Você está na página 1de 502

DAVID SHEFF

OS

DOMINOU O MUNDO E PLANEJA


CONTROLAR O FUTURO EDITORA BEST SELLER
OS MESTRES DO JOGO
DAVID SHEFF

OS MESTRES
DO JOGO

Tradução de
Vera Maria Marques Martins
e Ieda Moriya

editora best seller

fA ClRCULO DO ÚIVRO
Título original: Ganic Over
Copyright © David Sheth 1993
Licença editorial para o Círculo do Livro
por acordo com Random House, Inc.
Todos os direitos reservados.

Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa no Brasil


adquiridos por CÍRCUI O DO LIVRO LTDA.,
que se reserva a propriedade desta tradução.
Caixa postal 7413
01065 970 São Paulo, SP

I DU ORA BI ST SELLER
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
AL Ministro Rocha Azevedo, 346 - CEP 01410-901 - Caixa Postal 9442
São Paulo, SP

Fotocomposição: Círculo do Livro


Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
Este livro é dedicado a Karen Barbour, que insiste
em dizer que Donatello, Rafael, Leonardo
e Michelangelo são pintores, não tartarugas ninjas,
e a meu filho, Nicolas, que me apresentou ao
Nintendo mas que agora prefere ler.
Os jogos são reações populares artísticas,
coletivas e sociais ao objetivo ou ação
principal de qualquer cultura. São extensões
do homem social e do corpo político (...)
Como extensões da reação popular ao estresse
provocado pelo trabalho rotineiro, os jogos
tornam-se verdadeiros modelos de cultura.
Incorporam tanto a ação como a reação de
populações inteiras numa única imagem
dinâmica. (...) Os jogos favoritos de urna
pessoa revelam muito sobre ela.

Marshall McLuhan
Understanding Media:
The Extensions of Man
Sumário

1. O Novo Líder do Clube............................................. 11


2. Nas Mãos do Céu 21
3. Eu, Mário .................................................................... 48
4. Dentro do Mother Brain............................................. 70
5. Rumo aos Estados Unidos ....................................... 95
6. Por um Punhado de Fichas.......................................... 124
7. Virada do Destino........................................................ 151
8. Que Entre o Dragão...................................................... 182
9. O Monstro que Roubou o Natal..................................217
10. Os Mestres do Jogo....................................................... 249
11.0 Grande Cochilo........................................................... 277
12. Fim de Jogo....................................................................306
13. Da Rússia, com Amor...................................................342
14. A Música do Tetris........................................................ 368
15. O Estouro do Sonic........................................................ 407
16. Fronteiras......................................................................... 452
Epílogo — Florestade Ilusões...................................... 489
1
O Novo Líder
do Clube

A maioria das pessoas pensa que videogame é coisa de criança.


Em certo sentido, é mesmo. Em Super Mario Bros. 3, por exemplo,
algumas plantas têm o poder de tornar mais alto e mais forte
o atarracado herói de suspensórios, que faz coisas estranhas como
pular sobre as cabeças de Little Goombas e tem inimigos com
nomes excêntricos como Morton Koopa Jr. Mas, por trás dessa
brincadeira aparentemente inofensiva — e que funciona no Nin­
tendo Entertainment System (NES) —, existe um negócio bem
adulto. Nos Estados Unidos o jogo já rendeu mais de 500 milhões
de dólares, cifra só superada, no campo da diversão, pelo filme
E.T., o Extraterrestre, de Steven Spielberg.
O fenômeno é explicável. Antes da entrada do primeiro
Super Mario Bros, no mercado, em 1985, os videogames eram
uma sucessão de tiros e destruição em massa. O jogo da Nin­
tendo provocou uma verdadeira revolução ao introduzir, nas
telas, elementos nem sempre associados a controladores ou
terminais de computador: humor e perspicácia. Mário, o per­
sonagem principal, é um herói inverossímil — um encanador
capaz de decidir, com sabedoria, se deve evitar os inimigos
ou enfrentá-los. Nesse mundo excêntrico, verduras e cogume­
los vermelhos dão a ele a força que o espinafre detona em
Popeye. Vêem-se ratos lançando bombas, cactos rodopiando
e tartarugas usando a carapaça como míssil. Surpresas que

11
O S M E STR E S DO JOGO___________________

proporcionam aos jogadores mais tempo e "vidas" extras es­


preitam nos lugares mais improváveis. As crianças deixaram-
se cativar. Adoram os personagens e vivem enredadas no la­
birinto do jogo — repleto de recompensas, castigos pavlovia-
nos e desafios crescentes, cuidadosamente programados.
No Super Mario Bros. 2 os personagens migraram para um
novo cenário. Passaram a enfrentar os inimigos não com ca­
nhões nem laser, mas com nabos, cenouras e abóboras. De
posse desse equipamento, os jogadores adentravam águas des­
conhecidas, em que a perseverança, a astúcia, a sorte e inter­
mináveis horas de prática significavam a diferença entre ga­
nhar e perder. O Super Mario 2, a exemplo de seu predecessor,
dava às crianças um poder que de outra maneira elas jamais
obteriam. Se cometessem erros, ganhavam em seguida a chan­
ce de acertar. As qualidades que tornam um garoto ou garota
popular na escola não contam em frente à tela — arena em
que a meninada subjuga os pais e os confunde com um vo­
cabulário incompreensível, do tipo "estou no segundo mundo
do Sub-Con, mas não consigo passar pelo minichefe".
A popularidade do game fez com que rumores sobre as
novas aventuras de Mário — reunidas no Super Mario Bros. 3
— pipocassem vários meses antes de sua entrada no mercado.
A estratégia foi manter os boatos e guardar o segredo a sete
chaves. O mistério só se revelou quando, no inverno de 1989,
o filme The Wizard invadiu os cinemas norte-americanos. Com
cem minutos de duração, ele era, na verdade, um comercial
gigante da Nintendo, que milhares de famílias pagaram para
ver (rendeu 14 milhões de dólares). As crianças enlouqueciam
quando se davam conta de que, na fita, assistiam ao mais
recente jogo de Mário, com novas campainhas e apitos: o herói
se disfarçava de raccoon e, melhor ainda, voava.
A criançada logo espalhou a novidade pelos parques e es-

* Carnívoro digitígrafo da América do Norte, do mesmo gênero que o guaxinim


ou mão-pelada. (N. do E.)

12
O NOVO LÍDER

colas. Legiões de pais se viram obrigadas, por pirralhos de 8


anos, a adquirir o mais depressa possível o jogo. Todos que­
riam estar entre os primeiros a ter o Super Mario Bros. 3.
Algumas famílias permaneceram indiferentes ao apelo. Ou­
tras se recusaram a ceder a ele. Mas milhões sucumbiram: o
videogame foi um verdadeiro campeão de vendas, com sete
milhões de cópias comercializadas nos Estados Unidos e qua­
tro milhões no Japão. Se se tratasse de um produto da indústria
fonográfica, teria ganho onze vezes o disco de platina — fa­
çanha só realizada por artistas do porte de Michael Jackson.
O sucesso desses videogames e do sistema que os processa
transformou a Nintendo numa das empresas mais lucrativas
do mundo. Em 1991, ela suplantou a Toyota como a organi­
zação mais bem-sucedida do Japão em itens como potencial
de crescimento, rentabilidade, penetração nos mercados es­
trangeiro e doméstico, desempenho acionário. Entre 1988 e
1992, deu mais lucro a seus acionistas e pagou mais dividendos
do que a maioria das empresas da Bolsa de Valores de Tóquio.
O lucro por empregado também foi maior do que o de
qualquer outra firma japonesa (excluindo as financeiras, as
corretoras de valores e as companhias de seguros). A Fujitsu,
cujo rendimento líquido se equipara ao da Nintendo, tinha,
nessa época, 50 mil funcionários. A Nintendo, 850. Em 1991,
a empresa dos games ganhou cerca de 1,5 milhão de dólares
por empregado, sendo que o número deles no mundo todo
somava perto de 5 mil. Nesse mesmo ano, a Sony, com 50
mil funcionários, lucrou 400 milhões de dólares a menos do
que a Nintendo. Em 1992, os joguinhos já garantiam consis­
tentes lucros de mais de 1 bilhão de dólares pré-taxados ao
ano.
O multitentacular negócio do videogame inchou e acabou
abocanhando outros segmentos dos setores de divertimento,
eletrônica de consumo e brinquedos. No campo do entreteni­
mento, a Nintendo revelou-se uma força e tanto. No início da
década de 90, lucrou tanto quanto todos os estúdios de cinema

13
OS MESTRES DO ] O GO

norte-americanos juntos, e mais do que as três redes de televisão


dos Estados Unidos reunidas.
A indústria da eletrônica de consumo viu o Nintendo En­
tertainment System entrar, em apenas 5 anos, em mais de um
terço dos lares norte-americanos e japoneses. Pode-se argu­
mentar que isso não é nada comparado ao número de casas
com aparelhos de videocassete, duas vezes maior. É preciso
lembrar, porém, que esses aparelhos foram produzidos por
várias fábricas, ao passo que uma única empresa forneceu todos
os NES. Além disso, os fabricantes de videocassetes não ven­
diam as fitas, enquanto a Nintendo lucrava pesado com seus
jogos. Gigantes da eletrônica como a Sony e a Matsushita Elec­
tric Industrial se deram conta de que, na virada do século, as
fábricas de hardware de consumo estariam obsoletas se não
começassem a lidar com o software. Num jogo de pega, a
Sony comprou a Columbia Pictures, enquanto a Matsushita
adquiriu a MCA, a gigante americana do cinema e da diversão.
Foram duas tentativas de arrancar uma fatia do mercado de
software de entretenimento.
A Nintendo também ofuscou por completo a indústria da
computação norte-americana. Os revolucionários criadores do
microcomputador previram, no início dos anos 80, que o apa­
relho se tornaria tão comum, nos lares, como as torradeiras.
No entanto, uma década depois, apenas 24 milhões de famílias
norte-americanas possuíam um micro — quase 10 milhões a
menos do que aquelas que aderiram ao NES. No mundo todo,
o número de processadores Nintendo praticamente equivale
ao de micros: entre 50 e 60 milhões de aparelhos. Assim como
no caso dos videocassetes, os computadores são produzidos
por dezenas de fábricas; menos de 10 por cento são feitos pela
campeã do setor, a IBM. Com exceção do crescente número
de versões piratas procedentes de Hong Kong e Taiwan, so­
mente uma fábrica produzia e vendia todos os produtos Nin­
tendo. A imensa organização japonesa NEC e uma fábrica de
fliperamas, a Sega, tentaram competir com a Nintendo; apesar
das centenas de milhões de dólares investidos, em 1991 elas

14
O NOVO LÍDER

não partilhavam mais do que 10 a 15 por cento do mercado.


Organizações como a Apple e a IBM viam a Nintendo em
seus calcanhares. Em março de 1991, Michael Spindler, diretor
da Apple Computer, respondeu, quando indagado sobre o
maior temor da empresa na década de 90:
— A Nintendo.
A indústria da computação logo entendeu que a empresa
japonesa a passava para trás porque controlava tanto o hard­
ware quanto o software. Primeiro resultado: em 1991, a Apple
e a IBM anunciaram uma aliança com o objetivo de incorporar
a Microsoft, a gigante do software. Depois, em 1992, a IBM
anunciou outra aliança, dessa vez com a Time Warner. A exem­
plo dos fabricantes da eletrônica de consumo, os gigantes do
hardware perceberam que, para continuar competindo no mer­
cado, precisavam ter acesso ao software e controlá-lo. Essa
questão se revelaria particularmente importante na revolução
tecnológica seguinte — a da multimídia e das redes de co­
municações. Pela estimativa do Los Angeles Times, esse setor,
que combina a potência do computador com sistemas domés­
ticos de diversão, integrando televisão, aparelhos de vídeo,
sistemas de som, de CD e telefone, renderá no próximo século
a atordoante cifra de 3,5 trilhões de dólares ao ano.
Perguntou-se qual empresa se tornaria a líder desse mer­
cado. Contara a Nintendo com a previsão e os meios — além
do arrojo — para alimentar tamanha ambição? As evidências
do fato ocultavam-se no bojo do NES.
No fundo do inofensivo aparelho havia um painel. Remo­
vendo-o, descobria-se um conector de cabo de computador.
Com acesso ao processador principal, o dispositivo permitia
ao NES funcionar como um terminal, a ser conectado com
um modem, um teclado ou equipamentos auxiliares de arma­
zenagem. O sistema Nintendo foi levado às salas de estar por
crianças que o receberam (e o adoraram) como um jogo, mas
dentro dele espreitava o componente que, planejava-se, deve­
ria formar a maior rede eletrônica do país. Conectado a uma
linha telefônica, o NES podería ser usado para fazer compras,

15
OS MESTRES DO JOGO___________

consultar críticas de filmes, encomendar carne de porco, pes­


quisar, reservar passagens aéreas e pedir pizzas.
Possibilidades mais amplas para o uso do aparelho surgiram
pela primeira vez no Japão, quando a Nintendo anunciou o
Sistema de Rede de Comunicações do Family Computer. Um
negócio semelhante, nos Estados Unidos, poderia esmagar a
Prodigy (uma joint venture da IBM com a Sears Roebuck), a
rede mais usada pelos norte-americanos, com apenas 1,3 mi­
lhão de assinantes em janeiro de 1992.

O sucesso da Nintendo teve um enorme impacto sobre inú­


meras indústrias em todo o mundo. Além das fábricas de hard­
ware, mais de uma centena de produtoras de videogames en­
trou na onda. Em 1992, venderam 170 milhões de cartuchos,
a um custo unitário médio de 40 dólares — num montante
de quase 7 bilhões de dólares.
Quando ficou patente que o colossal mercado do videogame
não desaparecería, empresas de todos os tipos entraram na
fila para produzir, como licenciadas, jogos compatíveis com
o NES. Organizações como a Electronic Arts e a Software Tool­
works, que faziam apenas jogos em disquetes flexíveis para
computador, bem que tentaram resistir. Em vão. A Nintendo
crescera demais e não podia ser ignorada. Por esse motivo
elas se viram obrigadas a também entrar na fila, a exemplo
do que já acontecera com alguns monstros sagrados do en­
tretenimento, como a Lucasfilm e a Disney (por intermédio
de outra firma, a Capcom). As empresas que produziam jogos
para fliperamas instalados em galerias, ruas comerciais, salões
de boliche e pizzarias aderiram ao fenômeno, adaptando seus
títulos mais populares ao sistema doméstico.
Outras companhias afetadas pelo enorme sucesso da Nin­
tendo não faziam parte da indústria do videogame. Como o
hardware e o software Nintendo requerem chips de compu­
tação (os cartuchos contêm chips especiais), mais de 3 por
cento da produção total de semicondutores japoneses em 1991
foi consumida pela empresa.

16
O NOVO LÍ DER

Discreta e decididamente, a Nintendo deixou para trás cor­


porações como a JBM, a Disney e a Apple Computer. Não
apenas em relação à rentabilidade, mas também ao impacto
sobre a cultura norte-americana. Nestas últimas décadas do
século 20, os avanços tecnológicos inauguraram uma nova era,
em que as crianças e uma parcela substancial da população
foram mais influenciadas pela mídia eletrônica interativa —
em sua forma simples, os videogames — do que pela televisão.
Os sinais da primeira geração Nintendo surgiram em 1989 e
1990. Um estudo da Nielsen Media Research, que monitora a
audiência da televisão nos Estados Unidos, revelou que, numa
faixa etária específica, havia mais crianças jogando no NES
do que assistindo à maior rede de televisão infantil, a Nicke­
lodeon, em alguns horários de determinados dias da semana.
As crianças já passavam mais tempo em ambientes eletrônicos
(televisão, rádio, discos) do que na escola ou conversando com
amigos ou pais. Algumas dedicavam duas horas por dia aos
videogames Nintendo.
Mesmo nos períodos em que não estavam jogando, elas se
viam bombardeadas com a cultura Nintendo. Na televisão, os
desenhos animados inspirados em jogos e personagens da em­
presa japonesa tinham mais audiência do que outros progra­
mas. Desenhos como Os Simpsons, As Tartarugas Ninjas, Tico
e Teco e Duck Tales transformaram-se em jogos Nintendo. Pre-
pararam-se um disco com músicas Nintendo e um filme de
longa metragem; lançaram-se revistas, livros, vídeos, cereais,
agendas, canecas, camisetas, jogos de mesa, quebra-cabeças,
bonecas, papéis de parede e lençóis, tudo Nintendo. Os japo­
neses entraram em quase todos os mercados, até que a questão
saiu da esfera do simples sucesso empresarial para se concen­
trar no rastro que os invasores deixariam em sua esteira.
A longo prazo, quais os efeitos de tanto videogame sobre
a imagem pessoal, os relacionamentos e as habilidades sociais
das crianças?, perguntavam-se pais, professores e sociólogos.
De que modo a Nintendo afetava a aprendizagem? Os jogos
incentivavam a violência? Estimulavam as crianças ou torna-

17
OS MESTRES DO J O GO

vam-nas passivas? O impacto variava conforme as faixas etá­


rias e o sexo?
Alguns encaravam os videogames como hipnotizadores
traiçoeiros e destruidores de mentes; outros viam-nos como
instrumentos de treino para o mundo cibernético do futuro.
Argumentou-se até que as crianças que venciam num deter­
minado jogo, o Tetris, marcavam mais pontos em testes de
inteligência.
Além de especular sobre o efeito da invasão Nintendo, as
pessoas também discutiam por que a empresa conquistara tanto
o público. Num ensaio publicado na revista San Francisco Exa­
miner's Image em setembro de 1991, sob o título "Condemned
to be Mario: The Video-game Plumber as Existential Hero"
(Condenado a Ser Mário: O Encanador do Videogame como
Herói Existencial), Scott Rosenberg escreveu:
Mario é ao mesmo tempo personagem principal e ator extra, com
sua representação icônica no universo do video (...) Se milhões de
crianças e adultos se identificaram com ele (...) talvez a causa não
esteja apenas em (...) nossa ânsia por novidades ou em nossa sus-
cetibilidade a dispendiosas campanhas publicitárias. Talvez no des­
tino de Mário — ligado a um mundo que não escolheu, incumbido
de uma missão quase impossível, fadado a perecer cedo ou tarde,
não obstante livre, enquanto vivo, para crescer, aprender, matar de­
mônios e cheirar as Fire Flowers — as pessoas captem um reflexo
tosco, vivido e hipnótico de suas próprias vidas.
Ou talvez tenha sido só a campanha publicitária.
Um fato, porém, é indiscutível: a Nintendo entrou com su­
cesso na consciência coletiva. Em 1990, as pesquisas que in­
dicam a popularidade de políticos, astros de cinema e outras
figuras públicas revelaram que o mascote Super Mário era
mais conhecido pelas crianças norte-americanas do que Mickey
Mouse. Qual o significado disso? Walt Disney e Mickey eram
tão norte-americanos quanto... Bem, nada era mais norte-ame­
ricano do que Disney e Mickey. A idéia de que Mário se tornara
tão popular quanto Mickey representou para muitos uma ca­
ricatura a sinalizar a próxima fase da invasão japonesa. O

18
O NOVO LÍDER

Japão já arrebatara as carteiras dos Estados Unidos. As mentes


do país — a começar pelas crianças — seriam as próximas
vítimas.
A empresa se tornou a maior exportadora cultural do Japão.
Enquanto o resto do mundo devorava hardware japonês —
carros, walkmen, televisores — o "software” da ilha oriental,
como filmes, livros, artes e música, tinham pouco impacto
fora do país. A exceção eram os videogames. O embaixador
cultural japonês mais conhecido é Mário, que trouxe um novo
conjunto de valores.
Gerações de crianças imbuíram-se da mensagem de Mickey:
Nós jogamos limpo, trabalhamos com afinco e vivemos em harmonia...
M-I-C... Até breve. K-E-Y... Por quê? Porque gostamos de você...
Mário transmitiu outros valores: Matar ou ser morto. O tempo
se esgota. Só você vive a sua vida, e por conta própria. Donald
Katz, num artigo da revista Esquire de fevereiro de 1990, ob­
servou que a lição de Mário é:
Sempre há alguém maior e mais forte (...) Mesmo que você mate
os bandidos e salve a mocinha, no fim vai ser exterminado.

Oh, não! De novo não! No final do verão de 1991, as crianças


norte-americanas souberam que estava a caminho a seqüência
do Super Mario Bros. 4. Para os pais, a notícia foi mais terrível
do que a chegada do SMB3, porque a Nintendo introduziu
um sistema totalmente novo, mais poderoso e, é claro, mais
caro do que o original. O Super Mario Bros. 4 rodava só no
novo Super Nintendo System, o Super NES.
No Japão, as crianças lotaram as lojas a fim de adquirir
seus super-systems tão logo eles foram lançados. A maioria
voltou para casa de mãos vazias; o produto se esgotou em
três dias. As lojas passaram a distribuí-lo ilegalmente, ora au­
mentando o preço, ora obrigando os compradores a levar ou­
tras mercadorias junto com o Super NES.
Nos Estados Unidos, em meio a uma recessão, a Nintendo
se mostrava menos confiante quanto a uma boa venda do
Super NES, que custava 200 dólares a unidade. Em 1991, al-

19
OS MESTRES DO J OGO

guns observadores da indústria do videogame, notando de­


saceleração nas vendas e projeções sombrias, imaginaram
(quase prazerosamente) que as crianças perdiam o interesse
pela Nintendo e que talvez se testemunhasse o início da queda
de Golias. Mas a empresa não desistiría sem luta. A fim de
empurrar o novo sistema, empacotou o Super Mario Bros. 4
com o Super NES e, batizando-o de Super Mario World, ofe­
receu-o como brinde numa caixa de cereais matinais.
Logo os parques foram sacudidos pela novidade. Até crian­
ças já enjoadas do NES se entusiasmaram, atiçadas pela cam­
panha publicitária de 25 milhões de dólares. Os pais, antes
aliviados com o aparente enfraquecimento do fanatismo dos
filhos, se viram assolados por uma nova onda ardorosa. "Pai,
você não imagina o que o Mário é capaz de fazer agora...",
exclamavam as crianças. Em outubro de 1991, a Nintendo di­
vulgou uma nota à imprensa intitulada "Os Legalistas da Nin­
tendo Põem o Valor Prolongado do Entretenimento à Frente
de Cortes Transitórios no Orçamento", relatando que o Super
NES era vendido no varejo ao ritmo de 12 unidades por mi­
nuto, ou uma a cada cinco segundos. Apesar da recessão e
do pessimismo, a Nintendo projetou para 1992 seu maior ano,
com as vendas nos Estados Unidos superando os 4,7 bilhões
de dólares.

20
2
Nas Mãos do Céu

Na zona leste de Quioto, a antiga capital japonesa, há uma


rua secundária pouco movimentada, perto do famoso santuá­
rio Heian, chamada Higashi-ogi. No século 15 ela não passava
de uma estrada de terra batida que levava ao Shogoin Gotenso,
o castelo imperial de verão, em frente ao qual ficava a casa
do médico do imperador.
Séculos depois, essa casa foi comprada por Fusajiro Yamauchi.
Sua família vivería lá por gerações, atrás de um imenso portão
trancado com uma barra transversal pesada, grandes ferrolhos
e suportes enferrujados em forma de diamante. As imensas do­
bradiças metálicas que o sustentam têm aspecto de serpente e
estão presas a traves de mais de 30 centímetros de espessura.
No ano Heisei 4 (1992), 5 séculos depois de construído, o
portão continuava ladeado por uma cerca alta, reforçada com
várias voltas de arame-farpado, espigões pontudos de ferro e
lanças de bambu superafiadas. A cerca contorna a propriedade,
dentro da qual, logo à direita, vê-se uma guarita de dois andares,
do tamanho das casas que as crianças costumam fazer em ár­
vores. Diante dela, lajes assentadas na terra há séculos parecem
enterradas em musgo aveludado. Um caminho de pedras acha­
tadas leva ao centro de um jardim luxuriante e emaranhado,
com pequenas passarelas. O lugar é uma colcha de retalhos de
texturas e verde: bonsais de folhas penadas, arbustos esculpidos
em forma de cúpula e grama com salpicos dourados. Em meio
ao verde, bordos vermelhos parecem chamas.

21
OS MESTRES DO JOGO

A folhagem oculta uma lanterna, uma garça de bronze e


um altar de pedra. Trilhas cheias de mato ondulam pelo jardim
outrora imaculado, rigidamente cultivado e delimitado. Foi a
atual geração Yamauchi que o deixou assim selvagem. Um
dos caminhozinhos conduz a uma casa de chá, com portas
deslizantes de papel-arroz, molduras de cedro e piso de tata-
me. Gerações prepararam ali a cerimônia do chá; agora, o
local é um depósito repleto de caixas e esteiras.
Atrás do jardim está a residência, construída de maneira
tradicional, no estilo dos templos japoneses. No Japão, as casas
não são medidas em metros quadrados e sim em esteiras de
tatame — retângulos de palha trançada e cheirosa, um pouco
menores do que uma cama de solteiro e com a grossura de
um livro. Antigamente, a riqueza de uma família era calculada
a partir do número de esteiras que ela possuía. Uma casa
mediana tem de oito a dez tatames; a dos Yamauchi tem 152.
Os cômodos são divididos por telas shoji, e do chão ao teto
uma madeira escura, desgastada, contorna o vidro dos painéis
que dão para o jardim. Camadas mais novas de estuque bege
cobrem algumas paredes, mas no telhado pontudo velhas te­
lhas cinza-azuladas lembram um mar encapelado. Na face ex­
terna, elas mostram o símbolo do equilíbrio e da harmonia,
as lágrimas entrelaçadas yin e yang.
Fusajiro Yamauchi, artista e artesão do período Meiji — o
final do que a civilização ocidental descreve como século 19
— tinha fama de justo, bem-humorado e habilidoso. Fazia faz-
ruta, baralhos baseados em jogos japoneses antigos, que em­
pregavam conchas com pinturas elaboradas. As hanafuda, ou
"cartas de flores", menores e mais grossas do que as ocidentais,
substituíram as conchas, mas as ilustrações, ricas em detalhes
e cores, foram mantidas.
Em vez de um número e uma figura, as 48 cartas do baralho
hanafuda apresentavam uma combinação de símbolos, como
um cervo, o vento, um crisântemo, um javali, a lua. Cada um
dos doze naipes correspondia a um mês do ano. O pinheiro
e a garça-azul, que no Japão simbolizam vida longa e boa

22
NAS MÃOS DO CÉU

sorte, representam janeiro; o rouxinol e a flor da ameixeira, fe­


vereiro; a flor da cerejeira, março, e assim por diante, até de­
zembro, marcado pela árvore paulovnia, cujos perfumados ca­
chos de flores violeta abrem-se no inverno. O valor das cartas
era indicado também por símbolos. A chuva com um poeta, por
exemplo, valia vinte pontos; a glicínia, mais comum, apenas um
ponto. O jogo mais popular, o de flores combinadas, tinha um
princípio aparentemente simples: juntar figuras semelhantes e
formar conjuntos. Mas, na verdade, era tão complicado quanto
o bridge, e os jogadores o encaravam com a mesma seriedade.
Yamauchi fundou a Nintendo Koppai, em Meiji 22 (1889),
para produzir e vender essas cartas, feitas a mão. Os diagramas
kanji escolhidos para o nome da nova empresa — nin-ten-do
— podem ser interpretados como "deixe o destino para o céu",
ou "no fundo, temos de fazer o que temos de fazer". A leitura
mais comum é "trabalhe com afinco, mas lembre-se de que o
destino está nas mãos do céu".
O papel das cartas era fabricado do modo tradicional, a
partir da casca da amoreira, ou mitsu-mata. Depois de trans-
formá-la numa pasta, Yamauchi acrescentava-lhe argila, para
deixá-la mais pesada. As camadas finas eram esticadas, mol­
dadas e secas. O artesão via o papel como uma criatura viva,
com vontade própria, que devia ser combatida até sucumbir
à vontade humana, ou seja, até ganhar uma nova forma.
Para fazer uma folha do papel, Yamauchi comprimia várias
camadas da pasta, dando-lhes a espessura de uma capa dura
de livro. Ele elaborou um sistema de impressão à base de
blocos de madeira, com os quais gravava o contorno de cada
carta numa grande folha. Então dispunha uma série de dese­
nhos, feitos em estênceis, sobre o papel, e preenchia-os com
tintas brilhantes fabricadas com pétalas de flores e bagas. O
fundo era vermelho; a relva, preta. A lua cheia, sem pintura,
permanecia no tom cru do papel. Os pigmentos mesclavam-se
ligeiramente, de modo que cada carta parecia tingida a mão.
As hanafuda da Nintendo, chamados Daitoryo (presidente),
tornaram-se as mais populares da região. A pequena empresa

23
OS ME ST RE S DO J O GO

as vendia nas lojas da própria fábrica, em Quioto e Osaka.


Para outras partes do país, produzia baralhos com símbolos
diferentes. Os de Kanto, por exemplo, tinham espadas, mon­
tanhas e seres humanos.
Enquanto as hanafuda permaneceram simples distração caseira,
o negócio teve lucros modestos. A situação mudou quando as
cartas passaram a ser usadas por profissionais. Na falta de cor­
ridas de cavalos ou de cachorros, e de loterias esportivas, a Ya­
kuza, equivalente japonês da Máfia, administrava rodadas de
hanafuda em salões semelhantes a cassinos. Como cada jogo era
aberto com um baralho novo, a Nintendo começou a ganhar
somas consideráveis. A fim de atender à demanda, Fusajiro Ya-
mauchi treinou aprendizes e passou à produção em massa.
Essa foi a primeira expansão da empresa. A segunda acon­
teceu em 1907, quando as cartas ocidentais, depois de mais
de 350 anos no Japão (para onde foram levadas por portu­
gueses e holandeses), finalmente ganharam popularidade. A
Nintendo tornou-se a primeira a manufaturá-las. Yamauchi,
que até aquele momento vendera seu produto apenas em lojas
próprias, viu-se obrigado a uma distribuição mais ampla. Fe­
chou um acordo com a Japan Tobacco e a Salt Public Corpo­
ration, o monopólio do fumo. Resultado: a primeira passou a
vender o karuta em suas lojas, espalhadas por todo o país. Foi
um arranjo lucrativo. Quando Fusajiro se aposentou, a Nin­
tendo já era, de longe, a maior fabricante de baralhos do Japão.
Fusajiro Yamauchi não tinha filhos homens. De acordo com
a tradição japonesa, a Nintendo só permanecería na família
se sua filha, Tei, se unisse a um homem que concordasse em
adotar o nome Yamauchi. Arranjou-se um casamento com um
estudante aplicado e severo chamado Sekiryo Kaneda, que
em 1929 veio a se tornar o segundo diretor da Nintendo. O
casal prosperou, apesar da vida doméstica complicada (ela
tolerava estoicamente os-flertes do marido). Ao mesmo tempo
em que trabalhava para expandir a Nintendo, Sekiryo culti­
vava sua paixão por negócios imobiliários, de modo que os

24
NAS MÃOS DO CÉU

Yamauchi vieram a possuir uma parte considerável da zona


leste de Quioto.
Em 1933, Sekiryo estabeleceu uma joint venture chamada
Yamauchi-Nintendo e transferiu a sede corporativa da mo­
desta loja hanafuda original para um edifício de concreto ar­
mado, construído ao lado dela. Em 1947, criou uma empresa
de distribuição, a Marufuku, para incrementar a comerciali­
zação de baralhos ocidentais (de pinochle e pôquer) com verso
extravagante. A equipe de vendas visitava lojas pequenas e
grandes de todo o Japão. Para produzir cartas com maior ra­
pidez e eficácia (agora com papel comprado de fornecedores),
Sekiryo desenvolveu uma linha de montagem. A Nintendo se
tornava um negócio dirigido com eficiência, com uma estru­
tura administrativa hierárquica rígida. Os esforçados gerentes,
pressionados no sentido de superar o desempenho dos colegas,
eram reconhecidamente severos com os subordinados.
Sekiryo e Tei, a exemplo de Fujiro, também não tiveram
filhos homens. A filha mais velha, Kimi, casou-se com Shika-
nojo Inaba, descendente de uma respeitada família de artesãos.
A exemplo do sogro, Inaba adotou o sobrenome da esposa e
tornou-se herdeiro da Nintendo. Presumia-se que assumisse
o comando da empresa quando Sekiryo se aposentasse.
Em 1927, Shikanojo e Kimi tiveram um filho, Hiroshi, o
primeiro Yamauchi do sexo masculino em três gerações. Quan­
do o menino tinha 5 anos, Shikanojo abandonou a família. A
Hiroshi disseram apenas que seu pai era um mentiroso inútil;
jamais lhe deram qualquer outra informação. Kimi, desonrada,
deu entrada no processo de divórcio e foi morar com a irmã,
deixando o filho com os pais. Sekiryo e Tei cuidaram do neto
com a mesma mão de ferro com que dirigiam a Nintendo. A
educação, a apresentação e os modos de Hiroshi eram obser­
vados com igual severidade. Mas ele se rebelava e, quanto
mais crescia, mais intratável ficava.
Arrogante e atrevido, menosprezava os avós. Transforma­
va-se num cavalheiro de beleza maligna, a deslocar o corpo
pequeno com vigor presunçoso e cabeça erguida. Penteava

25
OS MESTRES DO ] OGO

para trás o cabelo grosso e tinha sobrancelhas cerradas sobre


olhos escuros. Vestia roupas caras, de bom corte. Mantinha
as unhas compridas manicuradas, polidas. Soturno e amar­
gurado, disfarçava esses sentimentos com um comportamento
leviano e uma perspicácia seca. Tal temperamento repre­
sentava o legado de um pai ausente e do desprezo dos avós.
Hiroshi via a mãe de vez em quando. Kimi, que nunca
voltou a se casar, tornara-se, a seus olhos, uma espécie de tia.
Ela trabalhava na Nintendo, dirigindo uma subsidiária de ven­
das. Quanto ao pai, não o encontrou mais. Shikanojo voltou
certa vez, velho e doente, desesperado para reencontrar o único
filho, mas Hiroshi recusou-se a receber aquele que trouxera
vergonha e desonra à família.
Um dia, beirando os 30 anos e já um pouco grisalho, Hiroshi
foi procurado por uma meia-irmã, de cuja existência nunca
tomara conhecimento. Ela levou-lhe a notícia da morte de Shi­
kanojo, vítima de um derrame cerebral, e pediu-lhe que hon­
rasse a memória do pai comparecendo ao enterro.
Hiroshi Yamauchi refletiu por um dia inteiro antes de de­
cidir-se a ir. No funeral, conheceu outras quatro meia-irmãs,
a segunda esposa do pai e uma tia, das quais também nunca
ouvira falar. Sentiu-se desarmar quando a tia comentou sobre
sua semelhança com o pai. Imaginou o que mais teria herdado
de Shikanojo. Pensou também no preço que um filho seria
obrigado a pagar por ter recusado ao pai a reconciliação e o
perdão. Viveu então meses de tormento, chorando abertamen­
te. A morte do pai o modificara; parecia que uma parte dele
jamais iria se recuperar. Passou o resto da vida visitando com
regularidade o túmulo de Shikanojo.
Em 1940, foi mandado pelo avô para uma escola prepara­
tória em Quioto, com planos de cursar direito ou engenharia.
Mas a guerra eclodiu e todos os sonhos foram adiados. Nessa
época, Tei assumiu a liderança da família. Enquanto os Ya­
mauchi corriam para os'abrigos anti-aéreos ao ouvir as sirenes
de alerta, ela prosseguia em seu trabalho, resoluta, como se
nada de anormal estivesse acontecendo.

26
NAS MÃOS DO CÉU

Tei nunca se preocupou com o fato de Hiroshi entrar ou não


para o Exército. Quando a guerra começou, ele era jovem demais;
na época em que podería ter sido convocado, a maré já mudara
e os Yamauchi sabiam que o Japão perdería a contenda. A fim
de manter o neto em segurança, Tei fez com que ele permanecesse
na escola e assumisse um cargo numa fábrica militar.
Os alimentos, incluindo o arroz, eram escassos; a maior par­
te da população sobrevivia com pouca coisa além de batatas.
Hiroshi, no entanto, levava todos os dias para o trabalho uma
preciosa porção de arroz, tirada do estoque da avó. Certa vez,
notando que um supervisor olhava faminto para seu almoço,
compartilhou-o com ele. Como recompensa, foi dispensado
naquela tarde. Solto num campo, tirou uma soneca. Depois
disso passou a levar dois almoços, um para si e outro para o
supervisor. Ganhava dispensas diárias.
Quando a guerra terminou, em 1945, Yamauchi matricu­
lou-se no curso de direito da Universidade de Waseda. Tam­
bém sacramentou um casamento, arranjado pelo avô, com Mi-
chiko Inaba (sem relação com Shikanojo), descendente de um
samurai de alta linhagem, leal ao daimio que fora o senhor
absoluto da ilha de Shikoku no início do período Meiji. Esse
samurai rico e poderoso transferira-se de Shikoku para Quioto,
onde se casara e adotara o nome Inaba. Abrira um pequeno
ateliê e passara a produzir delicadas peças esmaltadas, que
se tornariam conhecidas no mundo inteiro.
No Japão, quando se arranjava um casamento, os pais reu­
niam-se para discutir a união. No caso de Hiroshi, como eram
os avós os responsáveis pelo assunto, a reunião aconteceu entre
os dois clãs: o casamenteiro foi o anfitrião de Sekiryo, Tei e
Kimi Yamauchi, bem como dos pais e dos quatro avós de
Michiko Inaba. Os jovens se casaram em pouco tempo, numa
cerimônia tradicional.
Quando Hiroshi tinha 21 anos, seu avô sofreu um derrame
e pediu para vê-lo. Na cama, apoiado em travesseiros, falou-lhe
que, por ser ele o primeiro Yamauchi do sexo masculino desde
Fusajiro, deveria assumir o posto que teria sido de seu pai.

27
OS MESTRES DOJOGO

Era preciso que abandonasse os estudos e se tornasse diretor


da Nintendo.
Hiroshi, sem emoção, declarou que assumiría o controle da
empresa sob algumas condições. A principal delas: ser o único
membro da família na Nintendo. Isso significava afastar seu
primo, que trabalhava lá. Como herdeiro único, ele não queria
que sua posição de comando fosse questionada.
Fraco e entristecido, Sekiryo demitiu o sobrinho e, em 1949,
Hiroshi Yamauchi foi nomeado o terceiro diretor da Nintendo.
O avô faleceu pouco depois, convicto de que a família e o negócio
não sobreviveríam. Acreditava que o neto seria sempre uma
criança de maus modos, desobediente e mimada. Já Hiroshi vi­
vería com a consciência de que traíra e decepcionara os dois
homens mais importantes de sua existência: o pai e o avô.

Hiroshi Yamauchi não foi bem-recebido pelos empregados


da Nintendo. Achavam-no jovem demais, inexperiente, e preo-
cupavam-se com os rumores de que ele planejava varrer da em­
presa o pessoal mais antigo. Realmente, Yamauchi demitiu todos
os gerentes da época do avô, apesar dos anos de trabalho que
eles dedicaram à Nintendo. Mas não eliminou somente aquilo
que considerava "peso morto”; livrou-se também dos que se ape­
gavam ao passado conservador da empresa. Não queria por perto
ninguém que pudesse questionar-lhe a autoridade.
Em 1951, Hiroshi mudou o nome da distribuidora para Nin­
tendo Karuta (Cartas de Jogo Nintendo) e estabeleceu uma
nova sede corporativa numa ruazinha chamada Takamatsu-
cho. Consolidou na nova propriedade a manufatura de cartas
de Quioto e modernizou-lhe o processo.
Na tentativa de competir com os novos e belos baralhos
importadas do Ocidente, a Nintendo começou, em 1953, a fazer
as primeiras cartas plastificadas do Japão. Em 1959, fechou o
primeiro acordo de produção de cartas sob licença — com
uma empresa norte-americana, a Walt Disney. Os baralhos
ilustrados com os personagens Disney, divulgados na televi­
são, ganharam a simpatia dos jovens e das famílias. A fim de

28
NAS MÃOS DO CÉU

atingir esse mercado nascente, Yamauchi estruturou um novo


sistema de distribuição, introduzindo seu produto em lojas
de departamentos e de brinquedos. O resultado foi imediato:
as vendas da Nintendo dispararam e bateram o recorde de
seiscentos mil baralhos comercializados.
Mas Hiroshi não se deu por satisfeito. Queria que a empresa
se expandisse mais depressa, mas havia alguns obstáculos.
Um deles dizia respeito à qualidade das cartas de pôquer,
pinochle e Disney. Apesar dos esforços, elas continuavam in­
feriores às importadas dos Estados Unidos. O ganha-pão da
empresa, as hanafuda, constituíam, por natureza, um negócio
modesto. Proporcionavam lucros constantes, mas não ofere­
ciam perspectiva de crescimento.
Então o jovem diretor tirou o termo Karuta do nome da
empresa — que passou a se chamar NCL, ou Nintendo Com­
pany, Ltd. — e fez planos para entrar em novos negócios. A
fim de conseguir financiamento, tornou a Nintendo pública,
colocando ações nas Bolsas de Valores de Osaka e de Quioto.
Nomeou-se presidente da companhia.
Inicialmente, a nova empresa lançou uma linha de porções
individuais de arroz instantâneo. Bastava acrescentar água e
— presto! — fracasso total. Em seguida, Yamauchi abriu um
"hotel romântico", com quartos alugados por hora. Tratava-se
de uma paixão pessoal: dizia-se que ele próprio era um dos
melhores clientes (todos sabiam de seus casos extraconjugais
— inclusive sua mulher, que fingia ignorá-los).
Uma frota de táxis organizada por Yamauchi, a Daiya, pros­
perou, mas ele, cansado de negociar com poderosos sindicatos
que exigiam salários altos e benefícios dispendiosos, acabou
por declará-la falida, ao mesmo tempo que fechava as portas
do motel. Sempre planejando mudanças, transferiu mais uma
vez a sede da Nintendo, agora para um prédio maior, de três
andares, com tijolos bege e portas e janelas pretas.
Hiroshi Yamauchi decidira centrar forças num dos pontos
mais fortes da Nintendo, o sistema de distribuição de karuta.
Uma vez que suas raízes estavam no entretenimento, bastava

29
OS MESTRES DO ] O GO

de arroz, táxis e motéis. A empresa abria um novo caminho,


voltado para a diversão.

Hiroshi Imanishi tinha a aparência e as atitudes dos Rott­


weiler. Embora sofisticado, era simples e acessível. Brilhante,
recém-formado em direito pela Universidade de Doshisha,
aceitou a oferta para trabalhar na Nintendo, embora achasse
o presidente carrancudo, reservado e formal. O fato era que
Hiroshi Yamauchi o intrigava. Cativavam-no a convicção e a
ambição obstinada que ele demonstrava ao expor os grandes
planos de expansão da companhia.
Yamauchi os revelava aos poucos. As vezes parecia obce­
cado por detalhes — "bobagens", na opinião de Imanishi —
e sua preocupação com minúcias entediava. Noutras ocasiões,
percebiam-se lampejos de um projeto calculado, secreto. O
processo frustrava, uma vez que a comunicação era mínima,
limitando-se a ordens. E não raro as reuniões se transforma­
vam em palestras.
Como a empresa iniciava uma série de novos empreendimen­
tos, Imanishi trabalhou em muitas seções — administração, fi­
nanças, planejamento — até chegar ao posto de gerente-geral.
Apesar do título, desprezava a maioria dos projetos do patrão.
Em 1969, foi criado um departamento para dar suporte a um
novo plano da companhia. Chamou-se "games" e transformou-se
no primeiro setor de pesquisa e desenvolvimento da Nintendo,
instalado num galpão no bairro de Uji, em Quioto.

Gunpei Yokoi fora criado em Quioto, onde o pai dirigia


uma indústria farmacêutica. Formado em eletrônica, visitou
as empresas da cidade preenchendo fichas de pedido de em­
prego. Baixo, atarracado e despretensioso, com óculos de lentes
cinzentas, ele acabou contratado pela Nintendo para cuidar
das máquinas da linha de montagem que produziam os ba­
ralhos. Foi, durante vários meses, o único funcionário do de­
partamento de manutenção. Um dia, porém, Hiroshi Yamauchi
o chamou a sua sala.

30
NAS MÃOS DO CÉU

Sentado em frente à mesa do presidente, Yokoi cruzou as


mãos no colo. Imanishi já estava lá, tomando café. Atento,
Yokoi ouviu Yamauchi designá-lo para um novo projeto na
recém-criada divisão de games. Sob o comando de Hiroshi
Imanishi, deveria criar um departamento de komuki (engenha­
ria) e inventar algo para a empresa vender no Natal.
— Mas inventar o quê? — perguntou Yokoi.
— Algo grande — respondeu Yamauchi.
Yokoi foi o primeiro dos muitos latoeiros de fim de semana
contratados pela Nintendo, aqueles cujo hobby era produzir
brinquedos, rádios e outros engenhos mecânicos a partir de
peças avulsas. Certa vez, só para se divertir, montou, com
pinos, uma rótula de madeira, e colocou um dispositivo se­
melhante a um torninho numa das extremidades. Quando os
dois cabos de madeira se aproximavam, a peça se estendia e
o torninho na extremidade se fechava. O mecanismo sugeria
usos práticos, mas principalmente excêntricos. Uma tosca ex­
tensão da mão humana, por exemplo.
No dia seguinte à reunião, Yokoi mostrou seu invento a
Yamauchi e Imanishi. Com um leve sorriso, o presidente apro­
vou a idéia, encarregando os dois funcionários de iniciar a
produção do primeiro brinquedo da empresa, a Ultra Hand.
Anunciada na televisão, a novidade vendeu 1,2 milhão de uni­
dades a cerca de 800 ienes (uns 6 dólares, em 1970) cada. Para
a Nintendo daqueles dias, foi um sucesso estrondoso.
Daí em diante, Yokoi passou a criar inventos e a mostrá-los
ao presidente. Yamauchi, com seu senso apurado em relação
a novidades, dava sugestões e desafiava o jovem a aperfeiçoar
os projetos. Segundo Yokoi, Yamauchi sabia, por instinto, se
uma idéia faria sucesso se fosse transformada em produto.
Quando alguma lhe agradava, instruía Imanishi a iniciar a
fabricação. Nunca pedia uma segunda opinião.
Os inventos de Yokoi resultaram na série de brinquedos
Ultra da Nintendo. A Ultra Machine, por exemplo, lançava
bolas que deviam ser rebatidas. Uma espécie de beisebol em
versão mais leve, que podia ser jogado com segurança dentro

31
OS MESTRES DO ] O G O

de casa. Lançado em 1973, o brinquedo vendeu setecentas mil


unidades em cada um de seus 3 primeiros anos. Menor sucesso
teve o Ultra Scope, um engenho semelhante a um periscópio,
cuja lente de enfoque automático permitia às crianças ver além
de esquinas, por sobre cercas e pelas costas, espionando umas
às outras, os vizinhos e, não raro, os pais.
— Foi uma época muito divertida — recorda Yokoi. — Eu
me via como um cartunista que entendia os movimentos do
mundo e criava abstrações em cima deles.
À noite Yokoi fazia experiências com fios, osciloscópios e
vários outros componentes eletrônicos, aplicando-os no de­
senvolvimento de um novo brinquedo, o Love Tester (testador
de amor). Um menino e uma menina seguravam os cabos da
máquina e davam-se as mãos. Um relógio media a corrente
transmitida e determinava, com imprecisão científica, quanto
"amor" havia entre eles. O verdadeiro objetivo do brinquedo
não tinha nada a ver com ciência e tudo com o ato de dar as
mãos numa cultura — a japonesa — em que esse tipo de
contato ainda suscitava muita malícia. Yokoi sabia que, nos
Estados Unidos ou na Europa, o Love Tester teria de incluir
beijos. No Japão, porém, o dar as mãos revelou-se provocativo
o bastante para fazer do brinquedo um sucesso.
O departamento de pesquisa e desenvolvimento de Yokoi cres­
cia com a entrada constante de novos engenheiros, os quais Ya­
mauchi pressionava por meio de elogios ou desprezo enfáticos.
O presidente jamais promoveu o espírito de equipe; ao contrário,
jogava os funcionários uns contra os outros abertamente. En­
quanto muitas empresas japonesas expadiam-se graças à leal­
dade ao grupo e ao bem corporativo, a Nintendo prosperou
devido ao desejo dos engenheiros de agradar Yamauchi.
— Fazíamos tudo por um elogio dele — declarou um fun­
cionário.
O produto seguinte, que posicionou a companhia para o
sucesso, apareceu por acaso. Masayuki Uemura, de cabelo
grosso e liso penteado para um lado e um irreprimível sorriso

32
NAS MÃOS DO CÉU

de orelha a orelha, certo dia solicitou uma reunião com Gunpei


Yokoi.
Nascido em 1943 na bela e austera Nara, Uemura se mudara
com a família para Quioto, então uma das cidades mais seguras
do Japão, para fugir dos bombardeios da guerra. Seu pai, um
vendedor de quimonos, ganhava a vida com dificuldade (aca­
baria abrindo uma loja de discos em Osaka). Dada a precária
situação financeira familiar, Masayuki usava a imaginação
para produzir seus próprios brinquedos e jogos, chegando a
montar aviões controlados por rádio a partir de peças encon­
tradas no lixo. Desejoso de criar engenhos mais sofisticados,
foi estudar eletrônica.
Recém-formado, e com a fase dos brinquedos já superada,
ele conseguiu um emprego de vendedor junto a uma indústria
eletrônica, a Sharp, fabricante de semicondutores ópticos usa­
dos em células solares empregadas na captação e no forneci­
mento de energia a faróis e a robôs medidores de índices plu-
viométricos no topo de montanhas.
O diretor da filial da Sharp em Quioto destacou Uemura
para visitar a Nintendo e oferecer-lhe as células solares no
momento em que Yamauchi acabava de dar uma nova ordem
a Yokoi e seus engenheiros — que pesquisassem brinquedos
eletrônicos do tipo do Love Tester. Numa reunião, Yokoi e
Uemura concluíram que as células solares da Sharp poderiam
ser aplicadas nos produtos. Não demorou muito e Yokoi rou­
bou Uemura da Sharp.
Satisfeito por deixar as vendas, o jovem engenheiro se in­
tegrou com entusiasmo à nova empresa, retomando o que
costumava fazer na infância: criar brinquedos.
— Havia algo de diferente na Nintendo — conta Uemura.
— Homens muitos sérios pensavam no prazer de jogar. Outras
empresas preferiam importar idéias dos Estados Unidos e
adaptá-las ao mercado japonês, barateando-as e reduzindo seu
tamanho. Mas a Nintendo queria idéias originais.
Ao conhecer a bateria de células solares da Sharp, Yokoi
visualizou para ela um emprego sem igual. Se as células gran-

33
OS MESTRES DO JOGO

des, mais ou menos do tamanho de um dólar de prata, cap­


tavam a luz e convertiam-na em eletricidade, células menores
podiam servir como sensores para detectar a luminosidade.
A idéia era adaptar a tecnologia a um jogo de tiro, usando as
células solares como alvo.
Yokoi e Uemura trabalharam numa pistola de luz com custo
baixo o bastante para atrair o mercado consumidor. A "bala"
seria um estreito facho de luz. Se o facho atingisse a minúscula
célula solar, esta poderia produzir ou interromper a carga,
dependendo do circuito. Assim, seria possível cortar a eletri­
cidade de um ímã de modo a soltar um alvo provido de molas
— e uma garrafa plástica de cerveja, montada como um que­
bra-cabeça, explodiría. Um leão rugiria. Uma pilha de barris
de brinquedo desmoronaria.
Em pacotes que incluíam alvos acionados por luz (o leão,
a garrafa de cerveja e outros), os jogos Nintendo Beam Gun
venderam mais de um milhão de unidades a preços entre 4
mil e 5 mil ienes (uns 30 dólares) no início dos anos 70. A
Nintendo Co., Ltd., agora na primeira divisão da Bolsa de
Valores de Osaka, crescia rapidamente.
Dada a necessidade de mais espaço para atender à demanda
de novos produtos, Yamauchi voltou a expandir a empresa.
Além de construir a nova sede, comprou imóveis vizinhos e
um terreno baldio junto ao prédio velho, onde a fábrica ha­
nafuda seguia funcionando (Yamauchi a mantinha mais por
nostalgia: as cartas representavam uma fatia cada vez menor
nos negócios.) A antiga construção, com suas poucas árvores
dispersas pelo gramado frontal, ficou pequena diante das no­
vas estruturas (que no fim somariam três) de concepção high-
tech: três andares com imensos ladrilhos brancos e retangula­
res. Em vistosa placa azul, o nome nintendo em caracteres
kanji e latinos podia ser visto das colinas próximas, dos jardins
do vizinho templo Tofuku-ji e das janelas dos trens que pas­
savam por perto. Diante da nova guarita, vigilantes da em­
presa de segurança Kansai agora se postavam dia e noite, com
seus uniformes azuis.

34
NAS MÃOS DO CÉU

***
As Beam Guns ainda se esgotavam tão logo chegavam às
prateleiras das lojas quando Yokoi sugeriu a Yamauchi que
usassem a mesma tecnologia de outras maneiras. Na época,
o tiro ao prato fazia sucesso no Japão. Yokoi, por capricho,
comprara uma espingarda e fora experimentá-la. Na volta,
relatou ao patrão que a tecnologia da pistola de luz seria capaz
de reproduzir a sensação de atirar em pombos de barro.
Yamauchi absorveu a informação e descobriu como aplicá-la
comercialmente. Na década de 60, uma febre de boliche in­
vadira o Japão, e estabelecimentos para a prática do esporte
proliferaram. Com o declínio da moda, muitos deles fecharam
as portas. Era possível comprá-los por um preço vantajoso e
transformá-los sem dificuldade em "salões de tiro". Pombos
de barro apareceríam na extremidade da pista. Uma célula
solar detectaria os tiros certeiros, assinalando-os num painel
eletrônico. Nunca se vira nada igual. Seria a prática de tiro
mais próxima do real do mundo, bem mais envolvente do
que a oferecida nos parques de diversões, onde as balas de
cortiça desviavam-se do curso original à brisa mais leve.
A tecnologia, porém, continuava um pouco complicada. Yo­
koi, encarregado de desenvolver e aperfeiçoar o sistema, de­
parava com üma série de problemas, da operação dos coletores
solares móveis (ou aparentemente móveis) à sincronização do
tiro e seu respectivo som. Um outro engenheiro foi destacado
para trabalhar com Uemura. Genyo Takeda respondera a um
anúncio que a Nintendo colocara nos jornais, buscando pro­
jetistas de brinquedos.
— Tive uma inspiração — conta ele.
Takeda, que não tirava a capa de poliéster nem no verão,
tornou-se um engraçado colaborador na divisão de pesquisa
e desenvolvimento. Nascido e criado em Osaka, filho do di­
retor de uma empresa que criava padronagens para tecidos,
formara-se em 1970 na Universidade Governamental de Shi­
zuoka, em Honshu, onde sempre colocara a participação em
movimentos estudantis à frente dos estudos. Durante o curso,

35
OS MESTRES DO J O G O

estudara semicondutores, mas divertira-se construindo loco­


motivas e aviões em miniatura. Ao entrevistá-lo, Gunpei Yokoi
percebeu que ele se integraria muito bem à crescente equipe
de engenharia, destacando-o para trabalhar com Uemura no
projeto de sistemas de tiro.
A imprensa compareceu para documentar o lançamento da
primeira Laser Clay Range em Quioto, em 1973. As equipes
de repórteres e cinegrafistas ainda se preparavam para a co­
bertura quando a pistola apresentou um defeito. Antes que
alguém percebesse o problema, Takeda subiu numa caixa atrás
dos alvos e, sem se deixar ver, passou a derrubar os pombos
de barro manualmente, ao mesmo tempo em que dava chutes
no controlador, que então iluminava os alvos supostamente
atingidos. Para os telespectadores, tudo correu bem. Abertas
ao público, as pistas ficaram lotadas desde o primeiro dia.
As Laser Clay Ranges tornaram-se ponto de encontro no­
turno em muitas cidades japonesas. O sucesso fez surgirem
variações sobre o tema original, e em 1974 foi lançado o Wild
Gunman. Um projetor 16 milímetros exibia numa tela à ex­
tremidade da pista o filme de um "maníaco homicida". Se o
jogador alvejasse o atirador louco antes que ele atirasse, o
sensor na tela detectava o acerto e o registrava no painel. Esses
jogos foram vendidos a uma empresa de exportação, que os
despachou para os Estados Unidos e para a Europa.
As pistas de tiro com pistolas laser continuaram movimen­
tadas, apesar de a primeira crise mundial do petróleo, em
1973, atingir também o Japão. Mas logo a economia do país
entrou em parafuso, as pessoas já não dispunham de muito
dinheiro e os salões de tiro se esvaziaram. Os pedidos do
exterior foram cancelados e contas altas permaneceram sem
pagamento. A Nintendo investira demais no empreendimento;
via-se agora à beira do colapso. Yamauchi estava mais deses­
perado do que nunca por um produto que fizesse um sucesso
arrasador e salvasse a empresa.
Então, em 1975, durante um jantar do qual participava um
amigo de infância, executivo de um dos maiores conglome­

36
NAS MÃOS DO CÉU

rados de eletrônica do Japão, Yamauchi, em meio a uma con­


versa sobre os mais recentes avanços tecnológicos na indústria
eletrônica e em especial quanto à importância dos semicon­
dutores e microprocessadores, deu-se conta de um fato pri­
mordial. Tais tecnologias, parte de uma revolução nos escri­
tórios e nos produtos de consumo, estavam se tornando ba­
ratas a ponto de poder ser empregadas no campo do entre­
tenimento. O passo seguinte foi pesquisar os primeiros sinais
de uma indústria emergente nos Estados Unidos. Empresas
como a Atari e a Magnavox já produziam equipamentos que
processavam jogos eletrônicos em televisores domésticos.
Yamauchi negociou uma licença para fabricar e comercia­
lizar o sistema de videogame da Magnavox no Japão. A má­
quina processava variações do primeiro videogame comercial
norte-americano, o Pong. Um facho de luz era arremessado
de um lado para outro entre utensílios semelhantes a pás,
controlados pelos jogadores. Dependendo da cobertura plás­
tica fixada sobre a tela da televisão, a luz podia ser uma bola
de rugby, de tênis, de futebol ou de qualquer outro jogo.
Uma vez que a Nintendo ainda não era capaz de desen­
volver e produzir as sofisticadas placas baseadas em micro­
processadores, que constituíam o coração do sistema de vi­
deogame, Masayuki Uemura sugeriu uma aliança com uma
empresa eletrônica. Em 1977, a Nintendo se uniu à Mitsubishi
e entrou no mercado doméstico lançando o Color TV Game
6, que processava seis versões de tênis. Logo surgiu uma se-
qüência mais poderosa, o Color TV Game 15. Cada um vendeu
um milhão de unidades. A equipe de engenharia elaborou
sistemas que processavam um jogo mais complexo, o Block­
buster, e uma corrida. Ambos venderam meio milhão de uni­
dades. Discretamente, a Nintendo entrava no mundo da di­
versão audiovisual e da eletrônica de consumo.
Os bem-sucedidos sistemas de videogame garantiram a so­
brevivência da empresa. Mas, pouco inovadores e pouco ver­
sáteis, não constituíam o produto revolucionário que Yamau-

37
OS MESTRES DO ] O GO

chi procurava. Pressionando os engenheiros, ele exigia novas


maneiras de produzir videogames.
— Devemos olhar para novas direções. Joguem fora as
idéias velhas e descubram algo novo.
O mercado das calculadoras eletrônicas florescia. Com tantos
tipos disponíveis, os preços encolhiam quase tão depressa quanto
o tamanho delas — calculadoras do tamanho de um cartão de
crédito eram vendidas a mil ienes, menos de 10 dólares. O que
mais se podia fazer com aquela tecnologia miniaturizada?
— A Nintendo não criava tecnologia. Adaptava-a, aprovei-
tava-a e a produzia em massa a um custo baixo — explica
Gunpei Yokoi.
O objetivo era fabricar algo menor, mais delgado e mais
leve do que tudo o que já se vira — e que fosse também
divertido.
Chegou-se ao Game & Watch, um aparelho do tamanho
de uma calculadora, com um minúsculo relógio digital no can­
to. Com seus engenheiros, Yokoi escolheu componentes da
Sharp e desenvolveu os menores jogos computadorizados que
o mundo já vira. Não era muito fácil mexer nos minúsculos
controles — mas tratava-se de uma novidade. A Nintendo os
despachou para o planeta inteiro às dezenas e depois centenas
de milhares. Muitos dos Game & Watch em circulação eram
cópias ilegais — a Nintendo perdeu milhões de dólares por
causa das unidades produzidas em várias cidades asiáticas.
Mesmo assim a empresa faturou muito, dada a quantidade
fenomenal de jogos comercializados.
Enquanto Yokoi "pensava pequeno", Yamauchi fazia outros
engenheiros pensar grande. Ele, que já provara o sabor do
mercado de fliperamas com o Wild Gunman, queria uma porção
maior das moedas de 100 ienes (e de 25 cents) que saíam dos
bolsos dos adolescentes no mundo todo e entravam nas má­
quinas de videogames. Jogos populares como o Space Invaders
disputavam o lugar de honra no negócio de fliperamas. Ya­
mauchi queria que a Nintendo se tornasse a maior desse mer­

38
NAS MÂOS DO CÉU

cado, e por isso sua equipe desenvolveu jogos como Hellfire,


Sheriff e Sky Skipper, além de uma batalha chamada Radarscope.
Ele promovia intermináveis reuniões com um grupo de pro­
jetistas liderados por Masayuki Uemura no crescente centro
de pesquisa e desenvolvimento da empresa. A equipe traba­
lhava naquilo que seria o empreendimento mais significativo
da companhia: um sistema de videogame muito mais sofisti­
cado do que os Color TV Games 6 e 15. Nos Estados Unidos,
já estavam à venda aparelhos que processavam jogos em car­
tuchos intercambiáveis. A tecnologia garantia que o novo pro­
duto da Nintendo jamais se tornaria "velho e ultrapassado",
conforme se expressou Yamauchi, desde que jogos "interes­
santes" não parassem de ser criados.
Ao conhecer melhor a tecnologia — por meio de longas
conversas noturnas com Uemura e outros engenheiros — Ya­
mauchi deu-se conta de que a máquina em desenvolvimento
podia fazer bem mais do que apenas processar jogos.
— Embora não estivesse consciente de que construía um
computador, ele teve o primeiro lampejo do incrível potencial
do sistema de computação doméstico disfarçado de brinquedo
— conta Uemura. — Yamauchi enxergava muito além do que
nos fazia crer.
Em resumo, ele imaginou um sistema que podería constituir
a base de uma empresa de enorme expansão. Bastava que as
crianças o adotassem e quisessem rodar um número cada vez
maior de jogos nele, e que a Nintendo fosse a única fabricante
de todos esses jogos.
Muitos obstáculos se impunham, incluindo vários concor­
rentes. Em 1983, já eram comercializados no Japão sistemas
norte-americanos (Atari 2600 e Commodore Max Machine) e
japoneses (o Cassette Vision da Epoch, o Intellivision da Ban-
dai, o Game Personal Computer M5 da Takara, o Pyuta da
Tomy e o pequeno jogo da Casio e da Sharp, o MSX). Yamauchi
instruiu Uemura a "desenvolver algo que os demais fabricantes
não conseguissem copiar por no mínimo um ano". O novo

39
OS MESTRES DOJOGO

sistema deveria ser tão melhor que os clientes não poderíam


hesitar em escolhê-lo.
Para Uemura, o maior desafio não foi a tecnologia, mas o
preço. O aparelho desejado por Yamauchi, a ser adotado por
lares sem conta, tinha de ser barato a ponto de quase todo
mundo poder comprá-lo. As máquinas do mercado, com ex­
ceção da Epoch, custavam entre 30 mil e 50 mil ienes (de 200
a 350 dólares). Yamauchi estabeleceu a meta de 9.800 ienes,
ou menos de 75 dólares. Mais: o processador tinha de fazer
o que os concorrentes japoneses e norte-americanos faziam,
só que mais e melhor.
Uemura analisou as máquinas da concorrência e constatou
que tinham muitas características interessantes. Desenvolvidas
por especialistas em computadores para escritórios, geravam
imagens e caracteres alfanuméricos estáticos, além de executar
cálculos complexos. Os jogos, porém, apresentavam exigências
diferentes. O movimento dos caracteres e dos fundos na tela
deveria ser muito mais ativo e realista; a qualidade tinha de
se aproximar daquela do desenho animado. Um processador
de 16 bits teria dado cabo da tarefa sem dificuldade, mas só
o de 8 bits, menos poderoso, faria o preço ser baixo como
queria Yamauchi.
Em busca de idéias, Uemura atiçou o cérebro dos engenheiros
encarregados das máquinas de fliperama. Elas utilizavam pro­
cessadores maiores e mais caros, mas Uemura não estava inte­
ressado nisso e sim no raciocínio por trás dos jogos. Para obter
lucro com fliperamas, era preciso envolver os clientes tão logo
eles inserissem nas máquinas a primeira moeda. Vários sentidos
tinham que ser estimulados quase instantaneamente para que o
jogo se revelasse "quente", reproduzindo o termo de Uemura.
Era necessário capturar a atenção do jogador. Aparentemente,
havia duas maneiras de conseguir isso: com ação rápida ou com­
binando ação rápida e desafio intelectual. Os temas cabiam aos
projetistas dos jogos; de qualquer forma, a ação rápida requeria
circuitos complexos e dispendiosos.
Uemura passava dezoito horas por dia com os engenheiros,

40
NAS MÃOS DO CÉU

tentando determinar a essência dos principais componentes


no circuito dos melhores jogos. Somente essa essência poderia
ser transferida para a unidade de processamento central do
novo sistema. Por fim, foi escolhido um microprocessador re­
lativamente padrão chamado 6502. Mas esse chip de baixo
custo, sozinho, seria incapaz de atender a todas as exigências
de um videogame complexo. Ele conseguia controlar as in­
formações necessárias à movimentação de caracteres e à inte­
ração entre máquina e jogador, mas, se tivesse que fazer mais
do que isso, fracassaria. Era preciso um segundo chip para
controlar a tela, gerar cores vivas, processar imagens e movi­
mentá-las a uma velocidade muito alta.
Os outros fabricantes usavam um circuito integrado desen­
volvido para microcomputadores antigos, o TI9918 da Texas
Instruments, capaz de gerar de seis a oito cores. A máquina
da Nintendo precisava de uma quantidade maior de tons para
as imagens que Uemura buscava (no fim, seriam 52 tonalida­
des). Uemura, junto com uma equipe cada vez maior de en­
genheiros e programadores, debruçou-se sobre cálculos e ex­
periências para determinar o número máximo de sprites (se­
melhantes aos pontos de uma imagem de televisão) que se
podia gerar numa tela. Os primeiros cálculos resultaram in­
satisfatórios: para que um jogo parecesse mais realista do que
nas máquinas dos concorrentes, era necessário uma soma
maior de sprites. Os engenheiros então modificaram o circuito.
Fizeram novas experiências para descobrir o tamanho máximo
de um objeto e quantos deles poderiam se mover ao mesmo
tempo, além do número de funções que podiam embutir num
semicondutor.
— Tínhamos de executar a tarefa com exatidão — explica
Uemura. — Era o que o presidente havia ordenado. Muita
coisa dependia daquelas experiências.
Os engenheiros atingiram seu próprio limite no projeto dos
dois chips essenciais; agora, precisavam se aliar a alguma outra
empresa. A fim de escolhê-la, Uemura e Yokoi se reuniram
com representantes de fábricas de semicondutores. Determi-

41
OS MESTRES DO J O GO

nara-se que os dois chips necessários eram a unidade de pro­


cessamento central básica (CPU) e a unidade de processamento
de imagens (PPU). O eventual fornecedor teria de ajudar no
projeto e produzir as duas unidades. Só assim o objetivo de
Yamauchi, o preço mínimo, seria alcançado.
Era difícil fornecer tecnologia à Nintendo, rígida e impla­
cável em suas exigências. A empresa alterava os projetos da
noite para o dia e os fornecedores tinham de mudar as espe­
cificações de seus produtos com a mesma velocidade.
— O mais importante num fornecedor era cérebro para nos
acompanhar — revela Yokoi. — Infelizmente, descobrimos que
a maioria das empresas não é flexível. Andam muito devagar,
o que não aceitávamos.
Considerando os preços que Yamauchi estava disposto a pa­
gar, uma parceria com a Nintendo só compensaria se o volume
das vendas garantissem a produção de uma quantidade enorme
de chips. Muitas grandes fábricas não apostaram na idéia.
— Agora se arrependem — comenta Uemura.
Ele foi à Ricoh, a gigante da eletrônica, com seus diagramas
de circuitos preliminares. Os chips não poderiam custar mais
do que 2 mil ienes, motivo pelo qual foram reduzidos a ponto
de desempenhar apenas funções essenciais. Naquela época, a
divisão de semicondutores da Ricoh operava com capacidade
ociosa e a fábrica se dispôs a trabalhar com a Nintendo. Mas
considerou absurdo o preço de 2 mil ienes.
Yamauchi foi informado disso e fez uma proposta:
— Garanta-lhes um pedido de três milhões de chips em 2
anos. Assim eles nos darão o preço.
Na Nintendo, muitos consideraram irracional a atitude de
Yamauchi. Os maiores fabricantes de videogames do Japão
vendiam de 20 mil a 30 mil unidades, e a empresa atingira
seu máximo com os TV Games 6 e 15, comercializando um
milhão de jogos. Não havia onde ou como empregar quase
três milhões de chips.
Mesmo assim Yamauchi exigiu que a proposta fosse apre­
sentada e, conforme se esperava, a Ricoh a aceitou. Na assi­

42
NAS MÃOS DO CÉU

natura do contrato por Uemura, com a aprovação de Yamau­


chi, o chefe da equipe de cinco homens a cargo do projeto
comentou polidamente que esperava levar para seus filhos o
novo sistema. Pois superaram-se as expectativas: no final de
1986 a Nintendo já era a maior cliente da Ricoh, representando
de 60 a 70 por cento das vendas da divisão de semicondutores
da fábrica.
Mas havia outros grandes fornecedores, como a Sharp, a
Mitsumi, a Fuji e a Hoshi. Os subempreiteiros chegaram a
somar trinta. Os contratos com a Nintendo se colocariam entre
os mais lucrativos nas indústrias de semicondutores e de ele­
trônica. A Ricoh e a Sharp inaugurariam divisões cuja única
função era atender à empresa dos videogames.
Os fornecedores logo descobriam que não era fácil satisfazer
Hiroshi Yamauchi. Nenhum outro cliente exigia um percentual
de defeitos menor. Mas o esforço compensava. Uma pesquisa
de 1991-1992 apurou que a Nintendo gastava 1 bilhão de dó­
lares anuais em semicondutores.

À medida que desenvolviam o novo processador, os enge­


nheiros apresentavam questões variadas a Yamauchi. Que in­
cluir no console de jogo? Considerando que o aparelho cons­
tituía um pequeno computador, seria possível incluir nele to­
dos os equipamentos extras dos computadores. Deveria haver
uma unidade de disco para ler e escrever informações? Deveria
haver um teclado? Um canal de dados por meio do qual enviar
e receber informações? Incluiríam um modem, que, pela linha
telefônica, colocaria o sistema em contato com outros jogadores
ou com um terminal central? Podiam também instalar uma
memória grande o suficiente para reter programas mais com­
plicados.
Yamauchi respondia com cautela às perguntas. Ao mesmo
tempo que eliminava tudo o que elevasse demais o custo do
produto, embutia uma expansão que no futuro iria muito além
dos videogames.
Na edição japonesa de The Japan That Can Say No (O Japão

43
OS MESTRES DO ]0G0

Que Diz Não), o co-autor do livro (com Shintaro Ishihara)


Akio Morita, fundador e presidente da Sony, explicou que os
punhos das corporações norte-americanas seriam neutraliza­
dos pela miopia de todas elas.
Nos, japoneses, planejamos e desenvolvemos nossas estrate'gias
empresariais com 10 anos de antecedência, escreveu.
Ao perguntar a um executivo norte-americano se as em­
presas em seu país faziam planejamentos pelo menos uma
semana antes de executá-los, recebeu a seguinte resposta:
"Não. Só temos dez minutos para isso".
Os resultados dessa diferença ficam claros no processador
de jogos criado por Hiroshi Yamauchi: embora previsse um
futuro que só se revelaria uma década depois, o produto tinha
o potencial para colocar a Nintendo no primeiro plano das
empresas de eletrônica e de entretenimento.
Yamauchi instruiu Uemura a eliminar o supérfluo. Nada
de teclado — poderia assustar os clientes. Nada de modem
nem de unidade de disco. O sistema processaria os jogos em
cartuchos. Os disquetes intimidavam aqueles que temiam os
computadores e, mais importante, eram copiáveis.
O sistema contaria com um mínimo de memória, porque
esse era um item muito caro, mas deixaria para trás a dos
concorrentes. O Atari continha 256 bytes de RAM (random ac­
cess memory, a quantidade de instruções que uma unidade de
processamento central é capaz de executar ao mesmo tempo);
o Nintendo teria 2 mil bytes. Além disso, os jogos para a nova
máquina seriam muito mais complexos do que os da Atari;
um cartucho Nintendo conteria 32 vezes mais códigos de com­
putação do que um cartucho Atari.
Yamauchi cortou todos os dispositivos supérfluos a fim de
poupar dinheiro, mas instruiu os engenheiros a incluir, a um
pequeno custo adicional, os circuitos e um conector que pu­
dessem enviar ou receber do processador central um sinal não-
modificado. O conector abriria o caminho para a expansão —
a adição de qualquer equipamento, de um modem a um te­
clado. Eis por que depois chamariam a máquina de Cavalo

44
NAS MÃOS DO CÉU

de Tróia de Yamauchi: ela entrou nas salas de estar apenas


com um par de controladores, inocente como um brinquedo,
mas com capacidade para fazer bem mais do que processar
jogos. A Nintendo se gabaria do feito muito tempo depois.
Nos estágios iniciais do desenvolvimento [do sistema] previmos
essas possibilidades, diz um relatório corporativo de 1989. Assim,
embutimos uma função de transmissão de dados e um terminal de
conexão para um adaptador.
Modesto, Uemura garante que o plano deu certo "por sorte".
Mas um amigo seu, Genyo Takeda, revela:
— Ele era tão amador que, quando Yamauchi lhe deu as
instruções, não imaginou que isso fosse possível.
Era preciso tomar decisões de ordem prática e estética. A
obsessão de Steve Jobs por desenhar o mouse perfeito para o
Macintosh não era maior do que a atenção de Yamauchi para
com os detalhes dos controladores. Deveria haver um, dois
ou mais botões? O estojo do sistema deveria ter bordas retas
ou arredondadas? E quanto à cor, deveria ser cinza ou bege
— como um computador — ou apresentar um tom mais vi­
brante? A caixa deveria se parecer mais com um computador
ou com um brinquedo? (Eis as respostas: dois botões no con­
trolador direito, um pad direcional e, no controlador esquerdo,
um microfone que "conversa" com o sistema; bordas arredon­
dadas, mais delicadas, menos ameaçadoras; caixa de plástico
vermelha e branca, assemelhando ao máximo a unidade a um
brinquedo.)
O ano de 1983 foi significativo para a Nintendo. Yamauchi
expandiu a nova fábrica de Uji a fim de aumentar a capacidade
de produção da empresa, cujas ações passaram a figurar na
mais respeitável primeira divisão da Bolsa de Valores de Tó­
quio. E começou a vender a novidade que seus homens, após
meses de trabalho febril, haviam criado no mais absoluto sigilo.
O sistema ainda custava mais do que Yamauchi planejara
(cerca de 100 dólares), embora esse preço já fosse 50 por cento
inferior ao da concorrência. Em maio, ele ofereceu o produto

45
OS MESTRES DO JOGO

a um atacadista, o Shoshin-kai Group, mas impôs um preço


tão baixo que o cliente quase não teria lucro.
— Garanto que vocês vão vender muito porque os jogos
são excelentes. Não queiram lucrar alto com o hardware, que
não passa de uma ferramenta para vender o software. E com
este que vamos fazer dinheiro.
Na reunião, anunciou-se o nome do novo aparelho. Trata­
va-se do primeiro Family Computer (computador familiar),
ou Famicom, do Japão. Empurrados por uma artilharia pu­
blicitária, quinhentos mil aparelhos sumiram das prateleiras
das lojas nos dois primeiros meses. Seis meses depois, porém,
pouco antes do Ano-novo, à abertura da temporada da in­
dústria de brinquedos, uma catástrofe: começaram a chegar
reclamações. Masayuki Uemura e Gunpei Yokoi foram cha­
mados à sala de Yamauchi. Certos jogos desenvolvidos para
o Famicom paralisavam o sistema.
Nervosos, os engenheiros voltaram ao laboratório e trataram
de reproduzir o defeito. Um dos circuitos integrados se fechava
quando determinadas informações atravessavam certos cami­
nhos. Algo como uma colisão de vários veículos numa estrada
mal-projetada.
Arrastando-se até a sala de Yamauchi, que certamente teria
um ataque de cólera, eles levaram o problema e a solução:
era preciso corrigir o circuito no chip, uma operação bastante
cara.
Yokoi sugeriu que a empresa fosse substituindo as unidades
à medida que os clientes reclamassem. Hiroshi Imanishi, que
cuidava do marketing do novo produto, lembrou que o pro­
blema não se limitava ao número de unidades com chips de­
feituosos; uma eventual publicidade negativa poderia custar
mais do que as centenas de milhares, ou talvez milhões, de
ienes que seriam gastos no conserto ou na substituição das
máquinas. O pior era que Yamauchi perdería boa parte da­
quele ano — um período no qual os concorrentes poderiam
copiar a máquina e lançá-la, conquistando os clientes que a

46
NAS MÃOS DO CÉU

Nintendo se empenhara tanto, inclusive financeiramente, em


cativar.
Yamauchi ouviu as opiniões da equipe e ignorou-as.
— Peçam todas as unidades de volta — ordenou.
Os sistemas foram recolhidos nas lojas e depósitos, enca­
minhados à fábrica em Uji e reformados, com a substituição
do chip defeituoso. Por causa disso a Nintendo ficou fora da
temporada de vendas e perdeu milhões de dólares, mas Ya­
mauchi ganhou sua aposta.
A empresa comercializou o primeiro milhão de Famicom
e ainda não via sinal de queda nas vendas. Em pouco tempo,
vários milhões de famílias compraram o sistema e passaram
a pedir jogos e mais jogos. Resultado: a Nintendo vendeu toda
a sua produção. Yamauchi então percebeu que a ênfase no
hardware, com seu mercado limitado, devia ser transferida
para o software, cujo mercado não tinha limites.
Em desespero, o comércio varejista telefonava para a em­
presa exigindo o produto. Os novos jogos eram aguardados
com um fervor que chocava comerciantes, distribuidores e
pais. As crianças acampavam na frente das lojas a fim de com­
prar suas cópias antes que se esgotassem. Era o início da nin-
tendomania, e Yamauchi, lucrando mais do que nunca, não
conseguia alimentar a onda com rapidez suficiente.
O sucesso do Famicom não tinha precedentes. As catorze
fabricantes de videogame concorrentes acabaram se retirando
do mercado. O MSX passou a ser comercializado como mi­
crocomputador e não mais como máquina de jogo. A Sega,
uma pequena fábrica de fliperamas, lançou, no mesmo ano
do surgimento do Famicom, um equivalente chamado SG-
1000, mas fracassou. Quanto à Atari, embora colocasse no mer­
cado sistemas atualizados, não representava perigo à hege­
monia da Nintendo. De maneira imperceptível, aquilo que co­
meçara como um negócio familiar se tornava um dos em­
preendimentos mais bem-sucedidos do Japão. E do mundo.

47
3
Eu, Mário

E se, numa caminhada, tudo o que você visse fosse mais do


que estivesse vendo? E se a pessoa de calça e camiseta fosse
um guerreiro, se o espaço que parece vazio fosse uma porta
secreta que levasse a um mundo alternativo? E se, numa rua
cheia de gente, você visse surgir algo que, segundo nosso
conhecimento, não deveria existir? Bem, você balançaria a
cabeça e rejeitaria a visão ou aceitaria que existe no mundo
muito mais do que aquilo que imaginamos. Na verdade, talvez
se trate de uma entrada para um outro lugar. Se você escolher
ultrapassá-la, talvez encontre muitas coisas inesperadas.
Sigeru Miyamoto

Os Famicom de Yamauchi vendiam tão depressa quanto a


Nintendo os fabricava. O sucesso, no entanto, trouxe um pro­
blema inesperado, ainda que bem-acolhido. Um sistema para
videogames, a exemplo de qualquer computador, não passa
de uma máquina central. São os programas, o software, que
a tornam útil e a fazem funcionar. O Famicom, por exemplo,
precisava de bons jogos para atrair o público. Sem eles, tor-
nar-se-ia apenas um equipamento potente, mas sem nenhuma
utilidade prática.
Sagaz, Yamauchi previra a importância dos programas. Ins­
truiu Uemura a submeter o Famicom à apreciação dos "enge­
nheiros de software". Queria que o aparelho fosse capaz de
executar tudo o que os criadores de jogos inventassem. Com

48
EU, MÁRIO

o tempo, qualquer empresa podería copiar o hardware do Fa­


micom. A chave para permanecer na dianteira estava no soft­
ware. Sempre que um concorrente aparecesse com um bom
jogo, a Nintendo teria de lançar outro, melhor. Essa era a única
maneira de deixar todo mundo para trás.
A companhia, decidiu Yamauchi, iria se tornar um grande
centro de artistas do videogame. Chamava de artistas, não de
técnicos, os que criavam grandes jogos.
— Um homem comum não consegue desenvolver bons jo­
gos, por mais que tente. No mundo existem poucas pessoas
com essa capacidade. São elas que queremos na Nintendo.
Interessavam-no somente os gênios. Queria que os proje­
tistas mais brilhantes desejassem se unir à empresa. Mas, como
no Japão a maioria dos profissionais permanece no mesmo
emprego a vida toda, seria praticamente impossível conseguir
bons projetistas. A única saída era atraí-los tão logo saíssem
da universidade.
Yamauchi também queria que seus gênios se sentissem in­
centivados e inspirados. Mas como? Estava acostumado a ator­
mentar, persuadir, exigir — atitudes que não inspiram nem
estimulam ninguém. Sua fama de anti-social e petulante cres­
cera com a Nintendo. Ele se deleitava com a posição de im­
piedoso Golias de sua indústria. Tinha a má-reputação de es­
magar pessoas e empresas que cruzassem seu caminho. Ela­
borara suas próprias regras e recusava politicagens (o que ir­
ritava os funcionários do governos, acostumados a adulações.)
Portanto, como seria capaz de inspirar?
— O departamento de pesquisa e desenvolvimento é o mais
difícil de controlar — observou certa vez. — Os artistas não
gostam de assumir compromissos.
Esperto, Yamauchi acabou descobrindo como estimular seus
gênios. Isolado dos centros industriais do Japão e distante da
capital financeira, Tóquio, ele sempre desprezara os conselhos
dos manuais de administração empresarial. Escolhera seus três
engenheiros-chefes — Yokoi, Uemura e Takeda — há muito
tempo e gostava da maneira como eles desempenhavam suas

49
OS MESTRES DO J O G O

tarefas. Em 1984, a fim de pressioná-los (e saber mais sobre


o trabalho de engenheiros e projetistas), Yamauchi tomou a
si o cargo de supervisor do departamento de pesquisa e de­
senvolvimento, o "coração da empresa", dando-lhe apoio sig­
nificativo no que dizia respeito a pessoal e recursos.
Colocou os engenheiros-chefes sob seu comando. Cada um
deles, por sua vez, tornou-se responsável por um grupo de
trabalho: P&D 1, 2 e 3. Essas equipes continham vários sub­
grupos, instigados permanentemente a atuar uns contra os
outros. Os que trabalhavam com hardware tentavam superar
os quase milagres que os colegas realizavam, ao passo que as
equipes de software competiam para criar jogos cada vez mais
espetaculares.
Yamauchi nunca usara um videogame e pouco se interes­
sava pela atividade. Mas era júri e juiz na hora de decidir
quais jogos a Nintendo lançaria. Esse comportamento auda­
cioso revelava uma intuição notável — ou uma sorte fantástica.
Embora recebesse críticas por suas práticas empresariais ines-
crupulosas (manipulação do mercado, terrorismo com os em­
pregados), ele nunca viu questionada sua capacidade de es­
colher os games Famicom. Um gerente da empresa reprovava
a obstinação da Yamauchi, mas louvava-lhe a percepção:
— Ele tem um senso especial para captar qual o negócio
da moda; sabe o que vai ser sucesso na próxima estação. E
capaz de ler o futuro. Tem tanta autoconfiança que não ouve
ninguém.
Os grupos P&D, embora lutassem entre si para obter a aten­
ção e a aprovação do chefe, eram as estrelas da Nintendo.
Naquela época, enquanto a maioria das fábricas alimentava
seus departamentos de pesquisa com informações de mercado
e mapas de vendas, Yamauchi mantinha a independência da
P&D. Ninguém dizia ao pessoal de criação o que criar. O de­
partamento de marketing só vinha a conhecer os jogos depois
de prontos.
— Na opinião dele, o marketing enxerga apenas o que é
popular no momento — explica Hiroshi Imanishi. — Se de­

50
EU, MÁRIO

senvolvermos um jogo com base no que é popular agora, ele


já estará velho quando for lançado.
A atenção que Yamauchi dedicava a seus gênios tinha uma
importância crucial. A um leve movimento de cabeça do chefe,
um projetista ganhava o dia — ou a semana, ou o mês. Os
engenheiros ficavam extasiados ao concluir um jogo que lhe
agradava. Por outro lado, sentiam-se arrasados quando o líder
os repreendia.
— Com uma carranca, ele joga fora meses de trabalho —
conta um engenheiro que saiu da Nintendo.
Os projetos que Yamauchi desaprovava morriam na hora.
As vítimas, certas de que ele se deixava levar por capricho
ou mau humor, experimentavam grande frustração e raiva
ante sua insensibilidade. Alguns engenheiros se demitiam, en­
quanto outros, exaustos e decepcionados, ganhavam férias.
— A empresa continua lucrando; não se preocupem. Vão
passear, descansem. Voltem novos em folha — aconselhava
Yamauchi.
Normalmente, os projetistas que viam seus trabalhos rejei­
tados simplesmente redobravam os esforços, determinados a
ter o seu jogo escolhido da próxima vez. O sistema autocrático,
não raro brutal, funcionava.
Os grupos de P&D trabalhavam em amplos laboratórios
privativos no edifício-sede da Nintendo. Naquelas salas de
paredes e teto brancos, fileiras de monitores espalhavam-se
em diversas mesas. As telas mostravam ampliações de circui­
tos que mais pareciam mapas urbanos. Outros monitores, su­
perpostos como televisores em vitrines de lojas, exibiam de­
talhes dos personagens do jogo — a mão esquerda de um
boxeador, por exemplo. Havia ainda outras telas, cheias de
colunas com números amarelos fluorescentes.
Aqui e ali, distribuíam-se pranchas de desenho cobertas de
esquemas de games ou rascunhos de cálculos. Impressoras
laser, ligadas em rede a dezenas de terminais, despejavam
programas enormes como livros, enquanto máquinas Xerox
expediam cópias de desenhos.

51
O S M E S T RES DO JOGO

Nas salas de projetos, os homens (não havia nenhuma mu­


lher) competiam e trabalhavam metodicamente no desenvol­
vimento de produtos que deveríam se tornar o produto. A
meta era a excelência — qualquer coisa abaixo desse nível ia
parar no cesto de lixo. Yamauchi preferia canalizar recursos
para a criação de um ou dois games de sucesso ao ano a fazer
vários joguinhos comuns. Na hora do lançamento, bastava em­
pacotá-los, colocar no mercado e divulgar. Isso significava me­
tas de vendas extremamente altas. Os jogos tinham de garantir
o retorno dos investimentos feitos em desenvolvimento (su­
perior a 1 milhão de dólares por game) e de marketing (vários
milhões de dólares).
As metas elevadas nem sempre permitiam que a empresa
permanecesse em wa (harmonia). Contudo, apesar da compe­
titividade, os três projetistas-chefes respeitavam-se e, quando
solicitados, trabalhavam juntos. A guerra cotidiana não os jo­
gava uns contra os outros em parte porque Yamauchi sabia
distribuir os elogios. Por outro lado, se uma das equipes fosse
bem-sucedida demais, ganhava um "basta". O fato é que cada
grupo sobressaiu-se em áreas diferentes e em momentos di­
versos. No final, foi difícil, senão impossível, determinar qual
das três contribuira mais para o crescimento da Nintendo.
Takeda comenta que Yokoi, seu mentor, era o "projetista
mais arguto". A P&D 1, de Yokoi, desenvolveu o Game Boy,
outro extraordinário sucesso. A equipe de trinta engenheiros
assemelhava-se a um "grupo de samurais", garante um colega
hoje fora do Japão. Trabalhavam discretamente e tinham me­
nos reconhecimento do que os outros. Seu líder era nazonoyona,
um enigma.
Yokoi, o mais velho dos engenheiros-chefes (embora con­
tasse apenas 40 e poucos anos), era o que mais se aproximava
dos profissionais tradicionais, da velha escola das fábricas ja­
ponesas. Sempre de camisa de mangas curtas, mantinha o ca­
belo cortado bem rente a orelhas e pescoço. Para ele, a empresa
estava acima de tudo.
A P&D 1 criaria alguns dos melhores jogos da Nintendo.

52
EU, MÁRIO

No fenomenal Metroid, cujo título denomina um mundo de


machos estereotipados, Samus, o herói, na tentativa de destruir
o Mother Brain, enfrenta uma infinidade de armas e golpes
baixos com seu traje e capacete espaciais. No fim do jogo,
depois que o Mother Brain morre, berrando e vomitando luz,
Samus pode finalmente relaxar e tirar o capacete. Vê-se então
uma longa cabeleira loira. Samus, o grande guerreiro, era uma
mulher.
A maior contribuição da equipe de Uemura, a P&D 2, foi
o hardware Nintendo. A equipe desenvolveu também os pe­
riféricos, incluindo o Communications Adapter (adaptador de
comunicações) para a Rede Nintendo. Sessenta e cinco pessoas
trabalhavam com Uemura, cuja expressão era de assombro
constante. Falava sempre em tom rouco, sussurrado — Tom
Waits depois de alguns uísques —, como se revelasse algo
clandestino e perigoso. E isso, às vezes, era verdade. (Yamau­
chi repreendera a equipe de Uemura por deixar vazar um
projeto altamente confidencial mantido em segredo durante
anos.)
Takeda comandava a P&D 3, equipe que criaria jogos como
o Star Tropics, Mais significativa, porém, foi a técnica mágica
que eles empregaram. A P&D 3 desenvolveu a tecnologia que
permitiu aos demais grupos criar jogos que o hardware Fa­
micom original jamais teria processado sozinho. Os primeiros
cartuchos Famicom usavam os chamados chips NROM (N
para Nintendo e ROM para Read Only Memory). Ao contrário
dos programas de computador gravados em disquetes ou em
disco rígido, esses não podiam ser alterados.
Antes de a P&D 3 entrar em cena, um game era reproduzido
num microcircuito integrado. Num processo fotográfico, o cir­
cuito era duplicado em finas folhas de silício, as quais eram
dispostas umas sobre as outras e ligadas a conectores. Por
elas, as informações — o programa do jogo — eram transmi­
tidas a outros componentes do sistema. A quantidade de in­
formações limitava-se ao tamanho da ROM. Cada cartucho
tinha dois chips principais: um para o programa em si, com

53
__ O^S M E STRES DO JOGO____________________

até 256 K (kilobytes) de capacidade, e um para os personagens,


com 64 K. Os programas para jogos e personagens tinham de
"caber” nesses chips.
Um dos novos cartuchos criados pela P&D 3, o UNROM,
possibilitava uma memória maior e a troca de bancos. Era no
chip RAM (Random Access Memory) que as informações fi­
cavam armazenadas até que o processador as solicitasse. A
troca de bancos retirava das informações armazenadas os da­
dos necessários, quando necessários. Assim, um novo nível
de jogo, com novos inimigos, cascatas e criaturas (bem como
programas para movimentá-los) poderia ser chamado da RAM
apenas quando o jogador o atingisse.
Mesmo assim, os cartuchos continuavam tecnicamente li­
mitados. A quantidade de informações a ser trocada era es­
cassa e o processo, lento. A turma de Takeda atacou o pro­
blema com novos tipos de chips chamados MMCs (Memory
Map Controllers), os quais permitiam ao sistema executar fun­
ções impossíveis ao processador de 8 bits do Famicom. Anos
após o lançamento do Famicom, os jogos se tornavam cada
vez mais complexos. Era como se o antigo Apple II de repente
rodasse o Hypercard. Os chips de Takeda, aplicando parte do
poder de processamento do Famicom, acrescentaram ao apa­
relho a memória RAM e outras capacidades específicas.
O Famicom tornou-se capaz de proezas para as quais não
fora projetado: rolar as imagens em diagonal, deslocar os ob­
jetos com maior rapidez e promover mais ações simultâneas.
O sistema em si tinha apenas 2 K de RAM, mas era suple­
mentado pelos conjuntos de circuitos com funções especiali­
zadas nos MMCs. Alguns dos circuitos, chamados Logic Gates,
aumentavam a velocidade e a eficiência do computo de reta­
guarda responsável pelo funcionamento do programa. Outros
conduziam a locais específicos na memória. Menores e mais
baratos do que os chips na UNROM, eles proporcionavam
uma memória maior para programa e caracteres. Ao se acres­
centar o primeiro chip MMC, alcançou-se um potencial que
permitia jogos muito mais complexos e sofisticados. The Legend

54
EU, MÁRIO

of Zelda, Metroid e Kid Icarus iniciaram a série, que vendeu


demais.
Os chips MMC subseqüentes possibilitaram ao Famicom
realizar outras tarefas. Com o MMC3, a tela podia se dividir
em duas, cada qual com movimentos independentes. Com o
MMC5, colocaram-se mais imagens simultâneas. Sem auxílio,
o Famicom projetava imagens de 960 quadradinhos, ou tiles,
mas só 290 deles podiam ser exclusivos, motivo pelo qual
viam-se tantos muros de tijolos ouu outros padrões repetitivos
nos primeiros jogos. O MMC5 permitia que os 960 tiles fossem
diferentes. Além disso, processava problemas matemáticos por
conta própria, liberando o processador principal. O tamanho
da memória para jogos pulou para 8 megabytes, 32 vezes maior
do que a dos cartuchos originais.
A equipe P&D 3 descobriu também uma maneira de incluir
em cartuchos um sistema de backup a bateria, permitindo que
alguns jogos armazenassem informações de forma inde­
pendente — como saber a que altura um jogador desistira,
ou buscar pontos altos. O novo sistema podia manter os dados
armazenados durante toda a sua vida útil (cerca de 5 anos).
O grupo de Takeda era obcecado pela tecnologia de ponta
e pelo obscuro. Os frutos de seus esforços, ainda que impres­
sionantes — a maior parte dos melhores jogos Nintendo não
teria sido possível sem eles —, nem sempre eram evidentes.
O P&D 3, apelidado de Romênia, mantinha-se afastado dos
outros grupos. Seu lema era grandioso: "Não existem limites
nem fronteiras; já que estamos por nossa conta, não existe
nada que não possamos realizar; quando se começa com nada,
pode-se fazer tudo". O líder, de mente enigmática e brilhante,
lança olhares indagadores por sob pesadas sobrancelhas ar­
queadas e gaba-se:
— Precisavamos das pessoas mais talentosas porque tínha­
mos tarefas inimagináveis.
Os vinte profissionais da equipe de Takeda eram de fato
um bando de otaku — piratas da computação.

55
OS MESTRES DO J O G O

— A idéia é se tornar um maníaco — resume o engenhei-


ro-chefe.
Certo dia, quando os três grupos P&D se achavam mergu­
lhados em seus respectivos trabalhos, Yamauchi precisou da
ajuda de um projetista. Como o assunto não era importante
a ponto de exigir funcionários mais graduados, o chefe decidiu
convocar o aprendiz.

Sigeru Miyamoto lembra-se do labirinto de cômodos que


formavam a casa de cedro e papel na qual passou a infância.
Telas shoji deslizantes abriam-se para corredores que levavam
ao que parecia uma infinidade de salas secretas de um castelo
medieval. A casinha ficava na zona rural, na cidade de Sonebe,
perto de Quioto, onde haviam nascido também seus pais e
avós. A paisagem local era o playground de Miyamoto: ele
pescava no rio, corria pelas margens dos campos de arroz
encharcados e rolava colinas abaixo.
Em frente à casa, do outro lado da rua de areia e pedra,
havia um arrozal. Após a colheita anual, o terreno secava e
se transformava num campo de jogos. Miyamoto brincava lá
à tarde, com as crianças da vizinhança. À noite, assistia a peças
Nô, dramas heróicos, a shows de marionetes, ou juntava-se à
família na casa de um dos vizinhos para jantares festivos.
Os Miyamoto não tinham televisão nem carro. Algumas
vezes por ano iam a Quioto de trem para fazer compras e
assistir a filmes como Peter Pan e Branca de Neve. Em casa,
Sigeru vivia no meio dos livros, além de desenhar, pintar e
produzir marionetes primorosos, que apresentava em shows
extravagantes. Depois da escola, costumava sair para o campo
em busca de aventuras, mas antes era obrigado a passar pelo
buldogue da casa vizinha. Paralisado, via o cão avançar com
latidos e grunhidos até esticar a corrente, aproximando-se dele
com mandíbulas salivantes.
Numa de suas incursões por colinas e riachos, Miyamoto
descobriu uma abertura de caverna, à qual retornou várias
vezes antes de juntar coragem para entrar. Portando uma lan­

56
EU, MÁRIO

terna caseira, caminhou até dar num buraco que levava a uma
outra caverna. Respirando fundo, com o coração aos pulos,
avançou. Jamais esquecería o prazer experimentado.
A família mudou para Quioto e Sigeru passou a promover
reuniões secretas com os novos amigos no sótão da casa, para
trocar códigos e senhas. Era comum desafiarem uns aos outros
a explorar lugares proibidos — o quintal de um vizinho guar­
dado por um cão Akita; o porão de um outro vizinho, com
baús cheios de trajes antigos.
Miyamoto queria ser ator, titereiro ou pintor. Munido de
lápis e blocos de papel, desenhava cenas da natureza em par­
ques e ao longo do rio que cortava a cidade. Na escola, durante
as aulas, sonhava acordado; à noite, distraía-se construindo
modelos em plástico e geringonças de madeira e metal até
que o pai o mandava ao quarto estudar. Ele punha a mate­
mática e a gramática de lado e começava a desenhar.
Levava o desenho a sério: ao concluir um personagem, in­
ventava-lhe a vida e a personalidade, e os tipos iam se envol­
vendo em histórias complicadas. Chegou a organizar um clube
de desenho na escola, com reuniões regulares e exibições
anuais.
Em 1970, Miyamoto entrou na Faculdade de Artes e Ofícios
Industriais de Kanazawa, da qual sairía formado 5 anos depois.
Freqüentava as aulas apenas metade do tempo, usando a outra
metade para fazer esboços e ouvir discos. Adorava a Nitty
Gritty Dirt Band, os Country Gentlemen e David Grisman.
Aprendeu a tocar violão sozinho — principalmente música
country norte-americana. Apesar da dificuldade, encontrou um
tocador de banjo em Quioto, e a dupla passou a se apresentar
em festas e cafés. Na companhia dos amigos artistas e músicos,
ele revirava as lojas de discos à caça dos raríssimos (em Quio­
to!) LPs dos coronéis de Kentucky, além de viajar a Tóquio
para ver Doc Watson ao vivo.
Quando finalmente se formou, viveu a difícil fase da escolha
de uma ocupação. Desprezava os negócios tradicionais: sabia

57
OS MESTRES DO JOGO

que jamais suportaria a monotonia de uma corporação rigi­


damente estruturada.
Então, beneficiado por uma revelação, pediu ao pai que
contatasse um velho amigo, Hiroshi Yamauchi, agora presi­
dente da Nintendo. O Miyamoto mais velho pediu a Yamauchi
que entrevistasse seu filho, recém-formado em desenho in­
dustrial, à procura do primeiro emprego.
— Precisamos de engenheiros, não de pintores — esclareceu
Yamauchi, mas atendeu ao pedido.
Sigeru Miyamoto contava 24 anos ao se apresentar na sala
do presidente da Nintendo, em 1977. Cabelo desgrenhado,
sardas infantis e sorriso de gato que engoliu o canário, estava
bem-vestido e agia de acordo com as conveniências, mas seus
olhos revelavam travessura e curiosidade. Yamauchi gostou
do rapaz e marcou outro encontro, quando ele deveria mostrar
algumas de suas idéias.
Miyamoto compareceu com seu portfolio e uma invenção
recente: um cabide de roupas para crianças. As creches po­
deríam instalar uma fileira deles nas paredes, explicou, en­
quanto os pais fariam o mesmo no quarto dos filhos. Os cabides
comuns representavam perigo para a garotada porque o gan­
cho metálico podia machucá-la e até mesmo arrancar-lhe um
olho. Já seu cabide, de madeira pintada com tinta acrílica co­
lorida, tinha a forma de uma cabeça de elefante. As roupas
eram penduradas nas orelhas e estendidas sobre a tromba. O
pescoço do animal encaixava-se com perfeição no suporte fi­
xado na parede.
Depois de mostrar outros cabides, em forma de pássaro e
de galinha, Miyamoto apresentou a Yamauchi alguns projetos
mais elaborados — um relógio mágico para parque de diver­
sões; um balanço dentro de uma gangorra, em que três crianças
podiam brincar ao mesmo tempo.
Yamauchi considerou criativo o trabalho e contratou o jo­
vem como artista, embora a empresa não precisasse de ne­
nhum no momento. Miyamoto seria um aprendiz no depar­
tamento de planejamento.

58
EU, MÁRIO

Em 1980, mais uma vez na sala de Yamauchi, Miyamoto


observou-lhe os dedos compridos cruzados sobre a mesa lisa.
Quando o presidente explicou que precisava de um videoga­
me, o aprendiz lembrou-se de que jogara muitos deles na fa­
culdade, em Kanazawa. Adorava-os. Nos games os desenhos
ganhavam vida.
Audaz, declarou que apreciaria criar um game. Contudo,
observou, muita gente achava sem graça os jogos de tiro e de
tênis disponíveis nas máquinas de fliperama. Sempre imagi­
nara por que não se dava aos videogames o mesmo tratamento
dispensado a livros ou filmes. Por que não tomar como base
grandes histórias, lendas, contos de fadas e ficção — King Kong,
Jcisão e os Argonautas ou mesmo Macbeth?
Impaciente, Yamauchi apressou-se em esclarecer que um
game para fliperama da Nintendo chamado Radarscope vinha
se revelando um desastre. Como não havia nenhum funcio­
nário disponível para desenvolver um novo jogo, caberia a
Miyamoto transformar o Radarscope num produto vendável.
Yokoi supervisionaria o projeto, mas o aprendiz trabalharia
sozinho.
Após consultar o chefe da P&D 1, Miyamoto voltou a sua
mesa com as plantas esquemáticas do Radarscope, as quais jul­
gou simples e banais. Tudo o que os jogadores tinham de
fazer era abater aviões inimigos. Jogou fora os esquemas. Per­
guntou aos técnicos que movimentos os personagens podiam
realizar, qual a possibilidade de colocar no jogo personagens
de tamanhos diferentes e quais as variações de ação e reação
possíveis. Uma vez que a Nintendo negociava com a King
Features os direitos de uso de Popeye, o Marinheiro como vi­
deogame, permitiram-lhe trabalhar com esses personagens.
Mas o acordo acabou não saindo e novas idéias surgiram.
(Posteriormente, renegociou-se a licença e criou-se o jogo do
Popeye.)
Aproveitando o tema de A Bela e a Fera, Sigeru inventou
uma história mais simples, em que a fera, um gorila cômico
parecido com King Kong, não era "nem mau nem repugnante",

59
OS M ESTRES DO JOGO

segundo lembra. Esse gorila era o bicho de estimação do per­


sonagem principal, "um tipo engraçado, descontraído", que o
tratava com pouca cortesia.
— Era humilhante! — diverte-se Miyamoto. — Que des­
graça pertencer a um homem tão baixo e vil!
Na primeira oportunidade, o gorila fugia e seqüestrava a
bela namorada do sujeito. Mas não machucava a mulher —
detalhe importante para Miyamoto. Só queria se vingar do
homem mau, o qual, naturalmente, tinha de tentar salvá-la.
Sigeru queria um tipo bobo e desajeitado para o personagem
principal, e por isso escolheu um carpinteiro comum, nem
bonito nem heróico. Walter Mittyesque teria de ser facilmente
identificável. Num grande bloco de rascunho, Sigeru Miya­
moto desenhou um nariz.
— Ter nariz é completamente diferente de não ter nariz —
explica. — Um nariz diz muito.
O nariz criado por Miyamoto consistia num bulbo esférico
ao qual um bigode muito cheio dava ainda mais destaque.
De um dos velhos blocos cheios de personagens, selecionou
um par de grandes olhos patéticos.
Ele aprendera com os engenheiros que era importante dis­
tinguir o corpo, a fim de torná-lo visível na tela. Por isso vestiu
seu personagem gorducho com um vistoso macacão colorido.
Para o movimento se destacar na animação simples dos vi­
deogames, os braços dos personagens deviam se mexer; por­
tanto, Sigeru desenhou braços fortes que se agitavam para a
frente e para trás. Os engenheiros comentaram sobre a difi­
culdade de reproduzir o cabelo com precisão nos games, de­
vido à inércia: quando um personagem caía, os fios voavam
para cima. A fim de evitar o problema, Miyamoto acrescentou
um boné vermelho ao seu herói gorducho.
— Também apelei ao boné porque não entendo muito de
penteados — acrescenta ele.
Muitas de suas idéias para o jogo foram rejeitadas por Yokoi:
os personagens tinham de fazer coisas mais simples. No fim,
o carpinteiro escalava um prédio em construção para alcançar

60
EU, MÁRIO

o gorila, instalado no topo com a garota. Subindo rampas e


escadas, usando correias de transporte e pulando em eleva­
dores, o homenzinho se esquivava dos objetos que o gorila
lhe atirava — barris de cimento, tambores e vigas.
O jogo estava quase pronto, mas ainda não tinha fundo
musical. O próprio Miyamoto o compôs, num teclado eletrô­
nico ligado a um computador e a um gravador estereofônico.
Ficou faltando apenas o nome. Junto com o gerente de expor­
tação da empresa, Sigeru considerou várias possibilidades, até
concluir que kong podia ser interpretado como gorila. E, con­
siderando que esse kong, selvagem mas bom, era teimoso e
manhoso feito mula (segundo o dicionário inglês/japonês de
que dispunham, donkey se traduzia por tolo ou estúpido), am­
bos combinaram as palavras e batizaram o jogo de Donkey
Kong.
Posteriormente, os gerentes de vendas norte-americanos
que comercializariam o novo jogo, ao ouvir esse nome, cogi­
tariam incrédulos se Yamauchi enlouquecera. Donkey Kong?,
Konkey Dong?, Honkey Dong? Não fazia sentido. Os jogos de
sucesso tinham no título termos como mutilação, destruição, as­
sassinato, extermínio. Ao jogar o Donkey Kong, os gerentes fi­
caram mais horrorizados ainda. Estavam acostumados a in­
vasores espaciais e heróis atirando raios laser contra inimigos.
Um dos vendedores detestou tanto o Donkey Kong que foi
procurar outro emprego.
Yamauchi soube dessa reação, mas ignorou-a. O Donkey
Kong, lançado em 1981, se tornaria o primeiro sucesso esma­
gador da Nintendo.

Mais tarde, quando Yokoi precisou de ajuda no desenvol­


vimento de jogos para o Game & Watch, Yamauchi sugeriu
Miyamoto, uma vez que os outros projetistas estavam ocupa­
dos.
— Pedi a ele que criasse, e eu supervisionaria — conta Yokoi.
Os chips disponíveis para o Game & Watch armazenavam
poucos personagens e movimentos, obrigando Miyamoto a

61
OS MESTRES DO ] O G O

inventar histórias prosaicas. O artista adaptou uma forma mais


simples de Donkey Kong para o equipamento e, depois de fe­
chado o acordo com a King Features, produziu um minijogo,
Popeye, the Sailor Man. Nele, o marinheiro tenta salvar Olivia
de Brutus, enfraquece com os excessivos maus tratos do vilão
mas ganha força comendo espinafre enlatado. Venderam-se
milhões de Game & Watch Donkey Kong e Popeye.
Em 1984, Miyamoto foi chamado mais uma vez à sala do
presidente. Yamauchi explicou que precisava de mais jogos,
dessa vez para o Famicom, e por isso lhe daria a chefia de
uma nova divisão, a P&D 4. A missão do grupo Joho Kaihatsu,
ou divisão de entretenimento: elaborar os videogames mais
criativos do mundo.
Foi uma das decisões mais certeiras de Yamauchi. Miya­
moto, logo se comprovou, era tão talentoso para games quanto
os Beatles para a música popular. Como é impossível calcular
seu valor para a Nintendo, vale questionar se a empresa teria
se saído bem sem ele.
Após a reunião com Yamauchi, Miyamoto voltou a sua
mesa, pegou um lápis e iniciou o esboço do herói de suspen­
sórios de Donkey Kong, batizado de Mário. Como alguém co­
mentara que o personagem lembrava mais um encanador do
que um carpinteiro, o artista fez o novo Mário de acordo.
Úma vez que os encanadores trabalham com canos, no Super
Mario Bros, grandes tubos de esgoto verdes representariam
obstáculos e entradas para mundos secretos.
O irmão que Miyamoto criou para Mário, Luigi, era tão
alto e magro quanto o primeiro era baixo e gordo. Devido a
tal atributo, assim como à cor do macacão (verde, em contraste
ao vermelho de Mário), ficava fácil distinguir os dois perso­
nagens na tela.
O Super Mario Bros, e as seqüências que Miyamoto elaborou
tornaram-se os videogames mais adorados do mundo. Neles
havia sempre novos mundos a conquistar, todos magníficos.
Plantas andavam, viam-se peixes que poderiam ser criaturas
do dr. Seuss, dragões, serpentes, tartarugas voadoras, marga­

62
EU, MÁRIO

ridas que cuspiam fogo e asas de anjo nas quais Mário e Luigi
davam seus passeios.
O humor perpetrava a aventura de forma sutil. A mente
de Miyamoto executava curvas fechadas; a mente dos joga­
dores o acompanhava, em deleite. Em Super Mario Bros. 2 des­
cobre-se que a princesa tem de viajar em cima de uma joaninha
para alcançar o chefe de um nível. (A joaninha olha para a
saia dela enquanto seguem para lá.) O minichefe daquele mun­
do — o bandido-chefe — cospe ovos letais maiores do que
sua cabeça. Numa das seqüências, os jogadores têm de des­
cobrir como atravessar uma porta aparentemente inatingível.
Mário deve pegar algumas das moedas que flutuam em frente
à porta e levá-las a uma outra sala a fim de acionar um "bloco
de ligação" que as transforma em pedras. Então, usa as pedras
como degraus para alcançar a porta. As crianças passam horas
tentando achar essa resposta.
Os adultos também gostam de Mário. Miyamoto acredita
que os jogos os levam a reviver a infância.
— E um meio de pensar e recordar primitivamente. Um
adulto é uma criança com mais ética e moral, nada mais. Como
criança, ao criar, não invento um jogo; estou no jogo. Ele não
é para as crianças; é para mim. E para o adulto que ainda
tem um caráter infantil.
Miyamoto emprestava livremente elementos do folclore, da
literatura e da cultura popular — zonas de combate de Guerra
nas Estrelas, cogumelos de Alice no País das Maravilhas —, mas
suas idéias mais cativantes provinham de sua maneira única
de experimentar o mundo e de suas lembranças. Quando Má­
rio salta no espaço em certos lugares, não deveria acontecer
nada, porque não há nada lá; mas ele descobre poderosos
cogumelos secretos e portas invisíveis para novos mundos.
— Eu exagero tudo o que experimento e vejo — resume
Miyamoto.
Nas aventuras de Mário e em alguns dos outros jogos de
Miyamoto, como The Legend of Zelda (e sua seqüência), parte
da emoção consiste em vagar para novos lugares sem mapa.

63
O S M r S T R L S DO j O G O

— Quando criança, encontrei um lago durante uma cami­


nhada — conta o artista. — Fiquei surpreso por ’’tropeçar"
nele. Ao perambular pelo campo sem mapa, tentando achar
meu caminho, topando com coisas incríveis, descobri a sen­
sação da aventura.
Nos jogos, encontram-se com freqüência — e surpresa —
um lago no meio de uma floresta, um foguete oculto sob as
areias de um deserto.
— Quando fui para a universidade em Kanazawa, a cidade
me era totalmente estranha — recorda Miyamoto. — Eu gos­
tava muito de andar e, sempre que o fazia, algo acontecia. Ao
atravessar um túnel, dava com um cenário bem diferente ao
sair.
Em seus jogos, os túneis constituem entradas para fatos
inesperados. Na outra ponta, o nevoeiro pode ser tão denso
que é impossível ver o que está adiante. Para explorar o novo
lugar, o jogador tem de voltar ao túnel e procurar uma tocha
escondida. Munido da tocha, pode sair novamente do túnel
e enfrentar o que está oculto no nevoeiro. Em Super Mario
Bros. 3 e Super Mario World, o herói é capaz de voar. No entanto,
assim como nos sonhos de Miyamoto (e de muita gente), não
pode ir nem alto nem longe o bastante: logo se espatifa na
terra. Nos jogos de Miyamoto, explorar mundos significa en­
frentar grandes riscos.
— Eu morava num apartamento em Quioto e, todo dia,
passando por um prédio vizinho, via uma tampa de bueiro
embutida na parede. "Por que essa tampa de bueiro? Onde
será que ela dá?", eu perguntava.
Miyamoto nunca soube; mas, em Super Mario Bros, o jogador
que encontra um bueiro pode fazer o que Miyamoto não fez:
abri-lo e entrar. Vale a pena.
Na infância, ele criou coragem para ir além da boca da
caverna proibida que descobrira.
— No jogo, é preciso lembrar do espírito, do estado mental
de uma criança ao entrar numa caverna. Ela sente o ar frio a

64
EU, M Á R I O

seu redor. Ante um novo atalho, tem de resolver se o explora


ou não. As vezes se perde.
Para que o jogo seja significativo, são essenciais não apenas
as experiências, mas as sensações.
— Agora que sou adulto, essa caverna pode parecer pe­
quena, insignificante, inofensiva. Quando criança, porém, em
vez de fugir, não resisti à tentação de explorá-la. Não foi um
momento fácil.
Em Sonebe, Miyamoto certa vez escalou uma árvore alta e
viu montanhas distantes, até perceber que estava encurralado:
não havia como descer. O Super Mário vive se metendo em
encrencas semelhantes. Quando pequeno, numa pescaria,
Miyamoto pegou um peixinho magro, grotesco, com mandí-
bulas ferozes. Pois Mário topa com o peixe que o artista ima­
ginara haver fisgado: uma criatura monstruosa pronta para
devorá-lo.
Nos labirintos da série Zelda, Sigeru recriou a lembrança
de estar perdido em meio às portas deslizantes da casa da
família em Sonebe. Já nas aventuras de Mário, acrescentou
lugares que proporcionam a mesma sensação de segurança
do sótão de seus pais. O buldogue que o aterrorizou na infância
ataca Mário.
— Eu me orgulho muito de meus personagens covardes,
repulsivos — confessa.
Seu sonho era produzir jogos com mundos em que os per­
sonagens se assemelhassem a companheiros dos jogadores,
aparentemente independentes.
— Podem até representar nós mesmos, em outras épocas
de nossas vidas.
Os gamemaníacos mais velhos e sofisticados costumam per­
der muito da magia dos jogos. As crianças pequenas, que os
exploram com maior descontração, bem como as quietas e
cuidadosas, reflexivas, têm mais chances de encontrar lugares
ocultos do que as que se atiram nos videogames querendo
logo atingir a meta. Os jogadores pensam: "Bem, não vejo nada
aqui, mas pode haver. E possível". Aí, curiosos, visitam o lugar.

65
OS MESTRES DO J O G O

Ao encontrar algo que não esperavam, exclamam: "Ah, con­


segui!" A satisfação é enorme.
As surpresas mais incríveis ocorrem a intervalos cuidado­
samente programados, de modo a manter o interesse do jo­
gador. Vale a pena prosseguir porque algo bom o aguarda
na próxima esquina, ou no próximo mundo. Alguns dos se­
gredos acham-se tão bem escondidos que é um milagre que
as crianças os encontrem. Cada nível termina com um mastro,
mas em Super Mario 3 um apito secreto se oculta além e acima
do mastro — um lugar aparentemente fora do jogo, ou ao
menos fora da parte visível na tela. É como se Mário tivesse
de voar para fora da televisão para alcançar a entrada de uma
sala secreta. Quem pensaria em tentar? Aqueles que o fazem
são muito bem recompensados. O apito dá a Mário o poder
de viajar a qualquer mundo do jogo, a qualquer momento.
Muitos dos games subseqüentes de Miyamoto não só apre­
sentavam os mesmos personagens e praticamente os mesmos
objetivos como também aprimoravam as habilidades adquiri­
das nos jogos precedentes. Um bom número de novas terras
e novas armadilhas garantia a sensação de realizar coisas no­
vas, com a vantagem de não ter de aprender um jogo a partir
da estaca zero.

Na Nintendo, Miyamoto subiu de posto. Depois de criar


seus primeiros jogos, foi nomeado produtor, o que lhe signi­
ficou muito: agora, tinha o mesmo título de seu ídolo, George
Lucas (Os Caçadores da Arca Perdida era seu filme favorito).
Em vez de trabalhar num jogo de cada vez, passou a super­
visionar a produção de vários, cada um orçado em mais de
1 bilhão de dólares. Equipes de seis a vinte pessoas trabalha­
vam num único game por um período de 12 a 18 meses.
O progresso tecnológico facilitou alguns dos estágios da
produção. No começo, Miyamoto tinha de pintar cada perso­
nagem, dar a cada cor um número e introduzir os números
num computador, ponto por ponto. Os programadores eram
informados não apenas da aparência do personagem, mas tam-

66
EU, MÁRIO

bem de seus movimentos e características especiais (a abelha


perde as asas ao ser atingida, mas continua a perseguir Mário;
barcos feitos de caveiras afundam num abismo de fogo). As
instruções sobre os personagens e seus movimentos eram com­
piladas linha por linha num programa de computador.
Desenvolveram-se ferramentas para eliminar boa parte do
trabalho tedioso. Diagramas passaram a ser traduzidos em
desenho computadorizado por meio de uma tecnologia cha­
mada Character Generator Computer Aided Design (CGCAD).
Com ela, armazenavam-se ’’bancos de caracteres" de imagens
junto com os códigos que os descreviam. A movimentação
também tornou-se programável a partir de um banco de op­
ções.
Péssimo administrador, Miyamoto precisava de um assis­
tente para manter organizada sua divisão. Mas supervisionava
todas as etapas da criação dos jogos. Escrevia os roteiros, tra­
balhava com editores, artistas e programadores. Antes de dar
um game por terminado, estendia a planta sobre tampos de
mesas colocadas lado a lado. A planta constituía o mapa dos
caminhos, corredores, salas, mundos secretos, alçapões e inú­
meras surpresas de um jogo, pelo qual ele viajava mentalmente
dias e dias. No caminho, detectava os pontos frustrantes ou
fáceis demais; acrescentava cogumelos ou uma estrela a fim
de tornar Mário invencível, garantindo que os momentos de
maior deleite — um dinossauro nascendo de um ovo, uma
pena que permitisse ao herói voar — ocorressem a intervalos
suficientemente freqüentes.
Depois de editar um jogo, Miyamoto o devolvia à equipe
para que incorporasse as revisões. As mudanças tomavam dias
e noites de trabalho; testavam-se todas as idéias, até que o
artista ficasse satisfeito com o ritmo da aventura.
Pronto o game, providenciava-se a trilha sonora. A música
era tão importante para um jogo quanto para um filme: de­
pendendo dela, o mesmo mundo podia parecer assustador ou
alegre.
Miyamoto trabalhava quase sempre com um músico da

67
OS MESTRES DO ] OGO

casa, um jovem e brilhante compositor chamado Koji Kondo,


autor da trilha sonora de todos os Super Mário. Muito popu­
lares, as gravações, em CDs e discos, eram sucessos de vendas.
(Uma orquestra sinfônica chegou a tocar o tema de Mário em
Tóquio, e o cantor jamaicano Shinehead tomou-a emprestada
para o coro de um rap.)
Com a música e a edição final completadas, os jogos podiam
ser produzidos e distribuídos às lojas, onde as crianças já os
aguardavam. Entre 1985 e 1991, foram criadas oito aventuras
de Mário. Venderam-se de 60 a 70 milhões de unidades —
individualmente ou empacotadas com o hardware, como in­
centivo para a aquisição dos sistemas Nintendo —, o que tor­
nou Miyamoto o projetista de jogos mais bem-sucedido do
mundo. Segundo um colega, tamanho sucesso pode se dever
ao fato de ele ser canhoto.
— Acho que é só destino — comenta Miyamoto, dando de
ombros.
A popularidade dos jogos lhe deu fama mundial. Entre os
ocidentais que já peregrinaram a Quioto para conhecê-lo in-
clui-se Paul McCartney, que, durante uma turnê pelo Japão,
afirmou preferir Miyamoto ao Monte Fuji. Fã dos Beatles, em
especial de Abbey Road, Miyamoto ficou extasiado, embora não
conseguisse retribuir a atenção recebida.
Na época, conhecera uma moça chamada Yasuko, funcio­
nária do departamento de administração geral da Nintendo.
Após um namoro breve, casaram-se; ele se mudou do aloja­
mento da firma para a pequena casa que montaram, passando
a ir ao trabalho a pé ou de bicicleta. Ao nascer o primeiro de
seus dois filhos, Yasuko largou o emprego. Durante os passeios
da família por Quioto, era freqüente o assédio dos fãs, a cha­
má-lo respeitosamente de dr. Miyamoto. O artista não mudou
muito. Mesmo beirando os 40 e com o cabelo mais curto (mas
de forma alguma arrumado), continuava modesto e tímido.
Sua mente jamais deixou de vagar para novos lugares — lu­
gares que recriava em novos jogos.
* * *

68
EU, M Á R I O

Apesar da seqüência de sucessos produzida por Miyamoto


e pelos demais grupos de P&D, a Nintendo se via incapaz de
atender à demanda por jogos. O comércio varejista rechaçava
incansáveis hordas de consumidores. O próprio Yamauchi te­
mia que os clientes, frustrados, adotassem novas formas de
entretenimento, talvez sistemas concorrentes. Como aumentar
o número de games disponíveis? Recebera propostas de muitas
empresas, a maioria produtoras de jogos para fliperama ou
para computadores, mas não queria renunciar ao controle so­
bre os produtos. Se lançasse games de qualidade inferior, os
consumidores se decepcionariam com o Famicom. Na verdade,
ele não queria que outras companhias produzissem jogos para
seu processador porque elas ganhariam montes de dinheiro
que cabiam só à Nintendo.

69
4
Dentro do
Mother Brain
^Jum parque coberto de musgo, no centro comercial de Quio-
to, em meio a cerejeiras ainda adormecidas, um homem de
terno escuro bebericava chá e compunha versos haiku. O dia
de trabalho parecia dissolver-se vagarosamente num lago tran-
qüilo.
Do outro lado da rua, nos bares, homens relaxavam diante
de garrafas de cerveja e delicadas xícaras cheias de saquê aque­
cido. Livrando-se do dia frenético como quem sai de um casulo
frágil, eles se sentiam revigorar. No parque, o poeta pegava
a caneta. Uma linha de tinta negra como carbono violou o
pergaminho branco.
Com a chegada da noite, luzes piscavam nos fliperamas,
nos postes, nos spots dos cartazes e nas placas de neon anun­
ciando a Coca-Cola e a Sony. O poeta desaparecera e muitos
dos executivos já se refugiavam em bares de karaoke, onde
belas jovens riam, jogavam conversa fora e serviam drinques.
Os homens — severos e ameaçadores durante o dia — se
revezavam no palco, microfone na mão, entoando canções de
amor.
O karaokê se tornara o ritual favorito de muitos executivos
após o trabalho, e era cumprido, religiosamente, todas as noi­
tes. Um importante diretor de uma empresa de alta tecnologia,
ao juntar-se a um grupo, foi apresentado não por seu cargo

70
MOTHER BRAIN

na firma, mas por destacar-se como cantor número um do


escritório.
Do outro lado do rio que divide Quioto tudo estava mais
quieto. Emanava luz da fileira de janelas do complexo Nin­
tendo. Lá dentro, ninguém cantava. Hiroshi Yamauchi não
suportava karaoke.
A entrada do prédio principal, encontrava-se uma grande
sala de espera com o aconchego de um terminal de aeroporto,
com suas filas de desconfortáveis cadeiras e bancos de plástico
e mesas de canto em formica. Atrás de um balcão com tampo
de mármore, moças de saia e guarda-pó azul-claro, algumas
de chapeuzinho. Para além das paredes nuas, abria-se um la­
birinto de corredores de piso encerado e brilhante. Uma porta
sem identificação isolava a sala de Hiroshi Yamauchi, que um
funcionário batizara de "domínio do Mother Brain". No jogo
Metroid, Mother Brain era a pulsante criatura cuspidora de
laser que atirava raios vermelhos e sobrevivia sugando toda
a energia do Universo.
No Mother Brain da Nintendo, uma sólida mesa de madeira
tinha à frente uma pequena mesa de centro, com sofás dos
dois lados. O carpete era cinzento, salpicado de bege. Numa
prateleira, uma pequena televisão.
Passava pouco das nove da noite quando Yamauchi encer­
rou a última reunião do dia. De sandálias de borracha e gravata
afrouxada, ele percorreu o corredor até voltar ao isolamento
de seu escritório.
Os empregados saíam — uma sucessão de homens e mu­
lheres de guarda-pó ou paletó azul-Nintendo (azul-hospitalar),
ou de terno escuro e camisa branca, pegando seus carros, em­
barcando no trem ou simplesmente percorrendo a rua rumo
ao alojamento da empresa.
Gunpei Yokoi e Hiroshi Imanishi se acotovelavam numa
reunião. No canto de uma enorme sala, sob fileiras paralelas
de lâmpadas fluorescentes, parte da equipe P&D de Sigeru
Miyamoto rodava a versão-teste de um novo jogo à procura
de um bug chato detectado naquele mesmo dia. (Bug é um

71
O S M /: S 7 R E S DO f O G O

defeito no programa, e provoca mau funcionamento.) De um


cubículo no canto de uma grande sala aberta escapava a gra­
vação do canto choroso de uma mulher traída.
Não se ouvia nenhum som ou voz no corredor que levava
ao Mother Brain, onde um outro homem se juntava a Yamau­
chi. Ambos se cumprimentaram e acomodaram-se nos sofás,
um de cada lado da mesa de centro. Reiko Wakimoto, a se­
cretária do presidente, levou, numa bandeja de prata, uma
garrafa de uísque do bom, dois pesados copos de cristal e um
pequeno balde cheio de gelo. Preparou drinques para os dois
homens, fez uma mesura respeitosa e foi embora, encerrando
o dia de trabalho.
O cabelo de Yamauchi estava mais ralo, mas ele continuava
a penteá-lo para trás. O grisalho se destacava. Ao falar, o pre­
sidente esfregava as mãos nos braços de madeira da poltrona.
A cabeça erguida parecia desproporcional à estrutura pequena
do corpo. Ao se expressar por entre dentes cerrados, ele tinha
o queixo tenso e contraído.
— Sua vez — comentou.
Yamauchi sempre usava terno escuro, gravata cor de ameixa
(ou azul-marinho), e óculos amarelados que lhe davam ao
rosto um tom bastante pálido. Sem paletó e gravata, parecia
frágil, encolhido na poltrona enorme. Inclinando a cabeça para
trás, estreitou o olhar.
Os dois homens pegaram os drinques — o companheiro
de Yamauchi balançava o seu num movimento circular; o gelo
deslizava pelo vidro — e olharam para o tabuleiro quadrado
sobre a mesa de centro. De madeira clara, ele exibia um qua­
driculado de finas linhas pretas, dezenove verticais e dezenove
horizontais. As 361 intersecções representavam o mundo. "Pe­
dras" brancas lisas (feitas de conchas de mariscos) e pretas
(de ardósia), posicionadas estrategicamente, representavam as
duas forças em conflito, ambas tentando controlar a prancha
de jogo — o Universo.
Tratava-se do Go, um jogo japonês às vezes comparado ao
xadrez, embora seja sua antítese. No xadrez, o objetivo é re-

72
MOTHER BRAIN

duzir as forças oponentes até desolar o campo de jogo e sub­


jugar o rei. O Goz ao contrário, remete à construção e ao equi­
líbrio — entre a agressão e a caução, a influência e a restrição,
a afabilidade e a desarmonia. Apesar de ter regras mais simples
do que as do xadrez, é mais complexo. David Weimer, pro­
fessor da Universidade de Rochester que ensina o Go, observa
que jogos ocidentais do tipo do xadrez adotam "a visão de
conflito clausewitziana — partir para a capital destruindo tudo
no caminho". No Go, "é preciso ter paciência; os primeiros
movimentos podem dar resultados só muito tempo depois".
É difícil aprender o Go. Leva-se uma vida para dominá-lo.
Um jogador principiante é classificado como Q10. A medida
que progride, vai subindo de nível, até chegar ao 1. Segue-se
o primeiro dan, equivalente à faixa preta no judô ou no caratê.
Então o jogador de Go sobe a escala dan — segundo, terceiro,
quarto dan, e assim por diante, até o décimo. Hiroshi Yamauchi
era sexto dan, ou um faixa preta de sexto grau.
Seu oponente era um dos concessionários da Nintendo, isto
é, o dono de uma empresa que desenvolvia e vendia jogos
aprovados. Essas empresas viviam uma situação delicada, pois
Yamauchi cedia pouco e impunha muitas regras.
Eis porque o oponente do chefão considerou prudente
aprender o máximo possível sobre o presidente da Nintendo.
Um homem astuto podia descobrir muito acerca de um ad­
versário com base no Go.
— O jogo de Yamauchi é claro e evidente — revelou o
licenciado. — Ele não esconde nada. É bastante enérgico quan­
do necessário, mas há trocas. Ao se tornar impetuoso, porém,
não olha para trás. Aproveita-se das fraquezas. Sabe com muita
antecedência o que vai acontecer e nunca perde a compostura.
Ao tomar a decisão de autorizar empresas de terceiros a
criar jogos para o Famicom, Yamauchi iniciara um programa
de licenciamento. Para obter essas licenças, as firmas tinham
de se submeter a restrições nunca vistas. "Convidadas" a se
tornar concessionárias, chocavam-se com os termos do acordo,
mas a Nintendo se mantinha inflexível. Mesmo reclamando,

73
OS MESTRES DO jOGO

porém, elas acabavam assinando o contrato, porque milhões


de consumidores clamavam por jogos. A vastidão do mercado
Famicom bastava para calar as queixas, e muitos fizeram for­
tuna com isso. A Nintendo, claro, fez a maior de todas.
As primeiras licenciadas foram a Namco, líder de flipera-
mas, e a Hudson, produtora de software para computador.
Esta, depois de vender dez mil cópias de cada jogo que pro­
duzia para computador, lançou o Roadrunner e comercializou
um milhão de unidades, quadruplicando seus lucros em 1984.
Com a venda de 1,5 milhão de cópias do Xevious, construiu
uma nova sede. Totalmente custeado pela renda desse único
jogo, o prédio foi batizado de Xevious Building.
Uma outra empresa, a Taito, que iniciara suas atividades
na década de 50 fabricando vitrolas automáticas, crescera com
a onda das fliperamas. Em Space Invaders, filas de alienígenas
desciam, de forma ininterrupta, na tela em preto-e-branco de
um grande console. Por meio de um canhão móvel posicionado
na base da tela, o jogador disparava tiros contra os invasores,
que avançavam cada vez mais depressa até ser totalmente
destruídos ou até que seu oponente — o jogador — sucum­
bisse.
A maioria dos fabricantes de fliperamas vendia as máquinas
a distribuidores ou licenciados, mas a Taito também possuía
e operava mais de cem mil casas de diversões eletrônicas, de
modo que nenhum intermediário participava dos lucros do
Space Invaders. Com muito dinheiro em caixa, a empresa se
viu em condições de diversificar e assinou contrato com Hi­
roshi Yamauchi. A Taito e as cinco outras primeiras licenciadas
(Konami, Capcom, Bandai, Namco e Hudson) obtiveram o di­
reito de produzir seus próprios cartuchos para o Famicom,
privilégio que nenhum empreendedor ou produtor consegui­
ría por muitos anos. Eram elevados os royalties pagos à Nin­
tendo: cerca de 20 por cento de cada cartucho.
A Konami, com sede em Kobe, saíra-se bem vendendo jogos
para computador, joguinhos de mão dedicados (em embalagens
plásticas do tamanho de um walkman, eles, por programação,

74
MOTHER BRAIN

"dedicavam-se" a rodar só um jogo), e games para fliperamas,


mas cresceu enormemente ao se tornar concessionária Nin­
tendo. Seus lucros pularam de 10 milhões de dólares em 1987
para 300 milhões em 1991, um período de cinco anos; somente
entre 1989 e 1991 as vendas aumentaram 2.500 por cento.
Depois que as seis licenciadas começaram a vender jogos,
Hiroshi Yamauchi percebeu que não só perdera o controle da
qualidade dos cartuchos (alguns games defeituosos chegaram
ao mercado) como também abrira mão de lucros potenciais,
uma vez que autorizara as firmas a criar seus próprios pro­
dutos. Dali em diante, resolveu, a Nintendo seria a única fa­
bricante de jogos para o Famicom. As licenciadas os desen­
volveríam e então apresentariam à Nintendo um pedido mí­
nimo de dez mil cartuchos. Os termos eram extremamente
simples: a empresa exigia pagamento adiantado.
Pelo novo contrato, Yamauchi recebeu das licenciadas cerca
de 2 mil ienes por cartucho, mais ou menos o dobro de seu
custo de produção. Fosse o pedido de dez mil ou quinhentos
mil cartuchos, a Nintendo lucrava de forma espetacular, mes­
mo que eles não vendessem.
Nada impedia as concessionárias de agir com cautela e fazer
pequenos pedidos de dez mil peças, os quais podiam ser tão
arriscados quanto pedidos grandes. Todas buscavam sucessos,
ou grand slams, conforme se expressou um produtor. Caso
uma empresa cautelosa, depois de um pequeno pedido inicial,
constatasse que seu jogo era um campeão de vendas, apre­
sentaria uma grande encomenda à Nintendo, que levaria al­
gum tempo para atendê-la. Aí, quando as lojas estivessem
reabastecidas, o game talvez já houvesse perdido a populari­
dade. As licenciadas, em especial as pequenas, sem grandes
reservas de caixa, tinham de arriscar boa parte de seu capital
em pedidos grandes se quisessem apostar no sucesso. Ou seja,
assumiam todo o risco, enquanto a Nintendo recolhia lucros
obscenos quase sem investimento adicional. (Yamauchi con­
tratava fabricantes externos para atender aos pedidos das li­
cenciadas.)

75
_____________ O S M E S T R E S DO JOGO_______ _

Era comum um jogo vender trezentas mil cópias. Negócios


três ou quatro vezes superiores eram freqüentes. Com esses
números, a Nintendo lucrou 2,2 milhões de dólares. Se um
jogo vendesse um milhão de unidades, a retirada de Yamauchi
passava dos 7 milhões de dólares. Era dinheiro fácil, livre de
riscos. Os lucros aumentavam à medida que mais empresas
assinavam os contratos. Em 1985, havia 17 licenciadas. Um
ano depois, eram trinta. Em 1988, já somavam cinqüenta.

Do outro lado da mesa, de frente para Hiroshi Yamauchi,


o olhar fixo nas pedras lisas sobre o tabuleiro de Go, Henk
Rogers abriu um largo sorriso. Descobrira um furo nas defesas
do adversário e colocara uma pedra em posição de ataque.
Yamauchi permanecia impassível. Ergueu o olhar por um
instante, fitando Rogers, uma geração mais jovem, em nada
semelhante a ele. De ameaçadora barba pontuda, Rogers usava
o cabelo negro um tanto longo repartido no meio e penteado
para trás. Abundantes sobrancelhas cuneiformes encimavam-
lhe os olhos cor de café.
Os dois homens beberam o uísque e estudaram o tabuleiro.
Rogers, um jogador três-dan, três níveis abaixo de Yamauchi,
gozava uma vantagem de três. Portanto, tinha de colocar três
pedras no início do jogo, o equivalente a três jogadas livres.
Isso significava que Yamauchi somente ganharia se ele come­
tesse três erros.
Rogers agora cometia seu terceiro erro. Yamauchi, que de­
tectara no oponente uma forte tendência à negligência, não
se surpreendeu. Aproveitou-se do erro e acrescentou uma pe­
dra que determinou o restante do jogo. Rogers ficou sem saída.
O homem mais novo deu de ombros.
— Boa jogada — sussurrou.
Nada podia fazer para se salvar.

Henk Rogers morou em Amsterdã durante onze anos, até


que o pai transferiu o negócio de jóias e a família pam Nova
York, em 1964. Ao concluir o segundo grau, Henk mais uma

76
MOTHER BRAIN

vez acompanhou a família, dessa vez para Oahu, e ingressou


na Universidade do Havaí. Quase todas as manhãs, antes das
aulas, ia surfar nas praias ao norte da ilha.
No campus da universidade, passava a maior parte do tem­
po no prédio de ciências da computação, brincando com jogos
nos terminais disponíveis. Os jogos o levaram à programação.
— Para quem joga, a programação é o maior dos games
— comenta.
Formado, foi para a Califórnia trabalhar numa empresa de
software que tinha contrato com o Exército norte-americano.
Findo o verão, demitiu-se.
— Eu não queria passar a vida descobrindo modos eficazes
de matar gente.
Juntou-se à família, que agora morava no Japão. Vivia em
Yokohama, subúrbio de Tóquio, estudava japonês e até po­
dería, por meio de contatos, ter conseguido um emprego numa
das grandes companhias de computação do país. Mas sabia
que, por ser estrangeiro, não tinha quase nenhuma chance de
fazer carreira.
— O fato é que, se você não for japonês, nunca vai ser o
presidente da NEC. É simplesmente impossível.
Passou a lecionar inglês e aceitou uma oferta de trabalho
do pai.
O negócio de jóias ia de vento em popa. Os Rogers com­
pravam pedras brutas, mandavam lapidá-las em Bancoc ou
Hong Kong e vendiam-nas por toda a Ásia, a partir de uma
loja nas proximidades de Tóquio. Henk permaneceu na ativi­
dade por 7 anos, e foi com o pai, um jogador seis-dan, que
aprendeu o Go.
A essa altura, começo dos anos 80, os microcomputadores
proliferavam. Já não era preciso acessar centrais de computa­
ção para jogar ou criar jogos. Utilizando um micro, Henk de­
senvolveu uma versão eletrônica de Dungeons and Dragons,
uma obsessão nos colégios e universidades norte-americanos.
Vendo em seu jogo, batizado de Black Onyx, uma passagem
para a liberdade, planejou vendê-lo por uma pequena fortuna.

77
O S M E S 7 R E S D O / O G O

Apresentou-o a várias empresas de software até encontrar


alguém interessado em comercializá-lo e fechou um acordo
verbal. Na hora de receber a antecipação e assinar o contrato,
porém, quiseram pagar-lhe menos do que o combinado. Na
época, a maioria dos jogos para computador eram desenvol­
vidos por colegiais esforçados ou desempregados que se des­
lumbravam com a possibilidade de ver seu trabalho comer­
cializado e vendiam-no por uma ninharia. Mas Rogers não se
submeteu a isso, nem mesmo quando o empresário ameaçou
impedi-lo de lançar o jogo onde quer que fosse.
Resolveu vender o Black Onyx sozinho. Colocou anúncios
em revistas de informática de todo o Japão, pediu à esposa
que ficasse junto ao telefone e aguardou uma avalanche de
propostas. Recebeu três ligações em três meses.
O problema, diagnosticou ele, era que os japoneses não en­
tendiam os jogos de representação; eis porque o Dungeons and
Dragons não era popular ali. A solução, concluiu, era educar
os jogadores.
Começou a visitar as revistas de computação. Convenceu
editores e redatores a experimentar seu game. Nas redações,
com os espectadores reunidos as suas costas, instalava o Black
Onyx no computador, chamava à tela uma série de corpos e
cabeças e pedia aos jogadores que escolhessem aqueles que
achassem mais parecidos consigo mesmos, digitando-lhes os
nomes sob os personagens criados. Tais personagens, expli­
cava, eram eles. Num jogo de representação, era essencial acei­
tar essa premissa. O jogador não observava o personagem
apenas; era o personagem.
Em Rogers não faltava entusiasmo, e seu entusiasmo era
contagiante. Conduzia os jornalistas à primeira das masmorras
(dungeons) de seu jogo, mostrava-lhes como explorar e lutar.
Vencida uma batalha, ganhavam-se experiência e força sufi­
cientes para invadir a masmorra seguinte. Maravilhados, edi­
tores e redatores continuavam a jogar durante semanas, pu­
blicando nas revistas artigos em que cobriam o Black Onyx de
elogios. Em 1980, Rogers vendeu cem mil cópias de seu game.

78
MOTHER BRAIN

Quando lançou uma seqüência do jogo, já tinha sua própria


empresa, a Bullet-Proof Software, ou BPS. Mas comercializar
o produto continuava a ser uma tarefa árdua e frustrante.
Rogers falava japonês, era acessível e respeitável, mas não
passava de um gaijin, um estrangeiro. Tratava-se de uma bar­
reira e tanto. Ele, no entanto, aprendeu a aproveitar-se disso.
Enfrentava a arrogância dos adversários, aplacava-os e os sur­
preendia.
— Eu atravessava o muro como se ele não existisse — com­
para.
Com o sucesso de seu segundo jogo, Fire Crystal, Rogers
expandiu a BPS. Porém, como não podia criar todos os games,
saiu em busca de licenças. Na época, as empresas japonesas
ficavam em desvantagem nas feiras internacionais, quando os
projetistas mostravam seus jogos. Rogers tinha contatos no
mundo todo, falava várias línguas e se dava bem tanto com
executivos, que o consideravam um negociador obstinado,
quanto com jovens jogadores, que o consideravam um deles.
Sempre que possível, usava coloridas camisas havaianas em
vez de ternos e dava abraços calorosos em lugar de apertós
de mão. Bastava-lhe abrir a boca para que soubessem como
adorava jogos. Conseguiu licenças de todas as partes do mun­
do.
Seu sonho era lançar um Go para computador. Os diversos
programas para xadrez existentes não podiam ser adaptados
ao tradicional jogo japonês. No xadrez, cada jogada possibilita
uma quantidade limitada de respostas. No Go, esse número
é astronômico.
Os programas de Go frustravam os bons jogadores. Os opo­
nentes humanos aprendiam com seus erros, mas os compu­
tadores repetiam as mesmas jogadas vezes sem conta. A in­
teligência artificial — uma tecnologia posterior — permitiría
aos computadores analisar um jogo e "corrigir-se", mas naquela
época nem mesmo os melhores programas possibilitavam par­
tidas sofisticadas.
Rogers decidiu lançar um Go para principiantes. Pesquisou

79
os m /: s / r /: s do j o g o

programas do mundo todo até encontrar aquele que conside­


rou adequado para novatos, elaborado pelo vencedor do cam­
peonato de Go por computador em Beijing, o qual, por acaso,
também era holandês. Fechou-se um acordo e a BPS lançou
o jogo, que teve vendas modestas.
A empresa crescia, mas o negócio encolhia. A maior parte
dos jogadores já não usava micros e sim os novos sistemas
Famicom da Nintendo. Os usuários de computadores com­
pravam cerca de um jogo por ano, enquanto os donos de Fa­
micom consumiam muitos.
Era possível converter alguns jogos de computador para o
Famicom, que apresentava melhor qualidade gráfica e ação
mais rápida. No entanto, como o processador Nintendo era
menos poderoso do que um computador, muitos dos games
tinham de ser simplificados. A troca, porém, compensou. Afi­
nal, o mercado era enorme. Em 1988, os Famicom nos lares
japoneses já somavam dez milhões.
Muitas empresas de jogos para computador tornavam-se
licenciadas da Nintendo, mas as pequenas, como a BPS, não
tinham condições para isso. Rogers, porém, não se deixou aba­
ter.
Ninguém se aproximava de Hiroshi Yamauchi pelos meios
comuns. O homem só recebia grandes clientes e fornecedores,
e mesmo assim raramente. A maioria das reuniões se dava
com os diretores da Nintendo, os chamados "generais de Ya-
mauchi", que mais pareciam cães de guarda treinados para
ameaçar e intimidar. Mas Rogers descobriu uma brecha. Po­
dería apresentar-se como membro da elite que jogava Go.
Numa carta em papel timbrado de seu escritório nos Estados
Unidos, Rogers informou Yamauchi de que sua firma comer­
cializava o melhor programa de computador para Go do mun­
do e tinha interesse em lançá-lo para o Famicom. Disse também
que estava se preparando para passar alguns dias no Japão e
por isso solicitava um encontro com Yamauchi, se ele estivesse
disponível.
Um dia depois de enviar a carta de Yokohama para Quioto,

80
MOTHER BRAIN

Rogers recebeu um convite para uma reunião nci Nintendo.


Partiu num trem-bala. Em Quioto, pegou um táxi e rumou
para a sede da empresa. No saguão, a recepcionista pediu-lhe
que sentasse e aguardasse. Uma cantata de Beethoven em ver­
são eletrônica anunciou o fim do horário de almoço. Reiko
Wakimoto se apresentou e o instruiu a acompanhá-la até a
sala do presidente.
Yamauchi, acomodado atrás de sua grande mesa, respondeu
com um breve movimento de cabeça à mesura respeitosa de
Rogers. Quando o rapaz se aproximou para cumprimentá-lo,
não se levantou; fez um gesto na direção de uma das poltronas
à frente. A secretária colocou xícaras de chá verde diante dos
dois homens.
À vontade na poltrona de espaldar baixo, Rogers começou
a falar com animação não do programa para Go, mas de vi­
deogames em geral. Ao apresentar sua teoria quanto ao motivo
do sucesso das fliperamas, revelou uma arguta compreensão
sobre os jovens adeptos dos jogos. Yamauchi, embora não o
demonstrasse, estava impressionado com a perspicácia e com
o entusiasmo do interlocutor.
Por fim, Rogers repetiu o que declarara na carta: queria
criar um Go para o Famicom. Isso significava mais do que
conseguir uma licença da Nintendo. Como sua empresa não
tinha capital para comprar os cartuchos, ele precisava de apoio.
Sem ostentação, Yamauchi declarou que colaboraria com a
BPS, mas que não poderia dispor de programadores. Só de
dinheiro. Rogers aceitou. Yamauchi então perguntou qual era
a soma necessária. Rogers já calculara a cifra — que incluía
o custo do desenvolvimento do jogo mais um pequeno lucro—
e revelou-a.
— Está bem — aceitou Yamauchi. — Fechado.
Dada a rapidez com que o presidente concordara, Henk
Rogers cogitou se pedira muito pouco.
Antes que Yamauchi encerrasse a reunião, Rogers desafiou-
o para uma partida de Go. Ele aceitou com um movimento

81
OS MESTRES DO JOGO

de cabeça e marcou o jogo para depois do encontro seguinte


de ambos.
Como precisasse de uma versão de Go mais simples do
que aquela que criara para computador, Rogers entrou em
contato com um programador da Inglaterra. Ele elaborara um
Go para o computador Commodore 64, que tinha uma variação
da mesma unidade de processamento central do Famicom.
Rogers comprou-lhe os direitos.
Quando o jogo ficou pronto, Yamauchi concluiu que o mer­
cado para ele era pequeno demais. As principais características
do Go — serenidade de ação, paciência — tornavam-no in­
compatível com o Famicom. Poucos se disporiam a executar
o jogo ancestral naquilo que ainda consideravam, em essência,
um brinquedo. Mas manteve o apoio financeiro e pediu a Ro­
gers que apresentasse outra idéia para o Famicom.
Henk Rogers investira demais no Go para abandoná-lo. Por
isso pediu permissão para lançá-lo pela BPS, garantindo de­
volver o dinheiro do adiantamento se Yamauchi assumisse os
custos da produção.
Yamauchi gostava de Rogers o bastante para ceder. Fabricou
os cartuchos e despachou a primeira encomenda para a BPS
em Yokohama. Em sua visita seguinte à Nintendo, Rogers
levou um dos cartuchos, inseriu-o num Famicom, ligou o mo­
nitor e convidou o presidente a sentar-se diante da tela. Ya­
mauchi nunca experimentara um jogo Nintendo antes. Segu­
rou o controle desajeitadamente, frustrou-se ao tentar seguir
as instruções e desistiu.
O Go vendeu 150 mil cópias — um número normal para
a Nintendo, mas enorme para a BPS. Rogers pôde então de­
volver a Yamauchi o dinheiro que recebera adiantado, colo-
cando-se numa posição invejável. Sua empresa não tinha ape­
nas uma licença para trabalhar com a Nintendo. Conseguira
algo ainda mais difícil: um cobiçado bom relacionamento com
o presidente da NCL.
A BPS lançou outros jogos para o Famicom, incluindo o
Super Black Onyx, e prosperou. Sua relação com a Nintendo

82
MOTHER BRAIN

mostrou-se valiosa para as duas empresas. Anos depois, era


Rogers que a Nintendo enviaria à ex-União Soviética para ne­
gociar os direitos de um jogo brilhante chamado Tetris.
A popularidade do Famicom aumentava à medida que as
concessionárias lançavam seus jogos. Uma delas, a Enix, foi
fundada só para criar games Nintendo. Com um investimento
inicial de 5 milhões de ienes, ela alcançou o status de gigante
do videogame graças ao Dragon Quest e suas seqüências. O
desenho original, uma combinação de dois jogos para micro­
computador, fora desenvolvido por uma equipe de projetistas,
programadores, compositores e um ilustrador famoso. A Enix
depositou tanta confiança no jogo que dispôs de todo o seu
capital inicial e fez um pedido de 760 mil cartuchos.
O Dragon Quest, lançado em fevereiro de 1986, teve pou­
quíssimas vendas. Em pânico, o pessoal da Enix começou a
anunciá-lo na Shukan Shonen Jump, uma revista semanal para
meninos com circulação de 4,5 milhões de exemplares. Os edi­
tores concordaram em publicar um artigo sobre a tradição e
a mitologia do jogo de representação, o que desencadeou uma
grande venda do Dragon Quest. Seguiu-se uma enorme onda
de interesse pelo game. Foram tantos os telefonemas e cartas
com perguntas sobre o jogo que os editores resolveram pu­
blicar uma série de artigos informativos. Tanto a Enix quanto
a editora lucraram com isso: ao mesmo tempo que a primeira
encomendava mais unidades à Nintendo — 1,4 milhões —, a
circulação da revista aumentava de forma espetacular. Graças
às vendas do Dragon Quest, naquele ano a diretoria da Enix
concedeu a seus empregados um bônus equivalente a doze
meses de salário.
Uma seqüência lançada no ano seguinte vendeu 2,3 milhões
de cartuchos. Já o Dragon Quest 3 comercializou 3,4 milhões
de unidades. Nunca se vira tamanha ansiedade por um novo
jogo. Na primeira hora de lançamento, venderam-se 1,3 milhão
de cópias do Dragon Quest 4, apesar do preço alto — 11.050
ienes (75 dólares), mais caro do que qualquer outro jogo Nin­
tendo.

83
OS MESTRES DO JOGO

O número de assinantes da Shunkan Shonen Jump pulou para


18 milhões, enquanto a circulação aumentava para seis milhões
de exemplares. Tanto para a revista quanto para a licenciada,
a vinculação de produtos constituiu um golpe certeiro de mar­
keting. Quanto à Nintendo, lucrou com as vendas dos cartu­
chos e com a publicidade. Sete outras editoras lançaram re­
vistas fornecendo dicas para jogos, perfis de projetistas e no­
tícias de games Famicom a ser lançados.
Em 1990, já eram setenta as licenciadas comercializando mi­
lhões de cópias de centenas de jogos, quase todos produzidos
pela Nintendo. Os games das concessionárias, por sua vez,
ajudavam a vender mais processadores Famicom, de modo
que no Japão quase todas as casas com crianças tinham o
aparelho. Algumas empresas fizeram fortuna. As seqüências
do Dragon Quest renderam, cada uma, centenas de milhões
de dólares.
A essa altura, as únicas companhias que ainda reclamavam
dos restritos contratos de licenciamento e do controle rígido
da Nintendo eram aquelas que não podiam participar da festa.
Desde que seus jogos continuassem vendendo, as empresas
de bom grado entregavam à NCL grande parcela dos lucros
fabulosos. Percebia-se no setor uma sensação um tanto ma­
níaca de que era possível vender qualquer coisa.
No entanto, com a proliferação das licenciadas — já pas­
savam de noventa em 1991 — a estrutura cedeu. A Nintendo
investia, em cada jogo, cerca de um ano e mais de 1 milhão
de dólares, algo inviável para as firmas pequenas, que em­
pregavam seus recursos limitados na compra de cartuchos,
no marketing e na elaboração de pacotes. Não sobrava muito
para a criação. O resultado era um número cada vez maior
de jogos maçantes.
A fim de conter essa desastrosa expansão do mercado, Hi­
roshi Yamauchi alterou os acordos com as licenciadas, limi­
tando o número de jogos’lançados anualmente. Assim, a seu
ver, as companhias investiríam mais em qualidade, pois seus
lucros teriam de vir de uma quantidade pequena de games.

84
MOTHER BRAIN

Mas as licenciadas se revoltaram. Quem era a Nintendo para


lhes dizer quantos jogos lançar por ano? Protestou-se — longe
dos executivos da NCL — contra a injusta restrição comercial.
A tensão aumentou também devido à concorrência, cada
vez maior. Durante parte de 1990, o Dragon Quest 4 da Enix
dominou 25 por cento do negócio de software para o Famicom.
Mas, entre essas histórias de sucesso, aumentava o número
de desastres.
As brigas entre as concessionárias beneficiava Hiroshi Ya­
mauchi. Na indústria, dizia ele, havia lugar para "urna empresa
forte, com as restantes fracas". E manipulava no sentido de
garantir que a sua empresa permanecesse como a forte.
As licenciadas receavam que as críticas à Nintendo chegas­
sem aos ouvidos de Yamauchi.
— Elas o temiam como um marionete teme o titereiro —
compara um distribuidor. — Aquela que perturbasse a Nin­
tendo podia ser cortada.
Entre 1988 e o final de 1989, período de maior demanda,
a escassez dos chips que constituíam o coração dos cartuchos
fez com que a NCL fosse obrigada a racioná-los. Embora a
empresa garantisse uma distribuição justa e desinteressada,
as licenciadas não confiaram nela.
— A Nintendo deve seu sucesso a práticas monopolistas e
à intimidação — afirmou um executivo. — Todos nos víamos
intimidados. Yamauchi exercia o poder como um deus.
A equipe de Masayuki Uemura, temendo que as não-licen-
ciadas arranjassem meios de produzir jogos para o Famicom
por conta própria, havia incorporado ao sistema um circuito
que rejeitava os cartuchos não-fabricados pela Nintendo. Pe­
riodicamente, esse código era modificado, de modo a perma­
necer em segredo.
A NCL também impedia o lançamento dos jogos que de­
saprovava ao controlar-lhes a distribuição. Os atacadistas se
recusavam a comercializar produtos não-autorizados, com re­
ceio de ser cortados pela empresa. Nenhum distribuidor ar­

85
OS MESTRES DO ] O GO

riscaria desafiar Hiroshi Yamauchi. Era uma ameaça tácita:


ele esmagaria qualquer um que se lhe opusesse.
Entre as companhias que não tinham capital suficiente para
obter licença estava a pequena Hacker International, cujos vi­
deogames incluíam nudez e sexo. Hiroshi Yamauchi permitia
a violência brutal em seus jogos, mas proibia a pornografia,
certo de que temas "sujos" prejudicariam a reputação de sua
empresa.
Os engenheiros da Hacker desmancharam diversos Fami­
com, buscando meios de fazer com que seus jogos rodassem
neles. Quando a equipe de Uemura alterava o circuito, des­
cobriam como neutralizar as mudanças. Além disso, a Hacker
furou o bloqueio da Nintendo na distribuição, vendendo seus
games pelo correio. Uma vez que não pagava royalties nem
custos de produção, lucrava bastante sobre vendas relativa­
mente modestas, de trinta mil a cinqüenta mil cópias, ou seja,
nada que ameaçasse Yamauchi. Mesmo assim ele resolveu
declarar guerra à Hacker.

As revistas dedicadas aos jogos Nintendo, bíblias para mi­


lhões de crianças, vendiam mais do que qualquer outra voltada
aos leitores jovens. As editoras dependiam totalmente da NCL,
que fornecia boa parte do conteúdo das publicações na forma
de dicas dos projetistas (onde encontrar o apito em Super Mario
3; como enfrentar Ganon em The Legend ofZelda). Desse modo,
faziam tudo o que a empresa pedia. A NCL revisava os artigos
antes da publicação e determinava quando escrever sobre os
jogos. Esse controle editorial não era contestado porque as
revistas sabiam que sem a Nintendo, fonte das informações
confidenciais sobre os jogos, iriam à falência.
A Family Computer, maior publicação dedicada aos jogos
para o Famicom, certa vez publicou um anúncio da Hacker.
No dia seguinte, informou à empresa de que seus anúncios
não seriam mais publicados. Foram cancelados até mesmo
aqueles pagos antecipadamente. No número subseqüente, os
editores registraram um pedido de desculpas à Nintendo, mas

86
MOTHER BRAIN

nem assim satisfizeram Hiroshi Yamauchi. Então, cinco dos


principais diretores da Takuma Shoten, que publicava a Family
Computer, foram desculpar-se pessoalmente. Numa breve au­
diência, Yamauchi ouviu dos cinco homens, de cabeça baixa,
o juramento de que tal quebra de confiança jamais voltaria a
ocorrer.
A mensagem foi clara: Hiroshi Yamauchi dominava por
completo a multibilionária indústria do videogame no Japão.
Isso incluía o comércio varejista, as editoras, os distribuidores,
os atacadistas, as licenciadas, as subcontratadas, os fornece­
dores e muitos outros, em negócios da própria Nintendo ou
periféricos.
Uma das primeiras licenciadas, a Namco, era dirigida por
Masaya Nakamura, que dominara a indústria antes de se ouvir
falar em Hiroshi Yamauchi. Notoriamente presunçoso, Naka­
mura batia o pé, gritava e vociferava para conseguir o que
queria. Certa vez, deixou passar uma grande oportunidade
só para não pensarem que dava mais importância a dinheiro
do que a princípios. Ninguém se deixou lograr: a obsessão
de Nakamura era o poder. Pequeno, com grandes óculos de
armação metálica, ele fundara a Nakamura Manufacturing
Company em 1955 para produzir carrinhos infantis automá­
ticos. Ao entrar no negócio de jogos, nos anos 70, mudou o
nome da firma para Namco, que logo se tornou a número
um do videogame graças a um sucesso fenomenal: o Pac-Man.
Por meio de um joystick, controlava-se um faminto ponto ama­
relo que corria por labirintos engolindo tudo o que encontrasse
pela frente. Inimigos semelhantes a chicletes apareciam do
nada, tentando destruir o Pac-Man antes que ele os comesse.
A pacmania tomou conta do mundo quando a Namco li­
cenciou o jogo a empresas norte-americanas e européias. Nos
Estados Unidos, o Pac-Man foi capa das revistas Time e Mad.
A música ”Pac-Man Fever" chegou ao primeiro lugar nas pa­
radas de sucesso e o desenho animado Pac-Man se tornou um
popular programa de televisão nas manhãs de sábado. O herói
engolidor (e Ms. Pac-Man, Baby Pac-Man e o Super Pac-Man)

87
OS MESTRES DO JOGO

renderam a Nakamura centenas de milhões de dólares. (O


engenheiro autor do jogo, ao receber de Nakamura míseros
3.500 dólares, ficou tão desgostoso que abandonou o negócio
do videogame.)
Tão logo o Famicom foi lançado, Nakamura reuniu alguns
de seus diretores para descobrir como entrar no novo mercado.
Soube então que nenhuma empresa podia produzir jogos para
o sistema. Mas, depois de eliminada a restrição, a Namco foi
a primeira companhia à qual a Nintendo ofereceu uma licença:
Marcou-se uma reunião entre os dois presidentes. Hiroshi
Yamauchi recebeu Nakamura formalmente e ambos concor­
daram em trabalhar juntos. A Namco lucraria vendendo seus
jogos, incluindo o Pac-Man, aos jogadores Nintendo. E Ya­
mauchi conseguiu fazer da líder daquele mercado sua primeira
licenciada. Nakamura esperou, e recebeu, termos favoráveis
— certamente mais favoráveis do que aqueles concedidos às
concessionárias subseqüentes.
Em 1989, o contrato de 5 anos expirou. Masaya Nakamura
estava certo de que a renovação seria mera formalidade. Mas
o presidente da Nintendo aproveitou a oportunidade para hu­
milhar o outro, declarando que todos os acordos com licen­
ciados seriam idênticos. Sem exceção. Ao receber a notícia,
Nakamura explodiu. Embora a Namco devesse 40 por cento
de seu faturamento à venda dos jogos Nintendo, ele não queria
admitir que Yamauchi era o lado mais forte da parceria.
— O senhor Yamauchi transformou-se num rei — relata
um colega. — Mas o senhor Nakamura recusou-se a obedecer
à regra criada por ele. Foi um tapa na cara. Foi imperdoável.
Nakamura fez o que nenhum outro licenciado se atreveria
a fazer. Protestou contra a Nintendo.
Para começar, deu uma entrevista ao Nippon Keisai Shimbun
(Jornal Econômico do Japão). Eis suas palavras, escolhidas com
cuidado:
A indústria do jogo ainda é nova. Desejo que ela cresça de forma
sadia. A Nintendo esta monopolizando o mercado, o que não é bom

88
MOTHER BRAIN

para nenhum de nós (...) Ela deveria se considerar a líder da indústria


do videogame e aceitar a responsabilidade dessa posição.
Afirmou também que não existia competição no setor e que
as empresas guardavam silêncio porque a NCL era forte de­
mais. Questionar Hiroshi Yamauchi era suicídio. E a indústria
japonesa em peso imaginou se não era exatamente isso que
Nakamura acabara de cometer.
Numa entrevista, Hiroshi Imanishi revidou, dizendo que a
Namco vinha lucrando muito com os privilégios que lhe foram
concedidos como primeira licenciada. Só que esses privilégios
seriam "omitidos" no futuro.
Nakamura, em resposta, anunciou que sua empresa desen­
volvería jogos para uma concorrente da Nintendo, a Sega, que
lançara um sistema chamado Megadrive. Foi um reação inútil.
A Nintendo, com 95 por cento do mercado, era inatingível.
Nakamura entrou com uma ação no foro do distrito de
Quioto processando a NCL por prática de monopólio. Hiroshi
Yamauchi desmentiu o fato na revista Zaikai:
Francamente, a Namco esta com inveja (...) Se não se sentem
satisfeitos com a Nintendo e com nossa maneira de negociar, devem
criar seu próprio mercado. Eis a vantagem do mercado livre.
Logo depois Nakamura retirava a ação judicial.
— O senhor Nakamura vivia a angústia do rei derrotado
— prossegue o colega. — O pior foi ter de rastejar até Ya­
mauchi. O rei derrotado voltava e se submetia como cortesão.
Rabugento, Nakamura instruiu seu pessoal a aceitar o con­
trato de Yamauchi; a Namco não podia ficar sem a licença da
Nintendo. A derrota se fez sentir em toda o setor. Se Masaya
Nakamura não conseguira fazer frente a Hiroshi Yamauchi,
ninguém conseguiría. Já não se questionava o domínio de Ya­
mauchi.

A 21 de fevereiro de 1986, após dois grandes adiamentos,


a Nintendo lançou um novo produto chamado Disk System,
o "novo componente dos family computers”. O sistema consistia
numa unidade de disco para o Famicom, a ser ligada ao co-

89
OS MESTRES DO J O G O

nector oculto no bojo da máquina. Com a nova unidade, o


aparelho podia processar software em disquetes magnéticos
do tamanho de um cartão de crédito em vez dos tradicionais
e volumosos cartuchos.
O Disk System custava caro, 15 mil ienes (mais de 100 dó­
lares), mas a Nintendo o fizera sedutor. Os jogos seriam me­
lhores e mais baratos, prometia, uma vez que os discos tinham
mais capacidade de memória do que os cartuchos. Os primei­
ros Famicom custavam em média 2.500 ienes; em 1985, já saíam
por 5.000 ienes, quase 40 dólares. O Dragon Quest 4 ultrapas­
sava os 80 dólares. Os jogos do Disk System custariam apenas
2.600 ienes, cerca de 20 dólares.
Para os consumidores, a maior vantagem do Disk System
era a possibilidade de reutilização dos disquetes. Caso não
gostassem dos jogos ou enjoassem deles, podiam substituí-lo
por outro, escolhido num menu. Bastava inserir o cartão numa
das máquinas chamadas Disk Writers, semelhantes a vitrolas
automáticas, que seriam instaladas em lojas de brinquedos de
todo o país, e pagar a irrisória taxa de 500 ienes.
Numa dispendiosa campanha publicitária, a Nintendo
anunciou que alguns dos melhores novos jogos estariam dis­
poníveis apenas para o Disk System, e que já no primeiro ano
seriam colocadas dez mil Disk Writers em todo o país. Em
três meses, foram vendidos meio milhão de Disk Systems; em
1986, as unidades comercializadas somaram quase dois mi­
lhões.
Mas nem todos aprovaram o novo sistema. As licenciadas
detestaram-no, pois tinham de decidir se vendiam os jogos
em cartuchos, em discos ou em ambos. A Nintendo cobrava
uma pesada taxa para converter os games em disco, e os lucros
eram bem inferiores aos dos cartuchos. Yamauchi também im­
pôs um novo contrato, com novas restrições, aos que queriam
desenvolver projetos para o«Disk System. Além de determinar
quais jogos poderíam ser lançados em disco, ele ficava com
metade dos direitos autorais de todos eles. Até aquele mo­

90
MOTHER BRAIN

mento, os direitos autorais das licenciadas eram um dos pou­


cos itens sobre os quais a Nintendo não avançara tanto.
Outros problemas surgiam. A tecnologia dos semicondu­
tores se aprimorava e os preços caíam, de modo que os discos
Nintendo ficavam com capacidade menor do que os cartuchos.
E os lojistas reclamavam do espaço que as Disk Writers ocu­
pavam.
Em 1990, o total de Disk Systems vendidos ainda era de
apenas 4,4 milhões, número bem menor do que o esperado.
Então retirou-se a promessa (ou ameaça) de lançar jogos só
em disco. O Super Mario Bros, deveria ter saído apenas em
disco, mas foi lançado também em cartucho. Como os melhores
jogos se encontravam só em cartuchos, muitos Disk Systems
caíram em desuso. O sistema não foi um sucesso estrondoso,
mas não se pode considerar um fracasso a venda de quatro
milhões de unidades de hardware a mais de 100 dólares cada.
Yamauchi tinha expectativas bem maiores em relação a ou­
tro empreendimento, lançado em 1988. Ele faria com que a
NCL deixasse de ser apenas uma fábrica de brinquedos para
tornar-se uma empresa de comunicações, participante da
maior companhia japonesa na área, a Nippon Telephone and
Telegraph (NTT).
O plano se baseava no chamado Sistema de Rede de Co­
municações do Family Computer, centralizado no Famicom e
num equipamento de 100 dólares a ser conectado a ele, o mo­
dem Communications Adapter.
Um cartucho especial transformava o Famicom num termi­
nal capaz de "conversar" com outros terminais ou com com­
putadores centrais. No mínimo, as crianças poderiam jogar
videogames — como o Go de Henk Rogers — com colegas
de todo o Japão sem sair de casa. O novo sistema também
possibilitava outros usos extraordinários. Tratava-se de um
instrumento do futuro — que algum dia seria tão difundido
quanto o telefone — baseado na tecnologia Nintendo.
Segundo um relatório executivo da NCL, o Sistema de Rede
de Comunicações do Family Computer

91
OS MESTRES DO ] O GO

Uniria os lares Nintendo, formando uma rede de comunicações,


proporcionando aos usuários novas formas de recreação e novos meios
de acessar informações.
Num discurso aos empregados, Hiroshi Yamauchi expôs
seu ponto de vista:
— De agora em diante, nosso objetivo deixa de ser apenas
desenvolver software de entretenimento. Vamos fornecer da­
dos úteis aos lares.
Yamauchi sabia que o negócio do videogame no Japão era
imenso — mas restrito. Em parte porque os clientes potenciais,
os lares com crianças, tinha um número limitado. A indústria
de comunicações, ao contrário, era muito maior, praticamente
sem fronteiras. Outras empresas, incluindo a NTT, já haviam
tentado acessar as casas via linhas telefônicas e computadores,
mas nenhuma contava com o que a Nintendo tinha: máquinas
em um terço dos lares do país.
Se Yamauchi conseguisse conectar ainda que um pequeno
percentual dos processadores que fabricava, estaria formada
a maior rede do Japão. Os jogos representavam apenas o aces­
so. O sistema oferecería inúmeros negócios e serviços, todos
fornecidos e/ou licenciados pela Nintendo. A exemplo de
qualquer administradora de rede computadorizada, a empresa
cobraria dos clientes o tempo on-line (o período de utilização
do sistema) e, dos prestadores de informações e serviços, o
acesso aos clientes.
No relatório anual de 1989, Yamauchi resumiu seu pensa­
mento:
Cremos que a era da informática de ponta apresenta uma nova
oportunidade para as pessoas. Elas podem considerar o que é de fato
informação vital e que tipo de informações desejam. Ao empregar o
Nintendo Family Entertainment System como terminal domestico
de comunicações, utilizar linhas telefônicas comuns e estabelecer uma
rede em grande escala — o que até agora fora inconcebível —, pla­
nejamos fornecer informações vitais para os lares nos campos do
entretenimento, das finanças, dos planos de seguro e de saude, para
citar só alguns (...)

92
MOTHER BRAIN

Graças a um acordo firmado entre a NCL e a Nomura Se­


curities Co., Ltd., a maior corretora de valores do Japão, as
famílias poderíam usar o Famicom para comprar, vender, tro­
car e monitorar ações e bônus. Depois da Nomura, as corre­
toras Daiwa e Nikko também se integraram.
Era só o começo. A Nintendo podería cobrar comissões e
taxas sobre transações bancárias, compras e reservas de pas­
sagens aéreas feitas através da rede. Além disso, cobraria por
informações como críticas de cinema, notícias e receitas.
A rede constituiría também um canal de acesso aos lares
Nintendo — uma forma direta de anunciar novos jogos e ou­
tros produtos. Formou-se o Super Mário Clube para que os
distribuidores da NCL pudessem obter informações sobre jo­
gos (incluindo resenhas) on-line.
Depois de aprovar um orçamento multimilionário para pu­
blicidade, Yamauchi encontrou-se pessoalmente com repre­
sentantes de corretoras e bancos a fim de convencê-los a tra­
balhar com a Nintendo. Contudo, apesar do compromisso pes­
soal do presidente, a rede teve um início lento. A instalação
e a manutenção apresentavam entraves; as informações che­
gavam deturpadas e as linhas telefônicas caíam. Tais proble­
mas técnicos tinham solução, mas outros obstáculos exigiam
mais empenho. Por exemplo: não era fácil convencer os adultos
de que o Famicom tinha usos sérios, como monitoração de
ações e transações bancárias. Além disso, todas as redes do­
mésticas juntas conseguiam atrair uma audiência limitada. As
pessoas ou preferiam realizar seus negócios bancários e acio­
nários da maneira tradicional, ou resistiam à nova tecnologia.
E, para completar, as famílias não queriam a linha telefônica
ocupada por longos períodos.
Apenas de 15 mil a vinte mil clientes utilizavam os serviços
de corretagem de valores, enquanto 14 mil aproveitavam o
sistema para efetuar transações bancárias. Três mil firmas se
associaram ao Super Mário Clube e o número total de casas
com Communications Adapters era de 130 mil.

93
C) S MESTRES DO JOGO

Embora decepcionado com os números baixos, Yamauchi


jamais reconheceu que cometera um erro.
— É só questão de tempo — garantiu em 1991.
Novos serviços cativaram mais clientes: já era possível com­
prar selos, obter cotações, apostar em corridas de cavalos e
até exercitar-se (a Bridgestone Tire Company usava o progra­
ma de condicionamento físico Famicom para seus emprega­
dos).
— Quando as pessoas estiverem prontas, nossa rede já es­
tará a postos — concluiu Yamauchi.
O lento início da rede e os problemas com o Disk System
não interromperam o crescimento da Nintendo. Outras em­
presas com vendas expressivas contratavam centenas de novos
funcionários, mas a NCL mantinha 200 empregados em pes­
quisa e desenvolvimento, 350 na administração, 180 na fábrica
principal e 130 na fábrica em Uji. Enquanto as subcontratadas
empregavam milhares de pessoas, a Nintendo crescia sem
grandes despesas.
Sem um número elevado de funcionários nem instalações
gigantescas, Yamauchi tinha mais possibilidade de manobra.

— Não estamos construindo fábricas subordinadas a uma


tecnologia específica — observou um executivo. — Eis o que
nos diferencia dos outros 98 por cento das empresas no mer­
cado de consumo atual. Somos muito mais flexíveis e nossa
capacidade de reação é maior.
De acordo com a revista Japan Economic Journal, ao longo
da década de 80 a Toyota e a Honda se alternaram como
maiores corporações japonesas. Apresentaram a melhor ad­
ministração, o melhor desempenho no mercado acionário, lu­
craram mais por empregado e tiveram os mais elevados lucros
globais. Em 1989, porém, anunciou-se que a empresa do ano
fora a Nintendo. O fato não surpreendeu. Nos primeiros anos
da década de 90, a NCL continuava a dominar o cenário eco­
nômico do país — sem sinais de enfraquecimento. E o Japão
era só o começo.

94
5
Rumo aos
Estados Unidos

A respeitada família de Minoru Arakawa, de Quioto, já es­


tava no ramo de tecidos havia quatro gerações. Importavam
seda de qualidade da China, algodão do Ocidente e vendiam-
nos a confecções de roupa-branca, quimonos, yukata e peças
de estilo ocidental. Crescendo num ritmo regular, a empresa
tornou-se uma das maiores do Japão, e os Arakawa investiram
em bons imóveis na área mais valorizada de Quioto.
Waichiro, pai de Minoru, administrava a Arakawa Textiles
com diligência. Embora não fosse o mais astuto dos empre­
sários, dirigia a companhia de mil empregados com firmeza
e eficiência, satisfazendo-se com lucros modestos mas consis­
tentes — em torno de 5 a 6 milhões de dólares anuais. Adepto
do não-endividamento e do crescimento regular, Waichiro
preocupava-se com a alta qualidade dos produtos e com boas
relações junto a fornecedores e clientes.
Aristocráticos e profundamente tradicionais, os Arakawa
cultivavam a cerimônia do chá em casa, além de receber vi­
zinhos e amigos em visitas formais. Waichiro adaptou-se um
pouco à influência ocidental — costumava usar terno e gravata
— mas na maioria dos aspectos seu lar ancestral permanecia
conforme fora nos últimos cem anos.
A mãe de Minoru, Michi, que usava quimonos atados com
obi (largas faixas de seda) e tamancos de madeira chamados

95
OS MESTRES DO JOGO

geta, provinha de uma família ainda mais tradicional do que


a do marido. Michi Ishihara descendia do imperador Uda, do
século 8, e do primeiro prefeito de Quioto. Seu pai fora um
destacado membro da Dieta japonesa. Proprietários de uma
grande porção de terra, os Ishihara assentavam nela famílias
meeiras. Quando Michi Ishihara e Waichiro Arakawa se ca­
saram, os terrenos das duas famílias passaram a representar
cerca de um quinto de Quioto.
Michi Arakawa era artista. Passava as tardes no jardim da
família ou em seu estúdio, onde cantava e pintava. Seus qua­
dros ornavam as paredes da casa ao lado de obras de Picasso,
Cézanne e Renoir.
Os Arakawa nutriam grandes expectativas em relação aos
três filhos e lembravam-nos constantemente de que a posição
e o nome da família implicavam responsabilidade. As crianças
foram educadas de modo a se tornar afáveis, escrupulosas e
de maneiras impecáveis.
Dois dos Arakawa já tinham o caminho determinado pela
tradição. Shoichi, o filho mais velho, deveria assumir o negócio
da família; tão logo se formou na universidade, passou a se
dedicar à Arakawa Textiles. Sua irmã também fez o que se
esperava dela: casou-se (com um professor de medicina).
Para o segundo filho, porém, não havia destino predeter­
minado. Minoru podia entrar para o negócio da família, se
quisesse. Mas não era obrigado a isso. Aconselhado pelos pais
a fazer o que mais o satisfizesse, ele se angustiava tentando
escolher uma ocupação. O pai lhe dava conselhos simplistas:
"Seja altruísta; faça algo pelos outros".
— Acho que não sou tão bom assim — diverte-se Minoru
hoje.
Em 1964, ele entrou na Universidade de Quioto, onde faria
cursos genéricos por 3 anos, optando então por engenharia
civil, área em que obteve também o mestrado. Formou-se entre
os primeiros da turma, mas nem imaginava o que faria em
seguida. A riqueza da família o colocava numa posição pri­
vilegiada.

96
RUMO AOS EUA

— É difícil escolher um trabalho quando você não precisa


dele para viver. A gente tem de pensar. Parece fácil, mas às
vezes não é. Eu me perguntava por que estamos aqui e qual
a melhor maneira de viver a vida.
Arakawa decidiu procurar respostas no exterior, longe do
protegido mundo insular do Japão. Aceito no programa de
engenharia civil do MIT, o mundialmente respeitado Massa-
chussets Institute of Technology, embarcou para Boston vários
meses antes do início das aulas. Comprou um velho ônibus
Volkswagen e iniciou uma viagem que o levou de um lado
a outro dos Estados Unidos. Permitia-se apenas cinco dólares
diários para as despesas, acampava em parques estaduais, flo­
restas nacionais e estacionamentos.
— Cada estado é um país diferente — descreve. — As pes­
soas não se pareciam com nada do que eu conhecia.
O ano da aventura, 1971, foi turbulento para os norte-ame­
ricanos. O movimento pacifista estava no auge. Arakawa o
observava de longe, embora houvesse estado entre os estu­
dantes que enfrentaram a polícia durante uma manifestação
na Universidade de Quioto, em 1968.
— Atirei pedras sem saber de fato o que se passava —
confessa.
Nos Estados Unidos, Arakawa abriu os olhos para temas
maiores: a guerra do Vietnã, as injustiças econômicas, o ra­
cismo.
De passagem pelas cidades, abordava as pessoas nos cafés,
livrarias e parques, expressando-se o melhor que podia num
inglês formal. Fascinavam-no os estilos de vida norte-ameri­
canos. De volta a Boston, com 15 mil quilômetros percorridos,
ele sentia a mente girar. Descobrira muita coisa e tinha mais
perguntas do que antes.
Anos depois, os colegas de Arakawa considerariam irônico
o fato de tamanha busca interior haver precedido sua ascensão
numa empresa acusada de tudo, inclusive restringir o comércio
injustamente e discriminar minorias na contratação de empre­
gados. Entretanto, de certa forma, seu sucesso posterior de-

97
OS MESTRES DO /OCO

veu-se em parte à viagem pelos Estados Unidos. Depois de


uma vida entre jardins imaculados e templos serenos nas ruas
estreitas de Quioto, numa tradição reclusa que valorizava e
esperava a conformidade, ele se via livre, a quase 10 mil qui­
lômetros de casa, num país onde moças e rapazes caracteri­
zavam-se pelo individualismo e pela independência. Entusias­
mado, sob muitos aspectos Arakawa identificava-se com eles.
— Você tem de descobrir qual é a sua, no que você é bom.
Aí, escolhe uma meta em que acredita e luta para alcançá-la,
experimentando uma satisfação enorme. Não há nada de gran­
dioso no que descobri para mim mesmo. De qualquer forma,
é um modo de ver a vida: estabelecer os objetivos e fazer o
que for necessário para chegar lá.
Em Cambridge, Arakawa morou com um aluno de Harvard
que se tornou seu melhor amigo. Continuava estudando en­
genharia civil, embora ainda não imaginasse como e onde em­
pregar sua dispendiosa educação. Um ano e meio depois, em
1972, tirava o segundo mestrado.
Certa tarde, encontrou no campus um grupo de jovens exe­
cutivos japoneses, representantes de uma sociedade mercantil
em visita aos Estados Unidos. As empresas de comércio ja­
ponesas prosperavam em todo o mundo — motivo de orgulho
para aqueles rapazes, que, entre cervejas, descreviam, entu­
siasmados, seu trabalho. Lidando com finanças, contabilidade,
direito, engenharia, projetos e até política e psicologia, eles
viajavam muito, com uma boa carga de responsabilidade e
bastante liberdade. Vivamente interessado, Arakawa decidiu
tentar uma colocação numa sociedade mercantil.
A partida de Boston teve um sabor agridoce. Ele fizera gran­
des amizades nos Estados Unidos, mas estava ansioso para
voltar ao Japão.
Lá, depois de entrevistas em várias empresas comerciais
em Osaka e Tóquio, conseguiu um emprego. Na Marubeni,
organização que construía hotéis e prédios de escritórios em
todo o mundo. Iniciou como aprendiz e alugou um aparta­

98
RUMO AOS EUA

mento próximo à sede da companhia, em Tóquio, onde passou


a viver com a namorada.
No Natal, ao visitar a família em Quioto, levou seu antigo
colega de quarto em Cambridge, que se achava em visita a
Tóquio. Lá, os dois resolveram comparecer ao baile anual da
elite de Quioto, apesar de Minoru ter certeza de que a noite
seria um tédio. Ele não imaginava que a elegante e incrivel­
mente bela Yoko Yamauchi estaria lá. De expressão confiante
e olhar calmo, ela arqueava lindamente a sobrancelha esquerda
ao sorrir. Tinha o acetinado cabelo negro preso atrás da cabeça
e declarou não gostar de dançar. Mas o fato é que dançaria
muito naquela noite.
Desde a infância Yoko tinha atritos com a família. A bisavó
Tei, que dirigia a casa, vivia repreendendo-a por brincar sob
os beirais da casa antiga e obrigando-a a descer dos galhos
altos das árvores. Decidida e dominadora, Tei tomou a maioria
das decisões quanto à educação e a disciplina da bisneta.
Michiko, mãe de Yoko, mal podia lhe dar atenção. Sofrerá
uma série de abortos após o nascimento da filha e estava quase
sempre doente, de cama. Somente 7 anos depois teria outra
menina, Fujiko, e um menino, Katsuhito. Com a saúde recu­
perada, dedicou-se mais às crianças, muitas vezes conversando
horas a fio com Yoko. Boa parte da conversa se referia a Hiroshi
Yamauchi.
Ele aterrorizava os filhos, que odiavam a Nintendo por ver
quanto a empresa o consumia. A atenção que dispensava a
eles vinha sob a forma de imposições e regras. As leis da casa
eram rígidas. Yoko tinha de sentar-se à mesa de jantar às seis,
embora o pai quase nunca estivesse presente.
Perto dos 40 anos, Yamauchi continuava charmoso, sempre
com um cigarro no canto da boca. Já se desfizera do motel,
mas ainda era conhecido nos lugares mal-afamados de Quioto.
Michiko fingia ignorar o fato, mas os filhos ressentiam-se
amargamente.
Em 1970, ao completar 20 anos, Yoko recebeu, chocada, um
convite do pai para sair pela cidade. Depois de se aprontar,

99
OS MESTRES DO ] O G O

acompanhou-o a um cabaré, sikiknke, onde cinco gueixas os


atenderam, servindo drinques. Era evidente que as mulheres
o conheciam muito bem. O pai brindou a sua maioridade;
mas então, como fosse tarde, mandou-a de volta para casa
num táxi. Ele só chegou ao amanhecer.
Yamauchi era especialmente severo com as filhas, pois não
confiava em moças. Era testemunha do que elas faziam, soltas
na rua, tarde da noite; muitas das garotas que encontrava ti­
nham a idade de Yoko. Da mesma forma, ante a promiscui­
dade, o temperamento e as ausências do pai, Yoko se acau­
telava quanto aos homens. Já decidira que só se casaria com
alguém sem nada em comum com Yamauchi.
Nessa época, os pais de Yoko começaram a movimentar-se
para arranjar-lhe casamento, conforme ainda se fazia no Japão.
Numa abordagem moderna, Michiko conspirava com outros
pais, planejando encontros para os filhos. Yoko se submetia
porque tratava-se de uma oportunidade de sair de casa, mas
não pretendia envolver-se com ninguém.
Cursava o último ano de história inglesa na universidade
quando uma colega a convidou para um baile de Natal. O
pai provavelmente teria proibido o passeio, pois desprezava
as famílias tradicionais de Quioto, mas estava fora da cidade.
Michiko deu-lhe permissão.
Uma decoração festiva e a música de uma pequena orques­
tra animavam a festa, que Yoko apreciava de um corredor,
bebericando ponche. Um homem aproximou-se e convidou-a
para dançar. Ela percebeu que ele estava embriagado e pensou
em recusar, mas aceitou para não ser rude. Logo notou como
era difícil deslocar-se naquele vestido justo e com os sapatos
de salto alto.
Apesar dos esforços, não conseguia acompanhar o homem
em seus rodopios desajeitados pela pista de dança. Tentou
então atrair o olhar de uma amiga de sua mãe, que dançava
ali perto. A mulher captou o pedido de socorro e se interpôs,
levando o bêbado embora e deixando-a nos braços do rapaz
com quem dançava.

100
RUMO AOS EUA

Minoru Arakawa trajava um smoking de lapelas largas. Alto,


de porte magro mas atlético, deixava o reluzente cabelo negro
se agitar em ondas para um lado, um pouquinho mais com­
prido do que mandava o figurino. Ele e Yoko nunca tinham
sido apresentados, mas sabiam um do outro.
Bem que a colega de faculdade, prima de Minoru, adiantara
que ele era bonito e inteligente. Yoko percebeu de imediato
que estava diante de um homem diferente dos que costumava
encontrar em Quioto. Minoru era cosmopolita, sofisticado e
divertido.
Os dois conversaram e dançaram a noite toda. A certa altura,
riram muito ao descobrir que podiam ter sido primos: a tia
dela fora noiva do tio dele. O casamento não aconteceu porque
o rapaz, numa atitude escandalosa, rompeu o compromisso.
As duas famílias ficaram muito constrangidas, uma vez que
já haviam até trocado presentes — a maneira tradicional de
validar uma união. Tei Yamauchi, humilhada e furiosa com
a quebra de etiqueta, pegou a relíquia familiar dos Arakawa,
um ornato de cabeça em seda ricamente bordada, rasgou-a
em duas partes e mandou-a de volta.
Depois desse baile de Natal, Minoru passou a tomar o trem
entre Tóquio e Quioto assiduamente só para ver Yoko, a quem
levava para passear e almoçar. Não tardou para romper com
a namorada em Tóquio, informando-a de que se envolvera
seriamente com outra pessoa.
Yoko e Minoru gostavam muito um do outro, mas estavam
apreensivos quanto à opinião de suas famílias sobre uma even­
tual união. Os Yamauchi eram quase tão ricos quanto os Ara­
kawa; contudo, existia uma barreira entre os dois clãs. O ornato
dos Arakawa, mutilado, servia de lembrete.
Hiroshi Yamauchi nutria apenas desdém por gente como
os Arakawa, aquela camada superior da sociedade que via
como conservadora e pomposa. De posse de uma fortuna acu­
mulada em muitas gerações, a família Arakawa tinha um dos
negócios mais respeitáveis do país. Já Yamauchi tornara-se
presidente de uma empresa familiar aos 21 anos e, embora a

101
OS MESTRES DO J OGO

tivesse transformado num sucesso, era evitado pelos empre­


sários estabelecidos em Quioto. Quando ingressava num dos
clubes tradicionais, via-se ou ignorado ou desprezado aberta­
mente pelos sócios mais antigos. Era traído por seu estilo:
manifestava os sentimentos a quem quisesse ouvir (tinha ata­
ques rotineiramente), ao passo que os Arakawa, sempre dig­
nos, nunca revelavam nada.

Yoko Yamauchi se aconselhou com a mãe, que prometeu


fazer tudo para ajudar. Michiko passou as semanas seguintes
empenhada na defesa do caso da filha, observando junto ao
marido que os Arakawa, ainda que respeitáveis, eram dife­
rentes das outras famílias aristocráticas e que Minoru merecia
uma chance.
Então, Michiko e Yoko convidaram Minoru para jantar.
Dado o terrível retrato que Yoko pintara do pai, ele tinha a
impressão de que se preparava para visitar Don Corleone.
Minoru se apresentou na casa dos Yamauchi de terno, bem
conservador. Após os cumprimentos, acomodou-se à baixa
mesa de jantar sobre a qual Michiko e Yoko serviram a refeição.
Recostado em sua cadeira, Hiroshi observava o pretendente
à mão da filha.
Ao longo da noite, Yamauchi disparou perguntas contra
Minoru como se conduzisse uma entrevista para um emprego.
Tinha de convencer-se de que o rapaz não era nem um be-
berrão, nem um playboy.
— Ah, quer dizer que estudou em Harvard? E uma ótima
universidade.
Polido, Minoru esclareceu que estudara no MIT.
— Nunca ouvi falar — declarou Yamauchi.
Yoko e o namorado conseguiram convencê-lo de que o MIT
também era bom.
Após o jantar, a família passou à sala de estar, para o chá.
Lá, Yamauchi olhou para Arakawa e, frio, concluiu:
— Se pretende casar-se com minha filha, que seja logo.
Yoko e Minoru entreolharam-se; o rapaz aquiesceu:

102
RUMO AOS EUA

— Sim, senhor.
Zombando, Yamauchi comentou que o rapaz era uma boa
escolha porque uma mulher não deveria se casar com um
homem bonito demais.
— Quando se tem um marido bonitão, as garotas não o
deixam em paz — preveniu à filha.
No fim da noite, depois que Minoru se foi, Yamauchi re­
velou que tivera boa impressão da família Arakawa desde o
início.
— Um homem tão fino não pode ter filhos ruins — observou
à esposa.
Pouco depois, em março, Minoru pediu Yoko oficialmente
em casamento. Ela, embora apaixonada, achava que devia es­
perar. Mas algo em Minoru acabou por convencê-la. Talvez
seu senso de humor, ou a natureza pensativa. Além disso,
aliviava-a o fato de que ele, como segundo filho, nunca seria
obrigado a entrar para o negócio da família. Por fim, nervosa,
aceitou o pedido, e iniciaram-se os preparativos para o enlace,
que ocorrería em novembro.
A magnífica cerimônia no sólido Santuário Heian, verme-
lho-alaranjado, no parque próximo à casa dos Yamauchi, foi
assistida por 350 convidados das duas famílias (a lista dos
Arakawa era maior: só Minoru convidou uns cinqüenta ami­
gos). Seguiu-se um opulento jantar regado a champanhe no
luxuoso salão de festas do Hotel Miyako.
O casal se instalou numa pequena casa num distrito de
Tóquio chamado Ogikubo, perto de Shinjuku, onde ficava a
sede da Marubeni. Yoko adorou a mudança. Feliz na lua-de-
mel, imaginava que seu casamento seria como o dos pais de
Minoru, os quais, unidos havia décadas, continuavam a dar
passeios nas noites calmas, tratando-se com afeto e respeito.
Coberta de ternura e amor pelo marido, acreditou ter feito
a escolha certa — Minoru não podia ser mais diferente de
Hiroshi Yamauchi.
— Era como estar casada com um namorado — define.
Ao final do primeiro ano idílico, Minoru começou a dedicar

103
OS MESTRES DO J O G O

cada vez mais tempo ao trabalho. Vencido o período de treina­


mento, participou de alguns empreendimentos internacionais da
Marubeni que o afastaram do Japão por dez meses. A experiência
adquirida em Caracas, Toulouse, Düsseldorf e Vancouver o en­
tusiasmou muito, mas Yoko sentia-se abandonada.
— Ninguém me preparou para isso.
Mesmo quando Minoru estava em Tóquio, o casal quase
não tinha tempo para ficar junto. Ele vivia fazendo serão; eram
freqüentes os jantares e coquetéis a que tinham de comparecer.
Yoko detestava as obrigações de esposa de executivo, pois
descobrira que as mulheres nessa situação não tinham iden­
tidade: seu lugar na hierarquia dependia da posição do marido
na empresa. No primeiro almoço de esposas de que participou,
sentou-se junto à mulher do gerente-geral assistente e foi re­
chaçada com aspereza.
— Todas ficaram me olhando. Deviam ter pensado que Ara­
kawa se casara com a mulher errada.
Graças a Michiko, as queixas de Yoko acabaram chegando
aos ouvidos de Yamauchi, que telefonou, colérico, para a filha,
repreendendo-a severamente por ter escolhido Arakawa. No
fim, aconselhou-a a se divorciar. Yoko passou a considerar a
possibilidade, em especial depois de ter a primeira filha, a
milhares de quilômetros de casa. De qualquer forma, só com­
provou que a situação estava mesmo péssima quando foi es­
perar o marido, há muito ausente, no Aeroporto Internacional
de Narita e ele passou direto por ela — não se reconheceram.
Certa noite, em 1977, Minoru chegou em casa anunciando
que a família mudaria para Vancouver e ficaria lá por no mí­
nimo um ano. A companhia o incumbira da desafiadora tarefa
de erguer um grande complexo de condomínios. Com uma
verba de 1 milhão de dólares, ele seria o responsável por tudo,
da compra do terreno ao entendimento com os arquitetos e
à venda das unidades. Para completar, garantiu que Vancou­
ver era uma cidade agradável, enevoada, de uma beleza rús­
tica. Yoko se assustou com a idéia, mas lembrou que eles talvez
tivessem mais tempo juntos se saíssem de Tóquio, afastando-se

104
RUMO AOS EUA

da competição na sede da empresa. Reanimados, começaram


a planejar a mudança.
Na noite seguinte, Arakawa chegou em casa com más no­
tícias: iria para o Canadá, mas sozinho. A empresa não incluía
as famílias dos funcionários em seus planos. Para compensar,
Minoru prometeu a Yoko que a levaria mais tarde, caso o
empreendimento no Canadá vingasse. Até lá, viajaria para o
Japão, para vê-la, o tempo todo.
Yoko passou a noite em claro. Pela manhã, vestiu-se e foi
direto para a Marubeni. Invadiu a sala do chefe do marido e
declarou:
— Se eu não for, nosso casamento acaba.
Balançando a cabeça, o homem opinou enfático que ela não
devia ir, pois seria um fardo para Arakawa. Além disso, de­
testaria viver fora do Japão. Yoko ameaçou entrar com uma
ação de divórcio se Minoru viajasse sem ela, e que a culpa
seria da empresa. O gerente ainda argumentou mais um pouco,
mas acabou cedendo.
— Eu não levaria muita coisa, se fosse você — aconselhou.
— Logo estará de volta.
Yoko e Minoru deixaram o Japão com a filha única, Maki,
então com 3 anos, e duas malas. Em Vancouver, hospedaram-
se num hotel e foram comer hambúrgueres gordurosos no
restaurante Denny's.
— Se isto é a América do Norte, acho que cometi um grande
erro — resmungou Yoko depois de outra refeição dessas.
No Japão, ela fumava apenas ocasionalmente. Em Vancou­
ver, passou a consumir três maços de cigarros ao dia. Não
era pouca a vontade de usar o cartão de crédito que o pai lhe
dera para comprar passagens de volta para ela e a filha.
Minoru poupava a verba da empresa para o terreno e a
construção. Insistia em viver apenas com seu salário, sem ajuda
financeira da família. Assim, não podia comprar móveis nem
alugar uma boa moradia mobiliada. Recorreu a um estrata­
gema aprendido na época do MIT: sublocou a casa de um
professor da Universidade de Colúmbia que se encontrava de

105
OS MESTRES DO JOGO

licença. De lá, ia para o novo escritório todas as manhãs em


seu novo Honda Civic. Enquanto trabalhava no mínimo ca­
torze horas por dia, Yoko, enfurnada em casa, tentava começar
vida nova no Canadá.
Ela, que imaginara ter um inglês razoável, descobriu que
mal compreendia o que os outros diziam. Estudou a língua
pela televisão e adquiriu um sotaque bem parecido com o do
Columbo, de Peter Falk. Teria apreciado aulas de inglês, mas
não podia pagar os 10 dólares cobrados por hora. Contratou
uma senhora canadense para tomar conta da filha por 1,5 dólar
a hora e corrigir-lhe a fala sempre que cometesse algum erro.
O inglês melhorou, mas Yoko continuava se sentindo presa
em casa. Certo dia, Minoru apareceu de surpresa com um
velho Chevy que arrematara por 700 dólares. Informando que
abrira uma conta bancária em nome dela com um depósito
modesto, deu-lhe também um mapa de Vancouver.
— Agora você tem dinheiro, condução e um mapa — re­
sumiu. — Pode sair.
Yoko continuava infeliz. Seu primeiro passeio motorizado re­
sultará num confronto com a polícia. Os canadenses das redon­
dezas eram impacientes e rudes. Não tinha amigos; nunca encon­
trava o marido. As únicas pessoas que via eram a filha e a babá.
Um ano depois o casal ganhou mais uma menina, Masayo.
O dono da casa sublocada voltou e a família teve de sair dela.
Como Mino não queria gastar com ajudantes, Yoko teve de
empacotar toda a mudança, que os dois carregaram sozinhos.
Essa foi a primeira das oito vezes que se mudaram, da casa
de um professor para a de outro, antes de finalmente comprar
um imóvel em West Vancouver.
Naquela época, Arakawa só pensava em construir seus con­
domínios. A Marubeni se achava em dificuldades financeiras
e o sucesso de seu projeto seria de grande ajuda, além de
valorizá-lo na empresa. Parcelando a verba, iniciou o empreen­
dimento no ótimo terreno que comprara perto de Vancouver.
Comandou a limpeza da área, acompanhou a elaboração do
projeto e passou a supervisionar a construção. Quando as pri­

106
RUMO AOS EUA

meiras unidades ficaram prontas, ele mesmo, às vezes com a


ajuda de Yoko, assumia o papel de corretor. Na ânsia de vender
um apartamento, dedicou 48 horas de trabalho à aplicação de
uma pintura cor de pêssego para um comprador em potencial.
Os esforços exaustivos compensaram, pois o investimento co­
meçou a dar lucros.
Ao mesmo tempo, ele tentava livrar uma subsidiária da
Marubeni de um outro empreendimento em Vancouver que
dava prejuízo. Numa joint venture com uma imobiliária cana­
dense, a empresa construíra um grande complexo de condo­
mínios chamado Central Park Place. Quando as 434 unidades
ficaram prontas, o mercado imobiliário sofreu um retrocesso
e as vendas paralisaram. Junto com os parceiros canadenses,
Arakawa tentava descobrir meios de minimizar as perdas. A
experiência desagradável teve uma boa conseqüência: ele co­
nheceu um rapaz que se tornaria um grande amigo — Phil
Rogers, um inglês alto de cabelo loiro rareando e atentos olhos
azuis que trabalhava para os empresários canadenses.

Yoko conversava muito com a mãe no Japão, o que acar­


retava altas contas telefônicas. Em 1979, após 2 anos no Ca­
nadá, o casal voltou a Quioto para uma breve visita. Certa
noite, durante um jantar, Yamauchi sugeriu a Mino que es­
quecesse a Marubeni e Vancouver e se juntasse à Nintendo,
com a tarefa inicial de abrir uma fábrica na Malásia. Muitas
empresas japonesas do ramo de brinquedos começavam a fa­
bricar seus produtos em países com mão-de-obra mais barata.
Tratava-se de uma grande oportunidade, completou.
Yoko se afligiu, pois não queria nada com a Nintendo. Ca­
sado com os negócios, seu pai levara para casa raiva e frus­
tração quando não tinha as expectativas correspondidas. O
próprio Yamauchi culpava a empresa por suas dores de es­
tômago. Yoko passara a infância vendo a família aguardá-lo
à noite, temerosa de seu humor.
— A gente tremia — recorda-se. — Todos sofríamos.
Embora Mino trabalhasse tanto quanto Yamauchi, Yoko não

107
OS MESTRES DO ] O GO

estava sob o domínio de ninguém. De forma alguma deixaria


o marido assumir um cargo na Nintendo. Isso significaria sub­
meter a vida novamente ao controle de Hiroshi Yamauchi.
Arakawa também desconfiava das intenções do sogro.
— Talvez me achasse parecido com ele. Ou talvez quisesse
apenas me testar.
Além disso, não tinha vontade nenhuma de se mudar para
a Malásia, que considerava tão distante quanto a Sibéria.
Partiram de Quioto sem que Mino desse uma resposta a
Yamauchi, mas Yoko nunca vacilou. Já em Vancouver, disse
à mãe, pelo telefone, que era totalmente contra a idéia de que
o marido se juntasse à Nintendo. Michiko ficou tão zangada
que passou meses sem falar com ela.
Arakawa continuava mergulhado em seu projeto da Ma­
rubeni, que se tornava um grande sucesso. Os 350 apartamen­
tos vinham sendo vendidos com rapidez. A firma perdera di­
nheiro no Central Park Place, mas os condomínios de Arakawa
davam bons lucros. Mino recusou a oferta do sogro e Hiroshi
Yamauchi desistiu de montar a fábrica além-mar. Mas conti­
nuou com a idéia de integrar o genro ao negócio da família.
Yamauchi queria entrar no mercado norte-americano e pre­
cisava de alguém para dirigir a operação. Se fosse mais jovem
e falasse inglês, ele assumiría a tarefa pessoalmente. Sempre
fora seu sonho viver no exterior, nos Estados Unidos, e lá
fazer fortuna. O fato era que estava a par do progresso do
genro, bem informado por Michiko, que por sua vez obtinha
as novas em primeira mão de Yoko.
Arakawa impressionava não só pela capacidade administra­
tiva e organizacional, mas também pela perseverança e dedica­
ção. O filho de Hiroshi, Katsuhito, ainda jovem e inexperiente
para assumir grandes responsabilidades na Nintendo, por ora
trabalhava na Dentsu, uma agência de propaganda. Restava Ara­
kawa, cuja experiência internacional era inestimável. Tinha de
convencê-lo a dirigir a subsidiária norte-americana.
Minoru e Yoko visitaram Quioto novamente no início de
1980. Certa noite, após um jantar simples na casa dos Yamau-

108
RUMO AOS EUA

chi, todos se acomodaram em cadeiras de vime. Enquanto Mi­


chiko servia uísque, Yoko olhava para a janela que dava o
jardim em que brincara na infância e que agora lhe parecia
um quadro atrás de um vidro.
Hiroshi passou uma das mãos pequenas pelo cabelo e se
voltou para Minoru. Hesitante e brando de início, logo lhe
falava em tom veemente e enfático, ignorando a esposa e a
filha. Levou duas horas para expor todo o plano.
Arakawa não se abalou quando Yamauchi declarou que o
projeto dependia dele. Bebericando o drinque, olhou para a
esposa, cujo queixo permanecia firme. Sempre receosa em re­
lação ao pai, desconfiada e temerosa de perder o marido para
ele, Yoko se afligiu ao ver que Mino se interessava pela idéia.
Embora não duvidasse do sucesso da Nintendo no Japão,
Arakawa cogitava se Yamauchi não estaria superestimando o
potencial de expansão da empresa. Além disso, agora que con­
solidara sua posição na Marubeni, seria difícil abandoná-la.
Por outro lado, Yamauchi garantia que a Nintendo era a líder
incontestável de uma indústria nascente.
Mino olhou para Yoko, que finalmente começara a gostar
de Vancouver. Sabia que ela era contra sua ida para a Nin­
tendo. Então fitou o sogro, que lhe serviu mais uísque e in­
clinou-se para a frente.
O negócio do videogame tinha potenciais que ninguém con­
seguira explorar ainda, observou Yamauchi, voltando à carga.
Seus substanciosos investimentos em pesquisa e desenvolvi­
mento compensaram, pois os engenheiros agora adaptavam
tecnologias de semicondutores baratas, já aprovadas, para no­
vos tipos de produtos.
— Não vejo limites — completou.
Argumentou que Arakawa não teria que deixar a América
do Norte; precisava da experiência que ele adquirira lá. Além
disso, seria livre, seria o presidente de uma subsidiária inde­
pendente, generosamente apoiada pela NCL. Se conseguisse
reproduzir nos Estados Unidos uma pequena parcela do cres­

109
OS MESTRES DO ] O GO

cimento da Nintendo no Japão, estaria no comando de uma


empresa bastante lucrativa.
— Yoko e eu vamos discutir o assunto — declarou Arakawa
ao desejar boa-noite ao sogro.
Percebendo o entusiasmo de Minoru, Yoko viu que sua in­
dependência em relação ao pai corria perigo. Já se imaginava
no meio das inevitáveis batalhas que surgiríam entre Mino e
Yamauchi. Temia que a tensão entre os dois homens prejudi­
casse seu casamento.
Quanto a Mino, de fato o atraía a idéia de montar uma
nova empresa num setor do qual não sabia nada.
— Yoko e eu provínhamos de famílias ricas — cornenta
ele. — Podíamos viver sem trabalhar, de modo que não era
o dinheiro que me motivava. Alguma outra coisa me impelia.
Tentou tranqüilizar Yoko. Em vão.
— Não importa o quanto você realize, sempre será consi­
derado medíocre porque é o genro — garantia ela, contem­
plando, pesarosa, a vista de Vancouver que a casa lhe oferecia.
Fizera amigos lá; começara a pintar e a ter aulas de arte.
A comunidade era boa para quem, como ela, precisava criar
duas filhas. Mas Minoru queria mesmo trabalhar para a Nin­
tendo. E Yoko cedeu.
Nova York, o centro das finanças e do comércio norte-ame­
ricanos, parecia ser a escolha lógica para a sede da empresa
nos Estados Unidos. Dentes cerrados, Yoko deixou Vancouver
em maio de 1980.
A fim de suavizar o impacto da mudança, Minoru decidiu
fazer da transferência para o leste uma aventura, viajando de
carro. Contudo, no dia em que os quatro partiram com um monte
de malas e brinquedos (a pouca mobília que tinham seguira de
caminhão), o Monte Santa Helena entrou em erupção.
Sob um céu escurecido pelo lúgubre pó alaranjado cuspido pelo
vulcão, a família voltou para o Canadá. O carro, com a pintura
toda estragada, tomou o rumo leste, pelas Montanhas Rochosas
Canadenses. Yoko considerou de mau agouro esse início.
Chegaram a Nova Jersey e alugaram uma casa em Engle-

110
RUMO AOS EUA

wood Cliffs, sempre economizando o dinheiro ganho com o


condomínio. Ambos se orgulhavam muito de nunca ter pedido
dinheiro para suas famílias. Yoko jamais usara o cartão de
crédito dado pelo pai, nem aceitara as insistentes ofertas de
ajuda da mãe.
Como primeira funcionária da Nintendo nos Estados Uni­
dos, ela ajudou o marido a procurar um local para o escritório,
em Manhattan. Por fim, alugaram um conjunto no 17° andar
de um edifício na confluência da Rua Vinte e Cinco com a
Broadway. Passaram a ir ao trabalho juntos, todas as manhãs,
deixando as crianças com uma babá.
Supervisionando a montagem do escritório, Yoko observou
o caminhão com os móveis e equipamentos encomendados
estacionar na área de descarga do prédio. Apesar de todas as
caixas exibirem o aviso ’'frÁgil1', os ajudantes as atiravam sem
cuidado na calçada.
Ela ficaria ainda mais pasma na hora da montagem. Um
trabalhador grandalhão, depois de fazer hora abrindo as em­
balagens dos acessórios, ficou aguardando um colega para
ligá-los ao encanamento e à rede elétrica.
Os dias seguintes tiveram a mesma rotina. Os trabalhadores
chegavam entre oito e nove da manhã; às dez, paravam para
tomar café e ao meio-dia saíam para almoçar. Então, lá pelas
três ou quatro da tarde, encerravam o dia. Quando Yoko fi­
nalmente criou coragem para reclamar de tamanha ociosidade,
retrucaram-lhe:
— Bem-vinda a Nova York.
A primeira missão da Nintendo norte-americana era entrar
no setor de fliperamas, que rendia 8 bilhões de dólares anuais
e constituía, na época, a maior indústria de entretenimento dos
Estados Unidos — maior do que as de cinema e televisão. Mas
a clientela era sem dúvida estreita: adolescentes, na maioria.
Antes de ir para os Estados Unidos, a Nintendo Co., Ltd.
participara daquela onda lucrativa mas limitada. Por meio de
uma sociedade mercantil, licenciava a firmas norte-americanas
as máquinas de fliperama produzidas no Japão. Assim, amea-

111
OS MESTRES DO JOG O

lhava apenas uma fração da renda das companhias que ven­


diam os produtos diretamente no mercado norte-americano.
Minoru e Yoko passaram a freqüentar casas de diversões
eletrônicas à noite. Paralisados diante das máquinas, os garotos
tinham as mãos coladas aos controles, os bracinhos esquelé­
ticos semelhantes a cordões umbilicais unindo ser humano e
equipamento. O casal japonês assistia ao jogo por sobre o om­
bro dos meninos até deixá-los constrangidos.
— Qual é a sua, moço? — rosnou um garoto vestido com
uma camiseta do Kiss.
— Quer um emprego? — disparou Minoru.
Arakawa queria que os meninos lhe explicassem o que os
atraía num jogo, mas logo compreendeu que se tratava de
algo inexprimível. Os termos utilizados nas tentativas de des­
crição lembravam modos íntimos de tratar as pessoas. Era
como se o jogador e o jogo fossem uma coisa só.
O outro fenômeno responsável pelo sucesso dos videoga­
mes era mais evidente: som e imagem estimulantes, de impacto
imediato. Era preciso cativar o jogador nos primeiros trinta
segundos; o nível de intensidade tinha de se manter por dois
minutos, tempo de duração de uma ficha. A essa altura, se
não cativado, o jogador abandonava a máquina sem olhar para
trás; caso contrário, se desafiado pelo jogo, gastaria fichas equi­
valentes a um jantar para quatro pessoas.
Arakawa contratava os garotos e os colocava para trabalhar
num armazém caindo aos pedaços, cheio de ratazanas, que
alugara em Nova Jersey. O elevador de carga funcionava só
de vez em quando e as portas viviam emperradas. Sem ar-
condicionado, o lugar era úmido e gelado no inverno, virando
um forno pegajoso no verão. Para lá seguiam as fliperamas
provenientes do Japão e desembarcadas no porto de Elizabeth,
em Nova Jersey.
Como eram poucos os funcionários — um gerente e meia
dúzia de garotos —, todo mundo ajudava. O Mr. A, conforme
o chamavam os norte-americanos, quando não estava ao te­

112
RUMO AOS EUA

lefone, trabalhava ao lado dos jovens empregados, usando


jeans como os deles e se dedicando tanto quanto eles.

Uma das primeiras tarefas de Arakawa foi formar uma equi­


pe de vendas, pois a Nintendo precisava contatar grandes ope­
radoras e distribuidoras de fliperamas em todo o país. Nada
mais lógico do que chamar a dupla Al Stone e Ron Judy,
responsável pela venda dos jogos Nintendo nos Estados Uni­
dos nos últimos anos.
Stone, ex-aluno do Lowell High School em San Francisco
e da Universidade da Califórnia em Berkeley, pensara em tor-
nar-se jogador de beisebol, embora tivesse físico para o futebol
— cabeça quadrada e ombros largos de zagueiro. Chegou a
integrar equipes da liga secundária, mas então formou-se em
finanças e economia na Universidade de Washington e foi ten­
tar vender lingüiças, além de representar uma linha de navios
a vapor. No fim, transferiu-se para o Vale do Silício, traba­
lhando para a Intel, a gigante dos semicondutores.
Judy era um homem pequeno de profundos olhos azuis-
acinzentados, sobrancelhas que pareciam desenhadas e um
bigode fininho. Da escola primária à faculdade em Seattle,
passara catorze verões trabalhando na empreiteira do pai, lim­
pando terrenos para a construção de rodovias interestaduais.
Trabalhou também num oleoduto no Alasca a uma tempera­
tura de 50 graus negativos, de modo que o clima de Chicago,
onde mais tarde concluiu o curso superior (na Universidade
de Illinois), lhe pareceu bastante ameno.
Em 1972, formado, transferiu-se para Nova York, onde pres­
tava consultoria ao Chase Manhattan Bank. Logo depois se­
guiu para San Francisco, atuando como consultor numa pe­
quena firma, junto a empresas de alta tecnologia.
Stone e Judy conheceram-se na Universidade de Washing­
ton. Moravam na mesma fraternidade e abriram em sociedade
uma franquia da Business Week no campus. Certa vez, com­
praram um enorme carregamento de vinho barato que uma
firma local estava para jogar fora e o venderam aos estudantes.

113
O S MESTRES DO JOGO

Depois de formados, encontravam-se de vez em quando


para tomar cerveja e trocar idéias. Numa coisa concordavam:
estavam fartos de trabalhar para os outros e queriam ganhar
mais dinheiro.
Em Seattle, montaram o primeiro negócio, uma transpor­
tadora chamada Chase Express. Ganhavam a vida recolhendo
os contêineres de uma frota no porto quando um amigo de
Judy ligou do Havaí com uma proposta. Não demorou muito
e Judy estava no hangar de frete aéreo do aeroporto, recla­
mando um enorme engradado. Depois de tentar sem sucesso
enfiá-lo na caminhonete, amarrou-o na capota.
Em casa, na sala, abriu a caixa e viu algo semelhante a uma
mesinha com uma tela de televisão no lugar do tampo. Tra­
tava-se, segundo as fontes, da última novidade no Japão, per­
feita para bares e pizzarias, onde os clientes gastavam fichas
enquanto se fartavam de massa e cerveja. Na máquina, joga­
va-se o videogame Space Fever, produzido por uma empresa
chamada Nintendo.
O dono de um hotel local concordou em colocar o jogo em
seu saguão, desde que ficasse com 60 por cento da renda.
Embora atraísse uma boa clientela, a máquina sozinha não
dava grandes lucros, de modo que logo mais duas foram pe­
didas. O amigo havaiano de Judy explicou que todas as gran­
des empresas japonesas tinham representantes nos Estados
Unidos, exceto a Nintendo, cujas máquinas eram compradas
por uma sociedade mercantil, que as despachava para o Havaí.
Faltava apenas alguém que as levasse para o continente.
Judy instalou as duas novas máquinas num bar de Seattle,
passando a ter "lucros obscenos", segundo suas próprias pa­
lavras. Foi o bastante para que ele e Stone entrassem no ne­
gócio. Abriram uma nova empresa, a Far East Video, passaram
a comprar as fliperamas da sociedade mercantil japonesa e a
revendê-las a particulares ou pequenos distribuidores em to­
dos os Estados Unidos. No processo, especializaram-se em
convencer funcionários de companhias aéreas a ignorar os li­
mites de peso e tamanho de bagagem a fim de embarcar as

114
RUMO AOS EUA

máquinas em voos comerciais. De Peoria a Phoenix, imploravam


a motoristas de táxi que as carregassem no porta-malas. A onda
dos videogames era tamanha que até os jogos ruins vendiam.
A dupla comprava as máquinas por menos de mil dólares, re-
vendiam-nas por cerca de 1.500 e de cinco a dez unidades por
cliente. As distribuidoras chegavam a cobrar 2.500 dólares cada.
Assim, o lucro compensava toda a dor nas costas.
Mino Arakawa contatou Judy e Stone no fim de 1980, pe­
dindo uma reunião. O encontro coincidiu com a primeira visita
de Hiroshi Yamauchi à nova subsidiária. Yoko temia que o
pai se intrometesse nos negócios.
Ele, embora houvesse programado a viagem de modo a poder
acompanhar Arakawa a uma exposição do setor, desejava ver
a filha e as netinhas. Michiko insistira, pois Yoko lhe parecia
distante ao telefone, num lugar tão longínquo. Receava que ela
se afastasse das meninas e se dedicasse demais ao trabalho.
Tão logo chegou a Nova York, Yamauchi constatou que a
percepção da mulher estava correta: algo mudara. Só que Yoko,
longe de parecer infeliz, mostrava-se mais satisfeita e confiante
do que nunca.
Embora fumasse havia muitos anos, ela jamais o fizera diante
do pai, pois ele, apesar de fumante inveterado, pertencia à ge­
ração que ainda considerava o fumo indigno de uma senhora.
Longe de abandonar o vício, Yoko cuidara apenas de ocultá-lo.
Mas naquela noite, acabado o jantar no restaurante em Ma­
nhattan, Yoko se voltou para o pai e, descontraída, indagou:
— Importa-se se eu fumar?
Yamauchi lhe lançou um olhar agudo; após longa pausa,
pegou seu próprio maço e lhe ofereceu um cigarro. Ela o acei­
tou e se inclinou a fim de aproveitar também a chama acesa.
Nada foi dito, mas o momento marcou o início de uma mu­
dança no relacionamento entre ambos. Yamauchi por fim cons­
tatava que a filha era uma mulher forte, independente. Per­
cebia também que gostava muito dela.
— Pai, sei que está preocupado com o andamento das coisas
por aqui — comentou Yoko durante o passeio pelo centro de

115
OS MESTRES DO J O G O

Manhattan. — Mas agüente só um mais um pouquinho; deixe


Mino agir à maneira dele.
Yamauchi prometeu se conter... por ora.
Reunidos com Arakawa e Yamauchi no escritório em Ma­
nhattan, Al Stone e Ron Judy repararam que o mais moço,
embora cuidasse de toda a exposição, olhava com freqüência
para o mais velho.
Arakawa esclareceu que pretendia importar as máquinas
de fliperama diretamente para os Estados Unidos e esperava
contar com a colaboração deles. Tratava-se de um acordo livre
de riscos: os dois permaneceríam independentes e teriam todas
as despesas cobertas. O lucro por jogo continuaria mais ou
menos o mesmo, de modo que ambos só tinham a ganhar.
Stone e Judy afirmaram poder vender todos os games da
Nintendo, desde que a qualidade melhorasse. O Space Fever
e o Sheriff tinham boa aceitação, mas esperava-se por um jogo
arrasador — como o Space Invaders ou o Pac-Man.
Yamauchi não disse palavra. Ao deixar Nova York, era in­
tensa sua compulsão por assumir o controle, embora não hou­
vesse tido uma única discussão com Arakawa.
Judy e Stone deixaram o contrato nas mãos de um advo­
gado, Howard Lincoln, da firma Sax e Maclver, em Seattle.
Aos 38 anos, Lincoln era afável como um coronel de Kentucky,
mas também capaz de intimidar praticamente qualquer ad­
versário. Quando perdia o controle, o que era raro, os cautos
saíam da frente. Confiante e descontraído, falava de um jeito
engraçado, caloroso, transmitindo apoio pela voz. Era garboso,
quase colegial, e astuto como uma raposa.
Tinha olhos castanhos intensos, circunspectos, pequenos para
seu rosto, e faces coradas de trabalhador braçal (os companheiros
de pescaria o apelidaram de Cato, em homenagem ao marcador
do Green Hornet, por sua estouvada perseguição ao salmão).
Sempre que podia, ia para as montanhas ou, ao menos uma vez
por ano, ao Alasca, para pescar. Nessas ocasiões, relaxava, mas
no dia-a-dia apresentava os músculos do pescoço tensos e os
ombros erguidos, como se estivesse preparado para proteger o

116
RUMO AOS EUA

rosto numa luta. Tratava-se de um dos poucos sinais a de­


nunciar-lhe o raciocínio rápido sob a atitude serena.
Lincoln nasceu em Oakland, na Califórnia. Seu pai, um ho­
mem reservado, de ouvidos moucos, era benquisto na comu­
nidade e pelos subordinados na Pullman Company, fabricante
dos vagões ferroviários Pullman, onde trabalhava como exe­
cutivo. A mãe, elegante, era delicada e graciosa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo norte-ame­
ricano utilizara as ferrovias para transportar tropas, o que
manteve o pai de Lincoln bastante ocupado. Ele se lembra de
que, aos 4 ou 5 anos, visitou trens com soldados feridos man­
dados de volta a San Francisco.
Garoto magricela de cabelo curto, Lincoln cursou o ginásio
nos anos 50 em camisas de manga curta e calças de barra italiana.
Ativo participante da Igreja batista, era também escoteiro e em
1954 serviu de modelo para o loirinho de sorriso angelical do
quadro de Norman Rockwell. A obra retratava um chefe-esco-
teiro ao lado de uma bela fogueira, perto de garotos metidos
em sacos de dormir, e em 1956 ilustraria o calendário da ordem.
Com a ascensão das viagens aéreas comerciais, era inevi­
tável o declínio da Pullman, que o pai de Lincoln administrou
por 48 anos. Howard já se encaminhara aos estudos superiores.
Ao chegar à Universidade da Califórnia em Berkeley, em se­
tembro de 1957, para cursar direito, as fraternidades ainda
controlavam a vida no campus, mas a situação logo se alteraria:
o Movimento da Livre Expressão chegara para agitar. Lincoln
assistiu a tudo a distância, determinado a alcançar o Boalt
Hall, onde foi admitido em 1962, depois de se formar como
um dos primeiros da turma. A seu lado estava Rose Bird, que
mais tarde seria juíza da Corte Suprema da Califórnia.
A convocação para a guerra do Vietnã continuava em vigor
e Lincoln, três dias antes das provas na Ordem dos Advogados,
foi chamado pelo Exército para o exame médico. No centro
da Reserva Naval de Oakland, recrutaram-no como marinhei­
ro. Antes de entrar em serviço, porém, ele trabalhou como
temporário para o promotor público do Condado de Alameda,

117
OS MESTRES DO JOGO

Frank Coakley. (Earl Warren trabalhara no mesmo escritório


antes de ir para a Corte Suprema.)
No departamento de Coakley, Lincoln cuidou de um caso
de fraude (um assessor municipal fora acusado de aceitar su­
borno), passando então a auxiliar o promotor público asso­
ciado Ed Meese em vários processos. Sem dúvida apreciou
trabalhar com o ambicioso e controverso futuro secretário de
Justiça norte-americano.
Em 1966, ao mesmo tempo que Meese assumia o cargo de
secretário do governador Ronald Reagan, Lincoln entrava para a
Marinha como auditor de guerra. Em Newport, Rhode Island,
freqüentou o curso de treinamento de oficiais e aprendeu as regras
do julgamento militar. Na hora de assumir o posto, pôde optar
entre Nova York e Seattle. Resolveu voltar para a Costa Oeste.
Na Base Aeronaval de Sand Point, em Lake Washington,
o quartel-general do Décimo Terceiro Distrito Naval, Lincoln
julgava casos da corte marcial. Certo dia, fazendo hora diante
do alojamento dos oficiais solteiros, conheceu uma tenente de
beleza estonteante, vinda do Kansas. Entediada como profes­
sora, ela se alistara na Marinha e iniciara um período como
oficial numa unidade de levantamentos fotográficos. Em Seat­
tle, recrutava candidatas a oficiais do WAVES. Seis meses
depois, Grace e Howard se casavam.
Loira, de grandes olhos verdes e curvilínea, Grace Lincoln
causava forte impressão quando usava o uniforme da Marinha.
Era comum Howard receber piscadelas e sinais de OK dos
homens quando a acompanhava ao armazém da base. Ele en­
tão sentia o impulso de esclarecer:
— Não, não é o que vocês estão pensando... somos casados.
Ao longo da guerra do Vietnã, a corte marcial julgou muitos
casos por deserção. Lincoln era incumbido tanto de defender
quanto de processar os acusados. Isolado na base naval, ele

* Women Accepted for Volunteer Emergency Service. (N. das T.)

118
RUMO AOS EUA

não tinha contato com os protestos anti guerra, ao passo que


Grace, recrutando nos campi universitários com um grupo de
pilotos da Marinha, era atacada física e verbalmente. Foi com
alívio que ela abandonou as Forças Armadas ao fim de seu
período de serviço.
Em 1970, quando Lincoln também pôde optar pela vida
civil, o casal teve de considerar a questão de onde se instalar.
Howard pensou em procurar Ed Meese, então em Sacramento
com o governador Ronald Reagan, mas no fim resolveram
continuar em Seattle. Depois de enviar currículos para todas
as grandes firmas da cidade, Lincoln foi contratado pela Sax
and Maclver, onde adquiriría uma prática considerável, espe­
cializando-se em questões bancárias e corporativas.
Certo dia, o perito-contador com quem costumava trabalhar
pediu-lhe para analisar um contrato entre seus clientes Ron
Judy e Al Stone e a Nintendo. De acordo com o texto, Judy
e Stone seriam os únicos distribuidores norte-americanos da
empresa japonesa, em troca do pagamento de uma determi­
nada cifra por máquina vendida.
Considerando o contrato "totalmente maluco", Lincoln in­
dagou quem o preparara e soube que fora o presidente da
NOA, Minoru Arakawa. Depois de ajudar Stone e Judy a
alterar o contrato, partiram os três para Nova York a fim de
estabelecer a rede de distribuição da Nintendo.
A nova equipe de vendas da Nintendo, composta por Judy
e Stone, tinha bons contatos na indústria, pois já trabalhara
com inúmeros distribuidores e operadores (que costumavam
instalar suas máquinas em salões de boliche, bares e restau­
rantes). De vez em quando, topavam com tipos suspeitos —
um operador agressivo, querendo condições de pagamento
mais liberais, insinuou ter boas relações com a ralé —, mas
no geral a negociação era direta. Se os jogadores gostassem

* Nintendo of America (N. da T.)

119
OS MESTRES DO J OGO

de um game, era dinheiro em caixa. Tudo muito simples. Qua­


se não se conheciam as complicações do negócio: propaganda,
marketing, promoção e royalties. No entanto, a indústria de­
sacelerou e as vendas da nova empresa caíram. Judy e Stone
declararam a Arakawa que precisavam de um grande sucesso
para continuar com a Nintendo. Em 1980, mal mantinham a
cabeça fora d'agua.
Invertería a situação o Radarscope, um jogo de tiro descom-
plicado em que o jogador encurralava um lutador inimigo e
o destruía. Arakawa o testou em alguns pontos de Seattle e
os resultados foram bons. O Radarscope, concluiu, colocaria a
empresa na rota do sucesso. Encomendou três mil unidades.
Com um pedido tão grande, Arakawa comprometia quase to­
dos os recursos da NOA.
O navio carregado de consoles levou quase quatro meses
para viajar do Japão ao porto de Elizabeth. Arakawa já estava
em pânico, pois o interesse pelo Radarscope parecia cair. Con­
siderando que os jogos nos locais de teste permaneciam ocio­
sos, nem imaginava se conseguiría vender todo aquele carre­
gamento. Aprendia da maneira mais árdua como eram volú­
veis os adeptos do videogame. Um sucesso podia durar só
uma noite. Jogos consagrados como o Pac-Man e alguns de
tiro, de esportes e de corridas de carro, agora clássicos, sempre
davam bons retornos, mas não havia como confiar em novos
lançamentos. Quando chegou, o Radarscope já parecia velho,
e os jogadores contratados de Arakawa relataram o que ele
não queria ouvir: o game era chato.
A beira da falência, Ron Judy e Al Stone se empenhavam
em divulgar o Radarscope, mas os operadores que haviam in­
dicado como potenciais compradores de dúzias de jogos ad­
quiriam apenas dois ou três. Arakawa baixou o preço, mas
continuava com um encalhe de mais de duas mil unidades.
A fim de se manter à tona, Judy emprestou 50 mil dólares da
tia, as economias da vida dela, imaginando que perdera tudo
e que estava endividado para sempre.
Arakawa se desesperava.

120
RUMO AOS EUA

— Cheguei a pensar que fora um grande erro aceitar aquele


trabalho — revela.
Relutava em informar Yamauchi do problema, mas não ti­
nha escolha. A Nintendo norte-americana afundaria sob o peso
dos Radarscope.
Yoko Arakawa via seu maior temor se concretizar: um cho­
que entre o marido e o pai. Após muito adiar, Arakawa fi­
nalmente ligou para Yamauchi informando que o jogo não
vendia e que a inexperiente subsidiária da NCL se encontrava
em dificuldades. Rosnando, Yamauchi retrucou que sabia que
ele dera um passo maior do que a perna com aquela enco­
menda enorme. O que fazer agora? Jamais teria produzido
tantos jogos se ele não houvesse pedido...
Todas as máquinas de fliperama eram muito parecidas por
fora: um gabinete, joysticks e uma tela. O que tornava os jogos
únicos era a placa PC, ou "placa-mãe", dentro do gabinete: o
processador, os chips e os circuitos. Arakawa pensou em re­
pintar os gabinetes e remover os chips do Radarscope. O pro­
blema era que não tinha com o que substituí-los. Com voz
débil, pediu ao sogro um novo jogo. Urgente.
Aos berros, Yamauchi descarregou em Yoko toda a sua fú­
ria, acusando o marido de inépcia, dizendo que cometera um
grave erro ao julgar o caráter do genro. Arakawa, irritado e
ressentido com a arrogância, concluiu que devia ter ouvido a
esposa e mantido distância da Nintendo.
Quanto a Yoko, não podia estar mais dividida.
— Era como se eu estivesse num navio a pique no meio
do oceano — compara. — Dois capitães gritavam em meus
ouvidos o que devia ser feito e como era desastrosa a situação.
Telefonou para a mãe, em busca de apoio. Michiko acon­
selhou:
— Tenha paciência, não desanime...
— Se eu precisasse só de incentivo, não estaria ligando! —
retrucou Yoko, exasperada.
Meses depois, à chegada do verão, levou as crianças a Quio­
to para uma visita, apesar da tensão quase insuportável.

121
OS MESTRES DO J OGO

Nos Estados Unidos, Arakawa empurrava os outros pro­


dutos Nintendo enquanto os chips do novo jogo não chega­
vam. Ao mesmo tempo, transferia a base de operações. Fora
um erro estabelecê-la em Nova York; o desastre do Radarscope
ilustrava bem as conseqüências de estar tão longe do Japão.
Os desembarques na Costa Oeste eliminariam semanas, talvez
meses, de atraso. A decisão tinha também um caráter pessoal.
Ele e Yoko nunca se acostumaram ao ritmo frenético de Nova
York, sem falar nos exaustivos e ineficientes percursos entre
o escritório, no centro de Manhattan, o armazém e a central
de serviços em Nova Jersey.
Arakawa pediu que corretores procurassem um escritório
na Califórnia, em Washington e no Oregon. A grande cidade
norte-americana mais próxima de Vancouver era também a
mais próxima do Japão: do porto de Osaka a Seattle levavam-se
9 dias. Apesar de berço de uma indústria florescente, Seattle
ainda não caíra nas mãos dos especuladores. Os imóveis ti­
nham preços razoáveis e a região, produtora de madeira, apre­
sentava outras vantagens: fábricas de boa qualidade, capazes
de montar os gabinetes das máquinas de fliperamas; mão-de-
obra de alto nível, por causa da Boeing e de muitas empresas
de tecnologia de ponta instaladas nos arredores. A população,
cerca de dois milhões de pessoas, bastava para sustentar bons
restaurantes, artes e diversões.
À procura de um lugar em Seattle, Arakawa contatou Phil
Rogers, seu amigo dos tempos da Marubeni, que lhe indicou
um corretor de imóveis. Logo encontraram um armazém no
subúrbio de Tukwila, não muito longe do Aeroporto Interna­
cional de Seattle-Tacoma.
No Segali Business Park, a Nintendo alugou um armazém
de 5.580 metros quadrados com três pequenas salas num canto.
Num deles, Arakawa montou seu escritório; Judy e Stone se
instalaram em outro. No galpão, seriam feitas a montagem e
a distribuição das máquinas. Lá funcionaria também o centro
de serviços. Todo o material de Nova Jersey, incluindo os dois

122
RUMO AOS EUA

mil Radarscope, foi despachado de trem para o novo depósito


em Seattle.
Então, Arakawa ligou para Yoko no Japão e pediu-lhe que
voltasse, para ajudar na mudança. Ela embarcou no primeiro
voo e logo o casal encontrava uma bela moradia de quatro
dormitórios num terreno enorme em Bellevue, junto ao Lago
Washington. Uma transportadora se encarregou de transferir
a mobília e as roupas de Nova York para a Costa Oeste.
No Japão, Yamauchi consultou rapidamente os grupos P&D
e constatou que os principais engenheiros e programadores
estavam ocupados demais para tratar do problema de Ara­
kawa. Considerando que os Estados Unidos representavam
uma porção infinitesimal dos negócios da NCL, ele achou que
não se justificava afastar um dos projetistas do trabalho.
Arakawa ouviu esses argumentos mas, desesperado, insis­
tiu junto ao sogro até convencê-lo a destacar alguém para o
projeto de urgência. Yamauchi encarregou Gunpei Yokoi de
convocar o jovem aprendiz a quem mandara inventar algo.
— Mas ele não entende nada de videogames — observou
Yokoi.
Yamauchi declarou que não havia mais ninguém disponível.
O escolhido não integrava nenhum dos grupos de enge­
nharia; não era nem engenheiro, mas tinha entusiasmo e idéias
interessantes sobre como se deveríam elaborar videogames.
Quando soube disso, Arakawa explodiu de raiva. Precisava
de um jogo superior para salvar o negócio e Yamauchi punha
um aprendiz inexperiente para fazer o serviço! Por que o sogro
o seduzira com a idéia de conquistar os Estados Unidos se
pretendia sabotar a operação? Estava de mãos atadas.
— Qual o nome do aprendiz? — Minoru limitou-se a per­
guntar, em voz débil.
— Sigeru Miyamoto — informou Yamauchi.

123
6
Por um Punhado
de Fichas

O s funcionários da Nintendo aguardavam o novo jogo. Entre


eles estavam um gerente de serviços, um técnico e uma se­
cretária, que haviam sido transferidos de Nova York para Seat­
tle. Para administrar o armazém, Arakawa contratara um ami­
go de Ron Judy e Al Stone, que já trabalhara na Far East
Video.
Don James, um homem atarracado, de braços grandes e
bigode grosso, estudara desenho industrial na Universidade
de Washington. Na Nintendo, sua primeira tarefa foi preparar
o depósito para receber os dois mil Radarscope de Nova Jersey.
Logo Arakawa lhe dava permissão para contratar um assis­
tente. A oferta de emprego publicada no Seattle Times dizia:
"Divirta-se e Ganhe a Vida Jogando Videogames".
Entre os candidatos ao cargo estava Howard Phillips, muito
semelhante a Howdy Doody, mas com barba de Charles Man-
son. De cabelo ruivo-alaranjado, ondulado, sardas, olhos azuis-
cobalto e sorriso simplório, ele nascera em Pittsburgh mas
crescera em Seattle, onde o pai trabalhava para a Boeing. No
primário, foi colega de Bill Gates, o futuro fundador da Mi­
crosoft. Ambos faziam parte do mesmo esquema de reveza­
mento de caronas.
Fora da escola, Phillips empregava sua grande imaginação
em invenções. Fazia atiradeiras de madeira compensada e pu­

124
PUNHADO DE FICHAS

nha como gatilho uma tira de borracha com alfinete de roupa.


Construiu também uma enorme catapulta para lançar pedras
grandes contra os carros que passavam pela rua. Começou a
jogar videogames assim que surgiram os primeiros sistemas
domésticos nos Estados Unidos.
— Como eu era o garoto mais novo do pedaço, queria me
afirmar, provar que era igual aos demais, mostrar do que era
capaz — conta. O Pong da Atari e o Odyssey da Magnavox
eram jogos de tênis em preto-e-branco. — A gente enjoava
logo deles, mas continuava porque era uma maneira de con­
trolar algo na televisão.
Phillips criou seu próprio game a partir de um relógio velho,
uma lâmpada sem uso e curativos circulares colados num glo­
bo (como alvos). Achava que os brinquedos eletrônicos e os
videogames representavam apenas um jeito mais fácil de jogar.
— Não precisavamos ter o trabalhão de levantar as peças
que caíam. O computador fazia o serviço.
Já formado, Phillips trabalhava nos estaleiros de Seattle pin­
tando navios quando viu o anúncio da Nintendo no Times.
Logo após a entrevista com Don James e Arakawa, iniciou no
novo emprego e percebeu que fora ludibriado. Afinal, jogar
videogames era uma coisa; arrastá-los, encaixotá-los, desen-
caixotá-los, montá-los, carregá-los e despachá-los — aliás, em
seu próprio Buick Wildcat conversível 68 — era outra. Cada
máquina pesava dezenas de quilos.
Depois de atravessar o país de trem, o carregamento do
Radarscope era levado ao depósito da Nintendo em caminhões.
Ansioso, Phillips desencaixotou uma das máquinas, ligou-íi
na tomada e postou-se diante do console.
— Eu era um vendedor de carros usados entrando num
carro novo — compara. — Ia testar a máquina.
Arakawa o observava.
— Parecia um sonâmbulo — descreve.
Mas Phillips também se decepcionou com o Radarscope.
— Não tem jeito — sentenciou, juntando-se aos demais fun­
cionários que aguardavam o novo jogo do Japão.

125
OS MESTRES DO JOGO

Certo dia, chegou um pacote remetido de Quioto por via


aérea. Don James o recebeu e levou para Arakawa. Era a placa
com o novo programa. Enquanto o técnico a instalava num
console, Arakawa chamou Judy e Stone. A máquina foi ligada
e surgiu, na tela de apresentação, o nome Donkey Kong.
Um olhou para o outro. Stone praguejou e resolveu expe­
rimentar a novidade. Achou-a um desastre. Dois mil Donkey
Kong eram piores do que dois mil Radarscope.
— Pra mim chega — declarou Al Stone, indo embora.
Preocupado, Arakawa reclamou junto a Yamauchi, que não
demonstrou a menor compaixão. Implorou que ao menos o
nome do jogo fosse mudado. Sem sucesso.
— É um bom jogo — garantiu Yamauchi.
Arakawa não tinha escolha senão tentar vendê-lo. Judy, re­
lutante, aceitou o desafio e convenceu Stone a cooperar. O
único fato promissor em meio ao desânimo geral foi que o
rapaz de cabelo de fogo, Howard Phillips, começou a jogar o
Donkey Kong e não parou mais. Tiveram de arrancá-lo do con­
sole para que voltasse ao trabalho.
Antes que a NCL iniciasse a produção em massa das novas
placas, a equipe norte-americana tinha de passar para o inglês
a introdução em japonês que aparecia à abertura do jogo.
A equipe da NOA reuniu-se a um canto do depósito, em
torno de duas mesinhas. Depois de providenciar uma tradução
simples da história, eles começaram a procurar nomes para
os personagens. Arakawa batizou a princesa de Pauline em
homenagem à esposa de James, Polly. Tentavam decidir como
chamar o gordo carpinteiro de boné vermelho quando alguém
bateu à porta.
Arakawa atendeu. Era o proprietário do depósito. Na frente
de todos, o homem reclamou do atraso no pagamento do alu­
guel. Arakawa, embaraçado, prometeu que pagaria sem de­
mora, e o homem se foi.
O proprietário se chamava Mário Segali.
— Mário — decidiram. — Super Mário!
♦ * ♦

126
PUNHADO DE FICHAS

O Spot Tavern, próximo à Nintendo, era um pequeno es­


tabelecimento mal-iluminado que servia hambúrgueres gor­
durosos, deliciosas batatas fritas e chopes em copos altos. Lá
no fundo, num canto, havia uma máquina de fliperama.
Depois de convencer o dono do bar a instalar um Donkey
Kong nela, Ron Judy levou um console num carrinho, colocou-o
junto ao fliperama do bar e ligou-o. Foi pouco esperançoso
que voltou lá à noite para verificar a caixa de moedas. En­
controu 120, totalizando 30 dólares — uma quantia fenome­
nal.
Considerou o fato uma aberração. Voltou às dez da noite
seguinte e encontrou 35 dólares. Decorridas mais 24 horas,
havia mais 36 dólares. O dono do Spot encomendou mais Don­
key Kong, pois as pessoas já formavam filas para experimentar
o primeiro jogo de Sigeru Miyamoto.
A equipe da NOA, em especial Stone, reconheceu a con­
tragosto que Yamauchi estava certo. Arakawa sentiu um alívio
imenso.
Os componentes — a placa-mãe, a fonte de força e os ga­
binetes desmontados — vinham do Japão. Arakawa, James,
Phillips, Judy, Stone, Yoko Arakawa e praticamente todos os
outros funcionários passavam dias e noites montando conso­
les. Os jogos prontos eram encaixotados e carregados em ca­
minhões, que os distribuíam em todas as cidades norte-ame­
ricanas. A Nintendo tinha um sucesso nas mãos.

A primeira festa de Natal da empresa aconteceu num res­


taurante próximo ao depósito. Os 12 funcionários compare­
ceram. A atração foi uma escultura do Donkey Kong de mais
de vinte quilos, em manteiga coberta com coco ralado, que
mais tarde seria desidratada, envernizada e pendurada numa
viga do depósito, de onde observaria o pessoal da Nintendo
até ficar verde de mofo.
Ante o aumento da popularidade do jogo, a Taito, empresa
japonesa dona do Space Invaders, quis comprar os direitos do

127
___________________ OS ME S T R E S D O j O G O___________

Donkey Kong por uma quantia exorbitante. Quase todo mundo


aconselhou Arakawa a aceitar a proposta.
Ele passou dias ponderando e então telefonou para Yamau­
chi. O sogro, embora achasse que uma grande quantia na mão
era melhor do que lucros voando, declarou que o apoiaria em
qualquer decisão. A Taito recebeu a resposta de que os direitos
não estavam à venda. Em Quioto, Yamauchi comentou com
Hiroshi Imanishi:
— Arakawa insiste. Pois bem, veremos se é um erro.
Os dois mil Donkey Kong foram vendidos, para espanto da
equipe da NOA. Arakawa ligou para Yamauchi e encomendou
mais alguns milhares de unidades.
A Nintendo norte-americana crescia. Arakawa contratou
vendedores e técnicos, enquanto Don James recrutava 25 pes­
soas para montar e testar os jogos. Depois de prontas, as má­
quinas ganhavam números de série, eram encaixotadas e des­
pachadas. Saíam cinqüenta games por dia. A fim de aumentar
a produção, James passou a comprar painéis de controle, ga­
binetes, controladores de imagem e monitores de fábricas lo­
cais. Sua equipe, que incluía a maioria dos 125 empregados
da NOA, montava mais de 250 máquinas por dia.
Depois de comercializar mais sessenta mil Donkey Kong, a
empresa fechou seu segundo ano ultrapassando os 100 milhões
de dólares em vendas. Nesse momento os Arakawa percebe­
ram que ficariam em Seattle por muito tempo, e compraram
a casa em que moravam de aluguel, na bela e tranqüila Bel­
levue. Yoko começou a praticar tênis, além de arrastar o ma­
rido para o campo de golfe.
Judy e Stone também estavam tendo um bom 1981. Tanto
que o contador chamou Howard Lincoln para abrir firmas
para eles.
— Como assim? — espantou-se o advogado, achando que
era brincadeira. — Os dois estão quase falidos!
O contador explicou então que um certo jogo da Nintendo
estava vendendo como nunca, e que Stone e Judy faziam for­
tuna.

128
PUNHADO DE FICHAS

Lincoln formou a Ron Judy Inc. e a Al Stone Inc. e em


seguida, junto com o contador, fechou o ano fiscal das em­
presas. Segundo Stone, cada um lucrou mais de 1 milhão de
dólares.

Naquele mesmo ano, a Atari e a Mattel se batiam pelo mer­


cado de videogame doméstico nos Estados Unidos. A Coleco,
fundada em 1932 para fabricar piscinas, entrou na concorrência
com um sistema chamado ColecoVision. As três queriam di­
reitos exclusivos para criar uma versão do Donkey Kong que
rodasse em seus sistemas. Enquanto a Atari e a Mattel nego­
ciavam com Arakawa, a Coleco foi direto a Yamauchi, que
concluiu que a Nintendo deveria trabalhar com a empresa
que oferecesse mais vantagens. Arakawa foi instruído a fechar
negócio com a Coleco.
— E a mais voraz — explicou Yamauchi.
Antes de vender os direitos, Arakawa precisava registrar a
marca Donkey Kong e tirar o copyright do jogo. Ron Judy então
o apresentou a Howard Lincoln. O advogado nunca realizara
esse tipo de trabalho. Nem mesmo sabia por onde começar.
Mas virou-se para o novo cliente e declarou:
— Pode deixar comigo. — Tratava-se, segundo ele, de uma
típica resposta de advogado. — Nunca se confessa a um cliente
não saber o que fazer.
Com o Donkey Kong protegido legalmente, Lincoln ajudou
no fechamento do contrato com a Coleco, em 1981. Baseado
num código legal, redigiu o acordo. Ao lê-lo, Arakawa ques­
tionou por que a Nintendo tinha de atestar a não-propriedade
dos direitos do jogo, recebendo a explicação simplista de que
era assim que se faziam os acordos.
— Mas por que eu tenho de fazer isso? — exasperou-se
Arakawa.
Lincoln deu de ombros.
— Bem, acho que você não tem de fazer isso.
Lincoln registrou que a Nintendo negava qualquer garantia
quanto à propriedade, embora o contrato previsse que a Coleco

129
OS MESTRES DO ] O G O

assumia todo o risco do negócio. Arakawa não tinha nenhuma


justificativa para alterar a cláusula, a não ser seu modo ins­
tintivo de negociar: nunca ceda em nada que não seja obrigado
a ceder.
— Eu sabia que a Nintendo era a proprietária do jogo, mas
pensei: bolas, é preciso arriscar! — conta Lincoln.
O advogado entendeu as intenções do cliente e redigiu um
contrato que favorecia a NOA, "principalmente por não saber
como eles costumavam fazer as coisas".
O acordo entre as duas empresas devia sair antes do fim
do ano, de modo que Lincoln passou boa parte da véspera
do Natal cuidando do texto. No Natal, enviou o contrato para
Arakawa, que o assinou e o despachou às pressas para o Japão.
Lá, Yamauchi o fecharia com um representante da Coleco en­
viado a Quioto especialmente para a ocasião.
Na NCL, o executivo declarou a Yamauchi que levaria o
contrato aos Estados Unidos para que o advogado da empresa
o analisasse. Prometeu devolvê-lo em seguida.
— Ou o senhor assina agora ou vamos negociar com outra
empresa — respondeu Yamauchi.
O homem ficou paralisado. Não tinha escolha. Nervoso,
assinou o contrato.
Nessa época, como a NOA já não cabia mais no depósito
do Segali Business Park, Arakawa resolveu mudar para um
lugar maior e melhor. Qualquer outro administrador teria sido
mais cauteloso; afinal, o sucesso de um videogame num ne­
gócio tão volúvel não significava que haveria outros. Mas Ara­
kawa via o Donkey Kong como a brecha de que precisava,
como apenas o início. Na companhia de Phil Rogers, começou
a procurar um imóvel na zona leste de Seattle, entre as colinas
de Redmond e Bellevue, onde as fábricas de alta tecnologia
haviam florescido entre sequoias e abetos. Até a década de
20, quando o interior já se achava devastado, as pequenas
comunidades madeireiras não passaram de agradáveis alber­
gues cercados pelos belos lagos Washington e Sammamish,
junto a florestas protegidas e campinas. Antes de a indústria

130
PUNHADO DE FICHAS

de ponta descobrir o lugarejo, a câmara de comércio de Red­


mond se orgulhava do título de Capital Ciclista do Noroeste.
(Agora, gaba-se de Redmond como a Cidade das Oportuni­
dades.)
A Microsoft, espalhada em dezenas de prédios de cor bege
à saída noroeste da Nova Avenida, na Via 508, chamava suas
instalações em Redmond de "campus”, sem convencer nin­
guém. Mal se distinguia das outras empresas de eletrônica e
aviação da área — da Data I/O à Sundstrand Data Control,
passando pela Rocket Research, além da Boeing, junto à es­
trada que levava ao aeroporto de Seattle-Tacoma.
Arakawa investiu os lucros do Donkey Kong em 10 (e depois
mais 13) hectares de terreno limpo e arado em Redmond. Fe­
chou o negócio em julho de 1982. Pagou em dinheiro. Con­
vidou Phil Rogers para se juntar à Nintendo em tempo integral,
mas vacilou quando o amigo manifestou o desejo de ser o
vice-presidente.
— Não se preocupe com o título — tranqüilizou Rogers,
divertido. — Todo mundo é vice-presidente nos Estados Uni­
dos.
Arakawa apresentou a questão a Howard Lincoln, que se
manifestou contra, de modo que Rogers ficou com o cargo de
diretor de assuntos imobiliários. Sua primeira tarefa foi su­
pervisionar a construção do primeiro de vários prédios cor­
porativos da Nintendo — três retângulos de três andares, em
estilo high-tech. Acabaria comprando também 50 hectares em
North Bend, que ficava ali perto (onde construiu um depósito
maior), e vários pequenos terrenos em Seattle.
O primeiro prédio ficou pronto em novembro de 1982. Na
época em que o depósito e as instalações do setor de produção
foram inauguradas, e o armazém do parque industrial de Má­
rio Segali, desocupado, Rogers já era o diretor de desenvol­
vimento e manufatura de produtos. Em seis meses assumiría
a vice-presidência de operações.
Junto com Don James, Rogers elaborou um sistema de pro­
dução de videogames mais eficiente. Depois do Donkey Kong

131
OS MESTRES DO ] O G O

foram lançados o Donkey Kong Jr., o Popeye, o Punch-Out (apre­


sentado como o game doméstico Mike Tyson's Punch-Out! tão
logo se fechou um acordo com o campeão peso-pesado), e
por fim um novo tipo de fliperama, desenvolvido pela Nin­
tendo do Japão. O VS System ("VS" de versus) era um sistema
composto por um console com dois monitores, um ao lado
do outro, e duas opções de jogo: você versus a máquina ou
você versus outro jogador. No primeiro jogo VS, de beisebol,
quatro crianças controlavam os lançamentos, os rebates e as
corridas por meio de joysticks.
Arakawa recebeu também outro sistema, que a equipe P&D
3 de Genyo Takeda desenvolvera no Japão. A nova máquina,
chamada Play Choice, apresentava dez jogos que podiam ser
trocados removendo um painel e substituindo uma placa de
circuitos. Parecia uma vitrola automática, da qual substituíam-
se os discos. O fundador da rede de lanchonetes McDonald's,
Ray Kroc, proibira fliperamas em seus estabelecimentos. Mas,
depois de sua morte, várias franquias Big Mac na Flórida ins­
talaram sistemas Play Choice.
O Donkey Kong continuava rendendo. Firmaram-se acordos
de licenciamento terciários do personagem principal (um pro­
grama de desenhos animados, pijamas e afins), e lançaram-se
versões secundárias do jogo.
As máquinas de fliperama também vendiam bem no início
de 1982. Assim, Arakawa pediu a Phil Rogers que acompa­
nhasse um amigo seu, Peter Main — um ex-vizinho de Van­
couver, conhecedor do ramo de restaurantes — numa visita
à sede de Chuck E. Cheese Pizza Time Theater, rede de piz-
zarias californiana fundada por Nolan Bushnell, criador do
primeiro videogame comercial e da Atari. Nos Pizza Time
Theaters, centros de diversões combinados com restaurantes,
as famílias, enquanto aguardavam os pratos, viam shows ao
vivo de animais empalhados robotizados e jogavam os video­
games mais recentes, enfileirados junto às paredes.
A NCL estava interessada em adquirir os direitos para abrir
Chuck E. Cheeses no Japão. Tratava-se de uma jogada lógica

132
PUNHADO DE FICHAS

para Yamauchi, sempre em busca de centros de diversão —


a exemplo das pistas de tiro a laser — nos quais instalar a
tecnologia Nintendo. Além disso, ganharia mais dinheiro ven­
dendo pizza. Arakawa também se interessava pelas franquias
da Chuck E. Cheese, pois, entre outros benefícios, poderia usar
as fliperamas da Nintendo como centrais de teste para novos
jogos.
Rogers e Mains foram destacados para os contatos iniciais.
Ao chegar à sede da empresa, em Sunnyvale, logo repararam
no estacionamento lotado de Porshes e Mercedes. Acima do
balcão de recepção via-se o rosto sorridente de Chuck E. Chee­
se, ò ratinho-mascote da rede, sob o qual uma placa eletrônica
anunciava, em brilhante neon vermelho, o preço das ações da
empresa negociadas no momento.
Rogers e Main se reuniram com vários executivos (não vi­
ram o fundador Nolan Bushnell em parte alguma). A diretora
de operações de restaurantes comentou estar empenhada na
melhoria da qualidade da crosta da pizza, enquanto todos os
demais pareciam obcecados por robôs, pela expansão da em­
presa e pelo valor das ações, em alta.
De volta a Seattle, os dois homens alertaram Arakawa de
que o pessoal da Chuck E. Cheese não sabia o que fazia. Na
opinião de Main, a rede tinha poucas chances de sobrevivência
sob a atual administração.
Numa série de reuniões, Arakawa especulou como abrir
franquias Chuck E. Cheese com administração independente
da organização Sunnyvale. Nesse ínterim, Yamauchi concluía
que os grandes Pizza Time Theaters eram inviáveis no Japão,
dado o preço extremamente alto do metro quadrado lá.
Mas Arakawa foi em frente e obteve os direitos de franquia
para abrir uma Chuck E. Cheese na Colúmbia Britânica (a de
Seattle já tinha sido negociada). Rogers encontrou um local
para ela numa rua movimentada, perto de Vancouver, e em
1983 a Nintendo abriu as portas do restaurante-casa de diver­
são, 1.860 metros quadrados repletos de robôs de pelúcia, vi­
deogames e equipamentos para preparação de pizzas. A frente

133
OS MESTRES DO J OGO

do estabelecimento, um enorme rato Chuck E. Cheese recep­


cionava os clientes.
A iniciativa foi um sucesso: fechou o primeiro ano com 3
milhões de dólares brutos em vendas, lucrando 700 mil dó­
lares. Phil Rogers se movimentava para abrir uma segunda
Chuck E. Cheese quando se anunciou que Nolan Bushnell se
demitira e que a empresa se achava às portas da falência.
A Nintendo não abriu nenhuma outra Chuck E. Cheese,
mas Arakawa gostou do ramo de restaurantes. Aconselhado
por Peter Main, abriu mais duas casas em Vancouver, a Salmon
House on the Hill e a Horizons, que serviam peixe fresco e
bifes grossos e de onde se tinham lindas vistas. Yamauchi,
temendo que o genro se distraísse com o novo negócio, ad-
vertiu-o:
— Não se pode olhar para a frente quando a atenção está
voltada para os lados.

Howard Lincoln passou o ano de 1982 ocupado com as­


suntos relacionados à Nintendo. Num certo momento, pedi-
ram-lhe que elaborasse um novo contrato entre a empresa, Al
Stone e Ron Judy. O acordo anterior foi cancelado. Judy as­
sumiu o posto de vice-presidente de marketing, enquanto Sto­
ne se tornava o vice-presidente de vendas.
A seguir, Lincoln foi incumbido de tomar providências
quanto à incrível quantidade de cópias-piratas do Donkey Kong
— cerca de metade das unidades comercializadas era falsifi­
cada.
Lincoln e equipe saíram em perseguição aos criminosos e
seus clientes, contratando detetives, acionando a polícia e a
alfândega de todo o país. Um distribuidor-pirata do Texas
conseguiu escapar, mas muitos outros foram levados a julga­
mento. Em nenhum dos casos se provou conexão com o crime
organizado; contudo, um promotor afirmou que a distribuição
das cópias-piratas jamais teria crescido tanto sem o envolvi­
mento da escória.
Quando descobria uma fonte de jogos clandestinos, a equipe

134
PUNHADO DE FICHAS

de advogados de Lincoln providenciava que agentes federais,


munidos de ordens judiciais, investissem contra os transgres­
sores. Confiscaram-se milhares de placas-mãe e gabinetes.
A Nintendo moveu 35 processos por infração de copyright
contra indivíduos e firmas que comercializavam Donkey Kong
falsos. Mas, apesar de todo o esforço, perdeu no mínimo 100
milhões de dólares em vendas potenciais.
Ao mesmo tempo que planejavam estratégias legais, Lincoln
e Arakawa passavam boa parte do tempo juntos, consultando
um ao outro em seus escritórios ou, de vez em quando, em
aviões. Afinal, viajavam pelos Estados Unidos, e entre Seattle
e o Japão, com alguma freqÜência. Em Seattle, Mino e Yoko
costumavam jantar com Howard e Grace Lincoln, em eventos
pretensamente sociais que sempre acabavam em reuniões de
negócios.
Certa noite, em abril de 1982, Arakawa ligou, aflito, para
Lincoln. O sogro acabara de lhe telefonar de Quioto, onde já
amanhecera, avisando que recebera um telex de Sidney Shein­
berg, da MCA Universal, o enorme conglomerado do entre­
tenimento. A mensagem era curta e objetiva: Yamauchi tinha
48 horas para devolver o lucro proveniente do Donkey Kong
e destruir as unidades não-vendidas. Segundo a MCA, o jogo
infringia um copyright da Universal Studios — o do filme
King Kong.
Tratava-se de mau agouro. Quando finalmente alcançava
o sucesso, a Nintendo norte-americana recebia uma ameaça
de um dos homens mais controversos e hostis do ramo da
diversão. Sheinberg, o invencível diretor-advogado da MCA,
subalterno apenas ao presidente e diretor-executivo Lew Was­
serman, trabalhava "como o píton, estrangulando a presa antes
de devorá-la", segundo um colega.
Após uma noite insone, Arakawa e Lincoln foram para seus
respectivos escritórios e se penduraram ao telefone. Não havia
dúvida de que a MCS, altamente influente e com uma enorme
conta bancária, podia esmagar com facilidade uma empresa
relativamente pequena, de capital estrangeiro, como a NOA.

135
OS MESTRES DO / O G O

Por que ninguém considerara a hipótese de que o Donkey Kong


poderia infringir o copyright de King Kong?, a tormentava-se
Arakawa.
Tentando tranqüilizá-lo, Lincoln explicou que uma ameaça
como aquela não era incomum no ramo nem significava que
a Nintendo cometera um erro. No mínimo, tratava-se de uma
prova inegável de que a empresa japonesa vivia um tempo
de vacas gordas.
Depois de analisar freneticamente saídas para o caso, Arakawa
e Lincoln foram até Los Angeles para uma reunião com o chefão
da MCA. No prédio principal da Universal, conhecido como
"torre negra" (uma descrição bastante adequada, concluíram am­
bos), situado na Universal City, foram recebidos por Bob Hadl,
advogado da MCA, e conduzidos a uma luxuosa sala cheia de
antiguidades e obras de arte caríssimas, de onde se tinha uma
ampla vista da neblina enfumaçada que cobria a cidade.
Também compareceram à reunião dois advogados da Coleco,
o advogado interno da MCA e um consultor externo. Aparen­
temente, a Coleco, que investira uma fortuna no iminente lan­
çamento do sistema ColecoVision, que incluía uma versão do­
méstica do Donkey Kong, recebera a mesma carta ameaçadora.
Hadl e outro advogado da MCA explicaram a situação:
Sheinberg pretendia requerer de imediato uma proibição pre­
liminar, impedindo a Nintendo e a Coleco de vender o jogo
ao longo do processo judicial no qual estava para dar entrada.
A ambas só restava uma alternativa: um acordo.
Era o que se esperava, mas nem por isso a situação se tornou
menos terrível. A Coleco praticamente apostara a casa no Don­
key Kong. Quanto à Nintendo, o jogo era a casa.
O advogado da MCA aguardava uma resposta. Lincoln foi
o primeiro a se manifestar:
— Caso vocês tenham a propriedade do King Kong e nós
a tenhamos infringido com o Donkey Kong, vamos entrar num
acordo. Só que primeiro vocês terão que provar ser os pro­
prietários do King Kong.
Ouviram-se bufos e resmungos típicos de advogados, além

136
PUN HADO DE F I C H A S

de corpos grandes se mexendo com desconforto nas cadeiras.


Então o consultor externo da MCA afirmou:
— É claro que somos os proprietários.
De novo na ofensiva, o homem citou tudo o que a MCA
reclamaria: royalties, estoques, prejuízos... Em seguida, sugeriu
que os representantes da Nintendo e da Coleco discutissem
em particular a decisão que deveriam tomar. Antes que pas­
sassem para outra sala, o advogado da MCA reiterou a Lincoln
que a única forma de evitar o processo era fechar um acordo.
— No tribunal vocês não terão a mínima chance — com­
pletou.
Os advogados da Coleco, morrendo de medo da MCA e
buscando apaziguar Sid Sheinberg — que aliás aventara a pos­
sibilidade de investir na empresa —, decidiram concordar.
— Que fazer? — questionaram, sem ver alternativa. — Os
gorilas parecem os mesmos, o nome é quase igual...
Prometeram convencer a Nintendo a ceder também, mas
sem lhe revelar a decisão já tomada.
— Sid Sheinberg está pressionando o diretor-executivo da
Coleco, Arnold Greenberg — concluiu Howard Lincoln. —
Quer que ele convença a Nintendo a entrar num acordo.
A MCA também foi atrás das outras companhias que tinham
licença para comercializar o Donkey Kong, como a Warner Com­
munications, que englobava a Atari. Sheinberg em pessoa
ameaçou o diretor-executivo da Warner, Steve Ross.
— Eu disse que não gostaria de processá-lo — esclarece
Sheinberg.
Ralston Purina, que licenciara o personagem para um cereal
matinal, respondera à ameaça da MCA propondo um acordo
de 5 mil dólares.
— E a coisa mais estúpida que já ouvi! — explodiu Shein­
berg. — Cinco mil dólares eu atiro pela janela!
Depois do episódio, Ralston Purina se recusou a negociar,
assim como Milton Bradley, produtor de um Donkey Kong de
tabuleiro.

137
OS MESTRES DOJOGO

Os advogados da Coleco, porém, não confessaram haver


entrado num acordo durante a reunião na torre negra.
— Não temos alternativa senão um acordo — era tudo o
que diziam.
Lincoln ouvia com atenção, sem revelar que pensava que
eles provavelmente estavam certos, que a Nintendo teria de
ceder (pagando no mínimo de 5 a 7 milhões de dólares, de
acordo com seus cálculos). Mas não entregou os pontos.
— Precisamos de mais tempo — declarou à equipe da Co­
leco. Os advogados insistiram, em pânico, ao que Lincoln re­
trucou: — Vocês podem fazer o que quiserem, já que não
existe garantia quanto aos direitos que compraram de nós.
Os advogados da Coleco lhe lançaram um olhar fulminante.
— Sabemos disso.
Arakawa fitou Lincoln e ambos partilharam um fugaz mo­
mento de júbilo infantil. A cláusula de não-garantia do contrato
que Yamauchi impusera à Coleco se fazia valer. Mesmo que
a empresa entrasse num acordo com a MCA, a Nintendo não
seria responsável pelas perdas.
Assim que saíram da sala, Lincoln puxou a manga de Ara­
kawa e ambos se deixaram ficar para trás.
— Está acontecendo alguma coisa — sussurrou o advogado,
cogitando se a MCA de fato era a proprietária do King Kong,
dada a reação a seu comentário. — Não concorde com nada
— aconselhou.
Na sala de Hadl, os advogados da Coleco se despediram,
prometendo voltar para uma reunião só com ele, o que des­
pertou a desconfiança de Lincoln.
— Havia alguma coisa errada. Estava acontecendo algo en­
tre a Universal e a Coleco — conta ele.
Concluindo que era melhor ganhar tempo, declarou a Hadl:
— Temos de analisar a situação.
Hadl os aconselhou a não demorar demais.
Lincoln e Hadl passaram o mês seguinte negociando pelo
telefone. Então, em junho, o advogado da MCA concluiu:

138
PUNHADO DE FICHAS

— Vocês já tiveram o tempo de que precisavam. Vamos


nos reunir e resolver o assunto.
Lincoln concordou e combinou com Arakawa uma nova
visita à Universal City. Gripado e com febre na manhã da
viagem, Arakawa perguntou a Lincoln, enquanto aguardavam
o voo no aeroporto de Seattle, se era realmente necessária sua
presença naquela reunião. O advogado disse que sim: de ma­
neira alguma enfrentaria aquela batalha sozinho.
Uma vez no sul da Califórnia, tomaram um táxi e dirigi­
ram-se à torre negra. Hadl os informou de que, caso estivessem
prontos para "resolver as coisas", deveríam descer e "negociar
com o sr. Sheinberg".
Arakawa olhou para Lincoln, que não disse nada. Então,
ambos acompanharam o advogado da MCA rumo ao elevador.

Sheinberg se tornara um dos mais poderosos mandachuvas


de Hollywood. A MCA englobava uma gravadora, uma pro­
dutora de televisão, uma editora (a G. P. Putnam's Sons), uma
divisão varejista, parques e sólidos imóveis. Atento às tecno­
logias futuras, investia nelas e mantinha a empresa numa po­
sição estratégica.
Antes de ameaçar a Nintendo, Sheinberg promovera uma
reunião com o presidente da MCA, Wasserman, e o diretor
da Coleco. Arnold Greenberg tinha grandes planos para a Co­
leco, mas precisava de muito dinheiro. Discutia-se a possível
aquisição — ou ao menos um investimento — da MCA na
empresa quando Sheinberg comentou, como quem não quer
nada, que a parceria da Coleco com a Nintendo constituía um
impedimento a qualquer arranjo.
— Achamos que estão violando alguns de nossos direitos
— completou.
— O que você está fazendo aqui? — replicou Greenberg,
sorrindo amarelo.
Mais tarde, Sheinberg declarou lembrar-se do momento.
Tratava-se "da famosa fala (...) dos filmes de bangue-bangue,
em que o herói parte contra o pôr-do-sol e alguém sempre

139
OS MESTRES DO / O G O

corre atrás dele. Aí, o herói se volta, olha para a mulher ou


o sujeito, sempre John Wayne, ou Gary Cooper, ou um outro,
e diz: 'O que você está fazendo aqui?'. E a imagem se dissolve
em negro". A mensagem era clara: Greenberg fora preparado
para negociar.
Fechou-se um acordo. A fim de convencer Greenberg a ficar
do lado da MCA, Sheinberg aventou a possibilidade de uma
parceria que daria uma injeção de dinheiro na Coleco, a qual
continuaria a vender o Donkey Kong em troca de royalties mo­
destos.
— Fizemos um pacto para evitar o processo — conta Shein­
berg. — E recebemos da Coleco a garantia de que receberiamos
três por cento do lucro líquido das vendas [de todos os car­
tuchos Donkey Kong comercializados pela empresa].
Seria uma quantidade impressionante de cartuchos, seis mi­
lhões, que se traduziram em 4,6 milhões de dólares. (Nas ne­
gociações subseqüentes, o interesse de Sheinberg pela Coleco
desapareceu.)
O episódio não constituiu a primeira tentativa de Sheinberg
de introduzir a MCA no mundo do videogame.
— Num certo momento, esse negócio parecia se tornar o
maior do mundo — explica ele.
Queria que a MCA fosse a "primeirona", termo que usou,
dos videogames, assim como já era dos discos, dos filmes e
dos videocassetes. Depois de criar a MCA Video Games, com­
prou a LJN, fabricante de brinquedos e jogos Nintendo.

Naquele dia de junho, Arakawa e Lincoln seguiram Hadl


para fora da torre negra e atravessaram a Universal, passando
por atores em trajes típicos e palmeiras se deslocando num
trailer. Ante um prédio comprido parecido com um armazém,
Hadl anunciou:
— A sala de jantar dos executivos — e abriu com pompa
uma grande porta lateral.
Lá dentro havia uma mesa maciça, suficiente para dezenas

140
PUNHADO DE FICHAS

de convidados, posta para quatro. Eles se sentaram e aguar­


daram. A febre de Arakawa aumentava.
Sidney Sheinberg, alto e magro, usando grandes óculos de
tartaruga, chegou e se acomodou em sua cadeira. Arakawa
estava a ponto de desmaiar quando, após as apresentações,
foi servido um requintado almoço. Começaram então a falar
de futilidades; quando Sheinberg finalmente declarou o quanto
estava satisfeito com a decisão da Nintendo de entrar num
acordo, Arakawa quase desfalecia.
Até aquele instante, Howard Lincoln fora simpático com
Sheinberg e Hadl, contando histórias de videogames e pesca­
rias; mas então o advogado se transformou.
— É muito simples. — Lincoln olhava o dirigente da MCA
nos olhos. — Fizemos uma pesquisa rigorosa a respeito e con­
cluímos que não houve infração. — Firme e friamente, fina­
lizou: — Não temos a menor intenção de entrar num acordo.
Arakawa estremeceu, pois nunca vira Lincoln agir de ma­
neira tão gelada. E não imaginava qual seria a reação de Shein­
berg. Este, corando, empurrou a cadeira, pôs as mãos na borda
da mesa e rugiu:
— O quê?! — Respirou fundo. — Pelo que entendi, os se­
nhores vieram aqui para entrar num acordo. Pelo amor de
Deus, estão me fazendo perder tempo. Que diabo está se pas­
sando?
Sheinberg olhou para Hadl, que empalideceu e lançou um
olhar suplicante a Lincoln.
— É simples — disse o advogado da Nintendo. — Eu queria
declarar que não vamos entrar num acordo e queria fazê-lo
olhando-o nos olhos, senhor Sheinberg. Eis o que se passa.
Sheinberg se levantou.
— Para mim chega. Nosso departamento jurídico entrará
em contato com vocês. — Raivoso, lançou um olhar agudo a
Lincoln. — Estão cometendo um grande erro. Vejo processos
judiciais como centrais de arrecadação.
Os outros três também se levantaram e saíram. Sheinberg

141
____________ O S MES T RES DO / O G O _______

e Hadl entraram no elevador; Arakawa e Lincoln se detiveram,


observando.
Antes que as portas se fechassem, Lincoln chamou:
— Senhor Sheinberg? — O homem olhou para ele e grunhiu,
ao que Lincoln completou: — Tenha um bom dia.
Conforme prometera, Sheinberg entrou com um processo
no estado de Nova York. Na Costa Leste, Lincoln entrou em
contato com John Kirby, da famosa firma de advocacia nova-
iorquina de Mudge, Rose, Guthrie, Alexander e Ferdon. Um
dos maiores litigantes do país, Kirby trabalhara em casos an-
titruste para a PepsiCo e a Warner-Lambert, e em casos de
franquia para a General Foods.
— Quando o vi pela primeira vez, não fiquei muito im­
pressionado — conta Lincoln. — Era desleixado e mal-humo­
rado, mas logo comprovei que se tratava de um senhor ad­
vogado.
Kirby tinha fama de defender os clientes com unhas e dentes
e, detalhe importante para a Nintendo, não se deixava inti­
midar por nada.
Os dois advogados viajaram a Quioto a fim de discutir o
caso com Yamauchi e outros executivos da NCL. Era a primeira
vez que Lincoln se encontrava com Yamauchi. Como já ouvira
muita coisa a respeito do presidente da Nintendo, resolveu
manter a guarda. Dentro do Mother Brain, um analisou o ou­
tro.
— Não gosto de advogados — declarou Yamauchi.
Lincoln reprimiu um sorriso.
— Temos mais advogados em Seattle, Washington, do que
vocês em todo o Japão. Esse número reduzido de advogados
é a maior vantagem comercial que os japoneses têm sobre os
Estados Unidos.
— Logo vi que era uma pessoa muito forte, acostumada a
ter tudo a seu modo — revela Lincoln hoje. — Nada de con­
versa fiada. Ele não perdia tempo.
Dos advogados, Yamauchi queria saber só uma coisa: o

142
PUNHADO DE FICHAS

que era preciso para garantir a vitória da Nintendo no pro­


cesso.
— Temos de ganhar — enfatizou.
Depois de entrevistar alguns funcionários da empresa, in­
cluindo Gunpei Yokoi e Sigeru Miyamoto, Lincoln e Kirby
voltaram aos Estados Unidos e, com suas respectivas equipes,
passaram os dez meses seguintes preparando a defesa. Ara­
kawa ficou admirado ao constatar que as previsões de Lincoln
se confirmavam: duvidava-se seriamente de que a Universal
possuísse os direitos do King Kong. A empresa nunca protegera
a marca, e um processo anterior parecia confirmar que o king
Kong era de domínio público. Mas a melhor notícia era que
a Universal já ganhara um processo afirmando justamente isso:
que o nome King Kong era de domínio público e não podia
ser registrado.
E havia mais. A Nintendo descobriu que a Coleco entrara
num acordo com a MCA e que Sheinberg negociava um in­
vestimento com Arnold Greenberg, o que trazia à luz outras
razões para a ação judicial: interessado em entrar no negócio
do videogame, Sheinberg tentava tirar do mercado as empre­
sas concorrentes.
Certa noite, Arakawa pediu a opinião de Yoko quanto à
possibilidade de Howard Lincoln trabalhar exclusivamente
para a Nintendo. Afinal, confiava na capacidade profissional
do advogado. E tornara-se grande amigo dele. Respeitava-o
pessoal e profissionalmente, mas temia mostrar-se pretensioso,
ou insistente, ou ansioso demais. Yoko respondeu que só havia
um jeito de descobrir se Lincoln aceitaria o cargo: conversando
com ele.
Foi o que Arakawa fez, num dos muitos voos que compar­
tilharam. Disse saber que ele estava enjoado da advocacia e
convidou-o a trabalhar na NOA.
Sem trair as emoções, Lincoln prometeu pensar a respeito.
Mais tarde respondeu que não pretendia ser assessor da Nin­
tendo. Queria ajudar a dirigir a empresa, envolver-se em todos
os aspectos do negócio.

143
OS MESTRES DO ] O GO

Arakawa declarou que era exatamente isso que tinha em


mente. Numa reunião subseqüente, que durou mais de 15 mi­
nutos, os dois chegaram a um acordo. Lincoln seria vice-diretor
sênior, o homem número dois da empresa.
Ao apertar a mão do amigo, Arakawa finalizou:
— Te peguei.
A 7 de dezembro, numa reunião com os sócios do escritório
de advocacia, Lincoln apresentou seu desligamento. E seus 30
dias de aviso prévio.
O caso Donkey Kong corria na comarca de Nova York. A
MCA e a Nintendo apresentavam provas e testemunhas ao
juiz Robert W. Sweet. A certa altura, Howard Phillips foi cha­
mado para fazer uma demonstração do jogo e demonstrar
que ele nada tinha a ver com o King Kong. Em Quioto, Sigeru
Miyamoto contou como desenvolveu o Donkey Kong, expli­
cando que batizara o personagem inicialmente de King Kong
porque o nome, em japonês, designava genericamente todo
macaco ameaçador.
John Kirby apresentou testemunhos e vereditos dos julga­
mentos anteriores, que punham em dúvida a propriedade da
Universal sobre os direitos de King Kong. Isso provava que a
MCA sabia que não era detentora do copyright, mas mesmo
assim decidira processar a empresa de Yamauchi.
Os advogados da Nintendo pediram o encerramento su­
mário do processo, o que Sweet concedeu. Por escrito, o juiz
descreveu qual fora, em sua opinião, o melhor dia do julga­
mento:
O Donkey Kong foi apresentado por um mestre em jogos e as
partes pertinentes do filme de 1933, bem como as da remontagem
de 1976, foram revistas. O trabalho revelou-se bastante satisfatório,
destacado pela argumentação de uma defesa altamente capacitada e
eficaz. Foi prejudicado apenas pela apreciação de declarações, depoi­
mentos e citações.
Sweet concluiu que a Nintendo não desrespeitara os direitos
da MCA simplesmente porque esta não os possuía. Declarou
também que não haveria infração nem mesmo se a MCA fosse

144
PUNHADO DE FICHAS

proprietária do King Kong, uma vez que o filme e o jogo nada


tinham em comum. E criticou a empresa norte-americana por­
que, apesar de não possuir direitos sobre a marca, insistira
em mover a ação. Isso implicou ressarcimento de despesas à
Nintendo.
A MCA recorreu da sentença. Apelou em várias instâncias,
até chegar à Suprema Corte. Perdeu em todas elas. Certa oca­
sião, Howard Lincoln foi chamado a depor. Pegou suas ano­
tações e detalhou a primeira reunião entre as empresas, ao
final da qual Sid Sheinberg afirmara considerar os processos
judiciais "centrais de arrecadação".
Sheinberg também depôs. Num determinado momento, pe­
diram-lhe que recordasse aquela primeira reunião.
— Parece que um deles era parente do senhor japonês que,
pelo que entendi, possuía ou controlava a Nintendo — res­
pondeu ele, num evidente desprezo por Arakawa. Quanto a
Lincoln, declarou: — Acho que era uma espécie de assessor,
sem muita autoridade. Foi a impressão que tive.
Ao interrogar Sheinberg, John Kirby fez questão de lembrar
ao juiz o motivo pelo qual a MCA insistira na ação.
— Ao que me consta, a empresa que o senhor dirige é
muito grande. Certo, senhor Sheinberg?
— Sim, é uma empresa grande. E envolvida em muitas
causas legais.
O advogado perguntou então qual fora a renda da MCA
no ano anterior. Sheinberg declarou que passara de 1 bilhão
de dólares, e Kirby quis saber quanto desse montante se referia
a lucros.
— Creio que nossos lucros giraram em torno de 135 milhões
— informou Sheinberg, completando que as vendas haviam
totalizado 1,6 bilhão de dólares.
— E que porção de sua renda total teve origem em sua
central de arrecadação via processos judiciais? — questionou Kirby.
— Central de arrecadação via processos judiciais?! — Shein­
berg o olhou feio.
O detalhe não passou despercebido ao juiz. Em seguida,

145
OS MESTRES DO JOGO

Kirby pediu a Sheinberg que confirmasse uma reportagem da


Business Week, na qual ele declarara receber um salário de
4.638.000 de dólares.
O advogado de Sheinberg se levantou num pulo.
— Tudo isso é muito divertido, mas que relevância tem
para este caso? Meu cliente é um executivo bem-remunerado.
Aonde os senhores pretendem chegar?
Kirby deu o interrogatório por encerrado, acrescentando:
— Nunca pensei que fosse necessário discutir relevâncias
quando se está diante de um pedido de indenização punitiva.
Na opinião de vários espectadores, a arrogância tie Shein­
berg irritara o juiz. Mas o que afundou mesmo a MCA foi o
fato de que o executivo já ganhara uma ação provando que
o King Kong era de domínio público. As ações judiciais movidas
pela empresa (bem como as ameaças de movê-las) foram con­
sideradas a "central de arrecadação via processos judiciais".
Concederam à Nintendo 1,8 milhão de dólares. Meses de­
pois, à chegada do gordo-cheque da Universal seguiu-se uma
festa na casa dos Arakawa. Entre caviar e champanhe, ele e
Lincoln brindaram um ao outro e a John Kirby, a quem re­
compensariam generosamente. Não demorou muito e os dois
levaram o advogado, sua esposa e alguns colegas para jantar
na sala de jantar privativa de um elegante restaurante de Ma­
nhattan. Após a refeição, deram a Kirby uma foto emoldurada
mostrando um veleiro de 30 mil dólares. O barco, com o qual
a Nintendo agradecia a ajuda do advogado, fora batizado de
Donkey Kong e incluía "direitos exclusivos no mundo todo para
uso desse nome em embarcações".
A Coleco, que traíra a Nintendo ao fazer o acordo com a
MCA, processou a Universal a fim de recuperar os royalties
que já pagara à empresa. Ambas fizeram um novo acordo. A
Atari e as outras companhias que a MCA chantageara também
receberam indenização.
A experiência fez mais do que rechear as contas bancárias
da Nintendo.
— Descobrimos que éramos capazes de enfrentar os grandes

146
PUNHADO DE FICHAS

— observa Lincoln. — E também que a arrogância que vimos


na MCA é fatal.
Mesmo fortalecida com o enorme sucesso do Donkey Kong,
a NOA entrava no mercado cautelosamente. A Nintendo ja­
ponesa enviou-lhe o Game & Watch, então com cerca de qua­
renta milhões de unidades vendidas no Japão e na Ásia, onde
a demanda era grande. Tão grande que as falsificações não
tardaram a aparecer. Talvez o número de imitações baratas
produzidas e comercializadas por alguns países asiáticos tenha
sido quase igual ao das unidades fabricadas pela Nintendo.
Nos Estados Unidos, a empresa contratou Bruce Lowry,
ex-vice-diretor da Pioneer, para comandar sua nova divisão
de consumidores. Arakawa e Lincoln se deleitavam com a
idéia de que tinham uma divisão de consumidores.
Entrar no mercado de entretenimento implicava aprender
uma nova maneira de encarar o setor. Na sede em Redmond,
numa sala de reuniões batizada de Donkey Kong, Lowry ten­
tava ensinar aos colegas as regras do negócio. Nenhum deles
estava preparado para as exposições que aconteceriam em ja­
neiro e fevereiro de 1983. Don James trabalhava nos estandes,
enquanto Bruce Lowry traçava os passos a serem dados pela
Nintendo.
Ninguém discordou quando o executivo sugeriu a abertura
de um escritório em Nova York (alugariam um espaço no
edifício Toy Center, no número 200 da Quinta Avenida). Mas,
quando ele explicou como eram feitas as cobranças no ramo
de brinquedos, os funcionários da NOA surpreenderam-se.
As faturas das outras fábricas de brinquedos sempre ven­
ciam em 10 de dezembro, ao passo que a Nintendo vendia
suas máquinas de fliperama com carência de um mês — as
contas venciam em 30 dias. Simples.
Lowry esclareceu que as indústrias do setor recebiam em
janeiro ou fevereiro as encomendas a ser entregues no verão.
As lojas tinham o inverno inteiro para comercializar os pro­
dutos e só começavam a pagar as contas em 10 de dezembro,
depois de realizar boa parte das vendas de Natal.

147
OS MESTRES DO ] O G O

Howard Lincoln se sobressaltou.


— Um minuto! Por que diabo alguém concordaria com isso?
A gente fabrica um produto, assume o risco, financia a coisa
toda e só recebe em dezembro... se receber?
Lowry confirmou. Era assim que funcionava o negócio de
brinquedos.
Em 1983, Arakawa participou de sua primeira exposição,
a Consumer Electronics Show, CES, a fim de conquistar fre­
gueses para o Game & Watch. Nesse evento, crucial para o
mercado de aparelhos eletrônicos de consumo, de walkmen
a videocassetes, a localizaçao dos estandes revelava muito so­
bre a posição das empresas. Os centrais cabiam às mais im­
portantes. A Nintendo ficou escondida num estande minús­
culo, num andar alto de um prédio mal-situado. Os visitantes
não teriam encontrado os Game & Watch nem que houvessem
procurado por eles.
Outra exposição, a Toy Fair — realizada um mês depois
— também não prometeu muito. Ambas as mostras, na ver­
dade, anteciparam o que estava por vir: a NOA perdeu milhões
de dólares com seus Game & Watch.
A equipe da Nintendo aprendeu a lição e preparou-se para
a investida seguinte. Para começar, evitou descrever seus pro­
dutos como brinquedos, mesmo que eles o fossem. Isso os
desobrigava de emitir faturas com vencimento para 10 de de­
zembro e de reduzir os preços, outro novo conceito incômodo
para Howard Lincoln.
Quando a Nintendo foi receber de uma grande cadeia de
lojas o pagamento por seus Game & Watch — após 10 de
dezembro de 1983 —, Lincoln foi contatado por telefone pelo
diretor da organização. O cavalheiro queria uma redução no
preço. O advogado, porém, fingiu não saber do que se tratava.
— Redução no preço — repetiu o homem. — Ainda temos
muitos Game & Watch, o senhor sabe. Temos de baixar o
preço para que o consumidor se anime a comprá-los.
— Nós os vendemos a vocês e enviamos a fatura — replicou
Lincoln. — Vocês os receberam, de modo que nos devem o

148
PUNHADO DE FICHAS

dinheiro. Se o produto não vende, a culpa não é minha. Vocês


assumiram o risco. Agora, têm de nos pagar.
— O senhor pode ter aprendido muita coisa na faculdade
de direito, mas no ramo de brinquedos a coisa é outra. Quando
um produto não vende, os fabricantes têm de baixar o preço
para que possamos manter nossa margem de lucro.
— O senhor só pode estar louco!
Depois de explicar que a prática era comum, o executivo
declarou a Lincoln:
— Somos parceiros de longa data. Se não quiser baixar o
preço, peça a seus vendedores que não nos procurem mais.
A Nintendo reduziu o preço.
Outra lição trazida pelo desastre dos Game & Watch foi
como não fazer comerciais na televisão. A agência contratada
por eles desenvolveu uma campanha chamada "a campanha
do tédio”. Uma fita de 30 segundos mostrava uma mãe ajei­
tando o cobertor sobre um menino doente na cama; assim
que a mulher saía, o garoto tirava um Game & Watch de sob
o travesseiro. Em outro comercial "de tédio”, um menino se
aborrecia tanto num casamento que chegava a chorar, res­
mungando: "Meus pais me obrigaram a vir a esta cerimônia
idiota e estou chateado...”. Então sacava seu Game & Watch.
Acontece que Ron Judy e sua equipe de marketing, em vez
de deixar a agência contratar atores profissionais, resolveram
empregar funcionários da Nintendo nos comerciais. Acredi­
tavam que assim a campanha teria um tom mais realista. Foi
um erro, caro mas engraçado. Imagine-se, por exemplo, a ge­
rente de crédito da empresa, uma gentil senhora, paralisada
diante das câmeras, representando a mãe. Os comerciais saí­
ram tão ruins que as emissoras de televisão se recusaram a
veiculá-los.
No verão de 1985, a Nintendo deixou de comercializar seus
Game & Watch. A essa altura, embora a empresa lucrasse
fabulosamente com o Famicom, no Japão, a subsidiária nor­
te-americana só conseguia tirar sua renda das máquinas de
fliperama. Hiroshi Yamauchi desejava alterar esse quadro e

149
OS MESTRES DO J O GO

resolveu lançar o Famicom nos Estados Unidos. A fim de de­


terminar a possibilidade, Arakawa iniciou uma pesquisa acer­
ca do mercado norte-americano de videogames domésticos.
Foi como sobreviver a um desastre automobilístico. No iní­
cio da década de 80, empresas como a Atari, a Mattel e a
Coleco partilhavam um negócio multibilionário. No fim de
1983, restavam apenas os destroços de uma quebra devasta­
dora. A indústria encolhera até representar poucas centenas
de milhões de dólares. Organizações que antes nadavam em
dinheiro faliram. Parecia óbvio que os consumidores não es­
tavam interessados em videogames domésticos.
Arakawa conversou com fabricantes, atacadistas, distribui­
dores, compradores de lojas de departamentos, comerciantes
barateiros, lojistas de brinquedos, de artigos eletrônicos, pro­
dutores de software e pais. Ninguém queria saber de um novo
sistema de videogame. Por toda parte, só se repetia um nome:
Atari.

150
7
Virada do Destino
Janeiro de 1991. Numa das salas de reunião do Hotel Sands,
em Las Vegas, ao som de um concerto de Mendelssohn, Irving
Gould, diretor-executivo da Commodore International, a em­
presa de computação de 900 milhões de dólares, apresentou
Nolan Bushnell aos presentes. A figura mais constante da his­
tória do Vale do Silício californiano, então com 45 anos, er-
gueu-se da cadeira e se arrastou até o palco.
Embora certa vez houvesse comparecido a uma importante
reunião com os diretores da empresa por ele fundada, a Atari,
de sandálias e com uma camiseta da banda Black Sabbath,
naquela manhã ele usava terno escuro com seis botões, gravata
cintilante cor de ameixa e sapatos ingleses Iustrosos. A juba
— uma massa escura de cabelo fusilli e barba emoldurando
o rosto — estava um pouco grisalha, mas a figura continuava
imponente. Ele regulou o microfone, pousou as mãos na mesa
e iniciou a pregação.
A missão de Bushnell era pregar o evangelho da multimídia
por meio de algo chamado CDTV, Commodore Dynamic Total
Vision, o primeiro produto do gênero destinado ao consumi­
dor. Multimídia era uma expressão nova na indústria da ele­
trônica de consumo e designava aquilo que, segundo as pre­
visões, seria na década de 90 o que os microcomputadores
foram para a de 80. Tratava-se de uma tecnologia nova e im­
pressionante que integrava a magia da televisão, dos micro­
computadores, dos CDs, dos video-disks e dos videogames.

151
OS MESTRES DO JOGO

Característica fundamental: a capacidade de interagir com a


programação que as emissoras enviavam aos lares.
Encerrada numa pequena caixa preta de aspecto inocente,
semelhante a um aparelho de videocassete, a CDTV podia ser
ligada a qualquer aparelho de televisão. Embora apresentasse
muito da capacidade de um computador, não era intimidadora
nem complicada. Para operá-la, bastava um controle remoto.
Meia dúzia de grandes indústrias do ramo, da Philips à Apple,
já exploravam a multimídia, mas a Commodore, uma empresa
relativamente pequena, era a primeira a lançar o sistema. Para
Bushnell, não se tratava apenas de uma nova tecnologia, mas
de uma causa. Conforme explicou, o mais importante no novo
sistema era a capacidade de controlar informações ilimitadas.

Quando se inseria um simples compact-disk numa CDTV,


transformava-se uma televisão numa biblioteca que, além de
"livros", tinha imagens (inclusive em movimento) e sons. O
verbete referente ao líder negro Martin Luther King Jr. na
enciclopédia CDTV, por exemplo, mostrava a biografia em
imagens de alta resolução e trilha sonora estereofônica.
— O que é a biografia de Martin Luther King sem a oratória
dele? — perguntou Bushnell.
Nesse momento, o discurso "I Have a Dream" (Eu Tenho
um Sonho) de King foi acionado por um toque no controle
remoto.
— A combinação do áudio, do vídeo, do texto e da intera­
tividade que os controla aciona o sistema — explicou Bushnell.
Ante um "livro" CDTV, as crianças não mais se exporiam
à televisão de maneira passiva. Capazes de interferir nas his­
tórias narradas, escolheríam um príncipe ou uma princesa para
herói ou heroínéi e decidiríam se o melhor era matar o dragão
ou cativá-lo. Todas as formas de mídia — filmes, livros, música
— assemelhavam-se a videogames, motivo pelo qual Bushnell
acreditava que a CDTV revolucionaria a educação.
— Um videogame pode ensinar geografia e história. Tam­

152
VIRADA DO DESTINO

bém pode nos ensinar a tomar decisões complexas e a racio­


cinar de forma crítica.
Segundo ele, o ideal da educação o levara a comprometer-se
tanto com a CDTV. (Compreendia-se tacitamente que o alto
salário pago pela Commodore também o motivara.) O sistema
podia fazer com que as crianças aprendessem coisas natural­
mente, no ritmo delas, e com um custo mais baixo do que
um computador com capacidade similar. Cartazes nas paredes
expunham a visão dos promotores da CDTV: querida, peça
às crianças que baixem o volume da enciclopédia, sim? Outro:
agora, liguem a tv e façam a lição de casa.
Claro que nada garantia o futuro da CDTV. Seu sistema
de recuperação era muito lento e o software, limitado. Mas o
aparelho empolgou a platéia durante a exibição.
— É o ponto alto da multimídia — concluiu Bushnell. —
Vai revolucionar nossas vidas.
Após os aplausos, ele deixou o microfone e voltou a ocupar
seu assento ao lado de Irving Gould. Na platéia, o repórter
de uma publicação especializada em eletrônica de consumo
disse bem alto:
— Não foi ele que há alguns anos apresentou outra coisa
que iria revolucionar nossas vidas?

Nolan Bushnell tentava revolucionar vidas com tanta fre-


qüência que era difícil levá-lo a sério. Sua carreira fora uma
montanha-russa de visões, promessas transformadoras (com
milhões de dólares por detrás) e... decepções.
No início dos anos 80, ele dispunha de dois jatinhos bem-
equipados para ir de sua residência em Woodside, na Cali­
fórnia, às propriedades que mantinha em Aspen, Georgetown
e Paris (dos fundos de seu palácio via-se a Torre Eiffel). Quan­
do não bebericava Dom Perignon acima das nuvens, velejava
e treinava para o Transpac, uma das mais antigas regatas de
iates do mundo — que venceu em 1983. Quando viajava por
terra, escolhia entre um Rolls-Royce, dois Mercedes e um Pors­
che.

153
OS MESTRES DO ) O G O

Na época, quase ninguém conseguia alcançar a riqueza e


a fama que o jovem Bushnell adquirira tão depressa. Ele foi
o primeiro de uma série de empresários high-tech hiperativos
e bem-sucedidos, o fundador de uma das empresas de cres­
cimento mais rápido da história.
Filho de um fornecedor de cimento, Bushnell fora criado
num desolado posto avançado perto de Great Salt Lake. Desde
criança era obcecado pela inovação.
— Eu lia ficção científica e queria viver em outro mundo,
sem as limitações do nosso.
Passava boa parte do tempo na garagem de sua casa, ten­
tando produzir as coisas sobre as quais lia. Tinha só 6 anos
quando construiu, a partir de um engradado de laranjas, um
painel de controle para espaçonave. Foi o radioamador mais
jovem de Utah — mas não o menor, porque na sétima série
já tinha 1,93 metro de altura. Ao lançar um OVNI de sua
fabricação — uma lâmpada de 100 watts amarrada a uma
enorme pipa — convenceu uma considerável parte da popu­
lação local de que o planeta estava sendo atacado.
Noutra ocasião, pegou alguns cartuchos de espingarda, ti­
rou o chumbo e, usando uma máscara de esqui, rumou num
carro emprestado até o pátio da escola, onde alguns colegas
conversavam. Mirando o peito de um amigo, disparou os dois
canos. O garoto foi ao chão com duas manchas de catchup
na camisa.
Na faculdade, na Utah State e depois na Universidade de
Utah, Bushnell estudou engenharia, economia, administração
e filosofia. Certa vez, ao perder todo o seu dinheiro num jogo
de pôquer, empregou-se num parque de diversões, onde ten­
tava adivinhar o peso e a idade das pessoas. De vez em quan­
do, jogava fliperama. Costumava ir também ao laboratório de
computação para testar o Spacewar, um dos primeiros jogos
para computador.
Em 1968, formado em engenharia, Bushnell mudou para a
Califórnia. Trabalhou por um breve período na divisão de
imagem computadorizada da Ampex. Nessa mesma época,

154
VIRADA DO DESTINO

num laboratório montado no quarto da filha (a menina se


exilara no sofá da sala), criou uma versão mais simples do
Spacewar, que a essa altura já se encontrava nos computadores
da maioria das universidades do país.
O jogo fora inventado em 1962 por um aluno do MIT cha­
mado Steve Russell (com base numa novela de ficção científica
chamada Lensman, escrita por "Doc" Smith). A versão de Bus­
hnell, Computer Space, tinha circuitos integrados que se conec­
tavam a uma televisão em preto-e-branco de 19 polegadas.
Ao contrário dos computadores, porém, o aparelho não fazia
nada além de rodar o jogo, uma primitiva simulação de um
combate aéreo entre uma espaçonave e discos voadores. O
fundamental da invenção de Bushnell era que, como não re­
queria um computador completo, tinha um custo de produção
relativamente baixo. Por isso, ele logo imaginou videogames
como o seu em bares e salões de jogos.
A fim de colocar o equipamento em produção, Bushnell
trocou a Ampex por uma pequena fábrica de fliperamas. Mas
as 1.500 unidades nunca foram vendidas e ele, aos 27 anos,
deixou a empresa, ciente de que o Computer Space, com uma
página inteira de instruções, era complexo demais.
Decidiu desenvolver um jogo mais simples e vendê-lo por
conta própria. Ele e um amigo, investindo 250 dólares cada,
abriram uma empresa que deveria se chamar Syzygy (nome
criado a partir do termo que definia uma configuração quase
em linha reta de três corpos celestes num sistema gravitacional.
O sol, a lua e a Terra, por exemplo). Mas já existia uma empresa
com esse nome, de modo que Bushnell escolheu a palavra
japonesa equivalente a xeque no Go: atari.
Em seu laboratório doméstico, criou um novo jogo.
— Era bastante simples. As pessoas tomavam conhecimento
das regras de imediato e podiam jogar com só uma das mãos,
deixando a outra livre para a cerveja.
Uma ’'bola" — na verdade, um ponto de luz bem cheio —
era rebatida para a frente e para trás por duas raquetes de
2,5 centímetros, projetadas numa tela. As raquetes, nos extre-

155
OS MESTRES DO J O GO

mos da "quadra”, subiam e desciam à medida que os jogadores


giravam os controles na parte frontal de um gabinete tosco.
— Eu mesmo o fiz, com uma solda — detalha Bushnell,
que batizou o jogo de Pong porque a bola, ao bater na raquete,
produzia um ruído parecido com o do sonar.
No outono de 1972, Bushnell colocou o Pong, a primeira
máquina de fliperama comercial (com um enorme coletor de
fichas), no Andy Capp's, um movimentado bar em Sunnyvale,
cuja importância pode ser comparada apenas à da garagem
em que Steve Jobs e Steve Wozniak inventaram o computador
Apple.
Instalado ao lado de outra máquina, o Pong não passava
de uma esquisita caixa de madeira escura com uma tela em
preto-e-branco, na qual pulava um ponto branco, como uma
estrela cadente num céu negro. Um dos clientes do bar foi
até ela e observou-a. "Não perca a bola em busca de mais
pontos", alertava a única instrução.
O rapaz enfiou a mão no bolso, tirou uma moeda de 25
centavos de dólar e enfiou-a numa fenda do console, ao mesmo
tempo que chamava um amigo para jogar. A máquina anun­
ciou seu nome e automaticamente "serviu" uma bola numa
lateral da tela. Os jogadores perderam as primeiras tacadas
por não estar acostumados aos controles, mas, depois de gastar
dois dólares em moedas, já davam extensas rebatidas. Muita
gente assistia. Durante dois dias filas formaram-se diante da
máquina.
O Pong parou de funcionar ao fim do segundo dia. As moe­
das entupiram a caixa coletora, provocando um curto-circuito.
Uma nova caixa foi instalada (na verdade, uma travessa de
cozinha), com capacidade para cerca de 1.200 moedas. Em
sete dias ela já estava cheia. Bushnell ficou admirado. Seu
joguinho monótono rendia 300 dólares por semana, enquanto
a máquina ao lado arrecadava, no mesmo período, cerca de
30 a 40 dólares.
Sem dinheiro para produzir mais Pong, Bushnell entrou em
contato com fabricantes de jogos já estabelecidos, como a Bal-

156
VIRADA DO DESTINO

ly's Midway. Foi dispensado sem a menor cerimônia. Resta­


vam-lhe duas alternativas: financiar o empreendimento pes­
soalmente ou esquecê-lo.
A fim de obter algum dinheiro rápido, Bushnell prestou
serviços de consultoria junto a indústrias eletrônicas e conse­
guiu uma linha de crédito de 50 mil dólares num banco local.
Então, com a colaboração de técnicos cabeludos aos quais pa­
gava quase nada, iniciou uma linha de montagem num rinque
de patinação abandonado. Trabalhando de 12 a 16 horas diá­
rias, a gangue desordeira montava máquinas ao som dos Rol­
ling Stones e do Led Zeppelin no volume máximo de um sis­
tema estéreo cheio de estática. Dan Van Elderen, um jovem
engenheiro, lembra que na época não existia nem monitor de
vídeo.
— Montamos os primeiros Pongs em aparelhos de televisão
Motorola. Jogávamos fora a caixa plástica, a bobina de sintonia
e os circuitos. Usávamos o tubo e a tela.
Bushnell contatou clientes potenciais, na maioria distribui­
dores de fliperamas e vitrolas automáticas, e conseguiu vender
toda a produção: umas dez máquinas ao dia. Para lucrar de
fato, no entanto, tinha de expandir o negócio. E para isso pre­
cisava de mais dinheiro. Os bancos e as companhias de in­
vestimento lhe recusaram empréstimos porque corriam boatos
de que a Atari estava ligada à Máfia. Além disso, preocupa­
vam-se com a possibilidade de as pessoas roubarem os vídeos
dos consoles.
Os investidores a quem Bushnell conseguia tranqüilizar de­
sistiam da empreitada ao visitar a fábrica. Os empregados, de
jeans rasgados e sandálias surradas (ou mesmo descalços), tra­
balhavam quando bem entendiam. As reuniões de equipe eram
raras. O fundador se apresentava de camiseta ou de camisa
florida com gravata de bolinhas.
— O cheiro de maconha se espalhava através do sistema
de ar condicionado — conta Steve Jobs, um dos primeiros
funcionários da Atari. — Alguns dos meus colegas eram tão
barbudos que nunca lhes vi o rosto.

157
OS MESTRES DO JOGO

Mas Bushnell era de uma persistência irritante. Graças a


isso, e a sua visão imodesta, grandiosa até — projetava vendas
de centenas de milhões de dólares —, convenceu um dos mais
astutos e confiáveis empresários do Vale do Silício, Don Va­
lentine, a financiar o empreendimento. Com a injeção de di­
nheiro, a Atari pôde crescer. Bushnell contratou mais gente,
a quem incentivava com bom humor, simpatia e até mentiras.
Certa vez, fez um empregado trabalhar dobrado dizendo que
a General Electric aguardava ansiosa as unidades, quando na
verdade nem sequer fora atendido pela GE.
— Éramos muito jovens — comenta Bushnell. — Eu tinha
vinte e poucos anos. Meus vice-diretores também. Boa parte
dos empregados era adolescente.
A Atari reservava um fundo para ’’gravidezes indesejadas”
e outro para afiançar a saída de funcionários da cadeia. A
idade média do pessoal era tão baixa que o seguro de vida
em grupo cobrava taxas baratíssimas por benefícios extraor­
dinários.
— Aí eles começaram a casar — recorda Bushnell. — Não
por causa dos bebês, mas por sua própria causa!
Um dos exemplos da pouca idade dos funcionários foi Steve
Jobs, que entrou para a empresa quando tinha apenas 17 anos.
No início de 1974, saiu do Reed College, voltou para a casa
dos pais em Los Altos e começou a procurar emprego. Ao
ver o anúncio "Divirta-se e Ganhe Dinheiro", foi até a Atari.
— Há um rapaz na sala de espera — avisou a secretária.
— Deve ser maluco ou doente.
Magrinho, de cabelo comprido e barba à Ho Chi Minh, Jobs
preencheu a proposta de emprego. Em seu currículo, nada
havia de relevante — exceto alguns cursos de engenharia no
Reed.
— Aguarde um contato nosso — instruíram-no.
O telefone tocou no dia seguinte e Jobs se tornou o qua­
dragésimo funcionário da Atari. Contratado como técnico a 5
dólares a hora, sua primeira tarefa foi ajudar um engenheiro
num novo jogo, o Vídeo Basketball. A Atari procurava produzir

158
____________ VIRADA DO DES TINO__________

esportes de campo porque os circuitos do Pong se adaptavam


facilmente a tais simulações.
Embora os jogos vendessem bem, Bushnell estava endivi­
dado até o pescoço e a sobrevivência da empresa continuava
difícil.
— Muita gente não entende como se pode ter sucesso e
lucro sem ter também dinheiro. O fato é que uma indústria
em crescimento consome uma quantidade incrível de dólares.
A empresa simplesmente não tinha como cobrir a folha de
pagamento duas vezes por mês. O investimento de Don Va­
lentine ajudara a incrementar a produção, mas os retornos
demoravam. Então, um grande sucesso posterior ao Pong os
tirou do sufoco. Tratava-se do primeiro videogame de corrida
automobilística, controlado por um volante instalado no ga­
binete. O Gran Trak devorava fichas mais depressa do que o
Pong.
Um amigo de Steve Jobs, Steve Wozniak, engenheiro da
Hewlett Packard, ficou viciado no Gran Trak. Quase todas as
noites, após o trabalho, ia a um bar e gastava uma enorme
quantia, de que não dispunha, no jogo. Jobs então começou
a levá-lo, às escondidas, até a fábrica, para que ele pudesse
jogar de graça. Em troca do benefício, Woz, perito em com­
putação, ajudava Jobs sempre que este deparava com algum
empecilho num circuito especialmente complicado.
Bushnell acabou descobrindo a trapaça, mas apreciou a obs­
tinação de Jobs e o tomou sob sua proteção. Ao saber que o
rapaz economizava para viajar à índia, propôs-lhe realizar um
serviço na Alemanha Ocidental, com despesas pagas. Alguns
jogos que a Atari exportara para lá estavam provocando in­
terferência nos aparelhos de televisão.
Jobs foi para a Europa, ajustou os Pong e seguiu viagem
para Nova Déli, onde conheceu um guru que lhe raspou a
cabeça. Após uma estadia de seis meses, voltou para Paio Alto
e o antigo emprego, passando a trabalhar num dos jogos mais
esquisitos da Atari. O Gotcha surgira numa sessão de brains­
torming, quando um jovem técnico comentou que o joystick

159
OS MESTRES DO JOGO

usado na maioria das máquinas constituía um símbolo fálico.


Na opinião dele, a Atari deveria desenvolver um jogo "femi­
nino". O controle do Gotcha, assim, dava-se quando se aper­
tavam duas bolas de borracha no console. O pessoal da Atari
o chamava de "jogo bobo".
Dan Van Elderen logo deixou de montar games e passou
a projetá-los. O Tank, em que dois jogadores perseguiam um
ao tanque do outro enquanto percorriam a toda velocidade
um labirinto cheio de obstáculos, foi o primeiro a utilizar chips
ROM para armazenar dados de imagem (ainda não existiam
os microprocessadores de videogames).
Outros engenheiros produziram uma versão mais refinada
do Tank, que se tornou a favorita de Bushnell. Assim como
na original, cada jogador controlava um tanque, tentando en­
contrar e destruir o do outro. Alvo de um tiro certeiro, o veículo
explodia na tela e o jogador que o controlava levava um choque
elétrico.
— Era um choque fraquinho — assegura Bushnell. — Mas
real. Muita gente gostou.
Menos o departamento jurídico da empresa, que vetou o
jogo.
Steve Wozniak se juntou à Atari a fim de ajudar Jobs a
elaborar outro game, chamado Breakout. Uma raquete rebatia
uma bola contra uma parede de tijolos, que iam desaparecendo
um a um até não restar mais nada. Bushnell gostou, mas os
circuitos requeriam um número excessivo de chips caros. A
solução foi oferecer a Jobs um bônus de 100 dólares por chip
que conseguisse eliminar. Ele ganhou 5 mil dólares.
Fora do trabalho, Jobs e Wozniak continuavam ocupados
na garagem da família do primeiro. Usando algumas partes
do Atari, construíram um computador tosco — na verdade,
uma placa de circuitos — que se chamou Apple I. A máquina
não fazia muito. Mas, depois que Wozniak a mostrou numa
reunião de um clube de informática, e recebeu cinqüenta en­
comendas, Jobs concluiu que talvez houvesse um mercado

160
VIRADA DO DESTINO

para microcomputadores, de modo que deixou a Atari para


fundar a Apple.
Uma vez que Wozniak se interessava mais pela parte téc­
nica, foi Jobs que se empenhou em tornar o computador aces­
sível ao consumidor. Juntos, acrescentaram ao aparelho um
teclado e uma memória. Então, Wozniak desenvolveu a uni­
dade de disco e incluiu um terminal de vídeo, enquanto Jobs
contratava especialistas para desenvolver uma fonte de força
eficaz e desenhar um gabinete atraente. Nascia o Apple II —
e com ele toda uma nova indústria. Como precisasse de di­
nheiro, Jobs procurou Nolan Bushnell e ofereceu-lhe sociedade
na Apple Computer. Imprudente, Bushnell recusou.
Jobs e Wozniak foram apenas dois dos empresários da in­
dústria da computação e do videogame que aprenderam o
ofício na Atari. Uma década depois da fundação da empresa,
já se encontravam ex-alunos de Bushnell em altas posições na
Electronic Arts, na Lucasfilm e LucasArts, na Apple, na Mi­
crosoft e em muitas outras.
— Abrimos espaço para que as pessoas criativas partici­
passem de algo totalmente novo — explica Bushnell. — Era
gente que queria criar algo intelectualmente estimulante e di­
vertido. Eles desejavam empregar seu talento em jogos, não
em bombas.

A Atari continuava a crescer. Em 1973, quando seis mil


Pongs já tinham sido comercializados (a mais de mil dólares
cada), a Bally's Midway procurou Bushnell e ofereceu uma
grande quantia pelos direitos do jogo. Fechou-se o negócio, e
a Bally's vendeu outros nove mil Pongs. A Atari contava agora
com oitenta empregados, ’’tipos estranhos de cabelo comprido
que andavam de bicicleta, alguns desistentes dos estudos, con­
tratados com base não na formação, mas nas boas vibrações",
segundo Scott Cohen em seu livro Zap! The Rise and Fall of
Atari (Zap! Ascensão e Queda da Atari). De acordo com a
revista Fortune, só em 1974 foram produzidos cem mil jogos
do tipo Pong. A Atari, embora fabricasse só um décimo deles

161
OS MESTRES DO JOGO

(o game era copiado descaradamente), faturou 3,2 milhões na­


quele ano fiscal. Nos três anos seguintes, comercializou vi­
deogames equivalentes a 13 milhões de dólares, incluindo o
Quadrapong, para quatro jogadores, e o Puppy Pong, que se
apresentava numa casinha de cachorro em fórmica.
Em 1974, após o sucesso do Gran Tank, Bushnell decidiu
produzir um sistema Pong doméstico. Pensou em reduzir uma
máquina de fliperama a uns poucos componentes baratos. Há
dois anos, a Magnavox já vinha comercializando um proces­
sador doméstico criado em 1966 por Ralph Baer, engenheiro-
supervisor da Sanders Associates. Tratava-se de um jogo quase
idêntico ao Pong, rodado num aparelho RCA, em cores, de 17
polegadas, do qual Sanders não tirara proveito nenhum até
licenciar a tecnologia à Magnavox. Acompanhavam o Odyssey
películas Mylar, representando diversos tabuleiros ou campos
de jogo, a ser fixadas na tela da televisão. Cem mil unidades
do jogo foram vendidas em 1972, seu primeiro ano no mercado.
O Pong doméstico da Atari apresentava uma imagem mais
definida e controles mais sensíveis do que o sistema Magna­
vox, além de custar menos. Entretanto, exibido em exposições
de brinquedos, o novo produto não despertou o interesse de
nenhuma cadeia de lojas. Bushnell voltou para a empresa de­
sanimado, sem saber o que fazer. Eis que, logo em seguida,
foi procurado pelo comprador do departamento de artigos
esportivos da Sears Roebuck, que prometeu comprar todos
os Pong domésticos que a Atari conseguisse produzir.
Com o apoio da Sears, Bushnell aumentou a capacidade de
produção da Atari. A grande campanha publicitária que a
cadeia de lojas promoveu na televisão elevaram as vendas a
quase 40 milhões de dólares em 1975. Bushnell gastava o má­
ximo possível — em festas, roupas caras e carros.
— Não éramos nem mais nem menos irresponsáveis ou
loucos do que Ross Johnson e os outros da RJR Nabisco —
garante Bushnell. — A única diferença é que eles estavam
organizando os Estados Unidos corporativo.
As máquinas de fliperamas ficaram mais sofisticadas com

162
VIRADA DO DESTINO

a queda do preço dos microprocessadores, em meados da dé­


cada de 70. Dan Van Elderen fazia parte da equipe que de­
senvolveu o primeiro game baseado em microprocessador da
Atari. Tratava-se do Sprint, um jogo de direção no trânsito
que exigia reações rápidas. Até então, a Atari lidara essencial­
mente com hardware. Com o advento dos microprocessadores
— que tiravam dos programas as informações armazenadas
à medida que iam precisando delas —, o software se integrava
aos videogames, e salas inteiras se encheram de programado­
res recém-contratados.
Com a renda desses aparelhos, do negócio com a Sears e
de mais investimentos, a Atari expandiu-se e entrou na com­
petição. No final de 1976, vinte empresas diferentes, da RCA
à Coleco, passando pela National Semiconductor, produziam
videogames domésticos, cada uma tentando superar a outra
em marketing e tecnologia. A Fairchild Camera acabava de
lançar o primeiro sistema totalmente em cores, com cartuchos
intercambiáveis (criado pela Alpex). Por isso, a estréia da Atari
teria de ser muito melhor. E foi. Apelidado pelos engenheiros
de Stella, em homenagem a uma funcionária do departamento
pessoal, o Atari 2600 era um sistema programável, poderoso
e não muito caro, mas seu custo de fabricação e marketing
estava além das possibilidades de Bushnell. A saída era abrir
o capital, mas ele resolveu procurar um investidor.
A MCA e a Disney recusaram a oferta. Sid Sheinberg levaria
ainda um ano ou dois para entender o significado da nova
indústria do videogame. A Warner Communications, porém,
estava interessada.
Steve Ross, o grisalho diretor da empresa, que mais tarde
dirigiría a fusão Time Inc.-Warner Communications, soube por
um de seus executivos que a Atari buscava investidores. Já
conhecia a empresa porque certa vez, na Disneylândia, per-
deu-se dos filhos e os encontrou jogando o Indy 8, uma corrida
de automóveis para oito jogadores.
— Juntando-se à família hipnotizada, ele ficou lá, vendo a
máquina engolir moedas — descreveu Manny Gerard, o exe-

163
OS MESTRES DO J O G O

cutivo que em 1976 informou a Ross que a Atari precisava


de dinheiro.
Gerard via o negócio do videogame como ele era: uma união
da informática com a diversão e a eletrônica de consumo.
— Ao ver o 2600 num laboratório da Atari, exclamei: zPuta
merda! Essa coisa vai dominar o mundo!'
O passo seguinte foi convencer Ross não a fazer uma oferta
de investimento à Atari, mas a comprá-la. Autorizado pelo
superior, ele iniciou as negociações com Bushnell e seu pessoal.
A princípio, a Atari declarou não ter interesse no negócio,
mas era só pose.
— Estávamos exaustos — revela Bushnell. — A proposta
da Warner foi um alívio.
O montante oferecido também agradou. A Warner pagou
pela Atari 28 milhões de dólares, um bom retorno ao inves­
timento de 250 dólares de Bushnell, que além de tudo conti­
nuou na direção da empresa. Tanto ele quanto os sócios es­
tavam ricos.
— Passei a vida toda dizendo que era milionário — diver-
te-se Bushnell. — Agora sou.
Mas a relação estava condenada.
— Eu devia ter percebido que não ia durar — lamenta o
empresário. — O negócio perdeu a graça quando deixou de
ser meu.
Ele trabalhou dois anos para Gerard, mas sem vontade. De
acordo com seu superior, dedicava mais tempo aos investi­
mentos pessoais do que à administração da Atari.
— Ele queria a empresa, dirigi-la, mas não ia trabalhar —
desabafa Gerard.
Quando comparecia ao escritório, Bushnell invariavelmente
entrava em atrito com a diretoria da Warner. Diz ele que queria
que o novo computador da Atari, o 800, arrasasse o inferior
Apple II (em parte por vingança, uma vez que perdera a opor­
tunidade de ser um dos sócios-fundadores da empresa de in­
formática). Contudo, enquanto Steve Jobs incentivava os fa­
bricantes de software a elaborar programas para o Apple II,

164
____________ VIRADA DO DESTINO_____________

a Atari ameaçava processar os que tentassem produzir pro­


gramas para o 800. Os clientes que desejassem planilhas ele­
trônicas ou processadores de texto eram obrigados a comprar
os produzidos pela Atari. Nesse ínterim, diversos empreen­
dedores lançavam software para o Apple II — a planilha Vi-
siCalc, por exemplo — e ajudavam a vender milhões de uni­
dades da máquina.
Bushnell discordava também da política da Warner. Em
sua opinião, deveriam se livrar do imenso estoque de 2600 a
preços baixos e lucrar com o software. Mas a diretoria da
Warner vetou a idéia.
O ano de 1978 prometia muito a Atari, National Semicon­
ductor, Fairchild, General Instrument, Coleco, Magnavox (que
lançara o Odyssey 2) e a mais umas dez empresas. No entanto,
o Natal chegou, passou e poucos consumidores levaram vi­
deogames para casa, talvez confusos ante tantas opções. De
todas as concorrentes, só a Coleco e a Atari, esta em frangalhos,
sobreviveram.
Manny Gerard, que se reportava a Steve Ross, pressionava
Bushnell, que nunca reagira bem a idéias alheias — muito
menos a idéias alheias a respeito de sua empresa.
— Você não goza dos direitos divinos dos reis — obser­
vou-lhe Gerard, ao que Bushnell deixou de atendê-lo.
Gerard decidiu então nomear um novo diretor para a Atari
e escolheu Ray Kassar, ex-vice-diretor de marketing das Bur­
lington Industries. Kassar era tão formal quanto Bushnell des­
contraído. O choque tornou-se inevitável.
Era novembro de 1978 e no Rockefeller Center, em Nova
York, iniciava-se a reunião anual para a definição de orça­
mentos da Warner. Atrasado, Bushnell entrou correndo, atirou
o paletó na mesa do café e, descabelado, afogueado, jogou-se
na única cadeira vaga, no extremo do comprido tampo de
mármore. Enquanto encarava cauteloso os demais participan­
tes, o chefão da Warner iniciava "a inquisição", nas palavras
de Bushnell. A presidência queria saber quais seus planos, no

165
OS MESTRES DO JOGO

ano seguinte, em relação a sua subsidiária (que gerava 250


milhões de dólares em vendas, mas não dava lucro).
Bushnell atacou praticamente todos os projetos de Manny
Gerard e Ray Kassar. Primeiro, a Atari deveria liquidar sua
desastrosa divisão de fliperamas. Em segundo lugar, não po­
diam nem pensar em lançar o computador 800 — a menos
que as companhias de software fossem incentivadas a produzir
programas. Em terceiro, era preciso baixar drasticamente o
preço do 2600. A Warner devia investir o que fosse necessário,
a curto prazo, com vistas ao lucrativo negócio de longo prazo.
A ganância só destruiría a empresa.
Manny Gerard ficou indignado com o desabafo de Bushnell
diante dos chefões da Warner.
— Ele ficou puto — descreve Bushnell.
Mas Gerard garante que apenas se opôs aos "blefes e men­
tiras" do outro. Afirmou que Bushnell afundaria a Atari, e os
dois gritaram um com o outro. No fim, segundo Scott Cohen,
"Gerard gritou mais alto".
Depois da reunião, os dois homens se encontraram.
— Você não acredita no programa — concluiu Gerard. —
Talvez devesse se retirar.
Foi o que Bushnell fez. Saiu com 1 milhão de dólares em
dinheiro, cerca de 12 milhões em debêntures (que a Warner
mais tarde recomprou), um salário de 100 mil dólares ao ano,
mais bônus e opções. A única condição era não concorrer com
a Atari durante 7 anos.
— Eles sabiam que eu era um jogador extremamente cria­
tivo, além de bom estrategista. Sabiam que eu podia ter razão
e não queriam que isso fosse jogado na cara deles. Temiam
também que eu tirasse os engenheiros da Atari, com quem
me dava superbem, e fizesse com que todos se voltassem con­
tra eles, arrasando-os.
Em seu contrato original com a Warner, Bushnell salva­
guardou alguns projetos que a organização não tinha interesse
em desenvolver, como a rede de pizzarias Chuck E. Cheese
Pizza Time Theater. Aliviado por se ver livre de qualquer

166
VIRADA DO DESTINO

obrigação para com a Warner, ele se atirou de cabeça na criação


da Chuck E. Cheese.
Em 1981, já existiam 278 Chuck E. Cheese, cada uma lu­
crando nove vezes mais do que qualquer outra cadeia de piz-
zarias (a Nintendo abriu sua franquia em Vancouver em 1983).
Fabricando dinheiro, Bushnell já calculava seu patrimônio lí­
quido em cerca de 100 milhões de dólares. Começou a cole­
cionar aviões e casas assim como outras pessoas colecionavam
vidro da época da Depressão. A seu primeiro jatinho, que lhe
custou 4 milhões, deu o nome de Danieli, em homenagem ao
hotel em Veneza onde passou a segunda lua-de-mel. Adorava
voar pelo mundo, às vezes dando carona a gente famosa, como
George Bush e Francis Ford Coppola. Quando gostava de al­
gum lugar, comprava uma casa lá. Mas acabou enjoando do
jet set e do fato de ter só um negócio em andamento.
— Estudei bastante filosofia na universidade. Aprendi a
dialética kierkegaardiana, segundo a qual o principal motiva­
dor no universo é o tédio: Deus ficou entediado, criou o mundo
e depois o homem, a mulher. A mulher ficou entediada, então
comeu a maçã no Jardim do Éden. Para mim, o tédio é o
principal motivador. Passo do tédio à azáfama porque sempre
dou um passo maior do que a perna. E estou piorando com
a idade, pois agora sei como dar prosseguimento às idéias. É
mesmo uma encrenca quando fico obcecado por duas ou três
coisas novas.
No fim de 1981, o tédio levou Bushnell a fundar a Catalyst
Technologies em Sunnyvale. Naquilo que chamou de ’’incu­
badora de 4.650 metros quadrados”, ele financiava os projetos
de mais de uma dezena de empresas independentes. A idéia,
explicava, era "abrir uma companhia com uma chave, não com
um cheque". À inauguração, elas já contavam com escritório,
recepcionistas, máquinas copiadoras, telefones e tudo o que
fosse necessário. Em troca disso, mais fluxo de caixa, Bushnell
ficava com uma boa parcela das empresas da Catalyst.
A Cinemavision desenvolveu um monitor em cores com
resolução quatro vezes superior à dos televisores comuns. A

167
OS MESTRES DOJOGO

TimberTec promovia acampamentos infantis computadoriza­


dos. A rede ByVideo despachava pelo correio produtos que
os clientes encomendavam por meio de um "videocatálogo".
A Catalyst Technologies incluía também a ACTV, sistema
de TV a cabo em Nova York cujo sofisticado controle remoto
permitia não só a escolha do ângulo em que se queria assistir
a uma partida de beisebol como também o destino dos per­
sonagens nos filmes. Uma outra empresa, a Compower, fa­
bricava produtos para computação. A Axlon, depois de so­
corrida por Bushnell, começou a produzir o Playskool Baby
Monitor, pelo qual os pais ouviam os filhos durante o sono;
os Petsters, cães e gatos robotizados que andavam pela casa;
e o AG Bear, que repetia falas num grunhido grave. A IRO
realizava tratamentos de pele e análises de cor eletronicamente.
A Magnum Microwave fabricava componentes para o governo
(para o míssil Tomahawk). E havia também a Sente, que criava
videogames incorporando hologramas e video-disks. Bushnell
pretendia jogar a Sente contra a Atari assim que a cláusula
da não-concorrência expirasse.
— Fui eu quem investiu o primeiro dólar em todas essas
empresas.
Assim, além de ter dezenas de idéias, ele podia concretizá-
las. O nome Sente resume em parte aquilo que o motivava.
Assim como Atari significava xeque no Go, Sente se traduzia
por "xeque-mate".
Algumas das empresas Catalyst eram de um brilhantismo
notável. A ETAK desenvolveu a tecnologia para o TravelPilot,
o primeiro guia urbano eletrônico do mercado. Uma pequena
tela exibia mapas armazenados em CDs. Quando se digitava
a localização atual e o destino, surgiam os melhores percursos.
A medida que o carro avançava, os mapas se alteravam, mos­
trando o itinerário graças a uma bússola eletrônica que ras-
treava o veículo com base em informações transmitidas por
sensores colocados nas rodas. Bushnell esperava que todos os
automóveis do país aderissem ao sistema.
Sua empresa favorita era a Androbot, fabricante de robôs

168
VIRADA DO DESTINO

’’inteligentes" para uso doméstico — máquinas que aprendiam


com a experiência. O computador do robô processava as in­
formações colhidas por nove ou dez sonares e sensores infra­
vermelhos, fazendo-o procurar seres humanos, conhecer a dis­
posição de um cômodo e desempenhar um número crescente
de tarefas úteis. Obcecado pela robótica, Bushnell definia a
Androbot como a "empresa multibilionária que vai durar para
sempre". Talvez essa previsão se concretize algum dia, mas
Bushnell estará de fora. Depois que ele investiu 12 milhões
de dólares de sua fortuna pessoal, a Androbot implodiu.
Outras empresas Catalyst tiveram o mesmo destino. Bus­
hnell vendeu a IRO devido a um prejuízo imenso.
— O fato é que as mulheres não querem rigor científico na
beleza — explica.
Negociou também a Sente, com a Bally's Midway, por 3,5
milhões de dólares — que empregou na Pizza Time. Outro
fracasso foram os visores de cristal líquido; Bushnell vendeu
a ACTV, reservando parte das ações. A Axlon, dos brinquedos,
abriu o capital no ano em que 17 outras fábricas do ramo
faliram — principalmente porque as crianças pararam de com­
prar brinquedos, mais interessadas em sistemas de videogame
produzidos por uma recém-chegada ao mercado norte-ame­
ricano, a Nintendo.
Bushnell conseguiu manter a Axlon funcionando, mas re­
duziu-lhe o tamanho e transformou-a em licenciada. Quanto
ao sistema do tipo ETAK, sem dúvida fará parte de todos os
carros como equipamento-padrão, ou ao menos opcional, mas
não será Bushnell a enriquecer com ele. Em 1985, Rupert Mur­
doch comprou a ETAK por 35 milhões de dólares e licenciou
a tecnologia à Blaupunkt.
No início dos anos 80, no auge do sucesso da Chuck E.
Cheese, Bushnell, ainda lutando contra o tédio, passava cada
vez menos tempo ao leme da empresa e cada vez mais tempo
ao leme de seu iate.
— Eu tinha uma vida de rico. Fiquei meio arrogante. De
repente, a gente começa a pensar que nunca vai fazer nada

169
OS MESTRES DO J O GO

errado. Você cria um mega-empreendimento. Ele se transfor­


ma noutro mega-empreendimento e você tem 200 milhões na
mão. Puxa, que fácil. Por que não comprar tudo o que quero?
Aí, você começa a relaxar. Eu me desconcentrei.
Ou seja, foi navegar. Em 1983, quando participava da regata
Transpac, perdeu o contato com o pessoal que administrava
a Chuck E. Cheese. Ao entrar em Waikiki com seu veleiro,
em primeiro lugar, era só ostentação, champanhe e alegria. A
certa altura, resolveu telefonar para a companhia, mas não
estava preparado para o que ouviu. A Chuck E. Cheese afun­
dava — tinham de compensar um prejuízo trimestral de 10
milhões de dólares. Bushnell esqueceu o troféu Transpac e
voltou correndo para casa, mas já era tarde. Ante a decisão
da diretoria de chamar um executivo para resolver a situação,
ele se retirou. Hoje, diz que foi a pior decisão empresarial de
sua vida.
— Sou muito obstinado. Acho que poderia ter salvo a Chuck
E. Cheese sem falir.
Seis meses depois da saída de Bushnell, a Pizza Time ia
para o brejo e seus milhões de ações não valiam mais nada.
— Era como se a minha sorte tivesse acabado.

A Chuck E. Cheese fundiu-se a uma cadeia hoteleira, que


acabou conseguindo recuperá-la (embora a primeira pizzaria
em Sunnyvale se tornasse um obscuro restaurante barato). Já
Bushnell teve de enfrentar algumas realidades difíceis. Foi ob­
rigado a vender todos os jatinhos, o iate e as casas em Wood­
side e Aspen.
— Eu já voava alto demais para poder voltar numa flechi-
nha; era preciso um foguete de três estágios, porque eu estava
na estratosfera. Achava que não tinha como errar.
Era hora de uma auto-análise. No escritório às escuras, ele
olhava pela janela. Tinha o fluxo de caixa apertado, conforme
suas próprias palavras. A Chuck E. Cheese e a Androbot não
mais lhe pertenciam.
— E agora, cara? — perguntava-se.

170
VIRADA DO DESTINO

Um industrial que o conhecia acreditava que ele estava


amargurado com aquele súbito declínio.
— É muito triste — reflete. — Steve Jobs trabalhou para
Nolan. Nolan deveria ser Jobs, ou Bill Gates. Isso o corrói.
Bushnell filosofava:
— Tirei um monte de diplomas na faculdade. Gozei de
tremendos golpes de sorte e de alguns azares. Mas a vida
nunca foi maçante.
Por mais inimaginável que parecesse aos que trabalharam
com ele, em 1990 o padrinho dos empresários-prodígio do
Vale do Silício teve de procurar emprego. Foi quando a Com­
modore entrou na história. A empresa o queria na diretoria
para vender a CDTV.
Enquanto isso, a Atari, indústria fundada por Bushnell,
prosperava. Em 1978, os norte-americanos já gastavam mais
de 200 milhões de dólares ao ano em videogames domésticos.
Em 1981, o montante foi de 1 bilhão de dólares, apesar de a
Mattel estar se desgastando com o Intellivision. Em 1982, as
vendas subiram como foguete. A Atari era responsável por
metade da renda da Warner Communications e por mais de
60 por cento de seu líquido operacional.
Aparentemente, a empresa tinha muita força. O 2600 estava
em toda parte, com 20 milhões de unidades vendidas e 1.500
jogos disponíveis. A Actvision, a Epyx e diversas outras firmas
independentes começaram a faturar milhões produzindo car­
tuchos de jogo para o 2600. O concorrente mais próximo era
o ColecoVision, da Coleco, que prometia jogos de qualidade
semelhante aos das máquinas de fliperamas e que, com um
módulo de expansão, processava todos os cartuchos do Atari
2600. O ColecoVision vendia bem, em parte por rodar uma
versão doméstica de um game incrivelmente popular licen­
ciado da Nintendo: o Donkey Kong.
Logo a Mattel e a Atari estavam produzindo jogos Coleco­
Vision para seus próprios sistemas. Milton Bradley tentou
acompanhar os cartuchos de videogame Voice Command re­
ferentes ao computador doméstico 99/4A da Texas Instru-

171
OS MESTRES DO JOGO

ments mas fracassou, numa exceção naquele mercado em rá­


pida expansão: o faturamento era de 3 bilhões de dólares ao
ano.
As máquinas de fliperama faturavam ainda mais, apesar
do revés que sofriam: de 5 a 6 bilhões de dólares. Comunidades
distantes como a de Babylon, em Long Island, a de Oakland,
na Califórnia, e a de Pembroke Pines, na Flórida, aprovaram
decretos restringindo o jogo a adolescentes de várias idades.
O secretário de saúde dos Estados Unidos fez uma declaração
em que acusava os videogames de produzir "aberrações no
comportamento infantil", além de tornar os usuários depend­
entes "de corpo e alma".
Mas os videogames conquistavam o mundo.
O fascínio pelos jogos, não raro acompanhado de meditação cós­
mica acerca de seu suposto efeito danoso sobre a fé, a moral e a
freqíiéncia escolar, parece ser universal,
escreveu John Skow na Time em 1982. Segundo o artigo,
games como Asteroids, Defender, Missile Command, Pac-Man e
Donkey Kong consumiam, além de um monte de moedas, 75
mil homens-ano só nos Estados Unidos.
Mesmo assim, Bushnell saíra da Atari em momento opor­
tuno. A empresa se deixou ultrapassar cada vez mais pela
Apple nos computadores, até que seu ganha-pão, os video­
games, foi por água abaixo.
Bushnell se arrepia ao citar alguns dos erros cometidos pela
Atari sob a direção da Warner.
— E incrível o número de más decisões administrativas
que eles tomaram. Muita gente desqualificada entrou para a
empresa, e houve um tremendo rodízio de vice-diretores. Os
negócios iam bem, mas ninguém sabia exatamente por quê.
Tudo o que se fazia era produzir e vender milhões de cartu­
chos. Não existia planejamento estratégico.
Em 1983, o negócio de videogames, avaliado em 3 bilhões
de dólares, reduzia-se a um fio — 100 milhões em vendas
para toda a indústria —, embora a Atari e dezenas de outras
empresas continuassem comercializando milhões de jogos.

172
VIRADA DO DESTINO

Segundo Bushnell, "um equívoco irresponsável" da Atari


destruiu a indústria do videogame:
— Eles esperaram que o mercado dobrasse quando a lógica
dizia que isso era impossível. E veio o derrame de tinta ver­
melha.
A Warner Communications se viu arrasada; com suas ações
em parafuso, mergulhou numa batalha por controle com Ru­
pert Murdoch. Steve Ross responsabilizou a Atari pelo prejuízo
de 283,4 milhões de dólares da Warner no segundo trimestre
de 1983, que, segundo o The Wall Street Journal, foi
o pior da história da empresa e três vezes pior do que as previsões
mais pessimistas de Wall Street.
Os estoques alcançavam níveis gigantescos. A Atari produ­
ziu, para depois armazenar, quase seis milhões de jogos ET:
The Extraterrestrial. Num fato ainda mais assombroso, depois
de licenciar o jogo da Namco, a empresa produziu cartuchos
Pac-Man em quantidade superior à de jogadores existentes.
Dado o imenso número de games em estoque, reduziram-se
os preços. Durante os anos de declínio, as vendas unitárias
totais aumentaram, mas o montante caiu a um décimo do que
fora um dia.
— A Atari alcançou dois bilhões em vendas e, para aquele
terceiro ano, projetava três — conta Bushnell. — Eis por que
bateram contra a parede com tanta violência.
Aliás, ele ganhou uma boa quantia reduzindo as ações da
Warner.
— É muito raro ver o líder de um setor abandonar não só
a posição como também o próprio setor — observa. — Não
sobrou nada. Eles se impuseram limites cada vez maiores,
não tentaram nada inovador. Ninguém tem dinheiro suficiente
para fazer o que quer por muito tempo. Não havia uma no­
vidade sequer na linha de produção da Atari no dia em que
a deixei. Eles só variaram os conjuntos de chips e o negócio
que eu tinha criado. A empresa, pura e simplesmente, entregou
o mercado dos games para a Nintendo, o da computação para
a Apple e depois para a IBM.

173
______________ OS MESTRES DO JOGO___________________

O derrame de cartuchos e sua redução de preço corroeu o


mercado. Quase levou a Atari e a Mattel à falência. A Coleco
se saiu melhor, mas não graças aos videogames. Seu lança­
mento Cabbage Patch Kids vendeu ao todo mais de meio bi­
lhão de unidades.
No ano em que a Atari registrou os prejuízos recordes de
200-300 milhões de dólares, Ray Kassar, diretor nomeado pela
Warner, viu-se com a missão de manter o barco à tona num
mercado subitamente desaparecido, o de videogames, e no
acidentado negócio da informática. Foi quando pôs em prática
algumas idéias, várias delas relacionadas a uma certa empresa
que alcançava um sucesso fenomenal no Japão.
A Nintendo e a Atari iniciaram seus contatos quando esta
licenciou o Donkey Kong para seu computador doméstico. Kas­
sar e Skip Paul, vice-diretor sênior da Atari, convidaram Mi­
noru Arakawa e Howard Lincoln para uma reunião em seus
escritórios no Vale do Silício. Arakawa e Lincoln falaram com
mais de dez vice-diretores ("de todas as divisões imagináveis",
comenta Lincoln) e vinte executivos na sala de jantar da em­
presa. O chef provinha de um dos melhores restaurantes do
mundo, gabou-se Kassar.
Valeu a pena, pois a Atari licenciou o Donkey Kong para o
800. Satisfeito com o desfecho das negociações, Hiroshi Ya­
mauchi ligou para Arakawa sugerindo que a Nintendo ofe­
recesse a Kassar os direitos mundiais para o Famicom. Sua
idéia era continuar vendendo a máquina no Japão mas permitir
que a Atari, que já tinha uma rede de distribuição internacio­
nal, comercializasse o equipamento nos Estados Unidos, na
Europa e no resto do mundo. O benefício ia além dos royalties
por unidade. A Nintendo, que sozinha jamais conseguiría com­
petir fora do Japão, como parceira da Atari passou a vender
software no mundo inteiro.
O 2600 estava ultrapassado e o 5200 não chegaria a parte
alguma. Corria o boato de que a empresa trabalhava num
sistema mais poderoso, o Atari 7800, mas Yamauchi confiava

174
VIRADA DO DESTINO

em que seu sucesso no Japão pesasse bem mais que qualquer


coisa nos laboratórios de P&D da Atari.
Arakawa transmitiu a proposta a Kassar, que a recebeu bem.
Poderia lançar o Famicom com o nome da Atari ou manter
o original, o que eliminaria um concorrente potencial.
Marcou-se uma reunião e Kassar mandou um jatinho Gulf
Stream da Warner Communications buscar Arakawa e Ho­
ward Lincoln. A caminho do aeroporto particular, Arakawa
cogitou se serviríam o almoço no avião e Lincoln opinou que
não, considerando a pouca distância entre Seattle e Sunnyvale.
Como Arakawa morresse de fome, os dois resolveram passar
num restaurante.
No jatinho com poltronas de couro e cinzeiros folheados a
ouro seguiram viagem apenas Arakawa, Lincoln e a tripulação.
No ar, a bela comissária cobriu as mesas com toalhas de linho
e perguntou aos passageiros se estavam prontos para almoçar.
Arakawa olhou torto para o amigo diante da refeição composta
de patê, salmão fresco e Dom Perignon.
— Coma — murmurou Lincoln.
Quando o jatinho pousou em San José, dois motoristas
acompanharam os executivos escada abaixo até a limusine es­
tacionada. Na sede da Atari, Arakawa e Lincoln foram con­
duzidos a uma sala onde já estava reunido o pessoal admi­
nistrativo do alto escalão: Manny Gerard e Kassar da Warner,
Skip Paul da Atari, vários advogados e vice-diretores. No meio
do encontro, Steve Ross apareceu, desculpando-se com Ara­
kawa e Lincoln por ter de usar o avião da empresa para ir a
Nova York e informando que providenciara o aluguel de outro
para levá-los de volta a Seattle.
No início da reunião, Arakawa descreveu o Famicom e Ge­
rard e Kassar, no extremo da mesa, expuseram suas dúvidas,
o que também fizeram todos os advogados e executivos pre­
sentes. Lincoln deu a maior parte dos esclarecimentos e não
parou de rascunhar observações, sempre olhando para o su­
perior.
— Sei quando Arakawa está entendendo e quando não está,

175
____ O S ME S TRES DO JOGO________ ___

quando éstá contrariado e quando está satisfeito — comenta


Lincoln. — Daquela vez, ele estava só perplexo com toda aque­
la gente, toda aquela burocracia.
Exaustos, os dois saíram do encontro incertos quanto a ter
realizado algum progresso. No aeroporto, embarcaram no
avião que Ross lhes arranjara. Tentavam relaxar rememorando
a reunião quando o co-piloto se apresentou, informando:
— O senhor Ross lhes recomendou este vinho.
Uma comissária serviu um Bordeaux raro.
— Nem sei como conseguimos chegar em casa — comenta
Lincoln. — E ainda sobrou para o dia seguinte.
O passo seguinte seria apresentar o Famicom à Atari. Skip
Paul e cerca de dez gerentes juntaram-se a Yamauchi, Arakawa
e Lincoln numa sala da NCL, em Quioto. Masayuki Uemura
mostrou o sistema, explicando, por meio de um intérprete,
por que ele era melhor do que seus predecessores.
Ao longo do primeiro dia de reuniões, Yamauchi saiu e
voltou várias vezes. Tratava-se de uma tática diversiva: ele
queria fazer crer que tinha negócios muito mais importantes
em andamento.
Yamauchi conseguiu confundir de tal forma a delegação
norte-americana que Paul telefonou para Lincoln, no hotel, a
fim de esclarecer alguns pontos. A Atari produziría as má­
quinas a um custo muito baixo; teria os direitos mundiais fora
do Japão; e contaria com o apoio da NCL quanto ao software.
A Nintendo recebería royalties um tanto elevados sobre cada
máquina.
Durante a semana, as partes regatearam muito acerca dos
percentuais de royalties, mas Yamauchi acabou conseguindo
o que queria. Lincoln aproveitou uma das saídas do grande
chefe para pressionar os norte-americanos, dizendo que o pre­
sidente da NCL já estava impaciente. Era melhor fechar o ne­
gócio de imediato, antes que Yamauchi voltasse atrás em tudo.
— Não querem que o senhor Yamauchi se aborreça, correto?
Às onze horas, os negociadores da Atari se retiraram para
uma sala privativa a fim de telefonar para Ray Kassar, que

176
VIRADA DO DESTINO

da Califórnia mantinha contato com Manny Gerard, em’Nova


York. Enquanto isso, Yamauchi se juntava a Lincoln e Arakawa
na sala de reuniões.
— O senhor não devia ter vindo — opinou Lincoln. — Se
o pessoal da Atari o vir aqui, vai achar que está ansioso.
Com um olhar, o presidente da Nintendo colocou o advo­
gado pretensioso em seu devido lugar. Tinha suas próprias
táticas de negociação; não precisava que um advogadozinho
norte-americano lhe dissesse o que fazer. A equipe da Atari
retornou. Paul anunciou que fechariam negócio e pediu a Lin­
coln que redigisse os contratos. Todos se encontrariam nova­
mente dali a um mês no Consumer Electronics Show, em Chi­
cago, para assinar os papéis. Yamauchi se levantou e saiu.
Apertos de mão e tapinhas nas costas selaram as negociações.
Conforme o combinado, Yamauchi foi para Chicago e com­
pareceu ao CES com Arakawa e Lincoln. No centro de con­
venções, passaram pelo estande da Coleco, que exibia seu novo
computador doméstico, o Adam, numa caixa de vidro artis­
ticamente iluminada. Sua tela colorida e nítida apresentava o
Donkey Kong.
As ações da Coleco subiram quase vinte pontos naquele
dia, e a Atari não gostou nem um pouco de ver o jogo da
Nintendo na máquina do concorrente. Em carta concisa a Ara­
kawa, Ray Kassar ameaçou não só cancelar o trato como mover
uma ação legal. A Atari, que possuía os direitos do Donkey
Kong em disquetes, concluira que a Nintendo a enganara e
vendera o jogo à Coleco.
Howard Lincoln providenciou uma reunião de emergência
com o diretor da Coleco, Arnold Greenberg, para aquela mes­
ma noite. A suíte de hotel reservada à Nintendo compareceram
Minoru e Yoko Arakawa, Ron Judy, Howard Lincoln e, da
Coleco, Greenberg e vários colegas seus. Fora convocado tam­
bém um intérprete.
Enquanto todos se acomodavam à mesa, Arakawa sussur­
rou a Lincoln:
— Não diga nada. O senhor Yamauchi vai cuidar de tudo.

177
OS MESTRES DO JOG O

Arnold Greenberg, um homem de aparência distinta, gri­


salho nas têmporas, muito satisfeito com o sucesso do Adam,
perguntou onde estava Yamauchi. Yoko garantiu que seu pai
chegaria num instante.
Yamauchi adentrou a suíte abruptamente e, sem cumpri­
mentar ninguém, postou-se de pé junto ao extremo da mesa.
Estava, conforme descreveu um dos presentes, "emocional­
mente descontrolado".
Iniciou o monótono discurso em tom agudo e ofegante, ao
estilo de Marlon Brando, mas logo passou a falar alto, bron-
queando. Então, com um grito, girou um dos braços em arco
e apontou o dedo indicador para Greenberg.
Todos na sala, com exceção dos Arakawa, se assustaram
com o protesto de Yamauchi, feito em japonês.
— Fiquei apavorado — conta Howard Lincoln.
O pessoal da Coleco, embora desconhecesse ter abalado o
lucrativo acordo da Nintendo com a Atari — milhões de dó­
lares estavam em jogo — percebeu que provocara a ira inco-
mensurável de Yamauchi. Quando ele acabou de falar, nin­
guém na sala disse uma palavra.
Por fim, o intérprete se manifestou:
— O senhor Yamauchi está muito contrariado.
A tradução, suavizada, destacava o fato de que o pessoal
da Coleco talvez não tivesse recurso senão reinvestir. O in­
térprete prosseguia com toda a calma, expondo a essência da
explosão raivosa, mas Yamauchi já vencera. As desculpas de
Greenberg — segundo ele, a Coleco considerava o Adam um
computador com uma máquina de videogame dentro — se
revelaram esfarrapadas. O homem então atacou Lincoln, cul­
pando-o pelo "mal-entendido". Furioso, o advogado já ia reagir
quando Arakawa o segurou pelo braço.
Yamauchi voltou a falar, mais firme do que nunca. Em sua
opinião, não havia mais nada a declarar; nenhuma desculpa
seria aceita. Ou a Coleco desistia de vender o Donkey Kong
no Adam e reconhecia seu erro, ou se abriria um processo

178
VIRADA DO DESTINO

que acabaria com a empresa. Ninguém duvidou de que ele


falava sério. Greenberg e colegas saíram da suíte tremendo.
Depois, enquanto jantava no restaurante japonês do hotel,
Yamauchi, de gravata afrouxada, olhou para um Howard Lin­
coln ainda em estado de choque e observou:
— As vezes esse é o único jeito de lidar com as pessoas,
senhor Lincoln. O que achou do meu desempenho?
No fim, a embrulhada da Coleco se mostrou irrelevante ao
acordo da Nintendo com a Atari, que voltou atrás — em parte
por estar se separando. Um mês depois do CES, em julho de
1983, Ray Kassar era demitido.
Em setembro, Manny Gerard promoveu uma reunião entre
a Atari, a Nintendo e a Coleco em seu escritório na Warner,
em Nova York. Skip Paul e equipe se deslocaram da Califórnia.
Encontraram Arnold Greenberg e os chefões da Coleco, bem
como Minoru Arakawa e Howard Lincoln.
A sala de Gerard, forrada com painéis de madeira, tinha
um teletipo que informava os últimos números do mercado
e uma central telefônica com cerca de sessenta linhas. Gerard
explicou que estava mudando a decoração — aguardava a
entrega de alguns novos objetos de arte. Arakawa só ouvia,
cônscio de que a Warner estava demitindo centenas de fun­
cionários e perdendo uma fortuna a cada trimestre.
Na reunião, estabeleceu-se um compromisso provisório —
o Donkey Kong foi dividido para que o acordo da Atari com
a Nintendo se concretizasse —, mas logo as questões se re­
duziram a formalidades. O Adam da Coleco se revelou um
desastre e logo desapareceu, enquanto a Nintendo descobria
(por meio de um ex-advogado da Warner) que a Atari nunca
tivera dinheiro para comprar o Famicom; a negociação não
passara de uma farsa para segurar a Nintendo e assim elimi­
ná-la como concorrente, e talvez para aprender algo novo acer­
ca de hardware e software de videogames. Minoru Arakawa
considerou desastroso o cancelamento do acordo com a Atari;
ao dar as más novas a Yamauchi, lamentou os milhões que
perderíam.

179
OS MESTRES DOJOGO

Mas o encontro foi produtivo. Anos depois, Arakawa co­


mentaria:
— Acredita que quase vendemos a coisa toda? Se tivéssemos
fechado aquele negócio, ninguém fora do Japão conhecería a
Nintendo.

Do mercado de videogame doméstico nos Estados Unidos


não restou quase nada. Em 1984, a Mattel vendeu sua divisão
eletrônica. Arnold Greenberg anunciou a falência da Coleco.
Na Atari, Manny Gerard colocou, no lugar de Ray Kassar,
Jim Morgan, da Philip Morris, cuja experiência no setor de
cigarros pouco o qualificava para o de videogames. Conven­
cido, Morgan dizia aos empregados que seu contrato multi­
milionário de 7 anos lhe dava liberdade de dirigir a empresa
como bem entendesse.
No entanto, conforme descreveu um ex-executivo da Atari
à Business Week, "Roma ardia enquanto ele tocava rabeca". A
Atari registrou um prejuízo de 536 milhões de dólares nos
primeiros 9 meses de 1983. Jogos que custavam 40 dólares
eram vendidos a 4. Depois de reduzir o número de escritórios
no Vale do Silício de quarenta para 21, Morgan arquivou quase
todos os projetos de desenvolvimento, deixando apenas nove,
e demitiu um quarto dos funcionários. Mas os cortes, insufi­
cientes, chegaram tarde demais. Steve Ross, que Morgan certa
vez descrevera como "o melhor em números que já vira", far­
tou-se. A 6 de julho de 1984, ele tirou a Atari de Morgan sem
lhe contar que decidira desmontar a empresa e vender os pe­
daços.
As divisões de hardware da Atari — responsáveis pelos
sistemas de videogame e pelos computadores — passaram às
mãos de Jack Tramiel, o fundador da Commodore Business
Machines, e seus três filhos, por 240 milhões de dólares, em
dinheiro (a Warner resguardou 25 por cento do negócio). Ima­
ginando uma doce vingança, Tramiel acreditava que sua nova
empresa, chamada Atari Corporation, poderia competir com
a Apple e a Commodore, da qual fora praticamente chutado.

180
VIRADA DO DESTINO

Como os Tramiel não tivessem interesse nas máquinas de fli­


perama, a Warner vendeu a divisão a Masaya Nakamura, de
modo que a Atari Games se tornou subsidiária da Namco e
poderia produzir qualquer coisa, exceto hardware ou software
com o nome Atari que concorresse com a Atari Corporation.
— Fiquei triste — conta Bushnell, ao ver devastada a em­
presa que fundara. — É impossível não se apegar a um nome
que se escolheu dentre tantos no Universo. — Aí, acrescentou:
— Veja, a Atari quase colocou a Nintendo e a Apple sob o
mesmo teto.

O mercado estava acabado. Eis o consenso: nos Estados


Unidos, ninguém queria saber de videogames.
Mas Minoru Arakawa, vasculhando os destroços, descobriu
um pessoal alheio aos obituários e elogios fúnebres. Os salões
de fliperama continuavam lotados, faturando mais do que fil­
mes de sucesso em dia de estréia: bilhões de dólares. Talvez
o fim da indústria de videogames domésticos nos Estados Uni­
dos não se devesse à falta de interesse pelo produto. Talvez
a culpa fosse dos negócios malfeitos, como o que ele teste­
munhara rapidamente na Atari e na Warner. Resolveu apostar.

181
8
Que Entre o Dragão
Tenho este emprego fabuloso porque o sujeito que tra­
balhou antes de mim foi despedido por perder muito dinheiro
comprando videogames — explicou o comprador de uma loja
de brinquedos. — Será que eu vou cometer o mesmo erro?
Durante o ano de 1984, Arakawa ouviu inúmeras variações
desse tema nos encontros com representantes de lojas de de­
partamentos e de brinquedos, quando lhes dizia que planejava
entrar no mercado de videogames domésticos. Todos pensa­
vam que ele estava maluco.
Arakawa espantava-se com a intensa hostilidade contra os
games — o termo exato era tabu. Nas histórias de terror que
corriam a respeito da indústria era desnecessária qualquer hi-
pérbole. Um dos incontáveis ex-vice-presidentes da Atari (que,
depois do desastre, entrou para o negócio de produtos far­
macêuticos do pai) disse que viu milhões de cartuchos que
não haviam sido vendidos serem despejados num aterro sa­
nitário. Carreiras destruídas, divórcios e um suicídio foram
atribuídos ao fracasso da Atari.
— Teria sido mais fácil — comentou um ex-executivo da
indústria de brinquedos, falando com Arakawa — vender pi­
colés no Ártico.
Por outro lado, no Japão, o Famicom continuava um sucesso.
Tóquio e Darien seriam tão diferentes?
Arakawa, Howard Lincoln, Ron Judy e Bruce Lowry visi­
taram casas de diversões eletrônicas, vendedores varejistas de

182
QUE ENTRE O DRAGÃO

brinquedos, negociantes, lojas especializadas, produtores de


software, ex-gerentes e executivos da Atari e da Coleco, enfim,
todos os que tivessem experiência no ramo de videogames
ou uma opinião a respeito.
— Estávamos tentando descobrir o que não devíamos fazer
— contou Lincoln.
E o que mais ouviam era que não deviam fazer coisa alguma.
Mas todos concordavam num ponto: o ’’fator porcaria” reve-
lou-se uma das principais razões da falência da indústria. O
mercado fora invadido por jogos ruins. Pac-Man era um su­
cesso nas casas de diversões eletrônicas, mas a versão domés­
tica era "uma porcaria”. E.T., ridiculamente dramático, era
"uma porcaria”. Zombies from Pluto Stole my Girlfriend era "uma
verdadeira porcaria”.
Jogos ruins como esses jamais teriam sobrevivido numa casa
de diversões eletrônicas porque os garotos os abandonariam
depois de experimentá-los. Mas não havia um jeito fácil de
testar jogos domésticos. Aparelhos atraentes e campanhas pu­
blicitárias caras prometiam muito, mas essas promessas não
se cumpriram e os clientes pararam de acreditar nelas. Apa­
relhos e jogos foram para o lixo.
Arakawa acabou por perceber que de nada adiantava gastar
muito dinheiro em marketing, publicidade e promoção se os jogos
não fossem bons. Como mais tarde um slogan da Nintendo pro­
clamaria, "O nome do jogo é o jogo". Arakawa sabia que, pelo
menos, tinha grandes nomes. O Super Mario Bros, e o The Legend
of Zelda, de Sigeru Miyamoto, iriam arrebatar os garotos. A questão
era descobrir o que fazer para que eles compreendessem que o
novo aparelho da Nintendo superava todos os outros.

Havia muito trabalho pela frente.


Arakawa sabia que era vital que o aparelho Nintendo fosse
diferente de seus predecessores. Decidiu que ficaria claro, des­
de o início, que não se tratava de um brinquedo. Se fosse
apresentado como um produto eletrônico sofisticado, podería
diferenciar-se dos sistemas da Atari, da Coleco e da Mattel.

183
OS MESTRES DO JOGO

Havia outros motivos para manter distância do negócio de brin­


quedos. A data de 10 de dezembro, que ajudara a derrubar a
Nintendo quando ela vendia o Game & Watch, era um deles.
Como empresa consumidora de eletrônicos, podia aceitar enco­
mendas, entregar aparelhos e enviar faturas que venciam em 30
ou 60 dias. As perspectivas de mercado, dessa maneira, se alar­
gariam, pois seriam incluídas lojas populares, de produtos ele­
trônicos, de descontos e cadeias de lojas de brinquedos.
Para interessar um vasto número de lojistas, Arakawa queria
que o aparelho fosse mais do que uma máquina de jogos: devia
ter a capacidade de um pequeno computador. Os engenheiros
da NCL receberam a tarefa de desenvolver periféricos, inclusive
dois teclados (um deles, musical) e um dispositivo para arma­
zenar fitas. Criaram controles-remotos de raio infravermelho,
modernos, de alta tecnologia, e uma pistola Zapper para os jogos
de tiro. Todas essas opções indicavam que a máquina da Nin­
tendo não só dava um passo gigantesco para a frente, afastan­
do-se dos aparelhos antiquados, como criava um padrão com­
pletamente novo. Os pais na certa o comprariam. Afinal, o apa­
relho tinha algo mais a oferecer às crianças (os teclados, por
exemplo, prometiam incentivar a educação e a cultura).
As equipes de pesquisa e desenvolvimento de Quioto mo­
dificaram o aparelho enquanto Arakawa mandava seu pessoal
de Seattle projetar o gabinete e a embalagem. Um jovem pro­
jetista de nome Lance Barr foi designado para criar algo que
sugerisse alta tecnologia mas fosse acessível. A placa principal
do computador e os circuitos eram praticamente idênticos aos
do Famicom, mas Barr colocou-os dentro de um gabinete mais
delgado e mais bonito. Cinzento e quase quadrado, parecia-se
mais com um aparelho de som do que com o Famicom, de
plástico vermelho e branco. O controle remoto era sóbrio, dig­
no de um catálogo da Sharper Image. A pistola Zapper poderia
pertencer a Luke Skywalker, os teclados eram finos e graciosos
e o joystick ficaria bem num caça a jato. O aparelho recebeu
um nome apropriado para refletir sua sofisticação: Advanced
Video System, ou AVS.

184
QUE ENTRE O DRAGÃO

A dor de cabeça maior, representada pela falsificação, tam­


bém teve de ser enfrentada. O problema consistia na aparente
impossibilidade de criar máquinas e softwares que não pu­
dessem ser copiados. Havia também uma complicação corre­
lata. Ron Judy disse que, para evitar o "fator porcaria", a Nin­
tendo precisava encontrar um jeito de controlar a qualidade
do software lançado para o AVS. Judy salientou que, se o
novo sistema usasse os mesmos jogos do Famicom, games-
piratas de Taiwan inundariam o mercado dos Estados Unidos.
— Precisamos de um sistema de segurança — sugeriu.
Então, Yamauchi e Hiroshi Imanishi encarregaram os en­
genheiros de inventar um.
As tentativas feitas pela NCL de brecar a pirataria, incluindo
revisões periódicas no sistema, haviam sanado o problema
apenas em parte. Os contratos firmados com concessionárias
também ajudaram, mas o bando disposto a falsificar hardware
e software estava pouco ligando para esses contratos. Se a
empresa tivesse colocado um chip de segurança no Famicom,
talvez não perdesse alguns dos enormes mercados da costa
do Pacífico. Além disso, poderia impedir certas companhias,
como a Hacker International, de lançar jogos não-aprovados.
O sistema de segurança que os engenheiros japoneses ima­
ginaram era uma complementação do conceito cadeado-chave.
O AVS só funcionaria se um chip nos cartuchos destrancasse
um chip do sistema ou trocasse com ele um aperto de mãos.
A chave era uma espécie de música que os chips cantavam
um para o outro. Se um cartucho que não conhecesse a canção
fosse introduzido no aparelho, o sistema travaria.
A Nintendo deu a essa invenção o nome de "chip de segu­
rança”, que na indústria era conhecido como "expulsador". Im­
pedia não só a ação de falsificadores como também a de manu­
faturas, porque ninguém podia fazer jogos para o AVS sem a
aprovação da NCL. Apenas ela tinha acesso à tecnologia, inclu­
sive ao código específico do computador. Lincoln providenciou
formulários de direitos e de patentes para o sistema de segurança.
Enquanto ele era desenvolvido, Arakawa pediu a Don James

185
OS MESTRES DO JOGO

que escolhesse os melhores jogos da NCL para o AVS. James


e Howard Phillips experimentaram centenas de jogos e deram
a Arakawa uma lista dos favoritos. Este selecionou quarenta
e enviou instruções ao Japão, ordenando que preparassem ver­
sões para a língua inglesa.
O AVS devia ser lançado em janeiro de 1984 na Consumer
Electronics Show. Don James projetou um estande mais atraen­
te do que o usado para a exibição do Game & Watch. Nervosos,
James, Arakawa, Lincoln e Phillips viajaram para Las Vegas
com amostras para demonstração e caixas cheias de cartazetes.
"A evolução das espécies agora está completa”, anunciavam
os folhetos. Na capa, havia a foto de três televisores. Na tela
de um deles aparecia Pong, algumas monótonas linhas brancas
na tela preta. O outro exibia um jogo de tênis em cores, com
figuras azuis e amarelas estilizadas, toscamente animadas, de
cada lado da rede. O terceiro televisor tinha a tela coberta por
um pano vermelho. As páginas do folheto apresentavam o
aparelho e seus numerosos periféricos. ’’Noventa por cento
dos clientes japoneses não vão jogar outra coisa. Bem-vindos
ao futuro dos videogames domésticos norte-americanos."
A feira começou. Arakawa, James e Lincoln começaram a
trabalhar animadamente no estande, enquanto Howard Phil­
lips demonstrava os jogos.
As pessoas que paravam ali diziam-lhes que o AVS impres­
sionava, mas quase todas meneavam a cabeça negativamente
quando perguntadas se desejavam fazer uma encomenda.
— As lembranças da Atari ainda eram recentes demais —
explicou Lincoln.
Embora a Nintendo tentasse outra vez na feira industrial
de junho, tornou-se claro que Arakawa superestimara sua ca­
pacidade de vencer o ceticismo. Não fora capaz de criar uma
nova categoria que combinasse o poder do computador e mui­
ta diversão. Ninguém ligava para o controle remoto e todos
detestavam o teclado, que seria rejeitado pelas crianças (o que
os pais pudessem pensar era irrelevante), de acordo com os

186
QUE ENTRE O DRAGÃO

executivos. O AVS apresentava não só os problemas dos vi­


deogames como os dos computadores. Ninguém o queria.
Só restava voltar à prancheta. Em vez de melhorar os apa­
relhos do passado, Arakawa decidiu imaginar uma forma di­
ferente de vender o seu. Livrou-se dos periféricos. As crianças
queriam divertir-se, não lidar com linguagens BASIC de pro­
gramação e drives para fitas cassete. Jogaram fora o teclado,
inclusive o de piano, o controle remoto e o nome. O P&D 1
foi colocado a serviço de um novo periférico, que faria do
sistema algo mais do que um aparelho de videogame.
No Japão, a equipe de Gunpei Yokoi surgiu com um robô,
ROB, ou Robotic Operating Buddy. Com 30 centímetros de
altura, não tinha pernas nem fazia grande coisa. Era controlado
pelo aparelho de videogame. O clarão da tela do televisor
ativava um chip na cabeça de ROB, fazendo-o movimentar-se.
Os jogadores o controlavam ao mesmo tempo que determi­
navam a ação desenvolvida na tela. Nos games criados para
ROB, como Gyromite e Stack-Up, o robô tirava fichas de uma
pilha e as colocava numa bandeja que acionava uma porta na
cena vista na tela. Era o máximo.
James e Barr trabalharam no novo visual do aparelho. Con­
tinuaria cinzento, sugerindo alta tecnologia, mas teria uma
forma mais acentuada de caixa. Os cartuchos eram introdu­
zidos pela frente, não por cima, e controladores, redesenhados,
foram afixados com cordões de plástico. O aparelho não tinha
a aparência de brinquedo — ainda parecia um produto ele­
trônico — mas era mais simples que o AVS. A Nintendo deixou
de enfatizar o gabinete em favor de ROB e da pistola Zapper.
Na Consumer Electronics Show de junho de 1985, foi apre­
sentado o aparelho que Arakawa rebatizou com o nome de
Nintendo Entertainment System, ou NES. A palavra-chave era
"entertainment" (diversão), que a empresa enfatizaria em tudo
o que fizesse para vender o aparelho.
Daquela vez, na feira, a reação foi um pouco melhor. Os
compradores gostaram de ROB. Contudo, hesitavam em fazer
encomendas.

187
OS MESTRES DOJOGO

Arakawa, obstinado, ignorou o fato. Disse que o pessoal


da indústria estava desanimado, mas que a garotada adoraria
o aparelho. Para provar isso, mandou que fizessem pesquisas
com grupos de crianças, em Nova Jersey. Através de um vidro
pelo qual os meninos não podiam vê-lo, observou-os brincar
com o NES. Ouviu-os dizer que tinham detestado o aparelho.
Típico foi o comentário de um garoto de 8 anos:
— É uma merda!
Deprimido, Arakawa cogitou se devia desistir. Mais tarde,
conversando com Hiroshi Yamauchi, perguntou a mesma coi­
sa. O sogro condenou tanto fatalismo. O mercado norte-ame­
ricano, alegou, não era tão diferente do japonês.
— Mas os testes mostram que...
— Ignore os testes. Tente vender o aparelho em alguma cidade
norte-americana. Se falhar, falhou. Mas devemos colocar o NES
nas mãos do consumidor. E o único teste que importa.
Arakawa, Ron Judy, Howard Lincoln e Yamauchi conjetura-
ram sobre o local do teste. Judy achava que ele deveria ser li­
mitado e feito numa cidade pequena, mas Yamauchi discordou.
— Qual seria o lugar mais difícil?
A resposta era óbvia: Nova York.
Yamauchi perguntou por quê.
Além dos obstáculos do mercado competitivo de Nova
York, era necessário considerar o golpe duro que a indústria
sofrerá em 1983. Mais ainda, grande quantidade do excesso
de estoque tinha sido despejada lá, para não falar que os clien­
tes nova-iorquinos eram os mais espertos e cínicos do país.
Yamauchi insistiu, afirmando que era para Nova York que
tinham de ir. Deu uma verba de 50 milhões de dólares a Arakawa.

No final do verão de 1985, Arakawa alugou um armazém


em Hackensack, Nova Jersey, ladeado por uma estrada de
ferro e uni cemitério. Não havia janelas. A única luz, espectral
e deprimente, no recinto cavernoso, vinha de algumas lâm­
padas nuas penduradas do teto.
Arakawa levou cerca de trinta empregados da NOA para

188
QUE ENTRE O DRAGÃO

a Costa Leste. Ron Judy e Bruce Lowry foram os primeiros a


chegar. Então, um grupo de mais doze — intitulavam-se a
equipe SWAT — chegaram de avião e aterrissaram em Newark
em meio a um furacão.
No terminal, 12 carros alugados esperavam por eles. Via­
jaram num comboio sacolejante até o armazém, que se encon­
trava alagado. Enquanto os homens percorriam o lúgubre lo­
cal, Arakawa animava-os.
— Se conseguirmos fazer com que os jogadores o vejam, o
aparelho será um verdadeiro sucesso. Sei que vamos conse­
guir. Temos muito trabalho pela frente, mas tudo o que tem
valor é difícil. O que temos a fazer é levá-lo aos jogadores.
Se conseguirmos, será um sucesso muito, muito grande.
Seu entusiasmo contagiou os homens e um coro respondeu
fervorosa mente:
— Será um sucesso muito grande!
Durante o mês seguinte, outros empregados chegaram. Do
Japão, vieram Shigeru Ota, que fazia a contabilidade, e um téc­
nico, Masahiro Ishizuka. Cindy Wilson era assistente adminis­
trativa e Rob Thompson tornou-se gerente de serviços. Howard
Phillips, que chegara a gerente de armazém e de embarque no
negócio de jogos operados por moedas, foi convocado.
— Nós nos sentíamos uma equipe de elite — Phillips cos­
tuma dizer.
Judy, Ota e Ishizuka moravam numa casa que a Nintendo
alugara em Nova Jersey. A mobília não passava de caixotes
de madeira e malas que eles nunca chegaram a esvaziar com­
pletamente. A casa também servia para armazenar peças so-
bressalentes e tornou-se o centro de serviço pós-verida. Outros
empregados acomodaram-se em apartamentos alugados, cuja
mobília foi comprada em casas de móveis usados. Em cada
apartamento viviam de duas a cinco pessoas, que dormiam
em colchões estendidos no chão. Rob Thompson, Howard Phil­
lips e Don James moravam juntos numa casa geminada, em
Fort Lee. Howard Phillips acordava todas as manhãs às seis

189
OS MESTRES DOJOGO

e ia para o chuveiro, onde cantava trechos de óperas. Thomp­


son e James o ameaçavam de morte por causa disso.
Os vários grupos saíam de manhã para o armazém, de carro,
revezando-se no sistema de carona, e trabalhavam o dia todo,
fazendo um intervalo à noitinha, para jantar num café das
redondezas. Depois, voltavam ao armazém, onde trabalhavam
até tarde da noite.
Howard Lincoln enviava pôsteres de Seattle para a equipe
SWAT pendurar nas paredes, de modo a deixar o ambiente
menos triste. Ele e Arakawa, no vaivém entre Seattle e Nova
York, telefonavam para lojistas, o que Bruce Lowry também
fazia. Judy ia a reuniões com agentes de publicidade e plane­
java uma campanha promocional. Outros membros da equipe
SWAT tomavam conta dos telefones, tentando convencer com­
pradores de lojas grandes e pequenas a recebê-los. Pressiona­
vam gerentes de shoppings, querendo permissão para de­
monstrar o NES. Arakawa usou parte da verba na contratação
de atletas profissionais para essas demonstrações. Os gerentes
gostavam muito mais de ter jogadores famosos em seu espaço
do que homens de negócios que representavam uma empresa
desconhecida de estranho nome japonês.
Em outubro a pressão tornou-se intensa. Aos pares, os ho­
mens da equipe SWAT saíram para as ruas, visitando lojas
de departamentos e grandes e pequenos lojistas que trabalha­
vam com brinquedos e artigos eletrônicos. Batalharam para
convencer empresas como Toys "R" Us, Sears, Circuit City e
Macy's. Embora Charles Lazarus, presidente-fundador da
Toys "R" Us, e pouquíssimos outros fossem receptivos, a maio­
ria das pessoas não conseguia pronunciar a palavra Nintendo
nem estava interessada em aprender.
Arakawa percebeu que o único jeito de contornar a relu­
tância dos lojistas era fazer uma proposta sem riscos. Yamau­
chi, entretanto, teve dificuldade em aceitar essa idéia. Não
entendia por que precisava oferecer garantias de que ninguém
perdería dinheiro. A Nintendo nunca tivera de operar em tal
posição de fraqueza. Arakawa argumentou que o maior sinal

190
QUE ENTRE O DRAGÃO

de força era mostrar que tinham tanta confiança no próprio


produto que estavam dispostos a quase pagar para que as
lojas ficassem com ele. Yamauchi nem precisou dizer-lhe como
essa tática era arriscada.
A Nintendo, anunciou Arakawa, poria estoques nas lojas,
cuidaria dos mostruários e vitrines. Ninguém teria de pagar
coisa alguma por 90 dias. Findo esse prazo, os lojistas pagariam
apenas o que tivessem vendido e devolveríam o resto. Era
uma oferta que os compradores das lojas não podiam recusar,
apesar de ainda um tanto céticos. Então, uma após outra, as
empresas começaram a concordar.
— Isso vai ser seu enterro — comentou um dos compra­
dores.
Muitos empregados da equipe Nintendo trabalharam 18 ho­
ras por dia, sete dias por semana, durante os três meses que
precederam o Natal de 1985. Ron Judy costumava carregar
furgões alugados com os mostruários de Don James e ir até
Long Island, Westchester County ou qualquer outro bairro de
Nova York. Nos shoppings, a equipe erguia estandes coloridos
com doze ou mais monitores, cada um ligado a um NES. Che­
gavam no meio da noite e trabalhavam até quatro da manhã,
armando tudo. Depois, iam para casa, dormir algumas horas.
No dia seguinte, voltavam aos shoppings, onde ficavam junto
dos astros do esporte, que davam autógrafos, tentando fazer
com que os passantes ouvissem seu apelo. Mookie Wilson e
Ron Darling até jogaram o basquetebol do NES, projetado
numa grande tela.
— O truque era fazer com que as pessoas se aproximassem
— conta Arakawa. — Se conseguíssemos colocar o sistema
nas mãos dos consumidores, eles ficariam convencidos.
Howard Phillips revelou-se um dos melhores porta-vozes
da equipe. Tinha jeito para transmitir o próprio entusiasmo,
pontuando suas sentenças com expressões do tipo "é o máxi­
mo”, ”é sensacional". Agarrava crianças, senhoras idosas —
qualquer pessoa — e, antes que suas vítimas descobrissem o
que estava acontecendo, ele as punha para jogar.

191
OS MESTRES DOjOGO

Num shopping, a equipe da Nintendo passou a noite todá


armando o estande. Justamente quando os clientes começaram
a entrar, a diretora do lugar proibiu-os de ligar os videogames.
— Atraem o tipo errado de gente — alegou.
Só quis conhecer os astros do beisebol.
Eram coisas iguais àquela que faziam os empregados du­
vidar de que se encontravam no caminho certo.
— Estamos sobrecarregados, longe de nossas famílias, ga­
nhamos pouco, ninguém quer o que vendemos. Qual a fina­
lidade disso tudo? — choramingavam.
Ron Judy pagava-lhes o jantar e animava-os.
— Esperem — pedia.
Arakawa batia-lhes nas costas, bajulador.
— Valerá a pena. Será um...
— ... sucesso, muito grande — os homens concluíam sem
entusiasmo. — Sabemos disso.
Era uma escalada montanha acima. Mesmo com garantias,
mostruários bonitos e a promessa de uma campanha publici­
tária de 5 milhões de dólares, foram necessárias três visitas a
cada loja. Quando um comprador se convencia, um gerente
de vendas emitia um categórico "de jeito nenhum". Quando
o gerente se convencia, um vice-presidente dizia não. A equipe
da Nintendo, porém, era persistente e mais lojas começaram
a concordar.
A campanha publicitária e as relações com a imprensa eram
dirigidas por Gail Tilden, sob a supervisão de Ron Judy. Gail
entrara para a empresa em 1983. Era morena, tinha olhos azuis-
acinzentados e cabelo comprido, com franja até as sobrance­
lhas, uma combinação da aparência e da autoconfiança de An­
nie Hall. Baixava os olhos, tropeçava nas palavras e encantava
quase todo mundo.
Depois de 1 ano na Britannia Sportswear, Tilden trabalhou
numa pequena agência de publicidade de Seattle. Sua ex-chefe
saiu da Nintendo para ter bebê e recomendou-a como subs­
tituta. Um ano depois Gail era gerente de publicidade da em-

192
QUE ENTRE O DRAGÀO

presa. Com a contribuição de Judy e Lowry, contratou uma


agência no começo de agosto de 1985.
Embora os executivos não soubessem muito bem como pro­
mover um aparelho de videogame, tinham aprendido, durante
o esforço que a empresa fizera para lançar comerciais do Game
& Watch, a confiar nos profissionais: os empregados não se
metiam mais nas campanhas.
Tilden instruiu a agência sobre as normas da publicidade
do NES, todas visando dissociar a Nintendo da Atari. A lista
de proibições incluía o uso do termo '’videogame". Aquele era
um aparelho para entretenimento. O software não devia ser des­
crito como cartuchos de jogos, outra palavra associada à Atari.
Na Nintendo os cartuchos eram packs (pacotes).
O próprio NES não era um console, mas um painel de controle.
Os comerciais criados pela agência enfatizavam a variedade
de jogos e salientavam as funções de ROB e da pistola Zapper.
Não era fácil anunciar videogames na televisão, porque ver
garotos jogando era mais ou menos tão excitante quando ob­
servar alguém lendo. O prazer era íntimo. Inventaram comer­
ciais que buscavam passar a sensação dos videogames: energia,
cor, perigo, irreverência. Nos comerciais, casas eram arreba­
tadas para o espaço e crianças exploravam naves espaciais,
nas quais os painéis de controle eram telas de videogame.
Uma voz perguntava:
— Sua família será a primeira a assistir ao nascimento do
novo e incrível Nintendo Entertainment System?
Aparecia uma luz igual à do filme Contatos Imediatos de Ter­
ceiro Grau e a voz exultava:
— Agora, você está brincando com a Força.
Como fora prometido, Arakawa começou a bombardear
Nova York com publicidade pela televisão. Enquanto isso, Til­
den reunia-se com repórteres que cobriam os setores de apa­
relhos eletrônicos e brinquedos. Eles estavam céticos, embora
reconhecessem que o produto possuía apresentação gráfica
e jogos melhores do que os sistemas antigos. Mas não acre­
ditavam que a companhia fosse capaz de reacender o interesse

193
OS MESTRES DO JOGO

do consumidor. Tilden procurou convencê-los de que video­


games eram uma categoria de entretenimento, como os video­
cassetes e aparelhos de som, mas os repórteres meneavam a
cabeça. Já tinham ouvido tudo aquilo antes. Ela explicava as
medidas que a Nintendo tomara no que se referia ao controle
de qualidade, a fim de evitar que o mercado ficasse saturado
de jogos ruins, uma praga que afetara a indústria no passado,
mas os jornalistas nem a ouviam mais.
O segundo furacão que assolou Hackensack, certa manhã,
foi uma metáfora muito apropriada. Pela porta do armazém,
o exausto pessoal da Nintendo observou a chuva cair hori­
zontalmente, da esquerda para a direita. O sol apareceu bre­
vemente, quando a tempestade passou por cima deles, mas
logo a chuva voltou, dessa vez da direita para a esquerda.
Don James tirou fotos.
Os extraordinários esforços começaram a ser recompensados.
A lista de lojas que faziam encomendas foi ficando cada vez
maior. Os empregados da Nintendo, porém, não tinham tempo
de trocar congratulações, pois sucesso significava mais trabalho.
Phillips, que gerenciava o armazém, recebeu contêineres do Japão
cheios de aparelhos, logo despachados para os lojistas. James
mandou uma equipe construir os mostruários de vitrines que
ele projetara para as lojas que haviam concordado em apresentar
o NES no período de festas. Todo mundo ajudou. Uma noite,
Arakawa e Lincoln apostaram com Don James e Howard Phillips
para ver qual equipe construía mais mostruários.
Não havia nenhuma pausa na tensão, embora houvesse mo­
mentos gratificantes. Quando Howard Lincoln atravessou a
Rua Cinqüenta e Nove, em Manhattan, e chegou à loja FAO
Schwartz, estacou quando viu o mostruário que ele e outros
tinham passado a noite anterior montando. Aquela parte da
cidade estava uma loucura, cheia de gente que fazia compras
de Natal, e Lincoln ficou tão animado que telefonou para Hac­
kensack, insistindo em que o pessoal fosse reunir-se a ele.
Logo, os membros da equipe SWAT encontravam-se diante

194
QUE ENTRE Q DRAGÃO

da loja, olhando para a vitrine como se fosse um celeiro que


houvessem acabado de erguer.
Howard Phillips, por outro lado, teve uma experiência nada
entusiasmante uma noite, já muito tarde, quando montava
um mostruário numa das lojas Toys ”R ” Us, em Nova Jersey.
Um segurança do turno da madrugada aproximou-se dele e
puxou conversa. Quando viu o aparelho, indagou:
— Você é da Atari?
Phillips explicou que era da Nintendo e que tinha um sis­
tema novo, muito melhor.
— Está trabalhando para os japoneses? — o guarda per­
guntou. — Tomara que caia de bunda no chão.
Trabalharam até a véspera de Natal. O número de lojas
que vendiam o NES ficava entre 500 e 600. Os membros das
equipes estavam exaustos. Alguns deles reuniram energia su­
ficiente para arrastar-se até o aeroporto de Newark, com a
intenção de pegar um avião e voar para Seattle para passar
o Natal com as famílias. Mas o voo foi cancelado porque Seattle
estava mergulhada em nevoeiro. A maioria da equipe SWAT
passou um Natal solitário em Nova Jersey.
A publicidade e os giros pelos shoppings fizeram crescer
o interesse pelo NES. Nas lojas, as vendas aumentavam. O
teste de Nova York não teve o sucesso que a Nintendo espe­
rava, mas metade dos cem mil aparelhos recebidos do Japão
foi vendida. Mais importante ainda, os lojistas concluíram que
a empresa possuía um produto viável. Era suficiente para jus­
tificar a decisão de seguir adiante.
Partiram para Los Angeles. Era mais difícil vender lá, por
causa da época do ano. Correram L.A. em fevereiro, mês ruim
para as lojas, principalmente as de brinquedos. No entanto,
o número de aparelhos comercializados foi suficiente para en­
corajar Arakawa. As vendas eram lentas mas constantes e os
lojistas, em sua grande maioria, ficaram entusiasmados. A
equipe continuou: foi a Chicago, San Francisco e a diversas
cidades do Texas antes de cobrir todo o país. No fim do pri­
meiro ano, tinham vendido um milhão de aparelhos.

195
OS MESTRES DO JOGO

Mas ainda seguiam a passo lento. As lojas continuavam


relutantes em investir muito em videogames e grande parte
do pessoal do setor achava que o sucesso da Nintendo era
uma aberração temporária. No segundo ano, contudo, a em­
presa vendeu mais três milhões de aparelhos.
Quando Arakawa aventurou-se no negócio de alimentação,
com o Chuck E. Cheese e outros restaurantes, aconselhou-se
com Peter Main, seu velho amigo de Vancouver, que possuía
vasta experiência no ramo. Os restaurantes da Nintendo da­
vam lucro e ele tentou convencer Main a renunciar ao posto
de vice-presidente da General Foods para reunir-se à NOA.
Queria que o amigo supervisionasse os restaurantes e dirigisse
o lançamento do NES, que mais tarde Main chamaria de "in­
vasão da Normandia pela Nintendo".
Main, quase calvo, com um pouco de cabelo loiro nas la­
terais da cabeça, usava grandes óculos redondos de armação
cor-de-cerveja. Os olhos eram escuros, joviais e francos. Em
seu escritório havia bolas de beisebol, um bambolê e um trem
de brinquedo, elétrico.
Canadense, o executivo trabalhara durante muitos anos para
a Colgate-Palmolive, chefiando o grupo que introduzia os no­
vos produtos no Canadá. Passara anos inventando maneiras
de convencer as pessoas a comprar pasta dental Colgate e
vários outros artigos. Naquele negócio, uma participação fra­
cionária no mercado significava milhões de dólares.
— Era necessário ganhar o território brigando, até jogar os
adversários no meio-fio.
Main transferiu-se para a General Foods do Canadá e ge­
renciou seus restaurantes, inclusive os Kentucky Fried Chicken
e as casas especializadas em bifes Burger Chefs e White Spots.
Também entrou no negócio por conta própria, antes de voltar
para a General Foods quase na mesma época em que "aqueles
japoneses bacanas" compraram a casa em frente.
— Era um lugar diferente dos outros — conta ele. — Os
sapatos ficavam do lado de fora da porta da frente.

196
QUE ENTRE O DRAGÃO

Não demorou para travar conhecimento com o casal Ara­


kawa.
— Gente muito calorosa, apesar da falta de fluência em
inglês.
Em 1980, Arakawa disse aos Main que ia abandonar o em­
prego e trabalhar para o sogro na construção de algo chamado
"Nintendo of America", em Nova Jersey. Main pensou que
fosse uma fábrica de fliperamas.
Os Main recebiam notícias do casal Arakawa através de bi­
lhetes e cartões de Natal. Viam Minoru quando ele dava uma
passadinha para examinar a casa que ainda não vendera. Mais
tarde, os Main souberam que Minoru e Yoko Arakawa tinham
se mudado para Seattle. No começo de 1982, Main ajudou Ara­
kawa a entrar no ramo de restaurantes. Cinco anos depois, quan­
do a Nintendo completava os testes de mercado para o NES,
Arakawa pediu a ele que fosse trabalhar na empresa. Ron Judy
estivera na chefia do departamento de marketing mas estava
partindo para a Europa, onde ia promover o NES.
Main não sabia coisa alguma de videogames, de modo que
analisou toda a documentação que pôde arranjar a respeito
do fracasso da Atari.
— A Nintendo tinha uma "armadilha" melhor e empenho
suficiente para acertar — diz ele.
Entrou como vice-presidente de marketing, assumindo res­
ponsabilidades que incluíam publicidade, promoção, distri­
buição e merchandising.
A primeira coisa que fez foi melhorar o relacionamento da
empresa com a comunidade varejista. Também assaltou a Wall
Street, contratando analistas para acompanhar o mercado de
brinquedos e de eletrônicos. O sucesso dos testes fazia esperar
que as vendas continuassem em ritmo forte, mas não havia
nenhuma garantia de crescimento ou de longevidade no mer­
cado. As grandes cadeias de lojas de descontos e de departa­
mentos ainda não estavam convencidas. O espaço em seus
estabelecimentos era terrivelmente caro. Para minimizar os ris­
cos, a Nintendo colocou o sistema em apenas algumas lojas,

197
OS MESTRES DOJOGO

em pequenas quantidades. As de brinquedos entravam na


onda, mas as promessas ainda eram tênues.
Vendedor atirado, Main reuniu-se com os analistas e deu-
lhes "uma dica quente”. Eles estavam sempre com os olhos
voltados para a próxima grande oportunidade. Também pro­
curavam empresas que apresentassem balanços seguros e que
talvez os contratassem na hora de oferecer ações. A Nintendo
era desconhecida quando Main reuniu-se com esses analistas,
um de cada vez. Apresentou o panorama da NCL, sua história
e situação financeira — um balanço sem débitos. Esses fatores,
e os números, chamaram a atenção dos analistas: a empresa
tinha capital empregado em 90 por cento das prósperas in­
dústrias japonesas.
Os analistas consultaram seus colegas no Japão e, depois
de corroborar as informações, falaram com os varejistas. O
fato de analistas fazerem perguntas a respeito da Nintendo
deu à companhia uma credibilidade que ela nunca tivera nos
Estados Unidos. Quando os analistas souberam que outros
colegas se interessavam pela empresa, tiveram a confirmação
de que estavam a caminho de algo importante. Foi uma reação
em cadeia. Quando os compradores da Circuit City, da Bab­
bages e de outras lojas de eletrônicos disseram aos analistas
que não trabalhavam com a Nintendo, que o negócio de jogos
eletrônicos estava no software de computadores e não nos
videogames, receberam a seguinte resposta:
— Estão loucos? Esses caras vendem mais títulos de jogos
para videogame do que todos os de computador juntos!
Os compradores consultavam outros analistas e faziam per­
guntas sobre a empresa. Quando Main foi à Sears, um vice-
presidente comentou:
— Engraçado você mencionar a Nintendo. Acabei de sair
de uma reunião de análise de investimentos, onde me per­
guntaram o que pretendíamos fazer a respeito dela.
A Sears representava uma das vendas mais difíceis, pois fora
a empresa que perdera mais dinheiro com os aparelhos Atari.
O truque funcionou. A Sears assinou contrato, assim como

198
QUE ENTRE O DRAGÃO

a Circuit City e a Babbages, esta com suas duzentas lojas de


software. Histórias a respeito da Nintendo invadiram a Wall
Street. Kmart e Wal-Mart, conservadoras e cautelosas, com-
prometeram-se com a empresa. Para competir, o ramo de brin­
quedos começou a comprar mais produtos da NOA. Diz Main:
— Concretizou-se a profecia de que algo ia acontecer.

Em 1988, mais sete milhões de unidades do NES foram


vendidas, juntamente com 33 milhões de cartuchos. Dois jogos,
The Legend of Zelda e Mike Tyson's Punch-Out venderam, cada
um, dois milhões de cópias, e então foi lançado o Super Mario
Bros. 2 (o original Super Mario Bros, ia junto com o aparelho
NES).
Em 1989, um entre quatro lares norte-americanos teria um
NES. Em 1990, um terço deles possuiría o aparelho, ou seja,
mais de trinta milhões. Em 1992, a indústria dos videogames
teria novo impulso e ultrapassaria o marco de 5 bilhões de dólares
em vendas. Para todos os efeitos, fora uma proeza da Nintendo.

Se a empresa japonesa fosse norte-americana e jogasse de acor­


do com as regras seguidas por elas, teria desistido muito antes
de vislumbrar a menor indicação de sucesso, isto é, depois das
primeiras pesquisas de mercado de Arakawa, ou quando o AVS
falhou, ou quando houve resistência nas primeiras feiras comer­
ciais. Muitas companhias norte-americanas ficam tão amarradas
às pesquisas de mercado que os dados devastadores delas equi­
valem a uma sentença de morte. Se a Nintendo fosse norte-ame­
ricana, provavelmente teria batido em retirada quando os lojistas
de Nova York recusaram-se a fazer encomendas, ou quando as
vendas levaram mais de um ano para começar a apresentar nú­
meros significativos. Mas o compromisso com uma idéia e muita
tenacidade são inerentes à filosofia comercial dos japoneses —
e certamente ao sucesso deles.
A perseverança de Arakawa foi vital.
— Aprendi a estabelecer um objetivo e fazer o que fosse
necessário para alcançá-lo — declara ele.

199
OS MESTRES DO J OGO

Ainda mais importante foi Yamauchi manter o compromis­


so de dar-lhe apoio, investindo mais dinheiro, muito mais do
que os 50 milhões de dólares iniciais. Yamauchi podia dar-se
ao luxo de investir vastas somas no novo produto, mesmo
com os trimestres registrando lucro baixo ou até mesmo per­
das. Um executivo-chefe de qualquer companhia norte-ame­
ricana, com acionistas a quem prestar contas quatro vezes por
ano, teria recuado. Relatórios trimestrais de lucros e perdas,
contudo, não definem a história a longo prazo de uma em­
presa. Diretores de firmas japonesas prestam contas aos in­
vestidores mas não ficam sob pressão para oferecer dividendos
altos ou crescimento extraordinário a curto prazo. A estrutura
permite que eles trabalhem visando ao crescimento a longo
prazo. Não são forçados a abandonar uma estratégia hoje só
porque ela não deu lucros ontem.
O sucesso da Nintendo é a prova da superioridade de um
sistema que permite comprometimentos a longo prazo. Essa
característica foi uma das razões pelas quais as companhias
japonesas ficaram com quase 100 por cento do setor de hard­
ware de videogames, o que já acontecera no ramo dos televi­
sores e aparelhos de videocassete e como estava para acontecer
em outros campos de produção, de mostradores de tela plana
a um certo tipo de chip de memória de alta capacidade, tec­
nologias pioneiras nos Estados Unidos.
A medida que Arakawa alcançava sucesso na conquista do
mercado norte-americano, ia sendo atacado por competidores
e por políticos. A Nintendo se sobressaía, alegavam, por causa
de práticas ilegais, da fixação do preço e controle monopo­
lizador, que nada tinham de norte-americano, até a intimida­
ção dos lojistas. Mas as empresas (e a economia) que sofriam
por causa do sucesso dos japoneses teriam ficado melhor ser­
vidas se tivessem atacado o sistema do país, que permitia à
Nintendo a entrada num mercado já quase destruído.
De qualquer modo, os detratores estavam certos num ponto:
se os campos de disputa fossem iguais, no Japão e nos Estados
Unidos, a Nintendo talvez nunca tivesse sido capaz de destruir

200
QUE ENTRE O DRAGÁO

a competição norte-americana. Mesmo em seus dias de glória,


a Atari nunca fez muito sucesso no mercado japonês. O 2600
era vendido por cerca de 120 dólares nos Estados Unidos,
mas quando chegava ao consumidor japonês, depois de ul­
trapassar as barreiras comerciais dos intermediários e as mui­
tas camadas do sistema de distribuição, custava o equivalente
a 380 dólares. A esse preço, poucos eram vendidos. Outras
empresas norte-americanas contentavam-se com lucros meno­
res, cedendo os direitos dos videogames a companhias japo­
nesas. A Magnavox, por exemplo, vendeu os direitos de seu
Odyssey à Nintendo. Por outro lado, se o 2600 tivesse preço
competitivo no Japão, a Atari poderia ter se tornado o padrão
lá, como acontecera nos Estados Unidos. A Nintendo, prova­
velmente, não poderia vender por preço muito mais baixo e
nunca teria tentado competir. O Famicom e o NES talvez ja­
mais fossem desenvolvidos.
Depois do fracasso da Atari nos Estados Unidos, quase nada
aconteceu na indústria dos videogames domésticos. Até que Mi­
noru Arakawa apareceu. A Atari estava em situação tão ruim
(e tinha nome tão ruim) que os sucessores do 2600 venderam
pouco, sem competição digna de nota. Os fabricantes de com­
putadores pessoais poderíam ter entrado naquele ponto, mas
não estavam interessados no mercado. Como resultado desse
erro de cálculo, a Nintendo logo fez mais dinheiro que a Apple.
Arakawa suportou tudo porque não se importava com o
que os outros pudessem pensar. Os analistas reviravam os
olhos, impacientes, mas ele se recusava a depender da indús­
tria norte-americana e da visão estreita que esse setor tinha
sobre aquele mercado. Continuou, embora devagar, porque
acreditava, corretamente, que as crianças dos Estados Unidos
eram iguais às japonesas. Havia pequenas diferenças: os jogos
que incluíam armas eram populares nos Estados Unidos, mas
não no Japão, enquanto os games com regras eram melhor
aceitos no Japão. Apesar disso, as crianças eram bastante pa­
recidas para formar um mercado que compraria mais de 75
milhões de NES, nos dois países, no ano de 1992.

201
OS MESTRES DO JOGO

Os resmungos ouvidos em toda a indústria norte-americana


não alteravam o fato de a Nintendo fazer certas coisas melhor
do que as empresas de qualquer outro setor. Seus produtos
eram bons e o apoio que ela recebia da matriz, no Japão, mos­
trou-se decisivo, mas as vendas jamais teriam sido tão fabu­
losas sem um marketing fenomenal, "jamais visto nos Estados
Unidos", de acordo com um competidor.
Peter Main e Arakawa lideraram um assalto de muitas fases,
que foi meticulosamente planejado e executado sem nenhuma
falha. Nada foi deixado ao acaso. No final de 1980, a empresa
lançou campanhas publicitárias e o primeiro programa orga­
nizado de merchandising, com mostruários interagentes em
lojas de todo o país. Qualquer pessoa que passasse por um
mostruário da Nintendo podia parar e experimentar o apare­
lho. Os comerciais de televisão atiçaram a curiosidade das
crianças e não demorou para que os adultos, ao levar às com­
pras os filhos, fossem arrastadas para os mostruários das lojas.
Assim que os garotos jogavam o Super Mario Bros., o NES ia
para a lista de presentes de Natal. Peter Main queria que a
presença da companhia nas lojas fosse ainda maior. Para isso,
contratou um especialista em merchandising, John Sakaley,
que conhecia a ramo de brinquedos pelo avesso.
Sakaley começara a carreira como comprador de carpetes e
depois passara a comprador de brinquedos. Acabou trabalhando
para a Kenner, sob a chefia de Bernie Loomis, o famoso e res­
peitado presidente da empresa. Sakaley formou o primeiro de­
partamento de merchandising da Kenner e introduziu uma série
de inovações, incluindo uma abordagem iniciada pela Mattel:
lojas dentro de lojas, reservadas a um só produto (havia lojas
Guerras nas Estrelas em departamentos de brinquedos, com bo­
necos, veículos espaciais, pôsteres e coisas parecidas).
Mais tarde, quando deixou a Kenner, Sakaley tornou-se di­
retor do grupo de vendas a varejo do departamento de brin­
quedos da General Mills. Então, Bruce Donaldson, vice-pre­
sidente de vendas da NOA, contratou-o.
Sakaley dedicou-se a formar uma força de merchandising

202
QUE ENTRE O DRAGÃO

que foi à luta, visitando lojas para ter certeza de que o NES
estava sendo exibido com destaque. Por fim, a Toys ”R” Us
pôs em exposição fileiras e mais fileiras da mercadoria e a
Macy's aderiu à idéia ambiciosa de uma-loja-dentro-de-outra,
inaugurando O Mundo da Nintendo.
Para fazer as lojas investir em enormes mostruários, Sakaley
iniciou o "fundo de acúmulo". Para cada peça de hardware ou
software vendida, o lojista recebia uma quantia específica: 25
centavos de dólar por um aparelho NES, 10 centavos por um
jogo. O fundo, depois, era usado para pagar os mostruários que
o pessoal de Sakaley criava. Os lojistas viram seus créditos para
o fundo duplicar quando concordaram em abrir O Mundo da
Nintendo. Naturalmente, isso era bom para os dois lados.
Por fim, 10 mil pontos de venda tinham O Mundo da Nin­
tendo, onde se exibia um número sempre crescente de artigos,
todos com o selo de qualidade da empresa japonesa, uma
idéia de Ron Judy.
Os mostruários eram bastante elaborados. Em alguns locais,
raios laser cortavam o ar. Cores metálicas, como prata e ama­
relo fluorescente, coloriam canos e tubos que subiam pelas
traves e enroscavam-se nelas. As pessoas tinham a impressão
de se encontrar dentro de um jogo. Os mostruários foram pre­
miados pelo Point of Purchase Advertising Institute (POPAl)
durante anos seguidos.
O tremendo esforço resultou em vendas abundantes do
NES, mas Arakawa percebeu que o sistema inadequado de
distribuição impedia um crescimento maior. Algumas cadeias
de lojas, embora tivessem assinado contrato, ainda se mostra­
vam cautelosas nas encomendas. Outras continuavam descren­
tes. Para ganhar os indecisos parecia necessário associar-se a
uma rede de distribuição que já atendesse às lojas.
Don Kingsborough era lendário no ramo de brinquedos.
Estivera com a Atari, antes de passar para a Worlds of Wonder
(WOW) a fim de vender Teddy Ruxpin, um urso mecânico
que contava histórias. A boca de Teddy movia-se quando fitas
gravadas giravam em seu toca-fitas embutido.

203
OS MESTRES DO JOGO

Teddy Ruxpin foi o brinquedo mais popular durante dois


Natais seguidos e os lojistas o queriam muito. Para servi-los,
Kingsborough desenvolveu uma rede grande e eficiente de
distribuição.
Arakawa encontrou-se com ele e fizeram um acordo que
beneficiou tanto a Worlds of Wonder como a Nintendo. Juntar
forças com o grupo de Kingsborough deu aos japoneses fir­
meza imediata no mundo dos negócios. Teddy Ruxpin rendera
93 milhões de dólares em 1985, seu primeiro ano, e mais de
300 milhões no ano seguinte. Da noite para o dia, a WOW
passou a valer 550 milhões. Convencendo Kingsborough a dis­
tribuir o NES a partir do final de 1986, Arakawa ganhou pre­
sença e credibilidade. A WOW mantinha contatos com quase
todas as lojas de descontos, de departamentos e de brinquedos.
Por sua vez, a rede da Worlds of Wonder ganhou um terreno
novo e grande ao servir à Nintendo. Os rendimentos gerados
por essa aliança ajudaram Kingsborough a crescer.
Embora o negócio com a WOW levasse o NES a um número
muito maior de lojas, Sakaley sentia que a Nintendo ainda
não conseguira tudo o que merecia. Achava que a empresa
faria melhor lidando com representantes compromissados ape­
nas com o NES, sem nenhum Teddy Ruxpin no meio.
Discutiu isso com Arakawa, que lhe deu carta-branca para
iniciar a formação de sua própria força de merchandising. Sa­
kaley já a estava organizando quando, no outono de 1987, a
Worlds of Wonder começou a desmoronar. A mania do Teddy
Ruxpin acabara e as finanças da empresa descontrolaram-se.
A WOW tinha um débito de 200 milhões de dólares e apre­
sentava um inventário tenebroso.
— A Worlds of Wonder esteve num mundo só dela —
observou um analista da indústria de brinquedos.
Embora um grupo privado de investidores assumisse a em­
presa, a Nintendo soube, numa sexta-feira de outubro, que a WOW
não continuaria a prestar-lhe serviços de merchandising.
Arakawa convenceu Kingsborough a não dispensar seus
representantes antes de 72 horas. Nesse prazo, pediu a Sakaley

204
QUE ENTRE O DRAGÁO

que fizesse um levantamento das opções da Nintendo. Sakaley,


ajudado por um grupo de assistentes, trabalhou todo o fim
de semana e, no domingo à noite, telefonou a Peter Main.
Pela manhã, quando os dois homens sentaram-se com Ara­
kawa, Sakaley declarou que a NOA devia assumir a organi­
zação da WOW.
Depois de ligar para Kingsborough, Arakawa mandou Sa­
kaley contratar os representantes da WOW, quando eles fos­
sem demitidos.
O executivo, que já possuía um pelotão de 100 pessoas,
contratou mais 50. A nova força saiu com câmeras e fotografou
todos os mostruários da Nintendo. Tanta gente dava a Sakaley
uma grande vantagem: ele sempre tinha alguém para verificar
se as grandes lojas estavam fazendo a sua parte. Os repre­
sentantes levavam a tiracolo computadores portáteis com mo-
dens telefônicos, da Panasonic, para enviar informações sobre
as vendas ao escritório central.
— Nos tempos da Colgate, levávamos dois meses para re­
ceber um relatório que nos possibilitasse descobrir onde tí­
nhamos errado, qual caminho era satisfatório e qual nos estava
levando por água abaixo — conta Main. — Na Nintendo, re­
cebíamos relatórios diariamente.
As empresas japonesas do setor automobilístico usavam sis­
temas muito eficientes de gerenciamento: os just-in-time (na
hora exata). Isso significava comprar peças apenas quando
eram necessárias, nunca antes. O retorno por computadores,
dado pelos representantes de merchandising, permitia que a
Nintendo executasse uma espécie de just-in-time, de modo que
só encomendava à NCL o que fosse preciso, e no momento
certo. Da mesma forma, a companhia evitava superprodução
ou subprodução. Nem ela, nem a NOA, desperdiçavam di­
nheiro em estoques.

A teia de Main e de Arakawa não pretendia apenas enredar


clientes, mas também conservá-los. A Nintendo encorajava os
consumidores a enviar de volta os cartões de garantia, com

205
OS MESTRES DO JOGO

os quais concorriam a cartuchos. Mas as leis que regem os


concursos tornavam o processo tão complicado que foi neces­
sário o desenvolvimento de outro tipo de incentivo: os que
devolvessem o cartão de garantia tornavam-se sócios do Fun
Club, com direito a receber revistas que anunciavam as últimas
novidades, contendo quatro, oito, e às vezes 32 páginas. Se-
tecentas cópias da primeira edição foram expedidas gratuita­
mente, mas esse número crescia à medida que a lista de nomes
aumentava.
O sucesso dessas revistas no Japão ensinou à Nintendo que
dar dicas sobre jogos era um recurso incrivelmente valioso.
O noticiário bimestral oferecia palavras cruzadas e piadas, to­
das ótimas, mas os segredos dos games eram o tópico que
mais agradava aos leitores. O Fun Club atraía a criançada
oferecendo dicas sobre os jogos mais complicados, especial­
mente The Legend of Zelda — exibia todos os tipos de chaves,
passagens e quartos secretos. As revistas revelavam o código
secreto que levava os jogadores de Mike Tyson's Punch-Out!
à última fase: uma luta com o campeão. Sem o código, era
extremamente difícil chegar até Tyson.
O frenesi Nintendo começara para valer. As crianças com­
petiam entre si para ver quem chegava ao fim dos jogos. As
que ligavam para o tronco telefônico Redmond da Nintendo,
pedindo dicas, também eram admitidas no clube.
A lista de correspondência cresceu. No começo de 1988, o
Fun Club tinha mais de um milhão de sócios e isso levou
Arakawa a tomar a decisão de fundar a revista Nintendo Power.
No Japão, a NCL deixara que outras empresas ganhassem
fortunas publicando revistas dedicadas ao Famicom. Nos Es­
tados Unidos, com a longa lista de assinantes em potencial,
a Nintendo ficaria com o dinheiro e com o controle.
Arakawa decidiu que a revista não aceitaria publicidade e
seus colegas o chamaram de louco, argumentando que ele
estava virando as costas a uma mina de ouro. Como a revista
servia aos assinantes, as concessionárias e as empresas de pro­

206
QUE ENTRE Q DRAGÀQ

dutos para crianças e adolescentes pagariam o que fosse pe­


dido para anunciar em suas páginas.
Arakawa, no entanto, insistiu em que a publicação fosse
puramente editorial. As empresas não teriam chance de anun­
ciar jogos ruins, como acontecera no Fun Club. Naturalmente,
o conteúdo "editorial" da Nintendo Power era, na verdade, um
longo anúncio da NCL: histórias sobre os personagens dos
jogos, listas dos melhores resultados obtidos pelos jogadores
e muitos mapas e gráficos, além das dicas.
A companhia contratou uma firma especializada em pes­
quisa direta para descobrir como oferecer a revista ao mercado.
Mas, depois de pagar pelo levantamento e por um imenso
relatório contendo conselhos, Arakawa jogou os dados fora.
— Tudo o que a garotada precisa fazer é sentir a revista,
olhá-la, tocá-la e compreendê-la — explicou. — Desse modo,
quero mandar exemplares grátis a todas as pessoas cujos no­
mes já temos. Depois elas os comprarão.
Não conseguiram dissuadi-lo da idéia nem quando lhe dis­
seram que isso custaria 10 milhões de dólares.
Gail Tilden saíra da empresa para dar à luz, mas Arakawa
a quis de volta, na direção da revista.
— Havia tanta força masculina concentrada que meu ma­
rido precisava de Gail para espalhá-la — comentou Yoko.
Arakawa, que achava Gail muito talentosa, perceptiva e de­
dicada, telefonou a ela e convenceu-a a retornar ao trabalho,
embora o bebê tivesse apenas poucas semanas. Ela preparou
a primeira edição em janeiro de 1989 e a revista foi enviada
aos cinco milhões de nomes do banco de dados.
Havia algo que beirava o insidioso na Nintendo Power. As
crianças pagaram 15 dólares por uma assinatura de 12 meses,
produzindo uma quantia que cobria quase todo o custo da
revista. O que não era coberto, como tarifas postais, saía da
verba para marketing. A primeira remessa foi para um milhão
e meio de assinantes. Eram clientes que os peritos do ramo
de revistas tinham quase descartado: não liam e achavam que
tinham milhões de coisas melhores para fazer com 15 dólares.

207
M E S T R E S í) O I O G O

Contudo, no fim do primeiro ano, a Nintendo Power tornara-se


a revista para crianças e adolescentes de maior circulação nos
Estados Unidos.
A publicação tinha o que Main chamava de "habilidade
para vender produtos" antecipadamente. Era como se a Uni­
versal Studios fosse proprietária da Premiere e das outras pu­
blicações dedicadas a filmes. A Universal poderia então anun­
ciar uma fita com bastante antecedência, criando expectativa.
Quando o filme estivesse quase pronto, os anúncios ficariam
mais atraentes e, quando a data de lançamento fosse marcada,
seria declarado o mais incrível de todos os tempos. As pessoas
que não o vissem perderíam o maior evento da temporada.
As publicações, então, contariam aos leitores como fora grande
o sucesso do filme, empurrando mais gente para vê-lo, en­
quanto despertavam entusiasmo pelo próximo lançamento da
Universal.
A Nintendo Power significava que a NCL não precisava des­
perdiçar dinheiro para criar centenas de jogos. Era possível
lançar uma seleção a cada ano e ter a garantia de que pelo
menos uma quantidade mínima, preestabelecida, seria comer­
cializada. Qualquer publicidade além da revista era lucro, por­
que a Nintendo Power garantia o contato da empresa com mi­
lhões de seus mais dedicados clientes, gente que faria propa­
ganda boca-a-boca, aumentando a procura dos jogos.
A editora Gail Tilden juntava material para cada edição
com a ajuda de Howard Phillips, o mais animado dos joga­
dores da empresa, também editor-colaborador e personagem
de uma tira em quadrinhos. No planejamento de uma nova
edição, os dois examinavam os jogos que estavam sendo lan­
çados para determinar o tipo de cobertura que mereciam. Não
havia pretensão de independência, porque Arakawa, Main e
Lincoln precisavam aprovar as seleções. Os melhores jogos
(ou aqueles que a Nintendo mais queria vender) tinham anún­
cios grandes, mostrando mapas, personagens e dicas, tudo
em papel brilhante.

208
QUE ENTRE O DRAGÃO

— As pessoas, às vezes, não dão a devida atenção às crian­


ças, ou acham que elas são bobas — diz Tilden.
A Nintendo fez o que pôde para falar com sua jovem clien­
tela de igual para igual. A linguagem que inventaram era per­
feita. A prosa era um cruzamento do diálogo em Wayne's World
e de um número de Pee-Wee Herman. A Nintendo Power, em
1990, era a leitura mensal de mais de seis milhões pessoas.
— Os pais que reclamam que seus filhos não lêem deviam
prestar mais atenção. As crianças e adolescentes devoram cada
palavra da Nintendo Power — afirma Howard Phillips.
Tilden trabalhava com uma editora japonesa que projetava
e imprimia a revista e cujos diretores iam do Japão a Seattle
discutir cada edição. Depois, os projetistas juntavam os mapas
dos jogos e os layouts. Jovens escritores, contratados por Tilden,
muitos dos quais trabalhavam na empresa, faziam descrições
excitantes dos games e davam dicas que na maioria das vezes
vinham diretamente dos criadores dos jogos.
A revista publicava fotos de telas de televisores, tiradas
com câmeras Polaroid, que os leitores enviavam para provar
que haviam feito um número assombroso de pontos. Havia
histórias em quadrinhos baseadas em jogos e um cantinho
reservado para celebridades através do qual, por exemplo, os
leitores ficaram sabendo que Jay Leno adorava jogar Contra.
Com o tempo, 12 edições por ano tornaram-se insuficientes
para satisfazer a insaciável necessidade de conhecimentos es­
pecíficos, de modo que surgiram as Nintendo Player's Guide
— revistas inteiras dedicadas a um único jogo — lançadas a
cada três meses. Algumas eram distribuídas como brindes,
para encorajar os leitores a renovar as assinaturas.
— Descobrimos que mais informações, e melhores, aguça­
vam o apetite dos jogadores, que queriam outros jogos e aces­
sórios — conta Peter Main. — Consumidores famintos pro­
duzem lojistas felizes.
E havia um número sem precedentes de consumidores fa­
mintos. A nintendomania varria os Estados Unidos. As tele­
fonistas da NOA ficavam atordoadas com tantos telefonemas.

209
OS MESTRES DO JOGO

Os garotos queriam saber mais do que aprendiam na Nintendo


Power: como montar os aparelhos NES, por exemplo. De modo
que Peter Main inventou um jeito de tirar vantagem dos te­
lefonemas.
— O sistema telefônico foi realmente o fecho do laço que
nenhuma outra empresa deste país conseguiu atar — declara.
Phil Rogers, que supervisiona o departamento de serviço
ao consumidor, diz:
— Quando começamos, o que sabíamos sobre serviço ao
consumidor? Nada de nada. Conhecíamos o serviço ao dis­
tribuidor porque era algo que já havíamos feito com as casas
de diversões eletrônicas, mas nunca havíamos conversado com
um consumidor.
Quando Main decidiu estabelecer as linhas telefônicas, Ro­
gers calculou que precisariam de quatro telefonistas. Come­
çaram com alguns telefones de seis botões, em janeiro de 1986.
As ligações jorraram de tal forma que Rogers comprou um
distribuidor eletrônico de 40 mil dólares em 1987. No prazo
de um ano, havia 550 pessoas atendendo a 150 mil chamadas
por semana num novo sistema telefônico de 3 milhões de dó­
lares. Os clientes usavam a linha 800 para falar com os rep­
resentantes do serviço ao consumidor. Se reclamavam que uma
loja ficara sem um jogo muito procurado, o serviço os orientava
sobre sua disponibilidade: pediam o código postal da região
e, consultando o banco de dados, podiam dizer-lhes onde en­
contrariam o jogo. Os nomes e endereços desses clientes eram
acrescentados à lista de correspondência.
Muitas chamadas eram de garotos perguntando como es­
capar de vilões ardilosos nos games. O pessoal do serviço ao
consumidor transferia o telefonema para Howard Phillips ou
qualquer outro jogador que trabalhasse com Don James. Al­
gumas pessoas que ligavam falavam espanhol ou francês, de
modo que representantes bilíngues foram contratados.
A companhia telefônica informou a Rogers que seu número,
o 800, ficava congestionado a maior parte do tempo por causa
do meio milhão de telefonemas que aconteciam semanalmente.

210
______________ QUE ENTRE O DRAGÃ O_____________

A Nintendo decidiu abrir outro número, o 900, para os clientes


conseguirem a linha direta do capitão Nintendo e ouvirem
dicas e histórias de aventuras sobre os jogos. Num golpe mais
importante ainda, a empresa iniciou um serviço de consultas
sobre os jogos. Crianças e adolescentes, às centenas de milha­
res, telefonavam para um número separado da linha 800, fa­
zendo perguntas. Por causa da diferença de horários, os con­
sultores atendiam das 4 da manhã às 10 da noite, para pegar
os telefonemas matinais de Nova York e os noturnos, da Ca­
lifórnia, durante 7 dias por semana. Centenas de consultores
amontavam-se em apertados ambientes de trabalho, cada um
equipado com um aparelho Nintendo e pilhas de jogos, além
de um terminal de computador, anotações e "bíblias verdes",
volumes encadernados de mapas e segredos.
Muitos deles foram atraídos por um anúncio no Seattle Times
que dizia: "Ganhe a vida jogando". Contratados, ganhavam
um NES e uma porção de jogos, que deviam dominar.
— Era mais gostoso que o Natal — diz Phil Sandoff, um
consultor.
Ele e seus colegas atendiam a dúzias de chamadas por hora,
mas o sistema telefônico continuava sobrecarregado. As liga­
ções colidiam e muitas caíam.
Alguns consulentes faziam perguntas detalhadas, mas ou­
tros queriam apenas conversar.
— William, você quer tirar dúvidas sobre algum jogo ou
o quê? — perguntou Sandoff, um dia, a um garoto que desejava
falar sobre os problemas que tinha na escola.
Foi estabelecida uma regra segundo a qual nenhum telefo­
nema podia ultrapassar sete minutos. Os consultores desen­
volveram técnicas para encurtar a conversa, quando os que
ligavam começavam a fazer perguntas sobre seus filmes e con­
juntos de rock favoritos. Um consulente procurou conselhos
sobre casamento. Sua esposa, explicou, ameaçara abandoná-lo
se ele não parasse de jogar The Legend of Zelda.
— Desligue o videogame — foi o conselho de Sandoff.
O serviço prestado pela linha 800 tornou-se tão caro que a

211
OS MESTRES DO J OGO

Nintendo o excluiu. Em 1990, as chamadas eram todas pagas


pelos clientes. Phil Rogers instruiu os consultores a não falar
com nenhuma criança por mais de três minutos, a menos que
tivessem certeza de que os pais soubessem que iam pagar
pela chamada. Depois de sete minutos, sem levar em conta o
que a criança dizia, os consultores deveríam geptilmente des-
ligar.
— Os pais não vão culpar a si mesmos por sua incapacidade
de controlar os filhos — ponderava Roger. — Vão culpar a
nós.
Apesar de tudo, o número de telefonemas não diminuía.
Blaine Phelps, consultor que veio a se tornar supervisor do
departamento, foi para a NOA levado pelo anúncio do Seattle
Times. Desempregado, estava morando no carro.
— Não revelamos segredos — conta. — Somos treinados
pelo método socrático de consultoria sobre jogos.
Durante anos, a pergunta mais comum foi a respeito de
The Legend of Zelda. Os jogadores não conseguiam descobrir
um meio de passar por Grumble Grumble (resmungo), uma
criatura que os espreitava na fase 7.
— O que seu estômago está querendo dizer quando começa
a resmungar? — perguntava Phelps.
— Que eu estou com fome — respondia um garoto confuso.
— Certo. O que você faz para ele parar de resmungar?
— Eu como alguma coisa. Ei! E isso! Preciso dar comida
ao Grumble Grumble!
Os consultores faziam mais do que prestar um serviço ao
consumidor. Em primeiro lugar, estreitavam o vínculo entre
os jogadores e a empresa. Educadores, pais e psicólogos fica­
vam abismados com a obsessão dos jovens pela Nintendo. A
revista e os consultores faziam parte desse processo, incenti­
vando a garotada.
— A Nintendo passou a significar muito para nossas crian­
ças, muitas dos quais vão para casa, depois da escola, e não
encontram os pais — diz Main. — O videogame desempenha
um papel importante em suas vidas.

212
QUE ENTRE O DRAGÃO

Em segundo lugar, a NOA adquiria nova percepção a res­


peito dos clientes: descobria quais grupos preferiam determi­
nados jogos e de que maneira eles podiam ser melhorados.
Os consultores orientavam, mas também faziam perguntas so­
bre as preferências dos consumidores.
— Usavamos o serviço de consultas por telefone como pes­
quisa de mercado — conta Main.
As informações — baseadas no contato diário com os fa­
náticos clientes e não em análises periódicas das pesquisas de
mercado — davam à Nintendo uma comunicação ao vivo com
seus consumidores, todos os dias, 7 dias por semana, 12 horas
por dia. O feedback ajudava a agitar o desenvolvimento da
produção da empresa e as estratégias de marketing. Os dados
entravam diretamente no processo de desenvolvimento. Ya­
mauchi sempre se gabara de nunca ter deixado o pessoal do
marketing influenciar o de pesquisa e desenvolvimento, mas
esse negócio era muito precioso para ser ignorado. Os consu-
lentes viviam perguntando sobre os jogos a ser lançados, de
modo que a demanda era criada com meses de antecedência
através da rede telefônica.
Os consultores foram algumas das primeiras pessoas a per­
ceber que crianças e adolescentes não eram os únicos fanáticos
pelo NES. Muitos dos que ligavam pela manhã, bem cedo,
eram pais frustrados, alguns dos quais haviam passado a noite
toda tentando ganhar um jogo.
— Os pais querem morrer quando descobrem que os filhos
são melhores do que eles em alguma coisa — explica Blaine
Phelps. — Ficam obcecados pelo desejo de derrotá-los.
Quando Peter Main descobriu que havia muitos adultos
interessados, começou a dirigir-lhes campanhas de marketing.
Do mesmo modo, telefonemas de meninas deram à empresa
a possibilidade de saber o que faria mais garotas comprar
aparelhos e jogos.
Don James iniciou outra operação, que fazia parte do laço
de marketing. Além de preparar a Nintendo para feiras co­
merciais (os estandes CES da empresa tornaram-se os maiores

213
O S M ESTRES DO JOGO

da indústria de consumo: 5.500 metros quadrados de luzes,


raios laser, rock e bailarinas) e de supervisionar os projetos,
ele dirigia a análise da produção, cuja função era averiguar e
manter a qualidade dos jogos. Era um modo de ter certeza
de que os games que os consultores e a Nintendo Power reco­
mendavam eram realmente bons e que podia levar os clientes
a comprar os melhores jogos.
Quando os cartuchos estavam quase prontos, no Japão, a
NCL os mandava para Seattle, onde a equipe de James adap-
tava-os para o mercado norte-americano. Checavam o texto,
os personagens, e corrigiam as instruções que apareceríam na
tela, além dos diálogos escritos em "japoglês", a versão da
língua inglesa dos projetistas japoneses. "Dê o melhor de si e
ria um casaco" aparecia nas instruções de um jogo. "Pegue a
arma. Dê uma bicada atravessando a mesa".
Além de corrigir esses erros, a turma da análise de produção
procurava possíveis e inadvertidos ataques a qualquer raça.
O objetivo de um jogo chamado Gumshoe era chacinar brutal­
mente índios norte-americanos (transformados genericamente
em vilões). Em Casino, o único ladrão era negro, de modo que
a cor de sua pele foi mudada. Num dos jogos, "as mulheres-
cobras de seios desnudos" foram rebatizadas de Medusas e
"os mastins do inferno" em Cérberos, lembrando o nome do
cão mitológico que guardava a entrada do Inferno (Hades).
Em outro jogo, o inimigo era chamado de Orelha de Judeu,
tradução, num dicionário japonês-inglês, de um tipo de estre-
la-do-mar. A instrução, na versão japonesa, dizia: "Por favor,
arranque a orelha do judeu".
Os jogos também tinham de ser extraordinários por mérito
próprio. Não deviam depender de personagens populares no
Japão mas que nada significavam nos Estados Unidos. Com
o passar do tempo, James iniciou um processo severo de ava­
liação dirigido por ele mesmo, por Howard Phillips e Shigeru
Ota, que se tornaram os "Três Grandes".
A princípio as avaliações foram arbitrárias e sem método,
mas Ota (antes de ser enviado a Frankfurt para dirigir a Nin-

214
QUE ENTRE O DRAGÃO

tendo na Europa) adaptou um sistema que fora usado no Ja­


pão. Desenvolveu uma escala de quarenta pontos, pela qual
cada jogo era avaliado. O sistema tinha oito categorias, e cada
uma chegava a um máximo de cinco pontos. Os Três Grandes
jogavam todos os games até formar uma opinião sobre eles.
Depois, avaliavam seus atributos, como desafio, apresentação
gráfica e capacidade de divertir. Alguns jogos eram devolvidos
para revisão e outros, eliminados. Se havia dúvidas, um grupo
maior de avaliadores, na maioria consultores de jogos, dava
sua opinião. Phil Sandoff fazia parte do GC6, que significava,
simplesmente, ”seis consultores de jogos".
— Somos duros — declara Sandoff. — No começo, acha-se
que cada jogo é o máximo. Depois, vai-se ficando mais crítico.
Após as avaliações, Arakawa podia ter uma boa noção de
como o jogo se sairia no mercado. Contudo, havia ocasiões
em que a dúvida persistia — quando os Três Grandes e o
GC6 discordavam, por exemplo. Se Arakawa desejava mais
certeza, chamava os mais implacáveis dos críticos. Escondidos
atrás de um vidro com visão de um lado só, ele e James ob­
servavam crianças e adolescentes jogar o game em questão.
— Nem sempre se consegue respostas honestas ao interro­
gar crianças — explica Arakawa, lembrando a fracassada ex­
periência com grupos em Nova Jersey. — No entanto, obser­
vando os rostos delas, enquanto jogam, podemos dizer facil­
mente se o jogo é bom ou não. Acertamos no julgamento em
mais de noventa por cento dos casos.
O mais importante avaliador, nos primeiros tempos da com­
panhia, era Howard Phillips, que jogava com mais freqüência
e melhor do que qualquer outro funcionário da Nintendo. Ago­
ra, Howard Phillips usa gravatas-borboletas em tons pastel e
tradicionais camisas brancas. Depois que raspou a barba à
Manson, ficou ainda mais parecido com Howdy Doody. Parece
não envelhecer. Arakawa um dia chamou-o para dizer que
decidira dar-lhe um título mais alto: o de Mestre dos Jogos
da NOA, o Jedi do mundo do videogame.
O Mestre dos Jogos conhecia todos os games. Como um

215
OS MESTRES DO JOGO

dos Três Grandes, continuou a experimentar os novos e a dar


retorno aos responsáveis pelos mesmos. De acordo com ele,
sua principal função, como "advogado" dos jogadores, era in­
fluenciar os autores.
— Esses caras chegam a ficar de oito meses a um ano tran­
cados, trabalhando num projeto — informa. — Eles sabem o
que fazem, mas tem de haver alguém para dizer-lhes que certa
parte não está muito boa. Dentro da empresa, todos os que
usam gravatas compridas, desculpem, rapazes, que não são
usuários ativos, podem não saber o que faz um jogo funcionar.
Phillips era capaz de criticar um jogo com a mesma rapidez
com que Pauline Kael criticava filmes, embora, às vezes, a
razão para gostar ou não de um game fosse explicada por
um vago "porque sim" ou "porque não".
Arakawa aprendeu a confiar nessas respostas, porque Phil­
lips realmente julgava as aventuras melhor do que ninguém.
Dominava mais de quinhentas.
— Uso perseverança e o conhecimento de quem está dentro
do negócio — costumava explicar.
Era capaz de derrotar qualquer adversário? A isso, Phillips
respondia com modéstia:
— Não sei se sou o melhor jogador do mundo, mas sei que
sou capaz de derrotar quase todo mundo em todos os jogos.
A chave de seu segredo era não pensar como um jogador.
Ele era um jogador.
— Pratique — aconselhava, de modo sucinto.

216
9
O Monstro que
Roubou o Natal

A guerra de marketing da Nintendo fez com que as maiores


agências de publicidade norte-americanas a ajudassem e sus­
tentassem sua invasão (e, naturalmente, aumentassem seus
lucros). As promoções eram dirigidas por Peter Main e um
homem que ele contratara em 1987, Bill White.
White, que usava óculos de aros dourados à John Lennon
e penteava o cabelo loiro para trás, emoldurando o rosto jovem,
vestia-se como um executivo. Só que parecia mais talhado para
baterista de banda de garagem do que para alguém cuja função
era agüentar a pressão dos altos escalões da Nintendo.
Seu pai e sua irmã trabalhavam com publicidade. Depois
da faculdade, Bill arrumou emprego na Carnation. A noite,
fazia mestrado em administração de empresas. Mais tarde in-
tegrou-se ao setor de mercadorias embaladas. Quando seu che­
fe convenceu-o a mudar para o ramo da alta tecnologia, White
mudou-se para Seattle, onde foi diretor de marketing numa
companhia que criava software para computadores. Mas logo
começou a sentir-se frustrado. Um dia pegou um exemplar
do Advertising Age e viu que a Nintendo precisava de um
diretor de publicidade e de relações públicas. Duas semanas
mais tarde, foi entrevistado por Main, Arakawa e Lincoln; uma
semana depois, estava empregado.
White percebeu que a empresa era dominada por sua po­

217
OS MESTRES DO JOGO

tente máquina de marketing. Como oferecia poucos produtos,


fazia apenas alguns comerciais por ano. Isso significava que
a qualidade devia ser — tinha de ser — fenomenal. A verba
para um comercial chegava a atingir 5 milhões de dólares,
quatro ou cinco vezes maior do que a de qualquer outra em­
presa. A despeito disso, e porque a publicidade era seletiva
e especializada, o orçamento total a ela destinado representava
apenas 2 por cento das vendas, comparados aos 17 ou 18 por
cento de muitas outras companhias.
Em seus contatos com a imprensa, White rapidamente des­
cobriu por que trabalhar para uma firma japonesa era uma
experiência única. A atitude dos jornalistas em relação à Nin­
tendo parecia extremamente crítica. Era até defensiva em mui­
tos aspectos, embora ninguém o demonstrasse abertamente.
A súbita invasão da Nintendo nos Estados Unidos era algo
que White nunca vira. Os consultores de jogos, a revista, o
merchandising e os programas na televisão ajudavam a fazer
da empresa muito mais do que um novo sucesso. Era uma
cultura que se formava e fortalecia, apesar da preocupação
de Washington D.C. e da severidade da imprensa em relação
ao assunto.
White achava que a publicidade, na Nintendo, era igual à
de um estúdio de cinema. Arakawa tomara a decisão de fazer
com que o software fosse a estrela dos comerciais.
— Este é um negócio movido a software — diz White. —
O trabalho não consiste tanto em aumentar a valorização da
marca a longo prazo, e sim em criar expectativas em relação
ao novo sucesso.
Um dos primeiros comerciais feitos sob a direção de White
foi a apresentação ao mercado de The Legend of Zelda. Os pu­
blicitários ficaram atentos ao cara abobalhado, de cabelo es­
petado, que andava na escuridão gritando por Zelda. O co­
mercial seguinte, em novembro de 1987, foi para Mike Tyson's
Punch-Out!. Nele, o musculoso Tyson entra numa sala, sen­
ta-se, pega um NES com suas mãos enormes, introduz um
cartucho e vira-se para uma parede cheia de telas. Então, olha

218
O MONSTRO QUE ROUBOU

para a câmera e começa a rir. No comercial de Ice Hockey,


um garoto está jogando diante de um televisor quando o disco
preto, usado no hóquei sobre o gelo, quebra a tela e cai na
sala.
Apesar desses grandes comerciais, em 1990 White e Main
decidiram fazer uma reviravolta, retirando contas de 20 e 35
milhões de dólares das agências McCann-Erickson e Foote,
Cone & Belding. Bill White explicou que "diferenças filosóficas"
causaram o rompimento. Leo Burnett, a grande agência de
Chicago que fazia a publicidade da cerveja Miller e do McDo­
nald's, pegou a conta da Nintendo. Um analista disse que a
decisão foi tomada de modo arbitrário.
— Eles mudaram tudo para que ninguém ficasse muito con­
fiante — comentou. — Vocês vão ganhar dinheiro trabalhando
para a Nintendo, mas ficarão loucos.
Tudo era calculado. Não eram as crianças que compravam
a parte do leão, mas os pais. No entanto, as campanhas vol­
tavam-se quase que exclusivamente para crianças e adoles­
centes. A garotada não só controlava o próprio dinheiro como
também o da família.
Havia outras maneiras de atingir os pais. No começo de
1988, houve discussões na Nintendo a respeito dos benefícios
trazidos pela ampliação das mensagens da empresa, que de­
viam alcançar uma clientela fora da faixa etária de 8 a 14 anos
(senão por outra coisa, pelo menos para ganhar o respeito de
pais que continuavam em dúvida sobre os videogames). Bill
White e Peter Main determinaram que não havia necessidade
de pagar os muitos milhões de dólares requeridos para "com­
prar outro alvo" com publicidade pela televisão. Em vez disso,
procuraram sócios que já visavam essa área mais ampla.
A Pepsi possuía a imagem e a clientela certas, de modo
que White foi atrás dela. A equipe de promoção da Pepsi foi
cautelosa. Analisou os dados da pesquisa de mercado da Nin­
tendo e concordou em testar uma associação com a empresa
através de uma de suas marcas menores, a Slice. A promoção
nacional pela televisão, que anunciava o aparelho e os jogos

219
OS MESTRES DO JOGO

da Nintendo em conjunto com a Slice, funcionou tão bem que


os executivos da Pepsi pensaram numa parceria mais estreita
para a enorme campanha publicitária de Natal. Daquela vez,
entrariam todos os seus produtos. Como a Pepsi tinha em
mira clientes de 12 a 34 anos, os maiores consumidores de
refrigerantes, a Nintendo teria, de graça, uma vasta divulgação
e a credibilidade da Pepsi.
Não foram só os comerciais e os mostruários em lojas que
beneficiaram os japoneses nessa sociedade. A Pepsi comprou
quase 10 milhões de dólares de produtos NCL, ao preço de
atacado pago pela Toys "R" Us e outras lojas, além de colocar
anúncios da Nintendo em dois bilhões de latas de seu refri­
gerante. Em troca, ganhou prestígio: a parceria com a empresa
japonesa deu vida nova a sua imagem junto aos consumidores.
A promoção teve tanto sucesso que a Nintendo procurou
outros sócios que lhe permitissem maior acesso aos adultos.
A Procter & Gamble abordou Bill White, sugerindo promoção
em conjunto nas lojas de todo o país. Os comerciantes colo­
caram personagens Nintendo nos mostruários do detergente
Tide. Com essa associação a um produto tão bem aceito nos
Estados Unidos, os japoneses ganharam credibilidade imedia­
ta. Dezenas de milhões de pessoas foram atingidas por essa
promoção de 20 milhões de dólares.
O alvo seguinte da Nintendo foi o McDonald's. Em 1989,
White e Main enviaram uma carta de apresentação à divisão
de marketing da empresa. A chefe do departamento para crian­
ças assistiu à pré-estréia de Super Mario Bros. 3. Depois de
examinar os dados estatísticos das populações atingidas pela
Nintendo e os resultados alcançados pelas promoções da Pepsi
e do detergente Tide, ela lançou uma campanha inteira, in­
clusive o Lanche Feliz Mário, baseada no Super Mario Bros. 3.
Outra promoção desse jogo provou ser mais valiosa do que
qualquer publicidade paga. Tom Pollack, o respeitado presi­
dente da Universal Studios, procurou Bill White e Peter Main
e disse-lhes que queria fazer um filme baseado num jogo. Os
Jetsons, que a Universal planejara lançar no Natal de 1989, não

220
O MONSTRO QUE ROUBOU

ia ficar pronto a tempo è o estúdio precisava de algo que o


substituísse. Quando ouviu falar nas várias competições pro­
movidas pela Nintendo, Pollack teve a idéia de criar um filme
infantil que recebeu o nome de The Wizard (O Feiticeiro).
A Nintendo cobrou pela licença cedida à Universal, natu­
ralmente, e recebeu o direito de aprovar tanto o roteiro como
as cenas do jogo no filme. Bill White foi ao set, em Reno, para
ver como iam as coisas.
— Mas só estávamos preocupados com a seqüência do jogo,
que devia ser espetacular — conta.
E foi espetacular. A seqüência "Armagedon no vídeo” foi
filmada no cinema de Cal Arts, universidade do sul da Cali­
fórnia. Só nesse set, a Universal gastou 100 mil dólares. O
personagem principal entrava no palco e a platéia, na tela,
enlouquecia quando o locutor anunciava febrilmente a com­
petição final, no mais novo e melhor jogo de videogame do
mundo. As cortinas eram puxadas e uma parede cheia de
monitores aparecia.
— Aqui está, senhoras e senhores — berrava o locutor —
Super Mario Bros. 3!!
A própria Nintendo não poderia ter inventado promoção
melhor. O filme ficou pronto em novembro, quatro meses antes
do lançamento do jogo. O entusiasmo, nos cinemas, era cau­
sado muito mais pelo SMB3 do que pelo filme. The Wizard
deu dinheiro, mesmo com a renda bruta sendo relativamente
pequena, mas a expectativa criada em torno de Super Mario
Bros. 3 foi enorme.
Quando o jogo finalmente chegou às lojas, a agitação era
tão grande que a corrida desenfreada para comprá-lo espantou
até mesmo a Nintendo. A equipe de Bill White supervisionou
a criação de um comercial para a televisão que não mostrava
cenas do game, mas simplesmente milhares de crianças e ado­
lescentes entoando apaixonadamente:
— Má-rio, Má-rio, Má-rio...
A câmera recuava e os meninos e meninas — decididamente
brancos e bonitos — transformavam-se num mar de gente

221
OS MESTRES DO JOGO

gritando o nome de Super Mário. Então, a câmera focalizava


um ponto no espaço. Lá de cima, como se o telespectador
estivesse olhando para a Terra, via-se o rosto de Mário no
lugar onde deveria estar a América do Norte.
A idéia deu certo. Super Mario Bros. 3 vendeu mais do que
qualquer outro jogo na história do videogame e resultou num
rendimento bruto superior a 500 milhões de dólares.

Os "eventos de marketing", registrados nos relatórios da


NOA foram outra tática. A empresa patrocinou, em trinta ci­
dades, competições de videogame que duraram oito meses.
Delas saíram campeões municipais e regionais, que compe­
tiram entre si. Tudo isso culminou com a Nintendo PowerFest,
que teve lugar nos estúdios da Universal em dezembro de
1990. Houve um campeonato mundial da Nintendo em 1991
e, na primavera, lançou-se o Nintendo Campus Challenge,
uma competição de dois dias realizada em cinqüenta campi
universitários. Foi anunciada como "busca nacional do melhor
jogador universitário de videogame".
Al Kahn, pesadão, com ralo cabelo ruivo, dirigia a Leisure
Concepts, uma empresa concessionária. Em 1988, Arakawa, a
quem Kahn conhecera no tempo em que trabalhara na Coleco,
deu-lhe concessão — cobrando royalty padrão — para comer­
cializar os personagens dos jogos. Kahn cedia os personagens
para tudo, de programas de televisão e discos a lancheiras e
roupas de cama. A cessão tornou-se uma das mais bem-su­
cedidas da história. Havia tabuleiros de jogos da Zelda, reló­
gios do Donkey Kong e tudo do Mário.
O primeiro programa de televisão da Nintendo, The Super
Mario Bros. Super Show, foi ao ar pela primeira vez no outono
de 1988 e logo comprado por emissoras independentes. No
outono de 1990, Captain N: The Game Master, tornou-se pro­
grama de rede e depois apareceu um terceiro programa, o
Super Mario World. Por vários anos seguidos, esses programas
ocuparam o primeiro e o segundo lugares do horário matinal
de sábado, na rede de televisão NBC.

222
O MONSTRO QUE ROUBOU

A cessão de direitos autorais dos programas renderam bas­


tante, mas esse não foi o maior benefício.
— Todos tentavam aumentar o interesse pelos personagens
— diz White. — Aumentar a popularidade e a simpatia do
personagem fazia com que vendessem mais o Mário, o que
ajudava nosso programa de comercializar mais jogos e ceder
os direitos dos personagens para estampas de camisetas, por
exemplo. Quando os programas têm qualidade, conquistam
audiência.
Ninguém classificaria os programas de televisão da Nin­
tendo como de qualidade, mas eles não eram piores do que
os que também iam ao ar aos sábados pela manhã.
Além de todos os outros negócios envolvendo cessão de
direitos, Bill White acalentava a idéia de produzir um filme
estrelado por um ator que representaria Mário. Arakawa su­
geriu pesquisas vagarosas e meticulosas. White deu alguns
telefonemas e obteve, do homem que cuida dos desenhos ani­
mados da Nintendo, a informação de que Dustin Hoffman
queria fazer o papel. O agente de Hoffman, Mike Ovitz, já
entrara em contato para marcar uma reunião.
Em Nova York, onde estava para assistir ao Campeonato
Mundial da Nintendo, White reuniu-se com Hoffman num
quarto de hotel no Upper East Side. Os dois passaram horas
falando sobre o filme. Os filhos de Hoffman eram fanáticos
pelos jogos da empresa e ele confessou que morria de vontade
de interpretar Mário. White encontrou-se em posição difícil
ao ter de explicar a Hoffman que ainda estavam pesquisando
sobre se Valeria a pena fazer a fita. (A Nintendo queria Danny
DeVito, que era o que havia de mais próximo a um sósia de
Mário em Hollywood.)
Hollywood estava mais do que interessada em lucrar com
a febre Mário Bros. Arakawa rejeitou uma oferta da Fox porque
”o pessoal de lá não entendia o personagem". Por fim, entraram
num acordo com a empresa de Jake Eberts e Roland Joffe,
chamada Lightmotive. Contrataram Barry Morrow, co-autor
de Rain Man, para escrever o roteiro, e uma porção de revi-

223
OS MESTRES DO JOGO

sores. A equipe de direção de Rocky Morton e Annabel Jankel,


criadores do filme Max Headroom para a televisão inglesa, foi
contratada. O projetista de produção era David Snyder, cujas
referências impressionantes incluíam Blade Runner e Pee-Wee's
Big Ádz?enture.
O filme da Nintendo começou a ser produzido em maio
de 1992, com planos para ser lançado em maio de 1993 —
sem Danny DeVito, que recusou categoricamente a proposta.
Depois dos fiascos com Hoffman e DeVito (a agência de Hoff­
man, Creative Artists, diz que ele nunca pensou em aceitar o
papel), a Nintendo precisou recomeçar da estaca zero. Embora
Tom Hanks estivesse disposto a interpretar o personagem por
5 milhões de dólares, a empresa escolheu Bob Hoskins, que
alcançara popularidade depois de Who Framed Roger Rabbit e
cobrava muito menos. O vilão, King Koopa, foi interpretado
por Dennis Hopper.
Houve uma avalanche de promoções. Em 1991, a MCA lan­
çou um disco com canções de Mário que incluía uma revista
em quadrinhos do personagem. Entre as músicas estava a que
Roy Orbison gravara pouco antes de morrer. Outro filme em
andamento inspirara-se nos desenhos animados da televisão
(todos estavam torcendo para que fosse melhor).

Muito antes de se começar a falar sobre filmes, nos corre­


dores e escritórios da Nintendo, Peter Main dissera a Arakawa
que achava interessante a idéia de promover os jogos como
se fossem fitas, isto é, lançá-los cautelosa e racionadamente,
de modo que a demanda excedesse à oferta, tirando-os de
circulação tão logo o interesse começasse a diminuir. Essa tá­
tica de racionamento, que tratava os jogos como objetos de
valor inestimável, funcionou. Um game, por exemplo, causava
furor e as crianças obrigavam os pais a comprá-lo. Mas as
lojas não podiam tê-lo em estoque, o que provocava uma cor­
rida a Super Mario Bros. 3 ou a Link. A sequência de 'The Legend
of Zelda quase chegou a causar tumultos.
A competição para adquirir jogos rivalizava com a procura

224
O MONSTRO QUE ROUBOU

de ingressos para um show de Michael Jackson. No final, ou­


tros produtos da NCL eram vendidos. Um garoto que estivesse
louco pelo Link, por exemplo, chegava a uma loja e não o
encontrava. Tentava outras, sem sucesso, e acabava compran­
do qualquer outro jogo Nintendo, de modo que os pais aca­
bavam pagando 30, 40 ou 50 dólares por essa segunda opção.
Então, uma semana mais tarde, uma nova remessa de Link
chegava às lojas. O garoto, mais do que nunca, queria o Link
e, a menos que os pais tivessem uma vontade férrea, acabavam
sucumbindo. Mesmo os filhos de pais severos conseguiam
comprar os jogos. Em 1989, numa pesquisa efetuada em Sand­
wich, Illinois, a garotada respondeu que adquiria os games
da Nintendo com o dinheiro da mesada e com o que ganhava
de outras formas.
O editor de uma publicação dedicada ao setor de brinquedos
observou que "a Nintendo tornou-se um nome como Disney
ou McDonald's. Conseguiram isso produzindo jogos como a
Godiva produz chocolate". Em 1988, a Fortune comentou: "Até
aqui a estratégia deles tem se mostrado vencedora".
"Gerenciamento de inventário" foi o nome que Peter Main
deu a essa estratégia. A onda da Atari não crescera por causa
de um mercado alagado. Main fazia com que houvesse escas­
sez, o que aguçava o apetite dos consumidores e sustentava
a demanda, como a Coleco fez em 1984, quando houve falta
do Cabbage Patch Kids. A Nintendo não atendia a todas as
encomendas de propósito, de modo que metade, ou até mais
de sua coleção de jogos, permanecia em estoque. Em 1988,
por exemplo, ela vendeu 33 milhões de cartuchos, mas as pes­
quisas de mercado mostraram que esse número poderia ter
chegado a 45 milhões. Naquele ano, os lojistas haviam pedido
110 milhões de unidades, quase duas vezes e meia a demanda
indicada. Main disse que os revendedores exageraram nos pe­
didos e que era melhor que continuassem a implorar por mais
games do que a Nintendo ficar com excesso de estoque.
Ao contrário das fitas de vídeo, que tinham uma grande
procura por 90 ou 120 dias, alguns jogos da Nintendo man­

225
OS MESTRES DO jOGO

tinham a popularidade por 1 ano ou mais. Main explica que,


se um jogo saísse do processo de avaliação com um total de
36, 37, ou 40 pontos, a empresa o considerava um "sucesso
estrondoso em potencial". Um jogo de sucesso só precisava
vender quinhentas mil cópias, mas um "sucesso estrondoso"
podia vender milhões.
Main tomava providências para que seus maiores clientes
recebessem uma boa cota de jogos, mas se recusava a admitir
as exigências deles. Nenhuma empresa recebia todas as enco­
mendas. Na época, tanto as lojas de brinquedos e de artigos
eletrônicos como as de departamentos dependiam da Ninten­
do — e não o contrário. A NOA era responsável por uma
parte muito grande do rendimento de algumas companhias.
Para a Toys "R" Us isso significava 17 por cento das vendas
e 22 por cento dos lucros. Os japoneses davam as ordens,
mesmo a empresas acostumadas a exercer coerção.
O fato de a matriz e o presidente da subsidiária norte-ame­
ricana serem japoneses aumentava os problemas da NOA
quando as coisas se complicavam. Táticas que seriam chama­
das de agressivas se executadas por uma empresa norte-ame­
ricana eram vistas em alguns lugares como inescrupulosas
quando desenvolvidas por um grupo japonês. Em apenas 36
meses a Nintendo passara do quase anonimato ao ponto de
responder por 20 por cento da indústria de brinquedos e por
grandes porcentagens de outras vendas a varejistas. Parecia
que "estavam fazendo algo ilegal", de acordo com as palavras
de Main. Nenhuma indústria queria ser tão dependente de
uma única empresa, principalmente japonesa.
— A maior parte das críticas vem daqueles que decidiram
não se juntar a nós — explica Main.
Alguns deles, todavia, nem foram convidados.
A reputação da NOA começou a sofrer com os períodos
de escassez mais acentuada de jogos. Embora a empresa pro­
vocasse alguns desses períodos, a situação tornou-se pior do
que o previsto e a demanda aumentou, ultrapassando os prog­
nósticos mais ambiciosos. Em 1990, os revendedores ficaram

226
O MONSTRO QUE ROUBOU

furiosos porque a Nintendo não pôde entregar todos os apa­


relhos que eles queriam ter vendido naquele ano.
Fazia muito tempo que a NOA encerrara sua política de
garantir o dinheiro de volta. Substituíra-a por outra, bem mais
dura: faça a encomenda, receba-a e pague. Os representantes
providenciavam para que os estoques dos revendedores con­
tinuassem pequenos. Por manter os clientes na rédea curta, a
Nintendo ganhou inimigos, mas continuou a ganhar dinheiro.
Essa política provou ser eficiente em 1990, quando a segunda
maior rede de lojas de brinquedos dos Estados Unidos, a Child
World, passou por graves dificuldades financeiras, beirando
a falência. Uma lista dos credores da Child World foi divulgada
em dezembro. A rede devia até 25 milhões de dólares a em­
presas como a Hasbro e a Mattel, mas a Nintendo, embora
responsável por quase 20 por cento dos negócios da Child
World, não estava na lista.
— Os outros caras jogaram dinheiro num poço sem fundo
— disse Main. — Até hoje não foram pagos.
A Nintendo tinha ligação estreita com a Child World e sabia,
através dos demonstrativos financeiros, constantemente ins­
pecionados, que a empresa se encontrava em dificuldades. En­
tão, declarou que a Child World só obteria seus produtos se
pagasse com um ano de antecipação.
— Por isso, não somos muito estimados — comenta Main.
A empresa também enfureceu os revendedores com sua
política de devolução. "Satisfação garantida ou seu dinheiro
de volta", gabam-se os lojistas norte-americanos. Todavia,
quando os consumidores devolvem televisores ou torradeiras
à Macy's ou à Sears, os revendedores devolvem os aparelhos
aos fabricantes.
A Nintendo declarou que garantia uma taxa baixa de de­
feitos, alegando 0,9 por cento para produtos de hardware e
0,25 por cento nos de software, números iguais aos estabele­
cidos pelos altos padrões da indústria de videocassetes. Con­
tudo, os revendedores enviavam-lhe aparelhos que os clientes
devolviam por outras razões, não por defeitos. Alegavam que

227
OS MESTRES DO JOGO

não haviam ficado satisfeitos, ou, uma desculpa típica, que o


cachorro mastigara um dos controles.
A Nintendo reagiu, criando uma rede de serviços autori­
zados. Durante os noventa dias de garantia, os serviços seriam
gratuitos, mas depois os clientes teriam de pagar. Por causa
dessa rede de serviços e da baixa taxa de defeitos, a empresa
anunciou uma nova política: nada de devoluções. Depois que
um cartucho fosse aberto, qualquer reembolso estava fora de
cogitação.
Foi um verdadeiro pandemônio. Uma das maiores lojas do
país ameaçou parar de trabalhar com a marca. A NOA, por
sua vez, recusou-se a mudar de política. A loja parou de com­
prar os produtos Nintendo e agüentou-se durante três meses,
quando então rendeu-se e concordou com os termos impostos.
Montes de dinheiro iam dos Estados Unidos para o Japão.
As vendas da NCL subiam em disparada, principalmente por
causa da subsidiária norte-americana. Arakawa tornou-se res­
ponsável por mais de 60 por cento dos negócios de Yamauchi,
de acordo com Hiroshi Imanishi. O total de vendas da NCL,
em 1987, foi de 1 bilhão de dólares. Em 1988, esse número
subiu para 1,5 bilhão. Em 1989 e 1990, chegou a 2 bilhões e,
em 1991, ultrapassou 3,3 bilhões. Em 1992, a Nintendo previu
que as vendas totalizariam 4,5 bilhões. Os lucros (antes de
descontados os impostos) tinham subido de 186 milhões, em
1987, para mais de 1 bilhão de dólares em 1991 e 1992.
As ações da empresa subiram. Em 1991, ela ficou em 86°
lugar entre as mil primeiras do mundo, segundo a revista
Business Week. Em dólares norte-americanos, o valor de mer­
cado da Nintendo era de 14,56 bilhões, e a empresa figurava
em 29° lugar na lista das maiores companhias do Japão.

O relacionamento entre as empresas-mães japonesas e suas


subsidiárias norte-americanas é notoriamente igual à de se­
nhores e escravos. Hiroshi Yamauchi, contudo, apesar da re­
lutância inicial, deu a Arakawa mais autonomia para dirigir
a NOA do que a maioria dos presidentes de companhias ja­

228
O MONSTRO QUE ROUBOU

ponesas dava aos chefes de suas subsidiárias. Era Yamauchi


quem tomava as decisões mais importantes e que afetavam o
futuro da NCL, mas para isso sempre consultava Arakawa,
que, por seu turno, baixava um pouco a guarda, porque apren­
dera a confiar no instinto do sogro. Os dois estavam perma­
nentemente em contato e não raro conversavam por telefone
várias vezes ao dia. A medida que a admiração e o respeito
entre os dois cresciam, o relacionamento evoluía e ambos iam
aprendendo como um podia tirar vantagem da eficiência do
outro.
Arakawa ainda ficava furioso quando o sogro passava dos
limites e dava conselhos que pareciam ordens, e Yamauchi
continuava frustrado pelo fato de o genro não revelar seus
planos nem explicar suas razões tanto quanto deveria. As dú­
vidas de Yamauchi a respeito de Arakawa, entretanto, iam-se
dissipando diante da enorme quantia de dinheiro que a NOA
enviava para o Japão. Yoko Arakawa ficou aliviada, porque
temera ver-se no meio de um atrito entre o pai e o marido.
Ao contrário, porém, chegava a ser inquietante notar que os
dois homens estavam se dando tão bem.
Assim como Yamauchi determinara o estilo da Nintendo
no Japão, Arakawa imprimiu sua personalidade à NOA. Sua
filosofia girava em torno de um estilo único de gerenciamento.
Houve períodos de turbulência, quando o número de empre­
gados começou a subir na proporção do crescimento das ven­
das, mas Arakawa raramente perdia a paciência e jamais se
desligou do objetivo do momento. Trabalhava como um pos-
sesso, mas administrava sem barulho. Sua mente podia estar
correndo em disparada, mas ele falava tão pouco que às vezes
deixava os colegas constrangidos. O silêncio era um estrata­
gema que ele usava para manter-se a distância. As pessoas
ficavam pouco à vontade enquanto ele refletia. Nunca fazia
sermões nem repreendia com aspereza, assim como, aparen­
temente, não se deixava guiar pelo ego. Na verdade, fugia da
ribalta. Peter Main e Howard Lincoln faziam a maioria das
aparições públicas necessárias, em parte porque Arakawa aca-

229
OS MESTRES DO ] O GO

nhava-se de seu inglês hesitante e em parte porque achava


que tinha coisas mais úteis com que ocupar o tempo. (Essa
atitude, de vez em quando, era um tiro que saía pela culatra.
Quando o Frontline, um programa de entrevistas da televisão,
focalizou a tensão existente nas transações comerciais entre
os Estados Unidos e o Japão, Arakawa recusou-se a ser en­
trevistado, mandando Howard Lincoln em seu lugar. Deu a
impressão de que tinha algo a esconder.)
Em contraste gritante com a imagem dura da Nintendo,
Arakawa estava quase sempre tranqüilo e mostrava-se até tí­
mido. Administrava mais pela força de vontade do que pelo
nível de decibéis. A NOA refletia seu bom humor. Havia apa­
relhos de videogame no Café Mário, o restaurante da empresa,
e muita brincadeira entre os funcionários. O próprio Arakawa
participava delas. Uma vez, passou uma velha fotografia de
Howard Lincoln pela empresa como se fosse um memorando
urgente. Na foto, tirada nos anos 70, em que Lincoln aparecia
de terno com calça de pregas e óculos grossos, Arakawa es­
crevera: "Você compraria um carro usado deste homem?"
Em outra ocasião, os empregados da Nintendo decidiram
"iniciar" um novo funcionário (que por coincidência já traba­
lhara na Atari), que estacionava seu Porsche na diagonal, to­
mando o espaço de várias vagas, para evitar que os outros
parassem perto demais de seu precioso carro. Um dia, todos
os empregados — e Arakawa — deixaram os carros de qual­
quer jeito no estacionamento. O novo funcionário ficou hor­
rorizado ao ver seu Porsche no meio de centenas de veículos
mal-estacionados, alguns dos quais perigosamente próximos.
O profissionalismo era permeado pela descontração. Exe­
cutivos da AT&T foram à empresa, numa sexta-feira, para
uma reunião com Arakawa. Ninguém os avisara de que havia
uma regra segundo a qual os ternos eram abolidos nas sex­
tas-feiras e lá ficaram eles, ao redor da grande mesa, em seus
trajes formais, diante de Arakawa, que usava jeans, camiseta
e sapatilhas verdes, de feltro. (Depois que Howard Lincoln

230
O MONSTRO QUE ROUBOU

disse que ele parecia um gnomo com aquelas sapatilhas, Ara­


kawa deixou de usá-las.)

No vestíbulo do edifício da NOA há uma mesa de centro


com tampo de vidro fumê e uma cabeça de cavalo, de cristal,
dentro de uma caixa de vidro. Três recepcionistas atendem
aos telefones e recebem os visitantes, cujos nomes são digitados
num computador, para a impressão imediata de crachás. Só
então os visitantes recebem permissão para entrar.
O escritório é parecido com a maioria dos gabinetes das
empresas de alta tecnologia ou de comunicações. Existem li­
tografias anônimas, representando cenas da natureza, nas pa­
redes com painéis rosa-pastel, tapetes cinzentos e divisórias.
Todavia, o toque invisível de Arakawa predomina. Funcioná­
rios animados — muitos dos quais, inclusive chefes de depar­
tamentos, são jovens — entram e saem pelas portas sempre
abertas das diversas salas (uma vez foi passada uma circular,
advertindo os gerentes que trabalhavam com portas fechadas).
Os escritórios dos gerentes, na periferia do prédio, têm grandes
janelas, cujas venezianas também ficam abertas. Isso é bom,
como diz Arakawa, "para deixar entrar a luz de fora e clarear
a mente". Tudo e todos estão ligados: o centro de reparos fica
perto do lugar onde os jogos são testados, que fica perto de
onde a equipe de marketing se acotovela para ver novos co­
merciais, que fica perto da sala onde filas de consultores aten­
dem chamadas telefônicas de todo o país. Arakawa admite
que não há nada de muito inovador no seu estilo administra­
tivo.
— Tudo o que fiz foi tirar as paredes que existiam entre
os gerentes e os operários — explica.
Os escritórios dos executivos também refletem o fato de a
Nintendo não lidar com circuitos ou microchips, mas com di­
versão. Para chegar ao departamento de marketing é neces­
sário passar pelos consultores, grudados nas telas dos moni­
tores e em suas "bíblias verdes". Em outros cantos vêem-se
os testadores de jogos e os avaliadores. No segundo andar,

231
OS MESTRES DO JOGO

encontra-se um modelo de O Mundo da Nintendo e nas pro­


ximidades uma minigaleria de jogos. Em salas individuais
vêem-se coisas que lembram que o pessoal consome-se nas
investigações mais malucas. As salas são decoradas com bolas
de beisebol, brinquedos movidos a corda, bichos de pelúcia,
cestas de basquetebol e pelo menos um boneco inflável.
Ao mesmo tempo, no lugar tem-se a sensação de que algo
muito importante está acontecendo. É normal os empregados
trabalharem até tarde; muitas vezes saem depois da meia-noi­
te. Correm rumores de que a pressão, embora sutil, é respon­
sável pelos martinis em excesso consumidos por trás das por­
tas fechadas, as mesmas que deveríam ficar sempre abertas.
Parece que os funcionários trabalham arduamente tanto por
Arakawa como para vender os produtos Nintendo. De certa
forma, Arakawa foi capaz de criar em Redmond, Washington,
a mentalidade de uma empresa japonesa.
Os salários estão na média, comparados aos pagos por car­
gos similares em indústrias do ramo na área de Seattle. A
Nintendo recusa-se a revelar o valor das remunerações e, como
não se trata de uma sociedade anônima norte-americana, nin­
guém sabe quanto ganham os executivos. Isso é significativo,
porque a empresa não se obriga a competir com os salários
polpudos pagos pelas indústrias. Embora faça mais dinheiro
do que as companhias dos Estados Unidos, da Chrysler à IBM,
Arakawa e seus vice-presidentes alegam receber quantias re­
lativamente modestas. A Nintendo segue o modelo japonês
de controlar os salários dos executivos em relação aos dos
empregados iniciantes e todos os funcionários ganham bem
quando a empresa ganha bem, por causa do programa de
bonificação: os funcionários podem receber um adicional de
até 50 por cento de seus salários a cada ano, dependendo do
desempenho da firma e deles próprios.
Arakawa e Howard Lincoln sacrificam um fim de semana,
duas vezes por ano, para analisar os salários e conceder bônus,
baseando-se nas avaliações feitas pelos gerentes. Além disso,

232
Q MONSTRO QUE ROUBOU

os planos de aposentaria e de saúde são bastante decentes.


Mas é só.
— Ninguém aqui vai ganhar montanhas de dinheiro — diz
Lincoln. — Já desistimos disso, embora tenhamos certeza de
que ajudamos muita gente, fora da Nintendo, a ficar milioná­
ria.
Eles podem não ser ricos, mas que são bronzeados, isso
são. A NOA comprou quatro terrenos no Havaí, onde Ara­
kawa construiu duas casas de 800 metros quadrados, de frente
para o mar, ao custo de 20 milhões de dólares. Ficaram prontas
no inverno de 1991, quando os Arakawa e os Lincoln as inau­
guraram, passando férias lá. Cada uma dessas casas enormes
tem quatro dormitórios; áreas comuns abertas de onde des­
cortina-se vista panorâmica, num ângulo de 180 graus; piscina
privativa e acesso ao campo de golfe de Mauna Lani. Os em­
pregados podem alugar as casas por uma taxa subsidiada. Os
mais antigos têm preferência. Após trabalhar três meses na
empresa, qualquer funcionário pode alugar um quarto ou uma
casa inteira.
No entanto, não são apenas os bônus e as regalias que in­
centivam os empregados. Com raras exceções, Arakawa pro­
move gente da própria empresa quando os postos elevados
ficam vagos. Os funcionários acham que essa é a maior van­
tagem de trabalhar para ele. O diretor de pessoal começou
como recepcionista. A ex-secretária de Lincoln foi chefiar as
operações de cessão de direitos. Consultores tornaram-se tes-
tadores e avaliadores de jogos e assistentes-executivos passa­
ram a gerentes financeiros. Como no Japão, os empregados
permanecem na empresa. As demissões são poucas e os aban­
donos de emprego, com algumas notáveis exceções, raros: nin­
guém sai da NOA.
A principal preocupação de Arakawa é se tornar vítima de
um crescimento descontrolado. Essa preocupação reflete-se em
atitudes pequenas mas significativas (particularamente signi­
ficativas quando se compara a Nintendo a empresas dirigidas
com muito menos eficiência). Não há vagas reservadas no es-

233
OS MESTRES DO J O G O

tacionamento. Não há restaurante para executivos. O Café Má­


rio serve hambúrgueres, um prato especial do dia, chili-niac,
pizzas, saladas e sundaes de iogurte. Não há jatos para os di­
retores.
— No dia em que isso acontecer, saio daqui — diz Lincoln.
Não há suítes para os gerentes. Todos os escritórios, inclu­
sive os de Arakawa e Lincoln, são quadrados de 3 metros por
3. Os chefes de departamentos ocupam salas adjacentes às
áreas onde seu pessoal trabalha.
Lembrando o número enorme de empregados da Atari —
camadas de burocracia e vice-presidentes para tudo — Ara­
kawa criou um sistema para controlar as contratações. Ele, ou
Lincoln, tem de assinar uma autorização antes que um em­
pregado seja contratado.
— Dificultamos tanto a contratação de novos funcionários
que todos precisam ter uma boa razão para querer admitir
mais gente — observa Lincoln.
A empresa continua "pequena e magra", como Arakawa
gosta de dizer. Nesse ponto, ele age de acordo com a tradição
japonesa: quando uma empresa emprega uma pessoa, é para
sempre.
Para manter abertos os canais de comunicação, Arakawa
instituiu reuniões semanais. Numa semana, o encontro é de­
dicado ao quadro administrativo; na outra, ao pessoal da ope­
ração; na seguinte, ao departamento de marketing, e assim
por diante. Arakawa, Lincoln, Rogers e Main sempre partici­
pam dessas reuniões. Depois, os quatro reúnem-se na sala de
conferências para discutir os assuntos abordados.
A medida que a Nintendo crescia, o receio de Arakawa de
que ela se tornasse desgovernada aumentava. Por isso ele ado­
tou um sistema de "memorandos de ação" e um mapa de au­
toridade, recursos usados no Japão na organização de empre­
sas. O resultado são níveis altos de responsabilidade e comu­
nicação. Chefes de departamentos sabem o que os outros che­
fes fazem e Arakawa sabe o que todos eles estão fazendo.
Os gastos também são cuidadosamente controlados. A

234
O MONSTRO QUE ROUBOU

maioria dos gerentes pode gastar até 5 mil dólares sem precisar
de aprovação, mas despesas de 5 a 50 mil precisavam ser
aprovadas por um superior e acima disso o gasto só pode ser
autorizado por Arakawa. Memorandos de ação, a respeito de
transações menores e outras decisões, ainda passam pela mesa
de Arakawa. É uma maneira de ele informar-se sobre tudo o
que acontece e de saber quem tomou determinada decisão.
Quem assina um memorando responde por ele. Nada — de
aquisições importantes a declarações à imprensa — cai no va­
zio. Arakawa precisa ter certeza de que não haverá surpresas.
Ele acha que deve ser um administrador melhor que o sogro.
Não tem o sexto sentido de Yamauchi no que se refere a pro­
dutos e de vez em quando erra. Acredita que essa capacidade
de julgamento não pode ser aprendida.
— A pessoa nasce com ela. Posso estudar e treinar quanto
quiser, que nunca terei esse talento. Talvez minha habilidade
seja descobrir pessoas que tenham esse talento.
De fato, ele tem o dom de escolher auxiliares excepcionais.
— Arakawa é sustentado pelos que o rodeiam lá em cima
— comenta um empregado.

A Nintendo dominou o setor de brinquedos, uma indústria


inconstante e impiedosa pela qual giram muitos milhões de
dólares, em 1988.
Havia tanto dinheiro em jogo que era rotineiro ver carreiras
florescer e ser destruídas por causa de um só produto. São
necessários milhões de dólares para criar e manufaturar um
novo brinquedo, e para testá-lo com crianças. Depois, dezenas
e até centenas de milhões são gastos para colocá-lo em pro­
dução e lançá-lo no mercado. Os riscos são enormes e, com
exceção dos brinquedos que já caíram na preferência infantil,
como Barbie e os carrinhos Matchbox, grandes sucessos apa­
receram e desapareceram ao sabor do capricho da garotada.
O setor de brinquedos foi dominado por alguns gigantes.
Na corrida por produção e um lugar no mercado, diversas
companhias engoliram muitos dos concorrentes menores. A

235
OS MESTRES DO JOGO

Hasbro, que já adquirira a Playskool e a Milton Bradley, em


1991 comprou a Tonka, que também possuía a Parker Brothers
e a Kenner Toys. (”G.I. Joe e os verdadeiros caçadores de fan­
tasmas juntam forças”, disse a imprensa.) A Hasbro, então,
saiu para combater a Mattel, ficando em primeiro lugar. Para
adquirir novas companhias, as grandes assumiam débitos tre­
mendos e comprometiam-se em participações. A situação,
mais o efeito da recessão, que reduzia os gastos arbitrários,
teve como resultado, no final da década de 80 e no início da
de 90, uma redução nos departamentos de pesquisa e desen­
volvimento. A conseqüência foi que nada dramaticamente di­
ferente saiu das fábricas. A falta de inovação deixou os con­
sumidores entediados, levando-os a procurar algo excitante:
os produtos da Nintendo.
A NOA devorou parcelas cada vez maiores do mercado,
até se tornar superior à Hasbro e à Mattel juntas. Dos 11,4
bilhões de dólares gastos em brinquedos, em 1989,23 por cento
foram usados para comprar produtos Nintendo. Dos trinta
brinquedos mais vendidos nos Estados Unidos, 25 tinham a
marca da empresa ou eram relacionados a ela. A NOA ficou
com todos os lugares na classificação das dez mais — e isso
durante a maior escassez de produtos Nintendo.
Arakawa não podia atender às encomendas. Antes do Natal
de 1989, Peter Main foi ameaçado de agressão física e processos
judiciais por gerentes e presidentes que o acusavam de estar
destruindo suas empresas. As únicas lojas que tinham produ­
tos Nintendo eram as varejistas, que tiveram dinheiro sufi­
ciente, no verão, para estocar aparelhos e jogos. A Toys ”R”
Us e algumas outras grandes cadeias investiram pesado e ti­
nham um suprimento razoável. A maioria das empresas, po­
rém, culpou a Nintendo quando seus negócios sofreram uma
queda. Num dos meses anteriores ao Natal, em 1989, os es­
toques dessas empresas caíram 42 por cento, relatou a Fortune.
A Financial World publicou que a Nintendo esta' novainente mos­
trando a língua às industrias de brinquedos dos Estados Unidos.
O setor odiava o fato de os japoneses não jogarem por suas

236
O MONSTRO QUE ROUBOU

regras: não usavam a data de 10 de dezembro para o fatura­


mento; não pertenciam a nenhuma associação de fabricantes;
não se davam ao trabalho de exibir seus produtos na maioria
das mostras comerciais. Começaram a surgir acusações de que
a Nintendo controlava a indústria de brinquedos, manipulava-a
ilegalmente, fixando preços e intimidando os lojistas, amea-
çando-os com o corte de fornecimento se eles trabalhassem
com produtos concorrentes ou se atrevessem a dar descontos
em seus aparelhos e jogos.
Arakawa e Peter Main tornaram-se alvos de queixas — pri­
meiro dos concorrentes, depois dos lojistas e, então, dos mem­
bros do Congresso norte-americano. Embora a revista Adweek
elegesse Peter Main o homem de marketing de 1989, o perfil
biográfico que o The New York Times fez dele dizia o seguinte:

Para seus admiradores (...) ele é um magistral vendedor de di­


versão para crianças (...) Para seus críticos, é um monopolizador
ambicioso, que diminui o fornecimento e aumenta os lucros.
Como as companhias de brinquedos não podiam derrotar
a NOA, tentaram lucrar com a nintendomania. Cinco grandes
empresas conseguiram autorização para lançar brinquedos re­
lacionados aos personagens dos jogos, como os tabuleiros da
Zelda, de Mário e os bonecos. Todavia, outras firmas espera­
vam que a invasão de seu território pela Nintendo fosse tem­
porária. Rezavam para que ela tivesse o mesmo destino da
Atari (e muitos estavam certos de que o fato se repetiria).
Enquanto isso, continuavam com seus velhos arrimos: Slinky,
Mr. Potato Head, Lincoln Logs, Barbie. Mas, em 1990, a NOA
estava tão entrincheirada que a indústria de brinquedos de­
sistiu de vê-la derrotada. O presidente da Hasbro reconhecia
que a recessão econômica causara problemas a sua empresa,
mas reclamava que ”a indústria de brinquedos fora muito mais
golpeada pela Nintendo”.
Em 1991, a Toys ”R” Us, que dominava 22 por cento do
mercado com suas 450 lojas (mais cem no exterior), apresen­
tava vendas no valor de 55 milhões de dólares. Os produtos

237
OS MESTRES DO / O G O

da Nintendo representavam quase um quinto desse total. As


lojas de descontos tornaram-se as maiores concorrentes da Toy
"R" Us (a Child World e Lionel Kiddie City dividiam 7 por
cento do mercado). A Kmart e a Wal-Mart controlavam, cada
uma, 10 por cento. A maior, Wal-Mart, não trabalhava com
os concorrentes da companhia japonesa nem tinha O Mundo
da Nintendo em suas dependências. Já a Kmart, que se recu­
sara a isso durante anos, concordou, em 1991, em abrir qui­
nhentas dessas lojas-dentro-de-lojas.
A indústria de brinquedos fora ferida pela recessão e pelos
grandes descontos nos preços oferecidos na época pré-natalina.
A Child World estava à beira da ruína (entrou em concordata
em 1992). O setor melhorou em 1992, mas ainda pertenciam
à Nintendo sete dos dez brinquedos mais vendidos naquele
ano. Ela foi, mais uma vez, o monstro que roubou o Natal.

Tenha a Nintendo roubado ou não a indústria de brinque­


dos, o fato é que muita gente considera a empresa uma força
maligna, porque lida com videogames, que hipnotizam a ju­
ventude. Desde que esses aparelhos apareceram, têm sido acu­
sados, como as mesas de bilhar e as máquinas de fliperama,
de contribuir para aumentar a delinqüência juvenil. Em con-
seqüência, a Nintendo é considerada culpada.
Quanto mais a empresa participava ativamente da vida de
milhões de crianças e adolescentes, mais preocupados os pais
e professores ficavam. As preocupações era exacerbadas pela
devoção que a garotada dedicava aos jogos e à cultura Nin­
tendo. Era como se a população juvenil norte-americana tivesse
ingressado numa seita e, enfeitiçada por um personagem de
desenho animado, obedecesse às ordens de um amo japonês
que permanecia escondido.
— Vejam de que jeito o Super Mário foi desenhado — es­
creveu um pai preocupado a uma revista. — Os olhos dele
são os de uma pessoa que sofreu lavagem cerebral.
Já houvera outras manias antes, mas aquilo era diferente.
Crianças e adolescentes jogavam, discutiam estratégias, dese­

238
O MONSTRO QUE ROUBOU

nhavam personagens e, como lição de casa, escreviam as aven­


turas dos jogos. Embora gostassem dos Simpsons, de In Living
Color e da MTV, elas dedicavam ao videogame um fervor que
não davam à televisão. Os funcionários dos hospitais com­
provavam a eficácia da empresa japonesa. Algumas crianças
gravemente enfermas, ao jogar Nintendo, acabavam usando
50 por cento a menos de analgésicos do que as que não joga­
vam. Quanto à televisão, não afetava a quantidade de medi­
cação requerida.
De acordo com os médicos, os games têm o poder de aliviar
a dor por duas razões. Em primeiro lugar, a ação desenvolvida
nos jogos exige um grau de concentração que desvia a atenção
dada à dor — e a tudo o mais. Em segundo lugar, o estado
de excitação alcançado durante a ação gera um fluxo constante
de endorfina na corrente sanguínea. Endorfinas são proteínas
produzidas pelo organismo para aliviar dores e criar sensações
de euforia, bem-estar. Jogar Nintendo pode provocar um au­
mento no nível de endorfina, mas correr também provoca.
Pais, educadores e psicólogos acham que o Nintendo pode
ser pior que a televisão porque exige atenção hipnótica e in­
cessante. Algumas crianças que jogam por longos períodos
queixam-se de dor de cabeça e vista embaralhada. Algumas
são declaradas portadoras de "nintendinite", graves câimbras
musculares nos polegares. Peritos receiam que os jogos levem
as crianças a tornar-se agressivas e as habitue a altos níveis
de violência. Outros acham que qualquer coisa que prenda al­
guém à frente da televisão encoraja comportamentos anti-so­
ciais.
Pais e professores têm notado que os fãs dos games Nin­
tendo tornam-se mais determinadas, mas, em contrapartida,
mais frustradas. Algumas são incontroláveis "zumbis Ninten­
do", segundo Oprah Winfrey declarou em seu programa de
televisão. Receava-se que jogar videogame estivesse prejudi­
cando o desenvolvimento cognitivo e social das crianças. Os
pais presentes ao programa de Oprah reclamaram, explicando
que seus filhos passavam com os games todas as horas livres

239
OS MESTRES DO ] O GO

do dia. Um dos convidados, um garoto de 11 anos, admitiu


ser viciado em jogos. Ligava-os antes de ir para a escola e
depois que voltava dela, até o momento de ir para a cama,
num total de 12 horas por dia. Por que os pais permitiam que
ele jogasse tanto era outra questão, mas esse exemplo não é
único. Se deixados por conta própria, crianças e adolescentes
jogam compulsivamente.
A Nintendo respondia a todas essas alegações com argu­
mentos fracos e vagos, afirmando que o videogame podia ser
benéfico. Melhorava a coordenação entre os olhos e as mãos,
e a reação ao tempo. Confirmação independente e não-solici-
tada provou que isso era verdade: os militares norte-ameri­
canos descobriram que recrutas que jogavam muito Nintendo
iam extraordinariamente bem nos programas de treinamento
de voo.
O problema era que os jovens tinham muitas outras ma­
neiras de melhorar a coordenação — construindo coisas com
blocos ou atirando e pegando bolas, por exemplo. E, afinal,
de quanta coordenação entre os olhos e as mãos uma pessoa
precisa, a não ser que se torne piloto de caças? Os argumentos
da empresa fizeram muito pouco para acabar com a preocu­
pação a respeito de uma geração de "vidiotas", jovens hipno­
tizados que cegamente acompanham um flautista de Hamelin
disfarçado em Super Mário.

JÚNIOR, UM VICIADO?, perguntava uma manchete do


USA Today. A resposta, de acordo com o artigo, era: não se
preocupem. Um especialista de Pomona College, Brian Stone­
hall, era citado:
Esses jogos dão às crianças unia forte sensação de vitória empol­
gante, sem o mínimo perigo físico. As pessoas que jogam simples­
mente continuarão jogando até que essa atividade perca a atração.

Uma das mães ouvidas declarou:


Computadores me deixam apavorada, mas eles (os filhos) não terão
esse medo. Claro, em parte eu gostaria que fossem iguais aos garotos

240
O MONSTRO QUE ROUBOU

de minha geração, que ficavam felizes brincando no balanço ou pu­


lando corda. Mas eles não são (...) Ao menos não assistem demais
à televisão.
Muitos pesquisadores acreditam que o Nintendo é superior
à televisão porque exige ação recíproca. A televisão é unila­
teral; os telespectadores assistem à programação passivamen­
te, com atividade cerebral relativamente pequena. Videoga­
mes, por outro lado, estimulam participação ativa. Muitos pro­
fissionais acham que, no fim, o NES é muito mais saudável
do que a televisão.
Alguns especialistas apontam também para o fato de os
jogos requererem raciocínio. Alegam que eles ajudam a de­
senvolver a capacidade de resolver problemas, o reconheci­
mento de padrões, a administração de recursos, lógica, ma­
peamento, memória, raciocínio rápido e julgamentos ditados
pela razão.
— Saber quando lutar e quando correr é uma regra que se
aplica a outras situações da vida — diz um criador de jogos.
E argumenta que as lições aprendidas nos games podem
ser usadas no dia-a-dia.
A violência nos jogos é muito menos perniciosa do que a
violência na televisão, sustentam alguns profissionais, porque
o sangue parece muito menos real. Embora os criadores de
aventuras gastem muito tempo e energia imaginando maneiras
bizarras de matar e mutilar, a maior parte da violência é coisa
de ficção científica e de fantasia. A idéia de que os jogos possam
anestesiar os jovens contra a violência real e aumentar sua
agressividade é debatida por alguns psicólogos, que acham o
oposto verdadeiro: os games, para eles, servem de válvula de
escape para a agressividade, e toda agressão cometida contra
os vilões é catártica. De acordo com um psicólogo infantil de
San Francisco, os videogames desenvolvem a auto-estima.
— Quem joga e consegue alguma coisa é recompensado.
Pode até salvar a princesa — comenta.
Howard Phillips alega que os jogos aumentam a confiança
das crianças e dos adolescentes, premiando-os por seu sucesso.

241
OS MESTRES DO JOGO

— O número de vezes que um professor pede respostas a


uma determinada criança é muito limitado. Na maior parte
do tempo os alunos apenas erguem as mãos e dão suas res­
postas, ouvindo um "certo" ou "errado" e mais nada. Se erra­
ram, perdem a vez e outro colega responde. Mas, com os vi­
deogames, quando as crianças erram, podem recomeçar e ten­
tar de novo. Têm feedback imediato e constante, negativo ou
positivo.
Em seu livro The Second Self (O Segundo Eu), Sherry Turkle
diz que os games trazem benefícios ocultos.
— E necessário seguir regras, ser lógico e paciente. Elaborar
uma estratégia envolve um processo de decifração da lógica
do jogo, de compreender a intenção do inventor desse jogo,
de chegar a um encontro mental com o programa.
Mas o programa veio do inventor e não da criança. As op­
ções criativas, na atual geração da Nintendo, são poucas.
Peggy Charren, fundadora da Action for Children's Tele­
vision (ACT), uma organização vigilante que observa os efeitos
da televisão sobre as crianças, examinou o NES e chegou a
conclusões confusas. Sim, os videogames familiarizavam as
crianças com computadores e máquinas, mas como a maioria
dos jogos foi criada para meninos, as meninas foram privadas
dessa educação. Ela também se preocupou com a sexualidade
e a violência mostrados em muitos jogos. Concluiu que, em­
bora os videogames ofereçam alguns benefícios que a televisão
não pode dar, tornam-se uma paixão que deve ser reprimida
se ameaçarem excluir outras atividades.
— Jogar demais é um problema. Não por causa do que um
jovem está fazendo, mas do que não está fazendo — argu­
mentou.
Até o próprio Hiroshi Yamauchi parece concordar com ela:
— Comer demais também é ruim. Estamos na era do com­
putador. Ninguém pode interromper a História. Os jovens de
agora estão interessados em brincar com computadores.
A atitude de Howard Phillips ante os pais que acusam o
sistema Nintendo de viciante é mais defensiva.

242
O MONSTRO QUE ROUBOU

— O equipamento não tem a responsabilidade de criar os


filhos de vocês. Os pais que o acusam estão querendo se livrar
da culpa.
Quando Sigeru Miyamoto, o criador de Mário, Luigi e Zelda,
ouviu as reclamações a respeito dos games, simplesmente deu
de ombros e respondeu:
— Os jogos são perniciosos? Disseram o mesmo sobre o
rock 'n' roll.

Os argumentos que justificam o hábito de jogar não con­


vencem muita gente. A Nintendo faria melhor se oferecesse
videogames com assuntos que pudessem contribuir para a
redenção de valores sociais e educassem. Uma vez que crianças
e adolescentes vão mesmo ficar jogando o tempo todo, os pais
se sentirão melhor se souberem que os filhos estão aprendendo
algo concreto e ético.
Nolan Bushnell acredita que é incumbência das empresas
oferecer coisa melhor. Os jogos, ele diz, poderíam ser uma
saída para a crise educacional nos Estados Unidos.
— Vamos supor que um por cento dos professores deste
país seja absolutamente fantástico. Isso significa que apenas
um por cento dos estudantes se beneficiará com esses exce­
lentes mestres. O ambiente educacional é o único onde isso é
verdadeiro. Todo mundo pode beneficiar-se do um por cento
de esportistas e pessoas ligadas ao entretenimento, mas a maio­
ria das crianças sai da escola sem nunca ter entrado em contato
com grandes educadores. E, naturalmente, grandes educado­
res nem sempre podem ensinar, pois são colocados em situa­
ções que não levam à educação. A tecnologia é a única coisa
que pode mudar isso. Ponham esses grandes professores num
cartucho, introduzam o cartucho num aparelho de videogame
e crianças de toda a parte terão acesso a eles. Os programas
podem reagir à maneira como a garotada aprende. Se uma
criança aprende vendo, o aparelho pode detectar essa carac­
terística e continuar a ensiná-la desse jeito.
Há outro ponto a favor dos videogames: as mensagens che-

243
OS MESTRES DO J O G O

gam por um meio que agrada às crianças. Empresas de jogos


para computadores, como The Learning Company, Broder-
bund e LucasArts têm feito games para diversão que também
são instrutivos. Eles trazem, embutidas, lições de geografia,
matemática, ciências e leitura. Jovens que têm acesso a com­
putadores podem mexer com esses jogos mas, no caso do NES,
quase não existe o aspecto instrutivo. O motivo, como explica
o executivo de uma empresa de software, é que "as crianças
gostam de jogos educacionais como gostam de espinafre".
No entanto, a Nintendo percebe o valor, no sentido de re­
lações públicas, da criação de usos educativos para o NES.
Ao menos isso apaziguaria os pais, que são os que controlam
o dinheiro.
— A idéia foi mesmo fazer do aparelho algo pernicioso. Só
o câncer se alastra tão depressa — observa Peter Main. —
Estávamos menos preparados do que deveriamos, naquele pe­
ríodo, porque não tivêramos tempo de providenciar provas
para responder aos ataques. A não ser pelos argumentos sobre
coordenação entre os olhos e as mãos, atravessamos aquele
momento aos tropeções e demos a impressão indesejável de
que éramos ingênuos.
Desde então, a Nintendo tem experimentado muitas coisas:
encorajou os criadores de software a fazer jogos que redimis­
sem os valores sociais. Os games de aprendizado Sesame Street
e Donkey Kong Math são exemplos (também explicam o motivo
pelo qual as empresas não investem em jogos educacionais,
pois foram um fracasso tremendo). Um produto excitante foi
lançado por uma empresa de software, a Software Toolworks,
em 1990. Chamado de Miracle, esse aparelho se propõe a en­
sinar piano e é um teclado eletrônico conectado ao NES. O
cartucho que o acompanha está cheio de lições para quem
quer tocar o instrumento. Uma criança, seguindo as instruções
na tela, toca o Miracle. O programa pode monitorar a aula e
apontar os erros.
Essa é uma resposta aos críticos que dizem que o NES só
serve para estourar inimigos e fazer as crianças desperdiçar

244
O MONSTRO QUE ROUBO U

o tempo. Os avaliadores da NOA deram ao Miracle a classi­


ficação mais alta já concedida a um produto desenvolvido fora
da empresa, embora as vendas do aparelho fossem apenas
razoavelmente boas, a despeito da campanha publicitária de
6 milhões de dólares no Natal de 1991. Então, os projetistas
da Software Toolworks completaram as versões que funcio­
nam com os computadores IBM, Amiga e os PC da Macintosh,
e as vendas melhoraram no ano seguinte.
Mais jogos "educacionais", ou ao menos criativos, foram
lançados no início de 1992. O viciador da Spectrum Holobyte,
o Word tris e o excelente programa de animação da própria
Nintendo, Mario Paint, indicaram que as coisas poderíam me­
lhorar mais ainda.
Além de incentivar software e hardware educacionais, a
Nintendo está tentando derrotar seus detratores com uma boa
campanha de relações públicas. A NCL, no Japão, tem sido
criticada por contribuir muito pouco para com a comunidade,
mas Arakawa percebe o valor do envolvimento social e co­
munitário. Em 1987, uma garota, jogadora fanática do NES,
sofreu um acidente automobilístico que a deixou paralisada
do pescoço para baixo. Ela entrou em contato com a NOA. A
empresa então desenvolveu um aparelho que pode ser usado
por deficientes. Cerca de duas mil unidades foram vendidas
a preço de custo: 175 dólares.
Andréa Miano, terapeuta que trabalha com crianças porta­
doras de defeitos físicos no Shriner's Hospital, em San Fran­
cisco, diz:
— O NES que dispensa o uso das mãos permite às crianças
jogar o que as outras estão jogando, e isso desenvolve sua
auto-estima. Não é apenas diversão, mas recreação terapêutica.
Para uma criança que tem capacidade muito limitada de mo­
vimentar-se e de fazer qualquer outra coisa, ser capaz de ir
bem num jogo desses produz efeito extraordinário.
A Nintendo também procura livrar-se de algumas críticas
patrocinando pesquisas que levarão à descoberta de melhores
maneiras de fazer dos videogames bons professores. Em 1991,

245
OS MESTRES DO JOGO

Hiroshi Yamauchi doou 3 milhões de dólares ao renomado


laboratório do MIT, especificamente para a pesquisa de mé­
todos que levem as crianças a aprender enquanto brincam. O
laboratório estava trabalhando em instrumentos de aprendi­
zado de alta tecnologia que, de acordo com o dr. Seymour
Papert, "parecem mais jogos da Nintendo do que livros didá­
ticos".
Acharam que seria pouco provável que o laboratório apre­
sentasse conclusões negativas a respeito dos videogames, uma
vez que estava recebendo apoio da NCL. Essa, porém, foi uma
crítica sem fundamento, porque o MIT não fazia pesquisas a
respeito dos efeitos dos jogos e sim sobre campos educacionais
novos, como o construtivismo, baseado na tese de Piaget se­
gundo a qual o conhecimento é construído pelo aprendiz e
não fornecido pelo professor. Talvez os jogos do futuro estejam
de acordo com esse princípio — construir o conhecimento,
criando — e continuem divertidos. Marshall McLuhan disse,
certa vez, que uma pessoa que tenta fazer distinção entre en­
tretenimento e educação não sabe nada a respeito de nenhum
dos dois assuntos. Não existe razão alguma para que a po­
pularidade do Nintendo entre crianças e adolescentes não seja
explorada com finalidades mais altas.
Num artigo sobre educação, publicado no The New York
Times, Morgan Newman, co-fundador de uma empresa de pro-
gramas para multimídia, a AND Communications, foi citado
como autor do seguinte comentário: Acreditamos que essa crise
na educação seja, muito provavelmente, causada apenas pelo te'dio
dos estudantes. À tarde, eles vão para casa e assistem à MTV e,
quando vão à escola, ouvem o professor mandã-los abrir os livros
na pagina 225. Aí, correm os olhos pela pagina (...) Estamos acei­
tando, e não denunciando, as linguagens que o ser humano precisa
dominar, nesta década de 90, para continuar participante.
O NES era uma dessas "linguagens".
Para pesquisar um software que tivesse o secreto objetivo
de educar, formaram-se grupos em todo o país. Dave Ham­
mond, que liderou um deles, diz:

246
Q MONSTRO QUE ROUBOU

— Se não produzirmos mais jovens que saibam pensar e


resolver problemas, não seremos capazes de competir na eco­
nomia mundial. Precisamos achar um jeito de atrair crianças
e adolescentes em seus momentos de folga. Mais de 40 milhões
deles jogam Nintendo. O aparelho já existe. Os jogos que es­
tamos projetando serão divertidos e educativos. Planejamos
lançar uma supercopa desses jogos, uma olimpíada. Haverá
prêmios em dinheiro e comerciais de televisão. Os garotos,
em casa, assistirão e dirão que também podem fazer aquilo.
Desejamos ser tão atraentes quanto futebol e luta-livre.
A Nintendo tem patrocinado alguns projetos externos e co­
meçado outros, internos. Apoiou o primeiro simpósio sobre
"Os videogames na cultura popular", um tribunal para pes­
quisadores e acadêmicos discutirem o impacto dos games so­
bre os jogadores e a cultura como um todo. O organizador,
professor-doutor em cultura popular Christopher Geist, da
Universidade de Bowling Green, declarou:
— Não creio que algum de nós esperasse que os videogames
exercessem um efeito tão profundo sobre a sociedade, em tan­
tas áreas. Tornaram-se parte integrante da vida norte-ameri­
cana, mudando nosso jeito de pensar, de aprender e de ver
o futuro.
A NOA também associou-se à revista Junior Scholastic, que
patrocinou um concurso para estudantes no qual os partici­
pantes tinham de projetar o mais avançado dos jogos. Em
salas de aulas de todo o país, alunos descreveram suas idéias
em ensaios. A Nintendo premiou os vencedores com emprés­
timos para seus cursos universitários e os melhores ganharam
bolsas de estudo. Os professores ficaram impressionados com
os estudantes que detestavam escrever e que entregavam tra­
balhos contendo de 15 a trinta tópicos. Os estudantes discutiam
esses trabalhos com um entusiasmo que os professores nunca
tinham visto antes.
Os que reclamam que crianças e adolescentes fanáticos pelo
NES estão perdendo o traquejo social não compreendem esse
culto. O clube exclusivo é na verdade uma rede social que

247
OS MESTRES DO JOGO

engloba milhões de jovens. Para entrar, uma pessoa não precisa


ser um astro do esporte ou o aluno mais popular da classe.
Basta ter um aparelho ou usar um, na casa de um amigo,
num clube, na escola. Os adultos talvez não compreendam
isso (ou sintam-se excluídos), mas uma geração Nintendo está
nascendo.
— No futuro, estaremos vivendo, em parte, numa realidade
virtual — diz Nolan Bushnell. — Para sobreviver e vencer
naquela dimensão, teremos de estar mentalmente atentos. Va­
mos ter de aprender a viver, a nos movimentar e a ficar à
vontade num ambiente informatizado. Esses jovens estão trei­
nando isso.

248
10
Os Mestres do Jogo
.A.pesar de todas as suas exaltadas pretensões à alta tecno-
logia, a indústria de videogames é uma faca de dois gumes.
Assim como a Gillette quer que os consumidores comprem
seu aparelho de barba Atra e depois sejam obrigados a comprar
montes de lâminas Atra, os fabricantes de games querem que
os consumidores comprem seus aparelhos e depois adquiram
montes de jogos. O norte-americano que comprou um NES
acabou adquirindo, em média, sete cartuchos (no Japão essa
média subia a doze). O preço médio de um cartucho era de
mais ou menos 40 dólares. O software foi responsável por
mais da metade dos lucros da Nintendo, depois de 1989.
Os primeiros jogos para o NES, nos Estados Unidos, foram
feitos pela própria Nintendo, mas Arakawa sabia, desde o
começo, que seria necessária uma variedade muito maior do
que eles poderíam produzir. A situação era semelhante à dos
computadores: quanto maior o número de empresas que pro­
duzissem software para um hardware, melhor. Uma máquina
da Texas Instruments, de estrutura fechada — isto é, só usava
software da Texas Instruments — falhou miseravelmente.
Quando o Macintosh foi lançado, vendeu muito pouco, até
que criadores externos de software apresentaram uma série
de aplicações ao equipamento. O Famicom também melhorou
com o surgimento de novos jogos. Muitos deles, inclusive al­
guns campeões de venda, foram feitos por terceiros que ob­
tiveram autorização para isso, como Namco, Capcom, Data

249
OS MESTRES DO jOGO

East. Esses jogos ajudavam a vender mais hardware, o que


aumentava a demanda por software. As empresas norte-ame­
ricanas também podiam apresentar novidades adequadas aos
jogadores norte-americanos.
Desde o início Arakawa planejara fazer contratos com outras
empresas, cedendo direitos autorais nos moldes criados pela
NCL. Nos Estados Unidos, como no Japão, a Nintendo lucraria
com todos os jogos vendidos, fosse qual fosse o fabricante.
Mas Yamauchi topara com problemas que Arakawa desejava
evitar. No Japão, a despeito do controle da NCL, o negócio
foi afetado por uma invasão de jogos, muitos dos quais de
qualidade inferior. Arakawa queria um contrato que impedisse
a repetição desse transtorno nos Estados Unidos. Yamauchi
admitia que o chip embutido que bloqueava o sistema servia
tanto para examinar os jogos como para impedir falsificações.
— Era nossa maneira de garantir a boa qualidade do pro­
duto e de manter alto o nível do bom gosto. Nada de jogos
sujos, defeituosos ou mal projetados.
Esse método também protegia o lucro que a Nintendo tirava
de cada game compatível com o NES — uma estimativa de
700 ienes, ou 5 dólares, por jogo criado por outras empresas.
Tivesse a Gillette lançado um sistema patenteado que blo­
queasse o Atra, não permitindo que o aparelho aceitasse lâ­
minas que não fossem da Gillette, poderia ter feito muito di­
nheiro com lâminas produzidas por competidores.
Além desse sistema de segurança, Arakawa queria um con­
trato igual ao da NCL para controlar as licenciadas. Com Ho­
ward Lincoln, criou um documento com restrições tão severas
que até mesmo o advogado previu problemas. Para acalmar
seus receios — e proteger a Nintendo —, Lincoln pediu ao
velho colega John Kirby, da Mudge, Rose, que investigasse
precedentes para descobrir se era possível usar o contrato.
Kirby mandou a Nintendo ir em frente.
Pelo "privilégio” de fazer jogos para o NES, os criadores
teriam de submeter à aprovação da NOA não só os jogos como
também a embalagem, o trabalho artístico e os comerciais.

250
OS MESTRES DO JOGO

Esses termos — os quais, a despeito do veredito da Mudge,


Rose, seriam mais tarde contestados no tribunal e questionados
pela Federal Trade Commission — davam à Nintendo o direito
de rejeitar jogos ou partes deles. Por exemplo, a NOA poderia
censurar games como Custer's Revenge, que mostravam jovens
índias nuas amarradas a estacas, ou um outro, cujos alvos,
bebês que dançavam, transformavam-se em trêmulas poças
de sangue quando atingidos por uma bala.
A Nintendo avaliaria todos os jogos e os classificaria de
acordo com a escala de quarenta pontos. As empresas auto­
rizadas, então, fariam uma encomenda de no mínimo 10 mil
cartuchos. Quando prontos, manufaturados pela NCL, em
Quioto, seriam revendidos aos criadores. Dependendo da ca­
pacidade de memória requerida, a Nintendo cobraria de 9 a
14 dólares por cartucho. O contrato estabelecia que o preço
"incluiría custo de manufatura, impressão, embalagem e o pa­
gamento pelos direitos de uso das propriedades intelectuais
da NCL". As licenciadas seriam responsáveis por estocagem,
distribuição e vendas — e assumiríam todos os riscos.
Esses itens, considerados normais, baseavam-se no contrato
anterior da NCL. Mas Arakawa e Lincoln acrescentaram outras
cláusulas. Havia uma "cláusula de exclusividade", cujo pro­
pósito, insistiam, era incentivar a criação de bons jogos. As
concessionárias só podiam fazer cinco games para o NES a
cada ano, e não tinham o direito de cedê-los a qualquer outro
sistema durante dois anos, contados após o lançamento. Os
jogos não podiam ser vendidos fora dos Estados Unidos e do
Canadá.
— Obrigados a trabalhar só para o NES e a fazer um número
limitado de jogos, eles talvez se conscientizassem de que de­
viam fazer apenas jogos bons — comenta Howard Lincoln.
— Não podiam se dar ao luxo de cometer erros, porque só
tinham cinco chances por ano.
Lincoln, um mestre nos contratos de cessão de direitos desde
seu sucesso Coleco-Donkey Kong, lixava as asperezas. O con­
trato era severo e restritivo como qualquer outro do setor in-

251
OS MESTRES DO JOGO

dustrial, mas Arakawa fez questão de garantir lucros enormes


para todo mundo. As concessionárias poderiam vender os jo­
gos por mais do que o dobro do preço que haviam pago por
eles. (Os revendedores dobrariam esse preço novamente e co­
mercializariam os games por 30 a 55 dólares.)
Arakawa oferecia às licenciadas acesso aos serviços de mar­
keting, desenvolvimento e atendimento ao consumidor da
Nintendo: promoções no jornalzinho do Fun Club (e, mais
tarde, na Nintendo Power), conselhos dos avaliadores de jogos
e do serviço ao consumidor, através dos consultores. Os games
aprovados teriam o selo de qualidade da Nintendo e assim
poderiam ser vendidos juntamente com outros produtos da
empresa nos mostruários das lojas. As concessionárias pode­
riam também mostrar seus produtos no estande da Nintendo,
nas feiras industriais e comerciais mais importantes. Na feira
de janeiro de 1991, a NOA e suas licenciadas ocuparam um
espaço impressionante, algo nunca visto na indústria: uma
tenda grande o bastante para abrigar um circo de três pica­
deiros.
Em 1985, porém, nenhuma companhia abocanhou a oferta
da Nintendo. Empresas de software, que sobreviveram ao de­
sastre da Atari, estavam tão escaldadas quanto os revende­
dores e acreditavam que os videogames tinham sido engolidos
— para sempre — pelos computadores. Jogos em disquetes
ofereciam maior segurança a industriais e comerciantes porque
a produção era muito mais barata. Já o custo dos cartuchos,
que exigiam chips caros, eram astronômicos. Colocar os jogos
para computadores no mercado também custava menos, por­
que a clientela era mais definida.
Meio ano se passou antes que as primeiras concessionárias
começassem a aparecer. Eram subsidiárias norte-americanas
de empresas japonesas que, em sua maioria, importavam jogos
para fliperamas. Em muitos casos, tinham recebido instruções
das matrizes para trabalhar com a Nintendo e várias delas já
haviam negociado com a NCL, no Japão.
Essas empresas assinaram os contratos com certa reserva e

252
OS MESTRES DO JOGO

começaram a desenvolver versões domésticas dos games usa­


dos nas máquinas das casas de diversões eletrônicas. Enco­
mendaram, de modo conservador, de dez a vinte mil cartu­
chos, e receberam a primeira remessa no final de 1986. Ven­
deram tudo.
Uma dessas empresas, a Data East, era dirigida por Bob
Lloyd, ex-jogador profissional de basquete, e fazia sucesso com
games para fliperamas. Minoru Arakawa chamou Lloyd para
perguntar se ele estaria interessado em tornar-se representante
autorizado da NOA. Lloyd ficou propenso a aceitar, pois sabia
que as vendas da Nintendo haviam subido em 1985.
Antes da reunião para a discussão dos detalhes, a NOA
enviou a Lloyd um modelo de seu contrato com terceiros. Na
reunião, ele disse que tinha uma restrição a fazer. Podia com-
prometer-se a comprar a quantidade mínima de 10 mil uni­
dades, mas queria ter liberdade para fazer encomendas me­
nores.
Howard Lincoln discordou: não abriam exceções. Mais tar­
de, quando a Data East passou a encomendar centenas de
milhares de jogos de uma só vez, Arakawa costumava brincar
com Lloyd, lembrando sua reserva inicial.
— Foi uma autorização para roubar — comenta Lloyd.
A Data East e as demais concessionárias vendiam em média
75 mil cópias de cada jogo que lançavam no mercado. A ga­
rotada faziam com que os estoques se esgotassem assim que
os cartuchos chegavam às lojas. Não demorou para que a Data
East faturasse 100 milhões de dólares ao ano, quase dez vezes
mais o total dos lucros à época em que Lloyd juntou-se à
Nintendo.
A Capcom, outra das primeiras concessionárias, transfor-
mou-se num negócio de 160 milhões de dólares, mantendo
240 projetistas e programadores graças aos jogos para o NES.
A série Mega Man fez um sucesso estrondoso nos Estados
Unidos, e o contrato com a Disney foi muito lucrativo. Jogos
como Mickey Mousecapades, Chip 'N Dale Rescue Rangers e Duck
Tales venderam milhões de unidades. Contudo, nem sempre

253
OS MESTRES DO JOGO

era fácil trabalhar com a Disney. O pessoal de lá tinha de


aprovar todos os aspectos dos jogos baseados em seus perso­
nagens. Era muito importante que Mickey jamais morresse,
de forma que os jogadores perdiam "tentativas" e não "vidas".
A Capcom era uma das poucas empresas que crianças e
adolescentes conheciam pelo nome (a maioria deles só conhe­
cia os jogos da Nintendo; os nomes Data East, ou Konami,
nada significavam). E também tinha seus próprios consultores,
seguindo o modelo da NOA, além de encorajar os garotos a
comprar dando abatimento no preço quando eles adquiriam
vários jogos juntos. Atores caracterizados de Mega Man faziam
apresentações promocionais em lojas. A empresa tornava pú­
blicas suas doações de aparelhos NES e jogos a hospitais in­
fantis de todo o país.
A Konami Industry Company, Ltd., de Kobe, Japão, esta­
beleceu uma subsidiária nos Estados Unidos em 1982. Fizera
sucesso com fliperamas operados por moedas em jogos clás­
sicos como Frogger, Super Cobra e Scramble. Em 1986, a empresa
tornou-se concessionária da NOA e lançou seu primeiro jogo,
Gradius, um sucesso nas casas de diversões eletrônicas, em
fevereiro de 1987. Vendeu muito bem. Rush 'N Attack, o pri­
meiro game para vários jogadores, chegou ao mercado a se­
guir. Outros lançamentos da Konami incluíam Top Gun, ba­
seado no filme com o mesmo nome, que vendeu 2 milhões
de cópias e ganhou prêmios. Double Dragon foi outro sucesso.
Em 1987, a Konami convenceu Arakawa a quebrar as regras
e permitir-lhe formar uma nova empresa, a Ultra, a fim de
conseguir uma segunda concessão. Desse modo, seria possível
lançar mais cinco jogos para o NES por ano. A nova empresa
viria a ser a segunda mais lucrativa de todos os tempos.
Uma revista em quadrinhos, a Teenage Mutant Ninja Turtles
— "heróis de meia casca" — foi criada pelos artistas inde­
pendentes Kevin Eastman e Peter Laird em maio de 1984.
Apresentava quatro tartarugas chamadas Donatello, Raphael,
Michelangelo e Leonardo, que brandiam numchucks e outras
armas dos ninjas. De acordo com a história, elas tinham sido

254
OS MESTRES DO JOGO

tartarugas adolescentes de verdade, até que um mutigant ra­


dioativo as transformara. Como eram "tartarugas ninja, mu-
tantes e adolescentes" falavam um bocado de gírias, como dude
(cara) e cowabunga (oba), além de comer muita pizza. Viviam
nos esgotos de Nova York.
Eastman e Laird tomaram emprestados os milhares de dó­
lares de que precisavam para publicar sua revista em bran-
co-e-preto. Fundaram uma empresa de nome Mirage Studios
(porque o estúdio só existia na imaginação deles) e foram a
uma convenção de revistas em quadrinhos para apresentar a
Teenage Mutant Ninja Turtles (TMNT) número 1. Venderam
175 exemplares.
Um repórter da UPI ouviu falar da revista e escreveu um
artigo sobre ela. O texto saiu em várias publicações, ajudando
Eastman e Laird a vender mais 3 mil exemplares. Espantados
com o fato de terem conseguido tirar algum lucro (100 dólares),
os dois lançaram a TMNT 2, que incluía um anúncio de ca­
misetas e outro de buttons. A reação deixou Eastman e Laird
atônitos. Assinaram um contrato, cedendo direitos para pro­
dutos baseados em suas Turtles, e no fim de 1990 tinham ven­
dido 1 bilhão de dólares em trinta países.
As tartarugas-ninjas desencadearam uma das mais fabulo­
sas campanhas de cessão de direitos da história. Elas estavam
em filmes, revistas em quadrinhos e shows de rock; viraram
brinquedos, deram nome a um cereal matinal e às tortas Hos­
tess, embaladas uma a uma, "vindas diretamente dos esgotos
para você", recheadas com pudim verde e viscoso. Os desenhos
animados das ninjas, nos sábados de manhã, foi o de maior
audiência na história da CBS. O primeiro filme rendeu 250
milhões de dólares.
A Ultra assinou contrato com a Mirage para fazer video­
game com as tartarugas. Em 1989 e 1990, os dois primeiros
anos de mercado, a matriz da Ultra, Konami, arrecadou 125
milhões de dólares com o primeiro jogo das ninjas. Venderam
mais de quatro milhões de cópias.
As conseqüências foram as mais variadas. A Konami, no

255
OS MESTRES DO JOGO

começo de 1991, mandou uma circular aos revendedores: "Co-


wabungai Veja o que vem por aí com os répteis, seus produtores
favoritos de dinheiro..." A lista incluía o lançamento do filme
Teenage Mutant Ninja Turtles 2\ The secret of the Ooze, em 2.500
cinemas, uma entrevista das tartarugas com Barbara Walters
na noite do Oscar, um disco com a trilha sonora, com parti­
cipação do astro Vanilla Ice, publicidade do filme na televisão,
no rádio e em revistas (mais de 600 milhões de dólares foram
gastos na campanha) e a isca de uma pizza grátis para quem
comprasse o jogo TMNT 2 para o NES.
Com a ajuda das tartarugas-ninjas, a Konami, que ganhara
quase 10 milhões de dólares em 1987, faturou 300 milhões em
1991. Tornou-se a maior concessionária da Nintendo, a oitava
maior produtora de software (a Microsoft era a primeira) e a
nona maior companhia de brinquedos dos Estados Unidos —
sucesso de responsabilidade quase exclusiva das tartarugas,
também estrelas das casas de diversões eletrônicas. (Uma má­
quina de jogo das TMNT, operada por moedas, num bom
ponto, podia render 1 mil dólares por semana, quando a mania
chegou ao auge.) A Mirage Studios de Laird e Eastman deixou
de ser miragem e tornou-se mais do que real, faturando 10
milhões de dólares por ano.

Na primavera de 1987, Howard Lincoln foi procurado por


algumas companhias norte-americanas interessadas no pro­
grama de concessões da Nintendo. A primeira licenciada foi
fundada — exclusivamente com essa finalidade — por Greg
Fischbach e Jim Scoroposki, veteranos dos áureos tempos da
Atari. Os dois, que se conheciam desde a época em que haviam
trabalhado para uma empresa de jogos chamada Activision,
tinham zombado da Nintendo, anos antes, quando viram Ara­
kawa e Lincoln num minúsculo estande, numa feira de co­
mércio, tentando vender o NES e o ROB. Em 1987, todavia,
Scoroposki foi à convenção da CES e observou o progresso
da NOA, que tivera um Natal e tanto. Então, disse a Fischbach
que talvez a empresa japonesa desse certo e os dois decidiram

256
OS MESTRES DO JOG O

entrar no negócio. Scoroposki dirigia uma organização de ven­


das que trabalhava com lojas de brinquedos na Costa Leste.
Vendo como crescia o número de aparelhos Nintendo em lares
norte-americanos e percebendo escassez de bons softwares,
acharam que não havia o que perder ou que pelo menos per­
deríam pouco. Deram a si mesmos um prazo, que expirava
em julho daquele ano, para ver se conseguiam ganhar dinheiro.
Juntaram-se aos ex-colegas da Activision, Robert Holmes (ex-
vice-presidente de marketing) e, para representá-los em Tó­
quio, Hiro Fukami. Na hora de escolher um nome para a em­
presa, pegaram um dicionário. Fischbach sugeriu qualquer pa­
lavra que começasse com "A" ou "Z", de modo que Scoroposki
abriu o livro e leu algumas em voz alta. Escolheram Acclaim
(aplauso).
A nova companhia lançou seu primeiro jogo, o Star Voyager,
em agosto de 1987 e, logo depois, um dos primeiros jogos em
terceira dimensão, o Tiger-Heli. As encomendas ferviam, ul­
trapassando as expectativas mais otimistas.
— O mercado estava absorvendo tudo — relata Fischbach.

No primeiro trimestre de 1988, a empresa, nova em folha,


teve um lucro de mais de 1 milhão de dólares. Cresceu ao
associar-se à Gamma Capital Corporation, quando Fischbach
e Scoroposki abriram-na ao público. Os analistas empurravam
os preços das ações para cima, anunciando-a como uma das
fabricantes de videogames mais bem dirigidas do país.
Em 1990, a Acclaim embarcou numa extensa campanha pu­
blicitária, com patrocínios e união promocional de todas as
concessionárias. No verso da caixinha do pudim Jell-O saíam
dicas de jogos. Era possível ganhar cartuchos em troca de cu­
pons distribuídos nas embalagens dos biscoitos Chips Ahoy
e mostruários nos cinemas promoviam a versão game do filme
Total Recall, com Arnold Schwarzenegger. A Acclaim também
lançou sua própria (e pequena) versão da Nintendo Power (re­
metida para apenas 250 mil jogadores) e, em colaboração com

257
OS MESTRES DOJOGO

a Scholastic, publicou um livro baseado no jogo Wizards &


Warriors.
Quando cresceu, fez um trato muito esperto com a WMS,
a companhia que superentendia tanto a Williams Electronics
Games como a Bally's Midway. Comprou o direito de fazer
jogos para o NES com base nos títulos da WMS para máquinas
de fliperama, como Narc, que incluía imagens digitalizadas
de atores reais e Arch Rivals, uma partida de basquete com
muita pancadaria. A Acclaim tornou-se a segunda concessio­
nária a produzir mais de cinco jogos por ano quando comprou
outra concessão da Nintendo para a LJN Toys, que a MCA
estava vendendo. A LJN tinha jogos fortes no catálogo, inclu­
sive Roger Rabbit, diversos Spiderman e NFL Football. Com o
negócio em andamento, Fischbach perguntou ao presidente
da MCA, Sid Sheinberg:
— Por que vocês não nos compram, em vez de nós com­
prarmos vocês?
Sheinberg empurrou os óculos de aro de tartaruga para
cima e respondeu:
— Precisamos tanto de outra empresa quanto um rato pre­
cisa de um porta-chapéus.

Foi um tempo de grande crescimento para todas as con­


cessionárias. Quando a LJN foi vendida, seu presidente, Jack
Friedman, fundou outra empresa de brinquedos, chamada
THQ. No final de 1991, quando ela recebeu concessão para
vender os jogos da Nintendo, suas ações quase dobraram de
valor.
— Numa estimativa moderada, víamos vendas de 40 mi­
lhões de dólares nesse ano e de 80 milhões em 1991 — disse
um financista independente na Business Week.
Acrescentou que as ações deveríam dobrar novamente de
valor no ano seguinte e que depois, quando as vendas atin­
gissem 100 milhões de dólares, "as outras empresas, como a
Mattel, desejariam comprar a THQ".
A Acclaim e demais concessionárias continuavam firmes

258
OS MESTRES DO JOGO

quando o número de usuários do NES pulou de 2 para 3 e


então para 10 milhões. Quando as outras companhias acor­
daram para o sucesso dos videogames, as licenciadas já ga­
nhavam centenas de milhões de dólares. Vinte e cinco tinham
recebido concessão no final de 1987, e em 1988 esse número
subira para quarenta. As empresas que ficaram em compasso
de espera perderam a oportunidade de faturar fortunas. Trip
Hawkins, fundador da companhia de jogos para computado­
res Electronic Arts, percebeu que seu grande erro fora demorar
demais para entrar no negócio da Nintendo. Deixou de faturar
centenas de milhões de dólares.
Naqueles primeiros anos, era pensamento corrente na in­
dústria que qualquer game vendería bem e que jogos exce­
lentes venderíam excepcionalmente bem. O potencial era tão
alto que a caça a jogos bons tornou-se frenética como a busca
de Hollywood por grandes filmes. Mas os lucros em potencial
eram maiores do que os das companhias cinematográficas por­
que os custos de produção eram muito mais baixos. Um filme
de sucesso como Caçadores da Arca Perdida podia render 200
milhões de dólares, mas produzi-lo custava um quarto disso,
fora os milhões necessários para lançá-lo, enquanto a produção
de um jogo para o NES ficava em cerca de 1 milhão de dólares
e, no caso dos grandes jogos, gastavam-se alguns milhões no
lançamento. A despesa mais significativa era a principal exi­
gência da NOA: pagamento em trinta dias. Depois que a ga­
rantia de dinheiro-de-volta expirou, a Nintendo passou a pedir
50 por cento do valor da compra no ato da encomenda e o
resto na entrega. Então, muitas empresas tinham de apresentar
uma carta de crédito juntamente com a encomenda, de modo
que a Nintendo tivesse a garantia de receber o dinheiro na
entrega.
Para as empresas que podiam aceitar os termos da Ninten­
do, o mercado continuava voraz. Na indústria fonográfica, os
lançamentos que vendiam meio milhão de CDs ou discos de
vinil recebiam uma medalha de ouro e davam um suculento
lucro, pois o preço de venda por unidade em torno de 12 ou

259
OS MESTRES DO ] OG O

15 dólares. Os jogos da Nintendo valiam ouro todos os dias


da semana e vendiam de três a quatro vezes mais do que os
discos.
— Ficamos todos gordos, felizes e burros — diz Bob Lloyd.

Minoru Arakawa viu-se no meio de uma tempestade quan­


do, a partir de maio de 1988, as concessionárias começaram
a não receber a quantidade de jogos que haviam encomendado.
Segundo a NCL, isso se devia à escassez de microchips no
mundo todo. A Nintendo foi acusada de provocar essa escas­
sez ou, pelo menos, de exagerá-la. Arakawa e sua equipe dis­
tribuíam jogos com a hesitação de uma criança dividindo seu
saquinho de balas. Os críticos iam mais longe, acusando a
empresa de atender aos pedidos de suas licenciadas favoritas
e atrasando as encomendas das que a desagradavam.
Nessa época, houve mesmo uma falta de chips que afetou
toda a indústria eletrônica. A Nintendo estava manufaturando
quase dois milhões de aparelhos por mês e seis milhões de
cartuchos, produtos que continham os escassos chips. Quando
essa falta atingiu o ponto máximo, em meados de 1988, a Nin­
tendo reagiu, tirando uma dúzia de jogos do catálogo. Donkey
Kong foi uma das vítimas. Adiou-se a produção de novos jogos,
inclusive do Link e, mais tarde, do Super Mário Bros. 3, ambos
de Sigeru Miyamoto. A empresa também deu início à contro­
vertida prática de dividir cartuchos entre as concessionárias.
Sean McGowan, analista da indústria de brinquedos, traba­
lhando para a firma de investimentos Gerard Klauer Mattison
Co., declarou ao The Wall Street Journal:
Quanto mais rara uma coisa, mais status dá a quem a possui.
A escassez de jogos foi necessária.
Contudo, ele fazia uma concessão, afirmando que a Nin­
tendo não provocara a falta dos chips.
A demanda é muito maior do que eles imaginaram que fosse. A
empresa gostaria de dar conta das encomendas. Essa estratégia para
diminuir a demanda, porém, é ridícula.
Era válido questionar sobre até que ponto a escassez afetava

260
OS MESTRES DO J OGO

a Nintendo e se a companhia não poderia ter encontrado fontes


alternativas de chips. Além disso havia críticas severas sobre
o modo como a NCL distribuía os cartuchos. Hiroshi Yamauchi
e Minoru Arakawa tinham o destino das concessionárias nas
mãos. Hiroshi Imanishi explicou o sistema de distribuição aos
jornalistas que o entrevistaram no Japão:
— As concessionárias nos dizem quantos cartuchos desejam
e então avaliamos os jogos. Baseados nesse exame, decidimos
quantos cartuchos devem ser produzidos.
Os representantes de empresas norte-americanas que ha­
viam investido pesado (ou por completo) na Nintendo ficaram
ultrajados. A falta de jogos acontecia justamente quando os
clientes estavam pedindo mais e mais.
Arakawa, Lincoln e Juana Tingdale, esta última encarregada
de cuidar das concessionárias, enfrentavam os reclamantes.
Alguns suplicavam, cheios de frustração; outros ameaçavam.
Não havia nada que os chefões da NOA pudessem dizer para
apaziguar os presidentes de empresas que tinham encomen­
dado, digamos, um milhão de cartuchos e recebido apenas
cem ou duzentos mil. Vários acusavam a Nintendo de sabotar
seus negócios. Alguns dos ataques eram antinipônicos: "eles”
estavam fazendo isso "conosco”. O argumento era que a Nin­
tendo poderiã ter conseguido chips suficientes, mas que se
recusava a fazer negócios com fábricas de semicondutores não-
japonesas. Arakawa atiçou o fogo quando insinuou que os
chips produzidos fora do Japão eram inferiores.
— Se os norte-americanos fizerem chips de boa qualidade
e baratos, nós os compraremos sem perda de tempo. Mas não
temos encontrado boa qualidade e bom preço aqui.
Howard Lincoln disse:
— O programa de concessões sempre seguiu a orientação
de que todas as licenciadas devem ser tratadas de modo igual.
Nunca nos desviamos disso. Desejamos ajudar nossos amigos,
mas não fazemos exceções.
Bob Lloyd, amigo íntimo de Arakawa e de Lincoln, declarou
que nunca recebeu tratamento especial, embora houvesse ten-

261
OS MESTRES DO JOGO

tado. Greg Fischbach, da Acclaim, telefonou a Lincoln para


implorar por games. Inutilmente.
— A escassez funcionou como equalizador — comenta. —
Todas as empresas, tanto as bem-administradas como as mal-
dirigidas, vendiam até o último jogo, que podia ser bom ou
não. Quem tinha o produto, vendia.
A Nintendo poderia ter comprado mais chips quando a
oferta aumentou. No entanto, os preços subiram e certos chips
passaram a custar quatro vezes mais. Em alguns casos, a em­
presa já se comprometera a entregar os cartuchos por um preço
determinado e, em vez de contentar-se com uma margem de
lucro menor, preferiu esperar. Quando os preços dos chips
caíram, na segunda metade de 1989, após um ano e meio de
crise, as concessionárias tinham perdido a chance de ganhar
milhões de dólares.
Essa foi apenas uma das atitudes que viraram algumas das
licenciadas contra a Nintendo. Gail Tilden, na Nintendo Power,
personificava essa capacidade da NOA de erguer ou destruir
empresas. Todos os meses, ela e seu pessoal examinavam a
lista de novos jogos e checavam a avaliação. Com Howard
Phillips e várias outras pessoas, testava os jogos e decidia,
depois de falar com os chefes, o espaço que cada um merecia
na revista. Tilden procurava descobrir quão "profundos" eles
eram, isto é, de quantas linhas precisavam para ser explicados.
O tamanho reservado a um jogo na Nintendo Power podia
decidir se um jogo ia "pegar" ou não. Uma concessionária, às
vésperas de lançar um novo jogo, anunciava-o na revista, além
de usar outras estratégias promocionais.
Surgiram acusações de que a Nintendo usava a revista para
manipular a indústria. Bons jogos, produzidos por empresas
que não caíam nas graças da NOA, estariam sendo ignorados,
enquanto outros, ruins, recebiam páginas e páginas de cober­
tura.
— Se eu deixasse a Nintendo furiosa, conseguiría menos
produtos — declarou o diretor de uma concessionária. — Meus

262
OS MESTRES DO JOGO

jogos seriam maltratados pela Nintendo Power e receberíam


classificação baixa.
Explicou que um jeito de "deixar a Nintendo furiosa" era
lançar games para o Sega, para concorrentes ou, ainda, criticar
o chip de segurança ou o contrato de concessão.
Tilden insistia em dizer que os jogos das concessionárias
mereciam a mesma cobertura dada aos games da Nintendo.
Contudo, nem todos concordavam com isso.
— Os jogos deles aparecem nas capas — disse o porta-voz
de uma concessionária — e ocupam várias páginas. Quanto
a nós, devemos nos sentir privilegiados por receber comentá­
rios breves.
O contra-argumento de Tilden era que os jogos da Nintendo
mereciam classificação superior e por isso tinham melhor co­
bertura. A NOA tinha uma filosofia saudável em relação aos
games que lançava. Seguia o modelo estabelecido por Yamau­
chi, na NCL: somente os de classificação alta chegavam ao
mercado. A NOA verificava a lista da NCL e escolhia apenas
alguns dos que haviam sido lançados no Japão. Os que so­
breviviam ao corte tinham mais chances de se tornar grandes
sucessos. Esse fator, aliado à força do marketing da NOA,
resultava na venda fabulosa de um entre cada grupo de três
jogos, enquanto as concessionárias viam apenas um entre vinte
games ganharem a simpatia do público.
Para provar sua preocupação com os interesses das conces­
sionárias, a Nintendo oferecia assistência na criação de jogos.
Howard Phillips reunia-se com projetistas licenciados, fazia
críticas e dava sugestões. A perspicácia dos "mestres do jogo"
era considerada de valor inestimável por algumas empresas.
— Eu reagia como se fosse um cliente experimentando um
novo jogo — diz Howard Phillips. — Comparava-o com todos
os outros que conhecia.
As vezes, porém, os projetistas não apreciavam suas opi­
niões.
— Achavam que estávamos querendo ensinar o Pai Nosso
ao vigário — comenta ele.

263
OS MESTRES DO JOGO

Tony Harman, gerente de um grupo de avaliação, também


trabalhava com as concessionárias. Além de dar conselhos, o
grupo certificava-se de que os jogos em desenvolvimento afi­
navam-se com os padrões da Nintendo. Não pegavam tudo
o que aparecia. Harman trabalhou com uma licenciada cha­
mada Jaleco numa versão para o NES de Maniac Mansion,
cujos direitos tinham sido comprados dos criadores da Luca-
sArts. Aprovou-o. Milhares de games já haviam sido vendidos
quando alguém da Nintendo percebeu algo esquisito: o joga­
dor colocava um hamster num forno de microondas e o bi­
chinho explodia.
A NOA informou à Jaleco que a explosão do hamster teria
de ser excluída nos próximos cartuchos. Numa entrevista à
imprensa, a concessionária defendeu a versão original:
Embora a Jaleco USA não aprove que se coloquem roedores em
fornos, o detalhe deixou o jogo, que jd era maluco e violento, mais
divertido.
No caso da Capcom USA, a equipe de Phillips editou alguns
dos jogos mais horríveis recebidos da matriz japonesa, embora
os próprios censores da Capcom já houvessem cortado os de­
talhes mais agressivos. A versão norte-americana do brutal
Final Fight foi lançada com alguns dos "enfeites" originais: san­
gue borbulhando de ferimentos, vilões negros e hispânicos.
Quando o representante da Capcom USA observou que era
de mau gosto apresentar o herói do jogo batendo numa mu­
lher, um projetista japonês respondeu que não havia mulheres
no jogo.
— E a loira chamada Roxy? — perguntou o norte-americano.
— Era um travesti — explicou o projetista.
O cabelo de Roxy foi cortado e "ela" ganhou roupas de
homem.
Modificações menos drásticas foram feitas em Mega Man.
Na versão japonesa, o herói ganhava força quando comia sushi.
Os norte-americanos o modificaram e ele passou a devorar
cachorros-quentes. Também mudaram-lhe os olhos, fazendo-o
parecer menos asiático.

264
OS MESTRES DO JOGO

Algumas concessionárias tentaram ganhar dinheiro com ou­


tros produtos, além de jogos. Inventaram periféricos, ou aces­
sórios, para o NES. Já havia o piano Miracle, da Software
Toolworks; a Bandai Corporation, companhia japonesa de
brinquedos e concessionária norte-americana, fez a Power Pad.
Era uma resposta às preocupações dos pais, que achavam que
os filhos ficavam tempo demais na frente da televisão, como
lesmas, jogando Nintendo. A Power Pad era uma almofada
quadrada e achatada, de plástico, com 50 centímetros de lado,
que podia ser ligada ao NES no lugar de um dos controladores.
Os sensores da almofada "liam" os passos de pés calçados
apenas com meias. Em jogos como o Track Meet, os jogadores
podiam controlar os personagens (um corredor, por exemplo,
ou um atleta de salto a distância) "correndo" no mesmo lugar
ou saltando na almofada. A Nintendo fez um acordo com a
Bandai para vender a Power Pad com o NES nos Estados Uni­
dos. Foram vendidas quinhentas mil unidades.
A Mattel lançou a Power Glove, uma luva da era espacial
com que os usuários cobriam mão e antebraço. Foi desenvol­
vida pela JPL, empresa que trabalhava com tecnologias futu­
ristas e realidade virtual. Usando a luva no lugar de um dos
joysticks, a garotada podia usar as mãos e os braços para jogar.
Lutavam com Mike Tyson dando socos no ar e dirigiam um
carro com os braços estendidos, punhos cerrados, apontados
para os sensores que aplicavam no televisor. No Natal, a Power
Glove esgotou-se. Mas o interesse pelo produto desapareceu
assim que os usuários descobriram como era difícil fazê-lo
funcionar bem.
Periféricos e jogos continuaram a ser lançados às centenas,
à medida que crescia o número de concessionárias. Havia mais
de sessenta delas em 1990, ano em que uma das empresas
mais esquivas, a Electronic Arts, finalmente assinou contrato
com a Nintendo.

Num novo parque industrial ao longo da rodovia que liga


Silicon Valley a San Francisco, erguia-se um prédio de três

265
OS MESTRES DO JOGO

andares parecido com um museu achatado de Guggenheim,


amarrado com fita azul. Dentro, acima da mesa da recepcio­
nista, no segundo andar, havia três monitores exibindo games
como Skate or Die, Janies Pond e John Madden Football. Para
chegar ao escritório do fundador da empresa, foi necessário
passar por um mar de bolas Nerf coloridas. Lá, atrás de uma
pequena escrivaninha, estava Trip Hawkins, vestido com ca­
misa pólo, jeans e tênis All Stars. Tentara, sem sucesso, enfiar
o cabelo cor-de-palha num boné do San Francisco Giants.
Havia toda uma filosofia atrás das bolas Nerf, explicou
Hawkins.
— Sempre que as coisas ficam muito tensas por aqui, os
funcionários pegam uma porção delas e lideram um ataque,
gritando: Alerta Nerf!
Muitas noites, enquanto os empregados da EA trabalhavam
diante dos monitores, alguém acionava um interruptor e o
lugar mergulhava na escuridão, a não ser pelos raios fracos
das lâmpadas de emergência e o brilho das telas dos compu­
tadores. Era o sinal para os funcionários ficarem em guarda.
Colegas rastejavam atrás das divisórias, embaixo das mesas
e em volta das máquinas Xerox. Cada um vinha armado com
cinco bolas Nerf, pronto para atacar. Quem fosse atingido saía
da brincadeira.
— A idéia — diz Trip Hawkins — é manter a descontração
e não deixar ninguém esquecer do motivo pelo qual está aqui.
Eles ficam mais tranqüilos quando percebem que podem jogar
uma bola Nerf no meu nariz, numa reunião. É a tônica da
empresa: brincando se chega ao melhor da criatividade.
No escritório de Hawkins havia uma fruteira com bolas
Nerf misturadas a laranjas e maçãs e, na parede, uma paródia
do "perfil biográfico de Dewar" e relações de todos os times
da liga principal de futebol. Por causa — ou a despeito — de
tudo isso, a empresa de Hawkins tornou-se uma das maiores
e mais respeitadas companhias de jogos para computadores
do mundo.
Hawkins foi criado em Pasadena, Califórnia, e passou a

266
OS M E S T RES DO JOGO

infância brincando com games. No ginásio, projetou tabuleiros


de jogos e durante seu primeiro ano em Harvard inventou
uma simulação de futebol que usava a estatística real do es­
porte.
Criou seu próprio campo de estudo, misturando estratégia
e teoria de jogos aplicada, combinando ciências sociais e cursos
de computação. Naquele tempo, 1975, decidiu que um dia
fundaria uma empresa dedicada ao software de entretenimen­
to. Até sabia quando isso aconteceria: 1982.
— Era o tempo necessário para a tecnologia entrar nas casas,
de modo a haver bastante gente querendo comprar meu pro­
duto.
Hawkins matriculou-se no programa de MBA (mestrado
em administração de empresas) da Stanford e depois de con-
cluí-lo foi para a Apple como gerente do departamento de
pesquisa de mercado. O computador Apple II estivera fora
de circulação durante um ano. Hawkins era o sexagésimo oi­
tavo empregado. Ajudou a montar um esquema de serviço e
instituiu o primeiro treinamento para revendedores. Também
trabalhou nos primeiros programas de contabilidade e lista­
gem de correspondência em disquetes, além de desenvolver
um editor de texto, o Apple Writer. Diz que foi extremamente
excitante fazer parte da Apple naqueles anos.
— Não sabíamos o que estávamos fazendo — confessa. —
Mas acreditávamos no que fazíamos, completamente.
Não importava que a Apple tivesse ido bem durante a ges­
tão de Hawkins, pois ele considerava a companhia apenas um
ponto temporário em sua carreira. Em maio de 1982 — estava
com 28 anos —, de acordo com o que planejara, saiu da Apple
e marcou uma reunião com uma equipe escolhida a dedo,
gente que saíra da Apple e de outras companhias de Silicon
Valley, e com um ex-colega de faculdade, Bing Gordon, que
trabalhava em San Francisco, na Ogilvy e Mather, a agência
de publicidade. Depois de graduar-se pela Stanford, Gordon
trabalhara para uma série de agências antes de se tornar ge­
rente de marketing de uma fábrica de produtos eletrônicos

267
OS MESTRES DO JOGO

industriais. Bronzeado, com o cabelo espesso escovado para


o lado, era um janota que sempre usava trajes que incluíam
caras camisas brancas sob coletes vermelhos de lã, gravatas
floridas, calças cinzentas de gabardine e mocassins pretos.
Hawkins reuniu Gordon e o grupo de possíveis fundadores
em sua casa.
— Hipoteticamente falando, se montássemos uma empresa,
como ela deveria ser? — perguntou.
Enquanto os convidados davam tratos à bola, Hawkins con­
tou-lhes que Don Valentine, o ousado capitalista que ajudara
a financiar empresas inexperientes como a Apple e a Atari,
estava pronto para investir 2 milhões de dólares neles. Antes
de a reunião terminar o grupo decidiu ir em frente e escolheu
o nome: Amazing Software. Mais tarde, inspirados no nome
do estúdio cinematográfico United Artists, mudaram para
Electronic Arts.
Na Apple, Hawkins constatara que os projetistas mais cria­
tivos não queriam trabalhar como autônomos.
— Quando são autônomos, parecem perder alguma coisa.
Achava que a EA precisava encontrar um jeito de motivar
as pessoas a fazer seu trabalho de modo independente e acre­
ditava que os programadores eram artistas que tinham de ser
tratados, motivados e negociados como tal.
Então usou o velho sistema dos estúdios de Hollywood
como modelo e começou a trabalhar com projetistas de soft­
ware sob contrato. Ajudava-os, mas dava-lhes liberdade para
trabalhar da maneira que quisessem, mesmo que isso signifi­
casse excentricidade. Foi o primeiro a conceder-lhes a autoria
nos jogos. As embalagens eram projetadas por artistas gráficos,
como numa indústria de discos. Bing Gordon imaginou uma
campanha publicitária que resumia o princípio motriz da em­
presa. Um grupo de projetistas independentes de software da
EA foi fotografado em preto-e-branco. Os rostos eram jovens,
intensos e cheios de personalidade. Na foto aparecia uma per­
gunta: UM COMPUTADOR PODE FAZER VOCÊ CHORAR?
Hawkins construiu a empresa com uma rara combinação

268
OS MESTRES DO JOGO

de perícia de "computeiro" e perspicácia para negócios. Seu


estilo de administrar era estranho e criativo. As reuniões com
seu pessoal ficavam entre um serviço religioso e uma confusão
na sede da NFL (Liga Nacional de Futebol). Havia discursos
inflamados sobre "a missão" e também muita palhaçada. Antes
dessas reuniões, Hawkins costumava perguntar aos chefes de
departamentos se eles tinham algum "elogio" a fazer. Então,
se alguém lhe dissesse que um empregado trabalhara setenta
horas na semana, a fim de fechar a contabilidade do mês e
que, nesse processo, descobrira uma falha no setor de contas
a pagar, Hawkins cobria a pessoa de agradecimentos e con­
gratulações. Também dava recompensas por bom desempenho
das funções. Nas reuniões de fim de ano, oferecia prêmios ao
"jogador mais valioso" e à "revelação do ano".
Os doze primeiros meses da EA foram bem-sucedidos e
criativos — o Studio, como se tornou conhecido, produziu
seus primeiros jogos —, mas a empresa comercializava menos
da metade do que vendería se tivesse uma distribuição melhor.
Larry Probst, outro ex-aluno de Stanford, foi admitido como
vice-presidente de vendas. Ex-gerente nacional de vendas da
Activision e gerente nacional de contabilidade da Clorox, ocu­
para também vários cargos na Johnson & Johnson. Trabalhou
com Hawkins na criação do que chamaram de Electronic Arts
Affiliated Labels, inspirada nas distribuidoras da indústria fo-
nográfica. A idéia era contratar mais representantes de vendas
e erguer uma organização maior, que ajudasse a EA a distribuir
mais software. Outras empresas de software, como a Media-
genic e a LucasArts, afiliaram-se à Affiliated Labels — isto
é, a EA passou a distribuir também os jogos delas — e o
consórcio logo se tornou o WEA (Wagner-Elektra-Asylum) do
ramo de jogos para computadores. O negócio cresceu e passou
a representar a terceira fonte de renda da EA.
Hawkins permaneceu na supervisão da empresa, empre­
gando trezentas pessoas em três departamentos. Além do es­
túdio, onde os jogos eram criados (com o tempo, haveria mais
de cem projetistas trabalhando sob contrato, dirigidos por pro-

269
OS MESTRES DO JOGO

dutores da empresa), e da Affiliated Labels, havia uma divisão


internacional em desenvolvimento. A Electronic Arts lançara
muitos games de sucesso, mas Hawkins tinha a prudência de
não ficar dependendo deles. Nenhum jogo deu mais de 6 por
cento de lucro. A empresa era conhecida pela qualidades dos
games, pelo marketing inovador e o mais eficiente departa­
mento de relações públicas do ramo. Os responsáveis pela
Electronic Arts — Hawkins, Gordon e Probst — eram prova­
velmente os peritos em software de entretenimento mais ci­
tados do setor.
Os jogos da EA eram diversificados. Iam desde Skate or Die
e Populous até uma aventura complexa que envolvia estratégia
numa guerra histórica, o Patron vs. Rommel. Muitos dos games
mais famosos tinham o esporte como tema. Hawkins recrutou
astros como Larry Bird, Michael Jordan e John Madden, e
celebridades como Chuck Yeager, para endossar a qualidade
dos produtos. Os grandes nomes pesavam muito no marke­
ting. Os revendedores talvez não se interessassem por mais
um jogo de futebol, mas certamente estavam interessados no
John Madden Football. Esses endossos, no começo, saíam por
um preço relativamente baixo: Dr. J. cobrou apenas 20 mil
dólares. Quando o agente de John McEnroe pediu 350 mil
dólares, a EA não concordou.
Uma decisão que Hawkins tomou no início e que se provou
excelente foi produzir software para vários computadores: Ap­
ple II, Amiga, Commodore 64, IBM. A Electronic Arts só não
fazia jogos para aparelhos de videogame. Hawkins achava que
depois da onda Atari o negócio voltaria para os computadores.
Quando a Nintendo apareceu nos Estados Unidos, julgou que
não demoraria muito a desaparecer. Outras empresas que ti­
nham entrado no ramo de videogames, como a Activision,
voltaram a fazer jogos para o IBM e os PC da Apple. Muita
gente ligada à indústria acreditava que o futuro pertencia aos
PC.
Hawkins considerava os computadores superiores em todos
os sentidos. Apresentavam possibilidades relativamente ilimi-

270
OS MESTRES DO JOGO

tadas, ao contrário dos videogames. Ele incorporou esse seu


preconceito no plano de trabalho da Electronic Arts, numa
clausula em que a empresa comprometia-se a "ficar apenas
com computadores que usavam disquetes flexíveis". Acredi­
tava que um número crescente de usuários de computadores
gostavam de brincar e estavam mais interessados em jogos
do que em qualquer outra coisa. Além disso, gente que ad­
quiria computadores pessoais para usar nos negócios também
compraria um jogo ou dois durante o ano. Hawkins achava
que os computadores logo serviríam para tudo, de fazer pla­
nilhas a jogar Pac-Man.
Estava enganado. Muita gente comprava computadores
para trabalhar, não para brincar. Nas horas de lazer, essas
pessoas queriam ficar o mais longe possível dos aparelhos,
nem que essa distância os levasse apenas até a sala de estar
e ao televisor conectado a um aparelho de videogame. As
crianças de grupos focalizados em pesquisas disseram aos pes­
quisadores da EA que os computadores eram chatos. Afirma­
ram que os pais praticamente os obrigavam a usá-los e que,
para os professores, lidar com essas máquinas estava na lista
do que um aluno não podia deixar de fazer. Quando os pes­
quisadores perguntaram às crianças o que elas queriam, a res­
posta foi quase unânime: um Nintendo.
— As melhores empresas e os melhores programadores es­
tavam fazendo jogos para computadores — diz um projetista
de Hawkins. — Mas os fãs do NES pouco se importavam com
os avanços sofisticados que conseguíamos no campo da com­
putação: ótima qualidade de imagem ou um som incrível, por
exemplo. Só queriam divertir-se. Era como se estivéssemos
produzindo carrões bebedores de gasolina e os japoneses, au­
tomóveis pequenos e econômicos. Nossos concorrentes enten­
deram a situação e também começaram a fazer "carrinhos".
O NES parecia significar a morte para a sonhada revolução
dos computadores pessoais. Bing Gordon, amigo de Hawkins,
comparava esse sonho ao de James Watt, inventor da máquina
a vapor. Watt acreditava que um dia ha veria, em cada casa,

271
OS MESTRES DO JOGO

uma só máquina, ligada a diversos tipos de engrenagens e


roldanas, pondo em funcionamento todos os outros aparelhos.
Se fosse assim, sua máquina, hoje, movimentaria desde a la­
vadora de roupa até o processador de alimentos. No entanto,
a tecnologia avançou rapidamente e os motores ficaram tão
baratos que não demorou para que todas as casas pudessem
ter muitos, funcionando nas máquinas de lavar e nos aparelhos
eletrodomésticos. Os microprocessadores também ficaram
mais baratos: em vez de um computador central para acionar
tudo dentro de uma casa, apareceram muitas máquinas co­
mandadas por microprocessadores.
A Electronic Arts pegara o bonde errado. A Nintendo tor­
nou-se voraz e a EA ficou de lado, olhando. Hawkins entrou
numa encrenca e quase perdeu a companhia. Numa reunião
de diretoria, em 1989, quando os consultores financeiros re­
clamaram, ele fez o que seus sócios chamam de "show de
Nikita Kruchov": no meio da discussão sobre os destinos da
empresa, ele tirou um sapato e começou a batê-lo na mesa.
A EA tivera seu pior ano e, em face disso, Hawkins decidira
expandir as operações da empresa no estrangeiro. Em um ano
abrira negócios na Inglaterra, no Japão, e comprara empresas
na Austrália e na França. Eram negócios demais, fechados de­
pressa demais. As companhias na França e no Japão tiveram
de ser fechadas e as operações na Inglaterra e na Austrália
foram reduzidas.
Depois que a EA cometeu uma porção de erros e acabou
acusando a primeira perda em 6 anos, a diretoria entrou em
cena. E ameaçou tirar Hawkins da chefia.
— Você não está qualificado para ser presidente de uma
companhia deste tamanho — disse um deles, sem rodeios.
Hawkins sabia que os diretores estavam enganados. Acre­
ditava firmemente que podia transformar a EA numa empresa
lucrativa, de 100 milhões de dólares. Só precisava de tempo.
Depois de bater com o sapato na mesa para conseguir a atenção
da diretoria, ele disse:

272
OS MESTRES DO JOGO

— Já engoli muito sapo e nunca banquei a prima donna.


Sempre perguntei o que vocês achavam que eu deveria fazer.
Muitas idéias foram expostas naquele dia, mas Hawkins já
sabia a resposta para o problema.
— Tínhamos de entrar no negócio de videogames — conta.
— Isso significava entrar num mercado maciço, com milhões
de clientes.
Na reunião, falou com eloqüência e, quanto mais falava,
mais animado ficava. Admitiu que era horrível descobrir que
estivera errado e declarou que estava na hora de recuperar o
tempo perdido. Espalhou a notícia para suas "tropas”.
— O que ele fez foi ler para nós a declaração da revolução
— diz um engenheiro.
Havia, no entanto, preocupações sérias. O risco de ficar com
estoque parado — as encomendas feitas à Nintendo tinham
de ser enormes — era muito grande. E a EA precisava de
capital.
Em agosto de 1990, uma manchete nas páginas de negócios
perguntava: A ELECTRONIC ARTS VAI AGITAR OU DOR­
MIR? O artigo revelava que a empresa ia vender ações a 8
dólares cada. Com o dinheiro dos acionistas, entraria no ramo
de videogames. Na primeira "compra" que fez da Nintendo,
a EA investiu 4 milhões de dólares num só jogo, um valor
igual ao número de disquetes flexíveis que mantinha em es­
toque: quinhentos. O risco era enorme.
O mais importante, porém, era a diferença entre criar jogos
para computadores e para videogames. Antes, a Electronic
Arts visava a uma clientela sofisticada, e seus projetistas não
pareciam muito interessados em criar jogos para crianças de
12 anos. Até ali, a empresa quase não lançara games de ação.
Hawkins dirigiu seu zelo missionário para os projetistas,
dando-lhes a tarefa de criar jogos para o NES. Muitos acharam
que estavam acima disso e que usar o sistema de oito bits era
dar um gigantesco passo para trás. Habituaram-se ao sistema
de dezesseis bits, com monitores EGA ou VGA de alta defi­
nição, com dezesseis cores e 640 K de RAM. Tais jogos tinham

273
OS MESTRES DO JOGO

dois, quatro, seis ou até mais megabytes de instruções. Criar


para o aparelho da Nintendo significava trabalhar com um
processador mais lento, de 128 K de RAM, menos cores e
armazenagem muito menor.
Embora a maioria dos projetistas da Electronic Arts torcesse
o nariz para videogames, alguns criadores jovens entraram
em êxtase.
— Até que enfim! — exclamou Michael Kosaka, autor de
Skate or Die.
Kosaka ocupava uma escrivaninha tão atravancada de com­
putadores, aparelhos de videogame e monitores que sua sala
parecia uma versão mais sofisticada do setor de controle de
missões da NASA. Além disso tudo, havia brinquedos, um
pôster de Darth Vader, um aparelho de som, uma bicicleta
Raleigh de vinte marchas e livros sobre caratê em inglês e
japonês. Kosaka estava mergulhado na criação de seu primeiro
jogo para o NES, Skate or Die 2.
Outro projetista contratado pelo estúdio da EA foi Will Har­
vey, que fundara sua própria empresa com apenas 16 anos.
De Foster City, Califórnia, ele era aluno brilhante, escoteiro e
jogador de futebol quando concebeu uma idéia que transfor­
mou seu Apple II num estúdio de música. O programa, Music
Construction Set, era extraordinário para a época. Um joystick
controlava uma mãozinha móvel na tela, que pegava notas,
sinais de sustenido, claves e outros símbolos e arrumava-os
numa pauta. O computador tocava a música quando a mão­
zinha apontava para o desenho de um piano. O programa
não requeria conhecimentos de computação nem de música.

Trip Hawkins viu o jogo e decidiu "em três segundos" que


o queria. Falando sobre ele em 1983, a Time disse que era
uma das raras criações de software que abria o mercado de com­
putadores para uma nova categoria de consumidores.
Depois de novas versões do Music Construction Set, Harvey
inventou um jogo chamado Zany Golf. Em seguida, ambicio­
samente, lançou-se na criação de um game de aventuras di-

274
OS MESTRES DO JOGO

ferente de todos os outros que já vira. Immortal era único por


causa da perspectiva a partir da qual o jogador o via: parecia
estar no céu e olhar o mundo cá embaixo. O personagem prin­
cipal não era um jovem guerreiro viril como tantos outros,
mas um ancião feiticeiro. A melhor parte do jogo, Harvey
acreditava, era aquela em que ’’chegando ao fim, a pessoa
descobria que suas suspeitas estavam erradas".
Quando o Immortal de Harvey ficou pronto, a EA mandou-o
para os avaliadores da NOA. Era a primeira vez que traba­
lhavam juntas e os puristas, partidários dos jogos para com­
putadores, estavam céticos a respeito dos resultados. Achavam
que sabiam muito mais sobre games do que o pessoal da NOA.
Semanas mais tarde, quando a Nintendo deu o retorno,
apresentando sugestões, Harvey ficou surpreso ao descobrir
como eram sensatas. Os avaliadores queriam que ele colocasse
mais música e disseram que o feiticeiro não devia ter só uma
vida em cada jogada. As batalhas, salientaram, tinham de apa­
recer na tela e não apenas na imaginação dos jogadores: eles
precisavam de golpes e estocadas para apertar bastante os
botões do controlador.
A Nintendo queria que Harvey acrescentasse um placar,
uma idéia a que ele resistiu.
— É uma cruzada — explicou. — O único resultado que
importa é a sobrevivência.
Harvey também não concordou com a sugestão de dar mais
vidas ao feiticeiro.
— Como na vida real, ou você aprende a viver, lentamente,
com cuidado, ou morre — argumentou.
Entretanto, acabou concordando com todas as sugestões,
menos a respeito da marcação de pontos.
Bing Gordon disse que, a despeito das reservas sobre a Nin­
tendo,
— no decorrer do tempo fiquei impressionado com a inte­
gridade deles. O sistema de classificação é justo. Se a Nintendo
tivesse de receber uma nota de zero a cem, onde zero signi­
ficasse que a empresa manipula o sistema em interesse próprio

275
OS MESTRES DO JOGO

e cem que é absolutamente democrática, provavelmente ga­


nharia nota noventa. Tenho percebido um pouquinho de in­
teresse próprio, mas estamos nos Estados Unidos, a terra onde
isso é o que mais se vê.
Os jogos para os PC, que haviam sido a força da EA, tor­
naram-se menos importantes. Esse ramo encolheu de 93 para
66 por cento no total de vendas de software. O mercado dos
disquetes continuou sólido (as vendas gerais da indústria su­
biram 13 por cento em 1990, depois do declínio de 1989), mas
foi achatado pelas vendas de jogos para videogames. Em um
ano, depois de pôr suas ações no mercado, a EA viu seu preço
quadruplicar, passando de 35 dólares cada. No final de 1991,
a empresa faturava 34 vezes mais.
Em dezembro de 1990, Hawkins passou a administração
diária da Electronic Arts para Larry Probst. Bing Gordon as­
sumiu um papel maior e mais visível. Hawkins, com seu título
de presidente, tinha outros assuntos para tratar. Num artigo
no The New York Times, em junho de 1991, foi revelado que
ele se afastara da EA para se dedicar a um novo projeto:
Dizem que a Electronic Arts escondeu engenheiros nas florestas
da Califórnia.
Esses engenheiros estavam, o artigo dizia, trabalhando num
novo tipo de aparelho de videogame e Hawkins dirigia pes­
soalmente o projeto.

A Electronic Arts foi uma das muitas concessionárias da


NOA a prosperar. Em 1991, cem companhias ostentavam o
selo de qualidade da empresa. Muitas iam bem, mas entre­
gavam grandes somas de dinheiro e, tacitamente, a direção
de seus negócios, à Nintendo. Uma delas, entretanto, recu­
sou-se a isso. Seus executivos prepararam-se para a luta pondo
em ação um plano que acabaria, acreditavam, com o domínio
da Nintendo sobre o setor de videogames nos Estados Unidos.

276
11
O Grande Cochilo

Ele não fazia idéia do que tinha acolhido: uni tigre que lhe
arrancaria a pele.
Howard Lincoln
^íinoru Arakawa tinha um hábito estranho: caía em sono
profundo nos momentos menos apropriados. Uma vez, a ca­
minho do Japão, ele e Howard Lincoln pararam em Honolulu,
onde se hospedaram no Kahala Hilton. Os dois chefes da Nin­
tendo, péssimos jogadores de golfe, chegaram exatamente
quando o campeonato havaiano acontecia no hotel.
Vestiram seus calções de banho e seguiam para a piscina
quando Arakawa sugeriu que fossem assistir ao torneio. Lin­
coln respondeu que ele não estava bom da cabeça. Ninguém
vai assistir ao campeonato havaiano de golfe só porque cismou.
As entradas esgotavam-se com meses de antecedência.
— Vamos. Não custa tentar — teimou Arakawa, dando de
ombros.
Encontraram um lugar atrás de um trecho cercado por cor­
das e ficaram lá, assistindo ao jogo, enquanto uma sucessão
de bolas poderosamente impulsionadas passava por eles.
— Bela tacada — aplaudiu Lincoln, em determinado mo­
mento.
Ninguém respondeu. Ele então olhou para trás e não en­
controu Arakawa. Descobriu que ele passara por baixo das

277
OS MESTRES DO JOGO

cordas que os separavam do campo e se sentara no gramado,


embaixo de uma palmeira.
Os jogadores, incluindo Jack Nicklaus, Tom Watson e Lee
Trevino, continuaram com suas tacadas, fazendo as bolas voar
por cima da cabeça de Arakawa. Então, Lincoln viu o amigo
espreguiçar-se e erguer os braços acima da cabeça antes de
adormecer.
Lincoln olhou em torno, para se certificar de que ninguém
o veria, passou por baixo das cordas e correu até Arakawa,
que ressonava sonoramente.
— Pelo amor de Deus, Mino, acorde! — chamou, sacudin-
do-o.
Como não conseguisse despertá-lo, agarrou-o como pôde
e arrastou-o para fora do campo. Tom Watson, que passava
naquele momento, sacudiu a cabeça, desgostoso.
Já estavam em segurança, fora do campo, quando Arakawa
despertou e sorriu para Lincoln. Espreguiçou-se e sentou.
— O que foi?
Os cochilos de Arakawa eram quase sempre inofensivos,
mas houve uma exceção notável. Em agosto de 1988, Mino e
Yoko deram um jantar para poucas pessoas, muito chique,
em sua linda casa em Medina, um lugar seleto de Seattle.
Yoko, exímia cozinheira, preparara uma refeição elegante: es­
calopes, salada mista e salmão grelhado. Os convidados eram,
além de Howard Lincoln, Hideyuki Nakajima e Randy Bro-
weleit, executivos da Atari, que acabara de tornar-se conces­
sionária da NOA.
Depois de comer, foram saborear os drinques ao ar livre,
no extenso deque, de onde tinham uma magnífica vista do
lago e do perfil de Seattle. Arakawa adormeceu.
Hide Nakajima, um homem compacto, cuja conversa era
pontuada por risadinhas melodiosas, ficou visivelmente im­
paciente. Yoko disse que não havia nada de incomum no fato
de o marido dormir durante um jantar, mas Nakajima conti­
nuou a olhar para Arakawa com desgosto. Nunca esquecería

278
O GRANDE COCHILO

* * *
Hide Nakajima tinha a postura de um buldogue e um sorriso
enganosamente simpático. Num negócio onde os participantes
eram jogadores que nunca mostravam as cartas, ele parecia
espantosamente aberto. Era uma verdadeira vela de ignição
num mundo de executivos sóbrios e compenetrados.
Quando a Atari original foi formada, em 1972, Nolan Bus­
hnell contratou um homem de negócios nipo-americano para
criar uma subsidiária em Tóquio. O homem pediu a um ad­
vogado que o ajudasse a encontrar um gerente-geral e o ad­
vogado recomendou o irmão, Hide Nakajima, que trabalhara
na Japan Art Paper Company durante 17 anos e subira labo­
riosamente a escada hierárquica. (Por coincidência, durante
gerações a Japan Art Paper vendera à Nintendo papel para a
manufatura dos baralhos hanafuda.) A despeito de uma série
de promoções, Nakajima estava desiludido com a empresa.
— Percebi que não passava de uma engrenagem, não im­
portava quanto me esforçasse nem o que fizesse. Era uma
peça substituível — conta.
Deixou a segurança de uma indústria de 3 séculos de idade
para trabalhar na pequena e iniciante Atari, dedicada a algo
que ainda estava sendo inventado.
A Atari do Japão importava jogos como Pong e Gran Trak
da matriz, nos Estados Unidos. No Oriente, competia com
dúzias de novidades nesse setor — incluindo as da Nintendo.
Em outras palavras, Nakajima encontrou entre os japoneses
o mesmo tipo de resistência que Bushnell sofreu nos Estados
Unidos. Lentamente, porém, as vendas começaram a crescer.
No entanto, o dinheiro saía à medida que entrava. De acordo
com Nakajima, os empregados roubavam grandes quantias.
Como resultado, não havia dólares para pagar os fornecedores
e a Atari estava quase falida. O chefe de Nakajima abandonou
a companhia que afundava, levada pelas dívidas, e ele ficou
em seu lugar. Nolan Bushnell, mais tarde, apontaria o fracasso
no Japão como um de seus primeiros grandes erros.
Em reuniões com Bushnell e outros executivos da Atari,

279
OS MESTRES DO JOGO

Nakajima argumentou que a empresa ainda podia ser salva,


mas a subsidiária japonesa já perdera centenas de milhares
de dólares, um dinheiro que a Atari não podia gastar, pois
estava lutando para firmar-se nos Estados Unidos. Nakajima
usou um pouco de suas próprias economias para pagar os
fornecedores e manter a Atari em pé no Japão.
Seus amigos do setor de papel sugeriram-lhe gentilmente
que retornasse ao antigo emprego. Ele recusou. Planejava fazer
o que pudesse para evitar que a companhia afundasse. Se
falhasse, iria ao fundo com ela. Bushnell percebeu que não
tinha escolha a não ser vender a subsidiária, com dívidas e
tudo.
O nome Atari tinha valor e várias companhias do ramo
interessaram-se por ela. A Sega, que na época produzia juke­
boxes (fonógrafos automáticos) e máquinas de fliperama, ofe­
receu 50 mil dólares. O chefe da Namco (ainda com o nome
de Nakamura Manufacturing Company) também queria a Ata­
ri. Masaya Nakamura, o fundador, viu na aquisição um modo
de expandir rapidamente sua pequena empresa. Então, deixou
atônitos tanto Bushnell como os outros compradores em po­
tencial ao fazer uma oferta de 800 mil dólares, 16 vezes mais
do que a Sega oferecera. Depois das negociações, a oferta foi
fixada em pouco mais de 500 mil dólares, ainda uma quantia
astronômica. Bushnell ficou deliciado e, em 1972, Nakamura
tornou-se dono da Atari do Japão e de uma dívida que levou
dois anos para pagar.
Hide Nakajima planejava demitir-se. Não queria trabalhar
para a Namco, porque seria pior do que se colocar a serviço
da indústria de papel — onde, ao menos, gozava de prestígio.
Nakamura, entretanto, convenceu-o a ficar por seis meses.
Designado para incrementar os negócios internacionais da
Namco, Nakajima teve grande sucesso, e num prazo curto as
vendas pularam de 5 mil para 500 mil dólares. Assombrado,
o chefe persuadiu-o a permanecer no cargo mais um pouco.
Três anos depois, Nakajima descobriu que entrara no setor

280
O GRANDE COCHILO

de videogames para ficar. Achou muito instrutivo trabalhar


para Nakamura.
— Ele era um homem difícil, mas tinha o dom de prever
o futuro. Aquele era seu destino. Todo mundo o julgou louco
por pagar tanto pela Atari, mas foi um investimento muito
sábio.
O negócio com Bushnell permitiu que Nakamura fosse o
representante exclusivo da Atari no Japão durante 10 anos.
Como resultado, a Namco tornou-se uma das maiores com­
panhias de videogames do país. Nakamura comprou os di­
reitos de vários jogos e desenvolveu outros, vendendo-os aos
milhares. Também abriu casas de diversões eletrônicas, que
trabalhavam com os games da Atari, e seus lucros quintupli-
caram.
Nakamura promoveu Nakajima, nomeando-o vice-presi­
dente em 1978. Também pediu-lhe que fizesse parte do quadro
de diretores. Mais tarde, naquele ano, Nakajima convenceu o
chefe a abrir uma subsidiária da Namco nos Estados Unidos
e ficou à testa do projeto.
Foi para a Califórnia e, usando uma pequena câmera, filmou
alguns lugares ao redor de Bay Area. Com a aprovação de
Nakamura, escolheu instalações em frente à antiga sede da
Atari, em Sunnyvale. A Namco norte-americana abriu suas
portas em 1978.
Para ajudá-lo a dirigir a nova companhia, Nakajima con­
tratou um jovem advogado, Dennis Wood, que saíra da Hew­
lett Packard. Wood era de Sherman, Texas, e formara-se na
Faculdade de Direito da Universidade de Montana, em 1974.
Tornou-se juiz de paz em Missoula, Montana, com apenas 23
anos. Depois, trabalhou no departamento jurídico da Hewlett
Packard até aceitar a oferta da Namco, que naquela época
tinha apenas dois funcionários: Nakajima e uma secretária.
Parecia um bom presságio que o terceiro a se reunir à empresa
fosse um advogado.
Nakajima cuidou das máquinas de fliperama; Wood, do
merchandising e do copyright. Cedeu os direitos dos jogos

281
OS MESTRES DOJOGO

processados em equipamentos da Namco japonesa (inclusive


Pac-Man) para companhias como a Atari norte-americana e a
Bally's Midway. Também montou um departamento de mer­
chandising que cedeu os direitos de Pac-Man para fronhas,
pijamas e produtos similares. Era um homem espirituoso e
de maneiras agradáveis. Tornou-se vice-presidente da Namco
dos Estados Unidos, um posto abaixo de Nakajima. A empresa
cresceu e Wood acabou encarregado dos departamentos de
pessoal, administrativo e jurídico. A subsidiária norte-ameri­
cana arrecadou uma renda significativa para a Namco. Renda
que era quase toda lucro, pois não havia grandes encargos a
pagar.
— Que encargos? — comenta Wood. — Só tínhamos nossos
salários.
A Namco dos Estados Unidos cresceu no início de 1980,
quando Nakamura visitou Nakajima na Califórnia e, a pro­
pósito de nada, certa noite declarou que desejava comprar a
Atari. Nakajima olhou para o chefe, meio desconfiado.
— Está falando sério? Acho que não será possível. A Atari
é quase cem vezes maior que a Namco.
— Hide-san, você verá. Logo o sol estará girando em torno
da Namco.
Em 1985, depois da quebra da Atari, a Warner vendeu os
cacos da empresa que um dia fora a maior fonte de renda de
sua enorme organização. Steve Ross, o grosseiro presidente
da Warner, não via a hora de livrar-se dela, mas sabia que os
videogames e a tecnologia criada a partir dele voltariam no
futuro. Assim, continuou participando tanto da Atari Corpo­
ration (25 por cento), como da Atari Games (40 por cento).
Vendeu a Corporation para Jack Tramiel, ex-chefe da Com­
modore, que queria uma empresa de computação mas não
estava interessado na divisão de jogos da Atari (a qual poderia
ter comprado por quase nada).
O resultado foi a formação de duas Atari, "que não gosta­
vam uma da outra", como diz Dan Van Elderen, da Atari
Games.

282
O GRANDE COCHILO

— Sempre reclamamos o direito de ser a verdadeira Atari,


a original.
Van Elderen diz que Tramiel não gostava da Atari Games
porque a empresa respirava e essa era a prova viva de que
ele tomara a decisão errada ao ficar fora do negócio.
Quando a Atari Games foi posta à venda, Nakamura avisou
que estava na hora de comprá-la. Nakajima, que conhecia os
executivos da Warner, adquiriu-a por pouco mais de 10 mi­
lhões de dólares. A empresa tinha potencial: engenheiros de
talento, uma fábrica e alguns jogos de sucesso, como Marble
Madness e Gauntlet. Mas andava perdendo dinheiro.
— Estávamos comprando o potencial — explica Dennis
Wood.
Os contadores da Price Waterhouse, que davam assessoria
à Namco, foram contra a aquisição, mas Nakamura não se
deixou convencer. O tamanho de sua empresa, nos Estados
Unidos, aumentou tremendamente: cerca de 230 pessoas tra­
balhavam na Atari Games. Do "pacote" também faziam parte
uma distribuidora e uma fábrica na Irlanda, com mais ou me­
nos setenta empregados. Mais ainda: a Namco tinha nas mãos
uma companhia mal-administrada, mas que criara alguns dos
melhores jogos da história do setor.
Os novos proprietários da Atari Games acertaram a situação
financeira da empresa. Ajudou-os na tarefa o jogo Gauntlet,
campeão de vendas. Enquanto isso, Nakamura e Nakajima
brigavam, tentando decidir a melhor maneira de administrar
a companhia. Nakajima achava que seu chefe o reprimia. Na­
kamura considerava a Atari mais do que um investimento;
ainda a via como uma concorrente que não devia tornar-se
poderosa demais. Também não gostava de dividir a proprie­
dade com a Time Warner.
Para Nakajima, o trabalho com o chefe tornava-se cada vez
mais frustrador. Ele discordava da política de distribuição que
a Namco adotara para os jogos da Atari no Japão. Seu chefe
teimava em não vendê-los a casas de diversões eletrônicas
concorrentes. Por seu lado, Nakamura estava farto da subsi­

283
OS MESTRES DO JOGO

diária norte-americana, que ficava fora de seu controle direto.


Assim, concordou em vender a Atari Games para Nakajima,
alguns funcionários e a Time Warner em 1987. A Time Warner
ficou com mais ou menos 80 por cento das ações; Nakajima
e o grupo de empregados, com 20 por cento. Ele renunciou
a seu posto na diretoria e à presidência da Namco norte-ame­
ricana.
Wood e Nakajima passaram a dirigir a Atari Games sem
a interferência de Nakamura. Começaram a observar o de­
sempenho da marca Nintendo e, em 1987, Wood propôs que
se unissem a ela. O negócio florescia e seria fácil tirar vantagem
dele com conversões dos jogos Atari para fliperamas. A Atari
Games não podia entrar no ramo dos videogames domésticos
por causa de um acordo que a Warner fizera com Jack Tramiel.
Era preciso encontrar uma solução para o problema, e eles a
encontraram: criaram uma nova empresa.
Os dois sócios se reuniram na sede da Atari Games em
Milpitas, Califórnia, com Dan Van Elderen e outro executivo,
Randy Broweleit. Juntos teceram os planos para fundar uma
subsidiária que faria jogos para o NES, sob concessão. Quem
deu o nome foi Nakajima: Tengen. Os japoneses descrevem
o tabuleiro do Go como o Universo. O ponto central, o lugar
da criação de todas as coisas, é o tengen.
Broweleit dirigiu as operações da Tengen por mais de um
ano. Depois saiu e foi montar uma empresa que fizesse jogos
compatíveis com o NES. Van Elderen então assumiu a direção.
Dan Van Elderen estivera muito tempo na Atari. Começara
aos 23 anos, como técnico — antes de a empresa ter um de­
partamento de engenharia — e trabalhara na linha de mon­
tagem de Nolan Bushnell, produzindo jogos Pong operados
por moedas. Ficou na Atari quando ela foi vendida para a
Warner, quando a Warner a vendeu para a Namco e quando
a Namco resgatou-a. Fora vice-presidente sênior de pesquisa
e desenvolvimento antes de assumir a Tengen.
Alto e corpulento, Van Elderen parecia tímido, embora na
verdade fosse um homem gentil, de fala mansa, que ficava

284
O GRANDE COCHILO

mais à vontade na companhia dos engenheiros do que com


sua equipe administrativa. Falava com facilidade a língua da
engenharia e preferia-a aos jargões econômico-financeiros, que
tratavam de margens de lucro e participações no mercado.
Gostava da vida ao ar livre e havia lembranças de seu pas­
satempo favorito, a pesca, por todo o escritório. Uma escultura
em arame representava um pescador, e uma placa avisava:
"O Senhor não desconta da vida de um homem o tempo que
ele passou pescando". O lado empresarial de sua personali­
dade estava num adesivo colado numa das paredes, no qual
se via a palavra Nintendo cortada por um risco vermelho.
A Tengen não encontrou dificuldades em convencer a NOA
a aceitá-la como concessionária. A Atari Games fizera alguns
dos melhores jogos para fliperamas e era um nome que a
maioria das pessoas associava a videogames. Arakawa achou
muito significativo a Atari sucumbir ao domínio da Nintendo.
Em meados de 1987, Nakajima e Dennis Wood encontra-
ram-se com os principais executivos da NOA numa feira de
máquinas de diversões eletrônicas. Mostraram interesse na
concessão, mas declararam que queriam algumas exceções no
acordo: fazer mais de cinco jogos por ano, por exemplo.
Comedido como sempre, Arakawa disse que era impossível
mudar o contrato básico e deu de ombros, como a deixar claro
que não se tratava de nada pessoal.
— Todas as concessionárias recebem o mesmo tratamento
— frisou.
Concordou em discutir algumas cláusulas de menor impor­
tância, mas foi só. Os executivos da Atari Games toparam as
regras da Nintendo.
Os advogados das duas empresas trabalharam em conjunto.
"Beliscavam o contrato", na definição de Lincoln. O acordo foi
assinado em janeiro de 1988 e mais tarde ficaria claro que, na
época, Nakajima já trabalhava num plano para "pôr a Nintendo
em seu devido lugar", como disse um executivo da Atari.
Na primavera, os representantes da Tengen, inclusive Na­
kajima, foram a Redmond para uma reunião. Tentando acal-

285
OS MESTRES DOJOGO

mar Nakajima — que se arrepiara com a recusa da Nintendo


em conceder-lhe vantagens — Arakawa mostrou todos os re­
latórios, "entregando o nosso ouro", como diz Lincoln. Deu
detalhes de como o negócio era dirigido, de como os reven­
dedores deviam ser tratados e muito mais. Arakawa diz que
superou-se para ser agradável e esclarecer tudo.
Os primeiros jogos da Tengen para o NES, anunciados na
CES de junho de 1988, foram a conversão do sempre popular
Pac-Man, de um excelente jogo de beisebol chamado RBI Ba­
seball e do Gauntlet, grande sucesso nas casas de diversões
eletrônicas. Os jogos mereceram dos Três Grandes e do GC6
uma classificação alta, de modo que Nakajima preparou-se
para vender muitos deles. As coisas, contudo, correram mal,
porque sua entrada no mundo Nintendo coincidiu com a es­
cassez mundial de microchips. Antes da CES, a NOA avisara
a todas as suas concessionárias que a falta de chips impediría
a matriz japonesa de entregar as encomendas. A Nintendo
dividiría os cartuchos entre as empresas, sem privilegiar nin­
guém. Mas todas receberíam um número menor de jogos do
que aquele que desejavam.
As concessionárias tiveram de fazer uma estimativa da
quantidade de cartuchos que encomendariam e, com essa in­
formação, a Nintendo calculou o número que cada uma podia
esperar. O fornecimento dependia de vários fatores, da clas­
sificação dos jogos ao tamanho da rede de distribuição da
concessionária. A NOA declarou haver criado um sistema com
regras que se aplicavam a seus próprios jogos: suas encomen­
das, por exemplo, seriam cortadas ou retardadas a fim de que
os chips pudessem ser fornecidos à concessionária que tivesse
um jogo melhor.
Da primeira vez em que os cálculos foram feitos, Lincoln
e Arakawa decidiram telefonar pessoalmente às concessioná­
rias, avisando dos resultados. Pensaram dar cabo de tudo
numa única manhã, mas levaram dias. Cada empresa implo­
rava, argumentava, bajulava e tornava a argumentar. Foi um

286
O GRANDE COCHILO

processo tão difícil que as outras decisões sobre a distribuição


foram enviadas pelo correio.
— Arakawa e eu saímos correndo e nos escondemos, para
fugir do tranco — brinca Lincoln.
O sistema de divisão, Arakawa insistia, era tão justo quanto
possível. Algumas concessionárias compreenderam, mas ou­
tras acharam que a Nintendo usava a escassez de chips para
manipulá-las e, em alguns casos, estrangulá-las.
A encomenda de Hide Nakajima foi cortada pela metade,
duas vezes. A Tengen recebeu menos de 25 por cento do que
pedira, um décimo do que poderia ter vendido.
— Estão diminuindo o suprimento para aumentar os preços
— acusou Randy Broweleit.
O chefe da associação independente dos produtores de soft­
ware, Ken Wasch, declarou, em dezembro de 1988:
— A Software Publishers Association acredita que a Nin­
tendo, pelo controle que exerce como única fornecedora de
cartuchos, engendrou a falta de chips para jogos compatíveis
com o NES. Lojistas, consumidores e vendedores autônomos,
frustrados com a indisponibilidade de muitos títulos na época
das festas de fim de ano, acreditam que essa escassez pode
ser evitada com a permissão, aos vendedores de software, para
que produzam seus próprios cartuchos.
Dan Van Elderen perguntou se a Nintendo permitiría que
sua companhia recebesse encomendas maiores caso descobris­
se novos fabricantes de chips. A NOA concordou, impondo
a condição de que a Tengen pagasse a diferença se esses chips
fossem mais caros. Outras concessionárias seguiram o mesmo
caminho: a Acclaim também saiu à procura de chips. Van
Elderen encontrou um produtor e passou a informação à Nin­
tendo, cujo representante disse que a companhia avaliaria os
microcomponentes no Japão e depois, se os aprovasse, avisaria
à Tengen quanto pagaria por eles.
— A Nintendo estabelecería o preço — observa Dennis
Wood.

287
OS MESTRES DO JOGO

Contudo, essa questão nunca foi abordada: a NCL decidiu


que os chips não serviam.
Wood alega que a empresa rejeitou os componentes porque
eles não tinham sido feitos no Japão. Para ela, os chips nor­
te-americanos e coreanos não eram de qualidade suficiente­
mente boa.
— Estamos falando de chips para jogos, não para um com­
putador Cray — explodiu Wood. — Eles ainda não perceberam
que não é necessário usar um chapéu cônico, cheio de símbolos
do zodíaco, para fabricar chips. Não é algo tão simples quanto
ir à loja de ferragens e comprar alguns pregos, mas não es­
tamos muito longe disso.
Mais tarde, ele revelou que a Atari Games entrou em contato
com a Sharp, a companhia de componentes eletrônicos japo­
nesa, que informou ter chips para vender. Logo depois, ao
descobrir que eles seriam usados em jogos compatíveis com
o NES, a empresa retratou-se: não havia chips.
Quanto à Acclaim, também conseguiu encontrar esses mi­
núsculos componentes. A NCL os aprovou, embora isso só
acontecesse em 1989, de acordo com Greg Fischbach. A com­
panhia japonesa insistia em que os chips enviados pela maioria
das licenciadas eram inferiores. Yamauchi e Arakawa recusa-
vam-se a aceitá-los, afirmando que estavam mais preocupados
com a qualidade dos produtos do que com os lucros das con­
cessionárias.
— Do nosso ponto de vista, demos tudo o que podíamos
— diz Lincoln. — As pessoas teriam de contentar-se em ganhar
milhões e não fortunas incalculáveis.
— Isso nos deixou malucos — declara Wood. — Eles nos
fizeram de bobos.
Van Elderen ficou furioso:
— As raízes históricas dessa companhia estão na Atari. Na
Atarü Criamos a indústria de games há 18 anos e não íamos
deixar que nos dissessem quando e como jogar nosso próprio
jogo!
— Não sabíamos o que ia acontecer — admite Wood. —

288
O GRANDE COCHILO

Só sabíamos que a Nintendo podería nos estrangular com uma


echarpe de seda.
Van Elderen diz que sua empresa ficou contra a parede.
— Tornou-se óbvio que tínhamos de fazer uns arranjos di­
ferentes. Então decidimos arregaçar as mangas e escapar do
controle da Nintendo.
Na verdade, os chefes da Atari Games/Tengen já tinham
decidido, há muito tempo, trabalhar sem a NOA. Os planos
começaram antes da escassez de chips e foram mantidos em
segredo por quase 1 ano. Van Elderen admite isso, embora a
Atari Games continuasse a trabalhar com a NOA como se
"tudo fosse um mar de rosas", nas palavras de Howard Lincoln.
Em agosto de 1988, Hide Nakajima e Randy Broweleit reu-
niram-se com Arakawa e Howard Lincoln na sala Donkey
Kong para discutir a estratégia de vendas dos três primeiros
jogos da Tengen. Depois, os representantes das duas empresas
jogaram golfe no clube de Arakawa. Os Arakawa ofereceram
a Nakajima e Broweleit o fatídico jantar em sua nova casa,
em Medina.
O jantar transcorreu sem problemas, mas havia alguma coi­
sa estranha no ar. Quando Howard Lincoln acompanhou Yoko
à cozinha para ajudá-la a preparar os drinques, ela perguntou,
num cochicho:
— O que está acontecendo com esses sujeitos?
— Não conseguimos descobrir — Lincoln respondeu.
Arakawa, que tomara dois copos de vinho, parecia não per­
ceber nada. Então, logo depois que todos saíram para o deque,
adormeceu. Despertou a tempo de despedir-se dos convida­
dos, mas Nakajima já formara uma imagem diferente dele.
Todos fingiram que nada acontecera, mas a situação não era
nada boa.
Em outubro, Nakajima convidou os Arakawa para jogar
golfe em Pebble Beach. As insinuações de que havia alguma
coisa errada eram muito sutis. O homem da Tengen conversou
frastante e procurou ser agradável, mas não deixou de fazer
perguntas sobre os negócios da Nintendo. Arakawa ficou des­

289
OS MESTRES D O JOGO

confiado, mas respondeu a todas elas, na tentativa de redi­


mir-se do papelão que fizera naquele jantar, em sua casa.

Em 1986, Dennis Wood instruira seus advogados a examinar


o contrato de concessão para determinar se havia um modo
legal de a Tengen produzir e vender jogos compatíveis com
o NES sem a intermediação da Nintendo. Os advogados con­
cluíram que a empresa poderia fazer isso, desde que não hou­
vesse violação das patentes ou dos direitos autorais da NOA.
Isso significava que a Tengen teria de inventar um chip que
derrotasse o sistema de segurança, isto é, que destrancasse o
pequeno componente que funcionava como fechadura.
Partindo do princípio de que os clientes não se importariam
em saber se a Tengen era ou não concessionária da NOA, que
as lojas só queriam produtos para vender e que a clientela
compraria a mercadoria mesmo sem o selo de qualidade da
Nintendo, Nakajima pediu a um grupo de engenheiros que
analisasse o sistema NES. Eles descobriram que os chips de
segurança, tanto no hardware como no software, eram idên­
ticos e que, basicamente, mantinham comunicação entre si.
Esse contato fazia com que o sistema funcionasse. Quando a
comunicação cessava, ele travava. Os engenheiros tentaram
copiar a tecnologia, mas falharam. Pat McCarthey, da Atari,
concluiu:
— A menos que haja uma razão muito boa, lucrativa, de­
vemos parar por aqui.
Havia uma razão lucrativa, como mais tarde a Justiça des­
cobriría, e a Atari não interrompeu o projeto.
Mandou engenheiros que não pertenciam à empresa "re­
verter” o chip, isto é, "desprocessá-lo". Donald Paauw foi de­
signado para analisar componentes "descascados", ou disse­
cados, e tentar compreender o programa que encerravam. Não
conseguiu. Finalmente, porém, os engenheiros conseguiram
alguma ajuda.
O sistema de segurança da Nintendo era objeto de duas
propriedades intelectuais protegidas. A NOA requerera pa­

290
O GRANDE COCHILO

tente para o sistema de "fechadura-e-chave" em 1985 — nú­


mero 4.799.635, sob o título "Sistema para determinar a au­
tenticidade de uma memória externa usada em aparelho de
processamento de dados".
A outra propriedade intelectual que a Nintendo protegeu
era a "música" que os chips de segurança "cantavam", isto é,
o código de computador conhecido como 10NES. Ele foi re­
gistrado no U.S. Copyright Office. Os direitos autorais copy-
rzg/? protegem trabalhos originais — canções, obras literárias,
programas de computação — e são diferentes das patentes
emitidas pelo Patent Office, que cobrem invenções ou fórmu­
las. No início, a Nintendo não planejava registrar o copyright
porque o código do sistema de segurança teria de ser colocado
no depósito de trabalhos não-publicados, em Landover, Ma­
ryland, mas um advogado especializado em direitos autorais
disse a Howard Lincoln que o código ficaria seguro lá. Embora
algumas pessoas tivessem permissão para examinar os arqui­
vos do Copyright Office, ninguém podia tirar nada deles e
até tomar notas era proibido. Tranqüilizado, Lincoln decidiu
entregar o programa, indecifrável para quem não falasse a
língua dos computadores, a um arquivo no depósito do Co­
pyright Office, em Landover, Maryland.
Havia, porém, uma maneira legal de ter acesso a um código
protegido por copyright. Bastava emitir um certificado, decla­
rando que o trabalho era objeto de litígio. Com esse certificado,
uma cópia poderia ser retirada do Copyright Office. A estranha
lógica funcionava assim: uma companhia processada por vio­
lar direitos autorais não podia defender-se se não pudesse
revisar o material protegido pelo copyright. Ficava explicita­
mente estabelecido que ninguém tinha permissão para usar
o material para qualquer outro propósito que não esse.
A Atari Games contratou um escritório de advocacia de
Virgínia para conseguir o código. A firma deve ter acreditado
que o pedido era legítimo, pois fora informada de que a Nin­
tendo processara a Atari Games. Dez dias depois de esta última
assinar contrato com a NOA, em 28 de janeiro, um funcionário

291
OS MESTRES DO JOGO

de Virgínia pediu um certificado ao U.S. Copyright Office. O


certificado favorecia a Atari, declarando que uma cópia do
código fora requisitada por motivo do processo em andamento
na U.S. District Court, no Northern District da California. De­
clarava também que o programa devia ser usado "apenas em
função do litígio especificado".
O código saiu do depósito em Landover e foi enviado para
o Copyright Office. Um funcionário da firma de advocacia foi
até a sala 402 e saiu com uma cópia do copyright do 10NES
na pasta.
Nenhum processo fora aberto contra a Atari Games nem o
seria até novembro de 1989, quase 2 anos mais tarde. A Atari
se defendería, alegando que o litígio fora iminente na época,
mas o juiz que presidiria a causa não aceitaria essa defesa. O
tribunal concluiría que "o propósito da Atari, quando obteve
o programa, no início de 1988, foi mais comercial do que legal"»
Van Elderen, da Tengen, mais tarde diria aos repórteres que
sua equipe conseguira reproduzir o chip que funcionava como
fechadura pela reversão — ou seja, "desenrolando" o projeto
— quando, na verdade, tinham feito isso com a ajuda dos
documentos sob proteção de copyright.
A divisão de pesquisa e desenvolvimento da Tengen, no
Vale do Silício, ocupava uma série de salas nos fundos do
prédio da Atari Games, erguido num terreno onde antes exis­
tira um pomar de ameixeiras. Lá, uma equipe de engenheiros
esquadrinhou o código conseguido ilegalmente, trabalhando
para plagiar o chip. Comparando as informações obtidas no
Copyright Office com cópias do código binário decifrado atra­
vés do exame microscópico de chips "descascados", os enge­
nheiros foram capazes de corrigir e verificar a versão do pro­
grama.
Com os documentos nas mãos, eles tiveram tanta dificul­
dade em fazer uma cópia exata do sistema de segurança da
Nintendo quanto teriam, digamos, para montar uma bicicleta
acompanhada de instruções detalhadas. Os engenheiros da
Atari copiaram o chip que "cantava" e batizaram-no de Rabbit.

292
O GRANDE COCHILO

Instalaram um protótipo num jogo, colocaram num aparelho


NES e apertaram o botão para ligá-lo. No mesmo instante, o
monitor iluminou-se, mostrando o logotipo da Tengen. Em
agosto de 1988, quando Hide Nakajima foi jantar na casa de
Arakawa, em Medina, sua empresa já produzia cartuchos que
incorporavam o Rabbit.
No fim do ano, em 12 de dezembro, a Atari Games abriu
processo contra a Nintendo no U.S. District Court de San Fran­
cisco. Em essência, alegava que a empresa progredia às custas
dos concorrentes em potencial por meio de uma estratégia
monopolista e exclusivista. O documento fazia a seguinte acu­
sação:
Usando um sistema de "fechadura" tecnologicamente sofisticado,
a Nintendo tem, por diversos anos, impedido possíveis concorrentes,
inclusive a Atari, de competir com ela na manufatura de cartuchos
compatíveis com seu aparelho de videogame domestico. O único
propósito do sistema de fechadura é trancar a concorrência do lado
de fora.
O processo também alegava que o chip de segurança e o
monopólio da Nintendo sobre a indústria interferiam no es­
tabelecimento de preços competitivos, permitindo que os ja­
poneses controlassem o fornecimento e os preços dos cartuchos
colocados à disposição do consumidor.
O impacto causado pela conduta da Nintendo tem bloqueado as
competições no mercado manufatureiro de cartuchos compatíveis com
o NES.
Na queixa, a Atari Games anunciava que desenvolvera o
equivalente a uma chave que "destrancava o sistema de se­
gurança", declarando que estava começando a competir com
a Nintendo.
No começo de dezembro de 1988, a NOA promoveu sua
maior festa de Natal. Havia mesas carregadas de rosbife e
perus, poncheiras cheias de bebida "reforçada" e infindáveis
garrafas de champanhe. Os empregados e seus cônjuges dan­
çaram ao som de uma big band. Na manhã seguinte, quando
todos curtiam uma senhora ressaca, um dos funcionários do

293
OS MESTRES DO JOGO

departamento de relações públicas telefonou a Howard Lin­


coln.
— Você não vai acreditar, mas recebemos uma notícia e
tanto. A Tengen está dando uma entrevista à imprensa e anun­
ciando que reverteu nossos chips de segurança. Vão começar
a fazer jogos para o NES sem licença. Entraram com um pro­
cesso contra nós, pedindo uma indenização de 100 milhões
de dólares por violação das leis antitruste.
Na entrevista, Dennis Wood, da Atari Games, atacou:
— Quem deu a Arakawa, Lincoln e Main o poder de decidir
que tipo de software o público deve comprar?
Arakawa, cuja ressaca punha a de Lincoln no chinelo, re­
cebeu a notícia pelo sócio.
— Adivinhe o que aqueles desgraçados fizeram — pream-
bulou Lincoln.
Os dois recordaram o jogo de golfe em Pebble Beach, os
jantares, as ocasiões em que Nakajima arrancara detalhes a
respeito dos negócios da Nintendo, as informações que eles
tinham entregado estupidamente.
— Caímos como patos — comenta Lincoln.
Cartas por fax começaram a cruzar o Pacífico. Yamauchi
declarou que a Atari tinha de ser detida, custasse o que cus­
tasse.
Arakawa, Lincoln e Peter Main reuniram-se para decidir
como deviam reagir. Concordaram em que uma ação imediata
era essencial. Se conseguissem impedir os lojistas de vender
os jogos da Tengen e simultaneamente processá-la por violação
de contrato, sofreriam poucos prejuízos. Também concorda­
ram em que precisavam descobrir como a Atari conseguira
romper o sistema de segurança. Mais tarde, quando isso foi
revelado, Lincoln comentou:
— Eles assinaram contrato conosco já com a intenção de
nos lesar. Tentaram a reversão desde o início, sem sucesso.
Então abandonaram o projeto e "de repente" decifraram nosso
código. Aí há coisa grossa.
* ♦ *

294
O GRANDE COCHILO

Na manhã da entrevista da Atari Games à imprensa, Na­


kajima telefonou a Arakawa.
— Acho que você já sabe das novidades — disse, acrescen­
tando que desejava ter uma conversa pessoal. — Temos cons­
ciência de que vamos ser processados, mas acho que podemos
acertar as coisas antes que elas fiquem piores.
No dia seguinte, quando os dois homens se encontraram
no aeroporto Seattle-Tacoma, Arakawa conteve a raiva a fim
de ouvir o que o outro tinha a dizer.
Nakajima parecia tenso e constrangido. Afirmou ser con­
trário à tática que sua empresa usara, culpando outras pessoas
pelo golpe. Comentou que o problema não teria atingido tais
proporções se a Nintendo tivesse sido mais flexível.
— Deixe-nos fazer nossos próprios cartuchos — pediu.
Deu a entender que a Atari retiraria a queixa e continuaria
como concessionária se a Nintendo se rendesse. Arakawa foi
embora. Depois, contou a Lincoln o que Nakajima dissera.
— Agora compreendo a expressão que vi no rosto de Na­
kajima quando você dormiu (no jantar) — comentou o amigo.
— Era uma expressão de desprezo.
Acrescentou que Nakajima julgara-se mais forte do que Ara­
kawa e que o encarara apenas como o fútil e desrespeitoso
genro de Hiroshi Yamauchi.
— Eu disse a mim mesmo que ele não fazia idéia do que
tinha acolhido: um tigre que lhe arrancaria a pele — conta
Lincoln.
A batalha por centenas de milhões de dólares começou. A
Tengen tentou vender seus jogos — sem o selo de qualidade
da Nintendo —, e a NOA usou de todos os recursos para
impedi-la. A empresa norte-americana lutou furiosamente,
como se fosse um Davi contra Golias.
A NOA entrou com um contraprocesso duplo quase ime­
diatamente, acusando a Atari Games de "ter induzido a Nin­
tendo de modo fraudulento" a assinar um contrato de con­
cessão e de ter vendido jogos sem autorização. Alegou que
ela violara as normas do RICO — Racketeer Influenced and

295
OS MESTRES DO JOGO

Corrupt Organization Act (Ato sobre Organizações Corruptas


e Chantagistas) — criando a Tengen como testa-de-ferro a fim
de fraudar a Nintendo. De boa fé, a NOA dera substancial
apoio técnico e comercial aos cartuchos da Tengen para o NES.
A queixa prosseguia:
Alcançado o objetivo da forte identificação pública de seus jogos
e embalagens com os da Nintendo, a partir de alguma data, em
dezembro passado (2988), ou no início de janeiro, a Tengen começou
a vender versões não-autorizadas desses mesmos jogos.
Parte do processo alegava que a Atari Games, ao precisar
mais do que do sistema de segurança para atingir o mercado
da Nintendo, também tivera de aprender como os negócios
dos japoneses funcionavam. Como concessionária, recebera to­
das as informações pedidas, a exemplo do que acontecia com
as outras licenciadas, mas que, por causa do relacionamento
pessoal entre Nakajima e Arakawa, recebera também detalha­
das informações sobre as revendedoras. Sendo concessionária,
não tivera dificuldade em conseguir distribuição. Como resul­
tado, os negócios da Tengen com produtos Nintendo tinham
proporcionado à Atari Games um movimento anual de 40
milhões de dólares, embora, de acordo com Dennis Wood,
não fossem os impedimentos impostos pela Nintendo, essa
quantia teria sido de centenas de milhões de dólares.
A imprensa viu ramificações maiores nesse litígio. Em março
de 1989, um artigo do The New York Times disse que um veredito
contra a Nintendo deve proibir que a companhia continue a usar o
chip de segurança em seus aparelhos, a fim de criar novas oportunidades
para os projetistas independentes de software que desejem criar jogos
para o NES. Um veredito a favor da Nintendo provavelmente terá o
efeito de transbordamento na indústria dos computadores pessoais e
um efeito de resfriamento no livre fluxo de ide'ias e inovações que têm
caracterizado esse mercado desde seu início.
O processo foi só o começo da luta da Nintendo contra a
Tengen. Nakajima foi informado de que sua empresa não teria
acesso ao gigantesco estande da NOA na Consumer Electronics
Show de janeiro de 1989. Preto, com 3.700 metros quadrados e

296
O GRANDE COCHILO

uma estrutura de alta tecnologia, o estande foi apelidado pelos


visitantes da feira de Estrela da Morte. Dentro, enfileiravam-se
os luxuosos mostruários da Nintendo e de suas concessioná­
rias. Era como se a Estrela da Morte abrigasse as legiões leais
à NOA, enquanto, do lado de fora, ficavam os infiéis — Tengen
e outros concorrentes — em seus pobres acampamentos.
Os executivos da empresa japonesa decidiram apertar o cer­
co ao redor da Tengen indo também aos revendedores. En­
viaram uma circular na qual ameaçavam processar as lojas
que comercializassem os jogos da concorrente. Em nome da
Nintendo, John Kirby escreveu a Charles Lazarus, presidente
e chefe-executivo da Toys "R" Us, em 24 de janeiro de 1989:
Se sua empresa trabalha com produtos que violam a patente ou
outros direitos sobre propriedades intelectuais da NOA, fique ciente
de que ela pretende valer-se de todos os recursos legais para impedi-lo.
Não recebeu resposta e, seis dias depois, escreveu outra
carta. A Toys "R" Us teve de "desistir" dos cartuchos da Tengen
e respondeu em 1Q de fevereiro. Um dos advogados de Lazarus
disse que a empresa concordava com a NOA. Um artigo na
The American Lawyer, em abril de 1990, relatou que Kirby man­
dou outra carta por fax:
Ficou entendido, através de sua carta, que a Toys está retirando
os referidos produtos das prateleiras de todas as suas lojas. É de
suma importância que isso seja confirmado imediatamente. Telefo­
narei hoje, às quatro da tarde, para ter certeza. É desnecessário dizer
que mandamos investigadores comprar o produto em várias das lojas
da Toys "R" Us e que eles têm instruções para retornar a essas
mesmas lojas hoje, às cinco da tarde.
A Atari Games tentou e conseguiu uma preliminar para
impedir a NOA de continuar ameaçando os revendedores,
mas esta apelou e a ordem foi retirada. A Nintendo continuou
com sua campanha de intimidação, às vezes recorrendo à Jus­
tiça, às vezes lançando mão de meios bem menos evidentes.
— As empresas evitavam nossos jogos porque as ameaças
da Nintendo punham seus negócios em perigo — diz Naka-

297
OS MESTRES DO JOGO

jima. — Mesmo as grandes, como a Toys "R" Us, não podiam


enfrentá-la.
Dan Van Elderen alega que a intimidação era sutil mas efi­
ciente.
— Gostamos de dar apoio àqueles que nos apoiam e não
ficamos nada satisfeitos quando soubemos que vocês vendem
os produtos da Tengen — comentou um representante da Nin­
tendo, antes de prosseguir: — Por falar nisso, por que não
nos sentamos e conversamos sobre a distribuição de nossos
produtos no próximo trimestre? Quantos Super Mario você
disse que queria?
Van Elderen diz que distribuía jogos para as 15 maiores
lojas do país antes dessas ameaças, mas que depois todas de­
sistiram dos cartuchos da Tengen.
Era verdade que poucos revendedores se arriscariam a ser
processados pela Nintendo. Além disso, dependiam dela para
obter fornecimento estável do produto — que, em alguns casos,
representava toda a sua margem de lucro. Se a NOA segurasse
um jogo ’’quente", os clientes correríam às lojas concorrentes,
podendo mesmo ir a outras cidades. Nenhuma empresa al­
cançara tal posição, o que significava que nenhuma, até então,
tivera tanto poder. Apesar de negar isso repetidamente, a Nin­
tendo exerceu esse poder sem muita delicadeza, mesmo quan­
do o tribunal proibiu-a de processar revendedores enquanto
a questão com a Atari Games estivesse pendente.
— O revendedor que trabalhasse com os jogos da Tengen
não recebia encomendas da Nintendo — acusou o representante
de uma loja. — Como isso era ilegal, sempre apareciam descul­
pas: o motorista do caminhão não achara o endereço, o navio
que estava para chegar do Japão ainda não aportara.
O resultado dessa intimidação, real ou imaginária, foi que
a Toys "R" Us, a Bradlees, a Target, a Wal-Mart e a maioria
das grandes lojas recusaram-se a trabalhar com os cartuchos
Tengen e quaisquer outros não-autorizados. E, como os re­
vendedores não os queriam, era inútil fabricá-los. A Nintendo
conseguiu o que desejava. O chefe de uma empresa de software

298
O GRANDE COCHILO

disse à The American Lawyer que estivera em "numerosas reu­


niões de conspiradores" que pretendiam escapar da Nintendo,
mas que todos tinham "ficado com medo". O motivo era sim­
ples: "Ninguém quer se meter com um gorila de 450 quilos".
Al Chaikin, chefe-executivo da Circus World Toys, com 328
lojas nos Estados Unidos, admitiu que a Nintendo tinha "os
produtos mais procurados da atualidade" e também revelou
como a companhia trabalhava. Disse, em seu depoimento no
tribunal, em 1990, que os jogos da Tengen eram populares e
que ele os julgava bons. Contudo, também sucumbiu quando
a NOA ameaçou processar as empresas que trabalhassem com
tais jogos. Depois de receber uma carta ameaçadora, Chaikin
respondeu a John Kirby, em junho de 1990:
Sua ameaça de entrar com uma ação contra nós, antes que a
disputa entre a Nintendo e a Atari Games seja decidida pela Justiça,
não nos deixa outra alternativa a não ser parar de trabalhar com
os cartuchos da Tengen (...) Com essa finalidade, e para garantir
nosso suprimento ininterrupto de produtos Nintendo, deixaremos
de comprar os jogos da Tengen.
Kirby não se contentou e escreveu ao advogado de Chaikin:
Estou muito satisfeito em saber que o sr. Chaikin consultou o
conselho a respeito de minha carta (...) Todavia, tanto meu cliente
como eu achamos o tom e a substância da resposta inapropriados.
Não aceito as declarações que indicam que ele pretende respeitar
esses direitos só para nos agradar e não por reconhecê-los.
Chaikin sentiu o aperto que ameaçava todas as suas operações.
Em seu depoimento, declarou que a NOA mudara os termos
de crédito da Circus World porque suas lojas revendiam jogos
da Tengen. A Nintendo, anteriormente, concedera crédito à rede,
mas depois mudara o sistema, pedindo pagamento adiantado.
Um advogado da Atari Games perguntou-lhe:
— Então é verdade que, logo após vocês deixarem de tra­
balhar com os produtos da Tengen, a Nintendo concedeu-lhes
melhores condições de pagamento?
— E verdade — respondeu Chaikin.
Stuart Kessler, um dos vice-presidentes das lojas de depar-

299
OS MESTRES DOJOGO

tamentos Ames, também testemunhou a favor da Atari Games.


Ames (e sua divisão no Zaire), com 461 lojas, estivera faturando
10 milhões de dólares por ano só com os produtos Nintendo.
Numa carta, depois que a NOA ameaçou a rede, mandando-a
parar de vender os cartuchos Tengen, Kessler escreveu a Ho­
ward Lincoln:
Valorizamos nosso relacionamento com a Nintendo e não faremos
coisa alguma que possa colocá-lo em perigo.
Lincoln escreveu a outro vice-presidente da Ames, Earl M.
Spector:
A Ames sabe, há mais de um ano, que a Nintendo considera a
venda de cartuchos Tengen destinados ao NES uma violação de sua
patente. A Ames continuou a vender os referidos cartuchos, em cla­
moroso desrespeito aos direitos da Nintendo. Tendo em vista o fato
de a Ames comercializar os jogos ilegais, a Nintendo decidiu inter­
romper seus negócios com ela. Daqui por diante, todas as encomendas
feitas pela Ames serão rejeitadas.
A Ames foi cortada em agosto de 1989.
Enquanto isso, nas audiências preliminares, a Atari conti­
nuava a afirmar que o código recebido do Copyright Office
não tinha nada a ver com o fato de eles terem revertido o
sistema de segurança. A juíza Fern Smith, da U.S. District
Court do Northern District da California, em San Francisco,
recusou-se a acreditar nisso. Em março de 1991, quando de­
feriu o pedido da Nintendo de uma injunção preliminar contra
a Atari, censurou a empresa norte-americana acerbadamente,
acusando-a de roubo. Chegou a essa conclusão depois de com­
parar o código que os engenheiros da Atari supostamente ha­
viam descoberto ao código da NOA, recebido do Copyright
Office. Eram quase idênticos. O Rabbit, da Atari, só incluía
mais informações além das necessárias para fazer o chip fun­
cionar. Se a Atari houvesse realmente criado o código, as di­
ferenças seriam muito maiores.
A Atari Games prejudicou-se, talvez de modo irreparável,
ao retirar o código do Copyright Office sob falsas alegações.
Sentenciou a juíza:

300
O GRANDE COCHILO

A Atari mentiu ao Copyright Office a fim de obter o programa


10NES, que tinha seus direitos protegidos. A corte desaprova o ar­
gumento da Atari de que as acusações de violação feitas subsequen­
temente pela Nintendo justificam, de modo retroativo, sua desones­
tidade (...)
Na conclusão de seu parecer, a juíza Smith proibiu a Atari
de copiar, vender ou usar o programa de computação da Nin­
tendo, sob qualquer forma. Ordenou que a empresa parasse
de comerciar, distribuir ou vender seus cartuchos compatíveis
com o NES e a retirar todos os seus produtos das lojas. Embora
ainda estivesse longe do final do litígio, a corte também de­
clarou que a Nintendo tinha o direito de "excluir outros e de
reservar para si mesma, se quisesse", o direito de vender car­
tuchos. A indústria ficou encantada quando tomou conheci­
mento dessa decisão. Era um soco no estômago dos compe­
tidores que tinham ousado desafiá-la.

No início de 1989, a Atari Games entrou com um contra-


processo em resposta ao contraprocesso da Nintendo, dessa
vez acusando-a de violar uma de suas patentes.
— A Nintendo construiu seu negócio com base em tecno­
logia emprestada — diz Van Elderen.
A Atari original tinha patentes de todos os tipos de projetos
relacionados a todos os aparelhos de videogame — tecnologias
de movimento e de circuitos, por exemplo. Embora a compa­
nhia nunca tivesse perseguido as inúmeras empresas que fa­
bricaram aparelhos baseados nessas tecnologias, mudou de
tática com a NOA.
— Usamos as patentes como armas, pela primeira vez, con­
tra a Nintendo — admite Van Elderen.
A Atari Games não foi a única a processar a empresa ja­
ponesa por violação de patentes. A Magnavox, cujas patentes
remontavam ao tempo em que pesquisara videogames, acusou
a NOA de violar uma delas, relacionada à prática de jogos
exibidos na tela (a tecnologia que permitia que bolas ou pro­
jéteis ricocheteassem, batendo em paredes ou "inimigos"). Ou-

301
OS MESTRES DO JOGO

tra companhia, a Alpex Computer, processou-a por violação


de uma patente que tinha a ver com a relação entre os mi­
croprocessadores dos videogames, os chips de memória e a
tela dos televisores. Um inventor, de nome Jan Coyle, entrou
com processo alegando violação de patente da tecnologia em
que se baseava a codificação de cores do NES.
A Nintendo resolveu a situação com a Magnavox e com
Coyle. A Alpex alegava que ela usava sua tecnologia no NES
e em mais de 150 jogos. Esse processo, sem definição em 1992,
poderia sair caro para a NOA. O processo da Atari Games,
entretanto, poderia custar muito mais e estabelecer um pre­
cedente, porque sua capacidade de controlar o software para
o NES estava em jogo.
Dennis Wood, o adversário de Howard Lincoln na Atari
Games, planejava com verdadeira obsessão a estratégia de seu
ataque. Ficava em seu escritório, bebericando o kukicha que
sua assistente, June Yamamoto, lhe servia, erguendo a frágil
xícara de porcelana até os lábios e soprando o líquido quente.
— Não desistiremos — dizia, embora admitisse: — Eles
nos derrubam sempre que conseguimos ficar de pé.

Outra causa bastante significativa foi erguida contra a Nin­


tendo por Jack Tramiel e seu filho, Sam, presidentes da Atari
Corporation. Os Tramiel pediram 160 milhões de dólares por
violação de leis antitruste. Como manufaturadora de hardware
(lançou aparelhos, depois do modelo 2600, que nunca fizeram
sucesso, como um videogame portátil), a Atari Corporation
alegava que a NOA, com o contrato que impedia as conces­
sionárias de lançar jogos para aparelhos concorrentes durante
2 anos, impunha uma restrição injusta ao comércio. Por causa
dessa cláusula, os Tramiel não podiam comprar bons jogos.
Howard Lincoln declarou à imprensa que considerava o
processo "inútil, uma simples tentativa de desculpar a Atari
por seu pobre desempenho no mercado", e que estava deli­
ciado com a perspectiva de ir ao tribunal, naquele caso.
— Nossa defesa é muito simples. Vamos colocar Sam Tra-

302
O GRANDE COCHILO

miei no tablado e ele vai ter de explicar que, em 1985, eles de­
tinham 100 por cento do mercado, que Atari era sinônimo de
videogame e que ninguém ouvira falar da Nintendo. Depois,
vamos demonstrar que, com sua própria inépcia, sua idiotice e
incapacidade administrativa, ele pegou esse privilégio e o matou.
Mostraremos que caiu da posição de dono de todo o mercado
para a de dono de nada. Acho que nos sairemos bem.
A alegação da Atari Corporation era basicamente a mesma
da Atari Games, só que ao contrário. O limite de 2 anos pre­
judicava a Atari Corporation porque os melhores jogos das
concessionárias ficavam presos, mas também prejudicava as
licenciadas porque lhes limitava o mercado. Eram 2 anos em
que as empresas de software deixavam de lucrar, vendendo
seus jogos para outros aparelhos.

As implicações dos dois processos eram enormes.


— Se a Nintendo perder nessa alegação-chave, correrá gran­
de perigo. Todas as concessionárias foram restringidas injus­
tamente — disse Dan Van Elderen.
O processo da Atari Corporation, o primeiro a ir a julga­
mento, podería custar à NOA quase meio bilhão de dólares
(os prejuízos são triplicados nas causas que envolvem leis an­
ti truste). Outras empresas também poderiam saltar para o bon­
de em movimento e entrar com ações. A causa da Atari Games,
assim, sairía ainda mais dispendiosa e o gorila de 450 quilos
talvez tivesse de cair de joelhos.
Arakawa foi chamado pelos advogados da Atari Corpora­
tion à corte da juíza Smith, em San Francisco. Usando terno
azul-marinho, ele inclinou-se para a frente, ouvindo atenta­
mente as perguntas.
— E verdade que, se estiver vendendo os produtos da Sega
ou da Atari, uma loja não pode vender os da Nintendo? —
perguntou um advogado.
Com voz calma, vários decibéis abaixo do tom usado pelo
advogado, Arakawa respondeu:
— Não é verdade.

303
O S MESTRES DO JOGO

— A Nintendo disse às concessionárias que só podiam fazer


jogos para o NES?
— Não.
— A Nintendo disse às concessionárias que, se lançassem
jogos para qualquer outro aparelho, seriam punidas?
— Não.
— Que a Nintendo reduziría a distribuição de chips durante
a escassez desses componentes?
— Não.
— Que não lhes daria espaço nas feiras comerciais?
— Não.
— Houve qualquer tipo de ameaça para impedir as conces­
sionárias de fazer jogos para outros aparelhos de videogame?
— Não.

As lutas na corte continuaram. O negócio da Nintendo en­


volvia "videogames e litígios", comentou um empregado. No
meio da preparação de uma nova edição da Nintendo Power,
Gail Tilden podia receber um maço pesado de papéis das mãos
de um membro do corpo de advogados de Howard Lincoln.
— Gastávamos muito tempo com depoimentos, naqueles
dias — ela diz, dando de ombros.
Arakawa observou que, para a NOA, as despesas com do­
cumentos legais (20 milhões de dólares, em 1990), apesar de
grandes, não eram nada comparadas ao valor total de vendas.
— A Nintendo fez um bilhão de dólares este ano — disse
Hide Nakajima, em 1991. — Pode usar todo o tempo e o di­
nheiro de que precisar para nos destruir.
Por outro lado, Dennis Wood alegava que as causas com
a Nintendo poderíam quebrar a Atari Games. Nakajima con­
cordava. Nesse meio tempo, a Atari pediu à juíza que retirasse
a ordem que a proibia de vender seus jogos, pois essa medida
estava destruindo a companhia. Em abril de 1991, a juíza con­
cordou em dar permissão à Tengen para vender os cartuchos
enquanto não fosse decidido o processo de apelação. Um ano
mais tarde, em setembro de 1992, a Tengen perdeu a apelação

304
O GRANDE COCHILO

e teve de retirar do mercado todos os jogos compatíveis com


o NES. A juíza, então, marcou uma data para o julgamento
do litígio da Nintendo com a Atari Games: maio de 1993.

Howard Lincoln nunca acreditou na declaração de Nakaji­


ma, que afirmava lutar sozinho contra a Nintendo.
— Eu não tenho a menor dúvida sobre quem está realmente
dirigindo a guerra contra nós — dizia. — Não é Nakajima,
da Atari Games, nem Jack e Sam Tramiel, da Atari Corpora­
tion. Esses apenas pegaram o bonde andando e parecem abu­
tres procurando carniça. O cabeça disso tudo só pode ser Steve
Ross, da Time Warner. Ele quer voltar ao negócio de video­
games, que vê como uma fabulosa oportunidade de fazer mais
dinheiro. Não tem nada a perder e tudo a ganhar. Continua­
mos a bater neles, causando hemorragias de dinheiro. Por que
estão fazendo isso?
O grande interesse da Time Warner nas duas Atari reforça
a afirmativa de Lincoln, embora Ross se recusasse a fazer co­
mentários. Um porta-voz da Atari Games negou várias vezes
que bolsos polpudos estivessem financiando o processo, mas
Manny Gerard, velho camarada de Ross na Warner, citava
um executivo sênior da empresa, que teria dito: "O maior be­
nefício que a Warner pode tirar da experiência com a Atari
talvez esteja no processo contra a Nintendo".
Diz Gerard:
— Para Steve, uma porcentagem sobre muitos milhões de
dólares seria um lindo prêmio de consolação. Pelo menos, ga­
nharia alguma coisa com esse pesadelo chamado Atari.
Os casos das duas Atari arrastaram-se. Meses transformaram-
se em anos, cheios de incontáveis reuniões e toneladas — li­
teralmente — de depoimentos. Enquanto isso, o tempo abria
rombos na invulnerabilidade da Nintendo. A empresa fizera
muitos inimigos para sobreviver, incólume, a todos os ataques.

305
12
Fim de Jogo

Cuidado: seu filho pode estar viciado num produto fabricado


por uma empresa chantagista e criminosa. Crianças de 5 anos
abandonaram o hábito de assistir à televisão, conquistadas por
personagens autoritários chamados Mário e Luigi.
A empresa criminosa chama-se Nintendo (...) Acusar um
fabricante de brinquedos de gangsterismo talvez possa parecer
surpreendente. Mas o fato tem explicação: a Nintendo é uma
companhia japonesa cujo sucesso foi alcançado às custas de
um ex-líder de mercado americano.
L. Gordon Crovitz
The Wall Street Journal
Os concorrentes da Nintendo, derrotados no mercado, vol-
taram-se para as cortes de Justiça e procuraram os legisladores.
Acusaram a companhia de perpetuar um monopólio ilegal
que, além de privar as empresas norte-americanas do direito
de negociar, acrescentava bilhões de dólares ao déficit comer­
cial já existente em relação ao Japão.
Hide Nakajima e Dennis Wood, da Atari Games, haviam
encontrado o calcanhar de Aquiles da Nintendo e assestaram
suas armas para ele: o prestígio extraordinário que a NOA
gozava nos Estados Unidos num tempo em que as empresas
japonesas eram objeto de desconfiança e hostilidade. Logo, os
membros do Congresso, do Departamento de Justiça e da Co­
missão Federal de Comércio voltariam os olhos para ela. Na-

306
FIM DE JOG O

kajima, também japonês, talvez não devesse ter colocado a


Nintendo na linha de frente daquela guerra, mas colocou. Pelo
jeito, valia tudo no conflito.
Lentamente, os norte-americanos começaram a perceber que
o jogo terminara. Os japoneses já haviam invadido o território.
Disfarçados de aparelhos de videogame, os invasores tinham
sido levados para os lares pelas mãos das crianças. O negócio,
em franco progresso — valia perto de 5,5 bilhões de dólares
em 1992 — pertencia à Nintendo e a um punhado de concor­
rentes menores, todos japoneses. Nos Estados Unidos, come-
çava-se a perguntar onde estavam as companhias nacionais.
Quando os legisladores perceberam que a Nintendo expan­
dia suas operações no país e procurava mercados maiores —
que corporações como a Apple e a IBM consideravam seus
— o interesse do Capitólio esquentou. Senadores e deputados
reuniam-se atrás de portas fechadas, em sessões seguidas de
melodramáticas declarações à imprensa. Por fim, rotularam o
NES de "cavalo de Tróia moderno": um computador escondido
no ventre de um brinquedo que aumentava a dependência e
o déficit comercial dos Estados Unidos em relação ao Japão.
Para a mídia, que também pegou carona nesse bonde, a Nin­
tendo provocara uma verdadeira devastação na economia do
país. A repercussão foi grande.
No começo de 1992, Hiroshi Yamauchi, que o público nor­
te-americano ainda não conhecia, apareceu nas primeiras pá­
ginas dos jornais. Ele estava comprando o Mariners, time de
beisebol da liga principal de Seattle. Infelizmente, a oferta de
Yamauchi foi anunciada na mesma semana em que um político
japonês insinuou, publicamente e com grande indelicadeza,
que os operários norte-americanos eram preguiçosos. Depois
dessa, o negócio entre Yamauchi e o Mariners tornou-se a
gota d'água que fez o copo transbordar: "eles" tinham a ousadia
de comprar parte do beisebol, mais caro ao coração dos cida­
dãos do que o Rockefeller Center.
A Nintendo virou uma bola de tênis no confronto tumul­
tuado entre os Estados Unidos e o Japão. Um dos membros

307
OS MESTRES DO JOGO

da comissão de beisebol, Fay Vincent, argumentou que "nós


temos de manter alguma coisa sagrada, longe das garras do
Japão", apesar de os grandes de Seattle se interessarem pela
oferta de Yamauchi. Era uma tentativa desesperada de manter
o time na cidade.
A Nintendo não precisava de mais essa atenção. Já era alvo
do Capitólio, dos procuradores-gerais dos estados e da im­
prensa. Os inquéritos instaurados para investigar as práticas
da NOA custariam, no mínimo, um pouco de dinheiro. Talvez,
como frisou um dos investigadores, "estar associado à Nin­
tendo, nos Estados Unidos, viesse a ser algo bastante impo­
pular".
Essa contra-ofensiva começou em 1989, quando os execu­
tivos da Atari Games foram a Washington falar com o depu­
tado democrata Dennis Eckart, de Ohio. Presidente da subco­
missão do Congresso que tratava de leis antitruste, Eckart so-
lidarizou-se com eles. Dan Van Elderen insiste em dizer que
a investigação sobre a Nintendo já estava em andamento quan­
do a Atari Games entrou na parada. Dennis Eckart corrobora
essa afirmação, explicando que, além de ser necessário dar
uma resposta aos consumidores, revoltados com os preços al­
tos e com o fornecimento reduzido de jogos, ele mesmo tinha
dúvidas a respeito do mercado de videogames. Howard Lin­
coln replica que a Atari apelou para o representante local no
Congresso, Tom Campbell, que, por coincidência, estava na
subcomissão de Eckart. Um assistente de Campbell confirma
que a Atari Games o procurou. Seja como for, Eckart decidiu
instaurar um processo contra a Nintendo.
Van Elderen e Dennis Wood foram as testemunhas princi­
pais da investigação do Congresso. Eckart interrogou dezenas
de outras pessoas, muitas das quais eram informantes que
temiam represálias da NOA. Se já não tivesse sido convencido
disso pela Atari, Eckart logo teria a confirmação de que a
Nintendo era um demônio poderoso e monopolizador.
Ele acusou a empresa de violar as leis antitruste por causa
da criação do sistema de segurança e dos contratos com as

308
FIM DE JOGO

concessionárias — que a Atari chamou de "conduta anticom-


petitiva no mercado varejista". Eckart declarou que era ilegal
(como ficara atestado num caso com a IBM, em 1969) as com­
panhias de hardware impedirem as de software de criar pro­
dutos para suas máquinas. Atacou a prática da Nintendo de
"juntar num pacote" o hardware e o software necessários para
fazer o NES funcionar, alegando que a posição de poder diante
de revendedores e concorrentes permitira-lhe aumentar os pre­
ços de 20 a 30 por cento, principalmente no Natal anterior. O
público pagava preços excessivamente altos por causa do mo­
nopólio da NOA.
Howard Lincoln soube da investigação quando ela já estava
quase terminada. Encontrava-se num coquetel em Toronto,
em outubro de 1989, quando o chefe da Software Publishers
Association perguntou-lhe se tinha consciência de que o Con­
gresso investigava sua empresa.
Duas semanas depois, Lincoln voou para Washington, a
fim de conversar com o lobista da NOA, Don Massey, vice-
presidente sênior da divisão de relações governamentais da
firma Hill & Knowlton. (A Nintendo contratara o lobista para
"empurrar", no Senado, a lei que proibia a locação de jogos
de videogame.) Pediu que Massey descobrisse o que estava
acontecendo.
Na semana seguinte, Massey informou que ainda não hou­
vera nenhuma audiência, mas que as provas contra a NOA
enchiam várias caixas e que 65 pessoas já tinham sido entre­
vistadas. O fato de a Nintendo não ter sido avisada da inves­
tigação preocupava-os. Sugeria que o Congresso tramava um
linchamento.
Lincoln pediu a Massey que requisitasse para a Nintendo
a oportunidade de explicar-se. A data dessa audiência foi mar­
cada e desmarcada duas vezes. Então, Lincoln declarou pu­
blicamente que a NOA vinha sendo impedida de testemunhar.
Eckart reagiu, marcando uma audiência para 4 de dezembro.
Contudo, ela também foi cancelada. Alguns dias mais tarde,
Massey telefonou a Lincoln para avisar que a comissão emitiría

309
OS MESTRES DO JOGO

seu relatório sem ouvir a Nintendo e que a imprensa já fora


convocada para uma entrevista coletiva, que aconteceria no
dia seguinte.
— O quê?! — berrou Lincoln. — Como podem conduzir
uma investigação sem ouvir nossa versão da história?
Disse, então, que ele próprio telefonaria ao conselho da co­
missão.
Quando o fez, mal podia conter a fúria.
— Não sei o que está acontecendo aí, mas isso não é justo!
Ao menos ouçam o que temos a dizer antes de dar qualquer
declaração!
O procurador da comissão respondeu que a investigação
terminara e que não havia mais nada a fazer, acrescentando
que a Nintendo fora representada por Massey.
— Meu lobista não sabe nada a respeito de meus negócios.
Ninguém falou comigo'. — gritou Lincoln.
Pediu para falar com Eckart, que, ao telefone, repetiu fria­
mente que a investigação acabara.
— Ora, vamos! — exclamou Lincoln, fervendo de raiva. —
Vocês não ouviram nossa versão da história. Nunca receberam
nenhum material enviado por nós.
Eckart manteve-se firme e Lincoln voltou à carga:
— Você marcou uma coletiva à imprensa para amanhã. E
sabe tão bem quanto eu que dia é amanhã.
Eckart disse que não sabia.
— Amanhã é sete de dezembro, senhor congressista.
Eckart tentou acalmá-lo:
— Será uma entrevista moderada.
Lincoln desistiu de tentar conter-se.
— Não nasci ontem. Vocês estão querendo nos ferrar.
— Lamento que pense assim.
— Não transforme isso num circo!
"Mas a lona do circo já estava subindo", escreveu L. Gordon
Crovitz num artigo contundente no The Wall Street Journal.
Eckart deu a coletiva no dia 7 de dezembro — aniversário
do ataque japonês a Pearl Harbor.

310
FIM DE JOGO

"Coincidência?", perguntou Crovitz. Depois, citou Howard


Lincoln: Muitas coisas estranhas aconteceram em Washington, mas
eles sempre conseguem dara tudo a aparência de honestidade. Lincoln
chamou Eckart de mentiroso por ele ter declarado que a Nintendo
teve chance de ser ouvida e rotulou as alegações sobre as leis anti­
truste do congressista de "exibicionistas".
O artigo de Crovitz contava detalhes do processo Atari Ga-
mes-Nintendo: Cerca de cinqüenta empresas de software, muitas
delas norte-americanas, fizeram fortunas como licenciadas. Todavia,
a Atari Games e sua subsidiaria, a Tengen, ex-concessiondria da
Nintendo, não ficaram satisfeitas com o acordo (...) Hã alguma coisa
errada num sistema político e jurídico cujas leis mal-definidas en­
corajam concorrentes a procurar espaço de mercado fora do mercado
(...) Os adversários da Nintendo poderíam ter gasto o tempo que
desperdiçaram com advogados e Congresso imaginando como vencer
Mario e Luigi.
Faltava pouco mais de duas semanas para o Natal. O Con­
gresso já estava em recesso, o que significava pouco trabalho
aos repórteres que cobriam o Capitólio. Assim, eles compa­
receram em massa à entrevista na qual Eckart recomendou
ao Departamento de Justiça que mandasse investigar a NOA.
Quando Lincoln assistiu a uma gravação da entrevista, explo­
diu:
— Deus do céu! Havia mais microfones na frente do homem
do que de Roosevelt, quando foi declarada guerra ao Japão!
E ele esquadrinhou tudo, de preços de revenda a gastos com
a Tengen. A história que ele contou poderia ter sido escrita
pela Tengen. Que desastre!
A Tengen, por seu lado, comemorava. Numa entrevista à
imprensa, Dennis Wood disse:
— O comportamento da Nintendo nos Estados Unidos é
tão atroz que requer a ação do Departamento de Justiça para
que seja restaurada a livre concorrência. Desde que a Tengen
introduziu sua linha de cartuchos compatíveis com o NES,
manufaturados de modo independente, em dezembro de 1988,
a NOA vem tentando forçá-la a sair do mercado de videoga-

311
OS MESTRES DOJOGO

mes domésticos, usando de uma campanha deliberada de dis­


torção, intimidação e coerção (...) Aplaudimos o deputado Ec­
kart por reconhecer que as práticas comerciais monopo-
lizadoras da Nintendo transcendem às disputas legais entre
duas partes, e dão base à recomendação para uma investigação
rigorosa da NOA, que domina, de modo ilegal, o mercado de
videogames domésticos dos Estados Unidos.
No dia seguinte, Sam Tramiel, presidente da Atari Corpo­
ration, também fez uma declaração:
— A Nintendo tem demonstrado desprezo pela concorrên­
cia livre e justa nos Estados Unidos.
A Tengen tentou explicar o assunto numa declaração pu­
blicada alguns dias mais tarde:
O monopólio da Nintendo, como todos os monopólios, faz as leis
de oferta e demanda. Ao deixar a concorrência de fora e controlar
não apenas o volume como também a distribuição dos jogos, a em­
presa, e não o consumidor, decide quais games serão mais populares.
O sistema de distribuição da Nintendo permite-lhe regular os lucros
das concessionarias e revendedoras, coisa que deveria ser feita pelo
próprio mercado. Dessa forma, manufaturar seus próprios produtos
e entrar com uma ação contra a Nintendo foram as únicas formas
que a Tengen e a Atari Games encontraram para satisfazer a demanda
por seus produtos e dirigir seus próprios destinos.
Na carta detalhada, de 11 páginas, que Eckart mandou ao
chefe do setor de leis antitruste do Departamento de Justiça,
James Rill, o deputado, dizia que a Nintendo suprimira a com­
petição, bloqueando os cartuchos dos concorrentes a fim de
fazer contratos de concessão com produtores de software.
O resultado é o seguinte: só existe um jogo na cidade, escreveu
Eckart. O senhor deixou transparecer, num discurso recente, sua
preocupação com a crescente percepção pública de que as leis
antitruste perderam seu propósito e sua potência. Aplaudo sua
intenção de aumentar a força de nossas leis antitruste e peço sua
atenção para os campos da alta tecnologia e da propriedade intelec­
tual.
Respondendo às perguntas da imprensa, uma mulher, por­

312
FIM DE JOGO

ta-voz do Departamento de Justiça, disse que a investigação


começaria de imediato.
Meses mais tarde, no dia 3 de maio de 1990, Eckart foi
chamado para falar em outra subcomissão, dirigida por Jack
Brooks, congressista do Texas. O grupo pesquisava violações
das leis antitruste dos Estados Unidos por governos estran­
geiros, especificamente do Japão, e analisara o sistema de dis­
tribuição de lá, um clube fechado que nos Estados Unidos
seria declarado ilegal.
Brooks, cerimoniosamente, chamou o colega à tribuna para
discutir os resultados de sua investigação na Nintendo. Eckart
elucidou os aspectos ligados às leis antitruste de sua análise
e mostrou-se alarmado com os riscos, considerados altos. Na
época, 18 milhões de famílias possuíam o NES.
— Como conseguiram entrar em nossos lares? — perguntou
ele histrionicamente, e fez uma pausa. — Passando pelos co­
rações de nossas crianças, eis como! (...) e agora é possível
transformar aquele videogame num computador doméstico
de baixo nível (...) No Japão, eles significam uma ameaça à
indústria da informática barata e, por dominar 80 por cento
do mercado, estão na posição apropriada para fazer a mesma
coisa aqui. Isso, em si, é mau? Não. A menos, naturalmente,
que eles controlem a programação através do chip de segu­
rança, essa barreira física artificial.
Eckart respondeu às perguntas que lhe fizeram sobre o chip
que funcionava como fechadura e sobre o "pacote".
— Muitos anos atrás, não aceitamos que a IBM vendesse
seus programas junto com o hardware. E agora, em todos os
anúncios, vemos "compatível com o IBM", ou "compatível com
o Apple". Eles se gabam do fato de os programas serem usados
em qualquer aparelho. Isso não acontece com os videogames.
Entretanto, se permitirmos que eles mantenham fechado esse
portão no hardware, esse chip, o que acontecerá ao princípio
que estabelecemos com a IBM na década de 60? Dissemos o
mesmo à AT&T, se estão lembrados. Não deve haver limita­
ções de hardware ao acesso de informações. Essa tem sido a

313
OS MESTRES DO JOGO

política do nosso governo, conduzida por diversos presidentes.


E agora, senhor, é sua vez de dizer que queremos acesso, que
queremos oportunidades.
Depois, Eckart perguntou:
— Se é possível transformar um brinquedo num computa­
dor, o que acontecerá a seguir?
Antes de concluir, ele observou que as companhias dos Es­
tados Unidos eram tratadas de forma diferente das estrangei­
ras — tão diferente que as empresas de fora tinham pouco a
temer da corrente aplicação das leis antitruste — e implorou
que o Congresso agisse contra a Nintendo.
Quando Dan Van Elderen testemunhou diante da mesma
subcomissão, tentou evitar críticas ao Japão, dizendo que não
tinha nada contra o país, que o presidente de sua empresa
era Hideyuki Nakajima, um cidadão japonês, e que apenas
uma companhia representava todo o problema: a Nintendo.
Afirmou que ela fizera um "sucesso louco", mas disse acreditar
que aquela prosperidade era gerada pela prática de monopólio
ilegal, conseguido às custas dos consumidores e dos concor­
rentes. A Nintendo eliminara a concorrência e o conceito de
mercado livre no setor de videogames domésticos.
Van Elderen citou Bill White, que, segundo o Los Angeles
Times, fora o autor das seguintes palavras:
As companhias norte-americanas não jogam um jogo bruto como
esse. Aqui, divide-se o bolo, mas no Japão é diferente: os vencedores
ganham e os perdedores perdem.
Era a reafirmação da filosofia de Hiroshi Yamauchi, para
quem apenas uma empresa podia ser forte.
Sobre o assunto do "pacote", Van Elderen citou um artigo
saído na Computer Lawyer:
Desde que a IBM deixou de "empacotar” hardware e software,
em 1969, a indiístria aceitou o dogma de que esses são dois domínios
separados. Agora, éconsiderado tabu um manufaturador de hardware
impor condições, através de patentes, direitos autorais ou de qualquer
outra maneira, ao software que será usado em seu aparelho, ou,
então, impedir que outros produzam e vendam esse software. A não

314
FIM DE JOGO

ser pelo negócio de videogames (controlado pela Nintendo), todo o


segmento do hardware tem um fornecedor principal capaz, na pri­
meira oportunidade, de usar sua posição no mercado e/ou poder
financeiro para suprimir a concorrência.
A Nintendo, por controlar a manufatura do software, está em
situação de determinar que produtos devem ser produzidos, quantos
títulos e quantas unidades devem aparecer no mercado e o total de
jogos a ser colocado à disposição dos consumidores.
Van Elderen também repetiu a queixa de um anônimo che-
fe-executivo de uma companhia de software: "Estamos nas
mãos deles. Eles podem nos levar ao sucesso ou nos arruinar,
da noite para o dia".
Van Elderen continuou, declarando que era como se a Ford
Motor Company impusesse que apenas gasolina Ford fosse
usada em seus veículos, ou que a Sony só aceitasse fitas de
vídeo produzidas no Japão para aparelhos de videocassete
Sony.
As audiências continuavam quando o Departamento de Jus­
tiça ordenou que o caso Nintendo fosse dirigido pela FTC
(Comissão Federal de Comércio). Em colaboração com procu-
radores-gerais de vários estados, a FTC iniciou suas investi­
gações sobre a acusação de que a Nintendo fixava seus preços
e sobre as implicações da tecnologia "fechadura-e-chave". Essa
investigação arrastou-se por mais de 1 ano.
Houve muita preocupação com os possíveis resultados des­
se inquérito na sede da NOA, em Redmond, porque eles po­
deríam ser uma ameaça ao domínio da Nintendo nos Estados
Unidos. Hiroshi Yamauchi, no Japão, via as coisas de modo
diferente. Para ele, a FTC e as leis antitruste norte-americanas
eram "uma inconveniência" que precisava ser contornada. Con­
tudo, não desprezava a hipótese de um desastre, e isso fez
com que ele e Arakawa começassem a pensar em outros mer­
cados, se o pior acontecesse. A Nintendo já planejara intensi­
ficar seu avanço na Europa e o espectro do problema criado
nos Estados Unidos levou-a a apressar a invasão. Iria para lá

315
OS MESTRES DO JOGO

se lhe fosse negada a participação na mina de ouro norte-


americana.
No dia 22 de outubro de 1990, Greg Zachary, no The Wall
Street Journal, revelou a decisão da NOA de diminuir as res­
trições às concessionárias. Essa decisão fora anunciada numa
circular distribuída no começo do mês.
Zachary observou que a decisão de fazer mudanças — que
finalmente permitiram que algumas concessionárias fabricas­
sem seus próprios jogos — relacionava-se à instauração da
investigação da FTC. Por todos os lados ouvia-se que a Nin­
tendo estava em apuros.
De fato, os registros da Nintendo e de mais ou menos meia dúzia
de suas maiores concessionárias foram examinados nas últimas seis
semanas.
A Nintendo confirmou que abrira mão de sua política res­
tritiva. Zachary:
A NOA negou ter tomado aquela providência — que não foi
publicamente anunciada — para acalmar as críticas do governo e
dos concorrentes, que a acusam de impedir a entrada de outros em
seu negócio para manter os preços, e os lucros, artificialmente altos.
Os detalhes do contrato para fabricação de jogos revelavam
que apenas algumas concessionárias poderíam fazer seu pró­
prio software. E com a condição de comprar chips da Nin­
tendo. Além de vender os componentes, a NOA ainda cobraria
caro pelos direitos de patente. Mais tarde, Howard Lincoln
admitiu que a companhia ganhara tanto dinheiro quanto antes,
embora o afrouxamento das restrições fosse uma troca em
termos de lucro para a Nintendo, pois as concessionárias viam-
se obrigadas a comprar os chips de segurança e pagar pelos
direitos de patente (20 por cento). Entretanto, essa diminuição
nas restrições fez com que as concessionárias tivessem um
pouco mais de controle sobre seus próprios destinos.
A Nintendo também anunciou que rescindia as cláusulas
de exclusividade. As concessionárias já podiam lançar jogos
para o NES e, digamos, também para o Sega, sem ter de esperar
2 anos. Essas mudanças, alegou a NOA, deviam-se à qualidade

316
FIM DE JOGO

dos jogos, que fora mantida, e à Nintendo Power, que funcio­


nava como elemento uniformizador: as empresas que conti­
nuassem a produzir jogos de alta qualidade ganhariam a aten­
ção dos consumidores através da revista. Um revendedor du­
vidou dessa alegação, dizendo que a Nintendo mudara seu
modo de agir acuada por uma eficiente intimidação legal.
— Nós não vamos fazer jogos para aparelhos concorrentes
porque sabemos que a Nintendo se vingará, de um jeito ou
de outro — afirmou o representante de uma concessionária.
Van Elderen garante que as mudanças foram uma prova
da culpa da Nintendo. Suspeita até mesmo que a FTC tenha
forçado as novas regras. A NOA nega e a FTC recusa-se a
fazer comentários.
O novo comportamento da Nintendo pode de fato ter sido
resultado de um trato com a FTC, ou, simplesmente, um jeito
de evitar perdas, no caso de uma das duas Atari ganhar a
causa. Se o contrato de concessão era ilegal, presumia-se que
todas as concessionárias poderiam processar a NOA por res­
trição ao comércio e outros danos. A exposição desses fatos
custaria bilhões de dólares.
O afrouxamento das restrições também pode ter sido um
recado à juíza Smith, que cuidava dos casos da Atari Games
e da Atari Corporation. Nesse recado, a Nintendo estaria di­
zendo: "Veja, estamos ficando bonzinhos". Na realidade, nada
mudara muito. As empresas autorizadas a fabricar seus pró­
prios jogos eram as grandes concessionárias, aquelas que, para
começar, tinham bom relacionamento com a companhia japo­
nesa. Estavam tão enredadas nos negócios dela que jamais se
posicionariam contra seus desejos, estipulando preços ou lan­
çando jogos em demasia. A Nintendo ainda exercia enorme
influência, classificando jogos e optando por apresentá-los, ou
não, na Nintendo Power e em outros meios de comunicação.
No caso de as coisas começarem a ir mal, bastava fornecer
um suprimento pequeno dos chips essenciais. Além disso, ain­
da tinha como influenciar os revendedores.
* * *

317
OS MESTRES DOJOGO

A primeira investigação da FTC, tornada pública em abril


de 1991, focalizou a acusação de fixação de preços. Conduzida
em colaboração com os procuradores-gerais dos estados de
Nova York e Maryland, tentou determinar se era verdade que
a Nintendo mantinha os preços de seus hardware e software
artificialmente altos, forçando a fixação de preços uniformes
e punindo as empresas que ofereciam descontos.
Não teria havido guerras de preços nos primeiros anos de
atuação da NOA porque, alegava-se, ela simplesmente as proi­
bia. As lojas tentaram dar descontos para o NES e os jogos,
mas a Nintendo as fez parar. Uma cadeia de lojas baixou o
preço em poucos centavos e anunciou isso nos jornais de do­
mingo. Um concorrente telefonou à NOA, que imediatamente
cortou o fornecimento para a empresa que oferecera o des­
conto. O concorrente telefonou mais uma vez e perguntou a
Peter Main:
— Agora posso ficar com a parte deles?
Centenas de lojistas foram ouvidos pelos investigadores da
FTC, assim como representantes das concessionárias e das dis­
tribuidoras. Sem a proteção do anonimato, providenciada pela
FTC, as críticas à Nintendo praticamente inexistiam. Diz o
gerente de uma cadeia de lojas de brinquedos que falou com
os investigadores da FTC:
— O negócio com a Nintendo funcionava assim: eles eram
encantadores e alegres com quem obedecia às suas regras,
mas capazes de arrancar o fígado de quem os aborrecesse.
A sobrevivência de muitos lojistas dependia de entregas
regulares dos produtos Nintendo e eles não podiam dar-se
ao luxo de deflagrar uma guerra de preços, pois a NOA, em
represália, cortaria o fornecimento.
— Os lojistas não são advogados especializados em leis an­
titruste — disse Dennis Wood, da Atari Games. — O que
podiam fazer?
Quando, em fevereiro de 1990, a FTC e os procuradores-
gerais responsáveis pelo reforço das leis antitruste, nos cin-
qüenta estados, interrogaram a Nintendo a respeito da fixação

318
FIM DE JOGO

de preços para revenda, Howard Lincoln diz que colaborou


plenamente.
— Eles quiseram ver tudo — explica. — Queriam com­
preender nosso negócio.
Um ano depois, alguns advogados avisaram à NOA que
havia problemas à vista.
— Seus revendedores talvez tenham ido longe demais —
um deles informou.
John Kirby aconselhou Howard Lincoln a marcar uma reu­
nião com a FTC.
No encontro, Lincoln soube que a FTC estava preparada
para tomar providências, a menos que a Nintendo assinasse
um acordo chamado "resolução de consentimento". Ele, Kirby
e Arakawa decidiram que assinar o documento seria "acabar
com tudo aquilo", inclusive com a investigação efetuada pelos
estados. Em reuniões subseqüentes com representantes dos
estados de Nova York e Maryland, foi sugerida como solução
a emissão de cupons de reembolso, a ser oferecidos aos con­
sumidores — essencialmente àqueles que haviam pago a mais
pelos produtos.
No acordo, a Nintendo prometeu parar com a prática de
fixação de preços, não reduzir o fornecimento aos revende­
dores nem impor normas de crédito diferentes ou excluir aque­
les que não aceitassem os preços mínimos sugeridos. Também
concordou em não pedir que os revendedores denunciassem
concorrentes que oferecessem produtos abaixo do preço de
revenda sugerido pela NOA. Mais ainda, teve de expedir uma
circular, avisando os revendedores de que dali por diante eles
poderíam anunciar e comercializar seus produtos como qui­
sessem, sem que isso acarretasse qualquer reação adversa por
parte da Nintendo.
Na mesma ocasião da entrevista à imprensa, em Washing­
ton D.C., em 10 de abril de 1991, o gabinete do procurador-
geral do estado de Nova York, Robert Abrams, fez uma de­
claração forte:
Pela primeira vez, em mais de uma década, a FTC uniu-se à luta

319
OS MESTRES DO JOGO

contra a fixação vertical de preços por manufaturadores e revende­


dores. Os representantes da Nintendo verificavam as vendas a varejo
para ter certeza de que os lojistas os obedeciam, no tocante aos preços.
Os que protestavam contra essa pressão eram ameaçados com de­
mora na entrega dos jogos e redução no fornecimento de aparelhos
(...) A Nintendo não se satisfez em ser a maior vendedora do melhor
jogo eletrônico para crianças e adolescentes do país. Coagiu alguns
dos maiores lojistas da nação a manter o preço de seu aparelho básico
de videogame em 99,99 dólares.
Abrams declarou que a Nintendo ameaçara os comerciantes
que tinham baixado o preço em meros seis centavos, pois de­
sejava "extrair até a última gota de lucro". Disse que estava
mandando um recado que deveria "alcançar não só as dire­
torias de empresas norte-americanas mas também as do Japão
e de todos os países que tinham negócios nos Estados Unidos".
A parte incrível foi a penalidade imposta à NOA. Abrams
anunciou que quem tivesse comprado um NES, de 1Q de junho
de 1988 a 31 de dezembro de 1990, ganharia um cupom va­
lendo 5 dólares de desconto em qualquer produto Nintendo.
A NOA tinha de devolver no mínimo 5 milhões de dólares,
e no máximo 25 milhões, em cupons. Em resumo, foi forçada
a oferecer uma negociação que Peter Main poderia ter inven­
tado num dia de grande inspiração. Era, pura e simplesmente,
uma promoção que incentivaria os clientes a comprar milhões
de jogos. Era também um indício de que a ação do governo
contra a empresa revelava-se muito frágil.
Um editorial na Barron's, em dezembro de 1991, criticava
a FTC e não a Nintendo. O artigo dizia:
O acordo foi declarado uma vitória. Abrams disse que se tratava
de um recado para todo o país, avisando que não toleraríamos esse
tipo de pratica perniciosa que tira milhões de dólares dos bolsos dos
consumidores. Na verdade, foi uma vitória para Abrams, que ar­
ranjou para que os cupons expedidos pela Nintendo (no estado de
Nova York) fossem anexados a uma carta de congratulação a ele
num momento em que sua campanha como candidato a senador
estava em andamento. Por outro lado, os consumidores tiveram de

320
FIM DE JOGO

gastar de 20 a 70 dólares em produtos Nintendo para gozar o desconto


de 5 dólares (...) Robert Abrams e as legiões de advogados caçadores
de trustes se ocupariam mais produtivamente jogando Super Mario
Bros 3 do que lidando com casos desse tipo.
A despeito de o acordo ter sido relativamente indolor para
a Nintendo, Dennis Wood, da Atari Games, numa entrevista
à imprensa, declarou que a decisão da FTC fora uma com­
provação de culpa.
— A FTC chegou à conclusão a que já chegamos muito
tempo atrás: a Nintendo construiu seu negócio com atividades
ilegais.
Na entrevista que deu à imprensa, porém, Howard Lincoln
enfatizou que o acordo fora feito a fim de evitar longas batalhas
judiciais e de manter a boa reputação junto aos consumidores.
— Estávamos preocupados com o modo como nossos clien­
tes encarariam as alegações contra nós. — Contudo, não ad­
mitiu que o acordo fora uma dádiva. — Ficamos muito em­
baraçados. Embora não tivéssemos culpa, foi doloroso ouvir
a acusação de que fixávamos preços.
Depois que o acordo foi divulgado, a NOA cumpriu sua
penitência, expedindo cartas, avisando que não mais faria su­
gestões de preço e lembrando os revendedores que eles esta­
vam livres para cobrar o que quisessem pelos produtos. A
empresa também instruiu seus vendedores e promotores.
— Deixamos claro como cristal, para todos os funcionários,
que aquele que violasse alguma lei antitruste seria demitido
— conta Lincoln.
A FTC, porém, ainda não largara a Nintendo. As investi­
gações sobre a política de concessão e o chip de segurança
continuavam. Uma fonte bem-informada insinuou que o go­
verno esperava o resultado das questões antimonopólio das
duas Atari para determinar se a NOA era culpável. Se fosse,
a FTC cairia em cima dela com unhas e dentes. Se não fosse,
a investigação morrería ali.

Apesar das descobertas dos processos judiciais e da FTC,

321
OS MESTRES DO JOGO

algumas dúvidas importantes permaneceram. Primeira: a con­


corrência deveria ser regrada por leis e fazer disputas fora do
mercado? Segunda: demanda em juízo faria parte do contra-
ataque norte-americano às companhias japonesas?
— Ninguém reclamava quando éramos pequenos — diz
Arakawa.
Peter Main é categórico ao dizer que a Nintendo foi vítima
da guerra comercial.
— Se ela fosse norte-americana, ninguém teria aberto a boca
para dizer coisa alguma.
Greg Fischbach, da Acclaim, concorda:
— Foi um ataque aos japoneses.
Companhias não-japonesas também foram visadas pela
FTC. A Microsoft, vizinha da Nintendo em Redmond, estava
sob investigação, mas a acusação de fixação de preços foi er­
guida exclusivamente contra uma série de empresas japonesas,
incluindo a Panasonic, a Mitsubishi e a Minolta. Todas foram
consideradas culpadas.
O novelista Michael Crichton explorou a tensão existente
nas relações comerciais entre os Estados Unidos e o Japão em
seu livro Rising Sun (Sol Nascente), obra popular de propa­
ganda que citou fatos e foi a campeã de vendas de 1992. O
executivo criado por Crichton, Nakamoto, está para ser en­
trevistado por jornalistas.
— Vamos fazer uma serie de reportagens sobre impostos — diz
um repórter. — O governo finalmente está percebendo que as com­
panhias japonesas fazem um bocado de negócios aqui, mas que não
pagam muitos impostos aos Estados Unidos. Algumas não pagam
nada, o que é ridículo. Controlam seus lucros, aumentando os preços
dos subcomponentes que suas montadoras importam. Isso é ultra­
jante, mas, naturalmente, o governo nunca teve pressa em punir o
Japão e os japoneses gastam meio bilhão de dólares por ano, em
Washington, para manter todo o mundo calado.
— Vão fazer uma história sobre impostos? — pergunta o pro­
tagonista de Crichton, um agente especial da polícia.
— Vamos. E estamos de olho em Nakamoto. Meus informantes

322
FIM DE JOGO

vivem me dizendo que ele vai ganhar um processo por fixação de


preços. "Fixação de preços " é o nome do jogo para as companhias
japonesas. Consegui uma lista das que já foram processadas: Nin­
tendo, em 1991, por fixar preços dos jogos; Mitsubishi, naquele mes­
mo ano, por fixar preços dos televisores; Panasonic em 1989 e Minolta
em 1987. E sabemos muito bem que essa éapenas a ponta do iceberg.
Mais tarde, o policial de Crichton, ao discutir o assunto
com seu parceiro, vê a situação de outro ângulo.
— Mas fixar preços é ilegal — argumenta o agente especial.
— Nos Estados Unidos. No Japão énormal — explica o parceiro.
— Fazem tudo através de acordos secretos... Os norte-americanos
bancam os moralistas nessa questão de conluios em vez de vê-los
como um jeito diferente de fazer negócios.

Um produtor de jogos que trabalhou para a NOA disse,


mantendo-se no anonimato:
— A Nintendo exerce monopólio sobre a produção, a re­
venda e a manufatura (...) Só escapa ilesa porque não existe
concorrência. Se existisse, os produtores não concordariam em
deixar que outras pessoas controlassem a manufatura, a en­
trega do produto e tudo o mais. Não deixariam que a Nintendo
cobrasse adiantado.
A NOA pode ter tido suas razões para manipular o produto
feito para seu aparelho, mas essa manipulação era ilegal, fos­
sem quais fossem as intenções. Em parte, o motivo pelo qual
a empresa limitava o número de títulos que as concessionárias
podiam lançar era evitar que outra companhia adquirisse po­
der significativo junto aos revendedores — da mesma maneira
como certas empresas tentaram impedir a formação de sindi­
catos. Ela não queria coalizões. Isso as forçava a produzir tí­
tulos exclusivos para o NES. Claro que eram livres para es­
colher outras empresas. Mas qual delas iria se dar ao luxo de
não optar pela Nintendo? Naturalmente, a grande maioria a
escolheu, apesar de os direitos sobre sua patente serem des­
proporcionalmente caros, o que mantinha os preços altos.

323
OS MESTRES DO JOGO

A Nintendo também amarrou os produtores com a máquina


legal de Howard Lincoln.
— Depois que uma empresa assinava contrato com eles,
ficava em suas mãos — diz o produtor anônimo.
Isso acontecia porque a assinatura do contrato era o reco­
nhecimento legal da validade das patentes da Nintendo, além
de dar acesso às informações confidenciais necessárias à pro­
dução dos jogos. A NOA proibia suas concessionárias de aban­
donar o navio depois do acordo assinado. Levava as rebeldes
ao tribunal — como fizera com a Atari Games — alegando
que poderíam tornar-se concorrentes se resolvessem explorar
as informações que lhes eram fornecidas por força de contrato
— e que lhe pertenciam.

Durante anos a Nintendo tentou impedir o florescimento


da locação de jogos. Levou a maior empresa locadora, a Block­
buster, ao tribunal, e contratou Massey, da Hill & Knowlton,
para tentar fazer com que a considerassem ilegal, enquanto
procurava acabar com o aluguel por meio de coerção e amea­
ças.
Recusava-se a vender jogos diretamente para as locadoras,
mas elas os adquiriam nas lojas, como qualquer outro cliente
— só que em quantidades maiores. Os usuários, então, podiam
alugar Super Mario Bros. 3 ou Dr. Mario por alguns dólares
em vez de gastar 40 ou 50 na compra de um game. Para im­
pedir as locadoras de adquirir jogos nas lojas, alguns dos maio­
res distribuidores adotaram a política de proibir vendas muito
grandes de um só jogo. Mas, ao menos num dos casos docu­
mentados, alguém da própria Nintendo ameaçou a locadora
de represália.
A Try Soft of America possuía quiosques em shoppings de
Seattle, onde só vendia jogos para o NES. Brent Weaver, ge­
rente de marketing e vendas da NOA, mandou um memo­
rando à Try Soft, em 15 de junho de 1989, no qual dizia:
Nós, da NOA, estamos muito preocupados com as lojas que minam
nosso negócio, alugando cartuchos a clientes. Achamos que isso di­

324
FIM DE JOGO

minui o valor deles aos olhos dos consumidores e reduz nossas vendas.
Durante uma recente reunião com altos executivos da NOA, a Try
Soft prometeu seguir a política de limitar a quantidade dos jogos
vendidos em todas as suas lojas e por encomenda postal.
Daqui por diante, os clientes não poderão comprar mais do que
dois produtos Nintendo, tanto de software como de hardware. Não
haverã exceção a essa regra, o que inclui o faturamento múltiplo.
Não venda mais do que dois produtos da NOA a qualquer cliente
ou a empregados de locadoras de fitas de vídeo (...) Se dois funcio­
nários de uma dessas lojas forem juntos até você, não lhes venda
quatro títulos iguais. Estamos, em essência, negando nossos produtos
às locadoras. Nossa política em relação aos produtos manufaturados
por concessionárias é muito mais complacente. Todos os meses, você
recebera uma lista dos jogos cuja venda será limitada a duas unidades
por cliente. Para os outros esse limite subirá para 10.
A Nintendo está observando atentamente as vendas e quem não
aderir a essa política terá o fornecimento drasticamente reduzido. A
não-observação dessas recomendações resultará em reprimenda (...)
Essa política entra em vigor imediatamente.
Embora Howard Lincoln negasse a veracidade do memo­
rando e mandasse uma carta à Try Soft explicando que tudo
não passara de um mal-entendido, o documento fez parte das
provas que indicavam o controle sem limites da NOA. Algo
mais do que fixação de preços parecia estar acontecendo. A
questão era se, e em que caso, a Nintendo infringia a lei. O
memorando à Try Soft revelou que pelo menos algumas pes­
soas da NOA procuravam proteger seu próprios jogos e não
se mostravam muito preocupadas com os das concessionárias.
Além disso, o controle sobre os games das licenciadas não
tinha muita consistência: uma lista determinaria quais pode­
riam ser vendidos em quantidades maiores ou menores. A
afirmação feita pela Atari Games de que as concessionárias
não eram tratadas da mesma forma — a despeito do que Ho­
ward Lincoln, Minoru Arakawa e Peter Main alegavam — foi
claramente reforçada pelo memorando.
As implicações desse controle rígido, legal ou ilegal, exer-

325
OS MESTRES DO JOGO

cido pela Nintendo, foram debàtidas acaloradamente. Algu­


mas pessoas do setor concordavam em que a NOA era contra
a competição e portanto antinorte-americana, enquanto outras
achavam que a companhia exercia controle legal na adminis­
tração de um negócio que já fora quase destruído. Publica­
mente, as concessionárias concordavam com a Nintendo; as
empresas que não tinham vínculos com ela discordavam. Uma
das vozes discordantes acabou se tornando licenciada e passou
a dizer amém à política da NOA.
Jim Mackonochie, que dirigira a companhia de software de
Robert Maxwell, a Mirrorsoft, antes de ir para a Commodore
International, acreditava que tais práticas monopolizadoras
podiam atrofiar o setor.
— Era como se um escritor que não possuísse um prelo
não pudesse publicar livros. Nossa civilização seria muito mais
pobre. Na indústria da computação, as idéias mais criativas
nascem quando pequenos grupos, não necessariamente liga­
dos a grandes companhias, reúnem-se para trabalhar. Os me­
lhores jogos, como Tetris, Bamboozle, Dungeon Master, foram
inventados por uma pessoa só ou por equipes pequenas. A
política da Nintendo poderia impedir o trabalho dos projetistas
mais criativos, o que talvez significasse a morte da indústria.
Era mais provável que a política da Nintendo significasse
a morte dos concorrentes. Um analista industrial opina:
— Acho que os processos judiciais e o governo não fizeram
muito. O fato é que não conseguem parar a Nintendo porque
as tentativas são fracas. Parece que ninguém consegue.
Outro veterano da indústria diz que admira Arakawa, Lin­
coln e Main e declara:
— Eles quebraram todas as leis antitruste e antichantagem
e saíram incólumes. Nunca se viu ninguém como eles nos
Estados Unidos.
A Nintendo seguiu em frente, sem nenhum arrependimento,
e o acordo sobre a fixação de preços permitiu-lhe negar a
própria culpa. Da mesma forma, negou as acusações de exercer

326
FIM DE JOGO

monopólio e reprimir o comércio, assim como jamais recuou


em sua decisão de manter o restritivo sistema de segurança.
— Fizemos uma escolha e descobrimos que estávamos cer­
tos — disse Hiroshi Imanishi.
— O chip fez exatamente o que desejavamos que fizesse
— acrescentou Arakawa. — Foi por causa dele que consegui­
mos manter uma lista tão boa de jogos, e isso levou os con­
sumidores a confiar no nosso selo de qualidade.
Howard Lincoln diz que a tática descrita no memorando
enviado à Try Soft só mostra que certos indivíduos ligados à
empresa foram longe demais. Não prova culpa nenhuma. Sim­
plesmente os obriga a cobrir todas as bases, a fim de ganhar
tanto dinheiro quanto possível.
— Existe algo mais norte-americano do que isso?
O responsável por uma das concessionárias acredita que
grande parte do ressentimento contra a Nintendo foi gerado
pela inveja.
— As únicas que estão gritando são as prejudicadas pelo
sucesso da NOA. Nakajima e Wood jogaram os federais em
cima de Arakawa, embora seu único crime tenha sido fazer
o melhor que podia pela matriz japonesa e pelos acionistas
da NCL. Muitos de nós não esquecem que a Atari, a que mais
grita, é a mesma companhia que destruiu a indústria de vi­
deogames. A Nintendo foi mais forte e mais esperta. Essa é
a questão.
Isso explica, em parte, por que a batalha entre o Japão e
os Estados Unidos encarniçou-se, com a Nintendo na linha
de frente. Por diversas semanas, no começo de 1992, quando
Yamauchi tentou comprar o Mariners de Seattle, aparecendo
nas manchetes dos jornais, a companhia ficou na mira de ob­
servadores, nos dois lados do Pacífico. Em Tóquio e Osaka,
o "ataque” à Nintendo representou a hostilidade dos Estados
Unidos contra o Japão. Artigos na imprensa norte-americana
indicaram que os Estados Unidos estavam, finalmente, de­
marcando os limites. Numa paródia de O Japão Que Sabe Dizer
"Não", de Akio Morita e Shintaro Ishihara, os Estados Unidos

327
OS MESTRES DO JOGO

estavam dizendo "não” ao Japão: "não” ao fabricante japonês


que conseguira um contrato de 122 milhões de dólares para
construir bondes para a Secretaria de Transportes da Comarca
de Los Angeles (o contrato depois foi para uma empresa de
Idaho); "não” aos tratores japoneses, em favor de John Deeres;
"não” até mesmo a Kristi Yamaguchi, a patinadora olímpica,
que recebeu poucas ofertas para promover produtos — algo
que os atletas com medalha de ouro geralmente recebem —
porque, de acordo com a National Public Radio, era "etnica-
mente errada”; e, finalmente, "não” a Hiroshi Yamauchi em
sua pretensão de intrometer-se no passatempo norte-america­
no.
Numa entrevista ao The New York Times, o presidente da
Nintendo tentou explicar que seu interesse pelo Mariners era
seu jeito de dar alguma coisa ao país que o tornara tão rico.
Explicou que os empresários de Seattle, o governador de Was­
hington e um dos senadores do mesmo estado tinham solici­
tado que ele fizesse uma oferta. (O proprietário do time, na
época, estava planejando transferir o Mariners para St. Peters­
burg, Flórida.) Contudo, a "benevolência” paternalista de Ya­
mauchi era a última coisa que os norte-americanos queriam:
não precisavam da caridade dos japoneses.
Ainda assim, a opinião pública, no noroeste do Pacífico,
apoiava a pretensão de Yamauchi. A comissão de beisebol
recebeu cartas dizendo que a decisão de não vender o time
ao japonês era racista e injusta. A liga principal de beisebol
queria um proprietário local e Arakawa morava em Seattle.
De qualquer forma, o beisebol não era um esporte exclusiva­
mente norte-americano, porque os canadenses tinham recebido
permissão para formar times desde os anos 60.
Por outro lado, um missivista, na tentativa de provar que
Yamauchi seria um proprietário indesejável, acusou a Ninten­
do de racismo. Afirmou que ela discriminava principalmente
os negros. Um funcionário chamado Carey Wiggins, afro-ame-
ricano formado em marketing, foi o primeiro a corroborar a
acusação. Ele se mudara para Seattle e fora para o armazém

328
FIM DE JOGO

da Nintendo como trabalhador temporário. Nove meses mais


tarde, continuava no mesmo posto, sem nenhum benefício e
nenhuma promessa de ser efetivado, a despeito do fato de
outros trabalhadores menos qualificados, que estavam lá há
menos tempo, já terem sido admitidos como efetivos. Wiggins
declarou que foi passado para trás muitas vezes em favor de
trabalhadores mais jovens e menos experientes, mas brancos.
Em abril de 1990, Tim Healy, do Seattle Times, escreveu
uma série de artigos sobre as acusações de discriminação que
pesavam sobre a NOA e registrou a alegação de Howard Lin­
coln de que o explosivo crescimento da empresa tornara difícil
encontrar empregados qualificados, de qualquer raça. Wig­
gins, todavia, não aceitou a desculpa. Fez parte de um grupo
revoltado de 25 empregados afro-americanos que acusou a
NOA de discriminação racial na admissão e promoção de fun­
cionários. Eles procuraram uma organização de vigilância con­
tra discriminação, o Seattle Core Group, que abriu uma in­
vestigação e descobriu que havia apenas de trinta a 35 negros
num total de 1.500 a 1.600 funcionários. Desses, apenas um
ocupava cargo de gerência.
Healy escreveu que essa prática era comum nas outras sub­
sidiárias norte-americanas de companhias japonesas e citou
uma pesquisa segundo a qual as fábricas de veículos japonesas
nos Estados Unidos localizavam-se em áreas onde a população
negra era pequena. Processos alegando discriminação já ti­
nham sido abertos contra mais de meia dúzia de subsidiárias
de companhias japonesas em território norte-americano. A
Honda e a Nissan pagaram, respectivamente, 600 mil e 6 mi­
lhões de dólares para serenar a investigação efetuada pela
EEOC (Comissão de Oportunidades Iguais de Trabalho). Entre
as companhias acusadas de racismo estavam a Toyota, a Se­
guros Nikko e o Banco Sumitomo. No caso dos videogames,
era verdade que muitos jogos recebidos do Japão tinham de
ser modificados para se tornar aceitáveis nos Estados Unidos:
os vilões, nesses jogos, freqüentemente eram negros ou tinham
pele escura.

329
OS MESTRES DO JOGO

Havia também queixas sobre piadas ofensivas aos negros,


contadas pelos funcionários brancos e japoneses da Nintendo»
De acordo com o diretor do Core Group, os afro-americanos
"recebiam várias insinuações de que não eram bem-vindos na
empresa".
O Core Group pediu uma entrevista com Arakawa. Depois
que a agência de empregos estadual foi envolvida, ele con­
cordou em encontrar-se com o Core Group e representantes
de outros grupos de Seattle preocupados com discriminação.
Fez um discurso compassivo, dizendo que ele próprio fora
vítima do racismo, e alegou que a Nintendo começara a orien­
tar seus empregados no sentido de evitar discriminação no
local de trabalho, prometendo iniciar um plano para maior
representação dos grupos minoritários.
O estado de Washington parou de mandar para a Nintendo
pessoas em busca de emprego, embora Phil Rogers contestasse
as estatísticas do Core Group. Ele insistia em afirmar que a
NOA empregava 110 pessoas de grupos étnicos minoritários,
um número que representava 14,3 por cento da força de tra­
balho efetiva. (A porcentagem incluía também os japoneses.)
Também declarou que três, e não apenas um, dos 147 gerentes,
eram afro-americanos.
Em 1991, a Nintendo revelou seu plano de iniciar um pro­
grama de maior participação dos grupos minoritários, consi­
derado inadequado pelo Core Group. Howard Lincoln defen­
deu a idéia e apontou para as medidas que a empresa tomara
para recrutar negros e outras minorias. Um porta-voz da EEOC
de Seattle disse que a NOA parecia ter corrigido o problema,
pois não tinham recebido mais queixas. O estado voltou a
mandar gente à procura de emprego à Nintendo.
Mesmo assim, quando Yamauchi fez sua oferta para com­
prar o Mariners, o chefe do Core Group, Oscar Eason, chamou
a atenção do comissário de beisebol, Fay Vincent, para o as­
sunto, escrevendo:
Esta carta expressa nossa objeção à compra do Mariners por um
grupo de investidores que inclui a NOA. Aproximadamente dois

330
FIM DE JOGO

anos atrás, mais de 95 por cento dos empregados afro-americanos


da Nintendo apelaram para nós, pedindo assistência no sentido de
acabar com as condições discriminatórias que existiam na fábrica
em Redmond, Washington (...) Por favor, compreenda que este apelo
nada tem a ver com atitudes racistas contra os asiáticos, com ataques
contra o Japão ou preconceito em relação a estrangeiros.
O pretenso racismo da Nintendo, uma acusação que já caíra
no vazio, não era a questão principal.
— Havia muita discriminação aos japoneses em Washington
D.C. — diz Howard Lincoln. — A Nintendo não tem legiões
de amigos, em primeiro lugar, porque é japonesa. E uma em­
presa de prestígio que domina grande fatia do mercado e tem
sido acusada de todas essas coisas horríveis. Temos fama de
poderosos e rígidos e entendo o ressentimento contra o Japão,
em Washington, por causa dos problemas comerciais. Digo,
como qualquer outro norte-americano, que existem barreiras
ao Japão. Mas não somos nós que estamos construindo essas
barreiras.
O que a Nintendo realmente fez foi defender seu pasto,
lutando contra as ameaças a seu crescimento contínuo com
unhas e dentes, às vezes com mais fúria do que seria neces­
sário. A idéia era matar as ameaças ainda na casca. Howard
Lincoln nunca negou que a companhia tem fama de briguenta.
Muito ao contrário.
— O lema de Lincoln é: "Faça-nos de bobos e nós o des­
truiremos" — diz um advogado amigo dele. — Fora isso, é
um cara excelente.

Para complementar seu negócio num mercado cada vez


mais competitivo, algumas locadoras de fitas de vídeo come­
çaram a alugar jogos para o NES, em 1987 e 1988, quando a
demanda era enorme. Para algumas dessas lojas, o aluguel de
cartuchos representava de 30 a 40 por cento do movimento.
Para a maioria essa porcentagem era mais baixa, mas ainda
significativa: de 10 a 15 por cento. A maior cadeia de locadoras,
a Blockbuster, teve um rendimento de 1,5 bilhão de dólares

331
OS MESTRES DO JOGO

em 1990, e provavelmente 150 milhões desse total vieram do


aluguel de jogos para o NES (a Blockbuster não quis revelar
a quantia exata).
As locadoras insistiam em dizer que isso era bom: as crian­
ças podiam experimentar os jogos antes de comprá-los. A Nin­
tendo discordava: as crianças podiam experimentar os jogos
em vez de comprá-los. Howard Lincoln diz que o sistema de
aluguel é "nada menos do que um estupro comercial".
— Gastamos milhares de horas e milhões de dólares criando
um jogo. Esperamos ser recompensados ao vendê-lo. Então,
de repente, sem mais nem menos, aparece uma modalidade
de comércio que distribui nosso produto para uma multidão
e nós não ganhamos nem os direitos autorais. As locadoras
exploram o jogo alugando-o centenas, milhares de vezes, e
nós não ganhamos nada. O inventor do game e a Nintendo
são lesados. Com quê o sujeito que aluga os jogos está con­
tribuindo? O que ele paga, em direitos autorais, para explorar
nosso trabalho, protegido por copyright? Nada de nada.
Os filmes, com seu enorme mercado no ramo de locação,
estão protegidos. Os estúdios é que decidem se, e quando,
uma fita irá para as locadoras — o que ocorre normalmente
de 6 meses a 1 ano após o lançamento. Eles já extraíram tudo
o que podiam de seus filmes quando os liberam para as lo­
cadoras. Um sistema similar poderia dar certo em relação aos
videogames. Contudo, no mesmo dia em que um jogo quente
chega às lojas, representantes das locadoras vão a elas e com­
pram o maior número de cópias possível.
A Nintendo não só recusou vendas a cadeias e lojas que
alugam filmes e jogos como pressionou os lojistas a fazer o
mesmo. Além disso, tentou levar o problema aos tribunais e
ao Congresso. Em maio de 1989, foi proposta uma lei no Se­
nado, incentivada por companhias de software como a World-
Perfect Corporation, a Microsoft e pela Software Publishers
Association (Associação dos Produtores de Software), que
proibia a locação dos software de computadores, inclusive jo­
gos para videogame.

332
FIM DE JOGO

A associação comercial das locadoras de vídeo, a VSDA


(Video Software Dealers Association), prometeu lutar contra
o projeto de lei, pois ele afetava um negócio lucrativo demais
para ser eliminado. As companhias de software para compu­
tadores e a SPA sucumbiram, nas palavras de Howard Lincoln,
e fizeram um trato com a VSDA, concordando em excluir os
videogames do projeto. Como a reversão da lei proposta re­
queria alguma justificativa, alegou-se que os jogos, ao contrário
do software baseado em disquetes flexíveis, não podiam ser
copiados. Era fácil alugar um software de computador e fazer
uma cópia em casa, mas era quase impossível copiar o Super
Mario Bros,, por exemplo, embora uma empresa de Taiwan,
a Baelih, estivesse anunciando um copiador de jogos.
Até 1989 a Nintendo não tinha representação em Washing­
ton. Apoiava-se na SPA. Entretanto, Howard Lincoln acusou
a associação de tê-los traído, exatamente como a Microsoft já
o fizera (Lincoln não foi atendido quando pediu o apoio da
MS).
Don Massey, um lobista que representava empresas como
a Gerber Products Co., em Washington, foi contratado para
tentar influenciar a votação da lei de locação de software. As
pretensões da NOA contavam apenas com o desanimado apoio
da delegação do estado de Washington. O Congresso estava
dividido: o pessoal de Redmond era favorável à Microsoft,
que queria ver a lei aprovada. Com a ajuda de Massey, a
Nintendo lutou vigorosamente. Mas, em julho de 1989, perdeu.
Então tentou conseguir uma emenda que proibisse a locação
de jogos com menos de 1 ano de lançamento. Joe Barton, de­
putado do Texas, amigo de Byron Cook (presidente de uma
concessionária da Nintendo chamada Trade West), apresentou
a proposta ao Congresso. Nova derrota. Houve mais uma ten­
tativa, a de sugerir uma lei semelhante à defendida pela in­
dústria fonográfica, que procurava acabar com a locação de
discos. Essa, porém, nunca saiu da Comissão Judiciária.
— Fomos assassinados no Capitólio — lamenta Lincoln.
Ele buscou outros caminhos para livrar-se das locadoras.

333
O S MESTRES DO JOGO

Pensou em processá-las, mas acabou concluindo que a Nin­


tendo não ganharia a causa: um princípio-chave da lei de co­
pyright, chamado "norma de primeira venda”, rezava que o
comprador de um bem podia fazer quase tudo o que quisesse
com ele. Como parecia improvável que o Congresso e os tri­
bunais proibissem a prática do aluguel, a NOA tomou outro
rumo. As locadoras embalavam os cartuchos juntamente com
fotocópias dos manuais de instrução da Nintendo (os originais,
quando alugados com os jogos, eram rotineiramente perdidos
ou rasgados). Esses manuais eram protegidos por copyright,
de modo que Lincoln abriu processo baseado nisso.
A NOA entrou com uma ação contra a maior das locadoras,
a Blockbuster, na véspera da convenção da VSDA, em agosto
de 1989. A empresa recebeu uma injunção preliminar que a
proibia de copiar os manuais. A Nintendo, depois dessa pe­
quena vitória, anunciou que processaria todos os que copias­
sem seus manuais. As locadoras contornaram a situação, pro­
duzindo instruções simples para acompanhar os jogos.
A companhia japonesa também perseguiu as locadoras de
vídeo que chamavam seus departamentos de jogos de "Centros
Nintendo” e lojas que usavam seu nome de modo genérico
(por exemplo: "Entre e compre um Nintendo"). Se não acabasse
logo com essa onda, concluiu, a palavra viraria sinônimo de
jogo para videogame. Claro que Lincoln não reclamou quando
o general Norman Schwarzkopf, numa entrevista à imprensa,
durante a guerra no Golfo Pérsico, referiu-se à Tempestade
no Deserto como "a primeira guerra Nintendo". Mas a muito
poucos era permitido tomar o nome da companhia em vão.
Os advogados de Lincoln continuaram a perseguir falsifi­
cadores, aproveitadores e fornecedores de jogos ilegais até
1992. A NOA gastou milhões de dólares com isso, às vezes
contando com a ajuda do governo norte-americano. Em mea­
dos de 1991, junto com as autoridades da alfândega, descobriu
uma imensa rede de falsários. Indivíduos associados a impor­
tantes companhias de Taiwan que manufaturavam e expor­
tavam jogos falsificados foram presos em Chicago, San José,

334
FIM DE JOGO

Los Angeles e Miami. Entre eles encontravam-se executivos


da United Microelectronics, fábrica que valia muitos milhões
de dólares e trabalhava com circuitos integrados. Ela era, na
verdade, a maior produtora de semicondutores, além de ter
como sócio o governo de Taiwan, que possuía 30 por cento
das ações. O caso poderia desencadear um incidente interna­
cional, a despeito do fato de a UM falsificar jogos e chips.
— Caímos matando — diz Lincoln. — Foi como tentar des­
mantelar uma rede de tráfico de drogas. Os pequenos são
pegos, mas os grandes escapam. Nós pegamos os chefões.
Os "chefões" eram membros de um governo que estimulava
a produção de mercadoria falsificada em fábricas enormes e
ultramodernas. A alfândega dos Estados Unidos declarou que
vinham de Taiwan 70 por cento dos computadores e produtos
eletrônicos falsos apreendidos no país entre outubro de 1990
e março de 1992. A Nintendo foi a primeira a estabelecer a
ligação entre a operação ilegal e aquele governo.
Os cartuchos de Taiwan funcionavam no NES porque "ma­
tavam" o chip de segurança. Um outro chip, especialmente
projetado, disparava um grampo de voltagem negativa num
dos pinos de energia do componente de segurança do NES.
A sobretensão, ou zap, tornava a peça insensível. O programa
se perdia, dava voltas, solto no espaço — "doidão", como ex­
plicou um técnico.
Havia até cem jogos espremidos num cartucho, vendido no
mundo todo por preços que variavam de 50 a várias centenas
de dólares. Podiam ser encontrados nas grandes cidades, em
lojas (geralmente pequenas) que comercializavam games.
No início de 1992, a Nintendo pediu ao U.S. Trade Repre­
sentative que tomasse providências contra o governo de Tai­
wan. Só em 1990 a empresa perdera mais de 1 bilhão de dólares
nas vendas por atacado. Mais de cem milhões de jogos falsi­
ficados entraram nos Estados Unidos naquele ano. A maioria
dos chips ROM que havia neles fora manufaturada pela United
Microelectronics.
A NOA também processou os lojistas que vendiam esses

335
OS MESTRES DO ] O GO

jogos ilegais e, quando possível, foi atrás de fabricantes e im­


portadores. Havia trezentos processos no Canadá e nos Esta­
dos Unidos. A Nintendo perseguia todo violador que encon­
trasse, incluindo os que vendiam games pelo correio ou em
"feirinhas" anunciadas em jornais.
A falsificação era tão grande que, mesmo que a Nintendo
fosse capaz de acabar com ela nos Estados Unidos, no Canadá
e na Europa, ainda assim não perturbaria a gigantesca rede
ilegal instalada na República Popular da China, onde quase
100 por cento dos produtos vinham de Taiwan. Os falsários,
segundo Howard Lincoln, chegaram a montar na China uma
empresa chamada Nintendo. A NOA tentou levar o assunto
ao governo chinês, em vão. Em 1992, o U.S. Representative
Trade concordou em interceder por ela.
Em San Francisco, a NOA caçou uma fábrica de brinquedos
relativamente pequena, a Lewis Galoob. Só que o motivo não
foi falsificação e sim um dispositivo periférico. A Galoob pro­
duzia uma peça (sob licença de uma empresa inglesa) que
permitia aos jogadores modificar os jogos do NES. Dessa for­
ma, Mário podia saltar mais alto, tornar-se invencível e ter
uma centena, ou até um número infinito, de vidas, à vontade
do freguês. O dispositivo, lançado nos Estados Unidos, ganhou
o nome de Game Genie.
A Nintendo alega que essa empresa procurou-a para con­
seguir uma licença para o Game Genie. A Galoob nega. Ho­
ward Lincoln afirma que sua empresa analisou a possibilidade,
mas descartou-a porque a invenção acabava com as qualidades
de muitos dos jogos para o NES.
— Cria funcionamento derivativo e não só altera os jogos,
violando os direitos autorais, como tira a graça deles, tornan­
do-os fáceis demais.
A Nintendo entrou com um processo em junho de 1990,
quando a Galoob anunciou seu plano de lançar o invento por
conta própria. A NOA argumentou que gastava milhões de
dólares na criação de jogos, que o número de vidas e as ha­
bilidades de um personagem eram essenciais ao divertimento

336
FIM DE JOGO

e que alterar esses elementos-chaves poderia destruir um bom


game. Howard Lincoln explicou:
— Quando se gasta um tempo enorme e muito trabalho
inventando um Super Mario 3, e depois o jogador consegue ir
até a fase final praticamente ’’roubando", o desafio acaba. E
nosso negócio é criar desafios.
As alterações nos games, respondeu a Galoob, eram tem­
porárias — não criavam novas versões dos jogos —, além do
que os consumidores tinham o direito de manipular as aven­
turas da Nintendo como bem entendessem.
Em junho de 1990, a NOA conseguiu uma injunção preli­
minar que bloqueou a produção e a comercialização do Game
Genie. A Galoob apelou para o Ninth Circuit, que manteve a
injunção. Em abril de 1991 houve uma audiência presidida
pela juíza Fern Smith, a mesma que trabalhava nos casos das
duas Atari, e as testemunhas — inclusive Sigeru Miyamoto,
que viajara de Quioto para lá — prestaram depoimentos du­
rante um dia inteiro.
A juíza deu ganho de causa para a Galoob. Concluiu que
o Game Genie não criava funcionamento derivativo e que,
mesmo que isso acontecesse, a fábrica estava protegida pela
doutrina de uso legítimo. Deu a ela sinal verde para colocar
o produto no mercado; as ações da empresa subiram 20 por
cento no dia em que a decisão foi publicada, a despeito de a
Nintendo ter declarado que pretendia recorrer da sentença.
Os analistas previram um aumento de 30 milhões de dólares
ao ano na receita da Galoob, 20 por cento a mais do que na
época em que o Game Genie não existia. Quinhentas mil uni­
dades do dispositivo foram encomendadas logo após o anún­
cio da decisão judicial, antes mesmo do lançamento da enorme
campanha do Natal de 1991. Oitocentas mil unidades, tudo o
que a Galoob pôde produzir, foram vendidas na Toy Fair (Feira
de Brinquedos) em fevereiro de 1992. A fábrica também criou
um Game Genie para o Sega e planejava levar ambas as versões
para Europa, Austrália e, no fim de 1992, ao Japão.
Os repórteres referiram-se à decisão da juíza Smith como

337
OS ME ST RE S DO JOGO

"a primeira rachadura na fortaleza que a Nintendo ergueu no


mercado de videogames", segundo o San Francisco Chronicle.
O Examiner publicou que "os telefonemas de felicitações co­
meçaram no momento em que o veredito foi anunciado".
— Todos adoraram — comenta Howard Lincoln. — O God­
zilla da Terra dos Brinquedos fora derrotado. O dragão fora
morto. Mas, se ganharmos na apelação, eu mesmo escreverei
uma nota para a imprensa.
(A Nintendo perdeu na apelação, em setembro de 1992.)

A NOA não foi a única a abrir processos. Algumas com­


panhias menores, como a American Video Entertainment
(AVE), a Camerica e a Color Dreams fizeram o mesmo —
contra a NOA. O caso começou quando essas empresas lan­
çaram jogos compatíveis com o NES, os quais desativavam o
sistema de segurança por meio da "tecnologia zapper”. Em 1991,
porém, a AVE descobriu que seus games não rodavam nos
NES recém-lançados: o circuito interno fora modificado. Ri­
chard Frick, presidente da AVE, achou que a Nintendo mudara
o sistema com o objetivo de fazer com que ele rejeitasse seus
cartuchos. Acusou-a, numa carta, de tentar tirá-lo do negócio.
Howard Lincoln diz que a revisão no hardware do NES,
responsável pelo bloqueio aos jogos de Frick, fazia parte da
guerra da Nintendo contra os falsificadores. A NCL já mod­
ernizara o NES 14 ou 15 vezes, e a última versão fora projetada
para evitar o uso de cartuchos com jogos múltiplos, fabricados
em Taiwan.
— Estávamos tentando ficar um passo à frente dos falsifi­
cadores. O pessoal da AVE nos acusou de prejudicar delibe-
radamente a empresa. Não respondí, mas a resposta é: "azar
de vocês!" Temos o direito de projetar nosso aparelho do jeito
que quisermos. A mudança não foi feita para tirá-los do ne­
gócio, mesmo porque nem sabíamos que a AVE existia até
recebermos a tal carta.
Em janeiro de 1991 Frick engrossou a fila dos que proces­
savam a Nintendo (numa ação de 150 milhões de dólares).

338
FIM DE JOGO

Acusou-a de modificar os aparelhos NES premeditadamente,


para tornar seus cartuchos incompatíveis com ele. Mais: afir­
mou que a empresa japonesa usava práticas monopolizadoras
(de novo) com a intenção de acabar com a concorrência. Outra
acusação alegava que a NOA não informara aos compradores
que apenas os jogos aprovados para o NES funcionariam na
nova versão do aparelho, embora, no curso do litígio envol­
vendo a Atari Games, tivesse ficado estabelecido que outros
cartuchos podiam ser usados no processador. Uma coisa a
AVE provou: a Nintendo usava seu contrato de concessão
para manter os preços altos. Frick demonstrou ser possível
produzir um jogo lucrativo e vendê-lo por apenas 20 dólares.
Bastava não pagar à NOA taxas de manufatura, direitos au­
torais e de patente. Disse que tivera um lucro considerável
na venda de 60 mil cartuchos do F-15 City War.
Howard Lincoln desprezou as acusações da AVE. Até mes­
mo Dan Van Elderen, da Atari Games, admitiu que a Nintendo
poderia safar-se da ação, mesmo que tivesse modificado o
sistema que bloqueava a tecnologia zapper com o único pro­
pósito de prejudicar a concorrente. A tecnologia, Van Elderen
concede, pode, realmente, danificar o NES.
— A revisão foi uma decisão saudável, que compensou uma
deficiência no sistema. O NES não foi projetado para suportar
descargas de alta voltagem.
Frick disse que planejava perseguir a Nintendo de todas
as maneiras possíveis. Além de brigar com ela no tribunal,
decidiu fazer uma declaração pública, incentivando os consu­
midores a devolver os NES '’deficientes” às lojas e exigir reem­
bolso ou aparelhos que aceitassem todos os jogos. Os consu­
midores, todavia, não reagiram.
A Nintendo não podia perseguir legalmente companhias
como a AVE ou a Color Dreams porque não assinara contratos
de concessão. Por esse motivo, os cartuchos fabricados por
elas não violavam o sistema de segurança patenteado. Foi pre­
ciso combatê-las de outras maneiras. Houve novas acusações
de intimidação a distribuidores e revendedores. Alegava-se

339
OS MESTRES DO JOGO

que a Nintendo ameaçava as empresas que trabalhavam com


os produtos da Color Dreams ou da AVE. Em 1992, Richard
Frick alegou que um representante da NOA avisara a chefia
dos departamentos de artigos eletrônicos da Wal-Mart que,
se os consumidores usassem jogos com a tecnologia zapper
nos aparelhos NES, estariam invalidando a garantia oferecida
pela Nintendo. Era mais uma variação do velho tema: vender
apenas produtos autorizados, senão...
A Wal-Mart não confirmou a acusação.
— Sabe por quê? Porque quem denuncia a Nintendo, sai
perdendo — explica Frick.
Howard Lincoln afirma que as acusações eram falsas.
— Não somos idiotas. Nunca ameaçaríamos lojistas. E er­
rado. Além disso, a maioria deles não gostaria de se ver cons­
trangida.
Na verdade, a Nintendo podia castigar, se quisesse, as com­
panhias menores. E sem alarde. Bastava usar seu poderoso
sistema de distribuição. Os lojistas negociavam com as grandes
produtoras, concessionárias da NOA, porque era mais fácil.
Além disso, os melhores jogos tendiam a vir dos maiores fa­
bricantes, que tinham recursos para investir na área de criação.
Como a Nintendo controlava as vendas ao promover apenas
os games aprovados pela Nintendo Power, os lojistas não es­
tavam dispostos a ocupar valioso espaço nas prateleiras com
jogos que não apareciam na revista. Além disso, sentiam-se
mais seguros vendendo produtos garantidos pela Nintendo,
por suas concessionárias e redes autorizadas de serviços.
A AVE, contudo, encontrou clientes entre os locadores de
fitas de vídeo. A Blockbuster liderou essa clientela, encomen­
dando 2.050 cópias de um jogo da AVE com nova tecnologia,
que lograva a revisão do NES. O jogo, Wally Bear and the No
Gang (originalmente, Wally Bear and the Just Say No Gang, mas
essa frase era marca registrada de Nancy Reagan), foi apro­
vado pela American Medical Association (Associação Norte-
Americana de Medicina) pela mensagem que continha: Wally
Bear resistia à forte pressão para fazer uso de álcool e drogas.

340
FIM DE JOGO

O cartucho funcionava em todas as unidades do NES, embora


não houvesse jeito de saber se a Nintendo faria alguma mu­
dança no sistema para bloquear Wally Bear and the No Gang.
Howard Lincoln procurou novas maneiras de impedir que
a segurança do NES fosse violada. Afirmou estar investigando
se outros direitos autorais ou de patente vinham sendo des­
respeitados. Se descobrisse algum, entraria com novos pro­
cessos.
Havia, no entanto, um produtor não-licenciado a quem Lin­
coln provavelmente não perseguiría: Wisdom Tree, cujos jogos
eram baseados em aventuras bíblicas, como Noah's Ark, Save
Baby Moses e David Versus Goliath. As manchetes, NINTENDO
PROCESSA CRIADOR DO BEBÊ MOISÉS, por exemplo, faria
até mesmo o escolado chefe de relações públicas da Nintendo,
Bill White, ter horríveis pesadelos.

341
13
Da Rússia, com Amor

A Nintendo cresceu e sua clássica clientela, formada por


garotos, ficou quase saturada. A necessidade de abrir novos
mercados tornou-se premente. Peter Main, porém, diz que isso
não se deveu apenas à expansão da empresa. Segundo ele,
foi uma decisão estratégica tomada desde o começo.
— Queríamos nos desligar da clientela-padrão, meninos de
8 a 13 anos, porque um garoto de 13 completa 14 e escapa
de nós. Nosso objetivo, desde o primeiro dia, foi ir além desses
estreitos limites.
Em meados de 1991, as meninas já compunham parcela
considerável do mercado da Nintendo. Aparelhos mais pode­
rosos, fabricados pela concorrência, haviam seduzido alguns
dos meninos antes leais ao NES. Uma pesquisa encomendada
por Peter Main mostrou que meninas de 6 a 14 anos eram as
principais usuárias do aparelho, e que o nível de satisfação
delas vinha sendo "intensificado".
No Japão, os adultos nunca haviam sido considerados clien­
tes em potencial. Um sistema de ética, o jyukyu, incorporado
à cultura japonesa no século 17, pregava que os valores mais
importantes eram trabalho árduo, economia e seriedade. Pra­
zer e lazer não passavam de perda de tempo. O jyukyu estava
por trás da fenomenal produtividade do Japão, do dinheiro
economizado por seu povo e, finalmente, da obsessão por edu­
cação e trabalho. Vestígios do jyukyu tornavam impensável a

342
DA RÚSSIA, COM AMOR

possibilidade de um adulto sentar-se diante de um aparelho


de videogame.
Nos Estados Unidos não era assim. Os adultos do Ocidente
jogavam em computadores e videogames, além de cada vez
mais disputar com os filhos os controladores do NES.
A NOA encorajou-os. Arakawa estabelecera que os produ­
tos Nintendo seriam vendidos em lojas de brinquedos e de
artigos eletrônicos. Peter Main diz:
— Queríamos estar presentes em magazines, lojas de des­
contos, de brinquedos e nas que vendiam aparelhos eletrônicos
porque sabíamos a importância do tipo do ponto de venda
na formação de nosso mercado.
Desde o teste inicial, na cidade de Nova York, Arakawa
relutara em colocar produtos na Circuit City e na Crazy Eddie.
Lá, eles ficariam entre aparelhos de som e de videocassete.
Também evitou a Toys "R" Us.
Um número cada vez maior de concessionárias lançava jo­
gos para adultos — alternativas para as aventuras cheias de
tiroteios e de lutadores da caratê —, como Jeopardy, Trivial
Pursuit e os sofisticados games cujo tema era o esporte. O
Bases Loaded, feito pela Jaleco, revelava-se particularmente en­
genhoso, além de ter apresentação gráfica e som impressio­
nantes. Deixava os fãs de beisebol alucinados com suas mi­
núcias e com as opções que podiam fazer antes de tomar uma
decisão. Em Bases Loaded 2 os lançadores eram guiados por
uma ERA (média dos lances), e os batedores por contagens
individuais. Programado no jogo, havia o que a Jaleco chamava
de "sistema especial de desempenho do jogador". Quem esti­
vesse no controle dos joysticks podia avaliar os personagens
e substituir qualquer um deles caso chegasse à conclusão de
que seu desempenho era ruim. Foram vendidos mais de quatro
milhões desses cartuchos.
Os adultos jogavam uns contra os outros, contra os filhos
e sozinhos, em segredo, depois que a família ia para a cama.
A Nintendo Power apresentava adultos famosos fanáticos por
videogames, e os consultores ouviam dos pais a confissão de

343
OS MESTRES DO JOGO

que haviam passado a noite treinando para poder derrotar os


filhos. Mas isso não foi nada comparado ao número de adultos
que aderiram à nintendomania depois do lançamento de um
novo hardware, em 1989.

Gunpei Yokoi e sua equipe de 45 projetistas, programadores


e engenheiros criaram um aparelhinho que mesclava o NES
com o Game & Watch. Como o NES, usava cartuchos inter-
cambiáveis; como o Game & Watch, era bem pequeno. Isso
fazia com que ele pudesse ser utilizado em qualquer lugar:
aviões, trens, automóveis, na tranqüilidade de um quarto. Den­
tro de uma bela caixa, o Game Boy combinava facilidade de
transporte, tamanho mínimo e muito divertimento, três dos
mais importantes atributos das novas tecnologias, de acordo
com Greg Zachary, do The Wall Street Journal. O Game Boy
era tão delgado que uma equipe de engenheiros da Sony, no
Japão, foi repreendida duramente por gerentes e executivos
que os acusavam de ter sido derrotados pela Nintendo.
— O Game Boy devia ter sido inventado pela Sony — um
dos gerentes teria dito ao grupo, que trabalhava em produtos
portáteis voltados ao entretenimento.
Alguns dos engenheiros foram transferidos para outros se­
tores e um deles ficou tão envergonhado que saiu da empresa.
O Game Boy, decididamente divertido (provavelmente a
Sony o teria chamado de Game Man), ficava numa caixinha
de plástico cinzento do tamanho de um rádio transistor. Na
frente havia botões e uma tela de cristal líquido (manufaturado
pela Sharp) pouco menor do que a palma da mão. O apare­
lhinho foi lançado a um preço mais baixo do que o proposto
por Yamauchi: 100 dólares. Ele previu que a empresa vendería
25 milhões de unidades em 3 anos.
Mais uma vez, as vendas do hardware foram apenas o co­
meço. O Game Boy era um computador minúsculo, que po­
dería ganhar um mercado exclusivo de software. Os cartuchos,
do tamanho de um biscoito, seriam vendidos a 20 ou 25 dó-

344
DA RÚSSIA, COM AMOR

lares, de modo que uma importante subindústria tornou-se


viável.
Quando o Game Boy foi lançado, sofreu críticas porque
não tinha tela colorida. Yamauchi decidira esquecer a cor por
causa do custo e da eficiência. Um mostrador colorido requeria
a energia de quatro a oito pilhas AA, em vez das duas do
sistema preto-e-branco. Outra desvantagem da cor era esgotar
a energia das pilhas depressa demais. Além disso, telas colo­
ridas baratas dificultavam a visão quando expostas à luz clara.
Os concorrentes Sega, Atari Corporation e NEC lançaram sis­
temas de bolso com telas coloridas, muito caros, e comercia­
lizaram apenas uma pequena fração da quantidade que a NCL
vendeu do Game Boy: duzentos mil aparelhos em duas se­
manas, no Japão, e quarenta mil só no primeiro dia, nos Es­
tados Unidos. A NCL mandou um 1,1 milhão de unidades
para os Estados Unidos no primeiro despacho, e a Toy "R"
Us tentou, inutilmente, ficar com todas elas.
Muitos garotos aderiram ao Game Boy, inclusive porque
era possível conectar dois aparelhos e organizar competições.
Mas um aspecto notável do sucesso da maquininha foi a quan­
tidade de adultos que o compraram. Viam-se os Game Boy
em voos de primeira classe, em refeitórios de diretores de
empresas, em gavetas de escrivaninhas e pastas de executivos.
Em 1991, os jornais publicaram fotos do ex-presidente norte-
americano George Bush, então hospitalizado, jogando Game
Boy.
A Nintendo iniciou campanhas visando aos adultos. "No
Dia dos Pais, trate o papai como criança", dizia um dos slogans
de Bill White. Outro anúncio, numa revista de bordo, atraía
a atenção dos passageiros: "Se você está lendo este anúncio é
porque anda muito entediado. Já leu as instruções para casos
de emergência em todas as línguas e a comissária não quer
dar-lhe mais amêndoas. E agora? Viaje para outra galáxia,
jogue golfe (...) O Game Boy não pedirá nem um pouquinho
de sua sobremesa e cabe tão direitinho na boca daquela criança
que grita a seu lado como em sua pasta (...)".

345
OS MESTRES DO JOGO

Minoru Arakawa viu um protótipo do aparelhinho pela pri­


meira vez em Quioto, em 1987, e prontamente avalizou a pre-
dição de Yamauchi, dizendo que cem milhões seriam vendidos
no mundo inteiro antes do fim do ano. Para alcançar objetivo
tão astronômico, eles precisavam de um game fabuloso, que
Arakawa descobriu numa feira de jogos para fliperama, em
junho de 1988, na qual Randy Broweleit, da Atari Games, exi­
bia o protótipo de uma versão do Tetris para máquinas acio­
nadas por moedas. Junto com Howard Lincoln, Arakawa pos­
tou-se diante do console e jogou, fascinado. Broweleit disse a
Lincoln que a Atari Games detinha os direitos para fliperamas
e, a Tengen, para os videogames domésticos. Também infor­
mou que o copyright já fora cedido ao Japão: a Sega ganhara
a versão para máquinas e a Bullet-Proof Software, a empresa
de Henk Rogers, ficara com a versão para videogames do­
mésticos.
Arakawa demonstrou satisfação pelo fato de o Tetris poder
ser lançado para o NES, mas controlou a euforia ao perceber
que os direitos da versão para aparelhos de bolso não haviam
sido mencionados. Isso provavelmente significava que eles ain­
da estavam disponíveis.
Os engenheiros da NOA criaram uma versão-teste do Tetris,
que funcionou num protótipo do Game Boy. Quando Arakawa
colocou o minúsculo cartucho no aparelhinho e jogou, teve a
impressão de que game e aparelho haviam sido feitos um
para o outro. As peças do Tetris eram grandes o suficiente
para ter boa visão na telinha, e o jogo, simples, hipnotizava.
Arakawa achou que encantaria pessoas de todas as idades e
de todos os gostos.
— Precisamos conseguir os direitos deste jogo — declarou.
Instruiu Lynn Hvalsoe, consultora-geral da companhia e
membro da equipe de Lincoln, a procurar os direitos do Tetris
para aparelhos de bolso. Ela não conseguiu descobrir quem
os detinha. Ao que tudo indicava, a Atari Games comprara
o copyright da Mirrorsoft, o grupo de software da Maxwell
Communications localizado em Londres. A empresa alegara

346
DA RÚSSIA, COM AMOR

que comprara todos os direitos do Tetris de seu criador, na


ex-União Soviética.
— Estavam nos dizendo um monte de besteiras — diz Ho­
ward Lincoln. — Daquele jeito, não íamos chegar a lugar al­
gum.
A reação da Mirrorsoft despertou suspeitas em Hvalsoe e
ela contou a Arakawa que a posse dos direitos do Tetris parecia
duvidosa. Isso o levou a enviar um emissário à Rússia, para
fazer contato com o inventor do jogo.

Alexey Pajitnov tinha o físico de um urso de tamanho mé­


dio. O rosto era emoldurado por cabelo castanho e barba mal-
aparada. Crescera em Moscou. Seu pai era crítico de arte; a
mãe escrevia para jornais e para uma revista semanal de ci­
nema. Nos tempos de criança, Alexey fora apaixonado por
matemática e filmes. A profissão da mãe lhe concedia o raro
privilégio de ganhar entradas para o festival anual de cinema
de Moscou, onde assistia a cinco fitas por dia, cinqüenta em
dez dias.
— Era a única janela que eu tinha para conhecer o que se
passava do lado de fora do país — conta.
Ele expressava seu amor pela matemática dedicando-se a
jogos que envolviam álgebra, geometria e outros sistemas de
lógica. Estava com 11 anos quando seus pais se divorciaram.
Passou a viver com a mãe num apartamento do Estado, de
apenas um cômodo. Tinha 17 anos quando puderam comprar
um apartamento num prédio moderno de 14 andares, na rua
Gersten, número 49, num bairro elegante onde se situavam
embaixadas e hotéis, não muito distante do Arbat, a versão
moscovita, bem mais modesta, dos Champs-Élysées.
O apartamento 106 era, pelos padrões de Moscou, espaçoso
e arejado, com dois quartos, uma sala de bom tamanho e uma
pequena cozinha com vista para a catedral de São Basilio, na
Praça Vermelha. Estantes forravam paredes inteiras, cheias de
livros científicos, manuais de computação, romances clássicos
em russo, francês e inglês, além de obras sobre arte e cinema.

347
OS MESTRES DO JOGO

Em outras paredes viam-se estampas emolduradas de obras


de Monet, Renoir, Matisse e Modigliani.
Alexey era bom aluno, particularmente em matemática. Aos
14 anos foi finalista de uma competição municipal da disci­
plina. Passou os 3 últimos anos escolares num programa es­
pecial de matemática e, durante aquele tempo, no verão em
que completou 15 anos, sentou-se diante de um computador
pela primeira vez e criou um programa, um jogo de números.
— Os matemáticos, em geral, são pessoas muito estranhas
— comenta. — Vivem em mundos abstratos. E eu vivi lá, com
eles.
Entretanto, Alexey tinha outros interesses: jogava cartas com
os amigos, bebia cerveja ou vodca e ia para o campo, em ex­
cursões, para acampar. Saía com garotas e era, em tudo e por
tudo, um "rapaz normal".
Depois de formado, lecionou no departamento de matemá­
tica aplicada do Instituto de Aviação de Moscou, uma uni­
versidade técnica. Gostava de trabalhar lá mas um dia, repen­
tinamente, demitiu-se. Sua paixão por matemática fora subs­
tituída pelo amor a computadores. Neles, a exploração dos
números, dos jogos, das linguagens de programação e da ló­
gica formavam um universo infinito. Daí para a frente, ele se
deixou consumir por essa paixão.
— Para um assalariado como eu, tanto faz trabalhar num
jogo ou num problema de matemática abstrata. O que importa
é lidar com o computador, um mundo no qual sou um deus
e onde posso fazer o que quiser.
Esse novo interesse levou Pajitnov ao centro de computação
da Academia de Ciências de Moscou, um dos mais importantes
laboratórios de pesquisa e desenvolvimento do país. Seu es­
critório ficava num salão de paredes apaineladas, cheio de
mesas de metal separadas umas das outras por divisórias. Ali,
ele se debruçava sobre o teclado de um arcaico microcompu­
tador soviético, um Electronica 60, e passava dias e noites
tomando café preto, fumando cigarros sem filtro, pesquisando
inteligência artificial e a capacidade de um computador de

348
DA RÚSSIA, COM AMOR

reconhecera voz humana. Como era de esperar, também criava


jogos e quebra-cabeça.
Para a maioria de nós, os quebra-cabeça só servem como
distração, mas para Alexey Pajitnov são metáforas, espelhos
que refletem a natureza, as emoções e os padrões do pensa­
mento. O jovem matemático voltara-se para a informática por
acreditar que ela podia modelar a consciência. Onde a eletrô­
nica e a natureza humana se encontram melhor do que num
jogo de computador? Os jogos são sublimes exemplos do cru­
zamento da lógica com a humanidade. Funcionam por causa
da lógica e da matemática, mas também por causa da psico­
logia e da emoção. Os melhores jogos trazem desafios e, em
contrapartida, oferecem recompensas e certas experiências ele­
mentares: descoberta, reconhecimento, frustração e conclusão.
A inspiração para novos jogos caía sobre Pajitnov nos mo­
mentos mais inesperados. Visitando um aquário, ele passou
pelos tanques das enguias e dos cavalos-marinhos, das estre-
las-do-mar e anêmonas, e depois por outro, grande, cheio de
raias, salmões e tubarões. Parou diante do tanque de peixes
achatados e ficou lá, fascinado, observando o mundo das so­
lhas e dos linguados — quase invisíveis naquele ambiente feito
de pedras, areia e plantas marinhas. Quando um deles deslizou
por cima do cascalho branco, metamorfoseou-se diante dos
olhos de Alexey. Foi como se suas manchas alaranjadas des­
botassem de repente e se tornassem brancas. Uma solha sal­
picada de pintas marrons flutuou acima de um canteiro de
algas e assumiu uma coloração esverdeada. Pajitnov, hipno­
tizado, imaginava aquela esplêndida invenção da natureza
num quebra-cabeça. Visualizou, então, peças que se escon­
diam, alterando cores e formas.
Num outro dia, andando ao longo de um tranqüilo bulevar,
ele parou para dar uma olhadela numa barraca de artigos
importados variados: peças de porcelana, bonecas, sombrinhas
de papel, incensários de latão. Tirou um leque chinês de um
vaso de barro. Quando abriu as dobras, revelou-se a seus olhos
uma ave de cor púrpura, cercada por labaredas douradas. Ale-

349
OS MESTRES DO JOGO

xey riu alto, imaginando como seria fantástico recriar num


jogo a emoção daquela experiência — reconhecimento.
Pajitnov ouvira falar de um quebra-cabeça geométrico cha­
mado Pentomino, criado por um matemático norte-americano
de nome Solomon Golomb. As peças eram formadas pelo ar­
ranjo de cinco quadrados: uma linha, um ”T”, um ”L” e outros,
que formavam um retângulo perfeito.
Numa pequena loja de brinquedos, ele encontrou um Pen-
tomino. Quando tirou as peças da caixa retangular e as mis­
turou, descobriu que "seria um grande problema" colocá-las
no lugar. Imaginou uma versão computadorizada do jogo, no
qual peças geradas ao acaso apareceríam, uma de cada vez e
com rapidez crescente. Uma versão eletrônica daquele que­
bra-cabeça requeria raciocínio muito rápido. Visualizou as pe­
ças caindo do "céu" da tela e a frenética tentativa de arranjá-las.
Sentado diante do computador, experimentou permutações
do Pentomino e finalmente ficou com uma versão simples, onde
cada peça era formada por quatro quadrados, em vez de cinco.
Da palavra tetra, que em grego significa "quatro", ele tirou o
nome do jogo: Tetris.
Há uma teoria, em psicologia, segundo a qual o cérebro
humano pode processar sete coisas (às vezes duas a mais ou
duas a menos) de uma vez: sete dígitos, sete formas, sete con­
ceitos. É por essa razão que a maioria das pessoas consegue
se lembrar de números de telefones com sete dígitos, mas
encontra dificuldade em números maiores. Assim, era possível
usar sete configurações dos quatro quadrados. Sete formas
poderiam ser memorizadas, reconhecidas de imediato e a rea­
ção a elas se tornaria reflexa.
Como o Electronica 60 não tinha capacidade gráfica, as peças
de Pajitnov eram espaços delimitados por colchetes. Geradas
pelo computador e mandadas para a tela, elas caíam devagar,
nas fases mais fáceis, e depressa e furiosamente nas mais di­
fíceis. O jogador tinha de virá-las e movê-las antes que atin­
gissem o "chão" da tela, ajustando-as numa fileira sólida à
medida que aterrissavam. No momento em que as peças se

350
DA RÚSSIA, COM AMOR

ajustavam, a fileira formava-se e desintegrava-se: sucesso!


Contudo, quando entre elas ficavam espaços vazios, a fileira
tornava-se o começo de uma parede que crescia até ocupar
toda a tela.
Pajitnov percebeu que seu jogo seria mais divertido se os
códigos do computador fossem traduzidos em gráficos real-
time, isto é, se os colchetes que formavam as peças fossem
substituídos pelas formas reais e móveis que eles repre­
sentavam. Um jovem chamado Vadim Gerasimov decidiu criar
uma versão colorida do Tetris que poderia ser usada em com­
putadores compatíveis com os da IBM.
Gerasimov tinha 16 anos na época e ainda freqüentava o
segundo grau, mas estava tão à frente dos colegas que os
professores permitiam que só fosse às aulas duas vezes por
semestre. Criado pela mãe, física nuclear, Gerasimov teve uma
revelação no instante em que pôs as mãos num computador
pela primeira vez.
— Ele viu o aparelho e esqueceu o resto do mundo — brinca
Alexey Pajitnov.
De cabelo espetado e enormes olhos azuis que brilhavam
atrás das lentes grossas dos óculos, Gerasimov era alto e ma­
gro, ligeiramente curvado para a frente, e usava quase sempre
o mesmo suéter de lã, cinzento e informe. Outro programador,
chamado Dmitri Pevlovsky, apresentou-o a Pajitnov, que pôs
o rapaz para trabalhar. Gerasimov tinha o dom de achar "ga­
tos” em programas e possuía habilidade técnica, coisa que Pa­
jitnov e Pevlovsky não tinham. Ele aprendera sozinho a fazer
programas a partir de um sistema operacional do Ocidente,
o DOS da Microsoft; conhecia as linguagens BASIC e PASCAL
e fazia mil proezas com um computador, como anular prote­
ções supostamente seguras para cópias e descobrir vírus. Os
cientistas do centro de computação, com o dobro da idade
dele, pediam-lhe ajuda nos programas e, de vez em quando,
davam-lhe alguns rublos.
Gerasimov trabalhou com Pajitnov durante dois meses para
converter o Tetris e fazer com que ele funcionasse num com-

351
OS MESTRES DO JOGO

putador compatível com os da IBM. No fim, as peças do jogo


acenderam-se em cores homogêneas. Pevlovsky adicionou
uma tabela que marcava os escores mais altos. Quando o pro­
grama ficou pronto, Pajitnov o copiou e distribuiu disquetes
por todo o centro de computação. Seus colegas o parabeniza­
ram pelo brilhante e viciador programa. Um amigo que tra­
balhava num instituto de psicologia deu o jogo ao seu pessoal,
mas logo descobriu que quase ninguém mais trabalhava por
causa dele. Uma noite, quando todos já tinham ido para casa,
ele andou de mesa em mesa, recolhendo os disquetes do Tetris,
e destruiu todos.
Em Moscou, nos círculos ligados à computação, o jogo pe­
gava como "um incêndio", nas palavras de Pajitnov. Num con­
curso em Zelenodolsk, em novembro de 1985, o Tetris ficou
em segundo lugar.
Pajitnov trabalhou em outros programas, inclusive no Bio­
grapher, uma espécie de terapeuta. Colocavam-se informações
a respeito da vida de uma pessoa no programa e este revelava
padrões de comportamento, além de tirar conclusões cruas.
O programa não passava do aperfeiçoamento da idéia de que
um computador podia ser mais objetivo e paciente do que
um psicólogo. No início de 1986, Pajitnov continuou a trabalhar
no Biographer e em outras experiências com inteligência arti­
ficial. Nessa época, sugeriu a um de seus superiores apresentar
o Tetris para gente de fora da ex-União Soviética.
— Não tínhamos leis que resguardassem direitos autorais.
Nossa legislação não nos dava o direito de vender coisa alguma
a ninguém. Não podíamos fazer nada para ganhar dinheiro.
Seria, contudo, uma grande realização ter um programa
publicado.
Victor Brjabrin, que chefiava vinte pesquisadores no centro
de computação, ficou particularmente entusiasmado com o
Tetris e mandou uma cópia do jogo ao SZKI, Instituto de Ciên­
cia da Computação de Budapeste, para avaliação. O húngaro
Robert Stein, que dirigia a Andromeda, uma companhia de
software em Londres, estava visitando o SZKI na ocasião.

352
DA RÚSSIA, COM AMOR

Nascido em 1934, Stein chegou à Grã-Bretanha em 1956,


como refugiado político. Seu primeiro trabalho foi fazer ins­
trumentos e ferramentas. Mais tarde, na Olivetti, vendeu cal­
culadoras; saiu da empresa para vender máquinas mecânicas
de preencher cheques, enquanto fazia o curso de marketing
numa escola de comércio, à noite. Foi lá que descobriu que
era tão bom em dar treinamento quanto em vender. Então
passou a ensinar engenheiros a comunicar-se com clientes. Deu
consultoria nesse campo durante algum tempo, servindo a
empresas importantes como a Texas Instruments. Depois dis­
so, abriu uma firma que vendia calculadoras e, mais tarde,
relógios digitais e o primeiro jogo de videogame, o Pong, da
Atari. Quando o negócio faliu, Stein montou outro, que co­
merciava computadores para grandes lojas de departamentos,
como a Harrods, de Londres. A empresa cresceu com o com­
putador Vic 20 da Commodore. Stein logo percebeu que a
procura pela informática aumentava em proporção direta à
quantidade de software disponível, o que o levou à indústria
de software.
Quando a Commodore preparava-se para lançar seu C-64,
um computador mais potente, pediram que Stein voltasse para
a Hungria em busca de software inovador. Lá, em 1982, ele
ajudou a formar uma companhia com engenheiros húngaros.
Para vender os jogos e programas comerciais deles, fundou a
Andromeda, que ficava com 25 por cento de todos os progra­
mas produzidos pelos húngaros.
De seu escritório em Londres, ele vendia os direitos desses
produtos à Commodore e às empresas de software da Ingla­
terra, como a Mirrorsoft. Fez vários negócios com Jim Mac-
konochie, o homem que dirigia a Mirrorsoft para os Maxwell.
Em junho de 1986, Stein estava no SZKI, em Budapeste,
para avaliar programas húngaros. Num computador, viu o
Tetris. Sentou-se para experimentá-lo e passou em frente à
tela mais tempo do que esperava.
— Eu não costumo jogar. Por isso, se gostei de um game
é porque ele deve ser realmente bom.

353
OS MESTRES DO JOGO

Perguntou ao diretor do instituto de onde viera o jogo e


soube que fora mandado por um amigo do centro de com­
putação da Academia de Ciências de Moscou.
No mesmo dia, mostraram-lhe outro Tetris, dessa vez num
Commodore 64 e num Apple II. Era o mesmo jogo, adaptado
por programadores húngaros. Stein afirma ter dito ao pessoal
da SZKI que desejava os direitos do jogo original para o PC,
dos russos, e das versões para o Commodore e o Apple.
De volta a Londres, mandou um telex para o centro de
computação, em Moscou, demonstrando interesse pelo Tetris.
Victor Brjabrin viu o documento e entregou-o a Pajitnov.
— Parece que há alguém interessado no seu jogo.
Pajitnov iniciou as negociações. Sozinho.
— Não tínhamos idéia do que deveria ser feito. Era uma
experiência totalmente nova.
Responder ao telex foi comicamente complicado. O inglês
de Pajitnov era um tanto elementar, de modo que ele escreveu
a resposta em russo e mostrou-a ao chefe do centro de com­
putação, o professor Ju. G. Evtushenko, que precisou rubri­
cá-la, aprovando-a, para que fosse traduzida. O passo seguinte
foi imaginar um jeito de mandar a mensagem.
Pajitnov não tinha acesso à máquina de telex, mas sabia
que, se conseguisse autorização, talvez pudesse usar a que
ficava num outro departamento da Academia de Ciências. Sua
requisição teve de ser aprovada por seus supervisores e mais
meia dúzia de pessoas. Semanas passaram-se antes que ele
pudesse enviar a simples resposta: "Sim, estamos interessados.
Gostaríamos de fazer esse negócio".
Stein já estava promovendo o jogo. Mostrara-o a repre­
sentantes de companhias de software inglesas e norte-ameri­
canas. Seu plano era medir o interesse pelo Tetris; se fosse
grande, trataria de registrar os direitos. Achou que seria fácil
convencer os russos a fazer negócio. No final, passou-se mais
de 1 ano antes que o copyright do Tetris fosse registrado. Mais
tarde, Stein refletiu que teria sido muito mais fácil usar a versão
para o Commodore 64 produzida pelos húngaros.

354
DA RÚSSIA, COM AMOR

Ele ofereceu o Tetris para Jim Mackonochie, da Mirrorsoft,


e a uma empresa norte-americana de software, a Broderbund,
mas não houve muito interesse. Mackonochie não ficou con­
vencido de que o jogo vendería bem, de modo que o mostrou
aos dois homens que dirigiam a irmã da Mirrorsoft nos Estados
Unidos, a Spectrum Holobyte, dizendo-lhes que licenciaria o
Tetris na Europa se eles fizessem o mesmo em território nor­
te-americano e no Japão.
Phil Adam e Gilman Louie administravam a Spectrum Ho­
lobyte, sediada na Califórnia, da qual a Robert Maxwell's Per-
gamon Foundation tinha 80 por cento das ações. Adam, de
unhas e cabelo bem-cortados, com suas roupas esportivas per-
feitamente combinadas (suéteres de lã, calças cáqui, camisas
de algodão de trama larga), era um gerente inteligente e es­
timado na empresa, famosa por seus simuladores de voo. O
Falcon, criado por Gilman Louie, um gênio da computação,
era um dos melhores jogos de simulação de voo para o PC e
já havia vendido mais de meio milhão de cópias. A Spectrum
Holobyte seguiu em frente, criando uma infinidade de jogos
para computadores, além de simuladores para as Forças Ar­
madas.
Com seus óculos de aro de tartaruga, Adam um dia sen-
tou-se na frente do monitor que mostrava o Tetris. Eram três
da tarde. Às sete, os colegas que o esperavam para o jantar
havia uma hora entraram e tiveram de arrancar a tomada do
computador da parede a fim de interromper o jogo.
Alto e esguio, Louie tem uma expressão decidida, cabelo
preto e rebelde, e usa óculos de armação grossa. Também ex­
perimentou o Tetris, e adorou. Depois de conferenciar com
Adam, disse a Mackonochie:
— Coloque o jogo numa caixa vermelha e consiga os di­
reitos.
De acordo com Robert Stein, a Mirrorsoft e a Spectrum Ho­
lobyte compraram todos os direitos do Tetris, exceto das ver­
sões para máquinas operadas por moedas e aparelhos de bolso.
Essas duas empresas lhe deram um pequeno adiantamento

355
OS MESTRES DO JOGO

— cerca de 3 mil libras — por conta dos flutuantes rendimentos


pelos direitos autorais, entre 7,5 e 15 por cento.
No telex enviado aos russos em 5 de novembro de 1986,
Stein propôs um trato: eles ficariam com 75 por cento do que
fosse cobrado pelo Tetris. Ofereceu também 10 mil dólares
adiantados.
Pajitnov respondeu favoravelmente, num telex expedido no
dia 13 de novembro. Assinado por Evtushenko, o documento
dizia que a Academia de Ciências estava pronta para transferir
os direitos autorais do Tetris para a Andromeda. Em outro
telex, Stein ofereceu pagar uma parte em computadores Com­
modore. Os russos concordaram e observaram que o trato
valia apenas para a versão compatível com o IBM, acrescen­
tando que discutiríam sobre as outras versões no futuro.
Alexey Pajitnov alega ter dito apenas que o acordo parecia
bom. Afirma que não deu consentimento para Stein levar o
negócio avante.
— Eu não sabia que esse tipo de telex educado pode ter o
valor de um documento — explica. — Sempre achei que um
documento é algo muito sério, que precisa ser assinado, mo­
dificado e assinado outra vez. Depois, as partes apertam-se
as mãos e tomam champanhe.
Stein aplainou o caminho para a assinatura de um contrato
nos telex que mandou para Evtushenko. O setor de licencia­
mento da Academia de Ciências, o Licensnauka Prasolov/Aca-
demySoft, assumiu as negociações e enviou-lhe um telex no
fim de dezembro, convidando-o a ir a Moscou.
Quando, muito mais tarde, Stein viajou à Rússia, planejava
propor ao pessoal do centro de computação um relaciona­
mento igual ao que tinha com os húngaros: trabalharia como
agente para vender software soviético no Ocidente. Sua prin­
cipal preocupação era sair de lá com um contrato legal, assi­
nado, que confirmasse seus direitos sobre o Tetris. Reuniu-se
com um grupo de russos num salão da academia, um recinto
cavernoso, mal-aquecido e com iluminação fraca, tão sombrio
quanto os lugares que os ocidentais descreviam em sua pro-

356
DA RÚSSIA, COM AMOR

paganda anticomunista. No centro da sala havia uma mesa


gigantesca de madeira, ao redor da qual poderiam sentar-se
cinqüenta pessoas. Foi ali que Stein e seis russos iniciaram as
negociações. Um deles era Alexey Pajitnov, o fumante-chami-
né, criador do jogo.
Tentando uma aliança com Pajitnov, Stein disse:
— Senhores, em nosso país, a pessoa mais importante num
caso destes é a que inventou o jogo. Estou aqui para ouvir o
que ele deseja porque, se não assinarmos o contrato, ele é
quem sairá perdendo.
Stein tentou, em vão, esconder sua ânsia. O contrato que
redigira estava na mesa, a sua frente, pronto para ser assinado,
de modo que foi uma surpresa notar que havia suspeita contra
ele.
Os russos navegavam por águas desconhecidas — podiam
estar sendo enganados naquela história de direitos autorais
— mas compensavam sua ingenuidade com cautela e obsti­
nação. Quando Stein ofereceu 75 por cento, eles puxaram para
80; quando ele ofereceu 10 mil dólares, pediram 25 mil. Exi­
giram proteção e impuseram limites. Os detalhes foram mas­
tigados durante dias, em constantes reuniões, mas Stein, em­
bora se rendesse às exigências de um adiantamento mais alto
e direitos autorais mais caros, saiu de Moscou sem levar o
contrato assinado.
Sua paciência se esgotou. Ele achou que a Mirrorsoft e a
Spectrum Holobyte abandonariam a versão para o PC e usa­
riam a do Commodore 64, criada pelos húngaros, já registrada.
Mais tarde, viu que cometera um erro.
A Mirrorsoft e a Spectrum Holobyte tinham percebido a
importância de o Tetris ser o primeiro jogo a sair de trás da
Cortina de Ferro, que na época ainda estava intacta. Como
Gilman sugerira, embalaram o Tetris numa caixa vermelha,
enfatizando que o jogo viera "da Rússia, com amor". Acima
do nome, escrito em caracteres cirílicos, cujo "S" tomava a
forma de uma foice e um martelo, havia uma ilustração rep­
resentando a catedral de São Basilio. Os programadores da

357
OS MESTRES DO JOGO

Spectrum Holobyte, nos Estados Unidos, acrescentaram cenas


de combate como figuras de fundo e uma simples animação
que aparecia no começo do jogo: um Cessna atravessando a
tela e aterrissando na Praça Vermelha. Era uma homenagem
a Matthias Rust, o jovem alemão que, em seu pequeno avião,
viajara de Helsinque a Moscou, burlando todos os radares e
defesas aéreas dos russos e descendo na praça, o que deixou
o Comitê Central terrivelmente embaraçado. Rust foi julgado
e condenado à prisão.
Mas houve outras modificações no programa. Uma delas
foi a adição do "botão do chefe", em algumas versões do Tetris:
quando uma certa tecla era pressionada, o jogo desaparecia
e na tela surgia um programa sério, de contabilidade. O pro­
grama original também recebeu tratamento gráfico de alta qua­
lidade e, para computadores geradores de som, havia música.
Em abril de 1987, Stein informou aos russos que os direitos
do Tetris tinham sido vendidos para a Mirrorsoft e para a
Spectrum Holobyte. Observou que os direitos referiam-se ape­
nas à versão do jogo para o PC da IBM e seus compatíveis.
Já desistira do copyright sobre as versões para o Apple e o
Commodore, dos húngaros, e observou que haveria pagamen­
tos adiantados quando elas fossem lançadas. Pressionou-os
para que o contrato fosse assinado.
Em junho, finalmente, Stein conseguiu o que queria. O do­
cumento estabelecia que ele estava vendendo os direitos do
Tetris para o PC da IBM, embora eles incluíssem "qualquer
outro sistema de computador". Além de garantir que a obra
não continha material obsceno ou indecente, Stein afirmou
que era o legítimo proprietário dos direitos autorais, livre para
ceder a concessão — embora ainda não houvesse contrato com
os russos.
Numa carta enviada à Academia de Ciências, em dezembro,
ele suplicou para que confirmassem seus direitos sobre o Tetris
e ofereceu-se para "viajar a qualquer lugar e falar com qualquer
pessoa" a fim de conseguir um contrato assinado.
Precisamos pelo menos de uma carta que declare que os senhores

358
DA RÚSSIA, COM AMOR

aprovam os termos do contrato que assinamos com a Mirrorsoft,


escreveu.
A Mirrorsoft e a Spectrum Holobyte, sem saber dos pro­
blemas de Stein, lançaram o Tetris na Europa e nos Estados
Unidos em janeiro de 1988. O jogo recebeu elogios e vendeu
bastante.
Enquanto isso, em Moscou, Pajitnov ocupava-se com suas
tarefas cotidianas no centro de computação. Uma versão do
Biographer estava funcionando bem e ele pensou em vendê-la
como software educativo. Para discutir o assunto, entrou em
contato com uma organização russa criada havia pouco tempo,
a Elorg — abreviação de Electronorgtechnica, o ministério de
importação e exportação de software e hardware. Em sua en­
trevista com o diretor da Elorg, Alexander (Sasha) Alexinko,
Pajitnov mencionou as dificuldades que enfrentava para ceder
os direitos do Tetris. Alexinko interrompeu-o. A Licensnauka
e a Academia de Ciências não deviam nem estar negociando,
explicou. Eram instituições acadêmicas, proibidas de entrar
em transações comerciais. Aquele campo era do domínio da
Elorg, que assumiría as negociações do Tetris.

Examinando as comunicações entre Moscou e Londres, Ale­


xinko concluiu que Pajitnov cometera tolices e que seus telex
podiam ter sido mal-interpretados. Foi então que o inventor
tornou-se objeto de acusações.
— Você deixou que o jogo fosse lançado sem nossa apro­
vação — reprovou Alexinko. — Temos de fazê-los parar.
Stein, cada vez mais perdido, depois de ter vendido direitos
de um jogo que não lhe pertencia, recebeu uma comunicação
da Elorg. A organização avisava que estava cuidando das ne­
gociações e que o trato anterior fora cancelado. Os próprios
russos cuidariam das vendas internacionais do Tetris, sem in­
termediários.
Colocado contra a parede, Stein enviou um memorando a
Moscou, ameaçando fazer um escândalo. Seria muito feio para
a Rússia interromper uma negociação comercial já tão avan­

359
OS MESTRES DO JOGO

çada. O fato teria péssimas repercussões na comunidade in­


ternacional. Por outro lado, havia a chance de iniciar uma
aliança que poderia significar muito em termos de política e
economia. O negócio tinha de ser consumado.
Stein e a Elorg testaram-se cautelosamente, debatendo ques­
tões de menor importância, mas finalmente concordaram em
fazer negócio. Stein voou até Moscou, para encontrar-se com
Alexinko, no final de fevereiro de 1988. No dia 24, um contrato
foi submetido à apreciação de Stein. O documento estipulava
que a Elorg teria de aprovar todas as versões do Tetris lançadas
no Ocidente e dava à Andromeda o direito de adaptar o jogo
para diferentes tipos de computadores.
As negociações duraram quatro dias e só então o contrato
ficou pronto. Mesmo assim, as "afinações” a longa distância
continuaram por alguns meses até que em maio de 1988, quase
2 anos depois do início das conversações, o acordo foi assinado.
Stein suspirou de alívio. Finalmente confirmara seu direito
exclusivo de vender o Tetris para computadores. Num me­
morando, disse à Mirrorsoft que o contrato incluía "o jogo
para televisão”, mas excluía versões para máquinas operadas
por moedas e "outras coisas com as quais ainda nem sonha­
mos".
O Tetris já se tornara o jogo mais vendido na Inglaterra e
nos Estados Unidos, difundido informalmente e através de
redes de computadores. Nos Estados Unidos, em 1988, recebeu
prêmios da Software Publishers Association em duas catego­
rias: Melhor Jogo Original e Melhor Programa de Entreteni­
mento.

Um artigo publicado numa revista londrina especializada


em informática chegou à Elorg, em Moscou. O texto descrevia
a versão do jogo vendida no Ocidente. Mencionava os gráficos
— as cenas de combate, a imagem de Matthias Rust atraves­
sando o céu russo e descendo na Praça Vermelha. Alexinko
mostrou o artigo a Pajitnov, que achou engraçada a referência
a Rust. Contudo, não achou graça nenhuma nas cenas de com-

360
DA RÚSSIA, COM AMOR

bate. Vira o Tetris como uma ponte pequena, mas eficiente,


entre culturas, numa época em que a Guerra Fria começava
a degelar. Seu jogo estimulava o intelecto e nada tinha de
violento. Informou a Stein que o queria "pacífico, anunciando
uma nova era no relacionamento das superpotências e em sua
atitude quanto à paz mundial".
Os burocratas de Moscou, no entanto, ficaram muito mais
preocupados com a homenagem a Rust. O Comitê Central
considerava o jovem piloto um terrorista e não achava graça
no fato de seu espaço aéreo ter sido invadido. Visto no mundo
todo, o "ataque" de Rust fora uma grande humilhação.
Os russos expressaram sua "grande preocupação" no en­
contro seguinte com Stein, que imediatamente entrou em con­
tato com Jim Mackonochie. Seria melhor que todas as cenas de
combate desaparecessem e que o avião que atravessa a tela fosse
suprimido, escreveu.
Como resultado, Mackonochie e Gilman tornaram a revisar
o jogo.
Stein sabia que não podia irritar os russos se quisesse obter
os direitos de outras versões do Tetris, que a Mirrorsoft de­
sejava, particularmente para fliperamas e aparelhos de bolso.
A Atari Games já se preparava para lançar seu próprio Tetris
para máquinas de casas de diversões eletrônicas e vendera os
direitos para a Sega, que desejava lançar a versão no Japão.
(A Mirrorsoft adiantara-se e vendera à Atari Games esses di­
reitos, baseada na afirmação de Stein de que novas versões
estavam por sair.) Stein, todavia, debatia-se em outra nego-
ciação-tartaruga com os russos. Fizera uma oferta pelos direi­
tos da versão para fliperamas em julho de 1988 — um sinal
de 30 mil dólares — mas não recebera resposta.
Um mês mais tarde, num telex, explicou que vinha sendo
pressionado e que precisava de um acordo até meados de
agosto.
Alexinko encontrou-se com Stein em Paris, em 5 de julho.
Enquanto Stein queria os direitos de novas versões, o russo
tinha outra coisa em mente. Pretendia expressar sua insatis­

361
OS MESTRES DO JOGO

fação com os resultados do acordo já firmado, porque ainda


não tinham recebido nenhum cheque da Andromeda.
Stein explicou que levava tempo para o dinheiro ser libe­
rado, mas prometeu fazer o que pudesse para apressar o pa­
gamento dos direitos autorais. Alexinko pretendia cobrar uma
multa pelos pagamentos atrasados e ameaçou não soltar os
novos direitos até que o problema fosse resolvido.
Depois desse encontro, outras mensagens via telex correram
entre Stein e Alexinko. Stein implorou para que os russos acei­
tassem o acordo para a versão de fliperamas e Alexinko res­
pondeu secamente que nem o contrato em vigor se mostrava
satisfatório, pois, embora o Tetris já estivesse no mercado havia
mais de seis meses, eles ainda não haviam recebido nenhum
pagamento.
Em outro telex, o russo pediu a Stein que adicionasse uma
cláusula ao contrato original, declarando que seriam cobrados
5 por cento de juros ao mês pelos pagamentos atrasados. Ale­
xinko insistia em que essa cláusula era importante "para o
apressamento de uma decisão positiva" a respeito dos direitos
do jogo para máquinas operadas por moedas.
Stein concordou e mais uma vez suplicou que Alexinko
assinasse o contrato. "Do contrário, alguém acabará roubando
o produto na nossa cara".

Normalmente, uma companhia que compra os direitos de


um game explora-os tanto quanto possível, cedendo-os a ou­
tras empresas, em outros mercados. A Spectrum Holobyte e
a Mirrorsoft tinham um jogo fabuloso nas mãos, e o desejo
de negociar todos os subdireitos que pudessem não surpreen­
deu. O gráfico dos direitos e subdireitos do Tetris começava
a parecer uma árvore genealógica emaranhada.
Henk Rogers, que vira o Tetris numa feira comercial de
eletrônicos em janeiro de 1988, foi atrás dos direitos, decidido
a lançá-lo no Japão nas versões para computadores, máquinas
operadas por moedas e aparelhos de videogame. Como a Spec­
trum Holobyte já tivesse cedido o copyright para o Japão, no

362
DA RÚSSIA, COM AMOR

contrato com Stein, Rogers negociou com Gilman Louie. Dois


acordos diferentes — um para os direitos da versão para com­
putadores (disquetes flexíveis) e outro para videogames —
foram fechados. Rogers também queria os direitos para flipe-
ramas, mas as conversações foram suspensas.
Um dia depois de Rogers ter assinado o acordo com a Spec­
trum Holobyte para a versão em disquetes, a ser comerciali­
zada no Japão — isto é, no dia anterior ao que assinaria o
outro, comprando os direitos para os aparelhos de videogame
japoneses —, Gilman Louie telefonou a Jim Mackonochie, na
Inglaterra, para conversar a respeito do acordo. Mackonochie
"teve um ataque", recorda Louie. O chefe da Mirrorsoft disse
que a Spectrum Holobyte não podia dar prosseguimento ao
negócio porque ele já vendera os direitos para a Atari Games.
Hide Nakajima estava adquirindo os direitos do Tetris para
América do Norte e Japão em troca dos direitos mundiais
sobre um jogo da Atari chamado Blastroids.
Gilman Louie subiu pelas paredes.
— De que diabo está falando? — perguntou. — Esses di­
reitos são meusl
Argumentou que, além de os direitos japoneses e norte-
americanos do Tetris serem seus (e não da Mirrorsoft), Mac­
konochie estava cometendo um erro tremendo: Blastroids era
um péssimo jogo. Além disso, ele fizera um acordo bárbaro
com Henk Rogers.
Mackonochie explicou que não havia nada que Louie pu­
desse fazer. Os Maxwell possuíam o controle financeiro tanto
da Mirrorsoft como da Spectrum Holobyte, mas ambos sabiam
que a família tinha muito mais interesse na Mirrorsoft, dirigida
por Kevin, filho de Robert Maxwell. Kevin Maxwell apoiava
o acordo de Mackonochie, de modo que Louie ficou sem ação.
Mesmo assim ele persistiu, observando que precisava ao
menos cumprir o trato que assinara. Henk Rogers tinha de
ficar com os subdireitos do jogo em disquetes flexíveis, no
Japão. Como esse era o menos valioso dos direitos em questão,
Mackonochie concordou.

363
OS MESTRES DO JOGO

O contrato entre a Atari Games e a Mirrorsoft só foi assinado


em 30 de maio de 1988, duas semanas depois do fechamento
do acordo inicial de Stein com os russos. Hide Nakajima pre­
tendia explorar os direitos do Tetris de todas as formas pos­
síveis. Nos Estados Unidos, lançaria o jogo para máquinas
operadas por moedas e uma versão para o NES, com a etiqueta
da Tengen. Também vendería os subdireitos no Japão.
Gilman Louie telefonou a Henk Rogers para desculpar-se,
explicando que, sem seu conhecimento, a Atari Games con­
seguira o direito de explorar o jogo para videogames no Japão
e nos Estados Unidos. Os direitos de Rogers sobre os disquetes
flexíveis estavam seguros, mas, se quisesse os outros, teria de
negociar com a Atari Games.
Rogers tentou fazê-lo. Entrou em contato com Randy Bro-
weleit e Hide Nakajima. Broweleit disse que os direitos da
versão para fliperamas, no Japão, já tinham sido vendidos para
a Sega. Decepcionado, Rogers respondeu que gostaria de se­
gurar pelo menos os direitos do Tetris para aparelhos de vi­
deogame japoneses, inclusive o Famicom da Nintendo. O que
precisava fazer para consegui-los?
Broweleit manteve-se neutro, de modo que Rogers procurou
Nakajima. Os dois jantaram juntos em 16 de agosto de 1988.
Só em outubro o acordo saiu. Tanto quanto sabia, Rogers con­
seguira os direitos para vender o Tetris no Japão, não apenas
para computadores com também para um mercado muito
maior, representado pelo Famicom e por outros aparelhos de
videogame.
Ele então partiu para Londres, para uma reunião na Mir­
rorsoft. Levou cópias das versões do Tetris para submetê-las
à aprovação dos russos. Depois do encontro, retornou ao Japão,
onde recebeu de um advogado da Mirrorsoft, por fax, o sinal
verde para produzir o jogo.
O Tetris de Rogers, para o PC, foi lançado no Japão em
novembro de 1988. Um mês depois, foi a vez da versão para
o Famicom. A "tetrismania" invadiu o Japão, como já aconte­

364
DA RÚSSIA, COM AMOR

cera nos Estados Unidos. Foram vendidos dois milhões de


jogos.

Minoru Arakawa queria o Tetris para o Game Boy. Seus


advogados imaginavam que a Mirrorsoft estava fazendo cor­
tina de fumaça para esconder o fato de que não possuía os
direitos. Na verdade, era bem possível que ninguém tivesse
comprado os direitos da versão para aparelhos de bolso. Foi
quando Arakawa decidiu tentar outros caminhos para conse­
guir o jogo. Num encontro com Henk Rogers, fez uma oferta.
Se Rogers conseguisse os direitos da versão para aparelhos
de bolso, a NOA compraria dele a concessão para explorar o
jogo. Arakawa contou-lhe por que queria o Tetris e mostrou
um protótipo do Game Boy.
Além de ter um conhecimento impressionante sobre video­
game, Rogers também agia com muita inteligência no lado
comercial. Quando Arakawa desafiou-o a conseguir os direitos
do Tetris para aparelhos de bolso, ele percebeu que ali havia
uma fortuna em potencial.
— Se você conhecesse Rogers, veria que ele sempre descobre
o caminho certo para o que deseja — comentou Howard Lin­
coln. — Dizer-lhe que a NOA compraria os direitos foi o mes­
mo que mostrar um pedaço de carne crua a um leão faminto.
Henk Rogers mandou um fax para Robert Stein, em Lon­
dres, no dia 15 de novembro de 1988. Queria fazer uma oferta
pelos direitos mundiais da versão do Tetris para aparelhos de
bolso. Stein respondeu que estava tentando comprar os direitos
da Elorg, mas que a agência ainda não tomara nenhuma de­
cisão. No entanto, estava se preparando para dar o xeque-mate
e, assim que tudo ficasse resolvido, entraria em contato com
ele.
No mesmo instante, Stein avisou Mackonochie de que pre­
cisavam ir atrás daqueles direitos imediatamente. Entretanto,
teve novas dores de cabeça. No final de 1988, recebeu um
telex que o informava de que Sasha Alexinko fora substituído
na Elorg. As razões não eram muito claras — ele saíra para

365
OS MESTRES DO JOGO

fundar sua propria empresa e corriam rumores de que usara


dinheiro do governo para isso —, mas não havia dúvidas sobre
o caráter de seu substituto, o vice-diretor da Elorg, Evgeni
Nikolaevich Belikov. Esse homem corpulento, ligeiramente cal­
vo e de rosto corado, foi descrito por pessoas que o conheciam
como perverso, vingativo e cabeça-dura, enquanto outros di­
ziam tratar-se de alguém compreensivo, agradável e perspicaz.
Todos, contudo, concordavam em que ele era um adversário
duro em qualquer negociação.
Belikov teria de ser conduzido, manobrado e vencido de
qualquer maneira. Era mais fácil falar, porém, do que fazer.
Como Alexey Pajitnov descobriu, "Belikov era um excelente
ator". Stein não gostou dele, achando-o "desagradável e chato".

Rogers continuou a pressionar Stein para conseguir os di­


reitos da versão para aparelhos de bolso. Mas, depois de mui­
tos telefonemas, muitas cartas e mensagens por fax, chegou
à conclusão de que era inútil esperar por ele. Sua única chance
de conseguir aqueles direitos era ir pessoalmente a Moscou.
Foi o que fez, em fevereiro. Entretanto, outros tiveram a mesma
idéia.

Kevin Maxwell ajudava a dirigir o império do pai, na época


a décima maior empresa do mundo ligada à mídia. Além dos
jornais com circulação assombrosa de dezenas de milhões de
exemplares, ele também cuidava de empresas como a Marquis,
a Thomas Cook Travel, a Berlitz (escolas de idiomas) e a MTV
européia. Como se não bastasse, supervisionava as compa­
nhias de mídia eletrônica dos Maxwell, isto é, redes on-line
e a produtora de software para computadores, a Mirrorsoft.
Por tudo isso, era o chefe de Jim Mackonochie.
Formado pela Balliol College de Oxford, Kevin era um ho­
mem sério, taciturno, viciado em trabalho, que passara a vida
trabalhando nas empresas da família. Seu irmão, Ian Maxwell,
perdera o posto na organização Maxwell porque preferira ver
a namorada em Paris a aparecer no aeroporto para encontrar-

366
A MÚSICA DO TETRIS

se com o pai. Essa era uma escolha que Kevin Maxwell jamais
pensaria em fazer.
Como o pai, Kevin tendia a tornar-se inacessível quando
os altos executivos precisavam de sua opinião, atendendo-os
só quando bem entendia. Também como o pai, tinha pavio
curto e era dado a acessos de raiva, entregando-se a impulsos
quando seria mais prudente parar para pensar.
Desde o começo, Kevin ficara a par das negociações do
Tetris, através de Jim Mackonochie. Quando as coisas se com­
plicaram e Mackonochie decidiu ir a Moscou, ele interferiu,
explicando que precisava mesmo ir à Rússia e que não lhe
custaria nada acertar as coisas com a Elorg.

Robert Stein, frustrado por não ter os direitos do Tetris para


máquinas operadas por moedas e videogames de bolso, preo­
cupado porque já estavam vendendo jogos para máquinas no
Japão e nos Estados Unidos, pressionado por Henk Rogers,
percebeu que precisava ir a Moscou novamente. Sem que um
soubesse da viagem dos outros, os três homens voaram para
a Rússia exatamente na mesma época.

367
14
A música do Tetris

-Ajexey Pajitnov percebeu, no mesmo instante, que Henk Ro­


gers era igual a ele. De todos aqueles com quem já negociara,
de Stein aos burocratas da Elorg, Rogers era o único que pa­
recia realmente amar o Tetris. Falava a língua dos jogos e com­
preendia a beleza do jogo.
A Elorg e a academia desejavam estabelecer contato com
qualquer pessoa do Ocidente, menos Robert Stein. E claro que
também queriam ganhar o máximo de dinheiro que pudessem,
de modo que, quando Rogers apareceu, os russos tiveram uma
segunda oferta e novas armas contra Stein.
Rogers ficou surpreso ao notar como os russos eram ingê­
nuos na questão de cessão de direitos autorais.
— Quem esteve negociando com eles não lhes explicou
como era o mundo — comenta.
Não compreendiam o jargão e teria sido muito fácil ludi­
briá-los. No primeiro encontro, na Elorg, Rogers aceitou o café
que lhe ofereceram e começou a falar. Quando percebeu, estava
explicando a eles o negócio dos videogames detalhadamente,
como se estivesse dando uma aula.
Quando a reunião terminou, Pajitnov e Rogers continuaram
a conversar e acabaram jantando juntos num restaurante. En­
tão, Pajitnov convidou Rogers para ir a seu apartamento, ver
outros software em que estava trabalhando. Foi uma noite de
discussão franca e bom humor. O russo, que suspeitava de

368
A MÚSICA DO TETRIS

todos os ocidentais que queriam seu jogo, admirou Rogers


por ele não ter pedido nenhuma vantagem.
— Não me ofereceu nada e não pediu nada — comenta.
No dia seguinte, na Elorg, Rogers apresentou sua oferta
pelos direitos do Tetris para aparelhos de bolso. A proposta
foi analisada em poucos dias e o acordo, assinado no dia 21
de fevereiro.
Deliciado, Rogers ofereceu um cheque adiantado e disse
aos russos que os direitos autorais seriam bastante significa­
tivos, que o Tetris para aparelhos de bolso lhes rendería muito
dinheiro. Contente, anunciou que levara uma cópia do jogo
em sua versão para videogames, vendida no Japão. Os russos
entreolharam-se, atônitos, quando ele tirou da pasta o cartucho
da Nintendo, lindamente embalado, e orgulhosamente mos­
trou-o a todos.
Sentado na beirada da cadeira, Nikolai Belikov foi o pri­
meiro a falar.
— Que jogo é esse? — perguntou.
Rogers explicou que era o Tetris para o Famicom, o aparelho
da Nintendo. Os russos nunca tinham ouvido falar nela. Ro­
gers lembrou-os que tinham visto e aprovado uma fita de
vídeo do jogo.
Belikov meneou a cabeça.
— Não aprovamos nada! Nunca demos licença a ninguém
para fazer isso aí!
A alegria sumiu e Rogers percebeu que estava encrencado.

— Comprei esses direitos da Tengen — explicou, meio ga-


guejante. — Paguei um monte de dinheiro por eles!
Belikov pousou as mãos na mesa.
— Não conhecemos nenhuma empresa chamada Tengen.
Não estamos entendendo.
Ocorreu a Rogers, então, que os direitos que comprara da
Atari/Tengen eram, como disse mais tarde, falsos.
Contou aos russos todas as negociações para a compra do
copyright da versão para videogames, que começaram com a

369
OS MESTRES DO JOGO

Spectrum Holobyte e acabaram quando ele soube que os di­


reitos estavam com a Atari, com quem negociara por mais de
seis meses. Revelou que a Atari anunciara uma versão do Tetris
para NES, nos Estados Unidos. E, mais ainda, que a Atari
também vendera os direitos da versão do jogo para máquinas
operadas por moedas a um companhia de nome Sega, do Ja­
pão.
Os russos estavam mudos de espanto.
— Foi vendida uma versão para máquinas operadas por
moedas? — perguntou Belikov.
Rogers assentiu.
Belikov começou a falar em russo, dando instruções a um
assistente, que desapareceu por alguns minutos. Então disse
a Rogers:
— Não autorizamos ninguém a fazer o Tetris para video­
games domésticos nem para máquinas de diversões eletrôni­
cas. Vou lhe mostrar.
O assistente voltou com uma pilha de documentos, que pôs
na mesa. Belikov folheou os papéis e tirou uma cópia do con­
trato da Elorg com Robert Stein. Leu as páginas por alguns
instantes. Quando encontrou o que estava procurando, deitou
o documento na mesa e apontou para um parágrafo que es­
pecificava claramente que os direitos concedidos à Andromeda
Software de Robert Stein eram referentes à versão do jogo
para o PC da IBM e outros computadores compatíveis.
Rogers ficou tão chocado quanto os russos, mas sua primeira
preocupação foi conservar os direitos do jogo para videoga­
mes, que já conseguira. Explicou que devia ter sido vítima de
mentiras, mas que queria acertar as coisas. Dependendo das
negociações, pagaria por todos os jogos que já haviam sido
vendidos até o momento.
Belikov deu a entender que sua oferta era aceitável, mas
que a reunião estava terminada. Rogers deveria voltar na ma­
nhã seguinte e então o acordo seria negociado.
Quando Rogers retornou, já tinha o cálculo exato do número
de cartuchos Famicom que vendera (130 mil) e ofereceu-se

370
A MÚSICA DO TETRIS

para pagar os direitos deles. Fez um cheque no valor de 40.712


dólares, uma parcela do total devido.
As reuniões continuaram nos dias seguintes, durante os
quais Rogers examinou os documentos do negócio com a An­
dromeda. Ficou convencido de que os russos não tinham ven­
dido os direitos do jogo para videogames — pelo menos in­
tencionalmente. Belikov concluiu a série de reuniões com uma
oferta: Rogers tinha três dias para decidir se queria fazer uma
proposta por todos os direitos do Tetris.
Rogers avisou-o de que haveria problemas. As companhias
que estavam vendendo os direitos do jogo, usando de trapaça
— a Mirrorsoft e Atari Games — eram muito fortes. Disse
que tinha um plano: voltaria com um sócio que não só tinha
uma enorme quantidade de dinheiro como poder suficiente
para lutar contra aquelas duas empresas. Esse sócio repre­
sentava a companhia que controlava o maior mercado de jogos
para videogames do mundo: a Nintendo.

Robert Stein, naquela manhã, foi de táxi do hotel Kosmos


à sede da Elorg. Exausto pela viagem e desanimado ante a
perspectiva de novas negociações, esperou obedientemente
numa saleta, onde numa mesa raquítica haviam colocado uma
jarra com água e um copo.
Por fim, Belikov entrou tempestuosamente na sala. Recu­
sou-se a trocar amabilidades. Simplesmente atirou um docu­
mento sobre a mesa e mandou o outro assiná-lo.
Stein perguntou o que era aquilo e frisou que já tinham
um contrato.
Belikov explicou que era uma complementação. Confuso,
Stein disse que estava em Moscou para negociar os direitos
do Tetris para videogames de bolso e máquinas operadas por
moedas, não para assinar um novo contrato.
Belikov não se abalou, declarando que as negociações só
continuariam se Stein assinasse o documento.
Ele não teve saída senão examinar os papéis. Era um aden­
do, determinando que o complemento e o contrato deveríam

371
OS MESTRES DO JOGO

ser considerados um só documento. Concentrando-se na forma


de pagamento estipulada e nas variadas porcentagens, pulou
uma linha, que definia computadores já citados no contrato
original, isto é, "computadores PC que consistem de proces­
sador, monitor, drives para disquetes, teclado e sistema ope­
racional". Ficou sabendo que o documento de uma página —
alteração n° 1 — era uma emenda ao contrato assinado em
maio e que por isso apresentava data atrasada (10 de maio
de 1988), com validade a partir de então.
Voltou ao hotel para examinar a emenda. Parecia-lhe que
o item mais importante era o que estipulava multas para pa­
gamentos de direitos autorais atrasados. Sabia que os russos
estavam preocupados com o fato de o dinheiro não ter entrado
com suficiente freqüência. A emenda era, em tais circunstân­
cias, compreensível. Embora lesse e relesse a folha, Stein não
se preocupou com a linha inofensiva que definia os compu­
tadores. Mais tarde, deduziu que tudo, naquele documento,
a não ser a referida linha, era mera cortina de fumaça.
— Henk Rogers fez tudo aquilo para a Nintendo — declara.
— Instruiu os russos.
O documento era uma armadilha. Tirava-lhe quase todos
os direitos, que seriam oferecidos à Nintendo — e, natural­
mente, aceitos.
Stein voltou à sede da Elorg no dia seguinte. Não via ne­
nhum problema na emenda, anunciou, mas só a assinaria
quando entrassem num acordo sobre os outros direitos. Era
a única arma que possuía. Escrevera, a mão, uma oferta para
fliperamas e aparelhos de bolso, que apresentou a Belikov.
No documento, incluira a promessa de vendas mínimas ga­
rantidas e porcentagens de direitos autorais. Mas o acordo
não passou, diz Stein, de "zombaria".
— Eles já sabiam o que iam fazer antes mesmo de eu chegar
— reclama.
Belikov disse-lhe que não podia ceder-lhe os direitos da
versão para aparelhos de bolso, mas que ele podia ficar com
os das máquinas operadas por moedas. Só que pagaria caro

372
A MÚSICA DO TETRIS

por eles: no prazo de um mês e meio, teria de pagar um adian­


tamento de 150 mil dólares ou o acordo seria cancelado. Stein
assinou o contrato e a emenda dois dias depois, em 4 de fe­
vereiro de 1989.

Transpirando charme e presunção, Kevin Maxwell foi à


Elorg em 22 de fevereiro e reuniu-se com os russos numa
pequena sala. Ele, Stein e Rogers poderiam muito bem ter se
encontrado nos corredores da Elorg, naquele mesmo dia.
Depois de um pouco de conversa inócua, Maxwell pergun­
tou a Belikov por que estavam demorando tanto para entrar
num acordo sobre os direitos das versões do Tetris para má­
quinas operadas por moedas e aparelhos de bolso. Enfiando
a mão num saco, Belikov, parecendo um mágico pronto para
tirar um coelho de uma cartola, retirou um cartucho de vi­
deogame, que colocou em cima da mesa.
— O que é isso, sr. Maxwell?
Maxwell pegou o cartucho — a versão do Tetris para vi­
deogames comercializada no Japão por Henk Rogers — e exa-
minou-o. Não fazia idéia de que sua própria companhia cedera
os direitos através de uma subconcessão à Atari. Deu de om­
bros. Então, o russo pediu que ele desse uma olhadela no
aviso sobre direitos autorais impresso no cartucho. Dizia:
"Elorg, Mirrorsoft e Tengen".
Maxwell esclareceu que a Mirrorsoft não cedera os direitos
do Tetris, de modo que aquele devia ser um jogo pirata. Foi
um erro tremendo. Como resultado, os russos decidiram, de
uma vez por todas, que a Mirrorsoft não tinha direito à versão
para videogames do Tetris.
Sem perceber a gravidade da situação, Maxwell voltou ao
assunto que lhe interessava: o copyright sobre as versões para
fliperamas e aparelhos de bolso. Belikov pediu licença e saiu
por alguns instantes. Quando retornou, disse que Maxwell
teria de assinar um "acordo protocolar" que prometia à Mir­
rorsoft o direito de primeira opção quanto aos direitos do
Tetris — incluindo os das versões para máquinas operadas

373
OS MESTRES DOJOGO

por moedas e aparelhos de bolso, e de comercialização — des­


de que fizesse uma oferta pelos direitos da versão para vi­
deogames dentro de uma semana.
— Devemos esclarecer a questão deste cartucho pirata —
declarou Belikov. — Desse modo, precisamos firmar um acor­
do no prazo de uma semana.
O acordo protocolar foi assinado. Garantia à Mirrorsoft o
direito de fazer ofertas pelas outras versões do Tetris, embora
os direitos para as de máquinas operadas por moedas e apa­
relhos de bolso estivessem sendo simultaneamente concedidas
a Stein e Rogers. Em troca, a Elorg ficaria com o direito de
publicar, na União Soviética, propriedades da Maxwell Com­
munications, como a Collier's Encyclopedia e outros livros de
consulta. Os russos podiam não saber muita coisa a respeito
do negócio de videogames, mas demonstraram possuir um
método muito eficiente de negociar. Manipulando Rogers,
Stein e Maxwell, recuperaram o controle da situação.
A semana de Belikov terminou com um acordo com Henk
Rogers a respeito da versão do Tetris para aparelhos de bolso,
além de uma chance de novo negócio com a Nintendo, em
três semanas, sobre os direitos para videogames. Outro acordo
fora assinado com Stein, sobre os direitos para máquinas ope­
radas por moedas, o que lhes rendeu a promessa de um cheque
de 150 mil dólares. Kevin deu à Elorg mais do que o direito
de publicar os livros de consulta da Maxwell Communications:
caracterizara o Tetris, de que sua empresa tinha os direitos,
como jogo pirata, em vez de explicar que a Mirrorsoft vendera
a subconcessão — dando força à alegação da Elorg de que
nunca vendera os direitos para a versão de videogames. Se a
Mirrorsoft quisesse esses direitos, teria de cobrir a oferta da
Nintendo. Não fora uma semana ruim.
No dia 24 de fevereiro, uma carta a Henk Rogers confirmava
que a Elorg não cedera a ninguém os direitos de "fabricar, ter
fabricado, duplicar, promover, distribuir, vender ou fazer
qualquer outro uso" da versão do Tetris para "videogames,

374
A MÚSICA DO TETRIS

televisores e consoles de jogo, definidos como computadores


sem teclados”.
Recordando a semana que passara em Moscou, Robert Stein
disse que sua única satisfação foi ter saído das reuniões com
os direitos da versão para máquinas operadas por moedas,
enquanto tudo o que Kevin Maxwell conseguira foram papéis
sem valor. No mais, a semana foi um desastre, fruto de men­
tiras, trapaças e golpes pelas costas. Era impossível, disse, que
os russos não soubessem a respeito do jogo da BPS para o
Famicom. Alegou que dera à Elorg, em dezembro de 1988,
uma cópia da fita de videocassete de Rogers. Afirmou ter caído
numa armadilha, e que a emenda, as mentiras e o fato de
Kevin Maxwell haver admitido que o cartucho japonês do
Tetris era pirata prepararam o caminho para a trapaça dos
russos.
— Caí no logro por burrice e por estar sob tremenda pressão
para sair de lá com um contrato de concessão para máquinas
operadas por moedas, porque a Atari Games e a Sega já es­
tavam comercializando o jogo em todo o mundo, sem contrato.
Insiste em afirmar que Jim Mackonochie e a Mirrorsoft, ven­
dendo direitos que não possuíam, o tinham levado a uma
situação em que ele ’’assinaria a própria sentença de morte",
e que foi forçado a cobrir as pegadas de Mackonochie.
Stein disse, com amargura:
— Nunca saberei se Mackonochie é meu amigo ou se sabia
que estava me ferrando. Talvez seja apenas um animal exe­
cutivo. O fato é que agiu nas minhas costas. Eu estava fazendo
o que podia e ele me enganou, agindo como se os direitos
para fliperamas já fossem dele, de modo que, se eu não os
conseguisse, seria processado. — Sacudiu a cabeça com tristeza
antes de continuar: — Ele escondeu de mim o fato de Kevin
Maxwell estar lá, na sala ao lado, me enterrando, enterrando
a nós todos.
Por fim, Stein compreendia por que Belikov de vez em quan­
do desaparecia no meio das reuniões.
* * *

375
OS MESTRES DO JOGO

Henk Rogers fez o que tinha de fazer em Moscou e voltou


para casa, de onde telefonou para Minoru Arakawa. As no­
tícias eram as melhores possíveis. Em primeiro lugar, conse­
guira os direitos do Tetris para aparelhos de bolso e o trato
que fizera com Arakawa dava à Nintendo o direito de lançar
o jogo para o Game Boy. (Ficou com o direito de vender o
Tetris para outros aparelhos eletrônicos de bolso, como o Wiz-
zard da Sharp.) Estabeleceu-se que ganharia 1 dólar por cada
Tetris vendido com um Game Boy e um valor mais alto pelos
jogos comercializados separadamente. O acordo prometia a
Rogers uma quantia entre 5 e 10 milhões de dólares.
A melhor notícia para a Nintendo, porém, era a de que os
russos alegaram jamais ter cedido o copyright do Tetris para
videogames domésticos. Os direitos que Stein vendera à Mir­
rorsoft e que a Mirrorsoft vendera à Atari Games e à BPS
eram falsos, de acordo com os russos.
Rogers estaria protegido, acontecesse o que acontecesse —
teria os direitos do Tetris no Japão e poderia negociá-los com
a Atari Games ou a Nintendo —, mas o mais bonito era que,
quase com certeza, a NCL ficaria com os direitos do Tetris
para videogames domésticos no resto do mundo. Potencial­
mente, isso representava dezenas de milhões de dólares e,
para Arakawa e Lincoln, algo mais delicioso: o prazer de privar
seu velho ’'amigo" Hide Nakajima — que, acreditavam, os ha­
via traído — daqueles milhões de dólares em potencial. A
vingança, admite Lincoln, foi a principal motivação. Não havia
dúvidas: ele e Arakawa fariam tudo o que fosse necessário
para conseguir os direitos para videogames domésticos.
Lincoln e Arakawa decidiram mandar Rogers de volta a
Moscou, daquela vez com um advogado. Lincoln pesquisou
e soube que um colega de profissão chamado John Huhs, de
Nova York, trabalhara na ex-União Soviética. Huhs pertencera
à Casa Branca, no tempo de Nixon, falava russo fluentemente
e, embora não conhecesse coisa alguma de videogames, era
um talentoso advogado internacional. Lincoln deu-lhe um cur-

376
A MÚSICA DO TETRIS

so rápido sobre o negócio, por telefone, antes de mandá-lo


até Rogers, que já se encontrava a caminho de Moscou.
Depois da primeira reunião na Elorg, Rogers e Huhs apre­
sentaram uma oferta pelos direitos do Tetris para videogames
domésticos, em nome da Nintendo. A proposta incluía um
sinal de valor astronômico. Os frios negociadores russos não
puderam esconder o espanto diante da quantia. Arakawa que­
ria ter certeza de que conseguiría os direitos e ninguém mais,
nem a Atari Games ou mesmo Robert Maxwell, apresentariam
uma oferta maior.
No mesmo dia, 15 de março, a Elorg enviou um telex à
Mirrorsoft, observando que a empresa prometera apresentar
sua proposta com referência ao Tetris para videogames do­
mésticos no prazo de uma semana a partir da reunião com
Kevin Maxwell em Moscou. Como já se passara bem mais de
uma semana e a Elorg recebera uma proposta concorrente,
válida apenas até 16 de março, a Mirrorsoft tinha um dia para
fazer sua oferta.
De modo proposital, a Elorg tirara a chance da Mirrorsoft.
Referira-se ao direito de Maxwell à primeira opção apenas
porque isso fora garantido no acordo protocolar. Como pla­
nejado, não houve resposta naquele dia e o caminho ficou
livre para a Nintendo. Rogers e Huhs telefonaram a Redmond,
dizendo que o advogado achava que o contrato poderia ser
assinado se Lincoln e Arakawa estivessem em Moscou na se­
gunda-feira. Primeiro, porém, os dois teriam de ir a Washing­
ton, onde os vistos estariam à espera no consulado soviético.

Arakawa e Lincoln revelaram para onde iam apenas a Peter


Main e Phil Rogers, pois temiam que a Atari Games desco­
brisse o negócio. Os funcionários da Nintendo pensavam que
eles estavam viajando para o Japão. Para chegar ao consulado
antes do fim de semana, os dois voaram até Los Angeles e
de lá pegaram um avião para Washington, onde chegaram ao
alvorecer. Acomodaram-se num hotel, tomaram banho, ves-
tiram-se e foram de táxi ao gabinete do cônsul-geral russo.

377
OS MESTRES DOJOGO

Lá, no departamento de vistos, o funcionário disse que nunca


ouvira falar de Arakawa, de Lincoln ou da Nintendo. Não
houvera comunicação de Moscou e, sem ela, não ha veria vistos.
Tudo o que os chefes da Nintendo podiam fazer era esperar.
As quatro da tarde, um telex finalmente chegou, autorizando
a emissão dos vistos.
Só havia tempo para correr ao aeroporto e pegar o próximo
voo para Londres. No avião, desmaiaram e só despertaram
na chegada, em Heathrow, onde a tarde já terminava. Tinham
uma noite pela frente, até a viagem para Moscou.
Foram dormir logo após o jantar. Lincoln prometeu telefo­
nar para o quarto de Arakawa às sete da manhã, para que
pudessem pegar o avião às nove e meia. Mas perdeu a hora
e dormiu até as oito. Quando acordou, chamou Arakawa, de­
sesperado. Os dois jogaram as roupas nas malas e correram
para o aeroporto, onde dispararam pelo terminal e tentaram
passar pela barreira de segurança.
Havia um batalhão de guardas atrás deles. Os dois pararam
e olharam um para o outro. Não se tinham barbeado, nem
penteado o cabelo. Lincoln usava o casaco do pijama embaixo
do paletó do terno. Depois de rápidas explicações, passaram
pela barreira e entraram no avião. A porta já ia ser fechada.
Ambos pareciam ter fugido de um hospício.
Dormiram o tempo todo naquele domingo, 19 de março de
1989. Rogers e Huhs foram buscá-los no aeroporto. Rogers,
que alugara um Mercedes 190 preto, dirigia o carro por Mos­
cou enquanto Arakawa e Lincoln olhavam pelas janelas, ob­
servando os transeuntes com agasalhos pesados e a surpreen­
dente arquitetura européia. Parecia um filme de Nova York
da década de 40.
Rogers informou ter encontrado um exportador japonês que
possuía um fax e que havia um computador portátil e uma
impressora em seu quarto de hotel. Por fim, disse que ele e
Huhs se encontrariam com os dois na manhã seguinte, na
Elorg, e escreveu o endereço num pedaço de papel. Logo em
seguida, deixou os exaustos passageiros no hotel.

378
A MÚSICA DO TETRIS

Na recepção, Arakawa foi informado de que não havia quar­


tos disponíveis, mas que ele e Lincoln não precisavam preo­
cupar-se, pois o hotel os colocaria num apartamento situado
num edifício próximo. Ali, encontraram um fogão desconec-
tado, uma geladeira sem porta, um sofá rasgado e, no fundo
de um corredor bolorento, um pequeno quarto. Olharam para
a única cama e, sem uma palavra, tiraram as carteiras, pegaram
algumas notas de um dólar e jogaram "pôquer de mentiroso".
Arakawa perdeu e ficou com o sofá.
A despeito do cansaço, saíram para buscar provisões e logo
encontraram o que procuravam: um bar, onde compraram pro­
dutos de primeira necessidade. Com os braços cheios de Hei­
neken e conhaque, voltaram para o apartamento, onde bebe-
ram até Lincoln retirar-se para o quarto e Arakawa cair des­
maiado no sofá.
Pela manhã, depois de encontrar-se com Rogers e Huhs,
os dois foram levados para uma sala de reuniões de teto muito
alto e janelas escurecidas, na Elorg. Lá, foram apresentados
ao inventor do Tetris, Alexey Pajitnov, ao chefe da Elorg, Ni­
kolai Belikov, e a algumas outras pessoas. Pajitnov tentou for­
mar uma opinião sobre Arakawa e Lincoln, mas os dois pa­
reciam habitantes de outro planeta. Lincoln era austero, imune
às piadas de Pajitnov. Arakawa era introvertido e inacessível.
Mas, por causa da ligação deles com Henk Rogers, Pajitnov
dispôs-se a confiar e foi aliado dos dois naquele primeiro en­
contro.
Embora tentasse conversar um pouco com Belikov e um
de seus assistentes, Lincoln deixou de ser agradável assim
que os assuntos principais começaram a ser discutidos. Di­
nheiro não era o mais importante para os chefes da Nintendo.
Eles estavam preocupados com as alegações de Stein e da
Mirrorsoft sobre os direitos do jogo para videogames domés­
ticos. Lincoln precisava da garantia de que os russos nunca
tinham pretendido vender esses direitos à Andromeda ou a
qualquer outra empresa. Satisfeito com as respostas, disse-lhes
enfaticamente, diversas vezes, que precisava ter absoluta cer-

379
OS MESTRES DO JOGO

teza de que eles manteriam o acordo até o fim, e explicou


que precisavam preparar-se para os contra-ataques da Andro­
meda, da Mirrorsoft e da Atari Games. Arakawa ficou sentado
pacientemente, com as mãos cruzadas na mesa.
Os russos tinham juntado todas as cartas, mensagens de
telex e propostas, além dos contratos assinados com Stein e
a Andromeda. Lincoln examinou-os. Um documento valia por
todos os outros: a emenda que Robert Stein assinara e que
definia um computador. O NES não tinha monitor, drives,
teclado e sistema operacional. Portanto, não era um compu­
tador.
Os russos, ansiosos, já pensavam em novos negócios com
a Nintendo. A glasnost começara e sociedades com o Ocidente,
sob a forma de joint ventures, estavam sendo encorajadas pelo
governo.
Berlikov declarou que desejava formar uma sociedade com
a Nintendo, uma joint venture que daria à NOA excelentes
jogos, como o Tetris. Lincoln sugeriu que fizessem um negócio
de cada vez.
A seguir, os russos perguntaram por que não podiam fa­
bricar os cartuchos do Tetris, eles mesmos.
— A Nintendo fabrica todos os cartuchos — respondeu
Lincoln.
Os russos, então, disseram que queriam fabricar aparelhos
NES e vendê-los na ex-União Soviética.
— Obrigado, mas nós os fazemos no Japão.
Para impressionar os homens da Nintendo com as proezas
da engenharia russa, um representante da Elorg mostrou uma
pequena caixa.
— Foi nossa gente que fez isto — explicou.
Arakawa abriu-a. Dentro, havia um Game & Watch que
exibia o Donkey Kong. Não havia o menor sinal do nome Nin­
tendo, ou de marca registrada, no relógio. Educadamente, Ara­
kawa cumprimentou os russos pelo produto.
Depois desse primeiro encontro, Arakawa e Lincoln levaram
Huhs, Rogers e Alexey Pajitnov para jantar no único restau-

380
A MÚSICA DO TETRIS

rante japonês de Moscou. O lugar não tinha licença para ven­


der bebidas alcoólicas, de modo que pediram a uma garçonete
que as comprasse. Ela voltou trazendo várias garrafas grandes
de cerveja.
Quando serviram sushi, Pajitnov, que nunca comera aquilo,
experimentou um pequeno bocado. Arakawa explicou que o
certo era comer um pedaço inteiro, de uma vez. Corajosamen­
te, Pajitnov provou um pouco de toro, pedaços de barriga gorda
de atum colocados sobre "tijolinhos” de arroz, equilibrando a
comida nos pauzinhos e conseguindo levá-la à boca. Surpreso,
notou que o gosto era muito agradável. Ficou mais prático
no uso dos pauzinhos enquanto comia solha, enguia, caran­
guejo e tamago, uma omelete em miniatura servida com arroz.
Então, atacou uma bola verde e grudenta que havia em seu
prato e colocou-a na boca, enquanto os companheiros gritavam
em uníssono para que ele não fizesse aquilo. Tarde demais.
Pajitnov engolira uma bolota de wasabi, rábano silvestre muito
ardido, que deve ser usado em pequenas porções para tem­
perar o molho de soja onde se mergulham pedaços de ali­
mentos. Pajitnov sentiu que as narinas ameaçavam explodir
e os globos oculares começaram a vibrar como se fossem saltar
das órbitas. Tentou acabar com a tortura tomando cerveja,
mas foi em vão.
Arakawa não conseguiu conter o riso. Rogers acompanhou-
o e logo os outros também, enquanto Pajitnov enxugava as
lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. Teve melhor sorte nos
pratos que se seguiram: shabu, peixe com gengibre e algas
marinhas à vinagrete, tudo ingerido com bastante cerveja.
Depois do jantar, dirigiram-se ao apartamento de Pajitnov
para ver um novo jogo que ele criara e que planejava vender
através de uma joint venture, em Moscou. Lincoln ficou preo­
cupado, pensando que o jogo, Welltris, pudesse ser derivado
do Tetris. Talvez devessem comprar os direitos dele também.
Arakawa, mais interessado em conhecer um apartamento rus­
so, fora equipado, levando um Game Boy para os filhos de
Pajitnov.

381
OS MESTRES DO JOGO

Quando entraram no edifício da rua Gersten e pegaram o


elevador, que gemia, estalava e subia sacolejando, Arakawa
e Lincoln trocaram olhares apreensivos. Embaixo deles, as fres­
tas do piso deixavam ver o poço e o advogado apertou-se
contra uma das paredes para tirar seu peso do centro do ele­
vador. Quando chegaram ao andar de Pajitnov, as portas abri­
ram-se e eles se viram a uns noventa centímetros abaixo do
patamar, de modo que todos tiveram de subir pela parede
para sair.
No alegre apartamento, a esposa de Pajitnov, Nina, serviu-
lhes vodca gelada e conhaque russo. Tanto Lincoln quanto
Arakawa tinham perguntas a fazer sobre a vida em Moscou
e os Pajitnov responderam a todas de boa vontade, enquanto
seu filho mais velho, Peter, experimentava o jogo criado pelo
pai no Game Boy, contente em saber que era o único garoto
da ex-União Soviética que possuía um aparelho Nintendo.
No dia seguinte, os representantes da NOA voltaram à Elorg
para mais uma rodada de discussões sobre o contrato. Howard
Lincoln explicou seu plano para provar que os direitos do
Tetris para videogames nunca tinham sido vendidos e confir­
mou a oferta da Nintendo. As negociações continuaram por
três dias. Lincoln estava determinado a não sair de Moscou
sem um contrato assinado e, no quarto de hotel de Henk Ro­
gers, trabalhando no editor de textos, criou um documento,
parágrafo por parágrafo. Nas reuniões matinais com os russos,
os detalhes eram discutidos e à tarde as alterações eram di­
gitadas e impressas.
Numa dessas reuniões, Lincoln disse que queria que os di­
reitos do autor ficassem bem claros. O pessoal da Elorg res­
pondeu que, desde que Pajitnov trabalhava para o centro de
computação e criara o jogo no horário de trabalho, os direitos
autorais eram da Academia de Ciências e que, sendo uma
organização comercial, a Elorg estava autorizada a ceder os
direitos do Tetris. Pajitnov meneou a cabeça, confirmando. Es­
tava contente com um pouquinho de glória e com a possibi-

382
A MÚSICA DO TETRIS

lidade de novas oportunidades no futuro, mas não esperava


dinheiro.
Lincoln insistiu em incluir uma cláusula que obrigava os
russos a colaborar em qualquer litígio que pudesse surgir.
Eles teriam de ir aos Estados Unidos testemunhar, se fosse
necessário. Então, no último minuto, os russos resolveram dis­
cutir os direitos autorais que a Nintendo oferecera, mas Lincoln
disse que aquele item não era mais negociável. Entretanto, a
empresa se responsabilizaria pelas despesas legais, que pro­
vavelmente seriam vultosas, porque muita gente ficaria abor­
recida com o contrato que iam assinar: Stein, o pessoal da
Atari Games, da Mirrorsoft e, claro, o proprietário da Mirror­
soft, Robert Maxwell.
A menção a Maxwell pôs água na fervura, particularmente
porque Belikov não podia esquecer o último telex dos ingleses,
que chegara naquela manhã: Jim Mackonochie, respondendo
ao último comunicado da Elorg, declarava que a Mirrorsoft
não tinha que oferecer nada pelos direitos do Tetris para vi­
deogames porque já os tinha.
Como resposta, a Elorg enviara outro telex, informando que
nem a Andromeda, nem a Mirrorsoft ou a Tengen tinham
sido autorizadas a distribuir o Tetris para aparelhos de video­
game e que os direitos não estavam mais disponíveis porque
a Elorg os cedera à Nintendo. O telex foi expedido no dia 22
de março, dia em que o contrato foi selado. Arakawa assinou-o
pela companhia japonesa, Pajitnov como autor e Belikov pela
Elorg.
A cerimônia foi assistida pelos representantes da Nintendo
e da Elorg, assim como por dois membros do governo sovié­
tico, Edward A. Maksakov, presidente comissionado do Co­
mitê Estatal de Sistemas de Computadores e Informática, e o
dr. Stanislov I. Gusev, chefe do Departamento de Informações
Técnicas e Científicas do centro de computação da Academia
de Ciências. O valor do adiantamento foi mantido em segredo,
mas corriam rumores de que ficara em torno de 3 a 5 milhões
de dólares. Lincoln diz que foi menos, mas não quis divulgar

383
OS MESTRES DO JOGO

a quantia. Dennis Wood, da Atari Games, afirma que o valor


"incentivaria qualquer um a fazer falcatruas, cedendo direitos
já vendidos".
Uma tentativa de acabar com o negócio dos russos com a
Nintendo aconteceu no dia 23 de março. Kevin Maxwell es­
creveu:
Aviso-os formal men te de que agora os senhores cometeram grave
contravenção dupla no que se refere ao nosso acordo.
Acrescentou que o assunto seria abordado durante a visita
do presidente Gorbachev ao seu país e declarou:
Jã possuímos os direitos mundiais do Tetris para o computador
da Nintendo. De fato, já o estamos comercializando, diretamente e
por interme'dio da Tengen, nos Estados Unidos, e da Bullet-Proof
Software, no Japão, desde janeiro de 1989.
Maxwell avisou que estava indo para Moscou e que dese­
java, "visando à reconciliação", encontrar-se com Belikov, para
saber "como os russos pretendiam remediar a dupla contra­
venção cometida contra o acordo". Concluiu com uma ameaça:
se os russos não corrigissem o erro, levaria o assunto aos mais
altos escalões legais e políticos.

Era tarde demais. Naquela noite, Arakawa, Lincoln, Rogers


e Huhs comemoraram o contrato no restaurante japonês com
Alexey Pajitnov. Sentados no bar do Teppan Yaki, pergunta­
ram à garçonete se ela podia ir à casa de bebidas comprar
cerveja.
— Cerveja Finnish (finlandesa) — ela pareceu dizer.
Eles responderam que servia e ela se afastou.
Arakawa tentava conter a alegria, mas seu sorriso era enor­
me.
— Conseguimos — disse exultante para Lincoln.
Estavam tão felizes que a mesa quase levitava.
A garçonete não voltara com a cerveja e estava na hora de
fazer um brinde. Então, Arakawa a viu e chamou-a.
— Onde está a cerveja?
— Cerveja Finnish — ela repetiu.

384
A MÚSICA DO TETRIS

— Tudo bem — disse Lincoln. — Onde está?


Com suas mãos delicadas, a mulher fez um gesto em cruz.
— Cerveja Finnish.
Eles, então, entenderam que ela queria dizer que a cerveja
acabara (finished) e caíram na risada. Brindaram com refrige­
rante. Mais tarde, Henk Rogers mandou a Howard Lincoln
uma caixa de cerveja finlandesa, de presente.
Depois do jantar todos trocaram abraços calorosos e se des­
pediram.
Rogers estava particularmente feliz. Não apenas porque ti­
nha os direitos do Tetris para aparelhos de bolso, de que dera
uma concessão à Nintendo para o Game Boy, como também
por ter recebido, como recompensa, concessão para distribuir
o jogo, em sua versão para videogames, no Japão, ou seja,
ganhara os direitos que pensara ter comprado da Atari. Dessa
vez, porém, conseguira o jogo às custas da Nintendo. Isso
significava que lucraria de 5 a 8 dólares a mais por cartucho
do que os outros concessionários lucravam com jogos manu­
faturados pela NCL. Juntando tudo, talvez ganhasse de 30 a
40 milhões de dólares com o Tetris.
Essa diferença era uma ninharia para Arakawa e Lincoln,
que, de volta ao seu esquálido apartamento, acabaram com a
cerveja Heineken — quente — que haviam comprado durante
o dia. Estavam tão entusiasmados que não conseguiram dor­
mir, de modo que ficaram conversando a noite toda.
Rumando para o aeroporto, na manhã seguinte, Arakawa
disse:
— Nunca mais voltarei aqui.
— Cuidado com o que diz — censurou Lincoln. — Prome­
temos voltar, trazendo um monte de aparelhos Game Boy para
hospitais e orfanatos.
Arakawa meneou a cabeça e sorriu.
— Prometemos, sim, e eles ficarão muito contentes quando
você voltar para entregá-los.
— Sabíamos que tínhamos pego aqueles miseráveis (os con­
correntes) pelo rabo — diz Howard Lincoln. — Sabíamos que

385
OS MESTRES DO JOGO

íamos ganhar uma fortuna com aquele produto e que eles


levariam um chute.
Ele só se preocupava com o que Robert Maxwell faria quan­
do descobrisse que a Nintendo arrebatara o Tetris.

No fim de março, Belikov mandou duas cartas por telex:


para a Mirrorsoft e para Stein. Os direitos do Tetris para apa­
relhos de bolso não estavam mais disponíveis. Era uma pena,
mas eles tinham sido forçados a fechar negócio com outra
empresa.
Stein deu uma subconcessão do copyright — conseguido a
duras penas — do Tetris para máquinas operadas por moedas
à Mirrorsoft, que não conseguira os direitos mais valiosos, em
particular os referentes aos videogames, já concedidos à Atari
Games. A Mirrorsoft estava encrencada porque a Atari Games
já investira milhões na versão do Tetris feita pela Tengen.
De volta a Redmond, Lincoln rejubilou-se com o fax que
mandou a Hide Nakajima e à Atari Games, na Califórnia, no
dia 31 de março. Nele, informava aos adversários que deve­
ríam desistir de manufaturar, anunciar, promover, oferecer
para venda ou vender o Tetris para o NES ou para qualquer
outro aparelho porque os direitos do jogo pertenciam à Nin­
tendo.
Um advogado do escritório de Dennis Wood arrancou o
fax da máquina e leu-o rapidamente. Depois, chocado, correu
para a sala do chefe. Dennis Wood leu e releu a notificação,
antes de, com expressão impenetrável, marchar para a sala
de Hide Nakajima.
A Tengen telefonou à Mirrorsoft para descobrir o que estava
acontecendo. A resposta foi que não se preocupassem, que os
direitos eram deles. Fosse o que fosse que a Nintendo e os
russos estivessem tramando, não funcionaria.
A Tengen só respondeu à Nintendo no dia 7 de abril:
Recebemos sua carta e, francamente, ficamos muito confusos.
Como a Nintendo sabe desde o ano passado, a Tengen recebeu todos

386
A MÚSICA DO TETRIS

os direitos do Tetris para o NES no começo de 1988. Esses direitos


são, no ponto de vista da Tengen, claros e inequívocos (...)
Howard Lincoln ofereceu-se para discutir o assunto, mas,
quando o fez, — em 15 de abril — a Atari Games já preparara
um requerimento, pedindo registro dos direitos autorais do
trabalho audiovisual, do código de computador e da trilha
sonora do Tetris para o NES. A Atari não informou ao Copy­
right Office que sua versão do Tetris era simplesmente uma
adaptação do jogo de Pajitnov, nem que a Nintendo a avisara
de que comprara os direitos exclusivos.
Numa reunião em Londres, Jim Mackonochie contou a Ke­
vin Maxwell sobre o ataque frontal da Nintendo. Maxwell
decidiu que estava na hora de falar com o pai e o velho Max­
well ficou louco de raiva, como disse um dos sócios.
Quando soube que os russos haviam rompido o acordo
protocolar, Robert Maxwell fez Kevin explicar todos os deta­
lhes das negociações. Um acordo protocolar não é um docu­
mento legal, mas, insistia o velho Maxwell, equivalia a um
acordo entre cavalheiros. Vê-lo quebrado era o mesmo que
levar um tapa no rosto. O que os russos tinham dito não valera
nada: o direito legal de primeira opção fora desrespeitado.
Na época, Robert Maxwell construía rapidamente um im­
pério global que se espalharia por territórios que Sua Majes­
tade jamais alcançara.
— O negócio da informação está crescendo vinte por cento
ao ano — declarou Robert Maxwell no início da década de
60. — As comunicações ocupam o lugar que o petróleo ocupou,
dez anos atrás. Haverá de sete a dez corporações globais no
setor de comunicações e meu objetivo é ser uma delas.
Perseguira esse objetivo com tenacidade, englobando ou
fundando empresas da Grã-Bretanha à China, União Soviética
e Brasil.
Maxwell não só era uma presença formidável no mundo,
como homem de negócios, como usava sua posição para ga­
nhar influência notável na política mundial. Era conselheiro
de líderes de Israel e do Canadá e representou força poderosa

387
OS MESTRES DO JOGO

na oposição ao governo conservador de Margaret Thatcher e


John Major. Falava nove línguas fluentemente e seu telefone
não parava de tocar, pois líderes do mundo todo queriam
falar com ele. Quando um secretário avisava-o de que o pri­
meiro-ministro estava ao telefone, ele perguntava:
— Qual deles?
Maxwell merecia a confiança do ex-presidente soviético
Mikhail Gorbachev e era figura familiar no Kremlin. Publicara
livros para quatro ex-líderes soviéticos, a quem conhecera pes­
soalmente: Brejnev, Andropov, Gromiko e Kruchev. Desse
modo, era difícil duvidar de sua influência.
Embora Kevin estivesse na chefia da Mirrorsoft, acima de
Mackonochie, o velho Maxwell vigiava 24 horas por dia todos
os departamentos de suas companhias, a Maxwell Commu­
nications Corporation e a Mirror Group. Era um jeito de evitar
que os outros, inclusive os filhos, soubessem exatamente o
que pretendia fazer. O homem era um general que mantinha
seus oficiais na ignorância, dizendo apenas o que eles preci­
savam saber e jogando-os uns contra os outros. Passava as
tropas em revista de surpresa, para manter os mais graduados
na linha.
Kevin Maxwell evitava pedir algo ao pai, mas no caso do
Tetris não teve outro recurso.
— Não vão escapar com essa safadeza! — gritou Robert
Maxwell, dando um murro na mesa. — Tenham certeza disso!
Escreveu cartas aos seus amigos do Kremlin, inclusive para
o ministro das relações econômicas com o estrangeiro, que o
recebia em suas visitas a Moscou:
Damos grande importância às nossas excelentes relações comer­
ciais com o governo sovie'tico e com as muitas agências no campo
da informação, comunicação, publicação e, tambe'm, da produção de
papel. Vemos essas relações em perigo por causa da ação isolada de
um agência em particular.
Essa agência, a Elorg, ficou preocupada quando ouviu os
rumores. Contudo, vivia-se a perestroika e, como definiu Jim
Mackonochie, "os burocratas da Elorg estavam tomando gosto

388
A MÚSICA DO TETRIS

pela coisa”. Contudo, quando o ministro das relações econô­


micas com o estrangeiro começou a interferir nos assuntos
das agências, Belikov viu encrenca à vista.
A seguir, Maxwell entrou em contato com seu próprio go­
verno e pediu a lorde Young, secretário de Estado do comércio
e indústria da Grã-Bretanha, para intervir. Ele queria que o
"caso Tetris" fosse discutido entre os chefes de Estado durante
a visita de Gorbachev.
Na Academia de Ciências de Moscou souberam que Robert
Maxwell jogava seu peso em cima deles e da Elorg, de modo
que ficaram receosos de que sua autoridade fosse desrespei­
tada. Ao mesmo tempo, estavam deleitados. Num encontro
estratégico com Belikov, os chefes da academia discutiram
como deveriam responder ao Comitê Central do Partido Co­
munista, que certamente reagiría a um inquérito da parte do
secretário-geral.
Belikov estava satisfeito com o negócio com a Nintendo e
pretendia defendê-lo. Apesar de todos os jantares com o casal
Gorbachev, Robert Maxwell oferecera à academia apenas uma
fração do que a Nintendo mandaria para os cofres públicos.
Além disso, a Mirrorsoft sempre atrasava os pagamentos. Be­
likov estava convencido de que a companhia inglesa roubara
o jogo dos russos e que o próprio Gorbachev compreendería
que a Elorg tomara a decisão correta. A Elorg, decidiu Belikov,
defendería essa decisão, por mais forte que fossem as pressões.
Foi uma luta épica. A Elorg e as facções do partido leais a
Maxwell começaram a trocar mensagens urgentes. Houve
ameaça de processos e até de que a KGB seria usada contra
os indivíduos que se recusassem a colaborar. A pressão sobre
os russos atingiu o auge quando Robert Maxwell voou para
Moscou para encontrar-se com Gorbachev. Iam discutir a pla­
nejada joint venture no campo das publicações e o lançamento
de jornais, mas o primeiro item da lista era o Tetris.
Maxwell chegou a Moscou em seu jato particular e foi le­
vado ao Octoberskaya, o hotel de elite do governo, escoltado
por carros da polícia. A reunião daquela tarde foi amigável

389
OS MESTRES DO JOGO

e ele só tocou no assunto do Tetris após uma conversa des­


contraída e troca de piadas. Maxwell mais tarde declarou que,
depois da discussão, Gorbachev prometeu-lhe que o assunto
seria resolvido de modo satisfatório.
— Ele disse que eu não devia mais me preocupar com a
companhia japonesa.

Lincoln retornou a Moscou no fim de abril, acompanhado


por Huhs e John Kirby, além de um sócio de Kirby, Bob Gunt­
her. Para os advogados de Nova York, a viagem começou
como uma comédia-pastelão. Gunther deixou cair a impres­
sora que levara de Nova York, quebrando-a, e depois perdeu
a carteira, que continha mil dólares, num táxi de Moscou. Rou­
baram todas as camisas de Kirby no aeroporto Kennedy e,
como resultado, ele precisou comprar roupas em Moscou antes
de começar a
série de reuniões. Encontrou camisas inferiores, de poliéster,
numa banca autorizada, numa rua perto do hotel.
O time da Nintendo apareceu na principal sala de reuniões
da Elorg, onde Belikov, Pajitnov e mais meia dúzia de russos
o esperava, visivelmente abalados. Não foram indelicados, mas
estavam sob muita pressão. A reunião transcorreu sem que
ninguém dissesse que havia problemas, mas Lincoln pressen­
tiu que algo não ia bem.
— O que é? — perguntou a Belikov. — Aconteceu alguma
coisa?
— Nada mudou — o homem respondeu. Todavia, num
intervalo da reunião, puxou Lincoln para um lado. — Fizemos
tudo certo com vocês, mas os Maxwell estão nos ameaçando.
Dissemos que não deixaríamos que nos intimidassem, que um
contrato é um contrato e que não o quebraremos. A Nintendo
é nossa concessionária. — Baixou o tom de voz para um co­
chicho: — Devo dizer-lhe, sr. Lincoln, que estamos recebendo
telefonemas do Kremlin, de gente que nunca soube que nós
existíamos. Apareceram muitas pessoas para examinar nossos
registros e fazer perguntas sobre o contrato. Respondemos

390
A MÚSICA DO TETRIS

que fizemos o que era certo. Por enquanto os estamos enfren­


tando, mas não sabemos o que vai acontecer.
A reunião acabou num clima de contra-espionagem. Podia
haver espiões na Elorg e vigilância da KGB não apenas nas
reuniões, mas 24 horas por dia: telefones de hotéis censurados,
passeios monitorados e mesas de restaurantes com microfones
escondidos.
Preparando-se para o pior, os advogados da Nintendo en­
trevistaram Pajitnov no dia seguinte, assim como o pessoal
da Academia de Ciências, do centro de computação e da Elorg.
Examinaram todos os papéis relacionados ao acordo do Tetris.
Belikov escreveu uma extensa declaração a John Kirby, con­
tando sua versão da história do Tetris, e esse documento foi
incorporado ao processo legal que houve depois.
Nesse ínterim, em seu jato particular, Robert Maxwell voou
de Londres para Jerusalém a fim de encontrar-se com o pri­
meiro-ministro de Israel, Yitzhak Shamir, e com o ministro
da Defesa, Moshe Arens. Um repórter perguntou-lhe por que
a intervenção de Gorbachev em seu favor tinha sido inútil.
— Como você soube disso? — replicou Maxwell em tom
seco. — Como soube da reunião? — Então deu de ombros,
como se o assunto não tivesse importância, e explicou: — Ha­
via tanto dinheiro envolvido que aquela gente convenceu Gor­
bachev a trabalhar com a companhia japonesa. Fiz o que pude.
— Acusou a falta de pulso do ex-presidente pela perda daquela
batalha. — Gorbachev disse que outros membros do governo
acharam que tinha de ser daquele jeito. Sou um homem hon­
rado e espero que me tratem com honradez, mas a gente sem­
pre encontra pedras pelo caminho.
Aquela não seria a última pedra que Maxwell encontraria.

No meio da noite, Howard Lincoln foi despertado, em seu


quarto de hotel, em Moscou, pelo toque do telefone. A tele­
fonista informou que se tratava de uma chamada dos Estados
Unidos.
Em Redmond eram duas horas da tarde, onze a menos do

391
OS MESTRES DO JOGO

que em Moscou. Lincoln alendeu. Era uma de suas assistentes,


da NOA.
— A Tengen nos processou.
Na Elorg, na manhã seguinte, Lincoln anunciou o fato, um
tanto divertido. Os russos estavam envolvidos com o sistema
legal norte-americano, tão moroso e ineficiente quanto a gi­
gantesca burocracia soviética.
Começando os preparativos, Lincoln, Huhs, Kirby e Gunt­
her interrogaram os principais envolvidos nas negociações do
Tetris para ter certeza de que o caso era invulnerável. Antes
que tudo acabasse, Pajitnov contou sua história dúzias de ve­
zes. Quando Lincoln se deu por satisfeito, foi para o Japão
conferenciar com Yamauchi e Imanishi, antes de voltar para
casa. Yamauchi ficou deliciado com tudo o que acontecera,
nem um pouco preocupado com o processo. Era o tipo de
coisa que ele apreciava.
— Você e Arakawa-san agiram bem — elogiou.
De volta aos Estados Unidos, Lincoln entrou com um con-
traprocesso contra a Tengen e os advogados dos dois lados
começaram a preparar-se para a guerra. Provas foram reunidas
e depoimentos foram tomados nos Estados Unidos, na Ingla­
terra e, em junho, em Moscou.
O pessoal de John Kirby continuou a investigar nos Estados
Unidos, representando a Nintendo. Kirby descobriu que a Ten­
gen fizera requerimento, pedindo o registro do Tetris nos Es­
tados Unidos, Japão, Austrália, Canadá, Reino Unido, ex-Ale-
manha Ocidental, Itália e Espanha. Pajitnov deu outro depoi­
mento, que durou quatro horas. Huhs fez o criador do Tetris
reconstruir, com detalhes minuciosos, a história do jogo, da
concepção à primeira carta de Stein e daí por diante, até o
presente.
A Tengen despachou sua primeira carga de cartuchos Tetris
em maio de 1989, a despeito do aviso que recebera da Nintendo
e do litígio em andamento. Decididos a vender o jogo mais
quente que a Tengen já tivera, Randy Broweleit e Dan Van
Elderen colocaram um anúncio de página inteira no USA To-

392
A MÚSICA DO TETRIS

day: "O Tetris é como a Sibéria, porém mais difícil. Está aqui
o jogo intelectual que acaba com os nervos, o mais excitante
desde a roleta russa. Junte os amigos de QI alto, os machões
capazes de derrotar os programadores russos que o inventa­
ram. Há um problema: se você não conseguir ajustar as peças,
uma avalanche de blocos cairá e soterrará os fracos!"
O anúncio estava pouco afinado com a idéia que Pajitnov
fazia do Tetris: um pacificador.
A Tengen deu uma grande recepção para lojistas, distribui­
dores e gente da imprensa no Salão de Chá Russo, em Nova
York, em 17 de maio. O lugar ficou lotado. Havia vodca e
salgadinhos russos à vontade. Ao fundo ouvia-se música russa
e aparelhos de videogame exibiam o Tetris.

O julgamento começou em junho, em San Francisco, na corte


da juíza Fern Smith, que já estava julgando os casos de anti­
truste e quebra de contrato entre a Nintendo e a Atari Games.
O caso Tetris dependia de personalidades, semântica e de duas
linhas enterradas sob quilos de documentos. O contrato de
Stein com os russos estipulava que ele recebera os direitos do
Tetris para computadores e ninguém discutia esse ponto. Mas
os advogados da Atari Games alegavam que o aparelho da
Nintendo era um computador, uma máquina baseada num
microprocessador que usava software. Para provar que não
havia diferença entre o NES e outros computadores, os advo­
gados da Atari Games observaram que a própria Nintendo
via seu aparelho como tal, com relés que poderíam ser conec­
tados ao portal de expansão. Os periféricos — modem, teclado
e CD — provavam que o NES era um computador. No Japão,
chamavam-no até de Famicom, family computer (computador
familiar). Um porta-voz da Tengen observou:
— No tribunal, a Nintendo fez de tudo para provar que o
NES era um brinquedo e que seus cartuchos eram equivalentes
aos braços e pernas da Barbie, mas ao mesmo tempo negociava
um contrato com a AT&T, que usaria a máquina para fazer
registros de estoque. Havia uma rede de computadores Nin-

393
OS MESTRES DO JOGO

tendo no Japão e eles planejavam outra nos Estados Unidos.


Para mim, o NES é um computador.
O pessoal da Atari ecoava as acusações de Robert Maxwell
de que os russos tinham percebido que poderíam ganhar muito
mais dinheiro com a Nintendo e pularam fora, fingindo-se de
inocentes. Isso, apesar de Pajitnov insistir em declarar que o
contrato só incluía os computadores PC. A turma da Atari
acusava Pajitnov de ser um fantoche da Nintendo, instruído
sobre o que dizer no tribunal.
Dan Van Elderen acredita que os russos eram menos ino­
centes do que pareciam.
— Fosse a linguagem ambígua, ou não, eles sabiam que
tinham vendido os direitos. Então, aconselhados por Henk
Rogers e pela Nintendo, perceberam que poderíam ganhar
muito dinheiro e descobriram que havia uma saída. Por isso,
não hesitaram em fazer outro contrato, passando por cima do
nosso.
No depoimento, Randy Broweleit, da Tengen, revelou o que
estava em jogo para a Atari Games. Em 1988, a companhia
dedicara o trabalho equivalente ao de 3 anos e mais de 250
mil dólares ao Tetris. Em janeiro de 1989, comprometera-se a
fabricar trezentos mil cartuchos do jogo e gastou 3 milhões
com eles, fora os milhões com embalagem, trabalho dos en­
genheiros e marketing. Cem mil unidades tinham sido des­
pachadas e havia encomendas iniciais de 150 mil cartuchos
antes de o jogo ser lançado, em maio de 1989.
Hide Nakajima afirmava que a NOA entrara em conluios
para roubar-lhe o Tetris.
— Alguma coisa aconteceu entre o autor do jogo e a Nin­
tendo. Eles sabiam que tínhamos a concessão e nos incenti­
varam a ir em frente. A NOA só começou a importar-se quando
abrimos processo contra ela no caso antitruste. Então, começou
a nos perseguir. Howard Lincoln e Arakawa queriam nos im­
pedir de fabricar o Tetris. Foi uma vingança. E todos sabem
o que dizem sobre a vingança: que ela é doce.
O argumento da Nintendo era direto: a despeito de sua

394
A MÚSICA DO TETRIS

ingenuidade a respeito de concessão de direitos de software


internacionais, os russos sabiam o que estavam fazendo quan­
do cederam o copyright a Stein. O contrato excluía as versões
para máquinas operadas por moedas e aparelhos de bolso.
Os russos não tinham intenção de vender os direitos da versão
para videogames domésticos. Duas linhas no contrato prova­
vam isso: a que estipulava computadores, no contrato final,
e uma linha na emenda — alteração n- 1 — que especificava
que um computador possuía teclado, monitor e drives para
disquetes flexíveis. O NES não tinha nada disso, de modo que
estava excluído do acordo. A Nintendo agarrou-se ao argu­
mento de que comprara os direitos do Tetris de modo limpo,
fazendo um trato justo com os russos, enquanto os direitos
da Tengen faziam parte de uma sucessão de falhas. A frágil
ligação era o contrato original de Robert Stein, que cobria com­
putadores PC, clara e explicitamente. Qualquer apropriação
além dessa, por parte de Stein, da Mirrorsoft ou da Tengen
era roubo.
A Nintendo e a Tengen tentavam impedir uma à outra de
vender o Tetris com petições de injunções preliminares que
proibisse a comercialização do produto. Uma audiência a esse
respeito aconteceu no dia 15 de junho de 1989.
Depois de examinar os depoimentos e as montanhas de
documentos, a juíza Smith decidiu que não havia prova de
que a Tengen (e a cadeia de concessões através da qual a
empresa obtivera o direitos) comprara os direitos da versão
para videogames. Disse que acreditava que a Nintendo ven­
cería a disputa e que, dessa maneira, ela deferia o requerimento
da NOA para uma injunção. A Tengen foi proibida de ma­
nufaturar e vender o Tetris para videogames a partir de 21
de junho.
A essa altura, Hide Nakajima, Dennis Wood e Van Elderen
(Randy Broweleit saíra da Atari Games para abrir uma con­
cessionária de software) só podiam esperar que a corte mu­
dasse de opinião, embora isso fosse pouco provável (não ha­
vería julgamento até o fim de 1992). A produção do Tetris

395
OS MESTRES DOJOGO

pela Tengen parou. Embora a empresa alegasse que sua versão


era superior à da Nintendo, teve de guardar seus cartuchos
num depósito até o veredito final. Essa versão tornou-se co­
biçada pelos colecionadores, vendida até por 150 dólares a
unidade.
A Nintendo lançou sua apurada versão do Tetris para o
NES, com música russa, e vendeu tão bem que o jogo ficou
na lista dos dez mais populares (atrás de Super Mario Bros. 3)
por mais de 1 ano. Pajitnov riu quando soube que milhões
de crianças norte-americanas, quando viram, num noticiário
vespertino, a catedral de São Basilio na Praça Vermelha, gri­
taram, excitadas:
— Olhem! As torres do Tetris'.
Tchaikovsky perdeu a autoria de sua Dança da Fada dos Con-
feitos porque as crianças só a conheciam como "a música do
Tetris". Em grau modesto, o sonho de Pajitnov de ver seu jogo
como uma ponte entre culturas realizou-se. Os vencedores de
um concurso de Tetris ganharam uma viagem de dez dias por
Kiev, Leningrado e Moscou, "a terra de Alexey Pajitnov". A
Nintendo Power publicou matérias sobre a ex-União Soviética;
crianças e adolescentes aficcionados pelo jogo viram que algo
maravilhoso viera do antigo "império do mal".
Os adultos também adoraram o Tetris. As predições de Ara­
kawa cumpriram-se: 30 por cento, talvez 50, dos jogadores
eram adultos. A presença da Nintendo no mercado adulto
aumentou tanto que quase metade dos compradores do Game
Boy, no Ocidente, eram adultos.
Arakawa também acertou sobre outra coisa: o Tetris ajudou
a vender milhões de aparelhos Game Boy. Um total de 32
milhões foram negociados no mundo todo em 1992, mais do
que Hiroshi Yamauchi previra. Um senador dos Estados Uni­
dos, viciado em Tetris, brincava dizendo que o jogo era um
truque dos russos para distrair e hipnotizar os norte-ameri­
canos.
O game também fez pela Nintendo coisas que Arakawa
não imaginara. Quando a companhia foi atacada por profes-

396
A MÚSICA DO TETRIS

sores e psicólogos, que acusavam as aventuras de violentas e


sem preocupação com valores morais, teve armas com que se
defender. Algumas teorias alegavam que o Tetris aumentava
o grau de inteligência (pelo menos nas relações com o espaço).
Um estudo em Moscou também mostrou que o jogo melhorava
a habilidade dos motoristas porque ensinava a tomar decisões
de modo extremamente rápido.
As crianças usavam o Tetris compulsivamente. Depois que
paravam de jogar, porém, reclamavam que as peças continua­
vam a cair em algum lugar da consciência. Os adultos ficaram
tão viciados quanto as crianças. Uma leitora escreveu a uma
revista feminina:
O Tetris levou-me a pedir a meus colegas que não me deixassem
no escritório quando saíssem, porque eu tinha medo de ficar lã a
noite toda, jogando. Tirei o jogo do meu computador, em casa, e
escondi-o, mas vi um Game Boy numa loja e não me contive. Entrei
e comprei.
Um cosmonauta russo levou um Tetris para o espaço. Ga­
nhara o jogo de Howard Lincoln, que retornara a Moscou,
levando o filho de 16 anos, Brad, numa viagem cuja finalidade
principal era fazer uma visita de amigo. Levou os cem apa­
relhos de Game Boy que Arakawa prometera. A outra parte
da promessa de Arakawa também foi cumprida: ele ficou em
casa.

A viagem do jogo de Alexey Pajitnov, de Moscou às mais


variadas partes do globo — e ao espaço, ida e volta —, deixou
um rastro de desastres. Robert Stein diz:
— O Tetris transformou amigos em inimigos e corrompeu
pessoas da direita, da esquerda e do centro. — A Andromeda,
a Mirrorsoft e Atari Games, ele diz, achavam que cada centavo
ganho com o Tetris deveria ser delas. — Por que não nos
juntamos, em vez de ficarmos brigando como loucos?
Mas brigaram como loucos e, na briga, comprometeram a
maior parte dos lucros conseguidos com as versões do jogo
não controladas pela Nintendo e pela BPS. A Mirrorsoft teve

397
OS MESTRES DO JOGO

lucros modestos com o Tetris em disquetes flexíveis, mas quase


nada ganhou com as concessões vendidas à Atari Games, que
se recusou a pagar qualquer coisa até que ficasse decidido o
litígio com a Nintendo.
A Atari Games lançou o jogo para máquinas operadas por
moedas e vendeu entre 15 mil e vinte mil unidades, de acordo
com Van Elderen. Também ganhou royalties sobre a versão
para máquinas de casas de diversões eletrônicas que a Sega
vendeu no Japão, mas a subconcessão da Atari para Henk
Rogers foi inútil e a empresa provavelmente ainda teria de
devolver o que Rogers adiantara pelos direitos da versão para
videogames domésticos do contrato original.
Robert Stein admitiu que ganhou cerca de 200 mil dólares
com o Tetris, no correr dos anos, acrescentando que poderia
ter lucrado milhões. Mas os russos afastaram-no do negócio,
alegando falta de pagamento de copyright. Stein perdeu seu
direito às versões do Tetris para computadores em 1990. A
Spectrum Holobyte estivera pagando os direitos autorais à
Mirrorsoft, que se recusava a pagar Stein. Os 75 por cento
que os russos recebiam do nada de Stein era nada, de modo
que a Elorg revogou o contrato. A fim de ficar com os direitos
do Tetris para computadores PC (e para manter os direitos
de vender o Tetris 2), a Spectrum Holobyte teve de fazer um
novo negócio, diretamente com os russos. Gilman Louie des­
cobriu que eles tinham aprendido muito com a experiência
do Tetris: teve de pagar direitos autorais bem mais caros do
que no contrato com a Mirrorsoft.
A essa altura, Stein ainda detinha os direitos do Tetris para
máquinas operadas por moedas, mas não recebia nada por
eles porque a Atari Games não pagava a Mirrorsoft. Como o
dinheiro não chegasse também aos russos, eles determinaram,
em fevereiro de 1992, que o contrato referente às máquinas
operadas por moedas também fosse revogado. Stein jurou que
lutaria, mas seria uma batalha perdida. O homem que desco­
brira o Tetris para o Ocidente perdeu todos os direitos sobre
o jogo.

398
A MÚSICA DO TETRIS

O processo continuou sem definição até 1992, embora cor­


ressem rumores de que a Atari Games optaria por um acordo.
Se isso acontecesse, ou se a Nintendo vencesse, a Atari pro­
vavelmente iria atrás da Andromeda, da Mirrorsoft e, final­
mente, de Maxwell. Stein e Maxwell tinham garantido que os
direitos que haviam vendido eram deles e possivelmente se­
riam acusados. Não valia a pena perseguir Stein, mas o mesmo
não acontecia em relação à Mirrorsoft e aos bolsos polpudos
de Maxwell. A menos que, naturalmente, fosse descoberto que
esses bolsos não passavam de buracos negros. O resultado do
escandaloso desmoronamento da organização Maxwell foi a
dissolução da Mirrorsoft (suas magras propriedades foram
compradas pela Acclaim Entertainment), seguida da morte
suspeita de Robert Maxwell.
Outros envolvidos com o Tetris saíram-se bem, embora Ke­
vin Maxwell sofresse as conseqüências das corruptas práticas
comerciais do pai. Não só ficou sem propriedades e sem renda
como ameaçado de ser indiciado, apesar do fato de possivel­
mente desconhecer as manobras ilegais de Robert Maxwell.
Jim Mackonochie fora forçado a sair da Mirrorsoft bem antes
de sua ruína, quando Kevin Maxwell reestruturara a compa­
nhia, em 1991. Mackonochie acabou trabalhando como con­
sultor antes de ser contratado para trabalhar com software
CDTV, pela Commodore International, em Londres.
As mudanças na ex-União Soviética fizeram com que o pes­
soal da Elorg e da Academia de Ciências se dispersasse, em­
bora Nikolai Belikov permanecesse em seu posto até muito
depois de o partido comunista cair do poder. Um país mais
livre significava mais oportunidades de comércio e Belikov,
sem as limitações impostas pelos interesses do partido, viu
abundantes possibilidades de exportar as realizações tecnoló­
gicas dos russos. Sua primeira tarefa na "era Ieltsin" foi ne­
gociar a venda do Tetris 2 — criado por Pajitnov e outros —
com Gilman Louie.
Sasha Alexinko, da academia, foi para Viena, onde fundou
uma empresa comercial. Victor Brjabrin também saiu da Rússia

399
OS MESTRES DO JOGO

e encontrou um emprego-desafio na Europa Ocidental, numa


comissão de controle nuclear dirigida pela Organização das
Nações Unidas. O jovem Vadim Gerasimov também foi em­
bora. Com apenas 20 anos, mudou-se para Tóquio, onde apren­
deu japonês e trabalhou numa produtora de software, que
aproveitou-se do fato e anunciou que o co-autor do Tetris era
um dos seus.
Nos Estados Unidos, Phil Adam deixou a Spectrum Holo-
byte nas mãos do sócio, Louie, que levou a empresa para novas
aventuras, da fabricação de simuladores de combate à criação
de outro jogos Nintendo. Em 1992, Louie lançou um video­
game futurista para casas de diversões eletrônicas e shoppings.
As crianças entravam num casulo, ou ficavam de pé dentro
de um aparelho que parecia um giroscópio, colocavam óculos
que pareciam binóculos e entravam nas cenas de realidade
virtual geradas por computador. Num jogo que admitia muitos
participantes, as pessoas espreitavam-se num ambiente ciber­
nético surrealista, cheio de plataformas e escadas multicolo-
ridas. Armados com um lançador de mísseis, elas "voavam"
e tentavam pegar inimigos, que caíam aos pedaços, quando
atingidos, antes de também atingi-las, embora, de vez em
quando, um pterodáctilo descesse e os carregasse.
Em seu modesto escritório em Londres, Robert Stein con­
tinuou a lutar para manter a Andromeda em pé. Distribuiu
computadores da Atari Corporation na Inglaterra e tentou tirar
vantagem da revolução pós-comunista na Europa Oriental,
particularmente na Hungria. Insistiu em vender jogos húnga­
ros no Ocidente, talvez com a esperança de encontrar outro
Tetris. No entanto, aprendera a lição: se achasse outro jogo
espetacular, compraria todos os direitos antes de vendê-los.
Henk Rogers foi quem mais lucrou com o Tetris, depois de
Hiroshi Yamauchi. Os burocratas da Elorg e da Academia de
Ciências de Moscou ganharam quase nada, embora o governo
russo arrecadasse milhões de dólares, principalmente com o
contrato com a Nintendo. Também tiraram cerca de 150 mil

400
A MÚSICA DO TETRIS

dólares da Andromeda, mais adiantamentos e direitos autorais


da Spectrum Holobyte.
Como sempre, a Nintendo ganhou mais do que todos, ape­
sar da impossibilidade de fazer um cálculo exato de quanto
o Tetris rendeu-lhe porque não há jeito de avaliar até que
ponto o jogo contribuiu para o sucesso do Game Boy. Três
milhões de cartuchos do Tetris para o NES foram vendidos,
além das unidades para o Game Boy. Quando um cliente com­
prava um aparelho, a Nintendo podia vender-lhe mais jogos,
em média três por ano, a 35 dólares cada. Sem contar o Game
Boy, o Tetris rendeu à Nintendo no mínimo 80 milhões de
dólares. Contando o Game Boy, a conta sobe a bilhões de
dólares (em 1991 e 1992 o Game Boy deu à Nintendo perto
de 2 bilhões).
Alexey Pajitnov ganhou muito pouco dinheiro dos direitos
autorais do Tetris. A Elorg fez e depois cancelou um contrato
paralelo que teria dado a ele os direitos de merchandising, os
quais mais tarde a Nintendo também comprou. Assim, Pajit­
nov nada ganhou com a venda de relógios, tabuleiros e outros
subprodutos "do Tetris'1.
Os ocidentais criticaram o sistema soviético, que roubou de
Pajitnov a participação nos lucros que tanto dinheiro deu a
tanta gente, mas Belikov defende essa atitude.
— Se o Tetris tivesse sido inventado por um empregado
da Boeing, no horário de trabalho, e a Boeing vendesse os
direitos, o inventor recebería mais do que Pajitnov recebeu?
Por outro lado, se Pajitnov tivesse ficado com os direitos e
assinado um contrato típico dos Estados Unidos, teria ganho
15 por cento dos lucros líquidos, isto é, pelo menos 3 milhões
de dólares — se lhe coubesse a porcentagem-padrão da parte
do governo. Se vendesse os direitos sem intermediários, essa
quantia subiría para 20 milhões, ou talvez mais. O que o centro
de computação deu a Pajitnov foi um clone do computador
pessoal AT da IBM, pelo qual ele ficou muito agradecido, pois
precisaria trabalhar 16 anos para comprar um, com o salário
que ganhava na Academia de Ciências.

401
OS MESTRES DO JOGO

Henk Rogers, que saiu do negócio com um bom relaciona­


mento com a Elorg, apelou para Belikov a favor de Pajitnov,
numa carta. Escreveu: Se alguém planta uma macieira, que vem
a dar muitas e muitas maçãs, nada mais justo que fique com algumas.
Isso encorajaria a pessoa a plantar mais arvores.
Não houve resposta. Os russos não se comoveram. Pajitnov
morava num bom apartamento, melhor do que os de seus
superiores na academia e dos burocratas. Além disso, ganhara
fama no mundo todo, muito mais do que qualquer cidadão
russo ousaria esperar.
Pajitnov espantava-se com o fato de os norte-americanos
não acreditarem que ele não ficara aborrecido. Essa era uma
das grandes diferenças entre ele e os ocidentais, para quem
recompensas financeiras eram a medida da realização.
— Saber que meu jogo está em toda a parte é minha maior
recompensa.
Em 1989, ele foi chamado ao telefone, no centro de com­
putação, para falar com um repórter que preparava uma re­
portagem sobre o Tetris. Todas as perguntas tentavam levá-lo
a afirmar que estava ressentido, mas o inventor apenas disse:
— Farei novos jogos e os mandarei para você. Brigue você
por causa deles..

A ex-União Soviética derretia à medida que as oportunida­


des comerciais aumentavam. Pajitnov pôde tirar vantagem do
sucesso de suas criações, cedendo os direitos autorais de seus
jogos e outros programas por intermédio de joint venture que
pagavam pouco em adiantamentos e pelo copyright de seus
projetos. Com o dinheiro que gotejou, ele comprou seu pri­
meiro carro, um Jugoli usado, cópia russa de um Fiat anti­
quado. Sua família, porém, ganhou algo mais: Peter e Dmitri,
seus filhos, possuíam um dos dois únicos NES existentes na
União Soviética. O aparelho fora enviado por Henk Rogers,
que dera outro aos filhos de seu amigo Vladimir Pokhilko.

Um dia, na primavera de 1989, Pajitnov encontrou-se a bor-

402
A MÚSICA DO TETRIS

do de um avião da Aeroflot, apertado num banco da classe


turística, a caminho de Tóquio. Ele, que nunca fora longe de
Moscou, ficou olhando pela janela. Gripado e com febre, não
conseguia dormir. Observou as nuvens lá embaixo e, através
delas, o azul gelado do Oceano Ártico, esperando paciente­
mente avistar terra.
No aeroporto Narita, depois de pegar sua única e pequena
mala e abrir caminho no meio da multidão, Pajitnov não viu
ninguém conhecido e ficou com medo. Talvez tivesse cometido
um erro. Não falava japonês e seu inglês não era dos melhores.
Era quase certo que ninguém falasse russo, ali no aeroporto,
de modo que ele aguardou, olhando para um televisor de tela
muito grande, no salão de espera.
Algum tempo depois, ouviu que o chamavam. Encontrou
um telefone e gritou seu nome. Estava falando com Henk Ro­
gers.
— Não saia do lugar — disse Rogers. — Já estou quase
chegando aí.
Por fim, Pajitnov ergueu os olhos e viu o rosto de Rogers,
coberto de barba preta e cerrada, no meio da multidão. Só
então levantou-se e atirou os braços fortes ao redor do amigo.
Tudo o que Pajitnov desejava era dormir até sarar da gripe,
mas Rogers não queria saber disso. Dirigindo o carro pelo
meio dos megawatts de neon que davam a Tóquio uma palidez
surrealista, levou o russo a um edifício, onde subiram de ele­
vador até o mirante, no topo de uma loja de departamentos.
A vista era de tirar o fôlego, mas Pajitnov mal a notou, embora
ficasse espantado ao ver o supermercado onde Rogers parou,
a caminho de casa, para fazer compras. Ele nunca vira tanta
comida junta.
— Quando a gente vê isso em filmes, acha que não é real,
que eles amontoam todas aquelas coisas para dar boa impres­
são — comentou.
Não podia acreditar que as pessoas passavam por todas
aquelas mercadorias incríveis, pegando algumas, examinando
uma caixa, rejeitando uma fruta por causa de um arranhão

403
OS MESTRES DO JOGO

ou de uma mancha. Sua esposa, Nina, pedira fotos de Tóquio,


de modo que ele tirou algumas dos corredores de prateleiras
cheias de comida.
Comprou jeans, um aparelho de videocassete, um pequeno
televisor em cores, um CD, dois walkmen e brinquedos para
os filhos com o dinheiro que o amigo lhe dera.
Então, seguiram para a casa de Rogers, em Yokohama, onde
Pajitnov dormiu até melhorar da gripe, antes de começar suas
três semanas de aventuras em Tóquio. Passou a primeira acom­
panhando Rogers aos escritórios da BPS, onde não parava de
fazer perguntas sobre a indústria do videogame. Ficou abis­
mado ao ver as proezas técnicas dos programadores e os so­
fisticados instrumentos para a criação de jogos. Devorou in­
formações sobre a comercialização e a distribuição dos games.
Então, Rogers levou-o a Quioto, no trem-bala. O russo usava
gravata — a primeira, desde o dia do casamento — para falar
com os executivos da Nintendo. Foi tratado com reverência
na sede da empresa, onde encontrou-se com o o gerente-geral,
Hiroshi Imanishi, com o diretor de marketing e outros exe­
cutivos. Também conheceu os engenheiros, como Gunpei Yo­
koi e a equipe P&D 1, e o projetista de jogos, Sigeru Miyamoto.
À tarde, arrumou a gravata e alisou o cabelo antes de entrar
na sala de Hiroshi Yamauchi, onde um intérprete traduziu a
conversa breve e hesitante. Yamauchi disse esperar que ele
fizesse outro Tetris e que os dois tivessem um longo e pro­
dutivo relacionamento.
Pajitnov também trabalhou um pouco na NCL. Havia uma
versão ligeiramente modificada do Tetris para o Game Boy
que ainda não fora aprovada por ele (a Nintendo lhe dera o
direito de aprovação, que Stein só prometera). Testando-o, ele
encontrou uma pequena falha de programação, que corrigiu
em conjunto com os programadores. Foi levado ao setor de
desenvolvimento de projetos e ficou ainda mais impressionado
do que ficara com o que vira na BPS. Filas de máquinas auto­
matizadas, testadoras de jogos, enchiam as salas. Oitenta car­
tuchos, em cada mil, eram testados. Alguns eram desmontados

404
A MÚSICA DO TETRIS

pelos engenheiros e outros eram examinados eletronicamente.


Se um cartucho, desses oitenta, apresentasse defeito, os mil
eram devolvidos para inspeção.
— Eram tão rigorosos quanto os militares de Moscou.
O russo foi levado a restaurantes, onde tomou muito saquê
e cerveja. Pela primeira vez em sua vida, tomou gim com
tônica e foi a um bar de karaokê, mas recusou-se a cantar.
A primeira visita de Pajitnov aos Estados Unidos aconteceu
em janeiro de 1990, patrocinada por uma joint venture. A pri­
meira parada, depois de mudar de avião, em Nova York e
Chicago, foi em Las Vegas, onde acontecia a Consumer Elec­
tronics Show. Diretamente das filas de comida, em Moscou,
ele se tornara uma atração na feira de 1990, na qual as únicas
filas eram as dos bufê do hotel, onde podia-se comer o que
se quisesse por 3,69 dólares. Acendendo um cigarro Kool com
um isqueiro I love Las Vegas, ele observou, boquiaberto, o mo­
vimento no saguão do hotel.
— Então esta é uma típica cidade norte-americana — co­
mentou, tomando drinques com Gilman Louie.
Depois de entrevistas e reuniões em Las Vegas, Pajitnov
voou para San Francisco, onde Louie o levou a festas e jantares
que pareciam não ter fim. Foi um grande momento, quando
ele experimentou o frango frito Kentucky, que se tornou seu
prato favorito, o principal, pelo menos quando seus anfitriões
não o estavam enchendo de elegante comida francesa ou ca-
liforniana. No Stars, em San Francisco, riu da nova versão de
blini (panquecas russas) com caviar, uma iguaria linda como
um quadro, mas quase microscópica, no enorme prato. Tam­
bém tomou tequila pela primeira vez.
— Muito gostosa — diz com um sorriso.
A agenda de Pajitnov em Bay Area ficou cheia. A Spectrum
Holobyte marcava quatro, cinco entrevistas por dia, mas ele
não reclamava.
— Preciso cuidar dos direitos autorais — argumentava.
Dezenas de revistas de informática, além de jornais diários,
falaram dele.

405
OS MESTRES DO JOGO

Depois, visitou Seattle, onde jantou com os Arakawa e os


Lincoln, e viajou para a Costa Leste. Na cidade de Nova York,
no Museu de Arte Moderna e no Metropolitan, viu, pela pri­
meira vez na vida, os originais de seus quadros favoritos —
uma experiência fabulosa, de acordo com ele. Ficou fascinado
com as obras que só conhecia de livros e reproduções, de
pintores como Picasso, Braque e Léger.
Em Boston, visitou o laboratório de mídia do MIT, onde
foi convidado a jogar num computador Next. Houve, natu­
ralmente, mais entrevistas. Depois recebeu o fotógrafo de uma
revista de computação em seu hotel. Quando ficou sozinho
com o homem, ele lhe pediu para vestir um calça mais clara.
Pajitnov ficou atônito. Não levara roupa para trocar. Então, o
homem pediu-lhe que posasse com um monitor VGA, de 10
quilos, na cabeça. Pajitnov atendeu ao estranho pedido e, sob
instrução do fotógrafo, sentou-se na mesa, equilibrando o mo­
nitor na cabeça, perto de uma janela de onde se via o centro
de Boston, enquanto o homem batia fotos.
Sua aventura estonteante chegava ao fim. Ele voou para
Oahu para encontrar-se com Henk Rogers e descansar. Os
dois nadaram, andaram de caiaque e beberam muito mai tai.
Rogers perguntou a Pajitnov se ele iria trabalhar na BPS, no
Estado de Washington. Deixaria a Rússia?
Pajitnov ficou sério e baixou os olhos.
— Não tenho resposta para essa pergunta.

406
15
O Estouro do Sonic

Hiroshi Yamauchi e Minoru Arakawa tinham criado um


nova e gigantesca indústria e, com ela, campo para a concor­
rência. Sete companhias norte-americanas e japonesas estavam
vendendo aparelhos de videogame, em 1988. Mas nenhuma
das adversárias da Nintendo conseguiu tirar seu lugar no mer­
cado, cerca de 85-90 por cento, nos dois lados do Pacífico. A
Atari vendeu muitos de seus 5200 e 7800 e a Sega comercializou
um total de dois milhões de Master Systems. Outras empresas
venderam tão pouco que não vale a pena mencioná-las.
As concorrentes falharam em vencer a geração NES de apa­
relhos de videogame e tentaram derrubar a NOA com apa­
relhos mais poderosos. Fizeram pontaria, então, mirando o
único ponto fraco da empresa: seu sucesso. A Nintendo era
a maior e companhias que chegam a essa posição têm ten­
dência a estagnar, presas a velhas tecnologias. O problema da
NOA, que recolhia grande parte de sua renda através das
concessionárias, era que ela investira demais na tecnologia
NES-Famicom. Se planejasse lançar um novo aparelho, as em­
presas produtoras de jogos ficariam preocupadas, achando que
o NES se tornaria obsoleto, e a mudança poderia causar a
queda prematura daquele negócio, seu ganha-pão.
A Nintendo também sofria de uma doença típica das em­
presas líderes. Gorda e feliz, passara a achar-se invulnerável.
Yamauchi e Arakawa pensavam que não precisavam se im­

407
OS MESTRES DO JOGO

portar com as concorrentes porque chefiavam a Nintendo. Esse


podería ter sido um erro fatal.

No começo, os competidores eram como cupins perfurando


a base de uma sequoia gigantesca: pragas sem piedade. A
Nintendo continuou a vender milhões de aparelhos e dezenas
de milhões de cartuchos.
Se houve alguma ameaça, de acordo com Yamauchi, foi
quando a NEC, o gigante japonês dos computadores e das
comunicações, entrou no mercado de videogames. Cupim dos
mais vorazes, com vendas líquidas de 22 bilhões de dólares
por ano, a NEC era forte e bem dirigida. A cada ano, investia
16 por cento desse total em programas de engenharia, pesquisa
e desenvolvimento — 3,7 bilhões, em 1988 — mais do que
qualquer venda líquida anual da Nintendo até 1992.
Yamauchi via a NEC como uma ameaça em potencial por
causa dos semicondutores: tinha uma fonte de chips direta e
barata. Mais importante, a NEC era conhecida por estabelecer
objetivos a longo prazo. Protegida por seu tamanho e subs­
tanciais recursos, entrava em batalhas prolongadas e brutais
para obter o mercado que quisesse. Fizera isso com os com­
putadores pessoais e com as impressoras laser, com produtos
bem-feitos e muita perseverança. Era a proverbial tartaruga
das corridas: devagar e sempre.
No caso de seu primeiro aparelho de videogame, a NEC
formou um grupo dedicado ao entretenimento doméstico e
lançou o PC Engine no Japão, em outubro de 1987. Um apa­
relho mais caro (200 dólares) foi lançado no mercado norte-
americano em 1989. O TurboGrafx-16, expansível, tinha 16 bits
de potência.
Por muito tempo, para os primeiros jogadores de videoga­
me, bits e bytes eram palavras pouco mais relevantes do que
o latim. Então, a NEC disparou o primeiro tiro na guerra dos
bits. O TurboGrafx-16 tinha o dobro de bits do NES e os garotos
aprenderam que mais bits significavam jogos mais realistas,
mais coloridos e brilhantes, com espantosos efeitos sonoros

408
O ESTOURO DO SONIC

— a alta qualidade que caracterizava os jogos das casas de


diversões eletrônicas.
O chip essencial que comanda computadores e videogames,
o microprocessador, funciona como um guarda de trânsito
numa esquina movimentada. Dirige as constantes correntes
de informações (de outros circuitos integrados e programas)
na esquina mais movimentada, enviando-as para onde for ne­
cessário a fim de fazer o computador e o programa funcio­
narem. O resultado desse movimento em alta velocidade é,
digamos, um pulo do Super Mário acompanhado por batidas
eletrônicas de pratos de bateria.
Um processador de 8 bits, como o que existe no coração
do NES e do Famicom, pode trabalhar com 64 K (isto é, 64
mil) correntes de informação que têm oito caracteres (ou bits)
de comprimento. Cada bit é, na verdade, um impulso elétrico,
ligado ou desligado. Um "um" significa ligado e um "zero",
desligado. Cada mensagem é única, e depende da configuração
dos oito "uns" e "zeros".
Um processador de 16 bits lê mensagens de 16 bits, isto é,
16 "uns" e "zeros". "Compreende" e processa um número 250
vezes maior de mensagens do que o de 8 bits — ou seja, 16
milhões. Em outras palavras, uma máquina de 16 bits pode
fazer muito mais coisas, e com maior velocidade, do que outra
de 8 bits.
Quando a NEC lançou o TurboGrafx-16, os jogadores de
videogame ficaram impressionados com a aparência mais "car­
nuda", mais texturizada dos primeiros jogos. Havia, porém,
uma falha na lógica do quanto-mais-melhor dessa nova tec­
nologia e a NEC aprendeu isso do jeito mais difícil. Embora
seu poderoso aparelho tivesse melhores imagens e som, os
jogos eram ruim. No fim, os 16 bits do NEC não conseguia
competir com a qualidade de um Tetris, um Super Mario Bros.,
um The Legend of Zelda e mais uma centena de games da Nin­
tendo. Apesar da luta, menos de um milhão de aparelhos Tur-
boGrafx-16 foram vendidos. Com todas as suas proezas téc­
nicas, as máquinas não podiam ser melhores do que o software

409
OS MESTRES DO JOGO

que usavam e a NEC tinha acesso limitado a bons jogos. Bonk's


Adventure, no qual um homem das cavernas anda por um
paraíso paleolítico, era interessante e ajudou a vender muitos
aparelhos, mas a maioria dos cartuchos, do tamanho de um
cartão de crédito, nada mostravam de excepcional. Como a
empresa não tinha experiência na criação de games, dependia
de terceiros para formar sua coleção. O problema era que as
melhores companhias de software de entretenimento estavam
ocupadas demais, fazendo jogos para a Nintendo.
Contudo, a NEC poderia ter contado com o apoio de algu­
mas delas se os técnicos estivessem realmente entusiasmados
com a tecnologia do TurboGrafx-16. Algumas companhias es­
pecializadas faziam software sofisticadíssimo, sem se preocu­
par com o mercado limitado. O que os projetistas e progra­
madores descobriram, porém, foi que o aparelho era apenas
incrementado. A publicidade dizia tratar-se de uma máquina
de 16 bits, mas na realidade o processador era de 8 bits, in­
crementado para simular 16.
— Vai ficar sem combustível — disse um engenheiro de
software. — A tecnologia tem limitações restritas. Não é um
sistema verdadeiro de 16 bits.
Como os projetistas não ficaram excitados com a máquina
e a base instalada era fraca, a NEC quase só podia conseguir
software de qualidade inferior. O TurboGrafx não podia con­
correr com o NES, e Yamauchi relaxou.
A Sega nunca ameaçou a NCL, no entender de Yamauchi.
A empresa japonesa de 700 milhões de dólares — fundada,
curiosamente, por um norte-americano — fazia sucesso rela­
tivo com produtos para casas de diversões eletrônicas no Japão
e nos Estados Unidos, mas parecia muito pequena e especia­
lizada demais para invadir o campo da Nintendo. Lançara o
Master System para competir com o Famicom e o NES, mas
nunca ficou com mais do que 5 por cento do mercado. Embora,
ao contrário da NEC, fosse uma boa companhia de software,
nunca jogou no time da Nintendo.
Yamauchi subestimou a Sega, cujos executivos compreen­

410
O ESTOURO DO SONIC

diam a importância do software na venda de hardware. Essa


filosofia criou o aparelho de 16 bits, o Genesis, lançado em
1989 no Japão e em 1990 nos Estados Unidos. Foi o primeiro
aparelho de videogame com um processador real de 16 bits,
o mesmo 6800 do computador Macintosh. A Sega simples­
mente adaptou o projeto de suas máquinas de diversões ele­
trônicas, de 16 bits, ao Genesis, que pôde apresentar não só
imagens e animação de alta definição, um completo espectro
de cores (mais de 500), dois planos de fundo independentes
— que criavam uma profundidade impressionante, dando a
ilusão de três dimensões — e som com qualidade próxima à
dos CDs como também um catálogo forte de software: os su­
cessos das máquinas de diversões eletrônicas da Sega. Como
periférico para o Genesis, a empresa lançou uma unidade cha­
mada Power Base Converter. Por 35 dólares podia-se jogar os
games do Master System no Genesis.
A Sega contratou uma ótima distribuidora nos Estados Uni­
dos, a Tonka, gastou 10 milhões de dólares em publicidade e
saiu em campo para enfrentar o Golias. A máquina, com um
preço original de 199 dólares, foi lançada com base no software
que a garotada das casas de diversões eletrônicas já conhecia.
Um deles era o Altered Beast, brutal, no qual o herói transfor­
ma-se em lobisomem, homem-dragão e homem-urso, ganhan­
do os poderes das criaturas que extermina. A Sega atacou a
Nintendo de frente. Seu slogan dizia: "O Genesis da Sega faz
o que o NES não faz”.

Competição era exatamente do que a NCL e o setor dos


videogames precisavam, embora a Nintendo talvez não reco­
nhecesse isso. A indústria automobilística norte-americana fra­
quejara por falta de competição. Na década de 20, havia 181
empresas automobilísticas. Quando as Três Grandes as engo­
liram, substituindo uma indústria vibrante por um clube fe­
chado, a concorrência diminuiu e, com ela, a tecnologia au­
tomobilística. No Japão, nove fábricas de veículos lutam num
ambiente altamente competitivo que incentiva rápidas e cons-

411
OS MESTRES DOJOGO

tantes inovações: não há tempo a perder nem lugar para o


marasmo. A Nintendo, entretanto, continuou com sua pose
orgulhosa.
— Ouvimos nossos clientes — disse Bill White à imprensa.
— Eles dizem que estão satisfeitos com nossos aparelhos e
entusiasmados com os jogos. Ainda não aperfeiçoamos ao má­
ximo nosso equipamento de 6 bits.
Essa atitude fez com que a NCL comesse poeira no rastro
do sistema de 16 bits. A princípio, o mercado reforçou a con­
fiança da empresa. Nos 2 primeiros anos do Genesis, a Nin­
tendo vendeu 18 milhões de aparelhos de 8 bits nos Estados
Unidos. Os argumentos da Sega a favor do seu 16 bits não
eram fortes. Os primeiros jogos do Genesis, mesmo os sucessos
das casas de diversões eletrônicas, não eram tão divertidos
como as melhores aventuras da Nintendo. Em muitos casos,
os programadores da Sega ficavam tão absortos, explorando
as possibilidades de imagens detalhadas e som excitante, que
se esqueciam dos elementos que fazem de um game um su­
cesso.
A Sega gastou muitos milhões para contratar Michael Jack-
son, fanático por videogames, para colaborar na produção de
Moonwalker, baseado no disco Bad, que vendera dez milhões
de cópias. Jackson trabalhou com Al Nilsen, diretor de mar­
keting de videogames domésticos nos Estados Unidos, para
produzir um roteiro de jogo. Os programadores o criaram e
Jackson ajudou a afinar os detalhes. O enredo recriava frou­
xamente o vídeo no qual o cantor/compositor dançava com
aquele seu jeito especial, enquanto salvava alguns de seus jo­
vens amigos. No fim, transformava-se num robô ameaçador.
O produto final tinha um visual notável e som espetacular.
O rosto de Jackson e seus movimentos eram digitalizados;
havia recriações eletrônicas de algumas canções do disco e a
voz digitalizada do cantor era ouvida em incessantes excla­
mações. Quando ele dançava num teclado de piano, o piano
tocava.
Quando o jogo foi lançado, a Sega vendeu um número con­

412
O ESTOURO DO SONIC

siderável de Genesis por causa da fama do cantor e da apa­


rência de tecnologia sofisticada. O Moonwalker, porém, tinha
uma tremenda falha: era entediante e repetitivo. O brilho não
substituira o conteúdo.
O Genesis continuou a patinar no mesmo lugar nos 2 pri­
meiros anos de mercado, embora a Sega demonstrasse a per­
sistência de um Sísifo. Vendia o máximo de máquinas que
podia, principalmente para garotos mais velhos, fãs invetera­
dos de videogames. Eram adolescentes que desejavam (e po­
diam) ter o NES e o Genesis. A Sega lançou alguns jogos bons
e vendeu mais aparelhos — cem mil aqui, cem mil ali. Os
garotos mais "espertos” exaltavam as virtudes do 16 bits e
zombavam dos "bobocas" que ainda usavam o Nintendo. A
Sega, então, começou a encorpar. A NOA encomendou uma
pesquisa que confirmou: meninos e meninas mais novos gos­
tavam do NES, mas os mais velhos, escolados exploradores
do mundo dos videogames, estavam preferindo o Genesis.
A Sega aproveitou-se disso, aprendendo com a experiência
do jogo de Michael Jackson e fazendo contratos de concessão
que produziam bons games, desafiadores e divertidos. Tra­
balhando com celebridades do esporte, como Arnold Palmer
e Tommy Lasorda, os projetistas procuraram maneiras de usar
os 16 bits na criação de jogos mais "profundos" e complexos.
Conseguiram suplantar os do NES. Joe Montana foi contratado
por 8 milhões de dólares e a Sega lançou um grande jogo de
futebol, o Joe Montana 2: Sports Talk Football, que reproduz
comentários de um locutor semi-realista que berra: Montana
volta, Acha uma abertura... passa. E... não adianta. Incompleto. No
fundo, ouve-se o barulho da torcida.
Jogos esportivos e sucessos das máquinas de diversões ele­
trônicas foram o ponto forte da Sega. Seus projetistas criaram
games de aparência fabulosa, mais bonitos do que qualquer
outro, mas que não eram tão fabulosos assim na hora de jogar.
Exemplos disso são os que nasceram do acordo da Sega com
a Disney, como Fantasia e Castle of Illusion, os dois com Mickey
Mouse. Fantasia apresentava música clássica, como o filme, e

413
OS MESTRES DO JOGO

espetaculares vassouras do Aprendiz de Feiticeiro, que dan­


çavam. Em Castle of Illusion, as expressões de Mickey eram
algo novo num videogame. Nem por isso os jogos eram mais
divertidos. A Sega precisava de algo que, como Yamauchi já
compreendera muito tempo antes, era o mais importante: um
’’verdadeiro gênio". A Sega precisava de um Sigeru Miyamoto
ou de um Alexey Pajitnov.
Enquanto esperava por esse gênio, a empresa ganhou enor­
me impulso, trabalhando com sua primeira concessionária. Um
milhão de aparelhos vendidos, porém, não a tornavam páreo
para a Nintendo, mas mesmo assim Trip Hawkins, da Elec­
tronic Arts, calculou que a Sega criara um mercado promissor,
pois o preço da concessão era muito menor que o da Nintendo.
Havia pouca concorrência — as empresas de software para
videogames só viam os 70 milhões de pessoas que jogavam
Nintendo — e os compradores (um milhão) que haviam in­
vestido no Genesis estavam loucos por jogos bons. Na verdade,
pediam mais games do que os proprietários de computadores
pessoais.
Hawkins reuniu-se com os chefes da Sega, que pretendiam
fazer um contrato de concessão com restrições e taxas similares
às da Nintendo. Hawkins recusou. A Sega não era tão grande
assim para fazer tantas exigências. Os engenheiros da EA ti­
nham revertido o Genesis sem usar qualquer informação con­
fidencial e Hawkins declarou que lançaria jogos para o apa­
relho com licença da Sega ou sem ela.
Determinada a manter a posição no mercado de software
para o Genesis, a empresa respondeu que o processaria. Para
evitar "uma droga de litígio", diz Hawkins, e como as duas
empresas tinham um objetivo comum — aumentar o mercado
do aparelho —, ele concordou em fazer um contrato com ter­
mos que julgasse aceitáveis, menos repressivos (e menos caros)
que os da Nintendo.
As ações da EA subiram quando seus primeiros jogos para
o Genesis foram lançados, em 1990. No ano seguinte, outros
nove chegaram ao mercado, quatro dos quais entraram para

414
O ESTOURO DO SONIC

a lista dos dez mais vendidos. Hawkins, cuja empresa também


se tornara concessionária da Nintendo, prosperou e estourou
no mercado. Os jogos do Genesis foram responsáveis por um
quarto das vendas da EA, em 1990.
Os 16 bits permitiram que a EA convertesse alguns de seus
disquetes flexíveis, campeões de venda, para o aparelho da
Sega. Foram lançados o John Madden Football, que competiu
com Joe Montana Football, e uma lista impressionante de outros
jogos, do Budokan (premiado, sobre artes marciais) a uma ver­
são sangrenta do Immortal, de Will Harvey, no qual as imagens
de 16 bits tornavam-se repulsivas em cenas de sangue e es-
tripações.
Outras empresas de software tornaram-se concessionárias
da Sega (com menos regalias do que as da EA, mas mesmo
assim com contratos melhores do que a "camisa-de-força” da
Nintendo), embora muitas, também licenciadas Nintendo, te­
messem represálias. A EA assumiu o risco, apostando na tec­
nologia Sega, e algumas outras a seguiram porque nada tinham
a perder. A Tengen, por exemplo, fora dos negócios da Nin­
tendo por causa do litígio, lançou uma série de jogos para o
Genesis (dessa vez sob concessão, pois não podia dar-se ao
luxo de ser processada novamente).
Fortalecida pelos novos "convertidos”, a Sega cresceu. A
lista de games melhorou com os produtos das concessionárias
— jogos bons, sem dúvida, mas nenhum como Super Mario
Bros. —, de modo que as vendas do Genesis aumentaram. Em
meados de 1991 havia bem mais de um milhão em uso. Na
época, a NOA vendera 31,7 milhões de aparelhos nos Estados
Unidos, mas a Sega já se firmara como líder do mercado da
geração seguinte. A poderosa Nintendo, que anunciara entrar
no mercado dos 16 bits só quando achasse que valia a pena,
viu-se em maus lençóis.

Hiroshi Yamauchi vinha trabalhando havia anos num apa­


relho de 16 bits. Masayuki Uemura, encarregado do projeto
altamente secreto, fazia experiências para criar um sucessor

415
OS MESTRES DOJOGO

do Famicom-NES desde o fim da década de 80. Yamauchi


deixava a parte técnica para os engenheiros, mas lembrava-os
de que a companhia deveria estar preparada para mergulhar
no mercado dos aparelhos de 16 bits em 1990. Contudo, não
se percebia grande urgência. O NES voava tão alto que a em­
presa não via necessidade de apressar-se.
Yamauchi pediu que os engenheiros considerassem o fato
de que havia centenas de milhões de jogos Nintendo em cir­
culação, de modo que o novo aparelho teria de ser compatível
com eles. O hardware de gerações novas sempre encontravam
resistência, pois tornavam o antigo software obsoleto. Yamau­
chi previa reclamações, principalmente dos pais, se a nova
máquina não aceitasse os jogos produzidos para a tecnologia
de 8 bits.
Uemura conseguiu muitas façanhas em seu projeto do novo
Super Family Computer (apelidado de Super NES, ou SNES,
no Ocidente), menos a da compatibilidade. O custo seria alto,
e ao menos 75 dólares teriam de ser acrescentados ao preço
unitário. Uemura concluiu que o salto para a nova tecnologia
não podia incluir a velha.
Arakawa e Yamauchi discutiram e decidiram ser possível
agüentar o golpe desferido pelo problema da compatibilidade.
Afinal, os consumidores estavam comprando aparelhos de CD,
embora a nova tecnologia não fosse compatível com suas co­
leções de discos e fitas. Arakawa acreditava que os consumi­
dores de videogames fariam o mesmo.
Uemura teve sorte em outros aspectos do novo aparelho.
Ao redor do processador central havia chips especiais para
som e imagem de alta definição. O novo SNES podia gerar
mais cores que as 512 do Genesis. Eram 32 mil, muitas delas
quase invisíveis (especialmente na maioria dos televisores).
Isso seria importante, porém, quando os jogos tivessem me­
tragem de filmes. Havia também um coprocessador matemá­
tico que permitia que o hardware fizesse parte do trabalho
normalmente feito pelo software, o que tornaria mais fácil a
criação de jogos para o novo aparelho. Como o Genesis, o

416
O ESTOURO DO SONIC

SNES exibia diversos planos de fundo, de modo a criar a ilusão


de três dimensões. Também gerava e movia grandes objetos
na tela, onde muitas coisas podiam acontecer ao mesmo tempo.
Também tinha outra característica importante: uma versão me­
lhorada do chip de segurança patenteado.
A versão japonesa do Super NES era um pouco parecida
com o Famicom original, mas Arakawa produziu uma versão
diferente para os Estados Unidos. Don James e o projetista
Lance Barr procuraram fazê-lo delgado o bastante para caber
na mesma prateleira do videocassete, como queria Arakawa.
O Genesis tinha caixa preta e cantos arredondados. James e
Barr inventaram uma embalagem mais elegante, cinzenta e
com ângulos retos. O Genesis, preto, era o intruso, o heavy
metal dos aparelhos de videogame. O SNES, cinzento e esbelto,
era comercial e popular.
Assim como o Super Mario vendera o NES e o Tetris vendera
o Game Boy, Yamauchi e Arakawa tinham que decidir que
jogo seria usado para acender a fogueira das vendas do SNES.
No fim, não houve grandes discussões. Super Mario Bros. 3
fora o mais vendido da história do setor. O que convencería
o consumidor a tirar do bolso 200 dólares para comprar o
aparelho a não ser o Super Mario Bros. 4? Sigeru Miyamoto
ficou encarregado de inventá-lo.
Depois de exaustivos meses na criação do Super Mario Bros.
3, a equipe de Miyamoto passara mais 15 meses só fazendo
experiências para explorar as possibilidades do SNES. Ele e
seus trinta comandados ainda tentavam descobrir o potencial
da máquina quando lhe ordenaram que criasse um jogo capaz
de mostrar todas as gracinhas do aparelho de 16 bits, um
Super Mario 3 melhorado. Era uma tarefa pesada, tornada ainda
mais difícil pela pressão indisfarçada. O Super Mario Bros. 4,
depois renomeado Super Mario World, tinha de ser tão sensa­
cional que ninguém fizesse objeções a comprar um aparelho
novo, de 16 bits.
— Não há emoção num jogo — diz Tony Harman. — Tudo
não passa de um conjunto de "uns" e "zeros". Nós criamos

417
OS MESTRES DO JOGO

ilusões. A magia vem da inspiração. Tudo o mais fica em


segundo plano.
Miyamoto preparou-se para um ato de prestidigitação, mais
difícil do que os outros que executara, e conseguiu algumas
inovações muito boas. No entanto, depois de pronto, Super
Mario World desapontou, pois era parecido com seus prede-
cessores. O herói tinha outras habilidades e o game oferecia
novidades fascinantes. O jogador tinha oportunidade de testar
essas habilidades, primeiro em situações inofensivas, depois
meio arriscadas e, finalmente, muito perigosas. Para encora­
já-los a notar que o herói podia voar, por exemplo, Miyamoto
imaginou um mundo sem inimigos, onde os jogadores podiam
praticar num céu cheio de moedas. Cem moedas valiam uma
vida, de modo que havia bastante incentivo para apertar o
botão "A” e decolar.
A aventura criada por Miyamoto não era linear — o jogador
podia ir a mundos diferentes quando quisesse — e tinha outros
detalhes que prometiam desenvolvimento futuro. Contudo, o
Super Mario World não era substancialmente diferente de seus
antecessores.
— As pessoas ainda nem sabem escrever "software de 16
bits", mas será revolucionário — disse Greg Fischbach, na épo­
ca. — Entretanto, essa tecnologia levará algum tempo para
ser compreendida.
Os processadores de 16 bits permitiríam jogos mais reais e
cheios de emoção.
— Esperem um pouco e eu aprenderei mais sobre os limites
desta máquina — dizia Miyamoto.
Enquanto isso não acontecia, ficava o fato de que Super
Mario World fora um desapontamento, principalmente quando
comparado a um novo jogo lançado para o Genesis.
Uma equipe de criação independente, contratada-pela Sega,
apresentou o Sonic the Hedgehog, um jogo estrelado por uma
criatura graciosa que batia o pé — hã... a pata — com im­
paciência quando o jogador demorava muito para agir. A im­
paciência era a característica principal de Sonic: ele sempre

418
O ESTOURO DO SONIC

tinha algum lugar para ir, e depressa. Corria, recolhendo anéis


de latão, quando os encontrava, antes de enrolar-se numa bola
e rolar por encostas com muitas curvas e túneis. Para o jogador,
era como andar de montanha-russa. A Sega declarou que era
o jogo mais rápido da história. Finalmente encontrara seu Super
Mario.
O nome podia não ser grande coisa, mas era novo e o per­
sonagem, engraçadinho. Além disso, a imagem era boa e a
trilha sonora, excitante. Como muitos outros jogos, este foi
prejudicado pelas imitações, mas não sofreu muita competição
por parte da Nintendo ou de concessionárias. Sonic decolou
e vendeu centenas de milhares de Genesis. Para a Sega, havia
outra vantagem nesse sucesso: superar o lançamento do Super
NES.

A despeito do crescimento da Sega, a NCL acreditava que,


com o lançamento dos aparelhos SNES, no Japão e nos Estados
Unidos, o Genesis seria facilmente varrido para longe, com
Sonic e tudo. Não importava que a Sega tivesse juntado milhões
de dólares (400) ou angariado fama de "mais audaciosa que
o Mário". Isso só acontecera porque a Nintendo ainda não
entrara em campo. Por fim, foi anunciado o lançamento do
Super NES — uma espécie de aviso para quem pretendia com­
prar o Genesis: "Não cometam um erro de que se arrependerão
mais tarde".
A verdadeira decolagem começou um ano mais tarde, no
Japão, onde a ânsia pelo novo aparelho era desenfreada. No
final de outubro de 1990 correram boatos de que o Super Fa­
mily Computer ia ser lançado e as lojas receberam milhões
de telefonemas. Assim que Hiroshi Imanishi anunciou à equipe
de vendas que uma remessa estava por sair, algumas casas
comerciais fizeram encomendas. A loja de departamentos Han-
kyu, em Osaka, anunciou que aceitaria reservas a partir de 3
de novembro. Uma semana mais tarde, pegara mais encomen­
das do que poderia satisfazer e parou de aceitá-las. Outras
lojas anunciaram sorteios e algumas fizeram os clientes pagar

419
OS MESTRES DO JOGO

32 mil ienes (cerca de 200 dólares) adiantados pelo aparelho


acompanhado do Super Mario World.
Yamauchi e Imanishi dirigiram a ’’Operação Entrega da
Meia-Noite”, que começou na madrugada de 20 de novembro
de 1990. Kenji Takahashi, num livro sobre a Nintendo, Light
and Shadow of an Enterprise that Surpassed Matsushita and Sony
(Luz e Sombra de uma Empresa que Superou a Matsushita e
a Sony), descreveu o transporte secreto:
Numa noite de outono, quando o vento soprava em Quioto, bas­
tante frio, um número impressionante de caminhões de dez toneladas
reuniram-se num armazém da cidade. Operários rapidamente car­
regaram os veículos, que desapareceram, um a um, na escuridão da
cidade adormecida, em direção à rodovia estadual (...) Ao mesmo
tempo, outros caminhões partiam de outros armazéns, por todo o
Japão. O último deixou o armazém ao romper da aurora.
Esse segredo todo visava a evitar roubos, revelou Yamauchi.
Havia rumores de que uma gangue da Yakuza planejava se-
qüestrar alguns caminhões. Como valiam seu peso em ouro,
os produtos foram guardados em armazéns e de lá despacha­
dos para clientes especiais. Temendo que o segredo vazasse,
os executivos da Nintendo só deram informações essenciais
aos empregados. Da mesma forma, apenas as pessoas que
esperavam entregas foram notificadas a respeito do horário
da chegada dos veículos.
Cem caminhões, cada um carregando três mil Super Family
Computer e caixas dos dois primeiros jogos do Super Fami­
com, Super Mario World e F-Zero (jogo de corrida), terminaram
de entregar sua carga secreta no fim do dia 20. Na manhã
seguinte, os gerentes de lojas tiveram que criar coragem antes
de anunciar que a nova geração Nintendo chegara. Um ma­
gazine fechou a seção de brinquedos às llh30 da manhã por
temer tumultos. Uma pequena loja de brinquedos na rua prin­
cipal, perto da estação ferroviária Shakujii Koen, em Tóquio,
recebeu apenas seis unidades.
— Esses aparelhos não foram suficientes nem para satisfazer
nossos vizinhos e os filhos de nossos amigos — o idoso pro­

420
O ESTOURO DO SONIC

prietário reclamou. — Como ficaríamos embaraçados por ter


de desapontar nossos amigos, fechamos a loja e colocamos
um aviso na porta, dizendo que tínhamos viajado.
Trezentos mil Super Famicom foram entregues naquela noi­
te, embora as encomendas fossem da ordem de um milhão e
meio de unidades. Quatro entre cinco clientes ficaram desa­
pontados, inclusive alguns que tinham feito pagamento adian­
tado. Foi uma loucura, mas Yamauchi adorou saber que todo
o suprimento tinha acabado no terceiro dia. Dois milhões de
aparelhos foram vendidos em seis meses e mais de quatro
milhões em um ano.
Nos Estados Unidos o lançamento foi mais difícil. O mer­
cado do NES já atingira o pico por uma série de razões, entre
elas o fato de o país estar em recessão econômica. O ponto
mais relevante, porém, era que o mercado ficara saturado. A
chegada da geração da tecnologia de 16 bits agradou a alguns
clientes em potencial e deteve outros, que decidiram esperar
para ver o que mais iria acontecer antes de comprar um apa­
relho. Outro fator fundamental foi que nem a Nintendo nem
as concessionárias tinham lançado jogos quentes desde Super
Mario Bros. 3 e Teenage Mutant Ninja Turtles (embora o The
Simpsons, da Acclaim, produzido em colaboração com Matt
Groening, tivesse sido o campeão de vendas naquele período).
Por tudo isso, não houve "Operação Entrega da Meia-Noite"
nos Estados Unidos. A NOA não precisou ter esse trabalho,
pois ninguém estava ansioso por desembolsar 200 dólares.
Peter Main e Bill White desencadearam uma guerra pro­
mocional: 25 milhões de dólares foram gastos em comerciais
de televisão para o lançamento, em setembro de 1991, e Gail
Tilden, da Nintendo Power, que então tinha quatro milhões de
assinantes, elogiou o SNES sem o menor pudor. Também hou­
ve promoções em conjunto com a Pepsi (no valor de 8 milhões
de dólares), a Kool-Aid e outras companhias.
Os pais, disse a mídia, resistiram.
— Gastei cerca de mil e quinhentos dólares para comprar

421
OS MESTRES DO JOGO

o outro Nintendo e jogos — disse um pai, citado por um


jornal de San Francisco. — Então, gritei: "De jeito nenhum"!
A falta de compatibilidade era outro problema.
— Fizeram um aparelho que não aceita os jogos antigos,
de modo que teríamos de começar tudo de novo — reclamou
mais um pai, admitindo que no fim rendera-se.
A tira de quadrinhos Foxtrot, de Bill Amend, recriou um
debate ouvido em algum lugar do país.

Jason: Por favoooooor!


Mãe: Não, Jason! Você já tem um aparelho Nintendo!
Jason: Mas esse tem imagem de 16 bits... som digital estéreo...
o último cartucho do Super Mário.
Mãe: E custa 200 dólares.
Jason: Ei! Ninguém disse que a felicidade é barata.

Uma manchete em Scottsdale, Arizona, dizia: "A Nintendo


desafia a ira dos pais com seu novo aparelho de videogame".
Em Chicago: "A Nintendo conta com a chateação das crian­
ças para vender super-aparelho". Em San Rafael, Califórnia:
"Novo Nintendo, tormento caro para os pais".
No ano anterior (1990) a quantia média gasta com brinque­
dos, por criança, nos Estados Unidos, fora de mais ou menos
225 dólares, de acordo com Jodi Levin, a porta-voz da Toy
Manufacturers of America. Como no ano do lançamento do
SNES, 1991, havia recessão, era pouco provável que essa média
subisse. O problema era saber se os pais gastariam quase todo
o dinheiro reservado para presentes de Natal num único brin­
quedo. Mas, em outubro de 1991, apesar de todas as previsões
desalentadoras, a Nintendo decidiu atingir o objetivo estabe­
lecido para o lançamento do SNES: os 2,2 milhões de aparelhos
entregues às lojas seriam vendidos. Peter Main declarou que
vendería o dobro se a NCL fosse capaz de satisfazer à de­
manda.
Alguns lojistas disseram não ter vendido todo o estoque,
embora outros afirmassem haver feito excelentes vendas. As
ações da Toys "R" Us aumentaram ligeiramente no impulso

422
O ESTOURO DO SONIC

da venda do SNES. As da Babbages também. No fim do ano,


a Nintendo alegava ter vendido mais aparelhos em quatro
meses do que a Sega em 2 anos. Al Nilsen, da Sega, argu­
mentava que a concorrente vendera apenas um milhão, 1,2
milhão no máximo, enquanto eles comercializaram 1,4 milhão
de aparelhos no mesmo período, o que significava que 2,3
milhões de casas norte-americanas possuíam um Genesis.
Em janeiro de 1992, na feira Consumer Electronics, a Nin­
tendo gabou-se de já ter varrido a Sega do mapa.
— E vocês ainda não viram nada — acrescentou Peter Main.
Ele anunciou a previsão de vendas para 1992: seis milhões
de unidades do SNES nos Estados Unidos, num total de oito
milhões, o que não era um mau começo, levando-se em con­
sideração que o NES original vendera apenas um milhão em
igual período. Muitos críticos acharam essa previsão otimista
demais, uma tentativa de aumentar as vendas criando a idéia
de que "ninguém podia perder aquele bonde". O fato era que
o SNES tinha pouca chance de alcançar o sucesso do NES
porque a Sega já deixara claro que a Nintendo não estava
sozinha no mercado.
O preço do Genesis baixou para 149 dólares e passou a
oferecer um Sonic the Hedgehog, que continuou a impulsionar
as vendas. A imensa popularidade do jogo pegou a Sega de
surpresa, mas a companhia foi capaz de atender à demanda.
O Sonic não barrou a subida do SNES, mas obrigou-o a uma
ligeira parada. A Sega disse que uma pesquisa conduzida por
uma firma especializada descobriu que sete entre dez crianças
preferiam o Sonic ao Super Mario World.
No julgamento da Atari Corporation, que continuou no in­
verno de 1991-1992, em San Francisco, perguntaram a Arakawa
se o inventor de Sonic the Hedgehog era um gênio como Miya­
moto, inventor de Super Mario Bros. Arakawa, cautelosamente,
respondeu que sim.
— Inspiraram-se no Super Mario — acrescentou. — Queriam
algo parecido.
Howard Lincoln, porém, admitiu:

423
OS MESTRES DOJOGO

— Fizeram um jogo danado de bom. Vão ser concorrentes


muito fortes.
Uma nota da Sega à imprensa dizia: "A Sega confronta-se
com a Nintendo atrás de uma barricada publicitária de 1 mi­
lhão de dólares". O comercial de televisão da empresa, que
competia com o da NOA em tempo no ar, mostrava um garoto
resistindo a um vendedor persuasivo que desejava vender-lhe
o SNES, mais caro que o Genesis. O Super Mario World parecia
desgastado pelo tempo, comparado ao Sonic the Hedgehog, que
aparecia num monitor. O comercial ia ao ar nos horários de
Beverly Hills 90210, Cosby e Os Simpsons.
— É guerra — gritava Al Nilsen.
Era a primeira e talvez a única chance de sua companhia
ir contra a Nintendo e ele pretendia conservar os 60 por cento
de clientes que haviam desertado da Nintendo. Seus anúncios
exaltavam a "vantagem da Sega": cem títulos de software para
o Genesis (feitos por ela própria e por 23 concessionárias) con­
tra um punhado de jogos para 0 SNES.
O fim de 1992 e todo o ano de 1993 teriam muito a dizer
sobre os controvertidos números declarados pelas duas em­
presas. Analistas e revendedores predisseram que um total
de dez milhões de SNES e Genesis seriam vendidos até o fim
de 1992, com as duas companhias chegando juntas ao fim da
corrida. Se isso acontecesse, seria uma vitória para a Sega,
que então poderia continuar na luta ombro a ombro. Se a
Nintendo chegasse à frente, as coisas continuariam como es­
tavam. A empresa ainda controlaria de 75 a 80 por cento do
mercado e a Sega ficaria num modesto segundo lugar, embora,
certamente, mais forte do que antes.
Tomando partido ou tentando jogar nos dois lados, as con­
cessionárias tinham papel importante na competição. As da
Nintendo continuaram a lançar títulos para o NES — o mer­
cado enfraquecera, mas 35 milhões de jogos para o NES e 25
milhões para o Game Boy seriam vendidos em 1992, de acordo
com as previsões da companhia — e a maioria delas assinou
contrato para produzir games para o SNES. A Nintendo pre­

424
O ESTOURO DO SONIC

tendia ter cem concessionárias trabalhando para o SNES, de


modo que seu aparelho não perdesse para o Genesis em nú­
mero de jogos.
Nos Estados Unidos, a NOA controlava a qualidade dos
produtos de suas concessionárias de um modo só seu. Não
existia mais a cláusula de exclusividade, em parte por causa
da Federal Trade Commission e em parte pelos casos na Jus­
tiça. A saída foi permitir que as licenciadas fizessem só três
jogos por ano, mas havia um ardil para motivar bons lança­
mentos: os games que ganhassem trinta pontos ou mais não
contavam como um dos três permitidos. Um método mais
objetivo de escolha dos jogos destacados pela Nintendo Power
também foi instituído: apenas os que merecessem trinta ou
mais pontos apareceríam na revista.
Algumas concessionárias ainda compravam os cartuchos da
Nintendo, mas outras só adquiriam os chips de segurança (isso
era obrigatório) e os manufaturavam. A Acclaim contratou
uma empresa de Spokane, Washington, chamada Keytronics,
para fazer jogos. A Nintendo ainda ficava com sua parte das
vendas, cerca de 20 por cento calculados sobre o preço de
atacado. E isso não incluía os chips de segurança, que custavam
um dólar cada.
Embora o novo contrato não impedisse as empresas de criar
jogos para outros aparelhos — a Electronic Arts lançou John
Madden Football para o SNES e para o Genesis — houve es­
peculação sobre se a NOA continuaria a exercer o mesmo tipo
de controle que exercia sobre as concessionárias que faziam
jogos para o aparelho de 8 bits. Tentaria vingar-se daquelas
que trabalhassem para a Sega? Faria isso usando a avaliação
dos jogos? Havia medo no que se referia aos modos sutis que
a Nintendo usava para "influenciar" distribuidores e lojistas.
O SNES estava sendo vendido em dezesseis mil lojas varejistas
e o Genesis em oito mil (mais tarde, a Sega conseguiu elevar
esse número para onze mil).
Quase todas as concessionárias gostavam da competição
entre as duas fabricantes, embora isso as obrigasse a decidir

425
OS MESTRES DO JOGO

qual das duas apoiar — ou se davam apoio às duas. Algumas


achavam que tudo o que enfraquecesse a Nintendo era bom.
Em parte tratava-se de ressentimento — é sempre gostoso ver
um tirano cair — mas o fato era que a fraqueza da NOA as
tornava mais fortes. Quando procuraram a empresa pela pri­
meira vez, de chapéu na mão, queriam fazer jogos para o
NES. Agora, era a Nintendo que precisava delas, de bons jogos
para derrotar a concorrente.
A despeito da torcida discreta pelo Genesis, as concessio­
nárias não encontraram muita abertura nem benevolência na
Sega, cujos termos de concessão foram endurecendo até fica­
rem quase tão rígidos quando os da Nintendo. A única razão
pela qual as licenciadas continuavam a aceitá-los era que tanto
a NOA como a Sega os estavam cortejando, o que lhes dava
algum poder de negociação.
— Como quase sempre acontece, um revolucionário dá um
golpe e se torna um déspota — disse alguém de uma dessas
concessionárias. — A Sega era tão ruim quanto a Nintendo
porque queria ser a Nintendo.
De toda forma, a competição deu às autorizadas uma in­
dependência que elas não tinham. A mesma coisa aconteceu
na indústria de computadores, quando a Microsoft e a Lotus
começaram a vender software que podia ser usado nas má­
quinas das duas. As concessionárias sempre ganhariam, saísse
vitoriosa a Sega, ou a Nintendo, ou se ambas empatassem. A
Electronic Arts, por exemplo, estava em vias de tornar-se a
Microsoft dos videogames.
— Se a Nintendo conseguir o que quer, seu processador
praticamente dobrará o mercado para jogos de 16 bits nos
Estados Unidos, em 1991 — disse Bing Gordon, da Electronic
Arts. — A EA deve estar a postos para tirar vantagem desse
novo mercado, com os direitos que compramos para fazer
jogos de 16 bits para o Genesis e software para os PC.
Larry Probst observou que era provável que o sistema de
16 bits acrescentasse 4 milhões de dólares às vendas de sua
empresa em 1991 e 10 milhões em 1992. Não havia, porém,

426
O ESTOURO DO SONIC

nenhuma garantia de crescimento constante. Em 1991, peque­


nas vendedoras começaram a apostar que a Electronic Arts
sofreria um desastre igual ao da Atari. Disseram que a EA
deveria contentar-se em ser uma fábrica de brinquedos em
vez de equiparar-se a empresas como a Microsoft. Até analistas
do mercado de ações, solidários à EA, estavam tensos.
Os chefes da companhia, entretanto, respondiam que ainda
tinham mais cartas escondidas nas mangas. A questão, disse
Bing Gordon, era saber se a EA poderia tornar-se uma empresa
de 500 milhões de dólares, com ações no valor de 50 dólares,
no prazo de 4 anos. Isso era bem possível, pois eles haviam
entrado no mercado dos 16 bits e dos aparelhos de CD do
futuro. Gordon predisse que em 1995 empresas como a sua
ou fariam alianças estratégicas com a Sony ou a Matsushita,
ou seriam engolidas pelos vorazes gigantes.
Os meses de contenda foram passando e as vendas do SNES
permaneceram boas, embora não tanto quanto haviam sido
as do NES. A imprensa comentou que essa era a prova de
que havia uma rachadura na armadura da Nintendo. De fato,
o primeiro assalto da luta dos 16 bits mostrou que a NOA
não era mais infalível. Contudo, uma coisa era certa: seria um
erro menosprezar prematuramente a força de Arakawa e Main
e a determinação de Hiroshi Yamauchi.
Uma pequena falha em sua capacidade de ver o futuro le­
vara Yamauchi a compreender tarde demais a importância de
entrar no mercado de 16 bits, mesmo sacrificando um pouco
das vendas dos aparelhos de 8 bits. Estavam em jogo mais
de dez bilhões de consumidores, que gastariam dinheiro com
aparelhos e jogos de videogame em 1992. Nos anos seguintes
esse número aumentaria. O setor estava mudando. Ficara no
meio de um novo campo que emergia, como a indústria de
computadores domésticos e produtos eletrônicos do futuro.

Multimídia foi a palavra mais discutida no setor de compu­


tadores e no de eletrônicos no início da década de 90. As
definições variavam largamente, mas havia uma certeza: a

427
OS MESTRES DO JOGO

nova tecnologia reuniría o televisor, o videogame, o aparelho


de som, o videocassete, um toca-CD e um processador central.
Outros componentes poderíam ser acrescentados, tais como
uma leitora ótica digital ou uma impressora. Um receptor de
televisão a cabo, para captar as milhares de emissoras a cabo
do futuro, provavelmente também seria incorporado. A chave
para todos os elementos que definiam multimídia, porém,
além da tela do televisor, era o computador. Ele faria uma
arrumação nas enormes quantidades de informação audiovi­
sual e permitiría que as pessoas interagissem com todas.
O aparelho de multimídia oferecería entretenimento de alta
qualidade, tanto com televisores com som estéreo como de
videogames com som CD, imagens de alta definição e anima­
ção sofisticada. O maior impulso nas vendas dos aparelhos
de multimídia seriam provavelmente os filmes, quando eles
fossem largamente lançados em CD em vez de em fitas de
videocassete, porque a qualidade seria superior e porque os
CD não degeneram, como as fitas VHS. Ocorreríam avanços
tecnológicos — no campo do processamento de imagens e das
técnicas de compactação de dados — antes dos filmes em CD,
mas esses avanços já estavam a caminho (a Sony mostrou
algumas versões em janeiro de 1992).
Filmes, entretanto, seriam apenas o começo. Já havia muitas
opções na televisão, no final do século: dúzias de emissoras
a cabo, fitas de vídeo pré-gravadas, filmes domésticos, redes
de televisão, videogames. O aparelho de multimídia, porém,
traria uma espantosa quantidade de opções.
— Haverá uma competição cada vez maior por tempo na
tela da televisão — prediz Trip Hawkins, um visionário da
iniciante multimídia.
A multimídia traria uma mídia interativa, de modo que os
telespectadores poderíam influenciar os acontecimentos nos
filmes ou programas de televisão, por exemplo. Entretenimen­
to e educação se entrecruzariam de modos diferentes também,
alguns dos quais inimagináveis. Toda a mídia teria um caráter
essencialmente novo e não precisaria ser linear. Espectadores

428
O ESTOURO DO SONIC

de filmes, programas de televisão e livros eletrônicos não se­


riam mais passivos. Poderiam optar por sentar-se e assistir a
um especial da National Geographic sobre as ilhas Andaman
ou envolver-se "folheando", em qualquer ordem, as partes do
programa que mais os interessassem. Poderiam ver filmes dos
alcionários dançando em gigantescas florestas de esponja ou
observar o notável espetáculo de elefantes nadando no meio
de ilhas. Uma viagem de barco seria feita da perspectiva de
um passageiro, que poderia escolher onde parar e o que ex­
plorar. Seria como jogar um videogame.
O CD transformaria completamente os videogames. En­
quanto um cartucho caro da Nintendo ou da Sega, cheio de
chips RAM, comportava de 8 a 10 megabytes de instruções,
um disco compacto, barato, poderia comportar mais da metade
de um gigabyte. Essa imensa capacidade de armazenagem es­
taria cheia de imagens digitalizadas em pleno movimento, de
modo que os jogos se pareceriam mais com filmes, com som
real, incrível, incluindo música sinfônica e voz humana, real,
digitalizada.
Os jogos para multimídia também seriam muito mais rea­
listas ou, então, verdadeiras viagens para fora deste mundo.
Efeitos sonoros e visuais estariam anos-luz na frente daqueles
apresentados nos cartuchos de 16 bits. Assim como as trilhas
sonoras transformam a experiência de assistir a um filme, os
jogos seriam muito mais atraentes com cenários ricamente tex-
turizados, de uma floresta ou de um lugar na terra das ma­
ravilhas, e com efeitos sonoros — sons da floresta ou gritos
de gelar o sangue — realistas e intensos.
A tecnologia do CD também significava que os jogos, numa
enorme variedade, teriam custos de fabricação mais baixos.
Enquanto um cartucho da Nintendo custa aos manufaturado-
res de 12 a 16 dólares, um CD lhes custaria entre 1 e 2 dólares.
As empresas de software proliferariam e fariam jogos que con­
quistariam clientelas seletas. Entretanto, nenhuma companhia
se arriscaria a investir num jogo da Nintendo sobre coleção
de selos ou numa versão eletrônica da canastra, que no entanto

429
OS MESTRES DOJOGO

seriam fabricados, se os custos fossem menores. No futuro,


haveria títulos em CD sobre tudo, de livros de auto-ajuda a
autênticas expedições arqueológicas, de boliche a sexo simu­
lado.
Os jogos teriam, como ingredientes, fantasia, intriga e de­
safio numa proporção anteriormente inconcebível. A tecnolo­
gia que removería a barreira entre o jogador e o jogo ainda
estava na infância, mas games futuristas de realidade virtual
fariam você experimentar o mundo virtual de um videogame
diretamente, em vez de controlá-lo por joysticks. Usando ócu­
los, luvas e roupas conectados aos aparelhos de multimídia,
o jogador entraria num mundo fictício e teria a percepção não
de um espectador, mas de alguém que estivesse dentro do
jogo. Não estaria controlando um desenho animado do Mário
numa tela de televisão, mas seria o próprio Mário. Erguería
os olhos e encararia um Goomba de cara vermelha, do tamanho
de um fusca, que tentaria atacá-lo numa floresta de palmeiras,
forçando-o a reagir rapidamente.
Com todas essas promessas futuristas e incertas, os negócios
de multimídia e entretenimento interativo chegaram. Isso era
inegável. Também acreditava-se que a multimídia ia engolir
segmentos de algumas das maiores indústrias do mundo, in­
clusive boa parte dos setores de eletrônicos e diversão, assim
como parcelas do negócio de computadores.
Analistas previram que a multimídia poderia eclipsar os
videocassetes já na virada do século. As estimativas a respeito
do tamanho dessa indústria variaram muito. Alguns estudio­
sos predisseram que mais de 3 trilhões de dólares por ano
seriam gastos com a multimídia por volta do ano 2000. As
maiores corporações ficariam com a maior parte dessa quantia.
É desnecessário dizer que a Nintendo queria ficar com a parte
do leão.

Se a NCL pudesse repetir o sucesso do aparelho de 8 bits


no de 16 bits, ficaria na situação ideal para emergir como forte
dominador do mercado de multimídia. Finalmente teria a

430
O ESTOURO DO SONIC

oportunidade de enveredar pelo caminho que Hiroshi Yamau­


chi visualizara anos antes. Seu videogame se transformaria
num computador doméstico de múltiplos usos, o primeiro que
realmente tomaria conta do consumidor. Havia de cinqüenta
a sessenta milhões de aparelhos Nintendo espalhados pelo
mundo, mas o número potencial de equipamentos para mul­
timídia era ainda maior. Quantos haveria? Trip Hawkins cal­
cula que existem trezentos milhões de televisores no planeta.
Poderia haver centenas de milhões de máquinas Nintendo no
mundo inteiro, todas funcionando com software feito ou con­
trolado pela própria NCL. A companhia surgiría como formi­
dável corporação global.
Embora empresas como Apple, IBM, Sony, Matsushita, Phi­
lips, Fujitsu e Microsoft estivessem planejando ficar com par­
celas desse mercado, Hiroshi Yamauchi já anunciara, ousada-
mente, que a Nintendo "definiría" a indústria dos aparelhos
domésticos de entretenimento, no futuro. A empresa daria seu
salto mais audacioso, afastando-se da antiquada concepção
da tecnologia de videogames.
— Quando o momento chegar, essa profecia se cumprirá
— diz Howard Lincoln.
Um mercado maior atrairía mais concessionárias, que pro­
duziríam uma variedade maior de software. Se o software
fosse bom, esse mercado se ampliaria, trazendo mais conces­
sionárias, mais clientes, mais concessionárias, mais clientes...
Outras empresas de videogames, incluindo a Sega, também
tentavam arrumar um lugarzinho, embora fosse improvável
que se colocassem entre as maiores. A Sega, antes de tudo
uma empresa de software, parecia ter mentalidade estreita
demais e falta de recursos, o que a impediría de impor um
padrão próprio. A competição seria entre companhias de com­
putadores e de produtos eletrônicos, ou entre novas joint ven­
tures formadas por elas e empresas de entretenimento. A am­
bição de Hiroshi Yamauchi era bastante grande para levá-lo
a imaginar isso. O The New York Times comentou, no começo
de 1992:

431
OS MESTRES DO JOGO

A Nintendo, às vezes subestimada, não esta disposta a conceder


coisa alguma às maiores empresas de eletrônicos.
— Continuamos muito conscientes da Sony, da Apple, da
Microsoft e congêneres — disse Peter Main. — Não nos apoia­
remos no sucesso do passado.
— O Super Famicom será o aparelho mais rapidamente
vendido, entre todos os outros, e o computador mais difundido
— opinou Hiroshi Imanishi.
Para chegar lá, Yamauchi e Arakawa apertaram o passo a
partir de meados de 1992 (embora o fracasso da tentativa de
enxotar a Sega, usando o SNES, fosse um banho de água gelada
nesse entusiasmo). Num fronte, o ataque do Super ganhou
nova força. No outro, aumentou o desejo de fazer o que a
Nintendo fizera melhor do que qualquer outra empresa no
passado: criar jogos que mantivessem os fãs e as novas gera­
ções de fãs interessados. Com essa finalidade, Yamauchi au­
mentou a verba para pesquisas, para explorar o futuro dos
videogames e da multimídia. Também fez alianças secretas
com produtoras de tecnologia e negociou com empresas vol­
tadas para o entretenimento, de quem conseguiu licença para
usar os personagens e as histórias.

Como sempre aconteceu com as tecnologias para o mercado


consumidor, a multimídia foi primeiramente desenvolvida
para o uso de técnicos em computadores. Uma visão da mul­
timídia em computadores foi descortinada pela Microsoft em
maio de 1991: um computador pessoal equipado com multi­
mídia não deixa de ser um computador pessoal. Mas, como
isso possibilita o uso de som, animação e imagens de alta
qualidade, provê melhores tijolos para a construção de um
jeito melhor e mais atraente de usar o computador.
A Microsoft calculou que mais de quinze milhões de com­
putadores pessoais, em 1991, "estavam prontos para a multi­
mídia". Para ajudá-los, adaptou seu popular programa Win­
dows 3.0 para aceitar extensões com capacidade de ativar a
multimídia. A equipe de multimídia da Microsoft usa cami­

432
O ESTOURO DO SONIC

setas com os dizeres: "Eu lhe diria no que estou trabalhando,


mas depois teria de matá-lo". Essas pessoas pretendem estar
no topo, seja como for.
Em geral, a adição-chave num computador adaptado para
multimídia é um toca-discos laser, que toca CD-ROM, ao con­
trário dos tradicionais CD. A diferença é que os discos CD-
ROM fazem mais do que tocar música com som excelente.
Podem ter configurações diferentes, mas têm em comum a
habilidade de movimentar a música, de mover e parar ima­
gens, vozes, programas de computador, assim como o texto
e gráficos simples. Quase tudo o que pode ser digitalizado,
codificado e incorporado como informação num disco pode
ser material para a multimídia.
Jogos sofisticados incentivam as vendas dos CD-ROM, mas
o uso mais sedutor do primeiro toca-discos CD-ROM ligado
a um computador foi o acesso imediato a enormes quantidades
de informação. Por 700 dólares, a "biblioteca laser" da Sony
podia ser ligada ao PC e tocar os CD normais, assim como
os CD-ROM. Num só disco havia a Compton's Family Encyclo­
pedia inteira, com texto completo e gravuras. O disco National
Geographic Mammals era um livro de consulta com informações
sobre animais, gravações das vozes dos animais e videoclips
de animais em seu hábitat natural.
A Sony foi a pioneira na tecnologia de hardware CD e CD-
ROM e planejou liderá-la no software, fundando a Sony Elec­
tronic Publishing, especificamente para desenvolver e dar con­
cessões de software para multimídia. Além de lançar os CD
que acompanhavam a "biblioteca laser", a SEP planejou fazer
jogos e outros software de entretenimento e consulta nos CD-
ROM de muitos aparelhos.
As companhias de hardware que estão adaptando compu­
tadores para a multimídia incluem a Apple, IBM, Fujitsu e
Tandy. Há empresas de software também. O presidente da
Microsoft, Bill Gates, fundou uma side venture chamada IHS
a fim de criar software para multimídia. Gates explodiu as
fronteiras e tentou, por exemplo, conseguir os direitos para

433
OS MESTRES DO ] OG O

digitalizar museus cheios de quadros. Com esses direitos, po­


deria oferecer um passeio de CD-ROM, digamos, pelo museu
d'Orsay, de Paris. O "visitante" veria os quadros na ordem
que quisesse, depressa ou devagar, poderia aproximar as ima­
gens para observar detalhes e chamar biografias audiovisuais
dos pintores. Os discos conteriam comentários de críticos e
historiadores e os usuários poderíam, se quisessem, fazer ex­
periências. Colocar, por exemplo, a cabeça da "mãe do asso-
biador" no corpo de um nu do Déjeuner sur 1'herbe e decorar
o lugar do piquenique com ramos de Biases de Van Gogh.
Embora os primeiros aparelhos de multimídia visassem os
computadores, a Commodore, a Apple e outras empresas que
entraram para o ramo têm percebido que as pessoas os usariam
para se divertir, educar-se e informar-se caso fossem menos
complicados e não tivessem cara de computador. A revolução
dos computadores pessoais já provou que os consumidores
continuarão a passar a maior parte de seu tempo livre diante
da tela de um televisor e não de um monitor. É de prever-se
que o aparelho de multimídia encontrará seu lugar na sala, e
não no escritório, substituindo ou complementando a televisão
normal ou a cabo, o videocassete e o resto.
A Apple, que reserva um boa verba para a pesquisa e de­
senvolvimento no campo de multimídia, provavelmente lan­
çará um aparelho de CD-ROM com um processador Macintosh
e um sistema operacional que, talvez, poderá ser ligado ao
televisor, como um videocassete. A Apple, porém, tem um
problema: não pensa no consumidor que deseja gastar menos
de 500 dólares. Tinha planos de fazer um aparelho de video­
game, mas abandonou-os.
— Entenderam como é importante o negócio do software
— diz Arakawa. — Quem faria jogos para eles?
De toda forma, a Apple já estabeleceu sua rota. Para marcar
sua entrada no mercado consumidor, o presidente John Sculley
apareceu na Consumer Electronics Show em janeiro de 1992.
Num discurso, observou que "a indústria de computadores
pessoais e a indústria tradicional de produtos eletrônicos estão

434
O ESTOURO DO SONIC

convergindo para um inevitável e talvez maravilhoso ponto


de colisão".
A Commodore, fabricante do computador Amiga, já chegou
a esse ponto. O CDTV foi lançado em 1991 e Nolan Bushnell
foi contratado para empurrá-lo no mercado. Ele disse que acei­
tou a tarefa porque o aparelho tinha, em potencial, o que os
videogames nunca tiveram: tecnologia que ajudaria a desfazer
a distinção entre arte, diversão, educação e produtividade.
O escritório de Nolan Bushnell ficava num prédio bege-sujo
com detalhes em marrom, numa rua próxima à da Hewlett
Packard, em Montana View, Califórnia. Sua sala de espera
poderia ser a de uma companhia de seguros se seu primeiro
jogo, Pong, não estivesse armado numa das paredes: um te­
levisor MGA clássico, em branco-e-preto, num armário reves­
tido de material que imitava madeira. Dentro, havia um qua­
dro de circuito e uma caixa para moedas e, na frente, dois
controladores simples e um painel amarelo.
Usando camisa púrpura com bolinhas pretas e gravata cin­
zenta, Bushnell estava sentado atrás de uma escrivaninha de­
sarrumada. Inclinado para a frente, apoiava as mãos grandes
no tampo da mesa. Perto dele havia um Macintosh II com
um monitor de formato grande. Empilhavam-se na mesa e
nas prateleiras brinquedos e livros, entre os quais um sobre
baleias. Os outros eram na maioria técnicos: Android Design,
World of Robots, Making Robots, Introduction to Artificial Intelli­
gence e laccoca.
De seu escritório, Bushnell dirigia numerosas empresas pe­
quenas. A Vent fazia periféricos para computadores e software;
a Buffalo, cartuchos para impressoras-laser; a Names and Fa­
ces, cabines para fotografias operadas por moedas. Essas má­
quinas eram iguais às encontradas em aeroportos e casas de
diversões eletrônicas, mas não empregavam produtos quími­
cos para fotografia: as fotos, tiradas por uma câmera de vídeo,
eram figuras digitais, impressas pelo sistema laser.
Apesar de seus muitos projetos, Bushnell aceitara emprego
na Commodore, como consultor, em 1990. Disse que estava

435
OS MESTRES DO JOGO

"devotando a maior parte de seu tempo à Commodore, ba­


tendo tambor, anunciando a multimídia".
A Commodore lançou o CDTV no começo de 1991. A má­
quina era na realidade um computador Amiga escondido
numa caixa delgada de produto eletrônico. A primeira van­
tagem da Commodore era o Amiga, que já possuía uma boa
coleção de software, e havia um grupo de produtores de soft­
ware que apreciou a máquina.
O processador do computador foi conectado a um drive
de CD-ROM embutido, com controle remoto, embora teclado,
mouse e drives para disquetes pudessem ser instalados. Só o
aparelho foi vendido por 799 dólares. Alguns complementos,
no valor de 200 dólares, transformariam um aparelho de te­
levisão num computador completo, embora esse não fosse o
fator que tornaria o CDTV mais atraente. Seriam os programas
de entretenimento e informação, como o atlas (com áudio de
línguas, livros de consulta sobre estatística e exibição de slides,
além dos já esperados mapas), uma versão para multimídia
da Grolier's Encyclopedia e de livros infantis, como All Dogs Go
to Heaven — Talking Electric Crayon.
O CDTV e as perspectivas da multimídia foram revelações
para Bushnell, que iniciara a primeira onda do negócio de
videogames acreditando que os jogos levariam a novas ma­
neiras de aprendizado. Disse que ficara desapontado com sua
prole:
— Não me senti tão culpado quanto Robert Oppenheimer,
mas me senti culpado. Os videogames não cumpriram as pro­
messas que fizeram. A violência insensata, repetitiva, que se
vê nos jogos é uma coisa com a qual não quero me envolver.
Não sei como dizer isso de modo mais gentil. Acho que é
tudo uma merda. Mas o CDTV finalmente juntará recreação
e educação.
Apesar da visão altruísta de Bushnell e da grande campanha
publicitária, ninguém tinha certeza de que o CDTV competiría
no campo de multimídia. A Commodore tinha fama de perder

436
O ESTOURO DO SONIC

o barco quando se tratava de comercializar seus produtos em


grande escala.
O gigante holandês da eletrônica, a Philips N.V., o maior
grupo de produtos eletrônicos da Europa, lançara seu aparelho
de multimídia, o Compact Disc Interative (CD-I) depois de
muito investimento em pesquisas e uma visão de longo alcance
do mercado. A Philips lançou o CD-I em outubro de 1991,
meses depois do CDTV, por causa de problemas técnicos. A
"máquina de imaginação" de mil dólares (depois o preço bai­
xou para 799 dólares) foi projetada estritamente para a mul­
timídia, de modo que não havia teclados nem drives para
disquetes.
Tinha o apoio de mais empresas de software do que o
CDTV. Lançado com o selo da Magnavox, o CD-I tinha uma
coleção impressionante de programas. Um deles era a versão
de um livro de multimídia para crianças melhor que o do
CDTV. Quando a garotada rodava um disco de Sesame Street
(Vila Sésamo), Bert e Ernie apareciam na tela do televisor.
Anfitriões perfeitos, convidavam as crianças a conhecer o apar­
tamento deles, o que era muito divertido. Aprendizado era o
subtexto, naturalmente: a criança podia ler livros junto com
Ernie ou resolver problemas de matemática com o Garibaldo.
A coleção do CD-I era diversificada, apresentando desde
Caesars World of Gambling até ABC Sports Golf: Palm Springs
Open e Treasures of the Smithsonian. Um disco educacional pro­
duzido pela Time-Life, chamado Time-Life Photography, conti­
nha versões condensadas de dez livros muito populares sobre
a arte de fotografar. Em uma lição, um remador levava um
barquinho através da água e o espectador tinha de bater uma
foto que preservasse os detalhes do plano de fundo, mas trans­
mitisse a idéia de movimento.
Apesar de todas as promessas, as vendas do CD-I e do
CDTV foram inexpressivas. Os aparelhos eram caros e o cam­
po, ainda muito novo. Contudo, a Philips observou, o CD-I
vendeu mais em seu primeiro ano do que o videocassete e o
toca-discos CD tinham vendido no mesmo período. Os exe­

437
OS MESTRES DO JOGO

cutivos da Sierra On-Line, que produziram um jogo CD-ROM


chamado Mixed-Up Mother Goose, ficaram felizes por ter ven­
dido seis mil discos, um número que seria considerado em­
baraçoso no negócio de videogames.
As empresas sabiam que levaria tempo para os consumi­
dores acostumarem-se à multimídia e investirem nela. Depois
que a televisão foi introduzida nos Estados Unidos, passou-se
uma década até que um milhão de aparelhos fossem vendidos.
Trip Hawkins resumiu o problema:
— A gente faz um hardware de 800 dólares, esperando que
as pessoas o comprem por suas aplicações interativas, algo
que ninguém ainda entende direito. Acho que não vai fun­
cionar.
O que funcionaria seria uma máquina mais barata com apli­
cações populares: jogos.
A popularidade do CD-ROM vai disparar quando a Nintendo
desenvolver uma maquina que use jogos nesses discos, escreveu
John C. Dvorak, o influente colunista da indústria de compu­
tadores, em setembro de 1991.
O raciocínio é simples: A Nintendo tinha nas mãos uma
clientela avançada, que não receava novas tecnologias e que
faria qualquer coisa para conseguir novos jogos excitantes. O
clamor da garotada, pedindo um game em CD para o novo
Nintendo, faria mais pelo aparelho de multimídia do que a
mais impressionante enciclopédia.
Dvorak achava que a entrada da NCL no setor também
baixaria o custo da tecnologia do CD-ROM, o que era essencial
para o produto "pegar”.
Por que empresas-gigantes como Sony, Toshiba e Hitachi não
agitam bastante o mercado para fazer baixar o preço dos drives?
Ate' eles parecem pensar que a Nintendo pode fazer sem esforço, e
da noite para o dia, o que eles não conseguiram. Se é esse o caso,
bastaria que alguém alugasse a genialidade comercial da Nintendo.

Em certo sentido, duas das grandes companhias tentaram.


A Philips N. V. entrou em contato com a NCL e houve duas

438
O ESTOURO DO SONIC

longas negociações. Os japoneses planejavam por um drive


CD-ROM no SNES e no Famicom. A Philips queria ajudar.
Além disso, e o mais importante, a Philips desejava que os
futuros jogos da Nintendo pudessem ser usados no CD-I.
O acordo entre o executivo Gaston Bastiaens, chefe do grupo
do CD-I, com Minoru Arakawa e Howard Lincoln foi difícil.
Lincoln e Arakawa viajaram à Holanda em maio de 1991 para
se encontrar com Bastiaens na sede mundial da Philips, em
Eindhoven. As duas companhias fizeram um trato que per­
mitia à Philips criar uma ponte, de modo que os discos CD
do SNES pudessem tocar no CD-I. A NCL controlaria a con­
cessão dos direitos dos jogos em discos compactos, da mesma
maneira como fizera com os jogos para o NES e o SNES. A
Philips, por sua vez, selara uma valiosa aliança, que a ajudaria
a vender o CD-I. Além disso, poderia fazer um contrato lu­
crativo com a Nintendo para fornecer o drive CD-ROM a ser
instalado no Super NES.
Arakawa e Lincoln, então, foram a Chicago para a feira de
produtos eletrônicos de junho, na qual pretendiam anunciar
o acordo. Mas as fagulhas iam começar a voar: o contrato
entre as duas empresas conflitava com outro, que a Nintendo
fizera com a concorrente da Philips, a Sony.
A Philips e a Sony competiam em muitos mercados con­
sumidores com televisores, rádios, videocassetes, câmeras e
toca-discos CD. Tinham sido aliadas na produção do CD-I até
que conflitos pessoais e pontos de vista opostos as separaram.
A Philips lançou o CD-I sozinha, enquanto a Sony levava ao
mercado seu aparelho CD-ROM para computadores e plane­
java uma alternativa mais barata para o CD-I, um aparelho
para jogos chamado Play Station.
Quando o Play Station foi anunciado, no verão de 1991,
provocou manchetes. Reconhecendo que o negócio de video­
games crescera tanto que não podia mais ser ignorado, a Sony
entrava em campo, associada à companhia mais poderosa do
setor, a Nintendo. A Sony também percebera que podia ex­
plorar o relacionamento com a NCL para lucrar com o CD-

439
OS MESTRES DO JOGO

ROM. O Play Station seria o veículo ideal para a entrada na


era dos CD, porque usava discos CD-ROM, chamados de "su­
perdiscos", além de cartuchos do Super NES. Era uma aliança
extraordinária: duas companhias japonesas, gigantescas em
seus respectivos campos de ação, estavam juntando forças.
Mas isso foi antes de os executivos da Nintendo perceberem
as implicações do contrato assinado com a Sony em 1988. Em
1991, ele foi considerado desastroso, pois contrariava a norma
de nunca dar nada a ninguém. E a Nintendo dera à Sony o
direito de controlar (e lucrar com) o software em discos CD
usado no Play Station. A Sony enfatizou, quando lançou o
aparelho, que era a única no mundo que possuía os direitos
sobre o superdisco, deixando a NCL a ver navios.
Talvez Yamauchi tivesse sido intimidado pela Sony, em
1988, quando o contrato foi assinado, ou talvez subestimasse
a importância dos discos CD. Mas a situação era intolerável,
mesmo com sua assinatura no contrato.
A Sony anunciou o Play Station na CES em junho de 1991,
em Chicago. Tinha entrada para cartuchos idêntica à do Super
NES, assim como um drive CD-ROM para os superdiscos,
discos CD que continham até 680 megabytes de informação.
Olaf Olafsson, jovem, loiro e vivo, chefe da Sony Electronic
Publishing, explicou:
— A fim de promover a criação de material para os super­
discos, a Sony pretende ceder os direitos à indústria de soft­
ware. Queremos que empresas do grupo Sony, inclusive a
Sony Music e a Columbia Pictures criem e comercializem uma
coleção fabulosa de produtos.
A Sony visava os clientes da Nintendo. A revista Fortune
citou Olafsson como autor da seguinte declaração:
Jogos primitivos, de cartuchos, renderam de4a5 bilhões de dólares
só nos Estados Unidos, no ano passado. O mercado de videogames
não vai diminuir. Vai ficar mais sofisticado. Com filmes e música,
os jogos serão ainda mais interessantes (...) Como possuímos um
estúdio, poderemos nos envolver na produção desde o início, quando
o filme estiver sendo escrito. Poderemos acompanhar as filmagens

440
O ESTOURO DO SONIC

e dar opiniões, pedindo que filmem o plano de fundo de uma certa


maneira porque a fita sera usada num videogame.
A Fortune escreveu que Olafsson foi visto muitas vezes no
set de Hook, o filme com Robin Williams e Dustin Hoffman.
Estava decidindo que planos de fundo e que partes da trilha
sonora usaria no jogo Hook, e qual seria o melhor momento
para o lançamento.
A Sony estava em posição de aleijar a Nintendo e o contrato
preparou terreno para que ela usasse a outra companhia na
conquista de clientes e roubasse concessionárias. Depois, tra­
taria de se livrar da NCL. Mas não era só isso. A Sony era a
única fornecedora de um chip importante que a Nintendo usa­
va no Super NES: o de áudio. Fora criado pela Sony, de modo
que sua capacidade total só poderia ser usada por programa­
dores que trabalhassem com uma ferramenta cara, da Sony.
Como disse um consultor industrial:
— A Sony pegou a Nintendo pelo rabo. Não era uma posição
que Hiroshi Yamauchi suportasse. Por isso, ele instruiu Ara­
kawa para dar prosseguimento ao acordo com a Philips. Era
fazer duas coisas de uma vez: pegar de volta o controle do
software e ferrar a Sony.
O The New York Times comentou o fato com mais educação:

A decisão foi vista como uma tentativa da Nintendo de entrar


no mercado de discos compactos (CD) em situação mais favorável.
A empresa explicou que se aliara à Philips, produtora do
CD original, porque sua tecnologia em CD-ROM era superior.
Soube-se, porém, que Yamauchi unira-se à Philips porque de­
cidira que a Nintendo não seria dependente de empresa al­
guma. Nenhuma companhia, nem mesmo a Sony, o assustava.
A NCL conspirou com a Philips para encontrar um jeito
de puxar o tapete da Sony, em público e diante da imprensa,
na CES, um dia depois que o Play Station foi anunciado. Sem
dúvida, visavam envergonhar a empresa e mostrar a todos
que a Nintendo não tinha medo de nada.
Os executivos da Sony, no Japão, tinham tomado conheci­

441
OS MESTRES DO JOGO

mento dessa entrevista à imprensa 48 horas antes e ficaram,


de acordo com os repórteres, atônitos. O executivo-chefe, No-
rio Ohga, tentou impedir, telefonando para Hiroshi Yamauchi
e Jann Timmer, o novo presidente da Philips, em Amsterdã.
Bastiaens também foi procurado pelo chefão da Sony.
A Nintendo e a Philips apresentaram uma frente unida.
Disseram que o contrato já fora assinado e que não havia nada
a discutir. Embora ameaçada com processos e "outras reper­
cussões", a NCL insistia em dizer que o contrato com a Philips
não interferiría no acordo com a Sony.
Os chefões da Sony continuaram a tentar impedir o anúncio.
Howard Lincoln diz:
— Houve tremenda pressão, do mundo todo, para que
aquela entrevista à imprensa não acontecesse. Desistiram de
nos perturbar, mas continuaram a pressionar a Philips.
Timmer e Bastiaens receberam inúmeros telefonemas. En­
quanto isso, a equipe da Sony em Nova York pensava em
cancelar o anúncio do Play Station, mas as coisas tinham ido
longe demais.
A entrevista começou às nove da manhã, com a presença
de repórteres da indústria e dos maiores jornais. Esperava-se
que a Nintendo promovesse o Super NES e falasse sobre a
importância de sua aliança com a Sony. Em vez disso, Howard
Lincoln, muito à vontade, anunciou o plano de trabalhar com
a Philips! O vozerio no recinto ficou bem audível, mas não foi
nada comparado à agitação do pessoal da Sony. Olaf Olafsson
ficou lívido.
— Apunhalaram-nos pelas costas — o jovem islandês disse
a um amigo.
Em suas declarações à imprensa, afirmou que a Sony tinha
um contrato com a Nintendo e que esse contrato fora violado.
As ondas de choque foram sentidas em todo o Japão, onde
a indústria especulava sobre as implicações da decisão de Hi­
roshi Yamauchi e o preço que a NCL teria de pagar por hu­
milhar a Sony. Também comentava-se a respeito de a Nintendo
ter desrespeitado uma lei não-escrita e virado as costas a uma

442
O ESTOURO DO SONIC

empresa japonesa em favor de uma concorrente estrangeira.


As repercussões poderíam ser graves.
No Japão, houve reuniões nas sedes de ambas as corpora­
ções. Nos Estados Unidos, sob circunstâncias idênticas, o caso
teria ido parar na Justiça, mas as companhias japonesas tra­
balhavam de outra maneira. A Nintendo tomara posição con­
tra a Sony em público e a Sony tinha de revidar. Mas precisava
ter cuidado, pois havia muita coisa em jogo. A NCL seria o
instrumento da venda do Play Station por causa do port (en­
trada) no aparelho para os jogos do Super NES, de modo que
a Sony tinha de resolver o problema em vez de piorá-lo.
A Nintendo, por outro lado, poderia beneficiar-se do acordo
com a Sony se conseguisse termos melhores que lhe permi­
tissem controlar os jogos CD que fizesse ou os que suas con­
cessionárias produzissem. Estava amarrada à Sony por causa
do chip de áudio e iria sofrer, de um jeito ou de outro, se a
abandonasse.
Enquanto os contratos entre empresas norte-americanas en­
chem páginas e mais páginas, os que são feitos entre compa­
nhias japonesas podem ter apenas duas ou três, escritas, aos
olhos ocidentais, com bastante ambigüidade. Esses acordos
obscuros têm por finalidade deixar espaço para outras nego­
ciações. Muitas vezes, inclui-se uma cláusula de boa-fé, indi­
cando que as partes concordam em reunir-se para discutir os
problemas que surgirem.
Como o contrato era vago em certos pontos — pelo menos
na opinião de Howard Lincoln — a NCL procurou um jeito
de safar-se. Hiroshi Imanishi, um dos negociadores, apenas
disse:
— Não fui eu que tomei a decisão, mas o sr. Yamauchi.
Não sei dizer quais foram seus motivos. Foi decidido que não
daremos apoio à Sony, embora continuemos com o contrato.
Contudo, ficará provado que a decisão de negociar com a Phi­
lips foi certa.
Nas semanas que se seguiram ao escândalo, a Nintendo e
a Sony comunicaram-se através da imprensa. Embora Olaf

443
OS MESTRES DO JOGO

Olafsson criticasse a NCL pelo The Wall Street Journal, também


disse:
— A porta continua aberta.
Um analista concluiu:
— A meta, agora, para as duas companhias, é encontrar
um jeito de limpar a cara. De certa forma, parece que a Nin­
tendo usou a Philips para corrigir o contrato com a Sony ou
para vingar-se da Sony. A briga ainda não acabou.
Minoru Arakawa manteve-se calado. Hiroshi Imanishi, po­
rém, disse:
— O único acordo aceitável seria aquele que permitisse à
Nintendo fazer seu próprio software, mantendo o mesmo con­
trole que exerce sobre os cartuchos.
Depois do anúncio na CES, Howard Lincoln afirmou:
— Posso dizer que, se lançarmos o Super Mario 6 em CD,
ele não poderá ser usado no toca-discos CD da Sony, a menos
que a NCL e a Sony acertem suas diferenças. Qualquer coisa
é concebível.
Uma coisa, entretanto, não era concebível: Lincoln afirmava
que não poderia haver acordo se isso dependesse de a Nin­
tendo fazer exclusivamente jogos compatíveis com o toca-dis-
cos CD da Sony ou de conceder à empresa os direitos sobre
seus jogos.
Apesar de todos os aparelhos CD conectados a computa­
dores e os caros CD-ROM ligados a televisores, a explosão
da multimídia provavelmente não começaria até que uma em­
presa como a Nintendo entrasse no negócio. Trip Hawkins,
em 1989, declarou:
— O VHS teve sucesso não por ser a melhor tecnologia do
mundo, mas porque era uma tecnologia barata. A multimídia
proliferaria como o VHS se houvesse um aparelho de video­
game de 100 dólares que pudesse ser vendido como um equi­
pamento mais avançado aos 35 milhões de famílias norte-ame­
ricanas que gostam de games. Vários milhões dessas famílias
ficarão interessadas num produto como esse se ele for lançado
com um bom software. Esse é o jeito de ganhar o mercado,

444
O ESTOURO DO SONIC

sem precisar abrir a cabeça das pessoas para que elas entendam
algo completamente novo. Elas já sabem o que é entreteni­
mento interativo, algo que está ao seu alcance.
O produto era o Super NES, o Genesis ou outro similar.
— Soltem um CD-ROM de 200 dólares — continuou Haw­
kins — com controlador digital e RAM que também toque os
CD de áudio. Se o preço for bastante baixo, muitos consumi­
dores o comprarão em vez de optar por um CD comum, es­
pecialmente por saber que teriam a vantagem extra de poder
jogar. Que esse preço seja 300 dólares: será muito menor do
que o que as empresas que fabricam os PC estão pedindo por
um aparelho multimídia.
Em junho de 1992, a Nintendo anunciou o lançamento do
drive CD-ROM, que seria incorporado ao Super NES em 1993.
Em sua entrevista à imprensa na CES de verão, onde foi feito
o anúncio, Howard Lincoln deixou claro que sua empresa en­
trava no negócio de CD e que desenvolveria um programa
de concessão similar ao do NES e do Super NES.
— Faremos controle de qualidade sobre os jogos em CD.
Haverá um sistema de segurança no drive, igual ao do Super
NES.
Numa nota para a imprensa, a NCL anunciou que
as concessionárias (de CD) precisariam submeter seus jogos à
apreciação da Nintendo para que fossem avaliados e aprovados e
fazer um contrato de concessão.
Algumas das antigas controvérsias ressurgiram.
— Nós temos um sistema de segurança e não está fora de
cogitação colocarmos uma cláusula de exclusividade no con­
trato referente aos jogos em CD — declarou Howard Lincoln.
— Não vejo nada de errado com a cláusula de exclusividade,
e nenhum tribunal viu, até agora.

A Nintendo trabalhou bastante para finalizar acabar seu


drive de CD e para inventar um sistema eficaz de segurança.
A máquina tinha de ser melhor e mais barata que as dos con­
correntes, que eram muitas, quase todas incompatíveis. A NEC

445
OS MESTRES DO JOGO

precipitara-se, mas oferecera muito pouco. Sua tecnologia de


hardware não era bastante boa, o aparelho de CD prejudicava
o desempenho do sistema de jogos e não era tão bom quanto
um CD-ROM, que apresentava imagens reais e de alta reso­
lução.
Outra vez, a concorrente mais forte parecia ser a Sega. Seu
aparelho de CD foi lançado no final de 1992 por cerca de 300
dólares. O preço inicial assustou a maioria dos consumidores,
mas novamente a empresa socou a Nintendo. Foi anunciado
um acordo com a Sony, que planejava criar jogos para o System
Entertainment Multimídia da Sega por intermédio dos estú­
dios da Columbia Pictures, da TriStar e da companhia de dis­
cos Sony (CBS). Tom Kalinske, presidente e chefe-executivo
da Sega da América, explicou:
— Vamos nos ligar aos artistas da Sony. Acabei de falar
com Peter Guber (presidente da Columbia Pictures) sobre jo­
gos que seriam filmados juntamente com os filmes.
O primeiro exemplo foi o jogo gravado no set de Jurassic
Park, de Steven Spielberg, baseado no livro de Michael Crich­
ton.
As pessoas falam muito de multimídia na indiístria de compu­
tadores pessoais, mas somos nós que estamos fazendo o trabalho,
declarou Kalinske ao Los Angeles Times,
Um repórter escreveu:
A Sony disse: Esta bem, Nintendo, você preferiu ignorar nosso
acordo e correr para a Philips. Agora nós nos aliaremos à sua maior
concorrente.
Outros aparelhos que rodavam jogos em CD e em cartuchos
estavam saindo, inclusive o Play Station da Sony e os plane­
jados pela NEC (combinando o TurboGrafx e um drive de
CD) e pela JVC (que usava jogos em CD da Sega). Havia
também máquinas isoladas da Commodore, da Philips e, tal­
vez, da Apple. Todas essas empresas estavam tentando ficar
com uma parcela do mercado. Muitas não sobreviveríam e
havia rumores de que o CDTV seria a primeira vítima.
Trip Hawkins decidiu que havia muita coisa em jogo para

446
O ESTOURO DO SONIC

ficar de lado, olhando. Em 1989, ele predissera que ha veria


uma atitude de cada-um-por-si nas companhias de hardware,
com terríveis conseqüências:
— Fará a indústria recuar uma década. A tecnologia será
sacrificada e os consumidores serão afastados.
Se desenvolvessem um padrão único, ele achava que a tec­
nologia de multimídia daria um salto para a frente. Os cria­
dores de software concentrariam suas energias no que sabiam
fazer melhor: usar a tecnologia e criar produtos inimagináveis
para multimídia.
Como parecia que a máquina imaginada por Hawkins não
sairia de nenhuma companhia, perguntaram-lhe se ele tentaria
criar uma.
— Tentaremos influenciar as empresas de hardware a fazê-
la. Nós não fabricamos hardware.
Um ano mais tarde, um artigo no The New York Tintes mos­
trava que Hawkins parecia ter mudado de opinião. Ele de­
clarou que o hardware de multimídia existente "tinha baixo
desempenho e preço alto" e reclamou que a Sony e a Philips
estavam afastando os consumidores, obrigando as empresas
de software a adivinhar que tipo de material deveria produzir.
Como resultado, o Tintes observou:
O sr. Hawkins não esta mais apenas falando.
Hawkins passara a direção direta da Electronic Arts para
o presidente Larry Probst, de modo a poder dedicar-se a uma
nova empresa, interessada, provavelmente, em projetos de
hardware e compatibilidade. Embora essa nova empresa, a
3DO, estivesse envolta em mistério, ele respondeu a um en­
trevistador:
— Fico preocupado quando olho as companhias de hard­
ware e vejo as fábricas de PCs. Elas obviamente não vão fazer
as coisas que eu quero, e as empresas de produtos eletrônicos
não sabem o que fazer. Depois, vejo as companhias japonesas
de videogames, tão míopes que não enxergam o rumo das
coisas. E claro que gostaríamos de ver um sistema padroni­
zado, que muitas companhias de hardware apoiariam.

447
OS MESTRES DOJOGO

Hawkins aliou-se a Time Warner, Motorola, LucasArts, Mat­


sushita e sua subsidiária MCA, na tentativa de produzir um
poderoso videogame de 32 bits com software em CD, que
também apresentaria as enciclopédias de multimídia com ani­
mação e filmes de ação interativa. O equipamento, provavel­
mente, seria conectado a telefones e linhas a cabo, preparando
o terreno para jogos "pague-por-jogada". Uma rede da Time
Warner levaria uma locadora de filmes inteira para dentro
dos lares, fitas que poderiam ser escolhidas a qualquer hora
através da máquina da 3DO. Era uma ameaça potencial aos
videocassetes e locadoras. Hawkins planejava entregar o pro­
duto em 1993, ao preço de 700 dólares. Se conseguisse criar
a tecnologia, estaria desafiando uma formidável lista de con­
correntes, inclusive a Nintendo.

A predominância dos aparelhos CD, com várias configura­


ções e nenhuma (ou quase nenhuma) compatibilidade, deixou
o ramo do software à beira de um ataque de nervos. A quan­
tidade de empresas em guerra era um assombro. A qual delas
as companhias de software deveriam aliar-se?
— Eu gostaria que um desses caras, qualquer um deles,
ganhasse logo essa batalha — desabafou Richard O'Keefe, en­
tão com a Warner New Midia.
Era um sentimento partilhado por muitos.
Executivos das maiores concessionárias da Nintendo viaja­
ram a Quioto para tentar convencer Hiroshi Yamauchi a re­
considerar sua decisão de opor-se à Sony. Uma coligação Nin-
tendo-Philips-Sony poderia criar um padrão para a indústria.
Suplicaram para que Yamauchi visse a vantagem de lançar
um padrão único e aberto, que desse acesso a todas as em­
presas de software e incentivasse a indústria. Os consumidores
pulariam, entusiasmados, em vez de esperar que acabassem
os assaltos preliminares daquela luta.
— Mas o sr. Yamauchi já tomara sua decisão — queixou-se
Henk Rogers.

448
O ESTOURO DO SONIC

Yamauchi explicou sua atitude numa reunião com o presi­


dente de uma outra empresa.
— A Nintendo aprova a idéia de um padrão — afirmou.
— Nosso padrão.
O problema, na opinião de Greg Fischbach, da Acclaim,
era que nada poderia ser feito até que tudo estivesse definido:

— Tudo o que podemos fazer é ficar nas arquibancadas,


esperando para ver o que acontece.
As negociações da Nintendo com a Sony prosseguiram por
quase todo o ano de 1992. Por causa do contrato com a Philips,
a NCL pôde reabrir as negociações a respeito dos direitos sobre
o software de CD usado no aparelho Sony. Chegaram a um
acordo em outubro de 1992.
— Concluímos que tínhamos de nos aliar à Nintendo quan­
do vimos que ela seria a vencedora na guerra dos 16 bits.
Queríamos ter certeza de que teríamos acesso aos consumi­
dores do SNES.
Depois de todas as ameaças e de todos os anúncios de con­
tratos com os concorrentes, a Nintendo e a Sony tinham acer­
tado suas diferenças e seus aparelhos de CD-ROM seriam com­
patíveis. (A Philips ainda tinha o direito de criar a ponte de
seu CD-I para a configuração do aparelho da Nintendo, mas
isso era algo paralelo ao contrato.) Os aparelhos da Nintendo
e da Sony seriam os mais poderosos do mercado — como o
da rumorosa 3DO, com um processador de 32 bits. Com isso
e com as forças combinadas, era bem possível que o padrão
fosse determinado — e controlado — pela Nintendo e pela
Sony. Um padrão Nintendo-Sony seria quase invencível e as
duas empresas teriam um lugar garantido no centro da in­
dústria de multimídia.
O acordo colocou a NCL em posição dominante no setor
mais lucrativo: concessão para software. Ganhou o direito de
decidir se o software a ser lançado com os aparelhos CD-ROM
seria um jogo ou não. Se fosse, mesmo no caso da Sony, com­
praria os direitos. Se não fosse um jogo, mas qualquer outra

449
OS MESTRES DO JOGO

coisa, como um "livro" de consulta ou um seminário sobre


impostos em CD, a Sony compraria os direitos, mas apenas
por intermédio da Nintendo. Em resumo, a NCL recebería royal­
ties de todo o software usado nos aparelhos CD-ROM dela
mesma e da Sony. Hiroshi Yamauchi enfrentara a Sony e saíra
da briga mais fortalecido do que nunca.

O software para alguns aparelhos CD-ROM de primeira


geração que trabalhavam com computadores deixava entrever
por que o disco dominaria. Para um jogo chamado Sherlock
Holmes, Consulting Detective, a companhia ICOM filmou atores
nos papéis de Holmes e do dr. Watson, assim como nos de
vários comissários da Scotland Yard, testemunhas e suspeitos.
A seqüência foi digitalizada e incluída na trama. Ficou muito
mais real do que a animação da maioria dos jogos. A Syracuse
Language Systems lançou o Introductory Games em espanhol
e francês (já planejavam lançar em russo, hebraico, inglês, chi­
nês e japonês). Uma equipe da Universidade de Syracuse, for­
mada por um professor, um engenheiro de computação e um
perito em lingüística, pesquisou a possibilidade de usar os
jogos de multimídia para ensinar línguas estrangeiras a crian­
ças. Um revisor do jogo em espanhol disse que fora "um jeito
delicado e criativo de apresentar o idioma espanhol às crianças
de língua inglesa, quase tão bom como colocá-las na pré-escola
com crianças espanholas".
Contudo, apesar dos jogos da ICOM, da Syracuse Language
Systems e de algumas outras empresas, a maioria não oferecia
nada além do que os cartuchos. Alguns tinham som e imagem
notáveis — música e efeitos sonoros, quando emitidos por
bons alto-falantes, aumentavam o clima dramático e o realismo
— mas os jogos, em si, não eram melhores do que os feitos
para o SNES. O que provocaria uma corrida atrás dos apare­
lhos de multimídia seria um salto bem grande nos projetos
de games. Com jogos revolucionários, as crianças e outros jo­
gadores comprariam drives CD-ROM. Se Super Mario Bros. 5
ou The Legend of Zelda 4 saíssem em CD, e se cumprissem as

450
O ESTOURO DO SONIC

promessas quanto à nova tecnologia, a NCL poderia reafir­


mar-se como a maior companhia de jogos, se não a maior
companhia de software de entretenimento. Todavia, os novos
games revolucionários talvez só saíssem de terceiros. Nesse
caso, a beneficiada seria a empresa de hardware ou de software
que comprasse seus direitos.
Projetistas e empresas de software no mundo todo tinham
idéias para explorar as possibilidades dos jogos em CD. Sigeru
Miyamoto e os outros criadores eram essenciais para a estra­
tégia de Hiroshi Yamauchi: manter a Nintendo como a maior
companhia de jogos e, dessa maneira, uma das maiores em­
presas de produtos eletrônicos. Ao mesmo tempo, natural­
mente, Yamauchi pensava em alianças com empresas de di­
versão. Observava que fora o software que dera à NCL as
armas contra o ataque de adversários maiores.
— Não acho que a maioria seja capaz de criar software de
entretenimento realmente excelente — declarou Hiroshi Ima­
nishi, ecoando a opinião do presidente. — A companhia capaz
de fazer bom software é aquela que tem conhecimento do
assunto e experiência na criação de jogos. Essa companhia é
a Nintendo.
Yamauchi achava que o futuro da NCL não estava em jogo.
— Aprendemos a lição com a Atari. Compreendemos por
que ela falhou. Nenhuma fábrica de brinquedos se tornará
realmente grande se permanecer como fábrica de brinquedos.
Ambicionamos mais do que isso. Quando os limites das em­
presas de videogame desaparecerem, a Nintendo desempe­
nhará um papel ainda maior no mundo.

451
16
Fronteiras

jAdgumas das capacidades da multimídia do futuro são ba­


seadas no conceito de redes de computadores. Aparelhos de
multimídia terão um cordão umbilical de alta tecnologia, li-
gando-os a computadores principais, assim como os televiso­
res já são conectados a cabos. Versões de redes de informação
e diversão já existiam para computadores, ligados via modems
a linhas telefônicas tradicionais. As linhas do futuro, chamadas
de linhas de fibras óticas, um dia transmitirão de tudo, de
jornais diários sob medida — você decide qual deseja — até
uma enorme seleção de jogos e filmes. O usuário fará sua
escolha apertando um botão do controle remoto.
A Nintendo planeja criar uma rede para os Estados Unidos,
parte da global Rede Nintendo que Hiroshi Yamauchi visua­
liza. A rede do Japão fará parte de outra, mundial, que unirá
as famílias que possuírem um NES ou um Super NES em
todos os pontos do globo. De acordo com esse plano, a Nin­
tendo ocupará um lugar importante no campo das comuni­
cações.
A imensa clientela da empresa mais uma vez será a porta
de entrada.
— Dado o tamanho da base de consumidores — diz David
Leibowitz, da American Securities —, a Nintendo é a maior
candidata a uma rede.
A NOA poderia tirar vantagem do número de famílias que

452
FRONTEIRAS

tivessem um NES, além de vender o acesso a esses lares a


todos os tipos de negócios.
Abra um videogame e encontrara' um computador adaptado para
o entretenimento, com chips especiais que permitem imagem e som
de alta qualidade, escreveu John Schwartz no artigo da Newsweek
sobre a nova revolução de tecnologia para computadores, em
abril de 1992.
— Há muitos aparelhos parecidos, que os fabricantes de
computadores esperam poder lançar. Empresas como a Apple
serão pressionadas a derrotar as companhias de videogames
no próprio jogo delas — prediz Mike Saenz, fundador da Reac­
tor, uma empresa de software de entretenimento de Chicago.
— Se, porém, elas pensam que conseguiram uma tecnologia
capaz de competir com as máquinas de diversão, estão muito
enganadas. A Nintendo, no Japão, já colocou o poder do com­
putador dentro de sua caixa de jogos: os consumidores usam
os aparelhos para fazer transações bancárias, negociar ações
e até para apostar em loterias e corridas de cavalos sem sair
de casa...
A idéia de uma rede é significativa porque é a primeira
vez que a Nintendo demonstra a intenção de ser mais do que
uma fábrica de brinquedos. Pela primeira vez, desde que o
NES começou a participar do mercado de videogames, ela
pisa para valer nos pés das empresas de computação.
O plano de Yamauchi foi revelado em 1989.
— A rede mostra como o Famicom superou seu propósito
de aparelho de diversão — ele disse. — E nossa meta para
este ano.
Uma revista japonesa proclamou:
O Famicom é o primeiro computador familiar vendido em massa.
Daqui a pouco, você o estard disputando com seus filhos.
No que se refere à multimídia, parece razoável concluir
que uma tecnologia designada para ser popularizada pelos
computadores tenha seu uso difundido pela NCL. As redes
de computadores, como a multimídia, poderiam entrar na
consciência popular sob as asas da Nintendo.

453
OS MESTRES DO JOGO

— O Famicom e o NES serão os computadores que tornarão


as redes populares — disse Yamauchi.
— O NES é o único eletrônico que está praticamente em
todas casas ou, pelo menos, na grande maioria delas — sa­
lientou Howard Phillips. — Vão ser o que os computadores
PC queriam ser e não conseguiram.
Apesar de todos os bilhões em vendas, a revolução dos computa­
dores atingiu apenas 15 por cento dos lares americanos, de acordo
com algumas estimativas, acrescentou a Newsweek.
Enquanto isso, os aparelhos Nintendo eram encontrados
em mais de 33 por cento das casas dos Estados Unidos.
— Estava na hora de tirarmos vantagem de nossa posição
entre as famílias norte-americanas — comentou Arakawa.
Redes poderosas e fáceis de usar, valendo-de de computa­
dores como os da Nintendo, trarão informação, serviços e ou­
tras pessoas, do mundo inteiro, para dentro da sala de estar.
A lista de atividades disponíveis através de uma rede é co­
nhecida: banco eletrônico (inclusive pagamento de contas),
controle e procura de ações e títulos, compras, reservas de
passagens aéreas e muito mais. Esses serviços seriam seguidos
de outros — as possibilidades são infinitas — assim que as
fibras óticas estivessem em uso.
Quando a Rede Nintendo começou, no Japão, ofereceu pri­
meiro serviços básicos e depois mais alguns. Foi envolvida
numa batalha entre as maiores companhias de seguros, que
desejavam usar a rede. (A NCL aliou-se à Nomura, enquanto
as outras três companhias passaram a usar um sistema con­
corrente, incompatível.) Os bancos também se alistaram, co­
meçando pelo Sumitomo e pelo Kyowa. A companhia telefô­
nica japonesa — NTT — deu início a um serviço bancário
Nintendo, assim como o banco Daiichi Kangyo, que lançou
uma combinação especialmente projetada (com a NCL) de Fa­
micom e modem chamada Convenient Boy. Mais trezentos
bancos alistaram-se.
Havia uma lista eclética de outros serviços, sempre cres­
cente. Usando-se o sistema postal da Rede Nintendo, pode-se

454
FRONTEIRAS

encomendar selos e catálogos de códigos de endereçamento


postal, assim como saber o preço da tarifa. As linhas aéreas
japonesas e a JR Tokai, empresa ferroviária, oferecem infor­
mações sobre horários e fazem reservas. Através da Mitsubishi
Trading podem-se comprar e vender metais preciosos. A Brid­
gestone oferece o Famicom Fitness Center (centro de cultura
física) e a Japan Racing Association permite que se façam apos­
tas nas corridas de cavalos.
Mas todas as promessas dessa rede e os planos ambiciosos
da NCL permaneciam apenas como promessas e planos no
início de 1990. Uma pesquisa no Japão revelou que a maior
pedra no caminho era o nome Nintendo. A despeito de seu
tamanho, a empresa ainda era vista como uma fábrica de brin­
quedos e a maioria dos adultos não concebe a idéia de usar
um brinquedo nos negócios. Além disso, como comentou um
artigo num jornal japonês, as crianças recusam-se a emprestar
seus aparelhos aos pais.
Nos Estados Unidos, as redes de computadores ligam di­
versos milhões de pessoas. A Prodigy, apoiada pela Sears e
pela IBM, é a maior, com 1,3 milhão de assinantes em janeiro
de 1992. Os usuários fazem compras e transações bancárias,
pedem críticas de filmes, trocam informações sobre trabalho,
lazer, vendem carros, fazem reservas de passagens aéreas e
divertem-se com jogos. O plano da NOA para os Estados Uni­
dos é lançar umà rede que deixará pequenas, em comparação,
a Prodigy e outras concorrentes, como a CompuServe e a Genie
da General Electric.
Uma ambição cabível. Atraídas pela promessa de acesso a
jogadores de videogame de outras cidades e de além-mar, as
crianças seriam as pioneiras, levando modems para dentro de
casa. Elas educariam os pais, revelando-lhes o potencial de
uma rede, mas, mesmo que não conseguissem, a geração que
crescesse junto com a Rede Nintendo um dia estaria nego­
ciando ações e fazendo reservas de passagens.
Numa entrevista à imprensa, em 1988, Minoru Arakawa

455
OS M E STRE S DO )OGO

disse que uma rede nos Estados Unidos tem possibilidade de


ser maior do que a do Japão.
— As comunicações telefônicas desempenham um papel
mais extenso nos Estados Unidos.
Além disso, a imagem de uma companhia de brinquedos
não representa, nos Estados Unidos, um grande problema para
a NOA. Na verdade, aumenta o número de adultos que se
sentam no chão, diante da tela do televisor, com os controla­
dores do NES nas mãos.
Jerry Ruttenbur, vice-presidente da Home Box Office, en­
carregado das fitas de videocassete pré-gravadas, foi contra­
tado por Arakawa para criar a Rede Nintendo nos Estados
Unidos. Em 1989, a NOA anunciou que planejava criar uma
rede de entretenimento e informação no ano seguinte e que,
em 1991, dez milhões de famílias estariam ligadas por ela.
Embora Ruttenbur fosse especializado em vendas e marke­
ting, assumiu o departamento de pesquisa e desenvolvimento
por razões práticas: antes de poder vender uma rede, tinham
de inventá-la. Deram-lhe pouca orientação, mas um grande
objetivo: vender modems para as famílias que tivessem o NES
e levá-las a usá-los em negócios, compras e diversão.
Ruttenbur fez incursões pelas empresas para determinar
quais estariam interessadas em utilizar uma rede que ligava
as famílias possuidoras de um Nintendo. Enquanto isso, uma
equipe de engenheiros do Japão e pesquisadores norte-ame­
ricanos desenvolviam hardware e software. A Fidelity Inves­
tments foi a primeira a engajar-se: os usuários da rede exa­
minariam as pastas da Fidelity em casa. Peter Main anunciou
que a Dow Jones Professional Investors Report entrara em
contato com a Nintendo. Os bancos também estava interessa­
dos.
A AT&T iniciou negociações para tornar-se o veículo da
rede. Numa conferência de 36 pessoas, na sede da AT&T, em
Nova Jersey, todas as apresentações foram feitas duas vezes:
em inglês e japonês. (Mais de uma vez o tradutor ergueu as
mãos para o alto, reclamando que não havia palavras japonesas

456
FRONTEIRAS

para certas coisas.) Ainda assim, no fim da reunião, a AT&T


estava quase pronta para assinar contrato, embora a Nintendo
fizesse questão de avisar que já recebera propostas de outras
companhias.
Os projetistas da NCL criaram um cartucho que transfor­
mava o NES num terminal de dados. A abertura que aparecia
na tela parecia uma nova versão do Super Mario Bros., mas
era, de fato, um menu das opções da rede. Escolhendo-se um
determinado ícone, era possível entrar em contato com um
banco, uma corretora de ações ou qualquer outra coisa. O
hardware incluía um modem, um teclado e uma impressora
de preço módico. O NES estava sendo transformado num bem-
equipado PC.
Pesquisas de mercado revelaram a Ruttenbur que existia
um obstáculo no caminho da rede. Não havia um número
suficiente de usuários do NES interessados em transações ban­
cárias e comércio de ações via modem. Sete por cento das
famílias que possuíam um NES lidava com corretores da bolsa
e, dessas, muitas já estavam usando uma rede. O jeito era
voltar à prancheta.
Ruttenbur decidiu tentar o lançamento da rede valendo-se
do passado de sucesso da Nintendo. Pelo menos no começo,
seria uma rede de diversão e jogos e não de negócios. Os
outros usos viríam mais tarde.
Os projetistas inventaram um menu que aparecia na tela a
partir do momento em que um usuário se tornasse assinante.
Era possível obter informações sobre jogos e havería uma "li­
nha de bate-papo", pela qual os jogadores poderiam "conver­
sar" um com o outro. As linhas funcionavam com as linhas
CB de outras redes. Os usuários escolheríam um "título" para
identificar-se e manter conversa com dezenas ou até centenas
de pessoas. Nas redes de computadores, as linhas CB eram
dedicadas a assuntos específicos, como carros, software para
computadores ou sexo. Os canais CB do Nintendo seriam usa­
dos para conversas sobre jogos e amizade. As crianças teriam
correspondentes eletrônicos por todo o país e pelo mundo. A

457
OS MESTRES DO JOGO

pesquisa de mercado de Ruttenbur mostrou que os clientes


da NOA adorariam entrar em contato um com o outro, via
NES.
Além do serviço CB e da orientação sobre jogos, a rede
também "emprestaria" games — isto é, os enviaria de um com­
putador central para as casas dos usuários. Para "capturá-los"
e salvá-los, o NES precisava de um drive que copiasse os pro­
gramas de jogos em disquetes flexíveis. Quando drive, modem,
teclado e impressora eram acoplados ao console do NES, a
metamorfose se completava.
A oferta mais excitante para os devotados jogadores era a
possibilidade de games "verdadeiros", que crianças de toda
parte poderíam jogar simultaneamente, competindo. O pro­
blema era que os engenheiros da Nintendo não tinham con­
seguido criar jogos desafiadores para grupos grandes e era
difícil programar um computador central para lidar com uma
enorme quantidade de pequenas competições. Outro problema
era que, no princípio, o tempo de ligação ia ficar caro demais,
impedindo os competidores de aplicar estratégias demoradas.
O trabalho com a rede está indo devagar, mas as projeções
da equipe de Ruttenbur mostram que valerá a pena. Um dos
planos é formar um clube de sócios que pagarão uma taxa
mensal, o que geraria "lucros enormes".
— Começaríamos a ganhar dinheiro no segundo ano de
operação, com a adesão de 10 por cento dos usuários do Nin­
tendo — diz Ruttenbur.
Todavia, apesar desse lucro potencial, houve resistência
dentro da companhia. Ruttenbur não obtinha respostas para
suas perguntas, nem aprovação de decisões essenciais. Ara­
kawa, preocupado com tudo, menos com a rede, trabalhando
no lançamento do Super NES, era quase inacessível.
Embora o projeto da rede estivesse parado, a Nintendo não
fazia nada para sufocar a ansiedade do público que a esperava.
Numa entrevista coletiva à imprensa, na feira CES, em janeiro
de 1991, Peter Main, respondendo à pergunta de um repórter,
respondeu:

458
FRONTEIRAS

— O desenvolvimento da rede continua ativo. Dois anos


atrás houve muitas especulações a respeito de suas aplicações,
como sistemas financeiros e bancários. Com isso, criou-se a
impressão de que o produto estava para sair. Contudo, nós
nos dedicamos ao negócio do entretenimento e as aplicações
da rede não estavam voltadas para isso. O trabalho de desen­
volvimento tem alta prioridade, embora ainda não estejamos
anunciando o lançamento.
A despeito, porém, do grandioso projeto e do investimento
pesado, não havia nenhum sinal da rede Nintendo no ano de
1991. Algumas das razões para essa demora foram os proble­
mas técnicos, que Ruttenbur acreditada poder ter sido sanados.
Frustrado, ele saiu da Nintendo e foi para a divisão de video­
cassetes da MCA. Mais tarde, fundou uma empresa de soft­
ware.
A rede morreu em silêncio, ou assim parecia, até que, em
setembro de 1991, deu novos sinais de vida. A NOA fora con­
vidada para participar de um joint venture com a Control Data
Corporation, a companhia que dirige as loterias de muitos
estados norte-americanos. A Control Data sugeriu um sistema
que aumentaria as vendas da loteria em Minnesota, permitindo
que as pessoas fizessem suas apostas sem sair de casa, via
NES. O aparelho seria transformado numa máquina de apostas
com um cartucho especial. Um modem, similar ao projetado
pela esquipe de Ruttenbur, seria conectado ao NES por uma
entrada (port) na parte de baixo do aparelho. Com o uso de
linhas telefônicas, as pessoas poderiam entrar em contato di­
reto com a loteria de Minnesota.
A Nintendo não teria inventado um esquema melhor. Sua
sonolenta rede entraria no mapa da noite para o dia. O grande
número de pessoas que apostam em loterias significa um enor­
me potencial de usuários. A NOA, rapidamente, se tornaria
a maior rede de Minnesota e de todos os estados em que
entrasse. Assim que se firmasse, seria capaz de expandir seus
serviços via telefone, inclusive jogos, compras e muito mais.
Otha Brown, vice-presidente da Control Data, observou que

459
OS MESTRES DO JOGO

o novo sistema poderia aumentar o volume de apostas nas


loterias de 10 a 15 por cento. Também aumentaria a influência
da Nintendo na indústria de redes em 100 por cento, além de
ser sancionada, e em parte implantada, pelo estado de Min­
nesota.
Anunciaram um teste limitado com dez mil famílias. Os
participantes pagariam uma taxa de dez dólares por mês pelo
software e pelos modems que lhes permitiríam apostar em
todas as loterias do Estado. Depois que os jogadores acertas­
sem as contas com a agência lotérica, usariam o NES para
escolher os números, que seriam armazenados eletronicamente
no computador central da lotérica e num arquivo, no aparelho
do apostador. Um analista, Gary Arlen, da Arlen Communi­
cations, comentou:
— Tenho esperado por esse serviço fabuloso. E o tipo de
coisa que faz sentido.
O programa da loteria fazia sentido, mas era bom demais
para dar certo. O procurador-geral do estado criticou-o. Apesar
das senhas e outros vigilantes colocados nos aparelhos, ele
receava que as crianças encontrassem oportunidades de apos­
tar, pois algumas delas eram muito hábeis no uso de um com­
putador. Além disso, jogo em casa, aprovado pelo próprio
estado, seria um mau exemplo para crianças e adolescentes.
Embora o anúncio em Minnesota tivesse provocado uma en­
chente de telefonemas à Control Data, de outros estados in­
teressados na Rede Nintendo, o diretor da loteria curvou-se
à pressão da legislatura de Minnesota e cancelou o teste. De­
pois de toda a agitação, a Nintendo voltou ao ponto de partida.
Provavelmente, algumas das redes chegarão a ser tão difun­
didas quanto as linhas telefônicas, no início do século 21. Os
modems que podem enviar, a baixo custo, maiores quantida­
des de informação, estão chegando e as linhas de fibras óticas
também levarão mais informação de modo seguro. O hardware
e o software das redes do futuro serão poderosos, fáceis de
usar e baratos. Pagar contas será uma tarefa simples, menos
demorada e mais barata, e montanhas de papel serão econo­

460
FRONTEIRAS

mizadas. Comprar, planejar viagens e inúmeras outras tarefas


serão feitas facilmente através das redes. Possibilidades de en­
tretenimento, inclusive jogos fenomenais, serão oferecidas. A
questão não é se essas redes chegarão, mas se a Nintendo
será uma delas.
No final de 1992, tudo indicava que a empresa perdería
essa grande oportunidade. Se perdesse, o motivo seria falta
de visão. Jerry Ruttenbur disse que a rede nunca deslanchou
porque Minoru Arakawa não deu apoio ao projeto, apesar da
previsão de grandes lucros.
— O sonho era de Yamauchi, não de Arakawa — disse
Ruttenbur. — Arakawa nunca se entusiasmou.

Em 1992, quando os repórteres perguntaram a Arakawa o


que planejava para o futuro, ele só foi enfático a respeito de
um ponto:
— Ninguém é melhor do que nós em software de entrete­
nimento.
Mas não parecia muito seguro sobre o papel da Nintendo
nos setores de produtos eletrônicos, multimídia, computadores
e comunicação.
Hiroshi Yamauchi construíra o Famicom com potencial para
se expandir. Lançou uma rede no Japão e formou alianças,
no campo da tecnologia, com a Sony, a Philips e outras em­
presas. Por causa dessa sua visão ampla, a NCL preparava-se
para ser mais do que uma companhia de brinquedos. Só que
Arakawa ficava pouco à vontade nesse campo. Os contratos
com a Sony e a Philips o levavam para a multimídia, embora
ele parecesse não entender exatamente o que isso significava.
Mesmo com idéias vagas sobre redes, a Nintendo tinha po­
tencial para tornar-se uma empresa de comunicações, mas Ara­
kawa mostrava-se incapaz de estabelecer um rumo definido.

Apesar de atrapalhar-se num mundo de teclados e drives


CD-ROM, ele estava em posição de transformar a NOA na
líder da informática, mas parecia não compreender isso. Essas

461
OS MESTRES DO JOGO

novidades eram muito diferentes da invasão dos Estados Uni­


dos pelos videogames, marcada por sua visão e muita tena­
cidade.
A NOA não é a única companhia que não sabe preparar-se
para o futuro. Muitas empresas — a Sony é o melhor exemplo
— estão seguindo vários caminhos ao mesmo tempo, na es­
perança de que um deles seja o certo. Outras, como a Philips,
estão apostando num único produto. Quando houver alguma
mudança, Arakawa talvez já tenha colocado a Nintendo num
caminho mais definido. Em 1992 ele tentava encontrar esse
caminho, enquanto a Nintendo se deixava levar pela onda do
NES.
No entanto, a indecisão de Arakawa era só aparente.
— Estamos deixando os outros brigar — declarou numa
entrevista. — Os consumidores decidirão. Nós continuaremos
a fazer o que fazemos melhor.
Seguindo em seu passo cauteloso, a Nintendo poderia estar
na mais favorável das posições quando chegasse o momento
de tomar uma nova direção. Enquanto esse momento não che­
gava, a empresa trabalhava secretamente com muitas compa­
nhias na novíssima tecnologia.
A NOA encomendara uma pesquisa à Market Data Corpo­
ration e o resultado moderou o entusiasmo de Arakawa e
seus companheiros. Altos executivos reuniram-se na sala Zelda
e acomodaram-se em aconchegantes cadeiras púrpura ao redor
de uma mesa enorme formada por outras menores, encostadas
umas às outras. Representantes da Leo Burnett, a agência de
publicidade, e os chefões da Nintendo, inclusive Arakawa,
Main, White, Shigeru Ota e Gail Tilden, estavam presentes.
Explicando os resultados da pesquisa, o homem que se dirigiu
ao grupo repetiu as palavras "crescimento vagaroso" e "erosão"
tantas vezes que o humor de todos tornou-se sombrio. A NOA
acostumara-se a crescimento meteórico e agitação sempre
maior em torno de seus produtos. No entanto, a pesquisa re­
velava que muitos jogadores trocavam a Nintendo pela Sega,
enquanto outros haviam perdido o interesse por videogames.

462
FRONTEIRAS

A análise de oitocentas pessoas revelou algumas coisas boas


também. Das famílias que possuíam videogames, 90 por cento
os utilizavam. Mais meninas, entre 6 e 14 anos, começavam
a jogar e seu nível de satisfação se intensificava.
Mas o fato era que os antigos jogadores, com quem a Nin­
tendo contara, cresciam e perdiam o interesse no produto. As
crianças ainda jogavam — pela amostra, descobriu-se que pas­
savam em média 2,3 horas por dia jogando Nintendo, cinco
dias por semana — mas estavam "mais apáticas, menos en­
volvidas". A pior notícia foi a de que jogar não era mais tão
"legal" nem tão "prioritário".
A pesquisa não era conclusiva, mas indicava que a NOA
precisava de novas estratégias a fim de conservar seu lugar
de destaque. "Segmentação" era a chave para isso — a com­
panhia teria de fazer produtos específicos para grupos espe­
cíficos. Um grupo que permanecería fiel era o das crianças
mais novas, para quem o NES ainda era "legal".
Os entrevistados classificaram a NOA e os concorrentes em
vários aspectos. A Nintendo obteve boa classificação nos as­
pectos de divertimento, escolha de jogos e interesse, mas os
números eram menos expressivos do que haviam sido nos
anos anteriores. Havia lampejos de esperança, desde que sete
entre dez pessoas da pesquisa queriam comprar o Super NES:
30 por cento "provavelmente" comprariam e 42 em cada cem
"com certeza" adquiriríam um aparelho. (Peter Main gritou
do seu canto que isso era ótimo, pois não precisariam de pu­
blicidade.) Também houve um recado a respeito do Super Ma­
rio: 96 por cento das pessoas entrevistadas conheciam o per­
sonagem e 83 gostavam dele. (Gail Tildem exclamou que isso
era bom e que iriam exporá-lo ainda mais.) Por outro lado,
houve grande preocupação pelo fato de um terço dos usuários
estar se aborrecendo.
Os chefes da Nintendo pensaram muito e estabeleceram
um plano para recuperar o território perdido. Crianças mais
novas foram bombardeadas pela publicidade do Super NES
e um novo produto foi lançado no início de 1992, o Super

463
OS MESTRES DO JOGO

Scope 6, uma espantosa bazuca de raio infravermelho, sem


fio, que vinha com seis jogos de "tiroteio". A seguir, no outono,
saiu o Mario Paint, um programa notável que permitia aos
garotos fazer seus próprios desenhos animados, com música
composta por eles mesmos (usando "instrumentos" progra­
mados, inclusive um ronco de porco). As crianças que queriam
o Super Scope 6 ou o Mario Paint — e eram muitas — também
precisavam de um SNES. Era importante que a Nintendo ga­
nhasse a garotada menor, porque ela decidiría, em grande
parte, o futuro imediato da indústria. Estava chegando o mo­
mento da troca da guarda. Um novo grupo de crianças estava
chegando à idade de usar um processador, enquanto usuários
mais velhos — a primeira geração Nintendo — descobriam
Guns N' Roses, esportes, livros e até mesmo garotas.
As crianças pequenas não viam a empresa como o máximo,
mas ela ainda fazia parte significativa de seu mundo. O frenesi
do tempo da nintendomania diminuira e os videogames pa­
reciam ter encontrado lugar na vida da garotada e de muitos
adultos como simples alternativa de diversão. O mercado de
jogos, porém, continuava a expandir-se e a Nintendo ainda
era dona da parte maior. As vendas acompanhavam as ex­
pectativas da NOA e havia razão para acreditar que conti­
nuariam a crescer — e não apenas por causa do CD-ROM ou
das redes de multimídia. Os números do recenseamento nos
Estados Unidos mostram que em 1989 havia quase dois mi­
lhões de crianças abaixo de 5 anos a mais do em 1984, num
total de 18,4 milhões. Muitas delas eram filhos de pais mais
maduros, que reconhecidamente gastam mais com os filhos
do que pais mais jovens. Essas crianças estavam caindo nas
garras da Nintendo no início de 1990.
Por outro lado, a grande concorrência e uma economia ins­
tável tinham abalado a empresa, que perdeu um pouco do
poder que detinha. Passou, por exemplo, a dar descontos aos
varejistas. Os jogos mais antigos eram postos à venda, às vezes,
por 15 e até 7 dólares, quando seus preços originais haviam
sido 40 e 50 dólares. Não havia mais como fingir falta de

464
FRONTEIRAS

produtos, porque os varejistas não reclamavam mais sobre


isso e a NOA afrouxara as restrições que impusera às conces­
sionárias.
Os analistas industriais prediziam, a cada ano, que aquele
seria o último período bom da Nintendo. "Podemos esperar
a história da Atari outra vez", em 1989. "Este é o último ano
de poder da Nintendo", em 1990. Em 1991: "O fracasso é imi­
nente". Mas, a cada ano que passava, o desempenho da NOA
melhorava e lhe dava mais dinheiro. Se a taxa de crescimento
não era tão alta quanto fora no passado, os analistas viam o
fato como um desastre. Contudo, apesar de o setor ainda ser
novo, a Nintendo tinha lucros mais altos do que a maioria
das empresas de qualquer ramo, em qualquer país.
O novo centro de distribuição da NOA, controlado por ro­
bôs e com 33 mil metros quadrados, entrou em operação em
1991 e mandava 600 mil aparelhos e jogos diretamente para
as lojas, todos os dias. Quando a revista Playthings anunciou
os brinquedos mais vendidos em 1991, os aparelhos Nintendo
e produtos correlatos ocuparam oito dos vinte primeiros co­
locados. O SNES foi o mais vendido, o NES original ficou em
terceiro lugar (atrás do Genesis) e o Game Boy em quinto
(depois dos bonecos representando as tartarugas-ninjas). Três
jogos da NCL — Super Mario Bros. 3, Teenage Mutant Ninja
Turtles 2 e Tetris — estavam na lista, assim como o Game
Genie da Galoob, que trabalhava em conjunto com o NES.
A venda em 1992, de dois milhões de unidades do NES
(abaixo da projeção de quatro milhões) foi notável, dado que
o SNES estava fora de linha e muitos analistas esperavam que
o aparelho de 8 bits desaparecesse. Se a Nintendo ia tirar ou
não 10 bilhões de dólares por ano, na virada do século, ainda
era uma incógnita, mas em meados de 1992 ela continuava
sendo "uma das mais fortes corporações japonesas", de acordo
com o Nihon Keisai Shimbum.
Seu desempenho continua a espantar, enquanto as ações em geral
enfraquecem e outras companhias japonesas estão sendo afetadas pela
recessão mundial.

465
OS MESTRES DO JOGO

Arakawa trabalhou com vontade para compensar o atraso


da Nintendo na entrada da corrida dos 16 bits. Na feira CES
de 1992, Peter Main anunciou uma campanha publicitária que
a Sega não tinha a mínima chance de superar, no valor de 60
milhões de dólares. Ele planejava o lançamento da "arma” Su­
per Scope e dos novos e promissores jogos para o SNES, como
The Legend of Zelda: a Link to the Past (também conhecido como
Zelda 3) e Mario Paint. As vendas também disparariam com
alguns jogos excelentes das concessionárias, inclusive o Lem­
mings, da Sunsoft, o Super Ghouls 'n Ghosts da Capcom e o
incrivelmente violento, mas muito popular Street Fighter 2, uma
versão para videogames domésticos do jogo mais popular das
casas de diversões eletrônicas desde Pac-Man. A Spectrum Ho­
lobyte era a mais nova das concessionárias da Nintendo e
estava lançando jogos para o SNES, inclusive uma paródia do
Tetris, o Wordtris. A LucasArts fez Super Star Wars, com um
enredo baseado no filme Guerra nas Estrelas e com a música
fenomenal de John Williams. Na CES de verão, em Chicago,
a Nintendo anunciou 75 novos jogos para o Super NES até o
fim do ano.
Nas semanas anteriores às férias de verão, nos playgrounds
da redondeza (talvez os mais confiáveis oráculos da indústria),
começaram as conversas sobre o Super NES, que continuaram
em setembro, com o reinicio das aulas, nos pátios das escolas,
aumentando de intensidade na época do Natal. Arakawa pa­
recia retomar sua parte do mercado dos videogames, que em
1990 fora de 85 por cento. Em 1991, caíra para 79 por cento,
mas a Nintendo previa que subiria para 82 por cento (5,5 bi­
lhões de dólares) em 1992. Esses 82 por cento representavam
a soma de 95 por cento do mercado de aparelhos de 8 bits,
85 a 87 por cento do mercado de aparelhos de bolso e 65 por
cento do mercado dos aparelhos de 16 bits. (A Sega contesta
esses números, mas os analistas acham que só foram exage­
rados um pouquinho.)
Junto com os lançamentos destinados a incentivar as vendas,
Peter Main e sua equipe prepararam um ataque promocional

466
FRONTEIRAS

(inclusive uma aliança com a Pepsi) e de merchandising. Hou­


ve redução de preços, uma duplicação do crédito que os va­
rejistas podiam obter no fundo de John Sakaley para mer­
chandising e novas opções de faturamento, inclusive com ven­
cimento em setembro, o que significava que algumas enco­
mendas de 1992 não teriam de ser pagas até o terceiro trimestre
do ano. O que estava acontecendo lembrava a primeira invasão
da Nintendo, silenciosa a princípio, mas progressiva. O filhote
da nintendomania estava por chegar. No fim do ano, pouco
menos de vinte milhões de unidades do SNES tinham sido
vendidas no mundo todo.
Apesar disso, a Nintendo continuava em situação precária
por causa do processo da Atari Corporation, que pendia sobre
a companhia nos primeiros meses de 1992. John Kirby fazia
uma defesa fabulosa, mas os jurados são sempre imprevisíveis,
particularmente no meio de uma recessão que alguns políticos,
empresários e economistas atribuíam ao Japão. As implicações
do processo eram tão grandes que nem Arakawa nem Lincoln
podiam conceber a idéia de perder, embora as especulações,
no tribunal, deixassem antever que o resultado poderia ser
favorável à Atari. Para a Nintendo seria doloroso pagar o mon­
tante exigido, mas pior ainda seria dá-lo a Tramiels, da Atari
Corporation. Mais horrível, porém, seria o precedente aberto.
Outros processos, inclusive o da Atari Games e a investigação
corrente da Federal Trade Commission, seriam pesadamente
influenciados pelo desfecho do julgamento. Se a NOA per­
desse, ficaria confirmada a opinião da empresa rival, que a
chamara de impiedosa e imoral, acusando-a de ganhar dinhei­
ro ilegalmente, às custas das companhias norte-americanas.
Os abutres, então, desceríam.
Os jurados começaram a deliberar na última semana de
abril, no mesma época em que a Nintendo estava sendo exa­
minada pela comissão da liga principal de beisebol.

Lincoln e Arakawa tinham sido convidados para um jogo

467
OS MESTRES DO JOGO

do Mariners. O anfitrião era Trip Hawkins, que reservara o


camarote do proprietário do time, Jeff Smulyan.
Um amigo do pai de Hawkins, o senador pelo estado de
Washington, Slade Gorton, deu uma espiadela para dentro
do aposento. Lincoln conhecia o senador dos tempos em que
a Nintendo tentara o lobby. O encontro foi amigável e os ho­
mens assistiram juntos, distraidamente, o Mariners perder. O
proprietário do time também foi ao camarote cumprimentá-
los.
Meses mais tarde, Smulyan anunciou que estava vendendo
o Mariners e que o comprador mais provável planejava levar
o time para a Flórida. Slade Gorton e um grupo de políticos
e empresários locais procuraram um jeito de conservar o time
em Seattle, oferecendo-o às maiores corporações da área. Bill
Gates, da Microsoft, declinou a oferta.
Gorton, que vinha negociando com a NOA no correr dos
anos, procurou Arakawa e Lincoln por achar que eles pode­
riam encontrar, no Japão, investidores que se interessassem
pelo time e concordassem em ajudá-lo a ficar em Seattle.
Arakawa perguntou ao senador se os norte-americanos não
ficariam ressentidos com a intromissão de japoneses em seu
esporte favorito. Gorton respondeu que não, porque as pessoas
compreenderíam que se tratava de um investimento passivo,
cuja finalidade era manter a equipe esportiva na cidade. Ara­
kawa respondeu que ia ver o que podia fazer.
Falou com o sogro. Yamauchi nunca tivera outro passatem­
po a não ser o Go. Nunca jogara beisebol, nem sequer vira
um jogo, mas disse que compraria o time.
Em dezembro de 1991, Lincoln telefonou a Gorton para
dar-lhe a notícia. Yamauchi investiría e Arakawa cuidaria do
investimento. Gorton marcou um encontro com outros possí­
veis interessados e discutiram a sociedade, da qual Yamauchi
teria a parte maior. O grupo ofereceu 100 milhões de dólares
e concordou em investir pelo menos 25 milhões, quantia que
poderia melhorar o desempenho técnico do time.
Entre os sócios de Yamauchi haveria um executivo da Mi­

468
FRONTEIRAS

crosoft de nome Chris Larson e o presidente da MaCaw Celular


Communications, John MaCaw. Os investidores menores se­
riam John Ellis, presidente da Puget Power, e Frank Shrontz,
chefe da Boeing. Shrontz daria ao grupo a credibilidade ne­
cessária e Ellis dirigiría a operação. Larson, o segundo maior
investidor, teria considerável poder nas votações, mas a peça
central era Hiroshi Yamauchi, com sua participação de 60 por
cento, ou 75 milhões de dólares em dinheiro.
Essa oferta foi apresentada a Smulyan, que ficou fascinado.
Ele teria de conseguir a aprovação de certas pessoas, antes de
aceitá-la, mas tinha de agir rapidamente. De acordo com seus
planos, o acordo deveria estar pronto em maio, se realmente
se quisesse que o time continuasse na cidade. Smulyan aceitou
a oferta antes que o comissário de beisebol e a comissão de
proprietários a aprovassem.
No dia 25 de janeiro de 1992, o comissário, Fay Vincent,
anunciou que o acordo não seria aprovado. Estrangeiros não
podiam ser proprietários de clubes de beisebol. A alegação,
porém, não fazia sentido — os canadenses possuíam times de
beisebol nos Estados Unidos —, de modo que ele explicou
que a proibição valia só para quem não fosse natural da Amé­
rica do Norte. O trato foi então desfeito, mesmo depois de
Hiroshi Yamauchi ter afirmado que passaria uma procuração
para que Minoru Arakawa, que residia na área de Seattle havia
quinze anos, votasse em seu lugar.
A população da cidade e os políticos ficaram furiosos. Tudo
aquilo era grotesco. Yamauchi manteria o Mariners em Seattle
mas não podia investir nele por ser japonês, enquanto o outro
possível proprietário, um norte-americano, planejava levar o
time para a Flórida.
Foi apenas o início da guerra que se desencadeou nos Es­
tados Unidos e no Japão. A atitude do comissário de beisebol
foi descrita como racista ou, no mínimo, reacionária. Os japo­
neses teriam de passar por cima dos cadáveres de muita gente
antes de pôr as mãos num time de beisebol. Eles estavam
comprando tudo o que os norte-americanos amavam: imóveis,

469
OS MESTRES DO ] OGO

estúdios cinematográficos, companhias de discos, campos de


golfe.
Mais ainda, a oferta fora feita num momento em que a
economia estava em recessão e os japoneses eram vistos como
monstros que tinham perdido a guerra mas ganhado a paz
— o déficit comercial com o Japão era de mais de 40 bilhões
de dólares quando o então presidente George Bush, flanquea-
do pelos chefes das três grandes empresas automobilísticas
norte-americanas, viajou a Tóquio para tentar resolver a si­
tuação. De propósito ou não, o comissário de beisebol pôs a
oferta de Yamauchi no centro da questão comercial, o que
tornou a Nintendo uma espécie de pára-raios da hostilidade
norte-americana contra os japoneses. No Japão, enormes man­
chetes retratavam a NOA como vítima de mais um ataque
antinipônico. Nos Estados Unidos, a empresa era vista como
a perpetradora ou a vítima das guerras comerciais.
Começou um trabalho frenético de lobby. Membros da Câ­
mara Legislativa do estado de Washington e empresários pe­
diram ao comissário de beisebol que cedesse. Forças anti-Nin-
tendo acusavam a empresa de racismo, por causa de suas
práticas na contratação de empregados, e de estar envolvida
com jogo, o que a tomava presença indesejável no beisebol
profissional. Bill Giles, proprietário da Philadelphia Phillies,
resmungou em voz alta que vender o time para os japoneses
era o mesmo que cedê-lo aos "xeques do petróleo do Oriente
Médio".
— Nunca em minha vida fui discriminado — declarou Ho­
ward Lincoln. — A única coisa que impediu o negócio foi o
fato de Yamauchi ser japonês. Senti-me na pele de Arakawa
ou de qualquer outro membro de uma minoria que agarra a
bola e a vê arrancada de suas mãos só porque é negro, his­
pânico ou oriental.
A comissão de proprietários, formada por dez membros,
cabia a responsabilidade de recomendar, aos outros donos do
time, a aprovação ou a desaprovação da venda. Na comissão
estava, além de Giles, George W. Bush, proprietário da Texas

470
FRONTEIRAS

Rangers' e filho do então presidente Bush. Slade Gorton disse


a um repórter do Seattle Times que, se o sr. Bush votasse contra
a oferta liderada por Yamauchi, não estaria ajudando em nada
a campanha de reeleição de seu pai. Principalmente no estado
de Washington, mas também em outros lugares do país, fa­
voráveis à oferta da Nintendo.
Em Quioto, Yamauchi ficou surpreso quando soube que o
comissário rejeitara sua oferta. Não que se importasse com o
time — via-o apenas como investimento, financeiro e na ima­
gem institucional da empresa —, mas nunca esperara ser le­
vado de roldão numa contenda pública. Yamauchi, que sempre
procurara manter-se à sombra, apareceu na primeira página
do The New York Times, no dia 7 de fevereiro, e os Estados
Unidos inteiros começaram a fazer perguntas sobre ele.

As acusações de discriminação que pesavam contra a NOA,


feitas por afro-americanos e membros de outras minorias, fo­
ram rapidamente esclarecidas por Howard Lincoln, que man­
dou ao concessionário de beisebol uma cópia do documento
de implantação do programa de integração de funcionários e
seus resultados. Mas a acusação de envolvimento com jogo
foi mais difícil de afastar. O contrato com a loteria de Min­
nesota, que não deu certo, foi citado como prova da intenção
da Nintendo de envolver-se em jogo. Os críticos também des­
cobriram que a companhia tinha origens nos jogos de cartas
e que a Rede Nintendo, no Japão, oferecia um serviço de apos­
tas em corridas de cavalos.
Respondendo a essas acusações, Howard Lincoln declarou:
— Não fazemos nenhum investimento em cavalos de cor­
rida, cassinos, salões de jogos, hipódromos ou qualquer outra
atividade relacionada ao jogo. A implicação de que a Nintendo
ou seus executivos tenham se envolvido de alguma forma com
o jogo é absurda.
A comissão de proprietários continuou a reunir-se em se­
gredo, embora houvesse vazamentos ocasionais de informa­
ções. Correram rumores de que o acordo morrera. Logo em

471
OS MESTRES DO JOGO

seguida vieram outros, segundo os quais a comissão insinuara


à Nintendo que o investimento de Yamauchi seria aprovado
se ele ficasse com menos de 50 por cento das ações. Yamauchi,
obviamente, recusou-se a ser sócio minoritário, o que levou
algumas pessoas a perguntar até que ponto ele fora sincero,
no começo. Yamauchi afirmara querer ajudar Seattle para "de­
volver" um pouco do que a cidade e os Estados Unidos haviam
feito por ele. Se era assim, por que não podia ser mais flexível?
Simples: porque Yamauchi dificilmente concordaria em ser só­
cio minoritário em qualquer coisa.
A medida que se aproximava o desfecho, o apoio popular
à oferta liderada por Yamauchi pareceu influenciar os pro­
prietários do time. Todos tiveram a impressão de que o pre­
sidente da Nintendo ficaria com o Mariners, mesmo porque
concordara em ter menos de 50 por cento dos votos embora
fosse se tornar o dono da maioria das ações. De acordo com
um colega de Gorton, havia um motivo extra pelo qual o acor­
do talvez fosse concluído: o senador e outros políticos haviam
declarado que as isenções de impostos para o beisebol pode­
riam ser revistas se a comissão bloqueasse a transação.
A aquisição foi formalmente aprovada pelos proprietários
do clube no dia 1Q de julho de 1992, em Seattle. Se não no
resto do país, ao menos na cidade a Nintendo foi considerada
salvadora, apesar de sofrer censuras por sua falta de envol­
vimento com a sociedade local e o movimento filantrópico. A
empresa ganhou elogios não só na seção de negócios dos jor­
nais de todo o país como também nas páginas esportivas.

A feira CES de janeiro de 1991 foi importante para a NOA.


A festa oferecida por ela foi mais do que uma recompensa
aos empregados, distribuidores, compradores de lojas e con­
cessionárias. Foi uma declaração de poder. Não era a primeira
vez que a companhia tomava conta de uma parte enorme da
feira com seu pavilhão, onde apresentavam-se grupos de bai­
larinos fantasiados de personagens dos jogos e onde aconte­
ciam concorridíssimas entrevistas à imprensa. Mas as man­

472
FRONTEIRAS

chetes sugerindo que a Nintendo ia mal, apesar dos registros


de lucros, tinham continuado na época do Natal de 1990. Era
essencial que a companhia acabasse com a idéia de que estava
a um passo da ruína.
No primeiro dia da CES, os executivos falaram com a im­
prensa às oito da manhã. Além de revelar projeções e resul­
tados estatísticos das vendas, Peter Main informou que os de­
senhos animados vinham sendo assistidos por 40 mil pessoas
por semana. Discutiu ainda a ligação com a Kool-Aid e várias
outras promoções. Anunciou o lançamento do filme Mario Bros
— o que era algo significativo, de acordo com um jornalista,
que perguntou se a companhia pretendia invadir o território
da Disney, com parques onde os personagens dos jogos seriam
o tema. Peter Main não deu uma resposta concisa. Disse que
a NOA recebera propostas e que eles haviam deixado a pos­
sibilidade em aberto.
— O valor de personagens como o Mário é muito grande.
A medida que se vai seguindo em frente, começam a aparecer
muitas maneiras de aproveitá-los.
Na festa daquela noite, assim que o cantor Kenny Loggins
deixou o palco, Peter Main e Howard Lincoln postaram-se
diante do microfone. Main tinha brilho no cabelo e Lincoln
exibia um penteado espetado, punk, e uma auréola que bri­
lhava no escuro. Os dois usavam jaquetas pretas da Nintendo.
Com Bruce Donaldson, chefe de vendas, entregaram um Che­
vrolet Geo e diversos outros prêmios aos vencedores do con­
curso universitário. Main, então, chamou Arakawa ao palco
e as pessoas que o conheciam quase engasgaram com a cerveja
e os canapés. O cabelo grosso fora erguido numa crista e bri­
lhava. Usando óculos enormes, feitos de tubos fluorescentes
curvos, ele sorria de orelha a orelha. Tocaram Allie Oop e Ara­
kawa, Main, Donaldson e Lincoln cantaram e dançaram ao
jeito de karaokê. Foi uma noite memorável e uma exibição
desavergonhada da autoconfiança dos líderes da Nintendo.
Na CES seguinte, em junho de 1991, a NOA, segundo os
analistas, estava à beira da ruína outra vez. No entanto, os

473
OS MESTRES DO JOGO

altos executivos fizeram previsões ainda mais otimistas ao es­


tabelecer quanto venderíam naquele ano. A companhia tam­
bém anunciou sua controvertida aliança com a Philips e ao
mesmo tempo fez contrato com a Sony.
Era a primeira CES em que o mascote da Nintendo não
estava presente. Howard Phillips saíra da companhia, um fato
a que a NOA tentava não dar muita importância. Embora
Arakawa continuasse contente com ele e reconhecesse seu va­
lor como "mestre do jogo", diziam que Howard Phillips andava
arrepiando as penas.
— Ele cresceu — disse um colega. — Começou a pensar
como gente grande e as pessoas não gostaram.
Não foi uma separação amigável, como as duas partes que­
riam fazer crer. Phillips sabia que as coisas estavam mudando
e confessou aos colegas que começava a ficar a entediado. No
entanto, foi um choque quando ele anunciou que ia sair da
Nintendo para trabalhar na LucasArts. Queria desenvolver o
aspecto educativo do videogame, alegou.
— E duro partir — admitiu. — E como abandonar um par
de tênis confortáveis.
Tony Harman defendeu Howard Phillips, depois de sua
partida.
— Uma porção de gente diz que não sente falta dele, mas
eu sinto. Ele mergulha nas coisas e esquece o resto. Perturba
muitas pessoas, que ficam irritadas. Mas foi um dos poucos
que acreditaram na companhia com aquela paixão infantil.
Poderiamos ter discutido o que o desagradava e buscar uma
solução. Muitas vezes ele transformou minha vida num infer­
no, mas sinto sua falta.
A revista Nintendo Power despediu-se de Howard Phillips
com um desenho, no qual o personagem que ele criara desa­
parecia, cavalgando na direção do poente, deixando o parceiro,
Nester, sozinho.
Phillips, que crescera na Nintendo, não ficou muito tempo
na LucasArts. Mudara com a família para San Francisco, mas
tinha saudade do sossego de sua fazenda, em Seattle. Quando

474
FRONTEIRAS

saiu da LucasArts, voltou para a fazenda e encontrou trabalho


numa concessionária da Nintendo.

Nas duas feiras Consumer Electronics de 1992, a NOA er­


gueu uma muralha diante das novas especulações a respeito
de seu declínio. Um dos sinais de alarme foi o anúncio de
que a sacrossanta política de publicidade gratuita na Nintendo
Power fora abandonada. O SNES parecia estar indo bem, mas
os resultados positivos eram um pouco fracos e o negócio
com os CDs não parecia muito firme. Arakawa admitiu que
o sucesso da empresa contribuía para aumentar ao problema.
— Ainda estamos com dores de crescimento — declarou.
— Há várias pessoas que cresceram junto com a companhia,
mas mesmo assim precisamos contratar gente de fora. Foi aí
que a companhia ficou diferente. Não temos tempo para en­
sinar essa gente como se dirige um negócio. Agora temos 1.500
empregados e precisamos acompanhá-los.
Arakawa admitiu que o piquenique anual da empresa agora
o aborrecia porque se tornara muito grande e impessoal. Gail
Tilden sentia-se da mesma forma:
— Nós nos tornamos tão grandes que não conhecemos mais
todo mundo.
O piquenique favorito de Arakawa sempre seria o de 1986,
quando fora alvo de uma saraivada de ovos.
Pensando no futuro, ele comprou terras, onde planejava
construir uma "universidade" Nintendo, um centro onde pro­
jetistas do mundo inteiro poderiam reunir-se e trabalhar.
— E lá que encontraremos e cultivaremos os gênios do fu­
turo.
Outra idéia estava sendo desenvolvida com a Disney: o filme
Super Mario Bros, seria tema na Disneylândia e na Walt Disney
World. Mas os planos grandiosos ficariam suspensos até que
o júri apresentasse o veredito do litígio com a Atari.

Yoko Arakawa preocupava-se com o fato de o marido tra­


balhar demais. Ele mantinha a rotina de levantar-se às cinco

475
OS MESTRES DO JOGO

para o banho e a sauna; depois dava um rápido passeio com


o cachorro, um labrador preto de nome Pippin. De seu escri­
tório, em casa, fazia telefonemas matinais para a Europa —
o dia, lá, estava acabando para Shigeru Ota e Ron Judy — e
preparava-se para as reuniões. Partia para Redmond às oito,
ou nove, e tanto podia retornar às nove da noite como às três
da madrugada. As últimas horas desses dias longos eram ge­
ralmente dedicadas para telefonemas ao Japão, pois ele falava
com Yamauchi quase todas as noites. Yoko esperava por ele,
com o jantar aquecido.
No entanto, por mais que trabalhasse, Arakawa não era
compulsivo e mal-humorado como Yamauchi. Sempre achava
tempo para ficar com os filhos. A despeito das pressões, ele
tirava férias e viajava com a família. Esquiavam uma vez por
ano e passavam algum tempo no Havaí, numa das casas que
ele mandara construir nas ilhas. Arakawa reservava uma delas,
todo Natal, e Howard Lincoln ficava com a outra. Foram para
lá na Páscoa de 1992, um pouco antes do término do caso
Atari.
Voltaram para Seattle esperando pelo pior.

Em Quioto, Yamauchi pensava numa variedade de desfe­


chos e fazia planos.
As empregadas que viviam em sua casa tinham ido embora.
A família conservara uma diarista e uma cozinheira, que che­
gavam todas as manhãs e iam embora após o jantar. Uma
faxineira limpava a casa algumas vezes por semana. Michiko
Yamauchi dirigia o lar desde que a avó do marido, a sra. Tei,
falecera, em 1979, um ano depois da morte da filha, Kimi,
mãe de Hiroshi. Compraram alguns móveis modernos e a casa
de chá passou a ser usada como depósito. Michiko gostava
de receber. O lugar freqüentemente se enchia de visitantes,
amigos e parentes.
Hiroshi Yamauchi evitava comparecer às festas da esposa
e ficava sozinho. Eram raras as ocasiões em que acompanhava
Michiko a um casamento ou jantar de família. Não mais par­

476
FRONTEIRAS

ticipava de bebedeiras no Gion. Relaxava tomando um copo


de uísque e jogando uma partida de Go. Seus companheiros
eram velhos mestres, como Yoshio Komeda, dono da empresa
de táxis Yasaka e de uma revendedora de carros estrangeiros.
Dedicava o resto do tempo à Nintendo, uma muralha entre
ele e a família por mais de 40 anos. Os filhos sempre o con­
sideraram um pai esquivo e zangado, dado a ataques de raiva.
A idade o deixara mais maleável, mas só ligeiramente. Era
melhor como avô do que como pai, mas, embora de gostasse
da companhia dos filhos de Minoru e Yoko Arakawa, nunca
brincava com eles. Quando seus raros momentos de bom hu­
mor eram seguidos por inesperadas explosões, sem motivo,
Michiko suspirava e dizia aos netos que não se preocupassem.
— O avô está cansado — explicava. — Isso não é nada. É
o jeito dele.
A obsessão de Yamauchi pela Nintendo fora recompensada
quando a companhia tornou-se uma das mais bem-sucedidas
na história do Japão. Ele comemorava os recordes de venda
e lucros ano após ano. Disse que não levava a sério o que um
livro dissera sobre o fato de sua empresa ser melhor dirigida
e ter maior produtividade do que a Sony, a Mitsubishi e a
Toyota. Aceitava o sucesso com a naturalidade de quem sabia
que isso tinha de acontecer. A família percebeu, porém, que
essa certeza não significava nada para ele, que continuava a
trabalhar.
Com sua companhia enfrentando ameaças, nos processos
e investigações governamentais, que poderiam prejudicar as
operações nos Estados Unidos, Yamauchi mudou o rumo das
coisas. Seu avanço na Europa fora planejado para amaciar um
possível golpe que enfraquecería a NOA. O plano era trans­
formar a Nintendo, como a Sony, tão poderosa no mundo
todo que as "irregularidades políticas de outros países", como
ele definia, não tivessem tanto impacto. Se a NCL dependesse
menos da NOA, melhor.
Embora Yamauchi tentasse fazer muitas coisas por sua com-

477
OS MESTRES DO JOGO

panhia, um analista no Japão observou que seu maior objetivo


fora e sempre seria "pegar o dinheiro e correr".
— Yamauchi não ambiciona ser um dos senhores da in­
dústria de videogames — comentou o analista. — O que ele
quer é ganhar uma enorme quantia de dinheiro e impor sua
influência à sociedade japonesa. Ninguém deve se esquecer
disso.
Shinichi Todori, severo e duro, parecia desprezar os oci­
dentais, embora Yamauchi o tivesse colocado na direção dos
negócios internacionais. Durante anos, Todori supervisionara
um grande número de distribuidores que vendiam os produtos
Nintendo na Europa, América Latina, Austrália e países sele­
cionados da Ásia, apesar de a maior parte do continente estar
nas mãos dos falsificadores.
Todori era o encarregado da Europa, onde os negócios cres­
ciam. A NCL, lá, era apenas mais uma entre muitas empresas
japonesas que viam as mudanças do continente — a maturação
do mercado comum e a abertura da Europa oriental — como
um convite. Embora não fosse estranha aos europeus, as ope­
rações estavam meio desorientadas. Em alguns países, a com­
panhia ficara atrás da Sega; em outros, os jogos de videogame
eram menos populares do que os de computadores.
Os jogadores europeus que usavam computadores eram
mais jovens do que os norte-americanos e os japoneses: em
geral, tinham menos de 16 anos, a mesma idade dos garotos
que no Japão e nos Estados Unidos representavam a maior
clientela dos videogames. As vendas de disquetes eram muito
maiores, na Europa, do que as de cartuchos. Em 1991, a Elec­
tronic Arts tirou 35 por cento de seus lucros da Europa, a
maior parte em jogos para computadores.
O NES já existia no Velho Continente desde o início da
década de 80. A empresa contava com um distribuidor nos
países escandinavos e outro na Alemanha desde a introdução
do Game & Watch. Em 1987, a Mattel — que distribuía com
sucesso produtos Nintendo na Nova Zelândia e na Austrália
— concordou em distribuir o NES na Itália e no Reino Unido.

478
FRONTEIRAS

A operação européia tratava o aparelho como um brinquedo


e esperava lucros rápidos, a curto prazo. Um lançamento Nin­
tendo exigia um investimento considerável, algo que a Mattel
nunca fez naqueles países. Como resultado, em 1991, os japo­
neses quase "desapareceram" da Itália, o único território nas
mãos da Mattel.
O representante escandinavo lançou o NES no fim de 1986,
mas só em 1988 as companhias européias tiveram uma dis­
tribuição significativa. Desde então, a Nintendo passou a ir
melhor na Escandinávia e na França, onde de 10 a 12 por
cento das famílias possuíam o processador.
A França e os países do Benelux eram o domínio de Ron
Judy. Ele saíra da NOA quando Peter Main assumira o posto
de vice-presidente de marketing.
— Sou um empreendedor — ele diz. — No fim de 1986,
meu trabalho era policiar, supervisionar, ler relatórios e es­
crever memorandos.
Em 1983, Judy montara na Europa uma distribuidora de
jogos Nintendo para fliperamas e apaixonara-se por Paris. De­
cidiu que a empresa podia fazer sucesso ali e Arakawa con-
cedeu-lhe exclusividade de distribuição.
Em abril de 1987, Judy alugou um apartamento em Paris
e abriu um pequeno escritório acima do Champs-Élysées. Seus
lucros na venda de produtos Nintendo para França, Bélgica,
Países Baixos e Luxemburgo foram enormes. Havia forte in­
dicação de que as vendas se expandiríam no final dos anos
90 e ele acreditava que o NES poderia estar em 25 por cento
dos lares daqueles países. Também via grandes possibilidades
no Reino Unido, onde assumiu a distribuição depois que o
contrato com a Mattel expirou.
A Nintendo International de Judy era uma empresa privada
que mantinha relacionamento independente com a NCL do
Japão. Todori era seu contato, embora ele também consultasse
Minoru Arakawa a respeito de muitas decisões. Judy era um
grande cliente da NCL: comprava aparelhos NES, games e
pagava adiantado. Mandava traduzir os jogos e depois comis-

479
OS MESTRES DO JOGO

sionava a NCL, que tirava sua usual e grande parte de lucro


para manufaturá-los.
Enquanto o NES vendeu modestamente em quase toda a
Europa, o Game Boy disparou. No primeiro ano, na França,
foram vendidas 1,4 milhões de unidades, em vez das 500 mil
esperadas. O Game Boy tomou a França de assalto. Algumas
escolas proibiam os alunos de levar os aparelhos, porque as
crianças ficavam jogando e não estudavam. A revista Club
Nintendo, editada na França e distribuída em diversas línguas,
nos países controlados por Judy teve uma circulação de 800
mil exemplares, número que chegaria a 1,5 milhão em 1992.
Gratuita, a publicação já se tornara a revista infantil mais po­
pular da Europa.
Com a abertura do mercado europeu no início da década
de 90, Yamauchi percebeu que precisava de uma organização
internacional melhor estruturada. Todori falou-lhe das carac­
terísticas de cada país e avisou-o de que seria um erro tentar
negociar com o continente como um todo, porque os povos
eram diferentes. Mas seria possível criar uma estratégia.
Ficou decidida a criação de uma Nintendo européia, para
coordenar a operação. A empresa daria autonomia a distri­
buidores exclusivos em vários países, mas os dirigiría e lhes
prestaria assistência. A distribuição era diferente em cada país,
assim como o eram as lojas, de todos os tipos e tamanhos,
que vendiam os produtos Nintendo. Na França, Judy comer­
cializou montanhas de processadores para hipermercados e
lojas maiores do que cinco Kmarts norte-americanas juntas,
mas também entregou encomendas menores para lojas de brin­
quedos e de aparelhos eletrônicos. O merchandising foi feito
de acordo com os pontos de venda; a Nintendo da Europa
criou mostruários e toda a parafernália necessária. A publici­
dade também devia ser diferente, voltada para a sensibilidades
do público europeu, de modo que os distribuidores contrata­
ram agências locais para as campanhas.
Yamauchi acreditou poder ganhar a simpatia dos aficcio-
nados por computador, porque o NES tornava muito mais

480
FRONTEIRAS

fácil o ato de jogar. Confiava em que o Super Mario poderia


ser usado para "converter" jogadores e ordenou que fosse lan­
çado na Europa.
A sede da NOE (Nintendo of Europe) ficava na Alemanha,
um vasto mercado inexplorado. Shigeru Ota, o ex-contador
que monitorara as vendas dos produtos Nintendo nos Estados
Unidos, foi designado para abrir o escritório, com metas bas­
tante ambiciosas. Em primeiro lugar, recebeu ordem de colocar
os processadores em 20 a 35 por cento dos lares alemães. Em
segundo, teria de ajudar a coordenar as operações na Europa,
trabalhando com Ron Judy e outros distribuidores. A NCL
bancou a subsidiária alemã, dando-lhe uma injeção de 10 mi­
lhões de dólares. A marcha foi lenta, a princípio, embora o
Game Boy tivesse vendas tão fortes na Alemanha quanto tivera
na França.
Embora a guerra dos 16 bits tivesse atingido a Europa, a
Nintendo decidiu vender o maior número de NES possível,
antes de confundir o mercado com o Super NES. Esperar era
deixar a Sega tomar a dianteira, mas Judy não estava preo­
cupado com isso.
— Antes precisamos conquistar os jogadores daqui. O apa­
relho de 8 bits tem aceitação muito boa, mas as vendas estão
longe de atingir o pico. Quanto maior for o mercado do apa­
relho de 8 bits, maior será o número de consumidores do de
16 bits.
Não deixava de ser uma atitude arriscada. A Nintendo po­
dia lutar contra os novos aparelhos gastando dólares em mar­
keting, mas era pouco provável que arrasasse a concorrência
com tecnologia antiga.
Em Quioto, Todori supervisionava as operações internacio­
nais e despachava mercadorias para Judy e Ota, assim como
para os distribuidores da Escandinávia, da Itália e da Espanha.
Diziam que talvez Todori fosse transferido para a Europa,
apesar de sua relutância, porque Yamauchi desejava maior
controle sobre a organização lá — algo que a presença de
Todori garantiría.

481
OS MESTRES DO JOGO

As ambições de Ron Judy para a Europa indicavam o avanço


da Nintendo:
— Quando começamos a NOA, minha meta era torná-la
maior do que a Nintendo do Japão. Conseguimos. Quando
vim para a Europa, meu objetivo era superar a NOA. Chegarei
lá.
Arakawa e Judy apostavam corrida na venda do Game Boy.
Arakawa disparara na frente, mas em 1992, quando Judy vol­
tou para Seattle, deixando os negócios na França, no Reino
Unido e nos países do Benelux sob a direção da Bandai, os
dois já estavam quase emparelhados. A Bandai, companhia
japonesa de brinquedos, concessionária da NOA e da NCL,
planejava um avanço igual ao da NOE, na Alemanha, nos
países que controlava.
Para a matriz, essas notícias eram boas e Hiroshi Imanishi
afirmou que a NCL já não dependia tanto da NOA. Em 1992,
as cargas despachadas para a Europa superaram as enviadas
para os Estados Unidos — pela primeira vez. Aparelhos no
valor de 300 milhões de dólares foram para a Alemanha no
primeiro ano da NOE e, em 1992, um total de seis milhões
de Game Boy e 3,5 milhões de processadores NES foram ven­
didos no Velho Continente. O Super NES foi introduzido em
alguns países europeus e a Nintendo vendeu cerca de 3,5 mi­
lhões de unidades em 1992. O software comercializado na Eu­
ropa completaria a diferença em dólares.
— Assim que a Europa se animar o bastante, cresceremos
quatro vezes mais — gabava-se Imanishi, acrescentando que
depois entrariam na América do Sul e na Ásia. — Não achamos
que as crianças sejam diferentes nas várias partes do mundo.
Nosso departamento de desenvolvimento e pesquisa, quando
projeta um produto, tem o planeta como alvo.
Não era uma questão de "se" mas de "quando", ele dizia.
Seu plano era garantir o lugar na Europa antes de atacar o
resto do mundo.
A Europa Oriental, embora lanterna da lista de prioridades,
não era descartada. O distribuidor da Nintendo na Áustria

482
FRONTEIRAS

introduziu o NES e o Game Boy na Hungria, em 1991. O


Game Boy decolou, embora os números fossem modestos em
comparação com os exibidos pela França e pela Alemanha. A
Austrália e a Nova Zelândia expandiam seus mercados. Lá,
a Mattel, distribuidora local, percebeu que o potencial de pe­
netração era tão alto quanto nos Estados Unidos. A Coréia, o
México e a América Latina também estavam na mira.
O fato de Todori ir ou não para a Europa não mudava uma
coisa: grande parte da organização ainda seria administrada
da sede da NOA, em Redmond. Embora os contratos estives­
sem em nome da NCL e de diferentes entidades do continente
europeu, o departamento legal da NOA revisou a todos e acon­
selhou a NCL. Com a assistência de Howard Lincoln, Arakawa
cuidava da maior parte das decisões referentes à política da
NCL, de promoções a planos de marketing.
— Os Estados LJnidos não são o único mercado importante
— ele dizia.
— Não vemos fronteiras nesse negócio — declarou Hiroshi
Yamauchi, muitos anos atrás. — Alguns países podem ser
pobres demais, ou ter taxas de importação muito pesadas,
mas, tirando essas duas exceções, entraremos em qualquer
lugar do mundo. Não existem fronteiras.

Se é que uma semana pode dar uma idéia do futuro, aquela


que terminou em 1Q de maio de 1992 deixou antever muito a
respeito do destino da Nintendo e de várias indústrias do
mundo todo. Naquela sexta-feira, depois de quatro dias de
deliberações, o júri do caso Atari Corporation apresentou seu
veredito. O tribunal de San Francisco estava lotado. Sam Tra-
miel mostrava-se petulante, pois estava certo de que vencera.
Houve um murmúrio audível no recinto quando, contra
todas as expectativas, o júri declarou a Nintendo inocente.
Howard Lincoln parecia mais abalado do que os repre­
sentantes de outras empresas presentes ao julgamento. Quan­
do se conscientizou de que ouvira bem, abraçou John Kirby
e mandou um colega chamar Arakawa ao telefone.

483
OS MESTRES DOJOGO

— Mino... — disse Lincoln em tom lúgubre, fazendo uma


longa pausa como para indicar que tinha más notícias antes
de disparar: — Ganhamos!
No escritório, Arakawa ficou mudo por alguns instantes.
— Ganhamos?
Combinaram uma comemoração, antes de desligar. Então,
Howard Lincoln esperou algum tempo para recompor-se e
ligou para o Japão, onde eram três horas da madrugada. Acor­
dou Yasuhiro Minagawa, colega de Hiroshi Imanishi, que fa­
lava inglês, e Minagawa, obedecendo suas instruções, telefo­
nou a Hiroshi Yamauchi.
— Ganhamos — comunicou.
— Isso é bom — Yamauchi respondeu apenas.

O júri decidiu por unanimidade que o programa de con­


cessão da Nintendo não prejudicara a Atari. Ficaram num im­
passe no que se referia às acusações de monopólio e restrição
de comércio, mas John Kirby estava confiante.
— Isso será resolvido rapidamente — afirmou. — Não es­
tamos apenas felizes. Estamos deliciados!
Isso era dizer pouco. Na sede da NOA, trinta e tantos chefes,
de Peter Main e Bill White a consultores de jogos, dançavam
pelos corredores. Uma semana depois, as predições de Kirby
realizaram-se: a juíza Smith retirou as outras acusações contra
a Nintendo. O The Wall Street Journal noticiou:
O caso pode ser um marco para a Nintendo, no mesmo caminho
seguido pela IBM, pois sobreviveu a uma serie de casos baseados
nas leis antitruste (...) Nenhuma outra empresa teria recursos para
suportar um ataque como o da Atari.
Revelou-se que a Atari concordara em não apelar, de modo
a não ter de pagar os custos da Nintendo, que ficariam entre
500 mil e 1 milhão de dólares.

A decisão foi tomada numa semana que começara com um


artigo de duas partes na primeira página do The Wall Street
Journal sobre os problemas internos das grandes indústrias

484
FRONTEIRAS

japonesas. A primeira parte, escrita por Jacob M. Schlesinger,


comentava o declínio da indústria eletrônica japonesa, que já
fora considerada indestrutível.
Apenas alguns anos atrás, um grupo de companhias japonesas
com muito dinheiro no bolso e ótimas fábricas tirou do caminho os
concorrentes norte-americanos que produziam televisores, rádios e
chips de memória. Uma empresa dos Estados Unidos inventou o
videocassete, mas foi a Victor Co. of Japan Ltd., conhecida como
JVC, que dominou a produção em massa e ajudou os japoneses a
conquistar esse campo. As empresas nipônicas ameaçaram fazer o
mesmo com computadores, televisores de alta definição e uma lista
de produtos avançados. Seus triunfos causaram pânico nos Estados
Unidos e as pessoas começaram a dizer que o Japão logo estaria
controlando o destino tecnológico do mundo.
Contudo, de acordo com o jornalista, essas companhias ja­
ponesas começavam a tropeçar, e "não apenas porque o Japão
e os mercados estrangeiros estavam em declínio econômico".
A JVC aguardava sua primeira perda anual desde 1951. Fu­
jitsu, Hitachi, Matsushita, Mitsubishi Electric, NEC, Sony e
Toshiba esperavam ter de anunciar que seus lucros do ano,
juntos, não chegavam à metade do que tinham sido no ano
anterior. Uma das razões desse declínio era que se começava
a dar mais importância à propriedade intelectual, ou software,
do que ao hardware.
De modo notável, uma das poucas companhias japonesas de ele­
trônicos que ainda está indo bem éa Nintendo Co., escreveu Schle­
singer.
Também no dia l2 de maio, Arakawa anunciou uma redução
no preço do Super NES. A Sega já diminuira o de seus produtos
e a Nintendo imitou-a, até que os aparelhos das duas passaram
a custar menos de 100 dólares. A esse preço, nenhuma delas
ganhava muito com hardware, mas a idéia era uma expulsar
a outra do território.
A temporada de Natal estava próxima e os analistas pre­
viram que o Super NES vendería mais do que qualquer outro
produto. A meta de Arakawa no campo dos aparelhos de 16

485
OS MESTRES DOJOGO

bits parecia viável, embora a Sega estivesse brigando com to­


das as suas forças. Se a Nintendo vencesse, continuaria a ser
a maior ameaça às companhias norte-americanas, européias e
japonesas que disputavam a indústria eletrônica do futuro.
Na reunião anual dos acionistas da NCL, no Japão, em junho
de 1992, Hiroshi Yamauchi fez seu relatório. Em 1989, a em­
presa comemorara seu centésimo aniversário. Três anos de­
pois, havia a promessa de mais cem. Tanto a Sony como a
Mitsubishi registravam resultados anuais cada vez mais fracos,
enquanto a Nintendo apresentava um lucro (sem desconto de
impostos) que aumentara em 14 por cento desde 1991, num
total de quase 1,25 bilhões de dólares em vendas de 4,3 bilhões.
A Nintendo vendera 114,2 milhões de aparelhos a 40 por cento
de todos os lares do Japão, 33 por cento de famílias norte-
americanas e uma porcentagem que aumentava, na Europa.
Isso incluía 64,2 milhões de NES, 32,2 milhões de Game Boy
e 17,8 milhões de Super NES. E todos os donos de processa­
dores compravam software em quantidades sem precedentes,
da Nintendo e de suas concessionárias.
Yamauchi prometeu aos acionistas que no próximo ano ha­
vería vendas e lucros ainda maiores e que, dentro de uma
década, a empresa dobraria de tamanho.

No fim de 1991, um repórter perguntou a Yamauchi se ele


já escolhera seu sucessor.
— Ainda não — ele respondeu.
Seu filho, Katsuhito, entrara para o negócio da família no
Canadá, mas ficara lá apenas um ano. Tinha problemas com
o idioma e a empresa não era seu forte. Arakawa ajudou-o a
fundar uma companhia em Vancouver, que vendería produtos
nos quiosques do Mundo da Nintendo em shoppings.
A filha de Yamauchi, Fujiko, casara-se com um médico e
morava no Japão, muito contente em poder ficar longe da
Nintendo. Outros possíveis sucessores eram Shinichi Todori
e Hiroshi Imanishi, embora o próprio Imanishi admitisse:
— Trabalho melhor servindo ao presidente.

486
FRONTEIRAS

Numa análise final, havia poucas dúvidas sobre quem seria


o sucessor: Minoru Arakawa. Apesar disso, ninguém podia
ter certeza. Até Howard Lincoln, o maior apoio de Arakawa,
declarou que ficava mais sossegado com Yamauchi no coman­
do.
— Enquanto ele for o patrão, posso dormir tranqüilo.
— O senhor Yamauchi é o melhor presidente para a Nin­
tendo — Arakawa reconheceu com modéstia.
Se ele assumisse a presidência, porém, havería mudanças.
A empresa deixaria de ser uma autocracia. Arakawa pedia
ajuda em decisões que Yamauchi tomava por instinto. Uma
de suas qualidades, porém, era conhecer suas limitações.
— Eu não tenho o instinto para produtos que o senhor
Yamauchi tem — confessou.
No entanto, mesmo seus críticos reconhecem-lhe a habili­
dade para contratar gente de talento. Yamauchi era inacessível
e assustador; Arakawa, acessível e compreensivo. Essa dife­
rença preocupava certas pessoas. Achavam o genro bonzinho
demais, sem o dinamismo necessário para dirigir a empresa.
A Nintendo não alcançara o sucesso sendo boazinha. Arakawa,
todavia, provara determinação e eficiência, apesar de seu jeito
tranqüilo. Fora ele, afinal, que liderara o avanço que dera à
NCL 60 por cento de lucros, antes de as vendas na Europa
deslancharem.
As especulações sobre a aposentadoria de Yamauchi con­
tinuaram, mas não havia motivo para crer que ele abandonasse
a empresa antes dos últimos anos de sua nonagésima década.
Estava transferindo parte da responsabilidade para Arakawa,
mas não se achava preparado para ceder o comando a outra
pessoa. Continuava confiante como sempre fora.

Depois de um declínio, em 1991, o setor de videogames,


em 1992, experimentou seu melhor ano. A Nintendo recuperou
sua parcela do mercado, ultrapassando a Sega na corrida dos
16 bits e, aliada à Sony, preparara-se para a batalha pelo mul­
timídia. Yamauchi ganhara o poder de controlar o software

487
OS MESTRES DO JOGO

para o CD-ROM com um contrato de concessão tão restritivo


como aquele que usara para construir a Nintendo. Todas as
tentativas de fazê-lo mudar de idéia em relação ao assunto
tinham falhado. As ameaças ao seu domínio no mercado nor­
te-americano sumiram urna a uma. (Em dezembro de 1992, a
FTC anunciou que sua ação terminara "quanto às investigações
a respeito da Nintendo", e que o caso estava encerrado.) A
invasão da Europa começara.
— Ninguém nos pode impedir — declarou Yamauchi.
Nos Estados Unidos, Arakawa comentou:
— Não sei se as outras companhias compreendem que não
têm o que a Nintendo tem. E por isso que continuaremos a
crescer. Talvez não seja um crescimento tão rápido como o
que já conhecemos, mas continuará.
Howard Lincoln acrescentou:
— Estamos ficando internacionais. O momento é este. Quem
nos subestimar, perderá.
O tigre estava pronto, como renovada confiança, para en­
frentar qualquer ameaça.

488
Epílogo

Floresta de Ilusões

Henk Rogers fundara uma joint venture em Moscou, em 1989,


a fim de custear novos projetos e ajudar seu amigo Alexey
Pajitnov. Trabalhava com empresas russas, como a companhia
de comércio Doka, que cuidava dos direitos do Welltris, a ver­
são de Pajitnov, quase tridimensional, do Tetris. Uma crítica
do Welltris no The New York Times, explicou a rota que o jogo
seguira para chegar aos Estados Unidos:
O Welltris/oí criado por um matemático russo, teve seus direitos
cedidos à Bullet-Proof Software — uma empresa japonesa, conces­
sionária da Spectrum Holobyte, norte-americana — pela Doka, uma
companhia comercial sovie'tica. (...) O Welltris não é um jogo. É
uma obsessão.
A joint venture permitiu que Pajitnov e seu colega Vladimir
Pokhilko ficassem com os direitos dos jogos que criassem e,
potencialmente, ganhassem dinheiro com eles. Os dois tinham
outras idéias para games e para "software humano", progra­
mas baseados em psicologia que seriam a execução avançada
das idéias que Pajitnov explorara em seu programa Biographer.
Pokhilko, que usava uma versão mais comprida da barba de
Lênin no rosto redondo e corado, tinha em mente um pro­
grama que explorava a genética num aquário gerado por com­
putador, exibido na tela. Chamaram o projeto de Elfish, que
significa "peixes eletrônicos". Quando Rogers concordou em

489
OS MESTRES DOJOGO

patrociná-lo, o desenvolvimento começou num laboratório de


Moscou.
Os dois russos trabalharam juntos em novos jogos. Um cha­
mava-se Hatris, também relacionado ao Tetris, com peças de
quebra-cabeça que caíam do céu. Dessa vez, as peças eram
chapéus (chapéus-côco, de cowboy, cartolas, barretes turcos).
Eles tinham de ser movimentados rapidamente e empilhados.
Dois ajudantes animados corriam de um lado a outro da tela,
para tirar chapéus de pilhas com equilíbrio periclitante. Eram
imagens digitalizadas de Alexey e Vladimir.
Outro game, esse para computadores, chamado Faces, foi
vendido, por intermédio de uma joint venture chamada Para­
Graph, para a Spectrum Holobyte. O jogo era um quebra-ca­
beça com rostos de pessoas famosas: cientistas, pintores e po­
líticos. Os jogadores precisavam desembaralhar as peças que
caíam para criar retratos completos. Podia acontecer de alguém
formar uma mistura da careca de Mikhail Gorbachev, dos
olhos de Margaret Thatcher e do queixo de Ronald Reagan.
Faces também tinha imagens digitalizadas de personagens de
desenhos animados e de quadros (uma Mona Lisa que piscava
um olho, por exemplo, e um auto-retrato de Van Gogh). O
jogador também podia colocar sua fotografia no jogo. O crítico
do Los Angeles Times escreveu:
O jogo não incentiva ningue'm a destruir mundos e os erros não
resultam em morte (...) Enquanto joga, você esta fazendo sua parte
para melhorar as relações comerciais entre os Estados Unidos e a
União Sovie'tica.
Para promover o Hatris, Henk Rogers conseguiu vistos e
passagens para que Pajitnov e Pokhilko pudessem participar
da feira Consumer Electronics em janeiro de 1991, em Las
Vegas. Os dois homens sentiam-se confusos quanto a deixar
Moscou naquele momento. A guerra parecia iminente no Golfo
Pérsico e o presidente Gorbachev passara da divindade que
ganhara o Prêmio Nobel da Paz a déspota, algo que deixara
os moscovitas inquietos. Por fim, os dois despediram-se de
suas famílias, embora imaginando se não deviam levá-las.

490
EPÍLOGO

Pajitnov já era veterano em viagens internacionais, mas Pok-


hilko nunca saíra da União Soviética. Quanto a aviões, o mais
perto que chegara de um fora num simulador de voo, que
uma vez experimentara em Moscou, de modo que se postou
na beirada da poltrona quando o jato da Aeroflot sobrevoou
o Atlântico.
No Excaliber, em Las Vegas, um hotel que parecia um cas­
telo da Disneylândia, a recepcionista deu-lhes as boas-vindas
explicando que eles se encontravam "no maior hotel do mundo,
com uma área de mais de 46 mil metros quadrados". Os dois
se registraram e foram saudados pelo pessoal do hotel, que
lhes desejou "um dia digno de reis".
No meio de fossos, torneios medievais e restaurantes cha­
mados Lancelota Pasta, por exemplo, os dois amigos passaram
o dia recuperando-se do cansaço causado pela diferença de
fuso horário. Usando calça preta de veludo-cotelê, camisa-pólo
branca com o logotipo da BPS e sandálias, Pokhilko tentou a
sorte no vinte-e-um. Ganhou cinquenta dólares e depois per­
deu cem. Pajitnov divertiu-se observando-o, enquanto tomava
uma bebida.
No dia seguinte, os dois encontraram Henk Rogers no es-
tande da BPS, que ficava no imenso pavilhão da Nintendo,
onde o americano expunha as versões do Hatris para o NES
e o Game Boy. Os três sentaram-se em cadeiras tipo diretor,
no estande, usando chapéus — Pokhilko uma cartola branca,
Rogers um chapéu preto de cowboy e Pajitnov uma elegante
boina vermelha-rubi.
Pajitnov parara de fumar e estava um pouco nervoso por
causa disso. Disse que decidira romper com o hábito por amor
à saúde — a campanha antitabagista norte-americana o in­
fluenciara — mas que, de qualquer modo, seria impossível
encontrar cigarros em sua terra. Quando um amigo pergun­
tou-lhe se isso fazia parte de uma campanha para melhorar
a saúde do povo russo, Pajitnov riu gostosamente.
— E isso aí. E a falta de comida é para nos impedir de
engordar.

491
OS MESTRES DO JOGO

Quando Pajitnov ria, seus olhos brilhavam com gentil ani­


mação, mas também mostravam um traço de inquietação. Ele
parecia frágil, apesar do físico de urso. Talvez se sentisse es­
magado por tudo o que o rodeava.
A Nintendo deu uma festa na segunda noite da convenção.
A festa da LucasArts, na noite anterior, fora impressionante
— haviam recriado o bar de Guerra nas Estrelas e Darth Vader
posou para fotografias — mas ada NOA tomou todo o centro
de convenções do Caesar's Palace. Perto da entrada viam-se
sósias de Michael Jackson e Cher. Numa das laterais, cabelei­
reiros a postos podiam arrepiar, mechar e iluminar com brilho
o cabelo de qualquer convidado disposto a isso. Houve sor­
teios, cujos prêmios incluíam um Chevy Geo. Máquinas ele­
trônicas tinham sido espalhadas pelo salão e um Super Mário
inflável, digno de um desfile da Macy's no Dia de Ação de
Graças, flutuava por cima de tudo aquilo.
Vladimir Pokhilko ficou parado ao lado de uma mesa, co­
mendo camarões e cochichando com Alexey a respeito da vida
nos Estados Unidos. (Havia mesas carregadas de tacos, ma­
carrão, pizzas, churrasco e sobremesas, para não falar na meia
dúzia de bares.) As notícias que chegavam da União Soviética
eram perturbadoras. O país se entricheirava outra vez, depois
de alguns anos de glasnost. Gorbachev apertava o controle
sobre a imprensa enquanto suas tropas entravam na Lituânia,
na primeira ação repressora desde a experiência soviética com
a ’’abertura”. Devorando os suculentos camarões, Pokhilko
pensava em sua família, em Moscou.
— Acho que seria muito bom se nossas famílias viessem
para os Estados Unidos e todos ficássemos aqui por um ou
dois anos. Veriamos de longe tudo o que está acontecendo e
estaríamos seguros.
Os fãs do Tetris passaram incessantemente pelo estande da
Bullet-Proof durante toda a convenção. Pajitnov deu entrevis­
tas e autografou cópias de seus jogos. Admitiu que estava
tendo alguma dificuldade em lidar com aquela atenção toda.

492
EPÍLOGO

— No meu país nunca tive isso. Até parece que sou um


astro do rock.
Depois da feira, os dois russos foram a Seattle, onde, de­
terminado a perder o peso que ganhara, Pajitnov jejuou du­
rante dez dias, tomando apenas suco de frutas. Quando partiu
para a Califórnia, onde trabalhou com Pokhilko na Spectrum
Holobyte, em Alameda, estava esbelto e em forma. Os dois
ficaram hospedados num apartamento na própria empresa,
mas aventuraram-se a ir a San Francisco em algumas ocasiões.
Pajitnov decorara boa parte do mapa da cidade, brincando
com um quebra-cabeça que fizera junto com um dos filhos,
em Moscou. Ele e o amigo estavam interessados nos passa­
tempos mais populares dos norte-americanos, como tênis e
basquete. Com um pessoal da Spectrum Holobyte, assistiram
a um jogo de basquete dos Warriors, no Oakland Coliseum.
Pajitnov adorou aprender novas expressões em inglês e "oops"
tornou-se uma de suas favoritas. O comportamento das pes­
soas durante o jogo deixou-o espantado.
— Que exuberância! — exclamou, admirado.
Quando souberam que ele estava em Alameda, os repre­
sentantes de todas as empresas foram cortejá-lo. Pajitnov con­
tinuou desconfiado, pois achava que o negócio dos videoga­
mes estava cheio de gente desonesta. Prosseguiu em seu tra­
balho com Gilman Louie e Phil Adam, mas considerava Henk
Rogers seu melhor amigo fora da Rússia. Muitas pessoas o
lisonjeavam quando viam suas novas criações, mas Rogers
era brutalmente franco.
— Está uma merda — costumava dizer, quando não gostava
de um jogo.
Pajitnov ficava um pouco aborrecido, mas sabia que podia
confiar nessas opiniões. Ele e Pokhilko concordaram em assi­
nar um contrato para trabalhar em regime de tempo integral
na Bullet-Proof, mantendo relações de trabalho também com
a Spectrum Holobyte.
Juntos, os dois russos tomaram a decisão de sair da União
Soviética para sempre. Henk Rogers arranjou para que suas

493
OS MESTRES DOJOGO

famílias fossem para os Estados Unidos e ajudou-os a estabe-


lecer-se, adiantando alguns salários. A esposa de Alexey, Nina,
visitara os Estados Unidos uma vez. Quando retornou a Mos­
cou, e os amigos perguntaram o que ela achou, Nina não con­
seguia responder. Só chorava. Pajitnov sabia que ela ficaria a
seu lado e que os dois iniciariam uma nova vida, mas preo­
cupava-se com seu velho pai, que nunca concordaria em deixar
Moscou.
Pajitnov encontrou um apartamento em Seattle, perto da
sede da Bullet-Proof e da Nintendo. Pokhilko escolheu Paio
Alto, onde ficou trabalhando no Elfish e cultivou seu interesse
principal, psicologia, utilizando os recursos da Universidade
Stanford.
Os Pajitnov mudaram-se para seu confortável apartamento
de dois quartos, no segundo andar de um prédio do conjunto
chamado ’’The Lakes" (Os lagos). Os "lagos", Alexey dizia, rin­
do, eram amarelos e lodosos, cheios de patos e gansos baru­
lhentos. Seus filhos sentiam-se no céu, correndo atrás de pás­
saros e esquilos. Nina ia se acostumando à vida nos Estados
Unidos. Quando as crianças fossem para a escola, ela pretendia
procurar trabalho no campo da educação. Poderia, pelo menos,
dar aulas de russo. Alexey, enquanto isso, trabalhava em novos
projetos. Sua vida, apesar da saudade e da tristeza por ter
sido obrigado a deixar o pai, era muito boa.
As idéias continuavam a aparecer quando Pajitnov menos
esperava. Um dia, estava dirigindo o carro por uma estradinha
coberta de neblina, que serpenteava por entre árvores na su­
bida de um morro. Em certo ponto, a estrada ficava tão ín­
greme que ele teve de engatar a primeira e agarrar o volante
com força para enfrentá-la. Quando se aproximou do pior tre­
cho, a neblina sumiu e ele viu que a estrada parecia subir
quase perpendicularmente. Nesse ponto, havia uma placa
triangular, da cor de mostarda francesa, que avisava, em letras
pretas, que ali havia um aclive. Embaixo, num rabisco, alguém
acrescentara o único comentário apropriado: "Não diga!".
Um pouco além da placa ficava o topo da colina e um desvio

494
EPÍLOGO

para a direita. Mais adiante, várias coníferas exibiam os troncos


mais acinzentados e as folhas mais azul-índigo que ele já v7ira
e pareciam aconchegar-se umas às outras. A brisa que entrava
pelas janelas do carro tinha um perfume de pinho que nenhum
purificador de ar industrializado poderia reproduzir. Pajitnov
respirou profundamente. Aquele Eden era a moldura perfeita
para seu novo lar, onde a natureza maravilhosa se mostrava
a apenas um quilômetro e meio de um shopping e de um
fantástico sushi.
Pajitnov diminuiu a marcha e olhou para fora, observando
os topos pontudos das árvores que se curvavam ligeiramente
ao sopro da brisa. Atrás dele, a neblina parecia glacê branco
num grande bolo de aniversário. Ele parou o carro no acos­
tamento, desligou o motor e saiu. Olhando para cima, viu
como o sol poente, filtrando-se através das folhas, iluminava
colunas de poeira no ar.
Pajitnov enterrou as mãos nos bolsos de sua parca cinzenta
e entrou no bosque. Escurecia à medida que o sol descia no
horizonte, e as árvores iam ficando mais altas e mais agrupa­
das. O silêncio só era cortado por seus passos na terra batida
e pelos sons ondulantes de um bosque ao anoitecer.
Ele notou, então, algo extraordinário. Das cascas cor-de-
melado das árvores escapavam, como bolhas sopradas por
um canudo, perfeitos e minúsculos icosaedros que giravam
sobre os próprios eixos. Cortavam a superfície onde caíam,
fosse a casca ou o chão, criando pequenos desfiladeiros da
cor e da consistência do mercúrio líquido. Os riozinhos fun­
diam-se numa cavidade oval que tinha o brilho, a uniformi­
dade e a luminosidade de um espelho, embora não produzisse
reflexos. Pajitnov observou a cena espantosa como se estivesse
sonhando. O sol se fora e a escuridão já passara a primeira
demão de tinta sombria na floresta quando ele voltou para o
carro.
Descendo a colina, Pajitnov ia perdido em pensamentos,
refletindo sobre a diferença entre as imagens de uma floresta

495
OS MESTRES DO JOGO

à noite, criadas pela imaginação, e as coisas que realmente


existiam lá.
— Acho que recriar as emoções daquela experiência seria
maravilhoso.
Enquanto dirigia colina abaixo, imaginou um jogo que si­
mulasse não apenas o processo da descoberta como também
as emoções geradas pela experiência de tatear na escuridão,
que nos leva de volta à infância.
— Seria um jogo interessante e maravilhoso — ele decidiu.

496
Agradecimentos

Pequenos trechos deste livro apareceram em Rolling Stone,


Playboy, Men's Life e San Francisco Focus. Agradeço às fontes
citadas e não-citadas, às centemas de entrevistados. Meus agra­
decimentos principalmente às seguintes pessoas:
Hiroshi Yamauchi, Hiroshi Imanishi, Sigeru Miyamoto, Ma-
sayuki Uemura, Genyo Takeda, Gunpei Yokoi, Reiko Waki-
moto e Yasuhiro Minagawa, da NCL.
Minoru Arakawa, Howard Lincoln, Peter Main, Al Stone,
Phil Rogers, Gail Tilden, Don James, John Sakaley, Toshiko
Watson, Sandy Hatcher, Sherrie Mennie, Tony Harman, Blaine
Phelps e muitos outros, particularmente Bill White, da NOA.
Yoko Arakawa foi especialmente agradável e prestativa.
Al Nilsen, da Sega.
Hide Nakajima, Dennis Wood, Dan Van Elderen e Barry
Kane, da Atari Games.
Da Electronic Arts, Trip Hawkins, Bing Gordon, Larry Probst,
Danny Brooks e particularmente Holly Hartz, que estabelece o
padrão para as relações públicas. Todos da Electronic Arts.
Henk Rogers, Sheila Boughten, Greg Fischbach, Bruce Low­
ry, Gilman Louie, Les Crane, Bob Lloyd, Allyne Mills, Joe Mo-
rici, Kathleen Watson, Kathy Prall e muitos outros, de con­
cessionárias da Nintendo.
Da Hill & Knowlton, Jeff Fox, Karen Peck, Don Varyu e
especialmente Lynn Gray, pelo apoio que ultrapassou o limite
do dever, quando, no princípio, lutou por este livro.
Da Golin/Harris, Alison Holt e Susan Iannetta.
Da Manning, Selvage and Lee, Charlene Gigliotti.
Analistas, inclusive David Leibowitz (American Securities),

497
OS MESTRES DO JOGO

Manny Gerard e Sean McGowan (Gerard Klauer Mattison &


Co.), Robert F. Kleiber (Piper, Jaffray & Hopwood) e Andrew
J. Kessler (Morgan Stanley), periodicamente contribuíram com
seus conhecimentos.
Gostaria de agradecer também a Robert M. Callagy, Vladimir
Pokhilko, Vadim Gerasimov, Howard Phillips, Nolan Bushnell,
Robert Stein, Ron Judy, Suzuki Eiichi, Miyuki Grace, Jim Mac­
konochie, Steve Arnold, Elliot Luber, Deborah Brown, Phil
Adam, David Ellis, Bern Myron, Mark Smotrof, Les Inanchy
(Sony), Greg Zachary, do The Wall Street Journal, Casey Corr,
Tim Healy e Tom Farrey do Seattle Times, Rich Karlgaard da
Forbes ASAP, Jaron Lanier (J.P.L.), Sharon Fitzpatrick (The Lear­
ning Co.), Lynn Hale e Sue Sesserman (Lucasfilm e LucasArts),
Marty Taucher (Microsoft), Linda Goetz e Jenifer Van Hom.
Do Japão, Keisuke Ono, Yukio Miyazaki, Tsunekazu Ishi-
hara, Yoshio Ito, Koh Shimizu (Sony) e Nishi Saimaru.
Um agradecimento especial vai para Alexey Pajitnov, o criador
de Tetris. Agradeço também às muitas pessoas que falaram no
anonimato. Da Random House, gostaria de agradecer as contri­
buições de Deborah Aiges, Carol Schneider, Lesley Oelsner, Mit­
chell Ivers, Gail Blackhall, Lawrence LaRose, Becky Simpson,
Brian Hudgins, Oksana Kushnir, Amy Edelman, Veronica Wind-
holz, Ed Cohen e Sybil Pincus pelo incansável trabalho de edição.

Agradecimentos especiais ao meu editor, por sua visão e


sua devoção aos livros, a Binky Urban, minha agente, por sua
orientação e apoio, e a Barry Golson por encomendar o artigo
original sobre a Nintendo, do qual surgiu este livro. Meus
agradecimentos também a Arthur, Mike Moritz e Fred Berns­
tein por seus conselhos e discernimento. Agradecimentos tam­
bém a Amy Rennert, pelo artigo que me pediu sobre Nolan
Bushnell, para o San Francisco Focus, a Don e Nancy Barbour,
o mais impecável departamento de pesquisas que alguém po­
deria desejar; a minha família — Joan, Sumner, Debbie, Mark
e Jennie; Steve, Susan e Don — e meus amigos, inclusive Ar-
mistead, Terry, Peggy, Susan, Buddy, Nick e Doug.

498
Sobre o Autor

David Sheff, jornalista, já teve artigos publicados na Playboy,


na Rolling Stone, em The Observer e Foreign Literature (na Rús­
sia), entre outras, e em All Things Considered, da National Public
Radio. Seu livro The Playboy Interviews with John Lennon e Yoko
Ono foi escolhido como um dos melhores pela Literary Guild
Selection.
Sheff mora no norte da Califórnia com a esposa, Karen Bar­
bour, e o filho, Nicolas, a quem derrota no Tetris, mas de
quem "apanha" em todos os outros jogos.
UMA ANÁLISE IMPRESSIONANTE SOBRE
UMA EMPRESA EXTRAORDINÁRIA

Após dois anos de entrevistas com os principais executivos,


licenciados, distribuidores e concorrentes da Nintendo Co.
Ltd., no Japão, Estados Unidos e Europa, o jornalista
norte-americano David Sheff relata em Os Mestres do
Jogo a vertigiosa ascensão da maior empresa japonesa:

• Em 1991, suplantou a Toyota, tornando-se uma das empresas


mais lucrativas do mundo e a primeira em crescimento potencial
• Em 1992, obteve 80% dos 5,3 bilhões de dólares da indústria do
videogame nos Estados Unidos
• Em 1993, se posicionava para dominar agressivamente a
multimídia e as redes de comunicações mundiais

Numa linguagem não acadêmica e não técnica, com amplas


comparações com a IBM, Apple e Disney, o livro revela
tudo — do planejamento à engenharia, a “invasão” dos EUA
e os negócios com os russos, até a competição em nível global
e os planos para dominar o futuro. Uma obra irresistível,
recheada de envolventes histórias humanas, de leitura
indispensável não apenas a empresários, mas a todos que—
queiram conhecer o funcionamento drffSTTfTÕreseen
organização high teçhdrTTHnpgXitividade inesgotável.

UM LIVRO FASCINANTE, COM LUGAR


Garantido nas melhores bibliotecas
DE ADMINISTRAÇÃO
PEW 01 MO DAVID SHEFF

Você também pode gostar