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Juliana Scarrone1
Telma Ripoll Becker2
1 INTRODUÇÃO
1Psicóloga.Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). São Leopoldo, abril de 2011. Contato:
juscarrone@ibest.com.br
2Médica especialista em saúde pública; analista junguiana. Contato: telmaripoll@yahoo.com.br
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conceitos decorrentes dessa linguagem específica, para que o leigo possa melhor
compreender o arquétipo de Saturno enquanto planeta.
Na obra “O livro do puer”, Hillman (2008) esmiúça exaustivamente os conceitos
de senex e puer. Para além do trabalho clínico dos psicólogos, “O livro do puer” é uma
compilação de reflexões do autor sobre esse arquétipo em nível cultural. Juventude e
velhice são temas de relevância atual, já que a sociedade contemporânea apresenta
um “problema puer” sobre o qual este artigo trata na discussão final.
2 O MITO DE CRONOS
Parecia, ouvindo e vendo tão grande bulha e luz, que a terra e o céu se
confundiam, pois era enorme o tumulto da terra esmagada e do céu a se
precipitar sobre ela, tal o barulho da luta dos deuses. Ao mesmo tempo, os
ventos, sacudindo-se, erguiam o pó, o trovão, o relâmpago, e o raio ardente,
armas do grande Zeus, e levavam o brado e os clamores ao seio dos
havia lançado no Tártaro. Seus corpos eram horrendos e as pernas tinham a forma de serpente”
(BRANDÃO, 2012, p. 222).
5“Melíades: ninfas (a própria Geia em suas múltiplas facetas, divindades femininas de eterna juventude;
Melíades são as ninfas dos freixos). Em memória do seu sangrento nascimento, as pontas das lanças
eram confeccionadas da madeira dessa árvore” (BRANDÃO, 2012, p. 225).
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3 O SATURNO ASTROLÓGICO
6“Planetas:do grego planasthai, vagar, são os corpos celestes conhecidos que orbitam o Sol. Eram
vistos como estrelas pelos antigos, que se referiam a eles como errantes, pois, diferentemente das
assim chamadas estrelas fixas, estavam sempre mudando suas posições em relação ao fundo da
esfera celeste. O Sol e a Lua (os luminares) também são errantes e na astrologia tradicional eram
considerados ‘planetas’” (LEWIS, 1997, p. 424).
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7“Zodíaco: literalmente ‘círculo de animais’, no seu significado mais primário, o ‘círculo da vida’ ou
‘círculo dos seres vivos’, é o ‘cinturão’ constituído pelos doze signos, a linha imaginária desenhada
pela órbita da Terra contra o fundo de estrelas” (LEWIS, 1997, p. 543).
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4 DISCUSSÃO
Para que possa haver uma discussão à luz da teoria junguiana, é necessário
definir dois conceitos. São eles: arquétipo e mito.
Para Barcellos (1991, p. 77) “[...] arquétipo é o conceito teórico mais importante
em Jung”.
8“Aguador ou aguadeiro: A associação mítica mais frequente com o signo de Aquário é com Ganimedes
(‘o portador da taça dos deuses’), um belo jovem que, raptado por uma águia enviada por Zeus, serviu
a este como portador da taça. Ganimedes foi também amante de Zeus e, diz-se, transformado na
constelação de Aquário” (LEWIS, 1997, p. 20).
9ASTROLOGYWEEKLY. Disponível em: <http://www.astrologyweekly.com/countries/germany.php>.
são temas universais e, ao mesmo tempo, individuais, pois, cada pessoa vivencia de
maneira particular esses arquétipos dentro de si. E isso se reflete no âmbito cultural e
social.
Para referir-se ao arquétipo do velho, Jung utilizou a palavra “senex”, do latim:
velho. O senex, então, pode representar sabedoria e/ou rigidez, pode personificar o
velho sábio e/ou o velho autoritário.
Para seu oposto complementar, Jung utilizou-se do nome “puer aeternus”, que
pode ser traduzido como “juventude eterna”, como Ovídio referiu-se a Iaco, o deus-
criança em “Metamorfoses” nos Mistérios de Elêusis (VON FRANZ, 2005),
significando aquele eterno adolescente que, mesmo na vida adulta, não assume
responsabilidades e não aceita limites. Em contrapartida, é o impulso de uma nova
ideia, a coragem para assumir riscos.
O puer aeternus aparece personificado na figura de Ícaro10, na de Eros11 ou
ainda como criança divina, a qual simboliza um novo espírito, nascido de um espírito
velho (WERRES, 2008).
“O puer não suporta tempo e paciência, não sabe quase nada das estações e
da espera” (HILLMAN, 2008, p. 39).
Compreende-se, então, senex e puer como polos de um mesmo arquétipo, que
o mito de Cronos ilustra e evidencia. Assim se manifesta nas características senex
nos capricornianos e puer nos aquarianos, ambos regidos por Saturno.
Para Hillman (2008, p. 24), Saturno/Cronos enquanto senex governa a colheita,
enquanto puer inspira o brotar das coisas. Em nenhum deus grego o aspecto dual é
tão real.
10“Ícaro:filho de Dédalo (construtor do labirinto do Minotauro) e de uma escrava do rei Minos chamada
Náucrate. Quando Dédalo ensinou a Ariadne a forma de Teseu encontrar o caminho do labirinto e
este matou o Minotauro, Minos, furioso, encarcerou Dédalo e o filho no labirinto. Dédalo, porém, a
quem não faltavam recursos, fabricou para Ícaro e para si mesmo umas asas que colou com cera aos
seus ombros e aos do filho. Em seguida, ambos levantaram voo. Antes de partir, Dédalo recomendara
a Ícaro que não voasse nem muito baixo, nem muito alto. Ícaro, porém, orgulhoso, não deu ouvidos
aos conselhos do pai e elevou-se nos ares, aproximando-se tanto do Sol que a cera derreteu e o
imprudente caiu no mar, que, a partir desse momento se chamou Mar Icário” (GRIMAL, 2000, p. 241).
11Eros: significa desejo incoercível dos sentidos. Personificado, é o deus do amor, o mais belo entre os
deuses imortais, segundo Hesíodo. Eros dilacera os membros e transtorna o juízo dos deuses e dos
homens... O mito do deus do amor evoluiu muito, desde a era arcaica até a alexandrina e romana.
Aos poucos, todavia, sob a influência da poesia, Eros se fixou e tomou sua fisionomia tradicional.
Passou a ser apresentado como um garotinho louro, normalmente com asas. Sob a máscara de um
garotinho inocente e travesso, que jamais cresceu, esconde-se um deus perigoso, sempre pronto a
traspassar com suas flechas certeiras, envenenadas de amor e paixão, o fígado e o coração de suas
vítimas [...] (BRANDÃO, 2012, p. 198).
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Podemos, numa análise da cultura atual, dizer que saímos de uma época de
dominância dos aspectos negativos do Senex: rigidez, autoritarismo e caímos
na outra polaridade, o cultivo exacerbado dos valores do Puer: eterna
juventude e beleza física, falta de limites e de autoridade, pressa, hedonismo
entre outros. Toda unilateralidade é um sinal de barbárie, afirma Jung, e a
atual Sociedade do Espetáculo o confirma. Daí a necessidade de
resgatarmos o significado arquetípico do Senex (MONTEIRO, 2008).
O senex precisa do puer para renovar-se, para que não fique estagnado,
congelado. O puer precisa do senex para concretizar, estruturar seus projetos, para
que não se perca “no ar”, no mundo das ideias.
O velho, em sua senilidade, não aceita nenhuma mudança. O jovem, em seu
entusiasmo, não concretiza as mudanças que deseja. Uma vez que há a necessidade
de equilíbrio, o senex, ao dialogar com seus aspectos puer, pode transformar-se,
revigorar-se. O puer, ao dialogar com seus aspectos senex, pode objetivar suas
ideias, seus planos.
Para Hillman (2008, p. 45):
Eros aqui significa essa capacidade de relação, diálogo. O eros pode ser
compreendido como movimento, trânsito. Através do eros, é possível que haja troca
entre essas características de velho e moço, pela capacidade de se espelharem.
A organização da sociedade é um reflexo da psique individual, não há
separação entre essas esferas, assim como no arquétipo. A busca do equilíbrio
psíquico é infinita, porém, a simples tentativa de equilíbrio já constitui uma relação,
um exercício de eros.
“Eros representa uma experiência intermediária, conecta o pessoal com algo
que está além, e traz isso que está mais além para sua experiência pessoal. Para
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5 CONCLUSÃO
Para o encerramento deste estudo, surge a questão: por que o título “o Grande
Maléfico” se aplica a Cronos?
Esquecido para a consciência contemporânea, o arquétipo desse deus fica
“preso” em nível inconsciente e denuncia-se através da depressão, o mal do século
XX.
Jung, em “Estudos alquímicos”, diz que “[...] os deuses esquecidos viraram
doença” (2002, p. 54) e que por trás de cada mal haveria um deus gritando. Cronos
querendo ser reconhecido, honrado?
Para a cultura ocidental há uma não aceitação, um não reconhecimento, por
parte da consciência coletiva, da passagem do tempo. E com isso é perdido também
o que ele traz de positivo: o aprendizado oriundo da experiência. O “velho sábio” não
pode se apresentar. Então se manifesta em nível inconsciente como o “Grande
Maléfico”, causando um mal de proporções titânicas: a depressão.
Em contrapartida, o homem contemporâneo tem sido forçado a, cada vez mais,
olhar para dentro de si; parece haver, lentamente, um movimento de retomada do
reconhecimento de um mundo interior. Os saberes ditos “holísticos” nunca foram tão
levados a sério. A própria psicologia junguiana tem se popularizado na atualidade.
Para concluir, este artigo visa unir-se ao desejo de Hillman de que: “[...] o
homem inconsciente de dentro possa nos alcançar” (2008, p. 61).
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REFERÊNCIAS
ACUIO, João Fasónàre. Saturno. Saturnália, Curitiba (PR), 13 jun. 2013. Disponível
em: <http://saturnalia.com.br/>. Acesso em: 13 jan. 2016.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. v. I.
BURT, Kathleen. Arquétipos do zodíaco. 10. ed. São Paulo: Pensamento, 1997.
GRINBERG, Luiz Paulo. O homem criativo. 2. ed. São Paulo: FTD, 2003.