Você está na página 1de 9

Idosos e sua percepção acerca da

sexualidade na velhice1
Izaura de Moura*
Marinês Tambara Leite**
Leila Mariza Hildebrandt***

Resumo

O envelhecimento populacional mesmo que não diga nenhuma palavra.


tem motivado o desenvolvimento de Sexualidade é estar com o outro, estar
estudos acerca dos diferentes aspectos de bem com a vida, poder se divertir e
que envolvem a velhice, incluindo a ser feliz, incluindo aí a relação sexual.
sexualidade e espaços de socialização. Conclui-se que os idosos possuem bom
As atividades de natureza grupal po- entendimento acerca da temática, de-
dem favorecer a expressão da sexuali- monstrando arrefecimento de idéias
dade em idosos. Este estudo tem por permeadas por preconceito em relação
objetivo analisar a percepção sobre a à sexualidade na velhice.
sexualidade na velhice de idosos que
freqüentam grupos de terceira idade. Palavras-chave: Idoso. Sexualidade. Cen-
O estudo caracteriza-se como uma pes- tros de convivência e lazer. Envelheci-
quisa qualitativa e analítica, do qual mento.
participaram 12 idosos com idade en-
tre 62 e 86 anos. Para a coleta de da-
dos foi utilizada a entrevista aberta e
na análise das informações seguiram-se *
Graduado em Enfermagem pela Universidade
os passos preconizados para a análise Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
temática. Os resultados mostram que Sul.
a participação de idosos em atividades
**
Enfermeira. Doutora em Gerontologia Biomédica
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-
grupais favorece o encontro e a forma- de do Sul. Professora da Universidade Regional do
ção de novos casais. Essa condição leva- Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
os a desfrutar novas emoções, aflorando ***
Enfermeira. Mestra em Enfermagem Psiquiátrica
sua sexualidade. Embora existam tabus pela Universidade de São Paulo. Professora da
acerca da sexualidade na velhice, os Universidade Regional do Noroeste do Estado do
participantes explanam que sexualida- Rio Grande do Sul.
1
Estudo produzido a partir do trabalho de conclusão
de é um conjunto de atitudes e senti-
de curso de Enfermagem da Universidade Regional
mentos para com o parceiro: expressão do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
de carinho, beijo, abraço, toque, olhar,
ouvir e compreender o que o outro fala,
Recebido em jan. 2008 e avaliado em mar. 2008

131

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


Introdução Diante do vertiginoso crescimento
da população idosa, emergem novas
Os aspectos referentes ao envelhe- demandas, como a necessidade de espa-
cimento populacional têm motivado o ços de socialização nos quais os idosos
desenvolvimento de estudos acerca das possam compartilhar suas vivências,
diferentes dimensões que envolvem a ve- manter e fazer novas amizades, sentirem-
lhice, constituindo-se num conhecimento se valorizados e inseridos em seu meio
relativamente novo. Entre as dimensões social. Um desses espaços atualmente
pesquisadas está a sexualidade. Esta oferecido a este estrato populacional é a
questão é pertinente, uma vez que atual- participação em atividades grupais. Nesse
mente há um progressivo aumento da cenário, há grupos que possuem como
população idosa no país e, além disso, os finalidade principal a socialização. Pelas
idosos apresentam melhores condições de suas características, nesses grupos há
saúde e maior inserção social, favorecendo uma maior aproximação entre os idosos
a manutenção e/ou a formação de novos e a formação de novos vínculos afetivos;
vínculos afetivos. conseqüentemente, há maior possibilida-
A Organização Mundial de Saúde de de expressão da sexualidade por parte
(1984) utiliza o critério cronológico para de seus integrantes.
estabelecer a fase da velhice, na qual as Em relação a essa condição, a pesquisa
pessoas são consideradas idosas, preconi- realizada em Palmas - PR junto a idosos
zando que, para os indivíduos residentes participantes de um grupo de convivência
nos países desenvolvidos, idoso é quem evidenciou que as pessoas idosas aceitam
tem idade igual ou superior a 65 anos; o processo de envelhecer, entendendo seus
já, para aqueles que residem nos países aspectos físicos, mentais, emocionais e
em desenvolvimento, como é o caso do sociais, o que colabora para o exercício
Brasil, a idade limite é de sessenta anos de uma sexualidade duradoura e saudável
ou mais. (CATUSSO, 2005).
Destaca-se que, atualmente, o enve- Duncan, Schmidt e Giugliani (2004)
lhecimento populacional é um fenômeno corroboram ao mencionar que 74% dos
mundial, com acentuado crescimento homens casados e 56% das mulheres que
do contingente populacional idoso em possuem vínculo conjugal mantêm vida
relação ao dos demais grupos etários. No sexual ativa após os sessenta anos de ida-
Brasil, houve uma elevação da população de. E mesmo que não tenham vida sexual
maior de sessenta anos, numa proporção ativa, todos expressam de algum modo sua
de 4%, em 1940, para 8% em 1996. Além sexualidade, seja pelo olhar, seja por um
disso, a população “mais idosa”, ou seja, abraço, um toque de mão ou um sorriso.
de oitenta anos e mais, também está au- Entretanto, para alguns idosos a
mentando, alterando a composição etária sexualidade não é um componente que
dentro do próprio grupo (CAMARANO, faz parte de sua vivência atual, seja por
2002). não possuírem companheiro(a), seja por
não terem interesse. Nesse sentido, Vas-

132

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


concellos et al. (2004, p. 415) explicam quarenta componentes, sendo 75% mulhe-
que “a falta de parceiro disponível pode res e 25% homens. Para compor a amostra
explicar o abandono de relações sexuais, adotaram-se os seguintes critérios: ter
mas não explica a renúncia a interesses idade igual ou superior a sessenta anos,
e a comportamentos sexuais [...]”. Além estar participando de um dos grupos de
disso, muitos idosos que não manifestam terceira idade e aceitar fazer parte da
sua sexualidade por receio de serem con- pesquisa. Para garantir o anonimato dos
siderados portadores de algum distúrbio, idosos, os fragmentos de suas falas estão
tanto de ordem psíquica como física. codificados como Sujeito 1, Sujeito 2, e as-
A sexualidade é um elemento fun- sim sucessivamente, até chegar ao sujeito
damental para uma boa qualidade de 12. Destaca-se que a numeração seguiu a
vida dos idosos, porém se faz necessário ordem de realização das entrevistas.
conhecimento de como eles a percebem A coleta de dados aconteceu no mês de
e a vivenciam, permitindo a obtenção de agosto de 2007, em momento que melhor
informações relativas ao tema que poderão atendia ao participante e ao grupo. Para
subsidiar os profissionais de saúde, com a obtenção dos dados que compõem as
vistas ao planejamento de ações específi- características sociodemográficas dos en-
cas e objetivando a atenção integral. Além trevistados foi utilizado um instrumento
disso, ao buscar conhecer o que os idosos previamente elaborado para este fim. As
pensam acerca da sexualidade na velhice, informações acerca da sexualidade foram
considera-se que esse resultado possa obtidas por meio de entrevista aberta, na
despertar o interesse dos profissionais qual o entrevistado discorria livremente
de saúde sobre a temática, ampliando o sobre a seguinte pergunta balizadora:
conhecimento e propondo intervenções “Fale como o sr(a) percebe as questões
junto a este contingente populacional. relativas à sexualidade em idosos?”
Considerando os aspectos menciona- Obtidas as informações, foram orde-
dos, este estudo tem por objetivo identi- nadas, classificadas e analisadas. Assim,
ficar e analisar a percepção que os idosos o processo foi realizado pela transcrição
participantes de grupos possuem acerca e leitura das entrevistas e organização das
da sexualidade na velhice. informações. A classificação e a análise
final constituíram o confrontamento entre
Metodologia os dados coletados e o referencial teórico,
com o intuito de esclarecer a questão da
O presente estudo caracteriza-se como pesquisa e atingir os objetivos propostos
uma pesquisa qualitativa e analítica de- (MINAYO, 2003).
senvolvida no município de Parobé - RS. Os aspectos éticos da pesquisa com
A população foco de estudo foram idosos seres humanos, conforme preconiza a
pertencentes aos dois grupos de terceira resolução do CNS/MS no 196/96, foram
idade existentes no município. Um deles observados, sendo o projeto de pesquisa
conta com oitenta idosos associados, dos aprovado pelo Comitê de Ética em Pesqui-
quais cerca de 60% são mulheres e 40%, sa da Unijuí, sob parecer consubstanciado
homens. O outro compõe-se de cerca de no 100/2007.

133

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


Apresentação e discussão dos fabetos; 12,40% têm entre 8 e 14 anos de
estudo e 4,20% possuem 15 anos ou mais
resultados de estudo. Salienta-se que a participação
Após a leitura do conjunto das infor- nos grupos de terceira idade apresenta
mações contidas nas entrevistas, agrupou- aspectos positivos também na educação,
se seu conteúdo por convergência de pois muitos idosos que não sabiam ler e
idéias em categorias analíticas. escrever, tendo aprendido a escrever seus
Em relação às características sociode- nomes no próprio grupo.
mográficas, identifica-se que, quanto ao Quanto à habitação, dez idosos referem
sexo, sete são do sexo feminino e cinco, ter casa própria, dos quais quatro residem
do masculino. A idade varia de 62 a 86 sozinhos; sete, com um(a) companheiro(a)
anos, sendo um casado, nove viúvos e dois e um, com seus filhos. Muitos relatam
separados. Porém, atualmente, oito idosos que apenas moram com parceiros para
possuem vínculo conjugal, ou seja, vivem não perturbar os filhos, ou para não viver
em companhia de outra pessoa. Vale res- solitariamente. Demonstram uma relação
saltar que, embora os participantes, em de companheirismo e solidariedade, com
sua maioria, sejam viúvos, esta condição um ajudando o outro.
não impede que usufruam dessa etapa da
vida, saindo de casa e participando da vida “Um beijo, um abraço, um
social, o que propicia o conhecimento de
novos parceiros. Assim, vai-se ao encontro olhar”: a sexualidade na voz de
de Debert (1999) ao afirmar que para os idosos
idosos dos dias atuais a viuvez significa
A população acima de sessenta anos
autonomia e liberdade.
está crescendo de maneira significativa,
Outro fator importante, do ponto de
não só no Brasil como no mundo. Acompa-
vista social e econômico, é o que se refere
nhando a elevação do contingente popula-
à ocupação e renda, visto que cinco idosos
cional de idosos, houve a necessidade de
encontram-se aposentados, quatro são
se criarem espaços sociais para atendê-los.
aposentados e pensionistas e três, somente
A formação de grupos de terceira idade
pensionistas. Com relação à renda, dos
constitui-se numa das formas de agregar
entrevistados, seis recebem um salário e
e socializar os indivíduos idosos, prática
seis, dois salários mínimos. Outro aspecto
que tem se difundido para todas as loca-
analisado diz respeito ao número de anos
lidades do país.
que os entrevistados cursaram de ensino
A freqüência dos idosos nos grupos é
formal, o qual ficou entre um a cinco
de extrema importância, porque o conví-
anos. Vale destacar que três idosos nunca
vio social leva a que troquem experiências,
freqüentaram os bancos escolares. Tais
adquiram novos conhecimentos e mante-
dados estão em conformidade com o censo
nham e ampliem seu grupo de amizades,
do IBGE (2000) para o Rio Grande do Sul,
o que poderá lhes transmitir maior se-
o qual registrou que 63,50% dos idosos
gurança e suporte social. Nesse sentido,
estudaram até sete anos; 19,80% são anal-
Erbolato (2002) enfatiza que na velhice

134

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


os indivíduos já viveram o suficiente para viúva, ele já me conhecia e nós era bem
aprender que o contato com outras pessoas amigo. E daí ficamos, uma coisa com res-
é imprescindível. A autora complementa peito, que não é uma coisa feia nem nada.
que os outros componentes do grupo são (Sujeito 3)
fonte de amor, de segurança, existindo um Na atualidade, cada vez mais há
sentimento de pertença ao grupo, levando pessoas idosas cuja situação conjugal é
a que o idoso se sinta querido e capaz de viúvo ou separado, as quais encontram um
despertar diversos sentimentos, como parceiro, pois decidiram não mais viverem
pode ser observado nas falas a seguir: sozinhos e solitárias, dando um novo sen-
É uma amizade muito grande, amizade com tido à vida por preferirem a companhia de
tudo, eu brinco, caçôo... é parelho. (Sujeito 11) outro idoso a depender da família.
Segundo Perry e Potter (2005), tanto
Eles acham que eu sou a mais assim... que
os idosos ativos como os debilitados têm
eu sou a que puxa a frente. Porque eu era
necessidade de expressar sua sexualidade,
doente, eu só chorava, só chorava, chora-
va... E eu não sabia nem o lado de pegar a qual está vinculada à identidade do in-
o ônibus, eu me perdia aqui no centro. divíduo e valida a crença de que ele pode
Eu chegava no dia trocado da reunião, eu doar-se aos outros e ser querido por isso.
chegava chorando... Agora eu não sei o que Hillman (2001) corrobora ao afirmar
é chorar. Meu Deus do céu! É só alegria, que na velhice é importante as pessoas
só alegria! Eu sou feliz, eu quero é viver! contarem com um companheiro, terem
(Sujeito 9) liberdade e contato com a natureza. Os
A gente caminha, vai na igreja e volta a pé, vínculos configuram-se de diferentes
sempre junto, sempre junto... faz dois anos formas, duração e intensidade, porém
que estamos juntos. Desde que comecei são fundamentais a fidelidade e o próprio
aqui no grupo, a gente não se conhecia, desejo.
se conhecemos aqui. A gente conversou Esse modo de perceber a sexualidade
bastante e ele, por ter essa idade, não é é evidenciado nas falas da maioria dos
acabado. (risos) (Sujeito 1) entrevistados:
Como se pode constatar, também sur- Eu digo assim pra ele: “Olha aqui eu já con-
gem laços amorosos além da formação de versei, já tive conversa, já vi médico falar
amizades. Desperta, ainda, a sexualidade, que não é só sexo, o sexo faz parte, tanto do
o interesse por alguém especial, que se homem, da mulher, um abraço, um cari-
destaca dentre os outros, como se percebe nho, um beijo, atenção.” (Sujeito 4)
nas manifestações abaixo: O mais importante é o amor entre os dois
Nós conversamos bastante, nós conversa- sabe! O amor entre os dois, porque, se tu
mos muito, achamos que dava, então nos está com uma pessoa com pensamento só
juntamos. (Sujeito 5) em sexo, eu acho que não é válido, mas a
gente tendo amor um pelo outro... porque
Nós já era conhecido, quando eu tinha o amor vem de Deus. Então, não é por ser
aquele outro meu marido. Era tudo amigo, velho que a gente está acabado, sempre
sabe, aqui da terceira idade. Daí ficamos, ajuda. (Sujeito 1)
daí ele quis ficar comigo. Eu também tava

135

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


Eu acho assim uma sinceridade, uma coisa na fala do Sujeito 6, o qual relata que a
muito bonita, uma coisa de boa experiência sexualidade não é boa.
pra gente, sabe! Com tudo que a gente con-
Olha! eu estou péssimo, porque eu operei
versa, a gente conversa umas coisa boa, não
da próstata. Eu não sei se erraram a ope-
se fala assim, coisas assim que hoje em dia
ração ou o quê, que daí não prestou mais
é mais falado, a gente se tem aquele respei-
[...]. Me divirto, tenho meu prazer de beber
to, aquela coisa diferente. (Sujeito 3)
assim, tem que ficar contente com aquilo
Embora o mais importante para os que Deus deu pra gente. (Sujeito 6)
idosos sejam as carícias, a atenção, os Por disfunção erétil entende-se a
olhares, o companheirismo, o ficar junto, incapacidade constante para alcançar
eles também mantêm o exercício da rela- e/ou manter uma ereção adequada, que
ção sexual como uma forma de expressar possibilite o exercício da atividade sexu-
sua sexualidade. Assim, remeteu-se em al satisfatória. As alterações da função
diversas falas que, com a maturidade, o in- sexual ocorrem fisiologicamente com o
tercurso sexual se torna menos freqüente, envelhecimento, ou seja, o homem leva
porém tem a mesma intensidade e atende mais tempo para ter uma ereção; o pênis
às expectativas para o período de vida que não se torna tão rígido e se faz necessária
estão vivenciando. estimulação tátil direta para isso, assim
Não é aquilo mais que era! Este fato é, como o orgasmo pode ocorrer com menor
porque isso... você vê, faz dois anos que eu intensidade, o volume ejaculatório é redu-
adoeci do coração. Aí a coisa ficou mais zido e maior é o período de latência entre
difícil, que daí a gente tem problema agora. as ereções (GORGA, 2005).
Apesar que eu, como homem, a gente in-
Quando ocorre uma disfunção erétil
siste, um pouco... às vezes um pouquinho,
mas insiste, sobre isso. Eu, pelo menos,
e o idoso não aceita esta condição, pode
encaro isso, assim, como meio ruim sabe? negar ou minimizar o problema, buscando
Sobre sexo, essas coisas. (Sujeito 12) no consumo de bebida alcoólica a solução.
Para Wartenberg e Nirenberg (2001),
Às vezes, que ele quer, aí quando chega na evidências sugerem que os problemas
hora, assim, não consegue direito. Então relacionados ao consumo de álcool na
ele fica com medo. Eu disse: “Deixa de ser velhice apresentam-se como uma resposta
bobo.” Eu digo assim pra ele. Digo: “Não
adaptativa a situações ansiogênicas pes-
te preocupa com isso aí, porque isso aí da
soais, sociais e ambientais que podem
minha boca tu nunca vai ouvir te dizer aí
não te quero mais por causa disso nunca vai estar relacionadas ao envelhecimento.
me ouvir dizer.” (Sujeito 4) Como se pôde constatar em seus rela-
tos dos idosos participantes deste estudo,
Também há idosos que percebem as a prática do sexo não se dá mais como
questões da sexualidade somente como a antes, em sua juventude, pois, com o en-
relação sexual. Então, quando são acome- velhecimento, tudo se modifica, o corpo
tidos por alguma disfunção erétil, vêem- já não responde aos estímulos do mesmo
se desnorteados, sentem-se assexuados, modo. Barbosa (2004) corrobora apontan-
tornam-se depressivos. Percebe-se isso do que, como outros sistemas orgânicos,

136

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


também ocorrem mudanças nas estruturas relação à sexualidade. Segundo Barbosa
responsáveis pela resposta sexual e, como (2004), num determinado momento da
nas demais modificações, o idoso necessita vida sexo parece ser privilégio dos jovens.
se adaptar a essa nova condição. Monteiro (2002), em relação a essa condi-
Lopes e Cabral (2004) mostram que ção, afirma que os idosos correm o risco de
o aumento dos distúrbios sexuais nessa terem diminuída sua auto-estima, enten-
etapa da vida se deve, fisiologicamente, dendo que cada vez mais se apresentam
à diminuição na produção hormonal, desinteressantes; assim, passam a negar o
ao desgaste da condição social, a mani- desejo e a sexualidade.
festações depressivas e a problemas na Segundo Perry e Potter (2005), exis-
relação conjugal. Afirmam também que tem muitos mitos comuns e concepções
aproximadamente 50% das mulheres clas- errôneas sobre sexo e envelhecimento,
sificam a disfunção sexual como um dos como pensar que sexo não tem impor-
mais graves problemas nesse período da tância na velhice, que os últimos anos
vida. Perry e Potter (2005) vêm ao encon- deveriam ser assexuados, que é anormal
tro desses dados ao mencionar que entre os idosos terem interesse por sexo e nor-
a população idosa a libido não diminui, mal que os homens idosos procurem por
mas há redução na freqüência da atividade mulheres mais jovens. Esses mitos preju-
sexual. Além dessas alterações, muitos dicam, sobretudo, as mulheres idosas, que,
idosos podem fazerr uso de medicações freqüentemente, ao atingirem a terceira
que deprimem a atividade sexual, como idade já se sentem incapazes de manter
os anti-hipertensivos, antidepressivos, um bom relacionamento sexual, como se
sedativos, tranqüilizantes ou hipnóticos. nota nestas falas:
Em se tratando do uso de fármacos, Eu não quis mais homem e pronto. (Sujei-
os idosos participantes do estudo pare- to 9)
cem ter consciência de que a medicação
interfere na sexualidade: Absurdo, não pode ser, cada um tem que sa-
ber como é que funciona as coisas. Eu estou
Ele está sempre abaixo de remédio. Toma sozinha desde que fiquei viúva, nunca mais
cálcio, ele toma... ele tem osteoporose tive ninguém, nunca mais. (Sujeito 10)
também. Então, ele toma um remédio por
semana da osteoporose, sempre abaixo Muitos autores, tais como Perry e
de remédio... É remédio da pressão, toma Potter (2005), Barbosa (2004) e Monteiro
dois por dia, que nem (o médico) explicou (2002), apontam que a prática sexual
pra ele, é por causa dos remédio também. faz parte da sexualidade, mas que, para
Por causa dos remédios. Ele diz: “Daí vou a maioria dos idosos, vai além disso. A
ao médico pedir um remédio para me dar sexualidade na velhice é simples e, ao
mais sensação.” Eu digo, tu que sabe, não mesmo tempo, complexa, afinal o corpo
estou te cobrando. (Sujeito 4) envelhece, a anatomia e a fisiologia sexual
Outro aspecto que emergiu nas ma- se modificam, mas a capacidade de amar,
nifestações dos entrevistados diz respeito de beijar, de abraçar continua intacta até
à concepção um tanto conservadora em o final da vida. Um olhar e o companhei-

137

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


rismo têm muito mais significado do que e a felicidade estampada na face, eles
o ato sexual propriamente dito. demonstram sabedoria e experiências de
uma vida repleta de alegrias, sofrimentos,
Reflexões finais mas também realizações.
É notório que o número de idosos vem
crescendo muito em razão da sua maior
Elderly and their conception
longevidade e de um modo cada vez mais about sexuality
saudável, provocando muitos estudos
acerca desse contingente populacional.
Partiu-se do pressuposto de que, com Abstract
o aumento do número da população idosa, Population ageing has been mo-
há uma maior participação de gerontes em tivating the development of studies
about the distinct affects that involves
grupos de terceira idade, o que favorece
oldness, including sexuality and places
o encontro e a formação de novos casais. of socialization. Collective activities
Essa condição leva-os a desfrutarem novas may favour the elderly expression of
emoções, fazendo aflorar sua sexualidade. sexuality. This study has the objective
Apesar da existência de tabus em torno of analyzing the perception of elderly
da sexualidade na velhice, percebe-se about sexuality. Our option is to stu-
dy the aged that use to take part into
que os participantes deste estudo revelam groups. It is a qualitative and analyti-
entendimento a respeito desta temática ao cal research, and 12 elderly, with age
expressar que sexualidade é um conjunto between 62 and 86 years-old were the
de atitudes e sentimentos em relação ao actors of it. For data collection we used
parceiro, como as expressões de carinho, open interview. Information analysis
followed the steps recommended for
beijo, abraço, toque, olhar, ouvir e com-
thematic analysis. Results show that
preender o outro, mesmo sem o uso da the involvement of elderly in collective
palavra. activities favours the occurrence of da-
Sexualidade significa também a rela- tes and consolidation of relationships.
ção sexual, pois continuam tendo desejos This condition allows them to enjoy
semelhantes aos de quando eram jovens, new emotions, what open the doors for
sexuality. Even though there are taboos
porém, agora, têm maiores limitações em related to sexuality in third age, we
razão das alterações fisiológicas e, por can notice that elderly who are part of
vezes, patológicas, que dificultam um rela- these groups explain that sexuality is
cionamento mais íntimo. Entretanto, eles an amount of attitudes and feelings for
descobrem outros prazeres, adaptam-se a the partner, like kindness expression,
such as the kiss, the touch, the glance,
sua condição, conseguem encontrar para
to hear and understand what the other
cada problema um novo modo de viver. one speaks, even if he does not say a
Estudar o idoso é sempre interessan- word. Sexuality is be with the partner,
te, pois adentra-se num mundo de quem be glad about life, be able to have fun
não tem pressa de viver e conta com uma and be happy, which includes inter-
vasta experiência. Cabelos brancos e um course. We can conclude that elderly
have a considerable knowledge about
sorriso nos lábios, uma força de vontade

138

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008


this theme, showing they are not iden- LOPES, G.; CABRAL, R. Sinais e sintomas em
tified anymore with ideas penetrated by transtornos sexuais. In: GUIMARÃES, R. M.;
prejudice about sexuality in third age. CUNHA, U. G. V. Sinais e sintomas em geriatria.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2004. p. 229-235.
Key words: Elderly. Sexuality. Centers MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pes-
of connivance and leisure. Human quisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec;
ageing. Rio de Janeiro: Abrasco, 2003.
MONTEIRO, D. M. R. Afetividade, intimidade
Referências e sexualidade no envelhecimento. In: FREITAS,
BARBOSA, A. C. Sexualidade. In: SALDANHA, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia.
A. L.; CALDAS, C. P. Saúde do idoso: a arte de Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
cuidar. 2. ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2004. p. 942-949.
p. 322-333. OMS. Aplicaciones de la epidemiologia al estudio
CAMARANO, A. A. Envelhecimento da popu- de los ancianos. Informe de un Grupo Científico de
lação brasileira: uma contribuição demográfica. la OMS sobre la epidemiología del envejecimiento.
In: FREITAS, E. V et al. Tratado de geriatria e Genebra: OMS, 1984. (Série Informes Técnicos,
gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 706).
2002. p. 58-71. PERRY, A. G.; POTTER, P. A. Grande tratado de
CATUSSO, M. C. Rompendo o silêncio: desve- enfermagem prática: clínica e prática hospitalar.
lando a sexualidade em idosos. Textos e Contextos, 3. ed. São Paulo: Santos Livraria, 2005.
Porto Alegre, n. 4, dez. 2005. VASCONCELLOS, D. et al. A sexualidade no
DEBERT, G. G. A reinvenção da velhice. São processo do envelhecimento: novas perspectivas
Paulo: Edusp/Fapesp, 1999. – comparação transcultural. Estudos de Psicologia,
DUNCAN, B. B. et al. Medicina ambulatorial: v. 9, n. 3, p. 413-419, 2004.
condutas de atenção primária baseadas em evi- WARTENBERG, A. A.; NIRENBERG, T. D. O
dências. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. abuso de álcool e de outras drogas no paciente
ERBOLATO, R. M. P. L. Relações sociais na idoso. In: GALLO, J. J. et al. Reichel - assistência
velhice. In: FREITAS, E. V. et al. Tratado de ge- ao idoso: aspectos clínicos do envelhecimento.
riatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.
Koogan, 2002. p. 957-964. p. 147-153.
GORGA, C. F. A. Disfunção erétil. In: CAR-
VALHO FILHO, E. T.; PAPALÉO NETTO, M.
Endereço
Geriatria: fundamentos, clínica e terapêutica. 2.
ed. São Paulo: Atheneu, 2005. p. 507-516. Marinês Tambara Leite
HILMANN, J. A força do caráter: e a poética Universidade Regional do Noroeste do
de uma vida longa. Rio de Janeiro: Objetiva, Estado do Rio Grande do Sul
2001. Rua Floriano Peixoto, 776
IBGE. Censo 2000. Brasília: IBGE, 2000. Ijuí - RS
CEP 98700-000
E-mail: marinesl@unijui.edu.br

139

RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 2, p. 132-140, jul./dez. 2008

Você também pode gostar