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Ofício 38/2020/COMISSÃO

Barra Longa, 24 de setembro de 2020.

À Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Emergencial (CT-OS)


À Câmara Técnica de Economia e Inovação (CT-EI)
À Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT)

Ref. Revisão, complementação e adequações da Matriz de danos para cálculo da


Indenização dos atingidos e Atingidas de Barra Longa.

A presente comunicação busca apresentar as CT’S às bases técnicas que


orientaram a construção da matriz de danos para os atingidos de Barra Longa, portanto
o documento visa facilitar a compreensão do instrumento e posterior validação e
recomendação para aplicação pela Fundação Renova.
É fato notório que o rompimento da Barragem de Fundão, situado no subdistrito
de Bento Rodrigues, distrito de Santa Rita do Durão, Município de Mariana, ocorrido
no dia 05 de novembro de 2015, tem ocasionado danos até hoje incomensuráveis as
populações da Bacia do Rio Doce. Logo após o rompimento se identificou a perda de 20
vidas humanas, foram destruídas às regiões de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e
Gesteira além do isolamento por dias de comunidades ao longo do trajeto da lama. A
Destruição se estendeu por 46 municípios provocando alterações profundas no
ambiente, fauna, flora e nos modos de vida, provocando até o momento, danos
contínuos nas diversas esferas das vidas das comunidades.
O Art. 225 da Constituição da Republica Federativa do Brasil estabelece que
todos têm direito a um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, instituindo ainda que as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados. Destacando-se que segundo regulamentações legais,
“meio Ambiente é o conjunto de condições, leis, influencia e interações de ordem física,
química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas”. Abarcando não somente a visão limitada de meio ambiente
natural, mas uma noção intervivencial ampla do princípio da dignidade da pessoa
humana. Destacamos que não é apenas a agressão ao meio ambiente que deve ser
reparada, mas toda a privação ao equilíbrio ecológico, do bem estar e da qualidade de
vida.
Em mesmo sentido a lei nº 6.938 de 31 de Agosto de 1981, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, instituiu que ao poluidor é obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao
meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Essa lei marca o
reconhecimento efetivo da Responsabilidade Objetiva do dano ambiental. No mesmo
sentido, o Código Civil ratifica:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A adoção da Responsabilidade Objetiva gera algumas consequências


importantes, dentre eles: 1) Afastar das demandas ambientais qualquer discussão acerca
de culpa; 2) Restringir a incidência de causas excludentes de responsabilidade; 3)
Tornar irrelevante a argumentação da ilicitude da atividade econômica desempenhada
pelo causador do dano; 4) Diminuir a carga probatória do demandante, no que tange ao
nexo de causalidade, ante a verossimilhança do direito alegado (Tendo em vista a
reponsabilidade objetiva decorrente do risco da atividade econômica apreendida e a
notoriedade do desastre ambiental); 5) Impor a responsabilidade objetiva no caso de
ação e de omissão; 6) Impor a aplicação do regime de responsabilidade objetiva mesmo
na reparação de danos sofridos por particulares.
O ordenamento brasileiro garante a reparação integral do dano ambiental,
cobrindo toda a extensão do dano, a partir da gravidade dos fatos, de seu impacto sobre
a integridade da personalidade das vítimas e levando-se em conta a vitimização, o
sofrimento e a reabilitação delas. Destaca-se que os esforços para se evitar a
perpetuação do caos que os atingidos e atingidas foram submetidos devem garantir a
melhoria da Qualidade de vida, a garantia da não repetição coletiva e individual, o
respeito ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana e de toda uma história de luta dos
atingidos e atingidas, esses entendidos como sujeitos determinantes no processo. Assim,
sintetiza Ivo Gurski:
Para a efetivação da reparação integral do dano ambiental, devem ser
considerados todos os aspectos materiais, imateriais, reflexos diretos,
indiretos no meio ambiente afetado, a privação da qualidade de vida, a
privação envolvendo a não utilização do bem, ainda que provisória,
para que se atinja a valoração dos bens que foram degradados. Para
que a reparação se transforme em integral, há que se estabelecer a
obrigação do causador de forma cumulativa, consistindo na obrigação
de fazer, reparando o dano in natura, restaurando e restituindo os
ecossistemas quando possível e, na impossibilidade, compensando; de
não fazer, no sentido de que cesse a ação causadora do dano, a de
indenizar os danos que sejam considerados irreparáveis e ainda os
danos extrapatrimoniais, de modo que a dificuldade na valoração na
recomposição do dano ambiental não deve importar em hipótese de
irreparabilidade.1

Assim, a reparação deve comportar todas as dimensões de danos sofridos, de


modo que todos os efeitos provenientes da atividade lesiva devem ser objeto da
reparação para que esta possa ser considerada completa. Sendo assim, a Organização
das Nações Unidas estabeleceu que em casos de graves violações de direitos Humanos,
como a ocorrida em Minas Gerais, a Reparação Integral deverá ser composta pela
indenização pecuniária dos danos que podem ser pagos; danos morais; mitigação;
compensação; restituição; reabilitação (resiliência), garantia da não repetição, satisfação
e melhoria da qualidade de vida.
Em resumo, é importante apontar que tanto a responsabilidade objetiva, quanto à
reparação integral, bem como, outros princípios do direito ambiental, visam garantir
maior tutela as vítimas, devido à intensidade e a gravidade dos danos que esses
provocados, em muitos casos irreversíveis, como bem expressa o TJMG no reexame
realizado no processo 1070209616609-6/002:
(...)
A recusa ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da
reparação in integrum arrisca projetar, moralmente, a nociva
impressão de que o ilícito ambiental compensa. Diante disso, a
resposta judicial no caso de dano ambiental há de ser enérgica, sob
pena de a impunidade do ofensor de servir de inspiração social.

No mesmo sentido de deslocar o centro da responsabilidade civil para a proteção


dos direitos fundamentais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu o
princípio da centralidade da dor da vítima, que aponta que a vítima do dano deve está no
centro da discussão a respeito da reparação. Além disso, o ser humano vitimado também

1
GURSKI JUNIOR, IVO. Princípio da reparação integral do dano ambiental no desastre de
Mariana/MG. Curitiba, 2016.
deve participar, com centralidade, na elaboração de ações, políticas e medidas de
reparação, para garantir a reparação integral e evitar a repetição dos danos.
Como mecanismo de garantir a participação ampla e informada dos atingidos foi
garantida a assessoria técnica às famílias. Na ocasião foi estabelecido que a execução da
assessoria se daria de acordo com projeto submetido pela AEDAS e aceito pelas
instituições de justiças e as mineradoras, no âmbito do processo nº 0010263-
16.2016.4.01.3800, sendo acordado:
CLÁUSULA 1º - OBJETO: O presente Acordo tem por objeto
estabelecer as regras mínimas acerca do compromisso assumido pela
Fundação, junto à Comissão, de custear a disponibilização de
assessoria técnica independente às pessoas, residentes no município de
Barra Longa – MG, atingidas pelo rompimento da Barragem de
Fundão, assim como estabelecer as condições para a prestação da
referida assessoria, conforme previsto no TCP.
Parágrafo único. A execução da assessoria a que se refere esta
cláusula será feita conforme o Projeto de Assessoria Técnica
Independente ("Projeto· de Assessoria Técnica Independente"),
elaborado pela AEDAS em conjunto com a Comissão e anexo a este
Acordo - Anexo c.

Tendo em vista o disposto, a AEDAS vem atuando guiada pelo seu projeto e
pela pauta dos atingidos que além de afirmar a categoria atingido, rompendo a lógica
patrimonialista e territorialista do dano, também aponta 6 eixos para reparação integral:
1) Direito à moradia digna e infraestrutura; 2) Direito ao trabalho digno, geração de
renda e desenvolvimento socioeconômico; 3) Direito a participação, poder de decisão e
acesso à informação; 4) Direito à saúde, à qualidade de vida e à convivência familiar e
comunitária; 5) Direito ao ambiente saudável; e, 6) Direito a indenização justa.
Nesse sentido, o documento que segue é produto, é fruto das reflexões e
formulações construída pelos atingidos e atingidas para a garantia de uma indenização
justa. Sobre esse ponto, resgatamos que no projeto da AEDAS foi estabelecido o
direitos dos atingidos a:
Elaboração da Matriz de Danos com foco nas indenizações: Em
consonância com o primeiro produto (Diagnóstico socioeconômico-
cultural dos atingidos), o objetivo aqui é assessorar as famílias
atingidas na validação e ajustes da Matriz de Danos, lançando mão
dos dados já levantados e revisados (até o presente momento pela
Fundação Renova), e os novos levantados no diagnóstico. Pretende-se
com este produto a contratação de empresa ou profissionais liberais
que assessorem na análise e interpretação dos resultados do
diagnóstico (...).

Esse compromisso de acesso e revisão da matriz também já havia sido feito


junto à população de Barra Longa em 22/11/2016, em assembleia com a presença de
José Luiz Furquim Werneck Santiago (Renova), Luiz Tarcizio Gonzaga da Oliveira
(CIMOS/MPMG), Edmundo Antônio Dias Netto Junior, Hélder Magno da Silva
(Procuradores da República), conforme trecho abaixo:
(...)
Quanto ao processo de elaboração de lista de danos que vinha sendo
realizado pela Fundação, o mesmo poderá ser eventualmente
aproveitado como instrumento de negociação individual, sendo que
seu reconhecimento enquanto processo coletivo, participativo ou de
indenização mediada requer que o mesmo seja reavaliado e
referendado pelos atingidos, mediante revisões, complementações
e adequações indicadas pelo Ministério Público e pelos atingidos.

A Matriz de Danos é um instrumento que visa abarcar a dimensão dos danos


sofridos, bem como valorá-lo, com o objetivo de embasar indenizações justas e
compatíveis com a extensão do dano. Ocorre que os atingidos apontaram dois
problemas centrais na matriz de danos utilizada pela Fundação Renova: não foi feita
com a participação dos atingidos e subdimensiona os danos.
O Programa de Indenização Mediada tem sido objeto de revisões e
reformulações, sendo analisado nas deliberações 298, 234, 211, 182, 181, 119, 118, 111,
35, 34 e 34 e das notas técnicas nº 31, 28, 22, 19, 16, 15, 08, 06, 02. Dentre os pontos, a
Nota Técnica nº 019/2018/CTOS-CIF evidencia que as políticas indenizatórias do PIM
não têm alcançado patamares congruentes com as metas deliberadas. A mesma Nota
Técnica sintetiza algumas críticas apresentadas pelos atingidos à CT-OS:
Seguem algumas denúncias recebidas:
• Impactados reclamam da qualidade do atendimento e da
desconfiança da Fundação Renova em relação aos documentos de
comprovação apresentados, o que levaria as pessoas a se sentirem
humilhadas;
• Impactados da Campanha 1 de cadastro que ainda não foram
chamados para participar do Programa de indenização;
• Pescadores profissionais que estão recebendo propostas muito
menores de indenização como se fossem pescadores de subsistência;
• Baixos valores das indenizações;
• Não indenização de danos duplos ou múltiplos. Ex: impactado
teve danos na pesca e agricultura e a Fundação estaria convocando
para tratar somente de danos da pesca;
• Pessoas impactadas cujo processo de negociação da indenização foi
interrompido por declararem que tem ou tiveram parente funcionário
público;
• Necessidade de apresentação da mesma documentação várias
vezes, por troca de equipe da Renova;
• Falta de padronização operacional, a exemplo de tipo de documento
de impactado que ora é aceito para comprovação por uma equipe, ora
não é aceito por outra;
• Convocação dos impactados para apresentação de novos documentos
mesmo depois dos acordos já assinados;
• Atraso no pagamento dos acordos assinados, superando o prazo
previsto de até 90 dias para pagamento;
• Pessoas que gostariam de fazer acordo e foram impedidas por
haverem declarado no formulário do Cadastro que tem ascendência
indígena;
• Pescadores de rios afluentes do Rio Doce para os quais a Fundação
Renova alega que não são elegíveis à indenização por não pescarem
no Rio Doce, a despeito da proibição de pesca vigente em toda a Bacia
do Rio Doce;
• Retenção indevida de Imposto de Renda sobre o valor do lucro
cessante;
• Distância dos escritórios de indenização, dado que nem toda cidade
impactada tem um, fazendo com que os impactados tenham que se
deslocar para cidades vizinhas.

Também nesses documentos produzidos pelo sistema CIF, foi estabelecido os


parâmetros para a execução do Programa de Indenização Mediada, notadamente o
caráter de quitação parcial, abrindo margem para revisão. Da mesma forma,
documentos emitidos pelo Ministério Público Federal e Defensorias Públicas atestam
igualmente a insatisfação e críticas dos atingidos de diversas localidades da bacia
quanto ao PIM e seus expedientes, ressaltamos, em especial, a Recomendação Conjunta
n. 10 de 26/03/201811, do Ministério Públicos Federal, MPMG, MPES, MPT,
Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e
Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo:
CONSIDERANDO que o Parecer nº 279/2018/SPPEA, de
22/03/2018, produzido pelas áreas técnicas do MPF e do MPMG,
consignou inúmeras percepções, pelas populações atingidas ao longo
da Bacia do Rio Doce, de violações cometidas em campo pela
Fundação Renova, entre outras, “excesso de burocracia e da
dificuldade em obter um retorno em relação às demandas que
apresentam”, “falta de clareza na comunicação”, “necessidade de
fiscalização da referida instituição”, demora na conclusão “de obras
que estariam sendo realizadas há muitos meses dentro das casas das
pessoas, sem serem concluídas, submetendo-as a uma situação
extremamente desgastante”, “forma como está sendo conduzido o
Programa da Indenização Mediada (PIM) […] havendo assédio por
parte da fundação para que os acordos fossem assinados sem que os
atingidos tivessem acesso às informações necessárias para tomar uma
decisão. Tendo sido relatado, inclusive, um caso em que um atingido
pensava que iria assinar um documento para recebimento de
antecipação da indenização, quando na verdade o que estava sendo
apresentado para que ele assinasse era um documento dizendo que se
tratava da indenização final”, e “diferença entre o tratamento dado aos
atingidos mais instruídos e grandes proprietários e o tratamento dado
aos menos esclarecidos”;
(...)
CONSIDERANDO que o Relatório do Conselho Nacional dos
Direitos Humanos – CNDH sobre o rompimento da barragem de
Fundão também recomendou que: “ a) a Fundação Renova e o CIF
suspendam imediatamente o Programa de Indenização Mediada e
estabeleçam um processo de negociação coletiva para adoção de
critérios isonômicos e metodologia adequada à fixação e valoração
dos danos sofridos pelos atingidos; b) sejam estabelecidos
mecanismos que garantam o tratamento isonômico dos atingidos
de forma coletiva, evitando a pulverização dos pleitos; c) seja
respeitada a auto-organização dos atingidos, estabelecendo-se
mecanismo de proteção contra intimidações, assédio e retaliações
das empresas, ou da fundação de direito privado, e mesmo de
entes públicos contra a forma de organização que seja livremente
decidida pelos atingidos”;
(...)
CONSIDERANDO que a exigência de quitação, ampla, geral e
irrestrita dos danos relacionados ao desastre ambiental aos
atingidos que buscarem o Programa de Indenização Mediada
viola os preceitos gerais da mediação, da boa-fé objetiva e seus
deveres anexos, da função social dos contratos e das normas
consumeristas e ambientais, sendo, em verdade, instrumento
contratual de exoneração de responsabilidades e burla ao
princípio da reparação integral;
CONSIDERANDO que a referida exigência, além de abusiva – na
medida em que viola os incisos I, IV e XVI do art. 51, do CDC –
caracteriza desvantagem exagerada na condição imposta para adesão
ao Programa de Indenização Mediada; e por ofender os princípios
fundamentais do sistema jurídico brasileiro, o exagero, no caso, é
presumido, conforme dispõe o art. 51, § 1o, I do CDC10;
CONSIDERANDO que não há possibilidade de discussão, pelos
atingidos, no âmbito das Políticas Indenizatórias, quanto aos
valores oferecidos pelas empresas, via Fundação Renova, sendo-
lhes reservado unicamente aderir ao referido programa mediante
preenchimento do formulário de elegibilidade e apresentação de
documentação ou rejeitar a proposta;
(...)
CONSIDERANDO que, em diversas reuniões, mulheres atingidas
denunciaram tratamento diferenciado a elas conferido nos
programas socioeconômicos executados pela Fundação Renova,
principalmente em relação aos valores das indenizações, à
concessão de auxílio emergencial autônomo e aos cadastramentos que
induzem ao não reconhecimento da atividade laborativa da mulher
como renda independente;
(...)
CONSIDERANDO que, em reunião realizada no dia 05 de fevereiro
de 2018, na sede da Procuradoria da República no Estado de Minas
Gerais – PRMG, com representantes da sociedade civil, foi
manifestada a preocupação com a atuação das empresas, via Fundação
Renova, em relação à implementação do PIM, oportunidade em que
foram expostos “vários questionamentos de atingidos quanto à
atuação da Fundação Renova em campo, especialmente com
relação a violações de direitos que vêm ocorrendo por meio do
Programa de Indenização Mediada – PIM”;
(...)
RECOMENDAM às empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e
BHP Billiton Brasil Ltda., diretamente ou por interposta pessoa
(FUNDAÇÃO RENOVA), que:
(...)
21. Alterem a redação do item “i” do art. 26.1 do Regimento Interno
do PIM, para estabelecer que o pagamento das indenizações
referentes aos danos morais e materiais ocorrerá mediante
quitação parcial, de acordo com a natureza do dano, excluindo
outrossim a exigência de que, em caso de acordo, a pessoa atingida se
comprometa, nos termos que constam da redação atual do mencionado
Regimento Interno, a “não ajuizar demandas judiciais indenizatórias
durante a sua participação no PIM, a suspender ações que
eventualmente já tenha ajuizado e, em caso de acordo, a renunciar ao
direito de formular outros pleitos indenizatórios relacionados ao
rompimento da barragem de Fundão”;
22. Indenizem as pessoas atingidas a partir de critérios que
considerem sua individualidade e os danos que tenham
pessoalmente sofrido, sem prejuízo de outros critérios que levem
em conta os danos ocorridos à entidade familiar ou à comunidade
a que pertençam, abstendo-se de usar metodologias indenizatórias
apenas por núcleo familiar;
23. Indenizem as mulheres atingidas em igualdade de condições
com os homens atingidos, sem qualquer distinção no tratamento e
valores, em respeito a Convenção nº 100 da OIT;
37. Viabilizem às pessoas atingidas ampla e efetiva possibilidade
de discussão, impugnação e negociação dos valores de indenização
propostos;

O relatório do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta-UFMG), num


esforço de síntese aponta que:
Ademais, o relatório produzido pela Ramboll (RAMBOLL: 2017), no
âmbito do TAP também aponta incongruências, divergências e baixa
satisfação dos atingidos no que tange aos programas de reparação
desenvolvidos pela Fundação Renova. Segundo atestam as denúncias
e documentos citados, é patente a ausência de credibilidade e eficácia
do PIM e seus instrumentos junto aos atingidos. Diante desse quadro,
o relatório produzido pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos –
CNDH sobre o rompimento da barragem de Fundão destaca inclusive
que: “os programas e ações [de reparação] de alta relevância social
e sua implementação sob a gestão desta Fundação [Renova] não
tutela de forma integral, adequada e suficiente os direitos violados
(p.52)” e ainda recomenda “a realização de amplo processo de
consulta deliberativa, à luz dos parâmetros internacionais sobre
consulta e participação em processos de reparação, junto à
população atingida para definir o mecanismo público que efetivará as
reparações dos direitos violados e para o estabelecimento das
reparações após ampla participação dos atingidos” 2

Os diversos pontos apresentados corroboram para o direito de revisão e


adequação da matriz de danos da Renova. Destacamos que o direito de revisão está
previsto por diversos instrumentos no nosso ordenamento nacional, inclusive no TTAC

2
GESTA. Retrocesso na reparação das perdas e danos aos atingidos pelo rompimento da barragem
de Fundão em Mariana – MG. Ação Civil Pública n. 0400.15.004335-6; 2ª Vara da Comarca de
Mariana, MG.
(XVII - A FUNDAÇÃO fará a revisão periódica de todos os PROGRAMAS, de forma a
mensurar e buscar a efetividade das atividades de reparação e compensação,
submetendo o resultado da avaliação ao COMITÊ INTERFEDERATIVO.), pois dialoga
com a ideia de justiça e finalidade do direito, ou seja, o direito de debater direitos.
Diante desse cenário, nasce à necessidade e por consequência o direito à construção de
uma matriz de danos dos atingidos e atingidas, com ampla participação e que reflita os
danos e materialize a Reparação Integral.
Esse processo é o deslocamento da efetivação dos direitos humanos do plano da
titularidade formal de sujeitos individuais para a dimensão das práticas sociais e da
realização de concepções coletivas de comunidade, de cidade e do ser atingidos. Como
já apontado anteriormente, os atingidos e atingidos de Barra Longa, já apontaram o
tema para a Fundação Renova, na entrega da pauta formulada por eles e apresentada no
dia 02/02/2018.
A partir disso, foi estabelecida com o povo a construção de uma metodologia
para revisão, partindo de uma reunião de coordenadores, passando pelo debate nos 18
grupos de base e finalizando com uma assembleia de aprovação da metodologia. Os
debates realizados nesses espaços contaram com o aprofundamento da concepção de
reparação integral, do debate sobre o direito a debater direitos, o significado da
indenização e da matriz de danos, isso para garantir o amadurecimento dos atingidos
para construção de parâmetros e critérios para a elaboração da Matriz. Como resultado
foi encaminhado: 1) a contratação do produto da Matriz; 2) A divisão metodológica da
matriz em quatro eixos (1- Moradia e Objetos; 2- Produção Agrícola; 3- Comércio,
Trabalho e despesas; e, 4- Saúde e Dano Moral), que seguiriam um caminho para
aprovação (Grupo de Base; Reunião dos Coordenadores; Seminário; Grupos de Base e
Assembleia); 3) A definição do direito à indenização de todos (as) os (as) atingidos (as)
citados na pauta de reivindicações e que tiveram danos ocasionados pelo rompimento da
barragem de Fundão da mineradora Samarco; e, 4) O dever de reparação de todos os
prejuízos e danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e intervenções
decorrentes, em suma, o direito das pessoas serem reparadas guiar a construção da
Matriz, não o contrário, ou seja, a Matriz limitar o direito de reparação.
Após o encerramento da rodada de grupos de base, foi realizada assembleia de
aprovação da metodologia geral. Em seguida, abriu seleção para equipe que realizaria a
construção junto aos atingidos da revisão da Matriz da Fundação Renova, tendo como
objetivos específicos à análise da matriz de danos elaborada e proposta pela Fundação
Renova; Análise e sistematização dos danos apontados pelos atingidos e pelas atingidas,
bem como da metodologia de construção da Matriz de Danos, a partir dos documentos
da Assessoria Técnica; Elaboração e execução de estudos complementares para
conhecimento, quantificação e valoração dos danos e relações produtivas; Elaboração
de proposta de Matriz de Danos a partir das análises feitas; E, Acompanhamento da
revisão da proposta de Matriz de Danos junto aos atingidos e atingidas.
A equipe vencedora da seleção foi o Laboratório Estado, Trabalho, Território e
Natureza /ETTERN da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ. Criada há
mais de 20 anos, a Assessoria Técnica e Educacional Meio Ambiente e Barragens –
ATEMAB está associada ao Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza –
ETTERN, grupo de pesquisas nacional que reúne professores e pesquisadores de
diversas universidades públicas brasileiras e é coordenado por professores do Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – IPPUR/UFRRJ. O ETTERN está cadastrado no Diretório dos Grupos de
Pesquisa do Brasil/CNPq.
Na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, a ATEMAB é
coordenada pela professora Flávia Braga Vieira e reúne pesquisadores graduandos e de
pós-graduação (mestrado e doutorado), os quais estiveram à frente do presente trabalho
de pesquisa e assessoria técnica. A ATEMAB assessora as populações atingidas e a suas
organizações locais, regionais e nacional nas seguintes áreas: Promoção de cursos e
produção de material didático para a educação ambiental das comunidades atingidas e
para a formação de lideranças nas áreas de desenvolvimento regional, política
energética e de recursos hídricos e minerais, legislação ambiental, direitos humanos, etc;
Consultoria técnica, através da elaboração de análises de Estudos e Relatórios de
Impacto Ambiental (EIAs/RIMAs) e da produção de estudos aplicados referentes a
política energética; recursos hídricos; meio ambiente e planejamento local/regional;
direitos econômicos, sociais e ambientais; reparações e mitigação de impactos;
Assessoria aos atingidos por barragens em negociações e debates junto a órgãos e
instâncias do Estado brasileiro, seja no âmbito da União quanto dos entes federados e
munícipios. Compreende também assessoria aos atingidos por barragens em suas
relações com bancos multilaterais e outras instituições internacionais envolvidas com a
problemática das barragens hidrelétricas e de mineração.
Após seleção e contratação, a equipe responsável veio à cidade de Barra Longa
para apresentação do produto e do plano de trabalho para a Comissão e Coordenadores,
dando inicio ao trabalho a partir do estabelecido nos objetivos listados a cima. No
sentido de acúmulo dos danos a equipe participou da primeira rodada de seminários
temáticos das categorias atingidas (donas de casa, comerciantes, pescadores,
empregadas domésticas, produtores rurais, garimpeiros, trabalhadores por conta própria,
trabalhadores rurais, aposentados, desempregados, bordadeiras, costureiras e artesã/ãos)
onde foram debatidos e sistematizados os danos, como instrumento de subsídio para a
matriz. Por fim, a equipe elaborou a proposta de Matriz de Danos a partir das análises
feitas, voltando ao território para submetê-la em Reunião da Comissão, Reunião dos
Coordenadores, em Seminário com agrupamentos de comunidade, nos, então, 22 grupos
de base e em Assembleia Geral para aceite final pelos atingidos.
Esse caminho metodológico resultou em uma proposta de matriz, com lista de
itens e preços, em anexo, que valorará os danos materiais e imateriais para o eixo
moradia e objetos, primeiro agrupamento a ser negociado. Tendo em vista o ineditismo
e excepcionalidade do caso, sua repercussão e consequências, ficou evidente a
necessidade de buscar parâmetros, medidas e soluções que dessem conta da
multiplicidade e diversidade de atingidos, interesses e bens afetados. A matriz de
valoração proposta, assim, está baseada em referenciais teóricos, jurisprudenciais e
métodos de valoração que consideram a realidade local e peculiaridades das
comunidades atingidas, bem como as experiências de casos semelhantes anteriores tanto
a nível nacional como internacional.
Com base nos princípios do poluidor-pagador e da prevenção, adotasse a teoria
do risco integral, o que significa que o agente é responsável pelos bônus e ônus da sua
atividade, devendo assumir e internalizar também os riscos e custos da sua atividade.
Em se tratando de crime ambiental de grandes consequências, incluindo enorme
diversidade de danos socioambientais, e caracterizada a substantiva grandeza econômica
da empresa, o desastre tecnológico ocasionado pelo rompimento da Barragem de
Fundão configura-se não apenas como crime ambiental, mas também se traduz em
graves violações aos direitos humanos. Um dano que afeta o direito ao meio ambiente
sadio e equilibrado, atingindo, inevitavelmente, os seres humanos, sua qualidade de
vida, modos de vida, seus direitos e garantias essenciais à dignidade da pessoa humana,
e se fere a vida humana é, portanto, também violação dos direitos humanos.
Compreender os danos causados pelo rompimento da barragem como violações
aos direitos humanos leva o foco para a vítima e sua satisfação de reparação integral e
justa dos danos por ela suportados. Com foco central na reparação da vítima e com a
perspectiva da integralidade da pessoa humana, o reconhecimento dos danos deve ser o
mais amplo possível, incluindo além dos danos materiais, danos imateriais em suas
diversas manifestações e esferas (psicológica, estética, existencial, moral, coletiva etc.).
A regra geral é da reparação total e efetiva, restitutio in integrum, com a
reabilitação dos territórios e melhoria da qualidade. Deve-se contemplar medidas que
assegurem a mitigação e a reparação do dano de forma abrangente de maneira a garantir
a recomposição e a autonomia de todas as esferas necessárias ao pleno desenvolvimento
dos indivíduos e das comunidades, além de promover e garantir a não repetição das
violações. A reparação, assim, deve incluir tanto restituição material quanto restituição
de direitos e deve incluir medidas de satisfação, garantias de não repetição, medidas de
restituição e reabilitação.
Neste sentido, a construção das categorias e valores de danos neste relatório
parte da ideia de reconhecimento da pessoa humana e seus direitos, estritamente ligado
aos aspectos materiais e imateriais que formam o indivíduo e suas formas de
sociabilidade particular e coletiva.
Como o desastre da Samarco é absolutamente inédito, foi necessário utilizar
analogias com casos semelhantes de violações de direitos humanos e ambientais. O
principal referencial pecuniário para a valoração das categorias de danos imateriais
deste relatório são as jurisprudências que tratam dos “danos aos projetos de vida” e
“danos morais”, advindas da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ainda não
existe um tabelamento único disposto pela Corte IDH para indenizar os danos
imateriais, nem trabalhos que sistematizem este aspecto do processo reparatório. Nosso
levantamento nas jurisprudências da Corte chegou ao montante que varia entre 40
mil e 80 mil dólares americanos em indenizações de vítimas para danos imateriais
e segundo as características concretas dos casos.
Neste sentido, a valoração das categorias e do total da Matriz buscou orbitar
entre os parâmetros da Corte IDH. Deve-se salientar que o caso em questão engloba
duas dimensões que em geral são tratadas pela Corte IDH como casos separados, a
saber: 1. crime ambiental de grandes proporções; e 2. grave violação de direitos
humanos. Desta maneira, utilizamos como parâmetro mínimo o dobro do valor mínimo
da Corte (80 mil dólares americanos) e como parâmetro máximo o dobro do valor
máximo da Corte (160 mil dólares americanos).
Para recalcular os DANOS MATERIAIS, foram revisados os preços de
mercado listados pela Renova. Para isso, foi feito um grande levantamento sobre como
os consumidores avaliam marcas e modelos que existem no mercado. Para a revisão
foram considerados o custo-benefício dos itens, a avaliação dos consumidores e a
confiabilidade das marcas (segundo sites de pesquisa de mercado que avaliam a opinião
dos consumidores e de especialistas). O entendimento aqui é de que não importa qual
era o modelo e a marca dos objetos e equipamentos que os atingidos tinham antes do
desastre, eles merecem receber agora um valor que possa pagar pelo melhor.
Além disso, equipamentos e objetos parcialmente afetados foram considerados
na totalidade de seu valor de mercado, pois se entende que, passados 4 anos do desastre,
não é mais possível repará-los. Também nestes casos, foram pesquisadas as melhores
marcas e modelos do mercado.
Estas são formas de cumprir com três dimensões da reparação integral:
restituição de direitos, bens e liberdades; satisfação das vítimas; e indenização
compensatória pelos danos materiais.
Neste trabalho entende-se que DANO IMATERIAL é mais amplo do que o que
normalmente se chama de “dano moral”. O dano imaterial é tudo o que foi causado de
sofrimento físico e psicológico aos atingidos, e compreende toda a perda de: modos de
vida; relações comunitárias e familiares; relações com o meio ambiente; cultura,
tradições, memórias, saberes, vivências; etc. Também engloba todo o sofrimento
relativo à honra e à perda de chances: ofensas, discriminação, ameaças e
constrangimentos, impedimento de planejar e realizar sonhos e projetos; etc.
No Brasil há muito poucas referências de indenizações referentes a estas perdas.
Por isso, foi usado como referencial para a indenização dos danos imateriais os
precedentes da Corte IDH. Esta forma de valorar pretende cumprir com quatro
dimensões da reparação integral: restituição de direitos, bens e liberdades;
reabilitação física, psicológica e social; satisfação das vítimas; e indenização
compensatória por danos imateriais.
Além disso, é importante destacar que, se os parâmetros máximos e mínimos do
total de danos imateriais seguem os valores arbitrados pela Corte IDH, buscou-se
também, em cada subcategoria, não extrapolar as jurisprudências nacionais para
cada um destes tipos de dano imaterial. Assim, as subcategorias referentes à saúde
física e mental não extrapolam os valores que as cortes trabalhistas brasileiras têm
arbitrado para casos de adoecimento físico e mental. Da mesma forma, quase todas as
demais subcategorias foram valoradas no intervalo entre 5 e 10 salários mínimos, que é
encontrado em quase todas as decisões do direito civil brasileiro para casos de
indenização de danos morais.
Ocorre que quatro anos se passaram e os danos se aprofundaram e geraram
novos danos, colocando a população em situação de extrema vulnerabilidade. Nesse
sentido, para entender o processo de vulnerabilização desencadeado pelo rompimento é
necessário uma breve caracterização socioeconômica de Barra Longa, segundo os dados
do último censo do IBGE (2010), o município possuía uma população de 6.143, sendo
estimado pelo órgão uma população de 5.131 pessoas em 2019, destes, apenas 31,2%
tinham relações formais de trabalho e 70,5% da população de 15 anos ou mais de idade
figurava entre os sem instrução e ensino fundamental incompleto. No entanto, por outro
lado, apenas 17,5% se enquadram na categoria de desocupação e o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDHM) era de 0,624, sendo que deste, o fator Longevidade
apresentava índice de 0,823, seguida de Renda, com índice de 0,613, e tendo uma queda
em Educação, com índice de 0,482.

FIGURA 4: Índice de desenvolvimento Humano Municipal Barra Longa.

Esses dados, casados com as pesquisas e discussões em território avançam na


compreensão de um modo de vida socioeconômico diferenciado, pautado no
extrativismo, plantio, criação e a troca, o que são por sinal, marcas presentes desde a sua
fundação, como aponta a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Volume XXIV, ano
1858.

Nos primórdios da penetração das Minas Gerais, colonizadores que se


haviam fixado na região do Carmo e Ribeirão do Ouro Prêto,
emigraram para a região dos rios Gualacho do Norte e Carmo,
formando, aí, pequenos núcleos de povoação. Entre eles estava Barra
Longa. O coronel Matias Barbosa da Silva que se ilustrara no sul,
defendendo contra os espanhóis a Colônia do Sacramento e que para
Minas subindo com Artur de Sá aí se tornara riquíssimo, senhor de
muitos escravos e poderoso em armas, desceu por seu turno à procura,
no seio ubertoso das terras do Carmo, da sustentação de sua casa já
então naturalmente grande. Lançou nestas partes várias posses,
legalizadas anos depois pelos documentos comumente chamados –
carta de sesmarias. A principal destas posses, a que o coronel tratou
com mais interesse e carinho, foi a grande Fazenda da Barra do
Gualacho do Norte, vasto territorial, dentro de cujo perímetro,
próximo ao local onde à feição de solar nobre, fundou ele o pequeno
arraial de Barra de Matias Barbosa pouco depois São José de Barra
longa. Isto deve ter-se verificado de 1701 a 1704. Após a reconstrução
de uma capela mandada erigir por Matias Barbosa, o povoado foi se
desenvolvendo. As principais atividades a que se dedicava essa
gente era a agricultura e a exploração do ouro de aluvião,
abundante nos rios Carmo e Gualacho do Norte.

Essas formas de fazer, criar e viver, altamente alterados pelo rompimento da


Barragem precisam ser considerados, pois, a proteção da dignidade da pessoa humana
se manifesta na proteção as possibilidades de sustento da pessoa e dos seus. São essas
teias de trabalho e produção, provedoras de vidas dignas, que foram rompidas com o
crime, conforme dados apresentados pelo Estado, dos 35 municípios atingidos, 25
possuem menos de 20 mil habitantes (PPI) e destes 13 municípios (52%) possuem, de
acordo com o diagnóstico, vulnerabilidade socioeconômica municipal média e alta. A
própria Fundação RENOVA, em seu Mapa de Vulnerabilidades constatou que a média
da renda per capita das famílias pobres dos municípios atingidos reduziu 66,31%.
Entendendo a gravidade dessas violações, o conceito de Reparação Integral
abrange também a dimensão da “garantia de não repetição”. Esta garantia deverá ser
encaminhada com modificações legais que impeçam as empresas de cometer novamente
os mesmos erros e causar a outras famílias os mesmos danos. Outra maneira de garantir
a NÃO REPETIÇÃO é usar medidas educativas que mostrem às empresas o mal que
causaram e/ou ainda causam.
Como bem apontam Carlos Machado de Freitas, Mauren Lopes de Carvalho,
Elisa Francioli Ximenes, Eduardo Fonseca Arraes e José Orlando Gomes, os desastres
não são naturais, nem existem em um vácuo, sendo construídos socialmente através de
processos que se estruturam na dinâmica do desenvolvimento econômico e social, bem
como da proteção social e ambiental. Sendo assim, no contexto da reparação, é preciso
situar a pobreza, desigualdade e vulnerabilização como fatores que fomentam uma
tendência das populações aceitarem mais facilmente os acordos, condições e renúncia
de direitos que lhe são impostas, por acreditarem que assim o processo transcorrerá mais
rápido, é possível concluir que o empobrecimento e vulnerabilização das famílias
impossibilitam uma participação livre na construção/evidenciação do direito integral
dos atingidos, estabelecendo relações onde estes figuram como reféns do processo, não
sendo possível, portanto, falar em participação sem poder de decisão e simetria de
poder, pois fora disso a reparação será reduzida a um ciclo vicioso que parte do desastre
e se renova no agravamento das suas consequências.
Entendendo que a empresa vem se utilizando de procrastinação nos processos de
reparação, foi considerado necessário um acréscimo de valor pelo tempo transcorrido
desde o desastre até o momento da indenização pecuniária. Ao final da soma geral
da planilha de cada indivíduo foi acrescida uma multa por tempo (ACRÉSCIMO
TEMPO), que se constitui em um salário mínimo para cada mês transcorrido desde
o desastre. Acredita-se que desta forma seja possível garantir que os responsáveis
cumpram com suas responsabilidades de reparação de forma mais célere,
minimizando o já tão dramático sofrimento das vítimas.
Sabe-se que não existe valor em dinheiro que supra o dano causado em situações
de grave violação, como a que foram submetidos os atingidos de Barra Longa. Todos
(as) os (as) atingidos (as) sofreram os danos decorrentes do rompimento da barragem.
Contudo, sabe-se que há grupos que historicamente são mais vulneráveis ou têm
menos oportunidades de acessar direitos na nossa sociedade. Estas pessoas que já
não alcançavam os seus direitos antes do crime, agora estão mais fragilizadas.
Em estudos sobre desigualdade, os chamados marcadores sociais da diferença
são utilizados para tentar diminuir a desigualdade entre grupos da sociedade. No caso da
valoração dos danos desta Matriz, foram inseridos alguns FATORES
AGRAVADORES, de forma a tentar reparar as desigualdades históricas que são
aprofundadas com o rompimento da barragem, conforme a tabela abaixo:

FATORES AGRAVADORES
FATORES AGRAVADORES GERAIS % DE ACRÉSCIMO
(Marcadores Sociais da Diferença)
Sexo (se mulher) 10%
Raça (se negro, indígena ou população 10%
tradicional)
Idade (se criança/adolescente ou idoso) 20%
Deficiência (se deficiente físico ou 50%
mental)
Gestante /lactante (se gestante ou lactante 10%
em qualquer momento desde o desastre)
FATOR AGRAVADOR ESPECÍFICO DO CASO
Se deslocado compulsoriamente 10

Apontamos que nesta Matriz constam danos que não foram levantados pela
Renova, mas que nos foram indicados pelos atingidos e por sua Assessoria Técnica,
notadamente os danos imateriais, mas também itens materiais.
Dentre as reflexões apresentadas nesse documento é importante acrescentar que
os rompimentos de barragens tem se tornado uma constante na vida dos brasileiros nos
últimos anos. Esse dado torna-se ainda mais preocupante tendo por base o documento
elaborado pela Comissão Internacional de Grandes Barragens (ICOLD), um registro
mundial de grandes barragens . Nele, apesar dos dados brasileiros ainda não estarem
completos, o país figura na 5º posição dos detentores de grandes barragens no mundo.
Em relação a Minas Gerais, a declaração ao final da visita ao Brasil do Grupo de
Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos aponta que o estado
abriga 753 barragens de rejeitos, e que 40 delas são consideradas inseguras.
Por sua vez, o grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade –
PoEMAS elaborou, em relatório preliminar, uma sistematização acerca da condição das
barragens de mineração em Minas Gerais, a partir de dados oficiais disponibilizados
pela Fundação Estadual do Meio Ambiente, referentes ao ano de 2014.

Sem classificação pela FEAM Auditor não apresenta conclusão


Estabilidade não garantida Estabilidade Garantida Total
Classe I 6 3 6 111 126
Classe II 4 3 14 114 165
Classe III 0 6 7 146 156
Total 10 12 27 401 450

O estudo aponta que entre as barragens nível 3, que não tiveram estabilidade
garantidas, estão quatro da Vale (três em Congonhas e uma em Itabirito), uma da MBR,
subsidiária da Vale (Nova Lima), uma da Namisa, pertencente à CSN (Rio Acima), e
uma da MMX Sudeste (Brumadinho). No que se refere as barragens que o auditor não
apresentou conclusão, isso se deu, porque as empresas não conseguiram apresentar
documentos que comprovassem sua estabilidade. Entre as seis, nível III, está mais uma
barragem da Namisa (Congonhas), uma da Mundo Mineração (Rio Acima) e quatro da
Minerminas (Brumadinho) (FEAM, 2014).
É possível perceber que há divergências de informações entre os dados
apresentados ao Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos
Humanos e os dados oficiais analisados pelo PoEmas, nesse sentido, o próprio estudo
apresentado pelo grupo de estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora apresenta
dúvidas sobre a efetividade da política de monitoramento: 1º) Porque como dito, os
dados oficiais não estão completos, e 2º) porque:

Na lista de barragens de 2014 (FEAM 2014b), as três barragens da


Samarco em Mariana (Fundão, Germano e Santarém), todas Classe
III, tiveram sua estabilidade garantida pelo auditor. Da mesma forma,
os dados apresentados no Cadastro Nacional de Barragens de
Mineração indicam que as três barragens, apesar de terem um dano
potencial associado alto, foram consideradas de baixo risco (DNPM,
2015b). O simples fato de uma barragem considerada segura pelos
dois sistemas de monitoramento ter falhado catastroficamente lança
dúvidas sobre a efetividade das políticas federal e estadual de
segurança de barragens. Esses programas tornam-se ainda mais
questionáveis quando se leva em consideração que, após o
rompimento da barragem do Fundão, o próprio diretor da Samarco
admitiu que a barragem do Germano não seria segura, uma vez que o
valor do coeficiente de segurança seria inferior ao mínimo
considerado seguro (Paranaíba, 2015).

Essa imprecisão nos dados preocupa, uma vez que os números de desastre
crescem com mais rapidez do que as políticas para redução de vulnerabilidades e
preparação dos territórios. A tendência do crescimento de risco se relaciona ao
crescimento dos volumes de rejeitos produzidos; ao aumento da altura das barragens;
(maior probabilidade de ruptura) e ao aumento do volume do reservatório (maior
potencial de dano). Isso se evidencia em qualquer breve histórico dos rompimentos no
Brasil.
Em 1986 a barragem do grupo Itaminas rompeu-se, em Itabirito (MG), matando
sete pessoas. Em 2001 foi a barragem da mineração Rio Verde, em Nova Lima (MG),
causando a morte de cinco operários. Em 2003 houve rompimento da barragem da
Indústria Cataguases de Papel em Minas Gerais que atingiu os rios Pomba e Paraíba do
Sul, deixando 600 mil pessoas sem água. Em 2004, Alagoa Nova (PB) rompeu-se
Camará, uma barragem de água, contabilizando 5 óbitos e aproximadamente 3 mil
pessoas desabrigadas ou desalojadas. Em 2007, a barragem da mineradora Rio Pomba
Cataguases rompeu-se em Miraí, espalhando cerca de 2 milhões de m³ de rejeitos,
desalojando mais de 4 mil moradores e afetando quatro municípios. Em 2008, na cidade
de Vilhena (RO), rompeu Apertadinho, barragem de água para geração de energia,
causando danos ambientais variados (assoreamento de rios, erosão do solo, entre
outros). Em Cocal e Buriti dos Lopes (PI) no ano de 2009 foi a vez de Algodões,
Barragem de água, deixando saldo de 9 e 24 mortos e aproximadamente 2000 pessoas
desabrigadas ou desalojadas. Em 2008 uma falha no vertedouro da barragem da
Companhia Siderúrgica Nacional inundou de lama parte da cidade de Congonhas (MG),
desalojando quarenta famílias. Em 2014 três trabalhadores da Herculano Mineração
morreram em Itabirito (MG), e os rejeitos da mineração de ferro da barragem rompida
atingiram vários cursos d’água da região. Em 2014, em Laranjal do Jari (AP) a
barragem Santo Antônio deixou 04 óbitos. Em janeiro de 2019, mais uma barragem da
Vale rompeu, desta vez em Brumadinho (MG), na mina Córrego do Feijão, despejou 13
milhões de m³ de lama, causando novamente um mar de danos para várias comunidades,
causando a destruição do Rio Paraopeba, com possibilidade de contaminação do rio São
Francisco, 270 mortos e 18 desaparecidos, danos incalculáveis a fauna, a flora, mais de
24000 famílias evacuadas, destruição de modos e projetos de vida.
De acordo com o Relatório de Segurança de Barragens - RSB, elaborado pela
Agência Nacional de Águas - ANA, referente ao ano de 2017, o Brasil registra em
média quatro desastre com barragens a cada ano. Há evidências, no entanto, de que tal
estatística possa ser bem maior: a própria agência reconhece em seu relatório que há
desastres não relatados e mesmo barragens que não foram informadas ao governo
federal.
No entanto, os índices da mineração em 2018 apontaram um crescimento nos
lucros em comparação com 2017. A Vale no terceiro trimestre atingiu uma produção de
104,9 milhões de toneladas de minério de ferro, obtendo um lucro líquido de 5,75
bilhões de reais. Por sua vez, esse ano, a Vale fechou o terceiro trimestre (julho-
setembro), com um lucro de US$ 1,6 bilhões (R$ 6,5 bilhões) e um aumento de 20,2%
da extração de minério de ferro, na comparação com o trimestre anterior.
Em dezembro de 2018, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam),
responsável pelo processo de concessão de Licença Prévia, a Licença de Instalação e a
Licença de Operação, aprovou a ampliação de 88% de duas minas no local e a
construção de uma estrada dentro do Parque Estadual Serra do Rola Moça, no relatório
de impacto do projeto, foi incluído os povoados de Córrego do Feijão, Tejuco, Jangada,
Casa Branca e Parque da Cachoeira, além de fazendas no entorno. Na época, o
Movimento das Águas de Casa Branca denunciou que os projetos por si só, já iriam
atingir seis mananciais, responsáveis pelo abastecimento de 40% da Região
Metropolitana de Belo Horizonte .
Após o rompimento da barragem de Fundão, no sentido de denunciar as
violações protagonizadas pelo modelo minerário nacional, produziu-se um documento
para solicitar audiência pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH). No documento buscou-se traçar, a partir de treze casos, um panorama das
afetações causadas aos direitos humanos pela atividade mineral no Brasil, fortalecendo a
caracterização de que o rompimento da barragem de Fundão, bem como os outros aqui
citados precisam ser entendidas como parte de um mesmo cenário que “se relaciona
inevitavelmente ao modelo de desenvolvimento adotado pelo país e a arquitetura legal e
institucional que se estruturou em decorrência dessa opção”.
O documento explica que as políticas minerárias adotadas no Brasil se
relacionam ao megaciclo das commodities (produtos com baixo valor agregado, ou seja,
bens que não sofrem processos de alteração). Aponta que entre 2003 e 2013 as
importações globais de minério saltaram de US$38 bilhões para US$277 bilhões (um
aumento de 630%). Segundo o relatório ainda, no caso no Brasil, a produção mineral
brasileira aumentou 550% no período entre 2001 e 2011.
Rafael Henrique Dias Manzi , explica que o bom dos commodities se relaciona
principalmente aos processos de crescimento econômico de países tradicionalmente
exportadores de matéria prima e commodities internacionais, por exemplo China e
Índia. Ocorre que a aceleração da urbanização e aumento da renda das populações
desses países, que juntas correspondem a 36,5% da população global, gerou um
aumento na demanda de commodities internacionais, o chamado “superciclo”.

A magnitude desses valores pode ser igualmente percebida quando


são observadas as pautas de importação da China e da Índia. No caso
chinês, as importações de produtos e bens básicos saltaram de US$ 31
bilhões em 2001, para US$ 297 bilhões em 2008 e US$ 525 bilhões
em 2014. Na Índia, as importações desses bens cresceram no mesmo
período de US$ 20 bilhões para US$ 118 bilhões, e posteriormente
para US$ 195 bilhões. Ou seja, nos dois países mais populosos do
mundo houve um crescimento sem precedentes da demanda por
commodities internacionais. As compras chinesas se multiplicaram em
aproximadamente dezessete vezes e as indianas em dez vezes em um
período inferior a duas décadas (2001 – 2014). (Banco Mundial,
2015).

Reflexo disso são os dados apresentados no relatório financeiro da Samarco, que


apresentam que o continente asiático, incluindo China, representa 40% das vendas.
Ocorre que, a partir de 2013, no âmbito internacional, começou a ocorrer a
desaceleração das economias do Sul. A estimativa de redução no crescimento Chinês
causou a redução na demanda por commodities internacionais, bem como uma queda
nos preços internacionais. O próprio relatório financeiro da Samarco de 2014 já sinaliza
uma queda no número das exportações, fenômeno engendrado no que se desenhou
como fim do “megaciclo”. Diante desse cenário, a Samarco traçou uma estratégia:
Em 2014, com a conclusão do Projeto Quarta Pelotização (P4P) e o
aumento da capacidade, definimos uma estratégia de equilíbrio entre a
produção de pelotas de redução direta e de alto-forno, bem como de
atendimento aos mercados, para mitigar potenciais riscos e apostar em
produtos mais rentáveis. Apesar da queda de preço, a maior qualidade
das pelotas de minério de ferro em relação a outras apresentações do
mineral – como finos – permanece como um diferencial competitivo,
o que mantém os preços médios dos produtos oferecidos pela Samarco
acima da média de mercado (veja gráfico). Outra forma essencial para
contornarmos desafios relativos ao preço de nosso produto é a redução
de custos – alcançada, na Samarco, via combinação de alta
produtividade, uso máximo dos ativos e aumento de eficiência. Sob
esse aspecto, um dos destaques é a melhoria propiciada pelo P4P –
que, por meio do aumento da capacidade, permite a redução dos
custos de produção e mitiga eventuais perdas no aspecto de
precificação .

O resultado, evidenciado um ano depois, foi o rompimento da barragem


responsável por acumular os rejeitos de minério, um desastre de proporções ainda sob
cálculo, mas desde o inicio já qualificado, como maior desastre socioambiental do país,
provocando grave alterações no ecossistema, matando peixes, fauna e flora, além de
afetar a subsistência, modo de vida e economia das comunidades atingidas.
Essa é também a observação apontada no relatório produzido pelo Grupo
Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMA, já citado, que aponta
4 consequências do megaciclo na mineração:
1- a alta dos preços promoveu a aceleração dos processos de
licenciamento ambiental, que foram, por esse motivo, inadequados
para a avaliação dos riscos; 2- na sequência, a baixa dos preços
intensificou a produção e medidas de redução de custos, como forma
de manter os ganhos nos patamares dos períodos de preços altos; 3- o
aumento da produção foi favorecido também (além da facilidade na
obtenção do licenciamento) pelas inovações em beneficiamento, que
permitiram lavrar reservas com teor cada vez menor de minério e 4- o
resultado de tudo isso foi à construção de barragens de rejeitos cada
vez maiores e menos seguras.

A Samarco foi eleita em 2015 – prêmio referente a 2014 – pela quinta vez e
terceira consecutiva como melhor mineradora do país, pelo anuário Melhores e Maiores
da Revista Exame, como justificativa apontada para premiação, foi declarado que:

A Samarco conseguiu crescer mesmo em meio à desaceleração


econômica e queda no preço do minério de ferro. Ela obteve a melhor
rentabilidade do setor e é destaque pela terceira vez, com um
faturamento de 2,6 bilhões de dólares e lucro de 1 bilhão de dólares. O
segredo, segundo a empresa, é planejamento, controle de custos e
fidelização de clientes. Ela inaugurou sua quarta unidade de produção,
que já estava nos planos desde 20083.

Para tal realização, depreende-se do Relatório Anual de Sustentabilidade


apresentado pela empresa de 2014, que a produção de pelotas de ferro havia sido
aumentado em 9,5 milhões de toneladas, alcançando uma produção de 25 milhões de
toneladas na mina de Germano em 2014, 15% a mais do que no ano anterior,
acarretando um aumento de 3 milhões de toneladas no volume de rejeitos. O Relatório
da Administração e Demonstrações Financeiras, apresentado em 31 de dezembro de
2014, aponta que:
Sob influência do aumento da capacidade com a implantação da
Quarta Pelotização, nossa produção de 2014 alcançou 25,075 milhões
de toneladas de pelotas de minério de ferro e finos, 15,4% a mais que
no ano anterior. Esse volume ainda não corresponde a todo o aumento
que projetamos, em função de ajustes naturais ao processo de ramp-up
da expansão – que permitirá um salto de 37% na capacidade nominal
de produção anual. Nossas vendas, por outro lado, alcançaram 25,1
milhões de toneladas e se distribuíram de forma equilibrada no
exterior, alcançando 36 clientes, de 19 países. O lucro líquido
alcançou R$2.805,5 milhões, resultado que se destaca no setor e que
vemos com satisfação, dadas as previsões atuais e futuras para a
mineração.4

3
EXAME premia as melhores empresas de 2014. In: https://exame.abril.com.br/negocios/exame-
premia-as-melhores-empresas-de-2014/
4
SAMARCO. Relatório da Administração e Demonstrações Financeiras. 2014, p. 4. In:
https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2016/08/2014-Relatorio-da-Administra-o-e-Demonstra-es-
Financeiras.pdf.
Segundo o relatório de sustentabilidade já citado, o preço de venda do minério
de ferro bruto havia caído em 47% em relação ao ano anterior, isso aliado a um aumento
da oferta global, combinado à desaceleração de mercados consumidores estratégicos,
conjuntura que exigiu da empresa uma política empresarial construída em cima de
quatro eixos: “alta produtividade, qualidade do produto adequada às necessidades dos
nossos clientes, baixo custo de produção e uma reputação positiva perante nossos
5
públicos de relacionamento” [grifo nosso]. De acordo com a empresa o aumento da
produção ocasionou um aumento na taxa total de acidentes registrados (com perda de
tempo + sem perda de tempo) e um óbito registado6.
Luiz Jardim Wanderley, Maíra Sertã Mansur e Raquel Giffioni Pinto7 analisando
os dados do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais e do Espirito Santo
apontaram que a empresa também passava por um processo de terceirização da mão de
obra, atingindo um total de 59% dos mais 6600 empregados. Estratégia comum em
processos de redução de custos operacionais e sustentação de níveis de lucratividade. Os
autores apontam que a Samarco registrava no TRT’s denuncias de terceirização ilícitas,
não pagamento de horas in itinere, não fiscalização das condições de trabalho pelas suas
prestadoras de serviço, dentre outros. Resultando, 554 processos no TRT 3º região
(Minas Gerais) e 1021 no TRT da 17º Região (Espírito Santo).

Inclusive, a Empresa vem sendo investigada pelo Ministério Público


do Trabalho por práticas de terceirização irregular, já que os
trabalhadores que se encontravam no local no momento do
Rompimento da Barragem do Fundão eram majoritariamente
prestadores de serviços e não empregados na empresa. Segundo o
procurador Geraldo Emediato Souza, tal fato é irregular, pois
trabalhadores terceirizados só podem ser contratados para realização
de atividades de suporte e não permanentes e habituais (G1, 2015).
Outra possibilidade seria, que no momento do rompimento a barragem
passava por obras, que permitiria a expansão da sua capacidade, e os
operários estariam trabalhando nelas.8

5
SAMARCO. Relatório Anual de Sustentabilidade. 2014. In: https://www.samarco.com/wp-
content/uploads/2016/08/2014-Relatorio-Anual-de-Sustentabilidade.pdf.
6
Ibid, p. 05.
7
WANDERLEY, Luiz Jardim; MANSUR, Maíra Sertã; PINTO, Raquel Giffioni 7. Avaliação dos
antecedentes econômicos, sociais e institucionais do rompimento da barragem de rejeito da
Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG); In: MILANEZ, Bruno; LOSEKANN, Cristina (Orgs.). Desastre
no Vale do Rio Doce: Antecedente
8
P. 57.
A complexidade do ocorrido demonstra que o mesmo se configura desastre
sociotecnológico, o que se dá ao fato de que não se trata de um desastre natural, pois a
sua ocorrência e a sua amplitude estavam dentro da possibilidade de controle humano e
tecnológico. Destacamos que a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho
Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou nesta sexta-feira, 25 de outubro, a
Licença de Operação Corretiva (LOC) da Samarco Mineração, ato que autoriza a
empresa a retomar suas atividades no Complexo de Germano, em Mariana.
Esse cenário esboçado nos auxilia a perceber a importância de medidas
educativas e inibitórias, mediante proteção exemplar, para proteção do meio ambiente,
visando a preservação da qualidade de vida, de modo que o lucro não seja construído as
custas das vidas humanas. Portanto, pelos motivos elencados e outros elencados de
forma não exaustiva na assembleia do dia 16 de outubro de 2019, os atingidos solicitam
o pagamento de salários mínimos referentes ao lapso do rompimento da barragem até o
momento do pagamento para todos os moradores de Barra Longa e aos atingidos que
com a cidade de relacionam, na renda, trabalho, moradia e outros aspectos a serem
identificados.
Verônica perguntou ao público, quais os motivos dessa multa
para o público, foi citado: a demora, a poeira, a perda de
emprego, inflação, problema de pele, a RENOVA marcar as
reuniões e não aparecer, aumento do preço dos alimentos, o rio
poluído, saúde, falta de médicos nas comunidades, novos gastos
com saúde, falta de peixe, perda de trabalho para perda os
trabalhadores rurais, que a política da renova de cana
desempregou os cortadores de cana, o barulho da sirene, a
estrada, o corte dos cartões sem justificativa, sem dar satisfação,
não cumprem os acordos feitos em assembleia (água e luz das
pessoas deslocadas), reformas e reconstruções, maltratar as
pessoas no atendimento, no tratamento grosseiro dos atingidos
(...).

A experiência de Brumadinho, onde os moradores obtiveram sua condição de


atingido pela constatação de que é impossível viver ou se relacionar com uma cidade
vítima de rompimento de barragem e não ter seus modos de vida, trabalho, renda, saúde
e condições de moradia digna alteradas, solicita-se que essa multa seja paga por pessoa
atingida, a partir de comprovações amplas de residência ou relação com Barra Longa, à
exemplo do que tem sido adotado na Bacia do Paraopebas, partindo-se do entendimento
que são duas cidades atingidas pela Vale.
Além da revisão da Matriz a partir dos critérios apontados pelos atingidos, foram
estabelecidas algumas outras negociações que precisam ser feitas: 1) Respeito para com
os atingidos (as), suas histórias e modos de vida; 2) não exclusão e garantia do direito a
debater direitos; 3) O pagamento deverá ser individual e por eixo; 4) Revisão do
cadastro a partir de instrumentos complementares, formulados pelos atingidos nos
grupos de base, que deverão ser incorporados ao programa 01; 5) Aplicação do Cadastro
por Mutirão para que os atingidos possam ser acompanhados pela Assessoria Técnica;
6) Aceite da autodeclaração individual, no caso em que as famílias perderam sua casa e
seus pertences na lama; testemunhas e autodeclaração coletiva, bem como registro
menos formais adotados anteriormente pelos atingidos; e, 7) Aceite do caráter dinâmico
da matriz, entendo que novos danos podem aparecer ao logo do processo e devem ser
reparados.
O primeiro ponto apresentado nasce das diversas denuncias sobre a forma de
tratamento da Fundação Renova para com os atingidos, sendo relatado a constante
sensação de investigação de suas vidas antes do rompimento, na minuciosidade de
detalhes exigidos como provas, nesse sentido, a ausência da participação das vítimas no
processo, cria um ambiente de vigilância em que as famílias se sentem investigadas e
não atendidas processo que somente pode ser evitado através de sua participação na
elaboração e condução dos cadastramento9.
O segundo ponto visa corrigir o processo de exclusão prévia. A Cláusula 20
determina que o Programa também deverá identificar a totalidade das áreas que tenham
sido afetadas em suas esferas sociais, culturais, econômicas ou ambientais, através da
realização de estudos contratados com experts independentes e submetidos ao CIF. Em
sua Nota Técnica nº 29, a CTOS, reafirma o descumprimento dessa cláusula e a
importância da realização para superar o paradigma generalista de cadastro, para que a
“realidade não se adeque aos modelos” (p.2) mais o contrário.
O terceiro ponto versa sobre a forma de pagamento, tendo em vista que a
metodologia de pagamento por núcleo familiar tem gerado novos danos, por vezes,
crises severas entre os membros da família. Além disso, se mostra incapaz de aferir
todos os danos, levando-se em conta a dimensão individual e coletiva, sendo esse o
motivo para constar na recomendação conjunta, já citada o seguinte item:
22. Indenizem as pessoas atingidas a partir de critérios que
considerem sua individualidade e os danos que tenham pessoalmente

9
gesta
sofrido, sem prejuízo de outros critérios que levem em conta os danos
ocorridos à entidade familiar ou à comunidade a que pertençam,
abstendo-se de usar metodologias indenizatórias apenas por núcleo
familiar;

No que se refere ao pagamento por eixo, visa garantir a discursão detalhada e


aprofundada pelos atingidos sobre a matriz e os seus instrumentos para aplicabilidade, o
que se dará conforme metodologia já apresentada.
Quanto ao quarto ponto, nasce da compreensão de que o cadastro na renova, não
abarca todas as naturezas de danos contidas na realidade para a construção reparação
integral. Todo o PLCI está assentado na tentativa de estabelecer lapsos temporais para
caracterização das perdas e danos, essa perspectiva desconsidera para a mensuração da
reparação os danos decorrentes do desastre que se reproduzem pela morosidade, pela
perda ambiental, pela quebra dos laços comunitários e familiares. É necessário a
inversão da interpretação das temporalidades a partir das formas de reinvenção social
após o desastre, que devem ser bases para a comprovação da efetivação da reparação
integral, com especial atenção aos desdobramentos dos danos ao longo do tempo e ao
princípio da equidade intergeracional, a partir de uma ótica de compreensão do impacto
ambiental na população atingida (incluindo-se nessa concepção as gerações futuras) ex
post facto e não restrita à “data do evento”.
Além disso, as relações sociais, de parentesco, de gênero e raça não são
consideradas para formadoras da realidade social de Barra Longa e do processo de
reparação integral. Todo esse universo de relações está sendo desconsiderado como
atingido pelo rompimento. Logo, diagnostica-se a dimensão coletiva, e seu potencial
para reconstrução individual, como um elemento externo no processo reparatório
construído pela Fundação Renova. E, portanto, o PLCI não busca integrar a totalidade
das redes de interação, trabalho, reciprocidade, formação de identidades sociais e
culturais, na constituição do “dever de indenizar”, de modo que não se encontram
perguntas sobre essas dimensões. Um verdadeiro processo reparatório que vise a
recomposição dos modos de produção da vida em Barra Longa, tanto em sua dimensão
individual como coletivo, capaz de superar os conflitos socioambientais decorrentes do
rompimento, e aqueles aprofundados por ele, deve ser composto por diagnósticos
participativos em caráter coletivo. Apenas com a utilização de instrumentos
complementares, construídos coletivamente, que sejam capazes de abarcar a
multiplicidade de danos, poderemos reconstruir a totalidade dos modos de vida, e
propiciar uma situação de vida melhor às pessoas atingidas de Barra longa.
Em suma, a dinâmica social que existia antes do desastre não pode ser auferida
com precisão, sobretudo advinda de uma análise documental através de comprovação
constituída na condução do PLCI. Existem diversas relações informais típicas da
sociedade, principalmente nesta região, de Barra Longa, que envolvem a construção
histórico social do local. Ademais, a própria aplicação do PLCI, e o processo reparatório
subsequente geram uma série de efeitos e impactos que influem na modulação do
processo reparatório. Diante disso, decorre que os efeitos do desastre sobre a sociedade
local ainda são imprevisíveis e incertos, e portanto, o cadastro pode servir de parâmetro
indenizatório, contudo nunca pode se constituir como limitador da constituição da
reparação, sob pena de violar o princípio da reparação integral. Assim, é preciso que o
cadastro esteja aberto a complementos e mecanismos suplementares que possam atender
às contínuas alterações sociais decorrentes do desastre, bem como não esteja limitado
geograficamente.
O quinto ponto versa sobre a forma do levantamento, com indicação de
processos coletivos, a exemplo dos já realizados no munícipio, posto que assim, os
atingidos se sentem mais seguros para não serem desrespeitados no processo, nem
deixem de responder por não entenderem o que está sendo perguntado, como revelam
ocorrer hoje.
O sexto ponto, relacionado aos meios de comprovação para a identificação dos
danos. As pessoas em Barra Longa, em sua maioria, não constavam antes do
rompimento, um padrão de formalidade desenvolvido, apresentando relações muito
marcadas pela confiança e não previsibilidade em longo prazo. Nesse sentido,
exigências não razoáveis a esse contexto, acabam por excluir os atingidos do processo
reparatório. No mais, em Mariana, já vem sendo adotada a autodeclaração para as
famílias das comunidades arrasadas, configurando quebra da isonomia o não aceite para
famílias em situações similares. Para os demais casos, além da flexibilização das
exigências de formalização, também se faz necessário, o aceite do depoimento por
testemunhas e a autodeclaração coletiva.
As empresas, detentores do poder econômico e político, tem instrumentos para
construir toda a sorte de estudos, laudos e comprovações, posicionando os atingidos em
local de fragilidade no processo, nesse sentido, é necessário a composição dos fatos a
partir de instrumentos a disposição dos atingidos, com a adoção de novas metodologias,
como a cartografia social.
Por fim, o sétimo ponto, possui caráter de síntese ao afirmar o caráter dinâmico
da matriz e prever que ela deve ser adaptada à realidade e não a realidade reduzida ou
ignorada para refletir nela.
Apresentadas às bases norteadoras para construção de matriz de danos dos
atingidos de Barra Longa, solicitamos a realização de uma intercâmara para apreciação
e validação por meio de nota técnica com recomendação para aplicação da matriz de
danos pela Fundação Renova.
Atenciosamente,

COMISSÃO DE ATINGIDOS E ATINGIDAS DE BARRA LONGA

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