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FACULDADE DE TEOLOGIA HOKEMÃH - FATEH

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM METODOLOGIA DO ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO COM ÊNFASE EM HISTÓRIA

MARIA SALETE MONTEIRO DO NASCIMENTO

A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA NEGRA:


UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA CULTURA NEGRA AFRICANA E DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Santa Luzia do Paruá - Ma


2011
MARIA SALETE MONTEIRO DO NASCIMENTO

A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA NEGRA:


UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA CULTURA NEGRA AFRICANA E DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Artigo Científico apresentado, à Faculdade


de Teologia Hokemãh - FATEH, como
requisito para conclusão do curso de pós-
graduação em Metodologia do Ensino
Fundamental e Médio com ênfase em
História.

Orientadora: Profª Ozana Lins Siqueira


Almeida

Santa Luzia do Paruá - Ma


2011
MARIA SALETE MONTEIRO DO NASCIMENTO

A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA NEGRA:


UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA CULTURA NEGRA AFRICANA E DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Artigo apresentado à Banca Examinadora da Faculdade de Teologia Hokemãh,


como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Metodologia do
Ensino Fundamental e Médio com ênfase em História. Orientadora: Profª Ozana Lins
Siqueira Almeida.

Aprovada em ____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Professor Orientador

_________________________________________________
2º Membro da Banca Examinadora

_________________________________________________
3º Membro da Banca Examinadora
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................5
1 A CULTURA SOCIAL TRAZIDA DA ÁFRICA ATLÂNTICA: O ANTEPASSADO
NEGRO.........................................................................................................................7
2 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL A PARTIR DA CULTURA NEGRA
.....................................................................................................................................11
2.1 A Influência Religiosa............................................................................................13
2.2 A Influência Social.................................................................................................14
2.3 A Influência Cultural: Samba, carnaval e capoeira...............................................16
3 O BRASIL CONTEMPORÂNEO: RELAÇÕES DE CULTURA E SOCIEDADE
AFRO-DESCENDENTE..............................................................................................18
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................19
4

A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA A PARTIR DA CULTURA NEGRA:


UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA CULTURA NEGRA AFRICANA E DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Maria Salete Monteiro do Nascimento1

Resumo
No presente trabalho, faz-se uma análise sobre a construção da cultura
nacional a partir da cultura negra africana. Num primeiro momento, realiza-se
uma abordagem histórica sobre o antepassado africano, dando ênfase à sua
formação sociocultural. Após, coloca-se in loco a relação existente entre tal
história e a constituição da cultura afro-brasileira. Assim, o objetivo principal do
trabalho é identificar quais as influências históricas da cultura negra sobre a
cultura nacional, dando um enfoque especial à evolução das comunidades
negras que constituem grande percentual da sociedade brasileira. Para tanto,
desenvolve-se uma revisão de literatura voltada para a construção de uma
abordagem crítica elaborada dentro de contextos atuais sobre a própria história
do Brasil.

Palavras-Chave: Cultura Nacional. Cultura Negra. História do Brasil.

THE FORMATION OF BRAZILIAN CULTURE FROM THE BLACK CULTURE: AN


HISTORICAL APPROACH OF BLACK AFRICAN CULTURE AND AFRO-
BRAZILIAN CULTURE
Abstract
In this study, an analysis is made on the construction of national culture from
the black African culture. At first, we make a historical approach on the African
ancestor, with emphasis on their socio-cultural training. After, there is the spot
that the relationship between history and constitution of the african-Brazilian
culture. Thus, the main objective of the work is to identify historical influences of
black culture on the national culture, giving special emphasis to the

1
Professora da Rede Pública de Ensino. Graduada em História pela Universidade Estadual do
Maranhão - UEMA e discente do Curso de Pós-Graduação em Metodologia em História da Faculdade
de Teologia Hokemãh - FATEH.
5

development of black communities that constitute a large percentage of


Brazilian society. To this end, it develops a literature review focused on the
construction of a critical approach developed within the current contexts of the
history of Brazil.

Keywords: National Culture. Black Culture. History of Brazil.

INTRODUÇÃO

A cultura brasileira já a algum tempo desperta o interesse de historiadores e


estudiosos no que diz respeito à sua constituição. Fala-se muito em um Brasil
miscigenado, mergulhado em um universo de culturas e formações étnico-sociais
diferentes que se “fundem” e reinventam uma cultura própria, no entanto, as
discussões que se formulam apontam para diversas realidades dentro das quais, a
figura do negro africano sempre exerceu papel principal tanto na formação do povo
brasileiro como na construção dos pilares sociais.
Mesmo assim, a participação das culturas negra e indígena, por muito tempo
foram negadas dentro do legado sociocultural nacional, ou seja, a cultura européia,
em especial a portuguesa, sempre foi utilizada para determinar as construções
nacionais de cultura, “mascarando” os reais valores construídos em território
nacional.
Das três principais influências atuantes durante o desenvolvimento do povo
brasileiro – a ameríndia, a européia e a africana – ora sobressaem-se
individualmente, em espaços determinados, ora amalgamam-se e produzem
um novo modelo detentor de aspectos próprios às três fortes culturas.
Percebe-se, por parte de alguns, a concessão de distintas participações e
funções nesta construção de identidade nacional, originando uma
verdadeira representação limitante e preconceituosa, que constantemente
desconsidera a importância das culturas indígena e africana na sociedade.
(MEDEIROS; ALMEIDA, 2007, p.2)

O Brasil é um país que desde os primórdios de sua colonização recebe a


influencia da miscigenação de diversos povos, tais como portugueses, franceses,
holandeses, índios e negros. Por isso, o quadro de “mestiçagem” atual, ultrapassa
os limites de etnia, cor ou raça, reformula os conceitos de sociedade brasileira,
fundamentados dentro de um “europeísmo”. Não se coloca em cheque apenas a
formação do Brasil, mas a sua constituição social, abandonando os modelos criados
6

no Brasil colonial e observando os valores que realmente fundamentam a cultura


brasileira.
Observando tais aspectos, Munanga (2006, p.108) refere-se a este quadro
social como um “novo modelo de estruturação societária”.
Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de
suas matrizes fundadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma
cultura sintética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas
oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente
nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam. (RIBEIRO,
1995, p.19 apud MUNANGA, 2006, p.108)

Contudo, é inegável que a cultura “negra africana” tenha fixado “raízes” e


participado com mais consistência dessa formação sociocultural, mesmo tendo sido
“deturpada” pelas projeções criadas para a identidade nacional na época do “pós-
abolição”.
No caso específico da construção da nacionalidade brasileira, tal recurso
sustenta ações que encobrem tanto a violência cometida contra os índios,
contra os negros e contra o povo em geral, quanto o alijamento dessas
minorias dos pactos sociais legitimados como direito do povo brasileiro.
(FONSECA, 2006, p. 91)

Esses projetos de construção da identidade nacional são enfatizados por


Carvalho (1998), ao fazer menção sobre as imagens criadas pela elite brasileira da
época sobre o modelo “ideal” de sociedade.
Em todos esses projetos, que se marcam pela Declaração da
independência do país, em 1822, pela Abolição da escravatura, em 1888, e
pela Revolução de 1930, a questão racial foi sempre escamoteada por
mecanismos que disfarçam a discriminação das pessoas consideradas
radicalmente diferente do modelo consagrado pela sociedade. Perceber,
portanto, nos processos de harmonização da diferenças, as estratégias de
ocultação da violência praticada contra os negros, bem como os modos de
sua inserção no modelo de nação privilegiado, faz parte do esforço de se
repensarem as representações de negro e negrura que continuam a circular
em nossa sociedade, mais de cem anos depois de abolida, por lei, mas não
de fato, a escravidão negra no Brasil (CARVALHO, 1998, p.78)

Desta forma, o presente estudo parte da necessidade de verificar quais as


influências históricas da cultura negra africana sobre a cultura nacional afro-
descendente, dando um enfoque especial à evolução das comunidades negras que
constituem grande percentual da sociedade brasileira ao que, no presente trabalho,
denomina-se de afro-descendente contemporâneo, que se constitui em tese, na
própria identidade da cultura nacional.
Este artigo propõe, portanto, realizar uma revisão bibliográfica sobre esta
relação historicamente construída que, dependendo da maneira como é abordada,
7

poderá estabelecer novos modelos historicamente constituídos para o campo de


estudos sobre cultura e sociedade, ou seja, serão feitas análise e observações de
algumas obras e produções científicas para determinar a importância do
conhecimento de valores culturais afro dentro da cultura nacional, o que caracteriza
o presente trabalho como um artigo de revisão.
Os sujeitos envolvidos serão os autores das obras referenciadas, com os
quais dialogaremos constantemente na evolução do referido trabalho, bem como
profissionais da área da educação e historiadores com os quais mantivemos contato
no desenvolvimento da pesquisa bibliográfica.
Far-se-á uma abordagem partindo de um contexto histórico geral da temática,
partindo da história do negro africano, para que se possa entender toda a evolução
histórica dando ênfase ao conhecimento histórico da construção sociocultural
brasileira até a contextualização de um cenário mais específico ao modelo de
sociedade contemporânea.
Desta forma, com o desenvolvimento do presente estudo, pretende-se:
Entender a cultura negra e o modelo de sociedade trazidos da África pelos negros
escravos para o Brasil; Analisar sob quais aspectos a cultura nacional viu-se
constituída a partir da cultura africana; Discutir a sociedade afro-brasileira
contemporânea observando aspectos relativos à cultura e sociedade

1 A CULTURA SOCIAL TRAZIDA DA ÁFRICA ATLÂNTICA: O ANTEPASSADO


NEGRO

É praticamente impossível conhecer a cultura de um país, ou, perceber sua


identidade cultural sem estudar sob quais aspectos as mesmas foram formadas, ou
seja, quando se pensa na construção de uma cultura e procura-se entendê-la sob
diversos focos, deve-se preocupar primeiro com a origem da mesma, observando de
que maneira essa “construção” se deu.
Com relação à cultura brasileira a grande influência da cultura negra africana
merece destaque e é o principal foco do presente trabalho, já que encontramo-nos
em um período de descobertas historiográficas onde a sociedade brasileira parece
ainda buscar sua verdadeira identidade e os contextos históricos oferecidos outrora,
8

hoje, parecem não mais explicar os conceitos de sociedade a qual estamos


inseridos.
No entanto, o estudo da cultura negra africana não se delimita simplesmente
às histórias que geralmente têm início com o “Tráfico Negreiro”, ele começa bem
antes, com o estudo da estrutura social africana observando contextos que
explicitam as motivações européias pela exploração do território africano em busca
de “produtos escravos”.
De acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006, p.14)
A história do negro brasileiro não teve início com o tráfico de escravos. É
uma história bem mais antiga, anterior à escravidão nas Américas, à vida de
cativo no Brasil. Trata-se de uma saga que se cruza com a aventura dos
navegadores europeus, principalmente os portugueses, e com a formação
do Brasil como país. Conhecer a história da África é fundamental para
entender como foi possível que milhões de homens, mulheres e crianças
fossem aprisionados e trazidos nos porões de navios destinados às
Américas.

Desta forma, para entendermos a trajetória da população negra brasileira é


necessário saber “como e por que o continente africano se tornou o maior centro de
dispersão populacional do mundo moderno”. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,
2006, p. 14)
A escravidão na África surgiu bem antes da exploração européia. Alguns
historiadores afirmam que a cultura dos povos africanos prestigiava esse tipo de
prática desde os primórdios. Essa configuração encontra-se em diversas referências
a modelos de “escravidão doméstica”, onde era comum aos povos africanos fazer
escravos indivíduos de suas próprias aldeias ou reinos, ou de outros povos e etnias,
os motivos eram os mais diversos, punições religiosas, guerra entre povos,
ostentação de poder, entre outros.
É importante afirmar que quando se fala de “povos africanos” enfatiza-se a
sua constituição a partir de vínculos familiares, étnicos e povos que coabitavam na
mesma região.
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p.14)
Entre os africanos a organização social e econômica girava em torno de
vínculos de parentesco em famílias extensas, da coabitação de vários povos
num mesmo território, da exploração tributária de um povo por outro. A
vinculação por parentesco a um grupo era uma das mais recorrentes formas
de se definir a identidade de alguém. Isto quer dizer que o lugar social das
pessoas era dado pelo seu grau de parentesco em relação ao patriarca ou à
matriarca da linhagem familiar. Nessas sociedades a coesão dependia, em
grande parte, da preservação da memória dos antepassados, da reverência
9

e privilégios reservados aos mais velhos e da partilha da mesma fé


religiosa.

Portanto, nessa época não existiam países constituídos, o continente era


habitado por diversas aldeias e, no máximo, alguns reinos tais como o império do
Mali e o reino de Kongo.
A partir do século VIII, essa “escravidão doméstica”, passou a ter uma
conotação comercial com a disseminação do islamismo na África do Norte, através
de acordos comerciais e da força. “Eram as guerras santas, as jihad, destinadas a
islamizar populações, converter líderes políticos e escravizar os “infiéis”, ou seja,
quem se recusasse a professar a fé em Alá.” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,
2006, p. 17)
Com a disseminação do islamismo veio a “escravidão comercial”, a qual
trouxe uma nova conotação para a exploração em terras africanas. Em meados do
século XV o número de escravos provenientes da “África Negra” excedia em muito o
número de turcos e eslavos por exemplo.
Essa “configuração” impôs a disseminação da cultura islâmica entre os povos
africanos até o início do século XV quando deu-se início à “escravidão cristã”
proporcionada pelas grandes navegações européias principalmente portuguesas.
Desde o ano de 1415 quando os portugueses conquistaram Ceuta, importante
centro comercial da África, a busca por especiarias e ouro guiava as expedições
rumo ao continente africano. No entanto, o negro africano, influenciado pelas
conquistas islâmicas de séculos anteriores, resistiu em negociar com os povos
europeus, negando-lhes diversas oportunidades de lucro.
É interessante enfatizar que, a essa altura os povos africanos já tinham
conhecimento sobre diversos produtos, inclusive alguns desconhecidos pelos povos
europeus, por conta da exploração mulçumana, e que este conhecimento enrijecera
ainda mais suas primeiras relações com povos europeus.
Os portugueses não conseguiram o ouro tão desejado, mas zarparam
abastecidos de escravos, como faziam os mercadores do Saara. Realizados
os primeiros negócios, a curiosidade acerca do destino dos cativos
embarcados tomou conta dos africanos. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,
2006, p.21)

Com o passar do tempo as relações entre europeus começou a consolidar-se


por conta do interesse de alguns povos em aumentar seu poderio sobre outros e ao
10

mesmo tempo, ostentar toda sua glória e riqueza em detrimento ao extermínio das
minorias africanas.
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p.25)
Ao sucesso comercial dos portugueses passou a corresponder o infortúnio
do continente africano. No litoral, a venda de escravos passou a determinar
a prosperidade e a força militar de uns e a miséria de outros grupos
africanos. O comércio com os europeus reforçou o poder de chefes
dispostos a guerrear contra povos inimigos com o único intuito de fazê-los
cativos. A presença portuguesa redimensionou a vida de populações
litorâneas que, até então, não tinham poder econômico e político
significativo e que passaram a ter na captura de cativos uma atividade
corriqueira, sistemática.

Observando todo esse contexto apresentado à priori, entende-se quais foram


as condições sociais e culturais apresentadas pelos negros africanos trazidos ao
Brasil com fins escravistas. Os mesmos seriam indivíduos que em sua “terra mãe”
buscavam integrar-se com lucro no circuito comercial atlântico, no entanto viviam a
trágica experiência da escravização em massa. O tráfico, que a essa época tomara
proporções globais deu uma nova forma à África, no entanto é errôneo pensar que
os negros escravos trazidos ao Brasil “carregavam” consigo apenas sua cultura
inata, pois a cultura africana no período da colonização brasileira já houvera sido
modificada desde o primeiro comércio de escravos promovidos pelos mulçumanos.
É correto afirmar, porém que os maiores impactos sobre a cultura negra
africana foram causados pela chamada “escravidão cristã”, o comércio europeu de
escravos.
Além dos incalculáveis sofrimentos causados pela separação forçada de
indivíduos de suas comunidades e famílias, aquele comércio promoveu o
esvaziamento demográfico de muitas regiões da África. Ao privar as
comunidades de indivíduos adultos, o tráfico transplantava às Américas algo
muito necessário na África: o trabalho do africano. No mais, a presença dos
europeus no continente africano representou tanto a integração da África
negra ao grande circuito comercial do Atlântico, quanto determinou os
rumos das sociedades do Novo Mundo, que incluía a região que veio a se
tornar o Brasil. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.34)

Portanto, ao trazer à tona, discussões sobre a nossa origem africana, não nos
limitamos apenas a conhecer um negro africano sem passado ou com uma cultura
selvagem. Há de se entender que os nossos antepassados negros traziam consigo
uma cultura social forjada pelo histórico de relações entre povos africanos,
mulçumanos e europeus. Isto nos dá um dimensionamento sobre a constituição da
nossa cultura afro e porque não dizer cultura nacional, pois, mesmo os nossos
11

antepassados africanos já possuíam uma cultura fortemente influenciada pelos


povos citados anteriormente.

2 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL A PARTIR DA CULTURA


NEGRA

O contexto sob o qual analisa-se a construção de identidade pode conter


diversos aspectos quando relacionado à constituição da cultura. Desta forma,
entender os conceitos de cultura e identidade faz-se necessário para
desenvolvermos uma relação entre ambos dentro de uma análise histórico-social.
Segundo Sousa et al (2005),
A identidade coletiva pode ser entendida como conjunto de referenciais que
regem os inter-relacionamentos dos integrantes de uma sociedade ou como
o complexo de referenciais que diferenciam o grupo e seus componentes
dos “outros”, grupos e seus membros, que compõem o restante da
sociedade. (LARKIN apud SOUSA et al 2005, p.30)

Ainda de acordo com Sousa et al a cultura seria um desses referenciais que


constituiriam a identidade coletiva.
A identidade passa pela cor da pele, pela cultura, ou pela produção cultural
do negro; passa pela contribuição histórica do negro na sociedade
brasileira, na construção da economia do país com seu sangue; passa pela
recuperação de sua história africana, de sua visão de mundo, de sua
religião. (SOUSA et al, 2005, p.31)

Esses conceitos não podem ser considerados concepções absolutas de


cultura e identidade, afirma-se que várias vezes observar-se-á a referência de
alguns autores à identidade como constituinte de cultura. No entanto, a abordagem
proposta pelo presente estudo enfoca uma ordem inversa denotando a cultura como
um referencial para identidade como fora citado à priori.
Ao construir esta relação entre cultura afro e identidade nacional, é
imprescindível observar aspectos relacionados à percepção sociocultural, ou seja,
“para se falar de identidade, é necessário falar de auto-percepção — como eu me
vejo — e também de heteropercepção — como os outros me vêem”. (SOUSA, 2005,
p.32)
Essa ideia nos remete à primeira abordagem feita no presente trabalho, que
se referia à cultura apresentada pelos negros trazidos ao Brasil na época do tráfico
de escravos para as colônias americanas.
12

De acordo com o dicionário Houaiss, cultura seria “um conjunto de crenças,


costumes, atividades, etc, de um grupo social”. Observando tal conceito, afirma-se
que a concepção de que a cultura negra africana resumia-se apenas à capoeira e
culto aos deuses africanos como sempre se aprendeu na escola é pífia, esdrúxula e
sem fundamentos históricos. O negro africano que chegava ao Brasil tanto em
tempos de colônia como de império, possuía uma “identidade cultural” bem mais
“ampla” já constituída e fortemente influenciada pelas culturas mulçumana e
européia.
Para entender a importância da condição do negro africano, no início do
século XIX a população de escravos era de 1.930.000 onde a maioria eram ainda
trazidos da África e não nascidos no Brasil.
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 67)
Em algumas partes do Brasil, o número de escravos chegou a superar o
número de pessoas livres. Em 1872, no município de Campinas, São Paulo,
então grande produtor de café, a população escrava era de 13.685 pessoas,
enquanto a livre era de 8.281 pessoas. Até meados daquele século, quando
foi abolido o tráfico, a maior parte dos escravos era nascida na África. Para
se ter uma idéia, os africanos representavam 63 por cento da população
escrava de Salvador. No Rio de Janeiro, os nascidos na África constituíam
cerca de 70 por cento.

Desta forma entende-se que a população negra nesse período ainda


constituía laços muito fortes com sua “terra mãe” o que remete a uma identificação
muito forte com suas raízes culturais, mesmo que já “forjadas” por europeus e
mulçumanos. O negro escravo apresentava comportamentos sociais arraigados a
uma cultura africana mesmo sob as condições de escravo cativo a prova disso é que
o mais importante fator de agregação entre os negros em terras brasileiras era a
identidade étnica, “formadas em torno de línguas comuns ou assemelhadas, essas
identidades foram em grande parte construídas no Brasil. E eram muitas: angola,
congo, monjolo, cabinda, quiloa, mina, jeje, nagô, haussá etc”. (ALBUQUERQUE;
FRAGA FILHO, 2006, p.97)
Essa estrutura sociocultural trazida de além mar começara a ser evidenciada
quando deu-se as primeiras formações de quilombos, onde as condições sob as
quais os mesmos se estruturaram determinaram o desenvolvimento de comunidades
que resistem ao tempo.
Essa organização social é retratada por Sousa et al. (2005, p.25)
Para alcançar a liberdade dentro de um sistema que escravizava homens e
mulheres, os quilombolas necessitavam buscar proteção em lugares de
13

difícil acesso. O próprio semi-isolamento físico pode ter contribuído para a


manutenção, até os dias atuais, de termos lingüísticos próprios e das
técnicas para a construção das casas com recursos harmônicos com o
ambiente. As festas Kalunga também são formas de resguardar tradições,
pois mantiveram formas de transmissão de sentimentos religiosos,
cultivaram o toque dos tambores, as danças e cantigas, a confecção de
adornos etc.

Essas comunidades que resistiram ao tempo, acabaram por “abrigar” um


enorme número de escravos libertos no pós-abolição, negros que após séculos de
escravidão encontravam-se abandonados, massacrados, renegados por uma
política republicana de importação de mão de obra européia. Mesmo aqueles que
organizaram-se “à revelia” conservaram diversos costumes e crenças os quais
determinaram a construção da identidade nacional, principalmente após a
emancipação dos escravos, quando as relações entre indivíduos de raças diferentes
tronaram-se mais constantes.
Para entender melhor a influencia da cultura negra na formação da identidade
nacional analisa-se dois aspectos de grande importância já que são muitos itens a
serem buscados o que demanda um grande número de variáveis a serem
observadas e mensuradas. São eles: As influências, religiosa e social.

2.1 A Influência Religiosa

Sabe-se que no Brasil coexistiram diversas práticas religiosas oriundas da


África, isso porque o tráfico negreiro vitimou diversas comunidades e por
conseqüência muitas dessas práticas.
Um dos termos utilizados para designar prática religiosa africana parece ter
sido calundu, uma expressão angolana que vem da palavra kilundu, que significa
divindade em língua umbundo. “A mais antiga referência escrita ao termo candomblé
é do início do século XIX, na Bahia. E candomblé vem também de um termo oriundo
da região de Angola, que significa culto ou oração”. (ALBUQUERQUE; FRAGA
FILHO, 2006, p.104)
Mandarino e Gomberg (2009, p.246) colocam in loco três dessas práticas
evidenciadas por apresentarem estruturas bem parecidas com os ideais e
concepções de religiosidade praticada por nossos ancestrais africanos
[...] o Candomblé Baiano, o Tambor-Mina Maranhense e o Xangô de
Pernambuco são espaços onde encontraremos concepções especificas a
respeito da organização da vida e do cosmos, fundamentadas na ideia
14

africana de ancestralidade. A mitologia africana presente nestes rituais


religiosos se (re) atualiza e (re) inventa-se, constantemente, demonstrando
a dinamicidade dos elementos culturais. A paisagem cultural brasileira é um
caldeirão em constante ebulição.

Além de todas as práticas citadas à priori, enfatizam-se várias outras práticas


que perpassam o “terreno” da religiosidade e apresentam caráter cultural, folclórico e
tradicional.
A composição do xirê afro-brasileiro incorpora elementos da cultura Bantu,
Yorubá e Fon, este último conhecido como os povos Jejes, constituindo um
complexo religioso múltiplo e simbolicamente rico. Outra questão a notar é o
contato dessas cosmogonias africanas com os elementos do cristianismo
português, encontro que certamente é formador do Ethus brasileiro
(ANDRADE apud MANDARINO e GOMBERG 2009, p.46).

Essas práticas, contextualizadas à priori servem para analisarmos a


construção de uma “África fora do continente africano” a qual propicia em sua
constituição a composição por diversos elementos culturais dando origem a um
padrão de culto religioso bem peculiar ao que chamamos neste estudo de culto afro-
brasileiro.
Atualmente os desdobramentos de teorias relacionadas aos estudos afro-
brasileiros direcionam várias contextualizações relacionadas às práticas religiosas
no Brasil. As mesmas apresentam focos de disseminação da religiosidade africana
em diversas regiões.
Dentro dessa concepção há vários exemplos a serem citados. O universo
mítico-simbólico fortemente influenciado pelos povos Nagôs de língua Iorubá,
difundido na Bahia e Pernambuco, Jurema (Recife), Umbanda (em diversos
estados), Xangô (Recife), Candomblé de Quêto e Angola (Rio de Janeiro, Recife e
São Paulo), Tambor de Mina (Maranhão e São Paulo), Culto e Tradição dos Orixás
(São Paulo) e Batuque (Porto Alegre).

2.2 A Influência Social

A identidade nacional com certeza sofreu enorme influência quando da


constituição de sociedade. É prematuro afirmar isto, já que através de estudos da
Sociologia e Antropologia apontam para a formação de uma sociedade que ainda
busca conhecer suas origens.
No entanto, a negação à uma sociedade miscigenada, “mestiça” que levou a
elite nacional a “cobrar do negro o fato de ele não ter se preparado para as novas
15

formas de trabalho que se formam definindo, ao longo da história, pelas formas


hierárquicas que permaneceram após a escravidão” (CARVALHO, 1998, p.79),
determinou a “condenação” das comunidades negras ou a marginalização das
mesmas.
Os projetos de embranquecimento populacional determinaram o que
denominamos de “mestiçagem” dentro do país e proporcionou a construção de
comunidades alternativas, o que atualmente conhecemos como guetos e favelas.
De acordo com Fonseca (2006, p.91)
Isto porque tais projetos, embora almejassem construir uma face em que o
Brasil pudesse se reconhecer enquanto nação livre, excluíam grande parte
da população constituída de negros e mestiços, ainda que, já no final do
século XVIII, o Brasil contasse com cerca de dois milhões de indivíduos
negros contra cerca de um milhão de não-negros.

Em contrapartida a tais políticas iniciaram-se os diversos movimentos negros


em busca de “igualdade de condições”. Esses difundiram-se em todo o território
nacional e tinham características assistencialistas, recreativas e/ou culturais, as
associações negras conseguiam agregar um número considerável de “homens de
cor”, como eram denominados.
Alguns exemplos desses “grupos” são apontados por Domingues (2007,
p.103),
Em São Paulo, apareceram o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902), o
Centro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora 13
de Maio (1906), o Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade União
Cívica dos Homens de Cor (1915), a Associação Protetora dos Brasileiros
Pretos (1917); no Rio de Janeiro, o Centro da Federação dos Homens de
Cor;6 em Pelotas/ RG, a Sociedade Progresso da Raça Africana (1891); em
Lages/SC, o Centro Cívico Cruz e Souza (1918).7 Em São Paulo, a
agremiação negra mais antiga desse período foi o Clube 28 de Setembro,
constituído em 1897. As maiores delas foram o Grupo Dramático e
Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares, fundados em 1908 e 1926,
respectivamente.

Esse quadro social apresentado pelas comunidades negras começa a


construir a verdadeira identidade nacional brasileira. Pode-se afirmar que o “esboço”
de sociedade apresentado pela população de afro-brasileiros e mestiços passou a
influenciar decisivamente na formação da sociedade contemporânea, mesmo com a
implantação de vários projetos sociais que visavam o embranquecimento da
população. A maioria negra, mesmo desfavorecida sempre determinou os padrões
culturais para a sociedade brasileira.
16

Alguns historiadores determinam a revolução de 1930 como ponto de partida


para a construção de uma identidade nacional, no entanto, o fim da República Velha,
trouxe apenas sentimentos de discriminação às classes menos favorecidas que em
sua maioria eram constituídas de brasileiros afro-descendentes.
Segundo Guimarães (2001, p.123),
As bases materiais e econômicas dessa modernidade foram plantadas pela
Revolução de 1930. Essas consistem, basicamente, no incentivo à indústria
e à substituição da mão-de-obra estrangeira por mão-de-obra brasileira, que
passa a constituir propriamente um proletariado, com estatuto político
reconhecido e regulado.

Esses “sentimentos” proporcionaram ao país a marginalização de populações


inteiras de afro-brasileiros, o que incide no quadro de extrema desigualdade social
desde os primórdios da nação até os dias atuais. Os problemas enfrentados
atualmente pelo país (pobreza, deficiências na educação, divisão de classes, etc.),
têm suas origens desde a formação da estrutura social brasileira.
A busca de soluções para tais problemas através de projetos políticos que
buscam a unidade nacional, não é novidade, no entanto, durante várias décadas
reconheceu-se apenas o índio como legítima figura nacional “ainda que figurando
como emblema de uma natureza exuberante e soberana, quase sempre vista a
distancia, como pano de fundo do ideal de nacionalidade” (FONSECA, 2006, p.90).
Esses projetos revelam o silenciamento sobre a questão do negro que foi
deixado desde a abolição da escravatura “à mercê de sua própria sorte”, ou de um
ajuste social o que os relegou à um grupo de excluídos, o que conhecemos hoje
como as favelas do Brasil, Estas favelas abrigam hoje cerca de 10 milhões de afro-
brasileiros dentro de uma população de 45 milhões em todo o território nacional.

2.3 A Influência Cultural: Samba, carnaval e capoeira

Muito do que se vê hoje em território nacional é o fruto da influência cultural


negra. É obvio que não seria possível “destrinchar” todos os aspectos culturais em
que a cultura afro se faz presente, no entanto, dar-se-á um direcionamento às mais
“famosas” contribuições negras para o Brasil.
O carnaval surgiu como uma tentativa de imitar os moldes de Paris, Veneza
ou Nice. Pautada ainda na política de europeização, a elite brasileira preocupava-se
17

com o desenrolar das festas com modelos desenvolvidos pelos afro-descendentes


chamadas de Entrudo.
Entrudo era a brincadeira com água, farinha e máscaras que desde o tempo
da colônia garantia a diversão dos foliões. Primitivo, inconveniente,
pernicioso e selvagem eram alguns dos adjetivos usados pela imprensa, por
políticos e intelectuais para defini-lo. Tal incômodo com o jogo da molhação
se explicava pelo risco de que os “moleques”, a “ralé”, o “zé-povinho”,
termos que designavam negros e pobres, extrapolassem os limites da
brincadeira e se julgassem em pé de igualdade com os senhores, damas e
senhoritas brancas. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.226)
No entanto, como sabemos, o carnaval brasileiro está longe de ser uma cópia
da matriz européia. As manifestações que resultaram do Entrudo e de outras
brincadeiras acabaram por dominar a festa, “mesmo no Rio de Janeiro, onde a
vigilância e a repressão eram mais ostensivas, os ranchos, que surgiram nos fins do
século XIX, e os cordões, que há muito comandavam a farra, garantiam o grande
público”. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.228)
Logo surgiram os clubes negros e as agremiações que misturavam o carnaval
europeu às manifestações negras, algumas tão evidentes quanto a própria festa.
“Na Bahia, as batucadas e os cordões deixavam em alvoroço a negra multidão
carnavalesca, ao se apresentar entre os desfiles das grandes sociedades
organizadas pelas elites brancas”. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.229)
Junto com a evolução do carnaval, evolui também o samba, ritmo de origem
negra que usa a mistura do batuque com a harmonia da música clássica européia e
que conquista todo o território nacional alavancando manifestações e construindo
ídolos de gerações.
Já a capoeira era praticada pelos escravos e libertos. Jogar capoeira consistia
no uso de agilidade corporal e no manejo da navalha para golpear os adversários. A
presença dos capoeiras nas ruas marcava o cotidiano da escravidão urbana no Rio
de Janeiro. Para a polícia eles eram vadios e desordeiros sempre dispostos a
afrontá-la com violência. Entretanto, os capoeiras também eram trabalhadores
ocupados no transporte de mercadorias, operários, marinheiros, enfim pessoas que
constituíam nas ruas e praças espaços próprios. Mas, para as autoridades policiais
do período imperial os capoeiras comprometiam a ordem social, desestabilizavam o
cotidiano das cidades. A destreza no manuseio da navalha e a habilidade no uso do
próprio corpo nos golpes faziam deles uma gente potencialmente perigosa.
Hoje, a capoeira atingiu além do status de luta corporal, o de modalidade
esportiva, sendo genuinamente brasileira, orgulho nacional, diga-se de passagem.
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A autorização concedida ao mestre Bimba para o funcionamento da primeira


academia de capoeira, em 1937, foi um marco nesse sentido. Com o nome
de Centro de Cultura Física e Capoeira Regional, Bimba obteve registro
para a sua academia, que foi certificada pela Secretaria da Educação,
Saúde e Assistência Pública como ensino de educação física.

Hoje a capoeira é compreendida inclusive como conteúdo curricular nas


escolas de todo o país, apresentado dentro de um contexto histórico e cultural pelos
profissionais da educação, além disso, é desenvolvida em centros culturais e
academias enfatizando a valorização da cultura afro nos dias atuais.

3 O BRASIL CONTEMPORÂNEO: RELAÇÕES DE CULTURA E SOCIEDADE


AFRO-DESCENDENTE

Mesmo dentro desta realidade, o negro deixou seu legado dentro da cultura
brasileira por isso, a cultura afro-brasileira está presente em toda a nossa trajetória
de formação de nação. O Brasil foi o país que mais recebeu escravos africanos após
a abolição, mesmo assim, falar de formação de cultura e sociedade brasileira implica
também em falar de décadas e décadas de segregação, luta por direitos e exclusão.
Os movimentos negros no Brasil sempre resistiram às políticas
discriminatórias, tanto que pode-se enumerar a participação de afro-descendentes
em diversos setores importantes da sociedade. Um exemplo disso é o que cita
Sousa et al (2005, p.171) quando refere-se à participação do afro-descendente na
imprensa escrita da época.
Em 14 de setembro de 1833, foi fundado o jornal O Homem de Cor, o
primeiro da imprensa negra brasileira, pelo poeta, dramaturgo e tradutor
carioca Francisco de Paula Brito. Brito iniciou sua carreira como aprendiz na
Tipografia Nacional, quando adolescente, e veio a tornar-se o primeiro editor
da imprensa negra do Brasil. A sede da Tipografia Fluminense de Brito &
Cia foi ponto de encontro para discussões sobre a questão do negro entre
políticos e intelectuais, dentre os quais Machado de Assis. No século XX, o
movimento se intensifica com o aparecimento de jornais importantes – O
Clarim da Alvorada, A Voz da Raça e Quilombo, entre muitos outros – cuja
temática era o combate ao preconceito, a valorização da cultura e a
afirmação da identidade da população negra.

Muitas outras ferramentas de comunicação surgiram abraçadas à causa


negra, e, o mais importante, com a participação efetiva destes. Como exemplo, cita-se
o Clarim da Alvorada, organizado por José Correia Leite e Jayme de Aguiar, o jornal
A Voz da Raça, órgão da Frente Negra Brasileira, fundada em 1931, o jornal
Quilombo, que apresentava algumas diferenças com relação aos jornais voltados
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para a temática racial que o antecederam. Quilombo privilegiava o diálogo entre a


produção artística e cultural negra e a produção artística e cultural da Europa e o
vínculo com os principais jornais negros norte-americanos. (SOUSA et al,2005,
p.171)
Além destes poderíamos citar tanto a mídia em revista quanto a televisiva,
influências na música e na literatura, o que transformou o território nacional em um
território afro e de gostos e aptidões “negras”.
Não dá para negar a forte influência e o legado cultural negro dentro da
cultura nacional. Palavras, gestos, músicas, ritmos, religiões, comidas, roupas,
estilos e esportes, são muitos os aspectos constituidores de nossa cultura que se
torna difícil enumerar. “Delimitemos o patrimônio cultural afro-brasileiro, que abarca
a oralidade, as manifestações religiosas, as imagens, os gestos e a arte”. (SOUSA
et al,2005, p.183)
Hoje a figura do negro é determinante para a construção histórica da cultura
brasileira. Mas ainda há muito a ser conquistado. O negro ícone em diversos
esportes, mídias e culturas, além disso, o portador da mais genuína cultura nacional.
A imagem do negro como personagem avesso a conflitos sociais e adepto da
mistura racial ainda sobrevive no imaginário nacional.
O negro brasileiro é realmente bom de bola, samba, funk e hip-hop, e não é
contra a mistura racial e cultural, mas ele não é só isso, nem o único nisso. A
questão é outra. A questão é que a esmagadora maioria da população carcerária e
indigente do país é negra. Quem é negro está mais vulnerável à violência policial e
ao desemprego. (ALBUQUQERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.314)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho foram abordadas algumas questões relativas às


relações da cultura negra africana e a construção da identidade nacional.
Sabe-se que tais conceitos são relativos à profundidade do estudo e à
contextualização da abordagem, já que a história por vezes se faz refém de
abordagens historiográficas tendenciosas, como por exemplo, os conceitos
históricos trabalhados nas escolas até pouco tempo, que prevaleceram sobre a
“verdadeira” história dentro da mentalidade nacional.
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Desta forma, ao elaborar um estudo pertinente às raízes culturais brasileiras,


deparamo-nos com a história de nossos ancestrais africanos e seu riquíssimo
acervo cultura, construído com bases históricas dentro de uma cultura milenar.
Entende-se que o Brasil mesmo com proporções continentais abriga uma
diversidade cultural extremamente determinada pelas manifestações afro, seja na
religião, na música, na arte e principalmente no folclore, a partir daí, enxergou-se a
necessidade de se criar ambientes de estudos voltados para a formação da cultura
brasileira evidenciando o negro africano como grande colaborador dentro de tal
contexto.
Também foi observado no presente estudo que as características sociais que
constituem o Brasil enquanto nação em sua maioria são heranças das nossas
origens africanas e principalmente da condução da política nacional no “pós
abolição”. Entre as tais características sociais, coloca-se in loco a desigualdade
social e o desfavorecimento das “maiorias” em detrimento a algumas “minorias”.
É importante enfatizar que alguns desses contextos encontram-se ainda
“embutidos” no pensamento da população brasileira, mesmo tendo uma pele “negra”
a sociedade brasileira ainda encontra-se em estado de ignorância coletiva, pois, não
conhece sua própria história, não entende sua constituição sociocultural e, acaba
por desenvolver comportamentos discriminatórios mesmo que publicamente
negados.
Portanto, designar a cultura nacional como cultura afro-brasileira não é mero
preciosismo ético-social. Segundo Medeiros e Almeida (2007, p. 112)
A cultura Afro-brasileira está presente em toda a nossa trajetória de
formação de nação. O Brasil foi o país que mais recebeu escravos africanos
e, após a abolição, a luta pelo reconhecimento na sociedade tem sido
incessante. Falar em uma cultura Afro-brasileira implica abordar as lutas
sociais, a miscigenação, a discriminação, o sincretismo e a contribuição
cultural de um modo geral. O cuidado para não generalizar superficialmente
a cultura Afro-brasileira deve ser constante, para não retomarmos as
citações do início deste artigo como verdadeiras e definitivas.

Em suma, destaca-se no presente trabalho que a identidade nacional ainda


está em construção, no entanto, muito do que foi observado e estudado revela que a
identidade brasileira ou afro-brasileira é um produto constituído principalmente da
cultura negra. Esse entendimento induz a sociedade a exigir a adoção de políticas
multiculturais ou multirraciais que ultrapassem o reconhecimento pelo estado da
divisão da sociedade em classes negando o padrão de uma política de minorias,
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mas, tendo como base, justamente, a idéia de que o povo brasileiro é negro e aspira
a emancipação de uma maioria explorada.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro


no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2006.

CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados. Belo Horizonte: ED. da UFMG,
1998.

DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos


históricos. Tempo, 2007, vol.12, n.23, p.100-122.

FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.). Brasil afro-brasileiro. 2. ed., 1. reimp.


Belo Horizonte: Autentica, 2006. 352p.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A questão racial na política brasileira (os


últimos quinze anos). Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(2): 121-142
novembro de 2001.

MANDARINO, Ana Cristina de Souza; GOMBERG Estélio (org.). Leituras afro-


brasileiras: territórios, religiosidades e saúdes. São Cristóvão: Editora UFS;
EDUFBA, 2009.344 p.

MEDEIROS, Angela Cordeiro; ALMEIDA, Eduardo Ribeiro de. HISTÓRIA E


CULTURA AFRO-BRASILEIRA: POSSIBILIDADES E IMPOSSIBILIDADES NA
APLICAÇÃO DA LEI 10.639/2003. Revista Ágora, Vitória, n. 5, 2007, p. 1.12

SOUSA, Ana Lúcia Silva et. al. De olho na cultura: pontos de vista afro-
brasileiros. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2005.

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