Você está na página 1de 11

A MULHER REPRESENTANTE DO PATRIARCADO

Laslei Aparecida Teles Petrilli1

RESUMO
Este ensaio expõe o caminho percorrido pela imagem do
feminino ao longo da história das organizações familiares, a
ferida pai-filha no perfil do pai, a ferida mãe-filha no perfil
da mãe e o reflexo dessas influências na postura feminina
diante de si mesma e em relação ao outro. Nesse objetivo,
foi elaborado um estudo de revisão bibliográfica aliado a
reflexões e buscas sobre inquietações femininas,
verificadas no exercício diário da profissão de psicóloga,
para concluir que a mulher se constitui num misto dessa
herança imposta tanto pelo masculino quanto por suas
próprias mãos e estão nela a força e a capacidade de
libertar-se.
Palavras-chave: Feminino. Patriarcado. Papéis pai e mãe.

THE WOMAN AS A PATRIARCHAL REPRESENTANT

1
Psicóloga formada pela Universidade São Francisco-SP, pós-graduada v. 4, n. 3, dezembro/2012,
e professora do curso de Psicologia do Centro Universitário UnirG-TO. UnirG, Gurupi, TO, Brasil
ABSTRACT
This essay exposes the way followed by the feminine
image through history in the family organizations, the
wound father - daughter in the profile of the father, the
wound mother-daughter in the mother´s profile and the
reflex of these influences in the feminine position looking to
herself but also in relation to the other. According to this
goal, a study reviewing the literature was elaborated
combined with reflections and searches on female
concerns, verified in the daily exercise of the profession of
psychologist, and in was concluded that the woman is
constituted by a mixture from this heritage imposed in
part by the masculine and also by her own hands in which
the force and capacity to be free can be found.
Key-words: Feminine. Patriarchal. Father and mother´s
role.

v. 4, n. 3, dezembro/2012,
UnirG, Gurupi, TO, Brasil
106

INTRODUÇÃO Com essa visão, este artigo


Ser mulher ao longo da expõe o caminho percorrido pelo
existência humana passou por conceito e atribuições femininas ao
momentos peculiares e característicos. longo da história das organizações
Ao voltar ao início das organizações familiares, e descreve padrões de
humanas encontram-se mulheres funcionamento de pais e mães
valorizadas, endeusadas, que influenciados pelo patriarcado e seu
posteriormente sofreram reflexo na figura feminina atual.
transformações em seus significados
culturais que definem e caracterizam as MÉTODO
mulheres nos dias de hoje. Este estudo se constitui numa
Diante de constatações, sejam revisão de conceitos existentes na
advindas de experiências clínicas, seja bibliografia pertinente sobre o papel da
na observação das relações sociais e mulher como representante do
nas mensagens subliminares da mídia patriarcado, aliada a reflexões advindas
como expressão da cultura vigente, de experiências clínicas na observação
instala-se um desconforto e o desejo das relações sociais e sua influência na
de busca de respostas, de postura feminina.
questionamentos, de críticas, tanto em
nível pessoal como em relação mais SIGNIFICADO DA MULHER AO
ampla acerca do ser humano feminino. LONGO DA HISTÓRIA DAS
Nessa busca foram encontradas ORGANIZAÇÕES FAMILIARES
autoras que possivelmente sofreram as A primeira organização citada
mesmas inquietações de algumas por estudos de Antropologia descreve a
mulheres atuais, senão da maioria família consanguínea que preconiza a
delas. Ao longo de dois anos, foram união por laços de sangue, havendo
pesquisadas obras e construídas intermatrimônio de irmãos e irmãs
reflexões que emergiram da prática carnais e colaterais no interior do
diária e que resultaram em um curso de grupo. Esse grupo marca a
extensão cujas colocações podem ser promiscuidade e o pai delimita o
parcialmente vislumbradas neste parentesco entre os demais.
trabalho. (MORGAN, apud MELLO, 1986).

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.


107

Observa-se, diante da figura manter o patrimônio – o patrimônio


formada por essas relações, que pode provém da evolução do trabalho
haver igualdade nas relações entre convertido em riquezas, bens e
homens e mulheres e não há registro propriedades.
de condenações ou discriminações de O surgimento dos interesses
gênero. Já na família punaluana existe ligados às riquezas coloca a mulher na
a divisão dos irmãos excluídos das condição de fidelidade e desigualdade
relações sexuais entre si, surgindo o na medida em que o adultério é
parentesco dos sobrinhos. A filiação considerado e castigado cruelmente
era concedida à mãe pelo dom de dar à para as mulheres, mas para os homens
luz e pelo privilégio de saber quais permanece o direito à poligamia. Pode-
eram seus filhos. (MORGAN, apud se, assim, refletir a ideia de que riqueza
MELLO, 1986). associada à ideia de poder, fálus, está
A mulher neste momento parece direcionada a seus representantes: os
ser dotada de poder pelo fato da homens.
evidência da maternidade detentora do Esta forma de relacionamento
saber e inegável parentesco sobre sua coloca o homem comandante das
prole, o que não parece ser da mesma riquezas e filiação, e exclui a
maneira com os homens nesta relação valorização anterior feminina pelo dom
de promiscuidade. de dar à luz, portanto uma considerável
A família sindiasmática, segundo perda de poder feminino. Percebe-se
Morgan (apud MELLO, 1986), reduz a que poder e riqueza estão
união a marido e mulher, ficando para o concentrados nas mãos dos homens e
homem o direito à poligamia e à mulher os filhos são dos pais pelo poder de
o dever da fidelidade. O adultério é deter as riquezas, deixando a mulher
cruelmente castigado e os filhos resignada ao poder masculino,
pertencem às mães. Este período contrariando a posição anterior de
marca a tendência à monogamia já que deusa que agora se configura como
as relações sociais evoluíram e objeto de reprodução de um homem
interesses econômicos surgiram com o poderoso.
desejo de garantia de partilha na A sequência dessa trajetória é a
herança. Os casamentos eram família patriarcal, com o pai como
arranjados com o objetivo de garantir e figura masculina poderosa que

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.


108

administra os bens e tem direito à papéis funcionais. A crença na


poligamia. As uniões são por interesses valorização do papel da mulher
e procriação para deixar herdeiros enquanto um indivíduo resistente, que
machos legítimos. Assim, o homem do abre mão de si e se sacrifica em nome
século XIX faz casamentos do outro.
programados entre parentes para Nas últimas décadas do século
manter propriedades sobre a proteção XIX a família conjugal determina
do patriarca que controla a vida dos membros com individualidade, mulher e
filhos, da esposa e das propriedades. filhos com permissão de adquirir bens,
A monogamia surgiu da o poder do pai mais limitado,
concentração de riquezas nas mesmas respaldado por lei que prevê a perda
mãos e do desejo de transmiti-las aos dele. Divórcio, maior liberdade sexual,
filhos legítimos. A família monogâmica autoridade mútua, mãe como
propõe a união entre um homem e uma educadora e suporte financeiro também
mulher pela necessidade de são características dessas famílias.
organização familiar e caráter Esta aparente evolução, descrita
econômico: herança para os filhos. À nas características da família conjugal
mulher resta a exigência da fidelidade e indicando avanços no relacionamento
a virgindade até o casamento na igreja. familiar, pode ser meramente aparente
A autoridade da figura masculina já que se observa na atualidade, entre
permeada por laços afetivos tradicionais famílias abastadas, por
caracteriza a família paternal. A mulher exemplo, os casamentos arranjados
ocupa o status de provedora e dona de com intuito da detenção de bens,
casa, DEUSA – Rainha do lar – Santa propriedades e riquezas.
da família – Maria. Sugere tantas Uma volta no tempo mostra
atribuições à sequência histórica da mulheres endeusadas pela capacidade
deusa poderosa por dar à luz de suportar as injustiças, caladas e
impregnada e valorizada das funções sem reclamar, e homens ainda
domésticas associadas à resignação vociferando direitos de macho
sofredora de Maria, a condenação de polígamo e promíscuo, com a filiação
ocupar este papel com capacidade como objeto de garantia de herança ou
valorizada na força em aguentar e de bens, defendida, em muitas
corresponder ao pequeno número de ocasiões, raivosa e

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.


109

inescrupulosamente pelos homens foram filhos de mulheres que se


detentores dos papeis que os submeteram ou pagaram um preço alto
configuraram proprietários. por se rebelarem. Derramaram sua
Observadas as relações fúria, seu amargo desgosto feminino
intrínsecas entre as partes, um olhar sobre seus filhos, maridos até chegar
subjetivo desta evolução lança dúvidas aos dias atuais.
no sentido da verdadeira conquista de Situa-se, aí, a importância da
uma configuração diferente. delimitação das influências dessas
São encontradas, nos dias figuras pai e mãe na condição de filhos
atuais, mulheres detentoras de poder, das heranças confusas, opressoras e
mães martirizadas, submissas, objetos discriminatórias anteriores.
de prazer nas mãos dos homens por
interesses financeiros, e mulheres- A RELAÇÃO PAI-FILHA: A FERIDA
meninas tímidas, fragilizadas, como “Agora todas as pragas que no
poderosas guerreiras com casca tênue ar são o destino das falhas dos
masculinizadas, mulheres “retocadas” homens revelam-se em suas filhas!”
lipoaspiradas, deformadas na tentativa (SHAKESPEARE, apud LEONARD,
de conquistar autoestima. Autoestima 1997, p. 23).
para quê? Para conquistar, ou Mulheres podem ter sido feridas
reconquistar, o status de deusa tanto pelo pai real quanto pela
sensual, sexual? Objeto de cobiça, sociedade patriarcal que em si mesma
disputa e prazer? De quem? A quem funciona como um pai deplorável,
estas mulheres estão tentando desvalorizando culturalmente a mulher.
agradar? Existe a ideia de que a elas Em ambos os casos a identidade
mesmas. Possivelmente estejam feminina, sua autoimagem, sua relação
certas. Mas o que de real está com a masculinidade e seu
enraizado neste querer senão funcionamento no mundo veem-se
corresponder às expectativas, fruto das prejudicados. (LEONARD, 1997).
imposições ao longo dessa construção Em nível pessoal existem meios
histórica? pelos quais a ferida (psíquica) pode
São filhas, netas, bisnetas, ocorrer. Um pai extremamente fraco
tataranetas de mulheres pressionadas, que causa vergonha, um pai ausente,
subjugadas, injustiçadas e seus pais negligente. Um pai complacente que a

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.


110

filha não consiga formar uma noção de autora, alguns pais pecam por
limites, valores e de autoridade. Ele indulgência, não estipulando limites a si
pode até apaixonar-se próprios, não desenvolveram sentido
inconscientemente pela filha, de sua própria autoridade interna por
mantendo-a presa a ele. Pode não terem estabelecido um critério de
depreciar o feminino porque seu ordem e disciplina, servindo de
próprio lado feminino foi sacrificado aos modelos inadequados ao feminino –
ideais de poder e autoridade macho- são os “eternos meninos”.
masculinos. Pode ser trabalhador, bem Os eternos meninos vivem no
sucedido, mas passivo em casa, um verão e primavera e são incapazes de
pai desligado. (LEONARD, 1997). vivenciar o outono e inverno, isto é,
Ainda segundo a autora, se o pai leves e superficiais, incapazes do
estiver envolvido com a filha de modo aprofundamento, impacientes e
comprometido e responsável, imediatistas, deixando a evidência da
colaborando para seu desenvolvimento impossibilidade de “agüentar”, de
nas esferas intelectual, profissional e suportar, indicando e salientando sua
espiritual, valorizando a singularidade fragilidade e não servindo de suporte e
feminina, isso resultará em um dano, direção à filha.
“ferida”, no espírito feminino da jovem. A consequência para filha é a
A ferida pai-filha é um evento fragilidade, vergonha, insegurança,
que acontece nas vidas das mulheres falta de autocontrole, disciplina e
como indivíduos: é cultural. Uma perseverança.
atitude autoritária, patriarcal, que Os pais duros erram pela rigidez,
desvaloriza o feminino, reduzindo-o a são frios, indiferentes, autoritários,
um número de papéis, qualidades enfatizam a obediência, o dever e a
relacionadas à imagem feminina racionalidade, insistindo para que suas
proposta, o pai coletivo está presente, filhas tenham a mesma atitude. A visão
subjugando pela força, impedindo o positiva deste tipo paterno é que pode
desenvolvimento a partir da sua gerar uma sensação de segurança,
essência. (LEONARD, 1997). estabilidade e estrutura, e a negativa é
A ferida precisa ser confrontada, a tendência a arrasar as qualidades
transformada e, para tal, é necessária a femininas de sensibilidade, doçura e
sua conscientização. Segundo a espontaneidade.

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.


111

Os danos à filha são além de por sua vez filha de outra e mais outra,
imediatos como futuros na medida em indicando uma herança de longo
que ela cresce e vai se firmando com tempo. Por este motivo, as colocações
mulher e as feridas se manifestando estão sob a ótica da filha, já que sua
seja na forma como ela se sente em mãe também é uma mulher ferida.
relação a si própria, como mulher, ser A mãe é responsável por uma
humano, seja como em seus considerável influência na visão de
relacionamentos com os homens e mundo de seus filhos e filhas, sendo o
outras mulheres. primeiro ser humano com quem estes
Muitas expectativas ou formas estabelecem relação de dependência,
de relacionamentos dessas mulheres o que leva a pensar o quanto a sua dor
são pautadas nesta primeira dinâmica é passada a eles.
da relação pai-filha e todos os Mãe e filha pautam uma relação
significados intrínsecos e individuais de sentimentos emaranhados e quando
que se formaram. entram em conflito muito se pode
Nota-se que a primeira relação, perceber a partir de sua natureza.
seja com o pai real ou simbólico Mesmo na aparente tranquilidade das
impregnado do patriarcado, influencia relações, podem-se observar emoções
decisivamente na forma com que essa conflitantes, dissimuladas, o que
filha vai lidar com sua feminilidade e na complica a relação deste par íntimo.
formação da sua identidade feminina. Elas não têm apenas que lidar com os
fatores pessoais e familiares que as
A RELAÇÃO MÃE-FILHA: A FERIDA confundem, como também com as
Eu estou em pé, no centro expectativas que vem do patriarcado.
da cidade morta
e amarro os sapatos vermelhos... (LEONARD, 2003).
Eles não são meus,
são de minha mãe Deve-se esclarecer que a
e antes foram da mãe dela,
e vão passando como herança, influência do patriarcado sofrida pela
mas escondidos, como cartas mãe a contaminou a ponto de torná-la
vergonhosas.
(ANNE SEXTON, apud LEONARD, sua representante, mesmo que
2003, p. 51).
inconscientemente.
Antes de qualquer colocação Segundo Leonard (2003), são
deve ser lembrado que a mãe é mulher quatro os padrões femininos maternos:
e antes de tudo foi filha de uma mulher a Mãe Dragão que é intensa, explosiva,

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.


112

furiosa, raivosa; a Mãe Doente que membros da família de modo que ela
controla a todos ao seu redor com a possa ser o centro, pois ela mesma
ameaça de sua fragilidade; a Mãe está partida em pedaços”. A filha desta
Santa e sua necessidade de ser boa e mãe doente, sentindo que precisa viver
mantém uma personalidade superficial com cautela, foi educada para sentir-se
e martirizada, esperando que os filhos culpada e insegura e ainda temendo
sigam seus passos; a Mãe Rainha desencadear o problema médico ou
Gelada que é dominadora, punitiva e emocional de sua mãe.
faminta por poder. A Mãe Santa ou mãe agradável
A mãe Dragão intimida suas demais parece gentil e positiva, e quer
filhas por meio do medo e as oprime conscientemente fazer o bem às suas
com raiva. Quando encontra oposição, filhas. Segundo Leonard (2003) as fere
reage exageradamente com emoção na medida em que instrui suas filhas a
extrema – às vezes lágrimas, às vezes reprimirem sentimentos naturais,
raiva. (LEONARD, 2003). Este tipo de especialmente raiva.
mãe grita, vocifera, e usa ameaças Frequentemente, as filhas carregam a
raiva não reconhecida de suas mães, e
para dominar e está sempre pronta ao podem ter consciência da raiva, mas
não de sua causa. [...] A filha, que
ataque. Isto é, “[...] se a filha é suave, carrega a raiva inconsciente da mãe,
não teve nenhum modelo feminino para
ela se sente terrivelmente humilhada e ajudá-la a aprender a canalizar esta
envergonhada pela insensibilidade de energia (LEONARD, 2003, p. 54).

sua mãe às outras pessoas. E ainda


Ainda segundo a autora, se a
[...] sente que não tem nenhuma
raiva da mãe é inconsciente a filha
chance diante de tal demonstração
poderá pensar que ela é culpada pela
constante de poder”. (LEONARD, 2003,
raiva, depressão, ansiedade e
p. 83).
vergonha da sua mãe.
A mãe Doente pode ter uma
A Mãe Rainha Gelada tem
doença física ou não e de qualquer
aparente força, mas esconde
maneira usa a doença para prender
inferioridade, anseia secretamente
seus filhos, emocional e
calor, mas afasta as pessoas com
psicologicamente, a ela. Leonard
respostas frias em relação aos seus
(2003, p. 96) afirma que “[...] ela
sentimentos. “A mãe Rainha Gelada
provoca confusão em sua filha, porque
retrai-se, rejeita e abandona.
vive no caos. Ela tenta dividir os
Frequentemente se congela numa
Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.
113

posição de superioridade com uma desenvolvendo valores e


características tipicamente masculinos.
racionalidade fria, e coloca um valor (STORNIOLO, apud PERERA,1985, p.
9).
supremo na ordem, na limpeza e na
perfeição”. (LEONARD, 2003, p. 63). Seja qual padrão de mãe
Esse perfil de mãe pune influenciou a filha é inegável sua
frequentemente as suas filhas com influência e delimitação do modelo,
críticas humilhantes e vergonhosas. causando a ferida. Os aspectos
Algumas filhas não conseguem receber demarcados na relação com a mãe, e
calor de outras fontes e, já tendo sido como ela própria lidou com sua
geladas pela frieza de suas próprias condição feminina, determinam um
mães, também se transformam em modelo de como a filha vai relacionar-
Rainhas Geladas, têm dificuldade em se com a sua própria condição feminina
receber amor e procuram motivos e todos os aspectos que envolvem a
ocultos já que aprenderam que totalidade dessa existência.
sentimentos calorosos tem um alto A mãe (que é filha) ferida pela
preço emocional e psicológico a ser relação de seus pais e pela forma com
pago. (LEONARD, 2003). que cada um pode lidar com o
feminino, numa cultura impregnada do
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES patriarcado, é uma vítima e pode ser
A sociedade patriarcal ou, como também alguém que vitimiza os seus,
diríamos hoje, machista, caracteriza-se consciente ou inconscientemente.
pela unilateralidade: dá primazia ao O pai, por sua vez, foi filho de
homem em detrimento da mulher, uma mãe-filha-ferida e pode ter sido
privilegia as dominantes masculinas à impossibilitado de desenvolver-se na
custa de rejeição e repressão das sua totalidade masculina sob essa
dominantes femininas. (STORNIOLO, influência.
apud PERERA, 1985). Os homens, por sua vez, perdem a
conexão com a sua interioridade, com
Mulheres e homens são defraudados sua anima: aparentemente eles estão à
na sua própria identidade e vontade na sociedade patriarcal;na
integridade.As mulheres são as vítimas realidade, porém, são seres humanos
maiores pois acabam perdendo a pela metade:escravizados pela
própria identidade consciente de ser percepção objetiva e pelo espírito de
mulher, cabendo-lhe uma escolha análise,consumidos pela rivalidade e
difícil:ou permanecem femininas, competição, eles acabam perdendo
ficando entorpecidas como a Bela todo contato com sua alma, deixando
Adormecida ou relegadas como a Gata de ser receptivos, sensíveis e
Borralheira, ou então, tem que adaptar- criativos.(STORNIOLO apud PERERA,
se ao mundo do homem, assimilando e 1985, p. 10).
Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.
114

de vítimas num ciclo que só poderá ser


A mulher pode ter perdido os
transformado na medida em que este
limites da sua feminilidade essencial
for conscientizado, encarado com
graças ao patriarcado, representado
coragem e profundidade.
tanto por homens quanto por mulheres,
A mulher é, hoje, um misto desta
pais e mães, marcados como filhos e
influência herdada, imposta tanto pelo
filhas e, nesse fluxo de vida
masculino quanto por suas próprias
continuada, repassam suas
mãos e estão nela a força e a
impregnações. De vítima a construtora
capacidade de libertar-se.

REFERÊNCIAS

LEONARD, Linda Schierse. A mulher ferida: em busca de um relacionamento


responsável entre homem e mulher. São Paulo: Summus,1997.

______. 1937. E a louca tinha razão!: canalizando a explosão dos instintos para uma
vida criativa. São Paulo: Summus, 2003.

MELLO, Luís Gonzaga. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. Petrópolis:


Vozes, 1986

PERERA, Sylvia Briton. Caminho para a iniciação feminina. São Paulo: Paulinas,
1985.

_____________________
Recebido em: 06 out. 2012
Aprovado em: 04 dez. 2012

Rev. Cereus, v. 4, n. 3, p. 104 a 114, dezembro/2012, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.

Você também pode gostar