em nossas letras,
entre as muitas obras que escreveu procurando realizar
sua ambiçã o de cobrir o pa ís no tempo e no espaço, é
autor de vá rios livros regionalistas. Para todos, o inte-
resse central estava no pitoresco, na cor local, nos tipos
humanos das diferentes regiões e proví ncias.
Anos depois surgiria um segundo regionalismo ,sob
o influxo do naturalismo, em rea çã o ao romantismo,
rejeitando vá rios de seus achados e propondo outras
sondagens. Destacam -se Ingl ês de Sousa , Oliveira
Paiva , Rodolfo Te ófilo, Afonso Arinos, Domingos
Ol í mpio. A rea çã o contra o romantismo precedente
implicou em busca de descri çã o desapaixonada dos
fatos, preocupa çã o com os determinismos e com a
ci ê ncia , frio diagn óstico, pessimismo e fatalismo.
Generaliza çã o entretanto injusta para com alguns li -
vros que, ao alcan çar um n í vel mais alto de elabora -
çã o literá ria , escapam parcialmente ao bitolamento
naturalista , como Dona Guidinha do Poço, de Oliveira
Paiva , e Pelo Sert ão, de Afonso Arinos.
Pode-se ainda afiliar a esse segundo regionalismo
de recorte naturalista alguns tardios, já pré-modernis-
tas, sobretudo paulistas, focalizando a cultura caipira ,
como Monteiro Lobato eValdomiro Silveira . Contem-
porâ neo deles é um gaúcho dedicado âs hist ó rias e âs
figuras de seus pagos, Simões Lopes Neto. A relevâ ncia
de sua reduzida obra , embora com resultado diverso, é
algo que partilha comValdomiro Silveira, e reside prio-
ritariamente na cria çã o de uma “ fala ” própria em pri-
meira pessoa e em sua aten çã o â mimese da oralidade.
A essa altura , entre a primeira e a segunda leva
regionalista , já estavam completados, e foi tarefa leva -
da a cabo com empenho e escrú pulo por pelo menos
O Lugar de Guimarães Rosa 17

duas gera ções de escritores, tanto o mapeamento da


paisagem e das condições sociais, quanto o inventá rio
dos tipos humanos que se espalhavam pela desconhe-
cida vastidã o do pa ís: o caipira , o bandido, o jagun ço,
o caboclo, o cangaceiro, o vaqueiro, o beato, o tropeiro,
o capanga , o garimpeiro, o retirante.
N à o se pode minimizar na sequ ê ncia dos regio-
nalismos o impacto da publica çã o de Os Sertões, de
Euclides da Cunha , em 1902. Certamente filiado aos
padrões est é ticos do naturalismo, embora matizado de
parnasianismo e até de romantismo, sua sombra pai-
rou sobre a literatura brasileira com uma intensidade
que excedeu de muito a seu tempo.
No entanto, o filã o regionalista mostrava-se tã o
rico que ainda n ã o se esgotara e voltaria com forças
renovadas após o modernismo dos anos 20. Este, no
seu ata de desprovincianizar-se e al çar-se ao patamar
das vanguardas européias, apesar de todo o seu nacio-
nalismo torcera o nariz para o regionalismo e o decre-
tara de má qualidade esté tica , bem como inteiramente
equivocado quanto aos propósitos de dar a conhecer
o Brasil . O melhor exemplo é Macunaíma (1928) , de
M á rio de Andrade, te ó rico e principal artista da esco-
la , que esboça o panorama do Brasil em sua totalidade
mas deliberadamente confunde as diferentes regi ões e
aquilo que as caracteriza , praticando o que chamava
de “ desgeografica çà o ” .

O REGIONALISMO DE 30 E O
ROMANCE SOCIAL NORTE- AMERICANO
Se para o primeiro regionalismo a inspiraçã o tinha
provindo do romantismo e para o segundo do natura-
íS Guimarães Rosa

lismo, o terceiro, que se tornaria conhecido como “ re-


gionalismo de 30 ” , ' beberia em outras fontes.
No período entre as duas guerras mundiais, de 1918
a 1939, viveu-se intensa polarização pol í tica. Solicitados
por crises sociais sem precedentes, ainda em pleno rescaldo
daquela que foi a primeira guerra total , envolvendo o
planeta por inteiro numa globalização armada até então
inédita - e às voltas com uma escalada de conflitos que
prenunciava a próxima guerra, mais cruel ainda -, inte-
lectuais e artistas no mundo todo, bem como no Brasil ,
se arregimentavam à direita ou à esquerda. De preferên-
cia , à esquerda. Um per íodo que assistiu à ascensão dos
totalitarismos por toda parte - fascismo na Itália , Espanha
e Portugal , nazismo na Alemanha , peronismo na Argen-
tina , ditadura e Estado Novo de Getú lio Vargas no Brasil,
para não falar no integralismo de Plínio Salgado - só
podia mesmo convocar os intelectuais a uma maior par-
ticipaçã o na luta contra os regimes de exceção.
Como n ã o podia deixar de ser, essa arregimen-
ta çã o deixou marcas nas artes e na literatura um pouco
por toda parte. Uma das realiza ções mais interessantes
dela , à esquerda, foi o romance social norte-americano.
Nas d écadas de 20 e 30, exatamente nesse per ío-
do entreguerras que estamos recortando, surge com
pujan ça uma novidade literá ria , constituindo uma es-
pécie de neonaturalismo em seu empenho de den ú n -
cia da injustiça, da iniquidade, do preconceito sob todas

as suas formas de classe, de raça etc. Em sua preocu -
pa çã o social, seu mestre é o francês Emile Zola ( 1840-
1902) , principal hedonista do naturalismo, com vasta
obra que tra ça o painel dos males da sociedade fran-

Antonio ( 'andido, “ A Revolução de 1930 e a C ultura ” . Em: . 1 Educação Pela Xoite


0

c Outros Ensaios. Sao Paulo: Atica , 1987 .


O Lugar de Guimarães Rosa 19

cesa da belle é poque. Com berço nos Estados Unidos,


teve como pano de fundo a Grande Depressã o, cujo
pin á culo foi o craque da Bolsa de Valores de Nova
York em 1929. A crise só viria a ser estancada pela
prosperidade trazida pelos investimentos industriais em
armamentos e outros equipamentos bélicos, já prepa -
rando a Segunda Guerra Mundial. Os principais no-
mes da nova tend ê ncia sà o Theodore Dreiser, Upton
Sinclair, Sherwood Anderson , Michael Gold , Erskine
Caldwell , John Steinbeck , Sinclair Lewis, John dos
Passos. E ela acabará atingindo pelo menos os in í cios
do jovem Hemingway, també m ele jornalista , també m
de esquerda , també m cr ítico da sociedade americana .
Embora seja injusto deixar de lado o maior deles,
William Faulkner, com o qual acontece o que sempre
acontece com os muito grandes: n ã o cabe muito bem
nessa nem em qualquer classifica çã o.
Os três primeiros surgiram ainda antes do per ío-
do acima definido. Destacam-se como pioneiros, todos
eles socialistas e acusadores impiedosos da sociedade
norte-americana , principalmente pelo culto ao dinhei-
ro acima de tudo, com seu poder de corrupção e de-
grada ção moral. Aliás, um bom n ú mero desses escritores
neonaturalistas era jornalista de profissã o e socialista por
convicçã o. Como se pode verificar no que escreveram,
a busca de uma prosa desataviada , bem próxima da es-
crita para peri ódico, caracteriza a todos eles nova-
mente, exceto Faulkner.

Hoje em dia n ã o d á para imaginar a influência
que exerceram , entre n ós, em toda a Am é rica Latina e
na Europa. E , principalmente, a escala em que eram
lidos, pois tornaram-se best -sellers em seu pró prio pa ís
e pelo mundo afora . No Brasil foram muito divulga-
dos por vá rias editoras, destacando-se entre elas a Glo-
bo, de Porto Alegre, que os publicou a todos.
20 Guimarães Rosa

Como vimos, os autores do romance social norte-


americano sào de esquerda e, se n à o revolucion á rios, ao
menos reformistas. Praticando uma literatura empenha-
da , tiveram enorme divulgação e repercussão em seu tem-
po, em seu próprio país e além fronteiras, inclusive na
exigente Europa. Faziam uma literatura mais f ácil de ler
do que aquela das vanguardas (por exemplo, JamesJoyce) ,
nisso já pressagiando a ind ústria cultural. Esta optaria sem-
pre em favor do mais f á cil , do simplificado, relegando a

alta literatura aquela cuja forma é esteticamente infor-

mativa a um pequeno círculo de leitores sofisticados,
cada vez mais exíguo. Sintonizavam com pelo menos
parte do p ú blico à época, na tomada de consciência quan-
to à miséria. Reivindicavam reformas que minorassem
os sofrimentos dos pobres e oprimidos. Acusavam os ri-
cos e poderosos das condições iníquas da sociedade. Mos-
travam-se mais despreocupados com a forma e mais
preocupados com os conteú dos.
O impacto que causaram pode ser medido pelo
n ú mero de pré mios Nobel que conquistaram . Sinclair
Lewis (1930) foi o primeiro norte-americano a ser
agraciado com esse galard ã o, que depois coube a
Faulkner (1949) , Elemingway (1954) , Steinbeck (1962).
Com os quais, se juntarmos em registro parcialmente
diferente e para cima o notá vel dramaturgo Eugene
O’ Neill ( 1936) e em plano inteiramente diferente e
para baixo a romancista popular Pearl S. Buck ( 1938) ,
teremos uma boa avalia çã o do peso das letras dessa
nacionalidade no perí odo. Depois dessa constela çã o, a
premiação americana minguará outra vez.
Foi a primeira vez que a cultura norte-america-
na suplantou a européia em nosso pa ís. E nunca mais a
Europa retomaria sua ascendê ncia perdida.
Quanto aos nossos autores, hoje é quase dispensá-
vel apresentá-los, tal a hegemonia exercida durante longo
O Lugar de Guimarães Rosa 21

tempo pelo regionalismo de 30, desde que se tornou a


vertente dominante na prosa brasileira . O af ã ao mes-
mo tempo cosmopolita e nacionalista do modernismo,
que afinal se encenara todo no eixo Sà o Paulo-Rio,
somado a sua altíssima qualidade est ética , fora incapaz
de impedir um novo surto regionalista . Ao contrá rio
do modernismo, que privilegiava a poesia , a voga em
ascensao investe tudo no romance, gênero certamente
mais popular, mais impermeá vel a vanguardismos e
menos requintado. Com instrumentos mais agu çados
que os regionalismos anteriores, tinha todo o ar, devido
a sua simultaneidade, impressionante volume e inedi-
tismo, de ser propriamente uma escola , e vinda dos es-
tados do Nordeste.4
Historiadores e críticos sào concordes em consi-
derar como marco inaugural A Bagaceira (1928) , de José
Américo de Almeida , da Para íba . Ali já se notam certas
coordenadas que se farào recorrentes, desde o entrecho
que expõe um drama humano local, até a presença de
coronéis, de retirantes, da seca , da paisagem característi-
ca e das relações sociais. Em rá pida sequ ê ncia , estrearã o
e dominarã o com seus romances a cena literá ria por
vá rios decé nios, com apogeu nos anos 30 e 40, Rachel
de Queiroz, do Ceará , José Lins do Rego, da Paraíba ,
Graciliano Ramos, de Alagoas, e Jorge Amado, da Bahia ,
afora uma verdadeira plêiade de autores menores.
Seria injusto, por nã o ser nordestino e pouco ter
de rural, ao contrá rio erigindo romance após roman-
ce um painel da pequena burguesia urbana ga ú cha ,
bem como uma saga da coloniza çã o do extremo sul
arrancando do campo , deixar de citar É rico Veríssimo.

4
Sé rgio Miceli , Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil ( 1920 - 1945 ) . Sào Paulo: Difel ,
1979.
12 Guimarães Rosa

O fato é que essa safra de íicçào ao rés-do-chão,


aspirando ao documentá rio, constituiu um câ none ainda
vigente em nossos dias, impondo a norma à literatura
brasileira , impedindo por longos per
íodos que houvesse
percepção esté tica de autores que n ào atuassem dentro
de seus ditames.
E , porque coincidiu com a forma çã o de um
mercado editorial e de um p ú blico leitor, també m
explica em parte a persistê ncia das ramifica ções do
naturalismo como principal programa esté tico-literá-
rio entre n ós.

A OUTRA FACE DA MOEDA:


A " REAÇÃO ESPIRITUALISTA // 5

Entretanto, nem tudo era regionalismo no panorama


liter á rio brasileiro. Uma outra linha , certamente
recessiva e abafada pelo estrondoso sucesso, inclusive
de vendas, dos regionalistas, tenazmente produzia ,
mesmo que com menos estardalha ço. E viria , a seu
tempo, a gestar pelo menos um escritor extraordin á-
rio na pessoa de Clarice Lispector, embora essa gesta-
çã o implicasse num salto qualitativo e numa espécie
de supera çã o tanto da negligência com o burilamento
formal quanto da fragilidade de estrutura çã o.
Nessa outra face da moeda , o documento a que
aspirava o romance regionalista passa longe. Nada de
documental nem de engajamento, tampouco. Esses

Alceu Amoroso Lima , “ A Reaçã o Espiritualista ” . Em : Afranio Coutinho (org. ) .


Literatura no Brasil . Rio de Janeiro: José Olympio, 1986 , v. IV, 3. ed . revista e
t

atualizada .
O lugar de Guimarães Rosa 23

escritores, cada um à sua maneira , voltam as costas ao


social e à militâ ncia, para embrenhar-se nas entranhas
da subjetividade.
Muito interessante é que suas afinidades eletivas
provenham de outras paragens que n à o aquelas para as
quais se voltava o romance regionalista: da Fran ça , so-
bretudo. A grande sombra fecundante que paira sobre
a ficçà o introspectiva é o romance cat ólico francês de
entreguerras, prolongando-se pelos anos 40 e 50. Li-
das, relidas, assimiladas e depuradas sà o as obras de ro-
mancistas como Georges Bernanos, Fran çois Mauriac,
Julien Green, e a doutrinação dejacques Maritain . Esse
romance quase nunca é rural nem propriamente ur-
bano, poré m de mat é ria provinciana ou interiorana ,
de pequenas cidades; ou , mesmo quando rural , a dis-
cussã o se entabula no plano dos problemas urbanos.
Compraz-se na decad ê ncia e na degradação moral de
fim de ra ça. Comparecem incestos, aleijões psí quicos
resultantes de endogamia e consanguinidade, patriar-
calismo incontrastado com opressã o de filhos e mu-
lheres, estados mó rbidos, crimes, taras e perversões,
mostrando-se afim ao naturalismo.
Os romances dos discí pulos desses autores, alé m
de reivindicarem com ê nfase uma espiritualidade que
supunham perdida ou pelo menos extraviada no pa-
norama art ístico nacional, apregoavam o Misté rio, as-
sim com letra maiuscula . Suspensos entre o pecado e a
gra ça , escrevendo à borda do inefá vel , sustentando que

os problemas materiais misé ria , injustiça , opressã o -
nada significam quando comparados à salva çã o ou
perdi çã o da alma , esses escritores e seus escritos ope-
ram por dentro de uma introspecçã o levada ao limite.
Tudo se passa como se quisessem perquirir uma imensa
problem á tica espiritual, encenando-se no í ntimo de
cada um , enquanto recuperavam a dimensã o da sub-
24 Cutmarães Rosa

jetividade - mas uma subjetividade bem singular, vi-


vendo o drama católico.
Em suas obras vamos nos deparar com os emba-
tes entre o Bem e o Mal , a escurid ã o da alma , a obses-
sã o com a transcendê ncia , o senso do enigma latente
na existê ncia , a onipresen ça do pecado em meio à
demanda desesperada da perfeiçã o, confrontada com a
aboliçã o dos limites. De um lado, o confinamento na
problem á tica cristã resulta no ensimesmamento trazi-
do por uma busca incansá vel do sobrenatural . De ou -
tro, desemboca na ang ú stia da cisã o entre o apelo
m ístico e o aprisionamento na vileza da carne. Tudo
isso num clima de pesadelo, facultando os vá rios ró tu -
los atribu ídos a essa linha literá ria , como os de roman-
ce de atmosfera, ou intimista, ou introspectivo, ou de
sondagem interior.
Seja como for, certamente encarna com vigor
uma rea çã o contra a particulariza çã o do regionalis-
mo: esse romance é universalizante.
Por isso, seus autores manifestam horror à cor
local , ao pitoresco, á exuberâ ncia dos tró picos, ao t í pi-
co, à iman ê ncia de um mundo sem Deus. Nisso, des-
solidarizam-se dos regionalistas de 30 no que estes
tê m de ateus ou agn ósticos, abstendo-se de tocar em
assunto religioso, a n ã o ser para zombar abertamente
do cará ter interesseiro do clero e da beatice dos fiéis,
denunciando a cumplicidade da hierarquia da Igreja
com os opressores.
E de se notar que, enquanto o modernismo se
d á como um fen ó meno primordialmente paulista ,
passando-se em Sã o Paulo entre escritores paulistas, e
o regionalismo de 30 é coisa de nordestinos, como
vimos, já essa outra face da moeda do romance de
entreguerras tem seu ch ã o no Rio de Janeiro, seja en -
tre os nascidos ali mesmo, como Octavio de Faria , ou
O Lugar de Guimarães Rosa 25

perto, como Corn élio Pena em Petró polis, migrados


de Minas, como L ú cio Cardoso, ou da Bahia , como
Adonias Filho. Na capital do pa ís, aproximam-se to-
dos do grupo católico liderado por Tristào de Athayde,
pseud ó nimo do influente cr í tico e te ó rico Alceu
Amoroso Lima , que organizou o ideá rio e escreveu
sobre o romance espiritualista , e pelo pensador cat óli-
co Jackson de Figueiredo, criador, em 1922 ano da
Semana de Arte Moderna e da funda çã o do Partido


Comunista , do Centro Dom Vital , no Rio, de
reavivamento cat ólico. Quando Jackson de Figueiredo
morre em 1928, Tristà o de Athayde coincidentemen-
te se converte e assume a direçã o daquele Centro.
Todos gravitavam na ó rbita da revista cat ólica
A Ordem . Esse caldo de cultura , muito influente à épo-
ca , també m produziu , alé m dos romancistas, impor-
tante poesia e ensaio. Os citados sã o apenas os autores
de maior renome, havendo um n ú mero respeit á vel de
escritores à época que se pautavam pelo mesmo ideá rio.
Em doses diversas, e variando conforme a perso-
nalidade art ística de cada um , percebem-se todavia
elementos comuns na obra de todos eles. Uma certa
vivê ncia exasperada da derrocada , medita çã o tortu-
rante da subjetividade, preocupa çã o com a fatalidade,
religiosidade assumida ou negada que eclode em ob-
sessã o com o pecado, uma busca da transcend ê ncia e
até do sobrenatural na ficçã o.
A rea çã o espiritualista no romance, a exemplo
do regionalismo, tampouco se desprende de todo
do naturalismo, no fatalismo com que abre espa ço
à s for ç as at á vicas e heredit á rias, aos instintos , à irra -
cionalidade. Contribuem para esse efeito a escava -
çã o mtrospectiva e o aprofundamento de certas
t é cnicas liter á rias t í picas do sé culo 20 , como o mo-
n ólogo interior, o fluxo da consci ê ncia , e tudo o
2ô Guimarães Rosa

que desagregasse o discurso, que assim pretendia ser


fiel e colado ao que se postulava como o verdadeiro
funcionamento da psique.
Nem sempre é fá cil distinguir com clareza uma
e outra face da moeda , havendo de permeio um terri-
t ó rio de transi çã o que muitos autores perlongaram , e
em que alguns perderam o rumo. E , se L ú cio Cardoso
começou pelo regionalismo, com Maleita , també m
Caetés e ainda mais Ang ústia , de Graciliano Ramos,
assim como parte da obra de José Lins do Rego, por
exemplo, tê m um inegá vel ar de parentesco com esse
romance de atmosfera e de indaga çã o interior. E bem
mais se pensarmos na busca de uma transcend ê ncia
sem Deus.
E nesse panorama literá rio, basicamente bipartido,
que Guimarã es Rosa vai fazer sua apariçã o, operando
como que uma sí ntese das características definidoras
de ambas as vertentes: algo assim como um regiona-
lismo com introspecçã o, um espiritualismo em rou -
pagens sertanejas.
2 . GRANDE SERT ÃO : VEREDAS

w
uando Grande Sertão: Veredas é lan çado, em
1956, já foi precedido por Sagarana em
1946 e por Corpo de Baile igualmente em
1956. Até entào conhecido por narrativas

mais curtas os contos do primeiro livro e as novelas do

segundo , Guimarã es Rosa surpreendeu os leitores ao
brindá-los com um alentado romance de quase 600
pá ginas. A rea çã o da cr ítica foi instantâ nea e, após as
polêmicas iniciais, acabou por proclamar seu roman -
ce uma obra - prima . Os estudos se multiplicaram
imediatamente , os cr í ticos mais reputados dedican -
do-se a analisar e interpretar o novo livro. Aqui final-
mente se encontrava a verdadeira saga do sertã o, como
o pró prio t í tulo indica.
N ã o é só Grande Sertão : Veredas, mas toda a obra
de Guimarã es Rosa , de fato, que começa e acaba no
sert ã o. Para sempre identificado ao sert ã o, esse é seu
universo, seu horizonte, seu ponto de partida e de
chegada.
uando Grande Sertão: Veredas é lan çado, em
1956, já foi precedido por Sagarana em
1946 e por Corpo de Baile igualmente em
1956. Até entào conhecido por narrativas

mais curtas os contos do primeiro livro e as novelas do

segundo , Guimarã es Rosa surpreendeu os leitores ao
brindá-los com um alentado romance de quase 600
pá ginas. A rea çã o da cr ítica foi instantâ nea e, após as
polêmicas iniciais, acabou por proclamar seu roman -
ce uma obra - prima . Os estudos se multiplicaram
imediatamente , os cr í ticos mais reputados dedican -
do-se a analisar e interpretar o novo livro. Aqui final-
mente se encontrava a verdadeira saga do sertã o, como
o pró prio t í tulo indica.
N ã o é só Grande Sertão : Veredas, mas toda a obra
de Guimarã es Rosa , de fato, que começa e acaba no
sert ã o. Para sempre identificado ao sert ã o, esse é seu
universo, seu horizonte, seu ponto de partida e de
chegada.
Grande Sertão: Veredas 29

O SERT Ã O

Mas que sertà o é esse ? Geograficamente, n à o é o do


Nordeste, do Polígono das Secas. E outro, bem menos
conhecido e explorado artisticamente, seja pela litera-
tura , seja pelo cinema: é o sert à o do estado de Minas
Gerais.
E importante precisar essa distin çã o, porque, di-
ferentemente do sertã o calcinado e trilhado pelos re-
tirantes de, por exemplo, Vidas Secas, de Graciliano
Ramos, este é um sert à o caracterizado por aquilo que
se chama localmente os campos gerais , com suas pasta-
gens boas para gado, a perder de vista . E - pasmem —
pela abundâ ncia de água, tantos são os rios que o cor-
tam , dos quais o principal é o grande Sã o Francisco,
com seus numerosos afluentes. O leitor de Guimarã es
Rosa deve, portanto, habituar-se à ideia de um sertà o
que n ã o é pardo nem á rido.
A bela oposiçã o entre seco e ú mido, uma das
mais assentadas na literatura de todos os tempos - a se

fazer notar desde a Bíblia , desempenha um papel de
primeiro plano na obra de nosso escritor, que soube
reconhecê-lo ao intitular seu ú nico romance como
Grande Sertào: Veredas. Nesse t í tulo, armado em ant í te-
se, a palavra “ vereda ” n à o tem o sentido corrente de
“ caminho ” ou “ via ” , mas sim o significado local e re-
gional, que só adquire lá mesmo nos campos gerais, de
“ regato ” ou “ riozinho ” . O grande sert à o, ou espa ço
circundante abrangente e presumivelmente á rido, é
recortado por mil e um desses riachinhos, como a pró-
pria obra rosiana n à o se cansa de explicar em vá rias
passagens.
Nã o se pode, tampouco, ignorar o significado
simbólico que se superpõe a esse, literal: o de um es-
}o Guimarães Rosa

pa ço amplo e perigoso, cheio de percalços e armadi-


lhas, verdadeiro labirinto existencial , mas que admite
brechas levando a sa í das, vias de comunica çã o - talvez
vias de salva çã o.
Superpondo-se ainda a esse, mas com ele coin -
cidindo, encontramos um sertã o m í tico, onde em jogo
est á a salva çã o ou perdi çã o do ser humano, mero peã o
na eterna batalha entre Deus e o Diabo.
Esse é o espa ço ao mesmo tempo geográfico, sim-
bólico e m í tico onde se desenrola a obra de Guima-
rã es Rosa .
Ao escrever o romance, marcado pelo signo da
ambiguidade,6 Guimarã es Rosa mitifica esse grande
espa ço interior do Brasil que é o sertã o, recolhendo as
sagas dos guerreiros que o habitaram . Um espa ço sem
fronteiras interiores nem exteriores, tendo por pontos
de fuga no horizonte, aludidos mas nunca mostrados,
a cidade e o mar. Um espaço onde o maravilhoso e o
fantástico fazem parte da vida cotidiana.

OS JAGUN ÇOS
Desde a descoberta do pa ís, o sertã o fixou-se nos escri-

tos dos cronistas e viajantes nossos primeiros histo-
riadores -, mas també m na ficçã o em prosa e na poesia ,
como um território desconhecido, palco de violê ncia e
de ausência da lei . Apoiando-se sobre a tradiçã o oral , o
romance de Guimarães Rosa n ã o podia deixar de ser
uma história de bandos e de bandidos.

Walnice Nogueira Galvâo, As Formas do Falso - um Estudo Sobre a Ambiguidade no


Grande Sertão: Veredas . Sã o Paulo: Perspectiva, 1972 .
Grande Sertão: Veredas ji


O bandido que o habita o jagun ço ocupa —
tanto o imagin á rio popular quanto o literá rio. Nesse
livro, cabe-lhe um lugar central nas reflex õ es de
Riobaldo, o narrador-protagonista , ele mesmo jagun -
ç o e outrora chefe de bando, ora praticando a auto-
biografia para um interlocutor empá tico.
Do que se sabe a seu respeito na história de nosso
país, o jagun ço nã o é um criminoso vulgar. Seus crimes
revelam um laço com a honra e com a vingança . O
jagunço nào age isolado, mas sempre coletivamente: nào
é um assassino nem um ladrão, mas um soldado em
guerra que devasta e saqueia . Nas palavras de Riobaldo,
ao advogar a absolviçã o de Z é Bebelo: “ Que crime ?
Veio guerrear, como nós também [...]. Crime que sei , é
fazer traição, ser ladrã o de cavalos ou gado nao cum-
•••

prir a palavra...” (p. 252) .


Esse romance mant é m vivas as duas faces do ja-
gunço: a das proezas cavalheirescas de justiceiros pron -
tos a defender a causa dos oprimidos (cujo modelo é
Robin Hood) e aquela dos atos de crueldade gratuita .
Basta lembrar as dificuldades enfrentadas por Euclides
da Cunha ao escrever Os Sert ões. Dilacerado entre a
admira çã o que sentia pela resist ê ncia heroica dos ho-
mens de Canudos e o asco que suscitava nele essa horda
de “ fan á ticos ” ignorantes e supersticiosos, recorre às
antinomias e ant í teses, em busca de uma sí ntese que
incessantemente lhe escapa.
Grande Sertão: Veredas mostra como num pa ís
imenso, de territó rio quase infinito, o exercício priva-
do e organizado da violê ncia a servi ço dos poderosos
sempre constituiu a regra , e n à o a exceçã o. A í radica
um dos fundamentos de uma sociedade sem par em
sua iniquidade. Outros fatores, como a escravid ã o, por
exemplo, só concorreriam para agravar esse quadro. A
presen ça de uma força armada a serviço de um pro-
u Guimarães Rosa

prietá rio de terras, dentro de sua fazenda , desempe-


nha um papel ao mesmo tempo defensivo e ofensivo:
“ todos donos de agregados valentes, turmas de cabras
no trabuco e na carabina escopetada! ” ( p. 107) . Esses
sem-terra alugados do patrà o servem para vá rias coi-
sas: garantir os limites da propriedade, sem cessar con -
testados; grilar terras; eliminar adversá rios; organizar
eleições, recorrendo à fraude e à intimida çã o, mobili-
zando os eleitores “ de cabresto ” ; desencadear conten-
das ou reprimi-las.
Na pertin ê ncia de suas an á lises, o romance ex-
põe aos olhos do leitor, como a literatura sempre fez , a
concretude dos fen ô menos hist ó ricos, encarnados em
personagens. Os estudiosos chamaram e chamam nossa
aten çã o para o cará ter rotineiro das diversas manifes-
ta ções de viol ê ncia no Brasil , que causaram n ã o só
perturba ções eleitorais no passado, mas també m in-
surreições, rebeli ões e golpes de Estado. Basta pensar
em qu ã o poucos anos de democracia resulta o saldo
do século 20 entre n ós, em sua maior parte dominado
por ditaduras e estados de sí tio. Isso deriva de um re-
gime autorit á rio de domina çã o, onde todo poder
emana do alto, de um lado, e de outro lado h á uma
ausê ncia quase total de instituições de autodefesa do
povo.
Nesse ponto, a instituição da escravidão com mão-
de-obra trazida da África foi decisiva . Toda atividade
produtiva se concentrava nas unidades rurais, as fazen-
das, onde o trabalho compulsório era feito pelos escra-
vos, submetidos a um só patr ã o, o proprietá rio. À
margem dessa equa çã o senhor / escravo, foi-se constitu -
indo uma enorme popula çã o de homens livres, desti-
tu í dos de todo poder econ ómico e pol í tico, dependente
da boa vontade do proprietá rio para sua subsistê ncia.
Inteiramente ao abandono, sem quaisquer direitos civis,
Grande Sertão: Veredas }}

essa popula çã o por sua própria natureza in útil acabava


por ser utilizada pelo fazendeiro para as mencionadas
operações defensivas e ofensivas. Cada fazenda, desde
os primeiros tempos da coloniza çã o, contava com um
verdadeiro exé rcito particular.
Com o passar dos anos, o cará ter privado do po-
der efetivo vai-se transportar tal qual para os partidos
polí ticos, desde o n í vel municipal até o do estado e da
na çã o, de tal modo que o jagun ço surge no pró prio
n ú cleo da organiza çã o social , econ ó mica e pol í tica:
n ã o como um acidente, mas como uma necessidade
hist ó rica.

OS HOMENS E OS BOIS
Recapitulando: o “ sertã o ” designa uma zona vasta
do interior do Brasil , o cora çã o do pa ís . Suas carac-
ter ísticas f ísicas sã o vari á veis, embora as associa çõ es
de seca e de aridez sejam predominantes, e a vegeta-
çã o típica a caatinga . Mas há ah também , como se men-
cionou , muitas pastagens naturais , ao longo das
margens luxuriantes dos rios e das veredas que recor-
tam o sert ã o mineiro.
Numa tal diversidade, a unidade é fornecida pela
presen ça constante do gado e pela prá tica da pecu á ria
extensiva , com os animais criados soltos em largas ex-
tensões de territ ó rio desabitado: “ Lugar sert ã o se di-
vulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um
pode torar dez , quinze l éguas, sem topar com casa de
morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, ar-
redado do arrocho de autoridade ” ( p. 9) .
É assim que o gado constitui o pano de fundo
para o entrecho. E raro que apareça em primeiro pia-
i4 Guimar ães Rosa

no, mas está ali para assegurar a continuidade do espa-


ç o, pontilhando-o com uma presen ç a t à o discreta
quanto infalível. Os bois se fazem presentes na lingua-
gem , indo desde os acontecimentos relatados até as
imagens e as metá foras. L á està o eles nos topô nimos
(Curralinho, Vereda-da-Vaca- Mansa-de-Santa- Rita ,
Vau das Vacas - versà o sertaneja de Oxford -, 7 Ribei-
rã o Gado Bravo, Currais-do- Padre, Bambual-do- Boi ,
Lugar-do-Touro, Cachoeira-dos- Bois e muitos mais) ,
nos nomes de guerra dos jagun ços ( Marruaz ,Joã o Va-
queiro, Carro-de-Boi) , nas toadas que cantam (a Moda-
do- Boi , “ Meu boi preto mocangueiro ” , “ meu boi
mocho baet à o ” na cantiga de Siruiz) , nos objetos de
uso cotidiano feitos de couro e de chifre, reveladores
de um modo de vida r ú stico. Enquanto excursionam ,
em sua vida errante, os jagun ços cruzam freq ú ente-
mente com vaqueiros e boiadas. Os bois sà o indica-
dores preciosos para a sinaliza çã o: se ariscos, infere-se
ausê ncia de seres humanos; se gordos e prósperos, é
porque os recursos naturais da á rea sà o prop ícios. E
assim por diante.
O narrador - protagonista , em seu discurso
campesino e sentencioso, profere prové rbios que se
referem ao gado: “ Todo boi , enquanto vivo, pasta ” ( p.
422) ; ou “ De gra ça berra é o boi, tirante a vaca ” ( p. 552) .
O gado vai també m servir de material para a constru -
çã o de imagens e met á foras referentes aos jagun ços.
Coletivamente, eles sà o assimilados a uma boiada . Só
os chefes sà o comparados a bois individuais. E apenas
os lí deres supremos, capazes de agregar v á rios chefes
com seus bandos, sà o comparados a touros. As figuras
de estilo respeitam a hierarquia .

7 **
Oxford * * vem de ox (boi ) tfotd (passagem , vau . trecho raso do rio) .
Grande Sertão: Veredas 35

A presen ça difusa e constante do bovino re-


cria o universo da pecu á ria extensiva , onde o gado
é criado solto e n à o estabulado. A origem dessa
maneira de criar gado remonta aos tempos colo-
niais , quando a atividade econ ó mica priorit á ria se
resumia às planta çõ es , à s quais se reservavam as ter-
ras mais fé rteis e mais pr ó ximas do litoral , para mi -
nimizar os custos do envio da mercadoria para a
metr ó pole. Esp é cie de parente pobre da economia
colonial , a cria çã o de gado dispensava investimen -
tos e se contentava com um m í nimo de m à o-de-
obra . Era , todavia , indispensá vel , pois alimentava
todos aqueles envolvidos na agroind ú stria , primei-
ro de cana-de-a çú car e mais tarde de café. Social-
mente, era uma atividade atraente, pois reservava-se
aos homens livres , porque os distinguia do trabalho
manual dos escravos. Ainda mais, o cavalo é sinal de
prest í gio nessa sociedade r ú stica : “ O pobre sozinho,
sem um cavalo, fica no seu , permanece, feito numa
croa ou ilha , em sua beira de vereda . Homem a p é ,
esses Gerais comem ” ( p. 351) .

A PLEBE RURAL

Em nosso passado, esses homens livres , nem proprie-


tá rios nem escravos, aumentaram tanto que chegaram
a formar a massa da popula çã o brasileira , sempre à
margem do processo produtivo principal . E aumenta-
ram de duas maneiras. Primeiro, de modo vegetativo ;
segundo, quando do encerramento de um ciclo eco-
n ó mico. Foi o que ocorreu quando cessaram as ban -
deiras; quando as minas de ouro se esgotaram; quando
o cativeiro foi abolido.
w Guimarães Rosa

Todas as administra ções durante a Coló nia , o Im-


pé rio e a Rep ú blica dà o mostras de inquieta çã o cons-
tante para com essa massa de gente potencialmente
sediciosa, sempre alerta ao primeiro brado de insubor-
dina çã o. Esses sem-terra , como eram carentes de tudo,
de propriedade, de bens, de tradi çà o, de ra í zes, de quali-
fica çã o profissional, seu ú nico meio de vida era colo-
car-se sob a proteçã o de um poderoso, alojando-se “ de
favor" em suas propriedades. V ê m da í as designações
correntes de moradores ou agregados, prontos a remune-
rar o patrão com qualquer espécie de serviço. Desse
modo, eles podiam ser, e foram invariavelmente, con-
vocados todas as vezes que o exercício da violê ncia era
necessá rio à defesa dos interesses do senhor.

Sem la ços, sem ra í zes, desde entã o sem terra ,


como agora : em decorrê ncia , uma extrema mobili-
dade horizontal . Sempre em movimento, ao lé u do
destino e do arb í trio do patrã o, como aparece clara-
mente nas reminiscê ncias de Riobaldo: “ Quem é
pobre, pouco se apega , é um giro-o-giro no vago
dos gerais, que nem os p á ssaros de rios e lagoas. O
senhor v ê : o Z é-Zim , o melhor meeiro meu aqui ,
risonho e habilidoso. Pergunto: ‘Zé-Zim, por que é
que você não cria galinhas-d’ angola, como todo mun-
do faz ?’ " ( p. 41 -2) . A resposta vem na formula çã o ma-
gistral de Guimarã es Rosa para a condi çã o da plebe
rural brasileira : “ ‘Quero criar nada n ã o...' - me deu
resposta ... ‘Eu gosto muito de mudar...’" ( p. 41 -2) .
Donde um individualismo avan çado at é o ú lti-
mo grau . Frente à ausê ncia de toda forma de organi-
za çã o para a defesa de seus direitos, à beira da anomia,
seu bem mais importante reside em sua valentia , que
compensa todas as carê ncias. Como diz Riobaldo: “ ja-
gun ço n ã o é muito de conversa continuada nem de
Grande Sertão: Veredas yj

amizades estreitas: a bem eles se misturam e


desmisturam , de acaso, mas cada um é feito um por si ”
( p. 29) . Ou , comentando mais laconicamente essa
mesma ordem de rela ções sociais: “ Em jagun ço com
jagun ç o, o poder seco da pessoa é que vale ” (p. 79) .
Todas as sutilezas do código jagun ço exigem que
Riobaldo, em seu percurso iniciá tico, dedique a elas o
melhor de sua perspicá cia . O que ele faz por etapas.
Observa , de sa í da , que existem diversos chefes e mui-
tos homens a eles submetidos. Pouco a pouco, perce-
be que, quando os chefes n à o sã o ligados por la ços de
sangue, o sã o por sua posiçã o social e por sua riqueza .
Deslancham , nessa condiçã o, uma guerra privada , im-
pelidos exclusivamente por motivos pessoais, aos quais
seus subordinados n à o têm acesso.
Um tal poder social e econó mico repercute, evi-
dentemente, em poder polí tico, havendo dois grupos
de alian ças contrá rios um ao outro em cada municí-
pio, o grupo da situa çã o e o da oposiçã o. Riobaldo, e
com ele o leitor, fica ciente de que, no aparente caos
de aglutina ções e divisões, reina o processo de uma
dessas alian ças formadas para se opor à outra entã o
eventualmente no governo. Pouco a pouco, Riobaldo
descobre aquilo que vai enfim determinar toda a sua
vida e seu destino pessoal: “ Pol í tica! Tudo pol í tica e
potentes chefias!” (p. 107) .

A PERSPECTIVA FEUDAL

E corriqueiro que tanto a literatura quanto a historio-


grafia brasileiras assinalem a equivalê ncia entre a Idade
Média e o universo do sertã o. E uma maneira de dar
foros de nobreza a um estilo de vida brutal, justificando
? if Guimarães Rosa

a t í tulo de heroísmo crimes bá rbaros com refinamentos


de crueldade que um tal espaço difunde. Robin Hood ,
o Cid , Carlos Magno ou Parsifal sà o nomes convoca-
dos a todo instante.
Se a representa çã o medieval do sertã o é corrente
na literatura culta , nem por isso deixará de frequentar
igualmente a tradiçã o popular. Seja na oralidade dos
causos e das cantorias, seja na literatura de cordel: as
camadas cronol ógicas se misturam , e o mais recente
dos eventos se desenrola com toda a naturalidade em
paralelo com aquele de outrora . Com a mesma pro-
fundidade hist ó rica , acotovelam -se Roldã o, Get ú lio
Vargas, Lampião, o presidente Kennedy, o padre C ícero,
o Diabo, Genoveva de Brabante e outros.
Um livro em particular constitui a fonte de uma
enorme quantidade de cantigas, de folhetos de cordel ,
de figuras de folclore e até mesmo de nomes pró prios.
Trata-se da versã o portuguesa de uma novela de cava-
laria francesa, Histó ria do Imperador Carlos Magno e dos
Doze Pares de França . Constitu í da por um n úmero in -
calcul á vel de episó dios finitos, estes se prestam á
pinçagem e versã o independente, a partir da leitura
em voz alta feita para um audit ó rio integrado pela
família e pelos pró ximos. Romances e livros de me-
m ória testemunham a presen ça desse livro singular nos
lares sertanejos.
Mesmo n ã o sendo citado pelo t í tulo, esse livro
reponta a cada momento em Grande Sertão:Veredas.Joca
Ramiro é cognominado “ par-de-frança ” . Riobaldo se
põe na pele de Gui de Borgonha , herói da novela de
cavalaria e amado da princesa Floripes. Um dos dois
traidores, Ricardão, é chamado de Almirante Balã o, o
vil ã o da novela. Ainda mais, o estilo do romance se es-
força por assimilar o modelo, dando foros de aventuras
cavaleirescas ás peripécias dos jagunços. Coroa o pro-
Grande Sertão: Veredas 39

cesso o apelo feito interrnitentemente a um vocabulá-


rio arcaizante, advindo da literatura medieval: justas,
torneios, ginetes e corcéis aparecem acoplados a abstra-
ções da mesma proveniê ncia , como honra , justiça , leal-
dade, palavra dada etc.8
Se o modelo literá rio imita a Idade M é dia , já o
jogo dos tempos permite uma grande flexibilidade
de data çà o. Deliberadamente, os limites temporais se
esfumam . Todas as vezes que aparece um documento
comprobat ó rio de um evento hist ó rico bem preciso,
o narrador recorre à fó rmula coloquial “ e tantos ” .
Quando o romance se decide a apresentar, já em suas
ú ltimas p á ginas, a certidã o de batismo de Diadorim ,
é para diluir a precisã o da data em todo um século:
“ Registrado assim: num 11 de setembro de 1800 e
tantos...” (p. 566) .
A soma das alusões , poré m , mesmo que vagas; o
nome de Diadorim , dentre os tantos Deodoros e
Deodoras que se batizaram em homenagem ao mare-
chal Deodoro da Fonseca após a queda da Monarquia ;
uma referê ncia à passagem da Coluna Prestes etc., tudo
isso define os contornos da Rep ú blica Velha , ou Pri-
meira Rep ú blica (1889-1930) . Se o sertà o é o espa ço,
essa é a é poca do romance.

Z É BEBELO E A
CENTRALIZAÇÃO REPUBLICANA
Enquanto durou essa é poca , que se concentrou na
cria çà o e consolida çã o das instituições republicanas, o

* M . Cavalcanti Proença, op. cit .


40 Guimarães Rosa

pais assistiu a constantes insurrei ções, que por vezes


atingiram as raias da guerra civil . Foi a era da implan-
tação do princ í pio da centraliza çã o nacional , à custa
do princípio federalista ou regionalista representado
pelos chefes particulares com seus bandos armados.
E o que se observa no entrecho do romance, um de
seus maiores achados sendo encarnar em personagens
esse processo histó rico.
Entre os chefes de jagun ços estã o aqueles do bom
lado, comojoca Ramiro, ou do mau , como o arquivilào
Hermógenes e seu aliado Ricardão: todos fazem parte
da habitual alian ça privada para a dominaçã o local. To-
dos, salvo um, Zé Bebelo, o qual, juntamente com
Riobaldo e Diadorim, constitui o trio central do ro-
mance. Zé Bebelo encarna o princí pio da centraliza çã o
nacional e a divisa da Rep ú blica , “ Ordem e Progresso ” .
A bem da ordem , almejando submeter a jagun -
çagem e pacificar o sertã o: “ Sei haja de se anuir que
sempre haja vergonheira de jagun ços, a sobre-corja ?
Deixa , que, daqui a uns meses, neste nosso Norte n ã o
se vai ver mais um qualquer chefe encomendar para
as eleições as turmas de sacripantes, desentrando da
justiça , só para tudo destru í rem , do civilizado e do
legal! ” ( p. 125) . A bem do progresso, visando a intro-
duzir ali as benesses da civiliza çã o: “ Dizendo que, de-
pois, está vel que abolisse o jaguncismo, e deputado
fosse, entã o reluzia perfeito o Norte, botando pontes,
baseando fá bricas, remediando a sa ú de de todos, pre-
enchendo a pobreza , estreando mil escolas ” ( p. 126) .
Coerentemente, fecha suas cartas com: “ Ordem e
Progresso, viva a Paz e a Constituiçã o da Lei!” ( p. 312).
Embora n ã o se contente em ser apenas altru ísta
e espere tirar proveito pessoal, inclusive uma cadeira
de deputado, Z é Bebelo, ao arvorar-se em militante
da moderniza çã o, conserva em mente os ideais da na-
Grande Sertão: Veredas 41

çã o: “ Agora , temos de render este serviço à p á tria • ••

tudo é nacional! ” ( p. 125) . A tal ponto que Z é Bebelo


vem a ser a ú nica personagem capaz de raciocinar em
termos que n à o os da tradi çã o, ou de la ços de sangue,
ou de alian ças privadas para domina çã o, mas de Re-
p ú blica e de canais democrá ticos.Tem por h á bito, mes-
mo em meio ao fogo cruzado dos combates, fazer
comí cios pol í ticos nos arraiais por onde passa e, como
se n à o bastasse, incita Riobaldo a discursar també m:
“ Ao que Z é Bebelo elogiou a lei , deu viva ao gover-
no, para perto futuro prometeu muita coisa republica-
na . Depois, enxeriu que eu falasse discurso também.
Tive de. ‘Você deve citar mais é em meu nome, o que
por meu recato n à o versei. E falar muito nacional ...’ ”
(p. 128) .
Seu empenho na imposiçã o da lei e na pacifica-
ção do sertã o é tã o acentuado que ele o manifesta aos
berros mesmo enquanto atira nos outros. Seus gritos de
guerra mais usados sã o “ Viva a lei! ” e “ Paz!” . J á os ten-
do ouvido, um tré mulo veredeiro se joga a seus pés e
implora: “ Nào faz vivalei em mim não, mô r-de-Deus,
seu Zebebef , por perdão...” (p. 75) . Ao que o chefe ime-
diatamente aquiesce e o toma na garupa para levá-lo a
jantar com o bando.
Os tra ços positivos definidores dessa persona-
gem introduzem a modernidade no contexto hist ó-
rico de Rep ú blica Velha do romance: inteligê ncia ,
sede de instru çã o, visã o nacional . Todavia , como tudo
nesse livro, ele pró prio é amb í guo e sofre o peso de
tra ç os tradicionais negativos: a valentia acima de tudo,
a ambi çã o de poder pessoal , a utiliza çã o de jagun ç os
para acabar com a jagun çagem . Finda por dobrar-se
à lei do sert ã o, assumindo o comando de um bando
que ele pr ó prio antes combatera , e, como se n ã o bas-
tasse, tendo por alvo a execu çã o de uma vingan ça
42 Guimarães Rosa

privada sem qualquer -ideal “ nacional” . Jamais con -


seguirá ser deputado. J á que n ã o morreu pelas armas,
à maneira tradicional , seu destino é degradar-se em
mero comerciante.
Tudo isso faz de Z é Bebelo uma personagem
que se destaca entre os diversos chefes do romance.
Enquanto os outros pairam num plano mí tico, nebu-
loso e grandioso, ele renuncia a ganhar a admira çã o
do leitor e do narrador por ser demasiado humano e
muito ele mesmo com suas manias: seu apito de co-
mando, suas interjeições - “ Maximé!” - e xingamentos,
sua tagarelice e suas veleidades de ser deputado.
At é mesmo suas liga ções com o governo central,
que lhe fornece armas e financia seu bando, com o
fito de acabar com a jagun çagem , colocam-no numa
esfera diferente daquela dos demais chefes, todos per-
tencentes às alian ças privadas de domina çã o.

A MAT É RIA DO SERT ÃO

Afora as linhas mestras do corte cronológico que de-


limita a é poca do romance, as cró nicas do sertã o, espe-
cialmente aquelas da regi ã o do rio Sã o Francisco, sã o
o celeiro onde o aned ó tico se abastece. O entrecho se
apresenta como um prolongamento ficcional das proe-
zas sangrentas dos poderosos latifundiá rios do sertã o,
que preencheram os tempos do Impé rio e o começo
da Rep ú blica , e que hoje, ocupado o sertã o, avan ça-
ram para novas fronteiras, a oeste e a norte. No ro-
mance, a todo momento surgem catá logos onde os
nomes pró prios e os topônimos das fazendas ou ar-
raiais sã o fornecidos ao leitor, extra í dos dessas cró ni-
cas. For isso, o relato pulula de alusões a pessoas da
Grande Sertão: Veredas 43

regiã o, de comprovada exist ê ncia histórica , como “ Do-


mingos Touro, no Alambiques, Major Urbano no
Maca çá , os Silva Salles na Cronde ú ba , no Vau-Vau dona
Próspera Blaziana ” ( p. 107 ) . At é mesmo alguns de
nome ainda mais imprová vel que os constantes nesse
catálogo, como Rot ílio Manduca e Antô nio D ó, sã o
pessoas histó ricas.
Da matéria do sertã o - termo usado aqui como
se diz que tal novela de cavalaria pertence à “ mat é ria

da Bretanha ” a narrativa aproveita muitos outros ele-
mentos. Era costume que os jagun ços de um bando
assumissem coletivamente, como substantivo comum,
o nome de seu chefe. Tal ocorreu com os feitosas, os
brilhantes, os antunes, como no romance com os
ramiros, os zebebelos, os hermógenes, os riobaldos.
Do mesmo modo, o jagun ço assumia um nome
de guerra ; e mesmo os mais célebres, como Lampiã o,
estavam nesse caso.Virgulino Ferreira recebeu a alcu -
nha de Lampiã o porque atirava com tal rapidez que
tudo clareava em volta . Seu irmão adotou o nome de
Ponto Fino porque seus tiros costuravam cerrado o —
que vai ao encontro do primeiro apelido de Riobaldo,
o Cerzidor. Este receber á mais um apelido, o de
Tatarana, “ lagarta de fogo ” , antes de atingir a culmi-
n â ncia da chefia e de um cognome ilustre como o de
Urutu Branco, serpente das mais venenosas.Três vezes
renominado, persiste a alusã o à excelê ncia do tiro: pri-
meiro como costureiro, depois como bicho que quei-
ma e enfim pela precisã o do bote letal .
O Liso do Sussuar à o, definido como “ o raso
pior havente ” ( p. 34) , se baseia no Raso da Catarina ,
no sert ã o da Bahia , com suas caracterí sticas íf sicas de
extrema agrura , deserto onde Lampi ã o se embrenhava
com seu bando para escapar ao assé dio das for ças
legais. Mesmo a utiliza çã o do zurro equestre como
44 Guimarães Rosa

sinal convencionado para ordens de batalha est á re-


gistrado nas cró nicas.
N à o só pormenores aned ó ticos, mas o esteio da
narrativa, que é a legenda do pacto com o Diabo e do
corpo fechado, sã o das mais caras tradi ções da regià o e
se aplicaram a todos os jagun ços famosos. Assim , a
“ maté ria do sertã o ” fornece ao romance o substrato
que sustenta a fabula çà o ficcional.

O PAPEL DO
NARRADOR-PROTAGONISTA
A situa çã o de narrar que Grande Sertão: Veredas propõe
mimetiza o testemunho de um velho jagun ço chama-
do Riobaldo, agora retirado das lides guerreiras e, por
artes que aos poucos se esclarecerã o, transformado em
próspero fazendeiro. Dispõe-se ele a contar a hist ó ria
de sua vida a um interlocutor letrado e urbano, que
anota suas palavras:
Nonada . Tiros que o senhor ouviu foram de
briga de homem n ã o, Deus esteja ” ( p. 9) . Por essa cé-
lebre frase se abre a narrativa , ou seja , por um travessã o
que é signo de fala , e de uma fala que só se encerra
quase 600 pá ginas depois, sem divisã o de cap í tulos.
Esse travessã o instaura um mon ólogo ininterrupto, que
é um dos lados de um suposto diá logo, já que em
nenhum momento aquele que monologa cede a pala-
vra ao interlocutor. Mas este é postulado desde a pri-
meira frase, pelo travessã o e pelo tratamento respeitoso
de “ o senhor ” , que se reitera at é o fim.
O interlocutor é interpelado, sempre dentro da
fala do narrador, através de “ respostas ” que o narrador
d á a suas presum í veis perguntas, em geral sugerindo
Grande Sertão: Veredas 45

pedidos de esclarecimento. E també m através de alu -


sões a suas características, como o uso de óculos e de
uma caderneta de notas, ou a seus gestos, como o es-
crever e desenhar continuamente ao anotar o que ouve.
Os elogios, até có micos de t à o exagerados, que o
narrador faz ao interlocutor incluem alusões a sua “ carta
de doutor ” , ao fato de vir da cidade grande, a sua ins-
tru çã o e até a sua “ suma doutora çã o ” ( p. 15) .
A oportunidade de atender à solicita çã o do
interlocutor, que conhece sua fama de jagun ço, se
transforma numa verdadeira ocasiã o, aliás bem apro-
veitada , de passar a vida a limpo. Ou seja , construindo,
com o aux ílio do interlocutor, um texto de autobio-
grafia que o ajude a compreender sua vida , segundo
ele mesmo caó tica , desnorteante.
O mon ólogo funda a opçã o por um discurso
“ oral ” , que se expressa mediante interjeições, clá usulas
exclamativas e interrogativas, frases truncadas. A opçã o
pela fala é um feliz achado, pois confere ao romance
unidade estilística , abolindo a multiplicação de recursos
que obrigaria forçosamente uma variaçã o dos pontos
de vista ou focos narrativos. Pela boca de Riobaldo, são
todas as personagens do romance que falam.
Entretanto, trata-se de um discurso “ oral ” •• • que
é escrito. N ão se pode esquecer que foi a partir do
modelo oral da fala sertaneja que Guimarã es Rosa
criou uma linguagem especial , nutrida de arca ísmos e
de elementos eruditos. A verossimilhan ça de um ja-
gun ço dispor de uma tal linguagem reside em confe-
rir-lhe um passado de letrado, do qual Riobaldo se
vangloria , embora n ã o tenha ultrapassado as primeiras
letras. Foi ao se tornar professor e depois secretá rio de
Z é Bebelo que acabou por entrar no ofício da jagun-
çagem . Até o fim, Z é Bebelo o chamará com todo o
respeito de “ Professor ” - mas unicamente Z é Bebelo,
4ó Guimarães Rosa

contrastando com os demais, que utilizam suas três


alcunhas de jagun ço.
Dando a palavra a um jagun ço, o romance ganha
outra vantagem , ao eliminar o contraste canhestro, t à o
praticado pela prosa regionalista , entre uma lingua-
gem pitoresca e folcló rica , do sujeito analfabeto, e a
norma culta , da classe a que pertence o escritor, que
assim exibe ao leitor o exotismo do canga ço.

O PERCURSO DE RIOBALDO
Riobaldo, o narrador- protagonista , numa espécie de
exame de consci ê ncia feito na velhice, analisa em
retrospecto seu duplo destino de jagun ço-letrado, por
solicita çã o do interlocutor “ mudo ” e contando com
sua parceria. Nascido pobre e bastardo, guarda uma
boa lembran ça da m ã e, falecida quando o filho mal
sa í a da inf â ncia . Rememora com frequ ê ncia o evento
mais marcante dessa primeira parte de sua vida , a sa-
ber o encontro com o Menino, ao qual ele fará subse-
quentemente repetidas alusões.
Após a morte da m ã e, Riobaldo é recolhido pelo
padrinho Selorico Mendes — na verdade, o pai igno-

rado , em cuja fazenda vai morar.
E o padrinho quem o inicia nas artes da guerra e
nas letras. O padrinho tinha ilimitada admira çã o pelos
jagun ços e gostava de se jactar das rela ções de amizade
que tinha com muitos deles. Nessa ordem de idéias,
pòe nas mã os do afilhado diversas armas com as quais
deve se exercitar. E , contrariado porque o pequeno,
analfabeto, n ã o consegue ler os documentos que lhe
mostra para atestar sua familiaridade com jagunços cé-
lebres, decide enviá-lo à escola da aldeia mais pró xima .
Grande Sertão: Veredas 47

Na escola , Riobaldo mostra boa aptid ã o para


os estudos. Mas n à o se sai tà o bem nas tarefas da vida
prá tica , extraindo por isso de seu hospedeiro na al-
deia a seguinte observa çã o:“ Baldo, você carecia mes-
mo de estudar e tirar carta-de-doutor, porque para
cuidar do trivial você jeito n à o tem. Você n à o é ha-
bilidoso ” ( p. 109) . O professor, Mestre Lucas, confir-
ma : “ É certo. Mas o mais certo de tudo é que um
professor de m à o-cheia você dava...” ( p. 109) . A par-
tir da í , Riobaldo passa a assistente de Mestre Lucas,
na escolinha de primeiras letras.
Ao saber, eventualmente, que seu presum í vel
padrinho é de fato seu pai , Riobaldo foge de casa e
arranja um cargo para ensinar numa fazenda por indi-
ca çã o de Mestre Lucas. At é aqui , dois arbí trios da sor-
te. Primeiro, a jagun çagem o joga nas letras, pois o pai
o manda alfabetizar-se ao nà o conseguir ler os docu-
mentos comprobat ó rios de suas rela ções com chefes
de bando. Depois, as letras o jogam na jagun çagem , o
aluno que o aguarda na fazenda sendo ningu é m me-
nos que Z é Bebelo, influ ê ncia maior na defini çã o de
seu destino.
Devido aos brilhantes dotes do aluno, logo o
professor nada mais tem a lhe ensinar. Mas aceitará o
oferecimento do posto de secretá rio, assim permane-
cendo ao pé de Z é Bebelo. A fazenda deste está em pé
de guerra , em meio aos preparativos de arrancada da
campanha para acabar com a jagun çagem utilizando
jagun ços. Riobaldo, sem nada que o prendesse, segue
junto, embora apenas como secretá rio n ão-combatente.
Mas um dia , presa de desgosto à vista de tanta
mortandade, resolve fugir e abandonar aquela vida . O
que faz , para melhor ser la çado por outro arbí trio da
sorte, tornando-se mais completamente presa do des-
tino. Pois, em meio à fuga , vai topar numa outra fa-
4$ Guimarães Rosa

zenda com o Menino, agora o adulto Diadorim , mem-


bro importante do bando de Joca Ramiro, que Z é
Bebelo justamente combatia .
O enredo é emaranhado, e a reflexã o de Riobaldo
també m , pois se percebe joguete de forças que n ã o
compreende. Ao reencontrar o Menino, n ã o mais o
abandonará , e será ele quem determinará dali em
diante seus passos. Passa a fazer parte do bando dos
adversá rios de Zé Bebelo e se tornará definitivamente
um jagun ço.

RIOBALDO E DIADORIM

No primeiro encontro entre ambos, ainda na adoles-


cê ncia, Riobaldo recebera do Menino uma li çã o de
coragem quando da travessia do Sã o Francisco numa
canoa . No segundo encontro, arrebatado pelo fasc í nio
de Diadorim , vai aprender em sucessivas lições de
quanta coragem se precisa para ser jagun ço. Sendo
Diadorim filho secreto de Joca Ramiro, chefe do ban-
do, estabelece-se entre os dois uma relaçã o de amor e
de morte, que se desenrola sob o signo de Deus e do
Diabo. Nessa rela çã o, a camaradagem viril se mistura a
um desejo dos mais amb í guos , assim como o prazer
da amizade entre ambos à guerra incessante em que
est ã o empenhados. Disso resultará , por fim , a morte
de Diadorim , da qual Riobaldo se sentirá culpado pelo
resto da vida .
Riobaldo demora um pouco a perceber que o
que sente é amor, e amor por um outro homem . Sua
perturba çã o é enorme, e ele chega a pensar em suicí-
dio. Só saberá , para sua pena e al í vio, que se trata de
uma mulher disfarçada de homem nas ú ltimas páginas
Grande Sertão: Veredas 49

do livro, quando Diadorim mata e morre, num duelo


a faca com Hermógenes - assassino de seu pai , Joca
Ramiro. Seu corpo vai ser preparado para receber a
mortalha , quando també m o leitor fica sabendo seu
verdadeiro sexo.
A essa ambiguidade se acrescentam os problemas
inerentes à carreira de jagun ço: vencer o medo, provar
a destreza nos combates e, sobretudo, empenhar leal-
dade a um chefe. Tendo pertencido sucessivamente a
v á rios bandos , às vezes inimigos uns dos outros ,
Riobaldo n à o tem clareza sobre suas pró prias motiva-
ções. Persistem suas indaga ções sobre a justiça e sobre
as causas últimas. Para obter a confiança de Diadorim ,
que jurou vingar o assass í nio do pai matando o
Herm ógenes e exige igual juramento do amigo,
Riobaldo acaba por vender a alma ao Diabo em troca
de atingir esse objetivo. A partir da í , diluem-se suas
d ú vidas, ele destitui Z é Bebelo e se torna chefe em
seu lugar. Passa a ter apenas um alvo, inexorá vel: eli-
minar o Hermógenes.
E o que se encontra resumido numa frase que
serve de epí grafe ao romance, já na folha de rosto, e
que é repetida inú meras vezes: “ O Diabo na rua , no
meio do redemoinho ” . Frase que só se decifra quan-
do Diadorim e Hermógenes afinal se defrontam e se
entrematam no meio da rua , rodamoinhando um em
torno do outro e levantando poeira . Desaparecidos o
amigo e o inimigo, tudo fica sem sentido, e Riobaldo
se retira da jagun çagem , para deitar-se na rede e ficar
cogitando sobre sua vida , tal como o interlocutor virá
encontrá-lo.
Para Antonio Câ ndido, um dos primeiros estu -
diosos de Grande Sertão: Veredas, nesse ponto, ao re-
nunciar “ aos altos poderes que o elevaram por um
instante acima da pró pria estatura , o homem do ser-
so Guimarães Rosa

t à o se retira na mem ó ria e tenta


*
laboriosamente cons-
truir a sabedoria sobre a experiê ncia vivida , porfian-
do, num esforço comovedor, em descobrir a l ógica
das coisas e dos sentimentos ” .
O crítico adverte ainda o leitor de que deve dis-
por-se a “ penetrar nessa atmosfera reversí vel , onde se
cortam o mágico e o lógico, o lend á rio e o real. Só
assim poderá sondar o seu fundo e entrever o intuito
fundamental , isto é, o angustiado debate sobre a con -
duta e os valores que a escoltam ” .9
Assim termina e começa , ou começa e termina ,
encerrado o colossal percurso de sua narrativa, esse
monumento tanto da obra de Guimarã es Rosa quan-
to das letras em l í ngua portuguesa.

Antonio Cândido, “ O Homem dos Avessos". Em : Tese e Ant ítese. Sào Paulo: Com -
panhia Editora Nacional , 1964; p. 135 e 139.
3 . DOS PRIMÓ RDIOS
AOS P Ó STUMOS
SAGARANA

e Grande Sertão: Veredas é a obra- prima ,

S Sagarana assinala o ponto de partida . Foi


com ele que o escritor afinou seus ins-
trumentos, sua maneira , sua linguagem , e

circunscreveu seu espa ço este ú ltimo tà o decisivo e
marcante em toda a sua obra .
In í cios tateantes cobriram quatro contos publi -
cados em revistas (três deles mostrando preferê ncia por
enredos localizados em pa íses estrangeiros) e um livro
de poesia , Magma, o qual , apesar de premiado, nunca
obteve permissã o do autor para vir ã luz , o que só
ocorreu d écadas após sua morte. Nada tinham a ver
com o que futuramente seria sua obra.
Entrementes, candidata-se a um concurso literá rio,
o prémio Humberto de Campos da Editora José Olympio
de 1938, com um volume modestamente intitulado Con-
tos, tendo o jú ri agraciado outro concorrente.
N ã o se sabe se foi a derrota que o desanimou , ou
as dificuldades intr ínsecas a uma mudan ça para fora do
Dos Primó rdios aos Póstumos 53

pa ís, como exigia sua nova profissã o, a de diplomata .


O certo é que levou quase dez anos preparando o livro
para publica çã o. E com certeza foi nessa lida insana
que aprendeu seu ofício, tornando-se n ã o só um es-
critor, mas um grande, um genial escritor.
Sempre é de interesse verificar em que se consti-
tuiu essa aprendizagem, que provou ser um verdadeiro
rito iniciá tico. Para começar, podou os escritos sem
piedade. O volume foi reduzido quase à metade, pas-
sando de perto de 500 pá ginas para cerca de 300. Alé m
disso, três dos contos foram sumariamente eliminados.
Sagarana finalmente foi publicado em 1946. Seu
autor nada mais fez nesse per íodo em termos de lite-
ratura , a n ã o ser reescrever sem cessar o livro, agora
integrado por nove contos, com extensões que vã o de
20 (“ Sarapalha ” ) a 65 pá ginas (“ O Burrinho Pedrês ” ) ,
todos já em plena “ maté ria do sertã o ” .
Alé m da mat é ria do sertã o, també m a linguagem

já é a da maturidade original , sem d ú vida , a mais
brilhante e estupenda das linguagens. E já , como sem-
pre seria , baseada na oralidade sertaneja , com aprovei-
tamento de regionalismos e de arca ísmos preservados
no sertã o, mas també m adaptando estrangeirismos e
criando neologismos. Essa mistura será a marca regis-
trada de toda a obra do autor.
Outro tra ço que será permanente aparece nesse
livro de estréia : a extrema fertilidade em criar enredos.
Sã o tantos, tã o variados e complexos que jamais se
esgotariam e muito ainda renderiam . Mas vale a pena
examin á-los mais de perto nesse livro.
“ O Burrinho Pedrês ” conta uma est ó ria ( ter-
mo que Guimarã es Rosa cunhou e divulgou , opon-
do-o, como em ingl ês , a “ hist ó ria ” ) de cataclismo,
na qual uma boiada e os vaqueiros que a conduzem
sã o tragados pelas á guas de um có rrego avolumado
54 Guimarães Rosa

pelas chuvas, só sobrevivendo um que cavalgava Sete-


de-Ouros, o burrinho do t í tulo, e outro que se agar-
rou a sua cauda .
“ A Volta do Marido Pró digo ” narra uma trama
picaresca de politicagens eleitorais e introduz as
estrepolias de um invulgar protagonista , Lalino Salà thiel,
que vende a esposa e depois a recupera de gra ça .
“ Sarapalha ” apresenta dois primos a tiritar de
malá ria e a ajustar velhas contas.
Em “ Duelo ” , dois homens se perseguem mu -
tuamente com intuitos assassinos, sem se encontrar, ao
azar do destino, que afinal cumprirá por linhas tortas
seus desígnios.
Em “ Minha Gente ” , uma temporada na fazenda
vale por uma aula de polí tica dos coron é is para dois
primos, um rapaz e uma moça .
Em “ Sã o Marcos ” , um tenebroso caso de feiti ça-
ria produz cegueira temporá ria no protagonista , jun-
tando-se a uma reveladora discussã o sobre o canto e a
plumagem das palavras.
Em “ Corpo Fechado ” , valentões se sucedem no
arraial com um có mico episódio de fechamento de
corpo que dá bom resultado.
Em “ Conversa de Bois ” , os animais justiceiros
que puxam o carro entabulam diá logo, como nos tem-
pos primordiais em que os bichos falavam, numa via-
gem que começa com o transporte de um defunto e
termina com dois.
E em “ A Hora eVez de Augusto Matraga ” vamos
nos deter um pouco, por se tratar do mais proeminen -
te conto do livro, tendo uma recepçã o de alcance muito
maior do que os restantes. Relata o percurso de um
homem que começa mand ã o e prepotente e, ao per-
der tudo de uma hora para outra , vê-se vítima de um
atentado, sendo jogado como morto de um barranco.
Dos Primó rdios aos P óstumos 55

Recolhido por um casal de pretos velhos que moram


num rancho e por eles tratado, volta à vida e se arre-
pende dos pecados anteriores, tornando-se um peni-
tente. Chegar á à s raias do mart í rio, ao se utilizar
novamente da viol ê ncia que renegara , poré m imolan -
do-se em lugar de uma pessoa indefesa . E assim que
Matraga vai ao encontro daquilo por que tanto ansia-
va , sua hora e vez , na morte.
Uma ú ltima palavra a respeito do t í tulo da co-
let â nea . Apresentado ao concurso como Contos , um
termo an ódino, acabou ganhando outro, que faria
hist ó ria , e que revela um escritor já dono de seus
instrumentos e neles confiante, sem temor de inven-
tar um neologismo e uma sonora palavra cheia de aa .
Ao somar o germâ nico “ saga" 1 " ao sufixo tupi :rana ”
( “ à maneira de ” ) , Guimarã es Rosa mostra que está
pronto para se dedicar ao restante de sua obra , sa -
bendo o que está fazendo.
Oswaldino Marques, um dos primeiros e mais
sutis exegetas de Sagarana , dedicou-lhe um estudo
focalizando sobretudo a linguagem . Ali examina mi-
nuciosamente os processos de cria çã o de neologis-
mos, argumentando que eles nã o sã o ornamentais
nem supé rfluos, enquanto procura situar Guimar ã es
Rosa entre os escritores de lí ngua portuguesa:“ Com-
preende-se, assim , que as suas exigê ncias sejam de
natureza substancialmente qualitativa , nunca quanti-
tativa [ ... ] A composiçã o realizada [...] acabaria por
impugnar toda deliquescê ncia sentimental , plasman -
do a maneira peculiar ao escritor segundo um anti-
romantismo que é o tra ço que melhor o diferencia

1
Saga : conjunto ou série de estórias orais; termo derivado do verbo “ dizer ” , por-
tanto um í ndice é pico.
56 Guimarães Rosa

de seus pares, aqui e em Portugal . N à o é por mera


coincidê ncia que se deve creditar a ele, de direito, a
cria çã o da prosa expressionista brasileira ” . 11

CORPO DE BAILE

Mais dez anos sem livro, e em 1956 Guimarães Rosa


surge logo com dois, ambos volumosos, tendo Corpo de
Baile precedido Grande Sertão:Veredas por poucos meses.
Do que foi essa experiê ncia quase enlouquece-
dora o escritor deixou registro em cartas , ao confes-
sar-se povoado por uma multid ã o de personagens.
Novamente, observa-se n à o só o pleno dom í nio de
uma linguagem pró pria , sabiamente manejada , mas,
de modo semelhante, a pluralidade de enredos.
De porte maior e mais extensas, essas novelas, como
as rotulou o autor, sã o bem mais ambiciosas e de densi-
dade maior que os contos de Sagarana . Para se ter uma
id é ia , aqui o tamanho das estórias varia entre 68 (“ Cara-
de-Bronze ” ) e 138 páginas (“ A Estória de Lélio e Lina ” ) .
Na primeira ediçã o preenchendo dois grossos volumes,
da segunda em diante passariam a ocupar três.
“ Campo Geral ” , a primeira novela , tornou -se
uma das mais estimadas de suas produ ções, devido ao
encanto do protagonista , o menino Miguilim . E ines-
quecí vel o lance no qual , em meio a uma tragédia
familiar e às dificuldades de ser crian ça , dã o óculos ao
menino, que n à o se sabia m íope, e ele de repente des-
cobre as belezas do mundo. Costuma -se ver nisso a

Oswaldino Marques, “ Canto e Plumagem das Palavras” . Em : A Scta v o Alvo. Rio


de Janeiro: MEC / INL . 1957; p. 26-7 .
Dos Primó rdios aos Póstumos 57

transposiçã o de uma experiê ncia pessoal do escritor, a


quem teria acontecido algo id ê ntico.
Em “ Uma Est ó ria de Amor ” , depois republicada
como “ Manuelzà o ” , o protagonista comanda uma festa
de consagraçã o da capela que mandou erigir em sua
fazenda , ponto culminante de uma vida de trabalhos,
no percurso da qual perdeu alguma coisa de espontâ -
neo, o que o torna ressentido e cismado.
Em “ A Est ória de Lélio e Lina ” , floresce uma
amizade entre um moço e uma velha, fonte de ilumi-
na ções para ambos.
Em “ O Recado do Morro ” , assistimos à tortuo-
sa retransmissã o de uma suposta mensagem, prevenin-
do e salvando a vida de uma personagem , enquanto
paralelamente se vai compondo uma can çã o.
Em “ L ã o-Dalalà o ” , o protagonista recebe lições
de vida da esposa , ex-prostituta que retirou da zona
para com ela se casar, sem que se proí ba de ter fortes
ci ú mes de seu passado, que fazem de seu cotidiano
um inferno.
Em “ Cara-de-Bronze ” , o fazendeiro a quem cabe
essa alcunha fica ancorado em casa e manda seu va-
queiro Grivo fazer o levantamento de tudo o que existe
no mundo para vir contar-lhe de volta . Ele está inte-
ressado em conhecer “ o quem das coisas ” .
Em “ Buriti ” , duas moças da cidade, cunhadas,
mantê m-se sob a guarda de poderoso fazendeiro, das
quais uma delas é a nora abandonada pelo marido. Outras
personagens circulam, como o chefe Zequiel, que sofre
de insónia e gasta a vigília a ouvir as vozes da noite.
Oswaldino Marques també m se manifestou so-
bre Corpo de Baile num pequeno artigo. Ap ós assina-
lar novamente a riqueza da linguagem , mas també m
a profundidade psicol ó gica das personagens e o
aproveitamento da é pica dos vaqueiros , sa ú da “ uma
s$ Guimar ães Rosa

obra na imin ê ncia de se instalar na memória primi-


gê nia de um povo , reconvertendo -se [ ... ] em
folclore. A destina çà o, ali á s , de todas as grandes cri-
a ções do esp í rito humano é tender para o folclore
como um limite ” . 12
O tradutor de Corpo de Baile para o italiano,
Edoardo Bizzarri , trocaria extensa correspond ê ncia
com o autor, discutindo pormenores da tarefa . Depois
publicaria as cartas de ambos em volume, elucidando
os bastidores da cria çà o rosiana de uma maneira at é
ent ã o in édita . O avan ço esté tico do primeiro para o
segundo livro é medido pela observa çã o de que um
conto de Sagarana , que anteriormente també m tradu -
zira , nã o passa de um “ riachinho montano, nenhum
milagre que suas á guas permanecessem limpas e cla-
ras, borbulhadas de luz ” . Em contraste, o novo livro é
“ um bruto de um rio amazônico, cheio de tudo ” . 13

Se por um lado essas novelas mantê m uma unida-


de, fornecida mais uma vez pelo espa ço e pela lingua-
gem , por outro lado seu elenco e suas tramas manifestam
a diversidade exigida por uma leitura de alto teor.

PRIMEIRAS ESTÓ RIAS

Em 1962 vem à luz um volume fino, batizado Pri -


meiras Est ó rias. Cont é m 21 contos, que v ã o de qua -
tro ( “ Soroco, Sua M ã e , Sua Filha ” ) a 14 p á ginas

12 •* A
Revolução Guimarã es Rosa” . Em: Oswaldino Marques, op. cit . ; p. 175-6.
Edoardo Bizzarri (or . ) J . Guimarães Rosa - Correspondência com o Tradutor Italiano.
^ t

São Paulo: Instituto Cultural Í talo- Brasileiro, s /d; p. 105.


Dos Primó rdios aos Póstumos 59

( “ Darandina ” ) . Os contos encolhem enquanto seu


n ú mero se multiplica .
O livro se abre e se fecha com um menino visi-
tando os tios numa cidade em constru çã o - que se pre-

sume ser Brasília , em meio a um sofrimento infuso,
mas permeado por epifanias desencadeadas pela visão
de duas aves, um peru no primeiro conto, “ As Margens
da Alegria ” , e um tucano no último, “ Os Cimos” .
Entre valent ões locais e crian ças em estado de
gra ça, alé m de alguns relatos surpreendentes por seu
cunho cómico, encontra-se nesse livro pelo menos uma
obra-prima , “ ATerceira Margem do Rio ” . Nesse conto,
um homem, enigmaticamente, entra numa canoa e
vai viver no meio do rio, sem nunca mais tocar em
terra , resistindo aos apelos de sua família para que vol-
te. Na eventualidade, seu filho permanece à beira do
rio, mas, quando convocado a substituir o pai, vacila e
n ão corresponde ao apelo, para ficar pelo resto da vida
paralisado pelo remorso.
Contrapõem-se a í com força duas imagens lite-
rá rias: o rio, simbolizando a continuidade, e a canoa , a
descontinuidade. Ambas se espelham, modificadas, no
tempo, que é lent íssimo como o fluir ininterrupto do
rio, e na dura çã o de uma vida humana , que é extre-
mamente curta . E uma nova oposiçã o entre a fixidez
das margens e o movimento das á guas remete a uma
terceira margem, que nunca é mencionada a n ã o ser
no t í tulo e que abre o relato para uma outra dimen-
sã o, a da finitude.
Os la ços de família aparecem aqui com todo o
seu peso, acentuados pelo uso do possessivo plural de
primeira pessoa : nunca se utiliza o singular, mas sempre
se diz “ nosso pai ” , “ nossa mã e ” , “ nossa casa ” etc. O pai
deseja que o filho o substitua na mesma canoa , mas o
filho se assusta e refuga , desistindo de cumprir seu pa-
o
(> Guimarães Rosa

pel , por sua vez, de enfrentar a finitude, à qual, como


todo vivente, está de qualquer modo condenado.
Embora essa seja a mais impressionante, Primeiras
Est ó rias é um livro que merece ser lido por inteiro.
Outro autor de estudos clássicos sobre Guima-
rã es Rosa , Benedito Nunes, nele enfatizou , entre ou -
tros m é ritos, a variedade a que é submetido um tema
constante em toda a obra do autor, o da viagem: “ Há
també m , a par de muitos pé riplos, andan ças, partidas e
chegadas de Primeiras Estó rias, a peregrinaçã o sem ho-
rizontes, antecipa çã o da morte, e voluntá ria provaçã o” .
Mas por vezes també m h á o seu contrá rio: “ no asso-
mo de vitalidade [...] do velho de ‘Tarantà o meu Pa-
trã o’ , que, D. Quixote ‘em maluca velhice’ , ganha o
mundo, para pelejar a esmo, em ritmo de farsa , paro-
diando antigos e gloriosos rasgos dos Rold ões e pares
de Carlos Magno ” . 14

TUTAM ÉIA - TERCEIRAS ESTÓRIAS

N ã o desmerecendo sua reputação de original, em 1967


Guimarã es Rosa publica um livro com esse t í tulo, sem
que existisse, como ali ás nunca veio a existir, um com
“ segundas est ó rias ” .
Acentuando a tend ê ncia ao encolhimento da
extensã o, acoplada à multiplica çã o do n ú mero, esse
volume traz 44 textos. Sã o 40 estó rias e quatro prefá-
cios, estes n ã o acumulados no in í cio, como seria de
esperar, mas distribuindo-se a intervalos regulares. A

Benedito Nunes , “ Guimarã es Rosa” . Em: O Dorso do Tigre . Sà o Paulo: Perspectiva ,


*

1969; p. 177 -8 .
Dos Primó rdios aos Póstumos 61

maioria das estó rias conta entre três e quatro páginas,


uma ou outra mal chegando a cinco. Os textos maio-
res sào os pref ácios: dez páginas para o primeiro, “ Aletria
e Hermen ê utica '’ , e um exagero de 21 páginas para o
ú ltimo, “ Sobre a Escova e a D ú vida ” . A razã o pelo
menos a razã o material - para a pequena extensã o das

est ó rias é o limite do tamanho da se çã o em que Gui-
marã es Rosa as publicou primeiro, em Pulso, um jor-
nalzinho de médicos.
Os quatro prefá cios entregam-se com prazer a
especula ções sobre a linguagem e o ato de narrar. J á
as est ó rias tratam de assuntos variados, e mais uma
vez assombra o leitor a capacidade do autor de criar
intrigas t ã o originais e tã o diferentes umas das ou-
tras , mais acentuada nesse caso por se tratar de 40
est ó rias num livro só.
Entre os variad íssimos entrechos desse livro, a
maioria deles tendendo para o inesperado, destaca-se
“ Desenredo ” , por sua perfei ção e malabarismo. Nesse
conto temos, em resumo, a estó ria de um homem que
é sistematicamente traí do por sua amada , que só é
constante na trai çã o. Sempre amante e disposto a re-
cuperar a amada , ele se entrega à paciente operaçã o de
reinventar o passado, para desculpá-la e abrir as vias
para que ela venha de volta.
O conto é escrito com base nas constru ções fi-
xas e já como que calcificadas ou solidificadas da l í n-
gua , que vai sistematicamente desmantelando. N ã o
contente de escrever uma estó ria em que desmente o
lugar-comum da tradicional honra masculina que se
lava com sangue, o discurso també m se dedica a in -
verter os lugares-comuns da linguagem , um após o
outro. Em vez do clich é “ num abrir e fechar de olhos ” ,
temos “ num abrir e n ã o fechar de ouvidos ” . Em vez
de “ olhos de mosca morta ” , temos “ olhos de viva
ó2 Guimarães Rosa

mosca ” . Em vez de “ cor de pà o de mel ” , temos “ mo-


rena mel e pà o ” .
O objeto central da inversã o acaba por ser o pro-
vé rbio, fórmula ossificada e conservadora . O narrador
afirma que “ a bonan ça nada tem a ver com a tempesta-
de ” - quando a sabedoria popular garante que “ depois
da tempestade vem a bonan ça ” - ou então que “ vá-se a
camisa , que nã o o dela dentro ” (em vez de “ và o-se os
an éis e fiquem os dedos ” e “ o homem feliz não tem
camisa ” ) . Negando os prové rbios existentes, o conto se
esmera em criá-los in éditos, como: “ todo abismo é na-
vegá vel a barquinhos de papel ” ou “ de sofrer e amar, a
gente n à o se desafaz ” . Tudo isso para narrar um caso
que també m é o contrá rio de um clich é.
No fim das contas, Tutaméia - Terceiras Estórias
vem a ser o mais minimalista dos livros de Guimarã es
Rosa. Suas narrativas estã o dispostas em ordem alfa-
bé tica , conforme a inicial do t í tulo.Traz dois í ndices -
um de leitura , no in í cio, e outro de releitura , no fim -
e os í ndices també m estã o em ordem alfabé tica , exceto
numa pequena altera çã o: quando o G e o R colocam -
se fora de ordem , logo em seguida ao J, formando as
iniciais do autor.
Dele disse Paulo R ó nai: “ Estonteado pela mul-
tiplicidade dos temas, a polifonia dos tons, o formi-
gar dos caracteres, o fervilhar de motivos o leitor
naturalmente h á de, no fim do volume, tentar uma
classifica çã o das narrativas. E prov á vel que a or-
dem alfab é tica de sua coloca çã o dentro do livro
seja apenas um despistamento e que a sucessã o delas
obede ç a a inten çõ es ocultas. Uma destas ser á pro-
vavelmente a altern â ncia , pois nunca duas pe ç as
semelhantes se seguem . A instant â neos mal esbo-
ç ados de estados de alma sucedem densas micro-
biografias; a pat é ticos atos de drama rá pidas cenas
Dos Primó rdios aos Póstumos 6}

divertidas; incidentes banais do dia -a -dia alternam


com episó dios lí rico-fant ásticos ” .13

OS PÓ STUMOS
Ao morrer em 1967, Guimarã es Rosa deixou quase
prontos para serem editados dois outros livros , Estas
Est órias e Ave, Palavra . Lendo esses volumes, percebe-
se serem subprodutos dos extraordin á rios êxitos ante-
riores, que o alçaram ao posto de mais importante
ficcionista brasileiro, crit é rio partilhado pelos crí ticos
e pelo p ú blico.Tornara-se um sucesso editorial , e tudo
o que ele fornecesse seria bem-vindo e avidamente
comprado. Daí o surgimento desses dois livros, reu -
nindo textos que n ã o mostram a obsessã o com a uni-
dade e a coerê ncia que se encontram nos demais.
O primeiro deles, Estas Estórias (1969) , consti-
tui -se de nove contos, e seu t í tulo dá continuidade à
tradiçã o das “ primeiras” e “ terceiras ” estó rias.
Enquanto os anteriores se assinalam pela coesã o,
o mesmo n ã o ocorre nesse livro, que re ú ne estó rias
que o pró prio Guimarã es Rosa nã o quis incluir nos
outros, porque n ã o combinavam e n ã o alcan çavam o
mesmo n í vel . Figuram escritos que antes tinham sa í-
do em periódicos, mais um que tinha sa í do num vo-
lume coletivo, e alguns in éditos, entre eles sobras do
conjunto de Contos que depois se transformaria em
Sagarana . Mas ainda sã o, todos, est ó rias.

Paulo Rónai , “ Apêndice - Os Pref á cios de Tutamcia - As Estórias de Tutaméia



Emijoà o Guimarães Rosa , Tutamé ia Terceiras Est ó rias . Rio de Janeiro: José Olympio,
1967; p. 193- 201 .
04 Guimarães Rosa

O que resgata o conjunto é “ Meu Tio o Iauaretê ” ,


uma de suas obras-primas, relatando a trajetó ria de
um mesti ço de í ndio, ca çador de on ças no sert à o mais
bravio e isolado. O entrecho é terr ível : de tanto ser
maltratado pelos brancos, o onceiro acaba preferindo
as on ças, vivendo entre elas e se acreditando uma . O
feito lingu ístico é dos mais notá veis, porque elege uma
mistura de três canais de comunica çã o, a saber : o por-
tugu ês, o tupi do í ndio e as onomatopé ias da on ça .
O segundo livro, Ave, Palavra (1970) , traz ainda
mais acentuado o cunho de miscelâ nea. Compõem-
no quase exclusivamente recortes de jornais e revistas,
incluindo cró nicas, pequenas ficções, anota ções sobre
zool ógicos , v á rios poemas, fragmentos de di á rios,
orató rios etc. Sã o ao todo 54 textos e, o que ê mais
bizarro, aqui o escritor escapa de seu espa ço por assim
dizer co-natural , a quase totalidade deles tendo cen á-
rio alheio ao sertà o.
Sem a anuência de Guimarães Rosa, e três déca-
das após sua morte, veio à luz o livro de poemas que
vencera um concurso em 1937, Magma , e que ele, bom
juiz de sua pró pria obra , sempre se esquivara a publicar.

No pagino oo lado, Guimar ães Rosa durante cerimónia de


posse na ABL, em 1966
4. TRA ÇOS BIOGR Á FICOS
e Guimarães Rosa veio a se tornar mais

S conhecido como escritor, ocuparam-no


todavia outras profissões.
Depois de ter aprendido as primeiras
letras em sua cidade natal, Cordisburgo, Guimarães Rosa
teve que deix á-la para candidatar-se aos benefícios de
uma educa çã o propriamente formal . Em 1918, aos dez
anos, dirigiu-se inicialmente a Sã o Joã o Del Rei e seu
Colégio Santo Antô nio e depois a Belo Horizonte. Nes-
sa cidade, pela m ã o de seu avô e padrinho Lu ís Guima-
rã es, matriculou -se no Colégio Arnaldo, dos padres
alem ã es, o mais prestigioso da capital, també m frequen-
tado em diferentes fases por Carlos Drummond de
Andrade, Pedro Nava e Gustavo Capanema.16

Renard !Vrez , “ Perfil de Joào Guimarães Rosa". Em: Em Memória dcjoào Guimarães
Rosa Rio de Janeiro:José Olympio, 1968 .Vicente Guimarães, Joàozito - btfánaa deJoào
Guimarães Roso . Rio de Janeiro: José Olympio/ INL, 1972 . Vilma Guimarães Rosa,
Rclcmbramcntos :Joào Guimarães Roso , Meu Pai , Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Traços Biográ ficos 67

Ao passar para os estudos superiores na mesma


cidade, inicia em 1925 e conclui em 1930 o curso de
medicina , ano em que se casa com Lígia Cabral Pena .
Dois anos antes de se formar, em 1928, obtivera
sua primeira coloca çã o, na Secretaria Estadual da Agri-
cultura. De uma maneira ou de outra , tramitará como
funcioná rio p ú blico por vá rios pequenos empregos.
Logo em seguida à formatura , começa a traba-
lhar em 1931 como médico em Itaguara , cidadezinha
do interior de Minas Gerais. Ali , nasce-lhe nesse ano
a primeira filha , Vilma . No ano seguinte, 1932 , é no-
meado inspetor de Educa çã o e Sa ú de, em Itaguara . E ,
por ocasiã o da Revolu çã o Constitucionalista de 1932,
em que Sã o Paulo, com grupos mineiros e ga ú chos,
rebelou-se contra o governo federal, apresentou -se
como voluntá rio à Força P ú blica de seu estado, tendo
servido no t ú nel da serra da Mantiqueira , onde houve
uma das mais importantes batalhas da conflagra çã o.
Em 1933 presta concurso para a Força Pú blica, tor-
nando-se oficial-médico, em outra cidade mineira,
Barbacena, sendo promovido a capitão no ano seguinte.
Em 1934 nasce Agnes, segunda filha do casal. E de 1933 a
1935 trabalha no Serviço de Proteção ao í ndio. Na corpo-
ração militar reencontrou outro oficial-médico, Juscelino
Kubitschek de Oliveira , futuro presidente da Repú blica ,
que conhecera quando ambos estagiavam na Santa Casa
de Belo Horizonte e ao qual, muitos anos mais tarde, em
1958, deveria sua promoção a embaixador.
Em 1935 ingressa no Itamarati , sendo nomeado
cônsul de terceira classe. Sua trajetó ria naquele minis-
t é rio está bem registrada , em livro interessante, 1 que

Helo í sa Vilhena de Ara újo, Guimarães Rosa : Diplomata . Brasília: Ministé rio das
Relações Exteriores, 1987 .
68 Guimarães Rosa

traz alguns documentos redigidos por Guimarães Rosa


e submetidos a seu crivo antes de serem selecionados
para publica çã o. Dentre eles se destaca um ofício inter-
no que tem o requinte de limitar-se a palavras iniciadas
pela letra c. Os testemunhos convergem para delinear o
perfíl de um funcionário consciencioso e trabalhador.
A carreira de diplomata , como de praxe, impli-
caria em deslocamentos sucessivos. Cô nsul-adjunto em
Hamburgo em 1938, ali conheceria Aracy Moebius
de Carvalho, sua segunda esposa . Aproveita a oportu -
nidade da estada no exterior para viajar pela Europa .
A Segunda Guerra , provocando o rompimento de re-
la ções com a Alemanha , leva-o a ser internado por
quatro meses em 1942 , em Baden-Baden . Nesse ano
é nomeado segundo-secretá rio da embaixada em Bo-
got á , de onde volta em 1944 , para trabalhar na Secre-
taria de Estado, no Rio.
Em 1946 é nomeado chefe de gabinete do mi-
nistro Joã o Neves da Fontoura , com o qual desenvol-
veu calorosa amizade e do qual faria o elogio protocolar
ao tomar posse 20 anos depois na Academia Brasileira
de Letras, ao suced ê-lo na mesma cadeira . Viaja para
Paris nesse ano, para a Conferê ncia de Paz ao t é rmino
da guerra , como secretá rio de nossa delega çã o. Em
1948, a mesmo t í tulo, vai â Conferê ncia Pan -Ameri-
cana , em Bogotá . Antes do fim do ano é nomeado
secret á rio da embaixada em Paris, e promovido a con -
selheiro no ano seguinte, obtendo o cargo de ministro
de segunda classe em 1951 , quando reassume seu an -
tigo posto junto a Joã o Neves da Fontoura , no Rio.
Dois anos depois passa ã chefia da Divisã o de
Orçamento e em 1958 a ministro de primeira classe,
ou embaixador. De 1962 em diante, seria chefe do
Serviço de Demarcação de Fronteiras, posto em que
viria a falecer, em 1967.
CONCLUS ÃO
mbora tenha sido objeto de ef é meras po-
l ê micas quando surgiu , hoje em dia nin-
gu é m mais discute o papel de Guimarã es
Rosa na literatura e na cultura brasileiras.
Recente pesquisa|s realizada entre n ós para eleger os
dez melhores romances da literatura universal no sé-
culo que passou , apontou como o ú nico brasileiro
dentre eles Grande Sertão: Veredas.
For isso, n ã o é de surpreender que tenha gerado
um bom n ú mero de discí pulos, que procuraram e pro-
curam imitar sua maneira inconfundí vel. Desse ponto
de vista , pode-se dizer que fecundou nosso panorama
literá rio de um modo duradouro. Antepõe-se, toda-
via , a essa estimativa por assim dizer positiva , uma ou -
tra , que deixa uma d ú vida pairando no ar. Um mestre,
Guimarães Rosa esgotou a tal ponto a feliz combina-

m ••Mais! *’ , Folha dc S.Paulo, 3 jan . 1999; p. 4-8 .


Conclusão 71

çà o entre oralidade sertaneja e erudi çã o poligl ó tica


que nossa literatura como que paira aqu é m daquilo
que ele realizou . Provavelmente, as novidades est é ticas
interessantes virà o de outros quadrantes.
Mas o mais curioso de tudo é que ele tenha dado
frutos onde menos se esperava: 11a literatura africana .
Dentre os mais importantes ficcionistas escrevendo em
portugu ês no continente, destacam-se o angolano ( na-
turalizado) Luandino Vieira e o moçambicano Mia
Couto. Ambos n à o só incorporam , com naturalidade,
descobertas de Guimarà es Rosa naquilo que escre-
vem , como at é contam em entrevistas a revela çã o que
foi para eles a leitura de um tal autor, quando, at é por
projeto pol í tico, n à o conseguiam sair do neo-realismo
- de influ ê ncia tanto portuguesa quanto brasileira , atra-

vés do romance de 30 que at é entã o praticavam.
Entre nós, a influ ê ncia propriamente literá ria de
Guimarã es Rosa tornou -se difusa e ubí qua . Do mes-
mo modo, estendeu -se a outras á reas da cultura , fa-
zendo-se notar, por exemplo, no cinema . Muito do
que escreveu já foi filmado, como Grande Sertão: Vere-
das ;“ A Hora eVez de Augusto Matraga", de Primeiras
Estórias ; “ Buriti ” , de Corpo de Baile; “ A Terceira Mar-
gem do Rio", de Primeiras Estórias etc., com resulta-
dos variá veis. Dentre eles, o trabalho de Roberto Santos
com “ A Hora e Vez de Augusto Matraga " (1965) se
destaca pela qualidade.
In ú meras montagens teatrais já foram feitas, e
ainda se fazem , adaptando obras suas. Dentre elas, teve
grande repercussã o aquela dirigida por Antunes Filho
sobre Grande Sertão: Veredas. Esse romance foi igual-
mente objeto de uma minissé rie da TV Globo.
Guimarà es Rosa foi parar de um modo percep-
t í vel també m 11a can çã o popular, cujas letras influen -
ciou fortemente, como se nota em Chico Buarque,
72 Guimarães Rosa

Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil .


Mais ou menos inesperada foi uma assinal á vel - e con-

fessada absorçà o de algumas de suas t écnicas por
humoristas mais cultos e sofisticados, como Mill ô r
Fernandes e Lu ís Fernando Ver íssimo.
Um desenvolvimento recente tem sido a recu-
pera çã o da oralidade de Guimarães Rosa num retor-
no que o leva de volta a suas ra í zes, mas depois de ter
atravessado o patamar letrado dos livros dif í ceis. (Os
Miguilins, contadores de est ó rias origin á rios de sua
cidade natal , Cordisburgo, estã o agora decorando pá-
ginas de Guimarã es Rosa e declamando-as.)
Algo que sempre agradou aos leitores foi sua
habilidade para criar palavras, e de fato se notam em
toda parte muitas escolas e logradouros p ú blicos
batizados com inven ções suas. Dentre elas, a mais po-
pular parece ser a palavra “ Sagarana ” , que se encontra
disseminada pelo Brasil afora , como rua , pra ça , centro
cultural, col égio.
Em suma, uma obra tã o vasta e tã o rica como
essa descortina um amplo futuro pela frente, a respei-
to do qual se pode prever que ainda muito dinamizará
o processo cultural .
BIBLIOGRAFIA
DE GUIMARAES

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volumes.
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1956.
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Tutaméia - Terceiras Est ó rias. Rio de Janeiro: José
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Bibliografia 75

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Francis Ut é za , Metaf ísica do Grande Sertão. Sã o Paulo:
Edusp, 1994.
[ V á rios ] , Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de
Janeiro:José Olympio, 1968.
Teresinha Souto Ward , O Discurso Oral em Grande
Sert ã o: Veredas . Sã o Paulo: Duas Cidades / INL ,
1984.
SOBRE A AUTORA

Walnice Nogueira Galvà o é professora titular de teo-


ria literá ria e literatura comparada na USP.
Palestrante convidada em institui ções da Europa ,
dos Estados Unidos, da Ásia e da África , tem livros pu-
blicados sobre Guimarã es Rosa , Euclides da Cunha,
crítica da literatura e da cultura. Entre esses, os mais
recentes sào Correspondência de Euclides da Cunha (Edusp,
1997) , Desconversa ( UFRJ, 1998 ) , A Donzela- Guerreira
(Senac, 1998) e Le Carnaval de Rio (Chandeigne, 2000) .
FOLHA
EXPLICA

Folha Explica é uma sé rie de livros breves ,


abrangendo todas as á reas do conhecimento e cada
um resumindo, em linguagem acess í vel , o que de
mais importante se sabe hoje sobre determinado
assunto.
Como o nome indica , a s é rie ambiciona expli -
car os assuntos tratados. E faz ê-lo num contexto bra -
sileiro: cada livro oferece ao leitor condi çõ es n à o s ó
para que fique bem informado, mas para que possa
refletir sobre o tema , de uma perspectiva atual e
consciente das circunst â ncias do pa ís.
Voltada para o leitor geral , a sé rie serve també m
a quem domina os assuntos, mas tem aqui uma chance
de se atualizar. Cada volume é escrito por um autor
reconhecido na á rea , que laia com seu próprio estilo.
Essa enciclopédia de temas é, assim , uma enciclopédia
de vozes també m: as vozes que pensam, hoje, temas de
todo o mundo e de todos os tempos, neste momento
do Brasil .
FOLHA Literatura
EXPLICA

GUIMARÃES ROSA
WALNICE NOGUEIRA GALVÁO
Guimarães Rosa ( 1908-67) é, por consenso, o maior escritor
brasileiro de ficção da segunda metade do século 20. Seu romance
Grande Sertào: Veredas transporta nossa língua para um plano de
invenção nunca antes alcançado. Juntamente com Sagarana e Corpo
de Baile, é uma das obras que nos definem para nós mesmos e ensi-
nam a pensar o país de outro viés.
Conjugando regionalismo (brasileiro) e espiritualismo (euro-
peu), Guimarães Rosa chega a uma síntese inimitável - embora
muito imitada. Sua presença extrapola a literatura e se faz sentir
no cinema, na TV, na música. Este livro aborda toda a sua
obra, compreendida no contexto histórico em que surgiu.
E uma porta de entrada, e revisão esclarecedora, de um
dos nossos maiores patrimónios.

Walnice Nogueira Galvão é professora li-


vre-docente de literatura na USP

ism M- 7403 - 235-1

PUBLIFOLHA

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