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CORTE IMPERIAL DO JAPÃO

SALA DO TRONO DO CRISÂNTEMO

A Restauração Meiji
Bernardo Silva Martins Ribeiro, Gabriel Costa dos Santos Oliveira
Nathalia Dayrell Andrade, Geovana Zoccal Gomes

EDO
Abril 1867
3

CARTA DE APRESENTAÇÃO
Caros Senhores,

Sejam muito bem-vindos ao TEMAS 2007 e em especial à Corte Imperial do


Japão. É com imenso prazer que recebemos todos vocês em Belo Horizonte para uma
experiência única em simulações. Gostaríamos, portanto, de nos apresentar:

Prezados Delegados. Meu nome é Nathalia Dayrell Andrade e sou uma das
Diretoras-Assistentes deste comitê. Tenho 18 anos e estou cursando o 3º período de Relações
Internacionais na PUC Minas. Minha primeira experiência com modelos foi no 7° MINI-ONU,
no qual participei como voluntária na Assembléia Geral das Nações Unidas. Interessei-me muito
pelo evento e decidi participar mais ativamente na próxima oportunidade. Então aqui estou,
ansiosa para entrar no mundo do Japão do século XIX e reviver este momento tão importante
para o país. Espero que os senhores se empenhem e cheguem preparados para recriar a história do
Japão. Um abraço e até o TEMAS.

Prezados Delegados, sejam muito bem vindos ao Japão do século XIX. Meu nome é
Geovana Zoccal Gomes e eu sou uma das Diretoras-Assistentes do comitê. Tenho 19 anos e estou
cursando o 2º período de Relações Internacionais na PUC Minas. Antes de entrar no curso não
tive nenhum contato com algum Modelo ou Simulação, não obstante fui voluntária administrativa
na edição do 7º MINI-ONU, e desde então me interesso muito sobre tal categoria de evento.
Tendo feito intercâmbio estudantil por um ano no Japão, o TEMAS 2007 – Ásia me agradou
muito, tanto pela sua abordagem, como pelos tópicos que serão discutidos nos diversos comitês.
Estou muito ansiosa para entrar junto com todos vocês na Sala do Trono do Crisântemo. Torço
para que os senhores também tenham em mente a importância da simulação, realizem diversas
pesquisas para podermos assim diversificar ainda mais nossas discussões. Um abraço e até o
TEMAS 2007.

Olá, aqui é Gabriel Oliveira; curso o 5º período de relações internacionais na PUC-MG


e esta edição do TEMAS é mais um passo na minha vida de modelos e simulações. Será minha
terceira experiência nesta simulação, que chega agora exatamente à sua terceira edição, sendo
esta minha segunda como parte do staff acadêmico. Expandindo um pouco minha participação
em modelos, já fiz parte de cinco edições do MINI-ONU, nosso modelo para colegiais, das quais
três como delegado e duas como integrante do staff; atualmente me encaminho para minha 6ª
participação no modelo onde serei diretor da “1933 - League of Nations”, discutindo a invasão
4

japonesa na Manchúria. Desejo que todos aproveitem ao máximo esta que será uma fantástica
simulação.

Caríssimos! Entrego-lhes em suas mãos os primeiros resultados de um sonho que só o


TEMAS pode tornar realidade. Durante toda a minha experiência em modelos, que perpassa
cinco MINI-ONUs desde o 3°, o 9th AMUN, os MONUs 2004, 2005 e 2006, o UFRGSMUN
2006, a 2ª SiNUCES e o TEMAS 2006 - Soberania – além de meus 7 períodos do curso de
Relações Internacionais da PUC Minas –, jamais enfrentei um desafio tão grande quanto tornar
realidade um comitê tão complexo e heterodoxo. Confesso-lhes que por vezes pensei que o
comitê não fosse ser possível pela quantidade de informações conflitantes que a história oriental
nos trás. Felizmente, aqui estamos nós. Os senhores perceberão que este guia procura explorar o
assunto ao máximo, em virtude de ser um tema e uma época nebulosa para nós ocidentais.
Incentivo-lhes a lerem este documento com muita atenção, pois ele procura prepará-los ao
máximo para os debates. Agradeço pela escolha do comitê, pela confiança depositada na
Diretoria e pela escolha em participar do TEMAS, um projeto que dedicamos a vocês com
carinho e trabalho! Os próximos resultados deste projeto dependem de vocês. Até logo, Bernardo
Ribeiro.

Sem mais, esperamos vê-los em Belo Horizonte em abril de 2007, onde estaremos em Edo
de abril de 1867.

Forte abraço,

Bernardo Ribeiro, Gabriel Oliveira, Geovana Zoccal e Nathalia Dayrell.


Equipe da Corte Imperial do Japão
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INTRODUÇÃO

A FORMAÇÃO DO IMPÉRIO DO CRISÂNTEMO

“Se todos os mares são nossos irmãos, porque sopram os


ventos e as ondas se levantam ruidosamente?”.
- Imperador Meiji Mutsuhito (1868).

O mundo oriental ainda é repleto de mistérios para nós ocidentais.

Quando se trata de falar sobre o oriente, quase sempre nos deparamos com essa
afirmação. Contudo, ela é sempre carregada de certa cautela e até mesmo temor diante do mundo
oriental e da abordagem que se pretende estabelecer. Mesmo assim, o fascínio que o oriente tem
despertado no ocidente tem atraído as pessoas para explorações ousadas desse mundo. O que faz
do mundo oriental, composto em sua quase totalidade pela Ásia, algo tão misterioso e fascinante
é sua diversidade cultural. Talvez a vastidão do oriente seja a causa disso, ou quem sabe ter sido
entre os rios Tigre e Eufrates – notadamente em continente asiático – o nascimento das
civilizações e das organizações culturais complexas. O que sabemos de fato é que o oriente traz
organizações sociais, políticas e culturais extremamente peculiares para nós ocidentais e que são
capazes de encantar-nos e despertar nossa curiosidade e interesse.

O Temas 2007 - Ásia tem como proposta não apenas explorar sem temor o mundo
oriental, mas também esmiuçar as organizações políticas, sociais e culturais do continente
asiático e do mundo oriental. Convidamos você, caro leitor ou delegado, a se aventurar
destemidamente no fascinante continente asiático e convidamos ainda para que olhem mais de
perto para um dos mais fascinantes países da Ásia: o Japão.
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O Japão, cujo nome na língua nativa é Nihon ou Nippon (oficialmente Nihon-Koku ou


Nippon-Koku) é um país insular do Extremo Oriente asiático. Fica localizado no oceano pacífico
próximo à China, Coréia do Sul e Rússia. O nome Nihon ou Nippon significa “Originada do Sol”,
contudo, o Japão também é conhecido como “Terra do Sol Nascente”. O país é composto por
mais de 3 mil ilhas que englobam cerca de 377.872 quilômetros quadrados. As maiores ilhas do
arquipélago japonês são Honshu, Hokkaido, Kyushu e Shikoku. Por ser um país vulcânico, grande
parte de sua geografia é montanhosa. Atualmente a capital do Japão é Tokyo em Honshu, mas
durante grande parte do Império foi Kyoto.1

Não se sabe ao certo a composição exata tanto da etnia japonesa quanto das manifestações
culturais desse povo. Diversas influências de povos asiáticos setentrionais, bem como de grupos
insulares do sul e vindos de onde hoje são as Coréias e até mesmo da Mongólia e China, podem
ter sido o berço étnico do povo japonês. A cultura tradicional japonesa, também sofreu uma série
de influências das mais diversas. Desde influências da Coréia até da China e passando por povos
Mongóis. O Império Japonês surgiu em virtude dessa grande mistura. Conquistadores que viviam
na península Coreana fizeram uma série de incursões nas proximidades de Kyushu e logo se
moveram até Honshu onde subjugaram a etnia bárbara dos Ainus e estabeleceram o império sob o
reino de Jimmu. (BERGAMINI, 1971, p. 243-245)

O reino estabelecido pelo Imperador Jimmu compreende o que hoje são as cidades de
Osaka, Kobe e Kyoto, e foi chamado de Yamato. As instituições imperiais criadas por Jimmu, tais
como a atribuição de funções de Estado para castas familiares, permanecem até hoje no Japão.
Jimmu também disseminou as primeiras manifestações do xintoísmo e a noção de que o
Imperador era o filho da deusa-sol Amaterasu. Em virtude disso, o Império Japonês é um dos
mais peculiares do mundo comparado aos Faraós pela representatividade política, militar e

1
CIA World Factbook - Japan. Disponível em <https://www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/ja.html>.
Acesso em: 20 dez. 2006.
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religiosa dos primeiros Imperadores passando pelo shogunato e até depois da restauração Meiji.
(BERGAMINI, 1971)

Contudo, o Império Japonês sofreu mudanças durante toda a sua história. Desde a
influência Chinesa, em especial com o doutrinamento budista e as filosofias de Confúcio, até a
emergência dos shoguns, os Imperadores foram modificando sua forma de atuação diante do
governo de Yamato e da condução das políticas no Japão. Mas juntamente com a influência
Chinesa veio a evolução do pensamento das elites da nobreza, que ajudaram a propiciar as
mudanças do império e da figura do Imperador. Com a ascensão do Clã dos Fujiwaras ao posto
de conselheiros íntimos do Império Japonês, veio também o adensamento das cerimônias
envolvendo o Imperador e seu governo. Talvez isso tenha sido uma estratégia para aumentar a
capacidade das elites de manipular o Imperador e seu governo. O que de fato resultou foi uma
grande influência dos Fujiwaras no governo e um certo desmantelamento da soberania do
imperador e de seu governo pessoal.

Na grande Sala do Trono, sobre um chão de tatames brancos, o Imperador foi tomando
de forma crescente a aparência de um boneco, sentado imóvel no centro de um balé
cômico e surrealista. Sua figura tornou-se tão tabu e endeusada que ele não mais era
chamado de Imperador, mas eram usados eufemismos como ‘Caminho para o Paraíso’,
‘Amanhecer no Palácio’, ‘O Grande Grandioso’. (BERGAMINI, 1971, p.255, tradução
nossa)

Tal acontecimento propiciou que daimyos – grandes senhores de terra – de várias


províncias se tornassem mais fortes com o claro objetivo de combater a manipulação dos
Fujiwaras sobre o Trono do Crisântemo. Tais daimyos mais tarde foram chamados de shoguns.
No início, seu maior trunfo foi a manutenção de fortes exércitos que mantinham a balança de
poder interno do país. Os shoguns passaram a gerir feudos, coletando taxas, policiando as ruas,
aplicando leis e governando. Não tardou para que eles assumissem o poder político no Japão,
deixando o imperador, já enfraquecido pelos Fujiwaras, apenas com sua representatividade
religiosa. Mesmo assim, o imperador ainda tinha a atribuição de ratificar decisões importantes
para o Estado. (BERGAMINI, 1971, p. 255)
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O Estado japonês então se fragmentou radicalmente em feudos e pequenas províncias


dominadas pelos daimyos. O sistema de sucessão era fundamentalmente hereditário assim como
no império. Os feudos eram quase autônomos se não fosse a obediência dos daimyos ao
Imperador semeada durante toda a constituição do Império Japonês e a representatividade da
figura do Imperador. Enquanto os senhores feudais japoneses governavam suas províncias e
feudos, cabia ao Imperador – aconselhado pelos Fujiwaras – tratar das questões essencialmente
nacionais e governar soberanamente sobre a região de Kyoto. (BERGAMINI, 1971)

Esse período de descentralização durou até a invasão Mongol. Quando as tropas de Kublai
Kahn invadiram o Japão, a mobilização de forças para expulsão dos invasores foi de tal ordem
que incentivou certa reunificação do povo japonês. O resultado foi a grande vitória do Japão com
maus efeitos colaterais. O primeiro deles foi a deterioração do governo dos daimyos e o segundo
foi a secção da família imperial japonesa em duas facções. Uma parte da corte governava o Japão
nas montanhas ao sul de Kyoto e a outra estabelecia seu governo ao norte da cidade.

A corte do Sul tinha como objetivo principal o retorno de poder militar, político e
religioso para as mãos do Imperador somente. [...] A corte do Norte por sua vez apoiava
os shoguns como os mantenedores do poder militar desejando para si apenas o poder
religioso. (BERGAMINI, 1971, p.264, tradução nossa)

Dessa forma, fica claro que as cortes receberam apoios diferentes. Os shoguns davam
suporte ao governo do norte e os sacerdotes do shinto davam suporte à Corte do sul.

Ambas as Cortes entraram em profunda decadência nesse período. A vitória sobre Kublai
Kahn não serviu de incentivo para o fortalecimento da nação japonesa e a secção do Império
serviu para que uma guerra civil eclodisse em todo a nação. A situação não se estabilizou por
muito tempo e os primeiros exploradores ocidentais chegaram à região. A chegada dos
portugueses fez a guerra civil se tornar ainda mais violenta quando os japoneses foram
introduzidos aos mosquetes e às armas de fogo. Com o desenvolvimento do militarismo no Japão
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e o aumento da guerra civil, o espírito de reunificação do Japão surgiu em um líder disciplinado e


fiel ao Império: Oda Nobunaga. (BERGAMINI, 1971, p.269-270)

Nobunaga foi um brilhante estrategista que entrou no ciclo de guerras desse período e
recebeu o incentivo e o reconhecimento do Imperador para depor os daimyos revoltosos e
reunificar o país. O brilhantismo de Oda Nobunaga ao conduzir suas forças nesse sentido fez
com que ele tivesse muito poder no Japão, sendo o precursor do primeiro Bakufu – um governo
militar centralizado em um único shogun. Depois do assassinato de Nobunaga, no auge de seu
poder, seu general mais proeminente, Toyotomi Hideyoshi, assumiu seu lugar para concluir seu
trabalho e até mesmo expandi-lo. Hideyoshi completou a reunificação do Japão, e fez com que
todos os senhores de terra – os daimyos – fossem a Kyoto renovar seus votos de lealdade para
com o Imperador.

Hideyoshi era mais ambicioso que seu predecessor Nobunaga e logo lhe sobreveio a idéia
de expansão do Japão em direção à Coréia, China e demais países a oeste do Japão. Suas
incursões na Coréia foram fortemente repelidas por exércitos Chineses que desejavam impedir a
expansão japonesa, resultando numa guerra perdida pelo Japão e na morte prematura de
Hideyoshi.

Toyotomi Hideyoshi deu lugar então ao shogun Tokugawa Ieyasu, o primeiro da mais
longa e proeminente família de shoguns do Japão e também a última. O Império nesse período foi
invariavelmente velado pelo poder dos Tokugawas e quase perdeu seu poder político no Japão
uma vez que o shogunato nessa época foi capaz de estabelecer um governo quase independente
do Imperador sobre o Japão. Foram anos de mudanças no sistema político do Japão, incluindo o
início do maior período de reclusão e do nascimento de um espírito de xenofobia que seria
motivo de enormes controvérsias entre Império e Bakufu quando da chegada do Comodoro
Matthew C. Perry na baía de Uraga em 1854. (BERGAMINI, 1971, p.293-302)
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O Império Japonês permaneceu estagnado politicamente até a ascensão do Imperador


Komei Osahito, um jovem visionário e estudioso que via o shogunato como uma ameaça ao
poder imperial e pretendia reaver parte desse poder, em especial a capacidade de decidir questões
políticas em prol da nação japonesa. (BERGAMINI, 1971)

Nesse período, a cooperação entre o shogunato e o império se dissolveu numa guerra


política que se intensificou radicalmente em virtude da chegada de estrangeiros. Enquanto
Tokugawa se inclinava numa política de cooperação e diálogo com os visitantes norte-
americanos, Komei enviou uma carta “relembrando” o shogun de que as defesas do Japão
deveriam ser sólidas e impenetráveis e que a política de reclusão deveria ser mantida a todo custo
em nome da honra do Japão e do desejo dos deuses do shinto. Além disso, Komei instituiu uma
nova lei Imperial fazendo com que todas as decisões sobre política externa japonesa fossem
executadas somente após consulta ao Trono do Crisântemo. (BERGAMINI, 1971, p.302-305)

O poder da Corte japonesa estava se restabelecendo pouco a pouco, mas o Bakufu insistia
em desrespeitar muitas de suas definições. Tokugawa assinou vários tratados de amizade, paz e
comércio com países estrangeiros, contudo, ainda precisavam da ratificação de Komei que
recusou categoricamente.

A fúria de Komei e sua postura foram um importante passo para a Restauração Meiji. Para
o império japonês, o Bakufu havia transposto todos os limites de seu alcance de governo. Ao
observar os visitantes estrangeiros, contudo, Komei percebeu que o Japão precisava de muito
mais que força militar para expulsá-los e livrar a terra sagrada da invasão. Era necessária uma
restauração total das bases políticas, sociais e militares do país para que ele alcançasse autonomia
e força suficiente para combater novas incursões e se impor diante dos demais países.
11

A mobilização das províncias mais poderosas como Satsuma e Choshu foram decisivas
para a difusão de tais ideais, e a morte de Komei foi um importante passo para que, com um novo
Imperador, o Japão fosse restaurado nesse sentido.

Reintegralização do poder soberano nas mãos do sucessor de Komei, Meiji Mutsuhito,


modernização e restauração das bases sociais, econômicas, políticas e militares do Japão, e
abertura econômica e cooperação internacional eram o foco da Restauração Meiji que os senhores
delegados terão o papel de tornar realidade.

Bem vindos ao Japão do século XIX.


Bernardo Silva Martins Ribeiro
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A RESTAURAÇÃO MEIJI

“Meus ancestrais dominaram o Japão por 2000 anos. E por todo este tempo nós
dormimos. Durante meu sono, eu sonhei. Sonhei com um Japão unificado.
Um país forte, independente e moderno…
E agora estamos acordados. Temos linhas de trem, canhões e roupas ocidentais.
Mas não podemos nos esquecer quem somos.
Nem de onde viemos”.
- Imperador Meiji Mutsuhito (1876)

Todos nós atravessamos épocas em nossas vidas em que mudanças cruciais irão ocorrer, e
em apenas uma minoria das vezes em que isto ocorre temos controle sobre quais serão essas,
como irão ocorrer ou mesmo a intensidade das mesmas. Isto não somente é válido para
indivíduos, mas também para outras instâncias, como Estados nacionais.

O ano de 1867 pode ser definido como a fase de “transição opcional” mais radical da
história de uma nação, o Japão ( - Nihon – Terra do Sol Nascente). No referido ano,
encontrávamos o limiar da quebra de uma estrutura social vigente há séculos; o poder patriarcal
começaria ali a perder seu poder absoluto (mesmo ainda sendo marcante em tempos recentes), o
real poder governamental escaparia das mãos do enfraquecido shogun Tokugawa Yoshinobu
(1837 – 1913), o país abandonaria suas tradições e de certa forma negaria seu passado para
alcançar um patamar superior no sistema internacional. Sua identidade ficaria para sempre
perdida no tempo, entre um empoeirado livro com as palavras de moral do Bushido – código de
honra dos samurais – e a honra das grandes famílias que se negaram a acompanhar a evolução
pouco natural da nação japonesa.

A classe samurai conheceria o inferno nesta nova era. Ao menos seus membros que
tinham verdadeira devoção aos ideais do Bushido. Ocorreria o abandono da espada, a negação de
todo um estilo de vida e a submissão a “invasores” de terras distantes, acompanhados de suas
13

máquinas de guerra e de sua honra duvidosa. O poder político japonês ficaria nas mãos de alguns
grupos de nobres e antigos samurais que abandonaram – em sua maioria e sem hesitar – suas
espadas, todos leais ao recém-entronado e jovem Meiji Mutsuhito (1852 - 1912), filho do
Imperador Komei (1831 - 1867).

A nação japonesa se encontrava dividida entre os conservadores e aqueles que


simpatizavam com os estrangeiros. Nacionalistas de uma forma geral temiam o futuro próximo
do Japão, tinham medo de que a influência estrangeira no país fugisse ao controle e que a
situação acabasse similar à da China – infestada e de certa forma dominada pela mão do oeste.
Tal sentimento é bem descrito por Maki Izumi, um patriota confesso, poucos dias antes do
completo declínio do shogunato:

Não foi há muito tempo atrás, por volta de 20 anos atrás na China, durante a Ahen Senso
(Guerra do Ópio), que a Inglaterra começou a tomar conta e fez várias coisas para
humilhar as mulheres. Em agosto do ano passado, eles finalmente dominaram a China.
Apesar do Japão ser um país de guerreiros, é um país pequeno e a situação se tornou
bem perigosa. Daqui pra frente temos que nos manter estáveis e as mulheres também
devem estar preparadas. (IZUMI apud TATSUYA, 1969, p.106)

Mas esse era apenas um dos lados. Algumas milícias de províncias como Choshu e
Satsuma (apenas alguns grupos isolados inicialmente, mas que em breve seriam muitos)
posteriormente se expandiriam e ajudariam o Exército Imperial a se livrar das últimas ameaças à
modernização. É relevante relatar que, em sua maioria, o movimento anti-Bakufu foi levado por
samurais de classe mais baixa e Ronins (samurais sem clã, daimyo ou tradição, andarilhos), o que
mostra o interesse daqueles que tinham grandes vantagens oriundas do governo corrente, em
mantê-las (tendo em vista o abandono por muitos de suas tradições quando isto se tornou
“inevitável”).
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Tudo isto gerou um clima tenso na esfera política interna e nas relações com os
estrangeiros (que de certa forma nunca foram de total confiança ou amizade), e um futuro para
alguns incerto e, para outros, muito bem definido.

E será exatamente neste clima que nossa simulação se encaminhará senhores delegados:
traição, disputa, alianças inesperadamente desfeitas, queda de tradições supostamente
inaceitáveis. Assumindo o papel dos agentes que trouxeram o Japão a uma nova era, ou tentaram
evitar que isso ocorresse, tentaremos, quem sabe, dar diferentes rumos ao país.

Sem mais delongas, hajime mashite (‘vamos começar’) esta empreitada, que na verdade é
uma viagem de volta ao século XIX e a uma terra muito distante.

Gabriel Costa dos S. Oliveira


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CAPÍTULO 1
O ÚLTIMO SHOGUN
O Tokugawa Bakufu

Seiitaishogun – grande líder do exército na luta contra os bárbaros – era o título completo
do governante do Japão até 1867, o Shogun. Até este ano, o Japão passou por profundas
transformações de governo até o culminante Bakufu.

O Shogunato Tokugawa foi um marco na história do Japão. Sendo o primeiro governo


shogunal de solidez ímpar do país e ainda o último governo Bakufu, a era Tokugawa foi o período
onde ocorreram as maiores transformações no Japão em virtude de seu sistema de governo e seus
impactos na sociedade. E ainda anteriormente a tal período, as estruturas imperiais e
governamentais em geral do Japão passaram por várias modificações importantes em cada era em
que se divide a história do país.

Antes de adentrar no período final do Bakufu e na era da Restauração Meiji, observaremos


a história do Japão e a evolução do poder e do Império até a queda do Shogunato Tokugawa.

1.1 – Períodos Pré-Tokugawa

A história do Japão é dividida em períodos; falaremos aqui dos nove que antecederam a
Era Tokugawa ou o período Edo.2

2
Ensaio Nippo-Brasil – História do Japão. Disponível em
<http://www.nippobrasil.com.br/2.historia_jp/index.shtml>. Acesso em: 18 dez. 2006.
16

A respeito dos dois primeiros períodos pouco se sabe, uma vez que não há registros
deixados pelos próprios japoneses. O que se pode dizer é baseado em estudos, principalmente
arqueológicos, e, quanto ao segundo período, em alguns escritos chineses e coreanos. O primeiro
período, Jomon, compreende um enorme espaço de tempo, de 8000 AC a 300 AC, tempo este
remoto, sobre o qual não se pode dizer muito e não se pode ter muita certeza sobre o que é dito.
Os habitantes da região viviam de caça e pesca e eram nômades. Eles conseguiram fixar-se
quando descobriram a possibilidade de fazer vasos de barro e, dessa forma, conservar alimentos.
Formaram-se, assim, as primeiras aldeias. Acredita-se que havia no Japão aborígines que viviam
no norte, os Ainu, e aborígines no sul, sedentários, cuja população foi desaparecendo e sendo
substituída por mongóis.

O segundo período, Yayoi, compreende os anos 300 A.C. a 300 D.C., nele chegaram
mercadores que introduziram o cultivo de arroz, o ferro e o bronze. Há aqui uma controvérsia a
respeito de quando o primeiro imperador, Jimmu, ganhou tal posição. A data oficial divulgada
pelos japoneses é 660 AC, mas a maioria dos estudiosos acredita que a ascensão ao trono ocorreu
de 600 a 800 anos mais tarde. David Bergamini (1971) diz ter sido por volta de 50 DC. Seu reino
compreendia a região onde hoje são as cidades de Osaka, Kobe e Kyoto região que mais tarde
ficou conhecida como Yamato. (BERGAMINI, p. 246-247, 1971) Sob esse mesmo nome um
novo período é fundado entre os anos de 300 e 593. No século VI o Budismo foi introduzido no
país.

No período Asuka, de 593 a 710, ocorreu uma mudança no governo. Após a morte do
imperador, que aceitou o Budismo em seus momentos finais, um dos clãs se rebelou e, após
algumas lutas, um garoto foi coroado príncipe; ele era Shotoku Taishi. Ele foi responsável pela
criação dos “17 artigos da Constituição”, baseados no Confucionismo, Budismo e Xintoísmo.3

3
Há dúvidas sobre Shotoku ter escrito os artigos ou estes terem sido escritos após sua morte, em sua homenagem.
Para maiores detalhes, ver: STORRY, 1962.
17

Estes artigos tinham o intuito de reforçar o poder do governante. Ele conseguiu também conciliar
as duas religiões dominantes, Xintoísmo e Budismo, e fazer com que os seguidores de uma
aceitassem os seguidores da outra. Muitos dos planos idealizados por Shotoku não se tornaram
realidade antes de sua morte, em 621. Muitos planos morreram com ele e alguns foram efetivados
por seus seguidores. Alguns destes últimos foram as reformas realizadas de 645 a 655, que
incluíam uma burocratização do reino. Após sua morte, o clã Soga havia se tornado muito forte e
pretendia tomar o poder. Foi impedido, no entanto, pelo clã Fujiwara, que se tornou, então, a
família mais influente no Japão e quem governava o país de fato. (STORRY, 1962)

No período seguinte, Nara, de 710 a 794, o poder dos Fujiwara foi consolidado. Eles não
se tornaram imperadores nem eram descendentes destes; o que faziam era convencer o Imperador
a abdicar, e então se declaravam regentes. Caso o Imperador se recusasse, os Fujiwaras se
declarariam ditadores civis. Ou seja, o Imperador perdeu grande parte de seu poder de governo,
se tornando fantoche dos Fujiwara. No final do período conseguiu recuperar parte de seu poder,
mas logo o perdeu para famílias de militares. (STORRY, 1962)

A partir do início do século VII estabeleceu-se na China uma dinastia chamada T’ang.
Esta se baseava, principalmente, na centralização do poder. O Japão, admirado, envia pessoas à
China para aprender sobre esta nova dinastia.

Os Fujiwara implantaram uma nova administração, inspirada na dinastia T’ang, que


visava à centralização do poder. Estabeleceram também uma capital, onde ficaria a família
imperial e o centro administrativo do país. A primeira capital foi Nara, mas logo foi transferida
para Heian-kyo, atual Kyoto. Neste período foram escritos os primeiros livros de história do
Japão, foi compilada a antologia poética Man’yoshu, foi construído o Grande Buda em Todaiji e
o Budismo se tornou a religião oficial. A cultura chinesa foi intensamente absorvida.
18

O período Heian, de 794 a 1185, inicia-se com a transferência da capital para Kyoto e tem
fim com a implementação do governo militar de Minamoto. Neste período, foi sendo formada a
cultura japonesa inspirada no próprio povo, não mais nos chineses. Também neste período a
classe dos militares se consolidou. Estes são chamados também de samurais.

Ocorreram neste período grandes mudanças em relação ao sistema feudal e à organização


das classes. Inicialmente, toda a terra do reino pertencia ao Imperador e ele deveria distribuí-la a
chefes de clãs, os quais contratariam camponeses para cultivá-la e pagariam impostos à Corte. No
entanto, o número de feudos que não pagavam impostos estava aumentando radicalmente e os
impostos pagos pelos camponeses acabavam por ficar nos próprios feudos. Isso comprometeu a
renda da família Imperial, fazendo com que esta se tornasse ainda mais dependente da
administração Fujiwara, contando com ela para compensar o déficit. Além disso, os senhores
feudais eram agora, em sua grande maioria, parentes do Imperador ou dos Fujiwara,
principalmente segundos filhos, o que dificultava a cobrança e a repreensão. Outra mudança foi
em relação à segurança. Com o aumento de feudos isentos de impostos, os senhores feudais
passaram a contratar generais para garantir sua segurança, generais estes que tinham controle
sobre exércitos. Isso dificultou ainda mais a intervenção da Corte na nova situação. Então a
configuração do reino no final do período era: uma Corte dependente da administração Fujiwara,
com poder decadente, e senhores feudais ganhando cada vez mais poder, assim como a classe de
militares. (BERGAMINI, 1971, p. 254-260)

O momento em que os militares tomaram o poder efetivamente foi quando ocorreram


desentendimentos entre os membros da família Fujiwara; a situação se agravou a ponto de haver
lutas entre civis. Para garantir a própria segurança, os Fujiwara pediram o suporte de militares;
um lado recorreu à família Minamoto e o outro aos Taira. Quando as discórdias foram resolvidas,
os Fujiwara perceberam que haviam perdido o poder para os militares. (STORRY, 1962)
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No período Kamakura, de 1185 a 1333, surge a figura do shogun e inicia-se o governo


militar no Japão – regime chamado de shogunato.

O primeiro samurai a governar foi Taira Kiyiomori. Ele foi considerado cruel com seus
opositores, matando-os ou exilando-os. Ao assumir o poder, se estabeleceu em Kyoto e diz-se
que, devido à vida na corte, tornou-se mais civilizado ou que foi corrompido pelas artes e
costumes do palácio. O militar que o sucedeu foi Minamoto, que tomou o poder após sua morte.
Para evitar a influência da corte ele estabeleceu seu centro administrativo não em Kyoto, mas em
Kamakura. Ali implementou o chamado Bakufu – a tradução literal do termo seria ‘escritório no
campo’. Em 1192, recebeu do Imperador o título que se tornou, depois, tão conhecido: shogun.
150 anos depois, a liderança Minamoto foi substituída pela Hojo, no entanto, estes não se
tornaram shoguns e sim governavam como regentes. (STORRY, 1962)

Com a ascensão do shogun e sua função de chefe administrativo, restou ao Imperador a


função de chefe espiritual. No entanto, independentemente do alcance do poder do shogun, nunca
houve tentativa de depor o Imperador; este sempre foi uma figura muito respeitada e, apesar de
não ter poder decisório real, sua posição nunca foi ameaçada. (BERGAMINI, 1971)

Em 1268, chegaram ao Japão enviados de Kublai Khan – o novo imperador mongol que
havia dominado grande parte da Ásia. Eles traziam uma carta de Khan, na qual ele pedia que os
japoneses se submetessem ao seu império ou sofreriam invasões. O shogun, após consultar o
Imperador e receber uma carta que ele considerou distante da realidade, mandou os enviados
embora sem nenhuma resposta. Seis anos depois as tropas de Kublai Khan chegaram às ilhas ao
sul do Japão. O exército de mongóis e coreanos estava com grande vantagem, porém, devido a
uma forte tempestade, tiveram enormes perdas e retornaram ao império. Um ano depois Kahn
mandou novos enviados exigindo que os japoneses se submetessem ao império mongol, mas
obtiveram uma resposta ainda pior que na tentativa anterior: os enviados tiveram suas cabeças
cortadas. No entanto, Kublai Khan estava envolvido em batalhas na China e só mandou tropas ao
20

Japão seis anos depois. Enquanto isso, os japoneses se preparavam para a batalha; o plano era
impedir o exército inimigo de entrar no território japonês. Para tanto construíram um muro de
pedra de mais de 161 km, cercado por navios e homens. Quando as tropas de Kublai Khan
chegaram, atacaram as extremidades do muro. Por 53 dias os homens lutaram incansavelmente,
até que, novamente, foram ajudados pela natureza. Ocorreu um furacão, fazendo com que o
exército de Kublai Khan se retirasse. Este furacão foi chamado de kamikaze, que significa vento
divino. (BERGAMINI, 1971, p. 262-264)

Com o fim da batalha e a vitória japonesa devido ao kamikaze, o Budismo e o Xintoísmo


ganharam enorme credibilidade, já que dizia-se que a ajuda foi conseqüência da sinceridade das
preces japonesas. Por outro lado, os soldados estavam insatisfeitos, pois apesar da vitória não
tinham territórios para apropriar. Além disso, o país, já empobrecido pelas batalhas anteriores,
preparava-se para um possível terceiro ataque, impossibilitando o pagamento de recompensas
para os soldados. Isso gerou grande insatisfação em relação à administração Hojo, até que o
próprio Imperador deu um golpe e recuperou seu poder, mas não o desfrutou por muito tempo.
Ashikaga Takauji, da família Minamoto, que apoiara o Imperador no golpe contra os Hojo, o
tirou do trono, colocou um Imperador fantoche e se nomeou o novo shogun. (STORRY, 1962)

O período Muromachi, de 1333 a 1573, tem esse nome devido ao estabelecimento do


shogunato Ashikaga na região homônima. Este período foi marcado por uma longa guerra civil,
pelo desenvolvimento do comércio, chegada dos primeiros portugueses e introdução ao
cristianismo e às armas de fogo.

Após o fim da guerra contra o exército de Kublai Khan, a sociedade japonesa entrou em
um período de intensa decadência e constante violência. Mesmo com a mudança de governo, dos
Hojo para os Ashikaga, a situação continuou instável e alarmante. A família imperial se dividiu
por ter intenções divergentes e, a partir de 1339, passaram a existir duas Cortes: uma ao sul de
Kyoto, que tinha como objetivo recuperar o poder de governo do Imperador, apoiada pelos
21

xintoístas; e outra em Kyoto, que pretendia manter apenas o poder religioso e delegar ao shogun
todo o poder de governo, sendo apoiada pelos samurais. (BERGAMINI, 1971, p. 264)

A guerra civil se prolongou até o início do século XVII. A Corte, apesar de não participar
da luta, sofreu as conseqüências da guerra através do seu empobrecimento. O shogun vivia
luxuosamente, mas a família imperial por muito tempo foi obrigada a viver na simplicidade e, até
mesmo, na pobreza. Os samurais, livres para portar armas e matar sem ter que responder por
crimes, eram leais aos daimyos ou chefes de clã que os acolhiam. Os samurais matavam em nome
dos daimyos, em duelos entre si ou por motivos de vingança. Durante a guerra famílias inteiras
foram assassinadas, nomes tradicionais desapareceram, grandes chefes foram mortos por
bandidos. A situação se agravou ainda mais com a chegada dos portugueses, pois estes
introduziram as armas de fogo aos japoneses.

Em 1542 os primeiros navios portugueses chegaram aos portos japoneses. Eles


presenciaram este momento de caos da nação e o reportaram à sua terra natal, associado com o
espanto ao ver a pobreza em que vivia a família imperial. Os anfitriões em Kyushu ficaram
admirados com as armas portuguesas e logo aprenderam como fabricá-las. A partir de então, o
ofício foi aprimorado e levado para todo o território. Em 1549, os primeiros missionários
chegaram ao Japão, liderados por Francisco Xavier.

Apesar do constante caos civil, a nação como um todo progrediu muito neste período. O
comércio marítimo se desenvolveu e foi largamente ampliado. Os japoneses se tornaram
exportadores mundiais de metais e armas, os artesãos e comerciantes locais obtiveram grandes
lucros com a guerra ininterrupta e a população cresceu consideravelmente.

O período Azuchi - Momoyama, de 1573 a 1603, foi o período da unificação do Japão,


iniciada por Oda Nobunaga e concluída por Toyotomi Hideyoshi. Nobunaga, descendente da
22

família samurai Taira, mostrou ter grande habilidade e interesse pela vida militar desde criança.
Quando seu pai morreu e lhe deixou seu castelo, logo tomou iniciativas para fortificar seu feudo,
comprando centenas de armas de fogo, em 1549. Alguns anos depois já liderava sua província,
Owari. Em 1562, o Imperador lhe enviou uma carta pedindo que fosse até Kyoto e colocasse um
fim nas lutas contínuas dos samurais. Ele então partiu, e, em 1568, havia deposto os grandes
chefes de clã de Kyoto e Tokyo, quando pôde tomar atitudes mais eficientes para colocar um fim
na guerra civil. Sua primeira medida foi depor o shogun e substituí-lo por um sem poder. O
Imperador pôde então novamente governar e Oda continuou sua missão de unificar o país.
Nobunaga procurou, ao longo de sua vida, aperfeiçoar o uso das armas de fogo e de táticas de
guerra. Com isso conseguiu ganhar batalhas vistas como já perdidas, como a Batalha de
Narashino, em 1575, a maior que enfrentou. Em 1582, foi assassinado, não se sabe o motivo, por
um de seus generais de confiança. (BERGAMINI, 1971, p. 269-272)

Seu sucessor foi Toyotomi Hideyoshi, filho de um soldado camponês, um dos chefes mais
habilidosos do exército de Nobunaga. Ele completou o processo de unificação do Japão, fazendo
com que os daimyos revalidassem seus votos de lealdade para com o Imperador, atualizou a
relação de feudos para facilitar a cobrança de impostos e planejou expandir o poder japonês para
a Coréia, a Malásia, as Filipinas, a Índia e, em uma aspiração um tanto quanto grandiosa, a China.

O general também decretou que, para uma melhor organização da estrutura de classes, ao
assumir obrigações com um superior, não lhe seria permitido deixar seu cargo sem a permissão
do empregador. Aos samurais seria proibido tornarem-se prefeitos e aos camponeses possuírem
armas; logo tiveram que entregá-las ao governo. (STORRY, 1962)

A empreitada na Coréia apresentava dois grandes problemas: em caso de ataque, era certo
que a China mandaria tropas; além disso a Coréia tinha grandes navios, com canhões, enquanto
os japoneses tinham apenas pequenos navios, que navegavam não no oceano, mas nos calmos
mares entre suas ilhas. Ainda assim, em 1592, Hideyoshi enviou uma primeira expedição, de 205
23

mil homens, para Pusan na Coréia. Após menos de seis meses, quando os japoneses haviam
avançado para o Rio Yalu, os chineses mandaram seu exército. Estendeu-se, assim, uma guerra
sem vencedores por três anos, quando, em 1594, Hideyoshi enviou uma segunda expedição. Em
resposta, a China mandou o dobro de tropas e os coreanos, temendo perder o controle do mar,
desenvolveram uma embarcação como uma casca de tartaruga, que funcionava como blindagem.
Os japoneses tinham guarnições limitadas, mas conseguiram que os chineses, após grandes
perdas, cedessem. Em 1598, ainda nas negociações do processo de paz, Hideyoshi morre.
Percebendo que haveria problemas com a sucessão do poder, formou-se um conselho de cinco
generais para sediar o governo. Fizeram, então, um tratado com a China, colocando um fim à
guerra, e logo tiraram suas tropas da Coréia. (BERGAMINI, 1971, p. 273-274).

Hideyoshi deixou um filho de cinco anos como herdeiro, Hideyori. Os cinco generais
começaram, então, a discutir quem seria o tutor do garoto e, conseqüentemente, o governante.
Esta situação levou à Batalha de Sekigahara, em outubro de 1600, decisiva para a ascensão
Tokugawa. Logo após a morte de Hideyoshi, formaram-se dois pólos opostos de poder: um
liderado por Tokugawa Ieyasu e o outro por Ishida Mitsunari, o qual se declarava fiel a Hideyoshi
e seu herdeiro. Os dois grupos se enfrentaram em Sekigahara e Tokugawa foi o vencedor, devido
à traição de alguns daimyos que passaram a apoiá-lo durante a batalha. Acredita-se que ele tenha
combinado com estes antes mesmo do início da batalha, tendo assim garantido sua vitória. Os
vencedores receberam novas terras, uma vez que os perdedores, exceto dois daimyos, tiveram
seus feudos parcial ou completamente confiscados. (STORRY, 1962)

1.2 – O shogunato Tokugawa

O shogunato Tokugawa teve início com a vitória na Batalha de Sekigahara, em 1600 e se


consolidou em 1603, quando Tokugawa Ieyasu se tornou shogun. No entanto, abdicou após dois
anos no cargo, cedendo seu lugar ao filho. Ieyasu continuou, porém, governando ao lado do filho
até sua morte, em 1616. Seu objetivo era consolidar as mudanças iniciadas por Nobunaga e
24

Hideyoshi, transformando o país em um estado ordenado, pacífico e governado por militares,


com cada vez menos influência imperial. Nestes dois anos como shogun, Ieyasu conseguiu
estabilizar a situação do país, econômica e politicamente. A paz pôde ser atingida e mantida
através de intensa vigilância sobre os daimyos e a corte imperial. (STORRY, 1962)

O Tokugawa Bakufu foi estabelecido em Edo. Lá, o Shogun governava através de um


conselho de anciões dos Clãs advindos da família Tokugawa e que eram assistidos por
uma burocracia constituída de samurais, incluindo uma rede de espiões que mantinha
vigilância sobre o restante da aristocracia. (BARKER, 2001, tradução nossa).

Ieyasu tentou formar uma aliança com o então Imperador Go-Yozei, no entanto, este se
recusou a aceitá-la a não ser que o shogun tomasse medidas para neutralizar a influência branca e
cristã no país. O último acreditava que o país ainda não era estável o suficiente para enfrentar tal
empreitada. Então, em 1611, o Imperador renunciou como sinal de protesto. Em 1614, no
entanto, o shogun mudou sua postura, após a concessão por parte do Imperador de um casamento
entre Tokugawas e família Imperial. Ele então mandou deportar os padres estrangeiros, demolir
igrejas e ordenou a renúncia ao cristianismo, vinculado àqueles que buscavam usurpar a terra.
Apesar da crescente xenofobia, Tokugawa permitia a entrada de alguns estrangeiros, uma vez que
as trocas de mercadoria e conhecimento eram extremamente lucrativas. Os bem-vindos ao país
eram principalmente protestantes holandeses e ingleses. O anti-cristianismo foi ainda mais
divulgado a partir de 1620, majoritariamente através de propaganda, mas também através da
força. Entre 1620 e 1635 cerca de 6000 cristãos foram mortos, crucificados. (BERGAMINI,
1971, p. 277)

Em 1624, o shogun e o Imperador se reuniram em Kyoto para decidir quais seriam as


medidas a serem implantadas em relação a japoneses e estrangeiros. O resultado foi a política de
isolamento que fechou o Japão para qualquer interação com outros países. Além da proibição de
recebimento de navios estrangeiros, foi também estabelecida a proibição de construção de navios
para navegar no oceano, bem como a proibição do retorno de japoneses que vivessem fora do
país, sob pena de morte. Em relação a outros assuntos foi também decidido que os chefes de clã
25

deveriam viver por um ano em Tokyo e um ano em sua cidade, impedindo assim possíveis
revoltas. A respeito do Cristianismo, foi estabelecido que qualquer prática da religião fosse
punida com pena de morte. Dessa forma, a partir de 1635, o Japão torna-se um país livre de
qualquer interferência externa, seja no plano econômico, político ou religioso. (BERGAMINI,
1971, p. 278-280)

A conseqüência imediata destas novas leis foi a morte de milhares de cristãos, tanto
estrangeiros quanto japoneses. Em 1638, o último padre foi deportado e, a partir de então,
nenhum navio português ou espanhol obteve permissão para ancorar nos portos japoneses. O
último navio inglês aceito no Japão foi em 1673, após o shogun descobrir que o príncipe havia se
casado com uma portuguesa. Apenas um pequeno posto de comércio holandês recebeu permissão
para permanecer em solo japonês, no entanto, os holandeses eram obrigados a pagar um preço
altíssimo por seus lucros e provar que eram neutros em questões religiosas. Em 1641, foram
levados para uma minúscula ilha, onde ficaram presos e só podiam sair de lá uma vez por ano,
quando iam para Tokyo entreter o shogun e contar-lhe o que estava acontecendo no mundo. Além
dos holandeses, apenas aos chineses eram permitidas trocas com o Japão, mas sob forte
vigilância. O país estava, então, fechado para o resto do mundo e só se abriria novamente depois
de mais de dois séculos. (BERGAMINI, 1971, p. 280)

A partir de então, iniciou-se um processo de desmilitarização do Japão. A produção de


armas diminuiu drasticamente, chegando ao ponto de a maior parte das armas produzidas serem
compradas como peças de arte. Apenas as armas na costa do país foram conservadas para
proteção e garantia de que nenhum navio estrangeiro ancoraria sem permissão.

Os Tokugawa fizeram uma divisão dos senhores feudais, colocando-os em três grupos,
dessa forma podiam identificar seus potenciais inimigos e facilitar a prevenção de possíveis
golpes. Em primeiro lugar vinham os membros da família Tokugawa, descendentes diretos de
Ieyasu. Em segundo lugar, os daimyos que o apoiaram na Batalha de Sekigahara e seus
26

descendentes, considerados confiáveis e fiéis ao shogun. Estes dois grupos possuíam feudos nas
melhores localizações e alguns em regiões mais distantes, com o objetivo de fazer vigilância. O
terceiro grupo eram os tozama daimyo, ou seja, daimyos externos; era formado por aqueles que
não apoiaram Ieyasu em Sekigahara e só se submeteram aos Tokugawa após a derrota na batalha.
O shogun se sentia ameaçado por este grupo, pois nele encontravam-se daimyos poderosos, que,
se unidos e armados, poderiam tirá-lo do poder. Uma quarta categoria representava grande
ameaça ao shogun, eram os ronin, samurais sem senhores. Eles eram homens que haviam perdido
ou abandonado seus senhores e que, portanto, não deviam lealdade a ninguém. Isso preocupava
Tokugawa, pois os mesmos poderiam se unir contra ele. A partir desta divisão foi implantada
uma complexa política de segurança e vigilância, visando impedir qualquer tentativa de revolta.
Dessa forma os Tokugawa foram capazes de manter a paz durante seu governo, a não ser por
pequenas convulsões de camponeses, até o final do século XIX. (STORRY, 1962)

Apesar do isolamento, o Japão apresentou enorme desenvolvimento em seu comércio a


partir da segunda metade do século XVIII. O feudalismo passou a ser, na verdade, apenas
nominal. As cidades já haviam se tornado centros comerciais e o campo fazia o papel das
colônias ultramarinas dos outros países quanto ao provimento de matérias-primas. Apesar de não
ter ocorrido uma revolução industrial, a manufatura japonesa era bem desenvolvida e
especializada. Além disso, havia certa divisão do trabalho entre as regiões. Houve também um
crescente interesse pela mineração, principalmente de carvão e metais, o que proporcionou o
aumento do cunho de moedas de metal. (STORRY, 1962)

Inicialmente, as trocas e pagamentos eram feitos através do arroz. A introdução de


moedas de metal ocorreu somente quando se iniciaram as trocas com estrangeiros e, ainda assim,
em pequena escala. Com o enriquecimento dos comerciantes e o aumento de sua importância foi
necessário aumentar a circulação de moedas de metal e estas foram, progressivamente,
substituindo a utilização do arroz como moeda. (STORRY, 1962)
27

Outro importante aspecto do shogunato Tokugawa foi a utilização do confucionismo


como ideologia política, principalmente a questão da obediência aos superiores e a idéia de
manutenção do sistema de classes. Os Tokugawa tinham grande interesse pela filosofia chinesa e
investiram muito em seu estudo. (STORRY, 1962)

Duas importantes escolas foram fundadas durante este shogunato. Elas foram
fundamentais para a formação de homens engajados politicamente, nobres e samurais. Uma delas
ficou conhecida como Escola de Peer, era voltada para nobres entre quinze e quarenta anos,
principalmente da região de Kyoto; nela eles estudavam principalmente história e governo
japonês. Muitos dos príncipes que se voltaram contra o shogun e a favor da Restauração Imperial
se formaram nesta escola. A outra importante formadora de mentes foi uma escola para samurais.
Com a duradoura paz no Japão, tornou-se necessário aos samurais estudar não só artes marciais,
mas também assuntos que incitassem o raciocínio. Dessa forma começaram a estudar,
principalmente, filosofia chinesa. Com o passar dos anos as escolas se dividiram de acordo com
os ramos da filosofia que seguiam e uma delas se tornou intensamente nacionalista, questionando
a legitimidade do poder do shogun e defendendo que quem tinha real direito ao governo do Japão
era o Imperador. Inicialmente, esta corrente de pensamento não teve força, mas com a crescente
crise no governo dos Tokugawa no século XIX ela foi ganhando adeptos. (STORRY, 1962)

Com Tokugawa Ieyoshi, em 1857, o poder de governo passou para as mãos dos
conselheiros e continuou assim nos anos de crise que se seguiram. Este fato veio a afirmar a
decadência do shogunato Tokugawa, ao mesmo tempo em que o prestígio e o apoio à família
imperial eram crescentes.

Na realidade, os Tokugawa jamais conseguiram uma unificação de fato do país. O sistema


de governo era organizado em porções de terra, semelhantes a feudos, cada um governado por um
daimyo.
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O que o shogun fazia era tanto regulamentar a administração dessas terras colhendo
tributos diretamente do daimyo quanto clamar pela autonomia em punir o senhor das terras com
confiscos e reduções do feudo, caso ele fosse mal administrado e não trouxesse lucros ao Bakufu.
Tal sistema abria um precedente para que os daimyos fossem os verdadeiros administradores da
população japonesa, pois eles eram os intermediários entre o shogun e os comuns, sendo ainda
responsáveis pela coleta de tributos e também pelo poder judicial sobre a população.

É certo que os daimyos sofriam uma série de controles por parte do shogun, contudo,
eram eles que governavam de forma local, ou seja, em seus respectivos domínios. (BARKER,
2001). Nesse sentido, pode-se conceber o exercício dos daimyos como uma extensão do governo
shogunal, mas que ainda possuía certa autonomia em virtude de seu controle jurídico.

O governo Tokugawa se consolidou e se fortaleceu, segundo Barker (2001), por quatro


aspectos únicos:

Primeiro [...] a redistribuição de suas terras [dos daimyos];


Segundo, o shogunato enfraqueceu o poder econômico dos daimyos demandando que
eles provessem homens e materiais para a construção de castelos, fortificações,
manutenção e construção de estradas, redistribuição de terras e etc;
Terceiro, o shogunato promulgou uma série de leis e regulamentos que governavam as
atividades e as condutas dos daimyos em seus domínios. Cada daimyo deveria reduzir as
fortificações e os castelos para um em cada domínio, além de limitar suas forças
militares. Era necessário que ele cooperasse com a inspetoria shogunal, que tinha direito
de examinar sua administração interna e suas finanças. Regras de vestimenta e conduta
privada eram impostas e alianças matrimoniais eram controladas pelo Bakufu em Edo;
Quarto, cada daimyo, com um grupo apropriado de samurais, precisava passar parte de
cada ano na Corte do Bakufu. Quando ele estava em casa nos seus domínios [han] ele
deveria deixar sua mulher e filhos como reféns com o shogun. Dessa forma sua lealdade
era mantida. O sistema ainda requeria que o daimyo gastasse parte de seus recursos na
manutenção de residências alternativas para si mesmo e sua guarda e para financiar suas
ocasionais visitas ao Bakufu. (BARKER, 2001, tradução nossa)

Outra força que mantinha certa estabilidade do governo de Tokugawa era a política de
reclusão e não-interferência estrangeira. Como já citado anteriormente, havia leis que impediam o
contato com o exterior além de pesadas restrições para o comércio com os holandeses no pequeno
29

posto de comércio que havia em uma ilha próxima ao porto de Nagasaki. “Isso cortava
totalmente a possibilidade de que os daimyos se unissem aos estrangeiros para derrubar o
governo” (BARKER, 2001, tradução nossa).

Nesse período, então, a sociedade japonesa se reorganizou numa hierarquia de classes.


Havia os bushi, ou os nobres que englobavam os samurais e seus senhores; logo abaixo vinham
os camponeses, seguidos dos artesãos e por fim os mercadores. Cada classe possuía benefícios
em virtude do sistema de governo e suas atividades refletiam na economia do país e em seus
ganhos particulares. E exatamente esses resultados do sistema e suas reflexões nas vidas das
pessoas que foram peça chave para a emergência de insatisfações que culminaram em
movimentos contra o Bakufu.

As vilas japonesas pré-modernas mostram todos os sinais de um mecanismo poderoso de


incorporação e controle de indivíduos porém com um grande potencial para
insatisfações. (MOORE apud BARKER, 2001, tradução nossa)

1.3 A Queda do Shogunato Tokugawa


Questões Políticas

Por mais de dois séculos o Japão foi dividido em duas capitais, uma em que reinava o
Imperador (Kyoto) e outra governada pelo shogun (Edo). Em 1639, foi banido o cristianismo e foi
também proibida a entrada de qualquer estrangeiro, com exceção dos holandeses e chineses. Este
isolamento japonês causou certa estagnação política, econômica e cultural do país.

Os anos da década de 1830 levaram o Japão de Tokugawa a uma crise, que tinha como
centro o âmbito econômico. Em primeiro lugar, o processo de redistribuição de feudos trouxe
malefícios aos samurais. Em virtude de sua realocação, muitos perderam seus antigos domínios e
todos ficaram sob a égide de seus daimyos. Isso fez com que eles perdessem suas arrecadações
periódicas advindas de seus antigos domínios e também fez com que eles passassem a viver de
salários pagos pelos seus senhores. Eles foram incorporados pelas cortes senhoriais assumindo
30

postos oficiais e deixando os campos de batalha onde haviam estado até a unificação de
Hideyoshi.

Os camponeses também sofriam severas restrições por parte do governo em suas


atividades.
[...] os feudos jamais poderiam deixar de ser cultivados e os campos de arroz não podiam
secar. Roupas de seda eram proibidas aos camponeses, e os tamanhos assim como os
materiais de suas casas eram regulados minimamente. A busca por outras carreiras além
da lavoura era severamente limitada. Os camponeses eram proibidos de vender ou trocar
suas terras e posses ou de deixá-las. Armas eram expressamente proibidas a eles assim
como o estudo do confucionismo e de práticas religiosas litúrgicas. (BARKER, 2001,
tradução nossa)

Mesmo havendo todos estes constrangimentos, algo inédito no Japão foi ocasionado pelo
sistema tributário do governo Tokugawa e pela paz que se instaurou: um grande desenvolvimento
das classes mercantes e dos camponeses. Isso ocorreu em virtude de sua capacidade produtiva
sofrer grande valorização enquanto os samurais viviam de salários fixos e os daimyos de receita
da corte shogunal. A organização da produção foi cada vez mais voltando-se para interesses
econômicos gerando comércio e aumento de renda aos produtores e aos mercadores. O sistema
funcionava pelo pagamento em arroz e a necessidade de converter isso em dinheiro era grande.
Isso fazia com que os ganhos dos nobres estivessem fixos na produtividade e na capacidade das
classes menores sob sua jurisdição de pagar as taxas, e, por sua vez, fazia com que eles
buscassem o aumento dos tributos gerando insatisfação e até revoltas camponesas. Enquanto isso,
os comerciantes faziam o arroz render dinheiro, fazendo com que as classes inferiores fossem
ficando mais ricas que as superiores. (BARKER, 2001)

Um exemplo disso está nas finanças das classes dominantes:

[...] por volta de 1800, o valor total dos domínios [shogunais] estava um pouco abaixo de
4.500.000 koku e as receitas do Bakufu sobre esse valor [...] estava um pouco acima de
1.500.000 koku [...]. Essa proporção caiu para uma media de 30% entre 1836 e 1841.
31

[...] os estoques pessoais de ouro do shogun, que somavam 1.717.000 ryo em 1770,
caíram para [...] 377.500 ryo em 1816. (AKAMATSU, 1977, p.38, tradução nossa).

Já nos anos da década de 1850, essa crise passou a ser maior na área política; em virtude
das pressões estrangeiras, o poder dos Tokugawa estava se esfacelando. A política Tokugawa de
reclusão inicial, chamada sakoku, mantida com pouca dificuldade durante mais de dois séculos,
entrava em crise.

Tudo que havia sido peculiarmente japonês se tornou ainda mais e o Japão foi unificado
em seus costumes. A arte da paz foi tão laboriosamente cultivada que a arte da guerra foi
relegada ao status de esporte antiquado. (BERGAMINI, 1971, p.282-283 tradução
nossa)

Os reflexos destes problemas econômicos à luz do empobrecimento das classes


dominantes geraram insurgências implacáveis entre os samurais. Um grande número destes
acabaram se tornando ronins e se envolveram em atividades criminosas e conspirações contrárias
ao regime, gerando grupos que perpetraram atos de terror xenófobos ou contra o próprio Bakufu.
Pelo fato dos samurais serem os únicos da sociedade japonesa de Tokugawa permitidos de
participar de movimentos políticos, eles se engajaram em uma série de movimentos que
provocaram as crises dos próximos anos; a maioria dos que viabilizaram a Restauração Meiji
emergiram destes grupos. Sua revolta era muito conexa ao crescente enriquecimento de uma
classe a qual eles desprezavam – os comerciantes –, classe esta que os samurais acreditavam não
ter vez na sociedade japonesa. Tais desenvolvimentos eram duramente criticados:

[o] mais lamentável abuso nos dias atuais, em meio aos camponeses, é que aqueles que
enriquecem se esquecem de seu status social e acabam vivendo no luxo como
aristocratas citadinos. Suas casas são tão diferentes das de pessoas comuns como o dia e
a noite ou nuvens e lama. Eles as constroem com os portões, pórticos, alcovas, estantes
ornamentais e bibliotecas mais belos. Alguns até dão dinheiro e recebem o direito de
portar espadas e sobrenomes. [...] Outros emprestam dinheiro aos daimyos e oficiais
locais [...] exercitando influência em suas localidades e abusando de camponeses
comuns. Alguns ainda [...] ganham favores de príncipes imperiais, de membros da
família imperial que recebem ordens budistas e de pessoas versadas nas questões da
corte. [...] Mais ainda, os oficiais das vilas e outros que possuem riquezas confiam o
cultivo a servos; eles ainda vestem roupas finas que imitam o estilo cerimonial dos
32

guerreiros e em todas as ocasiões formais como casamentos e funerais. (BUYO apud


BARKER, 2001, tradução nossa)

As insatisfações foram tomando conta do Japão naquele período, gerando grandes grupos
de pessoas agitadas e inclinadas à modificação da ordem instaurada naquele momento.

O Japão estava repleto de espíritos agitados e sedentos por ação. Havia os nobres que
queriam independência e comércio com o exterior para desenvolver os recursos de seus
domínios; samurais que queriam oportunidades para usar seus talentos, como soldados
ou oficiais; mercadores que queriam quebrar monopólios de determinadas guildas;
estudiosos que queriam trazer conhecimentos de novos povos; camponeses humildes e
cidadãos que queriam apenas um pouco de liberdade diante das taxas e da tirania. Todas
as forças – exceto as conservadoras – estavam pressionando as portas fechadas do Japão
por dentro; então, quando uma voz de fora chamou, as portas foram abertas e todas as
energias aprisionadas foram liberadas. (G.B. SAMSON, apud BARKER, 2001, tradução
nossa)

Não obstante, no fim do século XVIII, o Japão se via obrigado a reconhecer a mudança do
mundo; um novo grupo de europeus, notavelmente poderoso, chegou ao país para quebrar esse
isolamento.

Entre os anos de 1853 e 1867 o Japão passou pela custódia de três diferentes shoguns:
Iesada (1853-1858), Iemochi (1858-1866), e Yoshinobu (1866-1867), nenhum dos quais
conseguiu estabilizar a situação do país ou resolver o problema dos estrangeiros.

Principalmente durante o ano de 1853, os líderes Tokugawa estavam completamente


divididos sobre como se portar diante da situação. O Bakufu se encontrava incapaz de lidar tanto
com a crise estrangeira com firmeza, quanto reivindicar o poder sobre os assuntos internacionais.

Em julho deste mesmo ano, Abe Masahiro, membro do conselho Shogunal (Roju4),
negociou com Comodoro Matthew Perry, líder de uma esquadra dos Estados Unidos que aportou
na baía de Edo exigindo a abertura dos portos japoneses. A chegada dos quatro navios

4
Conselho composto por cinco homens – ‘advisers’.
33

americanos provocou grande desordem no período. Existiam diferentes visões entre os japoneses.
Os membros do Conselho queriam se abrir para negociações, já o Imperador defendia a não
intervenção de estrangeiros no Japão; por último, havia os daimyos, que defendiam a guerra. Abe
permitiu a abertura dos portos e do comércio japonês com estrangeiros; simultaneamente seria
feita uma preparação militar no Japão.

O governo Tokugawa decidiu, afinal, sair do isolamento, graças à existência da pressão


pelas contradições econômico-sociais internas e das pressões externas. A abertura ao comércio
externo deu-se, principalmente, com o surgimento de um tratado de amizade e comércio –
Tratado de Kanagawa –, em março de 1854, com os EUA, e, posteriormente, também com a
Holanda, Rússia, Inglaterra e França. Dava-se o início do declínio do poder do shogunato. Não
obstante, a oposição a Abe crescia.

Em 1858, Kyoto tornara-se centro da política internacional japonesa. Neste mesmo ano
houve uma inesperada mudança dos fatos no momento em que Ii Naosuke, “o grande ancião” do
Shogunato Tokugawa, assinou o chamado tratado “Harris e Ansei”, um pacto de comércio, sem o
aval do Imperador, levando a um fim a política de reclusão. Este fato enfureceu os radicais que se
opunham ao shogunato; irromperam freqüentes revoltas camponesas e urbanas que remetiam a
movimentos de descontentamento do início do século XIX. Surgiu um forte sentimento anti-
Bakufu combinado com a xenofobia por todo o país. Agitadores extremistas foram chamados de
shin shishi,5 que tinham como lema a expressão sonno-joi.6A morte de Ii, em 1860, foi, para o
Bakufu, o começo do fim. Os atos de caráter terrorista tiveram rápida repercussão tanto na
política doméstica quanto para os representantes ocidentais. Além disso, o shogunato não tinha
mais poder para manter os tratados firmados anteriormente.

5
‘Homens com determinação’.
6
‘Venere o imperador, expulse os bárbaros’.
34

No ano de 1863, em reflexo de um ato terrorista que matou um inglês num ataque à
delegação britânica, um comboio de navios britânicos bombardeou Kagoshima, e um ano depois
atacaram a costa de Choshu.

O shogun se via forçado a travar uma aliança com os daimyos, chamada de “coalizão
corte-daimyo”; porém, já em 1864, as tentativas da coalizão mostravam-se sem sucesso e a crise
entrou em mais uma nova e complicada fase.

Dois clãs se destacaram na crise do período Tokugawa: foram eles os clãs Shimazu de
Satsuma7 e o Mori de Choshu;8 o primeiro localizava-se no sul da ilha de Kyushu, e o segundo no
sul de Honshu. Em 1866 os líderes de tais províncias, Saigo Takamori e Kido Koin, formaram
uma aliança – Aliança Satcho – contestando o poder dos Tokugawa.

Com os contatos estrangeiros, os clãs de Satsuma e Choshu foram superando o shogunato


na modernização das forças armadas. Os daimyos estavam inclinados para o movimento pró-
Imperador, moviam-se em direção à abolição do shogunato e à criação de um novo governo sob o
comando do Imperador.

Dois clãs em particular invadiram muitas terras dos Tokugawas sem perder nenhuma de
suas famílias samurais. […] Ambos os clãs investiram pesadamente no conjunto de
operações militares coreanas de Hideyoshi e lutaram ativamente contra a política
Tokugawa de substituição de agressões externas com a consolidação interna.
(BERGAMINI, 1971, p. 283 tradução nossa)

No início de 1867 dois fatos memoráveis aconteceram quase simultaneamente e levaram a


situação política a um clímax. O primeiro deles foi a morte do Imperador Komei Osahito. O
Imperador teve uma não muito longa, mas terrível morte. Em meados de janeiro, seu médico

7
Atual província de Kagoshima.
8
Atual província de Yamaguchi.
35

detectou uma gripe que foi se prolongando e se agravando até levá-lo, já na manhã do dia 30 de
janeiro, ao coma e, ao entardecer, à morte.

O Imperador Komei representara um importante papel nas forças contra o shogunato e


estrangeiros. Desde a chegada dos americanos ele se negou a assinar qualquer tratado e exigiu
que o shogun expulsasse os estrangeiros do solo sagrado japonês o quanto antes. Vendo que os
conselheiros não estavam obedecendo a sua ordem, tomou atitudes para expulsá-los do cargo,
lembrando que eram eles que estavam à frente do governo, não mais o shogun. Dessa forma, ele
conseguiu adiar a abertura dos portos e, com uma reaproximação shogun-Imperador – a partir do
casamento da irmã do imperador com o shogun –, o Imperador conseguiu que o shogun
prometesse expulsar os estrangeiros, o que, no entanto, acabou não acontecendo.

Komei foi sucedido pelo seu filho Meiji Mutsuhito, nascido no inverno de 1852. No
comando, a primeira ação do jovem imperador Meiji foi transferir a capital da tradicional cidade
Kyoto para a cidade portuária, Tokyo, também conhecida como Edo.

O outro fato foi a ascensão de Hitotsubashi Keiki ao posto de shogun. Quando, em agosto
de 1866, o shogun Tokugawa Iemochi morreu de uma doença abdominal no Castelo de Osaka, foi
sucedido por seu primo distante, Tokugawa Keiki, de vinte e nove anos, que se tornou Tokugawa
Yoshinobu. Yoshinobu era anteriormente conhecido como Hitotsubashi Keiki, nasceu em 1837, na
Província de Mito, foi adotado pela família Hitotsubashi aumentando, assim, suas chances de
sucesso. Teve uma educação política rigorosa; seria, posteriormente, um evidente e promissor
líder.

Em 1858, com a morte de Iesada, foi indicado como candidato para se tornar o décimo
quarto shogun, já que havia sido muito eficiente em sua carreira política mesmo com pouca
idade. No entanto, teve grande oposição e seus inimigos, liderados por Ii Naosuke, garantiram
que o décimo quarto shogun fosse Tokugawa Iemochi. Porém essa liderança não foi competente o
36

suficiente e, em 1862, com grande desordem do shogunato, Tokugawa Keiki foi denominado
membro do Conselho – Roju – e guardião do shogun.

Iemochi morreu e deixou o Bakufu em crise, sem nenhum sucessor possível para salvar tal
regime. Com o forte apoio de todos os Tokugawas, Keiki foi indicado como shogun. Inicialmente
resistindo ao posto, tornou-se, em janeiro de 1867, relutantemente o décimo quinto – e
posteriormente conhecido como o último – shogun; mas, uma vez no comando, criou um intenso
programa de reforma. Era o único candidato com experiência no governo nacional e ocupação no
ramo internacional, além de se mostrar um regente capacitado. Teve como objetivo manter a
supremacia política do Bakufu enquanto reorganizava o governo sob influência do Imperador.
Com a ajuda do ministro francês, Léon Roches – que, trabalhando vigorosamente em Edo desde
1864, pretendia reanimar o poder do Bakufu – reorganizou a administração, a força militar e
9
construiu um moderno arsenal da marinha em Yokosuka – programa que John Hall (1971)
classifica como “o novo plano do Bakufu chamado de a expansão da base militar do shogun e
uma completa reorganização administrativa” (HALL, 1971, p.263 tradução nossa) –, cessando a
agitação política.

Com isso, Sir Harry Smith Parkes, ministro britânico, forneceu armas para os daimyos de
Satsuma e Choshu. O daimyo de Tosa, temendo o crescimento destes dois principais daimyos,
propôs um acordo para a solução do problema de organização política em Tokugawa. “Sendo
ardentes legalistas, os esgrimistas das províncias de Choshu e de Satsuma teriam levantado uma
rebelião, a qualquer momento, se tivessem recebido uma palavra de encorajamento de Kyoto”
(BERGAMINI, 1971, p. 282 tradução nossa).
O período de 1868 a 1869 foi o ponto de virada do período Tokugawa. Houve a chamada
Boshin Senso, a guerra civil entre o shogunato Tokugawa e aqueles que eram a favor da
restauração do poder do Imperador Meiji. Por volta de cento e vinte mil homens foram
mobilizados para o conflito, e cerca de trinta e cinco mil destes morreram. O início se deu com a
9
Cidade portuária localizada em Kanagawa-ken.
37

declaração feita pelo Imperador Meiji abolindo o sistema que havia sido prolongado por duzentos
anos, “system of curtain government”,10 e também pela imposição de regras administradas pela
Corte Imperial. O shogun Yoshinobu lançou uma campanha militar para a retirada da Corte
Imperial de Kyoto, liderada pelo Almirante Enomoto; este havia estudado na escola naval de
Nagasaki, instaurada em 1855, e foi também mandado para treinamento naval no ocidente.
Apesar da marinha japonesa do shogunato deter oito navios de guerra a vapor, vindos da
influência do estilo ocidental, houve uma reviravolta em favor da pequena, mas moderna, facção
do imperador. Os clãs de Satsuma e Choshu tiveram, novamente, notável importância. Suas
forças armadas derrotaram o exército do shogun e forçaram o Imperador a depor Yoshinobu do
poder. Depois de uma série de batalhas, o próprio Tokugawa Yoshinobu se rendeu.

Pouco antes do início de 1869, voluntariamente, Tokugawa Yoshinobu entregaria ao


Imperador o poder que lhe havia sido usurpado. Com o início do novo ano, os opositores à
restauração do poder Imperial, de armas nas mãos, se rebelaram nos arredores de Kyoto; as forças
de Bakufu resistiram por mais de seis meses e chegaram até a criar a República Enzo, porém esta
não teve um longo período de existência. Ao Imperador foram restituídos poderes políticos e
militares. “O governo imperial mudou o nome da era – que passou a ser Era Meiji – e a capital do
país se transferiu para Edo, redenominada de Tóquio. Empreendeu-se aí a modernização do
Japão” (PERALVA, 1991).

10
“Sistema de governo resguardado” (BERGAMINI, 1971, p.324).
38

Capítulo 2

A MUDANÇA QUE VEIO DE FORA


As Intervenções Estrangeiras

Um samurai oriundo da província de Choshu, que atendia pelo nome de Takasugi


Shinsaku, escreveu, em uma missão em território chinês no ano de 1862, os seguintes dizeres em
seu diário de viagem:

21 de Maio. Durante esta manhã eu andei nos arredores de uma loja de antiguidades e vi
algumas pinturas. Eu vim a pensar na cidade de Xangai por todo o dia. Aqui, a maioria
dos chineses se tornou servente aos estrangeiros. Quando ingleses e franceses passam
andando, os chineses abrem caminho para eles taciturnamente. Apesar de o principal
poder aqui ser chinês, não passa de uma colônia da Inglaterra e da França. Dizem que
Pequim fica a 732 milhas de distância daqui – a China tradicional do passado deve
remanescer por lá. Eu realmente espero que sim. Eu imagino, o que aqueles chineses
pensariam se vissem esta cidade? De qualquer maneira, nos virando para a situação de
nosso país, pensando no caso do Japão, já teremos sido avisados previamente – quem
pode ter certeza de que o mesmo destino não irá visitar nossa nação no futuro...?
(SHINSAKU apud TATSUYA, N. 1865, tradução nossa)

O senso comum, aliado à reputação de certa “reserva” ou reclusão da nação japonesa, leva
muitos a acreditarem que o Japão cresceu e prosperou exclusivamente no âmbito interno, tendo
evitado qualquer tipo de contato externo até o famoso episódio no século XIX, no qual ocorre a
entrada da frota do Comodoro Matthew C. Perry na baía de Uraga. Isso nos leva a imaginar se é
possível que uma nação “sobreviva” ou prospere sem relações internacionais. Apesar disto, os
mistérios desta nação encobrem inúmeros fatos além deste simples “contato com o oeste”.
Apresentaremos, neste capítulo, a história das relações internacionais japonesas – antes da
própria “invenção” do termo, ou mesmo anteriormente a pensarmos as mesmas como hoje o
39

fazemos –: suas origens, suas influências culturais, políticas e tecnológicas que chegariam a ser
um fator definitivo na maior mudança da história da nação.
2.1 - Os Primeiros Contatos Externos

Retornando às primeiras eras da terra do sol nascente, onde habitavam supostas tribos
nômades ao norte e ao sul do arquipélago que, posteriormente, seriam os chamados ‘filhos da
deusa do sol’, encontraremos os primeiros traços de influências externas marcantes no Japão.

Primeiramente, representantes da raça mongólica começaram a chegar ao sul do Japão em


proporções tímidas durante todo o período Jomon, trazendo sempre novidades e inovações do
continente, além do que se adaptando ao local, aprendendo a língua lá falada. Neste momento, as
raças aborígines que lá habitavam iniciaram um processo de retrocesso territorial, ficando
acuadas pelas novas aglomerações mongólicas, que, com o passar do tempo, se tornaram
presenças predominantes – tudo isto entre 8000 A.C. e 300 A.C. (BERGAMI NI, 1971, p. 244)

A partir de 300 A.C., novos visitantes, com novos propósitos, passaram a surgir nas ilhas
japonesas. Eram comerciantes de diversas origens – coreanos, chineses, mongóis – que vieram
introduzir no Japão o uso de metais já difundido no continente – tais como o ferro e o bronze – e
cultivos agrícolas como o arroz. Este foi o estopim para a formação de vilas agrícolas
organizadas por todo sul do Japão na ilha de Kyushu, que seriam o modelo básico precedente à
futura formação feudal japonesa. (BERGAMINI, 1971, p. 245)

Esse tipo de influência externa foi essencial para os rápidos avanços que levaram o Japão
a adentrar uma nova era, o período Yayoi. Historicamente, divide-se o papel de nação mais
influente na cultura japonesa para a formação da chamada “Cultura Yayoi” entre Coréia e China.
Qual nação foi, de fato, a predominante neste processo, jamais se saberá. Mas devemos
considerar que ambas continuaram a exercer forte influência no país ainda por alguns períodos.
40

Na era que se seguiu – Yamato ou Kofun –, importantes figuras políticas e progenitores de


importantes clãs eram imigrantes coreanos e chineses ou descendentes dos mesmos. Na era
Asuka, após muitos anos de pesquisas e testes, o sistema de escrita chinês finalmente teve o início
de seu uso em terras nipônicas; da mesma forma, o sistema judicial japonês foi reformado com
base nos moldes de seu vizinho continental. Após alguns anos, as relações diplomáticas entre
Japão e China foram cortadas, mas as mesmas permaneceram com Baekje, um dos três reinos em
que se dividia a Coréia na época. Tal reino estava sob fogo de Silla, outro reino coreano, e da
China. Tal fato ocasionou a entrada do Japão no conflito em auxílio a Baekje. As forças
japonesas foram afastadas após uma grande derrota; no entanto, sacerdotes coreanos foram
enviados às terras de Yamato como uma espécie de “moeda de troca” pelo apoio militar. Tal
expedição levou a nação a novos rumos culturais. Conheceu-se ali uma espiritualidade renovada
e o Budismo japonês se fundiu com a influência religiosa coreana.

Durante a era Nara, apesar das passadas animosidades, a nação japonesa mantinha
relações diplomáticas fortes com Silla, que mais tarde unificaria os três reinos da Coréia, e com a
China da dinastia T’ang. Esta relação não duraria muito, pois tal dinastia chegaria ao fim durante
o período Heian. As tensões internas na península coreana relaxaram os laços de amizade das
duas nações e, por conseguinte o tempo fortalecia as relações Nara - T’ang. (BERGAMINI,
1971, p. 252-254)

Durante o período Heian, após o declínio da Dinastia T’ang, relações formais com a
China foram cortadas, apesar das expedições comerciais informais de menor porte continuarem
ocorrendo em ambos os países, assim como missões religiosas budistas. Este período passou sem
mais nenhum episódio “crítico” relativo às relações exteriores japonesas.

A era Kamakura, na qual o sistema de governo do shogunato ascendeu ao poder, trouxe o


episódio já descrito da situação conflituosa envolvendo as pretensões mongólicas acerca da nação
japonesa.
41

Na era que se seguiu, a Muromachi, havia um prolongado caos oriundo dos conflitos com
os mongóis e, quase ao final da era, os primeiros descobridores ocidentais chegarem ao país.

2.2 - Contatos com o oeste distante

No ano de 1542, os primeiros europeus, – portugueses – chegaram à costa japonesa após


se desviarem do rumo que tomavam até a costa chinesa. Chegaram a Kyushu e logo se tornaram
visitantes regulares; a partir de 1544, já faziam visitas periódicas à nação japonesa. Traziam todo
tipo de inovação e produtos difundidos no ocidente, desde armamentos até o tabaco.

Este tipo de prática dos portugueses foi o que fez surgir a era de “comércio Nanban” –
comércio com os bárbaros vindos do sul –, na qual não somente ocorreu a assimilação de
materiais e produtos estrangeiros, como se iniciou a difusão do cristianismo no Japão, no ano de
1549, quando missionários jesuítas portugueses começaram a se dirigir ao país.

Após a chegada dos Espanhóis ao Japão, em 1557, o processo de difusão do cristianismo


se dividiu entre as potências Ibéricas, acabando por se tornar uma prática bastante popular em
algumas regiões. Inicialmente, esse tipo de doutrina estava ligado aos interesses comerciais de
Portugal e Espanha na área; no entanto, após alguns anos, adquiriu caráter independente. As
lideranças japonesas, de forma geral, não viam com bons olhos esse tipo de intervenção na
“santidade” das terras japonesas, e, após algumas condenações de cunho não-oficial, em 1614,
Tokugawa Ieyasu baniu qualquer tipo de prática da religião no país, levando à morte milhares de
cristãos e à fuga muitos outros. A religião cristã se tornou algo obscuro e era praticada em grupos
secretos, longe dos olhos da sociedade. (BERGAMINI, 1971, p. 275)

No entanto, as práticas comerciais européias na região se expandiam já há alguns anos e


iriam perdurar ainda por certo tempo. Em 1600, os Komo – cabelos avermelhados, ruivos –
42

iniciaram suas empreitadas na região. Eram holandeses comandados por William Adams, que
mais tarde se tornaria o primeiro samurai estrangeiro da história. Os holandeses seriam os únicos
remanescentes deste período de prosperidade comercial no Japão após alguns anos. A Inglaterra,
anos após a chegada dos Holandeses, também firmou um centro comercial em Hirado, por volta
de 1613.

A presença européia durante este período no Japão foi notória. Da mesma forma que nos
anteriores contatos com China e Coréia, importantes figuras da política japonesa não raramente
eram estrangeiros. Apesar da repulsão inicial por parte da nação japonesa em relação aos
visitantes distantes, seus aspectos culturais e tecnológicos não tardaram a serem absorvidos.
Militarmente, a introdução das armas de fogo revolucionou os conflitos internos do país, assim
como a adoção de armaduras européias e navios nos moldes ocidentais. Culturalmente, apesar do
banimento oficial, permaneceu a prática do cristianismo. Além disso, expressões e termos
estrangeiros foram anexados à língua japonesa, na forma de neologismos, adaptados à fonética
nipônica, os quais perduram até os dias de hoje.

Porém, apesar de todas estas inovações e da suposta prosperidade das relações Europa -
Japão, em 1641, Tokugawa Iemitsu decretou o início do Sakoku – nação fechada – que baniu
quase todas as nações européias do contato com o país. Apenas o posto holandês em Nagasaki
permaneceria em uso. Neste período, o Japão se relacionava comercialmente com Holanda,
China, Coréia e os povos Ainu, assim como com o Reino de Ryukyu, ao sudoeste. (BERGAMINI,
1971, p. 278-280)

Os motivos que levaram Iemitsu a levar a cabo essa reclusão do Japão são variados.
Inicialmente, se tratava apenas de demonstrar a não necessidade do país de depender de outras
nações, evitando também vínculos tributários com outras potências. Além disso, posteriormente,
foi a maneira encontrada para proteger os escassos recursos naturais japoneses dos gananciosos
estrangeiros.
43

Inúmeras tentativas falhas de quebra desse decreto por potências expansionistas foram
realizadas. Rússia, Inglaterra, França e Estados Unidos, principalmente, fizeram diversas visitas
com estratégias diferenciadas, mas sempre com o propósito de conseguir o mínimo de abertura
possível. Os russos fizeram três tentativas falhas de entrada no Japão: a primeira, educadamente,
em 1778; posteriormente, em 1804, tiveram novamente o pedido de estabelecimento de comércio
negado, o que os fez realizar uma considerável demonstração de força atacando ilhas próximas à
região de Ezo – norte do Japão ou a ilha de Hokkaido –, em uma dita “estratégia de medo”; a
última tentativa falha russa se tratou de um navio comandado por Vasily Golovnin, em uma
suposta missão de exploração regional em 1811 – Vasily foi encarcerado pelo governo Bakufu
por dois anos e então liberado para retornar à sua terra.

A França fez duas visitas com o mesmo intuito, em 1844 e 1846. Ambas foram negadas
de forma bastante pacífica – em uma destas, um padre católico, Theodore A. Forcade, foi deixado
para trás com seu intérprete chinês. Acreditavam que, com este tipo de contato, os objetivos de
estabelecimento de contato comercial entre França e Japão seriam mais facilmente alcançados.
No entanto, foi apenas mais um motivo para os japoneses reafirmarem o sentimento e a política
anticristã vigente no país.

Quanto à Inglaterra, em 1808, o país forçosamente conseguiu suprimentos na baía de


Nagasaki, sob bandeira da esquadra holandesa. Posteriormente, em 1849, conduziu supostas
expedições de pesquisa topográficas, porém apenas conseguiria adentrar a nação japonesa após
alguns anos.

Os Estados Unidos da América também tentaram por vários anos a entrada em terras
japonesas com propósitos comerciais. Primeiramente, durante o período compreendido entre
1797 e 1809, em aliança com o governo holandês, os americanos fizeram trocas utilizando
esquadras sob a bandeira holandesa, pela incapacidade do país em questão de realizar as
44

atividades comerciais regulares devido aos conflitos gerados pelas guerras napoleônicas. Porém,
após este espaço de tempo, os EUA iriam demorar para retornar ao país e realizar este propósito.
Houve tentativas individuais de mercadores norte-americanos como, por exemplo, em 1837, a de
Charles W. King que tentou a abertura com a estratégia de retornar marinheiros japoneses
náufragos à sua terra. Foi recebido duramente com vários disparos, mas não foi eliminado.

Em 1846, uma dura tentativa do governo estadunidense levou dois grandes navios, um de
comércio e um de guerra, à baía de Kyoto. Começava a se considerar a idéia de abertura através
de uma demonstração de força ou de capacidade militar por parte dos Estados Unidos. Dois anos
depois, o capitão James Glynn aporta em Nagasaki e consegue um diálogo com o governo
japonês. Através de suas recomendações, a idéia de demonstração militar se torna a chave para a
estratégia norte-americana. Assim, em 1853, os EUA enviam a esquadra comandada pelo
Comodoro Mathew Calbraith Perry que colocaria fim aos mais de duzentos anos de reclusão da
nação japonesa.

2.3 - A Esquadra Negra de Perry

A esquadra de grandioso poder destrutivo sob o comando do comodoro norte-americano


era composta por uma série de navios militares de grande porte, dos quais os principais eram as
fragatas a vapor nomeadas Mississipi e Susquehann; além destas, a frota contava também com
uma fragata a vapor de menor porte, a Powhatan, as chalupas à vela de guerra, chamadas
Vandalia, Plymouth e Saratoga, e os navios à vela de suprimentos, Southampton, Supply e
Lexington.

Especificando os motivos que levaram às várias tentativas de abertura do Japão – que


somente tiveram sucesso com a vinda de Perry –, podemos destacar:
45

- Importância do Japão para o comércio no oriente – a abertura do Japão, facilitaria os


contatos com a China, já que se encontrava na rota dos navios que para lá se dirigiam;
- Necessidade de proteção das atividades de pesca baleeira na região; direitos
documentados e proteção aos marinheiros e navios;
- Seguindo as premissas do Destino Manifesto, os Estados Unidos adquiriam um caráter
cada vez mais expansionista. Já havia chegado ao Japão, através dos comerciantes
holandeses, a palavra de que os EUA haviam engajado em combate com o México,
vencido e anexado parte de seu território, o que inspirou certo medo na nação;
- As anteriores negações da entrada estadunidense no país feriram o inflado orgulho
nacional dos mesmos, assim como eventuais acidentes de navios oriundos dos EUA
próximos à costa japonesa, que levavam ao aprisionamento e maus tratos de vários
cidadãos daquele país. (BERGAMINI, 1971)

A jornada de Perry se iniciou na Virgínia, no ano de 1852, e tomou o rumo para o Japão
pela longa e tradicional rota que passava pela África do Sul. A missão fez paradas em diversos
pontos. Destacam-se as feitas em Hong Kong e Loo Choo (Okinawa), que serviram de bases de
operação para a frota de Perry – em especial Okinawa, que recebeu cinco visitas em um curto
espaço de tempo para abastecimento e outras manutenções. Meses antes de aportar na baía de
Edo, o Comodoro fez uma tentativa falha de estabelecer negociações com o Reino de Ryukyu –
ao sul do Japão. No entanto, ele conseguiu um feito extraordinário: através da demonstração do
poderio norte-americano, adentrou o Castelo da família real e conversou com o regente de
Ryukyu.

Os habitantes de Loo Choo tinham suas desconfianças e preocupações com a presença da


esquadra de Perry na região, no entanto, isto não impediu o estabelecimento da já citada base de
operações (para reabastecimento de carvão e suprimentos). Aparentemente, havia uma
preocupação ainda maior com o caso de o Comodoro não realizar sua missão no Japão com
sucesso. Eles ainda imaginavam que as ilhas próximas poderiam ser adentradas forçosamente
46

para servirem a quaisquer propósitos necessários até que a nação japonesa cedesse às demandas
dos EUA. Pensavam também que isso não chegaria a ocorrer, apesar de ter sido pensado e
sugerido pelo Comodoro.

No dia 8 de julho de 1853, a baía de Edo observou a chegada dos imponentes Kurofune –
Navios Negros: Susquehanna, Plymouth, Mississipi e Saratoga –, que exalavam densa fumaça
preta e eram armados gloriosa e perigosamente, assim como carregavam grande quantidade de
homens (calcula-se que a tripulação que chegou ao Japão nos quatro navios aproximava-se de
1000 homens).

Não somente uma demonstração do poderio estadunidense, mas um verdadeiro show de


pompa e cerimônia foi o que se observou neste momento. O Comodoro foi recebido a bordo de
seu navio por um oficial de patente baixa que lhe passou instruções para que se dirigisse a
Nagasaki, onde seria recebido pelos oficiais lá instalados. O Comodoro Mathew C. Perry tomou
isto como uma grande ofensa e demandou que o Imperador enviasse alguém para receber
apropriadamente os documentos em sua posse ressaltando que não hesitaria em entregá-los à
força. (BERGAMINI, 1971, p. 299-300)

A esquadra estadunidense se dirigiu, no entanto, em direção a Uraga, onde Perry ordenou


uma pesquisa topográfica na região do canal de Uraga. Esta atitude causou certo desconforto e
uma grande tensão, pela importância estratégica e militar da região, mas, por fim, o episódio
terminou sem incidente de maior gravidade.

Aportados em Uraga, finalmente se conseguiu contato com oficiais de alta patente


japoneses que já sabiam da importância do Comodoro e que ele não receberia ninguém de “nível
inferior”. A carta levada pelo Comodoro, do Presidente Millard Fillmore para o Imperador do
Japão, foi recebida pelos governadores conjuntos de Uraga, os Príncipes Toda e Ido, de Izu e
47

Iwami, e representantes formais do Shogun Tokugawa Yoshinobu, após uma cerimônia formal
que precedeu os primeiros passos do americano em terras japonesas.

A carta do presidente Fillmore requeria a abertura de alguns portos japoneses aos navios
estadunidenses, proteção para marinheiros acidentados próximo à costa japonesa e direitos de
compra e reabastecimento de carvão. Perry avisou que os japoneses poderiam analisar as
propostas por um tempo, já que ele voltaria à China imediatamente e ao Japão um ano depois
para, finalmente, receber resposta às demandas norte-americanas. Durante sua permanência na
China, ele reforçou sua frota, preparando-se para o triunfante retorno às terras nipônicas.

Em fevereiro de 1854, nove navios – Vandalia, Powhatan, Mississippi, Susquehanna,


Saratoga, Southampton, Macedonian, Lexington e Supply – sob o comando do Comodoro
partiram para o Japão. Na baía de Yokohama, no dia 8 de março de 1854, havia porém apenas
oito embarcações, pois o Supply sofreu atraso. As oito embarcações foram suficientes para
proporcionar uma imagem ainda mais imponente do que aquela observada no ano anterior na baía
de Edo.

No dia 31 de março, comissários sob o comando do Shogunato Tokugawa assinaram o


Tratado de Kanagawa entre Estados Unidos e Japão. Tal tratado abria dois portos japoneses –
Shimoda e Hakodata – para os norte-americanos, garantia a proteção dos marinheiros acidentados
e a compra de carvão por navios americanos. Além disso, autorizava a fundação de um consulado
estadunidense em Shimoda. Não era o tratado “perfeito” para Perry, já que não garantia os
acordos comerciais (apesar de já ter sido um duro golpe para o governo do Bakufu). No entanto,
estes não demorariam, já que dentro de quatro anos o “Tratado de Amizade e Comércio” entre
Japão e EUA seria assinado, sob o comando de Townsend Harris, primeiro Cônsul Geral dos
EUA no Japão.
48

A frota do Comodoro se dirigiu mais tarde aos recém-abertos portos japoneses, para
acertos com os governantes locais no intuito de garantir o cumprimento dos recentes acordos e
realizar pesquisas sobre as regiões.

Enquanto a expedição de Perry continuava a fazer pesquisas nos mares do Japão, o


Saratoga retornava aos EUA com uma cópia do tratado. Nova frota norte-americana foi enviada
para a região em 1854, no intuito de checar o cumprimento do tratado de Kanagawa. Esta visita
ocorreu sem nenhum incidente de maior porte.

2.4 - O retorno das potências européias

De acordo com os desenvolvimentos dos EUA no Japão, as demais potências seguiram as


mesmas estratégias para a realização de acordos com a nação japonesa. Primeiramente, um
acordo para que se garantisse paz, amizade, trocas e ajudas em questões simples. Posteriormente,
acordos mais específicos em relação ao comércio e alianças gerais.

Nos anos que se seguiram às primeiras atividades de Perry na região, países como França,
Inglaterra e Rússia retornaram ao país para novas tentativas de comercialização ou de realizar
tratados similares ao assinado em Kanagawa pelos EUA.

Primeiramente, os ingleses, sob o comando de Almirante Sir James Stirling, em 1854,


realizaram o “Tratado de amizade” entre Japão e Inglaterra, em Nagasaki. Em 1855, a França e a
Rússia conseguiram assinar tratados semelhantes, em Okinawa e Shimoda, respectivamente.
Ambos tratados tinham conteúdo similar àquele assinado na Convenção de Kanagawa. O tratado
de amizade russo-japonês foi um pouco além, definindo questões territoriais relativas ao norte do
Japão (estabelecendo limites claros para as fronteiras japonesas na região) – assunto que seria de
grande significância no futuro.
49

Nos anos seguintes, houve tentativas de novos tratados, mais expansivos e


especificamente comerciais. O primeiro novo tratado com uma potência nesses moldes foi o
assinado por Townsend Harris em 29 de julho de 1858 – o Tratado de Amizade e Comércio entre
Japão e Estados Unidos ou simplesmente o tratado de Harris – após dois anos de sua
permanência no país, marcados por tentativas contínuas de convencer o governo do Bakufu a
assinar o novo tratado. Este previa a abertura de cinco portos japoneses – Edo, Kobe, Yokohama,
Nagasaki e Niigata – para comércio e moradia de cidadãos norte-americanos, o tratamento de
cidadãos estrangeiros de acordo com as leis de suas respectivas cortes consulares, taxas de
importação e exportação extremamente baixas e interação diplomática mais avançada.

Harris convenceu os japoneses apontando que, caso seus simples termos não fossem
aceitos, os britânicos, mais agressivos e impertinentes, iriam lhes apresentar termos muito piores
e não hesitariam em usar força militar para que suas demandas fossem cumpridas.

Em 26 de agosto de 1858, Lorde Elgin, da Inglaterra, assinou o Tratado de Amizade e


Comércio Anglo-Japonês que especificava as datas a partir das quais a Inglaterra teria acesso
comercial a três portos japoneses – Nagasaki, Hakodate e Kanagawa – e as datas a partir das
quais seriam permitidas alocações de cidadãos britânicos em Edo. Foi estabelecido também a
residência de um representante do governo britânico na mesma localidade.

Rússia, França e Holanda também realizaram este tipo de “expansão e atualização” de


seus vigentes tratados de amizade com a nação japonesa. A Prússia também tentou iniciar
contatos com a nação japonesa em 1861, mas falhou em causar uma boa impressão, deixando,
então, o contato japonês restrito às cinco potências já presentes no país.
50

As cinco potências, ou como eram conhecidas, “Pessoas das Cinco Nações”. Yoshizaku, 1861. 11

2.5- A Queda do Shogunato Tokugawa


Após os Estrangeiros

Após tais acontecimentos que acarretaram na abertura da nação japonesa, o país se


encontrava na mais profunda crise política, com o descontentamento do Imperador Komei com as
atitudes do governo Tokugawa, que foi totalmente contra suas recomendações e vontades. O
Imperador não aceitava a idéia dos estrangeiros macularem a santidade das terras japonesas tão
abrangentemente. (BERGAMINI, 1971)

Devemos certamente nos manter distantes dos estrangeiros e reverter ao sonoro comando
da reclusão (Sakoku). (KOMEI apud BERGAMINI, 1971, p. 306 tradução nossa)

O Imperador já havia avisado que a aceitação desses tratados por parte do governo
Tokugawa acabaria em guerra civil, e os principais membros do círculo político japonês já se
dividiam entre os pró-imperialistas e as forças shogunais.

11
Imagem retirada de <http://ocw.mit.edu/ans7870/21f/21f.027j/yokohama/yb_core_intro.html>. Acesso em: 18 jan.
2007.
51

No entanto, as reformas acarretadas pela abertura do país já vinham minando o poder do


governo do Bakufu, atraindo críticas fortes não somente daqueles leais ao Imperador, mas
também de antigos seguidores de sua doutrina que simplesmente achavam absurda a aceitação
dos chamados “tratados desiguais” impostos pelas cinco potências ao Japão.

Os movimentos nacionalistas ganharam força com os acontecimentos que levaram à


abertura do país. A grande quantidade de estrangeiros que agora pisavam no solo sagrado japonês
fez emergir grupos xenófobos que buscavam aterrorizar os “bárbaros” e derrubar categoricamente
o governo de Tokugawa; nesse contexto surge a Sonno-Joi.

A chegada do Comodoro Perry é considerada tanto uma marca para a abertura do país
quanto um catalisador para os movimentos de reforma que ocorreriam mais cedo ou mais tarde
no país. É certo que as inquietações que sacudiram a sociedade civil ganharam muito mais força
nesse período e o Bakufu, vendo-se de mãos atadas, precisou consultar as lideranças locais para
saber o que fazer. Isso provou ser o maior erro do shogunato Tokugawa. O poder do Bakufu se
esfacelou, abrindo espaço para que as lideranças locais pudessem atuar no governo e derrubar o
shogun como sempre quiseram. Como já dito no capítulo 1, o regime andava de mal a pior.
Agora, seu fim era iminente.

A morte do Imperador Komei em 1867 – dando lugar ao jovem Meiji Mutsuhito – deixou
o shogunato na dependência não somente das potências instaladas no país mas, também, dos
conselhos da Corte Imperial e dos leais ao imperador e restauradores. A situação já havia, há
muito tempo, fugido do controle da regência japonesa. (BERGAMINI, 1971)
52

CAPÍTULO 3

A RESTAURAÇÃO DO JAPÃO
O Governo Meiji

No início de 1868, os líderes do Shogunato Tokugawa (bakufu) foram retirados de suas


posições hereditárias de poder e, nos meses seguintes, os líderes, também hereditários,
da maioria dos domínios dos daimyos (han), seguiram seus antigos superiores na
escuridão. Em seu lugar, outros homens forjaram um novo sistema de governo, a ordem
política de Meiji, onde o status de samurai era abolido e um governo Imperial unificado
dirigia a nação de sujeitos diligentes. (TOTMAN in WRAY; CONROY, 1983, p.56,
tradução nossa)

Dentre todas as revoluções, a que ocorreu no Japão, a partir 1867, é uma das mais
notáveis. É interessante observar os efeitos dessa revolução na sociedade japonesa. Os impactos
das mudanças que ocorreram no país não afetaram apenas a área industrial, por exemplo, mas
toda a estrutura de organização social, de poder, militar, enfim, todos os aspectos mais
particulares do Japão. O objetivo final era edificar uma nação que pudesse competir, em pé de
igualdade, com os grandes poderes do ocidente sem padecer diante de eventuais pressões
colonialistas. Desde 1867 até a morte de Meiji Mutsuhito, em 1912, o Japão passou a possuir:

- Um governo centralizado e burocrático;


- Uma constituição;
- Um sistema de comunicações e transporte bem desenvolvido;
- Uma população altamente escolarizada livre de restrições de classe feudais;
- Um estável e crescente setor industrial baseado em tecnologia de ponta;
- E um exército e marinha poderosos.
53

3.1 As Elites Oligárquicas.

Harold Bolitho (1983) vislumbra a Restauração Meiji como um processo que teve duas
fases bastante distintas. A primeira fase, concebida como a derrubada do Bakufu, foi o pontapé
inicial para os processos de restauração do Japão. As formas de autoridade que havia no país
naquele momento eram um empecilho para o processo de reestruturação da política japonesa que
culminaria na restauração da nação como um todo.

Alguns estudos mostram, não obstante, que a revolução que se configurava no Japão
naquele momento não advinha de sentimentos sem origem fundamentada na iminente
insatisfação com a estrutura governamental do Japão. É certo que, naquele momento, o sistema
de Tokugawa mostrava que seu funcionamento estava cambaleante, em crise. Contudo, o sistema
shogunal de Tokugawa tinha uma estrutura muito plana e organizada. A premente unificação do
poder no Japão – uma herança notável do regime Tokugawa – e as bênçãos do Imperador a
Toytomi Hideyoshi puderam gerar um governo que agia “direcionando a política nacional em
nome do Imperador” (BOLITHO in WRAY; CONROY, 1983, p.59, friso nosso).

Mais ainda, o regime de Tokugawa pressupunha cooperação e obediência dos daimyos de


cada província ao shogun e ao sistema, garantindo a obediência também dos samurais,
fazendeiros e outros comuns que compunham a população japonesa. (BOLITHO in WRAY;
CONROY, 1983). Exatamente nesse segmento da sociedade emergem as mentes por trás da
Restauração Meiji que, além de agitadores de movimentos contrários ao Bakufu, tornaram-se,
mais tarde, as cabeças políticas do governo de Mutsuhito.

As origens do declínio político do Bakufu estão profundamente ligadas ao contato com o


exterior, em 1853, com a chegada do Comodoro Matthew C. Perry. A pequena semente
capitalista que foi plantada na sociedade japonesa já começava a dar frutos no interior das
províncias. Movimentos populares começavam a emergir demandando de seus senhores e
54

daimyos condições para iniciar atividades de agricultura comercial, redivisão de terras, indústrias
de pequeno porte entre outros. Tais movimentos ainda não poupavam esforços para resistir às
imposições dos governos locais e do governo central em Edo. (BOLITHO in WRAY; CONROY,
1983). Tais movimentos, e sua oposição aos seus senhores e governos, oneravam pouco a pouco
as estruturas de autoridade e as autoridades propriamente ditas.

Tanto a Corte Imperial quanto o Bakufu apresentavam problemas financeiros, a riqueza da


nação estava onerada e diminuía gradativamente. O sistema de tributação por koku já não rendia
tanto quanto em seu início. Todas as classes sofriam com essa estagnação e a classe que poderia
reagir mais perigosamente era a dos bushi, os samurais. Tudo isso advinha da política de
isolamento de Tokugawa.

De fato, foram exatamente membros dessa classe que, inicialmente, movimentaram-se


contrariamente ao regime. Como já explicado no primeiro capítulo, tais samurais estavam
insatisfeitos com os resultados da política econômica que acabava por beneficiar as classes mais
baixas que a deles.

A maioria desses samurais começou a se organizar em grupos contrários ao Bakufu e a


situação se agravou muito com a chegada dos estrangeiros e da abertura dos portos de Shimoda e
Hakodate, garantida pelo Tratado de Kanagawa. A estratégia do Bakufu em consultar os daimyos
a respeito das demandas de Perry só fez seu governo enfraquecer e fez com que o próprio Shogun
perdesse poder político no interior de seu aparato governamental. “O shogunato deixou de ser
uma ditadura militar controlando um grande e poderoso exército” (FAIRBANK apud BARKER,
2001, parte 4, p.02, tradução nossa). O shogunato espalhou seu poder decisório entre os daimyos.
Assim, mesmo que algumas vezes ele agisse de forma contrária às recomendações dos senhores,
a pressão política era muito grande e serviu para desestabilizar o governo e dar força à crise
política do Bakufu.
55

O crescente trânsito de estrangeiros no Japão, em especial nas imediações do palácio em


Edo, causava grande furor na sociedade japonesa e incitava os ânimos xenófobos. O espírito de
repúdio à presença estrangeira – ‘os bárbaros’ – crescia com força e violência no Japão. Grupos
de samurais organizavam ataques terroristas contra os estrangeiros, que passaram a viver com
medo. Grupos eram assassinados ou sofriam severas represálias por parte dos samurais:

[os] estrangeiros em Edo viviam em constante terror. Nas ruas – apesar da população
geralmente amigável e curiosa – eles tinham medo de ser atacados a qualquer momento
por algum maluco armado com duas espadas. O pior era que eles não tinham idéia de
onde vinham esses inimigos, que surgiam, atacavam inesperadamente e desapareciam
sem deixar rastro. (AKAMATSU, 1977, p.143, tradução nossa)

Esses grupos radicais acabaram emergindo no seio dos conselhos de alguns daimyos.
Esse crescimento na representatividade incitou o surgimento de pensamentos nacionalistas no
Japão. A política adotada pelo Shogun desde 1853 fez com que seu poder perdesse chão para o
império, que pouco a pouco recuperava sua antiga força política. Até 1860, o eixo de poder no
Japão migrou de Edo para Kyoto e a presença de samurais e daimyos na Corte Imperial gerou
uma boa absorção, por parte da Corte, desse nacionalismo e desse sentimento anti-estrangeiros
que ele incitava. O Imperador Komei se tornou um forte defensor e um bastião da política de
expulsão dos estrangeiros. “[...] O Imperador assinou um decreto em 1862 instruindo o shogunato
para iniciar a expulsão dos estrangeiros do Japão até o verão de 1863” (BARKER, 2001, tradução
nossa).

Acuado pelo poder dos estrangeiros, o shogun desrespeitou o decreto, mas isso só
conseguiu fortalecer o movimento. Nesse período, os samurais começaram a mover suas políticas
e suas ações baseadas em um intenso movimento político chamado sonno-joi – “reverencie o
imperador e expulse os bárbaros”. Os atos terroristas contra os estrangeiros foram largamente
incentivados por esse movimento. Os samurais extremistas ainda conseguiram tomar o poder na
província de Satsuma e na província de Choshu, bem como angariaram grande representatividade
na Corte Imperial. Contudo, em virtude de seus métodos radicais e de sua organização difusa, em
56

1863, um partido mais moderado emergiu na província de Satsuma varrendo os extremistas que
rodeavam a Corte Imperial. (BARKER, 2001)

É exatamente nesse período que se evidencia a emergência dos primeiros movimentos


em favor de um grupo de pessoas que iriam modernizar o Japão e derrubar o regime Tokugawa.
Os extremistas de Choshu tentaram investir, sem sucesso, contra os nobres de Satsuma, mas,
diante da derrota, eles desistiram de suas campanhas militares radicais e passaram a construir
uma forma mais eficaz de mudança do regime. Os líderes de Satsuma também aderiram a essas
novas formas, e começaram a desenvolver laços econômicos, diplomáticos e militares com os
Britânicos. As províncias iam se fortalecendo e grupos de pessoas fortes politicamente passaram
a ter grande influência nas políticas reformistas das províncias. John Whitney Hall (1971) aponta
estes homens:

Da Corte Imperial: Sanjo Sanetomi e Iwakura Tomomi; De Satsuma: Okubo Toshimichi,


Terashima Munenori, Godai Tomoatsu, Saigo Takamori, Kuroda Kyiotaka, Matuskata
Masayoshi; De Choshu: Takasugi Shinsaku, Kido Koin, Omura Masujiro, Ito Hirobumi,
Inoue Kaoru, Yamagata Aritomo, Hirosawa Saneomi; De Tosa: Itagaki Taisuke, Goto
Shojiro, Fukuoka Kotei e Sakamoto Ryoma; De Hizen: Eto Shimpei, Okuma Shigenobu,
Soejima Taneomi e Oki Takato; Além de: Yokai Shonan e Inoue Kowashi da Prefeitura
de Kumamoto, Yuri Kimimasa da Prefeitura de Fukui e Katsu Kaishu representando o
escritório do Bakufu. (HALL, 1971, p.268, tradução nossa)

Hall ainda aponta uma série de características comuns a todos eles:

[s]obre esse grupo há um número de generalizações elementares que emergem deles. Em


primeiro lugar todos eram de províncias grandes do grupo tozama que dividiam o
mesmo antagonismo diante da casa de Tokugawa. Eles eram notavelmente jovens, sendo
a média de idade pouco acima de 30 anos em 1868. Sua maioria fazia parte de samurais
de castas mais baixas; apesar de alguns como Kido, de mais alta classe. Como eram
jovens, eles eram vigorosos e ambiciosos, muitos começaram suas carreiras da forma
tradicional, subindo da escala de prestígio em suas províncias, notavelmente no serviço
militar. Eles não faziam parte da aristocracia e suas ambições poderiam ser alcançadas
apenas no governo. Um grande número de arenas políticas se abriu diante deles em
virtude da descentralização do sistema de governo do Bakufu. E assim como nas
revoluções na América, esses homens aprenderam a serem líderes de suas terras antes de
serem líderes de sua nação. (HALL, 1971, p.269-270, tradução nossa)
57

Esses homens notáveis iniciaram suas escaladas em favor dos movimentos que
tentavam restaurar o poder do Imperador e da nação japonesa à luz da intervenção estrangeira e
procuravam evitar que o país sofresse o mesmo destino da China.

Uma característica dos líderes da restauração era seu alto nível de educação e
treinamento especializado. Muitos tiveram reconhecimento em suas províncias em
virtude de suas habilidades militares ou sua graduação acadêmica. Como conseqüência
eles tiveram carreiras ativas servindo de conselheiros aos seus daimyo, como agentes de
diplomacia ou chefes de unidades militares. A carreira militar, talvez, era a mais comum.
Saigo, Omura, Eto, Hirosawa e muitos outros foram comandantes militares em suas
províncias. Ito costumava ser um intérprete e Kido era o conselheiro chefe de seu
daimyo. O tipo de educação desses homens também era significativo. Criados como
samurais a fim de suportar uma dura disciplina militar (muitos deles se tornaram
excelentes espadachins), eles foram treinados para serem homens de ação e para cultivar
talentos marciais. O conteúdo intelectual de sua educação era fundamentalmente o
confucionismo que enfatizava lealdade e dedicação à sociedade. (HALL, 1971, p.269-
270, tradução nossa)

Como Hall bem evidencia, estes homens possuíam uma predisposição tanto intelectual
quando talentosa para pensar a restauração da nação japonesa, ainda sendo incentivados por seus
líderes nas províncias e ademais pelas atividades que desempenhavam em seus domínios. Nesse
período, as províncias começaram a adquirir certa autonomia em relação às suas atividades,
beneficiando-se do contato com os estrangeiros e se modernizando – na medida do possível – até
mesmo antes de modernizar a nação japonesa. O espírito de renovação estava se infiltrando nas
mentes dessas pessoas e o contato com o modo de vida do ocidente despertava uma latente
consciência de que o Japão só se tornaria uma nação forte se importasse o conhecimento e o
modo de produção e operação dos ocidentais.

Mesmo tendo fortes ambições [esses homens] tinham grande sensibilidade pelos
problemas da nação e difundiam a idéia de serviço a autoridades superiores. Sendo parte
do grupo conhecido como Shishi [samurais xenófobos], muitos deles foram incendiados
pelo desejo de salvar seu país e servir seus daimyos. Mesmo assim poucos poderiam ser
considerados ambíguos ou cegos a respeito de suas visões políticas. Muitos estiveram no
exterior até 1868 [Godai, Ito e Inoue estiveram na Inglaterra, Katsu foi levado num
navio japonês pelo pacífico], outros tinham associações com Ocidentais dentro do Japão
[Okubo, Saigo e Okuma tiveram longas conversas com Satow, o intérprete Inglês].
Ainda que muitos dos Shishi se tornaram violentos xenófobos em 1853 [Ito tomou parte
58

do ataque à delegação Britânica em 1863], os mais fanáticos acabaram sendo mortos


cedo e aqueles que permaneceram foram, em 1868, convencidos da superioridade da
civilização Ocidental. (HALL, 1971, p.269-270, tradução nossa)

O local que essas pessoas ocupavam em suas comunidades e todos esses fatores
evidenciados por Hall fizeram delas pessoas de visão. Suas perspectivas vislumbravam um Japão
novo, moderno, com uma forte estrutura de poder e baseado nos princípios de constituição
militar, econômica e social difundidos pelas sociedades ocidentais. Seu alto grau de instrução e
seu contato com o ocidente só fizeram enaltecer estas idéias e sua posição política ajudou para
que eles imprimissem tais políticas em seus respectivos lares e, por fim, quisessem fazer o
mesmo em toda nação japonesa. A crise política do Bakufu foi vista como uma janela de
oportunidades por estas pessoas especialmente fiéis ao Imperador.

A partir de 1866, aqueles homens que viviam em Satsuma e Choshu iniciaram um


movimento em favor de toda esta mobilização e este pensamento. Eles conseguiram apoio em
seus próprios domínios e até mesmo dentro da Corte Imperial. Tal movimento se baseava nos
constantes contatos que foram sendo estabelecidos com os Britânicos para modernização e
desenvolvimento das províncias e, especialmente, dos exércitos. O movimento buscava o fim do
Bakufu pela deposição do shogun e a instauração de um governo cujo soberano seria o
Imperador. (BARKER, 2001)

A situação encontrou um clímax em dois eventos no inicio de 1867. O Imperador Komei


faleceu e foi sucedido por seu filho de 14 anos [Meiji Mutsuhito], e Tokugawa
Yoshinobu assumiu o shogunato. (BARKER, 2001, tradução nossa)

As elites finalmente encontravam sua principal oportunidade para atuar em favor de seus
ideais. Com um novo shogun, ainda debilitado pela crise do regime, e um Imperador pronto para
receber a legitimidade do povo e dos líderes, eles iniciaram o processo de restauração.

A maioria do Japão, dividido em pequenas unidades que eram pequenas demais ou


indecisas para tomar alguma decisão maior, simplesmente parou e assistiu, enquanto um
59

pequeno grupo de jovens samurais, a maioria de nascimento humilde, tomava controle


de governos das províncias de Satsuma e Choshu. Eles tinham o apoio de novos e
amigáveis nobres da Corte Imperial e logo conseguiram controlá-la também, e em
virtude de audacioso poder militar de Satsuma e Choshu, eles conseguiram controlar
toda a nação. (FAIRBANK apud BARKER, 2001, tradução nossa)

3.2 Os Ideais de Modernização.

A segunda fase da Restauração Meiji, segundo Bolitho (1983), se concretizou apenas


uma década depois que o shogun foi retirado do poder. Tal fase foi a reestruturação, passo a
passo, do regime político e econômico e da sociedade japonesa. Era um desafio tomado em mãos
pelas mesmas pessoas descritas na sessão anterior. Contudo, o trabalho dessas pessoas não se
limitou a funcionar a partir da abdicação de Yoshinobu, mas durante todo o processo já se
trabalhavam os planos para a refundação do Japão.

Como já dito anteriormente, naquele período, as províncias de Satsuma e Choshu


haviam adquirido algum grau de independência e com isso conseguiram se desenvolver de forma
brilhante até 1867. A relação com os estrangeiros foi capaz de fundar os novos padrões de
desenvolvimento político, econômico e social para estas províncias – desenvolvimento este que
constituía os ideais do grupo de homens que faria a Restauração Meiji.

De início, o movimento tinha como objetivo a restauração imediata do governo


imperial. Tal restauração deveria acontecer após a entrega pública de todo o poder ao Imperador
por parte do shogun. Esse ideal tomou força com a ascensão ao trono de Meiji Mutsuhito ao
mesmo tempo em que Tokugawa Yoshinobu assumia o Bakufu.

Naquele momento, os oficiais de Satsuma, Choshu, Tosa e Hizen assumiram também o


poder. Eles apoiaram o novo Imperador e iniciaram os planos de restauração definindo as
diretrizes a serem seguidas. Todos os passos deveriam se fundamentar nos ideais defendidos por
60

eles. Tais ideais podem ser traduzidos nos cinco pontos fundamentais para restauração e
modernização do Japão publicados em 1868 como um juramento do Imperador:

1 – Assembléias deliberativas devem ser estabelecidas e todas as questões devem ser


decididas em discussão pública;
2 – Todas as classes, humildes e poderosas, devem se unir vigorosamente para condução
e administração das questões do Estado;
3 – As pessoas comuns, inclusive os oficiais civis e militares, devem ser autorizadas a
buscar seus próprios interesses de forma que eles não fiquem descontentes;
4 – Os costumes malignos do passado devem ser abolidos e devemos nos basear nos
princípios de justiça universais;
5 – O conhecimento deverá ser buscado pro todo o mundo a fim de fortalecer as
fundações do governo Imperial. (AKAMATSU, 1977, p.222, tradução nossa)

Em primeiro lugar, a consolidação do governo Imperial deveria acontecer após total


dissolução do sistema que imperava no governo de Tokugawa. Para tanto, o império deveria
edificar um novo Exército Imperial para fortalecer suas atividades e subjugar possíveis
contraposições ao novo sistema. (BARKER, 2001)

A garantia de que o grupo que movimentou a restauração tivesse papel importante no


governo está expressa na cláusula de número 1. A criação de um conselho decisório nestas bases
atendia as intenções desse grupo de permanecer no governo juntamente com o Imperador e assim
trabalhar ativamente na restauração do país. A abolição do sistema de Tokugawa está expressa
nas cláusulas 2 e 3, que procuram acabar com o sistema de classes e com a estratificação
produtiva compulsória. A de número 4 era fundamental para que as mudanças pudessem ser de
fato efetivas e que novos costumes fossem incorporados na sociedade a fim de que a
modernização fosse plena. Por fim, a última cláusula explicita o interesse no modo ocidental
como alternativa mais viável para modernização do país e para adoção de políticas de
desenvolvimento capazes de satisfazer as necessidades modernistas da nação. (BARKER, 2001)

A dissolução do antigo regime de províncias deveria ser feita com a entrega dos títulos
dos daimyos ao governo central – o Império. Para tanto eles deveriam ser persuadidos tanto
61

diplomaticamente – através de acordos e concessão de benefícios no novo regime – quanto, se


necessário, militarmente. (BARKER, 2001)

As parcerias com os ocidentais deveriam funcionar nesse sentido, a fim de modernizar o


exército e conferir-lhe capacidade não apenas de obter legitimidade e força em relação ao
ambiente doméstico, mas também para reforçar o Japão diante dos estrangeiros. Todas as
províncias supracitadas já haviam sofrido derrotas em batalhas contra estrangeiros e seus líderes
tinham plena noção de que aquilo não poderia acontecer à nação japonesa. (BOLITHO in
WRAY; CONROY, 1983). Mesmo assim, os contingentes de Satsuma e Choshu serviriam para a
formação de uma base para o Exército Imperial.

A necessidade mais imediata da nova situação diplomática era o fortalecimento maciço


das defesas nacionais. Tal tarefa compreendia não apenas mudanças tecnológicas
extensivas, com a aquisição de modernos rifles, canhões e navios de guerra, mas também
a total reorganização do sistema militar para que essa nova tecnologia fosse usada com
os melhores resultados. (BOLITHO in WRAY; CONROY, 1983, p.61, tradução nossa)

Uma reforma financeira e fiscal também era importante. O Japão precisava de dinheiro
para financiar suas reformas e gerar um caixa para o governo que ficaria a cargo de oferecer
benefícios aos ex-daimyos e pagar os salários dos samurais e do exército. Para tanto, eles
tentariam buscar empréstimos internacionais para seus investimentos em infra-estrutura de
modernização e para administração das terras e dos custos das províncias. (BARKER, 2001)

A reforma econômica deveria se basear na reformulação do sistema de taxas e da


agricultura japonesa. O sistema Tokugawa deveria ser modificado de um sistema de pagamentos
em arroz – koku – para um sistema de pagamentos em dinheiro. As políticas de condução e
aplicação dessas taxas também deveriam ser reformuladas a fim de que os compromissos fossem
honrados e esse sistema fosse complementar à estrutura econômica do Japão.
62

As restrições baseadas em classes sociais deveriam ser abolidas também. Todas as


profissões deveriam estar disponíveis a todos os membros da sociedade, sem exceção. Além
disso, todas as restrições sociais deveriam ser cortadas, como as restrições de posse, casamento e
até mesmo as de vestimenta. O serviço militar deveria ser irrestrito, não compreendendo apenas a
classe dos samurais que deveria ser modificada ou dissolvida. (BARKER, 2001)

Por fim, tratados antigos com países estrangeiros deveriam ser revisados e novos
deveriam ser feitos para que a colaboração do conhecimento ocidental moderno fosse eficaz para
os projetos de restauração do país e para seu fortalecimento. A transferência de conhecimento
poderia ocorrer tanto através do envio de delegações japonesas para o exterior, para observar
países como Estados Unidos e Inglaterra, quanto via utilização da presença de embaixadores e
enviados estrangeiros no Japão para conferir consultoria nesse sentido.

3.3 A Restauração Meiji

Um dos primeiros atos concretos do novo regime foi a declaração oficial de retorno ao
antigo sistema monárquico conferindo poderes governamentais de volta ao Imperador. Com isso,
a legitimidade do Imperador e da Corte Imperial para a conduta do governo japonês estava
assegurada e, a partir dali, seria edificada e fortalecida. Em seguida, emergiria a questão dos
tratados internacionais. Essa discussão se dividia entre a opinião dos reformistas mais radicais,
que defendiam a revisão dos tratados negociados pelo Bakufu, e aquela dos que desejavam
menores indisposições com os estrangeiros, com o respeito aos prazos e às provisões dos tratados
até a assinatura de novos. (AKAMATSU, 1977)

O que se sucedeu foi uma constante discussão a respeito da entrega de poder por parte
do shogun. Até o início de 1867 o shogun não havia se entregado, e negociações foram feitas para
que isso ocorresse. Pessoas como Okubo Toshimichi e Saigo Takamori defendiam que o Bakufu
só se entregaria após uma maciça derrota de seus exércitos por parte do recém-formado Exército
63

Imperial que compreendia, primariamente, as forças de Satsuma e Choshu. Após a efetiva entrega
formal do shogun, os dois ainda defendiam que a legitimidade da ação só seria completa após sua
derrota em campo de batalha. (BARKER, 2001)

Tais avanços foram conquistas importantes para a instauração do novo governo, mas ele
ainda carecia de uma constituição. Para tanto, foram publicados os 5 artigos de juramento do
Imperador. Mas a versão final foi redigida após a apresentação de uma versão preliminar feita por
Yuri Kimimasa:

1 – Queremos que o povo, em cumprimento a sua voluntariedade, alcance seu pleno


florescimento;
2 – Que oficiais e plebeus, movidos por um mesmo ideal, participem ativamente do
governo;
3 – Que a obra imperial seja elevada em todo o Império, recorrendo aos conhecimentos
de todo o mundo;
4 – Que os representantes dos feudos elejam ao final aqueles mais prudentes que eles
mesmos;
5 – Que as medidas do governo sejam decididas em debates públicos e não em
discussões privadas. (AKAMATSU, 1977 p.223, tradução nossa)

Muito mais do que isso, à luz do juramento imperial, deveria ser edificado um sistema
imperial que contivesse não apenas uma constituição, mas também uma série de políticas
econômicas, educacionais e sociais que deveriam conduzir a governança sobre o povo japonês e
defender a unidade nacional. (IROKAWA, 1985). Tais políticas deveriam não só entrar em
profunda discussão, mas também serem exploradas e definidas pelo texto da constituição.

Nesse sentido, a Constituição do Império do Japão deveria conter as várias provisões a


fim reger todo o sistema de governo e contemplar as necessidades que as elites oligárquicas
diagnosticaram para o Japão. Em primeiro lugar, como fundamento primordial para a solidez do
regime, todos os poderes soberanos do Imperador deveriam ser listados e estabelecidos. A
soberania do Imperador deveria ser fortalecida e seu papel como governante definido e
assegurado diante do povo e das futuras instituições nacionais. Não poderia ser esquecida a
64

divindade do Imperador e a idéia de que sua linhagem sagrada havia sido mantida íntegra por
anos a fio.

Baseado nesse princípio, as instituições de governo deveriam ser definidas à luz dos
artigos pertinentes nos 5 pontos juramentais. Toda a gerência estatal deveria ser redefinida
baseada nos 5 artigos e na soberania do Imperador. As demais instituições, tais como as forças
militares, também deveriam defender tais princípios. O governo participativo era uma importante
máxima a ser explorada pelos constituintes.

Para a edificação do Exército Imperial era importante explorar as capacidades internas


das forças militares japonesas. Como já colocado, a força das tropas de Satsuma e Choshu foi
importante para o estabelecimento de um exército primário a serviço do Imperador. Contudo,
havia a latente necessidade de modernização das tropas para que elas pudessem se igualar às
forças Ocidentais. Por isso, a organização dessas tropas e seu poderio deveriam ser reavaliados. O
sistema organizacional deveria ser unificado para a marinha e para o exército, à luz de uma
intensa reconstrução de processos e estruturas. Em seguida deveriam ser definidas as formas de
interação do exército com a sociedade, como o serviço militar e seus recursos – aquisição,
treinamento e aplicação. (SUMIKAWA, 1999)

As opiniões tanto convergiam quanto divergiam a respeito do exército. Todos tinham


consciência de que as forças imperiais seriam fortes para se colocarem à altura do ocidente
apenas mediante modernização baseada nos princípios de organização, logística, serviço e
recursos ocidentais. Mas quanto à composição nuclear das tropas havia grandes divergências.
Uns defendiam que os samurais deveriam ocupar esse núcleo, sob o argumento de que eles eram
os mais capazes de conduzir as forças japonesas. Outros eram partidários de que os samurais
deveriam ser minoria sob o argumento de que eles em nada sublimavam os princípios ocidentais
de organização militar. (SUMIKAWA, 1999)
65

Em termos econômicos, o governo era o responsável pela fundação das políticas


econômicas para o desenvolvimento e modernização do Japão. Até esse período, o Japão baseava
sua economia fundamentalmente na agricultura de arroz e chá, e nas manufaturas de seda e
algodão. O sistema era semelhante ao feudal, os lavradores pagavam parte de suas produção aos
seus daimyos que revertiam parte dela ao governo. Esse sistema de taxas por produção – koku –
recebia novas abordagens por parte dos constituintes a partir do momento em que eles passaram a
defender a coleta das mesmas não por percentual produtivo, mas em dinheiro. Tal mudança
geraria as reservas necessárias ao governo para sua política de modernização econômica.
(BARKER, 2001)

A preocupação era com o desenvolvimento posterior de infra-estrutura social e


industrial para a modernização do Japão. Deveria haver recursos para investir em estruturas
industriais comuns ao ocidente, como ferrovias, rodovias, portos, comunicações, entre outras. A
busca por reservas monetárias na base agrícola japonesa deveria ser maciça e extremamente
rentável. Neste sentido, a observação de tratados comerciais internacionais a fim de explorar a
demanda estrangeira por bens japoneses como a seda e o chá passa a ser interessante. Além disso,
seria útil para essa nova estrutura industrial que os ganhos com essa latente exportação pudessem
ajudar na importação de bens de capital para industrialização do Japão. Outra questão importante
era a criação de um sistema para organizar tais finanças, o que faltava ao Japão naquele
momento. (SUMIKAWA, 1999)

A modernização, contudo, pressupunha a especialização da sociedade no modo de


produção ocidental. Para que a industrialização pudesse ocorrer, parece lógico a necessidade de
que as pessoas soubessem operar as máquinas e de fato produzir nas indústrias que seriam
instaladas. A importância de um novo sistema educacional estava profundamente ligada a essa
necessidade. Além disso, os ideais de unidade nacional poderiam ser facilmente defendidos
através do doutrinamento educacional.
66

Um sistema educacional no Japão deveria ser implantado e desenvolvido desde os


níveis mais primários até os níveis superiores para garantir que todas as gerações pudessem
participar da atual modernização. Isso possibilitaria que as mais velhas fossem se aprimorando e
garantindo que as mais novas pudessem manter o desenvolvimento do país no futuro. O estudo de
tecnologias e ciências era uma questão importante a ser abordada. A ênfase na educação, nesse
sentido, deveria se basear na descoberta e aprendizado sobre o ocidente, rechaçando os antigos
princípios do confucionismo, por exemplo, em favor dos princípios educacionais ocidentais.
(SUMIKAWA, 1999)

A Era Meiji trouxe grandes mudanças nos setores econômicos, sociais e políticos que se
tornaram a fundação do Japão moderno. Em primeiro lugar, a adoção de um sistema
constitucional com governo participativo. A base do tipo de governo que há hoje no
Japão foi fundado no período Meiji na tentativa de emular os poderes superiores
ocidentais. O Imperador se tornou a figura potente e eminente, da qual todos tinham
ciência. A monarquia foi um instrumento efetivo para a criação e a manutenção de uma
unidade nacional. Mais importante que isso, ela criou uma relação forte entre os
governos locais e o governo central, assim como entre o governo central e as pessoas
comuns.

Economicamente, o governo apoiava grandes negócios familiares – os zaibatsu – que


levaram ao desenvolvimento industrial e econômico do país. [...] As raízes do sistema
financeiro e bancário do Japão também podem ser traçadas nas reformas que ocorreram
no período Meiji. Socialmente, o Japão fez um salto monumental da sociedade feudal
para o Estado moderno industrial. [...] O Japão de Meiji também foi a raiz do sistema de
educação compulsória que vemos no Japão atual. O alto grau de educação das pessoas é
resultado do sistema educacional atual do país. [...] O projeto militar de Meiji, que era a
expansão para se igualar aos poderes Ocidentais, influenciou seu papel em ambas as
Guerras Mundiais. A Era Meiji foi a fundação do Japão moderno e pode ser concebida
como um primeiro passo da nação para seu objetivo de alcançar a modernização e o
status de superpotência num mundo dominado pelo Ocidente. (SUMIKAWA, 1999,
tradução nossa)

Durante a restauração Meiji, um grupo que defendia os direitos humanos emergiu na


tentativa de colocar em pauta suas reivindicações. Ele buscava defender os direitos dos cidadãos
através de preceitos a serem fixados na constituição a ser escrita. Para tanto, os constituintes
estabeleceram deveres como contraparte e discorreram a respeito dos direitos constitucionais e
legais dos cidadãos. Tais direitos procuravam compreender liberdades, privacidade, direitos nas
atividades produtivas e públicas no Japão, direitos de propriedade, entre vários outros.
67

O novo regime também deveria apresentar suas autoridades, em outras palavras, aqueles
que conduziriam os diversos assuntos de governo, como finanças, exército e outros; os
representantes que discutiriam as questões de governos nos fóruns a serem criados; e as provisões
para a Corte Imperial assim como para o seu soberano.
68

CAPÍTULO 4
NA CORTE IMPERIAL DO JAPÃO
A Simulação

Apresentamos neste capítulo a nossa simulação. Agora que vocês já conhecem o contexto
no qual o Japão estava inserido, passaremos para a exposição das particularidades da reunião que
será simulada. É muito importante que vocês estejam familiarizados com o texto deste capítulo,
pois ele será muito importante para as negociações e para a postura dos senhores no comitê.

Não se esqueçam de ler com muito cuidado o Guia de Regras. Trata-se de um guia
bastante particular em virtude da unicidade da cultura japonesa. Boa leitura!

4.1 – Descrição do Tema

Desde os primeiros anos de 1850, o regime do Bakufu entrava num processo de


decadência. As intenções de restaurar o poder político do Imperador estavam tomando forma
desde então. A Restauração Meiji foi um processo que durou do início de 1850 até seu ponto
culminante em 1889, com a promulgação da Constituição do Grande Império do Japão.

Durante o regime do Bakufu, o poder político no Japão estava centralizando no shogun.


Ele era tanto o líder político do país quanto o comandante chefe ou supremo general das forças
nacionais. Por isso, ele tinha o uso legítimo da força e legitimidade também para tomar decisões
em nome do país. Uma decisão importante do último shogunato – o Tokugawa – foi o
fechamento dos portos e das fronteiras do país aos estrangeiros.
69

Desde que o fechamento ocorreu, as potências ocidentais fizeram tentativas de estabelecer


relações com o Japão, todas sem sucesso e até mesmo repelidas pela força. O exército japonês,
conduzido pelo shogun, aproveitou de seu conhecimento em exploração naval para conter a
incursão de esquadras estrangeiras. Tal rejeição moveu as incursões de volta a seus países e
precedeu um período de longa inatividade nas costas do Japão.

Ainda sob influência do shogunato Tokugawa, o Japão recebeu, em 1853, a visita da


“Esquadra Negra”, comandada pelo Comodoro Norte-Americano, Matthew C. Perry. Tal
incursão foi vista como muito perigosa para repelir pela força a esquadra do Comodoro, muito
mais poderosa que as defesas japonesas. Então, acaloradas discussões se seguiram: alguns
daimyos, juntamente com o então Imperador Komei Osahito, defendiam que Perry deveria ser
expulso da terra sagrada do Japão; outros queriam ouvir o que ele tinha a dizer. Ainda naquele
tempo, a Restauração Meiji começou a trabalhar suas bases num grupo de pessoas que
influenciavam o Imperador, conhecido como a Oligarquia Meiji. Eles desejavam buscar o poder
que jazia nas mãos do shogun e entregá-lo ao Imperador.

Uma série de reuniões formais e informais ocorreu desde a assinatura do Tratado de


Kanagawa, incluindo reuniões que resultaram em tratados com outras potências além dos Estados
Unidos, como a Rússia e a França. Nesse ínterim, a Oligarquia planejava um golpe de estado para
a Restauração Meiji. Este comitê irá simular, em abril de 1867, as discussões entre a Oligarquia e
o shogun Tokugawa Yoshinobu na presença do Imperador Meiji Mutsuhito e de representantes
estrangeiros. A discussão versou nos termos práticos de reabertura do Japão, na reintegralização
do poder nas mãos do Imperador e na reestruturação completa do regime político do Japão.
70

4.2 – Tópicos de Discussão

Os tópicos de suma importância a serem discutidos e resolvidos na reunião que decidirá o


rumo da nova era japonesa são:

- Redação do Projeto da Constituição Meiji


- Novo sistema legal japonês,
- Renovação da gestão política do país,
- Renovação do sistema econômico, financeiro e tributário,
- Renovação do sistema militar japonês,
- Renovação do sistema de educação em todos os níveis,
- Desenvolvimento do setor industrial,
- Desenvolvimento de infra-estrutura industrial de comunicações e transporte,
- Criação dos direitos e deveres dos povos japoneses;

- O papel específico das cinco potências no novo Japão


- Intercâmbio tecnológico,
- Modernização do exército nacional,
- Renovação dos tratados, através da apresentação de novos,
- Renovação das relações comerciais.

Esta é a agenda básica que os senhores delegados deverão explorar durante as


negociações. É importante frisar que os senhores devem se fundamentar nas necessidades do país
e nas posições dos atores que serão descritas no próximo capítulo.
71

4.3 – Os Movimentos das Representações

A primeira questão a ser abordada nessa seção é o nível de representatividade de cada


representante presente na Corte Imperial do Japão. As representações respeitam uma dinâmica
muito particular no que tange seus interesses e seus objetivos com a discussão dos tópicos
supracitados.

Para os estrangeiros é necessário ressaltar o seguinte: os interesses dos países


representados devem ser bastante observados pelo fato de serem diplomatas a serviço do país de
origem. Eles ainda deverão apresentar novos tratados, já no primeiro dia de negociação, contendo
as novas definições de relacionamento que seus países desejam estabelecer com o novo governo
que poderá ser instaurado no Japão. As representações estrangeiras ainda poderão auxiliar os
japoneses nos tópicos que tangem o novo regime à luz do ideal de modernização sob bases
ocidentais.

Para os representantes das províncias é necessário observar o seguinte: eles estarão


representando duas posições importantes. A primeira é a posição geral da província como um
todo e à luz de seu respectivo senhor (daimyo). A influência, o poder, a necessidade de
participação no governo e as capabilities militares, comerciais e industriais de cada província
podem ser consideradas pelo representante. A segunda é a posição particular da pessoa
representada, uma vez que seu poder e sua representatividade podem transcender aos interesses
gerais de suas províncias de origem e influenciar suas preferências na negociação. Nesse caso,
fica a cargo do delegado definir qual posição ele observará primeiro, a individual ou a da
província. É importante deixar claro também que uma pessoa em particular pode não ser o único
a representar o domínio, tornando interessante haver coerência e harmonia entre os colegas de
província.
72

No caso do shogun e de Katsu Kaishu, eles deverão observar seus interesses particulares
na reunião como apresentados no capítulo 5 deste guia. As capabilities militares e os postos
ocupados pelos mesmos também poderão ser considerados nas negociações. Kaishu pode
considerar também sua qualidade de conselheiro de Yoshinobu.

A Corte Imperial também possui interesses definidos no capítulo 5 deste guia, o que lhes
confere possibilidade de atuar nos debates. Sanjo Sanetomi deverá considerar sua atuação de
modo semelhante aos representantes das províncias: observando os interesses da Corte e os
particulares.

A segunda questão a ser abordada tange as estratégias de negociação disponíveis. Além da


própria negociação retórica que ocorrerá durante todo o tempo na Corte, outras estratégias
poderão ser exploradas pelos delegados para diversos fins.

Em primeiro lugar podemos destacar o uso das tropas militares de cada província ou de
coalizões de províncias como estratégia de pressão e enfraquecimento. Cada província
representada possui um contingente de tropas terrestres e navais, cujo número é de conhecimento
apenas do daimyo. Para que as tropas da província sejam mobilizadas é necessário um despacho
assinado por todos os membros da província na Corte, endereçadas ao daimyo e contendo o plano
de ação bem como a justificativa.12 Tal plano será de conhecimento apenas da província e será
enviado através dos mensageiros da Corte.13

Outra estratégia é de utilização de shinobis. Os shinobis ou ninjas são mercenários


treinados para missões de alta periculosidade que envolvem espionagem e assassinatos. Nesse
caso, o representante em particular pode contratar um shinobi de sua província para executar uma
missão desse porte. As ordens expressas na carta de contratação deverão ser claras e objetivas,

12
Para maiores informações, vide Guia de Regras.
13
Os mensageiros não terão acesso ao conteúdo confidencial das cartas.
73

contendo, no caso de assassinato, o nome do alvo e, no caso de espionagem, o local a ser


explorado. Tal carta se insere na categoria de cartas às províncias.14 O contrato informal de
trabalho fica entre o representante e o shinobi contratado. Os mensageiros da Corte enviarão a
carta à casa shinobi da província.

Os alvos de missões de assassinato podem ser desde daimyos até pessoas representadas
na própria Corte Imperial. No caso de espionagem, pode-se espionar desde um castelo até as
cartas que são enviadas às províncias por parte dos representantes na Corte. Pode haver tanto
sucesso quanto falha nas missões.

Os duelos deverão ser observados de acordo com suas próprias definições descritas no
Guia de Regras.

Existem outros recursos que podem ser extraídos do Guia de Regras, mas fica a cargo dos
delegados identificarem quais são e utilizá-los no comitê.

Dito isto, seguimos ao capítulo 5, no qual daremos informações de grande importância


para as posições a serem defendidas e representadas no comitê.

14
Idem.
74

CAPÍTULO 5 15
OS NOMES DA RESTAURAÇÃO
Posição dos Representantes e Blocos

5.1 A Corte Imperial

A Corte Imperial do Japão havia perdido muito poder desde o primeiro Bakufu.
Em especial durante o governo de Tokugawa, o Imperador passou a ter uma
representatividade quase exclusivamente espiritual, deixando todas as decisões
de Estado nas mãos do shogun.

A situação mudou a partir da chegada do Comodoro Matthew Perry ao Japão. O império


não via oportunidade melhor para retomar seu poder senão na crise política que se instalou no
país naquele momento. A iniciativa do Bakufu de consulta popular foi uma janela para que o
império voltasse a atuar politicamente expressando sua opinião a respeito da situação. Nesse
sentido, o império – na figura do Imperador Komei – posicionou-se totalmente contrário à
abertura promovida pelo shogun alegando ainda que era dever do mesmo expulsar os bárbaros do
solo sagrado japonês.

O governo de Komei ainda foi mais longe e estabeleceu que nenhuma decisão de política
externa deveria ser adotada pelo Bakufu sem aprovação do império, mas tal determinação foi
ignorada pelo shogun, o que despertou a fúria dos príncipes e da Corte. Esses mesmos príncipes

15
Todas as informações deste capítulo foram compiladas a partir de informações contidas nos websites listados nas
referências bibliográficas do Guia, no Apêndice do livro de Paul Akamatsu e mescladas no texto dos vários autores
consultados. A grande maioria das informações foi encontrada em meio ao texto corrente dos autores.
75

começaram então a conspirar contra o governo shogunal e encontraram grande apoio nas
províncias do sul – Satsuma e Choshu em especial. O espírito de reforma foi introduzido no
império e grandes movimentos nesse sentido começaram a se formar.

O Príncipe Iwakura Tomomi então assumiu a direção de tais projetos de restauração


dentro da Corte. Ele fazia parte do grupo mais moderado que defendia a restauração em partes
planejadas cuidadosamente ao invés de algo mais radical, notadamente através da força, como
queriam os rebeldes de Choshu.

Quando o Imperador Komei faleceu, veio a grande chance do império. Naquele momento
o shogunato estava bastante desestabilizado e houve um hiato de tempo até que Yoshinobu
assumisse o posto de shogun. Nesse hiato, Tomomi – com apoio dos revolucionários de Satsuma,
Choshu, Tosa e Hizen – ergueu o filho de Komei, Meiji Mutsuhito, ao posto de Imperador do
Japão ainda com 14 anos de idade. A partir deste momento foi dado o pontapé inicial para a
Restauração Meiji.

Meiji Mutsuhito -
Imperador do Japão
14 anos

Nasceu no dia 03 de novembro de 1852; filho do Imperador Komei Osahito. Mutsuhito


passou grande parte de sua infância na residência Nakayama em Kyoto, onde recebeu educação e
foi criado em meio aos nobres da Corte.

Ele foi posteriormente adotado por Asako Nyogo, a principal consorte do Imperador
Komei, e logo recebeu importantes títulos de nobreza como Shinno – Príncipe Imperial – e
também Kotaishi – Príncipe da Coroa –, o que o qualificava como potencial sucessor ao trono.
Aos quatorze anos de idade ele assumiu o trono do Império do Japão, sendo legitimado pelo
Príncipe Iwakura Tomomi que se tornou seu principal conselheiro.
76

Em virtude de sua juventude, Mutsuhito foi um líder simbólico durante o início da


restauração; contudo, sua vivência com líderes brilhantes e pessoas de visão e talento fez com
que ele se tornasse um importante líder para o Japão. Ele foi muito influenciado pelas idéias de
Tomomi a respeito da restauração e apoiou os líderes em seu trabalho.

Iwakura Tomomi -
Príncipe da Corte Imperial e Primeiro Conselheiro de Meiji Mutsuhito
42 anos

Nasceu em 26 de outubro de 1825 em Kyoto; filho de um nobre da Corte Imperial,


Horisawa Yasuchika. Em 1836, ele foi adotado por Iwakura Tomyasu e educado pelo kampaku
Takatsukata, chegando a escrever uma opinião sobre a reforma da Corte. Mais tarde se tornou um
alto oficial da Corte de Komei.

Durante o período de chegada do Comodoro Perry, Iwakura foi um dos nobres da Corte
que se opôs à abertura do Japão para os estrangeiros; quando o Bakufu foi até Kyoto buscar apoio,
Tomomi mobilizou um grupo de nobres para travar as negociações e fazer com que o shogun e o
Imperador não chegassem a nenhum acordo. Quando Ii Naosuke faleceu, emergiu o movimento
da Kobu Gattai. Tomomi se simpatizou com a idéia e passou a defender a aliança entre a Corte
Imperial e o Bakufu, contudo, naquele momento, a Corte foi tomada por pessoas e nobres que
apoiavam o movimento da Sonno-Joi e Tomomi foi perseguido, sendo forçado a se exilar no norte
de Kyoto.

Tomomi estabeleceu importantes contatos com os líderes de Satsuma no exílio,


conseguindo fortes aliados lá. Entre eles estavam Saigo Takamori e Okubo Toshimichi. Em 1866,
ele tentou unir os daimyos para que o Império tomasse o poder após a morte de Iemochi, mas ele
falhou tendo sua conspiração revelada. Quando o Imperador Komei faleceu, surgiram rumores de
que Tomomi o havia envenenado, mas esses rumores desapareceram em pouco tempo. Mais
77

tarde, juntamente com Takamori e Toshimichi, ele assumiu a Corte Imperial, colocando
Mutsuhito no trono e iniciando assim a Restauração Meiji.

Tomomi defendia que o Japão precisava de uma nova forma de governo que deveria fazer
uso das forças políticas do país. Ele ainda acreditava na reforma do país em bases ocidentais.

Sanjo Sanetomi -
Conselheiro Imperial
30 anos

Nasceu em 13 de março de 1837 em Kyoto; filho de Naidaijin Sanjo Sanetsumu. Nobre da


Corte Imperial, foi aliado de Iwakura Tomomi em suas políticas de restauração. Contudo,
Sanetomi era um defensor da Sonno-Joi e permaneceu no governo quando Tomomi foi ao exílio.

Sanetomi então fomentou o espírito de restauração, em especial com relações importantes


com as lideranças de Choshu. Ele defendia o novo sistema de governo assim como Tomomi, com
quem ele dirigiu os oligarcas da restauração em suas reformas.

5.2 O Bakufu

O Shogunato Tokugawa, como já dito anteriormente, estava em profundo


declínio. O sistema de governo instaurado pelo Bakufu gerava grandes
insatisfações no povo e o governo já sentia seus efeitos. Quando os Estados
Unidos chegaram ao Japão, o shogun, na sua dúvida sobre o que fazer, consultou
os daimyos e abriu um precedente político para uma fragmentação fatal de seu poder e para a
fúria do Imperador.
78

Nesse período, o Bakufu assinou uma série de tratados com os estrangeiros encerrando o
período de reclusão e iniciando um processo de emergência de grupos insatisfeitos com o
governo e de ideais de instauração de um novo regime. Contudo, o shogunato ainda era bastante
poderoso nessa época; possuía o controle do exército nacional, e a marinha do Bakufu,
comandada por Katsu Kaishu, era uma das mais modernas do país.

O Bakufu ainda tinha plena ciência da iminente derrocada de seu poder, e pelo fato de
terem o maior contato com os ocidentais, não havia ninguém melhor que eles para reconhecer a
necessidade de modernização e melhoria do país. Para tanto, o Bakufu desenvolveu planos para o
desenvolvimento do Japão já desde 1840. O primeiro foi um movimento que objetivava uma
reforma a fim de coordenar uma resposta à ameaça estrangeira que se configurava. A maioria dos
oficiais do Bakufu acreditava que o Japão precisava se fortalecer para competir com as forças
estrangeiras e assim as reformas deveriam alcançar outros aspectos como as relações com os
daimyos. Essas reformas foram personificadas por Ii Naosuke e chamadas de Reformas Tempo.
(BOLITHO in WRAY; CONROY, p.61, 1983)

Um segundo plano emergiu, em virtude da falha do primeiro e das crescentes ondas de


apoio ao Imperador. Tal movimento foi a Kobu Gattai que pregava a reconciliação entre o
Imperador e o shogun. O shogunato investiu nesse plano, mas os movimentos que desejavam sua
derrubada foram crescendo e criou-se a Sonno-Joi que derrubou todas as pretensões da Kobu
Gattai.

Na figura de Katsu Kaishu, o Bakufu adotou políticas diferentes. Ainda mantinha um


ideário baseado na Kobu Gattai, mas Kaishu defendeu uma forte modernização do exército do
Bakufu. Além disso, os Tokugawa agiram várias vezes de forma a conter os desenvolvimentos
das províncias, em especial de Choshu, a fim de enfraquecer os laços entre elas para que o
movimento da Sonno-Joi perdesse força e voltasse a dar lugar à Kobu Gattai. Quando
Hitotsubashi Keiki foi indicado como o 15° shogun e assumiu o nome de Tokugawa Keiki ou
79

Yoshinobu, ele mesmo lançou campanhas de reforma e conciliação para melhoria do Japão, além
do intuito de evitar uma guerra civil de maiores proporções. Mas suas tropas de terra foram
derrotadas pelas forças de Choshu levando Yoshinobu a uma política mais moderada de
conciliação.

Tokugawa Yoshinobu -
Shogun
29 anos

Nasceu em 28 de outubro de 1837 na província de Mito; filho de Tokugawa Ibaraki, o


daimyo. Mesmo assim, de acordo com a tradição, ele era inferior às três casas de Tokugawa que
eram elegíveis para o cargo de shogun. Foi batizado com o nome de Tokugawa Shichiroma e foi
educado sob tutela e supervisão estritas dos homens que educaram seu pai. Ele recebeu
ensinamentos de artes, kenjutsu, artes marciais, política e questões de governo; por isso ele cedo
se revelou um líder promissor e brilhante.

Mais tarde ele foi adotado pela família Hitotsubashi a fim de possuir mais chances de
assumir o shogunato no futuro. Durante o reinado de Tokugawa Iemochi, seu predecessor, o
governo passou por momentos de muita instabilidade aliada à incompetência de seus
administradores. Quando Ii Naosuke foi assassinado, Yoshinobu foi indicado para ser o líder do
conselho dos Roju – os homens que administravam o Bakufu – e assumiu em 1862. Yoshinobu
então mostrou sua habilidade e liderança ao iniciar políticas para contensão de rebeliões, alianças
para conter os rebeldes em Choshu e assinatura de tratados com os estrangeiros. Em 1864, as
forças do Bakufu, comandadas por Yoshinobu, derrotaram as forças de Choshu em seu assalto a
Kyoto.

Em 1866, Iomochi adoeceu e veio a falecer; Yoshinobu foi indicado o próximo shogun
por ser considerado o único com talento e habilidade para salvar o Bakufu, tornando-se, portanto
80

o 15° shogun do Japão. Assim que assumiu, Yoshinobu lançou reformas para tentar salvar o
governo.

Yoshinobu procurou fortalecer a Kobu Gattai e iniciou negociações com a Corte Imperial
para reestruturação dos governos. Ele também buscou apoio com os franceses que enviaram uma
missão militar para modernização das forças do shogunato, em especial a marinha – com a ajuda
do Capitão Jules Brunet.

Yoshinobu tem o controle das poderosas forças militares nacionais do Japão e apoio de
todas as províncias do norte aliadas a Mito. Ele defende a Kobu Gattai e quer manter seu posto de
importância no governo japonês.

Katsu Kaishu -
Comissário da Marinha Shogunal Japonesa
44 anos

Nasceu em janeiro de 1823 em Edo; filho de um samurai pobre. Logo cedo ele foi inscrito
numa escola de kenjutsu onde estudou a arte dos samurais. Mais tarde, seu mestre de espada o
incentivou fortemente a abandonar o estudo do kenjutsu e investir nos estudos do militarismo
ocidental e da língua holandesa.

Ele se tornou mais tarde um comissário da marinha japonesa e começou a trabalhar para o
Bakufu. Quando Perry chegou ao Japão ele alegou que eles não poderiam conter a ameaça e que
Perry entraria facilmente no país. Em seguida, ele demandou que o shogunato iniciasse um
processo de recrutamento imediato de pessoal para trabalhar na marinha, desafiando a antiga
tradição de serviço militar exclusivo aos samurais para admitir pessoas comuns na marinha.
Katsu ainda fez com que o shogunato revogasse a lei que proibia a construção de navios de
81

guerra nos moldes europeus e que fosse iniciada a construção de canhões e rifles para reformar o
exército aos moldes ocidentais.

O reconhecimento às idéias de Katsu veio quando o Shogunato adotou todas as suas


sugestões. Em 1855, ele foi para Nagasaki estudar na academia naval em Dejima onde
permaneceu por dois anos e meio estudando. Mais tarde ele assumiu o comando do primeiro
navio de guerra a vapor do Japão, o Kanko Manru. Ele conduziu o navio na primeira viagem
internacional promovida pelo shogunato Tokugawa. Kaishu foi até os Estados Unidos onde
ratificou o primeiro tratado com o país na capital Washington. Ele permaneceu nos EUA por
mais dois meses onde ficou observando a sociedade norte-americana e aprendendo sobre suas
organizações, seu modo de vida, suas relações sociais.

Em 1863, ele foi condecorado como vice-comissário da marinha de Tokugawa e


estabeleceu uma academia naval em Kobe onde ensinou Sakamoto Ryoma e o adotou como braço
direito. Katsu então foi promovido ao posto de Comissário e recebeu o título de Protetor da
Província de Awa – Awa-no-Kami. Em 1864, Katsu foi retirado do seu posto e preso pelo novo
regime Tokugawa, regime conservador e que via suas ações como revolucionárias demais. Sua
academia foi fechada e seu salário reduzido.

Em 1866, as forças do Bakufu sofreram uma série de derrotas militares no interior do


Japão e Katsu foi reintegrado ao cargo quando Yoshinobu assumiu o shogunato. Contudo, as
relações entre os dois não eram muito amigáveis. Em 1866, ele foi enviado a Choshu para
negociar com os rebeldes; voltou vivo, mas sem acordo.

Katsu Kaishu era um ferrenho defensor de varias políticas da Restauração – em especial a


de modernização do exército. Ele ainda defendia a Kobu Gattai e tinha bons laços com o Capitão
Jules Brunet.
82

5.3 As Províncias

Satsuma -

A província de Satsuma é uma das mais antigas e tradicionais do sul do Japão.


Após a abolição do sistema de províncias ela passou a compreender apenas a Prefeitura de
Kagoshima. Satsuma foi uma das principais províncias da campanha de restauração do Império e
da oposição do shogun. A província fazia parte do grupo de daimyos que foram derrotados na
batalha de Sekigahara e se uniram alguns anos mais tarde aos obedientes ao shogunato
Tokugawa.

A partir da desestabilização do shogunato em meados de 1850, Satsuma iniciou um


processo de fortalecimento interno que geraria suas bases para a grande influência que teve na
Restauração. A chegada de estrangeiros no país foi culminante para tanto. Na década de 1860,
Satsuma foi uma das províncias mentoras da aliança feudal que ocorreu entre os mais importantes
domínios do sudoeste do Japão – Satcho-Dohi.

Satsuma era o domínio mais poderoso de Kyushu, não compartilhava de tantos interesses
intelectuais como Tosa e Choshu, contudo, passou por um enorme período de meio século de
desenvolvimento econômico. Satsuma havia se inserido no sistema comercial com sucesso, o que
possibilitou que a província acumulasse capital e tivesse grande familiaridade com as relações
internacionais. No período final do bakumatsu, a província havia se desenvolvido militarmente
através do contato com os estrangeiros. Os oficiais militares, apoiados pelo Lorde Shimazu,
fizeram acordos com estrangeiros – especialmente os britânicos – para troca de mercadorias,
compra de equipamento bélico, consultoria militar e intercâmbio estudantil.
83

Muitos dos líderes de Satsuma que iniciaram as alianças para a restauração faziam parte
de uma ideologia de lealdade ao Imperador e ainda haviam tomado partido, em algum momento,
dos movimentos da Sonno-Joi. Eles foram os primeiros da coalizão dos feudos do sudoeste que
alcançaram a Corte Imperial, estabelecendo fortes laços com os nobres de lá e influenciando suas
políticas à medida em que iam fortalecendo o governo imperial.

Okubo Toshimichi -
Samurai
36 anos

Nascido em 26 de setembro de 1830; Toshimichi era filho do nobre Okubo Juemon; que
possuía baixa nobreza diante do senhor de Satsuma, Shimazu Nariakira. Toshimichi foi colega de
Saigo Takamori na escola local de Kagoshima. Em 1858, o Lorde Shimazu promoveu Toshimichi
a administrador de tributos da província fazendo-o se aproximar dos líderes de Satsuma. Quando
da morte do Nariakira, ele assumiu a empreitada para derrubada do shogun, iniciada pela nobreza
de Satsuma.

Toshimichi era inicialmente favorável à Kobu Gattai, ou seja, à reconciliação entre o


shogun e a Corte Imperial. Mais tarde, diante da derrocada do movimento, aliou-se ao movimento
da Sonno-Joi, ou seja, à derrubada do shogun, centralização do poder nas mãos do Imperador e
expulsão dos bárbaros. Em 1866, ele fundou a Aliança Satcho-Dohi para derrubada do Shogun
juntamente com Saigo Takamori e Kido Koin de Choshu. Mais tarde aliou-se ao Príncipe
Iwakura Tomomi.

Toshimichi era muito talentoso com finanças e sabia muito bem trabalhar com taxas e
tributos. Ele era bastante favorável a reformas nos sistemas de tributação e na concentração do
poder militar nas mãos do Imperador – em detrimento da classe samurai, da qual ele queria retirar
84

poder. Era ainda partidário da instalação de escolas técnicas, empréstimos à iniciativa privada e
subsídios governamentais para indústrias.

Mesmo sendo partidário do Sonno-Joi, mais tarde Toshimichi foi defensor da


indiscriminação dos estrangeiros, inclinando-se à idéia de Tomomi de formar uma delegação
japonesa para uma viagem ao mundo. Okubo Toshimichi é um dos mais influentes líderes da
Restauração Meiji. Tornou-se um homem muito poderoso e reconhecido por seus esforços na
modernização do Japão.

Terashima Munenori -
Diplomata
35 anos

Nasceu em 21 de junho de 1832, em uma família samurai da província de Satsuma.


Munenori era bastante próximo do Lorde Shimazu Nariakira em virtude de ter sido seu médico.
Mas seus talentos foram reconhecidos pelo Bakufu, sendo selecionado para integrar o grupo de
estudantes enviados para a Universidade de Londres. Familiarizou-se com a cultura ocidental em
suas viagens pela Europa, quando conheceu a França, os Países-Baixos, a Bélgica, a Rússia e
Portugal. Regressou ao Japão em 1863.

Por seu conhecimento das línguas ocidentais, fruto de seus estudos na Europa, ele foi
reconhecido como diplomata Japonês e negociou tratados com a Rússia e com os Estados Unidos.
O governo Meiji o adotou como San’yo ou Conselheiro Júnior. Munenori foi decisivo nas
discussões com os estrangeiros.

Godai Tomoatsu -
Cientista e Tecnólogo Naval
31 anos
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Nasceu em 1836 na província de Satsuma, e foi mais um dos selecionados pelo Bakufu
para estudar em Londres. Freqüentou a escola de Ciência e Tecnologia Naval em Nagasaki e
defendeu Satsuma num conflito contra a Grã-Bretanha.

Durante o Bakumatsu, Tomoatsu foi decisivo para o fortalecimento da província de


Satsuma em sua empreitada para derrubar o shogun. Tomoatsu foi à França em missão de
estabelecer uma parceria entre a província de Satsuma e o país. A idéia era de trocar os grandes
recursos naturais advindos da província por armas e bens manufaturados vindos da Europa. Foi
criada, então, uma Companhia de Comércio entre a França e Satsuma. Os franceses investiram na
instalação de uma fábrica de navios a vapor e uma indústria têxtil na província de Satsuma, além
de receber estudantes da província em suas Universidades. No início de 1867, Godai estava em
pleno processo de negociação com o governo francês para compra dos mais modernos navios de
guerra para as forças armadas da província.

Seu conhecimento das línguas ocidentais foi de grande importância para os líderes da
Restauração Meiji, que o indicaram como san’yo assim como Munenori. Ele foi responsável pela
resolução de uma série de incidentes envolvendo representantes estrangeiros e samurais
xenófobos e continuou a atuar nesse sentido. Muito talentoso para negócios, Tomoatsu sempre foi
partidário do comércio e dos investimentos bi e multilaterais.

Kuroda Kiyotaka -
Samurai
27 anos

Nasceu em 16 de outubro de 1840 em Kagoshima, capital da província de Satsuma.


Membro de uma tradicional família de samurais, não tardou para que se tornasse samurai e servo
direto do Lorde Shimazu.
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Em 1862, ele participou do Incidente de Nanamugi, onde nobres da corte de Shimazu


assassinaram um cidadão Britânico que recusou prestar respeito aos nobres durante uma
audiência. Tal incidente resultou no conflito entre a Grã-Bretanha e a província de Satsuma, no
qual Kiyotaka também esteve presente. Após a guerra ele foi enviado para Edo onde estudou tiro.

Durante o Bakumatsu ele foi membro ativo da Aliança Satcho-Dohi que buscava a
deposição do shogun. Seus talentos militares e sua capacidade diplomática eram observados com
interesse pela Corte Imperial.

Matsukata Masayoshi -
Burocrata
32 anos

Nasceu em 25 de fevereiro de 1835, em uma família de samurais em Kagoshima.


Estudioso do confucionismo, sempre aprendeu os preceitos de lealdade ao Imperador. Trabalhou
como burocrata na província de Satsuma e, em 1866, foi enviado para Nagasaki, onde estudou
ciência, matemática e métodos de pesquisa nas tradições ocidentais.

Durante o processo de negociação da Restauração Meiji, Masayoshi trabalhou como


mediador entre a província de Satsuma e o palácio Imperial em Kyoto. Sempre muito próximo a
Saigo Takamori e Okubo Toshimichi, Masayoshi era defensor de um novo sistema de tributos.
Era muito talentoso com finanças e defendia maiores negociações a respeito dos tratados
bilaterais.

Saigo Takamori -
Samurai
39 anos
87

Nasceu em 1828 na província de Satsuma. Era um samurai forte e influente, oficial das
forças do Lorde Shimazu. Saigo iniciou sua carreira servindo como oficial baixo da província de
Satsuma.

Em 1854, ele foi escalado para acompanhar o Lorde Shimazu Nariakira em uma viagem
até Edo onde pretendiam promover o estreitamento de laços entre a Corte Imperial e o Bakufu,
mas não obtiveram muito sucesso. O Bakufu repeliu as tentativas, e Saigo fugiu de volta a
Satsuma após a morte repentina do Lorde Shimazu.

Em 1864, Saigo foi enviado a Kyoto pelo novo Lorde Shimazu Hisamitsu a fim de assumir
a direção dos interesses de Satsuma diante da Corte Imperial. Lá, ele assumiu o exército do
domínio. Ele conduziu negociações secretas com os líderes de Choshu juntamente com Okubo
Toshimichi, resultando na aliança Satcho-Dohi. Ele foi um dos líderes das tropas de Satsuma que
ajudaram as forças de Choshu contra a investida do Bakufu, antes da chegada de Tokugawa
Yoshinobu.

Saigo era um samurai fervoroso e altamente defensor de sua classe. Ele foi um dos
grandes agitadores da política contrária a uma solução negociada com o shogun Tokugawa
Yoshinobu. Ele defendia que todos os domínios dos Tokugawa fossem retirados dos mesmos e
seu status fosse dissolvido totalmente. Além disso, Saigo não se sentia muito confortável com a
abertura comercial do Japão e com sua modernização. Ele era totalmente contrário à construção
do sistema de ferrovias, alegando que o dinheiro seria melhor gasto com a modernização do
exército apenas.

Militar ativo, ele foi fundamental na discussão do novo sistema de exército do Japão e na
abolição do sistema de províncias.
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Choshu -
A província de Choshu é um grande domínio também do sudoeste do Japão.
Atualmente, compreende a prefeitura de Yamaguchi.

No período do Sengoku, o grande senhor Mori Motonoari estendeu os domínios de


Choshu por toda a região de Chugoku compreendendo cerca de 1.200.000 koku em terras. Mais
tarde, seu sucessor Mori Terumoto aliou-se a Toyotomi Hideyoshi. Após a derrota dos aliados a
Hideyoshi, os Mori tiveram seus domínios reduzidos a 329.000 koku apenas. Desde então, a
província de Choshu foi uma grande defensora de movimentos anti-Tokugawa.

Contudo, esse sentimento anti-Tokugawa não foi suficiente para fomentar uma grande
lealdade ao Imperador. Isso ocorreu em virtude dos laços de hereditariedade que havia na guarda
Imperial; os filhos de samurais de Choshu que eram enviados para servir a Corte Imperial eram
incentivados a estudar e se converter aos princípios de lealdade ao Imperador.

Choshu foi o berço dos samurais mais radicais do período de oposição ao Shogunato.
Durante esse período, teve vários atritos com a província de Satsuma em virtude da emergência
de movimentos conservadores nesta. Eles tinham muitas preocupações com a ameaça externa que
se configurava no momento, e acreditavam, mais que ninguém, que o Japão precisava se
fortalecer para expulsar os bárbaros.

As lideranças radicais de Choshu tentaram uma investida contra as lideranças moderadas


de Satsuma que haviam estacionado na Corte Imperial em 1863, mas foram derrotadas. Mais
tarde, assim como Satsuma, Choshu iniciou um processo de modernização do seu exército,
aproveitando a brecha deixada pelo instável Bakufu. Apesar dos grupos extremistas na região,
novos líderes assumiram o poder e iniciaram a difusão de políticas mais moderadas, até, enfim,
movimentarem a aliança Satcho-Dohi juntamente com os líderes de Satsuma.
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A aliança que começou entre Satsuma e Choshu foi um pontapé inicial para o grande
movimento revolucionário que se configurava na época, e a pronunciada força das duas
províncias e de seus aliados, assim como a participação que Choshu assumiu nas políticas da
Corte Imperial, foram fundamentais para a instauração do novo regime.

Takasugi Shinsaku -
Samurai
28 anos

Nasceu em 12 de setembro de 1839 na cidade Hagi, capital da província de Choshu. Era


filho de um samurai de classe média. Acabou se tornando um guerreiro de renome ao ter
estudado em Shoka Sonjuku, uma famosa escola da região.

Shinsaku dedicou sua vida em favor da modernização do exército de Choshu e se tornou


estudante favorito do senhor de Shoka Sonjuku, Yoshida Shoin. Em 1858, foi estudar na escola
militar do shogun em Edo, mas foi chamado de volta em 1859 pelos líderes do clã de Choshu.
Era forte partidário das políticas de reclusão do Japão e expulsão dos estrangeiros. Em 1864,
Shinsaku foi enviado para Xangai na China a fim de investigar a expansão das forças européias
que já operavam no país vizinho. Tal visita fortaleceu suas idéias de modernização e
fortalecimento do Japão com o objetivo de evitar que o país fosse colonizado pelas forças
ocidentais. Tal sentimento teve suporte nos movimentos que se formavam na época, em especial
o Sonno-Joi, e logo as idéias de Shinsaku receberam apoio na província de Choshu.

Suas idéias de melhoria das forças armadas tomaram corpo, e ele revolucionou o sistema
militar japonês antes de 1867 ao imprimir suas idéia nas forças de Choshu. Até 1863 ele iniciou
um sistema de recrutamento militar que incluía não apenas os samurais, mas também admitia
outras classes sociais como unidades paramilitares. Shinsaku acreditava que as riquezas
acumuladas pelas classes mercantes e pelos fazendeiros poderiam melhorar as receitas dos
90

militares e ajudar na estruturação do exército. Em 1863, ele já possuía uma força de cerca de 300
soldados, cuja metade era de samurais, mas, devido a sua pregação pública em favor da Sonno-
Joi, ele foi preso pelo Bakufu.

Em 1864, ele se aliou a Yamagata Aritomo, Ito Hirobumi e Inoue Kaoru numa empreitada
militar para diminuir a influência das classes mais conservadoras sobre as políticas de Choshu.
Sendo um militar brilhante, ele fortaleceu as tropas de Choshu, após a vitória sobre os
conservadores, a níveis quase desproporcionais e projetou Choshu no cenário da Restauração
Meiji após derrotar tropas de Tokugawa em 1866. Sua habilidade militar foi decisiva para a
Restauração Meiji.

Kido Takayoshi (Kido Koin) -


Samurai
34 anos

Nasceu em 11 de agosto de 1833, filho do médico de Choshu. Assim como Shinsaku,


Kido foi estudante da academia de Yoshida Shoin, onde também adquiriu a filosofia de lealdade
ao Imperador. Em 1852, foi estudar kenjutsu em Edo, onde fez alianças com samurais radicais em
Mito e aprendeu técnicas de artilharia com Egawa Torozaemon. Foi supervisor da construção dos
primeiros navios ocidentais de guerra de sua província.

Durante sua estada em Edo, Kido atuou como mediador entre os senhores de Choshu e as
milícias radicais de samurais que eram partidários da Sonno-Joi. Foi transferido para Kyoto em
1858 quando viu as tropas de Choshu serem expulsas da cidade pelas forças de Satsuma e foi
forçado a se esconder durante a nova tentativa em 1864.
91

Mais tarde se aliou com Takasugi Shinsaku na condução da política de Choshu e se aliou
com Saigo Takamori e Okubo Toshimichi na Aliança Satcho-Dohi para a derrubada do shogun.

Forte defensor de um governo constitucional, sempre atuou de forma um tanto


controversa diante das idéias de Choshu em favor de um fim melhor para o país como um todo.
Tornou-se partidário das idéias de Iwakura Tomomi, que também atuava com Takamori e
Toshimichi.

Omura Masujiro -
Expert Militar (Samurai)
43 anos

Nasceu em 30 de maio de 1824, na província de Suo que estava sob os domínios de


Choshu. Durante os anos de 1850 foi estudar técnicas militares ocidentais; em 1853, foi recrutado
pelo domínio de Uwajima como instrutor militar e a partir de 1857 foi professor da academia
militar do shogun em Edo.

Em 1862, ele foi chamado de volta a Choshu para ensinar na academia militar do exército
de lá, a fim de desenvolvê-lo. Sua reputação como estrategista foi reconhecida quando as tropas
de Choshu venceram as de Tokugawa em 1866 e ele se uniu às campanhas para derrubada do
shogun.

Masujiro foi precursor do exército Imperial e era defensor das medidas que acabavam
com o papel dos samurais no Japão e diminuíam seu poder.

Ito Hirobumi -
Samurai
26 anos
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Nasceu em 16 de outubro de 1841, adotado por uma família de samurais de classe mais
baixa. Estudou na escola de Yoshida Shoin, juntamente com Kido Koin e Takasugi Shinsaku.
Trabalhou junto com Kido Koin em favor do movimento Sonno-Joi.

Hirobumi foi mais um dos estudantes selecionados pelo Bakufu a integrar o grupo que foi
estudar na Grã-Bretanha, e a visão que teve do ocidente foi suficiente para que ele fosse
convencido de que o Japão deveria adotar o estilo ocidental de todas as formas possíveis para
modernizar o país e fortalecê-lo.

Hirobumi era, portanto, defensor do ocidentalismo no Japão. Ele defendia reformas nesse
sentido que perpassavam desde o sistema financeiro do país até a forma de sua constituição e, em
especial, sua forma de governo. Foi o precursor do sistema de parlamento no Japão e sempre foi
fiel ao Imperador.

Inoue Kaoru -
Samurai
31 anos

Nasceu em 16 de janeiro de 1836, em uma família de samurais de baixa classe em


Choshu. Freqüentou a escola Han e foi amigo de infância de Ito Hirobumi. Junto com seu amigo,
Kaoru participou do movimento Sonno-Joi em Choshu e foi líder de um movimento anti-
estrangeiros que se formou na província, sendo um dos responsáveis por um incidente com a
delegação Britânica juntamente com Takasugi Shinsaku.

Kaoru foi um dos enviados para estudar em Londres pelo bakufu e retornou
compartilhando o mesmo sentimento de que o Japão precisava adotar os métodos ocidentais.
Inoue Kaoru mais tarde se uniu à Aliança Satcho-Dohi contra o Bakufu.
93

Kaoru é mais um dos que defendiam uma nova sistematização de tributos e uma forte
industrialização do Japão. Ele também atuava como defensor de harmonização de tratados
bilaterais e de bons relacionamentos com os estrangeiros para aproveitar suas capacidades para
modernizar o país, contudo ainda retinha seus princípios expressos pelo Sonno-Joi.

Yamagata Aritomo -
Samurai
29 anos

Nasceu em 14 de junho de 1838, em uma família de samurais em Hagi, na província de


Choshu. Estudou na mesma escola que a maioria das grandes figuras de Choshu estudaram, a
Shoka Sonjuku. Durante esse período, Aritomo se concentrou nos esforços de gerar um
movimento para deposição do Shogunato. Assim, ele comandou Kihei-tai, uma força paramilitar,
criada com base em métodos ocidentais, que atuou em exercícios militares para a retirada do
Shogun.

Um grande conhecedor de sistemas militares ocidentais e ainda um experiente


comandante, ele defendia a idéia de modernização do exército japonês nos padrões ocidentais e
se apresentou como um dos mais brilhantes militares da Restauração Meiji e um promissor líder
para o Exército Imperial.

Hirosawa Saneomi -
Samurai
34 anos

Nasceu em 1833, em Yamaguchi; membro do clã Hagi. Filho de uma família de samurais,
tornou-se um e, a partir de 1859, tornou-se membro dos administradores do clã. Era defensor da
política de restauração do poder imperial e de expulsão dos estrangeiros, promovendo, com os
demais, o movimento contra o shogunato.
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Defensor fervoroso da derrubada do Bakufu, defendeu o movimento durante os anos 1866


e 1867. Durante esse período ele foi figura central da administração do clã e foi figura
fundamental nas negociações com Katsu Kaishu em meio aos conflitos entre Choshu e o Bakufu.
Saneomi foi uma figura política importante para a reapresentação dos interesses de Choshu, em
especial nas negociações com Satsuma.

Tosa -
A província de Tosa foi uma das mais importantes do período da Restauração,
juntamente com Satsuma e Choshu. Ela fazia parte da aliança de províncias que
defendia a derrubada do shogun e a restauração do governo Imperial. Tosa era
dirigida pelo clã Chokosabe e ocupa a maior parte da ilha de Shikoku.

Mesmo estando isolada em Shikoku, Tosa se desenvolveu bem através de exportações de


minerais e madeira. A classe média rural havia se transformado na classe mais rica durante o
sistema de Tokugawa, e começava a assumir cargos de nobreza e administração do feudo. Esses
homens começavam a vislumbrar os ensinamentos de lealdade ao Imperador como algo bastante
satisfatório para suas políticas, e não tardaram a apoiar os movimentos nesse sentido.

Durante o período de atritos entre Satsuma e Choshu, Tosa atuou no sentido de efetuar
uma mediação e engrenar a aliança Satcho-Dohi, procurando estreitar as relações pacíficas entre
Satsuma e Choshu. Além disso, a província de Tosa defendia fervorosamente a posição em prol
de uma resolução negociada e pacífica entre o shogun e o Imperador, de modo a impedir que
houvesse mais guerras nesse sentido – como Satsuma e Choshu queriam.

Itagaki Taisuke -
Samurai
30 anos
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Nasceu em 21 de maio de 1837, em uma família de samurais de classe média em Tosa.


Estudou em Kochi e Edo, e mais tarde foi apontado conselheiro do próprio daimyo de Tosa. Em
1861, ele foi enviado para a residência do daimyo em Edo para administrar as contas e as
questões militares da província de Tosa.

Durante a formulação da Kobu Gattai, Taisuke se posicionou contrariamente ao


movimento. Sendo Taisuke o chefe das forças militares de Tosa, Saigo Takamori se aproximou
dele e iniciou laços de negociação para fortalecimento do Exército Imperial, com apoio de Tosa.
Ele era bastante liberal e defendia princípios de direitos iguais para todos, uma vez que temia a
dominação de Satsuma e Choshu no governo – por serem províncias mais poderosas.

Goto Shojiro -
Samurai
29 anos

Nasceu em 13 de abril de 1838 em Tosa, em uma família de samurais. Já no início de sua


carreira ele foi atraído pelo movimento radical Sonno-Joi juntamente com seu amigo Sakamoto
Ryoma. Foi promovido dentro da estrutura de governo do feudo e logo assumiu poder dentro das
políticas da província; também exerceu bastante influência nas decisões do daimyo Yamauchi
Toyoshige.

Shojiro passou a gerir as políticas de Tosa no sentido de apoiar o Imperador e fazer


pressão para que o Bakufu entregasse o poder de forma pacífica ao governo imperial.

Uniu-se a Itagaki Taisuke nas políticas de Restauração e logo aderiu a seus ideais liberais.
Defendia também uma maior participação popular e democrática no governo. Contudo, manteve-
se como figura forte diante dos governistas e participou ativamente da Restauração.
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Fukuoka Takachika -
Samurai
32 anos

Nasceu em 05 de fevereiro de 1835, em Tosa. Tornou-se samurai e assumiu carreira como


oficial de armas servindo o daimyo de Tosa. Era amigo de Goto Shojiro e compartilhava de suas
idéias e de sua lealdade para com o Imperador. Fazia parte do movimento moderado de Tosa que
defendia a entrega pacífica do poder por parte do shogun.

Mas, ao contrário de Shojiro e Taisuke, ele não era um liberal tão fevoroso; assumiu o
posto de san’yo no governo Meiji e um papel muito importante na estruturação do sistema
político e dos princípios que deveriam reger o novo regime à luz dos 5 pontos juramentais.

Sakamoto Ryoma -
Samurai (Ronin)
31 anos

Nasceu em 3 de janeiro de 1836, em uma família de camponeses, em Kochi na província


de Tosa. Durante o governo de Tokugawa, sua família enriqueceu com sua atividade de
fabricação de sake até comprar o título de ‘samurais mercadores’ junto ao Bakufu. Isso garantiu à
família um bom status social, ainda que baixo. Mais tarde a irmã de Ryoma o inscreveu numa
escola de esgrima e quando ele atingiu a idade adulta; já era um mestre espadachim.

Em 1853, foi enviado a Edo como discípulo de um grande mestre; lá testemunhou a


chegada de Perry ao Japão, e toda a comoção causada. Isso o incentivou a adotar elementos
extremistas em suas ideologias e, por fim, aderir à Sonno-Joi. Ele foi recrutado para uma força de
samurais extremistas de Tosa, mas foi forçado a se exilar como um ronin quando o plano desse
grupo de efetuar um golpe para assumir o governo da província foi revelado.
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Mais tarde, durante seu exílio, Ryoma ainda manteve seus ideais calcados na Sonno-Joi.
Em virtude ainda de ser um samurai de baixa classe ele, aderiu aos movimentos extremistas que
pregavam o terror. Mas suas ambições eram maiores que amedrontar os estrangeiros para que
eles fugissem do país. Ele resolveu assassinar Katsu Kaishu. Contudo, durante a tentativa, Kaishu
persuadiu Ryoma de que era necessário um plano de longo prazo para modernização do exército
japonês, caso contrário os estrangeiros o derrotariam facilmente. Kaishu então adotou Ryoma
como seu assistente e protegido.

Em 1854, Ryoma fugiu para Kagoshima em Satsuma, onde fomentou movimentos contra
o Bakufu e iniciou a mediação para que as até então províncias inimigas, Satsuma e Choshu,
negociassem uma aliança. Mais tarde, Ryoma ajudou as províncias de Satsuma e Choshu a
desenvolverem suas forças navais. Seu sucesso e sua fama fizeram com que seus senhores em
Tosa finalmente o reconhecessem e o convocassem de volta. Ryoma então assumiu posto de
destaque nas políticas de Tosa e foi fundamental para as negociações entre a Corte Imperial e o
Bakufu.

Hizen -
Hizen era uma província próxima fisicamente a Satsuma; juntou-se às demais no
processo de restauração. Hoje, ela é dividida entre as Prefeituras de Nagasaki e
Saga. Hizen era administrada pelo clã de Nabeshima.

Hizen foi a menor das quatro províncias que se aliaram contra o Bakufu e em favor do
novo governo Imperial. A província foi também atingida por grande parte das influências que
atingiram as demais províncias, no que tange tanto suas políticas reformistas quanto seu
desenvolvimento e sua representatividade no cenário na época. Muitos dos aristocratas de Hizen
também foram enviados ao exterior, trazendo tais pensamentos reformistas. Os líderes de Hizen
haviam conhecido o poderio dos ocidentais e também compartilhavam da idéia de modernizar o
país para se defender dessa ameaça.
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Enquanto Hizen defendia que a política de reclusão deveria ser abandonada, a província
se aliava a Tosa em suas políticas moderadas de negociação com o shogun e de restauração do
poder imperial.

Eto Shimpei -
Samurai
33 anos

Nasceu em 13 de março de 1834, na cidade de Saga, em uma família de samurais.


Notável samurai conhecedor de estratégias militares e um grande general, era amigo de Itagaki
Taisuke e Goto Shojiro e compartilhava de suas idéias liberais. Defendeu a Restauração Meiji e a
modernização do Exército Imperial e, principalmente, era partidário da derrubada militar do
shogun.

Shimpei era um militar ativo, com pretensões expansionistas, e pensava também na


formatação de uma polícia nacional e na modernização de códigos de conduta e pena para a
população.

Okuma Shigenobu -
Samurai
29 anos

Nasceu em 16 de fevereiro de 1838; filho de um oficial de artilharia em Saga. Durante sua


juventude estudou Literatura Chinesa. Em 1853, foi enviado para uma instituição Germânica e
pouco depois de 1861 assumiu o posto de professor na instituição. Shigenobu era simpático à
Sonno-Joi, mas sua postura moderada o fez defender uma conciliação entre os rebeldes de
Choshu e a autoridade shogunal.
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Shigenobu fez uma viagem a Nagasaki onde conheceu um missionário germânico que lhe
ensinou inglês a partir do Novo Testamento e da Declaração de Independência dos Estados
Unidos. Estes trabalhos influenciaram sua mente política fomentando o desejo de estabelecer um
governo constitucional no Japão e abolir o sistema feudal.

Juntamente com seu conterrâneo Soejima Taneomi, defendeu o plano de restauração


Imperial diante do shogun e se tornou um membro ativo da Restauração Meiji. Ele era um
homem muito talentoso para negociar, assim como tinha fluência nas línguas estrangeiras, o que
lhe qualifica para o serviço de relações com os estrangeiros.

Ele defendia a restauração do sistema monetário e tributário, um governo constitucional e


a revisão dos tratados com os estrangeiros.
Soejima Taneomi -
Samurai
39 anos

Nasceu em 17 de outubro de 1828, em Saga, numa família de samurais. Era filho de um


professor da escola de Estudos Nacionais. Contudo, os líderes do domínio enviaram Taneomi a
Nagasaki para estudar inglês. Mais tarde ele se tornou um grande líder militar das forças de Saga.
Durante a restauração ele foi defensor do projeto Imperial e defendia a derrubada do shogun.

Ele se tornou san’yo do Império, e defendia o governo constitucional e a modernização


das bases políticas do novo governo.

Oki Takato –
Samurai
35 anos
100

Nasceu em 23 de março de 1832 em uma família de samurais na cidade de Saga. Iniciou


sua carreira de estudos na escola Kodokan, na província de Hizen, e logo promoveu reformas na
administração da província, assumindo importantes cargos na política local. Tornou-se um dos
líderes das forças de Saga durante o período da Restauração.

Ele era um grande administrador público e defensor de um novo sistema educacional para
o Japão. Ele também assistiu aos trabalhos de Shimpei no que tange o sistema judiciário. Ele era
bastante reconhecido por suas virtudes políticas e seu espírito de liderança.

Kumamoto -
A Prefeitura de Kumamoto ficava na região da Província de Higo, na ilha de
Kyushu. Era uma prefeitura importante por se situar entre as províncias de
Satsuma e Hizen, mas sua representatividade na Restauração Meiji se limita a seus dois
representantes.

Yokoi Shonan -
Samurai
58 anos

Nasceu em 22 de setembro de 1809, em Kumamoto, numa família de samurais. Em 1839,


ele foi enviado para estudar em Edo, onde fez contato com os primeiros movimentos pró-
reformistas do país. Quando retornou a sua terra natal, ele iniciou um projeto de reforma da
província a partir de linhas neo-Confucionistas.

Em 1857 ele foi convidado, pelo daimyo Matsudaira Yoshinaga, para ensinar no domínio
de Echizen. Por ter ganhado fama, foi apontado, em 1862, como líder do governo shogunal. Em
virtude de seus laços com a Corte Imperial, tal apontamento era uma estratégia para que o
101

Imperador aprovasse as decisões do shogun. Yokoi defendeu uma reforma completa no Bakufu e
defendeu também a reconciliação entre o Imperador e do shogun.

Ele defendeu a abertura completa do país para o comércio exterior, reformas econômicas
e modernização do exército. Shonan ainda foi defensor da criação de um conselho de daimyos em
que o shogun atuaria como primeiro ministro. O Bakufu logo se viu escandalizado por tais idéias
e retirou Shonan do cargo, decretando sua prisão domiciliar. Ele foi libertado pelo Imperador
mais tarde e chamado para contribuir com suas idéias para o novo governo.

Inoue Kowashi -
Samurai
23 anos

Nasceu em 06 de fevereiro de 1844, em uma família de samurais, em Kumamoto. Era


conhecido como uma criança extremamente inteligente e foi enviado para a academia
confucionista da província. Seus estudos o levaram a ser reconhecido como liderança importante
para a Restauração Meiji.

Ele defendia o governo constitucional e a derrubada do shogun. Okubo Toshimichi o tinha


em alta estima e seus talentos eram importantes para o projeto constitucional.

Fukui -
Assim como Kumamoto, Fukui foi importante no processo de Restauração em
virtude de seu representante. Era a região mais isolada de todas as importantes da
Restauração, localizando-se na ilha de Honshu.

Yuri Kimimasa -
Samurai
38 anos
102

Nasceu em 11 de novembro de 1829, em uma família de samurais de Fukui. Ele estudou


tendo Yokoi Shonan como professor no início de sua carreira. Mais tarde, trabalhou em favor de
uma reforma financeira e da modernização de Fukui; foi reconhecido pelo daimyo Matsudaira
Yoshinaga em virtude de sua grande habilidade e conhecimento.

Na Restauração Meiji ele foi o autor do primeiro rascunho do que seriam os 5 pontos
juramentais do novo governo, e defendia as reformas políticas e financeiras.

5.4 – Os Estrangeiros

Grã-Bretanha -
As relações entre a Grã-Bretanha e o Japão se iniciaram em 1600 quando
William Adams aportou em Usuki na ilha de Kyushu. Mas antes, em 1587,
dois japoneses aventureiros foram até a Califórnia onde foram capturados pelo britânico Thomas
Cavendish e levados à Grã-Bretanha. Mas as relações de fato ocorreram em 1600, quando
William Adams se tornou conselheiro do shogun Tokugawa da época e foi renomeado de Miura
Anjin, passando a viver no país até o fim da sua vida.

Contudo, as relações entre ambos os países se arrefeceram após esse período. Em 1853,
quando da chegada do Comodoro Norte-Americano Matthew C. Perry, a Grã-Bretanha se
manteve neutra apenas observando os desenvolvimentos dos Norte-Americanos na região. Em
1853, foi assinado o Tratado de Kanagawa entre Japão e EUA e, com a abertura dos portos, os
Britânicos decidiram ir até o Japão levar seu próprio tratado. Em 1854, foi assinado o “Tratado de
Amizade Anglo-Japonês” ( Nichi-Ei Washin Jōyaku), que foi celebrado pelo
Almirante Sir James Stirling e os representantes do Bakufu.
103

Em seguida, no mês de agosto de 1858, Lord Elgin se encontrou com os representantes do


Bakufu e assinou um novo “Tratado de Amizade e Comércio Anglo-Japonês”

( Nichi-Ei Shūkō Tsūshō Jōyaku). O tratado forçou as seguintes concessões


por parte do Japão:
- Um representante do governo britânico teria residência em Edo;
- A abertura dos portos de Hakodate, Kanagawa e Nagasaki para comércio em julho de
1859 e a abertura do porto de Hyogo em janeiro de 1863;
- E cidadãos britânicos seriam permitidos de viver em Edo a partir de janeiro de 1862 e
em Osaka a partir de janeiro de 1863.

Durante o Bakumatsu, os britânicos sofreram com as represálias dos grupos extremistas.


Em 1861, a delegação britânica foi atacada por grupos extremistas resultando na morte de alguns
diplomatas. Mais incidentes ocorreram; em 1863, a Marinha Real bombardeou a cidade de
Kagoshima em Satsuma e, em 1864, eles bombardearam o Estreito de Shimonseki juntamente
com a França, os EUA e os Países-Baixos.

Em 1865, a Grã-Bretanha enviou o ministro Sir Harry Smith Parkes ao Japão para
conduzir as negociações diplomáticas entre os dois países, renovando os tratados e estreitando as
alianças entre a Grã-Bretanha e o Japão. A Grã-Bretanha manteve os interesses de fazer comércio
com o Japão e na Restauração o Japão tinha interesse de usar as experiências do país para sua
modernização.

Sir Harry Smith Parkes -


Embaixador da Coroa Britânica no Japão
39 anos

Nasceu em 1928 em Birchills Hall, uma cidade próxima a Walsall em Staffordshire, na


Inglaterra. Quando estava com quatro anos sua mãe faleceu e no ano seguinte seu pai sofreu um
104

acidente de carruagem que também tirou-lhe a vida, indo Harris viver com seu tio em
Birmingham.

Entre 1841 e 1864, Parkes foi viver em Macau onde iniciou seus estudos de Chinês bem
em meio à Guerra do Ópio. Em 1842, ele foi indicado para trabalhar no consulado na China e
acompanhou Sir Henry Potinger em seus trabalhos durante a guerra, testemunhando a assinatura
do Tratado de Nanking que abriu cinco portos chineses para comércio. Depois de trabalhar no
consulado de Fuchow, retornou à sua terra natal e trabalhou no Departamento de Relações
Exteriores até ser enviado de volta à China como intérprete. Em 1854, ele foi promovido a
Cônsul e, em 1855, foi nomeado secretário da missão em Bangkok, ajudando na assinatura de
tratados com o Sião (atual Tailândia). Em 1856, Parkes foi a Canton ainda na qualidade de
Cônsul e atuou em favor da Grã-Bretanha na segunda Guerra do Ópio, sendo preso juntamente
com o Lorde Elgin pelos chineses. Foi libertado após o fim da guerra, retornando a seu posto de
Cônsul em Canton e mais tarde retornando à Grã-Bretanha.

Entre 1865 e 1883 Parkes prestou serviços diplomáticos no Japão. Tornou-se ministro e
embaixador em 1865 e foi enviado ao Japão a fim de chefiar a missão britânica no país. Durante
o período em que permaneceu no Japão, ele foi um grande apoiador de ideais liberais e era
bastante amigável com os rivais do Bakufu, defendendo então a Restauração Imperial. Parkes
iniciou as negociações para um novo tratado com o Japão que diminuísse as desigualdades dos
anteriores e estabelecesse, ainda, importantes contrapartidas às concessões dadas pelo Japão, em
termos legais e materiais, incluindo cooperação para a modernização do país.

Estados Unidos -
Os Estados Unidos tem uma história longa de relações com o Japão, com os
resultados mais diversos. Contudo, a intervenção norte-americana sempre foi
105

decisiva na história do Japão em todas as vezes que ela ocorreu, seja antes da Restauração Meiji,
seja depois dela.

Durante o século XVII, as colônias Européias na América recebiam mercadorias advindas


do comércio entre a Europa e os países asiáticos, incluindo o Japão. Os espanhóis faziam
negócios com o Japão e retornavam à Europa através de suas colônias na América, o que fez com
que japoneses também explorassem a América à bordo de galeões espanhóis. Assim os japoneses
fizeram uma visita aos espanhóis, quando então começaram a estabelecer relações formais. Todas
as relações foram cortadas em 1850, quando Tokugawa editou a lei que fechava o Japão ao
exterior.

Em 1848, o Capitão James Glynn foi ao Japão tentar negociar, de forma pacífica, uma
reabertura. Sem sucesso, retornou aos Estados Unidos e recomendou ao congresso que qualquer
negociação para abertura do Japão seria falha caso não houvesse demonstração de força.

Em 1852, o Comodoro Matthew C. Perry aportou na Baía de Uraga no Japão com sua
esquadra de navios a vapor e seus grandes canhoneiros. Ali ele iniciou o processo de abertura do
Japão, mostrando maior força que o país e persuadindo o shogun a assinar o Tratado de
Kanagawa em 1854. O tratado abriu os portos japoneses para comércio com os EUA, precedente
para que outros tratados fossem assinados com outros países ocidentais.

Mais tarde, o Cônsul Townsend Harris negociou e assinou, em 1858, o Tratado Harris
( Nichibei Shūkō Tsūshō Jōyaku). O tratado de Perry fazia apenas com que os
portos japoneses fossem abertos ao exterior e a integridade dos navios que por ali circulavam
fosse preservada. Então, Townsend Harris se incumbiu da tarefa de negociar comercialmente e
iniciar as relações comerciais do Japão com os Estados Unidos.
106

Townsend Harris -
Cônsul Geral dos Estados Unidos no Japão
63 anos

Nasceu em 1804 na cidade de Sand Hill, no Condado de Washington. Mais tarde ele
mudou-se para Nova York onde se tornou um mercador de sucesso e também um importador de
artigos da China. Mais tarde Harris se uniu ao Comitê de Educação de Nova York e iniciou
trabalhos nessa área com a fundação da Escola de Nova Iorque, que mais tarde se tornou a
Universidade Townsend Harris.

Em 1847, Harris deixou Nova York para embarcar em uma série de viagens pela Índia e
Pacífico onde conheceu o Comodoro Matthew Perry e, por pouco, não o acompanhou na viagem
até o Japão. Contudo, em julho de 1856, ele foi nomeado o primeiro Cônsul Geral dos Estados
Unidos no Japão, onde abriu o primeiro consulado na cidade de Shimoda na Prefeitura de
Shizuoka. Durante esta missão norte-americana no Japão, Harris iniciou negociações que
resultaram na assinatura do Tratado Harris que assegurou o comércio entre os dois países, mas
ainda assim foi considerado desigual (em termos de partidas e contrapartidas). O tratado definia:

- Intercâmbio de agentes diplomáticos;


- A abertura dos portos de Kobe, Edo, Nagasaki, Niigata e Yokohama para o comércio
internacional;
- Abertura para que cidadãos Norte-Americanos vivessem e fizessem comércio nestes
postos;
- Estabelecimento do princípio de extraterritorialidade para que os cidadãos norte-
americanos fossem submetidos às leis norte-americanas;
- Taxas fixas e baixas para exportação.
107

França -
As relações entre França e Japão não foram tão intensas nos períodos que
antecederam a política de reclusão de Tokugawa. Antes desse período há
apenas o episódio em que um samurai passou alguns dias na França quando ia a caminho de
Roma. Após a derrubada da política de reclusão efetuada pelos Estados Unidos, o Japão e França
estreitaram seus laços. Durante o século XIX, os dois países se tornaram grandes aliados nos
campos militares, econômicos, legais e artísticos. Jules Brunet foi decisivo para a modernização
do exército do Bakufu, por exemplo. A França forneceu grandes incentivos para a modernização
da indústria naval japonesa.

O primeiro tratado assinado entre a França e o Japão ocorreu em 1855 – na verdade tal
tratado foi assinado entre a França e a Província de Okinawa. Um tratado bilateral ocorreria
apenas em 1858, assinado em Edo, abrindo as relações diplomáticas entre os dois países. O Japão
então estava muito interessado no militarismo francês e, notando isso, a França enviou, em 1867,
uma missão militar para ajudar na modernização do exército, missão esta que foi liderada pelo
Capitão Jules Brunet.

Jules Brunet -
Capitão da Marinha Francesa
29 anos

Nasceu em 12 de janeiro de 1838 em Belford, na região da Alsácia. Graduou-se na École


Polytechnique em 1857, especializando-se em artilharia.

Em 1862, ele participou da intervenção no México enviada por Napoleão III, onde
recebeu a medalha de Légion d’honneur por sua atuação. Mais tarde foi enviado a Yokohama
como membro da primeira missão militar da França no Japão. Em 1898, Brunet foi condecorado
General do Exército Francês.
108

A missão militar francesa no Japão foi enviada com o objetivo de treinar as forças de
Tokugawa Yoshinobu e modernizar seu exército. O Capitão Brunet apoiava o shogun em suas
políticas durante a Restauração Meiji e foi seu partidário ferrenho.

Países-Baixos (Holanda) -
O grande trunfo da Holanda em suas relações com o Japão foi ter sido o único
país a estabelecer relações comerciais durante o período de reclusão do
shogunato Tokugawa. Contudo, as relações comerciais entre ambos os países datam de muito
tempo antes do início de tais políticas.

A história de relações entre o Japão e os Países-Baixos durante a política de reclusão gira


exclusivamente em torno da ilha de Dejima ( ), o único entreposto comercial do Japão
naquele momento. Originalmente, o entreposto foi construído para usufruto dos portugueses, para
ensinar no domínio de Echizen que chegaram no Japão em 1550. Enquanto as relações entre
Portugal e Japão se estreitavam, o shogun Tokugawa Iemitsu ordenou a construção do entreposto
que seria localizado na baía de Nagasaki. Dejima então foi construída em 1634 e ocupada pelos
mercadores portugueses. Em 1637, houve um conflito entre os cristãos e os japoneses, em que
holandeses se aliaram ao Japão, expulsando os portugueses em 1638 e assumindo Dejima por
ordens do shogun. A partir de então, apenas os chineses e os holandeses podiam fazer comércio
com o Japão. No início a ilha era administrada pela Companhia Holandesa das Índias Orientais.

Dejima era uma ilha artificial de cerca de 120 por 75 metros de extensão e era ligada ao
Japão por uma ponte, mantendo os estrangeiros, então, longe de solo sagrado do país. Havia
residências para os holandeses, galpões para estocagem de mercadorias e casas para acomodação
de oficiais japoneses, guardas nos portões e um supervisor local. A supervisão geral da ilha ficava
sob a jurisdição de Edo.
109

O processo aduaneiro em Dejima ocorria da seguinte forma: os navios que aportavam na


ilha eram inspecionados pelo governador de Edo. Mercadorias como livros religiosos e armas
eram confiscadas. O comércio era bastante lucrativo, apesar dos custos de manutenção da ilha.
Quando o Bakufu instaurou sua política de reclusão, o comércio declinou, mas permaneceu.
Mesmo assim, isso não impediu a falência da Companhia em 1795, fazendo com que o governo
Holandês assumisse o controle da ilha.

Os holandeses foram responsáveis por introduzir vários produtos e costumes ocidentais no


Japão durante esse período – exemplos estão na introdução de esportes como o badmington e o
bilhar. No setor alimentício, os holandeses introduziram a cerveja, o café, o tomate, o chocolate,
etc. O primeiro piano também foi levado ao Japão através de Dejima.

A partir da abertura promovida pelo Comodoro Matthew Perry, o Bakufu passou a


interagir mais com Dejima a fim de conhecer a estrutura naval ocidental. Para tanto, foi
estabelecido um Centro de Treinamento Naval na ilha, no ano de 1855. A interação entre os
holandeses e os japoneses se intensificou muito nesse período. Os holandeses influenciaram
muito a medicina japonesa, além da escola naval. Por isso, em 1857, o posto foi fechado quando
os holandeses foram autorizados a adentrar o território japonês e fazer comércio em outros
portos. Janus Henricus Donker Curtius foi o ultimo comissário a dirigir a ilha de Dejima.

Janus Henricus Donker Curtius -


Comissário e Diplomata Holandês
54 anos

Nasceu na Holanda em 1813 e formou-se em Direito na universidade de Leiden. Foi


enviado para Dejima em 1852 e testemunhou a abertura do Japão promovida pelo Comodoro
Matthew C. Perry em 1853.
110

Curtius foi responsável pela administração do entreposto de Dejima até seu fechamento,
em 1857. Em 1855, Janus foi responsável pela entrega do primeiro navio de guerra a vapor do
Japão, de fabricação Holandesa, que foi chamado de Kanko Maru. Janus foi responsável pela
formalização de um tratado comercial entre o Japão e a Holanda, em 1856, e a partir de sua saída
do entreposto em Dejima ele se tornou diplomata Holandês no Japão.

IMPÉRIO RUSSO -
Apesar de não muito documentado, o Império Russo iniciou sua tentativa de
abrir o Japão para o comércio na mesma época em que os Estados Unidos faziam a mesma
tentativa. Em 1852, o Almirante Putyatin e sua tripulação embarcaram na fragata ‘Pallada’ e
partiram em uma viagem cujo objetivo era estabelecer contato com o Japão para iniciar comércio
e resolver uma disputa territorial nas Ilhas Kurile.

A missão da fragata era entregar uma carta que predispunha as questões que interessavam
a Rússia naquele momento. Antes de chegar ao Japão, Putyatin conduziu a fragata em outras
rotas para se juntar a outros navios russos a fim de fazer um contato mais eficiente com o Japão.

A missão ocorreu em virtude do Império Russo tomar conhecimento das pretensões norte-
americanas de efetuar uma missão do mesmo porte naquele momento. As ordens dadas ao
Almirante compreendiam que ele deveria retornar com um tratado semelhante ao que seria
assinado por Perry, ou melhor. Contudo, Putyatin chegou ao Japão depois de Perry e decidiu que
observaria de longe seus desenvolvimentos. Três semanas após a partida de Perry, o Almirante
entrou no Japão pela Baía de Nagasaki e contribuiu para a pressão internacional que fez com que
Tokugawa assinasse o tratado com os EUA.

Algum tempo depois, após o naufrágio dos navios de Putyatin devido a um tsunami na
costa de Shimoda, o shogun ajudou o Almirante a construir um novo navio para retornar à Rússia
na esperança de aprender as técnicas de construção de navios dos Russos. Não tardou para que as
111

negociações entre ambos os países continuassem. A Rússia tinha grandes interesses em assinar
um tratado com o Japão, em virtude de crer que o Japão poderia ajudar no desenvolvimento da
Sibéria e de outros territórios conquistados no Ártico – como o Alaska – e no Pacífico – como o
norte da Califórnia. Para tanto, o país precisava de um parceiro comercial na região e o Japão era
o candidato perfeito. Os russos ainda se preocupavam com os EUA e seus desenvolvimentos na
região.

As negociações se desenvolveram e, em 1855, o Tratado de Shimoda finalmente foi


assinado entre a Rússia e o Japão. O tratado previa termos básicos para o início das relações entre
o Japão e a Rússia nas seguintes provisões:

- A abertura dos portos de Hakodate e Shimoda para comércio com a Rússia;


- A abertura dessas mesmas regiões para a permanência de oficiais consulares russos;
- As fronteiras entre Japão e Rússia nas ilhas Kurile deveriam ser definidas de modo
que todo território ao norte da região de Erotofu e Uruppu seria de propriedade Russa,
e, ao sul, de propriedade Japonesa;
- E ambas as partes acordaram que a ilha de Shakhalin deveria ser administrada por
ambos os países e que a Rússia deveria destruir sua base militar na região.

Yevfimy Vasilyevich Putyatin -


Almirante da Marinha e Embaixador do Império Russo
64 anos

Nasceu em 8 de novembro de 1803, na Rússia. Tornou-se almirante da marinha russa e foi


designado para liderar a missão ao Japão.

Putyatin era um navegador talentoso e foi responsável por uma grande quantidade de
contatos entre a Rússia e os países do Índico e do Pacífico. Ele serviu na guerra entre a Rússia e a
112

Turquia em 1828-29. Durante sua missão no Japão, Putyatin passou a maior parte do tempo
observando o exercício norte-americano a fim de verificar seus desenvolvimentos. Mais tarde,
quando teve sua frota naufragada por um tsunami, foi capaz de negociar um tratado com o Japão
para abertura de portos e relações diplomáticas.

O tratado ficou conhecido como Tratado de Shimoda e foi fundamental para as relações
entre os dois países. Mais tarde, em 1861, Putyatin, continuando suas expedições pelo Pacífico e
Índico, assinou um tratado com China – o Tratado de Tientsin. Apesar do tratado de Shimoda, o
Japão e a Rússia ainda mantêm até hoje as discussões a respeito das Ilhas Kurile (conhecidas no
Japão como Ilhas Chishima ou Ilhas Kuriru), além de algumas disputas territoriais no norte do
pacífico.
113

CAPÍTULO 6
CONCLUSÃO
Um Novo Começo

A Restauração Meiji foi um novo e grande começo para a nação japonesa. Todo
o movimento que resultou na troca do regime feudal para o regime Imperial moderno,
teve base em uma virtude inerente ao povo japonês até os dias de hoje: o amor pela pátria
japonesa.

A narrativa que empreendemos nos capítulos deste Guia nos mostra exemplos desse
nacionalismo. Quando samurais viajavam à China, por exemplo, e se deparavam com uma
situação em que chineses se curvavam diante dos britânicos em sua própria terra natal, eles
demonstravam seu sentimento de repúdio a tais posturas e se movimentavam para que o mesmo
não acontecesse ao Japão. Quando eles se viam às voltas com estrangeiros que chegam se
impondo e empurrando “goela abaixo” dos japoneses suas vontades e seu modo de vida, sem o
menor respeito às necessidades e vontades do país, os japoneses não desistiam de lutar por nem
um momento. Sua luta emergiu nos corações de bravos guerreiros que, por vezes, atacaram os
estrangeiros para aterrorizá-los. Outras vezes defenderam bravamente suas represálias – como no
incidente do Estreito de Shimonoseki.

Temos certeza hoje que os resultados dessa luta levaram o Japão a ser uma das nações
mais ricas, desenvolvidas e poderosas do mundo atual. Ele não teve o mesmo destino de
subdesenvolvimento que outras nações colonizadas pelos europeus, sejam as africanas ou as sul-
americanas.
114

O Japão recebeu o modo de vida ocidental à sua maneira, aliado ao espírito de uma nação
abençoada por deuses com um governante de sua prole – o Imperador – e mentes que jamais se
esqueceram da honra dos samurais, do suor do seu povo e do sangue derramado na Sengoku-
Jidai, na Batalha de Sekigahara e na Guerra de Boshin.

Os homens que empreenderam a Restauração Meiji podem ser considerados grandes


heróis de uma nação orgulhosa. Heróis que fizeram o Japão prosperar em meio à sua inserção no
cruel capitalismo. Pessoas brilhantes que conduziram o país a ser o que é hoje. Uma nação que se
tornou uma potência, que teve papéis fundamentais nas duas Guerras Mundiais, que sofreu do
flagelo do ocidente por muitas vezes em sua história. Uma nação que se ergueu de forma
triunfante em todas essas vezes. Após a Esquadra Negra, a Restauração Meiji; após Hiroshima e
Nagasaki, uma potência econômica e tecnológica; e em meio à massificação cultural do novo
século, uma cultura legítima.

A Restauração foi um movimento que teve tais resultados por ser muito particular em sua
essência. Muitos autores que lemos – Paul Akamatsu, David Bergamini, Daikichi Irokawa,
Richard Storry, Colin Baker e outros – nos indicam que o movimento que tomou lugar no Japão
em 1867-68 foi engrenado por suas classes superiores. Muitas vezes eles dizem que foi uma
“revolução de cima” – ‘revolution from above’, em seus originais –, mas o que aprendemos aqui
é que a revolução não começou “de cima”. Ela pode ter sido engrenada pelos homens que
compuseram a Oligarquia Meiji, mas ela jamais começou por eles.

Como mostrado no texto deste trabalho, a Restauração se iniciou no âmago dos povos que
sofriam com os efeitos adversos do regime de Tokugawa; nas grandes insatisfações que
emergiam dia após dia em virtude do crescente empobrecimento que a política de reclusão e a
tributação por koku causavam; e nas mentes dos samurais que perdiam seu espaço e ficavam mais
pobres que os mercadores. E, por fim, ela tomou corpo nas mentes daqueles que enxergaram a
verdadeira ameaça por trás da chegada do Comodoro Matthew Perry, como o brilhante Takasugi
115

Shinsaku ou Katsu Kaishu; naqueles que se mobilizaram para combater tais ameaças como Kido
Koin, Saigo Takamori, Sakamoto Ryoma; e naqueles que tiveram vontade e brilhantismo político
para fazer a restauração como Okubo Toshimichi, Iwakura Tomomi, Ito Hirobumi e até mesmo
Meiji Mutsuhito.

Por trás da Restauração estavam os nomes que fizeram o movimento acontecer. Os nomes
de homens que eram elite em suas províncias, que eram de fato vindos “de cima”. Mais ainda,
por trás destes homens estavam os anseios de outros homens. Samurais pobres, lavradores de
arroz, fabricantes de sake, mercadores de remédios, fabricantes de kimonos, gueixas, ronins,
monges de templos budistas e xintoístas, ferreiros, pescadores, toda a sociedade japonesa que
ansiava por mudança. Mudança que vinha para dar um novo alento ao povo assolado pela
pobreza, que vinha para dar proteção às constantes ameaças externas, que vinha para transformar
o Japão. A Restauração Meiji foi uma revolução de todo o povo japonês.

Hoje o Japão é segunda maior economia do mundo, acumulando cerca de 4,5 trilhões de
dólares em PIB por ano.16 O Japão possui o maior banco do mundo, o Mitsubishi UFJ Financial
Group, que movimenta cerca de 1,7 trilhões de dólares ao ano.17 O setor de ciência e tecnologia
também é grande no país, gerando um orçamento de 130 bilhões de dólares.18 Todas essas cifras,
esse desenvolvimento, essa economia sólida tem suas origens na Restauração Meiji.

Compreender o Japão de hoje é compreender o Japão de 1867-68. A nação que se


configura hoje teve sua pedra fundamental na Restauração Meiji. E jamais na história do mundo

16
CIA World Factbook - Japan. Disponível em <https://www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/ja.html>.
Acesso em: 20 dez. 2006.
17
Mitsubishi UFJ Financial Group, Inc. Consolidated Financial Information (31 jul. 2006). Disponível em
<http://www.mufg.jp/english/ir/fs/backnumber/2007mufg-mar-1q/pdffile/mufg2007_1q_e.pdf>. Acesso em: 29 dez.
2006.
18
McDonald, Joe. OECD: China to spend $136 billion on R&D. Business Week. Disponível em
<http://www.businessweek.com/ap/financialnews/D8LQ0OI00.htm>. Acesso em: 28 dez. 2006.
116

houve um movimento de renovação que mudasse tanto em tão pouco tempo e que trouxesse tanta
prosperidade para gerações a fio.

Essa foi a Restauração Meiji.

Bernardo Silva Martins Ribeiro


117

O Caminho do Guerreiro

Então, caríssimos delegados, chegamos ao fim de nosso Guia – que é, na verdade, ainda o
princípio de nossa jornada ao passado japonês. Compreender todos os aspectos descritos
anteriormente fará com que seja possível que vocês façam uma revolução à sua “própria
maneira”, em circunstâncias, de fato, especiais.

Creio que esta seja a oportunidade perfeita para pensarmos sobre questões-chave não
somente da sociedade japonesa, como da nossa própria. Pontos como a honra samurai, lembrada
hoje somente pelos entusiastas dos estudos orientais – algo tão fantástico, mas que acabou por
morrer pelo contato com a ganância infindável e a sede por expansão dos chamados “demônios
estrangeiros”.

Os objetivos de superação, evolução e vitória, assim como o acontecimento da vergonha


nos casos de falha, são considerados por muitos como um extremismo desnecessário em uma
filosofia bonita e bem construída – o que muitas vezes, leva as pessoas a não encarar os
ensinamentos do bushido (‘caminho do guerreiro’) como algo possível atualmente. No entanto, a
opinião deste servo é que os preceitos básicos do mesmo devem estar nas mentes e corações de
todos a qualquer momento.

GI, YU, JIN, REI, MAKOTO, MEIYO, CHUGO. Em linhas gerais: justiça e senso de
moral, coragem e bravura, compaixão e benevolência, polidez e cortesia, sinceridade a qualquer
custo, honra e glória, dever e lealdade, respectivamente.

Apesar de tudo, sou obrigado a discordar um pouco de um dos maiores samurais da


história do Japão, o grandioso Miyamoto Musashi, que, em seu livro intitulado Gorin No Sho
(Livro dos Cinco Anéis), diz:
118

O bushido, significa a vida total do guerreiro, sua devoção à espada, seu respeito às
normas ditadas pelo Confucionismo. Não é apenas um sistema de ética a ser seguido
pelas classes sociais. É a estrada do cosmo, os vestígios sagrados dos Céus, apontando o
Caminho. (MUSAHI, 2006 p 248)

Creio que sim, os ideais pregados pelo caminho do guerreiro devem ser seguidos por
todos que se julgarem aptos a seu cumprimento, sendo que caberá à morte julgá-los como certos
ou errados. No entanto, em uma sociedade de valores cada vez mais corruptos, não é fácil
encontrar verdadeiros guerreiros, que irão fazer jus à gloriosa memória de inúmeros samurais,
mas saber que esses existem nos faz continuar olhando para frente com esperança.

Alguns irão encarar os dizeres acima como meros devaneios utópicos, ou palavras de um
jovem de suposta inocência; mas se estás no mundo para morrer, que isto seja feito
gloriosamente, para que sua memória viva para a eternidade, como a maior parte dos personagens
que vocês irão incorporar em nossa simulação.

Por fim, fica aqui o desejo de que para sempre essa chama queime dentro de vocês, de
honra e glória. E que nunca percam a pose que irão adquirir nestes dias, de verdadeiros samurais.
Mesmo aqueles que não incorporarem os mesmos. Estamos aqui falando do “espírito maior”, da
aura que circundará todos os presentes.

Finalizo então, apenas com os dizeres:


- (doumo arigatou gozaimasu minna-san).
Obrigado a todos vocês.
Gabriel Costa dos S. Oliveira
119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros

AKAMATSU, Paul. Meiji - 1868: revolución y contrarrevolución en Japón. Trad. Gabriel Saad.
Madrid: Siglo XXI de España, 1977. 297p.

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Disponível em <http://www.wikipedia.org/>. Acesso em: 02 jan. 2007.
123

ANEXO I

Mapa do Japão em 1867

Localização das Províncias e Domínios de Tokugawa


Fonte: http://www.loyno.edu/~seduffy/japanmap.jpg. Acesso em: 19 jan. 2007.

Tradução da Legenda:
- Domínios de daimyos externos – Tozama – que tiveram papel importante na restauração de 1853
até 1868;
- Principais áreas dos domínios shogunais;
- Tokaido (Rota Comercial).

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