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03
CONFLITOS, INTEGRAÇÃO E MUDANÇAS SOCIAIS.
O PAPEL DAS NORMAS JURÍDICAS.
A sociologia define-se, de modo geral, como a “ciência da sociedade”. De modo mais
concreto, a sociologia examina o comportamento humano no âmbito social, sendo
particularmente interessada pelos modelos de comportamento existentes na
sociedade. Tais modelos são o resultado de um processo de contrução social da
realidade e acabem padronizando as relações que se estabelecem entre os indivíduos.
Dessa maneira, a sociologia observa e analisa as regras que regem as relações sociais,
ou seja, estuda a interação entre pessoas e grupos.
Teorias funcionalistas e Teorias do Conflito social: teorias de tipo
macrossociológico. Se importam mais com a sociedade como um todo.
Funcionalistas (integração) – Durkheim (desenvolvimento inicial dessa
teoria): estudo da estrutura social e das funções que as diversas instituições
desenvolvem no âmbito social. Durkheim considera que os seres humanos são
diferentes e possuem capacidades diversas. A educação recebida pelos
indivíduos pode inclusive acentuar essas diferenças. Por isso, a desigualdade social é
inerente à organização social.
Os funcionalistas consideram a sociedade como uma grande “máquina” que distribui
papéis e recursos a seus membros, identificados como “peças da máquina”.
Pressupõe que os indivíduos sejam integrados no sistema de valores da
sociedade e que compartilhem dos mesmos objetivos, ou seja, que aceitem as regras
sociais vigentes. Cada situação de crise e de conflito que escape a estes mecanismos é
considerada como uma disfunção. Então, ou os elementos de contestação serão
controlados ou neutralizados (repressão) para evitar a destruição da máquina social.
Toda mudança social radical é uma disfunção, uma falha no sistema.
Conflito Social (marxistas e liberais): opõem-se às teorias
Funcionalistas. Entendem que na sociedade agem grupos com interesses
estruturalmente opostos, que se encontram em situação de desigualdade e luta
perpétua pelo poder. Consideram que o nexo principal da sociedade não é o interesse
comum, o consenso, o progresso ou a convivência pacifica, mas, ao contrário, a coação
e o condicionamento ideológico, exercidos pelos grupos de poder com intuito de
preservar seus privilégios e manter a dominação. Nessa teoria, as crises e as mudanças
sociais são fenômenos normais da sociedade, ou seja, expressões concretas de
uma continua luta de interesses e de opiniões, que objetiva a mudança da
estrutura social. “A história de todas as sociedades até hoje é a história da luta de
classes”. Conflito (e a ruptura) como a “lei” principal da história social.
Anomia e Regras Sociais
Anomia: ausência de lei, literalmente. Na Grécia antiga era usado para indicar a
violação da lei.
Para Miranda Rosa existem três sentidos: O de ilegalidade (transgressão de normas); o
de ausência de regra clara de comportamento (a lei não prevê exatamente aquilo); e
quando se constata falta de normas que vinculem as pessoas num contexto social (as
pessoas não sabem o que fazer).
Anomia para Guyau (cara-latido hehe): ausência de lei fixa que possa ser imposta aos
indivíduos. O conceito de anomia é introduzido para indicar a existência de uma moral
desvinculada de regras sociais (questionamento à
tese de Kant sobre a existência de uma moral universal). Considera anomia como um
elemento positivo que liberta os indivíduos, em contraposição a qualquer lei que é
considerada universal e oprime a liberdade individual.
Anomia para DURKHEIM (principal teórico sobre anomia): não é algo positivo, que
propicia a liberdade do indivíduo. Identifica-se como a desordem social, sendo
analisada como indício de uma crise que deixa o indivíduo desorientado e pode leva-lo
à sua destruição.
SUÍCIDIO: relacionado com fatores sociais, para Durkheim. Fatores:
religião, estado civil, profissão, educação e lugar onde se vive. As taxas de suicídio
eram maiores em pessoas solteiras, profissionais liberais, pessoas de religião
protestante, de educação superior e nas comunidades urbanas.
Causa: grau de coesão social. Excesso ou falta de integração do suicida na sociedade.
Falta de regras que vinculassem os membros da sociedade.
Egoísta: a pessoa se sente socialmente desvinculada como, por
exemplo, um viúvo sem filhos. O isolamento social marginaliza a pessoa, que deixa de
ter sentimento de solidariedade social. (Suicídio por falta de integração).
Altruísta: a pessoa encontra-se muito vinculada a um grupo social. A
pessoa sente-se estreitamente ligada aos valores do grupo, não valoriza
particularmente a sua vida e suicida-se facilmente por motivos de honra.
(Militar que se suicida em derrota).
Anômico: a pessoa vivencia uma situação de falta de limites e regras
sociais. As “perturbações da ordem coletiva” desorientam os indivíduos, criando-se
um desequilíbrio entre desejos e suas possibilidades de satisfação. A
consequência é o sofrimento e o desespero que podem levar o indivíduo ao suicídio
por falta de regulamentação. Para Durkheim, anomia significa “estado de
desregramento”, falta de regulamentação, situação na qual a sociedade não
desempenha o seu papel moderador, ou seja, não consegue orientar e limitar a
atividade do indivíduo. O resultado é que a vida se desregra e o indivíduo sofre porque
perde suas referências, vivendo num “vazio”.
Anomia para Merton:
Merton afirma que em todo contexto sociocultural desenvolvem-se
metas culturais. Estas expressam os valores que orientam a vida dos
indivíduos em sociedade. Coloca-se, então, uma questão: como a pessoa
consegue atingir estas metas? A sociedade determina os meios.
Observou que a meta cultural mais importante é o sucesso na vida, abarcando
riqueza e prestígio. Porém, apesar desta meta cultural ser compartilhada por
todos, existe uma evidente impossibilidade desta ser atingida por uma grande
parte da população. O insucesso em atingir as
metas culturais devido à insuficiência dos meios institucionalizados pode produzir o
que Merton denomina de anomia: manifestação de um
comportamento no qual as “regras do jogo social” são abandonadas ou
contornadas. O indivíduo não respeita as regras de comportamento que
indicam os meios de ação socialmente aceitos. Surge então o comportamento
desviante
Metas culturais: aspirações culturalmente prescritas
Meios institucionalizados: caminho socialmente indicado para atingir as
metas. Merton fez uma classificação dos tipos de comportamento: modos de
adaptação (exprime o posicionamento de cada indivíduo em face das regras
sociais).
+ e – indicam se os indivíduos aceitam ou não as metas e os meios
estabelecidos pela sociedade :
desviante.
Metas culturais: aspirações culturalmente prescritas.
Conformidade: indivíduo busca atingir as metas culturais empregando os meios
estabelecidos pela sociedade. Ele adere plenamente às normas sociais, não
existindo comportamento desviante. (Comportamento modal: a partir do qual
será elaborada a análise dos demais comportamentos). A pessoa não tem
problema com as regras estabelecidas em determinada sociedade.
Inovação: conduta condizente, ruptura com o meio. No momento em que
percebe que os meios legítimos não estão a seu alcance, o indivíduo tenta
atingir as mesmas metas servindo-se de meios socialmente reprováveis.
Violação das regras sociais, já que o indivíduo adota o princípio de que “os fins
justificam os meios”. Merton acredita que essa quebra com o meio para chegar
no fim pode gerar inovação para a sociedade, modernizando-a. Exemplo:
bandas de rock.
Ritualismo: desinteresse em atingir as metas socialmente dominantes. O medo
do fracasso produz desencanto e desestímulo. A pessoa acredita que nunca
poderá atingir “grandes metas”; continua, porém, respeitando as regras sociais,
apegando-se às mesmas como um ritual. (A grama do vizinho é mais verde que
a minha, mas não faço nada para deixar a minha tão verde quanto).
Comportamento conformista. Trata-se, apesar de estar ajustado aos tipos de
conduta socialmente recomendados, de um comportamento anômico, porque o
indivíduo não comparte as metas sociais, limitando-se ao cumprimento da
regra, sem indagação sobre a conveniência ou finalidade delas.
Evasão: abandono de metas e meios. Falta de identificação com os valores e
as regras sociais; não adere ao meio social em que vive. Exemplo: mendigos,
que vivem como se fossem um corpo estranho dentro da sociedade. A conduta
mais extrema de evasão é o suicídio.
Rebelião: inconformismo e revolta. Negativo aos meios e metas. A diferença da
rebelião para com a evasão é de que o rebelde propõe o estabelecimento de
novas metas e meios. Rebelião consiste na rejeição das metas e meios e luta
pela substituição destes. Por isso, não pode ser considerada somente negativa.
Ex.: movimentos de revolução social.
Constata-se uma situação de anomia generalizada quando a sociedade
acentua a importância de determinadas metas, sem oferecer à maioria dos
seus membros a possibilidade de atingi-las utilizando os meios legítimos.
Merton indica a cilada na qual se encontram as sociedades modernas: elas
prescrevem aos indivíduos um determinado projeto de vida e ao mesmo tempo
impossibilitam a concretização deste projeto. Em tal situação, os conflitos e as
violações de regras são inevitáveis. Teoria da anomia de Merton é conhecida
como teoria da tensão. (Strain theories).
A teoria de Merton explica porque os membros das classes
desfavorecidas cometem a maior parte das infrações penais: sendo excluídos
do circuito dos meios institucionalizados para atingir a riqueza, recorrem à
delinquência para realizar os objetivos que a sociedade difunde.
Os teóricos da anomia identificam no comportamento “anômico” (rebelde
ou “inovador”) um incentivo à mudança social, ou então consideram este
comportamento como consequência de mudanças sociais, que desorientam os
indivíduos. Sustenta-se, assim, que a anomia anuncia uma mudança social ou
que surge como fenômeno de reação a esta mudança. Porém, não poderia ser
a anomia considerada como ausência de normas e valores sociais ao invés de
como problemas de adaptação do indivíduo? Ou considerada como resultado
da conformação do indivíduo às regras de um subgrupo social, quando estas
regras estão em conflito com as adotadas pelos grupos dominantes?
2.6.1 – Anomia e ineficácia do direito
- Ineficácia não anômica – Descumprimento da norma apesar de sua aceitação
O indivíduo aceita a norma vigente, porém a contraria por motivo de força
maior (desespero, medo, ...)
Exemplo: Muitos homicidas estão plenamente de acordo com a proibição do
homicídio, consideram que violaram a norma em uma situação excepcional e
se arrependem. Aqui temos uma ineficácia do Direito sem relação com a
anomia porque a opção de vida do indivíduo é aderir ao conteúdo da norma.
- Ineficácia anômica – Descumprimento de norma que o indivíduo considera
inadequada ou injusta. A pessoa viola a norma por convicção, encontra-se em
estado de inovação ou rebelião.
Exemplos: Um grupo político pratica atos terroristas puníveis pela legislação
acreditando que age no interesse da humanidade. A ineficácia da norma é
devida à situação de rebelião que vivencia este grupo.
Os membros de uma quadrilha que praticam atos criminosos na condição de
profissional (assaltos, tráfico de drogas, sequestros, etc.). Essas pessoas
assumem a prática delitiva como opção de vida eu lhes dá sustento e se
encontram em situação de inovação.
Diante da ineficácia anômica, o Estado pode agir de quatro maneiras distintas:
Manter a norma normalmente em vigor, mas tolerar a violação. A
anomia causa a completa ineficácia da norma (a prática do aborto, que é
muito difundida no Brasil. Muitas mulheres consideram o aborto como
um direito, estando convencidas que a decisão do Estado de proibi-las
está equivocada. As autoridades deixaram de perseguir as mulheres que
abortam clandestinamente e os médicos que as assistem. Por outro
lado, o legislador brasileiro não autorizou o aborto nos primeiros meses
de gravidez, como acontece em diversos países)
Realizar mudança legislativa revogando ou modificando normas
para harmonizar o Direito com a sociedade (a prestação de serviços
alternativos para quem se recusa a servir nas Forças Armadas por
motivos religiosos ou políticos. Muitos países, inclusive o Brasil,
concederam a grupos religiosos e políticos o direito de excetuar-se do
cumprimento de obrigações militares contrárias a seu sistema de
valores)
Fazer propaganda moral para convencer as pessoas a respeitar
determinadas leis (As campanhas que mostram as consequências
desastrosas do uso de drogas, tentando mudar a opinião de muitos
jovens que acreditavam que o uso de drogas é sinônimo de diversão e
liberdade)
Intensificar a repressão para combater a tendência anômica (apesar
de os criminosos dessas categorias considerarem seus códigos de
comportamento como corretos e sua opção de vida como necessária, os
Estados desenvolvem uma política criminal repressiva, que visa coibir
tais condutas)
2.6.2 – Anomia e poder
As normas jurídicas são heterônomas. O grupo que não respeitas as
normas jurídicas, vivenciam, muitas vezes um conflito entre suas
convicções e as prescrições do sistema jurídico oficial. Neste caso, a
anomia não indica a ausência de normas, e sim o conflito entre as normas
oficiais e as normas aceitas por um grupo sociais e a heteronomia que
caracteriza o Direito estatal.
Nesse contexto, a anomia também pode se relacionar com a ausência do
Estado que, ao não cuidar da efetivação dos direitos sociais, abandona
parcelas da população à sorte. Isso propicia o aparecimento de grupos de
poder, em geral relacionados à praticas delitivas, que ocupam o espaço
deixado pelo Estado (Estado paralelo). Um exemplo é o tráfico de drogas no
Rio de Janeiro.
2.6.3 – Anomia e pluralismo cultural
Observou-se que o conceito da anomia é caracterizado por ambiguidades.
Tanto Durkheim como Merton consideram, ao mesmo tempo, a anomia
como fenômeno normal (devido à particularidade de cada pessoa) e como
fenômeno patológico (desvio); como situação negativa (falta de orientação,
anarquia) e como situação positiva (inovação que revigora a sociedade).
As ambiguidades da anomia se explicam pelas características das
sociedades modernas, nas quais prevalece a solidariedade orgânica. Estas
sociedades permitem a “livre escolha” de valores e modos de vida por parte dos
indivíduos. As amplas possiblidades de escolha individual geram
conflito porque faltam valores de referências comuns.
3. – O Direito como propulsor e obstáculo da mudança social
3.1 – O conceito de mudança social
A mudança social indica uma modificação na forma como as pessoas
trabalham, constituem famílias, educam seus filhos, se governam e dão
sentido à vida. A mudança social, portanto, indica uma reestruturação das
relações sociais.
“A realidade social não é um estado constante, mas um processo dinâmico”.
O fenômeno da mudança social começa a ser objeto de estudos específicos
nas primeiras décadas do século XX. Podemos dizer que o objetivo geral de
todos os trabalhos de sociologia são as mudanças da sociedade no tempo.
É evidente que a mudança social se relaciona com as mudanças do Direito,
ou seja, com a modificação das normas legais e sua aplicação no seio da
sociedade.
3.2 – Relações entre Direito e sociedade
O Direito é, em geral, configurado por interesses e necessidades sociais, ou
seja, é produto de um contexto sociocultural. Isto não impede que o mesmo
possa influir sobre a situação social, assumindo um papel dinâmico. Em
outras palavras, o Direito assume duplo papel dentro da sociedade: ativo e
passivo. Ele atua como um fator determinante da realidade social e, ao
mesmo tempo, como um elemento determinado por esta realidade. Dentro
desse contexto, identificam-se as pressões dos grupos de poder que podem
induzir tanto para que se dê a elaboração de determinadas regras, bem
como para que as regras em vigor não sejam cumpridas, levando a um
processo de anomia generalizado.
3.3 – Relações entre o sistema jurídico e a mudança social
Ninguém coloca em dúvida que o Direito muda na evolução histórica,
seguindo as transformações da sociedade. A adequação do Direito às
novas realidades imputa ao legislador a criação de regras que regulem e
englobem esse desenvolvimento e mudanças nas relações interpessoais.
As mudanças sociais são também a causa das reformas legislativas que
impuseram nas últimas décadas a “desregulamentação da economia” na
era neoliberal. Em todos esses casos, temos mudanças tecnológicas,
sociais, políticas e demográficas, que o Direito tenta acompanhar.
Seguindo a tese do construtivismo jurídico, infere-se que o Direito pode
influenciar o comportamento das pessoas na sociedade. Supõe-se que o
Direito é um instrumento do governo, cuja criação e aplicação permitem