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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de História

Análise do Plano de Estudo Tutorado

Grupo:

Almir Ferreira De Alcantara Lima – almirfeal@hotmail.com

Diego Augusto Baião – diego_baiao@hotmail.com

João Vítor Trebes Cardoso – joao96.jv@gmail.com

Renan Barcellos – barcellosm.renan@gmail.com

Victor Tereza Azedo – victorbrasil01@gmail.com


Introdução

Iremos analisar o PET (Plano de Estudo Tutorado) do ensino fundamental regular do


8º ano volume 7 que foi proposto no ano de 2020 pelo estado de Minas Gerais.

O material é bem reduzido, não se aprofunda nos temas, não tem uma grande
variedade de assuntos abordados ao longo do texto, em suma, é um material de “apoio”
muito raso e que não faz ou incita uma reflexão ou um aprendizado verdadeiro e profundo
sobre os temas abordados, que foi em sua maioria se tratando dos Estados Unidos da
América, deixando outros países e a história do Brasil em segundo plano. O conteúdo
abordado foi a imigração para o Brasil no século XIX, Guerra de Secessão, Doutrina
Monroe, Consolidação do Estado Norte-Americano e o Imperialismo norte-americano na
América Latina, ou seja, silencia várias outras histórias e dá enfoque ao EUA, o que pode
significar uma americanização do ensino em detrimento da américa latina tão importante e
silenciada por uma cultura estadunidense e eurocêntrica.

Concepção de Educação

O processo de construção do conhecimento é vago. Ainda que linear e clara, a


exposição do conteúdo é mais que simples, é simplista, não complexifica nem aborda
questões que possa incitar diálogos, dúvidas e questionamentos. O aluno, não parece ser
incentivado a tomar parte do conhecimento o que faz o PET soar como uma simples
exposição de conteúdo, colocando o leitor em uma posição de simples expectador do
material exposto. Outrossim servirá como uma fonte clara e objetiva de esclarecimento de
conteúdos já trabalhados em sala de aula.

Periodicamente o PET se utiliza de um formato comum aos livros didáticos, algo


semelhante a um apêndice temático, o incerto “Para saber mais!” pinça um aspecto mais
específico do material já trabalhado e se propõe a aprofundar, brevemente, nele. Os incertos
são uma positiva proposta didática, como uma fonte direta de aprofundamento no
conhecimento do material exposto, mas funciona mal, é tão descritivo e pascácio como o
resto do material base, buscando aprofundamento ele acaba por ser mais do mesmo.

Quanto às questões contidas nos incertos “Atividades” o PET faz um bom trabalho
em ser claro e objetivo, mas a simplicidade sobrepuja a objetividade mais uma vez fazendo
com que as perguntas sejam uma correspondência direta do conteúdo exibido, sem muito
espaço para problematizações ou mesmo inquirir do aluno uma compreensão direta do
conteúdo.

2 – Desenvolvimento – Concepção de História

Como explicitado na introdução, o material de PET analisado apresenta uma


narrativa histórica baseada em agências históricas de sujeitos coletivos e/ou generalizantes,
salvo algumas exceções que acabam por corroborar a trajetória da narrativa ao invés de
aprofundar e apresentar mais informações para que se construa um panorama mais rico sobre
o recorte histórico estudado. Termos como britânicos, americanos, indígenas, escravos,
imigrantes, europeus, oeste, sul, norte, trazem sempre uma noção coletiva de agências
históricas e acaba por privilegiar uma narrativa que se desenvolve sobre esses conceitos,
traçando uma linearidade fraca em elementos que complexifiquem e gerem reflexão crítica
a partir das informações do texto.

Na proposta de desenvolvimento apresentada pelo material, dividido em quatro


semanas, se dá ampla preferência pelo desenvolvimento de informações sobre as culturas
europeias, em especial aos Estados Unidos da América, apresentadas sempre de maneira
positiva, no sentido de desprovida de maldade, como vencedores, raramente apresentando
propostas de contraposição narrativa aos feitos e ações políticas desses agentes. Observemos
os títulos que nomeiam os conteúdos: SEMANA 1 – “Que venham os europeus!”; SEMANA
2 – “Para o Oeste, americanos!”; SEMANA 3 – “Eis que surge uma potência mundial”;
SEMANA 4 – “América para os (norte) americanos”.

Podemos perceber já pelos títulos, como o material apresenta suas ‘personagens’


históricas. Ao se ater ao texto e desenvolvimento do conteúdo, é apresentado uma narrativa
linear, positivista, focada somente em fatos orientados por conjunturas políticas, sem
nenhuma contraposição narrativa que pelo menos apresente uma leitura diferente sobre os
mesmos acontecimentos relatados, que procure proporcionar pensamento crítico por parte
do corpo discente. O caráter retilíneo das narrativas, levam fatalmente a apenas uma forma
de acepção do conteúdo, objetivando e apresentando nas entrelinhas os interesses subscritos
do conteúdo, através do que suprime ao privilegiar tal abordagem. O resultado é um material
historiográfico que não abre espaço para o contraditório, para outras interpretações
historiográficas e distintas agências históricas, apresentando uma visão acabada da história,
onda não havia outros caminhos e possibilidades, portanto, acrítica.
Para exemplificar as perspectivas de metodológicas sobre temporalidade, espaço e
desenvolvimento narrativo, nos ateremos consecutivamente ao conteúdo proposto para cada
semana.

Semana 1 – “Que Venham Os Europeus!”

Único conteúdo que fala diretamente do Brasil, mesmo que o objetivo seja ligado
completamente à conjuntura internacional, apresenta em uma página um desenvolvimento
narrativo que desconsidera totalmente as conjunturas internas e agências históricas
diferenciadas da europeia, pois foca-se somente nos aspectos conjunturais internacionais,
como podemos perceber:

O século XIX no Brasil apresentou-se extremamente transformador para a sociedade


brasileira no que abrange importantes pilares políticos e econômicos da antiga colônia,
transformada em império e ao final do período em república. Essas transformações
iniciaram-se 1.808, com a vinda da Família Real ao Brasil, trazendo consigo um caráter
europeu de sociedade à antiga colônia, que rapidamente é transformada em Reino Unido e
posteriormente numa nação independente.

Entretanto, a prática escravocrata já caíra em desuso em quase todo os países


americanos e na Europa, fazendo com que europeus, principalmente ingleses pressionassem
o governo brasileiro a encerrar a escravidão no país.

Tais exemplos demonstram flagrantemente a predileção pelos ditos contextos


internacionais que influenciaram o período histórico no Brasil e, ao não complexificar a
narrativa com os processos internos do país, omite muitas vozes e solidifica a percepção de
um processo histórico unilateral.

No único trecho que poderia exemplificar uma tentativa de criticidade através da


narrativa, o antepenúltimo parágrafo, ao ser observada dentro do corpo total do texto, acaba
por corroborar um objetivo não explicito do conteúdo, mas que se apresenta bem objetivo,
que é apagar, também por omissão, a contribuição fundamental do sistema escravista na
construção da materialidade mas também das subjetividades da sociedade brasileira e das
diferentes agências históricas responsáveis também pelo fim do mesmo e consequente
movimentação da História do país.
Baseando-se na premissa racista de superioridade racial do branco europeu sobre a
população negra, a elite da sociedade brasileira passou a financiar a chegada de imigrantes
da Europa para trabalhar nas lavouras do Brasil, alegando que eram mais capacitados ao
trabalho e ao mesmo tempo, organizando comunidades europeias em solo brasileiro, iriam
contribuir para o processo de clareamento da sociedade brasileira, considerada mestiça
demais aos olhos racistas daqueles que comandavam a política e a economia do Brasil.

Embora o texto refira à “premissa racista” e o parágrafo de fale de processos que são
historicamente corroborados por ampla historiografia, ele não apresenta criticidade e
contraponto, ou mesmo detalha e complexifica o quadro apresentado, resultando em um
processo passivo e sem conflitos de substituição de mão de obra, o que de fato aconteceu,
entretanto não de maneira unívoca como o texto termina por mostrar.

Para afirmar ainda mais o conceito passivo de gerações de desigualdades no país e


deslegitimar as agências históricas de povos originários e da população afrodescendente, o
quadro “Ampliando o conhecimento” sugere links para dois vídeos hospedados em uma
famigerada plataforma de streaming, que apresenta uma visão extremamente romantizada
das trajetórias de populações europeias e asiáticas, denominadas ‘imigrantes’, positivadas
através de um roteiro de narrativa heroica, acrítica aos processos extremamente violentos
que essa política estatal de branqueamento gerou a outros setores populacionais do país e
ainda comete atos flagrantes de racismo ao afirmar, sem posicionamento crítico, afirmações
como “mão de obra mais capacitada que o escravo”, se referindo aos contingentes de brancos
que aqui chegavam, os retratando como “bons colonizadores” e “desenvolvedores da nossa
cultura”, inclusive afirmando de modo quase natural o genocídio de povos originários pelas
empresas que contratavam mão de obra imigrante.

Semana 2 – Tema: O Crescimento Dos EUA E A Guerra De Secessão

Para o Oeste, americanos!

A partir deste ponto, a até a última semana, o foco torna-se a história dos EUA e seu
desenvolvimento. Novamente, a mesma métrica narrativa de desenvolvimento do texto é
apresentada, assim como a inexistente de perspectiva crítica sobre os fatos históricos
apresentados e seus respectivos desenvolvimentos.

A linearidade habitual se apresenta, e novamente por uma observável intensão de


privilegiar apenas poucas agências históricas, a narrativa termina por solidificar um
resultado parecido com a do texto da semana anterior (tomadas as proporções das temáticas
apresentadas).

As Treze Colônias, contingente cultural e populacional considerada a fundadora do


que depois se denominou EUA, são apresentadas como empreendedoras, movidas por um
senso natural de progresso e desenvolvimento, pois ao utilizar termos como transformar,
nação poderosa e autônoma, negociou a compra (referindo-se a incorporação de novos
territórios), cedeu, mas principalmente pelo termo anexar, o texto se desenvolve afirmando
um processo histórico que, sim, ocorreu, mas não dessa maneira passiva, com apenas uma
agência, como se este fosse um natural caminho, e único, para se desenvolver:

Na metade do século XIX, o EUA já havia demonstrado grande capacidade de anexar


novas terras, aumentando sua extensão territorial e possibilidades comerciais. Neste período,
desejosos de anexar a região do Texas, iniciou-se uma violenta guerra contra o México,
resultando na anexação não somente deste território, mas também da Califórnia, Arizona,
Novo México, Utah, Colorado e Arizona. Com o passar dos anos o EUA migrava para o
Oeste, descobrindo novas fontes de renda, fazendas, mas causando a extinção de várias
comunidades indígenas.

O parágrafo acima exemplifica bem, pois mesmo apresentando que houve uma
guerra sangrenta contra o México e dizimação de diversos povos indígenas, ao não
apresentar dados que permitam complexificar o texto, não apresentar o que o “outro lado”,
restringe muito outras oportunidades de intepretação e compreensão do período histórico
apresentado e solidifica visões racistas dessas vozes omitidas, pois não apresenta quadros de
resistência e, portanto, de agência histórica. Segundo o texto, “Os escravizados do Sul
aproveitavam a presença de soldados do Norte para promoveram fugas coletivas”. Essa é a
única agência histórica apresentada pelo texto em referência à população afrodescendente
dos EUA. Contando com as atividades, este é o maior conteúdo apresentado pelo PET do
conteúdo de História.

Semana 3 – Tema: A Consolidação Do Estado Norte-Americano

Eis que surge uma potência mundial

Um texto de apenas dois parágrafos é a base de estudos para a semana três que, como
o próprio título sugere, apresenta uma ode à nação estadunidense ao apresentar uma narrativa
unilateral e acrítica aos processos históricos de consolidação, terminando por reforçar um
contexto vitorioso:

A conquista do Oeste representou não apenas anexação de novos territórios e


histórias de cowboys e duelos armados. As terras foram ocupadas por inúmeras fazendas,
transformando o Oeste americano em grandes terras produtoras de gado e derivados. Para
facilitar o acesso e transportes entre as Costas Leste e Oeste, uma grande malha ferroviária
foi construída, cortando quase todo o território estadunidense, onde se transportavam
pessoas, carvão, produtos agrícolas e a própria história do EUA. Este domínio infelizmente
representou o genocídio de várias comunidades indígenas.

Com termos que mais uma vez “suavizam” os processos, como anexação, ocupadas,
acrescidos, primeiro, das conquistas de uma narrativa pautada pela ideia de progresso, a
informação do genocídio indígena praticamente perde sua função contestadora.

Semana 4 – Tema: O Imperialismo Norte-Americano Na América Latina

América para os (norte) americanos

Em tese, seria o conteúdo mais próximo de uma tentativa de criticar e/ou


problematizar a trajetória das políticas internacionais adotadas pelo governos dos EUA, pois
apresenta um título um pouco mais sugestivo à proposta de criticidade, apresenta fatos que
poderiam ser interpretados por essa via, mas como é de costume destes PETs, as escolhas e
estratégia escolhidas pela autoria do material para a construção da narrativa
consequentemente leva a uma não problematização, pois abranda ou mesmo naturaliza um
único viés de processo histórico, por omitir outras interpretações historiográficas, mas
também pela construção o texto em si, por palavras que não possibilitam críticas variadas do
conteúdo, como exemplifica o parágrafo a seguir:

Ao contrário da colonização europeia meramente exploratória, ocorrida séculos antes


nos países americanos, sugando recursos naturais, riquezas e população nativa, o EUA optou
pelo domínio econômico instalando indústrias americanas nos países latino-americanos,
controlando aspectos econômicos substancialmente importantes, explorando as riquezas e
gerando lucros significativos ao mercado norte-americano. Empresas mineradoras no Chile
e Bolívia, petrolíferas na Venezuela e México e de produtos agrícolas em Cuba.
Ao opor a perspectiva do império norte-americano à estratégia e ações colonizadoras
europeias, afirmando ser um domínio no campo econômico, eufemiza tais estratégias de
política internacional e, mais uma vez, por omitir as agências históricas dos países e regiões
afetadas por esse domínio estadunidense, termina por afirmar acriticamente a unilateralidade
de tal processo histórico.

Conteúdo Do Material E Atividades Propostas:

Embora a PET 8º ano do ensino fundamental 2 tenha objetivos que englobem


grandes questões do século XIX, percebemos o foco nos Estados Unidos em detrimentos de
outras experiencias importantes ao redor do globo no período. Este aspecto pode ser fruto de
um alinhamento do Governo Brasileiro para com os EUA.

O continente africano é completamente ignorado, embora conste nos objetivos.


Ademais, é extremamente relevante para nós, brasileiros, que temos grande parte das nossas
origens enraizadas no outro lado do atlântico. Nota-se a preferência de resgatar a memória
por sua vez, dos imigrantes europeus.

Os conceitos são tratados de forma rasa e “jogados” sem uma construção prévia
adequada, os estudantes não necessitam de se quer uma leitura para “compreender” o
conteúdo.

As atividades propostas não exigem um pensamento crítico, eles atuam como


confirmação do que foi apresentado anteriormente. Elas não despertam a curiosidade e
sequer ínsita o debate. Os vídeos e imagens (pinturas e fotografias) propostas atuam como
plano de fundo, exemplificando o conteúdo e dessa forma, não contribuindo para uma
construção de conhecimento mútua, sendo o estudante capaz apenas de reproduzir as
informações apresentadas. Além disso, não existe uma proximidade entre os estudantes e o
que está sendo mostrado, prejudicando ainda mais o estabelecimento de conexões entre o
mundo e a realidade.

3. Considerações Finais Com Uma Reflexão Crítica Do Material Analisado.

Analisando o material do Plano de Estudo Tutorado do 8º ano, em especial o Volume


7, tendo sido consultado outros volumes para referência e comparação, percebemos uma
série de problemas. No entanto, é preciso levar em consideração a situação em que nos
encontramos. A pandemia da COVID-19 pegou nossas instituições já ineficientes de
surpresa, tendo sido necessário tomar atitudes de forma rápida para tentar mitigar alguns dos
problemas. No caso do nosso sistema público de educação, que já possui todas as falhas e
limitações discutidas incansavelmente no ambiente acadêmico e fora dele, essa situação se
tornou ainda mais grave. Professores e alunos passaram a ter um desafio extra no processo
de aprendizagem escolar, principalmente em relação ao acesso aos materiais escolares e as
aulas, tendo em vista a desigualdade socioeconômica e de acesso à internet no Brasil.

É sempre importante lembrar que o acesso, não só a internet, como também a outros
materiais e ferramentas de aprendizagem, bem como a um ambiente propício à educação,
não se dá de forma hegemônica em uma mesma turma, muito menos no estado ou país
inteiro. Vale lembrar também que, de forma alguma, e isso é claro para qualquer professor
ou outro funcionário envolvido no processo de educação, esses materiais de estudo tutorado
substituem, com auxílio de livro didático ou outras fontes de conhecimento, a aula presencial
e o papel ativo do professor.

No entanto, esses fatores não diminuem o fato do material ser, em muitos casos, bem
raso para um bom conhecimento. É claro que realizar debates mais complexos com os alunos
por esses meios à distância se torna ainda mais complicado, porém o material é insuficiente
na forma de guiar esses debates. Questões complexas como imperialismo, racismo,
extermínio dos povos originários, escravidão, bem como relações de trabalho e produção,
são colocadas de forma extremamente superficial, mesmo considerando os fatores já
abordados e a fase escolar dos alunos, sendo por vezes, um mero detalhe dentro de um
processo que aparenta ser coeso e homogêneo. O material falha também em suscitar um
debate nos conceitos e nas correntes de pensamento, mesmo considerando novamente as
ressalvas, dando uma ideia quase que teleológica da história em alguns momentos, além de
omitir conflitos e choques de realidade e ideias.

As críticas a esse material devem ser feitas por ele representar não só um ensino
emergencial frente a uma situação nunca experienciada por alunos e educadores, mas
também por revelar uma série de características sintomáticas do ensino de história no Brasil,
com ou sem pandemia.
Referencias:

PLANO de Estudo Tutorado. 8º Ano Ensino Fundamental, Volume 7, Governo do Estado


de Minas Gerais. 2020.

SACRISTÁN, J. G. In: O que significa o currículo? Saberes e incertezas sobre o currículo.


Penso. 2013. p. 16-35URL

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