Você está na página 1de 13

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2020.0000929293

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de


Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em
que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE ESTRELA D OESTE e
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ESTRELA D OESTE.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE, COM
RESSALVA. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


PINHEIRO FRANCO (Presidente), ALEX ZILENOVSKI, CRISTINA ZUCCHI,
JACOB VALENTE, JAMES SIANO, CLAUDIO GODOY, SOARES LEVADA,
MOREIRA VIEGAS, COSTABILE E SOLIMENE, TORRES DE CARVALHO,
ARTUR MARQUES, CAMPOS MELLO, RICARDO ANAFE, XAVIER DE
AQUINO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, MOACIR PERES, FERREIRA
RODRIGUES, MÁRCIO BARTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI, FRANCISCO
CASCONI, CARLOS BUENO, FERRAZ DE ARRUDA E ADEMIR BENEDITO.

São Paulo, 11 de novembro de 2020.

ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ


RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000


Autor: PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Réus: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE ESTRELA D OESTE e
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ESTRELA D OESTE
Comarca: São Paulo

VOTO N. 6489/20

Ação direta de inconstitucionalidade. Estrela D'Oeste. Lei


Municipal n. 2.853, de 04 de abril de 2017, que “Cria o
programa de auxílio ao desempregado denominado Frentes
de Trabalho” e respectivo decreto regulamentador.
Natureza dos cargos a serem providos excepcional e
temporariamente. Previsão genérica para atendimento de
necessidades perenes da Administração. Casos em que a
admissão deve se dar mediante regular concurso público.
Excepcionalidade não verificada. Inconstitucionalidade
caracterizada. Tema objeto de julgamento nos autos da
Repercussão Geral 612 (RE 658.026), em que o Supremo
Tribunal Federal manifestou entendimento no sentido de
ser "vedada a contratação para os serviços ordinários
permanentes do Estado". Vulneração aos princípios da
moralidade e razoabilidade e aos artigos 111 e 115, II e X,
da Constituição Estadual. Precedentes do Órgão Especial.
Ação julgada procedente.

V I S T O S.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade


proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo em face da Lei n.
2.853, de 04 de abril de 2017, e, por arrastamento, do Decreto n. 3.451, de 05 de maio
de 2017, ambos do Município de Estrela D´Oeste, apontando incompatibilidade com o
disposto nos arts. 111, 115, II e X, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo; de
acordo com a narrativa do autor, a legislação impugnada criou o programa “Frentes de
Trabalho”, que autoriza a contratação de pessoas desempregadas para prestação de
serviços para a municipalidade pelo prazo de vinte e quatro meses, mediante
pagamento de um salário mínimo federal e oferecimento de cursos de qualificação
profissional; disse que referidos atos normativos não definem a situação excepcional
que poderia justificar contratação sem concurso público, invocou o Tema n. 612 do
Supremo Tribunal Federal e mencionou julgados sobre a matéria; não houve pedido
de medida liminar; as autoridades requeridas prestaram informações e defenderam a
constitucionalidade da legislação impugnada (p. 56/63 e 67/69); citada, a Procuradoria

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 2


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Geral do Estado deixou de se manifestar (p. 79); a douta Procuradoria-Geral de


Justiça ofertou parecer pela procedência da ação (p. 82/87).
É o relatório.
Pretende o Procurador-Geral de Justiça do Estado
de São Paulo ver declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 2.853, de 04 de abril de
2017, e, por arrastamento, do Decreto n. 3.451, de 05 de maio de 2017, ambos do
Município de Estrela D´Oeste, apontando incompatibilidade com o disposto nos arts.
111, 115, II e X, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo
A Lei n. 2.853, de 04 de abril de 2017, que “cria o
Programa de Auxílio ao Desempregado, denominado Frentes de Trabalho”, assim
dispõe:
“Artigo 1º - Fica criado o Programa de Auxílio ao
Desempregado, denominado 'Frentes de Trabalho', de caráter assistencial, que tem
como objetivo dar ocupação, renda e qualificação profissional aos desempregados
residentes no Município de Estrela D´Oeste.
Artigo 2º - O programa terá 50 (cinquenta) vagas e
proporcionará aos seus beneficiários:
I - a quantia mensal de um salário mínimo federal, a
título de auxílio, denominado 'Bolsa Auxílio-Desemprego';
II - cursos de qualificação profissional.
§ 1º - Os cursos de qualificação profissional serão
ministrados diretamente pelo Executivo Municipal ou por entidades educacionais,
mediante convênio.
§ 2º - Os cursos de qualificação profissional deverão
iniciar-se no período de 90 (noventa) a 180 (cento e oitenta) dias após o início do
programa.
§ 3º - Os benefícios dispostos no caput deste artigo
serão concedidos pelo Poder Público Municipal pelo período de até 24 (vinte e quatro)
meses, quando o beneficiário cumprir de forma regular as obrigações quanto ao
exercício das atividades estabelecidas na Cláusula 1ª do Termo de Adesão ao
Programa Frentes de Trabalho.
§ 4º - Do total das vagas previsto no caput deste
artigo, havendo interessados e funções compatíveis, serão destinados 3% (três por
cento) para os portadores de deficiência.
§ 5º - O Poder Executivo Municipal poderá contratar

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 3


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

profissional desempregado, nos termos da presente Lei, por meio período, com
remuneração equivalente.
Artigo 3º - O Programa será coordenado pelo Poder
Executivo Municipal, o qual poderá ter como parceiros os sindicatos, sociedades de
amigos de bairro, organizações não-governamentais e demais entidades dispostas a
cooperar com o programa.
Artigo 4º - A presente lei será regulamentada no
prazo máximo de 60 (sessenta) dias por Decreto do Executivo, o qual, dentre outras
disposições, conterá:
I - a data inicial do programa;
II - os requisitos gerais para o alistamento e
convocação dos desempregados interessados no programa, dentre eles:
a) Idade mínima de 18 anos;
b) Tempo de desemprego igual ou superior a 06
(seis) meses, desde que não seja aposentado, pensionista, beneficiário do seguro-
desemprego ou de qualquer outro programa assistencial equivalente;
c) Residência fixa no Município há pelo menos 02
(dois) anos.
Parágrafo único - Não será admitido mais do que 01
(um) beneficiário por núcleo familiar.
Artigo 5º - A participação do beneficiário no programa
implicará na limpeza, conservação, manutenção, restauração e administração pública
em geral: autárquica ou fundacional;
II - de bens das entidades assistenciais, sem fins
lucrativos;
III - de apoio à Administração Pública.
Parágrafo único - A participação efetiva no programa
não implica em reconhecimento de vínculo empregatício, eis que de caráter
assistencial e de formação profissional.
Artigo 6º - Fica autorizado o Poder Executivo
Municipal a utilizar dotações do orçamento vigente, suplementadas se necessário.
Artigo 7º - Esta lei entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário”.
Por sua vez, o Decreto nº 3.451, de 05 de maio de
2017, do Município de Estrela D´Oeste, que “regulamenta a Lei Municipal nº 2.853, de

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 4


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

04 de abril de 2017, que cria o Programa de Auxílio ao Desemprego, denominado


Frentes de Trabalho”, determina o seguinte:
“Artigo 1º - Fica regulamentado, nos termos
dispostos no presente Decreto, o Programa de Auxílio ao Desempregado, denominado
'Frentes de Trabalho', de caráter assistencial, que tem como objetivo dar ocupação,
renda e qualificação profissional aos desempregados residentes no Município de
Estrela d´Oeste, criado através da Lei Municipal nº 2.853, de 04 de abril de 2017.
Artigo 2º - O programa será coordenado pela
Diretoria de Indústria e Comércio, a qual poderá ter como parceiros a Diretoria de
Ação Social, sindicatos, sociedades de amigos de bairro, organizações não-
governamentais e demais entidades dispostas a cooperar com o programa.
Artigo 3º - O Programa terá início a partir da
publicação deste Decreto, com o Termo de Adesão em anexo, abrangendo 50
(cinquenta) vagas e proporcionará aos beneficiários:
I - a quantia mensal de um salário mínimo federal, a
título de auxílio, denominado 'Bolsa Auxílio-Desemprego';
II - cursos de qualificação profissional.
§ 1º - Os interessados deverão assinar a
concordância com o termo de adesão, conforme minuta anexa a este Decreto, após o
prévio cadastramento, que deverão obedecer as seguintes disposições;
I - idade mínima de 18 anos;
II - tempo de desemprego igual ou superior a 06
(seis) meses, desde que não seja aposentado, pensionista, beneficiário do seguro-
desemprego ou de qualquer outro programa assistencial equivalente;
III - residência fixa no Município, comprovadamente,
há pelo menos 02 (dois) anos.
§ 2º - Não será admitido mais do que 01 (um)
beneficiário por núcleo familiar.
§ 3º - Os beneficiários serão escolhidos dentre
aqueles previamente cadastrados e que assinarem o termo de adesão junto a
Secretaria de Assuntos Jurídicos, devendo a escolha ser realizada pelo setor a que se
destinar a execução dos serviços.
§ 4º - Os cursos de qualificação profissional serão
ministrados diretamente pelo Executivo Municipal ou por entidades educacionais,
mediante convênio.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 5


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

§ 5º - Os cursos de qualificação profissional deverão


iniciar-se no período de 90 (noventa) a 180 (cento e oitenta) dias após o início do
programa.
§ 6º - Os benefícios dispostos no caput deste artigo
serão concedidos pelo Poder Público Municipal pelo período de até 24 (vinte e quatro)
meses, quando o beneficiário cumprir de forma regular as obrigações quanto ao
exercício das atividades estabelecidas na Cláusula 1ª do Termo de Adesão do
Programa Frentes de Trabalho, podendo haver uma prorrogação pelo período de 12
(doze) meses.
§ 7º - Do total das vagas previsto no caput deste
artigo, havendo interessados e funções compatíveis, serão destinados 3% (três por
cento) para os portadores de deficiência.
§ 8º - O Poder Executivo Municipal poderá contratar
profissional desempregado, nos termos da presente Lei, por meio período, com
remuneração equivalente.
Artigo 4º - A participação do beneficiário no programa
implicará na limpeza, conservação, manutenção, restauração e administração pública
em geral:
I - de bens públicos da Administração Pública direta,
autárquica ou fundacional;
II - de bens das entidades assistenciais, sem fins
lucrativos;
III - de apoio à Administração Pública.
§ 1º - A participação efetiva no programa não implica
em reconhecimento de vínculo empregatício, eis que de caráter assistencial e de
formação profissional.
Artigo 5º - Este Decreto entrará em vigor na data de
sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
O exame da legislação impugnada de fato revela sua
incompatibilidade com o disposto nos artigos 111 e 115, II e X, da Constituição
Estadual, a saber:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência”.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 6


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

“Artigo 115 - Para a organização da administração


pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer
dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre
nomeação e exoneração;
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por
tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público”;
A lei e o decreto municipal em referência violam a
ordem constitucional por abrirem a possibilidade de contratação de servidores por
tempo determinado para funções de natureza permanente e previsíveis, por meio do
uso de expressões abrangentes e genéricas.
Com efeito, a teor do que disciplina o artigo 115, X,
da Constituição Estadual, a admissão de servidores por tempo determinado tem como
finalidade precípua atender necessidade temporária de excepcional interesse público;
essa admissão só deve ocorrer nas hipóteses em que estiver caracterizada a
'excepcionalidade' prevista na CE e o vínculo deve perdurar enquanto estiverem
presentes as circunstâncias pertinentes, o que não ocorreu neste caso.
Ademais, o tema já foi apreciado pelo Supremo
Tribunal Federal, sob o regime da Repercussão Geral (Tema n. 612 RE 658.026-
MG, j. 09.04.2014, Rel. Min. DIAS TOFFOLI), que assentou o entendimento no sentido
de ser “vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado”:
“Recurso extraordinário. Repercussão geral
reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho
da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal.
Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária
por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional
interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares.
Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.
Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a
inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos”.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 7


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

“1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da


Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz
dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, [da constitucionalidade de lei
municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores
públicos”.
“2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do
concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento
desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas
restritivamente.
“3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da
Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento
da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é
preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de
contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse
público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo
vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que
devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.
“4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis
que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da
obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o
cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da
igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da
existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de
atender ao que dispõe a Constituição Federal.
“5. Há que se garantir a instituição do que os
franceses denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia
atualmente ampliada para 'cultura de gestão estratégica') que consiste na
interiorização de um vetor do progresso, com uma apreensão clara do que é normal,
ordinário, e na concepção de que os atos de administração devem ter a pretensão de
ampliar as potencialidades administrativas, visando à eficácia e à transformação
positiva.
“6. Dá-se provimento ao recurso extraordinário para
o fim de julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade do art. 192, inciso
III, da Lei nº 509/1999 do Município de Bertópolis/MG, aplicando-se à espécie o efeito
exc nunc, a fim de garantir o cumprimento do princípio da segurança jurídica e o

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 8


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

atendimento do excepcional interesse social.”


Acerca da matéria, Hely Lopes Meirelles comenta
que as normas infraconstitucionais “não podem prever hipóteses abrangentes e
genéricas, nem deixar sem definição, ou em aberto, os casos de contratação. Dessa
forma, só podem prever casos que efetivamente justifiquem a contratação, mesmo
porque essa contratação sem concurso público é exceção. E, à evidência, somente
poderá ser feita sem processo seletivo quando o interesse público assim o permitir” (in
Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 33ª ed., p. 440).
Destarte, é indevida a contratação de temporários
para o desempenho de atividades que não caracterizem situações extraordinárias, isto
é, atribuições regulares e permanentes, típicas da gestão administrativa e da
consecução das finalidades primordiais do Estado; não há apoio legal para a dispensa
do sistema de mérito, tampouco autorização para que se admita de forma precária, em
especial quando a lei não contemplar situação emergencial concreta e transitória,
como no caso do Município de Estrela D'Oeste, cuja norma local não delineou
qualquer contingência extraordinária a ser atendida.
Além disso, relativamente aos prazos de contratação,
prevalece no âmbito deste Órgão Especial o entendimento de que as admissões
temporárias não devem ultrapassar 12 (doze) meses, prorrogáveis por igual período
(confiram-se, exemplificativamente: Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2144952-82.2016.8.26.0000, Rel. Des. Evaristo dos Santos, j. 08.02.2017 e Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 2094700-41.2017.8.26.0000, Rel. Des. Renato
Sartorelli, j. 30.08.2017).
Nesse mesmo sentido, os seguintes julgados desta
Corte:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Lei 3.263, de 10/04/2014, que cria o 'Programa Emergencial de Emprego' no Município
de Carapicuíba ADMISSÃO TEMPORÁRIA Hipótese admitida no artigo 115, inciso
X, da Constituição Bandeirante, que replica o preceito do artigo 37, inciso IX, da
Constituição Federal, desde que haja situação emergencial que justifique a
contratação excepcional e transitória Situação em que o programa criado pelo
Município de Carapicuíba é voltado para a assistência social de munícipes em
situação de desemprego e que não sejam elegíveis em outros programas
governamentais Atividade de absorção de mão-de-obra para o serviço de limpeza
urbana e de coleta de lixo Inexistência de emergência de excepcional interesse

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 9


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

público para justificar a necessidade temporária da mão-de-obra de pessoas em


situação de desemprego - Matéria que foi objeto do Tema 612 em repercussão geral
no Supremo Tribunal Federal, sobrevindo as seguintes teses para enquadramento da
legalidade da contratação temporária: a-) os casos devem ser excepcionais do ponto
de vista do interesse público e serem detalhados em lei; b-) o prazo de contratação
deve ser predeterminado e circunscrito à temporariedade da necessidade; c-)
impossibilidade de contratação para serviços ordinários permanentes do Estado que
devem estar sob o espectro das contingências normais da Administração
Inobservância de tais requisitos na lei impugnada - Violação aos artigos 111 e 115,
incisos II e X, e artigo 144 da Constituição Estadual Precedentes deste Órgão
Especial - ARRASTAMENTO Lei 3.485, de 14/12/2017, que alterou o artigo 1º da
norma objurgada - MODULAÇÃO Aplicação da diretriz do artigo 27 da Lei 9.868/99
Atribuição de efeitos 'ex nunc' a partir deste julgamento, sem a necessidade de
repetição de valores recebidos de boa-fé até aquela data - Ação julgada procedente,
com arrastamento e modulação” (ADI n. 2044729-82.2020.8.26.0000, Rel. Des. Jacob
Valente, j. 16.09.2020).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PROGRAMA DE AUXÍLIO AO DESEMPREGADO DENOMINADO 'FRENTES DE
TRABALHO'. PREVISÃO DE HIPÓTESE DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA NÃO
CARACTERIZADA POR NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL
INTERESSE PÚBLICO. Ainda que se reconheça ser de interesse público a adoção de
políticas públicas destinadas a combater o desemprego e seus efeitos, os dispositivos
legais combatidos não descrevem situações extraordinárias, mas a prestação de
serviços corriqueiros na Municipalidade. Hipótese de contratação que não se reveste
de transitoriedade, determinabilidade do prazo de contratação, nem de
excepcionalidade. Repercussão geral da questão (Tema n. 612, E. STF).
Inconstitucionalidade das Leis n. 3.483, de 7 de junho de 2005, n. 3.562, de 22 de
fevereiro de 2006, n. 4.550, de 31 de janeiro de 2013, n. 4.629, de 22 de maio de
2013, e n. 5.107, de 6 de abril de 2016, todas do Município de Bebedouro. Ação
julgada procedente, com modulação dos efeitos” (ADI n. 2058831-12.2020.8.26.0000,
Rel. Des. Moacir Peres, j. 09.09.2020).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 1.753,
de 10 março de 2014, do Município de Guarantã, que "Dispõe sobre a contratação por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 10


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

providências”. Diploma Legal que se revela inconstitucional, assim devendo ser


declarado na parte especificamente impugnada (dispositivos expressamente
elencados na petição inicial), por sobrepujar a autonomia legislativa municipal, inserir
entre as hipóteses de contratação temporária situações alheias ao interesse público
local, violar o princípio da legalidade remuneratória, e descumprir os requisitos da
legalidade, temporalidade e excepcionalidade, inerentes à contratação por prazo
determinado, rompendo com os princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade e
eficiência da administração pública. Inconstitucionalidade também, por arrastamento
ou atração, da Lei nº 875, de 10 de março de 1989, que regia a contratação
temporária no Município de Guarantã antes da edição da Lei nº 1.753, de 10 março de
2014. Reconhecimento de que, na hipótese, o efeito repristinatório restabeleceria
dispositivos já revogados pela lei viciada, que ostentem o mesmo vicio. Ação julgada
procedente”. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2114624-43.2014.8.26.0000,
Rel. Des. Roberto Mortari, j. 11.02.2015).

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 11


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -


Art. 71, § 1º, incisos IV, VI e VII, art. 72 caput e parágrafo único, incisos II a V, e art. 73
caput e parágrafo único, todos da Lei Complementar n° 001/90, do Município de
Taubaté - Afronta aos incisos I, 11, X e XV do art. 115 e o art. 117 caput., ambos da
Constituição Estadual - Caracterização - Exceção constitucional não pode se
transformar em carta branca para permitir o ingresso no serviço público sem concurso
- Contratação de obras, serviços, compras e alienações - Somente mediante processo
de licitação - Contratação temporária de professor visitante e médico plantonista -
Inadmissibilidade - Contratação de artistas e esportistas - Inexistência de interesse
excepcional - Inciso XV do art. 115 da Carta Bandeirante veda a vinculação ou
equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de
pessoal - Fixação com base no valor de mercado - Impossibilidade -
Inconstitucionalidade declarada - Ação procedente”. (Ação direta de
inconstitucionalidade n. 9047975-84.2008.8.26.0000, Rel. Des. Sousa Lima, j.
27.08.2008).
Como se vê, é irrecusável a incompatibilidade da
legislação municipal impugnada com os artigos 111, 115, II e X, da Constituição
Estadual, razão pela qual deve mesmo ser declarada inconstitucional.
Por fim, é de rigor a modulação dos efeitos desta
declaração, consoante prevê o art. 27, da Lei n. 9.868/99.
E assim é porque se a declaração de
inconstitucionalidade retroagisse ao início da vigência dos dispositivos impugnados,
atingir-se-ia a esfera jurídica dos contratados que obtiveram vantagens patrimoniais
com fundamento neles e, eventualmente, os obrigaria ao ressarcimento do erário
municipal. No entanto, é pacífico o entendimento de que não cabe a repetição de tais
parcelas pelos servidores quando percebidas de boa-fé, além de ser vedado o
enriquecimento sem causa da Administração, que teve prestados os serviços e não
arcaria com o pagamento pertinente.
Ante o exposto, julga-se procedente a ação para
declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 2.853, de 04 de abril de 2017, e, por
arrastamento, do Decreto n. 3.451, de 05 de maio de 2017, ambos do Município de
Estrela D´Oeste, sem necessidade de repetição dos valores recebidos pelos
beneficiários do programa em questão até o trânsito em julgado deste acórdão.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 12


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ


RELATOR

Direta de Inconstitucionalidade nº 2078311-73.2020.8.26.0000 -Voto nº 6489/20 LHC 13

Você também pode gostar