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1|Epic Mickey: A Romantização

EPIC MICKEY:
A ROMANTIZAÇÃO

EPIC MICKEY: THE NOVEL (A ROMANTIZAÇÃO)


CARLA JABLONSKI
HISTÓRIA: WARREN SPECTOR, CHASE JONES, PAUL WEAVER E ALLEN VARNEY
BASEADO NO ROTEIRO ORIGINAL ESCRITO POR: CHASE JONES, STEVE POWERS,
AUSTIN GROSSMAN E ALLEN VARNEY

Traduzido, revisado e editado por Sorinha Phantasie.

Esse livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são obra da
imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Quaisquer semelhanças com eventos, locais ou
pessoas, vivas ou mortas, são coincidências.

MICKEY MOUSE © 2011 Disney Enterprises, Inc.


Este livro foi originalmente publicado pela Disney Press, uma editora do Disney Book Group.
Todos os direitos reservados.

Tradução em português brasileiro pela PHANTASIE TRANSLATE, 2020. A versão atual desta
tradução foi revisada e reenviada em 2022.
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2|Epic Mickey: A Romantização
EPIC MICKEY:
A ROMANTIZAÇÃO
ÍNDICE
CAPA
PÁGINAS COLORIDAS

PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12

3|Epic Mickey: A Romantização


4|Epic Mickey: A Romantização
5|Epic Mickey: A Romantização
6|Epic Mickey: A Romantização
7|Epic Mickey: A Romantização
8|Epic Mickey: A Romantização
9|Epic Mickey: A Romantização
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H á muito, muito tempo, o feiticeiro Yen Sid observava sua criação cheio de satisfação.
— Isso, isso, já deve ser o bastante — murmurou enquanto dava um último floreio
com seu pincel mágico. Aquele dourado realmente era a cor perfeita para os torreões do
castelo, pensou enquanto admirava sua obra. — Hmm. — Ele então recuou um passo, inclinando a
cabeça e afagando a grande barba branca. Algo não estava certo.
Ele logo pegou uma grande garrafa etiquetada com a palavra TÍNER e um pano manchado de
tinta. Depois de puxar a rolha de cortiça da garrafa, pingou com todo cuidado algumas gotas no
pano. Estreitando os olhos, esfregou as diversas manchas douradas que respingaram na parede do
castelo. Quando o tíner já havia apagado os erros, Yen Sid reaplicou a tinta cor de pedra até que a
parede novamente parecesse sólida.
Abriu um sorriso.
— Bem melhor.
A terra agora estava completa — bem, tão completa quanto Yen Sid esperava que estivesse.
Agora cabia a seus habitantes torná-la sua, construindo o que achassem devido e alterando o que
desejassem. Era o mundo deles agora. Ele esperava de todo o coração que todos fossem felizes ali.
Yen Sid guardou seu pincel para que pudesse fechar a noite e bocejou de forma demorada e
satisfeita. Criar um mundo para aqueles que foram esquecidos ou descartados era um trabalho muito
cansativo, embora extremamente gratificante. Ele se alongou e tirou o chapéu em forma de cone da
cabeça. Estava na hora de dormir.
Yen Sid bocejou mais uma vez enquanto subia as escadas em direção a seus aposentos. O
que não sabia era que um pequenino e curioso camundongo cartunesco estava observando o velho
feiticeiro do outro lado de um espelho.
Mickey Mouse não tinha certeza do que lhe havia perturbado o sono e tirado da cama, mas
estava muito bem acordado agora. Era a primeira vez que conseguia ver do outro lado do espelho!
Mickey estava intrigado e empolgado com o que via. Algo muito incomum estava acontecendo.
Quando pressionou o nariz contra o vidro para olhar melhor, o espelho cedeu — como se
fosse feito de um material poroso, não de vidro propriamente dito! Ou pelo menos não de vidro
comum. Isso deu a Mickey uma ideia. Assim que o cavalheiro barbado desapareceu escada a cima,
Mickey saiu correndo e atravessou o espelho!
Eita, pensou. É como se o espelho estivesse me engolindo só pra me cuspir de novo! Mickey
tropeçou no pouso, mas logo recobrou o equilíbrio. Tinha conseguido! Parado diante do espelho, ele
conseguia ver seu quarto do outro lado. Tocou o espelho delicadamente. Mais uma vez, seu dedo foi
engolido pelo “vidro”. Que misterioso!
Mickey puxou o dedo de volta e estremeceu. Não tinha por que ficar quebrando a cabeça
com isso, pensou. Está na hora de explorar e investigar! Ele disparou em direção à mesa onde o
feiticeiro estava trabalhando.
— Incrível — murmurou Mickey, fitando a visão deslumbrante sobre a qual pairava agora.
Castelinhos minúsculos, lagoas, navios piratas, montanhas, lojinhas curiosas, florestas e rios: era
um parque de diversões em miniatura, uma terra de atrações exóticas e uma cidadezinha pacata,
tudo misturado numa coisa só! Um mundo inteiro!
Mickey agarrou o pincel mágico do feiticeiro. Não conseguiu resistir a acrescentar alguns de
seus próprios toques. Nada de grafite, decidiu. Seria divertido marcar algumas paredes, mas sabia
que o criador daquela obra prima jamais aprovaria. Em vez disso, rodopiou o pincel e criou uma
estátua de si mesmo, gosmenta e arroxeada, no meio do que parecia a praça de uma cidade.
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— Ei, essas coisas mágicas não são lá tão difíceis! — declarou em meio a um sorriso. — E a
semelhança também não está nada mal. Só acho que devia ser um pouco maior.
Ele carregou o pincel de tinta e passou mais um pouco em sua criação, e depois um pouco
mais. A coisa gosmenta e arroxeada começou a balançar e se retorcer, e então cresceu diante dele.
E não parou de crescer!
— Eita! — gritou Mickey conforme a criatura de tinta se transfigurava, assumindo formas
maiores e mais ameaçadoras. Ele recuou aos tropeços, tentando se afastar da mesa. — Cadê o botão
de desligar?
Agora a criatura se assomava sobre Mickey, encarando-o com olhos amarelos aterrorizantes.
O coração de Mickey batia três vezes mais rápido.
Algo perigoso, talvez até maligno, irradiava da forma de tinta. E se continuasse crescendo...
para sempre? Desesperado, Mickey agarrou a garrafa de tíner. Ele viu como tinha sido capaz de
apagar os erros que o feiticeiro cometera com a tinta.
— Por favor, funciona! Funciona! — implorou enquanto derramava o líquido verde sobre a
massa arroxeada.
Sucesso! O Mancha Fantasma — pois era exatamente isso o que a monstruosidade era —
estava encolhendo. Esperando destruir a coisa por completo, Mickey começou a sacudir a garrafa,
derramando tíner por todo lado.
— Ha! Você não gosta da coisa verde, hein? — exclamou Mickey, triunfante.
Ele enfiou o Mancha e o pano ensopado de tíner na garrafa praticamente vazia e a jogou em
cima da mesa. Então deu meia-volta e saiu correndo, pulando de volta para o seu lado do espelho,
onde se atirou na cama.
— Ufa. — Mickey puxou as cobertas por cima da cabeça, tentando desacelerar o coração. —
Acho que vou deixar a magia com os profissionais de agora em diante.
Ele se encolheu e tentou desesperadamente voltar a cair no sono. Vai ficar tudo bem pela
manhã, disse a si mesmo. Vai parecer só um sonho ruim.
O que o pequeno camundongo não vira era que o Mancha estava vazando da garrafa. Ele se
contorceu e esgueirou, atravessando a mesa do feiticeiro. Então, puxou a garrafa para baixo, cada
vez mais baixo, mais e mais baixo, mergulhando com ela rumo ao outro mundo.

Do outro lado do espelho, Yen Sid voltou às pressas para sua oficina. Ruídos estranhos o
haviam despertado do sono.
— Quem está aí? — gritou. Mas ninguém respondeu.
Yen Sid franziu o cenho. Não devia haver ninguém em sua oficina àquela hora, mas alguém
certamente deixara uma marca ali. Ele se aproximou de seu mundo adorado, agora completamente
destruído. Uma gigantesca mancha escura cobria a maior parte do cenário. Tíner e tinta haviam
danificado muito de sua criação, distorcendo algumas áreas e arruinando por completo outras. Ele
suspirou pesadamente.
— A minha Refugiolândia... está devastada — disse, a voz tomada de tristeza.

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M uitos anos e aventuras mais tarde, Mickey Mouse estava dormindo profundamente.
Havia sido um longo dia para Mickey, o famoso e adorado personagem de desenhos
animados. Ele merecia uma noite de descanso.
Mas não conseguiria tê-la.
Em meio a um ronco, Mickey deu uma erguidinha no nariz, agitou as orelhas e passou a mão
na testa. Alguma coisa estava pingando em seu rosto.
— Tem um cano vazando? — murmurou, abrindo as pálpebras de leve. — Não! — arfou.
Diante de seus olhos, havia uma visão tenebrosa. Uma monstruosidade de tinta gigantesca e
desprovida de forma se assomava sobre ele. Seus olhos amarelos intensos cintilavam em meio a um
júbilo maligno.
— Iaaaau! — Mickey pulou da cama, ainda enrolado nas cobertas, e tropeçou. Grandes
tentáculos em forma de braços poderosos o perseguiram, gotejando tinta preta e roxa por todo o
chão. — Fica longe de mim!
Mickey chutou e se afastou às pressas das extensões que mais pareciam dedos compridos
vindos do corpo em constante mudança do Mancha.
— Não! Você foi só um sonho! — gritou, enfiando-se embaixo da cama. — Aquilo nunca
aconteceu. Eu nunca estive do outro lado do espelho. Eu juro!
Os chutes e protestos de Mickey não surtiram qualquer efeito na criatura de tinta. O Mancha
envolveu seus tentáculos em volta dos tornozelos de Mickey e puxou — com força. Puxou com
tanta força que Mickey foi arrastado de debaixo da cama — e levado através do espelho.
Mickey se agarrou à moldura do espelho e olhou sedentamente para sua cama, do outro lado,
sua respiração embaçando o vidro.
— Obrigado pelo passeio, mas agora eu preciso voltar pra lá!
Não adiantava. O Mancha puxou Mickey até a mesa de Yen Sid.
— Isso não pode estar acontecendo! — gritou Mickey. — Só posso estar sonhando.
Ele apoiou os pés na borda da mesa, tentando impedir, ou pelo menor refrear seu progresso.
Não funcionou.
— Acorda! Anda, Mickey, acorda! — gritou alto, esperando que isso o fizesse despertar
daquele pesadelo. — Acorda!
Ele se agarrou freneticamente à toda e qualquer coisa em seu caminho. Crash! Garrafas de
tinta, recipientes de tíner e vários outros materiais foram derrubados no chão. Seus dedos agarraram
o pincel mágico — mas isso não impediu o Mancha de arrastá-lo em direção a um vórtice giratório.
— Aaaaahhhh! — gritou Mickey enquanto tombava pelo portal rumo à Refugiolândia.
Mickey lutava para se soltar das poderosas garras do Mancha. Emaranhados um ao outro,
era quase como se estivessem se fundindo — era difícil para Mickey dizer onde seu corpo pintado
terminava e a forma de tinta do Mancha começava.
Coberto de tinta, Mickey mal conseguia enxergar. Mas se recusava a desaparecer em meio
ao Mancha. Recorrendo a tudo o que tinha dentro de si, ele estava determinado a resistir ao Mancha
com todo o poder de seu coração.
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Ele rangeu os dentes e grunhiu enquanto empurrava os pés com toda a força que conseguiu
reunir contra o inimigo gosmento. Em meio a um pthwop! nojento e molhado, Mickey se libertou.
Então, tudo ficou escuro.

— Nunca mais como as tortas da Minnie antes de ir pra cama — murmurou Mickey. — Me
dão os sonhos mais bizarros. — Ele bocejou e se alongou. Ou pelo menos tentou se alongar.
Por que não consigo mexer as mãos? Pensou Mickey. O medo o fez recobrar a consciência
por completo — e, com isso, fez uma descoberta aterrorizante. Estava amarrado a uma mesa de
operação numa espécie de laboratório!
— Onde estou? — gritou. — O que está acontecendo aqui?
Uma risada horripilante ribombou pelo ambiente cavernoso. Mas Mickey não conseguia ver
nada além da máquina sinistra que pairava sobre si. Não sabia para que as alavancas, engrenagens e
demais aparatos de aparência letal serviam — e não queria descobrir!
— Socorro! — gritou Mickey. — Alguém me ajuda!
Um homem alto e careca, dono de uma barba e bigode negros e excêntricos, surgiu de trás
da máquina.
— Ninguém o salvará aqui, camundongo — disse o homem. — Apenas eu tenho acesso a
este laboratório secreto.
— E-Eu não entendo. — O sangue de Mickey gelou. Aquele sujeito definitivamente estava
tramando algo mau. — Parece que a gente começou com o pé esquerdo — disse Mickey, tentando
conquistar a simpatia do homem. — Por que você não me tira daqui para batermos um papo?
O sujeito se redobrou de rir. Começou como uma risadinha normal, mas logo se tornou uma
gargalhada insana. O som fez um arrepio subir a espinha de Mickey. De repente, o homem deu um
salto adiante e levou o rosto a apenas alguns centímetros do de Mickey.
— Escute aqui, camundongo. Estamos aqui para encenar nossos papéis. Eu, como o Médico
Louco, e você, como o doador de um coração. Eu quero um. Você tem um. Captou a cena?
O Médico Louco? Mickey sentiu a respiração presa no peito. O sujeito não só era maluco,
mas tinha orgulho disso! Não teria como argumentar de forma racional com ele. Teria que encontrar
outra maneira de fugir — ou morrer tentando.
O Médico Louco se apressou em direção a um painel de controle, seu grande jaleco branco
sacudindo à sua volta. Em meio a um chiado ensurdecedor, a máquina ao lado da mesa de operação
se ergueu, ganhando vida. Diversas ferramentas começaram a rodopiar sobre a cabeça de Mickey,
cada uma mais mortal que a anterior. A coisa toda parecia uma espécie de canivete suíço gigante
com esteroides. Um único olho mecânico mirou o camundongo com um intuito maligno.
Mickey fitou o olho que o encarava sem piscar. O que era aquela coisa maluca? Parecia até
que estava... viva. Mais criatura do que máquina.
Isso consegue mesmo me ver? Pensou Mickey, atônito. Anda, acorda, ordenou a si mesmo.
Começou a se revirar e forçar as alças que o prendiam.
— Em breve, vou ter o que todo cidadão da Refugiolândia mais deseja: o coração de um
cartoon! — exclamou o Médico Louco, completamente empolgado. — E qual coração seria melhor
que o seu? Um personagem amado por todos?
As ferramentas mortais rodopiavam diante de Mickey: uma tesoura gigante estalou bem ao
lado de seu rosto! Uma serra circular começou a zunir logo abaixo do queixo do camundongo, tão
próxima que ele conseguia sentir as vibrações! E então, enfim... um desentupidor surgiu em meio ao
maquinário, posicionando-se logo acima do peito de Mickey.
— Hmph. Vai fazer o quê? — zombou Mickey. — Me desentupir?
O desentupidor se lançou contra ele. Mickey podia sentir uma poderosa sucção repuxando
seu peito. Aquilo ia extrair seu coração! Mickey precisava se libertar antes que fosse tarde demais.

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Você consegue, Mickey disse a si mesmo. O suor escorria por seu rosto, mas ele conseguia
sentir as alças afrouxando.
— Finalmente vou conseguir o que desejava há tanto tempo! — disse o Médico Louco,
continuando com seu discurso.
Usando cada fibra de força e determinação, Mickey se soltou de suas presilhas. Ele deixou a
mesa num pulo.
— Vai conseguir sim! — declarou Mickey. — Só que não vai ser o meu coração!
Em choque, o Médico Louco deu de costas no painel de controle.
— Não! — gritou. — Não o deixe fugir! Eu preciso daquele coração!
De repente, o Mancha apareceu entre Mickey e o Médico Louco. Ele se ergueu, assomando-
se sobre o pequeno camundongo. Mickey recuou um passo aos tropeços, seus joelhos trêmulos.
— Você de novo não! — ganiu Mickey.
A criatura malévola pairava sobre Mickey, rodopiando à sua volta. Ele precisava encontrar
uma rota de fuga — e rápido!
Foi quando avistou uma pequena figura esgueirando-se em meio às sombras. Vai, camarada,
me mostra como sair desse lugar maluco, pensou. Mickey não sabia se era amigo ou inimigo, mas
saiu correndo atrás dele mesmo assim.
De repente, algo lhe agarrou pelos ombros. Os tentáculos do Mancha forçaram Mickey a se
virar novamente para ele. Arma, arma — o que posso usar como arma? Mickey apalpou os bolsos
enquanto o Mancha o arrastava de volta até a mesa de operação. Tudo o que Mickey conseguiu
encontrar foi o pincel da oficina de Yen Sid.
— Para trás! — gritou Mickey. Ele rapidamente apontou o pincel para o Mancha. Sentiu-se
tolo por tentar usar uma mera vareta com cerdas contra aquela monstruosidade transmorfa. Mas era
tudo o que tinha.
E então, algo muito estranho aconteceu. O Mancha imediatamente soltou Mickey e recuou.
Mickey olhou para o pincel, pasmo. O Mancha tem medo disso? Pensou. Quem diria?
Ele deu um passo em direção ao Mancha.
— É, você me ouviu — gritou. — Se manda! — Sua boca caiu enquanto observava a coisa
monstruosa se juntar e sair em disparada pela claraboia do laboratório.
O Médico Louco ficou parado, olhando para o ponto onde o Mancha estivera apenas alguns
segundos antes. Ele então virou o rosto para olhar para Mickey, os olhos arregalados de medo. Sua
expressão rapidamente se tornou de fúria.
— Isso ainda não acabou! — exclamou o Médico Louco, apertando uma série de botões. Ele
gargalhou feito um maníaco e abriu um alçapão ao lado. — Você logo verá com quem está lidando,
camundongo! — Ele saltou pela passagem, desaparecendo de vista.
— Eu mostrei a eles quem é que manda — declarou Mickey. — Tá tudo bem agora.
Mas não houve tempo para se gabar.
Três máquinas loucas estavam seguindo diretamente em sua direção!

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O svaldo, o Coelho Sortudo, bateu em disparada do laboratório do Médico Louco e partiu em
direção à Vila dos Gremlins. Ansioso para voltar a seu santuário isolado, afastado dos outros
habitantes da Refugiolândia, ele ignorou os cumprimentos de seus vizinhos e nunca olhou
para as casas do mundinho à sua volta.
Estava perdido em pensamentos após testemunhar tantas coisas surpreendentes. Mas o maior
choque de todos fora ver Mickey Mouse. Osvaldo não conseguia acreditar que seu arqui-inimigo,
aquele que trazia tudo o que há de ruim, o personagem que roubara a vida que devia ter sido sua
estava ali! Na Refugiolândia dos Cartoons!
— Essa é a minha área! — resmungou ele.
Mas o que significava a presença de Mickey, afinal? Bom, com certeza nada de bom para
Osvaldo. Disso o coelho tinha certeza!
— De todos os corações de desenhos do mundo, o Médico Louco tinha que tentar roubar
esse?! — Osvaldo chutou uma lancheira do Mickey Mouse surrada numa valeta próxima.
Ainda assim, Osvaldo se deu conta, se era para pegar um coração, que coração seria melhor
que o de um desenho tão amado e famoso quanto Mickey Mouse?
Ele parou de súbito. Em vez de voltar para casa na Montanha de Lixo do Mickey, decidiu
ficar por ali apenas para continuar de olho nas coisas — especialmente naquele camundongo.

No laboratório do Médico Louco, Mickey estava se esquivando de um par de tesouras de


jardinagem enfurecidas.
— Iaaaau! — gritou. — Quem apertou o botão de ligar?
Ele saltou em meio ao ar, puxando as pernas para o mais perto do corpo que conseguia, a
fim de escapar da tesoura que estalava violentamente junto a seus pés. Mickey pousou num baque e
imediatamente se levantou num pulo. Ele se virou e chutou a máquina saqueadora — com força!
Mickey tombou em meio a um estrondo, mas, antes que sequer conseguisse respirar, outra
invenção híbrida rapidamente assumiu seu lugar. Essa partiu para cima dele com um par de pinças
em forma de navalha — mais pareciam as garras de algum tipo de lagosta monstruosa!
Ele se abaixou e as garras se fecharam uma na outra sobre sua cabeça. Sem perder tempo,
Mickey se enfiou embaixo da mesa do laboratório. Os mecanismos da máquina zuniram quando ela
mudou de direção e acabou colidindo com mesa, de novo e de novo.
— Qual o problema? — ironizou. — Não gosta de perguntar o caminho certo?
Ele logo disparou para o outro lado, apenas para se encontrar cara a cara com a máquina que
tentara tomar seu coração.
— Ceeerto — disse Mickey, recuando. — Sei que você sente que foi interrompida, mas...

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A máquina disparou o desentupidor, que se prendeu novamente ao peito de Mickey. Ele o
agarrou com ambas as mãos, fazendo todo o possível para removê-lo. Duas mãozinhas metálicas
emergiram das laterais do desentupidor, cada uma segurando um par de tesouras.
— Ei! Você não tem licença pra fazer cirurgia! — exclamou Mickey. — E atende muito mal
os pacientes!
Ele puxou e puxou, usando toda a força dos braços, mas a poderosa sucção do desentupidor
o manteve fortemente fixado a seu peito. A máquina ribombou e chiou e Mickey então sentiu um
poderoso puxão dentro de seu corpo, como se toda a sua pintura e tinta estivessem sendo puxadas
pelo desentupidor. Precisava fazer alguma coisa — e rápido!
Mickey agarrou o desentupidor e usou o impulso que ele lhe deu para se levantar do chão.
Ele atingiu a máquina com os pés. O desentupidor se desprendeu em meio a um pop! alto. A força
atirou Mickey pela sala e ele bateu em alguma coisa.
Mickey sacudiu a cabeça para clareá-la. Estava caído de joelhos, cercado por peças de metal
estilhaçadas. Devia ter quebrado alguma coisa na máquina, embora não fizesse ideia do quê.
— Tenta isso! — disse uma voz atrás dele. Uma chave inglesa veio deslizando pelo chão.
— Obrigado! — Mickey pegou a ferramenta depressa, deu um pulo e atacou a máquina.
Faíscas voaram e fumaça começou a sair das engrenagens giratórias, mas a máquina continuava
vindo em sua direção.
Um barulho ecoou atrás dele. Mickey imaginou que seu ajudante misterioso devia estar
enfrentando a outra máquina. Mickey deu um salto, girou no ar e usou toda a sua força para atingir
a monstruosidade de metal com a chave inglesa.
A máquina do desentupidor estremeceu, tossiu e então desligou. De repente, o laboratório
ficou bastante quieto.
— Ufa. — Mickey secou o suor da testa. — Obrigado — disse enquanto se virava. Seus
olhos se arregalaram. Parada diante dele havia uma criaturinha esquisita: vestia um macacão laranja
e seus grandes olhos o miravam por trás de um par de óculos grossos acoplados a um capacete de
obras. A pele verde, o enorme nariz amarelo e os bigodes espessos feito as cerdas de uma vassoura
não eram as coisas mais estranhas nele. Era o fato de estar pairando a alguns centímetros do chão.
— Olá, rapaz — disse o sujeitinho. — Meu nome é Gus, o Gremlin.
— Gus, o quê? — perguntou Mickey.
— Gremlin — repetiu Gus, balançando os pezinhos. — Somos bons consertando máquinas e
coisas do tipo. Mas não tão bons em reparos quando ficamos presos numa cela como eu estava.
Obrigado por me soltar.
— Fico feliz em ajudar — disse Mickey, embora só tivesse quebrado a cela por acidente. —
Mas como nós saímos desse lugar? — Ele tinha a sensação de que o Médico Louco e o Mancha
voltariam, então queria estar o mais longe possível antes que isso acontecesse. — E que lugar é
esse, afinal?
— Estamos no castelo da Bela Entorpecida — disse Gus. — Na Refugiolândia.
Que nome melancólico, pensou Mickey. Isso o deixou ainda mais ávido para sair dali.
— E como eu vou para casa?
— Quanto a essa parte, não tenho bem certeza — admitiu Gus. — Tem uma outra pessoa
com quem talvez seja melhor você conversar... — Ele lançou a Mickey um olhar de esguelha. —
Mas não tenho certeza se ele vai querer conversar.
— Por que não? — perguntou Mickey.
Gus inclinou a cabeça e examinou Mickey.
— Er, você está bem?
Mickey recuou um pouco, mas Gus continuou a observá-lo de perto.
— Por quê? — perguntou Mickey. — Eu pareço...?
Ele olhou para si mesmo. Pequenas gotículas preto-arroxeadas se erguiam de seus braços e
da ponta de seu nariz.
— Hã? Que esquisito. Devo ter absorvido um pouco da tinta do Mancha quando ele me
arrastou aqui pra baixo.

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— Do Mancha? — Gus arregalou os olhos. — Me enfia num forno e me chama de bolinho!
Você é aquele Mickey!
— Acho que sim... — disse Mickey.
— Ora, ora, ora — disse Gus. — Isso muda um bocado as coisas.
— Muda como?
— Perigosamente. O Mancha que te trouxe aqui é o Mancha Fantasma, uma versão menor
do Mancha.
Mickey engoliu em seco.
— Quer... quer dizer que tem um ainda maior?
Gus assentiu seriamente.
— Com muitos ajudantes. E o Médico Louco não vai parar de ir atrás desse seu coração. Ah,
não, senhor.
— Hã, então talvez seja melhor a gente sair daqui — sugeriu Mickey, tenso — e ver como
eu posso voltar para casa.
— Não se preocupe — Gus assegurou a Mickey. — Eu te ajudo. Posso ser, tipo, o seu guia!
— Ele então apontou para o pincel. — Você é um baita artista.
Mickey não sabia ao certo o que Gus queria dizer com isso. Ele estava falando sobre como
havia assustado o Mancha Fantasma com o pincel? Ou seria alguma outra coisa?
— E com esse pincel mágico, — prosseguiu Gus — você agora tem todo tipo de habilidade.
Mickey olhou para o pincel, admirado.
— Como o quê?
Os pés de Gus sacudiam à medida que dava a volta na cabeça erguida de Mickey, mirando o
pincel mágico. Ele deu uma batidinha na lateral de seu nariz.
— Bom, vejamos. A tinta permite que você restaure as coisas. Pode até transformar inimigos
em aliados. Você controla isso com sua mão direita. Mas com sua mão esquerda, você pode usar o
tíner. A coisa verde. Você o usa para apagar. Tome extremo cuidado com isso.
— Mão esquerda, mão direita. Aliado ou apagar. Entendi — disse Mickey, jogando o pincel
de uma mão para a outra. — Contanto que isso me ajude a sair daqui, tá ótimo.
Eles logo deixaram o laboratório e chegaram ao corredor do castelo. Mickey olhou em volta.
O que um dia devia ter sido um castelo impressionante estava agora em ruínas. Os pedregulhos de
granizo maciço que constituíam as paredes estavam chamuscados e em pedaços, deixando buracos
que permitiam a entrada do ar gelado da noite.
Ao longo da escadaria de pedra havia uma série de velas bruxuleantes que criavam sombras
assustadoras. Janelas de vitral haviam sido quebradas e cacos do vidro colorido estavam espalhados
por todo lado. Nota mental, pensou Mickey. Nada de andar descalço aqui!
— Cuidado! — gritou Gus.
— Hã? — Mickey virou a cabeça de um lado para o outro, procurando um atacante.
Emergindo do corredor, ele se encontrou numa grande área aberta que um dia devia ter sido
um salão de baile. Mas não havia dançarinos ali. Na verdade, não havia ninguém. Ou pelo menos
foi o que Mickey pensou.
— Pule! — exclamou Gus.
Mickey saltou em meio ao ar quando uma bola de aparência esquisita passou rolando por
debaixo de seus pés.
Mickey logo voltou ao chão, perguntando-se por que Gus estava tão preocupado.
— Qual o problema? — indagou Mickey. — É só uma... o quêêê?
Mickey ficou olhando enquanto a bola subitamente começou a se abrir, erguendo-se sobre
pernas esguias. Não era uma esfera qualquer ou mesmo uma bola da qual brotara um par de pernas.
Era um olho gigante — e estava olhando diretamente para Mickey Mouse.
— O que é essa coisa? — ganiu Mickey.
— É um Vidente — explicou Gus. — Um dos lacaios do Mancha. Eles pingam de seu corpo
e então obedecem suas ordens.
— Que são o quê? — perguntou Mickey enquanto o Vidente voltava a se fechar e rolava em
sua direção outra vez. — Fingir que eu sou um pino de boliche?
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Ele saltou do caminho novamente e o Vidente acabou passando por baixo dele, continuando
a rolar ao longo do corredor.
— Não parece muito perigoso — disse Mickey.
— Não é muito poderoso — concordou Gus, voando em direção a Mickey. — Mas não se
engane, Videntes são um perigo para você. São batedores. Avisam todos os outros Manchasseclas
sobre do seu paradeiro.
— Então acho que é melhor irmos andando — disse Mickey.
Ele e Gus ficaram perto das paredes, alertas a qualquer som que pudesse significar que o
Médico Louco havia voltado. Eles desceram o que pareciam quilômetros de degraus de pedra.
Eles pararam numa plataforma para descansar por um momento quando Mickey viu — uma
porta aberta!
— Uma saída! — Mickey correu em direção à porta, ansioso para deixar aquelas ruínas
assustadoras para trás.
— Espere! — Gus gritou atrás dele. — Pare! Agora!
A ordem de Gus soou tão urgente que Mickey derrapou até parar. E foi bem na hora. A porta
levava para fora, bem verdade — mas bem no meio do ar. Mickey cambaleou junto à porta, olhando
para a looooooooooooonga queda até lá embaixo.
— Eita — disse Mickey. — Não sabia que estávamos tão no alto!
— Essa não é a saída — disse Gus, planando até chegar ao lado de Mickey. — Um dia foi.
Mas... não é mais.
Mickey olhou para o abismo de escala inimaginável. O castelo ficava sobre um precipício no
alto de um conjunto de ilhas. Ao longe, Mickey mal conseguia distinguir qualquer característica
concreta, mas parecia tudo... quebrado, de alguma forma.
— Esta um dia foi uma terra colorida e unida — disse Gus, cabisbaixo. — Mas agora o tíner
corre pela Refugiolândia, destruindo muita coisa e separando os habitantes.
— Uau — disse Mickey, olhando para a Refugiolândia. — A terra mudou? Mas como foi
que isso aconteceu?
Gus olhou para Mickey e ficou em silêncio por um momento.
— Esta não é a hora. Este não é o lugar.
Gus sabia mais do que estava dizendo, mas Mickey não o pressionou. Era mais importante
deixar aquele lugar do que descobrir como ele surgira.
Mickey recuou da porta.
— Se essa não é a saída, qual é?
— Siga-me. — Gus desceu com Mickey por outro lance de escadas de pedra duras e tortas.
Ele parou diante do que parecia a tela de um projetor. — Aqui, viajamos à moda antiga — declarou
Gus, orgulhoso. — Através de desenhos coloridos e preto-e-branco!
Em meio a um floreio, ele fez um gesto em direção à tela.
Mickey piscou. Aquele cara — er, Gremlin — estava de brincadeira? Talvez o Médico
Louco não fosse o único personagem maluco ali.
Mickey olhou para a tela de cinema.
— Isso é algum tipo de piada? — perguntou.
— Piada? — repetiu Gus. Ele olhou para Mickey, confuso. — Você foi arrastado através de
um espelho para um mundo alternativo por uma mancha de tinta gigante e acha que isso é estranho?
— Bem observado — admitiu Mickey. — Então o que eu faço?
— Você é a estrela do filme — salientou Gus. — Deve ser moleza.
— Ceeerto. — Mickey olhou para a tela. — Luzes! Câmera! — Ele recuou um passo,
respirou fundo e então saiu correndo em direção à tela. — Ação!
Ele fechou os olhos e se lançou contra a tela.

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M ickey ouviu um whoosh! e então se sentiu flutuando. Ele abriu os olhos.
— Uou! — arfou.
O mundo à sua volta havia mudado por completo. Por algum motivo, estava em
preto-e-branco e bidimensional agora.
— Ei! Eu conheço esse lugar! — exclamou Mickey. Estava em um velho navio a vapor. —
É de um dos meus primeiros filmes!
O navio a vapor ia roncando ao longo do rio e Mickey logo começou a atravessar o convés.
Podia ver outra tela no cais mais à frente. Aquela devia ser a saída!
Mickey se agachou e então saltou do convés direto para dentro da tela. Outro whoosh!, outra
nuvem de fumaça e ele pousou de volta no mundo colorido e tridimensional outra vez.
— Funcionou! — exclamou Mickey. Ele se virou e viu Gus pairando mais ao lado. O lugar
parecia familiar para Mickey. Tinha certeza de que já estivera ali antes. Mas isso não era possível,
era? — Onde estamos agora?
— Essa é a Vila dos Gremlins, onde muitos da minha espécie construíram sua morada —
explicou. — Você deve reconhecer este lugar de onde veio. Um lugar chamado... Small World?
Os olhos de Mickey se arregalaram quando ele notou a semelhança com o Small World, a
atração que habitava o Magic Kingdom.
— Ora, mas quem diria! — disse ele, olhando em volta admirado enquanto assimilava a
vista familiar, embora distorcida.
Mas Mickey tinha perguntas. E agora queria respostas.
— Aquele... aquele projetor era um tipo de portal — Mickey se deu conta. — Ele é o único?
Gus sacudiu a cabeça.
— Existem muitos deles posicionados ao longo da Refugiolândia. Quando o tíner dissolveu
as pontes, tivemos que encontrar outra forma de nos locomover.
— Genial! — disse Mickey.
— Uma das muitas tentativas do Osvaldo de corrigir os erros...
— Osvaldo? É o cara que eu tenho que ver? — perguntou Mickey.
— Osvaldo, o Coelho Sortudo, sabe tudo o que há para saber sobre a Refugiolândia. Se
alguém pode descobrir uma forma de te levar para casa, ele é esse alguém.
— Coelho? — disse Mickey. — Acho que vi um coelho lá no castelo. — Ele apontou para
uma figura que se imediatamente disparou por uma curva adiante. — Não é ele ali agora?
— Ora, acredito que sim.
Mickey e Gus correram atrás de Osvaldo.
Assim que fez a curva, Mickey ficou atônito com toda a devastação que obviamente havia
tomado a vila. Aparelhos mecânicos quebrados estavam tombados por todos os cantos, inativos —
lares outrora cheios de alegria estavam agora transparentes, dissolvidos pelo tíner.
As orelhas de Mickey se ergueram. Podia ouvir uma musiquinha que ia se repetindo de novo
e de novo. Vez ou outra, um crash! e um boom! estremeciam o chão.
— O que é isso? — perguntou Mickey.
— Está ficando pior — murmurou Gus. Ele acelerou, voando um pouco à frente de Mickey.
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— O que está ficando pior? — gritou Mickey, apressando-se para alcançar o Gremlin. — E
devíamos mesmo estar indo pra lá?
A música ficou mais alta e agora Mickey conseguia ouvir gritos e berros.
— Gus! Espera!
Gus se virou para olhar para Mickey. Seus olhos estavam arregalados de terror.
— Cuidado! — exclamou.
— Eita! — Um punho mecânico gigante se lançou com tudo no meio da rua, a meros
centímetros de achatar Mickey.
Mickey ergueu o olhar e viu a que o grande punho estava preso: uma torre do relógio! Uma
torre do relógio gigantesca, furiosa e titubeante.
A face roxa do relógio se franziu de dor enquanto ela lançava outro punho ao ataque. Crash!
O impacto fez Mickey saltar do chão, que se partiu e cedeu sob seus pés.
— Ela não tá nem olhando para onde está batendo — exclamou Mickey.
— Faz parar! — gemeu a torre do relógio. Seu rosto girava e desvirava, fazendo os ponteiros
de horas e minutos rodopiarem como loucos. — Tem que fazer parar!
Ela lançou seu punho contra uma casinha, esmagando-a por inteiro.
— Minha casa! — exclamou Gus. Ele flutuou de volta ao chão, como se ver sua casa ser
destruída lhe tivesse tirado a habilidade de voar.
— Essa música! — gritou a torre do relógio, seu ponteiro de minutos girando ao redor de
seu rosto. — Ela tem que parar!
— Deixa comigo, vou fazer parar! — prometeu Mickey. Ele pegou o pincel mágico.
A torre do relógio lançou o punho massivo contra ele novamente, mas Mickey estava pronto.
— Toma essa! — gritou ele, lançando tíner contra o punho.
De repente, o punho da casa do relógio não estava mais lá. Ele simplesmente... desapareceu.
— Eita! Funcionou! Como eu fiz isso? — Mickey olhou para o pincel.
— O relógio é animatrônico — exclamou Gus. — O tíner apaga o que toca, deixa a torre do
relógio vulnerável.
— Bom saber — declarou Mickey. — Um a menos, faltam mais cinco dígitos!
— Agggh! — gritou a torre do relógio. — Tem que parar, tem que parar, tem que parar!
— Concordo plenamente — disse Mickey. — Tem que parar você, tem que parar você, tem
que parar você.
Mickey saiu do caminho do punho com uma cambalhota e então a mergulhou em tíner.
Assim como o anterior, o punho se soltou e, assim que tombou no chão, logo se dissolveu.
O valente camundongo rolou para trás da torre do relógio, onde abriu uma porta. Aquela
música ia deixá-lo louco se não a parasse imediatamente. Parecia vir do alto da torre. Mickey subiu
as escadas às pressas, esquivando-se das molas, engrenagens e alavancas rodopiantes.
— Esse relógio tem mesmo um monte de partes móveis — murmurou ele, subindo dois
degraus de cada vez. — E parecem estar se movendo todas de uma vez!
A música ia ficando mais alta à medida que Mickey chegava ao topo da torre. Devo estar na
altura da face do relógio, se deu conta. Mickey disparou por uma porta e imediatamente viu a fonte
de todo o problema:
Havia um toca-discos antigo sobre uma mesa. Uma música alta tocava de seus alto-falantes
enquanto um disco de vinil preto girava e girava na plataforma giratória.
— Toma essa! — Mickey atirou tíner no toca-discos.
Em meio a um sproing, um chiado e um guincho alto, todos os mecanismos da torre do
relógio pararam. Assim como a música.
Houve um som estrondoso e a torre do relógio começou a tremer.
Uh-oh. Mickey voltou correndo pelas escadas e saiu pela porta exatamente quando a torre
desmoronou em meio uma poça de tíner.
Mickey correu de volta até Gus.
— Essa coisa tem mesmo um baita poder incrível — disse Mickey, olhando para o pincel.
— E deve ser usado com cuidado — disse Gus, dando um longo suspiro.

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— Está chateado pela sua casa? — perguntou Mickey. — Eu posso usar tinta para consertá-
la, não posso?
— Sim. Eu só queria... esquece. — Gus olhou para a torre do relógio.
— Não, diga — pressionou Mickey.
— A torre do relógio costumava ser uma de nós — disse Gus, entristecido. — Mas quando
tantas coisas começaram a quebrar, ela também quebrou. Ela amava aquela música e a escutava
com toda alegria, mas, de alguma forma, ela acabou ficando travada. Ela tocava de novo e de novo
e acabou deixando-a completamente louca.
Antes que Mickey pudesse responder, foi cercado por uma dúzia de Gremlins, todos eles
querendo agradecê-lo por acabar com a destruição da torre do relógio. Mas todos os tapinhas nas
costas e apertos de mãos não conseguiram livrá-lo da incômoda sensação de que talvez pudesse ter
resolvido o problema de uma forma diferente.
Ele não tinha tempo para pensar nisso agora.
— Vamos consertar a casa do Gus! — exclamou, erguendo o pincel sobre a cabeça. Uma
grande aclamação ecoou enquanto os Gremlins o escoltavam pela rua.
Quando chegaram à casa devastada de Gus, Mickey rapidamente foi ao trabalho. Ele jogou o
pincel para a mão direita, a fim de controlar a tinta.
— Um toquezinho aqui, uma pincelada acolá — disse. Logo, a casa estava completamente
restaurada. Ele recuou um passo para dar uma boa olhada. — Ora, agora está bem melhor.
— Está maravilhosa — concordou Gus.
Mickey guardou o pincel no bolso.
— Vem, ainda temos um coelho a encontrar.
— Claro, claro — disse Gus, logo atrás dele. — Por aqui. Ouvi dizer que o Osvaldo foi visto
na Rua Principal do Mal.
Gus levou Mickey à outra tela e eles viajaram rapidamente até a Rua Principal do Mal. Era
um lugar muito mais movimentado que a Vila dos Gremlins, com personagens entrando e saindo
das lojas, passeando pelas avenidas e vivendo suas vidas não-tão-cotidianas. Mickey ficou bastante
aliviado ao descobrir que não parecia tão ameaçadora quanto seu nome fazia parecer. Ninguém ali
parecia ser do mal.
— Tem algo muito familiar nesse lugar — murmurou Mickey. Mas antes que pudesse dizer
o quê, ouviu uma voz chamando seu nome. Um sujeito de aparência equina atravessou a rua para se
juntar a Mickey e Gus.
— Mickey? É mesmo você? — disse o sujeito. — Como é possível?
— Também estou bem surpreso com isso — admitiu Mickey, tentando desesperadamente se
lembrar do nome do cavalo em sua frente. O sujeito claramente conhecia Mickey, mas Mickey não
conseguia dizer quem ele era.
— Mas logo você! — O sujeito levou um casco à testa. — Que tipo de mundo é esse que se
esquece do Mickey Mouse?
— E-Eu não fui esquecido — disse Mickey.
— Ele não pousou aqui, Horácio — explicou Gus. — Foi trazido aqui. Contra sua vontade.
— E estou tentando voltar pra casa de novo — acrescentou Mickey.
— Ah, então tá certo! Que alívio — disse Horácio. — Bom, Mickey, enquanto está aqui, o
que acha de fazer uma viagem pelo passado?
Mickey sentiu o suor escorrendo por sua testa.
— Hã, seria bem divertido, mas...
— Claro! Vem impressionar a minha boa e velha Clarabela com história dos velhos tempos.
— Er, certo, hm...
O sujeito recuou um passo de Mickey e franziu o cenho.
— Você se lembra do seu velho camarada Horácio, não é?
Mickey olhou para Horácio com uma expressão vazia.
— Horácio! O Cavalo Horácio! Fizemos vários filmes juntos! A Estação de Rádio. Mickey,
o Maestro. — Horácio olhou no rosto de Mickey, procurando por um sinal de reconhecimento.

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Mickey deu de ombros e olhou para o chão. Ele se sentia mal por não se lembrar de Horácio,
mas não podia fingir que lembrava.
— Hm, bom, tinha tanta gente naqueles filmes e eu fiz tantos deles.
Horácio suspirou e então piscou para Gus.
— É assim que funcionam as coisas por aqui. Bom, ainda fico feliz em vê-lo de novo. Não
se preocupe com isso. Passe na agência de detetives se tiver uma chance.
— Você é um detetive? — disse Mickey. — Que ótimo! Talvez possa nos ajudar a encontrar
uma pessoa perdida.
— Somos todos pessoas perdidas aqui embaixo — disse Horácio. — E atrações perdidas,
brinquedos perdidos, filmes perdidos...
— Estamos procurando por um... ei, o que está havendo? — Mickey piscou várias vezes.
Havia outro Horácio saindo da confeitaria do outro lado da rua. Mas esse estava usando um collant
e sapatos de sapateado!
Horácio se virou para ver o que deixara Mickey atônito.
— Ah, sim... baita ideia ruim. Por um breve momento de bobice, os animadores acharam
que eu devia ser um cavalo dançarino, não um detetive. Meio que sinto pena desse desenho.
O outro Horácio tropeçou com toda a delicadeza na calçada e deu uma pirueta desajeitada.
— Não parece que faz bem o gênero dele — disse Mickey.
— Pode ter certeza que não — disse Horácio, sacudindo a cabeça. — Ele é lamentável como
dançarino. E canta ainda pior do que dança. Se é que consegue imaginar...
— Então tem mais que um de você? — perguntou Mickey, tentando juntar todas as peças.
— Versões diferentes — explicou Horácio. — Esboços iniciais. Conceitos abandonados. O
mesmo vale para as atrações. Algumas são descontinuadas. Outras nunca construídas. Mas nada da
imaginação jamais se perde.
— Tudo acaba vindo parar aqui — disse Gus.
Isso era meio reconfortante, acreditava Mickey. Tudo tinha um lugar para onde ir. Mas não
tão reconfortante quanto seria sua cama quentinha.
— E aí, acha que consegue nos ajudar a procurar pelo Osvaldo?
Horácio deu risada.
— Chama isso de um caso? O Osvaldo não está perdido. Ele está em toda parte!
— Como assim? — perguntou Mickey.
— Dê uma olhada em volta — disse Horácio. — A presença do Osvaldo faz parte de quase
tudo na Refugiolândia! — Horácio apontou para vários objetos que tinham o rosto de Osvaldo neles
estampado: placas, tampas de esgoto, estátuas...
— Acredito que a pergunta de Mickey era em um sentido mais literal — explicou Gus. —
Gostaríamos de falar com ele.
— Ahhhhhhhh — relinchou Horácio. — Ainda fácil. Vão para Osvila. Devem conseguir
achar algumas pistas do paradeiro de Osvaldo. Embora eu deva avisar, Osvaldo é um tanto recluso.
Desde que... — Horácio respirou fundo antes de continuar. — Bom, digamos que já faz um tempo.
— Então vamos para Osvila — disse Mickey. — Tenho certeza que vamos achar um jeito de
fazê-lo falar conosco.
— Não seja como os outros — disse Horácio, pondo um dos grandes cascos sobre o ombro
de Mickey. Mickey cambaleou com o peso, mas tentou não demonstrar. — Não se esqueça de nós.
— Eu prometo — disse Mickey. — Não acho que vá conseguir me esquecer desse lugar ou
de qualquer um que mora nele, não enquanto eu viver.
— Fico feliz em ouvir isso. — Horácio sorriu, os dentes enormes brilhando. — E boa sorte
voltando para casa!
Com um balançar de seu rabo, Horácio partiu.
Mickey se voltou para Gus.
— Vamos passar por outro projetor? — perguntou Mickey.
— Está começando a pegar o jeito — respondeu Gus em meio a um sorriso.

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M ickey se sentiu inquieto enquanto seguia com Gus para o próximo portal ao longo da
Rua Principal do Mal. Não era só o fato de que tudo ali parecia lhe familiar — embora
distorcido. Nem que, de alguma forma, o que dera errado ali, a destruição que ele via à
sua volta também parecia familiar.
Era o propósito do lugar que o incomodava. Muitos daqueles personagens e atrações tinham
sido populares um dia. Mas estavam lá porque foram esquecidos. E quanto mais personagens que
pareciam conhecê-lo ele encontrava, mais constrangido se sentia por não conseguir se lembrar de
nenhum deles. Além disso, estava morrendo de saudades de casa.
De repente, ele parou no meio da rua. Mais à frente havia algo que ele realmente reconhecia
de casa: uma estátua. Ele correu em sua direção, querendo se sentir, nem que só por um momento,
reconfortado por sua calorosa familiaridade naquele lugar estranho.
Ele parou em meio a um grito.
Lá estava o homem, assim como na estátua em seu lar, mas em vez de estar segurando a mão
de Mickey, como um pai faria com seu filho, o homem estava segurando a mão de um personagem
diferente. Estava segurando a mão — de um coelho.
— Ah, sim, é bem parecido, não acha? — perguntou Gus, flutuando ao lado de Mickey. —
É o orgulho do Osvaldo.
— A-Acho que sim... — Era estranho ser substituído. Mickey não gostou e logo acelerou o
passo para tentar se livrar daquela sensação desconfortável. — Quanto antes acharmos o Osvaldo,
antes eu volto para casa, certo?
— Ele é o desenho que mais entende da Refugiolândia — concordou Gus. Ele olhou de um
lado para o outro ao longo da rua. — Bom, ele não parece estar aqui. Vamos tentar na Osvila.
Os dois embarcaram em outro projetor que levava à Osvila. Assim que pousaram do outro
lado, Mickey se deparou com o pôster de um filme na parede atrás de Gus. Lá estava Osvaldo, o
Coelho Sortudo, sorrindo para o mundo.
— Ele era um ator? — perguntou Mickey, examinando o pôster sem se aproximar demais.
Queria aprender tanto quanto pudesse sobre o coelho misterioso.
— Ah, o Osvaldo esteve em vários filmes — explicou Gus. Ele apontou para uma fileira de
pôsteres ao longo das paredes. — Foi o primeiro de nós a se tornar uma estrela. E o primeiro a ser
esquecido.
— Por quê? — perguntou Mickey. — O que aconteceu?
— Você aconteceu.
Mickey engoliu em seco.
— Hã, bem, ele parece bem popular aqui.
— Ele é o chefe por aqui. Ou pelo menos costumava ser. Antes do desastre do tíner. Desde
então, quase nunca é visto.
Novamente, houve um estranho aperto no peito de Mickey, algo o remoendo por dentro.
Ele se lembrou do seu próprio encontro com o tíner... Poderia ser...? Impossível. E ainda que
tivesse causado o desastre, o que podia fazer a respeito? Além do mais, o famoso Mickey Mouse
não podia ter semeado tamanha destruição num mundo inteiro... podia?
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— Mostre o caminho — Mickey disse a Gus. — Preciso ver esse Osvaldo, logo.
Mickey ficou quieto enquanto Gus o guiava por Osvila. Ficou com os olhos voltados para o
chão, sem querer ver o dano que havia sido causado pelo desastre do tíner. Quando Gus finalmente
parou nos limites de Osvila, Mickey estava bastante deprimido.
— Ele também não está aqui — comentou Gus.
— Então onde procuramos agora? — perguntou Mickey.
Gus franziu o cenho.
— Tem um lugar...
— Então vamos lá — disse Mickey. — Quanto antes eu o encontrar, antes eu saio daqui.
— Bom, eu nunca estive lá — admitiu Gus. — Mas existem vários rumores a respeito...
— Rumores? — repetiu Mickey. — Que tipo de rumores?
— Bom, esse coelho construiu o lugar praticamente como se fosse uma fortaleza. Ele mora
lá num isolamento terrivelmente solitário.
— Ele não vai nos querer lá — supôs Mickey.
— Não... provavelmente não — disse Gus.
Mickey suspirou.
— Ei, eu não quero incomodar o sujeito, mas não acho que tenhamos escolha, não é?
Gus deu de ombros.
— Osvaldo é a chave — admitiu. Ele se voltou para o projetor. — Está pronto?
— Como sempre, eu acho — respondeu Mickey.
Mickey estava tão perdido nos próprios pensamentos que tropeçou quando pousou e acabou
esbarrando em Gus.
— Ops! — grunhiu Mickey. — Desculpa.
Ele recuou um passo e ergueu, ergueu e ergueu o olhar, fitando uma gigantesca montanha
feita de lixo. E não qualquer tipo de lixo, Mickey notou. Apenas lixo relacionado a ele.
— S-Sou eu — murmurou. — Por toda parte.
Seu rosto o encarava de volta de lancheiras, camisetas, caixas de cereal, pôsteres, bonecos,
telefones, instrumentos musicais, bugigangas e quinquilharias diversas. Milhares e milhares delas. E
a escala! Os objetos eram gigantescos, enormes! Eram objetos do “mundo real” — não feitos de
tinta, mas rígidos, sólidos e enormes, assomando-se em meio a um oceano de tíner. Balançado no
alto de tudo havia uma gigantesca garrafa tampada com uma rolha de cortiça.
— Q-Que lugar é esse? — perguntou Mickey.
— Osvaldo a chama de Montanha de Lixo do Mickey.
— É, acho que faz sentido — disse Mickey. — Como todas essas coisas vieram parar aqui?
— Como o resto da Refugiolândia. Objetos descartados, coisas que foram jogadas fora...
Mickey olhou para o topo de novo.
— Então você está me dizendo que o Osvaldo está em algum lugar lá em cima?
— Depois que as coisas deram terrivelmente errado, — explicou Gus — ele fez desse o seu
santuário. Um lugar para se esconder do mundo. Para se curar das suas feridas.
Para se curar do seu rancor contra mim, pensou Mickey. Mas, em vez disso, disse:
— Acho que é melhor começarmos a subir.
— Não há garantias de que ele vá querer nos ver — Gus lembrou a Mickey.
— Ver você — corrigiu Mickey. — Eu, com toda certeza ele não quer ver.
Mickey estava acostumado a ser adorado, não com a ideia de que não gostassem dele. Era
uma sensação estranha saber que havia alguém por aí que o odiava.
Gus foi voando um pouco à frente de Mickey, apontando apoios para as mãos e caminhos
por onde se era possível andar. Com os braços ardendo e o corpo doendo, Mickey confrontou seu
próprio rosto sorridente de novo e de novo à medida que subia pelo lixão.
— Eita! — exclamou quando pisou em falso e quase caiu de uma saliência escorregadia e
cheia de lixo espalhado. Precisava prestar mais atenção ao que estava fazendo, sem deixar que a
natureza bizarra do lugar o tirasse de si.
— Você está bem? — perguntou Gus, flutuando a seu lado.

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— Estamos quase lá? — perguntou Mickey, pendurando-se num rochedo feito de velhos
livros de colorir do Mickey Mouse.
— Na verdade, sim. Chegamos.
Mickey virou a cabeça e viu um planalto à frente. Ele cuidadosamente atravessou o rochedo
onde estava e chegou à terra firme.
— O quartel-general do Osvaldo — disse Gus, apontando com a cabeça para uma estrutura
que se assomava em meio ao lixo. Dois personagens em forma de cartas de baralho estavam de
guarda em frente a um par de portas gigantescas.
— Precisamos de uma senha secreta ou coisa do tipo? — perguntou Mickey, inquieto. Sabia
que precisava ver Osvaldo, o coelho era sua única chance de voltar para casa. Ainda assim, estava
preocupado com o fato de encontrar alguém que claramente nutria tanto ressentimento contra ele.
— Parem bem aí! — O Ás de Espadas gritou para eles. Ele ergueu uma lança que carregava
consigo e a apontou para os dois.
— Estamos aqui para ver o Osvaldo — disse Gus.
As cartas de baralho os examinaram de cima a baixo e então começaram a cochichar alguma
coisa entre si. O Sete de Ouros deu um passo à frente.
— Se quiser ver o Osvaldo, precisa se provar digno.
— Como eu faço isso? — perguntou Mickey.
As cartas de baralho voltaram a confabular. Dessa vez, foi o Ás de Espadas quem falou:
— Deve completar um dos desafios do Osvaldo.
— Sem problema — disse Mickey. Afinal, que escolha ele tinha?
Os guardas cartas de baralho levaram Mickey à outra daquelas telas de projetor. Ele se sentia
bastante confiante. Já estava ficando profissional nessa coisa de saltar para dentro e para fora desses
desenhos antigos.
Eles barraram Gus com suas lanças.
— Sem ajuda — ordenaram as cartas. — Ele precisa passar por conta própria. Assim como
Osvaldo fez.
— Estarei esperando aqui! — exclamou Gus. — Boa sorte!
Mickey se lançou pela tela e pousou numa estrada que levava a um castelo medieval. Olhou
em volta. Era evidente que devia haver uma espécie de missão, mas qual seria ela? O título “Um
Bravo Cavaleiro” flutuava sobre sua cabeça.
— Certo, um castelo, a palavra “cavaleiro” — murmurou Mickey. — Imagino que haja uma
donzela em perigo em algum lugar por aqui.
— Socorro! — uma voz feminina gritou do castelo. — Ó, socorro!
— Bem na hora — disse Mickey. — Quando você tá certo, você tá certo.
Ele ergueu o olhar e viu uma princesa na janela no alto de um dos torreões.
— Essa deve ser a donzela.
Mickey deu um passo até o fosso. Sem ponte levadiça. Ele inclinou a cabeça, estudando a
situação. O fosso não parecia muito fundo ou largo. Provavelmente conseguia passar nadando sem
muitos problemas. Ao menos se não fosse feito de tíner.
— Será que tá muito frio...? — Mickey levou a ponta do pé ao fosso.
No mesmo instante, um crocodilo emergiu e fechou os dentes gigantescos a centímetros do
pé de Mickey.
— Iaaaau! — gritou Mickey, caindo de costas no chão.
Ele se levantou aos tropeços, o rosto enrubescido. Passou as mãos nas costas, esperando que
ninguém tivesse visto aquele tombo vergonhoso.
— Certo — murmurou. — Não é tão fácil quanto parece. Bom, acho que também não seria
um desafio se fosse molezinha. E agora?
Mickey observou diversos crocodilos passarem nadando diante de si e então pararem no que
pareciam seus lugares favoritos.
— Hmm — disse, uma ideia surgindo em sua cabeça. Podia funcionar. — Não custa tentar.
Mickey respirou fundo, correu em direção ao fosso e então saltou em meio ao ar. Ele pousou
na cabeça do crocodilo mais próximo e então pulou de um crocodilo para o outro, como se fossem
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trampolins. Antes que os crocodilos pudessem notar o que estava acontecendo, Mickey conseguiu
dar uma cambalhota e passar pelas portas do castelo.
Havia um cavaleiro de armadura de guarda diante das escadas que levavam à torre onde a
donzela estava sendo mantida cativa. E agora?
Mickey viu uma alavanca em destaque na parede de pedra. Não sabia o que fazia, mas podia
ser uma forma de criar uma distração. Ele correu até a alavanca e usou todo o seu peso para puxá-la
para baixo. Então, em meio a um alto rangido, diversas plataformas subitamente saíram da parede e
começaram a flutuar!
— Ótimo!
Não era mais necessário enfrentar o guarda — Mickey tinha sua própria escadaria! Ele foi
saltando de plataforma em plataforma, cada uma delas se recolhendo tão logo seus pés as deixavam.
Com isso, Mickey finalmente chegou ao topo — mas onde estava a donzela? Ele tinha que
encontrá-la rápido, antes que a plataforma na qual estava voltasse para a parede.
— Yoo-hoo!
Mickey se virou e viu que havia escalado a parede errada! A donzela estava acenando para
ele de uma sacada do outro lado do salão cavernoso. Era um longo caminho até lá — e um caminho
ainda maior para descer.
— Yoo-hoo! — Ela o chamou novamente, sacudindo um lenço de cetim em sua direção.
— Hã, sim, oi — respondeu Mickey. — Chego aí num minuto.
A donzela deu uma risadinha e juntou as mãos. Corações cartunescos fofinhos flutuavam à
sua volta. Ela deu mais uma risadinha e os corações seguiram diretamente para Mickey.
Será que funcionaria? Não havia tempo para pensar. A plataforma sob seus pés estremeceu e
então começou a deslizar de volta para a parede. Pouco antes de desaparecer por completo, Mickey
se lançou em meio ao ar, dando uma cambalhota em direção ao coração mais próximo.
— Isso! — festejou Mickey.
Ele montou no coração e o guiou de volta até a donzela.
— Sobe a bordo! — Mickey disse à donzela, que estava radiante.
Juntos, eles saíram flutuando por uma janela e atravessaram o fosso, pousando gentilmente
em meio à grama.
— Muitíssimo obrigada, de verdade — disse a donzela.
Mickey se curvou.
— Fico feliz por ser útil, senhorita. — Ele voltou a se erguer. — Mas agora, tenho que ir!
— Tchauzinho! — exclamou ela enquanto Mickey saltava de volta pela tela do projetor. Ele
pousou bem em frente ao quartel-general de Osvaldo.
— Muito bem! — celebrou Gus.
Mickey sorriu.
— Foi divertido.
— Osvaldo completou este desafio em metade do tempo — disse o Ás de Espadas, a voz
cheia de desdém.
— Ainda assim, nós relutantemente o felicitamos — acrescentou o Sete de Ouros.
— Agora vocês precisam cumprir sua parte do trato — disse Mickey. — Nós entramos para
ver o Osvaldo.
Os guardas confabularam entre si por mais um momento e então olharam para Mickey. Eles
simultaneamente deram um suspiro longo e arrastado.
— Ele não vai ficar feliz — o Sete de Ouros os avisou.
— Sim, essa mensagem já ficou alta e clara — disse Mickey.

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O s guardas cartas de baralho abriram caminho e, assim, Gus e Mickey adentraram o santuário
de Osvaldo. Eles chegaram a uma enorme sala cheia de rolos de filme e projetores velhos.
Havia duas cadeiras de aparência bastante confortável diante de uma mesa gigante com uma
cadeira de couro do outro lado. A sala parecia estar vazia.
— Eu entendo que ele tenha raiva de mim... — Mickey começou a dizer enquanto ele e Gus
davam uma olhada pela sala.
— Ah, você acha? — interrompeu uma voz encharcada de sarcasmo.
A grande cadeira de couro do outro lado da mesa se virou. Havia um coelho sentado nela,
olhando para eles.
— Sou o Osvaldo — disse o coelho. — Eu governo a Refugiolândia dos Cartoons. Antes
disso, eu costumava ser popular. Até que você roubou a minha popularidade, rato.
Eriçado, Mickey respondeu:
— O nome é Mickey.
— Acredite, eu sei. Seu nome, sua aparência, está por toda parte. — Osvaldo abanou suas
grandes orelhas, franzindo o cenho. — Tentei aceitar isso da melhor forma possível, mas só consigo
me perguntar por quê... por que você ficou com todo o sucesso que eu merecia? Ainda assim, fiz
desse um lugar do qual todos nós poderíamos desfrutar. Nós, personagens esquecidos.
Osvaldo passou o braço depressa por cima da mesa e acidentalmente derrubou uma pequena
garrafa de tíner. Gus rapidamente o ajudou a secar o líquido verde, antes que pudesse apagar a mesa
de Osvaldo. Ver o tíner sendo derramado e escorrendo freneticamente por todo lado fez com que
Mickey se lembrasse de um estranho incidente — um que ele acreditava ser uma espécie de sonho.
Mas ele agora se dava conta e isso o atingiu com força total — tinha sido tudo real.
E o pior de tudo, ele era o responsável pela destruição que via ao seu redor! Isso explicava a
terrível sensação que o vinha incomodando desde que chegara à Refugiolândia. Uma única ação
descuidada, irresponsável, sobre a qual ele nunca sequer chegara a pensar muito a respeito tinha
resultado... naquilo? Se Osvaldo tinha raiva dele antes, ele agora realmente o odiaria. Isso é, se
algum dia chegasse a descobrir.
Mickey virou as costas frente à reclamação de Osvaldo.
— Por que você se importaria, não é mesmo? — esbravejou Osvaldo. — Você já tem tudo o
que precisa. Um coração. Eu também tinha um. Antes de você me substituir.
Eita! Então Osvaldo também não era inocente!
— Quer dizer que foi você que me sequestrou? — indagou Mickey. Ele bateu com as mãos
na mesa de Osvaldo e se inclinou na direção do coelho. — Pra roubar o meu coração?
— Tá brincando? — Osvaldo engasgou. Ele levou o rosto bem perto do de Mickey, até
ficarem nariz a nariz. — Eu não quero você aqui. E com o seu coração, você pode sair. Então saia!
Gus se enfiou flutuando em meio aos dois desenhos furiosos.
— Estamos todos na mesma página aqui — disse. — Mickey quer ir embora. Osvaldo quer
que Mickey se vá. Então vamos juntar nossas cabeças e fazer isso acontecer.

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Mickey e Osvaldo olharam um para o outro, mas Osvaldo então enfim voltou a se recostar
em sua cadeira.
— Agora, Osvaldo — disse Gus, sentando-se em uma das cadeiras diante da mesa enquanto
Mickey se acomodava na outra. — Tem alguma ideia de como levar o Mickey de volta para casa?
Osvaldo tamborilou seus dedos na mesa.
— O Foguete Lunar na Cidade do Amanhã — disse ele. — Com energia o bastante, ele pode
te lançar de volta pelo portal.
Mickey se levantou novamente num salto.
— Ótimo. Então é só nos dizer como chegar lá que a gente vai embora e sai do seu pé.
— Não tão rápido — disse Osvaldo. — O Médico Louco sabotou o foguete. Ele precisa de
uns reparos antes.
— É nisso que os Gremlins são os melhores — disse Gus, abrindo um sorriso de orelha a
orelha. — Consertar coisas.
— Pode funcionar... — disse Osvaldo. — Mas primeiro vocês vão ter que coletar as peças
que faltam. O Médico Louco as escondeu em vários lugares diferentes. Acho que queria ser o único
que poderia consertar o foguete.
Mickey estava perdendo a paciência.
— E por acaso você sabe onde estão essas peças? — perguntou entredentes. Parecia que
Osvaldo estava gostando de traçar aquilo tudo.
Osvaldo se recostou novamente em sua cadeira e cruzou os braços atrás da cabeça.
— Sei sim.
Mickey esperou, mas quando Osvaldo não disse mais nada, jogou as mãos para o alto.
— Tá bom. Pode nos contar onde estão as peças?
Osvaldo sorriu.
— Só estou esperando você dizer a palavra mágica.
Mickey revirou os olhos.
— Por favor — disse, a voz monótona. — Pode por favooor nos dizer onde estão as peças?
— Não foi tão difícil, foi? — disse Osvaldo, um sorriso sarcástico estampado no rosto.
Mickey estreitou os olhos e o encarou.
— Tá bom, tá bom — disse Osvaldo. — Você vai ter um baita trabalho pela frente. As peças
estão sendo vigiadas pelos camaradas do médico. São adversários durões. O Bafotrônico na Cidade
do Amanhã está com uma. Ele também deu uma peça ao Capitão Gancho e a outra está escondida
na Mansão da Solidão.
Por que tem que ser tudo tão complicado? Pensou Mickey. Mas então outro pensamento lhe
passou pela cabeça. Talvez as coisas não fossem assim se o desastre do tíner não tivesse acontecido.
— Acho que eu devia te desejar boa sorte, — disse Osvaldo — já que essa é a única forma
de tirá-lo daqui. Te dou os planos do foguete quando estiver com as peças. Não ia querer perdê-los
caso você não consiga.
Gus assentiu.
— E quando o foguete estiver reparado, nós vamos tirá-lo voando aqui da Refugiolândia.
— Quer dizer, ele vai — disse Osvaldo, apontando para Mickey. — Nós não vamos fazer
nada. Não podemos.
Mickey sentiu que era uma boa hora para partir. Não queria aborrecer o coelho de novo.

Assim que Gus e Mickey deixaram Osvaldo, o coelho se levantou e começou a andar de um
lado para o outro.
— A audácia desse rato! Vindo aqui e me pedindo ajuda!
Ele se deitou em seu sofá e continuou esbravejando:

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— Mas o que eu faço? Não o quero aqui, então não tenho escolha. Ajudar o rato. Como se
ele já não tivesse recebido tudo de mão beijada a vida toda. As coisas sempre deram certo pra ele.
Ele voltou a se sentar e repousou os cotovelos nas pernas, o queixo apoiado nas mãos.
— Então devo desejar que ele tenha sucesso? Ou que falhe e eu acabe preso aqui com ele
para sempre?
Como sempre fazia, Osvaldo desejava que Hortência estivesse ali para ajudá-lo resolver essa
situação. E, como sempre, sentia sua falta com cada pincelada de sua existência cartunesca.
Ele se debruçou sobre o braço do sofá e então virou um interruptor, fazendo com que uma
velha tela de filme descesse do teto. Apertando um botão, um projetor atrás de si ligou. Um filme
preto-e-branco granulado começou a passar na tela.
— Ah, Hortência... — Osvaldo suspirou quando seu único e verdadeiro amor apareceu na
tela. As coisas deviam ter sido diferentes, disse a si mesmo. Não devia estar ali sentado sem ela.
Ele começou a se lembrar de quando chegaram à Refugiolândia.
Claro, era uma decepção estar ali, em comparação à vida no mundo “normal” como astros
amados. Mas, ainda assim, eles encontraram um jeito de fazer com que as coisas funcionassem. O
Médico Louco costumava ser seu amigo naquela época. Juntos, eles construíram os Insetoperários,
aquelas máquinas incríveis que os ajudaram a cuidar da Refugiolândia e torná-la cada vez maior e
melhor. Eles pegaram o que outros haviam descartado e deram seus próprios toques. Chegaram até
a construir amigos animatrônicos e a população da Refugiolândia dos Cartoons continuou a crescer,
assim como a própria terra à sua volta. Gus e os outros Gremlins podiam consertar qualquer coisa e
assim costumavam fazer.
Era evidente que Osvaldo ainda desejava toda a popularidade da qual certa vez gozara. Ele
sempre sentia como se lhe faltasse alguma coisa, principalmente quando viu como Mickey o havia
substituído por completo. Mas Hortência normalmente conseguia tirá-lo dessa maré de depressão.
Ele e os outros habitantes viviam vidas felizes.
Mas então...
Se ao menos o desastre do tíner nunca tivesse acontecido! Tudo seria diferente. Até mesmo
Osvaldo seria diferente. Ele e Hortência ainda estariam juntos. O Médico Louco ainda seria um
colega, não um culpado. A Refugiolândia não seria um lugar tão... desolado.
— O Mancha! — gritou Osvaldo. Ele bateu o punho com força na mesa. O controle remoto
acabou tombando de cima dela, fazendo o filme congelar numa imagem de Hortência.
Osvaldo se levantou e atravessou a sala até a tela.
— Ah, Hortência, por que você fez aquilo?
Ele fitou a imagem e aquela memória horrível voltou com tudo para sua cabeça. A batalha
para conter o Mancha, que estava destruindo toda a Refugiolândia. O Médico Louco trocando sua
lealdade para o Mancha. Osvaldo nunca chegou de fato a compreender isso, embora Hortência
suspeitasse que o Médico Louco tinha se voltado contra ele antes mesmo do desastre do tíner. Mas
foi o desastre do tíner o que permitiu que o Médico Louco realmente pusesse seus planos definitivos
— fossem eles quais fossem — em prática, que tirasse vantagem do caos e da destruição.
O Mancha devastou tudo que havia pela frente e todo desenhos desafortunado o suficiente
para estar em seu caminho teve sua essência vital cartunesca sugada de si — deixando-os inertes,
como se fossem estátuas.
— A gente sempre pulava de volta — Osvaldo disse à imagem de Hortência no filme, a voz
entristecida. — Meio que uma marca registrada dos desenhos, se parar pra pensar. Se uma bigorna
caísse na sua cabeça, claro, você podia ficar achatado por um minuto, mas aí você pulava de volta
ao normal. Mas isso...
Ele sacudiu a cabeça diante da memória. Todos andavam pelas ruas em choque absoluto,
aterrorizados de uma forma que nunca tinham estado antes. Ver seus amigos como formas imóveis
e inanimadas era devastador. E a guerra continuou! Ensandecido, o Mancha e seus lacaios de tinta
— Videntes, Borrifadores, Babadores e todos os outros Manchasseclas — pretendiam aniquilar a
Refugiolândia.
Osvaldo e Hortência estavam determinados a deter aquele reinado de terror e a destruição
definitiva de tudo o que amavam. Eles bolaram um plano para prender o Mancha na mesma garrafa
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de tíner que havia caído na Refugiolândia quando o Mancha foi criado. Osvaldo serviu como alvo,
tentando fazer com que o Mancha fosse atrás dele. Mas quando o Mancha se lançou contra Osvaldo,
Hortência empurrou seu amado para fora do caminho no último segundo. Ela ficou bem na frente
do Mancha quando ele tombou para dentro da garrafa, encharcando-a por inteiro e acabando por
transformá-la numa estátua, inerte e inanimada.
De alguma forma, Osvaldo ainda teve a lucidez para enfiar a rolha na boca da garrafa. Ele
tinha aprisionado o Mancha. E, ao mesmo tempo, perdeu sua razão para viver.
— Hortência — sussurrou Osvaldo. Ele recuou um passo e apertou um botão no controle
remoto. O filme voltou ao início. Lá estava ela, dançando, sem uma única preocupação no mundo.
Enquanto a verdadeira Hortência só conseguia olhar para o mundo, eternamente imobilizada.
O pior de tudo era que seu sacrifício não conseguiu dar fim à guerra contra o Mancha. Seus
lacaios continuavam devastando a Refugiolândia.
Osvaldo afundou no sofá, jurando a si mesmo que jamais perdoaria aqueles que tanto lhe
haviam tirado.

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—E
u gosto da Cidade do Amanhã — disse o Gus.
Ele e Mickey haviam chegado através de um projetor ao primeiro local na
lista que Osvaldo lhes dera.
— Tão brilhante. Tão cheia de máquinas. Tantas engrenagens e alavancas. Devo dizer, é o
meu tipo de cidade.
— Sim, claro — disse Mickey, sem de fato escutar. Estava cabisbaixo, olhando para os pés.
Mickey Mouse, um personagem animado tão amado e bem-sucedido, estava se sentindo para baixo.
Ele nunca fora o objeto de tamanha raiva e ressentimento.
Agora que entendia qual havia sido o seu papel nas coisas terríveis que aconteceram ali, se
sentia ainda pior. A culpa por ter derramado o tíner que destruíra tanto daquele mundo e libertara o
Mancha sobre a Refugiolândia e seus habitantes inocentes fazia seu estômago doer. Será que havia
alguma coisa, ele se perguntava — qualquer coisa — que pudesse fazer para consertar as coisas?
— Cuidado! — exclamou Gus. — Tíner!
Mickey ergueu o olhar quando Gus o atirou no chão. E bem na hora! Uma rajada de tíner
passou com tudo sobre suas cabeças. Ele e Gus se enfiaram embaixo de uma plataforma circular
para evitar o disparo.
Mickey teve um momento para assimilar o que havia em volta. Os dois estavam num lugar
que parecia uma cidade do futuro. Pareciam estar numa espécie de arena, com plataformas móveis
circulando um palco central. Luzes pulsantes piscavam nas beiradas, criando imagens atordoantes.
Enormes espirais de néon se assomavam ao redor deles.
Mickey podia ver um foguete mais adiante. Era a própria nave que o levaria para casa. Mas
isso só aconteceria se ele e Gus conseguissem recuperar as peças que faltavam. Isso fez Mickey
focar. Não podia se preocupar com o passado ou com o futuro. Tinha que se concentrar no aqui e
agora. E agora, alguém estava jogando tíner neles!
— Acho que perdemos o elemento surpresa — Mickey disse a Gus.
Ele ergueu a cabeça por cima da plataforma para examinar a grande criatura diante deles.
— É o Bafo! — disse Mickey, surpreso.
— O Bafotrônico — corrigiu Gus. — É na verdade uma versão animatrônica do personagem
que você conhece.
Mickey já havia encontrado o João Bafo-de-Onça — ou pelo menos uma versão dele — em
seu próprio mundo. Bafo costumava ser seu adversário, mas Mickey sempre achava um jeito de sair
por cima. Acontece que o personagem diante de si agora era feito de peças mecânicas descartadas.
O Bafotrônico certamente tinha muito mais força, energia e estamina que qualquer outro Bafo que
Mickey já tivesse enfrentado.
Mickey examinou o Bafotrônico mais cuidadosamente e engoliu em seco. Esse Bafo parecia
maior, mais forte — e vestia uma série de engenhocas futurísticas, incluindo os tanques que usava
nas costas, que mais pareciam equipamentos de mergulho.
— Está vendo aquele disco na plataforma na frente do Bafotrônico? — sussurrou Gus. —
Essa é a peça do foguete que precisamos.
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Mickey engoliu em seco outra vez.
— Você acha que se pedirmos com jeitinho, ele, sei lá, não entrega pra gente?
— Espero que esteja pronto pra ver estrelas! — vociferou o Bafotrônico.
— Não acho que ele esteja falando do modelo de galáxia pendurado sobre as nossas cabeças
— disse Gus.
— Então acho que “por favor” não vai funcionar — murmurou Mickey.
O Bafotrônico arrancou um pequeno disco brilhante de uma coleção pendurada em seu cinto
e o atirou contra eles.
— Eita! — ganiu Mickey, cobrindo a cabeça. O disco pousou atrás dele e se rompeu com o
impacto. Saiu tíner de dentro dele e a plataforma na qual estavam começou a se dissolver!
Gus se lançou ao ar enquanto Mickey tombava na plataforma de baixo. Ele se ergueu aos
tropeços e olhou para Gus.
— E agora?
Gus desceu até a altura de Mickey.
— Ali — disse, apontando para outra plataforma mais ao lado. — Acho que fica fora do
alcance do Bafotrônico.
Mickey correu pelas plataformas inferiores, saltando pelo vão entre elas enquanto Gus se
esquivava dos jatos de tíner. Mickey se revirava e desdobrava para desviar dos respingos que caíam
sobre as plataformas inferiores. Iam aparecendo buracos onde quer que o tíner tocasse.
Eles finalmente conseguiram chegar a uma plataforma atrás do Bafotrônico. Gus se agarrou
nos punhos de Mickey.
— Quando eu contar até três — disse Gus.
No “três”, Mickey saltou da plataforma e Gus o impulsionou para o ar. Os dois se lançaram
com tudo para a plataforma superior. O Bafotrônico se virou e começou a disparar outra rajada de
tíner. Mais uma vez, Gus e Mickey conseguiram se esquivar da investida.
— Não vale! — rosnou o Bafotrônico. Ele bateu o pé com tanta força que Mickey acabou
pulando alguns centímetros do chão. — O Bafo sempre vence! — resmungou o Bafotrônico, sem
parar de bater o pé.
— Ele tá tendo um ataque de pelanca — disse Mickey, lutando para ficar de pé enquanto as
poderosas pisadas do Bafotrônico sacudiam a plataforma. — É só um bebezão.
— Um bebezão infeliz e potencialmente letal — comentou Gus.
Mickey sabia que precisava agir — tinha que pegar as peças do foguete que faltavam. E esse
era só o primeiro componente que tinham que coletar antes que pudesse voltar para casa.
Mickey segurou o pincel com força, preparando-se para lançar um jato de seu próprio tíner.
Mas no último momento, ele trocou de mão. Gus tinha dito que a tinta podia transformar inimigos
em aliados, não é verdade?
Ele lançou um grande disparo de tinta contra o Bafotrônico. Enquanto o fazia, o Bafotrônico
lançou tíner em todas as plataformas.
— Cuidado, Mickey! — gritou Gus. — As plataformas estão sumindo de novo!
Mickey parou seu ataque de tinta e rapidamente pintou as plataformas, antes que caísse no
abismo. Por sorte, Gus podia voar e não estava em perigo.
— Distraia ele! — exclamou Mickey.
— Pode deixar comigo! — Gus saiu voando em volta do Bafotrônico, tentando atrair seus
disparos para si.
Primeiro, Mickey lançou tinta no Bafotrônico para desacelerá-lo. Enquanto o Bafotrônico se
arrastava de um lado para o outro atrás de Gus, acabou virando as costas para Mickey. Agora, o
camundongo podia mirar diretamente nos tanques do Bafotrônico. Mickey disparou cada vez mais
tinta nos tanques, até que os reservatórios ficassem completamente cheios. Finalmente, encharcado
de tinta, o Bafotrônico parou seu ataque. Ele se virou e sorriu.
— Mickey, meu velho amigo — disse ele, seu sorriso aumentando. — Fico feliz que tenha
passado por aqui. Tem algo que eu possa fazer pra te ajudar?

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Mickey piscou e então olhou para o pincel. Uau. Ele podia mesmo deixar os inimigos mais
amigáveis. Ele pensou em toda a destruição que o tíner havia causado — à Refugiolândia, à torre do
relógio. Tinta era muito mais legal.
— Parando pra pensar, Bafo, tem sim — disse Mickey. — Tá vendo esse disco aí na frente
da sua plataforma? A gente bem que precisava dele.
— Essa coisa velha? — O Bafotrônico pegou o disco. — Nem sei porque tenho isso aqui.
— Se importa se ficarmos com ele? — perguntou Gus.
— Nem um pouco. — O Bafotrônico jogou a peça para Gus, que logo saiu voando para se
juntar a Mickey.
— Obrigado — disse Mickey.
— Vê se aparece mais vezes — exclamou o Bafotrônico quando os dois saíram correndo.
— Um já foi, faltam dois — disse Gus, animado.
— Gostei dessa coisa — disse Mickey, admirando o pincel. — Teve mesmo um bom efeito
no velho Bafo.
— Mas é bom que saiba que a tinta nem sempre será a escolha certa — alertou Gus. — Às
vezes, um inimigo simplesmente tem que ser eliminado. Nem todos podem mudar. A parte difícil é
saber o que fazer e quando.
Mickey suspirou. Para ele, tudo parecia a parte difícil.

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—E
sse lugar é mesmo bem diferente da Cidade do Amanhã — comentou Mickey.
— Ah, sim, um mundo totalmente diferente — concordou Gus. — A Terra
da Aventura é o tipo de lugar onde as coisas enferrujam bem rápido. Devo dizer, me
sinto mais em casa num lugarzinho mais bonito, brilhante e metálico, como a Cidade do Amanhã.
— Eu me sinto mais em casa em casa — disse Mickey.
Eles haviam chegado a uma área tropical cheia de vegetação exuberante e plantas e flores
perfumadas. Mas uma gigantesca rocha em forma de caveira se assomava de forma intimidante
sobre os arredores idílicos. Aquele não era um paraíso qualquer. Aquela rocha marcava a Ilha da
Caveira — o que queria dizer que haviam piratas à espreita em todo e qualquer lugar.
— Se esses piratas forem bandidos e não aliados, realmente espero ter tíner e tinta suficiente
pra cuidar deles — disse Mickey, preocupado. — Quantos você acha que tem?
— Não saberia dizer — respondeu Gus. — Eles tendem a ficar na Terra da Aventura. Eu
normalmente estou na Vila dos Gremlins.
— Quando não está sendo sequestrado pelo Médico Louco, quer dizer — disse Mickey.
— Ou ajudando um amigo a voltar pra casa — acrescentou Gus com um sorriso.
— É, obrigado por isso. — De repente, Mickey se deu conta de que Gus estava arriscando a
vida para ajudá-lo. Mas o pequeno Gremlin fazia isso com alegria, sem nunca reclamar de nada. —
De verdade, obrigado.
A brisa suave agitava os galhos das árvores enquanto o canto dos pássaros e o silvo dos
insetos se combinavam para fazer uma sinfonia insular. Foi quando outro som se juntou à mescla.
Gus agarrou o braço de Mickey.
— Está ouvindo isso?
Mickey franziu o cenho.
— Parece alguém chorando.
Eles seguiram por uma trilha que passava pela selva até saírem à beira de uma clareira mais
adiante. Deram uma olhada em meio às folhagens e viram pequenos casebres coloridos em volta de
uma praça. Havia um poço bem no centro, o mastro de um navio com uma bandeira pirata em riste
saindo do meio. Embaixo de uma árvore próxima havia um personagem com uma camisa listrada
vermelha e branca, uma bandana e um par de óculos.
— Eu conheço esse pirata — disse Mickey. — É o Smee!
Smee tirou um lenço do bolso e assoou o nariz ruidosamente.
— Não acho que vamos ter que nos preocupar com ele — Mickey prosseguiu. — Ele pode
até nos ajudar.
Mickey saiu correndo em frente. O pirata choroso imediatamente ergueu o olhar e secou as
lágrimas dos olhos. Mickey não sabia bem por onde começar. Ele nunca se deparara com um pirata
às lágrimas antes.
— Hã, calma, vai... ficar tudo bem? — Ele tentou dar uns tapinhas no ombro de Smee.
— Você não é o braço direito do Capitão Gancho? — perguntou Gus, aproximando-se
enquanto flutuava ao lado de Mickey.
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Smee pigarreou e amassou o pano.
— O único braço dele, se parar pra pensar — disse ele, melancólico.
Mickey se lembrava que o nome do Capitão Gancho se devia ao gancho que substituía uma
de suas mãos. Um crocodilo havia arrancado por inteiro uma das mãos do capitão. Diziam que o
crocodilo desenvolvera um forte vício pelo sabor de Gancho e agora seguia o pirata por todo lado.
Smee levou o lenço aos olhos novamente quando eles voltaram a se encher de lágrimas.
— Qual o problema? — perguntou Mickey.
Smee deu um longo suspiro.
— Eu e o capitão... nós costumávamos ser assim! — Ele juntou os dedos e os enrolou um no
outro. Mickey imaginou que Smee queria dizer que eles costumavam ser próximos. — Até aquele
terrível problema começar e ele nos perseguir até deixarmos Tortuga.
— Mas vocês são a tripulação dele — disse Gus. — Por que ele faria algo assim?
— Ele não fez exatamente — admitiu Smee. — Ele teria preferido que ficássemos... era tudo
parte do plano dele. Então nós tivemos que fugir, foi isso o que aconteceu. Ele estava nos arrastando
para a Ilha da Caveira. Era onde piratas como nós costumávamos morar — Smee disse a Mickey.
— Vocês não moram mais lá? — perguntou Mickey.
— Não depois que o Gancho começou a nos transformar em monstros! — Smee olhou em
volta, como se estivesse com medo de que alguém pudesse ouvi-lo. — O Gancho é um deles, é sim.
Ele transformou alguns dos meus melhores camaradas em feras mecânicas.
Agora Mickey tinha entendido. O Capitão Gancho estava fazendo para si uma tripulação de
animatrônicos, construída a partir de seus próprios homens. Diabólico. Seria impossível derrotá-los
e eles seriam leais única e exclusivamente a ele.
— Ele está mais cruel que nunca agora — gemeu Smee. — E esses monstros não estão nem
aí pros seus velhos camaradas... nós! Então viemos para cá.
Mickey começou a bater o pé, impaciente. Ele se sentia mal por ver Smee e os outros piratas
infelizes, mas aquilo não o parecia estar levando mais perto de coletar a próxima peça do foguete.
— Minha tripulação! — gemeu Smee. — Outrora tão em forma e agora tão...
— Preguiçosa? — propôs Gus.
— Lerda? — sugeriu Mickey.
Smee franziu o cenho.
— Eu ia dizer... desfocada — declarou ele em meio a um harrumph. — A questão é que, se
esses monstros invadissem, nós não seríamos páreos para eles agora. Se ao menos alguém pudesse
destruir seu líder...
— Gancho — interrompeu Mickey, esperando acelerar as coisas.
Smee o encarou, mas logo prosseguiu:
— Sim, o novo Gancho mecânico — corrigiu Smee, olhando diretamente para Mickey. —
Derrote-o e os outros não terão chances.
— Nos aponte a direção certa e deixa que a gente cuida disso — disse Mickey. — Gancho é
exatamente o homem...
— Monstro! — Smee o corrigiu novamente.
— ...O monstro — cedeu Mickey — que viemos ver. Ele tem algo que estamos procurando.
Os olhos de Smee se alargaram.
— Uh, é uma espada com a empunhadura de diamante? Eu adoraria ter uma espada com a
empunhadura de diamante. Os acessórios certos deixam a pancadaria ainda mais fácil, sabia?
— Não, não é nenhum tipo de espada — disse Mickey, escondendo um sorriso. — Mas se
virmos uma, com certeza pegamos pra você.
— Você sabe onde ele está agora? — perguntou Gus.
— Está a bordo do Jolly Roger, ancorado logo ao lado da Ilha da Caveira. — Smee apontou
um dedo trêmulo para a aterrorizante rocha em forma de caveira. — Mas tomem cuidado. Essas
monstruosidades são, bem, monstruosas!
— Podemos cuidar de nós mesmos — prometeu Mickey. Então pensou melhor em sua
resposta simplista. Aquele lugar já havia lançado tantas coisas novas e estranhas contra ele que não

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havia como simplesmente prever qualquer resultado. Talvez não devesse ser tão orgulhoso. — Ou
pelos menos pudemos até agora — acrescentou.
Eles seguiram as instruções de Smee e atravessaram a selva, de olhos atentos a qualquer um
dos piratas animatrônicos recém-criados. Eles finalmente chegaram ao cais e deram uma espiada em
meio às folhagens.
— O infame Jolly Roger — murmurou Mickey.
— A escória dos mares da Refugiolândia — disse Gus, a voz solene.
O navio de madeira estava ancorado na baía escura. A brisa forte sacudia sua bandeira de
caveira e ossos cruzados. As velas esfarrapadas que voavam nos mastros se enchiam a cada lufada
de vento. Mickey ergueu o olhar em direção ao cesto da gávea e ficou aliviado ao ver que não havia
ninguém de vigia. Parecia que Gancho estava sozinho.
— Eu posso voar até o navio, — disse Gus — mas como você vai chegar lá?
— Boa pergunta.
Mickey examinou a área. Havia um pequeno bote amarrado ao lado do cais raquítico. Será
que conseguiria remar até o Jolly Roger sem ser notado? Era um risco que precisaria correr.
— Quando estiver a bordo do navio, — Mickey instruiu Gus — eu cuido do Gancho. Você
procura o componente do foguete.
— Parece um bom plano — disse Gus.
Mickey se esgueirou depressa por entre a vegetação rasteira e correu sorrateiramente até o
cais. Ele cuidadosamente deu a volta por um Respingador — um tipo de Manchassecla que passa a
maior parte do tempo dormindo. Contanto que Mickey não o acordasse, ele ficaria bem. Avançando
um pouco mais na ponta dos pés, ele chegou ao bote. Mickey subiu a bordo, o desamarrou e então o
empurrou do cais com um remo que fora deixado no fundo da embarcação. Até então, tudo certo.
Ainda não tinha visto nenhum sinal de vida no Jolly Roger.
Ficando abaixado no bote, Mickey remou até chegar ao lado do navio pirata. Ele ergueu o
olhar para a embarcação muito maior que se assomava sobre si, imaginando como subir a bordo.
Foi quando, de repente, alguma coisa bateu na lateral do bote, jogando líquido para dentro
da embarcação e ensopando Mickey. Ele segurou o fôlego e congelou por um momento, com medo
de que fosse começar a dissolver.
Ufa. Ele deu um longo e trêmulo suspiro de alívio. A lagoa não era feita de tíner! Mas o que
havia batido no bote? Mickey espiou pela beirada e viu um crocodilo animatrônico erguer a cabeça
e abrir sua bocarra enorme. Mickey voltou para dentro do bote no instante que o crocodilo fechou
seus dentes afiados feito facas.
É melhor eu subir a bordo do Jolly Roger depressa, pensou Mickey. Quanto mais esperasse,
maior era a probabilidade de Gancho vê-lo. E agora havia ainda a possibilidade de virar lanche de
crocodilo. Ele lembrou a si mesmo que o crocodilo estava atrás de Gancho, mas Mickey tinha a
sensação de que a criatura não se importaria com um camundongo como aperitivo.
Mickey não via um jeito de subir a bordo do navio, então pintou um. Com algumas rápidas
pinceladas, criou uma escada de corda e a usou para subir até o convés. Ele imediatamente disparou
para trás do mastro central.
Boom! Uma bola de canhão atingiu com tudo o parapeito do navio, a meros centímetros de
onde Mickey estivera instantes antes. Ela caiu na lagoa de tinta escura, lançando ao ar uma nuvem
de meio metro que espalhou tinta para todo lado antes de cair com tudo em cima do convés.
Mickey deu uma espiada de trás de seu esconderijo. O Capitão Gancho se ergueu dentro de
um barril, sua mão boa acariciando o canhão a seu lado. Ele entrelaçou o bigode extravagante com
seu gancho infame. Gancho mais parecia um cavaleiro que um pirata desprezível com aquele seu
sobretudo vermelho e o folho branco no pescoço. Ele claramente se preocupava com sua aparência:
os longos cabelos negros balançavam embaixo de um chapéu festivo decorado com uma pena. Mas
aquilo não enganava Mickey — ele já ouvira muitas histórias sobre o notório Capitão Gancho.
— Onde estão meus modos? — rosnou o Capitão Gancho. — Bem-vindo a bordo. — Ele
fez um gesto com seu gancho, como se convidando Mickey para andar livremente pelo convés. —
Espero que me perdoe pelo desafortunado lapso de etiqueta.

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— Muitíssimo obrigado — respondeu Mickey atrás do grande mastro. — Não me ofendeu.
Bom, exceto pelo incidente da bola de canhão. Mas se está dizendo que sente muito por isso, posso
esquecer a coisa toda.
Ele estava enrolando, tentando ganhar tempo para bolar um plano. O que não conseguia
entender era por que o sujeito estava num barril. Só tem um jeito de descobrir, decidiu Mickey. Ele
disparou um jato de tíner contra o barril. Ele dissolveu o recipiente e agora Mickey podia ver que,
da cintura para baixo, o capitão era um robô.
— Você é mesmo um animatrônico!
— Surpreso? — perguntou Gancho, lançando uma adaga contra Mickey. Ela perfurou o
mastro em meio a um baque oco, passando a poucos centímetros da orelha esquerda de Mickey.
— Desenhos como você, feitos de tinta, nunca sobreviverão ao que vem por aí. — Ele deu
uma gargalhada terrível e sacou sua espada. — Eu, por outro lado, não tenho nada a temer.
— Ah, é? — respondeu Mickey. — Nem aquele grande crocodilo faminto que fica rodeando
o navio? Porque acho que você devia ter bastante medo dele!
Gancho ficou pálido e se jogou em outro barril que havia ali por perto. Apenas a pena de seu
chapéu continuava visível.
— Ele ainda está lá? — perguntou ele, sua voz abafada dentro do recipiente.
Essa era a chance de Mickey e ele a aproveitou. Ele logo correu em frente e derramou uma
grande enxurrada de tíner no convés do navio. Recuando num salto para não cair no buraco que
havia criado, Mickey saiu correndo.
Gancho colocou a cabeça para fora do barril. Quando viu Mickey subindo pela escada de
corda que levava ao cesto da gávea, ele voltou a se erguer lá dentro.
— Você ousa reivindicar o meu navio? — vociferou Gancho, sacudindo um punho cerrado
no ar. Ele jogou a espada no chão, sacou um bacamarte prateado e começou a atirar. Ping! Ping!
Ping! Cada disparo fez Mickey se encolher, mas, por sorte, Gancho não tinha uma boa mira. Por
mais sorte ainda, quanto mais furioso e frustrado Gancho ficava, mais ele rolava em seu barril.
Mickey se pendurou no mastro e deu a volta para o outro lado, esperando se proteger de
quaisquer novos disparos. Ele subiu até o cesto da gávea e se jogou lá dentro. Então observou para
ver se seu plano funcionaria.
— Desça já aqui, camundongo, e lute como homem! — urrou Gancho. — Ou vou arrancá-lo
daí com um tiro de canhão. Não me importa se vou destruir o meu navio para fazê-lo! O Médico
Louco simplesmente vai me construir um maior e melhor! Não pense que não vou fazê-lo!
— Vá em frente — provocou Mickey. — Sua mira é tão ruim que provavelmente vai acabar
atirando na própria cabeça!
— Seu verme! — rosnou Gancho. — Como ousa insultar o pirata mais engenhoso e notório
que já navegou esses mares?! — Ele começou a sacudir e saltitar, tentando alcançar o canhão para
que pudesse recarregar e reposicionar a arma.
Mickey segurou o fôlego. Só mais alguns centímetros e...
Splash! O capitão furioso tombou do barriu e caiu bem em cima do buraco que Mickey tinha
feito com o tíner.
— Nãããããããããããão! — gritou Gancho enquanto caía.
Ele afundou no mar de tinta lá embaixo, mas logo voltou a emergir na superfície, cuspindo e
jogando tinta para todo lado. Seu chapéu saiu flutuando ao longe e a água de tinta escorreu por seu
rosto e cabelo. De repente, outra cabeça emergiu na superfície — o crocodilo!
— Ahhhh! — berrou Gancho. Ele se virou e saiu nadando dali às pressas, o crocodilo lhe
perseguindo alegremente.
— Acho que isso resolve tudo — disse Mickey. Ele se inclinou junto à beira da cesta da
gávea. — Gus! Gus! Cadê você?
Gus saiu voando da cabine do capitão na proa do navio.
— Ahoy, meu camarada! — disse ele.
— Conseguiu encontrar? — perguntou Mickey. Ele logo desceu da cesta da gávea.
— Encontrei uma coisa, mas preciso da sua ajuda — disse Gus.
Mickey seguiu Gus até os aposentos do pirata.
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— Acredito que esse baú do tesouro seja um bom lugar para procurar — explicou Gus. —
Mas não consigo abri-lo.
Mickey disparou tíner na fechadura e o baú logo se abriu. Eles ergueram a tampa pesada e
então recuaram um passo, maravilhados. Dentro havia um estoque de joias, moedas de ouro e...
— Um ursinho de pelúcia? — Mickey ergueu o bichinho.
Gus deu de ombros.
— Tanto faz. — Mickey voltou a escavar pelos tesouros.
— É isso! — Gus apontou para uma engenhoca de ferro que parecia muito mais mecânica
que todo o resto do espólio do pirata.
Mickey pegou o dispositivo e se levantou.
— Então nós fomos ao futuro e navegamos em águas piratas. O que vem agora?
Gus parecia um pouco tenso.
— Uma casa assombrada.
— Eu tinha que perguntar... — Mickey suspirou.

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U m trovão ribombou enquanto um relâmpago cruzava o céu, iluminando uma enorme mansão
adiante. As persianas batiam ruidosamente nas paredes descascadas e as janelas quebradas
estavam cobertas de sujeira, o que tornava difícil ver lá dentro. O estado era deplorável, com
uma varanda decadente com várias tábuas faltando e uma chaminé precariamente tombada.
— Ela é mesmo assombrada? — Mickey perguntou a Gus.
— Foi o que ouvi dizer — disse Gus. — Nunca estive lá dentro.
Mickey olhou para a estrutura de três andares que um dia fora bem elegante. Estava escuro,
mas, vez ou outra, ele achava ter visto luzes piscando na mansão escura e deserta. Um movimento
no alto do sótão chamou sua atenção, mas, antes que pudesse comentar a respeito com Gus, seja lá o
que fosse o que passara pela janela em pedaços tinha sumido.
— Vai ser um lugar e tanto pra procurar — disse Mickey. — Queria que tivéssemos alguma
ideia de onde o Médico Louco esconderia essa peça do foguete.
— Acho que só há um jeito de descobrirmos.
Nenhum deles se mexeu. Mickey esperou que Gus fosse em frente, mas Gus parecia estar
esperando que Mickey tomasse a dianteira. Foi a primeira vez que Mickey viu Gus com medo, o
que por sua vez o acabou deixando com medo também.
— Tá, no três — disse Mickey. — Um, dois, vamos!
Eles saíram correndo pelo cemitério horripilante, cheio de túmulos em ruínas. Mickey sentiu
a presença de outros por perto. Quer fossem os Manchasseclas do Mancha, Insetoperários como as
máquinas malucas que atacaram Mickey no laboratório ou fantasmas assustadores, ele não sabia e
não queria descobrir. Apenas seguiu diretamente até a entrada e não se desviou do caminho nem
sequer por um segundo.
Mickey e Gus entraram correndo na mansão e bateram a porta com tudo depois de passarem.
Mickey se recostou na porta com toda a força.
— Ufa — disse, passando a mão na testa. Gus o cutucou mais ao lado.
— Er, não estamos sozinhos.
Mickey realmente não queria olhar, mas sabia que precisava. Ele se virou devagar.
— Almas penadas! — ganiu.
Figuras transparentes e fantasmagóricas pareciam estar por todo lado! Flutuando ao longo
das escadas, rodopiando pelas cortinas das janelas, balançando de um lado para o outro nos lustres,
brincando de pega com cálices e castiçais.
— Elas parecem estar se divertindo — sussurrou Mickey. — Talvez não nos notem.
— Assim espero — disse Gus, inquieto. — Esse tipinho adora pregar peças.
— Dá pra ver — disse Mickey, observando uma dupla de fantasmas mais gordinhos jogando
o chapéu de um de seus camaradas de um para o outro.
O pobre fantasma do chapéu pulava de um lado para o outro entre eles, tentando sem sorte
pegar o adereço transparente de volta.
Os dois fantasmas gordos riam tanto que suas barrigas sacudiam.
— Onde você acha que devemos procurar pela peça do foguete? — perguntou Mickey.
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— Não faço ideia, — admitiu Gus — mas sugiro que saiamos do salão de entrada antes que
esses fantasmas comecem a brincar conosco.
— Boa ideia — disse Mickey. Foi quando viu uma grande porta do outro lado da escadaria.
— Vamos nos esconder naquela sala. Vai ser mais fácil bolar um plano se não tivermos que nos
preocupar com esses pestinhas desordeiros.
Mickey e Gus se esgueiraram sorrateiramente ao longo da parede, tentando permanecer os
mais discretos possível. Por sorte, as almas penadas estavam se divertindo demais com a desordem
no salão para notá-los.
Foi preciso que Gus e Mickey combinassem sua força para abrir a porta pesada. Eles deram
uma olhada lá dentro.
Bam! Paf! Ka-bum!
Estantes de livros deslizavam pelo chão de um lado para o outro, batendo em paredes e
jogando livros que voavam de suas prateleiras. Mickey e Gus recuaram aos tropeços e saíram da
biblioteca, fechando a porta com tudo outra vez.
— Essa é a biblioteca mais barulhenta que eu já vi — comentou Gus.
— É — concordou Mickey. — Nunca imaginei que ler podia ser um esporte radical.
— E agora? — perguntou Gus, franzindo o cenho.
— Parece que o Médico Louco esteve aqui — disse Mickey, indicando os Insetoperários em
forma de pássaros conhecidos como Saltadores que estavam empoleirados ao longo do corrimão do
andar superior. Mickey não sabia ao certo o que podiam fazer com ele, mas também não estava
planejando descobrir.
— Uhh — disse Gus, agarrando o braço de Mickey. — E tem um Insetoperário Esmagador
naquela sacada.
— O que ele faz? — perguntou Mickey.
— Ele se chama “Esmagador” — disse Gus. — O que você acha que ele faz?
— Certo. — Mickey pôs a mão no queixo, pensando. — Será que estão aqui para proteger
alguma coisa lá em cima?
— Faz sentido — disse Gus. — Então acho que lá em cima é onde temos que ir.
Mickey e Gus examinaram a escadaria. As almas penadas iam deslizando pelos corrimãos,
se espreguiçavam nos degraus e perseguiam umas às outras, subindo e descendo as escadas.
— Queria que tivesse outro jeito de subir — disse Gus.
Mickey olhou em volta, procurando por uma alternativa.
— Talvez possamos usar aquilo — disse, apontando para um lance de escadas que parecia
fundido à parede. — Se conseguirmos achar um jeito de fazer essas escadas funcionarem...
— Tinta pode dar certo — sugeriu Gus.
Mickey pegou seu pincel e usou toda a sua força para lançar tinta nas escadas — mas errou a
mira e não acertou seu alvo. Em vez disso, acabou atingindo um crânio pendurado na parede. O
crânio abriu um sorriso desdentado e começou a brilhar. Mickey e Gus observaram em choque
enquanto algumas das almas penadas desordeiras se acalmavam. Metade das escadas voltou a seu
lugar em meio a um grande ruído.
— Tente outro crânio! — sugeriu Gus.
Mickey se virou para tentar pintar outro crânio, mas deu um baita pulo na mesma hora, bem
a tempo de desviar de um fantasma gordo que rosnava enquanto sacudia uma corrente barulhenta
que passou raspando por ele.
— Sai da frente, penadinho! — exclamou Mickey.
Enquanto girava para sair do caminho da corrente, disparou um jato de tinta no crânio na
parede oposta. Assim que a tinta atingiu o crânio, ele também abriu um sorriso e começou a brilhar.
O resto das almas penadas saíram voando, deixando o salão muito menos caótico e ameaçador.
Ainda melhor — o resto das escadas também voltaram ao lugar.
— Acho que esses crânios eram os demônios no comando — disse Mickey.
Mickey e Gus subiram correndo pelas escadas.
— Tem alguma ideia de para onde está indo? — perguntou Gus.
— Na verdade, não — disse Mickey.
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— Então temos isso em comum — disse Gus, assentindo. — Só queria ter certeza.
Chegando lá em cima, Mickey derrapou até parar.
— Ouça — disse.
Gus e Mickey inclinaram as cabeças.
— Gemidos, barulho de correntes, uma música misteriosa, rangidos e o vento uivante. Na
verdade, parece bem típico para uma casa assombrada. — Gus deu de ombros. — Por quê? O que
eu devia estar ouvindo?
Mickey levou um dedo aos lábios, silenciando Gus. Uma grande gargalhada parecia estar
vindo do sótão.
— Eu já ouvi essa risada antes — disse.
Mickey e Gus rapidamente olharam um para o outro.
— O Médico Louco! — exclamaram em conjunto.
— O que fazemos agora? — perguntou Gus.
— Digo para confrontarmos ele e exigirmos que nos diga onde está a última peça do foguete
— disse Mickey. — E enquanto isso, posso dizer umas poucas e boas pra ele, botar tudo pra fora.
— Contanto que não acabe botando seu coração pra fora... — alertou Gus.
— Já entendi — disse Mickey. — É só tomarmos cuidado.
Eles subiram correndo até o sótão e pararam cada um num dos lados da porta.
— Pronto? — Mickey ergueu seu pincel.
Gus empunhou sua chave inglesa de confiança e assentiu.
— Pronto.
Eles abriram a porta do sótão com tudo e se depararam com uma sala cheia de máquinas
Insetoperárias. Cada uma delas era mais louca e mortal que a anterior!
— Ah! Então vocês ousaram mesmo aparecer! — exclamou o Médico Louco, cercado por
suas invenções diabólicas. — Excelente. Agora não vou ter que te caçar para terminar a operação
que foi tão rudemente interrompida.
Ele apontou um dedo longo e torto para Mickey.
— Peguem o camundongo! — ordenou. — Ele tem algo que eu quero!
Mickey e Gus entraram em ação com piruetas, chutes, disparos de tíner e golpes metálicos.
Eram quase como um furacão em movimento, impossíveis de acompanhar, verdadeiros tornados de
energia e destruição.
Mas para cada criatura Insetoperária que derrotavam, outras três pareciam tomar seu lugar.
— Vocês podem ser bons, — berrou o Médico Louco em meio à ação — mas eu sou muito
melhor! — Ele começou a rir e gargalhar insanamente.
— São muitos deles! — gritou Mickey.
— Os geradores! — exclamou Gus. — Ele os está montando com esses geradores! Estão
bem atrás de você!
— Pode deixar! — Mickey se virou num pulo. Ele viu uma máquina oculta no canto com
um olho vermelho brilhando no topo. Enquanto Mickey olhava, as portas em meio à máquina se
abriram, produzindo mais uma monstruosidade Insetoperária. O olho estava voltado diretamente
para Mickey e lançou a criatura para cima dele. Devia ser o gerador, Mickey se deu conta.
Ele rapidamente saltou sobre a nova criatura, pousando bem em frente ao gerador. Com um
grande movimento de seu pulso, lançou tíner contra o olho vermelho da máquina. Ele piscou duas
vezes e então se fechou.
— Deixa o outro comigo! — bradou Gus. Mickey não virou para ver o que o Gremlin estava
fazendo, mas, o que quer que fosse, era barulhento!
Mickey correu até o terceiro gerador e disparou tíner em seu olho, fazendo com que ele
também se fechasse.
— Você se acha o espertalhão — chiou o Médico Louco. — Mas esta é uma mera fração do
meu exército de Insetoperários! — O Médico Louco ergueu os braços em meio ao ar. — Em breve,
este mundo inteiro será meu! — declarou com uma alegria demente.

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Em meio a seus gestos insanos, as mangas compridas de seu jaleco acabaram deslizando por
seus braços, revelando o que havia por baixo. Os olhos de Mickey se arregalaram frente à visão dos
membros mecânicos do médico.
— Você... você é uma máquina! É um animatrônico!
— Uma versão nova e melhorada! — O Médico Louco gargalhou. — Quando o Mancha
absorver toda a tinta da Refugiolândia, apenas os animatrônicos vão sobreviver. Se não pode vencê-
los, junte-se a eles, é o que eu sempre digo!
— Foi por isso que você traiu o Osvaldo? — indagou Gus. — E juntou forças ao Mancha?
— Eu gosto de vencedores — disse o Médico Louco com desdém. Ele apontou para Mickey.
— É por isso que quero o seu coração.
— E pra que você precisa de um coração, afinal? — perguntou Gus.
— Digamos que eu e o Mancha... temos planos maiores em mente. Tomar a Refugiolândia é
só o começo.
Mickey não estava prestando muita atenção no que o Médico Louco estava dizendo — o
interrogatório de Gus fora uma ótima distração e Mickey a estava usando como uma oportunidade
para dar a volta sorrateiramente na engenhoca junto à janela. Se eu fosse esconder uma peça de
foguete, seria lá onde e colocaria, pensou Mickey.
— Aonde foi aquele rato desprezível? — O Médico Louco se virou de súbito. — Você não o
deixou fugir, deixou?
— Eu? Mas eu não o estava vigiando — protestou Gus.
Isso, muito bom, pensou Mickey, vasculhando a engenhoca voadora. Quanto mais irritado o
Médico Louco ficar, mais vai acabar se distraindo. Por outro lado, Mickey se preocupava com a
ideia de que ele podia acabar se tornando um maníaco ainda mais perigoso. Tenho que manter o
foco! Mickey disse a si mesmo. Foi quando a viu, aparecendo embaixo do banco, uma peça que
com certeza não fazia parte originalmente daquela grande gambiarra. Ele a arrancou do lugar onde
estava e saltou da máquina voadora.
— Aí está você, rato! — gritou o Médico Louco. — E agora, vou acabar o que comecei!
— Tem certeza disso? — retrucou Mickey, empunhando seu pincel. — Acho que é você que
está acabado!
O Médico Louco encarou Mickey com um olhar furioso. Então, saltou na máquina voadora e
fugiu pela janela. Gus e Mickey ficaram ali parados por um momento, olhando para o espaço vazio
onde o Médico Louco estivera um segundo antes.
— Tenho a sensação de que essa não é a última vez que vamos vê-lo — disse Gus.
— Mas conseguimos a última peça! — disse Mickey, erguendo a peça que ainda estava
faltando para o foguete.
— Agora podemos nos reunir com Osvaldo na Montanha de Lixo do Mickey e te levar para
casa — disse Gus, satisfeito.
— Sim...
Mickey ficou surpreso por não estar mais empolgado. Afinal, estava desesperado para voltar
para casa. Tinha até enfrentado piratas, monstros e fantasmas para isso acontecer. O problema era
que não conseguia deixar de pensar que ainda havia muito o que fazer na Refugiolândia, onde tanta
coisa tinha dado errado.

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Q uando Gus e Mickey chegaram de volta ao quartel general de Osvaldo na Montanha de Lixo
do Mickey, os guardas cartas de baralho não os detiveram. Em vez disso, apontaram para o
pico da montanha.
— Ele está lá em cima — disse o Ás de Espadas.
Mickey pensou que os guardas pareciam preocupados, embora fosse difícil ler as expressões
das cartas. Elas nasciam com caras de paisagem.
— O que ele está fazendo lá? — perguntou Gus.
Antes que qualquer uma das cartas pudesse responder, um grande estrondo os interrompeu.
Mickey cambaleou quando o lixo do Mickey que formava a montanha começou a se mexer de leve.
— Está tentando cuidar disso — disse o Sete de Ouros.
— Um terremoto? — perguntou Mickey.
— Não... não exatamente. — Os dois guardas olharam de um para o outro e então voltaram
à pose de sentido. Mickey suspeitava que ele e Gus não conseguiriam mais respostas deles.
Mickey encobriu os olhos com a mão e lançou o olhar para o alto. Podia ver uma pequena
figura empoleirada sobre o que parecia uma espécie de garrafa gigantesca, do tipo em que se vendia
água sanitária. Como muita coisa na Refugiolândia, ela parecia familiar.
— Acho que temos que subir — disse Mickey. — Tenho malhado à beça desde que cheguei
na Refugiolândia.
Eles chegaram ao topo e Mickey notou que a garrafa estava vibrando. Gus também viu.
— Isso deve ter causado o tremor que nós sentimos — disse.
— Aquele... aquele é o Osvaldo? — disse Mickey, olhando mais atentamente para a garrafa
e notando um pequeno cartoon enfrentando o que pareciam enormes monstros de tinta.
Gus estreitou os olhos atrás de seus óculos de proteção.
— É sim! — exclamou. Lá estava Osvaldo, em cima da garrafa, enfrentando Manchassecla
atrás de Manchassecla atrás de Manchassecla.
— De onde essas coisas estão vindo? — perguntou Mickey.
Antes que Gus pudesse responder, eles viram por si mesmos. Enormes gotas de tinta preta e
arroxeada estavam vazando da tampa de cortiça. Os respingos de tinta então se transformavam nas
enormes criaturas monstruosas e seguiam lentamente em direção ao alto da garrafa. Estavam atrás
de Osvaldo. Mas ele estava pronto. O Coelho Sortudo chutou, socou, empurrou e atirou os monstros
de tinta te cima da garrafa. Funcionou! Um a um, eles caíram. Mas Osvaldo estava ficando cansado.
E Mickey sabia que precisava ajudar.
Osvaldo estava empurrando a tampa de cortiça com toda a força, como se tentasse enfiá-la
mais fundo na boca da garrafa.
— Osvaldo! — exclamou Gus.
O coelho se virou num pulo e seus olhos se arregalaram de surpresa.
— Ora, ora, ora — disse ele. — Você conseguiu. Não achava que fosse capaz.
Mickey ergueu as peças do foguete.
— Conseguimos todas as três peças — disse.
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O rosto de Osvaldo assumiu uma série de expressões diferentes. Passou por fúria, surpresa e
admiração, todas elas atravessando rapidamente seu rosto peludo, finalmente se assentando na de
aceitação relutante.
— Então acho que é melhor irmos logo ao trabalho. Temos um foguete pra consertar. — Sua
voz assumiu um tom mais amargo. — E um camundongo pra mandar para casa — acrescentou com
a voz mais baixa.
O nariz de Osvaldo balançou enquanto ele se recostava na tampa.
— Já me junto a vocês.
Ele apertou os olhos e, com toda a força que conseguiu juntar, empurrou a tampa com as
costas. Ela sequer se mexeu.
— Você está bem? — perguntou Gus.
— Precisa de uma mãozinha? — ofereceu Mickey.
Osvaldo lançou um olhar suspeitoso para Mickey e então deu de ombros.
— Hã, é, claro, se você acha que tem a força. — Ele chegou para o lado para abrir caminho
para Mickey.
Mickey se aproximou da tampa que ainda continuava tremendo e tremendo sem parar. Ele e
Osvaldo se encararam, mas Osvaldo então assentiu com firmeza. Juntos, eles empurraram a tampa
de cortiça com toda a força.
Nada.
— De novo! — vociferou Osvaldo.
Mickey se virou para poder empurrar com as costas. Osvaldo usou o ombro para pressionar
a tampa. Os dois forçaram e empurraram com tudo de si, até que finalmente conseguiram enfiar a
tampa mais fundo na boca da garrafa.
— Ufa — disse Osvaldo, usando uma de suas grandes orelhas para secar o suor de sua testa.
— Acho que deve ser o suficiente. Pelo menos por enquanto. — Ele desviou o olhar para Mickey,
os olhos semicerrados. — Hã, obrigado pela ajuda.
Então Mickey notou por que a garrafa parecia tão familiar. Aquele era exatamente o mesmo
recipiente de tíner que ele descuidadamente havia derrubado na oficina de Yen Sid, muito tempo
antes. A garrafa que havia tombado sobre a Refugiolândia junto ao monstruoso Mancha. A garrafa
de tíner que havia criado o desastre do tíner. O estômago de Mickey voltou a doer.
— Diga, Osvaldo... — Mickey começou a dizer.
Osvaldo ergueu uma mão para detê-lo.
— Olha, eu sei que tenho pegado no seu pé. E admito que guardava muito rancor de você.
Ainda guardo, por sinal...
— Sério, Osvaldo, tem uma coisa que eu preciso... — Mickey tentou outra vez.
— Mas tenho ouvido relatos sobre a sua bravura — continuou Osvaldo, abaixando o olhar
para o chão. Ele arrastou o pé de um lado para o outro diante de si. — E, bom, a Hortência ia querer
que eu fosse mais amigável. — Ele então ergueu o olhar novamente e olhou nos olhos de Mickey.
— Então toca aqui.
Osvaldo ergueu a mão para que Mickey a apertasse. Isso só fez Mickey se sentir ainda pior.
— Osvaldo, fui eu! — disparou. — Eu causei o desastre do tíner.
Osvaldo olhou para Mickey, paralisado com o choque.
— Você... você... o quê?
— Não foi minha intenção — disse Mickey. — Foi um acidente terrível. Eu não percebi...
— Eu sabia! — Osvaldo saltou sobre a tampa de cortiça, todos os pensamentos de amizade
banidos de sua cabeça. — Seu... seu monstro! Seu... seu!
Osvaldo estava tão bravo que não conseguia nem falar. Começou a pular sem parar em cima
da tampa, tão furioso que não que não conseguia se conter. Ele fechou as mãos em punhos.
— Muito bem, camundongo — rosnou Osvaldo. — De uma vez por todas. Você e eu. — Ele
saltitou para frente e para trás em cima da tampa de cortiça, os punhos socando o ar diante do rosto
de Mickey. — Cai dentro!
— Osvaldo — advertiu Gus. — A tampa! Ela não está bem presa!

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— Tá gostando dos meus pulinhos? — disse Osvaldo. Seus pés se mexiam tão rápido que
mais pareciam um borrão. — Tá com medo? É isso? Anda, lute como um camundongo.
Os olhos de Mickey imediatamente se arregalaram. Uma grande rachadura se formou na
tampa, bem embaixo dos pés de Osvaldo.
— Não! Osvaldo, pare!
— Tá com medinho, né?
— Sim! — gritou Gus. — Com medo que você solte o Mancha!
— Eu nunca faria algo assim! — ralhou Osvaldo, a voz abafada. — Isso é mais o estilo dele!
— Ele apontou um dedo acusador para Mickey.
Mickey arfou.
— O Mancha?! É isso que tá na garrafa?
— O que você achou que tinha lá dentro? — zombou Osvaldo. — Refrigerante?
Osvaldo disparou um murro contra Mickey. Quando Mickey se abaixou para que pudesse
sair do caminho, o impulso de Osvaldo fez o coelho ficar girando e girando em cima da tampa.
— Fique quieto, camundongo, e aceite o que tem guardado pra você! — gritou Osvaldo. Ele
não conseguia parar de se mexer, como se sua raiva fosse uma corrente elétrica que o energizava.
— Osvaldo, para! — gritou Mickey. — A tampa... ela tá rachando!
— Vou rachar é a sua cabeça! — ameaçou Osvaldo, saltando até a ponta da tampa.
Foi quando seus olhos redondos ficaram ainda mais redondos.
— Espera — disse. — Você tá querendo dizer que a tampa... — Sua voz se reduziu a um
sussurro rouco. — Tá rachando?
Os três cartoons congelaram, com medo até de respirar. Osvaldo deu uma mordida nervosa
em uma de suas grandes orelhas. Eles olharam uns para os outros por um longo momento. Por fim,
Osvaldo soltou sua orelha e abriu um sorriso trêmulo.
— Alarme falso — declarou. Ele ergueu os punhos de novo. — Agora, onde estávamos? —
rosnou, dando um passo em frente.
Kaboom!
A tampa de cortiça se partiu, as peças explodindo garrafa afora. A força lançou Mickey, Gus
e Osvaldo voando em diferentes direções enquanto a enorme massa que era o Mancha vazava lá de
dentro. Mickey foi tombando de novo e de novo, como se estivesse sendo estapeado pelas ondas de
um oceano furioso. Ele ergueu a mão às cegas e se segurou num lápis temático gigante do Mickey
Mouse que estava ancorado bem fundo em meio à montanha. Ele prendeu os braços e pernas à sua
volta, agarrando-se firmemente ao lápis em meio ao forte vento que uivava ao seu redor.
— Gus! Osvaldo! — gritou, mas a tempestade o engoliu.
Mickey arregalou os olhos, horrorizado com a enormidade do Mancha, sua massa de tinta se
expandindo pelo céu. Era monstruoso, se formando e reformando enquanto crescia cada vez mais.
Com uma tinta negra, cruel e maligna pingando de sua forma gigantesca, diversos Manchasseclas
começaram a surgir.
Mickey observou em choque enquanto a criatura se assomava sobre a Refugiolândia, seus
olhos amarelos brilhando, seus tentáculos se juntando para formar braços enormes e poderosos. Os
braços então se alongaram e se abriram em meio a uma onda de tíner para formar grandes dedos em
forma de garras.
Mickey estremeceu e apertou os olhos. Não conseguia suportar a ideia de ter que enfrentar a
monstruosidade que ele mesmo havia criado. Mickey era o motivo de sua presença ali. Podia não tê-
lo liberado da garrafa, — tinha sido a fúria de Osvaldo que fizera isso — mas fora ele quem o havia
lançado sobre a Refugiolândia.
Mickey se forçou a abrir os olhos novamente. Não podia se esconder daquilo — tinha que
fazer alguma coisa!
— Gus! Osvaldo! — gritou novamente.
Ele os viu — e então arfou. Os dois estavam presos nas garras do Mancha.
— Não! — exclamou Mickey. O som de sua voz atraiu a atenção do Mancha. Um membro
começou a se alongar do meio de seu corpo.
— Corra, Mickey! — vociferou Gus.
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— Eu tenho que salvar vocês! — gritou Mickey. Ele se soltou do lápis e voltou ao chão.
Examinou os escombros à sua volta, procurando por uma rota até Gus e Osvaldo.
— Você não pode — berrou Osvaldo. — Estamos acabados!
— Salve-se! — exclamou Gus.
O Mancha ergueu a mão que os segurava ainda mais alto, enquanto seu membro se esticava
e pairava sobre Mickey.
Mickey congelou. Não sabia o que fazer. Mas sabia que se não se mexesse, não haveria nada
que pudesse fazer! Ele se virou para fugir. Precisava de um lugar seguro, onde pudesse bolar um
plano — mas, antes que o camundongo pudesse dar um passo sequer, o membro do Mancha formou
um muro diante de si.
Mickey se virou para traçar um caminho diferente e, mais uma vez, o rápido membro do
Mancha logo se lançou em sua frente, como um grande tentáculo. Um Mancháculo!
— Qual é a sua? — ralhou Mickey, frustrado. O Mancha não o estava deixando escapar,
mas também não o estava atacando. O que será que ele queria com aquilo? — Tá querendo brincar
de Mancha e rato?
Um ronco baixo ecoou do Mancha e Mickey tinha plena certeza de que se tratava de uma
risada do mal, ao estilo do Mancha. O Mancháculo que não parava de se transformar agora assumiu
a forma de uma estátua gosmenta de Mickey.
— Não ficou muito parecido — debochou Mickey. — Não notou? Eu estive malhando.
Então, um coração de tinta se projetou do Mickey-Mancha. Ele batia de forma rítmica e, a
cada nova batida, o coração ia pulsando cada vez mais e mais perto de Mickey.
Mickey engoliu em seco. Ele agora sabia o que o Mancha queria. Seu coração pulsante.
— Er, eu meio que tô usando ele agora — disse Mickey.
O Mancha deu um grande rugido e se ergueu novamente, apertando Osvaldo e Gus com
ainda mais força. Seus rostos foram ficando azuis, uma vez que a força do Mancha deixava cada
vez mais difícil para que conseguissem respirar.
O coração cartunesco de Mickey bateu poderosamente dentro de seu peito. Era evidente que
havia apenas uma forma de salvar Osvaldo e Gus — entregar seu coração ao Mancha.

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—M
uito bem! — declarou Mickey. — Pegue-o!
Ele ergueu o peito em direção à terrível criatura e então se preparou. O
Mancha dissolveu a “estátua” de Mickey, que logo voltou a se transformar no
longo tentáculo em forma de dedo. Ele se prendeu ao peito de Mickey como uma ventosa.
Mickey fechou os olhos, tentando não deixar transparecer quão aterrorizado estava. Sentiu
um puxão súbito e lacerante e caiu de joelhos. Seus olhos se abriram e fitaram em terror enquanto
seu coração cartunesco vermelho e brilhante se erguia diante de si nas garras do Mancha.
Mickey não conseguiu desviar o olhar enquanto o Mancha cuidadosamente levava o coração
— seu coração — até si. Então, num movimento súbito, o Mancha enfiou o coração com uma força
avassaladora no fundo de seu peito gigantesco. Ele lançou seus tentáculos para fora outra vez e sua
forma de tinta instantaneamente voltou ao lugar, cobrindo o coração por completo.
Tudo pareceu congelar por um momento. E então — tum-tum, tum-tum. O coração começou
a bater — no corpo exultante do Mancha. O monstro se ergueu num grande rugido, vangloriando-se
de sua vitória, seus braços estendidos bloqueando o céu.
Mickey se sentiu zonzo e se agachou, pondo as mãos no chão para manter o equilíbrio. Sua
cabeça se ergueu quando ouviu Osvaldo e Gus gritando. Ele os viu caindo de volta na montanha. O
Mancha não precisava mais deles, então simplesmente os atirou longe.
Gus conseguiu parar sua queda e começou a flutuar sobre Mickey. Osvaldo, por outro lado,
não teve tanta sorte — ele caiu com tudo e quicou algumas vezes antes de finalmente parar. Mas
quando conseguiu se ajeitar, ele desviou o olhar para Mickey, admirado.
Mickey se levantou. Não parecia conseguir parar de tremer. Estava se sentindo... na verdade,
não sabia ao certo como estava se sentindo. Era difícil até mesmo encontrar palavras para descrever.
Abatido. Abandonado. Vazio. É assim que o Osvaldo e os outros se sentem o tempo todo?
— Essa não... — murmurou Gus. Ele apontou para o céu. Mickey e Osvaldo imediatamente
se viraram para ver.
O Mancha havia se lançado sobre toda a Refugiolândia e agora estava em meio às torres do
castelo da Bela Entorpecida, logo acima do laboratório do Médico Louco.
— Ele... está enorme — murmurou Gus.
Osvaldo deu um passo hesitante em direção a Mickey. Ele parecia perplexo.
— E-Estou começando a ver por que você se tornou uma estrela tão grande — disse.
— Hã, é, claro. — Mickey esfregou a nuca. Aquela admiração óbvia de Osvaldo o estava
deixando desconfortável.
— Er, pessoal — disse Gus, tentando chamar a atenção deles.
— Sabe, todos aqui morreriam por um coração — disse Osvaldo, olhando para Mickey. —
E você deu o seu por um Gremlin que acabou de conhecer e um...
Mickey o interrompeu.
— Você teria feito o mesmo — disse ele.
— Foco, gente — disse Gus. — Perigo mortal aqui. Lembram?
Osvaldo sacudiu a cabeça.
— Pela Hortência, claro. Eu teria dado qualquer coisa. Mas...
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Gus começou a voar ao redor dos dois cartoons.
— O Mancha! Ele está sugando toda a tinta da Refugiolândia!
Isso fez Mickey e Osvaldo voltarem a si. Eles arregalaram os olhos quando viram os vários
Mancháculos do Mancha se lançando contra a Terra da Aventura, a Cidade do Amanhã, Osvila e a
Vila dos Gremlins. Cada lugar que era atingido por um dos membros aos poucos começava a ser
drenado. À medida que a tinta deixava a terra e seguia de volta para o Mancha, ele ficava cada vez
maior e mais forte.
— Nós temos as peças do foguete — disse Mickey. — Isso pode ajudar, né?
— O foguete não vai adiantar de nada pra você agora — disse Osvaldo, aflito. — Não sem o
seu coração. Você está preso aqui, como o resto de nós. — Ele abaixou a cabeça, derrotado. Suas
orelhas compridas lhe cobriam o rosto. — Acabou. O Mancha vai destruir tudo.
— Você vai desistir sem lutar? — perguntou Mickey. — Com tudo o que a Refugiolândia
significa pra você?
Osvaldo se ergueu novamente, suas orelhas saltitando.
— Lutar com o quê? — indagou, apontando para o Castelo da Bela Entorpecida. O Mancha
agora estava tão gigantesco que perdera sua forma por inteiro. Ele agora mais parecia uma enorme
nuvem de tempestade, ameaçando toda a Refugiolândia. — Não podemos nem chegar até ele. E o
que usaríamos para lutar?
Mickey olhou para a escuridão que não parava de mutar e se agitar.
— Por que ele queria o meu coração?
— Eu sei por quê — disse Gus, a voz suave. — Com o seu coração, o Mancha pode escapar
para o seu mundo.
Os três cartoons finalmente conseguiram captar o horror diabólico do plano do Mancha —
se é que podia ser chamado de plano. Estava mais para uma insaciável fome de destruição e uma
imbatível sede de poder.
— Com toda essa tinta em seu arsenal e com o coração de Mickey, — prosseguiu Gus — o
Mancha escapará desse mundo e destruirá o mundo de Mickey também.
— Deixando o Médico Louco para governar a Refugiolândia. É por isso que eles estavam
trabalhando juntos — presumiu Osvaldo. — Não. O Mancha e o Médico Louco nunca conseguirão
o que querem. — Ele se virou para olhar para Mickey outra vez. — Não se eu puder... — Ele parou
e engoliu em seco. — Não se nós pudermos evitar.
— É isso! — exclamou Mickey. — Vamos levar a batalha até o Mancha. Vamos lançar o
foguete e disparar contra ele.
— É melhor nos apressarmos! — alertou Gus. — Temos que chegar lá e consertar o foguete
antes que toda a Cidade do Amanhã fique inerte!
Com propósito renovado, os cartoons viajaram por um projetor até a Cidade do Amanhã.
Havia Mancháculos por todos os lados, o que manteve Mickey ocupado com seu pincel. Mas ainda
pior que isso, áreas inteiras da Cidade do Amanhã haviam sido deixadas inertes ou desmoronaram
por completo. Mickey esperava que o Foguete Lunar ainda estivesse inteiro.
— Olá, camaradas! — disse o Bafotrônico, cumprimentando-os.
— Uh-oh — murmurou Osvaldo. — Isso pode ser encrenca.
— Não, tá tudo bem — garantiu Mickey.
— É — acrescentou Gus. — Mickey o redimiu com tinta.
— Ei, Bafo — disse Mickey. — Acha que pode usar um pouco dessa sua superforça pra nos
ajudar a abrir caminho até o foguete?
— Mas é claro!
Com a ajuda do Bafotrônico, os cartoons muito rapidamente chegaram até o Foguete Lunar.
— Divirtam-se, garotos — disse o Bafotrônico, indo embora.
— Ele não entende? — perguntou Mickey. — A Refugiolândia inteira está correndo perigo!
Osvaldo deu de ombros.
— Ele é um animatrônico. E mesmo em seu auge, os Bafos nunca foram lá os desenhos dos
mais inteligentes.

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— Você conserta o foguete — disse Mickey, voltando-se para Osvaldo. — A gente cuida
dos Manchasseclas.
Gus e Mickey mais pareciam um redemoinho de ação, enfrentando Babadores, Varredores e
Borrifadores. Voava tíner por toda a volta, fazendo com que o chão se tornasse uma perigosa pista
de obstáculos. Gus ficou a alguns centímetros do chão e, empunhando sua chave inglesa, distraía os
inimigos enquanto alertava e encorajava Mickey na mesma medida. Por sua vez, Mickey girava,
saltava e dava piruetas, sempre segurando seu pincel com bastante firmeza.
Finalmente, Osvaldo gritou do foguete:
— Tudo pronto!
Gus e Mickey correram para dentro e fecharam a escotilha.
— E aí, temos certeza disso? Vamos mesmo enfrentar o Mancha? — perguntou Osvaldo.
— E temos escolha? — perguntou Mickey. — Somos nós ou ninguém. O destino de dois
mundos está em jogo.
— Tem razão — disse Osvaldo. — A Hortência iria querer que impedíssemos a destruição.
— Prontos? — perguntou Gus, indo para frente do painel de controle.
— Mais que nunca — respondeu Mickey.
Osvaldo assumiu a direção e assentiu para Gus, que apertou o botão de ignição. O foguete
engasgou, estremeceu e então se lançou ao céu em meio a um poderoso rugido.
— Nós decolamos! — comemorou Osvaldo.
— Mire no coração — disse Mickey, inclinando-se sobre Osvaldo e olhando pela janela.
— Nada de ficar dando pitaco na direção — ralhou Osvaldo.
— Desculpa — disse Mickey, recuando um passo. Imaginou que a última de que Osvaldo
precisava agora era distração.
Bam! Algo atingiu o foguete com força, atirando Mickey pela cabine do piloto.
— O que foi isso? — vociferou.
Bam! Agora algo atingira do outro lado, o que o fez voar pela cabine para onde estava antes.
— O que está acontecendo? — gritou Mickey.
— É o Mancha! — exclamou Gus. — Ele está nos atacando com tudo de si!
— Manchasseclas, Mancháculos, umas coisas de tinta que eu nunca vi antes... — murmurou
Osvaldo. — Segura firme, galera!
Mickey se levantou do chão e deu uma olhada pela janela. Seu queixo caiu.
— Estamos perdendo o casco!
— Essa não! — exclamou Osvaldo. — O Mancha está absorvendo os suportes de tinta!
Gus arregalou os olhos para Osvaldo.
— O foguete é sustentado com base em tinta?!
Osvaldo deu de ombros, sem jeito.
— Foi um problema de orçamento.
Mickey ia tombando pela cabine do piloto enquanto Osvaldo subia e mergulhava, tentando
desesperadamente desviar da investida dos lacaios do Mancha e dos destroços que vinham voando
de todos os lados.
— Estamos quebrando! — gritou Gus.
— Estou perdendo o controle da nave — disse Osvaldo entredentes, seus dedos apertados
em volta do leme.
Mickey empunhou seu pincel.
— Vou pintar uns paraquedas pra gente! — exclamou.
— Não dá tempo! — ganiu Osvaldo. — Preparem-se para o impacto! — Ele soltou a direção
e cobriu os olhos com as orelhas.
Crash! O foguete bateu com tudo no castelo da Bela Entorpecida, derrubando as paredes e
jogando os três cartoons voando no laboratório do Médico Louco.
Houve um longo momento de silêncio.
— Tá todo mundo bem? — Gus finalmente perguntou.
— Sim — disse Osvaldo, em meio a um grunhido.
— Eu também — Mickey disse do chão.
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— Arma, arma — murmurou Osvaldo, vasculhando o laboratório desesperadamente em
busca de algo que pudesse usar contra o Mancha.
— Boas notícias! — exclamou Gus. Estava flutuando sobre um painel de controle, seus pés
sacudindo de empolgação. — O controle dos fogos de artifício ainda está funcionando. Talvez
possamos dispará-los contra o Mancha! — Ele começou a fazer os ajustes necessários.
Mickey deu uma olhada no laboratório à sua volta, desnorteado.
— Ei, eu estive aqui antes. Foi onde tudo começou.
Ele se levantou devagar e checou seus braços e pernas. Aparentemente estava tudo no lugar.
Foi quando outra coisa lhe veio à cabeça. Para Osvaldo e Gus, aquele pesadelo todo começara
muito tempo antes. E ele tinha sido o responsável.
Ele desviou o olhar para Osvaldo, que parecia estar congelado em frente ao que restara de
uma das paredes. Qual o problema com o Osvaldo? Pensou Mickey, preocupado. Ele rapidamente
cruzou o laboratório até o coelho imóvel.
A parede tombada revelara uma pequena sala escondida. No centro, havia uma estátua. Não,
não é uma estátua, Mickey se deu conta. Era um cartoon da Refugiolândia que havia se tornado
inerte durante o desastre do tíner. Sem precisar perguntar, Mickey soube que o cartoon inanimado
era o amor de Osvaldo — Hortência.
Mickey pigarreou.
— Eu estraguei tudo — disse ele, atrás de Osvaldo.
Osvaldo se forçou a desviar o olhar de Hortência. Com um último fungar do nariz, ele voltou
a cavar em meio aos destroços.
— Você não bateu o foguete — disse Osvaldo. — Nós todos concordamos com o plano.
— Não. Digo... — Mickey deu de ombros, sem jeito. — Antes.
Dessa vez, Osvaldo encarou Mickey direto nos olhos.
— Não foi sua intenção. Eu acredito nisso agora.
— Obrigado.
Osvaldo mordeu o lábio.
— E eu também já cometi muitos erros e entrei em várias enrascadas por conta própria.
— Parece que nós dois precisamos ser perdoados — disse Mickey.
— Aperto de mãos? — Osvaldo estendeu sua mão.
Mickey ergueu a mão para apertar a de Osvaldo, quando, de repente, um dos Mancháculos
do Mancha que não paravam de se multiplicar puxou Osvaldo com tudo. Outro Mancháculo pegou
Gus. Num instante, os dois foram absorvidos pelo Mancha!
— Nããããããããão! — gritou Mickey. Sem parar para pensar nem por um único instante, ele
saltou para dentro da forma monstruosa e em constante mutação do Mancha.

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M ickey deu uma boa olhada em volta. Então é assim que é o interior do Mancha, pensou.
Era como estar numa caverna escura, roxa e ondulante. Um labirinto grutas se
estendia por todos os lados. Como ele conseguiria encontrar seus amigos?
— Gus! Osvaldo! — gritou Mickey. — Cadê vocês?
Ele então se deu conta de que, por mais que quisesse, não podia se dar ao luxo de ficar
procurando por eles. Tinha que impedir o Mancha de concretizar seu plano diabólico — e tinha que
encontrar seu coração. Se Mickey não conseguisse destruir o Mancha, tinha ao menos que impedi-lo
de escapar da Refugiolândia.
Mas por onde devia seguir? O Mancha era enorme! Podia levar dias, semanas, talvez meses
para procurar, e ele sabia que não tinha esse tempo todo. Seria tarde demais para a Refugiolândia e
tarde demais para ele!
— Eita! — Mickey pulou para sair do alcance de um tentáculo que se formou logo acima de
sua cabeça e tentou agarrá-lo. Continue em frente, disse a si mesmo enquanto voltava a correr. É
mais difícil atingir um alvo em movimento.
Esquivando-se disso e daquilo, Mickey tentou bolar um plano.
— Gus! — chamou novamente. — Osvaldo!
Nada além do silêncio. E... Mickey ergueu uma orelha. O que era aquele barulho fazendo
tum-tum, tum-tum? Será que era...?
Mickey percebeu: Só pode ser a batida do meu coração! Ele saltou em meio ao ar e deu um
giro de forma que pousasse de frente para a direção oposta.
— Vamos seguir esse batuque! — exclamou.
Mickey foi ouvindo atentamente enquanto corria. Tinha o pincel empunhado e pronto para o
combate. Não havia chegado tão longe para ser abatido por um Varredor ou um Babador.
Ele virou numa curva e então parou. Vários Manchasseclas estavam brotando das paredes do
corpo do Mancha.
— Eita! — disse ele. — Então é daqui que eles vêm. O Mancha é como uma fábrica de
Manchasseclas de vento em popa!
Mickey atirou tíner contra a horda que vinha para cima dele e saltou sobre um Respingador
que não parava de roncar.
Ele parou para recobrar o fôlego, inclinando-se e pondo as mãos nos joelhos. Sentia como se
tivesse corrido quilômetros, mas o som de seu coração não parecia nem um pouco mais perto! Será
que estava correndo em círculos nesse labirinto louco dentro do Mancha?
Passou a mão pela nuca — sentia que algo estava lhe fazendo cócegas. Quando puxou a mão
de volta, ela estava coberta de gosma. Uma tinta bem gosmenta. Tinta do Mancha.
Foi quando um Mancháculo deu a volta em seu peito e apertou!
Mickey agarrou o tentáculo e o puxou com toda a força. Ele conseguiu enfiar a ponta do
pincel entre o tentáculo e seu pescoço, criando espaço para respirar.
Ele juntou tudo o que restava de sua foça que se esgotava mais rápido a cada instante e, em
meio a um salto, executou uma cambalhota perfeita. Sua cabeça se soltou das garras do tentáculo.
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Ele caiu virado para cima e encarou o tentáculo que logo voltou a se esticar em sua direção, mas
Mickey foi mais rápido.
— Ha! — gabou-se Mickey, voltando a correr em direção ao som das batidas do coração.
Foi quando derrapou até parar. A câmara pela qual acabara de passar parecia estar emitindo
um brilho vermelho. Nenhum outro lugar naquele vasto labirinto no interior do Mancha brilhava
daquela forma. A cor era muito mais vívida que qualquer coisa que Mickey tinha visto dentro do
Mancha. Todas as outras grutas e câmaras eram sombrias e escuras. O que poderia ter de diferente
naquela câmara?
Ele refez seus passos. Sim. Definitivamente havia alguma coisa brilhando naquela câmara.
Um vermelho bem forte. E, Mickey notou, o som das batidas era ensurdecedor ali.
Se era ali onde o Mancha estava mantendo o coração de Mickey, era certeza que ele estaria
sendo vigiado. Mickey seguiu até a entrada da câmara na ponta dos dedos com toda a cautela e deu
uma olhada lá dentro.
Lá estava ele — um intenso ponto vermelho, reluzindo na câmara preta e roxa. Ele pulsava
com vida, emanando um brilho forte e caloroso. O ponto vazio no peito de Mickey doeu. Como ele
desejava ser reunido a seu coração cartunesco!
Mas isso lhe daria trabalho, Mickey notou. O coração estava sendo sustentado por quatro
tentáculos gigantescos. Havia um Respingador deitado em frente à entrada. Vários Borrifadores e
Varredores vagavam ao longo da câmara. Mickey estudou a situação, ponderando sobre o que devia
fazer primeiro. Se não pode vencê-los, decidiu, faça-os se juntarem a você!
Ele cobriu o desprevenido Respingador de tinta antes que o Manchassecla sequer percebesse
o que o havia atingido.
— Beleza, agora você é do Time Mickey, ouviu? — Mickey disse ao Respingador. — Agora
mantenha esses Manchasseclas longe de mim!
O Respingador saiu se arrastando. Os Manchasseclas correram para cima dele e Mickey logo
entrou em posição. Ele abriu as pernas para conseguir melhor tração e então mirou o pincel.
— Isso é pelo Gus! — exclamou Mickey enquanto atirava tíner contra o tentáculo de cima.
— Isso é pelo Osvaldo! — Ele encharcou o próximo tentáculo. — Isso é por roubar o meu coração!
— gritou, seguindo para o tentáculo seguinte. — E isso é por mexer com o rato! — Ele atingiu o
último tentáculo com o maior de todos os disparos.
Os tentáculos se dissolveram e o coração de Mickey começou a cair. Ele correu em sua
direção, as mãos erguidas no ar.
Mas outro par de mãos o pegou.

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O svaldo, o Coelho Sortudo olhou para o coração cartunesco que tinha em mãos. Podia sentir a
adoração que ele representava pulsando a cada nova batida. Banhado no caloroso amor do
coração, ele se lembrou vividamente da época em que tinha um para chamar de seu. Como
tinha sentido falta daquela sensação. Por quanto tempo desejava ter um coração novamente? Eras?
Uma eternidade?
— Er, Osvaldo?
A voz de Mickey despertou Osvaldo de seu devaneio. Os olhos de Osvaldo se ergueram do
coração e se voltaram para a expressão preocupada no rosto de Mickey.
— Sim?
— Então, você tá bem? — perguntou Mickey.
Os olhos de Osvaldo se desviaram de volta para o coração.
— Claro, hã, tô sim. Eu tava preso numa parede do Mancha, mas tudo meio que começou a
derreter de repente. Acho que foi quando você libertou isso. — Ele ergueu o coração.
— O Gus também tá legal? — Mickey deu um passo em direção a Osvaldo. — Você o viu?
Osvaldo recuou — só um pouquinho.
— Então...? — disse Mickey.
— É... é tão quente — murmurou Osvaldo. — Tudo o que eu sempre quis. Tudo o que um
dia eu fui. — Ele fechou os olhos e segurou o coração mais perto do peito.
Ele abriu um olho e então o outro para checar o que Mickey estava fazendo. O camundongo
estava apenas olhando para ele. Parecia estar esperando para ver o que Osvaldo faria.
O que devo fazer? Ponderou Osvaldo. Podia simplesmente ficar com o coração. Podia voltar
àquela maravilhosa sensação de ser amado por milhões e milhões, uma geração após a outra. Podia
acabar com seu exílio. Podia...
Ele ergueu o coração para Mickey.
— Acredito... acredito que isso seja seu.
Mickey suspirou aliviado. A expressão no rosto de Osvaldo se tornou ainda mais saudosista
quando o coração saltou de sua mão e adentrou diretamente o peito de Mickey. No momento que
tocou o camundongo, o coração pareceu se fundir a ele.
A postura de Mickey no mesmo instante mudou por completo. Ele ficou com a coluna mais
reta, seus olhos se tornaram mais claros e até suas orelhas pareceram mais aprumadas. Ele respirou
fundo, seu peito expandindo.
— Obrigado, Osvaldo.
— Não por isso — murmurou Osvaldo. E então abriu um sorriso entristecido. — Quer dizer,
era seu, afinal.
— Se já tiveram seu momentinho aqui, rapazes, — disse Gus, surgindo na entrada da câmara
— ainda temos um Mancha a destruir aqui! Eu não me esquivei de todos aqueles Mancháculos e
Manchasseclas à toa, não é verdade?
— Certo! — disse Mickey. — O Mancha pode não conseguir mais escapar agora, mas ainda
pode destruir a Refugiolândia inteira.
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— Queria que pudéssemos usar isso aqui de alguma forma — disse Gus, e então ergueu um
controle remoto.
Osvaldo arrancou o dispositivo das mãos do Gremlin.
— Onde conseguiu isso? — indagou.
— Estava com ele quando o Mancha me pegou — explicou Gus.
— Você pode fazer alguma coisa com ele? — disse Mickey. — Aqui de dentro do Mancha?
— Pode apostar que sim! — Mas Osvaldo logo franziu o cenho. — Acabo de pensar num
probleminha, bem pequeno e pequetucho.
— Quão pequeno? — perguntou Gus.
— Quão pequetucho? — indagou Mickey ao mesmo tempo.
Osvaldo coçou a cabeça em meio às grandes orelhas e olhou para o controle remoto.
— Isso vai lançar os fogos de artifício no laboratório do Médico Louco.
— Que estão apontados diretamente para o Mancha — disse Gus. — Isso é ótimo! Vamos
poder... Ahhhhh, entendi.
— Entendeu o quê? — perguntou Mickey, sua cabeça virando de um para o outro em meio
aos dois. — Vamos poder explodir o Mancha! — Ele então se deu conta de por que a expressão de
seus amigos estava tão soturna. — E arriscamos nos explodir junto com ele.
— Exatamente — confirmou Osvaldo.
— Vale a pena — disse Mickey. — Pra salvar a Refugiolândia!
— Mas você pode fugir agora — salientou Gus.
— Não posso partir sem fazer todo o possível pra acabar com esse desastre — disse Mickey.
— Mesmo que, bem, isso também acabe comigo.
— Então estamos todos de acordo — disse Osvaldo. — Mas vamos fazer isso juntos.
Ele ergueu o controle remoto diante de si. Tanto Mickey quanto Gus puseram um dedo junto
ao de Osvaldo sobre o botão de ativar.
— Quando contarmos até três — disse Mickey.
— Um! — disse Gus.
— Dois! — disse Mickey.
— Dois e meio — disse Osvaldo. Os três cartoons fecharam os olhos.
— Três! — exclamaram em uníssono. Eles apertaram o botão.
Diversos foguetes de fogos de artifício saíram voando do castelo da Bela Entorpecida numa
chuva de faíscas coloridas. Eles dispararam diretamente contra o Mancha e explodiram num belo
show pirotécnico. O Mancha se desfez por completo!
Os três cartoons saíram voando em meio às luzes coloridas e cintilantes que cortavam o céu
escuro. Osvaldo e Gus caíram numa espiral em direção ao chão, enquanto Mickey, por outro lado,
foi impulsionado para cima...
Cima...
Cima...
Atravessando o portal em meio a um grande chiado...
E pousando bem em cima... da mão esticada de Yen Sid.

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M ickey estava de volta ao outro lado do espelho. Estava em casa! Mas ainda não podia
comemorar.
— Você esteve bastante ocupado. — disse Yen Sid. Mickey engoliu em seco.
— Bem, er, eu... — Mickey tentou abrir um sorriso torto e então, sem jeito, entregou o
pincel para Yen Sid.
Ele se perguntou quão encrencado devia estar. O feiticeiro podia ser ríspido e severo, mas
também era justo e compreensivo. Mickey esperava que Yen Sid estivesse no modo compreensivo
hoje. Mas havia uma resposta ainda mais importante da qual Mickey precisava:
— O Osvaldo e o Gus estão bem? — perguntou Mickey.
— Veja por si mesmo. — Yen Sid pôs Mickey na frente do espelho. Mickey deu uma olhada
e ficou boquiaberto, dessa vez com satisfação.
Várias gotículas de tinta estavam caindo gentilmente por toda a Refugiolândia. E onde quer
que pousassem, a cor retornava. Trechos que antes eram completamente negros agora começavam a
vibrar e brilhar. Prédios tortos se endireitaram, estátuas se consertaram, flores e árvores floresceram
num mar de cores vibrantes. O coração restaurado de Mickey se encheu de alegria quando todos os
personagens que se tornaram inanimados por conta do Mancha voltaram à vida!
Mickey se virou e abriu um sorriso para Yen Sid.
— Acho que vai dar tudo certo.
Foi quando um pequeno barulho no espelho chamou novamente a atenção de Mickey. Lá
estava Osvaldo, batendo no espelho — de mãos dadas com Hortência! Ela fora trazida de volta à
vida! Hortência jogou um beijinho para Mickey, que lhe respondeu com uma reverência cordial.
Gus foi voando todo animado em direção ao espelho, acenando para Mickey. Mickey sorriu
e acenou de volta.
Mickey observou enquanto Hortência e Gus cumprimentavam os vários habitantes dos quais
tanto sentiam falta. Foi como uma grande festança misturada com uma reunião. Mickey estava bem
empolgado. Tudo tinha valido a pena.
Osvaldo ainda estava de frente para o espelho, olhando para Mickey.
— Espelhos são coisas mágicas — disse Yen Sid, atrás de Mickey. — Eles refletem aquilo
que nem sempre podemos ver. Em nós mesmos e uns nos outros. A medida que a Refugiolândia se
curar, seus habitantes também irão.
Mickey pôs uma mão no espelho. Osvaldo abriu um sorriso de canto de boca e pôs sua mão
do outro lado. Eles pressionaram suas palmas uma na outra, pensando em tudo que haviam passado
juntos. Tinham começado como adversários e acabado como amigos.
Talvez, como Yen Sid sempre esperara, até mesmo irmãos.

Fim

70 | E p i c M i c k e y : A R o m a n t i z a ç ã o

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