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30/09/2015
O lulismo é em si uma tecnologia de gestão dos con itos, via sua extensão que vai
de movimentos sociais e sindicatos ao secretário geral da república. Por Leo
Vinicius
O lme de Anna Muylaert, Que horas ela volta?, tem sido frequentemente
interpretado como uma representação de mudanças sociais ocorridas no Brasil,
que por sua vez são associadas frequentemente ao lulismo. Mudanças essas que
atingiriam relações de classe, como no caso vivido pela empregada doméstica Val,
protagonista do lme. A tensão que acirra con itos e leva à transformação é
impulsionada pela nova geração que entra em cena, no caso, Jessica, a lha de Val.
A Unimed teve crescimento exponencial nos últimos 20 anos e diversi cou sua forma de
atendimento inicial (consultório-médico-paciente) para uma rede de serviços com remoções
de urgência, assistência domiciliar a recém-nascidos, novos hospitais próprios, sioterapia,
etc. “Ao invés de elevar o seu quadro de médicos-cooperados, optou por contratar terceiros,
sob diversas formas, em especial como cooperados não vinculados e como pessoas jurídicas”,
explicam os procuradores do Trabalho que ajuizaram a ação [6].
Diego Tavares dos Santos, na sua dissertação de mestrado A fábrica em que o Lula
nunca entrou, estuda os mecanismos de dominação na Termomecanica São Paulo
S.A., uma fábrica na região do ABC, na qual nunca houve greve e que se tornou uma
“ilha antissindical” em meio à insubordinação reinante
das fábricas da região durante as lutas operárias do
nal dos anos 1970. Uma fábrica onde foi construída
uma relação de lealdade dos operários com os patrões.
Se Lula representava a insubordinação naquele
contexto e no seu papel, o lulismo é o seu reverso.
No documentário produzido pela Repórter Brasil, Jaci: Sete Pecados de Uma Obra
Amazônica, se tem uma interessante amostra da revolta e insubordinação de
milhares de operários da construção da usina hidrelétrica de Jirau. Além disso,
precioso nesse documentário é o retrato do papel que a CUT [Central Única dos
Trabalhadores] e o então secretário geral da presidência, Gilberto Carvalho,
desempenhavam. A obra de Jirau foi uma “fábrica” em que o lulismo não entrou. A
máquina de apassivamento da classe trabalhadora que constitui e é a essência do
lulismo, como ca claro nas práticas apresentadas no documentário, esteve
ausente. Tentou fazer-se presente após a revolta, mas com nenhum ou pouco
sucesso, como deixa entender o documentário [7]. Não à toa a subordinação em
Jirau é restabelecida com a presença da Força Nacional.
A leitura dos ataques que a NR 12 vem sofrendo por parte da patronal parece trazer
um bom indício do apassivamento da classe trabalhadora na “fábrica” principal do
lulismo. Com a justi cativa de que as medidas de proteção trariam um custo que as
indústrias não poderiam suportar, a aplicação da NR 12 tem sido postergada e
atualmente tenta-se revogá-la pela via juridicamente descabida de um Decreto
Legislativo. A tentativa patronal de revogar uma NR é de fato a tentativa de
desfazer o que eles próprios consensualizaram na comissão tripartite que
formulou a NR. É a tentativa de voltar atrás num acordo. A leitura que se pode fazer
é de que os empresários já não percebem mais necessidade de dar anéis para não
perder dedos. Percebem que não precisam mais sentar à mesa em comissões
paritárias, não precisam ceder, porque não há força do outro lado, não há con ito
que justi que que os interesses dos trabalhadores sejam levados em conta.
Certamente a desmobilização e o esvaziamento do con ito industrial estão longe
de ser resultado apenas do lulismo; para isso contribui de forma determinante a
capacidade de deslocamento do capital, a tendencial descentralização da produção
e fragmentação dos trabalhadores etc.
Se pelo menos desde os anos 1990 o Ministério do Trabalho vem perdendo peso
político e sendo esvaziado, o que pode ser explicado pelas transformações na
organização da produção e consequente redução dos con itos que a impactam, na
década do lulismo essa perda de peso e esvaziamento se intensi cou. Prova disso é
o fato da proporção entre Auditores Fiscais do Trabalho e trabalhadores nunca ter
sido tão baixa desde o início dos anos 1990. Proporção essa que descumpre as
determinações da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Ora, o lulismo é
em si uma tecnologia de gestão dos con itos, via sua extensão que vai de
movimentos sociais e sindicatos ao secretário geral da república. O papel do
Ministério do Trabalho é esvaziado assim no seu âmago, pois mais do que nunca
não são através de seus aparelhos e recursos que fundamentalmente são
administrados os con itos trabalho-capital.
Na hora em que Lula voltar a questão que ca é qual tecnologia ele terá às mãos
para apassivar, já não uma classe trabalhadora industrial, empregada, formal, mas
uma com proletarização descendente, oposta àquela vivida por Val.
Notas
[3] Marx, Karl. Teorias da Mais-Valia v.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1980, pp.137.
[8] Sobre o ressentimento dos pequenos patrões na sua relação de classe, com a
corrupção e com o fascismo – e hoje cada qual é transformado em pequeno patrão
de si mesmo – ver “Entre a luta de classes e o ressentimento. A propósito do artigo
«Cadilhe, o “coveiro rico”»”, de João Bernardo.