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VOL. 22 | N. 38 | 2017 | http://dx.doi.org/10.15448/1980-3710.2017.2

Dossiê
Game Studies
Crédito: Sessões do Imaginário - n. 1 - 1996.

A estética doRammstein
Caravaggio, imaginário Hipermodernidade,
Materialidades sociabilidade
fílmicas, magia e Manifestações
Videogames, e mídias e
transgressão
eno cinema
Madonna e tecnologias digitais
montagem alternativasno Brasil
criatividade
Ticiano
DemianPaludo
Garcia e André A. Medeiros Erika Oikawa
Ednei de Genaro Antonio Brasil
Emmanoel e Samira Moratti Frazão
Ferreira

P.79 P. 94 P.89 P. 112 P.127 P. 72


Recebido em 25 de janeiro de 2018. Aprovado em 26 de janeiro de 2018.

Resumo Abstract

A guerra dos clones: Este artigo analisa a importância das


práticas de clonagem de consoles de
This article analyzes the importance
of the cloning practices of video

transgressão e criatividade videogames e microcomputadores


nos anos 1980 no Brasil, além da pira-
game consoles and microcomputers
in the 1980s in Brazil, in addition to

na aurora dos videogames taria de jogos/software, na erupção


de um mercado incipiente de video-
game / software piracy, in the erup-
tion of an incipient video game mar-

no Brasil1 games no país, no início da década


de 1980. A principal hipótese deste
ket in the country in the early 1980s.
of this work is that such practices of
trabalho é que tais práticas de clona- cloning and piracy, largely carried
gem e pirataria, amplamente leva- out by small and large Brazilian com-
The Clone Wars: transgression and das a cabo por pequenas e grandes panies throughout the 1980s and

creativity at the dawn of video empresas brasileiras durante toda a


década de 1980 e transgredindo e
transgressing and subverting all the
rules, laws and norms in force at the
games in Brazil subvertendo todas as regras, leis e time, ended up putting Brazil almost
normas vigentes à época, acabaram on foot of equality with pioneering
por colocar o Brasil em quase pé de countries in the videogames market,
igualdade com países pioneiros no such as Japan and the United States,
mercado de videogames, como Ja- with regard to the consumption of
pão e Estados Unidos, no que tange such media. In addition, the work
ao consumo de tal mídia. Ademais, o seeks to demonstrate that without
Emmanoel Ferreira2
trabalho busca demonstrar que sem these practices the country would
estas práticas o país se atrasaria ao be delayed in at least a decade to en-
menos em uma década para adentrar ter the world market of video games.
no mercado mundial de videogames.

Palavras-chave Keywords
DOSSIÊ Clonagem; pirataria; Atari; NES;
MSX.
Cloning; piracy; Atari; NES; MSX.

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DOI: http://dx.doi.org/10.15448/1980-3710.2017.2.29806
Sessões do Imaginário
A guerra dos clones: transgressão e criatividade na aurora dos videogames no Brasil

Introdução Assim, na mesma perspectiva dos autores acima A política de reserva de mercado
É razoável afirmar que a disseminação dos video- mencionados, acredito que o estudo de momentos- Alguns anos antes, em 1977, o governo federal
games no Brasil começou com o lançamento do Ata- -chave historicamente construídos/desenvolvidos de lançou uma política que tornava proibido – ou, como
ri 2600 e seus muitos clones no ano de 1983 (Chiado, um medium particular – com base em contextos so- aconteceu na prática, ao menos muito difícil – às em-
2013). Esta disseminação primeira teria sido responsá- ciais, econômicos e culturais específicos – pode con- presas brasileiras importar produtos eletrônicos – com-
vel pelo começo de um incipiente mercado de games tribuir para a compreensão das diversas práticas so- ponentes e/ou dispositivos inteiros – de fabricantes
no país. As origens e o desenvolvimento de tal mer- ciais, econômicas e culturais resultantes da interação estrangeiros. Esta política tinha por objetivo impulsio-
cado tiveram aspectos particulares no Brasil, especial- das pessoas com esses mesmos media. Para o escopo nar a economia brasileira através do desenvolvimento
mente por causa das práticas de clonagem e pirataria deste trabalho, focarei meu estudo na análise de clo- de empresas nacionais de tecnologia. Esta “política
que ocorreram naquela época. Essas práticas não acon- nes de duas plataformas de consoles e uma platafor- de substituição de importações” deveria promover o
teceram por acaso, mas foram, antes de tudo, impulsio- ma de computador, todas lançadas no Brasil na década know-how tecnológico brasileiro para que o país pudes-
nadas pela Política de Reserva de Mercado, em vigor de 1980: as plataformas dos consoles Atari 2600 e Nin- se se tornar cada vez menos dependente de tecnolo-
no final da década de 1970 e durante toda a década de tendo Entertainment System (NES), e a plataforma do gia estrangeira – especialmente dos EUA – marchando
1980 no Brasil. computador/sistema MSX. Esta análise tem por intuito rumo ao seu próprio progresso. Também era proibido
Nesse sentido, e dentro das perspectivas da “ar- contribuir para uma melhor compreensão do comple- às empresas brasileiras enviar royalties a empresas es-
queologia da mídia” (Huhtamo, Parikka, 2011; Zielinski, xo contexto dos videogames no Brasil e como ele se trangeiras (Marques, 2000). Nas palavras de Marques:
2006) e dos “estudos de plataforma” (Montfort, Bogost, relaciona com o contexto dos videogames em outras
2009), este artigo tem por objetivo analisar a importân- partes do mundo. [Durante a década de 1970], predominou, na co-
cia das práticas de clonagem de consoles de videoga- munidade acadêmica, a ideia de que os brasileiros
mes e microcomputadores e também da pirataria de O cenário político e econômico brasilei- deveriam fazer um investimento estratégico para
jogos/software na erupção de um mercado incipiente ro na década de 1980 superar a dependência tecnológica. Aplicada ao
de videogames no Brasil, no início da década de 1980. A década de 1980, muitas vezes chamada de “a setor de informática, a ideia da dependência tec-
A principal hipótese deste trabalho é que tais práticas década perdida”, foi um período na política e na eco- nológica traduzia-se em uma grande preocupa-
nomia brasileira marcado por uma grande recessão ção: se passasse a depender cada vez mais de com-
de clonagem e pirataria, amplamente levadas a cabo
econômica e por uma grave turbulência política. Em putadores e não soubesse fazê-los, então o Brasil
por pequenas e grandes empresas brasileiras durante
relação à política, no início da década de 1980, o país se veria na condição de pagar qualquer que fosse
toda a década de 1980 e transgredindo e subvertendo
era governado por um governo militar, que assumiu o o preço fixado por aqueles poucos países que sa-
todas as regras, leis e normas vigentes à época, acaba- controle em 1964. Em relação à economia, durante a biam fazer os computadores (Marques, 2000, p. 96).
ram por colocar o Brasil em quase pé de igualdade com mesma década, o Brasil passava por um dos seus mais
países pioneiros no mercado de videogames, como Ja- difíceis períodos econômicos do século XX. As taxas de
pão e Estados Unidos, no que tange ao consumo de tal Fica bastante claro que a Reserva de Mercado ti-
inflação chegaram a atingir o patamar de 200% ao ano
mídia. Ademais, busca demonstrar que sem estas prá- nha, ao menos em princípio, uma boa intenção quanto
em 1983 (Oliveira, 2005). O país estava em grande re-
ticas o país se atrasaria ao menos em uma década para cessão econômica e os comerciantes estavam preocu- à independência econômica e tecnológica brasileira.
adentrar no mercado mundial de videogames. pados com as vendas de Natal daquele ano. No entanto, como alguns autores argumentam (Ikeha-

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ra, 1997), a política acabou por não alcançar seus obje- a serem desenvolvidos no Brasil. Ainda no que tange
tivos. Além disso, a política também proibia que em- à relação entre a Reserva de Mercado e o fomento de
presas estrangeiras de computadores se instalassem um mercado de videogames no Brasil, Marcus Chiado
no Brasil. Assim, não era possível, por exemplo, que a afirma: “A Reserva acabaria, como o desenrolar dos
Commodore ou a Apple ou a Atari abrissem uma filial acontecimentos mostrou, por alavancar o lançamento
no país e distribuíssem seus produtos – algo bastante dos primeiros sistemas de videogames e os primeiros
comum nos dias de hoje. cartuchos no Brasil” (Chiado, 2013, p. 23).
Em 1984, a Política de Reserva de Mercado foi con-
vertida na Lei Federal n. 7232 (outubro de 1984), conhe- A indústria de videogames no Brasil:
cida como “Lei de Informática”. A Reserva de Mercado dos clones aos oficiais, e vice-versa
foi revogada em outubro de 1991, quando o país estava Embora na América do Norte a indústria de vide-
passando pelo chamado “processo de abertura do mer- ogames passasse por sua primeira “quebra”, ampla-
cado”. Entre outras coisas, a Lei de Informática declarava: mente conhecida como o videogame crash de 1983, no
Brasil as coisas corriam em outro ritmo. O primeiro con-
Art. 4 - São instrumentos da Política Nacional de sole de videogame a aparecer no mercado brasileiro
Informática: foi o Telejogo, fabricado pela Philco-Ford e lançado em
1977. Este console doméstico, uma espécie de console
I – o estímulo ao crescimento das atividades de in-
ao estilo Pong, vinha com três jogos em sua memória
formática de forma compatível com o desenvolvi-
(Paredão, Tênis e Futebol) e com dois paddles embu-
mento do país.
tidos no próprio console. Dois anos depois, a mesma
Art. 9 - Para assegurar adequados níveis de prote- empresa lançou seu sucessor, o Telejogo 2, que acom-
ção às empresas nacionais, enquanto não estiverem panhava 10 jogos (Hóquei, Tênis, Paredão I, Paredão II,
consolidadas e aptas a competir no mercado inter- Basquete I, Basquete II, Futebol, Barreira, Tiro ao Alvo
nacional [...], o Poder Executivo adotará restrições I, Tiro ao Alvo II); ao contrário de seu antecessor, esta
[...] à produção, operação, comercialização, e impor-
versão vinha com dois joysticks que eram conectados Figura 1: Telejogo e Telejogo II. Fonte: Mercado Livre.
tação de bens e serviços técnicos de informática3.
permanentemente ao console. O design deste conso-
le foi muito mais próximo do design do console Atari Como a Reserva de Mercado impedia que em-
Deste modo, a Reserva de Mercado, agora conver- 2600, exceto pelo fato de não ter um slot de cartucho, presas brasileiras importassem e distribuíssem o Atari
tida naquilo que foi chamado de Lei de Informática, com um número limitado de jogos. O próximo passo 2600 norte-americano no país, algumas empresas cria-
impedia que empresas brasileiras realizassem ativida- no mercado de videogames no Brasil seria o lançamen- ram uma “solução” para essa política: trazer algumas
des econômicas que dependessem de tecnologia es- to de um dos consoles da segunda geração, e a escolha unidades de Atari 2600 dos EUA por seus executivos ou
trangeira, no intuito de promover o crescimento do de- não poderia ter sido outra que não o Atari 2600, devido engenheiros e tentar realizar o que é conhecido como
senvolvimento de produtos relacionados à tecnologia, ao seu sucesso no mercado norte-americano. “engenharia reversa” desses consoles, ou seja, a partir

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da análise dos componentes do equipamento original, dos Unidos, quando viajavam em negócios ou férias, superior que facilitava a remoção do cartucho do con-
partiu-se para a fabricação de consoles “compatíveis” por exemplo. Deste modo, abastecendo o mercado sole, evitando assim danificar o cartucho ou o slot. Hoje
com o Atari 2600, com mistura de componentes nacio- com cartuchos de jogos Atari (clones), essas empresas em dia, este item é um dos cartuchos de Atari mais ca-
nais e importados2. Esses consoles seriam chamados preencheram uma lacuna muito importante na recém- ros listados no Mercado Livre6, podendo custar, depen-
de clones. O primeiro clone de Atari 2600 lançado no -nascida “ecologia” de videogames brasileiros: a bus- dendo da condição de preservação do cartucho, mui-
Brasil foi o CX-2600, fabricado por uma empresa cha- ca de novos títulos de jogos; se era possível às famílias tas centenas de Reais.
mada “Atari Eletrônica Ltda.”. O CX-2600 foi lançado em mais ricas trazer um Atari 2600 do exterior, ainda era
1980, apenas três anos após o lançamento do Atari nos muito difícil comprar regularmente novos títulos de jo- 1983: o Atari 2600 oficial e seus clones
EUA (Chiado, 2013)4. gos, devido ao fato de o Atari 2600 não estar oficialmen- chegam ao Brasil
No entanto, antes que o mercado brasileiro pudes- te no país. Havia, desta forma, um mercado exigente e Em 1983, várias empresas brasileiras estavam cor-
se ser abastecido com clones do console Atari 2600, crescente para os cartuchos Atari 2600, uma demanda rendo contra o tempo – e umas contra as outras – para
algumas pequenas empresas eletrônicas brasileiras co- à qual pequenas empresas responderiam rapidamente. lançar seus próprios consoles compatíveis com o Atari
meçaram a produzir cartuchos clonados para este con- Um aspecto muito interessante da clonagem de 2600 (ou seja, clones). Todas essas empresas acredita-
sole, uma vez que era muito mais barato e fácil fabricar cartuchos de jogos (e também a clonagem de conso- vam que o novo aparelho eletrônico ultrapassaria a
cartuchos em comparação aos consoles. Este caminho les) foi o fato de alguns dos fabricantes apresentarem venda de outros produtos eletrônicos, como aparelhos
também foi escolhido para atender a uma crescente melhorias em relação aos cartuchos e consoles origi- de TV e som, no Natal de 1983. E eles não poderiam
base de usuários Atari 2600 no país, em sua maioria nais. Este é o caso, por exemplo, do fabricante de car- estar mais certos. Paralelamente, a Warner, proprietá-
crianças e adolescentes das classes média e alta, cujos tuchos Tron. Os cartuchos Atari 2600 produzidos por ria da Atari, estava negociando com a Gradiente, uma
pais costumavam trazer o console Atari 2600 dos Esta- esta empresa possuíam um design único: uma “alça” empresa brasileira de eletrônicos, por meio de sua sub-

Figura 3: Video Computer System CX-2600, detalhe:


Figura 2: Video Computer System CX-2600. Funções do painel traduzidas para o Português. Figura 4: Cartucho Enduro Tron, com alça superior.
Fonte: Chiado (2013). Fonte: Chiado (2013). Fonte: Mercado Livre.

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sidiária Polyvox, o licenciamento e a produção do Ata- outros clones Atari, eles também usaram o processo de
ri 2600 no Brasil (contra todas as regras impostas pela engenharia reversa para fabricar seu console. O aspec-
Reserva de Mercado). Seria assim o “Atari oficial” a ser to visual da Dactari foi tão parecido com o Atari oficial
lançado no país. No entanto, os clones de Atari aprovei- que o Sr. Julio Albertoni, CEO da Sayfi, disse em uma
taram sua “liberdade” do Atari norte-americano e lan- entrevista à edição 10 da revista Video News:
çaram seus consoles apenas alguns meses antes que o
Atari oficial pudesse chegar às lojas. Desmontamos o Atari [oficial] e analisamos como
Como mencionado anteriormente, o primeiro clone funciona. Alguns componentes mandamos fazer
de Atari 2600 lançado no Brasil foi o CX-2600, fabricado aqui, os chips serão feitos por uma empresa ame-
por uma empresa brasileira chamada Atari Eletrônica. ricana. Nossa política é igual à dos japoneses: nada
Além do próprio console, a Atari Eletrônica também se cria, tudo se copia. Se deu certo com eles, por
que não daria conosco? (Dactari, 1983, p. 64-65).
fabricou cartuchos clonados de Atari, para atender a
uma crescente demanda de jogos, como mencionado
anteriormente. Quando a Warner decidiu lançar o Atari Além do Dactari, outro clone bem-sucedido de Figura 5: Console Dynavision, com controle ergonômico
2600 no país, ela contatou o dono da Atari Eletrônica, Atari 2600 foi o Dynavision, fabricado pela empresa de dois botões.
o Sr. Joseph Maghrabi, um ex-empresário do ramo de Dynacom. De acordo com os sócios proprietários da Fonte: Wikipedia.
joias, para estabelecer um acordo sobre o nome da Dynacom, o Dynavision era superior ao Atari 2600 ori-
Também é importante mencionar outro clone de
empresa, já que a Warner não poderia iniciar as vendas ginal. Uma matéria publicada na edição 12 da revista
Atari 2600 bem-sucedido, o VJ-9000, fabricado pela
do Atari no Brasil se já houvesse uma empresa com o Video Magia afirma: Dismac, conhecida e respeitada empresa de calculado-
mesmo nome e operando no mesmo negócio, o que ras da época. Um fato interessante sobre a Dismac, no
era o caso. No final, um acordo foi feito entre o Sr. Ma- Segundo o fabricante, embora inspirado no proje- que tange ao Atari, é que a empresa também lançou
ghrabi e a Warner, esta última permitindo que o pri- to do Atari VCS7, [o Dynavision] tem características clones de cartuchos, e esses clones tiveram seus títu-
muito superiores ao original. Exemplos: o material los traduzidos para o português. Assim, títulos como
meiro continuasse a fabricar os cartuchos Atari 2600
e o modelo empregados na produção dos joysti- Pitfall, Kaboom e Freeway seriam traduzidos para “Pan-
“compatíveis” (Chiado, 2013).
cks são mais resistentes e com botão de disparos tanal”; “TNT” (fazendo alusão ao próprio material ex-
Outro clone de Atari 2600 muito famoso foi lança-
no topo do palito direcionador; a saída dos cabos plosivo) e “BR-101”.
do em 1983 no Brasil, também lançado antes do Atari do joystick é pela dianteira do console, evitando-se Não apenas as etiquetas e as caixas dos cartuchos
2600 oficial. Este clone foi fabricado por uma empresa a dobra dos fios e a frequente quebra; a CPU (Uni- eram traduzidas; algumas pequenas empresas que pro-
sediada em São Paulo chamada Sayfi Computadores e dade de Processamento) do console, do tipo 6502, duziram cartuchos clonados também modificaram o
foi chamado Dactari (TV Computer System - 2600-A). A idêntica à do famoso microcomputador Apple II – código do software do jogo para substituir o nome do
produção inicial contou com 3000 unidades e foi ven- que permite o acesso de até 64KB de informações desenvolvedor/publisher por seus nomes ou então remo-
dida exclusivamente pela Computerland Store, tam- –, é muito mais poderosa que a empregada no Ata- ver completamente essas credenciais, buscando evitar
bém localizada em São Paulo. Tal como aconteceu com ri VCS (Jogomania, 1983, p. 11-14). questões jurídicas relacionadas à clonagem e à pirataria.

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Figura 6: Esquerda: jogo Enduro original, Activision; Direita: Enduro, Dynacom.


Fonte: Atari Mania.

Outros clones notáveis foram o CCE Supergame mos oferecer nosso produto com garantia, o que es- uma dessas empresas tentou entregar o melhor
VG-28008, na verdade um clone do Coleco Gemini sas fábricas não podem fazer” (Do Carmo, 1983, p. 25). equipamento junto com o melhor preço, e também
Norte-Americano, que assim como sua contrapar- No final, com a ajuda de uma enorme campanha as melhores ofertas de cartuchos. Toda criança e ado-
te norte-americana também trazia conectores de publicitária (aproximadamente 7 milhões de dóla- lescente queria ter um Atari em casa, não importava
joystick na parte frontal do console, e o Microdigi- res), criada pela grande agência de publicidade DPZ, se fosse o Atari oficial ou um clone. O mais impor-
tal Onix Junior “estilo militar”, que trazia um recur- de Washington Olivetto e Gabriel Zellmeister (Pase, tante era fazer parte dessa nova cultura de entreteni-
so inédito: um botão de pausa, algo que nenhum Tietzmann, 2017), o Atari oficial foi lançado pouco mento que estava começando a se formar no Brasil.
outro clone havia sequer tentado implementar. antes do feriado do Dia das Crianças. O slogan princi-
De acordo com Chiado (2013), as vendas de Natal de
Neste ínterim, a Polyvox adiava o lançamento do pal da campanha foi “O Atari da Atari”, aludindo à sua
1983 foram enormes, graças ao novo “brinquedo” ele-
Atari 2600 “oficial” no país. No entanto, este atraso qualidade supostamente superior em comparação
trônico chamado videogame, ou seja, o Atari oficial,
não parecia incomodar o gerente de marketing da com os vários clones disponíveis nas lojas. Também
licenciado pela Gradiente/Polyvox – apesar de todas
empresa, Gilson Cardoso, que disse em entrevista a enfatizava a qualidade superior dos cartuchos Poly-
um jornal, em 9 de setembro de 1983: “A capacidade vox, com manuais e caixas belamente trabalhados. as declarações da Reserva de Mercado, segundo as
de produção dessas fábricas [fabricantes de clones] é Assim, com dezenas de pequenas e médias em- quais o licenciamento de uma tecnologia estrangeira
pequena e não chega a afetar o desempenho previsto. presas de eletrônicos tentando vender seus consoles era proibido – e seus muitos clones e, em menor me-
Temos a maior rede de distribuição do Brasil e pode- Atari, a “guerra dos clones” havia começado. Cada dida, outros consoles como Odyssey e Intellivision.

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Figura 8: Propagandas de cartuchos oficiais da Atari, enfatizando a


Figura 7: Propaganda do Dismac VJ-9000, enfatizando a qualidade “originalidade” (e consequente superioridade) de seus produtos em
superior de seu joystick. relação aos clones (“compatíveis”).
Fonte: Atari Mania. Fonte: Atari Mania.

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1985: a plataforma MSX e seus clones um sistema operacional de disco muito semelhante ao atuar como um videogame) que poderia ser facilmente
Dois anos após o lançamento do Atari 2600 no Bra- MS-DOS dos IBM-PCs. Além disso, os primeiros compu- conectado aos periféricos da mesma marca (TVs, cas-
sil, bem como seus clones, as vendas da segunda ge- tadores MSX vinham com pelo menos 16KB de memó- setes, aparelhos de som, etc.) era uma maneira natural
ração de consoles (Atari 2600, Odyssey e Intellivision) ria de vídeo e podiam apresentar até 16 cores (o MSX2, de apelo ao público consumidor e de assim dominar
começaram a cair no país, de forma semelhante ao sucessor do MSX, exibia até 512 cores). O chip de som rapidamente o jovem e crescente mercado nacional
ocorrido em 1983 no cenário norte-americano. Ao mes- utilizado no MSX, o Yamaha YM2149 (PSG), podia tocar de computadores. Também é importante ressaltar
mo tempo, algumas empresas brasileiras de eletrôni- três vozes simultâneas (canais), algo que nenhum IBM- que essas empresas investiram milhares de dólares em
cos já haviam começado a clonar microcomputadores -PC da época poderia realizar. Tudo isso “empurrou” a campanhas publicitárias em várias e diferentes mídias,
estrangeiros, como o Apple II, o Sinclair ZX Spectrum e plataforma de computador MSX para o domínio dos como jornais, revistas, comerciais de rádio e TV.
a plataforma MSX. Uma vez que algumas dessas plata- games. Além disso, como o MSX era originalmente um Deste modo, a plataforma MSX acabou por se tor-
formas haviam experimentado sucesso com seus jogos projeto japonês (com sistema operacional desenvol- nar um grande sucesso no Brasil, no que tange aos
em seus países de origem, jogos que eram superiores vido pela Microsoft norte-americana, o acima citado computadores domésticos de 8 bits. No entanto, esta
em termos de capacidades gráficas e sonoras em rela- MSX-DOS), muitos desenvolvedores bem-sucedidos história seria apenas outra história comum, se não fos-
ção aos jogos do Atari, seus clones brasileiros seguiram de hoje começaram a desenvolver seus jogos para o se pelo fato de que tanto a Gradiente quanto a Sharp
na mesma linha. Na verdade, desenvolvedores de jo- MSX, como é o caso da mais que conhecida Konami, não tivessem permissão para produzir, distribuir e ven-
gos como Ocean e Konami foram as responsáveis por desenvolvedora e publisher da série Metal Gear Solid, der computadores com a marca MSX no Brasil, uma vez
muitos hits que tiveram início nestas plataformas, como que teve seu início justamente na plataforma MSX, que não possuíam os direitos de licenciamento da MSX
Head Over Heels e a série Metal Gear, respectivamente. com o título Metal Gear, de 1987, criado pelo famoso Association, proprietária da marca MSX à época. A falta
No Brasil, a Microdigital Eletrônica fabricou o clone do game designer Hideo Kojima (também criador da série de direitos legais ocorreu devido à mesma Política de
ZX Spectrum, chamado TK 90X; por sua vez, Gradiente de jogos cyberpunk Snatcher, lançado para o MSX2 em Reserva de Mercado/Lei de Informática mencionada
– a mesma empresa que lançou o Atari 2600 no país – e 1988). Devido a todos esses motivos, e provavelmen- anteriormente. Como, então, a mesma Gradiente, sob
Epcom (subsidiária brasileira da Sharp) lançaram clones te porque os computadores MSX eram fabricados por a sua subsidiária Polyvox, conseguiu produzir, distribuir
de MSX, chamados Expert e Hotbit, respectivamente. empresas de eletrônicos bem conhecidas por seu pú- e vender o Atari oficial 2600 no Brasil e não a platafor-
Ao contrário dos primeiros computadores IBM-PC blico consumidor, como Sony, Sanyo, Panasonic, Natio- ma MSX? O fato é que, de acordo com alguns empre-
(e compatíveis), os computadores MSX proporciona- nal, entre outras, a plataforma obteve grande respeito sários dos anos 1980, a política de reserva de mercado
riam uso especial para a programação e execução de no Japão e em outras regiões que produziram o MSX, funcionava apenas até “certo” ponto. Dependendo dos
jogos. Isso aconteceu, em grande medida, devido à sua como é o caso de alguns países europeus – a Philips foi relacionamentos que a empresa X ou Y tivesse com
configuração de hardware e software, ou seja, à sua pla- o principal fabricante e distribuidor da MSX na Europa. o governo federal em dado momento, este permiti-
taforma (Montfort, Bogost, 2009). Quase todos os com- Seguindo a mesma tendência, no Brasil, os com- ria que a empresa X ou Y explorasse um determinado
putadores MSX contavam nativamente com conexões putadores MSX também seriam fabricados por duas mercado no país. Além disso, como na época não havia
de áudio, vídeo e TV, portas para conexão de joysticks grandes e bem respeitadas empresas de eletrônicos, grande monitoramento de empresas estrangeiras para
e slots de cartuchos, e vinham de fábrica com a lingua- Gradiente e Sharp. Essas duas empresas já eram conhe- o que acontecia dentro do Brasil – em grande medida
gem de programação BASIC embutida em sua ROM, cidas por seus aparelhos de TV e áudio domésticos, e o o próprio governo militar “blindava” o país dos olhares
além de contar com a possibilidade de uso do MSX-DOS, lançamento de um computador (que também poderia estrangeiros, às vezes era mais fácil e rápido partir para

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A guerra dos clones: transgressão e criatividade na aurora dos videogames no Brasil

a clonagem do que esperar muitos meses ou até anos dos na forma de fita cassete, já que a plataforma MSX o início da proliferação de softhouses, “microempresas”
e ainda gastar milhares dólares aguardando um acordo trazia como configuração padrão uma conexão entre o (registradas ou não) que costumavam vender um paco-
comercial com empresas estrangeiras. computador e um gravador de áudio, algo comum com te de jogos piratas (gravados em cassete ou em disque-
Como ocorreu com os cartuchos Atari, muitos jogos outros microcomputadores da década de 1980, como o tes) por um preço fixo. Em pouco tempo, estes peque-
MSX clonados (cartuchos) também tiveram suas caixas e Commodore 64 e o ZX Spectrum. Isso permitiu que jo- nos espaços seriam tomados por jovens proprietários
rótulos modificados, bem como seu código de software, gos fossem vendidos a um preço mais baixo, mas tam- de computadores de tais plataformas que passavam
pelo mesmo motivo: evitar problemas legais dos desen- bém facilitou o ato de piratear esses jogos, já que era tardes inteiras nas softhouses, assistindo aos novos “lan-
volvedores e publishers de jogos, como é o caso dos jo- bastante fácil copiar o conteúdo de uma fita cassete, çamentos”, conversando com os vendedores e, eventu-
gos da Konami publicados pela Gradiente. Estas modifi- tão fácil quanto copiar uma fita de música. Deste modo, almente, comprando alguns jogos para jogar em casa.
cações acabaram por tornar tais jogos mais “amigáveis” muitas empresas começaram a extrair os arquivos dos A “penetração” de tais práticas possibilitou aos pro-
aos jogadores brasileiros, já que muitas dessas versões jogos dos cartuchos, o que é conhecido por ROM dum- prietários brasileiros de MSX, numa era pré-globaliza-
tinham os menus traduzidos para o Português, assim ping, num primeiro momento em fitas cassete e, pos- ção e pré-Internet, obter acesso antecipado a títulos
como o material gráfico (caixas, encartes, manuais, etc.). teriormente, em disquetes. Como não havia nenhum que acabavam de ser lançados no exterior. Posso citar,
Embora muitos jogos MSX fossem encontrados na dispositivo de proteção contra cópia naquela época, a como exemplo próprio, meu primeiro contato com o
forma de cartucho, estes também eram disponibiliza- proliferação de jogos piratas foi enorme. Também foi jogo Knightmare, desenvolvido pela Konami para o sis-
tema MSX, que ocorreu no mesmo ano do seu lança-
mento no Japão, 1986. Certamente se não fosse pelas
práticas de clonagem e pirataria, não teria conhecido
este jogo tão rapidamente – talvez um dos mais impor-
tantes jogos que moldariam minha vida como jogador
e pesquisador de videogames. Para fins de compara-
ção, consegui adquirir a versão original de Knighmare
– completo, com cartucho, caixa e manual – apenas no
ano de 2011, via MercadoLivre.
No que tange aos computadores clássicos e aos
jogos retrô, a plataforma MSX possui uma das comu-
nidades mais importantes e ativas do Brasil. A lista de
discussão MSXBR-L, fundada em 1995, é a maior comu-
nidade de usuários e fãs de MSX no País, com centenas
de e-mails trocados a cada mês. A plataforma também
foi uma das primeiras a fornecer acesso à programação
Figura 9: Esquerda: jogo Hyper Olympic 1, Konami; Direita: versão da Gradiente para o mesmo jogo, com título em Portu-
de jogos para jovens brasileiros naquela década.
guês, imagem modificada (com grande abordagem cômica) e nenhuma menção à desenvolvedora Konami.
Fonte: arquivo pessoal do autor.

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A guerra dos clones: transgressão e criatividade na aurora dos videogames no Brasil

te optou por clonar o console japonês (Chiado, 2016).


Aproveitando o desenvolvimento já iniciado da “carca-
ça” para o que seria a versão nacional do Atari 7800, a
Gradiente optou por utilizar a mesma carcaça para seu
clone de NES. Ao final, o Phantom System acabou com
aspecto visual muito semelhante ao Atari 7800 norte-a-
mericano. Além disso, a empresa aproveitou o mesmo
design do controle do SEGA Mega Drive no controle do
Phantom System, talvez um dos clones brasileiros de
NES mais conhecidos até de os dias hoje.
É importante ressaltar que o Phantom System era
totalmente compatível com a versão norte-americana
do NES, ou seja, permitia que os cartuchos de 72 pinos
fossem usados normalmente. No entanto, seus contro-
les usariam o mesmo tipo de conexão usado pelo Ata-
ri 2600 e a plataforma de computador MSX (conexão
DB-9) e por isso não era compatível com os controles
originais do NES.
Figura 10: Phantom System, com seus 2 controles, pistola de luz e o cartucho que vinha Outro clone de NES lançado no Brasil foi o Dynavi-
com o console: Ghostbusters.
sion II, fabricado pela mesma empresa que produziu
Fonte: Mercado Livre.
um dos clones Atari 2600 (o Dynavision, da Dynacom).
O Dynavision II permitia a utilização de cartuchos Nin-
tendo de 60 pinos, por isso era diretamente compatível
com cartuchos japoneses do Famicom. No entanto, não
1989: a plataforma NES e seus clones Talvez o clone NES mais notável lançado no Brasil era necessário importar cartuchos do Japão, uma vez
Com o lançamento da plataforma NES em 1985 na tenha sido o Phantom System, fabricado pela Gradiente que a Dynacom (e outras empresas) também fabrica-
América do Norte, os consoles de videogames retor- (a mesma empresa que lançou o Atari oficial e o clone vam cartuchos de 60 pinos, e também era possível usar
nariam do “limbo” de dois anos, após o crash de 1983. de MSX Expert). Segundo Chiado (2016), no final da dé- um adaptador de 72 a 60 pinos para usar cartuchos do
Como o Brasil ainda estava sob a jurisdição da Reserva cada de 1980, a Gradiente deveria lançar oficialmente o NES americano ou clones brasileiros, como os cartuchos
de Mercado, a prática de clonagem continuava sendo Atari 7800 no Brasil, mas o acordo com a Atari Norte-A- do sistema Phantom System.
executada. Entre 1988 e 1989, várias empresas brasilei- mericana não foi realizado. Tendo observado o sucesso Tal como aconteceu com os cartuchos clonados de
ras começaram a fabricar seus clones NES, compatíveis recente do NES em todo o mundo e junto a isso a difi- Atari 2600 e MSX, os fabricantes de brasileiros de car-
ou com o sistema americano ou com o sistema japonês culdade de se negociar com a Nintendo Japonesa para tuchos NES também traduziram seus rótulos e caixas,
(cartuchos de 72 ou 60 pinos, respectivamente). tentar lançar oficialmente o NES no Brasil, a Gradien- bem como substituíram conteúdos in-game, para evi-

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tar problemas com desenvolvedores e/ou publishers de


jogos. Um excelente exemplo é o clássico Super Mario
Bros.: fabricantes brasileiros costumavam mudar artes
de rótulos e caixas, traduzir títulos e também retirar re-
ferências aos desenvolvedores e publishers originais. A
versão produzida pela Gradiente teve seu título (rótulo
e caixa) traduzido para Super Irmãos. Na tela inicial, de
menu, a empresa retirou o título do jogo, Super Mario
Bros., deixando apenas as opções de número de joga-
dores. Outra empresa a produzir clone do mesmo jogo,
a Dismac, traduziu o título do jogo para Super Mário
(com acento agudo na letra A; acento este que não exis-
te no título original). Na tela de abertura, a Dismac subs-
tituiu o título do jogo por uma imagem do personagem,
imagem esta originalmente presente noutro clone
(provavelmente de origem chinesa) do mesmo jogo.
Conforme apontado anteriormente, a década de
1990 veria o fim da Reserva de Mercado/Lei de Infor- Figura 11: Esquerda: Super Mario Bros. original (Nintendo); Centro: Super Irmãos (Gradien-
te/Phantom System); Direita: Super Mário (Dismac).
mática, fato que ficou conhecido como “abertura do
Fonte: arquivo pessoal do autor.
mercado”. Neste novo cenário político e econômico,
empresas estrangeiras como Nintendo, SEGA e Sony
dominariam o mercado brasileiro de videogames (em
consoles de videogames) e a era da clonagem chegaria
ao fim. Em 1993, a Playtronic, outra subsidiária da Gra-
diente, lançaria oficialmente o Super Nintendo no Brasil
(apenas dois anos e meio após seu lançamento no Ja-
pão). Em 1997, a mesma Playtronic distribuiria o Ninten-
do 64 no país. Por outro lado, uma vez que a importação
de bens agora era permitida, o console Sony Playstation Figura 12: Esquerda: tela de abertura de Super Mario Bros. original (Nintendo) Centro: tela
poderia ser encontrado em diversas lojas de informáti- de abertura de Super Irmãos (Gradiente/Phantom System) com título do jogo logo extraí-
ca do país. Com o início da era do CD nos videogames, do; Direita: tela de abertura de Super Mário (Dismac), com o título do jogo alterado.
um novo ciclo de pirataria começaria em breve no país. Fonte: arquivo pessoal do autor.

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Considerações finais: clonagem e pira- destinadas aos jogos e à computação pessoal, como as * Mais comum entre proprietários de microcompu-
taria como fatores-chave para o estabe- revistas MSX Micro, CPU MSX, INPUT, entre outras, que tadores, a prática de venda de jogos (piratas) certamen-
lecimento de mercado incipiente de vi- destinavam grande parte de seu conteúdo à divulga- te proporcionou uma grande expansão do acesso a tí-
deogames na década de 1980 no Brasil ção e reviews de lançamentos de títulos, assim como à tulos diversos. Como os jogos eram copiados (em fita
A complicada situação econômica e política no Bra- programação de jogos. cassete ou disquete), o valor unitário era bem inferior
sil, durante a década de 1980, favoreceu a proliferação ao preço de um jogo de console (em cartucho), o que
de consoles de videogames no país, através de seus clo- - Conhecimento de características, gêneros e mecâ- tornava mais fácil a obtenção de grande quantidade
nes, apesar da Política de Reserva de Mercado; na ver- nicas empregadas em videogames: de títulos, que poderiam então ser experimentados e
dade, muito “por causa” dela. A “criatividade” brasileira * Pela primeira vez os usuários de consoles e micro- avaliados por seus usuários, que construíam grandes
e também um certo ethos, aquilo que muitos chamam computadores tiveram acesso a diversos gêneros de bibliotecas de jogos.
de “jeitinho Brasileiro”, contribuíram para a dissemina- jogos e assim puderam experimentar e conhecer mecâ- Estes são apenas alguns aspectos que, ao meu ver,
ção de consoles de videogames no país, alguns deles nicas distintas neles empregadas, como jogos de plata- contribuíram para que o mercado (formal ou informal)
com melhorias em seus recursos. forma (Donkey Kong, Super Mario Bros.), side-scrollings de games no Brasil pudesse se estabelecer ainda no fi-
Isso permitiu ao público brasileiro ter contato com (Pitfall, Double Dragon), shoot’em-ups (Space Invaders, nal dos anos 1980, início dos anos 1990. Deste modo,
consoles de videogames relativamente cedo, tendo em Knightmare), adventures (Angra, jogo nacional desenvol-
este trabalho buscou desenvolver a hipótese de que
vista as dificuldades enfrentadas numa era anterior à vido para MSX), esportes (Decathlon, Track’n Field), etc.
sem as práticas de clonagem e pirataria de videogames
globalização e à Internet, o que levou ao que eu chamo que ocorreram ao longo da década de 1980, justamente
de início de uma cultura de videogames no país. Se não - Campeonatos de videogames:
por causa das restrições impostas pela Reserva de Mer-
fosse pelos clones e pela pirataria de jogos, essa cultura * Várias empresas e organizações brasileiras, como
cado, os brasileiros teriam tido ao menos uma década
começaria, acredito, pelo menos uma década depois. SESC, organizavam campeonatos de videogames, des-
de atraso antes que pudessem ter amplo contato com a
Dentre alguns aspectos que poderiam apontar para de a era do Atari 2600. Estas competições eram divulga-
grande ecologia dos jogos eletrônicos.
uma emergente cultura de videogames no Brasil, ainda das pela grande mídia e reuniam dezenas e centenas de
Como aponta Zielinski (2006), parece bastante im-
no início da década de 1980, poderíamos relacionar: competidores em torno de um mesmo título.
- Conhecimento de títulos e desenvolvedoras de vi- portante “cavar” cada vez mais profundamente deter-
deogames: - Clubes de videogames: minado período de tempo de uma determinada mídia,
* Além dos jogos para Atari 2600, os usuários de * Semelhantes às vídeo-locadoras da época, os procurando trilhas e traços desconhecidos, não obser-
consoles e microcomputadores dos anos 1980 tive- clubes de videogames possibilitavam que seus sócios vados, esquecidos, que foram deixados de lado ou para
ram acesso rápido a títulos de jogos que acabavam de alugassem jogos mediante pagamento de uma quantia trás, se o que se quer é entender melhor determinada
ser lançados em seus países de origem, como Double fixa mensal; desta forma, os proprietários de consoles mídia e sua relação com os diversos aspectos culturais,
Dragon e Metal Gear, além de desenvolvedoras como não ficavam restritos aos títulos disponíveis no merca- econômicos e sociais que sempre rodeiam qualquer fe-
Taito e Konami, através dos jogos desenvolvidos para do nacional, já que muitos destes clubes tinham acesso nômeno de mídia; sobretudo os videogames, este (ain-
NES e MSX, por exemplo. Este conhecimento era ain- a títulos ainda inéditos no Brasil. da) jovem objeto novo-midiático.
da reforçado pela grande quantidade de publicações - Negociação e troca (pirataria) de jogos:

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A guerra dos clones: transgressão e criatividade na aurora dos videogames no Brasil

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com/>. Acesso em: 15 jul. 2017. em: <http://www.midiaindependente.org/pt/
blue/2005/02/308819.shtml>. Acesso em: 15 dez. 2017. 3 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
CHIADO, M. 1983: o ano dos videogames no Brasil. São leis/L7232.htm>. Acesso em: 15 jul. 2017.
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Paulo: Edição do autor, 2013.
Enemy: The Role of Advertising During Atari’s Launch in 4 Muitas das empresas que desenvolveram clones aca-
Brazil in 1983. Kinephanos: revue d’études des médias
DACTARI. In: Video News Nº 10. São Paulo: Sigla, 1983. baram adquirindo os componentes necessários (“im-
et de culture populaire. v. 7, nov. 2017. Disponível em:
portados”) através de meios ilegais (como, por exem-
<http://www.kinephanos.ca/Revue_files/2017_Pase_
DO CARMO, João. “O Atari da Polyvox já está pronto”. plo, através de contrabando do Paraguai) ou através
Tietzmann.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2017.
In: Folha de São Paulo, ed. 7/9/1983. São Paulo: Grupo de brechas legais na Reserva de Mercado.
Folha, 1983. PLANALTO. Lei 7232, de 29 de Outubro de 1984.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 5 Durante a Reserva de Mercado algumas empresas
HUHTAMO, E; PARIKKA, J. Media Archeology. Oakland: leis/L7232.htm.> Acesso em: 15 jul. 2017. brasileiras foram registradas de forma homônima a
Univ. of California Press, 2011. empresas estrangeiras já estabelecidas, a fim de ob-
WIKIPEDIA. Disponível em: <www.wikipedia.com> ter alguma atenção do público em geral, que era, por
IKEHARA, H. A reserva de mercado de informática no Acesso em: 20 fev. 2018. assim dizer, “enganado”. Este foi o caso da Sharp, fabri-
Brasil e seus resultados. In: Akropolis. Vol. 5, N ° 18, 1997. cante de um dos modelos brasileiros de MSX. Neste
ZIELINSKI, S. Arqueologia da Mídia. São Paulo: caso em particular, a companhia homônima japonesa
JOGOMANIA. In: Videomagia Nº 12. Rio de Janeiro: Annablume, 2006. acabou por firmar uma parceria com a empresa brasi-
Editora Semente, 1983. leira.
Notas
1 Trabalho apresentado no GP Games, XVII Encontro 6 Disponível: <http://www.mercadolivre.com.br/>.
MARQUES, I. Reserva de Mercado: um mal entendido
dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
caso político-tecnológico de sucesso democrático e
componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências 7 Antes de ser chamado de Atari 2600, o nome do con-
fracasso autoritário. In: Revista de Economia, vol. 24.
da Comunicação. sole era Atari VCS (Video Computer System).
Curitiba: UFPR, 2000.
2 Doutor em Comunicação pela Universidade Federal 8 Assim como Gradiente, a empresa que licenciou o
MERCADO LIVRE. Disponível em: <http://www.
do Rio de Janeiro (2012). Mestre em Comunicação pela Atari 2600 no Brasil, a CCE também foi uma empresa
mercadolivre.com.br/>. Acesso em: 15 dez. 2017.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Profes- de eletrônicos bem conhecida em todo o país, reco-
sor do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Coti- nhecida pelos seus aparelhos de TV e som com preços
MONTFORT, Nick; BOGOST, Ian. Racing the Beam: The
diano da Universidade Federal Fluminense (Universi- mais populares.
Atari Video Computer System. Cambridge/MA: MIT
dade Federal Fluminense, Centro de Estudos Gerais,
Press, 2009.
Instituto de Artes e Comunicação Social. Rua Professor

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