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SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 2917 - DF (2021/0102573-4)

REQUERENTE : DISTRITO FEDERAL


ADVOGADOS : LUÍS FERNANDO BELÉM PERES - DF022162
IDENILSON LIMA DA SILVA - DF032297
REQUERIDO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIAO
INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

DECISÃO

Cuida-se de suspensão de liminar e de sentença proposta pelo DISTRITO


FEDERAL contra decisão proferida pelo desembargador relator do Agravo de
Instrumento n. 1011503-98.2021.4.01.0000, em trâmite no Tribunal Regional Federal da
1ª Região.

Narra que se trata, na origem, de ação civil pública movida pela Defensoria
Pública da União em desfavor do Distrito Federal, da União, da ANTT e da Companhia
do Metropolitano do Distrito Federal/MTRÔ-DF, sob o argumento de ineficiência das
políticas de contenção da pandemia de covid-19 adotadas pelas entidades públicas
arroladas no polo passivo, sobretudo insuficiência de leitos de UTI para fazer frente às
necessidades de atendimento que decorrem do recrudescimento da pandemia, o que leva à
conclusão, segundo defende, de necessidade de fortalecimento das políticas de
isolamento social.

A 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal negou a tutela


provisória de urgência pleiteada contra o Distrito Federal, sob o argumento de que, ainda
que os dados sejam alarmantes, o Distrito Federal adotou diversas medidas de
enfrentamento da pandemia, com destaque para a limitação de circulação das 22h às 5h
da manhã, fechamento de diversas atividades, além da abertura de leitos de UTI, bem
como o reforço nas medidas de fiscalização.

Contudo, explicita que, com a previsão da retomada de certas atividades


econômicas em 29 de março de 2021, a Defensoria Pública da União fez novo pedido de
tutela de urgência, o qual foi deferido em primeira instância.

Descreve que, durante o plantão judicial, em 1º/4/2021, o Distrito Federal


interpôs agravo de instrumento (AI n. 1011503-98.2021.4.01.0000), ao qual foi conferido
efeito suspensivo, Entretanto, em 8/4/2021, sobreveio decisão do desembargador relator
do agravo de instrumento em referência, revogando o efeito suspensivo anteriormente
concedido em plantão, restaurando os efeitos da decisão proferida na Ação Civil Pública
n. 1012643-55.2021.4.01.3400, com a determinação de suspensão da retomada das
atividades econômicas no Distrito Federal.

Esclarece que a questão de fundo envolve a aplicação escorreita da legislação


federal, mais precisamente da discricionariedade técnica envolvida na aplicação do art.
3º, §1º, da Lei n. 13.979/2020.

Defende que a decisão impugnada representa grave violação da ordem pública,


em sua dimensão jurídico-administrativa, por representar invasão da discricionariedade
técnica do Distrito Federal na implementação das medidas de contenção à disseminação
da covid-19 previstas na Lei n. 13.979/2020, bem como em sua dimensão jurídico-
processual, já que, segundo argumenta, a Justiça federal é manifestamente incompetente
para processar e julgar demandas em desfavor do Distrito Federal, em relação às quais
não se apresente nenhum interesse da União ou de entidades da administração indireta
federal.

Aduz, ainda, que a avaliação dos dados científicos que servem de base à
restrição e à liberação de atividades econômicas encontra-se englobada pela
discricionariedade técnica, configurando prerrogativa do administrador público de, com
base em informações obtidas pela vigilância epidemiológica, decidir pelas providências
administrativas que entenda tecnicamente mais adequadas.

Alega também que, para flexibilização de medidas e retomada das atividades


econômicas no Distrito Federal, foi considerada a redução aguda no número de novos
casos e da taxa de transmissão, o que indicou que as medidas restritivas que
implementadas até o dia 29/3/2021 haviam sido eficazes na mitigação da disseminação da
covid-19.

Destaca que os dados relativos à disseminação da covid-19 no Distrito Federal


continuam a apresentar melhoras, conforme boletim epidemiológico anexo, do dia
7/4/2021, e consoante dados insertos no link http://info.saude.df.gov.br/covid-resumo-
executivo.

Ressalta que há inúmeras pessoas passando dificuldades econômicas severas


em decorrência das restrições a atividades econômicas impostas pelo combate à
disseminação da covid-19, devendo ser buscado o equilíbrio entre a preservação da saúde
da população e a manutenção das suas condições de sobrevivência.

Enfatiza que a situação econômica vivenciada por diversas pessoas é


calamitosa, uma vez que muitos trabalhadores estão a passar fome, precisando trabalhar
para adquirir a subsistência do dia a dia, não podendo, dessarte, esperar até que toda a
população esteja vacinada.

Defende, ainda, que não podem os cidadãos do Distrito Federal sofrer a todo o
momento os influxos de decisões judiciais sobre as políticas de gestão administrativa,
alterando organização de suas vidas, prejudicando uma estabilidade mínima na rotina da
população em tempos já tão difíceis.
É, no essencial, o relatório. Decido.

A suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo ao


requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave aos bens jurídicos tutelados
pela legislação de regência, quais sejam, ordem, saúde, segurança e/ou economia
públicas. Cuida-se de uma prerrogativa da pessoa jurídica de direito público decorrente
da supremacia do interesse público sobre o particular, cujo titular é a coletividade.

A mens legis do instituto da suspensão de segurança ou de sentença é o


estabelecimento de uma prerrogativa justificada pelo exercício da função pública, na
defesa do interesse do Estado. Sendo assim, busca-se evitar que decisões precárias
contrárias aos interesses primários ou secundários, ou ainda mutáveis em razão da
interposição de recursos, tenham efeitos imediatos e lesivos para o Estado e, em última
instância, para a própria coletividade.

Primeiramente, importa salientar que o Distrito Federal possui competência


para definir a política pública referente ao trato administrativo da pandemia de covid-19,
conforme ficou reconhecido por decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal
na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 6.341/2020, por meio da qual foi
decidido que as medidas adotadas pelo governo federal para o enfrentamento da
pandemia de covid-19 não afastam a competência concorrente, nem a tomada de
providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos
municípios.

O artigo 3º da Lei n. 13.979/2020 deve interpretado de acordo com a


Constituição Federal no sentido de que os estados, Distrito Federal e municípios possuem
competência comum para legislar e adotar medidas administrativas sobre saúde pública.
Segue trecho da ementa do julgado em epígrafe do Supremo:

REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DA


INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL.
DIREITO À SAÚDE. EMERGÊNCIA SANITÁRIA
INTERNACIONAL. LEI 13.979 DE 2020. COMPETÊNCIA DOS
ENTES FEDERADOS PARA LEGISLAR E ADOTAR MEDIDAS
SANITÁRIAS DE COMBATE À EPIDEMIA INTERNACIONAL.
HIERARQUIA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. COMPETÊNCIA
COMUM. MEDIDA CAUTELAR PARCIALMENTE DEFERIDA.
[...] (relator Ministro Marco Aurélio; relator para o acórdão Ministro
Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgamento em 15/4/2020, publicação em
13/11/2020.)

Bem assim, a Lei n. 13.979/20, art. 3º, §1º, estabelece que as autoridades, no
âmbito de suas competências, ao tomar as medidas restritivas, devem pautá-las em
evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, devendo
ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação
da saúde pública, o que significa dizer que o Distrito Federal tem competência, tal como
ratificado pelo Supremo, para definir a melhor estratégica administrativa para o
enfrentamento da pandemia de covid-19, tendo em mira o objetivo hercúleo de conciliar
dois interesses em conflito, a saúde e a economia, levando em consideração as
especificidades da comunidade distrital e os dados técnico-científicos a respeito do tema.

No caso em tela, explicite-se que está caracterizada a lesão à ordem pública à


medida que o Poder Judiciário, desconsiderando a presunção de legalidade do ato
administrativo, imiscuiu-se na seara administrativa e substituiu o Poder Executivo ao
interferir na execução da política pública desenhada pelo gestor público para combate à
pandemia de covid-19 na tentativa de conciliar saúde pública com o funcionamento da
economia e com suporte em informações fornecidas pela vigilância epidemiológica, as
quais indicaram melhora significativa dos dados relativos às notificações de novas
contaminações da covid-19 no Distrito Federal, bem como a redução significativa da taxa
de circulação do vírus.

Na presente hipótese, ressalte-se que o Distrito Federal tratou a questão


controvertida com base na análise de dados técnicos, fundamentando suas decisões
político-administrativas com apoio na ciência. Isto é, tais decisões não foram tomadas de
forma aleatória, mas sim estruturadas em bases científicas sólidas, que dão o suporte
necessário para que os interesses em conflito sejam ambos atendidos na melhor medida
possível.

Portanto, o Distrito Federal tomou decisão político-administrativa conciliatória


dos relevantes interesses em conflito, com suporte em estudos técnico-científicos, sem
descurar dos cuidados com a saúde pública e a importante preocupação com a proteção
da população contra a doença, mas também sem deixar de ter responsabilidade com
relação ao regular funcionamento da economia na medida do possível, que, ao final,
também diz respeito ao bem-estar dos cidadãos, o que ratifica a legitimidade de sua
postura administrativa.

Não se pode permitir que seja retirada dos atos administrativos do Poder
Executivo a presunção da legitimidade ou veracidade, sob pena de se desordenar a lógica
de funcionamento regular do Estado, com exercício de prerrogativas que lhe são próprias
e essenciais. O Poder Judiciário não pode, dessa forma, atuar sob a premissa de que os
atos administrativos são realizados em desconformidade com a legislação, sendo
presumivelmente ilegítimos. Tal concluir configuraria uma subversão do regime jurídico
do direito administrativo, das competências concedidas ao Poder Executivo e do papel do
Poder Judiciário.

Destaque-se que, segundo o princípio da separação dos Poderes, não pode


haver interferência indevida do Poder Judiciário na esfera de competência do Poder
Executivo, sem a caracterização de flagrante ilegalidade ou desvio de finalidade, que
poderia justificar, excepcionalmente, uma tomada de decisão substitutiva. Deve-se
assegurar concretamente o Estado Democrático de Direito.

No caso, não se vislumbra um vácuo na atuação técnico-administrativa do


Distrito Federal que pudesse justificar uma atuação judiciária substitutiva para suprir
eventual omissão administrativa.

Da mesma forma, não se verifica no caso a prática de ação administrativa


ilegal por parte do ente público que pudesse justificar uma intervenção corretiva do Poder
Judiciário.

Não se pode descurar que o longo caminho percorrido pela administração


pública, com sua expertise na área de saúde e da economia, até chegar à solução
desenhada, não pode ser substituído pelo juízo sumário próprio de decisões liminares, sob
pena de causar embaraço desproporcional ao exercício estável da atividade
administrativa, com possível ocorrência de efeito multiplicador que leva a um perigoso
desequilíbrio sistêmico do setor.

Ao interferir na legítima discricionariedade da administração pública, o Poder


Judiciário acaba por substituir o legítimo processo de construção especializada da política
pública escolhida por aqueles que foram eleitos pelo povo justamente para fazer esse tipo
de escolha.

Nessa senda, está caracterizada a grave lesão à ordem pública, na sua acepção
administrativa, em decorrência dos entraves à execução normal e eficiente da política
pública desenhada e estrategicamente escolhida pelo gestor público. E, conforme
entendimento há muito assentado no Superior Tribunal de Justiça, "há lesão à ordem
pública, aqui compreendida a ordem administrativa, quando a decisão atacada interfere
no critério de conveniência e oportunidade do mérito do ato administrativo impugnado"
(AgRg na SS n. 1.504/MG, Corte Especial, relator Ministro Edson Vidigal, DJ de
10/4/2006).

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR AJUIZADO


PELA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA.
REAJUSTE DA TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. PRESUNÇÃO
DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. Até prova cabal
em contrário, prevalece a presunção de legitimidade do ato
administrativo praticado pela Agência Nacional de Energia Elétrica -
Aneel. Agravo regimental provido" (AgRg na SLS n. 1.266-DF, relator
Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, DJe de 19/11/2010.)

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.


ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. INOCORRÊNCIA. MÉRITO
ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO
PODER JUDICIÁRIO. RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
[...]
3. Ao Poder Judiciário compete apenas o controle da legalidade do
ato administrativo, ficando impossibilitado de adentrar na análise
do mérito do ato, sob pena de usurpar a função administrativa,
precipuamente destinada ao Executivo.
4. Recurso a que nega provimento. (RMS n. 15.959/MT, relator
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, DJ de 10/4/2006, grifo
meu.)

AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE


SENTENÇA. AÇÃO POPULAR. INEXIGIBILIDADE DE
LICITAÇÃO. ASSESSORAMENTO. INTERFERÊNCIA INDEVIDA
DO PODER JUDICIÁRIO CARACTERIZADA. GRAVE LESÃO À
ORDEM PÚBLICA CONFIGURADA.
1. O Superior Tribunal de Justiça entende que o deferimento do pedido
de suspensão requer a demonstração de que a manutenção da decisão
impugnada causa grave lesão a um dos bens tutelados pela legislação de
regência.
2. Na hipótese dos autos, sob o pretexto de controle do ato
administrativo, houve clara lesão à ordem pública ao se substituir a
decisão administrativa pela decisão judicial, desconsiderando o
mérito administrativo, cuja construção de seu conteúdo é de
competência do Executivo, e não do Judiciário. Não cabe a este
Poder, dessa forma, atuar sob a premissa de que os atos
administrativos são editados em desconformidade com a legislação,
sendo presumivelmente ilegítimos. Tal conclusão configuraria
subversão da lógica do direito administrativo, das competências
concedidas ao Poder Executivo e do papel do Judiciário.
3. Analisar se o contrato administrativo celebrado entre a Copel e
Rothschild & Co. Brasil Ltda. para prestação de serviços de assessoria
financeira em processo de alienação de ações e ativos da Copel
Telecomunicações S.A. caracteriza ou não o requisito da singularidade
do objeto, pela existência de diversas empresas apta a satisfazer o objeto
perseguido pela estatal, é matéria de mérito da ação principal, que deve
ser suscitada nas instâncias competentes, e não na via suspensiva.
Agravo interno improvido. (AgInt na SLS 2.654/PR, relator Ministro
Humberto Martins, Corte Especial, DJe de 26/11/2020, grifo meu.)

Ante o exposto, defiro o pedido para sustar os efeitos da decisão proferida pelo
desembargador relator do Agravo de Instrumento n. 1011503-98.2021.4.01.0000, em
trâmite no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, até o trânsito em julgado da ação civil
pública n. 1012643-55.2021.4.01.3400.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 09 de abril de 2021.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Presidente

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