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CRITICA AO JUSNATURALISMO- CASO EXPLORADORES DA CAVERNA

Antes de adentrarmos neste conteúdo precisamos entender a corrente jus-filosófica do


direito natural. O conflito entre o jus positivismo e o jus naturalismo, é, se não, uma das
discussões mais calorosas nos meios universitários. Isso se deve pelo fato de tais pensamentos
abrangerem diversas perspectivas acerca do direito e sobre o que é o certo e o errado.
Entretanto, devemos nos ater um pouco mais a lógica do jus naturalismo, por estar
intrinsecamente relacionado ao infeliz caso dos exploradores da caverna.

É notório sabermos o conceito do que é o direito natural. Ora, o direito natural nada
mais é do que uma filosofia que transcende ao homem, ou seja, seria o direito que está
intrínseco a natureza humana, geralmente essa ideia tenta atender aos desejos naturais do
homem abrangendo seu “senso de justiça”. Mas, me questiono, o que seria esse senso de
justiça tão defendido pelo jus naturalista? Pergunta complexa que necessita, sim, de uma
resposta complexa, e, a altura de tal questionamento. Afinal, sabemos que às concepções de
moralidade são controversas, pois, para muitas sociedades, a moral é mutável, ou seja, volátil
ao tempo, costumes e anseios sociais.

Uma das características marcantes do jus naturalismo é a ideia de imutabilidade e


universalidade de suas leis. É natural que todos nós comamos, bebamos, respiremos e
vivamos, entretanto, são diversas as lacunas que esse “senso de justiça” deixa dentro do
direito. Se temos direitos intrínsecos a natureza humana, tais como o direito à vida, liberdade
e a dignidade humana. Por que há, então, violações dentro do caso dos exploradores da
caverna a esses direitos tão fundamentais e ferrenhamente desenvolvidos pelos defensores?

É notório sabermos que o direito natural é falho, animalesco, e, totalmente instintivo,


abdicando, de certa forma, da racionalidade humana e aderindo a princípios que só animais
irracionais a possuem. Claro que, não podemos deixar de notar que certas leis naturais
existem até mesmo para nos mantermos vivos, mas em nosso estado de natureza, os direitos
naturais são supracitados pela brutalidade e sanguinolência de atitudes barbaras de seres
humanos alheios aos seus desejos frívolos e sórdidos. Sabendo disso, podemos ter certeza de
que o direito natural nada mais é do que a justificação de atitudes barbaras por simplesmente
tentarmos justificar ou acobertar nossos desejos selvagens e grotescos diante de nossa
sociedade.

Hobbes já citava em sua obra que nossa natureza é corruptível, cruel, animalesca e
capaz de cometer às mais diversas atrocidades apenas para manter seus desejos carnais. Já
citava em seu livro “O leviatã” que vivemos “numa guerra de todos contra todos”, no qual, “o
homem é lobo do homem”. Ora, se Hobbes já dizia isto em sua obra, podemos descontruir a
ideia de que o bom selvagem defendido por Rousseau nada mais é do que um devaneio de
pura inocência, pois, bem sabemos, que de fato, nossa natureza é malévola e propicia a
cometer barbaridades.

Sabendo que nossa natureza é falha. Como podemos defender uma linha de raciocínio
que preza por este lado brutal de nossa natureza ?. Graças ao processo evolutivo nos tornamos
seres capazes de superarmos de forma racional nossos instintos obscuros e conseguimos
atingir o ápice de uma sociedade que realmente é justa, solidária e auto suficiente. Tudo isso
devido ao positivismo e racionalismo que paira em nossa sociedade. O direito natural nada
mais, é, do que, uma teoria utilitarista que não preza pela justiça, mas preza pela
sobrevivência do mais forte. Kant, fiel critico a essa teoria, nos diz que nós somos iguais por
sermos racionais, e não por sermos fortes ou fracos. Sabemos que no estado de natureza
somos seres que convivem de forma abrupta com a brutalidade. Sabendo disso, Kant se
posiciona contra o utilitarismo por acha-lo, não racional, e sim, uma justificação de nossa
natureza falha para realizarmos atrocidades.

Em seu livro “ A casa e a Rua”, Roberto da Matta explana um pouco sobre como
uma sociedade relacional, onde as leis são o ponto de partida e não o fim das ações de cada
cidadão. O autor discorre sobre a influência da relativização das leis a partir dos espaços
social onde cada indivíduo está inserido.

Tendo isso em vista, é importante ressaltar que no caso dos exploradores de caverna,
não se trata do Brasil, é claro, entretanto misturar as leis com as próprias morais e éticas da
sociedade, é permitir que o arbítrio moral prevaleça sobre as leis positivadas. Roberto da
Matta, em seu livro “ A casa e a Rua” explica aos leitores que a prevalência das morais
domesticas e provenientes da consciência de cada indivíduo podem promover a relativização
da moral, e a preponderância da ética plural de cada indivíduo sobre a lei. Um bom exemplo
disso é o “ Jeitinho brasileiro”, haja vista que para muitos indivíduos não se utilizar de
qualquer meio, mesmo sendo esse escuso e fora da lei, para alcançar seus objetivos, não é
necessariamente errado.

Em seu livro, o autor clarifica da seguinte maneira:

“Quando digo que “casa” e “rua” são categorias


sociológicas para os brasileiros, estou afirmando
que, entre nós, estas palavras não designam
simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas
comensuráveis, mas acima de tudo entidade moral,
esferas de ação social, províncias éticas dotadas de
positividade, domínios culturais institucionalizados
e, por causa disso, capazes de despertar emoções,
reações, leis, orações, músicas e imagens
esteticamente emolduradas e inspiradas. ” (Pg. 14)

Desse modo, promover interpretações zetéticas e arbitrárias da lei, como fez o juiz
Foster, é um grande erro, além de ser uma grande afronta ao direito positivado. Como
afirmado anteriormente, interpretações subjetivas da lei podem criar precedentes para outras
situações e, ademais, permitir que condutas como o “jeitinho brasileiro” sejam consideradas
corretas pelo fato de serem a verdade de um determinado indivíduo.

Com isso em mente, julgar a favor dos quatro exploradores é permitir que não haja
mais parâmetros para julgamento, haja vista a sociedade pós-moderna que se vive atualmente.
Além, de dar aval a crimes que para o delinquente responsável pelo ato delituoso, não eram
considerados pelo autor do crime uma atitude erronia e fora da lei.

Sergio Adorno, em seu artigo intitulado “Exclusão socioeconômica e violência


urbana”, sustenta a tese de que, muitas vezes, as atitudes dos delinquentes não são
consideradas, pelo círculo social que essas pessoas vivem, como algo errado, mas sim como
algo glorioso e digno de aplausos. Adorno, salienta que isso, dentre outras razões, possui a
relativização da moral como um de seus motivos principais, devido, principalmente, à falta de
interferência do estado e de suas normas positivadas nessas comunidades carentes. Algo que
promove o estado anomico de “ desregramento”, como afirmou Durkheim, permitindo,
portanto, que várias verdades insurjam como parâmetros de julgamento.
Isso demonstra que julgar pela “ ética moral”, pode promover a violência e a
impunidade, pois, como já dito, permitir que o juízo natural prevaleça é dar aval ao
surgimento de diversas sociedades dentro de um mesmo pais. Isso permitiria que houvesse,
dentro de uma mesma sociedade, pessoas que, devido a suas convicções religiosas,
realizassem massacres genocidas e ficassem impunes por ser necessário julga-las à luz do
direito natural, pelo fato de esses indivíduos terem motivações justificáveis dentro de sua ética
particular.

Além disso, Ana Lúcia Sabadell tem mais a contribuir ao assunto. Em seu livro “
Manual de Sociologia do Direito” a autora discorre da seguinte maneira.

“Através desta análise, Durkheim apresenta


sua visão sobre a anomia. Neste sentido,
anomia significa “estado de desregramento”,
falta de regulamentação, situação na qual a
sociedade não desempenha o seu papel
moderador, ou seja, não consegue orientar e
limitar a atividade do indivíduo. ” pg. 89

Neste trecho de seu livro, Sabadell explica, através da perspectiva do sociólogo


Émile Durkheim, como a anomia que etimologicamente significa “ausência de lei”, poderia,
em outras palavras não ser de fato a falta de lei, mas, talvez, a relativização da norma. Neste
sentido, o que há no caso dos exploradores de caverna é exatamente isso, ou seja, não é a falta
de lei, mas sim a sua relativização.

Desse modo, o grande impasse do caso dos exploradores da caverna é a busca da


supremacia do direito natural sobre o direito positivo, algo que tem gerado uma atmosfera de
anomia à Durkheim. Além disso, é importante perceber que a própria sociedade de Newgarth
já sofreu com problemas como esse.

Historicamente, o povo de Newgarth já sofrera com uma guerra civil devido ao


conflito entre as arbitrariedades dos juízes, devido a decisões tomadas em desacordo com as
normas, e o peso da lei, como evidencia um trecho do livro:
“ Todos tomaram conhecimento da trágica
consequência daquela impropriedade por
ocasião da breve guerra civil que eclodira em
razão do conflito entre o Poder Judiciário, de
um lado, e os Poderes Executivos e Legislativo,
do outro ” pg. 46

Na situação em questão é importante salientar, também, que a forma de estado da


citada sociedade, na época da guerra, não se encontrava organizado e não especificava as
funções de cada poder. Desse modo, devido à falta de organização estatal, houve
arbitrariedades, principalmente por parte do poder judiciário.

Com isso, permitir julgamentos descolados das leis vigentes e favor da moral, seria,
em outras palavras, permitir que a desorganização causadora de guerras prevalecesse
novamente. Ademais, isso desconstruiria o sistema de freios e contrapesos promovidos por
Rousseau, quebraria, do mesmo modo, o Art. 2° da Constituição Federal de 1988, onde está
escrito:

“ São Poderes da União, independentes e


harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciário. ”

Walber de Moura Agra elucida em seu livro “ Curso de Direito Constitucional ”,


acerca do artigo segundo da CF/88:

“ Os poderes componentes da federação são


independentes- um não necessita do outro para
o seu funcionamento- e são harmônicos- o
funcionamento de um deles não obstacula o
exercício da função dos outros. ”

Dentro dessa visão, é evidente que alguns juízes da Suprema corte de Newgarth, com
seus julgamentos descolados da realidade jurídica do país, buscam, quando julgam o caso sem
os devidos parâmetros legais, em outras palavras, legislar. Tendo isso em mente, é inevitável
perceber a atrocidade jurídica e o total descumprimento das normas legais ao se julgar o caso
dos exploradores de cavernas à luz de leis extrajurídicas, ou seja, as leis naturais.

Nessa perspectiva, não há margem para julgamentos à luz da moral, como promove o
juiz Foster, por exemplo. No livro “ O caso dos Exploradores de Cavernas”, juiz Foster
afirmou o seguinte:

“Afirmou que o direito positivo local,


compreendendo todos os seus dispositivos
legais e precedentes jurisprudenciais, era
inaplicável àquele caso concreto, que se
encontrava regido por um instituto que antigos
doutrinadores da Europa e da América
chamavam de direito natural, ou lei da
natureza. ” pg. 24

Neste trecho, há a demonstração de que uma parte dos julgadores do caso dos
exploradores, estão, claramente, voltados para uma análise totalmente subjetiva sobre o caso,
sobre a lei e sobre a ética. Desse modo, não há imparcialidade em um julgamento amplamente
influenciado por uma doutrina fluida e relativa. Assim sendo, não há como compreender que
tipo de “moral” está em questão neste caso específico.

Um excelente exemplo de como a moral pode ser pueril, foi a Alemanha nazista da
Segunda Guerra mundial. Para todo o povo alemão, e principalmente para seu chefe de
estado, Adolf Hitler, era necessário, em sua moral eugenista, que o povo judeu fosse extinto
da população mundial em prol de uma “purificação” mundial. De acordo com o jornal El País,
em seu artigo: “Por que falamos de seis milhões de mortos no Holocausto? ”, acha-se,
atualmente, que esse funesto fato histórico tenha ceifado cerca de 6 milhões de vidas, nos
campos de concentração, guetos e fuzilamentos. O mais importante, entretanto, é o fato de a
moral seguida pela Alemanha nazista validava brutalidades e atitudes desumanas como o
holocausto.

Ademais, é importante salientar que a relativização previamente disseminada por


Adolf Hitler, a partir de 1921, quando assumiu a liderança do partido nazista, promoveu,
futuramente, quando se tornou chanceler em 1933, a subversão das leis em favor do genocídio
nazista. Desse modo, não há como julgar casos a partir de teorias naturais, haja vista a
insegurança jurídica, a subjetividade e a arbitrariedade que isso pode gerar.

Frédéric Bastiat, economista francês do século XIX, afirmou ao publicar seu livro “
A Lei”, em 1850 que:

Falar que os mendigos vivem em um contínuo estado de necessidade, mas nem por
isso eles matam pessoas para sobreviverem

Universalidade do fenômeno jurídico

A LINDB diz que não se pode cometer um crime e dizer que não conhecia as leis
previamente definidas em lei, pois já havia tido a vacatio legis

Falar do juízo natural/ tribunal de exceção

Graça do executivo é errado, pois canibalismo é crime hediondo

“A LEI PERVERTIDA! E com ela os poderes


de polícia do estado também pervertidos! A lei,
digo, não somente distanciada de sua própria
finalidade, mas voltada para a consecução de
um objetivo inteiramente oposto! A lei
transformada em instrumento de qualquer
tipo de ambição, ao invés de ser usada como
freio para reprimi-la! A lei servindo à
iniquidade, em vez de, como deveria ser sua
função, puni-la! ”

PRECEDENTE

CASO DOS JOGAORES DE RUGBY


O precedente tem por finalidade, fazer ressalva a atitude bárbara e grotesca dos quatro
exploradores, mencionar que mesmo havendo atos de canibalismo não houve em nenhuma
das hipóteses o homicídio qualificado de nenhum indivíduo e reafirmar a tese de que os
quatro indivíduos são culpáveis, sim, por homicídio qualificado de Roger Wetmore.

No dia 13 de outubro de 1972, um voo uruguaio destinado ao transporte de 40


passageiros, tinha o destino de pousar no aeroporto do chile para realizar um amistoso das
equipes de rugby dos dois países, entretanto, o inimaginável e lastimável aconteceu. Por estar
em elevadas altitudes e o piloto não conseguir enxergar o que estava acontecendo a sua frente,
o voo 571 acaba por colidir numa enorme cordilheira, deixando várias vítimas. Não obstante,
as situações dos passageiros sobreviventes eram adversas, não havia muita comida, não havia
água potável e não havia condições climáticas favoráveis para manutenção da vida naquele
lugar inóspito e hostil. Dos 40 passageiros que estavam na cordilheira, pouco mais de uma
dúzia sobreviveram ao trágico acidente. Os indivíduos enfrentaram avalanches, fome, frio e o
medo de não conseguirem sobreviver a determinada situação. Os jogadores passaram exatos
três meses presos nas cordilheiras, até que, num determinado momento, os viveres se
cessaram. Diante de tal situação os indivíduos num ato de desespero decidem por sua conta
em risco, comer a carne dos indivíduos já mortos na montanha.

Mesmo diante de tal situação que para muitos pode ser periclitante para manutenção
da vida. Os indivíduos em nenhum momento cometeram homicídio em prol de sua
sobrevivência, pelo contrário, eles esperaram que os seus companheiros e amigos falecessem
para que dessa forma a carne pudesse ser consumida. Mesmo se passando muita fome e frio.
O ato de comer a carne humana não foi algo muito agradável aos olhos dos sobreviventes. Em
contrapartida, o caso dos exploradores da caverna nos mostra uma visão mais assídua dos
exploradores em aderir a ideia de cometer um homicídio para sua sobrevivência. Se observa,
no caso em questão, um narcisismo por parte dos exploradores, que, não mediram esforços em
assassinar Roger Wetmore de forma cruel.

Mesmo os indivíduos estando numa situação mais delicada que às de Roger e seus
homens. Os passageiros não propuseram nenhuma ideia homicida para sua sobrevivência,
pelo contrário, deixaram que os passageiros morressem gradativamente para que a carne fosse
assim consumida, não ocasionando, em nenhum momento, nenhum homicídio ou tentativa do
mesmo para que o grupo sobrevivesse. Após longos 72 dias presos na neve, num frio abaixo
de 0cº, comendo carne humana e sem perspectivas de sobreviver. O socorro vem através de
um sacrifício nobre de um dos passageiros do voo 571. O mesmo saiu de seu local e decidiu ir
por conta própria em busca de ajuda, e, após 8 dias de caminhada descendo as cordilheiras o
mesmo acha um modesto fazendeiro, após uma conversa o passageiro relata sua história e a
posição dos demais passageiros dentro da cordilheira. O socorro ainda demoraria 24h para
ocorrer, mas graças ao esforço do mesmo, o resto dos jogadores é socorrido e a equipe volta
para seu local de origem.

A história causa comoção internacional e divide críticas nas mais diversas esferas da
sociedade. Afinal, é lícito cometer tal ato para manutenção da vida? Observemos que essa
discussão abrange áreas filosóficas de forma tremenda. É nítido que estamos trabalhando com
valores morais e éticos. Mas, o que diferencia estes indivíduos dos exploradores da caverna?
Nada mais é do que os fins que os mesmos utilizaram para sobreviver, a questão não se firma
no ato em si de consumir carne humano. Mas, se firma no ato de cometer homicídio para
sobreviver. É uma questão que muito se assemelha ao voo 571, mas, se distancia, ao mesmo
tempo, dos atos cometidos por ambas as partes

ARGUMENTOS PARA O JURI DOS EXPLORADORES

1- Ser cidadão é conhecer os direitos e cumprir os deveres. É válido ressaltar que todo
cidadão, o ser individual, faz parte de uma sociedade, que é geral. E, para que a
sociedade funcione e cumpra sua real função, regras de conduta precisam ser
estabelecidas. Então, esse é o papel de uma legislação: estabelecer regras de condutas
que busquem melhorar e garantir, através do poder de coercitividade, uma boa vida em
sociedade e ser um parâmetro entre o certo e o errado. Por conseguinte, não existe
nenhuma sociedade perfeita, logo, todas possuem falhas, e, por isso, em todas elas
existem uma série de condutas que são proibidas ou de caráter obrigatório.

O delito, por sua vez, é uma pequena “falha” nesse sistema chamado sociedade. E, de
acordo com Durkheim, o delito não é um fenômeno patológico, e sim, representa um
fenômeno normal dentro de um corpo social. Inclusive, Durkheim, querendo mostrar a
normalidade do delito, afirmou que até em uma sociedade de santos haveria delitos.
Para ele, além de ser algo normal, o delito em si desempenhava um papel muito
importante na sociedade, pois, através dele a coesão social permaneceria intacta. E,
isso acontece porque mediante o estabelecimento de condutas sancionadas, o cidadão
é capaz de decidir facilmente entre o certo e o errado. No entanto, apesar de serem
normais, os delitos representam uma espécie de falha na sociedade, são, sem dúvidas,
extremamente prejudiciais, logo, devem ser punidos, e, aqueles que são punidos
servem de exemplo.

Além disso, o artigo 5, inciso II da Constituição Federal diz que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, logo, é
apenas uma reafirmação de que a lei, e somente esta, possui coercitividade. Logo, não
cabe aos cidadãos quererem obrigar outra pessoa a fazer algo que não deseja, mesmo
que tenha proposto inicialmente, como no caso dos exploradores de caverna.

Roger Whetmore foi assassinado cruelmente por 4 pessoas, 4 companheiros. Roger,


assim como eles, também estava assustado, afinal, eles estavam ali juntos, entraram ali
juntos, e assim, teoricamente, deveriam sair. No entanto, isso não aconteceu, pois,
mesmo com outras opções, os réus decidiram tirar, cruel e injustamente a vida dele. É
imprescindível mencionar que a racionalidade deles não estava comprometida, todos
pensavam claramente, todos possuíam o completo domínio da razão. E, embora Roger
Whetmore tenha proposto o acordo, o mesmo percebeu o quanto era errado e desistiu.
Porém, seus companheiros não aceitaram sua desistência e decidiram, sem
propriedade alguma, manifestar a vontade dele, que embora completamente apto, não
teve a oportunidade de manifestar-se.

Além disso, quando os 4 exploradores o questionaram sobre o lançamento de dados


ele não se opôs simplesmente porque não podia, ele claramente não possuía poder de
escolha, pois, se possuísse, com certeza os companheiros teriam respeitado sua
decisão de não participar mais desse ato tão desumano e cruel. E, com isso, a ideia de
que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei” foi completamente desrespeitada.

É necessário mencionar que quando Roger Whetmore e os companheiros exploradores


decidiram e concordaram com sortear alguém para tirar-lhe a vida, realizaram sim uma
espécie de contrato. No entanto, esse contrato é completamente nulo e inválido por
diversos motivos. E, mesmo que fosse válido, Whetmore tinha o direito de não
celebrar esse acordo, ele tinha o direito de sair, pois somente a lei pode obriga-lo a
fazer algo, e não outros cidadãos. Em primeiro lugar, de acordo com o artigo 104 do
Código Civil, a validade do negócio jurídico requer, imprescindivelmente, um objeto
lícito. Entretanto, o objeto do contrato dos exploradores jamais poderia ser
considerado lícito, pois, o direito à vida é um direito fundamental, irrenunciável e
inegociável. Ademais, o contrato foi apenas verbal, e, para que o contrato verbal seja
válido, ele precisa, pelo menos, estar de acordo com o artigo 104 do Código Civil,
mas, isso não aconteceu. Ainda assim, de acordo com o artigo 119 do mesmo Código,
é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o
representado, logo, embora plenamente apto, Whetmore tenha sido privado de
manifestar sua vontade e aqueles que a fizeram sequer tinham propriedade para isso,
também era extremamente claro que existia um conflito de interesses entre Roger e os
demais exploradores, pois, os exploradores queriam a morte do mesmo, e assim o
fizeram. Outrossim, o artigo 166 do supracitado Código diz que o negócio é nulo se o
motivo comum a ambas as partes for ilícito, e, como mostrado anteriormente, a vida é
inegociável. Não obstante, é válido reafirmar o artigo 5, inciso II da Constituição
Federal, pois, se ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em
virtude de lei, Roger Whetmore, independentemente de propor ou não o acordo,
poderia desistir tanto pelas leis citadas anteriormente quanto pelo livre-arbítrio
inerente a todo ser humano.

É importante ressaltar que nós, da promotoria, reconhecemos que o medo se fez


presente naquela caverna, reconhecemos também que o dia a dia se tornou cada vez
mais difícil e assustador. No entanto, de acordo com o livro “Curso de Criminologia”,
o medo possui variadas representações, e, uma delas e talvez a pior, é o medo que
alguém sente ao perceber que será vítima de um delito, e o pior, não ser capaz de fazer
nada para evitar, pois, 4 homens se juntaram covardemente para tirar a vida de um
deles, a vida de um companheiro que também estava sofrendo por estar preso, também
almejava a liberdade, também possuía o mesmo medo que os réus.
Além disso, de acordo com o artigo 288 do Código Penal, quando 3 ou mais pessoas
se juntam para cometer um crime, configura-se formação de quadrilha. Logo, além da
clara infração ao artigo 121 do Código Penal que versa sobre homicídio, também
infringiram o artigo 288 do mesmo e devem ser punidos por isso.

Todavia, é preciso mencionar novamente que todos possuíam racionalidade, todos


eram capazes de tomar decisões e, por isso, o Estado de Natureza de Thomas Hobbes
jamais deve ser citado. Ora, é imprescindível provar o que vos afirmo, em primeiro
lugar, a racionalidade esteve presente nas 8 horas que os exploradores perderam a
comunicação com o mundo exterior, pois, os mesmos passaram essas 8 horas
decidindo e calculando a probabilidade de cada um no jogo de dados e estabelecendo
regras para o “sorteio”, então, é fato que se eles tiveram a capacidade de raciocinar e
definir essas coisas, também teriam capacidade para discernir o certo e o errado e
reconhecer o crime que estavam cometendo. Além disso, o juiz Foster afirmou na
página 31 que dentro dessas 8 horas os exploradores criaram uma espécie de nova
constituição apropriada a situação em que se encontravam, porém, é de domínio
público que, dificilmente, dentro de 8h horas uma nova Constituição é criada, e, é
impossível que pessoas com faculdades mentais comprometidas façam isso, logo, essa
é mais uma prova da completa racionalidade. Sendo assim, faz-se necessário
pensarmos com a razão, pois, é nítido que esses 4 exploradores cometeram homicídio,
violando assim o artigo 121 do Código Penal. E, além de cometerem homicídio, o
mesmo pode ser tipificado como doloso, que, de acordo com o artigo 18 do mesmo
Código, acontece quando há evidência da vontade consciente e ocorre com um ato
voluntário com resultado esperado, no caso, o cruel homicídio de Roger Whetmore.

Ademais, o Estado cumpriu com o seu papel e jamais pode ser acusado de negligência
ou muito menos omissão. É fato que o mesmo prestou assistência de forma imediata,
enviando várias pessoas extremamente qualificadas para resolver o problema, porém,
algumas coisas estavam fora do poder do Estado, como desmoronamentos, que
ocorrem por causas naturais, por exemplo. Mas, mesmo com vários problemas e
contratempos, mesmo com a morte de 10 homens na tentativa de salvar os
exploradores da caverna, o Estado continuou incansavelmente trabalhando para
conseguir a tão sonhada liberdade dos exploradores. Inclusive, pessoas que estavam na
operação de resgate, em nome do Estado, deram aos exploradores a previsão de 10 ou
um pouco mais de dias para o resgate. Além disso, os exploradores, via rádio,
indagaram o médico acerca da chance de sobrevivência deles, e o médico disse que era
difícil, mas em nenhum momento disse que era impossível ou os aterrorizou dizendo
que iriam morrer. Ainda assim, também o questionaram em relação ao consumo da
carne humana, perguntaram se as chances deles aumentariam se consumissem carne
humana, e o médico, relutante, disse que sim. Porém, o que está em questão nesse júri
não é o consumo de carne humana, de forma alguma. Na verdade, embora o
canibalismo seja algo complexo, o que está em pauta é o assassinato de Roger
Whetmore.
Nesse momento, nós da promotoria responderemos uma questão que vossas
excelências devem estar se perguntando: como os exploradores comeriam carne
humana e sobreviveriam sem matar ninguém?
Em primeiro lugar, de acordo com a Lei Natural de Darwin, os mais fortes possuem
mais chances de sobrevivência, e, entre 5 pessoas, claramente existem pessoas mais
fortes e pessoas mais fracas, já que todos os seres humanos são únicos e possuem
diferentes particularidades entre si. Então, pode-se afirmar com toda a certeza que a
própria natureza ampararia esses exploradores, nenhum deles precisaria se tornar um
assassino para se alimentar, isso aconteceria de forma natural, pois, é fato que um
deles morreria primeiro por causas naturais, por ser mais fraco, e assim, se realmente
necessário, os exploradores restantes poderiam, embora seja repugnante, comer a
carne humana. Logo, é inadmissível que a vida de Roger Whetmore tenha sido tirada
para que o mesmo servisse de alimento, pois, a própria seleção natural resolveria essa
problemática.

Além disso, Rosana Randominski, renomada endocrinologista, afirmou em seus


estudos que o corpo humano sobrevive de acordo com seu estado nutricional, mas,
geralmente, sobrevive em média 20 dias em jejum, e, após esses 20 dias, já não se
sente fome, embora possa sonhar com comida. A renomada endocrinologista, com
propriedade sobre o assunto, fala que a pessoa perde a fome após 20 dias porque entra
em um estado de produção excessiva de cetonas por metabolismo de gorduras. No
caso dos exploradores de caverna, quando os mesmos se comunicaram com o médico,
afirmaram que a comida estava escassa, logo, afirmaram que, embora em pouca
quantidade, eles tinham comida, então, não estavam completamente em jejum, embora
pouco, eles estavam se alimentando. Logo, por esse motivo (não estavam em completo
jejum), os exploradores ainda possuíam uma boa reserva de gorduras e carboidratos,
que, por sua vez, se convertem em energia e permitem que o corpo sobreviva. Então, a
falta de comida não era motivo de total desespero, pois, como afirmado anteriormente,
eles não estavam completamente em jejum e conseguiriam sobreviver com a reserva
de carboidratos e proteínas que tinham no próprio corpo. Então, tendo em vista todo o
exposto, pode-se afirmar que os réus tiraram a vida de Roger Whetmore sem sequer
pensar nas outras probabilidades, eles não cogitavam a possibilidade de não matar o
companheiro, e, como foi supracitado, eles poderiam sim evitar essa morte, eles
poderiam não ter matado, eles poderiam não ser assassinos.

O artigo 24 do Código Penal define o que é, de fato, o Estado de Necessidade.


De acordo com o texto da lei, está em Estado de Necessidade aquele que pratica o ato
para salvar de perigo atual e que faz algo que não poderia, de forma alguma, evitar. No
entanto, já foi provado que os 4 exploradores réus poderiam sim evitar o assassinato,
tanto de acordo com a seleção natural de Darwin quanto comendo apenas a comida
escassa e ficando em jejum depois, como afirma a endocrinologista em seu estudo.
Ademais, sobre o fato de praticar o ato para salvar de perigo atual não pode ser um
fator determinante nesse caso, pois, é de comum acordo e de domínio público que
todos estavam na mesma situação e a vida de todos possuía o mesmo valor, então,
todos ali presentes na caverna estavam em uma situação de perigo atual. Ainda assim,
após o homicídio de Roger Whetmore, se o Estado não tivesse sido tão eficaz e
preocupado, haveriam mais mortes com a mesma explicação, e, seguindo essa linha de
raciocínio, quantos assassinatos ficariam sem solução? Quantas famílias não
chorariam a morte brutal de um ente querido?

Todavia, é preciso relatar que o caso é, em essência, todo baseado em coisas


circunstanciais, pois, os únicos que podem relatar o que aconteceu na caverna são os
próprios réus, já que não havia ninguém lá e Roger foi assassinado por eles. Na página
22, a situação que os réus se encontravam era clara: estavam com a própria vida
ameaçada. Até que ponto chegariam para se salvar? Que tipo de histórias contariam?
Bem, como nós da promotoria não podemos responder esses questionamentos, apenas
nos baseamos no único fato, em algo que não é circunstancial, no homicídio, na
violação do artigo 121 do Código Penal, que é fato concreto, que não é suposto, pois,
foi ato consumado. Outrossim, é válido reafirmar que a lei é feita para todos e por
todos deve ser cumprida, sem exceção, reafirmo minha fala no enunciado do artigo 5
da Constituição Federal, que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza. É imprescindível dizer que cada país possui sua legislação, e a lei
que nos rege é proveniente da legislação brasileira, que é soberana em todo o território
e define claramente que homicídio é crime, logo, deve ser tratado como tal, de forma
racional. Ademais, de acordo com o livro “Psicologia Jurídica”, a punição atua como
uma força redutora do estímulo para delinquir, logo, se a lei for cumprida, ou seja, se
os réus forem condenados, as pessoas entenderão e perceberão que se praticarem
crimes serão punidas. E, ainda de acordo com a psicologia, acredita-se que o
indivíduo, ao perceber que pode ser punido, desista de tal conduta delituosa e passe a
buscar soluções socialmente ajustadas. Então, abrir um precedente em relação a
absolvição dos réus, além de ser injusto, é perigoso.

Não obstante, é válido ressaltar que o in dubio pro reo não é cabível ao caso dos
exploradores de caverna. Isso acontece porque in dubio pro reo significa “em caso de
dúvida, beneficie o réu”, porém, os fatos apresentados não deixam brechas para
dúvidas, pois são fatos concretos, logo, não há dúvida. Na verdade, o “lema” que deve
ser seguido é: cometeu um delito? Puna-se!

PRECEDENTES

VOO URUGUAIO

Por fim, faz-se necessário falar novamente sobre a questão do Estado de Necessidade,
que, de acordo com o artigo 24 é: “... quem pratica o fato para salvar de perigo atual,
que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou
alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Outrossim, proponho uma reflexão acerca do Estado de Necessidade de fato, de uma
situação que, como diz o texto da lei, não poderia de outro modo evitar: O morador de
rua não tem onde dormir e sequer, muitas vezes, algo para comer. Eles passam o dia
vagando pelas ruas dependendo da boa vontade de alguma pessoa que se sensibilize,
definitivamente o morador de rua não escolheu essa situação, não quer estar nela, mas
está mesmo assim. No entanto, nem por esses motivos, ele pode roubar alimentos ou
dinheiro, independentemente da situação que ele se encontra, ele não pode roubar,
mesmo estando sem ter o que comer, e, isso acontece porque o Código Penal define
que roubar é crime e deve ser punido como tal. Outro exemplo que os convido a
pensar, é o caso das milhões de pessoas que passam anos definhando na fila de
transplante de órgãos, vendo a morte cada vez mais próxima. É indiscutível que elas
não estão ali porque escolheram, logo, não puderam evitar e estão em uma situação de
perigo atual constante, sob risco de morte. Mas, não é porque essas pessoas que estão
na fila de transplante precisam de um órgão para sobreviver que é justificável matar
alguém, pois, embora precisem de outro órgão para sobrevivência, matar é crime e
deve ser punido.
Nesse momento, voltemos a pensar sobre o caso dos exploradores de caverna, que
estavam todos em uma situação de perigo atual, inclusive Roger Whetmore, e que
poderiam sim evitar o ocorrido das maneiras que já foram citadas anteriormente. A lei
é geral, e, depois de oficialmente publicada, subentende-se que todos a conhecem,
então, ninguém pode deixar de cumprir uma lei alegando que não a conhece, logo, os
4 exploradores assassinaram Roger, cometeram um homicídio doloso e formação de
quadrilha, que estão dispostos nos artigos 121 e 288 do Código Penal,
respectivamente, além de violarem os artigos 104, 119 e 166 do Código Civil. Por
isso, por cometerem um crime, eles devem ser punidos. Então, a promotoria pede a
condenação do réu em 30 anos, a promotoria pede justiça, pede que as leis sejam
cumpridas e que casos como esse, não tornem a acontecer.

A PROMOTORIA ENCERRA.
REFERÊNCIAS

A CASA E A RUA

Dos delitos e das penas

A lei

Curso de direito constitucional, Walber de Moura Agra

Sergio -----“Exclusão socioeconômica e violência urbana”

Manuela de sociologia do direito – ana lucia sabadell--- Introdução a


uma leitura externa do direito

5° edição revista , atualizada e ampliada --- 2° tiragem


Editora revista dos tribunais

Edição de 2010 SÃO Paulo Brasil

Por que falamos de seis milhões de mortos no Holocausto?

Nunca será possível determinar o número exato de judeus


assassinados pelos nazistas. Especialistas trabalham com um número entre
cinco milhões e seis milhões

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/13/internacional/1505304165_877
872.html

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