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crn nossa atividade proÍissional (lLlo'nrc clolcr'oi unl l)ouco para refletir

sobre esse processo.


O processo de ajuda é tâo básico c incrorr(c los sol'os lrurnarros
quanto os processos biológicos. Assim como o c»r'glnisrrro hiológico
não é um sistema fechado em si mesmo, do pontcl do vista psicoló-
gico o mesmo acontece. Apesar de estar equipado oom poloncialidaclcs
de respirar e digerir, por exemplo, o organismo inter-relaciona-so oonr
Abordagem centrada na pessoa: teoria ou o ambiente buscando nele o ar e os alimentos para que suzr potcn-
atitude na relação de aiuda ? cialidade de sobrevivência se atualize.
Da mesma forma, do ponto de vista psicológico, o indivíduo tem
Henrietle Tognelti Penha tr[orato potencialidades para se desenvolver como um indivíduo pleno, mas
inter-relaciona-se com o meio para que este o supra com elementos
indispensáveis a esse crescimento. E através das inter-relações pes-
soais que o desenvolvimento psicológico se atualiza.
É a essa necessidade inerente de ftoca com o ambiente, tantô
biológica (do organismo) e, mais ainda, psicológica (do indivíduo)
que chamei de processo de ajuda. Essa necessidade é intrínseca no
Para começar â escrever este capítulo, percebi que precisava rever ser humano e Çomo tal é um proÇesso, uma potencialidade; mas sua
meu prooesso de crescimento. Estou num ponto do meu desenvolvi- viabilizaçáo, sua atualização se evidencia no mclmento do contato
mento pessoal e profissional que me lem proporcionado muitas re' com outra pessoa, quer dizer, na relação de ajuda.
flexões, várias experiências de encontros e desencontros com teorias
Mas por que esse termo "ajuda"? Por que não simplesmente refe-
e práticas. Afinal, venho acumulando por ânos vivências e conheoi- rir-se a inter-relações pessoais? E evidente que existem trocas entre
mentos como professora e profissional de Psicologia, transmitindo, os seres humanos, entre as pessoas. Mas seriam todas as relações
recebendo e trocando as mais variadas experiências. Senti, revendo
interpessoais, relações de ajuda?
essa etapa do meu processo, ou seja, a minha experiência acumulada,
Ao pensar em relação, imediatamente ocorre a imagem de um
um desejo claro de poder e querer escrever sobre o que tenho pen' cntrelaçamento, uma ligação entre d«:is elementos. Da mesma forma,
sado. Tal desejo é uma condição necessária, mas não suficiente. O
ao falar em relação de ajuda pressupõe-se um elemento que necessita
desejo deve vir aconrpanhado dc utn objcto, oLt objetivo. Então, para
cle algo e vai buscá-lo em outro que está disposto a oferecer o que
mim, é importante que o que está sendo ou set:á lido deverá ser feito o primeiro preoisa. Ató mesmo a natlreza oferece exemplos de
por outra pessoa. Não me basta escrever para ntitn tnesma, é cssencial
lelação de ajuda: a troca de elétrons na matéria. No entanto, ajudar
que alguém leia meus escritos, e, tnais ainda, quc tal processo de rleio sigqüica necessariamente dar ao outro exatamente o qlEãlã
leitura tenha ou faça sentido para csse alguém "leitor", precisa. Este é o conceito popular de ajuda.*Ng-Wnli<lo amplo, que
Com isso, penso estar atuando uma das características fundamentais ;rretendo enfocar aqui, ajyda sigrifica fa
da minha profissão de professora e conselheira-psicológica: querer e çôes necessárias para seu desenvolvimento.
procurar ajudar, contribuir com minha experiência para alunos e Quando uma criança cai, por exemplo, a reaçáo que ela esboça
outros colegas que nunca encontrei. Estou, a meu ver, tnantendo ó de choro, olhando em volta para que alguém a socorra. O que ela
uma relação de ajuda, embora sem ter o outro diretamente à minha cleseja é levantar-se, mas espera pelo amparo. Ao chegar perto e
frente. ol'erecer à criança a máo como apoio, em geral usamos uma expressão
Experimentar a sensação de estar envolvida em um processo de "Upa!". Pergunto-me se não seria exatamente essa qldéb_dgiigdai-
ajuda tem sido uma vivência constante. Creio ser tão fundamental .rl_-crccer-nos à dispo

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,1,9 19! =3J-Ud9gjg4glE--o-tçJ§']q9t;lta§-§ss:qlL-meia--+aÍa=quq
mento, seu pape[ scria o dc I'acilitar rts cotttliçircs para que essq§-
-9 19*
-' at3vÉglleqsa,-rqlaç4q {nanti c in §- _crises fossem compreendidas dcnlt'cl do l,toccssr-r tlc tlcscrrvolvimcnto"
de viabilizar seu plocesso de ajuda. * cle vida da pessoa.
Acredito ser indispensável frisar que o sentido de processo de ajuda John Wood, em seu artigo "Vivendo cclur ltittrsiçocs dc vicla"
(o que ocorre dentro do indivíduo como uma condição inerente) e ( 1975), falando sobre suas tentativas dc oornprccndcr cssu I'urrçiro

de relação de ajuda (o que ocorre na inter-relação com o outro) facilitadora do conselheiro, diz
aos quais me refiro, diz respeito a compreender "ajuda" como
"... não é minha intenção dar um jeito de transformar as semplc-nrtrtlrntcs
desenvolvimento, crescimento. E nessa medida creio que agora mais pessoas em uma teoria não mutante; prefiro ter uma perspectiva a pattir'
facilmente se evidencie que nem todas as relações interpessoais man- da qual possa ver as transições de vida. A compreensão pode tornaf o pro-
tidas pelo indivíduo são consideradas relações de ajuda. Nem todas cesso menos doloroso e ajudar a que a renovação aconteça através da sttges-
ajudam a cÍescer, tão, da maneira de (pela qual) facilitar o processo" (p. 5).
No campo específico da Psicologia, e mais precisamente do Acon-
Percebo nas palavras de Wood a definição clara do que é para
selhamento Psicológico, muito se tem discutido, pesquisado e refletido
rnim o carâter profissional do caminho que escolhi.-Não veio o psi3*
sobre qual seria a função básica do conselheiro e sobre seu campo de
_có.&eo-conselhei{o enquadrar em categorias aq Iqqqqqs
atuação. No capítulo anterior, foi discutida a ambigüidade na deli-
qqe*g procuram para uma ajuda, mas si{n dirigi4g pq!n_qti,tu_4e pro-
mitação da ârea e do próprio termo "Aconselhamento Psicológico".
tissionais que ajudam (facili!90*q_9999§9 4q gtqtçillglo_4q:qlg1
Se considerarmos agora a no
pessoaq,_ [q{qgg{o básica é a de facilitador do Eocesso de-dg§gti.-
volyggglg_hrmono, q.tlqyés du t"luç
- pouco sobre qual o papel do conselheiro nessa relação' ,.

seu cliente. Coloca-se disponível para ofqreger as,ggg{ç9_ç.: _tey9_t4-v-gil


Citei anteriormente que, para mim, "ajuda" seria sinônimo de pal4gqe o equilíblio ss reinslale. Wood diz que
crescimento, desenvolvimento, e que a relação de ajuda seria aquela
que oferece as condições necessárias para que esse desenvolvimento "ajudas bem-sucedidas parecem envolver e ajudar a pessoâ em transição a
experienciar e dar sentido ao que experiencia, enquanto se acreditar na
ocorra, No mundo atual tãg turbulento. o conselheiro é procurado.
pessoa como capaz de crescer e assumir suas novas situações de vida"
para fornecer aiuda a pessoas que estão passando por mudanças em,
{197-í, p. tl).
suas vidas. que est , com
-Mgq se por um lado a lqffú9-!as1çg'r,-,e"dg,g119 -qeniral, dq pfq:
. dificuldade em recuperar-se. Dependendo de como ocorrem essas mu- llssj*ond de aisda-É_q "dq-:çr_Ur fagüq4Cg_L_4q *p19ç-e_Lsp-*.{9---gescil
danças, se voluntárias ou involuntárias, considerando também o modo ruellg--_§uê-ê!újdade. por outro lado, varia enormemente. O carypq-
como a pessoa interpreta essas transições, se com criatividade, com cl ç,- algaçãe *{o*-p-pliqgS!Al__de aigdg_pqde serlão yqggdg_ qgan o- tj L

naturalidade, recorrendo a suas experiências anteriores, ou como desas- quanlida{ç dei -atiy!dad-ç§*-bqtq4!qs.,- grplqsq&-4q--qepqgrdede dg-"gg:
tres, catástrofes inimagináveis; enfim, dependendo de fatores externos s ç-ny s l y:.re n to_d q- ho m em -$: s e _s_.ejr t i d g-,,_pqdqlq!gs dg gr qqq o. A.cp r-
s

e internos, tais crises são inegavelmente expressões pessoais de vi- selhqmqp!-qll_sjsp_1_ósiqq,É*1lpsdag_dI,de&*dop1qüslo!ul_dg_9Í9d9,


vência e, como tal, imprevisíveis. ond eo q o IJ t A to iqi_gi a i qqt_q !e [qçrd!_!g_ ts__o_Iggebgo:ce $çÜtgUg., lg: fl.
Nessa medida, g função do conselhei que o campo de gjud4 C_e_ dqÍjp_a, é_Un ryplSgnlS--y{e1 {g_plorgQlQ:
.de modo restrito. Poderíamos mesmo dizer que sua f.unção seria tão .
O que pretendo dizer é que, embora a funÇão facilitadola do ptq:
ampla quanto o número de pessoas que o procura; Não há padrões Jjs§l-QIIAI dq aiqda .(sqgs atitudes _antc o cliente) seja a nresrna em
determinados para a funqão do conselheiro numa relação de aiuda. cp,41qq"çl--Alrl:rdg4g_que esteja dcsenlpcnhaljlo nLrr} claclg_119lnent!9-, *
Creio que. desse ppnto de vista, seria mais adequado falar-se dq. -<J
epçn-dçndp--fuese -ruç smq -u9!!9Jltl§!rl-dm dgdg_r {ri i!_91,êgdo_{gg_
facilitador, iz laro serusu. em lugar de conselheiro. Facilitador porque, certo.,c_c-q&hqgqgilqs,_lllfjo_llqgçeçs clqo11g4_q_gge_faoilitem sua_relação_.
qonsiderando-se essa relaÇão de aiuda como um processo de cresci- cle ajq§4- sep_q.§i911lp. As_.elr1glgúqqrlit_g_t1o:,uqj94e{ 1g_!t§39.mg,s_=-

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J,t_.eunsç!_heiro nece§sita de uma bakr3)m especílica qlle ampliç,§ua ofer'eço as contliçôes que fesultllll) rta pt-otlrrçlrti rle rrrrr lrrilrro r irlo c glo-
-r .capqiência e distinga a aiuda p{gfisúoqú dç,u"u4 Lelgg. Isso porque, rioso, sinto o mesmo tipo tlc satisfaçlio t;rrc oblt'rrlro rllr;rntkr lrrcilito o
durante a entrevista de ajuda o conselheiro vai propiciar ao cliente as cresçimento de uma pessoa ou grupo de pcssolrs" (l{o11t'rs, l')77, p.45).
condições para que se defina o campo de ajuda desejado, e necessita
reÇorrer a conhecimentos e informações para que as definições ocor- Creio que nesta passagem tão expressiva clc conscgtte lrlrttsnritir
ram. Ne_sse s9!flidq,_ _v_qig_,C_f UgE&- dq-- pStCJúellg_conlq rnai s gl1plg todo o prazer, a disponibilidade e a gratificação, qlle sctrtc tao crtrrri
qqe A.d-g._lglgpg-qle-As vezes, configura-se que uma informação bem zados em si mesmo, do que para ele significa um contâto httnrancr
colocada na entrevista de ajuda pode facilitar a percepção de um que contribui para o desenvolvimento das pessoas envolvidas.
caminho para o cliente e este dá-se por satisfeito naquele momento I)essa forma, falar da relação de ajuda pressupóe falar-se da Abor-
específico e para aquele caminho específico; não quer expandir-se pesio+ àã qual est.a indisso.iuau. eutrt d. f*n
rnais. Nem5gmpre- é terapia qqe qlg.-d11d-g. .tlagem -Çg.llt-r1dg;ra

.\ós, c:o1isçllrei.rpqpiudafnos, Íacilitamos, mas nem sempre p_odg.ryqs lit ag,ao 1e,spq fç]eqqgp1e'lgpg1(glqjf4ry_o$g9g: r{q:g'-l_re jlvo-
jclcrrniurl_ sc os obietivos foram ou não alcanQados.. E muito gra- recem esse processo, E, fin-qlmgq_!q,, talar _dqsse c1!m3 e de "cuidados
tilicantc olcrcccr iriuda, mas levando em conta que a direção dessa pacientes, inteligentes e sensiye,!,sll,nfpgqgp-§q -!elellq-. d-e-.y-iq4o=-d.q---
ajuda nào rros pcrlcrrcc. Qqg1rc_qç._ rcqsq i!_r§!êl[e-_ Un1a gg]gg-Lçqg lomem e dos pressttpostg_s .f!!o1of!cp_s_-q!,-"_ i1!41ryglBlt essa 4orda-
çlc LOglj4qlfS-§ú§,.,,_tlgc sisnifica urn lclacionamento lqa.§gtp-i j'R.": Bem para que o inter"úrqbio prá.tiq.aj99-1ia:{!lo-qglryjçglteçl_l!rn
c n,ro o ciclo permanente de cres.qimento-:
lem , o_que pcnso scr o rncsnro quc ajuoa-me a aJudar-te . .
Como já disse anteriormentc, vivouciar o processo de crescimento "Não conheço melhor maneira de combinar a aprendizagem vivencial
profunda com as aprendizagens teóricas e cognitivas abstratas, além dos
dentro de uma relaçáo de ajuda tem sido uma constante em minhas três passos que mencionei: viver totalmente a experiência, reouvi-la de
vivências pessoais e profissionais. E não é por acaso que estou agora forma vivencial-cognitiva e estudá-la mais uma vez, tendo em vista todas
escrevendo minhas reflexões sobre essas relações em Aconselhamento as pislas intelecÍuais" (op. cit., p. 40).
Psicológico. Tais vivências originam-se do meu contato.com a Abor-
dagem Centrada na Pessoa, com as idéias de Carl Rogers, de quem O homem Íealmente é aquilo que ele faz de si mesmo, ao longo
o próprio Aconselhamento Psicológico (como pretendemos aqui enfo- .t. sq_a_hiplgnei*9-l-q*ry!et9_-o*-9jgn1tjc?-{9_ dq' gr§gl p1l1_'::ggy._t
car) e o conceito de ajuda derivam sua formulação atual. Sem dúvida, Assim, no artigo acima
seria impossível desvincular tanto a definição quanto a prâtica"da citado, Rogers coloca textualmente sua posição filosófica para com a
relação de ajuda e sua facilitação das proposições rogerianas: de ciência psicológica.
sua visão de homem, relações interpessoais, cosmos. Falando de sua comentada polêmica com Skinner, Rogers afirma
Em seu artigo "Em retrospecto quarenta e seis anos", depois que a diferença básica entre eles reside numa opção filosófica e que,
de todo um apanhado do que tem -sido sua vivência e caminho pes- a seu ver, a abordagem humanística em Psicologia é a única pos-
'discordar
sível, embora admita que outros possam e escolher outros
"E pratico jardinagem, Nas manhãs em que qão tenho tempo para . caminhos. Para Rogers, sqa experiência e prática clínica têm-lhe dé-
examinar as miúas flores, regar as mudas que plantei, arrancar ervas monstrado o quantq o homem é seu próprio arquiteto, dando realidade
daninhas, matar alguns insetos predatórios e colocar Íertilizante adequado
em algumas plantas que estão crescendo, sinto-me logrado. Meu jardim _.,qetdpgg Assim,
me coloca diante da mesma questão intrigante que tentei responder durante ll«:gers modifica sobremaneira a visão clássica mecanicista de causa
toda a minha vida profissional: Quais as condições favoráveis ao cresci- r, efeito, tanto no plano individual como no próprio plano acadê-
mento? Mas, €m meu jardim, embora as frustrações sejam imediatas, os" rnico-científico. Em uma postura humanística, o psicólogo, tanto
resultados, sejam eles positivos ou negativos, trornam-se visíveis mais rapi- rluanto o cientista, seriam vistos como pessoas quc fazem escolhas
dameote, E quando, através de cuidados pacientes, inteligentes e sensíveis,
subjetivas para seus enfoques profissionais de tócnicas ou temas.

28 ,o
"O cômodo pretexto da 'objetividade' necessariamente iria por água arte, a literatura e a religião. lLepcnsa as ativiclaclcs do honrcrn e
abaixo, o que o exporia (ao cientista) como um ser vulnerável, imperfeito
e subjetivo, totalmente envolvido, intelectual e emocionalmente, objetiva e tem uma função humanizadora em ulotnurtos rlc erisc. l)essi.t lornta.
subjetivamente, em todas as suâs atividades. compreendemos perfeitamente se o homem estava sendo destituído do scr-r signil'ictclo irrrrplo conro
que esta possibilidade seja muito ameaçadora', (op. ciÍ., p. 37). ser humano, sendo examinado e inferido aponas l)ot' suas 1'»artcs,
começou a esboçar-se um movimento dentro da filosoÍ'ia corrtcrnp<..r-
Admitindo, assim, sua visão humanística da Psicologia, Rogers nos rânea para que se restituísse ao homem um significado c urna r:xis-
possibilita uma rápida excursão sobre os pressupostos filosóficos dessa tência livres. Para Lamont (1965), esse movimento, chamaclo hunrir-
abordagem. Creio que tal "passeio" nos facilitaria a compreensão dos nista, buscou suas raízes no humanismo clássico da Renasccnça, conl
fundamentos das proposições básicas da Abordagem Centrada na a tarefa de reorganízar e sintetizar uma nova visão de homem, Nessc
Pessoa e sua teoria de Personalidade, bem como do seu desenvorvi- sentido, colocavam-se as seguintes proposições:
Ínento posterior. a) fé na capacidade e potencialidade do homem de resolver seus
lndubitavelmente, a ciência e a tecnologia trouxeram grandes rea- próprios problemas, baseado na razáo e no método científico;
lizaçõcs para a humanidade: melhor padrão de vida, aperfeiçoa- b) crença na liberdade genuína de uma escolha criativa e na ação
mento das condições de saúde, da mobilidade e das comunicações. do homem, conduzindo seu próprio destino no aqui e agora, apesar
Contudo, a ciência lem sido mal-entendida por homens que aceita- de ser condicionado pelo passado;
ram suas dádivas sem elaborar as implicações humanas de suas des- c) crença no homem como uma forma evolucionária da natureza
cobertas. A ciência tem falhado em fornecer ao homem uma garantia oom uma unidade inseparável e integrada;
de seu próprio valor e um significado para sua existência. Na ver- d) crença no questionamento de pressupostos básicos de acordo
dade, a tecnologia avançada contribuiu para a desumanização do ho- com o método científico e aberto para testes experimentais.
mem, ameaçando-o com o aniquilamento e a destruição. Buscando As ciências humanas, interessadas diretamente no homem, sentindo
objetividade, a ciência distanciou-se de sua origem como criação hu- necessidade de uma visão que respalde seus pÍocedimentos, dada a
mana, estabelecendo regras próprias como um conhecimento intrín- crise do homem atual, começam a amparar-se no enfoque humanista
seco e autônomo. Baseando-se no método determinista das ciências ' como base de sua investigação científica. Entre os psicólogos, surge
naturais, a Psicologia, no começo do século XX, começou a estudar essa mesma reaçáo, decorrente da insatisfação com a orientacão beha-
o homem objetivamente, rejeitando todos os tipos de investigação viorista prevalecente. Esse movimento foi chamado de Psicologia Hu-
subjetiva, para destacar e privilegiar a observação e o contrclle do manista ou "Terceira Força" (opondo-se ao Behaviorismo e à Psicaná-
lise), e iniciou-se nos Estados Unidos e na Europa entre 1950 e 1960.
comportamento manifesto. O movimento foi assim chamado de beha-
Segundo Maslow, de quem a denominação "Terceira Força" decorre,
viorista ou Çomportamental. Desde então, os psicólogos vêm estu-
dando partes do homern "que respondem a um estímulo físico em "a Psicologia Humanista é, no seu sentido mais verdadeiro, uma visão geral
um ambiente artifiçial de laboratório" (Cantril, 1967, p. I3). A pes- e abrangente da vida, uma visão mundana de uma filosofia de vida que
soa era fragmentada , reduzida a partes ou segmentos do seu com- não é simpiesmente intelectual mas é também um sistema de ética, de
portamento sem a preocupação pelo indivíduo como um todo em seu valores, de política, de economia, de educação e de religião; uma filosofia
de ciência..." (Maslow, 1972, p. 6ll).
ambiente natural. Tal colocação pode parecer exagerada e sectária,
mas, na essência, é a expressão verdadeira da concepção de homem
Considerando-se essa definição dc Maslow, poderíamos dizer que
que por muito tempo embasou a ciência psicológica.
a Psicologia Humanista, ao invós dc uma tcoria cspccíÍica, é mais
Enquanto a ciência assim progredia, a Filosofia, por outro lado, u*u qlilgd._dirigida a um melhor cntcndimcnto do homem. E não
sendo um estudo desenvolvido para especular sobre os objetivos, poderia ser diferente, já que encerra ulna oouvergência de um nú-
ideais e problemas do homem, busca uma síntese de uma visão inte- mero de linhas e escolas de pensamento, as mais variadas, e decoffe
gradora do universo, natureza humana e sociedade, tanto quanto a do esforço individual de muitos psicólogos.
r0
3l
Essa nova abordagem em Psicologia busca o significado da exis- percebido, imaginado ou sentido. Seu objetivo principal é apreender
-' tência humana e as'condições onde ocorram a auto-atualização do a essência das coisas como surgem na consciência (Misiak e Sexton,
potencial do homem e seu funcionamento total como pessoa em re73).
busca de uma realização criativa. O hoÍnpm,. nessa abordaqem, é. A etapa mais importante do método fenomenológico, e na qual os
yisIg_§!tr sua totalidade, integrado e interagindo com outros homens psicólogos centrados na pessoa apóiam toda a sua atividade, é a des-
,. e seu Íneio, crição fenomenológica, que compreende três fases:
íntuir tenomenológico (concentração ou disposição interna atenta
'0.,, como um sujeito em meio ao seu próprio viver, agindo sobre.o mundo, - o fenômeno);
para
mudando a si mesmo e a tudo que lhe diz respeito" (Bugental, t967, p. *r. analisar (encontrar os vários elementos do fenômeno e suas Íe.
# -
lações); e
A imagem humanista do homem implica, também, uma liberdade
issçysysr (consideração dos fenômenos intuídos e analisados
de escolha e responsabilidade de decisões, totalmente consciente de - serem compreendidos por outros).
para
sua singularidade e peculiaridade no processo de seu próprio cres-
Outra etapa também importante do método fenomenológico é a
cimento, preocupado com os outros com quem se relaciona e inte-
redução eidética (eldos significa essência) que consiste na apreensão
ressado em tudo que diz respeito às atividades humanas: educação, da essência das coisas, do significado mais geral, através da investi'
política, economia, afie, ética, filosofia, psicologia, ciência, sociolo- gação de séries de instâncias particulares do fenômeno.
gia, religião etc. (Morato,lg74).
Para Husserl, o pré-requisito básico paru a prâtica do método feno-
Em sua busca de um referencial teórico que legitime suas aplica- menológico é que o "investigador" liberte-se de quaisquer precon-
ções práticas também como uma ciência empírica, e de uma visão ceitos ou suposições, explorando a consciência sem crenças ou teo-
integradora do homem, a Psicologia Humanista retoma seu vínculo rias, suspendendo seus julgamentos ou colocando-os "entre colchetes",
com a Filosofia, abandonada e rejeitada pela orientação behaviorista praticando a abstenção de seus modos habituais de pensar. Porque,
objetiva. Assim é que o enfoque humanista em psicologia começou para ele, somente assim seria realmente possível observar-se o fenô-
a criar corpo com a imigração de filósofos e psicólogos europeus meno sem ser obscurecido ou distorcido pelas idiossincrasias pes-
para os EUA, por volta de 1940. Novas correntes filosóficas, mais soais do observador. Assim poder-se-ia atingir a redução transcenden-
voltadas para uma idéia globalizadora de homem, começaram a in-
fluenciar os psicólogos norte-arnericanos insatisfeitos çom o deter- ,l tal do fenômeno puro. Este último aspecto do método fenomenoió-
gico não foi suficientemente explicado por Husserl e criou muitos
minismo cientificista. Gradualmente, os enfoques fenomenológico e desvios entre seus seguidores.
existencial em Filosofia influenciaram a Psicoiogia e acabaruá po, O conceito fundamental que subjaz à fenomenologia é a noção
cancterizar o movimento humanístico. Exporemos agora brevemente de intencionalidade. A consciência é intencional, quer dizer, sem-
algumas idéias dessas duas correntes, pre tende para alguma coisa ou tem uma relação com o objeto. A
Embora a fenomenologia (estudo do fenômeno) sempre tivesse sido consciência é sempre consciência de algo, isto é, ela tem um relacio-
uma preocupação dos filósofos interessados em explicar a relação namento intencional com o objeto e todos os seus atos estão natu-
entre as realidades objetiva e subjetiva, sua sistematizaçáo aparece ralmente relacionados a algo, tornando assim possível o conhecimento
com Edmund Husserl.'Não se trata de uma doutrina, mas sim àe um das coisas, ou seja, através dos objetos acessíveis à consciência.
movimento que abrange muitos sistemas, todos com o mesmo ele- A partir de Husserl muitos foram os adeptos da fenomenologia,
mento comum: o método fenomenológico. para Husserl, a fenome- tanto na Filosofia quanto em Psicologia, utilizando-se do método
nologia é a ciência do fenômeno (objetos) como ele é experienciado fenomenológico, valorizando a importância do conhecimento subjeti-
na consciência. o único modo de explorar o fenôrneno é através do vo, para a compreensão dos problemas humanos (e até para a com-
método fenomenológico. Tal método consiste ern examinar os ob!e- preensão da natureza), Desenvolveram-se, entre os psicólogos, estu-
tos da consciência (e não o ato da consciêrrcia), ou seja, tudo que é dos sobre a consciência imediata e as experiênçias humanas, cujo

32 JJ
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irrte'esse residia em buscar o significado da experiência ou da situa_ nicações. Mas a conscientização, ox;>clicncirrçiro tlo .sr,//, a ;rossibili-
çào para o sujeito. dade de escolha responsável, determinaur unr cstirrlo tlc "angústia
Embora a primeira manifestação do pensamento existencial sur- existencial", já que o homem está consciclttc do scus r:ornprott'tcti-
gisse em meados do século XIX com sôren Kierkegaard, como movi- mentos para consigo mesmo e com a humanidadc. Suas escolhrrs st'io
mento filosófico apareceu na Europa depois da Segunda Guerra Mun- responsabilizadas perante si mesmo e perante todos os Irorncns. É a
dial. o limite entre o existencialismo e a fenomenologia é muito es- expressão de sua condição humana, seu peso. Assim, o horrrcrrr, r'ro
treito, pois inter-relacionam-se em muitos aspectos. A principal dife- existencialismo, é visto como um ser engajado com todo um plo-
entre eles está no objeto de investigação. Enquanto para a cesso pessoal e ação social. E esta visão de ser humano e seu signi-
'ença
fenomenologia o interesse era o fenômeno, no existenciàlismo o tema ficado marcaram o desenvolvimento da Psicologia Humanista e suas
central é a própria existência. Mas ambos concordam quanto à vali- áreas de aplicação (Morato, 1974).
dade do método fenomenológico (Morato, 1974).
Retomando agora a definição de Maslow, anteriormente citada.
Entre os existencialistas há também muitas diferenças, não cons- torna-se claro que a abordagem humanística é muito mais uma filo-
tituindo, assim, um sistema único definido, mas sim uma preocupa_ sofia de vida, uma atitude compreensiva do ser humano e de seu
ção comum: a cxistência e scu significado para o homem. o homem processo e desdobramentos. Psicologia Humanista é uma concepção
á sua existência, pois a existência precede a essência. Nesse sentido, peculiar de natureza humana, compreendendo-a através do método
a condição dc scr ó a base de urrn ontologia que pode direcionar-se fenomenológico.
para a investigaçzio cicnLíl'ica. A descoberta da existência ocorre
den-
tro de si mesmo (selÍ) e esta ó a condição para o conhecimento e a "A única realidade que me é possível conhecer é a do mundo e universo
experiência. Para os existencialistas há duas formas de ser: o ser do como (,r, o percebo e vivencio neste momento. A única realidade que é
possível você conhecer é a do mundo e universo como você o percebe e
sell e o ser do mundo externo. o "ser-no-mundo" existe porque vivencia neste momento. E a única certeza é a de que estâs realidades
deve haver algo no qual a consciência possa agir (intencionalidade). percebi<las são díferentes uma da outra. Os 'ntundos reaís' são tanlos quanto
Assim, o ser-no-mundo significa estar em ,.relação corn,', o que é os pes.soasl" (Rogers e Rosenberg, 1977, p. 189).1
uma noção fenomenológica. "Confio nas pessoas em sua capacidade de explorar e compreender a
-
si mesmas e a seus problemas e em sua capacidade de solucionar estes
O homem é livre para ser, mas também se tornâ responsável por
s,eu ser. Não existe possibilidade de um controle pleno
problemas em qualquer relação próxima, duradoura, onde eu possn
da existência, -
prover um clima de calor e compreensão autênticos" (idem, p. 203).
do que se é, e, nesse sentido, a existência não é estática; encorl-
tra-se em constante mutação para novas possibiridades, para a Creio que com essas frases consigo retomar o caminho para a
auto-
-realização, em direção à totalidade do sei, buscando
suã identidadç, Abordagem Centrada na Pessoa, depois do desvio filosófico empre-
(que significa "ser igual a si mesmo,, ou nntêntico) . endido, Penso que elas refletem a forma como eu gostaria de enfocar
A prioridade da existência humana e a descoberta do ser no sel/ aqui essa abordagem, ou seja, como suas premissas e conceitos se
.leva ao conceito de ser como unla unidacre, un.r tocro inseparávetr. inter-relacionam com uma concepção de homem e filosofia de vida,
Nâo pode ser isolado do corpo no quar existe e sente. Admitindo numa harmoniosa configuração cambiante.
r:
carâÍer unitário de corpo e r,ente, os existencialistas i,corporaram Ao admitir como única possibilidade de realidade a consciência da
a noção de temporalidade do ser, preocupando-se com o pursado * experiência vivida, Ilogers cxprcssa scu comprometimento com o
o futuro em relação ao presente. pensamento fenomenológicct c suir irtituilc clcspoiada, porém inten-
se o sell não existe isoladamente, mas está no mundo com outros, cional, de entrar em contato oonl o outro, corn sua rcalidade diferente.
-. en-
tâo o conhecimento e a compreensão do mundo e das pessoas
são decor-
Em todos os seus trabalhos, clc. rçssalta a importância da conside.
rências do conhecimento e da compreensão de si mesmo.
Desta forma,
os existencialistas preocupam-se com a intersubjetividade
e as comu- I Os grifos são do próprio Rogers.
i4
55
--

lirçiro do outro oomo uma pessoa e a relação de ajuda como â pos- bém é verdadeiro que os concoitcls lllisicos iiir{) ()s; nr('snl()s. O clLrc
sibilidade dessa pessoa crescer. Em cada çontato individual, grupal, ocorre são novas interpretacões dos tnr,srrros plirrcryrior;, tlr.virlo lt novas
familiar, educacional, institucional, existe a disponibilidade do con- perspectivas levantadas por dados vivenciais cla pr':ilit:r c rlr pcsrqtrisrr
selheiro de conhecer ao outro, de apreensão de como é a realidade para tanto de Rogers quanto de outros adeptos da Abor.cllrgürr. Slrtr cssirs
o outro, do seu mundo íenomenológico, como forma de possibilidade "diferentes leituras" sobre os mesmos conceitos quc drro o crr.iitcr.
de mudança e crescimento. Se o conselheiro não for capaz de viven- trtualizador-atualizante à Abordagem Centrada na Pessoa.r
ciar a relação de ajuda dentro do contínuo fenomenológico que marca Acredito que também para nos familiarizarmos oom os conccitos
a existência do outro seu mundo experienoial não poderá pro- e idéias de um autor, devemos voltar-nos para o seu ponto dc vistu
porcionar â esse outro - as condiçÕes favoráveis dc- crescimento.
e dispor-nos a "leituras diferentes", apesar da impressão de repetiçiro.
Creio poder inferir que Rogers assume uma alitude investigadora Enfim, procurar fazer uma leitura a partir de uma "atitude" fcno-
c científica a partir da utilização do método fenomenológico. Ou seja, menológica, colno o próprio Rogers se propõe,
a rrcccssidade de um despojamento e suspensão de julgamento para Coloquei, acima, que apesar de serem novas as interpretações, os
cr)tl'Íu- onl contato com o outro, captando-o, reconhecendo-o e comu- conceitos básicos se mantêm. E são esses conceitos que procuraremos
n icando-sc, abor:dar, ressaItanc]o a nossa "leitura''.
Da mcsrrra I'olnra, na scgunda lrasc citada, Rogers demonstra toda
a sua olouça na capacida<lc da pcssoa cnr autodirigir-se desde que 'u... o homem tem unra lendência inata para desenvolver todas as sua:
lhe scja propiciado um clirna rcceptivr-r, dc calor humano e compre- capacidades destinadas a mânter ou melhorar seu organismo il pessoa
- centradâ
total, mente e corpo. Esse é o único postulado básico da terapia
ensão. Ou seja, admitindo suas concepções sobre a significância da
no cliente" (Rogers e Wood, 197i1, p. 193).
existência humana e sua busca para cscolhas responsáveis num clima
favorávei, Rogers põe em prírtica princípios cxistcncialistas, rcenfa- Nessa frase, Rogers expressa a sua crença no homen: conlü úÍrl
tizando o método fenomenológico. É justanrente na prática, no favo-
organismo vivo, global, com capacidade de crescimento e desenvolvi-
recimento dessa atmosfera facilitadora que a Abordagem Centrada na rtrcnto de suas potencialidades próprias. Tal processo é inato c adnri-
Pessoa conseguiu seus maiores adeptos e também seus mais numerosos
tido como tendência lcndência atualiza«]ora ou scja, direcionacltr
opositores.
para o crescimento. -Tal característica ó observada
-, em todos os seres
Rogers não propõe técnicas especiais para que se estabelcça uma
vivos e também no Universo, como um todo, onde parece haver unr
reiação de ajuda. Para ele, o contato do profissional de ajuda deve princípio direcional para uma organização harmoniosa. Acredito quc
consistir num conjunto de concepções e atitudes relativas ao scr hu-
mano e não na aplicação de conlrecimentos ou habilidades; o couse-
lrcra Rogers essa tendência atualizadora seja o próprio sentido de
vida, de existência e de caráter evolutivr:.
lheiro deve conduzir-se como pessoa e não como especialista. Seu
Este conceito é, na realidade, um princípio simples: a vida é um
de lelacionar-se é determinantc lto pl'occsso dc u.cscimento.
'modo
Em minha vivência como professora, o comentário rr.rais ft.eqüente
processo naturalmente ativo. Os organismos vivos e os eiementos da
natureza estão em constante mudança, através de suas interações conr
que ouço é: "Como Rogers se repete. A uma primeira Ieitura parece
o meio. Essa interação ó condição para o crescimento; é através dela
muito interessante, mas depois ele parece dizer sempre as mesmas
que o potencial para rcalizat esse processo vital se evidencia.
coisas!" (sic). Realmente, penso que, ao entrar em contato com um
autor, fazemos a leitura como se estivéssemos diante de uma obra Este potencial não á o mesmo para todos os organismos. Elc ó
pronta, acabada. Ac,redito que isso até possa ser verdade em relação tinico e próprio a cada organismo; assim também, as ncccssidaclcs
a autores mortos. Mas Rogers é um autor vivo, que sempre frisa o para sua realização vão diferir e podem não scr satisfoitas cn1 suâ
c,aráter mutável de suas idéias, através de questionamentos e refor-
[roca com o meio. Quando isso ocorrc, sr"u'gcl]t blorlucios rluc- impe-
rrrtrlaçôes que se colocam. E, apesar de verdadeiru a atualização e
irrrrpliação de sua visão sobre a Abordagem Centr:ada na Pessoa, tam- ? Ver na Bibliografia íntlicuçio tlc livros vollritlos pirrr cssr.r:i "rc-leirrtras".
;b
3V
dem, em maior ou menor gÍau; o processo de crescimento. O ser hu-
uma implicaria a não-satisÍ'ação da orrtrr. corrr t:ss;c lirrritc, viviclo,
mano, sendo mais complexo, apresenta necessidades ainda mais espe-
o indivíduo passa a distanciar-sc dc urrur vivCrrt:i:r tk. :ii rrresrrro intu-
grada, coerente, (seu seff real), pois para nr.rrtu sc rrct't'ssilir .cgar
cÍficas para o seu desenvolvimento. Seu processo vital natural pode
sofrer distorções se as condições para sua satisfação não forem ou distorcer a experiência declinada, como nao irn;xr.rrurrt., r)ir(, nc-
favoráveis. cessária. continua, pois, seu processo de crescimento distor.citl:rrrrcrrlc,
Sob condições percebidas como desfavoráveis, o organismo, sen- incongruente, com uma idéia falsa de si mesmo (sc//-ir,rc,l),
Prr.úrrr
tindo-se enormemente ameaçado, podg reverter seu prccesso de cres- congruente segundo valores e percepção externas (Rogcrs c Woocl,
cimento de construtivo para destrutivo. Mas Rogers admite que I 978).
mesmo sob- as situações mais adversas a reação do organismo é de Admitindo como única realidade possível de ser conhecida aquela
defesa, de sobrevivência frente à ameaça e, como tal, a tendência que é percebida num dado momento, a Abordagem Centrada na
atualizadora se faz presente para que o organismo supere sua destrui Pessoa respeita as percepções, experiências, sensações, emoções, sen-
ção, A destrutividade é, assim, vista por Rogers, como expressão da Íimentos, simbolizações, distorções, enfim a vivência da pessoa, O
tendência atualizadora em defesa do organismo. Seus trabalhos com mundo pessoal e particular, a "realidade" para o indivíduo é sua
esquizofrênicos paÍecem refletir o lado saudável da doença, já que expressão de como se vê e vê os outros. Dessa forma, se incongruên-
esta pode ser encarada como um estado de alienação defensiva do cias são vividas como "congruências", se a tendência atualizadora
organismo para fugir às ameaças percebidas contra a sua existência. está sendo bloqueada, a preocupação dessa abordagem é procurar
Podemos imaginar quanta polêmica e controvérsias gera uma visão restituir ao indivíduo um experienciar mais coerente de si mesmo e
de processo de crescimento e conceito de saúde mental como esta, do mundo, restabelecendo uma idéia de si mesmo mais integradora
por ser tão diferente de visões mais tradicionais. Talvez seja este cntre organismo e pessoa, para que a unidade se restabeleça e o
princípio, tendência atualizadora, o mais controvertido em todo o crescimento prossiga, Afinal, coÍrio para os existencialistas, o sell é
contexto da Abordagem Centrada na Pessoa, porque parece relacio- o processo integrador do ser num corpo e no mundo,
nar-se com as indagações mais profundas acetca da natureza humana, Alguns adeptos da abordagem tôm enfatizado a importância do
boa ou má. De qualquer forma, vale dizer que o postulado, compre- proccsso dc "expcrienciar" para o indivíduo e não mais suas percep-
endido dentro de uma visão humanística e decorrente do emprego çoes. Para Gendlin (1970), todo ser humano viye um contintrtntr
do método fenomenológico na prática clínica de Rogers, é coerente constante de experiências internas e externas que podem ou não
e irrefutável: o organismo existe, é, nem bom nem mau, em constante chegar a sua consciência. Quanto menos consciente do seu ,,expe-
crescer. Creio que, se encarado como uma atitude existencial de (algo não conceituado, mas visceral e intensamente sentido),
'ienciar"
compreensão da natureza humana, o postulado da tendência atuali- rurais rígido e automático será o indivíduo. permitir-se o fluir de
zadota não mais sobrecarregue a Abordagem Centrada na Pessoa com r:xperiências internas, sentimentos, idéias, percepções, é possível a
uma conotação otimista, bondosa e evangélica. todos, pois a todos pertence, constituindo seu jeito de ser, indepen-
A tendência atualizadora confere uma "sabedoria" ao organismo de clente, aberto a mudanças e trocas, assumindo-se como um organis-
buscar os meios adequados pâra seu desenvolvimento. Baseado em rno-pessoa. Para Gendlin, a Abordagem centrada na Pessoa necessita
suas percepções orgânicas, o indivíduo procura satisfazer suas neces- resgatar ao indivíduo sua capacidade de "experienciar", sua integra-
sidades. Mas nem sempre o organismo pode vivenciar suas experiên- ção, o sentido da sua verdadeira "realidade".
cias integradoramente. Em seu processo de crescimento, uma parte Percebo que à medida que fui tentando colocar alguns princípios
do campo experiencial do indivíduo se diferencia do fisiológico, teóricos, foi se tornando difícil não falar do clima facilitador do cresci-
constituindo uma nova gama de necessidades não-fisiológicas: ser- mento. creio que realmente é impossível dissociar o processo de ajuda
-considerado, ser-amado, por exemplo. E o indivíduo percebe que, de suas condições. Afinal, o ser é também ser-no-mundo, não é?
às vezes, ele se defronta com experiências incongruentes, quer dizer, Para que a pessoa possa restabelecer seu processo de crescimento
não pode satisfazer"a ambas simultaneamente porque a satisfação de num fluir natural, há necessidade de "um clima dc caror e compre,

38 39

I
ensão autênticos", e não tanto de "conhecimento ou habilidades". prirnórdios da "terapia não diretiva", a aceitação foi considerada
Ajudar um p itudg indispensável para a uiaçáo de um clima sem prcssões, direções.
- .y9lda&ga!qe_$9dspe!rye_lde--cggstdelgggg,_q_qtnll§qqs&.§esuUÉe criava-se assim um clima totalmente oposto, ondc o consclhciro corria
Rogers, essa seria _+ condiÇão básica, necessária e suficiente. na. o risco de se perceber como passivo, indiferente e, até nrcsmo, dc
§!eçgg" {e âjuda, as atit "fachada" (nâo-autêntico), Decorre dessa época o estereótipo cla To-
Na realidade, pensq_gug_Rogers propõe que o cgnselheiro dis- rapia Não-Diretiva como a Terapia do "Hum-Hum", onde a aceitaçã«l
ponha-se feromenologr"amente unte o ser cra uma atitude a ser percebida pelo cliente, mas não comunicada
; (Hart e Tomlinson, 1970). Gradualmente, a atitude de aceitação co-
vivência da realidade paru o outro. Admitindo para si mesmo a meçou a ser vista. como um elemento dinâmico e, portanto, comuni-
veüããõ cável na relação. Xlío é um falar abundante que expressa atenção
poti,,:g -;1ggn{i"i
"_con
"Quanto mais (o conselheiro) souber ouvir e aceitar o _qlre_§e-pAslâ eÍn
t.r
?@ _e_*J-9.ggglt g-. @
ri -'ê§"i:o,
!u1 "ouvir . atlygg-.1te"., esta
sem receio-. mgloj_Sgl4_L!9u_ClgU._gg_.cgngruêqcia" (Rogers, 1976, p. 64) dp- qge q qqe é_qqyidq_pqde= modil!9e!_q!9§_q!!udes
ÍGordon, 1970).
lmplica, poís, uma abertura para mudanças, inclusive pata outros
9_l?qt9_Il9ig_pJ .Pois, voltando tipos de comunicação, como toque, quando se fizer necessário ex-
à afirmaçáo de que a única realidade possível de ser conhecida ó a pressaÍ "cuidado" (Gonçalves e Mello, 1976), Para Rogers, o conse-
que eu percebo no momento, só posso conhecer (ao outro) através lheiro não deve temer, com esta disposição, mergulhar no medo do
do que percebo como realidade em mim. Isl_o nãq-gugt_lüzer qu,e outro, mas sim, confiar que ambos encontrarão novamente a saída.
neçessito viver ou ter vivido todas as e@
Assim como não é paternalista, nem agradável, através da atenção
pe@ positíva incondicional, o conselheiro tem seus limites e estes devem
: também ser respeitados em nome de uma consideração positiva incon-
pois, em meu trabalho, sou meu próprio instrumento. §Ig!o_q*.
"o- dicional para consigo mesmo. Se há fortes iulgamentos por, pa.{q_dg-
qg!&qge_!q_ qiqhe 4e pqr-q"}qr a tqim e ao outro. sggg.qlire,Eg_pglg_reiaçao ao" cl assa-
ligi_dq-{q.. q ,lq_Lrtte
dos, a relaÇão deverá se mpida, pois nãq frutificará como
aiuda, é uur insllumentq valio_sq pêrL,qqg_p gqtro p,qssa aprofuir.dar -ejul!ê, Desta forma, esta atitude assume um caráter mais. real e
seu processe ldvencial, Através das comunicaÇões de minhas e{pg- dinâmico e até condicional. Mas é verdadeira na medida em que
jg._pI!g_ jlgp§lq-lg1 lurantém também o caráter autêntico da relação.
riência,s,qsAqdq=úlg§_p-qrgS__gregcimelP_
"qts iro. Nessa direção, posso até Permito-me agora fazer uma relação bastante pertinente ao enfoque
eçsmô-á rnas-Iicaze.s;-aaS{tl' que venho dando à Abordagem. Examinando as atitudes de atenção
gre_e4plgqjglg mgg_ggpenho rq4! erq aiudar. É inlportagtl tllsar positiva incondícional e autenticidade, elas me parecem representar
rue"qãg É sg,elqgglgçg1iqelqg1_tÉlg e"pg&ggtgq9' ,a ryluçqo de (e não creio que tenha sido intencional em Rogers) a própria des-
eúd; ôüéãpdê- G, çq*úiaãf"ffi mal crição fenomenológica já citad.a: atenção positiva como o 'ointuir
qrÍrt, sq!Ir9{r.!g ?que lenomenológico" (disposição interna atenta pâra o fenômeno) e au-
Impulsividade não é ajuda. tenticidade como o "descrever" (consideração do que foi intuído para
Mas a autenticidade na relação não pode surgir se não houvet a ser comunicado). Vejo também uma relação com o 'oexperienciar"
disponibifiáade interna para o contato: a aceitação ou atenção incon- de Gendlin, que fala de como a presença do conselheiro é importante
dicional positiva. É importante ressaltar, aqui, que estas atitudes para o cliente, de como sua participação, sua resposta desencadeia
foram e vêm sendo refsrmuladas através de novas perspectivas. Nos rloyos processos no outro,

40 ,t4a"[
lissas colocações levam-me, ineviiavelmente, ao sentido da atitude
Constança Villas-Boas Bowen quando diz não qucrcr scr çhamada
empática, que parece envolver o jeito de ser fundamental na relação
de rogeriana, pois para ela
de ajuda. É ela que parece significar verdadeiramente o "Centrado
na Pessoa". É a forma de compreensão pura do mundo interno do ",.. uma pessoa que vive pela filosofia da Abordagem Centrn<Ia na Pessoa
outro, onde aceitação e autenticidade se fundem. É uma maneira de não precisa ser necessariamente Rogeriana, tanto quanto Rogerianos potlem
ser despojada de si, embora voltada para si. Reformulando sua antiga não ter uma Abordagem Centrada na Pessoa para a vida..." (s,/r).
concepção, Rogers admite que atualmente compartilha com Gendlin
Afinal, o que precisamos: uma teoria ou uma atitude com relação
o conceito de empatia como sendo
à natuteza humana, ao processo de crescimento, ao encontro com a
existência, à vida?
"... ressaltar com sensibilidade o 'significado sentido' que o cliente está
vivenciando num determinado momento, a fim de ajudá-lo a focalizar este
significado até chegar à sua vivência plena e livre" (Rogers e Rosenberg,
1977d, p. 72).
2.1. Referências bibliográficas;
In: Bugentai, J. F. (org.). Challenges
Bugental, J. F. The challenge that is Man.
Significa viver tcmporariamente no mundo do outro, livre mas ol Humanístic Psycltologl'. New York, McGraw-Hill Book Company, 1967,
cuidadosamente, procurando revelar (através das cornunicações do p,5-11.
conselheiro) sentimentos escondidos, a pessoa que está atrás daquela Bozarth, J. D. Beyond reflection: emergent modes of empathy". In: Levant,
R. F. e Shlien, J. M, (orgs.). Client-Centered Therapy and tlte Person-Cen-
que fala ser, além do comportamento manifesto. tered Ápproach: New Direclions in Theory, Research and Practice. New
Este novo enfoque sobre empatia é partilhado por muitos adeptos York, Praeger Special Studies, 1984, p. 59-15.
da Abordagem Centrada na Pessoa, por sua abrangência, mobilidade, Bowen, M. C. V-B. Tlte uses and abuses of the Person-Centered Ápproach:
Some personal commenls, Mimeografado, sem referência.
e por ser verdadeiramente representativo do processo vivencial (expe- Cantril, H. A fresh look at the human design. In: Bugental, L F. (org.),
riencial) dos conselheiros praticantes. Bozarth (1984), em seu artigo Op. cít., p. 13-18.
"Além da reflexão: modos emergentes de empatia", destaca como Cendljn, E. T. Personality Change. In: Hart, I. T. e Tomlinson,
A Theory of
T. M. (orgs.), New Directions in Client-Centered Therapy, Boston, Hough-
um conceito tão rico e vivencial da relação de ajuda ficou, por tanto
ton Mifflin Co., 1970, p. 129-173.
tempo, atado e confundido com atitudes técnicas (a reflexão de Gonçalves, Â. L. M. D. e Mello, M. M. A. As atitudes terapêuticas na terapia
sentimentos), entravando o próprio desenvolvimento do conselheiro, centrada no cliente: uma discussão de suas reformulações. São Paulo.
não lhe permitindo experienciar sua empatia idiossincrática, sua ma- Artigo não publicado. 1976.
Cordon, T, A theory of healthy relationships ancl a program of pacient effec-
neira de ser empático, seu jeito de vivenciar a "realidade" do outro. tiveness training. In: Hart, J. T. e Tomlinson, T. M. (orgs.). Op. cit.,
Para finalizar, gostaria de colocar que escrever foi um processo p.407-425.
penoso, mas muito gratificante. Possibilitou-me rever a Abordagem llrrrt, J. T. e Tomlinson, T, M, (orgs,). Op. cit., cap. 1,
l.rrrrtont, C. Tlre Plúlosophy of llumanisnr. New York, Frederick Ungar Pu-
Centrada na Pessoa: suas concepções iniciais de estrutura mais rígida blishing Co., 1965.
e tímida enquanto Terapia Não-Diretiva, passando depois para Terapia l\'lirslow, A. H. A Memorial Volume. Monterey, Calif., Brooks-Cole Publishing
Centrada no Cliente, um pouco mais "ousada", pois enf.atizava a Co., 1972.
atitude autêntica do conselheiro, para finalmente desabrochar nesse l\'lisirrk, H. e Sexton, Y.' S. Pltenomenological, Exístencial and Humatú,stic
l'.tyt'l*7of'rt. New York, Grune & Stratton, 1973.
processo fluido da Abordagem Centrada na Pessoa e todo o experien- [\.1()r'rlo, H. T. P. Huntanislic Approaclrcs in Groups tluith Átlolescenls. Tese
ciar empático. rlc Mcstraclo Department of Educational Psychology, University of Utah,
te7 4. -
Pude, através desse caminho, rever meu próprio processo de cresci-
lirrlcts, O. R.'I'ornat'-se Pessou. São Paulo, Livlaria Martins Fontes, 1976,
mento dentro dessa Abordagem e encontrar-me nas palavras de Maria . Brn r itrospecto. Quarenta c scis anos. In: Rogers e Rosenberg.
.l l'r.ts()t t't.trtrc Cenlro. São Paulo, lil,U, 1977, p. 29-45.
42
43
Minha filosofia das relaçôes interpessoais e como ela se clesenvol-
veu. In: Rogers e Rosenberg. Op. cit., p, 195-207,
Precisamos de "uma" realidade? In: Rogers e Rosenberg. Op. cit.,
p.185-193.
Uma maneira negligenciada de ser: a maneira empática. ln: Rogers
e Rosenberg. Op. cít., p. 68-89.
Rogers, C. R. e Wood, J. K. Teoria Centrada no Cliente: Carls R. Rogers.
In: Burton, A. Teorias Operacíonais da Personalidade. Rio de Janeiro,
Imago, 1978, p. 192-233.
\WooO., I. K. Vivendo com transíções tle vida. Mimeografado, 1975,

4+

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