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Química Virtual, Outubro de 2010

A série „Acidentes Explicados pela Ciência‟ tem


por objetivo mostrar os maiores e mais incríveis
acidentes causados pelo homem mostrando es-
sencialmente o que aconteceu sob o ponto de
vista científico. As reações químicas aqui descri-
tas não devem, em hipótese alguma, ser reprodu-
zidas devido ao seu alto grau de periculosidade.

Chernobyl: a luta contra um inimigo ‘invisível’

Conheça os detalhes sobre O que é radioatividade? com que as partículas do nú-


cleo estejam „coladas‟ umas nas
a radioatividade e suas A radioatividade é um outras. Esta competição de
consequências no maior fenômeno que ocorre nos áto- forças é ganha pela força de
acidente nuclear da história. mos, mais especificamente no atração (força forte) quando há
núcleo de alguns tipos de áto- poucos prótons no núcleo, tor-
mos. Estes „tipos de átomos‟ nando o átomo estável. Mas, a
EMILIANO CHEMELLO que tem seu centro instável são
chemelloe@yahoo.com.br medida que o número de pró-
átomos geralmente ditos „pesa- tons aumenta, a força de re-
Ao assistir um docu- dos‟ (com um grande número pulsão (interação de Coulomb)
mentário sobre o acidente de de prótons no núcleo e, conse- também aumenta, tornando o
Chernobyl, o que mais chamou quentemente, elevada massa – átomo instável.
a minha atenção foi a declara- daí a expressão „pesados‟). O
ção de uma das vítimas, um fenômeno da radioatividade Todos os átomos acima
senhor que havia lutado na emitida pelo urânio, tório, actí- de 82 prótons no núcleo são
segunda guerra mundial. Na nio, polônio e rádio foi desco- instáveis (radioativos). Esta
entrevista, ele disse que prefe- berto e estudado por grandes instabilidade é aliviada pela
ria estar novamente na guerra nomes da ciência, como Roen- emissão de, essencialmente,
que participou ao invés de en- tgen, Becquerel, Marie e Pierre três tipos de radiação:  (alfa),
frentar o acidente de Cherno- Curie (estes dois últimos, ma-  (beta) e  (gama). Vejamos os
byl pois, diferentemente da rido e mulher), entre o final e detalhes de cada uma destas
situação que passou, em que início dos séculos IX e XX. radiações.
via o inimigo, os tanques, os Desde então, o homem Exemplo de radiação 
mísseis, no desastre de Cher- dedica-se aplicando este co-
nobyl o inimigo demonstrava-se nhecimento para fins nobres e
238
92U 24   234
90Th
„invisível‟. para outros não tão nobres
O que foi o acidente de assim. Surgiram usinas nucle- A radiação  (núcleos de hélio)
Chernobyl? Como ocorreu? ares, que produzem energia é emitida e proporciona ao
Quais foram/são suas conse- elétrica. Há também aplicações átomo emissor (no exemplo, o
quências? Este artigo irá escla- na medicina. Porém, também urânio) transformar-se em ou-
recer estas e outras questões existiram as duas bombas nu- tro átomo (tório) com um nú-
fundamentais sobre o maior cleares na segunda guerra mero atômico (que é igual ao
desastre nuclear da história. mundial e a guerra fria que nos número de prótons) duas uni-
deixou com um grande medo dades menor e com uma massa
A fim de tornar compre- de uma possível guerra nuclear atômica (que é a somo dos pró-
ensível este acidente, são ne- entre EUA e URSS. Felizmente tons e nêutrons) quatro unida-
cessários alguns conhecimen- ela não ocorreu. des menor.
tos fundamentais. Para isto, é
importante saber o que é a ra- Voltando ao átomo, esta Exemplo de radiação 
dioatividade, como funciona „instabilidade nuclear‟ citada
anteriormente se deve, em
214
Bi 10  214
84 Po
uma usina nuclear, para poste- 83

riormente compreendermos o grande parte, a uma „competi-


Na radiação , um nêutron
que aconteceu em Chernobyl e ção entre a força de repulsão
transforma-se em um próton
quais as consequências para a próton x próton (papo de cien-
(este último fica no núcleo,
humanidade. tista: força de repulsão de Cou-
aumentando o número atômico
lomb) com a interação nuclear
*** do átomo produto em uma uni-
chamada „força forte‟, que faz

1
dade), um elétron (que é a radi- como o bário. Surgia, então, a com dois blocos de núcleons
ação  -)1 e um antineutrino descoberta que iria transformar separados por uma estreita
(uma partícula que interage o mundo: a fissão nuclear. ponte (c). Caso, entre esses
pouco com a matéria, portanto, blocos, a repulsão de Coulomb
Como vimos anterior-
sem importância para este nos- de longo alcance entre os pró-
mente, há uma „competição de
so assunto). tons for mais intensa do que a
forças‟ das partículas que exis-
interação nuclear atrativa de
Exemplo de radiação  tem no núcleo (papo de cientis-
curto alcance, o núcleo com-
ta: núcleons). Geralmente a
posto se fragmenta (d).
137m
56 Ba 00  137
56 Ba força forte vence (talvez seja
por isto que chamam ela de Até aqui você pode estar
A radiação , ao contrário das „forte‟), mas há casos que há se perguntando onde esta his-
radiações  e , não é constitu- um equilíbrio tênue. É o caso tória de quebrar átomos vai
ída de matéria, mas sim uma do urânio 235 (235U), um tipo chegar. O que tem de interes-
onda eletromagnética com de átomo (papo de cientista: sante em quebrar átomos?
grande frequência. Como tal, isótopo) do elemento urânio Bem, isto em particular não é
não altera o número de prótons que possui potencial de fissão. útil (interessante para alguns,
e neutrons do átomo produto Quando ele é bombardeado mas útil para poucos). O mais
em relação ao átomo emissor. com um nêutron, este causa fantástico nesta história de
Trata-se de uma espécie de uma desestabilização no nú- destruição de átomos é a ener-
„acomodação‟ das partículas. cleo, como se fosse o „empur- gia que a fissão nuclear pro-
Esta radiação ocorre no átomo rão‟ necessário para que um porciona. Isto sim é útil! Para
de bário, conforme o exemplo, núcleo, já instável, se desinte- você poder ter uma idéia, ape-
quando este é resultado da gre. Na fissão, temos a força de nas dez gramas de 235U forne-
emissão de radiação  do áto- repulsão vencendo a força de cem a mesma energia produzi-
mo de césio 137. atração. Mas, como isto ocorre? da na explosão de 300 tonela-
das de TNT! Isto é muito útil
137
55 Cs10 13756mBa Acompanhe a explicação
em tempos modernos em que a
com base na figura a seguir:
demanda de energia é cada vez
Este bário, metaestável
maior.
(137mBa), adquire estabilidade
emitindo radiação . Perceba, O 235U é um isótopo com
portanto, que o bário emite uma abundância de 0,7 %, ou
radiação  devido a uma insta- seja, uma parte em 140 partes
bilidade adquirida em uma de urânio natural em média é o
transformação radioativa (papo de massa 235 (veja Figura 1).
de cientista: transmutação), Então, para tornar uma amos-
que tem como origem o isótopo tra de urânio um combustível
radioativo do elemento césio, já nuclear, é necessário realizar
tratado nesta série quando fa- um procedimento chamado
lou-se do acidente com 137Cs „enriquecimento de urânio‟.
em Goiânia, Brasil. Esta etapa consiste basicamen-
te e aumentar a concentração
Esta emissão do bário é de 235U para um valor adequa-
utilizada, por exemplo, em tra-
tamentos contra o câncer. Mas,
quando nos submetemos a este
tipo de radiação de forma inde-
vida, como veremos mais adi-
ante, as consequências podem
ser fatais.
***
O núcleo do 235U e o
O que é fissão nuclear?
nêutron absorvido (a) formam o
Em 1938, dois cientis- „núcleo composto‟ (b), que
tas alemães, Otto Hahn e Fritz constitui o estado excitado e
Strassmann, descobriram aci- com energia de excitação colo-
dentalmente que o urânio, ao cada em modos coletivos de
ser bombardeado com nêu- vibração. Estes modos de vi-
trons, dava origem a átomos bração são capazes de „esticar‟
com metade de sua massa, o núcleo. Caso a energia de
excitação é suficientemente
1
Há também a possibilidade de um próton
grande, em uma dessas vibra- Figura 1 – Apenas 1 parte em 140
transformar-se num nêutron, emitindo uma ções coletivas, o núcleo com- (ou seja, 0,7 %) de urânio natural é
partícula denominada pósitron, constituindo a posto pode assumir uma forma o isótopo 235U.
radiação +.

2
do para que este seja utilizável
na fissão. Na seção „para saber
mais‟ há detalhes destes pro-
cesso e não vamos aqui deta-
lhá-lo.
O problema da fissão é
que, uma vez que os átomos
são partidos, novos nêutrons
são formados e outros átomos
são partidos, e assim por dian-
te, fazendo disso uma reação
em cadeia. Quando a fissão
ocorre de forma desenfreada,
temos a bomba atômica! Mas,
quando controlamos este pro-
cesso, temos o que chamamos
de usina nuclear.
A fissão nuclear essen-
cialmente tem duas aplicações:
armas nucleares e usinas nu-
cleares. Nas armas, deseja-se
uma reação em cadeia, a qual
necessita de uma concentração
grande de 235U. Já a usina nu-
clear não necessita de uma alta
concentração de 235U. Mesmo Figura 2 – Diagrama do funcionamento simplificado de uma usina nuclear.
assim, com baixa concentra-
ção, as energias envolvidas no 235U, o qual é potencialmente ***
processo em uma usina nucle- fissível. Então, se faz necessá-
ar são grandes. Será que uma O que houve de errado em
ria o enriquecimento do urânio
usina pode explodir como uma Chernobyl?
para que ele seja aplicado a em
bomba? Vejamos o próximo reatores nucleares. Este enri- Ainda hoje o acidente de
capítulo deste artigo para res- quecimento nada mais é que Chernobyl causa desconfiança
pondermos a esta pergunta. aumentar a concentração de quando falamos das usinas
235U para um valor em torno de nucleares para geração de
***
3 %. Já para se fazer uma energia elétrica. Sabe-se que é
Como funciona uma usina bomba atômica, a concentração uma fonte de energia limpa,
nuclear? de 235U deve ser em torno de 90 pelo menos quando comparada
O esquema simplificado %, logo, em tese, é pouco pro- com os combustíveis fósseis,
de uma usina nuclear está ilus- vável uma explosão atômica no com sistemas de segurança
trado na Figura 2. Em essên- funcionamento de uma usina avançados (hoje), mas o aciden-
cia, a fissão nuclear libera nuclear. Mas, como tratamos te de 1986 faz com que fique-
energia. Esta, por sua vez, com vapor em altas temperatu- mos „com um pé atrás‟ quando
aquece a água líquida que ras, se algo na operação der falamos em usinas nucleares.
transforma-se em vapor. Este errado, acidentes podem acon- Vejamos o que aconteceu e, ao
vapor gira a turbina que possui tecer. E aconteceram. O de final desta exposição, pondera-
a capacidade de gerar eletrici- Chernobyl é o exemplo mais remos a respeito da racionali-
dade, a qual é transportada por trágico, mas outros acidentes dade deste „medo‟.
uma série de etapas intermedi- ocorreram (como o de Three
Na madrugada do dia
árias até chegar na sua casa. Mile Island, em 1979 nos EUA).
26 Abril de 1986, operadores
As barras de controle ficam Além do combustível e estavam testando o reator qua-
próximas ao combustível nu- das barras moderadoras, temos tro da estação nuclear de
clear, evitando que o processo uma peça fundamental que é o Chernobyl, Ucrânia, na época
de fissão ocorra desenfreada- agente refletor. Um refletor pertencente a URSS. Esta usi-
mente. Estas barras são geral- possível é o grafite (no reator na era responsável por 10 % da
mente feitas de boro ou cád- utilizado em Chernobyl). Ele geração de energia elétrica uti-
mio, elementos que absorvem desacelera os nêutrons oriundo lizada na Ucrânia naquele ano.
nêutrons e impedem que estes da fissão de um átomo de 235U, Desejava-se realizar testes as-
promovam a fissão de outros que sai a aproximadamente sociados a uma das maiores e
átomos de 235U. 1600 km/s, velocidade que é mais recentes conquistas do
Como vimos anterior- reduzida a 1,6 km/s, a qual é regime comunista. Documentá-
mente, o urânio extraído da mais eficaz para quebrar o pró- rios e relatórios oficiais dizem
natureza tem apenas 0,7 % de ximo átomo de 235U. que houve falha humana ao

3
realizar os testes em uma po- um circuito independente e no reator, o grafite causou au-
tência baixa (< 700 MW), fato isolado. mento na potência (centenas de
previsto como perigoso nos vezes), não uma redução como
O modelo soviético, em-
manuais de procedimentos. O era de se esperar das barras de
bora menos seguro, foi adotado
teste foi exigido do comitê esta- controle. Elas nunca deveriam
por ser mais barato tanto na
tal para o uso de energia atô- ter sido retiradas durante a
construção quanto no abaste-
mica. Os governantes temiam a operação do reator.
cimento por combustível de
necessidade de utilizar o reator
baixo enriquecimento. Havia,
em caso de ataques por causa
ainda, um fator estratégico: a
da guerra fria. No entanto, o
grande quantidade de plutônio
engenheiro chefe (Anatoly Syat-
formada pelo funcionamento do
lov) desejava realizar o teste a
reator RBMK poderia ser usada
200 MW, a fim de preservar a
na fabricação de armas nuclea-
água para resfriamento do rea-
res. Devemos lembrar o contex-
tor. Por erros de operação, o
to histórico do acidente: guerra
reator teve sua potência abai-
fria entre URSS e EUA. Alias,
xada até zero. Impaciente, o
há quem diga que acidente
engenheiro chefe toma uma
tenha sido o primeiro passo
decisão fatal: o reator seria
para a queda do regime comu-
reativo sem que os sistemas de
nista.
segurança (barras de controle)
estivessem ativados (veja Figu- É importante salientar
ra 3). Estas barras de controle as implicações políticas que
funcionam como se fossem os rodeavam o funcionamento dos
aceleradores e os freios do rea- reatores em Chernobyl. A ex-
tor. A presença ou não delas pansão nuclear era um dos
faz o reator funcionar com me- grandes objetivos do regime
nor ou maior potência. No rea- comunista. Para tanto, priori-
tor de Chernobyl, eram 211 zou-se a implantação mais rá-
barras feitas de boro que en- pida dos reatores, sem no en-
contravam-se espalhadas entre tanto dar a devida atenção aos
as barras de urânio, o combus- aspectos de segurança. Houve Figura 3 – Detalhes das partes principais
tível nuclear. que constituem um reator nuclear.
um apressamento na inaugu-
ração do reator número quatro
Diante da situação de Houve uma série de fa-
em Chernobyl por questões
perigo, os operadores alertaram lhas humanas e do reator que
políticas. A segurança ficou em
o engenheiro chefe, o qual resultaram na explosão do
segundo plano. Alias, o teste
prosseguiu com a operação. mesmo, conforme já relatado
aqui narrado deveria ter sido
Sem as barras de controle, a (veja Figura 4). Antecipamos
feito antes que o reator fosse
potência aumentou mais rapi- que não houve, neste trágico
inaugurado. Mas não foi (infe-
damente, conforme o engenhei- episódio, uma explosão nucle-
lizmente) o que aconteceu.
ro chefe desejava. No entanto, ar, como as que ocorreram nas
esta mudança nos parâmetros Devido ao pequeno nú- bombas atômicas da segunda
de operação iria revelar falhas mero de barras de controle, a guerra, mas somente uma ex-
no projeto de construção do radiatividade concentrou-se na plosão não nuclear resultante
reator. parte inferior do reator. O teste da alta pressão de vapor de
consistia em desligar as turbi-
A usina de Chernobyl
nas que alimentavam água, a
utilizava reatores do tipo RBMK
fim de testar os geradores de
(em russo, “Reator de Alta Po-
emergência a diesel. Se algo
tência no Canal”), atualmente
desse errado, a água no reator
obsoletos, que apresentavam
seria insuficiente para capturar
instabilidade e usavam como
o calor gerado pelo reator e um
combustível urânio não enri-
acidente era possível. Ao serem
quecido. A tecnologia, em uso
desligadas as turbinas, menos
desde a década de 1950, utiliza
água foi enviada ao reator e,
a própria água que resfriava o
consequentemente, mais vapor
reator para formar o vapor
se formou. De forma repentina,
para mover as turbinas, num
a potência do reator começou a
circuito unificado. Já nos rea-
aumentar rapidamente. Para
tores do modelo PWR, os mais
freá-la, acionou-se as barras de
utilizados no ocidente, como
controle. O problema é que as
nas usinas de Angra 1 e 2 aqui
barras de boro possuíam car- Figura 4 – Foto aérea dos destroços
no Brasil, existem três circuitos da explosão do reator número quatro
bono grafite em suas pontas.
independentes, sendo que o da usina de Chernobyl, Ucrânia.
No instante em que entraram
líquido radioativo circula em

4
água existente no reator. A d‟água, conforme a equação ficção? Vejamos neste último
radioatividade deriva do mate- abaixo: capítulo do artigo os efeitos da
rial radioativo que saiu do rea- radioatividade no ser humano.
C(graf.) + H2O(v)  H2(g) +CO(g)
tor e foi arremessado para fora.
A radioatividade está em
Este material radioativo, por Esta mistura de gases junta-
todo lugar e somos afetados por
sua vez, foi levado pelo vento mente com a pressão de vapor
ela desde o momento que so-
para boa parte da Europa. de água que estava sendo gera-
mos concebidos até a nossa
da, foi responsável pela grande
morte. O ar que você respira, o
explosão que espedaçou a tam-
chão que você pisa, a água que
pa do reator que tinha uma
você bebe, o lugar que você
massa de mil e duzentas tone-
vive, essencialmente, todo o
ladas! O grafite do reator,
ambiente ao seu redor contém
quando aquecido, pega fogo, o
a radioatividade. A medicina
que gerou um grande incêndio.
usa a radioatividade em alguns
E pior: 50 toneladas de com-
exames e tratamentos (confor-
bustível nuclear foram lança-
me mostra a Tabela 1). Será a
dos na atmosfera, dez vezes
Algumas parte do reator radioatividade benéfica ou vilã?
mais que a bomba de Hiroshi-
(varetas que dão suporte ao Vejamos algumas considera-
ma! As consequências disto,
combustível nuclear) são feitas ções.
como veremos a seguir, são
de uma liga de zircônio (zirca-
catastróficas. A radiação que estamos
loy). Da mesma forma que o
expostos por toda a nossa vida
alumínio, o zircônio forma uma ***
compreende o que é chamado
fina camada de óxido de zircô-
Quais as consequências da de „radiação de fundo‟. A maior
nio que o protege contra a oxi-
radiação? parte dessa radiação é natural
dação. Porém, em temperatu-
e surge a partir de três fontes.
ras elevadas, esta camada de Todos conhecem o incrí-
Radiação que se origina a par-
óxido se decompõe, possibili- vel Hulk, certo? Bem, na even-
tir do sol e do espaço é chama-
tando a seguinte reação: tual hipótese de alguém não
da „radiação cósmica‟. A radia-
conhecer este herói da ficção,
Zr(s) + 2 H2O(v)  ção cosmogênica é aquela que
vamos a um pequeno resumo
vem de radioisótopos forma-
ZrO2(s) + 2 H2(g) de sua história.
dos/presentes na atmosfera,
Gás hidrogênio é extremamente Um físico nuclear, em que podem surgir a partir da
explosivo. Na usina de Three um experimento que dá errado interação da radiação cósmica
Mile Island, nos EUA, em 1979, (como o de Chernobyl), é bom- com as substâncias e elemen-
formou-se 1000 m³ de gás hi- bardeado por radiação gama. tos presentes. A terceira fonte
drogênio no reator. Felizmente Após este evento, ele passa a de radiação natural é proveni-
neste caso, o hidrogênio pode adquirir super poderes, oriun- ente de radionuclídeos primor-
ser removido antes de uma dos da mutação genética que a diais (elementos radioativos,
possível explosão. radiação gama gerou, que in- que sempre estiveram presen-
cluem uma força fora do co- tes na terra) e é chamada de
Ainda contribuindo para
mum, com músculos que ras- radiação terrestre (veja Tabela
a grande explosão em Cher-
gam as roupas do físico duran- 2).
nobyl, temos a água que, na
te a sua transformação no In-
temperatura em que foi aqueci- Dos 340 isótopos encon-
crível Hulk, nome como ficou
da (em torno de 1000 ºC) e sob trados na natureza, apenas
conhecido o monstro da cor
pressão, reage com o carbono cerca de 70 são radioativos,
verde que lhe caracteriza. O
grafite formando uma mistura incluindo todos os isótopos
que há de verdade e de mentira
explosiva conhecida como gás com números atômicos maiores
nesta fantasiosa história de
que 83. Muitos destes radionu-
Tabela 1 - Exemplos de aplicações de radionuclídeos na medicina clídeos não contribuem signifi-
cativamente para a nossa ex-
posição à radiação devido a sua
baixa abundância.

5
câncer e defeitos no nascimen-
Tabela 2 – Relação de fontes naturais e to de filhos de pessoas conta-
artificiais de radiação e o percentual minadas. Até mesmo os cientis-
que elas correspondem a radiação
nuclear total que estamos expostos.
tas que trabalharam pela pri-
meira vez com estes materiais
radioativos e que, por não esta-
rem cientes dos perigos, alguns
deles sofreram por isso. Marie
Curie, por exemplo, notável
cientista ganhadora do prêmio
Nobel, morreu da leucemia
causada pelos muitos anos de
exposição à radiação dos ele-
mentos rádio, polônio, e outros
radionuclídeos que ela traba-
lhava.
No caso da água (prin-
cipal constituinte do nosso
corpo), quando a radiação inci-
de sobre ela, há remoção de um
elétron, conforme equação
abaixo: Figura 5 – Principais tipos de radia-
ção de origem nuclear: ,  e .
1216 kJ/mol -
H2O(l) H2O+(aq) + e
nidade da pessoa, pode haver
A tarefa de avaliar as óbito.
O íon de carga positiva prove-
consequências da radiação
niente da ionização reage com Como vimos, somos
para nós, seres humanos, é
outra molécula de água para atingidos deste os nossos pri-
complicada, pois estas conse-
formar H3O+ e uma espécie com meiros dias de vida por radia-
quências muitas vezes não são
número de elétrons ímpar ção, fato que se estende até
previsíveis, estando sujeitas a
chamada radical livre hidroxila: nossa morte. Porém, se a dose
vários fatores, como tipo de
de radiação recebida for gran-
radiação, tempo de exposição,
H2O+(aq) + H2O(l) de, estas complicações tornam-
local em que incide a radiação,
se mais intensas.
entre outros. Apesar disso, ten-
taremos dar uma dimensão H3O+(aq) + *OH-(aq) Esta exposição à radia-
aproximada da exposição radi- ção é expressa no SI (sistema
oativa que diversas pessoas A rápida reatividade química internacional de unidades) em
tiveram com o acidente de destes radicais livres como a gray (Gy). Um gray é equivalen-
Chernobyl. Portanto, tratare- hidroxila com biomoléculas, te a absorção de 1 J/kg (joule
mos apenas das principais ra- muitas vezes ameaçam o bom por quilograma, ou seja, ener-
diações provenientes do núcleo funcionamento da célula. Por- gia por uma certa massa). Em-
atômico (,  e  ), desprezando tanto, a radiação pode provocar bora a unidade gray expresse a
os outros tipos de radiações alterações no mecanismo bio- quantidade de radiação ioni-
existentes (veja Figura 5). químico que controla o cresci- zante a qual o organismo é ex-
mento da célula. Isto é mais posto, ela não permite estabe-
Os raios  e muitas das provável (ou mais perigo) de lecer uma relação entre a ener-
partículas  e  produzidas em ocorrer nos tecidos em que as gia absorvida e a quantidade de
reações nucleares tem energia taxas de divisão celular são tecido lesado. Diferentes produ-
mais do que suficiente para normalmente mais rápidas. A tos das reações nucleares afe-
quebrar ligações químicas inte- medula óssea é um deles, onde tam diferentemente os tecidos
ratômicas, arrancando elétrons bilhões de glóbulos brancos vivos. Para levar em considera-
e produzindo espécies com car- (chamados leucócitos) são pro- ção estas diferenças, valores da
ga positiva (papo de cientista: duzidos a cada dia para forta- eficácia biológica relativa (do
íons). Portanto, os produtos do lecer nosso sistema imunológi- inglês Relative Biological effecti-
decaimento radioativo são co. Danos a nível molecular na veness – RBE) tem sido estabe-
exemplos da conhecida radia- medula óssea podem levar à lecidos para as várias formas
ção ionizante. leucemia, uma produção des- de radiação ionizante. Quando
A ionização de átomos (e controlada de leucócitos que, a dosagem em grays é multipli-
moléculas) nos tecidos vivos por não estarem devidamente cada pelo fator RBE da forma
resulta no dano aos mesmos, formados, não pode destruir de radiação, o produto gera
tais como queimaduras e alte- invasores patogênicos que, por uma nova unidade: sieverts
rações moleculares que podem ventura, entram em nosso or- (Sv). A Tabela 3 resume os efei-
levar à „doença de radiação‟, ganismo. Dependendo da imu- tos das radiações a partir da

6
Tabela 3 – Efeitos esperados a partir do grau de absorção da radiação nuclear. duziu um aumento global da
exposição à radiações ionizan-
tes estimada entre 0,05 e 0,5
mSv / ano. Considerando que a
exposição anual natural a radi-
atividade fica em uma faixa de
1,5 a 6 mSv/ano, trata-se de
uma fração significativa.
Estudos dos efeitos bio-
lógicos da radiação do acidente
de Chernobyl indicou um au-
mento de 200 vezes no incidên-
cia de câncer de tireóide em
crianças. Os nascidos nesta
região oito anos após o aciden-
te tinham o dobro do número
de mutações em seu DNA.
Os números oficiais di-
dose em que o ser humano é atmosfera cerca de zem que 4000 pessoas deverão
exposto. 200 vezes mais morrer de câncer devido a ex-
radioatividade que as bombas posição à radiação. Porém, há
Um RBE de 20 para
atômicas de Hiroshima e Na- outros cientistas que dizem que
partículas  pode levar a con-
gasaki juntas. Muitos dos o acidente pode ser responsável
clusão de que estas constituem
bombeiros e trabalhadores da por 25 mil casos em todo o
a maior ameaça à saúde quan-
usina foram expostos a mais de mundo, 10 mil só na Rússia,
do falamos em radioatividade.
1 Sv de radiação. Pelo menos num período de 70 anos. Mui-
Mas isto não é verdade, pois as
30 deles morreram nas sema- tos soldados, na tentativa de
partículas  são tão grandes nas após o acidente. Muitos
que têm pouco poder de pene- evitar mais contaminação, fo-
dos mais de 600.000 trabalha- ram expostos a altas doses de
tração. Elas são interrompidas dores que limparam a área ao
por uma folha de papel, a sua radiação (veja Figura 8)
redor do reator apresentaram
roupa, ou mesmo uma camada sintomas de „doença da radia- Novamente temos lados
de pele morta. Por outro lado, ção‟, e cerca de 5 milhões de positivos nesta história. De lá
se você ingerir ou respirar um pessoas na Ucrânia, Bielorrús- para cá, não houve nenhum
emissor de radiação , os da- sia e Rússia foram expostas à acidente nuclear significativo,
nos no tecido podem ser gra- precipitação nos dias seguintes graças talvez as cinco conven-
ves, porque as partículas , ao acidente. A nuvem de radio- ções internacionais de segu-
pesada, não precisa viajar mui- atividade libertada por Cher- rança que foram realizadas
to longe para causar dano celu- nobyl espalhou-se rapidamente nestes quase vinte e cinco anos
lar. Raios  são considerados a por toda a Europa do Norte após Chernobyl. Hoje, os reato-
forma mais perigosa de radia- (veja Figura 7). Dentro de duas res nucleares possuem regras
ção que emana de uma fonte semanas, o aumento dos níveis mais rígidas de segurança, mas
fora do corpo, porque eles têm de radioatividade foram detec- o risco nunca é zero.
o maior poder de penetração tados ao longo de todo o He-
entre as principais formas de misfério Norte. O acidente pro-
radiação, conforme ilustra a
Figura 6.
Os moradores do assen-
tamento de Pripyat, onde esta-
va localizada a usina de Cher-
nobyl, começaram a ser retira-
dos do local somente no dia
seguinte, as 14 h (cerca de 36
horas após o acidente). Foi pre-
ciso uma semana para retirar
os 135 mil habitantes e criar
uma zona de exclusão de 30
km da usina. Este tempo, no
entanto, foi mais do que sufici-
ente para contaminar boa parte
da população desinformada.
Estima-se que a explo-
são da usina liberou para a
Figura 6 – Ilustração do poder de penetração das radiações ,  e .

7
Para saber mais:
 Photo Essay Time Magazine
http://www.time.com/time/ph
otoessays/chernobyl

 Entenda o processo de enri-


quecimento do urânio
http://ultimosegundo.ig.com.b
r/mundo/entenda+o+processo
+de+enriquecimen-
/n1237592517990.html

 Apostilas do CNEN (Comis-


Figura 7 - A figura mostra uma simulação da disseminação do
material radioativo em todo o Hemisfério Norte após 4 dias do
são Nacional de Energia Nucle-
acidente em Chernobyl. ar)
http://www.cnen.gov.br/ensin
O Emiliano Che- o/apostilas.asp
mello é licenciado
em química pela  Topical Conference on Plu-
Universidade de tonium and Actinides - p. 215 e
Caxias do Sul e
Mestre em Ciência
216; 219 e 220, Disponível em:
e Engenharia de http://www.fas.org/sgp/otherg
Materiais pela ov/doe/lanl/docs1/00326352.
mesma instituição. pdf
Leciona em escolas de ensino médio e
pré-vestibular na Serra Gaúcha.
 Documentário Discovery
Visite o site: Channel
www.quimica.net/emiliano http://www.youtube.com/watc
h?v=EwS9-dC-dKg

 Infográfico sobre o acidente


http://n.i.uol.com.br/ultnot/in
fografico/0425_chernobyl.swf

 Wilson, R. A visit to Cherno-


byl. Science 26 June 1987:
Vol. 236. nº. 4809, pp. 1636 –
1640.

 Atwood, C. H. Chernobyl –
What Happened? J. Chem.
Educ., 1988, 65 (12), p 1037.

Wildlife defies Chernobyl ra-


diation
http://news.bbc.co.uk/2/hi/e
urope/4923342.stm

 Growing Up with Chernobyl


http://www.nsrl.ttu.edu/perso
nnel/RJBaker/Publications/34
6-
Grow-
ing%20up%20with%20Chernob
yl-Chesser%20and%20Baker-
Figura 8 - Liquidatários (ou „bio-robôs‟ como assim ficaram sendo
conhecidos) limpando o teto do reator. No início, as autoridades 2006.pdf
tentaram limpar os restos radioativos usando robôs japoneses e
russos, mas eles não funcionaram adequadamente com a extrema
radiação. Por isto, as autoridades decidiram utilizar seres huma-
nos para o trabalho. Os soldados não podiam ficar geralmente
mais de 40 segundos cada vez que subiam no teto do reator, tama- Este material pode ser reproduzido por
nha era a radioatividade naquele local. Muitos já morreram ou completo ou parcialmente, desde que
sofrem de problemas de saúde graves. Observem as „nuvens bran- seja citada a fonte.
cas‟ intercaladas na foto, resultado da radiação no local.

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