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2ª Edição

VERSÃO ACTUALIZADA

Tratado de Clínica Pediátrica


João M. Videira Amaral
Esta obra, de cariz prático, pretende apresentar de forma concisa dados actuais sobre
tópicos fundamentais da clínica pediátrica de complexidade variável, quer no âmbito
do ambulatório, quer no âmbito da prática hospitalar.

Concretizada com a colaboração de uma plêiade de autores convidados, é apresentada


em 3 volumes compreendendo 33 partes e 376 capítulos.

O Tratado de Clínica Pediátrica (nesta segunda edição, revista, actualizada, ampliada e


em DVD) tem como principais destinatários estudantes de Medicina e de áreas relacio-
nadas com as Ciências da Saúde, internos de medicina geral e familiar e de pediatria,
médicos de família, pediatras gerais, assim como profissionais da saúde interessados na
área da Medicina da Criança e do Adolescente. A bibliografia seleccionada, que encerra
cada capítulo ou parte, contribuirá para esclarecimento complementar do leitor inter-
essado.

O coordenador-editor espera que o conteúdo, escrito em espírito de missão por todos


os autores, seja útil aos leitores, quer no âmbito da formação pré/pós-graduada e
contínua, quer no âmbito do desempenho profissional. O objectivo último é contribuir
para a saúde e bem-estar da criança e adolescente, e da comunidade em geral. João M. Videira Amaral
VERSÃO ACTUALIZADA
João M. Videira Amaral
O coordenador-editor (João M. Videira Amaral) é médico-pediatra e professor catedrático jubilado da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Até Outubro de 2007 foi director da
Clínica Universitária de Pediatria no Hospital de Dona Estefânia, Lisboa e regente das disciplinas de
Pediatria e de Clínica Pediátrica da mesma Universidade. É autor ou co-autor de cerca de 260 artigos em
revistas científicas e em livros de texto, sobretudo na área da Pediatria Neonatal e da Educação Médica.
Foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria (1989-92) e actualmente é Director da Acta
Pediátrica Portuguesa, revista científica da referida Sociedade.

Volume 3
Com o apoio de: Abbott Laboratórios, Lda.
2ª Edição

Volume
3
TRATADO
DE CLÍNICA
PEDIÁTRICA
Tratado de Clínica Pediátrica

IIIº Volume

2ª Edição
VERSÃO ACTUALIZADA

JOÃO M. VIDEIRA AMARAL


Editor-Coordenador
© João M Videira Amaral
Tratado de Clínica Pediátrica, 2008

Produção Gráfica
IDG – Imagem Digital Gráfica

Exemplares
5 000 ex.

2ª Edição não comercial em DVD, apoiada e distribuída por ABBOTT Laboratórios, 2013

Abbott Laboratórios, Lda.


Estrada de Alfragide, 67, Alfrapark, Edifício D – 2610-008 AMADORA
Tel.: 21 472 71 00 Fax: 21 471 44 82
Contribuinte e Matrícula na Conserv. do Reg. Com. da Amadora sob Nº 500 006 148
Capital Social: € 3 396 850
www.abbott.com
O conteúdo desta publicação é da inteira responsabilidade dos seus autores.

Depósito Legal
280864/08

ISBN
978-989-96091-4-3

ADVERTÊNCIA

1. Não é permitida a reprodução total ou parcial desta edição por meio electrónico, mecânico, fotocópia ou outros sem
prévia autorização escrita dos autores e editor.

2. Sendo a Medicina uma área do conhecimento em constante e rápida evolução, nomeadamente no que respeita a fár-
macos, e embora tenha sido feito todo o esforço por parte de editor e autores quanto ao rigor no registo das respectivas
doses e formas de apresentação, salientamos que a responsabilidade final da prescrição é do médico que a institui.

3. Sendo consensual que na prática clínica existem diferentes modos de actuação, nem os autores, nem o editor poderão
ser responsabilizados por erros ou pelas consequências que advenham de informação aqui contida. Os produtos
mencionados no livro devem ser utilizados conforme a informação veiculada pelos fabricantes.
Autores (por ordenação de capítulos) – III Volume

João M. Videira Amaral Ana Leça


Professor Catedrático Jubilado de Pediatria da Faculdade de Ciências Médica pediatra. Assistente Graduada de Pediatria do HDE. Membro
Médicas da Universidade Nova de Lisboa (FCM/UNL). Médico- do Núcleo de Apoio à Criança e Família no HDE. Directora dos
pediatra. Chefe de Serviço e Director ex-officio da Clínica Universitária Serviços de Prevenção e Controlo de Doenças da DGS.
de Pediatria do Hospital de Dona Estefânia (HDE), Lisboa.
António Bessa de Almeida
Deolinda Barata Médico pediatra. Chefe de Serviço de Pediatria na Área de Pediatria
Médica pediatra intensivista. Chefe de Serviço de Pediatria e Coorde- Médica do HDE). Coordenador da Consulta Externa de Pediatria
nadora ex-officio da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos Médica do HDE. Assistente de Pediatria da Faculdade de Ciências
(UCIP) do HDE. Membro do Núcleo de Apoio à Família no HDE e Médicas da Universidade Nova de Lisboa (FCM/UNL).
do Instituto de Apoio à Criança.
Ana Rute Ferreira
António Marques Médica pediatra na Área de Pediatria Médica do HDE.
Médico pediatra intensivista. Assistente Graduado de Pediatria na UCIP
do HDE. Coordenador do Serviço de Urgência Externa do HDE. Luís Varandas
Professor Auxiliar da FCM/UNL e do Instituto de Higiene e Medicina
Margarida Santos Tropical/UNL. Médico pediatra. Assistente Graduado de Pediatria
Médica pediatra intensivista. Assistente Graduada de Pediatria. Coor- na Área de Pediatria Médica do HDE. Regente da área de Clínica
denadora da UCIP do HDE. Pediátrica(Estágio pré-licenciatura).

Rosalina Valente Andreia Teixeira


Médica pediatra intensivista. Assistente Graduada de Pediatria na Médica pediatra na Área de Pediatria Médica do HDE.
UCIP do HDE.
Cristina Henriques
Gabriela Pereira Médica pediatra na Área de Pediatria Médica do HDE.
Médica pediatra intensivista. Assistente Graduada de Pediatria na
UCIP do HDE. Maria João Brito
Médica pediatra. Assistente Graduada de Pediatria na Área de Pediatria
Lurdes Ventura do Hospital de Dona Estefânia (HDE), Lisboa. Assistente de Pedia-
Médica pediatra intensivista. Assistente Graduada de Pediatria na tria da FCM/UNL.
UCIP do HDE.
Ana Serrão Neto
Isabel Fernandes Médica pediatra. Doutorada pela FCM/UNL e Professora Auxiliar
Médica pediatra intensivista. Assistente Graduada de Pediatria na Convidada. Directora do Serviço de Pediatria/Neonatologia do
UCIP do HDE. Hospital CUF Descobertas, Lisboa.

Sérgio Lamy Filomena Cândido


Médico pediatra intensivista. Assistente Graduado de Pediatria na Médica pediatra. Pediatra Residente no Serviço de Pediatria/Neonato-
UCIP do HDE. logia do Hospital CUF Descobertas, Lisboa.

Rui Alves Leonor Carvalho


Cirurgião pediatra. Assistente Graduado no Serviço Cirurgia Pediátrica Médica pediatra. Assistente Graduada de Pediatria ex-officio do HDE.
do HDE, Lisboa. Assistente da FCM/UNL.
João Farela Neves
Maria José Costa Médico pediatra intensivista na Área de Pediatria Médica do HDE.
Médica fisiatra. Assistente Graduada de Medicina Física e Reabilitação
(MFR) no Serviço de MFR do HDE.
VI TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Mónica Baptista Helena Carreiro


Médica pediatra. Assistente Hospitalar de Pediatria do Desenvolvimento Médica pediatra neonatologista. Chefe de Serviço e Directora do Depar-
no Hospital Beatriz Ângelo/Loures. tamento da Criança do Hospital Fernando Fonseca (Amadora Sintra).

Conceição Neves Maria do Céu Soares Machado


Médica pediatra. Assistente Graduada de Pediatria na Área de Pediatria Professora Associada de Pediatria da Faculdade de Medicina da
Médica do HDE). Universidade Clássica de Lisboa. Médica-pediatra neonatologista.
Chefe de Serviço e Directora do Departamento de Pediatria do
Raquel Ferreira Hospital de Santa Maria.
Médica pediatra intensivista. Assistente Hospitalar na Área de Pediatria
Médica do HDE. Filomena Pinto
Médica pediatra neonatologista. Assistente Graduada de Neonatologia
Paula Kjollerstrom no Serviço de Pediatria da Maternidade Dr Alfredo da Costa
Médica pediatra. Assistente Hospitalar na Área de Pediatria Médica do (MAC), Lisboa.
HDE.
Isabel Santos
Rute Neves Médica pediatra neonatologista. Assistente Graduada de Neonatologia
Médica pediatra na Área de Pediatria Médica do HDE. no Serviço de Pediatria da MAC.

Dora Gomes Teresa Costa


Médica pediatra. Assistente Hospitalar na Área de Pediatria Médica do Médica pediatra neonatologista. Chefe de Serviço de Neonatologia
HDE. ex-officio no Serviço de Pediatria da MAC.

João Baldaia A. Marques Valido


Médico pediatra. Assistente Graduado de Pediatria na Área de Pedia- Médico pediatra neonatologista. Chefe de Serviço e Director ex-officio do
tria Médica do HDE. Serviço de Pediatria da MAC.

Julião Magalhães Luís Pereira-da-Silva


Cirurgião pediátrico. Chefe de Serviço de Cirurgia Pediátrica ex-officio Médico pediatra neonatologista. Assistente Graduado de Neonatologia na
do Hospital de Dona Estefânia, Lisboa. Assistente da FCM/UNL. Unidade de Cuidados Intensivos do HDE. Doutorado pela FCM/UNL
e Professor Auxiliar de Pediatria/Neonatologia da mesma Univer-
Jorge Correia-Pinto sidade. Coordenador do Centro de Investigação do CHLC.
Cirurgião pediátrico. Assistente Graduado de Cirurgia Pediátrica do
Hospital de São João, Porto. Professor Catedrático e Investigador na Graça Henriques
Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho, Braga. Médica pediatra neonatologista. Assistente Hospitalar Graduada de
Neonatologia. Coordenadora da Unidade de Neonatologia do Hos-
Maria João Baptista pital da Luz, Lisboa.
Cardiologista pediátrica. Assistente Graduada de Cardiologia Pediá-
trica do Hospital de São João. Professora Auxiliar Convidada e Fernando Chaves
Investigadora na Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Médico pediatra neonatologista. Assistente Graduado de Neonatologia
Minho, Braga. na UCIN do HDE. Assistente de Pediatria Neonatal da FCM/UNL.

Cristina Nogueira-Silva Daniel Virella


Médica especialista de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de São Médico pediatra neonatologista. Assistente de Pediatria/Neonatologia
Marcos, Braga. Assistente na Escola de Ciências da Saúde da Uni- na UCIN do HDE. Docente na área da pós-graduação em Gestão de
versidade do Minho, Braga. Unidades de Saúde da Universidade Católica Portuguesa e da
Ordem dos Médicos.
Ricardo Jorge Fonseca
Médico obstetra e ginecologista. Assistente Graduado de Ginecologia e Ana Dias Alves
Obstetrícia no Hospital de São Francisco Xavier ex-officio. Doutorado Médica-pediatra. Assistente Hospitalar no Serviço de Pediatria do
pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Hospital Garcia de Orta, Almada.
Lisboa (FCM/UNL).
Manuel Rui Garcia Carrapato
Cláudia Santos Médico pediatra neonatologista. Doutorado pela Faculdade de Medicina da
Médica pediatra/neonatologista no Departamento da Criança do Universidade do Porto. Professor na Faculdade de Ciências da Saúde da
Hospital Fernando Fonseca (Amadora- Sintra). Universidade Fernando Pessoa, Porto. Chefe de Serviço e Director do
Departamento de Pediatria e Neonatologia do Hospital de São
Sebastião, Feira. Presidente da World Association of Perinatal Medicine.
Autores VII

Susana Tavares Paulo Sousa


Médica-pediatra. Assistente Hospitalar no Departamento de Pediatria Professor e Investigador na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP),
do Hospital de São Sebastião, Feira. Lisboa e no Centro de Malária e Doenças Tropicais do Instituto de
Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da UNL
Catarina Prior
Médica-pediatra. Assistente Hospitalar no Departamento de Pediatria Isabel Saraiva de Melo
do Hospital de São Sebastião, Feira. Médica Pediatra
Assistente Hospitalar no Hospital Garcia de Horta. Assistente da ENSP.
Teresa Caldeira
Médica-pediatra. Assistente Hospitalar no Departamento de Pediatria Idalina Bordalo
do Hospital de São Sebastião, Feira. Enfermeira Especialista em Pediatria, Psicologia Social e Organiza-
cional. Mestrado em Gestão dos Serviços de Saúde. Gestora do
Maria João Lage Risco no HDE.
Médica pediatra neonatologista. Assistente Graduada de Neonatologia
na UCIN do HDE. Assistente de Pediatria Neonatal da FCM/UNL.
Mestrado em Qualidade e Segurança do Doente pelo Imperial
College, Londres/UK. Docente da Escola Nacional de Saúde
Pública, Lisboa. Gestora do Risco Clínico no HDE.

Marta Nogueira
Médica pediatra neonatologista. Assistente Graduada de Neonatologia
ex-officio no Serviço de Pediatria da MAC.

J. Nona
Médico pediatra neonatologista. Assistente Graduado de Neonatologia
no Serviço de Pediatria da MAC.

Ana Nunes
Médica pediatra neonatologista. Chefe de Serviço e Coordenadora da
Unidade de Neonatologia do Serviço de Pediatria do Hospital de
São Francisco Xavier (HSFX), Lisboa.

Maria dos Anjos Bispo


Médica pediatra neonatologista. Chefe de Serviço e Coordenadora
ex-officio da Unidade de Neonatologia do Serviço de Pediatria do
Hospital de São Francisco Xavier (HSFX), Lisboa.

António Vieira Macedo


Médico pediatra neonatologista. Assistente Graduado na Unidade de
Neonatologia do Serviço de Pediatria do Hospital de São Francisco
Xavier (HSFX), Lisboa.

Maria Teresa Neto


Médica pediatra neonatologista. Chefe de Serviço na Unidade de
Cuidados Intensivos do HDE. Doutorada pela FCM/UNL e
Professora Associada de Pediatria/Neonatologia da mesma Univer-
sidade.

Lincoln Justo Silva


Médico pediatra neonatologista. Chefe de Serviço e Coordenador ex-
officio da Unidade de Neonatologia do Departamento da Criança e
da Família do Hospital de Santa Maria, Lisboa. Doutorado pela Fa-
culdade de Medicina da Universidade Clássica de Lisboa e Profes-
sor Auxiliar de Pediatria/Neonatologia da mesma Universidade.

Leonor Duarte
Médica pediatra neonatologista. Assistente Graduada ex-officio na
Unidade de Cuidados Intensivos do HDE.
Índice

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXI 10 Crianças e adolescentes com necessidades


Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXIII especiais – Aspectos gerais da habilitação
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXV e reabilitação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Glossário Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXVII Maria Helena Portela
Abreviaturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XXXV 11 Continuidade de cuidados à criança e
adolescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Maria do Céu Soares Machado

PARTE III Genética e Dismorfologia 69


I VOLUME 12 Genética Médica na Clínica Pediátrica . . 70
Luís Nunes, Raquel Carvalhas e Teresa Kay
PARTE I Introdução à Clínica Pediátrica 1 13 Genética: Importância do laboratório . . . 75
1 A Criança em Portugal e no Mundo. Salomé Almeida, Teresa Kay, Raquel Carvalhas e Luís Nunes
Demografia e Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 14 Formas de hereditariedade . . . . . . . . . . . . . 78
João M. Videira Amaral Salomé Almeida, Teresa Kay, Raquel Carvalhas e Luís Nunes
2 Os superiores interesses da criança . . . . . 17 15 Anomalias cromossómicas . . . . . . . . . . . . . 83
João Gomes-Pedro Luís Nunes, Márcia Rodrigues, Salomé Almeida,
3 Ética, humanização Raquel Carvalhas e Teresa Kay
e cuidados paliativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 16 Doenças multifactoriais . . . . . . . . . . . . . . . 88
Maria do Carmo Vale e João M. Videira Amaral Luís Nunes, Rui Gonçalves, Salomé Almeida e Teresa Kay
4 Formação em Pediatria 17 Diagnóstico pré-natal . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
na pós-graduação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Teresa Kay, Diana Antunes, Raquel Carvalhas e Luís Nunes
João M. Videira Amaral 18 Anomalias congénitas . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
5 Investigação e clínica pediátrica . . . . . . . . 34 Maria de Jesus Feijoó e João M. Videira Amaral
João M. Videira Amaral
PARTE IV Crescimento Normal
PARTE II Clínica Pediátrica Hospitalar e Patológico 111
e Extra-Hospitalar 39 19 Crescimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
6 Clínica pediátrica hospitalar . . . . . . . . . . . 40 Maria de Lurdes Lopes e Rosa Pina
Mário Coelho 20 Baixa estatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
7 Aspectos metodológicos da abordagem Maria de Lurdes Lopes e Rosa Pina
de casos clínicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
João M. Videira Amaral PARTE V Desenvolvimento
8 A Imagiologia em Clínica Pediátrica . . . . 49 e Comportamento 127
Francisco Abecasis, Eugénia Soares e Leonor Bastos Gomes 21 Desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
9 Aspectos do Serviço de Patologia Clínica Maria do Carmo Vale
num hospital pediátrico . . . . . . . . . . . . . . . 59 22 Desenvolvimento e intervenção . . . . . . . 131
Rosa Maria Barros, Antonieta Viveiros, Antonieta Bento, Ana Alegria, João Estrada e Maria do Carmo Vale
Isabel Daniel, Isabel Griff, Margarida Guimarães, Virgínia 23 Comportamento e temperamento . . . . . . 136
Loureiro, Vitória Matos Maria do Carmo Vale
X TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

24 Deficiência mental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140 PARTE VIII Clínica da Adolescência 223


Maria do Carmo Vale e Mónica Pinto 43 Adolescência, crescimento
25 Perturbações da linguagem e desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224
e comunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 Maria do Carmo Silva Pinto
Maria do Carmo Vale e Mónica Pinto 44 Adolescência e comportamento:
26 Habilitação da criança com dificuldades abordagem clínica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
na comunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 Maria do Carmo Silva Pinto
Isabel Portugal
27 Aprendizagem e insucesso escolar . . . . . 148 PARTE IX Aspectos da Relação entre Medicina
Maria do Carmo Vale Pediátrica e Medicina do Adulto 241
28 Perturbações do sono . . . . . . . . . . . . . . . . 152 45 Doenças da idade pediátrica com
Maria do Carmo Vale e João M. Videira Amaral repercussão no adulto . . . . . . . . . . . . . . . . 242
29 Síndroma da apneia obstrutiva do sono João M. Videira Amaral
(SAOS) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156 46 Hipertensão arterial em saúde infantil
Mário Coelho e juvenil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252
30 Perturbações do espectro do autismo . . 162 João M. Videira Amaral
Maria do Carmo Vale e Mónica Pinto 47 Doença aterosclerótica . . . . . . . . . . . . . . . 258
31 Perturbações de hiperactividade João M. Videira Amaral
e défice de atenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
Mónica Pinto e Maria do Carmo Vale PARTE X Fluidos e Electrólitos 263
48 Equilíbrio hidroelectrolítico
PARTE VI Pedopsiquiatria 171 e ácido-base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
32 Introdução à Clínica Pedopsiquiátrica . . . 172 Maria do Carmo Vale, João Estrada e João M. Videira Amaral
Maria José Gonçalves 49 Desidratação aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270
33 Perturbações da ansiedade . . . . . . . . . . . . 175 Maria do Carmo Vale, João Estrada e João M. Videira Amaral
Maria José Gonçalves e Margarida Marques 50 Reidratação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272
34 Depressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178 Maria do Carmo Vale, João Estrada e João M. Videira Amaral
Maria José Gonçalves e Margarida Marques
35 Psicoses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 PARTE XI Nutrição 281
Maria José Gonçalves e Margarida Marques 51 Nutrientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282
36 Perturbações do comportamento . . . . . . 183 Ignacio Villa Elizaga e João M. Videira Amaral
Maria José Gonçalves e Margarida Marques 52 Alimentação com leite materno . . . . . . . 296
João M. Videira Amaral
PARTE VII Ambiente, Risco e Morbilidade 187 53 Leites e fórmulas infantis . . . . . . . . . . . . . 302
37 A criança maltratada . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 Carla Rego e António Guerra
Deolinda Barata e Ana Leça 54 Probióticos, pré-bióticos e simbióticos . 310
38 Traumatismos, ferimentos e lesões Aires Cleofas da Silva
acidentais – O papel da prevenção . . . . . 196 55 Alimentação diversificada
Mário Cordeiro no primeiro ano de vida . . . . . . . . . . . . . . 316
39 Intoxicações agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 António Guerra
António Marques e Margarida Santos 56 Alimentação após o primeiro ano de vida
40 Viagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211 incluindo as idades pré-escolar, escolar
Luís Varandas e adolescência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325
41 Acidentes de submersão . . . . . . . . . . . . . . 215 Ignacio Villa Elizaga e João M. Videira Amaral
José Ramos e Isabel Fernandes 57 Obesidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329
42 Sindroma da morte súbita do lactente . . 218 Carla Rêgo
Hercília Guimarães 58 Síndromas de má-nutrição
energético-proteica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338
Ignacio Villa Elizaga e João M. Videira Amaral
Índice XI

59 Carências vitamínicas e minerais . . . . . . 343 79 Avaliação audiológica . . . . . . . . . . . . . . . . 439


João M. Videira Amaral Luísa Monteiro
60 Regimes vegetarianos
e erros alimentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 350 PARTE XIV Pneumologia 449
João M. Videira Amaral 80 Anomalias da parede do tórax . . . . . . . . . 450
61 Alterações do comportamento João M. Videira Amaral
alimentar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 352 81 Anomalias congénitas do sistema
João M. Videira Amaral respiratório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452
Julião Magalhães e João M. Videira Amaral
PARTE XII Imunoalergologia 357 82 Pneumonia adquirida
62 Doenças alérgicas na criança – na comunidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 456
Epidemiologia e prevenção . . . . . . . . . . . 358 Laura Oliveira e Fátima Abreu
J. Rosado Pinto 83 Derrame pleural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464
63 Aspectos do diagnóstico Fátima Abreu
da doença alérgica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362 84 Pneumonia recorrente . . . . . . . . . . . . . . . . 469
Ângela Gaspar José Guimarães
64 Asma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369 85 Bronquiolite aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473
Mário Morais de Almeida António Amador e Joaquim Sequeira
65 Rinite alérgica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383 86 Bronquiolite obliterante . . . . . . . . . . . . . . 481
Graça Pires José Guimarães
66 Alergia de expressão cutânea . . . . . . . . . 386 87 Bronquite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 484
Cristina Santa Marta João M. Videira Amaral
67 Alergia medicamentosa . . . . . . . . . . . . . . 394 88 Bronquiectasias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 486
Paula Leiria Pinto Ana Margarida Reis e José Cavaco
68 Alergia e intolerância alimentares . . . . . 399 89 Síndromas de aspiração . . . . . . . . . . . . . . 489
Sara Prates João M. Videira Amaral
69 Imunodeficiências primárias . . . . . . . . . . 403 90 Hemossiderose pulmonar e síndromas
Conceição Neves de hemorragia alveolar difusa . . . . . . . . . 491
70 Síndroma de imunodeficiência Mafalda Paiva e A. Bessa Almeida
adquirida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 409 91 Fibrose quística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 495
António Bessa Almeida, Júlia Galhardo e Ema Leal Ana Maia Pita e José Cavaco
92 Reabilitação respiratória . . . . . . . . . . . . . . 501
PARTE XIII Otorrinolaringologia 417 António Teixeira
71 Faringite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 418
Carlos Ruah PARTE XV Dermatologia 505
72 Amigdalite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419 93 Introdução à Dermatologia pediátrica . . . 506
Carlos Ruah António Pinto Soares
73 Adenoidite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 422 94 Dermatite seborreica . . . . . . . . . . . . . . . . . 507
Carlos Ruah Teresa Fiadeiro
74 Rino- sinusite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423 95 Dermatite atópica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 509
Vital Calado Maria João Paiva Lopes
75 Otite média aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427 96 Acne . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 513
Vital Calado Ana Macedo Ferreira
76 Otite sero- mucosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 431 97 Dermatite das fraldas . . . . . . . . . . . . . . . . 517
Vital Calado Teresa Fiadeiro
77 Otomastoidite aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . 434 98 Psoríase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 519
Maria Caçador e Carlos Ruah Ana Fidalgo
78 Patologia inflamatória aguda laríngea . . 436 99 Pitiríase rosada (doença de Gibert) . . . . 522
Carlos Ruah Ana Fidalgo
XII TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

100 Pediculose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523 123 Transplantação hepática . . . . . . . . . . . . . . 601


Luísa Caldas Lopes Isabel Gonçalves
101 Escabiose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 524 124 Pancreatite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 606
Luísa Caldas Lopes Helena Flores
102 Molusco contagioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . 526
Maria João Paiva Lopes PARTE XVII Oncologia 611
125 Introdução à Oncologia Pediátrica . . . . . 612
PARTE XVI Gastrenterologia Mário Chagas
e Hepatologia 529 126 Tumores, ambiente e genética . . . . . . . . . 614
103 Vómitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 530 Mário Chagas
Mafalda Paiva e Filipa Santos 127 Aspectos básicos do diagnóstico
104 Refluxo gastresofágico . . . . . . . . . . . . . . . 533 oncológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 617
Gonçalo Cordeiro Ferreira Mário Chagas
105 Dor abdominal recorrente . . . . . . . . . . . . 538 128 Aspectos básicos do tratamento
José Cabral oncológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 621
106 Doença péptica e Helicobacter pylori . . . 543 Mário Chagas e Ana Teixeira
José Cabral 129 Leucemias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 627
107 Gastrenterite aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . 546 Mário Chagas
Mafalda Paiva, Filipa Santos e João M. Videira Amaral 130 Linfomas não Hodgkin . . . . . . . . . . . . . . . 632
108 Diarreia crónica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 551 Mário Chagas
Gonçalo Cordeiro Ferreira 131 Linfomas de Hodgkin . . . . . . . . . . . . . . . . 635
109 Doença celíaca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 554 Mário Chagas
Gonçalo Cordeiro Ferreira 132 Neuroblastoma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 637
110 Giardíase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 556 Mário Chagas
Gonçalo Cordeiro Ferreira 133 Tumor de Wilms . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640
111 Diarreia crónica inespecífica . . . . . . . . . . 557 Mário Chagas
Gonçalo Cordeiro Ferreira 134 Tumores do sistema nervoso central . . . . 642
112 Doença inflamatória do intestino . . . . . . 558 Mário Chagas e Duarte Salgado
Isabel Afonso
113 Obstipação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 561
Gonçalo Cordeiro Ferreira II VOLUME
114 Doença de Hirschprung . . . . . . . . . . . . . . 567
Rui Alves PARTE XVIII Hematologia 647
115 Síndroma do intestino curto . . . . . . . . . . 570 135 Hematopoiese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 648
Sara Silva e Raul Silva Ema Leal e A. Bessa Almeida
116 Hepatite vírica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 577 136 Síndromas hematológicas em idade
Gonçalo Cordeiro Ferreira pediátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 652
117 Hepatite autoimune . . . . . . . . . . . . . . . . . . 584 João M. Videira Amaral
Gonçalo Cordeiro Ferreira 137 Anemias. Generalidades . . . . . . . . . . . . . 658
118 Colestase do recém-nascido e lactente . . . 587 João M. Videira Amaral
Inês Pó 138 Anemia ferropénica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 661
119 Doença de Wilson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 591 Júlia Galhardo e A. Bessa Almeida
Isabel Afonso 139 Anemia megaloblástica . . . . . . . . . . . . . . . 670
120 Cirrose hepática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 593 João M. Videira Amaral
Maria de Lurdes Torre 140 Anemias hemolíticas. Generalidades . . 673
121 Hipertensão portal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 596 Lígia Braga
Maria de Lurdes Torre 141 Esferocitose hereditária . . . . . . . . . . . . . . 674
122 Insuficiência hepática aguda . . . . . . . . . . 599 Lígia Braga
Maria de Lurdes Torre
Índice XIII

142 Anemias hemolíticas por defeitos 163 Alterações tubulares renais . . . . . . . . . . . 778
enzimáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 679 Isabel Castro
Liza Aguiar, Faisana Amod e Lígia Braga 164 Infecção urinária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 785
143 Anemias hemolíticas por defeitos Arlete Neto
da hemoglobina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 684 165 Anomalias congénitas do rim . . . . . . . . . 795
Lígia Braga, João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
144 Hemoglobinúria paroxística nocturna . . . 700 166 Refluxo vésico-ureteral . . . . . . . . . . . . . . . 797
João M. Videira Amaral Rui Alves
145 Anemias hemolíticas de causa 167 Uropatia obstrutiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . 801
extrínseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 701 Rui Alves
João M. Videira Amaral 168 Diagnóstico pré-natal das uropatias
146 Policitémia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 704 malformativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 807
João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
147 Neutropénia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 705 169 Insuficiência renal aguda . . . . . . . . . . . . . 809
Ema Leal e A. Bessa Almeida Isabel Castro
148 Trombocitopénia e trombocitose . . . . . 711 170 Insuficiência renal crónica . . . . . . . . . . . . 812
Júlia Galhardo e A. Bessa Almeida Isabel Castro
149 Anomalias funcionais das plaquetas . . . 717 171 Alterações da bexiga . . . . . . . . . . . . . . . . . 815
João M. Videira Amaral Rui Alves
150 Aplasia medular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 718 172 Alterações do pénis e uretra . . . . . . . . . . . 818
João M. Videira Amaral Rui Alves
151 Hemofilias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 722 173 Alterações do conteúdo escrotal . . . . . . . 823
Andreia Teixeira e A. Bessa Almeida Rui Alves e João M. Videira Amaral
152 Doença de von Willebrand . . . . . . . . . . . 729
João M. Videira Amaral PARTE XX Endocrinologia 829
153 Hipercoagulabilidade 174 Doenças da supra-renal.
e doença trombótica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 731 Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 830
João M. Videira Amaral Maria de Lurdes Lopes
154 Coagulação intravascular 175 Hiperplasia congénita da supra-renal . . . . 832
disseminada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 734 Maria de Lurdes Lopes
Deolinda Barata e Sofia Sarafana 176 Insuficiência supra-renal . . . . . . . . . . . . . 837
155 Terapêutica transfusional . . . . . . . . . . . . . 742 Maria de Lurdes Lopes
Deonilde Espírito Santo 177 Síndroma de Cushing . . . . . . . . . . . . . . . . 842
Maria de Lurdes Lopes
PARTE XIX Nefro-Urologia 753 178 Tumores do córtex supra-renal . . . . . . . . 845
156 Introdução à Nefro-Urologia . . . . . . . . . . 754 Maria de Lurdes Lopes
Judite Batista 179 Feocromocitoma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 847
157 Glomerulonefrite aguda . . . . . . . . . . . . . . 755 João M. Videira Amaral
Ana Paula Serrão e Gisela Neto 180 Doenças da tiroideia . . . . . . . . . . . . . . . . . 849
158 Glomerulonefrite crónica . . . . . . . . . . . . . 758 Catarina Limbert
Ana Paula Serrão e Gisela Neto 181 Puberdade normal e patológica . . . . . . . 860
159 Síndroma nefrótica idiopática . . . . . . . . . 764 Guilhermina Romão
Judite Batista 182 Diabetes mellitus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 866
160 Síndroma hemolítica urémica . . . . . . . . . 769 Rosa Pina
Ana Paula Serrão 183 Cetoacidose diabética . . . . . . . . . . . . . . . . 880
161 Trombose da veia renal . . . . . . . . . . . . . . . 771 João Estrada e Maria do Carmo Vale
João M. Videira Amaral 184 Hipoglicémia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 885
162 Hipertensão arterial e doença renal . . . . 772 João M. Videira Amaral
Margarida Abranches
XIV TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

PARTE XXI Neurologia 891 206 Coarctação da aorta . . . . . . . . . . . . . . . . . . 995


185 Cefaleias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 892 Hugo Vinhas, Conceição Trigo e Sashicanta Kaku
José Pedro Vieira 207 Estenose aórtica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 998
186 Ataxia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 898 António Fiarresga e Sashicanta Kaku
José Pedro Vieira 208 Síndroma do coração
187 Epilepsia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 903 esquerdo hipoplásico . . . . . . . . . . . . . . . 1002
Ana Isabel Dias Sofia Ferreira, Graça Nogueira e Sashicanta Kaku
188 Acidentes vasculares cerebrais . . . . . . . . 913 209 Estenose pulmonar . . . . . . . . . . . . . . . . . 1005
Clara Abadesso e José Pedro Vieira Anabela Paixão, Marisa Peres e Sashicanta Kaku
189 Paralisia cerebral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 920 210 Tetralogia de Fallot . . . . . . . . . . . . . . . . . 1007
Eulália Calado e Sandra Jacinto Isabel Freitas, Graça Nogueira e Sashicanta Kaku
190 Defeitos do tubo neural . . . . . . . . . . . . . . 927 211 Transposição completa
Eulália Calado das grandes artérias . . . . . . . . . . . . . . . . . 1011
191 Habilitação para a marcha e ajudas técnicas Sashicanta Kaku e Miguel Pacheco
em crianças com spina bifida . . . . . . . . . . 934 212 Doença de Kawasaki e doença cardíaca –
Clara Loff Abordagem multidisciplinar . . . . . . . . . 1014
192 Discranias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 937 Anabela Paixão e Sashicanta Kaku (Cardiologia)
João M. Videira Amaral Júlia Galhardo e Ana Leça (Pediatria Médica)
193 Alterações da migração neuronal 213 Cardite reumática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1021
e outras anomalias do SNC . . . . . . . . . . . 942 António J. Macedo e Sashicanta Kaku
João M. Videira Amaral 214 Endocardite infecciosa . . . . . . . . . . . . . . 1029
194 Síndromas neurocutâneas . . . . . . . . . . . . . 944 Isabel Freitas, Graça Nogueira e Sashicanta Kaku
Elisabete Gonçalves, Rita Silva e Eulália Calado 215 Miocardite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1031
195 Doenças neuromusculares . . . . . . . . . . . . 949 José Diogo Martins e Sashicanta Kaku
Fernando Tapadinhas e José Pedro Vieira 216 Pericardite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1033
196 Doenças neurodegenerativas . . . . . . . . . . 960 José Diogo Martins e Sashicanta Kaku
Carla Moço e Ana Moreira 217 Cardiomiopatias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1035
197 Reabilitação neurológica . . . . . . . . . . . . . . 965 José Diogo Martins e Sashicanta Kaku
Aldina Alves
PARTE XXIII Reumatologia 1041
PARTE XXII Cardiologia 971 218 Introdução à clínica das doenças
198 Introdução à Cardiologia Pediátrica . . . 972 reumáticas juvenis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1042
Sashicanta Kaku J. A. Melo Gomes
199 Cardiologia fetal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 973 219 Artrites idiopáticas juvenis (AIJ) . . . . . 1043
Graça Nogueira e António J. Macedo J. A. Melo Gomes
200 Não doença e pseudodoença cardíaca 220 Doenças reumáticas juvenis englobadas
em idade pediátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 976 no grupo das AIJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1067
Fátima F. Pinto e Sashicanta Kaku J.A. Melo Gomes
201 Cardiopatias congénitas. 221 Síndromas auto-inflamatórias juvenis . . 1074
Grupos fisiopatológicos . . . . . . . . . . . . . . 978 Sónia Melo Gomes, Marta Conde e J.A. Melo Gomes
Anabela Paixão e Sashicanta Kaku 222 Lúpus eritematoso sistémico infantil
202 Persistência do canal arterial . . . . . . . . . . 981 e juvenil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1081
Ana Cristina Ferreira, Graça Nogueira e Sashicanta Kaku Maria Manuela Costa
203 Comunicação interauricular . . . . . . . . . . . 984 223 Dermatomiosite e polimiosite juvenis . 1092
Ana Carriço, Fátima F. Pinto e Sashicanta Kaku Margarida P. Ramos
204 Comunicação interventricular . . . . . . . . . 987 224 Esclerodermias juvenis . . . . . . . . . . . . . . 1097
Anabela Paixão, Ana Cristina Ferreira e Sashicanta Kaku Rui Figueiredo e J. A. Melo Gomes
205 Defeitos do septo aurículo-ventricular . . . 990 225 Vasculites sistémicas . . . . . . . . . . . . . . . . 1101
Mónica Rebelo e António J. Macedo Margarida P. Ramos
Índice XV

226 Febre reumática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1119 245 Reabilitação de anomalias congénitas


Maria Teresa Ramos Ascensão Terreri da mão. Noções gerais . . . . . . . . . . . . . . . 1196
227 Dores de crescimento . . . . . . . . . . . . . . . 1125 Maria José Costa
J. A. Melo Gomes 246 Reabilitação de anomalias congénitas e
adquiridas dos membros inferiores.
PARTE XXIV Osteocondrodisplasias 1127 Noções gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1200
228 Displasias esqueléticas e doenças afins. M. Madalena de Quinhones Levy
Conceitos fundamentais . . . . . . . . . . . . . 1128
Ignacio Villa Elizaga e João M. Videira Amaral PARTE XXVI Oftalmologia 1203
229 Osteogénese imperfeita . . . . . . . . . . . . . 1137 247 Introdução à Oftalmologia Pediátrica . . 1204
Ignacio Villa Elizaga João Goyri O’Neill
230 Dentinogénese imperfeita . . . . . . . . . . . 1141 248 Exame oftalmológico
Ignacio Villa Elizaga na idade pediátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . 1208
231 Síndromas de Ehlers-Danlos . . . . . . . . . 1142 João Goyri O’Neill
Ignacio Villa Elizaga 249 Anomalias de refracção (ametropia) . . 1216
232 Síndroma de Alport . . . . . . . . . . . . . . . . . 1145 João Goyri O’Neill
Ignacio Villa Elizaga 250 Estrabismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1217
233 Epidermólise bolhosa . . . . . . . . . . . . . . . 1146 Ana Xavier
Ignacio Villa Elizaga 251 Ambliopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1219
234 Síndroma de Marfan e aracnodactilia João Goyri O’Neill e J.L. Dória
congénita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1148 252 Obstrução do aparelho lacrimal . . . . . . 1221
Ignacio Villa Elizaga João Goyri O’Neill e J.L. Dória
235 Cutis laxa, pseudoxantoma elástico 253 Glaucoma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1224
e síndroma de Williams . . . . . . . . . . . . . 1150 Cristina Brito
Ignacio Villa Elizaga 254 Síndroma do “olho vermelho” . . . . . . . 1227
José Nepomuceno
PARTE XXV Ortopedia 1155 255 Doenças da retina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1232
236 Introdução à Ortopedia Pediátrica . . . . 1156 Cristina Brito
J. de Salis Amaral 256 Catarata . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1244
237 Osteomielite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1161 Cristina Brito e J. Mesquita
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo 257 Traumatismos óculo-orbitários . . . . . . . 1246
238 Artrite séptica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1164 J. Mesquita
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo
239 Tumores ósseos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1167 PARTE XXVII Estomatologia 1251
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo 258 Crescimento e desenvolvimento
240 Desvios axiais dos membros . . . . . . . . . 1169 maxilo-facial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1252
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo Rosário Malheiro
241 Patologia regional específica 259 Oclusão e aspectos da relação molar
do membro superior . . . . . . . . . . . . . . . . 1172 e da relação incisiva . . . . . . . . . . . . . . . . . 1257
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo Rosário Malheiro
242 Patologia regional específica 260 Traumatologia alvéolo-dentária . . . . . . 1259
do membro inferior . . . . . . . . . . . . . . . . . 1173 Rosário Malheiro
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo 261 Cárie dentária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1268
243 Patologia regional específica do tronco . 1186 Rosário Malheiro
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo 262 Principais síndromas alvéolo-dentárias . 1276
244 Patologia traumática . . . . . . . . . . . . . . . . . 1191 Rosário Malheiro
J. de Salis Amaral e J. Lameiras Campagnolo 263 Infecções odontogénicas . . . . . . . . . . . . . 1278
Rosário Malheiro
XVI TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

III VOLUME 282 Infecçções por Haemophilus influenzae . . 1434


Maria João Brito
PARTE XXVIII Urgências e Emergências. 283 Tosse convulsa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1440
Tópicos seleccionados 1285 Ana Leça e João Farela Neves
264 Serviços de Urgência e Emergência. 284 Doença meningocócica . . . . . . . . . . . . . . 1446
Aspectos organizativos . . . . . . . . . . . . . . 1286 João M. Videira Amaral
Deolinda Barata e António Marques 285 Infecções por Salmonella . . . . . . . . . . . . 1450
265 Reanimação cárdio-respiratória . . . . . . 1293 João M. Videira Amaral
Margarida Santos e António Marques 286 Brucelose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1459
266 Estado de mal epiléptico . . . . . . . . . . . . 1305 Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
Rosalina Valente e Gabriela Pereira 287 Meningite bacteriana pós-neonatal . . . 1464
267 Coma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1309 Ana Leça
Gabriela Pereira e Rosalina Valente 288 Riquetsioses (excluindo febre
268 Choque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1315 escaronodular) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1474
Lurdes Ventura e Deolinda Barata Ana Leça e Mónica Baptista
269 Sépsis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1323 289 Febre escaronodular . . . . . . . . . . . . . . . . 1477
Lurdes Ventura e Deolinda Barata Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
270 Hipertermia e Hipotermia . . . . . . . . . . . 1329 290 Febre Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1481
Isabel Fernandes e Sérgio Lamy Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
271 Traumatismos cranioencefálicos . . . . . . 1336 291 Doença do arranhão do gato . . . . . . . . . 1483
Sérgio Lamy e Isabel Fernandes Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
272 Queimaduras. Abordagem 292 Leptospirose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1486
multidisciplinar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1344 Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
Rui Alves (Cirurgia) e Maria José Costa (Medicina 293 Doença de Lyme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1489
Física e Reabilitação) Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
273 Mordeduras e picadas . . . . . . . . . . . . . . . 1355 294 Febre recorrente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1493
João M. Videira Amaral Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
295 Tuberculose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1496
PARTE XXIX Infecciologia 1361 Ana Leça
274 Imunizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1362 296 Infecções por Mycoplasma . . . . . . . . . . . 1513
Ana Leça e João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
275 Princípios gerais da terapêutica 297 Infecções por Parvovírus B19 . . . . . . . . 1515
antimicrobiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1381 Conceição Neves
A. Bessa Almeida e Ana Rute Ferreira 298 Infecções por Vírus Herpes
275 Doenças infecciosas exantemáticas (Varicela-Zóster, Citomegalovírus
– Uma visão global . . . . . . . . . . . . . . . . . 1393 e Epstein-Barr) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1520
Andrea Teixeira e Luís Varandas Ana Leça e Raquel Ferreira
277 Febre sem foco de infecção detectável . . . 1397 299 Infecções por Enterovírus
Ana Leça e Cristina Henriques (excluindo Poliovírus) . . . . . . . . . . . . . . . 1531
278 Doença pneumocócica . . . . . . . . . . . . . . . 1403 Ana Leça e Paula Kjollerstrom
Maria João Brito 300 Meningoencefalites víricas . . . . . . . . . . 1537
279 Escarlatina e outras infecções Rute Neves, Dora Gomes e João Baldaia,
por Streptococcus pyogenes . . . . . . . . . . 1409 301 Parasitoses. Abordagem global . . . . . . . 1541
Ana Serrão Neto e Filomena Cândido Luís Varandas
280 Infecções da pele e dos tecidos moles . . . 1416 302 Calazar (Leishmaniose viseral) . . . . . . . 1553
Leonor Carvalho e Ana Leça João M. Videira Amaral
281 Celulites periorbitárias e orbitárias . . . 1430 303 Malária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1558
Ana Leça e Leonor Carvalho Luís Varandas
Índice XVII

304 Infecções por fungos . . . . . . . . . . . . . . . . 1564 PARTE XXXI Perinatologia


Raquel Ferreira e João M. Videira Amaral e Neonatologia 1669
305 Infecções e cuidados de saúde . . . . . . . 1582 *Feto e recém-nascido
Paula Kjollerstrom, Cristina Henriques e João M. Videira 324 Aspectos da Medicina Perinatal . . . . . . 1670
Amaral Ricardo Jorge Fonseca
325 Introdução à Neonatologia . . . . . . . . . . . 1677
PARTE XXX Cirurgia 1587 João M. Videira Amaral
306 Anomalias bucofaciais . . . . . . . . . . . . . . 1588 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina . . 1687
Julião Magalhães João M. Videira Amaral
307 Fístulas e quistos da cabeça e pescoço . . . 1591 327 Exame clínico do recém-nascido . . . . . . 1702
Julião Magalhães João M. Videira Amaral
308 Hérnia diafragmática congénita . . . . . . 1595 328 Cuidados ao recém-nascido aparentemente
Julião Magalhães, Rui Alves e João M. Videira Amaral saudável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1718
309 Hérnia diafragmática congénita como Cláudia Santos, Helena Carreiro e Maria do Céu Machado
modelo em investigação. Implicações
clínicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1602 *Recém-nascido de alto risco
Jorge Correia-Pinto, Maria João Baptista e Cristina 329 Reanimação do recém-nascido
Nogueira-Silva no bloco de partos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1722
310 Eventração diafragmática . . . . . . . . . . . . 1608 Filomena Pinto, Isabel Santos, Teresa Costa e A. Marques
João M. Videira Amaral Valido e João M. Videira Amaral
311 Atrésia do esófago . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1610 330 Alterações do crescimento fetal . . . . . . 1735
Rui Alves e João M. Videira Amaral Luís Pereira da Silva e João M. Videira Amaral
312 Onfalocele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1614 331 Prematuridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1742
Rui Alves Graça Henriques, Fernando Chaves e João M. Videira Amaral
313 Gastrosquise e outros defeitos 332 Recém-nascidos de gestação múltipla . . . 1752
da parede abdominal . . . . . . . . . . . . . . . . 1617 Daniel Virella e Ana Dias Alves
Rui Alves 333 Embriofetopatia diabética . . . . . . . . . . . 1762
314 Hérnias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1621 M.R.G Carrapato, S. Tavares, C. Prior e T. Caldeira
Julião Magalhães 334 Recém-nascido de mãe
315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1626 toxicodependente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1771
Julião Magalhães João M. Videira Amaral
316 Estenose hipertrófica do piloro . . . . . . . 1638 335 Dor no recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . . 1778
Julião Magalhães João M. Videira Amaral e Luís Pereira da Silva
317 Anomalias ano-rectais . . . . . . . . . . . . . . . 1641 336 Cuidados paliativos ao recém-nascido . . . 1784
Rui Alves João M. Videira Amaral
318 Hemorragias do tubo digestivo . . . . . . . 1644 337 Transporte do recém-nascido . . . . . . . . . 1785
João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
319 Divertículo de Meckel . . . . . . . . . . . . . . 1647
Julião Magalhães *Problemas hidroelectrolíticos e metabólicos
320 Apendicite aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1649 338 Balanço hidroelectrolítico
Julião Magalhães no recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1790
321 Enterocolite necrosante . . . . . . . . . . . . . . 1652 João M. Videira Amaral
Rui Alves e João M. Videira Amaral 339 Alterações do metabolismo do cálcio,
322 Aspectos da Ginecologia Pediátrica . . . 1661 fósforo e magnésio . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1799
Rui Alves Maria João Lage, Cristina Henriques e João M. Videira
323 Idades recomendadas para intervenção Amaral
cirúrgica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1667 340 Alterações do metabolismo da glucose . . 1806
Julião Magalhães Maria João Lage, Cristina Henriques e João M. Videira
Amaral
XVIII TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

341 Insuficiência renal aguda 356 Trombocitopénia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1919


no recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1814 António Vieira Macedo e João M. Videira Amaral
João M. Videira Amaral 357 Doença hemorrágica por défice
de vitamina K . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1925
*Alimentação e nutrição no recém-nascido João M. Videira Amaral
de alto risco 358 Icterícia neonatal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1928
342 Nutrição entérica no recém-nascido João M. Videira Amaral
pré-termo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1822
João M. Videira Amaral *Infecção do feto e recém-nascido
343 Nutrição parentérica 359 Aspectos gerais da infecção
no recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1828 no recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1950
Luís Pereira-da-Silva Maria Teresa Neto
344 Doença metabólica óssea 360 Infecção congénita . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1953
da prematuridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1840 Maria Teresa Neto
João M. Videira Amaral 361 Infecção bacteriana de origem materna . . 1964
Maria Teresa Neto
*Problemas respiratórios do recém-nascido 362 Infecção associada à prestação
345 Problemas respiratórios do recém-nascido. de cuidados de saúde . . . . . . . . . . . . . . . 1967
Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1845 Maria Teresa Neto
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido
e João M. Videira Amaral *Problemas neurológicos e traumáticos
346 Doença da membrana hialina . . . . . . . . 1856 363 Traumatismo de parto . . . . . . . . . . . . . . . 1970
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido e João Lincoln Justo Silva
M. Videira Amaral 364 Convulsões no recém-nascido . . . . . . . . 1982
347 Taquipneia transitória . . . . . . . . . . . . . . . 1865 Leonor Duarte e João M. Videira Amaral
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido e João 365 Encefalopatia hipóxico-isquémica . . . . 1988
M. Videira Amaral Leonor Duarte
348 Síndroma de aspiração meconial . . . . . 1868 366 Hemorragia intraperiventricular . . . . . . 1994
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido e João Leonor Duarte
M. Videira Amaral 367 Leucomalácia periventricular . . . . . . . . 2001
349 Síndromas de ar ectópico . . . . . . . . . . . . 1873 Leonor Duarte
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido e João
M. Videira Amaral PARTE XXXII Doenças Hereditárias
350 Hemorragia pulmonar . . . . . . . . . . . . . . 1880 do Metabolismo 2005
João M.Videira Amaral 368 Introdução à clínica das doenças
351 Hipertensão pulmonar persistente . . . . 1882 hereditárias do metabolismo . . . . . . . . . 2006
João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
352 Assistência ventilatória 369 Defeitos do metabolismo
no recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1887 dos aminoácidos e proteínas . . . . . . . . . 2008
J. Nona, A. Marques Valido e João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
353 Displasia broncopulmonar . . . . . . . . . . 1897 370 Defeitos do metabolismo dos hidratos
Marta Nogueira, A.Marques Valido e João M. Videira Amaral de carbono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2017
João M. Videira Amaral
*Problemas hematológicos e afins 371 Doenças do ácido nucleico e do
354 Anemia neonatal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1908 metabolismo do heme . . . . . . . . . . . . . . . 2024
Ana Nunes e João M. Videira Amaral João M. Videira Amaral
355 Policitémia e hiperviscosidade . . . . . . . 1914 372 Doenças dos organelos . . . . . . . . . . . . . . 2027
Ana Nunes, Maria dos Anjos Bispo e João M. Videira João M. Videira Amaral
Amaral
Índice XIX

373 Doenças do metabolismo energético


mitocondrial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2044
João M. Videira Amaral
374 Defeitos do metabolismo dos lípidos
incluindo dislipoproteinémias . . . . . . . .2057
João M. Videira Amaral

PARTE XXXIII Clínica Pediátrica e Novos


Paradigmas 2073
375 Medicina baseada na evidência-princípios
e aplicações em Pediatria . . . . . . . . . . . . 2074
Paulo Sousa e Isabel Saraiva de Melo
376 Qualidade e segurança em cuidados
de saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2079
Maria João Lage e Idalina Bordalo

Anexos 2085

Índice remissivo 2103


Prefácio

Como referi no Prefácio da 1ª edição desta obra, divulgada em 2008, há muito que se
sentia em Portugal a falta de um tratado dedicado à prática clínica pediátrica.

Felizmente, o Prof. João Videira Amaral chamou a si esta hercúlea tarefa e, volvidos
quatro anos, surge a segunda edição do Tratado de Clínica Pediátrica, também em três
volumes, na versão de DVD. Como se poderá verificar pelo índice, este Tratado toca
todos os pontos da Pediatria.

Como particularidades relativamente à 1ª edição, cumpre-me salientar que a obra foi


actualizada e ampliada, quer no que respeita a conteúdos nucleares, quer quanto a
glossário geral e índice remissivo.

São indiscutíveis as vantagens pedagógicas da divulgação do Tratado em DVD.


Considerando esta estratégia mais abrangente pela possibilidade de atingir mais desti-
natários, será também mais atractiva para as novas gerações de estudantes e jovens
médicos, habituadas a lidar com as modernas tecnologias.

Para colaborar na sua edição, o Prof. João Videira Amaral convidou alguns dos
maiores nomes da Medicina de Portugal, Espanha e Brasil; a maioria dos autores integra
colegas seus colaboradores, dado que, com o decorrer dos anos, o mesmo formou uma
esplêndida equipa.

Este tratado deve ser dedicado, não só aos alunos e aos internos de Pediatria, mas
também aos médicos de Clínica Geral, já que na grande maioria dos centros as crianças
são observadas por Médicos de Família. Também deve ser enviado para os diversos
países de língua portuguesa, especialmente Cabo Verde, Angola, Moçambique e Brasil.

Afirmei anteriormente que coordenar uma obra desta envergadura constitui um tra-
balho hercúleo. Mas, conhecendo as qualidades do Prof. João Videira Amaral, a sua per-
sistência, o seu perfeccionismo, a sua honestidade e o seu saber, acho que foi a pessoa
indicada. Além deste imenso trabalho de coordenação, o mesmo ainda intervém como
autor na publicação de numerosos capítulos do livro.

Como um dos decanos da Pediatria portuguesa, julgo que em seu nome posso
agradecer ao coordenador-editor João Videira Amaral o seu esforço. Mas quem está ver-
dadeiramente de parabéns são as crianças do nosso País. Muito e muito obrigado.

Nuno Cordeiro Ferreira


Apresentação da 2ª edição

“O conhecimento é como uma esfera –


quanto maior, mais contacto com o desconhecido”
Pascal

O presente livro sempre figurou na lista dos meus projectos, essencialmente por duas
ordens de razões: – a necessidade de um livro de texto, manifestada por estudantes meus
alunos e estagiários da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa
/UNL, por internos de Pediatria e de Medicina Geral e Familiar realizando estágios no
Hospital de Dona Estefânia em Lisboa, onde sempre trabalhei, e por colegas; – e o enten-
dimento da missão do professor universitário como agente disponível e facilitador de
informação científica com vista ao ensino – aprendizagem, considerando como valor incal-
culável a experiência vivida de Colaboradores e de Colegas Docentes de diversas institui-
ções com quem mais convive ou a quem esteja mais ligado.

É, pois, de admitir que tal informação (supostamente mais personalizada) podendo


servir de suporte à prática clínica durante os estágios no âmbito da pré- e pós gradua-
ção, e no desempenho profissional, suscite o confronto com outra informação congéne-
re internacional ou nacional, incluindo a veiculada pela net, alargando horizontes.

Da abrangência com que, intencionalmente, este livro foi concebido (agora em segun-
da edição revista, actualizada e ampliada), resultou o título. O mesmo está dividido em
3 Volumes, desdobrados em grandes tópicos ou Partes, integrando na totalidade 376
Capítulos. Manteve-se nesta edição a filosofia de apresentar os tópicos fundamentais da
clínica pediátrica hospitalar e extra-hospitalar, de complexidade e frequência diversos,
de forma simples e de modo prático (clássico), estruturando-os, por razões didácticas,
em alíneas tais como, definições, importância do problema, aspectos epidemiológicos,
etiopatogénese, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento, prevenção e prognósti-
co.

Dado que a Medicina não é considerada uma ciência exacta, a controvérsia subsistirá
nalguns pontos e a dúvida poderá surgir noutros, pois existem variantes quanto a ati-
tudes e procedimentos. Contudo, a bibliografia seleccionada que encerra cada Capítulo
ou Parte do livro contribuirá para que o leitor interessado forme a sua opinião.

A obra é o resultado dum esforço colectivo e dedicado de uma plêiade de Autores


convidados, Colegas e Amigos de reconhecida competência a quem foi distribuída a
grande série de tópicos de acordo com as respectivas áreas de interesse e de experiência.
XXIV TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

De salientar que para tornar o texto mais compreensivo tentando evitar, quer repeti-
ções, quer omissões, o editor, simultaneamente coordenador e autor ou co-autor, esfor-
çou-se por uniformizar o estilo linguístico. Sobre o assunto polémico do Novo Acordo
Ortográfico, na sequência de pareceres de filólogos de renome que consultei, a opção foi
não o adoptar.

Desejo expressar aqui o testemunho do meu enorme reconhecimento a todos os


Colegas e Amigos que aceitaram colaborar com grande empenho, neste projecto. Bem
hajam pelo inestimável e imprescindível contributo. Ao longo do tempo, sacrificando
momentos de lazer e de convívio familiar, saliento o prazer da permuta de ideias com que
muito aprendi em múltiplos encontros, imprescindíveis para a prossecução da tarefa.

Considerando este livro aberto à crítica e à apreciação por parte dos seus leitores,
espero vivamente que o espírito de missão com que todos os Autores o materializaram
contribua para a saúde e bem-estar da criança, adolescente, e da comunidade em geral,
e se traduza em instrumento de utilidade para os principais destinatários: alunos e esta-
giários universitários, internos de Pediatria e de Medicina Geral e Familiar, Pediatras,
Médicos de Família, e Profissionais ligados às Ciências da Saúde.

João Manuel Videira Amaral

DEDICATÓRIA E MEMÓRIA

Dedico este livro a todas as Crianças e Jovens de Portugal que são o nosso futuro.
Considero incluídos os meus onze netos, todos em idade pediátrica: Lourenço, Constança,
Gonçalo, Francisco, Mafalda, Carlota, Sebastião, João Manuel, Madalena, Carolina e Leonor.
E à minha Família, especialmente à minha Mulher, Zana, a quem roubei as horas de conví-
vio devotadas ao livro.
Na minha memória tenho o exemplo do meu Pai (João José de Amaral) que era médico no
Fundão e nos deixou prematuramente; com ele muito aprendi, incutindo-me desde a minha
entrada na Universidade, o gosto pela clínica exercida com rigor e humanismo tendo como base
indispensável o estudo perseverante e a actualização permanente.
Agradecimentos

Ao Professor Doutor Nuno Cordeiro Ferreira, meu Mestre, que me honrou com o
Prefácio desta obra.

Aos Colegas e Amigos (citados por ordem alfabética do primeiro nome) pelo con-
tributo inestimável em ideias, sugestões e críticas desde o início:

Prof. Doutor Álvaro de Aguiar Prof. Dr. José Guimarães


Prof. Doutor António Guerra Dr. José Mesquita
Dr. António Gama Brandão Prof. Dr. José Rosado Pinto
Dr. António Pinto Soares Drª Judite Batista
Dr. António Valido Dr. Julião Magalhães
Dr. Carlos Vasconcelos Profª Doutora Lígia Braga
Prof. Doutor Carlos Ruah Prof. Doutor Luís Nunes
Drª. Deolinda Barata Prof. Doutor MRG Carrapato
Drª. Eulália Calado Drª. Maria dos Anjos Bispo
Drª. Felisberta Barrocas Drª Maria do Carmo Silva Pinto
Dr. Francisco Abecasis Mestre Drª Maria do Carmo Vale
Prof. Dr. Gonçalo Cordeiro Ferreira Profª Doutora Maria do Céu Machado
Drª. Guilhermina Romão Drª Maria de Jesus Feijoó
Drª. Helena Portela Drª Maria de Lurdes Lopes
Prof. Doutor Henrique Carmona da Mota Drª Maria José Gonçalves
Profª Doutora Hercília Guimarães Dr. Mário Chagas
Prof. Doutor Ignacio Villa Elizaga Drª Micaela Serelha
Drª Isabel de Castro Dr. Vital Calado
Prof. Doutor João Gomes-Pedro Drª. Rosa Maria Barros
Prof. Doutor João Goyri O´Neill Drª. Rosário Malheiro
Dr. José António Melo Gomes Prof. Doutor Sashicanta Kaku
Prof. Doutor José de Salis Amaral Drª. Sílvia Sequeira

À memória da Drª Maria de Jesus Feijoó que desde o início aderiu com dedicação
inexcedível a este projecto e nos deixou recentemente. O testemunho de muita mágoa e
de enorme gratidão.

Aos Drs. Lídia Gama e João Falcão Estrada, Amigos e Colegas responsáveis pelo
Núcleo Iconográfico do Hospital de Dona Estefânia, pelo trabalho minucioso e dedica-
do de selecção de imagens solicitadas, e identificadas pela sigla NIHDE. Toda a docu-
mentação fotográfica não identificada como tal é pertença e fruto da experiência de
autores, editor ou colegas devidamente assinalados que gentilmente colaboraram.
Ao Colega e Amigo Dr. Aguinaldo Cabral, pediatra de prestígio e especialista no
campo das doenças metabólicas, o testemunho de enorme reconhecimento pela orien-
tação temática e revisão dos manuscritos que integram a Parte XXXII.

Ao Dr. Francico George, Director Geral da Saúde, e à Nestlé Nutrition, por terem
autorizado a reprodução de tabelas e quadros.

Ao Prof. Doutor Renato Procianoy, meu Amigo e interlocutor junto da Sociedade


Brasileira de Pediatria, pela permissão em reproduzir alguns quadros e figuras.

Ao Dr. Marcos Gil da Veiga, pelo apoio inestimável que me propiciou no âmbito da
revisão das provas tipográficas.

À Drª M. Dulce Barreto, Responsável pela Biblioteca do Hospital de Dona Estefânia


e à sua colaboradora Margarida Vicente, pela eficiência na obtenção de material bibli-
ográfico, fundamental para concretizar a presente versão actualizada.

À Direcção da ABBOTT Laboratórios e ao Sr. Pedro Moreira, pelo apoio em espírito de


grande cordialidade desde a primeira hora. Numa fase ulterior, e relativamente ao patro-
cínio da 2ª edição, o agradecimento é extensivo a D. Alexandra Madeira que passou a cola-
borar também.

À IDG – Imagem Digital Gráfica na pessoa do Sr. Carlos Didelet, seu Director, pelo
eficiente trabalho de tipografia com a colaboração empenhada dos Srs. Bruno Ribeiro e
Pedro Alves.
Glossário Geral

Na eventualidade de o texto, figuras ou quadros consultados conterem expressões e termos não sufi-
cientemente explicitados, é divulgado este glossário para facilitar a compreensõo do leitor. Determinados
capítulos integram igualmente glossários parcelares relacionados com temáticas específicas.

Aborto > Expulsão ou extracção completa (espontânea ou provocada) Alimento > Substância que, introduzida no organismo, contribui para
do corpo da mãe de embrião ou feto (idade gestacional inferior a 20- a nutrição.
22 semanas ou 140-154 dias completos) com ou sem sinais de vida. Anteversão > Considerando o plano frontal anatómico, aumento de an-
Acrocefalia > Palavra derivada do grego significando “cabeça alta”; es- gulação da cabeça e colo femoral relativamente à articulação do joe-
pecificamente trata-se de anomalia congénita craniana resultante de lho.
“fusão” precoce das suturas sagital e coronal e englobando outras Apraxia > Incapacidade de executar movimentos voluntários coorde-
alterações como turricefalia, oxicefalia, entre outras. nados, apesar de se conservarem as funções musculares e sensoriais.
Acufeno > Sensação auditiva que não tem origem em som exterior; sinó- Artrodese > Bloqueio cirúrgico da articulação.
nimo de zumbido. Artrogripose > Termo descritivo, não diagnóstico, que inclui um grupo
Adolescente ou jovem > Pessoa entre 12 e 18 anos. de quadros clínicos específicos, todos eles com contracturas congé-
Afasia > Alteração ou perda da capacidade de falar ou de compreender nitas e fraqueza muscular, e antecedentes de diminuição dos movi-
a linguagem falada ou escrita, o que é explicável por lesão cerebral, mentos fetais. Na maioria dos casos (> 300 factores etiológicos des-
sem alteração dos órgãos de fonação. critos, por ex distrofia miotónica, má-posição intrauterina, etc.) exis-
Afasia visual > O mesmo que alexia. te amioplasia, salientando-se a variabilidade das manifestações clí-
Agentes biológicos > Produtos desenvolvidos por via tecnológica, com nicas. Na forma neuropática existe défice do desenvolvimento das
indicações precisas em doenças mediadas por imunidade. São consi- células do corno anterior medular levando a hipodesenvolvimento
derados 4 tipos: anticitocinas (por ex. infliximab e etanercept); anti- muscular. As articulações das extremidades evidenciam hipomobi-
células B (rituximab, epratuzumab); inibidores da co-estimulação lidade pela fraqueza muscular e fibrose articular. A forma clássica,
(abatacept); e antimoléculas de adesão (natalizumab, efalizumab). típica, não é geneticamente transmitida e a função cognitiva está pre-
Agnosia > Impossibilidade de reconhecer objectos através das suas ca- servada.
racterísticas: forma, cor, peso, temperatura, etc., apesar de as funções Artroplastia > Reconstrução cirúrgica de determinada articulação.
sensoriais elementares (visão, olfacto, gosto, audição, sensibilidade Artrotomia > Incisão cirúrgica para abordagem directa de determina-
superficial ou profunda) estarem intactas. da articulação.
Agrafia > Incapacidade de escrever por afecção dos centros nervosos da Barreira, produtos > Tópicos cutâneos que previnem a penetração
escrita. É uma forma de apraxia. transcutânea e ou absorção de substâncias químicas potencialmen-
Água de limpeza > Produto em geral fabricado com água termal in- te irritantes, sensibilizantes ou tóxicas através da pele.
corporando detergentes, humidificantes e amaciadores, aplicados Bebé ou lactente > Criança até 1 ano de idade.
em algodão para remover loções de limpeza ou zona de fraldas. Bezoar > Termo derivado da língua árabe “bazahr” (significando, se-
Alexia > Defeito de compreensão da escrita devido a lesão cerebral sem gundo a tradição e crenças ancestrais contra – veneno ou antídoto),
qualquer afecção da acuidade visual. no sentido lato significa concreções calculosas ou “massas” de di-
Alfa 1-antitripsina (A1-AT) > É o principal inibidor sérico de enzimas versas substâncias nas vias digestivas de humanos ou certos ani-
proteolíticas tais como a elastase dos neutrófilos. O seu défice consti- mais. Na gíria médica significa diversidade de substâncias ou cor-
tui causa importante de doença hepática na idade pediátrica. Os pos estranhos amalgamados no tubo digestivo susceptíveis de ori-
doentes com deficiência na forma homozigótica (fenótipo ZZ inibi- ginarem obstrução do tubo digestivo (por ex. cabelos ingeridos).
dor, ou PiZZ) têm baixa actividade sérica de A1-AT, ~10-15% dos va- Biofilme > Termo usado em microbiologia para significar agregados de
lores normais. Raramente poderá originar, na sua forma homozigó- diferentes tipos de microrganismos (bactérias, protozoários, fungos,
tica doença pulmonar crónica, com relevância para o enfisema. microalgas, etc.) que se ligam a superfícies sólidas ou uns aos outros,
Alfa-fetoproteína (AFP) ou fetuína > Glicoproteína segregada pelo fí- estabelecendo interacções metabólicas, mantendo-se encerrados nu-
gado do feto e RN, presente também no líquido amniótico e que de- ma matriz polisacarídica e formando emaranhado de fibras ou del-
saparece quase completamente do organismo alguns meses depois gados invólucros. Tal fenómeno, que é descrito no âmbito da etio-
do nascimento. Pode reaparecer em certos casos de cancro e hepa- patogénese das otites médias com derrame, torna os agentes micro-
topatia. bianos mais resistentes aos antimicrobianos.
Alimentação > Acção de introdução de alimento no organismo. BNP > ver Péptidos natriuréticos.
XXVIII TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Calcaneus > Posição de dorsiflexão do retro-pé. Disartria > Dificuldade da fala por perturbações motoras dos órgãos da
Camptodactilia > Anomalia que consiste em flexão permanente e irre- fonação: língua, lábios, véu do paladar, etc., associada a afecções bul-
dutível de um ou mais dedos. bares e cerebelosas.
Cavo (ou cavus) > Arcada plantar longitudinal do pé alta (muito afasta- Dislexia > Perturbação da capacidade de leitura que se traduz por er-
da do plano horizontal), geralmente com ante-pé plantar em flexão. ros, omissões, inversão de letras, de sílabas, ou de números, nas
Cegueira verbal > O mesmo que alexia. crianças em idade de aprender a ler, pressupondo ausência doutro
Cintigrafia (ou cintilografia ou gamagrafia) > Procedimento em que tipo de problema susceptível de explicar tal situação (visão, audi-
se injecta por via IV um produto radioactivo com afinidade selecti- ção, capacidades intelectuais normais).
va para determinado órgão o qual passará a emitir radiação gama Dispraxia > Dificuldade em executar movimentos voluntários coorde-
identificada por sistema detector/cintilador. A imagem pontilhada nados (movimentos “desajeitados”), associados a atraso psicoafec-
esquemática do órgão designa-se cintigrama, podendo detectar-se, tivo. Não existe relação com parésia ou ataxia.
por ex. nódulos, zonas necróticas, etc. No caso do rim pode empre- Doença de Kikuchi-Fujimoto > Afecção de causa desconhecida, consi-
gar-se como radionúclido (radiofármaco) o ácido dimercaptosuccí- derada benigna e auto-limitada (evolução entre 1-4 meses) cujas ca-
nico-Tc 99 (DMSA). racterísticas principais incluem febre e linfadenopatia cervical dolo-
Clinodactilia > Deformação em valgo do 5º dedo, por vezes hereditária rosa, salientando-se que a linfadenopatia pode ser generalizada; po-
e bilateral. de haver hepatosplenomegália. Os dados histopatológicos ganglio-
Comedão > Também designado por ponto negro, traduz a obliteração do nares evidenciam aspecto compatível com linfadenite necrotizante:
orifício excretor de um folículo pilossebáceo por uma espécie de rolhão, imunoblastos, monócitos plasmocitóides, pequenos linfócitos cir-
acastanhado a negro, constituído por aglomerado de células córneas e cundando áreas de necrose fibrinóide e ausência de granulócitos; ob-
sebo. A cor escura é devida à melanina presente. Pode ser aberto ou fe- servam-se igualmente filamentos extracelulares relacionados com
chado conforme existe ou não a permeação do canal infundibular. apoptose. O diagnóstico diferencial faz-se com doenças linfoproli-
Comensalismo > Este tipo de simbiose implica uma proximidade espa- ferativas, linfomas Hodgkin e não Hodgkin, doença de Kawasaki,
cial, permitindo que o comensal se alimente de nutrientes ingeridos infecções por vírus, bactérias ou protozoários (por ex. VEB, CMV,
pelo hospedeiro. Os dois intervenientes podem sobreviver inde- HSV, Yersinia, Bartonella, Toxoplasma, etc.) e doenças autoimunes.
pendentemente. Têm sido descritos casos tratados com êxito com hidroxicloroquina
Contractura congénita > Limitação do movimento de determinada área isoladamente, ou com AINE, ou ainda com corticóides.
do corpo por anomalia músculo-esquelética. Podem ser isoladas ou Doença de Lafora > Forma de epilepsia mioclónica progressiva acom-
múltiplas; o pé boto é um exemplo de contractura isolada, uni ou bi- panhada de demência e relacionada com mutações genéticas rela-
lateral. cionadas com laforina (EPM2A) e malina (EPM2B). Pode haver fo-
Creme > Forma de emulsão O/A (ver adiante) mais fluida, menos oleo- to- sensibilidade. Inicia-se na segunda infância ou, mais frequente-
sa e menos oclusiva. mente, na adolescência. Através da biopsia muscular ou da pele po-
Creme gordo > Forma de emulsão A/O mais gordurosa, mais emoliente dem ser identificadas as chamadas inclusões ou corpos de Lafora,
e mais oclusiva. PAS positivas.
Criança > Pessoa entre 0 e 11 anos. Doença de Palizaeus-Merzbacher > Doença recessiva ligada ao X, ca-
Criança andante > Criança com idade entre 1 ano e 3 anos. racterizada essencialmente por nistagmo e anomalias da mielina. É
Criança em idade pré-escolar > Criança com idade entre 4 e 5 anos. causada por mutação no gene da proteína PLP1 no cromossoma
Criança em idade escolar > criança com idade de 6 ou mais anos. Xq22, essencial para a formação da mielina e formação e diferencia-
Deformação de Sprengel > Defeito uni ou bilateral da omoplata por ção dos oligodendrócitos.
défice de abaixamento da mesma em fase precoce da embriogénese, Doença de Unvericht Lundborg > Forma de epilepsia mioclónica pro-
do nível de C4 para o de C7. O mesmo compromete a mobilidade es- gressiva acompanhada de demência e relacionada com mutação e
capulo-torácica. cistatina B. Tipicamente inicia-se na adolescência.
Dengue > A dengue é uma doença infecciosa provocada por arbovírus Doença de von Hippel-Lindau > Afecção que, afectando diversos
da família flavivirus transmitida por vectores (mosquitos, sendo o órgãos (cerebelo, espinhal medula, retina, rins, pâncreas, epidídimo)
principal o A aegypti) vivendo em locais com água estagnada e hi- resulta de mutação dum gene supressor tumoral (VHL). São mani-
giene precária. Pode surgir em epidemias de instalação súbita. As festações características os hemangioblastomas cerebelosos e os an-
manifestaçõs clínicas são essencialmente febre, artralgias, mialgias, giomas retinianos; existem frequentemente associados à doença o
cefaleias, mialgias e fadiga acentuada que se mantém na convales- feocromocitoma e lesões quísticas dos rins, pâncreas, fígado e epidí-
cença. Por vezes há exantema do tipo escarlatiniforme ("febre ver- dimo. O carcinoma renal é a causa de morte mais frequente.
melha"). Podem surgir hemorragias e complicações sistémicas. O Doenças neoplásicas e proliferativas > De acordo com a taxonomia ac-
tratamento é sintomático. tual, incluem: dermatofibroma, mastocitose e histiocitose.
Dentisteria (ou Medicina Dentária ou Odonto-Estomatologia) > Emoliente > Produto que “amolece e amacia”; na sua composição en-
Estudo e prática médico-cirúrgica de tudo o que se refere aos dentes tram lípidos que restauram a elasticidade da pele evitando a perda
e, por extensão, à boca e aos maxilares. transepidérmica de água, atraem a água para a pele, e com acção
Dermatofibroma (ou histiocitoma fibroso) > Designação que corres- oclusiva (impedem que a água se evapore). Diversas substâncias tais
ponde a pequenos nódulos vermelho acastanhados (com mm a 2 cm como emulsões, cremes, leites, pomadas, loções, soluções, sus-
de diâmetro), em geral, benignos, com tendência para se manterem. pensões ou óleos poderão ter tais características.
Diabetes lipoatrófica > Designação para várias formas de lipodistrofia Emulsão > Produto constituído por dois ou mais componentes não
associadas a resistência à insulina e diabetes. miscíveis – um aquoso, e outro oleoso ou gordo – em proporções em
Glossário geral XXIX

que pode predominar um ou outro (óleo em água → O/A; ou água Idade gestacional > Duração da gestação contada a partir do 1º dia do
em óleo → A/O). último período menstrual exprimindo-se em semanas ou dias com-
Entese > Local de inserção tendinosa no osso. pletos (40ª semana corresponde ao período entre o 280º dia e 286º dia).
Epidemiologia > Termo que tem origem no grego: epi (entre), logy (es- Incapacidade (Disability) > Termo genérico utilizado para deficiência,
tudo), demos (pessoas) e significa: no sentido estrito, estudo das limitação da actividade e restrição na participação. Corresponde a
doenças epidémicas (infecciosas); no sentido lato, estudo das doen- aspectos negativos da interacção entre um indivíduo (com determi-
ças e dos diferentes fenómenos biológicos ou sociais do ponto de vis- nada condição de saúde) no contexto de factores ambientais e pes-
ta da sua frequência, da sua distribuição e dos factores susceptíveis soais (ver Funcionalidade).
de os influenciar. Constitui a ciência básica da Saúde Pública, im- Incidência > Número ou percentagem de novos casos numa determi-
plicando multidisciplinaridade e envolvendo métodos próprios nada população e num determinado intervalo de tempo. Avalia o
(medições, comparações, etc.). risco de aparecimento de doença.
Epigenética > Termo que traduz a interface entre a genética e os factores Índice Sintético de Fecundidade (ISF) > Número médio de filhos por
ambientais. Com base em dados experimentais, determinados genes mulher. Em Inglês <> Fertility.
(epialelos) sensíveis a influências ambientais (por ex. dieta), sofrem Infibulação > Forma mais radical de mutilação genital feminina: remo-
alterações moleculares (por ex. metilação do ADN sem alterar a res- ção total ou parcial dos genitais externos seguida de sutura dos pe-
pectiva sequência nucleotídica) mantendo-se estáveis em sucessivas quenos lábios com linha, espinhos ou outros materiais com o objec-
gerações, levando a repercussão funcional daqueles (por ex. afec- tivo de estreitamento da entrada vaginal.
tando a actividade de transcrição). Janeway (lesões de) > Pequenas lesões hemorrágicas ou eritematosas
Equinus > Posição de flexão plantar do ante-pé, retro-pé ou de todo o subungueais, indolores.
pé. Lactante > Mulher (idealmente a mãe) que amamenta.
Expectativa de vida ao nascer > Número de anos que um recém-nas- Lactente > Sinónimo de bebé.
cido viveria estando sujeito aos riscos de morte prevalentes para a Leprechaunismo > Situação clínica integrando: RCIU, hipoglicemia em
amostra de população no momento do seu nascimento. jejum, hiperglicemia pós-prandial e resistência à insulina; a concen-
Flora > Ver adiante «Microbiota». Este termo deveria ser abandonado tração sérica desta última pode atingir valores 100 vezes superiores
uma vez que se refere às plantas. Esta taxonomia deriva de Lineu. aos normais.
Fómite > Objecto inanimado ou substância capaz de absorver, reter e Lesões de Janeway > ver Janeway.
transportar microrganismos e parasitas. Letalidade > Risco que uma doença apresenta de ser mortal.
Forese > Significa transporte. Em geral, trata-se dum organismo pe- Loção > Forma de emulsão O/A mais fluida e menos oleosa.
queno transportado mecanicamente por um hospedeiro, em geral de Loção de limpeza > Forma de emulsão O/A com baixa viscosidade, mas
maiores dimensões (ex. fixação de protozoários sedentários ao cor- boa capacidade emulsionante, por conter agentes tensioactivos.
po de animais aquáticos). Luxação > Perda completa (subluxação se incompleta) do contacto entre
Funcionalidade > Termo genérico utilizado para as funções e estrutu- duas superfícies articulares.
ras do corpo, actividades e participação. Corresponde aos aspectos Manchas de Roth > ver Roth.
positivos da interacção entre um indivíduo (com uma condição de Mastocitose > Grupo de doenças em que se verifica infiltração dos te-
saúde) no contexto de factores ambientais e pessoais (ver Incapa- cidos e órgãos, especialmente a pele (nódulos, placas e pápulas), por
cidade). mastócitos. A urticária pigmentosa é a forma mais comum.
Gasping > Termo da língua inglesa empregue frequentemente na gíria Melatonina > Hormona segregada pela glândula pineal ou epífise (lo-
médica, significando “movimentos respiratórios de amplitude e rit- calizada no centro do encéfalo), com regularidade e em ritmo circa-
mo irregulares, e ineficazes”. diano a partir dos 3 meses de idade. Salienta-se o papel da "escu-
Hipofosfatasia > Defeito AR salientando-se membros inferiores ar- ridão da noite ou ausência de luminosidade " como estímulo natu-
queados com rarefação metafisária/mineralização irregular, denti- ral desencadeante da secreção a partir do núcleo supra-quiasmáti-
na e cimento dos dentes deficiente com tendência para queda pre- co; assim, os níveis mais elevados atingem-se entre as zero e as oito
coce dos caducos, encerramento tardio das fontanelas com ou sem horas (horário do sono). A luz (sobretudo entre 460 e 480 nm) inibe
craniossinostose, deficiência de fosfatase alcalina (sérica e tecidual); este mecanismo. Como principais acções citam-se o relaxamento da
as formas homozigóticas têm manifestações mais acentuadas. musculatura lisa gastrintestinal e a indução do sono, comprovando-
Histiocitoses > Conjunto de afecções de etiopatogénese desconhecida se que o leite materno contém níveis substanciais da referida hor-
cuja característica comum é a proliferação e infiltração dos tecidos mona, com implicações práticas na redução das cólicas infantis.
por histiócitos (um dos tipos de células diferenciadas a partir da me- Actualmente têm sido estudados os efeitos da melatonina noutras
dula óssea, recebendo, tal como outras, designações diversas confor- situações, como perturbações do sono, PHDA, mucopolissacari-
me a morfologia e função – monócitos, células dendríticas, macró- doses tipo III, autismo, RGE, cólicas infantis, etc..
fagos, etc.) fazendo parte do sistema histiocitário – macrofágico. Microbiota ou Microbioma > Conjunto de microrganismos que se en-
Existem dois grupos de histiocitoses: de células de Langerhans e não contram geralmente associados a tecidos (pele, mucosas/boca,sis-
Langerhans. Estas últimas células, que se localizam entre as células tema digestivo, conjuntivas, vagina, etc.). Os microrganismos (>
do estrato espinhoso de Malpighi, têm papel importante como apre- 10.000 espécies incluindo triliões de bactérias e fungos, por sua vez
sentadoras de antigénios. A histiocitose de células de Langerhans transportando vírus) constituídos em colónias à superfície ou no in-
(anteriormente chamada histiocitose X) considerava três entidades terior do organismo sem produzir doença compõem a microbiota
a que correspondem termos hoje obsoletos: doença de Letterer-Siwe, normal; a microbiota transitória é composta por agentes infecciosos
doença de Hand –Schuller-Christian e granuloma eosinófilo. presentes por períodos variáveis.
XXX TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Miotonia > Contracção muscular lenta, seguida de relaxamento lento, Pasta protectora > Pasta mais gorda e oclusiva, e mais difícil de apli-
que se produz durante movimentos musculares voluntários por ex- car e retirar; por exemplo, pasta de Lassar ou mistura em partes
citabilidade e contractilidade musculares anómalas. iguais de talco de Veneza, amido, lanolina e vaselina.
Mortalidade materna > Morte de mulheres durante a gravidez ou den- Pediatria > Medicina integral de um grupo etário desde a concepção ao
tro de 42 dias completos após término da gravidez devido a causa fim da adolescência.
relacionada com a gravidez ou agravada pela mesma; excluem-se as Pediatria Social > Ramo da Medicina que diz respeito à criança saudá-
causas acidentais ou incidentais. vel e doente em função do grupo humano de que faz parte e do meio
Morte fetal > É o óbito de um produto de concepção (feto-morto) antes no qual se desenvolve. Desde que se exerça uma acção colectiva, na-
da expulsão ou extracção completa do corpo da mãe, independen- cional ou internacional, a Pediatria torna-se social.
temente da duração da gravidez. Um vez separado do corpo da mãe, Período neonatal > Período que se inicia na data de nascimento e termi-
o produto de concepção não evidencia movimentos respiratórios na após 28 dias completos de idade pós-natal. É subdividido em: pre-
nem outros sinais de vida como batimentos cardíacos, pulsação do coce (primeiros sete dias completos ou 168 horas completas) e tardio
cordão umbilical ou movimentos efectivos dos músculos de contrac- (após sétimo dia ou 168 horas completas, até 28 dias completos ou 672
ção voluntária (nado-morto). horas completas). A criança neste período é designada recém-nascido.
Morte neonatal > É o óbito ocorrido no período neonatal; considerando as Péptidos natriuréticos > Grupo de péptidos segregados pelos mióci-
subdivisões do período neonatal (precoce e tardio), as mortes neonatais tos do miocárdio, principalmente nos ventrículos, em resposta a so-
podem ser subdivididas, respectivamente, em precoces e tardias. brecarga de pressão ou volume nas cavidades cardíacas, regulando
(Nota: A data de morte ocorrida durante o primeiro dia de vida (dia ze- o volume extracelular e a pressão arterial. Salientam-se: o BNP
ro) deve ser registada em minutos completos ou horas completas de vi- (Brain-type natriuretic peptide) ou chamado péptido natriurético
da. A partir do segundo dia de vida (dia 1) e até menos de 28 dias com- B/activo; e o N-terminal-pro-BNP ou NT-proBNP/inactivo, com
pletos de vida (672 horas), a idade de morte deve ser registada em dias. maior estabilidade in vitro e com vida média mais longa. Derivam,
Mutualismo > Associação entre dois indivíduos em que cada um deles por clivagem, do Pro-BNP. Antagonistas do sistema renina-angio-
depende fisiologicamente do outro. tensina-aldosterona, provocam aumento da diurese, natriurese e va-
Mutilação genital feminina > a) Percentagem de mulheres entre 15 e sodilatação. Trata-se de marcadores biológicos com interesse na
49 anos de idade que foram submetidas a manobras cruentas de res- avaliação de diversas formas de disfunção cárdio-respiratória (por
secção de órgãos genitais externos por razões sociais; b) Percentagem ex. PDA, taquipneia transitória, hipertrofia ventricular, HDC, HPP
de mulheres com, pelo menos, uma filha genitalmente mutilada (cli- no RN, doença de Kawasaki, etc.).
toridectomia, extirpação total ou parcial do clítoris e pequenos lá- Percentagem > Proporção apresentada como parte de um todo (100%).
bios, e infibulação). No texto devem ser sempre apresentados o numerador e o deno-
Nascimento vivo (nado vivo) > Expulsão ou extracção completa do cor- minador para qualquer percentagem.
po da mãe, independentemente da duração da gravidez, de um pro- PIB per capita > Produto Interno Bruto por cabeça correspondendo à
duto de concepção que, depois da separação, respire ou apresente quantidade de bens e serviços produzidos dentro das fronteiras dum
sinais de vida tais como batimentos cardíacos, pulsação do cordão país (por nacionais e estrangeiros) dividida pela sua população.
umbilical, ou movimentos efectivos dos músculos de contracção vo- Tipifica a riqueza média dum país e os níveis relativos de desenvol-
luntária, quer o cordão umbilical tenha sido ou não cortado, quer a vimento económico. NB- Não inclui rendimentos provenientes do
placenta tenha sido ou não retirada. O produto de um nascimento exterior (por ex. remessas de emigrantes).
ocorrido nestas circunstâncias é denominado nado-vivo. PNB > Produto Nacional Bruto correspondendo à produção de bens e
Natalidade > Número de nascimentos vivos por 1.000 habitantes. serviços pelos agentes económicos nacionais. NB- Inclui remessas de
Nódulos de Osler > ver Osler. emigrantes.
Nutrição > Conjunto de processos de assimilação e desassimilação dos ali- Polidactilia > Anomalia congénita caracterizada pela presença de dedos
mentos no organismo implicando trocas entre o organismo vivo e o supranumerários nas mãos ou nos pés.
meio ambiente. Ciência que trata da alimentação e dos alimentos sob Pomada ou unguento > Forma de emulsão A/O mais gordurosa,mais
todos os seus aspectos: utilização e transformação dos alimentos no or- emoliente e mais oclusiva.
ganismo, má-nutrição, problemas de comportamento relacionados com Pós > Agentes secos, micronizados em partículas finas, com proprie-
a alimentação, produção e distribuição dos géneros alimentares, etc.. dades higroscópicas (atraindo água); por ex. talco (salicilato de ma-
Nutriente > Substância alimentar que pode ser assimilada sem sofrer gnésio), argila, amido, caolino, óxido de zinco.
transformação digestiva. Prevalência > Número ou percentagem de casos existentes numa de-
Ortótese > Aparelho ou dispositivo destinado a suplementar ou corri- terminada população e num determinado momento temporal.
gir a alteração morfológica de um órgão, de um membro ou seg- Avalia a carga que a doença representa na referida população.
mento de membro, ou a deficiência de uma função. Prevenção > Conjunto de meios médicos, médico-sociais e ambientais
Osler (nódulos de) > Nódulos intradérmicos moles nas polpas dos de- para salvaguardar a saúde dos indivíduos sãos, evitando doença
dos das mãos e pés. (prevenção 1ª), impedindo um agravamento (prevenção 2ª), ou evi-
Osteotomia > Secção cirúrgica do osso. tando sequelas tardias (prevenção 3ª) de modo a propiciar, tanto
Parasitismo > Relacionamento simbiótico entre dois organismos: o pa- quanto possível, vida próxima do normal. Trata-se dum conceito
rasita, em geral de menores dimensões (ex. verme intestinal), e o hos- mais lato que o de profilaxia.
pedeiro, do qual depende o primeiro. Produtos-barreira > Tópicos cutâneos que previnem a penetração e ou
Pasta > Forma de emulsão (pomada) onde se suspendeu pó para ab- absorção de substâncias químicas potencialmente irritantes, sensi-
sorver exsudado. bilizantes ou tóxicas através da pele.
Glossário geral XXXI

Profilaxia > Método de prevenção ou protecção dirigido contra uma tremo baixo peso) > Criança nascida com peso inferior a 1000 gra-
doença através do emprego de substância (por ex. fármacos, vaci- mas (999 ou menos) independentemente da idade gestacional.
nas, imunoglobulinas, etc.). Trata-se dum conceito mais restrito que Rendimento per capita > Soma do valor da contribuição de todos os
o de prevenção. produtores nacionais acrescido de todos os impostos(menos subsí-
Progéria > Alopécia, atrofia da gordura subcutânea, hipoplasia e dis- dios) que não são incluídos na avaliação da produção, a que são
plasia do esqueleto, atraso da dentição caduca, aterosclerose pre- acrescentadas as receitas líquidas (pagamento de assalariados e ren-
matura. das de propriedades) provenientes de fontes externas.
Proporção > Tipo específico de razão em que o numerador é parte do Renograma isotópico > Curva traduzindo, em função do tempo, a eli-
denominador, sendo que o tempo não constitui factor. Vai de 0 a 1.No minação renal dum produto com radionúclidos, injectado por via IV,
texto deve ser sempre apresentado o numerador e o denominador que emite radiação gama. Esta eliminação provoca radioactividade
de qualquer proporção. transitória dos dois rins a qual pode ser detectada por sonda de cin-
Prótese > Aparelho ou dispositivo destinado a substituir um órgão, um tilação/cintilador ao nível de cada região lombar. O gráfico tradu-
membro ou parte de um membro destruída ou gravemente afecta- zindo a eliminação permite avaliar a função de cada rim. Os ra-
da. diofármacos habitualmente utilizados são: mercaptoacetilglicina-
Rabdomiólise > Ruptura e/ou necrose das células musculares estriadas Tc99 (MAG3) depurada por secreção tubular, e o ácido dietileno tria-
por factores mecânicos ou miopatias primárias com consequente li- mino pentacético (DTPA-Tc99), filtrado pelo glomérulo.
bertação para o sangue de enzimas, electrólitos e mioglobina. O do- Resistência à insulina tipo A > Situação clínica associada a mutações
seamento da enzima cretinaquinase (CK ou CPK)permite avaliar o no gene do receptor da insulina, verificando-se concomitantemente
grau de lesão celular/necrose. hirsutismo, masculinização, ovários quísticos no sexo feminino e,
Razão (fracção) > Numerador e denominador não têm relação especí- por vezes, acanthosis nigricans não acompanhada de obesidade. Duas
fica (ex: rapazes/raparigas 1/4; risco de 1/1.000, etc.). (ver mutações específicas no gene referido originam formas graves inte-
Proporção) grando os quadros designados por leprechaunismo (ver atrás) e sín-
Recém-nascido pré-termo > Criança nascida com menos de 37 sema- droma de Rabson – Mendenhall (ver adiante).
nas completas (menos de 259 dias) de idade gestacional. Roth (manchas de) > Lesões hemorrágicas lineares subungueais.
Recém-nascido de termo > Criança nascida com idade gestacional com- Saúde > Estado de bem estar físico, mental e social ,e não apenas au-
preendida entre 37 semanas completas e 41 semanas e 6 dias (259 a sência de doença.
293 dias). Selagem > Em Dentisteria e em Ortopedia, processo de fixação dum ma-
Recém-nascido pós-termo > Criança nascida com idade gestacional terial protector do dente (Selante), ou de material de prótese ou de
igual ou superior a 42 semanas completas (294 dias ou mais). osteossíntese.
Recém-nascido leve ou pequeno para a idade gestacional (LIG) > (na Simbionte > Organismo que vive algum tempo ou toda a sua vida inti-
prática, quase sempre sinónimo de RN com restrição de crescimen- mamente ligado a outro de espécie diferente; tal relacionamento de-
to intra-uterino) – Recém-nascido (RN) com peso inferior ao que cor- signa-se por simbiose.
responde ao percentil 3 ou a dois desvios padrão abaixo da média Simbiose > Ver atrás- Simbionte. Consideram-se quatro categorias de
para a respectiva idade de gestação e género, isto é, leve para a ida- simbiose: comensalismo, forese, parasitismo e mutualismo.
de de gestação (LIG) numa curva representativa da população. Sincinésia > Tendência para executar involuntária e simultaneamente
Outros autores preferem utilizar o termo pequeno para a idade ges- um movimento similar e simétrico, numa tentativa para executar um
tacional (PIG). movimento voluntário do lado oposto, observada em certas parali-
Recém-nascido com peso adequado para a idade gestacional para a sias unilaterais.
idade gestacional (AIG) > Recém-nascido (RN) com peso entre o Sindactilia > Anomalia congénita caracterizada pela junção de dois ou
percentil 3 ou dois desvios padrão abaixo da média para a respecti- mais dedos das mãos ou dos pés; tal junção pode ser superficial
va idade de gestação e género, e o percentil 97 ou dois desvios-pa- (membranosa), muscular ou óssea.
drão acima da média para a respectiva idade de gestação e género Síndroma de Apert > Craniossinostose (coronal>lambdóide>sagital),
numa curva representativa da população. braquicefalia, acrocefalia, hipertelorismo, proptose, estrabismo, hi-
Recém-nascido grande ou pesado para a idade gestacional (GIG) > poplasia maxilar, palato estreito/ogival, sindactilia invariável(cutâ-
Considera-se que um RN teve um crescimento intrauterino excessi- nea e óssea).
vo (ou hipercrescimento) quando o peso de nascimento é superior Síndroma de Angelman > Entidade clínica explicada por deleção no
ao percentil 97 ou dois desvios padrão acima da média para a idade cromossoma 15 de origem materna estando implicado o gene activo
de gestação e género numa curva representativa da população; tal E3A (UBE3A), envolvido na degradação de proteínas cerebrais.
RN é designado grande (G) ou pesado (P) para a idade de gestação: Traduz-se essencialmente por convulsões, atraso do desenvolvi-
(GIG) ou (PIG). mento e marcha atáxica. (ver Síndroma de Prader Willi).
Recém-nascido de baixo peso de nascimento(RNBP) > Criança nasci- Síndroma de Carpenter > Acrocefalia, polidactilia e sindactilia dos pés,
da com peso inferior a 2500 gramas (2499 ou menos) independente- atraso mental, braquissindactilia das mãos com clinodactilia, obesi-
mente da idade gestacional. dade, cardiopatia congénita, hipogenitalismo, etc..
Recém-nascido de muito baixo peso de nascimento (RNMBP) > Síndroma de Cockayne > Quadro clínico de transmissão AR, descre-
Criança nascida com peso inferior a 1500 gramas (1499 ou menos) vendo-se 3 tipos: I (em relação com gene CSA), II (em relação com ge-
independentemente da idade gestacional. ne CSB); e III (em relação com gene XP-CS). Caracteriza-se por alte-
Recém-nascido de muito muito baixo peso de nascimento ou com rações do tipo senil iniciando-se pelo 1º ano de vida, degenerescên-
imaturidade extrema (RNMMBP), sinónimo de RN de EBP (ex- cia retiniana, défice auditivo, hipocrescimento e hipogonadismo com
XXXII TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

criptorquidia, fotossensibilidade (aparecimento de eritema facial em cida, actualmente o diagnóstico é clínico e baseado nas principais ca-
“asa de borboleta” por acção de raios ultra-violeta). Distingue-se da racterísticas: défice cognitivo grave, epilepsia por vezes refractária,
progéria pelas anomalias oculares e pela fotossensibilidade. baixa estatura, microcefalia, dismorfia facial peculiar, deformidades
Síndroma de Cornelia de Lange > Quadro esporádico ou AD, caracte- ósseas mais notórias nas mãos e pés, e cabelo escasso.
riza-se essencialmente por restrição do crescimento fetal e pós-na- Síndroma de Noonan > Simile síndroma de Turner sem cromossomo-
tal, sinofris, lábios delgados com uma pequena “saliência” na linha patia sendo que em ~ 60% dos casos resulta de mutação em
média do lábio superior e correspondente “chanfradura”no lábio in- PTPN1/cromossoma 12q24.1. Principais características: baixa esta-
ferior, comissura bucal dirigida para baixo, micromélia, insuficiên- tura, inserção baixa posterior do cabelo, pescoço curto e ou pteri-
cia cognitiva, etc.. gium colli, hipogonadismo, criptorquidia. Afecta ambos os sexos, ao
Síndroma de Cowden > É considerado o protótipo das síndromas tu- contrário da síndroma de Turner, com padrão diverso de cardiopa-
morais PTEN (ver adiante) em que se verifica elevada susceptibili- tia congénita (estenose pulmonar, defeitos septais).
dade para cancro do endométrio, mama, e tiróide. Síndroma de Pfeiffer > De hereditariedade AD por mutação genética
Síndroma de Crouzon > De transmissão AD, integra como característi- (FGFR1 ou FGFR2), integra craniossinostose (coronal> sagital>
cas mais frequentes: craniossinostose (coronal > lambdóide > sagi- lambdóide) associada a outros defeitos como acrocefalia, hipertelo-
tal), hipertelorismo, proptose, estrabismo e hipoplasia maxilar. rismo, proptose, hipoplasia maxilar, 1ºs dedos alargados com des-
Síndroma de Hallermann-Streiff > De hereditariedade esporádica, in- vio radial. São descritos os tipos I, II e III.
tegra como mais relevantes as seguintes anomalias: dentes neona- Síndroma de Poland > Situação clínica integrando deformidades (unila-
tais, baixa estatura, cabelo escasso, cataratas, microftalmia e extre- terais) da parede torácica tais como pectus excavatum e ausência da glân-
midade nasal estreita. dula mamária, hipoplasia dos músculos grande e pequeno peitoral,
Síndroma de Holt – Oram > De transmissão AD em relação com muta- anomalias dos dedos da mão do mesmo lado (por ex. sindactilia).
ção no gene TBX5, integra anomalias do membro superior e ao ní- Síndroma de Prader-Willi > Entidade clínica explicada por deleção no
vel da cintura escapular, associadas a defeitos cardíacos tais como cromossoma 15 de origem paterna estando implicado o gene activo
dos septos ventricular e auricular, e alterações na condução auricu- E3A(UBE3A), envolvido na degradação de proteínas cerebrais.
loventricular. Traduz-se essencialmente por hipotonia neonatal acentuada, obesi-
Síndroma de Kabuki > Anomalias congénitas múltiplas com identifi- dade, mãos e pés pequenos e alteração do comportamento com atra-
cação de base molecular, salientando-se: características faciais típi- so mental. (ver Síndroma de Angelman).
cas (fendas palpebrais alongadas com eversão do terço externo da Síndroma de Rabson-Mendenhall > Entidade clínica com manifesta-
pálpebra inferior, sobrancelhas arqueadas,etc.), pavilhões auricu- ções aparentadas com leprechaunismo: resistência à insulina, ano-
lares grandes e proeminentes, défice cognitivo, hipocrescimento, malias dos dentes e unhas, e hiperplasia pineal.
susceptibilidade para doenças autoimunes, entre outros defeitos. Síndroma de Rapunzel > Situação clínica em que os cabelos deglutidos
Síndroma de Kearns – Sayre > Oftalmoplegia, retinopatia pigmentar, formam um chamado tricobezoar (ver atrás “bezoar”) de compri-
cardiomiopatia. mento considerável, desde o estômago ao intestino delgado, como
Síndroma de Landau-Kleffner > Forma grave de epilepsia associada a que uma “cauda de animal”, originando síndroma oclusiva intesti-
agnosia auditiva, disartria e afasia. nal de grau variável.
Síndroma de Larsen > Luxação articular múltipla, fácies plana, unhas Síndroma de Rett > Entidade clínica resultante de mutações no gene
dos dedos das mãos curtas, polegares em espátula, etc.. MECP2 localizado em Xq28: alterações do neurodesenvolvimento,
Síndroma de Laurence – Moon – Biedl > Como principais característi- com défice cognitivo grave, predominantemente no sexo feminino
cas há a registar: obesidade, polidactilia, retinite pigmentar, defi- (prevalência ~1/10.000 raparigas aos 12 anos).
ciência mental, diabetes insípida e baixa estatura. Admite-se here- Síndroma de Reye > Situação hoje rara, é caracterizada por encefalo-
ditariedade AR. patia aguda e disfunção hepática comportando elevada mortalida-
Síndroma de Loeffler > Condensação pulmonar fugaz detectada por de (30-40%) por edema cerebral. Em geral precedida por infecção ví-
radiografia, associada a eosinofilia, e de etiologia diversa; mais fre- rica (sobretudo varicela e influenza) 3-5 dias antes, verifica-se forte
quentemente relacionada com parasitoses, sobretudo Ascaris lum- associação com o uso de ácido acetilsalicílico.
bricoides. O substrato anatomopatológico pulmonar inclui infiltra- Síndroma de Robinow > Inclui, entre outros defeitos: hipogonadismo,
dos de eosinófilos e plasmócitos. antebraços curtos, braquidactilia, bossas frontais, hipertelorismo,
Síndroma de Mallory – Weiss > Situação clínica traduzida por hemor- longo philtrum, mento pequeno, cariótipo normal.
ragia digestiva alta resultante de vómito com esforço levando a Síndroma de Rothmund-Thomson (ou poiquilodermia congénita) >
lesão/solução de continuidade por efeito de estiramento ao nível da Quadro clínico de transmissão AR relacionado com mutações no ge-
junção gastresofágica. ne RECQL4 na maioria dos casos. Surgindo as manifestações pelos
Síndroma de McCune Albright > Hereditariamente esporádica, inclui 3 anos de idade, há a destacar: placas de eritema com ulterior hi-
determinados sintomas e sinais com frequência variável: manchas perpigmentação, atrofia, telangiectasias e alopécia. Hipogonadismo
cor de “café com leite”, hiperfunção de vários órgãos endócrinos,, e risco de cancro.
bócio multinodular, hipertiroidismo, displasia óssea poliostótica e Síndroma de Rubinstein-Taybi > Baixa estatura, polegares e dedos dos
puberdade precoce (independente de GnRH). A gonarca precoce re- pés largos, fendas palpebrais antimongolóides , hipoplasia do maxi-
sulta de hiperfunção ovárica e, por vezes, da formação de quistos le- lar com palato estreito, etc..
vando à secreção de estrogénios. Resulta de mutações da subunida- Síndroma de Seckel > De hereditariedade AR, com restrição do cresci-
de da proteína G. mento pré e pós-natal, microcefalia com sinostose prematura, insu-
Síndroma de Nicolaides-Baraitser > de base genética ainda não conhe- ficiência cognitiva, nariz proeminente, etc..
Glossário geral XXXIII

Síndroma de Smith-Lemli-Opitz > Escafocefalia, narinas em ante- Taxa de mortalidade de menores de 5 anos (TMM5) > Número de óbi-
versão, e ou ptose palpebral, sindactilia do 2º e 3º dedos do pé, hi- tos entre o nascimento e a data em que são completados os 5 anos
pospadia, criptorquidia no sexo masculino, etc.. de idade por mil (1.000) nado-vivos.
Síndroma de Sotos (Gigantismo cerebral) > Macrossomia evidente ao Taxa de mortalidade materna > Número anual de mortes de mulheres
nascer, mãos e pés grandes, maturação óssea avançada, etc.. devidas a complicações decorrentes da gravidez por 100.000 partos
Síndroma de Werner > Envelhecimento precoce símile progéria, (ma- de crianças nascidas vivas.
nifestando-se mais tarde do que esta), salientando-se esclerose vas- Taxa de mortalidade fetal tardia > Esta taxa é calculada segundo a fór-
cular e cardiomiopatia. Hereditariedade autossómica recessiva em mula:
relação com os genes WRN e LMNA. Nº de nado-mortos com >= 1.000 gramas
Síndroma de Wolff-Parkinson – White > Situação também designada ———————————————————— x 1000
por pré-excitação ou ante-sistolia, em que o ECG evidencia alarga- Nº de nado-mortos com >= 1.000 gramas + Nº de nado-vivos com >= 1.000 gramas
mento do complexo QRS e encurtamento P-R; habitualmente acom- Taxa de mortalidade neonatal (bruta) > Esta taxa é definida pela re-
panhada por crises de taquicardia paroxística, o seu prognóstico de- lação:
pende da eventualidade de cardiopatia associada. Número total de óbitos de RN ocorrendo até 28 dias completos (672 ho-
Síndroma de Wolfram > Inclui diabetes mellitus não autoimune, atrofia óp- ras) / 1.000 nado vivos (qualquer que seja o peso).
tica, diabetes insípida, surdez neurossensorial e anomalias do aparelho Esta taxa é subdividida em:
urinário e neurológicas, com prognóstico muito reservado e baixa espe- a) precoce: nº de óbitos até aos primeiros sete dias completos (ou 168 ho-
rança de vida. Mutações em dois genes relacionados com proteínas do ras completas) /1.000 nado-vivos;
retículo endoplásmico, neurónios e vasopressina, a qual é deficiente. b) tardia: nº de óbitos após sete dias completos (168 horas) e até 28 dias
Síndroma de Zollinger-Ellison > Situação rara caracterizada por doen- completos (672 horas) /1.000 nado-vivos;
ça péptica ulcerada grave e refractária ao tratamento causada por hi- Notas: a) As taxas de mortalidade total, precoce e tardia (não bruta)
persecreção de gastrina relacionada com gastrinoma (tumor neu- consideram apenas RNs com peso de nascimento igual ou superior
roendócrino). Em > 90% dos doentes são verificados níveis elevados a 1.000 gramas, quer no numerador, quer no denominador;
de gastrina em jejum. O tratamento de eleição inclui inibidores da b) Não sendo conhecido o peso, considera-se habitualmente que idade
bomba de protões e antagonistas dos receptores H2. gestacional de 28 semanas e /ou comprimento de 35 cm correspon-
Síndroma stiff-man ou do “homem rígido” > Situação clínica do SNC, dem a 1.000 gramas;
rara e autoimune, caracterizada por rigidez progressiva e espasmos
axiais e acompanhada de títulos muito elevados de anticorpos GAD- Taxa de mortalidade perinatal por 1.000 (fetos mortos+nado-vivos)
65. Em cerca de 30% dos doentes surge DM1. > Esta taxa é calculada segundo a fórmula:
Síndromas tumorais PTEN > conjunto de situações com elevada varia- Nº de nado-mortos com >= 1.000 gramas
bilidade na expressão clínica - incluindo diversas patologias genéti- + óbitos neonatais (com <168 horas e >= 1.000 gramas)
cas - e pleiotropismo, relacionadas com disfunção do gene supres- ————————————————————————— x 1000
sor tumoral PTEN. (ver síndroma de Cowden) Nº de nado-mortos com >= 1.000 gramas + total de nado-vivos com >= 1.000 gramas
Sinofris > Convergência/junção das sobrancelhas na linha média ao ní-
vel da raiz nasal. Taxa de mortalidade perinatal por 1.000 (nado-vivos) > Esta taxa é
Solução > Mistura líquida homogénea duma substância sólida, líquida calculada segundo a fórmula:
ou gasosa, considerando-se, no sentido correcto do termo, soluto a Nº de nado-mortos com >= 1.000 gramas
substância dissolvida, e solvente o líquido (geralmente em quanti- + óbitos neonatais (com <168 horas e >= 1.000 gramas)
dade elevada). ————————————————————————— x 1000
Suspensão > Preparado farmacêutico constituído pela dispersão duma Nº de nado-vivos com >= 1.000 gramas
fase sólida insolúvel numa fase líquida (ou seja, líquido no qual se
encontram partículas insolúveis finamente dispersas). Taxa de mortalidade perinatal total por 1.000 (fetos mortos+nado-
Syndet > Detergente sintético (sabão “sem sabão”) com pH neutro, fa- vivos) > Esta taxa é calculada segundo a fórmula:
zendo espuma escassa; a forma sólida designa-se por “pain”. Nº de nado-mortos com >= 500 gramas
Taxa > Tipo específico de razão em que o numerador e o denominador + óbitos neonatais (com <168 horas e >= 500 gramas)
estão relacionados, constituindo o tempo uma parte intrínseca do ———————————————————————— x 1000
denominador. Nota: Segundo os epidemiologistas a designação, por Nº de nado-mortos com >= 500 gramas + Nº de nado-vivos com >= 500 gramas
ex. de taxa de mortalidade, não é correcta.
Taxa de alfabetização de adultos > Percentagem de pessoas com 15 Taxa de mortalidade perinatal total por 1.000 (nado-vivos) > Esta
anos ou mais que sabem ler e escrever. taxa é calculada segundo a fórmula:
Taxa bruta de mortalidade > Número de óbitos anuais por 1.000 pes- Nº de nado-mortos com >= 500 gramas
soas. + óbitos neonatais (com <168 horas e >= 500 gramas)
Taxa bruta de natalidade > Número anual de nascimentos por 1.000 ———————————————————————— x 1000
pessoas. Nº de nado-vivos com >= 500 gramas
Taxa de letalidade > Relação entre o número de mortes por determi-
nada doença e o número total dos seus casos numa dada população. Taxa de nado-mortalidade > Número de nado-mortos com peso de nas-
Taxa de mortalidade infantil (TMI) > Número de óbitos no primeiro cimento >1000 gramas /1.000 nascimentos totais (nado-mortos + na-
ano de vida por cada 1.000 nado vivos. do-vivos pesando > 1.000 gramas) durante determinado período.
XXXIV TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Taxa total de fertilidade > Número de crianças que nasceriam por mulher,
se esta vivesse até ao fim dos seus anos férteis e tivesse filhos em cada
etapa, de acordo com as taxas prevalentes para cada grupo etário.
Trabalho infantil > Percentagem de crianças entre 5 e 14 anos de idade
recrutadas para tarefas próprias para adultos.
Valgo (ou valgus) > membro ou segmento desviado para fora.
Valores de referência em antropometria > Valores que descrevem co-
mo as crianças efectivamente crescem na realidade.
Valores – padrão em antropometria > Valores que pretendem repre-
sentar o crescimento ideal.
Varo (ou varus) > membro ou segmento desviado para dentro.
Vigilância pré-natal > Percentagem de mulheres entre 15 e 49 anos as-
sistidas pelo menos uma vez durante a gestação por profissional de
saúde treinado (médicos, enfermeiros ou parteiros); em Portugal
considera-se, pelo menos,a ocorrência de 3 consultas médicas.
Xenobióticos > São compostos estranhos ao organismo que poderão es-
tar presentes na alimentação, incluindo leite materno. Distinguem-
se 3 grandes grupos: 1] contaminantes naturais (por ex. glicoal-
calóides presentes em batatas e tomates,etc.); 2] contaminantes do
meio ambiente pela actividade humana/antropogénicos (por ex. ni-
tritos, pesticidas, metais pesados, etc.); 3] tóxicos formados durante
o processamento culinário (por ex. hidrocarbonetos policíclicos
aromáticos).
Xeroftalmia > Secura e retracção das conjuntivas bulbar e palpebral, que
se tornam esbranquiçadas e perdem o brilho. Esta situação pode ser
secundária a défice de vitamina A ou a tracoma.
Xerose > Secura da conjuntiva, muitas vezes a primeira fase da xerof-
talmia.

BIBLIOGRAFIA
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Clássica Editora, 1995
Uvarov EB, Chapman DR, Isaacs A. Dicionário de Ciência (tradução por-
tuguesa). Lisboa: Europa América Editora, 1964
Abreviaturas

A ALTE – apparent life threatening event (episódio associado a risco de


AA – aminoácidos vida)
AAG – anticorpos antigliadina AME – atrofia muscular espinhal
AAP – American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria) AMP – adenosina-5-monofosfato (monophosphate)
AAS – ácido acetil-salicílico (Aspirina®) AMPc – AMP cíclico
A1-AT – alfa 1-antitripsina AN – anorexia nervosa
ABO – grupos sanguíneos ABO (AB zero) ANA – anticorpos antinucleares (anti nuclear antibodies)
Ac ou AC – anticorpo, anticorpos ANCA – anticorpos anticitoplasma do neutrófilo
Ác – ácido ou ácidos ANDAI – Associação Nacional de Doentes com Artrite Infantil e Juvenil
ACE – angiotensin converting enzyme ou enzima de conversão da ANP – atrial natriuretic peptide ou PNA
angiotensina A-P – ântero-posterior
ACF – anemia de células falciformes APIR – agregação plaquetária induzida pela ristocetina (RIPA em
ACG – angiocardiograma inglês)
ACJ – artrite crónica juvenil AR – artrite reumatóide
ACo – acetilcolina ARA – arachidonic acid ou ácido araquidónico
AcoE – acetilcolinesterase ARC – AIDS related complex (complexo relacionado com SIDA)
ACOG – American College of Obstetricians and Gynecologists (Colégio ARDS – adult respiratory distress syndrome (SDR tipo adulto)
Americano de Obstetras e Ginecologistas) ARJ – artrite reumatóide juvenil
ACR – American College of Rheumatology ARM – angiorressonância magnética
ACTH – corticotrofina ou hormona corticotrópica hipofisária- ARN – ácido ribonucleico
adrenocorticotropic hormone ARNm – ARN mensageiro
AD – aurícula direita ARNs – ARN solúvel ou de transferência
ADE – acção dinâmica específica ARP – actividade da renina palsmática
ADH – antidiuretic hormone (ou HDA-hormona antidiurética) As – símbolo químico do arsénio
ADN – ácido desoxirribonucleico AST – aspartato aminotransferase/transaminase glutâmico-pirúvica
ADP – adenosine diphosphate (ou adenosinadifosfato) ASCA – anticorpos anti Saccharomyces cervisae
AE – alimentação entérica (ou enteral) AT – antitrombina, ajudas técnicas, apoio tecnológico
aEEG – EEG de amplitude integrada ATM – articulação temporomandibular
AESP – actividade eléctrica sem pulso ATP – adenosina trifosfato (Adenosine Tri Phosphate)
AFP – alfa-fetoproreína ATPase-Na+/K+ – bomba de sódio
Ag – antigénio; símbolo químico de prata Au – símbolo químico do ouro
A/G – relação albumina-globulina AUS – azoto ureico no sangue (vidé BUN)
AGL – ácido gordo livre AV – nódulo auriculoventricular
AGNE – ácido gordo não esterificado ou PUFA (poly unsaturated fatty A-V – diferença arteriovenosa
acid) AVB – atrésia das vias biliares
AGS – adrenogenital syndrome; SAG-síndroma adrenogenital AVBEH – AVB extra-hepáticas
AHA – American Heart Association AVC – acidente vascular cerebral
AHAI – anemia hemolítica autoimune AVP – arginina-vasopressina
AIA – acidente isquémico arterial AZT – azidotimidina (zidovudina segundo denominação
AIDS – acquired immunodeficiency syndrome; ou SIDA-síndroma de internacional)
imunodeficiência adquirida
AIE – asma induzida pelo esforço B
AIG – peso do RN adequado para a idade gestacional B1 – primeiro ruído do coração (=S1)
AIJ – artrite idiopática juvenil Ba – bário
AINE – anti-inflamatórios não esteróides BAV – bloqueio auriuloventricular
ALT – alanina aminotransferase/transaminase glutâmico-oxalacética- BCC – bloqueante dos canais do cálcio
TGO BCG – bacilo Calmette-Guérin
XXXVI TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

BEI – iodo extraído (removido) pelo butanol (Butanol Extractable Iodine) CIA – comunicação interauricular
BERA – Brainstem evoked response audiometry CIAS – cold induced autoinflammatory syndrome ou síndroma auto-
BHCG – Gonadotrofina coriónica humana beta (ou GCHB) inflamatória induzida pelo frio
BHE – barreira hematencefálica CIAV – comunicação interauriculoventricular
Bi – bismuto CID – classificação internacional de doenças, lesões e causas de óbitos
BIPAP – bilevel positive airway pressure (OMS/WHO); ou coagulação intravascular disseminada
BK – bacilo de Koch CIM – concentração inibitória mínima
BN – bulimia nervosa CINCA – chronic infantile neurologic cutaneous and articular syndrome
BNP – B-type natriuretic peptide; ver NT- proBNP CIV – comunicação interventricular
BO – bronquiolite obliterante CK – creatinaquinase/creatinacinase
BOOP – BO com pneumonia organizativa (organizing pneumonia) CL – compliance pulmonar/distensibilidade pulmonar
BP – baixo peso (<2500 gramas) ou binding protein (factor de ligação) Cl – símbolo do cloro
BPE – baixo peso extremo(<1000 gramas) cl – centilitro
BPM ou bpm – batimentos por minuto CM – concentração máxima
Br – bromo cm – centímetro/cm2 - centímetro quadrado; cm3 - centímetro cúbico
BR – biópsia renal ou cc
BRB – bilirrubina CMH ou MHC – Complexo major de histocompatibilidade (locus no
BRD – bloqueio do ramo direito cromossoma 6 com genes que codam antigénios (glicoproteínas de
BRE – bloqueio do ramo esquerdo superfície) de histocompatibilidade (vidé adiante MHC)
BSE – bovine spongiform encephalopathy ou encefalopatia espongiforme CMO – corticosterona metil oxidase
bovina/doença das vacas “loucas” CMV – citomegalovírus ou vírus citomegálico/de inclusões
BSP – bromossulftaleína citomegálicas ou corpos multivesiculares (surfactante)
BT – bilirrubina total (B ou BRB) CO – monóxido de carbono
BUN – blood urea nitrogen ou azoto ureico do sangue CO2 – dióxido, anidrido ou gás carbónico
Co – cobalto
C CoA – coenzima A
C – Celsius, carbono Cox – cicloxigenase
Ca – cálcio, carcinoma CPAP – continuous positive airways pressure ou pressão positiva
CaBP – calcium binding protein ou proteína fixadora do cálcio contínua no final da expiração ou pressão de distensão contínua
CAD – cetoacidose diabética CPK – creatine phospho kinase ou creatina fosfo quinase (ou cinase)
Cal – kcal (quilocaloria) CPK-MB – idem – isoenzima MB (cérebro,musculo) da CPK
Cal – caloria CPRE – colangiopancreatografia retrógrada endoscópica
CAMP – adenosinamonofosfato cíclico CPT – capacidade pulmonar total
CAO (índice de cárie) – C- dentes cariados; A-ausentes; O-obturados CPV – canal peritoneovaginal
CASH – cortico adrenal stimulating hormone (hormona estimulante Cr – crómio
córtico- suprarrenal diferente da ACTH) CR – cicatriz renal
CAV – canal atrioventricular comum CREST – sigla de calcinose cutânea, fenómeno de Raynaud,
cc – centímetro cúbico (ou cm3) compromisso esofágico, esclerodermia, telangiectásias
CCI – comissão de controlo de infecção CRF – capacidade residual funcional ou corticotropin releasing factor
CCMH – concentração corpuscular média em hemoglobina (=CGMH) (factor libertador da corticotrofina)
CCU – cancro do colo do útero CRH – corticotropin releasing hormone (hormona libertadora da
Cd – cádmio corticotrofina)
CDC – Centers of Disease Control, em Atlanta, EUA CRMO – chronic recurrent multifocal osteomielitis
CDG – carbohydrate deficient glycoprotein CRP – C Reactive Protein ou PCR
CDPN – Centro de Diagnóstico Pré-natal CS – craniossinostose
CEA – corionic embrionary antigen ou antigénio embrionário coriónico 17-CS – 17 cetosteróide
CEC – circulação extracorporal CSP – cuidados de saúde primários
CERAC – Centro de Estudos e Registo de Anomalias Congénitas CTCIG – Comissão Técnica de Certificação de Interrupção da
CFRD – cystic fibrosis related diabetes Gravidez
CFTR – cystic fibrosis transmembrane conductance regulator CTG – cardiotocografia ou cardiotocograma
CGMH – concentração globular média em hemoglobina (= CCMH) Cu – cobre
CH – concentração de hemoglobina CUM – cistouretrografia miccional
CHARGE – Associação de anomalias (sigla de coloboma, heart disease, CV – capacidade vital, campo visual, coluna vertebral
atrésia dos coanos, retarded growth and development associado a CVEDT – Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças
anomalias do SNC, ear anomalies) Transmissíveis
CHC – carcinoma hepatocelular
CI – capacidade inspiratória D
Ci – Curiecentímetro cúbico D – dalton, densidade
Abreviaturas XXXVII

D – dia de vida (por ex. D5 ou 5º dia) ou nível de vértebra dorsal (por DTPA – dietileno-tetra-pentacético
ex. D8) DV – dador vivo
DA – dermatite atópica DVP – derivação ventriculoperitoneal
DAG – diacilglicerol
DAR – dor abdominal recorrente E
DB – decibel ou Doença de Behçet EAEC – enteroaggregative E. coli
DBP – displasia broncopulmonar EACA – ácido épsilon-aminocapróico
DC – débito cardíaco EB – epidermólise bolhosa
DCE – doença crónica do enxerto EBP – extremo baixo peso (recém-nascido de )
DD – diagnóstico diferencial EBV – Epstein-Barr virus ou vírus de Epstein-Barr
DDA – displasia de desenvolvimento da anca ECG – electrocardiograma
DDAVP – 1-deamino-8-d-arginino-vasopressina ECHO virus – ou vírus ECHO (enteric cytopathic human orphan)
DDO – doenças de declaração obrigatória ECMO – extracorporal membrane oxygenation ou oxigenação com
DDT – dicloro-difenil-tricloroetano membrana através de circulação extracorporal
DEXA – dual X ray absorptiometry ECN – enterocolite necrosante
DGPI – diagnóstico genético de pré-implantação EcoCG – ecocardiograma
DGS – Direcção Geral da Saúde EDTA – ácido edético ou etileno-diamima-tetra-acetato
DH – doença de Hirschsprung EEC – espaço ou compartimento extracelular, contendo LEC
DHA – docosahexanoic acid ou ácido docosa-hexanóico EEEPC – estudo europeu sobre a etiologia da paralisia cerebral
DHABO – doença hemolítica por incompatibilidade ABO EEG – electroencefalograma
DHEA – di-hidro-epi-andosterona EEI – esfíncter esofágico inferior
DHEAS ou DHEA-S – sulfato de di-hidro-epi-andosterona EH – esferocitose hereditária
DHPNRh – doença hemolítica perinatal por incompatibilidade Rh EHEC – enterohemorrhagic E. Coli
DHRN – doença hemolítica do recém- nascido EHI – encefalopatia hipóxico-isquémica
DHT – di-hidro-testosterona EHP – estenose hipertrófica do piloro
DI, DII, DIII – derivações bipolares electrocardiográficas EIC – espaço intracelular, contendo LIC
DI – dentinogénese imperfeita EID – espaço intercostal direito
DID – diabetes insulinodependente EIE – espaço intercostal esquerdo
DII – doença intestinal inflamatória EIEC – enteroinvasive E. Coli
DIT – diiodotirosina ELISA – enzyme-linked immunosorbent assay
DIU – dispositivo intrauterino EMG- electromiografia / electromiograma
DK – doença de Kawasaki EMLA – eutectic mixture local anesthetics
DMARD – disease modifying agents in rheumatic disease EN – eritema nodoso
DMG – diabetes mellitus gestacional EOG – electro-oculograma
DM2 – diabetes mellitus do tipo 2 EPEC – enteropathogenic E. Coli
DMJ – dermatomiosite juvenil EPI – enfisema pulmonar intersticial
DMG – diabetes mellitus gestacional EPO – eritropoietina
DMO – doença metabólica óssea ERA – Evoked response audiometry
DMSA – ácido dimercapto-succínico ERG – electrorretinograma
DNA ou ADN – ácido desoxirribonucleico ESPGHAN – European Society for Gastroenterology Hepatology and
DNM – doença neuromuscular Nutrition
DOCA – acetato de desoxicorticosterona ET – exsanguinotransfusão
DOPA – Di-hidroxi-fenilalanina ETCO – end tidal carbon monoxide
DP – desvio-padrão ou diálise peritoneal ETEC – enterotoxigenic E. Coli
DPC – doença pulmonar crónica ETP – exsanguinotransfusão parcial
DPG – diabetes pré-gestacional EUA – Estados Unidos da América do Norte
2,3 - DPG – 2,3 difosfoglicerato e.v./EV – endovenoso (ou intravenoso - IV)
DPI – doença pulmonar intersticial ex/ex: – por exemplo
DPN – diagnóstico pré-natal
DPOC – doença pulmonar obstrutiva crónica F
DPPC – dipalmitoilfosfatidilcolina FA – fosfatase alcalina
DSM-III, DSM IV – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders FAO – Food and Agricultural Organization
III , IV FC – frequência cardíaca
DRGE – doença do refluxo gastro-esofágico FCAS – familial cold autoinflammatory syndrome ou síndroma familiar
DST – doença sexualmente transmissível auto-inflamatória
DT (vacina) – antidifteria e antitétano FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia
DTN – defeito do tubo neural FDA – Food and Drug Administration
DTP (vacina) – antidifteria, antitétano e antipertussis Fe – Ferro
XXXVIII TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

FeNa – fracção excretada de Na (sódio) urinário H


FeNo – fracção expirada de NO h – hora
FETENDO – sigla em inglês de Fetal Endoscopy H – hidrogénio
FEV – forced expired volume HA – hemaglutinação ou hepatite A
FFA – free fatty acids ou ácidos gordos livres HAD – hormona antidiurética (arginina-vasopressina)
FG – fosfatidilglicerol HAI – hepatite autoimune
FGR – filtração glomerular renal ou GFR HAP – hospital de apoio perinatal
FhO2 – fracção ou concentração de oxigénio na hipofaringe HAPD – hospital de apoio perinatal diferenciado
FI – fosfatidil inositol Hb ou Hgb – hemoglobina
FiO2 – fracção ou concentração de oxigénio no ar inspirado HB – hepatite B
FISH – Fluorescence in situ hybridation HbGM ou HGM – hemoglobina globular média
FIV – fertilização in vitro HBIG – imunoglobulina específica para o vírus da HB
FM – feto morto HbO2 – oxiemoglobina
FMF – febre mediterrânica familiar HBsAg – antigénio de superfície do vírus da hepatite B
FO – fundo do olho HC – hidrato de carbono
FQ – fibrose quística (mucoviscidose) HCG – gonadotrofina coriónica humana (human chorionic gonadotropin)
FR – frequência respiratória, factor reumatóide ou febre reumática HCl – ácido clorídrico (anteriormente Cl H)
FSF – factor XIII de coagulação (fibrin stabilizing factor) HCS – somatotrofina coriónica humana
FSH – gonadotrofina A, hormona foliculostimulante (follicle-stimulating Hct – hematócrito; ou Ht
hormone) HDC – hérnia diafragmática congénita
FSH-RH – idem hormona libertadora d FSH… releasing hormone HDE – Hospital de Dona Estefânia
FTE – fístula tráqueo-esofágica HDL – high density lipoprotein ou lipoprotéina de alta densidade
FVSP – fibrilhação ventricular sem pulso He – hélio
FvW – factor de von Willebrand HELLP syndrome – Hemolysis, Elevated Liver Enzymes, Low Platelets ou
síndroma com hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetas
G baixas
g – grama HFF – Hospital Fernando Fonseca
GABA – ácido gama-amino-butírico HFV – high frequency ventilation (VAF em português)
GADA – anticorpos antidescarboxilase do ácido glutâmico Hg – mercúrio
Gal – galactose HIC – hipertensão intracraniana
GBM – glomerular basement membrane HIDS – hyper IgD syndrome ou síndroma hiper IgD
G-CSF – granulocyte colony stimulating factor HIV – hemorragia intraventricular ou Human Immunodeficiency Virus
GEA – gastrenterite aguda HLA – human leucocyte antigen ou antigénio de histocompatibilidade
GFR – glomerular filtration rate HMGCoA – Hidroxi-metil-glutaril-coenzima A
GGT – gama glutamil transferase Hp – Helicobacter pylori
GH – growth hormone (hormona do crescimento) HPC – Hospital Pediátrico de Coimbra
GHRF – growth hormone releasing factor ou factor de libertação da GH HPP – hipertensão pulmonar persistente
GH-RIH – growth hormone release inhibiting hormone ou somatostatina HPT – hormona paratiroideia (ou paratormona- PTH)
ou hormona inibidora da libertação da hormona de crescimento HPV – vírus do papiloma humano
GI – gastrintestinal HSD – hidroxi-esteróide desidrogenase
GIG – RN grande para a idade gestacional HSJ – Hospital de São João
GINA – global initiative for asthma HSM – Hospital de Santa Maria
GMP – guanosinamonofosfato HSV – herpes simplex vírus ou vírus herpes simples
GMPc – guanosina-monofosfato cíclico Ht – o mesmo que Hct
GM-CSF – granulocyte macrophage colony stimulating factor HT – hormonas tiroideias
GNA – glomerulonefrite aguda HTA – hipertensão arterial
GNAPE – GNA pós-estreptocócica Htc ou Ht – hematócrito
GnRH – gonadotropin releasing hormone ou hormona libertadora das HTP – hipertensão pulmonar
gonadotrofinas HV – hepatite vírica
GNRT – GN rapidamente terminal HVA – ácido homovanílico
GOT – glutamato-oxalacetato-transaminase ou ALT HVD – hipertrofia ventricular direita
G-6PD – glucose 6 fosfato desidrogenase HVE – hipertrofia ventricular esquerda
GPT – glutamato-piruvato-transaminase ou AST Hz – Hertz
GRISI – Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil
GST – genes supressores de tumores (ou TSG) I
GWAS – genome-wide association studies I – símbolo químico do iodo
Gy – unidade de radiação usada em radioterapia (1 Gy <> 100 rads) IAA – anticorpos anti-insulina
IACS – infecção associada à prestação dos cuidados de saúde
Abreviaturas XXXIX

ICA – anticorpos anti-células B dos ilhéus KR – quiloroentgen


ICC – insuficiência cardíaca congestiva ou imunocomplexos Kt – constante de tempo
circulantes kV – quilovolt
ICSH – interstitial-cell stimulating hormone ou gonadotrofina B, kW – quilowatt
hormona estimulante das células intersticiais
IDP – imunodeficiência primária L
IECA – inibidor da enzima de conversão da angiotensina l – litro
IF – interfalângicas L – nível de vértebra lombar (L3 = 3ª vértebra), ou litro
IFA – immunofluorescent antibody ou anticorpo imunofluorescente LA – leucemia aguda ou líquido amniótico
IFD – interfalângica distal Lactente – no sentido restrito, a criança alimentada com leite ou que
IFN – interferão “recebe” leite; no sentido lato, criança pequena em geral até ao 1
IFP – interfalângica proximal ano
IFR – índice de falência renal (ou de insuficiência renal) Lactante – pessoa (em geral a mãe) que amamenta ou “dá” o leite
Ig – imunoglobulina natural
IL – interleucina LAF – lymphocyte activating factor ou factor de activação linfocitária
ILAE – International League Against Epilepsy LCPUFA – long chain polyunsaturated fatty acid ou ácido gordo poli-
IGF – insulin-like growth factor ou IGF /Factor de crescimento insaturado de longa cadeia
semelhante à insulina LCR – líquido céfalorraquidiano
IGFBP – insulin-like growth factor binding protein (proteína de ligação) LDH – lácticodesidrogenase
IGIV – imunoglobulina intravenosa LDL – low density lipoproteins
IGSC/ou SCIG) – imunoglobulina subcutânea LEC – líquido extracelular contido no EEC
ILAR – International League Against Rheumatism LES – lúpus eritematoso sistémico
ILGF – insulin-like growth factor ou IGF /Factor de crescimento LH – luteinizing hormone ou hormona luteinizante ou gonadotrofina B
semelhante à insulina LHR – sigla do inglês right lung area to head circumference ratio
im/ IM – intramuscular Li – lítio
IMC – índice de massa corporal LIC – líquido intracelular contido no EIC
IMV – ventilação “mandatória”/obrigatória intermitente LIG – RN leve para a idade gestacional
IN – infecção nososcomial (ou adquirida no hospital) LIP – lymphocytic interstitial pneumonia ou pneumonia intersticial
INE – Instituto Nacional de Estatística linfocitária (PIL)
iNO – óxido nítrico inalado Lis – lisina
IO – idade óssea, índice de oxigenação LLC – leucemia linfóide crónica
IOTF – International Obesity Task Force LM – lesões mínimas
IP – índice ponderal no RN: razão peso (gramas)/comprimento (cm)3 x LMA – leucemia mielóide aguda
100 ou inibidor das proteases LP – líquido pleural
IPLV – intolerância às proteínas do leite de vaca LPF – líquido pulmonar fetal
IPPV ou IPPB – intermitent positive pressure ventilation/breathing ou LPR – Lipid Research Program
ventilação com pressão positiva intermitente LPS – lipopolissacárido
IPR – índice de produção reticulocitária LPV – leucomalácia periventricular ou leucocidina de Panton e
IRA – insuficiência renal aguda Valentine
IRC – insuficiência renal crónica LRG – leucine – rich alpha-2-glycoprotein
IRCT – insuficiência renal crónica terminal LSD – dietilamida do ácido lisérgico
IRIDA – iron resistant iron-deficiency anemia LTH – luteotropic hormone ou prolactina
ISAAC – International Study of Asthma and Allergies in Chidhood
IU – infecção urinária M
iv/IV – intravenoso (ou endovenoso) M – molar
IVD – insuficiência ventricular direita M1 a M7 – tipos morfológicos da classificação das LMA
IVE – insuficiência ventricular esquerda MAG3 – mercaptoacetil triglicina
IVG – interrupção voluntária da gravidez MALT – mucosa associate lymphoid tissue
MAP – mean airway pressure (ou Paw) ou pressão média na via aérea
J MAPA – monitorização ambulatória da pressão arterial
J – Joule MAR – manometria ano-rectal
MAS – síndroma de activação macrofágica
K MBE – Medicina Baseada na Evidência
K – símbolo de potássio, ou Kelvin MBP – muito baixo peso (<1500 gramas)
Kcal – quilocaloria MCF – metacarpo-falângica
Kg – quilograma MCH – mean corpuscular hemoglobin ou hemoglobina globular média
Km – quilómetro MCHC – mean corpuscular hemoglobin concentration ou concentração de
kPa – capa pascal (medida de pressão); (kPa x 7.5 = mmHg) hemoglobina globular média
XL TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mcg (ug) – micrograma NIH – National Institute of Health ou Instituto Nacional de Saúde
MCV – mean corpuscular volume ou volume globular médio NIHDE – Núcleo Iconográfico do Hospital de Dona Estefânia
ME – meningoencefalite NIPS – Neonatal Infant Pain Scale
MELAS – mitochondrial myopathy encephalopaty lactic acidosis and stroke NIV – Nutrient Intake Values
like episodes nm – namómetro
MENDS – MElatonin in children with Neurodevelopmental Disorders NNN – meio de cultura de Novy, McNeal e Nicolle
and impaired Sleep NO – óxido nítrico
mEq/L – milequivalente por litro NOC – norma de orientação clínica
MERRF – mitochondrial encephalomyopathy with ragged red fibers; NP – nutrição parentérica (ou parenteral)
epilepsia mioclónica (associação a doenças hereditárias do NPT – nutrição parentérica total(ou exclusiva)
metabolism) NR – nefropatia do refluxo
Met Hb – metemoglobina NS – não significativo
MFR – Medicina Física e Reabilitação NT-proBNP – N terminal –proBNP (ver Glossário geral: péptidos
Mg – símbolo químico do magnésio natriuréticos)
mg – miligrama NV – nado vivo
MHC ou CMH – (ver atrás) NYHA – New York Heart Association
MHz – mega hertz
min – minuto O
ml – mililitro O – oxigénio
MM – mielomeningocelo OD – olho direito
MMBP – muito muito baixo peso (sinónimo de EBP), recém-nascido OE – olho esquerdo
de mmc/mmc ou por mmc ou /mm3 (= µL) OEA – oto-emissões acústicas
Mn – símbolo químico do manganês OGE – órgãos genitais externos
MNI – mononucleose infecciosa OGI – órgãos genitais internos
Mo – símbolo químico do molibdénio OI – osteogénese imperfeita
mol – mole OMA – otite média aguda ou opsoclónus, mioclónus, ataxia
mmol – milimole OMS – Organização Mundial de Saúde
mOsm – miliosmole (mOsm/kg de H2O <>mmol/L) ONSA – Observatório Nacional da Saúde
mR – mili-roentgen ORL – Otorrinolaringologia
MR – meticilina- resistente ORS – oral rehydration solute, ou SRO
mrad – mili-rad OSM – otite seromucosa
MRCP – magnetic resonance cholangiopancreatography
mRNA – RNA mensageiro (ou ARNm) P
MS – meticilina sensível P – fósforo ou Pressão ou peso
MSH – melanocyte stimulating hormone ou hormona melanotrópica ou p – pressão
melanotropina P50 – pressão à qual a Hb se encontra saturada a 50% de O2
MTD – mãe toxicodependente Pa – Pascal
MTF – metatarso-falângica PA – pressão arterial ou pancreatite aguda
MTX – metotrexato PAB ou PABA – ácido para-amino-benzóico
MV/mV/uV – mega/mili/micro Volt PAF – Platelet Activating Factor ou factor de activação plaquetária
MW/mW/uW – mega/mili/micro Watt PAH – ácido para-amino-hipúrico
MWS – Muckle-Wells syndrome PAM – pressão arterial média
PAN – poliaterite nodosa
N PANDAS – sigla de Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders
Na – sódio Associated with Streptococcal infections
NAD, NADH- nicotinamida-adenina dinucleotidofosfato (oxidado ou Pa O2 – pressão parcial arterial de O2
reduzido) PA O2 – pressão alveolar de O2
NASPGAN – North America Society for Pediatric Gastroenterology and PAO – pressão arterial ocular
Nutrition PAP – proteína associada à pancreatite
NB – note bem PAPA – sindroma englobando artrite piogénica, piodermite
NCI – National Cancer Institute gangrenosa, e acne
NEC – necrotizing enterocolitis (ou ECN-enterocolite necrosante) PAPP-A – sigla do inglês de pregnancy-associated plasma protein A
NFCS – Neonatal Facial Coding Scale PAR – pressão arterial retiniana
ng – nanograma (1 nanograma<> 1 milionésimo de mg) PAS – pressão arterial sistólica ou ácido para-amino-salicílico
NHCS – National Center for Health Statistics Paw – pressure airway ou pressão media na via aérea (ou MAP)
NIDCAP – Newborn Individualized Developmental Care Assessment Pb – chumbo
Program (Programa Individualizado de Avaliação do PB – prega bicipital
Desenvolvimento do RN) PBI – Protein Binding Iodine ou iodo ligado às proteínas
Abreviaturas XLI

PC – paralisia cerebral /doença motora cerebral ppm – partes por milhão


PCA – persistência do canal arterial PPN – prova de provocação nasal
PCE – poliartrite crónica evolutiva PPO – prova de provocação oral
PCI – paralisia cerebral infantil PR – poliartrite reumatóide
PCP – poliartrite crónica primária ou pneumocistose pulmonar ou PRH – prolactin releasing hormone
Pneumocystis pneumonia PRINTO – Pediatric Rheumatology International Trials Organization
PCR – proteína C reactiva ou polymerase chain reaction (reacção de PRIST – paper radio immune sorbent test
polimerização em cadeia) ou paragem cárdio-respiratória PSE – prega subescapular
PCT – procalcitonina PSI – prega supra-ilíaca
PDA – persistência do ductus arteriosus ou canal arterial (PCA) PSP – phenol sulpha phtalein ou fenolsulfaftaleína ou proteína específica
PDAY – pathobiological determinants of atherosclerosis in youth do pâncreas na pancreatite aguda
PDE – phosphodiesterase ou fosfodiesterase PT – prega tricipital
PDF – produtos de degradação do fibrinogénio PTA – plasma thromboplastin antecedent ou factor XI de coagulação
PDGF – platelet derived growth factor, ou factor de crescimento derivado PTC – plasma thromboplastin component ou factor IX de coagulação
das plaquetas Ptc – pressão transcutânea
PDHC – pyruvate dehydrogenase complex PTH – paratormona ou hormona paratiroideia (HPT)
PEATC – potenciais evocados auditivos do tronco cerebral PTHrP – parathyroid hormone-related peptide
PEG – polietilenoglicol PTI – púrpura trombocitopénica idiopática
PEEP, PEP – Pressão expiratória positiva ou positive end expiratory PTT – púrpura trombocitopénica trombótica ou tempo de
pressure tromboplastina parcial
PET – positron emission tomography ou tomografia por emissão
depositrões Q
PFAPA – síndroma englobando febre periódica, aftas, faringite e q b p – quanto baste para
adenopatias QG – quociente geral
PG – prostaglandina ou fosfatidil glicerol (phosphatidyl glycerol) QI – quociente de inteligência
PGE – prostaglandina E (outras PG associadas a outras letras) QR – quociente respiratório
pg – picograma QRS – complexo QRS
pH – logaritmo decimal do inverso da concentração hidrogeniónica
em hidrogeniões - grama por litro R
Phe – fenilalanina R – roentgen
PHS – púrpura de Henoch Schonlein RA – reserva alcalina
PI – perda insensível de água RAA – reumatismo articular agudo ou sistema renina – angiotensina-
PIC – pressão intracraniana aldosterona
PIF – prolactin inhibiting factor ou factor inibidor da prolactina RANU – rastreio auditivo neonatal universal
PIG – RN pequeno para a idade gestacional (na prática, sinónimo de LIG) RAST – rádio allergo sorbent test ou doseamento sérico
PIO – pressão intra-ocular radioimunológico das IgE específicas de antigénios
PIP – pico de pressão inspiratória/peak inspiratory pressure RCIU – restrição de crescimento intrauterino
PIVKA – protein induced in vitamin K absence RDS – respiratory distress syndrome ou síndroma de dificuldade
PL – punção lombar respiratória/SDR
PlGF – placental growth factor REM – rapid eye movements ou fase de movimentos rápidos dos olhos
PLUG – sigla do inglês Plug the Lung Until it Grows durante o sono (sono paradoxal, sonho)
PLV – ventilação líquida parcial (sigla do inglês) RER – retículo endoplásmico rugoso
PM – polimiosite juvenil RF – releasing factor ou factor libertador
PMI – protecção materno-infantil RFC – reacção de fixação do complemento
Pn – peso de nascimento RFI – renal failure índex ou IFR
PNA – péptido natriurético auricular (ou ANP) RGE – refluxo gastresofágico
PNB – Produto Nacional Bruto RH – releasing hormone ou hormona libertadora
PNET – peripheral primitive neuroectodermal tumors (tumores Rh – Rhesus
neuroectodérmicos primitivos periféricos) RIA – radio-immunoassay
po- per os ou por via oral RIPA – ver APIR
PO2 – pressão parcial de CO2 (anidrido carbónico) no sangue RMN – ressonância magnética nuclear
PO2 – pressão parcial de O2 ( oxigénio) no sangue RMS – rabdomiossarcoma (sarcoma das partes moles mais frequente
PPB – prova de provocação brônquica na Criança)
PPC – puberdade precoce central RN – recém-nascido
PPF – puberdade precoce periférica RNA – ribonucleic acid ou ácido ribonucleico
PPGSS – sigla de papular purpuric gloves and socks syndrome RNBP – recém-nascido de baixo peso
PPI- pressão positiva intermitente ou IPPV ou IPPB ou inibidor da bomba RNMBP – recém-nascido de muito baixo peso
de protões (pump proton inhibitor) ou prova de provocação inalatória RNBMPE – recém-nascido de muito baixo peso extremo
XLII TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

RNMD – recém-nascido de mãe diabética SNV – sistema nervoso vegetativo


RNMTD – recém-nascido de mãe toxicodependente SP – surfactante pulmonar
ROP – retinopathy of prematurity (ver RP) SPA – single photon absorptiometry
ROT – reflexo osteotendinoso SPCA – serum prothrombin conversion accelerator ou pró-convertina
RP – retinopatia da prematuridade SPP – Sociedade Portuguesa de Pediatria
RRAI – reflexo recto-anal inibidor SR – supra-renal
Rrp – reabilitação respiratória pediátrica SRAA – sistema renina-angiotensina-aldosterona
rT3 – T3 reversa, inactiva SRE – sistema retículo-endotelial
rTPA – activador recombinante do plasminogénio tecidual SRH – somatopropin releasing hormone ou hormona libertadora da
RT-PCR – reverse transcription polymerase chain reaction omatotropina
RVP – resistência vascular pulmonar SRIF – somatotropin release inhibiting factor ou somatostatina (factor
RVU – refluxo vésico-ureteral inibidor da libertação da somatotropina
SRO – solução de reidratação oral, ou ORS
S STA – síndroma torácica aguda
S – som cardíaco (por ex. S1 ou 1º som cardíaco) ou semana STAN – análise computadorizada do segmento ST do ECG fetal
Sa ou Sat – saturação associada ao CTG
SA – síndroma de Alport STH – somatotropic hormone ou somatotropina ou hormona
SAEET – síndroma de ar ectópico extratorácico somatotrópica, ou hormona do crescimento ou GH
SAEIT – síndroma de ar ectópico intratorácico SUG – seio urogenital
SALT – skin associated lymphoid tissue ou tecido linfóide da pele Sv – Sviert
SAMR – Staphylococcus aureus meticilina - resistente SWM – síndroma de Wilson-Mikity
SAN – síndroma de abstinência neonatal
SAOS – síndroma da apneia obstrutiva do sono T
SaO2 ou SatO2 – saturação da hemoglobina em oxigénio T3 – triiodotironina (activa, ao contrário da rT3)
SAPHO – síndroma englobando sinovite, acne, pustulose, hiperostose T4 – tetraiodotironina (tiroxina)
e osteíte TA – tensão (ou pressão) arterial
SARA – sigla de Sistema de Alerta e Resposta Adequada TAB – (vacina) anti-tifóide – paratifóide A e B
SB – spina bifida TAC – tomografia axial computadorizada ou TC
SC ou sc – subcutâneo TAR – terapêutica antirretrovírica
SCEH – síndroma do coração esquerdo hipoplásico TASO – título de anti-estreptolisinas O
SCHAD – short chain hydroxyacyl CoA dehydrogenase hyperinsulinism TB-MR – tuberculose multirresistente
SCN – Staphylococcus coagulase negativo TB, TBC – tuberculose
SCPE – surveillance of cerebral palsy in Europe TBG – tyroxine binding globulin ou globulina que fixa a tiroxina
SDR – síndroma de dificuldade respiratória (RDS-sigla do inglês) TC – tomografia computadorizada, sinónimo de TAC
Se – símbolo químico do selénio TCAD – TC de alta definição
SEC – secreção em excesso de catecolaminas TCE – traumatismo cranioencefálico
SED – síndroma de Ehlers-Danlos TCM – triglicéridos de cadeia média
SEDA – síndroma de eczema dermatite atópica TCL – triglicéridos de cadeia longa
SF – soro fisiológico ou soluto salino (NaCl a 0,9%) TC/PET – sigla em inglês de TC com emissão de positrões
SGOT – transaminase glutâmico – oxalo- acética TD – toxicodependente
SGPT – transaminase glutâmico-pirúvica Te – tempo expiratório
SHU – síndroma hemolítica urémica TEACCH – treatment and education of autistic and related
SIADH – síndroma de secreção inapropriada de hormona antidiurética communications of handicapped children
SIC – síndroma do intestino curto TeTAB – (vacina) antitetânica-tifóide-paratifóide
SIDA – síndroma de imunodeficiência adquirida TFG –taxa de filtração glomerular ou simplesmente FGR/GFR
SIHAD – idem Tg – tiroglobulina
SIR – síndroma de insuficiência respiratória TG – triglicéridos
SIRS – síndroma de resposta inflamatória sistémica TGA – thromboplastin generation accelerator ou acelerador da formação
SLEDAI – systemic lupus erythematous disease activity index da tromboplastina
SLICC – Systemic Lupus International Collaborating Clinics TGO – transaminase glutâmico-oxalacética (GOT ou ALT)
SM – síndroma de Marfan TGP – Transaminase glutâmico-pirúvica (GPT ou AST)
SMSL – síndroma da morte súbita do lactente TGT – transglutaminase tecidual
SN – síndroma nefrótica TH – transplantação hepática (ou transplante)
SNA – sistema nervosos autónomo Ti – tempo inspiratório
SNC – sistema nervoso central TINU – tubulointerstitial nephritis with uveitis
SNG – sonda nasogástrica TIR – tripsina imunorreactiva
SNN – Secção de Neonatologia TIT – teste de imobilização de treponemas
SNS – Sistema/Serviço Nacional de Saúde, sistema nervoso simpático TLV – ventilação líquida total (sigla do inglês)
Abreviaturas XLIII

TMI – taxa de mortalidade infantil VATS – vídeo assisted thoracoscopic surgery


TMM5 – taxa de mortalidade em menores de 5 anos Vc – volume corrente
TMO – transplante de medula óssea VC – velocidade de crescimento
TMPN – taxa de mortalidade perinatal VCA – viral capsid antigen
TMP-SMZ – trimetoprim-sulfametoxazol ou cotrimoxazol) VCI – veia cava inferior
TMRA – taxa média de redução anual VCS – veia cava superior
TN – translucência da nuca VCT – valor calórico total (propiciado pelos vários nutrientes em %)
TNF – tumor necrosis factor ou factor de necrose tumoral VD – ventrículo direito
TORCHES- sigla de infecções pré-natais (toxoplasmose, outras, VDRL – reacção de aglutinação da sífilis (Venereal Diseases Research
rubéola, citomegalovírus, herpes simples, Epstein-Barr. sífilis, etc.) Laboratories)
Torr – abreviatura de medida de pressão (Torricelli); 1Torr = 1 mmHg VE – ventrículo esquerdo
TP – tempo de protrombina VEB – vírus de Epstein Barr
TPI – teste de Nelson (Treponema pallidum immobilization test) ou teste VEGF-1 ou -2 – sigla do inglês: vascular endothelial growth factor 1 ou 2
de imobilização treponémica VEGFR – receptor do VEGF
TPN – trifosfopiridinanucleótido VEMS – volume expiratório máximo por segundo
TPNH – trifosfopiridinanucleótido reduzido VG – volume globular, volume garantido
Tracking – estabilidade ou tendência para manutenção de determinada VGM – volume globular médio
situação ou parâmetro ao longo do tempo VH – vírus da hepatite (A, B, C, D, E, G)
TRAPS – TNF receptor associated periodic syndrome VIH – vírus da imunodeficiênca humana
TRBAb – thyrotropin receptor blocking antibody VIP – polipéptido vasoactivo intestinal (vasoactive intestinal polypeptide)
TRF – thyrotropin releasing factor (factor libertador de tirotrofina) VLDL – lipoproteínas de muito baixa densidade (Very Low Density
TRH – thyrotropin releasing hormone (hormona libertadora da tirotrofina) Lipoproteins)
TRSAb – thyrotropin receptor stimulating antibody VM – ventilação máxima (ou ventilação mecânica)
TSA – teste de sensibilidade aos antibióticos VMA – ácido vanil mandélico (Vanyl Mandelic Acid)
TSG – o mesmo que GST VO – via oral (o mesmo que po)
TSH – thyroid stimulating hormone (hormona tirostimulante) VRE – volume de reserva expiratória
TVR – trombose da veia renal VRI – volume de reserva inspiratória
TVSP – taquicardia ventricular sem pulso VS ou VSG – velocidade de sedimentação (globular)
TXR – transplante renal VSR – vírus sincicial respiratório (ou VRS)
VTEC – verotoxin-producing E. coli
U VUP – válvulas da uretra posterior
U – urânio, unidade VVZ – vírus da varicela-zoster
UB – unidades Bodansky
UCF – unidade coordenadora funcional W
UCI – unidade de cuidados intensivos W – watt
UCIN – UCI neonatais WB – western immunoblot test
UCIP – UCI pediátricos WHO – World Health Organization ou OMS (Organização Mundial da
UDP – uridina-di-fosfato Saúde)
UDPG – uridina-di-fosfo-glicose WISC – Wechsler Intelligence Scale
UDPGT – uridina-di-fosfo-glucoronil-transferase WPW – síndroma de Wolff-Parkinson-White
UFF – urticária familiar pelo frio
UI – unidade internacional X
UIV – urografia intravenosa ou de eliminação X – cromossoma X
UM – uropatia malformativa Y – cromossoma Y
UNICEF – Agência das Nações Unidas para a Infância e Família
UNL – Universidade Nova de Lisboa ou Upper Nutrient Level Z
USF – Unidade de Saúde Familiar Zn – zinco
UTP – uridina-tri-fosfato
UV – ultra-violetas (radiações) Símbolos
UVP – Unidade de Vigilância Pediátrica > : maior que
< : menor que
V ~ : próximo, semelhante ou cerca de
V – volt, velocidade, ventilação, valência <> : correspondente a
VACTERL – sigla do inglês: vertebral, ano-rectal, cardíaco, tráqueo-
esofágico, renal, limb/membro
VAF – ventilação de alta frequência
VATERR – sigla do inglês: vertebral, anal, traqueal, esofágico, radial,
renal
PARTE XXVIII
Urgências e Emergências.
Tópicos seleccionados
1286 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

INTRODUÇÃO À PARTE XXVIII

Esta Parte do livro integra um conjunto de tópicos


seleccionados na área da Urgência e Emergência.
Para além destes, muitos outros fazem parte dou-
tros capítulos com a intenção de dar mais homo-
264
geneidade aos respectivos conteúdos. SERVIÇOS DE URGÊNCIA
Para facilitar a consulta do leitor, são discri-
minados a seguir, por ordem alfabética, os princi- E EMERGÊNCIA.
pais problemas clínicos que também se enqua-
dram no conceito de Urgência e Emergência, o ASPECTOS ORGANIZATIVOS
qual é explanado no Capítulo 264.
Deolinda Barata e António Marques
• Abdómen agudo Bochdalek
• Acidentes de submersão • Hérnia estrangulada
• Acidúrias orgânicas • Hidrocolpos
• Alterações iónicas • Hiperamoniémia
• Anafilaxia • Hiperbilirrubinémia no RN
• Angioedema • Hiperglicémia
Definições e importância do problema
• Aspiração de corpo • Hipertermia maligna
estranho • Hipoglicémia A Organização Mundial de Saúde considera
• Ataxia aguda • Hipotermia urgência toda a situação em que, na opinião do
• Apendicite aguda • Insuficiência
doente, da sua família ou de quem tenha que
• Celulite orbitária cárdio-respiratória
• Cetoacidose diabética • Insuficiência renal aguda tomar decisões, são requeridos cuidados médicos
• CID • Insuficiência hepática imediatos. Legalmente a Comissão Americana
• Convulsões aguda para a Medicina de Emergência Pediátrica definiu
• Criança maltratada • Insuficiência supra-renal
emergência sob o ponto de vista do utente (pru-
• Crise aplástica aguda
• Crise hipertensiva • Intoxicção pela dent-layperson laws): “todo o problema clínico de
• Crise de hipóxia (Fallot) água/SIADH aparecimento súbito que se manifesta por sinto-
• Crise vasoclusiva • Intoxicações agudas mas suficientemente graves, incluindo dor de
na drepanocitose • Laringite estridulosa
grande intensidade, para a qual o leigo prudente
• Defeitos do septo • Leucinose
auriculoventricular • Malária (P. falciparum) que possua conhecimentos médios sobre saúde e
• Desidratação • Meningite e medicina, poderá com grande probabilidade
• Desidratação meningoencefalite esperar que, na ausência de avaliação médica,
• Doenças infecciosas • Metemoglobinémia
invasivas adquirida
existe risco para a saúde da pessoa, ou perturba-
• Enterocolite necrosante • Oftalmia do RN ção grave de funções de órgão ou parte do
• Epiglotite • Parafimose corpo”.
• Escroto agudo • Reacções transfusionais Como se depreende, há, um evidente compo-
• Fascite necrosante • Síndroma da “pele
• Favismo e outras crises escaldada”
nente subjectivo nestes conceitos, e uma situação
hemolíticas • Síndroma febril considerada subjectivamente como urgência,
• Fracturas ósseas • Síndromas de aspiração poderá, de facto, vir a revelar-se como não vital,
• Gangrena gasosa • Síndromas de lise tumoral ou então, como verdadeira urgência vital, ou
• Glaucoma congénito • Síndromas de oclusão do
• Glicogenose hepática tubo digestivo
ainda, emergência. (Figura 1)
• Golpe de calor • Síndroma torácica aguda No nosso país e em conformidade com a
• Hematoma da base da • Traumatismo Comissão Técnica de Apoio ao Processo de
língua e retrofaríngeo alveolodentário Requalificação das Urgências (2007), foram esta-
(hemofilias A e B) • Traumatismo oculorbitário
• Hemorragias digestivas • Urticária aguda
belecidas as seguintes definições:
• Hérnia diafragmática de • Válvulas da uretra posterior • Urgências – todas as situações clínicas de
instalação súbita em que existe o risco de
João M. Videira Amaral falência de funções vitais;
• Emergências – todas as situações clínicas de
CAPÍTULO 264 Serviços de urgência e emergência. Aspectos organizativos 1287

URGÊNCIA
Medicina,nomeadadamente sobre aspectos admi-
SUBJECTIVA nistrativos (gestão e organização, etc.).

NÃO URGÊNCIA
Sistema de cuidados de urgência
URGÊNCIA OBJECTIVA e emergência

A dificuldade em prever situações clínicas com as


URGÊNCIA URGÊNCIA características definidas implica uma filosofia de
NÃO VITAL VITAL OU prestação de cuidados que se baseia num sistema
EMERGÊNCIA que regule relações de complementaridade e de
apoio técnico entre instituições hospitalares com
graus de diferenciação diversos de modo a garan-
Serviços de Serviço de Sistemas de
Assistência Urgência Emergência tir o acesso de todos os doentes aos serviços e
Programada unidades prestadoras de cuidados de saúde em
Adaptado de Romero González J.
função da patologia detectada inicialmente. Trata-
se do sistema “funcionando em rede“ ou das
chamadas Redes de Referenciação Hospitalar.
FIG. 1
Estes sistemas deverão articular-se entre si explo-
Urgência avaliada inicialmente segundo critérios subjectivos e rando complementaridades e concentrando recur-
evolução possível. sos humanos e técnicos, tendo em vista as necessi-
dades reais das populações (Quadro 1).
estabelecimento súbito em que existe, estabelecido
ou iminente, o compromisso de uma ou mais fun- Assim, um sistema ideal de cuidados de urgên-
ções vitais. cia/emergência (neste caso, pediátrica) deverá
obedecer a um conjunto de condições:
A verificação de situações clínicas abrangidas 1. Serviços de Urgência (SU) pediátricos, ou
por tais definições implicam a necessidade de que atendam crianças, apetrechados com os
recurso a unidades de prestação de cuidados sufi- requerimentos mínimos para tratamento de
cientemente diferenciadas, as quais deverão estar situações urgentes e emergentes.
disponíveis na comunidade para um atendimento 2. Condições mínimas para estabilização clíni-
correcto, adaptado às necessidades, sob os pontos ca e transferência para centros de maior dife-
de vista técnico-científico e humano. É este o renciação/recursos se os requerimentos
conceito de referência ou referenciação. mínimos referidos na alínea anterior não
Torna-se assim mais fácil compreender o âmbito existirem. Esta questão tem a ver com trans-
da chamada Medicina de Urgência /Emergência, porte inter-hospitalar.
paradigma assistencial que inclui diversas vertentes: 3. Os centros de referência (com características
– Avaliação inicial imediata, tratamento e de maior diferenciação e recursos, incluindo
orientação dos doentes com doença aguda, unidade de cuidados intensivos pediátricos)
incluindo lesões traumáticas; deverão aceitar as transferências, propician-
– Encaminhamento dos doentes para o indis- do entretanto outro tipo de apoios como seja
pensável seguimento; a consultadoria e troca de informações.
– Prestação de cuidados (urgentes e emergen- Sempre que possível, deve ser providenciado
tes em função do contexto clínico); o retorno dos doentes aos hospitais de ori-
– Transporte do doente em estado crítico; gem.
– Esquema formativo específico(conhecimentos, 4. O apoio aos serviços de urgência/emergên-
designadamente sobre toxicologia, aptidões e cia (SU/E) por serviços de imagiologia e
atitudes segundo diversas estratégias, incluin- laboratório deverá ser tecnologicamente
do treino com modelos/simulação ); adaptado ao grupo etário pediátrico (por ex.
– Investigação (básica e aplicada) nesta área de realização de microtécnicas), pressupondo
1288 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

capacidade e competência para concretizar Triagem


os exames em tempo útil a indivíduos do
grupo etário pediátrico. O neologismo triagem deriva do francês, signifi-
5. O Serviço de Urgência/Emergência (SU/E) cando acto de trier, ou seja, de escolher. Os princi-
deve propiciar um esquema funcional de pais objectivos da triagem são estabelecer priori-
informações aos familiares dos doentes dades quanto ao atendimento dos doentes e regu-
admitidos no mesmo, independentemente larizar o fluxo dos mesmos. A finalidade última é
da presença dos pais. prestar melhor serviço aos doentes e à comunida-
de, assegurando como prioridade que aos doentes
Pelos motivos invocados no início, de acordo mais graves seja proporcionado tratamento rápi-
com diversas estatísticas em contextos diversos, do, eficaz e eficiente segundo o princípio da
entre 20% e 80 % das visitas ao Serviço de humanização. Para evitar iniquidades torna-se,
Urgência (SU) são motivadas por situações objec- pois, necessário estabelecer critérios objectivos
tivamente não-urgentes. Ou seja, uma grande quanto a prioridades.
parte daquelas não implica sequer uma prescrição Os sistemas mais conhecidos são a Australian
medicamentosa para ser aplicada no domicílio. Triage Scale, a Manchester Triage Scale, o Canadian
Tal seria obviado com uma correcta articulação Triage and Acuity Scale e o Emergency Severity Index.
com os serviços de ambulatório da comunidade. Nesta perspectiva, a classificação das situações clí-
Não é assim que os factos se passam na realida- nicas que se apresentam nos SU baseia-se:
de, o que tem consequências dramáticas no pano- – numa definição de níveis de gravidade (há
rama organizativo dos SU, tornando fundamental sistemas considerando 3,4 ou 5 níveis,estan-
seguir um procedimento específico: a triagem. do provado que um sistema de 5 níveis é
mais efectivo); e,
QUADRO 1 – Níveis de cuidados prestados em – no tempo a decorrer findo o qual deverá ser
Serviços de Urgência Pediátrica* atendido (Quadro 2).
Uma triagem correcta requer não só a capaci-
A) Pólo de estabilização dade de reconhecer os sinais e sintomas que
Instituição com recursos mínimos; capacidade de iden- necessitam de ser tratados imediatamente, mas
tificar, estabilizar e proporcionar transferências atem- também o reconhecimento de sintomas que pro-
padas. vavelmente corresponderão a uma doença beni-
A1) Básico gna. Torna-se evidente que, tanto a subtriagem
Médico disponível 24 horas /dia com capacidades de (assinalar um incorrecto nível baixo de triagem),
internamento pediátrico limitadas
B) Geral QUADRO 2 – Exemplo de um sistema
Serviço de Pediatria/Departamento de Pediatria autó- internacional de triagem
nomo
C) Terciário Nível de gravidade (sinalização com Cor)
Todos os recursos de cuidados pediátricos especializa- 1 = Imediata (Vermelho)
dos 2 = Muito Urgente (Laranja)
3 = Urgente (Amarelo)
4 = Menos Urgente (Verde)
5 = Não Urgente (Azul)
*Adaptando este modelo à realidade nacional estatal/SNS, é lícito esta- Tempo limite para o atendimento (minutos)
belecer as seguintes correspondências, com alguma aproximação em
termos de cobertura horária: 0 (Imediato) – Nível 1
Polo de estabilização e básico(A e A1): ~ ao serviço prestado nos cen- ≤ 10 – Nível 2
tros de saúde/unidades de saúde familiar;
Geral (B): ~ ao serviço prestado nos hospitais distritais ou de apoio
≤ 60 – Nível 3
perinatal (HAP) dotados de cuidados especiais/intermédios; ≤ 120 – Nível 4
Terciário (C): ~ ao serviço nos hospitais centrais ou pediátricos ou de ≤ 240 – Nível 5
apoio perinatal diferenciado (HAPD) dotados de unidades de cuidados
especiais e intensivos;
CAPÍTULO 264 Serviços de urgência e emergência. Aspectos organizativos 1289

como a sobretriagem (assinalar um incorrecto Deverá funcionar 24 horas por dia e com
nível alto de triagem) podem levar a atrasos nos uma localização que permita acesso rápido
cuidados a todos os doentes, o que se traduz num desde a porta de entrada do serviço de
aumento de tempo de espera para as verdadeiras urgência; por outro lado, deve também per-
urgências/emergências. Além disso, variações nas mitir acesso rápido, pela proximidade, à uni-
práticas de triagem podem afectar o recrutamento dade de cuidados intensivos, bloco operató-
de recursos, os custos e os resultados finais. rio e serviço de radiologia;
Acontece que um instrumento ideal para a • Sala de tratamentos com fonte de O2 e vácuo;
mais correcta triagem de todo o tipo de doença • Sala para aplicação de aerossóis (no mínimo
pediátrica em todos os respectivos etários pediá- com três fontes de O2). (Capítulo 1)
tricos ainda não foi desenvolvido nem validado.
Discute-se, por exemplo, se a idade, por si só, não Recursos humanos e competências
deverá ser critério de ordenação (todas as crianças
com idade inferior a 6 meses são prioritárias), tendo Como regra geral óbvia, pode ser estabelecido
em conta as especificidades e a vulnerabilidade que, para o bom funcionamento do SU/E aberto
das crianças mais pequenas. ao exterior, é fundamental uma equipa médica e
Divergentes são também as opiniões sobre o de enfermagem própria (rotativa segundo escalas
perfil do profissional que deverá proceder à tria- pré-estabelecidas) com um responsável médico
gem, enfermeiro ou médico, e, neste último caso, (coordenador/director) coadjuvado por um enfer-
se não deverá ser o mais diferenciado. meiro ou enfermeiro-chefe.
Em síntese, com a triagem não se pretende Pressupõe-se que o grupo de médicos e enfer-
estabelecer um diagnóstico, mas sim definir uma meiros formando equipa tenham formação básica
prioridade clínica na perspectiva de identificação em medicina de urgência /emergência em função
do problema/queixa do doente. do nível de cuidados da instituição (cuidados
primários, secundários e terciários, segundo o
Logística e recursos técnicos básicos modelo atrás delineado).
Por outro lado, a formação dos profissionais
A Unidade de Urgência Pediátrica de um Serviço em geral deverá ter em conta as especificidades da
de Pediatria Geral aberta ao exterior deve ser dotada criança e adolescente, independentemente do
de espaço físico próprio com ambiente pediátrico; nível de diferenciação da instituição onde é pres-
como nota importante refere-se que a entrada para tado o serviço
a área do serviço de urgência pediátrica nos níveis O número de médicos integrando as equipas
Geral e Terciário, assim como a própria área do (em presença física) depende das necessidades
mesmo serviço, estão separadas da área para assis- ditadas por diversos parâmetros de ordem demo-
tência aos adultos. A mesma deve contemplar: gráfica, tais como população, experiências ante-
• Sala de triagem; riores de afluência de doentes, definição de áreas
• Gabinetes de observação; de influência,etc.. (ver adiante)
• Sala de internamento de curta duração (dis- Considerando apenas a vertente médica das
cutindo-se se o período de permanência/ equipas, podem ser estabelecidos diversos mode-
internamento nessa sala não deverá ultra- los considerados ideais, nem sempre completa-
passar 24 horas, ou poderá chegar às 36 mente exequíveis por défice de elementos:
horas) que permita: observação clínica seria-
da pelo risco de agravamento da doença; – Nível de cuidados básicos (A e A1): mínimo
avaliação seriada por subespecialistas; insti- de 2 médicos com formação em reanimação pediá-
tuição de tratamentos por curtos períodos, trica básica; de acordo com o panorama nacional e
deste modo evitando internamentos hospita- política de saúde, são os médicos de família/clíni-
lares; cos gerais os protagonistas;
• Sala de reanimação destinada a doentes com -Nível geral (B): as equipas médicas dos servi-
disfunção vital estabelecida ou potencial. ços de U/E abertos ao exterior, deverão ser consti-
1290 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tuídas por pediatras (apoiados por pediatras em pas próprias, independentes das dos SU/E aber-
formação/internos de pediatria e de medicina tos ao exterior. No que respeita às direcções médi-
familiar), integrando sempre um elemento com cas, há modelos diversos, nomeadamente no
formação em reanimação pediátrica avançada, nosso país: independente ou comum, embora seja
salientando-se que todos deverão ter formação em lógico que deva existir sempre boa ligação funcio-
reanimação pediátrica básica. As equipas médicas nal entre UCIP, UCIN e SU/E.
neste nível poderão agregar outros médicos, como Nos HAPD o modelo funcional e lógico é ser a
médicos de família com formação em saúde infan- equipa do Serviço ou Unidade de Neonatologia,
til e juvenil. Pressupõe-se que a equipa do SU/E englobando UCIN, a dar apoio, quer ao bloco de
aberta ao exterior providencie apoio programado partos, quer aos RN em alojamento conjunto com
e pró-activo aos doentes internados nos serviços. as mães nas enfermarias de puérperas.
Nos HAP (englobando maternidade),ideal-
mente, em cada equipa deverá haver um elemen- Normas de orientação clínica
to com formação em reanimação neonatal.
Quanto ao número de médicos pediatras, Embora cada caso exija uma análise personalizada
considera-se ideal o mínimo de 2 pediatras em em função de contextos específicos, torna-se obri-
presença física 24 horas/dia, segundo escalas gatória uma referência à necessidade de criação e
rotativas previamente estabelecidas. desenvolvimento de normas de orientação e pro-
A fim de diminuir o desgaste psicológico e tocolos clínicos para situações específicas, os quais
garantir eficácia, eficiência e efectividade do tra- deverão contemplar os seguintes tópicos: criança
balho desenvolvido, é considerado que a carga maltratada, consentimento informado, morte no
horária não deverá exceder 16 horas por dia e o SU/E, critérios de não reanimação, sedação e
horário semanal não deverá ultrapassar 50 horas. analgesia, emergências de saúde mental, conten-
ção física e farmacológica, e comunicação com a
– Nível terciário (C): a filosofia da constituição família e o médico assistente.
das equipas pediátricas dos SU/E abertos ao exte- De facto, a padronização de políticas, atitudes
rior é semelhante à referida em (B), conquanto se e procedimentos tem múltiplas vantagens, não só
pressuponha maior número de elementos em fun- no âmbito da formação de médicos, enfermeiros e
ção do movimento assistencial, e mais elevado outros profissionais de saúde, como também no
grau de diferenciação dos elementos da equipa. âmbito da avaliação periódica de resultados/au-
Havendo nestes hospitais diferenciados(cen- ditorias aos cuidados prestados.
trais/HAPD) unidades pediátricas especializadas, Deverá existir um plano que contemple as épo-
e, por isso, pediatras com competências técnicas cas de sobrelotação com risco de ruptura, em que
específicas em determinadas áreas, que provieram estão superadas as capacidades habituais em ter-
da pediatria geral, os mesmos poderão integrar as mos de prestação de cuidados, tanto em recursos
equipas do serviço de urgência pediátrica geral humanos como logísticos. Este plano deverá
(em presença física) e, por outro lado, dar igual- abranger todo o hospital, dada a eventual necessi-
mente apoio em regime de consultadoria ou reali- dade de recrutamento de pessoal suplementar e
zação de determinadas técnicas(em regime de de abertura temporária de áreas assistenciais de
chamada) às equipas de urgência de pediatria reforço, o que poderá levar ao cancelamento de
geral abertas ao exterior). O número de pediatras actos médico-cirúrgicos ditos programados.
integrando as referidas equipas é variável, tam- Em suma, os princípios-base das normas e pro-
bém em regime rotativo: entre 5 e 8. tocolos têm como objectivo último garantir a segu-
As instituições hospitalares providenciando rança do doente e a qualidade do seu atendimento.
este tipo de cuidados possuem, com regra, uni-
dades de cuidados intensivos pediátricos (UCIP): Transporte de doentes
polivalentes (englobando cuidados ao recém-nas-
cido ou neonatais); ou separadas das unidades de Importância do problema
cuidados intensivos neonatais (UCIN) com equi- Os sistemas de transporte pediátrico e neonatal
CAPÍTULO 264 Serviços de urgência e emergência. Aspectos organizativos 1291

inter-hospitalar permitem que os doentes benefi- QUADRO 3 – Equipamento indispensável


ciem de cuidados especializados antes e durante durante o transporte
a transferência. Está demonstrado em diversos
estudos que o transporte incorporando equipa • Fontes de oxigénio e ar com sistema de mistura
médica e de enfermagem especializada permite • Sistema de aspiração de secreções portátil
reduzir a mortalidade e morbilidade, verificando- • Material de reanimação primária (insuflador manual,
se também uma boa relação custo-benefício. máscaras laríngeas, laringoscópios paraRN/lactentes
Por outro lado, o ideal será criar também e outras idades, tubos endotraqueais, etc.)
condições para que o sistema de transporte se des- • Monitores cárdio-respiratórios e de pressão
loque ao local onde existe um doente em estado intracraniana
crítico/requerendo tratamento emergente, trans- • Oxímetros de pulso
porte pré-hospitalar, e não o contrário. • Ventilador
Em Portugal o transporte pré-hospitalar é asse- • Aparelho para determinação da glicémia por
gurado pelo INEM, dependente do Ministério da micrométodo
Saúde. Quanto ao transporte inter-hospitalar pediá- • Cateteres
trico, existe apenas na região centro um sistema • Bombas de perfusão
organizado; na região sul o referido transporte é • Desfibrilhador
levado a cabo em geral por equipa do hospital que • Ligaduras, talas e colares cervicais
envia o doente , em condições não ideais que, por
vezes, conduzem a agravamento do quadro inicial.
QUADRO 4 – Fármacos e fluidos indispen-
Modelos de organização sáveis durante o transporte
Existem diversos modelos de organização de sis-
temas de transporte, nem sempre consensuais. No • Solução de cloreto de sódio em concentrações e volu-
mais frequentemente aplicado, a sede está em hos- mes diversos
pitais com UCIP, sendo as equipas médicas de • Dextrose em água em concentrações e volumes
transporte constituídas por elementos em serviço diversos
na mesma UCIP; ou por elementos em regime de • Fármacos diversos:
prevenção intra-hospitalar, ou extra-hospitalar. – Dopamina, dobutamina, adrenalina, nor-
O sistema de transporte implica igualmente o adrenalina, milrinona
estabelecimento de normas organizativas e actua- – Bicarbonato de sódio, gluconato de cálcio, sulfato
ção médica, assim como recursos logísticos tais de magnésio, amiodarona, naloxona, lidocaína,
como: equipa médica e de enfermagem treinada atropina, adenosina
autónoma, meios de transporte por via terrestre – Fentanil, midazolam, cetamina, vecurónio,
ou aérea, aparelhagem específica, oxigénio e ar atropina, propofol, tiopental
armazenados com possibilidade de ventilação – Furosemido
mecânica, fármacos, etc.. (Quadros 3 e 4) – Antibióticos e antivíricos
Uma norma basilar aplicável ao transporte de – Prostaglandinas
doentes em qualquer grupo etário diz respeito à – Salbutamol,brometo de ipratrópio, prednisolona,
garantia de estabilização hemodinâmica antes de metilprednisolona
se iniciar o transporte, e à ponderação dos benefí- – Diazepam, difenil-hidantoína, fenobarbital
cios face aos riscos. – Manitol a 20%
Com efeito, o hospital de proximidade da ocor-
rência (de doença ou de lesão traumática) deve ter:
– capacidade para a estabilização do doente centro de maior diferenciação pré-identifica-
antecedendo uma transferência; do que proporcione cuidados definitivos.
– plano de transferências e transportes que per- A propósito do tópico organização do trans-
mita enviar de modo sistemático, em segu- porte – que será retomado no capítulo 337 a
rança e atempadamente, um doente para um propósito do RN – é importante referir:
1292 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– a experiência nacional desde 1978 com o – Coma


transporte inter-hospitalar especializado do – Hipertensão intracraniana
RN de cobertura nacional no âmbito do – Insuficiência hepática
INEM; e – Doença metabólica fulminante
– a experiência da região centro do país coor- – Insuficiência renal aguda
denada a partir do Hospital Pediátrico de – Status pós-transplante.
Coimbra, também no âmbito do INEM; tal – Status pós-lesão traumática grave
subsistema assegura, com efeito, não só o
transporte de RN de alto risco, mas igual- BIBLIOGRAFIA
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vos pela situação clínica considerada crítica. Pediatric Patients. Elk Grove Village,IL: AAP, 2007
Considera-se doente crítico aquele em que, por American Academy of Pediatrics, Committee on Pediatric
disfunção ou falência profunda de um ou mais Emergency Medicine Services for Children in Emergency
órgãos ou sistemas, a sobrevivência depende: de Departments. Report of Intercollegiate Committee for
meios sofisticados de terapêutica (por ex. ventilação Services for Children in Emergency Departments. Elk
mecânica, hemodiálise, circulação extracorporal, Grove Village: AAP ed, 2007
farmacoterapia complexa, terapia pós-trans- American College of Emergency Physicians, Pediatric
plantes, etc.); e de diversos tipos de monitorização Committee. Care of Children in the Emergency
contínua (electrónica, biofísica, laboratorial, invasi- Department: Guidelines for Preparedness. Pediatrics 2001;
va e não invasiva, etc.), assistidos por equipas pró- 107: 777-781
prias médico-cirúrgicas e de enfermagem alta- Baren JM, Rothrock SG, Brennan (eds). Pediatric Emergency
mente especializadas na relação de 1 enfermei- Medicine. Philadelphia: Lance Brown/ Saunders, 2007
ra/doente (permanentes, 24 horas/dia, 365 Chen C, Scheffler G, Chandra A. Massachusetts' health care
dias/ano), e o apoio de múltiplos subespecialistas. reform and emergency department utilization. N Engl J
Pelos elevados custos que tal tipo de cuidados Med 2011; 365: e25
exige, e pela necessidade de ser criada massa críti- Chéron G, et al.. Recommandations concernant la mise en
ca com vista à aquisição de experiência e aperfei- place, la gestion, l’utilization et évaluation d’une salle d’ac-
çoamento de competências por parte das equipas cueil des urgences vitales pédiatriques. Arch Pédiatr 2004;
assistenciais, garantindo a qualidade dos mesmos 11: 44-50
cuidados, torna-se necessário concentrar recursos Coelho M, e colaboradores. 150 anos de Pediatria Portuguesa e
humanos e materiais nas chamadas unidades de Meio Século de Urgências Pediátricas (Casuística do HDE).
cuidados intensivos (neste caso pediátricos, com Lisboa: Núcleo de Estudos Pediátricos do HDE & Pfizer,
número limitado de postos), localizadas em hos- 2012
pitais de nível terciário, com esquemas organizati- Comissão Nacional de Saúde da Criança e Adolescente. Carta
vos variáveis, a que atrás se aludiu. Hospitalar de Pediatria (documento em discussão). Lisboa:
Não sendo objectivo deste capítulo uma abor- Ministério da Saúde ed, 2008
dagem alargada deste tópico, cabe referir sucinta- Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das
mente alguns exemplos representativos de proble- Urgências. Lisboa: Ministério da Saúde ed, 2007
mas clínicos que requerem tal tipo de cuidados: Direcção Geral da Saúde. Rede de Refenciação Hospitalar de
– Insuficiência cárdio – respiratória Urgência/Emergência. Direcção de Serviços de
– Choque Planeamento. Lisboa: DGS ed, 2001
CAPÍTULO 265 Reanimação cárdio-respiratória 1293

265
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Departments caring for children. Clin Ped Emerg Med tilação; trata-se da situação mais frequente.
1999; 1: 45-53 3 – Actividade eléctrica detectável no monitor, mas
sem pulso palpável (actividade eléctrica sem pulso
ou AESP).
A incidência de PCR é cerca de 12 / 1milhão de
habitantes com menos de 18 anos. Na idade pediá-
trica entre 45-70% dos casos de paragem cárdio-
respiratória surge em menores de 1 ano de idade.
Os procedimentos e atitudes a realizar com
carácter de emergência para tentar reverter a PCR,
imprescindíveis para salvar a vida em perigo imi-
nente, poderão ser realizados:
1 – com o mínimo de meios disponíveis, não
invasivos, em geral fora do ambiente hospitalar
(na comunidade) utilizando determinados gestos
básicos imprescindíveis (rápidos e eficazes pre-
viamente treinados) para salvar a vida, como
garantir a permeabilidade da via aérea, ventilar
1294 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

boca a boca e, se necessário, massagem cardíaca; é ria ou extra-respiratória, designadamente por


o conceito de RCR básica ou suporte básico de depressão do SNC). A falência circulatória como
vida/SBV (cuja execução implica o conhecimento, causa (por sépsis, choque ou patologia cardíaca
treino e prática de atitudes correctas de imediato) primária) é, efectivamente muito mais rara (corre-
que, em geral, implica continuidade com medidas pondendo a cerca de 5%),embora seja reconhecida
mais sofisticadas por técnicos diferenciados; frequência crescente de situações de paragem
2 – com a utilização de equipamento de reani- cardíaca súbita explicáveis por FV e taquicárdia
mação (entubação traqueal,ventilação, desfibri- ventricular sem pulso (TVSP) atribuíveis a patolo-
lhação, fármacos) e que deve ser efectuada por gia cardíaca primária subjacente, com implicação
pessoal com formação específica; é o conceito de na abordagem imediata.
suporte avançado de vida/SAV. Em 90 % das PCR na criança ocorre assistolia.
Em circunstâncias especiais poderá ser
necessário continuar as medidas de suporte avan- Sistematização
çado de modo prolongado em função do contexto
clínico; trata-se do chamado suporte prolongado Para que a RCR seja eficaz, torna-se necessário o
de vida/SPV. cumprimento de certos passos em sequência lógi-
Com a RCR pretende-se garantir, tanto quanto ca, o que tem implicações importantes, quer em
possível, a perfusão sanguínea e oxigenação do termos de treino/aprendizagem, quer em termos
SNC até à recuperação da função cárdio-respirató- organizativos no âmbito dos cuidados à comuni-
ria, tendo em consideração que a tolerância das dade:
células do SNC à isquémia é muito limitada (cerca 1 – Diagnóstico de PCR no contexto de doente
de 3-4 minutos). De facto, com as manobras cor- aparentemente inconsciente;
rectas de SBV é possível promover uma oxigena- 2 – Início dos procedimentos de SBV em que
ção de emergência do SNC e doutros órgãos vitais, são utilizados métodos não invasivos;
até haver condições para a realização do SAV. 3 – Activação do sistema de emergência médi-
Uma vez que o prognóstico da paragem cár- ca (contacto solicitando apoio – o designa-
dio-respiratória é, em princípio, reservado, sobre- do alerta);
tudo se prolongada, assumem a maior importân- 4 – Entubação traqueal assegurando via aérea;
cia a prevenção, assim como a necessidade de for- 5 – Procedimento de desfibrilhação nos casos
mação básica em SBV de todos os cidadãos. de FV/TVSP;
O objectivo deste capítulo é a descrição sucin- 6 – Administração de fármacos.
ta dos procedimentos a realizar no âmbito da RCR
básica (SBV) e do SAV (sem pormenorizar técnicas As especificidades anatomofisiológicas da
específicas como entubação traqueal e ventilação idade pediátrica e as diferenças quanto a etiopato-
mecânica); chama-se entretanto a atenção para a génese da PCR relativamente ao adulto, obrigam a
necessidade de os conhecimentos básicos serem que este esquema- base de gestos a efectuar seja
completados com indispensável treino de gestos e diferente conforme a idade (excluindo o período
atitudes em modelos ou manequins, exequível neonatal, abordado no Capítulo 329).
com o apoio de formadores experientes. Assim:
– No lactente (> 28 dias até 1 ano) e na criança
Etiopatogénese até à puberdade inicia-se de imediato a reanima-
ção.
Na maioria dos casos de paragem cardíaca no – A partir da puberdade, procede-se primeira-
adulto a causa é primariamente cardíaca: fibrilha- mente ao alerta por eventual necessidade de des-
ção ventricular (FV) e taquicárdia ventricular sem fibrilhação.
pulso (TVSP). – Em qualquer grupo etário, nos casos de
Pelo contrário, na idade pediátrica, a causa mais doença cardíaca conhecida deve dar-se o alerta em
frequente (~95%) é a hipóxia resultante de falência primeiro lugar; nos casos de afogamento e trau-
respiratória de etiopatogénese diversa (respirató- ma, inicia-se o SBV e dá-se o alerta de seguida.
CAPÍTULO 265 Reanimação cárdio-respiratória 1295

– Quando existem vários reanimadores a RCR Se houver resposta com movimentos ou voca-
é iniciada e mantida e 1 dos reanimadores dá o lizações, coloca-se o doente em posição lateral de
alerta. segurança; ou, no caso de doentes mais peque-
No que respeita à técnica de RCR tem-se em nos,em posição de conforto, avaliando-se a situa-
conta igualmente tal subdivisão etária. ção de modo continuado. (Figura 1)

Abertura da via aérea


1. RCR BÁSICA (SBV) Após o posicionamento em plano duro, deve
concretizar-se a abertura da via aérea com as
Generalidades seguintes manobras:

O SBV integra o conjunto de manobras emer- Manobra de extensão da cabeça


gentes destinadas à reversão da PCR ou restabele- (fronte-mento)
cimento das funções vitais utilizando meios não Sempre que não haja suspeita de traumatismo cer-
invasivos. Por razões didácticas, é clássico utlili- vical, efectua-se a extensão do pescoço, colocando
zar a sigla derivada do inglês ABC: cuidadosamente a mão sobre a fronte. No lacten-
A-airway; B-breathing; C-circulation. Concre- te, pela proeminência do occipital quando aquele
tizando, eis as manobras: se coloca sobre uma superfície plana, origina logo
uma ligeira extensão. Em seguida levanta-se o
A – Permeabilização da via aérea. mento colocando a ponta dos dedos da outra mão
B – Ventilação boca–nariz e boca; boca–boca; debaixo do mesmo. Precauções:
aplicação de máscara adequada/ressuscitador – não fechar a boca;
manual auto-insuflável. – não exercer pressão sobre os tecidos moles
C – Massagem cardíaca externa. do pescoço para não se provocar a com-
pressão da via aérea, especialmente em lac-
O SBV inclui ainda as manobras de desobstru- tentes. (Figura 2)
ção da via aérea por corpo estranho. O reanima-
dor ou equipa de reanimação não devem correr Manobra de subluxação da mandíbula
riscos; se o ambiente for adverso (acidente na via (manobra tripla)
pública, incêndio, sismo) a regra é que as referidas Na suspeita de traumatismo crânio-cervical,
manobras sejam aplicadas em segurança. A vítima puxa-se para cima a mandíbula com uma mão,
deverá ser mobilizada se o local for considerado enquanto se fixa a cabeça com a outra para impe-
perigoso ou se a posição em que se encontra com- dir que a coluna se desloque. Pode também efec-
prometer a realização das manobras. Para a eficá-
cia da reanimação importa que o doente se
encontre sobre uma superfície dura (tábua, pavi-
mento).

Verificação do estado
de inconsciência e pedido de ajuda

O doente deve ser estimulado (estímulos auditi-


vos e tácteis).
Em caso de suspeita de traumatismo da coluna
cervical, assim como no lactente, o doente não
deve ser sacudido nem abanado e todas as mano-
FIG. 1
bras deverão ser efectuadas com imobilização cer-
vical no primeiro caso. Posição lateral de segurança.
1296 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Ventilar com ar expirado


A ventilação artificial é realizada com o ar expira-
do pelo reanimador-
– no lactente: boca → boca e nariz;
– na criança e adulto: boca → boca, com oclu-
são do nariz do doente com indicador e polegar.

Procedimento:
– 2 insuflações com expiração forçada de modo
a provocar expansão do tórax do doente; se tal não
acontecer, reabrem-se as vias aéreas e reinicia-se a
ventilação até 5 insuflações, de modo a conseguir
2 insuflações eficazes (lentas, em cerca de 1 a 2
segundos).
– O reanimador, observando a expansão do
FIG. 2
tórax, insufla o seu ar expirado tanto quanto baste
Extensão da cabeça. para garantir a referida expansão torácica (evi-
tando insuflação excessiva pelo risco de barotrau-
tuar-se a manobra colocando dois ou três dedos ma e de distensão gástrica).
de cada mão nos ângulos da mandíbula e levantá- – Mantendo a extensão da cabeça e a elevação
la, para cima e para a frente, enquanto se fixa o do mento, a boca do reanimador é afastada da boca
pescoço. (Figura 3) da criança após verificação da expansão torácica
desejada, verificando-se a seguir que o tórax se
Respiração retrai (coincidindo com o ar expirado pelo doente).
– De imediato repete-se a manobra de insufla-
Verificar a respiração ção. (Figura 4)
Mantendo a abertura da via aérea, o reanimador
aproxima o ouvido e a face da boca da vítima para: Ventilar com ressuscitador manual e oxigénio
– VER (V) se há movimentos torácicos ou Sempre que possível a ventilação faz-se com res-
abdominais; suscitador manual com máscara adequada à idade
– OUVIR (O) se existem ruídos respiratórios; e e oxigénio. A máscara deve ser transparente para
– SENTIR (S) se o ar golpeia a face. permitir visualizar o eventual aparecimento de
Esta operação, designada pela sigla VOS, deve qualquer material na boca (sangue, secreções, ali-
realizar-se, no máximo, em 10 segundos. mento, etc.). O ressuscitador manual, sem válvula
de pressão ou com esta desactivada, deve ter um
volume superior a 500 mL, concentrador de O2 e

FIG. 3 FIG. 4
Subluxação da maníbula. Ventilação com ar expirado.
CAPÍTULO 265 Reanimação cárdio-respiratória 1297

estar ligado a uma fonte de oxigénio permitindo


débito de 15L / minuto para se obter Fi O2 ~100%.
Na ausência de expansão do tórax, ou se esta
for insuficiente, deve rever-se o posicionamento
do doente, verificando a abertura da via aérea.

Procedimento para desobstrução da via aérea


em caso de corpo estranho, se o doente estiver
consciente:
– O lactente (idade < 1 ano), é colocado em
decúbito ventral sobre o antebraço do reanimador,
segurando-o pela mandíbula com a cabeça ligeira-
mente estendida, em nível inferior ao do tronco.
Na zona interescapular, com a base da outra mão,
efectuam-se 5 pancadas rápidas; em seguida colo-
ca-se o lactente em decúbito dorsal, prendendo a
cabeça com a mão e em posição mais baixa que o
tronco. Efectuam-se 5 compressões torácicas com
os dedos indicador e médio, ao nível da região
médio-esternal.
– Na criança com idade > 1 ano, efectua-se a
manobra de Heimlich: ajoelhar ou ficar de pé por
trás da criança e aplicar o punho de uma mão sobre
o epigastro e, sobrepondo a outra mão, fazer movi-
mentos de pressão para trás e para cima, até 5 vezes.
Na criança inconsciente, colocá-la numa superfí-
cie dura, abrir a boca e procurar qualquer objecto
evidente que se possa remover (não tentar às cegas);
abrir a via aérea e tentar 5 insuflações e, se não hou-
FIG. 5
ver resposta, iniciar compressões torácicas sem veri-
ficação da circulação, ou seja SBV. (Figura 5) Manobras de desobstrução da via aérea na criança

Circulação a ventilação (ver atrás); posição das mãos do rea-


nimador:
Verificar a circulação → Lactente (< 1 ano): com as pontas dos dedos
A palpação do pulso central deve fazer-se de médio e anelar do reanimador sobre o esterno, um
módo rápido, em tempo < 10 segundos: dedo abaixo da linha intermamilar (Figura 6). Esta
– na artéria braquial (no lactente); é a técnica preferível quando há um só reanima-
– na carótida (na criança e adolescente/adulto). dor. Outra variante (com dois reanimadores e em
Se houver pulso arterial central, continua-se a geral na idade < 3 meses) é abraçar o tórax com as
ventilação com uma frequência de 12-20 ciclos / duas mãos e fazer compressão com os polegares
minuto, consoante o grupo etário. sobre o esterno logo abaixo da linha intermamilar.
Se não houver pulso arterial central, ou se hou- Os outros dedos funcionam como plano duro.
ver dúvidas quanto a tal, inicia-se a massagem → Criança (1 ano – puberdade): a base de uma
cardíaca externa coordenada com a ventilação. das mãos do reanimador sobre o esterno, dois
dedos acima do apêndice xifoideu. Compressão
Massagem cardíaca externa com o membro superior não flectido utilizando as
Procedimento: mãos sobrepostas, com os dedos entrelaçados ou
– Manter a cabeça em posição adequada para não, exercendo-se a força apenas na base da mão,
1298 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Quer com a intervenção de um, quer com a


intervenção de dois reanimadores, a frequência da
compressão cardíaca deve ser ~100/ minuto em
todos os grupos etários, com uma relação com-
pressão / ventilação 15/2 no lactente e criança até
à puberdade e 30/2 em idades ulteriores.
Esta última relação também poderá ser utiliza-
da em qualquer idade se o profissional de saúde
estiver sozinho. Quando houver via aérea segura
(TET) as compressões serão contínuas, mantendo
a mesma frequência de compressão (100 pm) e as
ventilações entre 12 e 20 pm.
FIG. 6
Avaliação da RCR
Massagem cardíaca externa (no lactente).
A RCR na criança é efectuada durante 1 minuto;
aproveitando o peso do reanimador na vertical e a ao cabo deste tempo reavalia-se o pulso: No caso
linha dos ombros do reanimador paralela ao eixo de não ter sido eficaz, abandona-se momentanea-
da vítima. (Figura 7) mente a vítima para solicitar ajuda (alerta).
→ A partir da puberdade: sobre a metade infe- Se a vítima for um lactente muito pequeno,
rior do esterno, compressão utilizando as mãos deve ser tentado o transporte e a reanimação
sobrepostas, com os dedos entrelaçados ou não, simultaneamente, levando-o e fazendo do ante-
exercendo-se a força apenas na base da mão, apro- braço do reanimador o plano duro.
veitando o peso do reanimador na vertical. As avaliações periódicas (pulso e a respiração)
A compressão deve durar 50% do ciclo não devem exceder 10 segundos. Por outro lado,
(100/minuto) de modo que o tórax volte à sua posi- deve manter-se o SBV até à chegada da ajuda soli-
ção normal, nunca se retirando a mão da zona de citada, a vítima recuperar, ou o reanimador ficar
compressão excepto se for necessário ao reanima- exausto.
dor também efectuar a ventilação. A profundidade As Figuras 9, 10 e 11 resumem os passos fun-
da compressão deve ser sempre cerca de 1/3 da damentais do SBV, incluindo nos casos de even-
altura (diâmetro ântero-posterior) do tórax, o que tual obstrução por corpo estranho .
varia, segundo a idade, entre 1 e 5 cm. (Figura 8)

FIG. 8
Ventilação em sincronismo com a massagem cardíaca
externa/compressão torácica intermitente. A “profundidade”
FIG. 7 da compressão varia com a idade (diâmetro ântero-posterior
Massagem cardíaca externa em criança de 1 ano-puberdade. do tórax).
CAPÍTULO 265 Reanimação cárdio-respiratória 1299

Não responde? Não responde?

Pedir ajuda Desobstrução via aérea.


Sinais de vida?

A – Abertura da via aérea


B – Avaliação da ventilação Respira Não respira

Não respira? Iniciar suporte básico


30 compressões torácicas / 2 ventilações (100/min)

5 ventilações
Reavaliar

Sem sinais de circulação


(tempo máximo de verificação: 10 seg)

Vigilância Suporte avançado


Adaptado de Biarent D, et al. European Resuscitation
Compressões torácicas (100/min)
Council Guidelines for Resuscitation, 2005
2 reanimadores → 15 compressões: 2 ventilações
1 reanimador → 30 compressões: 2 ventilações
< 1 ano: 2 dedos ou envolvimento do tórax pelas 2 mãos FIG. 10
> 1 ano: 1-2 mãos
Adaptado de Biarent D, et al. European Resuscitation
Suporte Básico de Vida (após início da puberdade).
Council Guidelines for Resuscitation, 2005

FIG. 9 Avaliar gravidade

Suporte Básico de Vida (até ao início da puberdade).

2. RCR AVANÇADA (SAV) Tosse eficaz Tosse não eficaz

Generalidades Encorajar a Consciente Inconsciente


tosse < 1 ano • Abrir vias aéreas
A RCR avançada (o chamado SAV) compreende Vigilância • 5 pancadas dorsais superiores
• 5 golpes anteriores • 5 ventilações
um conjunto de procedimentos invasivos que se • Iniciar RCR
aplicam na sequência do SBV, para o restabeleci- > 1 ano
• Manobra de Heimlich
mento das funções respiratória e cardíaca. Como
Adaptado de Biarent D, et al. European Resuscitation
foi anteriormente referido, para a sua efectivação Council Guidelines for Resuscitation, 2005

torna-se imprescindível a existência de equipa de


profissionais (médicos, enfermeiros, para-médicos,
FIG. 11
etc.) com formação específica e experiência, assim
como meios técnicos invasivos (equipamento tal Aspiração de corpo estranho: procedimentos.
como laringoscópios para entubação traqueal, ven-
tiladores com tubagens, tubos traqueais ou alter- biente hospitalar implica a obediência a um
nativas, desfibrilhadores, fármacos, etc.). conjunto de regras importantes que devem estar
Sendo essencial o diagnóstico do tipo de na mente de todos os intervenientes bem treina-
ritmo cardíaco de paragem (FV/TVSP, assisto- dos, com funções bem definidas, no pressuposto
lia/AESP) (Figura 12), proceder a SAV em am- de que muitas manobras terão que ser feitas
1300 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

concomitante e sincronizadamente por mais que


Não responde?
um reanimador:
– registar a hora da PCR e tempos de RCR;
– identificar o coordenador da reanimação; Pedir ajuda
– posição correcta do doente em decúbito dor-
sal em leito duro para garantir a eficácia da mas-
sagem cardíaca; Desobstrução via aérea
– garantir que o “carro de urgência” com ins- Sinais de vida?
trumentos e fármacos para a reanimação seja colo-
cado à cabeceira do doente, ao mesmo tempo que
se aplicam eléctrodos no doente para ligação ao Iniciar suporte básico Rcr 30 : 2
monitor cardíaco, assim como oxímetro de pulso;
– o SAV deve ser aplicado na sequência do
Reavaliar
SBV, sem hiatos na actuação; ou seja, para iniciar e
concretizar os procedimentos do SAV, não se
devem interromper as manobras de reanimação
FV / TVSP Assistolia / AESP

Não responde?

1 Choque RCR 30 : 2
150 – 360 J bifásico Imediatamente
Iniciar suporte básico
360 J monofásico (2 min)
Oxigenar / Ventilar

Chamar equipa RCR Durante a RCR:


RCR 30 : 2 • Corrigir causas reversíveis
Imediatamente • Verificar eléctrodos
RCR 15:2 • Verificar O2 / ventilação / acessos
(2 min) • Se via aérea segura (12 vent/min)–
compressões contínuas (100 /min)
• Adrenalina 3-5 min (2 ciclos) =1mg
Ritmo • Considerar Amiodarona (após 3º
choque) = 300 mg

Adaptado de Biarent D, et al. European Resuscitation


Council Guidelines for Resuscitation, 2005
FV / TVSP Assistolia / AESP

FIG. 13
1 choque (4 J/Kg)
Suporte Avançado de Vida (após início da puberdade).

RCR 15:2 (2 minutos) RCR 15:2 (2 minutos) básica mais do que 30 segundos para entubação
traqueal. (Figuras 12 e 13)
Durante a RCR:
• Corrigir causas reversíveis
• Verificar eléctrodos
Via aérea e ventilação
• Assegurar via aérea, oxigenação e acessos EV/IO
• Se via aérea segura → 12-20 ventilações/minuto + compressões No âmbito do SAV, quer a técnica para se obter
contínuas (100/minuto)
• Adrenalina 3-5 minutos (2 ciclos) = 0,01 mg/Kg EV/IO uma via aérea segura, quer o tipo de o suporte
• Considerar Amiodarona (após 3º choque) = 5 mg/Kg EV ventilatório utilizado devem atender às caracterís-
Adaptado de Biarent D, et al. European Resuscitation ticas da criança e às capacidades do reanimador.
Council Guidelines for Resuscitation, 2005
A entubação endotraqueal (orotraqueal), consti-
tui o procedimento ideal para garantia da segu-
FIG. 12
rança da via aérea. (Figuras 14)
Suporte Avançado de Vida (até ao início da puberdade). Dum modo geral os TET sem cuff utilizam-se
CAPÍTULO 265 Reanimação cárdio-respiratória 1301

tensão gástrica, da detecção de CO2 exalado e, por


fim, logo que possível, da radiografia do tórax
póstero-anterior, será confirmada a posição ideal
da extremidade do TET: ao nível da articulação
esternoclavicular, 1-2 ccm acima da carina.
Uma alternativa à entubação traqueal é a más-
cara laríngea, a qual não exige treino tão diferen-
ciado como no primeiro caso.
Em qualquer das opções, reitera-se que se
torna fundamental garantir previamente ventila-
ção e oxigenação (FiO2100%) eficazes.
FIG. 14
As situações de obstrução da via aérea supe-
Modo de imobilizar o lactente para proceder à laringoscopia, rior poderão obrigar a efectuar de imediato a cri-
e ulterior entubação traqueal. cotirotomia de emergência (punção da membrana
cricotiróide com cânula apropriada); não se dis-
até à idade da puberdade para se permitir certa pondo desta, poderá utilizar-se um angiocateter
fuga de ar insuflado sob pressão a fim de evitar (de calibre nº 14) que se conecta a um adaptador
lesão da mucosa traqueal subglótica, susceptível de TET nº 3 ou de 3 mm. (Figura 15)
de sequelas. (Quadro 1)
A posição intratraqueal do TET em emergência
é verificada basicamente pela melhoria da satura-
ção de O2 e expansão simétrica do tórax; poste-
riormente, através da auscultação bilateral das
áreas axilares, da ausência de ruído de entrada de
ar na auscultação do epigastro, da ausência de dis-

QUADRO 1 – Tubo endotraquaeal (TET)

Tubo endotraquaeal (TET): cálculo para a escolha


do calibre e profundidade de inserção (entubação
orotraqueal)*
• TET sem cuff (> 2anos).
Diâmetro interno em mm = idade(anos)/4 + 4
• TET com cuff (> 2anos).
Diâmetro interno em mm = idade(anos)/4 + 3
• Profundidade da inserção
*em cm = (idade em anos/2) + 12(a partir do lábio
ou gengiva)

Notas importantes sobre calibres e nomenclaturas de TET:


– TET sem cuff designado por 4 significa que o seu
diâmetro interno é 4 mm.
– As chamadas unidades French (F) representam o
perímetro externo em mm.
– A conversão de diâmetro interno em perímetro externo
(ou Unidades F) depende da espessura de cada TET;
com certa aproximação, pode obter-se pela equação:
Unidades French (F) = (diâmetro interno x 4) + 2 FIG. 15
Cricotirotomia
1302 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Acessos à circulação
DESFRIBILHAÇÃO
Devem ser tentados de imediato acessos venosos
periféricos, não demorando mais de 90 segundos 1º CHOQUE
(cerca de 3 tentativas). Se tal não for conseguido,
deve obter-se uma via alternativa: punção intra-
RCR durante 2 minutos
óssea ou via venosa central. (Figura 16)
Caso exista e até se obter um acesso venoso, o
tratamento de emergência no âmbito do SAV pode Avaliar ritmo; mudar de reanimador
ser efectuado por via endotraqueal (que constitui
um recurso), tentando sempre outras vias. Com
efeito, através do TET podem ser administrados 2º CHOQUE
fármacos como adrenalina, atropina e lidocaína
diluídos em volume máximo de 5 mL de soro
fisiológico em cada administração. Para promover RCR durante 2 minutos
a sua difusão, após cada administração deve
seguir-se uma insuflação brusca e vigorosa
Avaliar ritmo; mudar de reanimador
empregando ressuscitador manual, chamando-se
a atenção para a dose de adrenalina 10 vezes
superior à empregue por via IV.
ADRENALINA IV/IO cada 2 ciclos
A via intracardíaca para administração de fár-
macos nunca deve ser empregue.
3º CHOQUE
Desfibrilhação

A realização de desfibrilhação implica a observa- RCR durante 2 minutos


ção do ritmo cardíaco no monitor electrónico ou
no próprio desfibrilhador.
Avaliar ritmo; mudar de reanimador
Tal procedimento deve ser iniciado de imedia-
to, logo que se confirme FV ou TVSP (Figura 17).
De salientar que:
AMIODARONA IV/IO
– a desfibrilhação, em certas circunstâncias,
poderá ser o primeiro e único acto no âmbito
4º CHOQUE

Dose de energia recomendada em criança = 4 J/Kg


recomendade em adultos monofásicos = 360 J
bifásicos = 150 J
(desconhecido) = 200 J

FIG. 17
Desfibrilhação.

da RCR, caso possa ser executada nos pri-


meiros 2 minutos após paragem súbita e pre-
senciada por médico ou enfermeiro (a partir
FIG. 16
do 1 ano de idade);
Punção intra-óssea (IO). – uma linha isoeléctrica detectada no visor do
CAPÍTULO 265 Reanimação cárdio-respiratória 1303

monitor poderá estar relacionada com


contacto deficiente dos eléctrodos ou com
um dos eléctrodos soltos.

Há diversos tipos de desfibrilhadores, mas os


que habitualmente se utilizam em meio hospitalar
são os desfibrilhadores manuais bifásicos. O
Quadro 2 sintetiza os passos fundamentais da téc-
nica de desfibrilhação e a Figura 18 o modo de
colocação das “pás” do desfibrilhador.
A intensidade do choque na criança é de 4
Joules/kg. Após a puberdade a dose é de 150- 360
Joules consoante o desfibrilhador. Desconhe-
cendo-se o tipo de desfibrilhador aplicar-se-ão 200
Joules.
O chamado murro pré-cordial somente tem indi-
FIG. 18
cação na circunstância de se presenciar a paragem
cardíaca e se não houver desfibrilhador para uso Desfibrilhação: colocação das pás do desfibrilhador.
imediato, sendo improvável a sua eficácia se tive-
rem passado mais de 30 segundos. As suas indicações são: a assistolia, a activida-
de eléctrica sem pulso (AESP), sendo adjuvante na
Farmacoterapia taquicárdia ventricular sem pulso (TVSP), e fibri-
lhação ventricular (FV).
Adrenalina A dose é 0,01 mg/ kg por via intravenosa ou
A adrenalina é o fármaco vasoactivo de eleição na RCR, intra-óssea; tal corresponde a 0,1 mL/kg da dilui-
e a utilizar tão precocemente quanto possível. ção a 1:10000 (1 ampola de adrenalina 1:1000 <> 1
mg + soro fisiológico q.b.p. 10mL). No TET admi-
QUADRO 2 – Técnica de desfibrilhação nistra-se sempre a adrenalina pura a 1:1000 – 0,1
mL/kg/dose.
1. Preparar as pás adequadas A partir da puberdade e no adulto a dose-
< 10 kg, pás pediátricas padrão é 1 mg diluído em soro fisiológico até per-
≥ 10 kg, pás de adulto fazer 10 mL.
2. Pegar nas pás pelo cabo isolado. Antes e após a administração de adrenalina, tal
3. Lubrificar as pás do desfibrilhador com pasta condu- como das outras drogas, deve “lavar-se” a via com
tora ou compressas embebidas em soro fisiológico, e soro fisiológico. Salienta-se que a adrenalina é
evitar contacto entre si. inactivada em soluções alcalinas.
4. Marcar a potência pretendida.
5. Seleccionar o modo assíncrono. Bicarbonato de sódio
6. Colocar as pás pressionando contra o tórax. A pá ne- O bicarbonato de sódio utiliza-se nos casos de aci-
gativa (negra) na zona infraclavicular paraesternal dose metabólica grave [pH < 7,2 e DB (défice de
direita e a pá positiva (vermelha) no ápex (abaixo e à base) < 10 mmol/L] e PCR prolongada (10 minu-
esquerda do mamilo esquerdo). Na criança muito tos de RCR sem recuperação). Administra-se de 10
pequena as pás podem colocar-se na face anterior e em 10 minutos:
posterior do tórax. – 1ª dose de 1 mEq/ kg (utilizando bicarbona-
7. Avaliar a segurança da equipa. to de sódio molar, isto é, a 8,4%, 1 mL<> 1 mEq)
8. Disparar apertando simultaneamente os botões de – 2ª dose e seguintes: 0, 5 mEq/ kg/ dose ,isto
ambas as pás. O choque deve ser executado na expi- é: 0,5 mL/kg/dose.
ração. [Fórmula: Dose de bicarbonato = Peso (Kg) x
9. Avaliar resultado. DB x 0,3]
1304 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Nota importante: determinados estudos de- que devem ser corrigidas no decurso da RCR
monstraram que a administração de bicarbonato apontam-se: hipoxia, hipovolémia, hiper ou
não interfere no pH da célula miocárdica durante hipocaliémia, hipotermia, pneumotórax sob
a FV e TV. tensão, tamponamento cardíaco, quadro de
intoxicação e tromboembolismo.
Cálcio 2 – Durante a RCR usam-se fluidos intraveno-
O cálcio, na forma de cloreto a 10% (sal com maior sos como veículo dos fármacos e manutenção do
biodisponibilidade), ou de gluconato a 10%, tem acesso venoso (soro fisiológico, lactato de Ringer,
como indicações PCR secundárias a hipocalcémia, por ex.). A excepção é o quadro de choque em que
hipercaliémia, hipermagnesiémia e sobredosagem se procede à expansão da volémia com o soro
de bloqueantes dos canais de cálcio; fisiológico, ou lactato de Ringer (ou ainda com
– dose de cloreto de cálcio a 10%: 0,2 mL/kg/ concentrado eritrocitário nas situações acompa-
dose; nhadas de hemorragia aguda).
– dose de gluconato de cálcio a 10%: 0,3 mL/
/kg/dose em bolus lento. APÊNDICE
Em complemento do texto que integra o Capítulo 265, são apre-
Glicose sentadas na parte final do 3º volume (Anexos) algumas
Nas situações de hipoglicémia administra-se glu- tabelas utilizadas na UCIP do Hospital Dona Estefânia, elab-
cose, evitando hiperglicémia. Utilizando a solução oradas pelo Grupo de Formação em Reanimação Cárdio-
a 10% a dose é: 5- 10 mL/kg/dose. Respiratória do mesmo Hospital e autores deste capítulo.

Atropina BIBLIOGRAFIA
A atropina somente tem indicação nas situações American Academy of Pediatrics. American College of
de bradicárdia por reflexo vagal, ou na profilaxia Emergency, et al. Care of children in the emergency depart-
destas. A dose é 0,02 mg/kg/dose via IV, intra- ment: guidelines for preparedness. Pediatrics 2001; 107:777-
óssea ou endotraqueal. 781
Nota importante: dose mínima → 0,1 mg; dose American Heart Association(AHA): 2005 AHA guidelines for
máxima → 0,5 mg. cardiopulmonary resuscitation (CPR) and emergency cardio-
vascular care (ECC) of pediatric and neonatal patients: pedi-
Amiodarona atric advanced life support. Pediatrics 2006; 117: e1004- e1028
Está indicada nas seguintes situações: American Heart Association (AHA) :2005 AHA guidelines for
– FV e TVSP; cardiopulmonary resuscitation (CPR) and emergency car-
– FV e TVSP refractárias à adrenalina e ao 3º diovascular care (ECC) of pediatric and neonatal patients:
choque de desfibrilhação. pediatric basic life support. Pediatrics 2006; 117: e989- e1004
A dose de amiodarona é 5 mg/ kg em bolus IV Caen AR, Kleinman ME. Pediatric CPR quality targets-not just
rápido, seguido de 2 minutos de SBV; após o iní- for 'grown ups'. Resuscitation 2013; 84: 141-142
cio da puberdade emprega-se a dose de 300 mg. Fuhrman BP, Zimmerman J. Pediatric Critical care. St Louis:
Mosby Elsvier, 2006
Lidocaína Gausche-Hill M, Lewis RJ, Gunter CS. Design and implemen-
A lidocaína está indicada nas seguintes situações: tation of a controlled trial of pediatric endotracheal intuba-
– FV e TVSP refractárias à adrenalina e ao 3º tion in the out-of-hospital setting. Ann Emerg Med 2000;
choque de desfibrilhação. 36:356-365
A dose é 1 mg/kg/dose em bolus (deve usar-se Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
com precaução nas crianças com disfunção hepática). Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
Tal administração só deverá ter lugar se não Williams & Wilkins,2009
existir amiodarona. Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Textbook of Pediatric
Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
Notas importantes: Williams & Wilkins,2008
1 – Como principais causas reversíveis de PCR Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
CAPÍTULO 266 Estado de mal epiléptico 1305

266
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
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Nolan JP, Soar J, et al. Resuscitation 2010 in review.
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AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Medical, 2011 Definição
Ruza F, et al(eds). Tratado Cuidados Intensivos Pediátricos.
Madrid: Norma-Capitel, 2003 O estado de mal epiléptico/EME (ou, utilizando a
Samson RA, Nadkarni VM, Meaney PA, et al. Outcomes of in- designação em latim, status epilepticus) é classica-
hospital ventricular fibrillation in children. NEJM 2006; 354: mente definido pela verificação de persistência ou
2328-2339 recorrência de convulsões num período igual ou
superior a 30 minutos, sem recuperação da
consciência. O estado de mal refractário corres-
ponde à situação em que, após 60 minutos, não há
resposta à terapêutica. (Capítulo 187)
Dois outros conceitos, a propósito, merecem
uma referência:
– estado de mal epiléptico subtil, caracterizado
por dissociação electromecânica progressiva em
que, tornando-se os sinais clínicos menos notó-
rios, se verifica persistência da actividade elec-
troencefalográfica;
– estado de mal epiléptico associado a activi-
dade convulsante detectada pelo EEG, embora
sem fenómenos motores anómalos associados (não
convulsante). (ver adiante)

Aspectos epidemiológicos
e importância do problema

De acordo com estudos epidemiológicos, verifi-


cou-se que cerca de 30% dos casos de convulsões
corresponde a uma primeira manifestação de epi-
lepsia.
Em cerca de 0,5 – 6,5% dos pacientes com EME
com convulsões, já existe epilepsia diagnosticada,
estando em geral a crise relacionada com insufi-
ciência da terapêutica e/ou intercorrência febril.
Nos lactentes, as convulsões de origem epiléptica
poderão ser responsáveis por EME numa propor-
ção estimada entre 1,3 – 16%. Uma convulsão
febril prolongando-se para além de 30 minutos em
1306 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

crianças com idade inferior a 3 anos é a causa mais mediada pelo GABA e/ou aumento da excitação
frequente de EME. mediada pelo glutamato. Para que a convulsão
As convulsões no contexto de mal epiléptico termine torna-se necessário o predomínio da inibi-
podem, por outro lado, constituir manifestação de ção ou o bloqueio da excitação. A adenosina, neu-
convulsão febril atípica, ou ter causa não epilépti- roprotector endógeno, poderá regular a inibição
ca. Nas situações de epilepsia, a privação do sono neuronal e contribuir para a paragem da convul-
ou infecção intercorrente constituem factores pre- são.
disponentes de EME (Capítulo 187). Os mecanismos implicados no término da
A entidade em epígrafe constitui uma emer- convulsão incluem o predomínio da actividade do
gência médica que obriga a actuação correcta por GABA, estabilidade da membrana garantida pelo
equipa competente, tendo em conta o risco eleva- pH ácido extracelular, bloqueio pelo magnésio
do de morte e de sequelas. A mortalidade e mor- dos canais de N-metil-D-aspartato, activação do
bilidade nos pacientes com convulsão febril pro- sistema Na+/K+ – ATPase, e efeito do K+ na repo-
longada e EME idiopático são baixas. larização da membrana.
A actividade convulsante prolongada pode
conduzir a disfunção dos sistema nervoso autóno-
Etiopatogénese mo com hipotensão, choque, edema cerebral,
hipertensão intracraniana, acidose láctica, mioglo-
De acordo com os factores etiológicos identificáveis, binúria e necrose tubular aguda.
o EME pode sistematizar-se do seguinte modo: A morte celular poderá resultar de libertação
– idiopático ou criptogenético, surgindo na excessiva de glutamato (neurotransmissor exci-
ausência patologia subjacente do SNC; este inte- tatório) e de excessiva estimulação dos receptores
gra os casos de pacientes submetidos a medicação do glutamato, processo conhecido como excitotoxi-
anticonvulsante prévia (benzodiazepinas e bar- cidade. As áreas mais vulneráveis são o hipocam-
bitúricos) abruptamente interrompida; po, a amígdala, o cerebelo, a área cortical média e
– sintomáticos remotos, em geral associados a o tálamo. A concentração neuronal de cálcio, ácido
antecedentes de lesão neurológica com risco ele- araquidónico e prostaglandinas constituem fac-
vado de convulsões (por ex. TCE, AVC,paralisia tores agravantes de lesão celular. Por outro lado, a
cerebral/encefalopatia “estática”); imaturidade do SNC parece constituir factor de
– febris (EME desencadeado por febre num maior resistência à excitotoxicidade.
paciente sem história de convulsões afebris); Salienta- se que quer os EME com convulsões,
– sintomáticos agudos (EME surgindo no quer os sem convulsões, podem ser lesivos para o
decurso de doença aguda com compromisso do sistema nervoso.
SNC, por ex. hipóxia, TCE, meningite, alterações
tóxico-metabólicas – incluindo doenças hereditá- Classificação e manifestações clínicas
rias do metabolismo –, do equilíbrio ácido-base,
etc.); O Quadro 1, relacionado com dados semiológicos,
– encefalopatia progressiva (doenças neurode- é elucidativo quanto ao tipo de manifestações.
generativas, tumores, síndromas neurocutâneas, O EME generalizado é caracterizado por activi-
etc.). (Capítulos 194 e 196) dade convulsante tónica, clónica ou tónico-clónica
Recorda-se que, como resultado da convulsão - atingindo todas as extremidades. Trata-se da
descarga eléctrica súbita, paroxística e auto-limita- forma mais frequente.
da de um grupo de neurónios – poderá surgir No EME focal motor, também chamado somato-
morte celular. As repercussões dependem da área motor ou epilepsia partialis continua, verifica-se
do SNC onde se inicia a descarga, da velocidade envolvimento de um só membro ou hemiface.
de recrutamento dos neurónios vizinhos, e do Menos frequente que o EME generalizado, está
modo como aquela se propaga às áreas adjacentes. frequentemente associado a patologia cerebral
O início da convulsão e a sua propagação focal.
resultam da falência do mecanismo de inibição O EME mioclónico é caracterizado por mioclo-
CAPÍTULO 266 Estado de mal epiléptico 1307

QUADRO 1 – Classificação semiológica metabolismo, deverão ser feitas colheitas de


do status epilepticus sangue e urina para determinação de amónia
e de aminoácidos (no soro e urina), e ácidos
Com convulsões Sem convulsões orgânicos (na urina) (Capítulo 368);
Generalizadas Ausência/alteração da consciência – Realização de TAC ou RMN CE.
Focais Associado a coma
Mioclónicas Nos casos de suspeita de hipertensão intracra-
niana, devido ao risco de herniação do encéfalo no
sentido craniocaudal, a punção lombar (PL) para
nias (contracções musculares extremamente brus- exame do LCR deverá ser protelada. Perante sus-
cas, breves e assíncronas, involuntárias, interes- peita de meningite, e excluídos edema cerebral ou
sando um músculo, parte de músculo ou grupo de massa intracraniana, está indicada PL.
músculos), neste caso, da face ou membros. Esta Verificando-se hipóxia, hipoventilação ou índi-
forma surge sobretudo nos doentes em coma, com ce de Glasgow <8, (Capítulo 267) deverá ser consi-
hipóxia e/ou paragem cardíaca. derada entubação traqueal e início de ventilação
mecânica. De acordo com o contexto clínico
Avaliação inicial e tratamento poderá estar indicada a administração de antipiré-
tico.
Como regra, os EME acompanhados de convul- No âmbito da correcção dos desequilíbrios
sões, constituindo uma emergência, obrigam a metabólicos, hidroelectrolíticos e ácido-base, cabe
avaliação imediata e prioritária dos sistemas res- uma referência especial à necessidade de correc-
piratório e cardiovascular, concomitantemente ção da hipoglicémia (por elevado consumo de
com manobras de reanimação e transferência para glucose em resultado da actividade motora inten-
UCIP, em obediência aos princípios expostos no sa e anómala); se a glicémia for < 45 mg/dL
Capítulo 264. deverá administrar-se com prioridade 5mL/kg de
Os procedimentos podem assim ser sintetiza- dextrose a 10% IV(<> 0,5 g/kg), reavaliando-se a
dos: seguir a necessidade de manutenção do supri-
– Colocar o doente em posição que evite ulte- mento.
riores lesões; No que respeita ao tratamento das convulsões,
– Confirmar a convulsão; cabe referir que o prognóstico melhorará se a
– Verificar o tipo de convulsão; paragem das mesmas se verificar até <30 minutos
– Registar o tempo de actividade convulsante; do início da administração de anticonvulsantes.
– Assegurar a permeabilidade da via aérea; Os esquemas sequenciais que constam dos
– Fornecer oxigénio por máscara (FiO2 de Quadros 2 e 3 sintetizam a sequência de fármacos
100%); a utilizar, sempre por via IV (os fármacos por via
– Monitorizar parâmetros cárdio-respiratórios, IM são sequestrados no músculo); o Quadro 3 diz
temperatura e pressão arterial; respeito aos casos de EME refractário.
– Estabelecer acesso endovenoso / cateter IV;
– Aplicar sonda gástrica; Prognóstico
– Colheitas de sangue e urina para investiga-
ção etiológica, valorizando os dados da O prognóstico do EME depende fundamental-
anamnese e exame objectivo, o que pressupõe mente da duração das crises, das complicações
trabalho de equipa: hemograma, ionograma hemodinâmicas, metabólicas e hidroelectrolíticas.
(incluindo cálcio, fósforo e magnésio), glicé- Actualmente, com a melhoria das condições em
mia, gasometria em sangue arterial,creatini- termos de cuidados de saúde nos países com mais
na, lactato, pesquisa de tóxicos e anticonvul- recursos e melhor organização (designadamente
santes (se antecedentes de convulsão ou epi- relacionada com a existência de UCIP), a mortali-
lepsia); dade estima-se entre 3 e 5%; o maior contingente
– Suspeitando-se de doença hereditária do de casos com desfecho fatal corresponde ao grupo
1308 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Farmacoterapia anticonvulsante inicial no EME

Tempo após o início Fármaco Posologia Vias de administração


da terapêutica
0-5 minutos DIAZEPAM* 0,1-0,3 mg /kg (máx. 10 mg) IV lento (2-5 minutos)
IO (intra-óssea)
10 minutos** FENÍTOINA 20 mg /kg (máx. 1 g) IV: Velocidade máxima de
1 mg/kg/minuto (pura ou
diluída em soro fisiológico)
20 minutos FENOBARBITAL 20 mg /kg (máx. 1 g) IV

* Considerar via rectal enquanto não existe acesso endovenoso (diazepam rectal: 0,5-0,7 mg/kg/dose)
** Se idade inferior a 24 meses: associar piridoxina IV em 2 doses de 50mg + 50 mg (com intervalo de 12 minutos entre as duas administrações)
Nota importante: se a convulsão persistir >10 minutos após a administração de fenobarbital, a situação deve ser tratada como EME refractário.

QUADRO 3 – Farmacoterapia e outras medidas no EME refractário

Tempo após o início Fármaco/Posologia/Vias de administração Medidas gerais e investigação


da terapêutica de emergência
30 minutos FENOBARBITAL Ventilação mecânica
20mg/kg ev (máx. 1 g)
Mais de 30 minutos MIDAZOLAM
Bólus inicial 0,5 mg/kg seguido de perfusão a 2 Intensificar suporte
mcg/kg/min hemodinâmico (podem ser
Se persistência da convulsão: necessárias drogas
Bólus: 0,5 mg/Kg e aumentar perfusão para 4 vasopressoras)
mcg/Kg/min
Após 5 minutos:
Bólus 0,1 mcg/kg e aumentar midazolam 4 mcg/kg/min Se sinais de hipertensão
cada 5 minutos até máximo de 33 mcg/kg/min intracraniana, tratar em
Se ausência de convulsões nas últimas 24 horas: reduzir conformidade
gradualmente perfusão de midazolam 1_g/kg/min cada 15
min
… Se persistência de convulsão: Manter anestesia até 12-24 horas
Tiopental 2-4 mg/kg seguido de perfusão a 2-4 mg/kg/h depois da última convulsão
(Parar perfusões de midazolam e fenobarbital após início de clínica e/ou
tiopental) electroencefalográfica
ou
Pentobarbital 10-15 mg/kg, seguido de perfusão a 0.5-1
mg/kg/h Rendibilizar tratamento de
Se ausência de convulsões nas últimas 24 horas: manutenção com
reduzir gradualmente o fármaco iniciado, 25% em cada 12 anticonvulsantes
horas
Reiniciar fenobarbital durante a redução
24-36 horas Se recorrência de convulsões no desmame, reiniciar Monitorização
tiopental ou midazolam ou pentobarbital electroencefalográfica contínua

Notas importantes:
– Como alternativa ao midazolam poderá empregar-se o propofol (dose inicial de carga: 2-5 mg/kg IV, seguido de manutenção IV contínua no ritmo de 25-65 mcg/kg/minuto.
– Em casos seleccionados de EME refractário (designadamente em situações de etiopatogénese focal) poderá estar indicado tratamento neurocirúrgico (por ex. implantação de estimulador do
vago, corpo calosotomia, ressecção lobar, hemi-hemisferectomia,etc.).
CAPÍTULO 267 Coma 1309

267
sintomático, com problema neurológico predispo-
nente.
No que respeita a sequelas (designadamente
hemiplegia, síndromas extrapiramidais,atraso
mental, e epilepsia),as mesmas são mais fre-
quentes em crianças de idade inferior a 1 ano.
Através de estudos por RMN-CE comprovou-se COMA
que, neste grupo etário, proporção significativa de
casos se relaciona com lesão do hipocampo com Gabriela Pereira e Rosalina Valente
atrofia, associada a disgenesia cerebral prévia.

BIBLIOGRAFIA
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Hanhan UA, Fiallos MR, Orlowski JP. Status epilepticus. cia, traduzida por impossibilidade de despertar e
Pediatr Clin North Am 2001; 48:683 por ausência de resposta a qualquer estímulo; pode
Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric evoluir para recuperação da consciência, para esta-
Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott do vegetativo ou para morte cerebral. O coma deve
Williams & Wilkins,2009 também ser distinguido da morte cerebral, em que
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson se verifica ausência permanente de toda a activida-
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, de do SNC, incluindo tronco cerebral.
2011 Há que considerar outros termos que tipificam
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of diversos níveis intermédios de consciência entre a
Pediatrics. Madrid:Panamericana,2010 vigília e o coma:
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s – letargia ou estado de vigília reduzida com
Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone, défice de atenção, associando-se por vezes a
2008 estados de agitação;
Riikonen R. Childhood convulsive status epilepticus. Lancet – obnubilação, apatia ou torpor em que se
2006; 48:384-387 verifica sonolência com resposta a estímulos
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gnostic assessment of the child with status epilepticus(an – estupor ou estado que se pode confundir
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Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon sez ou ausência de movimentos espontâneos
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill podendo o doente ser despertado por estí-
Medical, 2011 mulos dolorosos.
Rogers MC (ed). Textbook of Pediatric Intensive Care. Existem ainda diversas situações neurológicas
Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 2008. crónicas que podem assemelhar-se ao coma, mas
Ruza F, et al(eds). Tratado Cuidados Intensivos Pediátricos. que devem ser claramente distintas, nomeada-
Madrid: Norma-Capitel, 2003. mente o estado vegetativo persistente, o mutis-
Sahin M, Menache CC, Holmes GL, e tal. Outcome of severe mo acinético e a síndroma “locked-in”.
refractory status epilepticus in children. Epilepsia 2001; 42: Uma vez que estes termos poderão comportar
47S- 53S certo grau de subjectividade na apreciação, foi
Wiznitzer M. Buccal midazolam for seizures. Lancet 2005; criado um instrumento de avaliação estruturada –
366:182- 184 adaptado do modelo utilizado no adulto – inte-
grando um conjunto de achados físicos aos quais
se atribui determinada pontuação. É a chamada
escala de coma de Glasgow (Glasgow Coma Scale)*.
(Quadro 1)
1310 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Com esta escala de avaliação não são contem- da tenda do cerebelo/transtentorial, uncal, ou
plados os pares cranianos; por isso, torna-se amigdalina (através do foramen magnum). Na
imprescindível proceder também à realização do ausência de tratamento da HIC surge deterioração
exame neurológico. (ver adiante). neurológica fatal.
Estabelecido o diagnóstico sindrómico de Numa perspectiva de classificação etiopatogé-
coma, importa a respectiva investigação etiológica. nica, na criança os estados de coma podem ser
devidos a:
Etiopatogénese – causas não estruturais (tóxico-metabólicas),
em geral com evolução insidiosa, associadas
Ao abordar sucintamente a etiopatogénese do a disfunção difusa das células neuronais, as
coma, convém separar dois conceitos fundamen- quais, em fases avançadas poderão conduzir
tais: o que tem a ver com a percepção, relacionado a lesão cerebral focal;
com mecanismos de origem cortical; e com a reac- – causas estruturais (supra ou infratentoriais),
tividade, relacionada esta com mecanismos primá- associadas a destruição importante do tecido
rios de origem subcortical. A vigília depende da cerebral.
activação cortical pela substância reticular do Numa perspectiva prática, clínica, podem ser
tronco cerebral e pelo tálamo medial. Uma altera- consideradas duas grandes causas: traumáticas e
ção do estado de consciência pode ter origem em não traumáticas.
patologia da substância reticular ascendente, do As causas traumáticas incluem principalmente
tálamo, ou do córtex cerebral ao nível de ambos os as diversas formas clínicas de traumatismo cra-
hemisférios. nioencefálico (TCE) analisadas no capítulo 271.
O estado de coma resulta invariavelmente de As causas não traumáticas podem ser exem-
disfunção encefálica grave que pode ser rapida- plificadas pelas seguintes situações: abcesso ou
mente progressiva e fatal; nos casos em que não é tumor do sistema nervoso central, acidente vascu-
fatal, poderá ser irreversível. Poder estar associa- lar cerebral, hidrocefalia, encefalopatia hipóxico-
do a hipertensão intracraniana (HIC), fundamen- isquémica, meningite, encefalite, doenças desmie-
talmente por: hemorragia intracraniana, edema linizantes, encefalopatia hipertensiva, doenças
cerebral e por lesões ocupando espaço. O edema metabólicas sistémicas (por ex. hipoglicémia,
cerebral pode ser vasogénico, celular ou osmolar. hiperglicémia, insuficiência hepática, urémia,
O edema celular, afectando fundamentalmente os desequilíbrios hidroelectrolíticos, síndroma de
astrócitos, relaciona-se com alterações da homeo- Reye, doenças hereditárias do metabolismo),
stase da excitotoxicidade, acidose e acumulação intoxicações em geral, doenças inflamatórias auto-
de água e sódio no citoplasma. O edema osmolar imunes (sarcoidose, cerebrite do lúpus, síndroma
pode ocorrer no contexto de focos de necrose por de Sjogren), estado de mal epiléptico, etc..
contusão cerebral.
Verificando-se lesões ocupando espaço e/ou Exame clínico inicial
associadas a edema, na ausência de distensibilidade e diagnóstico diferencial
da caixa craniana, ou nos casos em que o aumen-
to de volume do conteúdo encefálico ultrapassa a As manifestações clínicas associadas ao estado
capacidade da caixa craniana rígida, pode surgir de coma variam consoante a etiologia deste.
herniação a vários níveis (Capítulo 271): através Para o correcto diagnóstico etiológico, pres-
supõe-se um trabalho de equipa com medidas
* Nalguns centros utiliza-se também a chamada nova escala de coma
diversas executadas de modo coordenado e
ou The FOUR Score (sigla do inglês: Full Outline of UnResponsiveness) concomitante por diversos elementos da equipa
avaliando quatro componentes: olho, motor, tronco cerebral e res- para garantir eficácia, tentando evitar lesões
piração, atribuindo-se a cada componente a pontuação máxima de
4. Segundo certos especialistas são reconhecidas vantagens a este neurológicas subsequentes. A abordagem inicial
critério relativamente à escala Glasgow: avaliação dos reflexos rela- de um doente em coma, ou com compromisso do
cionados com o tronco cerebral, avaliação do padrão respiratório,
reconhecimento da síndroma locked in e reconhecimento de diver- estado de vigília, baseia-se, pois, no princípio de
sos estados de herniação. que se trata dum quadro clínico com risco imi-
CAPÍTULO 267 Coma 1311

nente de vida; daí a necessidade de estabilização componente neurológica, deverão ser contempla-
hemodinâmica emergente e de manutenção das dos obrigatoriamente os seguintes parâmetros:
funções vitais. – Avaliação do nível de consciência
Nesta perspectiva, é fundamental proceder Deve ser efectuada através da já referida esca-
prioritariamente à anamnese e ao exame físico, la quantitativa (Escala de Coma de Glasgow/GCS
como base para a realização de exames comple- (Quadro 1).
mentares face às hipóteses de diagnóstico formu- Oscila entre um valor mínimo de 3 pontos e
ladas, para orientação terapêutica. um máximo de 15 pontos, devendo ser considera-
da a melhor resposta em cada avaliação. Um valor
Anamnese ≤ 8 sugere disfunção cerebral grave e indica neces-
Importa inquirir sobre antecedentes de doença cró- sidade de entubação endotraqueal e de ventilação
nica, forma de início do coma, TCE recente, possi- mecânica.
bilidade de intoxicação, febre, doença aguda recen- – Padrão respiratório
te, ingestão de tóxicos, fármacos, doença prévia ou Podem ser detectados diversos padrões respi-
concomitante, vómitos matinais e cefaleias, etc.. ratórios no contexto de coma. (Figura 1)
*Respiração de Cheyne – Stokes: respiração
Exame objectivo periódica, com amplitude em crescendo/decres-
O exame físico implica a monitorização da FC, FR, cendo, seguida de pausas de apneia. Surge nas
PA, saturação O2-Hb; salienta-se a importância da lesões bilaterais dos hemisférios, do diencéfalo ou
pesquisa de sinais exteriores de TCE, de odor em situações do foro metabólico.
peculiar (sugestivo de cetoacidose diabética, de *Respiração de Kussmaul ou hiperventilação:
intoxicação alcoólica ou por organofosforados), de hiperpneia rápida e profunda. Pode indiciar lesão
sinais de expressão cutânea (em relação com dis- do mesencéfalo, na ausência de hipoxia ou acido-
crasia hemorrágica, pigmentação), de febre, de se metabólica.
sinais meníngeos,etc.. *Respiração apneústica: pausas respiratórias
É importante realçar que a presença de sinais prolongadas, associada em geral a lesões da pro-
neurológicos focais é sugestiva de coma de causa tuberância.
estrutural. *Respiração atáxica ou de Biot: respiração irregu-
No âmbito do referido exame, salientando a lar, desorganizada, implicando possível lesão bulbar.

QUADRO 1 – Escala de coma de Glasgow

Actividade Pontuação Resposta (≥5 anos) Resposta (<5 anos)


Abertura das pálpebras 4 Espontânea Espontânea
3 À voz À voz
2 À dor À dor
1 Sem resposta Sem resposta
Verbal 5 Orientada e adequada Vocaliza, palra
4 Discurso desorientado Irritado, chora
3 Palavras sem nexo Chora com dor
2 Ininteligível Geme com dor
1 Sem resposta Sem resposta
Motora 6 Obedece a ordens Movimentos espontâneos
5 Localiza a dor De fuga à estimulação táctil
4 Fuga De fuga à dor
3 Em flexão Flexão anormal
2 Em extensão Extensão anormal
1 Sem resposta Sem resposta
1312 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

os núcleos dos referidos pares (3º-mesencefálico;


Cheyne-Stokes Apneústica
5ºe 7º- bulboprotuberanciais).
No que respeita a desvios conjugados:
– desvio para cima é próprio de lesão hemisfé-
Kussmaul Atáxica de Biot rica;
– desvio para o lado paralisado pode ser devi-
do a lesão da protuberância.
– Função motora
As respostas motoras dão informação sobre o
FIG. 1
nível da lesão.
Coma e tipo de respiração. *Postura e movimentos espontâneos- a presen-
ça de padrão hemiplégico sugere disfunção a
*Hipoventilação: pode verificar-se nos casos qualquer nível da via piramidal; se há movimen-
de depressão respiratória secundária a drogas tos anormais como tremores ou mioclonias, há
com efeito de depressão do SNC. que admitir a hipótese de coma metabólico. No
– Pupilas caso de escassez de movimentos devem ser obser-
Nos comas metabólicos observa-se em geral vados os movimentos provocados por estímulos
miose reactiva, enquanto nas intoxicações por atro- dolorosos e a postura; se o doente colaborar ,loca-
pina e na hipóxia aguda se verifica midríase não lizando de modo correcto a dor, haverá integrida-
reactiva. Outras intoxicações como as provocadas de das vias motoras e sensitivas; se tal não aconte-
por cocaína, anfetaminas ou álcool podem provocar cer, poderá haver lesão focal.
midríase com reflexo pupilar presente. As benzo- *Rigidez de descorticação – traduz-se por hipe-
diazepinas, os opiáceos e os barbitúricos tendem a rextensão das extremidades inferiores e flexão das
produzir miose com reflexo pupilar preservado. Na extremidades superiores; tal corresponde a inter-
situação de estado de mal epiléptico as alterações rupção das vias corto-espinhais e possível lesão na
pupilares são diversas, incluindo anisocória. cápsula interna ou pedúnculo cerebral.
Havendo lesão estrutural, podem ser observa- *Rigidez de descerebração – hiperextensão das
das as seguintes correspondências: mesencéfalo- quatro extremidades; esta postura poderá corres-
midríase média; protuberância-miose reactiva; 3º ponder a lesões mesencéfalo-pontinas ou cere-
par unilateral – midríase unilateral; diencéfalo- brais difusas.
miose reactiva. *Flacidez difusa – pode corresponder a lesão
– Movimentos oculares e reflexos bulbar, medular e surgir associada ao coma
O exame dos movimentos oculares é impor- metabólico profundo.
tante para obter informação sobre a integridade – Sinais meníngeos
do tronco cerebral. Quando existir perda da Os sinais meníngeos podem estar presentes na
consciência os movimentos voluntários desapare- meningite, na hemorragia subaracnoideia e nos
cem, devendo recorrer-se aos reflexos. tumores da fossa posterior.
*Reflexo oculocefálico ou dos “olhos de bone- – Sinais e sintomas de hipertensão intracraniana
ca” (pesquisa contra-indicada se existir possibili- *Cefaleia matutina, vómitos em jacto, deterio-
dade de traumatismo cervical) – com a deslocação ração do nível de consciência, alterações da
lateral da cabeça, se o tronco cerebral estiver intac- conduta, edema da papila, diplopia, tríade de
to, ambos os olhos se deslocam em direcção Cushing (hipertensão arterial, bradicárdia, respi-
contrária ao movimento lateral. ração irregular), convulsões, etc.;
*Reflexo oculovestibular- ao instilar lentamen- *No lactente (com a fontanela anterior não
te água fria no canal auditivo externo os olhos encerrada, designadamente) o quadro clínico tem
desviam-se para esse lado. especificidades: hipertensão e bombeamento da
*Reflexo corneano-ao estimular com algodão fontanela anterior, olhos em sol poente, aumento
(5º par), produz-se pestanejo (7º par) e desvio do das dimensões do perímetro craniano, deiscência
olho para cima (3º par). Neste reflexo participam das suturas, irritabilidade, etc..
CAPÍTULO 267 Coma 1313

– Sinais de herniação de aminoácidos no sangue e na urina, dosea-


*Herniação transtentorial – surge na hiper- mento de ácidos orgânicos na urina, estudos
tensão intracraniana global com deterioração pro- virológicos, etc.).
gressiva da consciência-entre letargia e coma –
associada a miose, rigidez de descorticação e res- Tratamento
piração de Cheyne- stokes. Na ausência de trata-
mento, poderá surgir compromisso mesencefálico A intervenção terapêutica obedece aos seguintes
(pupilas intermédias fixas, rigidez de descerebra- princípios: estabilização inicial e monitorização,
ção e respiração de Kussmaul) e, posteriormente, tratamento imediato das causas tóxico-metabóli-
sinais de compromisso bulboprotuberancial (res- cas, tratamento da HIC, e tratamento etiológico.
piração irregular e resposta motora ausente).
*Herniação uncal devida a hipertensão intra- Estabilização inicial e monitorização
craniana por tumor ou hemorragia hemisférica Neste tipo de intervenção prioritário, (monitori-
localizada, e compromisso ipsilateral do 3º par zando continuamente os parâmetros FC, FR, PA,
(midríase,ptose e parésia adutora). sat O2-Hb, PA e temperatura), aplicam-se os
*Herniação das amígdalas cerebelosas através do princípios da reanimação, já abordados no
buraco occipital; verifica-se compressão do tronco Capítulo 265, sintetizados a seguir.
cerebral com hipertensão na fossa posterior, e desa- – A (Airway): permeabilização e estabilização
parecimento dos reflexos vestibulares e oculares. da via aérea.
(Deve ser dada uma atenção particular ao cui-
Exames complementares dado com a mobilização cervical sempre que se
suspeite de causa traumática.)
A situação de coma implica a realização de deter- – B (Breathing): avaliação da função respirató-
minados exames com carácter de urgência, a pon- ria e, se necessário, entubação endotraqueal e ven-
derar em função do contexto clínico (anamnese e tilação mecânica.
exame objectivo inicial). – C (Circulation): avaliação da função circulató-
– Sangue: glicémia, gasometria, hemograma ria (sinais vitais, pulsos periféricos, repercussão
completo e morfologia, ureia, ionograma da má perfusão nos órgãos-alvo) garantindo nor-
incluindo cálcio, fósforo e hiato iónico, pro- movolémia, PA normal, sat O2-Hb> 93% e hemató-
vas de função renal e hepática, lactato, amó- crito >30% para eficaz perfusão tecidual; para
nia, provas de coagulação, proteína C reacti- atingir este objectivo é fundamental providenciar
va, serologias, etc.; acesso venoso central.
– Urina:análise sumária,urocultura; A hipotensão deve ser tratada com fluidos e
– Líquido cefalo-raquidiano: frequentemente é inotrópicos; se houver hipertensão, a mesma
necessário efectuar punção lombar para deverá ser combatida paulatinamente.
excluir a infecção do SNC; igualmente, lacta-
to, PCR para vírus, culturas especiais; Tratamento imediato das causas metabólicas
– TAC ou RMN CE urgentes (e outros exames e tóxicas
de imagem) caso haja suspeita de TCE asso- – A hipoglicémia é uma emergência médica que
ciado a hemorragia subaracnoideia, hiper- deve estar sempre presente quando se avalia uma
tensão intracraniana (HIC) e/ou herniação;. criança em coma. Assim que exista um acesso vas-
– EEG nos casos de convulsões e ou suspeita cular e após colheita de sangue, caso não seja
de encefalite, e coma de etiologia tóxico- possível determinar de imediato a glicémia capi-
metabólica; lar, deve ser administrado um bolus de glicose (a
– Se a causa não for evidente devem ser guar- 10%) na dose de 5-10 mL/Kg IV.
dados sangue, urina e, eventualmente, – Correcção das alterações hidroelectrolíticas e
conteúdo gástrico para pesquisa de tóxicos. do equilíbrio ácido-base;
– Outros exames mais específicos a realizar em – Tratamento das convulsões (Capítulos 187 e
função da suspeita etiológica (doseamento 266);
1314 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– Tratamento da intoxicação por opiáceos: Child 2006; 91: 885-891


naloxona IV na dose de 0,01-0,1 mg/kg por via sub- Fenichel GM. Pediatric Neurology. Philadelphia: Elsevier
cutânea, IM ou intra-óssea. Poderá ser necessário Saunders, 2005
administrar várias doses, uma vez que a vida média Fuhrman BP, Zimmerman J. Pediatric Critical Care. St
da naloxona é mais curta que a do tóxico. Nos casos Louis:Mosby Elsevier, 2006
de coma sem etiologia esclarecida, a naloxona pode Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
ser administrada como tratamento de prova; Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
– Tratamento da intoxicação por benzodiazepi- Williams & Wilkins, 2009
nas: flumazenil IV na dose de 0,01mg/kg em 15 Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Textbook of Pediatric
segundos, até máximo de 0,2 mg/dose. Se os Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
sinais clínicos persistirem, pode repetir-se a dose Williams & Wilkins, 2008
inicial de minuto a minuto até máximo de 1 mg. Hospital de Dona Estefânia(HDE). Barata D, et al.Protocolo de
coma da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos
Tratamento da hipertensão intracraniana (UCIP). Lisboa: HDE, 2009
O tratamento da HIC é abordado no Capítulo 271 Kirkham F J. Non-traumatic coma in children. Arch Dis Child
2001; 85:303-312
Tratamento etiológico Kleinman ME. Conventional cardiopulmonary resuscitation
O tratamento de situações como diabetes, hipera- by bystanders improved outcomes in children with out-of-
moniémia, SHU, meningite, encefalite vírica, etc. hospital cardiac arrest. Arch Dis Child Educ Pract Ed 2011;
foi abordado nos respectivos capítulos. Nesta alí- 96:120
nea referimo-nos sucintamente apenas aos Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
seguintes quadros: Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
– intoxicação pelo chumbo obrigando ao 2011
emprego de quelantes; a este propósito sugere-se McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
ao leitor a consulta do Capítulo 39 (1º volume); Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
– intoxicação por CO obrigando a oxigénio a McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
100% e, eventualmente, câmara hiperbárica; Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone,
– intoxicação pelo álcool originando défice de 2008
tiamina (vitamina B1) obrigando a administração Peiniger S, Nienaber U, Lefering R, et al. Glasgow coma scale
desta vitamina (10-25 mg/dose), até 100 mg/dose. as a predictor for hemocoagulative disorders after blunt
pediatric traumatic brain injury. Pediatr Crit Care Med
Prognóstico 2012; 13:455-460
Roppolo LP, Walters K. Airway management in neurological
O coma é uma situação inespecífica que pode ser emergencies. Neurocrit Care 2004; 1:405-414
consequência de múltiplos processos. Daqui Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
resulta que a evolução do quadro dependa funda- AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
mentalmente da etiologia. Em geral, pode afirmar- Medical, 2011
se que as lesões estruturais cursam com maior Ruza F, et al(eds). Tratado Cuidados Intensivos Pediátricos.
mortalidade do que as não estruturais. Madrid: Norma-Capitel, 2003
Taketomo CK, Hodding JH, Kraus DM. Pediatric Dosage
BIBLIOGRAFIA Handbook. Hudson: Lexi-Comp, 2005
Bishop NB. Traumatic brain injury: a primer for primary care Trübel H I K, Novotny E, Lister G. Outcome of coma in chil-
physicians. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care 2006; dren. Curr Opin Pediatr 2003; 15:283-287
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Caen AR, Kleinman ME. Pediatric CPR quality targets-not just
for 'grown-ups'. Resuscitation 2013; 84: 141-142
Dunning J, Daly JP, Lomas JP, et al. Derivation of the children´s
head injury algorithm for the prediction of important clini-
cal events decision rule for head injury children. Arch Dis
CAPÍTULO 268 Choque 1315

268
97% em 1968 para 9-10% em 1999, podendo, no
entanto, atingir taxa de 25% nos recém-nascidos
de muito baixo peso e nas crianças com doenças
subjacentes debilitantes, sobretudo do foro onco-
lógico e imunodeficiência.
Na perspectiva epidemiológica, e no que
CHOQUE respeita a factores etiológicos em idade pediátrica
adiante analisados, é importante salientar que o
Lurdes Ventura e Deolinda Barata choque hipovolémico é o mais frequente, quer seja
devido a hemorragia aguda (nos países desenvol-
vidos) ou desidratação aguda por gastrenterite
(nos países em vias de desenvolvimento). O
Definições e importância do problema choque cardiogénico é pouco frequente em idade
pediátrica. A infecção como causa de choque tem
Define-se choque como uma síndroma aguda em aumentado nas últimas décadas, constituindo
que existe insuficiência da microcirculação com uma das principais causas de mortalidade nas
consequente perfusão inadequada dos tecidos, unidades de cuidados intensivos.
sendo a oferta de oxigénio e nutrientes desajustada
em relação às necessidades metabólicas. O défice de Etiopatogénese e classificação
oxigenação leva a um compromisso do metabolismo
aeróbio celular, passando a ter papel mais relevante A perfusão tecidual depende da pressão arterial,
o metabolismo anaeróbio, menos eficiente, originan- sendo esta determinada por três componentes do
do uma situação de falência energética aguda. sistema circulatório:
Da hipoperfusão ao nível dos vários órgãos 1 – O volume sanguíneo que deve ser adequa-
surgem reacções várias de tipo vascular, infla- do e com uma viscosidade sanguínea equi-
matório, metabólico, endócrino, entre outras, que librada
são inicialmente compensatórias. Se não tratado, o 2 – A contractilidade cardíaca
choque pode conduzir a lesões teciduais irreversí- 3 – O tono vascular arterial e venoso, que de-
veis e falência multiorgânica com probabilidade termina as resistências vasculares
de morte directamente proporcional ao número de Qualquer interferência num destes factores
órgãos em falência. poderá resultar em falência cardiocirculatória e
Trata-se duma situação clínica relativamente choque.
frequente na idade pediátrica, uma causa impor-
tante de admissão nas unidades de cuidados O sistema cardiovascular conduz aos tecidos o
intensivos onde, apesar da melhoria das técnicas oxigénio adequado às necessidades destes, o que
de monitorização e terapêutica, ainda constitui só pode ser feito de forma eficaz com uma função
uma das principais causas de mortalidade. cardiovascular normal.
O transporte de O2 aos tecidos (DO2) é o resul-
Aspectos epidemiológicos tado do produto do débito cardíaco (DC) pelo
conteúdo arterial de O2(CaO2), de acordo com a
De acordo com diversos estudos epidemiológicos, fórmula:
o quadro de choque ocorre em cerca de 2 a 3% dos DO2 = DC x Ca O2 (VN=520 – 570 ml/min/m2)
doentes hospitalizados (idade pediátrica e adultos), Quando há diminuição da pressão arterial é
com um mortalidade que tem diminuído muito nas desencadeada no organismo uma série de meca-
últimas décadas graças aos progressos que permi- nismos de compensação para tentar manter a per-
tem o reconhecimento e diagnóstico cada vez mais fusão e oxigenação teciduais adequadas.
precoces e também ao desenvolvimento de técnicas Inicialmente verifica-se activação do sistema
invasivas de diagnóstico e terapêutica. simpático através da estimulação dos barorrecep-
A mortalidade por choque séptico diminuiu de tores carotídeos, o que tem como consequência:
1316 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

1- incremento do débito cardíaco por aumento da 3 – choque irreversível


frequência e contractilidade cardíacas; e 2 – vaso- Há falência de órgãos e a morte é inevitável
constrição periférica. Estes fenómenos conduzem Desta evolução decorre que o choque pode
a uma redistribuição do fluxo sanguíneo, com des- ocorrer sem hipotensão; ou seja, a hipotensão,
vio para áreas nobres ou prioritárias em termos quando detectada, corresponde já a uma fase de
fisiológicos, como o cérebro e coração, em detrimen- falência dos mecanismos de compensação; é
to doutras em que o fluxo sanguíneo diminui – sempre um sinal tardio.
pele, músculo, circulação esplâncnica.
Para além do sistema simpático, são activados Embora os factores etiológicos do choque sejam
diversos mecanismos endócrinos, nomeadamente, múltiplos, os respectivos mecanismos patogénicos
libertação de hormona antidiurética (HAD) e acti- são os mesmos a nível celular e molecular, do que
vação do sistema renina–angiotensina–aldostero- resulta uma apresentação clínica comum. Sabe-se,
na, levando a aumento da reabsorção renal de água desde há vários anos, que em resposta a uma
e sódio com aumento do volume intravascular. agressão grave, que pode ser infecciosa, traumáti-
Esta resposta neuroendócrina compensatória é ca, ou outra, há uma resposta inflamatória sistémi-
eficaz até certos limites e determina as várias fases ca não específica designada síndroma de resposta
do choque. (Figura 1) inflamatória sistémica (SIRS). Mais do que a enti-
De acordo com a designação clássica, a respos- dade agressora é a resposta do hospedeiro que vai
ta hemodinâmica, correlaciona-se com a clínica e determinar o prognóstico. Os mediadores infla-
pode ser consubstanciada em três fases: matórios produzidos com o intuito de combater o
1 – choque hiperdinâmico (choque compensado, agente agressor tornam-se, a partir de certo ponto,
choque quente) os responsáveis pele manutenção das lesões celu-
A resposta hemodinâmica compensatória é lares. Esta resposta inflamatória pode progredir
eficaz. Assim, a pressão arterial é normal, a fre- independentemente da remoção da causa desenca-
quência cardíaca é normal ou pode estar aumen- deante para estádios de gravidade cada vez
tada, e a diurese é normal. maiores. (Capítulo sobre sépsis – 269).
2 – choque hipodinâmico (choque descompensa- As endotoxinas e exotoxinas circulantes indu-
do, choque frio) zem a libertação de mediadores pró- inflamatórios
Há falência da resposta hemodinâmica. O que (TNF, IL-1, IL-6, IL-8, IL-gama) e anti-inflamató-
caracteriza esta fase é a hipotensão arterial asso- rios (IL-4, IL-10) de cujo balanço resulta o quadro
ciada a taquicardia e sinais de hipoperfusão: diu- clínico. Se há predomínio de mediadores pró-
rese diminuída, e depressão da consciência. inflamatórios é desencadeada a cascata da infla-
mação e surge uma situação clínica de SIRS.
O endotélio e a parede vascular têm um papel
Diminuição da Pressão Arterial
chave em todo este processo (Figura 2). O endoté-
lio é o maior órgão do organismo e desempenha
Estimulação Neuroendócrina um papel relevante na vaso- regulação. É local de
(Catecolaminas, HAD) actuação e de produção de muitos mediadores.
Há perda do tono e aumento da permeabilida-
↑Débito cardíaco
de vasculares com vasodilatação e depleção do
Redistribuição do fluxo sanguíneo
volume intravascular, o que origina hipotensão,
Fluxo protegido: Fluxo diminuído: ↑Frequência cardíaca hipóxia tecidual com aumento do lactato e morte
– Cérebro – Pele ↑Contractilidade
– Coração – Músculo cardíaca
celular. Para além disso, o endotélio activado tem
– Circulação ↑Volume uma actividade pró-coagulante e fibrinolítica, res-
esplâncnica intravascular
ponsável por fenómenos de adesão plaquetária e
microtrombose, as quais agravam o défice de per-
fusão tecidual.
FIG. 1
O sistema respiratório é sempre lesado pelos
Resposta hemodinâmica à diminuição da pressão arterial. mecanismos antes descritos. Entre outras reper-
CAPÍTULO 268 Choque 1317

Endotélio activado Papel chave


QUADRO 1 – Classificação etiopatogénica
do choque

Procoagulante Endotélio Hipovolémico (défice de volume intravascular) (•)


Fibrinolítico Parede vascular Desidratação
Hemorragia
Queimadura
Perda do tono vascular ↑Permeabilidade vascular
Cardiogénico (falência da bomba cardíaca) (•)
Cardiopatias Congénitas
Vasodilatação Depleção do volume intravascular Disritmias
Cirurgia cardíaca
Miocardite
Hipotensão
Distributivo (alteração do tono vascular) (•)
Anafilaxia
Hipóxia tecidos ↑Lactato
Neurogénico: secção da medula espinhal, bloqueio sim-
pático
Morte celular Obstrutivo (obstáculo mecânico à ejecção ventricular)
Pneumotórax hipertensivo
FIG. 2 Tamponamento cardíaco
Fisiopatologia do Choque. Séptico (distributivo, hipovolémico,cardiogénico) (•)

cussões ressaltam o edema intersticial, e a dimi-


nuição da distensibilidade alveolar explicada por Manifestações clínicas
destruição e compromisso funcional do surfactan- e exames complementares
te; o resultado é o aparecimento, em cerca de 45%
dos casos, dum quadro de insuficiência respirató- Um doente com quadro clínico de choque consti-
ria designado por pulmão de choque conhecido tui uma emergência médica necessitando duma
como SDR tipo adulto (ou ARDS, empregando a avaliação clínica rigorosa e cuidada a par da insti-
sigla do inglês) com agravamento se surgir hipo- tuição rápida de medidas terapêuticas adequadas.
tensão. A primeira avaliação deve ser feita com base apenas
De acordo com os aspectos da etiopatogénese, em parâmetros clínicos, sem necessidade de grandes
torna-se mais compreensível a classificação do recursos semiológicos, o que permite, em geral, o
choque, como se sintetiza no Quadro 1. reconhecimento da fase evolutiva do choque.
Como se depreende pela análise da lista do Sendo o choque uma síndroma multissistémica
Quadro 1, em determinadas situações verificam- com disfunção em grau variável de todos os
se mecanismos associados, sendo alguns deles órgãos, o objectivo da avaliação semiológica inicial
comuns a diversas entidades clínicas. é, fundamentalmente, a detecção de sinais de défi-
Nem sempre é fácil saber qual a causa primária ce de perfusão tecidual (estado de consciência,
desencadeante porque a mesma situação poderá temperatura diferencial, tempo de recoloração
ser comparticipada por diversos tipos de choque. capilar, diurese) e também avaliação das funções
A infecção sistémica é o exemplo clássico desta cardíaca e respiratória. (Quadro 2)
última situação, em que existe simultaneamente É importante reconhecer a situação de choque
hipovolémia profunda em paralelo com alterações na fase de taquicárdia, taquipneia, tempo de reco-
da distribuição do fluxo sanguíneo e, também loração capilar ligeiramente aumentado, com boa
muitas vezes, disfunção cardíaca. É também fre- reactividade e com pressão arterial normal (choque
quente que crianças com cardiopatias congénitas compensado ou quente). A instituição de terapêutica
apresentem em simultâneo choque cardiogénico e nesta fase aumenta muito a probabilidade de
hipovolémico devido a desidratação por défice de sobrevivência.
ingestão de fluidos ou por perdas gastrintestinais. O recurso a técnicas invasivas de monitoriza-
1318 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Parâmetros prioritários QUADRO 3 – Choque: exames complementares


de avaliação clínica
Diagnóstico de infecção
Função circulatória Em função do contexto clínico estão indicados exames
– Frequência e ritmo cardíacos culturais seriados – sangue, urina, LCR, lesões cutâneas,
– Pressão arterial não invasiva etc.
– Pulsos periféricos Avaliação da função de órgãos
– Tempo de recoloração capilar Pulmonar / cardíaca – Gasometria, troponina,
Função respiratória CPK/CK-MB, radiografia do tórax, ECG, ecocardiogra-
– Frequência e esforço respiratórios ma
– Saturação O2-Hb (oximetria de pulso) Hematológica – hemograma, provas de coagulação, fib-
Temperatura diferencial (central/periférica) rinogénio, dímeros D, PDF
Diátese hemorrágica Renal – ureia, creatinina, ionograma sérico e urinário
– Petéquias, sufusões, hemorragia das mucosas Hepático-pancreática – ALT, AST, bilirrubinas, albu-
Estado de consciência mina, amilase, LDH
Diurese Metabólica – glicémia, bicarbonato, lactato
Neurológica – ecografia transfontanelar (em lactentes)
EEG, TAC-CE (casos a seleccionar).
ção (pressão venosa central, pressão arterial inva-
siva, ecodoppler cardíaco, SatO2-Hb na veia cava
superior – (SvO2) está indicado quando não se neutrofilia ou leucopénia, trombocitopénia e alte-
verifica resposta às primeiras medidas terapêuti- ração das provas de coagulação.
cas adiante especificadas. – Nas primeiras fases do choque é habitual a
A SvO2 é um parâmetro de monitorização hiperglicémia secundária a resposta adrenérgica.
hemodinâmica actualmente utilizado nas uni- São também frequentes, alterações da função
dades de cuidados intensivos; é um bom indicador renal e hipocalcémia.
da função cardíaca e da hipóxia tecidual, perma- – A acidose metabólica é uma constante, devi-
necendo alterado, mesmo quando as outras variá- da a aumento do lactato sérico. Este último é o
veis hemodinâmicas já normalizaram. O objectivo indicador mais precoce de hipoperfusão tecidual e
terapêutico é obter valores de SvO2 ≥ 70%. um importante parâmetro de avaliação da eficácia
A medição da saturação de O2-Hb na artéria da terapêutica. Em determinações seriadas o
pulmonar (MvO2 – mixed venous oxygen saturation), aumento da produção de lactato constitui um
utilizando um cateter de Swan-Ganz, não é actual- indicador de evolução da fase compensada para a
mente utilizada na maioria das unidades de cui- fase decompensada do choque.
dados intensivos pediátricos, tendo sido substituí-
da por outras técnicas menos invasivas, como a Diagnóstico de disfunção de órgão
SvO2.
Nas unidades pediátricas dá-se preferência às Em terapia intensiva, no contexto de situação clíni-
técnicas de monitorização não invasiva, (como ca compatível com choque, é importante avaliar sis-
por exemplo o ecodoppler cardíaco), que actual- tematicamente os critérios de disfunção de órgão,
mente permitem avaliar os principais parâmetros estabelecidos segundo Goldstein e colaboradores.
hemodinâmicos utilizados no diagnóstico das
fases do choque e na resposta à terapêutica. 1. Disfunção cardiovascular
Determinados exames complementares são Na sequência da administração de bólus de
fundamentais para o diagnóstico da causa desenca- fluido isotónico ≥ 40 ml/kg numa hora, verifica-
deante do choque bem como para avaliar a reper- ção de:
cussão na função dos vários órgãos. (Quadro 3) Hipotensão < percentil 5 para a idade ou< 2
Notas importantes: DP para a idade
– É frequente encontrar-se leucocitose com ou
CAPÍTULO 268 Choque 1319

Necessidade de drogas vasoactivas para man- 6. Disfunção hepática


ter pressão arterial normal (dopamina > 5 BRB total igual ou superior a 4 mg/dL
μg/kg/minuto, ou dobutamina, adrenalina ou (excluindo o RN)
noradrenalina em qualquer dose) ou
ou ALT: 2 ou mais vezes superior ao limite super-
Dois dos seguintes critérios: ior normal para a idade
Acidose metabólica: défice de base (DB) > -5
mEq/L Tratamento
Lactato arterial aumentado (> 2 vezes o limite
superior do normal) Tratamento do choque
Oligúria: débito urinário < 0,5 mL/kg/hora As medidas terapêuticas do choque devem ser
Tempo de recoloração capilar aumentado: > 5 instituídas o mais rapidamente possível.
segundos Numerosos estudos demonstraram melhoria do
Diferença entre a temperatura central e perifé- prognóstico com baixa significativa da mortalida-
rica > 3º C de nos doentes tratados agressivamente na pri-
meira hora, a chamada “ hora de ouro”.
2. Disfunção respiratória As primeiras medidas terapêuticas são comuns à
PaO2/FiO2 < 300 na ausência de cardiopatia maioria dos tipos de choque, sendo que o conhe-
cianótica ou de doença pulmonar prévia cimento da respectiva etiopatogénese permite ins-
ou tituir medidas específicas importantes.
PaCO2 > 65 Torr ou 20 mmHg acima do PaCO2 No choque hipovolémico é fundamental parar a
basal perda aguda de volume de fluidos em geral
ou (contenção de focos hemorrágicos, de perdas gas-
Necessidade de incremento da FiO2 para man- trintestinais).
ter SatO2-Hb > 92% No choque anafiláctico é determinante a admi-
ou nistração rápida de adrenalina intramuscular.
Necessidade de ventilação mecânica invasiva
ou não invasiva não electiva. Antibioticoterapia
No choque séptico é obrigatória a instituição precoce
3. Disfunção neurológica de antibioticoterapia de largo espectro, pelo menos
Índice de coma Glasgow/GCS igual ou infe- com dois antimicrobianos, para cobertura dos
rior a 11 agentes bacterianos mais prováveis (Capítulo 269).
ou Neste capítulo dá-se relevância particular à
Decréscimo de GCS igual ou superior a 3 pon- terapêutica do choque séptico, que é o paradigma
tos associado a alteração do estado mental das situações de choque, e também um dos mais
frequentes e graves na idade pediátrica.
4. Disfunção hematológica As orientações propostas derivam das reco-
Plaquetas < 80.000/mmc ou decréscimo de mendações estabelecidas nas últimas guidelines/
50% a partir do valor mais alto registado nos 3 normas de actuação para o tratamento do choque
dias anteriores (doentes com problemas hemato- séptico publicadas em 2008 pelo grupo Surviving
oncológicos crónicos) Sepsis Campaign (constituído por 55 especialistas
ou de vários países e áreas profissionais) com base
INR > 2 em estudos científicos validados.
Porque é fundamental não perder tempo, foi
5. Disfunção renal estabelecido um algoritmo de actuação que dá
Creatinina sérica: 2 ou mais vezes superior ao bastante ênfase ao factor tempo (Figura 3).
limite superior normal para a idade ou aumento 2
vezes em relação ao valor basal Actuação prática
O reconhecimento do choque é clínico e deve ser
1320 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

feito nos primeiros minutos da nossa observação.


0 min. Reconhecer SIRS / SÉPSIS
O objectivo principal e prioritário do trata-
mento do choque é restaurar a perfusão tecidual
normal.
ABC – Reanimação 2 acessos
5 min. Avaliação laboratorial venosos 1 – Depois de assegurar a via aérea e a oxigenação
Culturas intraóssea e ventilação adequadas, devem ser canalizadas de
imediato 2 veias periféricas de bom calibre ou, na
impossibilidade, garantir uma via intra-óssea e
Sinais de choque iniciar de imediato ressuscitação hídrica, pedra
basilar do tratamento de todas as situações de
choque.
Ressuscitação hídrica
2 – Deve proceder-se a uma primeira expansão
15 min.
Considerar ET vascular com administração de 20 mL/Kg de soro
Antibioticoterapia empírica fisiológico, em 5 – 10 minutos; se o choque persis-
tir e não houver sinais de sobrecarga de fluidos
Resposta aos fluidos Refractário aos fluidos (como sucede no choque cardiogénico), procede-
se a administração de mais dois bólus do mesmo
Observar em UCIP
volume.
Acesso venoso central
Dopamina – 5-15μg/kg/min 3 – Esta ressuscitação hídrica deve ser orienta-
Cateter arterial da por objectivos que traduzam a melhoria da
perfusão:
Choque refractário fluidos e dopamina → objectivos clínicos: normalização do estado de
consciência, da amplitude dos pulsos, do tempo
Choque frio Choque quente
de recoloração capilar, da diurese.
(Nota importante: o cérebro recebe 20% do débi-
to cardíaco e os rins idênticos 20% ; a normaliza-
Adrenalina Noradrenalina ção da função destes órgãos constitui critério de
melhoria do débito cardíaco);
Choque refractário às catecolaminas → objectivos hemodinâmicos: normalização da
frequência cardíaca e da pressão arterial;
→ objectivos bioquímicos: normalização dos
Risco de Insuf. SR? Sem risco
valores do lactato sérico e da glicemia; é obrigató-
rio ter em atenção possíveis sinais de sobrecarga
60 min. Dar hidrocortisona Não dar hidrocortisona de fluidos: taquipneia, tosse, fervores, hepato-
P. Arterial normal P. Arterial baixa P. Arterial baixa megália; se surgirem, há que ser criterioso na
Choque frio Choque frio Choque quente administração de fluidos e iniciar mais precoce-
ScvO2<70% ScvO2<70% ScvO2≥70% mente o suporte inotrópico.
4 – Em simultâneo deve rendibilizar-se a oxige-
nação através do fornecimento de O2 suplementar
Adrenalina Garantir
Vasodilatador e, se necessário, iniciar-se ventilação mecânica.
+ Normovolémia
ou 5 – Nos casos de ARDS devem ser adoptadas
Noradrenalina e noradrenalina
Milrinona
Milrinona Vasopressina estratégias de ventilação de protecção pulmonar –
PEEP altos, PIP baixos, volumes correntes baixos.
6 – Em paralelo com a ressuscitação hídrica e a
Considerar
Choque refractário
ECMO ventilação deve ser iniciada antibioticoterapia
Abreviatura: SR = supra-renal adequada. No Capítulo 269 estão referidos os
principais antibióticos a utilizar nas situações de
FIG. 3
sépsis e choque séptico.
Algoritmo de tratamento do choque séptico. 7 – Também nesta fase deve ser feita, ideal-
CAPÍTULO 268 Choque 1321

mente, uma avaliação cardíaca por ecodoppler estabilização hemodinâmica; somente deverá ser
cujos achados dão informações muito úteis, não só suspensa após a retirada dos inotrópicos. A utili-
sobre a função cardíaca, mas também sobre se as zação de metilprednisolona em altas doses e de
cavidades cardíacas estão bem preenchidas, factor dexametasona está contra-indicada no choque
muito importante para orientar a ulterior admi- séptico.
nistração de fluidos. 10 – Se depois de todas as medidas terapêuti-
8 – Se não houver resposta às medidas tera- cas descritas o choque se mantiver, estar-se-á per-
pêuticas anteriores e o doente se mantiver em ante uma situação de prognóstico muito reserva-
choque deve ser iniciado suporte inotrópico. Os do. Deve tentar-se rendibilizar o suprimento de
inotrópicos usam-se em perfusão contínua, de fluidos e dos vários inotrópicos disponíveis,
preferência em veia central e com monitorização podendo também associar-se um vasodilatador
invasiva – pressão venosa central (PVC) e pressão ou um inibidor da fosfodiesterase do tipo da mil-
arterial (PA)*. De salientar que o suporte inotrópi- rinona. A administração de vasopressina é uma
co pode ser iniciado, sem risco, numa veia perifé- possibilidade nesta situação, mas não há expe-
rica de bom calibre (o mais importante é não atra- riência suficiente da sua utilização na idade pediá-
sar o início da terapêutica). trica.
Deve-se utilizar em primeiro lugar a dopami- 11 – Nas situações de choque refractário pode-se
na – na dose de 5μ/kg/minuto com incremento considerar-se a hipótese de ECMO (extracorporeal
progressivo e rápido para 10μ/Kg/minuto, se membrane oxigenation), não disponível em
necessário. Se houver sinais de disfunção cardíaca Portugal.
evidenciada por ecodoppler, pode associar- se 12 – A correcção das alterações iónicas e metabó-
dobutamina (5μ/kg/minuto) que é um inotrópico licas deve ser feita em simultâneo com as outras
puro e aumenta a contractilidade e o débito terapêuticas.
cardíacos com escassa influência na frequência A acidose metabólica, devida a aumento do
cardíaca**. lactato sérico, tem um efeito nocivo na função
9 – Se a hipotensão persistir, associa-se um vaso- cardíaca e deve ser corrigida se: pH <7,15; HCO3 <
pressor, a adrenalina no choque frio, e a noradre- 15mEq/dL; DB < -10 mmol/L.
nalina no choque quente. A hipocalcémia também é habitual e deve ser
Se não houver resposta favorável, estar-se-á corrigida precocemente.
perante uma situação de choque resistente às cate- É também importante manter a glicémia nor-
colaminas. Nesta situação, e havendo risco de mal através do suplemento adequado de glicose
insuficiência supra-renal, deve administrar-se ou da administração de insulina quando necessá-
hidrocortisona. Pode suspeitar-se de insuficiência rio.
supra-renal nas situações de púrpura fulminante 13 – A diátese hemorrágica, por vezes, com qua-
(síndroma de Waterhouse-Friderichsen), nos dros de coagulação intravascular disseminada, é
doentes com anomalias conhecidas da supra-renal muito frequente em certos tipos de choque
ou da hipófise, ou submetidos a corticoterapia (choque séptico meningocócico) (Capítulo 154).
prévia. A hidrocortisona administra-se em dose de Para a sua resolução, o mais importante é o trata-
choque – 50mg/m2/dia, em bólus, seguindo-se mento da causa desencadeante; contudo, muitas
perfusão contínua na mesma dose, mantida até à vezes, é necessário tratamento substitutivo –
concentrado eritrocitário, plasma, crioprecipitado,
*Para melhor compreender a acção dos fármacos a utilizar no contexto plaquetas. A tendência actual é para uma política
de tratamento do choque, cabe recordar que o débito cardíaco resulta transfusional restritiva (Capítulo 155).
dos seguintes factores: 1 – pré-carga ou volume ventricular teledi-
astólico que promove o estiramento das fibras miocárdicas e a força de 14 – Deve manter-se valor de Hb ~ 9-10 g/dL.
contracção; 2 – pós-carga ou resistência à ejecção durante a sístole; 3 – As transfusões de plasma e de crioprecipitado só
contractilidade ou variação da força de contracção das fibras miocárdi-
cas independentemente da pré-carga ou pós-carga; 4 – frequência deverão ser realizadas se houver manifestações de
cardíaca. diátese activa e não para corrigir as provas de coa-
**Dose baixas a intermédias de dopamina (5-15 mcg/kg/minuto)
incrementam o débito renal; doses altas (15-25 mcg/kg/minuto) têm
gulação. A transfusão de plaquetas deve ser feita
efeito vasoconstritor potente global, com diminuição do débito renal. transfusão de plaquetas se o número destas for ≤
1322 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

5.000/mm3. Se for necessário a realização de técni- Barron ME, Wilkes MM, Navickis RJ. A systematic review of
cas invasivas ou intervenção cirúrgica, o número the comparative safety of colloids. Arch Surg 2004; 139: 552-
de plaquetas deve ser ≥ 50000/mm3. 563
15 – Sendo o rim um órgão atingido nas situa- Carcillo JA, Han K, Lin J, Orr R. Goal-directed management
ções de choque, e a lesão renal agravada pelos of pediatric shock im the emergency department. Clin Ped
mecanismos de compensação hemodinâmica, há Emerg Med 2007; 8: 165-175
que evitar oligoanúria prolongada, o que só é Carlotti AP, Troster EJ, Fernandes JC, et al. A critical appraisal
possível com a correcção da hipovolémia e da of the guidelines for the management of pediatric and neo-
hipotensão; contudo, se surgir insuficiência renal natal patients with septic shock. Crit Care Med 2005;
oligoanúrica, deve evitar-se a hipervolémia e a 33:1182
anasarca, instituindo precocemente depuração Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
extra-renal. O método de eleição nestes casos é a Dellinger RP, Carlet JM, Masur H, et al. Surviving sepsis cam-
hemofiltração veno-venosa contínua. paign guidelines for management of severe sepsis and sep-
16 – Deve ser instituído em todos os doentes tic shock: 2008. Crit Care Med 2008; 36: 296-327
um suporte nutricional adequado, privilegiando, Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, et al. Surviving sepsis cam-
sempre que possível, a via entérica. Também deve paign: international guidelines for management of severe
ser feita profilaxia da úlcera de estresse com sepsis and septic shock:2012. Crit Care Med 2013; 41:580-
sucralfato ou inibidores dos receptores H2. 637
17 – Todas as medidas descritas deverão ser Fuhrman BP, Zimmerman J. Pediatric Critical care. St
mantidas na hipótese de o doente ter de ser trans- Louis:Mosby Elsevier, 2006
portado para unidade assistencial de maiores Goldstein B, Giroir B, Randolph A. International pediatric
recursos. sepsis consensus conference. Definitions for sepsis and
organ dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med
Outras medidas terapêuticas 2005; 6:2-8
No Capitulo 269, sobre sépsis é desenvolvido tópi- Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
co sobre resposta inflamatória do hospedeiro à Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
infecção, fazendo-se referência às terapêuticas que Williams & Wilkins,2009
têm sido utilizadas nos últimos anos com agentes Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
anti-inflamatórios com o objectivo de controlar ou Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
modular aquela resposta e diminuir a mortalidade 2011
da sépsis e choque séptico, o que não tem sido McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
conseguido. Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
A utilização da proteína C activada, um anti- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
coagulante endógeno, importante na vaso-regula- Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone,
ção, é preconizada em adultos com sépsis grave 2008
mas não deve ser utilizada na criança, já que os Roppolo LP, Walters K. Airway management in neurological
ensaios clínicos demonstraram um efeito deleté- emergencies. Neurocrit Care 2004; 1:405-414
rio. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
Para o tratamento do choque séptico grave é AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
recomendado, de acordo com resultados de estu- Medical, 2011
dos (embora com um grau de evidência muito Ruza F, et al(eds). Tratado Cuidados Intensivos Pediátricos.
baixo), o uso de IGIV policlonal no tratamento da Madrid: Norma-Capitel, 2003
sépsis grave. Contudo, são necessários mais estu- Slonim AD, Pollack MM (eds). Pediatric Critical Care Medicine.
dos pediátricos para recomendar definitivamente Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2006
o seu uso. Vincent JL, Gerlach H. Fluid resuscitation in severe sepsis and
septic shock: an evidence-based review. Crit Care Med
BIBLIOGRAFIA 2004; 32(11 suppl): S451- S454
Baren JM(ed). Pediatric Emergency Medicine. Philadelphia: Yager P, Noviski N. Shock. Pediatr Rev 2010; 31:311-319
Saunders Elsevier, 2007
CAPÍTULO 269 Sépsis 1323

269
são do organismo por agente estranho (bactéria
ou suas toxinas, vírus, fungo), diz-se que o doente
tem quadro clínico de sépsis; esta pode ser grave
e conduzir a choque (Quadro 1).
Na prática, é difícil estabelecer uma destrinça
nítida entre as situações descritas, uma vez que o
processo patológico em causa é dinâmico e contí-
SÉPSIS nuo; com efeito, a resposta inflamatória pode pro-
gredir, independentemente da remoção ou trata-
Lurdes Ventura e Deolinda Barata mento da causa desencadeante, para estádios de
gravidade cada vez maior.
Apesar dos avanços consideráveis da medicina
intensiva nas últimas décadas, a sépsis continua a
Definições e importância do problema ser uma das principais causas de morte na idade
pediátrica, com taxas que têm diminuído muito ao
Embora o organismo humano esteja exposto a longo dos anos, mas ainda atingem valores oscilan-
numerosos germes microbianos potencialmente do entre 8 e 12%. Contudo, a precocidade da sua
patogénicos, os seus sistemas de defesa de primei- identificação e do tratamento adequado contribuem
ra linha actuam nos locais de invasão, impedindo, decisivamente para a melhoria do prognóstico.
na maior parte dos casos, infecções com desfecho
fatal, podendo até acontecer que a invasão micro- Etiopatogénese
biana inicial seja assintomática e se resolva espon-
taneamente sem necessidade de terapêutica. Dum modo geral, as infecções invasivas em crian-
Contudo, mesmo em crianças aparentemente ças saudáveis no período pós-neonatal são provo-
imunocompetentes, o agente infeccioso poderá cadas predominantemente por três germes:
invadir a corrente sanguínea com consequências Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, e
potencialmente devastadoras. A sequência de Haemophilus influenzae do tipo b, sendo que os pro-
eventos após a sua entrada na circulação é com- gramas de vacinação em diversos países têm
plexa, dependendo o resultado final do balanço contribuído para a redução da incidência de sépsis
entre a virulência daquele e a capacidade de pelos referidos germes. (Capítulos 278, 282 e 284)
resposta do hospedeiro. Causas mais raras de sépsis em crianças
De acordo com o que é preconizado pela saudáveis incluem Staphylococcus aureus, Strepto-
Conferência Internacional de Consensos sobre coccus dos grupos A, C e G e espécies de Salmonella
Sépsis Pediátrica (Quadro 1), se na sequência da (Capítulo 285). No Capítulo 359 são analisados os
invasão microbiana se verificar proliferação do agentes implicados no RN.
agente (infecção), é iniciado no hospedeiro um Nas crianças com défices imunitários podem
processo reactivo sistémico designado por síndro- estar implicados agentes tais como Pseudomonas
ma de resposta inflamatória sistémica (sigla em aeruginosa e fungos. Nas situações cuja gravidade
inglês: SIRS), definida pela presença de dois dos obriga a internamento em unidades de cuidados
seguintes critérios: hipertermia ou hipotermia, intensivos com uso de técnicas invasivas de dia-
taquicárdia, taquipneia, leucocitose ou leucopé- gnóstico e terapêutica, existe um risco acrescido
nia, sendo um dos seguintes critérios obrigatório: de sépsis por Staphylococcus coagulase negativo,
alteração da temperatura, ou do número de leucó- Enterococcus e S. aureus resistentes à meticilina.
citos. Este processo reactivo não é, contudo, Actualmente, devido à aplicação de medidas
específico da infecção, podendo ser desencadeado preventivas, e à melhoria dos cuidados de saúde e
por qualquer noxa considerada grave como trau- das condições de vida da população, tem-se veri-
matismo, queimadura, pancreatite, grande cirur- ficado diminuição dos casos de sépsis grave e de
gia, etc. (SIRS não infecciosa). choque séptico adquiridos na comunidade por
Quando a SIRS surge como resultado da inva- um indivíduo saudável. Efectivamente, esta pato-
1324 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Critérios de diagnóstico

SIRS
Presença de 2 dos 4 critérios seguintes, um dos quais obrigatoriamente alteração da temperatura ou número anormal de
leucócitos.
Temperatura central > 38.5ºC ou < 36ºC.
Taquicárdia (FC > 2 DP acima do valor de referência para a idade) na ausência de estímulos externos, drogas ou estimu-
lo doloroso; ou inexplicada persistindo 30 minutos – 4horas; ou
Bradicárdia (FC < percentil 10 para a idade) na ausência de estimulo vagal, drogas β bloqueantes, cardiopatia congénita;
ou inexplicada e persistente > 30 minutos.
Frequência respiratória (FR > 2 DP acima do valor de referência para a idade); ou ventilação mecânica por um processo
agudo não relacionado com:
1 – doença neuromuscular subjacente; ou 2 – status pós- anestesia geral.
Leucocitose ou leucopénia (não induzida por quimioterapia) ou neutrófilos imaturos > 10%.
Infecção
Invasão do organismo por agente microbiano patogénico, com capacidade de multiplicação.
1 – suspeita; ou
2 – provada (por cultura positiva ou PCR-reacção em cadeia da polimerase); ou
3 – probabilidade elevada (achados clínicos sugestivos, achados imagiológicos, ou laboratoriais (por ex. presença de
leucócitos em fluido normalmente estéril, víscera perfurada, radiografia de tórax compatível com pneumonia, exantema
purpúrico ou petequial, ou púrpura fulminante)
Sépsis
SIRS na presença de,( ou como resultado de) infecção suspeita ou provada
Sépsis grave
Sépsis associada a um dos seguintes parâmetros:
1 – disfunção cardiovascular; ou
2 – sindroma dificuldade respiratória aguda; ou
3 – disfunção de dois ou mais órgãos.
Choque séptico
Sépsis associada a disfunção cardiovascular definida por:
• hipotensão (PA <percentil 5 para a idade ou < 2 DP para a idade), ou necessidade de
• drogas vasoactivas para manter pressão arterial normal (dopamina > 5 μg/Kg/minuto, ou dobutamina, adrenalina ou
noradrenalina em qualquer dose, ou
• dois dos seguintes critérios:
– Acidose metabólica: défice de base(DB) > -5 mEq/L
– Lactato arterial aumentado > 2 vezes o limite superior do normal
– Oligúria: débito urinário< 0.5 mL/Kg/h
– Tempo de recoloração capilar aumentado: > 5 segundos
– Diferença entre a temperatura central e periférica > 3º C,…
…apesar da administração fluido isotónico ≥ 40 ml /kg durante 1 hora

logia afecta particularmente os doentes hospitali- Considerando todos os germes mencionados,


zados, portadores de doenças debilitantes, com cabe salientar que, embora seja condição indis-
imunodeficiência primária ou secundária, subme- pensável a presença dos mesmos na corrente san-
tidos a técnicas invasivas de diagnóstico e tera- guínea (bacteriémia, tratando-se de bactérias), nem
pêutica e portadores de flora endógena altamente sempre tal presença conduz a sépsis ou choque sép-
resistente devido, entre outras causas, ao uso tico, o que depende, como foi referido, do balanço
excessivo de antibióticos de largo espectro em entre as características do microrganismo e o siste-
meio hospitalar (Capítulos 304 e 362). ma de defesa imunitário do hospedeiro.
CAPÍTULO 269 Sépsis 1325

Certos vírus, designadamente vírus herpes, no, botulismo, difteria); quanto às Gram-negati-
enterovírus e adenovírus podem provocar doença vas, é principalmente o componente da camada
com manifestações semelhantes à sépsis bacteria- externa da parede celular (lipopolissacárido/LPS)
na, sobretudo em RN e lactentes. que está implicado na patogénese da sépsis.
Na etiopatogénese da sépsis estão envolvidos Algumas exotoxinas (chamadas superantigénios)
mecanismos muito complexos que funcionam elaboradas pelos estreptococos e estafilococos esti-
sequencialmente “em cascata”. Há factores predis- mulam a proliferação das células T, induzindo a
ponentes do hospedeiro que aumentam a probabili- libertação maciça de citocinas pró-inflamatórias
dade de sépsis por determinados agentes. Por exem- (TNF-alfa, interferão-gama e IL-1) mesmo em
plo: asplenia predispõe a infecção por S. pneumoniae; casos de infecção localizada, desencadeando a
polisplenia predispõe a infecção por Salmonella; os mesma resposta inflamatória sistémica responsá-
germes anteriores originam com maior probabilida- vel pelas alterações cardiovasculares e hemodinâ-
de sépsis nos casos de doença de células falciformes; micas características da sépsis.
a sobrecarga em ferro predispõe a infecção por As endotoxinas ligam-se a receptores dos
Listeria monocytogenes, Yersinia enterocolitica e Vibrio macrófagos (designadamente hTLR) e estimulam
vulnificus; deficiência em complemento (C5 a C9) pre- a produção e libertação de citocinas pró-infla-
dispõe a infecções pelo género Neisseria, etc. matórias (sobretudo TNF-alfa, IL-1 e IL-6), radi-
A acção das bactérias Gram-positivas depende cais livres de oxigénio e metabólitos do ácido ara-
da produção de exotoxinas potentes (por ex. téta- quidónico. (Figura 1)

INFECÇÃO

ENDOTOXINAS

CÉL.ENDOTELIAIS MACRÓFAGOS SISTEMA DO COMPLEMENTO-


(TNFα, IL1, IL6, PAF) ALT. DA COAGULAÇÃO

ÓXIDO NÍTRICO ESTIMULAÇÃO PMN METABÓLITOS


DO ÁCIDO
ARAQUIDÓNICO

VASODILATAÇÃO RADICAIS LIVRES 02 CID


Fuga de FLUIDO CAPILAR LESÃO TECIDUAL

LESÃO ENDOTELIAL

CHOQUE

FALÊNCIA cél = células


ALT = alteração
MULTIORGÂNICA PMN = polimorfonucleares

FIG. 1
Fisiopatologia da sépsis.
1326 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Os metabólitos do ácido araquidónico in- clínico que possa ser considerado um indicador
cluem: tromboxano A2 que causa vasoconstrição e específico e sensível de infecção grave; consequen-
agregação das plaquetas; prostaglandinas (PGF 2- temente, o diagnóstico de sépsis requer um alto
alfa que causa vasoconstrição e PGI2 que causa índice de suspeição clínica no pressuposto de anam-
vasodilatação); os leucotrienos que levam a vaso- nese cuidada e exame físico rigoroso, fundamentan-
constrição, broncoconstrição e aumento da per- do a execução racional de exames complementares.
meabilidade capilar. A TNF-alfa e algumas IL Nos lactentes pequenos os sinais mais precoces
podem lesar o miocárdio, ao mesmo tempo que de sépsis são muitas vezes as alterações do estado
estimulam a sintetase do óxido nítrico (NO). de consciência com períodos de irritabilidade,
É também activada a via alterna do comple- choro inconsolável, prostração e pausas de apneia.
mento bem como a cascata da coagulação, crian- Nas crianças maiores é mais frequente a hiper-
do-se um estado pró-coagulante e antifibrinolítico termia com calafrio, taquicárdia, taquipneia, pali-
que leva a fenómenos de microtrombose causa- dez, icterícia, distensão abdominal e exantema. O
dores de hipóxia e lesão tecidual. Há também exantema petequial ou purpúrico é muito carac-
consumo de factores de coagulação com estabele- terístico da infecção por Neisseria meningitidis, mas
cimento de quadros de coagulação intravascular também se observa frequentemente nas infecções
disseminada. por outros agentes (por ex. H. Influenzae, Entero-
O endotélio vascular, com papel fundamental virus, Rickettsias).
na vaso-regulação, é o alvo e fonte de produção de Por vezes são evidentes sinais de infecção
muitos mediadores. O NO produzido pelas célu- focal, como pneumonia, meningite, celulite, artri-
las endoteliais é responsável pelas alterações a te. No momento do diagnóstico poderão ser detec-
nível da microcirculação com vasodilatação e fuga tados já sinais clínicos de disfunção de vários
capilar causadoras da hipotensão que se observa órgãos, sobretudo pulmonar, cardíaca e renal.
nas situações de choque séptico. O doente com sépsis necessita duma avaliação
Na tentativa de conter a produção de citocinas clínica cuidada e de instituição rápida de terapêu-
pró-inflamatórias há libertação de citocinas anti- tica adequada. A primeira avaliação deve ser feita
inflamatórias – IL4, IL10, IL13. A interacção entre com base em parâmetros meramente clínicos, sem
estes dois tipos de mediadores pode ser conside- necessidade de grandes recursos; é extremamente
rada uma “luta entre forças opostas”. O seu equilí- importante, pois permite o reconhecimento preco-
brio significaria a obtenção da homeostase no pro- ce do doente com sépsis, a avaliação da fase evo-
cesso séptico. lutiva em que se encontra, como tal, a instituição
A produção e libertação de citocinas em quan- precoce de medidas terapêuticas, gesto decisivo
tidades moderadas é importante e necessária na no prognóstico da doença.
defesa eficaz contra a infecção. No entanto, a sua Quando a evolução clínica é desfavorável e
libertação anárquica ou em quantidade muito ele- não há resposta às primeiras medidas terapêuti-
vada determina uma resposta amplificada ultra- cas, torna-se necessária a utilização de métodos
passando a capacidade reguladora do organismo, invasivos de monitorização e tratamento e, como
o que contribui para as alterações cardiovasculares tal, o doente deve ser transferido para uma unida-
e hemodinâmicas, com implicação na mortalidade. de de cuidados intensivos pediátricos.
Devem ser avaliados os seguintes parâmetros:
Manifestações clínicas estado de consciência, a frequência e ritmo cardía-
e exames complementares co, pressão arterial não invasiva, pulsos periféricos,
tempo de recoloração capilar, frequência e esforço
Os sinais e sintomas de sépsis são muito variá- respiratório, saturação O2-Hb por oximetria de
veis, dependendo da idade, da doença de base, da pulso, temperatura central e periférica, diurese,
duração da doença e do microrganismo responsá- presença de manifestações de diátese hemorrágica
vel (Capítulos 269, 279). (petéquias, sufusões, hemorragia das mucosas).
Quanto menor for a idade do doente mais ines- Torna-se necessária a confirmação microbiológi-
pecífica é a sintomatologia. Não há nenhum sinal ca de infecção e identificação do agente causal.
CAPÍTULO 269 Sépsis 1327

Devem ser realizados exames culturais seriados de progressão para o estádio de choque séptico e de
vários líquidos orgânicos: sangue, urina, fezes, LCR, falência multiorgânica.
e também de exsudados e de lesões cutâneas. A pun- O objectivo prioritário é restaurar a perfusão
ção lombar deve ser efectuada após estabilização tecidual através da estabilização hemodinâmica e
hemodinâmica, respiratória e neurológica, sem que manutenção de oxigenação e ventilação adequa-
isso atrase a instituição da terapêutica antibiótica. das. As medidas terapêuticas preconizadas com
Outros exames úteis no diagnóstico de infec- esta finalidade foram desenvolvidas no Capítulo
ção são: a pesquisa de antigénios bacterianos por 268, sobre Choque.
testes de aglutinação; a detecção de antigénios
víricos nas secreções nasofaríngeas por imuno- Antibioticoterapia
fluorescência; e as técnicas de biologia molecular – Por outro lado, está demonstrado que o início pre-
PCR (reacção da polimerase em cadeia- Polymerase coce de antibioticoterapia empírica adequada me-
Chain Reaction), ainda não disponíveis em todos os lhora significativamente o prognóstico, pelo que,
centros, no soro e LCR, consideradas as mais efi- após realização dos exames culturais, aquela deve
cazes e confiáveis de diagnóstico de infecção por ser iniciada de imediato, sendo posteriormente
um determinado agente. ajustada de acordo com os resultados dos exames
Em todos os casos em que se admite, pela microbiológicos.
anamnese e exame objectivo, o diagnóstico de sép- Para uma prescrição adequada é necessário ter
sis, e atendendo a que se trata dum quadro clínico em conta o quadro clínico, a idade do doente e os
com repercussão multissistémica, deve proceder- seus antecedentes no que respeita a doenças ante-
se a exames complementares de modo sistemati- riores, estado imunitário e antibioticoterapia prévia.
zado para avaliação do grau de disfunção dos É também importante o conhecimento de factores
vários órgãos: epidemiológicos bem como do padrão de resistên-
• Hematológica – hemograma (com tipagem), cia local aos antibióticos. É correcto começar com
provas de coagulação antibióticos de largo espectro que devem ser substi-
• Renal - ureia, creatinina, ionogramas sérico e tuídos por outros de espectro mais limitado logo
urinário que se conheçam os agentes bacterianos envolvidos
• Hepática – ALT,AST, bilirrubinas, albumina e sua sensibilidade aos antimicrobianos.
• Metabólica – glucose, bicarbonato, lactato, Os antibióticos a utilizar nas situações mais
DB frequentes estão resumidos no Quadro 2. Os mes-
• Neurológica – ecografia transfontanelar, mos destinam-se ao tratamento da sépsis em
EEG, TAC (a ponderar caso a caso). crianças com quadro clínico grave que necessitam
de ser hospitalizadas ou que adquiriram a infec-
Habitualmente verifica-se a existência de leu- ção em meio hospitalar.
cocitose com elevação do número absoluto de Salienta-se a importância da adopção de crité-
neutrófilos imaturos, vacuolização dos neutrófi- rios rigorosos na prescrição de antibióticos ao tra-
los, e corpos de Döhle. A neutropénia é um sinal tar infecções adquiridas na comunidade em crian-
de gravidade. São frequentes: trombocitopénia e ças aparentemente saudáveis até à data do episó-
alterações da coagulação com diminuição do nível dio infeccioso; com efeito, em tal circunstância, os
sérico do fibrinogénio, assim como aumento dos germes microbianos responsáveis são, na maioria
tempos de protrombina e de tromboplastina par- das vezes, sensíveis aos velhos antibióticos, os
cial. (Capítulos 154, 268, 279) quais deverão ser empregues como terapêutica de
primeira linha (Capítulo 276).
Tratamento
Outras medidas terapêuticas
Medidas prioritárias Nos últimos anos, o melhor conhecimento da
Nas situações de sépsis bacteriana o diagnóstico e fisiopatologia da sépsis levou ao aparecimento de
intervenção terapêutica precoces são decisivos numerosas terapêuticas na tentativa de modificar
para a melhoria do prognóstico, por se impedir a ou modular a resposta inflamatória do hospedeiro
1328 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

à infecção. São exemplos os usos: de Imunoglo- Prevenção


bulinas IV em altas doses (com especial indicação
nas síndromas de choque tóxico), de anticorpos Os aspectos principais da prevenção da infecção
antiendotoxina, de anticitocinas (anti-TNFa, anti- por Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumo-
IL1), e do inibidor da sintetase do óxido nítrico. niae e Neisseria meningitidis são abordados nos
Com nenhuma destas terapêuticas se demonstrou Capítulos 278, 282 e 284.
eficácia no respeitante à redução da mortalidade A diminuição dos casos de infecção associada
por sépsis. à prestação dos cuidados de saúde, através do
A interacção entre as actividades inflamatória e cumprimento rigoroso das medidas de controlo
procoagulante abriu um novo caminho no âmbito da de infecção deve ser hoje um objectivo prioritário
terapêutica com anticoagulantes. Em estudos realiza- em qualquer unidade de saúde, constituindo um
dos em adultos verificou-se que a administração de dos principais indicadores de qualidade dos cui-
proteína C activada, anticoagulante endógeno com dados prestados (Capítulo 304).
propriedades anti-inflamatórias, levou a redução da
mortalidade em casos de sépsis grave, o que não BIBLIOGRAFIA
aconteceu na idade pediátrica. Também as hipóteses Annane D, Bellissant E, Bollaert PE, et al. Corticosteroids for
de efeito benéfico com a administração da hormona severe sepsis and septic shock: a systematic review and
de crescimento (GH), tendo como base a disfunção meta-analysis. BMJ 2004; 329:480-484
do eixo hipotálamo- hipofisário, não se confirmaram Barron ME, Wilkes MM, Navickis RJ. A systematic review of the
noutros estudos científicos. comparative safety of colloids. Arch Surg 2004; 139: 552-563

QUADRO 2 – Antbioticoterapia na sépsis

Idade Agentes prováveis Antibióticos


(esquemas a adaptar em função
da probabilidade/contexto clínico ou germe isolado)

RN – 3 meses Streptococcus grupo B Ampicilina + aminoglicosídeo(x)


Enterobacteriáceas ou cefotaxima/ceftriaxona
Listeria
Herpes simplex(*) (*) + aciclovir se suspeita
> 3 meses(#) S. pneumoniae Cefotaxima/ceftriaxona (+ vancomicina
Crianças saudáveis Neisseria meningitidis se suspeita de meningite por S. pneumoniae
Haemophilus influenzae ou se estafilococo ou pneumococo resistente
Staphylococcus aureus à meticilina)
Streptococcus β hemolítico Flucloxacilina + aminoglicosídeo
Penicilina + clindamicina
Imunodeficiência, Enterobacteriáceas Vancomicina + agente anti-Pseudomonas:
neutropénia ou Pseudomonas – Ceftazidima ou cefepime
infecção S. aureus coagulase negativo – Tobramicina
nosocomial Serratia Vancomicina + ceftazidima + aminoglicosídeo
Candida Penicilina + inibidor das beta-lactamases
(clavulânico, tazobactam, sulbactam);
Carbapenems(•) (imipenem ou meropenem);
Anfotericina B
Sépsis de origem Enterobacteriáceas Cefotaxima / ceftriaxona +
abdominal Anaeróbios gentamicina + metronidazol ou
clindamicina
(#) → Nas crianças de idade > 3 meses os antibióticos empíricos de primeira linha são sempre as cefalosporinas de 3ª geração, de acordo com o quadro. Somente se associa a vancomicina nos
casos em que há forte suspeita de infecção por Streptococcus pneumoniae.
(x) → Considera-se a gentamicina como o aminoglicosídeo de 1ª escolha, reservando outros(amicacina e tobramicina) para situações mais específicas.
(•) → Carbapenems: como 2ª linha.
CAPÍTULO 270 Hipertermia e hipotermia 1329

270
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dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med 2005; 6:2-8 A temperatura corporal compreende dois compo-
Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric nentes: a chamada temperatura central (ou do
Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott interior do corpo), e periférica (ou do exterior, à
Williams & Wilkins,2009 superfície do mesmo). A temperatura central pode
Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Textbook of Pediatric ser representada pela temperatura rectal, esofági-
Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott ca e oral; por sua vez, a temperatura periférica
Williams & Wilkins,2008 pode ser exemplificada pela temperatura cutânea,
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson em geral determinada na região axilar. Cabe
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011 salientar, a propósito, que a temperatura central
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depends on the dose. Ann Intern Med 2004; 141:47-56 receptores para a temperatura central estão locali-
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Pizarro CF, Troster EJ, Damiani D, Carcillo JA. Absolute and estruturas abdominais profundas. Com as varia-
relative adrenal insufficiency in children with septic shock. ções de temperatura, estes receptores transmitem
Crit Care Med 2005; 33:855-859 impulsos aferentes através do feixe lateral espino-
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds). talâmico para o termóstato central localizado no
Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011 hipotálamo anterior/pré-óptico que, com papel
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septic shock: an evidence-based review. Crit Care Med excessivo de calor. O termo febre, com uma acep-
2004; 32(11 suppl): S451- S454 ção mais ampla, designa especificamente elevação
da temperatura > 38,5ºC associada a determina-
dos sinais e sintomas como taquicardia, taquip-
neia, delírio, letargia, alterações electrocardiográ-
1330 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ficas, etc.. Muitas vezes estes termos são em- dução de toxinas, desidratação hipernatrémica),
pregues impropriamente como sinónimos. exercício físico (sobretudo em indivíduos com
O termo golpe de calor, situação potencial- maior massa muscular), e de causa genética ou
mente fatal, caracteriza-se pela elevação da tem- desconhecida. De salientar que nos casos de hiper-
peratura central > 40ºC, associada a sintomas e termia em que se identifica o exercício físico como
sinais com maior repercussão sobre o estado geral factor de risco, poderá haver concomitantemente
que na situação considerada febre. predisposição genética.
Existem múltiplas implicações fisiopatológicas A seguir à elevação da temperatura corporal
da elevação excessiva da temperatura, de grau (com maior impacte nas situações de golpe de
diverso em função da susceptibilidade individual, calor) surge elevação do nível sérico de TNF-alfa,
de base genética. A este propósito salientam-se as IL1, IL6 e endotoxinas susceptíveis de originarem
repercussões neurológicas, sobretudo ao nível do lesão tecidual. Do balanço entre os mediadores
cerebelo, órgão particularmente sensível a altas pró-inflamatórios (tais como interferão-gama e
temperaturas; outros problemas relacionam-se com IL1-beta) e mediadores anti-inflamatórios (tais
a possibilidade de lesões no tubo digestivo e neu- como TNF-alfa e IL10) resultará o grau de lesão. A
rológicas, como hemorragia intracraniana, enfarte vasodilatação que resulta dos mediadores desvia
cerebral, edema cerebral, hipóxia-isquémia, etc.. o sangue da circulação esplâncnica para a circula-
ção à superfície, do que resulta, designadamente
Etiopatogénese hipóxia-isquémia gastrintestinal. A activação da
cascata da coagulação como resultado da lesão
Para a melhor compreensão dos problemas clíni- tecidual pela temperatura excessiva traduz-se
cos decorrentes de hipertermia, importa recordar pela presença do complexo trombina-antitrombi-
os mecanismos fundamentais do balanço térmico na e por diminuição do nível sérico das proteínas
no organismo. C, S e da antitrombina III.
O calor é produzido no organismo como resul-
tado final do metabolismo celular. Os mecanismos Formas clínicas
de perda de calor são quatro: 1 – convecção (em fun-
ção do movimento de ar circundante à pele, a tem- Golpe de calor
peratura variável; a cobertura da pele com roupa Nos casos de exposição a calor ambiente excessivo
reduz esta perda); 2 – radiação (perda para a super- em diversos cenários pode verificar-se delírio,
fície mais próxima); 3 – evaporação (da água à sua convulsões, letargia ou coma; neste contexto, com
superfície, designadamente a resultante da perspi- temperatura central > 40,6 ºC deve suspeitar-se de
ração); 4 – condução (por contacto com superfície de golpe de calor.
estrutura mais ou menos condutora do calor). Em relação com os eventos fisiopatotógicos
A maior parcela da perda verifica-se através da atrás descritos, verifica-se o seguinte quadro clí-
pele, designadamente por evaporação induzida nico-biológico-imagiológico: hipotensão e hipo-
pela perspiração. De particularizar que através volémia, IRA, alterações electrocardiográficas e
dos vasos à superfície da pele é perdido calor do ecocardiográficas (disfunção miocárdica, disrit-
sangue circulante a determinada temperatura por mias, alterações da condução, alterações do inter-
condução e convecção, sendo que o sistema valo QT e do segmento ST, etc.). O prolongamen-
simpático regula o débito sanguíneo ao nível da to do intervalo QT poderá ser devido a diminui-
pele através do efeito sobre fibras vasodilatadoras ção do cálcio, magnésio e ou potássio séricos
ou vasoconstritoras. (hipocaliémia- inicialmente- como consequência
As síndromas com hipertermia podem ter na da alcalose respiratória), hiponatrémia (perdas de
sua base factores ambientais (temperatura, humi- Na por sudorese acentuada), hipoglicémia, hipe-
dade e excesso de roupa, sobretudo em idades ruricémia, rabdomiólise (valor elevado de CPK e
extremas), certos fármacos (como certos beta-blo- mioglobinúria), acidose láctica (compensada com
queantes e neurolépticos), certas doenças (como alcalose respiratória por hiperventilação) e CID
anidrose, tirotoxicose, doenças associadas a pro- são achados frequentes.
CAPÍTULO 270 Hipertermia e hipotermia 1331

A rabdomiólise, frequente no contexto de mioglobina no túbulo renal, necrose tubular e


golpe de calor, leva a hiperpotassémia com acção IRA);
cardiotóxica, mioglobinúria, necrose diafragmáti- – administração de manitol IV (0,25 g/Kg)
ca e insuficiência respiratória grave. Nos casos de uma vez obtido o estado de hidratação, com o
rabdomiólise, e nas 24-48 horas subsequentes ao objectivo de promover diurese osmótica;
episódio agudo do golpe de calor, pode surgir – fasciotomia nos casos de rabdomiólise com
quadro de choque por sequestração de volume síndroma compartimental.
considerável de fluido intramuscular (síndroma
compartimental), o que agrava a necrose muscular Síndroma de hipertermia maligna clássica
por compressão. A chamada hipertermia maligna (HM) clássica é
O quadro de SDR (tipo adulto)com sinais de definida como uma síndroma hereditária
hipoventilação globar (pulmão branco) pode estar autossómica dominante, com expressividade e
relacionado com lesão alveolar pulmonar com dis- penetrância variáveis (em relação com gene anor-
função ou destruição do surfactante. mal localizado em locus 19q13.1, conhecendo-se
As complicações do golpe de calor ao nível do mais de 15 mutações); pode estar associada a
SNC poderão obrigar a TAC ou RMN para escla- determinadas miopatias, designadamente a conhe-
recimento de eventuais lesões. cida por central core (Capítulo 195).
O diagnóstico diferencial faz-se com afecções A sua incidência varia entre 1/15.000 aneste-
do SNC (por ex. meningoencefalite), doença de
Graves, acção de drogas como neurolépticos e QUADRO 1 – Métodos de antipirexia
anticolinérgicos, síndromas de abstinência de dro- no golpe de calor
gas (narcóticos, benzodazepinas), cetoacidose dia-
bética, hipertermia maligna (esta última aborda- Gerais
da adiante mais pormenorizadamente). – Criança sem roupa.
O tratamento (emergente) em UCIP implica a – Antipirético associado a fluidoterapia anteriormente
aplicação dum conjunto de medidas assim sinteti- referida.
zadas (Quadro 1): • 1º fármaco → paracetamol po (10-15 mg/kg/dose,4-
– ressuscitação cardiorrespiratória em obe- 6x/dia, até 80 mg/dia; duração variável); em alter-
diência aos princípios explanados no Capítulo nativa pode ser usado propacetamol IV em que 1g
265, admitindo-se a eventualidade de ulterior <> 0,5 g de paracetamol.
ventilação mecânica com PEEP e oxigenoterapia • 2º fármaco → ibuprofeno po (5-10 mg/kg/dia,4-
para correcção da hipoxémia, não ultrapassando 6x/dia, até 20 mg/kg/dia); duração variável.
FiO2 de 50%; há que ter atenção ao choque pelas – Banho com água a temperatura cerca de 4ºC inferior à
24-48 horas, após o episódio inicial nos casos de temperatura central, precedido de antipirético.
rabdomiólise; – Ingestão de líquidos se o estado do doente o permitir
– aplicação de vários métodos de arrefecimen- Específicos (a aplicar apenas em UCIP)
to com o objectivo de obter temperatura central < – Imersão em água com gelo(risco de vasoconstrição,
39ºC; interferindo com as medidas de ressuscitação).
– fluidoterapia / reidratação em caso de rab- – Aplicação de água atomizada em micropartículas
domiólise, com o objectivo de promover diurese > (spray) com ar quente de modo a manter a temperatu-
3 mL/Kg/hora e prevenir a IRA; ra corporal > 33ºC (equipamento próprio).
– correcção das alterações electrolíticas, tais – Envolvimento com lençol húmido associado a deslo-
como hiperpotassémia, hipocalcémia, etc. (Capí- cação de ar com ventoínha.
tulos 49 e 50); – Aplicação de sacos com gelo sobre as axilas, virilhas e
pescoço.
– correcção da hiperfosfatémia com quelantes
– Outros métodos (em investigação)
do fósforo e diálise;
• introdução, através de sonda, de água fria no estô-
– alcalinização da urina acrescentando bicar-
mago e bexiga;
bonato de sódio aos fluidos IV (para obter pH
• fluidoterapia IV com fluidos arrefecidos.
urinário >6,5 a fim de prevenir a precipitação da
1332 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sias efectuadas em crianças, e cerca de 1/50.000 cionável com SDR tipo adulto). Na ausência de
em adultos . intervenção emergente, a rabdomiólise leva a
A etiopatogénese relaciona-se com disfunção do aumento dos valores de CPK ~ 35.000 UI/L e a mio-
músculo esquelético (estriado), traduzida por inca- globinúria), verificando-se entretanto, taquicárdia,
pacidade de a membrana do retículo sarcoplásmico hipercaliémia e IRA mioglobinúrica. A repercussão
reter o cálcio, aumentando a sua libertação para a hepática e hematológica traduz-se por elevação de
estrutura muscular envolvente, o que leva a ALT, LDH, TP, PTT, anemia, trombocitopénia, dimi-
contracção muscular permanente e consequente nuição do fibrinogénio, aumento de PDF, etc..
estado hipermetabólico. Este estado de hipermeta- Cabe salientar que a HM tem um espectro de
bolismo conduz a um aumento do metabolismo apresentação clínica variável; de acordo com o
anaeróbio por estimulação do catabolismo do glico- Grupo Europeu de Hipertermia Maligna, distinguem-
génio, com acumulação de ácido láctico, aumento se os seguintes tipos: 1 – fulminante – o mais grave
da produção de calor e de CO2 e aumento de consu- com, pelo menos três das seguintes manifestações:
mo de O2. O aumento da permeabilidade das mem- taquicárdia e arritmia cardíaca, acidose , hipercáp-
branas leva a necrose das fibras musculares (rab- nia, rigidez muscular e febre; 2 – espasmo do massé-
domiólise) com libertação de enzimas, electrólitos e ter - a única manifestação é a contractura do mas-
mioglobina para a circulação sanguínea. Como se séter ou trismo que, só por si pode levar a admitir
pode depreender, existe repercussão destas altera- o diagnóstico de HM em 50% dos casos; 3 – aborti-
ções ao nível de vários órgãos e sistemas, pelo que o vo, traduzindo-se por alguns dos sinais e sintomas
doente deverá estar monitorizado em UCIP com ou alterações metabólicas descritos; a tríade
apoio laboratorial e imagiológico contínuo. “hipertermia, hipercápnia e acidose” constitui a
As manifestações surgem sob a forma de episó- associação mais frequente.
dios agudos na sequência de exposição do doente a No diagnóstico diferencial da HM clássica há
certos anestésicos gerais potentes e a certos anesté- que ter em conta com a chamada síndroma simile
sicos locais (Quadro 2); para além da temperatura HM (SSHM) surgindo na ausência de exposição,
corporal excedendo por vezes 41 ºC, verificam-se quer a anestésicos, quer a succinilcolina; tal situa-
rigidez muscular, trismo, acidose respiratória e ção ocorre nos casos de coma hiperosmolar hiper-
metabólica, taquicárdia e taquipneia (por vezes rela- glicémico não cetótico, associado a diabetes melli-
tus tipo 2, sendo que a hipertermia é desencadeada
QUADRO 2 – Hipertermia maligna (HM): após administração de insulina. O quadro, mais fre-
agentes desencadeantes e quente em obesos afro-americanos com acanthosis
agentes agravantes nigricans, é acompanhado de rabdomiólise, insta-
bilidade hemodinâmica e falência de órgãos.
Desencadeantes Agravantes O tratamento de emergência da HM (a cargo
Halotano Drogas simpaticomiméticas do anestesista ou intensivista) integra um conjun-
Enflurano Drogas parassimpaticolíticas to de medidas, a saber:
Isoflurano Digitálicos – suspender a administração dos agentes anes-
Desflurano Cálcio tésicos e ou de succinilcolina, ao mesmo tempo
Sevoflurano Potássio que se passa a administrar O2 a 100% com alto
Metoxiflurano Inibidores da MAO* débito (10L / minuto durante 10-20 minutos como
Tricloroetileno Inibidores da angiotensina lavagem do gás), substituindo de imediato os
Ciclopropano Antidepressivos tricíclicos tubos/ circuitos do ventilador, da máscara e dos
Contraste radiológico Bloqueantes dos canais de nebulizadores, e hiperventilar;
halogenado cálcio – administrar o relaxante muscular dantroleno
Clorofórmio na dose de 2,5 mg/kg IV, podendo a dose ser repe-
Éter tida e prolongar-se por mais 24 a 36 horas na dose
Etileno de 1-2mg/kg de 4/4h ou de 6/6h (até que os
Succinilcolina valores de CPK tenham diminuído), não ultrapas-
* MAO= monoaminoxidase
sando 10 mg/kg;
CAPÍTULO 270 Hipertermia e hipotermia 1333

– informar o cirurgião; clássica de anomalias: 1 – do estado mental (agita-


– iniciar arrefecimento corporal com soro fisio- ção, delírio); 2 – da função neuromuscular (hiper-
lógico gelado, administrado pela sonda naso gás- reflexia, clono, hipertonia, tremor); e 3 – da função
trica, algália e clister até que a temperatura desça autonómica (hipertermia, taquicárdia, HTA, diafo-
aos 38ºC; rese, vómitos, diarreia). Por vezes é confundida
– corrigir os desequilíbrios electrolíticos e me- com SNM, sendo que o clono não é proeminente
tabólicos, assim com as arritmias que porventura nesta última.
surjam; o antiarrítmico de eleição é a procainami- O tratamento inclui as seguintes medidas:
da (bolus de 1,5mg/kg de 5/5minutos até – ressuscitação circulatória com fluidos;
15mg/kg, seguido de perfusão contínua com o – fenilefrina (vasoconstritor de acção directa)
débito de 20-80mcg/kg/minuto); para tratar a hipotensão;
– manter a estabilidade hemodinâmica e a diu- – cipro-heptadina (antídoto para SS) por via
rese com suprimento em fluidos IV > 10- nasogástrica na dose diária de 0,25 mg/Kg/dia
15mL/kg/h. dividida em 4 doses (dose máxima diária de 12
mg dos 2-6 anos, e de 16 mg dos 7-14 anos).
Nos casos de SSHM o tratamento inclui tam-
bém o dantroleno; uma vez que o dantroleno é
diluído em água esterilizada, concomitantemente
deve administrar-se soluto salino hipertónico em
2. HIPOTERMIA
dose a calcular, a fim de se prevenir o rápido declí-
nio da osmolalidade sérica, susceptível de origi- Definições e importância do problema
nar edema cerebral.
Hipotermia é definida pela verificação de tempe-
Síndroma neuroléptica maligna ratura corporal central inferior a 35ºC. A hipoter-
Define-se a síndroma neuroléptica maligna mia tem implicações clínicas importantes pelas
(SNM) como situação rara associada ao uso de fár- alterações fisiopatológicas sistémicas e lesões teci-
macos antipsicóticos após período de latência de duais locais ou sistémicas que pode provocar em
dias ou semanas. função do grau, obrigando a medidas terapêuticas
As manifestações clínicas incluem classica- específicas. Tal pode acontecer designadamente
mente quatro sinais cardinais: 1 – rigidez muscu- em crianças e jovens expostos a ambientes de
lar; 2 – alterações do estado mental (confusão, agi- clima frio com neve e gelo durante grande parte
tação, catatonia, encefalopatia, coma); 3 – hiperter- do ano, e em cenários de desportos de neve e de
mia; e 4 – instabilidade autonómica (taquicárdia, escaladas de montanhas no inverno. Para além da
HTA lábil, diaforese). hipotermia de causa ambiental, são exemplos de
Para o tratamento têm sido usados os fárma- lesões provocadas pelo frio: a frieira, e a necrose
cos dantroleno, bromocriptina e amantadina. gorda ou paniculite.

Síndroma serotonínica Etiopatogénese


Define-se como síndroma serotonínica (SS) uma e manifestações clínicas
situação em que se verificam sinais de excesso de
neurotransmissão serotoninérgica pós-sináptica Tendo em consideração o balanço térmico descrito
por acção de um conjunto de fármacos após perío- em 1. torna-se importante salientar que existe
do de latência curto (~24 horas). maior susceptibilidade à lesão pelo frio em situa-
Os fármacos que podem produzir tal efeito, ções de alteração circulatória por doença cardio-
entre outros, incluem: fentanil, dextrometorfam, vascular, desidratação, anemia, toxicodependên-
L-triptofano, anfetamina, cocaína, ecstasy, fluoxe- cia, sépsis, e idades extremas (infância e velhice).
tina, amitriptilina, nortriptilina, linezolid (inibidor Surge, assim, hipotermia como epifenómeno da
da MAO), etc.. falência dos mecanismos de manutenção da nor-
As manifestações clínicas incluem uma tríade malidade da temperatura central relacionados
1334 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

com diminuição da perda ou tentativa de produ- M: arrepio inconstante, hipoventilação,hipoxé-


ção de calor (designadamente por vasoconstrição, mia e acidose respiratória, bradicárdia, hipo-
arrepio, contracção muscular). O Quadro 3 resu- tensão, hipovolémia/IRA, prolongamento do
me os principais factores etiológicos da hipoter- intervalo QT, pancreatite, doença péptica, hiper-
mia (acidental ou não, ambiental ou não), cuja glicémia, hipercaliémia, acidose láctica, oligúria,
gravidade se pode classificar do seguinte modo: rigidez, hemoconcentração, hipercoagulabilidade,
1 – Ligeira (35-32 ºC); 2 – Moderada (<32- agitação, midríase, hiporreflexia.
28ºC); 3 – Grave (<28ºC). G: ausência de arrepio, apneia, edema pulmo-
Nos casos de hipotermia moderada ou grave, a nar, SDR, AESP, FV, assitolia, pancreatite, doença
água intra ou extracelular congela, o que interfere péptica, hipercaliémia, hiperglicémia, acidose lác-
no funcionamento da bomba de sódio e conduz a tica, rabdomiólise, trombocitopénia, CID, IRA,
ruptura da membrana celular. Ocorrem igualmen- coma, pupilas não reactivas, estado símile morte
te alterações estruturais em células sanguíneas cerebral (Capítulo 265).
podendo verificar-se microembolismo ou trombo-
se. Como resultado de respostas neurovasculares Exames complementares
(vasoconstrição/vasodilatação), poderão surgir
curto-circuitos veiculando sangue para zonas No doente hipotérmico são considerados exames
menos afectadas, o que agrava as lesões iniciais. O complementares prioritários: ionograma sérico,
espectro de lesões abrange sobretudo vasos , ner- glicémia, provas de função renal, gasometria arte-
vos e pele. rial, hemograma completo, estudo da coagulação
Em função do grau de hipotermia surgem e exame toxicológico para doseamento de fárma-
manifestações clínicas e respostas diversas*, endó- cos e etanol.
crino-metabólicas e ao nível ao nível de vários sis-
temas (SNC,cardiovascular, respiratório, renal e Tratamento
neuromuscular), considerando respectivamente
os símbolos: L = ligeiras; M = moderadas; G = A actuação nos casos de hipotermia consiste nas
graves seguintes medidas, a ponderar em função do
L: arrepio,taquipneia, taquicárdia,HTA, íleo contexto clínico de cada caso:
paralítico, hipocaliémia, alcalose, diurese pelo frio – reaquecimento passivo de todo o corpo,
estado confusional, disartria, ataxia, hiperreflexia. incluindo cabeça, com cobertor no sentido de
reduzir as perdas por evaporação, em geral eficaz
QUADRO 3 – Factores etiológicos de hipotermia nos casos ligeiros (L) podendo incrementar a tem-
peratura entre 0,5 - 4ºC;
Perdas de calor aumentadas
(ambiental, iatrogénica/tratamento do golpe de calor, *Ao abordar o tópico Hipotermia, torna-se oportuno citar sucintamente
alguns exemplos de manifestações clínicas relacionadas com o efeito
queimaduras, dermatose esfoliativa,vasodilatação pe-
do frio no organismo (causa ambiental) – lesões locais provocadas pela
riférica/etanol, beta-bloqueantes,etc.). exposição prolongada ao frio (não necessariamente associadas a
Produção de calor diminuída hipotermia):
– Forma ligeira de alteração dos tecidos da pele pelo frio, especialmente
(insuficiência neuromuscular, hipoglicémia, má-nutri- da face, orelhas, extremidades dos dedos das mãos e pés em indivídu-
ção, falência endocrinológica/hipopituitarismo, hipoti- os expostos a temperaturas a temperaturas ~15ºC (áreas brancas e
frias).Poderão surgir nos 2-3 dias seguintes vesículas e descamação.
roidismo, hipoadrenalismo).
(Frostnip)
Alteração da termogénese – Frieiras (eritema pérnio), ou lesões eritematovesiculares ,por vezes
(patologia do SNC, acção de fármacos no SNC, falência ulcerando, em zonas expostas a temperaturas < 15ºC (orelhas, dedos
das mãos e pés).Verifica-se também discreto edema, dor e prurido,
do sistema nervoso periférico/neuropatias/lesão da admitindo-se que se originem por vasoconstrição. Podem durar
espinhal medula). enquanto se verificar a exposição ao frio.
– Necrose gorda induzida pelo frio (paniculite), situação benigna-
Outras situações clínicas traduzida por lesões maculares, papulares ou nodulares durando em
(lesões de politraumatismo, choque, sépsis, pancreatite, geral entre 1 a 3 semanas.
intoxicação pela água, disautonomia familiar) – Destruição da pele ou outros tecidos (sofrendo congelação e podendo
levar a gangrena) por exposição a temperaturas entre 6ºC e -15 ºC.
(Frostbite)
CAPÍTULO 270 Hipertermia e hipotermia 1335

– aquecimento externo activo através da apli- Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
cação de calor directo à pele, só efectivo se a cir- Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
culação estiver intacta, permitindo o retorno, da Williams & Wilkins,2009
periferia para a zona central do organismo, de Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Textbook of Pediatric
sangue reaquecido; tal pode realizar-se através de Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
cobertores aquecidos ou calor irradiante ou sob a Williams & Wilkins,2008
forma de ar forçado aquecido a curta distância do Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
doente; este método é eficaz em geral nos casos Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
ligeiros e moderados (L,M); 2011
– aquecimento interno activo através de ar Larach MG, Dirksen SJ, Belni KG, et al. Special article: creation
humidificado e aquecido a 42ºC por via endotra- of a guide for the transfer of care of the malignant hyper-
queal, associado a fluidoterapia IV com fluido thermia patient from ambulatory surgery centers to recei-
aquecido a 42ºC em perfusão rápida controlada ving hospital facilities. Anesth Analg 2012; 114: 94-100
conseguindo-se elevação térmica ~1ºC-2ºC/hora; McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
– aquecimento interno invasivo com “lava- Pediatrics. Madrid:Panamericana,2010
gem” através de instilação de soro fisiológico McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
aquecido na bexiga, estômago e cólon (e, nalguns Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone,
centros, também cavidades pleural e peritoneal), 2008
conseguindo-se elevação térmica ~1ºC-4ºC/hora. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
Na maior parte dos casos as disritmias corri- AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
gem-se com o aquecimento. Medical, 2011
Aplicam-se nos casos de hipotermia as medi- Ruza F, et al (eds). Tratado Cuidados Intensivos Pediátricos.
das de ressuscitação ABC descritas no Capítulo Madrid: Norma-Capitel, 2003
265 com algumas especificidades: Walpoth BH, Walpoth-Aslan BN, Mattle HP, et al. Outcome of
– em geral torna-se prioritário promover o rea- survivors of accidental deep hypothermia and circulatory
quecimento até, pelo menos, 30ºC salientando-se arrest treated with extracorporeal blood warming. NEJM
que as manobras poderão ter que ser muito pro- 1997; 337:1500-1505
longadas;
– embora o doente pareça clinicamente morto,
os esforços de ressuscitação deverão continuar até
se atingir, com as manobras de reaquecimento, a
temperatura central normal;
– justifica-se a ressuscitação circulatória agres-
siva nos doentes hipotérmicos desidratados,
tendo em conta a hipovolémia e a vasodilatação
após reaquecimento.

BIBLIOGRAFIA
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diopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular
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1336 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

271
vasos e parênquima nervoso (neurónios, dendritos,
axónios, glia). Descrevem-se os seguintes mecanis-
mos de lesão: impacte (hemorragias epidural, sub-
dural, intracerebral, contusão, fracturas); inércia
(concussão, lesão difusa axonal); hipóxia / isquémia.
Se a lesão primária não for reconhecida,
TRAUMATISMOS poderá surgir lesão secundária na base da qual
estão cinco categorias de mecanismos: excitotoxi-
CRANIOENCEFÁLICOS cidade, isquémia e falência de energia, activação
da cascata da inflamção, lesão/ruptura tecidual, e
Sérgio Lamy e Isabel Fernandes lesão dos axónios.
Todos estes fenómenos associam-se a eventos
clínicos diversos: hipotensão sistémica, insuficiên-
cia respiratória e hipóxia-isquémia, assim como
Definições e importância do problema herniação cerebral ou do tronco cerebral como
resultado de edema cerebral ou hemorragia intra-
Ao abordar-se o tópico traumatismos cranioen- craniana com consequente hipertensão intracra-
cefálicos (TCE), importa estabelecer uma destrin- niana, agravante da hipoxia-isquémia/hipoper-
ça entre traumatismo craniano (TC) e traumatis- fusão cerebral. A presença de tecido cerebral lesa-
mo cranioencefálico. A primeira situação refere-se do, por sua vez, poderá comprometer o débito
ao problema clínico associado a concussão e sanguíneo cerebral, por disfunção do mecanismo
contusão da cabeça. O TCE refere-se às situações de auto-regulação.
em que a lesão traumática da cabeça origina perda A localização do encéfalo no interior da calote
transitória da consciência, perturbação do estado craniana confere protecção às agressões externas.
mental ou amnésia, com ou sem sem défice neu- Contudo, a rigidez óssea opõe-se às variações do
rológico. Nas formas ligeiras de TC ligeiro a crian- volume do conteúdo intracraniano, exceptuando
ça está consciente ou é facilmente despertável, não nas primeiras idades em que se verifica certo grau
se verificando défice neurológico. De acordo com de distensibilidade da calote enquanto não se
estudos epidemiológicos, na maioria das situações verificar encerramento das fontanelas e suturas.
não se verifica evolução de TC para TCE. A partir das idades em que a calote deixa de
A lesão cerebral constitui a causa mais fre- ser distensível, a expansão do tecido cerebral, ou
quente de morte por traumatismo em idade dos fluidos que circulam dentro do crânio, por
pediátrica (~75-98%). De referir que o veículo lesão traumática, originam elevação da pressão
motorizado é o componente que comporta maior intracraniana (hipertensão intracraniana).
risco no ambiente que rodeia a criança. O aumento do volume do tecido cerebral, do
Os TCE correspondem a cerca de 50% dos aci- volume sangue contido no tecido cerebral e
dentes no primeiro ano de vida e a 25% dos mes- meninges, e ou do volume do LCR por patologia
mos até aos 5 anos. Nos EUA estima-se uma inci- (como edema, hemorragia, ou hidrocefalia) origi-
dência de 200-300 casos por 100.000 crianças por na desvio do LCR para o canal espinal como
ano, correspondendo a cerca de 1-2 % de todas as mecanismo de compensação que, como se pode
situações de emergência no referido grupo etário. calcular, tem limites.
Destas, cerca de 5% são fatais. Se o aumento do volume intracraniano for
muito acentuado, a pressão intracraniana (PIC)
Etiopatogénese aumenta rapidamente. Se a PIC exceder a pressão
venosa (PV) os vasos cerebrais são comprimidos,
O TCE pode originar dois tipos de lesão: primária o que se repercute sobre a pressão de perfusão
e secundária cerebral (PPC – pressão que garante o débito san-
A chamada lesão primária é imediata e corres- guíneo cerebral); a consequência é a redução do
ponde à lesão física do couro cabeludo, crânio, dura, débito sanguíneo cerebral.
CAPÍTULO 271 Traumatismos cranioencefálicos 1337

Recordam-se, a propósito algumas noções coordenado de equipa treinada, importando cha-


básicas: mar a atenção para a necessidade de:
– a PPC é a diferença entre a pressão nas arté- – tratar prioritariamente a disfunção respi-
rias à entrada na calote craniana e a PIC; ratória e cardiovascular;
– na maior parte dos órgãos, o débito sanguí- – anamnese inquirindo sobre circunstâncias
neo é directamente proporcional à diferença entre em que se verificou o acidente, sinais e sintomas
a pressão arterial e a pressão venosa (pressão de ocorridos eventualmente como convulsões, vómi-
perfusão) e inversamente proporcional à resistên- tos, hemorragias nasais ou auriculares, perda de
cia que o órgão oferece ao leito vascular; LCR, etc.;
– nalguns órgãos como o coração e o cérebro, – exame somático global para detecção de
verifica-se igualmente um mecanismo de regula- lesões como abdómen agudo, fracturas, lesões do
ção através do tono vascular (resistência vascular) tórax,etc;
de modo a garantir débito sanguíneo constante – observação cuidadosa da calote craniana;
face às variações da pressão de perfusão; trata-se – monitorização dos sinais vitais (pressão arte-
do fenómeno de auto-regulação. rial e pulso; hipertensão e bradicárdia apontam
para hipertensão intracraniana, enquanto hipo-
Ao nível ultra-estrutual são verificados os tensão e taquicárdia, para choque hipovolémico);
seguintes eventos como resultado do TCE: – avaliação neurológica prévia englobando
– depleção de fosfocreatina com repercussão no atenção especial à pupila (simetria,dimensões e
défice de energia para as reacções requerendo ATP; reacção à luz), ao nível de consciência através da
– falência da membrana com perda de gra- escala de Glasgow ou Glasgow Coma Scale/GCS
dientes iónicos, aumento de Ca++ e Na+ e diminui- (Capítulo 267), à existência de défices motores e
ção de K+ intracelulares; de sinais meníngeos; anisocória pode sugerir her-
– libertação de ácidos gordos livres da mem- niação ou hematoma epidural ou subdural*;
brana neuronal; – outros procedimentos a aplicar concomitan-
– acção do glutamato e doutros aminoácidos temente em função do contexto clínico (Quadro 1
excitatórios originando lesão neuronal (excitotoxi- e Figura 1); salienta-se que a realização de radio-
cidade) paralelamente à produção de radicais grafia do crânio nos TC ligeiros é pouco esclarece-
livres; dora; por isso, é dada preferência à TAC-CE em
– estresse por acção do O e N como resultado situações acompanhadas de perda de consciência,
da disfunção mitocondrial; sinais de fractura, suspeita de síndroma da crian-
– peroxidação lipídica e oxidação proteica, ça batida, sinais neurológicos focais, ataxia, cefa-
conduzindo a lesão do ADN, necrose e apoptose; leias e vómitos persistentes, otorráquia, rinorrá-
estes fenómenos são associados a nível elevado quia, convulsão ou antecedentes de discrasias san-
de poli-insaturação; guíneas; a necessidade de suporte ventilatório
– edema citotóxico conduzindo a necrose neu- implica seguramente, também, monitorização
ronal e edema vasogénico (relacionado com disfun- hemodinâmica invasiva e monitorização da PIC.
ção da barreira hemato-encefálica por inflamação).
Algumas formas clínicas e actuação
Actuação inicial em situações específicas

Sendo os TCE situações emergentes, importa Importa considerar as principais formas clínicas
abordar aspectos da actuação inicial (prioritária) de apresentação, descritas a seguir, chamando-se a
antes da descrição sucinta das formas clínicas atenção para medidas particulares de actuação.
mais frequentes e dos procedimentos a realizar Associada a qualquer das formas clínicas poderá
durante a estadia do doente na unidade de cuida-
dos intensivos pediátricos.
*Interpretação: graus 13-15: ligeiro compromisso neurológico;
Numa perspectiva prática, a actuação no âmbi- graus 9-12: moderado compromisso neurológico; graus < 8: grave
to deste problema clínico pressupõe um trabalho compromisso neurológico
1338 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Procedimentos ABC (Airway – Breathing – Circulation). Entubação traqueal: quando,


quem, como?

Quando
• Escala de coma de Glasgow (GCS) < 8
• Decréscimo de 3 pontos na GCS
• Assimetria pupilar
• Esforço respiratório ineficaz ou lesão torácica ou pulmonar significativa
• Perda do reflexo faríngeo (gag)
• Apneia
• Convulsões
Por quem
• Pela mais qualificada e experiente pessoa disponível…
• Com a presença de, pelo menos, duas pessoas qualificadas e experientes…
• Com o apoio indispensável de equipa de enfermagem e de assistência respiratória
Como
• Estabilização com tracção axial do pescoço se houver suspeita de lesão da coluna cervical (até prova em contrário, toda a
lesão craniana está associada a lesão cervical)
• Compressão da cartilagem cricóide
• Pré-oxigenação com O2 a 100% e máscara (2-3minutos)
• Lidocaína (1-2 mg/Kg) – prevenção da elevação da pressão intracraniana (PIC)
• Tiopental :2-3 mg/kg se TC + hipovolémia; 5-7 mg/kg na ausência de hipovolémia
• Considerar bloqueio neuromuscular: vecurónio (0,2-0,4mg/Kg)
• Entubação
• Promover oxigenação e ventilação eficazes

estar hipertensão intracraniana cujos sinais são: de Battle) – por dissecção do sangue na re-
alteração do estado de consciência, edema da gião occipital ou mastoideia;
papila, cefaleias, paralisia do 6º par craniano e ani- • laceração do canal auditivo externo, nervos
socória por midríase unilateral. facial e auditivo (fractura do rochedo tempo-
ral).
Fracturas do crânio • hemorragia endotimpânica com abaulamen-
Existindo uma força de impacte importante, o clí- to (fractura do rochedo temporal);
nico poderá deparar com diversas situações. • equimose periorbitária – dissecção do
– Fractura linear; deverá ser ponderada a vigi- sangue para a região periorbitária;
lância no domicílio ou no hospital. • perda de LCR (nasal, canal auditivo) <> rup-
– Fractura exposta (risco de lesão directa do tura da leptomeninge.
SNC e risco infeccioso); tal implica necessidade de
avaliação neurocirúrgica. Este tipo de fracturas exige hospitalização,
– Fractura com afundamento (quando a tábua fluidoterapia IV, analgésicos e anti-eméticos,
interna sofre uma deslocação superior à espessura estando contra-indicada a entubação nasogástrica
do osso); obriga à necessidade de avaliação neuro- pelo risco de lesão da lâmina crivada do etmóide.
cirúrgica e antibioticoterapia. A evolução, embora decorra habitualmente sem
– Fractura da base do crânio (basilar); o dia- complicações, estas poderão surgir:
gnóstico é clínico e imagiológico. A TAC evidencia – perda de LCR pela lâmina crivada do etmói-
sinais de fractura e de lesões cerebrais associadas. de é a mais frequente (~80 %), em geral com cura
Relativamente ao exame objectivo há a salientar: espontânea em cerca de 1 semana;
• equimose retroauricular ou mastoideia (sinal – meningite (3-25% com rinorráquia; 4-5% com
CAPÍTULO 271 Traumatismos cranioencefálicos 1339

CRIANÇA COM TRAUMATISMO CRANIANO

Anamnese Considerar radiografia cervical


Exame objectivo
Identificar lesões cervicais
Estabilizar: vias aéreas, respiração, circulação

Classificar a gravidade do TCE

Ligeiro Moderado Grave


• Assintomático • Perda de consciência >10 minutos pós-trauma • Dispneia
• Sem perda de consciência e • Convulsões pós-trauma • Instabilidade hemodinâmica
recuperação rápida do status • Défices neurológicos focais • Status mental alterado (coma)
mental • Amnésia retrógrada superior a 30 minutos • Irritabilidade intensa
• Fractura com afundamento, fractura da base do • Sinais de hipertensão intracraniana (cefaleias
crânio, perda de líquido cefalo-raquidiano intensas, vómitos incoercíveis, alteração do
• Cefaleias intensas status mental)
• Vómitos persistentes
• Irritabilidade
• Valor igual ou inferior a 13 na escala de Glasgow

Considerar radiografia do crânio Hospitalizar em UCIP

Seguimento:
Monitorização
avaliar em 12-24 h
Suporte respiratório
Suporte hemodinâmico

Boa evolução Deterioração Tratar edema cerebral:


(Escala de Glasgow ≤ 13) • Cabeça elevada a 30º, neutral
• Manter pressão arterial adequada (volume, aminas)
• Manter glicémia normal
Tratamento: • Controlar convulsões
Hospitalizar • Manter temperatura normal
Vigilância e
• Manter ionograma e equilíbrio ácido-base normais
comunicação • Manter PaO2 > 90 mmHg
com o médico Considerar: TAC CE, Laboratório • Manter PaCO2 >32<40 mmHg

Edema Fracturas: Hemorragia: Contusão


cerebral Linear Epidural Corpo estranho
Afundamento Subdural
Normal Anormal Basilar Intracerebral

Observação
Identificar complicações: NEUROCIRURGIA Boa resposta
Identificar: • Coagulação intravascular disseminada
convulsões pós-trauma • Perda de líquido céfalo-raquidiano
• Hidrocefalia
• Sindroma pós-concussão Seguimento:
Anticonvulsantes • Síndroma de secreção inapropriada de Défices neurológicos
hormona anti-diurética Convulsões pós-trauma

FIG. 1
Algoritmo para actuação nos casos de TCE.
1340 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

otorráquia); está contra-indicada a antibioticotera-


pia profiláctica;
– lesão dos nervos cranianos: entre 3-10 % com
anósmia (permanente), entre 1-10 % com paralisia
ocular recuperando na maioria dos casos (~75%);
entre 1-12% paralisia facial, com recuperação em
cerca de 90%; e, em cerca de 2%, surdez neuros-
FIG. 2
sensorial completa.
Esquema de hematoma
Concussão epidural.
Trata-se da perda de consciência transitória na
sequência de traumatismo craniano (termo descri- ciente para descolar a dura do crânio. Trata-se
tivo, sem especificar alterações anatómicas ou dum hematoma limitado pelas linhas das suturas,
fisiológicas). A sintomatologia acompanhante podendo a sua origem ser arterial (manifestações
varia; surgidas cerca de 6-8 h após evento desencadean-
– nas crianças mais novas: sonolência e vómi- te), ou venosa (de início de manifestações mais
tos arrastados,sendo elevada a incidência de tardio, cerca de 24 horas depois da acção do
convulsões benignas pós-traumáticas; desencadeante). Classicamente existe um intervalo
– nas crianças mais velhas (colaborantes): livre de tempo (intervalo lúcido) entre o evento
amnésia pós-traumática, com duração proporcio- agressivo e o início das manifestações clínicas com
nal à gravidade do trauma). deterioração neurológica em geral rápida; as
Dum modo geral, verifica-se normalização da manifestações dependem da expansão maior ou
função neurológica em 1 semana. A chamada sín- menor do hematoma, da possível herniação do
droma pós-concussão pode persistir até 1 ano lobo temporal, e da eventualidade de compressão
(ligeiro atraso na aprendizagem, alterações de da protuberância. A anisocória, com se disse,
comportamento, cefaleias ligeiras ou moderadas). poderá ser um sinal suspeito. O hematoma da
fossa posterior é assintomático, em geral até se
Contusão verificar herniação.
Esta designação refere-se à maceração do tecido A TAC CE evidencia sinais de lesão de alta
nervoso com hemorragia microscópica, sem lace- densidade, localizada, lenticular e efeito de massa.
ração de tecidos. A actuação emergente consiste em cranioto-
As causas mais frequentes relacionam-se com mia. Quanto ao prognóstico: mortalidade ~5% e
agressão directa e efeito por desaceleração /acele- recuperação em cerca de 90% dos casos.
ração.
Verifica-se deterioração neurológica relaciona- Hematoma subdural agudo
da com edema local progressivo, enfarte ou hema- O hematoma subdural agudo é uma colecção de
toma. sangue na superfície do córtex, debaixo da dura,
O tratamento é fundamentalmente médico: em geral associada a lesão cortical (laceração de
controlo da PIC. Em função da magnitude das vasos ou contusão cortical), por acção mecânica de
lesões e sintomatologia, poderá estar indicado tra- agente externo. Ao contrário do hematoma epidu-
tamento cirúrgico: drenagem de eventual hemato- ral, não está limitado pelas linhas das suturas,
ma. O prognóstico é favorável. podendo ser holo-hemisférico.
As manifestações neurológicas surgem abrup-
Hematoma epidural tamente, sem intervalo lúcido, o que se pode rela-
Esta forma clínica, geralmente associada a fractu- cionar com lesão parenquimatosa grave associa-
ra, corresponde à colecção de sangue entre o crâ- da.Poderá surgir anisocória entre outros sinais.
nio e a dura-máter. (Figura 2) A TAC CE, realizada com carácter emergente,
Os factores etiológicos relacionam-se com evidencia sinal em forma de crescente de hiper-
agressão directa sobre a cabeça, com energia sufi- densidade localizado ao longo da convexidade,
CAPÍTULO 271 Traumatismos cranioencefálicos 1341

efeito de massa importante, lesão cerebral subja- Lesão penetrante


cente e sinais de edema cerebral. Nos casos de lesões penetrantes está indicada
O tratamento é médico e cirúrgico. O prognós- intervenção neurocirúrgica emergente com avalia-
tico é menos favorável do que no caso do hemato- ção imagiológica (TAC CE, RMN ou angiografia).
ma epidural. (Figura 3) O objecto penetrante não deve ser removido pelo
risco de hemorragia.
Hematoma subdural crónico Deverá proceder-se a antibioticoterapia pro-
Esta situação corresponde a uma colecção hemáti- filáctica e a terapêutica anticonvulsante em situa-
ca no espaço subdural com produtos sanguíneos ções associadas a lesão cortical.
degradados. O principal factor etiopatogénico é
um trauma não acidental (especialmente por Hemorragia intraventricular
abuso). Este tipo de lesão traumática é, na maioria dos
Raro em crianças depois dos 2 anos (a distensi- casos, provocada por pequenos traumas, com
bilidade craniana – fontanelas e suturas – permi- resolução espontânea. Existe risco de hidrocefalia
tem uma lenta acumulação de líquido subdural), obstrutiva .
manifesta-se por convulsões como epifenómeno Poderá estar indicada derivação ventriculope-
de irritação cortical; poderão verificar-se hiper- ritoneal.
tensão intracraniana e hemorragias retinianas.
A TAC CE revela: sinais de colecção hipodensa Hemorragia subaracnoideia
nas convexidades cerebrais, em forma de crescen- Constitui a hemorragia intracraniana pós-traumá-
te; alargamento dos espaços do LCR; e sulcos tica mais frequente
espaçados. Os sinais clínicos incluem: irritação das me-
O tratamento é geralmente médico e, por vezes nínges pela hemorragia (cefaleias, rigidez da
cirúrgico. nuca, agitação, náuseas/vómitos). O tratamento é
sintomático, incluindo analgesia com paracetamol
Hematoma intracerebral e corticosteróides.
Esta entidade clínica é pouco frequente na idade
pediátrica.Em geral associado a lesão parenqui- Lesão axonal difusa
matosa grave, acompanha-se de prognóstico Esta entidade corresponde a ruptura das vias axo-
reservado. nais (resultado do efeito desaceleração/aceleração
O tratamente consiste essencialmente em dre- do crânio) com repercussão sobre os núcleos
nagem cirúrgica. basais, tálamo e corpo caloso. A RMN revela sinais

A B C

FIG. 3
Hematoma subdural: A – representação esquemática; B – imagem de TAC ; C – idem com drenagem externa.
1342 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de pequenas e numerosas hemorragias, assim A


como edema parenquimatoso difuso.
O prognóstico é reservado pelas sequelas, obri-
gando a ulterior reabilitação.

Lesão de golpe-contragolpe
Esta lesão traumática pode resultar de queda para
trás com consequentes lesões bilaterais ou de
acção traumática exercida sobre a região frontal
(Figura 4). Geralmente estão implicados os lobos
frontal inferior e temporal.

Síndroma do bébé abanado


(Shaken Baby Syndrome) B
A esta situação já foi feita referência no Capítulo 37.
Como consequência da oscilação da cabeça para a
frente e para trás originando flexões e extensões da
região cervicocefálica rápidas, intermitentes e até
ao limite de mobilidade, poderão surgir:
– hematoma subdural e ou hemorragia intra-
parenquimatosa
– hemorragias retinianas bilaterais; (Figura 5);
– fracturas ocultas.

Terapia na unidade
de cuidados intensivos
FIG. 5
Para além dos aspectos focados na alínea Actua-
ção inicial, importa focar os procedimentos a apli- Sinais de hemorragias retinianas: A – Fundoscopia evidencian-
car durante a estadia do doente na UCIP: do sinais de hemorragia peripapilar; B – Hemorragia intra e
pré-retiniana.
Golpe Contragolpe
– Posição do pescoço na linha média, elevação
da cabeça < 30º;
– Avaliação neurológica e exame objectivo
seriado;
A B – Monitorização contínua cárdio-respiratória,
hemodinâmica, da PIC e da PPC;
Primeiro Segundo
impacte impacte – Oxigenação e ventilação;
– Manter PEEP < 10 para prevenir a diminui-
ção do retorno venoso;
FIG. 4
– Evitar a hiperventilação;
Representação esquemática de lesão de cabeça fechada tipo – Garantir o suporte hemodinâmico (normo-
chicote (golpe-contragolpe) com os seguintes estádios: A – volémia), rendibilizando PPC de modo que se
cabeça empurrada para trás com o cérebro a chocar com a estabeleça a relação → PPC<>PAM-PIC
parede do crânio (impacte primário); B – cabeça empurrada
– Tratar o edema cerebral (diuréticos de ansa e
para a frente com o cérebro a chocar com a parede posterior
do crânio (impacte secundário). Neste tipo de lesões há promover diurese osmótica);
grande probabilidade de ocorrer hemorragia subaracnoideia – Tratar a hipertensão intracraniana (Capítulo
com contusão dos lobos frontal e temporal. 267);
CAPÍTULO 271 Traumatismos cranioencefálicos 1343

– Drenar hemorragias ocupando espaço; PIC – pressão intracraniana


– Considerar drenagem do LCR com ventricu- HIC – hipertensão intracraniana
lostomia quando possível; UCIP – unidade de cuidados intensivos pediátricos
– Promover fluidoterapia hiperosmolar, man- PAM – pressão arterial média
tendo natrémia entre 145-155mEq/L e a diurese; PA – pressão arterial
manter osmolalidade sérica < 320 mOsm/kg para TAC CE – tomografia axial computadorizada cranioencefálica
evitar agravamento da lesão do tecido neural; CID – coagulação intravascular disseminada
– Tratamento da dor e da agitação (considerar PPC – pressão de perfusão cerebral
pré-medicação para as actividades de enferma- ET – endotraqueal
gem, com bloqueio neuromuscular cauteloso
quando necessário); BIBLIOGRAFIA
– Monitorização cuidadosa da PIC durante os Bishop NB. Traumatic brain injury: a primer for primary care
cuidados de enfermagem, limitando ao mínimo a physicians. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care 2006;
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dade de vigilância, incidindo a atenção sobre Roppolo LP, Walters K. Airway management in neurological
determinados aspectos, quer nos casos de TCE, emergencies. Neurocrit Care 2004; 1:405-414
quer nos de TC ligeiro: Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
• Alteração do estado mental/comportamento AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
• Observação das pupilas (dimensões, sime- Medical, 2011
tria e resposta à luz)
• Dificuldade em falar
• Alterações da visão
• Desequilíbrio na marcha
• Dificuldade em usar os membros superiores
• Cefaleias ou vómitos persistentes
• Convulsões
• Febre.

ABREVIATURAS
GCS – Glasgow Coma Scale
SNC – sistema nervoso central
TC – traumatismo craniano
LCR – líquido cefalo-raquidiano
1344 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

272
dedos, corre pela casa sem se fazer notar, etc. Os
líquidos quentes são a principal causa de queima-
duras neste grupo etário (60%): água a ferver, leite,
chá, café, sopa, óleo alimentar,azeite, etc.); de
salientar que cerca de 95% dos acidentes ocorrem
na cozinha na presença de, pelo menos, um adulto.
QUEIMADURAS. ABORDAGEM Na faixa etária dos 5 aos 10 anos a água quente
continua a ser a principal responsável, mas verifi-
MULTIDISCIPLINAR ca-se um aumento importante dos acidentes com
fogo, mais frequentemente associado a substâncias
Rui Alves (Cirurgia) inflamáveis como o álcool ou a gasolina.As quei-
Maria José Costa (Medicina Física e Reabilitação) maduras eléctricas são mais frequentes no grupo
etário dos 1-4 anos; e, a partir dos 10 anos, há um
recrudescimento de acidentes por esta causa.
Nos Estados Unidos ocorrem em cada ano
1. QUEIMADURAS E TRATAMENTO cerca de dois milhões de queimaduras, que origi-
EMERGENTE nam internamento de 150.000 doentes. Neste país
as queimaduras são causa de morte em 2.500
Definições e importância do problema crianças por ano; e entre os sobreviventes, 50%
requerem internamento superior a um mês. Por
As queimaduras são lesões da pele e mucosas, de outro lado, as queimaduras são responsáveis por
extensão e profundidade variáveis (lesões tridi- sequelas graves em cerca de 10.000 casos ano. São
mensionais) que podem ser causadas por agentes também, em acidentes domésticos, a primeira
físicos (líquidos quentes ou frios,corpos sólidos causa de morte até aos catorze anos de idade .
incandescentes, fogo, radiações ionizantes, corren- Esta patologia pode, por outro lado, estar asso-
te eléctrica), químicos corrosivos (fósforo, fluor, ciada a casos de maus tratos infantis (entre 10-20%
ácidos e bases fortes, hidrocarbonetos, medica- conforme as estatísticas). Este tipo de abuso é típi-
mentos com acção na queratina) e biológicos (ani- co antes dos cinco anos de idade, apresentando um
mais como a medusa, vegetais como látex, etc.). pico de incidência cerca dos 18 meses.
Idênticas lesões podem ser consequências de As queimaduras ocorrem também com inci-
fotosensibilidade em relação com a ingestão de dência significativa em meios socialmente desfa-
sulfamidas, butazolidina ou difenil-hdantoína vorecidos e no contexto de crianças sozinhas
(síndroma de Leill). durante longos períodos de tempo, sem vigilância
A maioria das queimaduras em crianças é pro- adequada. Por isso, a principal medida com o
vocada por acidentes domésticos; dum modo objectivo de diminuir a incidência deste problema
geral são mais graves que no adulto. Com efeito, é a prevenção.
na criança as várias estruturas que formam a pele
ainda não atingiram a maturação e são menos Etiopatogénese
espessas. Por outro lado, os reflexos de defesa,
consoante a idade, podem ainda não estar pre- A pele é constituída por uma camada superficial,
sentes. a epiderme, uma camada intermédia, a derme ou
mesoderme, e uma camada profunda, a hipoder-
Aspectos epidemiológicos me. Na epiderme encontram-se os queratinócitos,
os melanócitos e as células de Langerhans. Na
É sobretudo na faixa etária dos 0 aos 4 anos, com derme as células principais são os fibroblastos;
maior incidência aos 2 anos, que ocorrem queima- nela existe uma rede densa, fibrosa, composta por
duras. É nesta fase de desenvolvimento psicomotor colagénio, elastina e reticulina onde abundam os
que a criança está mais activa na descoberta do vasos sanguíneos, as terminações nervosas, as
ambiente que a rodeia: agarra, puxa, mete os glândulas sebáceas e as estruturas pilosas. A hipo-
CAPÍTULO 272 Queimaduras. Abordagem multidisciplinar 1345

derme é constituída essencialmente por células A resposta inflamatória à queimadura é consti-


adiposas. tuída por uma fase vascular e uma fase celular.
A separação entre a epiderme e as camadas Inicialmente ocorre um curto período de vaso-
mais profundas é feita pela junção dermo-epidér- constrição seguido de vasodilatação activa.
mica ou membrana basal. (Figura 1) Simultaneamente verifica-se afluxo à zona da
Por efeito do agente agressor ocorre trombose lesão de vários mediadores inflamatórios, proteí-
vascular levando a hipóxia, isquémia e grau variá- nas, macromoléculas assim como neutrófilos,
vel de disfunção e destruição celulares. Esta varia- monócitos e plaquetas. Os monócitos têm um
ção depende fundamentalmente da área afectada, papel central na modulação da resposta infla-
do tipo e intensidade da acção do agente agressor, matória. Os factores de coagulação e o comple-
e da espessura da pele. mento estimulam a migração celular e regulam a
Na pele lesada por queimadura são identifica- fase de resposta vascular.
das três zonas no sentido da superfície para a pro- A resposta imunitária processa-se nas seguin-
fundidade. A zona externa (mais superficial) tes fases: uma, inespecífica, ocorrendo logo no
inclui tecido necrótico irrecuperável. Abaixo desta período inicial pós queimadura; outra, constando
encontra-se zona de estase parcialmente viável, de resposta celular e humoral mais tardia; e, final-
podendo evoluir para necrose. A zona adjacente à mente por uma resposta específica linfocitária de
zona de estase é a chamada zona de hiperémia, natureza tímica e não tímica. Os elementos celu-
dado que se verifica a esse nível incremento do lares referidos são fundamentalmente neutrófilos
fluxo sanguíneo associado a resposta inflamatória e macrófagos; e os elementos humorais integram
e imunitária. factores de coagulação, fibrinogénio, complemen-
Ao nível da superfície lesada, por alteração da to e fibronectina. A acção sinérgica dos linfócitos B
permeabilidade capilar, verifica-se extravasão de pela produção de anticorpos específicos, e dos
fluidos e plasma para os tecidos vizinhos (edema), linfócitos T pela libertação de linfocinas, condicio-
do que poderá resultar hipovolémia e choque. na a resposta imunitária final.
A libertação de prostaglandinas provoca irrita- A supressão da resposta imunitária nestes
ção das terminações nervosas sensitivas que se doentes é um fenómeno bem documentado. Tal
traduz clinicamente por dor. Nos casos de quei- fenómeno poderá contribuir para o agravamento
maduras de boca poderá haver edema e obstrução clínico global do doente queimado e, designada-
das vias respiratórias. mente, para o aparecimento de quadro séptico
pós-queimadura explicável por compromisso da
da fagocitose e da quimiotaxia dos neutrófilos,
por disfunção dos macrófagos, e diminuição da
resposta linfocitária à estimulação mitogénica, dos
niveis de IL-2, de fibronectina, de gamaglobulina,
e da acção celular T-supressora.
A resposta metabólica às queimaduras cursa
com um período inicial de hipometabolismo
durante 48 horas, iniciando-se posteriormente um
período de hipercatabolismo que pode originar
perda importante de proteínas estruturais e de
lípidos. Esta fase prolonga-se enquanto não se
verifica reepitelização da área queimada, e agra-
va-se durante os episódios de infecção, o estresse
pós-operatório, e a colheita e colocação de enxer-
tos cutâneos.
As queimaduras químicas, eléctricas e as pro-
FIG. 1
vocadas por agentes inalados merecem uma refe-
Esquema da pele. rência especial.
1346 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

As primeiras provocam desnaturação das pro- Na literatura tem sido descrita situação de
teínas e destruição celular. O grau de lesão depen- carência em vitamina D como resultado das cica-
de do tempo de exposição, da concentração do trizes extensas. (Capítulo 59)
agente e da sua solubilidade nos tecidos, sendo
que os agentes alcalinos tendem a penetrar mais Manifestações clínicas e classificação
que os ácidos.
No caso das queimaduras eléctricas, o efeito De acordo com a profundidade das lesões, as
lesivo não pode ser somente avaliado pela lesão queimaduras podem ser classificadas em 3 graus:
verificada à superfície. Com efeito, uma vez que a
corrente eléctrica segue a via dos tecidos com 1° grau – As lesões estão confinadas à camada
menor resistência, como consequência poderão mais superficial da pele – a epiderme – sem perda
surgir lesões “à distância”, ao longo dos nervos e de continuidadade, não sendo atingida a mem-
vasos, e lesão miocárdica em grau variável, tradu- brana basal (Figura 1). Traduz-se por eritema
zida muitas vezes por arritmia. doloroso. São exemplos as queimaduras provoca-
Quanto às lesões inalatórias, exceptuando no das por exposição solar ou por contacto de curta
caso do vapor de água a temperaturas elevadas, o duração com chama; quanto à evolução, salienta-
calor provoca lesão apenas acima das cordas se a cura espontânea em menos de uma semana,
vocais. No que respeita à inalação de fumo, como sem sequelas.
consequência surge alteração da permeabilidade 2° grau – As queimaduras, lesando a membra-
vascular pulmonar, do que podem resultar: na basal, atingem também a derme mais ou menos
edema pulmonar e destruição do surfactante pul- profundamente (2º grau superficial, e 2º grau pro-
monar com consequentes diminuição da distensi- fundo, respectivamente), com formação de erite-
bilidade alveolar (compliance) e hipoventilação que ma e flictenas ou bolhas (que correspondem à acu-
pode culminar em insuficiência respiratória. mulação de líquido seroso subepidérmico). Nesta
Contudo, a maioria das lesões da via respiratória modalidade de queimaduras é possível a regene-
é atribuída a queimaduras por aspiração/inalação ração a partir do epitélio glandular.
de produtos químicos como gases tóxicos,óxidos, – Nas formas superficiais a pele mantém a elas-
aldeídos e produtos azotados. ticidade normal, verificando-se reepitelização
A perda de integridade da pele expõe a criança cerca de 2 a 3 semanas após o evento agudo. A
ao ambiente exterior de agentes infecciosos como sequela mais frequente é a hipo ou hiperpigmen-
bactérias, vírus e fungos, ao mesmo tempo que leva tação, sinal que poderá regredir ao cabo de alguns
à perda de fluidos e de temperatura corporal. meses, sobretudo nas crianças mais pequenas.
Em geral as complicações secundárias das – Nas formas profundas verifica-se edema mais
queimaduras estão ligadas à infecção e à ulterior acentuado relativamente às superficiais, com
cicatrização. aspectos variáveis da pele: vermelho brilhante, ou
Quando a queimadura é profunda, o processo branco amarelado, ou ainda aspecto nacarado
de cicatrização é prolongado, com formação, após central com halo de eritema. A cura é mais lenta
3-6 meses, de cicatriz hipertrófica relacionada com que nas formas superficiais, podendo aparecer,
proliferação dos fibroblastos e neovasos, concomi- como sequelas, cicatrizes hipertróficas e retracção
tantemente com aumento da produção de colagé- da pele com repercussão funcional músculo-
nio espesso e desorganizado. A cicatriz tem aspec- esquelética. (Figura 2)
to vermelho, é rosada, dura e pruriginosa; a partir 3° grau – Neste tipo de queimaduras que, em
do 9º-12º mês, este processo inflamatório diminui, fase inicial se poderão confundir com as de 2º grau
adquirindo progressivamente a cicatriz o aspecto profundas, toda a espessura da derme e tecidos
de cor rosada clara até atingir, pelo 18º-24º mês, o subjacentes são atingidos, com destruição de
aspecto de pele normal. vasos e terminações nervosas; trata-se de lesões
No caso das queimaduras eléctricas poderão indolores com aspecto macroscópico de necrose
surgir sequelas tardias (meses ou anos) como cata- de coagulação dos tecidos. A cura é lenta e as
ratas e mielite transversa. sequelas graves.
CAPÍTULO 272 Queimaduras. Abordagem multidisciplinar 1347

1 – extensão traduzida objectivamente pela


percentagem de área total queimada (TSBA
-sigla de: total surface burn area);
2 – espessura e vascularização do tecido atin-
gido;
3 – localização;
4 – idade < 5 anos

São consideradas queimaduras major com


indicação de serem referidas para centro especiali-
zado (com unidades de cuidados especiais ou
intensivos e condições de internamento implican-
do isolamento e assépsia rigorosos, assim como
apoio de equipas multidisciplinares médico-cirúr-
gicas especializadas) aquelas com as seguintes
particularidades:
– se TSBA > 15%;
– se TSBA > 9% e idade < 5 anos;
– se do 3º grau com TSBA > 5%
– se associadas a doenças pré-existentes e a
lesões traumáticas;
– se atingirem olhos, orelhas, face, mãos, pés,
períneo;
– se eléctricas;
– se inalatórias.

Nos casos de TSBA > 50% a probabilidade de


sobrevivência é limitada.
Chama-se a atenção para o facto de a distribui-
ção da TSBA ser diferente da do adulto, o que se
explica pelas particularidades somatométricas do
FIG. 2
organismo em idade pediátrica (crescimento e
Cicatriz em fase inflamatória (vermelha, dura e pruriginosa). desenvolvimento), verificando-se maior relação
superfície/peso. O Quadro 1 é elucidativo.
Na prática clínica, são consideradas queima- A determinação da extensão da queimadura
duras profundas as de 2º grau profundas e as de 3º permite uma estimativa do cálculo das perdas de
grau. fluidos e das respectivas necessidades, o que tem
Como nota, salienta-se que constituem sinais de implicações práticas ao estabelecer o plano de tra-
suspeita de queimaduras por maus tratos: 1 – pre- tamento emergente (Parte X).
sença de lesões da pele simétricas; 2 – lesões do
períneo e dos membros inferiores; e 3 – intervalo de Exames complementares
tempo alargado entre a ocorrência da queimadura
e o pedido de observação médica. (Capítulo 37) Sucintamente são indicados alguns exames com-
plementares nos casos de queimaduras que reque-
Factores de gravidade rem internamento. Contudo, cada caso – mesmo
sem indicação para internamento – deverá ser
Classicamente considera-se que a gravidade ponderado face às respectivas particularidades.
duma queimadura na criança depende de um Eis os essenciais:
conjunto de factores: – hemograma e estudo da coagulação;
1348 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Diferente distribuição da TSBA (%) assépsia, com compressas esterilizadas utili-
em diferentes idades zando soro fisiológico ou sabão cirúrgico/
solução antisséptica sob analgesia, sedação,
Idade em anos ou anestesia (ver adiante).
Área 0-1 1-4 5-9 10-14 15 – Algaliação.
Cabeça 19 17 13 11 9 – Aplicação de sonda nasogástrica para des-
Pescoço 2 2 2 2 2 compressão do estômago.
Tronco anterior 13 13 13 13 13 – Aplicação de cânula venosa periférica para
Tronco posterior 13 13 13 13 13 garantir acesso venoso, eventualmente em
Cada nádega 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 dois locais, de preferência nos membros
Genitais 1 1 1 1 1 superiores (em caso de necessidade, não
Cada braço 4 4 4 4 4 contra-indicada em tecidos lesados).
Cada antebraço 3 3 3 3 3 – Profilaxia antitetânica.
Cada mão 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 – Aplicação de penso ”almofadado” com sul-
Cada coxa 5,5 6,5 8 8,5 9 fadiazina de prata a 1% ou vaselina esterili-
Cada perna 5 5 5,5 6 6,5 zada.
Cada pé 3,5 3,5 3,5 3,5 3,5 – Analgesia/sedação*
O esquema terapêutico a aplicar depende da
extensão da queimadura e da sua profundi-
– ionograma sérico; dade. Em queimaduras superficiais e de
– doseamento sérico de glicose,ureia, creatini- pequena área pode utilizar-se apenas o para-
na, sódio,potássio, proteínas totais,albumina cetamol ou propacetamol. Em queimaduras
e pré-albumina; mais extensas pode iniciar-se cetamina ou
– análise sumária de urina com determinação cetamina +midazolam. Nos casos mais gra-
de mioglobinúria; ves: fentanil + midazolam.
– osmolalidade sérica e urinária; • Paracetamol; dose inicial 10-15 mg/kg PO
– gasometria arterial; ou 15-20 mg/kg rectal; intervalos de 4-4
– determinação de carboxiemoglobina; horas SOS até máximo de 100 mg/kg/dia.
– retinol ligado a proteína. • Proparacetamol (1 grama<>500 mg de para-
cetamol); dose inicial 30 mg/kg IV; interva-
Tratamento emergente los de 4-4 horas SOS até máximo de 100
mg/kg/dia.
No âmbito da actuação prioritária é fundamental • Cetamina; dose inicial 0,5 mg/kg IV a repetir
determinar a TSBA, assim como obter a estimativa de 10-10 minutos SOS até máximo de 2 mg/kg;
da profundidade da lesão. Por outro lado há que ter por via IM, dose inicial: 2-3 mg/kg, seguida de
em atenção que a TSBA e a profundidade da lesão doses parcelares de 0,5 mg/kg SOS de 10-10
podem aumentar nas primeiras horas pós-trauma. minutos até máximo de 2 mg/kg.
Tratando-se duma situação requerendo, nas
formas graves, actuação de emergência em * – As benzodiazepinas, das quais o midazolam é a escolha habitual
ambiente asséptico, (inicialmente em unidades de em pediatria, têm um efeito sedativo variável consoante a dose.
Não têm efeito analgésico, pelo que não devem ser usadas isolada-
cuidados especiais ou intensivos e, depois, em uni- mente em procedimentos dolorosos.
dades de queimados com equipas especializadas e – O paracetamol é o analgésico mais frequentemente utilizado; é
logística própria), muitas das medidas a seguir eficaz apenas no tratamento da dor ligeira.
– Os opiódes são os fármacos de eleição no tratamento da dor inten-
descritas poderão ter de ser, realizadas em simul- sa. A codeína, cloridrato de tramadol, morfina, fentanil e sufentanil
tâneo, garantindo sempre a estabilidade hemodi- têm uma potência analgésica crescente. A sua utilização de forma
transitória não tem risco de dependência. O risco de depressão res-
nâmica com monitorização dos sinais vitais. piratória não deve inibir a sua prescrição.
– A cetamina é um fármaco que produz analgesia, sedação,
diminuição da ansiedade e amnésia, com relativa estabilidade car-
Cuidados gerais diovascular; pode constituir alternativa para a realização de alguns
– Lavagem da área lesada, em condições de procedimentos dolorosos como nos casos de queimaduras.
CAPÍTULO 272 Queimaduras. Abordagem multidisciplinar 1349

• Midazolam;dose inicial em bolus IV de 0,05- agudo, a edema ao nível das lesões da quei-
0,1 mg/kg, seguida de perfusão IV ao ritmo madura com hipóxia-isquémia secundárias;
de 0,5-3 mcg/kg/minuto até dose total – o objectivo da fluidoterapia é manter norma-
máxima de 10 mg. lidade das FC, FR, PA, diurese e natrémia;
• Fentanil;dose inicial IV em bolus: 0,5 – nos casos de albuminémia < 3 g/dL está indi-
mcg/kg a repetir até efeito desejado, sem cada albumina sem sal a 20% na dose de 1
ultrapassar 5 mcg/kg (1/3 da dose em crian- g/kg em 4-6 horas, seguida, em função do
ças com < 3 meses); em perfusão IV, após contexto clínico, de furosemido (1 mg/kg).
bolus: 0,5-3 mcg/kg/hora até máximo de
5mcg/kg. Assistência respiratória
– Homeostase térmica. O tipo de assistência respiratória pode variar entre
A manutenção da temperatura corporal deve oxigenoterapia suplementar humidificada e aque-
ser acutelada desde a primeira avaliação do doen- cida através de cânula nasal ou máscara, e venti-
te e durante todos os procedimentos cirúrgicos lação mecânica sofisticada e terapia com oxigénio
subsequentes. De salientar que a hipotermia pode hiperbárico, sobretudo nos casos de inalação de
agravar o catabolismo pós-traumático. Assim, químicos tóxicos e SDR tipo adulto (sigla ARDS
torna-se fundamental manter uma temperatura na nomenclatura de língua inglesa) com compro-
constante no bloco operatório de queimados a fim misso de surfactante (ver atrás). A verificação de
de evitar a perda térmica do doente. estridor, sugestiva de edema da via aérea superior,
– Garantir a permeabilidade da via aérea estabelece a indicação de epinefrina racémica para
O factor primordial de reanimação de um quei- melhorar o fluxo aéreo.
mado é a chamada reanimação com fluidos IV nos As estratégias ventilatórias mais usadas e
casos de TSBA > 15%. Na idade pediátrica, a maior “menos agressivas”incluem protocolos com baixo
relação superfície/peso e a maior intensidade do volume corrente, PEEP elevada, e alta frequência
catabolismo, implicam o cálculo preciso do volume oscilatória. O heliox(mistura de oxigénio + hélio) é
de fluidos a administrar, considerando-se a normali- utilizado sobretudo nas lesões da via aérea superior.
dade da natrémia um elemento chave na hidratação. Nas UCIP, para a ventilação mecânica nas
Assim, de acordo com a chamada fórmula de situações de queimaduras e inalação de fumos, há
Parkland modificada para a idade pediátrica, o tendência para a utilização de tubos endotra-
volume de fluidos (cristalóides) de ressuscitação queais (TET) com cuff (0,5 cm menores do que os
(que devem ser aquecidos) para as primeiras 24 sem cuff) com as seguintes dimensões/compri-
horas é: mento em cm, de acordo com as normas da
Pediatric Advanced Life Support: (Idade/4) + 3 se
lactato de Ringer (4 mL/Kg x TSBA em %) + TET com cuff, e (Idade/4) + 4 se TET sem cuff.
fluidos de manutenção
Nutrição e metabolismo
administrando 50% do volume nas primeiras oito Os fenómenos que integram a chamada resposta
horas, e os restantes 50% nas dezasseis horas sub- metabólica às queimaduras, atrás descritos, são
sequentes. O ritmo de perfusão deverá ser ajusta- mediados por corticosteróides, epinefrina, norepi-
do de modo a manter a diurese ~1 mL/kg/hora). nefrina, glucagom, aldosterona e HAD.
Os fluidos de manutenção (Capítulos 49 e 50) não Na prática utilizam-se as seguintes fórmulas
são considerados se o doente pesar > 40 kg. para suprimento energético global:
Como notas importantes quanto a reanimação • Lactentes (0-12 meses): 2100 kcal/m2 + 1000
por fluidoterapia há a referir: kcal/m2 de área de queimadura;
– uma reidratação ineficaz poderá ter efeitos • Crianças (1-12 anos): 1800 kcal/m2 + 1300
adversos ao nível dos pulmões, rim e mesen- kcal/m2 de área de queimadura;
tério; • Crianças/adolescentes (>12 anos): 1500
– uma reidratação excessiva (sobrecarga de kcal/m2 + 1500 kcal/m2 de área de queima-
fluidos) poderá conduzir a edema pulmonar dura.
1350 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Em termos de % de VCT são estabelecidas as A presença de compromisso neurovascular distal


seguintes proporções de nutrientes: proteínas - por desenvolvimento de síndroma compartimen-
25%; hidratos de carbono – 50%; e lípidos - 25%. A tal poderá implicar a realização de escarotomias, o
nutrição deverá ser ministrada por via entérica, que impede a concretização de enxerto precoce.
ficando a nutrição por via parentérica reservada Como terapêutica promissora, ainda em fase
para casos de extrema gravidade (se o suprimento de investigação, citam-se as técnicas de reconstru-
calculado ultrapassar o limite de tolerância entéri- ção com base em pele fetal e cultura de tecidos
ca). Igualmente deverá ser dada atenção às neces- (engenharia tecidual).
sidades doutros nutrientes (Capítulo 51). Como nota importante, salienta-se que o trata-
Deverá ser providenciada monitorização sérica mento agressivo e precoce da queimadura permi-
de parâmetros bioquímicos e outros (Capítulo 115). te reduzir o tempo de internamento hospitalar,
O hipercatabolismo pode ser combatido, até limitar o número de procedimentos sob anestesia
certo ponto, com a administração de propranolol geral, e melhorar a relação custo-benefício do pro-
(0,3-1 mg/kg cada 4 a 6 horas por via naso gástri- cesso terapêutico.
ca). Para combater a degradação da massa magra
e do conteúdo mineral ósseo, assim como para
promover a normalização da albuminémia, pré-
albuminémia e do retinol ligado a proteína, é reco-
2. QUEIMADURAS E REABILITAÇÃO
mendada a administração de análogo da testoste-
rona- a oxandrolona. Importância do problema
No âmbito do tópico em análise, há que aten-
der a diversos problemas metabólicos (por ex. A reabilitação dos doentes com formas graves
hiperglicémia, hipoglicémia) e hidroelectrolíticos deste tipo de patologia deve começar na fase
a prevenir, detectar e tratar. Em casos selecciona- inicial, ainda na unidade de queimados, e prolon-
dos pode estar indicada insulinoterapia que , para gar-se até à fase de maturação cicatricial; o objec-
além da normalização da glicémia, poderá contru- tivo é evitar repercussão em diversas vertentes,
buir para o combate ao catabolismo proteico quer de ordem física, quer de ordem psíquica,
(Capítulos 50, 51, 182 e 184). tendo em conta a elevada probabilidade de seque-
las funcionais e estéticas.
Procedimentos cirúrgicos Em média, a duração da reabilitação é cerca de
Nas queimaduras superficiais e não incluídas nos cri- 18 a 24 meses, sendo que nos casos mais compli-
térios major, definidos a propósito dos factotres de cados poderá atingir 5 anos.
risco, a resolução é na maior parte das vezes
conseguida com tratamento conservador, vigian- Reabilitação durante o período
do de modo seriado a reepitelização da zona lesa- de cicatrização
da e aplicando os cuidados gerais.
Nas queimaduras profundas, os princípios fun- A intervenção no âmbito da reabilitação de lesões
damentais do tratamento cirúrgico são: por queimaduras em idade pediátrica deve estar
– a excisão de tecidos desvitalizados sob anes- integrada num programa de cuidados multidisci-
tesia, sedação e analgesia, evitando a infecção plinares, desde o internamento numa unidade
local; especializada até à maturação cicatricial; o princi-
– a preparação precoce do leito da queimadura pal objectivo é a prevenção das sequelas cicatri-
para receber o enxerto com sucesso. ciais e osteoarticulares.
Durante a hospitalização o tratamento de rea-
A excisão tangencial dos tecidos não viáveis bilitação integra os seguintes procedimentos:
deverá ser limitada a cerca de 15% a 20% de área 1 – posicionamento articular correcto, quer no
queimada por sessão cirúrgica. Por vezes, a gravi- leito quer sob os pensos cirúrgicos;
dade da queimadura pela sua profundidade e dis- 2 – aplicação de ortóteses estáticas para manter
posição circunferencial, não permite este objectivo. o posicionamento articular pretendido (Figura 3);
CAPÍTULO 272 Queimaduras. Abordagem multidisciplinar 1351

FIG. 3 FIG. 5
Ortótese estática (tala) para posicionamento no leito da tibiotár- Queimadura do membro superior: terapia ocupacional
sica/pé em extensão; caso de queimadura na face dorsal do pé. durante o internamento.

3 – prevenção de complicações respiratórias decorrido e os cuidados prestados até à admissão


através de cinesiterapia respiratória; hospitalar, o tempo de cicatrização, a necessidade
4 – mobilização articular através de hidrocine- de enxerto e a existência de complicações durante
siterapia realizada durante os banhos salinos efec- a mesma cicatrização. Associando estes dados à
tuados antes da realização dos pensos cirúrgicos eventualidade de antecedentes familiares de ten-
(Figura 4); dência para cicatrização hipertrófica (componen-
5 – estímulo precoce da função, como nos casos te genético), é possível estabelecer a probabilidade
de mão queimada (terapia ocupacional). (Figura 5). de evolução do caso para cicatriz hipertrófica, ou
não. (Quadro 2). Nesta perspectiva há a referir
Reabilitação após o período que, até à 10ª semana após a cicatrização, a vigilância
de cicatrização clínica deve ser extremamente rigorosa, minucio-
sa e frequente. Se não se verificarem sinais de
Após cicatrização deve ser feita uma avaliação do hipertrofia com a cicatrização durante o referido
estado da pele e das zonas funcionais abrangidas. período, existe fraca probabilidade de tal aconte-
Na avaliação da pele é importante ter sempre cer depois deste período.
presente a história clínica desde o acidente até à Em função do resultado da avaliação referida,
cicatrização. O balanço deverá ser feito tendo em decide-se ou não pela aplicação de material com-
conta o factor etiológico da queimadura, o tempo pressivo o mais precocemente possível para contra-
riar o tendência para a cicatrização hipertrófica;
uma vez que este tipo de material tem um custo
elevado, a sua prescrição deverá ser sempre
muito bem ponderada caso a caso.
Na avaliação das áreas articulares afectadas há
que ponderar a necessidade, ou não, de ortótese
para evitar a instalação de bridas que afectem a
amplitude do movimento articular, obrigando
posteriormente a uma ou mais intervenções cirúr-
gicas. Nas crianças, ao contrário dos adultos, o uso
prolongado de ortóteses de imobilização não pro-
FIG. 4
voca rigidez articular, e o aparecimento de osteo-
Hidrocinesiterapia. mas pós imobilização é raro.
1352 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Parâmetros preditivos


da evolução da cicatriz*

Cor
Dá orientação sobre a neovascularização.
Relevo
Presença de hipertrofia. No início detecta-se melhor à
palpação superficial do que à inspecção.
Prurido
Directamente relacionado com a possibilidade de sur-
gir hipertrofia.
Dor
Só está presente nas fases iniciais. Se se prolongar é
possível surgir hipertrofia. FIG. 6
Consistência Limitação articular do ombro por queimadura axilar.
Dá orientação sobre a formação de fibrose e conse-
quente perda das fibras elásticas. maduras deve ser fundamentalmente centrado na
evolução cicatricial das áreas queimadas. Com
efeito, uma boa cicatrização com a instalação
Quando a área queimada afecta, por retracção mínima possível de hipertrofia e de bridas, poderá
cutânea, a atitude postural, como acontece nas fre- evitar sequelas osteoarticulares e posturas anóma-
quentes queimaduras da região anterior e ou late- las, com ou sem desvios da coluna.
ral do tórax, ou quando existe uma ou mais zonas Neste campo, cabe salientar a extraordinária
articulares com limitação da amplitude articular, importância da colaboração dos pais/família; de
devem ser prescritos tratamentos de fisioterapia facto, são os mesmos que cuidam diariamente da
para evitar a instalação de deformações osteoarti- criança. Devendo ser minorado pelo clínico assis-
culares definitivas que poderão necessitar de tente o eventual sentimento de culpa que possa
intervenções cirúrgicas futuras. (Figura 6) instalar-se por parte daqueles em relação ao aci-
Se a queimadura abranger o membro superior, dente (o que passou, passou…), há contudo que os
e em especial a mão (uni ou bilateralmente), os responsabilizar pelo tratamento a decorrer, cha-
tratamentos devem ser sempre que possível orien- mando-se a sua atenção para a hipótese de agra-
tados para terapia ocupacional. A recuperação da vamento das sequelas, no caso de não colaboração
função dos membros superiores é fundamental nos cuidados a prestar à criança em casa.
para o normal desenvolvimento psicomotor e sen- Caso se venha a instalar cicatriz hipertrófica,
sorial da criança. torna-se fundamental descrever os principais pro-
cedimentos para combater a sua intensificação:
Prevenção e tratamento • Hidratação correcta da pele, com a aplicação
da hipertrofia de um creme hidratante associado a um compo-
nente gordo (por ex. creme de aveia com omega
Dada a sua importância, reitera-se que o trata- 6); a aplicação deve ser feita várias vezes ao dia
mento de reabilitação da criança que sofreu quei- consoante o estado da pele, salientando-se que
uma boa hidratação também diminui o prurido.
* Na cicatriz são avaliadas as seguintes características fundamentais:
Este deve ser evitado, pois o acto de coçar contri-
cor, relevo, prurido, dor e consistência. A cor pode ser rosada,vermelha bui para aumentar a vascularização, com conse-
rosada ou vermelha escura; tais variantes dão indicações quanto ao quente produção de colagénio por parte dos fibro-
modo de evolução da neovascularização: 1-a manutençaão de cor ver-
melha viva poderá significar que a cicatriz está a evoluir para quelói- blastos. As lesões de coceira numa pele friável
de, com neovascularização activa e produção de colagénio; 2- quando, podem, de facto, atrasar o processo cicatricial.
pelo contrário, a cicatriz evolui para cor mais clara, tal significa que há
regressão da vascularização acompanhada de diminuição da produção • Para combater o prurido pode ser adminis-
do colagénio, o que corresponde a melhor prognóstico. trado, ao deitar (se for necessário, também duran-
CAPÍTULO 272 Queimaduras. Abordagem multidisciplinar 1353

te o dia), hidroxizina; e, nos casos mais graves, ção paralela das fibras de colagéneo, o que a torna
diazepam. menos dura e retráctil.
• Para lutar contra a hipertrofia (produção e O fato compressivo deve ser usado durante o
deposição anómala de colagénio) recorre-se ao máximo de tempo possível, cerca de 23 horas/dia,
uso de peças de vestuário compressivas – pressote- só se retirando para a higiene e para aplicação do
rapia (Figura 7). A compressão cicatricial é o meio hidratante. O seu uso em tempo parcial não é reco-
mais eficaz de luta contra a proliferação anómala mendado, principalmente na fase inflamatória do
das fibras de colagéneo. Ao comprimir-se a rede processo cicatricial.
vascular anómala existente na evolução cicatricial • No reforço da compressão cicatricial pode
em fase inflamatória, diminui o suprimento de ser utilizado o silicone-gel (Figura 8) ou mesmo
oxigénio aos fibroblastos e, consequentemente, a placas de couro (vulgar sola de sapato). O efeito
produção de colagénio. Por outro lado, a pressão do silicone – gel na evolução da cicatriz ainda hoje
sobre a cicatriz também promove uma distribui- é discutível. Além da melhor distribuição das for-
ças de pressão na zona pretendida, atribui-se-lhe a
criação de um ambiente de anaerobiose local
sobre a cicatriz, susceptível de contrariar a produ-
ção de colagénio.
A pressoterapia deve ser mantida até haver a
certeza de que a fase inflamatória cicatricial che-
gou ao seu termo; tal ocorre em geral quando a
cicatriz começar a ficar rosada, clara, enrugada e
mole.
• Depois da fase inflamatória, podem ser
iniciados os tratamentos de vacuoterapia. Este tipo
de tratamento promove o descolamento da cica-
triz dos planos profundos e destroi parcialmente a
fibrose que possa ter-se instalado.
•A massagem também tem o seu papel. A mas-
sagem clássica (do tipo deslizamento) está contra-
indicada na fase inflamatória por promover o

FIG. 8
FIG. 7 Placas de silicone sobre cicatrizes hipertróficas em fase infla-
Fato compressivo (pressoterapia). matória.
1354 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

aumento da vascularização. Neste período Vacuoterapia > Método de tratamento que consiste no descolamento
somente está indicada a massagem do tipo compressi- de cicatrizes aderentes através de aparelho eléctrico com dispositi-
vo, como a transversa profunda; o objectivo é com- vo colocado sobre aquelas, através do vácuo provocado (~sucção).
primir os vasos arteriais e impedir a organização
de fibrose. BIBLIOGRAFIA
• Paralelamente a estes cuidados na luta Ali SN, O´Toole G, Tyler M. Milk bottle burns. J Burn Care
contra a hipertrofia, por vezes há necessidade de Rehabil 2004; 25: 461- 462
recorrer aos tratamentos de cinesiterapia e ou aos Arnoldo B, Perdue GF, Kowalske K, et al. Electrical injuries: a 20-
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• O tratamento em estâncias termais (crenotera- Benson A, Dickson WA, Boyce DE. Burns. BMJ 2006; 332: 649- 652
pia) com especialização para tratamentos de Costa MJ, Condeça B, Serafim Z. Reabilitação de crianças
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co de compressão e descompressão. No caso das queimaduras o Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
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FIG. 9
Sequência de tratamentos de mãos queimadas em terapia
ocupacional.
CAPÍTULO 273 Mordeduras e picadas 1355

273
amputações. Poderão ser atingidos, para além da
pele, outras estruturas como vasos, nervos, mús-
culos e tendões, deduzindo-se destas circunstân-
cias as implicações em termos de manifestações clí-
nicas, as quais também dependem da localização.
Surgem frequentemente infecções de localiza-
MORDEDURAS E PICADAS ção muito diversa como complicação, sobretudo
por anaeróbios; tal depende das condições
João M. Videira Amaral ambientais em que se verificou a lesão, da flora
bucal do animal e do tempo decorrido entre a
ocorrência e o início do tratamento.
Existe risco de infecção da pele e tecidos moles
Importância do problema por S. viridans, S. aureus, Pasteurella multocida,
Bacteróides sp, Fusobacterium sp, e Capnocytophaga
Os problemas clínicos relacionados com mordedu- canimorsus (DF-2). Este último agente pode dar ori-
ras e picadas por animais chamados venenosos são, gem a septicémia com CID em doentes asplénicos.
não só pouco frequentes em crianças e adoles-
centes vivendo no meio urbano, como comportam Tratamento
baixa morbilidade e mortalidade. No que respeita
às mordeduras, as situações mais prevalentes são, Como cuidados gerais iniciais, deve lavar-se a
dum modo geral, as produzidas por animais ferida com soro fisiológico estéril, de preferência
domésticos, especialmente cães(a maioria~80%) e com seringa, dirigindo o soro em jacto;em alterna-
gatos (~5%).As mordeduras produzidas por ani- tiva, com povidona iodada (Betadine®) diluída a
mais não domésticos (ratos, coelhos, répteis, etc.), 1%. De facto, uma lesão deste tipo deve ser
assim como as lesões ou picadas por animais sempre considerada ferida suja ou contaminada.
marinhos e insectos venenosos, constituem uma Poderá haver necessidade de proceder a excisão
minoria (~1-2% conforme o meio em que a criança de tecidos desvitalizados.
vive ou frequenta). No nosso meio é pouco comum No âmbito dos cuidados iniciais, hospitalares
ter primatas como animais de companhia. ou em centro médico-cirúrgico, sob anestesia local
Dum modo geral as lesões por mordedura de ou no bloco operatório, deve proceder-se à excisão
animais localizam-se nas extremidades; as lesões dos tecidos desvitalizados, retirando eventuais
na face observam-se quase invariavelmente em corpos estranhos. Como regra geral, é prudente
crianças pequenas. não realizar suturas pelo risco de infecção, sobretu-
Neste capítulo é dada ênfase às lesões por do se o tempo decorrido for > 8 horas após a mor-
mordedura de cão, gato, primata e réptil veneno- dedura. Tratando-se de lesão num membro,
so, assim como às lesões e picadas por animais poderá estar indicada a imobilização do mesmo
marinhos e insectos venenosos. durante 3-5 dias.

Medidas profilácticas
1. MORDEDURA POR CÃO A antibioticoterapia profiláctica está indicada
sempre que a mordedura tenha ocorrido há mais
Manifestações clínicas de 8 horas, em feridas da face, profundas e em
e factores etiológicos infecciosos pacientes imunodeprimidos (amoxicilina+ácido
clavulânico na dose de 40 mg/kg da primeira, por
As lesões resultantes deste tipo de mordedura são via oral durante 7 dias; ou ceftriaxona -80 mg/kg
variáveis, quer em extensão, quer em profundida- IM em dose única); ou doxicilina PO em doentes
de: entre ferida simples (punctiformes ou lineares) com > 8anos (dose inicial: 4 mg/kg; doses
ou feridas múltiplas (lacerações e abrasões) e até seguintes: 2 mg/kg em 1-2 doses). Em casos espe-
1356 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ciais poderá estar indicado proceder a exames cul- Em termos profilácticos, têm indicação as
turais da ferida. medidas locais referidas a propósito da mordedu-
Está indicada a profilaxia da raiva nos cães não ra por cão e gato.
vacinados e reforço de 1 dose de vacina antitetâ- Surgindo infecções da pele e tecidos moles, os
nica - 0,5 mL por via IM. antibióticos de primeira escolha são: penicilina G
Nos casos de feridas sujas (raros no panorama IM ou amoxicilina/clavulanato durante 10 dias.
actual no nosso país – eventualmente cidadãos Como alternativa pode empregar-se doxiciclina
estrangeiros) não previamente vacinados, está em idades > 8 anos.
indicada imunoglobulina antitetânica seguida de
vacinação. Nos casos de ferida limpa, deve iniciar-
se a vacinação.
No que respeita à profilaxia da raiva, cabe refe-
4. MORDEDURA POR PRIMATA
rir que a mesma está indicada se o estado de saúde Embora no nosso meio, como se disse, não seja
do animal (que deve ser capturado e observado habitual a convivência com macacos, importa
durante 10 dias) o justificar com base na decisão do referir uma particularidade relacionada com o
delegado de saúde e autoridade veterinária. Em risco de transmissão de agentes como S. viridans,
Portugal não há casos notificados de raiva na espé- S. aureus, S. pyogenes, Eikenella corrodens,
cie humana desde há mais de meio século. Bacteróides sp, Fusobacterium sp, e vírus herpes.
Está indicada investigação serológica sobre
VIH, VHB ,VHC e Vírus herpes, dados os riscos
de contrair infecções por estes agentes.
2. MORDEDURA/ARRANHÃO No caso de agentes bacterianos é possível o
POR GATO surgimento de infecções da pele e tecidos moles.
Nesta perspectiva, para além doutras medidas de
Manifestações clínicas profilaxia abordadas antes, caso surjam infecções
da pele e tecidos moles, a antibioticoterapia de
Frequentemente o gato origina mordeduras perfu- eleição contempla a amoxicilina-clavulanato (dose
rantes nos membros, pescoço, tronco, fronte e face; de amoxicilina: 30-60 mg/kg/dia PO ou IV em 3
outro tipo de lesão é o arranhão. doses); como alternativa: cefoxitina IV ou IM (75-
As complicações mais frequentes são as infec- 200 mg/kg/dia em 3-4 doses), ou clindamicina
ções da pele e tecidos moles (celulite,tenossinovi- IV,IM ou PO (15-40 mg/kg/dia em 3-4 doses)+
te,linfangite) por Staphylococcus aureus, Streptococcus cotrimoxazol (PO ou IV na dose de sulfametoxa-
beta hemolítico do grupo A, Capnocytophaga canimor- zol de 40-100 mg/kg/dia em 2-4 vezes, ou cipro-
sus, Pasteurella multocida e Bartonella hensalae. floxacina PO se > 18 anos:10-30 mg/kg/dia; dura-
Relativamente a este último germe microbiano é ção da antibioticoterapia-10 dias.
feita referência especial no Capítulo 291. Deve proceder-se à lavagem da ferida ou feri-
das com água e sabão durante 3-5 minutos e nos pri-
Tratamento e medidas profilácticas meiros minutos após o evento.
Para além da profilaxia da raiva, poderá ser
Aplicam-se os mesmo princípios gerais enuncia- necessária a limpeza cirúrgica da ferida e desinfe-
dos a propósito da mordedura por cão. ção com soluto iodado. No caso do globo ocular,
se afectado, para além da indicação de observação
por oftalmologista, como primeiros cuidados
citam-se irrigação com soro fisiológico durante 15
3. MORDEDURA POR RATO minutos dado o risco de transmissão do vírus
Como resultado da mordedura do rato poderão herpes; se não existir soro fisiológico, deve utili-
surgir infecçõs da pele e tecidos moles, possivel- zar-se água corrente.
mente causadas por Streptobacillus moniliformis ou Está também indicada, como profilaxia, a
Spirillum minus. administração de aciclovir PO quando as lesões
CAPÍTULO 273 Mordeduras e picadas 1357

são profundas, em crianças com > 6 anos durante ção localizada, com dor e edema variáveis. Se nos
5 dias na dose de 800 mg de 4-4 horas, 5 30 minutos seguintes não se verificar reacção
vezes/dia. inflamatória local, é provável que a inoculação do
veneno tenha sido escassa.
Para além dos fenómenos locais descritos,
outros como flictenas, necrose, linfangite e trom-
5. MORDEDURA POR SERPENTE boflebite poderão surgir. No caso de inoculação
VENENOSA sistémica importante poderão surgir náuseas,
vómitos, CID, choque, HTA, IRA, anemia hemolí-
Etiopatogénese e importância tica, convulsões, choque anafiláctico, rabdomióli-
do problema se, etc.. São critérios de gravidade idade < 5 anos
e lesões na face, pescoço e tronco.
As serpentes venenosas existentes no nosso país e na Como prioridade, para além de ser fundamental
Europa pertencem fundamentalmente a três espé- proceder a colheita de sangue para hemograma e
cies: Vipera aspis, Vipera latasti (víboras) e a estudo da coagulação, o quadro descrito implica
Macroprotodon cuccullatus; esta última raramente ino- monitorização do doente durante período ~24 horas,
cula veneno porque tem dentes muito posteriores. e evacuação para UCIP no caso de surgirem sinais de
As víboras distinguem-se das restantes ser- doença sistémica com disfunção multiorgânica.
pentes pelas seguintes características:
– comprimento em geral inferior a 1 metro; ver- Tratamento inicial
sus maior
– cabeça achatada,larga e triangular; versus Imediatamente após a mordedura são estabeleci-
arredondada/ovóide das as seguintes medidas gerais:
– pupilas elípticas; versus circulares – imobilização do membro afectado, colocan-
– apêndice nasal em forma de chifre; versus do-o em posição inferior ao tronco;
ausente – arrefecimento local moderado (saco de água
– dentes ou colmilhos em forma de garra agu- fria separado da pele com toalha);
çada, anteriores; versus ausentes – limpeza da ferida com água e sabão e, poste-
O veneno destes animais é proteolítico e coa- riormente, com peróxido de hidrogénio;
gulante em pequena dose; se inoculado em gran- – analgésicos (paracetamol, ibuprofeno) – o
de dose tem efeito hemolítico e anticoagulante. ácido acetilsalicílico, hoje só utilizado em
Não há casos registados de mortes por picada de situações especiais, pode potenciar o efeito
víboras no nosso país. Tratando-se de um veneno do veneno;
hemotóxico, poderão surgir fenómenos hemorrá- – antibioticoterapia (ceftriaxona-80 mg/kg em
gicos e trombóticos. dose única IV);
– profilaxia antitetânica, inclusivamente nos
Manifestações clínicas doentes vacinados (1 dose de reforço);
e exames complementares
Tratamento hospitalar (UCIP)
As manifestações clínicas variam em função do
tamanho do animal, da idade e estado de saúde da – limpeza da ferida com excisão dos tecidos no
criança, assim como do local da picada; a gravida- caso de necrose;
de é tanto maior quanto maior o tamanho do ani- – imobilização e (agora) elevação do membro;
mal e mais proximal o local da agressão. – sedação com diazepam se houver agitação;
A picada identifica-se por duas pequenas mar- – heparinoterapia se existir CID;
cas ou orifícios separados entre 6 e 10 mm, sendo – fasciotomia se existir edema compressivo
também possível identificar a marca de um col- (síndroma compartimental);
milho ou mais de uma mordedura. Nos minutos – soro anti-ofídio com indicações muito preci-
que se seguem à mordedura, verifica-se inflama- sas dado o risco de choque anafiláctico; por
1358 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

outro lado, o efeito é duvidoso, sendo que os – desinfecção local e eventual extracção do
corticóides e os anti-histamínicos não modi- espinho se partido ou espetado;
ficam a evolução do processo; – imersão imediata (nos primeiros 30 minutos
para garantir eficácia) em água a 45º durante
NB – não se deve garrotar o membro atingido nem cerca de 30-60 minutos, uma vez que o vene-
fazer incisão no local da mordedura por aumentar o no é termolábil;
risco de disseminação do veneno; também o socor- – analgésicos (paracetamol, ibuprofeno, even-
rista não deverá proceder à sucção da ferida. tualmente opiáceos);
– infiltração com lidocaína em situações não
respondentes às medidas anteriores;
– profilaxia antitetânica;
6. LESÕES E PICADAS POR ANIMAIS – antibioticoterapia profiláctica durante 3 dias
MARINHOS (amoxicilina + ácido clavulânico).

Nesta alínea é dada ênfase à picada pelo peixe Nas lesões por medusa, anémona ou hidra:
aranha e às lesões por medusa, anémona e hidra. – lavagem suave, sem exercer pressão, da zona
da lesão com água salgada – e não com água
Etiopatogénese doce pela possibilidade de ruptura das célu-
las contendo o veneno, o que poderá libertar
O peixe aranha, com duas variedades principais- mais tóxico, agravando a situação;
uma de menor comprimento ~15 cm, e outra com – limpeza de seguida com vinagre (ácido acéti-
cerca de 55 cm tem espinhos venenosos numa das co a 5%) durante 30 minutos;
duas barbatanas dorsais, e em torno dos opérculos – extracção de eventuais restos aderentes do
branquiais. Podendo estar enterrado na areia da animal com luvas;
praia, ao ser pisado inocula o veneno neurotóxico, – corticóides tópicos;
não deixando habitualmente o espinho; ao ser – analgésicos (paracetamol, ibuprofeno);
manuseado ou pisado depois de morto, sua pica- – antibiótico tópico;
da continua a ser venenosa.
No caso da medusa, anémona e hidra, o vene- Não estão indicadas aplicação de penso oclusi-
no, actuando por contacto, é libertado por deter- vo nem antibioticoterapia profiláctica sistémica.
minadas células chamadas nematocistos, as quais
funcionam como reservatório do veneno.

Manifestações clínicas 7. PICADAS POR INSECTOS


VENENOSOS
No caso do peixe-aranha, a picada localizada nas
mãos ou pés provoca dor intensíssima e edema Etiopatogénese e importância
duro de dimensões varáveis; poderão surgir sinto- do problema
mas e sinais gerais como hipertermia, náuseas,
vómitos, ansiedade, cefaleia, cãibras, dificuldade Além dos himenópteros (englobando abelhas,
respiratória, sudação, vertigens, etc.. vespas e formigas), outros insectos poderão estar
Tratando-se dos problemas provocados por implicados, como mosca, certos aracnídeos (carra-
medusa, anémona e hidra há a particularizar o apa- ça e lacrau, e um tipo de aranha conhecida como
recimento de lesões de tipo urticária com disposi- viúva negra).
ção grosseiramente linear. A viúva negra, que produz uma potente neuro-
toxina (a alfa-latrotoxina) – distingue-se doutras
Tratamento pelo corpo esferóide, preto brilhante, com uma
marca vermelha “em vidro de relógio” no abdó-
Nas picadas por peixe aranha recomenda-se : men. A referida neurotoxina liga-se às membranas
CAPÍTULO 273 Mordeduras e picadas 1359

neuronais pré-sinápticas causando libertação de abdómen agudo relacionável com apendicite


acetilcolina e nor-adrenalina ao nível da junção aguda ou peritonite. Na literatura antiga estão
neuromuscular. Como resultado da libertação descritos casos fatais relacionados com laparoto-
destes neurotransmissores, surge despolarização mia intempestiva, realizada no pressuposto de
muscular excessiva e hiperactividade do sistema diagnóstico de apendicite aguda.
autónomo.
A carraça produz também uma neurotoxina. Tratamento
Quanto aos lacraus cabe referir que a variedade
negra não produz veneno tóxico, ao contrário da Nas picadas por himenópteros aplica-se tratamento
amarela. que se pode generalizar a todas as picadas de
insectos
Manifestações clínicas – extracção imediata do ferrão (com pinça e
não espremendo);
A picada por himenópteros em geral origina reac- – lavagem/limpeza da ferida;
ção local com aparecimento de pápulas prurigino- – arrefecimento com compressas geladas e ele-
sas. Poderão surgir reacções de hipersensibilidade vação do membro (caso se trate de membro
ao veneno traduzidas por choque anafiláctico e, afectado) para combater o edema;
em casos menos graves, de forma retardada sob a – anti-histamínicos e analgésicos;
forma de urticária papular. Como regra, pode
considerar-se que quanto mais curto é o intervalo Nas reacções sistémicas, com internamento em
entre a picada e o início dos sintomas, mais exu- UCIP, podem estar indicados:
berante é a reacção. – adrenalina a 1/1.000 via SC na dose de 0,01
No caso da picada por carraça poderá surgir mL/kg;
paralisia flácida do tipo Guillain-Barré por inocula- – corticóides sitémicos;
ção de neurotoxina, sendo tal quadro clínico reversí- – beta agonistas se se verificar broncospasmo;
vel com a extracção do aracnídeo. (Capítulo 289) – dopamina e cristalóides em caso de choque/
Nas picadas de moscas, aparentemente irrele- /hipotensão.
vantes, está indicado apenas tratamento sintomá-
tico. A picada por lacrau origina dor local muito Nas picadas por carraça recomenda-se a extra-
intensa, edema e linfangite; a mesma tem maior cção mediante impregnação com éter ou cloreto
relevância em crianças mais pequenas pela possi- de etilo. Não está indicada antibioticoterapia pro-
bilidade de taquicárdia, arritmia e edema agudo filáctica da febre escaronodular. (Capítulo 289)
do pulmão. Nas picadas por lacrau deve aplicar-se gelo e,
A picada da viúva negra origina reacções locais eventualmente proceder-se a infiltração de anesté-
e sistémicas; na sua forma típica é indolor na pri- sico local quando a dor é muito intensa.
meira hora; ao cabo deste tempo surge dor local Nos casos de picada por viúva negra:
que rapidamente se generaliza pelo corpo, acom- – tratamento sintomático, recomendando-se
panhada de rigidez muscular regional, cefaleia, atropina se surgir síndroma muscarínica e
HTA, cãibras musculares e sinais muscarínicos gluconato de cálcio se surgirem cãibras;
(sialorreia, miose, hipersudorese e bradicárdia), – a verificação de 3 ou menos dos sinais-chave
náuseas, vómitos, irritabilidade, etc.. Em picadas anteriormente referidos com duração inferior
nas extremidades poderão surgir lesões de necro- a 12 horas estabelece indicação para trata-
se. Para decisão terapêutica é importante entrar mento conservador com benzodiazepinas e
em conta com quatro sintomas/sinais-chave: dor ou opióides;
abdominal, HTA, mialgias e agitação/irritabilida- – a verificação de 4 ou mais dos sinais-chave ou a
de. (ver adiante) hipótese anterior > 12 horas obrigam à utili-
Uma das formas de apresentação com dor zação de soro antiveneno específico após
abdominal, dor abdominal e rigidez muscular prova intradérmica prévia a fim de avaliar
tipo “ventre em tábua” pode simular quadro de risco de anafilaxia (em geral inferior a 1%).
1360 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

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PARTE XXIX
Infecciologia
1362 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

INTRODUÇÃO À PARTE XXIX

A sistematização nosológica em Infecciologia não


é tarefa fácil. Com efeito, as doenças infecciosas
podem ser descritas segundo diversos critérios,
destacando-se os fundamentais: 1. por síndromas
274
clínicas valorizando a repercussão do processo IMUNIZAÇÕES
mórbido infeccioso ao nível de órgãos e sistemas;
2. pela designação clássica, muitas vezes de raiz Ana Leça e João M. Videira Amaral
histórica; 3. pela menção do microrganismo cau-
sal; e 4. pelas características do hospedeiro porta-
dor de compromisso imunológico.
Excluindo os capítulos devotados à imuniza- Definições
ção, terapêutica antimicrobiana, doenças exan-
temáticas, febre sem foco e infecções associadas à Sendo objectivo deste capítulo dar ênfase às vaci-
prestação dos cuidados de saúde, nesta Parte do nas, importa definir conceitos fundamentais inter-
livro foi adoptado um critério misto quanto à ligados para facilitar a compreensão geral do
nomenclatura; nesta perspectiva, procedeu-se a tópico imunização.
uma ordenação de entidades clínicas em função • Antigénio – substância (geralmente uma
dos respectivos agentes etiológicos e independen- molécula complexa de proteína ou de polissacári-
temente da designação daquelas, com a seguinte do) que, introduzida no organismo, provoca a for-
sequência: doenças por bactérias (das Gram + às mação de um anticorpo específico susceptível de a
Gram -) (Capítulos 278 a 296); doenças por vírus neutralizar.
(Capítulos 297 a 300); parasitoses (Capítulos 301 a Os antigénios têm proveniência diversa (bacté-
303); doenças por fungos (Capítulo 304). rias, vírus, células ou proteínas estranhas, sub-
De salientar que alguns dos tópicos descritos stâncias tóxicas, etc.).
se integram no conceito das chamadas doenças • Anticorpo – classe de proteínas presentes
infecciosas emergentes e re-emergentes, de grande naturalmente, ou produzidas no organismo sob a
importância em medicina humana e veterinária; acção de um antigénio, reagindo especificamente
muitas delas, traduzindo modificações substan- in vitro ou in vivo com este. Existem 5 classes de
ciais nos ecossitemas, podem relacionar-se directa anticorpos: IgG, IgA, IgM, IgD, e IgE, podendo
ou indirectamente com factores humanos, ecológi- alguns destes apresentar subclasses.
cos, socioeconómicos e políticos. • Háptena – estrutura antigénica de muito baixo
peso molecular, sem capacidade para induzir
João M. Videira Amaral resposta imunitária devido às reduzidas dimensões;
contudo, enxertada numa molécula maior (chama-
da portadora ou carrier) passa a ter tal capacidade.
• Imunidade (do latim immunitas) significa
capacidade congénita ou adquirida do indivíduo
para resistir ou permanecer isento de manifesta-
ções patológicas provocadas pela exposição a
germes microbianos ou toxinas. Este estado de
resistência é, na maior parte das vezes, devido à
presença de anticorpos circulantes no organismo
que anteriormente contactou com os referidos
germes microbianos. A imunidade para uma
doença infecciosa específica pode ser adquirida
após doença natural provocada pelo respectivo
germe ou após imunização (ver adiante).
CAPÍTULO 274 Imunizações 1363

*Imunidade passiva significa imunidade contra a doença provocada pelo microrganismo


adquirida de forma natural pela passagem através correspondente. Os microrganismos em causa
da placenta de anticorpos maternos ao feto; ou podem ser mortos ou inactivos, ou vivos mas ate-
artificial, pela administração de gama globulinas nuados pelo formol, outra substância ou calor.
ou produtos biológicos com anticorpos (soros (ver adiante desenvolvimento do tópico)
imunes). • Falência vacinal – ocorrência da doença em
*Imunidade activa – significa imunidade obti- indivíduos vacinados contra a mesma, por um
da de forma natural através de determinadas mecanismo primário (falência vacinal), ou
doenças provocadas por germes microbianos secundário, nos casos em que a doença surgida
(doenças infecciosas) que afectam o indivíduo, ou após vacinação é, em geral, mais benigna que a
de maneira artificial através de vacinas. surgida na ausência de vacinação, o que traduz
• Imunogénio – substância com capacidade de certo grau de imunidade residual. Tais ocorrências
provocar reacção imunitária; na maior parte dos foram documentadas com a vacina anti-varicela, a
casos trata-se dum antigénio; certos antigénios, vacina antipertussis acelular, e anti- rotavírus. (ver
como as háptenas, só por si não possuem tal carac- adiante)
terística, tornando-se imunogénicos em combina- • Imunidade de grupo – A imunidade de
ção com outros antigénios. grupo, entendida como a protecção adicionalmen-
• Imunogenicidade – capacidade de determi- te conferida a indivíduos não vacinados, ocorre
nada molécula antigénica ou determinada fracção quando uma proporção suficiente de indivíduos
de um antigénio, suscitar uma reacção imunitária. está imunizada. O declínio da incidência da doen-
• Imunização – acção pela qual se confere imu- ça é maior do que a proporção de indivíduos vaci-
nidade: nados, pois a vacinação reduz a disseminação do
– por administração de antigénios (imunização agente infeccioso. A imunidade de grupo justifica
activa) estimulando o sistema imunitário, o que se a razão por que se assiste à ausência da doença em
traduz na produção de anticorpos e/ou activação determinada área geográfica sem se ter sido atin-
de células e memória imunológica; a protecção é gido 100% da cobertura vacinal. O conceito de
de longa duração; em geral, é empregue o termo imunidade de grupo não se aplica às doenças com
“imunização activa” como sinónimo de adminis- reservatório ambiental, como o tétano, em que a
tração de vacina ou vacinação; protecção contra a doença só é atingida através da
– por injecção de anticorpos (imunização passi- vacinação individual.
va), o que permite protecção imediata, embora de • Vacinação da fonte (source drying) – A estra-
menor duração que a conferida pela imunização tégia de vacinação dos contactos baseia-se no
activa; tal duração depende da vida média dos conceito de imunidade de grupo. Se um subgrupo
anticorpos injectados-semanas ou meses(ver particular for considerado como reservatório de
adiante). uma infecção que se pode prevenir por vacinação,
• Toxina – substância simultaneamente tóxica a sua vacinação diminuirá a probabilidade de
e antigénica elaborada por certas bactérias, ou doença na população.
qualquer veneno de origem biológica. A título de exemplo, uma das estratégias
• Toxóide (sinónimo de anatoxina) – substân- defendidas para o controlo da tosse convulsa em
cia preparada a partir duma toxina bacteriana crianças com idade inferior a dois meses – período
pela acção simultânea do formol e do calor, a qual em que a doença é muito grave e durante o qual
perdeu o seu poder tóxico(toxina modificada), os mesmos não podem ser vacinados – é a vacina-
conservando, embora, as suas propriedades imu- ção dos adultos que com eles contactam.
nizantes.
• Vacina – produto preparado obtido a partir Imunização passiva
de microrganismos (do todo ou de componentes
estruturais do mesmo), com propriedades antigé- Principais indicações
nicas, suscitando no indivíduo inoculado modifi- As principais indicações para a imunização passi-
cação da resposta imunitária que o protegem va são:
1364 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– síndromas de imunodeficiência associados a possam existir no preparado de IG injectado, o


defeitos dos linfócitos B resultando em dis- que poderá levar a febre e síndroma simile choque.
função do processo de formação de anticor-
pos; Imunoglobulina intravenosa (IGIV)
– exposição a determinadas doenças infeccio- A IGIV é um produto contendo anticorpos obtidos
sas ou risco de exposição sem que haja tempo do plasma de adultos; trata-se dum preparado
suficiente para se desenvolver imunidade contendo predominantemente IgG que existe na
activa através de vacinação; forma líquida ou em pó.É administrado por via IV,
– complemento da terapêutica de determina- sendo testado de modo a assegurar título mínimo
das doenças infecciosas. de anticorpos contra VHB, poliovírus, bacilo difté-
rico e vírus do sarampo.
Imunoglobulina (IG) As principais indicações da IGIV são:
A IG (Ig) é uma solução estéril contendo anticor- – terapêutica substitutiva nas síndromas de
pos obtidos do plasma de dadores submetido à imunodeficiência;
acção do etanol frio. Este preparado, que se admi- – doença de Kawasaki para prevenção de ano-
te não transmitir doenças infecciosas incluindo malias coronárias (Capítulo 212);
por VIH, é administrado por via IM e contém – prevenção de doenças bacterianas em casos
cerca de 15% -20% de proteínas com predomínio de infecção por VIH, de hipogamaglobuliné-
de IgG. mia com leucemia crónica de células B, ou
pós-transplante de medula óssea;
As principais indicações da IG são: – trombocitopénia imune;
– terapêutica de substituição em síndromas – síndroma de choque tóxico, síndroma de
associados a deficiência de anticorpos na Guillain-Barré, infecções por parvovírus B19,
dose de 100 mg/kg cada 2 ou 4 semanas em etc..
função da concentração sérica de IgG;
– imunização passiva em casos de sarampo e As reacções adversas mais frequentes, poden-
hepatite A; do estar relacionadas com o ritmo de administra-
– profilaxia ou modificação/atenuação do ção, ocorrem em percentagens muito variáveis (1
sarampo se administrada dentro de 6 dias a 15 %): cefaleia, febre, mialgia, náuseas, vómitos,
após exposição (0,25 mL/kg em crianças etc.. Mais raramente têm sido descritas reacções
imunocompetentes e 0,5 mL/kg em crianças anafilactóides, insuficiência renal e tromboembo-
imunocomprometidas, até dose máxima de lismo.
15 mL);
– idem para hepatite A se administrada dentro Imunoglobulinas específicas (hiperimunes)
de 14 dias após exposição(0,02 mL/kg); As globulinas hiperimunes são preparados de IG
– profilaxia da hepatite A em indivíduos que obtidos de dadores com títulos elevados de anti-
se deslocam a zonas endémicas(0,06 mL/kg) corpos contra agentes específicos(da HB, raiva,
ou em crianças com < 1 ano de idade sem tétano, varicela-zoster/VZ, citomegalovírus/CMV,
indicação para vacinação, ou em conjunção botulismo, varíola, etc.).
com a vacina se no primeiro caso pessoa se
desloca para a zona endémica antes de 1 mês Anti-soros hiperimunes
após a mesma (Capítulo 40). Trata-se de preparados obtidos a partir do cavalo.
A fracção IgG é concentrada utilizando sulfato de
As reacções adversas mais frequentes são dor e amónio; alguns produtos são ulteriormente trata-
sensação de desconforto no local da injecção; mais dos com enzimas para reduzir a probabilidade de
raramente, reacção anafiláctica. Nos casos de reacções alérgicas às proteínas estranhas.
crianças com défice selectivo de IgA há possibili- Existem disponíveis os seguintes preparados
dade de reacção(raramente) com produção de para utilizar na espécie humana: antitoxina diftéri-
anticorpos contra eventuais vestígios de IgA que ca e antitoxina botulínica (trivalente-A,B,E e biva-
CAPÍTULO 274 Imunizações 1365

lente-A,B). As reacções que podem desencadear, A palavra “vacina” tem uma razão histórica; o
por não serem irrelevantes, exigem precauções vocábulo deriva de vaccinia (doença vesiculosa
extremas antes da administração do produto: (teste dos bovinos, também chamada varíola das vacas
de sensibilidade, dessensibilização); as reacções, se ou cowpox provocada por um vírus do grupo Pox).
surgirem (febre, anafilaxia e doença do soro), exi- Em 1796 Edward Jenner verificou efeito protector
gem tratamento enérgico. (Capítulos 66 e 67) da vaccinia contra o vírus da varíola , sendo que
aquele é menos agressivo para a espécie humana
Anticorpos monoclonais do que o vírus da varíola humana. Com efeito, o
Os anticorpos monoclonais (relativos a um só referido investigador inoculando numa criança de
clone ou grupo de células da mesma constituição oito anos o conteúdo vesicular das referidas lesões
genética provenientes, por reprodução assexuada, (de varíola das vacas), verificou que aquela ficava
duma só célula) são preparados de anticorpos protegida contra a varíola.
conta um único antigénio, o que exige um esque- Cerca de 80 anos depois, Louis Pasteur desco-
ma de produção sofisticado. briu que se verificava doença atenuada na espécie
Um anticorpo monoclonal major muito utiliza- humana inoculando microrganismos após exposi-
do em infecciologia é o palivizumab para preven- ção destes ao ar ou ao tratamento químico. Em
ção da doença grave por vírus sincicial respirató- homenagem a Jenner utilizou pela primeira vez o
rio (VSR) em crianças com < 24 meses portadoras termo “vacina” para significar a inoculação de
de doença pulmonar crónica com antecedentes de microrganismos atenuados com o objectivo de pre-
prematuridade (< 35 semanas) (Capítulos 333 e venir a doença natural; o seja, a partir de então, o
353). Os anticorpos monoclonais são também uti- termo vacina passou a significar protecção, não
lizados em certos tipos de cancro para modifica- apenas contra o germe da vaccinia (vírus da varío-
ção da resposta imune (por ex.anticorpo monoclo- la dos bovinos), mas contra outros germes. Nasceu
nal anti- IL2 e anti-TNF-alfa), de doenças auto- assim a noção de que doenças decorrendo da inter-
imunes, e para prevenção de fenómenos de rejei- acção entre o germe microbiano e o Homem (doen-
ção pós-transplante. ças infecciosas) são susceptíveis de prevenção; tal é
As reacções adversas após administração de fundamentado pela capacidade natural de respos-
palivizumab são raras, incluindo anafilácticas e de ta ou de reacção do organismo a um agente similar
hipersensibilidade; pelo contrário, as que ocorrem ao agente microbiano “agressor” ou a um “produ-
na sequência de administração de anticorpos to” seu derivado, o que confere protecção.
monoclonais anti- IL2 e anti-TNF-alfa podem ser A história das vacinas e da sua aplicação na
mais graves, sendo traduzidas pela designada sín- espécie humana pode considerar-se de sucesso: a
droma de libertação de citocinas, [febre alta, tre- sua aplicação sistematizada sob a forma de pro-
mores, arrepios, imunossupressão e aparecimento gramas ao longo de décadas em diversos países
de infecções (por ex. por micobactérias)]. contribuiu, de facto, para melhorar o panorama da
saúde no âmbito das doenças infecciosas, muitas
Imunização activa com elevada mortalidade e elevada taxa de seque-
las, como a varíola, a poliomielite, sarampo, papei-
Importância do problema ra, tétano, rubéola, tosse convulsa e difteria, etc.,
O processo de imunização activa através da apli- citando apenas os exemplos mais paradigmáticos.
cação de vacinas (no conceito muito genérico, sub- Relativamente ao fabrico das vacinas, actual-
stâncias com propriedades de protecção contra mente exige-se que na sua produção sejam cum-
doenças infecciosas), é considerado, entre todas as pridos altos padrões de qualidade com base na
medidas de saúde pública, a que melhor relação investigação científica .
custo- efectividade tem evidenciado; somente a
água potável e os antibióticos tiveram um impac- Mecanismos de acção das vacinas
te semelhante ao da aplicação daquelas no orga- Tendo em conta a definição genérica anteriormen-
nismo humano (vacinação) quanto a mortalidade te referida, cabe pormenorizar os principais meca-
e morbilidade infantis. nismos de acção das vacinas:
1366 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– estimulação da formação de anticorpos, da Assim, torna-se mais fácil compreender a siste-


imunidade celular, ou de ambas; matização relativa aos tipos de vacinas actual-
– a protecção conferida pela maioria das vaci- mente utilizadas, assim como as estratégias utili-
nas é mediada primariamente por linfócitos B, zadas na sua aplicação, designadamente em fun-
requerendo na maioria, a cooperação dos linfócitos ção da idade do indivíduo.
T, células CD4 helper; estas respostas, dependentes
de linfócitos T ou células-T dependentes, tendem a Tipos de vacinas
induzir memória imunológica e níveis elevados de 1 – Vacinas vivas atenuadas
anticorpos de avidez elevada, primeiramente do A base das vacinas vivas atenuadas (microrga-
tipo IgM (7-10 dias após primeira injecção do anti- nismos vivos com diminuição do poder patogéni-
génio), declinando à medida que são produzidos co) reporta-se aos primórdios da história da vaci-
anticorpos de tipo IgG; estes últimos atingem nação com o procedimento realizado por Jenner
níveis mais elevados após 1 mês e mantêm-se ele- atrás referido.
vados durante semanas a meses (ou mais tempo, o Como exemplos de vacinas atenuadas (vivas)
que é favorecido pela memória imunológica gera- citam-se BCG, VASPR (sarampo, papeira e rubéo-
da desde a administração da primeira dose e pela la), e anti-varicela, rotavírus e influenza. O desen-
injecção de ulteriores doses de antigénio); volvimento da imunidade activa surge na sequên-
– as vacinas dependentes de linfócitos T- que cia de quadro clínico ligeiro, quase inaparente.
incluem componentes proteicos de germes micro-
bianos – induzem respostas imunológicas eficazes 2 – Vacinas inactivadas
em crianças pequenas (lactentes); A utilização de microrganismos inactivados
– as vacinas que incluem como antigénios polis- (mortos) para a imunização foi desenvolvida por
sacáridos induzem respostas pelos linfócitos B na Daniel Salmon e Theobald Smith. As técnicas de
ausência de linfócitos T (independentes de linfócitos inactivação poderão utilizar o calor, o formol, o
T) induzem fraca resposta imunológica em crianças formaldeído e outras substâncias.
com < 2 anos, sendo a imunidade criada de curta Poderão utilizar o microrganismo na totalidade,
duração na ausência de nova injecção de antigénio; partes ou certos componentes proteicos do micror-
– os anticorpos produzidos podem inactivar ganismo, polissacáridos da cápsula, ou polissacári-
toxinas, neutralizar vírus, e prevenir a sua ligação dos da cápsula conjugados em ligação covalente
a receptores celulares, facilitar a fagocitose e des- com proteínas transportadoras (ver adiante).
truição bacteriana, interagir com o complemento
promovendo a lise bacteriana, e prevenir a sua 3 – Vacinas combinadas
adesão às superfícies das mucosas; Trata-se de vacinas que incorporam simultanea-
– a avaliação da resposta imune à maioria das mente vários antigénios (independentemente de se
vacinas é levada a cabo através da medição do tratar de vacinas vivas ou inactivadas) permitindo
nível de anticorpos séricos; embora a detecção de reduzir o número de administrações a efectuar, o
determinado nível sérico se possa considerar pro- que contribui para maior adesão aos programas de
tectora e indique imunidade após vacinação, a vacinação. As primeiras vacinas utilizadas com
diminuição de tal nível ao longo do tempo não estas características foram a DTP (vacina da difte-
significa necessariamente susceptibilidade à ria, tétano e pertussis/tosse convulsa) e, muito
doença respectiva; com efeito, algumas vacinas mais tarde (década de 80) a VASPR (vacina do
podem induzir memória imunológica, conduzin- sarampo, parotidite epidémica e rubéola).
do a que uma nova administração do antigénio
(reforço da vacina) ou uma resposta anamnéstica 4 – Vacinas conjugadas
após exposição ao germe microbiano garantam Tais vacinas, que surgiram por volta de 1990,
protecção contra a doença; utilizam polissacáridos da cápsula em ligação
– a avaliação da resposta imune também pode covalente a proteínas transportadoras. Este pro-
ser realizada através do estudo da imunidade cesso de ligação polissacárido-proteína rendibiliza
celular para certas doenças. a imunogenicidade (estimulação das células T e
CAPÍTULO 274 Imunizações 1367

memória imunológica em crianças com < 2 anos) mas nas doenças – alvo da vacinação, assim como
comparativamente à utilização de antigénio exclu- a determinados efeitos benéficos.
sivamente polissacárido. De salientar que as vaci-
nas conjugadas permitiram o controlo da doença Pré-exposição
invasiva por Haemophilus influenza b nos países Em regra, as vacinas são eficazes se aplicadas
desenvolvidos, e uma diminuição significativa da antes do contacto com a doença infecciosa em
doença invasiva por Streptococcus pneumoniae e causa. Daí a fundamentação dos programas de
Neisseria meningitidis C. vacinação em que a administração de vários anti-
géneos vai permitir uma protecção contra doenças
Componentes não antigénicos das vacinas maioritariamente adquiridas na infância.
No âmbito da tecnologia utilizada na fabricação das
vacinas é importante esquematizar a respectiva Pós-exposição
composição em substâncias não antigénicas, o que No entanto, algumas vacinas podem ainda confe-
poderá facilitar a compreensão de certas reacções rir protecção quando administradas em situações
associadas à aplicação das mesmas. Os referidos de pós-exposição, nomeadamente as vacinas
componentes incluem: os fluidos como veículos, contra hepatite B, hepatite A, sarampo e varicela.
os agentes que preservam e estabilizam os antigé-
nios, e os adjuvantes. Erradicação
Os fluidos funcionando como veículos podem Significa supressão total duma doença endémica
ser água ou soro fisiológico estéril, ou fluidos em ou do germe microbiano que a provoca. Somente se
cuja composição entram proteínas em baixa poderá considerar a erradicação relativamente a
concentração. doenças de contágio exclusivamente inter-humano.
Os agentes preservativos, estabilizadores e antimi- De salientar que a erradicação implica, designada-
crobianos são acrescentados com a finalidade de mente, a aplicação, à escala global, duma vacina
inibir o crescimento bacteriano e prevenir a degra- efectiva, a verificação de altos níveis de imunidade
dação do antigénio (por exemplo, gelatina, 2- contra a doença por um período de tempo prolon-
fenoxietanol e determinados antimicrobianos, gado, e a existência de apoio laboratorial específico
etc.). Desde há uma década muitas vacinas deixa- que permita uma vigilância epidemiológica eficaz e
ram de conter como preservativo um composto mantida. Pressupõe – se assim, que um microrga-
mercurial – o timerossal – assim como passaram a nismo erradicado não pode reemergir, excepto se
ser fabricados frascos unidose. Actualmente só houver algum reservatório ou uma introdução com
algumas vacinas para a influenza contêm o referi- fins maléficos.
do composto mercurial. Se bem que a erradicação seja teoricamente
Os adjuvantes são incorporados nalgumas vaci- possível para algumas doenças que podem ser
nas para incrementar a resposta imune. De acordo prevenidas pela vacinação, apenas a varíola foi até
com a FDA somente é recomendável a inclusão de hoje erradicada. A próxima doença-alvo para a
sais de alumínio. Salienta-se que as vacinas com erradicação é a poliomielite.
adjuvantes devem ser administradas em injecção
IM profunda para evitar irritação local, formação Eliminação
de granuloma e necrose, eventos surgidos se a Este termo significa supressão da doença local-
administração for intracutânea ou subcutânea. mente, sem erradicação global do microrganismo
causal. Exemplificando: nalgumas regiões foi já
Impacte das vacinas nas doenças- efectuado um significativo progresso na elimina-
-alvo de vacinação e outros efeitos ção do sarampo, com inexistência de transmissão
benéficos local, sendo que a importação do vírus não resul-
ta em transmissão mantida na comunidade, como
Quer se trate de aplicação de vacinas a título indi- é o caso de Portugal. Este objectivo é atingido com
vidual, quer a título comunitário, importa definir uma taxa de cobertura vacinal superior a 95% e
alguns aspectos associados ao impacte das mes- num regime de duas doses. Salienta-se que a vaci-
1368 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

na combinada contra sarampo, rubéola e parotidi- estendeu para além do grupo-alvo da vacinação,
te epidémica (VASPR) pode levar à eliminação, ou
mesmo erradicação, destas três doenças. Programa Nacional de Vacinação
Para doenças com reservatório ambiental,
como o tétano, a erradicação não é possível, mas a Em Portugal, a primeira recomendação para vaci-
eliminação global da doença está ao nosso alcan- nação universal surgiu em 1816, na sequência da
ce, se a vacinação individual for mantida com ele- criação da Instituição Vacínica da Real Academia
vada prevalência. das Ciências de Lisboa, pela mão de Bernardino
António Gomes, higienista, médico, químico,
Controlo botânico e parasitologista.
Significa contenção ou acção de prevenir de vários No século XX, apesar de algum êxito no
modos a transmissão da doença infecciosa. controlo da varíola, as estatísticas de morbilidade
e mortalidade, nomeadamente respeitantes ao
Protecção contra doenças associadas e efeitos tétano e à difteria mostravam o insucesso de algu-
inespecíficos mas campanhas de vacinação, afastando os indi-
Algumas vacinas conferem também protecção cadores nacionais dos da maioria dos países euro-
contra doenças associadas à doença-alvo da vaci- peus. Impunha-se, pois, um eficaz Programa
nação. Exemplificando com a vacina antigripe Nacional de Vacinação (PNV), o que foi possível
sazonal, cujo objectivo principal é a protecção concretizar a partir 1965, com o empenhamento de
contra a gripe, refere-se que a mesma protege Arnaldo Sampaio e a ajuda financeira da
contra complicações bacterianas da doença, Fundação Calouste Gulbenkian. Pouco tempo
nomeadamente pneumonia. Por outro lado, a depois, o PNV – que tem como pilar o esquema
vacina conjugada anti-pneumococo protege não vacinal da criança – passou a ser financiado na sua
só contra a doença pneumocócica invasiva, mas totalidade pelo Ministério da Saúde, sendo actual-
também contra a doença não invasiva, como otite mente um programa universal e gratuito para o
e pneumonia, o que se explica pelos serótipos utilizador integrando as vacinas consideradas de
integrados na vacina. primeira linha, isto é, aquelas de cuja aplicação se
obtêm os maiores ganhos de saúde.
Protecção contra o cancro Um dos objectivos do PNV é obter a melhor
Tomando como exemplos as vacinações contra a protecção, na idade mais adequada e o mais pre-
hepatite B (VHB) e a infecção pelo vírus do papi- cocemente possível, contra o maior número de
loma humano (VPH), infecções que poderão origi- doenças possível. O PNV de 2012, substituindo o
nar sequelas na idade adulta (respectivamente de 2006, inclui as vacinas contra tuberculose,
carcinoma hepatocelular e carcinoma do colo do hepatite B, difteria, tétano, tosse convulsa, polio-
útero), facilmente se poderá depreender o alcance mielite, doença invasiva por Haemophilus influen-
das respectivas vacinas ao ponto de a OMS em zae do serótipo b, sarampo, parotidite epidémica,
1990 ter considerado a primeira das mencionadas doença invasiva por Neisseria meningitidis do sero-
como a primeira vacina contra o cancro. Contudo, grupo C e infecção por vírus do papiloma huma-
a concretização de tal objectivo exije simultanea- no. Aplica-se a indivíduos presentes no país com
mente a existência de programas de rastreio bem idade inferior a 18 anos e durante toda a vida de
organizados para garantir eficácia e eficiência. 10 em 10 anos para as vacinas antitetânica e anti-
diftérica (Td). Esquemas iniciados antes dos 18
Prevenção da resistência aos antibióticos anos podem ser completados mesmo depois dos
De acordo com estudos realizados nos EUA, a 18 anos, excepto quando são estabelecidos limites
aplicação da vacina conjugada antipneumococo, etários máximos.
contribuindo, pela prevenção, para a diminuição Os programas deverão ser adaptados à evolu-
das indicações da antibioticoterapia, determinou ção epidemiológica, muitas vezes reflectindo o
nos anos subsequentes uma diminuição de sucesso da vacinação. Este sucesso condiciona por
estirpes multirresistentes à penicilina, que se vezes os chamados “efeitos perversos da vacina-
CAPÍTULO 274 Imunizações 1369

ção” de que o exemplo mais comum é o desvio rência de surtos ou epidemias. No caso do tétano,
etário da tosse convulsa: antes da vacinação a em que a protecção é individual, apenas uma
doença surgia nas crianças em idade escolares; cobertura vacinal de 100% poderá permitir 100%
após a vacinação universal os grupos etários mais de casos evitados.
atingidos passaram a ser o pequeno lactente (no O Quadro 1 integra as siglas utilizadas no
qual a doença é habitualmente mais grave) e o PNV 2012 , e a Figura 1 o respectivo esquema cro-
jovem adulto. No entanto, é de destacar que a nológico com legenda pormenorizada explicativa.
diminuição da morbimortalidade e da incidência
da doença compensaram largamente este desvio. Notas sobre algumas vacinas que integram o
O PNV em Portugal tem sido uma história de PNV
sucesso, não só pela sua acessibilidade sem qual- Vacina anti-doença invasiva por Haemophilus
quer tipo de barreira, mas também pelo empenha- influenzae b (Hib)
mento de muitos profissionais de saúde e pela • Vacina de oligossacáridos ou polissacárido
adesão da população a esta medida de saúde capsular de Haemophilus influenzae b conju-
pública. (Capítulo 1) gada com uma proteína bacteriana.
Igualmente importantes são os programas de • Nos casos de incumprimento do PNV, com
vigilância, o registo das vacinações e aferição atrasos vacinais, a vacina está recomendada
contínua da sua cobertura, assim como o conheci- para administração até aos 5 anos de idade.
mento da situação imunológica da população dos Nestes casos, o número de doses depende da
indivíduos vacinados, através de inquéritos idade em que foi administrada a primeira
serológicos. Taxas de vacinação muito elevadas dose, de acordo com o Quadro 2.
permitem obter imunidade de grupo. Quando as Vacina anti- hepatite B (VHB)
taxas de vacinação descem, o aumento de indiví- • Vacina de antigénio de superfície recombi-
duos susceptíveis pode ser determinante na ocor- nante do vírus da hepatite B.

QUADRO 1 – Siglas utilizadas no esquema do PNV*

Antibióticos Sigla
Doença invasiva por Haemophilus influenzae do serótipo b (ou Haemophilus influenzae b) Hib
Hepatite B VHB
Doença invasiva por Neisseria meningitidis do serogrupo C (ou meningococo C) MenC
Poliomielite VIP (vírus inactivados)
VAP (vírus atenuados)
Tuberculose BCG
Difteria-Tétano-Tosse convulsa (pertussis) DTPa (pertussis acelular)

Difteria-Tétano-Tosse convulsa-doença invasiva por Haemophilus influenzae DTPa Hib (pertussis acelular)
do serotipo b
Difteria-Tétano-Tosse convulsa-Poliomielite DTPa VIP
Difteria-Tétano-Tosse convulsa-doença invasiva por Haemophilus influenzae do serótipo DTPa Hib VIP
b-Poliomielite
Sarampo-Parotidite epidémica-Rubéola VASPR
Tétano-Difteria Td (difteria em dose de adulto)
DT (difteria em dose de criança)
Sarampo VAS
Rubéola VAR
Tétano T
Infecção por vírus do papiloma humano VPH ou HPV
(*) PNV 2012 (DR, 2ª série-Nº 243 de 21 de Dezembro de 2011): www. dgs. pt
1370 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Idades
Vacina contra: 0 Toda a
2 4 6 12 18 5-6 10-13
Nasci- vida 10/10
meses meses meses meses meses anos anos
mento anos

Tuberculose BCG

Hepatite B VHB 1 VHB 2 VHB 3

Haemophilus
Hib 1 Hib 2 Hib 3 Hib 4
influenzae b

Difteria -Tétano - (a) Na data da entrada em vigor do


DTPa 1 DTPa 2 DTPa 3 DTPa 4 DTPa 5 Td Td
Tosse Convulsa
PNV 2012, apenas se recomenda
1 dose de MenC aos 12 meses.
Poliomielite VIP 1 VIP 2 VIP 3 VIP 4 No período de transição, as cri-
anças que já tenham recebido 1
dose de MenC no período até
Meningococo C (a) MenC 1
completarem 1 ano de vida,
necessitam apenas da dose aos
12 meses. Independentemente
Sarampo - Parotidite VASPR VASPR do número de doses (uma ou
epidémica - Rubéola 1 2 duas), é necessária a dose dos 12
meses(respeitando sempre o
Infecções por vírus HPV intervalo mínimo entre doses).
do Papiloma humano 1; 2; 3
(b) 13 anos (b) Aplicável apenas no sexo femi-
nino.

FIG. 1
Esquema do PNV 2012.

• À nascença, recomenda-se a vacina contra a tuberculose (BCG) e a primeira dose da vacina contra a hepatite B (VHB), desde que o peso do recém-
nascido seja igual ou superior a 2 000 g.
• Ambas as vacinas deverão ser administradas na maternidade. Quando tal não ocorrer, serão administradas no centro de saúde, o mais brevemente
possível, segundo o calendário recomendado.
• Recomenda-se apenas uma dose de BCG. A vacina deve ser administrada tão precocemente quanto possível. Após os 2 meses de idade, só deve ser
administrada a BCG após prova tubercuclínica negativa, tendo em atenção os intervalos recomendados entre a administração de vacinas vivas e
entre estas e a prova tuberculínica.
• Aos 2 meses de idade, recomenda-se a primeira dose da vacina pentavalente contra a difteria, o tétano, a tosse convulsa, a doença invasiva por
Haemophilus influenzae b e a poliomielite (DTPaHibVIP) e a segunda dose da VHB.
• Aos 4 meses de idade, recomenda-se a segunda dose da vacina DTPaHibVIP.
• Aos 6 meses de idade, recomendam-se as terceiras doses das vacinas DTPaHibVIP e VHB.
• Aos 12 meses de idade, recomenda-se dose única de MenC e a primeira dose da vacina contra o sarampo, a parotidite epidémica e a rubéola
(VASPR).
• Fica assim completa a primovacinação para 11 das 12 vacinas incluídas no PNV.
• Aos 18 meses de idade, recomenda-se o primeiro reforço da DTPa (4ª dose) e o único reforço da Hib (4ª dose).
• É recomendada a utilização da vacina tetravalente DTPaVIP. Excepcionalmente a DTPa e a VIP podem ser administradas separadamente.
• Aos 5-6 anos de idade, antes do início da escolaridade obrigatória, recomenda-se o segundo reforço da DTPa (5a dose), o único reforço da VIP (4ª
dose) e a segunda dose da VASPR.
• É recomendada a utilização da vacina tetravalente DTPaVIP. Excepcionalmente, a DTPa e a VIP podem ser administradas separadamente.
• A segunda dose da VASPR representa uma segunda oportunidade de imunização e não um reforço. Até aos 18 anos de idade, recomenda-se sem-
pre a administração de uma segunda dose, independentemente da idade de administração da primeira dose, por forma a aumentar a efectividade
da vacinação, ultrapassando eventuais falências vacinais que possam ter ocorrido com a primeira dose.
• Aos 10-13 anos de idade, recomenda-se um reforço da vacina antitetânica e antidiftérica (Td); ou seja, vacina combinada com a componente
antidftérica para conferir protecção mais duradoura contra a doença, utilizando-se a dose reduzida(d) de forma a minorar o risco de reacções adver-
sas em adolescentes e adultos. De referir que a partir dos 7 anos é utilizada a vacina combinada Td.
• Aos 13 anos de idade (ou aos 12 anos desde que se completem 13 anos nesse ano civil), recomenda-se nas raparigas três doses de VPH ou HPV
(0, 2, 6 meses para a vacina tetravalente; ou 0, 1, 6 meses para a bivalente) – consultar texto.
• Durante toda a vida, recomenda-se reforço de vacina antitetânica e antidftérica (Td), de 10 em 10 anos.

NB – Nalguns países inclui-se reforço de vacina anti-pertussis em adultos (potencial fonte contagiante para adultos e crianças) em combinação com Td.
CAPÍTULO 274 Imunizações 1371

QUADRO 2 – Esquema de vacinação Hib no ta ou adquirida; tratamentos imunossupres-


caso de incumprimento do PNV sores; infecção por VIH; má-nutrição grave;
recém-nascidos filhos de mães VIH positi-
Idade de início Primovacinação Idade vas; recém-nascidos com peso ao nascer infe-
do Reforço rior a 2000 gramas; doenças cutâneas genera-
6 semanas - 6 meses 3 doses 18 meses lizadas; tuberculose activa; prova tuberculí-
7-11 meses 2 doses 18 meses nica positiva; doença aguda grave, com ou
12-15 meses 1 dose 18 meses sem febre.
>15 meses e <5 anos 1 dose nenhum • Quando administrada após os dois meses de
idade deve ser sempre precedida de prova
tuberculínica.
• Além da administração universal (até aos 18 Vacina trivalente (inactivada) antidifteria, téta-
anos) contemplada no PNV, a sua administra- no e tosse convulsa/pertussis (DTPa)
ção é ainda recomendada a grupos de risco. • Vacina combinada trivalente contendo:
• Não é recomendada a determinação de mar- toxóide diftérico adsorvido (D); toxóide tetâ-
cadores serológicos antes ou depois da vaci- nico adsorvido (T); toxóide e sub-unidades
nação, excepto para determinados grupos de de Bordetella pertussis (Pa).
risco, como os profissionais de saúde, os • Deverão ser tomadas precauções, em função
doentes hemodialisados e os indivíduos com do componente Pa da vacina, nas situações de
alterações da imunidade. alterações neurológicas que predisponham ao
Vacina anti-doença invasiva por Neisseria aparecimento de convulsões ou deterioração
meningitidis C (MenC) neurológica, nomeadamente encefalopatia
• Vacina de oligossacáridos ou polissacárido hipertensiva. Igualmente, se após a adminis-
capsular de Neisseria meningitidis C conjuga- tração da vacina se verificar: temperatura
da com uma proteína bacteriana. superior a 40,5º, sem outra causa identificável;
• A vacina foi introduzida no PNV em 2006, prostração intensa ou episódio de hiporreacti-
simultaneamente com uma campanha de vidade e hipotonia; convulsões com ou sem
vacinação a decorrer em 2006 e 2007, para a febre, deverá ser consultado o médico que
protecção de todos os indivíduos até aos 18 decidirá sobre continuar ou não o esquema
anos. (ver adiante modificações introduzidas com DTPa (os riscos são substancialmente
no PNV 2012): mais baixos do que com DTPw), ou com TD.
Vacina anti-poliomielite (VIP) • Uma história de convulsões febris não rela-
• Vacina de vírus da poliomielite inteiros e cionada com a vacinação ou história de
inactivados (tipos 1, 2 e 3). convulsões na família não contra-indicam a
• Além da sua utilização no âmbito do PNV DTPa.
(em crianças e adolescentes até aos 18 anos Nota importante: Tendo como fundamento
de idade) a VIP pode estar indicada nas diversos estudos demonstrando diminuição da
seguintes situações: viajantes para áreas imunidade contra B pertussis em adultos por
endémicas ou com surtos de poliomielite; ausência de reforços vacinais ou naturais, os quais
trabalhadores de laboratórios em que haja se poderão constituir fontes de contágio para
manipulação de vírus selvagem da poliomie- crianças não ou incompletamente vacinadas (casos
lite ou de amostras potencialmente contami- descritos de tosse crónica e prolongada), nalguns
nadas; indivíduos com alterações imunitá- países preconiza-se reforço de vacina anti-pertus-
rias. sis em adultos/progenitores segundo diversos
Vacina anti-tuberculose (BCG) esquemas (por exemplo vacinação antecedendo o
• Vacina de bacilos vivos atenuados de nascimento de criança em agregado familiar ou
Mycobacterium bovis. acrescentando o referido reforço ao esquema Td de
• Está contra-indicada nas seguintes situações: 10 em 10 anos (como foi atrás descrito no âmbito
gravidez; imunodeficiência celular, congéni- do PNV nacional ), por volta dos 26-28 anos.
1372 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Vacina bivalente (inactivada) anti-tétano e dif- • Estão estudados mais de 100 serótipos de HPV,
teria (Td) dos quais cerca de 30 infectam a mucosa geni-
• Vacina combinada bivalente contendo: toxói- tal. O principal factor relacionado com a aquisi-
de tetânico adsorvido (T); toxóide diftérico ção da infecção é a actividade sexual. A infecção
adsorvido, em dose reduzida (d). por HPV constitui a doença de transmissão
• No âmbito do PNV utiliza-se em adoles- sexual de origem vírica mais frequente nos ado-
centes e adultos para minorar o risco de reac- lescentes e adultos jovens de ambos os sexos.
ções adversas ao componente diftérico. A Em algum período ao longo da vida cerca de
utilização de Td é muito importante dado o 80% das pessoas são infectadas por HPV.
decréscimo, ao longo da vida, da imunidade • Os HPV são classificados em vírus de “baixo
contra a difteria quando esta vacina só é risco” ou de “alto risco”, em função do seu
administrada na infância. potencial oncogénico. Do grupo de “baixo
• Outras indicações, ainda no âmbito do PNV, risco”, os serótipos 6 e 11 associam-se a cerca
incluem: grávidas não correctamente vacina- de 90% dos casos de verrugas genitais. Do
das contra o tétano, para prevenção do téta- grupo de “alto risco”, os serótipos 16 e 18 asso-
no neonatal e do puerpério; profilaxia do ciam-se a 70 a 75% dos casos de cancro do colo
tétano, na presença de ferimentos. do útero, estando ainda relacionados com
Vacina trivalente anti-sarampo, parotidite epi- casos de cancro da vulva, ânus, pénis e outros.
démica e rubéola (VASPR) • A grande maioria das infecções regride
• Vacina combinada trivalente contendo vírus espontaneamente e apenas 3 a 4% das lesões
vivos atenuados do sarampo, da parotidite causadas por serótipos de “alto risco” se tor-
epidémica e da rubéola. nam persistentes. Destas, apenas cerca de 1%
• As principais contra-indicações são: gravi- poderá evoluir para lesões pré-cancerosas
dez, tuberculose activa, e imunossupressão das quais 0,1% poderá evoluir para cancro
grave, congénita ou adquirida. do colo do útero (CCU). A evolução para
• A mulher não deverá engravidar nos três CCU é muito lenta, sendo a afecção na fase
meses posteriores à vacinação. Todas as mu- inicial assintomática.
lheres em idade fértil devem ser inquiridas • Em Portugal estão comercializadas duas
sobre uma eventual gravidez, previamente à vacinas: a vacina bivalente que inclui os
vacinação. serótipos 16 e 18 (Cervarix®), e a vacina tetra-
• Nas imunodeficiências congénitas ou adqui- valente – recombinante adsorvida, que inclui
ridas, não graves, a vacina poderá ser admi- os serótipos 16, 18, 6 e 11 (Gardasil®) indica-
nistrada por prescrição médica. das entre os 10 e 25 anos. O esquema de
• Fora do âmbito do PNV (para além dos 18 administração, flexível e semelhante nas
anos de idade) a VASPR deve ser administra- duas marcas, inclui três doses por via intra-
da gratuitamente aos seguintes grupos: todas muscular que, no entanto, deverão ser apli-
as mulheres em idade fértil sem qualquer cadas no período máximo de 1 ano:
registo de vacinação contra a rubéola (após • Cervarix®: 1ª → 2ª dose: 1 mês de intervalo
exclusão de gravidez) e todas as puérperas 2ª → 3ª dose: 5 meses de intervalo
não imunizadas ou cujo estado imunitário • Gardasil®: 1ª → 2ª dose: 2 meses de intervalo
contra a rubéola se desconheça, (casos em 2ª → 3ª dose: 4 meses de intervalo
que a vacinação deve ser feita na maternida- A vacina é tanto mais eficaz quanto menor a
de ou na consulta de revisão do puerpério). probabilidade de a mulher estar infectada, razão
Vacina anti-vírus do papiloma humano (HPV) pela qual se recomenda a aplicação antes do início
• Em 2008 foi introduzida no PNV a vacina da actividade sexual.
contra a infecção por alguns serótipos do
papiloma vírus humano. Fundamentos da evolução dos PNV
• Várias foram as razões para esta decisão, que em Portugal (2006 e 2012)
resumidamente se expõem. → PNV 2006
CAPÍTULO 274 Imunizações 1373

Especificam-se a seguir algumas alterações intro- • vacina contra difteria, tétano, tosse convulsa
duzidas no PNV 2006 em relação ao anterior PNV. e poliomielite (DTPVIP).
Estas alterações tiveram por objectivo: tornar a
vacinação ainda mais segura; aumentar a sua acei- → Introdução da vacina conjugada contra a
tabilidade pela população e pelos profissionais; doença invasiva por Neisseria meningitidis do sero-
proteger, com segurança contra mais uma doença grupo C (MenC).
(doença invasiva por Neisseria meningitidis C). Com base na experiência de outros e em estu-
→ Substituição da vacina viva atenuada e oral dos publicados, comprovou-se que a vacina MenC
contra a poliometrie (VAP) por uma vacina inacti- é segura e eficaz, sendo também adequada à epi-
vada ou injectável (VAP). demiologia da doença meningocócica no nosso
Esta alteração teve como objectivo a elimina- país. Uma análise de custo – efectividade favorá-
ção do risco (muito baixo) de ocorrência de um vel confirmou a vantagem da inclusão desta vaci-
caso de poliomielite provocada pelo vírus vacinal na no PNV.
(por administração da vacina viva – VAP), uma
vez que existe uma vacina mais segura (a vacina → PNV 2012
de vírus inactiva – VIP) e que a doença por vírus 1 – Alteração do esquema vacinal da vacina
selvagem foi eliminada da Região Europeia. conjugada anti-doença invasiva por N. meningiti-
→ Substituição da vacina contra a tosse dis do serogrupo C (Men C).
convulsa do tipo P (pertussis “whole cell” ou de Tendo como base estudos científicos e dados
célula completa) por uma vacina pertussis acelu- epidemiológicos nacionais actuais (diminuição
lar (P). significativa da morbilidade e mortalidade por
A vacina acelular utiliza apenas compostos doença meningocócica C, e demonstração do
antigénicos da bactéria Bordetella pertussis sendo, desenvolvimento de imunidade de grupo com
portanto menos reactogénica e mais segura. Por protecção adicional nos não vacinados), passou a
outro lado, a maioria das vacinas combinadas, dis- ser recomendada uma dose única de MenC aos 12
poníveis no mercado, contém pertussis acelular meses de idade.
(Pa) em vez de pertussis de célula completa (Pw), 2 – Antecipação da primeira dose da vacina
pelo que se optou pela introdução da (Pa) no PNV. anti-sarampo, rubéola e parotidite epidémica
→ Introdução de vacina combinada pentava- (VASPR) para os 12 meses de idade.
lente, contra difteria, tétano, tosse convulsa, doen- Tal procedimento tem como objectivo obter
ça invasiva por Haemophilus influenzae do seró- imunidade de grupo e individual mais precoce-
tipo b e a poliometrite (DTPaHibVIP). mente. Tal alteração baseou-se em estudos cientí-
A introdução de mais uma vacina injectável no ficos segundo os quais actualmente a maioria das
PNV, a VIP implicaria uma injecção adicional, na crianças nasce de mães já vacinadas, situação
mesma sessão vacinal, o que poderia contribuir diversa da verificada há algumas décadas em que
para uma menor adesão ao PNV por parte das a existência de anticorpos maternos resultantes de
famílias e dos profissionais. Para evitar os riscos doença natural anterior contribuia para a dimi-
inerentes à descida das coberturas vacinais, nuição da eficácia da vacina feita mais precoce-
optou-se pela introdução de vacina que protege mente.
contra cinco doenças numa só injecção. 3 – Actualização da estratégia de vacinação
→ Introdução de vacinas combinadas tetrava- anti-hepatite B(VHB).
lentes contendo Pa. Desde o ano 2000 que a VHB tem sido aplica-
A decisão de introduzir a vacina Pa teve impli- da a recém-nascidos (RN) e a jovens no grupo etá-
cações nas vacinas tetravalentes necessárias ao rio 10-13 anos.
PNV, tendo sido introduzidas as seguintes combi- Tendo a coorte de RN em 199 atingido a idade
nações: de vacinação da segunda coorte (10-13 anos),
• vacina contra a difteria, o tétano, a tosse cessa a vacinação de rotina a VHB nos jovens de
convulsa e a doença invasiva por Haemo- 10-13 anos.
philus influenzae do serótipo b (DTPaHib). 4 – Final da campanha de vacinação anti-infec-
1374 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ções por vírus do papiloma humano(VPH) à coor- Excepto quando existe uma contra-indicação
te dos 17 anos. verdadeira, a decisão de não vacinar, por razões
Desde 2008 que a vacina anti-VPH tem sido médicas, deve ser sempre cuidadosamente ponde-
administrada à coorte dos 13 anos de idade e em rada e é da responsabilidade do médico assisten-
regime de campanha durante 3 anos(2009,2010, te, considerando os benefícios da prevenção da
2011) à coorte dos 17 anos de idade (correspon- doença e as raras situações adversas, temporal-
dente a nascimentos ocorridos em 1992,1993 e mente relacionadas com as vacinas.
1994). Assim, a partir de Janeiro de 2012 a vacina- É importante lembrar que qualquer adiamento
ção de rotina mantém-se aos 13 anos e termina a da vacinação com base em falsa contra-indicação
campanha. Excepcionalmente às jovens nascidas constitui uma oportunidade perdida de vacinação.
em 1993 e 1994 pode ser aplicada a vacinação até
à véspera em que completem 19 anos de idade. Vacinas não incluídas no PNV
O PNV não engloba actualmente todas as vacinas
disponíveis. A compra e administração de vacinas
Algumas regras básicas da vacinação não integradas no PNV implicam receita médica e
• A mistura de diferentes soluções vacinais na informação aos serviços de vacinação (Centros de
mesma seringa, para administração simultâ- Saúde).
nea numa só injecção é formalmente contra-
indicada, comprometendo quer a eficácia, Vacina antigripe epidémica/sazonal
quer a segurança das vacinas misturadas, Esta vacina varia anualmente em função da
para além de poder provocar reacções adver- estirpe vírica circulante. A mesma deve ser admi-
sas graves. nistrada, sob prescrição médica, preferencialmente
• Como regra geral, as vacinas inactivadas não em Outubro ; pode, no entanto, ser administrada
interferem com a resposta imunológica a durante o Outono/Inverno. O Quadro 4 especifica
outras vacinas. Assim, podem ser adminis- as recomendações da DGS sobre a sua aplicação.
tradas simultaneamente, ou em qualquer
momento, antes ou depois de outra vacina Vacina anti-hepatite A
diferente, inactivada ou viva. A melhoria das condições sanitárias em
• A administração de duas ou mais vacinas Portugal, com grande redução do número de
vivas deve ser feita, ou no mesmo dia, ou casos de doença, condiciona que o maior interesse
respeitando um intervalo de pelo menos 4 desta vacina resida nas situações de pós-exposição
semanas entre cada vacina viva, uma vez a um caso documentado, no controlo de surtos;
que intervalos inferiores poderão compro- está ainda recomendada para as crianças com
meter a resposta imunológica. doença hepática crónica ou infecção pelos vírus da
• As vacinas víricas vivas (VASPR) podem hepatite B e da hepatite C, uma vez que a hepati-
interferir com a resposta à prova tuberculíni- te A poderá constituir um factor de agravamento
ca (intradermo-reacção de Mantoux), poden- da doença de base. A vacina é também recomen-
do obter-se um resultado falsamente negati- dada nas viagens para países onde a doença seja
vo. Assim, a prova tuberculínica deve ser endémica.
efectuada antes, no mesmo dia, ou então Existem comercializadas em Portugal duas
quatro semanas após a administração de marcas desta vacina:
vacinas víricas vivas. Havrix®, Havrix® Júnior, e Epaxal®.
A Havrix é uma suspensão estéril contendo o
Segurança das vacinas do PNV vírus da hepatite A(VHA) inactivado em formal-
As contra-indicações às vacinas são raras e deído(estirpe atenuada HM 175 do VHA), adsor-
podem ser permanentes ou transitórias. vido em hidróxido de alumínio.
As precauções não são contra-indicações para A Epaxal é constituída por vírus inactivado
a vacinação, mas exigem prescrição médica para (estirpe RG-SB) utilizando como sistema adjuvan-
administrar as respectivas vacinas. (Quadro 3) te virossomas.
CAPÍTULO 274 Imunizações 1375

QUADRO 3 – Contra-indicações, precauções e falsas contra-indicações gerais às vacinas do PNV

Verdadeiras Precauções Falsas contra-indicações


contra-indicações
• Reacção anafiláctica a • Doença aguda grave, • Reacções locais, ligeiras a moderadas, a uma dose anterior
uma dose anterior com ou sem febre (vaci- da vacina
• Reacção anafiláctica a um nar logo que haja me- • Doença ligeira aguda, com ou sem febre (exemplo: infec-
constituinte da vacina lhoria da sintomatolo- ções das viass respiratórias superiores, diarreias)
(ainda que em quanti- gia) excepto para a BCG • Terapêutica antibiótica concomitante (excepto os tubercu-
dades vestigiais) a que corresponde lostáticos em relação à BCG)
• Gravidez (vacinas vivas) contra-indicação abso- • Imunoterapia concomitante com extratos de alergénios
• Estados de imunode- luta • História pessoal ou familiar de alergias (exemplo: ovos,
pressão grave (vacinas • Hipersensibilidade não penicilina, asma, febre dos fenos, rinite ou outras manifesta-
vivas) grave a uma dose ante- ções atópicas)
rior da mesma vacina • Dermatoses, eczemas ou infecções cutâneas localizadas
• Doença crónica cardíaca, pulmonar, renal ou hepática
• Doenças neurológicas não evolutivas, como a paralisia cere-
bral
• Síndroma de Down ou outras patologias cromossómicas
• Prematuridade
• Baixo peso à nascença (≤ 2 000g) (excepto para a VHB e a
BCG)
• Aleitamento materno
• História de icterícia neonatal
• Má-nutrição
• História anterior de sarampo, parotidite epidémica, rubéola
ou outra doença alvo de uma vacina
• Exposição recente a doença infecciosa
• Convalescença de doença aguda
• História familiar de reacções adversas graves à mesma vaci-
na ou a outras vacinas
• História familiar de síndroma da morte súbita do lactente
• História familiar de convulsões

Com eficácia sobreponível, ambas estão indi- conjugada englobando 13 serótipos, que induz
cadas para idade superior a 1 ano (1 dose por via memória imunológica abaixo dos dois anos de
intramuscular, com reforço 6-24 meses depois, idade, e a vacina polissacarídea de 23 serótipos, só
podendo ser administrada simultaneamente com eficaz a partir dos dois anos.
outras vacinas. As reacções adversas são benignas: A doença pneumocócica varia em gravidade
em geral dor local, cefaleia e dor muscular. desde a otite à pneumonia, sépsis e meningite.
Algumas crianças apresentam factores de risco de
Vacinas anti-doença pneumocócica invasiva doença pneumocócica grave: doença respiratória
A doença invasiva pneumocócica é uma crónica, cardíaca, renal, hepática, diabetes, asple-
importante causa de mortalidade e morbilidade a nia anatómica ou funcional e imunodeficiência.
nível mundial, sendo que os grupos com risco de Streptococcus pneumoniae pode colonizar o apare-
doença invasiva correspondem aos extremos etá- lho respiratório da criança, com ou sem ulterior
rios da vida: crianças abaixo de dois anos de idade evolução para doença, transmitindo-se de criança
e indivíduos com mais de sessenta e cinco anos. a criança, principalmente em ambientes fechados,
Existem duas vacinas comercializadas: a vacina como os infantários.
1376 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 4 – Grupos populacionais e É recomendado o seguinte esquema: a partir


recomendação de vacina dos 2 meses de idade, com intervalos de 4 a 8
antigripe semanas relativamente às doses subsequentes
(idade < 7 meses: 3 doses com reforço dos 12-18
a) Pessoas consideradas com alto risco de desenvol- meses; idade 7-12 meses: 2 doses com reforço dos
ver complicações pós-infecção gripal, nomeadamente 12-18 meses; idade 12 – 24 meses: duas doses sem
• Idade igual ou superior a 65 anos, particularmente se reforço; idade > 24 meses: 1 dose apenas).
residentes em lares ou outras instituições; Existe também uma vacina conjugada decava-
• Residentes ou internados por períodos prolongados lente (Sinflorix®) de nova geração englobando 3
em instituições prestadoras de cuidados de saúde novos serótipos: 1, 5 e 7F; é indicada até aos 2
desde que com idade superior a 6 meses; anos, preconizando-se o seu início a partir das seis
• Grávidas que, em Outubro, estejam no 2º o 3º semanas (3 doses com, pelo menos, 1 mês de inter-
trimestre da gravidez; valo e 1 reforço, pelo menos 6 meses após a última
• Doentes, com idade superior a 6 meses (incluindo dose de primovacinação, preferencialmente entre
grávidas em qualquer fase da gravidez e mulheres a os 12 e 15 meses).
amamentar), que apresentem doenças crónicas A vacina anti-pneumocócica polissacarídea
cardiovasculares, pulmonares, renais, hepáticas, contendo 23 serótipos (comercializada em Portugal
hematológicas, metabólicas, neuromusculares ou com o nome Pneumo 23®), imunogénica a partir
imunitárias; dos dois anos, deverá ser aplicada às crianças de
b) Pessoas com probabilidade acrescida de transmi- risco acima referidas, mesmo que vacinadas ante-
tir o vírus aos grupos considerados em a) riormente com a vacina conjugada (dose única).
• Pessoal dos serviços de saúde e de outros serviços A referida vacina é recomendada na idade adulta
prestadores de cuidados (domiciliários ou em > 65 anos. Nos adultos e abaixo desta idade é reco-
instituições) e com contacto directo com as pessoas mendada nos indivíduos com factores de risco de
incluidas na alínea a), mesmo que vacinadas; doença pneumocócica invasiva: asplenia funcional
• Coabitantes e prestadores de cuidados a criança com ou anatómica; doença crónica cardiovascular/pul-
menos de 6 meses de idade e risco elevado de
monar; diabetes mellitus; alcoolismo; doença hepáti-
complicações.
ca crónica; anomalias congénitas do SNC com lesões
c) Profissionais que possam vir a estar envolvidos
abertas; e ainda nos indivíduos imunocomprometi-
em operações de abate sanitário de aves potencial-
dos (infecção/doença por VIH; imunodeficiência
mente infectadas com vírus da gripe aviária
congénita; leucemia; linfoma; doença de Hodgkin;
mieloma múltiplo; doença maligna disseminada;
terapêutica imunossupressora; corticoterapia; doen-
A vacina antipneumocócica conjugada 13- ça renal crónica; transplantação de órgão ou medula).
valente (Prevenar-13®), imunogénica a partir dos Vacina anti-varicela
dois meses de idade, evita a infecção por 13 seró- Foi recentemente comercializada em Portugal,
tipos de pneumococos (existem cerca de 90 seróti- estando actualmente disponíveis duas marcas
pos) que mais frequentemente causam doença (Varivax® e Varilrix®); trata-se duma vacina viva
grave na criança e que maior resistência apresen- atenuada, (estirpe OKA) imunogénica a partir dos
tam aos antibióticos; nesta perspectiva, deveria 12 meses de idade; progressivamente comerciali-
ser administrada ao maior número possível de zada num número crescente de países, faz parte
lactentes e crianças até aos 24 meses, e a todas as do Programa de Vacinação dos EUA desde 1995,
crianças com os factores de risco acima discrimi- com consequente diminuição do número global
nados; de referir que a referida vacina, actualmen- de casos, do número de casos graves e do número
te licenciada até aos 18 anos, tem particular de internamentos por varicela.
importância no adolescente com doença crónica. A vacina anti-varicela é eficaz e bem tolerada,
Esta vacina tem a vantagem adicional de induzir podendo ser adoptadas várias políticas no que se
imunidade de grupo com protecção adicional dos refere à sua aplicação.
não vacinados. Considera-se actualmente que a administração
CAPÍTULO 274 Imunizações 1377

de duas doses com intervalo de 4 semanas confe- Vacina anti-rotavírus


re maior protecção. Recentemente foram comercializadas em
A magnitude do problema de saúde pública Portugal duas marcas de vacinas anti-rotavírus
associado à varicela tem sido demonstrada atra- (vacinas vivas atenuadas,). Trata-se de vacinas que
vés de estudos de custo-benefício. Contudo, uma são administradas por via oral: numa marca, vaci-
vez que a referida afecção não é de notificação na (preparada com a estirpe de composição genotí-
obrigatória, não existe informação precisa sobre o pica G1 e P(8)-Rotarix®) e, noutra marca, prepara-
impacte da doença no âmbito da comunidade. O da com as estirpes (G1, G2, G3, G4 e P1) com reor-
2º Inquérito Serológico Nacional (2001-2002) indi- denamento genético bovino-humano de composi-
ca que 86,8% da população estudada já foi infecta- ção genotípica G1,G2,G3,G4 e P(8)-Rotateq®.
da pelo vírus da varicela-zoster e que a infecção De acordo com estudos realizados em diversos
ocorre predominantemente na infância: 41,3% das países, são consideradas bem toleradas, seguras e
crianças entre os 2 e os 3 anos já foram infectadas eficazes quanto à prevenção de gastrenterite aguda
pelo vírus, aumentando aquela taxa para o dobro, pelo vírus selvagem. As actuais vacinas são consi-
dos 6 aos 7 anos. Poderá, pois, concluir-se que o deradas de segunda geração na medida em que
impacte da vacinação será maior se aplicada a surgiram após ter sido retirada em 1998 uma vaci-
crianças mais jovens, por sua vez as mais afecta- na anterior, tetravalente, na sequência da notifica-
das e as mais frequentes transmissoras da doença. ção de casos associados de invaginação intestinal.
A vacina tem sido contestada, tal como aconteceu A importância destas vacinas decorre, funda-
no passado com muitas outras vacinas: o primeiro mentalmente, da prevenção dum problema de
argumento invocado pelos opositores diz respeito à saúde pública de grande magnitude que é propi-
percepção de que se trata duma doença benigna, e de ciada com as mesmas: dados epidemiológicos
que a vacina “surge para conforto dos pais”; no mundiais da OMS apontam para a ocorrência
entanto há que salientar que estão descritas muitas anual de cerca de 10 milhões de episódios de gas-
complicações, algumas extremamente graves, sendo trenterite aguda por rotavírus, a que corresponde
que as mesmas surgem em crianças de idade igual ou mortalidade elevada (mais de 500.000 casos); as
inferior a 3 anos, previamente saudáveis. crianças com menos de 1 ano constituem o grupo
Outra dúvida que a vacina levanta prende-se de maior risco, face à desidratação e necessidade
com alterações epidemiológicas, resultantes da de hospitalização, com maior acuidade nos países
introdução da vacina, nomeadamente o aumento de fracos recursos e nas regiões tropicais; por
da idade média da infecção, com probabilidade outro lado, salienta-se o papel do referido vírus
maior de doença em indivíduos mais velhos, os noutro tipo de morbilidade, como infecções respi-
quais comportam risco mais elevado de complica- ratórias das vias superiores e inferiores.
ções. No entanto, nos EUA, verificou-se uma Nos países de clima temperado, a maior inci-
redução número de internamentos por complica- dência de infecção verifica-se nos meses frios,
ções da varicela no adulto, após a introdução da enquanto nos países tropicais a mesma surge de
vacina em 1995, cujo plano inclui também a vaci- modo continuado. As medidas de higiene têm
nação dos adolescentes e adultos susceptíveis. fraco impacte na contenção da propagação (fecal-
Os estudos epidemiológicos têm concluído oral) do vírus, quer na comunidade, quer em meio
que a vacinação das crianças mais jovens comple- hospitalar.
mentada pela vacinação dos adolescentes e adul- Tendo em conta que os anticorpos maternos
tos susceptíveis previne a disseminação da doen- transmitidos durante a gravidez conferem certo
ça, proteger os doentes de risco, e diminui os cus- grau de protecção nos primeiros dois meses de
tos sociais, económicos e humanos da doença. vida, é estabelecido o seguinte esquema geral de
Os efeitos adversos mais frequentes são: febre, administração:
exantema e reacções locais. Tratando-se duma – 2 doses tratando-se da vacina monovalente e
vacina viva não deve ser administrada a imuno- 3 doses no caso da vacina pentavalente
deficientes, na gravidez, e em casos de alergia _ 1ª dose a partir das 6 semanas de vida, mas
comprovada a alguns dos seus componentes. sempre antes das 12 semanas;
1378 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– última dose não depois dos 6 meses; se tem centrado no conceito de protecção decor-
– intervalo mínimo entre doses, de 4 semanas; rente da imunidade humoral, traduzida pela pro-
– ambas as vacinas podem ser aplicadas dução de anticorpos específicos.
concomitantemente com as do PNV Actualmente investiga-se no sentido de conce-
ber vacinas com capacidade de activação das célu-
Vacinação de crianças las T com papel promissor na prevenção de infec-
com imunodeficiência ções por germes intracelulares.
e submetidas a terapias Ainda em relação à estimulação da imunidade
celular, recorda-se que as vacinas vivas induzem
Sucintamente são descritas as regras básicas que respostas associadas à imunidade celular. Daí o
devem presidir à vacinação de crianças com imu- interesse da utilização dum vector, ou seja dum
nodeficiência. (Quadros 5 e 6) microrganismo vivo atenuado, no qual são incor-
porados genes do agente contra o qual se preten-
As vacinas e novas perspectivas de imunizar. Tais vectores (de que são exemplos,
entre outros: poxvírus aviário, BCG, e mutantes
As doenças susceptíveis de prevenção através da do adenovírus) induzem forte resposta da imuni-
aplicação de vacinas são numerosas, mas novas dade celular, uma resposta humoral relativamente
infecções emergem constantemente, por mutação, fraca e interferência nas duas grandes áreas do sis-
recombinação, transferência inter-espécies e outros tema imunológico: a imunidade inata e a imuni-
mecanismos. dade adaptativa. Esta tecnologia é, pois, um desa-
No que respeita às vacinas mais antigas, fio para os investigadores, dadas as perspectivas
salienta-se que a compreensão cada vez maior da de concretização de vacina contra o HIV (vírus da
resposta imunológica e o desenvolvimento da bio- imunodeficiência humana) e contra o CMV (cito-
tecnologia têm permitido um aperfeiçoamento megalovírus).
constante, designadamente quanto à a melhoria Outros passos ainda estão a ser dados no campo
de qualidade traduzida por maior segurança, da imunogenicidade investigando-se em novos
mais elevada imunogenicidade, e número cada adjuvantes; para além do adjuvante clássico, o
vez menor de efeitos adversos. alumínio, outros estão em estudo como, o MPL
Quanto aos avanços e perspectivas futuras, a (lípido A monofosforil) já aprovado, e a combina-
questão pode ser equacionada em diversas ver- ção de alumínio e MPL (AS04) utilizada numa das
tentes, destacando as técnicas de cultura de célu- vacinas contra o papiloma vírus humano. Estes
las, de engenharia genética e de indução da imu- novos compostos permitem uma maior resposta
nidade celular, adjuvantes e vias de administra- imunológica com menor dose de imunogénio.
ção. Através da cultura de células foi possível o Outro avanço em vacinologia é representado
desenvolvimento de vacinas vivas antivíricas, pela utilização do genoma microbiano para a
designadamente antivírus do sarampo, varicela, codificação de proteínas protectoras, o que permi-
parotidite, rubéola e poliovírus. te a utilização de vacinas para além do campo das
Quanto à engenharia genética é importante doenças infecciosas; referimo-nos ao problema da
salientar que a mesma tem permitido a produção contracepção, da cessação tabágica, e da preven-
de proteínas estruturais, potencialmente imunogé- ção da cárie dentária.
nicas por leveduras, Escherichia coli e báculo-vírus, Por fim, uma referência à pesquisa quanto à
culminando com a produção de vacinas seguras e administração das vacinas, no sentido de ultrapassar
altamente imunogénicas antivírus da hepatite B a necessidade de seringa e agulha. Efectivamente,
(VHB), do papiloma humano (VPH) e rotavírus. novos sistemas de administração incluem as vias
Por outro lado, o desenvolvimento de técnicas intranasal, por aerossóis, transcutânea e rectal.
de estimulação da imunidade celular constituiu
um passo extremamente importante para aumen- AGRADECIMENTOS
tar a eficácia das vacinas; salienta-se, a propósito, Os autores agradecem ao Dr J. Gonçalo Marques a cedência
que até ao presente todo o investimento científico dos Quadros 5 e 6.
CAPÍTULO 274 Imunizações 1379

QUADRO 5 – Vacinação nos casos de Imunodeficiência Primária (IDP)

Imunodeficiência Comentário
Imunodeficiência combinada grave Não está indicada qualquer vacina
Síndroma de di George Vacinas inactivadas
Síndroma de Wiskott Aldrich Consultar um especialista para vacinação com
Ataxia telangiectasia vacinas vivas (grau variável de imunossupressão)
Síndroma Hiper IgE
Agamaglobulinémia ligada ao X PNV excepto vacinas vivas
Imunodeficiência comum variável
Síndroma Hiper IgM
Défice de actividade fagocitária PNV excepto BCG
• Doença granulomatosa crónica As vacinas vivas bacterianas estão contra-indicadas
• Défice de mieloperoxidase (BCG, Salmonella typhi)
• Défice de adesão dos leucócitos Antipneumocócica
• Défice de interleucina-12/interferão-γ Gripe
Défice do complemento PNV
Hiposplenismo (Primário ou Secundário) Antipneumocócicaa
Antimeningocócica (A, C, Y, W135)ab
Gripe
Défice de IgA PNV
Défice de subclasses IgC Antipneumocócica
Défice de produção de anticorpos específicos Gripe
Neutropénia crónica
Predisposição para infecção sem defeito demonstrável
Má-nutrição sem défice grave
Doença crónica

a) Se esplenectomia electiva, vacinar pelo menos 15 dias antes da cirurgia;


b) A vacina antimeningocócica polissacarídea tetravalente (Mn A, C, Y, W135) deve ser administrada às crianças com défice do complemento com mais de 2 anos de idade e após imunização
com a vacina conjugada contra o meningococo C. Em 2005 foi comercializada nos EUA uma vacina conjungada tetravalente, para crianças acima dos 11 anos de idade. Um ensaio em crianças
entre os dois e os nove anos de idade mostrou bons resultados em termos de eficácia e segurança. Contudo, de acordo com os CDC é possível associação a síndroma de Guillain-Barré.

QUADRO 6 – Vacinação de crianças submetidas a quimioterapia, corticoterapia ou outros


imunossupressores

Terapia Esquema vacinal


Quimioterapia Vacinas vivas contra-indicadas durante a QT e nos 6 meses depois.
Vacinas inactivadas podem ser administradas durante a QT se estabilidade clínica.
6 meses após terminar QT – DTPa, VIP, Hib e VASPR (1 dose)a.
Vacinas da Gripe no final da QTb.
Corticoterapia Vacinas vivascontra-indicadas durante o tratamentoc e nos 3 meses depois.
Outros Imunossupressores Vacinas vivas contra-indicadas durante o tratamento e nos 6 meses depois.
a) Não será necessário o reforçodo PNV se previsto no prazo de 1 ano apósestas doses adicionais; b) Administrar se a época habitual da gripe ocorrer nos 6 meses seguintes; c) Prednisona ≥ 2
mg/kg/dia > 1 semana ou ≥ 1 mg/kg/dia > 1 mês; QT – quimioterapia.

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CAPÍTULO 275 Princípios gerais da terapêutica antimicrobiana 1381

275
livro é adoptado o termo antibioticoterapia para
designar a terapêutica com antibióticos.

Classificação

Existem diversas classificações dos antibióticos e


PRINCÍPIOS GERAIS antimicrobianos, as quais se podem basear em
critérios também diversos. O Quadro 1 integra
DA TERAPÊUTICA uma classificação que considera as referidas sub-
stâncias distribuídas por classes, famílias ou gru-
ANTIMICROBIANA pos.

A. Bessa Almeida e Ana Rute Ferreira QUADRO 1 – Antimicrobianos


(classes, famílias ou grupos)

Antibióticos
Definições • B lactâmicos
*grupo penicilinas
Foi com Vuillemin que em 1889 se utilizou pela – benzilpenicilina(penicilina G
primeira vez o termo antibiose como sinónimo de – penicilina resistente ás penicilinases (anti-estafilocó-
antagonismo dos seres vivos. Mas só em 1942 com cica-oxacilina, flocloxacilina)
Vaksman é que a palavra antibiótico foi introduzi- – aminopenicilinas (ampicilina, amoxicilina)
da como substância produzida por microrganis- – carboxipenicilinas (carbenicilina, ticarcilina)
mos (bactérias, fungos, etc.), capaz de impedir a – ureidopenicilinas (azlocilina, mexlocilina, piperacili-
multiplicação das bactérias (acção bacteriostática) na)
ou de as destruir (acção bactericida). – amidinopenicilinas (mecilinam, pivmecilinam)
O primeiro antibiótico – penicilina, descoberto – inibidores das beta-lactamases (ácido clavulânico)
acidentalmente por Alexander Flemming, come- *grupo cefalosporinas
çou a ser utilizado na clínica em 1940. Desde então – 1ª geração (cefalotina, cefradina, etc.)
vários antibióticos têm surgido. – 2ª geração (cefuroxima, cefoxitina)
A designação de antimicrobiano (substância – 3ª geração (cefotaxima, ceftazidima, ceftriaxona)
que também actua contra agentes infecciosos – 4ª geração (cefepima, cefpiroma)
(micróbios na designação antiga) é mais lata, *grupo carbapenem
abrangendo os antibióticos e os chamados agentes – imipenem
quimioterapêuticos (produzidos sinteticamente) e – meropenem
não ocorrendo na natureza. Enquanto os agentes *grupo monobactâmicos
quimioterapêuticos são usados em geral para – aztreonam
– carumonam
combater células neoplásicas, fungos, protozoá-
• Aminoglicosídeos e aminociclitóis
rios e vermes, os antibióticos destinam-se essen-
*grupo aminoglicosídeos
cialmente ao tratamento de infecções bacterianas,
– estreptomicina, di-hidro-estreptomicina, neomicina,
sendo relativamente pequeno o número de anti-
canamicina, gentamicina, tobramicina, netilmicina,
bióticos para micoses (por ex. griseofulvina),
amicacina, sisomicina, etc.
contra protozoários (por ex. macrólidos, tetracicli-
*grupo aminociclitóis
nas, etc.), para nemátodos (por ex. avermectinas),
– espectinomicina
ou para neoplasias (por ex. mitomicina, daunorru-
• Cloranfenicol e tetraciclinas
bicina).
*grupo tetraciclinas
Na prática, a designação de antimicrobianos
– tetraciclinas, oxitetraciclina, minociclina, doxicilina
engloba os antibióticos e os agentes quimiotera-
pêuticos com actividade antimicrobiana. Neste
1382 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Antimicrobianos – (cont.) QUADRO 1 – Antimicrobianos – (cont.)


(classes, famílias ou grupos) (classes, famílias ou grupos)

*grupo cloranfenicol Agentes antimicobacterianos


– cloranfenicol, tianfenicol *grupo antibióticos
• Macrólidos,azalidos,cetolidos,estreptograminas e – estreptomicina, amicacina, canamicina, rifampicina,
lincosamidos cicloserina, claritromicina,
*grupo macrólidos *grupo quimioterapêuticos
– eritromicina, claritromicina, espiramicina, olean- – isoniazida, etambutol, tioamidas, pirazinamida, ácido
domicina para-amino-salicílico (PAS), dapsona, clofazimina
*grupo azalidos Agentes antifúngicos
– azitromicina *classe polienos
*grupo cetolidos – anfotericina B(coloidal e lipossómica) , nistatina,
– cetolido *classe azóis
*grupo estreptograminas – miconazol, tiaconazol, cetoconazol, fluconazol, itra-
– pristinamicina,virginiamicina conazol, voriconazol, clotrimazol, posaconazol
*grupo lincosamidos *metabólitos antifúngicos
– lincomicina, clindamicina – 5-fluorocitosina
• Péptidos *alilaminas
*grupo bacitracina – terbinafina
– bacitracina *equinocandinas
*grupo tirotricina – caspofungin, micafungin, anidulafungin
– gramicidina,tirocidina *outros
*grupo polimixinas – griseofulvina
– polimixina B, polimixina E(colistina) Agentes antivíricos(*)
• Outros antibióticos *análogos de nucleótidos e nucleósidos(1)
*grupo rifampicinas – aciclovir e valaciclovir, famciclovir, ganciclovir e val-
*grupo antagonistas da síntese da parede bacteriana ganciclovir, cidofovir, trifluridina, vidarabina
(não beta-lactâmicos) *análogos de fosfato inorgânico(1)
– glicopéptidos(vancomicina,teicoplanina, fosfomici- – foscarnet
na, cicloserina) *aminas tricíclicas(2)
*outros – amantadina e rimantadina
– ácido fusídico, novobiocina, daptomicina *inibidores da neuraminidase(2)
Agentes quimioterapêuticos – oseltamivir, zanamivir
*grupo sulfamidas *análogos de nucleósidos(2)
*grupo diaminopirimidinas – ribavirina, adefovir
– pirimetamina, trimetoprim *interferões(IFN),ribavirina, adefovir(3)
*grupo de associação sulfamidas com diaminopirimidi- *inibidores da transcriptase reversa/nucleósidos(3)(4)
nas – lamivudina(3)(4), abacavirzidovudina(4), estavudina(4)
– cotrimoxazol,cotrimazina *inibidores da transcriptase reversa/não nucleósidos(4)
*grupo nitrofuranos – nevirapine
– nitrofurantoína, nitrofurazona, furazolidona *inibidores das proteases(4)
*grupo quinolonas – ritonavir, nelfinavir, indinavir
– ácido nalidíxico(original), ciprofloxacina, norfloxaci- *inibidores da fusão(4)
na, ofloxacina, levofloxacina – enfurvitide
*grupo nitroimidazóis (*)Fármacos utilizados no tratamento de infecções por Vírus Herpes(1), VSR(2), VHB, VHC(3)
e VIH(4). A resistência aos antivíricos surge mais frequentemente em doentes imunocom-
– metronidazol, ornidazol prometidos submetidos a tratamento com os mesmos durante tempo prolongado.

*grupo oxazolidinonas (Adaptado de Dias PG, Valente P, et al, 2000; & Bergelson JM, Shah SS, et al, 2008)
– linezolide, eperezolide
CAPÍTULO 275 Princípios gerais da terapêutica antimicrobiana 1383

Espectro, modo e mecanismo • interferência na síntese de ácidos nucleicos;


de acção (por ex. quinolonas, novobiocina, rifamicinas, sulfami-
das)
Em Microbiologia considera-se espectro de acção a • interferência na função da membrana cito-
extensão do efeito de determinado antimicrobiano plásmica. (por ex. polimixinas). A propósito da
relativamente ao número maior ou menor de mi- resposta do organismo aos fármacos, consultar o
crorganismos sobre os quais aquele actua. glossário no fim deste capítulo sobre os termos
Conceptualmente, considera-se antibiótico de Farmacogenética e Farmacogenómica.
largo espectro aquele que é activo contra mais do
que dois grupos major de agentes infecciosos (bac- Resistência aos antibióticos
térias, riquétsias,clamídias, espiroquetas, vírus,
fungos, protozoários). Como exemplo citam-se os A capacidade inata (natural ou intrínseca) ou
macrólidos, eficazes contra a maioria dos referi- adquirida de certos agentes infecciosos suporta-
dos agentes, excepto vírus e fungos. Os antibióti- rem sem danos os antibióticos para os combater
cos de espectro estreito são os que evidenciam eficá- designa-se por resistência. A resistência adquirida
cia apenas contra uma ou duas variedades de pressupõe, em princípio, utilização repetida dos
agentes infecciosos. Como exemplo cita-se a peni- mesmos antibióticos.
cilina que é activa contra bactérias e espiroquetas. O termo resistência pode ser utilizado sob os
Porém, sob o ponto de vista estrito, na prática pontos de vista:
clínica considera-se que determinado antimicro- – clínico significando ausência de resposta clí-
biano é de largo espectro quando é activo contra nica às doses máximas dum determinado antimi-
maior número de bactérias gram-positivas e crobiano, por vezes difícil de afirmar tendo em
gram-negativas; e de espectro estreito quando a conta a diversidade de factores que afectam a
acção do mesmo se verifica sobre menor número resposta ao tratamento;
de microrganismos. – microbiológico com base em estudos biológi-
Relativamente ao modo de acção, tal conceito foi cos, através da identificação do respectivo meca-
explanado na alínea “Definição”: bacteriostático e nismo.
bactericida. Como exemplos de bactericidas citam- Os mecanismos pelos quais as bactérias se
se os beta-lactâmicos, aminoglicosídeos, glicopépti- podem tornar resistentes aos antibióticos podem
dos, quinolonas, e metronidazol. Como exemplos ser assim sistematizados:
de bacteriostáticos citam-se os macrólidos, lincosa- – inactivação do antibiótico por enzimas segrega-
midos, tetraciclinas, cloranfenicol e sulfamidas. das pelo microrganismo; um exemplo é constituí-
A este respeito cabe particularizar duas noções do pelas beta-lactamases susceptíveis de inactivar
importantes: o antibiótico beta-lactâmico;
– os antibióticos bactericidas em doses baixas – interferência no transporte intramicrobiano do
podem funcionar como bacteriostáticos; e antibiótico por redução da permeabilidade da
– os antibióticos bacteriostáticos em concentra- parede do germe microbiano ao antibiótico, ou
ções elevadas podem ter acção bactericida. sequestração deste, impedindo-o de atingir o
Quanto ao mecanismo de acção, o mesmo varia “alvo” estrutural daquele;
em função da estrutura celular do germe micro- – modificações não letais operadas nos “alvos” do
biano ao nível da qual o antimicrobiano actua, e agente infeccioso.
do tipo de efeito que este provoca. Nesta perspec-
tiva, são considerados quatro grupos: Estas alterações explicam-se por variação
• interferência na síntese da parede celular do genética em bactérias inicialmente sensíveis; na
agente infeccioso; (por ex. beta-lactâmicos, glicopépti- base de tal variação genética estão subjacentes
dos, isoniazida) mecanismos diversos:
• interferência na síntese das proteínas nos – mutação genética ou alteração na regulação
ribossomas; (por ex. aminoglicosídeos, cloranfenicol, do gene cromossómico (resistência cromossómica
tetraciclinas, macrólidos, lincosamidos) explicando cerca de 20% das resistências na clínica);
1384 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– presença de genes de resistência em plasmí- resultante da associação é inferior à do compo-


deos transferíveis, recordando-se que os plasmídeos nente mais activo, o que leva, obviamente à
são moléculas circulares de ADN que se replicam conclusão de que não tem interesse clínico, e à
independentemente do cromossoma, e cujos genes necessidade de não a concretizar na prática;
codificam várias funções, incluindo a resistência a – adição ou actividade da associação igualando
antibióticos. Os genes contidos nos plasmídeos são a soma das actividades de cada antimicrobiano
mais móveis que os dos cromossomas, o que permi- quando utilizado separadamente;
te a sua transferência entre bactérias da mesma – indiferença ou actividade da associação igual
espécie e de espécies diferentes (resistência plasmí- à do antimicrobiano mais activo;
dica explicando cerca de 80% das resistências); – sinergismo (potenciação) ou actividade da asso-
– acção de genes ou grupos de genes (chama- ciação superior à soma das actividades de cada
dos “transposões” ou genes saltitantes) com capaci- antimicrobiano quando utilizado separadamente;
dade para se moverem dentro do genoma e para duma maneira muito simplista, sem aprofundar
se integrarem em cromossomas ou plasmídeos os mecanismos ou efeitos ao nível das estruturas
com os quais se replicam juntamente; os vectores dos agentes infecciosos, trata-se duma verdadeira
frequentes dos transposões são plasmídeos e “cooperação” que pode ser tipificada pela associa-
fagos (vírus ADN). No mesmo plasmídeo poderão ção de beta-lactâmico (actuando ao nível da mem-
existir aglomerados de transposões, sendo que a brana do germe microbiano, como que a “fragili-
mobilidade de genes de resistência do cromosso- zando”), o que facilita a “entrada de outro antimi-
ma para os plasmídeos permite uma disseminação crobiano, por ex. aminoglicosídeo (cuja acção se
dos referidos genes, eventualmente para uma bac- verifica no citoplasma).
téria que passará a ser resistente a um antibiótico
usado pela primeira vez num doente. As principais indicações para a associação de
antibióticos são as seguintes:
Por fim, uma referência breve à transmissão – infecções graves com focos de localização
horizontal de genes de bactéria a bactéria; são des- múltipla (sépsis);
critos 3 mecanismos principais: – infecções mistas;
– conjugação ou processo de contacto directo – infecções em doentes com síndromas de imu-
duma bactéria dadora com outra bactéria chama- nodeficiência congénita ou adquirida;
da receptora; – infecções sitémicas no RN, leucemias,síndro-
– transformação ou captação, através da parede mas de má-nutrição e infecção, situações clínicas
da célula bacteriana, de fragmentos de ADN de implicando terapêutica com imunossupressores,
espécies relacionadas, integrando-os no genoma; etc.;
– transdução ou transferência de genes de resis- – infecções associadas a corpos estranhos;
tência por bacteriófagos ou fagos (vírus ADN que – tratamento inicial de base empírica em situa-
infectam células) ções com risco vital.

Associação de antimicrobianos Aspectos básicos de farmacocinética


dos antimicrobianos
Em determinadas situações clínicas está indicada
a associação de antibióticos com o objectivo fun- – O objectivo principal da administração dum
damental de alargar o espectro de actividade face antimicrobiano é obter no local de infecção deter-
à gravidade de determinado quadro clínico. minada concentração do mesmo com acção ideal-
Ao associar antibióticos – facto que pode contri- mente bactericida ou, pelo menos, bacteriostática;
buir para diminuir o desenvolvimento de resistên- tal implica capacidade de difusão do fármaco.
cias – há que ter em conta determinadas noções – O compartimento extracelular representa
básicas com implicações importantes na clínica: para a maioria dos antimicrobianos uma parte
– antagonismo ou oposição de acção de um anti- essencial do seu volume de distribuição, salien-
microbiano sobre o outro; ou seja, a actividade tando-se a variação em volume ou percentagem
CAPÍTULO 275 Princípios gerais da terapêutica antimicrobiana 1385

do peso corporal de tal compartimento ao longo • destruição bacteriana dependente do tempo


da vida (35-40% no RN, ~20% na criança em idade com efeitos persistentes mínimos ou moderados
escolar, e ~15% no adulto). (por ex. nos beta-lactâmicos);
– O pico de concentração sérica do antimicro- • destruição bacteriana dependente do tempo
biano em geral correlaciona-se inversamente com com efeitos persistentes prolongados (por ex. nos
o volume de distribuição. glicopéptidos, tetraciclinas, azitromicina);
– As doses por kg de peso corporal vão dimi- • destruição bacteriana dependente da concen-
nuindo à medida que a criança cresce. tração com efeitos persistentes prolongados.
– Concentração inibitória mínima (CIM, ou – A ligação dos antimicrobianos às proteínas
sigla MIC em inglês) em mcg/mL ou mg/L defi- (variável conforme o tipo de antimicrobiano) limi-
ne-se como concentração mais baixa do antimicro- ta a sua difusão para os tecidos.Contudo, tendo
biano requerida para inibir o crescimento do em conta que nos tecidos inflamados o teor em
microrganismo avaliada num período de 18-24 proteínas é menor do que no sangue, existe pro-
horas. Idealmente a dose de antimicrobiano deve babilidade de naqueles se verificar maior propor-
ser tal que a concentração do antimicrobiano no ção de antibiótico livre e, consequentemente,
local da infecção exceda a CIM para o agente maior actividade antimicrobiana.
infeccioso. Salienta-se que há diversos métodos
para a sua determinação propiciando resultados Actuação prática
nem sempre sobreponíveis, o que constitui uma
limitação. Apesar de se utilizarem nas crianças os mesmos
– Concentração bactericida mínima (CBM ou antibióticos dos adultos, a sua escolha, dosagem e
sigla MBC em inglês) em mcg/mL ou mg/L defi- modo de administração estão condicionados pelas
ne-se como a mais baixa concentração do antimi- suas particularidades.
crobiano para destruir o microrganismo. O parâ- É com base no resultado das colheitas dos
metro CBM é por vezes determinado para excluir exames bacteriológicos e/ou esfregaços do líqui-
a possibilidade de tolerância bacteriana em que do ou tecido infectados que a escolha da antibioti-
CMB é 4 vezes superior à CIM. coterapia deve ser feita. Quando tal não é possí-
– As concentrações de antimicrobianos são vel, a antibioticoterapia então aplicada, designada
mais elevadas em órgãos mais perfundidos (por por empírica, deve ter o seu pilar num diagnósti-
ex. fígado e pulmões) do que naqueles menos per- co clínico e/ou radiológico seguro.
fundidos e menos acessíveis (ossos, olhos, Infelizmente são raros os casos em que o
meninges, cavidades de abcessos, etc.). Contudo, simples diagnóstico clínico e/ou radiológico nos
se determinado tecido for sede de processo infla- permite o diagnóstico definitivo, pelo que na
matório (por ex. meninges), a concentração do grande maioria dos casos a suspeita do agente
antimicrobiano poderá aumentar (por ex. melhor etiológico é feita atendendo aos agentes mais
difusão da penicilina para as meninges inflama- prováveis de acordo com o local da infecção ou
das e LCR). com a situação particular do doente. Nas situações
– A semivida de um fármaco (e de um antimi- em que vários agentes podem ser implicados,
crobiano) – o tempo necessário para que a sua deve ser dada prioridade na “cobertura” antibióti-
quantidade total ou a sua concentração no plasma ca empírica aos mais prevalentes ou importantes.
diminuam para metade – pode utilizar-se para Este tipo de terapêutica deve dar lugar a uma tera-
calcular o intervalo correcto entre as administra- pêutica mais específica (e então dirigida para os
ções/tomas, em terapêutica de manutenção; como germes isolados) logo que sejam conhecidos os
regra geral, pode estabelecer-se que o intervalo resultados dos exames culturais, cujas amostras
entre as administrações deve ser igual ou inferior devem ser correctamente colhidas e rapidamente
à semivida dos fármacos. Tratando-se de um anti- transportadas para o laboratório.
microbiano, há que atender, contudo, a certas par- Dada a grande variedade de antibióticos dis-
ticularidades em relação com diferentes padrões poníveis no mercado torna-se imprescindível o
de actividade antimicrobiana: conhecimento das suas propriedades, farmacociné-
1386 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tica, espectro de acção, efeitos secundários e indica- te por forma a evitar que a doença se manifeste).
ções terapêuticas por forma a evitar a sua prescri- Este tipo de terapêutica tem melhor resultados
ção incorrecta, a qual contribui para o aparecimen- quando a mesma é dirigida contra um microrga-
to de resistências que hoje em dia se estão a tornar, nismo específico. (ver adiante)
cada vez mais, o principal desafio do clínico. Igualmente não deverá ser esquecida a impor-
Só a escolha e uso correcto dos antimicrobia- tância da correcção de anomalias da respiração,
nos com doses, vias de administração, intervalo oxigenação, volume sanguíneo, equilíbrio hidroe-
entre as tomas e tempos de tratamento adequados lectrolítico, etc.. A falência terapêutica deve levar a
poderá prevenir o aparecimento de resistências. uma reavaliação da situação, bem como a refor-
Há, pois, que seguir a norma dos “três erres”: mulação diagnóstica.
reduzir, regrar, racionalizar! Face ao atrás exposto, o médico que prescreve
Dada a gravidade do problema, têm sido um antibiótico, deve ter sempre em mente os
vários os estudos quer a nível internacional quer a aspectos de saúde pública da terapêutica antimi-
nível nacional, que se têm desenvolvido dos quais crobiana.
se destaca a nível europeu o projecto Alexander
2001 e a nível nacional o projecto Viriato e um estu- Decálogo da antibioticoterapia
do de Ana Serrão Neto entre 1997 a 2000.
Os antimicrobianos mais usados em Pediatria Por fim são referidas dez regras importantes a ter
são os betalactâmicos, macrólidos/azalidos e sul- em conta na prática clínica na circunstância de ser
famidas/diaminopirimidinas. Para a sua escolha realizada antibioticoterapia.
deve ter-se em atenção a idade, local de infecção, 1. Não me uses em vão.
agente mais provável, bem como as resistências 2. Usa-me sozinho sempre que possível.
locais. 3. Se não me podes usar, usa o meu parente mais
Exceptuando algumas situações particulares, próximo.
deve sempre preferir-se o tratamento com apenas 4. Usa primeiro o meu irmão de espectro mais
um antimicrobiano, devendo este ser de espectro estreito e de primeira linha. Não tenhas vergonha
o mesmo amplo possível. A sua dosagem deve ser de receitar muitas vezes o mesmo antibiótico.
feita com base no peso corporal, nunca ultrapas- 5. Usa-me de acordo com o local a que estou desti-
sando a dose do adulto. A via de administração nado e pela via em que sou mais eficaz.
tem a sua escolha condicionada, por um lado, 6. Usa-me apenas durante o tempo necessário e na
pelas propriedades físico-químicas do antibiótico dose mais adequada. Só me deves usar profilacti-
e, por outro, pelo quadro clínico, localização da camente em situações bem definidas.
infecção, gravidade e estado do doente. 7. Não me troques por outro, só por ser mais novo.
A aplicação tópica de antibióticos, exceptuan- 8. Não uses o mais caro se podes usar o mais barato
do a oftalmológica, raramente está indicada, devi- com a mesma eficácia.
do ao risco de sensibilização bem como de desen- 9. Não esqueças os meus efeitos colaterais e acessó-
volvimento e selecção de estirpes de bactérias rios. Deves conhecer bem a minha vida.
resistentes. 10. Escolhe-me sempre de acordo com o doente, a
A duração da terapêutica deve ser a mais curta doença, e se possível com o antibiograma; mas,
possível dadas as suas grandes vantagens (melhor acima de tudo, usa o teu bom senso.
cumprimento da medicação, menos efeitos colate- (J Pascoal Duarte, 1996)

rais, menos consultas médicas, menos custos e


maior satisfação dos doentes e pais), mas suficien- O Quadro 2 sintetiza as doses de alguns anti-
temente prolongada para poder erradicar a bacté- microbianos utilizados em clínica pediátrica e
ria infectante. comercializados em Portugal.
Os antimicrobianos também podem ser utiliza- O Quadro 3 sintetiza os antimicrobianos habi-
dos na profilaxia, quer primária (evitar que uma tualmente utilizados no RN, particularizando as
determinada infecção ocorra), quer secundária respectivas doses e intervalos de administração
(prevenir a progressão de uma infecção já existen- em função das idades gestacional e pós-natal.
CAPÍTULO 275 Princípios gerais da terapêutica antimicrobiana 1387

QUADRO 2 – Doses de alguns antimicrobianos

Antimicrobiano Via Dose total diária Administrações/dia Comentários


Amicacina iv, im 15-22,5 mg/Kg 1-3 Administração única diária,
de preferência nas infecções por
S. pneumoniae
Amoxicilina oral 30-100 mg/Kg 3 Dose máxima
Amoxicilina + oral 30-60 mg/Kg 3 Dose de amoxicilina
Ác. Clavulânico iv 25-50 mg/Kg/dose 3-4
Ampicilina oral 50-100 mg/Kg 4 Na Shigellose – via oral
iv, im 100-400 mg/Kg 4-6 Dose máxima (casos de meningite)
Anfotericina B iv 1 mg/Kg 1 Início: 0,1 a 0,25 mg/kg/dia
aumento progressivo;
perfusão lenta em 6 horas em
glicose a 5% (0,1 mg/ml)
Anfotericina B iv 1-3 mg/Kg 1 Inicio: 1 mg/kg o aumentando
lipossómica progressivamente; (em glicose a 5%:
0,2-2 mg/ml); perfusão 30-60 min.
No Kala-azar – 1-1,5 mg/kg (21 dias)
ou 3mg/kg (10 dias)
Azitromicina oral 10 mg/Kg 1 3 dias de tratamento
Aztreonam iv 120-200 mg/Kg 3-4 Dose máxima em casos de menigite, de
infecção por Pseudomonas e de mucoviscidose;
eficácia apenas em infecções por G (-)
Cefaclor oral 30-50 mg/Kg 2-3
Cefadroxil oral 30-50 mg/Kg 2
Cefalexina oral 30-100 mg/Kg 3-4
Cefatrizina oral 30-50 mg/Kg 2-3
Cefazolina iv,im 50-100 mg/Kg 3
Cefixima oral 8 mg/Kg 1-2 2 doses na mucoviscidose
Cefotaxima iv,im 100-200 mg/Kg 3-4
Cefoxitina iv,im 75-200 mg/Kg 3-4 Antibiótico indutor da produção de β-lactamases
Cefradina oral 25 – 100 mg/Kg 3-4
iv,im
Ceftazidima iv,im 50-200 mg/Kg 3-4 4 doses diárias na mucoviscidose
Reserva nas infecções por Pseudomonas
Ceftriaxona iv,im 50-100 mg/Kg 1-2 Dose única diária em casos de meningite
Cefuroxima iv,im 75-150 mg/Kg 3-4
Cefuroxima (axetil) oral 30-40 mg/Kg 2 Administração após refeições
Antiácidos diminuem a absorção
Cetoconazol oral 3,3-10 mg/Kg 1 Toxicidade hepática
Ciprofloxacina oral 10-30 mg/Kg 2-3 Apenas no fim da adoloscência/adulto
iv 10-20 mg/Kg 2-3 Na mucoviscidose 40-60mg/Kg oral ou
30mg/Kg iv, sempre em 3 doses
Claritromicina oral, iv 15 mg/Kg 2 Na infecção por MAC: 30mg/Kg/dia
Clindamicina iv,im,oral 15-40 mg/Kg 3-4 Perfusão rápida iv.
Cloranfenicol oral,iv 50-100 mg/Kg 4
Cotrimoxazol oral, iv 40-100 mg/Kg 2-4 Dose de sulfametoxazol
Dose máxima e 4 administrações na
pneumonia por P. jiroveci; perfusão: 60-90 min.
1388 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Doses de alguns antimicrobianos (cont.)

Antimicrobiano Via Dose total diária Administrações/dia Comentários


Doxicilina oral 4 mg/Kg (dose inicial) 1-2 Brucelose: 5mg/Kg/dia
2 mg/Kg (seguintes)
Eritromicina oral,iv 30 – 60 mg/Kg 2-4 Perfusão contínua iv.
Espectinomicina im 30 - 40 mg/Kg Dose única Se peso > 45Kg: 2g
Espiramicina oral 50-100 mg/Kg 4
Estreptomicina im 20-40 mg/Kg 1
Etambutol oral 15-25 mg/Kg 1
Flucloxacilina oral,iv,im 50-200 mg/Kg 3-4
Fluconazol oral,iv 3-12 mg/Kg 1
Gentamicina iv,im 5-7 mg/Kg 1-3 Dose única diária, de preferência
Griseofulvina oral 15-20 mg/Kg 1 Às refeições, de preferência
Imipenem + iv,im 60-100 mg/Kg 4 Perfusão em 20 – 60 minutos
Cilastatina Possibilidade de convulsões com doses altas
Isoniazida oral 5 –10 mg/Kg 1
Itraconazol oral 3–5 mg/Kg 1-2 Às refeições, de preferência
Meropenem iv 30 –120 mg/Kg 3 Dose máxima em casos de meningite
Metronidazol oral.iv 22,5 –45 mg/Kg 3 Perfusão iv. em 60 minutos
Netilmicina iv,im 5 –7,5 mg/Kg 1-3 Dose única diária, de preferência
Nitrofurantoína oral 5 –10 mg/Kg 4 Contraindicação na pielonefrite e na infecção
urinária por Proteus (1mg/Kg/dia em dose
diária única na profilaxia da infecção urinária)
Penicilina G iv,im 25.000-500.000U /Kg 6-8 iv em 20 minutos; im: dor local intensa
Aquosa doses elevadas: possibilidade de convulsões
Potássica – K: 1,7mEq/1.000.000 U
Sódica – Na: 2mEq/1.000.000 U
Penicilina G im 50.000U/Kg Dose única Em geral: < 15Kg – 600.000 U
Benzatínica >15 Kg – 1.200.000 U
Penicilina G procaínica 25.000-50.000U/Kg 1-2
Penicilina G clemizol im
Piperacilina + iv 200-300 mg/Kg 3-6 Dose de piperacilina
Tazobactam Na mucoviscidose até 500mg/Kg
Pirazinamida oral 20-35 mg/Kg 1
Pirimetamina oral 2 mg/Kg-3dias 1-2
1 mg/dia (depois)
Rifamicina im 10 - 30 mg/Kg 2 Peso >25Kg: 250mg de 12/12h
Contra indicado abaixo dos 30 meses
Rifampicina oral 10 - 20 mg/Kg 1-2 BK: 10 a 15 mg/Kg em jejum
Profilaxia:
N. meningitidis: 20mg/Kg/dia – 2 dias
H. influenzae: 20mg/Kg/dia – 4 dias
Roxitromicina oral 5 - 8 mg/Kg 2 Não aconselhável < 4 anos
De 24 Kg a 40 Kg: 100mg de 12/12h
Antes das refeições
Sulfadiazina oral 100 mg/Kg 2-4 Hidratar e não dar acidificantes da urina
(risco de cristalúria)
Encefalite por Toxoplasma: 100 a 200mg/Kg
CAPÍTULO 275 Princípios gerais da terapêutica antimicrobiana 1389

QUADRO 2 – Doses de alguns antimicrobianos (cont.)

Antimicrobiano Via Dose total diária Administrações/dia Comentários


Teicoplanina iv, im 6 - 10 mg/Kg 1 10mg/Kg de 12/12h nas 3 doses iniciais;
eficácia apenas em G(+);
Uso reservado – risco de resistências
Tobramicina iv, im 5 - 7 mg/Kg 1-3 Dose única diária, de preferência
Na mucoviscidose: 10-20mg/Kg/dia
em 3 doses
Trimetoprim oral 1 mg/Kg 1 Profilaxia da infecção urinária
Vancomicina iv 30 - 40 mg/Kg 2-4 Meningite: 60mg/Kg/dia
Mucoviscidose: 50-100mg/Kg/dia (4 doses);
eficácia apenas G(+);
Determinação de níveis séricos
oral 50 mg/Kg 4 Apenas em casos de colite pseudomembranosa
resistente ao metronidazol

Abreviaturas: iv = via intravenosa; i.m = via intramuscular; G (-) = germes Gram negativos; G (+) = germes Gram negativos; MAC: mycobacterium avium complex (infecção por M. avium/intra-
cellulare) associada à infecção por vírus da imunodeficiência humana (VIH); U: Unidades; BK = Bacilo de Koch (Tuberculose); h = horas.

QUADRO 3 – Antimicrobianos no recém-nascido

Antimicrobiano Idade gestacional (semanas) Idade mg/Kg/dose Intervalo entre doses


Amicacina ≤29 1ª semana 15 48h
30 – 33 “ 14 48h
34 – 37 “ 12 36h
>38 “ 12 24h
> 1 semana 12 (inicial) de acordo com os níveis séricos
Ampicilina ≤29 0-28 dias 25-100 12h
≤29 >28 dias 25-100 8h
30 – 36 0-14 dias 25-100 12h
30 – 36 >14 dias 25-100 8h
≥37 0-7 dias 25-100 8h
≥37 > 7 dias 25-100 6h
Anfotericina B – – Início: 0,25-0,5 24-48
Depois: 0,5-1 (de acordo com os níveis séricos)
Anfotericina B lipossómica – – 1-5 24h
Início: 1mg/Kg
Incremento: 1mg/Kg/dia
Aztreonam ≤29 0-28 dias 30 12h
≤29 >28 dias 30 8h
30 – 36 0-14 dias 30 12h
30 – 36 >14 dias 30 8h
≥37 0-7 dias 30 8h-12h
≥37 >7 dias 30 6h
Cefotaxima ≤29 0-28 dias 50 12h
≤29 >28 dias 50 8h
30 – 36 0-14 dias 50 12h
30 – 36 >14 dias 50 8h
≥37 0-7 dias 50 8 – 12h
≥37 > 7 dias 50 6-8h
1390 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 3 – Antimicrobianos no recém-nascido (cont.)

Antimicrobiano Idade gestacional (semanas) Idade mg/Kg/dose Intervalo entre doses


Ceftazidima ≤29 0-28 dias 30 12h
≤29 >28 dias 30 8h
30 – 36 0-14 dias 30 12h
30 – 36 >14 dias 30 8h
≥37 0-7 dias 30 8-12h
≥37 > 7 dias 30 8h
Ceftriaxona – – 50 - 80 24h
Clindamicina ≤29 0-28 dias 5-7,5 12h
≤29 >28 dias 5-7,5 8h
30 – 36 0-14 dias 5-7,5 12h
30 – 36 >14 dias 5-7,5 8h
≥37 0-7 dias 5-7,5 6– 8h
≥37 >7 dias 5-7,5 6h
Fluconazol – – Inicial: 12mg/Kg; depois:
≤29 0-14 dias 6 72h
≤29 >14 dias 6 48h
30 – 36 0-14 dias 6 48h
30 – 36 >14 dias 6 24h
≥37 0-7 dias 6 48h
≥37 >7 dias 6 24h
Gentamicina ≤29 – 5 48h
Netilmicina 30 – 33 – 4,5 48h
Tobramicina 34 – 37 – 4 36h
>37 – 4 24h
Imipenem – – 20 - 25 12h
Meropenem – – 20 (sépsis) 12h
40 (meningite ou infecção por 8h
Pseudomonas)
Metronidazol – – Inicial: 15mg/Kg; depois:
≤29 0-28 dias 7,5 48h
≤29 >28 dias 7,5 24h
30 – 36 0-14 dias 7,5 24h
30 – 36 >14 dias 7,5 12h
≥37 0-7 dias 7,5 12h
≥37 > 7 dias 7,5 8h
Penicilina G aquosa ≤29 0-28 dias 25.000 U-50.000 U 12h
≤29 >28 dias 25.000 U-50.000 U 8h
30 – 36 0-14 dias 25.000 U-50.000 U 12h
30 – 36 >14 dias 25.000 U-50.000 U 8h
≥37 0-7 dias 25.000 U-50.000 U 8h
≥37 >7 dias 25.000 U-50.000 U 6h
Penicilina G procaínica – – 50.000 U 24h
Penicilina G benzatinica – – 50.000 U Dose única
CAPÍTULO 275 Princípios gerais da terapêutica antimicrobiana 1391

QUADRO 3 – Antimicrobianos no recém-nascido (cont.)

Antimicrobiano Idade gestacional (semanas) Idade U ou mg/Kg/dose Intervalo entre doses


Piperacilina ≤29 0-28 dias 50-100 12h
≤29 >28 dias 50-100 8h
30 – 36 0-14 dias 50-100 12h
30 – 36 >14 dias 50-100 8h
≥37 0-7 dias 50-100 8h
≥37 >7 dias 50-100 6h
Vancomicina ≤29 - 20 24h
30 – 33 - 20 18h
34 – 36 - 20 12h
≥37 0-7 dias 15 8h
≥37 >7 dias 10 6h

Nota: Doses de Penicilina G aquosa nas infecções por Streptococcus do grupo B: – Sépsis: 200.000 U/Kg/dia; Meningite: 400.000 U/Kg/dia.

Quimioprofilaxia (aspectos gerais) – Emergência de estirpes resistentes


– Toxicidade e efeitos secundários
Quimioprofilaxia é a prevenção de doença infec- – Diminuição inadvertida da vigilância e dos
ciosa através da administração de fármaco. cuidados de que o doente necessita, por falsa sen-
Os antibióticos, agentes terapêuticos e não pro- sação de segurança
filácticos, têm sido usados, no entanto, com suces- – Custos
so, na profilaxia primária e secundária de algumas
situações: Em clínica pediátrica, praticam-se dois tipos
• Protecção contra um único microrganismo de quimioprofilaxia. o primeiro destinado a todos
por um curto período de tempo, em regra os indivíduos com risco elevado de determinada
inferior a duas semanas (eliminação do esta- infecção, independentemente da sua susceptibili-
do de portador nos contactos íntimos dos dade individual (coabitantes de um doente com
doentes com doença meningocócica invasi- sépsis meningocócica, por exemplo); o segundo,
va) que se aplica aos casos em que o risco individual
• Protecção contra um único microrganismo se relaciona com défice imunitário ou especial sus-
por períodos longos (prevenção de infecçção ceptibilidade (asplenia, por exemplo).
estreptocócica nos doentes com febre reumá- Em diversos capítulos do livro (164, 213, 214,
tica prévia). 226, 254, 262, 278, 282, 283, 284, etc.) são descritas
• Protecção contra vários microrganismos por especificamente diversas situações clínicas que
um período curto (prevenção de endocardite implicam quimioprofilaxia.
em doentes susceptíveis, após tratamentos A profilaxia em cirurgia está indicada nos
dentários, entre outros). seguintes casos:
• Protecção contra vários microrganismos por 1. Cirurgia limpa – apenas quando as conse-
longos períodos de tempo; esta prática é quências de uma eventual infecção são muito
muito controversa, por ser em geral ineficaz graves, como é o caso de implantação de próteses,
e por envolver riscos para o doente e para a doentes imunocomprometidos ou cirurgia cardía-
comunidade. ca.
2. Cirurgia limpa/contaminada – somente quan-
A utilização de antimicrobianos com intuitos do há grande risco de contaminação e infecção,
profilácticos deve ser, em todos os casos, muito como na cirurgia do tracto digestivo alto, tracto
criteriosa, e ter sempre em conta: biliar com icterícia obstrutiva e cirurgia, ou instru-
1392 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mentação do tracto urinário em presença de bac- Flores P. Profilaxia com Antimicrobianos em Pediatria. Lisboa:
teriúria ou uropatia obstrutiva. GSK, 2008
3. Cirurgia suja ou contaminada - está indicada Hawcutt DB, Thompson B, Smyth RL, et al. Paediatric phar-
profilaxia. macogenomics: an overview. Arch Dis Child 2013; 98:232-
237
Para ser eficaz, a profilaxia deve iniciar-se no Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
máximo 1 hora antes da intervenção e não deve Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
durar mais do que 24 ou, excepcionalmente, 48 2011
horas. Em regra são suficientes 1 ou 2 tomas. McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
O antibiótico escolhido deverá ser eficaz Pediatrics. Madrid:Panamericana,2010
contra os agentes patogénicos mais prováveis; McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
mas, no caso de situações polimicrobianas, (como Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone,
na cirurgia do cólon e do tracto genito-urinário), 2008
não é necessário cobrir todos os patogénios possí- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
veis. AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
O protocolo da profilaxia em cirurgia deve ser Medical, 2011
elaborado em cada instituição hospitalar, de acor- Sanford JP, Gilbert DN, Moellering DN, Sande MA. The
do com a experiência local e o conhecimeto actua- Sanford guide to antimicrobial therapy 2005-2006. Hyde
lizado da prevalência dos patogénios em cada ser- Park/Vermont:Antimicrobial Therapy Inc, 2005
viço. Wagner T, Burns JL. Anti-inflammatory properties of macro-
lides. Pediatr Infect Dis J 2007; 26: 75-76
GLOSSÁRIO
Farmacogenética > Estudo das variações interindividuais na sequência
do ADN com as quais se relacionam diversas respostas a determi-
nados fármacos.
Farmacogenómica > Termo mais lato que Farmacogenética designando
o modo como as determinantes genéticas afectam a resposta indi-
vidual à medicação.

BIBLIOGRAFIA
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CAPÍTULO 276 Doenças infecciosas exantemáticas – uma visão global 1393

276
maioria causados por infecções víricas, de trans-
missão horizontal, pessoa a pessoa. A seropreva-
lência aumenta com a idade. De acordo com estu-
dos epidemiológicos nos EUA, cerca de 60% das
mulheres em idade de procriar são seropositivas
para o parvovírus B19 (sugere-se, a propósito do
DOENÇAS INFECCIOSAS tópico em análise, a consulta dos Capítulos 279,
284, 289, 290, 293, 296 e 297).
EXANTEMÁTICAS – UMA Em Portugal, de acordo com dados oficiais da
DGS referentes às doenças de declaração obrigató-
VISÃO GLOBAL ria, cabe salientar que no quinquénio 2003-2007
foram notificados até aos 15 anos de idade: 806
Andrea Teixeira e Luís Varandas casos de febre escaronodular, 10 casos de sarampo
e 36 casos de rubéola; a baixa incidência das duas
últimas pode explicar-se pela elevada percentagem
de cobertura vacinal no nosso país. (Capítulo 1)
Definição e etiopatogénese
Manifestações clínicas e diagnóstico
Exantema define-se como uma erupção cutânea
generalizada a qual pode constituir sinal de um Na avaliação da criança previamente saudável
vasto leque de doenças de etiopatogénese diversa com exantema febril, a abordagem clínica com
(infecciosa, alérgica, auto-imune, etc.). Contudo, base na anamnese e exame objectivo é fundamen-
em clínica pediátrica, quando se faz referência a tal para se estabelecer o diagnóstico etiológico,
doenças exantemáticas subentende-se um grupo passo fundamental para a atitude terapêutica a
relativamente restrito de doenças infecciosas que tomar na perspectiva de medidas de controlo epi-
se manifestam, na maioria das vezes, por exante- demiológico.
ma associado a febre (exantema febril), com inci- No contexto epidemiológico, importam: a idade,
dência sazonal. Exemplificando: as infecções por estado vacinal (podendo ajudar, por ex. a excluir o
enterovírus ocorrem sobretudo no Verão e início diagnóstico de sarampo e rubéola), contacto com
do Outono; por adenovírus, no fim do Inverno e animais (probabilidade de febre escaro-nodular),
Primavera; o eritema infeccioso provocado pelo contactos familiares ou na escola com doença já
parvovírus B19 surge mais frequentemente no fim diagnosticada (escarlatina, adenovírus, enteroví-
do Inverno e Primavera; as infecções por VEB e rus), antecedentes de viagens (Capítulo 40), etc..
vírus herpes humano 6 e 7, durante todo o ano. Quanto à história clínica, cabe salientar deter-
As lesões podem ser resultantes de infecção do minados aspectos a inquirir e observar com rigor:
endotélio dos vasos da derme (sarampo, rubéola), O exantema foi precedido por um pródromo febril
ou de reacção imunológica do hospedeiro ao de alguns dias? Foi a primeira manifestação da
agente patogénico (parvovírus B19). Nos casos de doença (rubéola, escarlatina)? Surgiu após o desa-
infecção por S. pyogenes e S. aureus, o exantema parecimento da febre (exantema súbito)? Presença
escarlatiniforme resultante deve-se à acção de de sinais sugestivos da etiologia (manchas de
toxinas circulantes. Koplik no sarampo, “tache noire” na febre escaro-
Outros agentes podem originar exantemas: nodular, amigdalite eritemato-pultácea na escarla-
treponemas, fungos, riquétsias, protozoários e tina ou mononucleose infecciosa)? A natureza da
helmintas. lesão elementar (mácula-sem relevo na superfície
cutânea; pápula – com relevo na superfície cutâ-
Aspectos epidemiológicos nea e sem conteúdo líquido; vesícula, bolha, pús-
tula – com relevo na superfície cutânea e com
Os exantemas, o problema de expressão cutânea conteúdo líquido; petéquias-máculas hemorrági-
mais frequente na idade pediátrica, são na sua cas originando quadro de púrpura, etc.). No caso
1394 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de exantema máculo-papular é útil verificar se A


existe um fundo eritematoso que atinge toda a
superficie cutânea da zona alterada (escarlatini-
forme); se as manchas são confluentes e de tom
vermelho escuro (morbiliforme); ou se é róseo,
discreto e não confluente (rubeoliforme). Por sua
vez, na febre escaro-nodular, as lesões são mais
dispersas e algumas são nodulares. A topografia
das lesões (localizadas no couro cabeludo e muco-
sas na varicela; ou na palma das mãos e planta dos
pés na febre escaro-nodular). Presença de pruri-
do? (eritema infeccioso, rubéola no adolescente,
exantema por enterovírus e adenovírus). Desca- B
mação ulterior ao exantema? (furfurácea no
sarampo, em dedos de luva na escarlatina e
Kawasaki). Crostas, escoriações/erosões, fendas,
ulcerações?
Os exames complementares têm interesse limi-
tado uma vez que o diagnóstico é, essencialmente,
clínico. No entanto, por vezes podem dar-nos
algumas indicações (leucocitose com neutrofilia
na escarlatina, neutropénia no exantema súbito,
FIG. 1
presença de linfócitos atípicos na mononucleose
infecciosa). As serologias têm interesse para a Aspecto de exantemas: A – máculo - papuloso; B – petequial.
confirmação do diagnóstico, sobretudo por moti- (NIHDE)
vos epidemiológicos ou pela presença de compli-
cações.
O Quadro 1 sintetiza as principais característi-
cas clínicas e biológicas de doenças exantemáticas
surgindo classicamente em idade pediátrica, algu-
mas das quais são objecto de abordagem em capí-
tulos próprios (279 e 296).
No Quadro 2 são descritos os tipos de exante-
ma associados a doenças infecciosas e a outras
situações não infecciosas.
Nas Figuras 1 e 2 são exemplificados aspectos
de exantema petequial e morbiliforme.
O Quadro 3 especifica os exames laboratoriais
clássicos para confirmação do diagnóstico etioló-
gico de algumas doenças infecciosas exantemáti-
cas.

Tratamento e medidas de controlo


epidemiológico

Apenas na escarlatina e na febre escaro-nodular é


necessária antibioticoterapia. A escarlatina, o
FIG. 2
sarampo e a rubéola podem constituir perigo de
contágio, obrigando por isso a evicção escolar. A Aspecto de exantema morbiliforme (caso de sarampo). (NIHDE)
CAPÍTULO 276 Doenças infecciosas exantemáticas – uma visão global 1395

QUADRO 1 – Doenças exantemáticas – Características clínicas

Doença / Agente Clínica Exantema Diagnóstico Complicações


Sarampo PI – 7 a 18 dias Máculo-papular; 1ºdia:discreto; >3º Clínico Otite, pneumonia,
Paramixovírus Febre alta, tosse, dia: confluente com progressão Serologia: laringotraqueíte,
coriza e conjuntivite; céfalo-caudal, com atenuação pela IgM encefalite,
manchas de Koplik ordem de aparição; descamação específica panencefalite
(patognomónicas) na furfurácea após desaparição do esclerosante
mucosa oral, junto aos exantema (excepto nas mãos e pés) subaguda, morte
pré-molares inferiores,
antes do início do
exantema
Rubéola PI – 14 a 21dias. Febre 1º manifestação, macular discreto Clínico Sindroma da rubéola
Togavírus baixa ou ausente; sinal não confluente, fugaz-3 dias Serologia: congénita, encefalite,
característico: adenopa- /descendente (1º dia-face/tronco; IgM artralgia, artrite
tias cervicais posterio- 3º dia membros, menos acentuado específica
res, sub-occipitais ou na face e tronco); pode ser Culturas
retroauriculares pruriginoso secreção nasal
Escarlatina PI – 2 a 4 dias Febre alta Febre seguida de exantema Cultura Abcesso retro-
Streptococcus com amigdalite máculo-papular ou punctiforme, exsudado amigdalino; febre
grupo A eritemato-pultácea e sem intervalos de pele sã, áspero, faríngeo/ reumática;
enantema do palato, mais intenso nas pregas cutâneas, detecção glomerulonefrite
língua saburrosa/em palidez peribucal; descamação rápida de aguda
framboesa e adenome- (sequência:face-tronco- antigénio
galias cervicais extremidades) -1ª- 3ª semana
Exantema Mais frequente no Início imediatamente após Clínico Convulsões febris;
Súbito lactente, febre alta 3-4 normalização da temperatura, doença disseminada
Herpes vírus 6 dias, bem tolerada máculo-papular róseo, centrípeto, em
Herpes vírus 7 dois a três dias de duração imunocomprometidos
Eritema PI – 6 a 15 dias Exantema eritematoso da Clínico Artrite; crise aplásica,
Infeccioso Sintomas gerais; por face(~bochechas esbofeteadas), IgM infecção crónica em
Parvovírus B19 vezes dois a três dias geográfico da superfície extensora específica; imunocomprometidos
de febre e intervalo dos membros;recorrência possível PCR para
livre de sete dias por agentes físicos imunocom-
prometidos
Exantema vírico Febre discreta desde 1- Máculo-papular, rubeoliforme, Clínico Meningite, miocardite
inespecífico 3 dias antes do início durante um a três dias, por vezes
Enterovírus, do exantema até 1-3 com sinais sugestivos dos vírus em
adenovirus dias depois causa: herpangina, síndroma boca-
mão-pé
Febre Contacto com cães, Exantema máculo-papular e Clínico Pneumonia, flebite
escaronodular febre alta com mialgias nodular não coalescente, Serologia encefalite, miocardite
Rickettsia e mal-estar geral. Escara predominando nos membros; inclui
conori de inoculação e plantas dos pés e palmas das mãos;
adenopatia satélite pode evoluir para petéquias

Abreviaturas: PI – período de incubação


1396 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Tipos de exantema em doenças QUADRO 3 – Exantemas infecciosos


infecciosas e não infecciosas comuns-confirmação laboratorial(*)

Erupção máculo-papular ou punctiforme Agente


• Infecciosa: sarampo, rubéola, exantema súbito, • VEB → perfil de anticorpos específicos ;
eritema infecciosao, escarlatina, riquetsioses, doença PCR/reacção em cadeia da polimerase;
meningocócica, toxoplasmose, infecções por • HVV-6/Vírus herpes humano → PCR
enterovírus, mononucleose infecciosa. • Enterovírus → culturas no sangue,urina e LCR; PCR
• Não infecciosa: queimadura solar, miliária, eritema na urina,sangue e LCR
tóxico, erupções por fármacos. • Adenovírus → culturas e detecção rápida em secreções
Erupção pápulo-vesicular (*) Excluindo escarlatina, sarampo, rubéola, parvovírus B19, já referidos no Quadro 1

• Infecciosa: varicela-zoster, herpes simplex, varíola,


eczema herpeticum, eczema vacinatum, infecções por
enterovírus, riquetsioses, impétigo, molusco febre escaronodular, o sarampo e a rubéola são
contagioso, dermatite herpetiforme. doenças de declaração obrigatória. (Quadro 4)
• Não infecciosa: picada de insecto, estrófulo, erupções
por fármacos. BIBLIOGRAFIA
Nota: Outras situações como infecções por Mycoplasma, sífilis, blastomicose, dengue, Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
doença de inclusões citomegálicas, dermatomicoses, etc. podem estar associadas a
erupção, a qual está enquadrada em sintomatologia mais relevante. Diseases-The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
Elsevier, 2008

QUADRO 4 – Doenças de declaração obrigatória

Designação Código Designação Código


(CID-10) (CID-10)
Botulismo A05.1 Malária B50 a B54
Brucelose A23 Meningite meningocócica A39.0
Carbúnculo A22 Infecção meningocócica
Cólera A00 (exclui meningite meningocócica) A39
Difteria A36 Meningite porHaemophilus influenza G00.0
Doença de Creutzfeldt Jakob Infecção por Haemophilus influenza
(encefalopatia espongiforme subaguda) A81.0 (exclui meningite por Haemophilus influenza) A49.2
Doença de Hansen (Lepra) A30 Parotidite epidémica B26
Doença de Lyme A69.2 Peste A20
Doença dos legionários A48.1 Poliomielite aguda A80
Equinococose B67 Raiva A82
Febre Amarela A95 Rubéola (eclui rubéola congénita)
Febre escaro-nodular A77.1 Rubéola congénita P35.0
Febre Q A78 Sarampo B05
Febres tifóide e paratifóide A01 Shigelose A03
Outras Salmoneloses A02 Sífilis congénita A50
Hepatite aguda A B15 Sífilis precoce A51
Hepatite aguda B B16 Tétano A34, A35
Hepatite aguda C B17.1 Tétano neonatal A33
Hepatite vírica não especificada B19 Tosse convulsa A37
Outras hepatites víricas agudas (exclui hepatite C) B17 Triquiníase B75
Infecções gonocócicas A54 Tuberculose do sistema nervoso A17
Leishmaniose visceral B55 Tuberculose miliar A19
Leptospirose A27 Tuberculose respiratória A15, A16
CAPÍTULO 277 Febre sem foco de infecção detectável 1397

277
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Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon igual a uma semana, em que a anamnese ou o
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill exame objectivo não permitem detectar o foco de
Medical, 2011 infecção, isto é, indicar o diagnóstico. De salientar
que muitas situações de febre sem foco correspon-
dem a fase inicial, prodrómica, de doença que
mais tarde se virá a manifestar por completo.
O termo de febre de origem indeterminada diz
respeito às situações febris de duração superior a
14 dias: sem causa óbvia, na sequência de ana-
mnese, exame objectivo e exames complementares
de rastreio; ou após 1 semana de hospitalização e
avaliação.
A grande maioria dos quadros febris em idade
pediátrica corresponde a intercorrências infeccio-
sas agudas, benignas e frequentemente auto-limi-
tadas; uma minoria poderá, no entanto, traduzir
infecções graves e potencialmente fatais e proces-
sos inflamatórios de etiologia não infecciosa.
Bacteriémia oculta é a situação clínica em que se
demonstra a presença de bactéria no sangue atra-
vés de hemocultura, em criança febril (temperatu-
ra > 39ºC), sem foco identificado, com bom estado
geral, não estabelecendo indicação de internamen-
to hospitalar.
A fácil acessibilidade aos Serviços de Urgência
no nosso país propicia que os pais recorram fre-
1398 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

quentemente ao médico numa fase muito precoce As endotoxinas estimulam a libertação de


da doença acompanhada de febre, antes do apare- pirogénios endógenos actuando directamente no
cimento de sinais ou sintomas sugestivos de doen- centro termorregulador do hipotálamo.
ça grave, ou do período em que se torna possível Os antipiréticos (paracetamol, ibuprofeno, ácido
a localização da infecção. acetil-salicílico), inibindo a cicloxigenase hipotalâ-
Nesta perspectiva, é fundamental reduzir ao mica, inibem a produção de prostaglandina E2.
mínimo o uso (não racional) de antibióticos. Por Os germes microbianos identificados nos casos
outro lado, é importante referir que a prescrição de de bacteriémia oculta têm vindo a modificar-se ao
antibiótico a um lactente com febre sem um diagnós- longo dos anos, devido sobretudo à aplicação
tico que o justifique, motivada pelo receio de uma crescente de novas vacinas. Há vários anos,
infecção bacteriana grave subjacente, constitui uma Haemophilus influenza era responsável por taxas
prática médica discutível, geradora de um aumento significativas de morbilidade e mortalidade, que
da resistência bacteriana aos antibióticos; tal prática diminuiram significativamente com a introdução
pode igualmente atrasar um diagnóstico correcto, da vacina conjugada anti-Haemophilus influenzae b
nomeadamente nos casos de meningite bacteriana. no Programa Nacional de Vacinação (PNV).
Na prática clínica, tendo estas noções em consi- Desde então, Streptococcus pneumoniae passou a
deração, a atitude fundamental perante uma crian- ocupar o primeiro lugar na lista de microrganis-
ça febril sem foco de infecção detectável é excluir mos responsáveis; no entanto, em estudos
infecção bacteriana grave, como meningite ou bac- recentes demonstrou-se uma redução do número
teriémia oculta. Tal é particularmente importante de casos de doença pneumocócica invasiva desde
nas crianças com idade inferior a 36 meses, faixa que passou a estar difundida a utilização da res-
etária sobre a qual incidirá este capítulo. pectiva vacina conjugada.
É importante notar que nos últimos anos se tem
Etiopatogénese e aspectos verificado uma redução significativa do número
epidemiológicos absoluto de casos de bacteriémia oculta; assim,
actualmente será mais admissível adoptar uma ati-
Cerca de 20% das crianças com quadro febril tude expectante perante a criança com febre sem
agudo não evidenciam foco de infecção. foco de infecção detectável, sobretudo se tiver cum-
O aparecimento de febre resulta da libertação prido o PNV e tiver sido submetida a imunização
de pirogénios endógenos para a circulação como activa com a vacina antipneumocócica conjugada.
resultado, na maioria das vezes, de infecções; uma A etiologia dos quadros febris varia consoante
proporção mais restrita poderá resultar de doen- a idade da criança.
ças não-infecciosas, tais como doenças auto- Nos recém-nascidos (idade até 28 dias/4 sema-
imunes ou tumorais. nas completas), os agentes mais prevalentes são:
Os agentes e toxinas microbianos actuam Streptococcus do grupo B, Escherichia coli, Listeria
como pirogénios exógenos; estes estimulam a monocytogenes, se bem que possam também surgir
libertação de pirogénios endógenos (citocinas) a infecções por agentes que surgem com maior fre-
partir de monócitos, macrófagos, células mesan- quência noutros grupos etários, nomeadamente
giais, células gliais, células epiteliais, e linfócitos Neisseria meningitidis e Streptococcus pneumoniae.
B: interleucina-1(IL-1), IL-6, factor de necrose Entre os 29 dias e os 3 meses de idade estão
tumoral (TNF) e interferões vários. habitualmente implicados: Streptococcus pneumo-
Quer a proteína C reactiva (PCR), quer a pro- niae, Neisseria meningitidis, Salmonella spp,
calcitonina (PCT), como reagentes da fase aguda Haemophilus influenzae. No entanto, poderão tam-
inflamatória, são produzidos no fígado como bém estar em causa germes que infectam habi-
resposta às citocinas. tualmente o RN.
Os pirogénios endógenos, atingindo o hipotála- Após os 90 dias e até aos 36 meses (3 anos) estão
mo através da circulação arterial, promovem a liber- em causa: Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus
tação de ácido araquidónico que, transformado em aureus, Escherichia coli, Neisseria meningitidis,
prostaglandina E2, actua no centro termorregulador. Salmonella spp, e Haemophilus influenzae.
CAPÍTULO 277 Febre sem foco de infecção detectável 1399

Anamnese e exame objectivo va, com bradipneia ou hiper ou taquipneia, que


não estabelece contacto ocular e não sorri, tem
Para tentar identificar as crianças com uma doen- maior probabilidade de ter uma doença grave do
ça infecciosa grave, é imprescindível a realização que a criança que evidencia bom estado geral. A
de história clínica pormenorizada incluindo má perfusão periférica, a pele marmoreada e cia-
anamnese e objectivo minuciosos. nose são também indicadores de maior gravidade.
Nas crianças mais pequenas, a anamnese propi- A existência de exantema é importante: lesões
cia dados mais escassos e o exame objectivo é mais petequiais ou purpúricas surgem na sépsis menin-
difícil. Muitos estudos tentaram definir elementos gocócica e, mais raramente, em infecções por
clínicos e analíticos que permitissem estratificar o Haemophilus influenzae. O exantema macular que
risco de uma criança com febre sem foco ter uma surge precocemente em relação ao início da febre
doença bacteriana grave, como por exemplo os cri- pode igualmente ser sinal de sépsis; por isso,
térios de Rochester, Boston ou Philadelphia.. torna-se obrigatório determinar a cronologia do
A anamnese relativamente à criança febril aparecimento das lesões cutâneas.
deve ser sempre pormenorizada, incluindo inqui- A pneumonia pode manifestar-se apenas por
rir, designadamente sobre: taquipneia ou sinais de hipoxémia; por conse-
– Parto de termo ou pré-termo; guinte, não deve excluir-se infecção das vias res-
– Doenças anteriores; piratórias inferiores pela ausência de sinais de
– Imunizações (quais e quando); dificuldade respiratória ou de ruídos adventícios
– Contexto epidemiológico, como contactos através da auscultação pulmonar.
doentes conhecidos e eventual frequência de O exame objectivo completo deve incluir a
escola ou infantário; medição da frequência respiratória e a determina-
– Características da febre; ção da saturação transcutânea de Hb-O2, especial-
– Nível de actividade da criança desde o início mente nos recém-nascidos e pequenos lactentes.
da febre; A observação deve identificar possíveis focos
– Repercussão eventual sobre o apetite. infecciosos. A presença de sinais sugestivos de
O risco de haver uma infecção bacteriana infecção vírica diminui a probabilidade de existir
grave é menor nas crianças que nasceram de uma doença bacteriana grave subjacente. No
termo e previamente saudáveis. entanto, tal não se aplica a recém-nascidos e pe-
É importante caracterizar a febre: existe um quenos lactentes: efectivamente, diversos estudos
maior risco de bacteriémia com temperatura mais revelaram igual incidência de doença bacteriana
elevada, mas não há relação com a duração da com e sem infecção vírica concomitante.
febre; a facilidade de resposta a antipiréticos tam- De salientar que taxas de bacteriémia são
bém não permite distinguir quadros bacterianos semelhantes em crianças febris com e sem otite
de víricos. média aguda, sem outro foco infeccioso aparente;
São manifestações de possível infecção sisté- por isso, tal achado não deve ser sobrevalorizado.
mica e, como tal,sugestivas de gravidade clínica,
prostração e recusa alimentar. Actuação prática e exames
O exame objectivo deve ser pormenorizado, complementares
valorizando, designadamente:
– Mau estado geral compatível com quadro Uma criança com febre e sinais sistémicos graves
séptico; deve ser imediatamente internada para realização
– Presença de foco infeccioso; de exames complementares de diagnóstico de
– Sinais respiratórios; acordo com critérios de rigor, incluindo punção
– Existência de exantema. lombar desde que o seu estado clínico o permita, e
instituição ulterior mas imediata de antibioticote-
O estado geral da criança é um importante rapia intravenosa.
indicador clínico. A criança com aspecto geral sép- Com vista à actuação, as crianças são classica-
tico, nomeadamente com prostração, pouco reacti- mente divididas de acordo com a sua idade: 1.
1400 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Recém-nascidos; 2. Crianças com idades entre 29 dias e mente hemograma, doseamento de PCR, hemo-
90 dias; e 3. Crianças com idades entre > 3 e 36 meses. cultura, análise sumária de urina, pesquisa de bac-
teriúria e urocultura. Mesmo na ausência de sinais
1. Recém-nascidos ou sintomas sugestivos de pneumonia, mesmo
A imaturidade imunológica dos recém-nasci- que os exames anteriormente referidos não reve-
dos constitui um factor de maior vulnerabilidade lem sinais compatíveis com foco infeccioso, deve
a agentes infecciosos, o que determina maior pro- proceder-se a exame radiográfico do tórax. Dada a
babilidade de evolução desfavorável da doença. dificuldade em diagnosticar meningite nesta faixa
Com base na avaliação estritamente clínica é, etária, deve ser fortemente considerada a realiza-
em geral, muito difícil identificar as situações de ção de punção lombar, sobretudo na criança com
possível doença bacteriana grave. Assim, todo o aspecto geral séptico.
recém-nascido febril deve ser abordado, até prova Se a investigação referida conduzir a diagnós-
em contrário, como tendo uma doença bacteriana tico específico, isto é, conduzir a identificação de
grave, e sujeito a avaliação diagnóstica completa. foco (infecção urinária, pneumonia ou meningite),
Esta avaliação deverá incluir: a criança deverá ser hospitalizada e medicada com
• hemograma completo; antibioticoterapia empírica adequada.
• doseamento seriado de proteína C reactiva; No entanto, se a investigação levada a cabo não
• análise sumária de urina, pesquisa de bacte- permitir a identificação do foco, e a criança eviden-
riúria e urocultura; ciar: aspecto geral séptico, valor de leucócitos ≤5000/
• radiografia torácica; µL ou ≥15000/µL e/ou relação do número absoluto
• punção lombar, sempre que o estado clínico neutrófilos imatutos / número absoluto de neutrófi-
da criança o permita, para análise citoquími- los totais ≥ 0,2 a mesma deverá ser hospitalizada
ca, coloração Gram, pesquisa de antigénios para antibioticoterapia empírica, por existir, nes-
bacterianos e exame bacteriológico e cultural tas circunstâncias, risco elevado de bacteriémia
do líquido céfalo-raquidiano (LCR); oculta.
• coproculturas, se houver história de diarreia, O esquema de tratamento de escolha é habi-
ou de sangue ou pus nas fezes. tualmente: cefalosporina de 3ª geração, a que, nos
Em regra, devido à elevada incidência de lactentes mais pequenos, se associa gentamicina.
doenças bacterianas graves nos recém-nascidos De facto, é admissível adoptar uma atitude
com febre, após a realização destes exames deve expectante na criança com mais baixo risco de
ser instituída terapêutica antibiótica empírica. doença bacteriana grave relativamente ao recém-
Habitualmente, o tratamento inclui ampicilina e nascido em que o risco é mais elevado.
gentamicina e/ou uma cefalosporina de terceira Assim, numa criança sem antecedentes de pre-
geração, como cefotaxima, sobretudo se houver maturidade, previamente saudável, sem aspecto
sinais de doença grave ou evidência de meningite geral séptico, com bom estado geral e sem altera-
tendo como base o resultado do exame citoquími- ções laboratoriais ou radiológicas, pode protelar-
co do LCR. (Parte XXXI) se o início de antibioticoterapia, vigiando a evolu-
ção do quadro febril (sendo a criança obrigatoria-
2. Crianças com idades entre 29 dias e 90 dias mente reavaliada dentro de 24 horas, ou antes se
Apesar de nesta faixa etária já ser mais habi- houver agravamento clínico). Contudo, é essen-
tual haver sinais indiciando foco localizado de cial avaliar previamente se pais e/ou familiares
infecção, ainda é muito difícil prever se a criança estão capacitados para identificar eventual agra-
tem uma doença potencialmente grave. Nesta vamento do estado clínico da criança, e se existe
idade, uma infecção vírica não diminui a probabi- fácil acesso a instituição de saúde.
lidade de doença bacteriana grave concomitante.
Sendo os dados colhidos na anamnese e exame 3. Crianças com idades entre > 3 e 36 meses
objectivo insuficientes para confirmar ou infirmar Neste período etário será possível identificar
situação potencialmente grave, está indicada a número significante de infecções através da anam-
realização de exames complementares, nomeada- nese e exame objectivo; no entanto existe ainda a
CAPÍTULO 277 Febre sem foco de infecção detectável 1401

possibilidade de determinados casos correspon- epidemiologia da bacteriémia oculta, conforme foi


derem a infecções ocultas: entre estas, como mais referido antes, passaram a ser mais prevalentes
frequentes e potencialmente mais graves, citam-se bactérias como Staphylococcus aureus e Salmonella
a infecção urinária, a pneumonia e a bacteriémia spp que cursam habitualmente com valores mais
oculta. baixos de leucócitos. Portanto, os critérios atrás
Nesta perspectiva, deve proceder-se a exame definidos como correspondendo a maior risco de
de urina a todas as crianças do sexo masculino bacteriémia deverão ser interpretados, não isola-
com idade < 6 meses ou com < 12 meses e não-cir- damente, mas sim no seu conjunto.
cuncidadas; e a crianças do sexo feminino com < Perante a hipótese de bacteriémia oculta, a
24 meses se existirem ≥ 2 dos seguintes factores de criança tem indicação de ser hospitalizada e de
risco: idade < 12 meses, febre ≥ 2 dias, temperatu- início de antibioticoterapia intravenosa empírica,
ra ≥ 39ºC, raça caucasiana e ausência de outro foco habitualmente com ceftriaxona. O resultado da
infeccioso. Igualmente, deve ser realizada radio- hemocultura, que virá estabelecer o diagnóstico,
grafia torácica verificando-se leucocitose (leucóci- poderá obrigar à alteração do antimicrobiano
tos ≥20.000/µL) mesmo na ausência de sinais ou escolhido antes empiricamente, de acordo com o
sintomas sugestivos de infecção das vias respi- antibiograma relativo ao agente isolado.
ratórias inferiores. Outra situação possível é a obtenção de resul-
Perante o diagnóstico de infecção urinária ou tado positivo da hemocultura numa criança relati-
pneumonia, a decisão de proceder a tratamento vamente à qual se optou inicialmente por absten-
antibiótico em regime de internamento ou em ção de antibioticoterapia. Em tal circunstância a
regime ambulatório dependerá de vários factores: criança deve ser de imediato reavaliada, estando
idade da criança, estado geral, tolerância da via indicado igualmente repetir os exames comple-
oral, e capacidade de os pais ou representantes mentares de diagnóstico anteriormente referidos.
assegurarem o cumprimento terapêutico. Se o agente isolado for Streptococcus pneumo-
A criança com febre, sem foco infeccioso niae e a criança se mantiver febril, a mesma deverá
detectável, com estabilidade hemodinâmica, ven- ser hospitalizada para antibioticoterapia intrave-
tilatória e neurológica, embora com parâmetros nosa dirigida, de forma a prevenir infecção invasi-
analíticos sugestivos de infecção bacteriana, tem va grave.
provavelmente um quadro de bacteriémia oculta. Se, entretanto, se verificar apirexia, a criança
Esta situação será ulteriormente confirmada atra- deverá ser tratada com antibiótico oral durante 7
vés de hemocultura positiva; no entanto, como se dias.
verifica certo tempo entre a colheita de sangue e o Se na hemocultura se identificar Neisseria meni-
resultado desta hemocultura, é fundamental iden- gitidis, a criança deverá ser sempre hospitalizada
tificar as crianças de risco de modo a instituir anti- para antibioticoterapia intravenosa independente-
bioticoterapia atempadamente. Com efeito, for- mente da sua evolução clínica, devido ao elevado
mas graves de infecções, como meningite, pneu- risco de complicações graves.
monia, artrite ou osteomielite, poderão ocorrer O tratamento doutras situações em que te-
secundariamente a uma bacteriémia oculta, sobre- nham sido isoladas outras bactérias, como
tudo se o tratamento não tiver sido iniciado atem- Salmonella spp, Streptococcus – hemolítico grupo A,
padamente. Staphylococcus spp, Moraxella spp e Haemophilus
Existe um maior risco de bacteriémia oculta influenzae não-B, está menos bem definido; contu-
nas seguintes situações: temperatura ≥ 40ºC; do, poderá adoptar-se o procedimento referido a
leucócitos ≥ 15.000/µL; número absoluto de neu- propósito dos casos com isolamento de
trófilos totais ≥ 10.000/µL; PCR elevada (≥ 5 Streptococcus pneumoniae, valorizando sempre o
mg/dL); idade 6 – 24 meses; contexto epidemioló- estado clínico da criança.
gico sugestivo; exantema petequial, purpúrico ou Apesar de os resultados das hemoculturas
macular precoce (risco, sobretudo de doença serem conhecidos regra geral 24 - 48 horas após a
meningocócica). colheita, é de salientar que muitas vezes o resulta-
É importante notar que, com a alteração da do, quando positivo, poderá não ter relação com o
1402 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

agente causal, situação que corresponde a conta- teriana grave. Tais critérios, contudo, vieram a reve-
minação da colheita. lar-se insuficientes pelo seguinte: actualmente, a
introdução de novas vacinas no PNV e o uso difun-
Tratamento antipirético dido de outras vacinas extra-PNV, nomeadamente a
vacina anti-pneumocócica conjugada, contribuíram
Embora não altere a evolução da doença infeccio- para uma alteração substancial do risco de doença
sa de base, justifica-se o tratamento sintomático da bacteriana grave. Portanto, são necessários estudos
febre alta (temperatura rectal > 38ºC), sobretudo para novas orientações clínicas.
se associada a mal-estar evidenciado por sintoma- Em suma, a decisão de investigar e, posterior-
tologia como gemido, prostração, hiporreactivida- mente, de tratar ou não, é do médico que observa
de, etc.. Por outro lado, o abaixamento da tempe- cada criança, sabendo-se à partida que não há
ratura: sinal, sintoma ou resultado laboratorial que seja
1 – reduz as necessidades metabólicas; por si só diagnóstico. Há, pois, necessidade de
2 – permite que a criança esteja mais desperta actuar com bom senso, conjugando várias circuns-
e com maior propensão para comer e beber líqui- tâncias presentes.
dos – cuja ingestão deve ser estimulada – preve- Da acção combinada dos profissionais de
nindo a desidratação; saúde e dos familiares, será possível reduzir-se ao
3 – diminui a probabilidade de convulsões em mínimo as agressões iatrogénicas às crianças.
crianças de risco neurológico.
Com a criança despida, procede-se à passagem BIBLIOGRAFIA
pelo corpo de esponja embebida em água tépida Adam HM. Fever: measuring and managing. Pediatr Rev 2013;
(não álcool) a temperatura < 3-4ºC relativamente à 34: 368-370
temperatura corporal, ao mesmo tempo que se Alpern ER, Alessandrini EA, Bell LM, Shaw KN, McGowan
administra como primeira prioridade paracetamol KL. Occult bacteremia from a pediatric emergency depart-
(oral ou rectal) na dose de 10-15 mg/kg/dose, 3 a ment: current prevalence, time to detection and outcome.
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Como segunda prioridade utiliza-se o ibuprofeno Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
(oral) na dose de 5-10 mg/kg/dose, 3 a 4 vezes Diseases- The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
por dia até máximo de 20 mg/kg/dia. Salienta-se Elsevier, 2008
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O AAS não é recomendado na idade pediátri- Byington CL, Enriquez FR, Hoff C, Tuohy R, Taggart EW,
ca como antipirético pela possibilidade de desen- Hillyard DR, Carroll KC, Christenson JC. Serious bacterial
cadear síndroma de Reye. infections in febrile infants 1 to 90 days old with and
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Conclusão Colvin JM, Muenzer JT, Jaffe DM, et al. Detection of viruses in
young children with fever without an apparent source.
A criança com febre sem foco de infecção detectá- Pediatrics 2012; 130: e1455-e1462
vel constitui uma realidade cada vez mais fre- Hamilton JL, John SP. Evaluation of fever in infants and young
quente na prática clínica diária. Apesar de se ter children. Am Fam Physician 2013; 87: 254-260
registado uma diminuição do número absoluto de Herz AM, Greenhow TL, Alcantara J, Hansen J, Baxter RP,
casos de bacteriémias ocultas, torna-se premente Black SB, Shinefeld HR. Changing epidemiology of outpa-
conseguir identificar e tratar precocemente tais tient bacteremia in 3- to 36-month-old children after the
crianças. introduction of the heptavalent-conjugated pneumococcal
Para cumprir tal objectivo, ao longo do tempo vaccine. Pediatr Infect Dis J 2006; 25: 293-300
têm sido elaboradas inúmeras grelhas de critérios Herzog L, Phillips SG. Addressing concerns about fever.
para estratificar, caso a caso, o risco de doença bac- Clinical Pediatrics 2011; 50: 383 - 390
CAPÍTULO 278 Doença pneumocócica 1403

278
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hyperpyrexia. Pediatrics 2006; 118:34-40 reduzindo o número de portadores na nasofaringe
e a prevalência de serótipos; tal facto tem tido
repercussões na redução da incidência de doença
pneumocócica, não só em crianças vacinadas, como
também provavelmente em adultos não vacinados.
Calcula-se que anualmente em todo o mundo
ocorra cerca de 1 milhão de mortes em crianças
com menos de 5 anos, sobretudo nos países de fra-
cos recursos. Estudos da América do Norte apon-
tam para cerca de 17.000 casos de doença invasiva
em crianças com < 5 anos, incluindo ~13.000 casos
de bacteriémia, 1.000 casos de meningite e ~200
casos de evolução fatal.

Aspectos epidemiológicos

Os pneumococos são ubíquos. A bactéria coloniza


a nasofaringe de indivíduos saudáveis (~50% de
crianças e ~8% de adultos) e a transmissão ocorre
através de gotículas de saliva, contacto oral direc-
1404 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

to, ou indirecto através de objectos contaminados, portadores de S. pneumoniae, ou seja, de pessoas


podendo ainda haver uma auto-inoculação da assintomáticas que poderão não vir a ter a doença
bactéria. O período de contágio é desconhecido mas mas que transmitem facilmente a bactéria a outras
existe enquanto a bactéria estiver presente nas pessoas. As crianças, sobretudo em idade pré-esco-
secreções respiratórias. O período de incubação varia lar são um importante reservatório e potencial dis-
de acordo com o tipo de infecção, entre 1 a 3 dias. seminador da infecção, salientando-se que nos
A incidência da doença pneumocócica varia com adultos as taxas de colonização são mais elevadas
grupo etário, sexo, raça e origem geográfica. A quando convivem com crianças no domicílio.
doença invasiva é mais frequente em crianças com A prevalência do estado de portador depende
menos de 2 anos, em adultos com mais de 65 anos ainda da interacção bactéria/hospedeiro, da
de idade, no sexo masculino, em africanos, indianos idade, da situação imunológica e da relação entre
e nativos do Alasca. A incidência também é mais o pneumococo e outros microrganismos da naso-
elevada em países em vias de desenvolvimento que faringe. Vários outros factores potenciam o estado
em países industrializados. Esta discrepância rela- de portador como a frequência de infantário,
ciona-se em parte, quer com factores socioeconómi- exposição a fumo de tabaco e uso recente e abusi-
cos, quer possivelmente com factores genéticos. vo de antibióticos.
A morbilidade e mortalidade da doença inva- O Quadro 1 sintetiza os principais factores de
siva também é mais elevada em crianças com risco de doença pneumocócica invasiva, de acordo
determinados factores predisponentes, tais como: com dados da AAP.
síndromas de imunodeficiência humoral (infecção
pelo VIH, agamaglobulinémia, deficiência selecti- Etiopatogénese
va de subclasses de IgG), deficiência de comple-
mento (sobretudo C1, C2, C3 e C4), disfunção dos O Streptococcus pneumoniae é um diplococo gram
neutrófilos ou neutropenia, ausência ou deficiente positivo. A bactéria tem uma cápsula polissacarí-
função esplénica (asplenia congénita ou cirúrgica,
doença de células falciformes, outras hemoglobi- QUADRO 1 – Factores de risco de doença
nopatias), síndroma nefrótica, insuficiência renal pneumocócica invasiva
crónica, transplante de órgão, doença oncológica,
diabetes mellitus, condições associadas à diminui- Alto risco (> 150 casos/100.000/ano)
ção do processo de depuração respiratória (asma, – doença de células falciformes, asplenia congénita ou
doença pulmonar obstrutiva crónica, bronquite adquirida, ou disfunção esplénica
crónica) e insuficiência cardíaca congestiva. Os – infecção por VIH
doentes com defeitos congénitos e fístula de – implantes cocleares
comunicação exterior e eliminação de LCR, fractu- Alto risco provável
ra craniana ou intervenção neurocirúrgica com – síndroma de imunodeficiência congénita
meningites recorrentes, comportam também risco – cardiopatia crónica (particularmente se cianótica)
acrescido de doença invasiva pneumocócica. – doença pulmonar crónica
A permanência em locais com aglomerados de – fractura do crânio, procedimento neurológico, ou
pessoas aumenta o risco de infecção pneumocócica fuga de LCR através de trajecto fistuloso
por haver uma maior exposição e possibilidade de – insuficiência renal crónica, síndroma nefrótica
transmissão do agente. As crianças que frequentam – doenças associadas a tratamento com
infantários, onde se combinam vários factores de imunossupressores ou radioterapia
risco para a disseminação do pneumococo, têm – diabetes mellitus
risco mais elevado de otite e doença invasiva. As Risco moderado (~20-150 casos/100.000/ano)
infecções do tracto respiratório superior por vírus – crianças com idades de 24-35 meses
constituem outro factor predisponente de infecções – crianças com idades de 36-59 meses em infantários
pneumocócicas, o que talvez explique a sua maior – idem se etnia africana ou índia-
frequência nos meses de Inverno. americana/descendentes de nativos do Alasca
Cabe referir também o importante papel dos
CAPÍTULO 278 Doença pneumocócica 1405

dea cuja estrutura permite a classificação em 40 ção brônquica, facilita a disseminação do agente
serogrupos e mais de 90 serótipos diferentes.Nos para as vias mais distais. Outra acção da Ply é a
Estados Unidos os serótipos mais frequentemente inibição da produção de citocinas pelos neutrófi-
associados a doença pneumocócica invasiva são los e a toxicidade para as células cocleares, o que
os 4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F e 23F; ou seja, somente explica a ocorrência de perda auditiva em crianças
um número restrito de serótipos está associado à com antecedentes de doença pneumocócica.
maioria das infecções invasivas graves. Em comparação com a doença de células falci-
A cápsula, fortemente antigénica, é também o formes, nos casos de infecção por VIH submetidos
factor de virulência mais importante da bactéria, a terapêutica anti-retrovírica agressiva tem-se
impedindo a fagocitose pelos polimorfonucleares do verificado diminuição muito mais significativa de
hospedeiro. Como existem mais de 90 serótipos anti- doença pneumocócica invasiva.
genicamente distintos, os anticorpos produzidos no
decurso de uma infecção somente conferem protec- Manifestações clínicas
ção para o serótipo em causa, o que explica que pos-
sam ocorrer múltiplas infecções por este agente. As manifestações das infecções pneumocócicas
As crianças, principalmente as mais pequenas, ao integram vários quadros.
adquirem um novo serótipo do pneumococo vêm a
desenvolver doença clínica em 15% dos casos, cerca Otite média aguda
de um mês depois. A progressão da colonização para Na criança a infecção mais frequente causada pelo
a doença depende habitualmente da aquisição de um Streptococcus pneumoniae é a otite média aguda
serótipo para o qual o hospedeiro não está imune, e (OMA). Por outro lado, o pneumococo é também a
da existência de factores predisponentes. maior causa de otite na idade pediátrica estimando-se
Quando o pneumococo atinge a nasofaringe, a que seja responsável por 40 a 60% de todos os episó-
respectiva cápsula (de cuja espessura poderá dios de OMA entre os 6 meses e os 2 anos de idade. A
depender a virulência) limita a fagocitose; por outro otalgia, ou irritabilidade na criança mais pequena, a
lado, desencadeiam-se vários mecanismos locais de febre e o eritema da membrana timpânica são habi-
depuração que tentam remover o agente, ao mesmo tualmente mais marcados que nas otites de outra etio-
tempo que ocorre resposta imune que inclui produ- logia. Comparativamente a outros agentes, na otite
ção de anticorpos específicos para a cápsula do pneumocócica a remissão espontânea na ausência de
serótipo em causa e com importância na opsoniza- tratamento é mais rara e o aparecimento de complica-
ção e fagocitose, produção de IL-6,TNF,IL-1 e ções é mais frequente (Capítulo 75).
influxo de neutrófilos para o local de infecção.
Estudos in vitro demonstraram o papel impor- Mastoidite e sinusite
tante duma proteína A ligada à colina(CbpA) na O Streptococcus pneumoniae é responsável por cerca
superfície capsular que facilita a entrada do pneu- de 45% dos casos de mastoidite aguda, a compli-
mococo nas células do epitélio, o que é facilitado cação mais frequente da OMA; de salientar que
se tiver havido uma infecção vírica prévia. um elevado número de casos se associa a incor-
O agente infeccioso pode progredir para o recta terapêutica desta última.
ouvido médio, tracto inferior, ou corrente sanguí- A verdadeira incidência da sinusite pneu-
nea; os agentes infecciosos podem também atingir mocócica na criança é desconhecida, possivelmen-
órgãos e tecidos vários (por ex. articulações), o te por se tratar duma entidade clínica muitas
espaço subaracnoideu e as meninges; estas últi- vezes subdiagnosticada. Estima-se que o pneumo-
mas poderão ser invadidas por extensão directa coco causa 35 a 40% das sinusites bacterianas na
através do ouvido médio ou seios perinasais. criança (Capítulos 74 e 77).
Determinados estudos demonstraram o papel
duma toxina (pneumolisina -Ply) com acção lesiva Pneumonia
na estrutura e função das células epiteliais brôn- O Streptococcus pneumoniae é a maior causa de pneu-
quicas, designadamente destruição dos cílios, o monia adquirida na comunidade. Classicamente a
que, comprometendo os mecanismos de depura- febre é superior a 39º, com ínicio súbito, acompanha-
1406 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

da de tosse, prostração, vómitos, dor torácica ou O atraso do ínicio da antibioticoterapia agrava


abdominal, embora na criança pequena o quadro seja o prognóstico. A mortalidade varia entre 10 a 20%
incompleto. Um padrão radiológico de infiltrados e, a longo prazo, em cerca de 25 a 35% das crian-
alveolares com consolidação lobar em 50% dos casos, ças podem surgir sequelas neurológicas graves
um valor de leucócitos > 15.000/mm3, de neutrófilos como surdez, disfunção motora, epilepsia, atraso
>70% e de proteína C reactiva (PCR) > 6 mg/dL do desenvolvimento, e problemas de aprendiza-
podem orientar o diagnóstico etiológico. Se existir gem ou de insucesso escolar.
bacteriémia, as complicações são mais frequentes.
Poderá ocorrer derrame pleural (Capítulos 82 e 83). Outros quadros clínicos
O Streptococcus pneumoniae pode ainda, embora
Bacteriémia mais raramente, causar outros quadros clínicos
O Streptococcus pneumoniae é responsável cerca de como pneumococcémia fulminante, artrite sépti-
85% das bacteriémias na idade pediátrica. ca, osteomielite, celulite, peritonite, endocardite,
Bacteriémia oculta (BO), definida pela presença SHU, CID e pericardite. Nestas situações existem
de bactéria no sangue através de hemocultura, em habitualmente factores de risco (Quadro 1).
criança febril (temperatura > 39ºC), sem foco identi-
ficado, com bom estado geral (por conseguinte, sem Diagnóstico
sinais clínicos sugestivos de sépsis), é a manifesta-
ção mais frequente de doença invasiva pneumocó- Exames directos e culturais
cica, entre os 90 dias e os 3 anos de idade. A obser- O diagnóstico definitivo baseia-se na identificação
vação física não evidencia alterações. Em aproxima- do Streptococcus pneumoniae no foco de infecção,
damente 40% das crianças a febre tem uma duração LCR, ou sangue, por exame directo e cultural, após
inferior a 1 dia, e em 82% inferior a 2 dias. Um valor coloração pelo método de Gram.
de leucócitos > 15.000/mm3 e de neutrófilos Embora os pneumococos possam ser detecta-
>10.000/mm3 tem um elevado valor preditivo para dos na nasofaringe de doentes com otite média,
a bacteriémia. Na maioria dos casos, a BO regride pneumonia, septicémia ou meningite, tal isola-
espontaneamente, conquanto ~ 10% desenvolvam mento não constitui elemento de prova para o dia-
complicações focais, e ~ 3-6% meningite. gnóstico. De salientar que o agente infeccioso
pode ser identificado no LCR sem reacção celular
Meningite significativa nas fases iniciais de meningite.
O Streptococcus pneumoniae é a segunda maior Está indicado proceder a hemoculturas nos
causa de meningite bacteriana. As manifestações casos de pneumonia, meningite, artrite, osteomie-
clínicas típicas de febre, vómitos, meningismo e lite, peritonite, pericardite ou lesões gangrenosas
irritabilidade, têm um ínicio súbito e evolução da pele; igualmente sempre que se verifique mau
rápida. Em cerca de 25% dos casos, ocorrem estado geral do doente ou leucocitose significati-
convulsões, e em cerca de 15% alterações do esta- va. Actualmente os métodos laboratoriais permi-
do de consciência, coma e choque séptico. A pre- tem obter resposta em < 24 horas.
sença de febre prolongada por um período até 10 Em todos os exames culturais se deve proceder a
dias, ou febre recorrente após apirexia, associa-se testes de susceptibilidade aos antimicrobianos (TSA),
habitualmente a complicações precoces como der- e determinar a concentração inibitória mínima (CIM)
rame subdural ou empiema. Deve considerar-se a para a penicilina como orientação da terapêutica de
repetição de punção lombar após 24-48 horas de cada caso e com objectivo epidemiológico.
terapêutica. São factores de mau prognóstico valor
de leucócitos no sangue periférico < 5.000/mmc . Provas rápidas
Os achados característicos no LCR são: leucó- Através de produtos biológicos obtidos no local
citos > 100 a 10.000/mmc com predomínio de neu- de infecção ou da urina, o diagnóstico de presun-
trófilos (excepto se tratamento prévio), proteínas ção pode ser feito de modo rápido (por ex. provas
> 100-500 mg/dL e glicose < 40 mg/dL (ou < 50% de aglutinação pelo látex) através da detecção de
do valor da glicémia) componentes celulares da bactéria, de antigénios
CAPÍTULO 278 Doença pneumocócica 1407

polissacarídeos da respectiva cápsula, ou de CIM para o microrganismo, se recomenda a peni-


sequências específicas de RNA ou DNA. cilina ou a amoxicilina (a formulação pediátrica de
penicilina não está disponível em Portugal), em
Outros exames doses elevadas.
A verificação de: valor de leucócitos > 3 – No liquor, cujas concentrações mínimas
15.000/mm3, valor de proteína C reactiva > 6 bactericidas necessárias para a erradicação do
mg/dL, ou dum padrão de consolidação lobar ou agente são mais elevadas, na presença de (PnRP)
segmentar numa radiografia do tórax, podem deve optar-se por outros antibióticos.
complementar os dados clínicos e orientar o dia- A antibioticoterapia empírica deve realizar-se
gnóstico. Salienta-se que nos casos graves de de acordo com as diferentes entidades clínicas da
doença pneumocócica, como foi referido antes, doença pneumocócica apresentadas nos Quadros
poderá verificar-se leucopénia com desvio à 2 e 3, estando implícita a noção da necessidade de
esquerda (Capítulo 82). proceder à realização do TSA concomitantemente,
a ponderar em função do contexto clínico.
Notas importantes: Nos casos em que se se veri-
Tratamento fica resistência do pneumococo à eritromicina,
mas sensibilidade à clindamicina, deve realizar-se
A escolha da antibioticoterapia deve basear-se no o chamado D-Teste para se determinar se a resis-
conhecimento epidemiológico e na susceptibilida- tência à clindamicina poderá ser induzida; se o
de aos antimicrobianos, tendo em consideração: - teste for positivo, não deve usar-se a clindamicina
a localização da infecção; – o local e gravidade do para completar o tratamento do doente*.
quadro clínico; - e a existência de factores de risco
do hospedeiro. Prognóstico
As resistências do pneumococo aos antibióticos
constituem um problema crescente a nível mun- A gravidade da doença depende de variáveis
dial. As resistências à penicilina (entre 20 e 70%) e como o local da infecção, factores do hospedeiro,
à ceftriaxona têm vindo também a aumentar. Os factores de virulência do agente e mecanismos de
serótipos 6B, 9A, 14, 19A, 19F e 23F, que mais fre- resistência aos antibióticos. O Quadro 1 sinteti-
quentemente causam doença invasiva, apresentam zando factores de risco de grau variável permitem
também resistências elevadas à penicilina. compreender o resultado final.
No nosso país, o conhecimento epidemiológico
sobre as susceptibilidades (ou sensibilidades ) aos Prevenção
antimicrobianos não é globalmente suficiente mas
a terapêutica de eleição das infecções pneumocóci- Medidas não imunológicas
cas continua a ser a penicilina. A este respeito As medidas não imunológicas incluem a redução
convém reter algumas noções práticas. dos factores de risco da doença e do estado de por-
1– Os pneumococos são considerados como tador, o uso criterioso de antibióticos em geral e a
sendo susceptíveis, resistentes ou com resistência
intermédia a vários antibacterianos com base na * D-Teste: Sobre uma placa de agar Mueller-Hilton inoculada com sus-
verificação da concentração inibitória mínima pensão standard de isolado de S aureus (inoculum McFarland 0.5) são
colocados dois discos contendo respectivamente Eritromicina (E) – 2 mcg
(CIM) tendo como referência certos limites desta . e clindamicina (C) – 15 mcg separados a uma distância de 15 mm con-
Por exemplo, considerando-se a resistência à peni- siderando os bordos periféricos do disco (e não o centro dos discos). Após
incubação durante o período da noite a 37ºC, o teste é lido e interpretado.
cilina, na prática e em geral, esta define-se como
Resultado positivo: a verificação de uma zona em forma de D como que
intermédia se se verificar CIM entre 0,1 - 1µg/mL, cortando em linha recta a zona circular de inibição do crescimento envol-
e alta se a CIM for > 2 µg/mL. vendo o disco da clindamicina(C) oposto ao disco da eritromicina (E). Este
padrão indica resistência da clindamicina induzida. Resultado negativo:
2 – Mesmo na presença de pneumococos resis- a verificação duma zona circular de inibição de crescimento de 21mm de
tentes à penicilina (PnRP), em infecções localiza- diâmetro ou superior correspondente ao disco da clindomicina (C) (circu-
lar, sem corte em linha recta da respectiva área), indicando resistência pura
das ao ouvido e aparelho respiratório, onde é do macrólido, com manutenção da sensibilidade ou susceptibilidade da
possível obter concentrações mais elevadas que as clindamicina. Estes resultados são determinados geneticamente.
1408 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Antibioticoterapia nas infecções pneumocócicas

Entidade Antibiótico Duração Comentário


Otite Média Amoxicilina 5-7 dias Timpanocentese com colheita de pús para exame
cultural e TSA na otite média crónica
ou refractária à terapêutica
Mastoidite Amoxicilina 10 dias Timpanocentese com colheita de pus para exame
cultural e TSA
Sinusite Amoxicilina 14 dias
Pneumonia Penicilina G cristalina 10 dias O resultado do exame cultural das secreções pode
ou Amoxicilina ser falso positivo por colonização da nasofaringe
Realizar 2 hemoculturas
Bacteriémia Amoxicilina 7 a 10 dias Realizar 2 hemoculturas (cada colheita com 2mL
Ceftriaxona (alternativa) se: de sangue no mínimo) com TSA/CIM
Doentes de risco; Se CIM > 2 µg/mL;
Febre alta com aspecto geral de doença
Meningite Iniciar com ceftriaxona e vancomicina 14 dias Modificar a terapêutica de acordo com TSA/CIM
até se conhecer TSA/CIM 21 dias se
complicações
Ceftriaxona+Vancomicina+ Rifampicina Solicitar CIM para Ceftriaxona
Se CIM > 2 µg/mL
Abreviatura: PnPs = Pneumococo sensível à penicilina

QUADRO 3 – Doses e Intervalos de administração dos antibióticos

Antibiótico Dose diária Dose máxima Nº de administrações


Amoxicilina 80 - 100mg/Kg/dia 3g 2 -3
Penicilina 200.000-400.000 UI/Kg/dia 30.000.000 UI 4
Ceftriaxona 100mg/Kg/dose 4g 1-2
Vancomicina 60mg/Kg/dia 2g 3
Rifampicina 20 mg/Kg/dia 1,2g 2

modificação de alterações anatómicas predispo- 2 anos e entre os 2 e 5 anos nos casos em que exis-
nentes à infecção pneumocócica. tam factores de risco de doença pneumocócica.
Actualmente está comercializada uma vacina
Vacinas conjugada para 13 serótipos de nova geração.
As vacinas polissacarídeas polivalentes e as vaci- A vacina polissacarídea para 23 serótipos pre-
nas conjugadas assumem um papel de primordial vine a doença invasiva em 60 a 70% dos casos.
importância nas estratégias de prevenção da (Capítulo 274)
doença pneumocócica.
A primeira vacina conjugada heptavalente que Quimioprofilaxia
começou a ser comercializada com protecção para Uma vez que as vacinas actuais não previnem a
os serótipos 4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F, 23F, contribuiu totalidade de infecções pneumocócicas invasivas ,
para diminuir a incidência da doença invasiva nas crianças com alto risco de doença pneumocó-
pneumocócica em cerca de 90%, a colonização da cica invasiva (Quadro 1), incluindo crianças com
nasofaringe e transmissão interpessoal em idades asplenia ou síndromas falciformes, é recomenda-
precoces em que o estado de portador é mais pre- da a profilaxia com penicilina G benzatínica até
valente. Está indicada em crianças com menos de aos 5 anos. (Capítulo 143)
CAPÍTULO 279 Escarlatina e outras infecções por Streptococcus pyogenes 1409

279
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Etiopatogénese

O agente etiológico clássico da escarlatina é, como


1410 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

foi referido, o Streptococcus pyogenes ou Strepto- Admite-se que as exotoxinas pirogénicas (A, B
coccus β hemolítico do grupo A de Lancefield; trata- e C), assim como outras exotoxinas recentemente
se de um coco gram positivo, classificado pela sua identificadas, têm um papel importante na pato-
reacção de hemólise em cultura de agar. As coló- génese da doença invasiva por SGA, incluindo a
nias do Streptococcus β hemolítico apresentam uma síndroma de choque tóxico estreptocócico.
zona completa de hemólise no meio de cultura. O agente S. pyogenes contém ainda outros com-
Um antigénio polissacárido situado profunda- ponentes:
mente na parede celular (substância C) permite a – as hemolisinas estreptocócicas O e S, ou
separação dos Streptococcus β hemolíticos em diver- estreptolisinas, lisam os eritrócitos, exercem
sos grupos de A a V (mais de 20 grupos serológi- também acção de toxicidade e antigénica,
cos); os do grupo A (os principais patogénicos na estimulando a produção de anticorpos – as
espécie humana) possuem ainda proteínas antigé- antiestreptolisinas;
nicas M, T e R; a identificação do antigénio protei- – leucocidina com acção lítica sobre leucócitos;
co de superfície M permite a subdivisão do grupo – estreptoquinase, promovendo a dissolução
em > 100 tipos (serótipos). da fibrina;
A identificação das chamadas proteínas M – desoxirribonuclease, com acção antigénica,
(quando presentes, localizadas à superfície e em fím- provocando a formação de antidesoxirribo-
brias que emanam da referida superfície) é impor- nuclease (anti-DNAase);
tante em estudos epidemiológicos; ou seja, determi- – hialuronidase (HylA) que degrada o ácido
nados tipos de proteína M estão associados a certas hialurónico;
doenças com determinada localização, o que tem – peptidase designada por peptidase C5a que
implicações clínicas práticas importantes; por exem- atenua a resposta (fagocitose) dos ganulóci-
plo: – os tipos M 1, 12, 28, 3, 4, 2, e 6, por esta ordem, tos neutrófilos à infecção;
estão associados a faringite não complicada; – os – estreptodornase, também antigénica, estimu-
tipos M associados a faringite raramente causam lando a produção de antiestreptodornase
infecção cutânea; – os tipos M associados a infecção (consultar Capítulo 280).
cutânea raramente causam faringite (Capítulos 157 e
226). Por outro lado, a proteína M tem propriedades Nota importante: O agente Staphylococcus aureus
antigénicas, o que significa que origina a produção dos grupos C e G, produzindo toxinas eritrogéni-
de anticorpos, mas apenas contra o subtipo associa- cas e epidermolíticas, pode originar um quadro
do à estirpe responsável pela infecção. clínico incluindo exantema semelhante ao provo-
A virulência do SGA depende sobretudo da cado por S. pyogenes; é a chamada “escarlatina esta-
proteína M: estirpes ricas em proteína M resistem filocócica” (Capítulo 280).
à fagocitose e fixam-se mais facilmente às células
epiteliais faríngeas e à pele, ao contrário de Aspectos epidemiológicos
estirpes sem a referida proteína.
O Streptococcus do grupo A produz diversas A grande maioria das infecções estreptocócicas (>
variedades de enzimas e de toxinas eritrogénicas e 90%) na espécie humana é provocada por estirpes
pirogénicas, sendo as primeiras responsáveis pelo do grupo A (SGA). A escarlatina é uma doença
exantema da escarlatina, sendo que a toxina liber- endémica nas grandes cidades sendo que o ser
tada pela bactéria atinge a pele por via hematogé- humano de qualquer idade constitui o único
nica. Como existem diferentes toxinas eritrogéni- reservatório. Cerca de 15-20% das crianças são
cas (A, B e C) responsáveis pelo exantema, e como portadoras assintomáticas na faringe.
os anticorpos formados são específicos da toxina, É mais comum nos meses de Inverno e início
um doente poderá ter mais de um episódio de da Primavera em crianças acima dos 3 anos de
exantema. Por outro lado, as antitoxinas específi- idade. A doença é rara em lactentes, embora possa
cas formadas conferem imunidade contra o apare- ocorrer em situações de epidemia, nomeadamente
cimento de exantema, mas não contra outras em infantários.
infecções estreptocócicas. O modo de transmissão é principalmente por
CAPÍTULO 279 Escarlatina e outras infecções por Streptococcus pyogenes 1411

contacto directo com um doente ou portador nuindo de intensidade quando se faz pressão com
(gotículas de saliva ou secreções nasais). O SGA o dedo.
pode perder a virulência na faringe do portador. A febre alta, máxima pelo 2º dia, persiste
No núcleo de gotículas que secam rapidamente, durante 3 a 5 dias, acompanhada de cefaleias,
os microrganismos vão perdendo o seu poder vómitos, odinofagia, dor abdominal e taquicardia
infeccioso. A transmissão pode fazer-se também desproporcionada em relação com a temperatura.
indirectamente por objectos contaminados ou De salientar que nos casos graves a temperatura
pelas mãos, e através de alimentos (leite, ovos, elevada pode ser mais prolongada e que, nalguns
gelados, etc.). Foram descritas epidemias de amig- casos é baixa e poderá mesmo não se verificar.
dalofaringite provocada por ingestão de alimen- Cerca de 24 a 48 horas depois do início da
tos contaminados. Torna-se fácil compreender que febre, surgindo o exantema descrito, o mesmo
seja mais provável o contágio em meios com ele- progride rapidamente a partir do pescoço para o
vada densidade populacional, como as escolas. tronco e extremidades. (Figuras 1 e 2) É mais acen-
Por vezes a porta de entrada do SGA pode ser tuado (por vezes associado a petéquias e hiper-
uma ferida, uma queimadura ou outra lesão cutâ- pigmentação) nas pregas de flexão, como as axi-
nea; nestas circunstâncias há sinais inflamatórios las, pregas do cotovelo e região inguinal (sinal de
no local de infecção e a faringe e amígdalas estão Pastia). (Figura 3) Na face, a região malar pode
livres de sinais inflamatórios (ver adiante
Manifestações clínicas).
Considerando de modo global o espectro de
doenças provocadas pelo SGA, cabe referir que, ao
longo dos anos, se tem verificado incidência cres-
cente de infecções invasivas como síndroma de
choque tóxico estreptocócico, bacteriémia e fascite
necrosante, sobretudo nos extremos etários (crian-
ças pequenas e idosos), o que tem relegado a
escarlatina para segundo plano. A varicela consti-
tui precisamente o factor de risco mais frequente
de doença invasiva, relativamente a outros (infec-
ção por VIH, diabetes mellitus, doença cardíaca
crónica, doença pulmonar crónica, etc.). A porta
FIG. 1
de entrada em casos de doença invasiva é na sua
maioria cutâneo-mucosa (ferida, queimadura ou Escarlatina: exantema notório na face e tronco sendo menos
outra lesão cutânea como a referida atrás a propó- acentuado na região peribucal (sinal de Pilatov). (NIHDE)
sito da varicela); por vezes é desconhecida. A
doença invasiva grave por SGA(por vezes acom-
panhada de “exantema da escarlatina” nos casos
de estirpes invasivas produtoras de toxina eritro-
génica) raramente se segue a faringite.

Manifestações clínicas

Escarlatina
Após período de incubação de 2-4 dias, nos casos
típicos a doença manifesta-se de forma aguda pela
tríade: 1 – febre; 2 – faringite ou amigdalite erite-
mato-pultácea aguda; e 3 – exantema máculo-
FIG. 2
papular ou punctiforme, muito fino de aspecto
granitado e áspero (tipo lixa) confluente, dimi- Escarlatina: exantema na face e tronco. (NIHDE)
1412 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

pultácea). A língua tem inicialmente um aspecto


saburroso, adquirindo posteriormente o aspecto
típico de “língua de framboesa branca” devido à
cor (inicialmente rósea e depois vermelha) e ao
ingurgitamento das papilas. (Figura 4) É habitual
a coexistência de gânglios cervicais anteriores
aumentados de volume e dolorosos, assim como
de vómitos (Capítulo 72).

Síndroma de choque tóxico estreptocócico


O Quadro 1 resume os critérios de diagnóstico da
síndroma em epígrafe.

Diagnóstico diferencial

Escarlatina
No âmbito da anamnese deve ser inquirido even-
tual contacto com um caso bem documentado. A
tríade atrás descrita (febre, amídalofaringite exsu-
dativa e exantema) e aparecimento de vómitos
sugerem o diagnóstico.
Contudo, não é possível diagnosticar infecção
estreptocócica da orofaringe valorizando apenas os
sinais clínicos, salientando-se que uma amigdalite
FIG. 3
por vírus (VEB) ou por bacilo diftérico (embora
Escarlatina: sinal de Pastia. (NIHDE) hoje não observável no nosso meio por motivo da
vacinação) evidenciam sinais semelhantes. Como
apresentar-se eritematosa mas verifica-se ausência elementos distintivos, salienta-se que na amigdali-
de rubor ou “palidez” relativa (sinal designado te estreptocócica o exsudado não atinge a úvula nem os
por “triângulo perioral de Pilatov”). A prova de pilares, e o rubor e congestão são mais acentuados. A
Rumpel-Leed é positiva. valorização destes dados clínicos implica expe-
Em 4 a 8 dias, a erupção regride, surgindo des- riência do observador. Por outro lado, na infecção
camação da pele atingida, a qual pode durar entre
1-3 semanas (intensidade e duração proporcionais
à intensidade do exantema). Começa pela face em
flocos finos, estendendo-se depois para o tronco e,
finalmente, para as extremidades, tornando-se
generalizada pela 3ª semana. No tronco faz-se em
grandes lâminas, sendo visível nas mãos e pés, em
geral pela 2ª-3ª semana. Os topos dos dedos mos-
tram uma descamação característica na margem
livre das unhas; a mesma descamação atinge a
palma das mãos e plantas dos pés.
Na boca, observa-se um enantema com peté-
quias na úvula, véu do paladar e pilares anteriores
das amígdalas. Para além do aspecto inflamado
da faringe e amígdalas, verifica- se um exsudado
FIG. 4
amigdalino branco nacarado, mucopurulento
desde o 2º dia de doença (amigdalite eritemato- Escarlatina: língua de framboesa. (NIHDE)
CAPÍTULO 279 Escarlatina e outras infecções por Streptococcus pyogenes 1413

QUADRO 1 – Critérios de diagnóstico da a particularidade de ser mais grave nas palmas


síndroma de choque tóxico por das mãos e plantas dos pés, e detecta-se foco de
Streptococcus do Grupo A (SGA) infecção estafilocócica) (Capítulos 268 e 269).

1 – Isolamento do SGA de local estéril (sangue, LCR, Síndroma de choque tóxico por S. pyogenes
líquido peritoneal, tecido de biópsia) Um quadro clínico grave compatível com choque
2 – Isolamento do SGA de local não estéril (faringe, e exantema maculo-papular ou punctiforme de
expectoração, vagina, ferida cirúrgica, ou lesão tipo escarlatiniforme, no contexto de provável
superficial da pele) etiologia infecciosa, levará a admitir a possibilida-
3 – Hipotensão sistólica (< percentil 5 para a idade) de de síndroma de choque tóxico por S. pyogenes
4 – Dois ou mais dos seguintes parâmetros: ou por S. aureus.
• Disfunção renal (valor da creatinina 2 vezes O Quadro 2 sintetiza os critérios de diagnósti-
maior que o limite superior considerado normal co da síndroma de choque tóxico por S. aureus, o
para idade) qual permite comparação com os critérios para a
• Coagulopatia: nº de plaquetas < 100.000/mmc ou síndroma de choque tóxico por S. pyogenes
CID (Quadro 1), para diagnóstico diferencial (Capítulo
• Disfunção hepática (valor de ALT, AST ou 269).
bilirrubinémia total 2 vezes maior que o limite
superior considerado normal para a idade) Exames complementares
• SDR tipo adulto/ARDS
• Exantema eritemato-macular generalizado com Admitindo a hipótese clínica de escarlatina, para
possível ulterior descamação confirmação do diagnóstico, cabe salientar que o
• Miosite, fascite necrosante, gangrena, ou outros exame cultural do exsudado faríngeo, após colhei-
tipos de lesão necrótica dos tecidos moles ta apropriada, mantém-se como prova- padrão,
Diagnóstico definitivo: parâmetros 1+3+4 presentes embora tenha a desvantagem de demorar, pelo
Diagnóstico provável: parâmetros 2+3+4 se não for
identificada outra causa de doença
QUADRO 2 – Critérios de diagnóstico da
síndroma de choque tóxico por
por VEB existe esplenomegália, linfadenopatia e S. aureus
outros sinais sistémicos (Capítulo 297).
Considerando globalmente a situação de farin- Critérios clínicos
gite, cabe salientar que os vírus são a causa mais 1 – Febre > 38,9ºC
frequente de faringite na idade pediátrica (mais 2 – Exantema máculo-papular punctiforme
frequentemente influenza, parainfluenza, rinoví- 3 – Descamação
rus, coronavírus, adenovírus, VRS). Em compara- 4 – Hipotensão (Quadro 1)
ção, o SGA explica cerca de 15-20% dos casos de 5 – Disfunção multiorgânica: 3 ou mais dos sistemas
faringite aguda. Outras bactérias podem também –gastrintestinal, SNC, hematológico, hepático,
estar implicadas como agentes de faringite: SGC, renal, muscular, mucosas (hiperémia conjuntival,
SGG, Francisella tularensis, Yersinia enterocolitica, orofaríngea, ou vaginal) (Capítulo 268)
assim como infecções mistas com bactérias 6 – Resultados negativos dos seguintes exames:
anaeróbias (angina de Vincent) (Capítulo 72). • cultural da faringe,LCR, ou sangue; excepção:
Relativamente ao exantema, nas formas mais hemocultura positiva para S. aureus
discretas o mesmo poderá ser confundido com • prova serológica para febre das Montanhas
infecção estafilocócica, (escarlatina estafilocócica), Rochosas, leptospirose ou sarampo
toxidermias (por ex. em relação com antibioticote- Diagnóstico provável: 5 de 6 critérios clínicos
rapia), doença de Kawasaki (Capítulo 212) e exan- Diagnóstico confirmado: totalidade dos 6 critérios
temas de causa vírica. Na síndroma de choque clínicos; em caso de óbito e na ausência de descamação
tóxico por estafilococos, verifica-se exantema são suficientes 5 critérios.
semelhante ao da escarlatina estreptocócica (com
1414 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

menos, 48 horas. As provas rápidas de detecção de uma complicação, sem qualquer relação com FR)
antigénios (por ex. poliósido C), igualmente reali- (Capítulo 226).
zadas por zaragatoa, constituem uma alternativa 2 – A síndroma conhecida pela sigla PANDAS
rápida e adequada. Estes exames têm uma sensi- (Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric
bilidade superior a 95%, e especificidade ~ 85%. Disorders Associated with Streptococcus pyo-
A infecção estreptocócica também pode ser genes ) a que se fez referência no Capítulo 72, inte-
diagnosticada de forma retrospectiva pela deter- gra um conjunto de perturbações do foro neuro-
minação do título de anti-estreptolisina O (TASO), psiquiátrico (particularmente alterações obsessi-
ou pelo título anti-Dnase. O TASO não é específi- vas-compulsivas, tics e síndroma de Tourette)
co da infecção pelo Streptococcus do grupo A , relacionadas possivelmente com infecção prévia
podendo ser negativo nas infecções cutâneas. O por SGA com produção de auto-anticorpos. Tais
título anti- Dnase é positivo tanto nas infecções sintomas, curiosamente, podem também surgir
respiratórias como nas infecções da pele. em doentes com coreia de Sydenham no contexto
O teste de Dick tem hoje apenas interesse de FR. Na fase actual do conhecimento admite-se,
didáctico e histórico (reacção com rubor no local assim, que a síndroma PANDAS possa represen-
de injecção intradérmica de 0,2 mL de toxina eri- tar uma extensão do espectro clínico da FR.
trogénica indicará ausência de imunidade).
Os Quadros 1 e 2 integram os exames a realizar Prognóstico
na hipótese de se admitir o diagnóstico de síndro-
ma de choque tóxico. O prognóstico das infecções estreptocócicas (e
designadamente na escarlatina típica) correcta e
Complicações atempadamente tratadas é, em geral, excelente. Se
o tratamento for levado a cabo dentro de 9 dias
As complicações da escarlatina podem sistemati- após o início, a FR pode ser prevenida. Contudo
zar-se em precoces e tardias. não está provado que a GNA possa ser prevenida,
As precoces, ocorrendo em geral na primeira designadamente no contexto de infecção por estir-
semana de doença, resultam de extensão da infec- pe de SGA nefritogénica.
ção faríngea, ou de bacteriémia: adenite cervical Em situações especiais de síndromas de imu-
supurada, abcessos retrofaríngeo e ou periamigda- nodeficiência de etiopatogénese diversa, ou de
lino, laringotraqueobronquite, rino-sinusite, oto- presença de estirpes de grande virulência, poderá
mastoidite,trombose do seio lateral, meningite, verificar-se evolução para doença invasiva (por
endocardite, etc.. Pode verificar-se albuminúria ou ex. síndroma de choque tóxico).
cilindrúria transitórias e coincidentes com o perío-
do febril. Estas complicações são hoje raras dada a Tratamento
precocidade do diagnóstico e da antibioticoterapia.
As tardias ou sequelas, detectadas após intervalo Escarlatina
livre de 2 a 3 semanas dias, são duas entidades clí- A comprovação da etiologia estreptocócica no
nicas de tipo não supurativo: a glomerulonefrite contexto da tríade clássica referida a propósito das
aguda (GNA) e a febre reumática (FR) (Capítulos manifestações clínicas da escarlatina constitui
157 e 226). Salienta-se que a GNA pode ocorrer indicação formal para início imediato de terapêu-
após infecção por SGA das vias respiratórias ou da tica antibiótica.
pele , enquanto a FR pode ocorrer somente após O Streptococcus do grupo A é muito sensível à
infecção das vias respiratórias superiores. penicilina, não estando descritas estirpes resistentes.
Uma dose única via IM de penicilina benzatínica é
Notas importantes adequada. Nas crianças com peso até 25 kg devem
1 – A propósito da chamada artrite reactiva ser administradas 600.000 Unidades, e 1.200.000
pós-estreptocócica (verificada < 10 dias após Unidades com > 25 kg. Este é o esquema posológico
infecção por SGA) admite-se que a mesma faz internacionalmente recomendado (Capítulos 71, 72,
parte do próprio quadro da infecção por SGA (não 213, 226).
CAPÍTULO 279 Escarlatina e outras infecções por Streptococcus pyogenes 1415

Todavia, há quem prefira ajustar mais a dose Prevenção


ao peso e prescrever 50.000 U/kg, até à dose máxi-
ma de 1.200.000 U. Este tratamento tem a vanta- Não existe prevenção primária da infecção por
gem de evitar insucessos terapêuticos por incum- Streptococcus do grupo A, nomeadamente vacina
primento da medicação, embora com a desvanta- ou método de erradicar a bactéria do hospedeiro.
gem de ser doloroso. A dor desta administração O período de evicção escolar das crianças
pode ser minorada se a penicilina não estiver a doentes é de apenas 24 horas após o início da tera-
baixa temperatura. pêutica antibiótica, desde que a criança esteja api-
Se se optar por prescrever antibiótico por via rética.
oral, e uma vez que em Portugal não existe penici- O rastreio da infecção aos contactos de um
lina oral, a amoxicilina na dose de 80 mg/kg/dia doente não está indicado de modo sistemático.
durante 10 dias é eficaz. Em caso de alergia à peni- De salientar que:
cilina, pode prescrever-se um macrólido, também 1 – não está indicada a pesquisa de Strepto-
durante 10 dias, e nas doses habituais (por ex. cla- coccus nos familiares, ou em todas as crianças da
ritromicina – 15 mg/kg/dia em duas doses diá- mesma escola que contactaram com o doente,
rias). Contudo, refira-se que em Portugal a resis- excepto em circunstâncias especiais ;
tência do Streptococcus do grupo A aos macrólidos 2 – não está indicado o tratamento dos contac-
(eritromicina, claritromicina) é superior a 40%. tos caso o resultado da pesquisa tenha sido positi-
Apesar de cerca de 10% das pessoas alérgicas à vo. Nos meses de inverno, entre de 5 a 20% das crian-
penicilina também o serem às cefalosporinas, este ças são portadoras de Streptococcus do grupo A na oro-
antibiótico não deve ser considerado primeira faringe. As razões imunológicas para a persistência
opção; tal só deverá acontecer nos casos com ante- da bactéria nas vias respiratórias superiores ainda
cedentes de reacção de hipersensibilidade imedia- não estão completamente explicadas.
ta à penicilina. Alguns esquemas terapêuticos de 3 – a terapêutica dos portadores assintomáti-
menor duração têm sido descritos na literatura, cos apenas é recomendada em casos especiais,
mas a sua eficácia ainda não está bem determina- pelo que se torna desnecessário o rastreio.
da. 4 – a prevenção secundária pelo uso profilácti-
Nos casos de quadro clínico compatível com co de antibióticos restringe-se aos doentes com
escarlatina clássica em que seja comprovada a complicações da infecção primária, nomeadamen-
etiologia estafilocócica, utiliza-se a cefalexina por te febre reumática (Capítulos 213 e 226)
via oral (100 mg/kg/dia a dividir por 4 doses diá-
rias) durante 10 dias ou, em alternativa, a claritro- Nota: A escarlatina não é uma doença de declaração
micina nas doses e duração anteriormente descri- obrigatória.
tas.
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1416 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

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Williams & Wilkins,2009 inflamatórios que podem atingir todas as camadas
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson da pele (epiderme, derme, folículos pilosos, hipo-
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, derme e tecido celular subcutâneo), na sua maio-
2011 ria purulentos (piodermites) e provocados por
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of cocos piogénicos (Staphylococcus aureus e
Pediatrics. Madrid:Panamericana,2010 Streptococcus beta hemolítico do grupo A ou pyogenes).
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s Noutras formas mais raras de piodermite poderão
Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone, estar implicadas bactérias entéricas Gram-negati-
2008 vas e fungos (Candida albicans).
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon Estes processos infecciosos são considerados:
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill – primários quando se desenvolvem em pele
Medical, 2011 aparentemente não lesada; e
Simões AP, Martins F, Aidos A, Noronha FT, Palminha JM, – secundários quando surgem em pele lesada
Diagnóstico de amigdalo-faringite por Streptococcus pyo- previamente.
genes: comparação entre dois métodos de detecção de anti- Trata-se de problemas frequentes em todas as
génio e o exame cultural. Resistência da bactéria aos anti- idades pediátricas, comparticipando cerca de 25%
bióticos. Acta Pediatr Port, 2000;31:431-437 de toda a patologia cutânea e explicando, de acor-
do com diversos estudos epidemiológicos, cerca
de 20% dos motivos de consulta.
No conceito de piodermite são consideradas
como principais as entidades clínicas impetigo,
éctima, erisipela, celulite, abcesso e fleimão, fascite
necrosante, vários tipos de foliculite, periporite,
furúnculo e antraz, as quais são descritas neste
capítulo.

Aspectos semiológicos

Para melhor compreensão da terminologia rela-


cionada com as infecções da pele e dos tecidos
moles a analisar, importa ter em consideração
alguns aspectos semiológicos.
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1417

Lesões cutâneas primárias A E


1 – sem relevo na superfície cutânea, atingindo
a epiderme e derme (mancha ou mácula)
2 – com relevo na superfície cutânea F
a) sólidas(sem conteúdo líquido) B
– pápula (atingindo a epiderme e derme)
– nódulo (atingindo a epiderme, derme pro-
funda até à hipoderme) G
– tumor (semelhante ao nódulo, mas de C
maiores dimensões)
b) com conteúdo líquido (atingindo a epider-
me ou derme e epiderme)
– vesícula H
D
– bolha ou flictena
– pústula
Entre pápulas, nódulos e tumores existem prin-
cipalmente diferenças quantitativas; assim sucede I
entre vesícula e bolha (ou flictena). A pústula refe-
re-se à natureza do conteúdo líquido (pus). A
A – Impétigo
Figura 1 e o Quadro 1 ilustram esquematicamente B – Éctima
as principais formas clínicas de piodermite. C – Erisipela
D – Abcesso e fleimão
Lesões cutâneas secundárias
E – Ostiofoliculite J
F – Foliculite
1 – Escama (pequena lâmina epidérmica seca G – Furúnculo
que se destaca da superfície da pele em caso H – Antraz
de perturbação da sua queratinização). I – Hidrosadenite
J – Perioniquia
Conforme o tamanho e aspecto, as escamas
podem ser farinosas, furfuráceas, pitiriásicas e Juvenal Esteves, Guerra Rodrigo e Marques Gomes, 1992

psoriásicas).
FIG. 1
2 – Crosta (pequena formação sólida constituí-
da na superfície da pele ou de uma mucosa Principais formas clínicas de piodermite.
por serosidade,sangue ou pus secos.
3 – Escoriação ou erosão (perda de substância 7 – Atrofia (redução das dimensões de tecido
limitada às camadas superficiais da pele, ou de lesão anterior).
de uma mucosa ou de uma membrana
superficial tal como a córnea). Na pele Etiopatogénese
pode ser provocada por coceira.
4 – Fenda ou fissura (solução de continuidade Mecanismos de defesa
ou abertura estreita e linear). A pele íntegra constitui uma barreira anatómica
5 – Ulceração (processo patológico que leva à eficaz contra a infecção. Fissuras ou escoriações
formação de úlcera ou a própria quando que poderão ter múltiplas causas – picadas de
está em vias de constituição); o conceito, insecto, mordeduras de animais, lesões traumáti-
em comparação com escoriação, implica cas, queimaduras, infecções (como varicela), infes-
maior profundidade e maior dificuldade tações e lesões de coceira (como escabiose), ou
de cicatrização. ainda dermatites primárias (como eczema ou
6 – Cicatriz (tecido fibroso neoformado substi- psoríase) – são factores predisponentes de infec-
tuindo perda de substância, tecido infla- ção. São igualmente factores predisponentes de
matório, ou reunindo as partes divididas ordem geral, síndromas de imunodeficiência
duma ferida ou uma incisão operatória). congénita ou adquirida, prematuridade, diabetes
1418 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Infecções da pele e tecidos moles: nosologia e estruturas atingidas

Pele glabra Estruturas Folículos pilo-sebáceos, glândulas sudoríparas, unhas


Impetigo epiderme Ostiofoliculite
Éctima derme/epiderme Foliculite, Terçol, Periporite
Erisipela Periporite
Abcesso derme/hipoderme Furúnculo,Antraz,
Fleimão Hidrosadenite,
Perioniquite
Celulite hipoderme/tecido subcutâneo
Gangrena/fascite fascias/músculo

mellitus, acções medicamentosas (antibioticotera- ou comensais, que constituem a maior parte da


pia e corticoterapia), etc.. flora dita normal ou saprófita;
No âmbito dos mecanismos específicos de – as chamadas bactérias transitórias ou conta-
defesa humoral de infecções bacterianas da pele e minantes, que provêm da flora patogénica do
tecidos moles, assume particular importância a meio ambiente.
acção dos anticorpos humorais na destruição bac- Contudo, algumas das bactérias contami-
teriana, pela fixação de imunoglobulinas à super- nantes são verdadeiros residentes transitórios que
fície da bactéria e pela do complemento na citóli- se multiplicam e persistem na pele por tempo
se e na facilitação da fagocitose pelos neutrófilos e variado. Este dado tem implicações clínicas
outras células. Permitem também a neutralização importantes na interpretação dos resultados dos
de toxinas bacterianas. Nas infecções por exames bacteriológicos cutâneos, salientando-se,
Streptococcus a imunidade respectiva (de tipo por outro lado, que é por vezes difícil distinguir entre
específico) depende da presença de anticorpos colonização e infecção secundária; são características
opsónicos contra a proteína M. da infecção a presença de grande número de
Quanto a mecanismos de defesa celular, há a leucócitos e de bactérias fagocitadas.
salientar o papel dos linfócitos T que facilitam a A flora cutânea normal constitui um dos prin-
destruição de bactérias capazes de viver no cito- cipais meios naturais de resistência à infecção
plasma dos macrófagos após fagocitose. No caso (princípio da interferência bacteriana), uma vez
de infecções por Staphylococcus aureus o mecanis- que as bactérias saprófitas dificilmente são desa-
mo de defesa fundamental reside na fagocitose lojadas dos seus “nichos” ecológicos. A eclosão de
por granulócitos neutrófilos. infecção cutânea e da pele e dos tecidos moles é
A flora bacteriana normal (ver adiante) pode condicionada, em grande parte, pelo desequilíbrio
também exercer efeito protector contra certas bac- ecológico cutâneo.
térias patogénicas. Algumas estirpes de A “espécie” S. aureus é a principal responsável
Streptococcus viridans inibem S. aureus e S. pyogenes por doença humana; o mesmo microrganismo
e poderá verificar-se interferência in vivo entre pode ser isolado de indivíduos normais no vestí-
estirpes de S. aureus. bulo nasal, coiro cabeludo, mãos, períneo e fezes.
No RN verifica-se colonização com S. aureus entre
Flora cutânea e relações ecológicas o 8º e 10º dias de vida, geralmente no coto umbili-
Na pele íntegra habita flora bacteriana variada cal. Em meio hospitalar, a acção selectiva exercida
(incluindo designadamente Staphylococcus epider- pelos antibióticos dá lugar ao aparecimento de
midis e Propionibacterium acnes) que coloniza as estirpes resistentes aos antibióticos, que diferem
camadas superficiais da epiderme e os infundíbu- das isoladas na população em geral.
los dos folículos pilossebáceos. A referida flora Em doentes hospitalizados e, designadamente
engloba: no RN, a “espécie” comensal S. epidermidis (coa-
– as chamadas bactérias residentes, permanentes gulase negativa) pode ser responsável por infec-
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1419

ções. Outras espécies como S. haemolyticus, S. xylo- ças quase exclusivamente estafilocócicas; e a erisi-
sus e S.cohnii não provocam doença. pela e a éctima que são doenças quase exclusiva-
Um modelo de desequilíbrio ecológico pode ser mente estreptocócicas.
representado pela acção do Streptococcus pyogenes
que, em contrapartida, raramente se encontra na pele Formas clínicas
normal. A partir da camada mais superficial da pele,
a infecção por SGA pode difundir-se para as cama- 1. Impetigo
das mais profundas atingindo a corrente sanguínea O impetigo é definido como uma infecção da pele
e órgãos à distância por acção do ácido hialurónico (a mais comum,correspondendo a ~10% de todos
e duma proteína ligada à fibronectina (SfbI ou strep- os problemas dermatológicos) estreptocócica ou
tococcal fibronectin-binding protein); esta última, estafilocócica (ou simultaneamente provocada
interagindo com a fibronectina, promove a entrada pelos dois microrganismos, conforme estudos
do microrganismo nas células e facilita a agregação publicados em diferentes séries), com localização
bacteriana na matriz extracelular de colagénio, faci- superficial na epiderme (subcórnea) , manifestan-
litando também a sobrevivência daquele. do-se com a seguinte evolução: mácula eritemato-
O SGA utiliza uma variedade de estratégias para sa inicial → vesículas ou bolhas → evoluindo para
se difundir, as quais têm a ver, nomeadamente: pústulas; estas rompem-se facilmente, originando
– com o papel da proteína M (especialmente exsudação e crostas. O impetigo estreptocócico
nos serótipos M1 e M57) que, ligando-se ao factor inicia-se por pequena vesícula a que se sucede
H do complemento, inibe a activação da via alter- crosta espessa e aderente; o impetigo estafilocócico
nativa do mesmo; e inicia-se por vesícula de maiores dimensões ou
– com a produção duma peptidase designada bolha que, após ruptura, origina crosta fina.
C5a que atenua a resposta dos ganulócitos neutró- Frequentemente encontram-se associados os dois
filos (fagocitose) à infecção pelo referido SGA. microrganismos. (ver adiante).
(consultar Capítulo 279) As lesões surgem na face, mãos e outras áreas
A transmissão de infecções estreptocócicas e expostas. A infecção dissemina-se a outras zonas
estafilocócicas faz-se sobretudo por contacto do corpo pelas mãos, por auto-inoculação, trans-
directo e não indirectamente através de poeiras, missão directa de outras pessoas (nos infantários e
roupas e outros objectos. Diversos estudos epide- escolas) e transmissão indirecta por toalhas de
miológicos em enfermarias de hospitais e infantá- secagem de mãos em deficientes condições de
rios demonstraram: higiene.
– que a probabilidade de infecção é inversa- Independentemente da etiologia, pode consti-
mente proporcional à distância entre camas/ber- tuir uma complicação da sarna, pediculose, mor-
ços e à deficiente higiene (não lavagem ou lava- dedura de insectos, varicela, herpes simples e
gem incorrecta das mãos das pessoas que prestam outras afecções cutâneas (Parte XV). Atinge de
cuidados); preferência crianças e jovens em condições precá-
– que a transmissão por lençóis é praticamente rias de higiene, com mais elevada prevalência no
nula; e Verão e em climas tropicais. Pode ocorrer em epi-
– que o pó dos pavimentos, embora contami- demias familiares ou em escolas e infantários.
nado, não é infectante.
Descrevem-se várias formas de impetigo:
Reportando-nos à alínea Definição, e sinteti- – Impetigo não bolhoso ou superficial
zando, cabe salientar que: simples, correspondente a ~70% dos casos de
– os principais causadores de infecção da pele impetigo; raro abaixo dos 2 anos e podendo curar
e dos tecidos moles são microrganismos do “géne- sem sequelas, é considerado classicamente uma
ro” Staphylococcus e Streptococcus; infecção por Streptococcus pyogenes; recentemente
– são escassas as entidades clínicas exclusivamente tem sido demonstrado um papel crescente de
associadas a um destes agentes. Constituem excep- Staphylococcus aureus na sua etiologia.
ção: o furúnculo e outras foliculites que são doen- As lesões típicas começam na face, com pre-
1420 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

domínio periorificial, ou nos membros inferiores,


em pele previamente traumatizada, iniciando-se
por uma lesão máculo-papular eritematosa que
rapidamente evolui para vesícula e pústula com
crosta “cor de mel”, habitualmente de diâmetro
inferior a 2 cm, halo eritematoso, não dolorosa,
prurido ocasional e sem repercussão sistémica.
Quando não tratado pode evoluir durante
semanas em surtos sucessivos. Ao fim de algum
tempo as crostas destacam-se e, na superfície da
pele pode surgir ligeira descamação e alteração da
pigmentação, sem ulterior formação de cicatriz.
(Figura 2)
– Impetigo bolhoso, ocorrendo com mais ele-
FIG. 3
vada incidência em lactentes e crianças pequenas,
e exclusivamente causado por Staphylococcus Impetigo bolhoso
aureus (cerca de 80% pertencendo ao grupo fágico
II, produtor da toxina epidermolítica A e B).
Inicia-se por uma bolha transparente, de parede
fina, flácida, não dolorosa, habitualmente de diâ-
metro superior a 1cm, de conteúdo claro (Figura 3).
A ruptura da bolha deixa uma base eritematosa e
húmida que posteriormente seca e fica com um
aspecto acastanhado e brilhante (Figura 4).
– Síndroma da pele escaldada estafilocócica,
considerada variedade do impetigo bolhoso, afec-
ta geralmente crianças até aos 5 anos e explica-se
por ausência de anticorpos antitoxina epidermolí-
tica A e B. (Figura 5).
Esta forma clínica inicia-se subitamente com
quadro de sépsis (a partir dum foco de infecção
FIG. 4
inicial – por ex. umbigo, conjuntiva), mau estado
Impetigo bolhoso; aspectos após ruptura da bolha.

FIG. 2 FIG. 5
Impetigo Síndroma da pele escaldada estafilocócica.
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1421

geral aparente, febre alta, prostração, eritema


difuso e doloroso de tipo escarlatiniforme.
Verifica-se descamação superficial da pele aos
pequenos toques (sinal de Nikolsky, correspon-
dendo à clivagem epiderme-derme, característica
desta situação); a evolução é rápida, com apareci-
mento de bolhas de conteúdo claro em grandes
áreas da pele que, após ruptura evidenciam uma
base eritematosa e cicatrizam com restitutium ad
integrum.
No RN este quadro clínico, surgindo entre o 4º
e 10º dia de vida, por vezes assumindo carácter
epidémico em maternidades, é denominado por
Síndroma de Ritter ou impetigo neonatal.
Traduz-se por descolamento epidérmico de
FIG. 7
grandes áreas do corpo e por vezes surgem septi-
cemia, pneumonia e meningite (Figura 6). Escarlatina estafilocócica.
O aparecimento de glomerulonefrite no decur-
so do impetigo está relacionado com a etiologia – Formas bolhosa e não bolhosa
estreptocócica e a acção de estirpes nefritogénicas. É importante respeitar princípios gerais como
Nota importante: a chamada escarlatina estafi- evitar a sua propagação e recidiva, e limitar as
locócica (consultar Capítulo 279) tem afinidades probabilidades de transmissão a contactantes e
com a síndroma de pele escaldada; com efeito, a conviventes. As lesões devem ser lavadas com
sua etiopatogénese está também relacionada com água e sabão ou antissépticos suaves, e eventual-
a toxina epidermolítica estafilocócica. Manifesta- mente tapadas; esta medida simples é em geral
se em crianças mais velhas e com maior experiên- suficiente nos casos ligeiros. Raramente se torna
cia imunológica: febre, eritrodermia difusa, dolo- necessário o tratamento tópico com antimicrobia-
rosa e áspera, não evidenciando – ao contrário da nos (bacitracina, ácido fusídico ou mupirocina)
escarlatina estreptocócica - nem “língua de fambroesa” durante 7-10 dias, em função do resultado obtido.
nem petéquias no véu do paladar. Evolui para desca- Salienta-se, a propósito, a possibilidade de desen-
mação em grandes retalhos (Figura 7). volvimento de resistências bacterianas com o refe-
No âmbito do tratamento do impetigo, há a rido tratamento tópico.
considerar as medidas a tomar nas formas bolho- Havendo ineficácia do tratamento tópico,
sa e não bolhosa, e na síndroma de pele escaldada, lesões múltiplas e dispersas, designadamente
esta última comportando repercussão sistémica. áreas peribucais ou perinasais, ou outros casos de
impetigo em familiares ou conviventes, está indi-
cada a antibioticoterapia sistémica durante 7-10
dias em geral.
Se a etiologia for estafilocócica, o antibiótico de
eleição é a flucloxacilina por via oral na dose de
50-200 mg/kg/dia, a dividir por 3 ou 4 doses.
Se a etiologia for estreptocócica (SGA), deve
utilizar-se uma penicilina (por ex. penicilina G
benzatínica na dose única de 50.000U/kg IM).
Como alternativas podem utilizar-se cefalospori-
na de primeira geração (por ex. cefalexina na dose
de 50-75 mg/kg/dia), clindamicina PO(*) na dose
FIG. 6
Sindroma de Ritter * Não existe formulação pediátrica em Portugal
1422 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de 15-40 mg/kg/dia, em 3-4 doses, ou macrólido 3. Foliculite, furúnculo e antraz


(por ex. azitromicina na dose de 10 mg/kg/dia Estas entidades clínicas representam um grupo de
durante 3 dias). infecções que têm em comum a sua origem nos
– Síndroma de pele escaldada folículos pilosos com formação de abcessos, e a
Dada a gravidade clínica, esta situação exige etiologia relacionada com agente etiológico:
internamento hospitalar. Staphylococcus aureus.
Apesar da sua recuperação habitualmente
rápida, há que providenciar por vezes medidas de – Foliculite
ressuscitação ABC (Capítulos 265 e 268), suporte Define-se foliculite como a infecção piogénica
hemodinâmico, e estar atento às complicações, dos folículos pilosos que invade apenas a porção
nomeadamente alterações hidroelectrolíticas, per- superficial do folículo, ou atinge com maior pro-
turbações da termorregulação e infecções bacteria- fundidade o bulbo piloso; ou seja, trata-se dum
nas secundárias graves. abcesso de um único folículo com reacção tecidual
A pele destes doentes requer os mesmos cui- mínima (Figura 9), podendo observar-se, em
dados que a de um grande queimado: deve ser zonas contíguas da pele, lesões com vários está-
mantida limpa e húmida com compressas esterili- dios evolutivos.
zadas embebidas em soro fisiológico, e aplicação A tradução clínica é o aparecimento de pústu-
de emoliente em função do contexto clínico. A las de localização folicular, distribuídas em área
assépsia deve ser rigorosa, usando sempre mate- pilosa, aspecto comum em adolescentes; a sicose
rial esterilizado. Os antibióticos tópicos são desne-
cessários.
No que respeita à antibioticoterapia sistémica
IV, sempre indicada, utiliza-se como primeira
escolha a associação de penicilina penicilinase
resistente (por ex. flucloxacilina na dose de 100 a
200 mg/kg/dia) com clindamicina (20 a 40
mg/Kg/dia) durante 10 dias; esta última inibe a
síntese da toxina bacteriana. Verificando-se alergia
à penicilina, empregar-se-á apenas a clindamicina.
FIG. 8
2. Éctima
A éctima define-se como lesão ulcerosa, de etiolo- Éctima
gia estreptocócica, geralmente localizada nos
membros inferiores. Trata-se duma situação
semelhante a impetigo, de evolução mais arrasta-
da e com erosão da epiderme que leva a ulcera-
ção. Enquanto o impetigo atinge apenas a epider-
me,a éctima atinge também a derme (Quadro 1 e
Figura 1).
Frequentemente surge no local de mordedura
de insecto, ferida traumática, arranhão ou escoria-
ção. Inicia-se por vesícula ou vesicopústula que se
cobre de crosta dura, elevada e aderente. Cura
com formação de cicatriz geralmente pouco evi-
dente (Figura 8).
O S. aureus actua como agente secundário, com
efeito sinérgico, o que poderá contribuir para
FIG. 9
manutenção da infecção.
O tratamento é sobreponível ao do impetigo. Foliculite
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1423

vulgar ou foliculite da barba, ou outra, é a infec- se sucede colecção purulenta central, de cor ama-
ção estafilocócica dos pêlos da barba, em que pre- rela, com amolecimento e flutuação. A ruptura dá
dominam pápulas e pústulas. De acordo com o lugar à expulsão de rolhão de tecido necrosado.
esquema do Quadro 1 pode concluir-se que estas Enquanto as lesões de foliculite são habitual-
lesões atingem a derme e epiderme. Uma varieda- mente auto-limitadas, o furúnculo e o antraz, com
de de foliculite superficial é a ostiofoliculite (atin- maior extensão tecidual, comportam risco de celu-
gindo apenas a epiderme) com localização prefe- lite, bacteriémia, e de focos infecciosos à distância
rencial no couro cabeludo e membros. Frequen- como osteomielite, endocardite e abcessos cere-
temente é secundária a escoriações e a mordedura brais. Os furúnculos da asa do nariz, lábio super-
de insectos. (Figura 1) ior e canal auditivo externo podem associar-se a
trombose do seio cavernoso; com efeito, existe
– Furúnculo e antraz risco de extensão à veia angular e propagação ao
Furúnculo é a inflamação estafilocócica perifo- cérebro, por intermédio do seio cavernoso.
licular global. Trata-se dum processo mais profun- O tratamento da foliculite inclui a eliminação
do(derme e hipoderme) (Quadro 1) com necrose dos factores patogénicos e a limpeza da pele.
do folículo e tecidos adjacentes (Figura 10). Na Como medidas locais citam-se: depilação manual
ausência de tratamento – hoje situação rara – há com cuidados de assépsia, protecção com pensos,
evolução por surtos, com aparecimento sucessivo limpeza da pele com clorexidina, aplicação de
de novas lesões durante semanas ou meses. pomadas com antimicrobianos (ácido fusídico,
O furúnculo da pálpebra ou terçol constitui um bacitracina, mupirocina, etc.). Nas formas mais
exemplo deste tipo de lesão com localização parti- rebeldes ao tratamento tópico está indicada anti-
cular (Capítulo 254). bioticoterapia sistémica PO, em geral durante 10
O antraz é uma lesão de maiores dimensões, dias, com flucloxacilina (50 a 100 mg/kg/dia ); se
mais profunda (ao nível da derme e hipoderme tal alergia à penicilina: cefalexina (50-75 mg/kg/dia)
como o furúnculo), com reacção tecidual mais ou clindamicina( 15-40 mg/kg/dia) ou azitromici-
extensa, constituída por vários furúnculos separa- na (10 mg/kg/dia durante 3 dias).
dos por septos que drenam à superfície da pele O tratamento do furúnculo e antraz engloba
por orifícios independentes. (Figura 11). medidas gerais como aplicação de pensos esterili-
Com tendência a localizar-se em áreas pilosas e zados quentes, evitar manipulação de lesões,
mais expostas a atrito (nádegas, pescoço, axilas, nomeadamente as localizadas na face (lábio
região da cintura), a lesão inicia-se em volta dum superior, asa do nariz e canal auditivo externo)
folículo piloso por nódulo doloroso de cor verme- pelas razões atrás apontadas. Enquanto não supu-
lha. Após alguns dias surge massa necrótica a que rar, o furúnculo não deve ser apertado entre os
dedos nem incisado. Nos casos de lesões profun-
das e bem localizadas está indicada drenagem
cirúrgica.
No que respeita à antibioticoterapia PO, em
geral durante 10 dias, utiliza-se como primeira
escolha a associação de penicilina penicilinase
resistente (por ex. flucloxacilina na dose de 50 a 100
mg/kg/dia). Verificando-se alergia à penicilina,
empregar-se-á clindamicina (20 a 40 mg/Kg/dia),
ou cefalosporina de 1ª geração (por ex. cefradina na
dose de 25-100 mg/kg/dia); ou azitromicina na
dose de 10 mg/kg/dia durante 3 dias.

4. Erisipela
FIG. 10 FIG. 11
A erisipela define-se como inflamação superficial
Furúnculo Antraz da pele (fundamentalmente dérmica – Quadro 1)
1424 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

causada por Streptococcus pyogenes. Do processo raramente dada a precocidade do diagnóstico e


inflamatório (raro) fazem parte edema (aspecto antibioticoterapia) com alterações em órgãos a
“em casca de laranja”), dilatação dos linfáticos, distância (focos infecciosos metastáticos) – pneu-
capilares, e infiltração ligeira perivascular com neu- monia, meningite, osteomielite,etc.. Como compli-
trófilos e alguns linfócitos; o mesmo poderá surgir cações referem-se hemorragia e necrose. Acom-
implantado em lesões por ferimentos traumáticos, panha-se em regra de leucocitose com neutrofilia
fissuras e ulcerações de etiologia diversa. e elevação da PCR.
As manifestações clínicas surgem de modo Estão descritas formas clínicas recidivantes.
aparatoso após período de incubação de 2-5 dias, A erisipela deve ser tratada em regime de inter-
com febre alta, cefaleias, vómitos, dores articu- namento hospitalar, sendo importante o repouso
lares. As lesões cutâneas – predominantemente com elevação do membro afectado. A detecção da
nos membros inferiores e na face - integram área “porta de entrada” constitui um tempo indis-
edematosa, vermelho vivo, quente, circunscrita, pensável e obrigatório: tratamento de eventuais
dolorosa, com bordo nítido, elevado, e tendência dermatoses predisponentes ao nível dos sulcos
para extensão periférica. É considerada a “infec- nasogenianos, sulcos retro – auriculares, do canal
ção estreptocócica aguda da pele”. Por vezes sur- auditivo (se erisipela da face); de fissuras nos pés,
gem vesículas, bolhas, linfangite superficial e ade- interdigitais, calcanhares (se erisipela do membro
nite satélite (Figura 12). A evolução natural da inferior), etc.. Localmente poderá estar indicada a
doença comporta risco de septicémia (hoje mais aplicação de pensos húmidos com soluto de per-
manganto a 1/10.000 e aplicação de pomadas com
antimicrobianos. Medidas de suporte incluem
analgésicos e antipiréticos (paracetamol).
No que respeita à antibioticoterapia antiestrep-
tocócica com penicilina, aplicam-se os mesmos
princípios do tratamento da escarlatina (Capítulo
279). Verificando-se alergia à penicilina, emprega-se
a clindamicina (20 a 40 mg/kg/dia IV ,em perfusão
rápida 3 vezes) durante 10 dias. Nas formas recidi-
vantes, em função do contexto clínico, poderá estar
indicada penicilina G benzatínica de 3-3 semanas.
Nota importante: A propósito do nome “erisipe-
la” chama-se a atenção para uma entidade clínica
designada erisipelóide, a qual é provocada por uma
bactéria da família Corynebacteriaceae chamada
Erysipelothrix rhusiopathiae. Trata-se duma infecção
aguda (rara, auto-limitada, localizada nos dedos
das mãos, não ultrapassando a porção proximal
do pulso) resultante da inoculação do microrga-
nismo por contacto com peixes, aves e animais ou
seus produtos contaminados. Traduz-se por
edema e eritema azulado, com compromisso arti-
cular. O tratamento específico de escolha inclui
eritromicina ou penicilina.

5. Celulite
A celulite é definida como uma inflamação aguda,
subaguda ou crónica da hipoderme e do tecido
FIG. 12
conjuntivo subcutâneo, com ligeiro compromisso
Erisipela da derme (Quadro 1).
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1425

Os agentes etiológicos mais comuns são


Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus e,
mais raramente, Streptococcus pneumoniae, Pseudo-
monas aeruginosa, e Proteus mirabilis. Após a intro-
dução da vacina conjugada as celulites por
Haemophilus influenzae tipo b tornaram-se raras.
No recém-nascido Streptococcus agalactiae e
Escherichia coli também devem ser considerados.
Surge frequentemente como sobreinfecção de
FIG. 13
ulceração, fissura ou erosão da pele. Em cerca de
10-15% dos casos comprova-se bacteriémia, poden- Celulite localizada.
do associar-se a outro quadro infeccioso, como
meningite, o que obriga a exame clínico cuidadoso.
As manifestações clínicas são área edematosa,
vermelho vivo, quente, que se distingue da erisi-
pela por não se observar bordo bem definido.
Concomitantemente verifica-se febre (inconstan-
te) e outros sinais sistémicos. Nas formas mais
graves surgem lesões bolhosas, hemorrágicas e
necrose.
A celulite causada por Staphylococcus aureus é
mais localizada e mais rapidamente supurativa.
FIG. 14
Por Streptococcus pyogenes tem uma distribuição
mais difusa, com linfangite e adenite associadas a Celulite com sinais sistémicos
sintomas sistémicos. A celulite por Haemophilus
influenzae tipo b surge no decurso de bacteriémia, penicilina, emprega-se clindamicina (20 a 40
tem um aspecto violáceo, por alguns considerado mg/Kg/dia), também durante 10 dias.
patognomónico, sendo a face e pescoço as áreas Havendo sinais sistémicos o esquema contem-
mais afectadas. Descrevem-se duas formas clíni- pla: penicilina G cristalina IV (100.000 UI/Kg/dia)
cas: localizada, não acompanhada de sinais sisté- distribuída por 6-8 vezes + clindamicina IV ( 20 a
micos, sendo o agente mais provável Staphylo- 40 mg/kg/dia) distribuída 3 a 4 vezes, até melho-
coccus aureus (Figura 13); e forma difusa, associada ria clínica; seguidamente: amoxicilina PO (50 a 100
a sinais sistémicos, sendo o agente mais provável mg/kg/dia) até perfazer 10 dias. Verificando-se
Streptococcus pyogenes, com elevado risco de pro- alergia à penicilina, emprega-se clindamicina IV
dução de toxina necrosante (Figura 14). (20 a 40 mg/Kg/dia) até melhoria clínica; segui-
O diagnóstico diferencial faz-se com a piomio- damente: clindamicina PO (10-25 mg/kg/dia) até
site (ver adiante). Na celulite estão presentes ade- perfazer também 10 dias.
nopatias, sendo a bacteriémia , velocidade de sedi-
mentação e leucocitose ocorrências raras, ao 6. Abcesso e fleimão
contrário do que acontece na piomiosite. Trata-se de infecções purulentas, dermo – hipodér-
No contexto de celulite há que proceder a 2 micas que provocam acentuada destruição tecidual,
hemoculturas e, em função do contexto clínico, a tendência para rápida propagação (sobretudo no
eventual punção lombar para exame do LCR. fleimão) e com repercussão sobre o estado geral, por
Também poderão estar indicados exames de vezes grave. Surgem em consequência de inocula-
imagem como TAC. ção por “porta de entrada”(por ex. ferida traumáti-
Na forma não acompanhada de sinais sistémi- ca, fissura, infecção cutânea prévia, etc.). A doença é,
cos está indicada flucloxacilina na dose de 50 a 100 em regra, precedida por manifestações gerais: cala-
mg/Kg/dia PO em 3 a 4 vezes (no RN e lactente , frio, mal estar geral, febre, com intervalo variável,
via IV) durante 10 dias. Verificando-se alergia à geralmente curto. Abcesso e fleimão correspondem
1426 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

a situações clínicas de urgência; a sua evolução é tecido subcutâneo com tendência para difusão, e
por vezes grave, podendo ser ponto de partida para evoluindo para necrose maciça deste. Para além
complicações viscerais em consequência da metasti- do S. pyogenes, o S. aureus também pode estar
zação bacteriana , e originar sépsis. implicado, sendo que pode ter etiologia polimicro-
No abcesso, ao eritema e tumefacção localiza- biana.
dos com aumento da temperatura local segue-se a Esta infecção pode implantar-se em lesões
flutuação, a ruptura e a fistulização que se acom- cutâneas prévias (por ex. feridas traumáticas,
panha de descarga purulenta; geralmente verifica- queimadura, escoriações ou em ulcerações de
se adenite regional. Em causa está o microrganis- diversa natureza, eczema, varicela,etc.). Discute-
mo S. aureus. se hoje o papel adjuvante dos AINE, administra-
O fleimão caracteriza-se por maior tendência dos no contexto de varicela, na patogénese da
para empastamento tecidual difuso e propagação doença. Localiza-se no tronco e nos membros
da afecção para a profundidade. Surge como área superiores ou inferiores. (Figura 15)
de eritema que rapidamente se torna vivo, adqui-
re tumefacção edematosa de bordo mal definido,
no início dura e depois com flutuação. Por vezes
há elevação na parte média onde se produz orifí-
cio que evacua pus. Certas formas são acentuada-
mente necrosantes. Se surgir linfangite (processo
inflamatório – rubor linear, por ex. ao longo de um
membro com evolução no sentido centrípeto) e
linfadenite agudas o quadro denomina-se adeno-
fleimão. Os agentes etiológicos implicados são S.
aureus e S. pyogenes
Os princípios do tratamento do abcesso
podem ser assim sintetizados:
– incisão e drenagem, excepto nos do lábio
superior e nariz; em função do contexto clínico
poderá ser necessário o internamento hospitalar
– a terapêutica antibiótica somente se torna
indispensável se houver repercussão sobre o esta-
do geral (estado séptico ou risco de endocardite,
ou nos abcessos do lábio superior e do nariz ). O
antimicrobiano de escolha é a flucloxacilina na
dose de 50 a 100 mg/Kg/dia PO em 3 a 4 vezes
durante 7-10 dias. Como alternativa: cefalospori-
na de 1ª geração – (por ex. cefradina PO na dose
de 25-100 mg/kg/dia em 3 ou 4 doses), ou clinda-
micina PO (10-25 mg/kg/dia).
No tratamento do fleimão aplicam-se os mes-
mos princípios, sendo que a duração da antibioti-
coterapia deverá durar, no mínimo,10 dias.
Demonstrando-se etiologia estreptocócica apli-
cam-se os princípios da antibioticoterapia referi-
dos a propósito da erisipela.
FIG. 15
7. Fascite necrosante
A fascite necrosante ou “gangrena estreptocócica” Fascite necrosante no contexto de varicela. Tac evidenciando
é uma infecção bacteriana aguda da hipoderme e sinais de necrose da hipoderme ao longo das fascias.
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1427

Clinicamente, verificando-se mau estado geral,


e por vezes choque, febre alta e prostração, surge
área edematosa com rubor vivo, de bordo mal
definido. Cerca de 2-4 dias depois, coincidindo
com agravamento do estado geral, verifica-se alte-
ração da cor para violácea, com extensão centrífu-
ga rápida e aparecimento de bolhas hemorrágicas
e necrose.
O exame histológico evidencia sinais de necro-
se subcutânea que se estende ao longo das fascias
com trombose e necrose fibrinóide das paredes
vasculares. A referida necrose tem tradução ima-
giológica na TAC.
O Streptococcus pyogenes isola-se frequente-
mente do sangue (hemocultura) e do líquido das
bolhas. O diagnóstico diferencial realiza-se com
outras gangrenas (designadamente, gangrena
gasosa, abordada adiante).
A fascite necrosante é uma emergência que
obriga a terapia intensiva em UCIP. Impõe anti-
bioticoterapia, medidas diversas descritas no tra-
tamento de quadros de choque e sépsis (Capítulos
268 e 269). É empregue o seguinte esquema anti-
microbiano admitindo a etiologia por
Streptococcus pyogenes: penicilina G aquosa
(250.000 UI/Kg/dia IV, 6-8 doses, em perfusão de
20 minutos) + clindamicina (20 a 40 mg/kg/dia
IV, 3-4 doses, em perfusão rápida) durante 15 a
21dias.
Verificando-se alergia à penicilina: cefalospori-
na de 3ª geração IV – cefotaxima (150 mg/kg/dia)
ou ceftriaxona (75 mg/kg/dia), 2 doses + clinda-
micina IV ( 20 a 40 mg/kg/dia), 3-4 doses, duran-
te 15 a 21 dias.
Como medida específica cita-se a ablação
cirúrgica da totalidade dos tecidos necrosados.
FIG. 16
Esta afecção comporta morbilidade e mortalidade
elevadas. Gangrena gasosa ou mionecrose.

8. Gangrena gasosa ou mionecrose entrada” do germe microbiano. No entanto, as


A gangrena gasosa é uma infecção bacteriana referidas infecções podem ter origem endógena
aguda da hipoderme e tecido subcutâneo com ten- através de agentes anaeróbios, com ponto de par-
dência para difusão, e evoluindo para necrose do tida no tracto gastrintestinal e invasão da corrente
tecido muscular. Em cerca de 90 - 95% dos casos sanguínea (bacteriémia).
está implicado o agente Clostridium perfringens. Clinicamente surge um quadro de mau estado
(Figura 16) geral simile sépsis. O doente pode evidenciar dor
Na maioria dos casos, a etiopatogénese desta intensa na área do músculo afectado, a qual se
infecção relaciona-se com lesões traumáticas atin- apresenta edemaciada e pálida, tornando-se ulte-
gindo o músculo, as quais constituem “porta de riormente violácea. Pode ser notado odor carac-
1428 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

terístico, aparecendo, entretanto, bolhas de conteú- são os mais frequentemente afectados. As mani-
do purpúrico; à palpação da pele nota-se crepita- festações clínicas incluem fundamentalmente
ção. Trata-se duma situação clínica muito grave, febre, dores e rigidez musculares, cãibras, rubor e
com evolução rápida para choque séptico edema ao nível da pele suprajacente. Verifica-se
(Capítulos 268 e 269). leucocitose e aumento da velocidade de sedimen-
No diagnóstico diferencial há que considerar tação que podem durar mais de duas semanas. Os
quadros clínicos com afinidades, como os origina- aspirados musculares só evidenciam material
dos por outros germes microbianos implicados em purulento e isolamento do agente infeccioso após
infecções acompanhadas por “gangrena, não gaso- formação de abcessos.
sa” ou necrose tecidual: anaeróbios Bacteróides, Gram- Curiosamente não se verifica adenopatia saté-
negativos (E. coli,Proteus, Klebsiella, Serratia), etc.. lite.
Para além das medidas de terapia intensiva O diagnóstico diferencial faz-se com osteoar-
(ressuscitação, ventilação, suporte hemodinâmico, trite, hematoma, neoplasia, polimiosite e celulite;
etc.), cabe referir neste capítulo os aspectos essen- nesta última, ao contrário da piomiosite, bacterié-
ciais da antibioticoterapia IV, no pressuposto de mia, velocidade de sedimentação elevada e leuco-
que está em causa o agente etiológico Clostridium citose são raras, e as adenopatias frequentes.
perfringens: penicilina G aquosa (250.000 A piomiosite não tratada evolui para choque
UI/kg/dia IV, 6-8 doses, em perfusão de 20 minu- séptico.
tos) + clindamicina (20 a 40 mg/kg/dia IV, 3-4 Para além das medidas gerais de suporte a
doses, em perfusão rápida) durante 15 a 21dias. executar em função da gravidade, cabe descrever
Verificando-se alergia à penicilina: clindamici- sucintamente a antibioticoterapia: flucloxacilina
na IV (20 a 40 mg/kg/dia IV, 3-4 doses) + cefoxiti- (100 a 150 mg/kg/dia IV, 3-4 doses) até melhoria
na (75 a 200 mg/kg/dia IV, 3 a 4 doses), durante clínica, seguida de flucloxacilina (50 a 100
15 a 21 dias. mg/kg/dia PO, 3-4 doses), totalizando 10
dias.Verificando-se alergia à penicilina: clindami-
9. Piomiosite cina IV ( 20 a 40 mg/kg/dia), 3-4 doses, até me-
A piomiosite define-se como infecção bacteriana do lhoria clínica, seguida de clindamicina PO (10 a 25
músculo esquelético, geralmente com formação de mg/kg/dia), 3-4 doses), totalizando 10 dias.
abcessos. Na maioria dos casos surge como conse-
quência de disseminação hematogénica de bacté- 10. Periporite
rias( bacteriémia) com consequente metastização A periporite é uma infecção por S. aureus das glân-
(focos infecciosos de localização secundária) nos dulas sudoríparas (derme e epiderme) que pode
grandes músculos estriados; raramente por difusão ocorrer por surtos em lactentes e crianças peque-
a partir de foco infeccioso contíguo ao músculo. nas, em geral vivendo em condições precárias e
A patogénese não está totalmente esclarecida, mal cuidadas. Localiza-se predominantemente no
admitindo-se que esforço muscular ou lesão mus- pescoço, dorso, axilas e área de contacto com fral-
cular prévios, ou ainda status pós-hipóxia-isqué- das. Caracteriza-se pelo aparecimento de peque-
mia muscular constituam factores predisponentes. nas lesões nodulares subcutâneas e indolores
Relativamente comum em regiões tropicais e (pústulas), por surtos, nos orifícios das glândulas
surgindo em crianças até então saudáveis, o agen- sudoríparas (Quadro 1).
te etiológico mais frequentemente implicado é o Pode surgir como complicação de sudamina
Staphylococcus aureus. Contudo, S. pneumoniae tem ou miliária que é uma inflamação aguda das glân-
sido referido com frequência crescente. O S. pyo- dulas sudoríparas sob a forma de erupção de vesí-
genes pode ser agente causal em situações associa- culas muito pequenas por transpiração excessiva
das a varicela.Agentes mais raros são E. coli, em ambiente de clima quente.
Salmonella typhi, Bacteroides fragilis, N gonorroeae, e O tratamento da periporite consiste funda-
Mycobacterium tuberculosis. mentalmente na eliminação do calor ambiente e
Embora o processo infeccioso possa surgir em do atrito local. Em certos casos está indicada a
qualquer músculo, os músculos da cintura pélvica aplicação de creme antisséptico suave.
CAPÍTULO 280 Infecções da pele e dos tecidos moles 1429

11. Hidrosadenite Dias P G, Valente P. Antibióticos em Pediatria. Lisboa:


É definida como uma infecção crónica e recidivan- SmithKline Beecham, 2000
te das glândulas sudoríparas apócrinas (derme e Dias JP, Valente P. Antibióticos no Ambulatório
hipoderme) que pode surgir na adolescência. Pediátrico(Monografia). Lisboa: Pfizer, 2006
Localiza-se quase exclusivamente nas axilas, mas Esteves JA, Baptista AP, Rodrigo FG, Gomes MAM.
também se observa das virilhas e regiões perianal, Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/
suprapúbica, e aréola mamária. Serviço de Educação, 1992
Manifesta-se pelo aparecimento de nódulos Feijin R D, Cherry J D, Demmler G J, Kaplan S L (eds).
avermelhados e dolorosos com tendência para Textbook of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia:
amolecimento e para drenagem para o exterior Saunders, 2004
através de fístulas de evolução arrastada. Grass C F, Dan-Goor M, Maly A, Eran Y, Kwinn L A, et al.
A oclusão do canal excretor da glândula pare- Effect of a bacterial pheromone peptide on host chemokine
ce ser o factor patogénico principal; como factores degradations in group A Streptococcal necrotising soft tis-
desencadeantes citam-se a rapação de pelos e a sue infections. Lancet 2004; 363: 696-703
aplicação de anti-sudoríparos. A infecção por S. Guerra-Rodrigo F, Marques Gomes M, Mayer-da-Silva A,
aureus, quando existe, é secundária. Filipe P I. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste
O tratamento consiste fundamentalmente na Gulbenkian, 2010
desinfecção local; demonstrando-se a etiologia Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
estafilocócica, aplicam-se os princípios gerais da Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
terapêutica para este microrganismo, já definidos Williams & Wilkins,2009
a propósito doutras situações: flucloxacilina como Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
primeira escolha e, em alternativa, clindamicina Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
ou cefalosporina de 1ª geração (ver atrás). 2011
Levine PJ, Elman MR, Kullar R, et al. Use of electronic health
12. Outras formas clínicas record data to identify skin and soft tissue infections in pri-
A perioniquia (perionix ou perioniquite) é uma mary care settings: a validation study. BMC Infectious
inflamação dos tecidos que rodeiam a unha. Diseases 2013, 13:171 doi: 10.1186/1471-2334-13-171
O terçol (terçolho ou hordéolo) e o calázio foram McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
descritos no Capítulo 254. Pediatrics. Madrid:Panamericana,2010
As infecções da pele e dos tecidos moles com McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
ponto de partida nos dentes e tecidos envolventes Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone,
(infecções odontogénicas) constam do Capítulo 2008
263. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
Às infecções relacionadas com mordeduras foi AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
feita referência no Capítulo 273. Medical, 2011
Sladden MJ, Johnston GA. Common skin infections in chil-
AGRADECIMENTOS dren. BMJ 2004; 329: 95-99
Ao Núcleo Iconográfico do Hospital Dona Estefânia e aos Drs. Wong CH, Wang US. The diagnosis of necrotizing fasciitis.
Lídia Gama e João Estrada. Curr Opin Infect Dis 2005; 18: 101-106
Ao professor F. Guerra Rodrigo co-autor do livro Derma-
tologia, citado na Bibliografia, o agradecimento do Editor pela
cedência da Figura 1.

BIBLIOGRAFIA
Anjos R, Bandeira T, Marques J G. Formulário de Pediatria .
Lisboa: Esteve Farma, 2004
Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
Elsevier, 2008
1430 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

281
impedindo, no entanto) a difusão da infecção do
espaço pré-septal para o espaço orbitário. Por
outro lado, a localização pós-septal não implica
necessariamente infecção prévia pré-septal.

Etiopatogénese e aspectos
CELULITES PERIORBITÁRIAS epidemiológicos

E ORBITÁRIAS A celulite pré-septal surge na sequência de três


possíveis mecanismos:
Ana Leça e Leonor Carvalho – lesões traumáticas penetrantes;
– inflamações ou infecções perioculares (da-
criocistite, dacrioadenite, calázio,infecções cutâ-
neas, conjuntivite);
Definição e importância do problema – difusão de microrganismos a partir de infec-
ções dos seios perinasais ou nasofaringe para o
A designação de celulite periorbitária corresponde a espaço pré-septal.
um processo inflamatório da hipoderme e do teci- Quanto à celulite pós-septal, a mesma surge
do conjuntivo subcutâneo, com ligeiro compro- maioritariamente (> 80%) como consequência de
misso da derme, ao nível da pálpebra e tecidos sinusite, por extensão do processo infeccioso.
periorbitários, sem proptose ou limitação do Outros mecanismos incluem:
movimento ocular. – infecções odontogénicas;
A celulite orbitária corresponde a um processo – lesões traumáticas penetrantes com solução
inflamatório dos tecidos da órbita com proptose, de continuidade do septo orbitário;
limitação dos movimentos do globo ocular, asso- – metastização séptica no contexto de bacterié-
ciado a edema da conjuntiva com rebordo saliente mia. (Quadro 1)
avermelhado em torno da córnea (quemose). A razão pela qual o espaço orbitário está parti-
À primeira também se chama pré-septal (ou cularmente predisposto à difusão da infecção com
anterior ao septo orbitário), e à segunda, pós-septal ponto de partida nos seios perinasais relaciona-se
(ou posterior ao septo orbitário), considerando-se com particularidades anatómicas regionais: deis-
anatomicamente o septo orbitário (folheto fibroso) cências ósseas naturais nas paredes dos seios esfe-
como uma barreira entre os dois referidos espaços. noidais e etmoidais (lamina papyracea); e veias
Na pálpebra superior o septo tem origem no pe- orbitárias sem válvulas, o que permite comunica-
riósteo do rebordo orbitário superior, ligando-se ção entre os seios e a órbita por via sanguínea.
ao bordo superior do tarso(*) da pálpebra (zona As celulites pré-septais são mais frequentes na
correspondente à zona de rebatimento da pele criança mais jovem, abaixo dos dois anos de
(concavidade circundante da respectiva pálpe- idade, enquanto as pós-septais predominam nas
bra). O septo ao nível da pálpebra inferior origina- mais velhas, o que é relacionável com o maior
se ao nível do periósteo do rebordo orbitário infe- desenvolvimento dos seios perinasais nesta últi-
rior, inserindo-se no bordo inferior do tarso da ma circunstância.
pálpebra inferior (correspondente à concavidade Pela rapidez da evolução clínica, e pela proxi-
inferior circundante da pálpebra inferior). midade das estruturas do SNC, sobretudo nos
Estas noções anatómicas têm implicações clíni- casos de celulite pós-septal, existe risco de lesão
cas importantes; com efeito, como se disse, o septo do globo ocular, nervo óptico, assim como de
constitui uma barreira biológica que dificulta (não trombose do seio cavernoso, meningite e abcesso
cerebral.
Antes da introdução da vacina conjugada,
* Recorda-se a definição de tarso palpebral: lamela de tecido conjunti-
vo, relativamente denso, com forma semilunar, que constitui o bordo
Haemophilus influenzae tipo b era o agente micro-
livre da pálpebra superior ou inferior. biano mais comum nas crianças de idade inferior a
CAPÍTULO 281 Celulites periorbitárias e orbitárias 1431

QUADRO 1 – Factores etiológicos de celulites pré-e pós-septais(*)

n=68 Celulites pré-septais (n=54) Celulites pós-septais (n=14)


Rino-sinusite 8 9
Coriza / adenoidite / otite média aguda 10 1
Conjuntivite 19 4
Periodontite/ abcesso alveolar agudo 3 –
Lesão cutânea palpebral 7 –
Sem patologia detectável 7 –
(*) Casuística da Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, Lisboa.(1 de Janeiro 2001- 30 de Junho de 2005). A Leça, AM Pita, C Cristóvão, M Barreto, A Baptista, L. Carvalho.Dados
não publicados.

2 anos. Actualmente os agentes mais frequente- para além de febre e mal-estar geral, proptose,
mente implicados são Streptococcus pneumoniae, quemose, limitação dolorosa dos movimentos ocu-
Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureus, e lares (por compressão dos músculos extínsecos do
espécies de Haemophilus e anaeróbios. olho) e, por vezes, diminuição da acuidade visual
(por compressão do nervo óptico). (Figura 3)
Manifestações clínicas
Estádio IV (abcesso da órbita)
Reiterando a noção de que a localização pós-sep- Verifica-se neste estádio invasão purulenta da
tal não implica necessariamente infecção prévia órbita com formação de abcesso envolvendo os
pré-septal, para melhor compreensão do proble- músculos extrínsecos do olho e gordura orbitária,
ma são descritas nesta alínea as manifestações clí- por evolução do abcesso subperióstico ou da
nicas numa perspectiva evolutiva, admitindo que infecção das estruturas intra-orbitárias. Como
a celulite pós-septal surge após celulite pré-septal. manifestações clínicas salientam-se: proptose
São considerados cinco estádios: marcada, dor ocular intensa, oftalmoplegia (para-
lisia dos músculos extrínsecos do olho), compro-
Estádio I (celulite pré-septal ou periorbitária) misso da visão (por compressão do nervo óptico)
Verifica-se edema e eritema das pálpebras, (supe- e sinais sistémicos. (Figura 4)
riores e/ ou inferiores), globos oculares em posi-
ção normal, sem limitação dos movimentos dos Estádio V (Trombose do seio cavernoso)
mesmos, e ausência de dor. Ausência de sinais sis- As manifestações clínicas de trombose do seio
témicos, designadamente febre, mantendo-se a cavernoso incluem: proptose marcada, eritema
integridade do conteúdo da órbita. (Figura 1) palpebral, oftalmoplegia, sinais de compromisso
dos pares cranianos III, IV,VI (óculo-motores), V
Estádio II (celulite pós-septal ou orbitária) (trigémio), e perda de visão por engurgitamento
Verifica-se edema e eritema das pálpebras, que- venoso ou edema da papila (ver adiante). Poderão
mose, febre, cefaleias e dor referida à órbita. A surgir sinais bilateralmente, dada a inexistência de
proptose e a limitação da motilidade ocular são “sinais mecanismo valvular venoso a este nível (a que
de marca” da celulite pós-septal, permitindo a antes se fez referência), e a comunicação venosa
destrinça com a pré-septal. A tentativa de movi- entre as duas órbitas através do seio cavernoso.
mento ocular para posição extrema provoca dor A chamada síndroma do apex orbitário correspon-
ocular. (Figura 2) de a infecção organizada na região posterior da
órbita com compressão da fissura orbitária super-
Estádio III (abcesso subperióstico) ior, sugestiva dos estádios IV e V. Caracteriza-se
Neste estádio ocorre extensão do processo infec- por ptose unilateral, proptose, perda de visão,
cioso a todos os tecidos da órbita com formação de oftalmoplegia intrínseca e extrínseca (midríase –
colecção purulenta entre o periósteo e a parede da por paralisia do par III, e dos músculos extrínsecos
órbita. As manifestações clínicas compreendem, – por paralisia dos pares III, IV e VI), e perda da
1432 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sensibilidade da região frontal até à linha média


(por compromisso do par V-raiz sensitiva).
Como possíveis complicações citam-se empiema
epidural ou subdural, meningite e abcesso cerebral.
FIG. 1
Exames complementares
Estádio I – celulite pré-septal ou periorbitária.
A clínica destas situações deve ser apoiada por
exames complementares diversos em função dos
antecedentes, anamnese e exame objectivo. Des-
tacam-se a TAC dos seios perinasais, órbitária e
crânio-encefálica (de preferência com contraste
intravenoso) para avaliar a extensão e complica-
ções intracranianas sépticas e vasculares.
FIG. 2
Tratamento
Estádio II – celulite pós-septal ou orbitária. Aspecto
imagiológico da TAC: assimetria de estruturas/proptose As celulites periorbitárias e orbitárias da órbita
do olho direito. devem ser rápida e agressivamente tratadas.
Trata-se efectivamente de situações emergentes.
As celulites pós-septais devem ser sempre tra-
tadas em regime de internamento, com vigilância
rigorosa dos sinais clínicos sugestivos de extensão
ou complicação do processo infeccioso.
A verificação de abcesso subperióstico poderá
requerer procedimento cirúrgico de drenagem da
órbita, devendo proceder-se a exame cultural do
FIG. 3
produto drenado; em certas situações de sinusite
Estádio III – celulite pós-septal ou orbitária. Aspecto poderá estar indicada drenagem sinusal. Como
imagiológico da TAC: espaço orbitário preenchido por regra, a drenagem deve ser diferida para permitir
imagem “em meia lua” com contorno nítido(abcesso melhoria de condições operatórias através de anti-
subperióstico secundário a sinusite), correspondendo ao
bioticoterapia IV prévia. Ou seja, a data definida
levantamento do periósteo pela colecção purulenta;
compressão do nervo óptico e do próprio globo ocular. para a drenagem deverá ser ponderada em função
do contexto clínico de cada caso.
O diagnóstico de trombose do seio cavernoso
obriga a tratamento anticoagulante eficaz com
heparina, para além da terapêutica antibiótica e
doutras medidas de suporte vital (Capítulos 265,
268 e 271).
Nesta alínea é dada ênfase à antibioticoterapia
a aplicar em função dos estádios evolutivos ante-
riormente descritos.

Estádio I
FIG. 4
Neste estádio poderá, em princípio, ser considera-
Estádio IV – celulite pós-septal ou orbitária. Aspecto do o tratamento em regime ambulatório e por via
imagiológico da TAC: espaço orbitário preenchido por imagem oral nas crianças de idade superior a 2 anos, sem
“em meia lua” com contorno denteado, e densidade diferente doença subjacente, sem sinais sistémicos, com
da anterior, correspondendo ao abcesso do espaço orbitário
condições para boa adesão à terapêutica, e garan-
comprimindo o nervo óptico e o próprio globo ocular.
CAPÍTULO 281 Celulites periorbitárias e orbitárias 1433

tia de vigilância médica dentro de 12 a 24 horas BIBLIOGRAFIA


após o início do mesmo: Ambati B, Ambati J, Azar N, Atratton L, Schmidt E V. Periorbital
→ Amoxicilina/ácido clavulânico PO (60 and orbital cellulitis before and after the advent of
mg/kg/dia- referente a amoxicilina) em 3 doses, Haemophilus influenzae type b vaccination. Ophthalmology
durante 10 dias. 2000; 107: 1450-1453
Verificando-se solução de continuidade da Barone S R , Aiuto L T. Periobital and orbital cellulitis in the
pele: Haemophilus influenzae vaccine era. J Pediatr Ophthalmol
→ Cefuroxima-axetil PO(40 mg/kg/dia) em 2 Strabismus 1997; 34: 293-296
doses, durante 10 dias. Briceno C, Douglas RS. Orbital and periorbital infections. Arch
Ophtalmol 2012;130: 233-234
Estádios II, III, IV e V Campdera J A G, Gomez N, Marañes F G M, Moreno A,
O tratamento das celulites pós-septais nestes está- Morcillo A C. Cellulitis orbitarias y periorbitarias en la
dios implica uma abordagem multidisciplinar, infancia. Revisión de 116 casos. Anales Españoles de
incluindo designadamente, otorrinolaringologista Pediatria 1996; 44: 29-34.
e oftalmologista. Nestas situações, e em qualquer Coats D K, Carothers T S, Mc Creery K B, Paysse E A. Ocular
idade, o internamento, assim como a antibiotico- Infectious Diseases. In Feijin R D, Cherry J D, Demmler G J,
terapia IV dupla são obrigatórios. Kaplan S L (eds). Textbook of Pediatric Infectious Diseases.
Podem ser consideradas várias situações: Philadelphia: Saunders, 2004; 790-792
*Ausência de complicações intracranianas Garcia GH, Harris GJ. Criteria for nonsurgical management of
a – Infecção dos seios perinasais (anaeróbios, subperiosteal abscess of the orbit. Analysis of outcomes
Haemophilus sp) → ceftriaxona IV (100 mg/kg/ 1988-1998. Ophthalmology 2000; 107: 1454-1456
dia), 1 dose, ou cefotaxima IV (200mg/Kg/dia) IV, Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
3-4 doses + clindamicina IV(20 – 40 mg/kg/dia), Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
3-4 doses, ou amoxicilina/ácido clavulânico Williams & Wilkins,2009
IV(150mg/kg/dia),3 ou 4 doses. Hytonen M, Atula T, Pitkaranta A. Complications of acute sinu-
b – Infecção por Staphylococcus aureus (porta de sitis in children. Acta Otolaryngol 2000; (suppl) 543: 154-157
entrada na pele) → ceftriaxona IV(100 mg/kg/ dia), Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
1 dose, ou cefotaxima IV(200mg/ kg/dia), 3-4 doses Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
+ flucloxacilina IV (150 mg/kg/dia), 3-4 doses. McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Quer na hipótese a-, quer na hipótese b-, a anti- Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
bioticoterapia IV deverá ser continuada até melhoria Nageswaran S, Woods CR, Benjamin Jr DK, et al. Orbital cellu-
clínica (e no mínimo durante 7 dias), passando-se litis in children. Pediatr Infect Dis J 2006; 25: 695- 699
depois à via PO, até 15 a 21 dias → cefuroxima- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
axetil (40 mg/kg/dia),3 ou 4 doses + clindamicina AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
(10-25 mg/kg/dia), 3 ou 4 doses, ou amoxicili- Medical, 2011
na/ácido clavulânico (60 mg/kg/dia), 3 doses. Starkey C R, Steele R W. Medical management of orbital cell-
c – Infecção por Staphylococcus aureus meticili- lulitis. Pediatr Inf Dis J 2001; 120: 1002-1005
no-sensível → flucloxacilina (100 mg/kg/dia), 3-4 Wylie FP, Kaplan SL, Mason EO, Allen CH. Needle aspiration for
doses. the etiologic diagnosis of children with cellulitis in the era of
*Presença de complicações intracranianas community – acquired methicillin-resistant Staphylococcus
(abcessos intracranianos, meningite, trombose do aureus. Clin Pediatr (Phila) 2011; 50: 503 - 507
seio cavernoso) ceftriaxona IV(100 mg/kg/dia),1 Yogev R, Bar-Meir M. Management of brain abscesses in chil-
ou 2 doses, ou cefotaxima IV (200mg/kg/dia), 3 ou dren. Pediatr Infect Dis J 2004; 23: 157-159
4 vezes + vancomicina IV (60 mg/kg/dia) + metro-
nidazol IV (30mg/kg/dia), 3 vezes até 4 semanas.

AGRADECIMENTOS
Ao Núcleo Iconográfico do Hospital de Dona Estefânia (Drs.
Lídia Gama e João Estrada).
1434 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

282
A susceptibilidade à doença pelo Hib depende
essencialmente da idade e correlaciona-se com a
resposta imune. Durante os primeiros 6 meses de
vida algumas crianças apresentam uma protecção
passiva com anticorpos IgG maternos adquiridos
por via transplacentar e pelo aleitamento materno.
INFECÇÕES POR O pico da incidência da doença ocorre entre os 7 e
11 meses, quando o nível de anticorpos para o Hib
Haemophilus influenzae é baixo ou nulo. Após uma primeira doença inva-
siva os níveis de anticorpos podem permanecer
Maria João Brito baixos, a resposta imune ser pobre, e ocorrer um
segundo ou terceiro episódio de doença; por isso,
a existência de doença invasiva prévia não obvia a
vacinação. Na era pré-vacinal, e por volta dos 5
Importância do problema anos de idade, a maioria das crianças após infec-
e aspectos epidemiológicos ções repetidas e aquisição de anticorpos capsu-
lares e bactericidas desenvolvia imunidade
Nos últimos anos, a epidemiologia das infecções específica natural para o Hib.
por H. influenzae modificou-se consideravelmente A incidência da doença invasiva pelo Hib é
após a introdução da vacinação universal anti-H. mais elevada no sexo masculino, em crianças afri-
influenzae tipo b (Hib). Contudo, a doença provoca- canas, e em índios e esquimós do Alasca. Os meios
da por este agente (incluindo doença invasiva ou socioeconómicos desfavorecidos, a permanência
generalizada) continua a ser responsável por uma em lugares super-habitados, ou em espaços fecha-
variedade de entidades clínicas comportando dos como instituições ou infantários, facilitam a
morbilidade e mortalidade elevadas, sobretudo transmissão por uma maior exposição ao agente e
nos países em desenvolvimento. aumentam também o risco de doença. Outros fac-
A transmissão do H. influenzae ocorre possivel- tores de risco incluem: não aleitamento materno,
mente por contacto directo de pessoa para pessoa, doença crónica associada a défice da imunidade
ou através de gotículas de saliva. A bactéria não humoral ou do complemento, doença de células
sobrevive em objectos contaminados e os huma- falciformes, asplenia, doença oncológica e tera-
nos são o único reservatório. O período de incubação pêutica com imunossupressores.
é desconhecido e pode haver múltiplas exposições A constituição genética do hospedeiro pode
ao microrganismo antes de a doença se manifes- também ter papel importante na susceptibilidade
tar. Também pode ocorrer transmissão por via à infecção pelo Hib, sendo ainda desconhecido o
vertical, através da aspiração de líquido amniótico mecanismo de tal associação.
ou de secreções do aparelho genital materno A incidência anual de doença invasiva pelo
contaminados pelo referido agente; nestas cir- Hib em crianças com < 5 anos tem sido estimada
cunstâncias as estirpes em causa são distintas das em cerca de 50-130/100.000. A incidência anual
que colonizam habitualmente o aparelho respi- por serótipos não tipo b é muito inferior (~0,7-
ratório superior. 1/100.000).
Com a generalização das vacinas conjugadas a A doença secundária que pode ocorrer entre 1 a
incidência da doença invasiva diminuiu cerca de 30 dias após o contacto com uma criança com
90% nalgumas regiões do globo, sendo que os doença, representa menos de 5% de todos os casos
casos declarados da mesma se associam em geral de doença invasiva por Hib. O maior risco(2-4%)
a situações de imunização incompleta e ocorridas verifica-se em conviventes da mesma família,
em recém-nascidos. principalmente em crianças não imunizadas ou
A doença tem um carácter sazonal bimodal com parcialmente imunizadas, com menos de 2 anos;
um pico no Outono, entre Setembro e Dezembro, e surgindo doença, esta manifesta-se mais frequen-
outro na Primavera , entre Março e Maio. temente na primeira semana após o diagnóstico
CAPÍTULO 282 Infecções por Haemophilus influenzae 1435

do caso index. Por esta razão se realiza quimio- predomina uma adesina chamada Hia (H. influen-
profilaxia após a exposição à doença invasiva por zae adhesin). Por outro lado, todas as estirpes pos-
Hib (ver adiante). Nos infantários o risco de doen- suem uma adesina multifuncional chamada Hap
ça secundária por Hib parece ser relativamente que pertence a uma família de factores de virulên-
mais baixo(~1,35%). cia designados por proteínas autotransportadoras,
O Haemophilus influenzae pode colonizar a com papel na adesão às células epiteliais e a certas
nasofaringe de indivíduos sem causar doença, proteínas da matriz extracelular (por ex. fibronec-
situação designada por portador assintomático. tina, laminina, e colagénio IV), e na agregação bac-
Cerca de 60 a 90% das crianças são portadoras de teriana com formação de microcolónias.
estirpes não capsuladas, as mais frequentes. A Outros factores que influenciam a interacção
colonização de Hib, que na era pré-vacinal varia- com o epitélio respiratório incluem fibras adesivas
va entre 2 e 5%, principalmente em crianças em chamadas pili, uma proteína da camada externa
idade escolar, tem vindo a diminuir, a par da da membrana chamada P5, e uma variante de
exposição das crianças ainda não completamente lipopolissacárido (LOS ou lipoligossacárido).
imunizadas ao agente. Muitos agentes bacterianos exercem acção
patogénica entrando para o interior das células
Etiopatogénese epiteliais; pelo contrário, os H. influenzae não tipá-
veis vão ocupar os espaços entre as células. A este
O H. influenzae é um cocobacilo, gram negativo, último fenómeno dá-se o nome de paracitose, o
pleiomórfico que necessita dos chamados factores qual propicia um “nicho” que protege as bactérias
X (hematina) e V (fosfopiridina nucleótido) para o cres- da acção dos antibióticos e poderá explicar o esta-
cimento. Algumas estirpes têm cápsula de polis- do de portador crónico nasofaríngeo da bactéria
sacárido (cápsula polissacarídea) a qual constitui em causa.
o principal determinante da virulência e imuno- Os H. influenzae não tipáveis poderão também
genicidade do agente; tais estirpes capsuladas escapar ao mecanismo imune por variações que se
classificam-se em seis serótipos (a, b, c, d, e, f), anti- verificam ao nível das estruturas referidas atrás
genicamente distintos. As estirpes não capsuladas (pili, adesinas HMW, e LOS) que funcionam como
ou não tipáveis associam-se a infecções não invasi- antigénios determinados geneticamente; ou seja, a
vas (das superfícies mucosas) como otite, sinusite ou variação antigénica operada compromete o efeito
bronquite; depois dos pneumococos são os agentes dos anticorpos anteriormente formados contra o
bacterianos mais prevalentes na via respiratória agente infeccioso cujo patrimónico antigénico
superior (30% dos casos de otite média aguda e entretanto se modificou.
sinusite). A maior parte das estirpes de H. influenzae é
Historicamente o H. influenzae tipo b (Hib) é a susceptível à amoxicilina ou ampicilina; cerca de
estirpe clínica e imunologicamente mais impor- 1/3 produz beta-lactamase, o que confere resistên-
tante, responsável por doença invasiva como sép- cia àqueles antibióticos. Nos casos de resistência
sis ou meningite. Após a vacinação universal e sem produção de beta-lactamases, aquela explica-
com o declínio das taxas de infecção pelo Hib, têm se pela produção, na membrana, da enzima PBP3,
emergido outras estirpes capsuladas correspon- o que ocorre com frequência cada vez maior.
dentes aos tipos f, c, d, e, as quais também causam Quanto ao hospedeiro, o mecanismo de defesa
doença invasiva. conhecido mais importante face à agressão por H.
Nalguns indivíduos o microrganismo invade a influenzae tipo b relaciona-se com a existência de
mucosa do epitélio respiratório, ocorrendo poste- anticorpos com acção opsónica, dirigidos contra:
riormente bacteriémia. Para iniciar a infecção, H. – o polissacárido capsular de tipo b: PRP ou poly-
influenzae adere ao epitélio respiratório através de ribosylribitol phosphate cuja acção é facilitar a lise de
adesinas com expressão à superfície bacteriana. Hib no sangue; – as proteínas e lipopolissacáridos
Na maior parte das estirpes as adesinas são pro- da membrana, atrás referidos.
teínas de elevado peso molecular (HMW1 e A magnitude do inóculo bacteriano e as infec-
HMW2); numa pequena percentagem de estirpes ções respiratórias prévias, víricas ou por Mycoplas-
1436 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ma pneumoniae podem potenciar o risco de doença Epiglotite


invasiva. Admite-se que as estirpes capsuladas, A epiglotite é possivelmente a mais aguda e emer-
conseguindo resistir aos mecanismos de lise do gente de todas as infecções causadas pelo Hib, que
complemento ou à fagocitose no hospedeiro, pode conduzir à morte (5-10%) na ausência de tra-
podem multiplicar-se no sangue e causar doença tamento adequado. Ocorre entre os 2 e 4 anos e é
invasiva como sépsis, ou disseminar-se para rara abaixo dos 12 meses. O ínicio é súbito com
outros locais e causar meningite ou artrite. A ade- febre alta, disfagia, sialorreia, voz abafada, pro-
sina Hap tem também papel importante neste tusão da língua, agitação e “aspecto tóxico”. Em
mecanismo patogénico facilitando a ligação do horas, a infecção da epiglote ou tecidos supragló-
Hib às células lesadas com formação de micro- ticos leva à obstrução aguda da via aérea com difi-
colónias de bactérias agregadas. culdade respiratória, estridor e cianose. Para per-
As infecções não invasivas ou mucosas são mitir a entrada do ar, o doente senta-se inclinado
muito mais frequentes, principalmente na era pós- para a frente, com a cabeça em hiperextensão,
vacinal. Presume-se que estas infecções ocorram adoptando a típica posição em tripé. Actualmente
por extensão de locais contíguos à mucosa do apa- esta entidade pode ocorrer em crianças não imu-
relho respiratório e causem otite média, sinusite, nizadas e em adultos (Capítulo 78).
pneumonia e bronquite. A doença é mais frequente
quando existem alterações dos mecanismos de Pneumonia
depuração ou da função imunológica do hospedei- Na era pré- vacinal a pneumonia por Hib era res-
ro, tais como obstrução dos seios, disfunção da ponsável por cerca de um terço das pneumonias
trompa de Eustáquio, infecção vírica prévia ou lesão bacterianas. Clinicamente é semelhante a outras
da mucosa pelo fumo do tabaco ou outros irritantes. pneumonias bacterianas. O padrão radiológico pode
O mecanismo patogénico da pneumonia, epi- revelar infiltrados segmentares, lobares ou intersti-
glotite e celulite não é completamente compreen- ciais, mas em mais de 50% verifica-se derrame pleu-
dido mesmo quando se verifica bacteriémia asso- ral. A hemocultura, o exame cultural do líquido
ciada. Possivelmente a pneumonia ocorre após pleural ou aspirados traqueais são positivos em 75 a
aspiração de um número significativo de micror- 90% dos casos. A detecção de antigénios capsulares
ganismos virulentos, a epiglotite relaciona-se com do Hib no líquido pleural e urina podem orientar o
infecção focal da epiglote, e a celulite com infecção diagnóstico etiológico na presença de antibioticote-
do tecido subcutâneo por agente veiculado pela rapia prévia. As complicações mais frequentes
corrente sanguínea. incluem empiema, pericardite e meningite, mas as
sequelas a longo prazo são raras (Capítulos 82 e 83).
Manifestações clínicas
Artrite séptica e osteomielite
A doença causada por H. influenzae pode afectar O Hib era a maior causa de artrite séptica em
vários órgãos e sistemas, e originar vários quadros crianças com < 2 anos na era pré-vacinal.Em mais
clínicos. de 90% dos casos está envolvida unicamente uma
grande articulação como a coxofemoral, joelho,
Meningite tibiotársica ou cotovelo. Habitualmente os sinais
Antes da vacinação universal o Hib era a maior inflamatórios são precedidos de infecção das vias
causa de meningite bacteriana na criança entre os respiratórias superiores (Capítulos 238 e 238).
3 meses e 3 anos, com um pico entre os 6 e 12
meses. Actualmente em países em vias de desen- Bacteriémia
volvimento onde os recursos para programas de Em regra, a bacteriémia por Hib precede a doença
vacinação são escassos, continua a ser uma impor- invasiva com foco infeccioso; contudo, em crian-
tante causa de meningite e sépsis. A doença costu- ças com < 2 anos, poderá por vezes ocorrer bacte-
ma ter um ínicio insidioso, com sintomas ines- riémia oculta (BO) sem foco infeccioso detectável,
pecíficos como recusa alimentar, febre ou irritabi- acompanhada de febre superior a 39º C e leucoci-
lidade (Capítulo 287). tose periférica.
CAPÍTULO 282 Infecções por Haemophilus influenzae 1437

Contrariamente à BO por pneumococo, que os sintomas clínicos mais marcados que habitual-
pode regredir espontaneamente, na BO por Hib, mente. A otite e a sinusite crónicas raramente cau-
em cerca de 30 a 50% dos casos surgem complica- sam complicações como a mastoidite ou abcessos
ções focais como meningite, com implicações nas meníngeos.
decisões quanto a exames complementares a reali- A conjuntivite habitualmente é bilateral e
zar (ver adiante). purulenta, podendo ocorrer por surtos e associar-
se com frequência a otite média; esta situação é
Celulite denominada síndroma conjuntivite-otite.
A celulite por Hib, mais observada na época pré- A doença invasiva associada a estirpes não tipá-
vacinal, envolve com elevada frequência a face, veis, rara, associa-se em regra, a determinados fac-
cabeça e nariz em crianças com menos de 2 anos. tores de risco como prematuridade, fístula de
A celulite odontogénica, mais frequente no lacten- líquido cefalorraquidiano, cardiopatia congénita
te, tem ínicio súbito com rubor, calor, edema e ou défices imunitários. O diagnóstico de uma
aparecimento de uma área endurecida com halo infecção invasiava por estirpes não tipáveis deve,
violáceo que pode assemelhar-se à erisipela. pois, merecer sempre uma investigação imunoló-
(Capítulos 263, 280, 281) gica, mesmo na ausência de factores de risco.

Outros quadros clínicos de doença invasiva Diagnóstico


Foram ainda descritas outras entidades clínicas na
sequência de bacteriémia por Hib, tais como pe- A suspeita clínica de doença por H. influenzae obri-
ricardite, endoftalmite, glossite, uvulite, traqueíte, ga à realização de determinados exames comple-
tiroidite, endocardite, fascite necrosante, piomio- mentares, quer para avaliação clínica global, quer
site, abcesso pulmonar, abcesso intraperitoneal, e para confirmação etiológica.
peritonite. A doença invasiva pode ainda manifes-
tar-se por febre isolada, febre e petéquias ou febre Exame directo
de origem indeterminada. Para a identificação do microrganismo em esfre-
gaço de produto biológico obtido, após coloração
Doença neonatal pelo Gram, torna-se necessário que exista uma
O agente H. influenzae pode causar quadros de concentração da ordem de, pelo menos 105 bactérias
sépsis precoce e meningite no recém nascido que, /mL, o que comporta probabilidade baixa de isola-
na maioria dos casos se manifestam no primeiro mento/visualização, sobretudo pelas característi-
dia de vida. Habitualmente a doença é causada cas morfológicas daquele.
por estirpes não tipáveis isoladas do tracto genital
materno. A transmissão pode ocorrer durante o Exame cultural
parto mas também in utero; pode existir associação A realização de exame cultural (designadamente
com prematuridade, baixo peso de nascimento, e hemocultura) implica colheita em condições
complicações maternas como corioamnionite, ideais e transporte rápido para o laboratório; as
ruptura prematura de membranas. Nalguns casos amostras não devem ser expostas a temperaturas
há antecedentes de parto por cesariana. As mani- ou secura extremas.
festações clínicas incluem fundamentalmente
pneumonia e conjuntivite (Parte XXXI). Serotipagem
Pelas implicações clínicas, epidemiológicas e de
Infecções por H. influenzae não tipáveis saúde pública, torna-se fundamental proceder a
As estirpes não tipáveis do H. influenzae são causa esta técnica, designadamente para identificação ou
frequente de otite média, sinusite, conjuntivite e exclusão de serótipos associados a doença invasiva.
bronquite. Salienta-se que as vacinas conjugadas
não conferem protecção para as estirpes não capsu- Exames rápidos
ladas. Na fase inicial da doença, face à hipótese diagnós-
A sinusite pelo H. influenzae é mais arrastada e tica formulada, e antes do conhecimento dos re-
1438 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sultados dos exames culturais, tem interesse a rea- da antibioticoterapia deve basear-se nos seguintes
lização de exames cujo resultado se obtém com critérios:
rapidez, tais como: – conhecimento epidemiológico;
– detecção de componentes celulares da bacté- – susceptibilidade aos antimicrobianos;
ria; – detecção de antigénios polissacarídeos da – local e gravidade do quadro clínico; e
cápsula; – pesquisa de sequências específicas de – verificação de factores de risco no hospedeiro.
ARN ou de ADN em produtos no local da infec- A resistência do H. influenzae à ampicilina é
ção, ou em locais distantes como na urina. extremamente comum, variando entre 5 a 50%.
Em Portugal, entre ~10% e ~30% das estirpes de
Nota importante: nos casos de BO por Hib, em H. influenzae são produtoras de beta-lactamase,
cerca de 30 a 50% dos casos poderão surgir com- com uma susceptibilidade quase total à amoxicili-
plicações focais como meningite; por isso, na pre- na/clavulanato e cefuroxima.
sença de hemocultura positiva deverá conside- Como regra, o esquema de tratamento varia
rar-se a realização de punção lombar/exame do em função da entidade clínica.
LCR. Os Quadros 1 e 2 sintetizam os principais
esquemas de tratamento. No que respeita às enti-
Tratamento dades epiglotite, conjuntivite, pneumonia, artrite
séptica e celulite, sugere-se ao leitor a consulta dos
As crianças com doença invasiva devem ser hos- Capítulos 78, 82, 238, 254, 280 e 281.
pitalizadas e submetidas a antibioticoterapia
parentérica. Nas infecções por estirpes não tipá- Prognóstico
veis poderá optar-se, em função do contexto clíni-
co, pela antiboticoterapia e pela via oral. A escolha A gravidade da doença depende fundamental-

QUADRO 1 – Esquema de tratamento de algumas infecções por H. influenzae

Entidade Actuação Antibiótico Duração


Meningite Realizar 2 hemoculturas exame cultural do LCR Ceftriaxona 10-14 dias
Realizar detecção de antigénios capsulares no LCR e urina
se antibioticoterapia prévia
Dexametasona: 0,6mg/kg/dia IV, 6/6h, 4 dias; administrar
primeira dose 20 a 30 minutos antes da 1ª administração
de antibiótico. Vigiar complicações neurológicas
Pneumonia Realizar 2 hemoculturas, Cefuroxima ou 10 dias
Exame cultural de líquido pleural e aspirados traqueias AM/CL*
Realizar detecção de antigénios capsulares no líquido pleural
e urina se antibioticoterapia prévia
Bacteriémia Realizar 2 hemoculturas Ceftriaxona 7 a 10 dias
(cada colheita com 2 mL de sangue no mínimo)
Se hemocultura positiva realizar punção lombar
Doença neonatal Realizar 2 hemoculturas e punção lombar Ampicilina + 10 a 14 dias
Vigiar pneumonia Cefotaxima
Doença invasiva Realizar 2 hemoculturas e punção lombar Ceftriaxona 10 dias
por H. influenzae Realizar investigação imunológica, inclusivamente nos
não tipáveis casos de criança previamente saudável
Outras infecções Tratar OMA se houver factores de risco, otites de repetição AM/CL*
por H. influenzae e na criança com menos dos 2 anos, durante 5 a 7 dias
não tipáveis Tratar sinusite durante 14 dias e bronquite durante 10 dias
AM/CL* = amoxicilina e ácido clavulânico
CAPÍTULO 282 Infecções por Haemophilus influenzae 1439

QUADRO 2 – Esquema de tratamento de algumas infecções por H. influenzae

Antibiótico Dose diária Dose no RN Nº de doses/dia


Cefuroxima 100mg/kg – 3
Cefotaxima 100mg/kg 200mg/kg/dia 3
Ceftriaxona 100mg/kg – 1
AM/CL* 50mg/kg* – 2-3
Amoxicilina e ácido clavulânico (AM/CL): via oral/dose de amoxicilina: 50mg/kg/dia; via IV: 50mg/kg/dose

mente do local da infecção, de factores de risco, de medidas deverão ser comunicadas aos pais ou res-
factores inerentes ao hospedeiro, de factores de ponsáveis pela criança, assim como a professores
virulência do agente e de mecanismos de resistên- e educadores em geral.
cia aos antibióticos. O mais importante elemento
de defesa do hospedeiro é a existência de anticor- Medidas imunológicas
pos dirigidos contra o polissacárido capsular do As vacinas conjugadas com protecção para o H.
tipo b: PRP (poli-ribosil-ribitol-fosfato). influenzae tipo b têm tido um papel primordial no
Considera-se contacto de risco aquele que cor- combate à doença invasiva, diminuindo a incidên-
responde a exposição de criança sem doença ao cia desta em cerca de 90%, assim como a coloniza-
caso com doença invasiva, ocorrendo 4 ou mais ção da nasofaringe e a transmissão interpessoal
horas por dia e durante, pelo menos, 5 dias. em idades precoces em que o estado de portador é
mais prevalente. (Capítulo 274)
Prevenção
BIBLIOGRAFIA
Medidas não imunológicas American Academy of Pediatrics/APCID. Haemophilus influen-
As medidas não imunológicas incluem: zae infections. In Pickering LK (ed). 2003 Red Book Report of
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conviventes com menos de 12 meses; 4 – a imuno- 2008;7-8
deprimidos, idependentemente do seu estado de Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
imunização; 5- a crianças que frequentam infantá- Feijin R D, Cherry J D, Demmler G J, Kaplan S L (eds).
rios ou instituições onde se verificou ocorrência Textbook of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia:
de 2 ou mais casos de doença invasiva no período Saunders, 2004
de 60 dias. Heath PT, Booy R, Azzopardi HJ, Slack MP, Fogarty J, Moloney
Em qualquer das situações de 1- a 4-, deve AC, Ramsay ME, Moxon ER. Non-type b Haemophilus
administrar-se rifampicina na dose de 20mg influenzae disease: clinical and epidemiologic characteristics
/kg/dia (não excedendo 600 mg/dose), em 2 in the Haemophilus influenzae type b vaccine era. Pediatr
tomas diárias, durante 4 dias. No adulto a dose é Infect Dis J 2000; 20:300-305
600 mg/dia, 1 toma diária.A profilaxia não é reco- Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
mendada a grávidas. Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
Em Portugal, as infecções por H. influenzae são Williams & Wilkins,2009; 110-111
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1440 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

283
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Watson MEJr, Nelson KL, Nguyen V, at al. Adhesin genes and A doença, descrita no século XVI é designada
serum resistance in Haemophilus influenzae type f isolates. J popularmente por “tosse coqueluche”. Acom-
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Yaro S, Lourd M, Naccro B, e tal. The epidemiology of tantes e adiante pormenorizadas, especialmente
Haemophilus influenza type b meningitis in Burkina Faso. em crianças com idade inferior a um ano.
Pediatr Infect Dis J 2006; 25:415-419 A tosse convulsa na era pré-vacinal era uma
doença quase exclusiva da criança em idade pré-
escolar e escolar. A vacinação universal contra a
tosse convulsa condicionou uma modificação epi-
demiológica, com desvio etário da doença, que
actualmente atinge o pequeno lactente não vacina-
do ou incompletamente vacinado, o adolescente e
adulto jovem; nestes grupos tem-se verificado, nos
últimos anos, uma incidência crescente da doença.
De acordo com estatísticas da OMS, ocorrem
anualmente em todo o mundo cerca de 50 milhões
de casos de tosse convulsa (90% dos quais nos
países em vias de desenvolvimento), com uma
mortalidade anual ~400.000 (sendo 85% dos óbi-
tos em crianças com menos de seis meses).

Aspectos epidemiológicos

A tosse convulsa é uma doença endémica, com


ciclos epidémicos cada 4-5 anos e duração aproxi-
mada de 12-18 meses, sugerindo que a vacinação
detém a doença, mas não a circulação do agente.
Sendo o agente Bordetella pertussis patogénico
humano exclusivo, o contágio faz-se através do
contacto com secreções do tracto respiratório de
CAPÍTULO 283 Tosse convulsa 1441

indivíduos com a doença. O grau de contagiosida- Bordetella parapertussis, Bordetella bronchiseptica (que
de é extremamente elevado, podendo atingir 90- causa doença respiratória apenas em adultos imu-
100% dos contactos intradomiciliários susceptí- nocomprometidos), Bordetella avium, Bordetella hen-
veis.De realçar que, mesmo em doentes imuno- zii, B. trematum e, a mais recente, Bordetella holmesii.
competentes e vacinados, a percentagem de A chamada síndroma pertussis inclui não só a
indivíduos com doença subclínica pode atingir tosse convulsa clássica causada pela Bordetella per-
80%. Os portadores assintomáticos, descritos por tussis, como também outros quadros clínicos
vezes nos surtos, não são responsáveis pela trans- semelhantes, embora mais ligeiros, provocados
missão da doença, uma vez que não tossem acti- não só por algumas das espécies atrás referidas
vamente. (como a Bordetella parapertussis), assim como por
A generalização da vacinação contra Bordetella adenovírus.
pertussis no início da década de 1940 traduziu-se Após a inalação de gotículas infectadas com
por franco declínio do número de casos e mortes. Bordetella pertussis, esta bactéria adere ao epitélio
Com efeito, nos Estados Unidos da América ciliado da nasofaringe, multiplicando-se e disse-
(EUA) a mortalidade passou de 155 para 0,5 minando-se para o epitélio ciliado das vias aéreas
mortes/100.000 habitantes; em Portugal, após a inferiores. Num pequeno número de casos pode
introdução da vacinação em 1965, passou de 55 atingir o alvéolo, e provocar pneumonia.
para ~3 mortes/100.000 habitantes. Os aspectos moleculares e celulares da patogé-
Nos últimos anos tem-se assistido a uma inci- nese da infecção por Bordetella pertussis são muito
dência crescente da doença: nos EUA foram notifi- complexos e alguns ainda mal conhecidos. A bac-
cados 11647 casos em 2003, o maior número de téria produz diversas substâncias biologicamente
notificações desde 1964. O incremento das notifi- activas (Quadro 1), com capacidade antigénica e
cações poderá decorrer, não só do uso de exames de virulência, condicionando lesão celular, doença
de diagnóstico mais sensíveis (como a técnica da sistémica e interferência com os mecanismos de
PCR) e da diminuição da sub-notificação, mas defesa do organismo. Muitos dos determinantes
também dum aumento real do número de casos. activos são imunogénicos e têm sido incluídos
Em Portugal, entre 2003 e 2007 (5 anos) foram como componentes das vacinas acelulares dis-
notificados 164 casos em todas as idades, corres- poníveis no mercado (Capítulo 274).
pondendo 154 (~94%) ao primeiro ano de vida. Os FHA e alguns aglutinogénios (especialmente
referidos casos correspondem provavelmente a fimbriae tipos 2 e 3 e pertactina) são fundamentais
crianças contagiadas por adolescentes e adultos para a adesão da bactéria às células epiteliais res-
jovens os quais, por terem perdido a imunidade piratórias.
conferida pela vacina, adquiriram doença atípica, TCT e PT inibem provavelmente o processo de
por vezes dificilmente diagnosticável. depuração da bactéria; por sua vez, TCT, HLT e
Recorda-se, a propósito, que: DNT são responsáveis pela lesão epitelial (que ori-
– a vacina não é 100% efectiva e a imunidade gina sinais e sintomas respiratórios) permitindo a
conferida é transitória; absorção de PT.
– as crianças nascem sem imunidade passiva Os genes que determinam a virulência das
para B. pertussis; tal significa que RN e lactentes várias espécies têm afinidades em termos de
são altamente vulneráveis até que o esquema vaci- ADN, sendo que somente a B. pertussis produz PT.
nal se complete (em geral aos 6 meses de idade).
Manifestações clínicas
Etiopatogénese
Na sua forma típica os sinais e sintomas são muito
O agente Bordetella pertussis é um coco-bacilo Gram sugestivos.
negativo pleiomórfico que sobrevive apenas algu- O diagnóstico de tosse convulsa é, pois, essen-
mas horas nas secreções respiratórias e que necessi- cialmente clínico, sendo necessário um grau de
ta de meios especiais para cultura. Pertence ao suspeição elevado, nomeadamente para o dia-
género Bordetella, o qual engloba seis espécies: gnóstico da doença com apresentação atípica. Nas
1442 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Bordetella pertussis (Bp): alguns componentes moleculares biologicamente activos

Componentes antigénicos Actividade biológica


• Toxina pertussis (PT) – Endotoxinas, factores de grande virulência com interferência em vários
• Hemaglutinina filamentosa (FHA) mecanismos imunológicos do hospedeiro; promovem a linfocitose
• Pertactina (PTN) associada à doença
• Fimbriae (aglutinogénios) – Adesão ao epitélio ciliar; existem vários tipos; certas Bp poderão não
• Toxina da adenilciclase (ACT) conter fimbriae, outras conter fimbriae 2, fimbriae 3, ou fimbriae 2 e
• Lipopolissacárido – endotoxina (LPS) 3,etc.;interacção com integrina, regulando a expressão do receptor do
• Factor de colonização traqueal ou complemento(CR3)
citotoxina traqueal (TCT) – Citotóxica; afectando a fagocitose
• Toxina termolábil ou dermonecrótica – Reacções locais, febre, e reacções observadas com a vacina de célula
(HLT ou DNT) completa (holocelular) (ver adiante)
– Efeito citopático na mucosa traqueal
Com o tempo têm sido identificadas alterações genéticas
relacionadas com os certos componentes antigénicos, – Lesões da mucosa; responsável por alguns dos sintomas da fase catarral
nomeadamente PT,PTN e fimbriae.
(consultar texto)

formas típicas(clássicas) o diagnóstico é fácil, per- que se seguem. As possíveis complicações da doen-
mitindo o início da terapêutica antes da confirma- ça, descritas adiante, ocorrem nesta mesma fase.
ção laboratorial. A contagiosidade é máxima durante a fase catarral
Após um período de incubação de 7 a 10 dias, e nas 2 primeiras semanas da fase paroxística.
a doença, na sua descrição clássica, tem 3 fases 3. Fase de convalescença, com duração de 1-2
distintas: semanas, ao longo das quais ocorre uma diminui-
1. Fase catarral, com duração de 1-2 semanas, ção progressiva da tosse.
caracterizada por rinorreia serosa e obstrução No pequeno lactente a apresentação clínica pode
nasal, acompanhadas por tosse seca esporádica (a ser atípica, com fase catarral muitas vezes ausente
partir da segunda semana) e lacrimejo. A febre é ou muito curta. Os paroxismos de tosse com
inconstante e, quando presente, é baixa. Ao congestão facial podem surgir apenas durante as
contrário das outras infecções do tracto respirató- refeições, estando a criança assintomática nos
rio superior, ao fim destes 10-14 dias há um intervalos, e sendo o guincho característico muito
aumento da intensidade e frequência da tosse. pouco comum. No entanto, as complicações da
2. Fase paroxística, com duração de 6-12 sema- doença, nomeadamente a apneia e bradicárdia,
nas, caracterizada por aumento gradual dos aces- são mais frequentes.
sos de tosse os quais passam a ocorrer, tal como foi Igualmente no adolescente e adulto jovem a doen-
referido antes, em paroxismos típicos e muito ça pode ser atípica, dificultando o diagnóstico e
característicos, com uma série de acessos de tosse condicionando o contágio ao lactente não vacina-
no mesmo ciclo expiratório, muitas vezes acom- do ou sem primo-vacinação completa.
panhados por engasgamento, protusão da língua, Em suma, o diagnóstico deverá ser ponderado
cianose e plétora facial, ocorrendo frequentemente em qualquer criança com tosse com a duração de,
vómito pós-tússico; tais acessos são seguidos por pelo menos, 14 dias, especialmente se não coexis-
um “guincho ou silvo” característico que corres- tir febre, exantema, enantema, e rouquidão.
ponde à passagem de ar pela glote, ainda parcial-
mente encerrada. Estes episódios, que podem ser Complicações
espontâneos ou desencadeados por estímulos
(como a alimentação), aumentam de frequência e As complicações da doença ocorrem, como foi
intensidade ao longo da primeira e segunda sema- anteriormente referido, na fase paroxística: decor-
nas, nesta fase; estabilizam nas 2-3 semanas rem, essencialmente, da hipóxia ou do aumento
seguintes e diminuem gradualmente nas semanas de pressão venosa (por mecanismo semelhante ao
CAPÍTULO 283 Tosse convulsa 1443

da manobra de Valsalva) durante os acessos de caso não esteja disponível, fibras de poliéster
tosse, em diversos territórios (intracraniana, intra- (Dacron®). Para o sucesso da colheita é necessário
torácica e intrabdominal) sendo muito mais fre- que a zaragatoa, fina e flexível, entre em contacto
quentes nas crianças com idade inferior a três com o epitélio ciliado da nasofaringe, sendo esta
meses. São descritas como mais frequentes as uma das etapas que mais frequentemente condi-
seguintes: ciona resultados falsos negativos quanto a isola-
1. Complicações do SNC: convulsões, encefalo- mento de Bp.
patia, hemorragia subaracnoideia e intraventricu- – Necessidade de utilizar meios de transporte
lar, síndroma de secreção inapropriada de hormo- e cultura apropriados: o meio de transporte ade-
na antidiurética. quado é o meio de Regan-Lowe modificado,
2. Hemorragias conjuntivais, petéquias da face sendo que o tempo entre a colheita e a sementeira
e tronco, epistaxes, hérnia umbilical e inguinal, em cultura deve ser bastante reduzido, sob o risco
prolapso rectal, laceração do freio da língua. de perda de viabilidade do agente. Os meios de
3. Complicações cárdio-respiratórias: apneia, cultura mais frequentemente utilizados são o
bradicárdia, cianose, pneumonia primária ou meio de Bordet-Gengou (batata, glicerol e
secundária (a complicação mais comum). sangue), que tem de ser feito fresco no momento,
4. Outras complicações: vómitos, má nutrição, ou o meio de Regan-Lowe (agar carvão, 10% de
desidratação, etc.. sangue de cavalo e 40 mg/dL de cefalexina), que
pode ser armazenado durante oito semanas.
Exames complementares 2. Polimerase Chain Reaction (PCR) ou reacção
em cadeia da polimerase: a utilização desta técni-
Na tosse convulsa o hemograma típico da fase ca de diagnóstico molecular tem vindo a ser cada
catarral demonstra muitas vezes um valor aumen- vez maior, pela possibilidade de resultados mais
tado dos leucócitos (15.000-100.000 cél/µL) com precoces e porque pode ser usada até mais tarde
linfocitose absoluta (aumento dos linfócitos T e no decurso da doença, não sendo influenciada por
linfócitos B de morfologia normal e pequenas antibioticoterapia prévia. Tem elevada sensibili-
dimensões), ao contrário de algumas infecções dade, uma vez que não necessita de microrganis-
víricas que cursam com linfocitose atípica e linfó- mos viáveis ou de um inóculo importante. A sua
citos de grandes dimensões) e sem eosinofilia maior limitação é a baixa especificidade.
(como acontece na infecção por Chlamydia tracho- 3. Imunofluorescência directa: usada para a
matis). detecção de Bordetella pertussis, através de anticor-
A radiografia do tórax poderá não evidenciar pos marcados, nas secreções respiratórias. Este
qualquer sinal de alteração, ou apresentar infiltra- método tem menor especificidade e sensibilidade
dos peri-hilares inespecíficos, ou atelectasia. que a cultura e a PCR, pelo que é muito pouco uti-
A confirmação da infecção pode ser feita por: lizado.
1. Exame cultural: continua a ser o método de 4. Estudo serológico: a infecção por Bordetella per-
excelência/gold standard para o diagnóstico. tussis desencadeia um aumento das concentrações
Infelizmente, a sensibilidade é baixa e decresce à séricas de IgA e IgG (a IgM não tem significado
medida que a doença evolui e o índice de suspei- diagnóstico na tosse convulsa) para os antigénios
ção aumenta (sensibilidade elevada, até 85%, na de superfície. Uma duplicação dos títulos de anti-
fase catarral mas extremamente baixa após as corpos (quantificação pelo método de ELISA)
duas primeiras semanas da fase paroxística). As entre a fase aguda e a de convalescença tem eleva-
razões que limitam a sua sensibilidade são: da especificidade apesar de fraca sensibilidade.
– Características extremamente delicadas do Este método permite o diagnóstico apenas nas
agente. semanas terminais da fase paroxística ou na fase
– Técnica de colheita difícil: o local óptimo de de convalescença. Outras limitações do estudo
colheita é a nasofaringe (e não as fossas nasais), serológico são:
utilizando-se zaragatoas específicas, que não te- – diferente resposta individual, dependente da
nham algodão e que tenham alginato de cálcio ou, idade (crianças com menos de 3 meses podem não
1444 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ter ainda capacidade imunológica para uma subi- Tratamento


da do título dos anticorpos);
– interferência nos resultados decorrente de As crianças com menos de 6 meses ou com doen-
exposição prévia ao microrganismo ou aos seus ça grave requerem hospitalização. Os doentes
antigénios pela vacinação, tornando extremamen- deverão ser mantidos isolados até 5 dias após o
te difícil a sua aplicação e interpretação. início da antibioticoterapia.
O CDC (Center for Disease Control) recomenda a Os principais critérios para o internamento
seguinte combinação de exames complementares são: incapacidade de alimentação, dificuldade res-
para a comprovação diagnóstica de tosse convulsa: piratória traduzida por retracções costais, taquip-
1. Nas primeiras quatro semanas de doença neia, cianose e ou convulsões. Por vezes, princi-
(três semanas de tosse): cultura e PCR. palmente na criança com menos de 3 meses, é
2. Tosse presente há 3 ou 4 semanas: PCR e necessário o internamento em unidades de cuida-
estudo serológico dos intensivos pediátricos. O tratamento de
3. Tosse há mais de 4 semanas: estudo seroló- suporte é fundamental, com suprimento calórico e
gico. fluidoterapia ajustados às necessidades, uma vez
que tais doentes têm frequentemente extrema difi-
Diagnóstico diferencial culdade em se alimentar.
A terapêutica antibiótica, se iniciada numa fase
A infecção por Bordetella parapertussis é muito inicial, pode diminuir a duração e gravidade dos
semelhante à doença provocada pela Bordetella sintomas e a transmissão da doença aos contactos
pertussis. O hemograma (linfocitose igual ou susceptíveis. Assim, aquela deverá ser instituída
superior a 10.000/μL é muito sugestiva de infec- se houver uma suspeição clínica fortemente
ção por Bordetella pertussis); exames culturais ou sugestiva, não se esperando pela confirmação do
avaliação da PCR positiva para B pertussis, permi- diagnóstico através dos métodos atrás descritos.
tirão o diagnóstico definitivo. Os antibióticos de eleição são os macrólidos; a
Outras infecções respiratórias que decorrem eritromicina (10-12 mg/kg/dose/de 6-6 horas)
com tosse, por vezes acessual, podem dever-se a durante 14 dias faz parte do esquema classicamen-
Chlamydia trachomatis, Chlamydia pneumoniae, te preferido. Os novos macrólidos, [claritromicina
Mycoplasma pneumoniae e infecções por vírus respi- (15 mg/kg/dia em duas doses durante 14 dias) e a
ratório sincicial, adenovírus e vírus parainfluenza. azitromicina (10-12 mg/kg /dia em dose única,
Há ainda que considerar a tosse espasmódica durante 5 dias)], e o cotrimoxazol (sulfametoxazol-
que pode surgir no decurso de pneumonia bacte- trimetoprim: 40 mg-100 mg /kg/dia de sulfame-
riana, fibrose quística, tuberculose, assim como toxazol, em duas doses diárias, até máximo de
nas situações de compressão extrínseca da tra- 1.600 mg/dia) constituem alternativas. A utiliza-
queia e brônquios, ou de aspiração de corpo ção de eritromicina poderá originar situação de
estranho. Nestes casos, uma anamnese cuidadosa estenose hipertrófica do piloro em pequenos lac-
e os exames complementares permitem, habitual- tentes, nomeadamente no recém-nascido com
mente, um diagnóstico diferencial rápido e correc- idade inferior a 15 dias de vida. (Capítulo 316)
to. (Quadro 2) Outros fármacos, como os broncodilatores (sal-

QUADRO 2 – Tosse convulsa (por B. pertussis): diagnóstico diferencial

Infecções víricas
Vírus sincicial respiratório (VSR); vírus parainfluenza; adenovírus; influenza A e B; rhinovirus; coronavirus
Infecções bacterianas
Bordetella parapertussis; Chlamydia trachomatis; Chlamydia pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae
Causas não infecciosas
Refluxo gastresofágico, aspiração de corpo estranho
CAPÍTULO 283 Tosse convulsa 1445

butamol na dose de 0,3 mg/kg/dia em 4 tomas), os nos referidos países, tendo os estudos epidemioló-
glicocorticóides (prednisolona: 1 mg/kg/dia duran- gicos demonstrado:
te 7 dias) poderão ser usados na primeira semana da – que o risco da doença excedia largamente o
fase paroxística com o intuito de redução dos acessos risco da vacinação;
de tosse. De salientar que os antitússicos não têm – que existia efectivamente uma relação causal
qualquer papel no tratamento da doença. entre vacina e reacções adversas, nomeadamente
Se surgirem complicações bacterianas está convulsões febris;
indicada a suspensão do macrólido, procedendo- – que não havia qualquer relação com doença
se ao início de diferente antibioticoterapia em fun- neurológica crónica, sindroma da morte súbita do
ção do contexto clínico e epidemiológico. lactente ou lesão cerebral.
Com o objectivo de evitar a transmissão Assim, a vacina holocelular foi reintroduzida
secundária, para além do tratamento do caso na maioria dos países que a tinham suspendido.
índex, o tratamento antibiótico com um macrólido Entretanto, passou a verificar-se o chamado efeito
durante 14 dias, é recomendado a todos os contactos perverso da vacinação, com desvio etário da
íntimos, independentemente da sua idade e do estado doença para o pequeno lactente não vacinado ou
vacinal. Nas crianças com idade igual ou inferior a incompletamente vacinado, e para os adolescentes
6 anos e com atraso vacinal deve ser actualizado o e adultos. A causa mais importante para este facto
esquema de vacinação. foi a diminuição progressiva da imunidade indu-
zida pela vacina, com última dose aos 5/6 anos,
Prevenção juntamente com a baixa incidência da doença nas
populações com elevada taxa de cobertura vacinal
A imunização universal de crianças, começando e, portanto, com menores hipóteses de reforços
na primeira infância e com reforços periódicos, naturais da imunidade, por exposição casual ao
constitui a base essencial da contenção da doença agente.
por B. pertussis. Efectivamente, nos países indus- A maioria das reacções adversas à vacina holo-
trializados a introdução da vacina na década de 40 celular deve-se ao seu conteúdo em endotoxina; e a
condicionou uma diminuição da incidência da razão pela qual a vacinação contra a tosse convulsa
doença, da sua morbilidade e mortalidade. termina aos 6 anos prende-se com a maior frequên-
Os objectivos para o controlo da tosse convul- cia de reacções adversas acima desta idade.
sa a nível europeu foram definidos pela OMS em Surgiram, assim, as vacinas acelulares (DTPa)
1993; entre outros, atingir incidência, em cada utilizando apenas alguns antigénios da Bordetella
país, inferior a 1/100.000. Portugal atingiu essa pertussis, com menor dose antigénica (símbolo pa
taxa em 1997 quando passou de 1,6 para em oposição ao convencional Pa), para utilizar no
0,34/100.000. Voltou a ultrapassá-la apenas nos 3 adolescente e adulto. Contudo, com a utilização
picos epidémicos da década de 80. ao longo dos anos das vacinas acelulares, menos
A primeira vacina usada foi a de célula com- imunogénicas, tem-se assistido a recrudescimento
pleta ou holocelular/Pw (na prática, DTPw ou da prevalência de tosse convulsa, designadamen-
vacina antipertussis associada à antidiftérica e te em adultos (dados de 2012-EUA), legitimando a
antitetânica). (Capítulo 274) adopção de novas estratégias de aplicação da
Nas década de 70 e 80, a vacina caiu em des- vacina (em função da realidade epidemiológica
crédito nalguns países industrializados, na local ou regional), tais como: 1) a partir dos 11
sequência de certos estudos apontarem para uma anos, em vez de Td, vacina dTpa repetida de 10-10
relação entre a vacinação e doença neurológica anos com conteúdo reduzido dos componentes
crónica, síndroma da morte súbita do lactente ou pertussis e toxóide diftérico: 2) vacinação de adul-
lesão cerebral; estes dados levaram alguns autores tos contactando com crianças afectadas; 3) vacina-
a concluir que o risco da vacinação superava o ção da grávida garantindo protecção do filho
risco da doença. Alguns países interromperam ou durante 1-2 meses, até 1ª dose aplicada ao mesmo;
modificaram o seu esquema vacinal. Recome- 4) início da vacinação do bébé logo ao nascer, com-
çaram então grandes epidemias de tosse convulsa pletando o esquema vacinal antipertussis pelos 3-
1446 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

284
4 meses,ou seja, intervalos mais curtos entre as
doses. (Capítulo 274).

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Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, por grupo etário (mais elevada em crianças com
2011 menos de 1 ano – 6,4/100.000, e mais baixa entre
Tartof SY, Lewis M, Kenyon C, et al. Waning immunity to per- os 15 e 24 anos – 0,90/100.000). A doença invasiva
tussis following 5 doses of DTaP. Pediatrics 2013; 131: aparece mais frequentemente em crianças peque-
e1047-e1052 nas(~9/100.000 no primeiro ano de vida e ~25
Winter K, Harriman K, Zipprich J, et al. California pertussis casos/100.000 nos primeiros 4 meses de vida).
epidemic, 2010. J Pediatr 2012; July 20. doi:10.1056/ Em Portugal no quinquénio 2003-2007 foram
NEJMp1209051 notificados 387 casos de doença meningocócica,
ocorrendo 26% dos casos em crianças com menos
de 1 ano, 34% entre 1-4 anos e 18% entre 5 e 14
anos. A doença tem no nosso país um carácter
esporádico, não havendo relato de qualquer epi-
demia ou surto em anos recentes.
Trata-se duma doença endémica, com casos
ocorrendo ao longo do ano, com maior frequência
no Inverno e Primavera. Podem ocorrer epidemias
(definidas como o aparecimento de > 3 casos no
período de 3 meses na mesma comunidade e > 10
casos/100.000 pessoas).
Situações associadas a doenças crónicas, infec-
ções por vírus, especialmente influenza, condições
precárias higiénicas, socioeconómicas e habitacio-
nais com convívio promíscuo, exposição ao fumo
do tabaco e hábitos tabágicos constituem factores
de risco.
O estado de portador varia com a idade, ocor-
rendo com frequência ~25% em lactentes e crian-
CAPÍTULO 284 Doença meningocócica 1447

ças pequenas em ambiente doméstico, e da ordem Da interacção meningococo – célula endotelial


de 24-37% entre os 15 e 24 anos. Cerca de 50% dos – complemento resulta a produção de citocinas
casos ocorre abaixo dos 2 anos e cerca de 25% em pró-inflamatórias- TNF-alfa, IL-1 beta,IL-7, IL-8, e
pessoas com mais de 30 anos. No RN a doença activação das vias intrínseca e extrínseca da coa-
surge raramente. gulação culminando em CID e vasculite difusa
(Capítulos 154,268,269). O LOS, com acção antigé-
Etiopatogénese nica, induz a produção de IL-12 e resposta de tipo
Th1. São também produzidos anticorpos bacteria-
Considerando a relação entre hospedeiro humano nos contra o polissacárido capsular, as proteínas
e microrganismo existem diversas variantes quan- da camada externa da membrana e o próprio LOS.
to ao efeito deste sobre aquele: 1) estado de colo- A transferência de IgG materno-fetal confere
nização assintomática da orofaringe ou de porta- protecção ao lactente nos primeiros 3 meses de vida;
dor; o estado de portador assintomático por um contudo, o défice de complemento confere risco
período geralmente curto é mais frequente no aumentado de meningococémia em tais crianças.
adolescente e adulto jovem e constitui um factor
de disseminação da infecção; 2) infecções localiza- Manifestações clínicas e exames
das; 3) doença invasiva, sem dúvida a mais fre-
complementares
quente e mais grave, cursando por vezes de modo
agudo e fulminante, podendo conduzir à morte O espectro clínico da doença meningocócica varia
em poucas horas. muito, desde febre e bacteriémia oculta, bacterié-
Na maior parte dos casos a colonização da mia sem sépsis, meningococcémia (sépsis) sem
nasofaringe resulta em resposta do organismo meningite, e meningite com ou sem meningococ-
hospedeiro com formação de anticorpos (IgM, IgG cémia. A sépsis pode ser acompanhada de choque
e IgA), o que confere imunidade natural(protec- potencialmente fatal. As entidades meningite
ção) contra diversos serótipos. Numa minoria de meningocócica e sépsis meningocócica (ou meningoco-
casos, especialmente nas crianças pequenas, N. cémia), acompanhada ou não de meningite integram o
meningitidis penetra na mucosa e, atingindo a cir- conceito da chamada doença invasiva.
culação sanguínea, causa doença sistémica. A Salienta-se que:
colonização intestinal de enterobacteriáceas pro- 1 – as formas subagudas e crónicas de doença
duz o mesmo efeito de protecção(imunidade cru- meningocócica são raras (ver adiante);
zada). A estirpe não patogénica (N. lactamica) 2 – em 80% dos casos a doença meningocócica
confere igual protecção. é acompanhada de sinais clínicos sugestivos;
O meningococo (Gram-negativo) na sua pare- 3 – a chamada menigococémia oculta se pode
de contém um complexo designado por LOS manifestar por febre associada ou não a sintomas
(lipo-oligo-sacárido) que engloba endotoxina e sugerindo infecção por vírus, com regressão
está coberto pela cápsula de polissacáridos. A espontânea sem antibioticoterapia, embora com
variação antigénica da cápsula levou ao reconhe- surgimento ulterior de meningite em cerca de 60%
cimento de 13 serogrupos. Na sua maioria, a dos casos nestas circunstâncias;
doença meningocócica é causada pelas estirpes 4 – o agente N. meningitidis é isolado do sangue
pertencentes aos serogrupos A, B, C, W135 e Y. A em cerca de 2/3 dos casos de doença, em cerca de
cápsula de polissacáridos tem capacidade para 50% do LCR e, em ~1%, do líquido articular.
resistir à fagocitose e à acção de depuração com a Uma vez que aspectos gerais da meningite
participação do ferro através da lactoferrina e bacteriana relacionada com a N. meningitidis são
transferrina. De salientar a maior prevalência dos abordados no Capítulo 287, o objectivo essencial
serogrupos B e C nos países industrializados (com deste capítulo é descrever a sépsis meningocócica,
incidência ~1-3/100.00 nas duas últimas décadas), fazendo uma referência breve à meningococémia
e a do serogrupo A nos países em desenvolvimen- crónica.
to os quais têm registado incidência anual de ~25 As manifestações que, em cerca de metade dos
casos/100.000. casos, sugerem o quadro desta última (sépsis
1448 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

meningocócica) na sua fase inicial são: febre, A meningococcémia crónica constitui uma forma
lesões cutâneas, e mau estado geral de instalação de apresentação rara, caracterizada por febre, artral-
aguda. Por parte do clínico, reitera-se que deverá gias, aspecto geral “não tóxico”, cefaleias, e exante-
existir um elevado índice de suspeita no âmbito ma. A sintomatologia é intermitente, podendo
da avaliação de cada caso. durar cerca de 6 a 8 semanas. As hemoculturas são
A febre, em geral o primeiro sinal, associa-se a geralmente positivas, embora inicialmente estéreis.
mialgias, calafrios, vómitos, diarreia, rinite, disfa- Nos casos não tratados poderá surgir meningite.
gia e artralgias; este quadro pode coincidir com o O diagnóstico de meningococcémia baseia-se no
aparecimento das lesões cutâneas. isolamento da N meningitidis do sangue, LCR,
Tratando-se de criança mais pequena (lacten- líquidos sinovial, pleural, pericárdio e lesões da
te), as lesões cutâneas associadas ao mau estado pele por “técnicas de raspagem”.
geral podem constituir a primeira suspeita. Tal como noutras formas de sépsis a positivi-
As mesmas podem ser constituídas por peté- dade dos exames culturais depende de vários fac-
quias localizadas ou disseminadas e confluentes, tores, designadamente o eventual início de anti-
purpúricas. bioticoterapia prévia e condições da colheita do
De salientar que as lesões petequiais iniciais produto a analisar.
em poucas horas aumentam em número e podem A propósito da sépsis, cabe referir que estão
evoluir para exantema purpúrico equimótico (púr- indicados, em princípio, os exames complemen-
pura fulminante) com consequentes sequelas de tares descritos a propósito de sépsis e meningite
necrose em vários territórios do organismo, (Capítulos 268 e 269 e 287); salienta-se, no entanto,
podendo culminar em amputação das extremi- o interesse da PCR (técnica de reacção em cadeia
dades e obrigando a enxertos. Pode deduzir-se da polimerase) que permite aumentar a taxa de
que, quanto mais rápida a evolução, pior o pro- confirmação diagnóstica e quantificar a carga bac-
gnóstico. (Figura 3 do Capítulo 154) teriana com valor no prognóstico. Por outro lado,
Nalguns casos o exantema petequial é precedi- considerada a elevada probabilidade de CID,
do por exantema maculopapular, facto que difi- aconselha-se a consulta do Capítulo 154.
culta o diagnóstico. Nos casos de compromisso No que respeita a marcadores clássicos de gra-
meníngeo, a esta sintomatologia somam-se os vidade em infecções sistémicas, determinados
sinais meníngeos. O aparecimento de abcesso estudos demonstraram que, no caso da doença
cerebral está também descrito. meningocócica, a procalcitonina (PCT) tem maior
O mau estado geral corresponde a situação de especificidade e sensibilidade que a proteína C
choque, razão porque se torna fundamental pes- reactiva (sigla igual à referida anteriormente para
quisar os respectivos sinais (oligúria, má perfusão a reacção em cadeia da polimerase), considerando
periférica com tempo de reposição de circulação como valores de corte/cut off respectivamente 2
capilar pós-compressão da pele > três segundos, ng/mL (PCT) e 3 mg/dL (Prot CR). No que respei-
taquicardia, taquipneia) – choque compensado. ta à PCT, em situações de normalidade as concen-
Com a evolução da situação pode passar-se para a trações séricas são geralmente < 0,01 ng/mL, em
fase de descompensação do choque traduzida situações inflamatórias ligeiras, eventualmente de
essencialmente por hipotensão arterial (consultar causa vírica raramente > 1 ng/mL, e em situações
Capítulos 268 e 269). de doença menigocócica ou de infecção sistémica
As situações acompanhadas de insuficiência grave em geral > 500 ng/ml.
suprarrenal aguda integram a chamada síndroma
de Waterhouse-Friderichsen. Tratamento
Outras manifestações de meningococcémia
incluem: pneumonia com ou sem derrame, artrite Os aspectos do tratamento a propósito da meningi-
séptica com isolamento do meningococo do líqui- te bacteriana, choque e coagulação intravascular
do sinovial , artrite reactiva, estéril, de etiopatogé- disseminada são aplicáveis à sépsis meningocócica.
nese imunológica, pericardite, miocardite e falên- Contudo, sintetizam-se aqui aspectos essen-
cia multiorgânica. ciais da antibioticoterapia que se deve iniciar pre-
CAPÍTULO 284 Doença meningocócica 1449

cocemente em regime de internamento hospitalar: Medidas imunológicas


– cefotaxima via IV (200 mg/kg/dia) ou cef- Em Portugal a vacina meningocócica C faz parte
triaxona via IV (100 mg/kg/dia) ou ainda cefu- do actual PNV.(Capítulo 274). Existem também
roxima via IV(150 mg/kg/dia). comercializadas vacinas polissacarídeas para N.
A duração varia entre 5 e 7 dias. meningitidis dos grupos A, B, C, X, Y, e W135 para
indivíduos que façam viagens para áreas endémi-
Notas importantes: cas. (Capítulo 40)
– Nalguns centros hospitalares com experiên-
cia, e apoio de equipas médicas e de enfermagem Prognóstico
de ambulatório e de cuidados continuados, em
função do contexto clínico, está previsto o trata- A taxa de mortalidade da doença meningocócica
mento empírico em casos seleccionados de crian- invasiva situa-se entre 5-10%, sendo que os óbitos
ças com estado geral bom/não tóxico durante sur- se verificam predominantemente nas situações de
tos de meningococcémia em regime extra-hospita- elevada carga bacteriana infectante.
lar. Constituem factores de mau prognóstico: hipo-
– Têm sido identificadas estirpes de N. menin- termia, hipertermia, hipotensão, choque, púrpura
gitidis evidenciando resistência relativa à penicili- fulminante, convulsões, leucopénia, trombocito-
na (CIM de penicilina <> 0,1-1,0 mcg/mL). pénia, CID, acidose, e elevados níveis circulantes
– As estirpes de N. meningitidis produtoras de de TNF-alfa e de endotoxinas. A presença de peté-
beta-lactamase são raras. quias de início precoce (< 12 horas), ausência de
– Embora a penicilina G via IV (250.000- meningite e baixa ou normal velocidade de sedi-
400.000 U/kg/dia em 4-6 doses) seja considerada mentação são indicadores de rápida progressão
por alguns autores como de eleição, é importante da doença e de prognóstico mau.
referir que, para além de originar irritação menín- Após resolução de episódio de infecção menin-
gea, a sua travessia da barreira hematoencefálica gocócica aguda está indicado o rastreio de défice de
fica comprometida à medida que o processo infla- complemento, sobretudo na segunda infância e
matório regride. adolescência, dado o risco de recorrência de infec-
ções graves caso se verifique tal défice.
Prevenção
BIBLIOGRAFIA
Medidas não imunológicas Bettinger JA, Scheifele DW, Le Saux N, et al. The disease bur-
As medidas não imunológicas incluem: den of invasive meningococcal serogroup B disease in
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– quimioprofilaxia com rifampicina na dose de Carol ED, Newland P, Riordan FAI, et al. Procalcitonin as a
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é 600 mg/dia, 1 toma diária. Como alternativa Cohn AC, MacNeil JR, Clark TA, et al. Prevention and control
pode utilizar-se 1 injecção única de ceftriaxona ou of meningococcal disease: recommendations of the
1 dose oral de ciprofloxacina (neste último caso Advisary Committee on Immunization Practices(ACIP).
somente a partir dos 18 anos) (consultar Capítulo MMWR Recomm Rep 2013 Mar 22: 62(RR-2): 1-28
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Na grávida a quimioprofilaxia pode concreti- Dellinger RP, Carlet JM, Masur H, et al. Surviving sepsis cam-
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são de notificação obrigatória. Todas estas medidas Direcção Geral da Saúde (DGS). Doenças de Declaração
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tomática, 2 síndromas clínicas:
1 – infecção gastrintestinal (gastrenterite aguda
ou prolongada); e
2 – invasão sanguínea com consequente infec-
ção sistémica.
As infecções por Salmonella surgem de forma
endémica em várias regiões do globo, designada-
mente nos países em desenvolvimento, constituin-
do um problema de saúde pública de grande
magnitude, com elevados custos para a sociedade
(nos EUA, > de 3 biliões de dólares/ano).
A primeira forma descrita foi a febre tifóide,
actualmente com baixa incidência nos países de
maiores recursos económicos e rede adequada de
cuidados primários e de saneamento básico. Em
todo o mundo estima-se que ocorram anualmente
cerca de 16 milhões de casos a que corresponde
mortalidade de 600.000.
Nos países ditos desenvolvidos a incidência de
febre tifóide é < 15 casos /100.000 habitantes, ocor-
rendo, sobretudo em cidadãos que viajam e contac-
tam com casos de portadores; em comparação, nos
CAPÍTULO 285 Infecções por Salmonella 1451

países do terceiro mundo, estima-se incidência da


ordem de 100-1.000 casos/100.000 habitantes .
1. SALMONELOSES NÃO TIFÓIDES
Em Portugal, segundo dados do Instituto
Nacional de Estatística, no quinquénio 2003-2007 Aspectos epidemiológicos
foram declarados até aos 15 anos de idade 341 casos e etiopatogénese
(média anual de casos ~ 68).Em todas as idades, a
incidência média situou-se em 3,2/100.000. Os agentes implicados nesta forma clínica são S.
No que respeita às salmoneloses não tifóides dublin presente no gado em geral (vacum, ovelhas,
(ver adiante), estatísticas da OMS referentes aos cabras,etc.), S. cholerae suis no porco; a maioria dos
EUA, apontam, por ano, para ~1,4 milhões de serótipos pode atingir, contudo, um espectro mais
casos, 15.000 hospitalizações e ~ 600 óbitos. alargado de espécies animais. Os 2 serótipos mais
Com o desenvolvimento da biologia molecu- importantes nas salmoneloses de transmissão de
lar, a partir de 2004 foi adoptada nomenclatura animais à espécie humana são: S. enteritidis (S.
diversa da anterior relativamente ao género enterica serótipo Enteritidis) e S. typhi murium
Salmonella em função da homologia genética, (S.enterica serótipo Typhi murium).
sendo que agentes infecciosos com analogias no A recrudescência deste tipo de infecções em
genoma podem provocar doença de manifestação muitas partes do mundo nas 3 décadas passadas
diversa. Assim, são hoje consideradas subespécies relaciona-se com práticas intensivas em pecuária,
dentro de determinada espécie, salientando-se traduzidas fundamentalmente por selecção de
que cada subespécie contém vários serótipos defi- certas estirpes em resultado do emprego de anti-
nidos pelos antigénios O e H (ver adiante). microbianos de largo espectro para conservação
O Quadro 1 pretende elucidar sobre a corres- de rações animais preparadas industrialmente.
pondência quanto a nomenclatura anterior e actual. Como principais factores de risco de surtos de
De acordo com a classificação tradicional, o géne- doença não tifóide por Salmonella citam-se contac-
ro Salmonella (S) engloba mais de 2.500 serótipos to com animais domésticos infectados: cães, gatos,
caracterizados em função dos respectivos antigénios répteis, roedores, galinhas, ovos, anfíbios, etc.; cer-
(O ou somáticos e H ou flagelares); algumas tos serótipos estão tipicamente associados a deter-
Salmonellas (particularmente a S. typhi) possuem minados animais (por ex. S entérica marina em
mais um antigénio, o antigénio Vi. Actualmente as iguanas). Como factores predisponentes, há a
Salmonellas são destrinçadas por provas bioquímicas salientar défice imunitários e as idades extremas,
ou por técnicas de hibridação do DNA. Relativa- mais vulneráveis (1ª infância e idade avançada).
mente às espécies, ainda hoje é utilizada a divisão Os animais domésticos e o Homem adquirem o
em grupos A, B, C, D, E, etc. agente infeccioso através de produtos animais
S. typhi, paratyphi A, B, C, typhi murium, enteri- contaminados.
tidis, etc. têm na espécie humana o único reser- As estirpes resistentes aos antibióticos são
vatório; noutros, os principais reservatórios são os também as mais virulentas.
animais (ver adiante salmonelose não-typhi). As infecções sucedem-se à ingestão de alimen-
Neste capítulo são descritas duas formas clíni- tos contaminados (carne picada, ovos, leite, água,
cas: salmoneloses não tifóides e febre tifóide. charcutaria, mariscos de concha, pastelaria, etc.) e

QUADRO 1 – Salmonella: Nomenclatura tradicional e actual

Tradicional Actual
*S. typhi • S. entérica (ou enteritidis ou cholerasuis) subespécie entérica, ser. Typhi
*S. dublin • S. entérica, subespécie entérica, ser. Dublin
*S. typhi murium • S. entérica, subespécie entérica, ser. Typhi murium
*S. cholera suis • S. entérica, subespécie entérica, ser. Cholera suis
*S. marina • S. entérica, subespécie houtenae, ser. Marina
1452 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ao contacto com animais infectados (galinhas, trófilos até ao lume intestinal, a disseminação da
iguanas de estimação ou outros répteis, tartaru- bactéria fica condicionada.
gas, etc..); no entanto a propagação também se Da interacção entre Salmonella e macrófagos
pode fazer de pessoa a pessoa (epidemias em resulta alteração na expressão de certos genes do
infantários, hospitais ou instituições em relação hospedeiro, incluindo os que codificam media-
sobretudo com superlotação de enfermarias e dores pró – inflamatórios (sintetase do NO, IL-1b),
deficiente lavagem das mãos por parte dos profis- receptores ou moléculas de adesão(TNF-alfa R,
sionais de saúde que contactam intimamente com CD40, molécula de adesão intercelular-1(ICAM-
doentes ou pessoas em geral). As pessoas infecta- 1), e mediadores anti-inflamatórios (TGF-beta 1 e
das sem sintomas ou portadores crónicos (muitas beta 2), assim como genes envolvidos no processo
vezes com litíase biliar) constituem reservatórios de morte celular e de apoptose.
de germes microbianos que são fonte de contágio. Salienta-se que existem genes específicos de
Para que surja doença sintomática no adulto virulência cuja acção se traduz na capacidade para
torna-se necessário que o número de bactérias invasão da corrente sanguínea (bacteriémia). Estes
(inóculo) ingeridas seja ~1.000 a 100. A acidez gás- genes encontram-se com maior frequência em
trica inibe a multiplicação dos agentes microbia- estirpes de S. typhi murium isoladas do sangue e
nos, sendo que surge morte dos mesmos com pH das fezes.
< 2; pelo contrário, a acloridria gástrica favorece-a Quer as estirpes de S. dublin, quer as de S. cho-
(RN e lactente). As situações de esvaziamento gás- lera suis têm maior propensão para invadir rapida-
trico rápido, designadamente as associadas a gas- mente a corrente sanguínea, ao mesmo tempo que
trenterostomias, constituem também factores pre- existe menor ou nula acção patogénica intestinal.
disponentes. Outros factores incluem: serótipo A bacteriémia é possível, contudo, com qualquer
envolvido, porta de entrada, doenças comprome- serótipo de Salmonella, especialmente em indiví-
tendo os mecanismos de defesa imunitária, uso duos com défice imunitário ou compromisso do sis-
prévio de antimicrobianos, etc.. tema reticuloendotelial. Recorda-se, a propósito,
A resposta inflamatória típica da mucosa intes- que crianças com drepanocitose, infecção por VIH,
tinal na infecção por Salmonella não tifóide é um e défice hereditário de IL-12 comportam maior risco
processo de enterocolite com edema difuso da de septicémia e de osteomielite por Salmonella.
mucosa, por vezes com erosões e microabcessos. A IL-12, que é produzida por macrófagos acti-
Os agentes Salmonella (bactérias invasivas) locali- vados, é um potente indutor de interferão-gama
zam-se sobretudo no intestino (íleo terminal e através dos linfócitos T e das células natural killer.
intestino grosso): aderindo primeiramente às Considerando o possível papel protector da IL-12
microvilosidades, são depois englobados pelo contra a infecção pelo Plasmodium, a circunstância
enterócito (por mecanismo semelhante à pinocito- de fagócitos conterem/estarem infectados por
se, penetrando através da membrana da célula da Salmonella pode afectar secundariamente a produ-
bordadura em escova) ocupando o respectivo cito- ção de IL-12 e levar a situação de ciclo vicioso de
plasma sem se multiplicarem; tal processo de mul- co-infecção Plasmodium e Salmonella.
tiplicação, ocorrendo nos macrófagos após cerca
de 24 horas ao atingirem a lamina própria, conduz Manifestações clínicas
a reacção inflamatória com estimulação do AMP
cíclico, libertação de prostaglandinas, etc.. As manifestações clínicas da salmonelose não
Embora S. typhi murium possa originar doença tifóide dependem essencialmente de dois factores:
sistémica na espécie humana, a infecção intestinal 1 – infecção confinada ao tubo digestivo; ou 2- dis-
geralmente resulta: – em resposta secretória do seminação da infecção com focos extra-intestinais.
epitélio intestinal (por acção de enterotoxinas com Assim, poderão surgir: gastrenterite aguda, bacte-
consequente diarreia secretória); – e em indução riémia e infecções focais extra-intestinais.
de secreção de IL-8 e outros mediadores ao nível
dos lisossomas das células da bordadura. Caso se Gastrenterite aguda
verifique recrutamento e transmigração de neu- Trata-se da forma de apresentação mais frequente,
CAPÍTULO 285 Infecções por Salmonella 1453

podendo manifestar-se sob a forma, após período comporta risco elevado de sequelas neurológicas e
de incubação geralmente inferior a 24 horas, de mortalidade. (Capítulo 287)
variando entre 6 e 72 horas. Fora do período neo-
natal o quadro clínico, com uma duração entre 1 a Complicações
2 semanas, integra essencialmente náuseas, com
ou sem febre, vómitos, dor abdominal e diarreia As complicações mais frequentes são a desidrata-
aquosa, por vezes muco – sanguinolenta. No ção por gastrenterite e artrite reactiva pós gastren-
recém-nascido, em situações acompanhadas de terite, sobretudo em adolescentes com o antigénio
imunossupressão ou de carga infectante consi- HLA-B-27. Muitas das complicações podem, por
derável, e em função do serótipo em causa, pode outro lado, corresponder a manifestações da pró-
seguir-se bacteriémia e repercussão sistémica pria doença que assume um carácter mais arrasta-
grave acompanhada de leucocitose (quadro simile do e mais grave, evoluindo para septicémia, ou
septicémia e/ou ou meningite – cefaleias, prostra- recorrente; tal poderá acontecer, nomeadamente,
ção, confusão mental, convulsões, distensão abdo- em crianças com < 6 meses de idade, se existir
minal e meningismo). As fezes contêm polimorfo- patologia de base como doença inflamatória cró-
nucleares e, nos casos não associados a fezes san- nica, malária, infecção por VIH, anemia hemolíti-
guinolentas, sangue oculto. ca, esquistossomíase, etc..
Cerca de 0,5 a 1% das crianças infectadas por S Nos doentes com esquistossomíase, o agente
não-typhi tornam-se portadoras e excretoras pelas Salmonella poderá persistir e multiplicar-se dentro
fezes durante período indeterminado, com maior dos esquistossomas, levando a infecção crónica,
frequência em crianças de idade inferior a 1 ano. somente curada após tratamento efectivo da
esquistossomíase.
Bacteriémia
Surgindo em geral com frequência entre 1% e 5% Diagnóstico
dos casos com diarreia, é mais frequentemente
associada a sintomas em crianças maiores. O pro- Nas situações de gastrenterite o diagnóstico
longamento da febre > 5 dias no contexto de gastren- baseia-se no isolamento do agente, sendo preferí-
terite por Salmonella sugere bacteriémia. Nalguns vel nas fezes relativamente à zaragatoa rectal (de
casos pode estar associada a choque séptico, o que salientar que a eliminação pelas fezes pode ser
se tem verificado nos países em desenvolvimento; intermitente e prolongar-se durante semanas ou
pode surgir com recorrências em doentes com meses). A verificação de muco, sangue e leucócitos
infecção por VIH apesar da antibioticoterapia. indicia colite; de salientar que a presença de leucó-
Têm sido descritas com frequência considerá- citos nas fezes aponta para a presença de germe
vel (~40-70%) formas de doença invasiva provoca- invasivo ou de germe produtor de citotoxina
da por S. typhi murium e S. enteritidis no continen- incluindo Salmonella (igualmente acontece com
te africano em doentes com infecção por VIH e Shigella, Campylobacter jejuni e E. coli invasivo, o
malária. que obriga a diagnóstico diferencial).
Havendo sinais evidentes de focos de supura-
Infecções focais extra-intestinais ção, está indicada a pesquisa em aspirados a par-
Esta forma pode seguir-se à bacteriémia com for- tir dos respectivos locais para coloração pelo
mação de focos infecciosos em diversos sistemas, Gram e exame cultural. Embora os agentes
designadamente se a esse nível existem lesões Salmonella cresçam bem em meios não selectivos
com susceptibilidade para infecção (sistema es- ou enriquecidos (por ex. agar-sangue), e existência
quelético, áreas de enfarte ósseo, próteses ósseas, de flora mista obriga a utilizar meios selectivos
meninges, encéfalo, alterações vasculares relacio- (por ex. MacConkey).
nadas com cateteres, etc.). Em alternativa aos exames culturais podem
O pico de incidência da meningite por Salmo- utilizar-se técnicas PCR.
nella verifica-se na 1ª infância; este quadro é asso- Outras técnicas (rápidas) incluem a de agluti-
ciado a manifestações sistémicas importantes e nação pelo látex e imunofluorescência.
1454 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Nos casos de colite está indicada endoscopia, – ceftriaxona (75 mg/kg/dia em 1 dose)
identificando-se padrão que pode sugerir colite durante 7 dias ou
ulcerosa. – ampicilina (100 mg/kg/dia em 4 doses)
Através do estudo serológico podem ser detec- durante 7 dias ou
tados anticorpos utilizando diversas técnicas. – cloranfenicol (15 mg/kg/dia em 4 doses PO)
Nos casos de doença invasiva estão indicados durante 5-10 dias.
exames culturais a partir do sangue, urina, LCR, e Dada a possibilidade de aparecimento de
das lesões metastáticas (por exemplo medula multi-resistências aos antibióticos, em casos de
óssea). infecção por agente Salmonella está indicada a ava-
Nota importante: em crianças com < 3 meses, liação da sensibilidade. A propósito, salienta-se
assim como nos casos de crianças imunocompro- que a estirpe S.typhi murium, fago do tipo DT104 é
metidas com isolamento positivo das fezes, inde- geralmente resistente a 5 fármacos: ampicilina,
pendentemente de haver, ou não, sintomas suges- cloranfenicol, estreptomicina, sulfonamidas, e te-
tivos de bacterémia, está indicada hemocultura. traciclina.

Diagnóstico diferencial Prognóstico

As formas de salmonelose não-typhi traduzidas por Desde que não existam factores de risco (infecções
gastrenterite evidenciam sintomatologia semelhan- crónicas antes referidas, má-nutrição, défice imu-
te à das gastrenterites provocadas por outros nitário, as crianças com gastrenterite recuperam
germes microbianos, por ex. Shigella, E. coli, Yersinia completamente da doença(ver atrás).
enterocolitica, Entamoeba histolytica, Campylobacter No entanto, reiterando o que foi dito antes, as
jejuni, Clostridium difficile, etc. sendo a destrinça Salmonellas não tifóides poderão continuar a ser
feita através de exames culturais ou análises pelos excretadas durante semanas; o tempo de excreção
métodos ELISA e PCR (Capítulo 107). prolongado (<1%) é mais frequente em crianças
Nos casos de diarreia persistindo mais de 14 com litíase biliar no contexto de hemólise crónica.
dias poderão estar indicados exames para avaliar Esta situação poderá contribuir como fonte de
síndroma de má-absorção, incluindo endoscopia e contaminação fecal-oral ou através de alimentos.
biópsia do intestino delgado.
Prevenção
Tratamento
Para evitar a transmissão de infecções por
O esquema de tratamento varia em função da Salmonella à espécie humana torna-se necessário:
idade e apresentação clínica. 1 – controlar a infecção nos reservatórios animais;
Nos casos de gastrenterite estão indicadas as 2 – utilizar judiciosamente antibióticos no âmbito
medidas aplicáveis a situações com etiologia da indústria de lacticínios e da medicina vete-
diversa (Capítulo 107). Os antibióticos não estão rinária;
em geral indicados por suprimirem a flora intesti- 3 – prevenir a contaminação de alimentos, nomea-
nal normal e poderem prolongar a excreção de damente no âmbito da indústria e comércio
Salmonella, havendo risco de se criar estado de alimentares;
portador crónico. 4 – garantir a confecção doméstica de refeições em
Contudo, dado o risco de bacteriémia em condições de higiene relacionadas, não só com
crianças com < 3 meses de idade e de dissemina- os próprios alimentos, mas também com o pes-
ção de infecção em indivíduos imunocomprometi- soal envolvido, o ambiente e o equipamento
dos, nestes casos está indicada antibioticoterapia utilizado.
empírica até conhecimento dos resultados do As medidas de prevenção englobam igual-
exame cultural: mente cuidados de isolamento com répteis e anfí-
– cefotaxima (100-200 mg/kg/dia em 4 doses) bios (quer os ditos de companhia doméstica, quer
durante 5-14 dias ou os públicos em jardins zoológicos e exposições),
CAPÍTULO 285 Infecções por Salmonella 1455

evitando o contacto com pessoas; e condições Etiopatogénese


especiais de segurança (implicando nomeada-
mente possibilidade de lavagem das mãos). Para além da implicação do agente referido ante-
Relativamente a vacinas contra infecções por riormente (Salmonella enterica serótipo typhi), pode
Salmonella não tifóide, actualmente as mesmas também surgir doença idêntica mais ligeira pro-
somente estão disponíveis para aplicar em ani- vocada por S. paratyphi B (Schotmulleri) e S. paraty-
mais. phi C (Hirschfeldii), respectivamente na proporção
de 10/1 casos. O Homem (doente ou portador)
constitui o único hospedeiro das referidas bacté-
rias (ver adiante).
2. FEBRE TIFÓIDE Em termos de património genético, cabe referir
que S. typhi partilha muitos genes com Escherichia
Definição e importância do problema coli e com S. typhi murium, alguns dos quais são
conhecidos pela sua patogenicidade, e outros
A entidade febre tifóide (também designada por adquiridos durante a evolução dos respectivos
alguns autores febre entérica) diz respeito à infec- agentes infecciosos.
ção por Salmonella enterica serótipo typhi ou sim- Um dos genes mais específicos de S. typhi é o
plesmente S. typhi, doença que continua endémica chamado Vi, o qual está presente em ~90% das
em muitos países em desenvolvimento. Embora estirpes, com efeito protector contra a acção bacte-
rara no nosso meio (ver atrás), justifica-se a sua ricida do soro de doentes infectados.
abordagem pela facilidade actual de transportes, e Após ingestão, o número de microrganismos
pela probabilidade de ocorrência de casos em via- S. typhi para provocar infecção pode oscilar entre
jantes retornados de áreas endémicas. 100-1.000. Os mesmos, atingindo a mucosa intesti-
nal, penetram depois em determinados enteróci-
Aspectos epidemiológicos tos especializados (células M do íleo terminal
encimando as áreas de tecido linfóide – as placas
Uma das particularidades da epidemiologia da de Peyer), ou atravessam o espaço intercelular. Em
febre tifóide é a emergência de resistência do res- qualquer das modalidades de passagem transepi-
pectivo agente infectante a antimicrobianos usa- telial, atingem o tecido linfóide mesentérico e os
dos (multi-resistência), por vezes na sequência de vasos linfáticos até aos vasos sanguíneos. Inicia-se
surtos esporádicos. O mecanismo de tal resistên- assim bacteriémia (chamada primária), assin-
cia adquirida tem sido relacionado: 1 – com a tomática, a que correspondem em geral culturas
intervenção de plasmídeos (o que acontece com negativas.
ampicilina, cloranfenicol e sulfametoxazol-trime- Os agentes S. typhi disseminam-se, então, pelo
toprim); e 2 – com a intervenção cromossómica organismo colonizando órgãos do SRE (baço, fíga-
(quinolonas usadas indiscriminadamente). do, vesícula biliar, medula óssea), multiplicando-
Outra particularidade diz respeito à adaptação se no interior de macrófagos. Após período de
de S. typhi à espécie humana, o que quer dizer que multiplicação, os referidos S. typhi voltam nova-
o agente perdeu a capacidade de se transmitir a mente à corrente sanguínea, originando nova bac-
outros animais. Admite-se que tal facto se deve a teriémia (agora chamada secundária), a qual coin-
fenómeno de degenerescência de genes. cide com o início de sintomas e corresponde ao
Assim, o contacto directo ou indirecto com fim do período de incubação (de duração variável, em
uma pessoa infectada (doente ou portador cróni- função da magnitude do inóculo).
co) constitui pré-requisito para a infecção. A A infecção com S. typhi produz uma resposta
contaminação pode verificar-se através de maris- inflamatória nas camadas mais profundas da
cos e ostras obtidos em viveiros próximos de esgo- mucosa e tecido linfóide subjacente com hiperpla-
tos, ou a ingestão de alimentos ou água contami- sia das placas de Peyer e subsequente necrose que
nados com fezes humanas por S. typhi (ausência pode levar a ulceração do epitélio suprajacente;
de saneamento básico). por sua vez, como consequência da lesão da mus-
1456 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

cularis e peritoneu surgirá perfuração da parede que são descritas adiante.


intestinal. As úlceras podem sangrar e curar c – Período de declínio (duração ~ 7 dias) asso-
depois sem cicatriz, ou originar estenose intesti- ciado a oscilações da temperatura, com febre cada
nal. Ao nível dos gânglios mesentéricos, fígado e vez menos elevada e melhoria progressiva dos
baço, a par do processo inflamatório, verificam-se sinais gerais.
áreas de necrose focal. d – Período de convalescença de duração variá-
Admite-se que, através dos genes de virulência vel: astenia, emagrecimento e, por vezes febrícula
(incluindo SPI-2,TTSS) exista capacidade para o de curta duração; nalguns casos surge queda de
agente infeccioso provocar infecção sistémica. O cabelo e descamação da pele.
antigénio capsular polissacarídeo de superfície (Vi)
de virulência interfere com a fagocitose prevenindo De salientar que existem variantes quanto a
a ligação de C3 à superfície da bactéria. A capaci- manifestações clínicas: forma clínica em que pre-
dade de os microrganismos sobreviverem dentro domina hiperpirexia; forma subfebril ou acom-
de macrófagos (outra característica de virulência) é panhada de febre intermitente, mas prolongada;
também determinada geneticamente (gene phoP). forma acompanhada de miocardite ou pneumonia
A ocorrência ocasional de diarreia pode ser traduzindo repercussão especial ao nível de deter-
explicada por enterotoxina termolábil (similar a minados territórios, etc..
enterotoxina produzida por E. coli e vibrião colérico). Estima-se que cerca de 10% dos doentes com
A síndroma clínica constituída por febre e febre tifóide eliminam pelas fezes S. typhi durante
sinais sistémicos deve-se à libertação de citocinas 3 meses, e que em cerca de 4% dos casos se verifi-
pró-inflamatórias a partir das células infectadas ca o estado de portador crónico (risco no entanto
(IL-6, IL1-beta, TNF-alfa). superior no adulto).
Os doentes com infecção por VIH, e
Helicobacter pylori têm especial predisposição para Complicações
febre tifóide.
Hoje em dia raras, tendo em conta o diagnóstico e
Manifestações clínicas antibioticoterapia instituídos precocemente, surgem
habitualmente ao cabo de 3-4 semanas de evolução:
As manifestações clínicas revelam-se após período 1) enterorragia, em cerca de 1% dos casos (por vezes
de incubação oscilando entre 7 e 14 dias, com subtil e microscópica); 2) abcesso intestinal; 3) per-
limites entre 3- 60 dias. Classicamente são descri- furação intestinal (0,5-1%), esta última a complica-
tos cinco períodos: ção de maior gravidade, podendo levar a peritonite.
a – Inicial (duração ~ 7-10 dias) com sintoma- Complicações raras incluem endocardite, mio-
tologia geral de início agudo ou insidioso inte- cardite tóxica, choque cardiogénico, complicações
grando mal-estar geral, anorexia, dor abdominal, neurológicas (ataxia cerebelosa, coreia, síndroma
vómitos, diarreia ou obstipação, hepatospleno- de Guillain-Barré, necrose da medula óssea, SHU,
megália; e também febre alta (39-40ºC) com fre- meningite, etc.).
quência cardíaca não proporcional à febre (classi-
camente bradicárdia com febre). Exames complementares
b – Período de estado (duração ~ 7-14 dias) carac-
terizado por exacerbação da sintomatologia des- O diagnóstico de febre tifóide é fundamentalmen-
crita no período inicial, sendo notória a febre ele- te clínico, a confirmar pela realização dos seguin-
vada. Neste período poderá surgir exantema tes exames:
maculopapular de cor rósea na face anterior do • Identificação do microrganismo (utilizando
tórax e abdómen, desaparecendo à pressão e sur- diversas técnicas) e em diversos locais: fezes
gindo em surtos; é a chamada roséola tífica com (eliminação intermitente), sangue, medula
valor de grande sensibilidade para o diagnóstico, óssea, bílis, LCR, etc..
mas de fraca especificidade por ser inconstante. A hemocultura é positiva em 40-60% dos
Neste período poderão surgir complicações doentes na fase precoce da doença desde que não
CAPÍTULO 285 Infecções por Salmonella 1457

tenha havido antibioticoterapia prévia. A copro- Diagnóstico diferencial


cultura e a urocultura são positivas após a 1ª
semana; a coprocultura poderá já ser positiva As salmoneloses typhi e paratyphi evidenciam glo-
durante o período de incubação. A mielocultura, balmente sintomatologia semelhante a doenças
pela sua elevada sensibilidade, aumenta a proba- infecciosas de etiologia diversa (por ex. mononu-
bilidade de confirmação bacteriológica, com o cleose infecciosa, malária, calazar, tuberculose,
inconveniente de se tratar de técnica invasiva. brucelose, endocardite bacteriana, etc.) e a doen-
• Estudo serológico (detecção de anticorpos uti- ças não infecciosas (conectivites, linfomas, leuce-
lizando diversas técnicas). mias, etc.).
Pela reacção de Widal pesquisa-se o título de A febre paratifóide originada por S. paratyphi tem
anticorpos aglutinantes ou aglutininas para os um quadro clínico semelhante à febre tifóide, em
antigénios O e H; em geral a reacção é negativa na geral mais ligeiro, com período febril mais curto e
primeira semana, positivando a partir desta data – menor frequência de complicações (excepto no
para o antigénio O entre o 7º e 12º dia, e para o lactente). O período de incubação é mais curto e a
antigénio H entre o 8º e o 15º dia. De salientar que diarreia surge mais frequentemente.
somente em 30 a 50% dos doentes se verifica ele-
vação dos títulos. Tratamento
Refira-se que os resultados da reacção de
Widal devem ser interpretados devidamente pelas Na maioria dos casos de febre tifóide é possível o
seguintes razões: a) a imunização anti-tífica pré- tratamento em regime ambulatório com vigilância
via e infecções anteriores por outros germes, desi- médica rigorosa (detecção de complicações e de
gnadamente enterobacteriáceas (partilhando com eventual ausência de resposta ao tratamento) e
as Salmonellas similitude de antigénios capsu- antibioticoterapia oral.
lares) poderão determinar a elevação de aglutini- A hospitalização, pressupondo antibioticotera-
nas O e H; b) o nível sérico de aglutininas em pia parentérica e fluidoterapia IV, está indicada
indivíduos sãos varia de região para região endé- perante vómitos persistentes, diarreia grave, dis-
mica; c) a utilização anterior, em fase precoce da tensão abdominal e compromisso do estado geral.
doença, quer de corticóides, quer de antibióticos As medidas gerais incluem repouso, regime
pode modificar também a evolução da resposta alimentar simples, mole, facilmente digerível,
serológica. Portanto, não se trata duma prova hidratação, correcção das alterações hidroelec-
específica. trolíticas, e antipirexia com paracetamol PO (10-15
• Outros exames podem ser utilizados: PCR mg/kg/dose , 3 a 4 vezes, até dose máxima de 80
(reacção em cadeia da polimerase), prova mg/kg/dia).
rápida PCR usando H1-d primers para ampli- Verificando-se íleo paralítico ou distensão
ficação de genes específicos de S. typhi, abdominal, deve proceder-se a pausa alimentar.
prova rápida na urina para identificação do Nas infecções por S typhi e paratyphi (respecti-
antigénio Vi, reacção ELISA (reacção imu- vamente febre tifóide e paratifóide) podem ser uti-
noenzimática), reacção de contra-imunoelec- lizados esquemas respeitando sempre o resultado
troforese, etc.. das provas de sensibilidade aos antimicrobianos
• Exames para avaliação global: hemograma (os (Quadro 2).
achados, inespecíficos, habitualmente detec-
tados, são: anemia, leucopénia com neutro- Prognóstico
pénia, eosinopénia e linfocitose relativa; nas
crianças pequenas pode haver leucocitose; a Apesar do tratamento, poderão surgir recaídas
leucocitose também poderá significar doen- (manifestadas fundamentalmente por febre e
ça intercorrente; trombocitopénia pode cor- outras manifestações), em cerca de 5-15% dos casos
responder a doença grave e acompanhar no período de convalescença; as mesmas são explicá-
CID); as provas de função hepática poderão veis pela manutenção de Salmonellas acantonadas
evidenciar anomalias, o que é raro. na vesícula biliar ou gânglios mesentéricos, regiões
1458 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Tratamento antimicrobiano pediátrica e não só) dizem respeito fundamental-


da febre tifóide mente à prática de medidas de higiene simples:
lavagem frequente das mãos com água e sabão,
1 – Formas não complicadas utilização água não contaminada (fervida ou
• Sensibilidade comprovada engarrafada com garantia) na alimentação e como
– cloranfenicol PO ou IV (50-75 mg/kg/dia) em 4 bebida simples, cuidados de isolamento, conser-
doses durante 14-21dias; ou vação(rede de frio) e confecção dos alimentos,
– amoxicilina PO ou IV (75-100 mg/kg/dia) em 3 com especial atenção para a lavagem adequada de
doses durante 14 dias. alimentos não submetidos a fervura. A sigla em
• Multi-resistência língua inglesa dos “três FFF” – Food, Flies, Fingers
– fluoroquinolona PO (15 mg/kg/dia) em 2 doses (alimentos, vectores, dedos das mãos) traduz bem a
durante 5-7 dias; ou necessidade de detectar, controlar e eliminar as
– cefixima PO (15-20 mg/kg/dia) em 2 doses durante fontes de infecção, tanto animais como humanas.
7-14 dias. Chama-se mais uma vez a atenção para o papel
• Resistência a quinolonas dos répteis domésticos na transmissão da
– azitromicina PO (8-10 mg/kg/dia) em 1 dose Salmonella, tornando-se indispensável que crian-
durante 7 dias; ou ças com idade inferior a 5 anos ou pessoas com
– ceftriaxona IV ou IM (75 mg/kg/dia) em 1dose síndromas de imunodeficiência de qualquer etio-
durante 10-14 dias; logia não contactem com tais animais.
1 – Formas complicadas Em alínea anterior foi dada ênfase aos alimen-
• Sensibilidade comprovada tos contaminados que poderão estar implicados
– amoxicilina idem; ou na cadeia de transmissão de germes microbianos.
– ceftriaxona idem. Outra medida diz respeito à imunização antití-
• Multi-resistência fica indicada em situações especiais (por exemplo
– fluoroquinolona idem durante 10-14 dias. deslocação para zonas endémicas com elevada
• Resistência a quinolonas
prevalência de estirpes de Salmonella typhi multir-
– ceftriaxona idem
resistente).
Na confecção de tais vacinas (de três tipos) são
utilizadas subunidades antigénicas e células bac-
de difícil acesso aos antimicrobianos. De acordo terianas atenuadas, tendo sido demonstrada
com dados da literatura, são mais frequentes após eficácia em crianças de idade escolar, no adoles-
tratamento com cloranfenicol ou amoxicilina, cente e no adulto:
obtendo-se maior percentagem de curas com qui- 1. vacina oral viva atenuada (Ty21a); é uma
nolonas ou cefalosporinas de 3ª geração. vacina imunogénica a partir dos 2 anos,
Os indivíduos que excretam S.typhi durante devendo repetir-se de 5-5 anos;
período > 3meses após episódio de infecção são 2. vacina morta por via parentérica (inactiva-
considerados portadores crónicos (<2% no casos ção pelo fenol e calor, holocelular);
pediátricos, que corresponde a proporção mais 3. vacina parentérica à base de polissacáridos
baixa que a verificada na idade adulta). Nos casos capsulares (ViCPS ou Vi Conjugada) para
de esquistossomíase pode verificar-se estado de crianças com > 2 anos a repetir de 2-2 anos).
portador urinário crónico. Em Portugal é recomendada a vacina à base de
As recidivas correspondem a novo episódio de polissacáridos com a indicação atrás expressa,
febre tifóide após se ter verificada cura do primei- conferindo protecção durante três anos.
ro episódio.
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CAPÍTULO 286 Brucelose 1459

286
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Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, nos adultos, a mesma pode afectar crianças em rela-
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www.ine.pt (acesso em Maio de 2013) OMS estima que haja em todo o mundo uma inci-
dência anual de 500.000 casos.
Em Portugal, entre os anos de 2003 e 2007
foram declarados 590 casos, predominantemente
no norte e centro do país. Nos últimos anos houve
um decréscimo no número de casos notificados:
em comparação com o ano 2000 (507 casos), no
ano 2007 foram registados 75 casos. Em menores
de 15 anos, a doença representa ~10% do número
total de casos. Estatísticas doutro país da Europa
(Reino Unido) apontam para valores mais baixos
que em Portugal: ~20 casos/ano.
A infecção pode ocorrer por contacto directo
1460 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(feridas da pele) com produtos animais infecta- duzem granulomas no fígado, baço, gânglios
dos, por inalação de microrganismos veiculados linfáticos e medula óssea. A inflamação de tipo
por partículas sob a forma de aerossóis, e por granulomatoso poderá também ocorrer na bexiga,
ingestão de leite não fervido ou de produtos lác- testículo (produzindo orquite intersticial com
teos obtidos de animais infectados. No primeiro atrofia fibróide), endocárdio (produzindo endo-
caso trata-se frequentemente de uma doença pro- cardite com vegetações nas válvulas), cérebro, rim
fissional de veterinários ou de funcionários de e pele.
matadouros. (ver Glossário) A multiplicação dos germes dentro de tais
A ingestão de leite ou derivados, não pasteuri- células é essencial para a indução da imunidade;
zados, constitui a forma mais frequente de trans- com efeito, o organismo hospedeiro responde ela-
missão da doença em idade pediátrica. De realçar borando anticorpos específicos tais como aglutini-
que o leite materno pode veicular o agente etioló- nas, opsoninas, precipitinas e anticorpos fixadores
gico Brucella. do complemento contra polissacáridos e outros
A doença endémica é mantida entre animais antigénios da parede celular.
através da excreção de grande número de Os anticorpos IgM específicos aparecem den-
Brucellas nas secreções genitais e leite, sendo a res- tro de 1 semana após a entrada do germe no orga-
pectiva transmissão, quer vertical, quer horizon- nismo, diminuindo após cerca de 3 meses.
tal. É frequente o aborto espontâneo de animais. Os anticorpos IgG aumentam pela 2ª-3ª semana,
A transmissão inter- humana é rara, tendo sido persistindo nos casos não tratados ou incompleta-
descrita em relação com transfusões de sangue, mente tratados. A verificação de reactividade cruza-
transplantação de medula óssea e transmissão da dos anticorpos específicos para a Brucella com os
transplacentar ou perinatal. germes Yersinia, Vibrio cholerae, Salmonella e
Francisella resulta da similitude estrutural dos lipos-
Etiopatogénese sacáridos das membranas dos referidos germes.
O principal determinante do processo de cura
Os agentes mais comuns responsáveis pela doen- da infecção está relacionado com activação dos
ça humana são quatro espécies da bactéria do macrófagos através da acção de linfócitos T que,
género Brucella: B. melitensis (a partir do gado libertando citocinas (interferão-gama e TNF-alfa),
caprino), B. abortus (a partir do gado vacum), B. conferem àqueles capacidade para a destruição do
suis a partir do gado suíno), e B. canis (a partir dos microrganismo Brucella neles “residente”.
cães). Outras espécies como a B. ovis e B. neotomae A característica de crescimento insidioso das
(infectando respectivamente o carneiro e roe- Brucellae tem implicações práticas no que respeita
dores) não têm sido transmitidas ao Homem. a exames culturais; com efeito, para excluir resul-
As Brucellae são parasitas intracelulares facul- tados negativos verdadeiros dever-se-á esperar,
tativos com capacidade de sobrevivência e de pelo menos, 21 dias pelo resultado laboratorial.
multiplicação no interior de fagócitos e de muitos
outros tipos celulares tais como eritrócitos, SRE, Manifestações clínicas
etc..
A virulência da bactéria depende do lipopolis- O período de incubação pode variar entre vários
sacárido da respectiva parede celular, o qual tem dias a 4-6 semanas.
capacidade de resistir à acção fagocitária dos poli- As queixas de febre arrastada e/ou queixas
morfonucleares; as bactérias que resistem a tal articulares, associadas à ingestão de alimentos não
acção fagocitária são incorporadas em macrófagos pasteurizados, deve conduzir à suspeita de bruce-
e noutras células do sistema reticuloendotelial lose. Na ausência de antecedentes conhecidos de
(SRE) tornando-se patogénios intracelulares. contacto com animais ou de ingestão de leite ou
Especificamente, os mesmos “residem” no SRE do produtos lácteos não pasteurizados, o diagnóstico
fígado, baço, gânglios linfáticos, medula óssea e clínico de brucelose é difícil.
outros órgãos. A brucelose é uma doença sistémica com início
Com efeito, todas as espécies de Brucella pro- agudo ou insidioso, habitualmente cerca de 2 a 4
CAPÍTULO 286 Brucelose 1461

semanas após a inoculação da bactéria no organis- tagem entre 50 a 75% dos casos na fase aguda,
mo. Surgem então manifestações inespecíficas de antes da antibioticoterapia; na fase subaguda a
febre, artralgia, ou artrite e hepatosplenomegália (30- percentagem de positividade de isolamento dimi-
40% dos casos), as quais constituem a tríade clássi- nui. Realça-se aqui o que atrás foi dito tendo em
ca da doença. conta as características do crescimento (lento) da
A febre é elevada, diária podendo acompa- Brucella: haverá que esperar pelo resultado entre 1
nhar-se de sudorese nocturna intensa. É comum a a 4 semanas.
coexistência de sintomas gerais inespecíficos, tais Por esta razão, e atendendo à fisiopatologia da
como prostração, anorexia, cefaleias, dor abdomi- doença, as provas serológicas através da pesquisa
nal, tosse e faringite. de anticorpos (provas de aglutinação) são funda-
Em cerca de 30% dos casos, a doença, não mentais para o diagnóstico (devendo sempre os
acompanhada de febre, pode manifestar-se ape- resultados ser interpretados em função da anamne-
nas por doença articular, sendo as articulações se e exame objectivo). A mais comum é a chamada
mais frequentemente afectadas a sacroilíaca, a prova Rosa de Bengala, considerada positiva se os
coxofemoral e o joelho. títulos de IgM forem ≥ 1/160, o que acontece na
O exame objectivo é pouco informativo, maioria dos casos; contudo, o resultado desta prova
podendo apenas evidenciar discreta hepatosple- pode ser negativo na primeira semana de doença.
nomegália, ou sinais de artrite. A evolução dos títulos de IgM e de IgG consti-
Raramente, pode ocorrer endocardite e menin- tui um bom indicador de cura ou de recaída, sendo
goencefalite. No jovem, a doença pode manifes- fundamental para a interpretação dos títulos de
tar-se por orquite aguda. anticorpos, quantificar as IgG através de tratamen-
Os sinais de localização em órgãos ou sistemas to laboratorial do soro com 2-mercaptoetanol.
(por ex. miocardite, osteomielite, endocardite e Assim, como notas importantes, cabe salientar:
infecção do tracto génito-urinário) são pouco fre- 1 – o sucesso do tratamento é seguido por dimi-
quentes. nuição rápida de anticorpos IgG;
Pode haver infecção congénita transmitida por 2 – títulos elevados ou em subida de IgG após
via placentar. tratamento sugerem infecção persistente ou recaí-
O intervalo entre o início dos sintomas e o dia- da;
gnóstico pode ser cerca de 150 dias, com uma 3 – títulos baixos de IgM podem persistir duran-
média de 4 semanas. te semanas ou meses após tratamento da infecção;
4 – poderão ser encontrados resultados positi-
Exames complementares vos falsos por reacção cruzada (anticorpos contra
outros agentes Gram-negativos como Yersinia ente-
O diagnóstico poderá ser fácil nas áreas onde a rocolitica, Francisella tularensis, e Vibrio cholerae);
infecção animal é endémica. Nas áreas não endé- 5 – poderão ser encontrados resultados negati-
micas, o clínico poderá orientar-se valorizando, vos falsos devido ao fenómeno pró-zona (presen-
por ex., a estadia do doente em áreas endémicas, ça de títulos elevados de anticorpos anti-Brucella).
ou a ingestão de leite ou produtos animais prove-
nientes das referidas áreas. No âmbito de novos exames cabe citar:
Os achados hematológicos, inespecíficos, – a prova enzimática de imunoensaio, de ele-
poderão evidenciar anemia, hemólise, leucopénia, vada sensibilidade para a detecção de anti-
trombocitopénia ou pancitopénia por hiperesple- corpos anti-Brucella;
nismo, hemofagocitose ou compromisso medular. – a PCR (reacção em cadeia da polimerase),
A proteína C reactiva (PCR) pode estar elevada ainda não disponível em todos os centros.
assim como a velocidade de sedimentação, espe-
cialmente nos casos de compromisso articular. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico definitivo é realizado pelo isola-
mento da bactéria em hemocultura, líquido articu- As manifestações clínicas de brucelose podem ser
lar ou medula, sendo que tal ocorre numa percen- sobreponíveis a outras doenças tais como riquetsiose,
1462 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

febre tifóide, tularémia, tuberculose, infecções por reacção de Herxheimer relacionada com grande
micobactérias atípicas, infecções por fungos (histo- carga antigénica libertada com a destruição do
plasmose, blastomicose, coccidioidomicose), mono- agente infeccioso.
nucleose infecciosa, etc.. No caso de brucelose persis- O Quadro 1 resume o esquema de tratamento
tente haverá que fazer a destrinça com histiocitose antimicrobiano considerando idade (igual ou > 8
maligna, linfoma ou outras doenças neoplásicas. anos, < 8 anos e situações associadas a meningite,
Em circunstâncias especiais em que a história osteomielite e endocardite.
clínica não é suficientemente elucidativa poderão Situações de meningite, endocardite e osteo-
estar indicados exames especiais, designadamente mielite implicam internamento hospitalar, para
imagiológicos e biópsia. além doutras situações específicas e função do res-
pectivo contexto clínico (Capítulos 214, 237, 287).
Prevenção O fármaco englobando a associação trimeto-
prim-sulfametoxazol (vulgo cotrimoxazol) somen-
Tratando-se duma zoonose, a prevenção desta te é recomendado após comprovação da sua acti-
doença depende, entre outras medidas no âmbito vidade com base nos testes de sensibilidade aos
da medicina veterinária, dos cuidados no manu- antimicrobianos; ou seja, não empiricamente, aten-
seamento de carne e leite de animais, e da erradi- dendo à elevada resistência de estirpes de Brucella
cação da doença no gado caprino, ovino, suíno e isoladas em Portugal, ao referido antimicrobiano.
bovino(imunização ou abate de animais infecta- Tratando-se duma doença com repercussão
dos). Os cuidados com o manuseamento de ani- sistémica, estão indicadas medidas sintomáticas
mais potencialmente infectados devem ser aplica- com analgésicos e antipiréticos.
dos igualmente pelos caçadores .
Por outro lado, deverá ser proscrita a ingestão
de alimentos lácteos não pasteurizados. QUADRO 1 – Tratamento antimicrobiano
A aplicação de vacina viva atenuada utilizada da brucelose
em animais não é praticável na espécie humana.
> 8 anos de idade
Tratamento Doxiciclina PO (5mg/kg/dia), dose máxima de
200mg/dia + Rifampicina PO (15-20mg/kg/dia), dose
Dado que a Brucella é uma bactéria intracelular de máxima de 600mg -900mg/dia, durante 4- 6 semanas;
crescimento insidioso, o tratamento antimicrobia- ou
no deve ser sempre duplo e prolongar-se por 4 a 6 Doxiciclina PO (5mg/kg/dia), dose máxima de
semanas nas formas comuns. Nas formas associa- 200mg/dia, durante 4-6 semanas + Estreptomicina IM
das a osteomielite, meningite ou endocardite, o (20-30 mg/kg/dia), dose máxima de 1 g/dia, durante
tratamento tem maior duração (4 a 6 meses). 1-2 semanas, ou Gentamicina IM/IV(3-5 mg/kg/dia),
Chama-se a atenção para o facto de que a acti- durante 1-2 semanas.
vidade de muitos antimicrobianos demonstrada ≤ 8 anos de idade:
in vitro contra Brucella nem sempre corresponde Rifampicina PO (15-20mg/kg/dia), dose máxima de
ao resultado clínico desejado. 600mg -900mg/dia, durante 4- 6 semanas + trimetoprim
A doxiciclina é o antimicrobiano mais útil que, (TMP)-sulfametoxazol(SMZ) PO (TMP:10mg/kg/dia,
quando associado a aminoglicosídeo, garante dose máxima de 480 mg/dia) e (SMZ: 50 mg/kg/dia,
menor percentagem de recaídas. As falências veri- dose máxima de 100 mg/kg/dia), durante 4-6 semanas.
ficadas com beta-lactâmicos, incluindo cefalospo- Meningite, Osteomielite, Endocardite
rinas de 3ª geração, poderão ser explicadas pela Doxiciclina PO (5mg/kg/dia), dose máxima de
natureza intracelular do microrganismo. Nesta 200mg/dia, durante 4-6 meses + Gentamicina IV(3-5
perspectiva, a chave do êxito terapêutico passa mg/kg/dia), durante 1-2 semanas +
pelo esquema de tratamento prolongado no senti- + Rifampicina PO (15-20mg/kg/dia), dose máxima de
do de minorar a probabilidade de recaídas. 600mg -900mg/dia, durante 4- 6 meses.

No início do tratamento poderá verificar-se


CAPÍTULO 286 Brucelose 1463

Prognóstico Shemesh AA, Yagupsky P. Isolation rates of Brucella melitensis


in an endemic area and implications for laboratory safety.
O prognóstico das formas comuns da doença é Eur J Clin Microbiol Infect Dis 2012; 31:441-443
excelente, desde que o doente cumpra o regime Shemesh AA, Yagupsky P. Limitations of the standard aggluti-
antibiótico prescrito. Por vezes, as famílias não nation test for detecting patients with Brucella melitensis
respeitam tratamentos prolongados, o que contri- bacteremia. Vector Borne Zoonotic Dis 2011; 11:1599-1601
bui para recaídas da doença. Troy SB, Rickman LS, Davis CE. Brucellosis in San Diego – epi-
Salienta-se que o tratamento com apenas 1 demiology and species – related differences in acute clinical
antimicrobiano comporta risco de recaída da presentations . Medicine 2005; 84:174- 187
ordem de 5-40%. As formas letais decorrem de Tsolia M, Drakonaki S, Messaritaki A, et al. Clinical features,
complicações como a endocardite. complications and treatment outcome of childhood brucel-
losis in central Greece. J Infect 2002; 44: 257- 262
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Aerossol > Em infecciologia significa disseminação aérea de partículas Trop Paediatr 2010; 30:177-179
≥ 5μm de gotículas evaporadas contendo microrganismos, que per-
manecem em suspensão durante longos períodos, ou poeiras con-
tendo agentes infecciosos ou esporos; os microrganismos podem
dispersar-se até longas distâncias através de correntes de ar.

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1464 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Etiopatogénese e aspectos

287 epidemiológicos

A meningite bacteriana pode ser causada por mui-


tos tipos de bactérias; no entanto há uma predis-
posição relativa de determinados grupos etários
MENINGITE BACTERIANA por determinadas bactérias.
As bactérias mais frequentemente implicadas
PÓS-NEONATAL no primeiro mês de vida e lactente pequeno são
Escherichia coli e Streptococcus do grupo B. A infec-
Ana Leça ção por Listeria monocytogenes também ocorre
neste grupo etário sendo responsável, segundo
alguns autores, por 5-10% dos casos.
Entre os 30 e 60 dias, a infecção por
Definição e importância do problema Streptococcus do grupo B ocorre frequentemente,
com decréscimo dos microrganismos entéricos
Por meningite entende-se a inflamação das mem- gram-negativos. No entanto, como atrás foi referi-
branas que cobrem o encéfalo(*) e a medula espi- do, as bactérias responsáveis por meningite em
nhal. A inflamação meníngea é habitualmente o lactentes mais velhos poderão igualmente ter
resultado de infecção vírica ou bacteriana, e mais papel importante neste grupo etário.
raramente fúngica; no entanto, pode ser devida a Nas crianças de idade superior a dois meses
causas mais raras, como neoplasia, drogas ou Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis
doença do sistema imunitário. causam a maioria dos casos de meningite bacte-
A encefalite (inflamação do encéfalo) implica a riana. Após a comercialização da vacina contra H
extensão do processo inflamatório, que ultrapas- influenzae b tem-se verificado uma diminuição
sa as meninges e atinge o tecido encefálico. Na nítida da incidência da doença por este agente nos
prática, muitas destas situações decorrem como países que introduziram a referida vacina nos res-
meningoencefalite, consequência de todo o pro- pectivos programas de vacinação, como aconteceu
cesso fisiopatológico subjacente a esta entidade em Portugal.
clínica. Nas crianças mais velhas, entre os 1 e 4 anos,
Apesar dos progressos realizados no que Neisseria meningitidis é, sem dúvida, o agente mais
respeita a medidas gerais de suporte e a terapêu- frequente em Portugal, de acordo com dados da
tica antimicrobiana, as infecções do sistema ner- Direcção Geral da saúde. Em 1178 casos interna-
voso central são ainda na actualidade uma impor- dos entre 1980 e 2002 na Unidade de Infecciologia
tante causa de morbilidade e mortalidade na do Hospital de Dona Estefânia (HDE), 778 casos
criança, sobretudo nos primeiros 3 anos de vida, corresponderam a infecções meningocócicas,
período a que corresponde maior incidência da salientando-se que, destes últimos, 33,5% apresen-
doença. tavam um quadro de sépsis, 36% de sépsis com
O diagnóstico de meningite implica um eleva- meningite, e 30,5% de meningite (Capítulo 284).
do índice de suspeita clínica, pois os sinais e sin- As bactérias mais comuns (N meningitidis, S
tomas clássicos nem sempre estão presentes, prin- pneumoniae, H influenzae) contêm uma cápsula de
cipalmente no lactente; mesmo nas situações de polissacáridos o que permite a colonização da
diagnóstico e terapêutica precoces verifica-se uma nasofaringe das crianças saudáveis sem qualquer
frequência elevada de sequelas neurológicas. reacção sistémica ou local. Uma infecção vírica
intercorrente pode facilitar a penetração da bacté-
ria através do epitélio nasofaríngeo. Atingida a
(*) Recorda-se , a propósito, a definição de encéfalo: parte do sistema corrente sanguínea, o polissacárido capsular
nervoso alojado na caixa craniana, ou seja, os hemisférios cerebrais, o
diencéfalo (cérebro propriamente dito), o cerebelo e o tronco cerebral
confere resistência à opsonização pela via clássica
(pedúnculos cerebrais, protuberância anular e bulbo raquidiano). do complemento, com a consequente inibição da
CAPÍTULO 287 Meningite bacteriana pós-neonatal 1465

fagocitose, criando-se condições para bacteriémia perpetuam o processo inflamatório e explicam as


e acesso às meninges. alterações observadas no LCR (aumento do núme-
Uma forma hoje rara, mas grave, de meningite ro de células, pH, lactato, e proteínas, a par da
bacteriana é causada por Mycobacterium tuberculo- diminuição do pH e da glucose).
sis, microrganismo que pode afectar todas as Através do LCR há extensão do exsudado para
idades; a patogénese é insidiosa, condicionando as cisternas basais com as seguintes consequências:
em geral apresentação clínica atípica, dificultando 1 – lesão dos nervos cranianos (nomeadamen-
o diagnóstico (Capítulo 295). te VII par, podendo conduzir a surdez neuro-sen-
A génese do quadro patológico “meningite sorial);
bacteriana” implica que a bactéria atinja o espaço 2 – obstrução da drenagem do LCR (causando
subaracnoideu. As meninges, ao estabelecerem hidrocefalia obstrutiva);
uma separação (barreira) entre a corrente sanguí- 3 – vasculite (sendo as células endoteliais dos
nea e o cérebro, constituem a protecção natural capilares o local principal da lesão na meningite
desta estrutura contra a infecção e os processos bacteriana) e tromboflebite secundárias, responsá-
auto – imunes. Esta função de protecção pode veis por áreas de isquémia localizadas.
ficar comprometida pela acção directa de agentes À medida que aumenta a pressão intracraniana
infecciosos ou pela acção de substâncias químicas e progride o edema cerebral, o fluxo sanguíneo
por eles libertados. A parede celular das bactérias cerebral provocado pela reacção inflamatória,
Gram positivas e Gram negativas contêm compo- (inicialmente aumentado), começa a diminuir. Esta
nentes que desencadeiam resposta inflamatória. redução do fluxo sanguíneo cerebral explica o
Nas bactérias Gram-positivas o ácido tetóico, e agravamento do estado de consciência do doente.
nas Gram-negativas o lipopolissacárido ou as Sem intervenção terapêutica, o ciclo da dimi-
endotoxinas, são considerados os componentes nuição do fluxo sanguíneo cerebral, intensificação
patogénicos principais. Os mediadores da respos- do edema cerebral e aumento da pressão intracra-
ta inflamatória incluem citocinas (TNF, IL-1, 6, 8, niana mantem-se, condicionando maior lesão
10), PAF(factor activador das plaquetas), óxido endotelial com vasospasmo e trombose, maior
nítrico, prostaglandinas e leucotrienos. compromisso do fluxo sanguíneo cerebral e este-
Os componentes patogénicos da parede celu- nose dos grandes e pequenos vasos; ulteriormen-
lar iniciam a cascata do complemento e os proces- te surge, como consequência, hipotensão sistémi-
sos citocinodependentes, com três consequências ca (choque séptico) e lesão difusa do sistema ner-
principais: aumento da permeabilidade da barrei- voso central.
ra hematoencefálica, edema cerebral e presença de Os componentes ou “produtos” patogénicos
mediadores tóxicos no líquido céfalo-raquidiano bacterianos são libertados no LCR, não só no
(LCR). Uma vez lesada a barreira hematoencefáli- decurso da multiplicação bacteriana, mas espe-
ca os microrganismos invadem o LCR o qual não cialmente quando há lesão destrutiva da parede
está adaptado para responder à infecção porque celular, sendo que a terapêutica antibimicrobiana
os leucócitos, os anticorpos específicos de tipo e os leva a libertação significativa de mediadores da
factores do complemento, não têm boa penetração resposta inflamatória.
na barreira hematoencefálica. Assim, uma vez Os agentes responsáveis pela meningite bacte-
atingido o LCR, verifica-se que as bactérias têm riana podem atingir a leptomeninge por diversas
uma grande capacidade de multiplicação. vias, nomeadamente:
Factos importantes como: • via hematogénica, a mais frequente, em que as
1 – a replicação bacteriana, o aumento das célu- bactérias atingem as meninges através da corrente
las inflamatórias, com activação plaquetária e acti- sanguínea; a mais frequente corresponde à bacte-
vação dos leucócitos; riémia com origem nasofaríngea, adquirida por
2 – as alterações funcionais e estruturais indu- contacto com um portador assintomático;
zidas pelas citocinas com repercussão nos meca- • extensão local de infecção extracerebral contí-
nismos de transporte de membrana; e gua (por exemplo, otite média, mastoidite ou
3 – o aumento da permeabilidade vascular, sinusite);
1466 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

• implantação directa das bactérias como compli- LCR ou outras alterações traumáticas, cirúrgicas
cação de intervenção cirúrgica na cabeça e no pes- ou congénitas, atrás referidas;
coço, lesão penetrante na cabeça, fractura de crâ- – dependência de drogas endovenosas;
nio,ou erosão osteomielítica; as fracturas de crânio – endocardite bacteriana;
podem lesar a dura-máter e causar uma fístula de – derivação ventriculoperitoneal.
LCR, principalmente nas regiões do seio frontal e – coabitação de grande número de indivíduos
etmoidal. (quartéis, residências de estudantes): risco aumen-
Nestas circunstâncias há risco acrescido de tado de surtos de meningite meningocócica;
meningite recorrente, sendo que o primeiro episó- – exposição recente a outros casos de meningi-
dio poderá não ter uma relação temporal com o te, com ou sem profilaxia.
traumatismo, o qual, muitas vezes, foi considera-
do irrelevante e, por isso, não valorizado; Manifestações clínicas
• anomalias congénitas, nomeadamente defeitos
de encerramento da linha média, como quistos A meningite aguda pode manifestar-se de duas
dermóides intracranianos; há habitualmente nes- formas:
tas situações um seio dérmico com fístula para a – início agudo com progressão rápida para
pele, e meningite por agentes pouco habituais choque, púrpura, CID, letargia ou coma e, por
nomeadamente Staphylococcus epidermidis. vezes morte em 24 horas (forma mais rara); e
A infecção meníngea no período neonatal (que – início mais lento com febre de duração variá-
ultrapassa o âmbito deste capítulo) está habitual- vel acompanhada de infecção das vias respirató-
mente relacionada com os agentes que colonizam rias superiores ou de sintomatologia gastrintesti-
o tracto intestinal ou genital da mãe e com a ima- nal, seguindo-se sinais inespecíficos de irritação
turidade e inexperiência imunológicas do recém- do SNC (alteração do estado mental, letargia, irri-
nascido. No entanto, as bactérias adquiridas por tabilidade, etc. (forma mais frequente).
contacto ambiental, típicas do lactente e criança, Pode afirmar-se, em suma, que os sinais e sin-
podem também condicionar meningite no recém- tomas de meningite se relacionam com sinais ines-
nascido. (Capítulos 359 e 361) pecíficos de infecção sistémica associados a sinais
de irritação meníngea.
Factores de risco O choque por endotoxinas com colapso vascu-
lar é característico da infecção grave por Neisseria
Tendo em conta os eventos patogénicos descritos, meningitidis (Capítulos 268 e 269). Apesar de o
torna-se mais fácil compreender os factores de exantema generalizado, máculo-papular, pete-
risco de meningite bacteriana: quial ou purpúrico ser habitualmente associado à
– idades extremas da vida (inferior a 5 anos, e meningite/sépsis menigocócica, pode surgir
principalmente inferior a 2 anos, ou superior a 60 igualmente nas infecções por Haemophilus influen-
anos); zae e por Streptococcus pnemoniae (Capítulos 278 e
– na criança de idade inferior a 5 anos são fac- 282). Um exantema petequial precoce (concomi-
tores de risco acrescido: diabetes mellitus, insufi- tante com a febre ) deve ser sempre considerado
ciência renal ou suprarrenal, hipoparatiroidismo, indicador muito provável de infecção bacteriana;
fibrose quística; por outro lado, um exantema macular precoce em
– imunossupressão; nesta circunstância os relação à febre deve sempre evocar uma infecção
doentes comportam risco mais significativo de meningocócica.
infecção por agentes oportunistas, podendo não Na criança os sinais e sintomas são, regra
evidenciar os sinais clássicos de febre e irritação geral, dependentes da idade. Muitas vezes é refe-
meníngea; rida infecção das vias respiratórias superiores nos
– status pós-esplenectomia, drepanocitose e dias precedentes, coexistindo eventualmente com
talassémia major comportam maior risco de infec- o quadro descrito (por ex. sinusite e/ou otite
ção meníngea por microrganismos capsulados; média).
– infecção contígua (por ex. sinusite), fístula de Os sintomas clássicos em lactentes são: recusa
CAPÍTULO 287 Meningite bacteriana pós-neonatal 1467

alimentar, vómito, irritabilidade (por vezes irrita- Diagnóstico


bilidade paradoxal: a criança chora quando conso-
lada e acalma quando não estimulada), gemido, Exame do LCR
choro gritado, prostração, febre ou instabilidade O diagnóstico de meningite bacteriana aguda fun-
térmica, fontanela hipertensa, por vezes damenta-se na análise do LCR obtido através de
convulsões, dificuldade respiratória, episódios de punção lombar (PL) procedendo a: exame citoquí-
apneia ou cianose. Os sinais de irritação meníngea mico, coloroção pelo Gram, pesquisa de antigé-
poderão não estar presentes no primeiro ano de nios bacterianos, exame cultural e, em circunstân-
vida. cias determinadas, avaliação pela reacção de poli-
Em crianças de idade superior a 1 ano são merase em cadeia (PCR). Na presença da referida
habituais náusea e vómito, cefaleia, fotofobia, infecção, o referido exame revela classicamente
febre ou hipotermia, prostração. Verificam-se os pleiocitose neutrófila, elevação das proteínas
sinais clássicos de irritação meníngea: rigidez da (hiperproteinorráquia) e diminuição da concen-
nuca, sinal de Kernig (impossibilidade de tração da glucose (hipoglicorráquia).
extensão completa dos membros inferiores após Recentemente surgiram correntes defendendo
flexão a 90º da coxa sobre a anca) e sinal de que “a punção lombar não é fundamental para o
Brudzinski (flexão automática dos joelhos com a diagnóstico de meningite, não contribuindo even-
flexão do pescoço). tualmente para alterar decisões terapêuticas e
Outros sinais de compromisso neurológico que acarretando riscos desnecessários de herniação
poderão ser verificados são: alteração do estado cerebral; … “e que novos métodos, nomeadamen-
de consciência, convulsões, sinais neurológicos te a PCR (Polymerase Chain Reaction) permitem o
focais (incluindo convulsões focais) e alterações diagnóstico etiológico” (fim de citação).
dos pares cranianos III, IV, VI, VII. O edema da Reitera-se que a PL é fundamental para o dia-
papila surge em cerca de um terço dos doentes gnóstico, pois muitas vezes os sinais e sintomas
com meningite, demorando cerca de 24 a 48 horas são inespecíficos e não apontam para um agente
a estabelecer-se. As convulsões generalizadas ou etiológico definido. A PL pode, efectivamente,
focais podem surgir em cerca de 30% dos doentes. alterar a decisão terapêutica. Com efeito, de acor-
Nos estádios mais tardios da doença, nalguns lac- do com o seu resultado, este poderá apontar para
tentes desenvolvem-se sinais neurológicos focais e uma etiologia vírica estabelecendo a indicação de
noutros, sinais sistémicos como febre, indicativos não instituição de terapêutica antibiótica, ou ser-
de derrame subdural. A incidência de derrame vir de fundamento para a sua interrupção , quan-
subdural não tem relação específica com determi- do previamente instituída. Permite igualmente
nada bactéria. estabelecer o diagnóstico etiológico e realizar
Muitos dos sinais neurológicos devem-se a testes de sensibilidade aos antibióticos (TSA) nos
um aumento da pressão intracraniana, responsá- casos de meningite bacteriana, possibilitando a
vel por uma morbilidade significativa e pela alteração da terapêutica empírica inicial e a insti-
maioria das sequelas das meningites bacterianas. tuição de terapêutica antibiótica dirigida.
Os sinais precoces da hipertensão intracraniana são A identificação do microrganismo no LCR é
vagos, incluindo vómitos, estupor, fontanela importante não só para o diagnóstico, como tam-
hipertensa, e paralisia do VI par. Se a situação não bém, na perspectiva da Saúde Pública, para fun-
for combatida poderá surgir herniação cerebral, damentar as decisões de instituir ou não profilaxia
com alteração dos movimentos oculares, bra- aos contactos próximos, permitindo a efectivação
dicárdia, hipertensão, descorticação/descerebra- de estudos epidemiológicos de incidência com
ção e apneia. definição de serogrupos, serótipos ou subtipos cir-
A artrite, quando surge, é sugestiva de infec- culantes, evolução dos padrões de resistência aos
ção por Neisseria meningitidis. Se ocorrer nos pri- antibióticos e avaliação da efectividade das vaci-
meiros dias de doença é muitas vezes piogénica; nas actualmente disponíveis.
se mais tarde, corresponderá a forma reactiva, A efectivação da análise PCR no LCR pode ser
curando, regra geral, sem sequelas. muito útil nos casos em que haja contra-indicação
1468 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

para a realização de punção lombar, ou quando rencial dos leucócitos, plaquetas e estudo da coa-
possa haver inibição do crescimento bacteriano, gulação
nomeadamente nos casos de antibioticoterapia – Ionograma sérico (avaliação do equilíbrio
prévia. hidroelectrolítico, estado de hidratação e detecção
São descritas a seguir as principais contra-indi- de eventual hiponatrémia (de diluição) compatí-
cações da PL: vel com síndroma de secreção inapropriada de
• Choque ou instabilidade hemodinâmica hormona antidiurética –SIADH)
• Depressão do estado de consciência ou sua – Glicémia (designadamente, para comparação
deterioração rápida com glicorráquia)
• Alterações dos reflexos pupilares, midríase – Ureia, creatinina e enzimas hepáticas (para
ou anisocória detecção de eventual disfunção de órgãos e per-
• Sinais neurológicos focais mitir eventual correcção terapêutica (designada-
• Postura de descerebração ou de descortica- mente, dose de antibióticos)
ção – Ionograma urinário suspeitando-se de
• Ausência de resposta oculocefálica SIADH. (Capítulos 48, 49, 136, 268, 269).
• Edema da papila Notas importantes:
• Hipertensão com bradicárdia (Sinal de 1 – Se a PL não permitir obter LCR para análi-
Cushing) se (PL “branca”, na gíria), e havendo suspeitas clí-
• Alterações respiratórias (respiração de nicas fundamentadas, a situação em causa deve
Cheyne-Stokes, hiperventilação) ser tratada empiricamente como meningite. Mais
• Após convulsão prolongada (duração supe- vale uma PL “branca” que uma meningite não
rior a 30 minutos), tónica ou focal diagnosticada e não tratada.
• Infecções da pele e tecidos moles no local da 2 – Se a PL for traumática, e se se verificar LCR
punção hemorrágico, tal poderá comprometer a interpre-
• Alterações anatómicas locais, como escoliose tação do resultado do exame deste, nomeadamen-
grave ou mielomeningocele. te no que respeita aos parâmetros “ células” e
• Alterações da coagulação (sendo a tromboci- concentração de “proteínas” (embora haja méto-
topénia contra-indicação relativa) dos para cálculos em tais circunstâncias, falíveis).
Contudo, poder-se-á tirar conclusões quanto a
Hemocultura e outros exames culturais coloração pelo Gram e a glicorráquia. Neste
Em todos os casos de suspeita de meningite deve contexto, será prudente aguardar os resultados do
proceder-se a hemocultura. De acordo com estu- exame bacteriológico, continuando com validade
dos de vários centros a mesma, realizada em o que foi referido na alínea 1.
condições correctas, poderá revelar o agente res- 3 – Um resultado positivo de PCR no sangue
ponsável pela meningite em 50-80% dos casos para Streptococcus pneumoniae não significa que
(cerca de 80% dos casos provocados por seja este o agente responsável pelo processo
Haemophilus influenza b e Streptococcus pneumoniae, meníngeo, podendo apenas reflectir colonização
mas apenas 50% dos casos de meningite por nasofaríngea. Em relação a Neisseria meningitidis
Neisseria meningitidis). alguns autores referem que a PCR quantitativa no
Em função do contexto clínico, outros exames sangue periférico se correlaciona com o prognósti-
culturais poderão ser de utilidade (por ex. de co, e que a carga bacteriana máxima tem sido
secreções respiratórias). observada em crianças que vieram a falecer.
O Quadro 1 sintetiza as principais característi-
Outros exames laboratoriais cas do LCR a valorizar para o diagnóstico de
Para avaliação global do doente, tratando-se meningite bacteriana.
duma doença sistémica, são realizados os
seguintes exames, a ponderar racionalmente caso Exames imagiológicos
a caso: Em determinadas circunstâncias está indicada a
– Hemograma completo com contagem dife- realização de exames de imagem, os quais nunca
CAPÍTULO 287 Meningite bacteriana pós-neonatal 1469

QUADRO 1 – Características do LCR e diagnóstico de meningite bacteriana

Características do LCR Meningite bacteriana – Comentários


Pressão normal:
5-18 cm H2O Aumentada
Número de células Um valor normal de células não pode excluir meningite bacteriana. Na meningite
(leucocitos/mm3) (valores normais): bacteriana (tipicamente), é superior a 100 polimorfonucleares/mm3, podendo
– RN pré-termo: 0-25 ser inferior ou até normal (nas fases precoces da meningite meningocócica).
– RN de termo: 0-22 Pode existir linfocitose com parâmetros químicos normais em cerca de 15 a
– >1 mês: 0-5(60-70% de linfócitos; 25% dos casos, especialmente se o número de células for inferior a 1000, ou
30-40% de monócitos; se parcialmente tratada (meningite decapitada por antibioticoterapia prévia).
1-3% de neutrófilos ) O número de células e os parâmetros do exame químico normalizam lentamente
ao longo do período da terapêutica.
Exame microbiológico negativo Se for bem efectuado, o exame microbiológico é positivo em 80% dos casos
(a “normalidade” corresponde a não isola- comprovados de meningite bacteriana. De salientar que uma lâmina tecni-
mento de microrganismo) camente mal corada pode confundir H influenza com cocos Gram positivos.
O tratamento prévio com antibióticos pode afectar a captação do corante
fazendo com que germes Gram positivos sejam confundidos com Gram
negativos.
Glicorráquia normal (mg/dL): Glicorráquia diminuída
50%- 60% da glicémia ou > 40 mg/dL
(no RN: >75-80%)
Proteinorráquia normal (mg/dL): Proteinorráquia elevada, geralmente >150 mg/dL, podendo atingir valor >
– RN pré-termo: 65-150 1000 mg/dL
– RN termo: 20-170
– >1 mês: 15-45

deverão atrasar o início da terapêutica (ver adian- Diagnóstico diferencial


te). Salientam-se a TAC e a RMN. O papel even-
tual da ecografia transfontanelar no lactente é abor- Para além dos microrganismos mais prevalentes
dado na Parte XXXI. atrás discriminados, outros poderão estar implica-
Indicações da TAC ou RMN: dos, havendo que admitir o seu papel, designada-
– Nos doentes com evidência de traumatismo mente em determinadas áreas do globo, ou verifi-
craniano, alteração do estado de consciência, ou cando-se determinada patologia prévia.
sinais focais. Para além do já referido agente M. tuberculosis,
– Nos doentes com edema da papila, ou outras citam-se:
contra-indicações para punção lombar. – Borrelia burgdorferi (doença de Lyme)
– Situações de difícil diagnóstico diferencial (Capítulo 293), Nocardia spp, Treponema pallidum,
(ver adiante). etc.;
Os exames de imagem podem ser normais ou – Determinados fungos em determinadas
revelar sinais de ventrículos pequenos, apaga- regiões endémicas (Coccidioides, Histoplasma, e
mento dos sulcos cerebrais na convexidade e acen- Blastomyces), e outros infectando indivíduos imu-
tuação da hiperdensidade relativa da substância nocomprometidos (Candida, Cryptococcus, Aspegil-
cinzenta. Sinais mais tardios incluem enfarte lus) (Capítulo 303);
venoso e hidrocefalia comunicante. – Determinados parasitas como Toxoplasma
Salienta-se que os referidos exames não permi- gondii.
tem excluir hipertensão intracraniana. No que respeita a sinais clínicos sugerindo
meningite cabe referir:
1470 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– Infecções focais do SNC [abcesso cerebral, Antibioticoterapia


abcesso parameníngeo (empiema subdural, abces- A terapêutica inicial (empírica) da meningite bac-
so epidural espinhal e craniano)]; teriana deve cobrir os dois agentes mais fre-
– Doenças não infecciosas com inflamação quentes: S. pneumoniae e N. meningitidis. O contro-
generalizada do SNC (síndromas associadas a lo da doença invasiva por H. influenzae tipo b em
vasculite,exposição a toxinas, tumores malignos, Portugal após a introdução da vacina conjugada
etc.) (Capítulos 127, 218). no PNV com altas taxas de cobertura vacinal,
– Meningoencefalite vírica, seguramente a levou a que esta bactéria seja agora muito rara-
situação que clinicamente poderá ser mais facil- mente responsável por casos de meningite bacte-
mente confundida com meningite bacteriana; riana (Capítulo 282). O objectivo é obter níveis bacte-
contudo, o perfil de alterações do LCR em infec- ricidas no LCR e LCR estéril dentro de 24-48 horas
ções víricas é diverso do que, em geral, se observa após início de antibioticoterapia correcta.
em infecções bacterianas. (Capítulo 299) • Estando disponível o resultado da coloração
de Gram, e na hipótese de esta revelar bactérias
Tratamento Gram negativas (muito provavelmente N. menin-
gitidis), a terapêutica empírica inicial incluirá uma
Princípios gerais cefalosporina de 3ª geração, cefotaxima IV
Nas formas agudas, rapidamente progressivas, (200mg/kg/dia em 4 doses) ou ceftriaxona IV
surgindo em < 24 horas, na ausência de sinais de (100mg/kg/dia) em dose única diária, (sendo em
hipertensão intracraniana (HIC), deve ser iniciada duas doses com intervalo de 12 horas nas primei-
de imediato antibioticoterapia segundo esquema ras 24 horas de terapêutica).
empírico, após PL. Alguns autores propõem, mesmo nos casos
Verificando-se sinais de HIC ou sinais neuroló- com resultado conhecido da coloração de Gram, a
gicos focais, a referida antibioticoterapia deverá associação empírica inicial com vancomicina (ver
ser iniciada sem proceder a PL, mas antes de se abaixo) de modo a cobrir H influenzae do tipo b,
proceder a TAC; a HIC deve ser tratada simulta- resistente às β-lactamases. Esta estratégia é dis-
neamente, tal como a disfunção multiorgânica e cutível no actual contexto epidemiológico de
ou choque e SDR (Capítulos 268 e 269). Portugal.
Quer nas formas agudas referidas, quer nas • Estando disponível o resultado da coloração
formas subagudas manifestando-se em geral num de Gram revelando aquele bactérias Gram positivas
período de 4-7 dias, pelo menos na fase inicial, (muito provavelmente S. pneumoniae), a terapêuti-
está indicado o internamento em UCIP dada a ca empírica inicial incluirá uma cefalosporina de
necessidade de monitorização contínua rigorosa 3ª geração, cefotaxima IV (200mg/kg/dia em 4
(Capítulo 264). doses) ou ceftriaxona IV(100mg/kg/dia) em dose
única diária, (sendo em duas doses com intervalo
Medidas de suporte de 12 horas nas primeiras 24 horas de terapêutica)
Estas medidas podem ser sistematizadas do associada a vancomicina IV (60 mg/kg/dia em 4
seguinte modo: doses).
– Monitorização dos sinais vitais, de manifes- • Desconhecendo-se o resultado da coloração
tações neurológicas, e do balanço hídrico. de Gram, e em crianças de idade inferior a 2 anos,
– Prescrição correcta dos suprimentos IV efec- ou com factores de risco de doença pneumocócica
tuados para prevenção do edema cerebral. Os invasiva, a terapêutica empírica inicial deverá
referidos suprimentos devem permitir a manuten- incluir uma cefalosporina de 3ª geração associada
ção da pressão arterial sistólica em valores cerca à vancomicina (ver atrás). Em crianças com idade
de 80 mmHg, diurese cerca de 500 mL/m2/d, e superior a 2 anos e sem factores de risco referidos,
perfusão tecidual adequada. a terapêutica empírica inicial deverá incluir ape-
– Dopamina e outros agentes inotrópicos: nas uma cefalosporina de 3ª geração.
poderão estar indicados com o objectivo de man- • A terapêutica empírica inicial deverá ser sub-
ter uma pressão arterial adequada. stituída por uma terapêutica dirigida logo que
CAPÍTULO 287 Meningite bacteriana pós-neonatal 1471

sejam conhecidos os resultados dos exames cultu- *5-7 dias para a meningite meningocócica não
rais e respectivas sensibilidades e resistências. complicada.
No caso da meningite pneumocócica, se a bacté- *21 dias para a meningite bacilar por Gram-
ria for sensível às cefalosporinas de 3ª geração, negativos (ou 2 semanas após esterilização do
dever-se-á interromper a vancomicina. Se sensível LCR – o que pode acontecer entre 2-10 dias depois
à penicilina (o que acontece em ~75% dos casos), do início do tratamento.
esta deverá ser o fármaco de eleição (penicilina G N.B. – Num estudo recente patrocinado pela
aquosa IV na dose de 400.000U/kg/dia em 4 a 6 OMS, concluiu-se que fora do período neonatal,
doses). situações de meningite purulenta causadas por S.
Contudo, se nos produtos com isolamento de pneumoniae, H. influenzae tipo b ou N. meningitidis,
S. pneumoniae, a CIM (concentração inibitória caso se verifique estabilização clínica pelo 5º dia
mínima) para cefotaxima for elevada (~ 2mcg/ de tratamento com ceftriaxona, o antibiótico pode
/mL), deve utilizar-se uma dose mais elevada do ser então interrompido com segurança.
mesmo antibiótico (300 mg/kg/dia), ou ceftriaxo- A repetição da PL não está indicada como rotina em
na (200mg/kg/dia), em associação a vancomicina formas não complicadas de meningite pneumocóci-
(60 mg/kg/dia). ca, meningocócica ou por H. influenzae-b com sensi-
Nos casos raros de elevada resistência às cefa- bilidade dos agentes aos antibióticos; somente
losporinas de 3ª geração (~25%), a monoterapia poderá estar indicada em lactentes com meningite
com vancomicina, antibiótico com penetração bacilar por Gram-negativos ou em situações de
deficiente no SNC, poderá não ser adequada para infecção por S. pneumoniae resistente aos beta-lac-
uma rápida esterilização do LCR, razão pela qual tâmicos.
deve ser adicionada rifampicina. Estudos recentes
sugerem que a terapêutica com carbapenemes Corticoterapia
(meropenem ou imipenem) pode ser uma opção Vários AINE têm sido usados para atenuar a
para os isolados resistentes às cefalosporinas. resposta inflamatória do organismo à infecção
• Nas meningites em doentes imunodeprimi- bacteriana, na tentativa de diminuir a morbilidade
dos com síndroma meníngea, havendo suspeita e mortalidade associadas à meningite bacteriana.
de agentes Gram-negativos, a terapêutica inicial Com efeito, apenas com o corticóide dexametaso-
deverá incluir ceftazidima IV (150-200 mg/kg/dia na se tem verificado eficácia, e apenas nalguns
em 3 a 4 doses) associada a aminoglicosídeo, por casos.
ex. gentamicina IV(5-7 mg/kg/dia) em perfusão, Os efeitos benéficos da dexametasona (0,15
dose única diária. mg/kg cerca de 15-20 minutos antes da dose de
• Suspeitando-se, em lactentes, de meningite antibiótico e continuada de 6 em 6 horas durante
por L. monocytogenes, ou situações associadas a 4 dias) foram demonstrados em crianças com
deficiência de linfócitos T, está indicada a ampici- meningite por H influenzae b, traduzidos por
lina IV (200 mg/kg/dia) em 4 doses diárias; as sequelas neurológicas e auditivas mais ligeiras.
cefalosporinas são inactivas contra L. monocyto- Em relação às meningites pneumocócica e
genes. Como alternativa: trimetoprim-sulfame- meningocócica, de acordo com múltiplos estudos
toxazol IV. efectuados, não foi demonstrada vantagem inequí-
• Nas meningites bacilares por Gram-negati- voca com a utilização de dexametasona. Nos casos
vos (por E. coli ou Pseudomonas aeruginosa) estão de meningite por S. pneumoniae a dexametasona
indicadas cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxo- deve ser usada ponderando riscos e benefícios,
na, ceftazidima, cefotaxima-ver atrás doses). Na pois ao reduzir a inflamação, a dexametasona
maioria dos casos as estirpes de P. aeruginosa são diminui a penetração da vancomicina no SNC.
sensíveis à ceftazidima.
• Duração da antibioticoterapia: Hipertensão intracraniana
*10-14 dias para a meningite por S. pneumo- Manitol – Nos casos de hipertensão intracraniana
niae; está indicada a administração precoce de manitol
*7-10 dias para a meningite por H. influenzae; (0.25-1 g/kg/dose IV durante 20-30 minutos,
1472 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

podendo ser repetida a administração); o mesmo e após o internamento, para detecção precoce das
produz efeito diurético osmótico que, ao aumen- sequelas e tentativa de minorar consequências. Se
tar transitoriamente a osmolalidade do espaço bem que na maioria dos casos as sequelas neu-
intravascular, condiciona um movimento de água rológicas sejam subtis e dificilmente detectáveis,
dos tecidos cerebrais para o espaço intravascular. nomeadamente a dificuldade na aprendizagem
Dexametasona – Tem sido usada para a redução que pode ter etiopatogénese multifactorial, nal-
da pressão intracraniana, embora dados recentes guns doentes surgem sequelas graves: surdez
não tenham demonstrado eficácia (dose: 10 a 12 neurossensorial, cegueira, hemiparésia, ataxia,
mg/m2/dia em 4 doses durante período máximo convulsões complexas, atraso do desenvolvimen-
de 5 dias). to psicomotor, hidrocefalia obstrutiva e atrofia
Acetazolamida e furosemido – a sua eficácia em cerebral.
doentes com meningite bacteriana não foi A diminuição da audição pode ser precoce ou
demonstrada em estudos controlados. tardia, e a sua detecção permitirá medidas que
têm como objectivo a recuperação: colocação de
Convulsões próteses auditivas ou de implante coclear, assim
Durante a convulsão, assegurando-se a permeabi- como terapia da fala, de modo a permitir a reinte-
lidade da via aérea de modo a permitir uma boa gração da criança na comunidade.
oxigenação tecidual (ressucitação ABC), devem As sequelas motoras, neurológicas ou por
ser administradas de imediato drogas anticonvul- amputação (nomeadamente nalguns dos casos de
santes por via endovenosa. A terapêutica inicia-se, sépsis meningocócica que se manifestam por coa-
preferencialmente, por diazepam IV(0,1-0,2 gulação intravascular disseminada e choque por
mg/kg/dose) ou lorazepam IV (0,05-0,10 endotoxinas) implicarão um trabalho de reabilita-
mg/kg/dose). Após paragem da convulsão deve ção, de terapia ocupacional e de apoio psicológico
iniciar-se fenitoína (dose de impregnação de 15-20 de modo a rendibilizar, ao máximo, a função de
mg/kg, seguida de dose de manutenção de 5 cada doente com a utilização de todas as suas
mg/kg/dia) a fim de evitar recorrência. A fenitoí- potencialidades.
na, obrigando a monitorização sérica, é preferível
ao fenobarbital pela menor probabilidade de Prevenção
depressão respiratória: os níveis séricos deverão
ser mantidos entre 10-20 mcg/mL. Neste contexto Quimioprofilaxia dos contactos
haverá também que proceder ao doseamento séri- Este tópico foi abordado nos Capítulos 282 e 284.
co de glucose, cálcio e sódio (Capítulos 265 e 266).
Actuação na comunidade
Complicações, sequelas e prognóstico A quimioprofilaxia utiliza-se nos casos de doença
invasiva por N. meningitidis e H. influenzae. Não
As sequelas a longo prazo variam com o agente tem qualquer interesse na doença invasiva por S
etiológico, a idade do doente, os sinais clínicos pneumoniae, uma vez que a colonização nasofarín-
iniciais e o atraso no diagnóstico, este último por gea é muito frequente e existe uma grande varia-
vezes relacionado com a demora na procura de bilidade de serótipos.
cuidados médicos. A quimiprofilaxia no âmbito da comunidade
Em relação à evolução clínica no decurso do deve ser decidida pela Autoridade de Saúde local.
internamento, as convulsões nos primeiros 3 dias Em 1997 iniciou-se, em Portugal, o projecto
de internamento têm, regra geral, valor prognósti- SARA-MENINGITES (Serviço de Alerta e
co irrelevante, ao contrário das convulsões difíceis Resposta Adequada) que tem por finalidade uma
de controlar e que surgem após o 4º dia de inter- actuação precoce e coordenada na comunidade.
namento, geralmente relacionadas com uma evo- Esta actuação passa pela instituição de profilaxia,
lução complicada e sequelas graves. quando indicada, ou por medidas educativas de
As crianças internadas por meningite bacteria- modo a desmistificar receios e evitar atitudes
na necessitam de uma vigilância mantida durante menos correctas . A activação deste projecto é feita
CAPÍTULO 287 Meningite bacteriana pós-neonatal 1473

através de um telefonema do médico hospitalar Mathew S, Overturf GD. Complement and properdine defi-
para a Autoridade de Saúde. Este contacto deverá ciencies in meningococcal disease. Pediatr Infect Dis J 2006;
ser efectuado em todos os casos de meningite, 25:255-256
bacteriana ou outra. Metreau Z, Le Bars H, Desgranges-Federico M, et al.
Deverá ser preenchido e enviado o impresso Méningites à Haemophilus chez des enfants vaccinés.: à
de Notificação das Doenças de Declaração propos de 3 cas. Archives de Pédiatrie 2013; 20: 492-495
Obrigatória (DDO) quando estiver indicado. Molyneux E, Nizami SQ, Saha S, et al. Five versus 10 days of
De salientar que a meningite por N. meningitidis treatment with ceftriaxone for bacterial meningitis in chil-
e por H. influenzae do tipo b são de declaração obri- dren: a double – blind randomised equivalence study.
gatória, ao contrário da meningite pneumocócica. Lancet 2011; 377: 1837 - 1845
A doença por N. meningitidis é objecto de noti- Nigrovic LE, Kuppermann N, Macias CG, et al. Clinical pre-
ficação laboratorial, sendo obrigatório o envio das diction rule for identifying children with cerebrospinal
colónias confirmadas ou suspeitas para o Instituto fluid pleocytosis at very low risk of bacterial meningitis.
Nacional de Saúde/Instituto Ricardo Jorge (INSA JAMA 2007; 297: 52-60
/ IRJ) para serogrupagem, serotipagem e estudo Pizarro CF, Troster EJ, Damiani D, Carcillo JA. Absolute and
molecular, de modo a ser possível traçar o perfil relative adrenal insufficiency in children with septic shock.
epidemiológico da infecção após a introdução no Crit Care Med 2005; 33:855-859
mercado, e posteriormente no PNV, da vacina Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
conjugada contra N. meningitidis do serogrupo C. AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
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McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
1474 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

288
epidémico; 4 – erliquioses e anaplasmoses. A febre
escaronodular, riquetsiose com maior expressão
no nosso país, integra o Capítulo 289. Actual-
mente a febre Q é englobada nas doenças por
agente da família Coxiellaceae.

RIQUETSIOSES (excluindo febre


escaronodular) 1. FEBRE DAS MONTANHAS
ROCHOSAS
Ana Leça e Mónica Baptista
Definição e importância do problema
A febre das Montanhas Rochosas (FMR) é a riquet-
Importância do problema siose mais frequentemente identificada nos EUA e,
considerando globalmente as doenças infecciosas
O género Rickettsia, que pertence à família transmitidas por vectores) neste país, é a segunda
Rickettsiaceae, compreende diferentes espécies de em incidência a seguir à doença de Lyme (cerca de
bactérias Gram negativas incluindo, designada- 6.000 a 12.000 casos anuais com uma mortalidade
mente, os géneros Coxiella e Ehrlichia. Todas as estimada entre 3 a 7% dos doentes não tratados
espécies deste género são parasitas intracelulares atempada e adequadamente). Ocorre com maior
obrigatórios, têm curta viabilidade fora dos reser- incidência em crianças com < 10 anos de idade.
vatórios habituais e dos vectores que infectam, e O agente etiológico é a R. rickettssi, sendo que
cultivam-se com dificuldade em laboratório. várias espécies de carraças servem de vector de
O seu ciclo de vida mantém-se ao infectar transmissão da doença. Após inoculação dos
espécies de hospedeiros (geralmente mamíferos) e microrganismos na derme, veiculados através da
vectores (habitualmente carraças ou pulgas). Com saliva do vector, aqueles atingem o endotélio vas-
excepção da Rickettsia prowazekii, o ser humano cular com lesão das membranas celulares. O meca-
constitui um hospedeiro acidental. nismo de lesão da membrana das células do hos-
O impacte mundial das doenças produzidas pedeiro pelas riquétsias, que entretanto se multi-
por estes microrganismos (riquetsioses) continua plicam e se disseminam pela corrente sanguínea
a ser considerável devido à sua elevada prevalên- atingindo diversos órgãos, é do tipo peroxidante.
cia em numerosas áreas e à morbilidade que O período de incubação desta doença varia
condicionam. Algumas das espécies constituem, entre 2 a 14 dias.
actualmente, autênticos paradigmas de agentes
patogénicos emergentes. Por outro lado, o inter- Manifestações clínicas e diagnóstico
esse geral por este género de microrganismos tem
aumentado nos últimos anos pela sua potencial Esta doença manifesta-se por febre, mialgia, cefa-
utilização como arma biológica no bioterrorismo. leia intensa, náuseas, vómitos e anorexia. Surge
A patogénese é semelhante em todas as doen- exantema em cerca de 80 a 90% dos casos, geral-
ças que originam; basicamente, trata-se duma vas- mente, ao quarto dia de doença: inicialmente
culite de pequenos vasos, por infecção directa das macular, podendo evoluir para papular e para
respectivas células endoteliais, produzindo-se petequial; a evolução é centrípeta, com início nos
focos de vasculite multissistémica, responsável punhos, tornozelos, palmas e plantas, expandin-
pelo polimorfismo do quadro clínico. do-se depois para o tronco. A doença dura geral-
Neste capítulo são abordadas sucintamente mente cerca de três semanas, com compromisso
algumas das entidades clínicas fazendo parte das habitual dos sistemas nervoso central, cardiovas-
riquetsioses: 1 – febre das Montanhas Rochosas; 2 cular, pulmonar, e renal; nas situações graves
– tifo murino ou endémico; 3 – tifo exantemático pode surgir coagulação intravascular disseminada
CAPÍTULO 288 Riquetsioses (excluindo febre escaronodular) 1475

e choque. Os doentes com défice da glucose-6-fosfa- pulga Xenopsylla cheopsis o vector de transmissão da
to desidrogenase comportam risco elevado de FMR doença. Recentemente demonstrou-se que a pulga
fulminante, podendo levar à morte em < 5 dias. do gato pode desempenhar um importante papel no
Na fase aguda da doença não é exequível ciclo biológico e na transmissão ao Homem.
prova diagnóstica, de aplicação sistemática na clí- R. typhi é uma riquétsia vasculotrópica com
nica, para confirmação. Em determinados labo- mecanismo de doença semelhante ao descrito
ratórios e em situações seleccionadas pode ser para a R.rickettsii. Trata-se dum processo de vas-
identificado o microrganismo R. rickettsii por téc- culite sistémica como resposta à localização intra-
nicas PCR(reacção em cadeia da polimerase) no celular dos microrganismos. Como resultado do
sangue e nos tecidos(nestes últimos a sensibilida- processo inflamatório, salienta-se o papel dos
de é superior, dado que o nível de riquetsiémia é macrófagos e doutras células que produzem cito-
muito baixo, < 6 riquétsias/mL); ou por técnicas cinas pró-inflamatórias; por sua vez, a prolifera-
de imunopatologia tecidual. ção intracelular de riquétsias pode ser inibida por
Quanto a provas indirectas, serológicas, cabe diversos mecanismos, mediados por citocinas,
salientar a possibilidade de detecção de anticor- dependentes ou independentes de óxido nítrico.
pos por imunofluorescência indirecta / IFA; para R. felis é um agente recentemente identificado
o diagnóstico será necessário comprovar elevação originando um quadro clínico semelhante ao tifo
do título 4 vezes no intervalo de 2-4 semanas a murino.
partir da fase aguda, ou título > 64 na convales-
cença; em qualquer fase, título > 128 corresponde Manifestações clínicas e tratamento
a caso suspeito.
A prova de Weil-Felix não é recomendada por O período de incubação varia entre 6 a 14 dias.
sensibilidade e especificidade fracas. Trata-se duma doença de gravidade moderada na
idade pediátrica caracterizada por febre, mialgia,
Tratamento cefaleia e exantema discreto macular ou máculo-
papular que surge entre o 4º e o 7º dia. O compro-
A antibioticoterapia de eleição para a FMR é a misso visceral é pouco comum. O tratamento de
doxiciclina PO durante 5-7 dias (dose inicial: 4 eleição é a doxiciclina em dose semelhante à des-
mg/kg, seguida de 2 mg/kg/dia em duas doses). crita para a FMR, em período mínimo de 5 dias, e
Nas formas graves com disfunção multiorgânica até verificação de apirexia durante ,pelo menos, 3
está indicado internamento em UCIP. dias a fim de evitar recaídas.

Prevenção

As medidas principais consistem em prevenir a


3. TIFO EXANTEMÁTICO EPIDÉMICO
infestação de animais pelos vectores nas áreas
endémicas, protecção da pele com roupa e repe- Definição e importância do problema
lentes contendo DEET (N-dietil-meta-toluamida)
e eventual remoção dos vectores da pele. Não O tifo exantemático epidémico, infecção provoca-
existe vacina disponível. da pela R. prowazekii tem sido responsável por um
elevadíssimo número de mortes ao longo da histó-
ria da Humanidade. O ser humano constitui o
reservatório, sendo a doença transmitida pelo
2. TIFO MURINO OU ENDÉMICO piolho Pediculus humanus corporis. Afectando
todas as idades, a pobreza e as más condições de
Definição e etiopatogénese higiene favorecem o aparecimento e disseminação
da doença. Em 1993, em plena guerra civil do
O tifo endémico é uma infecção causada pela R. typhi. Burundi registaram-se cerca de 100.000 casos
Os ratos constituem o principal reservatório, sendo a desta doença, com mortalidade ~ 20%.
1476 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas e tratamento tiocitários perivasculares, hepatite lobular ligeira,


infiltrados de fagócitos mononucleares no baço,
O período de incubação é de 1 a 2 semanas. A medula óssea e gânglios, e granulomas no fígado
manifestações clínicas (com espectro variável e medula óssea. Poderá haver compromisso mul-
entre formas ligeiras, e graves e fatais) são febre, tiorgânico; a repercussão ao nível alveolar pulmo-
arrepios, mialgia, cefaleia intensa. O exantema, nar com compromisso do surfactante poderá dar
maculopapular, aparece entre o quarto e sétimo origem ao quadro de SDR tipo adulto (ARDS) e,
dias de doença, evolui para petequial e hemorrá- ao nível do SNC, poderá originar quadro símile
gico, poupando a face, palmas das mãos e plantas meningoencefalite com pleocitose marcada na
dos pés. As complicações relacionadas com altera- forma HME, e rara na HGA.
ção do SNC eram frequentes na era pré-antibióti-
ca (delírio, letargia, coma, convulsões). Manifestações clínicas e laboratoriais
A recorrência da doença (designada por doen-
ça de Brill-Zinsser) pode ocorrer anos mais tarde O período de incubação oscila entre 5 e 10 dias. As
após a infecção primária, com carácter benigno. manifestações são semelhantes às da FMR e tifos
O tratamento de eleição é, também, a doxicicli- atrás descritos. Como particularidades da doença
na segundo esquema descrito para o tifo murino. em causa, refere-se que o exantema (macular ou
maculopapular, mais frequente que o petequial) é
muito menos frequente, com localização variável.
O quadro febril é geralmente acompanhado, quer
4. ERLIQUIOSES E ANAPLASMOSES de manifestações sistémicas como cefaleia e mial-
gia, quer de manifestações mais graves como
Definição, nomenclatura hepatosplenomegália (hepatite), pneumonia/
e etiopatogénese /ARDS, meningite, menigoencefalite, ou insufi-
ciência renal.
A erliquiose humana é uma infecção provocada por Os sintomas e sinais regridem em 1 a 2 sema-
várias espécies do género Ehrlichia, este último per- nas, habitualmente sem sequelas, sendo que estão
tencendo tradicionalmente à família Rickettsiaceae, e descritos casos fatais e complicações neurológicas.
tendo como vector de transmissão a carraça. Os granulomas da medula óssea surgem em
A erliquiose foi ulteriormente dividida em cerca de 75% dos casos de infecção por E. chaffeen-
duas formas: sis, não estando presentes nas formas HGA. Os
– erliquiose humana monocítica (EHM ou HME) doentes evidenciam geralmente hiponatrémia,
tendo como agente Ehrlichia chaffeensis – em que se sinais de citólise hepática (elevação de ALT e
verifica infecção predominante dos monócitos, AST), leucopénia, trombocitopénia e anemia. A
sendo vector a carraça Amblyomma americanum; e linfopénia é característica de HME e HGA,
– anaplasmose humana granulocítica (AHG ou enquanto a neutropénia é típica de HGA.
HGA) tendo como agentes Ehrlichia ewingii e A identificação de E. chaffeensis baseia-se na
Anaplasma phagocytophilum, em que se verifica pre- detecção de mórulas nos leucócitos do sangue pe-
dominantemente infecção dos granulócitos, sendo riférico (correspondendo a aglomerado de bacté-
vectores a Ixodes scapularis e a Ixodes pacificus. rias); o achado é típico, mas raro. A distinção entre
Todas estas bactérias são actualmente classifica- os microganismos implicados pode fazer-se atra-
das como pertencendo à família Anaplasmataceae. vés de biologia molecular/PCR e serologia (detec-
Enquanto a FMR é observada sobretudo em ção de anticorpos anti-E. chaffeensis e A. phagocy-
crianças, HME e HGA surgem predominantemen- tophilum).
te em adolescentes e adultos.
Ao contrário das entidades antes descritas, a Prevenção e tratamento
vasculite é rara, não estando a patogénese com-
pletamente esclarecida. Os principais achados As medidas gerais de prevenção e tratamento des-
anatomopatológicos incluem infiltrados linfo-his- critas para as doenças anteriores aplicam-se a esta;
CAPÍTULO 289 Febre escaronodular 1477

289
no que respeita a antibioticoterapia, emprega-se a
doxiciclina em doses e duração semelhantes. Nas
formas HME e HGA poderá empregar-se como
alternativa a rifampicina. Estudos in vitro apon-
tam para actividade das fluoroquinolonas contra
A. phagocytophilum.
FEBRE ESCARONODULAR
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pitalized patients. Ann N Y Acad Sci 2003; 990: 285-294 pela picada da carraça infectada enquanto esta
efectua a sua refeição sanguínea, ou através da
contaminação de mucosas com macerados de ioxí-
deos infectados. Depois da picada, a Rickettsia
conorii provoca lesão da íntima e a média dos
1478 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

vasos desencadeando no organismo humano Manifestações clínicas


fenómenos de vasculite, com infiltrado perivascu-
lar rico em linfócitos e histiócitos. Neste processo A doença surge após um período de incubação
inflamatório são notórios: activação das plaque- variando entre 4 a 12 dias (em média, cerca de
tas, aumento de tromboxano A2, libertação de uma semana). A febre da carraça tem um período
endotelina e aumento da permeabilidade capilar. prodrómico de quatro a cinco dias, semelhante a
O compromisso dos vasos da derme é res- síndroma gripal, com início abrupto, febre alta
ponsável pelo exantema característico da doença. (39-40ºC), arrepios, cefaleia intensa, mialgia e
A lesão endotelial capilar que pode ocorrer é res- prostração de início abrupto; poderá verificar-se
ponsável pela bacteriémia e compromisso doutros também dor abdominal,
órgãos, sendo o pericárdio e o pulmão os mais Entre o 4º e 6º dia de doença, surge o exantema
atingidos. Nestas circunstâncias, podem coexistir máculo-pápulo-nodular, discretamente nodular,
pericardite ou pneumonite. Raramente, surgem rosado, irregular, com lesões de cerca de 1 a 4 mm,
lesões ao nível do SNC. que se inicia pelos membros inferiores e que atin-
No local da picada forma-se uma lesão casta- ge tipicamente a palma das mãos e a planta dos pés.
nha escura ou escara, denominada tâche noire pelos Inicialmente de cor rósea, pode evoluir para
autores franceses, que é consequência da necrose purpúrico ou petequial com ulterior evolução
provocada pelo infiltrado inflamatório oriundo de para pigmentação residual. Este exantema pode
produtos ou substâncias produzidos, quer pela ser pruriginoso e persistir cerca de 15 dias após a
própria R. conorii, quer segregados pela carraça. regressão dos sinais gerais. (Figura 1)
De realçar que a maioria das carraças do cão não A lesão de inoculação da carraça, escara ou tâche
está infectada, pelo que o detectar-se uma carraça noire, indolor e raramente pruriginosa, embora
numa pessoa não implica que a mesma contraia patognomónica da doença, nem sempre está presente.
a doença. Trata-se duma lesão arredondada, de cerca de 1 cm

Aspectos epidemiológicos

A FEN, a riquetsiose mais frequente nos países do


sul da Europa, é especialmente prevalente nos
países mediterrâneos desde Espanha até Israel,
embora também se verifique em África, Índia e
Sudoeste Asiático. Em Portugal, no quinquénio
2003-2007 foram declarados 1.827 casos, na sua
maioria entre os meses de Julho e Setembro (sendo
806 casos até aos 14 anos <> 44,1% do total).
Todavia, o número real de casos de doença deve
ser bem superior, pois a notificação da doença (obri-
gatória) nem sempre é levada a cabo, em especial
nos serviços de urgência local onde o diagnóstico
é frequentemente realizado.
O maior número de casos verifica-se no Verão
e princípio do Outono embora nalgumas regiões a
doença possa ser transmitida noutras épocas do
ano permitindo, em função das condições climáti-
cas, que o vector se mantenha activo fora da época
estival. Refira-se que a carraça somente transmite
a infecção se permanecer entre 6-20 horas em
FIG. 1
contacto com a pessoa, o que acontecerá se as
medidas de higiene básica forem precárias. Exantema da FEN. (NIHDE)
CAPÍTULO 289 Febre escaronodular 1479

de diâmetro, negra (lesão ulcerosa coberta por A detecção directa da riquétsia na fase aguda é
escara negra e rodeada por halo eritematoso) que possível, quer através do seu isolamento pela téc-
deve ser procurada em qualquer zona do corpo, nica de “shell vial”, quer por detecção do genoma
nomeadamente no couro cabeludo, regiões da riquétsia – técnica PCR (Polymerase Chain
retroauricular, inguinal ou internadegueira; na Reaction) em amostras de sangue ou biópsias de
criança predomina no coiro cabeludo, enquanto pele(exantema e ou escara), somente disponível
nos adultos predomina nos membros inferiores em laboratórios especializados. A reacção de Weil-
(Figura 2). A referida lesão cicatriza lentamente, Félix, método clássico para pesquisa de anticor-
desaparecendo em 10 a 20 dias sem deixar cicatriz, pos, é hoje em dia considerado obsoleta por sensi-
e acompanhando-se de adenopatia satélite. bilidade e especificidade fracas.
No exame objectivo pode ainda ser evidente Regra geral, o hemograma não evidencia alte-
hepatosplenomegália em cerca de 20% dos rações significativas, embora, muito raramente,
doentes. A hepatomegália pode acompanhar-se de possa ocorrer anemia hemolítica auto-imune. A
discreta elevação do valor das transaminases séri- PCR (proteína C reactiva) está ligeiramente eleva-
cas. Nas crianças saudáveis o curso da doença é da. As provas de função função hepática podem
benigno, ocorrendo resolução do quadro clínico revelar alterações.
em cerca de 10 a 20 dias.
Diagnóstico diferencial
Diagnóstico
O diagnóstico diferencial faz-se essencialmentre
O diagnóstico da FEN é essencialmente clínico. As com outras riquetsioses, meningococémia, infec-
características do exantema associado ao quadro ções víricas exantemáticas (por ex. vírus
febril e a sinais gerais conduzem à suspeita do dia- Coxsackie, sarampo) e toxidermias. (Capítulo 276)
gnóstico. Se o exame objectivo permitir identificar
a tâche noire, o diagnóstico é definitivo. Complicações
O estudo serológico para detecção de anticor-
pos por imunofluorescência indirecta pode ser As complicações mais frequentemente descritas,
conclusivo verificando-se títulos de anticorpos: IgG correspondendo ao compromisso possível de
≥ 128 e IgM ≥ 32, sendo de referir que somente se qualquer órgão ou sistema, são: cardiovasculares
verifica positividade na segunda semana de doen- (pericardite, miocardite, arritmia, flebotrombo-
ça. O critério de diagnóstico baseia-se na serocon- se), respiratórias (derrame pleural),oculares (reti-
versão ou no aumento do título (4 vezes) em duas nite,uveíte), renais (proteinúria,insuficiência
amostras colhidas com intervalo de 2 a 4 semanas renal), gastrintestinais (gastrenterite, pancreatite,
(entre a fase aguda e a fase de convalescença). hemorragia digestiva),osteomusculares(artrite),
hematológicas (CID,anemia e trombocitopénia
auto-imune, síndroma simile mononucleose,etc.)
e neurológicas (radiculonevrite, meningoencefa-
lite, AVC, etc.). As formas clínicas de evolução
grave e por vezes fatal, estão associadas a vascu-
lite generalizada, insuficiência renal, choque e
CID.

Prognóstico

Na idade pediátrica o prognóstico da FEN pode


considerar-se, em geral, bom, sem sequelas,
nomeadamente se não existir doença de base
FIG. 2
como por exemplo diabetes mellitus, enzimopatia
FEN: lesão de inoculação da carraça (escara). (NIHDE) eritrocitária, hepatopatia crónica,etc..
1480 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Prevenção Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious


Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
Com o objectivo de diminuir a probabilidade de Elsevier, 2008; 262-265
picada da carraça podem ser adoptadas determi- Correia P, Marques JG. Febre escaro-nodular. In: Correia M,
nadas medidas contra reservatórios e vectores e Levy AG, Oom P, Gomes-Pedro JC (eds). Protocolos de
na própria espécie humana: Urgência em Pediatria. Lisboa: ACSM editora; 2003; 193-
• Desparasitação de animais domésticos 195
• Utilização de repelentes (por ex. a N,N-die- Demeester R, Claus M, Hildebrand M, et al. Diversity of life-
til-m-toluamida –DEET) após o 1 ano de idade threatening complications due to mediterranean spotted
• Cuidados básicos de higiene fever returning travelers. Journal of Travel Medicine 2010;
• Nas situações de risco (actividades no campo, 17:100-104
por ex.) utilização de roupa branca para mais fácil Direcção Geral da Saúde. Doenças de Declaração Obrigatória
identificação da carraça; a roupa deverá ficar justa (2003-2007). Lisboa: DGS, 2008
ao corpo para servir de barreira àquela, evitando o Feigin RD, Cherry JD, Demmler GL, Kaplan SL (eds). Textbook
seu contacto com a pele, etc.. of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Saunders,
Se eventualmente for identificada a carraça 2004
deve utilizar-se o seguinte procedimento: 1) apli- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
cação local de éter ou cloreto de etilo para matar a Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
carraça; 2) retirar a carraça completamente com 2011
pinça fina de bordos finos, sem garras. Marques L, Mesquita S, Tavares E, Guedes M. Febre escaro-
Salienta-se que a FEN é uma doença de notificação nodular (Protocolo/Consensos em Infecciologia
obrigatória. Pediátrica/SPP). Acta Pediatr Port 2005; 36: 257-263
McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Tratamento Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
Rizzo M, Mansueto P, Di Lorenzo G, Morselli S, Mansueto S,
O tratamento precoce é da maior importância por Rini G B. Rickettsial disease: classical and modern aspects.
encurtar a duração dos sintomas o que, por sua Microbiol 2004; 27: 87-103
vez, diminui a probabilidade de complicações. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
O antibiótico de eleição é a doxiciclina PO AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
durante 10 dias. No primeiro dia, administram-se Medical, 2011
duas doses de 2mg/kg/dose com 12 horas de Sousa R, Nóbrega S, Bacellar F, Torgal J. Mediterranean spotted
intervalo (máxima dose diária: 200 mg) e, nos res- fever in Portugal: risk Factors for fatal outcome in 105 hos-
tantes dias, uma dose diária de 2mg/kg. A dura- pitalized patients. Ann N Y Acad Sci 2003; 990: 285-294
ção mínima de tratamento é 5 dias, ou até verifi-
cação de 2 dias de apirexia.
Como alternativas podem ser utilizados
macrólidos PO:
– azitromicina, (10mg/kg/dia), numa dose diá-
ria durante 5 dias; ou
– claritromicina (15mg/kg/dia) em duas doses
diárias durante 7 dias.

BIBLIOGRAFIA
Amaro M, Bacellar F, França A. Report of eight cases of fatal
and severe mediterranean spotted fever in Portugal. Ann N
Y Acad Sci 2003; 990: 331-343
American Academy of Pediatrics (AAP).Committee on
Infectious Diseases. Report on Rickettsial Diseases. Elk Grove
Village,IL: American Academy of Pediatrics, 2003;529-534
CAPÍTULO 290 Febre Q 1481

290
resistente ao calor e a produtos químicos, pode
sobreviver nos locais infectados durante meses.
Por outro lado, este facto permite que microrga-
nismos viáveis sejam levados pelo vento para
locais distantes, o que pode dificultar a identifica-
ção da origem da infecção. De realçar que a crian-
FEBRE Q ça pode ser infectada através do leite materno.
Em inquéritos de seroprevalência em certas
Ana Serrão Neto e Filomena Cândido regiões da Europa, foram comprovados antece-
dentes de infecção em percentagem muito variá-
vel conforme as regiões (6-70%). Tratando-se
duma doença de declaração obrigatória (DDO), em
Definição, nomenclatura Portugal foram declarados 42 casos no quinqué-
e importância do problema nio 2003-2007, correspondendo apenas 1 caso
entre 1 e 4 anos e 1 outro entre 15 e 18 anos.
A febre Q é uma doença infecciosa auto-limitada Estabelecendo comparação com dados epide-
manifestando-se de forma aguda ou crónica, miológicos doutro país europeu (França) em que
tendo como agente etiológico responsável Coxiella se apurou incidência de 50 casos por 100.000 habi-
burnetti. Tendo-se demonstrado que o referido tantes, é possível que em Portugal se verifique
agente é geneticamente distinto dos géneros subnotificação. Contudo, de acordo com dados
Rickettsia, Ehrlichia, e Anaplasma, actualmente o dos CDC, nos EUA, em 2004 foram notificados
mesmo já não é englobado na ordem das riquet- somente 70 casos, o que pode traduzir variabilida-
sioses, mas sim na ordem Legionellales, da família de de prevalência em regiões diversas.
Coxiellaceae.
Sendo um agente altamente infeccioso em ani- Etiopatogénese
mais e na espécie humana, dado que somente 1
microganismo pode originar infecção, constitui, Ao contrário das infecções por Rickettsia, o ser
por isso, uma “arma” potencialmente utilizável humano adquire infecção por C. burnetti predo-
no bioterrorismo. minantemente através da inalação de partículas
As formas crónicas são factor importante de infectadas sob a forma de aerossóis, por exposição
morbilidade, designadamente pelo facto de o pro- directa a produtos de animais (secreções genitais
cesso inflamatório poder originar lesões valvu- no parto, tosquias, matadouros), ou por ingestão
lares cardíacas, lesões vasculares persistentes ou de produtos lácteos não pasteurizados.
osteomielite. Após a inoculação das partículas infectantes
portadoras de C. burnetti ocorre pneumonite inter-
Aspectos epidemiológicos sticial linfocitária com alta concentração de
macrófagos infectados no exsudado alveolar.
A febre Q, distribuída por todo o mundo é uma Também se podem encontrar granulomas hepáti-
zoonose, sendo o gado bovino, ovino e caprino os cos na medula óssea, bem como noutros órgãos. O
principais reservatórios da doença. Todavia, ani- microrganismo pode permanecer latente nos
mais domésticos tais como , gatos, cães e pássaros, macrófagos de tecidos durante anos, o que poderá
podem transmitir a doença, que é mais frequente conduzir a lesões permanentes (valvulopatias,
em meio rural; importa acentuar que a carraça vasculopatia, osteomielite).
poderá (raramente) ser um vector de transmissão
inter-reservatórios. Manifestações clínicas
Mais de 60% das infecções são assintomáticas,
podendo um pequeno contingente (~5%) requerer Forma aguda
hospitalização. Após um período de incubação entre 9 a 39 dias
Como o microrganismo C. burnetti é muito surgem, de forma súbita, febre durando ~7-10
1482 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dias, com calafrio, cefaleias intensas, mialgias, pneumonia por vírus, Mycoplasma pneumoniae ou
vómitos e dor abdominal, entre outros sintomas por Chlamydia pneumoniae; de referir igualmente
sistémicos inespecíficos. A perda de peso e a fra- que também poderão ser encontradas opacidades
queza muscular podem ser acentuadas. Pode veri- arredondadas em doentes clinicamente assin-
ficar-se exantema em 50% dos casos, ao contrário tomáticos. A confirmação do diagnóstico é feita
do que acontece no adulto; os suores nocturnos, através de provas serológicas, sendo a imunofluo-
frequentes nos adultos, são raros na idade pediá- rescência (IF) indirecta a mais sensível. Títulos de
trica. A febre em adultos pode durar 2-3 semanas. IgG > 200 são sugestivos de infecção por C. bur-
A hepatosplenomegália pode estar presente netti. O microrganismo pode também ser identifi-
nalguns doentes, coincidindo com a subida das cado em cultura de tecidos, ou através de estudo
aminotransferases séricas (quadro de hepatite na molecular/PCR, no sangue ou tecidos. Títulos de
maioria dos casos). É frequente o compromisso IgG < 200 e de IgA negativos poderão indicar
pulmonar com tosse não produtiva e dor torácica; cura.
a radiografia do tórax pode evidenciar sinais de Pode verificar-se hipergamaglobulinémia,
pneumonite intersticial, semelhante à pneumonia hiperfibrinogenémia e elevação da proteína C
por vírus ou pneumonia atípica. reactiva. Em mais de metade dos doentes há evi-
Outras manifestações – que podem ser consi- dência laboratorial de processo auto-imune: factor
deradas complicações, raras – incluem miocardite, reumatóide, anticorpos antiplaquetas, anti-mús-
pericardite, SHU, rabdomiólise, hemofagocitose, culo liso, anti-mitocôndrias, prova de Coombs
meningoencefalite, etc.; as mesmas podem surgir directa positiva, etc..
alguns meses após infecção inicial.
Na criança a doença é habitualmente auto- Prevenção
limitada, com resolução espontânea entre uma a
três semanas. Em mais de metade dos casos a A prevenção compreende essencialmente medi-
infecção em causa pode ser assintomática. das de higiene de âmbito veterinário e protecção
das pessoas que contactam com animais contami-
Forma crónica nados e seus produtos (matadouros, laboratórios,
Em cerca de 1% dos casos poderá verificar-se etc.).
evolução para a cronicidade, em geral relacioná-
vel com doença cardíaca prévia (formas clínicas Tratamento
com manifestação de endocardite, aneurismas).
A osteomielite crónica também constitui uma Na forma aguda da doença, a doxiciclina (5
forma de apresentação. A endocardite pode mg/kg/dia até máximo de 200 mg/dia) é o fár-
manifestar-se meses a anos após episódio agudo maco de primeira escolha devendo ser mantida
da doença. durante 14 a 21 dias e ou até se verificar apirexia
durante, pelo menos 3 dias. Como alternativas
Diagnóstico poderão ser usados os antibióticos azitromicina,
cloranfenicol ou fluoroquinolonas (estas últimas
Trata-se duma doença difícil de diagnosticar se somente acima dos 18 anos de idade). A doxicicli-
não houver uma forte suspeita clínica e epide- na e as fluoroquinolonas não têm formulação
miológica. Haverá que admitir tal hipótese nos pediátrica em Portugal.
seguintes casos: em toda a criança com febre de Na febre Q crónica (casos com endocardite e
origem desconhecida que viva em meio rural ou hepatite ) deverá associar-se à doxiciclina: a rifam-
que contacte com animais e/ou seus produtos; e picina, ou cotrimoxazol, ou fluoroquinolonas. Nas
igualmente no contexto de pneumonia atípica, formas consideradas intratáveis tem sido utiliza-
endocardite evoluindo com culturas negativas, do o interferão - gama.
osteomielite recorrente, etc.. Relativamente aos Nota importante: na hipótese de diagnóstico
sinais radiológicos torácicos encontrados, o feito retrospectivamente, mesmo que a criança
padrão é semelhante ao verificado nos casos de esteja assintomática, o esquema de tratamento
CAPÍTULO 291 Doença do arranhão do gato 1483

291
continua a ter indicação com o objectivo de erra-
dicar a infecção e de evitar a cronicidade.

Prognóstico

A mortalidade da febre Q aguda não compli-


cada é inferior a 1%. DOENÇA DO ARRANHÃO
Em caso de endocardite, a doença pode ser
fatal em 30-60% dos doentes. DO GATO
BIBLIOGRAFIA Ana Serrão Neto e Filomena Cândido
American Academy of Pediatrics(AAP). Committee on
Infectious Diseases. Report on Q Fever. Elk Grove, IL:
American Academy of Pediatrics, 2003:512-514
American Academy of Pediatrics (AAP). Committee on Definição e nomenclatura
Infectious Diseases. Report on Rickettsial Diseases. Elk
Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics, A chamada doença do arranhão do gato é uma doen-
2003;529-534 ça infecciosa benigna e auto-limitada subaguda
Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious provocada por Bartonella henselae, (bacilo Gram-
Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby negativo) surgindo após contacto com gato e /ou
Elsevier, 2008; 262-265 escoriação provocada pelo mesmo. Trata-se duma
Kampschreur LM, Oosterheert JJ, Koop AM, et al. Microbio- afecção que afecta principalmente crianças e adul-
logical challenges in the diagnostic of chronic Q fever. Clin tos jovens e é a causa mais frequente de linfade-
Vaccine Immunol 2012; 19: 787-790 nopatia crónica (de duração igual ou superior a 3
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson semanas).
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, No que respeita às espécies patogénicas no
2011 Homem do género Bartonella, citam-se como prin-
La Scola B, Maltezou HC. Legionella and Q fever community cipais, para além de B. henselae: B. bcilliformis, B.
acquired pneumonia in children. Paediatr Resp Rev 2004; 5 quintana, B. elizabethae, e B. clarridgeiae. Na primei-
(Suppl):S171-S177 ra bartonelose descrita na espécie humana (provo-
Maltezou HC, Constantopoulou I, Kallergi C, et al. Q fever in cada por B. bacilliformis) no Perú/América do Sul
children in Greece. Am J Trop Med Hyg 2004; 70:540-544 verificou-se, para além da febre (febre Oroya) e
Maltezou HC, Raoult D. Q fever in children. Lancet Infect Dis anemia hemolítica, erupção cutânea semelhante a
2002; 2:689-691 hemangioma (verruga peruana). À B. quintana
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and estão associados casos em doentes com imunode-
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill ficiência, sintomatologia de compromisso do SRE,
Livingstone, 2008 bacteriémia e endocardite, para além doutros qua-
Parker NR, Barralet JH, Bell AM. Q fever. Lancet 2006; 367: 679- dros clínicos.
688 Neste capítulo é dada ênfase à doença em epí-
Raoult D, Marrie TJ, Mege JL. Natural history and pathophy- grafe, com expressão mais significativa no nosso
siology od Q fever. Lancet Infect Dis 2005; 5: 219-226 meio.
Wegdam-Blans MC, Kampschreur LM, Delsing CE, et al.
Chronic Q fever: review of the literature and a proposal of Etiopatogénese
new diagnostic criteria. J Infect 2012; 64:247-259
O agente Bartonella henselae tem um crescimento
em cultura muito insidioso (cerca de 5 semanas).
O seu principal reservatório é o gato, portador
assintomático, em particular aquele com menos
de seis meses de idade, o qual infecta o ser huma-
1484 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

no por inoculação cutânea; com efeito, a bacterié-


mia (assintomática) nos gatos de menor idade
envolve maior carga bacteriana do que a verifica-
da nos gatos com > 6 meses de idade. A infecção é
transmitida entre os gatos pela acção dum vector
– a pulga Ctenocephalides felis.
Após a lesão na pele provocada pelo arranhão
do gato, do qual resulta a inoculação do microrga-
FIG. 1
nismo no ser humano, verifica-se o aparecimento
de uma pápula ou nódulo e necrose da derme. Nódulo ulcerado
Posteriormente, há alterações nos gânglios linfáti- com crosta no
cos loco-regionais. O aspecto histológico carac- dorso do polegar
após arranhão.
terístico do gânglio linfático consiste em hiperpla-
(NIHDE)
sia folicular, com necrose cortical e formação de
granuloma necrótico com microabcessos centrais.
Granulomas idênticos podem ser encontrados no A B
fígado, baço e sistema ósseo provocando, nesta
última localização, lesões osteolíticas.

Aspectos epidemiológicos

A doença do arranhão do gato é uma doença uni-


versal, em geral esporádica, que afecta todas as
etnias e os sexos em proporções semelhantes. Há
uma maior incidência da doença no Outono e no
Inverno, quer devido ao ciclo reprodutivo da
pulga do gato, quer porque nestas estações os ani-
mais são mantidos mais tempo em casa. Em FIG. 2
Portugal é estimada uma incidência anual de
9/100.000 casos em doentes ambulatórios. Foram A – Arranhão no polegar esquerdo; B – Adenopatia axilar
esquerda. (NIHDE)
descritos surtos afectando membros da mesma
família.
sintomas sistémicos tais como febre, cefaleias e
Manifestações clínicas prostração, é frequente.
Ocasionalmente, a doença pode cursar com
Após um período de incubação compreendido conjuntivite granulomatosa e adenopatia pré-
entre 7 e 12 dias, surge no local da inoculação, em auricular, constituindo-se a chamada síndroma
cerca de 60% dos doentes, uma pápula ou nódulo oculoglandular de Parinaud.
avermelhado de 3-5mm (Figura 1). Todavia, esta Raramente, poderão ocorrer outras alterações
lesão poderá não ser valorizada pelas suas peque- como exantema maculopapular, eritema nodoso e
nas dimensões. Uma a quatro semanas depois, na púrpura não trombocitopénica. (Figura 3)
grande maioria dos casos, verifica-se o aumento As complicações neurológicas (por exemplo
de volume dos gânglios satélites, com sinais infla- meningoencefalite, cerca de 2%), e de evolução em
matórios na pele adjacente (Figura 2). As manifes- geral favorável surgem cerca de 6 semanas após o
tações de adenite verificam-se mais frequente- aparecimento da adenite. Particularmente em
mente na zona da cabeça e pescoço, seguindo-se doentes imunodeprimidos, a doença poderá ter
as extremidades. Em cerca de 10% a 20% dos casos uma expressão mais exuberante, acompanhando-
os gânglios linfáticos atingidos supuram esponta- se de manifestações sistémicas, como hepatite, ane-
neamente. A presença concomitante de sinais e mia hemolítica, pneumonia atípica, retinite, hepa-
CAPÍTULO 291 Doença do arranhão do gato 1485

Diagnóstico diferencial

A verificação de adenopatias impõe o diagnóstico


diferencial com outras etiologias tais como: infec-
ções por Streptococcus B-hemolítico A, S. aureus,
espécies de Brucella, citomegalovírus, vírus de
Epstein- Barr, VIH, Toxoplasma, fungos, etc..
A síndroma oculoglandular pode, por sua vez,
pode estar associada a outras afecções tais como
sífilis, tuberculose, infecções por Chlamydia, etc..
Os nódulos e pápulas cutâneos associados a
adenopatia loco-regional podem impor o diagnós-
FIG. 3
tico diferencial com infecções por micobactérias
Exantema maculopapular notório no abdómem. (NIHDE) atípicas, fungos, tuberculose e leishmaníase.

tosplenomegália (por alterações granulomatosas), Tratamento


trombocitopénia, endocardite, lesões osteolíticas
granulomatosas ósseas, eritema nodoso, etc.. Sendo na maioria das crianças uma doença auto-
limitada, com resolução espontânea em cerca de 1-
Exames complementares 2 meses, o tratamento pode ser apenas sintomáti-
co. Todavia, diversos autores referem que a anti-
Existe suspeita desta doença quando, pela anam- bioticoterapia contribui para encurtar o tempo de
nese se comprova contacto com gatos, e pelo resolução da doença, advogando a sua instituição
exame objectivo, lesão cutânea primária associada após o diagnóstico. Nas formas sistémicas e nos
a adenopatia satélite. A confirmação do diagnósti- doentes imunodeprimidos, tal tipo de tratamento
co faz-se por imunofluorescência indirecta (IFA), terapêutica é obrigatório.
sendo a subida do título de anticorpos (IgG e IgM) A escolha dos antimicrobianos recai na azitro-
detectada desde o início dos sintomas. De salien- micina PO (10 mg/kg/dia, dose diária única)
tar que existe reactividade cruzada entre as espé- durante 5 dias, ou claritromicina PO(15
cies de Bartonella, especialmente entre B. henselae e mg/kg/dia, em 2 doses diárias).
B. quintana. Nos doentes com repercussões sistémicas veri-
A velocidade de sedimentação elevada, leuco- fica-se em geral boa resposta à rifampicina PO(10-
citose ligeira a moderada, bem como a elevação do 20 mg/kg/dia, em duas doses diárias), só ou asso-
valor das aminotransferases em casos de doença ciada a cotrimoxazol PO (40-100 mg/kg/dia de
sistémica, são outras alterações laboratoriais pre- sulfametoxazol, em duas doses diárias) durante
sentes. 14 dias. As fluoroquinolonas – em idades > 18
Através de exames por PCR (polymerase chain anos são uma alternativa.
reaction) e de amostras obtidas por escarificação Nota importante: a duração ideal da terapêutica
da pele lesada é possível evidenciar a sequência não está estabelecida; os esquemas referidos antes
de ácidos nucleicos da Bartonella. são os habitualmente recomendados.
Os exames imagiológicos como a ecografia ou Os beta-lactâmicos, tetraciclinas e a eritromici-
a TAC permitem detectar numerosos nódulos gra- na não são eficazes.
nulomatosos no fígado e baço. Em circunstâncias especiais poderá estar indi-
Nota importante: é desaconselhada a prova cada a drenagem cirúrgica dos gânglios linfáticos
cutânea empregando antigénios obtidos de aspi- atingidos.
rado purulento obtido de lesões ganglionares pela
falta de padronização e pelo risco de transmissão Prognóstico
da infecção.
Geralmente o prognóstico é excelente. A encefalo-
1486 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

292
patia surge como complicação em apenas 2% dos
doentes. Na sua forma de apresentação clássica
surgem manifestações cerca de uma a seis sema-
nas após o início da linfadenite (aparecimento
súbito de convulsões, comportamento bizarro e
alterações do estado de consciência).
Em regra, as manifestações sistémicas surgem LEPTOSPIROSE
em doentes portadores de síndromas de imunode-
ficiência. Ana Serrão Neto e Filomena Cândido

Prevenção

As crianças, em especial as imunocomprometidas, Definição e importância do problema


devem evitar contactos íntimos com gatos com
menos de 6 meses de idade. Se o indivíduo for A leptospirose é uma zoonose sistémica infecciosa
arranhado por gato, a ferida deve ser imediata- aguda e febril, com espectro clínico muito variá-
mente bem lavada. Devem igualmente ser promo- vel, provocada por diversas espécies da espiro-
vidas medidas de controlo da pulga do gato. queta do género Leptospira, o qual possui espécies
com mais de 200 serótipos de virulência variável.
BIBLIOGRAFIA Na Europa os serótipos mais comuns são L. ictero-
Abarca K, Winter M, Marsac D, et al. Accuracy and diagnostic haemorrhagiae, L. canicola, L. pomona, L. hebdomadis,
utility of IgM in Bartonella henselae infections. Rev Chilena e L. ballum. A Leptospira biflexa engloba mais de 60
Infect 2013; 30:125-128 serótipos não patogénicos. A correlação dos seró-
American Academy of Pediatrics (AAP). Committee on tipos referidos com síndromas específicas é
Infectious Diseases. Cat-Scratch Disease. Report of the impossível dada a variedade da patologia que
Committee on Infectious Diseases. Elk Grove Village, IL: pode ser produzida por cada serótipo.
American Academy of Pediatrics, 2003:232-234 A leptospirose é uma doença de declaração
Batts S, Demers DM. Spectrum and treatment of car-scratch obrigatória (DDO).
disease. Pediatr Infect Dis J 2004; 1161-1162
Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious Etiopatogénese e aspectos
Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby epidemiológicos
Elsevier, 2008
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson Esta doença tem uma distribuição universal. A
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, Leptospira infecta um grande número de animais,
2011 quer domésticos quer selvagens, sendo os ratos a
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of principal fonte de infecção humana. Nestes ani-
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010 mais (reservatórios) o germe microbiano determi-
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and na quadro clínico variando entre doença fatal e
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill portador crónico.
Livingstone, 2008 A bactéria é excretada na urina, líquido amnió-
Maguiña C, Gotuzzo E. Bartonellosis: new and old. Infect Dis tico e placenta dos animais infectados, permane-
Clin North Am 2000; 14: 1-22 cendo viável na água e solo durante meses nos cli-
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon mas temperados. L. icterohaemorrhagiae é elimina-
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill da pela urina do rato, L. canicola pela urina do cão,
Medical, 2011 e L. pomona pela urina do porco.
Vermeulen MJ, Rutten GJ, Verhagen I, et al. Transient paresis Em geral o ser humano contamina-se a partir
associated with cat-scratch disease. Case report and litera- do contacto com água, lama ou alimentos conta-
ture review of vertebral osteomyelitis caused by Bartonella minados. A porta de entrada é geralmente a pele
henselae. Pediatr Infect Dis J 2006; 25:1177-1181 ou mucosas lesadas ou íntegras (oral, ocular, eso-
CAPÍTULO 292 Leptospirose 1487

fágica, nasofaríngea ). O contacto directo através ma regride cerca de 3 semanas depois. Apesar da
do sangue por contacto com tecidos ou órgãos de presença de anticorpos circulantes, as Leptospiras
animais infectados (por exemplo em acidentes de podem persistir no rim, urina, e humor aquoso.
laboratório) é mais raro. O leite materno pode Pode também associar-se uveíte, com evolução
igualmente transmitir a doença. arrastada até cerca de 6 a 12 meses.
O microrganismo, entrando em circulação Em cerca de 10% dos casos (raramente em
pode atingir todos os órgãos. As manifestações clí- idade pediátrica), a leptospirose pode apresentar-
nicas são secundárias a lesões em estruturas se com icterícia, insuficiência hepática e renal,
microvasculares (vasculite generalizada com lesão constituindo a chamada síndroma de Weil (em geral
das células endoteliais dos pequenos vasos) pro- provocada por L. icterohaemorrhagiae). Podem
duzindo, designadamente, aumento da permeabi- coexistir, pneumonite hemorrágica e colapso cár-
lidade capilar, microcoagulação local, edema, dio-circulatório. A mortalidade desta síndroma
hipóxia-isquémia em órgãos – alvo, e hipovolé- pode atingir valores de 40% explicável essencial-
mia. mente por síndroma hemorrágica (equimoses,
Por outro lado estão também implicadas reac- petéquias, hemorragia pulmonar, hemorragia gas-
ções imunológicas com depósitos de imunocom- trintestinal, etc.). Todavia, deve realçar-se que na
plexos em órgãos e tecidos conduzindo a lesão maioria dos casos a leptospirose é uma doença
funcional em diversos territórios (infiltrados infla- auto-limitada.
matórios, necrose local, etc.). Ou seja, trata-se
duma doença bifásica: leptospirémia inicial, e Exames complementares
resposta imune tardia do hospedeiro, com impli-
cações clínicas. Deve suspeitar-se de leptospirose perante uma
Está descrita variação sazonal de frequência de doença febril aguda surgindo em doentes que
leptospirose; com efeito, precipitação de chuvas e vivem em zonas de prevalência de roedores,
inundações, facilitando a acumulação de água nomeadamente ratos, sem saneamento básico,
contaminada, podem dar origem a surtos epidé- com história de contacto directo com animais,
micos. Em Portugal foram declarados 2491 casos águas ou solos contaminados.
no quinquénio 2003-2007, com apenas 7 casos (5, A Leptospira pode ser isolada no sangue ou
antes do 1 ano, e 2, dos 5 aos 15 anos de idade). líquor durante a fase septicémica, através de téc-
nicas e meios de cultura especiais. Na fase imune
Manifestações clínicas é excretada pela urina, podendo a Leptospira ser
pesquisada através de exame directo – microsco-
Após um período de incubação médio de 7 a 15 pia em campo escuro, ou de exame cultural.
dias (entre 2 e 30) dias, a doença evolui em duas Também podem ser utilizadas técnicas ELISA e de
fases, respectivamente: inicial (septicémica ou leptos- PCR (reacção em cadeia da polimerase) para iden-
pirémica), e imune ou de localização (com leptospirúria). tificação do microrganismo em tecidos infectados
A fase inicial, com duração de 3-7 dias, caracte- ou fluidos orgânicos.
riza-se por manifestações de doença febril aguda As provas serológicas (seroaglutinação, especí-
com sintomatologia inespecífica: febre alta, cala- ficas do género e específicas da espécie) em
frio, cefaleias, mialgias intensas dos gémeos e sangue colhido 7 dias após o início da doença evi-
região lombar (80% dos casos), naúseas, vómitos, denciam subida do título de anticorpos (3 a 4
injecção conjuntival sem exsudado (30-40%), vezes) a partir do 12º dia, com títulos máximos
exantema no tronco, adenomegálias generalizadas pela 2ª a 3ª semana, em casos da doença. Títulos
e hepatosplenomegália. baixos poderão persistir durante anos. Em cerca
Na fase seguinte (imune), com duração até de 10% dos casos não é possível detectar aglutini-
várias semanas, atenuam-se os sintomas iniciais, nas, possivelmente pelo facto de os anti-soros dis-
diminui a febre, e passam a ser notórios sinais e poníveis não identificarem todos os serótipos.
sintomas de localização de que a meningite assép- Tendo em conta a repercussão multissistémica
tica é o achado mais relevante; em regra, esta últi- da doença, em função da sintomatologia poderão
1488 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ser realizados diversos exames, entre outros, para leptospirúria); portanto, os animais vacinados
avaliação global: hemograma com plaquetas, coa- poderão ainda ser fontes de infecção humana.
gulograma se existir diátese hemorrágica; bilirru- Alguns autores preconizam como medida pro-
binémia, transaminases, gamaglutamil transpepti- filáctica transitória, para quem se desloca em via-
dase, fosfatase alcalina, etc., se existir icterícia; gens a zonas de alta endemia, doxiciclina PO em
análise sumária de urina, creatininémia e ionogra- dose de 200 mg semanal.
ma sérico se disfunção renal; CPK e CPK-MB,
ECG, ECO-CG, radiografia do tórax se disfunção BIBLIOGRAFIA
cardíaca, etc.. American Academy of Pediatrics.Leptospirosis. Report of the
Committee on Infectious Diseases. Elk Grove Village,IL:
Diagnóstico diferencial American Academy of Pediatrics, 2003:403-405
Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
Nas formas ictéricas o diagnóstico diferencial faz- Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
se com: infecções víricas e com meningite linfo- Elsevier, 2008; 262-265
citária. Nas formas ictéricas e septicemia, com: Direcção Geral da Saúde (DGS). Doenças de Declaração
hepatites víricas, colecistite aguda, malária, Obrigatória (2003-2007). Lisboa: DGS, 2008
riquetsiose, febre tifóide, etc.. Feigin RD, Cherry JD, Demmler GL, Kaplan SL (eds). Textbook
of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Saunders,
Tratamento 2004; 2497-2515
Karande S, Bhatt M, Kelkar A, et al. An observational study to
A penicilina G cristalina por via IV (100.000 a detect leptospirosis in Mumbai,India,2000. Arch Dis Child
200.000 UI/kg/dia a dividir por 4 doses diárias 2003; 88: 1070-1075
durante 7 a 10 dias) para os doentes com neces- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
sidade de internamento é o antibiótico de elei- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
ção. 2011
Na doença moderada poderá ser aplicada, em McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
crianças com idade superior a 8 anos, a doxicicli- Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
na na dose de 2mg/kg/dia a dividir por duas Meites E, Jay MT, Deresinski S, et al. Reemerging leptospirosis,
doses (dose inicial dupla sendo que formulação California. Emerg Infect Dis 2004; 10:406-412
pediátrica não está disponível em Portugal); a Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
amoxicilina (50 a 100 mg/kg/dia) uma alternativa AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
nas crianças com idade inferior a 8 anos.O trata- Medical, 2011
mento dura também 7-10 dias. Spichler A, Athanazio DA, Vilaça P, et al. Comparative analy-
Estudos recentes sugerem a ceftriaxona como sis of severe pediatric and adult leptospirosis in São Paulo,
tratamento de eleição. Brazil. Am J Trop Med Hyg 2012; 86:306-308
O tratamento de suporte inclui vigilância do
equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base, eventual
terapia intensiva incluindo oxigenoterapia, cor-
recção da hipovolémia e hipotensão, prevenção
das hemorragia digestivas com ranitidina ou ome-
prazol, etc..

Prevenção

Não existe actualmente disponível vacina humana


A prevenção tem como principal objectivo
controlar as pragas de roedores e proceder à imu-
nização dos animais reservatórios da doença
(vacina inactivada que, no entanto, não previne a
CAPÍTULO 293 Doença de Lyme 1489

293
O alvo inicial da infecção causada pela B. burg-
dorferi é a pele, onde o espiroqueta pode ser depo-
sitado pela saliva ou pelo material fecal da carraça.
Após período de incubação de 3 a 31 dias, neste
local da pele surge eritema cutâneo característico
adiante descrito. Contudo, o espiroqueta pode ser
DOENÇA DE LYME injectado na corrente sanguínea através da saliva
da carraça, atingindo vários tecidos e órgãos, ade-
Ana Serrão Neto e Filomena Cândido rindo às células, podendo permanecer por longos
períodos de tempo após a infecção inicial. Esta per-
manência explica os sintomas tardios.
O aparecimento de sintomas, quer na fase pre-
Definição e importância do problema coce disseminada, quer na fase tardia, está direc-
tamente relacionado com os danos teciduais origi-
Descrita pela primeira vez em 1975, a doença de nados a partir da resposta imunológica desenca-
Lyme é uma zoonose multissistémica transmitida deada pela estimulação de mediadores da infla-
ao homem a partir da picada de um artrópode da mação, como o factor de necrose tumoral (TNF) e
família da carraça. interleucinas (IL-1).
Nos EUA, particularmente nalguns estados, Admite-se que o desenvolvimento de sintomas
constitui a zoonose mais frequente, com mais de refractários da doença esteja relacionado com uma
15.000 casos declarados anualmente. Na Europa, a base imunogenética, sendo os indivíduos porta-
doença é mais comum no norte e região central dores do genótipo HLA-DR2, DR3 e DR4 mais
evidenciando características clínicas ligeiramente predispostos.
diferentes. No que respeita à alterações histológicas
No nosso país é uma doença de declaração secundárias à agressão microbiana, a doença de
obrigatória (DDO). Lyme caracteriza-se por lesões inflamatórias
contendo linfócitos, macrófagos e plasmócitos.
Etiopatogénese Estes infiltrados inflamatórios podem ser observa-
dos na pele ou em qualquer dos órgãos atingidos,
A doença de Lyme é causada por um espiroqueta – como o miocárdio ou o SNC. Também podem
Borrelia burgdorferi – bactéria de forma cilíndrica coexistir fenómenos de vasculite, o que sugere a
espiralada, com dupla membrana, e flagelos inseri- presença do microrganismo na parede ou em
dos na membrana interna. O crescimento deste redor dos pequenos vasos sanguíneos.
microrganismo em cultura é extremamente lento,
exigindo, para tal, meios especiais. Foram descritas Aspectos epidemiológicos
3 proteínas principais na membrana à superfície,
designadas respectivamente OspA, OspB e Osp, de O nome da doença é o duma comunidade de
peso molecular diverso, assim como uma proteína Connecticut nos EUA (Lyme) onde foi pela pri-
flagelar, com papel importante na resposta imune. meira vez descrita. Ulteriormente foi identificada
Foram identificadas diferentes estruturas em mais de 50 países; na Europa verifica-se maior
moleculares nos microrganismos isolados na prevalência na Escandinávia, Alemanha, Áustria e
Europa e EUA, o que poderá justificar algumas Suíça.
diferenças quanto a manifestações clínicas nestes Existem algumas áreas endémicas onde a inci-
dois continentes (por ex. frequência mais elevada dência anual da doença oscila entre 20 a 100 casos
de casos de meningopolineurite na Europa). /100.000 habitantes admitindo-se que seja uma
A bactéria pode ser isolada a partir do sangue, doença subdiagnosticada. Pode afectar indivíduos
pele, líquor e líquido sinovial de doentes infecta- de qualquer idade mas, em cerca de 25% dos
dos, bem como a nível do intestino do vector- a casos, atinge crianças abaixo dos 15 anos.
carraça Ixodes scapularis. Em Portugal, no quinquénio 2003- 2007 foram
1490 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

declarados 20 casos, 2 dos quais na faixa etária cimento de um exantema característico, designa-
entre 5 e 14 anos. do por eritema migrans, o qual surge habitual-
Quanto aos reservatórios naturais da doença, mente cerca de 7 a 14 dias após a picada. Todavia,
eles são múltiplos: roedores do campo, ungulados deve salientar-se que em 1/3 dos doentes não há
selvagens (raposa, javali) ou domésticos (cabra, antecedentes precisos de picada, pelo que é essen-
vaca) e cães. A carraça vector da doença para o cial a suspeita clínica.
homem, é mais pequena que a carraça comum do No local da picada verifica-se uma lesão erite-
cão, encontrando-se com maior frequência em ani- matosa macular ou papular. Esta lesão, de contorno
mais selvagens, do que em animais domésticos, arredondado, aumenta de dimensão expandindo-se
incluindo o cão. concentricamente, em dias ou semanas, podendo
A maioria dos casos de doença ocorre entre atingir um diâmetro médio de 16 cm; exibe então
Abril e Outubro, estando esta sazonalidade rela- um aspecto em alvo, ou seja, com bordo eritematoso e
cionada com o ciclo de vida do vector artrópode. zona central mais clara. O bordo externo da lesão é
O risco de transmissão da B. burgdorferi a partir da habitualmente plano mas, por vezes, pode ser proe-
carraça infectada relaciona-se directamente com a minente e endurecido. Raramente, existem vesículas
duração da picada; ou seja, são necessárias mais ou zonas necróticas no centro da lesão eritematosa.
de 24 horas de contacto do artrópode com o ser As lesões ao toque aparentam temperatura
humano, considerando-se que o risco infeccioso é mais elevada sendo ocasionalmente pruriginosas
elevado a partir das 36-48 horas de duração do ou dolorosas. Podem surgir em qualquer parte do
mesmo. corpo sendo a axila, nádegas, região periumbilical,
Não se encontrou relação directa entre doença inguinal e coxa, os locais mais frequentemente atin-
de Lyme na gravidez e o aparecimento de defeitos gidos. Poderá haver adenomegálias regionais.
congénitos no feto, nem está provado que o leite Em suma, nesta forma precoce localizada as
materno transmita o microrganismo. lesões cutâneas constituem a única manifestação
de doença.
Manifestações clínicas O eritema migrans pode associar-se a manifesta-
ções sistémicas que incluem febre, geralmente ele-
As manifestações clínicas da doença surgem após vada com calafrio, cefaleias, mialgias e artralgias.
o período de incubação atrás referido, sendo típi- Sem tratamento, o exantema generaliza-se e per-
co um intervalo de uma a duas semanas entre a siste pelo menos uma a duas semanas, regredindo
picada do artrópode e o início do quadro clínico. posteriormente de forma gradual. As lesões cutâ-
Nas manifestações clínicas são considerados neas podem tornar-se recorrentes durante longos
estádios precoce e tardio; o estádio precoce pode períodos, superiores a um ano, coincidindo com
classificar-se em: localizado e disseminado. Os os episódios de artrite (crónica).
doentes não tratados poderão evidenciar: ou
sinais que surgem na forma disseminada precoce; 2. Doença precoce generalizada
ou sinais de doença tardia sem que tenham surgi- As lesões secundárias ocorrem habitualmente 3 a
do manifestações prévias de doença precoce. 5 semanas após a inoculação da bactéria a partir
Na primeira fase, de infecção localizada, as do vector artrópode. A manifestação mais comum
lesões cutâneas constituem a única manifestação desta fase da doença corresponde ao aparecimen-
de doença. to de múltiplas lesões de eritema migrans. A gene-
Na segunda fase, de disseminação precoce da ralização desta manifestação cutânea, que ocorre
infecção, são relevantes as manifestações neuroló- em cerca de 20 a 50% dos casos, corresponde à dis-
gicas e cardíacas, enquanto na terceira fase, infec- seminação hematogénica do microrganismo. As
ção tardia ou persistente, predomina o compro- lesões anulares secundárias são semelhantes às
misso articular. anteriormente descritas embora com menores
dimensões. Regra geral, estão presentes sintomas
1. Doença precoce localizada sistémicos, como febre, cefaleias e mialgias.
A primeira manifestação clínica consiste no apare- As manifestações neurológicas, nomeadamente
CAPÍTULO 293 Doença de Lyme 1491

de meningite asséptica, são típicas deste estádio da sua forma típica, são inespecíficas. A forma mono
doença coexistindo com o eritema o qual surge, em ou pauci-articular de artrite poderá levantar a sus-
regra, 7 a 14 dias após a picada da carraça; a menin- peita, quer de artrite séptica aguda, quer doutras
gite asséptica, que ocorre em cerca de 8% das crian- causas de artrite tais como artrite reumatóide
ças doentes, pode coexistir com edema da papila e juvenil ou artrite pós-estreptocócica.
paralisia facial. Esta última, relativamente frequen- Por outro lado, a paralisia facial devida a
te na criança, persiste cerca de 2 a 8 semanas, e pode doença de Lyme não se distingue da paralisia de
constituir a manifestação inicial e, por vezes, única, Bell e a meningite de Lyme não se distingue da
da doença de Lyme; regride na maioria dos casos. meningite por enterovírus.
Embora as alterações citoquímicas do LCR Considerando o quadro morfológico cutâneo
sejam semelhantes às encontradas na meningite de eritema migrans há que salientar que, por vezes,
vírica, cerca de 90% das crianças com doença de o mesmo poderá ser confundido inicialmente com
Lyme evidenciam, em associação à meningite, eczema numular, granuloma anular, manifestação
neuropatia doutros pares cranianos para além do cutânea no local de picada de insecto em geral,
VIIº atrás referido; contudo, o curso da meningite tinha ou celulite.
da doença de Lyme é mais arrastado.
O compromisso cardíaco é raro na criança, tra- Exames complementares
duzindo-se por graus variáveis de bloqueio auri-
culoventricular, miocardite, pericardite ou disfun- A avaliação laboratorial global é pouco informativa.
ção ventricular esquerda. A velocidade de sedimentação elevada, o valor nor-
mal de leucócitos normal ou discretamente elevado,
3. Doença tardia bem como aumento moderado das aminotransfe-
Este estádio caracteriza-se pelo aparecimento de rases séricas, não são orientadores do diagnóstico.
episódios recorrentes de artrite, geralmente sema- No que respeita ao estudo serológico, importa
nas a meses após a infecção inicial. Trata-se de salientar:
artrite pauciarticular, envolvendo as grandes arti- – Os anticorpos específicos IgM após infecção
culações, sendo o joelho o mais atingido em cerca aguda com B. bugdorferi são detectáveis em geral
de 90% dos casos: são notórios edema e dor (não 3-4 semanas após a infecção aguda com valor
tão intensa como na artrite bacteriana), e sensação máximo cerca das 6-8 semanas, diminuindo
de calor sem rubor. depois (ou seja, na fase de aparecimento do erite-
As manifestações de artrite podem ocorrer sem ma migrans não é ainda possível detectar anticor-
história inicial de doença, nomeadamente sem pos contra B. burgdorferi na maioria dos doentes).
antecedentes de eritema migrans (ver atrás). Se a Por outro lado, pode verificar-se elevação do valor
doença não for tratada, as manifestações de artri- de IgM durante tempo mais prolongado apesar do
te podem regredir em semanas, voltando a surgir tratamento antimicrobiano.
ulteriormente e a atingir progressivamente outras – Os anticorpos específicos IgG aparecem em
articulações; esta forma clínica recorrente surge geral pelas 6-8 semanas após início da infecção,
em 50% dos casos não tratados. atingindo valor máximo ao cabo de 4- 6 meses,
Nota importante: Embora o microrganismo B. mantendo-se elevados idefinidamente; assim,
burgdorferi tenha sido isolado de abortos, fetos mor- como não desaparecem por completo após cura
tos e nado-vivos com anomalias congénitas, nas res- da doença, não têm utilidade para a confirmar o
pectivas placentas não foram detectados sinais de sucesso terapêutico.
inflamação. De acordo com alguns patologistas, se – Nalguns casos de tratamento antimicrobiano
existir doença de Lyme congénita, ela será muito rara. muito precoce poderá ser anulada a resposta com
formação de anticorpos.
Diagnóstico diferencial – As técnicas mais sensíveis e específicas para
detecção de anticorpos específicos incluem a imu-
As manifestações clínicas da doença de Lyme, nofluorescência (IFA) e o método ELISA; este últi-
exceptuando no que respeita ao eritema migrans na mo é responsável por maior número de falsos
1492 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

positivos devido à reacção cruzada com anticor- Nos casos de artrite recorrente ou persistente
pos para outros espiroquetas, varicela, mononu- (para além de 2 meses) aconselha-se duração de 28
cleose, bem como em casos de lúpus eritematoso dias e eventualmente segundo curso terapêutico.
sistémico. Nos casos de positividade de qualquer Notas importantes:
destas provas, a confirmação serológica deve ser – a resposta ao tratamento poderá ser demora-
realizada pela técnica Western-Blot. da persistindo sinais e sintomas durante várias
Nalguns laboratórios procede-se ao estudo por semanas;
PCR (reacção em cadeia da polimerase) cuja sensi- – nalguns doentes verifica-se reacção de
bilidade é baixa pelo facto de a concentração de Jarisch-Herxheimer após início do tratamento
bactérias ser baixa. (febre, sudação, e mialgias).
Através de exames culturais o isolamento de
B. burgdorferi a partir do sangue, pele, líquor e Prognóstico
líquido sinovial é um processo moroso e dispen-
dioso, (e por vezes invasivo), exigindo meios de Nas crianças com doença de Lyme tratada o pro-
cultura especiais e tempo superior a 4 semanas gnóstico é excelente.
para que haja crescimento bacteriano; por outro De salientar que, com a regressão dos sinais de
lado, a percentagem de isolamento do agente em eritema migratório após tratamento precoce, não
tais circunstâncias é baixa. se verifica, em geral, o desenvolvimento de fases
Como se torna lógico depreender, tanto as pro- ulteriores da doença (evolução para doença tar-
vas serológicas como o exame cultural implicam a dia) (ver atrás).
disponibilidade de laboratórios especializados. Quer nos casos clínicos que cursam com
meningite, quer nos casos de artrite, a resolução
Tratamento clínica é em geral completa e sem sequelas se o
tratamento for adequado.
Na doença precoce localizada, a doxiciclina PO
na dose de 100 mg de 12/12 horas durante 21 dias Prevenção
é o antimicrobiano de escolha para crianças com
idade superior a 8 anos. A medida preventiva mais eficaz implica o uso de
Nas crianças com idade inferior a 8 anos está vestuário de adequado aquando da permanência
indicada a amoxicilina PO na dose de 50 em áreas endémicas. Os repelentes de insectos
mg/kg/dia de 8/8 horas durante 21 dias. apenas produzem efeito temporário e, em doses
Nos casos de alergia à penicilina, constituem elevadas, podem provocar toxicidade para a
alternativas a cefuroxima axetil (PO) na dose de criança. As permetrinas matam o vector, devendo
30-40 mg/kg/dia, em duas doses. ser aplicadas somente à superfície da roupa.
Na doença precoce disseminada e na doença Como a maioria das pessoas reconhece a pre-
tardia, com eritema migrans múltiplo, paralisia sença da carraça, esta será removida nas primeiras
facial isolada (ou paralisia doutros nervos crania- 36 horas de adesão, ou seja, antes de haver risco
nos), ou artrite não complicada, recomenda-se o elevado de transmissão da bactéria (com pinça ou,
mesmo regime terapêutico aplicável à doença na falta dela, por extracção manual/dedos em
localizada, mas durante 28 dias. Nos casos de pinça, na vertical, capturando-a sob a roupa, pela
paralisia dos nervos cranianos os corticóides não região cefálica). Não se recomenda o uso de anti-
deverão ser utilizados. bióticos profilácticos.
Nos casos de cardite, meningite ou encefalite, a Em 1999 passou a dispor-se nos EUA de vaci-
antibioticoterapia (com a duração de 14 a 21 dias) na para utilização a partir dos 15 anos de idade, a
deverá ser IV com: qual foi retirada em 2002 por escassez de vendas.
– penicilina G em 6-8 doses diárias (300.000 Actualmente, não existe vacina disponível.
UI/kg/dia- até máximo de 20 milhões de UI/ 24
horas) ou BIBLIOGRAFIA
– ceftriaxona (75-100mg/kg/dia). American Academy of Pediatrics. Committee on Infectious
CAPÍTULO 294 Febre recorrente 1493

294
Diseases.Report on Lyme Disease. Elk Grove Village,IL:
American Academy of Pediatrics, 2003:407-411
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sii e B. turicatae, prevalentes na parte ocidental dos
EUA, B. dugesi no México e América Central, B. his-
panica em Espanha, e B. persica na Ásia.
Esta espécie de Borrelia (recurrentis) é distinta
da associada a outras doenças, nomeadamente à
doença de Lyme, porquanto é identificada, ao
microscópio, no sangue periférico.
Uma característica particular destes germes
bacterianos é a sua contínua mutação antigénica.
Assim, Borrelias isoladas no primeiro episódio
febril são antigenicamente diferentes das encon-
tradas nos episódios subsequentes, justificando a
natureza cíclica da infecção.
1494 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A febre recorrente epidémica é transmitida ao quial. O exame objectivo poderá evidenciar hepa-
homem pelo piolho Pediculus humanus que ingere tosplenomegália.
o espiroqueta ao alimentar-se do sangue de um As complicações incluem trombocitopénia,
doente. Ao ser esmagado pelo homem, os seus icterícia, iridociclite, pneumonia, meningite ou
fluidos contaminam o local da picada. Por outro miocardite.
lado, feridas da pele decorrentes de lesões de
coceira permitem a entrada em circulação do espi- Exames complementares
roqueta. Esta infecção está associada a fracas
condições de higiene e saneamento. Actualmente Apesar de a história epidemiológica ser extrema-
é mais frequente na Etiópia, Somália e Eritreia, mente valiosa levantando forte suspeita, torna-se
tendo sido associada aos desastres sociais naquela fundamental proceder à identificação de Borrelia
região do globo. no sangue durante o episódio febril: a observação
A febre recorrente endémica é transmitida ao ao microscópio do esfregaço de sangue periférico
homem por carraças do género Ornithodoros, corado pelos métodos de Wright e Giemsa permi-
infectadas a partir de roedores selvagens. A saliva te, assim, o diagnóstico.
do artrópode que morde o homem permite a O diagnóstico também pode por realizado por
entrada da Borrelia na circulação sanguínea. Nos imunofluorescência indirecta.
abrigos de montanha de parques naturais existem Salienta-se que o estudo serológico está forte-
condições propícias para contrair a infecção. mente condicionado pela grande variabilidade
Durante os episódios febris os espiroquetas, antigénica a que atrás se fez menção. Por outro
entrando na corrente sanguínea, promovem o lado, salienta-se que existe reacção serológica cru-
desenvolvimento de anticorpos específicos IgM e zada com outros espiroquetas, designadamente
IgG, sofrendo aglutinação, imobilização, fagocito- com Borrelia burgdorferi, agente da doença de Lyme.
se e lise. Durante a fase de remissão os espiroque-
tas Borrelia podem permanecer na corrente san- Tratamento
guínea, mas em número insuficiente para que ori-
ginem sintomas. Os objectivos essenciais do tratamento são elimi-
nar os espiroquetas do sangue e prevenir ou
Manifestações clínicas controlar a reacção de Jarisch-Herxheimer resul-
tante da destruição maciça de microrganismos. De
Após um período de incubação médio de 7 dias salientar que existe uma larga gama de antibióti-
(limites: 2-18 dias), verifica-se o aparecimento cos eficazes.
súbito de febre alta com calafrio, sudorese, cefa- Na forma epidémica, o esquema mais utilizado
leias, mialgias, fraqueza muscular e artralgias. em crianças a partir dos 8 anos de idade inclui
O episódio inicial febril termina ao fim de 4 a 7 dose única de penicilina G aquosa IM na dose de
dias com uma crise aguda marcada por diaforese, 400.000 U, seguida de tetraciclina PO (50
hipotermia, hipotensão, bradicárdia e fraqueza mg/kg/dia,em 4 doses) durante 2 dias. Em crian-
muscular profunda. ças com menos de 8 anos as alternativas são a azi-
Nos doentes sem tratamento a febre surge de tromicina PO (10 mg/kg/dia, dose diária única,
novo ao fim de uma semana com manifestações durante 3 dias), ou cloranfenicol PO (50-100
de síndroma gripal. Podem ocorrer cerca de 10 mg/kg/dia, em 4 doses, durante 3 dias).
episódios de febre; todavia os episódios sintomáticos Na forma endémica existe maior probabilidade
tornam-se progressivamente mais espaçados e de, nalguns doentes, a penicilina não erradicar
mais moderados. Ou seja, verifica-se um aumento espiroquetas do sangue, provavelmente por não
gradual dos períodos de remissão. As picadas, atingir os microrganismos acantonados e persis-
quer da carraça, quer do piolho, são assintomáti- tindo nos vasos sanguíneos cerebrais; tal pode ser
cas. explicável pela fraca penetração do antibiótico na
É comum surgir exantema macular fugaz no barreira hematoencefálica, o que obriga a duração
tronco, que pode generalizar-se ou tornar-se pete- de tratamento de 7-10 dias nesta forma clínica.
CAPÍTULO 294 Febre recorrente 1495

Aspecto importante da antibioticoterapia é a Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
possibilidade de ocorrência da já referida reacção Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
de Jarisch-Herxheimer (J-H), associada a níveis 2011
elevados de TNF-alfa, IL-6 e IL-8. Por isso, é reco- Long SS, Pickering LK, Prober CG (eds).Principles and Practice
mendável que se mantenha linha IV com soro of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Saunders,
fisiológico para eventual tratamento do choque na 2012
eventualidade de surgir a reacção. Está em inves- McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
tigação o tratamento da reacção de J-H com anti- Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
corpos anti-TNF-alfa. McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
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Prognóstico Livingstone, 2008; 1245-1246
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Com tratamento adequado em regime hospitalar a AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
mortalidade em doentes com febre recorrente é < Medical, 2011
2%. A febre recorrente epidémica sem tratamento Vial L, Diatta G, Tall A, et al. Incidence of tick-borne relapsing
adequado pode comportar mortalidade elevada fever in west Africa: longitudinal study. Lancet 2006;
(> 8%), segundo dados da OMS referentes à 368:37-43
Tanzânia.

Prevenção

A prevenção faz-se através da erradicação dos


vectores. A melhoria dos cuidados de higiene pes-
soal é essencial para a prevenção da febre recor-
rente epidémica. Quanto à febre recorrente endé-
mica, o uso de roupa adequada, de repelentes e a
desinfestação dos abrigos de montanha reduz o
número de pessoas infectadas.

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1496 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

295
milhões de casos de doença que ocorrem anual-
mente, cerca 1,7 milhões correspondem a óbitos
(sendo ~500.000 em crianças); a faixa etária mais
atingida é a dos jovens adultos.
Salienta-se que cerca de 60% dos casos em
idade pediátrica ocorrem abaixo dos 5 anos.
TUBERCULOSE A partir da década de 80, e em coincidência
com a eclosão da epidemia pelo VIH, a identifica-
Ana Leça ção de estirpes resistentes aos antibacilares bacte-
ricidas mais importantes, prefigurando a situação
de TB multirresistente (TB-MR) (resistência, pelo
menos, à isoniazida e rifampicina), dificultou
Aspectos epidemiológicos ainda mais o controlo da doença, pois a TB-MR
e importância do problema comporta dificuldades terapêuticas, maiores cus-
tos e maior mortalidade. Esta multirresistência,
A tuberculose (TB) é uma infecção originada por que no essencial nada mais é do que a amplifica-
uma bactéria descoberta por Robert Koch em 1882 ção, induzida pelo homem, do fenómeno natural
a qual passou a designar-se por Mycobacterium das mutações espontâneas do M. tuberculosis,
tuberculosis ou bacilo de Koch. Tal descoberta ofe- reflecte uma convergência de múltiplas causas, de
receu ao mundo a primeira oportunidade de luta que as mais importantes são o atraso no diagnós-
contra um dos maiores flagelos da humanidade. tico e a insuficiente adesão ao tratamento.
Passado mais de um século, a tuberculose conti- A não se verificar um forte incremento das
nua a ser uma das doenças que comporta maior medidas de controlo, o número de casos/ano
mortalidade no mundo, infectando um terço da aumentará para 11 milhões em 2020, com um total
sua população segundo estimativas da OMS. de 200 milhões de novos casos nas próximas duas
Na década de 90, simultaneamente com o décadas. E embora a infecção VIH tenha tido um
maior controlo de algumas doenças, nomeada- efeito significativo na epidemiologia da tuberculo-
mente das que são objecto de vacinação em idade se (globalmente 13% dos casos de TB têm infecção
pediátrica, foi previsto um recrudescimento mun- VIH – variando entre 34% na África e 1,4% na
dial da TB. Como causas para este aumento foram região do Pacífico Ocidental), maior importância
referidos o crescimento global da população, a deverá ser dada à interacção entre as doenças cró-
epidemia pelo vírus da imunodeficiência humana nicas e a TB, incluindo a diabetes, a subnutrição e
(VIH), os movimentos migratórios, e as más as doenças respiratórias.
condições sociais e de higiene básica no contexto Portugal, país em que a toxicodependência e
de casos de pobreza extrema que têm crescido em infecção VIH/SIDA têm grande expressão, é tam-
certas regiões do globo. bém aquele que na Europa Ocidental regista
O maior incremento da incidência verificou-se maior incidência de TB, com oscilações:
na África sub-Saariana a partir de meados da 29/100.000 em 2003, 22/100.000 em 2007, e
década de 80, e na Europa de Leste (principal- 24/100.000 em 2009. Em 2007 dos 0-14 anos verifi-
mente em países da ex-União Soviética) na década cou-se a seguinte distribuição de novos casos: < 1
de 90. Na Europa a tuberculose atingiu em 2004 a ano → 18; 1-4 anos → 7; 5-14 → 40.
sua maior incidência desde há duas décadas. Nos países da Europa (exceptuando Polónia,
A tuberculose é hoje considerada, sob o ponto Croácia, Albânia, Turquia, Roménia), EUA, Canadá
de vista epidemiológico, uma doença emergente, e Chile, a incidência é < 24/100.000(dados de 2006).
encontrando-se sem controlo em muitas partes do A infecção por VIH, condicionando o risco de
mundo. Mais de dois biliões de pessoas vivem reactivação da TB, constitui actualmente um fac-
infectadas por este bacilo, e em qualquer momen- tor demográfico decisivo. Portugal é na UE um
to das suas vidas existe probabilidade forte de dos países com maior proporção de co-infecção
desenvolvimento e transmissão da doença. Dos 9 TB/VIH, particularmente acentuada no Porto
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1497

(16%), Setúbal (18%) e em Lisboa (25%). Por outro tuberculosis são: M. tuberculosis hominis, M. bovis,
lado, o trinómio VIH/TB/ toxicodependência M. africanum, M. microti e M. canetti.
predispõe ao aparecimento da multirresistência e Os agentes patogénicos mais importantes para
à sua disseminação na comunidade. o Homem são M. tuberculosis e M.tuberculosis bovis.
Os casos de TB em imigrantes têm um impac- M. tuberculosis é um bacilo não móvel, não for-
te importante no perfil demográfico da doença mador de esporos, aeróbio, cuja parede celular
nos países receptores. Em Portugal, a proporção apresenta um elevado conteúdo de lípidos de alto
de casos em imigrantes mantém-se constante peso molecular. Cora mal com o método de Gram
(12%), muito inferior à da UE (31%). Outros fac- e, quando corado com o método de Zhiel-Nielsen,
tores demográficos condicionam a epidemiologia resiste à descoloração com álcool e ácido; daí a
da TB em populações bem definidas como os pro- designação de bacilo ácido- álcool resistente.
fissionais de saúde, os reclusos e os sem abrigo. As micobactérias crescem lentamente nos
As assimetrias regionais são muito característi- meios de cultura sólidos específicos (meio de
cas. Apesar de extensas regiões do país se encon- Lowenstein); as colónias surgem após 3 a 6 sema-
trarem numa situação de baixo nível endémico (as nas. Actualmente os métodos radiométricos cultu-
Regiões Autónomas dos Açores e Madeira e nove rais (Bactec®, meio líquido) permitem diagnósticos
distritos do Continente têm menos de 20 casos por mais precoces, em cerca de 7 a 14 dias. Após o
100 mil habitantes), a situação é ainda preocupante crescimento bacteriano em meio sólido ou líquido,
nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa, Porto a identificação da espécie pode efectuar-se através
e Setúbal. O distrito do Porto é o que regista maior de provas de hibridização dos ácidos nucleicos.
incidência (com 52 por 100 mil); com os de Lisboa e A infecção humana com M. bovis é rara nos países
Setúbal reúnem mais de 60% dos casos. (Figura 1) tecnicamente avançados, em que se procede à pas-
No ano de 2011 verificou-se a taxa global nacional teurização do leite. Embora a transmissão se possa
de 22,6 casos de tuberculose por 100 mil habitantes. fazer, como no M. tuberculosis hominis por via inalató-
ria, em regra, o M. bovis é veiculado por produtos lác-
Etiopatogénese teos (via digestiva), podendo invadir os linfáticos da
orofaringe ou penetrar na mucosa intestinal.
As 5 micobactérias que integram o complexo M. Tuberculose em idade pediátrica define-se
genericamente como o processo mórbido infeccio-
so originado pelo complexo Mycobacterium tuber-
culosis (ver atrás) ocorrendo em indivíduos com
menos de 15 anos.
A tuberculose pediátrica é um “acontecimento-
sentinela” que indicia o contacto da criança com um
adulto ou adolescente que elimina e propaga baci-
los. A designação de tuberculose primária (ou
primo-infecção tuberculosa) diz respeito ao
conjunto de manifestações biológicas e clínicas (que
podem ser demonstradas por imagem radiológica)
acompanhando a penetração do BK num organis-
mo até então indemne da afecção. Reiterando o que
foi atrás referido, na maioria dos casos (> 95%) a
contaminação faz-se por via respiratória.
Com efeito, a transmissão da tuberculose é
inter-humana, por inalação de pequenas partícu-
las aerossolizadas (< 5 µm de diâmetro) prove-
FIG. 1
nientes de um doente que elimina e propaga baci-
Novos casos de TB por Distritos e Regiões Autónomas: taxa los. Daí que, a nível hospitalar, no contexto da pre-
por 100.000 habitantes em 2005 (Fonte: DGS, 2007). venção da infecção nosocomial, seja obrigatório o
1498 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

isolamento respiratório do doente em tais circuns- Ora, a actividade intensa e prolongada de tipo
tâncias, em quarto de pressão negativa, e a utiliza- 1 pode resultar em reacções excessivas de hiper-
ção de equipamento especial de protecção pessoal. sensibilidade retardada, associadas a destruição
Após a inalação de gotículas aerossolizadas tecidual importante. Por outro lado, a falência no
contendo M. tuberculosis (a maioria, ou M. bovis, controlo da infecção, como nos casos de doentes
raramente) os bacilos infectam os alvéolos nas áreas imunodeprimidos, está associada a actividade do
mais ventiladas dos pulmões (vértices pulmonares tipo 2 aumentada.
no adulto, porções basais na criança) desencadean- Admite-se hoje que na espécie humana a
do um processo inflamatório parenquimatoso, cul- excessiva destruição tecidual se pode relacionar
minando no foco de Ghon (granuloma), o qual com uma resposta mista TH1/TH2, sendo que um
pode posteriormente calcificar (infecção tuberculo- factor produzido pelas células do tipo TH2 torna
sa latente). Para compreender a formação do referi- os tecidos altamente sensíveis à acção de TNF-
do granuloma, importará sintetizar alguns aspectos alfa. Outros factores importantes incluem:
imunológicos relacionados com o balanço entre – o factor de crescimento (TGF-beta) produzi-
agressão microbiana e defesa do organismo. do pelos fagócitos mononucleares(que pode ter
Os bacilos são rapidamente “fagocitados” pelos efeito negativo sobre a actividade TH1), e
macrófagos (mas não mortos), multiplicando-se no – o composto di-hidroxilado da vitamina D3
interior dos mesmos. Efectivamente, a parede lipí- [1,25 (OH)2 vitamina D3] que parece ter papel
dica espessa do BK protege-o da acção das enzimas importante na acção dos macrófagos, respeitante
lisossómicas do macrófago. Por sua vez, os linfóci- ao controlo da replicação dos BK no seu interior
tos T CD4 (células T helper)*, uma vez sensibilizados citoplásmico.
pelos BK, produzem citocinas que activam macrófa- O foco (ou nódulo) de Ghon forma-se, precisa-
gos e linfócitos T citotóxicos CD8 (CTL). Os CTL mente, como resultado dum processo de reacção de
provocam lise das células contendo BK, permitindo defesa, salientando-se que o interferão gama (IFN-
então que os macrófagos destruam os BK ingeridos. gama) torna os macrófagos mais competentes;
Assim, a defesa do organismo contra a estes produzem, não só enzimas citolíticas com
“invasão” de BK inclui 2 principais componentes: acção sobre o bacilo, como determinados factores
– imunidade mediada por células, a qual de activação dos fibroblastos. Os fibroblastos acti-
controla a infecção através da activação dos vados, coalescendo e sofrendo transformações
macrófagos permitindo o que foi referido atrás diversas, vão formar um granuloma em cujo inte-
(morte dos BK fagocitados); rior existem fagócitos com bacilos quiescentes.
– tipo de hipersensibilidade retardada que fica Se bem que a maioria dos bacilos fique contida
“activada” quando os antigénios bacilares atin- no foco de Ghon, alguns deles passam aos vasos
gem determinados níveis; este tipo de hipersensi- linfáticos atingindo os gânglios linfáticos regio-
bilidade retardada é responsável pela lesão e nais, com reacção inflamatória ganglionar (recru-
caseificação teciduais. tamento ganglionar de macrófagos e linfócitos). O
Os linfócitos TH1 segregando IL-2, interferão- nódulo de Ghon conjuntamente com os gânglios
gama (IFN-gama) e linfotoxina-alfa estimulam a hilares e paratraqueais* aumentados de volume é
imunidade de tipo 1 que é pró-inflamatória e carac- designado por complexo primário tuberculoso.
terizada por actividade fagocitária e hipersensibi- Durante este processo de transmissão por via
lidade de tipo retardado. IFN-gama e linfotoxina- inalatória que se designa por infecção primária
alfa promovem a secreção de citocinas pró-infla- (ou primo-infecção tuberculosa, por ser precoce)
matórias como TNF-alfa. As células TH2 segre- pode verificar-se compressão brônquica por gân-
gam interleucinas (IL-5 e IL-4) promovendo, com glio, extensão da infecção, por via endobrônquica
a cooperação de eosinófilos e IgE, a estimulação por compressão ganglionar e erosão brônquica
de resposta imune, alérgica, de tipo 2.

(*) gânglios com esta localização se o BK “entrar” por via inalatória; se


(*) Existem 3 tipos de células/linfócitos T helper: TH0(nativas), TH1 e o BK”entrar” por via digestiva, serão os gânglios mesentéricos os
TH2. TH0 podem diferenciar-se em TH1 e TH2. implicados.
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1499

(~3-9 meses), por extensão parenquimatosa para meiros 2 anos após a infecção primária, alterações
áreas adjacentes do pulmão (pleura, com derrame evolutivas diversas adiante discriminadas origi-
pleural consequente em ~3-7 meses depois), ou nando o quadro designado por tuberculose-
disseminação linfática ou hematogénica (~1-3 doença.
meses a 2 anos) com disseminação pulmonar 3. A tuberculose infecção não tratada poderá,
(miliar) ou compromisso de outros órgãos/ por sua vez, evoluir para tuberculose – doença em
/lesõeas metastáticas, incluindo meninges, rins, ~43% das crianças de idade inferior a 1 ano, ~24%
medula óssea, cérebro e tracto gastrintestinal das crianças entre 1 e 5 anos, e ~5 a 15% dos ado-
(tuberculose extrapulmonar). As manifestações de lescentes com idade superior a 15 anos.
doença óssea surgem em regra após >1-3 anos, e 4. A chamada doença tuberculosa pós-primá-
as de doença renal, ainda mais tarde, > 5-7 anos. ria, com especial relevância em adolescentes,
De salientar que poderá haver disseminação adultos e idosos, pode ser secundária a reactiva-
hematogénica (crónica) multiorgânica. ção endógena no contexto de défice de imunidade,
Cerca de 3 a 12 semanas após primo-infecção ou de nova infecção exógena.
tuberculosa (infecção pela primeira vez do hospe- Notas importantes:
deiro pelo bacilo de Koch) passa a ser demonstrá- • Tendo sido abordada anteriormente a noção
vel alergia à tuberculina, sendo que se verificava de hipersensisibilidade à tuberculina, importará
anergia antes da infecção: trata-se da chamada também abordar a noção de imunidade celular
viragem tuberculínica demonstrada na prática pela anti-BK que corresponde, na prática, à capacidade
chamada prova tuberculínica ou intradermorreac- de o organismo impedir a replicação celular. Trata-
ção à tuberculina, traduzindo uma resposta de se de fenómenos distintos, mediados por diferentes
hipersensibilidade às tuberculoproteínas do BK. linfocinas, aparecendo em geral paralelamente,
Quando tal fenómeno ocorre, os bacilos em repli- pois a infecção por BK ocorre com bacilos vivos
cação bacilar no interior dos macrófagos activados contendo substâncias imunologicamente activas.
sofrem o efeito de tal hipersensibilidade, do qual • Nos casos de tuberculose – infecção a proba-
resulta necrose caseosa nos respectivos tecidos. bilidade de evolução para doença activa ou tuber-
Após a infecção primária, os focos de infecção culose – doença é maior nos casos de hipersensi-
contendo pequeno número de bacilos e em fase de bilidade exagerada; por sua vez, os casos de tuber-
não replicação (latentes) podem sofrer fibrose; os culose – doença não acompanhados de hipersensi-
referidos focos mantêm, no entanto, potencialida- bilidade tuberculínica estão em geral relacionados
de para reactivação ulterior ou nova reinfecção com o aparecimento de formas graves e invasivas.
exógena (ver adiante), nomeadamente em situa- • O bacilo considerado virulento é aquele que
ções de imunossupressão, mesmo que transitória, tem um processo de replicação rápida; o hospe-
má-nutrição, idade baixa/lactentes, e infecção deiro com défice de resposta imune é aquele que
intercorrente. O risco de desenvolvimento de tem um processo de resposta imune celular lenta,
doença tuberculosa pós infecção primária vai em período superior a 15 dias.
decrescendo com a idade, sendo maior nos pri-
meiros 2 anos. Factores de risco
Sob o ponto de vista de cronologia de eventos,
sintetiza-se a evolução natural: Por cada criança com tuberculose há, pelo menos,
1. Na grande maioria dos casos de crianças um adulto eliminando e propagando bacilos, e
com a chamada tuberculose-infecção (cerca de que por cada adulto nestas condições poderá
90%, correspondendo ao contacto e penetração de haver uma ou mais crianças infectadas. Este é o
pequeno número de bacilos em fase latente, não conceito do binómio adulto- criança.
replicativa), esta situação mantém-se, sendo o pro- Assim, o factor mais importante de infecção por BK
cesso detido por fibrose e calcificação em função na criança é o contacto com um adulto ou adolescente com
do risco de cada caso determinado por circunstân- infecção tuberculosa. A progressão para doença activa,
cias do meio e do hospedeiro (Quadros 1 e 2). após um contacto, depende da interacção entre fac-
2. Em cerca de 10% dos casos surgem, nos pri- tores do meio e do hospedeiro (Quadros 1 e 2).
1500 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas • tuberculose doença em que se verificam


sinais e sintomas diversos como epifenómeno da
Antes de abordar as possíveis manifestações clínicas evolução desfavorável do complexo primário.
relacionadas com “o contacto bacilar e a sua penetra- Na maioria dos casos de tuberculose primária
ção no organismo” ou infecção primária há que as manifestações consideradas clássicas como
relembrar as duas situações específicas (ou dois febre prolongada, pneumonia de evolução arrasta-
conceitos) que a integram e a que atrás já se aludiu: da, anorexia, perda de peso, tosse persistente,
• tuberculose infecção cuja única manifesta- hemoptise, etc. relacionam-se com doença de evo-
ção é a verificação de viragem tuberculínica sem lução avançada; nas crianças mais jovens existe
qualquer outro sinal clínico, laboratorial ou maior probabilidade de sintomas vagos e inespecí-
radiológico (caso assintomático); ficos, tais como: tosse, febre, perda ou não pro-
gressão ponderal, mal-estar, adinamia, vómitos,
QUADRO 1 – Factores do meio: características diarreia, e, raramente, hipersudorese nocturna.
da fonte infectante e Em 27 doentes com TB internados na Unidade
magnitude do inóculo de Infecciologia do HDE no período de 2 anos
(2004-2005) o diagnóstico de TB foi admitido
• Os adultos com exame directo positivo são mais como primeira hipótese em 15, tendo em conta o
contagiosos do que aqueles em que o BK é detectado conhecimento da epidemiologia intra-familiar.
apenas na cultura da expectoração. Dos restantes, os motivos de internamento foram
• As lesões cavitárias (cavernas) e a tosse aumentam o diversos, tais como: “febre, vómitos, diarreia”,
risco de disseminação “febre, vómitos, astenia”, “febre, mau estado
• O contacto íntimo e mantido com doente, e a geral”, “alterações do estado de consciência”,
coabitação de muitos indivíduos em espaço exíguo, “dificuldade respiratória”, ”e pneumonia”.
aumentam o risco de infecção. De salientar que sintomas vagos e persistentes
• A co-infecção por VIH/SIDA condiciona situações de em contexto epidemiológico sugerindo tuberculo-
maior contágio, mesmo que não existam lesões se, obrigarão à efectivação de prova tuberculínica,
cavitárias. ao esclarecimento sobre o estado vacinal em rela-
ção ao BCG e à realização de determinados
exames complementares. Chama-se igualmente a
QUADRO 2 – Factores do hospedeiro: maior atenção para duas situações que podem indiciar
probabilidade de infecção e de tuberculose primária: o eritema nodoso e a
progressão para doença activa conjuntivite flictenular. (Capítulos 225 e 254)
A verificação de eritema nodoso abrange, para
• O risco de progressão para doença activa é além da tuberculose primária, a investigação de
inversamente proporcional à idade. outras etiologias (fármacos, infecções por Stre-
• A má-nutrição, a co-infecção com VIH, as doenças ptococcus A, infecções sitémicas fungos, doença
crónicas como insuficiência renal, hepática ou inflamatória intestinal, etc.). Traduz-se pelo apareci-
diabetes mellitus, a terapêutica com mento de nódulos e placas de 1 a 5 cm de diâmetro,
imunossupressores , ou doenças que se acompanham dispostos tipicamente e de modo simétrico ao nível
de imunossupressão temporária, como o sarampo, das regiões pré-tibiais, mas também noutras locali-
são factores que favorecem a evolução para zações (face, membros superiores, joelhos, pescoço,
tuberculose-doença. etc.) relacionáveis com fenómeno de hipersensibili-
• O risco de progressão para tuberculose dade mediada por células (Capítulo 225, Figura 6).
extrapulmonar (nomeadamente meníngea) é maior A conjuntivite flictenular poderá confundir-se
nas crianças de idade inferior a 1 ano. com ceratite estafilocócica.
• O risco de progressão para tuberculose extrapulmonar Neste capítulo são abordadas duas grandes
(nomeadamente meníngea) é maior no primeiro ano formas clínicas de tuberculose-doença:
após o início do processo de tuberculose-infecção. 1. Tuberculose torácica, subdividida arbitraria-
mente em pulmonar e extrapulmonar;
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1501

2. Tuberculose extratorácica, esta última ocor- Foco primário


rendo em menos de 5% dos casos pediátricos, Esta forma corresponde às manifestações resul-
salientando-se que todos os órgãos poderão ser tantes da progressão do nódulo de Ghon ou foco
atingidos. parenquimatoso pulmonar; é traduzida clinica-
mente por quadro de bronquite, e radiologica-
1. Tuberculose torácica mente por foco de condensação (opacidade arre-
dondada). As suas dimensões não ultrapassam
Forma adenopática traqueobrônquica em geral dois centímetros. O nódulo de Ghon
Trata-se da forma mais frequente, traduzida por poderá ser visualizado na radiografia do tórax
compromisso ganglionar evidenciado em radiogra- concomitantemente com a adenopatia.
fia do tórax e/ou TAC; das adenopatias ao nível da
bifurcação brônquica e no mediastino , importantes Disseminação brônquica
em volume, número e extensão, poderá resultar O quadro clínico de disseminação brônquica, quer
compressão brônquica de vária ordem de grandeza a partir do gânglio, quer a partir do nódulo de
conduzindo a atelectasia; ou enfisema se se verifi- Ghon, é o de broncopneumonia caseosa de evolu-
car compressão associada a mecanismo valvular ção subaguda ou crónica (formação de caseum,
com retenção progressiva de ar. Figura 2). Tal situação poderá obrigar ao diagnósti-
Outras possibilidades de evolução natural* do co diferencial com quadro broncopneumónico rela-
componente ganglionar do complexo primário cionável com agentes infeccciosos que não BK; a
são esquematizadas na Figura 2 (Segundo Thomé história clínica e os achados epidemiológicos asso-
Villar e Ducla Soares). ciados ao resultado da prova tuberculínica contri-
A Figura 3 mostra aspecto radiográfico da forma buem para a destrinça. (ver adiante). (Figura 4)
adenopática tráqueo-brônquica (radiografia do
tórax PA e perfil): opacidade arredondada de limites Tuberculose miliar
bem definidos, confluente com o hilo pulmonar. Trata-se duma forma grave de disseminação linfo-
hematogénica a qual pode atingir qualquer órgão.
(*) isto é, na aussência de tratamento.

Periadenite Compressão Úlcera Caseum sólido Caseum líquido


(edema) (obstrução) (disseminação)
Ao perfurar

Notas importantes:
1 – As lesões tuberculosas dos gânglios cicatrizam mais lentamente que
as do foco de inoculação.
Tecido ganglionar Tecido de granulação Calcificação Estenose 2 – Conforme o estado do caseum quando se dá a perfuração do
gânglio para o lume brônquico – elástico, desidratado ou líquido –
no lume brônquico à volta da fístula cicatricial podem resultar síndromas obstrutivas ou disseminação brônquica.
3 – O tecido ganglionar no lume brônquico, e o tecido de granulação
em torno da fístula adenobrônquica podem originar sequelas nas for-
mas arrastadas (fibrose, estenose e calcificação).
Sequelas da perfuração ganglionar. (Adaptado de Ducla Soares & Tomé Vilar, 1967)

FIG. 2
Esquema das possibilidades de evolução natural do componente ganglionar do complexo primário (consultar texto).
1502 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A B Surgindo em geral em crianças debilitadas e ou


desnutridas, manifesta-se por febre, mau estado
geral, perda de peso, suores nocturnos, hepatos-
plenomegália, podendo associar-se a meningite.
Existindo um quadro de pneumonite bilateral
traduzindo-se radiologicamente por infiltrados
miliares/micronódulos de 1 a 2 mm confluentes dis-
persos em ambos os campos pulmonares (daí o nome
de granúlia), e arredondados como grãos de milho
(daí o nome de miliar). É notória a dificuldade respi-
FIG. 3
ratória que, nos pequenos lactentes pode partilhar
Imagem radiográfica de adenopatia traqueobrônquica sinais com a bronquiolite (dificuldade respiratória).
esquerda: A – Póstero-anterior; B – Perfil. (NIHDE) Face ao estado de debilitação da criança, a
prova tuberculínica poderá evidenciar de anergia.
(Figura 5)

Tuberculose pulmonar reactivada


Esta forma, típica dos adolescentes e adultos, é
muitas vezes designada por “tuberculose pulmo-
nar tipo adulto”; corresponde à chamada tubercu-
lose pós-primária, epifenómeno de reactivação
endógena ou reinfecção exógena. Na forma de
doença avançada surgem lesões cavitárias localiza-
das predominantemente nos segmentos apicais
dos lobos superiores, correspondendo a zonas
com maior pressão de oxigénio (Figura 6). A par-
tir de tais lesões cavitárias verifica-se dissemina-
ção endobrônquica de bacilos, o que contribui
para propagação de BK junto dos contactos.
Os sintomas e sinais gerais são os referidos
anteriormente, sendo que a tosse e hemoptise
poderão indiciar cavitação e erosão brônquica.

Derrame pleural tuberculoso


O derrame pleural tuberculoso, de tipo serofibri-
noso, que pode acompanhar a infecção primária,
representa uma resposta imune ao germe BK. A
prova tuberculínica é geralmente exuberante, e a
resposta ao tratamento é em geral rápida quando
coadjuvada por corticóides (ver adiante).
Mais frequente na idade escolar e na adoles-
cência, tem início agudo com febre, dor torácica
ou abdominal, agravando-se com a respiração e a
tosse.
A análise do líquido pleural evidencia linfóci-
FIG. 4
tos e elevado teor em proteínas, não contendo
Disseminação broncogénica de caseum: imagens radiográficas bacilos. A imagem radiológica do derrame pleural
nodulares dispersas, associadas a adenopatia hilar. (NIHDE) é sobreponível à associada a outras etiologias
(ver Figura 2) (Figura 1 do Capítulo 83).
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1503

tudo nas regiões cervical, supraclavicular e sub-


maxilar, embora outras cadeias ganglionares pos-
sam ser atingidas.
Trata-se da forma mais comum de tuberculose
extra-torácica na idade pediátrica. Historicamente
é relacionada com a ingestão de leite de vaca não
pasteurizado veiculando M. bovis, o que ocorria
cerca de 6 meses a anos depois.
Ao nível das regiões inguinal, axilar e epitro-
clear podem associar-se a tuberculose da pele ou
sistema esquelético. Ao nível da região supracla-
vicular pode associar-se a extensão de lesão
FIG. 5 primária de segmentos superiores do pulmão ou
Padrão radiográfico abdómem.
de tuberculose A tumefacção ganglionar (uni ou bilateral) que
miliar. (NIHDE) pode atingir grandes dimensões e originar a com-
pressão de estruturas adjacentes, é acompanhada
de sinais inflamatórios locais e regionais (colora-
ção eritematosa e violácea da pele com estruturas
aderentes aos planos profundos e tendência para a
fistulização); como sequela forma-se uma cicatriz
quelóide designada habitualmente por escrófula.

Meningite tuberculosa
A meningite tuberculosa (correspondendo a cerca
de 0,3% das infecções tuberculosas não tratadas
em idade pediátrica) manifesta-se na maioria dos
casos no período de 6-24 meses após infecção
primária e em crianças com menos de 5 anos.
Cerca de 40 a 50% das crianças com meningite
tuberculosa têm outros focos de infecção tubercu-
losa, incluindo tuberculose miliar.
FIG. 6
O início pode ser insidioso com sintomas
TAC torácica: lesões cavitárias de tuberculose. (NIHDE) vagos e inespecíficos: febrícula, cefaleia e altera-
ções do comportamento, irritabilidade ou sono-
Pericardite tuberculosa lência.
Esta forma de pericardite surge quando os BK O diagnóstico precoce é fundamental tendo
atingem a pleura por via hematogénica ou por em vista a redução da morbilidade e mortalidade,
contiguidade a partir da pleura ou pulmão. exigindo-se do clínico um elevado índice de sus-
Se o processo inflamatório persistir com esta peita. Classicamente são descritos 3 estádios evo-
localização, poderá resultar resposta celular lutivos, ao longo de 3 a 4 semanas:
imune com ruptura de granulomas para o espaço Estádio I – febre, irritabilidade, sonolência;
pericárdico conduzindo ao desenvolvimento de Estádio II – alterações do comportamento, por
pericardite constritiva. (Capítulo 216) vezes sinais focais; podem surgir sinais menín-
geos e ocorrer convulsões;
2. Tuberculose extratorácica Estádio III – delírio e coma; sinais meníngeos
francos, sinais neurológicos focais.
Linfadenite superficial
A linfadenite superficial extratorácica surge sobre- Com efeito, o processo inflamatório das
1504 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

meninges afecta sobretudo a base do encéfalo templam, designadamente, a detecção da tubercu-


(meningite basilar) com repercussão significativa lose bovina.
sobre os nervos cranianos, e levando a hiper- A deglutição do BK origina ulceração da
tensão intracraniana e deterioração do estado mucosa intestinal com compromisso dos gânglios
mental e coma. mesentéricos, com especial predilecção pelos gân-
A análise do líquido cefalorraquidiano revela: glios ao nível do íleo terminal (lesão caseosa com
aumento do número de leucócitos(50-500/mm3) consequente erosão) (Figura 7); esta lesão pode
sendo que na fase inicial poderão predominar, quer levar a perfuração intestinal originando quadro de
linfócitos, quer neutrófilos; hiperproteinorráquia; e peritonite tuberculosa. Para além da ascite,
hipoglicorráquia. Embora o exame cultural seja o poderá surgir sintomatologia diversa: dor abdo-
método de excelência para detecção de BK, a deter- minal, síndroma obstrutiva, diarreia crónica infla-
minação da PCR (reacção em cadeia da polimerase) matória, massas abdominais palpáveis, etc..
para BK é de grande utilidade para o diagnóstico. O diagnóstico diferencial faz-se principalmen-
te com linfoma, forma pseudotumoral da esquis-
Tuberculose osteoarticular tossomose e doença inflamatória crónica do intes-
Esta forma clínica de início insidioso cuja etiopa- tino.
togénese se pode relacionar, quer com dissemina-
ção hematogénica, quer com infecção por Tuberculose urogenital
extensão directa a partir de gânglio regional Rara na idade pediátrica, ocorre por disseminação
caseoso, inclui diversas entidades nosológicas: hematogénica, correspondendo a reactivação tardia.
– tuberculose da coluna vertebral (mal de As manifestações incluem essencialmente piú-
Pott), a forma mais frequente; ria (estéril), hematúria e proteinúria. A suspeita
– artrite coxofemoral com lesão destrutiva da implica a detecção específica de BK na urina.
cabeça do fémur e acetábulo;
– dactilite com compromisso dos dedos das Tuberculose congénita
mãos e pés. É uma forma rara cuja etiopatogénese se relacio-
No que respeita ao mal de Pott, cabe acrescen- na: 1 – quer com transmissão por via transplacen-
tar que os segmentos mais atingidos são, por tar e complexo primário no fígado; 2 – quer com
ordem de frequência, o torácico inferior, o lombar aspiração para a via respiratória ou deglutição de
e o cervical. Verifica-se destruição da porção ante- material infectado a partir do líquido amniótico
rior do corpo vertebral, com compromisso contí- ou do canal genital intraparto.
guo de várias vértebras em diferentes fases de As manifestações incluem quadros de sépsis
destruição, e associado a abcesso frio paraverte-
bral extenso. Clinicamente, a criança encontra-se,
regra geral, assintomática, com cifose acentuada.
Capítulo 243)
De acordo com a localização, determinados
quadros obrigarão ao diagnóstico diferencial com
a osteomielite crónica por S. aureus.

Tuberculose abdominal
A etiopatogénese desta forma clínica relaciona-se,
quer com a deglutição de material pulmonar
infectado com bacilo humano (forma secundária),
quer com a deglutição de produtos alimentares
contaminados pelo bacilo bovino (forma primá-
ria). Trata-se duma forma relativamente rara nos FIG. 7
países industrializados em que as medidas pre- Adenopatia abdominal calcificada no contexto de tuberculose
ventivas de medicina humana e veterinária con- abdominal. (NIHDE)
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1505

com hepatosplenomegalia (sobretudo se se verifi- gressão para formas mais graves de doença, se não
car o mecanismo referido em 1-, e / ou de dificul- se proceder a diagnóstico correcto e atempado.
dade respiratória precoce com padrões radiográfi- A fórmula sanguínea é, em geral, normal. A
cos diversos (pneumonia de aspiração, simile velocidade de sedimentação está aumentada e a
granúlia, etc,), se estiver em causa o mecanismo 2. proteína C reactiva (PCR) evidencia valores
aumentados.
Diagnóstico de tuberculose Contudo, estes resultados exprimem de modo
inespecífico apenas repercussão de um processo
Ao contrário do adulto, em que o diagnóstico de TB inflamatório sobre o estado geral do organismo.
é directo, baseado na clínica e confirmado por O doseamento da adenosinadeaminase(ADA)
exames culturais, na criança o diagnóstico de TB é no LCR ou líquido pleural poderá orientar no sen-
geralmente indirecto, baseando-se na história epi- tido de infecção por M. tuberculosis se os valores
demiológica e, classicamente nos resultados da forem superiores a 40 U/L; no entanto, tal achado
prova tuberculínica (intradermo-reacção de Mantoux). não e patognomónico, pois poderá igualmente
Actualmente, com o desenvolvimento da biologia haver elevação em casos de artrite reumatóide e
molecular e da genómica é possível proceder a carcinoma brônquico.
exames complementares mais sofisticados em idade
pediátrica para identificar M. tuberculosis, adiante 2.Prova tuberculínica
sistematizados. As provas tuberculínicas mantêm a sua inegável
Realça-se que o diagnóstico de TB em idade importância no processo diagnóstico da TB infan-
pediátrica implica que não deverá ser esquecido o til; contudo, deverão ser interpretadas no contex-
binómio adulto-criança atrás referido, devendo to de eventual vacinação anterior e de parâmetros
ter-se sempre presente o contexto epidemiológico epidemiológicos, clínico-laboratoriais e radiológi-
e factores de valorização (quer a prova tuberculí- cos (Quadro 4).
nica, quer a clínica, esta por mais subtil que esta se
nos apresente). 3. Pesquisa de M. tuberculosis
(métodos convencionais)
1.Aspectos gerais A pesquisa de M. tuberculosis, na idade pediátrica,
Os critérios laboratoriais e clínicos de diagnóstico deve ser efectuada no suco gástrico, de manhã, em
de tuberculose inicialmente propostos pelo CDC jejum, com a criança em decúbito mantido desde a
(Quadro 3) excluiam os factores epidemiológicos, véspera, e durante 3 dias (3 amostras).
fundamentais para o diagnóstico de tuberculose Deve introduzir-se 20 a 50 ml de água destila-
pediátrica; com efeito, o período inicial da doença é da através de sonda de aspiração, à temperatura
muitas vezes assintomático ou com sintomas vagos ambiente, recolher-se o aspirado e colocá-lo em
e inespecíficos, conquanto exista risco de pro- recipiente estéril. O produto deve ser transporta-

QUADRO 3 – Critérios de diagnóstico da tuberculose (CDC) – 1990

Critérios laboratoriais Critérios clínicos


Caso confirmado – isolamento e identificação 1. Prova tuberculínica evidenciando alergia
de M. tuberculosis de um produto biológico (reacção de induração >10 mm) sem história de BCG
Nota: este critério implica exame directo positivo 2. Sinais e sintomas compatíveis com TB
(bacilos ácido-álcool resistentes) e cultura ou estudo 3. Alterações radiológicas compatíveis com TB
por PCR confirmativos. 4. Avaliação diagnóstica completa compatível com TB
5. Regressão dos sinais e sintomas após início de terapêutica
específica com duas ou mais drogas
Nota: A prova tuberculínica ou intradermorreacção de Mantoux realiza-se do seguinte modo: injecção intradérmica de 0,1 mL de tuberculina PPD(Purified Protein Derivate)no 1/3 médio da
região ântero-lateral do antebraço esquerdo, paralelamente ao eixo, com bisel da agulha(25-26G) para cima, até se obter pápula de 5- 8 mm, e pele em “casca de laranja”. Verificação do tipo de
reacção após 48-72 horas com medição da induração(não do eritema).
1506 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 4 – Interpretação da prova esta ser habitualmente paucibacilar. A positividade


tuberculínica aumenta em crianças de idade superior a 7 anos, colabo-
rantes e com tuberculose endobrônquica ou parenquima-
O BCG determina, em geral, reacção alérgica após prova tosa. Tal como com o suco gástrico, devem ser obti-
tuberculínica evidenciando alergia (zona de induração das três amostras. Em qualquer idade, um exame direc-
≤ 10 mm; alguns autores consideram: ≤ 15 mm). No to negativo, em qualquer produto, não exclui tuberculose.
entanto, muitas crianças vacinadas apresentam resultados A colheita de secreções brônquicas, líquido pleural,
de provas tuberculínicas com induração de menores
liquor ou urina deve ser ponderada caso a caso.
dimensões ou até anergia, sem que tal signifique menor
protecção em relação às formas graves de TB.*
• Se existir contexto epidemiológico, uma prova tuber- 4. Pesquisa de M. tuberculosis por técnica de
culínica anérgica e induração até 10 mm não deverá amplificação do ácido nucleico (PCR-Reacção
excluir TB. Deverão ser efectuados exames radiológi- de Polimerização em Cadeia/polymerase
cos e laboratoriais. chain reaction)
• Cerca de 10% das crianças com TB-doença evidenciam As técnicas de PCR (polymerase chain reaction)
provas tuberculínicas anérgicas. Como causas desta podem identificar directamente M. tuberculosis,
situação destacam-se idade baixa, infecção tuberculosa com a vantagem de não ser necessário crescimen-
grave em curso, má-nutrição e imunossupressão.
to em meio cultural. No entanto, um resultado
• Uma prova tuberculínica com induração ≥ 10mm
positivo de PCR requer ainda cultura, de modo a
deve ser sempre valorizada, caso exista contexto epi-
demiológico sugestivo e BCG há > 5 anos.
efectuar os testes de sensibilidade.
• Uma prova tuberculínica com induração ≥ 15mm indi-
ca sempre TB-infecção ou TB-doença (excepto quando 5. Pesquisa de M. tuberculosis por testes
há história de TB anterior tratada: a prova tuberculíni- de libertação de interferão
ca continua a evidenciar resultado compatível com Actualmente alguns centros, como alternativa à
alergia após a infecção, mesmo nas situações de prova de Mantoux, utilizam dois testes designa-
doença considerada tratada). dos, respectivamente, por T-SPOT.TB e Quanti
• Num imunodeprimido qualquer dimensão de indu-
FERON-TB Gold O fundamento de tais exames
ração deverá ser valorizada.
complementares é o seguinte: verificando-se no
• Reacção alérgica com induração ≤ 5 mm é considera-
da ~anergia. Tal pode acontecer também nas 1ªs 6-10
organismo a presença de M. tuberculosis conten-
semanas após início da infecção. do antigénios específicos (ESAT-6, CFP-10 e TB7.7-
• Reacção com induração de 6-9 mm poderá estar asso- não existentes no M. bovis –BCG, nem no com-
ciada a infecção por micobactérias atípicas. plexo M. avium) ocorre estimulação de linfócitos
• Nos vacinados com BCG a alergia poderá não ser per- T no sangue periférico com consequente liberta-
manente. ção de interferão-gama (IFN-gama). No teste
(*) Além da prova de Mantoux existem outras provas uberculínicas, hoje em desuso pela QuantiFERON-TB Gold é medido o teor sanguí-
fraca sensibilidade e especificidade (por exemplo, com micropunções, adesivo com tuber-
culina percutânea tipo Volmer, etc.). Segundo alguns autores a vacinação com BCG poderá neo de IFN-gama e, no teste T-SPOT.TB, o número
dificultar o diagnóstico, por problemas de interpretação das provas tuberculínicas.
de linfócitos produtores de IFN-gama no sangue
periférico.
do à temperatura ambiente, devendo a entrega no As principais vantagens dos testes baseados
laboratório e o processamento ser feitos nos 15 no IFN-gama relativamente às provas tuberculíni-
minutos seguintes; se tal não for possível dever- cas são a maior especificidade devido à falta de
se-á congelar (-20º C). Apesar de os aspirados gás- reactividade cruzada com BCG e micobactérias
tricos evidenciarem frequentemente resultados atípicas, e maior sensibilidade para o diagnóstico
negativos, devido à baixa concentração de bacilos, nos casos de crianças com infecções por VIH, e
as colheitas obtidas por lavagem broncoalveolar com síndromas de má-nutrição.
têm menor índice de positividade que as efectua-
das por correcta aspiração gástrica. 6. Outros exames complementares
O método mais económico e com maior percen- Apesar de não haver um padrão radiológico
tagem de positividade no adulto é a cultura da expec- específico da TB pulmonar na criança, a radiogra-
toração, a qual é raramente positiva na criança, dado fia do tórax em incidências póstero-anterior e per-
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1507

fis é fundamental. A alteração mais frequente é a determinada e possivelmente relacionável com


adenopatia mediastínica (hilar), que poderá ser febre tifóide, síndroma com monucleose, toxo-
responsável por atelectasia. Outros sinais radioló- plasmose, doença difusa do tecido conjuntivo,
gicos incluem a pneumonia, o derrame pleural, o neoplasia, etc.); e igualmente com síndromas de
padrão de disseminação miliar ou broncogénica, etiopatogénese diversa associados a derrame
e, nos adolescentes, as imagens sugestivas de cavi- pleural, doença articular, adenopatia superficial,
tação. (Figuras 2, 3 e 4) eritema nodoso e conjuntivite flictenular, etc..
Quando são detectadas alterações radiológi-
cas, deve ser efectuada tomografia computadori- Tratamento
zada (TAC), para melhor definição das caracterís-
ticas e extensão das lesões. Princípios gerais
A broncoscopia está indicada em situações O tratamento da tuberculose implica tratamento
específicas (Quadro 5). médico do doente infectado, e medidas de Saúde
Em casos especiais de derrame pleural poderá Pública para controlo da infecção a nível comu-
estar indicada biópsia pleural para detecção de nitário, devendo ser individualizadas as carac-
eventual granuloma. terísticas de cada doente tendo em conta, designa-
Igualmente, em função do contexto clínico,nal- damente, a idade, o local da infecção, assim como
guns casos de tuberculose miliar/granúlia poderá a eventualidade de estado de imunossupressão e
estar indicada biópsia da medula óssea. de co-infecção com VIH.
Perante a suspeita de meningite ou granúlia, a Após a adopção da terapêutica antibacilar tor-
realização de fundoscopia é fundamental, pois a nou-se evidente que a emergência de resistência
presença de tubérculos coroideus pode confirmar do M. tuberculosis se desenvolveria a uma taxa
o diagnóstico. Na meningite tuberculosa devem previsível se os sucessivos fármacos fossem usa-
ser sempre efectuados exames de imagem do dos em monoterapia. Por conseguinte, uma vez
cérebro (TAC ou RMN) que poderão evidenciar que o tratamento da tuberculose tem por objectivo
sinais de edema cerebral, hidrocefalia, ventriculo- principal a erradicação do BK, dever-se-á usar
megalia, ou tuberculomas. sempre um esquema de politerapia, com fármacos
bactericidas. Esta associação de fármacos impe-
Diagnóstico diferencial dirá o aparecimento de estirpes mutantes, redu-
zindo o tempo de tratamento o qual deverá ser, no
Num país como Portugal em que se verifica ele- entanto, suficientemente longo para permitir a
vada prevalência de TB, determinadas situações esterilização das lesões. (Capítulo 275)
clínicas obrigarão a estabelecer o diagnóstico dife- O tratamento padrão para as formas de TB
rencial com a doença em análise: pneumonia de torácica e maioria das formas de TB extratorácica
evolução arrastada, meningoencefalite, síndroma é de curta duração (6 meses, não excedendo 1 ano,
febril de duração superior a 7 dias (de origem não excepto em casos de resistência ou de não adesão).
De facto, o tratamento curto com drogas que des-
QUADRO 5 – Indicações da broncoscopia troem bacilos em multiplicação activa é eficaz; no
entanto, para promover a cura, esterilização ou
1. Perturbações da ventilação irradicação de processo latente com bacilos intra-
2. Imagens de disseminação broncogénica celulares, o tratamento deve ser mais prolongado.
3. Adenomegália volumosa látero-traqueal ou tráqueo- Existe ainda controvérsia quanto a doses de
brônquica direita certas drogas, especialmente isoniazida (INH), a
4. Redução súbita de dimensões de adenomegália em esquemas de tratamento em situações de menin-
radiogramas sucessivos gite, infecções osteoarticulares, e em casos de
5. Verificação de sinais de “escavação” ganglionar resistência. A terapêutica intermitente (2 a 3
6. Hemoptises vezes/semana) tem interesse por facilitar a adesão
7. Doente VIH + do doente/família, implicando, no entanto super-
visão/vigilância rigorosa.
1508 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Sendo a multiplicação do bacilo proporcional à QUADRO 6 – Posologia de alguns antibacilares


pressão de oxigénio no meio, torna-se fácil com-
preender que as lesões poderão conter 3 tipos de Rifampicina
populações microbianas distintas: 10 mg/kg/dia (até peso de 20 kg)
– bacilos em multiplicação activa, nas paredes 300 mg/dia (20-35 kg); 450 mg/dia (36-45 kg); 600 mg
das lesões caseosas das cavernas; (> 45 kg)
– população mais reduzida de bacilos, fagoci- Isoniazida
tados pelos macrófagos (em meio ácido, sob o 10 mg/kg/dia (até peso de 20 kg)
efeito de várias enzimas) com multiplicação lenta 200 mg/dia (20-35 kg); 300 mg/dia (36-45 kg); 400 mg
e ocasional; (> 45 kg)
– bacilos extracelulares em focos caseosos sóli- Pirazinamida
dos com multiplicação intermitente. 35 mg/kg/dia (até peso de 20 kg)
De salientar que as micobactérias podem 1000 mg/dia (20-35 kg); 1500 mg/dia (36-45 kg);
sobreviver durante anos em estado latente (de 2000 mg (> 45 kg)
quiescência) quando o metabolismo é inibido por Estreptomicina
baixa tensão de oxigénio ou pH baixo. 20 mg/kg/dia (até peso de 20 kg)
Diferentes fármacos são efectivos (por ordem 500 mg/dia (20-35 kg); 1000 mg/dia (36-45 kg);
de eficácia) no que respeita a: 1000 mg (> 45 kg)
– destruição de bacilos em multiplicação acti- Etambutol
va, por ex. em cavidades abertas → isoniazida 25 mg/kg/dia (até peso de 20 kg)
(INH), rifampicina (RIF), estreptomicina (SM); 600 mg/dia (20-35 kg); 800 mg/dia (36-45 kg); 1200 mg
– destruição de bacilos quiescentes, em multi- (> 45 kg)
plicação lenta e ocasional, por ex. em lesões caseo- Etionamida
sas fechadas → RIF,INH ; ou no interior de macró- 12 mg/kg/dia (até peso de 20 kg)
250 mg/dia (20-35 kg); 500 mg/dia (36-45 kg); 750 mg
fagos → pirizinamida (PZA), RIF, INH;
(> 45 kg)
– supressão da multiplicação celular de bacilos
mutantes resistentes a drogas, por ex. → INH, RIF.
(Quadro 6) – Monorresistência – estirpe resistente apenas a
Os fármacos mais frequentemente utilizados um dos antibacilares de 1ª linha;
são bactericidas, podendo destruir > 90% da – Polirresistência – resistência a mais do que um
população bacilar nos primeiros dias de tratamen- dos antibacilares de 1ª linha;
to (INH, o mais potente), RIF, PZA, SM (estrepto- – Multirresistência – resistência simultânea à
micina). Os fármacos bacteriostáticos (por ex. INH e RIF a que se podem associar resistências a
etambutol-EMB, bacteridida em altas doses, a outros fármacos antibacilares.
etionamida/protionamida, tiacetazona, e o ácido Considerando o doente, podem ser considera-
para-amino-salicílico-PAS) podem ser usados dos os seguintes tipos de resistência:
concomitantemente com os bactericidas. – Resistência inicial (primária) – resistência em
Os testes de sensibilidade aos antimicrobianos doentes a submeter a um primeiro tratamento;
são habitualmente efectuados em duas fases. Na trata-se dum indicador epidemiológico de exce-
primeira são testadas as drogas de 1ª linha que lência, reflectindo o reservatório de bacilos circu-
incluem INH, RIF, PZA, EMB, SM. lantes na comunidade.
Se o microrganismo for multirresistente, numa – Resistência adquirida (secundária) – demonstrá-
2ª fase serão testadas as drogas de 2ª linha. Os vel em doentes já em tratamento (inicialmente
testes de sensibilidade (dado o crescimento lento sensíveis, tornando-se resistentes); traduz casos
das micobactérias) demoram, em média, 2 sema- de falência terapêutica, por ineficácia que deve ser
nas para as drogas de 1ª linha e 2 a 4 semanas para ultrapassada.
as drogas de 2ª linha (Quadro 7).
Considerando o fármaco, o fenómeno da resis- Esquemas de tratamento
tência pode equacionar-se do seguinte modo: *Tuberculose infecção ou tuberculose latente
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1509

Não existe uniformidade de critérios para a durante pelo menos 18 a 24 meses, com os dois fármacos
terapêutica da tuberculose-infecção ou tuberculo- mais activos e mais bem tolerados. Todos os referidos
se latente (que, de facto corresponde ao conceito fármacos podem causar reacções adversas impor-
de quimioprofilaxia secundária). tantes as quais poderão obrigar a modificação da
Na recomendação conjunta das Secções de terapêutica e/ou suspensão de alguns. A monitori-
Infecciologia e Pneumologia da Sociedade Portu- zação bacteriológica (provas de sensibilidade aos
guesa de Pediatria é proposta a administração de antibacilares) é fundamental: deverá ser mensal
isoniazida, rifampicina e pirazinamida por um período nos primeiros 6 meses e, depois, trimestral até ao
de dois meses. fim da terapêutica. Ulteriormente, o doente deverá
Nos casos de resistência da fonte infectante à ser vigiado de 6-6 meses (avaliação clínica, radioló-
isoniazida deverá adicionar-se etambutol (criança de gica e bacteriológica) durante 2 anos. (Quadro 7)
idade superior a 5 anos) ou estreptomicina (idade infe-
rior a 5 anos). Outras formas de tuberculose
Deverá ser dada prioridade absoluta a crianças O tratamento da linfadenite tuberculosa é igual ao
com tuberculose-infecção diagnosticada no passa- da tuberculose pulmonar, exigindo, no entanto, na
do e não tratada,nas seguintes circunstâncias: maior parte dos casos a remoção cirúrgica do gân-
– submetidas a terapêutica actual com cor- glio e da fístula à pele, associada.
ticóides ou imunossupressores; A meningite tuberculosa, a forma de disseminação
– concomitância com doença anergisante brônquica, a tuberculose miliar e outras formas extra-
(sarampo, tosse convulsa, varicela, rubéola); pulmonares e extratorácicas, implicam uma terapêu-
– situações clínicas a considerar individual- tica quádrupla inicial com isoniazida, rifampicina,
mente: diabetes mellitus, insuficiência renal pirazinamida e etambutol/ou estreptomicina.
crónica, VIH/SIDA, intervenção cirúrgica O etambutol e a estreptomicina devem ser utiliza-
com anestesia geral. dos nos primeiros 2 meses de terapêutica com vista
*Tuberculose doença à rápida erradicação dos bacilos em multiplicação
Nas formas de tuberculose pulmonar o esquema activa; com efeito, estes fármacos penetram no
terapêutico implica: SNC apenas quando há inflamação meníngea.
– a utilização de três fármacos durante dois Quanto à duração total do tratamento das referi-
meses com pirazinamida, isoniazida e rifampicina; das formas, esta deve ser no mínimo de 10 meses, se
– após este período são mantidas a isoniazida e bem que alguns autores preconizem uma duração
a rifampicina durante mais quatro meses. (ver adian- de 12 meses.
te posologia) A corticoterapia está indicada em todas as
Nos locais em que se demonstre elevada resis- situações em que o processo inflamatório causado
tência à isoniazida (>4%) alguns autores advogam pela infecção tuberculosa possa ser factor adju-
associar etambutol à terapêutica inicial, que poderá ser vante para o estabelecimento de complicações e
interrompido se o isolado se revelar sensível à iso- sequelas. O “desmame” dos corticóides deve ser
niazida. Pela dificuldade no diagnóstico dos sinais muito lento, em 4 a 6 semanas.
de toxicidade óptica do etambutol, já que as crianças
mais jovens podem ainda não distinguir as cores, a QUADRO 7 – Antibacilares nas formas
alternativa é a substituição do etambutol pela estrepto- multirresistentes(*)
micina, nas crianças de idade inferior a 5 anos, com a
desvantagem de este fármaco ter de ser adminis- Aminoglicosídeos (canamicina, amicacina, capreomicina)
trado por via intramuscular e de ser ototóxico. Etionamida
O tratamento da tuberculose multirresistente, Ofloxacina
deve ser orientado pelas susceptibilidades encon- Pirazinamida
tradas na criança e/ou na fonte infectante; envolve, Cicloserina
regra geral, pelo menos três fármacos que constam PAS (ácido para-amino-salicílico)
do Quadro 7, até negativação da cultura, após o (*) Exceptuando a pirazinamida, são considerados de 2ª linha

que se deve manter uma fase de “consolidação”


1510 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

O Quadro 8 elucida sobre as indicações univer- cos antibacilares a crianças ainda não infectadas e
sais a ponderar, e uma contra-indicação discutível. em contacto com doente que elimina e propaga
bacilos, por conseguinte em risco de adquirirem a
Coinfecção por VIH tuberculose (Quadro 9).
Se bem que esta coinfecção seja menos frequente Como regra, a quimioprofilaxia primária está
na criança do que no adulto, todas as crianças com indicada em crianças de idade inferior a cinco
tuberculose-doença devem ser rastreadas para anos. No entanto, a quimioprofilaxia deverá ser
VIH. A terapêutica da criança VIH positiva com ponderada, caso a caso, em todas as situações de
TB é semelhante à criança VIH negativa. Contudo, maior risco de evolução para doença activa
devem ser ponderados esquemas terapêuticos (Quadros 1 e 2). Habitualmente, consiste na admi-
mais longos se a resposta inicial for lenta. nistração de isoniazida em monoterapia. Quando
A introdução dos fármacos antiretrovíricos haja resistência da fonte infectante à isoniazida,
inibidores da protease (IP, como indinavir e nelfi- alguns autores preconizam a administração de
navir) trouxe problemas adicionais na terapêutica rifampicina, enquanto outros preferem a adminis-
antibacilar destes doentes, nomeadamente em tração conjunta de isoniazida e rifampicina.
relação à utilização das rifamicinas (rifampicina e Para além da prova tuberculínica, antes de
rifabutina). Sendo as rifamicinas indutoras do iniciar a quimioprofilaxia deverá ser efectuada
citocromo P450 hepático, aceleram o metabolismo radiografia de tórax, de modo a excluir tuberculose-
das IP (a rifampicina é o indutor mais potente) infecção ou tuberculose-doença, pois a prova tuber-
condicionando concentrações séricas baixas e culínica só evidenciará alergia 6 a 12 semanas após
níveis infraterapêuticos dos referidos antiretroví- o contágio,sendo que nalguns casos de infecção não
ricos. Estes, por sua vez, ao retardarem o metabo- se verifica prova tuberculínica reactiva/alérgica.
lismo das rifamicinas, elevam os seus níveis séri-
cos com consequente risco de toxicidade. Vacinação
Assim, segundo recomendações do CDC: A vacinação utiliza o BCG de acordo com reco-
– A rifampicina não deve ser utilizada conjun- mendações da OMS para países de elevada inci-
tamente com as IPs actualmente disponíveis; dência de tuberculose. Trata-se duma vacina viva
– A rifabutina poderá ser uma alternativa efi- atenuada (M. bovis) (Capítulo 274).
caz, desde que com ajustes posológicos (redução Os estudos efectuados não são concludentes
da dose de rifabutina e aumento das IP). sobre a efectividade da vacina; enquanto alguns
atestam elevada protecção, outros demonstram
Prevenção escassa ou nenhuma protecção conferida por
aquela. Tal pode explicar-se pelos seguintes factos:
A prevenção da tuberculose exige uma acção harmó- – Não existem critérios universais para o dia-
nica entre as várias estruturas da Saúde, com detec- gnóstico de tuberculose, nomeadamente da tuber-
ção precoce dos casos e seu tratamento eficaz, ras- culose em idade pediátrica; com efeito, tal como
treio dos contactos, quimioprofilaxia e vacinação. atrás se referiu, diagnóstico em tal contexto é, na
maioria das vezes, epidemiológico e indirecto, ao
Quimioprofilaxia (primária) contrário da tuberculose do adulto que assenta em
Consiste na administração profiláctica de fárma- critérios bacteriológicos e, portanto, directos;

QUADRO 8 – Corticoterapia na tuberculose

Indicações universais Indicações a ponderar Contra-indicação (discutível)


• Granúlia/miliar • Derrame pleural • Infecção por VIH
• Meningite tuberculosa • Perturbação da ventilação
• Tuberculose endobrônquica • Muito mau estado geral
• Pericardite tuberculosa
CAPÍTULO 295 Tuberculose 1511

QUADRO 9 – Quimioprofilaxia (primária)

Indicações Duração No final


Contactos intrafamiliares ou muito Enquanto se mantiver o contacto, e Realizar prova tuberculínica
próximos de doentes bacilíferos com: mais três meses após este terminar • Prova tuberculínica anérgica
• Idade inferior ou igual a 5 anos (a e ausência de critérios de tubercu-
ponderar caso a caso nas crianças lose-doença:
com idade superior) Suspender a terapêutica
• Imunodeficiência congénita ou • Prova tuberculínica alérgica
adquirida (TB-infecção ou TB-doença):
• Doença grave Avaliar a situação e tratar em função
• Terapêutica prolongada (superior a do contexto clínico-epidemiológico
um mês) com corticóides em doses
imunossupressoras
• Outras terapêuticas imunossupres-
soras

– Os estudos são muito longos porque existe A redução na incidência da meningite tubercu-
na maioria das vezes um grande intervalo entre a losa na criança em Portugal parece relacionar-se
vacina e a eclosão da doença; com o aumento progressivo da cobertura vacinal
– Existe uma grande variedade de vacinas, de do BCG neonatal, actualmente superior a 95% em
diversos fabricantes; todos os distritos. (Capítulo 1)
– E, finalmente, apesar de se tratar da vacina mais No campo da imunização antituberculose
antiga actualmente em uso, o seu mecanismo de registam-se actualmente alguns progressos neste
acção não está ainda verdadeiramente esclarecido. campo,por exemplo: vacinas com vector DNA de
plasmídeos; BCG recombinante ou mutante; vaci-
O BCG não determinou, de facto, a eliminação nas de sub-unidades que utilizam as proteínas da
da tuberculose em nenhum país, nem tem tido micobactéria para desencadear a resposta imu-
qualquer efeito na epidemiologia mundial da nológica; vacinas atenuadas de M. tuberculosis,
tuberculose. No entanto, a principal vantagem contendo os genes responsáveis pela resposta
relaciona-se com a possibilidade de evicção (em imunológica, mas não os genes responsáveis pela
termos quantitativos, redução de probabilidade virulência; vacina MVA85A,etc..
na ordem de 60-80%) das formas mais graves de No que se refere à situação mundial é impor-
tuberculose infantil: a tuberculose miliar e a disse- tante referir que qualquer vacina contra a tubercu-
minação; por outro lado, admite-se que o BCG lose deverá ser acessível aos países mais pobres, já
pode previnir a disseminação da infecção primá- que o grande problema do aumento da incidência
ria e a reactivação endógena, embora não a infec- e dificuldade de controlo da doença ocorre nos
ção exógena. países em que o preço do tratamento, e provavel-
Ao contrário dos PNV anteriores, que contem- mente, o preço de futuras vacinas mais efectivas,
plavam revacinações em função de provas tuber- excede, em muito, a sua capacidade económica.
culínicas anérgicas, a partir do ano 2000, foi reco-
mendada uma única inoculação com BCG no BIBLIOGRAFIA
período neonatal ou o mais precocemente possí- American Academy of Pediatrics(AAP). Red Book 2006.
vel. Após os 2 meses de vida, a vacinação deverá Report of the Committee on Infectious Diseases. Elk Grove
ser precedida de prova tuberculínica, e efectuada Village,IL: AAP, 2006;698.
apenas se esta demonstrar anergia. Esta recomen- Ávila R. Aspectos da organização do combate à tuberculose. In
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CAPÍTULO 296 Infecções por Mycoplasma 1513

296
dos 3 anos, de expressão clínica tanto mais ligeira
quanto mais baixa a idade, e pico de incidência na
idade escolar. De acordo com diversos estudos
epidemiológicos, explica entre 7-40% das pneu-
monias adquiridas na comunidade dos 3-15 anos
(Capítulo 82).
INFECÇÕES POR Mycoplasma Com um período de incubação ~1-3 semanas,
ocorre através da contaminação por gotículas res-
João M. Videira Amaral piratórias, sobretudo em comunidades ou institui-
ções de grande concentração de pessoas, em
ambiente fechado.
As células do epitélio respiratório ciliado são o
Sistematização e importância alvo dos microrganismos às quais estes se ligam
do problema através de junção de glicoproteína ou glicolípido
sulfatado, penetrando nelas depois, e em cujo cito-
Os agentes Mycoplasma integram um sistema plasma sobrevivem; como consequência verifica-
biológico de microrganismos integrando a classe se disfunção ciliar e, ulteriormente, destacamento
Mollicutes. Trata-se de Gram-negativos com ou “descamação” celular.
forma muito variável que se aproxima, pelas Como efeito da acção (complexa) do microrga-
dimensões, mais dos vírus do que das bactérias. nismo verifica-se a libertação de várias citocinas
Dependentes da ligação a células do hospedeiro pró-inflamatórias e anti-inflamatórias, interferões
para obtenção de precursores essenciais como vários, TNF-alfa e outras citocinas. Como resposta
nucleótidos, ácidos gordos, esteróis, e aminoáci- do hospedeiro agredido surgem diversas reacções
dos, possuem um único genoma, e ADN circular, de imunidade celular e anticorpos que o protegem
de dupla cadeia (5x108 daltons). A ausência de ou contribuem para a cura. De salientar que situa-
parede celular rígida reflecte-se no aparecimento ções crónicas com drepanocitose ou síndromas de
de morfologia variável (cocobacilar, filamentosa imunodeficiência predispõem a infecções respi-
ramificada, etc.). Possuem, contudo, uma mem- ratórias de maior gravidade.
brana citoplásmica trilaminar.
Das 16 espécies de Mycoplasma isoladas da Manifestações clínicas
espécie humana, M. pneumoniae é o principal
agente de infecções respiratórias em crianças de Este tópico foi abordado no Capítulo 82 cuja
idade escolar, adolescentes e jovens adultos. Figura 1 mostra padrão radiográfico de pneumo-
Ureaplasma constitui outro género que integra nia.
a classe Mollicutes.
Diagnóstico

O diagnóstico etiológico pode fazer-se através do


1. INFECÇÕES POR Mycoplasma exame cultural de secreções da faringe ou expec-
pneumoniae toração, método que não permite resposta rápi-
da(~1 semana).
Aspectos epidemiológicos Existem várias provas serológicas, sendo que a
mais popular e exequível é a da fixação do com-
As infecções por este microrganismo são endémicas plemento. Título (elevado) de anticorpos IgG anti-
nas grandes comunidades, podendo ocorrer surtos M. pneumoniae com subida 4 vezes no período
epidémicos em ciclos de 4-7 anos. Nas pequenas entre 10 dias e 3 semanas é sugestivo da respecti-
comunidades são esporádicas, podendo ocorrer va infecção. A detecção de IgM específicas por
surtos epidémicos irregularmente no tempo. imunofluorescência não distingue entre infecção
Trata-se de patologia pouco frequente antes aguda e infecção recente anterior.
1514 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Outro método diz respeito à determinação por ligeira, miocardite, pericardite, pancreatite, gas-
PCR a partir de exsudado da naso ou orofaringe. tropatia hipertrófica com perda de proteínas e sín-
droma símile febre reumática “sem cardite”.
Tratamento
Prognóstico
Para além de medidas gerais descritas anterior-
mente (Capítulo 82), cabe referir que a medida As infecções fatais são raras. Com o desenvolvi-
mais efectiva para a erradicação de M. pneumoniae mento da tecnologia da imagem (TAC de alta
é a antibioticoterapia com claritromicina ou azi- resolução) demonstrou-se numa baixa percenta-
tromicina. Verificando-se surtos em instituições, é gem de crianças pequenas com antecedentes de
recomendada a profilaxia dos contactos com azi- doença pulmonar por M. pneumoniae: espessa-
tromicina. mento da parede brônquica alterações da per-
fusão pulmonar e bronquiectásias. Em geral há
Complicações recuperação completa com excepção no respeitan-
te às sequelas de encefalite.
As técnicas de PCR têm permitido identificar o
microrganismo em territórios extra-respiratórios
como articulaões, líquido pleural, articulações, e
LCR. Os sintomas e sinais extra-respiratórios
2. INFECÇÕES POR OUTRAS ESPÉCIES
poderão traduzir invasão directa do microrganis-
DE Mycoplasmas
mo ou mecanismo auto-imune.
Doentes com ou sem sintomas respiratórios As três espécies M. hominis, M. genitalium e
podem evidenciar manifestações cutâneas (varie- Ureaplasma urealyticum são patogénios humanos
dade de exantemas como maculopapular, eritema urogenitais; colonizam o tracto genital feminino,
multiforme, síndroma de Stevens-Johnson, etc.) podendo originar corioamnionite, colonização
(Capítulo 225). dos RN e infecção perinatal (Capítulos 360 e 361).
As complicações neurológicas (que surgem, em Estão muitas vezes associadas a infecções sexual-
média 10 dias após doença respiratória) incluem mente transmitidas, tais como uretrite não go-
meningoencefalite, mielite transversa, meningite nocócica.
asséptica, ataxia cerebelosa, paralisia de Bell, surdez, Duas outras espécies de Mycoplasma genitais
encefalite desmielinizante aguda, e síndroma de (M. fermentans e M. penetrans) são isoladas de
Guillain-Barré; contudo, podem surgir sem doença secreções, quer do tracto respiratório, quer do
respiratória prévia em cerca de 20% dos casos. tracto genital, com maior frequência em doentes
Quanto à encefalite ocorrendo dentro de 5 dias com infecção por VIH.
após início dos sintomas prodrómicos, a mesma Os restantes membros são provavelmente
poderá ser devida a invasão directa do SNC; se saprófitas, excepto em circunstâncias invulgares
ocorrer para além de 7 dias após início daqueles, como é o caso de M. salivarium, associado a artrite
tratar-se-á provavelmente de encefalite por meca- na hipogamaglobulinémia.
nismo auto-imune. O diagnóstico é confirmado
por PCR no LCR, no exsudado faríngeo ou por BIBLIOGRAFIA
estudo serológico(ver atrás). Anagius C, Lore B, Jensen JS. Mycoplasma genitalium:preva-
As complicações hematológicas incluem graus lence, clinical significance, and transmission. Sex Transm
ligeiros de hemólise com prova de Coombs positi- Infect 2005; 81: 458-462
va e reticulocitose cerca de 2-3 semanas após iní- Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
cio da doença. A hemólise grave (rara) pode ser Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
documentada por determinação do título de Elsevier, 2008
hemaglutininas frias (> 1/512). Defeitos de coagu- Daxboeck F, Krause R, Wenisch C. Laboratory diagnosis of
lação e trombocitopénia também são raros. Mycoplasma pneumoniae infection. Clin Microbiol Infect
Outras complicações possíveis são: hepatite 2003; 9: 263-273
CAPÍTULO 297 Infecções por Parvovírus B19 1515

297
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Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon Parvoviridae que causa doença no homem, é um
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Mycoplasma pneumonia infections. Cytokine Growth pecífica. Contudo, em 1980 chamou-se a atenção
Factor Rev 2004; 15:157-168 para o papel central do referido vírus na patogé-
nese das crises aplásticas no contexto de anemia
hemolítica crónica. Ulteriormente, concluiu-se
que a entidade clínica denominada muitos anos
antes eritema infeccioso (ou 5ª doença dos antigos)
era a manifestação mais comum de infecção pelo
mesmo vírus. Mais tarde associou-se o PVB19 a
patologia diversa durante a gravidez, sendo a
hidropisia fetal de causa não imune a mais conhe-
cida. Durante as duas últimas décadas verificou-
se que as infecções por este vírus estão associadas
a um espectro amplo de manifestações clínicas.
Outros parvovírus são patogénicos para ani-
mais como o cão e o gato.

Aspectos epidemiológicos

As infecções por PVB19, distribuídas em todo o


mundo, são mais prevalentes na idade escolar
(~70% dos casos entre os 5 e 15 anos), com picos
sazonais na transição do Inverno para a Primavera.
A seroprevalência aumenta com a idade, tendo sido
provado em estudos epidemiológicos que cerca de
40-60% dos adultos já tiveram a infecção.
1516 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A transmissão de pessoa a pessoa faz-se sobre- quadro de virémia de carga elevada, da ordem de
tudo por via respiratória através das gotículas de 1010 ou 1011 partículas víricas /mL de sangue, deter-
secreções nasofaríngeas; contudo, pode fazer-se minando infecção sistémica. Da infecção resulta
igualmente através do sangue ou derivados, facto reticulocitopénia acentuada em 7-10 dias, a qual
documentado em doentes com hemofilia. pode ser acompanhada por leucopénia e tromboci-
Poderá verificar-se segundo episódio de doen- topénia desde o início da fase de virémia. Nos
ça no mesmo indivíduo com probabilidade entre estudos in vitro o vírus inibe a formação de coló-
10 e 60%. nias formadoras de blastos, o mesmo não aconte-
cendo com os granulócitos e megacariócitos.
Etiopatogénese O aparecimento de anticorpos (Ac) IgM especí-
ficos no início da segunda semana após a inocula-
A replicação do PVB19 ocorre em células nas fase ção, corresponde ao desaparecimento da virémia.
de divisão, não se desenvolvendo, no entanto, em Na terceira semana aparecem os Ac IgG específi-
tecidos de cultura habituais; para além das células cos, desenvolve-se o exantema característico do
progenitoras eritróides da medula óssea humana, eritema infeccioso, e a artropatia. O papel da imu-
pode desenvolver-se no fígado fetal, células eri- nidade celular na recuperação da doença não é
tróides de doentes com eritroleucémia, cordão conhecido, muito embora alguns doentes em que
umbilical humano e sangue periférico. Diversos se desenvolve infecção persistente evidenciem
estudos demonstraram que o PVB19 pode infectar défice de células T bem como outras alterações do
outras células, causando encefalite, miocardite e sistema imune; tal sugere um papel da imunidade
hepatite. celular na resposta do hospedeiro.
O receptor celular para este vírus é o antigénio As manifestações clínicas iniciam-se ~17-18
P (Ag P) dos grupos de sangue, encontrado nos dias após a inoculação; e, uma semana mais tarde,
eritroblastos, megacarioblastos e células endote- o vírus pode ser detectado em zaragatoas da oro-
liais. Indivíduos sem a proteína P são resistentes à faringe ou no sangue. O aparecimento de erupção
infecção. cutânea, como se referiu coincidindo com o desenvolvi-
O vírus tem um tropismo para os precursores mento de Ac IgG, ocorre após a virémia, não havendo,
eritróides, particularmente pronormoblastos e nesta fase, risco de transmissão da doença. O apareci-
normoblastos, onde se desenvolve facilmente; o mento de Ac IgG anti-PVB19 indicia controlo da
resultado é a lise celular com depleção dos referi- infecção, restabelecimento da normalidade do
dos precursores, podendo culminar em paragem número de reticulócitos e elevação da concentra-
transitória da eritropoiese. Com a infecção, nas ção de Hb.
crianças saudáveis assiste-se a uma queda da
hemoglobina da ordem de 1g/dL, mas em Manifestações clínicas
doentes com anemia hemolítica podem ser obser-
vadas descidas de 2-6 g/dL. Ocasionalmente o O período de incubação varia entre 4 e 14 dias,
vírus infecta os leucócitos (especialmente os neu- podendo atingir 20 dias.
trófilos), sendo que in vitro as proteínas do PVB19 As infecções causadas pelo PVB19 resultam
têm acção citotóxica sobre os megacariócitos. num variado espectro de manifestações que são
Muito embora a infecção se possa manifestar usualmente influenciadas pelo estado imunológi-
como um quadro de pancitopénia, o vírus não co e hematológico do doente.
constitui factor etiológico desencadeante de ver- No individuo aparentemente saudável a infec-
dadeira anemia aplástica. ção pode ser assintomática, salientando-se que a
A infecção por PVB19 compreende duas fases manifestação mais comum é o eritema infeccioso.
distintas. A primeira resulta da acção directa do Doentes com patologia hematológica subjacente
vírus (infecção lítica das células susceptíveis em podem evidenciar crises aplásticas transitórias e,
divisão); e a segunda, pós-infecciosa, relacionada nos doentes com quadro de imunodepressão (em
com a resposta imune. regime de quimioterapia ou de tratamento com
Sendo inalado por via respiratória, surge um drogas imunossupressoras, síndromas de imuno-
CAPÍTULO 297 Infecções por Parvovírus B19 1517

deficiência congénita ou adquirida) poderá desen-


volver-se infecção persistente, causa frequente de
anemia crónica. A hidropisia fetal e a morte fetal
são complicações da infecção intrauterina.
Outras manifestações menos comuns de infec-
ção por PVB19 incluem púrpura trombocitopénica
idiopática, miocardite, vasculite, glomerulonefri-
te, meningoencefalite, dermatomiosite juvenil e
pseudoapendicite; tal sintomatologia pode surgir
isoladamente ou como complicação do eritema
infeccioso.
Seguidamente procede-se à descrição das for-
mas clínicas mais típicas.

Eritema infeccioso
(Quinta doença ou megaleritema epidémico)
É mais comum nas crianças entre os 4-10 anos. O
curso clássico do eritema infeccioso pode ser divi-
FIG. 1
dido em três estádios distintos (Figuras 1 e 2):
Criança de 4 anos,
Estádio 1 hospitalizada com quadro
• Período de transmissão possível febril, queilite, erupção tipo
“face esbofeteada” e
• Doença prodrómica leve
erupção maculopapulosa
• Virémia difusa. Detecção de Ac IgM
• Depleção das células progenitoras eritróides específicos para PVB19 e
• Desenvolvimento de Ac IgM específicos sinais laboratoriais de
compromisso renal.
Estádio 2
• Exantema facial semelhante a “cara esbofe-
teada”
• Desaparecimento da virémia
• Desenvolvimento de Ac IgG específicos(anti-
PVB19)
FIG. 2
Estádio 3
• Exantema eritematoso maculopapuloso das A mesma criança da Figura
extremidades e tronco 1 evidenciando quadro
• Curso evanescente do exantema em 1-3 morfológico cutâneo
compativel com PPGSS
semanas
(papular-purpuric gloves
• Artropatia and socks syndrome).

O exantema é um dos mais comuns da infân-


cia, muito típico, evoluindo em três fases. pés. Outras vezes ainda: eritema purpúrico com
Após 5-7 dias do ínicio da doença, surge erupção lesões papulares e distribuição em luva (glove) e
cutânea avermelhada, brilhante, nas bochechas, meia (sock) originando a sigla em inglês: PPGSS
seguida de erupção de tipo “rendilhado ou reticula- (papular-purpuric gloves and socks syndrome).
do difuso” do tronco, por vezes purpúrica, estenden- Esta síndroma, relacionada sempre com infeção
do-se gradualmente para as extremidades. Por vezes por PVB19, é rara no adulto, e mesmo, na criança.
surge eritema multiforme, ou prurido na planta dos Um exantema residual associado ao PVB19 pode
1518 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

reaparecer até várias semanas ou meses após a da concentração de hemoglobina a niveis críticos
infecção inicial, podendo ser exacerbado por alte- (crise hipoplástica).
rações térmica (banho quente) e luz solar. Nos doentes com drepanocitose pode haver
associação da crise aplástica (compromisso de
Infecção por PVB19 durante a gravidez todas as séries precursoras) com síndroma toráci-
e infecção fetal ca aguda, crises vasoclusivas, e sequestração
Na mulher grávida a infecção pode resultar em esplénica. A infecção por PVB19 não resulta inva-
hydrops foetalis, aborto e morte fetal, particular- riavelmente em crise aplástica no doente hemolíti-
mente quando se verifica antes das 20 semanas de co crónico; com efeito, nalgumas situações, tal
gestação (em 10% dos fetos cujas mães se infectam complicação poderá não surgir se tiver havido
durante a gravidez). Nos Estados Unidos a etiolo- transfusão recente, o que se explica:
gia mais comum da hidropisia fetal é precisamen- – pelo efeito protector dos anticorpos anti
te a infecção por PVB19. PVB19 transfundidos (~ 40-60% dos dadores são
Há resultados controversos de estudos relativa- imunes);
mente à possibilidade (ou não) de anomalias congé- – pela substituição dos eritrócitos do dador, de
nitas atribuíveis à infeção in utero. Em determinados vida média normal por eritrócitos de vida média
casos de crianças nascidas com hidropisia fetal e encurtada; ou
evidência de compromisso medular (paragem da – pelos dois mecanismos.
eritropoiese) dependeram de regimes transfusio- Nesta forma clínica de infecção por PVB19, ao
nais, alguns deles até cerca dos 4 anos de idade. contrário do que acontece nos doentes com eritema
O diagnóstico diferencial da anemia congénita infeccioso, existe febre, mal-estar geral, letargia e
causada por este tipo de infecção faz-se funda- sinais e sintomas associados a anemia de gravidade
mentalmente com a anemia hipoplástica congéni- variável (palidez, taquicárdia, taquipneia, etc.).
ta (síndroma de Diamond-Blackfan).
Na data do parto está indicado o estudo do Síndromas de imunodeficiência
sangue do cordão ou do sangue do RN para a Os doentes com alterações diversas da imunidade
detecção de vírus e IgM. humoral têm maior risco de infecção crónica por
PVB19, manifestada predominantemente por ane-
Artropatia mia crónica, em geral associada a neutropénia, trom-
Desde há alguns anos que se tornou clara a asso- bocitopénia e aplasia medular. Outras situações de
ciação de PVB19 com artrite e artralgias. É mais risco de infecção incluem patologia em que está indi-
comum nos adultos, particularmente na mulher; cada terapia imunossupressora ou quimioterapia
este tipo de patologia afecta principalmente as (tumores sólidos, leucémia linfocítica aguda, etc.).
pequenas articulações das mãos e dos pés, joelhos, Uma das complicações neste contexto é a sín-
tornozelos e punhos, com distribuição simétrica. droma hemofagocitária (Capítulo 136).
Em cerca de 50% dos casos poderá verificar-se
a presença de sinais gerais associados (astenia, Miocardite
adinamia, mialgias, cefaleias, febre, etc.) sendo As infecções por PVB19 podem originar miocardite
que em apenas 1/3 se verifica exantema concomi- em fetos, RN, crianças, adolescentes e adultos. A este
tantemente. A relação entre infecção por PVB19 e propósito, cabe referir que as células do miocárdio
artrite reumática juvenil, artrite reumatóide e exprimem o antigénio P, o que já foi referido antes.
doença de Still tem sido estudada exaustivamente O diagnóstico etiológico pode ser realizado
(Capítulos 219-221). através do estudo do ADN (Capítulo 215).

Crise aplástica transitória Diagnóstico


Em doentes com anemia hemolítica crónica, nos
quais a duração da sobrevida eritrocitária está Os Ac IgM específicos anti-PVB19 desenvolvem-se
diminuída, a acentuada reticulocitopénia resul- rapidamente após a infecção e persistem durante 6-8
tante da infecção por PVB19 conduz a diminuição semanas; constituem o melhor marcador de infecção
CAPÍTULO 297 Infecções por Parvovírus B19 1519

aguda/recente. Os Ac IgG servem como marcadores Prevenção


de infecção passada ou de imunidade; contudo, a
seroconversão de IgG anti-PVB19 também serve de Não existe vacina disponível para PVB19. A pre-
marcador de infecção recente. A demonstração de venção é difícil uma vez que o vírus é transmitido
IgG, mesmo com títulos elevados, na ausência de antes do aparecimento de sintomas no caso índice.
IgM, não é diagnóstica de infecção recente. Por isso, não se torna necessário isolamento nem
Nos casos de imunodeficiência, o estudo seroló- evicção escolar.
gico não permite o diagnóstico; nestas circunstân- Nos casos de aplasia medular estão indicadas
cias é fundamental recorrer a estudo de biologia medidas de isolamento do doente, dado o risco de
molecular para detecção do ADN do vírus. sobreinfecções (Capítulo 150).

Diagnóstico diferencial Nota: As fotos incluídas neste capítulo fazem


parte da iconografia do Serviço de Pediatria do
O diagnóstico diferencial das infecções por PVB19 Hospital Fernando Fonseca, Amadora-Sintra.
com exantema faz-se com outras doenças exan-
temáticas (Capítulo 276). Nos casos de exantema e BIBLIOGRAFIA
artropatia há que admitir patologia do foro da American Academy of Pediatrics (AAP). Red Book 2006.
Reumatologia (Capítulos 219-221). Report of the Committee on Infectious Diseases:
Parvovirus, erythema infectiosum, and pregnancy. Elk
Tratamento Grove Village,IL: AAP, 2006.
Barah F,Vallely PJ, Chiswick ML et al. Association of human
Não existe terapêutica específica antivírica. parvovirus B19 infection with acute meningoencephalitis.
Nos casos de aplasia medular em doentes imu- Lancet 2001; 358:729-730
nodeprimidos está indicado o tratamento com Cantey JB, Pritchard MA, Sanchez PJ. Bone lesions in an infant
IGIV, sendo que os anticorpos específicos forma- with congenital PVB19 infection. Pediatrics 2013; 131: e
dos com resposta à infecção poderão contribuir 1659-e1663
para minorar a acção do vírus. Hsieh MY, Huang PH.The juvenile variant of papular-purpu-
A IGIV não está indicada nas situações acom- ric gloves and socks syndrome and its association with
panhadas de artropatia. viral infections. Br J Dermatol 2004; 15:201-206
Nas situações de aplasia medular induzida por Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
PVB19 tem sido empregue IGIV, não havendo Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
ainda experiência com o tratamento de número Lindblom A, Isa A, Norbeck O. Et al. Slow clearance of human
suficiente de casos. As doses recomendadas são: parvovirus B19 viremia following acute infection. Clin
ou 200 mg/kg/dia durante 5-10 dias; ou 1 Infect Dis 2005; 41: 1201-1203
g/kg/dia durante 3 dias. McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Em medicina materno-fetal, o diagnóstico de Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
hidropisia e anemia fetais implica transferência da Molina KM, Garcia X, Fan Y, et al.Parvovirus B19 myocarditis
grávida para centro especializado perante a causes significant morbidity and mortality in children.
provável indicação de transfusão fetal. Pediatr Cardiol 2013;34:390-397
Nos quadros febris e dolorosos estão indicados Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds).
antipiréticos e analgésicos como paracetamol ou Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011
ibuprofeno. Smith-Whitley K, Zhao H, Hodinka RL, et al. Epidemiology of
Qualquer mulher grávida não imunizada e human parvovirus B19 in children with sickle cell disease.
exposta ao PVB19 deve ser observada em consul- Blood 2004; 103:422-427
ta de obstetrícia.Havendo antecedentes de hidro- Whitley KS, Zhao H,et al. Epidemiology of human parvovirus B19
pisia fetal, independentemente do tratamento pré- in children with sickle cell disease. Blood 2004;103:422-427.
natal efectuado, a criança deve ser submetida a Young NS, Brown KE. Parvovirus B19. NEJM 2004; 350:586-597
vigilância rigorosa no sentido de detectar qual-
quer anomalia e ou sequelas.
1520 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

298
sensoriais, com capacidade de reactivação sob a
forma de zona ou herpes zóster (ver adiante).
– A presença de sintomas no decurso da infec-
ção primária, em contraste com os outros vírus
herpes (nomeadamente VEB e CMV) cuja pri-
moinfecção é muitas vezes assintomática.
INFECÇÕES POR VÍRUS Herpes A transmissão surge por contacto directo de pes-
soa a pessoa, ou por intermédio de gotículas de
(Varicela-Zoster, Citomegalovírus muco ou de saliva eliminadas pelo doente infectado;
existe ainda a possibilidade de transmissão por
e Epstein-Barr) líquidos das vesículas de doentes com herpes zoster.
O período de incubação é cerca de 15 dias,
Ana Leça e Raquel Ferreira podendo variar de 10 a 21.
Durante a primeira parte deste período verifi-
ca-se replicação do vírus no tecido linfóide local, a
que se segue breve período de virémia subclínica
1. VARICELA – ZOSTER (1ª virémia) que veicula o vírus para o SRE. As
lesões cutâneas disseminadas ocorrem durante
Definição uma 2ª virémia que dura 3-7 dias. As células san-
guíneas mononucleares transportam vírus, geran-
As infecções pelo vírus da varicela-zoster(VVZ) são do o aparecimento de novas vesículas durante
doenças contagiosas exantemáticas vesicobolhosas, este 2º período de virémia.
de distribuição universal, geralmente benignas e O VVZ é também transportado “de retorno” à
auto-limitadas em doentes imunocompetentes. mucosa das vias respiratórias superiores na parte
final do período de incubação, permitindo a disse-
Importância do problema minação do vírus a contactos susceptíveis antes
do aparecimento do exantema.
e etiopatogénese
Em condições de resposta imune normal
O vírus da varicela – zóster (VVZ) pertence ao (indivíduos saudáveis) há possibilidade de o
grupo dos Herpes vírus – família Herpesviridae, de organismo limitar a replicação do vírus, facilitan-
grandes dimensões em comparação com outros do a cura. Pelo contrário, nos indivíduos imuno-
vírus, com uma estrutura icosaédrica e um núcleo deprimidos (especialmente com défice da imuni-
de DNA, e crescendo dificilmente em cultura de dade humoral), a replicação do vírus continua,
laboratório. Tem semelhanças com o vírus herpes podendo surgir infecção disseminada com reper-
simplex, que também é um herpes vírus-alfa. cussões em vários órgãos.
É causa de duas doenças distintas: O vírus é transportado de modo retrógrado
– varicela, correspondente à infeção primária através dos neurónios sensoriais/espinhal-medu-
ou primoinfecção; e la para os gânglios das raízes dorsais paraverte-
– zona ou herpes zoster, correspondente a brais, onde fica em estado latente (ver atrás).
reactivação do vírus latente. A reactivação subsequente causa herpes zóster,
O Homem é o único hospedeiro natural do quadro caracterizado por erupção vesicular distri-
vírus. buída em dermátomo, sendo que a supressão da
Do ponto de vista clínico este vírus tem três imunidade celular aumenta o risco de reactivação
características muito importantes: do VVZ.
– A sua alta contagiosidade, sendo o único
vírus herpes que se transmite por disseminação Aspectos epidemiológicos
aérea (aerossóis). A varicela é uma das doenças
mais contagiosas na idade pediátrica. Antes da introdução da vacina anti-varicela nos
– A infecção latente dos gânglios das raízes EUA há mais de 14 anos, a maior parte das crianças
CAPÍTULO 298 Infecções por vírus Herpes (Varicela-Zoster, Citomegalovírus e Epstein-Barr) 1521

adquiria infecção até aos 15 anos. Cerca de 1 década ro caso de fascite necrosante em 1997. As compli-
depois verificou-se declínio de hospitalizações da cações cutâneas corresponderam a 72% dos inter-
ordem de 75%, em relação com varicela complicada. namentos por varicela no período de 1987 a 1996,
Igualmente se verificou diminuição acentuada da aumentando para 75% no período de 1997 a 2003.
mortalidade entre as idades de 1 e 9 anos (menos – Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus
90% de óbitos). (Capítulo 274) foram os agentes mais frequentemente isolados,
No que respeita à idade de manifestação da sendo de realçar o aparecimento de estirpes de
infecção por V V Z há essencialmente 2 padrões: Streptococcus pyogenes resistentes aos macrólidos a
– O padrão dos climas temperados, em que se partir de 1997.
inclui a Europa, com contacto precoce com o vírus; – no período de 1987 a 1996 foram internados 6
nesta circunstância é, como a varicela, uma doen- recém-nascidos e 8 no período de 1997 a 2003, sendo
ça da idade pediátrica. de referir 2 casos graves, um dos quais de varicela
– O padrão dos climas tropicais, com infecção perinatal (mãe com varicela na data do parto).
protelada até à adolescência e idade adulta, idade – faleceram 2 doentes (em 1993 e 2000), uma
com maior probabilidade de evolução mais grave criança de 6 anos com cardiopatia e trissomia 21, e
e de aparecimento de complicações. um recém-nascido. Houve um caso de síndroma
Em relação à prevalência da infecção, em de Reye em criança com artrite crónica juvenil sob
Portugal, o Segundo Inquérito Serológico terapêutica com salicilatos.
Nacional Portugal Continental 2000-2002 revelou A comprovação da varicela como um proble-
que 86,8% da população estudada é seropositiva ma de saúde pública tem sido cada vez mais evi-
para o V V Z e, tal como noutros países europeus, dente à medida que dados epidemiológicos e
a infecção por este vírus ocorre predominante- estudos de custo-benefício são conhecidos. Con-
mente em crianças. Dos 15 aos 19 anos a seroposi- tudo, e dado que a doença não é de notificação
tividade é 94,2%, após o que se verifica um obrigatória, não existe uma informação precisa
aumento gradual para 99,3%. Neste estudo, verifi- sobre o impacte da doença na comunidade.
cou-se também que apenas 2,8% das mulheres nos
períodos de maior fertilidade (20-29 anos e 30-44 Manifestações clínicas
anos) são susceptíveis.
De acordo com o mesmo inquérito, concluiu-se Na varicela da criança não existe habitualmente
que a varicela corre predominantemente na infân- período prodrómico, ao contrário do que acontece
cia: 41,3% das crianças entre os 2 e os 3 anos já se com o adolescente e o adulto. Este período carac-
infectaram com o vírus, aumentando para o dobro teriza-se por febre, cefaleia, sensação de mal-estar,
dos 6 aos 7 anos, o que nos leva a concluir que o 1 a 2 dias antes do aparecimento do exantema.
impacte da vacinação será maior se dirigida a Este evolui rapidamente de mácula para vesícula de
crianças mais jovens. conteúdo transparente (que se rompe facilmente)
Na revisão casuística referente a 17 anos de e, posteriormente, para crosta, com distribuição
internamentos por varicela na Unidade de crânio – caudal e centrípeta. As crostas destacam-
Infecciologia do Hospital de Dona Estefânia, divi- se espontaneamente em cerca de 8 a 15 dias.
dida em dois períodos, 1987 a 1996 (351 doentes) e É típica a presença de lesões nos vários estádios
1997 a 2003 (251 doentes), verificou-se : numa mesma área anatómica. As mucosas podem
– maioria dos internamentos por complicação ser igualmente atingidas, com ulcerações superfi-
da varicela ocorreu em crianças saudáveis, sem fac- ciais no palato e vulva. O prurido intenso acom-
tor de risco de varicela grave, de idade inferior ou panha geralmente o estádio vesicular do exantema
igual a 3 anos, com sobreinfecção cutânea ou das da varicela. Pode verificar-se o aparecimento de
partes moles, e internadas pelo serviço de urgência; linfadenopatias generalizadas. (Figura 1)
– diminuição da percentagem das complicações Os doentes são contagiosos desde cerca de 48
neurológicas e respiratórias no 2º período estudado; horas antes do início do exantema até à fase em
– aumento da percentagem e da gravidade clí- que todas as vesículas se apresentam na forma de
nica das infecções das partes moles, com o primei- crosta (5 a 10 dias).
1522 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A varicela é uma doença de evicção escolar pele de trajecto mais ou menos rectilíneo, suprida
obrigatória. por nervos sensitivos de um ou dois gânglios das
A zona (reactivação do V V Z) ocorre raramen- raízes dorsais, (dermátomo); no adolescente e
te (em cerca de 5% dos casos de varicela anterior: adulto a dor relaciona-se com neurite aguda.
~5% até aos 15 anos, e ~10-15% na idade adulta); Surgem, ao cabo de alguns dias a erupção de
manifesta-se sobretudo nas seguintes circunstân- pápulas que rapidamente se transformam em
cias: vesículas segundo um trajecto mais ou menos rec-
– infecção primária in utero ou em caso de vari- tilíneo (ou paralelamente, em dois trajectos se esti-
cela no 1º ano de vida; verem em causa dois dermátomos), progredindo
– quadros clínicos com imunossupressão até à fase de crosta em cerca de 5 a 7 dias. Em cerca
(como foi referido antes, sobretudo défice da imu- de um terço dos casos poderá verificar-se a ocor-
nidade celular), em que há probabilidade de rência de vesículas “vizinhas” que ultrapassam o
herpes zóster mais exuberante e mais grave, com limite do dermátomo.
risco de disseminação cutânea, compromisso vis- Embora raramente, poderá a zona ter localiza-
ceral e tendência para a cronicidade. A incidência ção ao nível do trajecto do nervo trigémio, acom-
é cerca de 15% nas crianças que já tiveram leuce- panhando-se as lesões cutâneas de conjuntivite,
mia, e ~30% nos receptores de transplante medu- ceratite e iridociclite. Outro possível nervo crania-
lar e nos infectados pelo VIH; no afectado é o facial .Nesta caso a tradução clíni-
– envelhecimento, a partir dos 50 anos; se um ca mais típica é paralisia facial e aparecimento de
indivíduo viver até aos 80 anos aumenta a proba- vesículas no canal auditivo externo (síndroma de
bilidade de adquirir infecção zoster, que é tanto Ramsay-Hunt). (Figura 2)
mais grave quanto mais tardio o seu aparecimen- A nevralgia pós – zóster, mantida por vezes 2 a
to (ver atrás). 3 meses – é rara em idade pediátrica

Esta forma clínica caracteriza-se por uma erup- Factores de gravidade


ção unilateral, por vezes acompanhada de linfade-
nopatia regional. Na fase de pré-erupção existe No que se refere à gravidade da doença verifica-se
dor ,mal-estar, febre, hiperestesia, sensação de um aumento da morbilidade e mortalidade na
“queimadura” ao longo de uma área limitada de mulher grávida susceptível, e no feto. A síndroma

A B A B

FIG. 1 FIG. 2
A – Varicela – predomínio de vesículas visualizando-se A – Herpes zóster: lesões na área do trigémio; B – Herpes
algumas crostas; B – Varicela confluente com predomínio de zóster de localização torácica; lesões de trajecto rectilíneo ao
vesículas; zona nadegueira protegida da luz, menos longo dos nervos intercostais acompanhando a direcção das
exuberante em lesões (fotoprotecção). (NIHDE) costelas. (NIHDE)
CAPÍTULO 298 Infecções por vírus Herpes (Varicela-Zoster, Citomegalovírus e Epstein-Barr) 1523

da varicela congénita caracteriza-se por lesões do cite necrosante. Alguns estudos encontraram uma
SNC, globo ocular (cegueira), cicatrizes cutâneas razão de causa efeito entre as complicações cutâ-
permanentes e defeitos dos membros, com inci- neas e a toma prévia de anti-inflamatórios não
dência de 2% nas primeiras vinte semanas de gra- esteróides como nimesulido e ibuprofeno, pelo
videz. que estas drogas não devem ser prescritas no
Esta situação é distinta da varicela perinatal, decurso da varicela. A medicação com salicilatos
surgindo no recém-nascido quando a mãe contrai antes e durante a doença relacionou-se com o apa-
varicela no período entre 5 dias antes do parto e 5 recimento de síndroma de Reye.
dias depois. A varicela perinatal é geralmente Outras complicações descritas na literatura em
muito grave pois, para além da imaturidade imu- relação com infecções por V V Z incluem: menin-
nológica do recém-nascido, nesta fase não houve gite asséptica, síndroma de Guillan-barré, encefa-
ainda passagem transplancentar de anticorpos lite (nalguns casos em relação com o próprio
maternos que seriam um factor de protecção. A vírus), ataxia cerebelar (por mecanismo imunoló-
terapêutica com imunoglobulina específica e aci- gico, sem acção directa do vírus), púrpura trom-
clovir tem melhorado muito o prognóstico destes bocitopénica concomitante com a doença aguda
doentes. ou de aparecimento a posteriori .
Para além destes dois quadros clínicos, há um
risco acrescido de complicações para a mulher e Exames complementares
para o feto na varicela contraída no último tri-
mestre, respectivamente pneumonia e dissemina- Na prática, em situações correntes, o diagnóstico é
ção da doença. essencialmente clínico-epidemiológico. Em situa-
A gravidade da varicela é maior no adulto, ções especiais ou em casos complicados poderá
com maior morbilidade e mortalidade: o número estar indicada a realização de exames comple-
de lesões é maior, os sintomas sistémicos mais mentares: por microscopia electrónica para estudo
duradouros e as complicações mais frequentes, citológico (pesquisa de corpos de inclusão, células
referindo algumas séries que a encefalite é sete gigantes) e isolamento do vírus no fluido das vesí-
vezes mais frequente que na criança, e a mortali- culas ou nos produtos de raspagem das lesões;
dade vinte e cinco vezes maior. através de cultura de células; pesquisa do DNA
O risco de varicela grave é também maior nas por reacção da polimerização em cadeia (PCR),
síndromas acompanhadas de imunodeficiência, etc..
especialmente nos casos de doença maligna sob Para confirmar a infecção poderão utilizar-se
quimio ou radioterapia, no caso de corticoterapia provas de fixação do complemento, anticorpos
em altas doses e nos defeitos da imunidade celu- fluorescentes para os antigénios de membrana,
lar. Por este motivo, as complicações da varicela métodos ELISA, radioimunoensaio, etc..
passaram a ser mais frequentes à medida que Para confirmar o estado de imunidade relati-
maior número de crianças com doença maligna, vamente à varicela é possível proceder a uma
transplantação de órgãos ou asma grave foi sendo prova intradérmica utilizando a estirpe OKA
tratado com sucesso. Igualmente nos casos de inactivada do vírus. De acordo com diversos estu-
SIDA, têm sido descritos casos graves e fatais. dos, concluiu-se que a sensibilidade e a especifici-
dade desta prova era ~95%, comparável à obtida
Complicações com o estudo serológico com pesquisa de anticor-
pos fluorescentes.
A partir da década de 90 passou a verificar-se
aumento de complicações na criança saudável e Tratamento
sem factores de risco prévios, nomeadamente
cutâneas, respiratórias e neurológicas. O tratamento da maioria dos casos é sintomático.
No que se refere às complicações cutâneas, Se a criança estiver febril deve ser administra-
salienta-se o papel de Streptococcus pyogenes, res- do paracetamol.
ponsável por situações muito graves como a fas- Em relação ao prurido, na Unidade de Infec-
1524 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ciologia do Hospital de Dona Estefânia, não se uti- doentes que não têm imunidade para o vírus e
liza por norma, terapêutica anti-histamínica. Os que apresentam risco de complicações graves se
banhos de amido são, regra geral suficientes para adquirirem a infecção. A IgVZ deve ser adminis-
o bem-estar da criança. Igualmente não se utliza a trada o mais precocemente possível após exposi-
aplicação de tópicos. ção, com limite máximo de 96 horas para a forma
A terapêutica com aciclovir não é recomenda- endovenosa, e 72 horas para a forma intramuscu-
da para uso generalizado na criança saudável com lar; e, de preferência, nas primeiras 48 horas. A
varicela. Quando indicada, deve ser iniciada o varicela após IgVZ é, regra geral, mais benigna
mais precocemente possível (idealmente nas 1ªs mantendo-se, contudo, contagiosa.
24 horas, logo após início do exantema; é inútil A decisão de administrar IgVZ deve funda-
após o 3º dia de evolução da doença). mentar-se em três parâmetros: susceptibilidade à
O aciclovir oral (20 mg/kg/dose até máximo doença; probabilidade de a exposição resultar em
de 800 mg/dose, em 4 tomas diárias durante 5 infecção; risco de complicações graves.
dias) está indicado em: adolescentes; doenças cró- Aos indivíduos com risco de complicações
nicas dermatológicas ou pulmonares; terapêutica graves, com exposição continuada ao vírus, deve
mantida com salicilatos; terapêutica com cor- ser feita uma segunda administração de IGVZ
ticóides, de curta duração, intermitente ou por passadas três semanas.
aerossóis; casos secundários num agregado fami- Os doentes sob terapêutica mensal com altas
liar (os casos secundários são geralmente mais doses de IGIV estarão muito provavelmente pro-
graves). O aciclovir endovenoso está indicado nos tegidos se a última administração tiver ocorrido
imunodeprimidos (5-10 mg/kg/dose de 8-8 horas menos de 3 semanas antes da exposição. A IgVZ
durante 7 a 10 dias). interfere com a resposta imunológica às vacinas
No herpes zóster o aciclovir abrevia a cura das vivas, especialmente VASPR nos 5 meses subse-
lesões cutâneas, reduz o tempo de evolução da quentes à sua administração, razão pela qual o
neurite aguda, assim como o risco de nevralgia calendário vacinal da criança a quem foi adminis-
pós fase aguda. Está igualmente indicado nos trada IgVZ deve ser adaptado a esta circunstância.
casos de doentes com imunodepressão, contri- Se não for respeitado o intervalo entre IgVZ e
buindo para diminuir o risco de disseminação vis- VASPR deve proceder-se à titulação dos anticor-
ceral. pos para VASPR, um mês após a vacinação.
Os pais e mais directos responsáveis pelos cui- A IgVZ não é recomendada para indivíduos já
dados a prestar à criança doente devem ser ins- vacinados contra a varicela.
truídos no sentido de procederem ao corte das A IgVZ não deve ser usada indiscriminada-
unhas e de correcta lavagem das mãos de modo a mente já que condiciona apenas uma protecção
diminuir o risco de sobreinfecção bacteriana. temporária de cerca de 3 semanas (um caso de
As roupas devem ser de algodão e fáceis de varicela numa enfermaria não implica a prescrição
despir, sem traumatizar a pele. Os banhos estão alargada de IGVZ baseada apenas na susceptibili-
indicados, com a água à temperatura habitual, dade à doença).
mas deverão ser rápidos, tendo o cuidado de secar
a criança sem friccionar o corpo com a toalha. O Vacina anti-varicela
banho de amido ajudará a diminuir o prurido. A propósito desta medida de prevenção, sugere-se
O tratamento das infecções cutâneas secundá- a consulta do Capítulo 274.
rias é abordado nos Capítulos 279 e 280. Considera-se actualmente que a administração
de duas doses confere uma maior protecção (tal
Prevenção como se passa com outras vacinas), o que poderá
evitar os casos de varicela que surgem algum
Imunização passiva – Imunoglobulina humana tempo após a vacinação, por falência vacinal
anti-varicela zoster (IgVZ) secundária devida a uma perda progressiva, ao
A imunoglobulina antivaricela zoster (IgVZ) deve longo do tempo, da imunidade contra o vírus
ser administrada para prevenir a varicela em (“breakthrough disease”).
CAPÍTULO 298 Infecções por vírus Herpes (Varicela-Zoster, Citomegalovírus e Epstein-Barr) 1525

• Período neonatal: secreções vaginais (parto)


2. CITOMEGALOVÍRUS ou leite materno(incidência de 10-60% nos primei-
ros seis meses de vida).
Definições e aspectos epidemiológicos • Infância: saliva, lágrimas, leite materno,
urina (taxa de infecção de 50-80%); as creches
O citomegalovírus humano (CMV) é um vírus ADN contribuem para a disseminação da doença nesta
da família Herpesviridae, ubiquitário na comunidade. faixa etária.
A prevalência da infecção por CMV aumenta com a • Adolescentes: sémen, secreções vaginais;
idade, é mais elevada nos países em desenvolvi- durante este período ocorre um segundo pico de
mento e nos estratos socioeconómicos mais baixos. infecção devido à transmissão sexual.
Na maioria, as infecções por CMV são assin- • Outros: transfusões de sangue e derivados
tomáticas; contudo, o espectro de manifestações é (infecção nosocomial), transplantes de órgãos.
amplo, entre infecções ligeiras e fatais. Certos gru-
pos populacionais são considerados de risco, A doença clínica resulta fundamentalmente
como os recém-nascidos e os imunodeprimidos, dos seguintes factores:
designadamente os transplantados e os porta- – depressão da imunidade celular;
dores de infecção por VIH. Em indivíduos imuno- – replicação vírica intensa com consequente
competentes a infecção por CMV poderá ter as aumento da respectiva carga;
características simile mononucleose. A infecção – compromisso multiorgânico por efeito citopá-
congénita é abordada no Capítulo 360. tico directo dos vírus, sobretudo em determinados
Considera-se infecção primária a que ocorre num órgãos-alvo.
indivíduo susceptível, seronegativo. Infecção recorren- O vírus induz reacção inflamatória com infil-
te é a que surge por reactivação de infecção latente ou tração celular focal por células mononucleadas.
por reinfecção de hospedeiro imune serpositivo. Os órgãos mais afectados são o pulmão, fígado,
Doença por CMV poderá resultar de infecção primá- rins, aparelho gastrintestinal, glândulas salivares
ria ou recorrente, sendo que no primeiro caso existe e outras glândulas exócrinas. Pode surgir necrose
maior probabilidade de quadro clínico mais grave. focal no cérebro e fígado, acompanhada de granu-
O conceito de infecção é biológico; o conceito lomas com calcificações.
de doença é clínico, traduzindo, em princípio, a A presença de CMV intracelular e a replicação
presença de sintomatologia. do vírus incrementa a expressão de mediadores
Após o 1º ano de vida, a prevalência depende inflamatórios como citocinas e quimocinas; as
da actividade das pessoas vivendo em comunida- células infectadas podem conter inclusões
de, sendo que instituições de tipo infantário e (grandes, intranucleares, e mais pequenas, intraci-
escolas infantis contribuem para a disseminação toplásmicas) que são patognomónicas da infecção
do vírus entre crianças. por CMV(doença de inclusões citomegálicas).

Etiopatogénese Manifestações clínicas e laboratoriais

Da família Herpesviridae fazem parte também As manifestações clínicas são variáveis e influen-
outros vírus: de Epstein-Barr (VEB), herpes simplex 1 ciadas pelo momento em que ocorre a transmissão
e 2, varicela-zooster,e herpesvirus 6, 7 e 8. Como qual- da doença (congénita, perinatal ou pós-natal),
quer herpesvírus, tem a característica de se man- idade do doente e concomitância, ou não, de imu-
ter latente no organismo, o que condiciona a pos- nodeficiência.
sibilidade de reactivação (ver atrás). Uma vez que a infecção perinatal é abordada
Estão descritos diversos modos de trans- no Capítulo 360, é dada ênfase às manifestações
missão: pós-neonatais.
• Congénita: via placentária. A incidência de Como foi referido, a infecção pode ser subclí-
infecção congénita por CMV varia de 0,2-2,4% de nica. Em geral, com a duração de 2-3 semanas,
todos os recém-nascidos. surge febre, tosse (por pneumonite), cefaleia, mial-
1526 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

gias; por vezes, exantema petequial ou morbilifor- Tratamento


me, linfadenopatias e hepatosplenomegália. Em
crianças mais velhas e adolescentes o quadro é No hospedeiro imunocompetente não está indica-
semelhante a mononucleose infecciosa, com ele- da qualquer terapêutica específica.
vação de ALT e AST, e linfocitose atípica. No contexto de doentes com imunossupressão
Nos doentes imunocomprometidos (sobretudo utiliza-se o ganciclovir associado a IGIV hiperimune-
em casos de SIDA e de doentes transplantados) CMV em casos de retinite, enterite e pneumonite.
existe risco aumentado de infecção primária ou Um dos esquemas utilizado é o seguinte:
recorrente, incluindo pneumonite, hepatite, corior- – ganciclovir IV (7,5 mg/kg/dia,em 3 doses,
retinite, doença gastrintestinal (ulcerações submu- durante 14 dias) + IGIV/CMV (400 mg/kg/dia
cosas, pancreatite, colecistite), febre isolada, leuco- nos dias 1,2,e 7, e 200 mg/kg/dia no dia 14).
pénia, e compromisso do sistema nervoso central. Verifica-se, como resultado desta terapêutica,
diminuição da excreção de CMV dentro de 1
Diagnóstico semana em 70-80% dos doentes. A resposta não é
tão favorável nos transplantados, havendo recaí-
O diagnóstico de infecção activa por CMV é das com a paragem do ganciclovir.
confirmado pelo isolamento do vírus da urina Outros antivíricos podem ser usados: foscarnet
(mais utilizado), saliva, lavado broncoalveolar, (de que existe menos experiência em crianças) e
leite materno, secreções cervicais, células sanguí- cidofovir.
neas mononucleares; em tecidos obtidos por bióp- Nas formas ligeiras de infecção por CMV pode
sia pode proceder-se à identificação através de utilizar-se valganciclovir oral.
técnicas de imunofluorescência. A detecção de O ganciclovir tem diversos efeitos tóxicos,
vírus não permite distinguir infecção primária de nomeadamente supressão medular, alterações
infecção recorrente. hepáticas, redução da espermatogénese; e cancerí-
Podem também ser utilizadas provas de detec- geno e potencialmente teratogénico.
ção no sangue através de :
– estudo molecular ADN por PCR , Prevenção
– estudo do antigénio pp65CMV utilizando
anticorpos monoclonais. Na prevenção devem ser consideradas as seguin-
O diagnóstico de infecção primária baseia-se tes medidas:
na seroconversão ou na detecção simultânea de – vacina (ainda em estudo);
IgM e IgG de baixa avidez, sendo que os anticor- – esterilização do leite de mães seropositivas
pos IgG persistem durante toda a vida. para RN pré-termo;
Durante as primeiras semanas após infecção – IGIV no período pré-transplante de órgãos
primária, a avidez funcional muito baixa dos anti- (visto que o doente transplantado padecendo de
corpos da classe IgG atinge o pico 4-5 meses imunossupessão, comporta risco acrescido de
depois. Os anticorpos IgM podem ser demonstra- aquisição de infecção grave por CMV;
dos transitoriamente, entre a 4ª e 16ª semana – utilização de sangue e derivados de dadores
A distinção entre reactivação de vírus endóge- com anticorpos negativos para CMV a RN pré-
no e reinfecção com estirpe diferente de CMV termo e doentes imunocomprometidos (sobretudo
requer técnicas especiais com análise do ADN do pós-transplante e com infecção por VIH); se tal não
vírus (com enzimas de restrição ou determinação for possível, utilização de sangue desleucocitado;
de anticorpos específicos para epitopos do CMV, – se possível, utilização de órgãos de dadores
por ex. glicoproteína H ). livres de CMV.
Nos doentes imunocomprometidos é habitual
haver excreção aumentada de CMV, mesmo em Prognóstico
presença de títulos elevados de IgG e de IgM, o
que dificulta a destrinça entre infecção primária e O prognóstico é variável consoante a data da
recorrente. infecção. No caso de infecção congénita, geral-
CAPÍTULO 298 Infecções por vírus Herpes (Varicela-Zoster, Citomegalovírus e Epstein-Barr) 1527

mente surgem sequelas neurossensoriais graves A transmissão faz-se pela saliva, sangue e, pos-
como surdez (5-10%), coriorretinite (3-5%), micro- sivelmente, por contacto sexual. O vírus penetra
cefalia, atraso mental ou motor. A infecção no pe- na cavidade oral, invade as células epiteliais e as
riodo perinatal raramente origina sequelas. glândulas salivares, causando virémia, infecção
A maioria dos doentes imunocompetentes dos linfócitos B e sistema reticuloendotelial (SRE),
recupera completamente. Como regra, nos imuno- estimulando uma resposta imune e a formação de
deprimidos o prognóstico é variável consoante a linfócitos atípicos (linfócitos T CD8+ que aumen-
doença de base e o grau de imunossupressão. tam em valor absoluto e relativo). Este aumento
de linfócitos T CD8+ resulta numa inversão tran-
sitória da relação normal de 2/1 de linfócitos
T CD4+/CD8+ ou (helper/supressor).
3. MONONUCLEOSE INFECCIOSA Muitas das manifestações clínicas da MNI
poderão resultar, pelo menos em parte, da liber-
Definição tação de citocinas como resposta imune do hos-
pedeiro, a qual é efectiva ao reduzir a carga víri-
A mononucleose infecciosa (MNI) é uma sín- ca VEB a < 1 cópia/105 linfócitos B circulantes, o
droma clínica aguda de causa infecciosa que tem que é equivalente a < 10 cópias/mcg de ADN no
como agente etiológico mais frequente o vírus de sangue total. A carga vírica de VEB é mais variá-
Epstein-Barr (VEB); é caracterizada essencialmente vel em indivíduos imunocomprometidos, poden-
por febre, adinamia, amigdalie, faringite, e linfa- do atingir o valor de > 4.000 cópias/mcg de
denopatia cervical ou generalizada. ADN.
A designação popular de “doença do beijo pro- Pondo em contacto secreções da orofaringe de
longado” e de “doença dos noivos” sublinha o facto doentes afectados por mononucleose infecciosa
de o agente da doença se poder transmitir muitas com linfócitos B humanos, estes são transforma-
vezes pela saliva. A designação antiga de “febre dos espontaneamente, por acção do vírus, em li-
ganglionar” traduz a comparticipação do sistema nhas celulares linfoblastóides; por isso se chama a
linfóide nesta entidade clínica. este vírus o” agente transformador de linfócitos”.
Após infecção primária, o VEB permanece
Aspectos epidemiológicos latente em múltiplos epissomas dos núcleos dos
linfócitos B, o que corresponde, de facto, a um
O VEB tem uma distribuição mundial. Nos países estado de infecção de longa duração, clinicamente
em vias de desenvolvimento a infecção é, regra inaparente. Para além da capacidade de latência, o
geral, muito precoce e assintomática. agente infeccioso tem capacidade de reactivação e
Nos países tecnicamente desenvolvidos a infec- de incorporação genómica nas células do hospe-
ção não surge até à idade da adolescência e de deiro, o que se repercute nas características gené-
adulto jovem, sendo a mesma frequentemente sin- ticas destas últimas.
tomática. Cerca de 50 a 90% dos adultos jovens têm Pode, pois, considerar-se que a infecção por VEB
anticorpos anti-VEB. Portugal segue o padrão dos corresponde a uma doença linfoproliferativa, já que
países desenvolvidos de acordo com estudos do representa uma “guerra civil linfocitária”, em que
INSA /Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge. os linfócitos T activados, que correspondem aos
A incidência anual varia, de acordo com diver- linfócitos atípicos do sangue periférico, tentam des-
sas estatísticas, grupos etários e regiões do globo, truir os linfócitos B infectados pelo vírus, sendo esta
entre 20 a 70/ 100.000 indivíduos . reacção imunológica a principal responsável pelas
diversas manifestações da doença.
Etiopatogénese Nos gânglios e baço verifica-se uma reacção
inflamatória inespecífica com hiperplasia das
A causa principal da MNI é o vírus de Epstein-Barr células do SRE e predomínio de linfócitos normais
(VEB), um vírus de DNA pertencente à família dos e atípicos. No fígado podem ser evidentes sinais
Herpesviridae. de necrose e distensão dos espaços porta por exsu-
1528 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dado inflamatório constituído sobretudo por dades e nádegas) pode estar associada a infecção
linfócitos, sem alterações, e atípicos. por VEB. Este quadro imita a dermatite atópica.

Manifestações clínicas Exames complementares

O período de incubação da MNI varia entre 4-6 A leucocitose (10.000-20.000/mm3) é mais frequen-
semanas, podendo o início ser agudo ou insidioso. te do que a leucopénia; observa-se, regra geral, pre-
Trata-se duma síndroma febril aguda traduzida domínio de linfócitos, com linfócitos atípicos pleo-
essencialmente pela tríade: febre, faringite exsu- morfos, que correspondem aos linfócitos T activa-
dativa e linfadenopatia – esplenomegália. Con- dos. A trombocitopénia ligeira é referida na litera-
forme o predomínio de um ou de outro sinal ou tura (20.000-50.000/mm3) em mais de 50% dos
sintoma, poderão ser descritas formas febris, amig- doentes; habitualmente comprova-se uma elevação
dalinas, ou ganglionares. ligeira a moderada das transaminases (ALT e AST).
De acordo com a experiência da Unidade de Na série anteriormente referida do HDE o
Infecciologia do Hospital de Dona Estefânia,no valor de leucócitose superior a 10.000 /mm3 sur-
período de 1991 a 2000, foram obtidos os seguintes giu em 72% dos casos. As leucocitoses acentuadas
dados: predomínio do sexo masculino (62%) e da (> 20.000 /mm3) são paradigmáticas dos grupos
idade inferior ou igual a 4 anos (55%),sendo que o etários mais baixos. A linfomonocitose superior a
principal motivo de internamento foi a febre (97%) 50% verificou-se em 46% dos doentes. Na maioria
com a duração superior a 8 dias na sua maioria. dos doentes (85%) verificou-se número normal de
Outros dados registados em percentagem de casos plaquetas na data do internamento.
foram: dificuldade respiratória (15%); internamen-
to por outros motivos, alguns dos quais correspon- Diagnóstico
dendo a manifestações mais raras : meningite, púr-
pura, trombocitopénia ou glomerulonefrite (12%). O diagnóstico de infecção por VEB pode ser sus-
No que se refere aos achados do exame físico peitado pelos dados clínicos e por certos achados
salientam-se: adenomegálias (90%), amigdalite laboratoriais características.
(87%), hepatomegália (48%), esplenomegália (44%), A confirmação do diagnóstico de infecção por
dificuldade respiratória (27%), exantema (21%), dor VEB (com ou sem mononucleose infecciosa, pois
abdominal (19%) e edema palpebral (16%). De pode haver infecções por VEB, inaparentes)
salientar que em 48% dos doentes desta série se baseia-se na demonstração de diversos tipos de
comprovou uma relação entre exantema eritemato- anticorpos específicos anti -VEB: VCA (ou anti-viral
so e terapêutica anterior com antibiótico – lactâmi- capside antigen) IgG e IgM, NA (EB anti-nuclear
co (é o clássico exantema da ampicilina por vasculite antigen), EA (EB anti-early antigen), o anticorpo
de causa imune). MA (EB anti-membrane antigen). Cada tipo de anti-
Todos os sinais e sintomas considerados isola- corpo é detectável em fases diferentes da infecção:
damente, com excepção da hepatomegália, edema • VCA-IgM – anticorpo surgido desde fase
palpebral e dor abdominal, foram mais frequentes precoce da doença aguda; desaparece após vários
no grupo etário inferior ou igual a 4 anos. A tríade meses de infecção; nesta fase há ausência de anti-
sintomática da MNI, febre, amigdalite e adeno- corpos EBNA. A existência de factor reumatóide
megálias esteve presente em 60% dos doentes, pode causar um resultado falso positivo.
com predomínio no grupo superior a 4 anos • VCA-IgG – persiste durante toda a vida após
(61%). A hepatosplenomegália associou-se à tríade infecção inicial.
anteriormente referida em 32% dos casos, com • EA – associa-se à replicação vírica; presente
franco predomínio do grupo superior a 4 anos. em 70-80% casos de doença aguda, desaparece
A chamada síndroma de Gianotti-Crosti (constan- após 6 meses.
do de exantema simétrico pápulo-eritematoso • NA – tardio, surge cerca de 1-6 meses após
podendo confluir em placas, com a duração de 15- infecção.
20 dias, e localização predominante nas extremi- • MA – não utilizado de rotina
CAPÍTULO 298 Infecções por vírus Herpes (Varicela-Zoster, Citomegalovírus e Epstein-Barr) 1529

Em suma, a detecção de VCA-IgM constitui a Tratamento


prova serológica mais valiosa e específica para o dia-
gnóstico de infecção por VEB, sendo geralmente sufi- Não existe tratamento específico para a síndroma
ciente para confirmar o diagnóstico de infecção de mononucleose infecciosa. O tratamento é geral-
aguda. mente de suporte, visto que a doença é auto-limi-
Quando há disponibilidade de dois soros obti- tada. Se existir fadiga debilitante aconselha-se
dos com 15 ou mais dias de intervalo, o diagnósti- repouso no leito. Os desportos de contacto devem
co pode ser confirmado pela seroconversão de ser evitados enquanto houver esplenomegália ou
anticorpos NA. alterações da coagulação devido ao risco de rup-
Como provas qualitativas de aglutinação, tura esplénica.
citam-se: A terapêutica com ganciclovir em altas doses
– Prova de Paul-Bunnell-Davidsohn, em que se diminui a replicação vírica e a disseminação oro-
pesquisa a aglutinação de eritrócitos de espécies faríngea durante o periodo de administração, mas
diferentes (carneiro, cavalo,etc.) empregando soro não reduz a gravidade ou duração dos sintomas,
do doente contendo anticorpos/aglutininas que nem altera o prognóstico. Pequenos cursos de cor-
se formam no decurso da MNI; como aglutinam ticosteróides poderão ter utlidade nos casos de
eritrócitos doutras espécies, tais anticorpos são complicações da doença, nomeadamente nos
chamados heterófilos; casos de dificuldade respiratória.
– Monospot test, que constitui uma variante da
metodologia descrita antes. Prognóstico

Estas provas evidenciam habitualmente O prognóstico é geralmente bom, sendo as com-


valores falsos positivos em menos de 10% dos plicações pouco frequentes. Os sintomas princi-
casos, e elevado número de resultados falsos ne- pais podem durar entre quatro semanas a 10
gativos em crianças pequenas. meses, seguindo-se uma recuperação gradual. Um
A detecção do VEB (sangue, saliva, noutros pro- estado de fadiga (crónica) pode permanecer
dutos biológicos por diversos métodos incluindo durante mais tempo.
os moleculares-PCR, etc.) não constitui técnica de
rotina para fins diagnósticos, pois o vírus pode ser Complicações
eliminado em cerca de 20% de indivíduos normais.
A complicação mais frequente é a sobreinfecção
Diagnóstico diferencial bacteriana, sobretudo por Streptococus-hemolítico
do grupo A.
Apesar de, tal como foi referido, o agente etiológi- Outras complicações a referir são: a ruptura
co mais frequente da síndroma de mononucleose infec- esplénica (mais frequente durante a segunda
ciosa ser o VEB, há que considerar outros agentes semana de doença), as complicações hematológi-
causais, nomeadamente citomegalovírus (CMV), cas (púrpura trombocitopénica, anemia hemolíti-
Toxoplasma gondii, vírus das hepatites B e C ca, anemia aplásica, agranulocitose, agamaglobu-
(VHB,VHC) e, por vezes, VIH. As situações linémia, sindroma hemofagocítica), as complica-
acompanhadas de leucocitose muito acentuada ções cardíacas (pericardite, miocardite), as compli-
põem problemas de diagnóstico diferencial com cações respiratórias com obstrução das vias aéreas
leucémia aguda. Quando a elevação das tran- por hiperplasia dos tecido linfóide, pancreatite,
saminases predomina há que considerar as hepa- artrite, orquite, insuficiência renal ou glomerulo-
tites agudas por vírus. A amigdalite da infecção nefrite, complicações neurológicas (cefaleias,
por VEB deve ser distinguida da amigdalite convulsões, ataxia, síndroma de Alice no País das
estreptocócica (se bem que por vezes haja co- Maravilhas (distorção da percepção de tamanho,
infecção por estes dois agentes), da diftérica e de formas e relações espaciais), meningite, paralisia
outras amigdalites por outros agentes víricos facial, mielite transversa e encefalite).
como adenovírus (Capítulo 72). A síndroma hemofagocítica ou linfo-histiocitose
1530 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

hemofagocítica é uma situação pouco frequente Balfour HH Jr, Holman CJ, Hokanson KM, et al. A prospective
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Vasquez M, La Russa PS, Gershon AA, et al. Effectiveness over nos considerando os subgrupos poliovírus, coxsac-
time of varicella vaccine. JAMA 2004; 291:851-855 kievirus e echovirus foi reformulada considerando
Whitley RJ. Changing epidemiology of herpes simplex virus particularidades relacionadas com a replicação e
infections. Clin Infect Dis 2013; 56:352-353 com a cultura em tecidos humanos e animais.
Whitley RJ. The use of antiviral drugs during the perinatal per- Actualmente os enterovírus humanos foram
iod. Clin Perinatol 2012; 39: 69-81 reclassificados, tendo em conta as sequências de
Whitley RJ. Management of herpes zoster and post-herpetic aminoácidos e de nuleótidos, em 5 espécies: polioví-
neuralgia now and in the future. J Clin Virol 2010; 48 Suppl rus e enterovírus humanos de A a D. Os serótipos dos
1: S20-S28 enterovírus distinguem-se por diferenças quanto a
Williams H, Macsween K, McAuley K, et al. Analysis of immu- antigénios e quanto a sequências genéticas.
ne activation and clinical events in acute infectious mono- Embora tenham sido identificados mais de 70, a
nucleosis. J Infect Dis 2004; 190:63-71 maioria dos casos de doença é explicada por 10-15
dos mesmos. Não se podendo atribuir determina-
da doença a determinado serótipo, estão descritas
certas manifestações predominantemente associa-
das a determinados serótipos.
1532 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Considerando a classificação dos enterovírus O período de incubação é geralmente 3 a 6


humanos em subgrupos, é estabelecida a seguinte dias, exceptuando-se nos casos de conjuntivite
correspondência: hemorrágica: 24-72 horas. Em crianças com infec-
– Poliovírus (serótipos 1-3); ções sintomáticas ou assintomáticas continua a eli-
– Coxackie A (nome derivado de localidade minação do vírus, quer pelas fezes durante 7-11
pertencendo a Nova Iorque), com 23 serótipos semanas após a infecção, quer a partir do tracto
(A1-A22, A24, sendo que o A23 foi reclassificado respiratório durante alguns dias a 3 semanas.
como echovirus 9);
– Coxackie B, com 6 serótipos (B1-B6); Etiopatogénese
– Vírus ECHO ou echovirus (nome derivado
da sigla E de enteric, C de cytopathic, H de Muito do que se sabe da etiopatogénese dos ente-
human, O de orphan), com os serótipos (1-9, 11- rovírus foi extrapolado de estudos da infecção por
27, e 29-33, sendo que: os echovirus 10 e 28 foram poliovírus.
reclassificados como não enterovírus; echovírus Após a aquisição do vírus por via oral ou res-
34 reclassificado como coxsackie A24; e os echovi- piratória, surge replicação inicial na faringe e
rus 22 e 23 reclassificados e integrados no género intestino, possivelmente nas células M da mucosa.
Parechovirus; A ausência de invólucro lipídico favorece a sobre-
– Enterovírus (diversos serótipos numerados, vivência no tracto gastrintestinal. Por outro lado,
sendo que o 72 foi reclassificado como vírus da diversas macromoléculas da superfície celular
hepatite A). funcionam como receptores para o vírus: receptor
para adenovírus-coxsackievírus, molécula interce-
Aspectos epidemiológicos lular de adesão 1 (ICAM-1), antigénio VLA-2, pro-
teína DAF/CD55,etc.. Acontece que 2 ou mais
Os enterovírus têm uma distribuição mundial. enterovírus podem invadir o tracto gastrintestinal
Nos climas temperados ocorrem surtos de infec- e aí replicar-se, mas a replicação de um tipo deter-
ções sobretudo no Verão e início do Outono. Nos minado impede a replicação do “invasor” heteró-
trópicos não se verifica incidência sazonal. logo; é o fenómeno de interferência.
As respectivas infecções são responsáveis por A replicação inicial na faringe e intestino é
cerca de 30-60% das doenças febris agudas, e por seguida, dentro de dias, por multiplicação no teci-
cerca de 50% dos casos hospitalizados com sus- do linfóide (amígdalas, placas de Peyer e gânglios
peita de sépsis, de acordo com dados estatísticos regionais. Segue-se uma fase transitória de viré-
de países americanos e europeus. São considera- mia (minor), com disseminação do vírus por vários
dos factores de risco: idades mais baixas, defi- órgãos e replicação no respectivo sistema reticu-
cientes condições de higiene e saneamento, baixo loendotelial. A resposta imune do hospedeiro
nível socioeconómico e aglomerados de pessoas e poderá limitar a replicação e progressão para além
crianças em infantários, escolas, e deficientes do SRE, do que resultará infecção subclínica. Nos
condições de habitação em geral. Dadas as carac- casos em não se verifica o processo de limitação
terísticas dos vírus, atrás descritas, os mesmos da replicação, esta mantém-se e ocorre uma
podem sobreviver em águas contaminadas por segunda virémia (major), em geral do 3º ao 7º dia
esgotos, em solos com águas estagnadas, pisci- de infecção, sendo atingidos o SNC, coração e pele
nas,etc.. (forma sintomática); de salientar que o tropismo
Pode ocorrer transmissão do agente infeccioso para determinados órgãos – alvo é determinado em
através da via fecal-oral, respiratória, e de mãe parte pelo serótipo.
para filho durante o parto. Têm sido descritas epi- Uma vez atingidos os órgãos – alvo (SNC,
demias de meningite asséptica relacionadas: com coração, fígado, pulmões, pâncreas, rins, músculo,
echovírus 9 ou 30, em França e EUA; assim como pele), os mesmos são lesados em função de pro-
de conjuntivite hemorrágica por enterovírus 70 e cesso de necrose local (citólise) e de resposta infla-
coxsackievirus A24, na Índia, Malásia, outros matória imuno-mediada, sendo que a resposta
países tropicais e em climas temperados. inflamatória poderá passar à cronicidade, sem a
CAPÍTULO 299 Infecções por Enterovírus (excluindo Poliovírus) 1533

presença do vírus, após a sua eliminação. Como doença sintomática é tanto maior quanto menor a
resultado da persistência possível de certos ente- idade da criança. No que respeita à gravidade, ela
rovírus (por ex. coxsackie B) poderá surgir cardio- será provavelmente maior nos extremos da faixa
miopatia dilatada (Capítulos 216 e 217). etária pediátrica (RN e adolescentes).
A imunidade humoral é importante na infec- Tendo sido referido antes que este capítulo não
ção por enterovírus. Com efeito, estes induzem a incluía o poliovírus, como complemento, sugere-
produção de anticorpos neutralizantes específicos se a leitura do Capítulo 195, que aborda sucinta-
( IgM inicialmente e, depois, IgG e IgA, persistin- mente aspectos clínicos da poliomielite
do durante meses). No que respeita ao processo O Quadro 1 sistematiza as principais formas
de defesa imunitária salienta- se ainda: clínicas das infecções por enterovírus.
– o papel das IgA secretórias (imunidade A meningoencefalite por vírus é abordada no
secretória); Capítulo 300.
– o papel dos macrófagos (imunidade celular), Relativamente às diversas situações que inte-
referindo-se que a alteração funcional dos linfóci- gram o referido Quadro 1, salientam-se as seguintes:
tos T na defesa contra os enterovírus 71 pode estar
associada a meningoencefalite grave; Doença “mão-pé-boca” (hand-foot-mouth)
– que o aparecimento de anticorpos coincide Esta doença caracteriza-se por orofaringite com
com o término da virémia; vesículas dispersas pela língua, mucosa bucal,
– síndromas de imunodeficiência congénitas palato, gengivas e/ou lábios. Após ulceração das
ou adquiridas de etiopatogénese diversa e, desi- vesículas, observa-se pequena “cratera” amarela-
gnadamente, situações de imunodepressão, da (de 4-8 mm) com orla vermelha. (Figura 1)
poderão determinar infecções crónicas por ente- Surgem igualmente lesões maculopapulosas,
rovírus. vesiculosas e/ou pustulosas nas mãos, dedos das
A proteína da cápside VP1 é o alvo preferencial mãos e pés, nádegas e virilhas (Figura 2). Nas mãos
do anticorpo neutralizante o qual confere imuni- e pés predominam vesículas (de 3-7 mm), sobretudo
dade duradoura para a doença provocada pelo no dorso dos mesmos. Nas nádegas predominam as
mesmo serótipo. No entanto, poderá continuar a lesões exantemáticas máculo-papulares (não in-
eliminação do vírus (ver atrás). cluem vesículas), progredindo para as coxas e
Os anticorpos do tipo IgA são importantes na podendo originar confusão, por vezes com o padrão
redução da replicação e eliminação do vírus no morfológico encontrado na púrpura de Henoch-
tracto gastrointestinal. O leite materno contém Schonlein. A Figura 3 mostra aspecto de exantema
IgA específica para os enterovírus podendo confe- na face, tronco, membros e dorso das mãos.
rir certo grau de protecção.
Herpangina
Manifestações clínicas Nesta forma clínica verifica-se início súbito de
febre, odinofagia, e lesões na faringe posterior; nas
O espectro de manifestações é muito variado. crianças mais velhas há queixas de cefaleias, cer-
Com efeito, em mais de metade dos casos as infec- vicalgias e vómitos.
ções são subclínicas e, quando sintomáticas, cur- As lesões características localizando-se nos
sam geralmente como síndroma febril ou doença pilares anteriores das amígdalas, amígdalas, véu
respiratória inespecífica. Apenas numa pequena do paladar e úvula, constam de vesículas peque-
proporção de casos se verificam manifestações clí- nas (1-2 mm) que ulceram em 2-3 dias, amplian-
nicas graves como miocardite, encefalite do tron- do-se as lesões ulcerosas para 3-4 mm; rapida-
co cerebral ou rombencefalite pelo enterovírus 71 mente as úlceras podem atingir 10 mm de diâme-
(a que será dada atenção especial), meningoence- tro com halo vermelho circundante. Quanto ao
falite ou sépsis neonatal. De referir, contudo, que número de lesões, em geral oscilam entre 5 e 15. A
nos casos ligeiros ou assintomáticos pode verifi- febre dura entre 1-4 dias e as lesões tendem para a
car-se eliminação do vírus, o que constitui fonte cura em 5-7 dias. Estão descritos casos associados
de disseminação da infecção. A probabilidade de a meningite asséptica.
1534 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Manifestações clínicas associadas à infecção por Enterovírus

Quadro clínico Particularidades


S. febril inespecífica Todos os serótipos de enterovírus
Paralisia Mais comum com poliovírus mas também enterovirus, especialmente enterovírus 71
Meningite Todos os enterovírus, sobretudo antes dos 5 anos de idade
Encefalite/meningoencefalite Generalizada ou focal, associada a meningite
Rombencefalite (na maioria dos casos, recuperação sem défice neurológico)
Doença mão-pé-boca Coxsackie A16, A5, A7, A9, A10, e B2, B5, e enterovirus 71 (formas mais graves)
Herpangina Geralmente por coxsackie A; por vezes enterovirus 71
Pleurodínia epidémica Por coxsackie B3, B5, B1, B2, ECHO vírus 1 e 6, e enterovírus 71 (formas mais graves)
(doença de Bornholm)
Miocardite Sobretudo por coxsackie B. Pode surgir no período neonatal com elevada taxa de mor-
talidade. No adulto raramente é fatal.
Exantema Por diversos tipos de coxsackie A, B, e ECHO vírus.
Infecção neonatal Alguns serótipos de coxsackie B e ECHO vírus. A transmissão ocorre durante o parto e
os sinais são variáveis (desde intercorrência febril até doença multissistémica fulmi-
nante e morte).
Conjuntivite hemorrágica Vários serótipos de enterovírus (sobretudo coxsackie A24 e enterovírus11,19 e 70)
Pancreatite/diabetes Por coxsackie B.

Rombencefalite por perturbações mioclónicas, podem ter gravida-


Esta forma clínica (encefalite do tronco cerebral de variável, descrevendo-se três graus: I - abalos
associada ao enterovírus 71) considerada actual-
mente um problema emergente de saúde pública,
sobretudo na Ásia onde é responsável por epide-
mias recorrentes, pode surgir, ou na sequência de
herpangina, ou de “doença mão-pé-boca”, atrás
referidas (evolução bifásica). As manifestações
neurológicas, caracterizadas fundamentalmente

FIG. 2
FIG. 1 Lesões maculopapulosas nas palmas das mãos e plantas dos
Estomatite. (NIHDE) pés. (NIHDE)
CAPÍTULO 299 Infecções por Enterovírus (excluindo Poliovírus) 1535

culos da parede torácica e abdominal. Nas crian-


ças pequenas as dores abdominais assemelham-se
a cólicas.
Acompanhada de mal estar, cefaleias e febre, a
doença agrava-se com a tosse, movimentos respi-
ratórios, expiração forçada ou outros movimentos.
Em geral evoluindo durante 3-6 dias, pode mani-
festar-se de modo intermitente (padrão bifásico)
durante semanas. Pode estar associada a miocar-
dite, pericardite, orquite, e meningite.

Conjuntivite hemorrágica
Como complemento do que descrito no Capítulo
FIG. 3
254, cabe referir que esta entidade clínica, mais
Exantema da face tronco e membros. (NIHDE) frequente na idade escolar ou adolescência, pode
surgir de forma epidémica com dor ocular, fotofo-
mioclónicos associados a tremor e ou ataxia; II – bia, visão “enevoada”, congestão e eritema
mioclonias transitórias associadas a compromisso conjuntival, edema palpebral, epífora e hemorra-
dos nervos cranianos, seguindo-se dificuldade gia subconjuntival. Surge depois exsudado,
respiratória explicada por edema pulmonar neu- inicialmente seroso, passando a mucopurulento
rogénico, cianose, choque, coma e apneia; III – por sobreinfecção bacteriana. A febre é rara, mas
forma mais grave comportando mortalidade pode haver associação com faringite (a chamada
~70% com sintomatologia semelhante à descrita febre faringoconjuntival, também presente nas
em I e II, mas associada a diplegia facial, ataxia, infecções por adenovírus). O processo na sua evo-
disartria, oftlamoplegia internuclear, apneia de lução natural dura 1-2 semanas.
causa central e sequelas graves tais como teraple- As formas associadas a enterovírus 11 e 19
gia espástica . comportam maior risco de complicações: ceratite,
Como nota importante salienta-se que, embora coriorretinite, uveíte, retinite, glaucoma,etc..
a paralisia flácida aguda tenha sido tradicional-
mente relacionada como os poliovírus, também Exames complementares e diagnóstico
poliovírus derivados da vacina e diversos ente-
rovírus não polio podem causar a síndroma des- O diagnóstico é geralmente clínico. O diagnóstico
crita. De facto, em regiões do mundo onde o laboratorial baseia-se no isolamento do vírus em
poliovírus foi erradicado, os enterovírus não polio cultura celular que pode ser efectuada com diver-
e os poliovírus derivados da vacina são actual- sos podutos biológicos (sangue, LCR, fezes, etc.).
mente a principal causa de paralisia flácida aguda Trata-se dum método (gold standard) relativamen-
associada a enterovírus. te sensível, permitindo a realização de serotipa-
Os principais serótipos de enterovírus não gem para estudos clínicos e epidemiológicos;
polio causando paralisia flácida aguda incluem: - contudo, é demorado(3-8 dias), dispendioso e não
coxsackievírus A4, A7, A21, A24, B2, B3 e B5; - se encontra disponível em todos os centros.
echovírus 3, 7, 9, 18, e 33; – enterovírus 68 e 71. A introdução de métodos de detecção [por
De referir também que a paralisia flácida aguda PCR, PCR-RT (reacção em cadeia da polimerase),
devida a enterovírus não polio é mais ligeira que RNA, sequência de ácido nucleico por amplifica-
a provocada pela infecção por poliovírus. ção,etc.] melhorou a rapidez do resultado, assim
como a sensibilidade da detecção de enterovírus.
Pleurodínia (doença de Bornholm) Este procedimento tem sido usado na pesquisa de
Esta afecção, ocorrendo de modo esporádico ou vírus no LCR, soro, urina, secreções nasofaríngeas
epidémico, caracteriza-se por dor tóraco-abdomi- entre outros. A pesquisa de enterovírus por PCR
nal paroxística devida a miosite atingindo os mús- no líquor, mais rápida do que a cultura, evidencia
1536 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sensibilidade (>95%) e especificidade (>80%) ele- No âmbito de surtos epidémicos em institui-


vadas. ções ou hospitais poderá estar indicada a admi-
O diagnóstico serológico (por ex. por método nistração de IG IM ou IV para prevenir a doença
ELISA ou fixação do complemento) é limitado nos contactos ou atenuar a doença já estabelecida;
pelo elevado número de serótipos existentes e ou também nos casos de doentes com hipogama-
ausência de um antigénio comum. A evidência de globulinémia. O seu papel é limitado nas infec-
seroconversão parece ser mais importante do ções subagudas ou crónicas em doentes com sín-
ponto de vista epidemiológico. Nesta perspectiva, dromas de imunodeficiência.
devem ser efectuadas colheitas (soro ou LCR), no As vacinas para estirpes muito virulentas
início da doença, e repetidas cerca de 4 semanas como enterovirus 71 estão em investigação.
depois (detecção de IgM específicas) .
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Prevenção phase 2 clinical trial. Lancet 2013; 381: 1037-1045

A luta contra a transmissão nosocomial durante


surtos epidémicos é conseguida pela lavagem cui-
dadosa das mãos (prevenção da transmissão oral-
fecal) e doutras medidas clássicas universais de
higiene básica (desinfecção de objectos contami-
nados, higiene de lugares públicos como piscinas,
de locais de confecção de alimentos, etc.).
CAPÍTULO 300 Meningoencefalites víricas 1537

300
Até à data foram identificados mais de 80 seróti-
pos, verificando-se papel mais importante de tro-
pismo para o SNC de echovírus 4 e 9, e de coxsackie
B2. O SNC é geralmente afectado de modo difuso;
contudo, nalguns casos, poderão surgir sinais
neurológicos focais, tal como acontece nas infec-
MENINGOENCEFALITES ções por VHS (vírus herpes simplex).
A ME também pode ser provocada por diver-
VÍRICAS sos membros da família Herpes. O HVS do tipo 1
actua mais tipicamente nas crianças mais velhas e
Rute Neves, Dora Gomes e João Baldaia pode ocorrer durante a primo-infecção ou por
reactivação do vírus, latente no gânglio do trigé-
mio. Causa doença focal que atinge preferencial-
mente o lobo temporal; quando não tratada, com-
Definição e importância do problema porta mortalidade elevada (> 70%) sem tratamen-
to. A infecção pelo VHS do tipo 2 predomina no
A meningoencefalite (ME) é um processo infla- período neonatal, sendo adquirida intraparto.
matório das meninges e, em grau variável, do Neste caso, o SNC é atingido de forma difusa e
encéfalo. Trata-se dum quadro clínico causado por apresenta um melhor prognóstico. Uma forma
agentes vários, na maioria das vezes auto-limita- mais ligeira e transitória (na maioria por VHS do
do, podendo, no entanto, ser fatal ou provocar tipo 2) pode acompanhar a infecção por herpes
sequelas neurológicas importantes. genital em adolescentes sexualmente activos.
Sendo numerosas as situações clínicas, infec- O vírus da varicela-zoster (VVZ) pode causar
ciosas ou não, que se podem apresentar de início infecção do SNC em estreita relação temporal com
com um quadro que se pode sobrepor ao da ME o período eruptivo da varicela (os sinais neuroló-
(febre, alteração do estado de consciência, cefa- gicos ocorrem geralmente 2 a 6 dias após o início
leias e sinais neurológicos focais), torna-se, por das manifestações cutâneas, mas podem surgir
isso, premente que no âmbito do raciocínio clínico durante o período de incubação ou após cicatriza-
exista elevado índice de suspeita. ção das vesículas). A manifestação mais comum
de compromisso do SNC é a ataxia cerebelosa, e a
Aspectos epidemiológicos encefalite aguda a forma mais grave.
Após infecção primária, VVZ permanece
O padrão epidemiológico da ME, na maior parte latente nas raízes e gânglios dos nervos cranianos
das vezes de origem vírica, está por sua vez relacio- e espinhais, podendo mais tarde originar quadro
nado com a prevalência da infecção por enterovírus, de herpes zóster acompanhado de meningoence-
o agente etiológico mais comum. (Capítulo 299) falite ligeira. A reactivação na forma de herpes
A infecção por enterovírus dissemina-se rapi- zóster pode ser acompanhada de meningoencefa-
damente de pessoa a pessoa, com um período de lite ligeira (Capítulo 298).
incubação variando entre 4 e 6 dias. Nos climas Os arbovírus (abreviatura do inglês: arthropod-
temperados ocorre com mais frequência no Verão borne-virus) constituem um grupo de vírus com
e Outono. ARN transmitidos pela picada de artrópodes,
incluindo grande número de tipos patogénicos
Etiopatogénese para o homem. Os astrovírus, englobados nos
arbovírus e provocando classicamente gastrenteri-
Os enterovírus são os agentes responsáveis por ME te, são a causa mais comum de encefalite epidémi-
em > 90% dos casos em que é possível proceder à ca nalgumas áreas geográficas dos Estados
respectiva identificação. Podendo surgir epide- Unidos da América, China, Sudoeste Asiático e
mias nos períodos atrás referidos, a via fecal-oral Índia. Destacam-se a encefalite japonesa, a encefa-
constitui a forma mais frequente de transmissão. lite de Saint Louis e a encefalite pelo vírus do Nilo
1538 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(WNV ou West Nile vírus), entre outros. Não há tomas relacionados com infecção do SNC, desi-
casos descritos em Portugal. Os mosquitos e as gnadamente meningite associada a encefalite.
carraças são os principais vectores, transmitindo a Classicamente é considerada a tríade febre, cefa-
doença ao Homem e outros animais vertebrados leias e alteração do estado da consciência, valori-
após picada de pássaros e de outros pequenos ani- zando-se igualmente a existência de eventual
mais infectados. O WNV pode também ser trans- exantema (por ex. nas infecções por enterovírus,
mitido por transfusão de sangue ou derivados, em sarampo, rubéola, etc.) ou sinais inespecíficos
transplantes de órgãos, e por via transplacentar. durando alguns dias. Nas crianças mais velhas os
Outras doenças provocadas por vírus como o sinais de apresentação incluem cefaleias e hiperes-
sarampo, a raiva, a papeira, a rubéola, a infecção tesia; nos lactentes, sobretudo irritabilidade ou
congénita por CMV ou mesmo infecções por vírus letargia. O exantema prévio pode prolongar-se, a
respiratórios, como o adenovírus e o VRS, podem par das manifestações neurológicas.
provocar meningoencefalite. Outros achados incluem sonolência, desorien-
Os vírus podem atingir o SNC por via hemato- tação, náuseas, vómitos, fotofobia, cervicalgias,
génica ou intraneural. A disseminação hematogéni- dorsalgias, perturbações comportamentais ou da
ca é característica dos arbovírus e enterovírus. Estes, fala. Poderão surgir rigidez da nuca, e sinais neu-
após inoculação através do vector ou transmissão rológicos como hemiparésia, convulsões, ou
fecal-oral respectivamente, replicam-se localmente e movimentos anómalos bizarros. Os sinais neu-
, após virémia transitória, alojam-se no sistema reti- rológicos podem ser mantidos, progressivos ou
culoendotelial e tecido muscular. A replicação flutuantes.
nestes tecidos promove uma segunda virémia com Tendo como base os sinais e sintomas referidos
invasão de outros órgãos, incluindo o SNC. O VHS, apontando para compromisso das meninges e
o vírus da raiva e, possivelmente, os poliovírus atin- encéfalo (áreas anatómicas não estanques e em
gem o SNC por via axonal retrógada (Capítulo 299). continuidade com o tronco cerebral e a espinhal
A lesão do SNC explica-se por invasão directa, medula) em termos de raciocínio clínico, com utili-
com replicação do vírus, ou por reacção do hospe- dade para o diagnóstico diferencial, importa salien-
deiro aos antigénios dos vírus. A resposta imu- tar sucintamente os sinais e sintomas de infecção
nológica do hospedeiro é responsável por desmie- do tronco cerebral (febre, cefaleias, letargia, estado
linização e por destruição vascular e perivascular. confusional, convulsões), e de mielite (retenção
O estudo histológico revela sinais de congestão urinária,dor dosolombar, parestesias/ disestesias,
meníngea com infiltração linfocitária e mononu- fraqueza muscular, alterações do trânsito intestinal
clear envolvendo “em manga” os vasos. Outros e vesical, e sinais de disfunção autonómica).
achados incluem ruptura neuronal,neuronofagia e
proliferação ou necrose endoteliais. Diagnóstico
O achado histopatológico de certo grau de des-
mielinização, com preservação de neurónios e O diagnóstico provisório de meningoencefalite por
seus axónios, é considerado representativo do vírus é em geral sugerido pela verificação de sinais
quadro de encefalite pós-infecciosa ou alérgica. O prodrómicos inespecíficos seguidos por sintomatolo-
córtex cerebral, especialmente o lobo temporal, é gia progressiva do SNC. A este propósito, é impor-
frequentemente afectado pelo VHS; os arbovírus tante reforçar a noção de que é a anamnese e o exame
tendem a afectar de modo generalizado o encéfa- físico/neurológico rigorosos que deverão fundamen-
lo, e o vírus da raiva as estruturas da base. O com- tar a realização de exames complementares.
promisso da espinhal medula, raízes nervosas e Alguns achados sugerem uma etiologia especí-
nervos periféricos é variável. fica: dor e parestesias das extremidades devem
levantar a suspeita de ME pelo vírus da raiva ou
Manifestações clínicas por enterovírus não-polio.
Achados focais, como a paralisia ou a afasia,
Como regra, pode estabelecer-se que o início da apontam para probabilidade de ME por VHS,
doença é geralmente agudo, sendo os sinais e sin- sem, no entanto, se poder excluir ME por VEB, ou
CAPÍTULO 300 Meningoencefalites víricas 1539

CMV. Formas específicas de ME ou complicações dicas (PLED) nas regiões temporal e fronto-tem-
incluem a síndroma de Guillain-Barré, a mielite poral é muito sugestiva de ME por VHS.
transversa aguda, a hemiplegia aguda, e a ataxia Quanto aos estudos de neuroimagem (TAC ou
cerebelar aguda. RMN) podem ser detectados sinais de edema cere-
Face à hipótese diagnóstica, torna-se prioritá- bral ou sinais focais. A verificação de convulsões
rio proceder a PL para exame do LCR, excluídas as focais, e de sinais focais no EEG e nos estudos de
contra-indicações clássicas (Capítulo 287). Em neuroimagem – especialmente nos lobos tempo-
contexto de ME por vírus verifica-se, em geral: rais – apontam para ME por VHS.
– pleiocitose linfocítica (10 a 1000 células/mm3 No início da doença deve proceder-se a colhei-
até, por vezes, 8000 células/mm3); pleiocitose ta de sangue para estudo serológico. Nos casos de as
acentuada poderá ser epifenómeno de destruição culturas de vírus serem negativas na fase precoce
extensa, tal como acontece nos casos de infecção da doença, o estudo serológico repetido 2-3 sema-
por VHS; nas depois da primeira colheita poderá ter grande
– proteínas em valor normal ou elevado (geral- utilidade para verificar eventual subida de títulos.
mente, 50-200mg/dL); e O estudo serológico para enterovírus não tem,
– glicose geralmente normal (>40 mg/dL), ou contudo, utilidade por haver muitos serótipos.
hipoglicorráquia discreta.
Estes parâmetros podem, no entanto, variar, Diagnóstico diferencial
sendo que o resultado do exame do LCR pode ser
normal nos estádios iniciais da doença, ou eviden- Grande número de situações poderá ter manifes-
ciar elevação dos polimorfonucleares anteceden- tações clínicas semelhantes às da ME. As mesmas
do a pleiocitose linfocítica. podem ser sistematizadas do seguinte modo:
Quanto à pressão intracraniana, nas situações – meningite bacteriana;
de infecção bacterina meníngea aguda em geral é – outras infecções bacterianas (abcesso cere-
elevada, sendo normal ou ligeiramente elevada bral, empiema subdural ou epidural);
nas de causa vírica. – infecções por M. tuberculosis, T. pallidum, B.
O LCR deverá ser submetido a exames cultu- burgdorferi/doença de Lyme, Bartonella henselae/
rais para vírus, bactérias, fungos, e micobactérias; /doença do arranhão do gato;
em determinado contexto clínico poderá haver – infecções por fungos, riquétsias, Mycoplasma,
necessidade de proceder a exames especiais para protozoários, e outros parasitas;
detecção de protozoários, Mycoplasma e outros – infecções humanas por vírus lentos (panen-
patogénios. Sendo fortemente sugestiva a implica- cefalite esclerosante subaguda, encefalopatia
ção de vírus no quadro de ME, deverá fazer-se a espongiforme/doença de Creutzfeldt-Jakob, VIH,
sua pesquisa igualmente noutros locais, como leucoencefalopatia multifocal progressiva, etc.);
secreções da orofaringe, fezes, urina, etc.. – várias situações não infecciosas (encefalopa-
A detecção do DNA ou RNA víricos por PCR tia urémica, hepática, doenças hereditárias do
no LCR, respectivamente para VHS, ou para ente- metabolismo);
rovírus, tornou-se o método diagnóstico de esco- – doenças tóxicas (intoxicações medicamento-
lha (especificidade ~ 100%), sendo positivo nas sas acidentais, acção tóxica percutânea de chum-
primeiras 24 horas de doença e durante a primei- bo, hexaclorofeno, mercúrio, síndroma de Reye);
ra semana de terapêutica. O estudo serológico no – miscelânea (tumores intracranianos, hemor-
LCR constitui o método de escolha para WNV. ragias subaracnoideias, embolias por endocardite
Outros exames a efectuar para avaliação dos bacteriana, doenças desmielinizantes agudas, sta-
doentes com suspeita de ME são o EEG e os exames tus epilepticus; doenças para – infecciosas (pós-
de neuroimagem. No caso do EEG, na situação pre- infecciosas e alérgicas) associadas a vírus, riquét-
sente, ou se verifica normalidade, ou inespecifici- sias, Mycoplasma, vacinas, etc.).
dade dos traçados, com actividade lenta difusa. A Nota importante: cerca de 2/3 dos casos decla-
presença de complexos de ondas lentas ou de rados aos CDC são de origem desconhecida,
sinais de descargas epileptiformes laterais perió- sendo que os estudos epidemiológicos realizados
1540 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

pelos referidos centros apontam para a probabili- goencefalite devem ser acompanhadas por uma
dade de a maioria deste contingente se relacionar equipa multidisciplinar na perspectiva de inter-
com infecções por enterovirus e/ou arbovirus. venção precoce para minorar possíveis défices. Tal
acompanhamento deverá manter-se pelo menos
Tratamento durante dois anos e, idealmente, até ao ingresso
na escola, período em que determinados proble-
Exceptuando os casos de ME por VHS para os mas auditivos ou cognitivos se poderão tornar
quais existe tratamento específico anti-vírico, dum mais evidentes.
modo geral as medidas a aplicar são sintomáticas
e de suporte: analgésicos (desde paracetamol a Prevenção
codeína e morfina), ambiente calmo com diminui-
ção do ruído e da luminosidade, anti-eméticos, Os aspectos principais da prevenção podem ser
fluidoterapia IV para compensar as dificuldades assim sintetizados:
de alimentação oral, tratamento das convulsões, – aplicação de vacinas antivíricas desde a
oxigenoterapia, etc.. idade pediátrica; de salientar algumas dificul-
Nas formas mais graves está indicado o inter- dades ainda verificadas na confecção de vacinas
namento em UCIP para tratamento do coma, anti-arbovírus;
edema cerebral, estado de mal epiléptico, choque, – aplicação de vacinas em animais domésticos
monitorização da pressão intracraniana, correcção (o exemplo da vacina anti-rábica é paradigmáti-
de desequilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base, co);
alterações metabólicas, SIADH, etc.. (Capítulos 49, – actuação contra os insectos vectores através
50, 266, 268). de produtos aplicados sob a forma de spray;
No que respeita ao tratamento das infecções – utilização de repelentes de insectos;
por VHS, administra-se aciclovir IV na dose de 10 – uso de roupa que proteja eficazmente a pele
mg/kg de 8-8 horas (20mg/kg nos recém-nasci- das picadas dos insectos.
dos) durante 14-21 dias. Verificando-se resistência
ao aciclovir, o foscarnet constitui uma alternativa. BIBLIOGRAFIA
Nos casos de ME por VVZ utiliza-se aciclovir Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
IV; a associação de ganciclovir com foscarnet é uti- Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
lizada quando o agente etiológico é o CMV. Elsevier, 2008; 59-61
Em estudos recentes demonstrou-se a eficácia Cepelowicz J, Tunkel AR. Viral encephalitis. Current Treatment
de um novo fármaco administrado por via oral Options in Infectious Diseases 2003, 5:11-19
(pleconaril) que inibe a replicação dos picornaví- Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
rus (incluindo os enterovírus); este fármaco aguar- Feigin RD, Cherry JD, Demmler GL, Kaplan SL (eds). Textbook
da ainda aprovação. of Pediatric Infectious Diseases. Philadelphia: Saunders,
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Prognóstico Glaser CA, Honarmand S, Anderson LJ, et al. Beyond
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O prognóstico depende essencialmente da idade, do phalitis. CID 2006; 43:1565-1577
nível de consciência na data de internamento e do Glaser CA, Gilliam S, Schnurr D, et al. California Encephalitis
agente etiológico. A idade inferior a um ano, a dimi- Project, 1998-2000. In search of encephalitis etiologies. Clin
nuição do estado de consciência, a ocorrência de Infect Dis 2003; 36:731-742
convulsões e o isolamento do HVS como agente Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
etiológico são factores de mau prognóstico. As crian- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
ças com um ou mais destes factores de risco com- McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
portam maior taxa de mortalidade e de sequelas Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
graves. Nos casos em que nenhum destes factores McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
está presente, a recuperação é geralmente total. Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Todas as crianças com o diagnóstico de menin- Livingstone, 2008
CAPÍTULO 301 Parasitoses. Abordagem global 1541

301
Nigrovic LE, Fine AM, Monuteaux MC, et al. Trends in the
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Definições

Considera-se parasita o organismo animal (ou


vegetal) que, durante uma parte ou a totalidade
da sua existência, se nutre permanente ou tempo-
rariamente com substâncias produzidas por outro
ser vivo, excepto nos casos relativamente raros em
que os parasitas são excessivamente numerosos.
Parasitismo pode definir-se genericamente de 3
modos:
– condição de um organismo que vive como
parasita de outro organismo;
– estado de um organismo infestado por para-
sitas;
– presença de parasitas num ser vivo ou em
certos órgãos(parasitismo intestinal, hepático,
sanguíneo, etc.).
Noutra perspectiva, mais específica, surge o
termo de simbiose, ligado à relação íntima e obri-
gatória entre dois organismos. Esta associação
pode ser benéfica para ambos (mutualismo), bené-
fica para um e quase indiferente para o outro
(comensalismo) ou benéfica para um em detrimen-
to do outro (parasitismo). O organismo em que o
parasita vive chama-se hospedeiro (definitivo ou
intermediário) sendo o parasita, habitualmente,
dependente deste. Por vezes, para manter o ciclo
de vida do parasita, é necessária a acção de um
vector (transportando o parasita de um hospedeiro
para outro).
Parasitose é, pois, qualquer afecção devida a
parasitas e o conjunto de manifestações patológi-
cas que aqueles provocam. Na natureza, pratica-
mente todos os animais estão parasitados.
A este respeito convém uma referência ao
1542 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

termo infestação por contraposição a infecção. à custa de Giardia lamblia. No entanto, a prevalên-
Infestação corresponde a parasitose externa (pele e cia poderá ser muito diferente de umas regiões
faneras), enquanto no termo infecção estão abran- para outras, sendo possível a existência de focos
gidas as parasitoses internas (por ex. ascaridiose, endémicos e/ou epidémicos em determinados
filariose, esquistossomose, etc.). pontos do país. Por outro lado, o incremento das
Os parasitas constituem uma enorme variedade viagens transcontinentais poderá levar à importa-
de organismos, com ciclos de vida mais ou menos ção de parasitoses próprias de outras regiões do
complexos e com tamanhos que podem variar mundo e, eventualmente, à (re)introdução de algu-
entre 5μm a mais de 20 metros. Ao longo dos sécu- mas delas no nosso país.
los adaptaram-se a todos os tipos de ambientes e de Em Portugal, duas parasitoses são de declara-
hospedeiros. Podem viver fora das células do hos- ção obrigatória: leishmaniose (provocada por proto-
pedeiro como no intestino, sangue, linfa, ou no seu zoário) e equinococose (provocada por helminta) –
interior como glóbulos vermelhos, músculo, etc.. ver adiante nomenclatura. No quinquénio 2003-
2007 foram registados em Portugal 76 casos de
Aspectos epidemiológicos leishmanioses [correspondendo 35 (46%), até aos
e importância do problema 14 anos de idade], e 52 casos de equinococose [cor-
respondendo 4 (7,6%), até aos 14 anos].
A distribuição geográfica das parasitoses é muito Nos últimos anos têm sido feitos progressos no
heterogénea sendo que as regiões mais afectadas sentido de desenvolver vacinas contra algumas
são as tropicais e subtropicais. Globalmente, a das parasitoses mais importantes (malária, esquis-
mais importante é a malária que será descrita no tossomose, leishmaniose, giardiose); no entanto,
Capítulo 303. vacinas eficazes não deverão estar disponíveis nas
As estimativas para outras parasitoses não são, próximas décadas, pelo que o controlo das parasi-
no entanto, mais optimistas. No mundo deverão toses continua a passar por medidas preventivas e
existir 200 milhões de pessoas infestadas com de tratamento à escala global.
Schistosoma, 120 milhões com filariose linfática, 18 O objectivo deste capítulo é abordar, de modo
milhões com tripanossomose americana, e três integrado e sucintamente, aspectos clínicos de
biliões e meio com nemátodos intestinais. No doenças provocadas por protozoários e helmintas.
Ocidente, ao longo dos últimos anos, a prevalência
de parasitoses na população pediátrica diminuiu.
Em Portugal, apesar da escassez de estudos
epidemiológicos em larga escala, e não havendo
1. PROTOZOÁRIOS
estudos de prevalência da infecção por Enterobius
vermicularis (oxiúrus) estima-se que a taxa de para- Nomenclatura e características
sitismo intestinal seja baixa, e devida principal- biológicas
mente a Giardia lamblia, e alguns helmintas com
especial realce para Trichuris trichiura. Os protozoários são um tipo muito heterogéneo de
Num estudo datado de 2001 na região de organismos unicelulares, com morfologia mais
Lisboa, num grupo de crianças entre os 5 e 14 anos diversificada do que as bactérias, com formas de
foi encontrada uma taxa de parasitismo intestinal replicação sexuada ou assexuada, possuindo orga-
por helmintas de 5,1%, excluindo Enterobius vermi- nelos destinados a funções determinadas; citam-se
cularis. Os helmintas identificados foram: Trichuris como exemplos: os pseudópodos, flagelos, cílios
trichiura (3,3%), Ascaris lumbricoides (1,9%), ou membranas ondulantes para a locomoção; e
Ancilostomose em geral (1,4%), Strongyloides ster- pseudópodos ou sistemas pinocitóticos, para a
coralis (0,9%), e Céstodes (0,5%); a taxa de polipa- ingestão de alimentos.
rasitismo foi de 2,8%. Na região de Coimbra, mais Podem apresentar duas formas:
recentemente (2008) excluindo também Enterobius – trofozoíto (forma adulta);
vermicularis a taxa de parasitismo intestinal em – latente (quisto).
idade pediátrica foi inferior a 4%, exclusivamente Compreendem seis classes, havendo em todas
CAPÍTULO 301 Parasitoses. Abordagem global 1543

elas membros que são patogénicos para o os helmintas variam muito: entre menos de um
Homem. Muitos são saprófitas e, por vezes isola- milímetro (T. canis), e vários metros (T. saginata).
dos das fezes humanas (por ex. Entamoeba coli, Os helmintas dividem-se em dois grandes gru-
Endolimax nana). O Quadro 1 descreve as classes pos:
de protozoários patogénicos, com exemplos. – nemátodos (vermes cilíndricos); e
– platelmintas (vermes achatados).
Etiopatogénese, síntese clínica
e tratamento Os nemátodos são parasitas que possuem apa-
relho digestivo completo e cujos sexos são separa-
No que respeita à localização no organismo, são dos. Na sua maioria parasitam vertebrados e,
considerados dois grupos: alguns deles, o homem. Como exemplos de nemá-
– os protozoários intestinais; e todos parasitas de animais (cão, gato, etc.) que aci-
– os protozoários sanguíneos e teciduais. dentalmente infectam o Homem citam-se
Nos primeiros a transmissão faz-se pela via Ancylostoma braziliense, Toxocara canis, Toxocara cati.
fecal-oral, e nos segundos através da picada de Os platelmintas compreendem duas classes:
um insecto vector. A excepção é a tripanossomose – céstodes; têm forma de fita, são segmentados
americana cuja transmissão ocorre pela exposição (segmentos ou proglótides) no estado adulto, des-
a fezes contaminadas do insecto vector. providos de tubo digestivo e munidos de órgãos
Os protozoários mais importantes para o de fixação(ventosas e ganchos) na sua extremida-
homem estão sistematizados no Quadro 2. A leish- de cefálica (escolex). Cada segmento ou anel é her-
maniose visceral (calazar) e a malária são descritas mafrodita e contém órgãos genitais dos dois sexos.
com mais pormenor nos Capítulos 302 e 303. – tremátodos; têm corpo não segmentado, pro-
vido de tubo digestivo sem ânus, e com uma ou
mais ventosas. Incluem-se nesta ordem os distó-
mios (fascíolas).
2. HELMINTAS
Etiopatogénese, síntese clínica
Nomenclatura e características e tratamento
biológicas
Os nemátodos, céstodes e tremátodos mais impor-
A palavra helminta, derivada do Grego helmins, tantes para o homem estão sistematizados nos
que significa verme, representa uma classe de Quadros 3, 4, 5, 6, e 7, com referência a aspectos
parasitas muito complexos. Quanto a dimensões, essenciais da etiopatogénese, clínica e tratamento.
De uma forma geral, os helmintas não se
QUADRO 1 – Classificação dos protozoários reproduzem no hospedeiro e a sua transmissão
patogénicos pode ser por via oral, penetração através da pele
ou pela picada de um vector.
Classe Alguns exemplos Sendo os nemátodos intestinais os parasitas que
Amebae Entamoeba histolytica, Naegleria, mais frequentemente infectam o Homem, é dada
Acanthamoeba, Blastocystis hominis ênfase neste capítulo, em alínea especial antes da
Ciliados Balantidium coli abordagem do Tratamento de situações específi-
Flagelados Giardia lamblia, Chilomastix mesnili, cas, a conceitos fundamentais sobre o Diagnóstico
Leishmania spp, Trypanosoma spp, das parasitoses intestinais. O verme adulto locali-
Trichomonas vaginalis za-se no intestino; no seu ciclo evolutivo, alguns
Coccidia Cryptosporidium, Cyclospora, Isospora, deles limitam-se ao tubo digestivo (E. vermicularis,
Toxoplasma gondii T. trichuris); outros migram através do pulmão (A.
Sporozoa Plasmodium spp, Babesia spp lumbricoides, Toxocara) ou através da pele (A. duode-
Microsporidia Enterocytozoon bieneusi, Encephalitozoon spp nale, N. Americanus, S. stercoralis) (Quadro 3, suge-
rindo-se que o leitor consulte adiante a alínea
1544 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Protozoários que parasitam a espécie humana

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Amebiose Mundial (endémica Fecal-oral Intestinal: assintomática, diarreia Iodoquinol,
E. histolytica em África, América com muco e sangue, tenesmo. paromomicina,
Latina e India) Ameboma. Hepática: febre, dor metronidazol,
abdominal, hepatomegália dolorosa. tinidazol
Meningo- Mundial Inalação / Aguda: cefaleias, náuseas, vómitos, Anfotericina B,
encefalite aspiração meningite e encefalite. pentamidina,
amebiana Granulomatosa: défices focais, cetoconazol,
Naegleria, convulsões, alteração de flucitosina.
Acanthamoeba, comportamento e do estado de
Balamuthia consciência.
Criptosporidiose Mundial Fecal-oral, Assintomática, diarreia aquosa, Nitazoxanida,
Cryptosporidium interpessoal, cólicas, fadiga, anorexia, perda de paromomicina mais
spp. animal-homem. peso. Diarreia crónica em azitromicina.
imunocomprometidos.
Giardiose Mundial Fecal-oral Assintomática, diarreia aguda ou Metronidazol,
G. lamblia crónica, dor abdominal, anorexia, tinidazol, albendazol
malabsorção, perda de peso, atraso
de crescimento.
Tricomoníase Mundial Transmissão Vaginite, leucorreia de cheiro fétido; Metronidazol
Trichomonas sexual surgindo na pré-adolescência pode
vaginalis sugerir abuso sexual
Leishmaniose Regiões tropicais, Febre, anorexia, perda de peso, Antimoniais
visceral subtropicais e Phlebotomus hepato esplenomegalia, anemia, pentavalentes,
L. donovani, temperadas leucopenia, trombocitopenia, anfotericina B
Leishmania spp. hipergamaglobulinemia. lipossómica
Leishmaniose Bacia Mácula, nódulo, úlcera indolor em
cutânea mediterrânica, Phlebotomus áreas expostas da pele. Leishmaniose
Leishmania spp. América do Sul cutânea difusa é rara.
Leishmaniose América do Sul Lutzomya Eritema, edema, epistaxis, úlcera
mucosa com mutilação do septo nasal,
Leishmania spp. palato, lábios, faringe e laringe.
Malária Região Anopheles spp Febre, anemia, alterações do estado Cloroquina, quinino,
Plasmodium spp. intertropical de consciência. artemisininas
Toxoplasmose Mundial Oral Assintomática. Febre, adenopatias, Pirimetamina,
T. gondii exantema, hepatomegalia, sulfadiazina,
coriorretinite. leucovirina
Infecção congénita: assintomática,
RCIU, prematuridade, icterícia
exantema, adenopatias,
hepatosplenomegalia, , trombopénia,
convulsões, microcefalia,
hidrocefalia, coriorretinite,
calcificações cerebrais.
CAPÍTULO 301 Parasitoses. Abordagem global 1545

QUADRO 2 – Protozoários que parasitam a espécie humana (cont.)

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Tripanossomose África Ocidental Glossina palpalis Cancro de inoculação. Fase Pentamidina,
africana (Doença hemolinfática: febre, cefaleias, suramina, eflornitina,
do sono) adenopatia cervical posterior, melarsoprol
T. b. gambiense exantema. Fase neurológica:
T. b. rhodesiense África Oriental Glossina irritabilidade, sonolência e insónia,
morsitans alterações de comportamento,
alucinações, tremor, rigidez, ataxia,
caquexia.
Tripanossomose América do Sul e Triatoma, Doença aguda: Cancro de inoculação Benznidazol,
americana Central Rhodnius, (chagoma), febre, adenopatias, nifurtimox
(Doença de Panstrongylus hepatosplenomegália, miocardite,
Chagas) meningoencefalite.
T. cruzi Doença crónica: cardiomiopatia,
megaesófago, megacólon.

“Tratamento de situações específicas” para com- As horas do dia em que estas se encontram no
preensão do significado das abreviaturas). sangue ou em determinadas áreas da pele é dife-
A Figura 1 mostra aspecto de Ascaris lumbri- rente nas várias regiões, denotando uma adapta-
coides eliminada por via rectal. ção positiva aos hábitos de picada do vector. O
As filárias são nemátodos que sobrevivem no verme adulto não se multiplica no homem, D.
homem durante muitos anos produzindo uma mediniensis transmite-se pela ingestão do hospe-
enorme quantidade de microfilárias que infectam deiro intermediário; a sua erradicação seria possí-
o mosquito vector a quando da picada (Quadro 4). ve se fosse utilizada água potável.

QUADRO 3 – Nemátodos cujo verme adulto reside no intestino

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Ascaridiose Mundial Fecal-oral Assintomática. Pneumonite, febre e Albendazol,
A. lumbricoides eosinofilia (Síndroma de Loffler), mebendazol.
obstrução intestinal.
Ancilostomose Ásia, Africa, Sul da Pele Dor e prurido no local da penetração
A. duodenale, Europa pela pele, dor abdominal, diarreia,
N. americanus anemia, má-nutrição.
Enterobiose Mundial Fecal-oral Assintomática. Prurido anal.
E. vermicularis
Estrongiloidose Regiões tropicais e Fecal-oral, Pápulas pruriginosas, pneumonite, Ivermectina,
S. stercoralis subtropicais autoinfecção dor abdominal, diarreia, albendazol, tiabendazol.
malabsorção, perda de peso, lesões
perianais, eosinofilia. Pode ocorrer
disseminação em
imunocomprometidos.
Tricuriose Mundial Fecal-oral Dor abdominal, tenesmo, diarreia Albendazol,
T. thrichiura sanguinolenta, prolapso rectal, mebendazol,
anemia, má progressão ponderal. nitazoxanida
1546 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

FIG. 2
Larva migrans. (NIHDE)

volvimento sendo este a principal condicionante


FIG. 1
da sua distribuição geográfica. As larvas pene-
Ascaris lumbricoides. (NIHDE) tram através da pele ou são ingeridas com ali-
mentos migrando até aos locais onde se encon-
O mesmo Quadro 4 refere-se aos nemátodos tram os parasitas adultos (sangue venoso, intesti-
cujo verme adulto reside no sangue, sistema linfá- no, sistema biliar e pulmão) (Quadro 6).
tico ou tecido subcutâneo. Os céstodes no estado adulto são parasitas do
Nalguns casos são as larvas, e não os parasitas tubo digestivo, vivendo no respectivo lume; no
adultos, que causam doença no homem. Este é hos- estado larvar fixam-se às vísceras. (Quadro 7).
pedeiro intermediário e a sua infestação não inter- Trata-se de parasitas prevalentes em todos os
fere com o ciclo de vida do parasita (Quadro 5). continentes, excepto na zona Antárctica , salien-
Os tremátodos necessitam dum caracol especí- tando-se que não existem sinais nem sintomas que
fico (hospedeiro intermediário) para o seu desen- se possam atribuir de modo distintivo a qualquer

QUADRO 4 – Nemátodos cujo verme adulto reside no sangue, sistema linfático ou tecido celular
subcutâneo

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Filariose linfática Regiões tropicais e Culex, Aedes, Febre, cefaleias, mialgias, linfadenite Dietilcarbamazina
W. Bancrofti subtropicais Anopheles recorrente, linfadenopatias, edema
B. malayi Sudoeste da Ásia e progressivo dos membros e genitais
India (elefantíase). Síndroma da hiper-
B. timori Indonesia, Timor eosinofilia pulmonar tropical.
Loíase África Central e Chrysops spp. Edema e nódulos/tumores migratórios Dietilcarbamazina
L. loa Ocidental (de Calabar), doloroso e pruriginoso,
conjuntivite, edema palpebral.
Oncocercose África e América Simulium Nódulos subcutâneos, dermatite Ivermectina
O. volvulus pruriginosa crónica e generalizada,
ceratite, uveíte, coriorretinite e
cegueira.
Dracunculose África Central e Oral (água Úlcera dolorosa no pé ou perna Extracção do verme,
D. medinensis Ocidental e sub- contaminada com provocada pela saída do verme metronidazol,
continente Indiano Cyclops) adulto. mebendazol.
CAPÍTULO 301 Parasitoses. Abordagem global 1547

QUADRO 5 – Formas larvares de nemátodos que causam doença na espécie humana

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Toxocarose Mundial Fecal-oral Assintomática. Larva migrans Albendazol,
T. canis, visceral:, febre, pieira, mebendazol,
T. cati hepatomegalia, anemia, leucocitose, (associação a
eosinofilia. esteróides)
Larva migrans ocular: perda de visão
unilateral, dor ocular, estrabismo,
endoftalmite, leucocória.
Triquinose Ásia, África e Oral (carne crua Diarreia, dor abdominal, febre, Albendazol,
T. spiralis América ou mal passada) edema periorbitário, urticária, mebendazol
mialgias, fadiga, dispneia, (associação a
miocardite. esteróides)
Larva migrans Regiões tropicais e Larva penetra Pápula no local da penetração e Tiabendazol,
cutânea subtropicais na pele sã erupção pruriginosa causada pela Mebendazol
A. braziliense, A. migração do parasita.
caninum

das formas no estádio de adulto, excepto no que o diagnóstico das formas intermediárias/lar-
toca ao Diphyllobothrium latum. vares, dada a sua localização em diversos tecidos,
Os estádios intermédios de alguns céstodos há que recorrer a técnicas invasivas, imagiológicas
tais como Taenia solium e Echinococcus são invasi- ou serológicas,
vos e formam estruturas quísticas que produzem De modo sucinto, e sem pormenorizar os res-
lesões em diversos tecidos por efeito de massa ou pectivos ciclos evolutivos, para melhor com-
por reacção inflamatória. preensão das manifestações clínicas e do trata-
A infecção verificada com as formas adultas mento, recordam-se algumas noções fundamen-
pode ser facilmente diagnosticada pelo achado de tais (cisticercose, hidátide, e hidatidose ou doença
ovos ou de segmentos destacados nas fezes; para hidática).

QUADRO 6 – Tremátodos mais importantes que parasitam a espécie humana

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Esquistossomose Regiões tropicais Larva penetra Dermatite pruriginosa. Forma aguda: Praziquantel
S. mansoni, através da pele febre, arrepios, adenopatias,
S. intercalatum, hepatosplenomegália, eosinofilia.
S. japonicum, Forma crónica: disúria, hematúria,
S. mekongi, uropatia obstrutiva (S. hematobium),
S. heamatobium dor abdominal, diarreia,
hepatosplenomegália, fibrose
hepática com hipertensão portal,
hematemeses.
Fasciolose Mundial Oral Febre, dor no hipocôndrio direito, Triclabendazol,
F. hepatica icterícia, eosinofilia, hepatomegalia, bitionol
fibrose e cirrose
Paragonimiose Ásia, África, Oral Tosse, dispneia, dor toráxica, suores Praziquantel, bitionol
Paragonimus spp. América Central e nocturnos, hemoptises, fibrose
do Sul pulmonar.
1548 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 7 – Principais céstodes que parasitam a espécie humana

Doença/Parasita Distribuição Transmissão Clínica Tratamento


Teniose Mundial Oral (porco, Assintomática. Astenia, dor Praziquantel,
T. solium, T. saginata, vaca, peixe) abdominal, diarreia, perda de peso, niclosamida
D. latum, H. nana deficiência em vitamina B12 (D. latum).
Cisticercose Mundial Fecal-oral Neurocisticercose: cefaleias, mialgias, Albendazol,
T. solium eosinofilia, encefalite, convulsões, praziquantel
hidrocefalia, sinais de hipertensão
intracraniana. Medular:
radiculopatia, mielite transversa.
Ocular: dor, escotomas, visão turva,
descolamento da retina.
Hidatidose Mundial Oral Assintomáticos, desconforto Albendazol. Remoção
E. granulosus, Hemisfério abdominal, náuseas, vómitos, cirúrgica.
E. multilocularis Norte hepatomegalia, massa abdominal.
Tosse, hemoptises, pleurisia.
Hipertensão intracraniana,
convulsõs, hidrocefalia. Pode ocorrer
ruptura ou sobreinfecção bacteriana
do cisto. Cada escolex pode originar
um novo quisto.

• Cisticercose → Infecção causada por cisticer- granulosus ou E. multilocularis existentes no intesti-


cos (larvas de vermes do género Taenia), que sobre- no/fezes de animais domésticos/cães, gado, ou
vém após ingestão de ovos vivos presentes nos ali- selvagens diversos. O Homem é contaminado
mentos crus (nomeadamente nos legumes conta- ingerindo água ou alimentos contaminados com
minados por matérias fecais), cujos embriões, ovos, ou por contacto directo com cães infectados.
libertados no tubo digestivo, penetram em diver- Existem duas formas clínicas de doença hidática:
sos tecidos e órgãos (olho, cérebro, coração, etc.) e 1 – D. quística hidática por E. granulosus; 2 – D.
provocam lesões graves. alveolar, mais maligna, por E. multilocularis.
Trata-se da forma parasitária mais comum e Após ingestão, as formas intermediárias pene-
mais grave do SNC como resultado da infecção tram no tubo digestivo e, por via sanguínea ou
com a forma intermediária da Taenia solium, o cés- linfática, atingem o fígado, pulmões e, menos fre-
todo do porco. Este parasita, ao contrário da T. quentemente, outros tecidos. (Figuras 4, 5 e 6)
saginata, infecta a espécie humana e invade prefe-
rencialmente o SNC. Taenia solium pode existir
também em água ou alimentos contaminados, não
necessariamente carne de porco.

• Hidátide → Fase larvar dos céstodos


Echinococcus granulosus ou Echinococcus multilocu-
laris que tem a forma de uma vesícula mais ou
menos volumosa, com forma esférica, cheia de
líquido incolor, e que contém cabeças/proto-esco-
lexes dos mesmos. (Figura 3)
FIG. 3
• Hidatidose, equinococose ou doença hidáti-
ca → Zoonose transmitida através de ovos de E. Aspecto de hidátide. (NIHDE)
CAPÍTULO 301 Parasitoses. Abordagem global 1549

FIG. 4
Hidatidose pulmonar. Opacidade redonda ocupando o 1/3
superior do campo pulmonar esquerdo (Radiografia
póstero-anterior). (NIHDE)

FIG. 6
Imagens redondas de limites bem definidos (estruturas
quísticas) no parênquima hepático relacionadas com
hidatidose A – TAC; B – Ecografia. (NIHDE)

Nestes tecidos formam-se hidátides durante anos,


sendo que o hospedeiro delimita a formação
inicial que, entretanto, vai crescendo, formando-
B se, no caso do E. granulosus, um invólucro fibroso.
Interiormente, o parasita produz uma camada
celular germinal que produz milhares de parasi-
tas, ou ligados à parede interior da estrutura quís-
tica, ou flutuando em líquido incolor, aquoso, no
seu interior.
Tratando-se do E. multilocularis, a estrutura
inicial não é tão delimitada, o que permite que os
FIG. 5
parasitas cresçam para o exterior, se disseminem
Hidatidose hepática. Observação de frente (A) e perfil direito nas estruturas vizinhas, tecidos e vasos, e metasti-
(B) do hipocôndrico direito e epigastro permitindo visualizar zem, conferindo a esta forma clínica, característi-
procidência da parede abdominal por estrutura quística cas de malignidade.
subjacente com superfície lisa palpável. (NIHDE)
1550 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Diagnóstico de parasitoses intestinais 9 – A colheita de sangue tem escassa utilidade,


sendo clássica a eosinofilia (> 500 eosinófilos/mmc)
Exceptuando nos casos em que o parasita é visua- ou hipereosinofilia (> 1.500 eosinófilos/mmc) asso-
lizado, poderá ser necessário recorrer a exames ciada a helmintíases com envolvimento extra-intes-
complementares, designadamente laboratoriais. tinal. Pode verificar-se anemia por espoliação (por
São referidos aspectos práticos relativamente a ex nos casos de ancilostomose, ou por carência de
alguns parasitas (protozoários e helmintas). vitamina B12 e folato (por ex em parasitação por
1 – A observação microscópica das fezes per- Strongyloides stercoralis).
mitirá a detecção de ovos,, quistos ou trofozoítos. 10 – Em função do contexto clínico poderão
A colheita das fezes deve ser feita em 3 dias conse- estar indicados exames imagiológicos e endocópi-
cutivos, idealmente com intervalo de 48 horas, cos (Figuras 5 e 6, exemplificando).
conservando-se as amostras no frigorífico a 4ºC
até serem entrgues no laboratório. Havendo diar- Tratamento de situações específicas
reia, haverá maior probabilidade de detecção de
trofozoítos. No caso de suspeita de Ascaris lumbri- Nesta alínea, em relação com o tratamento antipa-
coides bastará uma amostra. rasitário, é dada ênfase às parasitoses adiante dis-
2 – Relativamente a Giardia lamblia, como com- criminadas; de salientar que a giardiose foi abor-
plemento do que foi referido no Capítulo 110, dada no Capítulo 110, e a leshmaniose e malária
salienta-se que as técnicas PCR- reacção de polime- integram os capítulos seguintes, 302 e 303.
rização em cadeia – são exequíveis neste contexto.
3 – Os oxiúros (Enterobius vermicularis) podem Amebiose
ser detectados ocasionalmente nas fezes, mas os Quer se trate de doença invasiva (colite ou abces-
respectivos ovos em apenas ~5% dos casos. A so hepático), quer de colonização intestinal assin-
forma mais simples de fazer o diagnóstico é iden- tomática, utiliza-se o seguinte esquema: de início,
tificar os ovos colocando uma fita-cola sobre a metronidazol ou tinidazol, seguido de paromomi-
região anal durante a noite (período em que as cina ou iodoquinol.
fêmeas fazem a postura dos ovos); sendo retirada – metronidazol → 35-50 mg/kg/dia, em 3
a fita cola pela manhã, a mesma é colada a uma doses, durante 7-10 dias;
lâmina de microscópio para se proceder à visuali- – tinidazol → 50 mg/kg/dia, 1 dose, durante 3
zação em microcópio. dias (na colite), ou 5 dias(no abcesso hepático);
4 – Tendo em conta distinguir entre Entamoeba – paromomicina → 25-35 mg/kg/dia, em 3
histolytica e E. dispar (esta última mais frequente, doses, durante 7 dias;
mas não invasiva), podem ser utilizadas técnicas – iodoquinol → 30-40 mg/kg/dia, em 3 doses,
PCR ou enzimáticas para destrinça. durante 20 dias.
5 – Cryptosporidium: os oócistos podem ser
visualizados nas fezes ou na superfície de tecido Criptosporidiose (Cryptosporidium spp)
de biópsia;contudo torna-se necessário proceder a – nitazoxanida → 100 mg PO, duas doses diá-
técnicas específicas de coloração(por ex Ziehl- rias,(se 1-3 anos de idade), ou 200 mg (se 4-11
Neelsen. Há também a possibilidade de utilizar anos), ou 500 mg (se > 11 anos), durante período
técnicas de imunofluorescência(IFA) ou imunoen- de diarreia; ou
zimáticas (EIA). – paromomicina → 25-35 mg/kg/dia, em 3
6 – Ténias: a vizualização das proglótides é doses + azitromicina → 10 mg/kg/dia,1 dose diá-
sinal patognomónico. ria, durante 4 semanas, seguindo-se monoterapia
7 – Schistosomas: o esfregaço espesso de Kato com paromomicina durante mais 8 semanas (no
nas fezes é a técnica mais adequada para pesquisa contexto de infecção por VIH).
de ovos.
8 – Strongyloides stercoralis: as larvas poderão ser Tricomoníase (Trichomonas vaginalis)
procuradas nas fezes (cultura de larvas durante 1 a – metronidazol → 15 mg/kg/dia, em 3 doses,
7 dias), no conteúdo duodenal e na expectoração. durante 7 dias(na pré-adolescência); a aplicação
CAPÍTULO 301 Parasitoses. Abordagem global 1551

tópica não é eficaz, embora possa atenuar os sin- Enterobiose (Enterobius vermicularis)
tomas de vulvovaginite e leucorreia. – albendazol → 400 mg PO, dose única (repetir
2 semanas depois); ou
Toxoplasmose adquirida (Toxoplasma gondii) – mebendazol → 100 mg PO, doses única
– pirimetamina → 2 mg/kg/dia (dose de (repetir 2 semanas depois).
impregnação:2 dias), seguida de 1 mg/kg/dia,
(dose máxima de 50 mg/dia); + sulfadiazina (se > Ancilostomose (Ancylostoma duodenale, Necator
1 ano de idade) → 100 mg/kg/dia(dose máxima americanus)
de 4 g/dia); + leucovirina → 5-20 mg, 3 – albendazol → 400 mg PO, dose única; ou
vezes/semana, durante 4-6 semanas. – mebendazol → 100 mg PO, duas doses diá-
Notas importantes: rias, durante 3 dias.
– as formas clínicas tendo como única manifes-
tação linfadenopatias, sem compromisso de órgãos, Estrongiloidose (Strongyloides stercoralis)
como globo ocular/coriorretinite, miocárdio/mio- – ivermectina → 200 mcg/kg/dia PO,1 dose
cardite, não necessitam de tratamento específico; diária,durante 1-2 dias; ou
– o tratamento da toxoplasmose congénita é – tiabendazol → 25 mg/kg/dia PO, 2 doses
abordado no Capítulo 360. diárias,até dose máxima de 3 g/dia; na síndroma
de hiperinfecção, durante 7-10 dias.
Tripanossomose africana (complexo Trypanosoma
brucei- T.b.) Tricuriose (Trichuris trichiura)
– pentamidina → 4 mg/kg/dia IM, durante 10 – albendazol → 400 mg PO, durante 1-3 dias ; ou
dias (dose única eficaz durante 6 meses nos casos – mebendazol → 100 mg PO, duas doses diárias,
de T.b. gambiense); ou durante 3 dias, ou 500 mg PO em dose única; ou
– suramina → 1ª dose para detecção de even- – nitazoxanida → 100 mg PO, duas doses diá-
tual idiossincrasia:10 mg IV em solução a 10%; rias, (se 1-3 anos de idade), ou 200 mg (se 4-11
doses subsequentes → 20 mg/kg nos dias 1,3,7 e anos), ou 500 mg (se > 11 anos), durante 3 dias.
14 (fármaco nefrotóxico); ou, nos casos de com-
promisso do SNC, Filariose (Brugia malayi, Brugia timori, Wuchereria
– melarsoprol → 0,36 mg/kg/dia IV, dose bancrofti) e Loíase (Loa loa)
única diária, com auemnto gradual cada 1-5 dias – dietilcarbamazina → doses crescentes:1
até 3,6 mg/dia; em geral:10 doses necessárias; ou mg/kg/dia PO, dose única no 1º dia; 2 mg/kg/dia
– eflornitina → 400 mg/kg/dia IV em 4 doses em duas doses diárias no 2º dia, aumentando até 6
diárias nos casos compromisso grave do SNC; mg/kg/dia em 3 doses diárias até ao 14º dia.
duração do tratamento variável conforme a clíni-
ca. Oncocercose (Onchocerca volvulus)
– ivermectina → 150 mcg/kg em dose única
Tripanossomíase americana (Trypanosoma cruzi) PO, a repetir com 3 a 6 meses de intervalo.
– benznidazol → 10 mg/kg/dia PO, em duas
doses diárias, durante 60 dias; a dose é menor se > Dracunculose (Dracunculus medinensis)
12 anos:5-7 mg/kg/dia; ou – metronidazol → 25 mg/kg/dia PO, em 3
– nifurtimox → 15-20 mg/kg/dia PO, em 4 doses diárias, durante 10 dias, até dose máxima de
doses diárias durante 90 dias; se 11-16 anos → 12- 750 mg; ou
15 mg/kg/dia; se > 16 anos → 8-10 mg/kg/dia, – mebendazol → 100 mg PO, duas doses diá-
durante 90-120 dias. rias, durante 10 dias.

Ascaridiose (Ascaris lumbricoides) Toxocarose (Toxocara canis e Toxocara cati)


– albendazol → 400 mg PO, dose única; ou – albendazol → 400 mg duas vezes por dia PO,
– mebendazol → 100 mg PO, duas doses diá- durante 5 dias; ou
rias, durante 3 dias. – mebendazol → 100-200 mg duas vezes por
1552 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dia PO, durante 5 dias; Hidatidose ou Equinococose (Echinococcus gra-


– corticosteróide associado (prednisolona → 1 nulosus, E.multilocularis)
mg/kg/dia durante 2-4 semanas). – albendazol → 15 mg/kg/dia PO, em duas
doses diárias, durante 1-6 meses;
Triquinose (Trichinella spiralis) – como alternativa ao tratamento cirúrgico de
– albendazol → 400 mg duas vezes por dia PO, remoção do quisto hidático, e em associação ao tra-
durante 8-14 dias; ou tamento com albendazol, alguns centros aplicam a
– mebendazol → 200-400 mg três vezes por dia estratégia, conhecida pela sigla PAIR, nos casos de
PO, durante 3 dias, seguindo-se → 400-500 mg quistos mais acessíveis (aspiração percutânea, insti-
três vezes por dia, durante 10 dias. lação de soro salino hipertónico ou outro agente que
provoque destruição do escólex, e re-aspiração).
Larva migrans cutânea (Ancylostoma braziliense
e Ancylostoma caninum) Nota importante: De salientar que nem todos os
– albendazol → 400 mg PO, durante 1-3 dias ; parasitas intestinais são patogénicos: 1 – Amibas:
ou Entamoeba dispar, Entamoeba coli, Entamoeba hartmani,
– ivermectina → 200 mcg/kg/dia PO,1 dose Entamoeba moshkoushii, E chattoni, Endolimax nana,
diária, durante 1-2 dias. Iodamoeba buetschilii, Entamoeba gingivalis, Entamoeba
polecki; 2 – Protozoários flagelados: Trichomonas
Esquistossomose (Schistosoma) hominis, Chilomastix mesnili, Embadomonas intestina-
– praziquantel → 40 mg/kg/dia PO, em duas lis, Enteromonas hominis, Dientamoeba fragilis,
doses diárias, durante 1 dia para S. haematobium, Trichomonas tena; 3 – Nemátodes: Capillaria hepatica,
S. mansoni e S. intercalatum; 60 mg/kg/dia para Dioctophima enale, Dipatelonema streptocerca,
S. japonica e S. mekongi. Mansonella ozzardi, Syngamus larnygeus, Ternides
deminutus.
Fasciolose (Fasciola hepatica)
– triclabendazol → 10-20 mg/kg/dia PO, 1 ou Prevenção
2 doses diárias até total de 10-15 doses; ou
– bitionol → 30-50 mg/kg/dia PO, dose diária Os aspectos da prevenção descritos no Capítulo
única, em dias alternados, até 10-15 doses. 40, fundamentando-se na interrupção do ciclo epi-
demiológico (medidas de higiene individual e de
Paragonimíase (Paragonimus spp) sanamento público básico), aplicam-se ao tópico
– plaziquantel → 75 mg/kg/dia PO, em três “Parasitoses”.
doses diárias, durante 2 dias; ou Salienta-se a noção de que não se justificam as
“desparasitações de rotina”, sem evidência de
Teniose (Taenia solium, T.saginata, Diphyllobothrium parasitação. No caso especial de crianças imi-
latum, Hymenolepis nana) grantes, provenientes de áreas endémicas para
– praziquantel → 5-10 mg/kg PO,dose única; certos parasitas, poderá estar indicada a realiaza-
ou ção de exame parasitológico das fezes, mesmo na
– niclosamida → 50 mg/kg PO, dose única ausência de sintomas.
Cisticercose (Taenia solium) De acordo com recomendações da OMS, ape-
– albendazol → 15 mg/kg/dia PO em duas nas nos países com taxas de prevalência de para-
doses diárias durante 28 dias, até dose máxima de sitismo intestinal superiores a 20% (o que não
800 mg/dia; ou acontece em Portugal), está indicada a adminsitra-
– praziquantel → 50-100 mg/kg/dia PO em ção profiláctica de rotina com anti-helmínticos (de
três doses diárias durante 28 dias; poderá equa- preferência o albendazol, activo contra a maioria
cionar-se a associação a corticóides, iniciados 2-3 dos parasitas intestinais).
dias antes da 1ª dose de praziquantel e a cimetidi-
na – inibidor do sistema citocrómio P450 – o que BIBLIOGRAFIA
poderá contribuir para a eficácia do tratamento. Barry MA, Weatherhead JE, Hotez PJ, et al. Childhood parasi-
CAPÍTULO 302 Calazar (Leishmaniose visceral) 1553

302
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Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon A doença designada classicamente como
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Infectious Diseases. Philadelphia: Saunders, 2000 anos de idade. O termo calazar significa “febre
Varandas L. Viajar com Crianças para Regiões Tropicais. negra” de acordo com a descrição da doença na
Lisboa: GSK, 2007 Índia em 1903 pelos investigadores Leishman e
Donovan. Outras formas de leishmaniose (cutânea,
mucocutânea), habituais noutras latitudes, não
são abordadas neste capítulo.
A leishmaniose visceral é considerada uma
zoonose na maior parte das zonas do globo uma
vez que a doença também afecta diversas espécies
animais como cães e raposas; com efeito, há que
referir que nalgumas zonas como a Índia e África
Oriental o Homem também poderá ser o reser-
vatório do protozoário. Os vectores da Leishmania
são insectos hematófagos com escassa autonomia
de voo, da família Phelebotominae (flebótomos) que
habitualmente picam de noite, embora a picada
possa ser concretizada a qualquer hora.
Em Portugal o cão é o principal reservatório; o
protozoário transmite-se de cão a cão, ou de cão
ao Homem (hospedeiro final). Ou seja, o cão tem
1554 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

um papel relevante na disseminação e manuten- afectando as células do sistema retículo – endote-


ção da infecção humana. lial (SRE) de todos os órgãos, com especial rele-
De acordo com a OMS surgem em todo o vância para fígado, baço, medula óssea, e gânglios
mundo cerca de 500.000 novos casos anuais sendo linfáticos.
especialmente afectados países da Ásia (sobretu- A Leishmania no ciclo evolutivo pode assumir
do Índia, China, Nepal), África Oriental (Sudão, duas formas: uma, arredondada ou ovóide, de
Etiópia e Quénia) e América do Sul. Na Europa escassa mobilidade, sem flagelo, designada amas-
(incluindo especialmente a zona do sul, Portugal, tigota, residente no interior das células do
Espanha, França e Itália) surgem casos esporádi- SRE/fagócitos mononucleares onde se replica; e
cos. A distribuição da doença coincide com a dis- outra, alongada, com flagelo e grande mobilidade,
tribuição do vector acometendo populações designada promastigota, e presente no tubo diges-
pobres, vulneráveis, subnutridas e habitando em tivo dos insectos vectores; isto é, a forma promas-
zonas sem saneamento básico e sem acesso a cui- tigota, ao “entrar” no macrófago, transforma-se
dados preventivos de saúde. em amastigota.
Em Portugal Continental, com base em estu- A transmissão da leishmaniose visceral dá-se
dos de seroprevalência, podem ser consideradas quando o flebótomo/vector adquire o protozoário
zonas endémicas Trás-os-Montes e Alto Douro, ao picar um reservatório infectado (como se refe-
Cova da Beira (entre Estrela e Gardunha), e riu atrás, na maioria dos casos um animal) e, após
regiões de Lisboa, Setúbal e Alto Alentejo. completado o ciclo parasitário no vector, o trans-
Há décadas o calazar era considerado tradicio- mite (formas promastigotas na saliva) ao hospedei-
nalmente uma doença das zonas rurais, de ocor- ro definitivo humano através de picada. As for-
rência endémica e esporádica. Actualmente este mas promastigotas são fagocitadas pelos macrófa-
panorama modificou-se mercê de um conjunto de gos do referido hospedeiro, dando-se início a uma
circunstâncias tais como fenómenos migratórios complexa resposta imune por parte deste. Da
de populações não imunes para áreas em que o interacção agente etiológico-hospedeiro, e da
vector está presente (em relação, designadamente, magnitude da resposta imune, depende o tipo de
com expansão habitacional anárquica na periferia manifestações clínicas.
das grandes cidades) aumentando o risco de epi- O facto de os macrófagos do sistema fagocitá-
demias. rio mononuclear albergarem no seu interior gran-
Em Portugal, no quinquénio 2003-2007 a taxa de número de Leishmanias, tem diversas reper-
de incidência de calazar foi 0,76/ 100.000 com cussões:
uma média anual de 15,2 casos notificados (trata- 1 – diminuição da sua capacidade de resposta
se duma doença de declaração obrigatória). inflamatória;
Actualmente têm sido relatados casos de co-infec- 2 – redução progressiva da produção de eritró-
ção com o VIH em zonas de elevada prevalência citos, granulócitos e plaquetas;
das duas situações. 3 – aumento de dimensões do fígado e baço
com áreas de inflamação, necrose e ulterior fibro-
Etiopatogénese se, o que é explicável pela própria proliferação dos
macrófagos.
São descritas três espécies de Leishmania que cau- Nas formas graves verifica-se a presença de
sam leishmaniose visceral: histiócitos (o elemento fundamental do tecido retí-
– L. donovani, prevalente sobretudo na Ásia; culo-endotelial, dotado de grande poder fagocitá-
– L. infantum, prevalente sobretudo na Europa rio) contendo Leishmanias em todos os órgãos
(incluindo Portugal), Ásia e África; (miocárdio, rim, pulmões, etc.).
– L. chagasi, prevalente nas Américas. Os mecanismos de imunidade celular têm
Após inoculação do protozoário no organismo papel importante na susceptibilidade ou resistên-
verifica-se disseminação hematogénica salientan- cia à infecção por Leishmania:
do-se o viscerotropismo do agente etiológico; ou 1 – a resistência ou “capacidade de protecção”
seja, a doença comporta-se como doença sistémica depende fundamentalmente da população de
CAPÍTULO 302 Calazar (Leishmaniose visceral) 1555

células T helper 1(Th1) que, em associação ao inter-


ferão / IFN-gama, e à IL-12, leva a activação dos
macrófagos, do que resulta lise parasitária.
2 – a susceptibilidade depende da população
de células Th2 e/ou produção de IL-1a, IL-4, IL-
10, assim como do factor de crescimento e trans-
formação designado por factor – beta; o resultado
é a inibição da activação dos macrófagos.
Outros factores que determinam o grau de
expressão clínica são a susceptibilidade do hospe-
deiro, a virulência e magnitude do inóculo do
parasita, e o genótipo do vector.
Nas regiões endémicas a infecção subclínica
pode ser avaliada através duma prova de hiper-
sensibilidade retardada avaliando a resposta à
injecção de antigénios de Leishmanias: prova
cutânea de Montenegro.

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas de leishmaniose visceral


são dum modo geral semelhantes nas zonas endé-
micas, independentemente da área geográfica.
O período de incubação do calazar varia entre FIG. 1
10 dias e 2 anos, com um período médio de 2 a 4 Calazar: Hepatosplenomegália (NIHDE).
meses.
Em regra, o início da sintomatologia é abrupto Em suma, dado que as alterações provocadas
nas crianças pequenas, e insidioso nas crianças pela Leishmania são de natureza sistémica, em
maiores: acompanha-se de sinais inespecíficos zona endémica, perante quadro de febre prolon-
como adinamia, anorexia, mal estar geral, perda gada, anemia, espleno-hepatomegália e manifes-
de peso e palidez. A febre prolongada, oscilando tações hemorrágicas, é lícito admitir-se o diagnós-
entre 37,5ºC e 40ºC, pode evidenciar diversos tico provisório de calazar. Estão descritas, no
padrões em termos de periodicidade e intermitên- entanto, formas assintomáticas, oligossintomáti-
cia, os quais não são característicos da doença. cas ou subclínicas que se poderão traduzir funda-
À medida que a doença evolui são notórios: mentalmente por febre, ou tosse, ou diarreia,
palidez, emagrecimento, adenomegálias e aumen- hipersudorese, adinamia, ou hepatomegália e
to do volume abdominal progressivo. Tal aumen- esplenomegália ligeiras.
to explica-se por esplenomegália indolor de Este quadro, se não tratado, poderá persistir
consistência elástica ou ligeiramente dura, a qual durante 3 a 6 meses e, ou no sentido de regressão
pode atingir proporções enormes ultrapassando espontânea, ou do calazar dito clássico, atrás refe-
por vezes a cicatriz umbilical; acompanha-se em rido.
geral de hepatomegália importante, embora mais
discreta. (Figura 1) Diagnóstico diferencial
Outras manifestações associadas incluem diar-
reia, vómitos, obstipação, hemorragias(epistaxe, Em idade pediátrica pode afirmar-se que nas
petéquias, gengivorragias), sinais respiratórios situações que cursam com hepatosplenomegália e
sobreponíveis aos verificados em infecções víricas febre, para além da hipótese diagnóstica de cala-
comuns, dificuldade respiratória, artralgias, mial- zar, haverá que considerar, entre outras, as
gias, etc.. seguintes situações:
1556 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

1 – outras doenças infecciosas e parasitárias cruzadas com malária, sífilis, doença de Chagas,
tais como malária, brucelose, mononucleose infec- esquistossomose e leishmaniose cutânea. Por
ciosa, esquistossomose, histoplasmose, tuberculo- outro lado, há que ter em conta que os títulos
se miliar, septicémia, febre tifóide, etc.; podem continuar elevados durante tempo variá-
2 – doenças não infecciosas tais como granulo- vel após infecção, mesmo subclínica ou assin-
matose de Wegener, linfoma, leucemia, doença de tomática.
Still, etc.. O diagnóstico definitivo decorre da demonstra-
ção de formas amastigotas em esfregaços de teci-
Exames complementares do (medula óssea- com uma sensibilidade de cerca
de 70%, ou baço- com uma sensibilidade de cerca
Verificando-se contexto clínico e epidemiológico de 95%) obtidos por punção aspirativa e coloração
de calazar, importará a realização de um conjunto pelo método de Giemsa, entre outros (diagnóstico
de exames complementares com vista à confirma- parasitológico). Outra alternativa consiste em tentar
ção do diagnóstico. proceder ao isolamento do parasita através de
Os dados hematológicos frequentemente encon- material de biópsia empregando meios de cultura
trados em casos de calazar confirmado são: anemia especiais (por exemplo NNN ou de Novy, McNeal
normocítica e normocrómica (Hb por vezes < 5 e Nicolle) .
g/dL), leucopénia < 2.000-3000/mmc. (com neu- Actualmente, técnicas de biologia molecular
tropénia e eosinopénia), linfocitose relativa e trom- como a da reacção de polimerização em cadeia
bocitopénia. As provas de coagulação revelam em (PCR) permitem a identificação do material gené-
geral valores dentro dos limites da normalidade. tico de parasitas em amostras de punção biópsia,
Os dados bioquímicos apontam para citólise e também de sangue periférico.
hepática (aumento para o dobro dos valores das
transaminases), hiperbilirrubinémia discreta, défi- Tratamento
ce da actividade da protrombina, e disproteinémia
(a electroforese das proteínas séricas evidencia As medidas gerais de suporte em casos de doen-
tipicamente hipoalbuminémia, e hipergamaglo- ças febris com compromisso do estado geral (ane-
bulinémia (> 5 g/dL) com curva em “plateau”, mia, síndroma hemorrágica, leucopénia, etc.)
sendo que as fracções alfa e beta estão normais. As incluem, para além doutras, transfusão de sangue
alterações nefrológicas podem traduzir-se por e derivados, e a administração de factores de cres-
hematúria e proteinúria. cimento de colónias de granulócitos e monócitos
No calazar verifica-se compromisso da imuni- (GM-CSF).
dade celular (perfil de resposta celular Th2 com ele- Neste capítulo é dada ênfase ao tratamento far-
vação de IL-1a , IL-4 e IL-10) e da imunidade macológico específico anti-Leishmania; com esta
humoral (elevação de imunoglobulinas, sobretu- finalidade é dada preferência aos compostos anti-
do IgG1 e IgM). moniais pentavalentes (Sb v) cujo mecanismo de
Através de provas serológicas comprova-se a acção se relaciona provavelmente com o efeito
presença de anticorpos específicos através de três leishmanicida intramacrófago. Os dois sais mais
técnicas: imunofluorescência indirecta, ELISA e frequentemente disponíveis e empregues são o
aglutinação directa. Com uma técnica utilizando estibogluconato de sódio (Pentostam®)cuja fórmu-
antigénio recombinante (K39) podem ser obtidas la contém 100 mg de Sb/ mL e o antimoniato de
sensibilidade e especificidade ~100%. Como regra, N-metil-glucamina (Glucantime®), este último o
pode estabelecer-se que um resultado negativo de mais utilizado em Portugal.
prova serológica em indivíduo imunocompetente O Glucantime® é apresentado em ampolas de 5
é contra o diagnóstico de calazar. Por outro lado, mL a que correspondem 425 mg de Sbv (elemen-
nos casos de coinfecção com VIH o resultado to) ou 1,5 gramas de sal, sendo que 1 mL corres-
serológico positivo em caso de doença somente é ponde a 85 mg de Sbv(elemento). Ambos os com-
obtido em ~50% dos casos. postos podem ser administrados por via IM ou IV.
De realçar que podem ser observadas reacções De acordo com recomendações da OMS, deverá
CAPÍTULO 302 Calazar (Leishmaniose visceral) 1557

ser administrada a dose de 20 mg de Sbv/kg/dia Todos os doentes deverão ser seguidos clinica-
numa ou duas doses diárias. O período de trata- mente durante 1 ano para detecção de eventuais
mento é 20 dias seguidos. Se, após esta série, se recorrências que surgem, em geral, até 6 meses
verificar a existência de sinais clínicos ou a pre- após conclusão terapêutica.
sença de parasitas na medula óssea, deverá proce-
der-se a novo curso terapêutico com igual dura- Prognóstico
ção.
Dados os efeitos adversos do tratamento (car- Excluindo as formas subclínicas e assintomáticas,
diotoxicidade, hepatotoxicidade, pancreatite, na ausência de tratamento o calazar tem evolução
artralgias, etc.), o mesmo deverá ser acompanha- fatal em cerca de 80% dos casos sendo o risco mais
do de vigilância clínica, laboratorial e electrocar- elevado em crianças com menos de 5 anos(síndro-
diográfica (para detecção de possíveis alterações ma de disfunção multiorgânica traduzido funda-
da repolarização, inversão da onda T e aumento mentalmente por edema, síndroma hemorrágica
do intervalo Q-T). associada, anemia, insuficiência hepática, pancito-
Verificando-se resistência aos antimoniais (o pénia e infecções associadas).
que poderá surgir em cerca de 1 a 2% dos casos),
o fármaco de segunda linha é a anfotericina B na Prevenção
dose de 0,5-1 mg/kg/dia durante 30 dias, não
ultrapassando 50 mg/dia por via IV lenta em 4 a As medidas preventivas correspondem, afinal, à
6 horas; as doses iniciais devem ser mais baixas intervenção em vários pontos do elo protozoário →
(cerca de 1/10 da dose padrão) e progressivamen- reservatório → vector: tratamento dos casos identi-
te incrementadas face à nefrotoxicidade e ao risco ficados, diminuindo o contacto do homem com o
de tromboflebite. Tal como se referiu a propósito vector, e destruindo os reservatórios e os vectores.
dos antimoniais, também com a anfotericina B é Este desiderato é concretizado através de medidas
necessário proceder a vigilância laboratorial no de saneamento e de educação para a saúde coor-
decurso do tratamento, dirigido sobretudo à fun- denadas, identificando as zonas de risco. Na prá-
ção renal. Actualmente aconselha-se o preparado tica, os repelentes e os insecticidas têm papel
lipossómico (3 mg/kg/dia nos primeiros 5 dias e, importante. A imunização activa (vacinas) aplica-
depois, no 10º dia) designadamente nos casos de da a humanos e caninos, baseada em antigénios
doentes imunocomprometidos ou imunossupri- dos parasitas como os designados por LACK,
midos. LeIF, H1, CpA+CpB, etc. está em fase experimen-
A pentamidina, hoje raramente utilizada, com- tal, não sendo ainda exequível na actualidade.
porta risco elevado de aquisição de resistência e
de toxicidade (diabetes mellitus). Deverá ser BIBLIOGRAFIA
reservada para aplicar em zonas de elevada resis- Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
tência aos antimoniais. Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
Como tratamentos de ainda não disponíveis Elsevier, 2008; 401-403
em todos os centros e/ou ainda em investigação Cascio A, di Martino L, Occorsio P, et al. A 6 day course of lipo-
citam-se : 1) imunoterapia com interferão –gama somal amphotericin B in the treatment of infantile visceral
recombinante humano associado ao antimonial leishmaniasis: the Italian experience. J Antimicrob
quando se verifica resistência após 1º curso tera- Chemother 2004; 54:217-220
pêutico com antimonial; 2) o aminoglicosídeo Cook GC, Zumla AI(eds). Manson's Tropical Diseases. London:
aminosina (paromomicina); 3) miltefosine (prepa- Saunders, 2002.
rado fosfolipídico, utilizado na Índia, na dose de Cox FE. History of human parasitology. Clin Microbiol Rev
50-100 mg/dia por via oral durante 28 dias), 2002;15:595-612.
simultaneamente agente terapêutico antineoplási- Direcção Geral da Saúde/Divisão de Epidemiologia.
co e com indicação nos casos de resistência aos Estatísticas. Doenças de Declaração Obrigatória. Lisboa:
antimoniais; 4) sitamaquina, outro fármaco a utili- Direcção Geral da Saúde,2008
zar por via oral, análogo da 8-aminoquinolina. Drake LJ, Bundy DA. Multiple helminth infections in children:
1558 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

303
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Saunders, 2006; 891-893 lia. Pelo facto de anualmente ocorrerem em todo o
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon mundo cerca de 300-500 milhões de casos, a que
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill corresponde mortalidade ~2 milhões, é considera-
Medical, 2011 da a doença parasitária mais importante do
Strickland GT(ed). Hunter's Tropical Medicine and Emerging mundo pela sua larga distribuição por > 100
Infectious Diseases. Philadelphia: Saunders, 2000; 1234- países. Cerca de 90% das mortes por malária ocor-
1237 rem no continente africano.
Varandas L. Viajar com Crianças para Regiões Tropicais.
Lisboa: GSK, 2007 Aspectos epidemiológicos

As principais áreas de transmissão correspondem


a África, Ásia, e América do Sul, entre latitudes de
40º N e 30ºS.
A quase totalidade dos casos de malária grave
relaciona-se com a espécie P. falciparum, a qual
predomina na África ao sul do Saará; contudo
também existe na Nova Guiné e Haiti. Nas regiões
temperadas, América Central, Bangladesh, Índia,
Paquistão e Sri Lanka predomina a espécie
P. vivax. Em conjunto, P. vivax e P. falciparum pre-
dominam no Sueste da Ásia, América do Sul e
Oceania. P. ovale, a espécie menos comum, ocorre
quase exclusivamente em África. A transmissão é
mais propícia durante a estação das chuvas nos
climas tropicais; contudo, na região equatorial
ocorre durante todo o ano (Figura 1).
A transmissão da malária foi praticamente eli-
minada nos EUA e Canadá, Europa, Austrália,
CAPÍTULO 303 Malária 1559

A fase exoeritrocitária começa com a picada do


mosquito que injecta pequena quantidade de sali-
va contendo esporozoítos, na corrente sanguínea
(entre o anoitecer e amanhecer). Em minutos, os
esporozoítos veiculados pelo sangue entram nos
hepatócitos, onde se multiplicam assexuadamente
(esquisontes ou esporozoítos em fase de multipli-
cação assexuada); cerca de 1-2 semanas depois os
esporozoítos, transformando-se em merozoítos,
provocam rupturas nos hepatócitos e libertam-se
em número de milhares, entram na circulação san-
guínea e invadem os eritrócitos.
Começa aqui a fase eritrocitária (entrada de
merozoítos/formas de plasmódios assexuados,
FIG. 1
provenientes do fígado, nos eritrócitos). Uma vez
Distribuição geográfica da malária e resistência a alguns no interior dos eritrócitos, os parasitas assumem a
antimalários. (OMS,2012) forma em anel que aumenta de dimensões – é a evo-
lução para trofozoítos (trofozoítos em fase precoce).
Chile, Japão, Coreia, Israel, Líbano e Taiwan. Nos Por sua vez, os trofozoítos multiplicam-se as-
países ocidentais a doença tem surgido sobretudo sexuadamente nos eritrócitos para produzirem
em viajantes ou imigrantes de áreas endémicas. um pequeno número de merozoítos eritrocitários
Em Portugal a doença é de declaração obrigatória; que são libertados para a corrente sanguínea com
de acordo com as estatísticas(que se referem a a ruptura da membrana eritrocitária; esta invasão
“malária importada”), no quinquénio 2003-2007 do sangue é acompanhada de febre.
foram notificados 239 casos (média anual de 47,8), Com o tempo, alguns merozoítos libertados
correspondendo nove a idades < 14 anos, e cator- dos eritrócitos diferenciam-se sexualmente, com
ze a idades entre 15 e 24 anos. No Hospital Dona formação de gametócitos (macho/M e fêmea/F),
Estefânia, Lisboa foram observados 79 casos no completando-se o ciclo de vida do Plasmodium
decénio 1998- 2007, sem ocorrência de óbitos. quando os referidos gametócitos são ingeridos
O parasita é transmitido ao homem pela pica- durante uma refeição de sangue/picada do hos-
da da fêmea do mosquito do género Anopheles. Na pedeiro humano por mosquito Anopheles fêmea.
grande área africana sub-saariana, o vector mais No estômago do mosquito os gametócitos M e F
importante na transmissão pertence à espécie fundem-se dando origem a zigoto que, após trans-
Anopheles gambiae. A malária pode também ser formações, evolui para esporozoítos que atingem
transmitida através da transfusão de sangue ou as glândulas salivares daquele. A partir desta fase,
derivados, de agulhas de seringas com sangue o mosquito está em condições de inocular esporo-
contaminado, e de modo vertical durante a gravi- zoíto em próximo hospedeiro a quando de picada
dez, transplacentar mãe → feto(pré-natal), ou para se alimentar de sangue deste.
intra-parto (perinatal). Como particularidades deste ciclo há a referir
O ciclo de vida do Plasmodium é complexo, estan- que algumas formas de P. vivax e P. ovale – os hi-
do adaptado à sobrevivência em diferentes meios pnozoítos – poderão permanecer no fígado duran-
celulares, quer no hospedeiro humano (na fase assexua- te longos períodos e provocar recidivas, meses ou
da), e no mosquito vector (na fase sexuada, com pro- anos mais tarde.
dução de gâmetas). Em termos quantitativos, a Este processo biológico complexo gera altera-
reprodução traduz-se no incremento de número de ções patológicas (febre, anemia, distúrbios imuno-
protozoários no organismo humano, da ordem de patológicos e hipóxia tecidual) as quais permitem
~102 para ~1014, em duas fases (1ª fase, nas células compreender as manifestações clínicas. A febre –
parenquimatosas hepáticas <> fase exoeritrocitária; como atrás foi dito – surge quando se verifica rup-
e 2ª fase, nos eritrócitos <> fase eritrocitária). tura eritrocitária e libertação de merozoítos na cir-
1560 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

culação. A anemia explica-se pela hemólise, se- Nalguns casos, circulando os parasitas em
questração de eritrócitos no baço e outros órgãos, pequeno número e na ausência de multiplicação
assim como pela repercussão sobre as células pro- rápida durante tempo prolongado,é provável que
genitoras eritropoiéticas da medula óssea. Os a forma clínica não seja grave. Por outro lado, é
distúrbios imunopatológicos associados à malária possível que surjam episódios repetidos quando o
incluem essencialmente activação policlonal com parasita cria certo tipo de respostas imunes evasi-
diversas consequências: hipergamaglobulinémia, vas, tais como replicação intracelular, adesão eri-
formação de imunocomplexos, imunodepressão, e trocitária ao endotélio vascular impedindo a sua
excessiva formação de citocinas pró-inflamatórias circulação pelo baço, rápida variação antigénica, e
(especialmente TNF) com efeito patogénico mul- supressão ou depressão da resposta imune do
tiorgânico incluindo hipóxia tecidual. A adesão hospedeiro.
dos eritrócitos infectados ao endotélio vascular – Os eritrócitos contendo Hb S, Hb F, os que não
ocorrendo mais frequentemente com P. falciparum têm antigénios do sistema Duffy, assim como os
– pode levar a obstrução do lume vascular e dimi- ovalócitos, são mais resistentes à malária.
nuição do débito sanguíneo, assim como a ruptu-
ra capilar com extravasão de sangue/plasma, Manifestações clínicas
fuga proteica e hipóxia tecidual. Como resultado
da hipóxia, o metabolismo em anaerobiose origina O período médio de incubação da malária, consi-
hipoglicémia e acidose láctica. Em suma, o conjun- derando as várias espécies, é respectivamente: – P.
to destas alterações fisiopatológicas repercute-se falciparum → 9-14 dias; – P. vivax → 12-17 dias; – P.
em vários territórios com risco elevado de disfun- ovale → 16-18 dias; – P. malariae → 18-40 dias.
ção multiorgânica (designadamente ao nível do Contudo, estes períodos podem ser mais longos
cérebro, coração, intestino e fígado) (Capítulo (meses a anos). Os grupos pupulacionais de maior
268). risco são: idade < 5 anos, grávidas e viajantes pro-
A imunidade para a malária pode ser inata venientes de áreas não endémicas.
(isto é, geneticamente determinada), ou adquiri- Nalguns doentes ocorre um período prodró-
da. A imunidade congénita ou inata pode ser devi- mico de 2-3 dias antes de os parasitas serem detec-
da a falta de ligantes (centros de ligação) à superfície tados no sangue, constituído por cefaleias, mial-
dos eritrócitos para se acoplarem a receptores gias, febre ligeira, dores torácicas e abdominais,
específicos à superfície dos merozoítos, fase essen- artralgias e mal estar geral.
cial para que se verifique a entrada destes nos eri- Na sua forma clássica, a malária tem um qua-
trócitos. A imunidade adquirida pode ser passiva dro de apresentação que raramente é observado
ou activa; a passiva pode ser devida à passagem noutras doenças infecciosas: paroxismos (com
transplacentar (mãe → feto) de anticorpos IgG febre alta, arrepios, sudação intensa, cefaleias,
anti-plasmódio; a activa desenvolve-se lentamente dificuldade respiratória, mialgias, dores lombares
como resposta à infecção com plasmódios. e abdominais, anorexia, náuseas, vómitos, diar-
Nos mecanismos de imunidade para plasmó- reia, palidez e icterícia) alternando com períodos
dios intracelulares têm papel fundamental os de relativo bem estar, embora com certo grau de
mediados por células (linfócitos T, macrófagos, fadiga. Os referidos paroxismos coincidem com a
polimorfonuclares, sitema reticuloendotelial do ruptura dos esquizontes que ocorre com interva-
baço, etc.), enquanto os relacionados com anticor- los de 48 horas nos casos de P. vivax e P. ovale, e do
pos IgM, IgG e IgA (imunidade humoral) actuam que resultam “picos febris” em dias alternados;
fundamentalmente nos parasitas extracelulares. nos casos de P. malariae a referida ruptura ocorre
A imunidade após infecção por Plasmodium é com intervalos de 72 horas, com consequentes
incompleta, razão pela qual se pode, até certo “picos febris” de 3-3 ou de 4-4 dias. A periodicida-
ponto, evitar a doença grave; pelo contrário, no de torna-se menos aparente com P. falciparum e
estado actual dos conhecimentos ainda não é infecções mistas.
possível a erradicação completa ou a prevenção Os doentes com infecção primária, tais como
de futura infecção. viajantes provenientes de regiões não endémicas,
CAPÍTULO 303 Malária 1561

podem também ter episódios sintomáticos irregu- Outro aspecto particular ligado à malária por
lares durante 2-3 dias antes do início dos paroxis- P. falciparum é a chamada esplenomegália hiper-
mos regulares. Nas crianças com > de 2 meses não reactiva (associada a elevação de IgM, títulos ele-
imunes, as manifestações clínicas de malária podem vados de anticorpos antimaláricos e a linfocitose
variar muito, entre febrícula e cefaleia, e febre alta sinusal hepática).
associada a vómitos, diarreia, palidez, cianose, ane- O Quadro 1 descreve a frequência relativa das
mia, hepatosplenomegália, trombocitopénia, leuco- manifestações clínicas e laboratoriais associadas a
pénia, por vezes em combinação. valor prognóstico, segundo critérios da OMS.
As manifestações mais frequentes de malária A recrudescência após ataque primário pode
grave (em geral associadas a P. falciparum) são altera- ocorrer devido à sobrevivência de formas eritro-
ções do estado de consciência que podem culminar citárias na corrente sanguínea. A recaída a longo
no coma, dificuldade respiratória, e anemia. Outras prazo é provocada pela libertação de merozoítos a
manifestações de gravidade incluem acidose partir de fonte exoeritrocitária no fígado (P. vivax e
metabólica, desidratação, hipercaliémia, e sinais neu- p. ovale), ou persistência eritrocitária (P. malariae).
rológicos (convulsões focais, rigidez de descerebra- A verificação de sintomatologia típica algumas
ção ou de descorticação, opistótono, reflexos plan- semanas após retorno de viajante de zona endé-
tares anormais, reflexos abdominais ausentes, etc.). mica é a favor de infecção por P. vivax, P ovale ou
Quando a alteração do estado de consciência P. malariae.
nos casos de malária por P. falciparum não pode ser A malária por P. falciparum, associada a mais
explicada por hipoglicémia, convulsões ou qual- intensa parasitémia, corresponde, como foi referi-
quer outra causa, utiliza-se o termo de malária cere- do, à forma mais grave (risco de mortalidade
bral. Descreve-se hoje um quadro de retinopatia da ~30% em lactentes não imunes e ~25% nos
malária, não observável noutras infecções: áreas imunes), implicando medidas médicas de emer-
discretas de “branqueamento” da retina e aspecto gência. Com efeito, nesta forma a parasitémia em
de pequenos vasos de cor prateada, alaranjada ou termos quantitativos relativos pode ser > 60%
esbranquiçada, em pequenos focos dispersos. (explicável por infectar eritrócitos maturos e ima-

QUADRO 1 – Frequência relativa das principais manifestações de malária grave em crianças


e adultos (valor prognóstico)

Valor prognóstico* Frequência*


Manifestações clínicas e laboratoriais
crianças adultos crianças adultos
+ ? prostração +++ +++
+++ ++ alteração da consciência +++ ++
+++ +++ dificuldade respiratória +++ +
+ ++ convulsões +++ +
+++ +++ colapso circulatório + +
+++ +++ edema pulmonar +/- +
+++ ++ hemorragia +/- +
++ + icterícia + +++
+ + hemoglobinúria +/- +
+ + anemia grave +++ +
+++ +++ hipoglicémia +++ +
+++ +++ acidose +++ ++
+++ +++ hiperlactacidémia +++ ++
+/- ++ hiperparasitémia ++ +
++ ++ alteração da função renal + +++

Fonte: OMS 2000; * Escala de relevância +→ ++→+++; +/- = achado pouco frequente
1562 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

turos); em comparação, a parasitémia consideran- quer agente terapêutico. Devem ser examinadas
do em conjunto P. ovale e P. vivax (infectando as preparações de sangue em gota espessa, em 3 oca-
somente eritrócitos imaturos), e P. malariae, (infec- siões diferentes (sendo por vezes necessário repetir
tando somente eritrócitos maturos), é muito o procedimento cada 4 horas/dia, sendo que um
menor: < 2%. De salientar,ainda, as particulari- único resultado negativo não exclui o diagnóstico),
dades seguintes: procedendo-se à coloração pelo método de Giemsa
1 – a malária por P. vivax, embora menos grave (superior ao de Wright ou de Leishman). Os para-
que a malária por P. falciparum, comporta maior sitas da malária apresentam-se como corpos cora-
risco de ruptura do baço; dos de vermelho (material nuclear) e de azul (cito-
2 – a malária por P. malariae tem como carac- plasma) com grânulos negros ou castanhos, nas
terísticas fundamentais a maior benignidade, mas últimas fases de desenvolvimento, que ocorrem no
também a maior tendência para a cronicidade, interior dos eritrócitos.
estando descritas formas com recrudescimento Outros métodos (não dispensando o descrito
após 30-50 anos após ataque agudo; exame microscópico, de primeira linha) que
3 – a malária por P. ovale é a forma mais rara, podem ser utilizados são:
mais frequentemente associada a P. falciparum, e – detecção imunológica do antigénio utilizan-
evidenciando-se de modo semelhante à provoca- do prova ELISA de inibição;
da por P. vivax. – prova indirecta do anticorpo fluorescente ou
A malária congénita, cuja patogénese foi atrás de hemaglutinação indirecta;
referida, ocorre habitualmente em RN de mães não – prova com anticorpo monoclonal;
imunes em relação a P. vivax e P. malariae, embora – estudo molecular por PCR (reacção de poli-
possa ser relacionada com qualquer espécie. Os merização em cadeia).
sinais surgem em geral entre os 10 e 30 dias de vida
(com ampla variação entre 14 horas e vários meses): Diagnóstico diferencial
irritabilidade, febre, vómitos, dificuldade alimen-
tar, diarreia, cianose e hepatosplenomegália. O diagnóstico diferencial da malária faz-se com
Surgindo a malária durante a gravidez, o qua- larga série de doenças víricas ou bacterianas (sép-
dro mórbido verificado na grávida poderá ter sis, meningite, encefalite, endocardite, brucelose,
repercussões sobre o feto ou RN pela infecção da febre recorrente, febre tifóide, etc.), doença de
placenta, independentemente de haver, ou não, Hodgkin, colagenoses, entre outras.
transmissão mãe → filho.
Tratamento
Diagnóstico
O tratamento da malária consiste fundamental-
Como regra, pode estabelecer-se que qualquer mente em medidas gerais de suporte, e específicas
criança/pessoa com febre e sinais de doença sisté- (farmacoterapia antimalárica, e tratamento das
mica, que tenha viajado para, (ou residido em) complicações, descritas adiante). Em Portugal, os
zonas endémicas de malária há menos de 1 ano, fármacos antimaláricos disponíveis estão descri-
provavelmente está afectada por malária, mesmo tos no Quadro 2.
que tenha sido submetida a quimioprofilaxia (ver Na malária simples poderá ser utilizada a
adiante). Nos casos em que: 1 – os sintomas ocor- combinação atovoaquona/proguanil, a mefloqui-
ram < 1 mês após o regresso; 2 – se verifique para- na ou o quinino. A halofantrina está a ser abando-
sitémia > 2%; 3 – se identifiquem parasitas em nada em consequência dos seus efeitos tóxicos
forma de anel (<> trofozoítos precoces); 4- eritróci- cardíacos. A cloroquina é o fármaco indicado para
tos infectados com mais de 1 parasita, é provável malária não falciparum. Os derivados da artemisi-
que esteja em causa a espécie P. falciparum. nina não estão ainda disponíveis em Portugal.
Para que haja maior probabilidade de detectar O fármaco mais utilizado no tratamento inicial
os parasitas, deve colher-se o sangue durante os da malária grave é o quinino, associado à doxici-
ataques febris e antes da administração de qual- clina ou clindamicina, por via endovenosa, duran-
CAPÍTULO 303 Malária 1563

QUADRO 2 – Antimaláricos e respectivas doses, disponíveis em Portugal

Anti-malárico Dose de tratamento


Atovaquona/proguanil (Malarone®)* 12,5 a 22,7 mg/kg/dose, de atovaquona, per os, 3 dias
Clindamicina** (Dalacin-C®) 20 a 40 mg/kg/dia ev de 8/8h, 5 a 7 dias
Cloroquina (Resochina®) 25-40 mg base/kg, per os; 1ª dose 10 mg/kg seguido de 5 mg/kg 6, 24 e 48 horas depois;
Doxiciclina** (Vibramicina®) 2 a 3 mg/kg/dia, IV
Halofantrina# (Halfan®) 8 mg/kg/dose, per os, 3 doses de 6/6 horas
Mefloquina (Mephaquin®) 15 mg/kg/toma única ou 15 mg/kg mais 10mg/kg 8 a 24 horas depois, per os
Primaquina 0,3 a 0,6 mg base/kg/dia, per os, 14 dias
Quinino 20 mg/kg/1ª dose seguido de 7,5 a 10 mg/kg/dose de 8/8 horas, ev

*Actualmente, a formulação pediátrica existe, apenas, na Farmácia do Hospital Dona Estefânia; a de adultos está disponível no HDE e no IHMT;
** Sempre associados ao quinino para tratamento da malária grave; # Não recomendado pela maioria dos autores devido à sua absorção errática e toxicidade cardíaca.

te sete dias. O quinino, por via parentérica deve roupa contra o mosquito, cobrindo a totalidade do
ser substituído, logo que possível, pela via oral. A corpo; 2 – a utilização, sempre que viável, de
doxiciclina não deverá ser utilizada em crianças ambiente com ar condicionado, de mosquiteiros
com menos de oito anos de idade. impregnados com permetrina durante a dormida,
assim como de repelentes à base de DEET (N-N-
Complicações dietil-m-toluamida); os repelentes com concentra-
ção < 20% de DEET são eficazes apenas num curto
Para além da referência já feita à malária cerebral, cabe espaço de tempo.
referir de modo sucinto outras complicações, em O desenvolvimento duma vacina eficaz é o
geral sistematizadas como manifestações clínicas: grande desafio para o controlo da doença. Como
– Insuficiência renal, complicação frequente no dificuldade na sua fabricação cita-se designada-
contexto de malária por P. falciparum.Verifica-se mente a grande variedade antigénica do parasita
por hemoglobinúria maciça no contexto de hemó- nas fases eritrocitária e exoeritrocitária. De salien-
lise grave com deposição de Hb nos túbulos tar a investigação levada a cabo no CISM (Centro
renais, associada a diminuição do débito sanguí- de Investigação em Saúde de Manhiça, com o
neo renal. patrocínio da Fundação Bill Gates) em Mo-
– Edema pulmonar, complicação iatrogénica em çambique (Vacina RTS.S/ASO2A). Com o com-
relação com fluidoterapia excessiva. posto, utilizando um antigénio da fase pré-eritro-
– Hipoglicémia, frequentemente associada ao citária – a proteína CSP – demonstrou-se um efei-
tratamento com quinino. to protector de 35% contra a a malária clínica em
– Trombocitopénia, por vezes integrada no contex- crianças entre 1 e 4 anos, prevendo-se uma redu-
to de CID. ção em 40% das formas mais graves e em 65% da
– Ruptura esplénica, já referida; por vezes iatro- incidência em recém-nascidos. Considerando os
génica ao proceder-se a palpação intempestiva casos de mães que amamentam e submetidas a
num quadro de esplenomegália importante. medicação com antimaláricos, cabe referir que o
– Choque e síndroma de disfunção multiorgânica. teor do fármaco transferido mãe-filho por esta via
não envolve risco para o bébé, mas não permite
Prevenção neste último a profilaxia contra a malária.

Os aspectos gerais da prevenção, incluindo os BIBLIOGRAFIA


relacionados com a quimioprofilaxia e protecção Bergelson JM, Shah SS, Zaoutis TE. Pediatric Infectious
contra insectos, foram descritos no Capítulo 40, Diseases. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia: Mosby
sugerindo-se a respectiva consulta. A este respeito Elsevier, 2008
é importante reforçar: 1 – o papel protector da Chen LH, Wilson ME, Schlagenhauf P. Prevention of malaria in
1564 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

304
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1702. – unicelulares (leveduriformes),reproduzindo-
Varandas L. Viajar com Crianças para Regiões Tropicais. se por gemulação, processo pelo qual a célu-
Lisboa: GSK, 2007 la mãe origina outra, idêntica a si própria
(por ex. Cryptococcus);

*Células eucarióticas são aquelas em que há uma divisão nítida entre


o núcleo (com membrana nuclear e mais que 1 cromossoma) e o cito-
plasma (com organitos específicos,por ex. mitocôndrias). Estas células
variam muito em tamanho[por ex diâmetro entre 6-10um (levedura
pequena), até 2 mm de diâmetro e 3-5 cm de comprimento (por ex. a
alga unicelular Acetabularia)]. Células procarióticas, são aquelas em
que não há divisão entre núcleo e citoplasma; são de menores dimen-
sões e menos complexas estrutural e funcionalmente que as eucarióti-
cas – por ex. são do tamanho dos organitos destas –. As bactérias são
células procarióticas.
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1565

– multicelulares (fungos filamentosos, sendo infecções invasivas por fungos. Os agentes etioló-
designados por hifas os longos filamentos, os gicos mais frequentes nestas situações são Candida
quais, no conjunto formam um micélio); os albicans, Aspergillus fumigatus e Cryptococcus neo-
tecidos são parasitados como filamentos, ou formans. Contudo, mais recentemente, em parte
como filamentos e esporos; devido à utilização profiláctica de fármacos
– dimorfos; possuem características completa- antifúngicos, têm emergido outros fungos como
mente diferentes in vivo e in vitro; nos tecidos causa de doença invasiva.
revelam-se como células leveduriformes
(Histoplasma, Blastomyces, Sporotrichum), esfe- Etiopatogénese
ras cheias de endosporos (Coccidioides imitis)
ou células fumagóides (agentes de cromomico- Estão descritos três mecanismos principais pelos
se); e em meios de cultura correntes e a 24ºC, quais é adquirida a doença infecciosa por fungos:
originam colónias filamentosas. 1 – Inoculação/contaminação; em geral, o
Das particularidades biológicas poderá resul- fungo afecta o hospedeiro imunocompetente,
tar alguma confusão dos nomes atribuídos às dife- sendo a infecção resultante da contaminação cutâ-
rentes formas; por ex, à forma unicelular de deter- nea ou inoculação, como por exemplo as dermato-
minado fungo dá-se o nome de Cryptococcus neo- fitoses ou dermatofitias (por fungos filamentosos
formans, e de Filobasidiella neoformans à forma hifa. com afinidade específica para as estruturas cerati-
Por outro lado, os agentes Actinomyces spp e nizadas) e as candidíases mucocutâneas.
Nocardia spp não são fungos, mas agentes conside- 2 – Doença sistémica (primária); nesta catego-
rados ramos de bactérias que, por conveniência, ria estão incluídas as infecções por fungos com
são classicamente abordados no âmbito das infec- virulência suficiente para infectar um hospedeiro
ções por fungos. O agente Pneumocystis jiroveci (ex- imunocompetente. São exemplos: histoplasmose,
carinii), anteriormente considerado protozoário, é coccidioidomicose, blastomicose e paracoccidioi-
hoje englobado na categoria dos fungos pelas domicose.
razões adiante apontadas. 3 – Doença/micose oportunista; neste tipo de
Das cerca de 100.000 espécies de fungos exis- mecanismo estão englobados agentes com menor
tentes, apenas uma pequena minoria é patogénica virulência, que raramente causam doença invasi-
para o ser humano, designando-se por micoses as va no hospedeiro imunocompetente. São exem-
infecções causadas por fungos. Numa perspectiva plos: candidíase invasiva, aspergilose e criptoco-
simples, de prática clínica, uma das classificações cose.
considera os seguintes tipos, de acordo com a Neste capítulo é dada ênfase às infecções fún-
localização da infecção: 1 – superficiais (cutaneomu- gicas superficiais e sistémicas.
cosas); 2 – subcutâneas; 3 – sistémicas ou profundas. As infecções subcutâneas: a – Esporotricose (por
Na criança saudável, as infecções sistémicas Sporothrix schenckii); b – Micetomas (por Madurella
graves por fungos são pouco frequentes. Certas micetomi e outras espécies); c – Cromomicose (por
condições como prematuridade, manobras invasi- Fonsecae pedrosoi); d – Rinosporidiose (por
vas implicando ruptura da barreira epitelial (por Rinosporidium seeberi) são habitualmente do domí-
ex. cateteres centrais), má-nutrição, neutropénia nio do Dermatologista.
ou disfunção dos neutrófilos, uso excessivo de
antibióticos, imunossupressão ou neoplasias,
aumentam o risco de infecção por fungos. Nas
últimas duas décadas, tem-se verificado um
1. INFECÇÕES FÚNGICAS SUPERFICIAIS
aumento de infecções fúngicas graves em crianças
imunocomprometidas, o que pode estar relaciona- 1.1 Dermatofitoses mais comuns
do com estratégias terapêuticas cada vez mais
agressivas, podendo levar a neutropénia prolon- Os fungos dermatófitos alojam-se na camada
gada. Com efeito, cerca de 7% dos episódios febris superficial da epiderme, unhas e cabelo, onde pro-
em doentes imunocomprometidos são devidos a liferam. Não invadem as camadas inferiores da
1566 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

epiderme ou derme. Os agentes mais frequente-


mente implicados são Trichophyton, Microsporum e
Epidermophyton.
No que respeita à epidemiologia, verifica-se
distribuição mundial. A infecção é adquirida por
contacto directo com humanos ou animais infecta-
dos ou, no caso de dermatófitos geofílicos, por
contacto com o solo.
Nesta alínea são abordadas as dermatofitias
mais frequentes, a pitiríase versicolor e as can-
didíases mucocutâneas.

Tinea capitis
FIG. 1
Esta dermatofitia é causada por fungos do género
Trichophytone Microsporum, tais como M. canis, M. Tinea capitis. (NIHDE)
audouinii, M. mentagrophytes e T. tonsurans (90%
dos casos nos EUA). Os agentes causais variam Tinea unguium
consoante a área geográfica. A tinha das unhas deriva da invasão das lâminas
É muito frequente em idade pediátrica, sobretu- ungueais por dermatófitos, sendo que a designa-
do em crianças com 3-7 anos. As crianças e os adul- ção de onicomicose é mais lata do que a de tinha das
tos podem ser portadores assintomáticos. A inci- unhas; com efeito, aquela inclui toda a distrofia
dência é maior em afro-americanos, condições de ungueal causada por qualquer espécie de fungos,
higiene deficitárias e baixo nível socioeconómico. sejam dermatófitos, Candida, ou outros.
Atingindo o couro cabeludo, sobrancelhas e Os agentes etiológicos da tinha das unhas são: T.
pestanas, a apresentação clínica é variável: derma- rubrum e T. mentagrophytes.
tose descamativa não inflamatória, inflamação As manifestações clínicas variam entre pequenas
com lesões eritematosas e descamativas acompa- manchas esbranquiçadas até espessamento com
nhadas de alopécia, podendo progredir para destruição da lâmina da unha e hiperceratose
lesões mais acentuadas, tipo foliculite (kerion); subungueal. Distinguem-se dois tipos clínicos: o
pode manifestar-se igualmente por nódulos supu- distal, mais frequente, e o proximal, iniciado na
rativos ou por lesões tipo favo (escútula prega peri-ungueal, em regra perto da lâmina.
fávica/tinha favosa, com crostas e escamas amare- Observa-se discromia (cor esbranquiçada ou ama-
ladas e aderentes); por vezes acompanha – se de relada), superfície irregular, por vezes baça, fen-
febre e adenopatias satélites. Após cicatrização, dilhação e descolagem que chega a separar a unha
pode haver alopécia definitiva. A evolução depen- em duas lâminas. A onicólise total é rara. A doen-
de da interacção agente-hospedeiro. (Figura 1) ça atinge uma ou várias unhas. É raro que todas
O diagnóstico faz-se através de observação do estejam alteradas o que constitui elemento de dia-
fungo por microscopia óptica, em amostras de gnóstico em relação a outras afecções como a
cabelo ou pele infectada. O exame cultural é o psoríase.
meio de identificação do agente específico. O diagnóstico faz-se através da identificação do
O tratamento é feito com griseofulvina PO, 10- agente por microscopia óptica e exame cultural. O
20mg/kg/dia, em 1 dose diária, durante 6 a 8 sema- tratamento da tinha das unhas é feito com griseo-
nas. Para facilitar a absorção do fármaco, o mesmo fulvina PO (doses iguais às referidas anteriormen-
deve ser administrado após uma refeição gorda. te para a tinha do coiro cabeludo), durante 6-12
Outras alternativas terapêuticas são: terbinafina, meses. Geralmente os antifúngicos tópicos são
itraconazol e fluconazol, de que há experiência mais ineficazes pois não atingem as camadas inferiores
limitada em clínica pediátrica. Os champôs com sul- do leito ungueal.
fureto de selénio a 2,5% ou à base de cetoconazol a O tratamento da onicomicose por Candida é
2% reduzem a propagação da infecção. abordado na alínea 1.2.
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1567

Tinea corporis rubrum, T. mentagrophytes). Situam-se nos espaços


A tinha do corpo ou tinea corporis atinge as áreas interdigitais, na planta e no bordo. São constituí-
de menor pilosidade e não apenas a verdadeira das por vesículas e pústulas que rebentam, secam
pele glabra, como a das palmas das mãos e a das e descamam, às quais sucedem maceração, fissu-
plantas dos pés. Pode atingir a face, tronco e extre- ras, hiperceratose e alterações das unhas. A evolu-
midades. ção é geralmente cíclica, com exacerbação no
Os agentes etiológicos são fungos do género tempo quente e tendência para a cronicidade. O
Trichophyton (espécies T. rubrum, T. mentagrophytes, T. quadro clínico complica-se eventualmente por
tonsurans), Microsporum (M. canis) e Epidermophyton agentes piogénicos. Por vezes aparece linfangite.
(E. floccosum). A designação de “pé de atleta” deve o seu
A lesão mais comum é a impigem, pruriginosa. nome ao facto de ser muito comum entre despor-
Após período de incubação de 3 a 30 dias, o fungo tistas praticando em ginásios, balneários e pisci-
desenvolve-se dentro e paralelamente à superfície nas, assim como nos casos de uso prolongado de
da camada córnea. A lesão inicia-se por algumas calçado favorável à acumulação de humidade.
vesículas com aspecto herpético. Estas vesículas Contudo, em qualquer pessoa se pode desenvol-
passam por vezes despercebidas. Atenuam-se e ver este tipo de micose.
surge em seguida a figura anular/circular desi-
gnada classicamente como “herpes circinado”, Tinea cruris
com bordo vesiculoso, mais ou menos inflamató- Certos factores predisponentes (pele fina, obesidade,
rio, centro descamativo, e crescimento centrífugo. atrito/roupa apertada, temperatura e humidade),
Da confluência de várias lesões resulta por vezes agravados por certos tipos de vestuário, condicio-
aspecto policíclico. O prurido na zona da impigem nam as características clínicas e a evolução da
é factor de disseminação pela coceira que origina, tinha das virilhas, também chamada tinea cruris.
sobretudo em indivíduos com alteração imunoló- Esta micose é provocada por fungos do género
gica local ou geral, congénita ou devida a terapêu- Epidermophyton (E. floccosum) e Trichophyton (T.
tica imunossupressora. (Figura 2) rubrum, T. mentagrophytes).
O diagnóstico faz-se por identificação do agen- As manifestações clínicas iniciam-se por pápu-
te através de microscopia óptica, e por exames cul- la ou pequena área eritematosa, elevada, a qual
turais. invade as pregas das virilhas, períneo, e por vezes
nádegas, onde a expressão clínica é a de impigem.
Tinea pedis (pé de atleta) O centro das lesões das virilhas é habitualmente
As lesões dos pés (tinha dos pés ou “pé de atleta”) castanho-avermelhado. Por vezes verifica-se des-
são provocadas por fungos do género camação ou maceração e mesmo fissura; em certos
Epidermophyton (E. floccosum) e Trichophyton (T. casos há apenas descamação. É mais frequente em
rapazes após a puberdade. Pode haver trans-
missão interpessoal.
O tratamento antifúngico indicado nas situa-
ções de tinea corporis, tinea pedis e tinea cruris é tópi-
co (nistatina, terbinafina, clotrimazol ou micona-
zol) durante 4 semanas; contudo, nas lesões cróni-
cas, por vezes múltiplas e recidivantes de tinea cor-
poris da pele glabra, em que se perde o carácter de
impigem e a dermatose passa a assemelhar-se a
eczema ou psoríase, ou assume forma difusa gra-
nulomatosa (rara) com invasão da profundidade
dos tecidos e dos gânglios, torna-se necessário tra-
tamento sistémico com griseofulvina durante 6-8
FIG. 2
semanas e, em casos específicos, incisão e drena-
Tinea corporis: impigem. (NIHDE) gem de lesões supuradas.
1568 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Pitiríase versicolor (Tinea versicolor) Admite-se como fonte de contágio mais


Trata-se de micose muito comum devida a comum para C. albicans a mucosa vaginal, quando
Malassezia furfur. Tem distribuição mundial, mas do nascimento. O fungo pode penetrar na boca e
aparece com maior frequência nas regiões tropi- fixar-se no intestino do RN; contudo, existem
cais e subtropicais; pode verificar-se transmissão outras fontes de contágio para o RN e criança
interpessoal quando em fase de descamação. maior, tais como o material não convenientemen-
Revela-se clinicamente por lesões maculares te higienizado (biberões, chupetas,etc.) e as mãos
hipo ou hiperpigmentadas, policíclicas, com des- contaminadas do pessoal. A transmissão pode
camação furfurácea; a sua patogénese não está igualmente processar-se através candidíase da
esclarecida (a descamação não parece funcionar glândula mamária materna nas criança alimenta-
como filtro solar, sendo que se admite um defeito das ao peito.
no transporte dos grânulos de melanina, secundá- C. albicans encontra-se raramente na pele sã,
rio à infecção) As referidas máculas discrómicas embora seja habitual em mucosas sem alterações.
têm dimensões variadas, de contornos nítidos ou Quando invade a epiderme, produz lesão de der-
difusos, por vezes confluentes; localizam-se sobre- mite vesiculosa, eritemato-exsudativa com ten-
tudo na metade superior do tronco, braços e re- dência intertriginosa, isto é, localizada frequente-
gião cervical, mais ou menos simetricamente. mente nas pregas cutâneas-inguinais, axilares,
Muitas vezes, a doença é detectada poucos contorno anal, umbigo, etc.. A temperatura mais
dias após a exposição da pele ao sol porque nas elevada e as dificuldades de arejamento originam
áreas da pele afectadas pela micose a pele não se maior sudação e, consequentemente, maceração
bronzeia. No Inverno, as lesões tomam uma colo- cutânea nestas pregas. Por outro lado, há que ter
ração escurecida, castanho-avermelhada. É carac- em conta a relação das pregas cutâneas com os
terística desta micose a variação de cor (versico- orifícios naturais e a presença habitual de C. albi-
lor) associada à descamação que se torna mais cans nas respectivas mucosas, com passagem
nítida por raspagem com a unha – sinal clássico possível destas para a pele. A terapêutica com
no diagnóstico diferencial com outras alterações antibióticos e corticóides, (designadamente cor-
discrómicas da pele. ticóides inalados) assim como situações de disfun-
O diagnóstico é habitualmente fácil. Apoia-se ção imunitária (sobretudo em relação com defeitos
nos factos clínicos, na pesquisa do agente nas de células T) podem favorecer a infecção.
escamas por microscopia óptica e no exame da A candidíase superficial mais frequente (cujos
pele com radiação ultravioleta negra – luz de aspectos do diagnóstico são abordados a propósi-
Wood. O exame cultural raramente é necessário. to da candidíase sistémica) tem em regra carácter
Está indicado tratamento antifúngico tópico localizado – é a forma mucocutânea (oral perineal
(hipossulfito de sódio a 20% ,ou cetoconazol a 1%, e outras).
ou derivados tópicos do imidazol, entre outros);
em função do contexto clínico poderá estar indica- Candidíase oral
da terapêutica com antifúngico oral (cetoconazol Também vulgarmente conhecida como “sapinhos”,
na dose de 3 mg/kg/dia durante 10 dias). As monilíase oral (Monilia sinónimo de Candida na
recaídas são frequentes. taxonomia clássica), é a mais frequente de todas as
formas de candidíase, sobretudo nos primeiros
1.2 Candidíase meses de vida; pode ocorrer entre 2-5% de RN
considerados saudáveis. Apesar do contacto fre-
A candidíase (ou candidose) é um tipo de micose quente da criança com C. albicans, sobretudo ao
provocada pelo fungo do género Candida cuja nascer, apenas algumas revelam a infecção, o que
espécie C. albicans (mais frequente) é a que evi- se pode relacionar com infecção maciça e com fac-
dencia patogenicidade mais marcada. A mesma tores de susceptibilidade individual (por ex.
tem como habitat natural o tubo digestivo e outras hipossecreção salivar condicionando défice de
mucosas do homem, outros mamíferos e aves, lisozima, e de IgA, estes com acção antifúngica).
onde vive como comensal ou patogénico. Como manifestações clínicas há a referir peque-
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1569

nas pápulas ou placas brancas “leitosas” (asseme- lesões eritematosas, de bordos elevados, por vezes
lhando-se a ”restos de leite”, aderente) com base com pápulas, vesículas ou pústulas na região per-
eritematosa, confluentes, muito aderentes, disper- ianal. Pode estar associada a candidíase oral.
sas por toda a mucosa (gengivas, língua, e parti- O tratamento consiste em antifúngico tópico
cularmente na jugal). Quando removidas deixam (por ex. clotrimazol a 1%, miconazol, cetoconazol
a descoberto superfície vermelha e sangrenta. Em ou nistatina), 2-3 vezes/dia, durante 7-10 dias.
situações de alto risco em relação à infecção por Uma vez que esta situação pode estar associa-
VIH, em crianças de qualquer idade, é considera- da a dermatite das fraldas (Capítulo 97), está indi-
da como uma das manifestações iniciais da doen- cada a aplicação, em alternância, de pasta de
ça. Havendo tendência para disseminação da óxido de zinco.
infecção para o esófago e tubo digestivo em geral, Como medidas preventivas, e em complemento
é altamente provável existir síndroma de imuno- do que se sugere no referido capítulo, cabe salien-
deficiência de base. tar: mudança frequente de fraldas (na idade das
O tratamento pode ser efectuado com: fraldas), secagem cuidadosa da pele e, por vezes,
– roxo de genciana a 1% (fármaco clássico, eliminação de cueiros impermeáveis para evitar
antigo, de baixo custo), 3-4 vezes/dia, duran- maceração cutânea.
te 7-10 dias; ou
– cetoconazol, PO, 3 mg/kg/dia, 4 vezes/dia, Outras infecções superficiais por Candida
durante 10 dias; ou Citam-se, de modo sucinto:
– nistatina em suspensão oral (200.000 U/mL), 1 – glossite (que pode surgir após antibioticote-
PO, 1 mL, 4 -6 vezes/dia, durante 7-10 dias, rapia);
pós-prandial; ou 2 – boqueira (sinónimos: ângulo infeccioso ou
– miconazol a 20% em gel, PO, 1-2 mL 2-3 perlèche) ou lesões de eritema e pequenas fissuras
vezes/dia no RN e lactente, pós-prandial; nas comissuras bucais, havendo por vezes factores
após os 12 meses, a dose é aumentada pro- predisponentes como atopia, imunodepressão,
gressivamente para 3 → 4 → 5 mL, 3 – 4 irritação local com pasta dentífrica, elixir, taninos,
vezes/dia; a duração do tratamento é 7-10 etc.. Nestas duas situações (glossite e boqueira)
dias, salientando-se a conveniência de pro- aplicam-se os princípios enunciados para o trata-
longar o tratamento alguns dias após cura mento da candidíase oral.
clínica para evitar recidivas. 3 – dermatoses eritematosas maculo-vesiculares,
A prevenção implica a execução de medidas que por vezes papulares ou em placas, em zonas de
se tornam lógicas tendo em conta os eventos etio- pele húmida ou tapada (espaços interdigitais, axi-
patogénicos referidos antes: las, virilhas;
– higiene incluindo lavagem das mãos das pes- 4 – onicomicose (rara, muito difícil de erradicar),
soas que manuseiam a criança; a qual pode ser observada em adolescentes manu-
– esterilização de chupetas e biberões, sendo seando água com frequência. Este quadro poderá
boa norma mudar para nova chupeta, tam- associar-se a candidíase mucocutânea.
bém a esterilizar; Confirmando-se etiologia por Candida, quer
– cuidados nos infantários não trocando chu- das dermatoses descritas antes, quer da onicomi-
petas, o que implica vigilância rigorosa e for- cose (3- e 4-) , está indicado o tratamento com
mação básica do pessoal; cetoconazol PO na dose de 3-5 mg/kg/dia duran-
– nos lactentes alimentados ao peito, deve ser te 3 a 6 meses, em função do estádio da infecção e
observada a glândula mamária (mamilo/ da resposta ao tratamento (ver alínea 1.1).
aréola) no sentido de detectar eventuais
sinais de candidíase, a qual deve ser tratada.

Candidíase perineal
2. INFECÇÕES FÚNGICAS SISTÉMICAS
Surge tipicamente entre o segundo e o quarto mês Nesta alínea são descritas algumas formas clínicas
de vida, na região do períneo. Caracteriza-se por de infecção fúngica sistémica, salientando-se
1570 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(dentro da raridade) a sua ocorrência mais fre- 3 – transmissão horizontal pessoa a pessoa;
quente em doentes em estado crítico, em geral 4 – transmissão nosocomial por contacto direc-
hospitalizados, e portadores de imunodeficiência to, alimentos, objectos, e cateteres ou manobras
de etiologia diversa. invasivas em geral.

2.1 Candidíase sistémica Factores relacionados com o hospedeiro


podem ser tipificados por determinadas situações
Importância do problema clínicas, que merecem referência pela especial sus-
Entre mais de 200 espécies do género Candida, ceptibilidade criada: o RN pré-termo MBP, o
somente cerca de 10 foram identificadas como doente com infecção por VIH/SIDA, e os doentes
patogénicas, algumas das quais podem dar ori- com cancro e os transplantados com compromisso
gem a formas disseminadas graves. do estado imunitário.
No caso do RN submetido a terapia intensiva e
Etiopatogénese em estado crítico existe compromisso dos meca-
Dum modo geral, pode sintetizar-se que a doença nismos de defesa específicos e inespecíficos levan-
invasiva por fungos depende de factores relacio- do a hipercrescimento de Candida nas superfícies
nados com o agente infeccioso, o hospedeiro e o mucocutâneas; lesões na pele e mucosas e a reali-
ambiente. zação de manobras invasivas (por ex. cateteres)
Na criança imunocomprometida (síndromas facilitam a entrada dos agentes na circulação, o
de imunodeficiência congénita ou adquirida de aparecimento de vasculite e disseminação hema-
etiologia diversa, sobretudo nos casos de defeitos togénica com formação de nódulos miliares em
das células T), foi demonstrado que outras espé- múltiplos órgãos [pele, fígado, baço, pulmões rins,
cies, como por ex. C. parapsilosis, C. krusei, C. gla- sistema digestivo, coração (sobretudo se exitir val-
brata, C.tropicalis, C. guilliermondii, C. dubliniensis e vulopatia prévia), globo ocular e meninges].
C. lusitaniae têm papel importante na génese de A verificação de neutropénia e de antibiotico-
formas graves sistémicas, invasivas, com frequên- terapia de largo espectro (designadamente com
cia cada vez maior. C. albicans coloniza a pele, apa- cefalosporinas), assim como o emprego de blo-
relho gastrointestinal e vagina de indivíduos queantes H2, alterando a ecologia/microbiota do
saudáveis(ver atrás). tracto digestivo, facilitam a colonização e a
Os principais factores com importância na invasão fúngicas.
génese de doença invasiva, dependentes do agen-
te etiológico são: Manifestações clínicas
1 – a virulência, dependente da existência de Os sinais clínicos no contexto de candidíase sisté-
adesinas; mica são os de sépsis por outros agentes, salien-
2 – a capacidade de evolução de evolução para tando-se que alguns sinais descritos a propósito
as formas invasivas (hifas); da candidíase localizada poderão também apare-
3 – a produção de enzimas proteolíticas; cer, embora associados a outros, numa criança
4 – a variabilidade antigénica, por sua vez rela- com mau estado geral e portadora de factores predis-
cionada com os factores anteriores. ponentes atrás discriminados.
Como consequência da disseminação fúngica, os
A transmissão das Candida spp pode verificar- territórios do organismo mais frequentemente afec-
se dos seguintes modos: tados são: orofaringe, mucosas, pele e esófago.
1 – a partir de espécies que colonizam o siste- Enquanto nas formas mucocutânea e esofágica o
ma digestivo ou a pele; agente implicado é, na generalidade dos casos,
2 – transmissão vertical grávida → feto/RN, Candida albicans, nas formas disseminadas a infecção
sendo que a taxa de colonização vaginal aumenta pode ser devida a outras espécies atrás descritas.
durante a gravidez (de < 20% para > 30%) e é Assim, no contexto de sépsis atrás referido,
~30% na pele, tubo digestivo e sistema respirató- salientam-se nas alíneas seguintes as formas clíni-
rio do RNMBP pela 2ª semana de vida; cas mais frequentes, geralmente em associação:
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1571

– Vulvovaginite (sobretudo em adolescentes perficiais é, em regra, essencialmente clínico,


do sexo feminino após puberdade, associada sobretudo se houver compromisso das mucosas
a diabetes mellitus, corticoterapia, tratamen- nas oral, vaginal e anal. O diagnóstico micológico,
to com fármacos imunossupressores, pílula ao contrário do que acontece na maioria das
anti-conceptiva); micoses, não pode fundamentar-se unicamente
– Candidíase laríngea (como complicação rara no isolamento e identificação dos respectivos
após o uso de esteróides inalados); agentes, uma vez que poderão ser comensais e
– Otite externa crónica (estas 3 formas podem existir na pele e mucosas de pessoas saudáveis.
ocorrer em crianças saudáveis, sem imuno- Por isso, torna-se indispensável que, tanto o
deficiência); exame directo, microscópico, como as culturas, sejam
– Candidíase congénita (rara, manifestando-se efectuados em material recentemente colhido.
como eritema difuso e neutrofilia surgindo Uma vez que as leveduras se multiplicam no pro-
nas primeiras 24 horas de vida no recém-nas- duto, a noção quantitativa não é válida para o
cido de termo); diagnóstico.
– Candidíase esofágica: geralmente associada A candidíase disseminada pode ser confirma-
a candidíase orofaríngea, pode contudo exis- da por exames culturais para identificação do
tir na sua ausência. Pode causar disfagia, odi- agente [a partir de sangue, urina (de preferência
nofagia, dor retrosternal e anorexia. Surge por punção suprapúbica), biópsia de pele, (depen-
em situações em que há alteração da imuni- dendo da localização da infecção)]; também
dade celular. poderão ser realizadas técnicas de biologia mole-
– Candidíase disseminada: pode afectar cular (PCR).
meninges, olhos, coração, pulmões, rins ou Em função do contexto clínico, outros exames
ossos. É muito frequente no doente oncológi- devem ser ponderados, caso a caso:
co, sobretudo após transplante de medula – Esofagoscopia para confirmação de can-
óssea. Se não tratada, pode evoluir para um didíase esofágica;
quadro de choque séptico (forma aguda) ou – Broncoscopia para colheita de aspirado bro-
para candidíase crónica disseminada (forma cotraqueal a submeter a exame directo e cul-
crónica). tural;
– Osteomielite, mais frequente em lactentes e – Exame oftalmológico para detecção de retini-
crianças pequenas. te ou outras alterações do sistema ocular;
– Doença cardíaca (endocardite, miocardite, aliás, no contexto de sépsis em doente sub-
arritmia); a endocardite é mais frequente metido a terapia intensiva e a antibioticotera-
havendo antecedentes de valvulopatia. pia de largo espectro, este exame torna-se
– Gastrenterite, habitual em doentes com can- obrigatório pela alta probabilidade de infec-
cro e síndromas de imunodeficiência. ção fúngica sistémica;
– Doença renal, manifestada por candidúria; – Exames de imagem (ecogafia, TAC, RMN,
contudo, o isolamento de Candida na urina outros) em função do território afectado.
poderá representar colonização, cistite ou
pielonefrite. Poderão surgir microabcessos, Tratamento
necrose papilar, distorção dos cálices, e obs- No tratamento da candidíase das estruturas pro-
trução da via excretora (do lume ou exterior fundas e de órgãos, não está indicada a nistatina
ao lume). pela fraca absorção digestiva.
– Meningoencefalite. Na candidíase pulmonar, a nistatina poderá
– Endoftalmite/retinopatia, em geral associa- ser utilizada em aerossol (por ex 500.000 U em 15
da a exantema macular no contexto de imu- mL de água destilada).
nodeficiência. Na candidíase sistémica, na endocardite por
Candida e, provavelmente na candidíase pulmo-
Diagnóstico nar, o tratamento mais efectivo utiliza anfotericina
O diagnóstico da candidíase nos seus aspectos su- B, na dose de 0,8-1,2 mg/kg/dia (ou anfotericina
1572 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

B lipossómica-AmBisome®, menos tóxica, na dose podendo ser encontrados em qualquer local,


de 3 mg/kg/dia). incluindo o ambiente hospitalar.
Nos casos de infecção grave do SNC, osteo-
mielite e endocardite deve associar-se à anfoterici- Etiopatogénese
na B outro antifúngico: a) flucitosina (na dose de Na maioria dos casos a doença por Aspergillus
50-100 mg/kg/dia, em 4 doses tem vantagem afecta o pulmão, na medida em que o primeiro
sobre a anfotericina B pelo facto de ser menos tóxi- evento, para que aquela surja, é a inalação do
ca e poder ser administrada, para além de IV, PO, fungo. Em muitos relatos de casos verifica-se a cir-
se a situação clínica o permitir. Pelo risco de apla- cunstância de obras de construção civil com liber-
sia medular, torna-se necessário proceder ao tação de poeiras contaminadas com esporos do
doseamento sérico bissemanal(medição dos picos fungo.
após 2h-se PO, e 30 minutos – se IV); idealmente Ao abordar o tema relacionado com este
~25 mg/L, não devendo exceder 100 mg/L; ou b) fungo, é importante falar nas micotoxinas, uma
fluconazol (6 mg/kg/dia) durante 14 dias até can- das quais, a aflatoxina pode contaminar os cereais
didémia negativa. e outros alimentos; também é um potente carcino-
Actualmente existe experiência efectiva da génio cujo papel na doença humana não está
vantagem doutros antifúngicos mais recentemen- esclarecido. Dum modo geral, a doença adquirida
te introduzidos pela maior actividade antifúngica na comunidade tende a ser não invasiva, enquan-
in vitro pertencentes às equinocandinas: 1) a mica- to a adquirida no hospital poderá ser ou não inva-
fungina nas doses de: 2 mg/kg/dia em perfusão siva. A génese da doença não invasiva pode rela-
IV durante 1 hora em doentes com 40 kg de peso cionar-se com:
ou <, incluindo RN; e de 100 mg/dia se peso > 40 1 – alveolite alérgica extrínseca (AAE); 2-asper-
kg; 2) a caspofungina constitui outra alternativa gilose broncopulmonar alérgica (ABPA); e 3 –
para crianças com > 8 anos se não existir infecção aspergiloma. Em 1 – e 2 –, trata-se de resposta
do SNC (dose de 50 mg/m2/dia) após 1ª dose de alérgica a Aspergillus spp (adquiridos por inala-
sobrecarga de 70 mg/m2. ção), respectivamente hipersensibilidade de tipo
Havendo cateter IV aplicado, o mesmo deverá III e I(síndromas de hipersensibilidade). No asper-
ser removido. giloma, como o nome parece indiciar, existe acu-
mulação de fungos(micélios) em forma de bola,
Prognóstico ocupando uma cavidade pulmonar pré-existente.
O prognóstico, dependente da localização e do A doença invasiva (disseminação metastática
estado imunitário do doente, pode considerar-se para vários órgãos a partir de foco de aspergilose
excelente na candidíase superficial, reservado na pulmonar) ocorre no contexto de doentes com
forma clínica associada a gastrenterite, e mau (ele- imunodeficiência congénita ou adquirida (sobre-
vada mortalidade) na forma septicémica dissemi- tudo, corticoterapia, quimioterapia, radiação,
nada. imunossupressão pós-transplante,etc.), e de forma
mais facilitada se existir neutropénia. A este
2.2 Aspergilose propósito, salienta-se que o Aspergillus é alta-
mente angiotrópico.
Importância do problema
A aspergilose é uma infecção fúngica de larga dis- Manifestações clínicas e diagnóstico
tribuição mundial. Estão descritas mais de 90 A ABPA, associada de modo particular a asma e a
espécies de Aspergillus, das quais cerca de 19 estão fibrose quística, manifesta-se de modo insidioso
associadas a doença humana, na sua maioria devi- com sinais de broncospasmo, febrícula e tosse pro-
da a Aspergillus fumigatus e, em menor grau a A. dutiva originando expectoração acastanhada que
flavus, A. niger, A. terreus e A. nidulans. Aspergillus contém fungos. Na prática clínica, para o diagnós-
spp é um membro dos Eumicetas (fungos verda- tico desta forma clínica considera-se imprescindí-
deiros), produzindo micélio e esporos assexuados vel a verificação dos seguintes critérios: detecção
(conídia) que são libertados para a atmosfera, de precipitinas (IgG para Aspergillus), IgE especí-
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1573

ficas para Aspergillus, sinais radiográficos do do antes do episódio). Os broncodilatadores asso-


tórax evidenciando infiltrados, eosinófilos no ciados a corticóides empregam-se por via inalató-
sangue > 500/mm3, prova cutânea de escarifica- ria segundo os mesmos critérios quanto a dura-
ção positiva para A. fumigatus, IgE total sérica > ção, descritos para os corticóides orais.
1000 ng/mL, bronquiectasias, e sibilância reversí- Na aspergilose invasiva o voriconazol (PO ou
vel. IV) é considerado o agente de primeira linha no
A aspergilose invasiva manifesta-se no contex- tratamento da aspergilose invasiva:
to de recaída de aspergilose pulmonar anterior. As • PO: se < 25kg: 6-10mg/kg/dia, em duas
suas manifestações incluem tosse seca, febre, doses; se 25-40kg : 2 doses iniciais de 200mg de
novos infiltrados pulmonares como sinais radio- 12/12h , seguidas de 100mg de 12/12h; se >40kg:
gráficos, e dificuldade respiratória; este quadro, 2 doses iniciais de 400mg de 12/12h, seguidas de
associado a hemoptise (por vezes maciça) e 200mg 12/12h.
taquicárdia, pode simular embolia pulmonar. • IV: se crianças pequenas: 2 doses iniciais de
Cerca de 2-3 semanas depois pode verificar-se 8mg/kg de 12/12h, seguidas de 6mg/kg
cavitação pulmonar no contexto de imunodefi- de12/12h; se crianças mais velhas: 2 doses iniciais
ciência e de estado geral grave símile septicemia de 6mg/kg de 12/12h, seguidas de 4mg/kg de
bacteriana com possibilidade de formação de 12/12h . A duração do tratamento depende da evo-
focos metastáticos em diversos órgãos [seios per- lução clínica; o mesmo pode ser iniciado IV, pas-
inasais(sinusite recorrente, polipose)], pele (placas sando a PO à medida que se verifica a melhoria.
eritematosas que evoluem para escaras-ecthyma
gangrenosum), globo ocular (retinite, celulite Nalguns centros emprega-se a anfotericina B
orbitária, etc.), SNC (meningite, enfartes e abces- (1-1,5 mg/kg/dia) por via IV, associada a 5-fluci-
sos cerebrais), osso (osteomielite), e coração tosina (50-100 mg/kg/dia, em 4 doses) durante 4-
(endocardite). 12 semanas. Entre os mais recentes antifúngicos
Para além das formas descritas, descrevem-se com menores efeitos acessórios citam-se o posaco-
ainda as chamadas síndromas não invasivas nazol, caspofungina e micafungina.
saprofíticas em crianças imunocompetentes, tra- Em situações específicas de aspergiloma está
duzidas essencialmente por colonização com o indicada ressecção cirúrgica associada a antifúngi-
fungo ao nível do canal auditivo externo (otomi- cos, ponderados os riscos.
cose) e pele. Dado que a doença se correlaciona com níveis
O diagnóstico baseia-se na identificação dos elevados de IgE relacionada com a carga fúngica,
Aspergillus por microscopia em tecidos obtidos está em investigação o emprego de anticorpos anti
por biópsia (tendo em atenção que, encontrando- IgE associados a antifúngicos na forma bronco-
se no ambiente, será preciso demonstrar a sua pre- pulmonar alérgica.
sença intratecidual), ou por cultura de áreas/teci-
dos infectados. A hemocultura é geralmente Prognóstico
negativa. O prognóstico é reservado nas formas invasivas,
Está igualmente em investigação, nos casos de comportando mortalidade ~70%; o mesmo está
diagnóstico de aspergilose, a detecção de um anti- também condicionado pela doença de base.
génio designado Galactomannan, preditivo de
doença invasiva. Prevenção
Nos doentes de alto risco (com cancro, neutropé-
Tratamento nia e submetidos a quimioterapia) tem sido preco-
Nas síndromas de hipersensibilidade estão indica- nizada a administração de anfotericina B em
dos corticóides sistémicos e broncodilatadores nos aerossol, ou de itraconazol PO (2,5 -5 mg/kg/dia
casos de episódios de broncospasmo: prednisona em duas doses diárias) como quimioprofilaxia.
oral (0,5 mg/kg/dia durante 1 semana, seguindo- Tendo em conta a etiopatogénese, tais doentes
se a mesma dose em dias alternados durante 6 deverão ser afastados de zonas de obras e de
semanas e ou até retorno de IgE ao nível verifica- poluição.
1574 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

2.3 Criptococose ligeira, com sintomas inespecíficos como tosse,


perda ponderal e fadiga (~30% dos casos);
Importância do problema – doença grave disseminada (em geral nos
A criptococose é uma doença fúngica invasiva doentes com SIDA), assumindo um quadro clínico
provocada por leveduras monomórficas capsula- simile septicémia com disfunção multiorgânica e
das in vivo, e micelares no ambiente: Cryptococcus prognóstico mau;
variante neoformans (>95% dos casos), e raramen- – infecção cutânea (lesões Modulares, podendo
te, C. neoformans variante gattii. O agente, de dis- ulcerar) (Figura 3);
tribuição mundial, está subdividido em 4 seróti- – infecção esquelética com compromisso fre-
pos (A, B, C, D): A e D estão associados a infecções quente das vértebras;
em doentes com imunodeficiência congénita, ou – infecção ocular (coriorretinite); e
adquirida, sobretudo em relação com infecção por – linfadenopatia generalizada.
VIH/SIDA e terapêutica imunossupressora em
doenças linfoproliferativas; B e C, relacionam-se Diagnóstico
com infecções prevalentes nas regiões tropicais e O diagnóstico específico depende da demonstra-
subtropicais, designadamente em certas regiões ção do fungo (observação directa com microscó-
da Austrália e em doentes imunocompetentes. pio, ou após cultura) ou do seu antigénio capsular
no LCR, sangue, ou outros locais atingidos pela
Etiopatogénese infecção; salienta-se, no entanto, que o C. neofor-
Admite-se que, na maior parte dos casos, a infec- mans pode estar presente na expectoração na
ção seja adquirida por inalação de esporos, não se ausência de doença.
verificando transmissão de pessoa a pessoa. Nos casos de SIDA, o exame do LCR poderá
Raramente a infecção pode ser adquirida por via revelar valor de células < 5/mm3, variando este
cutânea ou ocular. número entre 10-300/ mm3 nos restantes casos;
As estirpes virulentas de C. neoformans pos- existe sempre predomínio de linfócitos. O fungo
suem uma cápsula espessa constituída por polis- cora-se de violeta com a coloração de Gram (Gram
sacáridos, que protege o agente infeccioso da positivo).
fagocitose por macrófagos e neutrófilos. Atingi- No mercado existem kits que permitem a
dos os pulmões, pode surgir um quadro de pneu- detecção do antigénio capsular (método de agluti-
monia com formação de granulomas contendo nação pelo látex) no soro ou LCR. Títulos > 1/4
leveduras, em geral de localização subpleural. são sugestivos de infecção, sendo que títulos ele-
Nas circunstâncias de falência do sistema imune vados (~ 1/1024) sugerem carga fúngica maciça
para conter a infecção, o agente ultrapassa a bar- no contexto de deficiência imunitária. A determi-
reira alvéolo-capilar e atinge, por via hematogé- nação dos títulos tem também interesse para ava-
nica, outros órgãos e sistemas (meninges, cére- liar a resposta à terapêutica.
bro, pele, globo ocular, próstata e sistema esque-
lético). Ou seja, o infecção disseminada pode
ocorrer secundariamente a doença pulmonar em
doentes com disfunção imunitária, incluindo
SIDA.

Manifestações clínicas
As principais manifestações são:
– meningite subaguda ou crónica com cefaleias
intensas, alterações do comportamento e persona-
lidade, sinais neurológicos focais e, por vezes,
FIG. 3
sinais de hipertensão intracraniana; trata-se da
forma mais grave e frequente (~50% dos casos); Lesões cutâneas nodulares de Criptococose [regiões nasal
– pneumonia, geralmente assintomática ou (ulceradas), labial, geniana, auricular e retroauricular]. (NIHDE)
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1575

A radiografia do tórax pode evidenciar opaci- 2.4 Blastomicose


dades nodulares e / ou linfadenopatia hilar.
Importância do problema
Diagnóstico diferencial A blastomicose é uma doença fúngica rara causa-
Perante quadro de infecção sistémica acompanhada da pelo Blastomyces dermatitidis, fungo dimorfo
de meningite, o diagnóstico diferencial inclui inves- (micelar quando na natureza, e leveduriforme,
tigar, entre diversas causas de meningite, em parti- com cápsula espessa, quando nos tecidos). Trata-
cular, a tuberculose. As lesões cutâneas impõem que se duma doença endémica, rara em idade pediá-
o mesmo se faça com molluscum contagiosum e histo- trica (abaixo dos 15 anos, corresponde a ~2-10%
plasmose, designadamente nos doentes com SIDA. dos casos notificados em todas as idades). Estão
descritos casos em todos os continentes. O agen-
Tratamento e prognóstico te, difícil de isolar do solo, aparece sobretudo em
1 – Nos doentes sem SIDA e sem outra imuno- cursos de água. A doença adquire-se por inalação
deficiência, a combinação de anfotericina B (0,7-1 de esporos (na espécie humana e em animais),
mg/Kg/dia) + 5-flucitosina (100 mg/Kg/dia) não se transmitindo de pessoa a pessoa. A infec-
durante 6 semanas pode considerar-se curativa na ção também pode ser adquirida através de lesão
maioria dos doentes. cutânea.
2 – Nos casos de disfunção imunitária (SIDA e
outras) em que são frequentes as reacaídas após Etiopatogénese
paragem do tratamento utiliza-se o seguinte O local primário de infecção é , em geral, o
esquema (2+8 semanas): pulmão. Os esporos, atingindo os alvéolos, iniciam
• anfotericina B (0,7-1,0mg/kg/dia), ou anfo- germinação, passando a formas leveduriformes.
tericina B lipossómica (4mg/kg/dia), associada a Embora, na maioria das vezes, os esporos sejam
5-flucitosina (100mg/kg/dia) durante 2 semanas; fagocitados pelos macrófagos antes de surgir infec-
depois: ção, os que sobrevivem originam pneumonite,
• fluconazol (10-12mg/kg/dia) ou itraconazol podendo seguir-se disseminação hematogénica.
(2,5 – 5 mg/kg/dia) durante 8 semanas e ou até Como resposta imune à invasão do agente, neutró-
culturas negativas. filos e macrófagos migram para os tecidos infecta-
3 – Nos casos de doença pulmonar sintomáti- dos. O resultado final é uma resposta piogranulo-
ca: fluconazol na dose referida, sendo a duração matosa associada a necrose e ulterior fibrose. As
do tratamento guiada pela evolução clínica, lesões cutâneas podem ser secundárias a dissemi-
serológica e radiográfica. As novas gerações de nação hematogénica ou a inoculação directa.
azóis (voriconazol e posaconazol) são também
efectivas contra a infecção por Cryptococcus; tal Manifestações clínicas
não acontece, no entanto, com as equinocandinas A infecção por Blastomyces dermatitidis pode ser
(micafungina e caspofungina). assintomática, autolimitada, e, por isso, não dia-
gnosticada. Os sinais e sintomas são muito variá-
Com a terapêutica antiretrovírica associada veis, entre: pneumonia aguda autolimitada asso-
nos casos de SIDA o prognóstico melhorou. Uma ciada a sinais gerais e inespecíficos como tosse,
das complicações da meningite por criptococose é febre, perda ponderal, cefaleias, dor abdominal,
a hidrocefalia obstrutiva. sudorese nocturna; e quadro de doença aguda,
crónica ou fulminante.
Prevenção De salientar que a pneumonia aguda por blas-
A administração profiláctica de fluconazol em tomicose poderá não regridir espontaneamente e
doentes com infecção por VIH pode reduzir signi- manifestar-se por vezes como infecção pulmonar
ficativamente o risco de criptococose; contudo, na subaguda ou crónica, semelhante à da tuberculose
prática, este tipo de quimioprofilaxia não está e histoplasmose. Por vezes acompanha-se de eri-
indicado, tendo em conta a reduzida prevalência tema nodoso.
de tal patologia fúngica associada. As manifestações extrapulmonares incluem,
1576 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

entre outras, alterações cutâneas (a manifestação 2.5 Coccidioidomicose


extrapulmonar mais frequente, sob a forma de
lesões verrugosas ou ulcerações), lesões osteoarti- Importância do problema
culares (osteomielite), génito-urinárias e do siste- A coccidioidomicose, também designada por
ma reticuloendotelial (fígado, baço, gânglios linfá- febre de São Joaquim (nome derivado do vale de
ticos, medula). São Joaquim na Califórnia, onde a doença tem alta
prevalência), é uma doença causada por um fungo
Diagnóstico dimórfico (Coccidioides immitis), existindo no solo
A blastomicose, embora rara na idade pediátrica, sob a forma micelar/filamentosa, e nos tecidos
deve ser suspeitada em doentes vivendo em sob a forma esporular. Uma segunda espécie
áreas endémicas, com lesões granulomatosas e (C. posadasii) com idêntica patogenicidade foi iso-
ulceradas da pele ou mucosas, tendendo para a lada em áreas fora da Califórnia.
cronicidade. A forma crónica não se distingue da Endémica em certas regiões da América do
tuberculose, histoplasmose ou coccidioidomico- Norte, México, América Central e América do Sul
se. incluindo Brasil, pode afectar hospedeiros com e
O diagnóstico definitivo faz-se através de sem imunodeficiência. A doença confere imunida-
exame directo em microscopia, e de isolamento de permanente (resposta TH1 ou T helper 1).
por cultura do fungo a partir das lesões (tecidos e
fluidos corporais infectados). É possível a detec- Etiopatogénese
ção de antigénio específico (método ELISA, por A doença adquire-se através das conídias na fase
ex) mas existem reacções cruzadas com outros micelar saprofítica (altamente infecciosas) que
fungos; um resultado negativo não exclui infec- podem ser inaladas com a poeira do solo ou pene-
ção. Títulos iguais ou superiores a 1:32 suportam trar na pele em que se verifica solução de conti-
o diagnóstico. nuidade. Após inalação pode surgir doença cerca
O exame radiográfico do tórax pode eviden- de 3 dias depois, coincidindo com a evolução para
ciar sinais de consolidação, infiltrados intersticiais a forma esporular (esférula endosporo). A reacção
e alveolares, geralmente sem cavitação. tecidual é inflamatória, com influxo de neutrófilos
Nota importante: até que seja possível a detec- e formação de granuloma . Não existe transmissão
ção de antigénio específico ou o emprego de méto- pessoa a pessoa (exceptuando a eventualidade de
do PCR (reacção de polimerização em cadeia), o através de órgãos transplantados), mas foi descri-
diagnóstico de blastomicose assenta no achado do ta transmissão vertical mãe → feto.
microrganismo nos tecidos, fluidos orgânicos ou
em exame cultural. Manifestações clínicas
Com um período de incubação de 1-3 semanas, na
Tratamento maioria dos casos a sintomatologia é semelhante à
Nas pneumonias não complicadas poderá não de síndroma gripal (cefaleias, febre, artralgias e
haver necessidade de tratamento específico (ver mialgias), por vezes associada a pneumonia, com
atrás). Contudo, sem tratamento, a taxa de mor- recuperação espontânea. Como sequelas pulmo-
talidade da blastomicose nas formas dissemina- nares poderão aparecer ocasional e paulatinamen-
das e associadas a imunodeficiência pode atingir te nódulos ou cavidades, sobretudo em doentes
60%. com diabetes; tal achado pode verificar-se após
A anfotericina B em altas doses (doses progres- radiografia do tórax, o que demonstra que tal evo-
sivas desde 0,25 mg/kg/dia, até 1,5 mg/kg/dia) é lução é assintomática ou oligossintomática.
eficaz; o tratamento deverá durar 3-4 meses, Foram descritos em cerca de 25% dos casos, e 6-
podendo haver recaídas até 5 anos mais tarde (10 - 16 dias após início dos sintomas, exantema, erite-
20% dos casos). O cetoconazol PO (3 mg/kg/dia), ma multiforme, assim como eritema nodoso.
ou o itraconazol PO (2,5-5 mg/kg/dia) são alter- Verifica-se: recuperação espontânea em ~75-85%
nativas igualmente eficazes, implicando tratamen- das infecções; e disseminação extrapulmonar
to durante, pelo menos, 6 meses. (osteoarticular, do SNC, renal e cutâneo) em ~5-
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1577

10% das mesmas, associada a imunodeficiência de /dia, em perfusão IV lenta de 4-6 horas, devendo
etiologia diversa, a determinados factores de risco ser dada também por via intratecal (0,1-0,5
genético (por ex. maior probabilidade em doentes mg/kg/dia) se houver compromisso do SNC,
de raça negra, do grupo sanguíneos B e, no sistema designadamente se se tratar de C. immitis. O trata-
HLA, da classe II alelo –DRBI*1301), e a diabetes. mento deve durar até resolução da sintomatolo-
gia, em regra, e no mínimo, ~ 3 meses.
Diagnóstico Fora das situações disseminadas e graves, de
O diagnóstico pode ser confirmado por exame acordo com especialistas estão indicados antifún-
microscópico directo e por cultura da expectora- gicos da classe azóis de nova geração(posaconazol
ção, pus ou sangue; de salientar que, com o agente e voriconazol), em detrimento dos de anterior
em causa, se torna necessário empregar técnicas geração(itraconazol e fluconazol).
específicas, não exequíveis em todos os laborató- O prognóstico da coccidioidomicose é excelen-
rios tais como métodos de hibridação do ácido te, o da pós-primária é bom, e o da forma disse-
nucleico, reacção de polimerização em cadeia/ minada é muito reservado a mau, sobretudo se
PCR, etc.. Pode proceder-se a prova intradérmica houver infecção meníngea.
com coccidioidina (de hipersensibilidade retarda-
da, semelhante, à da tuberculina) que, no caso da Prevenção
doença, se torna reactiva dentro de 3 semanas após A prevenção diz respeito à evicção da exposição a
a infecção. É útil em estudos epidemiológicos. conídias. Uma vez que as vacinas holocelulares
Poderão ser igualmente utilizadas: provas seroló- mortas são ineficazes, presentemente está em fase
gicas (fixação do complemento) para doseamento de investigação uma vacina subcelular.
de IgG e IgM: títulos > 1/32 estão em geral asso-
ciados a infecções mais graves; observação directa 2.6 Histoplasmose
do agente por microscopia e cultura (tecidos e flui-
dos corporais infectados); detecção de anticorpos Importância do problema
específicos salientando-se que podem existir resul- A histoplasmose é uma infecção pelo fungo
tados falsos negativos nas fases precoces de infec- dimórfico Histoplasma capsulatum cujas formas
ção e em doentes imunocomprometidos. infectantes são as macro e microconídeas (espo-
O exame radiográfico do tórax poderá eviden- ros) das formas micelares; as mesmas encontram-
ciar sinais de infiltrados com adenopatia hilar, de se no solo rico em nitratos, com dejectos de aves e
derrame ou de cavitações (nas formas complicadas). morcegos, e em zonas de pó com prédios e madei-
O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente ras em ruínas. Os esporos podem ser transporta-
com a tuberculose tendo em consideração o qua- dos nas asas das aves.
dro febril, os achados radiológicos torácicos e o Esta infecção tem distribuição mundial (esti-
eritema nodoso. mando-se cerca de 200.000-500.000 casos anuais),
sendo endémica nas regiões oriental e central dos
Tratamento e prognóstico EUA e América Latina. Na Europa e Ásia têm sido
A coccidioidomicose primária raramente exige descritos casos esporádicos. Pode afectar crianças
tratamento que não seja sintomático. com e sem imunodeficiência. Não se transmite de
O tratamento específico (que engloba vários pessoa a pessoa.
esquemas) deve ficar reservado para as formas
graves associadas a títulos de anticorpos fixadores Etiopatogénese
do complemento IgG > 1/32 (pós-primárias, A infecção surge pela inalação das microconídeas.
primárias graves, disseminadas, ou de evolução Nos pulmões os esporos germinam, evoluindo
subaguda ou crónica). para formas leveduriformes que, provocando
A anfotericina B (de preferência a forma influxo de neutrófilos, linfócitos e macrófagos,
lipossómica-AmBisome®, pela menor toxicidade, levam à formação de granulomas. As formas leve-
nos casos de disfunção renal) está indicada nas duriformes podem sobreviver nos macrófagos e
formas disseminadas, em doses até 3-5 mg/kg/ sistema reticuloendotelial durante anos.
1578 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

As anomalias primárias ou adquiridas da fun- O diagnóstico implica, pois, um elevado índice


ção imune celular, assim como a imaturidade rela- de suspeita numa criança que viva (ou tenha esta-
tiva da imunidade celular na primeira infância, do) em zona endémica; e a eventual realização
são factores de risco quanto a disseminação do dum conjunto de exames complementares a saber:
microrganismo. – exame cultural para isolamento do agente
Verificando-se disfunção dos linfócitos T, o (sangue, LCR, urina, lavado broncoalveolar, bióp-
foco infeccioso inicial pode expandir-se e dissemi- sias de tecidos infectados);
nar-se. A probabilidade de infecção é directamen- – detecção de antigénio por método ELISA
te proporcional à carga de inóculo, sendo que (soro, urina, lavado broncoalveolar);
aquela poderá ser assintomática e autolimitada – detecção de anticorpos/fixação do comple-
em 10-50% dos casos. mento (sendo possível surgir reacções cruzadas);
títulos > 1/8 encontram-se em 80% dos doentes
Manifestações clínicas com histoplasmose (positividade somente cerca
Na maioria dos casos as infecções são subclínicas de 4-6 semanas após exposição ao fungo).
ou autolimitadas, não requerendo confirmação A intradermorreacção com histoplasmina não
laboratorial. tem utilidade na prática clínica corrente, especial-
Quando sintomática, a infecção pode ser pul- mente nos casos de deficiência de células T; po-
monar, extrapulmonar, e disseminada; e ainda, derá realizar-se em estudos epidemiológicos
aguda ou crónica. Na maioria, apresenta-se sob a O diagnóstico diferencial, tendo em conta a
forma pulmonar aguda, com sintomas ligeiros doença pulmonar e o padrão radiográfico do
(febre, tosse, mal-estar geral, adenopatia hilar e tórax, faz-se fundamentalmente com a tuberculo-
escassos infiltrados pulmonares). Nalguns casos se miliar (Capítulo 295).
pode surgir também artrite, pericardite ou eritema
nodoso. Nas áreas endémicas pode ser observada Tratamento
uma forma cutaneomucosa com formação de gra- Sendo auto-limitada a infecção pulmonar primá-
nulomas. Nas referidas áreas endémicas, em crian- ria nos doentes sem imunodeficiência, não está
ças com aparente bom estado geral, uma radiogra- indicado tratamento específico em tais circunstân-
fia torácica eventualmente realizada, evidenciando cias. Como se pode depreender, estão indicadas
sinais compatíveis com granulomas típicos poderá medidas habituais de suporte para as infecções
determinar a realização de exames laboratoriais. das vias respiratórias inferiores como oxigenote-
A histoplasmose disseminada é uma doença rapia, fluidoterapia, etc..
progressiva mais rara cujo foco inicial tem como Não se verificando melhoria clínica do quadro
ponto de partida a infecção primária do pulmão. grave de infecção da via respiratória ao cabo de 1
Surgindo quase exclusivamente em crianças com mês, nas formas disseminadas, ou nos casos de
imunodeficiência, pode seguir-se à infecção aguda, imunodeficiência, está indicado o tratamento
ou manifestar-se anos mais tarde, com febre pro- específico que pode ser aplicado segundo diver-
longada (semanas ou meses), hepatosplenomegá- sos esquemas. Indica-se o seguinte:
lia progressiva, choque e disfunção multiorgânica – anfotericina B (0,7 mg/kg/dia) ou anfoterici-
com insuficiência hepática, renal, aplasia medular, na B lipossómica (3 mg/kg/dia) IV durante 4-6
compromisso do SNC e CID (quadro septicémico). semanas, seguida de:
– itraconazol PO (2-5 mg/kg/dia) durante 6-18
Diagnóstico meses.
Dum modo geral a realização de exames laborato- Na criança com imunodeficiência, designada-
riais poderá ser necessária em doentes sintomáti- mente com infecção por VIH vivendo em zonas
cos com quadro clínico podendo sugerir outros endémicas, está indicada a quimioprofilaxia com
agentes patogénicos tais como Mycobacterium itraconazol (2-5 mg/kg cada 12 ou 24 horas)
tuberculosis, Blastomyces dermatiditis, ou outros, durante toda a vida (devendo atender-se contudo,
susceptíveis de provocar inflamação granuloma- ao estado imunológico, à terapêutica concomitan-
tosa. te, à negativação das culturas, e à antigenúria).
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1579

A corticoterapia, num período curto e sempre dos, o microrganismo foi isolado nos pulmões de
concomitantemente com a terapêutica anti-fúngi- lactentes com síndroma de morte súbita, sem se
ca quando esta está indicada, deverá ser reservada ter concluído sobre a possível relação causa-efeito.
para as situações com alteração ventilatória O habitat natural e o modo de transmissão ao
secundária a adenopatias importantes levando a homem são desconhecidos. A transmissão ao ani-
obstrução da via respiratória. mal faz-se por via inalatória; a transmissão ani-
mal-homem é pouco provável pelo facto de deter-
2.7 Pneumocistose minadas espécies do agente infectarem determi-
nadas espécies de hospedeiros (ver atrás forma spe-
Importância do problema cialis). A transmissão pessoa a pessoa também
A infecção por Pneumocystis jiroveci (anteriormen- carece de demonstração.
te designado P. carinii) origina um quadro de Nos espaços alveolares encontram-se 2 formas
pneumonia intersiticial (sigla habitual do inglês – de P. jiroveci (cuja terminologia deriva da similitu-
PCP – significando Pneumocystis pneumonia) no de com a morfologia dos protozoários): quistos
contexto de determinados factores predisponentes com 5-8 um de diâmetro contendo esporozóitos
(imunodeficiência), na maioria dos casos em intraquísticos; e trofozoítos extraquísticos. O mi-
crianças antes dos 4 anos. Nos doentes imunocompe- crorganismo, atingido o alvéolo, adere aos pneu-
tentes a infecção é geralmente subclínica e não diagnos- matócitos de tipo I com o auxílio de proteínas ade-
ticada. sivas como a fibronectina.
Mesmo nas formas mais graves de infeccção, A capacidade de o agente provocar lesão aná-
com raras excepções, a doença localiza-se no tomo-patológica pulmonar depende fundamen-
pulmão. Actualmente, este agente é classificado talmente da normalidade dos mecanismos de
como fungo e não como protozoário (com base na imunidade celular. Com efeito, em estudos reali-
análise da sequenciação do DNA), apesar de pos- zados em doentes com SIDA, verificou-se aumen-
suir diversas semelhanças morfológicas e biológi- to da incidência de pneumonia relacionada com a
cas com os protozoários. diminuição do número de linfócitos T CD4+
Uma vez que o microrganismo pode também (sobretudo no grupo etário 3-6 meses). Admite-se
infectar outras espécies animais, designadamente que os referidos linfócitos tenham papel impor-
mamíferos, alguns autores continuam a utilizar a tante na depuração dos microrganismos interagin-
nomenclatura P. carinii seguida da sigla f.sp (forma do com fagócitos, complemento, e activação dos
specialis) para designar especificamente a infecção macrófagos; em caso de disfunção deste processo,
em determinados hospedeiros; por ex. P. carinii produz-se lesão inflamatória conduzindo a des-
f.sp.ratti, P. carinii f.sp muris, P. carinii f.sp. hominis, truição do surfactante, entre outros efeitos. As
etc.. consequências anátomo-patológicas são a génese
de 2 quadros morfológicos: pneumonite intersticial
Aspectos epidemiológicos e etiopatogénese de plasmócitos (sobretudo em lactentes com má-
O microrganismo está distribuído por todo o nutrição, em que predominam plasmócitos no
mundo. De acordo com estudos serológicos, a processo inflamatório, e se verifica infiltração com
maior parte das pessoas é infectada antes dos 4 espessamento dos septos alveolares); e pneumonite
anos de idade; as infecções em crianças imuno- alveolar descamativa difusa (sobretudo em crianças e
competentes são geralmente assintomáticas, adultos com imunodeficiência, em que há exsuda-
demonstrando-se a presença de anticorpos em do alveolar sem compromisso dos septos alveo-
cerca de 75% dos casos. Os factores predispo- lares, e sem plasmócitos).
nentes de pneumonia são: imunodeficiência De salientar que a quimioprofilaxia associada
congénita ou adquirida (designadamente infecção a terapêutica anti-retrovírica activa na actual cha-
por VIH), má-nutrição, doenças do foro oncológi- mada “era HAART “ (highly active antiretroviral
co, doentes submetidos a transplante de órgãos, therapy) contribuiram para reduzir significativa-
corticoterapia, terapêutica imunossupressora, mente o nº de casos/100 doentes-ano: de 5,8 (ante-
doenças do colagénio, etc.. Segundo alguns estu- riormente), para 0,3.
1580 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas
As manifestações clínicas, em geral de início insi-
dioso, incluem febre, dificuldade respiratória de
grau variável, tosse não produtiva e sinais de
hipoxia. Em geral, os sinais auscultatórios são dis-
cretos ou ausentes. Este quadro, comum no
contexto de infecção por VIH, pode ser o primeiro
indicador desta última. Por vezes o início do qua-
dro é agudo. (Figura 4)

Exames complementares e diagnóstico


A radiografia do tórax revela infiltrado intersticial
difuso ou alveolar e, mais raramente, lesões
lobares, miliares ou nodulares; contudo, pode não
surgir qualquer alteração radiológica nas fases
iniciais da doença. Também pode verificar-se uma
forma de apresentação pulmonar mais aguda e
fulminante. (Figura 5)
Para o diagnóstico etiológico, torna-se funda-
mental identificar o agente (por diversas técnicas
como imunofluorescência, por técnica altamente
esopecífica e sensível empregando anticorpo
monoclonal conjugado com fluorescêncai, ou
PCR) no lavado broncoalveolar, em expectoração
FIG. 4
induzida (crianças mais velhas), ou por métodos
invasivos (por ex. biópsia pulmonar). Aspecto de criança com SIDA. Aspecto geral emagrecido
associado a pneumonia por P. jiroveci.

FIG. 5
Padrão radiológico de pneumonia por P. jiroveci no contexto de SIDA/VIH. Opacidades nodulares confluentes ocupando o 1/3
inferior do campo pulmonar direito (incidências póstero anterior e perfil direito). (NIHDE)
CAPÍTULO 304 Infecções por fungos 1581

Tratamento ta mortalidade que poderá oscilar entre 5 e 40%.


Existem vários esquemas de tratamento; apresen- Sem tratamento é, em geral, fatal.
ta-se o seguinte:
– TMP/SMX → TMP (15 mg/kg/dia)+SMX Outras infecções fúngicas sistémicas
(75 mg/kg/dia)PO ou IV, durante 14-21 dias; ou
– primaquina → 0,25 mg/kg/dia + clindamici- Citam-se, por fim, e de modo sucinto dois tipos de
na (30 mg/kg/dia em 4 doses) PO ou IV, durante infecções fúngicas sistémicas, mais raras, as quais
21 dias; ou fazem parte duma lista mais vasta:
– pentamidina → 3-4 mg/kg/dia IV, durante – Paracoccidioidomicose (Blastomicose sul-
14-21 dias; ou americana) causada por Paracoccidioides brasiliensis.
– atovaquona → 30 mg/kg/dia(se 1-3 meses – Micetoma eumicótico, tendo como agentes
de idade); 45 mg/kg/dia (se 4-24 meses de idade); mais frequentes Madurella mycetomatis (70%) e
30 mg/dia(se > 24 meses), durante 14-21 dias. Pseudallerscheria boydii e Leptosphaeriae senegalensis
(10%), entre outros.
Tratando-se duma pneumonia, tal obriga a
medidas de suporte geral abordadas nos BIBLIOGRAFIA
Capítulos 82 e 84. Certos estudos sugerem que a American Academy of Pediatrics/AAP. Red Book 2006. Report
administração de corticóides (metilprednisolona of the Committee on Infectious Diseases. Elk Grove
2mg/kg/dia) em casos de pneumonia moderada Village,IL: AAP, 2006
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para tal procedimento apontam-se valores de in children. Curr Opin Pediatr 2005; 17:78-87
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foproliferativas ou outro tipo de neoplasias que Feja KN, Wu F, Roberts K, et al. Risk factors for candidemia in
requerem quimioterapia intensa, crianças com critically ill infants: a matched case-control study. J Pediatr
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mos, deve ser efectuada profilaxia desde 1 mês até Ferreira WFC, Sousa JC, Lima N. Microbiologia. Lisboa: Lidel,
um ano de idade e/ou até exclusão de infecção 2010
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de quimioprofilaxia é orientada pela percentagem real life support. J Thorac Cardiovasc Surg 2012; 143(3):7
e número de linfócitos T CD4+. O fármaco de pri- PMID 22177096
meira linha é o TMP-SMX (5mg/kg – 25mg/kg), Gershon A A, Hotez P J, Katz SL (eds). Krugman´s Infectious
dividido em duas tomas diárias, 3 dias por sema- Diseases of Children. Saint Louis: Mosby, 2004
na, consecutivos). A pentamidina aerossolizada, Guerra-Rodrigo F, Marques Gomes M, Mayer-da-Silva A, Filipe P
atovaquona e dapsona são alternativas de segun- I. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010
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31:1252-1257 objectivo fundamental implicando o envolvimen-
to de todos os profissionais de saúde e familiares
(e a responsabilidade de cada um). Para tal, torna-
se imprescindível que exista um sistema de saúde
pública eficaz, eficiente e efectivo, um programa
de imunizações universal, e um plano (nacional e
institucional) que permita prevenir a transmissão
de infecções de criança a criança, de criança a
adulto, e de adulto a criança, quer nas instituições
hospitalares, quer noutras unidades de saúde.
Daqui nasce a noção de infecções associadas à
prestação de cuidados de saúde (sigla corrente:
IACS) que se refere à infecções adquiridas duran-
te o internamento em hospital ou no decurso da
prestação de cuidados numa instituição de saúde
extra-hospitalar. Como existe maior probabilidade
de determinado doente adquirir infecção em
ambiente hospitalar, habitualmente utiliza-se
como sinónimo de IACS o termo no sentido estri-
to – infecção nosocomial, que significa hospitalar
(palavra derivada do grego nosokómos ou hospi-
tal); tal pressupõe que, na data de admissão,
determinada doença infecciosa não estava presen-
te, nem em período de incubação. Infecções
adquiridas na comunidade são as que se verifi-
cam na data de internamento hospitalar (isto é,
adquiridas anteriormente à observação do doente
em unidade de saúde, hospitalar ou não).
CAPÍTULO 305 Infecções e cuidados de saúde 1583

De acordo com estudos epidemiológicos, calcu- longada, e pelo absentismo laboral dos presta-
la-se que cerca de 3-5% de crianças internadas em dores de cuidados. Quanto menor a frequência
hospitais adquirem infecções nosocomiais (IN) daquelas, mais precária se considera a qualidade
(ver adiante). O problema adquire maior impor- dos cuidados de saúde prestados à comunidade.
tância pela maior incidência, nas unidades de cui- Notas importantes: neste capítulo são empre-
dados intensivos; contudo, e de acordo com a gues indiferentemente as siglas IN e IACS; outras
noção antes expressa, as infecções podem também variáveis a considerar em perinatologia são espe-
surgir após permanência em serviços de urgência, cificadas nos Capítulos 362 e 376.
nos gabinetes de consulta intra e extra-hospita-
lares, assim como em unidades de cuidados conti- Etiopatogénese
nuados e , até em ambiente domiciliário (por
exemplo doentes submetidos a nutrição parentéri- No âmbito da prestação de cuidados de saúde, em
ca e a tratamentos por via IV com cateter, submeti- regime hospitalar ou extra-hospitalar, vários fac-
dos a ventilação domiciliária, a tratamentos com tores podem ser determinantes de infecção: fac-
aerossóis, etc.). tores de susceptibilidade do hospedeiro (lesões da
No âmbito deste tipo de infecções são engloba- pele congénitas ou adquiridas, queimaduras, úlce-
das as infecções ocupacionais nos profissionais de ras e escaras de decúbito, má-nutrição, etc.), mano-
saúde. bras invasivas, antibioticoterapia, utilização de
Definido o conceito de IACS, cabe especificar cateteres ou outro equipamento, e exposição: – a
que a infecção poderá: outros doentes, – a pessoas que visitam os doentes,
– ser localizada ou sistémica; – a profissionais de saúde, ou – a prestadores de
– resultar de reacção adversa à presença de cuidados, incluindo familiares, portadores de
agente(s) infeccioso(s) ou da(s) sua(s) toxi- doenças infecciosas, adquiridas na instituição de
na(s); saúde e não na comunidade. Especificando alguns
– ser eventualmente detectada após alta de ins- pontos importantes:
tituição hospitalar ou extra-hospitalar; – determinadas doenças subjacentes e terapias
– ser admitida como hipótese se surgir > 48 várias podem alterar a imunidade, predispondo a
horas após a admissão hospitalar. infecção;
– ser endémica (mais comum, de ocorrência – as manobras invasivas permitem o acesso de
expectável na instituição); ou – ser epidémi- patogénios vários à corrente sanguínea e, por
ca (ocorrendo sob a forma de surtos, defini- outro lado, alteram as barreiras mecânicas de
dos como um aumento, acima da taxa média defesa natural contra aqueles;
de incidência, de determinada infecção ou de – determinados “corpos estranhos” para o
determinado microrganismo infectante). organismo, tais como sondas de drenagem, cate-
teres e dispositivos de bypass constituem local de
Não é considerada IACS: atracção e adesão para microrganismos, podendo
– a colonização (presença de microrganismos na obstruir orifícios naturais como as trompas de
pele ou mucosas, feridas abertas ou secre- Eustáquio;
ções) não associada a sintomas ou sinais clí- – os antibióticos podem alterar a flora intesti-
nicos adversos); nal, facilitar a colonização por flora resistente e
– a inflamação (resposta tecidual à lesão ou esti- comprometer a função hematopoiética.
mulação por agentes não infecciosos, como No que respeita à transmissão de microrganis-
químicos ou físicos). mos, a mesma pode fazer-se por diversas vias,
Em suma, as IACS constituem um problema sendo as mãos a mais frequente e mais importan-
de saúde pública que importa prevenir, tendo em te. Tratando-se de IACS, são as mãos não correcta-
conta, nomeadamente, a morbilidade e mortalida- mente lavadas dos prestadores de cuidados, das
de que comportam, e o impacte económico e visitas, ou doutras crianças, que podem veicular o
social pelos custos acrescidos em relação com a patogénio hospitalar ou institucional para o doen-
necessidade de prestação de cuidados mais pro- te assistido.
1584 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Outros possíveis transmissores, reservatórios e tipo de unidade de internamento (3-26% em UCI


de bactérias, são: equipamento médico (estetoscó- contra 1-4% em enfermarias de pediatria geral). No
pio, otoscópio, termómetro contactando com período neonatal, o baixo peso de nascimento e o
mucosas), bata e gravata, anéis, brinquedos não sexo masculino (relação M/F de 1,7/1) estão asso-
submetidos a lavagem e desinfecção, equipamen- ciados a um risco aumentado de IN.
to manuseado pelos prestadores ou visitas, como Na idade pediátrica, os problemas clínicos
o rato do computador, livros em geral, lista telefó- mais comuns relacionados com IACS são: infec-
nica, telefones, etc.. ções respiratórias, gastrintestinais, infecções
Alguns microrganismos são transmitidos por urinárias, infecções da pele e, designadamente, de
via aérea, como vírus da varicela, do sarampo, e ferida operatória, e bacteriémia (esta última,
Mycobacterium tuberculosis. A água e alimentos geralmente associada a cateter venoso central). De
podem também ser agentes de transmissão. acordo com dados da literatura, as gastrenterites,
Os agentes infecciosos mais comuns de IACS, sobretudo por rotavírus, correspondem a ~10 %
diversos dos que originam infecções na comunidade, dos casos de IN em enfermarias de pediatria geral.
são: vírus sazonais [na época de Inverno, vírus Relativamente a Portugal, o último inquérito
respiratórios (influenza, parainfluenza, VSR) e, nacional de prevalência, realizado em Maio de 2003,
durante o Verão, enterovírus], Staphylococcus e envolvendo 67 hospitais e 16373 doentes, identifi-
bacilos gram-negativos. Fungos, parasitas e bacté- cou uma prevalência de 8,4% de doentes com IACS
rias resistentes são causas frequentes de infecção e uma prevalência de 22,7% de doentes com infec-
em casos de doentes com imunodeficiência congé- ção adquirida na comunidade (taxas semelhantes às
nita ou adquirida, submetidos a terapia intensiva verificadas na maioria dos estudos internacionais).
e requerendo internamento prolongado. Staphylo- Considerando os casos internados em UCIP,
coccus coagulase negativo (SCN) e Enterococcus, mais surgem como mais frequentes: – pneumonia
frequentes na idade pediátrica do que em adultos, (casos submetidos a ventilação mecânica); – infec-
são agentes prevalentes em unidades de hemato- ção urinária (associadas a algaliação); – infecção
oncologia e UCIN, geralmente em relação com de ferida operatória; – rino-sinusite em crianças
cateteres centrais. Nas UCIP, Streptococcus viridans, com entubação traqueal ou nasogástrica); – flebite
Gram-negativos entéricos e não entéricos, Bacillus e endocardite associadas a cateterismo venoso; e –
spp, SCN e S. aureus são os principais agentes. bacteriémia (mais frequente em RN e doentes
De acordo com estudos epidemiológicos hemato-oncológicos).
recentes em UCIP, considerando a resistência aos
antimicrobianos, a proporção de estirpes Manifestações clínicas
Staphylococcus aureus meticilina-resistente (SAMR) e políticas de vigilância
é menor na população pediátrica; contudo, a resis-
tência de SCN e a multirresistência dos bacilos Em todos os doentes hospitalizados por doença não
gram negativos são semelhantes às observadas em febril, nos quais surja quadro febril, deverá proce-
adultos. As infecções fúngicas (particularmente der-se a investigação no sentido de detectar even-
por Candida spp e Aspergilus spp) embora menos tual IN. Nesta perspectiva, há que ter em atenção:
frequentes, constituem um problema crescente. – ao aparecimento de determinados sinais e
sintomas podendo indiciar infecção sistémica:
Aspectos epidemiológicos febre, taquicárdia, taquipneia, exantema, prostra-
ção (no lactente: febre ou hipotermia, episódios de
Em unidades de cuidados intensivos (UCI), consi- apneia, bradicárdia, letargia ou vómitos);
derando todas as idades, a frequência de IN varia – à possível relação entre os antecedentes/tipo
entre 5-10%. Em clínica pediátrica, considerando as de procedimento recentemente efectuado, sinto-
infecções nosocomiais propriamente ditas, a inci- matologia, e resultados exames complementares
dência global de IN varia entre 2 e 12%, com uma realizados em função desta; por ex. disúria/piúria-
grande discrepância em relação à idade (7- 9% no 1º algaliação – urocultura positiva por Candida spp -
ano de vida, contra 1,5- 4% após 10 anos de idade) infecção urinária; cateterismo venoso central- febre
CAPÍTULO 305 Infecções e cuidados de saúde 1585

– hemocultura positiva – bacteriémia; febre e sinais largo espectro (de acordo com padrões de resis-
auscultatórios de alveolite – entubação traqueal – tência locais, se possível), de antivíricos e/ou de
sinais radiológicos de condensação pulmonar, antifúngicos;
baixa saturação tc em oxigénio – pneumonia, etc.. – tratamento das complicações (como choque,
Tendo em consideração a probabilidade de insuficiência respiratória, disfunção multiorgâni-
surgimento de IACS em doentes assistidos nos ca, etc.), muitas vezes com necessidade de inter-
hospitais, numa perspectiva preventiva de vigi- namento em UCIP, o que implica apoio multidis-
lância das infecções, foram criados: ciplinar;
– a nível nacional, o chamado Programa – remoção/substituição de material potencial-
Nacional de Controlo da Infecção, e; mente contaminado (cirúrgico, cateter central,
– nos hospitais, Comissões de Controlo da algália, entre outros) quando possível (Capítulos
Infecção (CCI). 265, 268, 269).
Estas (CCI) são grupos multidisciplinares ins- – Nota importante: Nas UCIP em que existe ele-
titucionais que definem políticas de prevenção, vada prevalência de microrganismos resistentes,
procedem à colheita de dados epidemiológicos na data de admissão de qualquer doente é rotina
que são discutidos e avaliados, e investigam as proceder ao rastreio de SAMR, através de colheitas
circunstâncias e factores de eventuais surtos sur- de produtos e culturas nos seguintes locais: nari-
gidos; idealmente, as mesmas devem debruçar-se nas, feridas ou lesões cutâneas, cateteres e sondas
também sobre a vigilância de âmbito extra-hos- de traqueostomias (e região umbilical no RN). Se
pitalar da área de influência do hospital em se demonstrar que o doente está colonizado com
causa. SAMR, o mesmo deverá ficar em área de isola-
De acordo com os Centers for Disease Control mento e submetido a tratamento para erradicar a
and Prevention (CDC) são utilizados determinados colonização. Esta estratégia pode ser aplicada a
critérios na vigilância epidemiológica das IACS; outros microrganismos em idêntica circunstância.
os mesmos baseiam-se em parâmetros clínicos e
biológicos permitindo identificar aproximada- Prevenção
mente 50 potenciais locais de infecção. Os critérios
simplificados para as infecções mais comuns apre- As prevenção das IACS assenta numa abordagem
sentam-se no Quadro 1. multidisciplinar e integrada, com o objectivo de
limitar a transmissão de microrganismos. A
Tratamento propósito das manifestações clínicas, chamou-se
já a atenção do papel das CCI na vigilância.
O tratamento inclui fundamentalmente: Como pontos fundamentais das estratégias
– administração empírica de antibióticos de utilizadas, salientam-se:

QUADRO 1 – Critérios simplificados para a vigilância de IACS

Tipo de infecção nosocomial Critérios simplificados


Infecção de IACS Qualquer exsudado, abcesso ou celulite em expansão no local de intervenção
cirúrgica, durante o primeiro mês após a mesma
Infecção urinária Urocultura positiva (≤2 estirpes) com, pelo menos, 105 bactérias/mL, com ou
sem sintomas
Infecção respiratória Dois ou mais sinais de disfunção respiratória surgindo durante o internamento:
tosse, expectoração purulenta, infiltrado de novo na radiografia do tórax com-
patível com infecção
Infecção do cateter vascular Inflamação, linfangite ou exsudado no local de inserção do cateter
Sépsis Febre ou calafrio em associação a,pelo menos, 1 hemocultura positiva
(Adaptado de Ducel G, et al, 2002)
1586 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– lavagem adequada das mãos e utilização de Ducel G, Fabry J, Nicolle L. Prevention of hospital acquired
luvas descartáveis por todos prestadores de cui- infections: A Practical Guide. Geneva: World Health
dados (profissionais de saúde, familiares,voluntá- Organization, 2002
rios, outras pessoas, etc.); Ftika L, Maltezou HC. Viral haemorrhagic fevers in healthcare
– utilização de barreiras (bata, máscara, óculos settings. Journal of Hospital Infection 2013; 83: 185-192
de protecção); Gray J, Omar N. Nosocomial infections in neonatal intensive
– cuidados de assepsia, designadamente nos care units in developed and developing countries: how can
locais de penetração ou contacto de material we narrow the gap? Journal of Hospital Infection 2013; 83:
estranho e nos cuidados com as feridas operató- 193-195
rias; Helfaer MA, Nichols DG. Roger´s Handbook of Pediatric
– desinfecção e esterilização do material utili- Intensive Care. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott
zado; Williams & Wilkins,2009
– protecção do doente através de nutrição ade- Horan TC, Andrus M, Dudeck MA; CDC/NHSN surveillance
quada, imunização e utilização de antibioticotera- definition of health-care associated infection and criteria for
pia profiláctica, quando houver indicação; specific types of infections in the acute care setting. Am J
– isolamento do doente infectado com os objec- Infect Control 2008;36:309-332
tivos de evitar a disseminação da doença, e de Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
simultaneamente o proteger doutras infecções; Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
– limitação do risco de infecção endógena 2011
(resultante de flora do próprio doente), seleccio- Mayhall CG. Hospital Epidemiology and Infection Control.
nando criteriosamente a antibioticoterapia; Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2004; 807-814
– reduzir ao mínimo indispensável os procedi- McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
mentos invasivos; Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
– prevenção da infecção nos profissionais de McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S. Forfar and Arneil´s
saúde (e voluntários) – rastreios periódicos, imu- Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone,
nização, etc.; 2008; 1203-1204
– aplicação de boas práticas de prevenção da Raymond J, Aujard Y, Group ES. Nosocomial infections in
infecção através de acções sistemáticas e periódi- pediatric patients: a European, multicenter prospective
cas de formação contínua dirigidas a prestadores study. Infect Control Hosp Epidemiol 2000;20:260-263
de cuidados (profissionais de saúde ou não). Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
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Prevenção e Controlo da Infecção Associada aos Cuidados
de Saúde. Lisboa: DGS, 2007
PARTE XXX
Cirurgia
1588 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

INTRODUÇÃO À PARTE XXX

Esta Parte do livro é dedicada aos tópicos funda-


mentais da Cirurgia Pediátrica implicando inter-
venção (cruenta ou não) por parte da respectiva
equipa; não se trata duma versão dirigida a cirur-
306
giões pediátricos, mas sim, fundamentalmente, a ANOMALIAS BUCOFACIAIS
pediatras, médicos de família e internos.
De facto, na maioria das vezes são estes últi- Julião Magalhães
mos quem contacta pela primeira vez com proble-
mas clínicos implicando consultadoria por parte
dos primeiros e requerendo eventualmente solu-
ção cirúrgica (urgente ou emergente) ou procedi- Sistematização
mentos especializados. Uma vez que o encami-
nhamento deve ser atempado para garantir o Neste capítulo são abordados dois tópicos funda-
êxito dos resultados finais(e, por isso, o melhor mentais: 1 – fenda labial e fenda alvéolo-palatina;
serviço à comunidade), houve a preocupação de e 2 - anomalias da boca.
definir sempre o momento próprio para o fazer. As anomalias das orelhas constam do Capítulo
Por opção editorial com a intenção de garantir 307 em conjunto com a alínea sobre quistos, fosse-
os objectivos pedagógicos do livro, muitos dos tas e apêndices pré-auriculares.
tópicos classicamente abordados noutros livros de
texto em capítulos dedicados à Cirurgia
Pediátrica, foram integrados noutras Partes da
presente obra.
1. FENDA LABIAL E FENDA
ALVÉOLO – PALATINA
João M. Videira Amaral e Julião Magalhães
Aspectos epidemiológicos
e etiopatogénese

Estes defeitos, considerados entidades distintas,


têm afinidades embriológicas, funcionais e genéti-
cas. Por vezes usa-se o termo de “lábio lepori-
no”(ou semelhante ao do coelho) como sinónimo de
fenda labial.
Podem surgir isoladamente ou associados. A
incidência de fenda labial, com ou sem fenda
alvéolo-palatina, é cerca de 1/800 RN caucasia-
nos, com predomínio no sexo masculino; quanto à
fenda palatina, surgindo isoladamente, a incidên-
cia é cerca de 1/2.500 RN caucasianos. Estudos
epidemiológicos apontam para incidências mais
elevadas na Ásia, e menos em África.

São descritos os seguintes padrões:


1 – fenda isolada ao nível do palato mole
(podendo manifestar-se apenas por úvula bífida);
2 – fenda labial com ou sem fenda do palato
duro, podendo envolver, ou não, a arcada alveolar
do maxilar superior.
CAPÍTULO 306 Anomalias bucofaciais 1589

As anomalias descritas podem ser unilaterais


ou bilaterais, e completas ou incompletas. A fenda
palatina isolada está mais frequentemente associa-
da a outras anomalias congénitas, designadamen-
te dentes deformados, supranumerários ou
ausentes. A combinação de fenda palatina e de
fenda labial predomina no sexo masculino.

Etiopatogénese

Estão descritas diversas teorias sobre o processo


embriológico que origina tais defeitos. Relativa-
mente à fenda labial admite-se, como explicação
FIG. 1
mais provável, hipoplasia do folheto mesenqui-
matoso, com falência de fusão dos processos Lábio leporino bilateral.
maxilar e nasal mediais. A fenda palatina parece
resultar de não aproximação ou fusão das placas
palatinas direita e esquerda, no sentido lateral →
medial.
A testemunhar a forte componente genética
desta anomalia é a demonstração de risco elevado
de recorrência (que pode ser da ordem de 50%),
havendo antecedentes em familiares do primeiro
grau afectados. Há, com efeito, casos descritos dos
referidos defeitos, herdados de modo dominante
(síndroma de van der Woude)
Por outro lado, a demonstrar o papel possível
do factor ambiente, tem sido verificado o efeito
teratogénico de determinadas substâncias, tais
como fenitoína, ácido valpróico, talidomida,
FIG. 2
álcool, tabaco, dioxinas, certos herbicidas, etc..
Os referidos defeitos podem também estar Fenda palatina.
associados a determinadas síndromas com ou sem
anomalias cromossómicas (Parte III). palato duro, havendo comunicação entre as cavi-
dades oral e nasal, interferência na fonação e audi-
Manifestações clínicas ção.
São considerados factores agravantes, a bilate-
A existência de fenda labial e de fenda alvéolo- ralidade, a existência de defeitos associados, tais
palatina pode repercutir-se em diversas funções e como deformação e assimetria do maxilar super-
no processo de erupção dentária, o que pode ser ior e hipoplasia muscular e óssea regionais.
agravado pela associação a outros defeitos.
Assim, pode verificar-se: Nota importante: a verificação dos defeitos em
– interferência na função de sucção – degluti- análise não constitui contra-indicação para alimen-
ção, determinando dificuldade de alimentação, tação ao peito, embora tal acto implique vigilância
sobretudo nos primeiros meses (o que implica fre- e cuidados especiais, assim como aprendizagem
quentemente o uso de tetinas especiais e, inclusi- por parte da mãe lactante, designadamente quanto
vamente, o recurso a gastrostomia nos casos mais a riscos existentes (por ex. aspiração de leite para a
complexos); via respiratória, hipóxia, etc.). Assim, na fase
– nos casos de fenda palatina, sobretudo do inicial deste processo está indicada a vigilância da
1590 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

oxigenação tecidual através da oximetria de pulso cruenta, são discriminadas a seguir. Dum modo
(% de saturação em oxigénio, transcutânea). geral, ao encaminhar o caso ao cirurgião, não será
necessário proceder a exames complementares.
Tratamento
Rânula
Para além dos cuidados gerais inerentes aos A rânula (do latim Rana = rã) é uma tumefacção
vários tipos de disfunção descritos antes, no que esferóide de cor rósea-azulada, que corresponde a
respeita à correcção cirúrgica, obviamente indica- quisto de localização sublingual, de dimensões
da, a mesma deverá ser efectuada em centro espe- variáveis (tamanho de pequena ervilha ou maior);
cializado de cirurgia pediátrica. pode estar em relação com obstrução de canal excre-
Como se pode depreender, a prestação de cui- tor da glândula sublingual ou de glândula mucosa.
dados implica a colaboração de uma vasta equipa O tratamento é cirúrgico electivo.
multidisciplinar de enfermeiros, médicos (no
âmbito da pediatria geral, medicina familiar, cirur- Mucocele
gia pediátrica, estomatologia, ortodôncia, cirurgia O mucocele é uma bolsa quística das glândulas
maxilofacial, oto-rino-laringologia, fisiatria, gené- salivares, resultante de obliteração do orifício
tica, etc.), psicólogos, terapeutas da fala, etc.. excretor do canal de Wharton. Pode igualmente
O seguimento em ambulatório pode ser levado tratar-se de quisto com muco acumulado por difi-
a cabo em instituições com menor nível de diferen- culdade de drenagem de glândula mucosa.
ciação, a cargo do médico assistente, sendo desejá- Não tem indicação cirúrgica por ser auto-limi-
vel uma interligação harmoniosa, sem esquecer o tado. (Figura 3)
papel cooperante e imprescindível da família.
A idade para intervenção cirúrgica é abordada Anquiloglóssia
no Capítulo 323, em comparação com a indicada Esta variante fenotípica consiste no encurtamento
para outros problemas do foro cirúrgico pediátrico. exagerado do freio do lábio inferior impedindo a
protusão da língua para além do bordo labial. Sob
Complicações o aspecto estritamente médico não constitui um
verdadeiro problema; contudo origina certo grau
As complicações mais frequentes relacionam-se, de ansiedade na família pelo facto de “poder difi-
sobretudo, com cicatrizes inestéticas, má- oclusão cultar a fala”, o que é controverso. Há casos descri-
dentária, rinolália, défice auditivo, dificuldades tos em que foi demonstrada certa dificuldade na
da fala (implicando, por vezes terapia específica), amamentação. Nos casos em que o esforço de pro-
e maior probabilidade de otite média recorrente. tusão origina aspecto de bifidez intermitente da

2. ANOMALIAS BUCAIS

Sistematização

O exame objectivo da cavidade bucal (pela inspec-


ção e palpação) permite, na maior parte das vezes,
o diagnóstico, não só de alterações congénitas,
como adquiridas.
Na perspectiva do cirurgião pediátrico, as
principais situações clínicas (algumas correspon-
dendo a variantes fenotípicas) identificadas pelo
FIG. 3
pediatra ou médico de família que poderão reque-
rer consultadoria ou, eventualmente, intervenção Mucocele do lábio inferior.
CAPÍTULO 307 Fístulas e quistos da cabeça e pescoço 1591

307
extremidade da língua (desaparecendo quando a
mesma se recolhe dentro da boca), nalguns centros,
por razões de psicoterapia anti-ansiedade da crian-
ça e família, procede-se à incisão do referido freio.

Inserção baixa do freio labial superior


Nesta variante fenotípica, o freio do lábio superior FÍSTULAS E QUISTOS
pode ter base de inserção atingindo o bordo gen-
gival superior, o que leva ao afastamento dos inci- DA CABEÇA E PESCOÇO
sivos superiores (diastema). Em geral a situação
corrige-se até à erupção da dentição definitiva. Julião Magalhães
No caso de tal não acontecer, nalguns centros
procede-se à incisão do freio, o que contribuirá para
diminuir ou corrigir completamente o diastema.
Sistematização
Nota importante: Poderá verificar-se tumefacção
ou dilatação global da glândula sublingual (a glându- Neste capítulo, para além das entidades clínicas de
la que mais directamente está em relação com a origem embriológica branquial (fístulas e quistos da
cavidade bucal) resultante de obstrução (recorren- cabeça e pescoço propriamente ditos), incluem-se
te) do canal excretor por cálculo. Esta situação, outras situações de etiopatogénese diversa, mas
que é mais frequente na submaxilar e parótida com certas afinidades morfológicas (quistos, fosse-
(não em relação directa com a mucosa bucal) tas, apêndices pré-auriculares, alterações da morfo-
poderá estabelecer a indicação de sialografia. logia e posição dos pavilhões auriculares, quisto do
Como medida simples, está indicado que a crian- canal tiroglosso, e quistos dermóide e epidermóide).
ça chupe pastilhas e faça exercícios de mastiga-
ção(obviamente em idades apropriadas) no senti-
do de estimular o débito da secreção salivar; pode
proceder-se a massagem/compressão da glândula
1. ANOMALIAS DA FENDA
e, em caso de infecção, a antibioticoterapia.
BRANQUIAL

BIBLIOGRAFIA
Etiopatogénese e manifestações
Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona:Ergon,2011 clínicas
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Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds). que determinam tais defeitos, cabe sintetizar que
Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011 a deficiente maturação e a persistência aberrante
1592 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de determinadas estruturas embrionárias precur- Os quistos, traduzidos semiologicamente por


soras do desenvolvimento da cabeça, da faringe e tumores esferóides laterais do pescoço, impõem o
do pescoço se traduzem pela presença de determi- diagnóstico diferencial com situações clínicas com
nados defeitos tais como depressões ou fossetas ou as quais partilham algumas características mor-
seios, fístulas, quistos e resíduos cartilaginosos. fológicas: tumores da zona mandibular, adenopa-
Na perspectiva do desenvolvimento embrioló- tias, higromas quísticos do pescoço (linfangiomas),
gico pode estabelecer-se a seguinte correspondên- quistos dermóides, quistos sebáceos, condromas,
cia com a clínica: quistos ou tumores da parótida e lesões linfáticas
neoplásicas primárias ou metastáticas.
→ As anomalias do 1º arco branquial são raras e Para esclarecimento etiológico poderá recor-
apresentam-se como quistos, fossetas ou fístulas rer-se à transiluminação e à ecografia (de prefe-
(anteriores, posteriores, ou inferiores em relação rência doppler) para identificação de estruturas
ao pavilhão auricular, ou na região submaxilar). vasculares associadas.
Cerca de 1/3 abre-se no canal auditivo externo e o
trajecto atravessa a parótida; devido à proximida- Tratamento
de do nervo facial haverá que ter grande cuidado
na sua excisão. As fossetas e as fístulas passam mui- A excisão cirúrgica completa deve ser levada a
tas vezes despercebidas, sendo somente notadas cabo quando feito o diagnóstico e antes de surgir
quando se verifica uma pequena descarga de infecção. Se esta última constituir a primeira
secreção mucóide pelo microrifício exterior. manifestação, deve proceder-se a antibioticotera-
→ As anomalias do 2º arco branquial (quistos bran- pia e drenagem quando indicada, somente tentan-
quiais) são mais frequentes e localizam-se ao longo do a excisão quando o processo inflamatório tiver
do bordo anterior do músculo esternocleidomas- regredido. Nesta situação a intervenção cirúrgica
toideu (em geral no 1/3 superior), provenientes exigirá mais cuidado com os nervos adjacentes
da zona do osso hióide. São bilaterais em 10% dos (facial, em especial).
casos. Podem manifestar-se muitas vezes: No caso das fístulas, todo o trajecto deve ser
– pela formação de abcessos, devido à incapa- excisado após visualização com azul de metileno.
cidade de drenagem espontânea para o exte-
rior; ou
– drenando através da pele, deixando sair um
líquido claro e levemente bronzeado, sem a
2. ANOMALIAS DAS ORELHAS
viscosidade que é notada no conteúdo do
INCLUINDO QUISTOS, FOSSETAS,
quisto tiroglosso, mas com abundantes cris-
E APÊNDICES PRÉ-AURICULARES
tais de colesterol (ver adiante); ou
– evidenciando “poro” de saída, o qual é assi- Etiopatogénese e manifestações
nalado por vezes por uma prega cutânea ou clínicas
por um resíduo de cartilagem, podendo pal-
par-se o trajecto subcutâneo. (Figura 1) Quistos, fossetas e apêndices, de localização pré –
→ As anomalias do 3º arco branquial muito raras, auricular, não são de origem branquial, antes tra-
seguindo um trajecto semelhante às do 2º duzem a existência de restos ou inclusões ectodér-
arco; desembocam no seio piriforme. micos relacionados com o desenvolvimento aber-
→ As fístulas e quistos do 4º arco são extrema- rante dos tubérculos auditivos. As fossetas têm
mente raras e de diagnóstico diferencial um trajecto curto e terminação cega. Não comuni-
difícil com os laringoceles, por exemplo. cam com o ouvido externo nem com a trompa de
Eustáquio.
Diagnóstico diferencial São geralmente descobertos pelos pais ou pelo
médico logo após o nascimento. Raramente eviden-
As fístulas e fossetas são fáceis de diagnosticar ciam drenagem de líquido sebáceo, que é de cheiro
com base apenas nos dados semiológicos clínicos. intenso; a presença do referido líquido traduz, em
CAPÍTULO 307 Fístulas e quistos da cabeça e pescoço 1593

haja infecção, o que agrava o prognóstico (inter-


venção mais difícil e possível formação de cicatriz
inestética). Neste tipo de defeitos raramente é evi-
denciada drenagem de líquido sebáceo; se surgir,
a excisão é prioritária dada a eventualidade de
infecção secundária (em geral por estafilococo).
Poderá verificar-se recidiva.

3. QUISTO DO CANAL TIROGLOSSO

Etiopatogénese e importância
do problema

O quisto do canal tiroglosso é uma tumefacção


redonda na zona do osso hióide correspondendo a
um resíduo ectodérmico; desenvolve-se junto à
FIG. 1
linha de descida da glândula tiroideia, da base da
Quisto do 2° arco branquial à direita. (NIHDE) língua para o lobo piramidal da referida glândula.
A porção média do canal permanece como um
princípio, comunicação provável com quistos sub- tubo microscópico descontínuo, de epitélio indife-
cutâneos. renciado, que passa através do osso hióide, ou que
As anomalias congénitas verificadas nas orelhas (ou não ultrapassa o periósteo deste.
pavilhões auriculares) traduzem-se fundamentalmen- Trata-se da massa cervical mais frequente da
te por alterações da morfologia, das dimensões, da linha média do pescoço, raramente se manifestan-
implantação (baixa ou normal), do ângulo de inser- do na data do nascimento; é observado com mais
ção, e associação a defeitos na área limítrofe e/ou frequência entre os 2 e 10 anos. Em cerca de 30%
do canal auditivo externo, ou do ouvido em geral. dos casos pode ser identificado no referido quisto
Discriminam-se a seguir a microtia e o hellix valgum. tecido tiroideu ectópico e, em 10%, tecido adeno-
carcinomatoso papilar.
Microtia
Microtia ou orelhas de dimensões reduzidas asso- Manifestações clínicas e diagnóstico
cia-se em geral a outros defeitos morfológicos e
funcionais do foro ORL. Em geral fazem parte de O referido quisto pode desenvolver-se desde a
síndromas plurimalformativas hereditárias. Após base da língua até à zona retrosternal. O exame
exame clínico rigoroso, a criança deve ser enca- físico revela, na linha média do pescoço, massa
minhada para ORL para avaliação funcional audi- quística lisa, mole e indolor (excepto quando se
tiva. Em geral, torna-se necessária a cooperação verifica infecção secundária) a qual se movimenta
doutros especialistas e profissionais de saúde. com a deglutição ou exteriorização da língua (no
caso de quisto dermóide não se verifica tal mobi-
Hellix valgum lidade). Como resultado da infecção verifica-se
Esta situação traduz-se por afastamento exagera- drenagem de secreção mucopurulenta para a pele
do das orelhas da região mastoideia, dando o (Capítulo 180, Figura 4).
aspecto “em apagador de velas”. O diagnóstico diferencial deve fazer-se, para
além do quisto dermóide, com a tiroideia ectópica,
Tratamento com o tumor da tiroideia e com a linfadenite sub-
mentoniana. A ecografia pode dar contributo
É cirúrgico devendo ser levado a cabo antes que importante.
1594 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Para evitar a ressecção inadvertida de tecido terística implica cuidado especial ao decidir por
tiroideu ectópico no âmbito da tentativa de ressec- intervenção cirúrgica, obrigando a aplicar a regra
ção do quisto tiroglosso, está indicada a realização semiológica muito simples, mas muito importan-
em casos seleccionados de estudo funcional da te: toda e qualquer tumefacção da linha média, desde o
tiroideia, incluindo cintigrafia. nariz até ao cóccix, até prova em contrário, poderá estar
relacionada com defeito de encerramento do tubo neu-
Tratamento ral.
Nos dois tipos de quistos, a infecção secundá-
Uma vez feito o diagnóstico, deve proceder-se à ria implica obviamente antibioticoterapia (em
excisão do quisto e do trajecto até à base da língua, princípio, antistafilocócica).
englobando a porção média do osso hióide (ope-
ração de Sistrunk). Como em toda a cirurgia do BIBLIOGRAFIA
pescoço, deve ser deixado um dreno fino que se Coran A (ed). Pediatric Surgery. Philadelphia: Elsevier, 2013
retira às 24 horas. Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
Está indicada antibioticoterapia nos casos com Gill D, O´Brien N. Paediatric Clinical Examination. Edinburgh:
infecção. Churchill Livingstone, 2003
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
4. QUISTOS DERMÓIDE McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
E EPIDERMÓIDE Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
Estas estruturas nodulares ou semi-esferóides Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
(com algumas características comuns quanto à Livingstone, 2008
etiopatogénese, e sempre com indicação cirúrgica), O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric
têm tamanhos variáveis, consistência elástica, e Surgery: Saint Louis: Mosby, 1998
desenvolvem-se por inclusão de restos de células Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
epidérmicas, na derme ou epiderme. Em ambas as AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
situações se pode verificar infecção secundária Medical, 2011
e/ou fistulização.
Os quistos epidermóides (também chamados
quistos de inclusão epidérmica) constituem as
lesões nodulares mais frequentes na idade pediá-
trica. Podem resultar, quer da oclusão dos folículos
pilo-sebáceos, quer da implantação de células epi-
dérmicas na derme como resultado de lesão
traumática da epiderme, quer a partir de restos de
células epidérmicas A sua parede (que pode sofrer
ruptura e levar a infecção secundária, designada-
mente por S. aureus) deriva do infundíbulo folicu-
lar, sendo que o conteúdo da cavidade está preen-
chido por material queratinizado semelhante a
queijo.
Os quistos dermóides têm a particularidade de
estarem localizados na linha média, alinhados com
as suturas ósseas do crânio, o que implica o dia-
gnóstico diferencial com situações relacionadas com
defeitos do tubo neural e, designadamente com
encefalocele, fibroma, glioma, e meningocele. Tal carac-
CAPÍTULO 308 Hérnia diafragmática congénita 1595

308
dos RN com HDC foram identificadas anomalias
cromossómicas. Entretanto foram identicados
dois genes (NR2F2 e CHD2) localizados na região
15q26.1-15q26.2 possivelmente implicados na
patogénese da HDC.
O desenvolvimento do diafragma realiza-se
HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA entre a 4ª e 12ª semana de gestação resultando da
formação de quatro esboços: a) porção anterior que
CONGÉNITA representa a maior parte do septum transversum
crescendo no sentido anteroposterior; b) pregas
Julião Magalhães, Rui Alves e João M. Videira Amaral dorsolaterais ou pleuroperitoneais que se originam
na parede lateral e crescem em direcção ao dorso; c)
porção única dorsal e média derivada da mesoder-
me esofágica; d) porções circulares que tapetam a
Definição e importância do problema periferia das membranas pleuroperitoneais.
O encerramento dos canais pleuroperitoneais
A designação de hérnia diafragmática (HD) refere-se realiza-se entre a 9ª e 10ª semana, para tal contri-
à comunicação, de dimensões variáveis, entre as buindo as chamadas membranas ou pregas pleu-
cavidades abdominal e torácica, com ou sem presen- roperitoneais de dupla camada, constituídas por
ça de vísceras abdominais na cavidade torácica. A peritoneu de um lado, e por pleura, do outro. A
etiologia pode ser congénita ou adquirida (traumáti- última parte a encerrar-se é a posterior e, sobretu-
ca), sendo que a sintomatologia e o prognóstico do, o lado esquerdo onde persiste por mais tempo
dependem de diversas localizações do defeito – um orifício triangular.
adiante descritas – e das anomalias associadas. Qualquer defeito no desenvolvimento dum ou
Verificando-se a presença de vísceras abdomi- mais componentes embrionários do diafragma, ou
nais na cavidade torácica, considera-se que a hipo- a falta de fusão duma das suas porções, condicio-
plasia pulmonar e a má-rotação intestinal fazendo na o aparecimento de hérnia. Se a anomalia se
parte da entidade clínica, não são consideradas verificar numa fase mais precoce, os órgãos her-
anomalias associadas. niados ficam em contacto directo com o parênqui-
No sentido estrito, a designação corrente de ma pulmonar; se a reintegração for mais tardia,
hérnia diafragmática congénita (HDC) refere-se uma vez já verificada a junção dos dois folhetos
em geral ao defeito posterolateral do diafragma, o peritoneal e pleural,estes são empurrados pelas
mais frequente (~90%), sinónimo de hérnia de vísceras abdominais através do foramen de
Bochdalek. Bochdalek, originando uma hérnia com saco; se o
A incidência da hérnia de Bochdalek é variá- diafgragma estiver formado ao verificar-se a rein-
vel, sendo relatada em diversas séries a proporção tegração, não é possível a constituição da hérnia.
de 1/ 2.000 a 5.000 nascimentos. Com os progres- Neste último caso, a única anomalia possível é
sos da terapia intensiva ao longo dos anos, a taxa uma insuficiência qualitativa ou quantitativa das
de sobrevivência nos países com recursos sofisti- fibras musculares do diafragma, conduzindo à
cados passou de ~50%, para > 90%. chamada eventração diafragmática afectando
toda a superfície duma cúpula cuja tradução fun-
Aspectos embriológicos e classificação cional é o relaxamento ou hipotonia do músculo
em questão. A eventração diafragmática é aborda-
A maioria dos casos ocorre esporadicamente e, da no Capítulo 310.
aparentemente, sem incidência familiar. No entan- Assim, as HDC no sentido lato podem classifi-
to,há descritos casos familiares, por vezes associa- car-se de acordo com:
dos a síndromas, como é o caso da síndroma de 1 – localização do orifício ou solução de conti-
Fryns, o que leva a admitir o possível papel de fac- nuidade;
tores genéticos. Por outro lado, em cerca de 6% 2 – constituição da referida hérnia;
1596 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Quanto à localização do orifício, distinguem-se: B – Hérnias retrocostoxifoideias (anteriores)


São ainda chamadas hérnias pela fenda de
A – Hérnias das cúpulas Larrey ou pelo foramen de Morgagni; na realida-
Surgem em cerca de 80-90% dos casos no lado de, trata-se de hérnias por aplasia (transformação
esquerdo; as hérnias bilaterais, podendo ocorrer das duas fendas de Larrey num orifício único,
em cerca de 0,5-1% dos casos, são na maioria dos anterior, mediano e retrosternal, com diâmetro
casos fatais. As dimensões da solução de continui- transverso superior ao anteroposterior). Habitual-
dade são muito variáveis(desde pequeno orifício a mente são designadas por hérnias de Morgagni
agenésia completa. Subdividem-se nos seguintes (correspondendo a cerca de 2-6% das hérnias
tipos : HDC). (Figura 1 A-3)
I) Hérnias posterolaterais, as mais frequentes
(designadas classicamente por hérnias de C – Hérnias paresofágicas
Bochdalek); (Figuras 1 A-2 e B) São raras e diferentes das verdadeiras hérnias
II) Hérnias por aplasia completa do hemidiafrag- hiatais. Trata-se, de facto, de hérnias por desliza-
ma, de prognóstico muito grave; mento, estando o orifício herniário situado na
III) Hérnias anterolaterais das cúpulas, mais vizinhança do orifício hiatal (ver adiante). Com
raras, surgindo em idêntica proporção à efeito, na hérnia hiatal verdadeira o orifício her-
direita e à esquerda. niário é comum com o orifício hiatal uma vez que
existe agenesia do pilar direito do diafragma e da
A DIAFRAGMA fita muscular pertencente ao anel muscular do
3 orifício esofágico. (Figura 1 A-1)

De acordo com a constituição da hérnia, há que


distinguir as hérnias com e sem saco; na maior
parte dos casos não há saco, continuando-se a
pleura com o peritoneu.
Em função do conteúdo, pode afirmar-se que
todas as vísceras abdominais, excepto o duodeno,
2 1
pâncreas e parte terminal da sigmiodeia podem estar
Corte horizontal esquemático
presentes na cavidade torácica; o intestino delgado,
1 – Hiato esofágico
2 – Hérnia póstero-lateral esquerda cólon direito e transverso estão sempre implicados.
3 – Hérnia retro-costo-xifoideia
São as hérnias das cúpulas ou posterolaterais
que se manifestam de modo mais precoce e exu-
B berante desde os primeiros momentos da vida
extra-uterina com um quadro de insuficiência res-
Pleura
piratória obrigando a medidas de terapia intensi-
Diafragma va do recém-nascido (RN).
Nota importante: reitera-se, assim, que na práti-
Rin esquerdo
ca clínica corrente a designação de hérnia dia-
fragmática se reporta em geral à hérnia das cúpu-
Peritoneu
las ou hérnia diafragmática propriamente dita (de
Bochdalek), entidade que é abordada com realce
neste capítulo.
Hérnia diafragmática póstero-lateral esquerda
(Corte parassagital esquerdo)
Fisiopatologia
FIG. 1
A partir da década de 90, o conhecimento da fisio-
A – Secção horizontal esquemática do diafragma; patologia da HDC evoluiu significativamente,
B – Secção parassagital esquerda (hérnia póstero lateral). demonstrando-se que a principal causa de dificulda-
CAPÍTULO 308 Hérnia diafragmática congénita 1597

de respiratória e mortalidade pós-natal era a hipo- Os sinais clínicos dependem essencialmente da


plasia pulmonar associada a uma anormal muscula- hipoplasia pulmonar, da hipertensão pulmonar, e
rização arteriolar, conduzindo a hipertensão pulmo- do défice ou disfunção do surfactante pulmonar.
nar (HTP) mantida no período pós-natal. Na sua forma mais típica de apresentação, o
A hipoplasia vascular resulta duma diminuição pós parto imediato é caracterizado por má adap-
efectiva dos ramos arteriais, bem como da dimi- tação cardiorrespiratória à vida extrauterina
nuição da área de secção das arteríolas pré-aci- (depressão neonatal, taquipneia, retracção costal,
nares pequenas e intra-acinares, devido a um fenó- cianose, insuficiência respiratória progressiva na
meno de hipermuscularização. Esta hipoplasia ausência de manobras de ressuscitação imediata e
vascular é responsável, por si só, pela manutenção ventilação mecânica subsequente), verificando-se
da HTP no RN. Por sua vez, a hipoplasia alveolar, abdómen escavado, diminuição ou ausência do
resultante da diminuição da ramificação normal- murmúrio vesicular do lado da hérnia, e ruídos
mente existente, coincidindo com a maturação pul- cardíacos audíveis no lado direito nos casos de
monar, perturba a capacidade ventilatória do RN. hérnia posterolateral esquerda. Por vezes auscul-
Tal resulta em hipóxia e hipercapnia mantidas. A tam-se no hemitórax correspondente ao lado do
hipóxia, por sua vez, contribui para acentuar a defeito, ruídos hidroaéreos.
vasoconstrição pulmonar, o que contribui para a No entanto, há formas clínicas em que o dia-
manutenção e agravamento progressivo da HTP. gnóstico poderá ser realizado mais tardiamente,
Mantendo-se a HTP no RN com HDC, a derivação pelo segundo ou terceiro dia de vida, quando o
circulatória direita-esquerda através do ductus preenchimento gasoso do tracto intestinal origina
arteriosus mantém-se concomitantemente, com compressão significativa na cavidade torácica por
consequente mistura de sangue mais oxigenado efeito de massa sobre o mediastino ou sobre o
com menos oxigenado, o que leva a hipóxia teci- pulmão contralateral.
dual caudal. Esta hipóxia gera, além de vasocons- O exame radiológico tóraco-abdominal é em
trição pulmonar, vasodilatação periférica, que geral suficiente para o diagnóstico, designada-
desencadeia o conhecido fenómeno de “ruptura mente nos casos em que não se tenha realizado a
capilar” e consequente edema; este último, por sua vigilância pré-natal . Podem observar-se sinais de
vez, origina compromisso da oxigenação dos teci- preenchimento torácico por estômago ou ansas
dos, facilitando o metabolismo anaeróbio e conse- intestinais, vísceras sólidas como fígado ou baço,
quente produção de lactato. Instala-se seguida- assim como de parênquima pulmonar não total-
mente acidose metabólica que intensifica a vaso- mente expandido, unicamente arejado no ápex,
constrição pulmonar provocada pela hipóxia. Com com empurramento do mediastino para o lado
esta vasoconstrição é, então, mantida a HTP. Entra- oposto. Em caso de dúvida, poderá introduzir-se
se, assim, num ciclo vicioso difícil de reverter, o uma sonda radiopaca por via oral no estômago
qual culmina em falência multiorgânica. avaliando ulteriormente a posição da respectiva
Compreende-se, assim, que esta anomalia extremidade: tórax ou abdómen. (Figura 2)
congénita comprometa a adaptação do feto à vida A ecografia abdómino-torácica permite definir
extra-uterina (Capítulos 309 e 326). a ausência de integridade diafragmática e a confir-
mação de presença de vísceras maciças no toráx,
Manifestações clínicas como o baço na hérnia diafragmática esquerda, e
e exames complementares o fígado na hérnia diafragmática direita.
O ecocardiograma deverá ser efectuado na
Hérnia de Bochdalek admissão na UCIN, às 24 horas de vida, antes da
No período pós-natal, a expressão clínica da hér- cirurgia, antes da alta (para documentar o valor de
nia de Bochdalek é muito variável, o que está em pressão pulmonar) e sempre que clinicamente se
relação com um amplo espectro de variantes justificar (por exemplo face a agravamento hemo-
anatómicas do próprio defeito; salienta – se que dinâmico para avaliação funcional e da pressão
não existe uma relação directa entre a magnitude arterial pulmonar). Efectivamente, um valor de
da hérnia e a sintomatologia. pressão arterial pulmonar superior a 2/3 da
1598 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

NT-proBNP às 24 horas de vida e, seriadamente,


durante o período de estabilização, até à interven-
ção cirúrgica. (Capítulo 309)

Hérnia de Morgagni
Com este tipo de hérnia, dum modo geral os
doentes estão assintomáticos, fazendo-se o dia-
gnóstico após o período neonatal quando a crian-
ça é submetida a radiografia do tórax por qual-
quer razão. A radiografia posteroanterior eviden-
cia uma estrutura atrás do coração, e a de perfil
localiza uma imagem de massa retrosternal. A
TAC confirma o diagnóstico.
Os sintomas, quando ocorrem, traduzem-se
por infecções respiratórias recorrentes, tosse, e ou
vómitos.Em casos raros pode surgir encarceração.

Hérnia paresofágica (peri-hiatal)


A hérnia paresofágica distingue-se da hérnia do
hiato porque a junção gastresofágica está em loca-
lização normal. A herniação do estômago, ou de
parte do estômago adjacente à região gastresofági-
ca poderá conduzir a encarceração, estrangula-
mento ou perfuração. (Figura 3)
FIG. 2
Tratamento
Aspecto radiográfico de HD de Bochdalek à esquerda. (UCIN-HDE)
Hérnia de Morgagni
pressão arterial sistólica sistémica, medida em O tratamento é cirúrgico, uma vez feito o diagnós-
simultâneo, sugere HTP grave, salientando-se, no tico. Nalguns centros utiliza-se técnica por lapa-
entanto, que se trata duma avaliação indirecta da roscopia.
pressão arterial pulmonar, com limitações relacio-
nadas, sobretudo, com a compressão cardíaca
pelas vísceras abdominais em posição torácica.
Têm sido publicados diferentes estudos
demonstrando o valor do doseamento do frag-
mento N terminal do péptido natriurético do tipo
B (NT-pro BNP) na hipertensão pulmonar do
adulto e do RN. Os níveis séricos deste péptido,
produzido no miocárdio ventricular em resposta
ao aumento da pós-carga causado por HTP, corre-
lacionam-se com o valor de pressão na artéria pul-
monar. Os valores séricos no RN são habitual-
mente mais elevados do que no adulto, não estan-
do absolutamente definido o intervalo de referên-
cia normal nesse grupo etário. No entanto, mais
FIG. 3
do que a medição instantânea do NT-proBNP, a
sua avaliação seriada permite prever a evolução Aspecto radiográfico de hérnia peri-hiatal (contraste
da HTP. Assim, recomenda-se o doseamento de esofágico). (NIHDE)
CAPÍTULO 308 Hérnia diafragmática congénita 1599

Hérnia paresofágica (peri-hiatal) • Após admissão na UCIN deve realizar-se


O tratamento é cirúrgico logo que a situação seja ecocardiograma (ver alínea anterior).
diagnosticada. • O RN deve ser entubado imediatamente
após o nascimento, com um tubo orotraqueal e
Hérnia de Bochdalek sonda orogástrica (8 F), assegurando-se a monito-
Para o êxito do tratamento dum problema clínico com- rização cardiorrespiratória. Após a colocação de
plexo como a HDC torna-se obrigatório o cumpri- acesso vascular (de preferência cateter percutâneo
mento dum conjunto de requisitos, destacando-se: – epicutâneo-cava), deverá ser iniciada perfusão
1 – equipa especializada multidisciplinar; de soluto glicosado, com um suprimento hídrico a
2 – UCIN num hospital com centro de cirurgia programar em função do balanço hídrico e da diu-
neonatal, no pressuposto de que o parto foi pla- rese; dum modo geral, até realização da interven-
neado e realizado na respectiva instituição após ção cirúrgica, não deverá ser ultrapassado o supri-
transferência atempada da grávida; e mento de fluidos para além de 80 ml/kg/dia. Tal
3 – vigilância pré-natal adequada. justifica-se pela necessidade de evitar a sobrecarga
Alguns destes aspectos, da maior relevância, cardíaca, o edema associado à fuga de fluidos por
são analisados no Capítulo 309. via transcapilar, e a disfunção cardíaca (ver atrás).
A utilização de colóides está contra-indicada,
A HDC tem sempre indicação operatória; o nomeadamente a utilização de albumina.
objectivo da intervenção cirúrgica é a redução do Exceptua-se o sangue ou seus derivados, que
conteúdo herniário e a correcção do defeito anató- serão ministrados de forma a manter Hb com
mico diafragmático. De referir que nalguns cen- valor ~ 14 g/dL.
tros está actualmente a ser aplicada a técnica cor- • Deve proceder-se ao cateterismo da artéria
rectiva do defeito, minimamente invasiva, por umbilical para determinação de pH e gasometria
toracoscopia. sanguíneos e à colocação de dois sensores cutâ-
Inicialmente, a HDC era entendida como uma neos de oxímetro de pulso, respectivamente em
emergência cirúrgica, ou seja, admitia-se que a insu- território pré e pós-ductal.
ficiência respiratória pós-natal era secundária à com- • A acidose metabólica deve ser corrigida se
pressão pulmonar pelos órgãos herniados para o pH < 7,2.
hemitórax. Assim, a redução da hérnia permitiria a • Utiliza-se dopamina ao ritmo de 3
reexpansão pulmonar. Estando hoje estabelecido mcg/kg/min, independentemente da pressão
que a principal causa de dificuldade respiratória e arterial.
mortalidade pós-natal é a hipoplasia pulmonar asso-
ciada a hipertensão pulmonar (HTP), a correcção Não sendo objectivo da abordagem terapêuti-
cirúrgica deve ser protelada até ao momento em que ca da hérnia de Bochdalek pormenorizar o proto-
é atingida estabilidade hemodinâmica e ventilatória. colo utilizado nas UCIN, são referidos apenas os
Nesta perspectiva e tendo em consideração os aspectos essenciais.
objectivos e características deste livro, é dada • A ventilação mecânica tem como objectivo
ênfase ao tratamento pré-operatório. diminuir a HTP e/ou rendibilizar as trocas gaso-
• Na sala de partos, a prestação de cuidados ao sas minorando simultaneamente, os barotrauma,
RN, nomeadamente a sua reanimação, deve estar volutrauma e atelectrauma pulmonares induzidos
a cargo da equipa de neonatologia. É sua respon- pela ventilação artificial. É neste contexto que se
sabilidade estabelecer as funções dos diferentes têm desenvolvido técnicas de ventilação cada vez
componentes da mesma com o objectivo de actuar mais sofisticadas, a que se faz referência no
rapidamente e com estratégia coordenada; contu- Capítulo 309.
do, torna-se obrigatório que todos os gestos e ati- • No sentido de reduzir o barotrauma a
tudes terapêuticas sejam providenciados com pressão inspitatória (PIP) é cuidadosamente
extremo cuidado e manuseamento mínimo face ao monitorizada, mantendo-a < 25 cm H2O e adopta-
risco de os estímulos mecânicos externos agrava- se estratégia de hipercápnia permissiva (PaCO2
rem a hipertensão pulmonar. de 45 a 60 mmHg), mantendo pH > 7,3. Salienta-
1600 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

se que os factores que contribuem para HTP são camente a HTP, o tratamento ideal destina-se a pre-
fundamentalmente hipóxia, acidose e hipotermia, venir o seu aparecimento e/ou agravamento; torna-
devendo obviamente ser evitados. se, por isso, fundamental controlar os factores
• No pré-termo com idade gestacional ≤34 desencadeantes, minorando a manipulação e proce-
semanas de gestação e/ou nos casos em que o dendo a aspirações do tubo endotraqueal suaves, e
padrão radiográfico do tórax sugira imaturidade apenas quando efectivamente necessárias.
pulmonar, está indicada a administração de sur- – A acidose, a hipercapnia excessiva (> 60
factante. mmHg, admitindo-se, como foi dito, a hipercáp-
• Deve ser evitada a utilização por rotina de nia permissiva ou ~45-60 mmHg) e a hipóxia
morfina e vecurónio, estando estes fármacos devem ser identificadas e tratadas precocemente.
reservados para situações particulares: i) o – O efeito vasodilatador pulmonar do oxigénio
vecurónio poderá ser ponderado se houver difi- justifica a oxigenoterapia com FiO2 elevada, até a
culdade na ventilação; ii) nos RN muito reactivos pressão arterial pulmonar estimada por ecocar-
está indicada a sedação com midazolam e, even- diografia atingir valor < 2/3 ao da pressão arterial
tualmente, a administração de vecurónio, para o sistémica.
transporte para a UCIN, se a actividade motora e – Apesar de não ser consensual, nalguns cen-
a agitação interferirem na ventilação. tros tem sido utilizado óxido nítrico inalado (iNO)
• Se o RN evidenciar má perfusão periférica na abordagem da HTP grave. O iNO tem uma
e/ou hipotensão arterial está indicado bolus de acção vasodilatadora pulmonar específica pelo
soro fisiológico (10 mL/kg), que poderá ser repe- aumento dos níveis de cGMP no músculo liso das
tido uma vez, se necessário. No entanto, é funda- artérias pulmonares, promovendo o seu relaxa-
mental evitar o excesso de volume, ajustando-se, mento. São critérios para iniciar terapêutica com
se necessário, a perfusão de dopamina. iNO: HTP grave documentada por ecocardiogra-
• A ventilação é considerada adequada se satu- fia e instabilidade hemodinâmica; diferencial
ração periférica de Hb-O2 pré-ductal > 95%, PaO2 significativo entre saturação periférica de O2 pré e
pré-ductal >75 mmHg e PaCO2 pós-ductal < 65 pós-ductal (pós-ductal 10 pontos percentuais
mmHg. Nas situações de PaCO2 > 65 cm H2O e com menor do que a pré-ductal); e PaO2 pós-ductal
aumento sustentado está indicado recorrer à venti- <100 mmHg com FiO2 100%.
lação de alta frequência (HFOV). Nos casos de Se ao fim de 6-12 horas de terapêutica não hou-
HTP/hipoxémia refractária à ventilação mecânica ver resposta, o iNO deve ser suspenso. Nos RN
e ao uso de surfactante, torna-se necessário recorrer em que se verifica resposta vasodilatadora, o iNO
a fármacos ou a técnicas ventilatórias que promo- deve ser mantido até a pressão arterial pulmonar
vam diminuição de tal resistência (Capítulo 309). sistólica estimada ser inferior a 2/3 da pressão
• Recomenda-se a utilização de dobutamina arterial sistémica e, eventualmente, até à correcção
nos casos de disfunção ventricular esquerda, cirúrgica do defeito diafragmático.
demonstrada por ecocardiografia, ao ritmo de 5- – Outra opção terapêutica válida no tratamen-
10 mcg/kg/min. to da HTP poderá ser o sildenafil (Viagra®). Este
• Nas situações de hipotensão associada a dis- fármaco é um inibidor da fosfodiesterase tipo 5,
função ventricular grave determinada por ecocar- responsável pela degradação do cGMP, pelo que
diografia, pode ser ponderada a utilização de mil- promove a vasodilatação pulmonar. Pondera-se a
rinona. sua utilização na HTP grave confirmada por eco-
• Se se verificar hipotensão resistente aos cardiografia e, muitas vezes, na fase de interrup-
vasopressores deverá ser ponderada a instituição ção da terapêutica com iNO. A sua utilização na
de ECMO (sistema de oxigenação por membrana criança não está autorizada, pelo que exige
e circulação extracorporal) nos centros em que sempre o consentimento esclarecido por parte dos
esteja disponível. pais.
– A correcção cirúrgica da HDC faz-se habitual-
Notas complementares: mente por laparotomia transversa ou oblíqua no
– Dada a dificuldade em controlar farmacologi- hipocôndrio direito. Recentemente, no entanto, há
CAPÍTULO 308 Hérnia diafragmática congénita 1601

relatos que descrevem a abordagem toracoscópica subespecialidade em função do contexto clínico,


como uma opção possível. Tecnicamente, a correc- para resolução de eventuais problemas surgidos
ção consiste na redução das vísceras herniadas para ou previstos, pelo menos, durante os dois primei-
o abdómen e encerramento do defeito diafragmáti- ros anos de vida. (Consultar capítulo 309)
co com suturas não absorvíveis, sendo em alguns
casos necessário recorrer ao uso de prótese. BIBLIOGRAFIA
– Os critérios clássicos que legitimam iniciar Ashcraft KW, Holcomb GW III, Murphy JP (eds). Pediatric
intervenção cirúrgica são os seguintes: Surgery. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005
1) período de 24 horas de ventilação com parâ- Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of
metros de FiO2 < 50%, PIP < 25 cm H2O ou MAP < Neonatal Care. Philadelphia; Lippincott Williams &
12 cm H2O (se, em HFOV); Wilkins, 2008
2) sinais de resolução da hipertensão pulmo- Colvin J, Bower C, Dickinson JE, Sokol J. Outcomes of congen-
nar (gradiente pre- vs. pós-ductal da SatO2 < 10 ital diaphragmatic hernia: a population-based study in
mmHg, pressão pulmonar estimada e NT-proBNP Western Australia. Pediatrics 2005; 116: e356-e363.
a diminuirem de modo mantido); Jaillard SM, Pierrat V, Dubois A, et al. Outcome at two years of
3) ausência de sinais de desequilíbrio hidroe- infants with congenital diaphragmatic hernia. Ann Thorac
lectrolítico e ácido-base; Surg 2003; 75:250-256
4) pressão sistémica estável; e Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona:Ergon,2011
5) valor de Hb > 14 g/dL. Klaassens M, de Klein A, Tibboel D. The etiology of congenital
– Os peritos no âmbito do CDH-EURO- diaphragmatic hernia:still largely unknown ? Eur J Med
Consortium, adoptaram os seguintes critérios para a Genet 2009; 52: 281-286
referida intervenção: Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
1) pressão arterial normal para a idade gesta- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
cional; McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
2) saturação pré-ductal em O2 entre 85 e 95% Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
com FiO2 < 50%; McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and Arneil´s
3) lactato sérico < 3 mmol/L; Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone, 2008
4) diurese > 2 mL/kg/hora. Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
– De acordo com estudos de metanálise, com a Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
aplicação da técnica minimamente invasiva por Williams & Wilkins, 2005
toracoscopia na própria UCIN, concluiu-se que as Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA(eds).
taxas de recorrência e o tempo operatório são Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011
superiores em comparação com a técnica cirúrgica Sluiter I, van den Ven CP, Wijnen RMH, Tibboel D. Congenital
clássica, embora as taxas de sobrevivência sejam diaphragmatic hernia:still a moving target. Seminars in
semelhantes. Fetal & Neonatal Medicine 2011; 16: 139 - 144
Smith NP, Jesudason EC, Featherstone NC, et al. Recent
Prognóstico advances in congenital diaphragmatic hernia. Arch Dis
Child 2005; 90:426-428
Após a alta, a maioria das crianças tem um desen- Sydorak RM, Harrison MR. Congenital diaphragmatic hernia:
volvimento próximo do normal. No entanto, exis- advances in prenatal therapy. World J Surg 2003; 27: 68-76.
te uma maior propensão para o desenvolvimento The Neonatal Inhaled Nitric Oxide Study Group (NINOS).
de problemas respiratórios (bronquiolite), displa- Inhaled nitric oxide and hypoxic respiratory failure in
sia broncopulmonar, problemas neurocognitivos infants with congenital diaphragmatic hernia. Pediatrics
e sensoriais (designadamente nos doentes ante- 1997; 99: 838-845
riormente submetidos a ECMO), atraso de cresci- Van Meures L, Congenital Diaphragmatic Hernia Study
mento, escoliose e pectus excavatum, e doença do Group. Is surfactant therapy beneficial in the treatment of
refluxo gastresofágico. Nesta perspectiva, com a the term newborn infants with congenital diaphragmatic
coordenação do médico assistente, as crianças hernia? J Pediatr 2004; 145:312-316
deverão ser encaminhadas para consultas de
1602 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

309 Hipoplasia pulmonar

Hipertensão pulmonar

HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA Shunt direita-esquerda

CONGÉNITA COMO MODELO


Hipóxia tecidual caudal
EM INVESTIGAÇÃO:
IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Anaerobiose Vasodilatação periférica

Jorge Correia-Pinto, Maria João Baptista


e Cristina Nogueira-Silva Ácido láctico Lesão capilar

Vasoconstrição pulmonar

Biologia do desenvolvimento Acidose metabólica Edema


da HDC e investigação biomédica

A HDC (hérnia de Bochdalek) acompanha-se de


FIG. 1
hipoplasia pulmonar, quer vascular, quer alveolar.
A hipoplasia vascular resulta da diminuição efecti- Fisiopatologia da adaptação do feto com HDC à vida extra-
va dos ramos arteriais, bem como da diminuição -uterina.
da área de secção das arteríolas pré-acinares
pequenas e intra-acinares, o que é devido a um ventilação artificial. É neste contexto que se têm
fenómeno de hipermuscularização. Esta hipopla- desenvolvido técnicas de ventilação cada vez mais
sia vascular é responsável, por si só, por manuten- sofisticadas, como a ventilação pulmonar intratra-
ção da HTP no RN. Por sua vez, a hipoplasia queal (ITPV), a oxigenação membranar extracor-
alveolar, resultante da diminuição da ramificação poral (ECMO) e a ventilação líquida parcial (PLV)
normalmente existente aquando da maturação e total (TLV). Paralelamente, uma grande varieda-
pulmonar, perturba a capacidade ventilatória, de de de outras formas terapêuticas, cujo alvo é o tra-
tal resultando hipóxia e hipercapnia mantidas. A tamento da imaturidade pulmonar e das altera-
hipóxia mantém e acentua a vasoconstrição pul- ções vasculares associadas à HDC, têm sido de-
monar, o que contribui para a manutenção e agra- senvolvidas.
vamento progressivo da HTP. Com a manutenção Da grande quantidade de possíveis soluções
da HTP no RN com HDC (Figura 1), a derivação terapêuticas pós-natais para os RN com HDC e,
circulatória direita-esquerda através do ductus embora nenhuma fórmula demonstre claramente
arteriosus mantém-se com consequente mistura de eficácia superior, a ventilação, associada ou não a
sangue mais oxigenado com menos oxigenado, do iNO(óxido nítrico inalado, e em caso de insucesso
que resulta hipóxia tecidual caudal (Capítulo 308). passagem para ECMO), parece constituir a melhor
A investigação biomédica e clínica tem procu- abordagem terapêutica; apesar desta variedade de
rado desenvolver novas estratégias terapêuticas novas soluções terapêuticas, a taxa de mortalida-
pós-natais com o objectivo de incrementar as tro- de dos RN com HDC continua, de acordo com
cas gasosas e/ou diminuir a HTP, minorando, alguns estudos, elevada.
simultaneamente, o trauma pulmonar (quer pela Os dados obtidos no âmbito da investigação
pressão e volume ventilatórios) induzido pela sobre a etiopatogénese da HDC têm demonstrado
CAPÍTULO 309 Hérnia diafragmática congénita como modelo em investigação: implicações clínicas 1603

que se trata duma anomalia do desenvolvimento Diagnóstico pré-natal e rastreio


embrionário, causada por um mecanismo molecu- de cromossomopatias/anomalias associadas
lar não completamente esclarecido (determinantes O diagnóstico pré-natal ultrassonográfico de HDC
precoces), que actua num ponto crítico do desen- é possível desde as 15-16 semanas de gestação.
volvimento embrionário, afectando simultanea- Nestes casos a RMN fetal está indicada para reali-
mente vários órgãos, tais como o diafragma, o zar o diagnóstico diferencial com outras anoma-
pulmão e o coração. lias congénitas, como a malformação adenomatói-
Um dos mecanismos que parece estar implica- de cística congénita, o sequestro pulmonar, o tera-
do relaciona-se com a existência de perturbações toma cístico mediastínico, os cistos broncogénicos,
das vias de sinalização dos retinóides. Estas são os tumores neurogénicos e o sarcoma pulmonar
fundamentais nos processos de encerramento do primário.
diafragma, do desenvolvimento pulmonar, da Uma vez confirmado o diagnóstico pré-natal
migração da crista neural, e da normal septação de HDC há que proceder ao rastreio de cromosso-
das câmaras de saída cardíacas. Neste contexto, mopatias/anomalias associadas (Figura 2). Para
compreende-se a associação da HDC a cardiopa- tal deve realizar-se amniocentese e ecocardiogra-
tias congénitas do tipo conotruncal, nomeada- fia fetal. Na verdade, a presença de cromossomo-
mente tetralogia de Fallot, comunicação interven- patias e de defeitos estruturais em geral, está asso-
tricular, truncus arteriosus e anéis vasculares. ciada a muito mau prognóstico, com mortalidade
Posteriormente, aquando da herniação patoló- de ~90%. Na ausência de alterações genéticas
gica das vísceras abdominais para o tórax, há um atrás referidas, e excluindo as condições que se
agravamento mecânico da hipoplasia pulmonar consideram constituir a síndroma de HDC (hipo-
(determinantes tardios da hipoplasia pulmonar plasia pulmonar, ductus arteriosus e foramen ovale
fetal). Na verdade, os determinantes tardios pare- persistentes, má-rotação), aproximadamente um
cem comprometer somente o desenvolvimento terço dos RN com HDC tem outras anomalias
pulmonar, enquanto o desenvolvimento cardíaco é associadas, das quais a maioria corresponde a
apenas perturbado pelos determinantes precoces. defeitos cardíacos estruturais ou genito-urinários.
Uma vez que na fase actual dos conhecimentos No caso de se detectarem anomalias cromossómi-
se admite que as várias modalidades do tratamen- cas ou anomalias congénitas major vários autores
to pós-natal parecem estar esgotadas e tal tipo de propõem interrupção médica da gravidez (IMG).
actuação é considerado demasiado tardio para a Nos restantes há que estratificar o prognóstico, por
correcção duma embriopatia pulmonar, surgiu a forma a seleccionar aqueles que previsivelmente
ideia de investir e investigar no período pré- terão uma boa capacidade de adaptação pós-natal e
natal com uma actuação que permita prevenir ou aqueles cuja adaptação pós-natal será problemática
reverter a hipoplasia pulmonar, quer alveolar beneficiando, por isso, de tratamento antenatal.
quer vascular, viabilizando um crescimento pul-
monar adequado necessário à sobrevivência pós- Factores de prognóstico
natal.
Para além das cromossomopatias e/ou outras
Abordagem pré-natal anomalias associadas são vários os factores de
prognóstico que têm sido propostos para segui-
O investimento no tratamento pré-natal exige-nos mento dos fetos com HDC: a presença do fígado
o desenvolvimento de técnicas de diagnóstico no tórax, a avaliação ecográfica da razão entre a
cada vez mais sofisticadas e a descrição de fac- área pulmonar direita e o perímetro cefálico (LHR
tores de prognóstico fidedignos, que nos permi- – right lung area to head circumference ratio), a idade
tam estratificar o risco de fetos com HDC. Na ver- gestacional aquando do diagnóstico pré-natal,
dade, os potenciais riscos associados ao tratamen- poli-hidrâmnio, a presença de desvio grave do
to in utero obrigam-nos a ter critérios para selec- mediastino, a razão área pulmonar-área transver-
cionar fetos com HDC, beneficiando, ou não, sa do tórax pequena, a presença do estômago no
daquele. Actualmente, tal já é exequível. tórax, a diminuição dos componentes do surfac-
1604 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Os três factores de prognóstico mais promis-


Diagnóstico Pré-natal sores parecem ser a posição do lobo hepático
esquerdo, a LHR e a idade gestacional aquando
Ecografia fetal morfológica do diagnóstico pré-natal. Vários estudos sugerem
Ecocardiografia fetal que a ausência de herniação hepática permite pre-
RMN fetal
Amniocentese ver um bom prognóstico, com 93% de sobrevivên-
cia, enquanto a herniação hepática está associada
apenas a 43% de sobrevivência.
Cromossomopatias e/ou
Por sua vez, a LHR é determinada obtendo-se,
Anomalias associadas? por ecocardiograma, através da caixa torácica,
uma imagem axial transversa, ao nível da incidên-
cia das quatro câmaras cardíacas, entre a 24ª a 26ª
Não Sim IMG
semana de gestação. No pulmão direito mede-se o
maior comprimento e o comprimento perpendicu-
lar a este (ambos em milímetros). Estes compri-
Avaliação do risco antenatal mentos pulmonares são multiplicados e depois
divididos pelo perímetro cefálico (em milímetros).
É importante não esquecer que a LHR deve ser
Bom Mau padronizada para a idade gestacional. Uma LHR
menor que 1.0 está associada a 100% de mortali-
Liver-down
dade, enquanto uma LHR maior que 1.4 não com-
LHR > 1,0
Intervenção antenatal disponível? porta mortalidade associada. Para valores de LHR
Dx após 25ª semana
gestacional compreendidos entre 1.0 e 1.4 a mortalidade é ~
Sim
60%. Estudos retrospectivos e prospectivos têm
confirmado a utilidade da LHR como factor de
Tratamento pós-natal prognóstico, embora estejam associadas algumas
FETENDO limitações a este índice: para a utilização correcta
Glucocorticóides da LHR, os comprimentos pulmonares devem ser
Não Retinóides
Grelina
medidos entre a 24ª e a 26ª semana de gestação.
Terapia Génica Contudo, quando combinada com a informação
sobre a posição do fígado, a LHR parece ser um
excelente indicador de prognóstico. A idade gesta-
FIG. 2
cional aquando do diagnóstico pré-natal também
Algoritmo de abordagem de fetos com diagnóstico pré-natal parece ser importante. Quando o diagnóstico pré-
de HDC. As setas a tracejado representam estratégias sob natal ocorre antes das 25 semanas de gestação o
investigação experimental. IMG: interrupção medicamente prognóstico é mais reservado.
assistida; LHR: right lung area to head circumference ratio.
A importância destes índices de prognóstico
reside no facto de se poder estratificar com confia-
tante no líquido amniótico, o lado e o tamanho do bilidade razoável o prognóstico dos fetos com dia-
defeito, a hipoplasia da cavidade abdominal, a gnóstico de HDC, de forma a seleccionar aqueles
hipoplasia ventricular esquerda, a impedância da cujo prognóstico, com o tratamento pós-natal exis-
artéria pulmonar esquerda, a razão do tempo de tente, é previsivelmente insatisfatório. É para este
aceleração/tempo de ejecção do VD, a diminuição grupo de fetos que o tratamento antenatal surge
do espaço morto e aumento da distensibilidade como uma esperança.
(compliance) dinâmica, mães com índice de massa
corporal pré-concepcional igual ou menor que 19, Intervenção cirúrgica pré-natal
e a idade materna (mulheres com 38 ou mais
anos). Contudo, muitos destes índices não têm O primeiro caso de correcção pré-natal de HDC,
sido universalmente aceites. num feto humano, foi descrito em 1990. Desde
CAPÍTULO 309 Hérnia diafragmática congénita como modelo em investigação: implicações clínicas 1605

então, a técnica praticada sofreu várias alterações. Perante estes resultados desastrosos, procurou-se
Inicialmente, realizava-se uma histerotomia e desenvolver métodos alternativos para o tratamen-
reparava-se o defeito diafragmático. Posterior- to pré-natal de fetos com prognóstico reservado ou
mente, dividiram-se os fetos com HDC em dois mau.
grupos: os fetos com liver-down (fígado abdomi- Ulteriormente a obstrução da traqueia tem
nal) ou com liver-up (fígado torácico) A técnica sido aplicada em fetos humanos, através de um
cirúrgica, para o primeiro grupo, visava a redução técnica denominada PLUG (Plug the Lung Until it
das vísceras, encerramento do defeito diafragmá- Grows). Para isso tem-se procurado desenvolver
tico e estiramento da parede abdominal. Esta estratégias que permitam ocluir a traqueia, utili-
resultava em crescimento pulmonar compensató- zando-se desde clips externos (~pinças), até balões
rio. Contudo, percebeu-se que a sobrevivência intratraqueais. Inicialmente, a oclusão da traqueia
associada a esta cirurgia não superava a obtida era realizada com histerotomia. Por isso, existia
com o tratamento pós-natal. Desde então passou a uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade,
propor-se correcção cirúrgica fetal para os fetos devida a problemas resultantes da histerotomia
que apresentavam fígado em posição torácica, e (parto pré-termo). Desenvolveram-se então técni-
portanto, com pior prognóstico. Para estes, no cas que tornassem o PLUG menos traumático.
entanto, a correcção cirúrgica também não teve Surgiu ulteriormente a chamada técnica FETEN-
sucesso, uma vez que a colocação do fígado no DO (video-assisted Fetal Endoscopy), que permi-
abdómen causava obstrução aguda do fluxo san- te realizar a oclusão da traqueia sem histerotomia.
guíneo venoso umbilical e consequente morte Os resultados do FETENDO, no entanto, têm sido
fetal. Perante estes resultados desastrosos procu- contraditórios. Enquanto a escola americana não
rou-se o desenvolvimento de métodos alternati- valorizou os resultados obtidos, a escola europeia
vos para o tratamento pré-natal de fetos com o entende que o FETENDO poderá ter utilidade na
fígado em posição torácica. abordagem dos RN com HDC. Não se deve esque-
Com base em estudos fisiológicos realizados cer, no entanto, que a cirurgia fetal é invasiva, tec-
desde a década de 70 demonstrou-se que a magni- nicamente limitada e com riscos associados.
tude pela qual o líquido pulmonar expande o Foi neste contexto que surgiu a necessidade de
pulmão fetal é um importante determinante do cres- investigar estratégias farmacológicas e hormo-
cimento pulmonar fetal. O líquido pulmonar fetal é nais fetais, cujo alvo é promover o crescimento e
segregado pelo epitélio pulmonar (pneumatócitos a maturação pulmonares.
de tipo I) para o lume, fluindo dos pulmões para o
líquido amniótico, através da traqueia (Capítulo Intervenção farmacológica pré-natal
326). Se a traqueia for obstruída, o líquido pulmonar
não eflui, ocorrendo expansão pulmonar. Este fenó- Retomando os estudos demonstrando que na
meno constitui um potente estímulo para o cresci- embriogénese da HDC a hipoplasia pulmonar
mento pulmonar fetal, aumentando o peso pulmo- precede o defeito diafragmático, alguns investi-
nar, bem como o ADN e o conteúdo proteico. gadores têm procurado determinar possíveis
Aumenta, assim, o diâmetro alveolar, a sua área de distúrbios na via de sinalização mitogénica que
superfície e o número de alvéolos. possam ser responsáveis por esta anomalia.Por
Contudo, percebeu-se desde cedo que a sobrevi- exemplo, Jesudason propõe alterações na via de
vência associada à cirurgia fetal não superava a sinalização FGF (fibroblast growth factor)/HS (hepa-
obtida com o tratamento pós-natal. Desde então ran sulphate), bem como um distúrbio intrínseco
passou-se a propor correcção cirúrgica fetal para os nos primórdios pulmonares hipoplásicos, que
fetos que apresentavam fígado em posição torácica, pode envolver alvos partilhados por FGFs e EGF
e portanto, com pior prognóstico. Para estes, no (epidermal growth factor). Destes, há a salientar o
entanto, a correcção cirúrgica também não obteve FGF10, importante na morfogénese pulmonar e
sucesso, uma vez que a colocação do fígado no cuja expressão génica está significativamente
abdómen causava obstrução aguda do fluxo san- diminuída no pulmão hipoplásico.
guíneo venoso umbilical e consequente morte fetal. Os glucocorticóides apresentam-se como tendo
1606 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

um efeito favorável no desenvolvimento e disten- monar só ocorre quando esta é administrada pre-
sibilidade alveolar (compliance) e na diminuição do cocemente, e num momento do desenvolvimento
espessamento dos vasos pulmonares, em modelos em que, no humano, o diagnóstico de HDC não é
animais com HDC. Para além disso, os glucocor- ainda possível. Tal limita, em nosso entender, a
ticóides promovem a produção de surfactante, o aplicação clínica dos retinóides no tratamento
que é importante no tratamento da HDC, uma vez antenatal de fetos com HDC. Por outro lado, a
que estudos bioquímicos indicam que estes administração profiláctica de vitamina A às mães
pacientes apresentam deficiência secundária de não é viável, pois a vitamina A e os outros
surfactante. Alguns estudos sugerem que a terapia retinóides têm efeito teratogénico.
glucocorticóide antenatal resulta da redução da A grelina, ligando endógeno para o receptor
produção local de TNF-a, que parece estar signifi- secretagogo de hormona de crescimento – GHS-R,
cativamente elevado em pulmões de modelos ani- parece estar envolvida no crescimento pulmonar
mais com HDC, comparativamente com os níveis fetal (principalmente no estádio pseudoglandular
presentes nos extractos pulmonares controlo. Na de maturação pulmonar). Num estudo recente
espécie humana, no entanto, os benefícios da demonstrámos que a grelina se expressa de forma
administração pré-natal de glucocorticóides ainda significativa nas células neuro-endócrinas do epi-
não se confirmaram. télio pulmonar fetal normal e que a sua expressão
Thébaud e colaboradores demonstraram, no está significativamente aumentada em fetos muri-
modelo de HDC induzida pelo nitrofeno, que a nos e humanos com HDC. Para além da eventual
administração pré-natal de uma única dose de vita- estimulação do eixo GH-IGFs, pudémos demons-
mina A aumenta a sobrevivência, diminui a inci- trar a existência duma nova via de actuação
dência de HDC e aumenta o crescimento pulmonar. local/parácrina, independente da acção da GH e
Estes resultados levaram vários grupos a admitir a do seu receptor mais comum (GHSR1a), aparente-
hipótese de envolvimento da via dos retinóides na mente importante para a morfogénese da árvore
fisiopatologia da HDC. A corroborar esta hipótese traqueobrônquica. Em conformidade, a adminis-
estavam os estudos de Mendelsohn e colaboradores tração materna de grelina durante a fase de desen-
demonstrando que em ratinhos knock-out para o volvimento pseudoglandular do pulmão fetal per-
subtipo b2 dos receptores RAR se desenvolvia HDC mitiu reverter, em parte, a hipoplasia pulmonar
associada a hipoplasia, ou mesmo agenesia pulmo- secundária à HDC.
nar. Babiuk e colaboradores propuseram, no entan- Estudos recentes do nosso grupo de investiga-
to, a retinal desidrogenase 2 (RALDH2), uma enzi- ção experimental sugerem que a angiotensina II é
ma envolvida na produção de ácido retinóico, e que um regulador da morfogénese pulmonar. Tal
é expressa no diafragma fetal, como o elemento poderá explicar o facto de a administração de
chave desta via, que está inibida na HDC. IECA e de antagonistas dos receptores da angio-
A vitamina A apresenta-se, assim, como um tensina durante a gravidez induzir hipoplasia pul-
indutor do crescimento pulmonar em fetos com monar fetal
HDC, promovendo a ramificação brônquica e
dando ao pulmão embrionário um potencial de Perspectivas futuras
crescimento adicional, nos estádios de desenvolvi-
mento seguintes. É importante ter em considera- A terapia génica in utero tem-se revelado uma
ção, no entanto, que a hipoplasia pulmonar inicial abordagem pertinente na transferência de deter-
e tardia, na HDC, é predominantemente devida a minados genes para o feto, nomeadamente quan-
factores não mecânicos e mecânicos, respectiva- do o órgão -alvo é o pulmão em desenvolvimento.
mente. Assim, e uma vez que a administração tar- Durante esta fase, é possível influenciar a diferen-
dia de vitamina A não afecta o desenvolvimento ciação e proliferação celulares, através da sobrex-
pulmonar, pode inferir-se que a vitamina A tem pressão dum determinado gene que estimula o
escasso efeito na recuperação da hipoplasia pul- crescimento pulmonar, uma vez que o vector (que
monar induzida por factores mecânicos. Por outro transporta o gene alvo: transgene) não é detectado
lado, o efeito da vitamina A no crescimento pul- pelo sistema imunitário fetal.
CAPÍTULO 309 Hérnia diafragmática congénita como modelo em investigação: implicações clínicas 1607

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1608 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

310
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Nogueira-Silva C, Santos M, Baptista MJ, Moura R, Correia- Definição e importância do problema
Pinto J. IL-6 is Constitutively Expressed During Lung
Morphogenesis and Enhances Fetal Lung Explant A eventração diafragmática consiste numa eleva-
Branching. Pediatr Res 2006; 60:530-536 ção marcada do diafragma, uni ou bilateral sus-
Nogueira-Silva C, Dias E, Piairo P, Moura RS, Correia-Pinto J. ceptível de originar respiração paradoxal. Esta
The role of angiotensin II during fetal lung development: a alteração, mais frequente no lado esquerdo, pode
possible molecular explanation for fetal lung hypoplasia ser congénita ou adquirida. (Figura 1)
induced by inhibitors of renin-angiotensin system. J Na forma congénita, o diafragma tem menor
Neonatal-Perinatal Medicine 2009; 2:208 (abstract) espessura por hipodesenvolvimento da compo-
Santos M, Bastos P, Gonzaga S, Roriz JM, Baptista MJ, nente muscular e maior desenvolvimento do teci-
Nogueira-Silva C, Melo-Rocha G, Henriques-Coelho T, do fibroso. Pode igualmente resultar de anormal
Roncon-Albuquerque R, Leite-Moreira A, de Krijger R, desenvolvimento dos nervos frénicos. Não exis-
Tibboel D, Rottier R, Correia-Pinto J. Ghrelin expression in tindo em geral associação a hipoplasia pulmonar,
human and rat fetal lungs and the effect of ghrelin admin- a mesma poderá verificar-se relativamente a car-
istration in nitrofen induced congenital diaphragmatic her- diopatia congénita, trissomias e sequestração pul-
nia. Pediatr Res 2006; 59:531-537 monar.
Santos M, Nogueira-Silva C, Baptista MJ, Soares-Fernandes J, A forma adquirida poderá resultar de lesão
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Thebaud B, Barlier-Mur AM, Chailley-Heu B, Henrion-Caude Peritoneu
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tal diaphragmatic hernia in rats. Am J Respir Crit Care Med Eventração diafragmática
(Corte parassagital direito)
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Thebaud B, Tibboel D, Rambaud C. Vitamin A decreases the
FIG. 1
incidence and severity of nitrofen-induced congenital
diaphragmatic hernia in rats. Am J Physiol Lung Cell Mol Eventração diafragmática em esquema: secção parassagital
Physiol 1999; 277: 423-429 direita.
CAPÍTULO 310 Eventração diafragmática 1609

ção cirúrgica, ou a lesão traumática do mesmo Tratamento


nervo relacionável com o parto distócico. (Capí-
tulo 363) Nos casos assintomáticos o tratamento é conser-
vador; nos casos sintomáticos poderá haver neces-
Manifestações clínicas sidade de assistência ventilatória. Nas formas
graves está indicada a intervenção cirúrgica (pli-
As manifestações clínicas integram essencialmen- catura).
te um quadro de dificuldade respiratória (taqui-
pneia, retracção costal, cianose) de gravidade BIBLIOGRAFIA
variável, menos exuberante do que na hérnia dia- Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
fragmática posterolateral (de Bochdalek) . Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
Existem formas clínicas assintomáticas e ainda Coran AG. Pediatric Surgery. Philadelphia:Elsevier, 2013
formas reconhecidas por pneumonia recorrente Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
em relação com o compromisso ventilatório verifi- Gill D, O´Brien N. Paediatric Clinical Examination. Edinburgh:
cado no pulmão do lado diafragmático afectado. Churchill Livingstone, 2003
O exame físico poderá identificar hipomobili- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
dade do hemitórax do lado afectado e, por radio- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
scopia, o chamado movimento paradoxal da por- 2011
ção afectada do diafragma: elevação na inspiração McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
e abaixamento na expiração (ao contrário da nor- Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
malidade) (Figura 2). McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Livingstone, 2008
O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric
Surgery: Saint Louis: Mosby, 1998
Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge
University Press, 2008
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Medical, 2011

FIG. 2
Radiograma PA do tórax em RN: aspecto de eventração
congénita diafragmática; elevação do fígado e cúpula direita
(forma unilateral). (URN-HDE)
1610 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Classificação e aspectos

311 epidemiológicos

A classificação dos diversos tipos de AE decorre


da verificação ou não de fístula e da respectiva
localização.
ATRÉSIA DO ESÓFAGO De acordo com a experiência da Unidade de
Cuidados Intensivos do Hospital Dona Estefânia-
Rui Alves e João M. Videira Amaral Lisboa, numa amostra de 59 crianças foram obti-
dos os seguintes dados: o tipo mais frequente
(76,1% dos casos) é o que evidencia um coto proxi-
mal em fundo cego associado a fístula tráqueo-
Definição e importância do problema esofágica (FTE) distal; em geral a fístula comunica
com a traqueia junto à carina; o segundo tipo mais
A atrésia do esófago (AE) é uma anomalia congé- frequente (13,1%) corresponde à forma de AE sem
nita que consiste na interrupção da continuidade fístula ; a seguir, surgem a fístula tráqueo- esofá-
do esófago; na maioria dos casos (cerca de 85- gica sem atrésia ou fístula em H (4,3%), a AE com
90% conforme as estatísticas) existe trajecto per- fístula tráqueo-esofágica proximal (4,3%) e AE
meável entre a traqueia e o coto esofágico distal, com dupla fístula (2%) (Figura 1).
estabelecendo-se, por isso, uma comunicação
entre o aparelho digestivo e o aparelho respirató- Anomalias associadas
rio.
A incidência da AE oscila entre 1/3000 e 1/8000 Em cerca de 50% dos casos de AE, existem outras
nascimentos com uma relação de 1,5/1 entre sexo anomalias associadas, em geral, da linha média.
masculino e sexo feminino. Trata-se da anomalia Os defeitos cardíacos são os mais frequentemente
congénita do esófago mais frequente. encontrados; outros incluem: defeitos músculo-
esqueléticos, do tracto urinário, digestivo, etc..
Etiopatogénese Cabe salientar, a propósito, a entidade clínica
conhecida por associação VATER/VACTERL (sigla
Durante a embriogénese (por volta da 5ª semana da língua inglesa que traduz a ocorrência associada
de gestação), a partir do chamado tubo intestinal das seguintes anomalias: V (vertebral), A (ano-rec-
faríngeo (intestino primitivo), forma-se um tal), C (cardíaca), TE (tráqueo-esofágica), R (renal),
divertículo ventral em “dedo de luva”, o qual ori-
gina a traqueia . Ulteriormente forma-se um septo
que divide o tubo intestinal primitivo numa por-
A B C D E
ção ventral – o tubo laringotraqueal – e, numa
porção dorsal – o esófago.
A atrésia do esófago é, precisamente, a conse-
quência de um desvio posterior do septo trá-
queo-esofágico, sendo que o referido desvio pro-
voca uma separação incompleta entre o esófago e o 13,1% 4,3% 76,1% 2,2% 4,3%
tubo laringotraqueal, surgindo, na maioria das
Hospital D. Estefânia (1984-1993)
vezes uma comunicação (fístula) entre o esófago
UCIN
e a traqueia. A ocorrência de AE sem fístula é Atrésia do esófago
(n=59) 59 / 2645 (2,2%)
rara, sendo atribuída esta situação a não recana-
lização do esófago por volta da 8ª semana de ges-
FIG. 1
tação.
Representação esquemática e prevalência da atrésia do
esófago e defeitos tráqueo-esofágicos.
CAPÍTULO 311 Atrésia do esófago 1611

L (limb ou membro). Refira-se que a forma de AE queo-esofágica sem atrésia do esófago), o diagnós-
sem fístula é a que mais frequentemente surge com tico poderá ser feito mais tardiamente, sobretudo
anomalias associadas; situação contrária se verifica quando aquela é longa e tem posição oblíqua.
em relação à forma com fístula em H isolada. O procedimento a realizar em casos de suspei-
Apesar da baixa incidência de casos familiares, ta de atrésia do esófago (ou como atitude sistemá-
está provado que os factores genéticos (mutações tica no âmbito do primeiro exame físico do recém
em genes, <> →) poderão desempenhar papel –nascido) consiste em introduzir sonda oro ou
significante em determinadas síndromas integran- nasogástrica nº 8 ou 10. Se a sonda chegar ao estô-
do AE; é o que acontece com a síndroma de mago em situação de esófago permeável, o líqui-
Feingold (→N-MYC), a associação CHARGE do aspirado (gástrico, com pH ácido), em contac-
(→CHD7), e a síndroma anoftalmia-esófago-geni- to com papel azul de tornesol, promove a viragem
tal (→SOX2) (Capítulo 18). de cor deste para rósea.
Nos casos em que se verifica resistência na pro-
Manifestações clínicas e diagnóstico gressão da sonda, existindo atrésia, a mesma
dobra-se ou enrola-se em U formando uma ansa
O diagnóstico provável de AE pode ser eventual- que poderá ser evidenciada em radiografia tóraco
mente realizado, já no período pré-natal, por meio - abdominal simples se for radiopaca (Figura 2 e 3).
de ecografia morfológica obstétrica evidenciando Na radiografia, caso não exista FTE, não se verifica
sinais de poli-hidrâmnio, de ausência de “bolha” sinal de ar abdominal (em negativo, aspecto de
gástrica e de distensão do topo esofágico superior. abdómen “branco”).
No período pós- natal a suspeita de AE é fun- Persistindo a suspeita diagnóstica deve proce-
damentada pela verificação de um conjunto de der-se a radiografia simples do tórax e abdómen
sinais, mais valorizáveis se existirem os antece- em posição póstero-anterior e em perfil com o
dentes pré-natais aludidos: sialorreia abundante doente em posição vertical, tanto quanto possível;
com secreções “com bolhas de ar”, impossibilidade a verificação de sinais de ar infradiafragmático
de deglutição, com ou sem dificuldade respiratória leva à conclusão de que existe fístula tráqueo-
(cianose, retracção costal, cianose, etc.); de salientar esofágica, podendo ser igualmente conclusiva
que os sinais poderão regredir parcialmente após quanto à eventualidade de existirem anomalias do
aspiração de secreções, recorrendo depois, por acu- tracto digestivo associadas (tais como atrésia duo-
mulação de saliva não deglutida, a qual provoca
obstrução das vias respiratórias superiores.
Se existir fístula pode verificar-se aumento de
volume abdominal nos quadrantes superiores
explicável pela dilatação gástrica por acumulação
de ar proveniente da via respiratória; nas situações
não acompanhadas de fístula, pelo contrário, pode
observar-se certo grau de depressão epigástrica.
Nos casos em que o diagnóstico não é realiza-
do no período pós-parto imediato (hoje em dia
situação rara uma vez que a pesquisa de permea-
bilidade esofágica faz parte dos procedimentos
sistemáticos do primeiro exame físico do recém-
nascido em muitas maternidades) o quadro clíni-
FIG. 2 FIG. 3
co de apresentação pode ser o de infecção respi-
ratória relacionável com aspiração para a via aérea Imagem radiográfica tóraco Imagem radiográfica
de saliva colectada no coto proximal e com refluxo abdominal com visualização de de sonda em U.
gastresofágico provocado pelo volume gástrico, sinais de ar infradiafragmático
testemunhando comunicação
favorecido pela fístula tráqueo-esofágica.
tracto respiratório-digestivo.
Nos casos de fístula em H isolada (fístula trá-
1612 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

denal com o sinal da “dupla bolha” (Capítulo 315), Nalguns casos poderá estar indicada gastros-
cardíacas (por exemplo arco aórtico à direita), ver- tomia prévia para evitar refluxo e garantia de me-
tebrais, das costelas, sinais de pneumonia, etc.). lhores condições operatórias.
Nesta mesma radiografia tóraco-abdominal
simples poderá comprovar-se a posição da sonda Tratamento cirúrgico
radiopaca enrolada em U atrás referida, (em geral A correcção cirúrgica da AE consiste fundamen-
entre as vértebras C7 e D3), o que tem implicações talmente numa abordagem por toracotomia late-
práticas para o cirurgião . ral pelo 4º ou 5º espaço intercostal direito (esquer-
Até há cerca de 3 décadas, procedia-se à intro- do se existir arco aórtico à direita), acesso ao
dução, pela sonda, de meio de contraste radiopa- mediastino posterior por via extra-pleural, la-
co (hoje abandonado pelo risco de aspiração para queação da crossa da veia de ázigos, laqueação
a via respiratória); este procedimento permitia selectiva da fístula tráqueo-esofágica e esófago-
visualizar com precisão o fundo de saco cego do esofagostomia término-terminal.
coto proximal do esófago. Actualmente, nalguns centros está a ser utili-
zada a técnica por via toracoscópica, com bons
Tratamento resultados a curto e longo prazo.

Medidas gerais Complicações pós-operatórias


A AE, é uma situação que deverá ser assistida em
centro especializado do nível mais elevado de dife- As complicações associadas à técnica cirúrgica
renciação, com possibilidade de terapia intensiva. prendem-se com a segurança da laqueação da fís-
Tratando-se duma anomalia incompatível com tula tráqueo-esofágica e a possibilidade de reali-
a vida se não for corrigida, tem sempre indicação zação de esófago-esofagostomia término-terminal
operatória. Porém, o procedimento operatório não sem tensão.
constitui uma emergência cirúrgica; com efeito, A deiscência parcial da anastomose esofágica e
para além de ser indispensável que o doente a estenose no local da anastomose são complica-
chegue ao bloco operatório em situação de estabi- ções que podem ocorrer entre 5 e 15% dos casos,
lização hemodinâmica, a probabilidade de ano- sendo que, na maior parte destes, a respectiva reso-
malias associadas implica a realização prévia de lução é possível com terapêutica conservadora.
um conjunto de estudos diagnósticos complemen- Nos casos em que existe deiscência total da
tares (por exemplo estudo ecográfico cardíaco, anastomose esofágica ou refistulização tráqueo-
nefro-urológico) para detecção da patologia de esofágica, é necessário realizar uma revisão cirúr-
que se suspeita; entretanto, poderá ser submetido gica da complicação, com correcção da refistuliza-
a ventilação mecânica e nutrição parentérica. ção tráqueo-esofágica e re-anastomose esofágica
Exemplificando, se concomitantemente ocorre- directa ou, optar por construir uma derivação
rem outros problemas clínicos que exijam solução esofágica cervical com gastrostomia descompres-
prioritária como problemas respiratórios graves, siva temporária. Posteriormente, será necessário
anomalias cardíacas ou do tracto urinário, a inter- reconstruir o segmento esofágico por meio de rea-
venção cirúrgica esófagica será diferida de modo nastomose directa ou por cirurgia substitutiva
electivo e controlado. esofágica com estômago ou segmento intestinal
As medidas gerais dizem respeito, essencial- ileal ou cólico.
mente, à aspiração de secreções, fluidoterapia
endovenosa para garantia de equilíbrio hídro- Seguimento
electrolítico e ácido-base, nutrição parentérica,
manutenção de oxigenação adequada e eventual O seguimento pós-operatório destes doentes é de
assistência ventilatória. A antibioticoterapia empí- extrema importância devido à prevalência de tra-
rica inicial constitui outro aspecto das medidas queomalácia e de refluxo gastresofágico (RGE)
gerais cujo esquema depende do contexto clínico acompanhantes.
individualizado. A traqueomalácia deve-se à própria natureza
CAPÍTULO 311 Atrésia do esófago 1613

embrionária da lesão como já foi referido anterior- BIBLIOGRAFIA


mente. O RGE é originado pelo invariável encur- Adzick NS, Nance ML. Pediatric surgery: I. NEJM 2000;
tamento esofágico obtido após a anastomose e, 342:1651-1657
também, pelos mecanismos anti-refluxo deficitá- Chahine A, Ricketts R. Esophageal atresia in infants with very
rios tais como o alargamento do ângulo de His, low birth weight. Semin Pediatr Surg 2000; 9:73-77
incompetência do cárdia, e peristaltismo pós- Chittmittrapap S, Spitz L, Kiely E. Esophageal atresia and asso-
anastomótico ineficaz. ciated anomalies. Arch Dis Child 1989; 64:364-368
O seguimento pneumológico deverá incluir Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
uma vigilância rigorosa de episódios de estridor Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
laríngeo e traqueal (devido, sobretudo à traqueo- Coran AG. Pediatric Surgery. Philadelphia:Elsevier, 2013
malácia) e de dificuldade respiratória (devido Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona:Ergon,2011
essencialmente a RGE grave com risco de aspira- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
ção com desencadeamento de quadros de pneu- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
monite de repetição e de hipoxémia). Uma das 2011
complicações é a doença do refluxo gastresofágico McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
(Capítulo 104). Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
O seguimento gastrenterológico deverá com- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
preender uma endoscopia digestiva alta, a realizar Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
depois da terceira semana pós-operatória, para Livingstone, 2008
detecção de esofagite e de estenose anastomótica Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
com eventual necessidade de dilatação. Para além Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
do RGE, é habitual o atraso do esvaziamento gás- Williams & Wilkins, 2005
trico. O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric
Deverá também ser mantida vigilância ortopé- Surgery: Saint Louis: Mosby, 1998
dica, devido às possíveis deformidades da grelha Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge
costal e da coluna tóraco-lombar associadas à University Press, 2008
toracotomia, ou várias toracotomias a que estes Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
doentes possam ser sujeitos. AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGra -Hill
Medical, 2011
Prognóstico Sharma AK, Shekhawat NS, Agraval LD, et al. Esophageal
atresia and tracheoesophageal fistula: a review of 25
O prognóstico da AE pode ser classicamente defi- years´experience. Pediatr Surg Int 2000; 16:478-482
nido em três patamares ou classes, segundo os cri- Shaw-Smith C. Oesophageal atresia, tracheo-oesophageal fis-
térios de Spitz. De acordo com este autor, as tula and the VACTERL association: review of genetics and
classes prognósticas valorizam o peso de nasci- epidemiology. J Med Genet 2006; 43: 545-554
mento e a presença de anomalia cardíaca como os Spitz L. Esophageal atresia: past, present and future. J Pediatr
factores preponderantes para o prognóstico final Surg 1996; 31:19-24
dos RN portadores de AE.
Assim, os RN com peso <1.500 gramas e ano-
malia cardíaca têm o pior prognóstico, com 22%
de sobrevivência. Pelo contrário os RN com peso
de nascimento > 1.500 gramas e sem anomalia
cardíaca têm o melhor prognóstico, com cerca de
97% de sobrevivência. Actualmente, na unidade
de cuidados intensivos neonatais do Hospital
Dona Estefânia a sobrevivência global é > 90%,
dado comparável ao divulgado por outros centros
europeus e americanos.
1614 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

312
onfalocele, ao contrário da gastrosquise (Capítulo
313), está mais frequentemente associado a outras
anomalias congénitas (sobretudo na modalidade
major: ~30-40%).

Anomalias associadas
ONFALOCELE
Estas anomalias associadas são de natureza muito
Rui Alves lata abrangendo, desde alterações do tubo neural,
a anomalias crânio-faciais, a atrésia intestinal,
defeitos do diafragma, cardíacos e do aparelho
génito-urinário. A má-rotação intestinal está, por
Definição e importância do problema definição, sempre presente .
A verificação de alterações graves da morfogé-
O onfalocele (sinónimo de exônfalo) é uma ano- nese dos sómitos laterais abdominais pode con-
malia congénita na linha média da parede anterior correr para o surgimento de dois tipos de defeitos:
do abdómen, caracterizada pelo alargamento do por um lado, o onfalocele epigástrico, associado a
orifício umbilical e pela protusão, através do pró- hérnia diafragmática anterior, fenda esternal e
prio defeito da parede (anel umbilical), de conteú- anomalia cardíaca; e, por outro, o onfalocele hipo-
do intrabdominal, recoberto por saco ou película gástrico, associado a extrofia da bexiga ou a fissu-
peritoneal (peritoneu e membrana amniótica), ra vésico-intestinal ou extrofia da cloaca.
sem pele suprajacente. O cordão umbilical insere- Citam-se a seguir outros tipos de defeitos que
se neste saco. O conteúdo intrabdominal pode ser costumam acompanhar o onfalocele: anomalias
constituído por vísceras maciças como o fígado, cromossómicas como trissomias 13, 18 e 21, sín-
ou ocas, como estômago ou ansas intestinais droma de Beckwith-Wiedemann (macroglossia,
(Figuras 1). gigantismo, hipoglicémia por hiperinsulinismo,
Considerando o diâmetro do orifício, o onfalo- microcefalia e nevus flameus congénito), e pentalo-
cele classifica-se de major, se aquele for superior a gia de Cantrell (ectopia cordis, hérnia diafragmáti-
4 cm, e minor, se for inferior a tal valor. ca, defeitos cardíacos, defeitos esternais e pericár-
A sua incidência é cerca de 1/3.000 a 1/10.000 dicos).
nascimentos, sem predomínio de sexos.
Tratando-se de um erro da morfogénese, o Manifestações clínicas e diagnóstico

No período pré-natal o diagnóstico de onfalocele


pode ser obtido nos exames ecográficos endovagi-
nais a partir das 10 semanas de gestação(diagnós-
tico pré-natal). A imagem de ausência de encerra-
mento do orifício umbilical e a presença de exte-
riorização de ansas intestinais contidas num saco
peritoneal é muito sugestiva.
Nos casos de ruptura do saco, observa- se o
conteúdo abdominal flutuando na cavidade
amniótica, tal como se verifica na gastrosquise
(Capítulo 313); no entanto, no caso do onfalocele
roto, o fígado pode estar exposto. O saco pode
romper-se também durante ou após o parto.
Em função do contexto clínico, poderá reali-
FIG. 1
zar-se amniocentese para realização de cariótipo.
Aspecto de onfalocele com saco intacto. (URN-HDE) A análise do líquido amniótico, tratando-se de
CAPÍTULO 312 Onfalocele 1615

onfalocele evidenciará valores normais de acetil- decúbito lateral, são realizados os seguintes pro-
colinesterase, ao contrário do que acontece em cedimentos:
situações de gastrosquise em que existe elevação – aplicação de sonda nasogástrica (para drena-
de tal marcador biológico. De referir também que gem do conteúdo gastrintestinal, facilitando a
em 90% dos casos de onfalocele existe elevação função respiratória) e de sonda de enteroclise
dos valores de alfa-fetoproteína no soro materno. (para diminuir a distensão abdominal);
Após o nascimento, o diagnóstico é óbvio: pro- – venoclise para fluidoterapia (para garantir o
cidência (de grandes dimensões na modalidade equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base);
major), em forma de saco esferóide de parede bril- – detecção de anomalias associadas;
hante e transparente permitindo visualizar as vís- – prevenção e detecção de hipoglicémia e cor-
ceras, salientando-se que a cavidade abdominal recção da mesma, caso se verifique (Capítulo 340);
aparenta ser de menores dimensões por conter – antibioticoterapia profiláctica com ampicili-
menos vísceras. na e gentamicina (Capítulo 359).
Pelas razões apontadas, a entidade onfalocele,
uma vez confirmada no RN, obriga à detecção Quanto a cuidados locais:
doutras anomalias acompanhantes, nomeadamen- – no onfalocele roto: aplicação de compressas
te cardíacas, independentemente de eventual estu- esterilizadas molhadas em soro fisiológico aqueci-
do com tal objectivo realizado durante a gestação. do, por sua vez envolvendo as vísceras com com-
Deverá ser realizado igualmente estudo citogenéti- pressas num saco de plástico esterilizado, ou de
co na tentativa de detectar anomalias cromossómi- celofane esterilizado; não é aplicado qualquer
cas, ou identificar loci patológicos específicos. Esta desinfectante tópico (procedimento igual ao apli-
metodologia deve ser levada a cabo após o nasci- cado à gastrosquise (Capítulo 313);
mento nos casos em que não se tenha procedido ao – no onfalocele intacto: os cuidados são os mes-
estudo citogenético pré- natal por análise do líqui- mos que se aplicam ao coto do cordão umbilical
do amniótico ou do sangue fetal. normal, caso esteja prevista a cirurgia a curto
prazo (Capítulo 328); se a cirurgia correctiva não
Tratamento for possível a curto prazo, promove-se a epiteliza-
ção do cordão herniado com aplicação de solução
Tratando-se duma situação clínica com indicação alcoólica iodada.
cirúrgica, importará abordar em primeiro lugar Sempre que possível, dá-se preferência à
um conjunto de cuidados da responsabilidade da modalidade de tratamento cirúrgico designada
equipa de pediatria neonatal/perinatal, iniciados por encerramento primário da parede abdominal
no bloco de partos e continuados na UCIN. (desde que o mesmo não provoque elevação
Pressupõe – se que a criança nasce no hospital- excessiva da pressão intrabdominal) utilizando
maternidade dotado de equipa cirúrgica e UCIN, várias técnicas cuja descrição ultrapassa o âmbito
e que o dianóstico pré-natal da situação determi- deste livro.
nou o transporte in utero. O transporte do bloco de Nos casos de saco roto, a intervenção é consi-
partos à UCIN deve ser realizado em incubadora derada urgente; e electiva (nas primeiras 24 horas,
de transporte (Capítulos 324, 325 e 337). uma vez garantida a estabilização hemodinâmica)
Os referidos cuidados, em ambiente de assép- em situação inversa.
sia, têm como objectivo essencial promover a esta- Se o defeito não permitir, pela sua dimensão, o
bilização pré – operatória, com especial realce encerramento primário, deverá ser realizada a
para a prevenção da hipotermia e da hipovolémia, contenção do conteúdo do onfalocele por meio de
garantindo função ventilatória eficaz, e evitando a um saco de polímero de silastic (designado, na
infecção. Dependendo da clínica e dos resultados gíria cirúrgica como silo) promovendo o encerra-
dos exames laboratoriais, poderá haver indicação mento ulterior (diferido, por fases – técnica de
para ventilação mecânica, mais provavelmente Schuster). Também poderão ser utilizados agentes
nos casos major. escarificantes ou pensos biológicos até haver pos-
No pós-parto imediato, na criança colocada em sibilidade de realizar com segurança a reintrodu-
1616 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ção do referido conteúdo, e de corrigir o defeito da mente cardíacas, assim como das complicações
parede abdominal, sem tensão pronunciada. resultantes de infecção, oclusão, isquémia e perfu-
O encerramento forçado da parede não deverá ração intestinais. A longo prazo, pela repercussão
ser tentado pelo risco de compressão da veia cava anatomofuncional (sequelas) no tubo digestivo,
inferior (diminuição do retorno venoso, do débito poderá surgir quadro de oclusão intestinal.
cardíaco, hipotensão), de compressão da emergên- A taxa de sobrevivência varia entre 75-80%.
cia das artérias renais (comprometendo a perfusão
parenquimatosa renal, originando oligúria), e do BIBLIOGRAFIA
aumento da pressão intrabdominal (comprome- Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
tendo a motilidade diafragmática); trata-se da Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
chamada síndroma compartimental que importa Christison – Lagay ER, Kelleher CM, Langer JC. Neonatal
prevenir. Por outro lado, o encerramento sob abdominal wall defects. Seminars in Fetal & Neonatal
extrema tensão pode originar deiscência da sutura Medicine 2011; 16: 164 - 172
da parede abdominal ou compromisso isquémico Coran AG. Pediatric Surgery. Philadelphia:Elsevier, 2013
da ansa intestinal subjacente. Gill D, O´Brien N. Paediatric Clinical Examination. Edinburgh:
Churchill Livingstone, 2003
Complicações pós-operatórias Holland AJ, Ford WD, Linke RJ, et al. Influence of antenatal
ultrasound on the management of fetal exomphalos. Fetal
As complicações pós-operatórias são decorrentes Diagn Ther 1999; 14:223-228
de aumento de pressão intrabdominal associadas Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
ao encerramento primário forçado (já descritas Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
anteriormente), ou decorrentes de complicações 2011
sépticas locais associadas à utilização de materiais McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
heterólogos para o encerramento primário ou Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
secundário por fases de onfaloceles muito volu- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
mosos. Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Em ambos os casos, é necessário efectuar uma Livingstone, 2008
revisão cirúrgica da situação com extracção do Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
material heterólogo infectado ou promover a Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
diminuição da pressão intrabdominal. O interna- Williams & Wilkins, 2005
mento poderá durar > 3 meses. O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric
Surgery: Saint Louis: Mosby, 1998
Seguimento Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge
University Press, 2008
O período pós-operatório não é, em geral, pro- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
blemático. Na ausência doutras anomalias ou de AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
complicações cirúrgicas a evolução clínica é rápi- Medical, 2011
da e não acidentada. Waklu A. Management of exomphalos. J Pediatr Surg 2000;
O seguimento pós-operatório a médio ou 35:73-77
longo prazo, não coloca problemas ao pediatra,
uma vez que não há compromisso da permeabili-
dade do tracto digestivo, salientando-se que o iní-
cio e a progressão da diversificação alimentar
decorre, em geral, sem problemas.

Prognóstico

O prognóstico destes doentes depende directamen-


te da existência de anomalias associadas, nomeada-
CAPÍTULO 313 Gastrosquise e outros defeitos da parede abdominal 1617

313
Igualmente se tem demonstrado o efeito nocivo
do líquido amniótico em contacto directo com as
ansas intestinais, o que é relacionado com a acção
de citocinas e mediadores pró-inflamatórios como
a IL-6 e IL-8. Tal efeito, intensificado proporcional-
mente à duração da gestação, e mais agressivo se o
GASTROSQUISE E OUTROS líquido amniótico contiver mecónio eliminado in
utero, tem sido demonstrado ao nível do plexo
DEFEITOS DA PAREDE nervoso mientérico e das células de Cajal.
A alteração da integridade da parede abdomi-
ABDOMINAL nal poderá ser decorrente de uma regressão
prematura de uma das duas artérias ônfalo-
Rui Alves mesentéricas. Esta regressão vascular poderá ser
responsável por alterações isquémicas da parede
abdominal contribuindo para o defeito morfológi-
co fáscio-músculo-cutâneo. Alguns investigadores
não distinguem a patogénese da gastrosquise da
1. GASTROSQUISE do onfalocele. Assim, a gastrosquise poderia ser
originada pela ruptura do saco peritoneal que
Definição e importância do problema recobre as ansas intestinais.
Após o nascimento verifica-se que as ansas
A gastrosquise é uma anomalia congénita da pare- intestinais, pelo contacto prolongado com o líqui-
de anterior do abdómen caracterizada por: do amniótico, estão aderentes entre si, com consis-
– ausência do encerramento da parede abdo- tência superior ao habitual, o que é explicável pela
minal atingindo todas as camadas (fáscia-múscu- existência de exsudado gelatinoso que as recobre
lo-pele), na maioria das vezes à direita da inserção como pequena “carapaça” ou peel. Este fenómeno
(normal) do cordão umbilical; e pode originar inflamação no peritoneu (peritonite
– exteriorização, por esse defeito, da parede meconial), edema da parede intestinal, formação
(que varia entre 0,5 e 3cm), de conteúdo intrabdo- duma película de fibrose assim como compressão
minal. das artérias mesentéricas e das fibras nervosas
O conteúdo intrabdominal é constituído por entéricas, sendo que o próprio orifício para-umbi-
vísceras ocas como estômago ou ansas intestinais, lical poderá também ter efeito compressivo sobre
não cobertas por peritoneu ou membrana amnió- os vasos; como consequências, poderão surgir:
tica (ao contrário do onfalocele). – ulterior desenvolvimento de volvo, estenose,
A incidência deste defeito é cerca de 1/5.000 a atrésia e encurtamento intestinais por necrose
1/10.000 nascimentos não se verificando predomí- isquémica extensa;
nio de sexos. Actualmente, de acordo com estudos – dismotilidade intestinal;
de várias séries internacionais, existe uma tendên- – dificuldade na reintrodução das ansas na ca-
cia de aumento progressivo da frequência desta vidade abdominal.
anomalia; as razões deste facto são desconhecidas. Torna-se, assim, fácil compreender as anomalias
anatómicas e funcionais, sobretudo do foro digesti-
Etiopatogénese e anomalias vo que poderão acompanhar a gastrosquise, numa
associadas proporção ~10%. A má-rotação intestinal está, por
definição, sempre presente na gastrosquise.
A gastrosquise (surgindo, como regra, isoladamen-
te, ao contrário do onfalocele) é de etiologia desco- Manifestações clínicas e diagnóstico
nhecida. De acordo com alguns estudos epide-
miológicos, especula-se sobre a acção teratogénica O diagnóstico pré-natal da gastrosquise pode ser
de certas substâncias, designadamente da cocaína. obtido nos exames ecográficos realizados após a
1618 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

12-14ª semana de gestação. A imagem de exterio- No RN o diagnóstico é óbvio; contudo, deve


rização amniótica de ansas intestinais por meio de inspeccionar-se cuidadosamente o orifício umbili-
um defeito para-umbilical, não contidas num saco cal dada a eventualidade de diagnóstico diferen-
peritoneal é muito sugestiva; de referir que a pro- cial com onfalocele roto in utero (e no pressupos-
babilidade de diagnóstico ecográfico pré-natal de to de não se ter realizado ecografia pré-natal).
defeitos da parede abdominal, designadamente Sob o ponto de vista da prática clínica, a gas-
no que se refere à gastrosquise, oscila entre 57 e trosquise é habitualmente classificada utilizando
95%. Em função do contexto clínico, poderá estar uma escala de gravidade e de estratificação de
indicado estudo citogenético pré-natal no líquido risco (escala de Le Fort pontuando situações de I a
amniótico e/ou no sangue do cordão (Figura 1). IV). Com efeito, esta escala não se relaciona tanto
O soro materno em situações de gastrosquise com o diâmetro do orifício, mas com o estado de
no período pré-natal evidencia em 100% dos casos vitalidade e função global das ansas intestinais no
valores séricos elevados de alfa-fetoproteína. A que respeita a serosite, edema da parede, presença
acetil colinesterase no líquido amniótico tem de atrésia e encurtamento intestinal por necrose
também valores elevados, ao contrário do que extensa de ansa. Estes aspectos patológicos estão
acontece no onfalocele. associados à exposição amniótica e urinária e às
A evidência ecográfica pré-natal de gastrosquise lesões isquémicas do intestino que podem ser ori-
implica necessariamente a detecção doutras anoma- ginadas pela compressão vascular – mesentérica
lias acompanhantes, nomeadamente cardíacas, do orifício para-umbilical (ver atrás).
embora estas sejam raras, ao contrário do onfalocele. A detecção de anomalias associadas deverá ser
O estudo ecográfico deverá incidir especial- ponderada em função do contexto clínico.
mente sobre a caracterização das ansas intestinais
no que respeita ao espessamento da parede e per- Tratamento
meabilidade do lume, aspectos que têm valor pro-
gnóstico quanto à evolução a curto, médio e longo Quanto à gastrosquise aplicam-se os mesmos
prazo. Deverá igualmente ser realizado por amnio- princípios gerais, designadamente quanto a local
centese o estudo citogenético, designadamente do parto e cuidados pré-operatórios. Dados os
para detecção de cromossomopatias associadas efeitos lesivos do líquido amniótico e do mecónio
e/ou identificação de loci patológicos específicos. eliminado in utero, em contacto permanente com
Não está provado que o parto programado por as ansas fetais, efeitos que aumentarão com a
via alta tenha vantagens relativamente ao parto idade gestacional, discute-se hoje sobre a decisão
vaginal. de antecipar o parto (segundo alguns para as 36-
37 semanas) tendo em vista minorar os referidos
efeitos atrás descritos.
No pós-parto imediato, a criança deve ser
(também) colocada em decúbito lateral para evitar
a angulação dos vasos do mesentério.
Na UCIN do Hospital de Dona Estefânia, o
procedimento é o seguinte: as vísceras exterioriza-
das são envolvidas com compressas esterilizadas
molhadas em soro fisiológico aquecido, envolven-
do-se depois aquelas num saco de plástico esteri-
lizado ou em celofane esterilizado. Não se aplica
qualquer desinfectante tópico.
O objectivo do tratamento cirúrgico da gas-
trosquise é a reintrodução das ansas intestinais e o
encerramento primário da parede abdominal uti-
FIG. 1
lizando diversas técnicas que ultrapassam o âmbi-
Gastrosquise (vísceras exteriorizadas sem saco) (Arq. JMVA, 1976). to deste livro.
CAPÍTULO 313 Gastrosquise e outros defeitos da parede abdominal 1619

Nos casos em que não é possível realizar o relacionadas com a eliminação de mecónio in
encerramento primário, pela presença de gastros- utero, e de complicações graves de tipo mecânico,
quise muito volumosa ou pelo endurecimento metabólico e neuroentérico. Nesta perspectiva
seroso das ansas intestinais, deverá ser proposta a realçam-se a síndroma de intestino curto e as com-
contenção das ansas intestinais por meio de um plicações associadas ao cateterismo central de
saco de polímero de silastic, suturado à orla de longa duração. A sobrevivência é actualmente
orifício para-umbilical. Este método promove a cerca de 95%.
restituição das ansas para a cavidade peritoneal A presença de defeitos gastrintestinais associa-
por fases, com encerramento definitivo diferido. dos, a prematuridade e a necessidade de introdu-
O encerramento forçado da parede não deverá ção mais tardia da alimentação entérica por dis-
ser tentado pelos riscos apontados a propósito do função intestinal constituem factores de risco e de
onfalocele. Como particularidade relativamente à agravamento do prognóstico.
gastrosquise, cabe salientar que o encerramento
sob extrema tensão, com ansas intestinais de pare-
de edemaciada e pouco dúctil, poderá originar
deiscência da sutura abdominal ou compromisso
2. OUTROS DEFEITOS
isquémico da ansa intestinal subjacente por com-
DA PAREDE ABDOMINAL
pressão mesentérica.
Aplasia da musculatura abdominal
Complicações pós-operatórias (Síndroma de Eagle Barrett)

As complicações pós-operatórias são decorrentes Faz-se uma referência breve a esta síndroma rara
de aumento de pressão intrabdominal associadas (com uma incidência de cerca de 1/40.000 recém-
ao encerramento primário forçado (já descritas nascidos), também chamada síndroma “prune
anteriormente), ou decorrentes de complicações belly” (aspecto de “barriga” em passa de ameixa
sépticas locais associadas à utilização de materiais ou de abrunho).
heterólogos para o encerramento primário, ou Trata-se da associação de aplasia da muscula-
secundário por fases. tura abdominal (determinando que o abdómen
É frequente verificar-se no período pós-operató- seja flácido e alargado para os lados, e a respecti-
rio, face às alterações mecânicas, bioquímicas e va pele fique “engelhada”, com pregas ou ondula-
neuroentéricas das ansas intestinais, um período de da), distopia testicular, e anomalias do tracto
adaptação intestinal longo e difícil aos nutrientes urinário relacionáveis com obstrução da uretra no
por via entérica. A dependência da nutrição paren- período fetal: megabexiga, mega uréter, hidrone-
térica poderá ser prolongada, nomeadamente nos frose e graus diversos de displasia renal.
casos, em que coexiste atrésia segmentar ou necro- Oligoâmnio e hipoplasia pulmonar constituem
se isquémica extensa, conducente a encurtamento complicações frequentes no período perinatal. As
intestinal, com desenvolvimento de síndroma de costelas inferiores podem fazer saliência para fora,
intestino curto (Capítulo 115). comprometendo a dinâmica respiratória, o que
Devido à serosite parietal, poderão ocorrer predispõe a infecções. As anomalias do úraco
com alguma frequência, quadros suboclusivos por podem também fazer parte desta síndroma
aderências ou bridas. Estas manifestações , quan- (Capítulo 171).
do não têm resolução clínica conservadora, Em cerca de 10% dos casos verifica-se associa-
podem implicar terapêutica cirúrgica para excisão ção, também, a defeitos cardíacos e em 50% a ano-
de bridas e aderências. malias do sistema músculo-esquelético. Na maio-
ria dos casos (mais de 95%) os doentes são do sexo
Prognóstico masculino.
Uma vez diagnosticada obstrução do uréter ou
O prognóstico depende fundamentalmente da uretra, estão indicados procedimentos de drena-
existência de lesões e dismotilidade intestinais gem emergente (vesicostomia ou pielostomia)
1620 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

para preservação da função renal, os quais são 1 2


mantidos até à idade da intervenção cirúrgica
reconstrutiva. O prognóstico depende do grau de
hipoplasia pulmonar e de displasia renal. Em
casos seleccionados poderá estar indicada trans-
plantação renal.

Ectopia cardíaca (Ectopia cordis) 3 4

Esta anomalia rara traduz-se por “tumor” pulsátil


situado entre o apêndice xifoideu, que é curto, e o
umbigo. No sentido anatomofisiológico, a saliên-
cia pulsátil é uma hérnia cujo saco é formado pelo
pericárdio. Poderá haver associação a defeitos
cardíacos septais. 5 6

Úraco patente

A esta situação clínica foi feita referência no


Capítulo 171. Recorda-se, a propósito, que úraco é
a parte superior da alantoideia que se dirige para o
7 8
umbigo; no embrião humano transforma-se preco-
cemente num cordão fibroso que se estende como
ligamento da bexiga ao umbigo. Excepcionalmente,
essa estrutura inicialmente canalicular não se trans-
forma em estrutura fibrosa, permitindo que, atra-
vés do umbigo, seja eliminada urina; é o úraco
patente. Por vezes formam-se dilatações quísticas 1 – Fístula completa do canal vitelino
2 – Divertículo de Meckel com filum terminale (banda
no seu trajecto; são os quistos do úraco. filamentosa) entre o íleo e o umbigo
O úraco patente pode estar associado a divertí- 3 – Divertículo de Meckel
culos da bexiga. 4 – Filum terminale
5 – Quisto forrado por mucosa no trajecto do filum terminale
6 – Quisto de Roser (subumbilical intraparietal)
Canal onfalomesentérico 7 – Fístula incompleta do canal vitelino
8 – Pólipo umbilical (eversão de fístula incompleta)
(ou vitelino) vestigial
FIG. 2
Os vestígios do canal onfalomesentérico (estrutu-
ra que liga, entre a 5ª e 7ª semana de vida intra- Defeitos relacionados com remanescências do canal
uterina, o saco vitelino ao intestino primitivo, onfalomesentérico.
podem ter expressão clínica diversa ao nível da
parede abdominal (Figura 2): canal patente simile divertículo intestinal cujo lume comunica com
fístula ligando o umbigo ao intestino delgado; intestino delgado ao nível do bordo antimesenté-
corda fibrosa ligando a face interna da região rico, a distância variável da válvula ileocecal
umbilical ao intestino, provocando depressão ou (divertículo de Meckel). Esta última modalidade é
fosseta ao nível do umbigo por retracção deste; abordada com mais pormenor no Capítulo 319.
pequeno pólipo no umbigo (cuja superfície é Nota importante:
constituída por mucosa intestinal) associado a Para além das situações clínicas representati-
corda fibrosa anteriormente descrita; pequeno vas de defeitos da parede abdominal já descritas
quisto forrado internamente por mucosa intestinal nos Capítulos 312 e 313 (com especial realce para
no trajecto do cordão fibroso antes referido; onfalocele e gastrosquise), chama-se ainda a atenção
CAPÍTULO 314 Hérnias 1621

314
do leitor para os tópicos complexo extrofia da bexi-
ga/epispadia englobado na Parte sobre Nefro-
Urologia (Capítulo 171), e hérnias, integrando o
próximo Capítulo.

BIBLIOGRAFIA
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dependence of bowel damage in gastroschisis. J Pediatr uma víscera (ou de uma parte de víscera) para
Surg 2002; 37: 31 - 35 fora dos seus limites normais, através das paredes
Drongoswky R, Smith R, Coran A. Contribution of demogra- enfraquecidas da cavidade que a contém, ou por
phic and enviromental factors to the etiology of gastrosqui- um orifício (natural, acidental ou patológico). Este
sis: a hypothesis. F Diag Ther 1991; 6:14-17 conceito abrange as hérnias externas (de que as
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson mais frequentes são as verificadas através da pare-
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, de abdominal, traduzindo-se em tumefacções
2011 redutíveis nas regiões: abdominal, abdominal –
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of inguinal, e escrotal), e as hérnias internas (de que
Pediatrics. Madrid:Panamericana, 2010 é exemplo a hérnia diafragmática, abordada no
Minkes R, Langer J, Massiotti M. Routine insertion of silastic Capítulo 308).
silo for infants with gastrosquisis. J Pediatr Surg 2000; 35: Neste capítulo é feita referência às hérnias da
843-847 parede abdominal.
Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
Williams & Wilkins, 2005
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birth weight. Semin Pediatr Surg 2000; 2: 88-90
Rudolph CD, Rudolph AM, Liste r GE, First LR, Gershon Importância do problema
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Medical, 2011 A hérnia inguinal é uma das condições mais fre-
Snyder C. Outcome analisys for gastroschisis. J Pediatr Surg quentemente observadas na idade pediátrica (ver
1999; 34: 1253-1257 alínea seguinte). Quando não devidamente dia-
Werler MM, Sheehan JE, Mitchell AA. Association of vaso- gnosticada e tratada, pode pôr em risco a vida ou
constrictive exposures with risks of gastroschisis and small resultar na perda de um órgão (como o ovário ou
intestine atresia. Epidemiology 2003; 14:349-354 o testículo em caso de estrangulamento). Na
população pediátrica ocorre em cerca de 3-5 % dos
indivíduos, sendo a proporção superior (10- 30%)
em crianças com antecedentes de prematuridade.
É ~ 6 – 10 vezes mais frequente no sexo masculi-
no, e 2 vezes mais frequente do lado direito, devi-
do à descida testicular mais tardia deste lado.
Cerca de metade dos casos surge no primeiro ano
de vida, na sua maioria antes dos 6 meses.
1622 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A incidência de hérnias bilaterais é mais eleva-


A B
da no sexo feminino (~20-30%). Em cerca de 10%
dos casos há antecedentes familiares.

Aspectos embriológicos
e etiopatogénese

O testículo, no seu trajecto de descida do abdó-


men para a bolsa escrotal, através do canal ingui-
nal, “empurra“ à sua frente um divertículo perito-
neal – o canal peritoneovaginal (CPV) ou processus
vaginalis – que se transformará na camada ou túni-
FIG. 1
ca vaginal do testículo. Na fase em que o testículo
atinge o fundo da bolsa (por volta do 7º a 8º mês Representação esquemática de: A – Hérnia inguinal indirecta
de gestação), o referido canal sofre involução (isto clássica (tipo funicular); B – Hérnia inguinal indirecta completa.
é, fica obliterado), deixando de haver comunica-
ção entre o escroto e a cavidade abdominal. inguinal; resultam de defeito muscular ou de fra-
Quando se verifica anomalia desta involução, o queza do pavimento do canal inguinal; são geral-
CPV persiste (fica patente), criando-se condições mente consideradas adquiridas, podendo surgir
para a constituição de hérnia inguinal. como sequela de anterior correcção de hérnia
1 → Surge hérnia inguinal quando conteúdo inguinal indirecta;
intrabdominal se “escapa” da cavidade abdomi- – as hérnias femorais ou crurais (<0,5%) corres-
nal “entrando” na região inguinal através do CPV pondendo a procidência ao nível da extremidade
patente (sendo que nem em todos os doentes com superior e interna do triângulo de Scarpa, mais
CPV patente se desenvolve hérnia inguinal). lateralmente que as hérnias inguinais(consultar
Dependendo da extensão ou comprimento do Glossário), e parecendo de localização inferior à prega
CPV patente, assim a hérnia poderá ficar confina- inguinal; são mais frequentes no sexo feminino.
da à região inguinal, ou continuar a descer até 2 → Se no CPV existir fluido seroso, gera-se o
atingir o escroto: hidrocelo (ou a hidrocele), definido como acumula-
– a obliteração distal do CPV (em torno do ção de líquido seroso na túnica vaginal dos testí-
testículo), mantendo-se patente a porção proximal culos ou no tecido que envolve o cordão espermá-
do mesmo, resulta em hérnia inguinal indirecta clás- tico; se a tumefacção existir somente no escroto,
sica (ou funicular), com protusão no canal inguinal constitui-se o hidrocelo escrotal; se ao longo do
(Figura 1-A); cordão espermático, a tumefacção verifica-se no
– a falência completa da obliteração do CPV, próprio cordão espermático, constitui-se o hidroce-
mantendo-se patente o CPV em toda a sua lo do cordão espermático (também chamado quisto do
extensão(proximal+ distal), predispõe à formação da cordão, correspondendo à situação de reabsorção
chamada hérnia inguinal completa, caracterizada incompleta do CPV); se se estender do escroto,
por protusão do conteúdo intrabdominal no canal através do canal inguinal até ao abdómen, consti-
inguinal, podendo atingir o escroto (Figura 1-B). tui-se o hidrocelo abdominal-escrotal.
As situações tipificadas nas Figuras 1-A e 1-B O hidrocelo designa-se comunicante se o saco
correspondem à maioria dos casos de hérnias contendo fluido variar de dimensões (“enchendo-
inguinais (indirectas) no lactente e criança (~99%). se ou esvaziando-se” no sentido cavidade perito-
Outros tipos de tumefacções redutíveis visíveis neal-escroto ou vice-versa) (Figuras 2-A, 2-B e 2-
exteriormente ao nível da região inguinal incluem: C). (Capítulo 173)
– as hérnias inguinais directas (~0,5-1%), fazen- Em crianças mais velhas, determinadas condi-
do procidência ao nível, ou um pouco para baixo ções como traumatismos, inflamação ou tumores
e para dentro do orifício superficial do canal do testículo podem originar hidrocelos secundá-
inguinal, e parecendo de localização superior à prega rios (adquiridos).
CAPÍTULO 314 Hérnias 1623

O diagnóstico de certeza somente pode ser


A B C
obtido quando se palpa e se tenta reduzir a referi-
da tumefacção. A criança deve ser examinada de
pé, se necessário a encher um balão (o que tipifica
a chamada manobra de Valsalva), ou a saltar. O
exame deve também ser feito com a criança em
decúbito dorsal com os membros superiores
estendidos sobre a cabeça, e fazendo pressão sobre
FIG. 2
a zona púbica. No rapaz, as regiões inguinais
A – Situação normal: obliteração completa do CPV; devem ser palpadas após se verificar que os testí-
B – Hidrocele devido a CPV patente; C – Hidrocele do cordão culos estão nas bolsas. Nos recém-nascidos e lac-
(ou Quisto do cordão). tentes o diagnóstico é mais difícil.
No âmbito do exame clínico de qualquer tume-
A incidência de hérnias é mais elevada em pre- facção redutível da região inguinoscrotal importa
sença de determinados factores predisponentes recordar algumas manobras semiológicas simples
como os sintetizados no Quadro 1. Nas situações na perspectiva do diagnóstico diferencial: palpa-
de fibrose quística e de problemas urogenitais ção do cordão espermático e palpação da região
estão em causa alterações da embriogénese de inguinal combinada com a do escroto.
estruturas vizinhas do abdómen e canal inguinal, – Palpação do cordão espermático
como as derivadas dos canais de Wolff, entre Realiza-se apertando a raiz do escroto entre o
outras. indicador e polegar, o que torna fácil de apreciar o
cordão espermático pela sua dureza relativa; nos
Manifestações clínicas e diagnóstico casos de torção do testículo, a pressão exercida
sobre o mesmo torna-se muito dolorosa. No caso
A hérnia inguinal traduz-se por aumento de volu- de hérnia inguinal, uma vez reduzida, deve pro-
me intermitente na região inguinal, aumento que ceder-se à palpação cuidadosa e comparativa do
se pode estender ao escroto ou grande lábio em cordão espermático de ambos os lados, o que per-
relação com o choro, tosse ou esforço correspon- mite comprovar o seu aumento de espessura no
dendo a aumento transitório da pressão intrabdo- lado afectado pela presença do saco herniário; e
minal. (Figura 2) igualmente, quando se tem experiência, uma sen-
sação conhecida como sinal da ”luva de seda”, ou
QUADRO 1 – Factores predisponentes de hérnia das várias camadas do saco herniário. Se a altera-
ção for bilateral, pode ser mais duvidosa a inter-
Doença respiratória crónica pretação dos achados.
(fibrose quística) – Palpação da região inguinal e escroto
Fluido intraperitoneal aumentado Palpando a região inguinal e o escroto, podem
(ascite, derivação ventriculoperitoneal, cateter de ser identificadas a hérnia escrotal e o quisto do
diálise peritoneal) cordão. A primeira pode reduzir-se e produzir ruí-
Pressão intrabdominal aumentada dos hidroaéreos característicos (gorgorejo) na ten-
(pós-correcção cirúrgica de defeitos da parede tativa da mesma redução; o segundo é de consis-
abdominal, ascite grave, peritonite meconial) tência dura, mais que o hidrocelo, de superfície
Doenças do tecido conectivo lisa, de forma invariável e não redutível. Quanto à
(síndromas de Ehlers-Danlos, de Marfan, de Hunter- palpação do anel inguinal externo, com importân-
Hurler, etc.) cia para possíveis hérnias inguinais latentes, a
Prematuridade mesma tem pouco valor no lactente pela abun-
Factores urogenitais dância do panículo adiposo.
(hipospadia, epispadia, extrofia da bexiga, Na criança maior utiliza-se a seguinte técnica:
ambiguidade genital, criptorquidia) o dedo indicador ou o mínimo, invaginando por
empurramento o escroto no sentido escroto →
1624 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

anel inguinal, atinge e atravessa o referido anel destas e diferente consistência) na ausência de
inguinal na ausência de hérnia; havendo hérnia encarceração herniária (Capítulo 173).
que, entretanto, foi reduzida, a manobra de esfor-
ço do doente permite que a extremidade do dedo Tratamento
sinta o fundo de saco da hérnia em movimento no
sentido anel inguinal → escroto. O tratamento é sempre cirúrgico, pois não se verifi-
Perante tumefacção redutível na região inguinal, ca resolução espontânea. Idealmente, a intervenção
esta manobra também permite distinguir hérnia deverá ser electiva nas hérnias redutíveis (hérnia
inguinal de hérnia femoral; se o canal inguinal estiver diagnosticada = hérnia a operar). Exceptuam-se os
“vazio”, tratar-se-á de hérnia femoral e não de ingui- casos de prematuridade com doença pulmonar cró-
nal; por outro lado, a hérnia femoral localiza-se mais nica grave cuja data de intervenção será ponderada
externamente (mais lateral) que as hérnias inguinais tendo em conta o risco de estrangulamento em
indirecta e directa (mais mediais) (ver atrás). confronto com o risco anestésico. Em casos especiais
Para distinguir hérnia inguinoscrotal (caso em (quando o adiamento comporta riscos acrescidos),
que o intestino chega ao escroto) de hidrocelo ou poderá estar indicada anestesia local, a ponderar
de quisto do cordão faz-se a expressão da bolsa em função do contexto clínico e idade. A interven-
aumentada de volume; se a mesma se esvaziar tra- ção é simples, consistindo na laqueação alta do CPV,
tar-se-á de hérnia. Caso tal não suceda o diagnós- por vezes com reforço da parede posterior do canal;
tico será hidrocelo ou quisto do cordão, desde que poderá ser feita em regime ambulatório.
não haja encarceramento herniário (ver adiante). Actualmente em cada vez maior número de cen-
A transiluminação contribui também para esta tros cirúrgicos, é utilizada a técnica minimamente
diferenciação (difusão positiva em caso de hidro- invasiva, por via laparoscópica.
celo). A ecografia poderá ser esclarecedora nos Notas importantes:
casos duvidosos (Capítulo 173). 1 – O hidrocelo poderá evoluir espontaneamen-
A hérnia inguinal pode sofrer processos de te para a regressão até aos 6-12 meses. Quando tal
encarceração (hérnia encarcerada), e de estrangula- não acontecer, deve suspeitar-se de comunicação
mento (hérnia estrangulada). O conteúdo da hérnia com a cavidade abdominal – hidrocelo comuni-
pode ser intestino delgado, apêndice, epíploo, cante; a estratégia de terapêutica cirúrgica é igual
cólon, ou raramente, divertículo de Meckel; no à aplicável à hérnia inguinal. No que respeita à
sexo feminino tal conteúdo poderá incluir tam- data da intervenção, sugere-se a consulta do
bém ovário ou trompas. Capítulo 323.
A encarceração consiste na impossibilidade de 2 – Situações de hérnia irredutível acompanha-
redução da hérnia para a cavidade abdominal (12- das das manifestações atrás descritas deverão ser
17% dos casos, sendo que ~2/3 das mesmas sur- encaminhadas de imediato para centro cirúrgico,
gem no primeiro ano de vida). No estrangulamen- dadas as possibilidades de encarceração ou estran-
to, para além da encarceração, existe forte constri- gulamento. A hérnia estrangulada constitui uma
ção ao nível da passagem pelo anel inguinal, o que emergência cirúrgica; a hérnia encarcerada deverá
comporta risco elevado de isquémia e gangrena ser reduzida ou operada, no máximo, até 24 horas.
das estruturas herniadas (sendo o risco tanto
maior quanto menor o diâmetro do anel). Esta
complicação, causa frequente de obstrução intesti-
nal no lactente (Capítulo 315), manifesta-se por
2. HÉRNIA UMBILICAL
irredutibilidade da massa ou tumefacção na viril-
ha ou escroto, edema e eritema da pele supraja- Importância do problema
cente, febre, irritabilidade, e choro relacionável
com cólica abdominal. Os vómitos podem ser Esta modalidade de hérnia surge quando o anel
sinal indiciador de obstrução intestinal. umbilical não se encerra após a separação do
O diagnóstico diferencial de hérnia com ade- cordão umbilical. Verifica- se maior proporção de
nopatias inguinais é fácil (pela irredutibilidade casos em crianças com antecedentes de prematuri-
CAPÍTULO 314 Hérnias 1625

dade e/ou baixo peso de nascimento, síndroma de electivo, sendo a idade de intervenção ponderada
Down, síndroma de Beckwith-Wiedemann e hipo- em função de eventuais queixas e da idade.
tiroidismo congénito.
GLOSSÁRIO
Manifestações clínicas Triângulo de Scarpa > Espaço da região inguinocrural, na face
anterior e superior da coxa, limitado em cima pela arcada
A hérnia umbilical manifesta-se por procidência femoral, do lado externo pela saliência do músculo cos-
da região umbilical coincidindo com aumento da tureiro, e do lado interno pela saliência do músculo médio
pressão abdominal. Esta modalidade raramente adutor da coxa. O triângulo de Scarpa é atravessado pelos
encarcera, verificando-se evolução natural para o vasos femorais, nervo crural e seus ramos.
encerramento espontâneo até cerca dos três anos
de idade. BIBLIOGRAFIA
Ashcraft KW, Holcomb GW III, Murphy JP (eds). Pediatric
Tratamento Surgery. Philadelphia: Saunders, 2005
Coran AG. Pediatric Surgery. Philadelphia: Elsevier, 2013
O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
persistência para além dos 4 anos, tendo em conta Gill D, O´Brien N. Paediatric Clinical Examination. Edinburgh:
a tendência para encerramento espontâneo. Churchill Livingstone, 2003
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
3. HÉRNIA DA LINHA BRANCA McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
As hérnias da linha branca correspondem a tume- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
facções redutíveis por protusão de gordura pré- Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
peritoneal ou de saco peritoneal através de fibras Livingstone, 2008
de entrecruzamento da linha branca. Conforme a Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
localização, consideram-se as modalidades epi- Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
gástrica, justa-umbilical e sub-umbilical. Williams & Wilkins, 2005
Como exemplo será abordada a hérnia epigás- O´Neill Jr JA, Rowe MI, Grosfeld JL, et al (eds). Pediatric
trica. Surgery: Saint Louis: Mosby, 1998
Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge
Manifestações clínicas e diagnóstico University Press, 2008
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
A hérnia epigástrica manifesta-se por uma ou AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
mais massas palpáveis na linha média em qual- Medical, 2011
quer localização no trajecto entre o apêndice xifoi- Shier F, Montupet P, Esposito C. Laparoscopic inguinal
deu e o umbigo, por vezes acompanhadas de dor. herniorrhaphy in children: a three center experience with
O estrangulamento é raro. 933 repairs. J Pediatr Surg 2002; 37:395-397
Este problema clínico não deve ser confundido
com a chamada diastase dos rectos abdominais,
situação considerada fisiológica nos lactentes
(tumefacção rectilínea em toda a região da linha
branca, mais notória quando a criança contrai o
abdómen, com regressão espontânea com a idade).

Tratamento

O tratamento das hérnias epigástricas é cirúrgico


1626 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas e diagnóstico

315 Os principais dados da anamnese que poderão


sugerir a existência de quadro de oclusão incluem:
hidrâmnio, baixo peso de nascimento, vómitos
biliosos, complicações pulmonares, presença ou
SÍNDROMAS DE OCLUSÃO ausência de mecónio e suas características, ano-
malias congénitas associadas, etc..
DO TUBO DIGESTIVO A realização de ecografia pré-natal permite o
diagnóstico de oclusão intestinal em número
Julião Magalhães significativo de casos.
O exame objectivo do recém-nascido realizado
de modo sistemático permite igualmente a recolha
de dados fundamentais salientando-se: pesquisa
Aspectos embriológicos da permeabilidade esofágica e da permeabilidade
e etiopatogénese anal utilizando procedimentos simples como a
introdução de sondas; observação atenta do abdó-
Pela 5ª semana da vida embrionária inicia-se uma men no sentido de detectar, quer aumento de
fase de crescimento rápido do intestino médio volume ou distensão (indiciando, por exemplo,
(porção do tracto intestinal desde o duodeno até oclusão de grau variável do tracto digestivo infe-
meio do cólon transverso). O intestino em cresci- rior), quer depressão (sugestiva, por exemplo,
mento dirige- se à cavidade celómica, e a respecti- hérnia diafragmática de Bochdaleck por ocupação
va porção distal liga-se ao canal onfalomesentéri- torácica de vísceras abdominais ou atrésia do esó-
co. fago sem fístula tráqueo- esofágica). Outros dados
Até à 10ª semana, continuando fora da cavida- a pesquisar são: edema da parede, sinais de onfa-
de abdominal do embrião verifica-se aumento lite e a existência de circulação colateral.
progressivo do comprimento do intestino, o qual é Em suma, vómitos, distensão abdominal e
irrigado pela artéria mesentérica superior. A partir ausência de dejecções/parésia intestinal, em
da 10ª semana o intestino reintroduz-se novamen- graus variáveis, são sinais comuns nas diversas
te na cavidade abdominal ao mesmo tempo que se formas de oclusão. Os vómitos serão biliosos se a
verifica o processo de rotação que leva à sua fixa- obstrução se localizar abaixo da ampola de Vater,
ção na parede abdominal posterior. e não biliosos se acima desta; a distensão abdomi-
Não cabendo nos objectivos do livro uma des- nal é tanto mais acentuada quanto mais baixo o
crição exaustiva do desenvolvimento embrionário nível de obstrução; quando a distensão é muito
do tubo digestivo, cabe sintetizar que diversas acentuada, a elevação do diafragma pode originar
perturbações verificadas neste processo podem dificuldade respiratória; por sua vez, a perda de
ter várias consequências em termos de oclusão, ou secreções gástrica, biliar, pancreática e intestinal
de risco de oclusão, susceptível de se manifestar pode originar quadros de desidratação, choque
em diversos períodos da vida pós-natal. Eis hipovolémico, desequilíbrio hidroelectrolítico e
alguns exemplos: ácido-base.
– má rotação ou rotação incompleta; No que respeita a exames complementares
– atrésias intestinais explicáveis por diversos indispensáveis, realça-se a radiografia abdominal
mecanismos, tais como: deformação de simples (se possível em posição vertical) e a eco-
estruturas em desenvolvimento; acidentes grafia, os quais, na grande maioria das vezes per-
vasculares intra-uterinos originando isqué- mitem o diagnóstico.
mia e necrose; volvo, encarceramento ou
invaginação intestinais intra-uterinos; Sistematização
– ausência de células ganglionares nos plexos
mioentéricos. Considerando os diversos quadros clínicos de
CAPÍTULO 315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1627

oclusão do tracto digestivo numa perspectiva prá- quilíbrio hidroelectrolítico, desidratação e da alcalo-
tica, neste capítulo procede-se a uma sistematiza- se hipoclorémica (Capítulos 49 e 50). Os vómitos
ção anatomofuncional das mesmas, com objectivo persistentes obrigam a descompressão nasogástrica.
didáctico, no sentido craniocaudal (estômago, Após estabilização do doente, procede-se à correc-
duodeno, jejuno-íleo, e cólon-recto). Diversas enti- ção (cirúrgica por laparotomia, ou por via endoscó-
dades que se podem considerar abrangidas no pica), em função do contexto clínico e idade.
conceito global de oclusão do tubo digestivo, como
estenose hipertrófica do piloro, enterocolite necro- Volvo gástrico
sante e anomalias ano-rectais, integram capítulos
específicos nesta Parte XXX do livro; o RGE e a Este quadro verifica-se na sequência da torção do
doença de Hirschprung foram abordados respec- estômago sobre si mesmo superior a 180º; tal tor-
tivamente nos Capítulos 104 e 114. ção, que se pode concretizar segundo eixo longitu-
dinal (volvo organoaxial) ou transversal (mesenté-
rico-axial), resulta de ausência ou disfunção/hi-
perdistensão de determinados ligamentos de fixa-
1. ESTÔMAGO ção gástrica (gastrofrénico, fazendo fixação segun-
do eixo transversal; e gastrosplénico, gastro-hepáti-
Atrésia do piloro e outros defeitos co e gastrocólico, segundo o eixo longitudinal).
do antro Trata-se dum problema clínico raro, por vezes
subdiagnosticado. Pode manifestar-se de forma
Uma referência muito breve a uma situação rara – aguda e crónica (esta última, mais frequente em
a atrésia do piloro – correspondendo (juntamente crianças mais velhas); pode também estar associa-
com outras anomalias obstrutivas do antro como do a outros defeitos como má-rotação intestinal e
“diafragmas” ou membranas) a 0,5 a 1% de todas asplenia.
as anomalias do tracto gastrintestinal. De acordo As manifestações clínicas são inespecíficas, tra-
com a literatura, foram descritos casos familiares, duzindo-se por vómitos incoercíveis não biliosos e
admitindo-se transmissão hereditária autossómi- dor abdominal entre as refeições. O diagnóstico,
ca recessiva. Tem sido associada à epidermólise uma vez suspeitado, obrigará a exames imagioló-
bolhosa (Capítulo 233).Na maioria dos casos há gicos com contraste; verificam-se sinais de dilata-
antecedentes de poli-hidrâmnio. A ecografia pré- ção gástrica. Conforme o tipo de volvo, poderá
natal evidencia sinais de distensão gástrica. observar-se sinal de nível líquido duplo com ima-
As manifestações clínicas da atrésia do piloro são gem “em bico” perto da junção gastresofágica no
dominadas por distensão gástrica e vómitos não volvo mesentérico-axial, e de nível líquido simples
biliosos desde o primeiro dia de vida. Pela dis- sem o característico “bico” no volvo organoaxial.
tensão gástrica impõe-se, pois a aplicação de O tratamento do volvo agudo constitui uma
sonda gástrica para aspiração, obtendo-se como emergência cirúrgica, uma vez estabilizado o
regra, > 20 mL de aspirado. Estão descritos casos doente(gastropexia, precedida eventualmente por
de ruptura do estômago nas 1ªs 24 horas de gastrostomia paliativa). Em casos seleccionados
vida.A ecografia e a radiografia abdominal de volvo crónico, em doentes mais velhos (não
simples feitas ao RN revelam sinais de distensão lactentes), poderá estar indicado tratamento cirúr-
gástrica. gico por via endoscópica. No pós-operatório está
Nos casos de obstrução parcial (de grau variá- indicado tratamento médico anti-RGE.
vel) por membranas, o quadro manifesta-se mais
tardiamente por vómitos, não progressão ponde- Duplicação gástrica
ral e dores abdominais. A endoscopia feita a crian-
ças mais velhas permite evidenciar as pregas do Este defeito raro, explicável por falência da recana-
antro. lização do intestino primitivo aquando do seu
O tratamento da síndroma de obstrução do estádio “sólido, maciço ou acanalicular”, traduz-se
antro gástrico inicia-se com a correcção do dese- pela existência de estruturas quísticas ou tubulares
1628 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

aderentes à parede interna do estômago (em geral A causa mais frequente de compressão extrín-
de dimensões < 12 cm), em geral não comunican- seca é o pâncreas anular.
do com a cavidade gástrica. Em cerca de 35% dos Na atrésia verifica- se oclusão total do lume
casos há outros defeitos congénitos associados. duodenal, como resultado de anomalia do desen-
As manifestações clínicas são as de obstrução volvimento embrionário (vacuolização incomple-
parcial ou completa da junção gastroduodenal ta do duodeno primitivo). Tal anomalia com-
(distensão gástrica e vómitos); nos casos de comu- preende três tipos:
nicação com a cavidade gástrica, poderão surgir 1 – diafragma ou membrana, completa e intac-
ulceração, hematemeses e melenas. Por vezes, a ta (estrutura incluindo mucosa e submucosa);
estrutura anómala quística é palpável (~1/3 dos 2. – cordão fibroso unindo dois “fundos de
casos). Os exames de imagem (ecografia ou TAC) saco” os quais correspondem, respectivamente,
permitem esclarecer a situação clínica. aos segmentos proximal e distal do duodeno,
O tratamento consiste na excisão cirúrgica. sendo que o mesentério está intacto;
3 – situação semelhante à anterior, mas sem
cordão fibroso a unir os dois fundos de saco; neste
tipo o mesentério está ausente.
2. DUODENO
Manifestações clínicas e diagnóstico
As oclusões localizadas no duodeno podem ser Nos exames imagiológicos pré-natais, em qual-
originadas por atrésia, estenose ou compressão quer das situações atrás descritas, é possível
extrínseca. Ao contrário das manifestações surgin- detectar em cerca de um terço dos casos, presença
do no contexto de oclusão jejunal ou ileal, nas de hidrâmnio associado a dilatação bolhosa gas-
oclusões duodenais não se verifica distensão troduodenal. A atrésia do duodeno está por vezes
abdominal e os vómitos não são biliosos (excepto associada a outras anomalias do tubo digestivo,
quando o obstáculo é a jusante da ampola de salientando-se a associação muito frequente a sín-
Vater). droma de Down (em cerca de 30% dos casos).
O quadro clínico pós-natal manifesta-se essen-
Atrésia e oclusão intrínseca cialmente por sinais de obstrução intestinal alta,
e extrínseca do duodeno isto é, com resíduo biliar gástrico volumoso e, ou
esvaziamento gástrico demorado e incompleto;
Classificação e etiopatogénese reitera-se, mais uma vez, a ausência de distensão
A oclusão do lume do duodeno pode ser completa abdominal.
ou incompleta, e de causa intrínseca ou extrínseca; No recém- nascido a presença de resíduo gás-
de referir que poderão surgir diversos tipos de com- trico bilioso é sempre suspeita de oclusão duode-
binações das referidas modalidades de oclusão. nal. A eliminação de mecónio dependerá da veri-
A oclusão incompleta ou parcial, de grau ficação de oclusão completa ou incompleta e de
variável, surge como consequência de estreita- lesões obstrutivas baixas associadas.
mento ou estenose do lume duodenal e está, em O estudo imagiológico a realizar com priorida-
geral, associada a compressão extrínseca do duo- de é o radiograma simples do abdómen em posi-
deno; pode ter várias causas: ção ortostática permitindo identificar o sinal
1 – bridas mesentéricas ou aderências perito- característico e patognomónico da “dupla bolha”
neais anómalas (bandas de Ladd) que acompan- relacionável com oclusão completa/atrésia duo-
ham situações de má rotação do cólon (oclusão denal: a primeira “bolha” corresponde à distensão
extrínseca); gástrica, e a segunda à dilatação da primeira por-
2 – tecido pancreático aberrante, pâncreas anu- ção do duodeno. Por outro lado, não são observa-
lar, veia cava de localização pré-duodenal (oclu- dos sinais de “ar” nas ansas intestinais a jusante.
são extrínseca); (Figura 1)
3 – membrana ou diafragma parcialmente for- Seguidamente, poderá proceder- se a estudo
mados, ou fenestrados (oclusão intrínseca). gastroduodenal, com contraste hidrossolúvel. Este
CAPÍTULO 315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1629

Tratamento
O diagnóstico de oclusão duodenal implica
sempre, qualquer que seja a anomalia em causa,
uma abordagem cirúrgica correctiva.
A intervenção destina-se a tornar permeável o
lume duodenal. Uma vez que cerca de oitenta e
cinco por cento das oclusões duodenais têm como
origem a região periampola, a correcção cirúrgica
é realizada por meio de uma derivação a esse
ponto por duodenoduodenostomia laterolateral.
No caso de oclusão intrínseca incompleta pode
ser realizada uma duodenotomia seguida de explo-
ração endoluminal e excisão do obstáculo mucoso,
quer seja um diafragma fenestrado, quer seja uma
manga (wind-sock). Nos casos de compressão
extrínseca, deverão ser libertadas todas as aderên-
cias peritoneais anómalas presentes. Na impossibi-
FIG. 1
lidade de retirar o obstáculo extrínseco, a derivação
Dupla bolha: Sinal radiológico de oclusão duodenal duodenal deverá ser construída mais proximal-
(completa). (URN-HDE) mente, com uma verdadeira derivação “by-pass” ao
arco duodenal, por meio de uma gastroenterosto-
estudo pode fornecer informações mais pormeno- mia laterolateral. Como principais complicações da
rizadas sobre a arquitectura duodenal, o local da derivação duodenal citam- se a deiscência da ana-
interrupção luminal ou a eventual presença de stomose duodenal e a estenose cicatricial.
modelagem duodenal por compressão extrínseca.
A Figura 2 mostra a imagem de distensão gástrica Seguimento
no contexto de atrésia da junção duodenojejunal. Pelas razões apresentadas anteriormente, a deriva-
A ecografia abdominal poderá fornecer dados ção duodenal implica a instituição de pausa alimen-
sobre a emergência dos vasos mesentéricos e a sua tar, aspiração gástrica activa e nutrição parentérica
orientação no caso de má rotação intestinal; o total, durante um período ~ 10-14 dias. Após este
estudo ecográfico da área pancreática pode forne- período é introduzida a nutrição entérica, cuja pro-
cer dados sugestivos de pâncreas anular. gressão em concentração e quantidade, é feita de
acordo com a tolerância demonstrada pelo doente.

Prognóstico
O prognóstico das situações de oclusão duodenal
é na generalidade excelente na ausência de com-
plicações cirúrgicas.
O prognóstico definitivo depende da eventual
associação doutras anomalias, nomeadamente
cardíacas.

3. JEJUNO E ÍLEO
FIG. 2
Atrésia e estenose do jejuno e íleo
Distensão gástrica por atrésia da junção duodenojejunal.
Ausência de ar a jusante da zona de atrésia (radiografia Classificação e etiopatogénese
tóraco-abdominal). (NIHDE) Atrésia e estenose jejunoileal são defeitos congéni-
1630 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tos em que se verifica, respectivamente, a oblitera-


ção completa ou parcial do lume intestinal no seg-
mento respectivo.
A atrésia é responsável por cerca de um terço
dos casos de oclusão intestinal no recém-nascido.
A distribuição por sexos é similar, oscilando a fre-
quência entre 1/1.300 a 1/5.000 nado- vivos.
A etiopatogénese de tais anomalias relaciona-
se provavelmente com perturbações de vasculari-
zação e fenómenos isquémicos mesentérico-intes-
tinais dando origem a défice da permeabilidade do
intestino primitivo; tais alterações parecem expli-
car igualmente defeitos mesentéricos associados.
As atrésias jejunoileais são classificadas em
quatro tipos:
Tipo 1: obliteração luminal por membrana com
FIG. 3
continuidade da parede e mesentério normal
(cerca de 30%); Imagem de radiografia simples abdominal evidenciando
Tipo 2: cordão fibroso unindo os topos proxi- distensão acentrada de ansas do jejuno no contexto de
mal e distal do intestino, em fundos de saco, atrésia ileal. (UCIN-HDE)
sendo que o mesentério é normal (cerca de 25%);
Tipo 3a: semelhante ao tipo 2, sem cordão
fibroso e fundos de saco separados; associado a
defeito mesentérico em “V”(cerca de 15%).
Tipo 3b: obliteração luminal proximal e defeito
mesentérico e vascular do território distal, sendo
este vascularizado por um único vaso em circula-
ção retrógada (apple-peel deformity ou atrésia em
forma de árvore de Natal) (11%).
Tipo 4: múltiplas atrésias (cerca de 17%).

A atrésia jejunoileal pode estar associada a


outras anomalias tais como síndroma de Down,
defeitos cardíacos, a associação VACTERL, doença
de Hirschsprung, gastrosquise e íleo meconial.
FIG. 4
Manifestações clínicas e diagnóstico Atrésia jejuno-ileal; imagem de radiografias simples do
A ecografia pré-natal pode evidenciar sinais de abdómen evidenciando distensão “gigante” de ansas do
hidrâmnio e de distensão gástrica fetal. Os sinais jejuno parecendo distensão cólica.
clássicos no recém- nascido são: vómitos biliosos,
ausência de mecónio e distensão abdominal, tanto (Figura 5) e o íleo meconial. Em função do contex-
mais acentuada quanto mais distal o segmento em to clínico, poderá estar indicado o clister opaco.
que se verifica a oclusão.
A radiografia simples do abdómen (realizada Tratamento
idealmente em posição vertical) evidencia sinais Uma vez confirmado o diagnóstico, está indicada
de ansas intestinais dilatadas com ou sem níveis intervenção cirúrgica cujo objectivo é promover a
hidroaéreos. (Figuras 3 e 4) Quando estes sinais continuidade do trânsito intestinal procedendo a
são muito exuberantes, no diagnóstico diferencial anastomose digestiva directa, após remodelar o
haverá que incluir a doença de Hirschprung segmento dilatado. Se houver sinais de necrose
CAPÍTULO 315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1631

surge invariavelmente período mais ou menos


prolongado de pseudobstrução intestinal com
resíduo gástrico abundante que pode ser resultan-
te de dismotilidade intestinal, designadamente.
Se se verificar deiscência anastomótica, torna-
se obrigatória a reintervenção cirúrgica imediata.
A existência de uma obstrução mecânica evidente
por estenose cicatricial ou angulação da anasto-
mose obriga também a efectuar uma revisão cirúr-
gica da situação.

Prognóstico
O prognóstico global destes doentes (cuja sobrevi-
da é > 95%) é ditado pela precocidade do dia-
gnóstico, pela presença de anomalias congénitas
associadas, da imaturidade, da eventual necessi-
dade de ventilação assistida prolongada, das com-
plicações associadas ao tipo de atrésia intestinal, e
da técnica cirúrgica utilizada.
Todo este quadro é agravado pela presença de
atrésias de tipo 3 ou 4, complicadas de encurta-
mento intestinal, podendo originar síndroma de
intestino curto (Capítulo 115).
FIG. 5
Íleo meconial
Oclusão intestinal baixa, evidenciando níveis hidroaéreos.
Definição e etiopatogénese
intestinal, procede-se a ressecção da ansa afectada. Define- se íleo (ou ileum) meconial como a situa-
Pressupõe-se a realização dum conjunto de cuida- ção clínica de oclusão ileal distal por mecónio
dos pré-operatórios que dizem respeito, essencial- anormal, espesso e viscoso, devida a mucovisci-
mente a aspiração nasogástrica, e manutenção do dose /fibrose quística; em cerca de 10% dos casos
equilíbrio hemodinâmico, hidroelectrolítico e é a primeira manifestação desta doença (Capítulo
ácido base. 91). A oclusão (intraluminal), surgindo em cerca
É habitual surgir no período pós-operatório de 10 a 20% dos recém-nascidos com tal doença,
disfunção anastomótica resultante dos diferentes verifica-se na região pré –valvular (válvula ileoce-
calibres de ansa, do tipo de sutura, da forma da cal) numa extensão de cerca de 15 a 20 cm; a mon-
anastomose, e da alteração da motilidade intesti- tante desta zona verifica-se dilatação do íleo.
nal associada ao segmento pré-atrésia. Por estas Com efeito, na fibrose quística todas as glân-
razões, os doentes com tal patologia permanecem dulas secretoras de muco são anormais, sendo de
durante período variável de tempo dependentes referir que, para a anormalidade do mecónio
exclusivamente da nutrição parentérica veiculada, contribuem a insuficiência de enzimas pancreáti-
de preferência , através de cateter central de longa cas proteolíticas e a secreção de mucoproteínas
duração de tipo Hickman-Broviac. anormais pelas células caliciformes do intestino
Os aspectos chave do período pós-operatório delgado; de facto, o mecónio destes doentes
são a aspiração nasogástrica activa e a nutrição contém menor concentração de hidratos de carbo-
parentérica. As complicações são decorrentes do no e maior de proteínas; a proteína mais abun-
tipo de atrésia encontrada, da exequibilidade ou dante é a albumina, com uma concentração 5 a 10
não de reconstituição do trânsito intestinal e da vezes superior ao normal, o que explica a sua
técnica cirúrgica em si. Neste tipo de anomalia extrema viscosidade.
1632 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas e diagnóstico meconial propriamente dito (associado à fibrose


A apresentação clínica no período neonatal é quística).
caracterizada por distensão abdominal, resíduo
gástrico, vómito de características biliosas e Classificação e tratamento
ausência de emissão de mecónio nas primeiras 48 O íleo meconial classifica-se em simples e compli-
horas de vida. A palpação abdominal permite cado consoante a seu modo de apresentação e a
delimitar, por vezes, as ansas distendidas, assim sua resolução terapêutica (ver atrás).
como massa depressível correspondendo ao • O íleo meconial simples é tratado de forma
mecónio espesso impactado. O ânus e recto têm não cirúrgica, por meio de clister de substâncias
calibre reduzido face à condição de microcólon de que se destinam a dissolver o mecónio impactado,
desuso. favorecendo a sua expulsão por via rectal (gastro-
O exame radiográfico abdominal simples per- grafina e acetilcisteína).
mite demonstrar sinais de distensão intestinal do A gastrografina é uma solução aquosa de dia-
delgado, ausência de niveis hidro-aéreos e presença trizoato de metilglucamina que, por mecanismo
de imagens de “bolha de sabão” ou “vidro despo- osmótico, promove a transferência de água no
lido” traduzindo a mistura gasosa e meconial no sentido células intestinais → lume intestinal, dimi-
território ileal distal (quadrante inferior direito do nuindo a viscosidade do mecónio. A acetilcisteína
abdómen). é uma enzima proteolítica que promove a liquefa-
O clister opaco demonstra a existência de ção do mecónio, sendo em geral usada após o clis-
microcólon de desuso (calibre muito estreito) ter de gastrografina.
devido à obstrução ileal distal, por vezes com pre- • Nos casos de íleo meconial complicado (inte-
sença de pequenas concreções meconiais mais grando situações atrás descritas, em que não é
espessas no cólon proximal e íleo distal. possível resolução pelo método de tratamento
As formas complicadas traduzem-se fundamen- conservador), existe sempre indicação cirúrgica.
talmente por distensão abdominal progressiva, – Nas formas sem compromisso de ansa intes-
dificuldade respiratória, perfuração e peritonite tinal, é realizada uma enterotomia para irrigação
no período pré-natal; igualmente poderão existir: endoluminal com o objectivo de dissolver local-
sinais de compromisso de ansa intestinal como mente o mecónio impactado.
torção mesentérica e compromisso isquémico, – Nas formas de apresentação com compro-
volvo e/ou atrésia, efeito de massa sobre as ansas misso de ansa, isto é complicadas de torção de
intestinais pela presença de um quisto meconial, e mesentério, volvo, perfuração in utero ou forma-
calcificações intrabdominais secundárias a perito- ção de peritonite meconial ou quisto meconial
nite meconial pré-natal. intrabdominal, é necessário realizar uma ressec-
ção segmentar do segmento afectado e, posterior-
Diagnóstico diferencial mente, restabelecer a continuidade intestinal, ou
Com raras excepções, a situação compatível com derivar temporariamente o intestino, encerrando
íleo meconial, até prova em contrário , pode consi- a enterostomia em segundo tempo cirúrgico.
derar-se um epifenómeno da fibrose quística. No A abordagem cirúrgica do íleo meconial obriga
entanto, haverá que atender às seguintes situa- também à colocação de um cateter central de
ções: longa duração do tipo Hickman-Broviac para per-
a) a fibrose quística pode manifestar-se no mitir a administração de nutrição parentérica.
recém-nascido por atraso de eliminação de mecó-
nio ou por eliminação de rolhão meconial espesso Complicações pós-operatórias
com oclusão transitória do cólon distal; As complicações pós-operatórias precoces mais
b) a chamada síndroma do rolhão meconial frequentes resultam da enterotomia realizada para
(situações de mecónio espesso de etiopatogénese a irrigação endoluminal e da anatomose pós-res-
diversa da associada à fibrose quística e mais fre- secção segmentar de ansa que pode ser complica-
quente em recém-nascidos de baixo peso) poderá da por deiscência ou por obstrução mecânica.
originar um quadro clínico semelhante ao íleo As complicações tardias são devidas essencial-
CAPÍTULO 315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1633

mente a alterações da motilidade do segmento Existe um mesentério comum, não fixado à


ileal distal obrigando, por vezes à instituição de parede posterior abdominal, sendo que o cego se
fármacos pró-cinéticos. localiza nos quadrantes superiores ou em posição
As complicações a longo prazo resultantes, aproximada do centro do abdómen. Poderá verifi-
sobretudo, da ressecção do segmento ileal distal, car-se a existência de pregas ou fitas de peritoneu
derivam da alteração do ciclo entero-hepático e da (as chamadas bandas ou bridas de Ladd) entre o
necessidade de nutrição parentérica de longa cego e a parede póstero-lateral do abdómen, cru-
duração: litíase biliar e doença hepática colestática. zando e comprimindo o duodeno, o que causa
Por fim, haverá que equacionar outras compli- oclusão; a montante das bridas o duodeno está
cações inerentes à doença de base – a fibrose quís- dilatado e, a jusante, atrófico. O íleo terminal está
tica. (Capítulo 91). colado ao jejuno proximal por aderências ou bridas
peritoneais anormais; esta anomalia de posição cria
Seguimento e prognóstico um pedículo intestinal estreito, o que predispõe a
O seguimento destes doentes é de extrema impor- volvo intestinal (enrolamento ou torção sobre si
tância e deverá ser efectuado em centros especiali- mesmo ou em roda de ponto fixo – por não fixação
zados dispondo de equipa multidisciplinar. do intestino –, com consequente oclusão e pertur-
O prognóstico no primeiro ano de vida é bação circulatória isquémica).
decorrente da forma de apresentação da doença e Outras variantes da chamada má rotação
do sucesso das opções terapêuticas tomadas. A incluem as rotações incompletas e as fixações incom-
sobrevivência no primeiro ano de vida nos casos pletas.
não complicados é > 95% e, nos casos complica-
dos, ~90%. Manifestações clínicas e diagnóstico
As manifestações clínicas desta entidade podem
Má-rotação ser muito variáveis.
A forma de apresentação mais frequente traduz-se
Definição e etiopatogénese por vómitos biliosos intermitentes no período neo-
A má rotação intestinal consiste num defeito de
rotação e de fixação (não fixação), na cavidade pe-
ritoneal, da ansa primitiva em torno do eixo vas-
cular que origina a artéria mesentérica superior.
Esta anomalia integra, pois, também um compo-
nente vascular; tal explica a possibilidade de ocor-
rência concomitante de complicações graves
resultantes de isquémia intestinal que podem sur-
gir nos casos de má rotação complicada de volvo
do intestino médio.
Trata-se dum problema clínico, com muitas
variantes anatómicas, que pode ser assintomático;
as formas sintomáticas, manifestando-se na sua
maioria até ao 1 ano de idade (em especial no RN)
FIG. 6
surgem na proporção aproximada de 1/7.000 RN.
Outros defeitos congénitos associados a má rota- Caso de obstrução intestinal alta.Vómitos alimentares
ção incluem com maior frequência: atrésia duode- alternando com períodos de boa tolerância alimentar.
nojejunal, onfalocele, gastrosquise e hérnia dia- Imagem radiográfica tóraco-abdominal com contraste
introduzido no estômago.*
fragmática,
A – Aparente posição normal da 1ª e 2ª porção do duodeno
Na má rotação completa (não rotação ou verdadeira com interrupção do contraste a jusante da 2ª porção,
má rotação) a totalidade do cólon e o íleo terminal sugerindo possível obstrução ao nível do ângulo de Treitz;
localizam-se no lado esquerdo do abdómen, enquan- B – Verificação de passagem livre do contraste cerca de 1
to o duodeno e jejuno se situam no lado direito. hora após radiografia A.
1634 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

natal, sugerindo obstrução duodenal. (Figura 6) A B


A forma de apresentação mais grave é o volvo** do
intestino médio, por vezes a primeira manifestação
da anomalia: agravamento abrupto do estado geral
com distensão abdominal, dores abdominais/cóli-
cas no lactente, irritabilidade e, por vezes, elimina-
ção de fezes com sangue, e sinais de choque hipo-
volémico; este quadro constitui uma emergência.
O exame físico poderá evidenciar ausência de
distensão abdominal, ou distensão muito discreta
nos casos de localização alta da obstrução.
A ocorrência de vómitos biliosos constitui, em
FIG. 7
geral, o evento que desencadeia a investigação
etiológica. Perante a suspeita clínica de quadro Volvo do intestino médio: sinais de distensão de ansas
oclusivo intestinal, a radiografia abdominal (radiografia abdominal simples. (UCIN-HDE)
simples (realizada sempre como primeira priori-
dade para o diagnóstico) poderá revelar sinais de (Whirlwind sign), típico da má-rotação intestinal.
distensão acentuada de ansas (Figura 7) e, even- Tratamento
tualmente o sinal da “dupla bolha”, patognomó- A chave do sucesso terapêutico é o elevado índice
nico da oclusão duodenal que, como foi referido, de suspeita diagnóstica para uma decisão rápida
poderá ser um acompanhante da má rotação. quanto à correcção cirúrgica, obrigatória. Com
Se a radiografia simples do abdómen eviden- efeito, o atraso na obtenção do diagnóstico e na
ciar sinais de duodeno dilatado e de presença de decisão terapêutica pode acarretar a perda exten-
gás nos quadrantes inferiores do abdómen, está sa de segmentos intestinais por necrose isquémi-
indicada a realização de trânsito gastroduodenal ca; por outro lado, a correcção cirúrgica da situa-
contrastado com bário, exame que permite demons- ção contribui para a prevenção do volvo do intes-
trar a posição do duodeno, a sua forma, e a locali- tino médio.
zação do ângulo de Treitz. Nos casos de má- rota- Como medidas gerais pré-operatórias são refe-
ção, o duodeno tem uma forma espiralada, sem ridas a manutenção do equilíbrio hemodinâmico,
se verificar a sua curvatura harmoniosa para a hidro-electrolítico e ácido base, assim como a apli-
esquerda, e o ângulo de Treitz não está definido cação de sonda gástrica para descompressão do
no hipocôndrio esquerdo. estômago e da primeira porção do duodeno dila-
O clister opaco pode dar uma imagem indirecta tada.
de má – rotação pela posição anómala do cego, A técnica cirúrgica utilizada (operação de
que geralmente se encontra em posição elevada Ladd-Gross cuja descrição ultrapassa o âmbito
nos quadrantes direitos do abdómen ou em posi- deste livro), essencialmente permite desfazer a
ção central. rotação intestinal e libertar as “bandas de Ladd” e
A ecografia abdominal na sua variedade de aderências peritoneais em geral.
doppler poderá evidenciar dados indirectos quan- Nos casos de volvo do intestino médio em que
to à origem e direcção dos vasos mesentéricos, se pode verificar compromisso isquémico, muitas
nomeadamente o sinal doppler em turbilhão vezes irreversível, do território irrigado pela arté-
ria mesentérica superior, o procedimento cirúrgi-
*Alta da maternidade às 48 horas de vida. Reinternamento aos 4 dias co descrito, destina-se também a realizar a desro-
de vida por vómitos biliosos e intolerância alimentar progressiva. tação mesentérica e a permitir a perfusão terminal
Alaparotomia comprovou má-rotação de 270º, tendo sido realizada
desrotação anti-horária, libertação do ângulo de Treitz, e bipartição do das ansas intestinais.
mesentério (operação de Ladd Gross).(caso clínico do Dr Rui Alves).
**Recorda-se a definição de volvo (ou vólvulo): enrolamento ou torção
de um órgão oco sobre si mesmo ou em torno de um ponto fixo, tendo
Prognóstico
como consequência obstrução e perturbações isquémicas graves por O seguimento destes doentes, nos casos não com-
compromisso circulatório local. plicados, não implica qualquer cuidado especial,
CAPÍTULO 315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1635

quer sob o ponto de vista nutricional, quer sob o feminino. O primum movens (ou “cabeça de invagi-
ponto de vista do desenvolvimento, uma vez que a nação”) desta mobilidade anómala do intestino
cirurgia se pode considerar, em princípio, curativa. poderá ser a hiperplasia linfóide (protusão para o
Contudo, em cerca de 10% dos casos, poderá veri- lume do intestino das placas de Peyer, relacionada
ficar-se manutenção da sintomatologia obstrutiva com infecção vírica), o que é demonstrado em
no período pós-operatório imediato ou mais tardia- cerca de 50% dos casos nalgumas séries.
mente; tal sintomatologia pode explicar-se por Trata-se da causa mais frequente de obstrução
recorrência de torção parcial mesentérica, por bri- intestinal no grupo etário atrás referido; a locali-
das ou aderências, ou por dismotilidade intestinal. zação mais frequente é a íleo-ceco-cólica, o que é
Em cerca de 15 % dos casos poderá surgir perda explicável pela maior riqueza de placas de Peyer
intestinal extensa por necrose isquémica secundá- nesta região do intestino.
ria a volvo do intestino médio, conduzindo ao qua- No recém-nascido há que admitir possível
dro de síndroma de intestino curto (Capítulo 115). duplicação intestinal como factor causal da inva-
Nos casos de perda intestinal por isquémia ginação (ver adiante). Na criança com mais de 3
(mais ou menos extensa), o prognóstico depende anos é muito provável que haja certas lesões que
igualmente da qualidade funcional dos segmentos sirvam de “cabeça“ da invaginação, tais como:
intestinais remanescentes e do respectivo capital divertículo de Meckel, apêndice ileocecal, pólipos,
de regeneração intestinal. tumores carcinóides, lesões hemorrágicas da púr-
A mortalidade associada a esta anomalia varia pura de Henoch-Schonlein, linfoma não Hodgkin,
entre 3% e 9% estando invariavelmente associada corpos estranhos, pâncreas ectópico ou mucosa
à ocorrência de volvo do intestino médio, à pre- gástrica ectópica. A incidência de lesões anatómi-
maturidade e à extensão da necrose intestinal. cas que funcionam como “cabeça de invaginação”
aumenta com a idade.
Invaginação intestinal
Manifestações clínicas
Definição A anamnese, em geral, só por si, permite o dia-
A invaginação intestinal é uma situação clínica gnóstico. Na sua forma típica, no lactente, em
resultante da penetração de um segmento proxi- plena saúde verifica-se início de um episódio de
mal do intestino (intussusceptum) – como um cólicas abdominais intensas e mal estar, (traduzido
telescópio ou à maneira de um dedo de luva do por episódios de “dobrar” os membros inferiores
avesso – noutro segmento do intestino mais distal, sobre o abdómen de forma aflitiva), por vezes
que o recebe (intussuscepiens). (Figura 8) associado a vómitos, palidez e sudação intensa. O
episódio, com a duração de alguns minutos, é
Aspectos epidemiológicos intercalado por pausas de acalmia em que o bébé
Este problema clínico surge geralmente entre os 4 fica apático ou letárgico. Ao cabo de alguns minu-
e os 10 meses, com um “pico” aos 7 meses, e tos da referida acalmia, a aparência de dor e os res-
limites entre os 3 meses e os 3 anos. O sexo mas- tantes sinais voltam de novo e de modo súbito. Por
culino é cerca de 3 vezes mais afectado do que o vezes há emissão de fezes normais a que se segue,
numa fase mais avançada, a emissão de fezes tin-
gidas de sangue e, mais tarde, já só coágulos
mucóides de cor vermelha escura exibindo o típico
aspecto de “geleia de framboesa“.
O passo mais importante do exame objectivo é
a palpação abdominal durante a qual é possível,
na forma mais habitual – a invaginação íleo-ceco-
cólica – encontrar a fossa ilíaca direita “vazia”
FIG. 8
(pois o cego subiu) e palpar massa em “chouriço”
Representação esquemática do mecanismo da invaginação no hipocôndrio direito (correspondente à zona
intestinal (consultar texto). invaginada ). Nas formas mais avançadas é possí-
1636 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

vel que o intestino invaginado surja exteriorizado válvula ileocecal é continente.


pelo ânus. Procedendo- se ao toque rectal torna-se Uma boa alternativa ao clister opaco conven-
possível palpar a cabeça da invaginação com o cional será a desinvaginação pneumática (introdução
dedo explorador o qual sairá “sujo” de sangue. de ar sob pressão controlada com um esfigmo-
Existe uma forma especial de invaginação manómetro, em alternativa ao contraste baritado.
(invaginação intestinal pós-operatória, na sua A intervenção cirúrgica está indicada quando
grande maioria íleo-ileal) que pode surgir na se verificar:
sequência de intervenções cirúrgicas abdominais – sintomatologia sugestiva de irritação perito-
muito invasivas: manifesta-se cerca de 2 semanas neal
depois da intervenção cirúrgica, essencialmente – obstrução intestinal
por distensão abdominal, vómitos biliosos e sinais – falência do clister opaco ou pneumático
de estase gástrica crescente. – recorrência de invaginação (a partir da ter-
ceira crise após 2 desinvaginações eficazes).
Exames complementares
O exame de eleição para o diagnóstico é a ecogra- Durante a intervenção cirúrgica procede-se à
fia; em caso de invaginação intestinal, a mesma desinvaginação manual por expressão cautelosa da
revela sinais de duplo contorno do intestino inva- ansa invaginada (e não por tracção que pode levar à
ginado que se traduz na clássica “imagem em ruptura), à ileocecopexia quando indicada, e à res-
alvo” (Figura 2 do Capítulo 8). Nalguns centros é secção de segmento intestinal em caso de perfuração.
utilizada a ecografia de modo contínuo durante
período de 24 horas. Quistos enterogénicos
A radiografia simples do abdómen mostra sinais de (Duplicação intestinal)
oclusão intestinal e o clister opaco permite a localiza-
ção. Este último (sempre indicado excepto nos casos Definição e importância do problema
em que se verifiquem sinais de irritação peritoneal) A chamada duplicação intestinal é uma anomalia
poderá igualmente ter efeito terapêutico. De facto, tumoral quística ou tubular que faz parte, sob o
se se elevar o frasco de contraste baritado com que ponto de vista da etiopatogénese, dum defeito
se realiza o clister até um máximo de 70 cm acima mais vasto, com localização variável, desde a boca
do plano do doente em decúbito, poderá assistir-se ao ânus (duplicação do tracto gastrintestinal); o local
à resolução do problema: desinvaginação causada mais frequente de aparecimento da duplicação é o
pela pressão hidrostática da coluna de bário. intestino delgado, principalmente o íleo.
Em exames necrópsicos a frequência apurada é
Tratamento cerca de 1/5.000.
Perante uma suspeita de invaginação intestinal, a
primeira atitude deve ser a introdução de tubo Etiopatogénese
nasogástrico para aspiração e o estabelecimento Segundo a teoria mais consensual sobre a etiopa-
de linha endovenosa de fluidoterapia para correc- togénese da duplicação intestinal, este defeito
ção da eventual desidratação relacionada com forma-se do seguinte modo: até cerca da 7ª sema-
perdas por vómitos e para o terceiro espaço. na de gestação o intestino tem forma cilíndrica
A ecografia poderá ser realizada antes de cor- maciça o que se deve à proliferação epitelial; a
rigido o desequilíbrio hidroelectrolítico. partir desta fase, ocorre um processo de vacuoli-
Como foi antes referido, o clister opaco é, mui- zação central (vacúolos interligando-se e comuni-
tas vezes, terapêutico. Este procedimento deverá cando) que leva a que o referido “cilindro maciço”
ser realizado com a presença do cirurgião; a eficá- se transforme em “tubo”; quando alguns vacúolos
cia do mesmo (desinvaginação) pode ser compro- não se fundem, formam-se estruturas quísticas
vada pela verificação do refluxo do contraste do adjacentes ou duplicação “do tubo”, ocorrendo,
cego para o íleo terminal, através da válvula ileo- por vezes, em mais de um segmento.
cecal. Refira-se, no entanto, que este critério não é Reportando-nos à localização intestinal, o refe-
obrigatório, pois em cerca de 1/3 dos indivíduos a rido quisto localiza-se no respectivo bordo para-
CAPÍTULO 315 Síndromas de oclusão do tubo digestivo 1637

mesentérico, compartilhando a irrigação sanguí- das atrésias intestinais em geral. As atrésias múl-
nea e evidenciando o mesmo epitélio do intestino tiplas no cólon são também extremamente raras.
adjacente. Em cerca de 30% dos casos o epitélio é
de tipo gástrico, do que resulta a possibilidade de Doença de Hirschprung (megacólon
acumulação de secreção gástrica intraquística por congénito)
deficiente drenagem, com inflamação, hemorragia
e ou perfuração consequentes. (Capítulo 114)

Manifestações clínicas e diagnóstico Anomalias ano-rectais


Na maioria dos casos, as manifestações surgem nos
primeiros dois anos de vida, dependendo os sinais (Capítulo 317)
e sintomas da localização e das dimensões do defei-
to estrutural; de salientar que as duplicações de Nota importante:
pequenas dimensões poderão ser assintomáticas. 1- É impossível distinguir,
As anomalias mais frequentemente associadas com base apenas na radiogra-
são: vertebrais, má rotação intestinal e nefro- fia abdominal simples, obstru-
urológicas. ção do intestino delgado ou do
A tríade clássica (melena, hemorragia e massa cólon.
abdominal móvel) surge nalgumas séries com 2- Nas situações duvidosas
uma frequência ~ 50%). Nos casos de duplicações está indicado o estudo com
jejuno-ileais os quadros inaugurais (de oclusão) contraste hidrossolúvel (por
poderão ser invaginação intestinal ou volvo. ex. gastrografina e acetilcisteí-
No âmbito da vigilância pré- natal a ecografia na) para tal distinção.
pode identificar a anomalia. 3- A visualização do cólon
Sempre que se suspeita de duplicação intesti- através do contraste evidenciando diminuição do
nal estão indicados exames imagiológicos. A eco- diâmetro/largura (microcólon) sugere desuso do
grafia constitui o exame de primeira linha; sempre que mesmo como resultado de obstrução a montante
esta não é esclarecedora, deve proceder-se a tomo- da válvula ileocecal. (Figura anexa – cortesia dos
grafia axial computadorizada. Drs.Paulo Casella e João Henriques).)
Nos casos de hemorragia digestiva, a cintilo-
grafia poderá ter utilidade para pesquisa de muco- BIBLIOGRAFIA
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Etiopatogénese

Embora a causa seja desconhecida, tem-se chama-


do a atenção para determinadas situações clínicas
frequentemente associadas, tais como fístula tra-
queoesofágica, hipoplasia ou agenésia do freio do
lábio inferior, síndroma de Zellweger, síndroma
de Apert, trissomia 18, síndroma de Smith-Lemli-
Opitz, síndroma de Cornelia de Lange, e adminis-
tração prévia (cerca de 2 semanas) de eritromicina
a RN. Esta última situação aumenta em 10 vezes o
risco de surgimento de EHP.
Admite-se o papel de determinados factores
como síntese aumentada de factor de crescimento
epidérmico, inervação muscular anómala (por ex.
falta de células intersticiais de Cajal), níveis séri-
CAPÍTULO 316 Estenose hipertrófica do piloro 1639

cos elevados de prostaglandinas E2 pós-infusão incapacidade de manutenção da actividade da


do fármaco, hipergastrinémia, e níveis reduzidos glucuronil transferase (Capítulo 358).
de NO (por défice de sintetase de NO nas fibras O diagnóstico pode ser mais difícil nas crian-
musculares do piloro). ças com antecedentes de prematuridade e/ou
Em estudos recentes foram identificados 2 baixo peso de nascimento, as quais evidenciam
genes em dois loci, respectivamente nos cromos- quadro clínico mais insidioso.
somas 11q14-q22 e Xq23, com papel no funciona- Com experiência, pode palpar-se a “oliva piló-
mento de canais iónicos e no controlo da muscu- rica“; para tal pesquisa o observador deverá ficar
laratura lisa, conduzindo a hipertrofia. colocado à esquerda do doente e com a mão
Noutros estudos comprovou-se prevalência esquerda “a rolar” o piloro sobre a coluna. Dados
quatro vezes superior de EHP em bebés alimenta- da literatura apontam para uma modificação
dos com biberão/fórmula relativamente aos ali- actual do espectro de manifestações da EHP, com
mentados com leite materno, especulando-se menor percentagem de casos com oliva palpável
sobre o papel dos VIP, em concentração elevada (~13% versus 50% há cerca de 45 anos) assim
no leite materno, promovendo relaxamento pilóri- como de menor incidência de alterações hidro-
co. electrolíticas e do equilíbrio ácido-base. Tal poderá
traduzir menor valorização da semiologia clínica,
Manifestações clínicas e laboratoriais mais precoce utilização de métodos imagiológicos
(ver adiante) e maior suspeição do problema
Os primeiros sinais da EHP surgem, geralmente levando a diagnóstico mais precoce.
entre a 2ª e 6ª semana de vida, numa criança que
estava em plena saúde e a evoluir normalmente: Exames complementares
vómitos projécteis não biliosos, cujo aparecimento
pode ser de modo abrupto com progressão rápida. A ecografia (Figura 1) é o exame de eleição, sendo
Em determinados casos, os vómitos poderão sur- critérios de positividade o alongamento e espessa-
gir de modo insidioso, logo a partir dos primeiros mento do piloro traduzidos quantitativamente
dias de vida. pelos seguintes valores (especificidade ~95%):
Os vómitos aparecem 20 a 60 minutos após as – Espessura muscular > 4 mm ou
refeições, sendo cada vez mais frequentes e volu- – Comprimento > 14 mm
mosos, podendo ser acastanhados ou com sangue Se eventualmente tiver sido realizada radio-
“vivo”, por esofagite). Após o vómito a criança grafia abdominal simples tornam-se notórios: dis-
fica “esfomeada”, e, por vezes aparenta “vomitar
mais do que o que ingeriu antes” aplicando a lin-
guagem expressiva de muitas mães.
Se a situação evoluir sem qualquer intervenção
(evolução natural), as fezes tornam-se mais escas-
sas e duras, semelhantes a fezes de ovelha, e a
desidratação começa a instalar-se num quadro de
alcalose hipoclorémica e hipopotassémica (por
perda de suco gástrico, hidrogeniões e potássio).
Consequentemente pode haver diminuição do
débito urinário com urina concentrada, estagna-
ção do peso e, depois, desnutrição com perda de
peso. Por vezes as ondas peristálticas são visíveis
através da parede abdominal no epigastro duran-
te a deglutição de leite.
Em menos de 5% dos casos verifica-se icterícia
FIG. 1
por hiperbilirrubibinémia não conjugada resul-
tante de insuficiente absorção de glucose e de Achado ecográfico da região pilórica no contexto de EHP.
1640 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tensão gástrica importante ultrapassando a linha pine treatment in infantile hypertrophic pyloric stenosis.
média, e sinais de escassez de ar na área corres- Arch Dis Child 2002; 87:71-74
pondente ao intestino. Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds).
A radiografia do estômago com contraste não Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier
tem hoje qualquer indicação sendo de salientar Saunders, 2011
riscos e desvantagens. Deverá ficar reservada para Krogh C, Biggar RJ, Fisher T, et al. Bottle feeding and the risk
casos duvidosos ou complexos. of pyloric stenosis. Pediatrics 2012; 130: e943- e949
Os achados laboratoriais clássicos incluem: pH McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
> 7.45 com bicarbonato > 25 mEq/L e excesso de Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
bases > +3; hipoclorémia (cloreto < 98 mEq/L); McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
hipopotassémia (potássio < 4 mMol/L). Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Livingstone, 2008
Tratamento Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
O tratamento é cirúrgico, de urgência, mas não de Williams & Wilkins, 2005
emergência: piloromiotomia extramucosa (operação Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
de Fredet von Ramstedt). Com efeito, haverá que AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
proceder previamente à correcção do desequilí- Medical, 2011
brio hidroelectrolítico e metabólico (desidratação To T, Wajja PW, Wales PW, Langer JC. Population demographic
e alcalose hipoclorémica e hipopotassémica): indicators associated with incidence of pyloric stenosis.
bolus inicial de soro fisiológico seguido de soro Arch Pediatr Adolesc Med 2005; 159:520-525
fisiológico diluído a 1/2 com dextrose a 5% em Yagmurlu A, Barnhart DC, Vernon A, et al. Comparison of the
água, a que se acrescenta potássio uma vez verifi- incidence of complications in open and laparoscopic pylo-
cada a diurese (Capítulos 49 e 50). romyotomy: a concurrent single institution series. J Pediatr
A técnica referida é realizada por via laparoscó- Surg 2004; 39:292- 296
pica nalguns centros de cirurgia pediátrica. Autores
japoneses têm utilizado atropina IV.
A introdução da alimentação oral deve ser pre-
coce e progressiva, a partir das 6 horas do pós-
operatório.
Apesar de não ser rara a ocorrência de vómitos
nos dias imediatamente a seguir à intervenção
cirúrgica, esta situação é passageira.

Prognóstico

O prognóstico é excelente.

BIBLIOGRAFIA
Ashcraft KW, Holcomb GW III, Murphy JP (eds). Pediatric
Surgery. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005
Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
Glatstein M, Carbell G, Boddu SK, et al. The changing clinical
presentation of hypertrophic pyloric stenosis: thr experi-
ence of a large , tertiary care pediatric hospital. Clin Pediatr
(Phila) 2011; 50: 192-195
Kawahara H, Imura K, Nishikawa M, et al. Intravenous atro-
CAPÍTULO 317 Anomalias ano-rectais 1641

317
• AAR com ânus coberto (cobertura cutânea
simples do orifício anal)
• AAR com fístula perineal (trajecto fistuloso
para a pele perineal)
• AAR com fístula vestibular (trajecto fistuloso
para a forchette vaginal)
ANOMALIAS ANO-RECTAIS • AAR com fístula vaginal (trajecto fistuloso
para a parede posterior da vagina retro-himenal)
Rui Alves • AAR com formação de cloaca (orifício peri-
neal único, hipoplasia dos genitais externos,
ausência de orificio anal, canal comum e sinus uro-
genital).
Definição e importância do problema
Manifestações clínicas e diagnóstico
A designação anomalias ano-rectais (AAR) englo-
ba um conjunto diverso de defeitos congénitos O dado clínico fundamental desta anomalia é a
gerados a partir da 5ª a 8ª semanas de gestação, ausência de orifício anal de forma e localização
incluindo o ânus imperfurado e suas variantes. O normal, o que é comprovado no âmbito do pri-
espectro de manifestações clínicas é também meiro exame clínico sistemático do recém-nascido
muito diverso, desde formas clínicas de gravida- no pós-parto imediato (Capítulo 327). (Figuras 1)
de diminuta a formas clínicas extremamente com- No sexo masculino, pode ser acompanhada de
plexas e graves. períneo mal desenvolvido com sulco internade-
As anomalias ano-rectais, fazendo parte das gueiro não proeminente, e presença de fístula para
síndromas de defeito de regressão caudal, surgem o aparelho urinário em cerca de 90% dos casos. No
com uma frequência de cerca de 1/5.000 nasci- sexo feminino podem ser observados: presença de
mentos, com predomínio no sexo masculino; as fístula para a pele perineal ou para a vagina, ou
formas menos complexas verificam-se no sexo ainda, orifício perineal único, acompanhado de
feminino. hipoplasia genital marcada.
As anomalias congénitas do aparelho urinário
Sistematização anatómica acompanham as anomalias ano-rectais em cerca de
48% dos casos,. Outras anomalias frequentemente
No sexo masculino as anomalias ano-rectais são sis- associadas incluem as cardíacas, digestivas, e ver-
tematizadas, por ordem crescente de complexida- tebrais (hemivértebras, disrafismo e agenésia
de, do seguinte modo: sagrada). Associações possíveis de defeitos acom-
• AAR com ânus coberto (cobertura cutânea panhantes incluem as designadas pelas siglas VAC-
membranosa simples do orifício anal) TERL (defeitos: vertebral, anal, cardíaco, traqueal,
• AAR com fístula perineal (trajecto fistuloso esofágico, renal, membro/limb), e VATERR (defei-
para a pele perineal ou rafe mediana escrotal) tos: vertebral, anal, traqueal, esofágico, radial,
• AAR com atrésia rectal (atrésia da continui- renal). Como regra geral pode estabelecer-se que as
dade ano-rectal após a linha pectínea, com perma- anomalias associadas constituem o factor prognós-
nência do segmento cólico distal) tico mais importante das anomalias ano-rectais
• AAR com fístula para o aparelho urinário (por ex., boa correlação entre o grau de desenvolvi-
(contacto entre o aparelho digestivo e o aparelho mento do sacro e a futura função: ausência de sacro
urinário ao nível da uretra bulbar, prostática ou associa-se a incontinência fecal e urinária).
colo da bexiga). O diagnóstico de anomalia ano-rectal é funda-
mentalmente clínico. Os exames perineal e genital
No sexo feminino as referidas anomalias podem fornecem o diagnóstico, permitindo definir, na gran-
apresentar-se clinicamente, também por ordem de maioria das vezes, o tipo anatómico em causa.
crescente de complexidade, do seguinte modo: Nos casos de exame clínico detectando “ânus
1642 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Tratamento

As AAR têm sempre indicação operatória. O fun-


damento da intervenção cirúrgica é a criação de
um orifício anal bem posicionado anatomica-
mente, normofuncionante e completamente
separado do aparelho urinário e do aparelho ge-
nital.
A decisão terapêutica imediata mais importan-
te prende-se com a eventual necessidade de
construção de uma colostomia diversiva, no qua-
drante inferior esquerdo, utilizando um segmento
de junção entre o cólon descendente e o cólon sig-
moideu. Esta decisão terapêutica depende da defi-
nição anatómica e diagnóstica do tipo de anoma-
lia ano-rectal, e deverá ser tomada após um inter-
valo de 16 a 24 horas depois do nascimento; com
efeito, verificando-se neste período a progressão
da massa meconial até zona mais distal do tubo
digestivo, e a possibilidade de preenchimento de
eventual trajecto fistuloso cutâneo existente, é
possível tirar conclusões mais definitivas quanto à
modalidade de tratamento.
FIG. 1
Este aspecto é de extrema importância, porque
RN com ânus imperfurado (placa de chumbo colocada na um defeito não complexo, não necessitando de
região anal para avaliar a distância entre a pele e a zona de colostomia diversiva, poderá ser corrigido defini-
interrupção anómala rectal (ausência de imagens gasosas). tivamente no período neonatal. Pelo contrário, as
Actualmente, através da ecografia pode determinar-se o local
anomalias mais complexas, necessitam de colos-
onde se verifica interrupção do trânsito.
tomia diversiva para evitar a retenção fecal e a
dilatação distal da bolsa cólica, com riscos de per-
imperfurado”, para avaliação da distância entre a furação, de infeccão urinária (que se pode compli-
solução de continuidade rectal e a superfície cutâ- car por um quadro de sépsis urinária) e de reab-
nea sem orifício anal, era clássico até há 2 décadas sorção de urina pela mucosa intestinal conducen-
realizar radiografia abdominal simples colocando te a acidose metabólica. Estas situações consti-
placa radiopaca de chumbo sobre o períneo tuem, efectivamente, risco de vida para qualquer
(região anal). (Figura 1) recém-nascido afectado por uma forma complexa
Decorrendo da probabilidade de associação de anomalia ano-rectal com fístula recto-
doutras anomalias, como atrás foi referido, estão -urinária.
indicados os seguintes exames complementares: Reportando-nos à sistematização anatómica
estudo radiológico sumário da coluna dorso-lombo- descrita noutra alínea, referem-se agora as varie-
sagrada (em dois planos); estudo ecográfico da colu- dades anatómicas necessitando de colostomia.
na lombar para diagnóstico precoce de síndroma No sexo masculino:
de medula ancorada ou de regressão caudal; eco- – AAR com atrésia rectal
grafia do aparelho urinário, extremamente importan- – AAR com fistula para o aparelho urinário
te para o diagnóstico imediato de qualquer defei-
to estrutural renal e do aparelho excretor. Para o No sexo feminino:
diagnóstico de defeitos de encerramento do tubo – AAR com fistula vestibular
neural e em situações específicas poderá haver – AAR com fístula vaginal
necessidade de RMN. – AAR com formação de cloaca.
CAPÍTULO 317 Anomalias ano-rectais 1643

Notas importantes: nas suas formas mais complexas, necessitam de


1 – A correcção é realizada integralmente por via um seguimento multidisciplinar em regime
perineal no plano sagital sendo denominada ano- ambulatório, englobando designadamente diver-
rectoplastia sagital posterior mínima ou limitada. sas áreas como: enfermagem, fisioterapia, fisiatria,
2 – A colostomia diversiva destina-se, no sexo cirurgia pediátrica, pediatria médica, medicina
masculino, a evitar a contaminação do aparelho familiar, nefrologia pediátrica, neurologia pediá-
urinário por conteúdo fecal e a absorção de urina trica e ginecologia pediátrica.
pela mucosa cólica devido ao refluxo de urina As situações clínicas mais problemáticas asso-
para o cólon distal; no sexo feminino, a referida ciadas ao seguimento da AAR são a obstipação
técnica destina-se a evitar a contaminação do apa- pós-operatória, a incontinência fecal e a inconti-
relho genital e a hipertrofia da bolsa rectal distal, nência urinária. A obstipação pós-operatória é a
por retenção fecal progressiva. sequela mais comum dos doentes com AAR.
3 – O exame complementar fundamental, após Paradoxalmente, é mais grave nas formas clínicas
a construção da colostomia e antes de realizar a mais ligeiras. A obstipação deverá ser tratada
cirurgia definitiva, é o colostograma. Este exame agressivamente e de modo prolongado para evitar
consiste no preenchimento do segmento distal do as suas consequências nefastas, como o megarrec-
cólon, a jusante da colostomia, por contraste to. A incontinência fecal, que pode surgir em cerca
hidrossolúvel, permitindo a visualização da por- de 30% de todos os casos, implica a necessidade
ção terminal do cólon esquerdo ou de qualquer de programa de reeducação intestinal adaptado a
trajecto fistuloso presente. cada doente. O seu fundamento é a utilização cri-
4 – A correcção cirúrgica definitiva é realizada teriosa e individualizada de laxantes, emolientes e
por meio de uma ano-rectoplastia sagital posterior clisteres de limpeza.
plena. Actualmente, a idade para a realização da
cirurgia definitiva está a ser reduzida para as pri- Prognóstico
meiras oito semanas de vida; exceptua-se a correc-
ção cirúrgica da cloaca, em geral realizada entre os O prognóstico dos doentes com AAR depende,
seis meses e o ano de idade. não só do sucesso do acto cirúrgico a que foram
5 – Após a realização da ano-rectoplastia sagi- submetidos, mas, principalmente, do tipo de AAR
tal posterior torna-se necessário iniciar um pro- e da patologia subjacente e acompanhante da
grama de dilatação anal progressiva por meio dos mesma.
chamados dilatadores de Hegar. Este programa é Reiterando o que foi descrito anteriormente, os
de extrema importância e o seu cumprimento factores prognósticos fundamentais são: a evolu-
constitui um pilar fundamental para o sucesso ção do status nefrológico e a capacidade de conti-
cirúrgico. A colostomia deverá ser encerrada após nência esfincteriana vesical e anal. Estes dois
a conclusão do programa de dilatações anais. aspectos são os mais importantes na definição da
qualidade de vida futura destes doentes.
Complicações pós-operatórias
BIBLIOGRAFIA
As complicações resultam das múltiplas interven- Ashcraft KW, Holcomb GW III, Murphy JP (eds). Pediatric
ções cirúrgicas a que os doentes com esta patolo- Surgery. Philadelphia: Saunders, 2005
gia são submetidos. As mais importantes são: Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
deiscências de vários tipos, estenose, prolapso da Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
mucosa cólica, má posição da anoplastia em rela- Coran AG. Pediatric Surgery. Philadelphia:Elsevier, 2013
ção aos limites do complexo muscular perineal e Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
refistulização recto-urinária ou recto-vaginal. Gill D, O´Brien N. Paediatric Clinical Examination. Edinburgh:
Churchill Livingstone, 2003
Seguimento Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
Os doentes portadores de AAR, nomeadamente McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
1644 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

318
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Livingstone, 2008
Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
Williams & Wilkins, 2005 HEMORRAGIAS
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Rosen R, Buonomo C, Andrade R, Nurko S. Incidence of spinal Definição e importância do problema
cord lesions in patients with intractable constipation. J
Pediatr 2004; 145:409-411 A hemorragia do tubo digestivo pode ter origem
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon em toda a extensão do mesmo, sendo a identifica-
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill ção do local que sangra um desafio para o clínico
Medical, 2011 em termos de raciocínio diagnóstico.
Quando o sangue tem origem no esófago, estô-
mago, ou duodeno, pode provocar hematemese,
termo que significa vómito de sangue, indepen-
dentemente da sede da hemorragia. O sangue eli-
minado e exposto às secreções gástricas ou intesti-
nais escurece rapidamente (por digestão-sangue
“digerido”) passando a ter cor castanha (tipo bor-
ras de café, ou com aspecto de alcatrão); se a
hemorragia for maciça, o sangue com grande pro-
babilidade mantém a cor vermelha viva.
Sangue eliminado pelas fezes, independente-
mente da cor (vermelha ou castanha) define o
conceito (lato) de hematoquésia; a mesma pode ser
o resultado de hemorragia maciça a montante do
íleo distal no contexto de trânsito intestinal acele-
rado, ou a jusante do íleo distal.
O sangue resultante de hemorragia ligeira a
moderada com origem a montante do íleo distal
tende a originar fezes de cor castanha muito escu-
ra (tipo borras de café ou aspecto de alcatrão): é a
melena (conceito restrito). As hemorragias major
no duodeno ou a montante do duodeno podem
também originar melena.
Rectorragia é a eliminação pelo ânus de sangue
vivo proveniente do recto, misturado ou não com
fezes(conceito restrito).
Algumas situações clínicas, em função do
volume de sangue perdido, obrigam a tratamento
de emergência.
CAPÍTULO 318 Hemorragias do tubo digestivo 1645

Etiopatopogénese e manifestações Nos casos de perda crónica (micro-hemorra-


clínicas gias que correspondem a “sangue oculto nas
fezes” poderá surgir quadro de anemia ferripriva
As hemorragias do tubo digestivo têm causas e (Capítulo 138). A hemorragia gastrintestinal pode
consequências. No Quadro 1 são resumidos os originar hipotensão e taquicárdia, por vezes na
principais problemas clínicos de base (os quais ausência de sintomatologia do foro digestivo; nos
têm quadro clínico próprio) podendo originar casos de surgimento agudo e de forma maciça,
hemorragias do tubo digestivo. poderão surgir vómitos, náuseas e diarreia. A
A lesão erosiva da mucosa do tracto gastrintes- degradação dos componentes do sangue intralu-
tinal constitui a causa mais frequente de hemorra- minal poderá levar a hiperbilirrubinémia, e a
gia. Outras causas importantes são: 1 – a gastro- coma hepático em situações de disfunção hepática
patia traumática de prolapso em que se verificam prévia.
hemorragias subepiteliais no contexto de prolapso
do estômago no esófago durante vómitos com Diagnóstico diferencial e exames
esforço acentuado; 2 – a síndroma de Mallory- complementares
Weiss em que há lesões tipo ruptura da mucosa
também associadas a vómitos; 3 – anomalias vas- Para o esclarecimento etiológico e avaliação da
culares; 4 – varizes esofágicas. repercussão do evento sobre o estado geral, torna-
se necessário, após anamnese e exame objectivo
QUADRO 1 – Principais causas de hemorragia rigoroso, proceder a um conjunto de exames com-
do tubo digestivo plementares a seleccionar em função do contexto
clínico de cada caso.
Sangue deglutido pelo RN* No que respeita à anamnese, e perante a com-
Varizes esofágicas provação de “fezes de cor vermelha” cabe salien-
Doença péptica tar a importância de inquirir sobre a eventualida-
Anomalias vasculares de de ingestão anterior de rifampicina, gelatina
Refluxo gastresofágico vermelha, ou framboesas.
Gastropatia traumática de prolapso Nos casos de “fezes de cor semelhante à das
Úlcera gástrica de estresse* borras de café ou do alcatrão”, há que inquirir,
Úlcera duodenal designadamente, sobre a eventual ingestão de
Alergia às proteínas do leite de vaca* espinafres, chocos com tinta, salicilato de bismuto,
Fissura anal* medicamentos à base de ferro, e amoras.
Polipose intestinal • Para esclarecimento etiológico e avaliação da
Duplicação intestinal repercussão sobre o estado geral, estão indicados
Divertículo de Meckel* os seguintes exames prioritários: hemograma com
Invaginação intestinal* plaquetas, provas de coagulação (tempo de pro-
Volvo trombina e tempo de tromboplastina parcial), pro-
Doença sistémica (leucemia, hiperplasia linfóide) vas de citólise e de função hepáticas (ALT/ alani-
Iatrogénica (anti-inflamatórios não esteróides) na aminotransferase, AST/aspartato aminotrans-
Gastrenterite bacteriana* ferase; GGT / gama-glutamiltransferase, birrubi-
Enterocolite némia total e directa), pesquisa de sangue oculto
Colite pseudomembranosa nas fezes ou vómito, grupo sanguíneo, radiografia
Doença de Hirschprung simples abdominal.
Doença inflamatória intestinal
• Nos casos de hematemese: endoscopia do
Síndroma de Mallory-Weiss
tracto digestivo superior (clássica, ou microendos-
Prolapso rectal
copia empregando a cápsula endocópica com
Púrpura de Schonlein-Henoch
câmara, previamente deglutida pelo doente, ou
Coagulopatia*
colocada por via endoscópica nas crianças mais
*Afecções mais frequentes no lactente
pequenas), estudo radiológico do tracto superior
1646 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

com contraste nos casos de endoscopia inconclusi- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
va ou indisponível. Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
• Nas situações de rectorragia com fezes bem Livingstone, 2008
formadas: toque rectal. Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
• Para excluir pólipos ou fissuras: sigmoidoco- Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
lonoscopia. Williams & Wilkins, 2005
• Para detectar divertículo de Meckel: cintigra- Oldham KT, Lobe TE. Gastrointestinal hemorrhage in chil-
fia com tecnécio. dren. Pediatr Clin North Am 1985; 32: 1247-1263
• Para detecção de anomalia arteriovenosa: Palminha JM, Carrilho E (eds). Orientação Diagnóstica em
arteriografia da mesentérica ou microendoscopia Pediatria. Lisboa: Lidel, 2003
com cápsula. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
• Nos casos de hemorragia com vómitos e AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
sinais de oclusão intestinal: radiografias abdomi- Medical, 2011
nais simples seriadas, clister opaco (para excluir
invaginação intestinal), ecografia abdominal ou
estudo com contraste do tracto superior.

Tratamento

A actuação em casos de hemorragia digestiva


deverá corresponder ao tratamento da respectiva
causa, para cuja identificação concorre a escolha
judiciosa de exames a realizar. Nalgumas situa-
ções está indicado tratamento prioritário de emer-
gência, procedendo a manobras de reanimação
cárdio-circulatória (oxigenoterapia, entubação
endotraqueal, estabelecimento de linha endove-
nosa para combate do choque e ou terapêutica
substitutiva com derivados sanguíneos (plasma
fresco, concentrado eritrocitário, etc.).

BIBLIOGRAFIA
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Surgery. Philadelphia: Saunders, 2005
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McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
CAPÍTULO 319 Divertículo de Meckel 1647

319
Trata-se da anomalia congénita gastrintestinal
mais frequente, presente em cerca de 2-3% da
população, e predominando no sexo masculino
com uma relação de 3 – 4/1. Pode estar associada
a outros defeitos nas seguintes proporções: atrésia
do esófago (12%), anomalia ano-rectal (11%), e
DIVERTÍCULO DE MECKEL onfalocele ( 25%).
O divertículo, de comprimento variável,
Julião Magalhães situa-se no bordo anti-mesentérico do intestino
delgado a distância variável da válvula íleo-cecal,
embora possa ter localização mais proximal (em
regra, a 50-90 cm). Contudo, para excluir a sua
Definição e etiopatogénese presença, a exploração intra-operatória do intesti-
no deve ser levada a cabo até aos 150 cm.
Entre a 5ª e a 7ª semana de vida intra-uterina, o canal No seu interior pode aparecer mucosa ectópica,
ônfalo-mesentérico (canal vitelino) regride, à medida geralmente gástrica ou tecido pancreático. O tecido
que a placenta substitui o saco vitelino como fonte ectópico gástrico no interior do divertículo pode
da alimentação do feto. Este canal estabelece a comu- causar ulceração da mucosa no íleo adjacente.
nicação entre o saco vitelino e o intestino primitivo. É clássico empregar, como mnemónica e com
A não regressão ou a regressão insuficiente do alguma aproximação (ver atrás), a chamda “regra
canal leva ao aparecimento de várias anomalias, dos 2” para caracterizar o defeito: surge em ~2%
das quais a mais frequente é o divertículo de da população, a menos de 2 pés (cerca de 60 cm)
Meckel (Capítulo 313). Assim, o divertículo de da válvula íleo-cecal, com 2 tipos de mucosa ectó-
Meckel é uma estrutura remanescente do canal pica (gástrica e pancreática), em crianças com
ônfalo-mesentérico em forma de “dedo de luva“ mais de 2 anos de idade, e anomalia com mais de
ou em ligação com o lume do íleo distal. (Figura 1) 2 cm de comprimento.
Salienta-se que o desenvolvimento normal do
tubo digestivo depende de interacções entre as Manifestações clínicas e diagnóstico
camadas endoderme (epitélio tapetando interna-
mente a parede intestinal), mesoderme (formação de Na maioria dos casos, o divertículo de Meckel é
músculo liso), e ectoderme (sistema nervoso entéri- assintomático.
co). Histologicamente o divertículo de Meckel é um Na generalidade dos casos sintomáticos, o
verdadeiro divertículo integrando todas as camadas divertículo está forrado interiormente por mucosa
intestinais. A irrigação sanguínea é um vestígio da gástrica ectópica com secreção ácida que origina
artéria vitelina primitiva, podendo ter papel proemi- hematoquésia ou enterorragia segundo alguns
nente nos casos em que se manifesta hemorragia. autores (aparecimento de fezes com sangue “cor
de tijolo ou em geleia de groselha”) por ulceração
da mucosa ileal normal adjacente. Como resultado
poderá surgir anemia.
Menos frequentemente, o divertículo de
Meckel está associado a obstrução intestinal par-
cial ou total (invaginação intestinal, volvo, bridas
fibrosas no contexto das estruturas remanes-
centes), sendo que a idade média dos doentes
tendo como forma inicial de apresentação a obs-
trução, é inferior à dos doentes cuja forma inicial
de apresentação é a hemorragia.
FIG. 1
O divertículo pode também inflamar-se (diver-
Divertículo de Meckel (ver figura 1 do Capítulo 313). ticulite), com um quadro clínico que pode simular
1648 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

apendicite aguda. A diverticulite pode levar a per- Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
furação e peritonite. Pode ainda ser sede de Williams & Wilkins, 2005
tumores carcinóides, de acumulação de corpos Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge
estranhos ou de parasitas intestinais. University Press, 2008
Em caso de hemorragia com suspeita de ser Reynolds M. Abdominal wall defects in infants with very low
provocada por divertículo de Meckel, está indica- birth weight. Semin Pediatr Surg 2000; 2: 88-90
da cintigrafia com tecnécio (TC99m) a qual permi- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
tirá identificar a anomalia através da visualização AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
de sinais de mucosa gástrica ectópica produzindo Medical, 2011
secreção ácida. Os sinais podem ser mais notórios
(maior captação do isótopo) com administração
de cimetidina, glucagom ou gastrina em dias ante-
riores. Outros métodos de detecção incluem eco-
grafia abdominal, e, em situações clínicas específi-
cas, angiografia mesentérica superior, TAC abdo-
minal e, laparoscopia exploradora.
Salienta-se que nos doentes com quadro de
obstrução intestinal, ou sugestivo de apendicite
aguda, o diagnóstico definitivo em geral é feito
após laparotomia

Tratamento

O tratamento consiste na ressecção do divertículo


associada a ressecção segmentar do intestino
adjacente (em especial nos casos de obstrução e
de hemorragia).

BIBLIOGRAFIA
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Livingstone, 2008
Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
CAPÍTULO 320 Apendicite aguda 1649

320
O resultado final é o aumento da pressão intra-
luminal e a proliferação bacteriana com invasão
da parede do apêndice induzindo processo infla-
matório com edema, secreção de muco, distensão
com compromisso circulatório (dificuldade de
drenagem venosa e linfática numa primeira fase, e
APENDICITE AGUDA isquémia por compressão arterial, mais tardia-
mente); ulteriormente pode surgir ruptura por
Julião Magalhães necrose, por vezes verificada cerca de 48-72 horas
após início das manifestações clínicas.
A infecção entérica pode desempenhar também
papel importante, na medida em que muitos casos se
Aspectos epidemiológicos associam a ulceração da mucosa e invasão da parede
e importância do problema apendicular por microrganismos como Salmonella e
Shigella spp., e vírus (adenovírus e coxsackie B).
A apendicite aguda constitui a causa mais frequen- Poderão formar-se abcessos periapendiculares e
te de dor abdominal aguda que conduz a interven- peritonite generalizada (esta última facilitada pelo
ção cirúrgica de emergência na criança e adolescen- facto de o grande epíploo ser mais curto do que no
te. A sua maior incidência verifica-se no grupo etá- adulto, dificultando a localização do abcesso inicial).
rio entre 12 e 18 anos, sendo rara antes dos 5 anos
(< 5%), e muito rara antes dos 3 anos (< 1%). Manifestações clínicas
O diagnóstico desta situação na criança com
< 5 anos é frequentemente difícil e muitas vezes O diagnóstico de apendicite aguda é essencial-
tardio, o que acarreta complicações com risco de mente clínico. O quadro de apresentação varia
vida, tais como perfuração (~20% dos casos), com a idade:
podendo conduzir a peritonite e sépsis. Nos qua- – Recém-nascido
dros de doença febril há, pois, que admitir o seu Os sinais de apresentação são inespecíficos:
diagnóstico, nomeadamente perante doença febril letargia, irritabilidade, distensão abdominal e vómi-
de interpretação duvidosa, mesmo sem sinais tos, massa abdominal palpável, eritema da pare-
abdominais muito exuberantes. de abdominal, hipotensão, hipotermia e dificulda-
de respiratória
Etiopatogénese A apendicite aguda comporta elevada mortali-
dade neste grupo etário.
A apendicite aguda é uma doença que poderá – Lactente
envolver múltiplos factores etiológicos cujo resul- Até aos 2 anos de idade os sinais e sintomas
tado final é a invasão bacteriana da parede apen- mais frequentes são a dor, vómito, diarreia e
dicular febre. Pode haver irritabilidade, dificuldade respi-
Admite-se como factor importante e primum ratória e queixas localizadas na anca direita. É
movens da infecção apendicular a obstrução do mais frequente a dor abdominal difusa do que a
respectivo lume por matéria fecal (fecalitos, mui- localizada, não sendo de estranhar que o diagnós-
tas vezes em relação com regime alimentar pobre tico seja geralmente tardio pela dificuldade de
em fibra), caroços de fruta, parasitas/Ascaris, comunicação neste grupo etário. Daí a maior gra-
hiperplasia dos folículos linfóides da submucosa vidade da situação e a maior incidência de perito-
da parede (secundária a infecções víricas, ou nite em tal circunstância.
outras causas), ou por compressão extraluminal – Pré-escolar
(gânglios linfáticos ou tecido neoplásico). Na Neste grupo etário são habituais dor abdomi-
fibrose quística, afecção associada a maior viscosi- nal, febre, anorexia, náuseas e vómitos; em regra,
dade do muco, existe maior predisposição para a a dor é localizada na fossa ilíaca direita. O vómito
obstrução do lume apendicular. precede a dor, geralmente.
1650 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– Escolar ingestão de líquidos ou refeição, explicável por


A sintomatologia assemelha-se à clássica do diversos factores como fecaloma, fibrose, corpo
adulto: inicialmente dor difusa ou periumbilical estranho, parasitose, carcinóide, hiperplesia linfói-
e, mais tarde, localizada na fossa ilíaca direita, de, etc.; 4 – tiflite ou enteropatia neutropénica cor-
com sinais de defesa abdominal/contractura da respondendo a um processo de inflamação e
parede abdominal e dor à descompressão. A dor é necrose da parte terminal do íleo, cego, e ou apên-
função da localização anatómica do apêndice. As dice, tendo como factores de risco doença neoplá-
náuseas e os vómitos surgem por distensão apen- sica,infecção por VIH e quimioterapia.
dicular, após início da dor.
– Adolescente Exames complementares
Neste período estão presentes os sinais e sinto-
mas da apendicite do adulto com a sequência clás- Reiterando que o diagnóstico provisório de apendi-
sica: dor periumbilical inicial – náuseas – vómitos- cite aguda é essencialmente clínico, na maioria dos
dor localizada na fossa ilíaca direita, agravada centros cirúrgicos, no que respeita a exames com-
pela descompressão rápida após palpação; esta plementares para confirmação ou infirmação é hoje
última comprova defesa abdominal/contractura consensual que existe prioridade para os exames de
da parede. No sexo feminino impõe-se o diagnós- imagem “à cabeceira do doente”. A ecografia tem
tico diferencial com patologia ginecológica. evidenciado sensibilidade de 88% e especificidade
de 94% na ausência de obesidade; nos casos duvi-
Diagnóstico diferencial dosos haverá que recorrer à TAC, com inconve-
nientes pela radiação, mas mais precisa que a eco-
Quando o quadro não é evidente, haverá que grafia. A RMN, em centros com recursos e ponde-
admitir outras situações, tais como: gastrenterite, rando prioridades, poderá ser outra alternativa.
linfadenite mesentérica, diverticulite de Meckel, No que respeita a biomarcadores clássicos,
pancreatite, colecistite aguda, torção do epíploo, salientam-se o hemograma e a a proteína C reacti-
torção de quisto do ovário, doença inflamatória va (PCR). O hemograma proporciona fraco contri-
pélvica, infecção urinária, pneumonia (classica- buto (pode verificar-se neutrofilia) podendo ser
mente na localização lobar direita), etc.. útil no diagnóstico diferencial com linfadenite
É importante salientar a importância da ana- mesentérica (esta última revelando, em geral, lin-
mnese e do exame objectivo global e rigoroso, e que focitose ou valor de leucócitos < 7.000/mmc). De
os sinais clássicos poderão não estar presentes em acordo com estudos epidemiológicos, valor de
caso de apêndice de localização retrocecal ou com leucócitos superior a 12.000/ mmc com desvio à
localização anómala. esquerda poderá surgir em cerca de 85-90% dos
Determinadas situações provocando dor no qua- doentes com apendicite aguda, e em 90-95% dos
drante inferior direito do abdómen merecem ser desta- mesmos com apendicite perfurada. Valores de
cadas, nomeadamente pela eventual confusão esta- PCR > 3 mg/dL, em conjugação com a clínica
belecida pela terminolgia clássica da entidade sugestiva, poderão apontar para o diagnóstico.
“apendicite aguda”, objecto do presente capítulo: Nalguns centros estão a ser utilizados novos
1 – apendicite crónica refere-se ao quadro de biomarcadores, mais específicos e sensíveis que
inflamação crónica do intestino com infiltração de os clássicos, como o factor de crescimento dos gra-
monócitos, o que corresponde a ~1% dos apên- nulócitos (G- CSF), uma glicoproteína (LRG ou
dices inflamados; 2 – apendicite recorrente refere-se leucine-rich alpha-2-glycoprotein) e doseamento
à situação resultante de um episódio de inflama- sérico de citocinas.
ção apendicular com regressão espontânea, sem A análise de urina pode ser útil para a detecção
intervenção cirúrgica e consequente fibrose focal de infecção urinária. Outros exames e doseamen-
apendicular; 3 – cólica apendicular (termo contro- tos a realizar (nas situações de contexto clínico mais
verso não reconhecido em geral como entidade complexo e grandes dúvidas) são: amilase, lipase,
clínica específica) originando dor crónica recor- ALT, AST, GGT, radiografia do tórax, radiografia
rente em geral pela manhã e 5-20 minutos após abdominal simples de pé e em decúbito.
CAPÍTULO 320 Apendicite aguda 1651

Tratamento plicação da intervenção cirúrgica, assim como abces-


sos da parede abdominal na zona da laparotomia.
O tratamento é cirúrgico, de emergência. Durante Com os devidos cuidados todas elas são evitáveis.
a indução da anestesia deve proceder-se a antibio-
ticoterapia endovenosa de largo espectro de modo BIBLIOGRAFIA
a abranger a flora intestinal mista, para diminuir o Ashcraft KW, Holcomb GW III, Murphy JP(eds). Pediatric
risco de complicações infecciosas peri- e pós-ope- Surgery. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005
ratórias. Benjamin IS, Patel AG. Managing acute appendicitis. BMJ
No que respeita a esquemas de antibioticotera- 2002; 325:505-506
pia (a qual deverá ser dirigida contra as bactérias Brown CV, Abrishami M, Muller M, et al. Appendiceal abs-
frequentemente encontradas no apêndice, incluin- cess:immediate operation or percutaneous drainage? Am
do anaeróbios e aeróbios gram- negativos) diversos Surg 2003; 69:829-832
têm sido descritos em estudos epidemiológicos Hennelly KE, Bachur R. Appendicitis update. Curr Opin
demonstrando idêntica eficácia. Dado que os Pediatr 2011; 23: 281 - 285
microrganismos gram-positivos são raros no cólon, Humes DJ, Simpson J. Acute appendicitis. BMJ 2006; 333:530-
é controversa a antibioticoterapia para cobrir ente- 534
rococos, salvo em contextos clínicos específicos. Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Descreve-se a seguir um dos protocolos utilizados: Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
• apendicite simples não perfurada: cefoxitina 2011
IV (1 dose pré-operatória e 1 dose 24 horas após Kosloske AM, Love CL, Rohrer JE, et al. The diagnosis of
intervenção); appendicitis in children: outcomes of a strategy based on
• apendicite perfurada ou gangrenosa: anti- pediatric surgical evaluation. Pediatrics 2004; 113:29-34
bioticoterapia tripla IV (ampicilina + gentamicina McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
+ clindamicina ou metronidazol) iniciada na data Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
da operação (no pressuposto de intervenção emer- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and Arneil´s
gente) e continuada durante 3-5 dias. Textbook of Pediatrics. London: Churchill Livingstone, 2008
Neufeld D, Vainrib M, Buklan G, et al. Management of acute
No caso de presença de pús na cavidade abdo- appendicitis: an imaging strategy in children. Pediatr Surg Int
minal é fundamental a lavagem copiosa da 2010; 26: 167 - 171
mesma com soro fisiológico morno, até se obter Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
líquido límpido, e encerrando a laparotomia sem Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
deixar drenos; em tais circunstâncias torna-se Williams & Wilkins, 2005
obrigatória a continuação da antibioticoterapia Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
pós-operatória. AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Notas importantes: Medical, 2011
– Quando o cirurgião e a equipa têm experiên- Smink DS, Finkelstein JA, Pena BMG, et al . Diagnosis of acute
cia pode utilizar-se, em casos seleccionados, a appendicitis in children using a clinical practice guideline.
cirurgia laparoscópica. J Pediatr Surg 2004 ; 39 :458-463
– Nalguns centros, em casos seleccionados, Taylor GA. Suspected appendicitis in children: in search of a
procede-se a técnicas de drenagem percutânea single best diagnostic test. Radiology 2004; 231 :293-295
com o apoio de especialistas em radiologia de Ziegler MM. The diagnosis of appendicitis: an evolving para-
intervenção associada a laparoscopia. digm. Pediatrics 2004 ; 113 :130-132

Complicações

Peritonite e abcessos intraperitoneais são as compli-


cações mais frequentes da doença. Deiscência da
laqueação do coto apendicular e hemorragia são
complicações raras, mas podem ocorrer como com-
1652 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

321
reu em 437 (~10%). A letalidade nos RN com ECN
perfurada foi de 64,3% quando não submetidos a
cirurgia , e de 29,5% quando operados.
Na UCIN (médico-cirúrgica) do Hospital de
Dona Estefânia (Lisboa) foram assistidos 114 RN
com o diagnóstico de ECN no período de 22 anos
ENTEROCOLITE NECROSANTE (1990 a 2011). Globalmente a taxa de mortalidade
foi de 27,2%, a que corresponde letalidade de
Rui Alves e João M. Videira Amaral 14,9% e taxa de sequelas (estenose intestinal e sín-
droma de intestino curto) de 45,3%. De referir que
nesta série de RN com ECN, 41% dos doentes ti-
nham peso inferior a 1.000 g.
Definição
Etiopatogénese
A enterocolite necrosante (ECN) é uma situação
clínica resultante de processo agudo inflamatório Embora a etiopatogénese da ECN não esteja com-
e necrótico do intestino (afectando a mucosa, ou pletamente compreendida, admite-se compartici-
transmural) em áreas de extensão variável, no íleo pação multifactorial e que a doença resulte duma
terminal (mais frequentemente), cólon ascendente agressão inicial (isquémica, infecciosa, relaciona-
e porção proximal do cólon transverso. Caracte- da com a introdução de alimentação entérica, etc.)
riza-se por sinais gastrintestinais e sistémicos pro- no contexto de tracto gastrintestinal imaturo,
gressivos. seguindo-se uma série de reacções inflamatórias
em cascata associadas a invasão bacteriana da
Aspectos epidemiológicos mucosa intestinal e a consequente proliferação. O
e importância do problema processo culmina com necrose de coagulação das
áreas afectadas.
Esta afecção – que constitui a emergência cirúrgica Seguidamente são abordados os principais fac-
mais frequente no recém-nascido – atinge com tores, que estão interligados, como que num ciclo
maior frequência os recém-nascidos pré-termo (com vicioso. A separação por alíneas foi feita por
menos de 37 semanas completas contadas a partir razões didácticas.
do 1º dia da última menstruação), principalmente
os de muito baixo peso (inferior a 1.500 gramas). A Circulação intestinal e isquémia
ECN surge em 5 a 15% dos recém-nascidos pré- Admite-se que a hipóxia intra-uterina promova a
termo hospitalizados em UCIN; a incidência é redistribuição do débito cardíaco em favor do cora-
máxima entre a primeira e segunda semana. Nos ção e do sistema nervoso central, privando o intesti-
Estados Unidos a incidência oscila entre 1 a 3 casos no imaturo de oxigenação adequada por isquémia.
por 1000 nado-vivos, com maior número de casos Efectivamente, pela avaliação do fluxo sanguíneo
entre a primeira e segunda semana de vida, sem através do método doppler, demonstrou-se redução
predomínio de sexo; considerando a globalidade do fluxo sanguíneo na artéria mesentérica superior
dos casos, somente cerca de 7% corresponde a RN e no tronco celíaco nas situações de restrição de cres-
de termo. cimento intra-uterino. Esta alteração mantém-se
Em Portugal, no âmbito da Secção de após o nascimento durante a primeira semana de
Neonatologia da SPP foi realizado um estudo vida, o que sugere, segundo alguns investigadores,
multicêntrico pelo Grupo de Registo Nacional dos que a maior resistência vascular mesentérica já
Recém-Nascidos de Muito Baixo Peso(RNMBP ou venha programada da vida intra-uterina. Noutros
de peso < 1.500 g) no quinquénio 1996-2000 englo- estudos comprovou-se que a reticulocitose no
bando unidades neonatais de 35 hospitais nacio- recém-nascido pré-termo com restrição de cresci-
nais. Estudada a série de 4355 RN com tais carac- mento intra-uterino constitui um marcador de
terísticas ponderais, o diagnóstico de ECN ocor- maior risco para o desenvolvimento de ECN.
CAPÍTULO 321 Enterocolite necrosante 1653

Relativamente às características da circulação liferação de bactérias entéricas, do que resulta


neonatal cabe referir que existe um equilíbrio muito acumulação de hidrogénio, ácidos orgânicos,
lábil entre vasodilatação e vasoconstrição, fenóme- caseína não digerida e ácidos gordos de cadeia
nos mediados respectivamente pelo óxido nítrico longa no lume intestinal. Admite-se que exposição
(NO) e pela endotelina -1. O estado neonatal basal do epitélio intestinal a estas substâncias origine
sob o ponto de vista fisiológico é caracterizado pelo um processo de “inflamação intestinal” conduzin-
predomínio do NO, gerando-se baixa resistência do a lesão.
vascular sistémica. Os estados patológicos causam
disfunção endotelial, o que conduz a activação da Imaturidade intestinal e alimentação entérica
endotelina -1 e a vasoconstrição, isquémia intestinal Embora se admita classicamente que a coloniza-
e lesão celular. Este mecanismo é compatível com os ção do tracto intestinal por germes microbianos
achados histológicos de necrose de coagulação, típi- constitua um pré-requisito para o desenvolvimen-
cos da ECN. to de ECN, a doença pode surgir em crianças sem
Por outro lado, embora o NO desempenhe papel terem sido alimentadas previamente (cerca de 5-
importante na homeostase do tracto gastrintestinal, 7% dos casos).
em situações associadas a inflamação, é produzido O Quadro 1 resume algumas das características
em elevadas concentrações, o que tem efeito que permitem definir a imaturidade gastrintestinal
citotóxico directo nos enterócitos. (cuja expressão máxima se verifica no recém-nasci-
do pré-termo) e as consequências que daí resultam.
Substrato Cabe referir que a alimentação com leite
O crescimento e o desenvolvimento do tubo digesti- materno fresco constitui uma circunstância sus-
vo, assim como a sua capacidade em manter as fun- ceptível de proteger contra lesões do intestino
ções de digestão e absorção, dependem do supri- tendo em conta a multiplicidade de factores imu-
mento adequado em vários nutrientes. A arginina, noprotectores que o referido leite veicula. De
aminoácido que pode ser sintetizado pelo enterócito, facto, diversos estudos têm demonstrado menor
constitui a principal fonte de azoto para a produção incidência de ECN em crianças alimentadas com
local de óxido nítrico. Por sua vez, o óxido nítrico
funcionando como mediador-indutor do relaxamen- QUADRO 1 – Imaturidade intestinal
to da musculatura lisa vascular, contribui para regu- e consequências
lar o tono basal arteriolar e, por consequência, o
débito sanguíneo ao nível da mucosa intestinal. Défice de secreção gástrica e hipocloridria
A propósito, é importante mencionar estudos Colonização bacteriana aberrante do tracto
experimentais provocando hipóxia – isquémia, ou gastrintestinal superior; digestão proteica incompleta
administrando toxinas ou factor de activação pla- Défice de enzimas proteolíticas
quetário; os mesmos demonstraram que a inibição Défice de destruição das toxinas bacterianas; digestão
da síntese de óxido nítrico se associou a maior proteica incompleta
intensidade da lesão tecidual. Por outro lado, Motilidade intestinal diminuída
comprovou-se que o suprimento exógeno de Estase e hipercrescimento bacteriano
óxido nítrico contribuiu para atenuar tal efeito. Défice de secreção de IgA
Noutros estudos experimentais demonstrou-se Alteração do mecanismo de defesa contra antigénios
também que a suplementação em arginina (por bacterianos
via oral ou por via endovenosa contínua) atenua- Redução do número de linfócitos T intestinais
va a lesão intestinal na sequência de eventos Alteração do mecanismo de preservação da
hipóxico – isquémicos seguidos de reoxigenação. integridade do epitélio intestinal por incapacidade de
Por outro lado há que atender ao facto de a destruição das células epiteliais infectadas
imaturidade intestinal não permitir a absorção e Hiperpermeabilidade da mucosa intestinal
digestão completas dos hidratos de carbono e gor- a proteínas, hidratos de carbono e bactérias
duras do leite. Como consequência, os compostos Acesso facilitado de bactérias e toxinas aos tecidos
não digeridos servem como substrato para a pro- intestinais
1654 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

leite materno. Estudos em recém- nascidos pré- A resposta é iniciada com “produtos molecu-
termo também levaram à conclusão de que a lares” derivados da parede celular bacteriana
modificação do leite não materno através, desi- actuando sobre receptores presentes no epitélio
gnadamente, da acidificação (pH entre 2,5 e 5,5) intestinal iniciando-se a activação da “cascata
diminui a taxa de colonização bacteriana gástrica. inflamatória” na qual tomam parte mediadores
inflamatórios como o PAF, TNF-alfa, interleucinas
Agentes microbianos e toxinas bacterianas 1, 6, 8, 12, 18, NO, LPS, e radicais livres de oxigé-
Os germes microbianos isolados a partir do líqui- nio. Em doentes com ECN os níveis de citocinas
do peritoneal (bactérias e vírus, fungos) dos estão elevados, correlacionando-se com a gravida-
doentes com ECN são representativos, por um de da doença.
lado, da microbiota do cólon e, por outro, da trans- O factor de activação das plaquetas (PAF ou
ferência dos mesmos a partir do intestino lesado. platelet-activating factor, regulado pela enzima com
Os germes bacterianos mais frequentemente efeito de degradação acetil-hidrolase PAF-AH),
implicados como causa específica de ECN são fosfolípido, é produzido por células endoteliais,
algumas espécies de Clostridia (difficile, perfringens) neutrófilos, macrófagos, próprias plaquetas como
as quais infectam com especial preferência o teci- resposta a endotoxinas e hipóxia. O factor de
do isquémico, sendo relevante o papel de toxinas necrose tumoral-alfa (TNF-alfa ou tumor necrosis
que produzem; de referir, no entanto, que as factor-alpha) é uma citocina libertada por macrófa-
Clostridia fazem parte da flora normal do cólon gos sobre os quais actuam endotoxinas.
do recém-nascido. Ao nível do intestino, a produção de media-
Staphylococcus coagulase negativo e Staphyloco- dores inflamatórios activando os neutrófilos, ori-
ccus aureus produzindo toxinas citolíticas (delta ginando vasoconstrição, lesão dos vasos capilares
toxinas provocando lesão celular intestinal) têm intestinais e hipotensão, promove a libertação de
sido considerados nalguns estudos importantes radicais livres com consequente lesão intestinal
agentes patogénicos. que pode culminar em necrose. De acordo com
Quanto ao papel das enterobactérias gram- diversos estudos o PAF causa lesão intestinal por
negativas (E. Coli, Klebsiella, Proteus, etc.) admite-se via dos radicais livres de oxigénio.
que actuem através de endotoxina com característi- Outro importante mediador é o chamado lipo-
ca de fraca citotoxicidade directa, mas causando polissacárido (LPS), a endotoxina componente das
lesão tecidual difusa activando a cascata inflamató- bactérias Gram-negativas, abundantes no tracto
ria. Relativamente aos agentes víricos, cabe referir o gastrintestinal. O mesmo altera a função da bar-
Coxsackie B2, os Coronavirus e os Rotavirus, descritos reira gastrintestinal, promovendo a libertação
como desencadeadores de quadro de ECN. doutros mediadores inflamatórios como NO,
Em suma, não se poderá responsabilizar deter- interferão – gama e cicloxigenase, com efeitos
minado germe especificamente pelo desenvolvi- tóxicos directos sobre os enterócitos.
mento de ECN, embora se tenha demonstrado A fosfatase alcalina intestinal, enzima produzi-
papel importante dalguns deles em circunstâncias da pelos enterócitos, destoxifica o LPS, tendo sido
de surtos epidémicos. concluído em estudos diversos que a probabilida-
de de ECN é maior nos doentes em que a fosfata-
Mediadores inflamatórios se alcalina (FA) intestinal é deficiente. Daí a espe-
Uma referência sucinta ao papel dos mediadores culação quanto ao eventual papel preventivo e
inflamatórios locais cuja produção pode ser desen- terapêutico da mesma.
cadeada pela colonização aberrante e pela inade-
quada neutralização de toxinas atrás referidas. Tal Lesão por isquémia-reperfusão e acção
atipia do padrão de colonização, associada a ima- dos radicais livres de oxigénio
turidade do epitélio intestinal origina uma resposta A isquémia seguida de reperfusão do intestino
inflamatória bacteriana com produção excessiva de origina aumento da permeabilidade da membra-
citocinas pró-inflamatórias, sendo que parte desta na das células intestinais (atrás referida) e incre-
resposta se relaciona com o sistema imune inato. mento de produção de radicais livres de oxigénio
CAPÍTULO 321 Enterocolite necrosante 1655

com consequente lesão da referida membrana de FCE no intestino lesado. Outros estudos, apon-
através de processo de peroxidação lipídica. tando a associação entre níveis baixos de FCE na
Embora o recém-nascido evidencie capacidade saliva e no soro, e o aparecimento de ECN, levan-
limitada para a produção de radicais livres de oxi- tam a hipótese de a administração daquele ter
génio (através da acção das enzimas xantina-oxi- importância na prevenção e tratamento.
dase e NADPH-oxidase dos neutrófilos), a capaci- Como consequência anatomopatológica das
dade de destoxificação daqueles (através das enzi- diversas noxas descritas, o exame macroscópico
mas catalase, superóxido – dismutase e glutationa das ansas revela que as mesmas estão distendidas
– peroxidase) é ainda mais limitada, o que aumen- e com paredes friáveis; a mucosa evidencia áreas
ta a probabilidade de lesão do intestino. hemorrágicas ulceradas e necrosadas, podendo
A lesão celular ocorrendo também ao nível do estar cobertas por exsudado seroso. Faz parte do
endotélio vascular pode resultar ainda em perda quadro a verificação de gás intramural (de locali-
da integridade deste, agravando os fenómenos de zação subserosa ou submucosa) denominada
isquémia nos territórios de circulação mesentérica pneumatose). A Figura 1 (achado intra-operatório)
de tipo terminal, como a observada na região ileal é elucidativa: imagens esféricas simulando
distal e da válvula íleo-cecal, a qual é irrigada pela “pequenos balões” ao nível da parede intestinal,
artéria ileocólica, ramo terminal da artéria cólica os quais têm tradução radiológica (ver adiante).
direita. Pode verificar-se igualmente líquido perito-
neal, claro, turvo ou hemorrágico, aspectos que
Fármacos e substâncias tóxicas variam em função do grau de inflamação.
Os fármacos e substâncias tóxicas mais frequente- O exame histológico da parede intestinal pode
mente associados ao aparecimento de ECN (xanti- evidenciar aspectos variáveis: edema, áreas he-
nas e metilxantinas, vitamina E, indometacina, morrágicas e de necrose de coagulação, úlceras,
etc.) comportam, de facto, um risco acrescido pela áreas de trombose, e sinais de reparação tecidual.
alteração do lábil equilíbrio hemodinâmico e As áreas lesadas estão cobertas por células infla-
vasomotor em recém-nascidos evidenciando grau matórias, fibrina, e epitélio necrótico que, conglo-
importante de imaturidade, o que favorece o merados em camada, formam uma pseudomem-
desencadeamento de fenómenos vasoclusivos. brana. Nalgumas situações pode verificar-se gás
no sistema porta. Como característica relevante,
Factor de crescimento epidérmico refere-se a concomitância de áreas de inflamação,
O chamado factor de crescimento epidérmico necrose e reparação teciduais, o que testemunha
(FCE) é um péptido que pertence a uma família as características evolutivas desta entidade clíni-
que inclui outros péptidos, responsável por um ca.
conjunto de respostas biológicas no tubo digestivo
dizendo respeito, essencialmente, à regulação da
replicação celular, e ao movimento e à sobrevivên-
cia das células.
Esta família de péptidos tem afinidade com
receptores específicos (receptores do FCE) distri-
buídos em vários territórios do organismo e ao
longo do tubo digestivo do feto e RN; mais concre-
tamente, tais receptores localizam-se, respectiva-
mente, no compartimento basolateral das células
da epiderme e na membrana apical do epitélio
viloso intestinal.
Estudos recentes relacionam tal FCE com a
FIG. 1
ECN verificando, designadamente, excreção
urinária de FCE em RN com quadro de ECN, Aspecto macroscópio de pneumatose (gás intramural);
especulando-se que tal resulta de maior absorção distensão bolhosa. (NIHDE)
1656 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas e diagnóstico

Como factores predisponentes mais típicos nos


RN pré-termo são referidos os seguintes: infecção
materna, ruptura de membranas > 24 horas antes
do parto, ductus arteriosus permeável e sintomáti-
co, asfixia perinatal, acidose, choque, alimentação
entérica com fórmula, administração de ranitidi-
na, etc..
Nos RN de termo e/ou de peso superior a
2.000 gramas apontam-se os seguintes factores
predisponentes: asfixia perinatal, policitémia /
hiperviscosidade, problema respiratório, hipogli-
cémia, antecedentes de intervenção cirúrgica
abdominal para correcção de defeitos da parede
abdominal ou de lesões do tubo digestivo, cardio-
patia congénita de baixo débito sanguíneo no ter-
ritório intestinal, etc..
O quadro clínico pode variar entre uma forma
benigna, subclínica, com recuperação total sem
sequelas, até uma forma grave, com sinais de sép-
sis, choque, peritonite generalizada, coagulopatia
e falência multiorgânica.
Os sinais clínicos mais característicos incluem:
FIG. 2
distensão abdominal, dificuldade respiratória,
resíduo gástrico, vómito bilioso, diarreia, rectorra- ECN – Imagem radiológica de pneumoperitoneu.
gia, dificuldade respiratória, labilidade hemodi-
nâmica e térmica, e alterações inflamatórias da Torna-se óbvio concluir que a vigilância ima-
parede abdominal com eritema e rede venosa visí- giológica deve ser seriada para comparação evo-
vel, indicativas de peritonite e de necrose intesti- lutiva dos padrões anómalos identificados .
nal subjacente. Como manifestações laboratoriais frequente-
A palpação abdominal pode evidenciar hipe- mente associadas enumeram-se as mais impor-
restesia localizada com empastamento subjacente tantes: neutropénia ou neutrofilia com apareci-
secundário a sofrimento de ansa abdominal ou mento de formas imaturas no sangue periférico,
massa abdominal, relacionável com aglomerado trombocitopénia, perfil de coagulação anómalo,
de ansas imóveis, o qual pode indiciar perfuração hiponatrémia de aparecimento súbito, acidose
coberta ou abcesso intraperitoneal. A distensão metabólica, hipoproteinémia, hiperglicémia, etc..
extrema e a presença de sinais peritoneais genera- Nalguns centros utilizam-se actualmente biomar-
lizados são compatíveis com necrose transmural e cadores de lesão tecidual intestinal baseados em
perfuração de ansa, peritonite grave e pneumope- medicina molecular/sequência de ácidos nuclei-
ritoneu. cos, com importância no diagnóstico precoce e
O diagnóstico radiológico de ECN está bem prognóstico.
determinado, salientando-se os principais sinais: Sob o ponto de vista da evolução clínica e gra-
distensão de ansas; presença de gás intra-mural vidade são descritos diversos estádios definidos
(pneumatose intestinal); ascite; pneumoperitoneu; por Bell (Critérios evolutivos de Bell) cuja identifi-
presença de gás na circulação porta; ansa intesti- cação, valorizando de modo cumulativo sinais sis-
nal edematosa e fixa; diminuição de gás intrabdo- témicos, intestinais e imagiológicos, tem implica-
minal com presença de ansas assimétricas e dis- ções práticas importantes quanto às decisões tera-
tensão cólica. (Figuras 2 a 4) pêuticas e ao prognóstico. (Quadro 2)
CAPÍTULO 321 Enterocolite necrosante 1657

QUADRO 2 – Estádios Evolutivos de Bell


na ECN

I A – Suspeita de ECN
Instabilidade térmica, apneia, bradicardia, letargia
Resíduo gástrico aumentado, distensão abdominal
ligeira, sangue oculto (+) nas fezes
Sinais radiológicos: distensão de ansas, íleo ligeiro
I B – Suspeita de ECN
Idem +
Rectorragia
II A – ECN definida (forma ligeira)
FIG. 3
Idem +
ECN – Imagem radiológica abdominal simples evidenciando Auscultação abdominal: ausência de ruídos (“silêncio”)
distensão abdominal, edema e espessamento da parede das Hipersestesia abdominal
ansas e sinais de pneumatose (gás intramural); presença de Sinais radiológicos: dilatação de ansas, íleo,
gás na área hepática. pneumatose intestinal (ar intramural)
II B – ECN definida (forma moderada)
Idem +
Acidose metabólica ligeira,trombocitopénia ligeira
Celulite abdominal ou massa no quadrante inferior
direito
Sinais imagiológicos de gás na veia porta (radiografia,
ecografia),ascite
III A – ECN avançada (forma grave)
Manifestações clínicas de II B+ hipotensão, bradicardia,
apneia grave,acidose mista, neutropénia e CID
Sinais intestinais: de II B + peritonite, distensão
e defesa abdominais
Sinais imagiológicos: os de II B + ascite
III B – ECN avançada (forma grave com perfuração
FIG. 4 intestinal)
ECN – Imagem de radiografia abdominal simples com sinais Manifestações clínicas de III A
de pneumatose e panecrose. Sinais intestinais de III A
Sinais imagiológicos de III A+ pneumoperitoneu

De referir métodos mais sofisticados para ava-


liação da oxigenação tecidual, como a espectros- 1 – Corticoterapia pré- natal
copia próxima dos infravermelhos, a saturação Uma vez que o nascimento antes do termo da gra-
regional em O2 (rSO2) e a avaliação do ratio cére- videz constitui o factor de risco mais relevante de
bro-esplâncnico (CSOR). ECN, a possibilidade de indução medicamentosa
da maturidade intestinal com a utilização de cor-
Prevenção ticosteróide pré-natal tem sido estudada. A este
propósito cabe referir que os resultados de estu-
Ao delinear estratégias de prevenção torna-se fun- dos aleatórios multicêntricos não têm sido concor-
damental entrar em conta com os mecanismos dantes: nalguns demonstrou-se diminuição de
potencialmente envolvidos na etiopatogénese, incidência de ECN, enquanto noutros, precisa-
sendo de referir, no entanto, que na actualidade mente o contrário.
tais estratégias se baseiam em observações clínicas Apesar destes achados aparentemente con-
e em dados experimentais. traditórios, a utilização de corticóides pré-natais
1658 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(betametasona) está hoje consagrada como uma aleatórios avaliaram o papel da utilização pro-
importante medida para a redução da mortali- filáctica de preparados de imunoglobulinas por
dade e morbilidade relacionáveis com a imatu- via oral na prevenção da ECN.
ridade pulmonar e com a prematuridade em Embora alguns autores tivessem comprovado
geral. redução significativa da doença nos grupos trata-
dos, a metanálise da Cochrane Library concluiu que
2 – Encerramento precoce do ductus arteriosus os dados disponíveis até à data não legitimam a
patente adopção da atitude de rotina de administração de
A presença de canal arterial patente promove um imunoglobulinas para prevenir ECN.
desvio do volume sanguíneo para as artérias pul-
monares na fase diastólica, o que tem como conse- 5 – Suplemento de aminoácidos
quência a diminuição da perfusão do territórios Com base no achado anátomo-patológico de necro-
esplâncnico, aumentando a probabilidade de se de coagulação, resultante de eventos isquémicos
ECN. Este dado fisiopatológico tem confirmação locais ou sistémicos, o papel do óxido nítrico tem
na prática clínica na sequência de estudos contro- adquirido importância especial. Com efeito, o óxido
lados e aleatórios em recém-nascidos pré-termo nítrico é produzido durante a conversão enzimática
de peso inferior a 1.000 gramas submetidos a da L-arginina em L-citrulina sob a acção da sinteta-
laqueação cirúrgica precoce do canal arterial. se de NO. Tal como foi referido anteriormente, o
A partir do início dos anos 80 a indometacina suplemento exógeno de arginina parece constituir
(inibidor das prostaglandinas) passou a ser usada uma arma promissora na prevenção da ECN.
profilacticamente, com eficácia demonstrada, para o
encerramento do canal arterial e prevenção da 6 – Leite materno
hemorragia intracraniana. No entanto, estudos ulte- O leite humano contém múltiplos factores tais
riores identificaram efeitos colaterias, tais como dimi- como imunoglobulinas, interleucina-10, FCE, ace-
nuição do fluxo sanguíneo esplâncnico, aumento da til-hidrolase, entre outros; por outro lado, o factor
incidência de ECN e perfuração intestinal, compro- de activação plaquetária (PAF) que comparticipa a
metendo a recomendação universal para o seu uso. etiopatogénese da ECN evidencia concentrações
Noutros estudos demonstrou-se diminuição elevadas em casos de ECN, enquanto os níveis da
do fluxo sanguíneo esplâncnico menos marcada enzima que promove a sua hidrólise (acetil-hidro-
empregando outro fármaco, também inibidor das lase) estão diminuídos.
prostaglandinas – o ibuprofeno. Recentemente, Ora, o leite humano contém níveis elevados de
dados da Cochrane Library provaram que o uso de FCE e de acetil-hidrolase, factores que são protec-
indometacina não está associado a aumento de tores em relação à ECN. Daí a incidência cerca de
risco de ECN. 6 a 10 vezes menor de ECN em RN pré-termo ali-
mentados com leite materno, em comparação com
3 – Antibioticoterapia a verificada nos alimentados com fórmula, o que
A análise de estudos empregando antibióticos por tem sido provado em estudos de metanálise.
via enteral (aminoglicosídeos, vancomicina, etc.) e Estudos recentes advogam a importância da
conclusões da Cochrane Library sugerem, de facto, prevenção com administração precoce de colostro
que tal procedimento contribui para reduzir tanto e leite humano de termo/maturo pelo elevado
a incidência, como a mortalidade por ECN. No teor em lactoferrina, com acção bactericida.
entanto, face ao risco acrescido de selecção de
estirpes com tal estratégia, tal procedimento não 7 – Probióticos e prebióticos
deve ser posto em prática. Na sequência do que foi referido no capítulo
respeitante a esta área (Capítulo 54) cabe acentuar
4 – Imunoglobulinas por via oral aqui que os dados disponíveis sobre o papel dos
Sabendo-se que no recém-nascido pré-termo são probióticos e prebióticos na prevenção da ECN
baixos os níveis séricos de imunoglobulinas, se baseiam em relatos de experiências com contro-
nomeadamente IgA secretória, diversos estudos le histórico e em modelos experimentais.
CAPÍTULO 321 Enterocolite necrosante 1659

Em diversos estudos metanalíticos na espécie agressivas, incluindo a administração de inotrópicos


humana comprovou-se a eficácia na prevenção no e a assistência ventilatória), devem ser ponderados
RN pré-termo, com redução da incidência e da dois procedimentos invasivos: paracentese abdominal
mortalidade, recomendando-se o uso de duas ou para drenagem peritoneal simples e/ou laparotomia.
mais espécies, incluindo designadamente Lacto- De referir que a decisão da necessidade e do
bacillus acidophilus e Bifidusbacterium spp. momento adequado da laparotomia deve ser indi-
vidualizada com base na análise evolutiva dos
Tratamento achados clínicos e imagiológicos. Uma vez que os
doentes em causa evidenciam, na maior parte das
1 – Medidas gerais vezes, estado crítico, a decisão deve ser tomada de
Perante a suspeita de ECN há que pôr em execução preferência, por equipa multidisciplinar: cirur-
um conjunto de medidas gerais prioritárias de gião, anestesista e pediatra-neonatologista.
carácter conservador, no pressuposto de que a ava- Reportando-nos aos estádios de Bell, a detec-
liação, em centro especializado e em unidade de ção de sinais de ascite (estádio II A), implicará, em
cuidados intensivos, deverá ser feita por equipa princípio, drenagem peritoneal, enquanto a detecção
multidisciplinar: interrupção imediata de alimen- de sinais de pneumoperitoneu – indicativo de per-
tação por via entérica, descompressão gástrica com furação de ansa – (estádio III B) implicará laparoto-
introdução de sonda naso ou orogástrica, manu- mia exploradora com eventual ressecção do seg-
tenção, após correcção, dos equilíbrios hidroelec- mento afectado, seguida de anastomose primária
trolítico, ácido- base, hemodinâmico, início de ou enterostomias.
nutrição parentérica, início de antibioticoterapia Nalguns centros cirúrgicos é realizada já lapa-
de largo espectro para cobertura de germes gram- rotomia em presença do estádio III A (ascite sem
positivos, gram- negativos e anaeróbios (esquema evidência de pneumoperitoneu) sendo que a ten-
empírico a modificar em função do contexto clíni- dência actual, no estádio III A, segundo dados da
co-microbiológico: ampicilina + +aminoglisosídeo literatura, seja reservar a drenagem peritoneal
ou cefalosporina de terceira geração + clindamici- simples para os casos de idades gestacionais
na ou metronidazol). No âmbito da avaliação de muito baixas e menor peso.
parâmetros hematológicos, haverá que manter Para além do pneumoperitoneu, outros sinais
hematócrito em torno de 40-45% e número de pla- mais frequentemente associados a perfuração,
quetas acima de 40.000/mmc. estabelecendo a indicação de laparotomia são:
Nos casos com boa resposta às medidas gerais massa abdominal (indicativa de perfuração cober-
acima discriminadas, isto é, com diminuição da ta ou de abcesso intraperitoneal), alterações infla-
distensão abdominal, desaparecimento das ima- matórias da parede abdominal (indicativas de
gens radiológicas de pneumatose, desaparecimen- peritonite e de necrose intestinal subjacente), ansa
to do resíduo gástrico e da perda de sangue nas intestinal em posição fixa nas radiografias simples
fezes, mantém-se pausa alimentar total até ao 12º seriadas e presença de ar no sistema porta.
ou 14º dia de evolução, e reintroduzindo-se de As alterações laboratoriais indicativas de pro-
modo muito cauteloso e progressivo, por fases, o cesso clínico em progressão que poderão estabele-
suprimento entérico utilizando leite materno ou cer indicação de laparotomia são: alterações da
fórmula de aminoácidos hiposmolar. coagulação, trombocitopénia, hiponatrémia e aci-
Estas medidas, dum modo geral, aplicam-se dose metabólica persistente.
aos estádios, de I A a II B (classificação de estádios Igualmente, a detecção de germes na coloração
evolutivos de Bell atrás descrita). pelo gram no material obtido por paracentese
abdominal previamente realizada, poderá consti-
2 – Medidas específicas tuir indicação para laparotomia.
Pelo contrário, nos casos em que se verifica pro- Uma vez concretizada a ressecção intestinal,
gressão rápida do quadro clínico de ECN e agrava- deve restabelecer-se, logo que possível, o trânsito
mento global (correspondendo, em geral aos estádios intestinal, nomeadamente se em presença de esta-
III A e III B), para além de medidas gerais (mais bilidade hemodinâmica, e na ausência de perito-
1660 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

nite ou de ressecção jejunal muito proximal. intestinal perforation in extremely low birth infants: out-
Nalguns casos há que proceder a duas ou mais comes through 18 months adjusted age. Pediatrics 2006;
enterostomias descompressivas, utilizando os seg- 117:e680- e687
mentos intestinais viáveis e funcionantes para o Burrin DG, Stoll B. Key nutrients and growth factors for neona-
restabelecimento ulterior do trânsito intestinal. tal gastrointestinal tract. Clin Perinatol 2002; 29: 65-96
No período pós-operatório, o doente deve ser Deshpande G, Rao S, Patole S, Bulsara M. Updated meta-
submetido a programa de nutrição parentérica analysis of probiotics for preventing necrotizing enterocol-
total , pelo que se torna necessário colocar uma via itis in preterm neonates. Pediatrics 2010; 125: 921 - 930
central de longa duração (cateter do tipo Guthmann F, Kluthe C, Buhrer C. Probiotics for prevention of
Hickman-Broviac). necrotizing enterocolitis. Un updated meta-analysis. Klin
Padiatr 2010; 222: 284 - 290
Prognóstico Kliegman RM, Willoughby RE. Prevention of necrotizing ente-
rocolitis with probiotics. Pediatrics 2005; 115:171-172
As complicações letais da ECN prendem-se com a Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
progressão do processo patológico desencadeante, Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
que pode culminar com o desenvolvimento da 2011
chamada síndroma de reacção inflamatória sisté- Lin PW, Stoll BJ. Necrotizing enterocolitis. Lancet 2006;
mica (SRIS) num contexto de sépsis e acidose 368:1271-1283
metabólica irreversível (Capítulos 268 e 269). Mangus RS, Subbarao GC. Intestinal transplantation with
Em cerca de 20 a 25% dos casos poderão desen- intestinal failure. Clin Perinatol 2013; 40: 161-174
volver-se quadros de estenose (fibrose estenosan- Moore JE. Newer monitoring techniques to determine the risk
te pós-inflamatória), mais frequente no território of necrotizing enterocolitis. Clin Perinatol 2013; 40: 125-134
ileal distal e cólico; em tais circunstâncias há indi- Ng PC, Chan KYY, Poon TCW. Biomarkers for prediction and
cação para ressecção. diagnosis of necrotizing enterocolitis. Clin Perinatl 2013; 40:
A síndroma de intestino curto constitui outra 149-159
complicação não imediata surgindo como conse- Pietz J, Achanti B, Lilien L, et al. Prevention of necrotizing
quência de ressecções intestinais muito alargadas enterocolitis in preterm infants: 20-year experience.
por necrose intestinal extensa (Capítulo 115). Pediatrics 2007; 119:e164- e170
A sépsis de cateter central, nomeadamente a Reber K, Nankervis CA. Necrotizing enterocolitis: preventive
sépsis por fungos, tem sido apontada como uma strategies. Clin Perinatol 2004; 31: 157-167
complicação não desprezável pela mortalidade Rocha G, Silva G, Virella D, Guimarães H. Enterocolite
significativa que comporta. necrosante – Registo Nacional dos Rec_m-Nascidos de
Em suma, os progressos da terapia intensiva e Muito Baixo Peso. Acta Pediatr Port 2003; 34: 153 - 157
das técnicas operatórias permitem actualmente Soll RF. Probiotics: are we ready for routine use? Pediatrics
obter nos casos de ECN uma sobrevivência global 2010; 125: 1071-1072
>85%. Estudos recentes perspectivam a questão Terrin G, Passariello A, De Curtis M, et al. Ranitidine is associ-
complexa da transplantação intestinal em situa- ated with infections, necrotizing enterocolitis, and fatal out-
ções especiais. comes in newborns. Pediatrics 2012; 129: e40 – e45
Williams H. Perforation: how to spot free intraperitoneal air on
AGRADECIMENTOS abdominal radiograph. Arch Dis Child Educ Pract Ed 2006;
Os autores agradecem aos Drs Micaela Serelha, Daniel Virella 91: e54- e57
e Sérgio Pinto a cedência de dados estatísticos e imagi-
ológicos referentes à UCIN-HDE.

BIBLIOGRAFIA
Berman L, Moss RL. Necrotizing enterocolitis: an update.
Seminars in Fetal & Neonatal Medicine 2011; 16: 145 - 150
Blakely ML, Tyson JE, Lally KP, et al. Laparotomy versus peri-
toneal drainage for necrotizing enterocolitis or isolated
CAPÍTULO 322 Aspectos de ginecologia pediátrica 1661

322
urina (que pode refluir para a vagina), poderão
surgir vulvovaginite, disúria, bacteriúria assin-
tomática e infecção urinária. Esta última poderá
surgir em cerca de 20-40% dos casos, o que obri-
gará a tratamento (Capítulos 97, 164, e alínea 2 do
presente capítulo).
ASPECTOS DA GINECOLOGIA O diagnóstico diferencial poderá fazer-se, de
acordo com o grau de aderência, com hímen imper-
PEDIÁTRICA furado, atrésia vaginal e ambiguidade genital.

Rui Alves Prevenção e tratamento

Para prevenir a sinéquia dos pequenos lábios


torna-se importante uma correcta higiene dos
genitais externos na criança, mantendo-os limpos
1. SINÉQUIAS DOS PEQUENOS LÁBIOS e secos e mudando frequentemente a fralda.
A aplicação tópica de creme de estrogénios
Definição e importância do problema duas vezes por dia durante período máximo de 1-
2 semanas é, em geral eficaz. Uma vez verificada a
Esta situação consiste na união parcial ou total dos eficácia de tal medida, deverá continuar-se o tra-
pequenos lábios vulvares, por “ponte” de tecido tamento com a aplicação de vaselina, ou de pasta
cutâneo delgado e mole, em geral com origem na à base de óxido de zinco, durante 1-2 meses para
respectiva comissura posterior, progredindo em evitar recidiva.
direcção ao clítoris; consequentemente há oclusão Em casos especiais que não cedem ao trata-
parcial ou total da abertura da vagina. mento médico, está indicada a a separação activa
Trata-se dum problema muito comum do (cirúrgica) sob anestesia.
ambulatório, de tipo adquirido, ocorrendo sobre-
tudo entre os 3 meses e os 4 anos de idade, com
uma frequência que se aproxima de 2% entre
crianças do sexo feminino.
2. VULVOVAGINITE

Etiopatogénese Definição

Este problema é explicável por baixos níveis de A vulvovaginite, o problema ginecológico mais
estrogénios que tornam o epitélio labial susceptível frequente em idade pediátrica, é um processo
à formação de aderências após traumatismo local, inflamatório da vulva, vagina ou ambas.
infecção, ou irritação por urina amoniacal, nesta
última eventualidade em relação com o uso das Etiopatogénese e classificação
fraldas. Dado que os níveis de estrogénios são mais
elevados no recém- nascido e após os 5 anos de O factor predisponente mais importante do referido
vida, a frequência diminui nestes períodos etários. processo inflamatório é o baixo nível sérico de estro-
génios na fase pré-pubertária que torna o epitélio
Manifestações clínicas e diagnóstico vaginal atrófico e mais susceptível à invasão micro-
diferencial biana. Refira-se que na puberdade o nível de estro-
génios aumenta, condicionando diminuição do
Pela observação dos genitais externos observa-se a pH/aumento da acidez ao nível da vagina. Recorda-
referida união dos pequenos lábios, sendo que na se, a propósito, que os lactobacilos constituem a flora
maioria das vezes tal anomalia é assintomática. vaginal predominante que converte a glucose em
Como resultado de certo grau de retenção da ácido láctico, mantendo o pH entre 3,8 e 4,2.
1662 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

No conceito lato de vulvovaginite são englo- – na vaginte inespecífica impõe-se uma higie-
badas essencialmente as seguintes formas clínicas: ne perineal correcta; na vaginose está indicado o
– vulvovaginte fisiológica/leucorreia fisiológica; metronidazol por via oral; nas vulvovaginites por
– vaginite inespecífica resultante do hipercres- Candida estão indicados antifúngicos tópicos, por
cimento da flora vaginal aeróbia habitual em rela- exemplo, fluconazol, nistatina; na pediculose
ção com higiene deficiente; púbica o creme de permetrim a 1%.
– vaginose bacteriana causada por Gardnerella
vaginalis associada a anaeróbios locais; Prognóstico
– vulvovaginite propriamente dita causada, quer
por multiplicidade de agentes microbianos, nemáto- O prognóstico é bom, sendo raras as complicações
dos e diversos parasitas, quer por corpos estranhos.

Relativamente à vulvovaginite propriamente


dita, quanto a agentes vivos, estão implicados mais
3. OBSTRUÇÃO VAGINAL BAIXA
frequentemente os seguintes: Candida, Giardia,
Shigella, Staphylococcus, Streptococcus, Enterobius ver- Definição
micularis, poxvírus/molusco contagioso, Sarcoptes
scabei/sarna, Phthirus pubis/pediculose púbica, etc. A designação genérica de obstrução vaginal
(Capítulos 100-102, 301, 304) . engloba as situações em que se verifica retenção
de conteúdo luminal vaginal. A forma mais fre-
Manifestações clínicas e diagnóstico quente de obstrução é a chamada obstrução vagi-
nal baixa causada por imperfuração do hímen,
Os sinais clássicos de vulvovaginite são leucor- defeito relacionável com ausência de regressão
reia, eritema e prurido. Pode surgir disúria. himenal embrionária por falência da abertura da
De acordo com o aspecto macroscópico e o vagina para o seio urogenital.
cheiro da leucorreia é, em geral possível determi- Outras causas de obstrução vaginal baixa
nar a respectiva etiologia. Assim, o aspecto puru- incluem defeitos congénitos do desenvolvimento
lento e cheiro fétido apontam para corpo estran- embrionário da vagina (raros):
ho; a leucorreia sanguinolenta sugere infecção por – Fusão vertical incompleta da vagina, traduzin-
Shigella ou Streptococcuus do grupo A; o “cheiro a do-se por septos vaginais longitudinais e transver-
queijo” é a favor de infecção por Candida; o aspec- sos (falência de canalização completa da vagina);
to de líquido pouco espesso, acinzentado e com – Septos vaginais transversos;
“cheiro a peixe” aponta para provável vaginose. – Alterações da fusão lateral, por vezes asso-
Outras etiologias prováveis decorrerão do ciadas a útero didelfos e massa pélvica.
contexto clínico, na medida em que a criança,
obviamente, deve ser observada na globalidade Manifestações clínicas e diagnóstico
após anamnese pormenorizada.
Para o esclarecimento etiológico importa igual- A obstrução vaginal baixa é uma situação clínica
mente a realização de exames complementares que pode ser identificada nos períodos pré-natal,
tais como exame citoquímico e microbiológico/ neonatal ou mais tardiamente.
parasitológico, directo e cultural do líquido vagi- No periodo neonatal, pode surgir como hidro-
nal, das fezes e, eventualmente, da urina. colpos (colecção líquida enquistada na vagina),
havendo a possibilidade de compressão abdómi-
Prevenção e tratamento no-diafragmática pelo efeito de massa observado.
Nos casos de manifestações mais tardias, pode
O tratamento é etiológico; nele se incluem, claro, esta situação manifestar-se pela associação de
medidas de higiene geral (e a remoção de corpo amenorreia, dor abdominal recorrente e massa
estranho, caso se comprove). São salientadas algu- abdominal nos quadrantes inferiores.
mas situações: Em relação com obstrução vaginal por altera-
CAPÍTULO 322 Aspectos de ginecologia pediátrica 1663

ções da fusão lateral, pode observar-se massa pél- quer da falência do desenvolvimento distal dos
vica relacionada com acumulação de fluido mens- dois canais de Muller, quer da ausência do desen-
trual retrógrado por oclusão da hemivagina. volvimento da placa uretervaginal.
Um exame perineal cuidadoso viabiliza de
imediato o diagnóstico. Manifestações clínicas e diagnóstico
O estudo ecográfico permite delinear a ima-
gem de distensão uterovaginal, o seu efeito de A obstrução vaginal alta manifesta-se classica-
massa e, também, eventual compressão extrínseca mente no período neonatal sob a forma de hidro-
sobre a árvore excretora renal. colpos ou hidromucocolpos(acumulação de muco
ou fluido sem sangue na vagina) muito volumoso.
Tratamento O exame físico dos genitais externos evidencia,
ao nível do períneo, um orificio único (SUG),
A obstrução vaginal baixa tem sempre indicação ausência de uretra feminina normal e massa
cirúrgica em qualquer idade. A intervenção hipogástrica volumosa, relacionável com dilatação
consiste em realizar uma incisão no hímen, o que vaginal e uterina (hidrocolpos/hidromucocolpos).
permitirá a drenagem passiva do conteúdo retido.
No período neonatal este procedimento pode Tratamento
constituir uma urgência pela possibilidade de a
distensão uterovaginal, comprimindo o diafrag- A presença de hidrocolpos muito volumoso tem
ma, originar um quadro de síndroma de dificul- indicação operatória de urgência pela compressão
dade respiratória. diafragmática com consequente repercussão na
função respiratória.
Seguimento Assim, o tratamento de urgência consiste em
drenar o conteúdo vaginal por via suprapúbica;
O seguimento clínico é fulcral para a manunten- posteriormente, de modo programado, é necessá-
ção da permeabilidade vaginal por meio de dila- rio reconstruir o tracto genital inferior, separando-
tações progressivas e periódicas (mas cuidadosas) o por completo do SUG, que será convertido em
por especialista com experiência. nova uretra.
Na pré-adolescência torna- se fundamental a
realização de exame ginecológico e a verificação Seguimento
de permeabilidade himenal.
Nesta situação clínica, o seguimento rigoroso na
Prognóstico primeira infância e a manutenção dum programa
de dilatações progressivas são fundamentais para
O prognóstico da obstrução vaginal de natureza evitar o desenvolvimento de estenose da uretra e
himenal é muito bom, no caso de não haver asso- do tracto genital inferior reconstruído.
ciação com outros defeitos génito-urinários.
Prognóstico

O prognóstico final desta anomalia depende da


4. OBSTRUÇÃO VAGINAL ALTA existência doutros defeitos génito-urinários asso-
ciados. A duplicação uterina (utero didelfus) e a
Definição septação vaginal estão geralmente associadas a
perturbações da fertilidade. A capacidade de
Nesta forma de obstrução vaginal, mais complexa continência urinária e a função do colo vesical ori-
que a anterior, verifica-se a existência de um sinus ginal podem ser afectadas pela neouretra recons-
urogenital (SUG), sinal de alteração do desenvol- truída utilizando o SUG.
vimento embrionário. O referido SUG caracteriza- Quer a duplicação uterina, quer a septação
se pela existência dum canal comum que resulta, vaginal, poderão necessitar de correcção cirúrgica
1664 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ulterior; por esta razão, o prognóstico delineado exame perineal sistemático na primeira infância: o
previamente poderá modificar-se. achado do exame objectivo é ausência de permeabi-
lidade do introito vaginal. O desenvolvimento
sexual secundário é normal, uma vez que os ová-
rios são normofuncionantes.
5. SÍNDROMA DE MAYER- Pode haver anomalias associadas, mais fre-
-ROKITANSKY-KUSTER-HAUSER quentemente do tracto urinário (agenésia renal e
ureteral: ~25%) e esqueleto (vértebras:~10%).
Definição e etiopatogénese
Tratamento
A chamada síndroma de Mayer-Rokitansky-
Kuster-Hauser integra um conjunto de anomalias Esta anomalia congénita tem sempre indicação
constituídas por: – agenésia vaginal; – útero e operatória formal devido às implicações fisiológi-
trompas rudimentares; – vulva e ovários anatomi- cas e psicológicas associadas ao desenvolvimento
camente normais. Trata-se duma situação que sexual da mulher.
surge em RN com a frequência compreendida Considera-se o período durante a adolescência
entre 1/4.000 e 1/5.000, resultante de defeito o recomendado para a reconstrução vaginal.
grave do desenvolvimento bilateral das estruturas Nos casos de atrésia vaginal distal, com útero
mullerianas; a causa é desconhecida. não totalmente rudimentar e com endométrio fun-
O Quadro 1 sintetiza os principais problemas cionante, é necessário criar uma vagina permeável
clínicos associados a defeitos do desenvolvimento para se proceder à drenagem do conteúdo uterino.
das estruturas mullerianas. Nos casos de agenésia total da vagina, e de útero
completamente rudimentar e não funcionante, a
Manifestações clínicas e diagnóstico criação duma vagina destina-se a permitir à doen-
te uma função sexual normal.
A forma de apresentação clássica é ausência de A vagina pode ser reconstruída de acordo com
menarca no contexto de fenótipo e cariótipo femi- várias técnicas: utilizando a pele perineal na forma
ninos normais . Tal equivale a dizer que, em geral, de retalhos pediculados; ou um molde de pele da
o diagnóstico é tardio e ocasional na ausência de face interna da coxa em enxerto livre; ou ainda utili-
zando um segmento pediculado de colon sigmóide.
QUADRO 1 – Problemas clínicos relacionados
com defeitos do desenvolvimen- Seguimento
to das estruturas mullerianas
O seguimento clínico da reconstrução vaginal deve
• Hidrossalpinge (acumulação de fluido seroso nas ser muito rigoroso para prevenir as complicações
trompas de Falópio) mais comuns associadas às diversas técnicas enun-
• Hidrocolpos (acumulação de muco ou fluido sem ciadas: necrose isquémica dos tecidos ou a infeção
sangue na vagina) pós-operatória. Todas as técnicas referidas necessi-
• Hematométrio (acumulação de fluido menstrual no tam de longo período de dilatações vaginais para
útero por atrésia do colo uterino ou aplasia total da evitar a estenose cicatricial pós-operatória.
vagina)
• Útero unicórneo ou unicorne (defeito estrutural do Prognóstico
útero resultante da não descida de um ducto mulleri-
ano) Na ausência de agenésia renal associada, o pro-
• Útero bicórneo ou bicorne (defeito estrutural do gnóstico é bom.Excluindo esta associação, o
útero consistindo em 1 cervix e 2 cornos uterinos) mesmo é, então, dependente do sucesso da
• Útero didelfos (defeito estrutural do útero consistin- reconstrução vaginal. Nos casos de útero não
do respectivamente em 2 cervix e 2 cornos uterinos) rudimentar poderá haver complicações associa-
das a fertilidade. Nos casos de trompas e útero
CAPÍTULO 322 Aspectos de ginecologia pediátrica 1665

completamente rudimentares e não funcionantes, 3 – ruptura ou oclusão intestinal por com-


isto é, sem endométerio sensível ao ciclo hormo- pressão extrínseca do intestino pelos quistos;
nal, a infertilidade é a regra. 4 – aderência ovárica à parede duma ansa
intestinal.
As manifestações originando dor levam a
choro e irritabilidade. A palpação abdominal
6. MASSAS ANEXIAIS QUÍSTICAS poderá detectar massa, e o perímetro abdominal
NO RN pode estar aumentado.
Nos casos assintomáticos, a ecografia ocasio-
Importância do problema e definição nal evidencia imagens características redondas, de
parede fina e bem delimitada, homogéneas e não
Os tumores ginecológicos mais frequentes na ecogénicas no interior do ovário. Nos casos de
criança são de origem ovárica, apresentando-se quistos foliculares verificam-se imagens arredon-
geralmente como massas abdominais. Os tumores dadas, não ecogénicas; o parênquima do ovário
ováricos correspondem a cerca de 1% de todas as está tumefacto, com aumento da espessura da
neoplasias malignas na idade pediátrica, sendo camada folicular do cótex.
que cerca de 8% de todos os tumores malignos Nas formas sintomáticas (a que correspondem
abdominais são de origem ovárica. Por outro lado, os mecanismos atrás descritos de 1 a 4), a ecogra-
cerca de 10-30% dos tumores ováricos operados fia evidencia parede quística espessa e ecogénica,
na infância e adolescência são malignos. com zona interior não homogénea, septos fibrosos
Os quistos funcionais do ovário raramente persis- e/ou interface sólido – conteúdo líquido. A eco-
tem para além do período neonatal. grafia com doppler de cor e a laparoscopia confir-
Os quistos foliculares do ovário podem ser mam o diagnóstico.
demonstrados desde o nascimento até à puberda- O diagnóstico diferencial das referidas massas
de, desaparecendo espontaneamente. anexiais é feito fundamentalmente com: quistos
As chamadas massas anexiais quísticas do RN, do úraco; duplicação quística intestinal; hidrocol-
sintetizadas nesta alínea, são alterações estrutu- pos; e linfangioma intrabdominal.
rais ováricas quísticas, foliculares ou luteínicas,
cujo desenvolvimento se relaciona com estimula- Tratamento
ção hormonal materna. Actualmente, a sua inci-
dência está a aumentar, o que pode ser explicado As massas anexiais têm indicação cirúrgica a qual
pela utilização cada vez maior dos estudos eco- está dependente da sua dimensão, da presença de
gráficos realizados no âmbito da vigilância pré- manifestações clínicas acompanhantes e do
natal; neste contexto, as estatísticas apontam para padrão imagiológico ecográfico.
uma frequência de identificação em cerca de 34% Em quistos de dimensão > 40 mm, em que o
nos RN do sexo feminino. risco de torção é mais provável, deverá ser realiza-
da uma punção aspirativa do mesmo, ou ressec-
Manifestações clínicas e diagnóstico ção, com conservação do tecido ovárico associado.
diferencial Na presença de sintomatologia atribuível
directamente a complicações associadas à lesão
Na grande maioria, as massas anexiais quísticas quística, a indicação operatória é indiscutível.
correspondem a um problema clínico assintomáti- Não existe, no entanto, consenso sobre a indicação
co, sendo o respectivo diagnóstico quase sempre cirúrgica em quistos assintomáticos, cujos sinais
ecográfico. ecográficos se tenham modificado, devendo cada
Surgem manifestações nas seguintes circuns- caso ser analisado especificamente.
tâncias:
1 – torção ovárica (o que acontece em ~25% das Seguimento
massas ováricas benignas);
2 – fenómenos hemorrágicos intra-quísticos; O estudo evolutivo até ao primeiro ano de vida é
1666 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

muito importante , uma vez que está comprovada Luzzatto C, Midrio P, Suma V. Neonatal ovarian cysts: man-
a elevada taxa de lesões que regridem esponta- agement and follow-up. Pediatr Surg Int 2000; 16: 56-59
neamente durante esse período. Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
A avaliação ecográfica periódica e programada da Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
lesão, assim como a vigilância laboratorial por meio Williams & Wilkins, 2005
de marcadores bioquímicos tumorais (CA 25, alfa-feto- Pomeranz A, Sabnis S. Misdiagnosis of ovarian masses in chil-
proteína, gonadotrofina humana coriónica, lactato dren and adolescents. Pediatr Emerg Care 2004; 20:172-174
desidrogenase, estradiol, testosterona, embrioglica- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
no F9, inibina, substância inibidora mulleriana, etc.) AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
permitem distinguir estas lesões, de lesões sólidas Medical, 2011
que, em geral, não regridem espontaneamente. Sanfilippo JS, Muram D, Dewhurst J, et al (eds). Pediatric
Adolescent Gynecology. Philadelphia: Saunders, 2001
Prognóstico Styed TS, Braverman P. Vulvovaginitis in adolescents. Adolesc
Med Clin 2004; 15: 235-251
O prognóstico é geralmente bom. As lesões hete-
rogéneas sólidas, constituem uma raridade neste
grupo etário, sendo que as lesões puras têm, em
geral, regressão espontânea. A ressecção cirúrgica,
com conservação do tecido ovárico, é, em geral,
curativa.

BIBLIOGRAFIA
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McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Livingstone, 2008
CAPÍTULO 323 Idades recomendadas para intervenção cirúrgica 1667

323
diagnóstico diferencial com hérnia inguinal, a
intervenção deve ser realizada uma vez identifica-
da a situação.

Quisto do cordão
Após os 2 anos.
IDADES RECOMENDADAS
Criptorquidia
PARA INTERVENÇÃO Esta situação, quer seja unilateral, quer bilateral,
uma vez identificada pelo médico de família ou
CIRÚRGICA pediatra, deverá ser encaminhada ao cirurgião.
Sendo bilateral, a intervenção deve ser feita após o
Julião Magalhães diagnóstico; se unilateral, entre 12 e 18 meses.

Hipospadia
Entre os 6 e 12 meses, conforme dimensões do
Neste capítulo são referidas de modo sucinto as pénis. Os casos associados a meato punctiforme
idades recomendadas para intervenções cirúrgi- deverão ser analisados de modo especial, poden-
cas electivas(situações mais frequentes) no pressu- do eventualmente estar indicado o início das
posto de que poderá haver variantes de actuação intervenções quando diagnosticada. De referir a
dependendo do contexto clínico de cada caso. possibilidade de fístulas pós-operatórias, as quais
devem ser encerradas 1 ano após intervenção.
Parede abdominal/região inguinal
Varicocele
Hérnia inguinal ou inguinoscrotal Esta situação deverá ser vigiada até à puberdade, de
Quando diagnosticada (ponderando situações preferência sob orientação do cirurgião. A interven-
com antecedentes de prematuridade referidas no ção está indicada se existirem sintomas associados.
Capítulo 314).
Torção testicular
Hérnia umbilical Intervenção de emergência.
Após os 4 anos, tendo em conta o encerramento
espontâneo frequente. Hímen imperfurado
Intervenção logo que feito o diagnóstico.
Hérnia da linha branca
Em qualquer idade, não havendo queixas (o Massas anexiais quísticas
estrangulamento é raro). Intervenção dependente da sintomatologia.
Ausência de consenso nos casos assintomáticos.
Órgãos genitais
Síndroma de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser
Fimose Durante a adolescência.
Após a criança deixar de usar fraldas (em regra
após 3-4 anos). Haverá que ponderar caso a caso Cabeça e pescoço
as situações acompanhadas de infecção urinária.
Fenda labial (lábio leporino)
Parafimose Em geral recomenda-se intervenção após os 2 – 3
Intervenção de urgência (em geral não cruenta). meses, havendo variantes de actuação. Como
princípio geral, tal situação deverá ser vigiada em
Hidrocele comunicante colaboração com a equipa cirúrgica, uma vez feito
Após os 2 anos; se existirem dúvidas quanto ao o diagnóstico.
1668 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Fenda velopalatina mento programado para o cirurgião na perspecti-


Existem variantes de actuação; a atitude clássica va de vigilância colaborativa
considera os 12 meses, havendo necessidade de
ponderar caso a caso. Sindactilia
Após os 6 meses de idade
Freio lingual curto (Anquiloglóssia)
Cada caso deve ser ponderado. Anomalias ano-rectais

Inserção baixa do freio do lábio superior A decisão terapêutica imediata mais importante
Se a base de inserção do freio se localizar entre prende-se com a eventual necessidade de constru-
os 2 incisivos superiores médios, mantendo-os ção duma colostomia diversiva. Esta decisão
afastados, a ressecção está indicada após início depende do tipo de anomalia ano-rectal, e deverá
da erupção dentária definitiva, caso os referi- ser tomada após um intervalo de 16 a 24 horas
dos dentes definitivos se mantenham afasta- depois do nascimento.
dos. Actualmente a idade para a realização da
cirurgia definitiva está a ser reduzida para as pri-
Hellix valgum (Orelhas “descoladas”, meiras oito semanas de vida; exceptua-se a correc-
em abano, ou em apagador de velas) ção cirúrgica da cloaca, em geral realizada entre os
Intervenção a partir dos 4 anos. seis meses e o 1 ano de idade.

Quisto epidermóide do supracílio BIBLIOGRAFIA


Intervenção em qualquer idade. Ashcraft KW, Holcomb GW III, Murphy JP (eds). Pediatric
Surgery. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005
Oto-hematoma pós traumatismo da orelha Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
Intervenção de urgência /quase emergência. Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Torcicolo muscular congénito Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
No caso de actuação fisiátrica sem sucesso, após 2011
12-18 meses. McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
Fístulas, quistos e resíduos branquiais McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
Logo que diagnosticados. Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
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Quisto do canal tiroglosso Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
Logo que diagnosticado (e preferência antes que Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
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Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
Parede torácica AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Medical, 2011
Pectus excavatum
Aos 10 – 12 anos, devendo a situação ser enca-
minhada para o cirurgião logo que diagnosticada
para avaliação evolutiva.

Dedos

Polidactilia
A idade de intervenção varia de acordo com o
contexto clínico, sendo aconselhável encaminha-
PARTE XXXI
Perinatologia e Neonatologia
1670 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Diagnóstico pré-natal e importância


Feto e recém-nascido do problema

O âmbito da perinatologia abrange a área da chama-

324
da medicina materno-fetal que se debruça sobre o feto
como um paciente; com efeito, este é cada vez mais
“acessível” através de técnicas diversas (invasivas e
tendencialmente cada vez mais não invasivas) que
dizem respeito, nomeadamente, a exames de ima-
gem, análise do líquido amniótico, do sangue de
ASPECTOS DA MEDICINA vasos do cordão e doutros vasos; indirectamente,
através do sangue materno, é também hoje possível
PERINATAL obter dados fundamentais sobre o “paciente feto”.
A acessibilidade do feto leva, assim, ao concei-
Ricardo Jorge Fonseca to de diagnóstico pré-natal (DPN) como um conjun-
to de procedimentos que permitem identificar ou
excluir anomalias estruturais, funcionais, ou mor-
fológicas de um feto em desenvolvimento; ou seja,
Conceito de Medicina Perinatal através do mesmo, é possível objectivar múltiplas
situações de patologia fetal (ou excluí-las com ele-
O termo medicina perinatal, como conceito lato de vado grau de especificidade), estabelecer eventual
interacção estreita entre a obstetrícia e a pediatria indicação de tratamento in utero, tratamento neo-
neonatal (neonatologia) envolvendo as vertentes natal precoce, o que poderá contribuir para a me-
de investigação básica e clínica, foi introduzido lhoria do prognóstico. Nesta perspectiva, suben-
pela primeira vez em 1967 por Erich Saling. No tende-se que o DPN deve ser encarado como uma
sentido mais específico, o conceito implica igual- das valências avançadas da vigilância pré-natal, o
mente a cooperação de múltiplos profissionais, que pressupõe o cumprimento de etapas prévias
técnicos e especialistas pertencentes a áreas diver- básicas da mesma.
sificadas tais como subespecialidades pediátricas, Nos últimos quarenta anos, sobretudo nos
neurodesenvolvimento, psicologia, genética, bio- países industrializados (e designadamente em
logia molecular, fisiologia, engenharias genética e Portugal) tem-se assistido a uma diminuição signi-
biomédica, anatomia patológica, cirurgia fetal, ficativa das taxas da mortalidade materna e neona-
endoscopia, etc.. tal, mercê de programas integrados de vigilância
Como resultado da referida interacção, nos da grávida. Hoje em dia, para além da melhoria
últimos 40 anos surgiram avanços extraordinários dos referidos indicadores, um dos grandes desafios
do conhecimento médico dizendo respeito à rela- é o combate à prematuridade (Capítulo 16).
ção sequencial do ciclo da vida entre mulher/ Nos referidos países o parto prematuro espon-
mulher grávida – embrião – feto/parto – recém – tâneo (antes das trinta e sete semanas de gestação)
nascido – criança – adolescente – adulto. ocorre em 6-11% de todas as gravidezes, e antes
Tais avanços no referido período, considerados das trinta e quatro semanas em cerca de 3-5% das
justamente por muitos como mudanças acumu- mesmas. Neste último período, a prematuridade
lando conhecimentos nunca anteriormente alcan- comparticipa em cerca de 80% a mortalidade neo-
çadas em toda a História da Humanidade, têm-se natal, contribuindo igualmente para a morbilida-
traduzido, nomeadamente, em redução drástica de, sobretudo em termos de doenças do neurode-
das taxas de mortalidade e morbilidade materna, senvolvimento.
fetal, neonatal e infantil, com repercussão óbvia na Assim, facilmente se compreenderá que a me-
melhoria da qualidade de vida e sobrevivência lhoria dos indicadores de saúde perinatal, nomea-
dos cidadãos em geral. damente da mortalidade neonatal, depende fun-
damentalmente da vigilância pré-natal correcta
CAPÍTULO 324 Aspectos da medicina perinatal 1671

(incluindo o diagnóstico pré-natal em período – consultas quinzenais entre 33ª e 37ª semanas;
precoce da gravidez, sempre que indicado) e da – consultas semanais a partir da 38ª semana.
actuação ao nível dos factores responsáveis pela Considera-se esquema reduzido o número de
prematuridade. 6 consultas (às 12, 20, 28, 32, 36 e 40 semanas).
O objectivo deste capítulo é sintetizar aspectos Dos aspectos fundamentais da consulta pré-
relacionados com a consulta pré-concepcional, natal fazem parte:
vigilância da grávida e semiologia fetal, na pers- – anamnese incidindo fundamentalmente
pectiva de melhor compreensão da problemática sobre a detecção de factores de risco;
do DPN no primeiro trimestre da gravidez. De – exame físico incluindo determinação do peso
referir que, apesar dos progressos realizados, per- (actual e incremento desde o início da gravidez),
sistem ainda muitos dilemas e controvérsias. da altura, da pressão arterial, auscultação cardíaca
e pulmonar, detecção de edema, varizes, hemorrói-
Consultas pré-concepcional e pré-natal das, outra patologia; e exame ginecológico (toque
vaginal para apreciação do colo uterino e do está-
Idealmente, e numa perspectiva extraordinaria- dio de apresentação depois das 34 semanas);.
mente importante de prevenção, antes da gravi- – aspectos indirectos relacionados com a
dez deverá processar-se a chamada consulta pré- semiologia fetal clínica convencional: determina-
concepcional. Nesta consulta é avaliado o estado ção da altura do fundo uterino(distância entre sín-
geral da “pré-grávida”, ponderando a eventual fise púbica e fundo uterino), avaliação dos movi-
repercussão de antecedentes pessoais e familiares, mentos fetais, auscultação fetal (sendo que os bati-
quer da própria grávida, quer do parceiro, sobre a mentos cardíacos são audíveis com o estetoscópio
gravidez e produto de concepção. de Pinard a partir das 19 semanas e a partir das 10
Aspectos específicos desta consulta podem ser semanas com aparelhos do tipo Doptone), e avalia-
sintetizados do seguinte modo: ção da apresentação fetal no 3º trimestre;
1 – ponderação de risco genético susceptível de – exames laboratoriais (grupo sanguíneo (A B 0) e
originar manifestações na futura criança; factor Rh (assim como factor Rh do marido se a grá-
2 – avaliação somatométrica (peso, altura, etc.) vida tiver grupo Rh negativo), Hb e Ht, VDRL (a
e dos seguintes parâmetros: pressão arterial, Hb, repetir obrigatoriamente em cada trimestre), serolo-
Ht, regime alimentar, estado nutricional, tipo de gia do grupo TORCHS e análise sumária de urina;
actividade física habitual, etc.; em casos especiais: uricémia, creatininémia, prova de
3 – orientações e aconselhamento sobre: vanta- Coombs indirecta se for Rh- e parceiro Rh+, glicémia
gens do aleitamento materno, exercício físico, em jejum e pós-prandial, uricémia e urocultura;
regime alimentar e factores de risco, etc.; – exames de imagem (ecografia fetal), a partir
A consulta pré-natal tem como objectivos funda- das 11-12 semanas;
mentais: – eventuais prescrições e revisão do regime ali-
1 – avaliar o bem – estar fetal e materno atra- mentar.
vés de parâmetros clínicos e de exames comple- Relativamente à avaliação do grau de risco
mentares; (entendido como probabilidade de doença grave
2 – detectar factores de risco que possam com- ou morte para a grávida e/ou feto/RN), exemplifi-
prometer a evolução da gravidez e o bem - estar ca-se com o índice de Goodwinn. (Quadro 1)
fetal, orientando correctamente cada situação; Em situações de risco médio ou alto (pontua-
3 – promover a educação para a saúde, inte- ção igual ou superior a 3), a grávida deverá ser
grando o aconselhamento e o apoio psicossocial encaminhada para centro especializado, sendo
ao longo de toda a gravidez. que a consulta neste último envolve necessaria-
mente especialistas para além do especialista em
Não existindo consenso sobre o número ideal medicina materno-fetal; o objectivo é avaliar a
de consultas pré-natais, de acordo com a Direcção história natural da doença, estabelecer no feto o
Geral da Saúde é recomendado seguinte esquema: diagnóstico e o prognóstico, explicando aos pais e
– consultas mensais até à 32ª semana; família aspectos psicossociais, assim como as pos-
1672 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – Avaliação do risco pré-natal de Goodwinn

I. História reprodutiva III. Gravidez actual


Idade Paridade Hemorragias 1º Exame 36ª Semana
≤ 17 e ≥ 40 = 3 0=1 ≤ 20 semanas =1
18 - 29 = 0 1-4=0 > 20 semanas =3
30 - 39 = 1 ≥5=3 Anemia (Hb ≤10 g/dL) =1
Gravidez prolongada
História obstétrica anterior (≥ 42 semanas) =1
Aborto habitual (≥ 3 consecutivos) =1 Hipertensão =2
Infertilidade =1 Rotura prematura
Hemorragia pós-parto/dequitadura manual =1 das membranas =2
R. N. ≥ 4000 gramas =1 Hidrâmnio =2
Pré-eclâmpsia/eclâmpsia =1 RCIU (Restrição
Cesariana anterior =2 de crescimento =3
Feto morto/morte neonatal =3 intra-uterino)
Trabalho de parto prolongado ou difícil =1 Gravidez múltipla
Índice …………… ________ + Apresentação pélvica =3
Má apresentação
II. Patologia associada Isoimunização Rh =3
Cirurgia ginecológica anterior =1 Índice …………… ________ ________
Doença renal crónica =2 Total …………............… ________ ________
Diabetes gestacional =1
Diabetes mellitus =3
Doença cardíaca =3
Outros problemas médicos BAIXO RISCO = 0-2
(Bronquite crónica, lúpus, etc.) MÉDIO RISCO = 3-6
Índice de acordo com a gravidade (1 a 3) = ALTO RISCO = ≥ 7
Índice …………… ________ +

sibilidades terapêuticas, incluindo, benefícios e e 22 semanas; -3ª) entre as 26 e 28 semanas; -


riscos (aconselhamento). 4ª) entre as 32 e 36 semanas.
Nota importante: Tendo sido sintetizados os As limitações da técnica estão relacionadas
aspectos fundamentais das consultas pré-concep- essencialmente com a posição do feto e a experiência
cional e pré-natal, salienta-se que, no âmbito da do ecografista. Em função da experiência do ecogra-
assistência pré-natal, as normas de orientação clí- fista e do grau de diferenciação do centro e capaci-
nica poderão variar de centro para centro. dade técnica da aparelhagem onde é realizada a eco-
grafia, são considerados classicamente três níveis:
Semiologia fetal a) ecografia básica (nível I) realizada em ambu-
latório por imagiologistas, técnicos ou obstetras;
1. Ecografia fetal convencional b) ecografia diferenciada (nível II) realizada
A ecografia fetal é um exame imagiológico não por obstetras com diferenciação especializada
invasivo, a ser realizado por via transvaginal no nesta área ou por imagiologistas;
primeiro trimestre da gestação, ou por via trans- c) ecografia altamente diferenciada em centros
abdominal em fases ulteriores. altamente especializados onde se pode proceder
De acordo com a experiência de vários centros igualmente a terapia fetal (nível III), realizada por
considera-se como esquema ideal a realização de especialistas em medicina fetal.
quatro ecografias durante a gestação: A ecografia fetal possui muitas potenciali-
– 1ª) entre as 11 e 14 semanas; – 2ª) entre as 20 dades; entre outras são destacadas as seguintes:
CAPÍTULO 324 Aspectos da medicina perinatal 1673

avaliação da idade gestacional possibilitando me- 4. Ecocardiografia fetal com ou sem doppler
lhor vigilância da evolução da gravidez, detecção A ecografia fetal, com ou sem doppler, está indi-
de gravidez gemelar, detecção de restrição de cresci- cada em situações de risco gravídico elevado,
mento intra-uterino, detecção de anomalias congéni- designadamente perante suspeita de defeito
tas com sensibilidade e especificidade de cerca de cardíaco. É realizada por cardiologista pediátrico
95%, auxiliar para a realização de técnicas invasivas, com experiência nesta área, integrado na equipa
avaliação do bem-estar fetal e medição da chamada multidisciplinar perinatal.
translucência da nuca (TN). No Quadro 2 são resumidas algumas indica-
A TN (imagem ecográfica hipoecogénica cor- ções deste exame complementar fetal.
respondente a líquido acumulado entre a pele e o
tecido celular subcutâneo no triângulo posterior 5. Amniocentese
do pescoço do concepto entre as 11 e 13 semanas) A amniocentese (técnica de colheita de líquido
constitui um método de rastreio de várias anoma- amniótico por via abdominal para estudos vários-
lias congénitas, incluindo anomalias cromossómi- no âmbito da citogenética, bioquímica, infecciolo-
cas e génicas; nalguns estudos sobre detecção pré- gia, doenças metabólicas, etc.) é tradicionalmente
natal de trissomias 21, 13 e 18 verificou-se sensibi- realizada sob controlo ecográfico, entre as 16 e 18
lidade ~ 86% e especificidade ~ 95% . semanas; em circunstâncias especiais pode ser rea-
O valor considerado normal é inferior a 2,5 lizada entre as 12 e 15 semanas.
mm; ou seja, a translucência considera-se aumen- Tal técnica, realizada por equipas experientes,
tada quando evidenciar valor superior ao percen- propicia resultados conclusivos em cerca de 95%
til 95 para a idade de gestação, o que obrigará a dos casos. As principais indicações deste procedi-
orientação da grávida para centro de medicina mento constam do Quadro 3 que relaciona o tipo
materno-fetal diferenciado. de exame a efectuar com a situação a esclarecer.
Quando da medição da TN pelas 11-13 sema-
nas, o ecografista deverá estudar em paralelo a 6. Cordocentese
anatomia fetal, sendo que o uso de sonda transva- A cordocentese é um procedimento em que se
ginal aumenta o sucesso do referido estudo, desi- obtém amostra de sangue do cordão in utero por
gnadamente quanto à visualização da face, rins, e via percutânea com apoio imagiológico (ecogáfi-
bexiga. Tal sucesso depende também da distância co), em geral realizado após as 19 semanas.
crânio-caudal, do índice da massa corporal da As principais indicações da cordocentese são:
mãe, tempo despendido para o exame (idealmen- 1 – análise citogenética em caso de suspeita de
te nunca inferior a 25 minutos). anomalia congénita, doseamento de factor VIII,

2. Ecografia tridimensional QUADRO 2 – Indicações da ecocardiografia fetal


Esta nova técnica, que não dispensa a ecografia
convencional, permite a visualização do feto em • Antecedentes familiares de cardiopatia congénita
três dimensões. • Antecedentes familiares de morte perinatal de causa
Como nota adicional refere-se que o extraor- não esclarecida
dinário desenvolvimento da ecografia destronou • Gravidez actual:
uma técnica invasiva envolvendo elevadas taxas – Arritmia cardíaca fetal
de morbilidade e mortalidade que hoje pode ser – Hydrops fetalis de causa não imune
considerada histórica – embrioscopia (visualiza- – Anomalias fetais identificadas
ção do feto por endoscopia intramniótica). – Gemelaridade
– Restrição do crescimento intra-uterino
3. Ressonância magnética nuclear (RMN) – Infecção do grupo TORCHS
A principal indicação deste exame imagiológico – Idade materna >35 anos
(ainda não exequível em todos os centros perina- – Outros factores de risco (diabetes, HTA, alcoolismo, fár-
tais) é a detecção de anomalias congénitas do macos, exposição a poluentes com risco de RCIU, etc.)
SNC. (Capítulo 8)
1674 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

determinação da Hb em caso de iso-imunização te ao obtido com a amniocentese; os riscos, no


fetal; e entanto, são ligeiramente superiores em compara-
2 – determinação de imunoglobulima M (IgM), ção com esta última técnica.
PCR (reacção da polimerase em cadeia) e análise
de ADN para identificação microbiana, havendo 8. Punção-biópsia e análise de células fetais
suspeita de infecção. Em situações seleccionadas e muito específicas é
possível, com o auxílio da ecografia, realizar pun-
7. Biópsia das vilosidades coriónicas ção ao nível de diversos órgãos (pele, fígado). Por
Trata-se duma técnica em que se procede ao estudo outro lado, no sangue materno é possível detectar
histológico da camada citotrofoblástica das vilosi- células fetais circulantes, pesquisando, designada-
dades da placenta em desenvolvimento, entre as 8 mente, o respectivo DNA.
e 11 semanas de gestação contadas a partir do pri-
meiro dia da última menstruação (mais frequente- 9. Ossos do nariz
mente entre as 9 e 10 semanas); de acordo com a Diversos estudos demonstraram, por método
posição da placenta, utilizam-se as vias vaginal ou imagiológico, anomalias nos ossos do nariz em
transabdominal, sob visualização ecográfica. fetos com síndroma Down, detectáveis já no pri-
A biópsia das vilosidades coriónicas (que pro- meiro trimestre (taxa de detecção de 73% para 5%
porciona resultados rápidos e em fase precoce da de falsos positivos). A combinação deste parâme-
gestação) realiza-se para estudo citogenético ao tro com outros critérios permite aumentar para
nível das células em mitose activa; podem tam- 95% o número de casos detectados.
bém ser tiradas conclusões sobre o material gené-
tico do embrião a partir de cultura de células de 10. Alterações hemodinâmicas no ductus veno-
fragmentos das vilosidades. sus (DV)
O grau de precisão dos resultados é semelhan- Como se sabe, o ductus venosus é um vaso sanguí-
neo que, na vida intra-uterina funciona como deri-
QUADRO 3 – Indicações da amniocentese vação reguladora (shunt) do fluxo venoso entre a
circulação umbilical e o coração.
Defeito do tubo neural Através de ecografia doppler transvaginal ou
Doseamento da alfafetoproteína (AFP), acetilcolineste- transabdominal, o estudo das alterações da forma
rase e pesquisa de células do sistema nervoso das ondas de fluxo no sistema venoso fetal poderá
Fibrose quística dar informações importantes sobre a circulação
Fosfatase alcalina, aminopeptidase, dissacaridase central em fase precoce da gravidez (primeiro tri-
Maturidade pulmonar mestre) devido às características do sistema veno-
Relação lecitina/esfingomielina, fosfatidilglicerol so (baixa pressão, baixa velocidade e grande dis-
Infecções fetais tensibilidade da parede vascular).
Pesquisa de germe microbiano através do método PCR Ou seja, tal avaliação permitirá identificar pre-
(reacção da polimerase em cadeia) cocemente na gravidez sinais fetais de compro-
Doenças genéticas misso miocárdico e alterações do fluxo durante a
Análise do ADN contracção auricular. Assim, é possível identificar
Doença hemolítica (iso-imunização) fetos em risco de anomalia cromossómica, aneu-
Bilirrubina por espectrofotometria ploidia e/ou de insuficiência cardíaca.
Doenças metabólicas Em estudos efectuados em fetos com aneuploi-
Doseamentos enzimáticos, identificação de metabólitos, dia verificou-se associação a dados anómalos do
estudo do fenótipo HLA, estudo molecular fluxo do DV, variável entre 59 a 95% dos casos;
Anomalias do tubo digestivo comparativamente com fetos evidenciando carió-
Doseamento de ácidos biliares, bilirrubina tipo normal, foram encontrados sinais de fluxo
Anomalias cromossómicas anómalo em percentagens variando entre 3 e 21%.
Estudo do cariótipo, sexo fetal, etc. Trata-se, no entanto, de um exame difícil,
requerendo muita experiência para evitar erros de
CAPÍTULO 324 Aspectos da medicina perinatal 1675

interpretação. Salienta-se, a propósito, que entre ausência ou inversão do fluxo durante a diástole.
as dez e catorze semanas de gestação o DV tem Actualmente dá-se importância prognóstica ao
um calibre de cerca de 2 mm. padrão de onda pulsátil ao nível do ductus venosus,
designadamente nas situações associadas a restri-
11. Avaliação do bem-estar fetal ção de crescimento intra-uterino (ver adiante).
Para a avaliação do chamado “bem-estar fetal” ou – Perfil biofísico
estado vital do feto podem ser utilizados vários O chamado perfil biofísico integra um conjunto
métodos: de parâmetros com o objectivo de avaliar o bem-
– Cardiotocografia (CTG) estar fetal e, consequentemente, identificar situações
Trata-se duma técnica sensível, mas pouco de estresse ou de sofrimento fetal. Como instrumen-
específica, para detecção de hipóxia fetal, habi- tos de avaliação são utilizados o CTG e a ecografia.
tualmente aplicada a partir das 28 semanas de Os parâmetros avaliados são os seguintes: “res-
gestação. Com o desenvolvimento da informática, piração fetal”, movimentos fetais, tono muscular,
existe hoje aparelhagem sofisticada que permite a frequência cardíaca fetal (FCF), e volume de líqui-
interpretação automática dos dados obtidos. De do amniótico (Quadro 4). À situação de normalida-
salientar que sua utilização foi suplantada pela de é dada a pontuação de dois (2); à situação anor-
fluxometria/doppler. mal é dada a pontuação de zero (0). Os parâmetros
Fundamentalmente, cabe referir que a CTG são avaliados em períodos de 30 minutos.
integra um conjunto de parâmetros tais como: fre- Uma pontuação total de 8-10 pode significar
quência cardíaca fetal (FCF) basal, a sua variabili- com elevado grau de confiança “bem-estar fetal”;
dade, a relação entre aceleração da FCF e movi- pontuação de 6 é duvidosa, o que obrigará a repeti-
mentos fetais, e a relação entre desaceleração ou ção dentro de 12-24 horas; pontuação de 4 ou menos
diminuição da FCF, com ausência ou presença de corresponde a alto risco, obrigando a reavaliação
contracções uterinas. imediata e, provavelmente, a desencadear o parto.
– Técnica STAN
Com esta técnica procede-se à análise automati- 12. Parâmetros laboratoriais no soro materno
zada do segmento ST do ECG fetal. Através da expe- É consensual que deverá ser disponibilizado a
riência de especialistas é possível, em função dos todas as grávidas um programa de rastreio de ano-
resultados observados (diversos perfis) avaliar o malias fetais e de patologia associada à gravidez,
estado de oxigenação fetal e tomar decisões no o qual pode ser sintetizado do seguinte modo:
decurso do parto susceptíveis de, por exemplo, – Rastreio bioquímico de cromossomopatias
reduzir a a taxa de cesarianas e de encefalopatia Entre as 11 e 13 semanas de gestação pode pro-
hipóxico-isquémica. ceder-se ao doseamento da PAPP-A (sigla de pre-
– Fluxometria gnancy-associated plasma protein A – proteína A do
Trata-se duma técnica utilizada hoje em todos plasma associada à gravidez) e da alfa-fetoproteína
os centros de medicina perinatal, a qual tem como no soro da grávida.
principal indicação a suspeita de restrição de cres- *O valor da PAPP-A aumenta em condições de
cimento intra-uterino. normalidade com a idade de gestação. Na trisso-
O fundamento da mesma é medir, pelo método mia 21 os níveis são mais baixos, sendo que, de
doppler, a resistência vascular / onda pulsátil do acordo com dados da literatura, a percentagem de
sangue circulante nas artérias [uterinas (comparti- casos falsos positivos é cerca de 5%. Tal determi-
mento materno), umbilicais (compartimento pla- nação poderá detectar ~40% dos casos de trisso-
centar), ou cerebral média (compartimento fetal)], mia.
para avaliar o estado circulatório feto-materno. *O valor da alfa-fetoproteína está elevado em
Admite-se que uma diminuição do débito ou fluxo situações de gemelaridade e de defeitos do tubo
sanguíneo (por exemplo por disfunção placentar neural (em ~ 100% dos casos de anencefalia, e em
progressiva) traduza aumento da resistência ao ~70% dos casos de spina bifida ou de defeitos de
mesmo fluxo. Tal aumento da resistência é eviden- encerramento da parede abdominal). Nas trisso-
ciado por diminuição do fluxo diastólico, e eventual mias e nas aneuploidias, o valor está reduzido.
1676 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 4 – Critérios utilizados na avaliação βhCG livre à idade materna, é possível a detecção
do perfil biofísico de cerca de 45% de trissomias. De referir que, no
1º trimestre, o doseamento da βhCG total é menos
CTG discriminatório do que a βhCG livre*.
• Pelo menos 2 episódios de aceleração da FCF de 15 ou Neste tipo de rastreio aplica-se o que foi referi-
mais batimentos/minuto, com duração de, pelo do antes relativamente à alfa-fetoproteína.
menos, 15 segundos, associados a movimentos fetais,
durante período de 30 minutos = (2) Diagnóstico pré-natal
• Menos de 2 episódios de aceleração da FCF, ou acele- no primeiro trimestre
ração < 15 batimentos/minuto, durante período de 30
minutos = (0) Os avanços tecnológicos relacionados com o dia-
Volume do líquido amniótico gnóstico de patologia diversa e aplicáveis à díade
• Pelo menos 1 bolsa de LA com, pelo menos, 2 cm em materno-fetal, têm contribuído para o rápido pro-
2 planos perpendiculares = (2) gresso do chamado DPN. Estes avanços , cada vez
• Ausência de bolsa de LA ou 1 bolsa com < 2 cm = (0) mais seguros e sensíveis, e aplicados a populações
Tono fetal de baixo risco, tiveram como resultado a sua
• Pelo menos 1 episódio de extensão activa com retorno expansão.
à posição de flexão do, ou do(s) membro(s) fetal(ais); Assim, exames já antes referidos, como a eco-
abrir e fechar a mão é considerado tono normal = (2) grafia de alta definição, técnicas de análise citoge-
• Ou extensão lenta com retorno à flexão parcial, ou nética e molecular têm permitido que os procedi-
movimento do membro em extensão completa, ou mentos que integram o DPN sejam bem aceites,
ausência de movimento fetal com a mão em deflexão não só pela população em geral, mas também
completa ou parcial = (0) pelos profissionais de saúde.
Movimentos de expansão e retracção do tórax (MER) No âmbito do Serviço Nacional de Saúde impor-
• Pelo menos 1 episódio durando pelo menos 30 segun- taria escolher um modelo de rastreio sistemático e
dos no período de observação de 30 minutos = (2) universal, adequado para determinada população,
• Ausência de MER ou nenhum episódio durando pelo com boa relação custo/benefício. A realização do
menos 30 segundos no período de observação de 30 DPN no primeiro trimestre tem vantagens relacio-
minutos = (0) nadas, designadamente, com: 1 – possibilidade de
Movimentos fetais (do corpo ou membros) conhecer o resultado mais cedo, o que corresponde
• Pelo menos 3 movimentos discretos em 30 minutos a um período menor de incerteza; 2 – a gestação não
(episódios de movimentos contínuos são considera- é ainda conhecida pelo agregado familiar, o que
dos 1 só movimento) = (2)
torna mais simples decidir pelo abortamento em
• 2 ou menos episódios em 30 minutos = (0)
função de um resultado desfavorável.
(Adaptado de Creasy RK & Resnik R, 1994)
Nesta perspectiva, para que determinados pro-
cedimentos invasivos de DPN possam ser aplica-
– Rastreio bioquímico das cromossomopatias e de dos, deverão, à partida, estar satisfeitos os critérios
defeitos do tubo neural de exequibilidade técnica, fiabilidade, e utilidade (trata-
Entre as 15 e 18 semanas pode proceder-se ao mento ou interrupção), necessidade, segurança
doseamento da alfa-fetoproteína e da gonadotrofi- (benefício superior ao risco) e consentimento infor-
na coriónica (β-hCG ou β – human chorionic gona- mado e esclarecido. Relativamente às indicações
dotropin) livre. do DPN, sugere-se a consulta do Capítulo 17.
*No soro materno o valor da β gonadotrofina De acordo com a experiência do autor, o
coriónica humana livre, diminui em condições de modelo de DPN no primeiro trimestre, aparente-
normalidade a partir das 10 semanas. Na trisso-
*De salientar que a sub unidade beta da gonadotrofina coriónica cons-
mia 21 os respectivos valores estão aumentados. titui um marcador biológico para diagnóstico da gravidez; em situação
Isoladamente utilizada, a βhCG livre poderá de normalidade, valor < 10 mUI/mL exclui estado de gravidez. Por ex,
valores de referência entre 37.000 e 50.000 mUI/mL correspondem a
detectar cerca de 35% dos casos de trissomia 21,
gravidez de 8-11 semanas, sendo que os valores variam em função do
com 5% de de casos falsos positivos. Associando a número de semanas decorridas.
CAPÍTULO 325 Introdução à neonatologia 1677

325
mente mais adequado e com melhor relação custo-
benefício, integra o rastreio conjugado de dois
parâmetros bioquímicos (doseamento de PAPP-A
+ βhCG livre) e de um parâmetro imagiológico
(medição da translucência da nuca), a realizar
pelas doze semanas de gestação.
Segundo a Fetal Medicine Foundation, combinan- INTRODUÇÃO
do, num modelo matemático, a idade materna, TN,
bhCG livre e PAPP-A, marcadores independentes À NEONATOLOGIA
entre si, é possível identificar anomalias em 87%
dos casos rastreados, com 5% de falsos positivos. João M. Videira Amaral

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incorporando as vertentes biológica e psicossocial,
em obediência aos princípios do reconhecimento da
criança recém-nascida como pessoa, e do papel fun-
damental da Família no chamado acto médico. Hoje
em dia nenhum serviço poderá merecer a qualifica-
ção de excelente se desconhecer o RN como pessoa.
1678 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Nasce, assim, o conceito de Neonatologia centra- ção, este critério relativamente fidedigno tem sido
da na Família como um processo de facilitar o utilizado para fazer uma estimativa sobre a data
encontro pais-filho RN, incluindo a convivência prevista do parto. Poderão verificar-se imprecisões
da Família nos serviços assistenciais; tal equivale irrelevantes (variações de 4-6 dias) quanto à data
a dizer que a mesma também faz parte da equipa, do parto, relacionadas, sobretudo, com variabilida-
englobando neste conceito os cuidados domiciliá- de quanto à fertilização do ovo e à implantação do
rios com o apoio indispensável de equipas assis- blastocisto. Imprecisões mais relevantes (variações
tenciais ligadas à instituição de saúde onde a da ordem de semanas) poderão ocorrer nos casos
criança nasceu ou foi assistida no pós-parto. de mulheres com menstruações com frequência e
Em suma, podem ser delineados dois grandes duração muito irregulares, ou nos casos de hemor-
objectivos da Neonatologia na perspectiva de respei- ragias surgindo em dias próximos à concepção.
to pelos direitos e superiores interesses da criança, Notas importantes:
com o fim último de melhor qualidade de vida: 1 – a idade gestacional pode ser expressa em
1. prestação de cuidados aos RN saudáveis e semanas ou dias completos; contudo, cabe referir
doentes, englobando a detecção precoce de ano- exemplos para garantir o rigor do registo: por
malias congénitas; exemplo, um feto com 25 semanas + 5 dias, ou
2. redução da mortalidade, e da morbilidade com 25 semanas + 3 dias, é considerado um feto
no grupo dos chamados RN de alto risco (englo- de 25 semanas; ou seja, de acordo com as normas
bando, designadamente, sequelas ligadas à pato- vigentes, não é correcto proceder ao arredonda-
logia do feto e RN). mento para 26 semanas. Contudo, é correcto
Há que admitir que dilemas e controvérsias (tomando como exemplo o caso de feto com 25
persistem apesar dos progressos realizados. semanas) acrescentar o número de dias da sema-
na não completada, ainda a decorrer, em super-
Definições script, precedido do sinal +: 25 semanas +5 ou 25
semanas +3;
Para que as estatísticas de mortalidade e morbilida- 2 – o primeiro dia do último período menstrual
de possam ser comparadas, quer na mesma institui- é o dia zero(0) e não o dia um(1);
ção, quer noutras instituições nacionais ou interna- 3 – a 40ª semana da gravidez actual, a decorrer
cionais, torna-se necessário uniformizar a termino- (ou período entre o 280º dia e o 286º dia) significa
logia a utilizar. Efectivamente, só deste modo se semana 39ª completa.
poderá planear e avaliar com rigor a política de
saúde perinatal. Dito doutro modo, pode afirmar-se Idade cronológica (ou idade pós-natal)
que a utilização de terminologia não uniformizada É o tempo decorrido após o nascimento o qual pode
limita seriamente a interpretação exacta dos estudos ser expresso em dias, semanas, meses e/ou anos.
epidemiológicos, especialmente quando se trata de
comparar amostras ou populações de crianças nas- Idade pós-menstrual
cidas prematuramente ou concebidas segundo tec- Este termo, expresso em semanas, compreende o
nologia de reprodução assistida. somatório dos dois termos anteriores: idade gesta-
Seguidamente são revistas e comentadas algu- cional + idade cronológica .
mas definições correntes em Neonatologia.
Idade corrigida (ou idade ajustada)
Idade gestacional Este termo, expresso em semanas ou meses, cor-
É o tempo decorrido entre o primeiro dia da última responde à idade cronológica subtraída do núme-
menstruação e o dia do parto. O primeiro dia do ro de semanas que antecederam o nascimento
último período menstrual ocorre aproximadamen- antes das 40 semanas. Este termo deverá ser usado
te duas semanas antes da ovulação e três semanas apenas em crianças até aos 3 anos de idade, com
antes da implantação do blastocisto. Uma vez que antecedentes de prematuridade.
a maioria das mulheres sabe quando teve início o Nota: Deve dar-se preferência ao termo idade
último período, mas não quando ocorreu a ovula- pós-menstrual nos casos referentes ao período
CAPÍTULO 325 Introdução à neonatologia 1679

entre as 28 semanas de gestação e o 7º dia de vida Recém-nascido normossomático


pós-natal (168 horas); e ao termo idade corrigida RN com peso de nascimento compreendido entre
nos casos avaliados após o 7º dia de vida pós-natal. 2.500 e 4.000 gramas.

Período perinatal Recém-nascido macrossomático


Período que se inicia a partir de 22 semanas comple- RN com peso de nascimento > 4.000 gramas
tas de gestação (154 dias) – data a que corresponde
habitualmente peso fetal ~500 gramas – e termina RN pré-termo
uma vez completados 7 dias após o nascimento. Recém-nascido cuja idade gestacional é inferior a
37 semanas completas (<259 dias).
Período neonatal
Período que se inicia na data de nascimento e termina RN de termo
após 28 dias completos de idade pós-natal. É subdivi- Recém-nascido com idade gestacional compreen-
dido em: precoce (primeiros sete dias completos ou dida entre 37 semanas e 41 semanas e 6 dias (259-
168 horas completas) e tardio (após sétimo dia ou 168 293 dias).
horas completas, até 28 dias completos ou 672 horas).
RN pós-termo
Nascimento vivo Recém-nascido com idade gestacional de 42 sema-
É a expulsão ou extracção completa do corpo da nas completas ou mais (294 dias ou mais).
mãe, independentemente da duração da gravidez,
de um produto de concepção (nado-vivo) que, de- Antropometria e valores de referência
pois da separação (independentemente de o cordão 1 – De acordo com a OMS (1995), os valores da
ter sido ou não laqueado e a placenta ter sido ou não antropometria podem ser expressos em curvas de
retirada), respire ou evidencie qualquer outro dos percentis ou, quando as medidas têm uma distri-
sinais de vida, tais como batimentos cardíacos, pul- buição normal, em médias e desvios-padrão(DP).
sação do cordão umbilical, e movimentos efectivos Em qualquer circunstância, são estabelecidos
dos músculos de contracção voluntária. limiares de diagnóstico ou valores de corte(cut off)
que reflectem melhor o equilíbrio possível entre a
Peso de nascimento sensibilidade e a especificidade, demodo a identi-
Constitui a primeira medida de peso a efectuar no ficar o que "não é normal". A mediana correspon-
produto de concepção após o nascimento (quer se de ao percentil 50 e, por aproximação, -1DP ao
trate de nado-vivo, quer de nado-morto). percentil 5, +1DP ao 95, -2DP ao 3 e +2DP ao 97.
Este parâmetro deve ser determinado durante 2 – Os valores de referência da antropometria
a primeira hora de vida e antes de se iniciar a ao nascer reflectem o crescimento intrauterino e
perda de peso fisiológica pós-natal. não devem ser confundidos com as curvas de
crescimento intrauterino construídas a partir das
Recém-nascido de baixo peso (RNBP) medições ecográficas fetais seriadas.
ou microssomático Recentemente foram publicados valores de
RN com peso de nascimento <2.500 gramas (até referência de crescimento intrauterino a partir do
2.499 gramas inclusive). registo da antropometria ao nascer com base
numa amostra multi-racial de 257.855 RN de gra-
Recém-nascido de muito baixo peso (RNMBP) videz única, nos EUA. Abrangendo o período das
RN com peso de nascimento < 1.500 gramas (até 22 às 42 semanas de gestação, são específicos para
1.499 gramas inclusive). o género e incluem curvas de percentis (3 a 97),
assim como médias e desvios-padrão para o peso,
Recém-nascido de muito baixo peso extremo o comprimento e o perímetro cefálico. São as cha-
(RNMBPE) madas curvas de Olsen que deverão substituir as
RN com peso de nascimento < 1.000 gramas (até clássicas, mas obsoletas curvas de Lubchenco. Os
999 gramas inclusive). valores do peso permitem classificar os RN em
1680 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Peso, gramas
Comprimento

Centímetros
Perímetro cefálico

Idade gestacional, semanas

Peso, gramas
Comprimento
Centímetros

Perímetro cefálico

Idade gestacional, semanas

Índice Ponderal= Peso em gramas x 1003


(comprimento em cm)
Adaptado de Olsen, 2010, com permissão)

FIG. 1
Curvas de crescimento intra-uterino de Olsen para ambos os sexos: A+B <> sexo feminino; C+D<> sexo masculino. (consultar o
texto).
CAPÍTULO 325 Introdução à neonatologia 1681

leves (< percentil 3), adequados (percentil 3 a 97), morte em relação com a presença de determina-
ou grandes (> percentil 97) para a idade de gesta- dos factores, respectivamente para a díade grávi-
ção (Figura 1). da-feto, e recém-nascido (Capítulo 324).
O índice ponderal calcula-se pelo quociente ->
(peso em gramas X 100) / (comprimento em cm Factores de risco na gravidez
elevado ao cubo). (Capítulo 330) Um dos objectivos dos exames de saúde/consul-
Relativamente à avaliação antropométrica no tas pré-natais é, precisamente, detectar precoce-
lactente e criança em três situações diversas: 1)- mente factores de risco na perspectiva de tomada
nas primeiras semanas pós-parto(avaliação do de medidas atempadamente (por exemplo, enca-
crescimento durante a hospitalização); 2) – a curto minhamento da grávida para centro especializa-
prazo, (semanas após a alta hospitalar); 3) – e a do, tratamento farmacológico, repouso, hospitali-
longo prazo(meses/anos), sugere-se ao leitor a zação, etc.) com a finalidade de reduzir ao míni-
consulta das seguintes referências bibliográficas, mo, compensar ou anular situações adversas, quer
respectivamente: 1) – Ehrenkranz RA, et al- na grávida, quer no feto. De referir que cerca de
>Pediatrics 1999; 104:280-289; 2) – Fenton TR-> 2/3 dos factores de risco na gravidez podem ser
BMC Pediatr 2003;3:13; 3) – Guo SS, et al-> Arch identificados nos primeiros meses, e os restantes
Pediatr Adolesc Med 1966; e Guo SS, et al -> Early no final ou durante o parto.
Hum Dev 1997. (ver Capítulo 331) A decisão de considerar a gravidez de alto
Nota importante: De acordo com a literatura risco cabe ao médico. Tal não impede, no entanto,
recente, não existe consenso relativamente aos a colaboração da equipa de enfermagem no que
valores de referência para avaliação do crescimen- respeita à colheita de dados, e ao apoio do clínico
to de crianças nascidas pré-termo. no respeitante à tomada de decisão.
Seguidamente são mencionadas listas de fac-
Morte fetal tores de risco na gravidez (por vezes associados)
É o óbito de um produto de concepção (feto-morto) que servem de orientação para se proceder à
antes da expulsão ou extracção completa do corpo anamnese nas consultas pré-concepcional e pré-
da mãe, independentemente da duração da gravi- natal .
dez. Um vez separado do corpo da mãe, o produ- – Factores sócio-económicos
to de concepção não evidencia movimentos respi- *Casal com graves dificuldades financeiras
ratórios nem outros sinais de vida como batimen- *Habitação precária
tos cardíacos, pulsação do cordão umbilical ou *Problemas sociais do casal (pai ausente,confli-
movimentos efectivos dos músculos de contrac- tos conjugais, etc.)
ção voluntária (nado-morto). *Mãe solteira, em especial se adolescente
Morte neonatal *Nutrição deficiente da futura mãe, antes ou
É o óbito ocorrido no período neonatal; conside- durante a gravidez
rando as subdivisões do período neonatal (preco- *Idade da mãe <16 anos ou >35 anos
ce e tardio), as mortes neonatais podem ser subdi- *Estatura da mãe inferior a 152 cm
vididas, respectivamente, em precoces e tardias. *Mãe fumadora (sobretudo se fumar > 10 ci-
Nota: A data de morte ocorrida durante o pri- garros por dia)
meiro dia de vida (dia zero) deve ser registada em *Antecedentes familiares de doenças hereditá-
minutos completos ou horas completas de vida. A rias
partir do segundo dia de vida, e até 28 dias com- *Antecedentes obstétricos de: ausência de vigi-
pletos de vida, a idade de morte deve ser regista- lância pré-natal anterior, infertilidade, abortos
da em dias. repetidos, gravidezes seguidas (intervalo inferior
a 2 anos), multiparidade, RN pré-termo anterior,
Gravidez e recém-nascido de alto risco parto prolongado, RN de baixo peso, RN macros-
somáticos, nado-mortos ou mortes neonatais ante-
Sucintamente, alto risco na gravidez, ou no recém- riores, filhos anteriores com doença motora cere-
nascido significa possibilidade de doença ou de bral ou doença neurológica, filho anterior com
1682 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

defeitos congénitos, mola hidatiforme, coriocarci- ção parcelar a cada parâmetro considerado, o que
noma, síndroma antifosfolípido,etc.. permite uma pontuação final e, por exemplo,
decisão de transferir, ou não a grávida para centro
– Doenças maternas especializado. Um exemplo de tais escalas já foi
*Incompetência cervical referido no Capítulo 324.
*Nefropatia gravídica
*Doença renal crónica, infecções urinárias Factores de risco no RN (RN de alto risco)
repetidas, albuminúria persistente A lista seguinte integra um conjunto de situações,
*Diabetes mellitus e pré-diabetes por vezes associadas, que comportam risco de
*Tromboflebite, embolia grau variável no RN.
*Doença cardíaca
*Doenças endócrinas (suprarrenal, tiroideia, – Factores perinatais
hipófise, etc.) *Início prematuro de contracções uterinas
*Doença pulmonar grave incluindo tuberculo- *Parto pós-termo
se *Duração do parto
*Doença sexualmente transmissível ou outras – na primigesta: > 24 horas
doenças infecciosas – na multigesta: > 12 horas
*Anemia crónica (ferripriva, megaloblástica, – segundo período: > 2 horas
hemoglobinopatias, etc.) *Ruptura prolongada de membranas: > 24
*Subnutrição horas
*Obesidade *Apresentação anormal
*Doença neoplásica *Desproporção céfalo-pélvica
*Intervenção cirúrgica durante a gravidez *Prolapso do cordão umbilical
*Anomalias congénitas importantes do apare- *Parto com fórceps alto
lho locomotor *Cesariana
*Epilepsia, atraso mental, etc. *Parto pélvico
*Alcoolismo crónico ou dependência de drogas
– Factores materno-fetais – Factores neonatais
*Incompatibilidade sanguínea (Rh, ABO, Kell, *Peso de nascimento < 2.500 gramas ou > 4.000
outros) gramas
*Administração de fármacos durante o perío- *Parto múltiplo (gemelaridade)
do da organogénese *Líquido amniótico meconial
*Infecções do grupo TORCHS *Índice de Apgar < 5 ao 1º minuto
*Irradiação *Resultados anómalos de exames para deter-
*Alteração do crescimento fetal (restrição ou minação do “bem-estar” fetal
macrossomia) *Sofrimento fetal agudo, subagudo ou crónico
*Manobras de reanimação
– Factores placentares e amnióticos *Dificuldade respiratória
*Hemorragia vaginal *Depressão do SNC por medicamentos admi-
*Hemorragia retroplacentar nistrados à mãe
*Disfunção placentar primária *Sinais de lesão traumática relacionada com o
*Placenta prévia ou abruptio placenta, outras nascimento
alterações,etc. *Anomalias congénitas
*Ruptura prematura das membranas ovulares
*Poli-hidrâmnio ou oligo-âmnio Critérios de gravidade

Nota: Para quantificar de modo objectivo o Está hoje demonstrado que o prognóstico da
risco pré-natal estão descritas na literatura médica doença neonatal não depende apenas das condi-
diversas escalas estruturadas atribuindo pontua- ções inerentes ao próprio organismo susceptíveis
CAPÍTULO 325 Introdução à neonatologia 1683

de criarem maior vulnerabilidade (tais como grau QUADRO 1 – Parâmetros do índice


de imaturidade), mas igualmente da gravidade do de gravidade CRIB
processo mórbido. Ou seja, quando se trata de
comparar estudos epidemiológicos sobre morbili- Parâmetro Pontuação
dade e mortalidade neonatais no âmbito das mais • Peso de nascimento (gramas)
diversas instituições, os bons ou maus resultados > 1350 0
obtidos não podem ser relacionados apenas com o 851-1350 1
peso e/ou idade gestacional, (exemplificando tão 701-850 4
somente com parâmetros de avaliação muito fre- ≤ 700 7
quentemente considerados), mas igualmente com • Idade gestacional (semanas)
a gravidade da doença ou doenças de base. > 24 0
Daí a necessidade de entrar em conta com cri- ≤ 24 1
térios representativos da gravidade da doença, • Anomalias congénitas
questão que, ao longo da evolução da Neonato- Ausentes 0
logia moderna tem levado grupos de investiga- Sem risco de vida 1
dores a testarem vários parâmetros combinados Com risco de vida 3
de modo estruturado e quantificado (escalas de • Défice de base máximo
avaliação de gravidade), procedendo à sua ulte- (mmol/L)-1ªs 12 horas
rior validação. < 7,0 0
O objectivo fundamental de tais escalas é ten- 7,0 a 9,9 1
tar aperfeiçoar os indicadores de desempenho das 10,0 a 14,9 2
unidades de tal forma que seja possível realizar ≥ 15,0 3
comparações mais rigorosas entre unidades, • FiO2 mínima adequada* nas 1ªs 12 horas
regiões e, principalmente, nas próprias em dife- ≤ 0,40 0
rentes períodos, tendo em vista a melhoria gra- 0,41 - 0,60 2
0,61 - 0,90 3
dual dos cuidados a prestar aos RN. É o conceito
0,91- 1,00 4
de auditoria.
• FiO2 máxima adequada* nas 1ªs 12 horas
Há que reconhecer as limitações do método, o
≤ 0,40 0
qual deverá ser entendido como instrumento de
0,41- 0,80 1
orientação complementar para a equipa médica
0,81 – 0,90 3
que, recebendo informação através da escala, pres-
0,91 – 1,00 5
ta cuidado a um doente específico; à referida equi-
* Para manter PaO2 de 50-80 mmHg e saturação de O2-Hb de 88-95%
pa são, pois, exigidos bom senso clínico e ponde-
ração no que respeita a decisões de vária ordem.
Existem diversos modelos de escalas de gravi- idade gestacional <31 semanas. Como limitação
dade baseados em medidas fisiológicas, terapêuti- refere-se a dificuldade de aplicação a RN transfe-
cas, diagnósticas, factores de risco, etc., sendo que ridos doutra unidade neonatal.
a cada parâmetro é atribuída determinada pontua- De acordo com estudos disponíveis, este crité-
ção, obtendo-se uma pontuação final ou “índice”. rio não é preditivo da morbilidade nos sobrevi-
Seguidamente são apresentados alguns dos ventes.
critérios mais frequentemente utilizados em uni- Poderá obter-se um valor ou índice final entre
dades neonatais, os quais são designados habi- 0 e 23, directamente proporcional à gravidade.
tualmente pelas respectivas abreviaturas do títu-
lo em língua inglesa. SNAP (Score for Neonatal Acute Physiology)
e SNAP-PE (Perinatal Extension)
CRIB (Clinical Risk Index for Babies) Este método, na modalidade inicial (SNAP) inte-
O método CRIB (Quadro 1), a utilizar nas primei- grando 34 parâmetros relacionados com sinais
ras 12 horas de vida, é simples e pode ser aplicado vitais e resultados de exames complementares
a RN com peso de nascimento <1.500 gramas, e ou (pontuação atribuída respectivamente a cada
1684 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Parâmetros do índice SNAP

Parâmetro Pontuação
1 3 5
Pressão arterial média, mmHg
Alta 66-80 81-100 > 100
Baixa 30-35 20-29 < 20
Frequência cardíaca
Alta 180-200 201-250 > 250
Baixa 80-90 40-79 < 40
Frequência respiratória 60-100 > 100 _
Temperatura ºC 35-35,5 33,3-34,9 < 33,3
PO2 mmHg 50-65 30-50 < 30
Relação PO2/FIO2 2,5-3,5 0,3-2,49 < 0,3
PCO2 mmHg 50-65 66-90 > 90
Índice de oxigenação 0,07-0,20 0,21-0,40 > 0,40
Hematócrito %
Alto 66-70 > 70 –
Baixo 30-35 20-29 < 20
Contagem de leucócitos (x 1.000)/mmc 2-5 <2 –
Relação imaturos/totais > 0,20 – –
Número absoluto de neutrófilos totais/mmc 500-999 < 500 –
Número de plaquetas (x 1.000)/mmc 30-100 0-29 –
Ureia, mg/dL 40-80 > 80 –
Creatinina, mg/dL 1,2-2,4 2,5-4 >4
Débito urinário, mL/kg/hora 0,5-0,9 0,1-0,49 < 0,1
Bilirrubina indirecta (por peso de nascimento)
> 2 kg: mg/dL 15-20 > 20 –
≤ 2 kg: mg/dL 5-10 > 10 –
Bilirrubina directa, mg/dL ≥ 2,0 – –
Sódio, mEq/L
Alto 150-160 161-180 > 180
Baixo 120-130 < 120 –
Potássio, mEq/L
Alto 6,6-7,5 7,6-9 >9
Baixo 2,0-2,9 < 2,0 –
Cálcio ionizado, mg/dL
Alto ≥ 1,4 – –
Baixo 0,8-1 < 0,8 –
Cálcio total, mg/dL
Alto ≥ 12 – –
Baixo 5,0-6,9 < 5,0 –
Glicémia, mg/dL
Alta 150-250 > 250 –
Baixa 30-40 < 30 –
Bicarbonato sérico, mEq/L
Alto ≥ 33 – –
Baixo 11-15 ≤ 10 –
PH sérico 7,20-7,3 7,10-7,19 < 7,10
Convulsão Única Múltipla –
Apneia Resposta à estimulação Não resposta à estimulação Completa
Sangue oculto nas fezes Positivo – –
CAPÍTULO 325 Introdução à neonatologia 1685

parâmetro: 1, 3, 5), pode ser utilizado em RN com QUADRO 3 – Parâmetros do índice no SNAP-II
qualquer peso de nascimento; com esta escala pre-
tende-se quantificar o grau de instabilidade Parâmetro Pontuação
fisiológica. (Quadro 2) Pressão arterial média: 20 a 29 mmHg 9
Posteriormente esta escala foi de modo pro- Pressão arterial média: < 20 mmHg 19
gressivo simplificada para SNAP-II, e SNAP-PE-II Menor temperatura: 35-35,5 ˚C 8
(Quadros 3 e 4). Menor temperatura: < 35 ˚C 15
Salienta-se, a propósito da escala SNAP-PE- Relação PO2/FiO2: 1,0-2,49 5
II(que integra um parâmetro dizendo respeito ao Relação PO2/FiO2: 0,3-0,99 16
percentil do peso) a necessidade de utilizar as Relação PO2/FiO2 < 0,3 28
curvas de Olsen de 2010 atrás mencionadas/ Menor pH sérico: 7,10-7,19 7
valores de referência. Menor pH sérico: < 7,10 16
De acordo com estudos realizados, está indica- Convulsão múltipla 19
do proceder-se a primeira avaliação após Débito urinário: 0,1 a 0,9mL/kg/h 5
admissão do RN na unidade, e a segunda avalia- Débito urinário: < 0,1mL/kg/h 18
ção 12 horas depois para determinar a resposta ao
tratamento, com implicações na previsão do
tempo de internamento. Os índices com valores QUADRO 4 – Parâmetros do índice
crescentes nas primeiras 24 horas após admissão no SNAPPE-II
do RN comportam mau prognóstico.
Parâmetro Pontuação
NTISS (Neonatal Therapeutic Intervention Pressão arterial média: 20 a 29 mmHg 9
Scoring System) Pressão arterial média: < 20 mmHg 19
Através desta escala, a aplicar nas primeiras 24 Menor temperatura: 35-35,5 ˚C 8
horas a partir do momento da admissão ou em Menor temperatura: < 35 ˚C 15
qualquer outro período ulterior de 24 horas, é Relação PO2/FiO2: 1,0-2,49 5
obtida informação de 63 variáveis relacionadas Relação PO2/FiO2: 0,3-0,99 16
com intervenção terapêutica diversa, sendo que a Relação PO2/FiO2 < 0,3 28
pontuação final variando entre 0 e 100, é directa- Menor pH sérico: 7,10-7,19 7
mente proporcional ao número das referidas inter- Menor pH sérico: < 7,10 16
venções (Quadro 5 – página seguinte). Convulsão múltipla 19
Notas importantes: Débito urinário: 0,1a 0,9mL/kg/h 5
1 – A utilização dos referidos índices para Débito urinário: < 0,1mL/kg/h 18
decisões de carácter ético não é recomendada. Peso de nascimento: 750-999g 10
2 – Doentes com quadros clínicos semelhantes Peso de nascimento: < 750g 17
poderão evidenciar diversidade quanto à evolu- LIG (≤percentil 3 do Quadro 5) 12
ção. Apgar < 7 aos 5 minutos 18
3 – A informação fornecida pelos índices de
gravidade deverá ser considerada um comple-
mento da avaliação global pelo clínico responsá- Bataglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of new-
vel por determinado doente. born infants by weight and gestational age. J Pediatr 1967;
71: 199-204
BIBLIOGRAFIA Chang HH,Larson J, Blencowe H, et al. Preventing preterm
Askie LM. Optimal oxygen saturations in preterm infants: a births: analysis of trends and potential reductions with
moving target. Curr Opin Pediatr 2013; 25:188-192 interventions in 39 countries with very high human deve-
Bastos G, Gomes A, Oliveira P, Torrado A. Comparação de qua- lopment index. Lancet Nov 16, 2012; http://dx.doi.org/
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10:161-165 Pediatrics. Pediatrics 2004;114: 1362-1364
1686 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 5 – NTISS a aplicar nas 1as 24 horas após admissão(•)

Respiratório Monitorização
– O2 Suplementar 1 – Flebotomia (5-10 colheitas) 1
– CPAP 2 – Flebotomia (>10 colheitas) 2
– Ventilação mecânica (VM) 3 – Sinais vitais frequentemente 1
– VM com relaxantes musculares 4 – Monitorização CR 1
– Ventilação de alta frequência 4 – Ambiente térmico regulado 1
– Cuidados de traqueostomia 1 – Monitorização de O2 não invasiva 1
– Administração de surfactante 1 – Monitorização de PA 1
– Entubação endotraqueal 2 – Monitorização de PVC 1
– ECMO 4 – Algaliação 1
Subtotal ——— – Balanço hídrico 1
Subtotal ———
Cardiovascular
– Expansão de volume (≤ 15 ml/Kg) 1 Transfusão
– Expansão de volume (> 15 ml/Kg) 3 – Transfusão de concentrado eritrocitário
– Vassopressores (1 agente) 2 (≤ 15 ml/Kg) 2
– Vasopressores (>1 agente) 3 – Transfusão de concentrado eritrocitário
– Indometacina 1 (> 15 ml/Kg) 3
– Pacemaker iminente 3 – Gamaglobulina iv 1
– Pacemaker usado 4 – Transfusão permuta parcial 2
– Ressuscitação cardiopulmonar 4 – Transfusão de plaquetas 3
Subtotal ——— – Transfusão de leucócitos 3
– Exsanguino-transfusão 3
Terapêutica farmacológica Subtotal ———
– Antibióticos (≤ 2 agentes) 1
– Antibióticos (> 2 agentes) 2 Procedimentos
– Diuréticos (via entérica) 1 – Um dreno torácico 2
– Diuréticos (via parentérica) 2 – Vários drenos torácicos 3
– Corticóides (pós-natal) 1 – Toracocentese 3
– Anticonvulsantes 1 – Pequena cirurgia 2
– Aminofilina 1 – Grande cirurgia 4
– Outros 1 – Pericardiocentese 4
– Tratamento de acidose metabólica 3 – Dreno pericárdico 4
– Resina permutadora de potássio 3 – Diálise 4
Subtotal ——— – Transporte de doente 2
Subtotal ———
Metabólico/nutrição
– Alimentação por tubo gástrico 1 Acessos vascularres
– Lípidos iv 1 – Linha venosa periférica 1
– Aminoácidos iv 1 – Linha arterial 2
– Fototerapia 1 – Linha venosa central 2
– Administração de insulina 2
– Infusão de potássio 3
Subtotal ———

Para idêntica designação, escolher a mais pontuada (por ex.flebotamia, flebotomia)


(•) ou período definido de internamento de 24 horas
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1687

326
Direcção Geral da Saúde. Vigilância pré-natal e revisão do
puerpério-Orientações Técnicas. Lisboa, 2005
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
Lehingue Y, Remontet L, Munoz F, et al. Birth ponderal index
and body mass index reference curves in a large popula- ADAPTAÇÃO FETAL À VIDA
tion. Am J Hum Biol 1998; 10:327-340
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Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
Olsen IE, Groveman SA, Lawson ML, et al. New intrauterine João M. Videira Amaral
growth curves based on United States Data. Pediatrics
2010; 125: e214-e224
Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008 Definição e importância do problema
Randis TM, Polin RA. Everyday dilemmas in neonatal care: a
look at what is new. Curr Opin Pediatr 2013; 25:159-160 O conceito de adaptação fetal à vida extra-uterina
Richardson DK, Tarnow-Mordi WO, Escobar GJ. Neonatal risk engloba o conjunto de modificações de ordem
scoring systems. Can they predict mortality and morbidity? anatomofisiológica (metabólicas/bioquímicas,
Clin Perinatol 1998; 25: 591- 611 imunológicas, hormonais, etc.) na transição da
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon vida fetal (que decorre em meio líquido/líquido
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill amniótico), para a vida extra-uterina, (em meio
Medical, 2011 envolvente aéreo), de cuja perturbação poderão
Wilkinson AR. Scoring systems for neonatal illness. In Hansen resultar determinados problemas clínicos no RN
TN, McIntosh N (eds). Current Topics in Neonatology com possível repercussão futura.
London: Saunders, 1997 O processo de tal adaptação, sobretudo intra-
parto (estresse do nascimento) é comparticipado de
modo muito importante pelos sistemas simpático-
suprarrenal (tendo papel importante adrenalina e
a nor-adrenalina, quimiorreceptores, barorrecep-
tores), e parassimpático, o que é testemunhado
pelos níveis elevados de catecolaminas, angioten-
sina e vasopressina no pós-parto. No entanto, no
conceito de adaptação estão também englobados
certos eventos fisiológicos – não imediatos – que
se processam nas semanas e meses seguintes, não
sendo possível determinar, com precisão, quando
termina tal adaptação.
Durante o período médio de duração da gravi-
dez de termo (40 semanas), a placenta tem como
funções primordiais as da respiração, da termor-
regulação, da nutrição, da excreção de catabólitos,
endócrinas, etc.. No embrião, primeiramente, (4ª –
12ª semanas – precedidas pela fase pré-embrioná-
ria no período compreendido entre a 1ª e 3ª sema-
nas), e no feto, depois (13ª – 40ª semanas), ocorrem
processos complexos de crescimento e de matura-
ção até ser viável a autonomia do produto de
concepção após o nascimento.
1688 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Na realidade, o processo de mudança mais turas da microcirculação; e, a partir da 26ª-28ª sema-


espectacular e relativamente mais rápido na tran- na, existe superfície de troca suficiente para assegu-
sição da “vida aquática” para a “vida gasosa” é o rar as trocas gasosas após o nascimento.
que diz respeito ao aparecimento da respiração e Durante a vida fetal os pulmões estão preen-
ao concomitante incremento da perfusão pulmo- chidos pelo chamado líquido pulmonar fetal (LPF,
nar (adaptação respiratória e cardiocirculatória de características diferentes do líquido amniótico
envolvendo processos interligados); de uma PaO2 com o qual contacta ao nível da hipofaringe)
fetal ~ 25 mmHg passa-se, em situação de norma- segregado pelo epitélio respiratório (pneumatóci-
lidade, para uma PaO2 neonatal ~ 60 mmHg ao tos do tipo I); o referido PPF aumenta progressi-
cabo de 30 minutos de vida com movimentos res- vamente, sobretudo após a 18ª semana, ao ritmo
piratórios, inspirando ar cuja FiO2 é ~ 21%. de 2- 4 mL/kg/hora, atingindo o volume de cerca
Ora, o RN (ex-feto) para sobreviver em ambien- de 20 mL/kg pelas 36 semanas, semelhante ao
te rico em oxigénio necessita que os sistemas de valor da capacidade residual funcional (CRF); isto
defesa antioxidante – defesa contra radicais livres é, o pulmão durante a vida intra-uterina é maciço.
de oxigénio (intracelulares: dismutases do super- A secreção de tal LPF para o interior das vias
óxido, peroxidase da glutationa, catalase; extrace- aéreas (exercendo pressão de distensão contínua e
lulares: ascorbato, etc.) – estejam desenvolvidos garantindo como “molde” o crescimento/ expan-
ao nascer. Acontece que tal desenvolvimento se são do pulmão, e o desenvolvimento epitelial da
completa somente no termo da gestação, (sobretu- via respiratória) – predomina sobre a absorção,
do os sistemas de defesa intracelular), o que equi- dependendo de um gradiente osmótico entre a cir-
vale a dizer que a probabilidade de lesão oxidan- culação e o espaço aéreo virtual; neste fluxo circu-
te de órgãos por radicais livres é maior nos RN lação → alvéolo entram em acção um sistema de
pré-termo. Curiosamente, o desenvolvimento de bomba sódio-potássio/ATP-ase localizado no
tais sistemas de defesa processa-se paralelamente pólo basal do pneumatócito I junto ao capilar.
à maturação do sistema enzimático responsável O LPF contém quantidade significativa de
pela desenvolvimento do surfactante pulmonar cloro (> 150 mEq/L) e baixa de bicarbonato (~2,8
(Capítulos 331 e 346). mEq/L), e de proteínas (< 0,3 mg/mL) sendo o
pH ~6,27. A pressão do LPF, superior à do líquido
Adaptação respiratória amniótico (em cerca de 2 mmHg), permite que cir-
cule segundo trajecto vias distais → traqueia: a
1. Líquido pulmonar fetal (LPF) maioria é deglutida pelo feto e uma pequena por-
Durante o período fetal as trocas gasosas são asse- ção é eliminada para a cavidade amniótica.
guradas através da “membrana” placentar. Desde Tal movimento é igualmente facilitado pelas
a concepção, o sistema respiratório evolui em 5 forças de elastância do pulmão (ou de tendência
períodos – cuja nomenclatura não coincide preci- para a retracção).
samente com os períodos atrás considerados – e A partir da 11ª semana surgem, com carácter
chamados: intermitente, movimentos de expansão e retracção
– embrionário → com vias aéreas proximais (0- do tórax (movimentos pseudo “respiratórios”)
7 semanas), irregulares, baixa amplitude e ao ritmo de 60-
– pseudoglandular → com vias condutoras (8- 90/minuto, cuja regulação poderá estar relaciona-
16 semanas), da com o estímulo de receptores periféricos
– canalicular → com formação dos ácinos (17- (Capítulo 324). Associados ao sono REM, a fre-
27 semanas), quência de aparecimento, a frequência por minu-
– sacular → com áreas para trocas gasosos (28- to e a amplitude são influenciados por estímulos
35 semanas), como acidose e hipercárbia (aumento), ou hipóxia,
– alveolar → com expansão da área para as tro- hipoglicémia, sedativos, etc. (diminuição).
cas gasosas (das 36 semanas ao termo da gra- Durante os períodos de movimentos de
videz). expansão-retracção fica facilitado o movimento do
Concomitantemente desenvolvem-se as estru- LPF no sentido vias distais → traqueia atrás refe-
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1689

rido. Concomitantemente com os períodos de do adulto; no RN pré-termo tal resposta é mais


movimentos torácicos verifica-se dilatação da fraca, aumenta com a idade gestacional, podendo
glote; pelo contrário, nos períodos sem movimen- ficar comprometida se existir hipóxia associada.
tos/”apneia” verifica-se constrição da glote com A primeira inspiração é caracterizada pela
aumento da resistência à saída do LPF. abertura da glote e aumento do tono da muscula-
É importante acentuar que a diminuição do tura respiratória; durante cerca de 0,5 a 1 segundo
ritmo e frequência dos movimentos de expansão- exerce-se uma pressão negativa de abertura atin-
retracção do tórax fetal compromete o crescimen- gindo (– 40) a (– 80) cm H2O, que permite opor-se
to do pulmão. à resistência viscosa do LPF existente na via res-
Na parte final da gravidez, cerca de dois dias piratória e às forças de tensão superficial e resis-
antes do início do trabalho de parto espontâneo, tências teciduais, e facilitar a entrada de 50-60 mL
começa a verificar-se: diminuição da secreção do de ar na via aérea. De salientar que a abertura
LPF; fluxo deste no sentido alvéolo → capilar → alveolar pulmonar não é uniforme dada a rarida-
microcirculação → linfáticos; e a aumentar a absor- de dos poros de Kohn no RN, o que constitui um
ção ou fluxo no sentido inverso, preparando o factor predisponente de pneumotórax (Capítulo
pulmão para receber ar no pós-parto. Ou seja, a 349).
partir desta data e no período pós-natal passa a A primeira expiração efectua-se com a glote
predominar a absorção sobre a secreção: a adrena- semi-encerrada: corresponde ao primeiro choro. A
lina e nor-adrenalina libertadas pelo sistema pressão pleural mantém-se positiva (~20-30 cm
simpático-suprarrenal, assim como a vasopressina, H2O);por outro lado, nem todo o ar inspirado é
actuando sobre receptores no pólo basal do pneu- expirado, sendo de referir que cerca de 20-30 mL
matócito I, vão estimular o AMP-cíclico e promo- (ar residual) fica localizado nos alvéolos que man-
ver a abertura de canais de sódio no pólo apical do têm distensão residual estável desde que exista
mesmo pneumatócito, facilitando tal fluxo e pro- surfactante funcionante.
gressivo esvaziamento do alvéolo em LPF. O estabelecimento de movimentos respirató-
Calcula-se que durante o trabalho de parto e rios rítmicos está essencialmente na dependência
durante as primeiras horas de vida seja absorvido, de quimiorreceptores carotídeos. Durante os pri-
cerca de 90% do LPF. Durante a passagem do feto meiros dias que se seguem ao nascimento, dois
pelo tracto genital inferior a compressão do tórax reflexos com ponto de partida pulmonar desem-
também contribui para a expulsão do LPF pela penham igualmente papel importante:
boca e nariz, sendo que este mecanismo apenas – o reflexo de Hering-Breuer, não existindo no
contribui para a expulsão de cerca de 10% do total adulto, mas sim no RN de termo e pré-termo: a
de LPF. Este fenómeno fica comprometido se se insuflação pulmonar determina cessação do esfor-
verificar extracção do feto por cesariana electiva ço respiratório;
(antes do início do trabalho de parto) determinan- – o reflexo paradoxal de Head: inspiração acti-
do que o volume do LPF no ser extra-uterino (RN) va como resposta a insuflação pulmonar.
seja, em tais circunstâncias, praticamente igual ao O reflexo de Head, muito mais importante no
que existe na vida fetal, o que poderá dificultar a RN do que em qualquer outra fase da vida, é res-
entrada de ar na via respiratória. (Capítulo 347) ponsável por frequentes “suspiros” observados
no período neonatal, com utilidade no sentido de
2. Os primeiros movimentos respiratórios manter arejamento pleno dos pulmões.
A primeira inspiração sobrevém aproximadamente Os primeiros movimentos respiratórios, irregu-
dentro dos primeiros 15 segundos de vida extra- lares e bastante amplos, são entrecortados por
uterina; é desencadeada pelo frio, estímulos noci- esforços expiratórios. À medida que se verifica a
ceptivos e variações das PA (alveolares) de O2 e de manutenção dos movimentos respiratórios, sucessi-
CO2 secundárias à laqueação do cordão umbilical. vamente mais alvéolos vão sendo “recrutados” ou
Entre o feto e o RN existe diferença significati- preenchidos, com aumento progressivo da capaci-
va quanto à sensibilidade dos quimiorreceptores . dade residual funcional (CRF), a qual atinge o valor
A resposta do RN de termo ao CO2 é semelhante à ~30 mL/kg ao 30º minuto de vida extra-uterina.
1690 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Em sucessivas inspirações cada vez menos ar é QUADRO 1 – Função respiratória – Condições


mobilizado, sendo que o volume corrente diminui básicas
e estabiliza no valor ~ 6 mL/kg.
Quanto à distensibilidade (compliance) pulmo- • Centros respiratórios activos e receptivos
nar, dependente da secreção de surfactante pul- • Vias de condução nervosa intactas
monar a partir da 20ª semana de gestação pelos • Suprimento adequado de O2
pneumatócitos do tipo II (Capítulos 345 e 346), os • Músculos respiratórios eficientes
valores são, progressivamente: 2 mL/cmH2O aos 3 • Vias aéreas livres
minutos, e 5mL/cm H2O aos 7 dias de vida (no • Alvéolos estáveis [pneumatócitos tipo II (surfactante)]
adulto:~170 mL/cm H2O). • Rede arterial pulmonar com muscularização adequada
O défice de surfactante, levando ao colapso • Difusão alveolocapilar adequada (pneumatócitos tipo I)
alveolar, compromete a manutenção do ar resi-
dual e, por isso, a adaptação respiratória.
ções radicais: supressão da circulação placentar
3. Relação entre ventilação e perfusão com a laqueação do cordão, e aumento maciço da
A distensão alveolar acompanha-se de abertura perfusão pulmonar coincidindo com o arejamento
do leito vascular pulmonar; a superfície alveolo- das vias respiratórias.
capilar torna-se, assim, a zona de trocas gasosas, A adaptação cardiocirculatória corresponde,
sendo que a relação ventilação/perfusão não é afinal, ao somatório de modificações anatómicas e
considerada óptima no RN. A abertura alveolar fisiológicas sob a dependência de factores mecâni-
não é homogénea, havendo certas zonas perfundi- cos e bioquímicos.
das não ventiladas criando-se um curto-circuito
direito-esquerdo intrapulmonar (15-30% no RN 1. Circulação fetoplacentar
contra 5% no adulto). O esboço embrionário do coração funciona como
“bomba” efectiva pela 8ª semana de gestação,
4. Hemoglobina F e hemoglobina A sendo que a estrutura do coração está completa-
Muito progressivamente, no decurso do 3º tri- mente formada cerca da 10ª semana.
mestre da vida extra-uterina a Hb F (fetal) dá lugar A circulação fetoplacentar relativamente à
à Hb A(do tipo adulto), tendo esta última menor verificada após o nascimento difere fundamental-
afinidade para o oxigénio (Capítulos 135 e 136). mente:
1 – pela existência da placenta como órgão
5. Condições básicas para a adaptação interposto entre o feto e a grávida (hemodinami-
respiratória camente é uma região de baixa resistência);
Após descrição sucinta dos passos mais impor- 2 – pela existência do foramen ovale (ou buraco
tantes da adaptação respiratória (indissociável da de Botal) que permite a passagem de sangue da
adaptação cardiocirculatória) será mais fácil aurícula direita para a aurícula esquerda;
deduzir as condições básicas para a manutenção 3 – pela existência do ductus arteriosus ou canal
do automatismo e função respiratórios, assim arterial que também determina um curto circuito
como os problemas clínicos – abordados noutros direito-esquerdo pela comunicação que estabelece
capítulos – que decorrem de perturbações das entre a artéria pulmonar e aorta.
referidas condições. (Quadro 1) O sangue que circula no feto é bombeado pela
circulação fetal através das duas artérias umbili-
Adaptação cardiocirculatória cais em direcção à placenta. Na placenta fazem-se
as trocas gasosas (transferência de CO2 para a cir-
In utero a circulação fetal é fundamentalmente culação materna e aquisição de O2 e nutrientes
caracterizada pela importância do débito placen- para a circulação fetal). O sangue oxigenado volta
tar e pelo escasso débito pulmonar (inferior a 10% ao feto através da veia umbilical que dá origem a
do débito ventricular). dois importantes ramos antes de alcançar o fíga-
Com o nascimento verificam-se transforma- do: um ramo para o lobo esquerdo do fígado; e
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1691

outro ramo (ductus venosus) que se liga à veia cava culatura da média em relação à espessura da ínti-
inferior, o que determina mistura de sangue mais ma, aumento do número de pequenos vasos (cerca
oxigenado (proveniente da placenta) com sangue de 40 vezes), aumento do número de vasos por
não oxigenado (proveniente dos membros infe- unidade de volume da ordem de 10 vezes até ao
riores e órgãos infradiafragmáticos). termo da gestação; tais alterações podem ser inter-
Determinadas particularidades anatómicas no pretadas como preparação do pulmão para receber
local em que a veia cava inferior se liga à aurícu- na vida extra-uterina um volume de sangue 10
la direita fazem com que: vezes superior ao que se verifica in utero.
1 – o sangue não oxigenado proveniente dos O tono vascular pulmonar é sensível a media-
membros inferiores e órgãos infradiafragmáticos dores endoteliais vasoactivos (vasodilatadores ou
se dirija para o ventrículo direito através da vál- vasoconstritores), por ex. pH, PO2, PCO2, NO,
vula tricúspide; este sangue mistura-se, por sua endotelina, etc.; in utero predomina a acção de fac-
vez, com o sangue, também não oxigenado, que tores que promovem vasoconstrição.
provém da cabeça e membros superiores. A gran- Caberá referir, a propósito, que no feto, tal
de parcela do débito do ventrículo direito dirige- como a resistência vascular placentar, a resistência
se para a circulação sistémica através do curto cir- vascular periférica e a pressão arterial sistémica
cuito – ductus arteriosus – ligando a artéria pulmo- têm valores baixos.
nar à aorta descendente;
2 – o sangue mais oxigenado atingindo a aurícu- 2. Circulação neonatal de transição
la direita (parcela superior à do sangue não oxige- A supressão brusca da circulação placentar coincide
nado) dirige-se preferencialmente da aurícula com o início da ventilação pulmonar que conduz a:
direita para a aurícula esquerda através do fora- – elevação do nível de oxigenação alveolar e
men ovale e, a seguir, para o ventrículo esquerdo. arterial;
Consequentemente, no feto, considerando o – dilatação rápida dos vasos pulmonares que
volume de sangue que atinge a aurícula direita, promovem incremento do débito sanguíneo pul-
somente cerca de 10% do mesmo irriga o território monar na ordem de 10 vezes (em cerca de 24
pulmonar, sendo o restante “desviado” para a cir- horas).
culação sistémica por meio do foramen ovale e duc- O aumento significativo do débito sanguíneo
tus arteriosus. pulmonar conduz a maior volume sanguíneo de
O facto de o ductus arteriosus (conduzindo retorno à aurícula esquerda aumentando a respec-
sangue menos oxigenado) desembocar na aorta a tiva pressão e determinando o encerramento fun-
jusante da emergência das artérias que contri- cional do foramen ovale, o que contribui para dimi-
buem para a irrigação do miocárdio e encéfalo nuir o curto-circuito direito-esquerdo a este nível.
(recebendo sangue mais oxigenado através do cir- O aumento do débito sanguíneo pulmonar coinci-
cuito foramen ovale → aurícula esquerda → ventrícu- de com diminuição da pressão na artéria pulmo-
lo esquerdo), faz com que estes territórios (encéfalo e nar e no ventrículo direito.
miocárdio) recebam sangue mais oxigenado. Por sua vez, a redução do gradiente de pressão
Os dois ventrículos trabalham “em paralelo”, entre artéria pulmonar e aorta, associada à
sendo a frequência cardíaca elevada (130- constrição progressiva (primeiramente funcional,
150/minuto) e o débito importante: entre a 10ª e e depois anatómica) do ductus arteriosus (DA)
30ª semanas o somatório dos débitos direito e determinada pela elevação do nível de oxigenação
esquerdo totaliza cerca de 200 mL/kg/minuto. tecidual, leva à diminuição e eliminação progres-
A circulação pulmonar é caracterizada por siva do curto circuito direito-esquerdo, através
resistência vascular elevada (cerca de cinco vezes daquele (DA).
superior à resistência sistémica. As arteríolas são A laqueação do cordão umbilical, eliminando a
submetidas, sobretudo a partir da 28ª semana de circulação placentar – região de baixa resistência –
gestação, a uma modificação anatómica e estrutu- vai contribuir para elevar a pressão arterial sisté-
ral: aumento global do peso do pulmão (cerca de 4 mica, sendo que a pressão aórtica se torna supe-
vezes), aumento progressivo da espessura da mus- rior à pressão na artéria pulmonar.
1692 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A Figura 1 representa de modo esquemático a contribui para aumentar, mais ainda, o calibre das
circulação fetal e neonatal. artérias pulmonares de menor calibre.

2.1 – Fases de diminuição da resistência vascular 2.2 – Encerramento do foramen ovale


pulmonar ex-utero O encerramento do foramen ovale inicia-se ao
A diminuição da pressão na artéria pulmonar cabo de algumas horas. Nos primeiros dias
processa-se em três fases: poderá ocorrer curto circuito bidireccional por
*Primeira fase (0-1 minuto) hiperpressão ocasional na aurícula direita (por ex.
Logo após os primeiros movimentos respirató- com choro) originando cianose transitória. O
rios, com a substituição do LPF por ar e a forma- encerramento torna-se mais efectivo ao cabo de 8-
ção de interface líquido/ar ao nível da superfície 10 dias, sendo que o encerramento anatómico é
alveolar, são criadas imediatamente forças de mais tardio (Capítulos 201 e 202).
tensão superficial que, diminuindo a pressão no 2.3 – Encerramento do ductus arteriosus
interstício do parênquima pulmonar, permite dila- O canal arterial é uma estrutura muito particu-
tação dos vasos e aumento do débito pulmonar. lar: camada muscular lisa interposta entre duas
*Segunda fase (até 12-24 horas) camadas elásticas, com orientação longitudinal e
Nesta fase, ao longo de 12 a 24 horas a RVP circular das respectivas fibras.
diminui por acção de mediadores com acção Como estímulos que podem gerar constrição
vasoactiva produzidos no endotélio (exemplificam- citam-se designadamente o incremento da PaO2 e
se como mais importantes o NO e a prostaciclina). de prostaglandinas no sangue circulante do canal, e
*Terceira fase (entre as 12-24 horas e cerca de 10 da respectiva artéria nutritiva (ramo da aorta des-
dias) cendente ou duma coronária). Situações como
Nesta fase continua, de modo mais lento, a SDR/hipóxia e prematuridade poderão levar a atra-
diminuição da RVP, sobretudo à custa da diminui- so de encerramento.
ção da espessura da camada muscular e achata- O encerramento funcional verifica-se em 80-
mento das respectivas células endoteliais, o que 90% dos casos entre as 10 e 18 horas de vida; e o
encerramento anatómico, na maioria dos casos,
cerca das 8 semanas; por conseguinte , neste perío-
do poderá haver curto-circuito bidireccional e
hipóxia transitórios. A permeabilidade permanen-
te é estimada em cerca de 0,04% dos RN de termo,
e em 20-40% de RN pré-termo com peso de nasci-
mento < 1.000 gramas (Capítulos 201 e 202).
A Figura 2 sintetiza os principais fenómenos da
adaptação cardiocirculatória à vida extra-uterina.
DA = ductus arteriosus

3. Circulação de tipo adulto


A circulação neonatal definitiva é caracterizada
pelo funcionamento “em série” dos dois ventrícu-
los. O ventrículo esquerdo torna-se progressiva-
mente preponderante e as pressões sistémicas
Circulação Fetal Circulação Neonatal
aumentam também progressivamente.
FIG. 1
4. Condições básicas para a adaptação
Representação esquemática dos circuitos da circulação fetal e cardiocirculatória
neonatal (consultar texto). Vasos de cor branca <> sangue Após descrição sucinta dos passos mais impor-
oxigenado; vasos de cor preta <> sangue não oxigenado; vasos tantes da adaptação cardiocirculatória (indissociá-
com ponteado em diversas tonalidades <> sangue de mistura
vel da adaptação respiratória) será mais fácil dedu-
(mais oxigenado com menos oxigenado, em graus variáveis)
zir as condições básicas para a manutenção da fun-
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1693

Início da Respiração

Expansão pulmonar

Encerramento
PaO2 PaCO2
do DA

Resistência vascular Débito sanguíneo


pulmonar pulmonar

Pressão da artéria Reabsorção do


pulmonar líquido pulmonar

Pressão da aurícula
Interrupção da direita Encerramento
circulação umbilical do FO
Pressão da aurícula
esquerda
Abreviatura: DA – Ductus arteriosus
FO – Foramen ovale Adaptado de Bancalari & Eisler, 1995

FIG. 2
Adaptação cardiocirculatória à vida extra-uterina.

ção cardiocirculatória, assim como os problemas clí- peratura fetal elevar-se-ia na ordem de 3ºC por
nicos – abordados noutros capítulos – que decorrem hora.
de anomalias das referidas condições. (Quadro 2)
2. Termorregulação após o nascimento
Adaptação térmica No momento do nascimento a temperatura rectal
do RN é cerca de 37,6ºC – 37,8ºC, e a do ambiente
1. Termorregulação durante a vida fetal do bloco de partos, em geral, 23ºC. Após o nasci-
Os mecanismos fundamentais de produção e de mento a situação inverte-se completamente, pois o
perda de calor (regulação térmica) são regulados RN é confrontado numa luta contra o frio, estabele-
pelo centro termorregulador, no hipotálamo. O cendo-se um importante gradiente térmico.
referido centro recebe informações de receptores Por um lado, a pele do RN está molhada com
térmicos, quer superficiais (pele), quer profundos
(músculos esqueléticos, abdómen, espinhal medu- QUADRO 2 – Função cardiocirculatória
la, mucosa respiratória, etc.). Condições básicas
In utero, o metabolismo fetal determina uma
temperatura fetal que é superior, em cerca de • Funcionamento da circulação neonatal definitiva de
0.5ºC, à temperatura da mãe, criando-se um gra- tipo adulto
diente que permite perda de calor no sentido feto • Sistema cardiovascular sem anomalias morfológicas
→ mãe, sobretudo através da circulação umbilical • Rede capilar suficientemente desenvolvida
e placenta; isto é, na ausência de placenta, a tem-
1694 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

resto do líquido amniótico; por outro, o mesmo chamada gordura castanha, mais abundante no RN
RN tem panículo adiposo escasso e pele não que- do que no adulto, mas insuficiente nos primeiros
ratinizada (características mais acentuadas no RN dias de vida, sobretudo nos RN pré-termo ou de
pré-termo), e a relação superfície corporal/volu- baixo peso, o que constitui uma limitação.
me corporal é muito superior à do adulto (sobre- Os depósitos de gordura castanha, muito vas-
tudo nos RN pré-termo de peso <1500 gramas). cularizados e com inervação simpática, localizam-
Criam-se, assim, condições para uma perda -se na região subescapular, trajecto dos grandes
térmica importante no sentido interior corporal → vasos, goteiras paravertebrais, mediastino, e
superfície corporal → ar ambiente, de quatro regiões perirrenais e perisuparrenais.
modos: Como resultado da exposição ao frio, a liberta-
– Evaporação ção de adrenalina e nor-adrenalina desencadeia
(RN molhado – líquido amniótico aderente à lipólise ao nível da gordura castanha: hidrólise de
pele ou água do banho à superfície da pele); triglicéridos com libertação de glicerol e ácidos gor-
– Condução dos livres, e consequente produção de energia sob a
(perda de calor por “contacto directo” com forma de calor que, por condução, se vai transmitir
uma superfície de temperatura inferior à da pele, aos vasos e sangue circulante nos tecidos contíguos.
por ex. colchão frio, prato da balança frio, etc.); Relativamente às possibilidades de resposta
– Radiação do RN ao ambiente exterior quente (situações
(perda de calor “à distância” para superfícies relacionadas, por ex. com falta de precaução:
não em contacto com a pele – por ex. parede da tempo quente e excesso de roupa, hiperaqueci-
sala ou da incubadora); mento inadvertido, etc.), há que salientar que exis-
– Convecção tem limitações no que respeita ao mecanismo de
(perda de calor tendo como “veículo” ar em compensação de perda de calor – normalmente
movimento/corrente de ar). funcionante em crianças de mais idade e adultos –
Na ausência de cuidados, no RN deixado à através da sudorese. Com efeito, face à imaturida-
temperatura ambiente, molhado, não vestido, não de do RN e lactente, as glândulas sudoríparas têm
colocado sob fonte de calor, a temperatura cutânea capacidade limitada de secreção, o que aumenta a
pode baixar rapidamente (0,3ºC/minuto), assim probabilidade de hipertermia face a temperatura
como a temperatura rectal, de modo mais lento. exterior elevada.
As possibilidades de adaptação ou de respos- Em suma, os mecanismos de termorregulação
ta do RN ao ambiente exterior frio são de dois nos RN têm limitações, havendo maior risco com-
tipos: parativamente a crianças de maior idade, quer de
– Diminuição da perda de calor elevação anormal da temperatura se colocados em
O RN submetido ao frio responde com vaso- ambiente quente, quer de diminuição anormal da
constrição periférica por libertação de adrenalina e temperatura se colocados em ambiente frio
nor-adrenalina, levando a: 1) vasoconstrição pul- (Capítulo 328).
monar; 2) aumento do débito cardíaco; 3) incre-
mento do metabolismo anaeróbio (elevação do Adaptação digestiva
glucagom, diminuição de insulina; glicogenólise e
elevação da glicémia numa primeira fase, seguidas 1. Nutrição e crescimento fetais
de esgotamento das reservas de glicogénio e hipo- Durante a vida fetal a nutrição é de tipo hemato-
glicémia ulterior); e 4) acidose metabólica. génico, assegurada pela via transplacentar. De
– Produção de calor (termogénese) salientar que o crescimento pré-natal está depen-
A termogénese no RN é limitada e, por isso, dente sobretudo de factores de crescimento mater-
diferente da do adulto: 1) o fenómeno de calafrio nos e placentares (e fetais em menor escala) tais
(contracção muscular) praticamente não existe, como insulina e factores de crescimento seme-
embora o choro e a agitação contribuam para lhantes a insulina (IGF 1 e 2), leptina, etc., enquan-
aumentar a actividade muscular; 2) a maior fonte to o crescimento pós-natal depende fundamental-
de produção de calor no RN é constituída pela mente de hormonas hipofisárias e doutras.
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1695

No 1º trimestre verifica-se aumento do núme- – o processo de absorção intestinal activa da


ro de células; no 2º trimestre verifica-se, quer glucose existe desde a 12ª semana, aumentando
aumento do número, quer do volume das mesmas significativamente até à 16ª semana; de referir que
células, sendo o incremento de gordura cerca de os elementos contidos no líquido amniótico são
50 gramas e o peso atingido do feto cerca de 1/3 em grande parte absorvidos;
do peso de nascimento. – à medida que se vai constituindo o mecónio,
No 3º trimestre – o período de verdadeira pre- este vai-se acumulando no tubo digestivo; somen-
paração para a vida extra-uterina – continua o te em caso de sofrimento fetal se verifica emissão
aumento do volume das células já formadas, o que do mesmo para o espaço amniótico.
se traduz num incremento de 500 gramas de gor-
dura branca e castanha (10 vezes mais do que nos 3. Nutrição e alimentação neonatais
trimestres anteriores), e da maior parte das reser- Com a laqueação do cordão umbilical a nutrição
vas de minerais, glicogénio, e oligoelementos; hematogénica transplacentar é bruscamente inter-
neste trimestre verifica-se incremento de peso cor- rompida. Estando o tubo digestivo desenvolvido
respondente a 2/3 do peso de nascimento. no termo da gestação, a via natural para o supri-
As principais fontes energéticas para o feto são mento alimentar é a via digestiva; no caso de ima-
os hidratos de carbono representados pela glucose: turidade, compreende-se que esta via (natural,
por difusão, verifica-se um suprimento do referi- extra-uterina) comporta algumas limitações.
do nutriente no sentido mãe → feto, da ordem de Como particularidades essenciais da fisiologia do
4-6 mg/kg/minuto durante o 2º trimestre da gra- tubo digestivo do recém-nascido cabe referir:
videz, período em que já é possível a glucogéne- – a sucção e a deglutição, já presentes no feto,
se. A neoglucogénese processa-se no terceiro tri- estão bem coordenadas no recém-nascido de
mestre (ver adiante). termo a partir das 12 horas de vida; no RN pré-
O suprimento em azoto para a síntese proteica é termo, e tanto mais quanto menor a idade gesta-
levado a cabo através da transferência directa activa cional, existe incoordenação da sucção-deglutição;
de aminoácidos mãe → feto, sendo que também se – atraso do esvaziamento gástrico nas primei-
verifica síntese dos mesmos no citosol da placenta. ras 12 horas de vida pós-natal, melhorando gra-
No que respeita aos lípidos, cabe referir que a dualmente nos primeiros 4 dias;
lipogénese se processa no feto a partir das 12 – o trânsito intestinal estabelece-se, na ausên-
semanas, sendo estimulada pela insulina e inibida cia de anomalias morfológicas e funcionais desde
pelo glucagom e AMPc. As fontes de lípidos para o nascimento. O ar penetra no tubo digestivo atin-
o feto são constituídas: por ácidos gordos livres gindo o intestino delgado entre as 2 e 12 horas de
provenientes da mãe e da síntese na placenta; ou vida, e a porção mais distal do cólon entre as 18 e
da lipólise de triglicéridos, lipoproteínas ou fos- 24 horas;
folípidos, quer da mãe, quer do próprio feto – o refluxo gastresofágico de grau variável por
(salientando-se o papel da lipoproteína-lipase do relaxamento do esfíncter esofágico inferior é habi-
endotélio capilar na hidrólise dos triglicéridos). tual, sobretudo nos primeiros três dias;
– a actividade proteolítica (pancreática e da
2. Tubo digestivo fetal pepsina) é baixa até cerca de 1 ano, desenvolven-
Todas as estruturas do tubo digestivo estão indi- do-se até aos 3 anos;
vidualizadas desde a 12ª semana de gestação, – a lipase pancreática, com actividade fraca, é
sendo que a maturação anatómica e funcional se compensada pala lipase salivar;
efectua progressivamente das regiões proximais – as amilases salivar e pancreática também evi-
para as regiões distais. denciam actividade deficitária nos primeiros
Como particularidades essenciais da fisiologia meses de vida;
do tubo digestivo fetal cabe referir: – as dissacaridases (sacarase, lactase, maltase)
– o feto tem capacidade para a sucção e deglu- atingem a actividade máxima no termo da gravi-
tição; no termo da gestação tem possibilidade de dez após incremento progressivo durante a gesta-
deglutir até 10 mL/hora de líquido amniótico; ção; a actividade da lactase diminui progressiva-
1696 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mente com a idade e, designadamente após o zer as necessidades nutricionais, com maior acui-
período de alimentação láctea exclusiva. dade nos RN com antecedentes de gravidez
– a primeira refeição estimula a libertação encurtada (pré-termo), de insuficiência placentar
duma variedade de hormonas entéricas incluindo e/ou com restrição de crescimento intra-uterino;
insulina, hormona de crescimento, gastrina, ente- – doenças hereditárias do metabolismo cujos
roglucagom, e motilina; efeitos in utero são compensados pelos mecanis-
– a primeira emissão de mecónio – que pode mos homeostáticos do organismo materno: sendo
ser desencadeada pela primeira refeição de leite muitas das situações referidas assintomáticas ou
que estimula a motilidade através de hormonas acompanhando-se de período assintomático, o clí-
intestinais – sobrevém nas primeiras 24 horas; nico deverá proceder ao respectivo rastreio na base
situações em que tal não se verifique até às 48 horas da anamnese perinatal, do exame objectivo, e de
implicam vigilância; de salientar que, nos casos de eventuais exames complementares. (Capítulo 368)
eliminação de mecónio in utero, se comprovou ele- Nesta alínea é dada ênfase a aspectos da adap-
vação dos níveis de motilina no sangue do cordão; tação do metabolismo do cálcio e dos hidratos de
– o atraso da eliminação de mecónio com carbono.
sinais de obstrução intestinal pode observar-se em
diversas situações como “síndroma de rolhão de – Metabolismo do cálcio
mecónio” e síndroma de microcólon esquerdo; In utero o cálcio é transportado pela placenta
uma vez que cerca de 50% dos casos de atraso de de modo activo para o feto de modo que, no termo
eliminação de mecónio surgem em RN de mãe da gestação, os níveis séricos de cálcio sérico fetal
diabética, admite-se que a elevação do glucagom sejam superiores aos níveis de cálcio materno.
(secundária à hipoglicémia) pode diminuir a No feto os níveis séricos de PTH (hormona
motilidade do cólon; a diminuição de tal motilida- paratiroideia) e de 1,25(OH)2 – vitamina D são
de por défice de libertação de acetilcolina baixos, mas os níveis de calcitonina e de 24, 25
secundária a hipermagnesiémia neonatal pode (OH)2 – vitamina D são elevados, o que favorece
também verificar-se nos casos de tratamento de a deposição de cálcio no tecido ósseo.
eclâmpsia materna com magnésio. Após o nascimento, a interrupção brusca de
suprimento de cálcio transplacentar determina que
Adaptação metabólica no RN se verifique, não só diminuição da taxa de
deposição de cálcio no osso, mas ainda remoção do
A composição do meio interno do feto depende da mesmo para o sangue como “garantia” da manuten-
concentração dos diversos elementos do sangue ção da homeostase do cálcio extracelular até à data
circulante materno, dos mecanismos de troca veri- em que se inicia a ingestão de leite (que corresponde
ficados ao nível da placenta e, em menor grau, da ao suprimento de cálcio e outros minerais).
aquisição progressiva de funções de regulação Nas primeiras 24 horas verifica-se diminuição
(maturação) do próprio feto. progressiva dos níveis de cálcio sérico que esti-
A laqueação do cordão umbilical interrompen- mula a libertação de PTH que, por sua vez, esti-
do de modo abrupto, quer o suprimento de mula a síntese de 1,25(OH)2 – vitamina D.
nutrientes e doutros compostos provenientes do Consequentemente verifica-se elevação do cálcio
organismo materno, quer o processo de depura- sérico explicada pelos seguintes mecanismos: 1)
ção de catabólitos anteriormente a cargo da pla- reabsorção/ remoção de cálcio ósseo por acção de
centa, cria no RN uma situação de instabilidade PTH e 1,25 (OH)2 – vitamina D; 2) absorção de cál-
metabólica ou de perturbação da homeostasia de cio intestinal por efeito de 1,25(OH)2 – vitamina
grau e duração variáveis em função da idade ges- D; 3) redução da eliminação renal de cálcio por
tacional do mesmo. acção de PTH e 1,25(OH)2 – vitamina D; 4) redu-
Dois tipos principais de situações podem ser ção gradual do fósforo sérico por excreção renal
considerados representativos de tal perturbação aumentada, como efeito da PTH.
da homeostasia no período neonatal: Em condições de normalidade o cálcio sérico
– carência em reservas energéticas para satisfa- estabiliza com valor > 8 mg/dL cerca de 48 horas
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1697

após o nascimento, aumentando depois durante a dio do balanço do sódio e do sistema renina – angio-
primeira semana. tensina-aldosterona contribui para a regulação da
pressão arterial. Sob o ponto de vista farmacológico
– Metabolismo dos hidratos de carbono o rim constitui a via de eliminação de numerosos
O feto está dependente do suprimento mater- compostos activos ou dos seus catabólitos.
no de glucose, sendo que a glicémia fetal corres-
ponde a cerca de 60-70% da glicémia materna. 2. Rim fetal
Após a laqueação do cordão umbilical verifica-se No decurso da vida intra-uterina o feto não neces-
descida abrupta da glicémia no RN , sendo atingi- sita dos seus rins, pois todas as funções homeostá-
do o nadir entre 1 e 2 horas de vida pós-natal, ticas são asseguradas pela placenta, a qual consti-
aumentando subsequentemente. tui um verdadeiro “rim artificial”.
Os níveis de glucose no sangue são inicialmen- A formação dos nefrónios processa-se numa
te mantidos através da mobilização e eventual sequência centrífuga e completa-se pela 35ª sema-
depleção das reservas de glicogénio hepático, o na de gestação. O desenvolvimento da filtração
que é facilitado pela elevação das catecolaminas e glomerular e da perfusão renal têm uma evolução
glucagom, e diminuição da insulina pós-natal. característica ao longo do último trimestre da gra-
Tendo em conta que o suprimento de hidratos videz. A maturação funcional é muito mais rápida
de carbono através da alimentação nos primeiros do que o crescimento morfológico até à 35ª sema-
dias de vida é escasso, e que somente cerca de 20- na de gestação; a partir desta data verifica-se
50% da glucose para as necessidades provém do menor ritmo de incremento da filtração glomeru-
leite, o RN fica dependente da neoglucogénese a lar que passa a desenvolver-se paralelamente à
partir de aminoácidos, glicerol e lactato. massa renal.
Alterações metabólicas diversas, maternas A formação de urina pelo rim fetal começa
(diabetes, excessivo suprimento de glucose por entre a 9ª e 12ª semana de gestação.
via parentérica intra-parto, tocolíticos beta-simpa- A diurese, estimada por técnica ecográfica, é
ticomiméticos, etc.) ou neonatais (asfixia perina- cerca de 10 mL/hora pela 32ª semana, atingindo
tal, hipotermia, restrição de crescimento intra-ute- cerca de 28 mL/hora no termo da gestação; a
rino, hiperinsulinémia, excesso de peso para a urina é hipotónica, com uma osmolalidade de
idade gestacional, etc.) poderão resultar em per- cerca de 200 mOsm/kg H2O.No decurso do 2º tri-
turbação do metabolismo da glucose no RN mestre verifica-se já um processo de reabsorção
conduzindo a hipoglicémia. activa de glucose, cloro e sódio.
No RN de termo saudável alimentado nas pri- Nas situações de obstáculo da uretra o débito
meiras 4 horas de vida verifica-se em geral glicé- urinário pode ser < 2 mL / hora, verificando-se
mia superior a 40 mg/dL. concomitantemente elevação da concentração
A hiperglicémia é rara no RN de termo. urinária de sódio (>100 mmol/L) e de cloro (>90
mmol/L), assim como elevação da osmolalidade
Adaptação renal urinária (> 200 mOsm/kg/ H2O).
A indometacina (inibidor da síntese das prosta-
1. Funções do rim glandinas), que é utilizada na grávida como
tocolítico, atravessa a placenta podendo diminuir a
O rim tem numerosas funções: regula o volume e a diurese fetal e originar oligoâmnio. Os inibidores
composição do líquido extracelular, participa na da enzima de conversão da angiotensina utiliza-
manutenção do equilíbrio ácido-base, elimina os dos como agentes anti-hipertensão podem igual-
catabólitos azotados, activa a vitamina D, segrega a mente originar oligo-anúria fetal e oligoâmnio.
eritropoietina e sintetiza localmente prostaglandi-
nas, endotelina, bradiquinina, NO e dopamina; é 3. Maturação renal pós-natal
igualmente o alvo de numerosas hormonas extra- – Filtração glomerular e perfusão renal
renais: vasopressina, hormona paratiroideia, aldos- Após o nascimento o rim encarrega-se das fun-
terona, catecolaminas, corticóides, etc.. Por intermé- ções homeostáticas até então desempenhadas pela
1698 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

placenta; em situações de normalidade a primeira – Regulação homeostática


micção do RN de termo verifica-se em cerca de A capacidade de diluição do RN de termo ou
97% dos casos até às 24 horas de vida e em 100% pré-termo é eficaz: a osmolalidade pode atingir
até às 48 horas. A inexistência de diurese até às 24 valores até cerca de 40 mOsm/kg H2O. A capaci-
horas no RN de termo levanta a suspeita clínica de dade de concentração no RN pré-termo é, pelo
patologia subjacente que importa investigar (por contrário, limitada em comparação com o adulto:
ex. hipóxia – isquémia, anomalias congénitas, fár- osmolalidade urinária máxima de cerca de 680
macos administrados à mãe, etc.). mOsm/kg/H2O contra cerca de 1400 mOsm/kg/
A filtração glomerular e a perfusão renal acele- /H2O no adulto; no RN pré-termo tal valor é < 680
ram o ritmo desde as primeiras horas de vida mOsm/kg/H2O.
extra-uterina. A filtração glomerular, cerca de 20 Tendo em conta a fraca capacidade de concen-
mL/min x 1,73 m2 no RN de termo, duplica nas tração, o RN de termo e, ainda mais, o RN pré-
primeiras duas semanas (num adulto cuja superfí- termo, necessitam de um volume mais importante
cie corporal média é cerca de 1,73 m2, a filtração de água para a excreção da carga osmótica diária.
glomerular atinge 100-120 mL/min). O desenvol-
vimento do débito plasmático renal segue uma – Balanço do sódio
evolução paralela, sendo que no período neonatal O rim desempenha papel primordial na regu-
a maturação funcional é mais rápida que o cresci- lação do balanço de sódio e, por conseguinte, na
mento morfológico. manutenção da osmolalidade e volume do líquido
No RN pré-termo, a filtração glomerular, par- extracelular.
tindo dum nível mais baixo, desenvolve-se de Como particularidades do mecanismo do
modo rápido. Esta maturação depende de modi- balanço do sódio cabe referir:
ficações anatómicas e hemodinâmicas: 1) Existe equilíbrio, quer no RN, quer no adul-
– crescimento glomerular; to, entre a filtração e reabsorção de sódio.
– elevação da pressão arterial; 2) A fracção excretada de sódio (FeNa ou per-
– diminuição da resistência vascular renal, e; centagem de sódio filtrado não reabsorvido e excre-
– aumento da superfície de filtração e da per- tado) na data de nascimento está inversamente cor-
meabilidade capilar. relacionada o com a idade gestacional; e, mais
Está igualmente associada a importantes alte- tarde, com a idade pós-natal. Este facto dificulta a
rações da concentração de hormonas vasoactivas: interpretação dos valores de FeNa no RN pré-
– diminuição da angiotensina II, das prosta- termo com suspeita de insuficiência renal aguda.
glandinas, do péptido natriurético auricular 3) Os RN pré-termo(e em menor grau os RN de
(PNA ou ANP produzido nos miócitos da termo) evidenciam incapacidade para excretar
aurícula como resposta a hipoxémia ou a dis- excesso de sódio resultante de suprimento exces-
tensão da cavidade auricular), e da; sivo do mesmo (por menor filtração glomerular,
– endotelina. actividade aumentada do sistema renina-angio-
A maturação da filtração glomerular traduz-se tensina-aldosterona, perfusão preferencial dos
clinicamente por modificações da creatininémia. glomérulos juxtaglomerulares em detrimento dos
No pós parto, o RN apresenta valores elevados da corticais,etc.); tal conduz a balanço positivo em
creatininémia que reflectem a concentração mater- sódio.
na desta substância. A creatinina plasmática do 4) Os RN pré-termo evidenciam incapacidade
RN de termo diminui rapidamente e estabiliza por para reter sódio em situações de carência do
volta do 5º dia de vida num valor de cerca de 35 mesmo (por resistência parcial do túbulo renal
μmol/L. No RN pré-termo de muito baixo peso distal à aldosterona, entre outros factores).
com cerca de 28 semanas de gestação e taxa de fil- 5) As perdas de água transepiderme, muito
tração glomerular muito mais baixa ( cerca de 10 elevadas no RNMBP, poderão originar hipernatré-
mL/min x 1,73 m2), o tempo necessário para mia mesmo que o suprimento em sódio não seja
excretar a creatinina materna é muito mais longo, excessivo.
podendo atingir 1 mês. 6) No RN pré-termo de muito baixo peso é
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1699

relevante considerar o período inicial em que lar entre 40 mL/kg/dia inicialmente, e 60-80
ocorre, paralelamente à perda de peso, contracção mL/kg dia nas semanas subsequentes.
do espaço extracelular que contém sódio; uma vez
que a referida contracção corresponde a passagem Adaptação hematológica
de sódio do espaço extravascular para o vascular,
haverá que adoptar prudência na prescrição de Tendo em consideração que determinados tópicos
sódio em tal período de adaptação (Capítulo 338). relacionados com esta alínea foram analisados nos
Capítulos 135-137, é dada ênfase à transfusão pla-
– Equilíbrio ácido-base centar e à dinâmica dos neutrófilos.
A regulação do equilíbrio ácido-base é relati-
vamente eficaz no RN. Este excreta, desde os pri- 1. Transfusão placentar
meiros dias, os ácidos produzidos pela oxidação A prática corrente tem sido proceder à laqueção entre
dos substratos metabólicos e reabsorve os bicarbo- os 30 e 60 segundos de vida extra-uterina, conside-
natos filtrados. rando que o RN e placenta são colocados no mesmo
Existe igualmente capacidade para diminuir o plano da vulva (salientando-se que as normas actuais
pH urinário em situação de acidose metabólica recomendam tempo não inferior a 1 minuto se não
(valores mais baixos no RN de termo); os valores estiver indicada reanimação-capítulo 329).
mais baixos são atingidos proporcionalmente a Recordando que o volume total de sangue (da
partir da 2ª semana de vida. placenta + do RN de termo) varia entre 115-120
Tendo em conta o baixo limiar de excreção mL/kg, e que o valor da volémia do RN em idên-
urinária, é importante referir as diferenças de ticas circunstâncias varia entre 70-100 mL/kg,
comportamento no RN de termo e no pré-termo; compreende-se que a placenta constitui um reser-
no primeiro caso a concentração de bicarbonato vatório importante de sangue, podendo influen-
plasmático é cerca de 20-22 mmol/L e, no segun- ciar a volémia do RN.
do caso, 18-20 mmol/L. A posição da placenta cerca de 50 cm acima do
plano do RN favorece a transfusão placenta-feto,
– Actividade da renina plasmática (ARP) enquanto a posição inversa favorece a transfusão
Na data do nascimento a concentração da RP feto-placenta.
no RN de termo é cerca de 10-12 ng/mL/hora; tal Se a laqueação for precoce (< 30 segundos)
concentração vai diminuindo até cerca de 1 com RN-placenta-vulva no mesmo plano, obtém-
ng/mL/hora pelos seis anos de idade, valor que se, na ausência de anomalias hematológicas pré-
se mantém até à idade adulta. vias ou de patologia associada, hematócrito ~ 48-
Os principais estímulos para a libertação de 50%; se a laqueação tiver lugar aos 30 segundos,
renina são mediados pela PG-E2 e PG-I1. Ora, a obtém-se incremento do valor de Hb em + 2g/dL;
excreção urinária destas prostaglandinas é relati- se ao cabo de 3 minutos, o valor da transfusão
vamente maior nos RN pré-termo, variando de placento-fetal é cerca de 25-50 mL/kg(o que
modo inversamente proporcional à idade de ges- conduz a incremento da volémia de ~ +50%).
tação.
2. Dinâmica dos neutrófilos
– Carga de soluto renal Entre as 12 e 24 horas após o nascimento verifica-
A quantidade de água necessária para a for- se elevação do número de neutrófilos, diminuindo
mação da urina depende, não só da função renal, depois até às 72 horas, mantendo-se com número
mas também da chamada carga de soluto renal. relativamente estável a partir desta data; a relação
Esta última deriva, quer de produtos do catabolis- entre número absoluto de neutrófilos imaturos e o
mo tecidual quando o suprimento energético e número absoluto de neutrófilos totais é < 0,2. Nas
proteico são insuficientes, quer do suprimento situações de estresse perinatal tais como infecção
exógeno de proteínas e electrólitos. Por sua vez, perinatal, asfixia, eclâmpsia, etc., aumenta a pro-
para o rim excretar a carga de soluto renal através porção de neutrófilos imaturos. (ver Capítulo 325-
da urina, necessita de água cujo volume deve osci- índices de gravidade).
1700 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Adaptação neurológica com a idade gestacional. De salientar que o encé-


e comportamental do RN falo imaturo, com capacidade glicolítica anaeró-
bia, utiliza como alternativa, entre outras fontes
No que respeita aos ritmos circadianos, os chama- energéticas, os corpos cetónicos.
dos ritmos diurnos encontram-se no feto desde as O período de transição feto-RN é também
20 semanas, possivelmente relacionados com os acompanhado de alterações neuroquímicas
ritmos de melatonina materna. importantes. A concentração de aminoácidos exci-
O comportamento do RN no pós-parto, designa- tatórios tais como o glutamato atingindo a concen-
damente no que respeita à actividade motora e alter- tração máxima no termo da gestação, poderá
nância de sono-vigília, pode ser influenciado por contribuir para maior sensibilidade à hipóxia no
factores diversos tais como analgesia materna, anes- RN de termo em comparação com o pré-termo.
tesia intraparto, toxicodependência materna, etc..
Nos primeiros 120 minutos pós-parto o RN 2. Activação de genes
está alerta, executa movimentos de rotação da O trabalho de parto interfere no mRNA no que
cabeça, de flexão e extensão dos membros, movi- respeita à codificação dum certo número de enzi-
mentos de sucção e simile mastigação, evidencian- mas (tais como hidroxilase da tirosina e a beta-
do mímica semelhante a “caretas”, e movimentos hidroxilase da dopamina), e de compostos (como
mioclónicos dos globos oculares. a chamada substância P). Esta última, produzida
Após os primeiros 120 minutos começa a veri- no tractus solitarius, evidencia uma concentração
ficar-se alternância de períodos de actividade com que aumenta significativamente nos primeiros
períodos de sono; o sono activo pode oscilar em dias de vida; admite-se que possa ter papel de
períodos de minutos a cerca de 4 horas; no entan- regulação no automatismo respiratório como
to, este processo de ritmo circadiano pós-natal mediador na estimulação de quimiorreceptores
(alternância sono-vigília em relação com os níveis em situações de hipóxia.
de cortisol e melatonina) poderá levar entre 8 a 12
semanas e estabilizar. (Capítulo 28) Índice de Apgar
De salientar que tais fases evolutivas podem
sofrer alteração como resultado de determinadas O chamado índice de Apgar, criado em 1953 nos EUA
situações como toxicodependência, diabetes por Virgínia Apgar , é um método de avaliação vital
materna, e restrição do crescimento intra-uterino. do RN, traduzindo a adaptação imediata do feto à
A hemorragia intracraniana secundária a trau- vida extra-uterina (ao 1 minuto e 5 minutos; e, even-
matismo do nascimento pode ser considerada tualmente, também aos 10 minutos e 15 minutos).
uma anomalia da adaptação fetal à vida extra-ute- De modo estruturado, são avaliados 5 parâmetros, a
rina; tal como a asfixia, poderá traduzir-se por cada um dos quais é atribuída respectivamente a
apneia ou convulsões nas 48 horas a seguir ao pontuação de 0 ou 1 ou 2 (Quadro 3).
parto. Apneia e convulsões poderão também ocor- De acordo com a pontuação verificada, é possí-
rer secundariamente a hipoglicémia, hipocalcé- vel dividir as situações encontradas em 4 grupos
mia, abstinência de drogas ou policitémia. *0 <> feto morto
(Capítulos 363 e 364) *1-3 <> depressão grave
*4-6 <> depressão ligeira a moderada
Outras formas de adaptação *7-10 <> boa vitalidade ou boa adaptação à
vida extra-uterina.
1. Resistência do cérebro à hipóxia perinatal Se aos 5 minutos de vida o índice de Apgar for
Durante a vida intra-uterina as necessidades do < 7, deve continuar-se a respectiva avaliação de 5-
encéfalo em energia e em oxigénio são mais baixas 5 minutos até aos 20 minutos.
em relação ao RN, à criança maior e ao adulto Como notas importantes relativamente a este
(menor idade <> neurónios mais pequenos, critério de avaliação, cabe acentuar:
menos ramificados e com menor número de 1 – trata-se dum instrumento que orienta quem
sinapses); contudo tais necessidades aumentam assiste ao parto sobre a eventual necessidade de
CAPÍTULO 326 Adaptação fetal à vida extra-uterina 1701

QUADRO 3 – Índice de APGAR

0 1 2
Frequência cardíaca ausência de batimentos <100/min >100/min
Respiração apneia irregular choro forte
Irritabilidade reflexa ausente fraca boa
Cor da pele palidez cianose rosada
Tono muscular hipotonia marcada flexão ligeira das flexão franca
extremidades das extremidades
actividade motora

executar manobras de reanimação (o principal Kirby RR, Smith RA, Desautels DA (eds). Mechanical
interesse deste critério); Ventilation. New York: Churchill Livingstone, 1985
2 – índice de Apgar baixo (depressão ou adap- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
tação difícil) não traduz necessariamente situação Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
de asfixia perinatal, nem de probabilidade de McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
sequelas futuras (Capítulo 329); Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
3 – em situações específicas acompanhadas de Kurjak A(ed). Textbook of Perinatal Medicine. London:
valor baixo persistente (<3) até aos 15 minutos Parthenon, 1998
existe, de facto, probabilidade de sequelas neu- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
rológicas. Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
N.B. – Sobre as limitações do índice da Apgar, Livingstone, 2008
designadamente em situações de prematuridade, Platt MPW. The antenatal diagnosis of fetal anomaly: where to
e quanto ao significado do parâmetro "cor da deliver the baby? Arch Dis Fetal Neonatal Ed 2013: 98:F190-
pele", consultar o capítulo 329. F191
Raju TNK. Timing of umbilical cord clamping after birth for
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1702 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

327
– Antecedentes maternos
Idade, profissão, situação económico-social
(índice de Graffar), consanguinidade, grupos san-
guíneos (AB0 e Rh), doenças endócrino-metabóli-
cas (diabetes, hipo ou hipertiroidismo, outras),
hábitos de tabaco ou álcool, doenças hematológi-
EXAME CLÍNICO cas (anemia, púrpura, outras), hipertensão, epi-
lepsia, infecções do grupo TORCHS), etc..
DO RECÉM-NASCIDO – Antecedentes paternos
Idade, profissão, situação económico-social,
João M. Videira Amaral estado de saúde, grupos sanguíneos (designada-
mente se mãe do grupo 0 ou Rh negativo).
Nota importante: a componente social/ambien-
tal dos progenitores ou tutores pode ser avaliada
Objectivos do primeiro exame clínico através da chamada escala de Graffar (Consultar
do RN Anexos /vol. 3).
– Antecedentes obstétricos
O primeiro exame clínico do RN, com especifici- Gravidezes anteriores (por ex. prematuridade,
dades relativamente ao exame clínico do lactente e disfunção placentar, gemelaridade, iso-imuniza-
criança em geral, tem como objectivos fundamen- ção, morte fetal, tipos de parto, aborto, etc.), dro-
tais: gas administradas durante a gravidez e parto, data
1. avaliar a adaptação fetal à vida extra-uteri- do 1º dia da última menstruação, patologia da gra-
na; videz (eclâmpsia, síndroma antifosfolípido, hiper-
2. detectar anomalias congénitas (muitas vezes tensão, lúpus eritematoso sistémico, doença renal
identificadas ou suspeitadas por exame imagioló- crónica, hemorragia do terceiro trimestre, placenta
gico pré-natal); prévia, ameaça de aborto, hospitalizações, etc.),
3. avaliar a maturidade física e neurológica. características do parto (duração do trabalho de
Tal exame implica a realização de anamnese parto, febre intra-parto, via baixa, fórceps, cesaria-
perinatal (que, na perspectiva de antecipação de na, manobras de versão, tempo de ruptura da
cuidados, deverá ser feita idealmente na fase pré- bolsa de águas, líquido amniótico (límpido, tinto
natal ou no pré-parto, à mãe grávida) entrando de mecónio, fétido, quantidade- oligo ou poli-
em conta com os dados obtidos a partir do Boletim hidrâmnio, etc.), apresentação do RN, peso e
da Grávida; este incluirá registos importantes rela- aspecto da placenta (em condições de normalida-
tivos aos exames clínicos no âmbito da vigilância de, cerca de 1/5 a 1/6 do peso do RN, eventuais
pré-natal (designadamente evolução da altura zonas de enfarte, etc.), anestesia, analgesia, etc..
uterina, dados ecográficos, etc.) e a eventuais pro- – Interpretação dos dados colhidos
cedimentos englobados no conceito de diagnósti- Determinados dados colhidos através da
co pré-natal. (Capítulos 16,17 e 324) anamnese poderão ser de grande utilidade no que
respeita à detecção antecipada de possíveis pro-
Anamnese blemas:
*Contacto da grávida com determinadas infec-
Os dados da anamnese a registar no processo clí- ções → possível infecção no RN
nico são sistematizados do seguinte modo: *Hábitos de fumo com tabaco → baixo peso de
– Filiação, idades materna e paterna, morada, nascimento
dia e hora de nascimento, nº do processo clínico; *Abuso de álcool → síndroma alcoólica fetal
– Antecedentes familiares *Gravidez em adolescente → baixo peso de
Doenças genéticas, anomalias congénitas, nascimento e/ou prematuridade
doenças endócrinas, doenças metabólicas, sífilis, *Febre materna ou febre intra-parto → possível
tuberculose, infecção por VIH, SIDA, etc.; infecção no RN
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1703

*Progressão ponderal na gravidez: deficiente semiológicos é abordada, nalgumas situações, a


→ baixo peso de nascimento; excessivo → dia- respectiva interpretação etiopatogénica.
betes materna, macrossomia fetal
*Hipertensão arterial na gravidez → restrição Inspecção geral
do crescimento intra-uterino Deve ser realizada antes de se proceder ao exame
*Oligo-âmnio → possível anomalia nefro- objectivo sistematizado por regiões. O RN deve
urológica estar sem roupa, numa marquesa própria, sob
*Poli-hidrâmnio → possível anomalia do SNC fonte de calor.
ou do tubo digestivo. *Postura
No RN de termo verifica-se: cabeça em rotação
Exame objectivo lateral ou na linha média (região occipital assente
no plano do berço); flexão simétrica dos segmen-
Sendo fundamental recordar a importância da tos dos membros superiores (antebraço sobre o
prevenção das infecções, cabe chamar a atenção braço e braço sobre o tronco) e semiflexão, tam-
para a obrigatoriedade da lavagem das mãos e bém simétrica dos segmentos dos membros infe-
antebraços do observador antes da realização do riores; dedos flectidos sobre as mãos; durante o
exame objectivo (como os cirurgiões antes da ope- choro executa movimentos dos quatro membros e
ração); em situações especiais poderá estar indicada da região cérvico-cefálica. (Figura 1)
a realização do mesmo com luvas esterilizadas (e, No RN pré-termo, os membros superiores e
eventualmente, de barrete, máscara e óculos de inferiores assumem posição em extensão pela
protecção). hipotonia compatível com a imaturidade; (Figura
No bloco de partos, após o nascimento, conhe- 2) à medida que avança a maturidade, a tendência
cendo o índice de Apgar, (Capítulo 326) é realiza- para a flexão dos membros verifica-se no sentido
do um primeiro exame objectivo sumário para avalia- membros inferiores (os primeiros a ficarem flecti-
ção do peso, comprimento, perímetro cefálico, dos) → membros superiores (flexão em idade ges-
comportamento e vitalidade (choro vigoroso, tacional mais avançada).
gemido, etc.), cor da pele (por ex. rosada, pálida, Nos casos de fractura de clavícula ou de lesão
cianótica), actividade motora e postura dos mem- óssea por sífilis congénita pode haver hipomobili-
bros (simetria ou assimetria, sendo que toda e dade do membro do lado afectado (superior na
qualquer assimetria de postura é anómala), fre- primeira hipótese, superior ou inferior na segun-
quência cardíaca/FC (normal:100-160 batimen- da hipótese).
tos/minuto), frequência respiratória/FR (normal: Na apresentação de nádegas os membros infe-
40-50 ciclos/minuto, índice de Silverman (Ca- riores podem evidenciar uma postura assimétrica
pítulo 345), pressão arterial/PA (em casos espe-
ciais), tempo de recoloração capilar da pele detec-
tado por compressão digital na face anterior do
tórax (normal até 3 segundos), detecção de ano-
malias congénitas (por ex. imperfuração anal),
verificação dos vasos umbilicais (1 veia e 2 arté-
rias), etc..
O exame objectivo mais pormenorizado e estrutu-
rado em alíneas que a seguir se discriminam
(exame físico geral e exame físico por regiões),
poderá ser realizado nas 2 a 4 horas a seguir ao
parto, idealmente na presença dos pais; deverá
aproveitar-se este acto médico para explicar os
procedimentos realizados e esclarecer eventuais
FIG. 1
dúvidas surgidas.
A propósito da descrição dos aspectos Postura de RN de termo. (URN-HDE)
1704 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(Figura 3); nas apresentações de face, hiperex- superior do mesmo lado menos encerrada , suges-
tensão da cabeça; na paralisias do plexo braquial, tivos de paralisia facial periférica), fácies sui gene-
extensão, pronação e rotação interna dum mem- ris como na síndroma de Down,na síndroma de
bro superior unilateralmente ou mão pendente Edward (Capítulo 15), fácies pletórica de “lua
unilateral (exemplos de assimetrias). Ou seja, e cheia” como nos RN de mãe diabética, fácies com
reiterando, toda e qualquer assimetria- estática ou retrognatismo, como na síndroma de Pierre Robin,
de movimento – é considerada anómala. (Capítulo fáceis de bebé colódio, etc.. (Figura 4)
363) Um aspecto designado habitualmente por más-
*Fácies cara equimótica (cor azulada da fronte e face como
Deve verificar-se a simetria da face (assimetria resultado da confluência de petéquias e pequenas
do sulco nasogeniano menos marcado, comissura sufusões) resulta de hipertensão no território da
labial mais aproximada da linha média e pálpebra veia cava superior, em geral relacionável com circu-
lar do cordão apertada (Capítulo 363); poderá tam-
bém ocorrer no contexto de parto precipitado, com
período expulsivo rápido com consequente com-
pressão e descompressão torácica bruscas originan-
do hipertensão no território da veia cava superior.
*Choro
No RN de termo saudável, o choro é vigoro-
so,de tonalidade variável; a verificação de choro
fraco, acompanhado ou entrecortado de gemido
e/ou de dificuldade respiratória, agudo e monó-
tono (o chamado “grito cerebral”) traduz situação
anómala de etipatogénese diversa. O chamado
“choro miado” ou símile miar do gato é típico da
FIG. 2
“síndroma do miar do gato” ou cri du chat.
Postura de RN pré-termo. (URN-HDE) *Pele
No que respeita à textura, ela é muito variável
(desde brilhante, lisa, gelatinosa no RN pré-termo
a áspera, descamativa no RN pós-termo ou com

FIG. 3
Postura assimétrica dos membros inferiores em RN com FIG. 4
apresentação de nádegas/parto pélvico. (URN-HDE) Fácies de ictiose (bebé colódio) (URN-HDE).
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1705

antecedentes de disfunção placentar). Quanto à Na síndroma de Kasabach-Merritt existe asso-


cor, pode evidenciar palidez (por anemia), cor ver- ciação de grande hemangioma a trombocitopénia.
melha viva ou aspecto pletórico, típica das situa- – Eritema tóxico ou tóxico-alérgico
ções de policitémia / hiperviscosidade, ou icterí- Consiste em lesões eritematopapulosas com
cia (seguramente patológica se evidenciada preco- centro mais claro ou amarelo, predominando no
cemente-1ªs 24 horas de vida). tronco. Detectadas no 2º-3º dias de vida, verifica-
A cianose das extremidades (acrocianose ou peri- se regressão espontânea até aos 7-10 dias.
férica), traduzindo instabilidade vasomotora ou – Milium sebáceo
menor velocidade circulatória nas mãos e pés pro- Por acção dos estrogénios maternos poderão
vocada pelo frio, é muito frequente (sobretudo surgir pequenas granulações com o tamanho de
mos membros inferiores); regride geralmente com cabeça de alfinete, esbranquiçadas, formadas por
o aquecimento. A cianose dita central é notória ao pequenos quistos intra-epidérmicos localizados
nível da língua, leitos ungueais e lobos da orelha. predominantemente no nariz e mento. Trata-se
O aspecto de pele marmoreada pode traduzir hipo- duma situação transitória (semanas) e sem signifi-
volémia ou acção do frio. cado patológico, resultante da dilatação dos
As equimoses de etiopatogénese diversa, canais sudoríparos ou dos folículos pilosos.
poderão traduzir fragilidade capilar, mais fre- – Mancha mongólica
quente no RN pré-termo; a localização depende É uma mácula de cor azul-esverdeada, mais
da apresentação fetal. frequente e de maior dimensão na raça preta,
A vernix caseosa é tanto mais abundante quan- desaparecendo até cerca dos 3-5 anos. Localiza-se
to menor a idade gestacional; nos RN de termo é mais tipicamente nas regiões lombossagrada, glú-
observada sobretudo nas pregas de flexão. tea, podendo, nalguns casos, atingir a região dor-
Trata-se de matéria gorda de consistência sal. A etiopatogénese relaciona-se com imaturida-
saponácea que cobre parcialmente a pele do feto e de da pele, da migração dos melanócitos e com
RN; formada por sebo e células epiteliais desca- factores raciais (Figura 5).
madas e por pelos da penugem, tem como funções – Lanugo
fundamentais a protecção da pele e o isolamento O lanugo é uma “penugem” ou conjunto de
térmico. pelos finos que recobrem o corpo, mais frequente-
A pele (assim como faneras e cordão umbilical) mente e com maior extensão nos RN pré-termo.
poderão estar cobertos por mecónio eliminado – Fenómeno “arlequim”
por surtos durante a gestação como resultado de Trata-se duma alteração vasomotora transitó-
episódios de hipóxia. ria (minutos) e curiosa: hemicorpo rosado e hemi-
Outros achados detectáveis à simples inspecção: corpo pálido, sendo que existe uma linha recta de
– Hemangioma capilar, angioma plano ou nevus
telangiectásico
Este achado, que regride em geral durante o
primeiro ano de vida, observa-se mais frequente-
mente na fronte, pálpebras superiores e nuca.
A verificação de angioma extenso e verrucoso em
segmento cefálico, no território do trigémio (hemi-
fronte/face) pode fazer parte da síndroma de
Sturge-Weber; pode verificar-se associação a
angioma das leptomeninges.
– Hemangioma cavernoso
Nesta situação o aspecto do angioma é uma
massa arredondada, firme, com cor de vinho ou
FIG. 5
arroxeada-avermelhada, simile framboesa, de
localização diversa; em geral regride até aos 2-3 Mancha mongólica de grandes dimensões: nádegas e região
anos no sentido centrífugo. dorsolombar. (URN-HDE)
1706 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

separação notória a meio do tronco, como que tra-


çada a régua.
– Pênfigo palmo-plantar
Corresponde a lesões bolhosas cutâneas
contendo líquido seroso relacionáveis com sífilis
congénita (um dos tipos de lesão cutâneo-mucosa
de etiologia sifilítica, ou sifílide) (Capítulo 360).
– Pústulas com rubor circundante (foliculite),
frequentemente de etiologia estafilocócica.

Parâmetros vitais e somatometria


Já nos referimos aos parâmetros vitais ao abordar
o exame imediato do RN no bloco de partos.
No que respeita à somatometria (parâmetros
peso, comprimento e perímetro cefálico), cabe
FIG. 6
referir:
1) Noções práticas, salientando as seguintes RN com macrocefalia por hidrocefalia; perímetro cefálico >
correspondências: a cabeça+tronco correspondem percentil 90. (URN-HDE)
a 2/3 do comprimento do RN, enquanto os mem-
bros inferiores, a 1/3 do mesmo comprimento; por deverá ser sempre enquadrado na dinâmica do
sua vez, o perímetro cefálico corresponde ao com- crescimento em geral, e sempre conjugado com o
primento “sentado”, ou seja ao segmento superior; perímetro cefálico, sendo que dimensões muito
2) O peso, comprimento e perímetro cefálico reduzidas da fontanela anterior poderão sugerir
devem ser relacionados com a idade gestacional encerramento precoce das suturas (Capítulo 192).
através da consulta das chamadas curvas de cres- – Suturas
cimento intra-uterino, precisamente para detectar Investiga-se, quer cavalgamento, quer diástase
eventuais desvios do crescimento fetal, o que tem ou afastamento, que constituem sinais anómalos.
implicações na avaliação do risco do RN – Tumefacções
(Capítulos 325 e 330). (Figura 6) As tumefacções podem ser englobadas em
dois tipos:
Cabeça – da linha média (devendo ser consideradas
*Crânio até prova em contrário como anomalias congéni-
De acordo com a semiologia clínica clássica, tas por defeito de encerramento do tubo neural
deverá proceder-se à inspecção, palpação e per- (por ex. encefalocele, por vezes de pequenas
cussão do crânio (e eventualmente auscultação dimensões);
dependendo do contexto clínico). – não obedecendo a noção de simetria (bossa
Em função do modo de apresentação fetal serossanguínea e céfalo-hematoma).
poderá detectar-se assimetrias transitórias através A chamada bossa serossanguínea é uma tume-
da simples inspecção, assim como sinais de lesões facção mole que ultrapassa o limite das suturas,
traumáticas. notória no pós parto imediato como resultado do
Através da palpação identifica-se: edema de compressão do couro cabeludo (zona de
– Fontanela anterior (em losango, com diago- apresentação) regredindo nos dias seguintes.
nais ~ 2,5 x 2 cm) e a fontanela posterior (com <0,5 O chamado céfalo-hematoma é uma tumefacção
cm em condições de normalidade); fontanela pro- ovóide, não necessariamente detectável no pós –
cidente e hipertensa sugere hipertensão intracra- parto imediato, aumentando de dimensões (ao
niana; fontanela deprimida é detectada em caso contrário da bossa serossanguínea) e limitada às
de desidratação; fontanela posterior de dimensões suturas (também ao contrário do que acontece
> 0,5 cm implica investigar possível hipotiroidis- com a bossa serossanguínea); trata-se duma colec-
mo. De salientar que o exame das fontanelas ção hemática subperióstica de consistência firme
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1707

com sensação de flutuação; respeita as suturas, tempo encerradas. Na inspecção das pálpebras
porque que o periósteo é “independente” de osso deve analisar-se a inclinação das respectivas fen-
para osso. Sendo colecção hemática subperióstica, das (eixo simile-horizontal, mongolóide ou em V,
se a mesma surgir atipicamente no pós parto ime- e antimongolóide ou em “A”) assim como os res-
diato, ela poderá constituir um epifenómeno de pectivos movimentos (Capítulo 15-Figuras 1 e 2);
fractura óssea no contexto de parto laborioso e ptose (em relação com paralisia do 3º par craniano
traumático. Existe tendência para calcificação- ou doença miopática; não encerramento (em rela-
endurecimento da tumefacção, que se torna ção com paralisia do 7º par),etc.; edema (em rela-
imperceptível nos meses ou anos seguintes à ção com a apresentação no parto).
medida que o crânio cresce. (Figura 7) – Pupilas
A auscultação do crânio poderá detectar sopro, Em situação de normalidade são de dimensões
situação compatível com fístula arteriovenosa iguais reagindo à luz.
intracraniana. – Conjuntivas
*Face As hemorragias subconjuntivais, transitórias e
Ao nível da face a pesquisa de sinais incide raras, resultam de hipertensão no território da
sobre os olhos, nariz, orelhas, boca e região man- vaia cava superior durante o parto. (Capítulo 254)
dibular. – Córnea
Olhos A verificação de córnea aumentada e opaca
– Pálpebras impedindo a visualização da íris é compatível com
As pálpebras permancem na maior parte do situação de glaucoma congénito. (Capítulo 253)

A B

FIG. 7
Tumefacção da cabeça: A – Bossa serossanguínea; B – Céfalo-hematoma. (URN-HDE)
1708 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– Cristalino
A verificação de opacidade do cristalino (cata-
rata) comprova-se incidindo foco luminoso per-
pendicularmente à íris, através da pupila (utilizan-
do oftalmoscópio para melhor avaliação): em vez
da visualização do fundo “avermelhado normal”,
obtém-se um fundo “branco” devido ao obstáculo
da opacidade do cristalino interposto entre o crista-
lino e o fundo ocular (Capítulos 255 e 256). (De
salientar que a noção semiológica de pupila de “cor
branca” ou leucocória igualmente traduz patologia
do segmento posterior do olho, nomeadamente
retina, exemplificando-se com o retinoblastoma).
– Esclerótica
De cor branca no RN de termo, a cor é azul no
RN pré-termo e no RN com osteogénese imperfei-
ta. (Capítulo 259)
FIG. 8
Nariz
Ao nível do nariz deve pesquisar-se essencial- Implantação das orelhas. Tracejado: implantação normal; a
mente a forma (as anomalias de forma podem cheio: implantação baixa (consultar texto).
relacionar-se com defeitos intrínsecos do desen-
volvimento, ou com deformações por pressão Boca e região mandibular
extrínseca relacionada com a posição in utero ou o No exame objectivo da boca deve averiguar-se
próprio parto) e a permeabilidade das fossas sobre os seguintes aspectos: lábios (fenda labial ou
nasais e dos coanos. lábio leporino?-Capítulo 15-Figura 4 – , assimetria
A obstrução nasal acompanhada de exsudado da comissura labial?, por vezes só notória quando
mucopurulento ou mucopiossanguinolento unila- o RN chora, e relacionável com paralisia do facial),
teral ou bilateral pode constituir sinal de sífilis filtro (longo, na fetopatia alcoólica, curto na sín-
congénita precoce. droma de Di George), retrognatismo por hipopla-
A atrésia uni ou bilateral dos coanos pode sus- sia do maxilar inferior (um componente da sín-
peitar-se em caso de cianose que diminui com o droma de Pierre Robin,por ex.) orofaringe, palato
choro; em tal circunstância deve introduzir-se uma duro e mole (fenda palatina ?, úvula bífida ? des-
sonda de polietileno para confirmação ou exclusão. vio da úvula ?) tumefacções da mucosa e gengi-
Orelhas vas(quistos de retenção gengival ? dente congéni-
Os aspectos essenciais a pesquisar dizem to? – por vezes associado a síndroma de Ellis van
respeito à forma, dimensões, implantação, obstru- Creveld, implicando extracção pelo risco de aspi-
ção do meato externo, presença de fístulas ração para a via aérea), língua (macroglóssia suge-
retroauriculares e apêndices pré-auriculares. rindo hipotiroidismo, síndroma de Beckwith-
Considera-se implantação baixa se a hélice* se Wiedemann, síndroma de Down, glicogenose do
localizar abaixo duma linha imaginária horizontal tipo II (doença de Pompe, etc..).
que une as duas comissuras palpebrais externas. A presença de secreções arejadas/saliva abun-
(Figura 8) dantes reaparecendo após aspiração pode levan-
As alterações de forma e posição estão fre- tar a suspeita de atrésia do esófago, designada-
quentemente associadas a anomalias renais, do mente havendo antecedentes de poli-hidrâmnio e
primeiro arco branquial e a cromossomopatias. sinais ecográficos pré-natais sugerindo obstrução
do tubo digestivo superior.
A presença de exsudado branco semelhante a
*Hélice da orelha (em inglês ou francês: helix) – prega saliente, em semi-
círculo, que rodeia o pavilhão da orelha, desde a concha à parte superior
“leite coagulado” sobre as gengivas, face interna
do lóbulo. da região geniana e língua sugere infecção por
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1709

Candida (monilíase oral ou “sapinhos”); trata-se de toideu há que pesquisar tumefacções quísticas e fís-
situação evidenciada ao cabo de alguns dias após tulas branquiais. Por vezes detecta-se (somente
o nascimento. após a 2ª - 3ª semana) uma tumefacção esferóide
As chamadas pérolas de Epstein (alterações dura, com cerca de 1 a 3 cm de diâmetro, ao longo
benignas e irrelevantes) são pequenas tumefac- de um dos feixes do referido músculo a qual corres-
ções do tamanho de cabeça de alfinete (correspon- ponde a hematoma (surgido no contexto de trauma-
dendo a quistos de inclusão, com acumulação de tismo de nascimento); a retracção e encurtamento
células epiteliais), por vezes agrupadas em núme- consequentes do músculo poderão originar torcico-
ro de 2-3, na linha média, tipicamente na transição lo (torção do pescoço com inclinação da cabeça).
do palato duro com o palato mole; regridem em Na linha média deve igualmente pesquisar-se
semanas (Figura 9). a presença de quisto ou fístula do canal tiroglosso,
As chamadas aftas de Bednar (evidenciadas assim como de tiroideia aumentada de volume
após a primeira semana de vida) são úlceras loca- (bócio congénito).
lizadas bilateralmente ao nível do palato mole e Deve proceder-se igualmente à auscultação da
da procidência das apófises pterigoideias; trata-se base do pescoço.
de lesões traumáticas raras relacionadas possivel-
mente com o fenómeno de sucção. Tórax
A rânula é uma tumefacção quística sublingual Podem ser pesquisados os seguintes aspectos:
secundária a obstrução do canal excretor da glân- forma cilíndrica, variações morfológicas (em funil,
dula salivar sublingual (Capítulo 306). em quilha, com o apêndice xifoideu saliente),
tumores (Figura 10), glândulas mamárias tumefac-
Pescoço tas – não ocorrendo em todos os RN, em geral a
Como característica fisiológica do RN, o pescoço partir do final da 1ª semana com regressão ulte-
é curto, sendo que, em situações anómalas como a rior); deve igualmente verificar-se a distância inter-
síndroma de Klippel-Feil, é excessivamente curto, mamilar: mamilos muito lateralizados poderão
o que se explica pela fusão de vértebras cervicais. enquadrar-se em síndromas malformativas.
Através da inspecção pode observa-se o cha- O tipo de respiração é abdominal ou tóraco-
mado pterygium colli ou prega bilateral do pesco- abdominal, sendo frequentes variações da fre-
ço, simétrica, muito saliente, fazendo “ponte” quência e do ritmo respiratórios (e pausas no RN
entre a apófise mastoideia e os ombros (Capítulo pré-termo).
20-Figura 1). Deve proceder-se à palpação das clavículas,
Ao longo do bordo anterior do esternocleidomas- sendo que qualquer tumefacção e/ou crepitação
constitui sinal de fractura; nos casos em que estes

FIG. 10
FIG. 9 Linfangioma quístico da parede do tórax e membro superior
Pérolas de Epstein. (URN-HDE) esquerdo. (URN-HDE;cortesia do Dr J Azevedo Coutinho)
1710 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sinais não são detectados, poderá ser a própria ção de pressão sistólica > 100 mmHg (0-7 dias) e
mãe, após a alta da maternidade, a detectar >104 mmHg (8-28 dias).
pequena tumefacção ovóide clavicular traduzindo
calo de fractura anterior. (Capítulo 363) Abdómen
O exame do aparelho respiratório compreen- Através da inspecção pode comprovar-se que o
de essencialmente a auscultação: murmúrio vesi- abdómen é globoso expandindo-se em coincidên-
cular audível simétrica ou assimetricamente, ruí- cia com a inspiração de modo síncrono (situação
dos adventícios, etc.. normal) ou assíncrono (situação anormal relaciona-
O exame do aparelho cardiovascular com- da com dificuldade respiratória); é menos globoso
preende os seguintes passos: nos casos de restrição de crescimento intra-uterino.
– palpação do choque da ponta (no RN de A distensão abdominal importante sugere pro-
termo, no 5º EIE e linha médio-clavicular; desvios cessos obstrutivos do tubo digestivo, massas
traduzem situações anómalas (por ex. dextrocár- abdominais, infecção sistémica, hipomagnesié-
dia, hérnia diafragmática esquerda,etc.); precórdio mia,etc.. Abdómen escavado ou menos globoso
hiperdinâmico (procidência intermitente da região pode sugerir hérnia diafragmática de Bochdalek
precordial coincidindo com a sístole/diástole do (Capítulos 308 e 315).
miocárdio) ou choque da ponta “visível” pode Outros aspectos que são evidentes à inspecção
constituir sinal de ductus arteriosus permeável; da parede abdominal incluem: onfalocele (exterio-
– auscultação dos focos cardíacos convencio- rização das vísceras cobertas por saco peritoneal),
nais, base do pescoço e dorso; sopro auscultado no gastrosquise (exteriorização das vísceras não
dorso deve ser considerado anómalo; sopro mais cobertas por saco peritoneal) e o coto umbilical;
audível na base do pescoço é compatível com duc- relativamente a este último, constitui procedimen-
tus arteriosus permeável; em RN de termo, sopro to sistemático a contagem dos vasos: duas artérias
auscultado no 3º ou 4º EIE ao longo do bordo ester- e uma veia, sendo que a verificação de artéria
nal poderá ser considerado fisiológico, se isolado; umbilical única poderá estar associada a anomalias
a ausência de sopros não exclui cardiopatia; cardiovasculares e/ou nefro-urológicas (associa-
– palpação de pulsos periféricos em regiões ção pouco sensível e pouco específica) (Figura 11).
extratorácicas (femoral, umeral, radial, pedioso): Na observação do RN no decurso da primeira
trata-se dum procedimento fundamental que faz semana ou mais tarde, há que inspeccionar a base
parte do exame cardiovascular; pulsos amplos em do cordão (ou a região umbilical após o cordão se
RN pré-termo sugerem ductus arteriosus permeá- ter destacado) para detecção de edema e outros
vel; pulsos femorais palpáveis pouco amplos ou sinais inflamatórios como exsudado eventualmen-
ausentes, ou diferença, quanto à amplitude, dos te purulento (sinais de onfalite); por vezes, após a
pulsos nos membros superiores e inferiores suge-
rem coarctação da aorta; a diminuição generaliza-
da da amplitude dos pulsos sugere hipotensão
arterial ou hipovolémia;
– determinação da pressão arterial pelo méto-
do de doppler: valores médios no RN de termo:
sistólica → 80 ± 15 mmHg; diastólica → 46 ± 15
mmHg; a ausência ou diminuição da amplitude
dos pulsos femorais implica a necessidade de
determinação da pressão arterial, não só nos
membros superiores, mas também nos inferiores;
hipertensão arterial (definida como valor de
pressão arterial igual ou superior ao do percentil
FIG. 11
95 para a idade) poderá relacionar-se com doença
nefro-urológica. Coto umbilical evidenciando anomalia: artéria única (vaso de
Considera-se HTA no RN de termo a verifica- menor calibre). (URN-HDE)
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1711

queda, detecta-se ao nível da cicatriz umbilical dutível, dolorosa acompanhando-se de vómitos


uma pequena massa esferóide, do tamanho de (Capítulo 314).
grão de arroz ou de pequena ervilha, de cor ver- Havendo informação por parte da mãe sobre
melha brilhante constituída por tecido granulo- este sinal anómalo não observado pelo examinador
matoso (granuloma). (pressupondo o exame realizado, não no pós –
No que respeita à palpação, salienta-se que o parto, mas no período neonatal tardio ou no lacten-
fígado é uma estrutura normalmente palpável te), torna-se necessário examinar o canal inguinal:
(cerca de 2 cm abaixo do rebordo costal direito); com o dedo mínimo invagina-se a pele do escroto e
em condições de normalidade o baço raramente é procura-se atingir o anel inguinal interno; se o RN
palpável; nos RN pré-termo os rins também chorar, sente-se o impulso do saco herniário na
podem ser palpáveis. ponta do dedo. Pode estar associada a hidrocele.
Salienta-se que mais de metade das massas – Hidrocele (acumulação de líquido seroso na
abdominais anómalas no RN tem origem no rim. túnica vaginal dos testículos ou no tecido que
Pela inspecção e palpação do hipogastro: a envolve o cordão espermático): manifesta-se no
verificação de procidência ou distensão localizada sexo masculino por bolsa escrotal aumentada de
na linha média, de superfície lisa e sob tensão rela- volume e tumefacção no canal inguinal, redonda
ciona-se, em geral, com distensão da bexiga (o ou levemente alongada, dura, irredutível e imóvel,
chamado “globo vesical”); no sexo feminino a dis- que se deixa transiluminar (translúcida à transilu-
tensão pode relacionar-se com hidrometrocolpos minação); a irredutibilidade e indiferença ao choro
(Capítulo 322). e esforço distinguem-na da hérnia inguinal; a
ausência de dor e vómitos distinguem-na da hérnia
Região anorrectal inguinal estrangulada. (No sexo feminino tal ano-
Através da inspecção da região anal deve verifi- malia corresponde à hidrocele do canal de Nuck).
car-se a posição do ânus (desvios da linha média – Testículos: no RN de termo os testículos loca-
ou para diante em relação com possíveis lesões lizam-se nas bolsas escrotais, sendo que no RN
tumorais vizinhas),o pregueamento radiário nor- pré-termo é frequente a situação designada por
mal (pregas da mucosa) testemunhando, em “escroto vazio”(a migração dos testículos no sen-
princípio, esfíncter anal funcionante; em situações tido abdómen → “fundo” do escroto” completa-
de defeitos do tubo neural (spina bifida) pode não se, em geral, nas 8 semanas que precedem o termo
existir tal pregueamento o que poderá traduzir da gravidez).
esfíncter incontinente. – Ovário encarcerado em saco herniário: no
A eliminação de mecónio por via rectal traduz, sexo feminino pode verificar-se tumefacção ingui-
em princípio, permeabilidade anorrectal; se tal nal de cerca de 1 cm de diâmetro, que se move
não for comprovado, deverá introduzir-se sonda livremente, sem aderir à pele nem aos tecidos pro-
rectal para pesquisa da respectiva permeabilidade fundos.
(progressão da sonda sem dificuldade, saindo, em No que respeita aos órgãos genitais externos
geral, com restos de mecónio aderente). do sexo masculino há que pesquisar:
Há que pesquisar igualmente fístulas, através – Pénis: forma e dimensão; no chamado micro-
das quais poderá ser eliminado mecónio (rectova- pénis – em geral associado a outras anomalias – o
ginal, recto-uretral, rectovestibular, perineal, etc.). comprimento é < 2cm. A fimose (estreitamento do
orifício do prepúcio) é fisiológica.
Região inguinal e órgãos genitais externos – Posição do orifício externo da uretra (meato
Na região inguinoscrotal há que pesquisar: urinário) que, em situação de normalidade, está
– Hérnia inguinal: saliência que aumenta de situado a meio da glande, no alinhamento do eixo
volume durante o choro, tosse e esforço, reduzin- do pénis; se o meato se localizar na face inferior
do-se quando se exerce sobre ela pressão (tume- do pénis, a anomalia designa-se hipospádia; se na
facção redutível); é mais comum no sexo masculi- face superior, epispádia (por vezes associada a
no e no RN pré-termo; quando se estrangula, extrofia da bexiga). (Capítulos 171 e 172)
perde estas características: torna-se imóvel, irre- – Jacto urinário: a emissão de urina em situações
1712 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de normalidade verifica-se em “jacto forte”; a – Tumefacções ou massas ovóides, ulceradas


situação de gotejo ou de jacto fraco está invaria- ou não, (da linha média) relacionáveis com
velmente associada a obstrução da uretra (nesta meningocele (hérnia das meninges através de
idade relacionável com anomalia congénita que fenda na coluna vertebral), ou mielomenigocele
implica resolução urgente – válvulas da uretra pos- (hérnia das meninges e medula-espinhal com ner-
terior). vos e vasos) (Capítulo 190).
Quanto aos órgãos genitais externos no sexo Ao nível do dorso e região sacrococcígea
feminino, há que pesquisar: poderão ser também detectados tumores:
– Grandes e pequenos lábios: no RN de termo, os – Teratoma sacrococcígeo: massa quística mais
grandes lábios recobrem perfeitamente os peque- ou menos volumosa que pode chegar a exceder as
nos lábios; no pré-termo, em grau variável em dimensões da cabeça e ultrapassar a região sacro-
função da idade gestacional, os pequenos lábios coccígea; a respectiva palpação evidencia zonas de
ficam “a descoberto”. consistência diversa (dura, mole, pétrea / calcifi-
– Clítoris: verificação de possível hipertrofia cada, etc.).
sugestiva de síndroma adrenogenital. (Capítulo – Outros tumores (hamartoma, ependimoma,
175) neurofibroma, ganglioneuroma, etc.).
– Hímen: verificação de possível imperfuração
que poderá originar acumulação de secreções a Membros
montante – na vagina (hidrocolpos), ou no útero Os membros do RN são relativamente curtos em
(hidrometrocolpos) comparação com outras idades, sobretudo os infe-
– Secreção mucóide ou fluxo hemorrágico (rela- riores; este aspecto é mais marcado no RN pré-
cionável com influência dos estrogénios mater- termo. (ver atrás – Inspecção geral).
nos). São dados característicos: mãos curtas e largas,
Nota: por vezes há coexistência de caracteres curvatura tibial fisiológica, e hiperflexão plantar
de ambos os sexos (ambiguidade sexual) impli- dos pés (pé talus calcaneus).
cando a realização de exames complementares. Os aspectos a pesquisar são:
– Posição simétrica ou assimétrica;
Coluna vertebral – Motilidade espontânea e passiva;
Com o RN em decúbito ventral deve examinar-se – Defeitos congénitos (por ex. sindactilia (fusão
o dorso e o trajecto da coluna em toda a sua de dedos), polidactilia (dedos supranumerários),
extensão, pesquisando tumores ou depressões. ectromelia (paragem de desenvolvimento de
Estes achados estão relacionados com neoplasias membro, etc.); (Figura 12).
ou com defeitos de encerramento do tubo neural – Nos membros inferiores, deformações em
(fenda ou orifício originando bifidez da “espinha geral ligeiras, redutíveis ou não permanentes, e
dorsal” ou spina bifida). relacionáveis com má posição intra-uterina: meta-
Muitos defeitos de encerramento do canal tarsus varus ou antepé varo (desvio do primeiro
medular não são acompanhados de hérnia das metatársico, em adução, relativamente ao eixo do
meninges através dos mesmos: esta situação é pé – apoio no bordo externo), pé talus (apoio no
designada por spina bifida oculta (coberta por pele calcanhar) e pé valgus (apoio no bordo interno).
e tecidos subjacentes e, por isso, não detectada à – O chamado pé boto equinovarus (equino ou
inspecção); pode ser suspeitada se existir com apoio na ponta do pé + varus ou com apoio
depressão da pele a esse nível. no bordo externo), não redutível, é uma situação
Sendo a região sacrococcígea a mais frequente- de potencial gravidade implicando intervenção
mente afectada, cabe então referir os aspectos a cruenta. (A designação “boto” significa disforme,
pesquisar: deformado) (Capítulo 242).
– Depressão infundibuliforme – fosseta sacro- – Nos membros superiores podem ser obser-
coccígea - que pode terminar em fundo de saco ou vadas outras anomalias tais como mão bota com
estender-se, através de comunicação estreita ou encurtamento do membro por agenésia ou hipo-
seio pilonidal, até ao canal raquidiano. plasia do rádio e desvio axial da mão e antebraço.
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1713

dade motora espontânea; – tono e força muscu-


lares; – reflexos; – pares cranianos.
Importa, por fim, detectar um conjunto de
sinais que apontam para patologia do sistema ner-
voso obrigando a vigilância e eventual intervenção.
• Atitude
No respeitante à atitude no RN de termo, veri-
fica-se que: a cabeça está apoiada sobre a região
occipital, mais ou menos rodada; membros super-
iores e inferiores com os respectivos segmentos
flectidos simetricamente (antebraços sobre os bra-
ços, e braços sobre o tronco; pernas sobre as coxas,
e coxas sobre o abdómen).
Em decúbito ventral mantém-se idêntica pos-
tura dos membros em relação ao tronco.
• Actividade motora espontânea e comportamento
No RN de termo verifica-se: movimentos de
rotação da cabeça; em decúbito dorsal, movimen-
tos de flexão e extensão dos membros superiores e
inferiores; em decúbito ventral, movimentos atrás
FIG. 12
descritos mais frequentes nos membros inferiores;
Síndroma de bridas amnióticas. Amputação intra-uterina do pé em ambos os decúbitos, actividade do tronco nula.
direito e constrição no 1/3 inferior da coxa direita. (URN-HDE) O comportamento é classicamente avaliado
em função dos estádios alternantes de vigília e
– Pesquisa dos movimentos articulares dos sono, integrando essencialmente os seguintes
membros: limitada na artrogripose congénita. parâmetros: o choro, os movimentos respiratórios
– Detecção obrigatória de displasia da anca e a posição das pálpebras:
através da manobra de Ortolani descrita no 1 – Respiração regular, pálpebras encerradas,
Capítulo 242. ausência de movimentos espontâneos;
2 – Respiração irregular, pálpebras encerradas,
Sistema nervoso movimentos espontâneos escassos;
O comportamento do RN é fundamentalmente 3 – Pálpebras abertas, ausência de movimen-
condicionado pela imaturidade do sistema nervo- tos espontâneos;
so (mielinização incompleta das fibras medulares, 4 – Pálpebras abertas, movimentos espontâneos
sobretudo do feixe piramidal, e incompleta dife- frequentes, choro ausente;
renciação do córtex cerebral). Não existindo moti- 5 – Pálpebras abertas ou fechadas, movimen-
lidade voluntária, mas sim actividade reflexa tos espontâneos muito frequentes, choro.
como manifestação de automatismo medular, o
RN comporta-se, pois, como ser mesencefálico. De referir que a não alternância de estádios ao
O exame neurológico sumário do RN, ideal- longo do dia ou persistência de determinado está-
mente, deverá ser realizado cerca de 1-2 horas dio pode constituir sinal anómalo (Capítulo 28).
após a refeição (tentando evitar o choro excessivo • Tono e força musculares
ou a sonolência pós-prandial imediata, ruído Estes parâmetros avaliam-se das seguintes
ambiental excessivo, luz muito intensa, manipula- manobras:
ção excessiva, etc.), e após as 12 a 24 horas de vida O tono passivo, responsável pela postura, pode
(tendo em conta a possível interferência de fac- avaliar-se pela resistência aos movimentos passivos
tores relacionados com o trauma do nascimento). e pelo grau de alongamento muscular máximo.
O mesmo integra a avaliação dos seguintes a) Resistência aos movimentos passivos
parâmetros: – atitude; – comportamento e activi- Obtém-se informação “sacundindo” – com a
1714 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

precaução indispensável – uma extremidade; isto vo é avaliar o tono do pescoço, tronco e extremi-
é, provocando movimentos oscilatórios de “vai- dades. No RN de termo sem anomalia do tono
vem” segurando na extremidade distal do mem- verifica-se: a cabeça mantém-se no plano horizon-
bro superior (antebraço) ou inferior (perna) e veri- tal do tronco “contra a gravidade” com flexão dos
ficando concomitantemente a amplitude de oscila- membros superiores e inferiores.
ção (balanceio) da mão ou do pé (maior amplitu- • Reflexos
de → menor tono). Os reflexos primitivos ou arcaicos podem ser
Outro modo de pesquisar a passividade, com o obtidos a partir das 28-30 semanas, sendo que a
RN em decúbito dorsal, é, ao nível do membro sua expressão depende do tono activo. Os mais
superior, levantar o membro superior e observar a frequentemente pesquisados são:
velocidade da queda (maior velocidade → menor a) Reflexo de Moro (ou do abraço)
tono). Pode ser obtido com diversos estímulos. Por
b) Alongamento muscular máximo exemplo, estando o RN em posição supina e segu-
Trata-se de avaliar o grau de alongamento rado com a mão e antebraço do examinador, e
máximo que o músculo pode sofrer quando se sendo a cabeça suportada pela mão do lado opos-
afastam os seus pontos de inserção. É imprimido to, largando esta mão - o que origina “queda” ou
lentamente movimento passivo tentando a movimento da cabeça para trás e estimulação do
extensão dos segmentos dum membro em flexão labirinto – verifica-se num primeiro tempo
até se verificar resistência (por exemplo extensão extensão do tronco, extensão dos dedos das mãos,
do joelho, determinando o ângulo popliteu com extensão e abdução dos membros superiores,
transferidor; ou extensão do cotovelo, determina- seguidas, num segundo tempo, de flexão do tron-
do o ângulo antebraço- braço ao nível do sangra- co, flexão e adução dos membros superiores e
doiro (menor ângulo → maior tono). flexão dos dedos das mãos, como que em acto de
O tono activo pode avaliar-se através de duas “abraçar” (Figura 13).
manobras: Igualmente, estando o RN em decúbito supino,
a) Manobra de puxar o tronco para diante e para mas sobre um plano horizontal, um estímulo
trás sonoro forte (bater com as mãos) ou luminoso
Estando o RN em posição de decúbito dorsal, intenso, origina idêntica resposta.
o mesmo é pegado pelo observador segurando- Este reflexo pode manter-se até cerca dos 4
lhe os punhos, e puxado para passar da posição meses.
supina à posição de sentado. Por vezes, a resposta não é completa nem exu-
No RN de termo em situação de normalidade berante, o que pode estar em relação com prema-
do tono verifica-se, uma vez obtida a posição ver- turidade ou o estádio de sono-vigília. A assimetria
tical do tronco: alinhamento da cabeça com o tron-
co (os músculos flexores do pescoço “seguram”
com relativa instabilidade a cabeça na posição ver-
tical) e flexão dos joelhos e dos cotovelos.
Considerando, na região cervicocefálica, os
músculos flexores e extensores, se o tronco for
reclinado demasiadamente para a frente, a cabeça
por acção da gravidade acabará por acompanhar
o tronco (mais rapidamente se existir hipotonia);
reclinando depois o tronco para trás (manobra
inversa) até ± 45º em relação ao plano horizontal,
a cabeça “cairá para trás” por acção da gravidade
(mais rapidamente se existir hipotonia).
b) Manobra de suspensão ventral
FIG. 13
O RN é suspenso em decúbito ventral com a
mão do observador abarcando o tronco; o objecti- Reflexo de Moro. (URN-HDE)
CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1715

de resposta aponta para lesão do plexo braquial


ou para fractura da clavícula.
b) Reflexo tónico do pescoço
Obtém-se rodando a cabeça; a resposta a este
estímulo origina extensão dos membros do lado
para onde se roda a cabeça e flexão dos do lado
oposto, como que em posição de “esgrimista”.
Este reflexo pode manter-se até cerca dos 4 meses.
c) Reflexo de preensão
Obtém-se tocando com o dedo do observador
FIG. 15
(ou caneta, ou similar) na palma da mão: verifica-
se flexão dos dedos prendendo o dedo/objecto Reflexo da marcha
que lhe toca. Ao nível do pé, a estimulação táctil automática. (URN-HDE)
do sulco metacarpofalângico origina flexão dos
dedos respectivos. Este reflexo pode manter-se até • Pares cranianos
cerca dos 2 meses (Figura 14). Classicamente, no RN, o exame dos pares é
d) Reflexo dos pontos cardinais estruturado de modo diferente relativamente a
A estimulação mecânica das comissuras e da outras idades, sendo que muitos sinais referidos a
parte média dos lábios superior e inferior (simile propósito do comportamento, reflexos, mímica
“norte-sul-leste-oeste”) com o dedo do observa- facial, sucção – deglutição, posição e mobilidade da
dor, origina desvio da língua e cabeça para o lado língua, etc., se relacionam, de facto, com funções ou
estimulado. disfunções na dependência dos pares cranianos.
e) Reflexo do encurvamento (ou arqueação) do tronco Em síntese, eis alguns exemplos:
A estimulação repetida da pele do dorso entre – A partir das 30 semanas o RN identifica o
a 12ª costela e a crista ilíaca origina encurvação do odor da mãe (Iº par- olfactivo).
tronco do lado estimulado. Este reflexo, tal como o – O RN de termo fixa um objecto a cerca de 30
reflexo de Moro, é dos mais constantes no RN de cm e reage também à luz com pestanejo. O reflexo
termo saudável. fotomotor (contracção da pupila como reacção à
f) Reflexo da marcha automática luz) verifica-se já no RN pré-termo a partir das 29
Com o RN em posição vertical seguro pelas semanas (IIº par- óptico).
axilas e com os pés apoiados em superfície lisa, – A motilidade ocular e fixação dum objecto
promovendo ligeiro impulso para diante, verifica- depende dos nervos oculomotores (IIIº par- motor
se a execução de passos. Este reflexo desaparece ocular comum, IVº par-patético, e VIº par- motor
até às 4 semanas de vida (Figura 15). ocular externo).
– A verificação de assimetria da mímica facial,
com apagamento do sulco nasogeniano do lado
afectado e aproximação da comissura labial do
lado afectado para o lado são traduz paralisia per-
iférica do VIIºpar-facial que, por inervar o orbicu-
lar da pálpebra, origina, também, não encerramen-
to da pálpebra do lado afectado (Capítulo 363).
– A resposta ao ruído através do VIIIº par
(auditivo), por ex. para obter resposta reflexa de
Moro, entre outras respostas, é possível a partir da
28ª semana de gestação.
– A sucção e deglutição (só completamente
desenvolvidas a partir do termo da gravidez)
FIG. 14
dependem respectivamente dos Vº (trigémio
Reflexo da preensão palmar. motor), VIIº, XIIº (grande hipoglosso) pares, e dos
1716 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

IXº (glossofaríngeo) e Xº (pneumogástrico) pares. – Desvio permanente da cabeça e olhos


– A mobilidade da língua depende do XIIº par. – Dificuldade alimentar (sucção, deglutição, etc.).
– Alteração do XIº par (espinhal) inervando o
esternocleidomastoideu, pode explicar alteração Avaliação da idade gestacional
dos movimentos de rotação da cabeça. Um dos objectivos do primeiro exame clínico do
– A sensação gustativa (dependendo dos VIIº e RN é determinar a maturidade deste em função
IXº pares) é difícil de avaliar, sobretudo no RN de determinados achados semiológicos, confron-
pré-termo. tando-os com a data do 1º dia da última mens-
• Sinais anómalos truação, a partir da qual se inicia a contagem do
Realizado o exame neurológico do RN, cabe tempo. Tal avaliação clínica, mesmo para clínicos
referir alguns sinais anómalos: experientes habituados a cálculo rápido após
– Letargia, correspondendo a persistência do observação global, tem utilidade se houver ante-
estádio 1 de vigília- sono cedentes maternos de menstruações irregulares
– Coma, correspondendo a persistência do dificultando a contagem do tempo, e/ou em situa-
estádio 2 ções-limite de RN de baixo peso ou muito baixo
– Hiperexcitabilidade ou movimentos anóma- peso em que não estão disponíveis outros dados,
los/convulsões tais como resultados de exames ecográficos pré-
– Choro persistente e de tonalidade aguda natais. De facto, o rigor a imprimir a tal avaliação
– Hipertonia global tem implicações clínicas práticas quanto à pre-
– Hipotonia global visão de problemas e ao prognóstico.
– Opistótono Os métodos clínicos mais frequentemente uti-
– Assimetria permanente da postura lizados (por ex, os de Dubowitz, Amiel-Tison,

QUADRO 1 – Avaliação da idade gestacional do recém-nascido (Método de Ballard)

-1 0 1 2 3 4 5

Postura

Ângulo
do punho

Ressalto
dos antebraços

Ângulo
popliteu

Braço
ombro oposto

Calcanhar-
-orelha

Critérios de maturidade neuromuscular


CAPÍTULO 327 Exame clínico do recém-nascido 1717

QUADRO 1 – Avaliação da idade gestacional do recém-nascido (Método de Ballard) (cont.)

Critérios de maturidade física


-1 0 1 2 3 4 5
Pele Friável, transpa- Gelatinosa, Lisa, rosada Descamação Com sulcos Apergaminha- Grossa, estalada
rente, húmida vermelha, veias visíveis superficial áreas pálidas, da: sulcos pro- com sulcos,
translúcida e/ou exan- raras veias fundos, sem enrugada
tema, poucos vasos
veias
Lanugo Ausente Escasso Abundante Fino Áreas sem Maior parte
lanugo sem lanugo
Superfície Dedo-calcanhar Dedo-calca- Ligeira marcas Pregas trans- Pregas nos 2/3 Pregas em toda (•)
plantar 40-50mm = -1 nhar 50mm, vermelhas versais apenas anteriores planta Pontuação Semanas

e sulcos <40mm = -2 sem marcas na porção ante- -10 20


rior -5 22
Região Imperceptível Pouco visível Aréola plana, Aréola proemi- Aréola eleva- Aréola cheia, 0 24
Mamária glândula não nente, glându- da, glândula glândula de 5 a 5 26
palpável la de 1 a 2mm de 3 a 4mm 10mm 10 28
Olhos/orelha Pálpebras Fenda palpe- Pavilhão par- Pavilhão bem Pavilhão for- Cartilagem nos 15 30
fundidas bral aberta, cialmente encurvado, mado e firme; bordos, pavi- 20 32
Francamente = -1 pavilhão encurvado, mole; regressão lhão firme 25 34
Fortemente = -2 achatado reposição lenta reposição instantânea 30 36
à posição inicial pronta 35 38
Genitais Bolsa escrotal lisa Bolsa escrotal Testículo no Testículos no Testículos na Testículos na 40 40
masculinos não enrugada vazia, pouco canal inguinal, canal inguinal, bolsa escrotal bolsa em pên- 45 42
enrugada bolsa escrotal poucas rugas enrugada dulo, pregas 50 44
com raras rugas profundas (•) Somatório da
Genitais Clítoris proemi- Clítoris proe- Clítoris proemi- Pequenos e Grandes lábios Grandes lábios pontuação dos
critérios físicos
femininos nente, lábios minente, nente, grandes lábios maiores, recobrem o clí- e neuromusculares
rasos pequenos pequenos lábios igualmente pequenos toris e os
lábios pouco mais proemi- proeminentes lábios menores pequenos
proeminentes nentes lábios

Ballard, etc.) integram de modo estruturado crité- – somático


rios somáticos e neurológicos validados estatisti- Este diagnóstico baseia-se no peso indepen-
camente, atribuindo a cada um deles determinada dentemente da idade gestacional; na ausência de
pontuação que, uma vez somada, conduz a uma factores de risco ou de sinais anómalos associa-
pontuação final ou índice, a que corresponde dos, peso entre 2500 e 4000 gramas (normossomá-
determinada idade gestacional. tico) comporta bom prognóstico;
No Quadro 1 são discriminados os aspectos a – cronológico e de maturidade
considerar para cada critério do método de Ballard Este diagnóstico baseia-se na idade gestacional
(nova versão), opção feita tendo em consideração de acordo com dados da anamnese perinatal, eco-
a experiência do autor. gráficos pré-natais e resultado da avaliação clínica; o
RN de termo (entre 37 e 41 semanas e 6 dias, isto é,
Súmula entre 259 e 293 dias), na ausência de factores de risco
ou de sinais anómalos, comporta melhor prognósti-
Uma vez realizada a observação do RN, importa sin- co relativamente a RN pré-termo ou pós-termo;
tetizar metodicamente o resultado do exame clínico – de crescimento intra-uterino
global, tentando classificação do caso em função de Este diagnóstico, que traduz a dinâmica do
cinco diagnósticos clínicos iniciais a estabelecer: crescimento fetal (restrito, adequado ou excessi-
– de vitalidade ou de adaptação vo), baseia-se na relação entre peso e idade gesta-
Índice de Apgar entre 7-10 corresponde, em cional, e é estabelecido utilizando as chamadas
princípio, a boa adaptação fetal à vida extra-uterina; curvas de crescimento intra-uterino.
1718 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

328
Os RN de termo, correspondendo a percentil
entre 3 e 97, sem factores de risco nem sinais anó-
malos associados comportam melhor prognóstico
relativamente àqueles de percentil > 97 ou < 3.
– sindrómico
O diagnóstico sindrómico baseia-se na verifi-
cação de patologia evidente, por ex, dificuldade CUIDADOS AO
respiratória, icterícia, anemia, policitémia, etc..
RECÉM-NASCIDO
BIBLIOGRAFIA
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Perneta C. Semiologia Pediátrica. Rio de Janeiro: tra /neonatologista, enfermeira e outros profis-
Interamericana, 2004 sionais de saúde) exerça o seu papel de educação
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon para a saúde junto dos pais, que se estabeleça
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill contacto com o médico-assistente futuro (médico
Medical, 2011 de família ou pediatra) e com o centro de saúde a
Volpe JJ. Neurology of the Newborn. Philadelphia: Saunders, que a família está ligada. É também desejável
2001 que, antes da alta, a mãe colabore nos cuidados
ao filho acabado de nascer, o que constitui opor-
tunidade ímpar de aprendizagem; de realçar o
papel imprescindível dos profissionais de saúde
no que respeita ao esclarecimento de dúvidas
surgidas realçando a importância dos Boletins da
Grávida e de Saúde Infantil e Juvenil.

Cuidados na sala de partos

Os cuidados a assegurar no pós-parto imediato


são os seguintes:
– Admitindo boa adaptação à vida extra-uteri-
na e ausência de necessidade de reanimação, a
laqueação do cordão deverá ser diferida até, pelo
menos, 1 minuto.*
CAPÍTULO 328 Cuidados ao recém-nascido aparentemente saudável 1719

– O RN deve ser imediatamente colocado sob – Deve realizar-se um exame objectivo minu-
uma fonte de calor e limpo com cuidado com um cioso, não esquecendo o registo dos parâmetros
pano estéril, seco e aquecido. A substância gorduro- somatométricos.
sa que o cobre (vernix caseosa) tem um efeito protec- – O Boletim de Saúde Infantil e Juvenil deve
tor da pele, pelo que o banho na sala de partos ape- ser devidamente preenchido.
nas deve ser dado se houver sinais de amnionite ou – Devem ser administradas as primeiras vaci-
a mãe for seropositiva para VIH ou portadora de nas: 1ª dose da vacina anti-hepatite B, e BCG
hepatite B ou C. Embora este capítulo diga respeito (excepto se a mãe for VIH+, e tiver tuberculose
ao RN aparentemente saudável, em geral, de termo, pulmonar activa).
cabe salientar, a propósito dos cuidados gerais – Independentemente do tipo de parto, o
iniciais, segundo as novas normas de actuação, de recém-nascido não deve ter alta antes das 36 horas
consenso internacional, sob os auspícios do ILCOR de vida e nunca antes de ter havido comprovação
2010, nos RN de idade gestacional < 28 semanas, de micções e de, pelo menos, uma dejecção.
mantendo-se o tipo de cuidados referidos, não se
deve proceder à secagem da pele.* Alimentação
– Avaliação sistemática do índice de Apgar ao
1º e 5º minutos de vida (Capítulo 326). Reiterando a “mensagem” que foi transmitida
– Realização de exame objectivo sumário com anteriormente sobre “alimentação com leite
o objectivo de rastrear anomalias e avaliar o esta- materno” – o melhor alimento para o recém-nasci-
do geral e a adaptação fetal à vida extra-uterina. O do é o leite da própria mãe –, sugere-se ao leitor a
peso de nascimento deve ser registado, assim consulta do Capítulo 52. (Figura 1)
como todos os dados referentes aos antecedentes
pré-concepcionais e da gestação (Capítulo 327). Higiene do coto umbilical
– Profilaxia da doença hemorrágica com dose
única de 1 mg de vitamina K1 por via intramus- A desinfecção do coto umbilical faz-se diariamente
cular. com compressa embebida em álcool a 70º (não
– Profilaxia da conjuntivite neonatal por devendo ter aditivos), não esquecendo a zona junto
Neisseria gonorrhoeae com nitrato de prata. à pele. O coto deve colocar-se fora da fralda, evi-
– Colocação de pulseira de identificação, a
qual somente deverá ser retirada pelos pais quan-
do o recém-nascido estiver em casa.
– O RN vestido deve ser colocado num berço,
sob uma fonte de calor, em decúbito dorsal junto
à mãe na enfermaria desta (ou noutra enfermaria
temporariamente se o estado clínico da mãe não o
permitir) e “posto ao peito” nas primeiras duas
horas de vida (Capítulo 52) .

Cuidados na enfermaria junto da mãe

– Nesta área deverá ser confirmada a prestação


dos cuidados adequados na sala de partos,
nomeadamente: identificação, administração de
vitamina K1 e profilaxia da conjuntivite.

* ILCOR, sigla de International Liaison Committee on Resuscitation guide-


lines. Trata-se das novas normas adoptadas internacionalmente, e ela-
boradas por oito grupos de trabalho de diversas sociedades interna- FIG. 1
cionais, tais como a American Heart Association e Resuscitation Council
UK. (http://www. ilcor.org/en/consensus-2010/worksheets-2010) RN alimentado “ao peito”.
1720 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tando-se que se molhe com urina. Deve ser obser- – Depois do banho, a criança deve ser vestida:
vado diariamente, tentando detectar, nomeadamen- primeiro a camisa, e depois, a fralda.
te, se apresenta mau cheiro, secreção ou hemorra-
gia. Estando seco, o coto do cordão destacar-se-á Alguns problemas comuns
mais precocemente: tal deverá ser explicado à mãe.
– As fezes do lactente alimentado ao peito são áci-
Higiene corporal das e a pele em volta do ânus e órgãos genitais
pode ficar vermelha, tipo “assado”. Quando se
– O banho poderá ser propiciado durante a curta procede à mudança da fralda, após a higiene
estadia na maternidade, mesmo antes de o cordão necessária, pode ser aplicado um creme protector.
se destacar, desde que haja condições logísticas – Nos primeiros dias a urina pode deixar na fral-
(incluindo profissionais de saúde suficientes faci- da uma mancha residual cor de tijolo: tal se explica pela
litando o ensino à mãe) e de higiene básica na uni- excreção de uratos. Este evento é considerado nor-
dade neonatal. Quer em casa, quer na unidade mal, regredindo espontaneamente.
neonatal, o mesmo (diariamente ou em dias alter- – No final da primeira semana de vida, pode
nados, atendendo sempre a situações especiais) surgir aumento do volume das glândulas mamárias
deverá processar-se a temperatura ambiental ade- (Figura 2) e, nos do sexo feminino, uma pequena
quada (em geral ~24-27ºC), com água a 35-36ºC hemorragia vaginal. Trata-se de manifestações clíni-
para manter a temperatura rectal ~ 37ºC. cas consideradas normais, explicáveis pela trans-
– Em alternativa ao banho, pode lavar-se a ferência de hormonas da mãe para o recém-nasci-
criança parcelarmente por zonas, primeiro a cabe- do, e regredindo espontaneamente, pelo que não
ça, depois o corpo e, por fim, os membros de modo está indicado qualquer procedimento.
a evitar que se molhe o umbigo, e o arrefecimento. – O chamado eritema tóxico (máculas disper-
– Não devem ser usados produtos perfumados sas vermelhas, com um centro mais claro), consti-
na limpeza da pele. O sabonete de glicerina é uma tui uma reacção habitual, não necessitando de cui-
boa opção. A face deve ser lavada apenas com dados especiais.
água.
– O RN deve secar-se com uma toalha turca Cuidados no domicílio
sem esfregar, incluindo as orelhas e as pregas, sem
introduzir cotonetes no canal auditivo. As narinas – Em casa, a criança deve ser recebida num am-
também devem ser limpas suavemente para a biente calmo.
remoção de secreções. – Todas as pessoas que manuseiam a criança
devem praticar de modo sistemático hábitos fun-
damentais de higiene, designadamente, lavagem
frequente das mãos antes e depois do manusea-
meto da mesma.
– No local onde estiver o RN (evitando-se aglo-
merados numerosos), as pessoas não devem
obviamente fumar; apesar de o contexto actual ser
diverso daquele vivido há anos atrás, a insistência
terá cunho pedagógico.
– Nas saídas de casa a criança não deverá perma-
necer em locais com grande concentração de pessoas,
tais como supermercados ou centros comerciais.
– É aconselhável a posição de dormir em
decúbito dorsal, explicando-se à mãe-família a
razão de tal procedimento. (Capítulo 42)
FIG. 2
– O colchão deve ser plano e duro, de modo a
Tumefacção mamária em recém-nascido não provocar covas, e ajustado aos bordos do
CAPÍTULO 328 Cuidados ao recém-nascido aparentemente saudável 1721

berço. Não devem ser utilizados edredão nem – irritabilidade, agitação, tremores espontâ-
almofada, assim como cordões ou fralda para neos, convulsões
segurar a chupeta – hiporreactividade, hipotonia
– Os irmãos e todas as pessoas que manuseiam – hipersudorese quando está a mamar ou a
a criança (nunca é exagero repetir) devem lavar tomar biberão
cuidadosamente as mãos; deverá ser igualmente – perda de peso superior a 10% do peso de nas-
providenciada a lavagem da face dos irmãos que cimento
frequentam a escola ou infantário. – febre ou hipotermia
– As pessoas com doença respiratória devem – alterações macroscópicas da urina ou fezes
usar máscara que cubra a boca e o nariz, sempre – distensão abdominal com vómitos e obstipa-
que contactem com o lactente. As mãos devem ser ção, etc..
lavadas antes e depois de colocar a máscara e, Nota: a ausência ou atraso de eliminação de
sempre, após o assoar. urina e/ou de mecónio nas primeiras 48 horas
– Idem para o caso da mãe a amamentar, a qual constitui sinal anómalo habitualmente detectado
pode continuar a amamentação. pelo médico ou enfermeiro, quando o RN ainda
– Entre o 4º e o 6º dia de vida o RN deve ser está internado após o parto.
transportado ao Centro de Saúde da área de resi-
dência para se proceder à colheita de sangue para BIBLIOGRAFIA
diagnóstico precoce (teste do pezinho) devendo Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
marcar-se consulta médica entre a 1º e a 2ª sema- Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
na de vida. (Capítulo 368) Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
– O Boletim de Saúde Infantil e Juvenil e o Davies PG, Dawson JA. New concepts in neonatal resuscita-
Boletim Individual de Saúde (de Vacinas) devem tion. Curr Opin Pediatr 2012; 24: 147 - 153
sempre acompanhar a criança no âmbito de todo e Fanaroff AA, Martin RJ. Neonatal-Perinatal Medicine-
qualquer acto médico e ou de enfermagem. Diseases of the Fetus and Infant. St. Louis: Mosby, 2002
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Sinais de perigo Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
Como complemento do que foi descrito nos Lissauer T, Clayden G. Illustrated textbook of Paediatrics.
Capítulos 326 e 327, estando ou não o RN já em Edinburgh: Mosby Elsevier, 2007
casa, salienta-se que os pais devem ser esclarecidos McGuire W, McEwan P, Fowli PW. Care in the early newborn
quanto aos sinais considerados de perigo (aspecto period. BMJ 2004; 329:1087-1089
geral de “não estar bem” podendo indiciar doen- McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
ça grave) os quais implicam observação por médi- Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
co. São dados os exemplos mais significantes: McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
– recusa alimentar Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
– secreções oro-nasais contendo abundantes Livingstone, 2008
bolhas de ar Miall L, Rudolf M, Levene M. Paediatrics at a glance. Oxford:
– dificuldade respiratória Blackwell, 2007
– vómitos biliares repetidos Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
– palidez acentuada AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
– cianose Medical, 2011
– petéquias Ruiz-Pelaez JG, Charpak N, Cuervo LG. Kangaroo mother
– choro intenso care, na example to follow from developing countries. BMJ
– icterícia surgida nas primeiras 24 horas de 2004; 329:1179-1181
vida ou, prolongada, para além de 2 sema- Wyllie J. Recent changes to UK newborn resuscitstion guide-
nas, com especial significado se o lactente lines. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2012; 97: F4 – F7
não estiver a ser alimentado ao peito
– gemido
1722 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

explicado por adaptação complicada à vida


Recém-nascido de alto risco extra-uterina.
Daqui se infere que a reanimação no bloco
de partos (reanimação habitualmente designada

329
por primária) pode e deve ser prevista, como
estratégia que faz parte dos cuidados perinatais.
Tal implica um esquema organizativo, a existên-
cia de equipa treinada e de condições técnicas
logísticas (espaço físico e equipamento adequa-
do).
REANIMAÇÃO
Etiopatogénese
DO RECÉM-NASCIDO
Para melhor compreensão dos procedimentos a
NO BLOCO DE PARTOS realizar (manobras de reanimação ou ressuscita-
ção), importa referir algumas noções práticas im-
Filomena Pinto, Isabel Santos, Teresa Costa portantes, as quais estão relacionadas com temáti-
A. Marques Valido e João M. Videira Amaral cas dos Capítulos 326 e 327.

1. Asfixia perinatal
De acordo com a AAP e a ACOG a definição de
Definição e importância do problema asfixia perinatal implica a verificação simultânea
de 4 critérios:
Na maioria dos casos o feto/recém – nascido • pH <7,00 no sangue arterial umbilical;
(RN) tem uma boa adaptação à vida extra-uteri- • persistência de índice de Apgar de 0-3
na, sem necessidade de qualquer intervenção; no durante > 5 minutos;
entanto, circunstâncias especiais (tais como gravi- • sinais neurológicos no período neonatal pre-
dez ou partos de risco em relação com prematuri- coce (0-7 dias);
dade, patologia perinatal diversa, ausência ou • sinais de disfunção multiorgânica no perío-
deficiência de vigilância pré-natal e perinatal) do neonatal precoce.
estão associadas a adaptação difícil implicando a
necessidade urgente ou emergente de medidas Ou seja, índice de Apgar baixo não é necessa-
terapêuticas intra-parto ou pós-parto imediato riamente sinónimo de asfixia perinatal. Com efei-
por equipa treinada. O objectivo de tais medidas to, vários problemas perinatais podem interferir
é o restabelecimento das funções vitais, ou rea- no processo de adaptação do feto à vida extra-ute-
nimação; tais medidas, não sendo efectivadas, rina conduzindo eventualmente a um processo de
poderão conduzir a morte ou sequelas, designa- depressão neonatal, e não de asfixia, no sentido cor-
damente do SNC –anomalias adquiridas do recto do termo. Eis alguns exemplos:
desenvolvimento psicomotor, sensorial e do com- – prematuridade (esta condição determina que o
portamento. RN seja hipotónico e hiporreactivo, tenha imaturi-
De acordo com dados da OMS, cerca de 6- dade do centro respiratório dificultando o automa-
10% dos RN necessitam de manobras de reani- tismo respiratório, entre outras particularidades);
mação de grau variável no pós-parto imediato – fármacos administrados à mãe e anomalias
(em geral assistência ventilatória ligeira), sendo congénitas várias do RN (condições que dificul-
que em menos de 1% há necessidade de mano- tam o início de ventilação espontânea).
bras consideradas avançadas. Por outro lado, Contudo, torna-se evidente que em tais cir-
sabendo-se que ocorrem em todo o mundo cerca cunstâncias, se não forem postas em prática deter-
de cinco milhões de mortes neonatais por ano, minadas manobras, poderá instalar-se quadro de
cabe salientar que cerca de 1/5 das mesmas é asfixia na sequência da depressão inicial.
CAPÍTULO 329 Reanimação do recém-nascido no bloco de partos 1723

2. História natural da transição do feto para a 3. Evolução de conceitos


vida extra-uterina Vários estudos nos últimos anos têm questionado
Durante o trabalho de parto ocorre uma hipoxémia a necessidade de emprego sistemático de oxigénio
transitória/fisiológica provocada pela contracção (e, designadamente em concentrações elevadas
uterina, a qual é bem tolerada pelo feto dito saudá- como FiO2 de 100%) para reanimar RN com
vel; salienta-se, contudo, que episódios repetidos depressão verificada no pós-parto imediato,
de hipoxémia poderão produzir efeito cumulativo demonstrando bons resultados com a utilização
semelhante ao da hipoxémia progressiva. de ar ambiente em vez de oxigénio.
Se se tratar de hipoxémia transitória/fisiológi- Com efeito, verificou-se que, após períodos
ca, após a paragem inicial da respiração (apneia prolongados de hiperóxia, as hipoxantinas se acu-
primária) verifica-se o início de um período de mulam nos tecidos combinando-se com oxigénio
movimentos respiratórios lentos de amplitude na presença de xantinoxidase, libertando radicais
variável mas pouco eficazes (gasping), após o qual livres que podem provocar lesão tecidual signifi-
surgirá um período de apneia secundária. cativa; tal lesão tecidual que corresponde a pro-
No período de apneia primária poderá haver cesso inflamatório (peroxidação lipídica, essen-
retorno à respiração espontânea normal após estí- cialmente) resulta de inibição da síntese proteica e
mulos tácteis mínimos (por ex. estimulação da de ADN. De facto, os radicais livres de oxigénio
planta dos pés ou estimulação pela própria sonda (superóxido, peróxido de hidrogénio e radicais
nasal para aspiração de secreções (ver adiante). peróxido) têm sido implicados na patogénese de
Pelo contrário, em situações de hipoxémia e uma série de quadros clínicos neonatais (sobretu-
hipercápnia acentuadas, com consequente acidose do pulmonares e neurológicos) particularmente
respiratória, atingindo-se a fase de apneia secun- nos RN pré-termo, com limitações na capacidade
dária, verifica-se: antioxidante (défice de enzimas antioxidantes:
1 – depressão do centro respiratório; catalase, superóxido-dismutase, glutationa-redu-
2 – vasoconstrição periférica e diminuição da tase, etc.).
oxigenação tecidual periférica como mecanismo É, pois, possível utilizar ar ambiente e evitar
de compensação para garantir oxigenação de ter- FiO2 elevadas o que contribuirá para a redução do
ritórios “mais nobres” – SNC e miocárdio (é o cha- teor de radicais livres produzido e de lesões teci-
mado diving reflex ou reflexo do mergulhador). duais após reperfusão. (Capítulo 365)
Em situação de ausência ou de défice de oxi- Nesta perspectiva, o ILCOR (International
genação tecidual: Liaison Committee on Resuscitation) em 2010, e diver-
3 – entra em acção a glicólise anaeróbia à custa sos organismos internacionais a nível mundial des-
das reservas de glicogénio com risco de esgota- tacando a American Heart Association, o European
mento; Resuscitation Council, e a American Academy of
4 – claudica o mecanismo inicial de compen- Pediatrics, publicaram novas recomendações ou
sação (vasoconstrição periférica); normas de orientação/guidelines, divergindo signi-
ficativamente nalguns pontos-chave relativamente
As consequências são a diminuição da PO2 e a às de 2005, descritas na 1ª edição deste livro.
acidose, comprometendo a contractilidade Eis as principais modificações consideradas na
miocárdica e contribuindo para agravamento da generalidade:1) a progressão do algoritmo da rea-
diminuição do fluxo sanguíneo para o próprio nimação do RN no bloco de partos deve ser guia-
miocárdio, SNC e outros órgãos. Estabelece-se, da pela avaliação simultânea da frequência cardía-
pois, um ciclo vicioso que poderá conduzir à ca e dos movimentos respiratórios; 2) a reanima-
morte. ção deve iniciar-se com ar (FiO2 ~21%) em vez de
Como se pode calcular, na fase de apneia FiO2 de 100%; 3) tendo-se demonstrado que a ava-
secundária haverá seguramente necessidade dou- liação da cor da pele como parâmetro para avaliar
tras medidas para além da estimulação táctil ante- a oxigenação carece de rigor, a eventual adminis-
riormente referida; tais medidas constituem, de tração de oxigénio suplementar deve ser baseada
facto, a verdadeira essência da reanimação. na determinação da saturação em O2 através da
1724 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

colocação no pós-parto imediato de oxímetro QUADRO 1 – Saturações aceitáveis em O2


transcutâneo no pulso direito ou mão direita (per- no RN após o nascimento
mitindo também monitorizar continuamente a
frequência cardíaca); 4) para guiar a FiO2 a admi- Minutos Saturação aceitável
nistrar em função da saturação em O2, tal impli- pós-nascimento* (oxímetro no pulso
ca a disponibilidade de utilização de dispositivo direito ou mão direita)
regulador de mistura de ar-O2; 5) os RN pré-termo 2 60
com < 28 semanas de gestação no pós-parto ime- 3 70
diato, para além dos cuidados clássicos prestados 4 80
a todo e qualquer RN (por ex. sob calor radiante), 5 85
devem ser imediatamente cobertos com man- 10 90
tas/cobertores de diversas características (ver * Limite de tempo a partir do qual é possível ter em funcionamento o
oxímetro para obtenção de dados da saturação e da frequência cardíaca.
Capítulo 328 e adiante), não estando, no entanto,
indicado nos mesmos proceder à secagem da pele;
6) não são recomendadas as tentativas de aspira- da saturação em O2 forem ultrapassados; 12c) –
ção orofaríngea e nasofaríngea de rotina pelo obs- como norma muito genérica, começando a reani-
tetra, antes da extracção completa, ou seja, na fase mação com ar (FIO2~21%), não havendo resposta
de cabeça ainda no períneo, independentemente às manobras a descrever adiante, poder-se-á
de o líquido amniótico ser límpido ou tinto de aumentar ligeiramente a FiO2 tendo como guia a
mecónio; 7) os dados disponíveis não permitem, saturação que se vai obtendo, não ultrapassando
nem recomendar, nem contra-indicar, a aspiração os referidos limites considerados aceitáveis; 13a) –
endotraqueal de rotina nos casos de partos com questiona-se actualmente o índice de Apgar;
líquido amniótico tinto de mecónio, mesmo em considera-se como mais importante a frequência
situações de depressão neonatal; 8) Nos RN que cardíaca (FC) sugerindo os investigadores a sua
não requerem reanimação, a clampagem/ modificação, designadamente não considerar o
laqueação do cordão deve ser diferida até, pelo parâmetro cor da pele; 13 b) – outra variável – a irri-
menos, 1 minuto; relativamente às situações tabilidade reflexa pela estimulação pode ser testa-
requerendo reanimação não há dados suficientes da aspirando as fossas nasais; ora, uma vez que a
para recomendar determinada rotina, devendo manobra de aspiração não é actualmente conside-
ser avaliado o contexto clínico de cada caso; 9) se rada uma manobra de rotina, inclusivamente em
estiver indicada administração de adrenalina, é RN deprimidos, a inclusão de tal parâmetro no
recomendada a via IV na dose de 10 - 30 mcg/kg; índice é controversa, pois poderá levar aspiração
utilizando a via traqueal, torna-se necessário usar das fossas nasais desnecessária, intempestiva,
doses superiores para obter o mesmo efeito (pelo com efeito potencialmente nefasto.
menos, 50 – 100 mcg/ kg; 10) é recomendada a uti-
lização de capnógrafo para detecção do CO2 exa- Objectivos gerais da reanimação do RN
lado como complemento da avaliação dos RN
com tubo endotraqueal aplicado, confirmando a Os objectivos gerais dos procedimentos realizados
localização do mesmo; 11) está indicada a hipoter- durante a reanimação, implicando conhecimento
mia terapêutica nos RN de termo ou quase de da fisiopatologia da transição fetal para a vida
termo com encefalopatia hipóxico-isquémica extra-uterina, podem ser assim sintetizados:
moderada a grave, o que pressupõe condições – actuar em condições de segurança micro-
logísticas técnicas e experiência da equipa com biológica (antissépsia e assépsia) evitando a infec-
coordenação de um centro regional; 12a) – o ção do RN; o reanimador deverá precaver-se tam-
Quadro 1 esclarece sobre as saturações em O2 bém contra os riscos de exposição a sangue e líqui-
aceitáveis no RN a partir dos 2 minutos de vida dos corporais (aventais impermeáveis, bata esteri-
pressupondo a colocação do mesmo imediata- lizada, barrete, máscara, óculos de protecção, etc.);
mente após o nascimento; 12b) – a administração – manter a temperatura corporal (ambiente
suplementar de O2 não é necessária se tais limites ideal de termoneutralidade) evitando, quer a
CAPÍTULO 329 Reanimação do recém-nascido no bloco de partos 1725

hipertermia, quer a hipotermia (temperatura am- Actuação prática


biente recomendada: ~26ºC);
– aplicar a sigla A B C (descrita no Capítulo O Quadro 2 mostra o material indispensável (colo-
265, embora com particularidades) cado em local de fácil acesso e com conhecimento
de todos os elementos da equipa) para se proceder
Atribuições da equipa perinatal a manobras de reanimação no RN; tal material
deverá ser verificado e experimentado pelo reani-
O parto deverá ocorrer em instituições em que o mador antes de actuar, diariamente e após cada uti-
verdadeiro “espírito perinatal” seja uma realida- lização, por responsável designado pelo director do
de. Nesta perspectiva, torna-se fundamental aten- serviço ou seu representante. Do material deve
der aos princípios gerais da reanimação: fazer igualmente parte um conjunto de pequena cirur-
gia embalado em condições de assépsia, incluindo
1. Cooperação de especialistas de medicina
materno – fetal / obstetrícia / pediatria neonatal / QUADRO 2 – Material indispensável para
equipa de enfermagem. reanimação do RN no bloco
2. Prever a necessidade de reanimação, conhe- de partos
cendo previamente os eventuais factores de risco
pré- e perinatal, o que contribuirá para evitar ges- Material
tos precipitados e perdas de tempo. • Mesa de reanimação com sistema de aquecimento e ilu-
3. Presença duma equipa preparada e dum minação
responsável. • Relógio
4. Existência dum mínimo de condições técnicas. • Estetoscópio pediátrico ou neonatal
• Fonte de oxigénio
Da equipa perinatal, no mínimo, deve fazer • Aspirador de pressão negativa regulável
parte em permanência um profissional que domi- • Sondas de aspiração de calibres : 6; 8; 10
ne os aspectos básicos da reanimação (um enfer- • Bolsa ou balão de 500 ou 750 ml, auto-insuflável tipo
meiro treinado pode desempenhar papel crucial); Ambu, ou bolsa tipo “anestésica” com válvula de
igualmente, deverá haver a possibilidade de recur- pressão, ou ressuscitador com limite de pressão e peça em
so rápido e eficaz a, pelo menos, um segundo ele- T, regulador de FiO2 /dispositivo para mistura de ar/O2
mento, (idealmente neonatologista, ou pediatra regulável, e monitor de pressão; se possível, capnógrafo
com experiência em neonatologia, ou anestesista- • Tubos de Mayo (vários tamanhos)
reanimador) com competência e experiência em • Laringoscópio
reanimação neonatal. Cada minuto conta! • Lâminas rectas de laringoscópio de tamanhos: 00; 0; 1
Salienta-se que em situações especiais de alto • Tubo endotraqueal (TET) de calibres: 2.5; 3; 3.5; 4
risco poderá haver necessidade de três profissio- (Quadro 3)
nais capacitados; no caso de gestações múltiplas • Fio condutor para tubo endotraqueal (TET)
deverá haver equipa e material para cada RN. • Cateteres umbilicais
A eficácia da execução das manobras de reani- • Fio de nastro esterilizado
mação deve ser assegurada regularmente em • Luvas esterilizadas
• Adesivo /tintura de benjoim
sessões de formação teórico-prática. A boa comu-
• Tesoura
nicação entre os profissionais da equipa de urgên-
• Seringas (de 1;3;5;10; 20 ml)
cia garante os cuidados de antecipação assim
• Torneira de 3 vias
como a eficácia, eficiência e efectividade das
• Oxímetro de pulso
manobras de reanimação.
• Peças de adaptação do TET para administração de sur-
Realça-se igualmente a importância do vínculo
factante
a estabelecer com os progenitores do RN e família
• Peças de adaptação do TET para ligação ao dispositivo
esclarecendo-os, de forma humanizada, sobre o
de pressão controlada e ao aspirador
quadro clínico e procedimentos a realizar ou reali-
• Fármacos (Quadro 2)
zados.
1726 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

campos esterilizados, luvas esterilizadas, pinças, Se, pelo menos um dos 3 requisitos não for
lancetas, agulhas/material de sutura, etc.. preenchido, o RN deverá ser submetido, sequen-
No Quadro 3 são discriminados os fármacos cialmente, a 1 ou mais dos 4 tipos de procedi-
que podem ser utilizados em contextos diversos a mentos:
descrever adiante; no mesmo quadro são incluí- A- Estabilização inicial (aquecimento, permea-
das as doses respectivas a utilizar. bilização da via aérea se necessário, secagem da
As manobras de reanimação devem ser sequen- pele, estimulação)
ciais, sem hesitações nem perdas de tempo, como é B – Ventilação
sugerido na Figura 1 ; neste processo dinâmico C – Compressão torácica (dita massagem car-
implicando reavaliação do resultado de manobras díaca)
anteriores, poderá haver necessidade de correcção D – Administração de adrenalina e ou expan-
das mesmas quando a resposta não é favorável. são da volémia
É importante referir que o tempo requerido
1. Avaliação inicial e planeamento para cumprir o passo A, a reavaliação e iniciar a
Se o RN for de termo, respirar ou chorar no pós- ventilação não deverá ultrapassar 60 segundos (o
parto imediato e tiver bom tono muscular (os 3 chamado “Minuto de Ouro”) (ver Figura 1).
requisitos, presentes e fundamentais), o mesmo A decisão de progredir para além do passo A é
não necessita de reanimação e não deve ser sepa- determinada pela avaliação de duas característi-
rado da mãe; deverão ser prestados os cuidados cas vitais: respiração (apneia? ; gasping? ; dificul-
gerais, sendo vigiado nas horas seguintes, nomea- dade respiratória/respiração laboriosa? ;) e fre-
damente quanto a respiração e actividade motora. quência cardíaca / FC (> ou < 100 / minuto). Para
além dos métodos clássicos de palpação do pré-
QUADRO 3 – Fármacos e doses a utilizar córdio ou do cordão umbilical, tendo em vista a
em reanimação do RN utilização do oxímetro de pulso (que também per-
mite a monitorização contínua da FC), o mesmo
Naloxona deverá ser aplicado (ver Quadro 1) chamando-se a
• 0.1 mg / Kg atenção para o facto de o início do seu funciona-
• Qualquer via (endotraqueal, endovenosa ou intramus- mento poder levar 1-2 minutos, e de a hipoper-
cular) , bolus fusão periférica ou o baixo débito cardíaco pode-
• Contra-indicação: mãe toxicodependente rem comprometer o rigor na leitura dos resultados
Adrenalina digitais. De referir que existe modelo com nova
• 0.01-0.03 mg/ Kg /dose tecnologia aplicável a RN no pós-parto.
• Diluir 1ml de adrenalina em 9 ml de soro fisiológico: Uma vez iniciada a ventilação com pressão
0.1-0.3ml/kg/dose positiva intermitente e a (eventual) administração
• Via endotraqueal ou endovenosa , bolus suplementar de oxigénio (Quadro 1), a avaliação
• Repetir até máx. de 2ml/kg deve basear-se em três critérios vitais, considera-
Bicarbonato de sódio dos em simultâneo: FC, respiração e estado de oxi-
• Diluir 10 ml de NaHCO3 a 8.4% em 10 ml de água desti- genação (saturação em O2 de acordo com os dados
lada fornecidos pelo oxímetro, entretanto aplicado cor-
• 1- 2mEq/Kg /dose rectamente e funcionante).
• Via endovenosa em 2 a 5 minutos Como nota importante, deve referir-se que o
Expansores de volume indicador mais sensível e rigoroso do sucesso da
• Soro fisiológico actuação é o aumento da FC. O incremento de 20
• Lactato de Ringer batimentos entre os 60 e 90 segundos de vida é
• Sangue ORh(-) considerado aceitável.
• 10ml/Kg IV
Glicose a 10% 2. Estabilização
• 2ml/Kg – em 1 minuto IV; depois glucose a 5% em per-
Temperatura corporal
fusão lenta
O primeiro procedimento ao receber o RN no bloco
CAPÍTULO 329 Reanimação do recém-nascido no bloco de partos 1727

REANIMAÇÃO DO RECÉM-NASCIDO

NASCIMENTO Gestação de termo? SIM, RN com a mãe Cuidados de rotina


Respira ou chora? Aquecimento, permeabilização
Bom tono muscular? da via aérea, se necessário,
secagem, vigilância
NÃO

Aquecimento, permeabilização
da via aérea, secagem, estimulação NÃO

NÃO
30 segundos FC < 100, gasping, apneia? Dificuldade respiratória
ou cianose persistente?
SIM
SIM
60 segundos PPV, Sat O -Hb, monitorização
2
Permeabilização da via aérea,
Sat O2-Hb, Considerar CPAP
NÃO
FC < 100 ?

SIM

Proceder a ventilação (ver texto)


NÃO Cuidados pós-reanimação

FC < 60 ?

SIM

Considerar entubação
Massagem cardíaca
Proceder a ventilação Coordenação com PPV
(ver texto)
Entubação se ausência
de expansão torácica
FC < 60 ?

SIM
Considerar
• Hipovolémia Adrenalina IV
• Pneumotórax

FIG. 1
Fluxograma de actuação na reanimação do recém-nascido (segundo a AHA). Consultar Quadro 1.

de partos, logo após interrupção da circulação umbi- lizar poderá ser o calor corporal do tórax/abdómen
lical com pinça de Kocher/laqueação, é manter a da mãe. Devem ser evitadas estimulações tácteis que
temperatura corporal cobrindo-o com campos esté- possam provocar – pelo estímulo inspiratório – sub-
reis e aquecidos e colocando-o sob calor radiante. A sequente aspiração, para as vias aéreas inferiores, de
secagem da pele (exceptuando os RN com < 28 sema- secreções localizadas nas vias aéreas superiores.
nas), evita a perda de calor por evaporação e convec- O RN deverá ser envolvido em “cobertor” ou
ção. Nos RN de termo a fonte de calor imediata a uti- “saco” transparente de polietileno com manusea-
1728 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mento cuidadoso, não traumatizante; a cabeça Embora os RN deprimidos, nascidos de mães


deverá ficar parcialmente coberta para, por um com líquido amniótico tinto de mecónio tenham
lado, evitar a perda de calor e, por outro, permitir maior risco de SAM, diversos estudos têm
a realização de manobras. Igualmente, deve evi- demonstrado que a aspiração traqueal não está
tar-se a hipertermia, a qual poderá determinar associada a menor incidência de SAM ou a maior
depressão respiratória. mortalidade por esta causa. Contudo, de acordo
com as actuais normas da AAP, e na ausência de
Permeabilidade das vias aéreas estudos aleatórios e controlados, não é reco-
Com líquido amniótico “límpido” mendável que se altere a prática de aspiração tra-
Para se estabelecer a permeabilidade das vias queal nos casos de RN deprimidos com líquido
aéreas, o RN deve ser colocado em decúbito dorsal, amniótico tinto de mecónio; se a tentativa de entu-
com a cabeça junto ao reanimador, e em posição bação for prolongada e sem sucesso, deve de ime-
neutra. Verificando-se secreções, muco espesso ou diato proceder-se à ventilação com balão e másca-
vernix que originam obstrução e dificuldade respi- ra, particularmente se surgir bradicárdia
ratória – e somente nesta circunstância, não de rotina –
pode utilizar-se no pós-parto imediato a vulgar 3. Ventilação
“pera” de borracha, mole, para aspiração daquelas Avaliação da necessidade de administração de
na boca (“aspiração das secreções, mas não das oxigénio
mucosas...”). De modo algum se deverá proceder à Tendo como base as noções gerais que inte-
aspiração vigorosa da porção posterior da faringe, gram a alínea “Evolução de conceitos” a propósito
dado o risco de se desencadear resposta vagal da Etiopatogénese, assim como o Quadro 1, reite-
(espasmo laríngeo e bradicárdia). Não se deverá, ra-se que a cor da pele constitui um fraco indicador
como rotina, proceder à aspiração nasal (Figura 2). da saturação da oxi-Hb durante o período neona-
tal imediato, e que a ausência de cianose constitui
Com líquido amniótico tinto de mecónio um fraco indicador de oxigenação tecidual. Daí o
Chama-se a atenção para o facto de a aspiração de interesse e a grande utilidade da oximetria por via
líquido amniótico com mecónio antes do parto, transcutânea (com o vulgarmente chamado oxíme-
durante o nascimento, ou durante a a reanimação tro de pulso) para monitorização do estado de oxi-
pode originar síndroma de aspiração meconial genação, avaliando a necessidade de administrar,
(SAM) grave. ou não, oxigénio suplementar em % regulável
com o dispositivo/misturador O2/ar tentando
evitar, quer a hipóxia, quer a hiperóxia, respeitan-
do os limites superiores de saturação.
Dispondo de um oxímetro apenas, procede-se
à determinação da saturação pré-ductal (sensor no
pulso ou palma da mão direitos, respeitando os
limites máximos da saturação). De acordo com
diversos estudos metanalíticos comprovou-se que
a sobrevivência é superior iniciando a reanimação
com ar (FiO2 ~21%) versus com FiO2 ~100%.
Nas instituições em que não é possível dispor
de misturador de O2/ar a fim de gerar FiO2
variando entre 21% e 100% deve optar-se pela rea-
nimação iniciada com ar (FiO2~21%). Se se verifi-
car bradicárdia (FC < 60/min) empiricamente
FIG. 2
poderá administrar-se oxigénio a 100%.
Aspiração suave das secreções da boca se originarem
obstrução (RN em decúbito dorsal, estando já laqueado o Pressão positiva intermitente (PPI/PPV)
cordão umbilical) Se se verificar apneia, gasping, ou FC < 100 /min
CAPÍTULO 329 Reanimação do recém-nascido no bloco de partos 1729

após realização dos passos anteriormente descritos, positivo detector de CO2 por método colorimétri-
deve ser iniciada ventilação com PPI. Na prática co para detectar obstrução da via aérea ou, no caso
deve providenciar-se uma frequência de ventilação de entubação traqueal – ver adiante – para com-
/ insuflação de 40 a 60/min, monitorizando a FC, provação de correcta colocação do TET na via res-
sendo objectivo que atinja, com a ventilação, > piratória). Utilizando máscara, parece não haver
100/min. A pressão de insuflação / pressão inspi- utilidade do capnógrafo.
ratória deve ser monitorizada; uma pressão de 20
cm H2O poderá ser efectiva, mas nalguns casos são Pressão positiva contínua
necessários picos de pressão mais elevados (~ 30-40 Muitos especialistas, de acordo com a sua expe-
cm H2O), designadamente em RN de termo sem riência, recomendam a administração, no pós-parto
respiração espontânea. (Figura 3) imediato, de pressão positiva contínua (CPAP) em
Nalguns centros que possuem capnógrafo(dis- RN pré-termo que respiram espontaneamente,
mas manifestando dificuldade. De acordo com
A investigação realizada, tal prática reduz a taxa de
entubação traqueal, embora seja maior a probabili-
dade de pneumotórax. (ver adiante INSURE)
Embora a associação de PPI/PPV com pressão
positiva no fim da expiração / pressão de dis-
tensão contínua (PEEP) seja comum em UCIN,
não há dados suficientes que provem a sua van-
tagem no pós-parto imediato, no bloco de partos.

Dispositivos para ventilação


A ventilação efectiva pode ser conseguida empre-
gando vários dispositivos (ressuscitadores) como
B o vulgar balão auto-insuflável (com capacidade
máxima de 750 mL) tipo Ambu ligado a fonte ven-
tilatória (em geral com débito de 5 L/min) permi-
tindo variar a concentração de oxigénio através de
misturador ar/O2, balão tipo anestésico, ou esta
modaliadade com a chamada peça em T que permite
variar a pressão inspiratória. Empregando másca-
ra bucofacial, esta deve ser de tamanho e material
adequados (transparente, almofadada, cobrindo
apenas nariz, boca e região mentoniana, e aplana-
da para reduzir o espaço morto) sendo que o for-
mato anatómico de base triangular ajusta-se me-
lhor ao RN de termo, e o formato arredondado ao
RN pré-termo.
O sistema deve possuir um mecanismo de
FIG. 3
segurança (manómetro ou válvula) de modo a evi-
Ventilação com balão Ambu no lactente: A – Cabeça em tar pressão inspiratória excessiva (ver atrás).
extensão. Aplicar bem a máscara à face (sobre a boca e nariz) superior a 40 cm H2O.
de modo a não permitir “fugas”. Evitar traumatizar os globos
Torna-se fundamental que o reanimador (isto é, a
oculares. Comprimir o balão entre os dedos. “Aliviar” a
máscara da face imediata e momentaneamente após a equipa) tenha prática e experiência, verificando desi-
insuflação; B – A pressão de ventilação pode ser regulada gnadamente, se a máscara está bem ajustada à face,
como se demonstra na figura, apertando o balão com um ou garantindo que a boca fica ligeiramente aberta e pro-
mais dedos (o ideal será, no entanto, verificar a pressão com videnciando eventual reaspiração de secreções.
dispositivo conectado ao sistema – manómetro). Constitui boa norma aplicar sonda nasogástri-
1730 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ca ao proceder a ventilação com máscara para evi-


tar ou diminuir a distensão gástrica. A B
As máscaras laríngeas (dispositivos que se adap-
tam à entrada da laringe e poderão ser manipula-
dos por quem não tem experiência em entubação
traqueal e destinados às situações de abordagem
difícil das vias aéreas), constituem uma alternati-
va transitória até se conseguir uma solução mais
estável para manter a permeabilidade da via
aérea. Podem ser conectadas a sistema ventilató-
rio; como limitações ao seu uso, ainda não total-
mente validado em estudos, citam-se a aplicação C D
em RN com < 2000 gramas ou < 34 semanas, e nos
casos de aspiração amniótico-meconial.
O ressuscitador manual neo-puff é um dispositi-
vo incluindo debitómetro, ciclado manualmente, e
permitindo gerar pressão inspiratória regulável e
pressão de distensão contínua (PEEP). O mesmo
tem aplicação prática quando se torna necessário
o transporte de RN pré-termo sem disponibilida- E F
de de ventilador convencional.

Entubação traqueal
A entubação traqueal está indicada nas seguintes
situações:
• Para aspiração endotraqueal de RN deprimi-
dos, verificando-se líquido amniótico tinto
FIG. 4
de mecónio
• Ventilação com máscara e balão ineficaz e Manobras sequenciais de entubação orotraqueal: A – A lâmina
prolongada do laringoscópio aborda o lado direito da boca; B – Avançando
• Sempre que se proceda a compressões torá- para a linha media referencia-se a úvula; C – Pressão sobre a
língua ao mesmo tempo que a extremidade da lâmina deve
cicas/massagem cardíaca
progredir em direcção à epiglote; D – Referência da epiglote;
• Circunstâncias especiais como hérnia dia- E – Os três tempos permitindo ultrapassar a epiglote;
fragmática congénita ou RN de baixo peso F – Epiglote ultrapassada (verifica-se facilmente que o esófago
extremo. está por baixo da laringe; RN em decúbito dorsal).

Tendo em consideração a sequência de proce- Tal como foi referido atrás, a comprovação
dimentos atrás referida, o momento preciso para objectiva de correcta posição do TET é a detecção
entubar o RN poderá também depender da expe- (positiva) de CO2 exalado através do capnógrafo.
riência e da competência da equipa de reanima- Caso tal não aconteça (detecção negativa), deduz-
dores (Figura 4). se que o tubo foi introduzido no esófago; a mesma
Após entubação endotraqueal e administração conclusão se poderá tirar se auscultarmos o epi-
de PPI, o melhor indicador de que o tubo se encon- gastro (auscultação de ruído aéreo a este nível).
tra em posição correcta (no interior da via tráqueo- O Quadro 4 mostra o diâmetro aconselhado do
brônquica), providenciando ventilação efectiva, é o TET em função do peso do RN / idade gestacional
rápido incremento da FC. Outros indicadores de aproximada, sendo prudente que o reanimador
correcta posição do TET são a expansão torácica escolha como reserva um TET de diâmetro supe-
simétrica em sincronismo com as insuflações e a rior e outro de diâmetro inferior ao escolhido em
auscultação de murmúrio vesicular bilateralmente. função do referido Quadro. No mesmo é referido
CAPÍTULO 329 Reanimação do recém-nascido no bloco de partos 1731

QUADRO 4 – Calibre do TET

TUBO ENDOTRAQUEAL (TET)


Peso (g) Idade gestacional (semanas) Diâmetro do tubo (mm) Comprimento a inserir
desde o lábio superior (cm)
<1000 <28 2.5 6.5-7
1000-1999 28-34 3.0 7-8
2000-2999 34-38 3.5 8-9
≥3000 >38 3.5-4.0 >9

o comprimento a inserir desde o lábio superior geral, o resultado de expansibilidade pulmonar


(entubação orotraqueal). insuficiente e/ou de hipoxémia acentuada.
Uma regra matemática permite calcular, tam- Se a FC < 60 bpm persistir durante mais de 30
bém, o comprimento do TET a inserir: segundos (apesar da massagem cardíaca e da ven-
tilação), e FiO2 a 100%, deve administrar-se adre-
distância em cm = peso em kg + 6 nalina e ou proceder-se à expansão da volémia
(ver alínea seguinte – Fármacos).
4. Compressão torácica (massagem cardíaca) Perante movimentos respiratórios espontâneos e
A massagem cardíaca está indicada se, após 30 regulares e FC> 100 bpm, a ventilação também é
segundos de ventilação com pressão positiva, o RN evi- suspensa, passando a administrar-se a assistência
denciar FC< 60 bpm; salienta-se que, pelo facto de a respiratória com jacto de ar /O2 através de cateter
massagem cardíaca comprometer em certa medi- dirigido para a boca e fossas nasais, o qual será
da a ventilação, a mesma somente deverá ser retirado gradualmente.
iniciada com garantia de ventilação pulmonar efi-
caz garantindo a avaliação dos movimentos respi- 5. Fármacos
ratórios e da saturação em O2. Em plena fase de reanimação são raras as situa-
A técnica – sempre acompanhada de ventilação com ções em que é necessário administrar determina-
pressão positiva e RN com tubo endotraqueal (TET) apli- dos fármacos (Quadro 3).
cado – consiste em fazer compressão com os dois
polegares (ou indicador e médio) no terço inferior do
esterno (evitando o apêndice xifoideu), sendo classi-
camente recomendado que o grau de compressão
corresponda a cerca de 1/3 do diâmetro ântero-pos-
terior do tórax. Os dedos não deverão deslocar-se da
sua posição nem perder o contacto com a pele do RN
com o objectivo de prevenir traumatismo de órgãos
vizinhos e ineficácia da manobra.
A massagem cardíaca e a ventilação devem ser
realizadas de forma sincronizada segundo o ritmo
de 3 compressões / 1 insuflação (isto é, 90 compressões
/ 30 insuflações / minuto) salientando-se que o
modo correcto das compressões e insuflações assim
como a não interrupção do procedimento são mais
importantes do que providenciar o número exacto
de manobras por minuto. (Figura 5)
Tal procedimento deve continuar até se verifi-
FIG. 5
car FC > 60 bpm durante, pelo menos, 30 segun-
dos. Cabe referir que a bradicárdia neonatal é, em Massagem cardíaca externa e ventilação com máscara.
1732 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Adrenalina – A administração de naloxona não é recomen-


Está indicada, como foi referido, nos casos de dada como fazendo parte das medidas iniciais no
FC<60 bpm para além de 30 segundos apesar da bloco de partos para combater a depressão respi-
massagem cardíaca e ventilação (ver alínea ante- ratória. Aliás é importante referir que nunca deve
rior). ser utilizada em RN de mães com antecedentes de
É recomendada a via IV, pelo seu efeito mais toxicodependência de opióides pelo risco de sur-
rápido, na dose de 10 - 30 mcg/kg (doses mais ele- gir síndroma de abstinência neonatal caracteriza-
vadas não são recomendadas). Utilizando a via da por hiperexcitabilidade e convulsões.
traqueal, torna-se necessário usar doses supe- Outros fármacos tais como bicarbonato ou
riores para obter o mesmo efeito (pelo menos, 50 – vasopressores (por ex dopamina) raramente estão
100 mcg/ kg). A concentração da adrenalina para indicados no contexto de actuação no bloco de
qualquer das vias deverá ser 1: 10.000 (0,1 partos.
mg/mL). – Tendo em consideração o efeito lesivo da
Obtido um efeito de vasoconstrição periférica, hipoglicémia, a determinação da glucose no
verifica-se melhoria do suprimento de oxigénio ao sangue deve ser realizada, sendo de considerar no
SNC e miocárdio. pós parto imediato, em função do contexto clínico
A ausência de resposta à adrenalina obriga a de cada caso, a perfusão de glucose IV para pre-
considerar a administração de expansores de venir aquela situação
volume e/ou de bicarbonato de sódio. – Nos casos de RN de termo ou quase de termo
(com 36 semanas ou mais) com encefalopatia
Expansores de volume hipóxico-isquémica moderada a grave(ver
Estão indicados em situação de: Capítulo 365) devem beneficiar de hipotermia
– Ausência de resposta às medidas anterior- devidamente controlada (33,5ºC a 34,5ºC). Cabe
mente descritas; salientar que, de acordo com estudos aleatórios
– Choque hipovolémico traduzido por palidez, ainda em curso, tal procedimento é iniciado den-
má perfusão periférica/pele marmoreada, hipo- tro das primeiras 6 horas após o parto, continuan-
tensão arterial, pulsos débeis (situação eventual- do durante 72 horas, com ulterior reaquecimento.
mente relacionada com perda de sangue);
Os expansores indicados são soluções cris- Actuação prática em casos especiais
talóides isotónicas: soro fisiológico (NaCl a 0,9%)
ou lactato de Ringer. A dose inicial é 10 mL/kg Hérnia diafragmática congénita (HDC)
por via endovenosa periférica ou umbilical em 5 a O diagnóstico de HDC, idealmente, deverá ser
10 minutos; pode repetir-se a administração. realizado antes do nascimento (Capítulo 308).
Em situações de hemorragia importante pode No RN com diagnóstico pré-natal de HDC, a
ser empregue sangue O Rh(-). (Capítulo 155) equipa de reanimação, informada do diagnóstico,
deverá electiva e imediatamente após o nascimen-
6. Cuidados pós-reanimação to proceder a; 1) entubação traqueal; 2) ventilação
– Na fase pós-reanimação, seguindo-se à recupe- com pressão positiva; 3) colocação de sonda
ração dos sinais vitais, existe risco de deterioração, nasogástrica para evitar hiperdistensão gástrica;
o que implica preparação da equipa para even- 4) restante suporte vital que a situação imponha.
tuais intervenções nas horas subsequentes.
Mesmo que o RN submetido a reanimação não Notas importantes:
seja transferido para UCIN, deverá ficar sob vigi- – Nos RN com síndroma de dificuldade respi-
lância nas horas subsequentes em unidade de ratória no pós-parto imediato, abdómen escafói-
internamento que possibilite manutenção de tem- de, ventilação assimétrica, e desvio dos sons car-
peratura corporal adequada, monitorização biofí- díacos é essencial ponderar este diagnóstico e pro-
sica (frequência cardíaca, respiratória, pressão ceder em conformidade.
arterial, saturação de O2-Hb/ oximetria de pulso, – Nos casos de HDC, o risco de pneumotórax
etc.), e bioquímica. durante a reanimação é considerável; caso se veri-
CAPÍTULO 329 Reanimação do recém-nascido no bloco de partos 1733

fique, deverá ser feita a descompressão imediata – a entubação traqueal guiada por fibroendoscopia
através de punção pleural com agulha com pro- constitui uma alternativa a utilizar em tais doentes.
longamento (butterfly) no 4º espaço intercostal
esquerdo (EIE) na linha axilar anterior conectada a Surfactante no bloco de partos
seringa ou a sistema de drenagem subaquática. Essencialmente existem duas estratégias no que
respeita à administração de surfactante: a profilác-
Gastrosquise tica e a de recurso.
A gastrosquise pode ser diagnosticada no âmbito Na estratégia profiláctica, o surfactante é
da vigilância pré-natal pela observação ecográfica administrado nos primeiros minutos de vida a
de vísceras em localização extra-parede abdomi- RN com maior probabilidade de desenvolvimento
nal, sem saco de revestimento (Capítulo 313). do problema respiratório típico da prematuridade
Para além das manobras atrás descritas de rea- por défice de surfactante (doença da membrana
nimação cárdio-respiratória, salientam-se as parti- hialina), isto é, em situações associadas a idade
cularidades da vertente circulatória da reanima- gestacional < 28 semanas, particularmente se não
ção: reposição de líquidos (as perdas são essen- tiver havido administração, na grávida, de cor-
cialmente de plasma e fluidos intersticiais), com ticóides.
necessidades de volumes muito superiores às Na estratégia de recurso, a administração de
habituais: 150-300 ml /Kg /dia, isótonicos, surfactante é protelada até verificação dos primei-
colóides, soro fisiológico ou lactato de Ringer. ros sinais de dificuldade respiratória relacionável
com a referida doença.
Obstrução das vias aéreas superiores Muitos estudos publicados têm demonstrado
A obstrução das vias aéreas superiores, seja intrín- que ambas as estratégias são seguras e eficazes,
seca ou extrínseca, pode determinar adaptação continuando, contudo, a existir controvérsia
difícil à vida extra-uterina (traduzida fundamen- quanto à selecção de pacientes para tratamento
talmente por esforço respiratório precoce) deter- profiláctico, e ao intervalo de tempo máximo reco-
minando dificuldades acrescidas no momento da mendado para a administração de primeira dose.
reanimação. Salienta-se, contudo, que em regra é recomendada
a administração profiláctica aos 10 minutos de
→ No RN com macroglossia ou glossoptose, o vida após período de ventilação com pressão posi-
decúbito lateral ou ventral pode ajudar a aliviar os tiva iniciada no pós-parto imediato.
sintomas; se não se verificar alívio pode tentar-se, Tem sido observado um crescente interesse no
com o apoio de anestesista e endoscopista, a colo- uso precoce do método de pressão positiva contí-
cação de tubo nasofaríngeo sob controle fibroen- nua por via nasal (CPAP nasal – nasal continuous
doscópico, vigiando a eventual melhoria dos sin- positive airway pressure) já a partir do bloco de
tomas obstrutivos; partos em RN com idades gestacionais mais
→ No RN com anomalia congénita do maciço baixas. Alguns estudos têm sugerido que esta
facial pode ser difícil a realização de entubação estratégia pode diminuir a necessidade de venti-
traqueal; se, após aplicação do laringoscópio a lação invasiva, a utilização de surfactante e a inci-
visualização das cordas vocais for difícil ou dência de doença pulmonar crónica. Também a
impossível, poderá tentar-se sem laringoscópio, estratégia designada de “INSURE” (ou intubation
usando o método táctil: – surfactant – extubation) significando “entubação
1) RN em decúbito dorsal com plantas dos pés electiva para administração de surfactante segui-
frente ao reanimador; da de extubação e aplicação de CPAP nasal“ pode
2) Segura-se o TET com a mão direita e, com o contribuir para reduzir a necessidade de ventila-
4º dedo da mão esquerda introduzido na boca do ção mecânica e suas complicações. De facto, a
RN avança-se até tocar na ponta da epiglote que pressão positiva contínua/CPAP, mantendo os
se tenta levantar enquanto se introduz o TET; alvéolos distendidos, reduz a probabilidade de
lesão do surfactante e, por outro lado, estimula a
Notas importantes sobre evolução de práticas: sua produção.
1734 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Para melhor compreensão das estratégias de – inviabilidade quando a idade gestacional é


assistência respiratória no pós-parto imediato em inferior a 23 semanas;
RN pré-termo, e especialmente em situações de – a reanimação deve ser instituída se o dia-
prematuridade extrema (< 28 semanas e < 1000 gnóstico de maturidade (idade gestacional preci-
gramas) tendo em vista a prevenção de lesão sa) não tiver sido previamente estabelecido;
alveolar pulmonar e suas sequelas, será de utili- – a reanimação não deve ser instituída se a
dade a consulta do Capítulo 353. idade gestacional confirmada for inferior a 23
semanas, ou o peso de nascimento inferior a 400
Dilemas éticos gramas;
– o sinal clínico “fusão palpebral” habitual-
No bloco de partos a equipa de pediatria-neonato- mente conotado com imaturidade inviável pode
logia é muitas vezes confrontada com situações surgir em cerca de 20% dos RN com idades gesta-
que comportam decisão difícil, designadamente cionais compreendidas entre 24 e 27 semanas;
no que se refere à abstenção de reanimação ou à – todos os esforços devem ser feitos na assis-
sua interrupção. tência ao parto e na reanimação de RN com idade
Cabe referir, a propósito, que se torna impossí- gestacional > 27 semanas;
vel estabelecer consenso absoluto no que respeita – nos RN com idade gestacional compreendida
ao tópico “reanimação”, uma vez que a adopção entre 25 e 27 semanas haverá que ponderar deter-
de toda e qualquer medida é susceptível de abran- minados factores tais como, por ex. a medicação
ger, não só aspectos éticos, mas também científi- na grávida com corticóides, parto em centro dife-
cos, legais, culturais, religiosos, entre outros; por renciado com UCIN pressupondo transporte in
conseguinte, as normas estabelecidas poderão utero prévio, problemas associados imediatamente
variar entre grupos sociais ou culturais. De qual- detectados no pós-parto, etc..
quer modo, é geralmente admitido que o bloco de A este propósito cabe referir que, de acordo
partos não constitui o local mais próprio para com resultados dos estudos da Rede Neonatal
decidir sobre a vida ou a morte. Vermont Oxford, a maioria dos RN com peso de
Tendo em conta tais condicionalismos, no nascimento <1000 gramas submetidos a massa-
âmbito de cada país e cada instituição é importan- gem cardíaca e ou tratamento com adrenalina
te elaborar normas de actuação que poderão ser sobrevive (50 % sem HIPV).
revistas regularmente, e modificadas se necessá- Quanto aos RN portadores de anomalias
rio. Por outro lado, as decisões deverão basear-se congénitas evidentes, designadamente nos casos
no maior número de elementos clínicos antena- de diagnóstico confirmado de trissomia 13 ou tris-
tais, sempre que possível, confirmados no período somia 18, considera-se em geral que se deverá
pós-natal. tomar a decisão de iniciar a reanimação. Dada a
As situações que na maior parte dos casos posssibilidade actual de diagnóstico pré-natal das
podem suscitar dúvidas e dilemas dizem respeito situações atrás referidas, considera-se que a
fundamentalmente aos RN com sinais de imaturi- decisão deva ser discutida com os pais sob os pon-
dade extrema (RN inviáveis?), àqueles que evi- tos de vista cultural, legal, religioso, etc..
denciam anomalias congénitas (incompatíveis Nas situações de reanimação prolongada, e
com a vida?), e aos casos em que o tempo de rea- após 15 minutos de ausência de batimentos
nimação se prolonga . cardíacos, apesar da realização de todos os proce-
Na fase actual dos conhecimentos, no âmbito dimentos de modo adequado, aquela deverá ser
da maioria dos centros e sociedades científicas interrompida.
perinatais dos países industrializados foram,
entretanto, obtidos determinados consensos em BIBLIOGRAFIA
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saturation and umbilical cord pH immediately after birth. por muitos autores do que o anterior, de “atraso
Pediatrics and Neonatology 2012; 53: 340-345 de crescimento intra-uterino” – é definida no sen-
Wyckoff MH, Wyllie J . Endotracheal delivery of medications tido lato como a perda de oportunidade de o feto
during neonatal resuscitation. Clin Perinatol 2006; 33: 153- 160 atingir o respectivo potencial de crescimento. No
Wyllie J. Recent changes to UK newborn resuscitstion guide- sentido estrito, o critério de definição mais utiliza-
lines. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2012; 97: F4 – F7 do baseia-se exclusivamente no peso ao nascer:
recém-nascido (RN) com peso inferior ao que cor-
responde ao percentil 3 ou a dois desvios padrão
abaixo da média para a respectiva idade de gesta-
ção e género, isto é, leve para a idade de gestação
(LIG) em valores representativos da população.
Outros autores preferem utilizar o termo pequeno
para a idade gestacional (PIG).
Embora a condição LIG possa constituir um
razoável indicador de RCIU, em rigor, os concei-
tos de LIG e RCIU, não são sinónimos, dado que
1736 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

cada situação poderá ocorrer na ausência de A classificação clínica assenta na proporcionali-


outra. Há recém-nascidos (RN) LIG constitucio- dade corporal, que pode ser avaliada com maior
nalmente pequenos, considerados saudáveis, precisão pelo índice ponderal (IP)de Rohrer: [Peso
assim como casos de má-nutrição intrauterina (em g) / Comprimento3 (em cm)]x100. Na RCIU
com inflexão da trajectória do crescimento fetal simétrica, harmoniosa, ou proporcionada, tanto o
em que o peso no momento do nascimento se peso (no numerador) como o comprimento (no
situa entre o percentil 3 e 97 (RN adequados para denominador) estão diminuídos, pelo que o valor
a idade de gestação ou simplesmente AIG) do IP se situa acima do percentil mais baixo.
(Capítulo 325). Nesta última circunstância, é Quando o peso é predominantemente afectado, o
essencial recorrer a outros indicadores de má- IP está diminuído, sendo a RCIU designada assi-
nutrição fetal, referidos mais adiante. métrica, desarmoniosa ou desproporcionada. Nas
curvas mais actuais não há disponíveis valores de
Aspectos epidemiológicos percentis para o IP. A RCIU é, assim, classificada
em função da “simetria” ou “assimetria” dos parâ-
e diagnóstico pré-natal
metros do numerador e denominador da fracção IP.
Esta terminologia, muito utilizada, poderá ori-
A incidência de RCIU varia, de acordo com diversos ginar erroneamente a ideia de que a RCIU simétri-
estudos epidemiológicos, entre 3 e 7% dos RN; trata- ca, harmoniosa ou proporcionada representará um
-se dum problema ao qual se associa risco significa- processo mais “benigno”. De facto assim não é.
tivo de mortalidade e morbilidade perinatais, espe- Tipicamente, a RCIU simétrica está associada a
cialmente na ausência de diagnóstico pré-natal. O patologia intrínseca do feto, como infecções
método mais fidedigno para o diagnóstico de RCIU intrauterinas (rubéola, citomegalovírus, toxoplas-
assenta na avaliação de, pelo menos, duas avaliações mose, sífilis, paludismo, etc.), anomalias cro-
da biometria fetal por ultrassonografia, sendo o perí- mossómicas, síndromas dismórficas e noxas
metro abdominal a medida mais sensível. A hemo- maternas actuando no feto – tabaco, álcool, cocaí-
dinâmica avaliada por ecografia-Doppler, designa- na, heroína e certos fármacos como o propranolol
damente através de medições do fluxo nas artérias e os corticosteróides. Neste tipo de RCIU, a altera-
umbilicais, cerebral média e uterina, reveste-se de ção do crescimento manifesta-se precocemente na
grande utilidade no diagnóstico de insuficiência gravidez, podendo atingir a fase de hiperplasia
útero – placentar, a principal causa de RCIU. celular e organogénese e levar a uma redução do
número total de células.
Etiopatogénese e classificação A RCIU assimétrica inicia-se tardiamente na
gravidez e está associada a causas maternas e
Para compreender as diferentes classificações de útero-placentares, como a pré-eclâmpsia, hiper-
RCIU, é importante recordar as três fases de cresci- tensão crónica e anomalias uterinas. Nestas cir-
mento fetal. Na primeira, predomina a hiperplasia cunstâncias, é frequente encontrar enfartes ou
celular, caracterizada por rápido aumento do núme- alterações microvasculares da placenta. A má-
ro de células até às 16 semanas de vida intra-uterina. nutrição fetal aguda ocorrendo no último tri-
Na segunda, entre as 16 e as 32 semanas de gestação, mestre, em geral apenas atinge a fase de hipertro-
há um abrandamento da hiperplasia e um progres- fia celular e associa-se à redução das reservas adi-
sivo aumento do tamanho das células (hipertrofia). posa e de glicogénio, com consequente diminui-
Na terceira, após as 32 semanas, predomina a hiper- ção dos tecidos subcutâneo, muscular e hepático
trofia com rápido aumento da dimensão celular. (redução do perímetro abdominal). Além do défi-
Os dois tipos mais usados de classificação de ce de suprimento de nutrientes, na insuficiência
RCIU são o etiológico e o clínico. útero-placentar frequentemente coexiste menor
Pela classificação etiológica, a RCIU pode ser fornecimento de oxigénio e consequente hipóxia
de origem fetal, ou explicável por patologia intrín- pré- e perinatal (Quadro 1).
seca do feto, útero-placentar, ou materna (estas Há autores, porém, que questionam a relação
últimas causas consideradas extrínsecas). entre a conformação somática do RN e os factores
CAPÍTULO 330 Alterações do crescimento fetal 1737

QUADRO 1 – Tipos de restrição do crescimento intrauterino (RCIU)

Assimétrica Simétrica
Biometria (parâmetro afectado) Peso Peso, comprimento e perímetro cefálico
Causa Extrínseca Intrínseca ou extrínseca
Incidência 80% 20%
Início na gravidez Tardio Precoce
Fase da gravidez Hipertrofia celular Hiperplasia celular
Etiopatogénese Insuficiência útero-placentar: Diminuição do número de células
défice de suprimento de nutrientes de causa diversa
Tecidos e órgãos Diminuição do tecido adiposo, Diminuição do volume do
muscular e hepático encéfalo
Placenta Alterações histológicas Exame histológico normal (excepto nos
casos de embriopatia infecciosa)

etiopatogénicos referidos. No Quadro 2, comple- aos quais se liga:VEGFR-1 e VEGFR-2, sendo que
mento do Quadro 1, são discriminados os factores o VEGFR-1 constitui um potente inibidor de
que mais frequentemente estão associados a RCIU. VEGF e dum factor de crescimento placentar.
Demonstrou-se que a angiogénese, processo Outros estudos concluíram que a concentração
fundamental para o crescimento e desenvolvi- sérica de VEGFR-1 solúvel está muito elevada nos
mento, designadamente da placenta, está alterada RN com RCIU no 1º dia de vida, o que pode reflec-
em múltiplas situações acompanhadas de RCIU. tir hipóxia intra-uterina e disfunção placentar, tra-
Diversos estudos chamaram a atenção para o duzindo provavelmente papel importante como
papel do factor de crescimento endotelial vascu- factor de risco de RCIU.
lar (VEGF ou vascular endothelial growth factor) Recentemente tem-se demonstrado a acção
como mediador da angiogénese, o qual exerce o deletéria de poluentes a que a grávida está expos-
seu efeito através da cooperação de 2 receptores ta, tais como CO e certos compostos hidrocarbo-
nados aromáticos policíclicos;os efeitos são diver-
QUADRO 2 – Factores frequentemente sos: défice de oxigenação fetal a par de estresse
associados a RCIU oxidativo, lesão do ADN, etc.

Fetais Manifestações clínicas, complicações


Anomalias cromossómicas, fetopatias infecciosas, e avaliação
síndromas malformativas, irradiação, gestação
múltipla, hipoplasia pancreática, deficiência de À RCIU associa-se maior risco de mortalidade e
insulina, mecanismos anti-angiogénicos, deficiência de morbilidade neonatais, designadamente na de
ILGF do tipo II, VEGFR-1 tipo simétrico.
Placentares Apesar de os RN com RCIU terem maior capa-
Peso e/ou celularidade deficientes, área deficiente, cidade termogénica, estão mais propensos à hipo-
placentite vilosa (bacteriana, vírica, parasitária), enfartes, termia pela menor espessura da gordura subcutâ-
tumores (mola hidatiforme, corioangioma), separação nea. Relativamente à conformação corporal, a RCIU
placentar, síndroma de transfusão intergemelar de tipo assimétrico associa-se a maior risco de hipo-
Maternos glicémia e asfixia, e a de tipo simétrico, a maior taxa
Toxémia e ou hipertensão arterial, hipoxémia (doença de prematuridade e complicações perinatais.
pulmonar, cardiopatia cianótica, altitude elevada), má- A hipoglicémia constitui a principal complica-
nutrição (carência em macro e micronutrientes), doença ção metabólica do RN com RCIU, por diminuição
crónica, drepanocitose, drogas(narcóticos, álcool, das reservas fetais de glicogénio e compromisso da
tabaquismo, cocaína, antimetabólitos, poluentes). neoglicogénese e da glicogenólise hepáticas. A hipo-
1738 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

calcémia ocorre essencialmente em RN com RCIU e A


sinais de hipotrofia e/ou que sofreram asfixia peri-
natal. A asfixia perinatal está intimamente relacio-
nada com a hipoxia crónica por insuficiência útero-
placentar, a qual por sua vez pode associar-se a sín-
droma de aspiração de mecónio, hipertensão pul-
monar e policitémia por estimulação da eritropoie-
tina fetal (Capítulos 135, 339 e 340).
Nos RN com RCIU pode verificar-se diminuição
da absorção entérica de macromoléculas, nomeada-
mente de lípidos e de proteínas, assim como menor
concentração sérica de α–lactalbumina.
Determinados sinais clínicos indicam hipóxia B
pré-natal. A presença de líquido amniótico tinto de
mecónio é um sinal de sofrimento fetal agudo,
enquanto o líquido com aspecto de “puré de ervilha”
sugere um processo mais prolongado de hipóxia
intra-uterina. Neste caso, é habitual o RN evidenciar
sinais de dismaturidade, apresentando um aspecto
“envelhecido”, pele enrugada e descamativa e olhar
alerta, não condizentes com o peso deficitário e o
aspecto emagrecido. Tratando-se de um RN com
RCIU, de termo, o mesmo evidenciará a postura típi-
FIG. 1
ca com membros superiores e inferiores em flexão,
semelhante à postura do RN de termo não RCIU, e RN de termo com RCIU. Aspecto geral desnutrido; postura em
diversa da do RN pré-termo cujos segmentos dos flexão dos membros superiores e inferiores compatível com a
membros estão em extensão. (Figuras 1 e 2) idade gestacional. (URN-HDE)
Na RCIU simétrica deve procurar-se sinais dis-
morfia enquadrados em síndromas polimalforma-
tivas ou que sugiram infecção intra-uterina do
grupo TORCHS. Neste caso é necessário pesquisar
microcefalia, hepatosplenomegália, exantema e
outros sinais biológicos (Capítulo 360).
Alguns parâmetros somatométricos podem
auxiliar no diagnóstico de má-nutrição fetal e pre-
ver o risco metabólico precoce. O mais fácil de
avaliar é o peso mas, como foi referido, muitos RN
LIG não têm patologia, enquanto outros têm peso
adequado à idade de gestação e sofreram má-
FIG. 2
nutrição intra-uterina. Um IP baixo pode ser um
bom indicador desta condição, mas a pouca espes- RN pré-termo com peso de nascimento semelhante ao da
sura das pregas cutâneas e outros índices poderão Figura 1: postura dos membros inferiores em extensão, e
ser tão bons ou melhores indicadores. Entre estes, hipotonia marcada, compatíveis com a idade gestacional.
(URN-HDE)
incluem-se os valores baixos da razão perímetro
braquial/ perímetro cefálico, da razão peso/com-
primento do IP individualizado, e valores baixos No entanto, vários autores questionam a
das áreas da secção transversal do braço (áreas confiabilidade da medição das pregas cutâneas no
adiposa e braquial) calculadas a partir da prega RN, a validade das áreas da secção transversal do
cutânea tricipital e do perímetro braquial. braço e o valor da conformação corporal na pre-
CAPÍTULO 330 Alterações do crescimento fetal 1739

visão do risco metabólico precoce. dominada por alterações da homeostasia da glicose-


Em comparação com os RN de equivalente insulina. Nesta síndroma, incluem-se a diabetes de
idade de gestação e peso adequado, os pré-termo tipo 2 (DT2), a doença coronária, a hipertensão arte-
com RCIU têm maior risco de complicações rial, o perfil lipídico aterogénico e a obesidade de
inerentes à prematuridade. Embora haja a ideia de predomínio troncular. Estudos em modelos animais,
que o estresse a que é submetido o RN com RCIU permitem explicar alguns mecanismos patogénicos
induz a maturidade pulmonar, foi demonstrado desta síndroma. A exposição a um regime nutricio-
que o RN pré-termo com esta condição tem maior nal intra-uterino pobre em proteína, origina no pân-
probabilidade de ter doença da membrana hiali- creas fetal uma diminuição da proliferação das célu-
na. A maior prevalência de asfixia perinatal e las-β dos ilhéus pancreáticos e redução da dimensão
consequente redistribuição do fluxo sanguíneo, dos mesmos por défice de vascularização. A redistri-
hiperviscosidade por policitémia e a própria pre- buição de nutrientes também pode levar à redução
maturidade, predispõem à enterocolite necrosan- permanente dos transportadores de glicose no mús-
te. Outras complicações da RCIU relacionadas culo, iniciando o ciclo vicioso: hiperglicémia,
com a prematuridade são a sépsis, a hemorragia aumento do estímulo para produção da insulina e
intraventricular e as sequelas neurológicas exaustão e apoptose das células-β pancreáticas e
(Capítulos 321, 346, 355, 366). diminuição da expressão da insulin-like growth factor
II. Relativamente à hipertensão e doença cardiovas-
Importância do problema cular, foram observadas: alterações da angiogénese;
e implicações futuras exposição do feto a níveis elevados de glucocor-
ticóides, aumento da expressão do respectivo recep-
Barker especulando sobre os mecanismos que deter- tor, e estímulo para a activação do sistema renina-
minam a repercussão a longo prazo da má-nutrição angiotensina; mecanismos epigenéticos, envolvendo
fetal, deu origem a uma teoria conhecida por “hipó- a metilação do ADN; e doença renal por redução
tese de Barker” ou “hipótese da poupança (thrifty fetal do número de nefrónios. Entre os mecanismos
hypothesis)”. Segundo esta teoria, o feto responde à favorecendo a futura obesidade, foram descritas no
má-nutrição com uma série de mecanismos de adap- feto: selecção de clones celulares associados à pro-
tação, que incluem o armazenamento de gordura, dução endógena de lípidos; supressão da lipólise
redução do metabolismo não essencial, restrição do induzida pela insulina em adipócitos mal nutridos.
crescimento e redistribuição do fluxo sanguíneo e Na espécie humana, foi descrita alteração congénita
nutrientes para órgãos nobres (designadamente, do padrão do apetite e saciedade resultante das
cérebro, coração e suprarrenais) em detrimento dou- adaptações metabólicas referidas. Um dos factores
tros nos quais se verificam alterações de que resul- que participam nesta programação pode relacionar-
tam lesões permanentes. A privação nutricional se com a grelina, péptido orexigénico cujos níveis
pode influenciar de modo programado o feto (ou estão aumentados em indivíduos nascidos LIG.
originar, assim, uma “programação” ou “marca” no Existem outros efeitos não relacionados com a
mesmo, levando mais tarde a lesões estruturais e futura síndroma metabólica, mas também resul-
metabólicas permanentes). Estas alterações não se tantes da redistribuição do fluxo sanguíneo e de
tornam tão evidentes se o indivíduo, após o nasci- nutrientes, justificando a hipocelularidade e hipo-
mento, continuar a crescer em ambiente nutricional- plasia de outros órgãos e tecidos, como: eventual
mente deficitário, representando tal ambiente a redução da massa muscular (sarcopénia) e osteo-
continuidade de condições que já se verificavam pénia; diminuição do desenvolvimento e função
antes (in utero) e uma “vantagem” em termos do timo e tecido linfóide; e maior susceptibilidade
metabólicos”, facilitando os mecanismos de adapta- a infecções respiratórias e diarreias durante a
ção do feto à vida extra-uterina (Capítulo 45). infância, por afecção de componentes do sistema
No entanto, ao ser exposto a meio nutricional- imunitário, particularmente sensíveis a défice
mente rico, a “programação” pré-natal torna-se nutricional precoce.
inadequada e no indivíduo em causa poderá desen- Nos primeiros anos de vida, é notório o hipocres-
volver-se tardiamente a chamada síndroma metabólica cimento estaturo-ponderal na RCIU de tipo simétrico
1740 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mas, a médio e longo prazo, o prognóstico parece Existem classificações, como as de White e de
melhor. No entanto, cerca de 10 a 15% de indivíduos Pedersen, com valor prognóstico para o feto de
nascidos com RCIU não recuperam o crescimento mãe diabética.
aos 2 anos de idade, estão em maior risco de terem A macrossomia é típica do RNMD, entidade
baixa estatura na idade adulta e poderão beneficiar clínica descrita no Capítulo 332.
de tratamento com hormona de crescimento.
Curiosamente, mulheres que nasceram com Etiopatogénese
RCIU podem ter maior predisposição para gerar
filhos com a mesma condição, estabelecendo-se Um RN GIG pode constituir manifestação de deter-
assim um efeito transgeracional. Isto verificou-se minada patologia (como RN de mãe diabética –
não só em mães que sofreram desnutrição aguda, RNMD) e determinadas síndromas, enquadrar-se
da coorte de Holandeses sujeitos a fome extrema no contexto de gigantismo de início pré-natal, ou
durante a segunda guerra mundial (Dutch Famine corresponder apenas uma situação de RN consti-
Cohort), mas também em mães suecas de meio tucionalmente grande/pesado, sem patologia sub-
favorecido. Em parte, o efeito transgeracional jacente. Mais raramente a condição de GIG pode
pode dever-se às pequenas dimensões do útero e associar-se à eritroblastose fetal grave, hidropisia
ovários, observado em adolescentes que sofreram fetal e transposição das grandes artérias.
RCIU (Capítulo 45). A classificação do RN GIG, baseada no índice
ponderal individualizado, veio mudar a perspectiva
etiopatogénica: não se consegue determinar a causa
da macrossomia em cerca de 1/3 dos RN GIG, sendo
2. HIPERCRESCIMENTO INTRA-UTERINO que os RNMD não representam mais do que 10%
daqueles, ao contrário do que se julgava.
Definição
Manifestações clínicas e complicações
Considera-se que um RN teve um crescimento
intrauterino excessivo (ou hipercrescimento) quan- Pelas dimensões do feto, o parto por via vaginal
do o peso de nascimento é superior ao percentil 97 comporta maior risco de distócia de ombros, de
ou dois desvios padrão acima da média para a fractura da clavícula e dos membros, e de asfixia
idade de gestação e género numa curva represen- perinatal.
tativa da população; tal RN é designado grande Ao RNMD associam-se intolerância alimentar,
(ou pesado) para a idade de gestação (GIG). hipoglicémia, hipocalcémia, policitémia, hiperbi-
Os RN GIG de termo são geralmente macros- lirrubinémia não conjugada e atraso na produção
sómicos (ou macrossomáticos), termos que signifi- de surfactante com consequente quadro de SDR
cam peso de nascimento superior a 4000 gramas. (doença da membrana hialina). Uma vez que a
incidência de anomalias congénitas é significati-
Aspectos epidemiológicos vamente superior nos RNMD, torna-se necessário
e diagnóstico pré-natal proceder ao respectivo rastreio em tal circunstân-
cia, nomeadamente da cardiomiopatia hipertrófi-
Estima-se que 9 a 13% dos RN sejam GIG, condi- ca (Capítulos 339, 340, 355, 363). (Figura 3)
ção associada a certo número de complicações no O exame objectivo de um RN macrossómico
período perinatal. obriga à detecção de determinadas lesões traumá-
Frequentemente, a condição de feto macrossó- ticas tais como fractura da clavícula e dos mem-
mico (macrossomia) não é detectada durante a bros, traumatismo das partes moles, lesão do
gravidez e trabalho de parto, pelo facto de a sen- plexo braquial e céfalo-hematoma, designada-
sibilidade e especificidade das estimativas ultras- mente se o parto se tiver realizado por via vaginal.
sonográficas ficarem aquém do desejado. Um dos No RN GIG e/ou macrossómico devem ser
parâmetros com maior sensibilidade diagnóstica é pesquisados determinados sinais classicamente
o perímetro abdominal. associados à entidade “RNMD”, nomeadamente
CAPÍTULO 330 Alterações do crescimento fetal 1741

associando anteversão das narinas, achatamento


da base do nariz, espaçamento dos olhos aparen-
tando macroftalmia, espessamento da parte
superior da calote craniana, calcificações intracra-
nianas, catarata e anomalias do palato; e a síndro-
ma de Perlman, associando displasia renal, tumor
de Wilms, hiperplasia do pâncreas endócrino e
outras anomalias congénitas.

Prognóstico e implicações futuras


FIG. 3
RN macrossomático (RNMD) com insuficiência respiratória Às condições GIG e macrossomia natal, independen-
submetido a terapia em UCIN. (URN-HDE) temente de resultarem de diabetes materna, asso-
ciam-se futuro risco de obesidade, de doença
se houver antecedentes maternos sugestivos. O metabólica e de doença cardiovascular (Capítulo 45).
RNMD tem um fenótipo característico, com acu-
mulação de gordura na face e tronco. Pode ter BIBLIOGRAFIA
aspecto pletórico, tremor, taquipneia e icterícia. A Alberry M, Soothill P. Management of fetal growth restriction.
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Opin Pediatr 2013; 25:240-246 excessivo para a idade/grande ou pesado para a
idade.
Estes conceitos implicam a utilização de tabe-
las e curvas de crescimento utilizadas na prática
clínica corrente, às quais se fez referência no
Capítulo 325.
Muitas vezes utiliza-se o termo de prematuro
como sinónimo de pré-termo. De facto, sob o
ponto de vista da linguística os termos são sinóni-
CAPÍTULO 331 Prematuridade 1743

mos; no entanto, hoje em dia, e por razões históri- do Norte da Europa; com efeito, nalguns destes
cas, há a tendência para considerar a designação países têm sido relatadas taxas de sobrevivência
de pré-termo como mais correcta uma vez que a de 68% em RN com 23 e 24 semanas gestacionais,
designação-mais antiga, de prematuro, era usada de 80% com 25 semanas, e de 91% com 28 sema-
há cerca de 4 décadas para definir o que então se nas. Em Portugal, onde se registaram progressos
considerava prematuro (RN com peso de nasci- assinaláveis na assistência perinatal sobretudo nos
mento < 2500 gramas), conceito hoje obsoleto. No últimos vinte anos – a que foi feita referência no
entanto, considera-se correcto utilizar o adjectivo Capítulo 1 – registaram-se, no ano de 2000, taxas
derivado de prematuro para a designada situação de sobrevivência de ~25% em RN de 24 semanas,
clínica inerente: prematuridade. de ~80% em RN de 28 semanas, e de ~90% em RN
De acordo com dados do INE e do Registo de de 32 semanas. Considerando o parâmetro peso,
RN de Muito Baixo Peso da Secção de no mesmo ano, a taxa de sobrevivência em RN
Neonatologia da SPP, a incidência actual de pre- com peso de nascimento < 1000 gramas foi ~60%.
maturidade é cerca de 6,5%. Dum modo geral, a Estudos epidemiológicos internacionais rela-
referida incidência por país é tanto maior quanto tam, como sequelas de prematuridade, prevalên-
menor o desenvolvimento socioeconómico; ou cia de paralisia cerebral oscilando entre 10 e
seja, países como a Índia e Brasil têm incidências 15%,dificuldade escolar em cerca de 30 a 50% dos
~20%. Nos EUA, país com largas assimetrias casos, perturbações associadas a défice de atenção
sociais, ronda o valor de 12%. e hiperactividade em cerca de 25-30%, e perturba-
A estratificação dos RN pré-termo em subgru- ções psiquiátricas em cerca de 20 a 30%.
pos de idade gestacional e/ou de peso conduz No nosso País, de acordo com os resultados do
necessariamente à noção de limite de viabilidade Grupo de Estudo do Recém-Nascido de Muito
(definido como a idade gestacional a partir da Baixo Peso da SNN/SPP, em 3099 sobreviventes
qual a criança se poderá adaptar à vida extra-ute- ex-pré-termo aos 4 meses de idade foram apuradas
rina independentemente da idade de sobrevivên- sequelas de grau variável em 20% dos casos; os
cia e do prognóstico a médio e longo prazo). O tipos de sequelas mais frequentemente identifica-
limite de viabilidade é abordado doutro modo por das foram as neurológicas (~57%), oftalmológicas
alguns neonatologistas e pediatras do desenvolvi- (~31%),respiratórias (~28%) e digestivas (~8%).
mento, os quais consideram tal conceito ligado à Os RN pré-termo evidenciam uma diversidade
possibilidade de crescimento e desenvolvimento de problemas clínicos que exigem diagnóstico
normais. Ou seja, trata-se de questão polémica, atempado e assistência em unidades de cuidados
com implicações éticas. especiais ou intensivos, integradas em centros
Efectivamente, com o desenvolvimento da hospitalares com recursos humanos e técnicos
investigação em diversas áreas (farmacologia pré (Hospitais de Apoio Perinatal Diferenciado/
e pós-natal, bioquímica, biofísica, electrónica, etc.) HAPD) fazendo parte duma rede de cuidados
tem sido possível, ao longo dos anos, um conheci- regionalizados, englobando os cuidados primá-
mento cada vez mais profundo da fisiopatologia rios/unidades de saúde familiar/centros de
da prematuridade, o que tem permitido, ao longo saúde, e os Hospitais de Apoio Perinatal(HAP).
dos anos, taxas de sobrevivência cada vez Efectivamente, cabe aos cuidados primários
maiores; isto é, sobrevivem cada vez mais crianças uma acção imprescindível no campo da prevenção
com peso e idade gestacional cada vez mais baixos da prematuridade: educação para a saúde, pro-
(nalguns centros com pesos de nascimento ~380 gramação da gravidez, apoio a grupos sociais de
gramas e idades gestacionais ~ 21/22 semanas), o risco em que as necessidades de saúde não estão
que poderá ter repercussões pejorativas sobre o satisfeitas, identificação precoce de factores de
desenvolvimento e qualidade de vida. risco (de parto prematuro, designadamente) e
Nas últimas três décadas a taxa de sobrevivên- transferência atempada da grávida em tais condi-
cia de RN pré-termo de muito baixo peso aumen- ções para os centros com mais recursos, viabili-
tou muito nos países industrializados, designada- zando o parto com maior segurança.
mente nos Estados Unidos, Canadá, Japão e países Apesar do desenvolvimento do sistema de
1744 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

transporte do RN em ambulâncias com equipa QUADRO 1 – Factores etiológicos


médica e de enfermagem – uma realidade em de parto pré-termo
Portugal – propiciando terapia intensiva “em
movimento”, os estudos epidemiológicos têm Factores maternos
demonstrado que a morbilidade e mortalidade – Infecção (infecção por Streptococcus do grupo B,
dos RN em risco (neste caso dos RN pré-termo) é Mycoplasma, Herpes simplex, sífilis, vaginose
muito menor quando o parto ocorre em hospital bacteriana,VIH, corioamnionite, etc.)
com unidade de cuidados intensivos ,demons- – Pré-eclâmpsia
trando como foi referido antes, que “a melhor – Doença crónica (drepanocitose, hipertensão arterial,
incubadora de transporte é o útero materno” cardiopatia cianótica ou outra)
(Capítulos 264, 324). – Toxicodependência
Salienta-se, em suma, que os cuidados a propi- – Idade materna (< 16 ou > 35 anos)
ciar por uma equipa multidisciplinar ao “produto – Peso e estatura deficientes
da concepção” devem ter início antes do nasci- – Deficiente progressão de peso durante a gravidez
mento e continuar na fase peri-parto e pós-parto. – Esforço/trabalho excessivo
Os médicos que irão prestar cuidados na fase pós- – Hábitos de tabaco e álcool
parto (clínicos gerais/médicos de família, pedia- – Comportamento de risco
tras – neonatologistas) assessorados por outros Factores uterinos
profissionais, devem participar na avaliação pré- – Anomalias uterinas (por ex. útero bicórnio)
natal, assim como os obstetras e especialistas em – Incompetência cervical
medicina materno-fetal devem ser informados – Anomalias do colo uterino
sobre a evolução pós-natal. Cabe referir ainda o Placenta
papel dos pais na prestação de cuidados, ainda – Placenta prévia
durante a hospitalização em obediência à filosofia – Abruptio placentae
da humanização cuja abordagem foi feita nos Factores fetais
– Doença hemolítica
Capítulos 3 e 325.
– Gravidez múltipla
– Anomalias congénitas
Factores etiológicos de prematuridade
– Hidropisia não imune
– Infecção associada ou não a corioamnionite
Apesar dos progressos realizados em investigação
Miscelânea
no âmbito da medicina materno-fetal, ainda há
– Traumatismo
muitas incógnitas quanto aos factores etiológicos
– Intervenção cirúrgica
de prematuridade, sendo que o nascimento de
– Ruptura prematura de membranas
um RN com peso deficitário, quer por encurta-
– Poli-hidrâmnio
mento da gravidez, quer por restrição do cresci-
– Cesariana (iatrogenia)
mento intra-uterino, traduz, de facto, certo grau
de incapacidade no que respeita à previsão e pre-
venção de tais situações. nível sistema socioeconómico em que os cidadãos
O Quadro 1 resume os principais factores asso- estão integrados.
ciados a parto pré-termo de acordo com os resul- As situações de amnionite implicam admitir,
tados de estudos acumulados ao longo de déca- até prova em contrário, infecção fetal; por sua vez,
das. De facto, numa perspectiva de prevenção e de os estudos demonstraram que a verificação de
estratégias de intervenção torna-se fundamental o corioamnionite está associada a risco aumentado
seu conhecimento, salientando-se que os mesmos de sépsis neonatal, problemas respiratórios (por
factores podem ser relacionados: com a situação pneumonia, por défice ou destruição de surfac-
de mãe/grávida com repercussões no feto; com o tante, por doença pulmonar crónica, etc.) hemor-
sistema de saúde (acessibilidade e cuidados pres- ragia intraperiventricular (HIPV), leucomalácia
tados, ou não prestados, com implicações na periventricular, paralisia cerebral, etc..
detecção, ou não, de factores de risco; e com o Como instrumento prático de detecção de fac-
CAPÍTULO 331 Prematuridade 1745

tores de risco (designadamente de prematurida- de viabilidade, caberá referir, a propósito de


de) refere-se o critério de avaliação de risco pré- desenvolvimento do SNC, que é a partir da 24ª
natal de Goodwinn modificado, aplicável no semana que se verifica um incremento do processo
âmbito dos cuidados de saúde primários de organização estrutural traduzido pelo desen-
(Capítulo 324). Assim, o apuramento de pontua- volvimento das sinapses, diferenciação de dendri-
ção ≥ 3 implicará o encaminhamento da grávida tos e axónios, e apoptose (morte celular programa-
para centro com mais recursos (HAP ou HAPD). da). O “pico” de desenvolvimento coincide com
período crítico ou de maior vulnerabilidade às
Aspectos da fisiologia do RN noxas ou factores potencialmente “agressivos”.
pré-termo e implicações clínicas Como exemplo de possíveis noxas é funda-
mental citar o papel potencialmente lesivo do
O RN pré-termo constitui um exemplo para- ambiente das unidades de cuidados intensivos,
digmático de RN de risco dependente, sobretudo, tipificado, por exemplo pelas técnicas invasivas
da imaturidade dos órgãos e das baixas reservas que originam dor.
energéticas. Com efeito, está demonstrado que experiên-
Como particularidades fisiológicas do RN cias repetidas de dor originam diversos tipos de
pré-termo que estão na base, afinal, dos proble- respostas fisiológicas em vários órgãos; ao nível
mas clínicos clássicos e das possíveis sequelas, do SNC, um dos efeitos é a libertação de neuro-
citam-se as principais: transmissores excitatórios com efeito neurotóxico
• Pulmão imaturo com diminuição da cartila- actuando nas células, alterando a sua estrutura,
gem dos pequenos brônquios e imaturidade isto é, lesando-as.
dos sistemas produtores de surfactante pul- As áreas mais vulneráveis do encéfalo são o
monar condicionando diminuição da capaci- cerebelo e o lobo frontal (com períodos críticos
dade residual funcional cerca da 31-32 semanas), a estrutura designada
• Hipodesenvolvimento muscular com hipo- por placa subcortical (com período crítico entre as
tonia 22 e 36 semanas), os gânglios da base, e o hipo-
• Caixa torácica de consistência diminuída campo. Como consequências futuras poderão sur-
por incompleta ossificação das costelas gir alterações motoras, problemas cognitivos, de
• Maior resistência da via aérea ao fluxo aéreo comportamento e de atenção.
(por menor calibre da via aérea) A imaturidade do SNC do RN pré-termo
• Risco aumentado de infecção grave pela determina uma diminuição das capacidades
imaturidade do sistema imunológico em autonómicas e de auto-regulação, traduzida por
diversas vertentes maior dificuldade de resposta a situações de
• Imaturidade dos mecanismos homeostáticos estresse e a estímulos adversos do meio ambiente
levando a vulnerabilidade no equilíbrio com repercussões na homeostase e, por sua vez,
hidroelectrolítico e na termorregulação no próprio desenvolvimento do SNC.
• Diminuição da actividade reflexa e da coor- No que respeita à imaturidade e desenvolvi-
denação motora (sucção-deglutição) dificul- mento sensoriais, cabe referir algumas especifici-
tando a alimentação dades que implicam determinadas intervenções
• Imaturidade de diversos sistemas enzimáti- nas unidades onde os RN pré-termo estão hospi-
cos (por ex. antioxidantes, da glicogenólise, talizados, a que adiante se fará referência:
da gluconeogénese, etc.) com risco elevado, – o feto crescendo em ambiente intra-uterino
nomeadamente de lesões teciduais oxidantes não está exposto à luz, sendo que a maturação do
e alterações metabólicas sistema visual se processa numa fase tardia da ges-
• Imaturidade do sistema nervoso central tação; o feto-pré-termo, assumindo a vida extra-
(SNC) uterina por gravidez encurtada é, pois, exposto à
• Imaturidade da auto-regulação do fluxo san- luz em condições de maior vulnerabilidade;
guíneo cerebral. – o feto, relativamente protegido do ruído exter-
Tendo sido abordado anteriormente o conceito no, escuta predominantemente a voz e os batimen-
1746 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tos cardíacos maternos; tem capacidade para mas, por secreções, etc.), o que origina interrupção
responder activamente aos sons a partir da 25ª do fluxo de ar, continuando a verificar-se movi-
semana e, a partir da 32ª semana tem capacidade de mentos de expansão e retracção torácicos;
resposta de “atenção “ ou de “alerta”; o feto assu- 3) apneia mista, mais frequente, e surgindo em
mindo a vida extra-uterina após gravidez encurtada, cerca de 50-70% dos casos em que, para além dos
é confrontado de modo abrupto nas unidades onde dois mecanismos 1) e 2), outros factores etiológi-
é hospitalizado com ruído de elevada intensidade. cos poderão estar presentes: anemia, alterações
metabólicas, infecção, etc..
Principais problemas clínicos Para o diagnóstico diferencial, para além da
no RN pré-termo observação clínica cuidadosa e análise dos factores
possivelmente implicados, torna-se fundamental
Os principais problemas clínicos surgidos no RN observar (idealmente em simultâneo, mas nem
pré-termo podem ser divididos pela sua génese sempre possível, o traçado cárdio-respirográfico
em função de órgãos e sistemas. Procede-se a uma (monitorização da frequência cardíaca e respiratória
enumeração sucinta dos mesmos tendo em conta concomitantemente com a oximetria de pulso – satu-
que a abordagem mais aprofundada de alguns ração de O2-Hb) e determinação do CO2 exalado
deles é feita noutros capítulos. através do capnógrafo. A monitorização respiratória
pode fazer-se com o clássico monitor de movimen-
Respiratórios tos respiratórios, vulgo “colchão de apneia”.
Os problemas respiratórios mais típicos da prema- O tratamento da apneia inclui, para além do
turidade são: 1 – depressão perinatal no pós-parto tratamento da causa, o suporte ventilatório e o uso
por deficiente adaptação extrauterina (Cap 326); 2 de xantinas. As mais utilizadas são a aminofilina e
– DMH por imaturidade pulmonar (Cap 346); 3 – a cafeína.
eventual DBP (Cap 353); 4 – imaturidade dos • aminofilina: a dose de impregnação é 5-6
mecanismos de automatismo respiratório, parti- mg/kg IV ou PO; a administração IV faz-se com
cularmente para a apneia decorrente de processo auxílio de bomba de perfusão em tempo > 20
inflamatório/infeccioso do corpo carotídeo com minutos; a dose de manutenção é 2 mg/kg/dose
consequente alteração da sensibilidade do mesmo (3-4 doses diárias) IV ou PO; a administração IV
aos estímulos a que está sujeito. Nesta alínea é deve ser efectivada através de bomba em tempo >
dada ênfase à apneia. 5 minutos. Deve vigiar-se a FC, interrompendo-se
o fármaco se FC> 180/min. Deve proceder-se a
Apneia doseamento sérico mantendo níveis ~7-10
A chamada apneia do RN pré-termo é uma mcg/mL. Se o nível for baixo, deve administrar-se
situação clínica surgindo em episódios de fre- +1mL/kg para obter incremento de +2 mcg/mL.
quência variável, caracterizada por pausas dos Manifestações de toxicidade, para além da
movimentos respiratórios durante mais de 20 taquicárdia, incluem arritmia, convulsões e
segundos, acompanhadas de alterações fisiológi- hemorragias intestinais.
cas como cianose e bradicárdia (ou durante menos • citrato de cafeína: a dose de impregnação é 20
de 20 segundos associadas às referidas alterações). mg/kg IV ou PO; a dose de manutenção, a iniciar
De acordo com a verificação, ou não, de fluxo 24 horas após a dose de impregnação, é 5-12
de ar nas vias respiratórias a apneia do pré-termo mg/kg IV ou PO, sendo que se deve proceder a
classifica-se em 3 tipos: minibolus inicial em > 10 minutos, de 5
1) apneia central, em que se verifica simultanea- mg/kg/dose, aumentando-se de 72 em 72 horas,
mente interrupção dos movimentos respiratórios e + 1 mg/kg/dia até se atingir máximo de 12
do fluxo de ar; pode surgir por ex. por imaturidade mg/kg/dia;
do centro respiratório ou por lesão do SNC; Dadas as repercussões da hipoxémia e hiper-
2) apneia obstrutiva, resultante de obstrução cápnia resultantes dos episódios de apneia, entre
das vias respiratórias (por ex. por colapso das vias outras, existe risco de lesão do SNC em função da
respiratórias face à fraqueza muscular das mes- duração e frequência dos mesmos.
CAPÍTULO 331 Prematuridade 1747

Uma nota sobre os resultados de estudos dinas E2 são mais elevadas do que no RN de
demonstrando o papel benéfico da música nos termo, contribuindo para manter a permeabilida-
padrões de sono, na tolerância alimentar e nos de do ductus naquele após o nascimento.
sinais vitais. As manifestações clínicas que levantam a sus-
peita de PCA no RN pré-termo são, a partir do 4º-
Intestinais e nutricionais 5º dia de vida: pulsos amplos, precórdio hiperacti-
O problema principal é a enterocolite necrosante vo, sopro sistólico ou contínuo (subclavicular
(ECN), tópico abordado no Capítulo 321. Por esquerdo, por vezes com irradiação para o dorso),
outro lado, as especificidades maturativas do apa- bradicárdia, crises de apneia e aumento das
relho digestivo comportam maior risco de proble- necessidades ventilatórias. O diagnóstico deve ser
mas nutricionais, aspectos abordados nos Capí- confirmado por ecografia cardíaca com doppler. O
tulos 326, e 342-344). tratamento consiste na restrição hídrica (supri-
mento hídrico não superior a 120 ml/Kg/dia) e,
Renais caso não haja contra-indicação, ibuprofeno (dose
O problema principal diz respeito à insuficiência inicial de 10 mg/kg IV, seguindo-se 5 mg/kg IV 24
renal aguda (IRA), descrita no Capítulo 341. e 48 horas após a dose inicial), evidenciando um
perfil farmacológico mais seguro que a indometa-
Cardiovasculares cina (menor probabilidade de disfunção renal e
Os problemas principais podem ser sistematiza- menor repercussão sobre o débito sanguíneo na
dos do seguinte modo: mesentérica e mais eficaz auto-regulação do débi-
to sanguíneo cerebral) permitindo o encerramento
Persistência do canal arterial (PCA) ou persis- do ductus em > 80% dos casos de ductus patente
tência do ductus arteriosus (PDA) no RNMBP. Pode, em alternativa utilizar-se a
No RN pré-termo principalmente no RNMBP indometacina (0,2 mg/Kg/dose de 12-12h no total
existe risco elevado de PCA sendo que vários estu- de 3 doses; e 0,1 mg/Kg/dose de 24-24h no total
dos indicam taxas superiores a 50% em RN com de 6 doses no RN com <1000g); o seu emprego
peso de nascimento inferior a 800g. A gravidez implica precaução e vigilância clínica e laborato-
encurtada e a síndroma de dificuldade respirató- rial, pela possibilidade de disfunção hepática e
ria constituem os dois factores etiológicos mais renal, assim como de hemorragia digestiva.
importantes: nestas situações existe resistência Nos casos de PCA hemodinamicamente signi-
vascular pulmonar aumentada, respectivamente ficativa sem resposta às medidas anteriores, há
por hiperplasia da musculatura arterial pulmonar indicação para o encerramento cirúrgico-laquea-
e por PaO2 reduzida, do que resulta o não encer- ção (Capítulo 326).
ramento, estabelecendo-se um shunt esquerdo (E) A questão do tratamento cirúrgico (laqueação)
→ direito (D). O volume de ejecção do ventrículo versus tratamento conservador é hoje matéria de
esquerdo aumenta proporcionalmente ao grau do debate entre os especialistas dado que em deter-
shunt E → D pelo canal arterial, com consequente minados estudos se demosnstrou a associação de
dilatação e aumento da pressão da aurícula e ven- laqueação do ductus a maior risco de doença pul-
trículo esquerdos e, secundariamente, descom- monar crónica, de retinopatia e de alterações neu-
pensação cardíaca e edema pulmonar (Capítulo rossensoriais.
202, em que foi feita abordagem global, para além Nos primeiros 5 dias de vida em RN pré-
do período neonatal). termo, a determinação sérica seriada do BNP
Salienta-se a este propósito que: o tono intrín- (péptido natriurético do tipo B) constitui um bio-
seco do ductus no pré-termo em relação ao RN de marcador útil para definir a estratégia terapêutica
termo evidencia débil capacidade contráctil devi- nas situações de ductus arteriosus hemodinamica-
do à imaturidade das isoformas da miosina do mente significativo. Determinados centros utili-
músculo liso; no processo de maturação do ductus zam os seguintes critérios-"picos" pelas 24-48
se verifica a influência de determinados genes; no horas de vida :~250 pg/mL <> tratamento médi-
pré-termo as concentrações séricas de prostaglan- co; ~2.000 pg/mL <> laqueação cirúrgica.
1748 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Hipertensão arterial lidade pode variar com a idade gestacional, a


Para fins práticos considera-se hipertensão idade pós-natal, o tamanho corporal e com a cir-
(sistólica/diastólica), respectivamente: >100 /70 cunstância de o RN estar ou não vestido.
mmHg no RN de termo; e > 90 /60 mmHg no RN
pré-termo (0-7 dias). Pode constituir complicação da Cuidados aos RN pré-termo (RNPT)
utilização de certos fármacos, de cateterismo umbili- de muito baixo peso (MBP)
cal ou de displasia broncopulmonar (Capítulo 341).
1. Bloco de partos
Hipotensão arterial Na sequência do que foi descrito a propósito dos
Mais frequente do que a hipertensão arterial, cuidados gerais a prestar ao RN, nesta alínea são
pode ser secundária a hipovolémia, disfunção focados aspectos particulares da assistência ao RN
cardíaca (por vezes associada a PDA), hipoxémia PT de MBP.
ou infecção sistémica levando a vasodilatação. Em No pressuposto de vigilância pré-natal ade-
geral considera-se como limite inferior de norma- quada desejável, identificando risco de parto pré-
lidade da pressão média durante o 1º dia pós- termo, idealmente o mesmo deverá realizar-se
natal, o valor igual à idade gestacional em sema- num hospital de apoio perinatal diferenciado
nas. Como regra, pelo 3º dia, > 90% dos RN pré- (HAPD), local onde existem condições logísticas
termo com idade gestacional < 26 semanas têm técnicas e humanas (equipa multidisciplinar espe-
uma pressão média > 30 mmHg. cializada e unidades de cuidados intensivos, quer
neonatais, quer para a puérpera). Tal pressupõe
Neurológicos transferência da grávida (reitera-se esta estratégia
Os problemas neurológicos hemorragia intraperi- de grande importância) em tempo oportuno para
ventricular/HIPV e leucomalácia periventricu- a referida instituição (transporte in utero).
lar/LPV) são abordados respectivamente nos Os progenitores deverão ser informados sobre
Capítulos 366 e 367. a situação clínica materno-fetal e, também em
condições ideais desejáveis, deverá ser-lhes propi-
Hematológicos ciada uma visita prévia ao referido hospital de
Os principais problemas hematológicos incluem a acolhimento.
anemia e a hiperbilirrubinémia (Capítulos 354 e Considerando a elevada probabilidade de mais
358). difícil adaptação à vida extra-uterina e risco eleva-
Oftalmológicos do de asfixia, o parto implica a assistência por equi-
O principal problema oftalmológico associado à pa de neonatologistas treinados executando mano-
prematuridade, retinopatia designadamente a RN bras especificadas no Capítulo 329, obedecendo ao
com < 1.500 gramas e < 32 semanas, foi abordado lema de executar manobras cuidadosas e não trau-
no Capítulo 255. matizantes em ambiente de termoneutralidade.
De acordo com estudos recentes, no pré-termo
Regulação térmica com < 28 semanas, estando indicados todos os pro-
Os RN pré-termo são especialmente susceptíveis à cedimentos no pós-parto imediato já descritos ante-
hipotermia e hipertermia. Este tópico foi analisa- riormente com a finalidade de evitar as perdas tér-
do no âmbito da adaptação fetal à vida extra-ute- micas, os peritos recomendam que em tal circuns-
rina, chamando-se a atenção para as particulari- tância não se proceda à secagem da pele.
dades do pré-termo (Capítulo 326). No que respeita à laqueação do cordão umbili-
A propósito da regulação térmica, é importan- cal, prevendo a eventualidade de ulterior catete-
te definir o conceito de ambiente térmico neutro (ou rismo de vasos, deverá providenciar-se um coto
de termoneutralidade): o ambiente com variação de mais comprido do que o habitual para laqueção.
temperatura tal que a temperatura corporal cen- De acordo com o capítulo atrás referido sobre
tral /interior é mantida dentro da normalidade, reanimação na sala de partos, dado que na maio-
com uma taxa metabólica mínima (medida pelo ria das vezes os RN pré-termo no pós-parto ime-
consumo de oxigénio).Esta zona de termoneutra- diato não necessitam de reanimação, mas de esta-
CAPÍTULO 331 Prematuridade 1749

bilização, os peritos recomendam que nesta cir- QUADRO 2 – Temperatura recomendável do


cunstância também seja aplicada a norma quanto micro-ambiente da incubadora
ao tempo de laqueação: não inferior à idade de 1
minuto; com efeito, diferindo o tempo da laquea- Peso (gramas) Temperatura °C
ção tem também outras vantagens como: propi- <1000 35-36 ºC
ciar maiores reservas de ferro, pressão arterial 1000-1499 34-35 ºC
mais estável, diminuição da necessidade de utili- 1500-2499 33-34ºC
zação de inotrópicos, assim como de transfusões 2500-3499 32-33ºC
de sangue. Chama-se entretanto a atenção para o = > 3500 31-32ºC
facto de a clampagem do cordão umbilical antes
do primeiro movimento respiratório poder origi-
nar bradicárdia e diminuição do débito cardíaco. Para monitorização da temperatura cutânea
Estando a equipa da UCIN previamente avisa- do RN, deve ser aplicado sensor sobre a pele do
da, o transporte do RN para a mesma, após esta- RN, existindo também um sensor para monitori-
bilização clínica, deverá ser feito em incubadora zação do micro-ambiente da incubadora. Nas
de transporte adequada depois de o mesmo ser incubadoras com sistema de temperatura servo-
mostrado aos progenitores devidamente informa- controlada, em função da temperatura que se
dos sobre a situação. deseja para a pele do RN, programada previa-
mente, a incubadora “produz“ automaticamente a
2. Admissão na UCIN temperatura do micro-ambiente necessária.
Após admissão na UCIN procede-se, sob fonte de
calor, à aplicação de eléctrodos para monitoriza- 3. Estadia na UCIN
ção cárdio-respiratória, pressão arterial, de oxige- O processo clínico de todo e qualquer RN (saudá-
nação e temperatura cutânea e à instalação de vel e acompanhando a mãe ou não, pré-termo ou
acesso venoso periférico em diversas modalidades não) admitido em qualquer unidade neonatal
(cânula, cateter percutâneo, etc.) assim como à engloba sempre as folhas de registo da história clí-
colocação de saco colector de urina para cálculo nica (anamnese, exame objectivo e diário clínico),
da diurese (ou como alternativa – fralda cujo peso folha de registo de ocorrências da equipa de enfer-
se conhece – que é periodicamente pesada para magem e o Boletim de Saúde Infantil que acom-
dedução do débito urinário); em função do panhará a criança após a alta (Capítulo 327).
contexto clínico, poderá estar indicada a realiza- No caso do RN pré-termo admitido em UCIN,
ção de cateterismo arterial umbilical (não conside- para além dos registos mencionados, existem outros
rado procedimento urgente, mas aconselhável mais específicos, destacando-se os seguintes:
nas primeiras horas de vida). – Folha de registo de parâmetros de cuidados
Os RN com bom estado geral, sem dificuldade intensivos pela equipa de enfermagem;
respiratória e com peso de nascimento > 2000 gra- – Folha de prescrição médica
mas, poderão eventualmente ser mantidos em – Gráfico de curvas crescimento intra-uterino
berço aquecido durante 6-8 horas com monitoriza- (Capítulo 325)
ção da frequência respiratória, cardíaca e oximetria – Gráfico de curvas de percentis para vigilân-
de pulso (evitando saturações em O2 < 90%) cia a longo prazo, com utilidade em RN com
(Capítulo 329). peso de nascimento < 1.000 gramas, para
Nos casos de RN com peso de nascimento < avaliação do peso, comprimento e perímetro
2000 gramas, com sinais evidentes de doença cefálico, em função da idade pós-concepcio-
(mau estado geral, choque, dificuldade respirató- nal segundo Fenton (Figura 1)
ria, etc..) deverão ser colocados em incubadora – Gráfico de evolução ponderal para RNMBP,
com temperatura ambiente adaptada ao peso AIG e LIG, segundo Ehrenkranz (Figura 2)
(Quadro 2), servocontrolada ou não, ou em berços – Folha de assistência ventilatória
especiais de cuidados intensivos sob fonte de – Folha de avaliação da idade gestacional
calor servocontrolada. (método de Ballard) (Capítulo 327).
1750 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

4. Especificidades na assistência
ao RN pré-termo
De facto, apesar dos progressos quanto a diminui-
ção relativa de sequelas motoras em crianças ex-
Peso (gramas)

RN pré-termo submetidos a terapia intensiva,


regista-se uma elevada incidência doutro tipo de
sequelas, nomeadamente de problemas de escola-
ridade, comportamentais e de atenção, relacioná-
veis com noxas ambientais durante o período neo-
LIG
AIG natal.
Considerando determinados aspectos da fisio-
logia do RN pré-termo atrás mencionados, é
Idade Pós-natal (Dias) importante reforçar a importância da modificação
de certas rotinas e a aplicação de certas atitudes
Adaptado de Pediatrics 1999; 104: 280-9
nos cuidados tendo em vista diminuir a “agressi-
vidade” de algumas intervenções; o objectivo últi-
FIG. 1
mo é promover o desenvolvimento global e a
Valores de referência para as primeiras semanas pós-natais. organização neurocomportamental harmónicos.
(Segundo Ehrenkranz RA, 1999) Eis alguns exemplos:
– A UCIN clássica é um ambiente muito ilumi-
nado, agradável como ambiente de trabalho para
os profissionais, mas potencialmente lesivo para o
desenvolvimento adequado do RN pré-termo. Por
nto
isso, é recomendável utilizar uma cobertura de
me
Centímetros

mpri pano sobre a incubadora para reduzir a intensida-


Co
de luminosa e reduzir a intensidade da luz de
lico toda a unidade no sentido imitar a alternância do
cefá
rímetro ciclo dia-noite a que o RN se irá habituando, sus-
Pe
Centímetros

ceptível de, por exemplo, aumentar o período de


sono nocturno e, consequentemente, proporcionar
ganho ponderal mais favorável.
– A UCIN clássica é também um ambiente com
níveis de ruído muito elevados: para além do
Peso (kg)

ruído de fundo, há que ter em conta períodos em


so
Pe

que o mesmo aumenta –visitas médicas, admissão


de doentes, passagem de turno da equipa de enfer-
Peso (kg)

magem, etc.. Assim, há que reduzir o ruído que


cada componente da equipa “produz” involunta-
riamente – implicando, para além do esforço de
Adaptado de Fenton
TR. BMC Pediatr 2003 colaboração por toda a equipa, igualmente sensi-
Dec 16; 3(1): 13 bilização e formação, e condições logísticas espe-
Data: ciais (designadamente amplo espaço das unidades
e utilização de material que absorva o ruído).
Idade gestacional (semanas)
A atitude sistemática de poupar o RN (e espe-
cialmente o RN pré-termo) a estímulos desnecessá-
rios e a estresse poderá contribuir para um desen-
FIG. 2
volvimento mais harmónico (continua actual o afo-
Valores de referência para curto prazo, após alta hospitalar. rismo “primum non nocere”). Tal atitude pode ser
(Segundo Fenton TR, 2003) tipificada no programa integrado conhecido pela
CAPÍTULO 331 Prematuridade 1751

sigla NIDCAP (Newborn Individualized Developmen- assessment program (NIDCAP): new frontier for neonatal
tal Care Assessment Program) desenvolvido por Als and perinatal medicine. J Neonatal Perinatal Medicine
em 1984. Trata-se de medidas simples de cuidados 2009; 2:135-147
individualizados com o objectivo essencial de Gauda EB, Shirahata M, Mason A, et al. Inflammation in the
reduzir o manuseamento intempestivo e estimular carotid body during development and its contribution to
a participação dos pais nos cuidados. apnea of prematurity. Respir Physiol Neurobiol 2013; 185:
São descritos, a seguir, de forma necessaria- 120-131
mente resumida, alguns dos aspectos genéricos Gouyon JB, Iacobelli S, Ferdynus C, Bonsante F. Neonatal pro-
deste programa: blems of late and moderate preterm infants. Semin Fetal
– Colaboração dos pais nos cuidados persona- Neonatal Med 2012; 17: 146-152
lizados (nomedamente de higiene e alimentação) Graven SN. Sound and the developing infant in the NICU:
em sintonia com as equipas médica e de enferma- conclusions and recommendations for care. J Perinatol
gem, as quais se deverão manter estáveis para 2000;20:S 88-93
garantia de melhor relacionamento; Herreros-Fernandez ML, González-Merino N, Tagarro-Garcia
– Meio ambiente calmo e tranquilo (já referido A, et al. A new tchnique for fast and safe collection of urine
atrás); in newborns. Arch Dis Child 2013; 98: 27-29
– Contacto pele com pele- mãe/filho precoce e Jhaveri N, Moon – Grady A, Clyman RI. Early surgical versus
prolongado sempre que as circunstâncias o permi- a conservative approach for management of patent ductus
tam, no hospital e após a alta, com aleitamento arteriosus that fails to close after indometacin treatment. J
materno exclusivo (procedimento que faz parte do Pediatr 2010; 157: 381 - 387
Método Canguru); Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
– Posição adequada do RN durante o sono, ali- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
mentação, banho e procedimentos tendo em vista Loewy J, Stewart K, Dassler A-M, et al. The effects of music
rendibilizar as respectivas competências; therapy on vital signs,feeding and sleep in premature
– Necessidade de providenciar determinados infants. Pediatrics 2013; 131: 902-918
apoios em certas circunstâncias tais como mudan- Mine K, Ohashia A, Tsuji S, et al. B-type natriuretic peptide for
ça de posição, tentativa de despertar ou tentar assessment of haemodinamically significant PDA in prem-
adormecer, início ou fim de cuidados ou procedi- ture infants. Acta Paediatrica 2013; 102: e347- e352
mentos (por ex. providenciar aumento da FiO2, Moriette G, Rameix S, Azria E, et al. Naissances très prématu-
contenção, sucção não nutricional, etc.); rées: dilemmes et propositions de prise en charge. Première
– Organização de procedimentos ao longo das partie: pronostic des naissances avant 28 semaines, identifi-
24 horas tentando preservar os períodos de sono, cation d’une zone “grise”. Arch Pediatr 2010; 17: 518 - 526
evitando multiplicação de procedimentos invasi- Neto MT. Perinatal care in Portugal:effects of 15 years of a
vos (por ex. reduzir, sempre que possível, o núme- regionalized system. Acta Paediatrica 2006; 95: 1349 - 1352
ro de colheitas de sangue ao longo do dia); Ruiz-Palaez JG, Charpak N, Cuervo LG. Kangaroo mother
– Proceder a intervenções mais “agressivas” care, an example to follow from developing countries. BMJ
com o apoio de duas pessoas. 2004; 329:1179-1181
Em suma, os estudos até hoje divulgados sobre The Elfin Trial Investigators Group. Lactoferrin immunopro-
o NIDCAP aplicados ao RNMBP apontam para phylaxis for very preterm infants. Arch Dis Child Fetal
resultados positivos no que respeita, nomeadamen- Neonatal Ed 2013; 98: F1-F4
te, a menor duração da oxigenoterapia, menor inci- Wyllie J. Recent changes to UK newborn resuscitation guide-
dência de doença pulmonar crónica, redução da lines. Arch Dis Child fetal Neonatal Ed 2012; 97: F4 – F7
estadia hospitalar, e melhores índices de desenvol-
vimento psicomotor, sensorial e comportamental.

BIBLIOGRAFIA
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moving target. Curr Opin Pediatr 2013; 25: 188-192
Als H. Newborn individualized developmental care and
1752 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

332
significativamente (Quadro 1). Os últimos dados
do Instituto Nacional de Estatística (até 2007)
mostram que o mais acentuado decréscimo da
natalidade se acompanhou da continuação do
aumento do número absoluto e da proporção de
recém-nascidos gemelares (Quadro 2).
RECÉM-NASCIDOS Na viragem para o século XXI, tem havido
uma grande reflexão sobre o problema das gesta-
DE GESTAÇÃO MÚLTIPLA ções múltiplas de alto grau e a sua prevenção, no
sentido de evitar a morbilidade e mortalidade
Daniel Virella e Ana Dias Alves inerentes, e elaborar novos protocolos. Este propó-
sito tem suscitado questões éticas, ainda longe de
estar superadas. Actualmente, parece que este
ciclo “epidémico” está a chegar ao fim, tendo a
Aspectos epidemiológicos Medicina Reprodutiva aprendido com os proble-
e importância do problema mas do passado recente, muito graças aos estudos
epidemiológicos e à contenção que a legislação
Durante milénios, a gestação múltipla foi quase impõe à implantação de mais de dois embriões.
sinónimo de bigemelaridade (encarada como uma
excepção frequente) e apenas ocasionalmente Fisiopatologia e risco fetal
como trigemelaridade (uma raridade). Em contex- na gestação múltipla
tos de elevadas taxas de fecundidade, natalidade e
mortalidade infantil (particularmente neonatal), a A gestação múltipla espontânea (não devida a
gestação múltipla era essencialmente um proble- aplicação de técnicas de concepção assistida)
ma obstétrico, devido sobretudo à muito frequen- deve-se a um de dois mecanismos: a fertilização e
te apresentação não cefálica de um ou dois dos implantação de mais do que um óvulo libertado
fetos, condicionante de maior morbilidade e/ou no mesmo ciclo ovulatório, ou a duplicação do
mortalidade perinatal e puerperal. embrião resultante da fertilização de um único
A redução da fecundidade e da natalidade na óvulo, ocorrida nos estádios precoces do seu
segunda metade do século XX acompanhou-se de desenvolvimento (pré ou pós implantação). Do
maternidades mais tardias e do desenvolvimento primeiro processo, resultam gémeos dizigóticos (ou
das técnicas de reprodução assistida. A dissemina- polizigóticos); do segundo, gémeos monozigóticos.
ção destas técnicas provocou no final do século XX As gestações múltiplas induzidas por apoio
uma verdadeira “epidemia de multigemelarida- médico para a concepção (ou iatrogénicas) corres-
de”, condicionando, quer o aumento do número pondem à implantação simultânea de mais do que
absoluto e relativo de gestações múltiplas, quer da um embrião, resultantes da fertilização de mais do
magnitude individual da multigemelaridade, sur- que um óvulo, qualquer que seja o método de fer-
gindo gestações múltiplas de alto grau (quádru- tilização assistida utilizado (indução da ovulação
plas, quíntuplas, mesmo até séptuplas), de morbi- ou implantação de embriões obtidos por fertiliza-
lidade desconhecida até então. Este facto, conheci- ção in vitro). É possível que ocorra a separação
do por “gemelaridade iatrogénica”, fez inverter a espontânea de embriões após a sua implantação
tendência para a redução do número e proporção artificial, mas é uma ocorrência muito rara.
de gestações múltiplas (que acompanha esponta- Os gémeos polizigóticos possuem quase sempre
neamente a redução da natalidade). placentas independentes, pois cada embrião
Em Portugal, desde meados da década de implanta-se separadamente no endométrio. São,
1980, assistiu-se ao aumento da frequência da ges- pois, gémeos pluricoriónicos. Existem, no entanto,
tação múltipla, não apenas em número absoluto, relatos de fusão da camada externa do trofoblasto
mas sobretudo em número relativo. O peso das de dois embriões dizigóticos, levando à formação
gestações trigemelares, em particular, aumentou de uma gestação monocoriónica biamniótica.
CAPÍTULO 332 Recém-nascidos de gestação múltipla 1753

QUADRO 1 – Gestações Múltiplas em Portugal

ano Total Partos Partos Partos Partos quádruplos


de partos simples duplos triplos ou mais
1982 151652 150363 1271 18 0
(9915,0) (83,8) (1,2)
1983 144860 143624 1215 20 1
(9914,7) (83,9) (1,4) (0,1)
1984 143336 142216 1108 11 1
(9921,9) (77,3) (0,8) (0,1)
1985 130915 129844 1056 14 1
(9918,2) (80,7) (1,1) (0,1)
1986 127054 125984 1056 14 0
(9915,8) (83,1) (1,1)
1987 123480 122520 952 8 0
(9922,3) (77,1) (0,6)
1988 122295 121331 950 14 0
(9921,2) (77,7) (1,1)
1989 118641 117583 1042 15 1
(9910,8) (87,8) (1,3) (0,1)
1990 116223 115185 1017 19 2
(9910,7) (87,5) (1,6) (0,2)
1991 116155 115078 1061 15 1
(9907,3) (91,3) (1,3) (0,1)
1992 114770 113751 1000 17 2
(9911,2) (87,1) (1,5) (0,2)
1993 113680 112551 1111 18 0
(9900,7) (97,7) (1,6)
1994 108902 107798 1079 25 0
(9898,6) (99,1) (2,3)
1995 106726 105652 1049 25 0
(9899,4) (98,3) (2,3)
1996 109764 108566 1172 26 0
(9890,9) (106,8) (2,4)
1997 112352 111142 1179 29 2
(9892,3) (104,9) (2,6) (0,2)
1998 112782 111540 1198 42 2
(9889,9) (106,2) (3,7) (0,2)
1999 115227 113826 1362 38 1
(9878,4) (118,2) (3,3) (0,1)
2000 119330 117972 1320 36 2
(9886,2) (110,6) (3,0) (0,2)
2001 112048 110721 1277 48 2
(9881,6) (114,0) (4,3) (0,2)

Evolução do tipo de parto em Portugal, entre 1982 e 2001, consoante o número de recém nascidos (em número absoluto e proporção por 104 partos). A proporção de
partos simples diminuiu consistentemente durante este período, enquanto aumentou significativamente a proporção de partos duplos e triplos, particularmente desde
o final da década de 1980. (“Estatísticas da Saúde”. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. 1984 a 2003).
1754 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Evolução do número de nado-vivos em Portugal, entre 2001 e 2007, consoante o


número de recém nascidos, em número absoluto (e proporção por 104 partos)

ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007


Total 120071 112825 114456 112589 109356 109457 105514 102567
Simples 117401 110156 111782 109769 106376 106583 102691 99 784
(‰) 977,76 976,34 977 975 973 974 973 973
Gemelar 2670 2669 2674 2 820 2 980 2874 2 823 2 783
(‰) 22,24 23,66 23,36 25,05 27,25 26,26 26,75 27,13
O acentuado decréscimo da natalidade acompanhou-se do aumento do número absoluto (r = 0,605) e da proporção (r = 0,917) de recém-nascidos gemelares, apesar das
restrições legais ao número de embriões implantados. (“Estatísticas da Saúde”. Instituto Nacional de Estatística. Lisboa. 2001 a 2008).

Os gémeos monozigóticos podem partilhar certo que gémeos monocoriónicos monoamnióti-


uma única placenta ou possuir placentas indivi- cos são monozigóticos, a multicorionicidade (par-
duais, o mesmo acontecendo com os amnion ticularmente a bicorionicidade) não é garantia de
(sacos amnióticos), conforme o momento da sepa- polizigotia (ver adiante corionicidade).
ração dos dois embriões duplicados. Os gémeos A divulgação das técnicas de reprodução assis-
monozigóticos podem, portanto, ser mono ou tida não apenas aumentou o número absoluto de
policoriónicos e gémeos monocoriónicos podem gestações múltiplas e o seu grau, mas também
ou não partilhar um mesmo saco amniótico. Caso modificou as suas características genéticas, incre-
a separação ocorra até ao 3º dia após a fertilização, mentando desproporcionadamente as gestações
terão dois amnion (mesmo que a implantação múltiplas heterozigóticas. As gestações múltiplas,
muito próxima das placentas no endométrio mono ou multizigóticas, apresentam diferente
possa sugerir uma única placenta) e dois corion; as morbilidade, sendo superior nos casos de monozi-
separações entre o 4º e o 7º dia levam a gestações gotia. O aumento da proporção de multizigotias
monocoriónicas biamnióticas e, após o 7º dia, a (de menor risco inerente) veio melhorar alguns
gemelaridades monocoriónicas monoamnióticas. dos indicadores globais de sucesso das gestações
Os gémeos monozigóticos em que a separação múltiplas, particularmente as bigemelares, dando
dos embriões é incompleta, por ser ainda mais tar- uma melhoria do risco global da multigemelari-
dia (após o 12º dia), são denominados “gémeos dade.
siameses”; trata-se de gémeos, sempre monocorió- Os problemas clínicos específicos que a geme-
nicos e monoamnióticos. laridade coloca à equipa de perinatologia pren-
Em suma, e em termos práticos de classifica- dem-se com quatro aspectos fundamentais: 1 – a
ção, a bigemelaridade pode classificar-se sob os monocorionicidade; 2 – as anomalias congénitas; 3
pontos de vista genético e morfológico: – a prematuridade e; 4 – as exigências logísticas.
1) geneticamente como monozigótica ou Embora todas as gestações múltiplas sejam poten-
di/polizigótica; cialmente de maior risco do que as gestações úni-
2) morfologicamente, como bicoriónica biam- cas, as gestações gemelares monozigóticas, parti-
niótica (2 placentas e 2 sacos, ou fusão pal- cularmente as monocoriónicas, são as que envol-
centar e 2 sacos), monocoriónica biamnióti- vem maior risco.
ca (1 placenta e 2 sacos), ou monocoriónica A partilha da placenta nas gestações monocorió-
monoamniótica (1 placenta e 1 saco).* nicas é um dos principais condicionantes de risco
Estas duas classificações não são totalmente acrescido para os fetos. O maior destes é a trans-
sobreponíveis; isto é, embora possa ser quase fusão feto-fetal: um dos gémeos recebe mais sangue
da placenta do que o outro, devido a desequilíbrio
* Em termos de “prevalência global de gémeos” podem ser estabeleci- nas anastomoses entre os vasos da placenta. Esta
dos os seguintes dados: monozigóticos ~ 30%; dizigóticos ~ 70%; complicação parece ocorrer em 5 a 25% das gesta-
monocoriónicos ~10%; bicoriónicos ~ 90%; mesmo género 65%; género
diferente ~ 35%. Os monocoriónicos são do mesmo género; os
ções bigemelares monocoriónicas (particularmen-
bicoriónicos podem ser do mesmo género ou de géneros diferentes. te nas biamnióticas), em qualquer fase da gesta-
CAPÍTULO 332 Recém-nascidos de gestação múltipla 1755

ção. Pode haver quadros crónicos ou agudos, fase fetal precoce, se não se desencadear o traba-
conforme o tempo decorrido entre o início do lho de parto, evolui para o estado chamado feto
desequilíbrio hemodinâmico e o fim da gestação. papiráceo, adquirindo um aspecto mumificado. A
As consequências para o feto receptor são poli- prematuridade é, portanto, o outro risco major das
hidrâmnio, hipervolémia com policitémia, podendo gestações múltiplas, sendo hoje em dia a sua
surgir insuficiência cardíaca congestiva in utero e, importância cada vez maior, devido ao apareci-
após o nascimento, fenómenos de hiperviscosidade mento de maior número de gestações com riscos
e hiperbilirrubinémia. Na fisiopatologia da trans- acrescidos.
fusão feto-fetal participa o sistema renina-angioten- Na maioria das gestações gemelares o trabalho
sina, verificando-se níveis elevados de hBNP (pép- de parto inicia-se espontaneamente mais cedo do
tido natriurético cerebral humano) e endotelina-1. que nas gestações únicas. A idade média de térmi-
Mediadores vasoactivos produzidos no dador são no espontâneo das gestações bigemelares naturais
desviados para o receptor, do que resultam hiper- é ~ 35 a 37 semanas, sendo de 33 semanas nas ges-
tensão e cardiomiopatia hipertensiva. tações trigemelares. As complicações descritas nas
Para o gémeo dador, as consequências são oli- gestações monocoriónicas podem provocar preco-
goâmnio, anemia crónica e hipovolémia, causando cemente o desencadeamento espontâneo do parto
restrição de crescimento intra-uterino, sofrimento ou a sua interrupção médica, para salvar um ou
fetal crónico e, potencialmente, morte in utero. O todos os gémeos.
risco de morte na transfusão feto-fetal grave pode A multigemelaridade iatrogénica de elevado
chegar a 80%. O risco de anomalias congénitas por grau acompanha-se de uma diminuição despro-
causas mecânicas é maior no gémeo dador, pela porcionada do tempo de gestação viável, ocorren-
moldagem e compressão condicionada pelo seu do o parto tanto mais cedo quanto maior o núme-
oligoâmnio. ro de fetos. O aumento do número de fetos (e suas
A morte fetal de um dos gémeos é um fenómeno placentas) com risco proporcional de complicações
frequente. Gémeos monoamnióticos (1% das ges- gravídicas graves (diabetes, hipertensão, eclâmp-
tações gemelares) têm maior risco de morte fetal sia, síndroma HELLP, descolamento da placenta,
(50-60%), devido principalmente ao risco de os etc.), determina a indicação médica de abortamen-
cordões se entrelaçarem e sofrerem compressão. to por causa materna, fetal ou combinada.
Fenómenos de transfusão feto-fetal graves incre- A fecundação assistida é mais frequente em
mentam, em primeiro lugar, o risco de morte fetal mulheres de idade mais avançada, as quais pos-
do gémeo dador, mas, num segundo tempo, suem por si só um maior risco das patologias
potencialmente também do receptor. A morte de gravídicas referidas. Se a isto associarmos a adop-
um dos gémeos desencadeia processos biológicos ção (felizmente já abandonada em muitos países e
que afectam o gémeo com o qual partilha a circu- instituições) de técnicas ou protocolos que levam
lação placentar. Os produtos tóxicos do metabolis- à implantação de um número elevado de
mo do cadáver entram na circulação do sobrevi- embriões (para obviar o risco de insucesso em
vente, afectando-o. Fenómenos tromboembólicos mulheres em idade fértil avançada) compreende-
originários no gémeo falecido podem atingir o se que se potencie o risco de prematuridade.
sobrevivente, provocando neste lesões isquémi- As gestações múltiplas apresentam também
cas embólicas, particularmente nos órgãos de um risco acrescido de anomalias congénitas, cro-
maior fluxo sanguíneo e circulação terminal, como mossómicas e genéticas, ou secundárias a pertur-
o sistema nervoso central. Este risco é tanto maior bações vasculares ou mecânicas. Sendo algumas
quanto mais tarde ocorrer a morte fetal. destas anomalias incompatíveis com a vida fetal,
Tanto nas gestações mono como nas policorió- aumenta o risco de morte in utero. O elevado risco
nicas, a morte de um dos gémeos aumenta a pro- de anomalias congénitas é particularmente evi-
babilidade de se desencadear prematuramente o dente nas gestações múltiplas monozigóticas,
trabalho de parto. No entanto, o gémeo falecido sendo pouco significativo na multigemelaridade
em fase embrionária é geralmente reabsorvido, dizigótica. Neste grupo, parece haver ligeiro
sem consequências para o(s) sobrevivente(s); na aumento do risco de anomalias congénitas com
1756 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

algumas técnicas de fertilização assistida, particu- to, bem-estar embrionário ou fetal, e patologia
larmente quando aplicadas em casais em idade materna associada.
reprodutiva avançada. De facto, sendo a reprodu- Verificar o número de gémeos é relativamente
ção assistida mais frequente em casais com histó- fácil, através da realização precoce da ecografia
ria longa de infertilidade, especialmente em mu- obstétrica. No entanto, ainda actualmente ocor-
lheres com risco inerente elevado de conceber rem casos esporádicos de diagnóstico tardio de
embriões com anomalias cromossómicas, não é multigemelaridade espontânea.
surpreendente o aumento da sua prevalência. Por A determinação da corionicidade (caracteriza-
outro lado, calculando o risco de ocorrência de ção da morfologia relativamente aos corion) de
anomalias congénitas em gestações múltiplas gestações múltiplas espontâneas é por vezes difí-
iatrogénicas, se for controlada a variável idade cil, mas deve ser recolhido o maior número possí-
materna, o número obtido não é superior ao das vel de elementos para fazer o diagnóstico de
gestações únicas. mono ou multicorionicidade. Os gémeos mono-
Algumas anomalias condicionam problemas amnióticos são, em princípio, monocoriónicos; a
clínicos graves, particularmente situações que dúvida pode colocar-se nos casos de gemelarida-
põem em risco a vida fetal ou que, pela sua gravi- de biamniótica. Ecograficamente, as primeiras
dade pós-natal, constituem premissas para inter- semanas após a implantação embrionária são as
rupção médica da gestação. Por outro lado, a ideais para determinar, por ecografia, a corionici-
necessidade da correcção precoce ex utero da ano- dade da gestação gemelar, pois é então geralmen-
malia de um dos gémeos leva à interrupção da te possível a visualização de placentas separadas.
gestação, podendo o gémeo sem anomalia sofrer Caso não tenha sido possível realizar uma ecogra-
as consequências da prematuridade iatrogénica. fia precoce, ou não tenha havido imagens claras
Algumas anomalias congénitas ocorrem apenas de placentas independentes ou separadas, a eco-
em gestações gemelares monocoriónicas mono- grafia obstétrica utiliza como critério a morfologia
amnióticas, como os gémeos siameses. da confluência dos dois sacos amnióticos com o
No plano logístico, a iminência do parto prema- córion. Se na secção ecográfica desta confluência
turo de uma gestação múltipla de grau intermédio existe um pequeno espaço triangular entre o âmnio
ou elevado pressupõe um importante problema e o córion (imagem em Y), provavelmente trata-se
para as UCIN, pois exige frequentemente a dispo- duma gestação bicoriónica; se a imagem obtida é
nibilidade de um número de vagas de ventilação a de ausência de qualquer separação entre o âmnio
igual ao de gémeos. Infelizmente, mesmo no caso e o córion (imagem em T), trata-se provavelmente
de cesarianas programadas, nem sempre é possí- de uma gestação monocoriónica. Na data do
vel garantir a prestação de cuidados na instituição termo da gravidez, placentas independentes
na qual ocorre o nascimento, sendo necessária a podem macroscopicamente parecer uma única,
transferência ex utero para outra UCIN, com o pois juntam-se no seu crescimento. No entanto, é
reconhecido aumento de morbilidade e mortalida- possível identificar histologicamente a indepen-
de associado ao transporte (mesmo utilizando o dência de placentas aparentemente únicas.
sistema especial de transporte neonatal com cui- Em qualquer gestação múltipla espontânea em
dados intensivos). que não há informação ecográfica fidedigna acer-
ca da corionicidade e é expulsa uma placenta apa-
Manifestações clínicas e diagnóstico rentemente única, deve solicitar-se o exame his-
tológico da placenta.
Cabe à equipa de Perinatologia (obstetra, neona- O diagnóstico da zigotia (intimamente ligado
tologista, geneticista clínico, etc.) identificar o ao da corionicidade) é igualmente importante, a
mais precocemente possível as situações de maior curto, médio e longo prazo de tal modo que a
risco associadas a gestações múltiplas, de modo a “Declaração dos Direitos e Necessidades dos
poder corrigi-las, ou a minorar as suas conse- Gémeos e Múltiplos de Elevado Grau” (1995) refe-
quências: número de embriões, corionicidade, re explicitamente, a) o direito dos pais ao registo
anomalias congénitas, perturbações do crescimen- exacto da corionicidade e determinação da zigotia
CAPÍTULO 332 Recém-nascidos de gestação múltipla 1757

dos seus filhos gémeos do mesmo sexo, b) o direi- determinação com elevado grau de certeza, em
to de gémeos múltiplos do mesmo sexo, cuja zigo- casos mais difíceis, sendo considerado actualmen-
tia não fora determinada à nascença, a poderem te o gold standard.
testá-la mais tarde. O diagnóstico pré-natal de transfusão feto-
As vantagens da determinação precoce e exac- fetal grave pode ser feito ecograficamente, em ges-
ta da zigotia são: 1 – determinar os riscos fetais e tações monocoriónicas, através, quer da identifi-
pós-natais associados à monozigotia e à dizigotia; cação de discrepância de dimensão do saco
2 – conhecer riscos tardios de doenças genéticas; 3 amniótico e peso em fetos inicialmente concor-
– informar quando se trata de gémeos “idênticos” dantes (em princípio, o feto maior é o que tem
ou “fraternos”; 4 – saber se os gémeos serão hidrâmnio), quer de sinais de insuficiência cardía-
potenciais dadores de órgãos compatíveis; 5 – ca no feto receptor (má função ventricular, ascite
determinar o risco de recorrência de gestação múl- ou mesmo hydrops foetalis), ou de alteração dos
tipla e; 6 – poder obter dados para estudos de fluxos arteriais umbilicais, da aorta e/ou artéria
coortes de gémeos. cerebral média (maiores no feto receptor, menores
O método mais fácil e barato de determinar a no dador). A prova pós-natal é dada pela verifica-
zigotia é, de facto, verificar o sexo. Gémeos de sexos ção de discrepância ponderal de 15 a 25% (discre-
diferentes, não são monozigóticos; gémeos do pâncias superiores a 25 % são consideradas
mesmo sexo, podem ser, ou não, monozigóticos. graves), e/ou de diferença de concentração de Hb
O diagnóstico ecográfico pré-natal da zigotia > 2,5 a 5 g/dL. A evidência de transfusão feto-fetal
de fetos do mesmo sexo pode ser problemático, é tanto mais potente quanto maior a discrepância
pois, como foi referido, a determinação da corio- de peso e/ou hemoglobina, mas não existe homo-
nicidade é falível, particularmente nos casos de geneidade de opinião entre investigadores quanto
fetos policoriónicos. Recentemente, foi sugerida a ao valor limiar de diagnóstico da condição. A pre-
verificação ecográfica do número de corpos lúteos ová- sença de consequências, como anemia, policité-
ricos no primeiro trimestre de gestação como mia, insuficiência cardíaca, ascite, etc., é confirma-
método de elevada exactidão para a determinação da através dos exames complementares adequa-
da zigotia. A existência de mais do que um corpo dos (Capítulos 354, 355).
lúteo sugere libertação simultânea de mais do que A discrepância ponderal entre gémeos pode
um óvulo, portanto, elevada probabilidade de ser devida, não apenas à transfusão feto-fetal (que
polizigotia. Este método está pendente de valida- ocorre apenas em 5 a 25% das gestações monoco-
ção com o método padrão. riónicas, que são apenas 10% de todas as gestações
No período pós-natal, para determinação de bigemelares), mas também a problemas placen-
monozigotia outro método fácil, rápido e barato, de tares, ou à presença de anomalia congénita num
especificidade e valor preditivo positivo elevados, dos fetos.
mas de sensibilidade e valor preditivo negativo de A pesquisa de anomalias congénitas deve ser
monozigotia baixos, é a fenotipagem (Landsteiner, uma preocupação, pré e pós-natal, em toda gesta-
Rhesus, Kell e Duffy) dos eritrócitos do sangue, do ção múltipla. A atenção deve ser particularmente
cordão ou periférico, de ambos recém-nascidos. maior quando há homozigotia suspeita ou confir-
Antigénios eritrocitários diferentes dão certeza de mada. Na fertilização in vitro, é frequente proce-
heterozigotia, mas antigénios iguais não dão qual- der-se à exclusão de anomalias cromossómicas
quer certeza. antes da implantação dos embriões. Todas as ges-
A avaliação das características fenotípicas pela tações múltiplas devem ser submetidas a ecogra-
observação física após o parto, pode dar informa- fia morfológica e ecocardiografia fetal. Após o
ções importantes, tendo-se já desenvolvido tabe- nascimento, para além das manobras de rastreio
las que auxiliam esta determinação, se necessário de anomalias comuns a todo recém-nascido,
através de observações repetidas, em diferentes devem ser confirmadas eventuais suspeitas pré-
fases do desenvolvimento. natais, mantendo um nível de suspeição elevado
O estudo genético, através de análise PCR mul- nos casos de gestações mal vigiadas e em relação
tiplex de séries estabelecidas de genes, permite a às anomalias que se manifestam ao longo do
1758 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

período neonatal (como a coarctação da aorta). situações em que está efectivamente indicada a
O diagnóstico dos problemas associados à utilização de técnicas de estimulação da ovulação,
prematuridade não é diferente do realizado nos sendo imprescindível, quando indicadas, esclare-
casos de gestações únicas (Capítulo 333). Apenas cer o casal acerca dos riscos de ocorrência de
há que ter em conta a possibilidade de ocorrência gemelaridade de alto grau, dos riscos a ela
simultânea dos outros problemas para os quais o inerentes e das opções existentes para diminuir
risco é acrescido na gestação múltipla, que podem este risco. Casais que não aceitam estes riscos ou
agravar ou simular situações próprias da prema- são incapazes de os compreender, não deveriam
turidade. É frequente o(s) gémeo(s) com situação ser elegíveis para este método. A eliminação selec-
de estresse intra-uterino ligeiro a moderado apre- tiva de embriões já implantados não é uma opção
sentar (em) uma maturação funcional superior, de primeira linha, pois levanta problemas éticos e
relativamente ao(s) casos associados a bem-estar legais óbvios; por isso, uma abordagem preventi-
fetal. Esta diferença pode reflectir-se não apenas va será sempre preferível.
na menor necessidade de cuidados, mas também O desenvolvimento de protocolos que levam a
em pontuação ligeiramente diferente na avaliação maior sucesso das gestações induzidas, permitiu
da idade gestacional observada. adoptar políticas de implantação de apenas um ou
O diagnóstico de adequação de crescimento dois embriões na fertilização in vitro. Os países em
intra-uterino e pós-natal é ainda um assunto não que estas abordagens foram efectivadas viram ter-
consensual. Embora se tenham desenvolvido tabe- minar ou reduzir rapidamente a epidemia de mul-
las de crescimento adaptadas a gestações bigeme- tigemelaridade iatrogénica de alto grau.
lares (mesmo adaptadas a gestações de maior Um elevado grau de suspeição e um segui-
grau), duvidamos da sua utilidade. É nossa convic- mento obstétrico rigoroso baseado em normas
ção de que a gestação múltipla não é uma variável estritas é o segundo passo para uma eficaz preven-
do normal, sim um erro da natureza ou uma iatro- ção dos riscos das gestações múltiplas: diagnosticar
genia, sendo de supor que os embriões, fetos e precocemente a gemelaridade, verificar a corioni-
recém-nascidos, deveriam ter o potencial de desen- cidade, proceder ao rastreio de anomalias congé-
volvimento normal se fossem de gestação única, nitas, e monitorizar o crescimento e o bem-estar
pelo que admitimos que devem ser avaliados atra- fetais permitem o diagnóstico atempado dos pro-
vés das tabelas de crescimento das gestação blemas e a programação em tempo útil das inter-
simples. Apenas assim será diagnosticada correcta- venções que a tecnologia contemporânea coloca à
mente a adequação do crescimento dum gémeo. disposição.
No desenvolvimento pós-natal dos gémeos é A boa acessibilidade aos cuidados de saúde à
importante acompanhar as potenciais consequên- grávida, a adequada competência ecográfica dos
cias das patologias associadas à monocorionicida- profissionais envolvidos e uma referenciação
de, prematuridade e anomalias congénitas. A eco- atempada e acertada, são condições fundamentais
grafia cerebral é recomendada em gémeos monoco- para atingir estes objectivos. Cada vez se torna
riónicos, particularmente naqueles em que ocorre- mais evidente a vantagem da existência de
ram incidentes, como transfusão feto-fetal grave Consultas de Gémeos, particularmente pré-natais,
ou morte fetal. Deve ser dada atenção especial a pois , segundo Papiernik e colaboradores, “todas
sinais de paralisia cerebral e outras perturbações as gestações gemelares são de alto risco para as
do desenvolvimento psicomotor, cuja frequência crianças e a mãe, mesmo que decorram sem pro-
se verificou ser superior nestas situações. blemas aparentes”.
O diagnóstico atempado de transfusão feto-fetal
Intervenções preventivas grave em gestações monocoriónicas permite
e terapêuticas actualmente optar entre várias abordagens tera-
pêuticas pré-natais: a amniorredução, no feto com
A prevenção dos problemas da gestação múltipla hidrâmnio; a septostomia amniótica para igualar
começa por uma abordagem preventiva da multige- o volume de líquido amniótico nos dois fetos; a
melaridade iatrogénica. É importante verificar as utilização endoscópica do laser para interromper
CAPÍTULO 332 Recém-nascidos de gestação múltipla 1759

anastomoses vasculares placentares ou para selar perinatal, ela é cinco vezes superior nos gémeos e
a ligação dos vasos umbilicais dum feto falecido à 10 vezes superior nos triplos relativamente a um
placenta; o feticídio selectivo, como forma de evi- recém-nascido único.
tar a morte dos dois fetos; eventualmente, a inter- Uma questão particular surge quando um dos
rupção médica da gestação. gémeos morre e o outro sobrevive. Os pais ficam
A identificação precoce e exacta de complica- divididos entre a alegria do nascimento de um filho
ções da gestação gemelar (como de qualquer e a perda de outro. Também para os profissionais de
outra) obrigará ao encaminhamento da grávida saúde esta situação é difícil, sendo frequente ouvir-
para centros perinatais especializados com o se: “Você ainda tem um bebé lindo!” ou “Como
objectivo de garantir melhor vigilância, assim poderia você lidar com dois ao mesmo tempo?”. É
como terapêutica fetal e neonatal adequada. importante não menosprezar a dor dos pais e criar
No período neonatal, a abordagem terapêutica oportunidades para conversar sobre a criança que
da multigemelaridade é a das suas complicações: morreu, sempre que os pais assim o expressem.
anemia, hiperviscosidade, hiperbilirrubinémia,
insuficiência cardíaca e hemodinâmica, ascite ou Impacte no sistema familiar
hidropisia, insuficiência respiratória, complica-
ções da prematuridade, etc. (Capítulos 333, 354, As famílias com gémeos ou múltiplos, sem assistên-
355, 358, 345). cia adequada, têm maior risco de divórcio, doença e
abuso infantil. De facto, a chegada dos gémeos ao
Os gémeos e múltiplos depois núcleo familiar acarreta alterações estruturais
do parto importantes da dinâmica e organização familiares
que podem prejudicar um ou mais dos seus mem-
A gestação e o parto dos gémeos ou múltiplos têm bros. Por outro lado, se os pais tiverem acesso a
características próprias, que já foram descritas. informação útil, terão maior capacidade de anteci-
Após o nascimento, existem outras particulari- par dificuldades, o que poderá facilitar o processo
dades dos gémeos relacionadas com riscos de de adaptação à nova situação. A consulta de biblio-
saúde específicos, com o impacte dos gémeos no grafia específica, já existente no nosso País, e a fre-
sistema familiar, e com a importância da indivi- quência de consultas pré-natais ou grupos de ajuda
dualidade durante o processo de desenvolvimen- com outros pais de gémeos, são formas diferentes,
to. Estas são algumas das características, próprias mas complementares, de se atingir este objectivo.
dos gémeos, a analisar seguidamente. Por exemplo, se a grávida for informada sobre os
benefícios biológicos, psicológicos e financeiros do
Morbilidade e mortalidade aleitamento materno de recém-nascidos (pré-termo
Sabe-se que o risco de prematuridade e/ou baixo ou de termo), e se lhe forem ensinadas técnicas de
peso nos múltiplos é cerca de 60%, e que também aleitamento materno em simultâneo, a probabilida-
existe um risco acrescido de disfunção psicomoto- de de iniciar o aleitamento materno após o nasci-
ra e morte perinatal. Daí a necessidade de a grávi- mento dos gémeos (e mantê-lo) será maior.
da ser acompanhada em consulta de alto risco e de A família deve preparar a chegada dos
o parto ocorrer em centro diferenciado. Depois do gémeos, não só adquirindo roupa e outros equi-
parto, podem ocorrer situações difíceis para os pamentos, mas também procurando obter apoio
pais: um dos gémeos poder ter uma anomalia adicional para as tarefas domésticas. Pode fazê-lo
congénita e o outro não; um dos gémeos poder recorrendo a ajuda de familiares, ou contratando
evidenciar situação clínica que necessite de inter- serviços especializados, ou ainda, recorrendo a
namento em UCIN mantendo-se o outro junto da instituições de solidariedade social.
mãe; um dos gémeos ter alta e o outro permanecer Quando existem outros filhos, o nascimento
internado durante mais tempo. dos gémeos é um momento crítico para eles, pois
O risco de morte de um feto ou recém-nascido tal implica certa separação da mãe pelas exigên-
gémeo é três vezes superior ao de um feto ou cias de cuidados a prestar aos RN. Esta situação
recém-nascido único. Se considerarmos a morte pode ser minorada quando os pais encontram for-
1760 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mas de dedicar tempo e atenção aos filhos mais intervalos curtos e regulares durante o internamen-
velhos e tentam envolvê-los nalgumas tarefas to na UCIN, sentindo depois falta desse hábito em
relacionadas com os gémeos. casa. Pela sua prematuridade e/ou baixo peso,
Se a família se preparar para a chegada dos podem necessitar de fazer intervalos das mamadas
gémeos durante a gravidez, tendo em conta os de 2 ou 3 horas durante a noite. É frequente haver
cuidados de antecipação referidos, a ansiedade mais do que uma pessoa a cuidar dos gémeos e,
dos pais, as dificuldades após o parto, quer com o consequentemente, diferentes formas de dar um
aleitamento materno, quer na organização fami- biberão, o que dificulta a entrada numa rotina. Se a
liar, serão mais facilmente ultrapassáveis. mãe estiver ansiosa e insegura com o baixo peso ou
a prematuridade, ela vai oferecer necessariamente
Aleitamento em simultâneo mais refeições durante a noite. De qualquer forma,
é possível que os gémeos adquiriram uma rotina de
O aleitamento materno em simultâneo de dois, três sono até aos 6 a 9 meses de idade.
ou mesmo quatro crianças é possível tendo em Uma questão colocada frequentemente é a da
conta que a produção de leite resulta da estimula- partilha do berço pelos gémeos. Pode ser desejá-
ção efectuada pelas crianças, a qual é tanto maior vel esta partilha enquanto são pequenos, por ofe-
quanto maior o seu número. O referido aleitamen- recer algumas vantagens: o acordarem ao mesmo
to permite à mãe ganhar algum tempo com uma tempo permite estabelecer mais cedo uma rotina
tarefa que ocorre várias vezes por dia, libertando- de sono e entreterem-se entre si. Existe, porém, o
a para outras tarefas. Tem, no entanto, a desvanta- risco de sobreaquecimento, um dos factores que se
gem de a mesma não poder dar atenção individual considera associado ao risco de morte súbita do
a cada criança. Assim, pode haver vantagem em lactente (Capítulo 42).
amamentar os gémeos em simultâneo quando
acordam ao mesmo tempo e choram com fome. Crescimento e desenvolvimento
O posicionamento para a amamentação em
simultâneo faz-se com a ajuda de várias almofadas; O crescimento dos gémeos é semelhante ao de
as crianças são colocadas de cada lado da mãe com qualquer criança de gestação única. Os gémeos
o tronco e membros atrás da mãe, ou apoiadas em dizigóticos poderão apresentar um crescimento
linha cruzada ou em paralelo, à frente da mãe. A diferente um do outro na adolescência, pois o
maternidade é local ideal para o treino deste posi- desenvolvimento pubertário pode ser desfasado,
cionamento pois, com o apoio da equipa, a mãe terá tanto mais se os gémeos forem de sexos diferentes.
oportunidade para aprender e experimentar. O desenvolvimento dos gémeos de baixo risco é
Se a mãe não puder ou não quiser amamentar também semelhante ao da criança única, com
os seus filhos, existem também técnicas de aleita- excepção da linguagem. A conhecida linguagem
mento artificial em simultâneo. Uma delas consis- silenciosa dos gémeos, também designada por crip-
te em colocar as duas crianças sobre o colo, tofasia, parece envolver cerca de 40% dos gémeos; é
apoiando-as com um braço, enquanto o outro mais frequente em gémeos monozigóticos e consis-
segura os dois biberões. Noutra técnica, as crian- te na comunicação que se estabelece intra-par,
ças são colocadas no colo da mãe viradas para a podendo haver palavras acidentais, apenas recon-
frente e a mãe envolve cada uma com um membro hecidas pelo outro. Esta situação resulta de cada
superior pegando no biberão com a respectiva gémeo ter como modelo o seu irmão gémeo, que
mão. (Capítulo 52) tem uma linguagem tão pobre como ele, pelo que a
linguagem de ambos se vai modificando, ao ponto
O sono de se tornar irreconhecível para os outros e apenas
perceptível por ambos. Isto não acarreta qualquer
Os gémeos podem ter mais dificuldade em adqui- problema, desde que os gémeos desenvolvam em
rir um ritmo de sono regular do que a criança simultâneo uma linguagem adequada à sua idade.
única, por uma série de motivos. São frequente- Entre os gémeos de maior risco (gestação em
mente pré-termo pelo que são manipulados com idade materna tardia, concepção assistida por téc-
CAPÍTULO 332 Recém-nascidos de gestação múltipla 1761

nicas mais invasivas, multigemelaridade de alto palsy? Clin Perinatol 2004;31:395-408


grau, complicações médicas da gravidez, monoco- Bryan E. Preparing for twins and triplets. London: Multiple
rionicidade, transfusão feto-fetal, morte fetal de um Births Foundation,2006
dos gémeos, grande prematuridade, gestação de Bryan E. Feeding twins and more. London:Multiple Births
termo) o risco de paralisia cerebral é muito impor- Foundation,2007
tante . A avaliação do risco de paralisia cerebral em Campbell-Yeo ML, Johnston CC, Joseph KS, et al. Cobedding
gémeos, em comparação com recém-nascidos de and recovery time after heel lance in preterm twins:results
gestação simples varia, entre 4 vezes e 9 vezes. Este and a randomized trial. Pediatrics 2012; 130: 500-506
risco deve ser informado quando é procurada uma Cleary-Goldman J, DÁlton ME, Berkowitz RL. Prenatal dia-
técnica de concepção assistida, diagnosticada uma gnosis and multiple pregnancy. Semin Perinatol 2005;
gestação gemelar e após o nascimento de gémeos; o 29:312-320
mesmo deverá ser igualmente assumido pelos obs- Cordero I, Franco A, Joy SD. Monochorionic monoamniotic
tetras, neonatologistas e pediatras. twins: neonatal outcome. J Perinatol 2006; 26:170-175
A educação dos gémeos tem algumas particu- Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
laridades, devendo a individualidade e a privaci- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
dade ser respeitadas, procurando que cada crian- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
ça tenha uma identidade própria e saiba funcionar 2011
de forma autónoma. O papel dos pais é funda- McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
mental nesta questão. No nosso País existe uma Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
pressão cultural para a semelhança que, associada Livingstone, 2008
ao orgulho e prestígio especial no papel parental, Moise KJ Jr, Dorman K, Lamvu G, et al. A randomized trial of
dificulta o desenvolvimento da identidade. É, amnioreduction versus septostomy in the treatment of
pois, fundamental que os pais entendam que os twin-twin transfusion syndrome. Am J Obstet Gynecol
gémeos podem ter um desenvolvimento psicomo- 2005; 193:701-707
tor diferente, que possuem necessidades dife- Pearn J. Bioethical issues in caring for conjoined twins and
rentes, procurando proporcionar-lhes uma aten- their parents. Lancet 2001;357:1968
ção individualizada e oportunidades para o Pharoah PO. Twins and cerebral palsy. Acta Paediatr (Suppl)
desenvolvimento de cada um. 2001; 436:6-10
Uma das questões frequentemente colocadas Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
pelos pais quando os gémeos entram para a esco- AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
la é se ambos devem ou não ficar na mesma sala Medical, 2011
de aula. Por uma questão prática, os gémeos habi- Tong S, Vollenhoven B, Meagher S. Determining zygosity in
tualmente ficam na mesma escola, mas deve evi- early pregnancy by ultrasound. Ultrasound Obstet Gynecol
tar-se que sejam colocados na mesma sala de aula. 2004;23:36-37
Há, no entanto, situações especiais, em que os Topp M, Huusom LD, Langhoff-Roos J, Delhumeau C, Hutton
gémeos não estão preparados para ficar afastados JL, Dolk H. On Behalf of the SCPE Collaborative Group.
quando entram para a escola, pelo que é necessá- Multiple birth and cerebral palsy in Europe: a multicenter
rio que essa separação se faça de modo gradual. study. Acta Obstet Gynecol Scand 2004; 83: 548–553
A relação entre os gémeos, que começa com a Senat MV, Deprest J, Boulvain M, at al. Endoscopic laser sur-
partilha e a intimidade do útero materno, conti- gery versus serial amnioreduction for severe twin-to-twin
nua no companheirismo e cumplicidade de crian- transfusion syndrome. NEJM 2004; 351:136-144
ças que crescem juntas, no apoio e cooperação. Steer P. Perinatal death in twins. BMJ 2007; 334:545-546

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Cerebral Palsy in Europe, 2013
Blickstein I. Do multiple gestations raise the risk of cerebral
1762 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

333
tica. No entanto, e apesar de em centros de refe-
rência se ter observado uma redução significativa
no número de abortamentos, de nado-mortos, de
anomalias congénitas e de mortes no período peri-
neonatal relacionados com a diabetes na gravidez,
a situação persiste. Com efeito, mesmo nos países
EMBRIOFETOPATIA DIABÉTICA desenvolvidos, a incidência de abortamentos
pode atingir valor de 17%, a taxa de nados-mor-
MRG Carrapato, S. Tavares, C. Prior e T. Caldeira tos chega a ser 5 vezes superior, a de anomalias
congénitas 4 a 10 vezes maior, a de mortalidade
perinatal 5 vezes superior, a de mortalidade neo-
natal até 15 vezes superior; e a taxa de mortalida-
Importância do problema de infantil poderá triplicar a das gestações sem
e aspectos epidemiológicos diabetes. Questionando estes resultados, importa
reconhecer a etiopatogénese da embriofetopatia
A ocorrência de diabetes mellitus (DM) durante a diabética e identificar os aspectos passíveis de
gravidez, nas suas diversas formas – diabetes pré- intervenção, por forma a que os objectivos preco-
gestacional (DPG) tipos 1 e 2 e diabetes gestacio- nizados pela Declaração de St. Vincent não sejam
nal (DG) – pode condicionar distúrbios de índole apenas uma manifestação de intenções não
diversa no feto e no recém-nascido, em dependên- concretizadas.
cia directa do controlo glicémico das grávidas.
Cerca de 0,2 a 0,3% das gestações ocorrem em Etiopatogénese
mulheres diabéticas (DPG), mais frequentemente
do tipo 1 ou insulinodependente; por sua vez, a A patogénese e todo o espectro da embriofetopatia
incidência DG é estimada entre 1 a 5% das gesta- diabética resultam fundamentalmente do excesso
ções, de acordo com diversos estudos epidemioló- de glicose transferido da mãe para o feto, induzin-
gicos, sendo que os valores apurados poderão do à hiperglicémia fetal e consequente hipertrofia
variar em função de resultados de rastreio univer- dos ilhéus pancreáticos e hiperplasia das células β.
sal ou de rastreio em gravidezes de risco. (Figura 1) O resultante hiperinsulinismo fetal cró-
Na nossa experiência, num período de 2 anos, nico traduz-se num aumento do metabolismo e
entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2005 identifi- consumo de oxigénio, causando hipoxémia fetal
caram-se 211 mulheres com DG por rastreio uni- responsável pela taxa aumentada de mortes fetais,
versal numa população não seleccionada de 5930 prematuridade e asfixia neonatal, assim como
mulheres (3,4%). Dos antecedentes obstétricos num aumento da produção de eritropoietina e
salienta-se a história de DG em 7,2%, de aborta- policitémia. O próprio hiperinsulinismo fetal esti-
mentos em 24%, e de mortes fetais tardias em 4,3% mula a síntese lipídica e consequente adiposidade,
das mulheres. Na gravidez actual, a idade média visceromegália e macrossomia, e ainda a inibição
de diagnóstico ocorreu às 27 semanas de gestação ou diminuição da síntese de surfactante pulmonar,
(SG) e a HbA1C variou entre 3,4% e 5,7%; 20,4% o que explica a maior incidência de problemas res-
das mulheres necessitaram de insulinoterapia piratórios no RN de mãe diabética (RNMD).
para o controlo da sua diabetes. Em cerca de 30% dos casos de RNMD verifica-
Reconhecendo estes factos e tendo em conta o se cardiomiopatia reversível com hipertrofia do
sério problema de Saúde Pública que represen- septo intraventricular e de uma ou ambas as
tam, já em 1989 a Organização Mundial de Saúde paredes ventriculares, originando obstrução. O
(OMS) e a Federação Internacional de Diabetes mecanismo deste tipo de patologia não está com-
(FID) propuseram, na Declaração de St. Vincent , o pletamente esclarecido, embora se tenha compro-
objectivo, a concretizar em 5 anos, de os resulta- vado a comparticipação da abundância em recep-
dos de uma gestação complicada de diabetes tores para a insulina no miocárdio; como conse-
deverem aproximar-se dos da grávida não diabé- quência, existe afinidade aumentada do miocárdio
CAPÍTULO 333 Embriofetopatia diabética 1763

Hiperglicémia materna

Anomalias
Congénitas

Hiperglicémia fetal
Obesidade?
Intolerância
à glicose?
DMNID? ↓ Surfactante pulmonar SDR
Hipertrofia dos ilhéus pancreáticos+
Hiperplasia das células β
↑ Consumo O2

Hiperinsulinismo fetal
Hipoxémia fetal
Hipoglicemia
neonatal

Captação fetal de substratos Eritropoietina


(Síntese de gordura)
Hiperbilirrubinémia
Policitémia
Trombose da veia renal

Macrossomia + Visceromegália + Adiposidade

Abreviatura: DMNID – diabetes mellitus não insulinodependente


SDR – síndroma de dificuldade respiratória

FIG. 1
Embriofetopatia diabética: aspectos da etiopatogénese.

para a insulina levando a síntese aumentada de tia diabética. No entanto, é possível que outros
proteínas, glicogénio e gordura, determinando substratos metabólicos, para além da glicose
hipertrofia e hiperplasia daquele. Na fase pós- materna, atravessem a barreira placentar contri-
natal, com a diminuição da insulinémia pelo trata- buindo para alterações do meio fetal e cujas
mento do RN, o número de receptores diminui, ate- consequências dependem não só do metabólito
nuando-se paralelamente a hipertrofia miocárdica. em si, mas dos estádios críticos do desenvolvi-
No período neonatal a hipoglicémia é um pro- mento em que tais alterações ocorram. Esta hipó-
blema comum e multifactorial, devido ao hiperin- tese é corroborada por modelos experimentais
sulinismo mantido e à ausência de respostas hor- subscrevendo o contributo de outros substratos,
monais de contra-regulação conduzindo à dimi- nomeadamente corpos cetónicos e produtos da
nuição da gluconeogénese hepática, da lipólise e a peroxidação lipídica na patogénese das anoma-
um aumento da captação periférica de glicose lias congénitas e, simultaneamente, pelas obser-
(Capítulos 182 e 184). vações de que a suplementação de determinados
A desregulação do metabolismo glucídico factores, em especial ácido araquidónico e mioi-
materno justifica, neste modelo teórico, todo o nositol, “depuradores” de radicais livres de oxi-
início e manutenção da cascata da embriofetopa- génio e antioxidantes, reduzem a taxa de defeitos
1764 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

congénitos em filhos de diabéticas, em animais de bral. Síndromas de regressão caudal são também
laboratório. Qual a utilidade de tais medidas e a mais frequentes, em particular a agenésia do sacro
sua aplicação na prática clínica permanecem (risco 200-600 vezes superior ao da população
questões em aberto. controlo), defeitos do tubo neural e defeitos vários
Da mesma forma que para as anomalias do SNC, desde anencefalia (risco 3 vezes maior) a
congénitas se propõem outros teratogénicos holoprosencefalia (risco 40-400 vezes mais eleva-
metabólicos que não apenas os açúcares, a do). Entre as cardiopatias, ocorrem com maior fre-
macrossomia parece resultar também de fenóme- quência defeitos do septo auricular e ventricular,
nos multifactoriais interdependentes, nomeada- transposição dos grandes vasos e manutenção da
mente corpos cetónicos, ácidos gordos livres, ami- permeabilidade do canal arterial (4 a 6 vezes mais
noácidos selectivos e possivelmente IGF-1 e -2 a frequente). A nível nefro-urológico, anomalias
nível periférico. Os anticorpos insulínicos mater- como agenésia renal e duplicação ureteral têm
nos e as hormonas contra-reguladoras da insulina igualmente prevalência aumentada na gravidez
são outros contributos suspeitos na etiopatogéne- diabética. Importa referir que a generalidade des-
se da macrossomia. tas anomalias surge na diabetes com mau contro-
lo metabólico durante a gravidez, com cuidados
Manifestações clínicas, pré-concepcionais sofríveis ou nulos, em aparente
sua interpretação fisiopatológica correlação directa com os níveis de HbA1C, sendo
e actuação a incidência de defeitos semelhante à da popula-
ção de controlo nas grávidas com HbA1C < 6,9%.
1. Diabetes mellitus pré-gestacional (DPG) Vários estudos confirmam que cuidados pré-
As potenciais e múltiplas complicações eviden- concepcionais centrados num bom controlo glicé-
ciam-se in utero: abortamento, defeitos congénitos, mico levam a uma redução significativa do núme-
mortes fetais, restrição do crescimento intra-uteri- ro de anomalias congénitas, sendo que um rigo-
no; e após o nascimento: macrossomia, restrição roso controlo metabólico durante pelo menos os 6
de crescimento intra-uterino (RCIU), síndroma de a 12 meses pré-concepção poderá diminuir a taxa
dificuldade respiratória (SDR), perturbações de anomalias congénitas para um valor próximo
metabólicas e hematológicas, cardiomiopatia, do da população geral. Ainda assim, e apesar de
insuficiência cardíaca, trombose da veia renal, etc.. um bom controlo metabólico (cuidados pré-
Embora a maioria destas complicações se relacio- concepcionais e valores adequados de HbA1C), a
ne com o mau controlo metabólico da grávida, taxa corrigida de anomalias relacionadas com a
outras, no entanto, ocorrem mesmo em diabetes DPG é superior à da restante população, sendo
bem controladas, pondo em causa metodologias e legítimo questionar se os métodos utilizados para
definições, intervenções e seu cumprimento e, definir um “bom controlo metabólico” serão os
provavelmente, outros substratos que não apenas mais adequados, se a hiperglicémia será o único
a glicose. agente teratogénico, e se existirão outros factores
Com toda esta constelação de problemas e predisponentes ou adjuvantes podendo contribuir
complicações não é surpreendente que o recém- para a patogénese da embriofetopatia diabética
nascido de mãe diabética (RNMD) constitua uma (Capítulos 18, 156, 165, 190, 205).
população de risco acrescido com taxas de inter-
namento superiores às da população em geral. Macrossomia
A sua frequência varia entre 17 e 50% nos RN
Anomalias congénitas de mãe com DPG, consoante as séries. Contudo,
Apesar de terem sido descritas inúmeras ano- importa diferenciar dois conceitos: RN grande
malias congénitas afectando diversos orgãos e sis- para a idade gestacional (GIG) e macrossómico.
temas na DPG, tanto do tipo 1 como do tipo 2, a De facto, apesar de partilharem aspectos comuns,
associação é mais frequente para determinadas os verdadeiros macrossómicos evidenciam algu-
anomalias, nomeadamente do pavilhão auricular mas particularidades decorrentes de uma distri-
e do denominado espectro óculo-aurículo-verte- buição anormal da sua gordura corporal, nomea-
CAPÍTULO 333 Embriofetopatia diabética 1765

damente a nível da cintura escápulo-umeral. A diatamente após o nascimento, o RN possa utili-


questão não é meramente académica e assume, zar lactato como substrato energético, o hiperin-
desde logo, importância prática para o obstetra, sulinismo mantido, inibindo a lipólise, indisponi-
em termos de diagnóstico pré-natal e quanto à via biliza a utilização de corpos cetónicos e, como tal,
do parto. Para o neonatologista a distinção é tam- será prudente manter a glicemia em níveis ≥
bém importante porque apesar de ambos, GIG e 2,6mmol/L (~ 48mg/dL), quaisquer que sejam as
macrossómicos, apresentarem um risco superior idades gestacional e pós-natal do RN. Importa
ao da população controlo para hipoglicémia, poli- promover a alimentação entérica precoce e, caso ela
citémia, hipocalcémia e hiperbilirrubinémia, os não seja exequível ou seja contra-indicada, prover
verdadeiros macrossómicos têm ainda um risco a administração de glicose por via intravenosa
acrescido de asfixia intraparto,e de traumatismo (IV) ao débito de 5 – 6mg/Kg/minuto, suprimen-
de nascimento (paralisia do plexo braquial, entre to que será ajustado de acordo com as necessi-
outras lesões) e de cardiomiopatia. dades, frequentemente até ritmos de 8-
Para definir e identificar macrossomia, em vez 10mg/Kg/min e, raramente, de 12mg/Kg/min.
da habitual referência a um determinado e arbitrá- Perante hipoglicémia sintomática, em particu-
rio peso, ou à relação entre o peso de nascimento lar de neuroglicopénia, deve providenciar-se a
(PN) e a idade gestacional, será mais correcto administração de glicose em bólus IV na dose de
considerar o chamado índice ponderal (IP) a que se 0,25-0,5g/Kg, seguido de perfusão ao ritmo
fez referência no Capítulo 330. Com efeito, de acor- necessário à manutenção da euglicémia.
do com este parâmetro, é possível estabelecer a Deve ser iniciada a alimentação entérica com
distinção entre GIG e o verdadeiro macrossómico. leite materno ou com fórmula logo que possível,
Este ponto é importante, designadamente pelas com redução gradual da perfusão venosa por
implicações quanto ao prognóstico a longo prazo. forma a evitar a ocorrência de hipoglicémia reacti-
va. Raramente, em emergências ou com hipoglice-
Hipoglicémia mias refractárias, será necessário a administração
O termo hipoglicémia carece de uniformidade de glucagom (200-300µg/kg) para fomentar a glu-
no que respeita à definição por diversos autores. coneogénese e promover a oxidação hepática de
Desde logo, ao estabelecer-se um valor de glicose ácidos gordos.
abaixo do qual se considera existir hipoglicémia, é
fundamental referir em que produto a determina- Hipocalcémia
ção foi efectuada: sangue venoso, sangue capilar A homeostasia do cálcio é conseguida através
ou plasma, dado que a concentração de glicose no de um equilíbrio entre a sua absorção intestinal e a
sangue total é cerca de 10 a 15% inferior à do plas- sua excreção renal, num processo hormono-depen-
ma. Atendendo ao valor geralmente elevado do dente. A paratormona (PTH) mobiliza o ião a par-
hematócrito dos RN de mãe diabética, o valor a ter tir do tecido ósseo, aumenta a sua reabsorção tubu-
em conta deverá ser o plasmático e não o sérico. A lar renal e estimula a produção de 1,25-di-hidroxi-
este propósito, recorda-se o que foi referido no vitamina D. Esta, por sua vez, aumenta a absorção
Capítulo 340: a determinação em sangue total é intestinal de cálcio e fosfato, e facilita a sua mobili-
afectada pelo hematócrito (valores de glicémia zação óssea induzida pela paratormona. Além
sucessivamente decrescentes no sangue arterial- disso, a hipocalcémia constitui um estímulo para a
capilar-venoso). libertação de paratormona (Capítulo 339).
Porém, outras questões se colocam: que ”baixo No sangue, o cálcio circula sob duas formas:
nível de glicose” é nocivo? Será que para o mesmo ligado a proteínas séricas (especialmente à albu-
valor de hipoglicémia a repercussão a nível cere- mina) e a iões (por ex. citrato), e sob a forma livre
bral será diferente consoante a presença ou não de ou ionizada, esta última a forma fisiologicamente
sintomatologia? Será que o RN poderá utilizar relevante, representando 40-50% do cálcio total. O
outros substratos em alternativa à glicose, nomea- equilíbrio entre a deposição e a mobilização do
damente lactato, piruvato, corpos cetónicos, etc., cálcio no osso determina, em grande parte, a
para o seu metabolismo cerebral? Ainda que, ime- concentração de cálcio ionizado no sangue.
1766 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Durante a gestação o cálcio é transferido da tomática e auto-limitada, pelo que não se justifica a
circulação materna para a circulação fetal através determinação do cálcio sérico de modo rotineiro.
de um gradiente de transporte activo transplacen- A hipocalcémia sintomática, manifestada por
tar regulado pelo “péptido relacionado com a tremor e irritabilidade, convulsões, hipersudore-
paratormona” (PTHrP) (parathyroid hormone-rela- se, letargia, apneia, taquipneia e alterações elec-
ted peptide). A paratormona e a vitamina D mater- trocardiográficas na fase de repolarização, com
nas praticamente não atravessam a placenta. prolongamento do intervalo QTc (intervalo QT
Desta forma, a concentração plasmática fetal de corrigido para a frequência cardíaca), superior a
cálcio é mantida num nível superior ao da mãe 0,4 segundos, obriga à determinação da calcémia e
(particularmente no terceiro trimentre, quando a à sua correcção com 1-2mL/kg/dose de glucona-
concentração de cálcio total no RN é de cerca de to de cálcio a 10% (◊ 9-18mg/kg de cálcio elemen-
10-11mg/dL e a do cálcio ionizado de 6 mg/dL), tar), – administração endovenosa lenta em 5 a 10
encontrando-se as glândulas paratiroideias fetais minutos – com monitorização electrocardiográfica
num estado de baixa actividade. Com o nascimen- pelo risco de bloqueio cardíaco, bradicárdia
to, ocorre uma suspensão súbita da transferência refractária e hipotensão. Se necessário, deve man-
materno-fetal de cálcio, com subsequente dimi- ter-se a correcção com dose de 2-7mL/kg/dia
nuição da sua concentração plasmática para níveis (máximo: 200mg/kg em 10 minutos). A hipocalcé-
de 8-9 mg/dL de cálcio total e de 4,4- 5,4 mg/dL mia é susceptível de correcção em 3 a 4 dias e, até
da forma ionizada, evidentes pelas 24 horas de à normalização dos valores, o cálcio sérico deve
vida. Em resposta, ocorre uma estimulação das ser determinado com intervalos regulares, habi-
glândulas paratiroideias e, pela segunda semana tualmente cada 12 horas.
de vida, os níveis séricos do ião atingem o nível Sublinha-se que uma hipocalcémia persistente
considerado normal para crianças e adultos . pode dever-se à coexistência de hipomagnesié-
A definição de hipocalcémia, em função do mia, a qual deve ser corrigida. A correcção da
peso, considera cálcio total < 8mg/dL e/ou ioni- hiperfosfatémia, quando presente, deve preceder
zado < 4,4mg/dL (RN ≥ 1500g); e cálcio total < a correcção da hipocalcémia, pois se o produto
7mg/dL e/ou ionizado < 4,0mg/dL (RN < 1500g) [Ca2+]x[PO4-] for >80, pode ocorrer calcificação dos
(Capítulo 339). tecidos moles (Capítulo 339).
Salienta-se que a calcémia total está dependen-
te dos níveis séricos de albumina e do pH, sendo Policitémia
que, por cada variação de 1g/dL da albuminémia, Policitémia define-se por verificação de
há variação no mesmo sentido de 0,8mg/dL de hematócrito > 65% no sangue venoso em RN com
cálcio total, e que a acidose eleva os níveis do cál- ou sem sintomas. A sua incidência varia entre 0,4-
cio ionizado, ao contrário da alcalose. 12% em RN saudáveis e deve-se ao facto de os eri-
Em cerca de 50% dos RN de mãe diabética trócitos fetais terem um maior volume globular
ocorre hipocalcémia, tipicamente entre as 24 e as médio e serem menos deformáveis que os eritróci-
72 horas após o parto, e em geral acompanhada de tos mais maduros, conduzindo a hiperviscosidade
hiperfosfatémia e/ou de hipomagnesiémia, possi- sanguínea. No caso dos RN de mães diabéticas,
velmente por atraso adaptativo das glândulas mais de 30% são afectados; a etiopatogénese pode
paratiróides ao ambiente extra-uterino. Decor- explicar-se do seguinte modo: a menor oxigena-
ridas as primeiras 72 horas de vida, as para- ção fetal e a hipóxia tecidual, consequência do
tiróides apresentam maior actividade, pelo que hiperinsulinismo, estimulam a produção de eri-
nos RN de mãe diabética a hipocalcémia é geral- tropoietina e conduzem a aumento da eritropoie-
mente precoce e transitória. A hipocalcémia corre- se, do que resulta maior produção de eritrócitos
laciona-se com a gravidade e duração da diabetes fetais e maior valor de hemoglobina fetal. As
materna, sendo sobretudo prevalente em RN com consequências da policitémia são múltiplas:
doença pulmonar e/ou asfixia peri-parto . mortes fetais, SDR, insuficiência cardíaca, hiper-
A hipocalcémia neonatal nos RN de mãe diabéti- tensão pulmonar, sinais neurológicos (tremor, irri-
ca, embora frequente, é na maioria dos casos assin- tabilidade, convulsões, apneia), tromboses, gan-
CAPÍTULO 333 Embriofetopatia diabética 1767

grena e acidentes vasculares cerebrais. O trata- quente da circulação entero-hepática, somam-se


mento padrão, abordado com mais pormenor no outros factores, que justificam mais elevada inci-
Capítulo 355, consiste na substituição parcelar do dência em RN filhos de mães diabéticas: prematu-
sangue do doente por sangue com valor de eri- ridade, policitémia, aumento da hemólise e
trócitos mais baixo e viscosidade normal, o que se macrossomia (Capítulo 358).
consegue com diversas estratégias. A Figura 2
mostra aspecto geral do fenótipo de RNMD, res- Síndroma de dificuldade respiratória
saltando: as caracterísicas de macrossomia e ple- Múltiplos factores, por vezes associados,
tora; e paralisia do plexo braquial, situação contribuem para o aparecimento de síndroma de
traumática a abordar no Capítulo 363. dificuldade respiratória (SDR) no RNMD. O parto
pré-termo, outras condições associadas à própria
Icterícia diabetes, em especial a policitémia e hiperviscosi-
A imaturidade hepática presente no período dade concomitantes, a hipóxia e hipertensão pul-
neonatal é responsável pela chamada icterícia monar, a insuficiência cardíaca ocasional, e a alta
fisiológica que surge em 60-70% dos RN (valores taxa de cesarianas electivas condicionando atraso
de bilirrubinémia em geral < 13 mg/dL); no da reabsorção e eliminação do líquido pulmonar
entanto, esta icterícia só se torna importante (bilir- fetal (síndroma de taquipneia transitória ou
rubinémia total ≥ 13 mg/dL) em cerca de 5% dos “pulmão húmido”), são alguns de tais factores. A
casos de RN termo saudáveis versus 30% dos própria doença da membrana hialina (DMH), cau-
casos de RNMD. À deficiência transitória da enzi- sada pela diminuição e ou inibição da produção
ma glucuronil-transferase, com aumento conse- de surfactante, face ao hiperinsulinismo fetal, é
mais frequente em RN de mães diabéticas, em
qualquer idade gestacional . Em gravidezes nor-
mais, com a administração antenatal de cor-
ticóides, tem-se verificado diminuição do risco de
DMH. No entanto, pelo seu efeito hiperglicémico
fetal e materno, o seu uso na diabética grávida não
é consensual, obrigando a sua eventual adminis-
tração a um controlo glicémico rigoroso, aplican-
do vários esquemas insulínicos, aparentemente
com bons resultados (Capítulos 346,347).

2. Diabetes gestacional (DG)


Com o decorrer da gravidez, sobretudo a partir da
segunda metade, o aumento do metabolismo
materno exige maiores necessidades de insulina.
Caso o limiar de metabolização da glicose seja
ultrapassado, surge hiperglicémia.
Todos as manifestações clínicas perinatais ante-
riormente descritas a propósito da DPG, são aplicá-
veis à DG, com a possível excepção das anomalias
congénitas fetais – ainda que determinados estudos
FIG. 2
apontem para uma alta taxa de defeitos congénitos
Fenótipo de RNMD com paralisia do plexo braquial na DG, provavelmente por corresponderem a DPG
direito*. (URN-HDE) somente diagnosticada durante a gravidez.
De acordo com a nossa experiência, os princi-
pais problemas identificados no contexto de DG
*Trata-se duma fotografia histórica referente a época em que eram mais
frequentes as paralisias braquiais e se usava faixa abdominal, hoje
são descritos a seguir.
obsoleta.
1768 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Gravidez e parto grávida não diabética. Como tal, propomos que se


As principais complicações da gravidez consis- utilize o IP como melhor indicador de macrosso-
tiram em HTA induzida pela gravidez (8; 3,8%), mia e não apenas a relação peso/idade gestacional
trombocitopénia (4; 1,9%), HELLP (3; 1,4%), pré- (Quadro 2). Neste contingente de RN de mães
eclâmpsia (3; 1,4%), placenta prévia (3; 1,4%), diabéticas registámos 10,3% de RN LIG (leves
oligo-hidrâmnio (2; 0,9%) e RCIU (2; 0,9%). É para a idade gestacional), valor que, comparado
importante referir que não existiram mortes mater- com o da população geral (13,64%), sugere um
nas ou perinatais. O parto ocorreu numa alta per- bom controlo metabólico.
centagem de casos por cesariana (43,9% nas mul- Outro aspecto para reflexão refere-se à elevada
heres com DG vs 36,4% na população de controlo taxa de cesarianas que, apesar do factor de correc-
– mulheres com fetos GIG, não diabéticas). ção para o IP, não pode ser atribuída à macrosso-
mia per se e questiona a rotina de indução electiva
Recém-nascido e fracassada, sobretudo quando se verifica que a
Os RN apresentaram às 38 semanas gestacio- grande maioria dos problemas respiratórios
nais um peso médio ao nascimento de 3.121g (± destes neonatos corresponderam a síndromas de
424g) e um comprimento médio de 48,55cm (± adaptação pulmonar após cesarianas em RN de
1,77cm). termo (síndroma de taquipneia transitória ou
Os principais problemas clínicos são discrimi- “pulmão húmido”). (Capítulo 347)
nados no Quadro 1 estabelecendo comparação Em resumo, não se tendo registado quaisquer
entre RNMD (englobando DPG e DG) e RN GIG mortes maternas ou neonatais, resultados que
de mães não diabéticas. suplantam muitas das séries publicadas, a morbi-
Vários pontos merecem especial consideração. lidade neonatal da DG, superior à da população
Se considerarmos a relação PN/IG >P90, a sua taxa em geral, continua a representar um importante
foi extremamente baixa (2,9%); porém, se aplicar- problema de Saúde Pública.
mos o índice ponderal (IP) a taxa sobe para 16,1%,
em especial com o avançar da idade gestacional Prognóstico
(22 e 25% às 39 e 40 semanas gestacionais, respec-
tivamente), sugerindo uma população de lac- Se no 1º trimestre de gravidez as principais conse-
tentes pequenos e obesos, em contraste com a de quências se traduzem em anomalias congénitas e
RN grandes para a idade gestacional (GIG) da abortamentos, no fim do 2º trimestre, período em

QUADRO 1 – Morbilidade neonatal dos recém-nascidos de mãe diabética (RNMD), e dos grandes para
a idade gestacional (RN GIG) de mães não diabéticas

Morbilidade RNMD GIG x2


(n) (%) (n) (%) (p)
Fractura de clavícula 4 2 9 5,4 0,79
Paralisia do plexo braquial 1 0,5 2 1,2 0,47
Anomalias congénitas 9* 4,3 9** 4,7 0,582
Prematuridade 21 10,2 11 6,6 0,959
Hipoglicémia 6 3,1 4 2,4 0,663
SDR 8 4,1 4 2,4 0,342
Icterícia 63 32,6 28 16,8 <0,001
Policitémia 7 3,6 9 5,4 0,437
Hipocalcémia 9 4,7 2 1,2 0,054

Hipospadia 2, Hidronefrose 2, Hipoplasia da falange distal 1, Doença cardíaca 4 (3 DSV; 1 DSA)


** Epispadia 1, Hipospadia 1, Hidronefrose 1, Doença cardíaca 5 (2 DSV; 3 DSA); Dismorfia craniofacial 1
Abreviaturas- DSV: defeitos do septo ventricular ; DSA: defeitos do septo auricular

Fonte: Serviço de Perinatologia do Hospital São Sebastião-Feira; Período: 2 anos (2004 e 2005)
CAPÍTULO 333 Embriofetopatia diabética 1769

QUADRO 2 – Proporções corporais dos RN e RN GIG em relação à Idade Gestacional

IG RNMD GIG x2
(semanas) (207/5930) (167/5930) (p)
Peso Comp IP Peso Comp IP
(±DP) (±DP) (±DP) (±DP) (±DP) (±DP)
41 4650 54,8 3,3
(±167,19) (±1,85) (±0,35)
40 3389 49,0 2,9 4328 52,1 3,1 >0,005
(±231,90) (±1,79) (±0,39) (±211,08) (±1,27) (±0,22)
39 3332 49,1 2,8 4208 51,87 3,1 <0,005
(±341,51) (±1,73) (±0,29) (±263,40) (±1,63) (±0,22)
38 3121 48,5 2,7 3989 50,9 3,0
(±424,14) (±1,77) (±0,26) (±137,89) (±1,57) (±0,31) <0,005
37 2900 47,8 2,6 3751 51,0 2,8 <0,005
(±337,07) (±1,80) (±0,21) (±204,07) (±1,24) (±0,21)
36 2645 46,5 2,6 3495 49,8 2,9 >0,005
(±220,76) (±1,62) (±0,22) (±111,13) (±2,68) (±0,47)
35 2343 44,0 2,8 3233 47,0 3,1 >0,005
(±82,14) (±2,74) (±0,45) (±101,16) (±2,60) (±0,49)
TOTAL 3074,3 48,4 2,7 4133,6 51,55 3,0 <0,005
(±432,87) (±1,94) (±0,27) (±351,98) (±1,81) (±0,28)
Comp = comprimento em cm; Peso em gramas
IP = índice ponderal
DP = devio padrão
Fonte: Serviço de Perinatologia do Hospital São Sebastião-Feira; Período: 2 anos (2004 e 2005)

que se verifica um aumento da diferenciação e na gravidez reduz significativamente a prevalên-


maturação cortical cerebrais, um ambiente intra- cia de diabetes em futuras gerações.
uterino desfavorável pode resultar em compro-
misso de vários tipos: cognitivo, psíquico e senso- Actuação possível
rial. Factos baseados na evidência sugerem, de
facto, que estas crianças filhas de diabéticas, apre- De acordo com estudos de medicina baseada na
sentam défices psicomotor e psicossocial ligeiros evidência segundo os quais um bom controlo
a moderados, ainda que incidentes pós-natais pos- metabólico pode alterar favoravelmente o panora-
sam igualmente contribuir para este prognóstico ma da diabetes na gravidez, porque é que mesmo
menos favorável. em países desenvolvidos a generalidade dos
Durante o 3º trimestre, devido à proliferação resultados deixa tanto a desejar? Em parte, porque
de adipócitos, células musculares e células β dos muitos destes resultados reflectem cuidados pré-
ilhéus, as alterações metabólicas ocorridas po- concepcionais e gestacionais muito heterogéneos e
derão, na idade adulta ter repercussões a longo frequentemente insatisfatórios. Ainda que a carga
prazo, nomeadamente quanto à incidência de obe- genética possa ser desfavorável e ainda que outros
sidade, intolerância à glicose e diabetes não insu- substratos metabólicos para além da glicose,
linodependente, de acordo com a hipótese de actuando em diferentes fases do desenvolvimen-
Barker: origem fetal de doenças com manifesta- to, possam contribuir para a etiopatogénese desta
ções a partir da 4ª e 5ª décadas de vida. síndroma, de momento, contudo, a prioridade
O peso relativo da carga genética, em confron- reside nos cuidados pré-concepcionais intensivos
to com noxas intra-uterinas não está completa- às mulheres diabéticas e na identificação das mu-
mente esclarecido. No entanto, pelo menos em lheres com risco de desenvolverem DG; nesta
modelos animais, a prevenção da hiperglicémia perspectiva, tais situações, uma vez diagnostica-
1770 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

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tions in infants of diabetic mothers. Heart 2003; 89: 1217 – ridos compostos.
1220 Para melhor compreensão do problema,
importará definir fundamentalmente três concei-
tos interligados:
– toxicodependência ou toxicomania: estado de
intoxicação periódica ou crónica provocado pelo
consumo repetido de uma substância (natural ou
sintética) o qual é acompanhado por um desejo
invencível ou pela necessidade de continuar a
consumir a substância e de a obter por todos os
meios, com tendência para aumentar as doses e
para dependência psíquica, e frequentemente
também física, em relação aos efeitos da mesma
substância; e
– síndroma de abstinência (ou de privação):
conjunto de sinais e sintomas específicos resul-
tantes da suspensão ou redução do consumo da
substância que criou dependência (sensação de a
pessoa “não poder passar sem a mesma”), sendo
que os referidos sinais e sintomas desaparecem
com a administração da própria substância ou de
um seu sucedâneo, como a metadona no caso da
morfina; cabe referir, a propósito, que no contexto
de utilização abusiva de substâncias, as acções
verificadas podem ser o oposto das acções carac-
terísticas das mesmas;
– síndroma de abstinência neonatal (SAN): como
1772 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

se poderá deduzir, no feto/futuro RN, por efeito Os mecanismos pelos quais as substâncias
da exposição crónica aos referidos compostos, actuam são diversos:
poderá surgir também dependência/ ulterior qua- – Acção teratogénica;
dro de manifestações clínicas (síndroma de absti- – Acção carcinogénica;
nência neonatal) de duração variável, por privação – Interferência com a diferenciação de tecidos e
brusca do efeito da substância a partir do momen- órgãos;
to da laqueação do cordão umbilical; descreve-se – Depressão ou sedação do feto/RN;
ainda uma síndroma de abstinência neonatal iatrogé- – Dependência e ulterior síndroma de abstinên-
nica em situações que requereram sedação para cia (privação brusca do efeito após laqueação do
realização de procedimentos invasivos ou inter- cordão umbilical).
venções cirúrgicas. Entre 85 a 90% dos RN nestas circunstâncias
A administração abusiva de substâncias e dro- surgem manifestações clínicas de grau variável;
gas (legais e ilegais ) constitui um verdadeiro pro- destes, em mais de metade, tais manifestações
blema de saúde pública; estatísticas dos EUA esti- necessitam de tratamento.
mam que entre cerca de 5-7% das grávidas, por As substâncias que mais frequentemente são
motivos de doença do foro psiquiátrico tomam consumidas pela grávida são sistematizadas no
medicamentos não recomendados no referido Quadro 1.
período, incluindo as chamadas substâncias ilíci- Os opiáceos ligam-se aos receptores de opiá-
tas. Em Portugal, em diversos estudos epide- ceos do SNC; algumas das manifestações clínicas
miológicos realizados em diferentes décadas de privação resultam de hipersensibilidade alfa-2
foram apuradas “relações de casos por mil nado-
vivos” entre 2,7/1.000 e 10/1.000 (entre 1990 e QUADRO 1 – Substâncias de consumo
2006), testemunhando o aumento da prevalência abusivo pela grávida
da toxicodependência na mulher portuguesa em
idade fértil. Analgésicos narcóticos (opiáceos)
Na grávida toxicodependente(TD), sobretudo • Heroína • Meperidina
nos casos de consumo de heroína, poderão surgir • Morfina • Propoxifeno
episódios de síndroma de abstinência cujas conse- • Metadona • Pentazocina
quências poderão ser, fundamentalmente, aborto, • Codeína
morte fetal e parto pré-termo. Uma referência Simpaticomiméticos (estimulação do SNC)
especial à marijuana cuja utilização nos EUA em • Anfetamina • Fenmetrazina
2006 atingiu a cifra superior 11 milhões de utiliza- • Metanfetamina • Cocaína
dores entre os 18 e 25 anos e com uma frequência • Dextroanfetamina
nas grávidas- variando conforme as regiões- entre Hipnóticos e sedativos (depressão do SNC)
5-35%). • Barbitúricos (efeitos de curta ou longa duração)
Um dos factores mais pejorativos no grupo de • Glutetimida
grávidas toxicodependentes é a concomitância de • Fenotiazinas
determinadas infecções classicamente ligadas a • Hidrato de cloral
comportamentos de risco, tais como, VHB, • Álcool
VHC,HPV, VIH, etc., contribuindo para co-morbi- • Sedativos e tranquilizantes menores(diazepam, cloro-
lidade com repercussões no feto e RN. diazepóxido,etc.)
• Alcalóides da beladona (escopolamina, atropina)
Etiopatogénese • Hidrocarbonetos voláteis (gasolina, tolueno, etc.)
Alucinógenos
Os efeitos de drogas e substâncias sobre o • Dietilamida do ácido lisérgico(LSD)
feto/RN dependem de diversos factores: • Mescalina
• Marijuana (Cannabis sativa L) – por vezes considerada
– Idade gestacional em que a subtância actua;
em grupo à parte
– Duração da exposição fetal à substância;
• Fenilciclidina-hidrocloreto (“pó de anjos”)
– Concentração sanguínea da substância.
CAPÍTULO 334 Recém-nascido de mãe toxicodependente 1773

adrenérgica, particularmente ao nível do locus restrição de crescimento intra-uterino) é inferior


ceruleus. ao verificado em fetos não expostos à droga. O
No caso da cocaína, tal tipo de manifestações mecanismo destas alterações é desconhecido.
pode explicar-se do seguinte modo: a cocaína pre- De salientar que a metadona administrada à
vine a recaptação de neurotransmissores (epinefri- grávida com fins terapêuticos de substituição,
na, nor-epinefrina, dopamina e serotonina) nas poderá, por sua vez, originar síndroma de absti-
terminações nervosas; de tal, resulta hipersensibi- nência neonatal se o parto ocorrer ainda durante o
lidade ou resposta exagerada aos neurotransmis- processo de “desmame” da mesma.
sores ao nível dos órgãos efectores.
Seguidamente são descritos de modo sucinto 4. Anfetamina
os efeitos de algumas das substâncias atrás discri- Admite-se que esta substância não tenha efeitos
minadas, reservando para a alínea “Manifestações teratogénicos. Pode verificar-se restrição do cres-
clínicas” o quadro relacionado com a respectiva cimento intra-uterino e parto prematuro.
síndroma de abstinência neonatal. No RN pode surgir síndroma de abstinência.

1. Heroína 5. Cocaína
A heroína pode originar restrição de crescimento Como resultado do consumo crónico deste com-
intra-uterino e baixo peso de nascimento; um dos posto (inalado, fumado, aspirado, por via IV, etc.),
efeitos biológicos é a elevação do magnésio sérico assim como de um seu derivado designado por
fetal e neonatal. crack, verifica-se maior risco de aborto, hipoper-
Um fenómeno não completamente explicado é fusão placentar com consequente hipoxia crónica,
o aumento do número de casos de síndroma de descolamento da placenta, ruptura prematura das
morte súbita do lactente havendo antecedentes de membranas e parto prematuro, entre outras reper-
mãe heroinodependente. Curiosamente, pela cussões.
indução da glucuronil-transferase e das enzimas A mortalidade neonatal é mais elevada e rela-
responsáveis pela produção de surfactante pul- cionável fundamentalmente com restrição de cres-
monar, verifica-se respectivamente menor inci- cimento intra-uterino, difícil adaptação à vida
dência de hiperbilirrubinémia e de DMH. extra-uterina, anomalias congénitas e morte súbita.
Alguns autores consideram mesmo, pelo seu
2. Morfina efeito teratogénico, a individualização dum qua-
O abuso de morfina na gravidez não está associa- dro de embriofetopatia cocaínica. Tendo sido
do a anomalias congénitas. demonstrado que a actividade da colinesterase -
uma das enzimas de degradação da cocaína – está
3. Metadona diminuída na grávida e feto, existe, nestes, maior
A metadona é um analgésico / opiáceo sintético susceptibilidade à referida droga.
com uma semi-vida longa (16 a 25 horas no perío-
do neonatal). A sua indicação mais frequente (no 6. Fenobarbital
contexto do tema que se apresenta) é a de substi- O fenobarbital é utilizado frequentemente como
tuir outras substâncias utilizadas no regime de droga de abuso em todas as classes socioeconómi-
abuso pela mãe durante tempo prolongado, num cas. Na mãe poderá verificar-se a ocorrência de
processo lento de retirada para evitar síndroma de síndromas de abstinência recorrentes (traduzidas
abstinência materna. por convulsões), com acção deletéria sobre a pró-
Nos fetos submetidos de modo prolongado à pria mãe e feto.
acção da metadona não se verifica incidência Este fármaco atravessa a placenta distribuin-
aumentada de anomalias congénitas, sendo que o do-se rapidamente por todos os órgãos do feto,
respectivo peso de nascimento médio é superior com maior concentração no baço e encéfalo. Os
ao verificado, por exemplo, nos fetos submetidos efeitos da exposição in utero traduzem-se essen-
à acção da heroína; no entanto, o perímetro cefáli- cialmente por fenómenos hemorrágicos e anoma-
co médio (não necessariamente acompanhado de lias congénitas menores.
1774 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Os RN de mães dependentes de fenobarbital são sobretudo do globo ocular (catarata, microftalmia,


geralmente de termo, sem compromisso do cresci- displasia retiniana,etc.. Muito utilizada por ado-
mento intra-uterino. A incidência de síndroma de lescentes na década de 60, existe hoje nos EUA
abstinência por fenobarbital não é conhecida. tendência para reincidência do seu abuso.

7. Álcool 10. Marijuana e seus derivados (haxixe)


O álcool é teratogénico, se consumido nas primei- A marijuana é um extracto da planta Cannabis sati-
ras 10-12 semanas após a concepção, sendo os efei- va contendo mais de 420 compostos, muitos dos
tos mais acentuados com a absorção de cerca de quais biologicamente activos. Pela sua elevada
30-50 gramas de álcool absoluto por dia. Um qua- lipossolubilidade, atravessa facilmente a placenta
dro dismorfológico (embriofetopatia alcoólica) exercendo efeito directo e prolongado nas células
integrando defeitos congénitos, por vezes associa- fetais tendo em consideração que a sua eliminação
dos e de expressividade variável, pode ser identi- é demorada (cerca de 4 semanas) e a semi-vida de
ficado no RN: defeitos cardíacos e nefro-urológi- cerca de 1 semana. Admite-se também que, pela
cos, fissura palpebral pequena, ptose palpebral, elevação do nível de CO (muito mais elevado do
estrabismo, prega do epicanto, microftalmia, orel- que acontece com nicotina/cotinina), origina
has em abano, nariz pequeno, filtro longo, lábio hipóxia fetal crónica. Partilha com a cocaína o efei-
superior fino, retrognatismo, lábio leporino, fenda to de elevação da pressão arterial na grávida e
palatina, microcefalia, etc.. redução do leito vascular.
No período neonatal precoce são notórios sinais Outros efeitos descritos são: parto prematuro,
de restrição de crescimento intra-uterino, hipotonia, maior incidência de eliminação de mecónio in utero,
e irritabilidade, sendo o prognóstico reservado, desi- baixo peso de nascimento, etc.. Como efeitos a
gnadamente em termos de neurodesenvolvimento. médio e longo prazo no RN, lactente e criança
Alguns estudos chamaram a atenção para o citam-se: alteração do padrão do sono, atraso da
papel da associação deletéria álcool-nicotina/coti- maturação do sistema visual, défice de atenção, etc..
nina do fumo do tabaco. A nicotina/cotinina na
gestação está associada a aborto espontâneo, pre- 11. Outras substâncias
maturidade, restrição de crescimento intra-uterino Uma referência a outras substâncias como:
e baixo peso de nascimento. Um maço de cigarros – pentazocina, analgésico não narcótico que
fumado por dia conduz a decréscimo de ~300 gra- pode originar restrição de crescimento intra-uteri-
mas do peso de nascimento num RN de termo. Os no e síndroma de abstinência;
efeitos tóxicos podem ser explicados, quer pelo – substâncias inaladas (tolueno ou 1,1,1-triclo-
CO, quer pelo vasospasmo induzido pela nicotina. ro-etano, gás butano, óxido nitroso, etc.) que,
durante a gravidez poderão levar a restrição de
8. Diazepam crescimento intra-uterino, prematuridade e sín-
A exposição a este fármaco está associada a restri- droma malformativa semelhante à fetopatia alcoó-
ção de crescimento intra-uterino, defeitos cardía- lica, designadamente;
cos e hemangiomas. – ecstasy, com acções similares à anfetamina e
No RN duas ordens de problemas neonatais mescalina, tem efeitos estimulantes e psicadélicos
no pós-parto imediato poderão surgir: durando cerca de 3-6 horas; os estudos disponí-
1 – síndroma relacionada com efeito do pró- veis não têm referido incidência aumentada de
prio fármaco manifestada por hipotonia, letargia e aborto ou de anomalias congénitas.
dificuldade de sucção;
2 – síndroma de abstinência: tremores, irritabi- Manifestações clínicas de abstinên-
lidade, hipertonia, diarreia, sucção vigorosa, etc.. cia (SAN) e diagnóstico diferencial

9. LSD (ácido dietilamida lisérgico) As manifestações clínicas relacionadas com SAN,


Relativamente ao LSD importa referir a elevada assim como a data do seu aparecimento depen-
incidência de anomalias congénitas associadas, dem do tipo de substância consumida pela mãe.
CAPÍTULO 334 Recém-nascido de mãe toxicodependente 1775

Globalmente, tais manifestações traduzem QUADRO 2 – Escala de Finnegan


repercussões da privação ao nível dos sistemas
nervoso central e autónomo, e digestivo, as quais Sinais de SAN Pontuação (Registos de
podem ser assim sintetizadas: 4-4 horas)
1 – hiperexcitabilidade, tremores, hipertonia, • Choro gritado
hiperreflexia osteotendinosa, choro de tonalidade excessivo 2
aguda, reflexo de Moro vivo, abalos mioclónicos, • Choro gritado excessivo
convulsões, diminuição do período de sono, etc.. contínuo 3
2 – hipersudorese, instabilidade térmica, febre, • Sono pós- prandial
obstrução nasal, crises esternutatórias, taquipneia, – 1 hora 3
etc.. – 2 horas 2
3 – incoordenação sucção-deglutição, vómitos, – 3 horas 1
diarreia, perda de peso excessiva, desidratação, • Reflexo de Moro hiperactivo 2
recusa alimentar, etc.. • Reflexo de Moro marcado 3
Nesta perspectiva, pode concluir-se que, para • Tremor após estimulação,
se estabelecer o diagnóstico provisório de SAN é ligeiro 1
fundamental a elaboração de anamnese perinatal • Tremor após estimulação,
e exame objectivo rigorosos, no pressuposto de acentuado 2
elevado índice de suspeita clínica. • Hipertonia ligeira 3
Para o estudo evolutivo durante o internamen- • Hipertonia marcada 6
to hospitalar utiliza-se nalguns centros a chamada • Convulsões 8
Escala de Finnegan, a aplicar de 4-4 horas. • Sudação 1
Tal escala integra um conjunto de parâmetros • Temperatura rectal
clínicos aos quais se atribui determinada pontua- 37,8ºC- 38,3ºC 2
• Temperatura rectal
ção, sendo que se pode considerar a situação em
> 38,3ºC 2
vias de melhoria à medida que a pontuação final
• Bocejos > 3-4 vezes por
diminui.(Quadro 2)
cada 4 horas 1
Seguidamente são referidas algumas particula-
• Escoriações
ridades das manifestações em função da substân-
– nariz 1
cia em causa.
– joelhos 1
– dedos dos pés 1
Opiáceos, barbitúricos e benzodiazepinas
• Obstrução nasal 1
A SAN ocorre em cerca de 60-90% dos RN expos-
• Espirros 1
tos, na maioria dos casos cerca dos 2-3 dias de
• Adejo nasal 2
vida; no entanto o quadro clínico pode verificar-se
• FR> 60 1
desde o pós-parto imediato até 1-2 semanas. No
• Retracção costal 2
caso da metadona a SAN poderá surgir somente
• Sucção “frenética” 1
entre as 2 e 4 semanas de vida (SAN tardia). Sinais
• Recusa alimentar 1
como agitação, tremores, sono entrecortado e into-
• Regurgitação 1
lerância alimentar poderão prolongar-se durante • Vómitos em jacto 1
cerca de 3-6 meses. Nos dias e semanas seguintes • Fezes moles 2
poderão surgir alterações neurocomportamentais. • Fezes líquidas 3
De salientar que as convulsões surgem em Pontuação final
cerca de 8% de RN de mães submetidas a trata-
mento com metadona, e em cerca de 2% de RN de
mães abusando de heroína.
sinais (mais de intoxicação do que de SAN): irrita-
Cocaína bilidade, tremores, choro gritado, hiperreflexia,
No caso da cocaína cabe particularizar os seguintes problemas de recusa alimentar, obstrução nasal,
1776 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

taquipneia e alteração dos padrões do sono. A sensorial mínima (ambiente calmo, com pouca
criança pode evidenciar alterações neurocomporta- luz), posição em flexão, de preferência, com imo-
mentais que podem ultrapassar o período neonatal. bilização suave e almofadada, prevenção do choro
excessivo recorrendo a carícias suaves e à chupe-
Marijuana ta, etc..
Os RN dependentes da marijuana evidenciam Se houver antecedentes maternos de regime
geralmente alterações neurocomportamentais a com metadona deve providenciar-se aleitamento
curto ou médio prazo. materno; este está contra-indicado se houver ante-
O quadro clínico compatível com SAN, pela sua cedentes de seropositividade positiva para VIH,
inespecificidade, sobretudo quando oligossin- abuso materno de álcool, anfetaminas, heroína, etc..
tomático, obriga a estabelecer o diagnóstico dife- O regime alimentar deverá ser semelhante ao
rencial com determinadas situações tais como, indicado em condições normais, respeitando o
infecções, problemas metabólicos (hipoglicémia, apetite da criança; caso a progressão ponderal seja
hipocalcémia, hipomagnesiémia), hipertiroidis- insuficiente deverá incrementar-se o suprimento
mo, hemorragia do SNC, EHI e outras. energético com fórmula.
Quer durante a hospitalização, quer após a alta
Exames complementares para o domicílio, das medidas gerais fazem parte
ainda o apoio por equipa multidisciplinar
De acordo com a história clínica (salientando-se (incluindo apoio pela família e pelo serviço social)
que a anamnese realizada à mãe é muitas vezes e estímulo da interacção mãe-filho, reconhecendo-
não concludente), está indicada a realização de se à partida, as dificuldades no seguimento das
determinados exames complementares na tentati- crianças filhas de MTD.
va de esclarecimento da situação.
As amostras biológicas podem ser obtidas Medidas farmacológicas
(com consentimento esclarecido) a partir da mãe As indicações para tratamento farmacológico
ou do RN: urina, mecónio, líquido amniótico, ver- podem ser assim sistematizadas:
nix caseosa, cabelo, unhas, etc.. De salientar que a – irritabilidade progressiva, dificuldade alimen-
presença da droga, ou de metabólitos de certa tar e perda de peso significativa; ou …
droga, no mecónio ou cabelo, permite deduzir – pontuação >7 (critérios de Finnegan) em três
administração dos mesmos durante o 2º e 3º tri- avaliações consecutivas.
mestres, e exposição fetal prolongada. De salientar, no entanto, que cada caso deverá
Em geral são utilizadas, como rastreio, provas ser ponderado para decisão final.
enzimáticas ou radioimunoensaios (com baixa taxa Em Portugal os fármacos mais frequentemente
de resultados falsos – negativos) dirigidos especifi- utilizados são:
camente para determinadas drogas; tais provas *Fenobarbital
podem ser completadas com outras mais específi- Está indicado nos casos de SAN por narcóti-
cas e sensíveis (por exemplo cromatografia gasosa cos, sem eficácia sobre os sinais gastrintestinais:
ou espectrofotometria de massa) para confirmar – dose inicial de impregnação de 15-20 mg/kg
uma prova de rastreio positiva. Aspectos técnicos IM ou PO (para se atingir nível sérico de 15-
específicos relacionados com a realização de tais 40 mcg/mL) seguida de
análises ultrapassam os objectivos do livro. – dose de manutenção de 4 mg/kg/dia (em 1-
2 tomas); regredindo os sinais clínicos dentro
Tratamento de 1 semana, reduz-se a partir de então a
dose diária cerca de 10-20%/dia, interrom-
O tratamento inclui medidas gerais e farmacológicas. pendo a administração uma vez atingida a
dose < 2 mg/kg/dia.
Medidas gerais *Cloropromazina
Estas medidas – que deverão ser individualizadas É eficaz no tratamento das SAN por narcóticos
em função do contexto clínico – são: estimulação e não narcóticos.
CAPÍTULO 334 Recém-nascido de mãe toxicodependente 1777

A dose utilizada é 0,5- 0,7mg/kg cada 4 a 6 ambiente desorganizado em que vive a mãe ou
horas (inicialmente IM, depois PO). Dados os efei- família, e tanto mais quanto mais jovem for aque-
tos colaterais ( hipotermia e hipotensão, disciné- la (frequentes faltas às convocatórias, mudanças
sia, sinais extrapiramidais,etc.), é menos utilizada frequentes de residência, institucionalização das
actualmente. crianças por deficiente apoio familiar, etc.).
*Clonidina De acordo com os dados disponíveis da litera-
Também eficaz em SAN por narcóticos e não tura nacional e internacional (seguimento até aos
narcóticos, emprega-se na dose de 3-4mcg/kg/ 6 anos de idade) podem ser sintetizados os
dia, a dividir por 3-6 doses. seguintes resultados, os quais permitem delinear
*Diazepam maior probabilidade de aparecimento de determi-
É utilizado em geral nas SAN por narcóticos; nado tipo de problemas:
pode igualmente ser aplicado em SAN por benzo- – hipocrescimento;
diazepinas e cocaína. Como desvantagens, são – dificuldades nas áreas de percepção e cogni-
apontadas bradicárdia e depressão respiratória/ ção;
apneia; por outro lado, a preparação por via – défice de concentração, atenção e memória;
parentérica possui benzoato de sódio que compe- – alterações comportamentais;
te com bilirrubina nos locais de ligação com a – alterações neurológicas (sobretudo do tono
bilirrubina, o que aumenta o risco de neurotoxici- muscular e coordenação), etc..
dade desta. A dose habitual é 0,3-0,5 mg/kg IM ou – maior probabilidade de SMSL.
PO cada 6-8 horas. Estes achados são mais prevalentes se houver
*Metadona antecedentes de TD à heroína e à metadona.
Está indicada nas SAN por narcóticos. O problema da toxicodependência, com enor-
Dose inicial: 0,05-0,1 mg/kg cada 6 horas PO; a me carga social, é muito complexo e multifacto-
dose pode ser incrementada com doses adicionais rial; por isso, a sua prevenção deverá incidir sobre
de +0,05 mg/kg até regressão dos sinais clínicos; múltiplas frentes cuja abordagem, pela sua magni-
na fase de manutenção (após regressão dos sinto- tude, ultrapassa o âmbito deste capítulo.
mas) a dose parcelar é dada cada 12 ou 24 horas, Considerando como tópico central a díade mãe-
procedendo-se, depois, à redução gradual até se filho, cabe salientar o papel importante dum siste-
atingir 0,05 mg/kg/dia; interrompe-se a seguir, ma eficaz e sistemático de visitas domiciliárias a
considerando a vida média longa. cargo de equipa multidisciplinar (envolvendo
fundamentalmente médicos de família, equipas
Notas importantes: de enfermagem e técnicos de acção social, psi-
1 – A naloxona está contra-indicada em quiatras comunitários, etc.) para apoio das famí-
RNMTD por narcóticos; com efeito, pode precipi- lias em risco na perspectiva proactiva, quer da
tar SAN de modo agudo. prevenção primária da toxicodependência, quer
2 – O paregórico (0,4mg/mL de morfina) e a da desintoxicação em idade pré-concepcional.
tintura de ópio (10 mg/mL),muito citados na lite-
ratura anglo-saxónica, não são habitualmente uti- BIBLIOGRAFIA
lizados em Portugal. American Academy of Pediatrics. Neonatal drug withdrawal.
Pediatrics 1998; 101:1079-1088
Prognóstico e prevenção Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
Care. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2008
O dados que permitem estabelecer o prognóstico Coelho ML, Nascimento O, Nunes MT, Almeida JP, Ramos-
dependem da possibilidade de seguimento com- Almeida JM. Recém-nascidos filhos de mães toxicodepen-
pleto das crianças de MTD, seguimento que é difí- dentes. Acta Médica Portuguesa 1995; 8:11-13
cil se não existir um programa estruturado de Correia MA, Oliveira AP, Almeida JP, Sing CK, Dória-Nóbrega
apoio multidisciplinar domiciliário, incluindo, J. Mães toxicodependentes. Acta Médica Portuguesa 1995;
claro está, a vertente preventiva. 8:5-10
Tal dificuldade decorre designadamente do Covington CY, et al. Birth to age 7 growth of children prena-
1778 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

335
tally exposed to drugs: a prospective cohort study. J
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Hayes MJ, Brown MS. Epidemic of prescription opiate abuse
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Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson Definição e importância do problema
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011 A dor é definida como uma experiência sensorial
Logan BA, Brown MS, Hayes MJ. Neonatal abstinence syndro- e emocional desagradável associada a lesão teci-
me: treatment and pediatric outcomes. Clin Obstet Gynecol dual. Trata-se, pois, dum fenómeno subjectivo
2013; 56: 186-192 demonstrável no RN, já a partir das 24 semanas de
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and gestação; efectivamente, os elementos do SNC
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill necessários para a transmissão do estímulo dolo-
Livingstone, 2008 roso ao córtex cerebral estão presentes desde
Palminha JM, Lucas AMH, et al. Os filhos dos toxicodepen- aquela idade gestacional, conquanto a maturação
dentes (Monografia). Lisboa: Edição Bial, 1992 funcional e estrutural do sistema neurossensorial
Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. New York: Cambridge progrida durante a vida pós-natal.
University Press, 2008 De acordo com estudos epidemiológicos, em
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon média, cada RN hospitalizado em UCIN é sujeito
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill a cerca de 8-10 procedimentos dolorosos por dia
Medical, 2011 nas primeiras semanas de vida; no caso dos
RNMBP tal acontece cerca de 500 ou mais vezes
durante o respectivo internamento. Entre as múl-
tiplas “agressões” associadas aos cuidados
contam-se estímulos intensos auditivos, visuais,
tácteis/manuseamentos intempestivos, punções,
entubações, ventilação mecânica e aspiração de
secreções. A completa extensão dos membros infe-
riores em recém-nascidos de termo, requerida na
medição do comprimento, pode originar impor-
tante desconforto. Nos doentes do foro cirúrgico
assume importância a dor provocada por mano-
bras cruentas ao nível de vários territórios.
Nesta perspectiva, em todas as unidades neo-
natais existe a preocupação de reduzir ao mínimo
a dor, a qual se exprime de modo peculiar no RN.
Cabe referir, a propósito do combate à dor
(analgesia ou conjunto de medidas que suprimem
ou atenuam a dor), que por vezes é utilizado, em
associação, outro tipo de medida (sedação ou
conjunto de medidas de acalmia); o objectivo final
é, minorando o estresse, proporcionar o máximo
CAPÍTULO 335 Dor no recém-nascido 1779

de bem-estar à criança, o que tem repercussões das hormonas de estresse; efectivamente podem
funcionais positivas ao nível de diversos órgãos e ser obtidas reacções similares como resultado de
sistemas. estímulos desagradáveis (de desconforto), mas
não dolorosos.
Etiopatogénese Por outro lado, a avaliação da dor no RN pré-
termo e no RN em estado crítico levanta proble-
Face a estímulo doloroso o RN apresenta uma mas particulares, pois as manifestações encontra-
resposta global de estresse traduzida por altera- das poderão corresponder às manifestações da
ções de tipo cardiovascular, respiratório, imunoló- própria doença de base, sendo a dificuldade
gico, hormoral, metabólico e comportamental. maior nos casos de disfunção cerebral.
As alterações fisiopatológicas resultantes da A avaliação comportamental baseia-se na
percepção de dor (nocicepção) podem ser sistema- modificação de determinadas expressões compor-
tizadas do seguinte modo: taquicárdia, elevação tamentais desencadeadas pelo estímulo doloroso;
da pressão arterial sobretudo à custa da pressão as que têm sido mais estudadas são: a resposta
sistólica, taquipneia ou bradipneia/apneia, varia- motora à dor (alterações do tono e movimentos do
ção da pressão intracraniana, hipoxémia, hiper- corpo), mímica facial, choro e padrão de sono-
cápnia, libertação de mediadores como renina, vigília. Em comparação com os parâmetros
endorfinas, catecolaminas, e cortisol ou seus pre- fisiológicos, os parâmetros comportamentais são
cursores.Verifica-se igualmente catabolismo pro- mais específicos, embora menos objectivos,
teico, consumo de gorduras e hiperglicémia. dependendo da interpretação de cada observador.
Do ponto de vista de comportamento do RN, Na prática clínica são utilizadas as chamadas
após estímulo doloroso agudo verifica-se modifi- escalas (ou valorização de modo estruturado de
cação da mímica facial, resposta motora de retira- determinados parâmetros fisiológicos ou compor-
da da região afectada em relação à fonte dolorosa, tamentais), atribuindo-se pontuação aos referidos
choro e alteração do padrão de sono-vigília, entre parâmetros; assim, é possível chegar-se a pontu-
outras reacções. ção total ou somatório dos pontos atribuídos a
O estímulo doloroso prolongado pode ter cada parâmetro isoladamente.
consequências a médio prazo, tais como hemor- Tendo como base tal critério, a avaliação da
ragia intracraniana e leucomalácia periventricu- dor poderá ser feita de modo sistematizado pela
lar. A longo prazo, demonstrou-se que o referido equipa assistencial, designadamente nas seguintes
estímulo poderá ter repercussão sobre a estrutura circunstâncias:
do próprio sistema nervoso central, predispondo – Procedimentos cirúrgicos;
a criança, no futuro, a problemas de ordem cogni- – Manobras invasivas;
tiva e comportamental. – RN submetidos a ventilação mecânica:
– RN com lesões traumáticas incluindo trau-
Avaliação da dor matismos de nascimento;
– RN com enterocolite necrosante.
A avaliação e medição da dor na criança que não
possui linguagem falada coloca problemas com- Entre várias escalas, cabe salientar duas, de
plexos pela dificuldade na concepção de instru- aplicação relativamente fácil:
mento sensível e válido de fácil aplicação na prá- – NFCS (Neonatal Facial Coding Scale) ou escala
tica clínica. de avaliação da mímica facial – presença ou
As medidas fisiológicas de dor mais utilizadas ausência de 8 parâmetros observáveis na fronte e
(objectivas, mas pouco específicas) são: frequên- face (Quadro 1); e
cia cardíaca(elevação), frequência respiratória – NIPS (Neonatal Infant Pain Scale) ou escala de
(maior variabilidade, elevação ou apneia), avaliação da dor para recém-nascidos –
pressão arterial sistólica(elevação), sudorese pal- englobando presença ou ausência de parâ-
mar (aumento), pressão transcutânea ou saturação metros comportamentais e fisiológicos de
transcutânea de O2 (diminuição), e o doseamento dor (Quadro 2).
1780 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 1 – NFCS (Neonatal Facial Coding QUADRO 3 – CRIES (Escala de avaliação


Scale) da dor no pós-operatório)

Parâmetro Pontuação 0 Pontuação 1 Parâmetro Pontuação (0), (1), (2)


(ausência) (presença) Choro → Ausente (0), Forte (1), Inconsolável (2)
Fronte saliente Fi O2 para sat O2>90% → 21% (0), 21-30% (1), > 30% (2)
Pálpebras contraídas FC e PA → Não > FC e PA (0), Até >20% FC ou PA(1),
Sulco nasolabial mais acentuado >20% FC ou PA
Lábios entreabertos Mímica facial → Relaxada (0), Careta esporádica (1),
Boca esticada/protusão labial Contraída (2)
Lábios franzidos Sono / vigília → Normal (0), Intervalos curtos (1),
Língua tensa Ausente (2)
Tremor do mento PA = pressão arterial; FC = frequência cardíaca
Se a pontuação for superior a 3 Se pontuação ≥ 5 está indicada analgesia
está indicada analgesia.

dades de condutância da pele. Em Portugal este


Para a avaliação da dor pós-operatória de RN tópico foi investigado por Pereira da Silva e cola-
tem sido utilizada a chamada escala CRIES (sigla boradores na UCIN do Hospital Dona Estefânia.
de Crying, Requires O2 for saturation above 90%,
Increased vital signs, Expression, and Sleeplessness) Prevenção
(Quadro 3).
A escala CRIES integra cinco parâmetros; a A prevenção da dor no RN passa pela aplicação
cada um é atribuída a pontuação de 0 a 2, obten- dum conjunto de medidas que promovem o confor-
do-se a pontuação máxima de 10. A determinação to e reduzem o estresse, tais como a protecção da luz
faz-se cada 2 a 4 horas no período de 48 horas intensa (protecção das incubadoras com cobertor,
após intervenção cirúrgica. Se a pontuação for utilização de luz com focos de intensidade variável,
igual ou superior a 5, está indicada analgesia. etc.) e manutenção de ciclos de sono dia /noite pre-
Como limitações há a referir, por exemplo, a servando períodos livres para o contacto com os
dificuldade de avaliação do choro e da mímica pais. Nesta perspectiva, o balanceio e o uso de col-
facial em doentes submetidos a ventilação mecâ- chões de água poderão contribuir para regular o
nica. estado de alerta e diminuir o estresse.
Actualmente é possível a utilização de tecnolo- Outras medidas incluem manipulação míni-
gia (algesímetro) que permite, de modo objectivo, ma, boa gestão dos cuidados concentrando deter-
medir quantitativamente as alterações fisiopatoló- minados procedimentos para a mesma hora no
gicas resultantes do estímulo doloroso (resposta sentido de evitar estimulação excessivamente fre-
nociceptiva atrás referida) com base nas proprie- quente do RN(colheitas de sangue, aspiração tra-

QUADRO 2 – NIPS (Neonatal Infant Pain Scale)

Parâmetro Pontuação 0 Pontuação 1 Pontuação 2


Estado de alerta A dormir e ou calmo Desconfortável e ou calmo –
Membros superiores Relaxados Flectidos/estendidos –
Membros inferiores Relaxados Flectidos/estendidos –
Respiração Regular Irregular –
Choro Ausente Queixoso Vigoroso
Expressão facial Relaxada Contraída –
Se a pontuação for superior a 3 está indicada analgesia
CAPÍTULO 335 Dor no recém-nascido 1781

queal, posição confortável em flexão sempre que ser empregues fundamentalmente dois tipos de
possível (utilização dos chamados “ninhos ou len- fármacos: analgésicos não opióides e analgésicos
çóis /fraldas enrolados em torno do corpo, etc.). opióides. São referidos os mais frequentemente
utilizados em Portugal.
Tratamento – Analgésicos não opióides
*Paracetamol
Para o alívio ou inibição da dor (analgesia), podem No período neonatal, dentro deste grupo de
ser utilizadas medidas não farmacológicas e medi- fármacos, emprega-se quase invariavelmente o
das farmacológicas. paracetamol, o analgésico não opióde mais investi-
A dor também pode ser aliviada ou inibida atra- gado e mais seguro.
vés da diminuição ou extinção da sensibilidade As doses a utilizar são:
dolorosa em determinada região do organismo; é o a) no RN de termo → 10-15 mg/kg/dose cada
conceito de anestesia local, que se pode considerar 6 ou 8 horas;
uma forma de analgesia. Os anestésicos tópicos b) no RN pré-termo → 10 mg/kg/dose cada 8
actuam por bloqueio dos canais de sódio nas ter- ou 12 horas, de preferência, sempre que não haja
minações nervosas nociceptivas responsáveis pela contra-indicação, por via oral; poderá utilizar-se a
condução do estímulo doloroso à medula-espinhal. via parentérica IV, tendo em conta que a absorção
rectal é irregular (dose rectal: ~15-25 mg/kg cada
1. Medidas analgésicas não farmacológicas 8 ou 12 horas) e que há situações em que está
– Contacto pele com pele contraindicada a via entérica.
Esta medida, preconizada em RN aparentemente Alguns centros neonatais empregam a seguinte
saudáveis necessitando de procedimento que provo- posologia nos RN com idade pós-menstrual entre 32
ca dor (como por ex. punção capilar, punção venosa, e 44 semanas: dose de impregnação de 20 mg/kg,
injecção IM, etc.) pode ser concretizada pelo contacto seguida por doses de 10 mg/kg de 6-6 horas.
físico mãe-filho durante a realização daquele. O início de acção (fraca para processos muito
– Amamentação dolorosos) verifica-se ao cabo de 1 hora. De salien-
Colocando o lactente ao peito, verifica-se alívio tar que a toxicidade hepática é menos intensa no
da dor enquanto se realiza o procedimento. período neonatal.
Estudos interessantes demonstraram, com efeito, O paracetamol está contra-indicado nos casos
que a amamentação bloqueia impulsos aferentes de crianças com défice enzimático eritrocitário de
ao nível da medula-espinhal e, ao mesmo tempo, G-6PD (desidrogenase da glucose -6 fosfato).
estimula a libertação de endorfinas. – Analgésicos opióides
– Sucção não nutricional Nos RN submetidos a terapia intensiva são
Em função do contexto clínico poderá utilizar- empregues com maior frequência estes fármacos, os
se esta medida através de colocação de chupeta na quais constituem a mais importante arma de anal-
boca; demonstrou-se, com efeito, que durante os gesia. O fundamento da sua acção baseia-se no facto
movimentos rítmicos de sucção se atenua a dor, a de existirem receptores opióides dispersos no SNC;
qual retorna quando há interrupção da sucção. tais receptores, uma vez activados, inibem a trans-
– Solução de sacarose missão do estímulo doloroso aos centros superiores.
As soluções ligeiramente doces têm efeito *Morfina
analgésico demonstrado em diversos estudos; na A morfina pode ser empregue através das vias
prática utiliza-se solução de sacarose a 24% (24 de IV, SC ou IM. Em bolus a dose a aplicar é: 0,05-0,15
sacarose gramas /100 mL de água) na dose de 0,05 mg/kg/dose IV em 5 minutos; ou em alternativa,
a 1,5 mL colocada na porção anterior da língua a mesma dose por via IM ou SC. Pode ser repeti-
cerca de 2 minutos antes do procedimento a reali- da após 4 horas.
zar (punções, aplicação de linhas IV, etc.). Em perfusão contínua IV:
– RN de termo → 5-10 mcg/kg/hora (se dor
2. Medidas analgésicas farmacológicas (gerais) moderada) ou → 10-20 mcg/kg/hora (se dor
No âmbito das medidas farmacológicas podem intensa);
1782 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– RN pré-termo → 2-5 mcg/kg/hora (se dor ta emprega-se também a naloxona: dose de → 0,01
moderada) ou → 5-10 mcg/kg/hora (se dor mg/kg para reversão da depressão respiratória.
intensa). A naloxona está contra-indicada no RN de mãe
toxicodependente.
Como efeitos colaterais ( habituais em todos os *Meperidina
opióides) citam-se: depressão respiratória, íleo Não constitui um opióide de eleição no RN
paralítico, náuseas, vómitos, retenção vesical, tendo em conta os efeitos cardiovasculares como
hipersudorese, etc.. depressão da contractilidade do miocárdio,a liber-
Tendo em conta a libertação de histamina que tação de histamina, supressão do tono adrenérgi-
provoca, pode surgir broncospasmo, facto a ter co, hiperexcitabilidade, convulsões, etc..
em consideração nos doentes com DBP. *Tramadol
Pela supressão do tono adrenérgico que origi- Trata-se dum opióide sobre o qual ainda exis-
na, poderá surgir hipotensão arterial. Para comba- tem aspectos não esclarecidos quanto a farmacoci-
ter a depressão respiratória emprega-se o antago- nética, farmacodinâmica e segurança. Cabe ape-
nista naloxona. nas referir que, de acordo com estudos realizados,
Nos casos de tratamento com morfina poderá este fármaco evidenciou excelentes propriedades
verificar-se fenómeno de tolerância e, consequen- analgésicas com efeitos irrelevantes – em compa-
temente, ulterior síndroma de abstinência aguda ração com a morfina – no que se refere a obstipa-
(convulsões, hipertensão, alterações do foro diges- ção e depressão respiratória.
tivo, entre outras manifestações). Tal poderá evi- Em perfusão IV tem sido empregue na dose de
tar-se, em certa medida, procedendo à redução 0,10-0,25 mg/kg/hora, sem relato de efeitos
gradual da dose (diariamente, cerca de 25-50% da adversos importantes.
dose previamente instituída).
Caso se comprove tal síndroma, está indicado 3. Medidas analgésicas farmacológicas (locais)
o emprego de naloxona como antagonista efectivo Considerando os vários anestésicos locais dis-
da morfina (embora contra-indicada nos lactentes poníveis no mercado, a mistura eutética de prilo-
de mãe toxicodependente e nos submetidos a tra- caína (25%) e lidocaína (25%) sob penso adesivo,
tamento com morfina durante mais de 6 dias), com a marca registada EMLA® (sigla de eutectic
salientando-se que o período em que poderá ser mixture local anesthetics) produz analgesia em pele
empregue em segurança para reversão da síndro- intacta durante cerca de 60-90 minutos após a apli-
ma de abstinência é curto (apenas dentro do perío- cação; pode ser usada em RN de termo e pré-
do < 6 dias de tratamento prévio com morfina). termo com idade gestacional superior a 32 sema-
*Fentanil nas e idade pós-natal superior a 7 dias.
Em bolus a dose a aplicar é 1-3 mcg/kg/dose Como resultado da sua aplicação poderão sur-
IV, cada 2 a 4 horas. gir eritema, vesículas e petéquias. Estudos
Em perfusão contínua IV (de preferência): recentes demonstraram que a aplicação de EMLA®
– RN de termo → 0,5-1 mcg/kg/hora (se dor é um método seguro desde que a área de aplica-
moderada) ou → 1-2 mcg/kg/hora (se dor ção não ultrapasse 100 cm2 e sejam evitadas apli-
intensa); cações repetidas (risco de metemoglobinémia,
– RN pré-termo → 0,5 mcg/kg/hora (se dor mais marcado se se associar o paracetamol).
moderada) ou → 1 mcg/kg/hora (se dor Em circunstâncias especiais poderá utilizar-se
intensa). lidocaína a 0,5%, sem adrenalina, na dose de
Pode surgir, também com o fentanil, fenómeno 5mg/kg, por via SC.
de tolerância (obrigando eventualmente à necessida-
de de emprego de doses crescentes para obter efeito). 4. Sedativos
Como efeito colateral pode observar-se bra- Os sedativos são agentes farmacológicos (não anal-
dicárdia. Se o tratamento for superior a 3 dias, gésicos) utilizados como complemento dos anal-
deverá providenciar-se redução gradual da dose gésicos; aqueles diminuem a actividade, ansieda-
para evitar síndroma de abstinência. Como antagonis- de e agitação do doente, podendo levar à amnésia
CAPÍTULO 335 Dor no recém-nascido 1783

de eventos dolorosos ou não dolorosos. McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
Tais fármacos têm indicações muito restritas: Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
realização de procedimentos diagnósticos que Livingstone, 2008
implicam certo grau de imobilidade do doente Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP (eds). Principles and
(por ex.TAC, RMN, ECG, EEG, etc.) em situações Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott
acompanhadas de dor, tratadas com analgésicos. Williams & Wilkins, 2005
Por outras palavras, a utilização continuada de Pereira-da-Silva L, Virella D, Monteiro I, Gomes S, Rodrigues
sedativos deve ser desencorajada, pois comporta cer- P, Serelha M, Storm H. Skin conductance indices discrimi-
tos riscos como por ex.: prolongamento do período nate nociceptive responses to acute stimuli from different
de ventilação mecânica, HIPV e LPV, entre outros. heel prick procedures in infants. J Matern Fetal Neonatal
Além disso, cabe ao clínico, antes da sua pres- Med 2012;25:796-801
crição, excluir outras causas de agitação ou irrita- Pereira-da-Silva L, Monteiro I, Gomes S, Rodrigues P, Virella
bilidade, como hipoxémia, ou a própria dor. D, Serelha M, Storm H. Effectiveness of skin conductance in
Os sedativos mais frequentemente utilizados assessing the nocicaptive response from heel prick in neo-
com os objectivos descritos são: nates compared with the neonatal infant pain scale. J
*Midazolam Neonatal-Perinatal Medicine 2009;2:205 (abstract)
Em bolus a dose a aplicar é 0,05-0,15 mg/kg/ Pereira-da-Silva T, Justo da Silva L. Escalas de avaliação da dor
/dose IV, cada 2 a 4 horas. utilizadas no recém-nascido: revisão sistemática. Acta Med
Em perfusão contínua IV (de preferência): 10-60 Port 2010;23:437-54
mcg/kg/hora. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
Como nota importante há que realçar a neces- AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
sidade de reajustamento (diminuição) de dose se Medical, 2011
usada em associação com morfina ou fentanil. Stevens BJ, Gibbins S, Franck LS. Treatment of pain in the neonatal
*Hidrato de cloral intensive care unit. Pediatr Clin North Am 2000; 47:633-650
Utiliza-se, em geral, a dose de 25-75 mg/kg, Taddio A, Ohlsson A, Einarson TR, Stevens B, Koren G. A sys-
podendo ser repetida cada 6 ou 8 horas (vias oral tematic review of lidocaine-prilocaine cream(EMLA) in the
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1784 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

336
termo à vida em situação desesperada e irreversí-
vel, evitando o sofrimento.
Em Pediatria , incluindo a Pediatria neonatal, o
conceito de cuidados paliativos (prestados não
exclusivamente em condições de "fim de vida")
tem um significado mais lato, relacionando-se
CUIDADOS PALIATIVOS com a atenuação, ou prevenção de diversas for-
mas de estresse provocados pela doença física ou
AO RECÉM-NASCIDO psíquica, no sentido de melhoria da qualidade de
vida, quer nos doentes, quer na família. Nesta
João M. Videira Amaral perspectiva, torna-se fácil compreender que, por
exemplo, o tratamento sintomático per se (por ex.
tratamento da dor – neste caso no RN) e a atitude
global de humanização na prestação dos cuidados
Definição e importância do problema são formas de cuidados paliativos.

Como introdução ao tema, que corresponde a O papel da equipa que presta


uma filosofia ou atitude ultrapassando o período cuidados
neonatal, cabe definir o conceito de paliação: acto
de atenuar ou suprimir os sintomas sem efeito Constitui dever ético da equipa assistencial junto
directo na doença que os provoca. A partir de da família chamar a atenção de modo humaniza-
1960, sob os auspícios da OMS, o termo cuidados do para certos princípios e realidades que poderão
paliativos passou a ser usado como um novo para- contribuir para a compreensão da atitude atrás
digma de assistência em determinadas condições referida de tratamento sintomático. Tais princí-
de doença: assistência total e activa ao doente e pios e realidades podem ser assim sintetizados:
família por equipa multidisciplinar quando se – evolução vida – morte como processo natural
verifica uma de três situações: e inevitável
– doença incurável (não previsível resposta a – não adiamento nem aceleração da morte
qualquer terapêutica); – alívio da dor e doutros sintomas numa rela-
– doença avançada (prognóstico muito reserva- ção solidária
do e sobrevivência previsível inferior a 6 meses); – valorização da dignidade e da qualidade de
– doença progressiva (sintomatologia rapida- vida da pessoa
mente evolutiva com consequente sofrimento do – actuação da equipa de modo individualiza-
doente e família). do, gradual e adaptado à cultura, religião e cir-
Inicialmente, tal tipo de cuidados começou a cunstâncias psico-afectivas da díade doente -famí-
ser conotado estritamente com a assistência a lia.
doentes adultos em fim de vida, (quando a doen- Embora em instituições de saúde prestando
ça já não responde às terapêuticas habituais), assistência a adultos existam unidades de cuida-
incluindo apoio à família para lidar com a doença dos paliativos com equipa própria, separadas
na tentativa de melhorar a qualidade de vida do doutras enfermarias e unidades, na idade pediá-
doente (Capítulo 3). trica tal assistência é propiciada em geral em
Trata-se, pois, duma perspectiva de cuidados enfermarias convencionais, embora em área reser-
específicos (não significando abandono do doen- vada e com o recato e isolamento que a situação
te), divergindo de duas outras atitudes em idênti- impõe. Tais situações surgem com maior frequên-
co contexto: cia em unidades de cuidados intensivos neonatais
– a distanásia ou obstinação terapêutica, envol- e pediátricos e em serviços de oncologia pediátri-
vendo meios extraordinários e desproporcionados ca.
ao benefício esperado; e Qualquer que seja o cenário para a prestação
– a eutanásia ou procedimento que tende a pôr de cuidados, reitera-se que os objectivos terapêu-
CAPÍTULO 337 Transporte do recém-nascido 1785

337
ticos devem ser encarados com clareza e realismo
pelos membros da equipa e devem atender aos
desejos, afectos, cultura e valores manifestados
pelos pais/família.

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Lourenço-Marques A. Dor oncológica e unidades de dor. contribuiu decisivamente para francos progressos
Fundão: edição da Unidade de Tratamento da Dor do que se traduziram em melhoria das taxas de mor-
Hospital do Fundão, 1999 talidade infantil e perinatal.
Mendes J, Silva LJ,. Santos MJ. Cuidados paliativos neonatais Cabe referir, a propósito, que do plano de cui-
e pediátricos para Portugal-um desafio para o século XXI. dados à grávida faz parte a avaliação do risco pré-
Acta Pediatr Port 2012; 43:218-222 natal e a transferência atempada da grávida para
Moody K, Siegel L, Scharbach K, et al. Pediatric palliative care. centro especializado proporcionando nível de cui-
Prim Care Clin Office Pract 2011; 38: 327 - 361 dados mais adequados a eventual situação anó-
Provost V, Mortier F, Bilsen J et al. Medical end-of-life decisions mala detectada; é o conceito de “transporte in
in neonates and infants in Flandres. Lancet 2005; 365: 1315- útero” significando que “a melhor incubadora de
1320 transporte é o útero materno”.
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon Acontece que em cerca de 10 a 20% de RN sem
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill antecedentes de risco pré-natal poderão surgir
Medical, 2011 problemas clínicos graves com indicação de trans-
Tan GH, Totaplly BR, Torbati D, Wolfsddorf J. End-of-life deci- ferência para instituições com recursos assisten-
sions and palliative care in a children’s hospital. J Palliat ciais mais diferenciados, incluindo terapia intensi-
Med 2006; 9: 332-342 va. Daí a importância dum sistema de transporte
Woodroffe I. Supporting bereaved families through neonatal para recém-nascidos com requisitos de qualidade,
death and beyond. Semin Fetal Neonatal Medicine e condições para a prestação de cuidados especiais
2013;18:99-104 e intensivos com acompanhamento de neonatolo-
gista/intensivista e enfermeira especializada. Em
Portugal, o modelo em funcionamento há mais de
duas décadas tem recebido reconhecimento inter-
nacional face aos resultados obtidos.

Princípios gerais

No âmbito do sistema de transporte do RN – que


1786 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

pressupõe organização, estruturas próprias e – oxigenação adequada, evitando, quer a


esquema coordenado – há que atender a um hiperóxia, quer a hipóxia (importância do
conjunto de princípios gerais tendo em vista a oxímetro de pulso);
eficácia, eficiência e efectividade dos cuidados a – suprimento energético e hidroelectrolítico
prestar ao RN enquanto em trânsito: adequados (fluidos, electrólitos e glicose por
1 – Preferência do transporte in utero. (já men- via endovenosa);
cionado). – assépsia rigorosa tentando evitar a coloniza-
2 – Comunicação prévia (telefónica ou videote- ção microbiana e a infecção.
lefónica, correio electrónico, etc.) em rede privativa
entre a equipa da instituição que decide sobre a trans- Indicações
ferência, e a equipa receptora que deve ponderar ris-
cos, benefícios, distâncias e recursos humanos e As principais indicações de transferência de RN
materiais; a decisão de transferência, comunicada e para unidades com nível mais diferenciado de cui-
explicada aos pais, implica autorização dos mesmos. dados são:
3 – Humanização que implica, entre outras ati- 1 – RN de peso <1.500 gramas e/ou idade ges-
tudes, promoção do contacto prévio mãe-filho tacional < 32 semanas;
RN, sendo que, em condições ideais, a mãe deve 2 – RN com dificuldade respiratória e/ou
acompanhar o filho. crises de apneia estando indicada ventilação
4 – Estabilização clínica da situação, antece- mecânica;
dendo o transporte. 3 – RN com defeitos congénitos graves estando
5 – Garantia da manutenção dos cuidados em indicada intervenção cirúrgica e terapia intensiva;
trânsito, o que pressupõe ambulância adaptada 4 – RN em estado crítico com patologia diver-
com equipamento portátil e autónomo permitindo sa (metabólica, infecciosa, neurológica, hematoló-
cuidados intensivos, e equipa competente englo- gica, etc.).
bando médico + enfermeira.
Por sua vez, a manutenção dos cuidados em Organização
trânsito implica um conjunto de requisitos:
– manuseamento cuidadoso (com especial Em Portugal continental é utilizada, na grande
relevância nos casos de imaturidade) evitan- maioria das vezes ambulância por via terrestre (do
do lesões traumáticas; INEM – Instituto Nacional de Emergência
– temperatura adequada, evitando, quer a hipo- Médica), especialmente adaptada para recém-nas-
termia (RN em incubadora de transporte ou cidos, a partir de três centros de coordenação
berço aquecido), quer a hipertermia; (Figura 1) dependentes de hospitais centrais, respectivamen-
te: Lisboa (apoio à zona sul), Coimbra (apoio à
zona centro), e Porto (apoio à zona norte). Nas
regiões autónomas (Açores e Madeira) e em situa-
ções especiais, no continente, é utilizada a via
aérea (helicóptero ou avião), sempre que possível
adaptados para recém-nascidos.
As equipas de médico-neonatologista/intensi-
vista e enfermeira especializada são recrutadas de
hospitais e maternidades das respectivas zonas
segundo escala pré-determinada, garantindo apoio
permanente 24 horas/dia no respectivo centro de
coordenação, sendo que a decisão sobre a institui-
ção receptora depende das vagas existentes nas uni-
FIG. 1
dades da região;o esclarecimento sobre as referidas
RN com capuz e envolvido em saco à base de estanho vagas pode ser obtido permanentemente através de
(material isolador) para evitar o arrefecimento. linha telefónica privativa funcionando em rede
CAPÍTULO 337 Transporte do recém-nascido 1787

entre todas as instituições e a equipa da ambulância – Material para artério- e venoclise (cânulas,
que procede à evacuação. A gestão e manutenção de conjunto de agulhas tipo “borboleta”, agulha para
todo o material da ambulância, incluindo consumí- injecção intra-óssea, agulhas 18,19,20,seringas
veis, assim como a organização de escalas rotativas (tipo insulina de 1 mL, de 5 e 10 mL), material
de médicos e enfermeiros está a cargo do centro de para cateterismo umbilical (opcional);
coordenação do hospital/maternidade. – Sistemas de torneira de três vias;
Trata-se, pois, dum modelo organizativo de – Bomba de perfusão com seringa;
parceria entre o INEM (cedendo ambulância equi- – Material de pequena cirurgia;
pada e motorista) e hospitais centrais do Serviço – Fitas reactivas para micrométodos (determi-
Nacional de Saúde (cedendo serviço organizativo nações no sangue capilar e urina, por ex. glicémia
e recursos humanos). Noutros países existem e glicosúria).
outros modelos (por ex. organização de toda a
logística a partir duma única instituição dando Fármacos
apoio à respectiva zona de influência). Soro fisiológico, glucose em água a 5% e 10%,
bicarbonato de sódio molar(1 mL<>1 mEq), clore-
Equipamento to de potássio, cloreto de sódio a 10% e 20%, glu-
conato de cálcio a 10%, adrenalina a 1/1.000, dia-
Não cabendo no âmbito do livro especificações zepam, vitamina K1 (ampolas de 0,5 e 1 mg), feno-
técnicas sobre ambulâncias para o transporte de barbital, difenil-hidantoína, furosemido, dopami-
RN, é feita apenas uma resenha do material bási- na, dobutamina, prostaglandina E1, gentamicina,
co e dos medicamentos indispensáveis. ampicilina, lidocaína, etc..

Material Miscelânea
– Estetoscópio e termómetro convencional Bata, avental de plástico, óculos de protecção,
– Incubadora de transporte com sistema de luvas esterilizadas, sacos colectores de urina, etc..
aquecimento por convecção, com fonte de luz e
bateria recarregável; idealmente sistema de regu- Procedimentos
lação de temperatura servocontrolado;
– Monitores electrónicos (de temperatura, cár- 1. Antes do transporte
dio-respiratório, de pressão arterial, oxímetro de *Aspectos gerais
ambiente/FiO2, oxímetro de pulso, etc.); Ao ser solicitado o transporte, a equipa do hospi-
– Sistema de aspiração de secreções com son- tal de origem deverá transmitir previamente à
das de aspiração estéreis, de calibres CH 5,6,8,10; equipa de transporte todos os dados da história
– Fonte de oxigénio e ar comprimido (cilindros clínica (eventualmente por via electrónica), sem
com capacidade para 1.000 litros); prejuízo da informação clínica convencional que
– Balão tipo Ambu para ventilação manual deverá acompanhar sempre o doente.
com IPPB ou balão auto-insuflável; Os bons resultados do transporte inter-hospi-
– Sistema para CPAP nasal; talar dependem fundamentalmente das medidas a
– “Máscaras” para ventilação, aplicáveis a RN tomar antes do início da viagem com o objectivo
de termo e pré-termo; de garantir a estabilização clínica do doente (cor-
– Material para entubação traqueal (tubos tra- recção prioritária de determinadas situações) a
queais de diversos diâmetros: → 2,5 (RN<1.000 cargo da equipa médica do hospital de origem
gramas); → 3(RN com 1.000-1999 gramas): → (implicando formação básica em cuidados espe-
3,5(RN com 2.000-2999 gramas); → 3,5 a 4 (RN > ciais e em ventilação mecânica de curta duração),
3.000 gramas), laringoscópio de lâmina recta para até à chegada da ambulância com a equipa de
RN com pilhas carregadas e sobresselentes; transporte.
– Material para drenagem torácica; As medidas essenciais de estabilização prévia
– Ventilador geminado com a incubadora (não dizem respeito a:
imprescindível) ciclado por tempo ou por pressão; – Acesso vascular para suprimento de fluidos,
1788 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

electrólitos, glucose e fármacos (garantia de nor- 1. Onfalocele e gastrosquise


movolémia, normoglicémia, normopressão arte- – Colocação de sonda orogástrica em drena-
rial, equilíbrio hidroelectrolítico, etc.; gem livre;
– Correcção da acidose; – Não alimentação per os;
– Sedação e analgesia em função do contexto – Prescrição de antibioticoterapia nos casos de
clínico; gastrosquise e de onfalocelo roto;
– Manutenção da normotermia corporal – Fluidoterapia IV com suprimento duplo ou
(~36,5ºC) monitorizando a temperatura cutânea triplo correspondente às necessidades de manu-
com sensor electrónico ao nível do hipocôndrio tenção;
direito (RN sob fonte de calor, envolvimento do – Protecção das vísceras expostas (gastrosquise
RN em saco de PVC exceptuando a face, etc.); para ou onfalocelo roto) (consultar Capítulos 312 e
atingir tal temperatura cutânea (~36,5ºC), deverá 313);
providenciar-se ambiente de termoneutralidade 2. Atrésia do esófago e obstrução intestinal (atrésia
na incubadora (garantindo temperatura interna duodenal, atrésia jejuno-ileal, anomalia anorrec-
do organismo com menor consumo de oxigénio) tal, íleo meconial, doença de Hirschprung, entero-
(consultar Capítulos 329 e 331). colite necrosante)
Se o RN estiver vestido e/ou no interior de – Colocação de sonda orogástrica em drena-
concentrador de calor (“túnel” de perspex), por gem livre(aspiração contínua com pressão negati-
sua vez dentro da incubadora, a temperatura do va ~10-20 cm H2O nos casos de atrésia do esófa-
ambiente desta pode ser inferior à referida atrás: go).
peso ~ 1.000 gramas → ~32ºC; peso ~2000 gramas – Não alimentação per os;
→ 28ºC; peso~3.000 gramas → 27ºC. – Fluidoterapia IV em todas as situações. Como
– Administração de prostaglandinas (medica- particularidade, nos casos de enterocolite necro-
mento armazenado a 4ºC) a iniciar se houver sus- sante, suprimento duplo ou triplo das necessi-
peita de cardiopatia cianótica, pressupondo indi- dades de manutenção, e suporte inotrópico para
cações dadas pela equipa de cardiologia pediátri- incrementar a perfusão mesentérica.
ca após contacto prévio, ou experiência do pedia- 3. Anomalias congénitas das vias aéreas inferiores
tra neonatologista. (hérnia diafragmática de Bochdalek, enfisema lobar
A dose de prostaglandina E1 (Prostin®)é: congénito, sequestro pulmonar, anomalia adeno-
– dose inicial → 0,05-0,1 mcg/kg/minuto IV; matóide quística)
– dose de manutenção → 0,01-0,05 mcg/kg/ – Colocação de sonda orogástrica em drena-
minuto IV. gem livre;
Devido ao risco de apneia, está indicada nestes – Entubação traqueal para início de ventilação
casos a entubação traqueal para início de ventila- mecânica;
ção mecânica, monitorizando a saturação transcu- – Sedação e analgesia;
tânea em O2. – Detecção de possível quadro de hipertensão
– Ventilação artificial de apoio (manual ou com pulmonar (aplicação de dois oxímetros de pulso
ventilador de fluxo contínuo),utilizando-se em para avaliação da saturação da Hb em O2, respec-
geral os seguintes parâmetros: tivamente num dos membros inferiores e no
• PIP: 20 cm H2O membro superior direito, respectivamente pós e
• PEEP: 3 cm H2O pré-ductal.
• Relação I/E : 1/1 4. Obstrução das vias aéreas superiores (atrésia
• FiO2: 50-60% dos coanos, sequência de Pierre Robin, etc.)
• Tempo inspiratório: 0,4 segundos – Na atrésia dos coanos: colocação de tubo de
– Administração de surfactante se comprovada Guedel (tamanho 0 ou 00)por via oral ,fixando-o;
SDR por imaturidade pulmonar (Capítulos 329 e – Na sequência de Pierre Robin, colocação
346) doRN em decúbito ventral e, eventualmente,
entubação traqueal.
*Situações do foro cirúrgico 5. Teratoma sacrococcígeo
CAPÍTULO 337 Transporte do recém-nascido 1789

– Manipulação cuidadosa evitando a com- viagem (por ex. paragem cardiorrespiratória, obs-
pressão da região sacrococcígea; trução das vias aéreas, extubação traqueal, pneu-
– Colocação de sonda orogástrica em drena- motórax,etc.) a ambulância deve efectuar paragem
gem livre; para facilitar a actuação emergente.
– Antibioticoterapia de largo espectro abran- No caso de suspeita de pneumotórax deve proce-
gendo nomeadamente anaeróbios e Gram-negati- der-se, em condições de assepsia e após desinfecção
vos; da pele com álcool e iodopovidona a punção dia-
– Decúbito ventral ou lateral envolvendo o gnóstica de emergência com seringa de 20 mL e
tumor em compressas esterilizadas e secas. agulha 21G, intercalando torneira de 3 vias; a pun-
6. Defeitos do tubo neural ção deve fazer-se ao nível do IIº espaço intercostal na
– Protecção da região afectada colocando o RN linha médio-clavicular do lado afectado, aspirando a
em decúbito ventral e imobilizando-o pela região seguir (contendo a seringa soro fisiológico quando
axilar e coxas; se efectua a operação pela primeira vez após pun-
– Não manipulação da área medular even- ção; havendo ar ectópico na pleura, observa-se “o
tualmente exposta, humidificando-a e aplicando borbulhar”). O ar aspirado é esvaziado em opera-
gotas de soro fisiológico frequentemente; ções sucessivas rodando de cada vez a torneira para
– Não utilização de luvas com látex. as posições de aspirar e esvaziar.
Este procedimento de emergência implica ulte-
Notas: riormente na UCIN a eventual aplicação de dre-
– Salienta-se a necessidade de garantir manu- nagem permanente subaquática com dreno pró-
seamento do RN em condições de assépsia. prio (II-IIIº espaço intercostal-linha axilar anterior
– Outros procedimentos inerentes a situações ou Vº-VIº na linha axilar posterior) ligado a tubo
específicas são abordados nos capítulos respecti- de vidro passando através de tampa de frasco com
vos. líquido/soro fisiológico ou água estéreis, colocado
– O RN deverá ser acompanhado de amostra em plano inferior ao doente; o comprimento do
de cerca de 10 mL de sangue materno sem anti- tubo em cm mergulhado abaixo do “nível de água” dá
coagulante. o valor da pressão negativa criada, em cm de H2O.
– Reitera-se a necessidade de informação clíni- No caso de paragem cardiorrespiratória, há
ca (escrita ou enviada por via electrónica). que proceder a manobras de reanimação neonatal
(como no bloco de partos) implicando eventual
2. Durante o transporte reentubação e ventilação manual com balão Ambu
O RN somente deverá ser colocado na incubadora ou balão auto-insuflável, massagem cardíaca e
de transporte (previamente aquecida e ligada à administração de fármacos. (Capítulo 329)
corrente eléctrica do hospital) uma vez verificada
a estabilização clínica. 3. Admissão na UCIN
Antes de iniciar viagem, a incubadora passará Trata-se do momento de “passagem de testemu-
a estar ligada à bateria, e o RN à fonte de gases da nho” da equipa de transporte à equipa do hospital
ambulância. receptor, havendo em tal circunstância oportuni-
Durante o transporte, com a equipa à cabeceira do dade para transmitir todos os eventos ocorridos e,
doente, deverá proceder-se a: eventualmente, para comentar aspectos relatados
– Verificação da permeabilidade das vias no relatório informativo de transferência que
aéreas, da permeabilidade da venoclise, da acompanha o doente.
expansão da caixa torácica, do funcionamento da
bomba de perfusão; BIBLIOGRAFIA
– Detecção de possível cianose; American Academy of Pediatrics.Task force on interhospital
– Monitorização da temperatura, das frequên- transport. Guidelines for air and ground transport of neo-
cias respiratória, cardíaca, da saturação da Hb-O2, natal and pediatric patients. Chicago:American Academy
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Wyllie J. Recent changes to UK newborn resuscitation guide-
lines. Arch Dis Child fetal Neonatal Ed 2012; 97: F4 – F7 Para uma correcta actuação nos casos em que se
verifica alteração do equilíbrio hidroelectrolítico
no RN torna-se fundamental compreender a
homeostase da água corporal e dos electrólitos,
com especial ênfase para o sódio e potássio.
Este problema assume particular acuidade em
situações de patologia grave do RN, especialmente
no RN pré-termo de muito baixo peso e, na fase de
adaptação fetal à vida extra-uterina.
Neste capítulo são descritas algumas particu-
laridades do balanço hidroelectrolítico no RN, em
complemento da abordagem global feita no
Capítulo 48.

Água corporal, sódio e potássio

Por volta das 15 semanas de gestação a água corpo-


ral total corresponde a cerca de 95% do peso do
feto. À medida que a gestação progride, a água cor-
poral diminui, sendo que, pelas 24 semanas repre-
senta cerca de 86% do peso e, no termo ~ 75-80%.
Durante o crescimento fetal ocorrem igualmen-
te modificações quanto à relação de água no espa-
ço extracelular e no espaço intracelular: entre as 24
e 37 semanas o espaço extracelular diminui pas-
CAPÍTULO 338 Balanço hidroelectrolítico no recém-nascido 1791

sando, respectivamente, de 59% do peso corporal Por outro lado, no RN em geral, e no RN PT


para 44% do referido peso; pelo contrário, o espa- em especial, a capacidade de concentração uriná-
ço intracelular no mesmo período aumenta de 27% ria é limitada em relação ao lactente e criança mais
para 34% do peso corporal. Pode depreender-se velha, o que compromete a resposta à contracção
que no RN pré-termo a magnitude do espaço do espaço extracelular.
extracelular em termos de percentagem do peso
corporal é superior à do RN de termo (Figura 1). Coração e vasos
Os mecanismos homeostáticos que dizem O débito cardíaco é directamente proporcional ao
respeito a estes movimentos da água e o espaço enchimento ventricular e, consequentemente, à
extracelular são regulados pela intervenção dum perfusão renal (lei de Starling); ora, no RN de
conjunto de processos integrando hormonas e termo em geral, e no RN PT em especial, tal respos-
outros componentes de características hormonais, ta é mais limitada tendo em conta a menor massa
os quais têm particularidades e limitações no RN de tecido miocárdico contráctil, o que compromete
e, sobretudo, no RN pré-termo (RN PT). a resposta à expansão do espaço extracelular.

Rim Sistema renina-angiotensina-aldosterona


Em circunstâncias de normalidade o sistema renal Retomando o que foi dito a propósito da lei de
maturo reage ao aumento do volume no espaço Starling , cabe acrescentar que a menor perfusão
extracelular com incremento da filtração glomeru- renal - do que resulta menor taxa de filtração glo-
lar e diminuição da reabsorção tubular de sódio e merular – conduz a menor oferta de sódio ao
água filtrados no glomérulo; ora, esta resposta no túbulo distal. As células justaglomerulares
RN PT é limitada tendo em conta o número redu- respondem a este fenómeno aumentando a pro-
zido de nefrónios. dução de renina com as seguintes consequências:
Com efeito, o número de nefrónios vai aumen- 1 – aumento da produção da angiotensina II; 2 –
tando com a gestação, sendo que, com a matura- aumento da pressão arterial sistémica; 3 – aumen-
ção dos mesmos, a taxa de filtração glomerular to da filtração glomerular; 4 – maior secreção de
continua a aumentar nos 2 anos subsequentes. aldosterona que promove incremento da reabsor-
ção de sódio e água no túbulo distal.
Peso do corpo (%) No que respeita a este mecanismo, que está
100 desenvolvido já no RN PT, a limitação principal
Água
total
prende-se com as situações de patologia grave
80 (insuficiência respiratória, assistência ventilató-
ria,etc.).
60
Péptido natriurético auricular (PNA)
LIC
40 Este péptido é segregado na parede auricular
cardíaca, a qual possui determinados receptores
20 sensíveis ao aumento do volume sanguíneo;
LEC
como resultado da distensão da referida parede
e aumento do volume auricular o péptido pro-
0
2 4 6 8 6 12 Meses duzido aumenta a taxa de filtração glomerular,
Nascimento diminui a produção de renina, diminui a secre-
LIC = líquido intracelular
ção de aldosterona e reduz a pressão arterial
LEC = líquido extracelular através de bloqueio do efeito vasoconstritor da
angiotensina.
Este mecanismo está comprometido em RN PT,
FIG. 1
sobretudo com idade gestacional inferior a 28 sema-
Modificação gradual dos espaços líquidos do organismo no nas, e em maior grau se existir insuficiência respi-
decurso da vida fetal e primeiro ano de vida. ratória (ver Glossário geral-péptidos natriuréticos).
1792 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Hormona antidiurética (HAD-sistema verifica-se menor capacidade de excreção devido


arginina-vasopressina) à baixa taxa de filtração glomerular (TFG) e de
A secreção da HAD, cuja acção é aumentar a reab- secreção tubular. No RN PT (sobretudo de idade
sorção de água no túbulo distal renal e especial- gestacional inferior a 32 semanas) a limitação
mente no tubo colector, inicia-se por volta das 14 quanto à secreção tubular renal é ainda mais acen-
semanas de gestação. A sua concentração aumen- tuada.
ta com a idade gestacional atingindo os níveis
iguais aos do RN de termo por volta das 24 sema- Equilíbrio hidroelectrolítico
nas. na transição para a vida
A limitação quanto a este mecanismo da extra-uterina; implicações clínicas
homeostase prende-se também com a fraca
resposta tubular renal à hormona. Tendo em conta a indicação frequente da fluidote-
rapia IV no RN com patologia – quer seja ou não
Catecolaminas pré-termo – e a imaturidade funcional renal,
A nor-adrenalina limita a filtração glomerular e torna-se fundamental descrever as fases de adap-
estimula a bomba de sódio-potássio ao nível do tação fetal à vida extra-uterina no que respeita à
túbulo renal, reduzindo a excreção de sódio; de homeostase da água e electrólitos para com-
referir que as catecolaminas aumentam após o preensão das estratégias a adoptar.
parto. Este mecanismo também está limitado no Após o nascimento são descritas três fases:
RN PT. 1 – Pré-diurética
O sódio (Na) é o electrólito com maior concen- Nesta fase pós-parto –primeiras horas de vida
tração no líquido extracelular e plasma, de cuja – verifica-se expansão do espaço extracelular com
composição electrolítica fazem parte outros catiões hipervolémia explicável pelos seguintes factores:
(potássio, cálcio e magnésio) e aniões (cloreto, – reabsorção do líquido pulmonar fetal (LPF);
bicarbonato e proteínas). A composição electrolíti- – fluidoterapia administrada à parturiente com
ca sérica do RN também é determinada pela idade hiponatrémia de diluição;
gestacional; com efeito, no RN pré-termo existe – passagem de água do espaço intracelular
maior proporção de sódio e cloro por kg de peso para o extracelular;
devido à maior proporção do líquido extracelular. – baixa TFG do RN com défice de excreção de
No RN de termo verifica-se um balanço de Na água e Na; contudo, o resultado final também
positivo e menor capacidade de excreção renal a contribui para a hiponatrémia de diluição que se
partir das 48 horas de vida. pode manter durante a primeira semana;
Nos RN pré-termo (PT), sobretudo nos de peso – menor excreção de K com tendência para
< 1.500 gramas (MBP) verifica-se uma fracção hiperpotassémia não oligúrica (isto é, não acom-
excretada de sódio (Na) urinário aumentada panhada de disfunção renal).
(FeNa) da ordem de 4-5%, a qual se mantém até
cerca da 4ª-6ª semana, data em que é atingido o Nesta fase existe risco de sobrecarga hídrica
valor que se verifica no RN de termo. em situações associadas a fluidoterapia; contudo,
O potássio (K) é o catião mais abundante no se as perdas de água através da pele do sistema
líquido intracelular; estima-se que o conteúdo de respiratório forem importantes e não compensa-
potássio corporal total na data de nascimento seja das por fluidoterapia, poderá surgir elevação do
da ordem de 40 mEq/L. De salientar que os Na no espaço vascular (hipernatrémia).
valores de K plasmático são superiores aos verifi- Nota: Esta fase transitória pode ser mais pro-
cados na criança maior, o que é explicado pela longada (dias) em situações de difícil adaptação à
menor actividade da ATPase-Na+/K+ (bomba de vida extra-uterina (por ex. asfixia perinatal).
sódio – potássio) que determina taxa mais elevada 2 – Diurética
de transferência do líquido intracelular para o Segue-se uma fase caracterizada por:
extracelular). – diurese abundante surgida de modo abrupto,
Em condições fisiológicas no RN de termo originando perda de água e retoma da proporção
CAPÍTULO 338 Balanço hidroelectrolítico no recém-nascido 1793

do espaço extracelular que se verifica cerca das 37 3 – contabilizar a chamada água endógena (pro-
semanas (44% do peso) (ver atrás); duzida no próprio organismo como resultado da
– perda de Na paralelamente a ulterior dimi- oxidação de proteínas, hidratos de carbono e gor-
nuição do compartimento extracelular a que se duras), considerando esta parcela ~ 5-10
associa perda de Na pela urina; o resultado final mL/kg/dia como suprimento ou entrada (Capí-
poderá levar a hiponatrémia de depleção; tulo 48).
– concomitantemente surge aumento progres-
sivo da excreção de K que contribui para diminuir Perdas insensíveis (PI)
progressivamente a hiperpotassémia não oligúri- Na prática clínica é fundamental ter em conta os
ca da fase pré-diurética. factores que interferem nas PI:
Nota: se a perda de água (relativamente super- – Factores de incremento de PI
ior à perda de sódio) for elevada, torna-se mais *Fototerapia → + 30-50%
provável o aparecimento de hipernatrémia associa- *Hipertermia → + 30-50%
da a défice de água (desidratação hipernatrémica). *Taquipneia → + 20-30%
3 – Pós-diurética *Convecção forçada → +30-50%
Esta fase é caracterizada por diurese variável *Berço aquecido com aquecimento radiante
com aumento da secreção tubular de K, estabili- superior → + 50-100% (não incubadora)
dade dos respectivos níveis séricos, e excreção *Prematuridade extrema (peso < 1.000 gramas)
renal de Na estável; se esta perda renal de Na não → +100-300%
for compensada, poderá surgir hiponatrémia. *Lesão da pele ou defeitos de encerramento
(por ex. onfalocele, gastrosquise) → variável.
Perdas e necessidades em fluidos
(manutenção) – Factores de decréscimo de PI
*Assistência ventilatória/mistura gasosa
Na perspectiva da administração de água e elec- humidificada (tubo endotraqueal) → - 20-30%
trólitos fluidoterapia) e da garantia de manuten- *Humidificação do ambiente da incubadora →
ção das condições fisiológicas (homeostase), - 50-100%
torna-se fundamental conhecer as respectivas *Cobertura de plástico ou de “estanho” (incu-
necessidades e perdas (habituais ou fisiológicas, e badora ou berço aquecido) → - 30-50%
anormais). É igualmente importante reter as *Dupla parede da incubadora → -30-50%.
seguintes noções:
1 – o movimento e renovação (turnover) de Como regras gerais, pode fixar-se que:
água no organismo (entradas/suprimento e saí- – as PI oscilam entre 20 e 80 mL/kg/dia;
das/perdas) são, relativamente ao peso, tanto – os cálculos das PI devem ser feitos caso a
maiores e mais rápidos quanto menor a idade e caso tendo em conta, nomeadamente, o peso e
maior a velocidade do crescimento; deduz-se que idade gestacional, a humidade ambiental e a
esta particularidade cria maior vulnerabilidade e condição de doença e sua gravidade;
maior probabilidade de desequilíbrio; – após a primeira semana de vida as perdas
2 – a água é fundamental para o crescimento; insensíveis no RN pré-termo aproximam-se das
3 – como resultado dos processos metabólicos perdas insensíveis do RN de termo tendo em
em geral produz-se água endógena. conta o processo relativamente rápido de matura-
Assim, na prática, para o cálculo do suprimen- ção cutânea.
to de fluidos e garantia da manutenção do equilí-
brio torna-se fundamental: Perdas urinárias
1 – repor as perdas insensíveis (PI) de água (saída Em complemento do que foi descrito atrás, a
pela pele e sistema respiratório); propósito da adaptação renal à vida extra-uterina
2 – repor as perdas sensíveis de água (saída pelos – cabe recordar que a quantidade de água necessá-
sistema renal-urina, digestivo-fezes, e sudação ria para a formação da urina depende da função
activa); renal e da carga de soluto renal.
1794 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Como regras gerais, pode fixar-se que: (MBP) para a manutenção, assim como para o
– as perdas urinárias oscilam entre 25 e 60 crescimento.
mL/kg/dia;
– os cálculos das perdas urinárias devem ser Objectivos práticos e monitorização
feitos caso a caso tendo em conta, nomeadamente,
o peso e idade gestacional, a humidade ambiental, Tendo em consideração as noções explanadas, a
a condição de doença e sua gravidade, assim estratégia da fluidoterapia hidroelectrolítica
como a eventual administração de solutos a partir consiste fundamentalmente na administração
do nascimento. inicial de fluidos IV (em regra dextrose em água a
5% com registo do débito de glicose em
Perdas fecais mg/kg/minuto) aos quais são incorporados, a partir
Após a primeira semana de vida as referidas per- de determinada fase, Na (NaCl) e K (KCl), proce-
das correspondem a cerca de 10 mL/kg/dia dendo concomitantemente ao registo dos
seguintes parâmetros:
Perdas e necessidades em fluidos (crescimento) – Peso diário (em circunstâncias especiais – RN
Em fase de estabilização clínica haverá que forne- em terapia intensiva – registo do peso de 8-8 horas);
cer água necessária para o crescimento (taxa ~5-20 perda de peso >20% nos primeiros cinco dias indi-
g/kg/dia), cerca de 12-14 mL/kg/dia no RN de ca, em princípio, perda insensível não devidamen-
termo e 15 – 25 mL/kg/dia no RN pré-termo, te contabilizada; perda <2% nos primeiros cinco
acrescentando esta parcela aos cálculos descritos dias indica, em princípio, retenção hídrica.
atrás para a manutenção [-1) + -2) + -3)] (ver atrás- – Registo rigoroso da entrada/suprimento de fluidos
manutenção). IV, ou por via oral/entérica; é fundamental tam-
O Quadro 1 sintetiza de modo global as perdas bém contabilizar os líquidos que servem de veícu-
e necessidades em fluidos em mL/kg/dia, no RN lo à administração de medicamentos ou utilizados
de termo e no RN pré-termo de muito baixo peso para “lavagem” de cateteres inseridos em linhas
endovenosas.
QUADRO 1 – Perdas e necessidades em fluídos – Diurese (utilizando saco colector de urina ou,
quando tal for inviável, pesagem da fralda seca
Perdas de fluídos (mL/Kg/dia) antes e imediatamente após a micção, acautelando
Perdas insensíveis: 20-80 a eventualidade de evaporação da urina caso se
Perdas urinárias: 25-60 ultrapasse determinado tempo após a eliminação
Perdas fecais: 2-10 de urina. O objectivo é manter diurese entre 1 e 3
mL/kg/hora.
Necessidades em fluídos (mL/Kg/dia) – Ionograma sérico com especial realce para o
RN de termo → D1-D2: 70 Na e K.O objectivo é manter natrémia entre 130 e
(D = dia de vida) D3-D4: 80 150 mEq/L, e a potassémia entre 3,5 e 6 mEq/L.
D5-D6: 90 – Osmolalidade sérica e urinária. Idealmente a
(S = semana de vida) S2-3-4: 120 mL/kg/dia osmolalidade sérica deverá manter-se entre 274-
RN pré-termo → D1: 60-70 305 mOsm/kg de água e a osmolalidade urinária
(D = dia de vida) D2: 80-90 entre 150 e 400 mOsm/kg de água.
D3: 100-110 – Densidade urinária, utilizada na prática, com
D4: 120-140 mais frequência do que a osmolalidade; a densi-
D5-6: 125-150 dade urinária deverá ser mantida entre 1.008 e
(S = semana de vida) S2-3-4: 150 -200 1.0012, sendo que densidade de 1.012 <> osmola-
lidade entre 280 e 400 mOsm/kg de água.
Necessidades hídricas adicionais para o crescimento Como regra geral pode estabelecer-se que a
(mL/kg/dia adição de electrólitos aos fluidos depende da diu-
RN de termo → 12-14; RN pré-termo → 15-25 rese e da concentração plasmática de electrólitos.
A administração de sódio (Na), de potássio (K) e
CAPÍTULO 338 Balanço hidroelectrolítico no recém-nascido 1795

de cloro (Cl) no RN pré-termo de muito baixo peso QUADRO 2 – Regras para o reajustamento
obedece à seguintes regras: da fluidoterapia
– Na: início de administração sob a forma de
cloreto de sódio (NaCl) somente após início da 1 – Restrição do suprimento de líquidos
diurese e após perda de peso superior a 7% do • Diurese > 4 mL/kg/hora
peso de nascimento); com efeito, até então ter-se-á • Na sérico < 130 mEq/L
verificado contracção do espaço extracelular que • Ganho ponderal nos primeiros 3 dias de vida
entretanto contribuiu com suprimento endógeno • Edema sem sinais de compromisso hemodinâmico
de Na ao espaço vascular. (pele rosada, boa perfusão periférica, frequência
Em síntese: cardíaca e pressão arterial normais)
Iniciar sódio após perda > 7 % do peso ao nas-
cer: 2 – Liberalização do suprimento de líquidos
RN de termo: 2 - 3 mEq/kg/24h • Diurese < 0.5 mL/kg/hora
RN pré-termo de peso entre 1000 -1500 g: até 3 • Na sérico > 150 mEq/L
- 5 mEq/kg/24h • Perda de peso ~ 15% do peso de nascimento ou > 2%
RN pré-termo de peso inferior a 1000 g: até 4 - /dia.
8 mEq/kg/24h. • Sinais de desidratação na fase pós-diurética e de me-
Se as necessidades forem superiores, será de lhoria da função pulmonar: deficiente perfusão per-
iférica/preenchimento capilar periférico lento,
considerar perfusão independente de solução de
palidez, perda do turgor da pele, fontanela anterior
Na, em torneira de 3 vias.
deprimida, e hipotensão e choque em situações
graves.
Se houver perdas anormais há que contabilizá-
las para o suprimento extra.
Nota: O suprimento de nutrientes acompanhando o de
Conclui-se, pois, que as necessidades em Na
fluidos e electrólitos é abordado noutros capítulos.
podem ser superiores nos RN PT de muito baixo
peso (em geral com < 32 semanas-34 semanas).

– K: início de administração somente após diu- Etiopatogénese


rese francamente mantida (sob a forma de KCl) na São descritos classicamente os seguintes meca-
dose de 2 mEq/kg/dia. nismos de hiponatrémia:
Após os 10 dias de vida, em geral, dose de 3 1) Hiponatrémia de diluição no pós-parto ime-
mEq/kg/dia é suficiente para manter balanço diato
positivo quanto a crescimento em todas as idades Nesta situação a hiponatrémia é transitória -
gestacionais. período pós-parto imediato – resultando da
Integrando os parâmetros descritos, o Quadro expansão do espaço extracelular por suprimento
2 pode orientar o clínico à cabeceira do doente no excessivo de fluidos intra-parto. De recordar que
sentido de restringir ou liberalizar o suprimento de a esta fase se segue a fase de contracção do referi-
líquidos. do espaço extracelular.
2) Hiponatrémia de diluição na primeira sema-
Alterações iónicas do sódio e potássio na de vida (precoce ou tardia)
Verifica-se água corporal aumentada (hipervo-
Como complemento do Capítulo 50, são descritas lémia) fundamentalmente por:
as alterações iónicas do sódio e potássio, chaman- – suprimento excessivo de líquidos;
do-se a atenção para certas particularidades no RN. – associada a insuficiência renal aguda (IRA)
intrínseca com oligúria, ou a IRA funcional
Hiponatrémia (Capítulo 341);
Definição – associada a outras situações como: insufi-
A hiponatrémia é definida como o valor de Na ciência cardíaca congestiva, nefropatia congénita,
plasmático inferior a 130 mEq/L. etc.;
1796 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– associada à síndroma de secreção inapropria- Tratamento


da de hormona antidiurética (SIADH): secreção A hiponatrémia de diluição no pós-parto ime-
aumentada de HAD como resposta a estímulos diato obriga na maior parte das vezes a atitude
osmóticos e não osmóticos. expectante vigiando o valor sérico do Na.
3) Hiponatrémia de depleção relacionada com Na hiponatrémia de diluição assintomática
diversos factores que promovem a excreção renal correspondendo a valores de natrémia entre 120-
de Na: por ex. diuréticos de ansa e tiazídicos, 130 mEq/L (incluindo SIADH) está indicada ape-
metilxantinas, prostaglandinas, indometacina, nas a restrição hídrica; nos casos sintomáticos
dopamina, variante da síndroma de Bartter (defei- e/ou se a natrémia for inferior a 120 mEq/L, deve
to de transporte do cloro no ramo ascendente da ser administrado sódio IV durante o período entre
ansa de Henle), etc.. A hiponatrémia de depleção 1 e 4 horas, para se atingir valor de 130 mEq/L
pode ser acompanhada de hipovolémia (diminui- aplicando a fórmula:
ção da água corporal) por ex. em casos de diarreia,
vómitos, drenagem de fluidos, etc.. Na (mEq/L) a administrar = 0,6 X peso (em kg)
4) Hiponatrémia de depleção tardia X 130 - Na (em mEq/L) do doente
Surge em situações de normovolémia com
água corporal normal no contexto de imaturidade Na prática: Utilizando soluto de NaCl a 20%
renal (RN pré-termo de idade gestacional inferior (15 mL) + água destilada(85 mL) obtém-se uma
a 34 semanas, entre a 2ª e 4ª semana pós-natal). solução(100 mL) em que 1 mL<>0,5 mEq.
Os factores fundamentais que podem contri- Nos casos de hiponatrémia de depleção aplica-
buir para esta situação são: se a mesma fórmula com suprimento de sódio em
– excreção aumentada de sódio por imaturida- cerca de 24 horas.
de tubular renal (défice da actividade da Na/K-
ATPase e/ou por défice de resposta à aldosterona); Hipernatrémia
– desvio de sódio plasmático para os tecidos Definição
com necessidades aumentadas para o crescimen- A hipernatrémia é definida como o valor de Na
to, designadamente o tecido ósseo; plasmático superior a 150 mEq/L. Detectada com
– suprimento de Na inferior às necessidades. a frequência de cerca de 15% em RN submetidos a
terapia intensiva, a sua importância deriva sobre-
Manifestações clínicas e exames complemen- tudo do risco de HIPV em RN pré-termo.
tares
As manifestações clínicas, por vezes inexis- Etiopatogénese
tentes, dependem dos valores séricos: hipotonia e São descritos os seguintes mecanismos:
hiporreactividade nos casos de valores entre 120 e 1) Suprimento hídrico deficitário
130 mEq/L, e vómitos, hiperexcitabilidade e 2) Suprimento excessivo de sódio (por exemplo
convulsões nos casos com valores inferiores a 120 veiculado pelo bicarbonato de sódio e soro fisioló-
mEq/L. gico administrados em diversas circunstâncias)
A SIADH que surge em cerca de 1-2% dos RN 3) Perdas hídricas excessivas: perdas insensí-
submetidos a terapia intensiva, ocorre tipicamen- veis aumentadas podendo conduzir a desidratação
te no contexto de patologia respiratória e do SNC hipernatrémica, diarreia e vómitos, perdas renais
(meningite, EHI, etc.). Os critérios fundamentais aumentadas em relação com nefropatia, uropatia
de diagnóstico, para além da hiponatrémia e da obstrutiva, tubulopatia, hipercalcémia, etc..
ausência de edema e de insuficiência cardíaca são:
osmolaridade urinária elevada, osmolaridade Manifestações clínicas
plasmática diminuída, função renal e suprarrenal Nas situações de suprimento hídrico deficitário
normais, FeNa aumentada. e de perdas hídricas excessivas (correspondendo a
A síndroma de Bartter, para além doutras água corporal diminuída) verifica-se perda de peso,
manifestações, cursa com hiponatrémia e natriu- taquicárdia, hipotensão, acidose metabólica e oligú-
rese (Capítulo 163). ria. De salientar que a hipernatrémia nesta circuns-
CAPÍTULO 338 Balanço hidroelectrolítico no recém-nascido 1797

tância não significa excesso de sódio corporal, mas cloreto de potássio (que contribui para corrigir tam-
sim maior concentração do ião por défice de água. bém a hipoclorémia que acompanha quase sempre
Nas situações de suprimento excessivo de a hipopotassémia).
sódio (acompanhado de água corporal aumenta- Nas formas ditas ligeiras de RN estável (potassé-
da) verifica-se aumento de peso (>2% em relação mia entre 3 e 3,5 mEq/L) pode utilizar-se a solução
às 24 horas anteriores), edema, taquicardia, hiper- de KCl a 6% na dose de 3 mEq/kg/dia 4 vezes por
tensão e diurese normal. dia. Deve vigiar-se laboratorialmente a situação para
decisão terapêutica ulterior. (De salientar que esta
Tratamento estratégia é utilizada igualmente como prevenção
O tratamento incide essencialmente na causa: nos casos de utilização prolongada de diuréticos).
primeiramente, reposição das perdas insensíveis A solução de KCl pode associar-se ao leite na
através de suprimento hídrico adequado; depois, dose de 2,5-3 mEq/kg/dia.
restrição do suprimento de sódio (que não deverá Nos casos de RN em estado crítico, com sinto-
ser inferior a 0,5 mEq/kg/hora). matologia mais exuberante (arritmia, bradicárdia,
íleo paralítico,etc.) e/ou com valores inferiores a 3
Hipopotassémia (Hipocaliémia) mEq/L utiliza-se a via IV administrando K na
Definição dose de 0,3-0,4mEq/kg/hora e utilizando a
A hipopotassémia é definida como o valor de K concentração de K de 20-40 mEq/L na solução
plasmático inferior a 3,5 mEq/L sendo que se com vigilância electrocardiográfica.
considera o valor inferior a 2,5 mEq/L como críti-
co. Hiperpotassémia
Definição
Etiopatogénese A hiperpotassémia é definida como o valor de K
São descritos os seguintes mecanismos causais: plasmático superior a 6 mEq/L, sendo que se
1) Suprimento deficitário de K considera o valor superior a 7,5 mEq/L como limi-
2) Perdas anormais de causas renais, digesti- te crítico. É frequente em RNPT com idade gesta-
vas, metabólicas, medicamentosas, etc. (diuréticos cional inferior a 30 semanas, sobretudo entre as 24
tiazídicos, furosemido, aminoglicosídeos, cor- e 72 horas de vida
ticóides, tubulopatia com défice de reabsorção Trata-se duma situação que comporta morbilida-
tubular, uropatia obstrutiva, diarreia, drenagem de e mortalidade significativas, relacionávies sobre-
gástrica, diálise, hiperglicémia, hipercalcémia, tudo com o seu efeito sobre a condução cardíaca,
insuficiência renal poliúrica, etc.) podendo culminar na assistolia e paragem cardíaca.
3) Captação intracelular incrementada de K
(alcalose metabólica, administração de insulina, Etiopatogénese
hipotermia,etc.). São descritos os seguintes mecanismos causais:
1) Libertação excessiva de K intracelular (he-
Manifestações clínicas e exames complemen- mólise, hematomas, hemorragia intracraniana,
tares hipercatabolismo celular, asfixia perinatal, etc.)
As manifestações mais frequentes de hipopo- 2) Suprimento excessivo de K.
tassémia são: hipoactividade, letargia, bradicár- 3) Eliminação renal diminuída (imaturidade
dia, arritmia, hiporreflexia, distensão abdominal e renal, IRA, IRC, uropatia obstrutiva, nefropatia de
íleo paralítico. refluxo, etc.).
O ECG evidencia sinais de intervalo QT pro- 4) Medicamentos (indometacina, captopril, es-
longado, onda T achatada e de depressão do seg- pironolactona, etc.).
mento ST.
Manifestações clínicas
Tratamento O quadro clínico caracteriza-se fundamental-
O tratamento é substitutivo, consistindo em aumen- mente por arritmia e alterações do ECG as quais,
tar o suprimento de K por via oral ou IV utilizando por ordem de gravidade, incluem: maior amplitu-
1798 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de das ondas T em “pico”, bloqueio cardíaco com – Furosemido na dose de 2 a 4 mg/kg/dia IV


alargamento do complexo QRS, arritmia e para- dividida em 4 vezes ou em perfusão contínua.
gem cardíaca. – Diálise peritoneal com a colaboração da equi-
pa de nefrologia e da UCIN.
Tratamento
O tratamento depende essencialmente da situa- BIBLIOGRAFIA
ção de base e dos valores do potássio plasmático Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
que devem ser monitorizados frequentemente. Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
Nas hiperpotassémias moderadas (6,0-7,5 Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
mEq/L) sem alterações do ECG deve suspender- Edelman CM (ed). Pediatric Kidney Disease. New York:
se o suprimento de potássio e administrar-se glu- Little,Brown and Company, 2002
cose IV com ou sem insulina. No esquema prático Fanaroff AA, Martin RJ. Neonatal-Perinatal Medicine-
mais habitual procede-se a perfusão de solução de Diseases of the Fetus and Infant. St. Louis: Mosby, 2002
glucose a 25% (0,5 mL/kg/hora) associada a insu- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
lina(0,15U/kg/hora), esta última com duração de Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
acção entre de cerca de 1 a 4 horas (entrada de K 2011
na célula). McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
As formas graves (K > 7,5 mEq/L) associadas a Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
alterações do ECG constituem uma emergência McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
médica estando indicado o seguinte procedimento: Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
– Gluconato de cálcio a 10% IV (1-2 mL/kg em Livingstone, 2008
5 a 10 minutos) cuja acção pode durar até cerca de Oh W. Fluid and electrolyte of very low birth weight infants.
4 horas; esta perfusão cujo efeito é restaurar a exci- Pediatrics and Neonatology 2012; 53: 329-333
tabilidade da membrana celular, pode ser repetida. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
– Bicarbonato de sódio a 3% IV (1-3 mEq/kg AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
em 10 minutos) cuja acção pode durar 2-4 horas; Medical, 2011
esta perfusão promove a entrada do K na célula e Yeh TF . Neonatal Therapeutics. St Louis: Mosby, 2004
combate a acidose. Recorda-se que o bicarbonato
deve ser administrado por acesso diferente do
gluconato de cálcio.
– Insulina na dose referida atrás.
– Salbutamol (promovendo a deslocação do K
do espaço extracelular para o intracelular) na dose
de 4 mcg/kg em 5mL de água destilada durante
20 minutos; este procedimento pode ser repetido.
A via inalatória também pode ser utilizada.

Nas hiperpotassémias refractárias, para além


da utilização simultânea de gluconato de cálcio,
bicarbonato de sódio, glicose/insulina e salbuta-
mol, está indicada a associação a medidas que
promovem a eliminação do K [resinas permutado-
ra de iões, diuréticos de ansa (furosemido)] e,
eventualmente diálise peritoneal:
– Resinas (por ex suspensão de poli-estireno-
sulfonato de sódio <> 15g/60 mL) na dose de 1
g/kg 4 vezes por dia; como acções acessórias
salienta-se o risco de hipercalcémia e calcificação
do tubo digestivo com possibilidade de obstrução.
CAPÍTULO 339 Alterações do metabolismo do cálcio, fósforo e magnésio 1799

339
como coenzima em mais de 300 processos, a sua
acção mais importante relaciona-se com o blo-
queio da transmissão neuromuscular, diminuição
da excitabilidade do músculo estriado e diminui-
ção do tono da musculatura lisa. Tal como o cálcio,
transferido para o feto, atinge o maior acréscimo
ALTERAÇÕES DO no terceiro trimestre da gestação. Na data do nas-
cimento os níveis sanguíneos de Mg dependem
METABOLISMO DO CÁLCIO, dos respectivos níveis maternos; na vida pós-natal
a regulação depende da PTH. Baixa concentração
FÓSFORO E MAGNÉSIO de Mg incrementa a secreção de PTH, a qual
contribui para mais elevada reabsorção tubular do
Maria João Lage, Cristina Henriques e João M. Videira mesmo. Pelo contrário, elevando-se a concentra-
Amaral ção sérica de Mg, é estimulada a secreção de calci-
tonina que diminui a reabsorção tubular do catião.
Entre o Ca e o Mg ocorre uma interacção
fisiológica pois, qualquer alteração de um dos iões
Etiopatogénese e importância provoca alteração no outro. A PTH promove a ele-
do problema vação do teor de ambos, enquanto a calcitonina
leva à diminuição. Como implicações clínicas
Cálcio e Fósforo importantes desta interacção há que salientar que
O cálcio (Ca), o mineral mais abundante no corpo a situação de hipocalcémia refractária ao trata-
humano, assume grande importância no recém- mento poderá constituir um epifenómeno de
nascido em crescimento pelas funções de forma- hipomagnesiémia. (Capítulo 51)
ção óssea e participação em processos metabólicos
intra e extracelulares . Está igualmente envolvido
na coagulação sanguínea, condução nervosa,
contracção muscular e função cardíaca. Durante a
1. HIPOCALCÉMIA
gravidez o cálcio é transferido activamente da
mãe para o feto através da placenta, com maior Definição e importância do problema
magnitude no terceiro trimestre.
O fósforo (P) é igualmente transferido para a A hipocalcémia é um problema comum no perío-
circulação fetal através de transporte activo via do neonatal, dado que o suprimento exógeno de
placenta; no primeiro trimestre atinge concentra- cálcio nos primeiros dias de vida é inferior ao que
ção superior à do cálcio, decrescendo depois até corresponde à transferência materno-fetal trans-
ao final da gestação, precisamente no período em placentar no último trimestre de gestação (cerca
que se verifica o maior acréscimo de cálcio. de 100-150mg/Kg de peso fetal/dia).
O recém-nascido está dependente da absorção Nos RN de termo define-se hipocalcémia como
intestinal de cálcio, do tipo de cálcio fornecido, e valor sérico de cálcio ionizado (Ca2+) inferior a 4,40
da forma como este se liga às gorduras ou proteí- mg/dL (1,10 mmol/L) e / ou de cálcio total infe-
nas. A relação adequada entre o suprimento de rior a 8,0 mg/dL (2,0 mmol/L). Dado que o Ca2+ é
cálcio e fósforo (Ca/P) é também determinante a única forma fisiologicamente activa do cálcio,
para a sua absorção e retenção. (Capítulo 344) este doseamento é o considerado preferível para
estabelecer o diagnóstico.
Magnésio Nos RN pré-termo, define-se hipocalcémia
O magnésio (Mg), depois do potássio (K), é o como valor de cálcio sérico total inferior a 7,0
segundo catião intracelular mais abundante: cerca mg/dL (1,75 mmol/L). Salienta-se que a hipoal-
de 60% do total encontra-se no tecido ósseo, 30% buminémia pode levar à falsa sugestão de hipo-
nos músculos, e 10% noutros tecidos. Actuando calcémia porque em tal circunstância o valor séri-
1800 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

co de Ca total está diminuído, embora o Ca ioni- e relacionada com eventos intra-uterinos ou peri-
zado(Ca2+) esteja normal. Por isso, em situações natais); e
suspeitas de hipo- ou hipercalcémia, é preferível a – tardia ( iniciada em geral a partir da primeira
determinação do Ca ionizado. semana de vida e relacionada com eventos iatro-
Este problema ocorre em cerca de 1 a 2% dos génicos ou com defeitos congénitos). Estas formas
RN aparentemente saudáveis. A frequência é clínicas integram grupos de risco diversos.
superior nos RNMD (cerca de 50%) em relação
directa com a gravidade da diabetes materna e Hipocalcémia precoce
associado habitualmente a hipomagnesiémia e a Após o parto existem factores predisponentes de
secreção diminuída de hormona paratiroideia hipocalcémia precoce; com efeito, após laqueação
(PTH). do cordão umbilical é interrompido o suprimento
Globalmente, nos RN pré-termo surge, como de cálcio proveniente da mãe e verifica-se uma
média, em 30% dos casos. sobrecarga endógena de fosfato (P) devido ao
Ao contrário da hipoglicémia, não origina consumo das reservas de glicogénio com liberta-
lesões estruturais no SNC. ção concomitante de P para o espaço extracelular.
Diminuindo fisiologicamente os níveis de cál-
Etiopatogénese e factores de risco cio (Ca), a glândula paratiroideia é estimulada,
do que resulta elevação dos níveis de PTH com o
A normocalcémia depende da interacção de vários objectivo de elevação do referido cálcio sérico.
factores, nomeadamente do equilíbrio com outros Esta resposta à PTH em termos de elevação do cál-
iões, do equilíbrio ácido-base do organismo, e de cio sérico (traduzindo-se por mobilização do cál-
respostas hormonais reguladas pela hormona cio ósseo) faz-se em cooperação com o 1,25-di-
paratiroideia (PTH), calcitonina e 1,25-(OH)2 vita- hidroxi-colecalciferol (traduzindo-se por reabsor-
mina D. ção tubular renal de cálcio e fosfatúria).
Os efeitos da PTH (não transferida através da Ora, este mecanismo, em determinados grupos
placenta) são: elevação das concentrações séricas de RN de risco, é limitado:
de Ca e Mg e diminuição das de P; tal resulta fun- • RN pré-termo (RNPT)
damentalmente da acção ao nível do osso(liberta- • RN de mãe diabética (RNMD)
ção de Ca,P,Mg com diminuição dos respectivos • RN com antecedentes asfixia perinatal
depósitos), rim(aumento da reabsorção de Ca e • RN de mãe epiléptica
Mg, diminuição da reabsorção de P, e aumento da
produção de 1,25-(OH)2 vitamina D). Nos primiros três grupos de RN, em conjunto,
Os efeitos da calcitonina (não transferida através o mecanismo geral descrito como resposta ao declí-
da placenta) são: diminuição das concentrações nio do Ca sérico está retardado, verificando-se
séricas de Ca, Mg e de P; tal resulta fundamental- quadro de hipoparatiroidismo transitório, dimi-
mente da acção ao nível do osso (aumento de nuição transitória dos níveis do metabolito di-
depósitos por diminuição da libertação de Ca e P), hidroxilado da vitamina D (ou 1,25-di-hidroxi-
e do rim (aumento da excreção de Ca, P, e Mg). colecalciferol) e aumento dos níveis de calcitonina
Os efeitos do metabolito di-hidroxilado da vitamina (cujo significado não está completamente esclare-
D[1,25-(OH)2 vitamina D], transferido através da cido). Como mecanismos específicos, descritos
placenta, são: elevação das concentrações séricas respectivamente em cada grupo de risco, citam-se:
de Ca e P; tal resulta fundamentalmente da acção – No RNPT, a taxa de natriurese intensifica as
ao nível do intestino (aumento da absorção de Ca perdas de Ca urinário.
e P), osso (aumento da libertação de Ca e P), e rim – No RNMD, a menor actividade da PTH assim
(aumento da reabsorção de Ca e P) (Capítulo 59- como a hipomagnesiémia materna e fetal explicam
Figura 1). a maior incidência e maior duração da hipocalcé-
São descritas duas formas clínicas de hipocal- mia.
cémia em função da data de aparecimento: – Na asfixia perinatal a hipoxémia e acidose,
– precoce (início antes das 48 e 72 horas de vida levando a catabolismo tecidual, originam liberta-
CAPÍTULO 339 Alterações do metabolismo do cálcio, fósforo e magnésio 1801

ção importante de P com consequente hiperfosfa- de P), para além de inibir a resposta da PTH, exer-
témia e repercussão na paratiroideia (resistência ce efeito semelhante à calcitonina.
relativa à PTH). • Alterações do equilíbrio ácido-base
– O tratamento materno com fármacos anticon- A alcalose como consequência da administra-
vulsantes, como o fenobarbital e a difenil-hidantoí- ção de solutos alcalinizantes ou de hiperventila-
na pode incrementar o catabolismo hepático da ção (por ex. em situações de displasia broncopul-
vitamina D com consequente hipocalcémia na mãe monar) pode precipitar hipocalcémia através da
e no feto. diminuição da concentração de Ca ionizado (teta-
nia pós-acidótica) (Capítulo 50).
Hipocalcémia tardia
Esta forma é tipificada pelas seguintes situações: Manifestações clínicas e diagnóstico
• Hipoparatiroidismo
São descritas as seguintes formas de apresen- A hipocalcémia no período neonatal pode ser
tação: assintomática, sobretudo na forma precoce.
Hipoparatiroidismo congénito As formas sintomáticas surgindo apenas em
– ligado ao cromossoma X; cerca de 0,2% dos casos [irritabilidade muscular,
– forma autossómica dominante, em relação hipertonia em extensão (um quadro típico é o cha-
com genes localizados no cromossoma 16 ou 18; mado espasmo carpo-pedal ), laringospasmo, tre-
– forma integrando a síndroma de DiGeorge mores, convulsões generalizadas ou focais] podem
(anomalias dos 3º e 4º arcos branquiais determi- ser desencadeadas pela coexistência doutras altera-
nando,entre outras anomalias, ausência de timo e ções iónicas, como hipomagnesiémia, hipercaliémia
paratiroideias). e alcalose metabólica. Pode haver repercussão
Hipoparatiroidismo secundário a hiperparati- cardíaca traduzida por taquicárdia, sinais electro-
roidismo materno, procedimentos cirúrgicos – cardiográficos (prolongamento do intervalo Q-T no
tiroidectomia, paratiroidectomia –, doença auto- electrocardiograma, por vezes associado a arritmia).
imune, e a carência de vitamina D (Capítulo 59) Dado que os sinais clínicos e electrocardiográ-
• Pseudo-hipoparatiroidismo (insensibilidade pe- ficos de hipocalcémia são inespecíficos e não pato-
riférica à PTH) gnomónicos desta situação, o diagnóstico definiti-
São descritas três formas (todas com hipocal- vo só poderá ser feito através do doseamento séri-
cémia e hiperfosfatémia), distintas pelas variantes co do cálcio, de preferência-como foi referido – da
quanto a anomalias duma “proteína de ligação sua fracção ionizada; na mesma amostra de
Gs-alfa” do receptor da PTH e da produção de sangue é aconselhável proceder ao doseamento
adenilato-ciclase. simultâneo do P e do Mg por serem frequente-
• Furosemido e bicarbonato de sódio mente coexistentes alterações destes últimos com
Estes fármacos originam alcalose com conse- manifestações semelhantes.
quente diminuição do cálcio ionizado; por outro Outros doseamentos séricos (PTH, calcitonina,
lado, o furosemido origina igualmente calciúria vitamina D ou seus metabólitos) devem ser reser-
importante. vados para situações de hipocalcémia prolongada,
• Nutrição parentérica refractária ou recorrente.
Através da administração de lípidos a elevação Como nota prática importa reter que a hipo-
de ácidos gordos livres pode formar complexos calcémia prolongada deve orientar o clínico para a
insolúveis com o Ca. detecção de situações como hipoparatiroidismo
• Défice de suprimento ou de absorção de Ca congénito ou síndroma de DiGeorge.
As situações mais típicas de défice de absorção
de Ca são a doença celíaca e a síndroma do intes- Tratamento
tino curto.
• Excesso de suprimento de P O objectivo do tratamento da hipocalcémia é
O excesso de fosfato (por ex. relacionado com repor o nível sérico do Ca através da administra-
a ingestão de fórmulas lácteas com elevado teor ção de sais de cálcio.
1802 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Nos casos de hipocalcémia assintomática preco- subcutânea em diversos órgãos; bradicárdia ou


ce, recomenda-se uma atitude expectante, tendo mesmo paragem cardíaca; litíase renal; e possivel-
em consideração que muitas destas situações são mente também calcificações cerebrais nos RN em
auto-limitadas. A hipocalcémia, no entanto, mesmo estado crítico.
assintomática, deve ser tratada sempre no RN pré- – O Ca não deve ser administrado: 1) por via
termo, e também sempre que sejam verificados intra-arterial (risco de lesão vascular); 2) por via
níveis séricos de cálcio total inferiores a 6,0 mg/dL. IM (risco de necrose tecidual); 3)através de cateter
São adoptados os seguintes procedimentos: venoso umbilical com cateter localizado intra-
1) Hipocalcémia assintomática ou sintomática na hepático ou perto do coração.
ausência de convulsões, tetania ou apneia – Não está recomendada a prevenção de hipo-
– Administração de perfusão contínua de glu- calcémia nos RN de risco, devendo estes ser vigia-
conato de cálcio a 10% na dose de 5-8 mL/kg/dia; dos clinicamente e medicados com dose basal ade-
na ausência de contra-indicação e de boa tolerân- quada de cálcio; constitui excepção o caso do RN
cia oral, a mesma dose poderá ser dividida em três com peso de nascimento < 1.000 gramas.
a quatro tomas por dia (sendo que a solução de
gluconato de cálcio a 10% <> 9,4 mg de Ca –ele- Prognóstico
mento/mL ou 102 mg de gluconato de cálcio/mL);
2) Hipocalcémia acompanhada de convulsões, teta- Quando diagnosticada e corrigida precocemente,
nia ou apneia a hipocalcémia tem bom prognóstico. No entanto,
– Bolus de gluconato de cálcio a 10% → 1-2 a verificação de convulsões pode comportar risco
mL/kg em 10 minutos, eventualmente a repetir imediato de vida.
mais 3-4 vezes ao longo de 24 horas caso se man-
tenha a sintomatologia; após bolus eficaz: perfusão
IV contínua de gluconato de cálcio a 10% na dose
de 5-8 mL/kg/24 horas. A administração deve ser
2. HIPERCALCÉMIA
interrompida após normalização da calcémia e
desaparecimento dos sinais clínicos. Torna-se Definição e importância do problema
fundamental corrigir outros desequilíbrios asso-
ciados e contabilizar eventual terapêutica hipocal- Define-se hipercalcémia neonatal como valor séri-
cemiante em curso. co de Ca total superior a 10,8 mg/dL, ou de Ca
3) Hipocalcémia tardia ionizado superior a 5,6 mg/dL. De referir que a
Para além de tratamentos específicos em função hiperproteinémia pode originar elevação da Ca
dos factores etiológicos, é fundamental: diminuir o total, mas não do Ca ionizado. Trata-se dum pro-
suprimento de P (utilizando fórmulas lácteas com blema clínico raro no RN, em geral iatrogénico ou
baixa concentração de P); aumentar o suprimento secundário a situações de hipofosfatémia grave
de Ca (suplemento); e aumentar a relação Ca/P. (<0,5mmol/L ou < 2 mg/dL).
Notas importantes:
– Deve ser sempre garantida concomitante- Etiopatogénese
mente a administração, tanto por via oral como e manifestações clínicas
por via intravenosa, da dose diária de Ca reco-
mendada em situações habituais de normalidade. Os factores etiológicos da hipercalcémia podem
– Uma vez que a administração de cálcio intra- ser sistematizados do seguinte modo:
venoso poder originar complicações graves, • Hiperparatiroidismo primário (forma autossó-
sempre que possível e não exista contra-indicação, mica recessiva)
deve ser preferida a via oral. Nalgumas destas formas raras de hiperparati-
– São complicações possíveis da administração roidismo a produção excessiva de PTH, por insen-
intravenosa de cálcio o extravasamento da solu- sibilidade dos receptores da paratiroideia ao Ca
ção com deposição de cálcio nos tecidos moles cir- ionizado, pode originar hipercalcémia elevada
cundantes e necrose tecidual ou mesmo deposição com hipotonia, dismineralização óssea e fracturas.
CAPÍTULO 339 Alterações do metabolismo do cálcio, fósforo e magnésio 1803

• Hiperparatiroidismo secundário As medidas terapêuticas incluem:


Esta forma pode resultar de adenoma ou de – furosemido como agente calciurético admi-
hipoparatiroidismo materno do qual resulta nistrado na dose de 1 mg/kg/dose cada 2 a 4
hiperplasia paratiroideia, sendo que as alterações horas durante 1 a 2 dias.
bioquímicas são transitórias ao contrário do que – Corticóides (por ex. prednisolona na dose de
acontece na forma primária. 1 mg/kg/dia durante 3-4 dias).
• Outras doenças da paratiroideia – Outros fármacos poderão ser utilizados: fos-
Incluem a hipercalcémia hipocalciúrica familiar fatos, inibidores da sintetase das prostaglandinas,
benigna (forma autossómica dominante cujas etc..
manifestações são dominadas pela obstipação e
hipotonia) e a hipercalcémia infantil idiopática, pro-
vavelmente relacionada com secreção anormal de
calcitonina e resposta aumentada à vitamina D.
3. HIPOFOSFATÉMIA
• Hipercalcémia de causa nutricional
São exemplos: Os valores de referência para o P sérico no RN,
– Hipofosfatémia situam-se entre 4,8-8 mg/dL.
Verifica-se mobilização de Ca a partir do osso, A hipofosfatémia, potencial causadora de
sendo que este evento, por não haver deposição hipercalcémia (ver atrás) pode surgir em RNMBP
óssea do mesmo, poderá levar a nefrocalcinose submetidos a nutrição parentérica ou em lactentes
(Capítulo 344). alimentados com fórmulas lácteas com baixo teor
– Intoxicação pela vitamina D (aumento da de fosfatos (défice de suprimento). Outras causas no
absorção intestinal de Ca). RN podem ser assim sistematizadas:
– Intoxicação pela vitamina A (aumento da • Desvios transcelulares
mobilização do Ca ósseo). – Glucose IV, administração de insulina;
• Necrose gorda subcutânea • Perda renal
Admite-se que se trata de anomalias do meta- – Hiperparatiroidismo, raquitismo hipofosfa-
bolismo das gorduras (com libertação de Ca a par- témico ligado ao X, idem autossómico dominante,
tir dos tecidos) associada a sensibilidade anómala diuréticos, expansão de volume em fluidoterapia,
à vitamina D. Ocorre sobretudo em RN macros- glucocorticóides,etc.;
somáticos sujeitos a hipotermia, asfixia perinatal e • Multifactorial
parto traumático. Precedendo a hipercalcémia – Sépsis, diálise.
surgem placas bem demarcadas ao nível das proe- – Carência de vitamina D, raquitismo vitamina
minências ósseas, nádegas, regiões genianas, etc.. D dependente (em lactentes).
• Doenças da tiroideia Se os valores séricos forem inferiores a
Quer o hipotiroidismo (originando provavel- 0,8mmol/L (2.5 mg/dL), será necessário perfun-
mente absorção aumentada do Ca), quer o hiper- dir uma solução endovenosa de fosfato e inter-
tiroidismo (originando mobilização de Ca a partir romper temporariamente a nutrição parentérica
do ossso) podem levar a hipercalcémia. (Capítulo 344).
• Situações iatrogénicas
As mais frequentes são: – hipertratamento da
hipocalcémia; – excesso de administração de Ca no
decurso de exsanguinotransfusão para prevenção
4. HIPERFOSFATÉMIA
da hipocalcémia; – tratamento com tiazidas que
promovem excreção urinária aumentada de Ca. A causa mais frequente de hiperfosfatémia (> 8
mg/dL) é a insuficiência renal, sendo a sua magni-
Tratamento tude proporcional ao grau de disfunção renal
(Capítulo 341).
Nas formas assintomáticas pode adoptar-se atitude Outras causas no RN podem ser assim siste-
expectante até valores séricos de Ca ~ 12,5 mg/dL. matizadas:
1804 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

• Desvios transcelulares – RN com restrição de crescimento intra-uteri-


– Hemólise aguda, síndroma de lise tumoral, no (RCIU) associado a défice de transferência
rabdomiólise, acidose láctica. transplacentar materno-fetal de Mg.
• Suprimento aumentado • Excesso de perda de Mg
– Iatrogénica [tratamento da hipofosfatémia, Tal poderá acontecer nos casos de exsanguino-
enemas, laxantes, intoxicação pela vitamina D (em transfusão com sangue citratado: o citrato forma
lactentes)]. complexos com o Mg, diminuindo a sua concen-
• Excreção diminuída tração na forma livre.
– Insuficiência renal; • Alterações da homeostase do Mg
– Calcinose tumoral familiar (doença rara, AR, Como exemplos citam-se o hipoparatiroidismo
manifestada noutras idades). neonatal e a hiperfosfatémia.
• Reabsorção aumentada no túbulo proximal
– Hipoparatiroidismo e pseudo-hipoparatiroi- Manifestações clínicas
dismo.
Em situações de hiperfosfatémia deve dosear-se As manifestações clínicas da hipomagnesiémia são
a creatinina e a ureia no sangue pela probabilidade semelhantes às da hipocalcémia: sinais de hiperex-
de estar em causa quadro de insuficiência renal. Em citabilidade neuromuscular, convulsões tónicas, cló-
presença de hiperfosfatémia ligeira e hipocalcémia nicas, focais ou generalizadas, etc.. A repercussão
acentuada deve proceder-se ao doseamento de cardíaca pode traduzir-se em alterações do ECG:
PTH, o que poderá levar a distinguir hipoparatiroi- inversão da onda T e depressão do segmento ST.
dismo de pseudo-hipoparatiroidismo. Nota importante: a hipomagnesiémia pode indi-
O tratamento da hiperfosfatémia aguda depen- ciar hipocalcémia refractária à terapêutica; com
de da gravidade e etiologia da mesma. Nas formas efeito, administração de Mg constitui um coadju-
ligeiras, e perante função renal mantida, existe vante do tratamento da hipocalcémia.
probabilidade de resolução espontânea com restri-
ção do suprimento de P (consultar Capítulo 341). Tratamento

O tratamento da hipomagnesiémia aguda tem


como objectivo essencial a reposição do Mg (sul-
5. HIPOMAGNESIÉMIA fato de magnésio) identificando e corrigindo a sua
etiologia. Em geral utiliza-se o sulfato de Mg a
Definição e etiopatogénese 50% na dose de 0,1-0,2 mL/kg por via IM ou IV
lenta durante 1 hora.
Define-se hipomagnesiémia como a verificação de O sal com esta concentração contém 49.3 mg de
valor sérico de Mg inferior a 1,6 mg/dL (0,66 Mg- elemento por mL ou 500 mg de sulfato de Mg por
mmol/L). Habitualmente, só surgem manifesta- mL. A administração de sulfato de Mg IV ou IM –
ções clínicas quando o valor é inferior a 1,2 que pode ser repetida cada 12 ou 24 horas – obriga
mg/dL (0,49 mmol/L). à monitorização cardíaca do RN, pelo risco de arrit-
Os factores etiológicos da hipomagnesiémia mias e alterações da condução auriculoventricular.
podem ser sistematizados do seguinte modo: Havendo tolerância oral, uma vez calculada a
• Défice de suprimento de Mg dose diária de Mg, pode utilizar-se PO de 8-8 ou
– Síndroma de intestino curto em que se verifi- de 12-12 horas na condição de se utilizar concen-
ca défice de absorção (Capítulo 115). tração do sulfato de Mg a 5 ou 10%; tal implica
– RN de mãe diabética (RNMD) no qual são diluição prévia do sulfato de Mg a 50%.
descritos os seguintes mecanismos: 1 – défice de O tratamento implica determinação sérica diá-
resposta da PTH a valor sérico baixo de Mg; 2 – ria do Mg e vigilância clínica no sentido de evitar
hipomagnesiémia fetal causada pela perda urinária a hipermagnesiémia.
materna de Mg decorrente da poliúria durante a Quando diagnosticada e tratada adequadamen-
gravidez; tal défice fetal continua na vida pós-natal. te, a recuperação da hipomagnesiémia é completa.
CAPÍTULO 339 Alterações do metabolismo do cálcio, fósforo e magnésio 1805

Nota: A administração de cálcio ou vitamina D Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
em situação de hipomagnesiémia não tratada, Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
pode agravar o défice de Mg. Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
Koletzko B. Pediatric Nutrition in Practice. Basel: Karger, 2008
McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
6. HIPERMAGNESIÉMIA Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
Definição e etiopatogénese Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Livingstone, 2008
Define-se hipermagnesiémia como a verificação Polin R A, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
de valor sérico de Mg superior a 3 mg/dL. No RN University Press, 2008
a causa mais frequente desta alteração é a admi- Oh W. Fluid and electrolyte of very low birth weight infants.
nistração de Mg à mãe em relação com eclâmpsia Pediatrics and Neonatology 2012; 53: 329-333
materna ou parto pré-termo; a coexistência de Prentice A. Micronutrients and the bone mineral content of the
asfixia perinatal e de prematuridade constituem mother, fetus and newborn. J Nutr 2003; 133: 1693S-1699S
factores agravantes, na medida em que se verifica Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA
em tais condições défice de excreção urinária de (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Mg. Medical, 2011

Manifestações clínicas

As principais manifestações clínicas (em geral sur-


gindo somente a partir de valores de Mg > 6
mg/dL) incluem depressão respiratória e neuro-
muscular; a duração de tais sinais depende mais
da duração do tratamento com Mg instituído à
mãe do que do nível de hipermagnesiémia.

Tratamento

Deve adoptar-se atitude expectante a qual inclui,


para além da interrupção de medicações contendo
Mg, eventual suporte respiratório em função do
contexto clínico.
Pode utilizar-se furosemido (1 mg/kg/dose
cada 2 ou 4 horas) associado a fluidoterapia IV no
sentido de promover a excreção urinária de Mg.
Nos casos de toxicidade neuromuscular está
indicada a administração de gluconato de cálcio a
10% ( 0,1-0,3 mL/kg/dose) IV lento.
Em casos extremos e refractários poderão estar
indicadas a exsanguinotransfusão ou a diálise.

BIBLIOGRAFIA
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Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
Care. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2008
1806 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

340
em glicose da ordem de 5-8 mg/kg/minuto,
superiores às do feto, e cerca de 3 a 4 vezes supe-
riores às do adulto.
Para que a glicémia se mantenha em níveis
normais, é necessária uma interacção complexa de
vários mecanismos hormonais, entre os quais a
ALTERAÇÕES DO elevação do glucagom e das catecolaminas esti-
mulando a glicogenólise hepática, a elevação do
METABOLISMO DA GLUCOSE cortisol e da hormona de crescimento estimulando
a neoglucogénese, e a diminuição da secreção de
Maria João Lage, Cristina Henriques insulina.
e João M. Videira Amaral A glicogenólise contribui para a espoliação das
reservas de glicogénio, o que, por sua vez, activa a
neoglucogénese.
Como alternativa ao “substrato energético glu-
Etiopatogénese e importância cose” existem outros substratos (lactato, aminoáci-
do problema dos-sobretudo alanina-, ácidos gordos livres, cor-
pos cetónicos), salientando-se que o RN – sobretu-
A glicose constitui a principal fonte energética do o pré-termo e o de baixo peso – evidencia
para o metabolismo fetal e, designadamente, para resposta limitada à utilização de tais compostos
a função do encéfalo. Toda a glucose utilizada no (Capítulo 184).
feto é transportada através de gradiente de Em suma: 1) Este processo de adaptação fetal
difusão facilitada, sendo que a concentração de endócrino-metabólica à vida extra-uterina é mais
glucose no sangue fetal é cerca de 70% da concen- limitado no RN pré-termo e no RN de baixo peso
tração no sangue materno. com restrição de crescimento intra-uterino tendo
Para a compreensão das alterações do metabo- em conta, nomeadamente, a imaturidade das
lismo da glicose no período neonatal imediato é enzimas da glicogenólise e da neoglicogénese,
fundamental reter as seguintes noções: assim como a escassez mais acentuada das reser-
1) As reservas de glicogénio (a forma de depó- vas de glicogénio e de músculo(fonte de aminoá-
sito da glucose em vários órgãos, principalmente cidos); 2) A concentração da glicose no sangue do
fígado e músculo estriado) no feto/RN de termo e RN depende da integridade e maturidade dos
de peso adequado para a idade gestacional são mecanismos reguladores referidos; 3) A importân-
escassas; e a escassez das mesmas é mais acentua- cia deste problema decorre sobretudo da possibi-
da no RN pré-termo de baixo peso e ou no RN lidade de lesão neuronal e de sequelas neurológi-
com restrição de crescimento intra-uterino. cas, atribuíveis à diminuição da glicémia abaixo
2) Não existe produção significativa de gluco- de determinados valores (hipoglicémia), associa-
se pelo próprio feto apesar de as enzimas da neo- da por vezes a alterações da microcirculação e a
glucogénese e da glicogenólise estarem relativa- factores como hipóxia ou infecção. Por outro lado,
mente funcionantes no termo da gestação valores elevados (hiperglicémia) podem ter igual-
(excluindo as situações de doenças hereditárias do mente efeitos deletérios no SNC e de diurese
metabolismo). osmótica, entre outros.
3) Na vida fetal o teor em glucose proveniente A alimentação precoce com colostro e leite
da mãe cifra-se em cerca de 4-6 mg/kg/minuto. materno contribui para evitar a tendência do RN
Após o nascimento, verificando-se uma inter- para a diminuição da glicémia, e até elevando-a,
rupção brusca da glicose fornecida por via umbi- pelas seguintes razões: estimulação dos precur-
lical coincidindo com a laqueação do cordão, a sores neoglucogénicos como o aminoácido alani-
concentração de glicose sanguínea (glicémia) no na, estimulação de enzimas necessárias à cetogé-
RN desce rapidamente para níveis inferiores aos nese como a lactase, e diminuição da secreção de
da vida fetal, estimando-se então as necessidades insulina. Pelo contrário a prática habitual de
CAPÍTULO 340 Alterações do metabolismo da glucose 1807

administração de soro glucosado a 5% ou 10% ,de – no RN sintomático: <2,5 mmol/L (45


“sabor doce” que deve ser desencorajada – para mg/dL);
além de desmotivar o RN para a sucção de colos- – no RN com hiperinsulinismo: <3,5 mmol/L
tro de “sabor salgado” – diminui a secreção de (64 mg/dL)
glucagom e a neoglicogénese, sem garantir glicé- A determinação da glicémia deve ser feita utili-
mia dentro da normalidade e estável. zando um método rápido, sensível e barato, exe-
Neste capítulo são abordados dois problemas quível à cabeceira do doente, e com pequena quan-
clínicos relacionados com alteração do metabolis- tidade de sangue capilar (na prática, para rastreio,
mo da glicose (hipoglicémia e hiperglicémia) no utiliza-se micrométodo com tiras-reagente pelo
RN. método da glucose-oxidase – Dextrostix®, BMtest®,
etc.); de salientar que , com sangue total, o valor
obtido é cerca de 10-15% inferior ao do plasma.
Considera-se actualmente que a determinação
1. HIPOGLICÉMIA plasmática é a mais correcta, já que a determina-
ção em sangue total é afectada pelo hematócrito
Definição e importância do problema (valores de glicémia sucessivamente decrescentes
no sangue arterial – capilar – venoso).
A definição de hipoglicémia (não totalmente São salientadas as seguintes regras práticas:
consensual entre os vários grupos de investiga- – valores alterados baixos de glicémia, deter-
ção) é biológica: depende dos valores laboratoriais minados por micrométodo, obrigam sempre a
obtidos de amostras de sangue ou plasma, uma confirmação em amostras de plasma;
vez que nem sempre é sintomática; conceptual- – a verificação de glicémia <20-25 mg/dL em
mente , considera-se baixo o valor plasmático de todo e qualquer RN obrigará à administração de
glicose a que corresponde elevada probabilidade glucose IV com o objectivo de ser atingido o nível
de lesão funcional. plasmático de glucose > 45 mg/dL;
No recém-nascido saudável, o valor limite de – com base em estudos anatomoclínicos,
normalidade mais consensual em amostra de plas- metabólicos, e de imagiológicos (RMN), para
ma é 40 mg/dL (2,2 mmol/L) após as 12 horas de garantir a homeostase e evitar lesão do SNC,
vida, com valores fisiologicamente mais baixos na mesmo na ausência de sintomatologia, é crucial
primeiras 3 horas de vida, sendo que se atinge o que se mantenha o valor da glicemia > 45 mg/dL
mínimo cerca das 1-2 horas (1,5 mmol/L, 27 mg/dl) no 1º dia de vida, e > 50 mg/dL, a partir das 24
com recuperação espontânea pelas 3 horas de vida. horas de vida.
Este limite tem sido definido em função de
determinados parâmetros: epidemiológico (dois Aspectos epidemiológicos
desvios padrão abaixo da média), clínico (nível
para o qual surge sintomatologia), metabólico A hipoglicémia constitui o problema metabólico
(valor para o qual surge contra-regulação metabó- mais frequente no RN.
lica) ou neurofisiológico (valor para o qual sur- De acordo com diversos estudos epidemiológi-
gem alterações do fluxo cerebral). cos estima-se incidência entre 2 a 3/1.000 nado-
Nesta perspectiva, a definição mais útil é a dita vivos. Tendo em conta as particularidades fisiopa-
operacional, ou seja, a que corresponde ao limiar tológicas da prematuridade e da restrição do cres-
que obrigue a intervenção terapêutica, de acordo cimento intra-uterino, não é de estranhar que em
com a situação clínica do recém-nascido e a pre- tais grupos de RN se verifiquem incidências
sença de factores de risco. maiores (5-10%).
Assim, considera-se valor limite inferior de nor-
malidade da glicémia (determinada em amostra de Etiopatogénese e classificação
plasma) justificando intervenção terapêutica:
– no RN saudável com mais de 3h de vida: <2 A hipoglicémia pode surgir de forma transitória
mmol/L (36mg/dl); no recém-nascido por diversos mecanismos em
1808 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

que predominam: diminuição da oferta de glicose; O exemplo paradigmático deste mecanismo é


ou consumo excessivo de glucose. o hiperinsulinismo fetal/neonatal por hiperplasia
1. Diminuição da oferta de glicose das células β dos ilhéus de Langerhans face à
Como grupos de risco ou de grande probabili- hiperglicémia materna no contexto de diabetes; o
dade de hipoglicémia em que prevalece este efeito no RN quanto a valor glicémico verifica-se
mecanismo, citam-se: após a laqueação do cordão umbilical (hipoglicé-
– Prematuridade (gravidez encurtada) mia nas primeiras horas e tanto mais acentuada e
No RNPT a probabilidade de hipoglicémia mais duradoira quanto mais elevada a hiperglicé-
explica-se sobretudo pelo défice de reservas de mia materna).
glicogénio (fonte de glicose) e de gordura cujo Outros efeitos do hiperinsulinismo são: incre-
acréscimo se verifica sobretudo no terceiro tri- mento da síntese de proteínas e de glicogénio
mestre. hepático causando macrossomia, cardiomiopatia
São também determinantes a imaturidade da com hipertrofia do septo e parede ventricular, e
neoglucogénese (sobretudo por défice da activida- hematopoiese extramedular (Capítulos 184 e 332).
de da fosfoenolpiruvatoquinase) e de várias enzi- (Nota: A síndroma de policitémia/hipervisco-
mas implicadas no metabolismo da glucose. sidade, muitas vezes associada, ou isoladamente,
Verifica-se igualmente imaturidade da cetogénese; constitui também exemplo de consumo incremen-
– Restrição de crescimento intra-uterino (RCIU) tado de glucose pela maior massa eritrocitária).
Nos RN com RCIU os mecanismos são seme- – Outras situações acompanhadas de hiperinsuli-
lhantes aos descritos no RNPT, tendo menor rele- nismo
vância a imaturidade enzimática caso não exista Cabe referir fundamentalmente: 1) a utilização
prematuridade concomitante. Verifica-se o papel de medicamentos administrados à mãe grávida
preponderante das reservas diminuídas de glico- estimulando a produção de insulina e a libertação
génio e de gordura, e do défice de neoglucogéne- de catecolaminas (por ex. corticóides, beta-simpa-
se. De salientar que frequentemente existem situa- ticomiméticos, propranolol, tiazidas,etc.); 2) a uti-
ções associadas susceptíveis de aumentarem o lização de perfusão de dextrose intra-parto com
consumo pré- e pós-parto como a asfixia perinatal. suprimento de glucose superior a 8-10
Uma das particularidades da hipoglicémia na gramas/hora originando estimulação das células
RCIU é a tendência para se prolongar por cerca de β dos ilhéus pancreáticos; 3) certas formas clínicas
48-72 horas. de doença hemolítica por incompatibilidade Rh
– Asfixia perinatal em que se admite que a hemólise maciça, origi-
Nesta circunstância a hipóxia e a acidose, nando incremento da glutationa reduzida, pro-
incrementando a actividade e a libertação de cate- voque estimulação das referidas células β e hiper-
colaminas, levam a glicogenólise e aumento de produção transitória de insulina; 4) nutrição
consumo da glicose por glicólise anaeróbia, parentérica com cateter central, empregando solu-
baixando, por isso, a glucose no sangue. Tal acon- ções com elevada concentração de glucose, poderá
tece por necessidade de suprimento energético à estimular a secreção de insulina com consequente
célula cerebral face ao défice de oxigenação. hipoglicémia; nos casos de cateter arterial umbili-
Este mecanismo é, na generalidade, comum a cal (com solução de dextrose para manutenção da
outras situações como infecção perinatal, hipotermia permeabilidade do mesmo) em posição incorrecta
e RN com cardiopatia congénita cianótica (neste últi- (entre D11 e L1), dirigido para o tronco celíaco que
mo caso em situações acompanhadas de défice de irriga directamente o pâncreas, poderá verificar-se
fluxo sanguíneo hepático dificultando a glico- igualmente estimulação da secreção de insulina
genólise e a saída de glicose para o sangue). com idênticas consequências; 5) exsanguinotrans-
2. Consumo excessivo de glucose fusão com sangue hiperglicémico contendo citra-
Como grupos de risco ou de grande probabili- to-fosfato-dextrose.
dade de hipoglicémia em que prevalece este 3. Outros mecanismos
mecanismo, citam-se: A hipoglicémia pode surgir também de forma
– RN de mãe diabética persistente ou recorrente por diversos mecanis-
CAPÍTULO 340 Alterações do metabolismo da glucose 1809

mos tais como: doenças hereditárias da neoglucogéne- QUADRO 1 – Hipoglicémia neonatal


se, da cetogénese, da glicogenólise, alterações endócri- (formas transitórias)
nas (hipopituitarismo, insuficiência adrenocortical,
défice de hormona de crescimento, hiperinsulinismo Problemas maternos (*)
congénito, certas formas da chamada síndroma de • Diabetes (pré-gestacional e gestacional)
Beckwith – Wiedemann, etc.) • Drogas (beta bloqueantes, hipoglicemiantes orais,
O hiperinsulinismo congénito (anteriormente tiazidas, etc.)
designado nesidioblastose), constituindo a causa • Administração de glicose intra parto
mais comum de hipoglicémia persistente no recém- (>8-10 gramas/hora)
nascido, deve ser destacado. A sua base etiopatogé-
nica engloba várias entidades clínicas a que corres- Problemas neonatais (*)
pondem outros tantos mecanismos: alteração na • Prematuridade (RNPT)
regulação da secreção de insulina, defeitos dos • RN de mãe diabética
canais de potássio regulados pelo ATP, formas • Restrição do crescimento intra-uterino (RCIU) ou
autossómicas recessivas e dominantes (em relação macrossomia
com mutações de genes no cromossoma 11), défice • Asfixia perinatal
da activação da glucoquinase, défice da activação • Hipotermia
desidrogenase do glutamato, défice da isomerase da • Infecção sistémica
fosfomanose, etc.. • Policitémia
A síndroma de Beckwith-Wiedemann tam- • Nutrição parentérica
(*) Consultar texto sobre a etiopatogénese e Capítulo 333
bém merece ser destacada por cursar em 50% dos
casos com hipoglicémia hiperinsulinémica por
hiperplasia das células beta dos ilhéus; caracteri- QUADRO 2 – Hipoglicémia neonatal
za-se fundamentalmente por visceromegalia, (formas persistentes)
onfalocele, macroglóssia, gigantismo e microcefa-
lia. O gigantismo é relacionado com mutações no Causas endócrinas e erros inatos do metabolismo
cromossoma 11p15.5 em região próxima à dos Hiperinsulinismo
genes da insulina e do IGF -2. Por outro lado, asso- • Hiperinsulinismo congénito
cia-se a tendência para certas neoplasias como • Síndroma de Beckwith – Wiedmann
tumor de Wilms, hepatoblastoma, carcinoma da Défice de regulação hormonal
suprarrenal, rabdomiossarcoma, etc.. • Hipopituitarismo
Como será fácil depreender, as formas persis- • Défice de hormona de crescimento
tentes e recorrentes de hipoglicémia, estão habi- • Alterações adreno-corticais
tualmente associadas a manifestações clínicas Défice de oxidação dos ácidos gordos
mais graves e a maior probabilidade de sequelas • Défice de oxidação dos ácidos gordos de cadeia
neurológicas. média e longa
Os Quadros 1 e 2 sintetizam as principais Doenças por erros da neoglucogénese
situações clínicas com risco elevado de hipoglicé- • Défice de frutose 1,6-difosfatase
mia neonatal especificando-se, nalgumas delas, a Glicogenoses
respectiva etiopatogénese. • Défice de glucose-6-fosfatase
[Nota referente à terminologia de hiperinsulinis- • Défice de glicogénio sintetase
mo: Embora no RNMD exista hiperinsulinismo Outras
fetal, o mesmo não é considerado de causa genética • Galactosémia
(permanente), mas adquirido in utero (transitório)]. • Leucinose
• Acidémia propiónica
Manifestações clínicas

Na maioria dos casos a hipoglicémia é assintomá- car-se pelas circunstâncias de aquela não persistir
tica, não se verificando sequelas. Tal poderá expli- para além de 2-3 horas, e de se verificar a utiliza-
1810 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ção de lactato e corpos cetónicos como substratos QUADRO 3 – Investigação em casos de suspei-
metabólicos alternativos. ta de doença endócrina ou erro
As manifestações clínicas de hipoglicémia – que inato do metabolismo (hipogli-
são inespecíficas – globalmente constituem um epi- cémia persistente ou recorrente)
fenómeno da libertação de catecolaminas (por ex.
taquicárdia e sudação), e do défice de glicose cere- Sangue
bral (por ex. tremores, hiperexcitabilidade, letargia, • Metabólitos intermediários (glicose, lactato, piruvato,
convulsões, coma, etc.). Outros sinais associados alanina, ácidos gordos livres e corpos cetónicos)
incluem: apneia, cianose, dificuldade respiratória, • Electrólitos, função hepática, pH e gases no sangue
recusa alimentar, hipotensão, mioclonias, etc.. • Amónia
• Aminoácidos
Diagnóstico • Carnitina total e livre
• Perfil de acilcarnitinas
Uma vez que, como foi referido, a hipoglicémia • Insulina e péptido C, hormona de crescimento, corti-
nem sempre é sintomática, torna-se imprescindí- sol e hormonas tiroideias
vel proceder ao rastreio através de fitas reagentes- Urina
Dextrostix®, BMtest®, etc. – (colheita de sangue • Corpos cetónicos
capilar na região calcaneana) – a partir das 3 • Ácidos orgânicos
horas de vida e nas primeiras 24-72 horas, – nos • Substâncias redutoras
RN considerados de risco elevado, com priorida- Outros
de para: RN PT e/ou de MBP, RN com RCIU, • Exame oftalmológico
RNMD, RN macrossomáticos (>4.000 gramas), • Ecografia transfontanelar ou TAC
RN grandes ou de peso excessivo para a idade
gestacional (percentil de peso > 90 para qualquer
idade gestacional utilizando as curvas de tares e parâmetros laboratoriais a investigar nos
Lubchenco). Por outro lado, tal determinação é casos de hipoglicémia persistente ou recorrente
obrigatória sempre que exista qualquer sinal sus- (suspeita de doença endócrina ou hereditária do
peito. metabolismo) (Capítulo 368).
Chama-se a atenção para a necessidade de a Constituem principais critérios de diagnóstico
técnica de colheita de sangue capilar ser realizada de hiperinsulinismo perante glicose no sangue <
correctamente (cuidados de assépsia e aquecimen- 50 mg/dL: 1) insulina no plasma < 2 µU/mL; 2)
to prévio do pé com o objectivo de promover ácidos gordos no plasma < 1,5 mmol/L; 3) beta-
vasodilatação e facilitar o fluxo de sangue). hidroxibutirato < 2,0 mmol/L.
No RN sem factores de risco, uma determina- A elevação da glucose em 40 mg/dL ou mais
ção confirmada de glicémia plasmática muito após administração de glucagom (50 mcg/kg até
baixa deve levantar a suspeita de hipoglicémia de máximo de 1 mg IV ou IM), coincidindo com
causa metabólica ou endócrina. hipoglicémia, sugere estado hiperinsulinémico
Determinadas situações obrigarão a esclareci- com reservas de glicogénio adequadas e enzimas
mento etiológico mais complexo (investigação da glicogenólise intactas.
alargada incluindo outros exames laboratoriais), Se a amoniémia estiver elevada atingindo 100
nomeadamente: hipoglicémia sintomática no – 200 µM, há que admitir mutação nos genes
recém-nascido de termo, alterações da consciência implicados na activação da desidrogenase do glu-
ou convulsões, hipoglicémia persistente ou recor- tamato /deficiência desta enzima (ver atrás).
rente, necessidade de perfusão endovenosa de gli-
cémia com valores superiores a 10mg/kg/minuto Tratamento
(ver adiante), síndroma malformativa associada a
hiperinsulinismo, e história familiar de morte O objectivo primordial do tratamento da hipogli-
súbita ou de síndroma de Reye. cémia neonatal é manter o nível de glucose
O Quadro 3 resume os exames complemen- plasmática superior a 45 mg/dL.
CAPÍTULO 340 Alterações do metabolismo da glucose 1811

I – Hipoglicémia sintomática nuo por sonda gástrica, acompanhada de redução


Uma vez diagnosticada, e independentemente do lenta do volume de solução de glicose IV conco-
factor etiológico, é utilizado o seguinte procedi- mitantemente administrada;
mento: 2) Durante a correcção da hipoglicémia deve
• Administração de glucose IV em bolus: atender-se a:
200mg/kg (2ml/kg de soro glicosado a 10%) em – regras do suprimento hídrico recomendado
cerca de 2 a 3 minutos; em função do peso de nascimento, dias de vida,
• O referido bolus deve ser sempre seguido de situação clínica, etc.;
administração contínua de glicose IV na dose de ~ – limites máximos de concentração do soluto
8 mg/kg/minuto durante cerca de 1 hora, ao fim de glucose IV: até 12,5% se aplicado em veia per-
da qual se deve proceder à determinação da glicé- iférica, e até 20% se aplicado em veia central.
mia com fita reagente. 3) Como medida inicial de emergência, se o
*Se o valor da glicémia for >45 mg/dL, a dose de acesso venoso for difícil, pode ser administrado
glucose deve ser reduzida para 6 mg/kg/minuto glucagom intramuscular (100mcg/kg em bolus),
durante três horas; se o valor da glicémia se man- que promove a glicogenólise hepática, a neoglico-
tiver > 45 mg/dL, deve reduzir-se progressiva- génese e a cetogénese; no entanto, esta medida
mente o suprimento de glucose em 1 deve ser evitada em RN com RCIU cujas reservas
mg/kg/minuto cada 12 horas (verificando a glicé- de glicogénio (substrato para a acção do gluca-
mia com tira reagente cerca de 1 hora após redução gom) são deficitárias.
da dose) até se atingir a dose de glucose IV de 4 4) Nas hipoglicémias refractárias em geral
mg/kg/minuto, a manter durante mais cerca de (apesar do suprimento aumentado de glicose(o
24 horas com determinações da glicémia de 8-8 hiperinsulinismo, já referido, é um dos exemplos)
horas; se durante a administração IV da solução de está indicada a administração de fármacos hiper-
glucose neste período os valores da glicémia forem glicemiantes:
> 45 mg/dL, suspende-se a perfusão de glucose • Corticosteróides (fármacos de primeira
com ulteriores determinações da glicémia, três a 4 escolha aumentando a neoglicogénese): hidrocor-
vezes por dia em função do contexto clínico. tisona IV(10 mg/kg/dia, em duas doses) ou pred-
*Se o valor da glicemia se mantiver <45 mg/dL nisolona por via oral (1-2 mg/kg/dia em 3 doses)
após bolus inicial e início de perfusão de glucose não ultrapassando 5 dias; nos casos de hiperinsu-
na dose de 8 mg/kg/minuto, deve repetir-se o linismo poderá haver necessidade de tratamento
bolus e aumentar a dose de glucose progressiva- mais prolongado.
mente, não ultrapassando 12 mg/kg/minuto. • Glucagom IM ou IV na dose inicial de 300
No RN com hiperinsulinismo persistente (de- mcg/kg e na dose de manutenção podendo variar
monstração de níveis excessivos de insulina para entre 100 e 200 mcg/kg de 12-12 horas.
as concentrações séricas simultâneas de glicose) • Outros fármacos implicando precauções
adopta-se o seguinte procedimento: especiais e experiência da equipa assistencial:
Deve manter-se a glicémia > 64 mg/dL (> diazóxido IV: 10-15 mg/kg/dia (com efeitos cola-
3,5mmol/L), o que poderá obrigar à necessidade terais importantes, por ex. trombocitopénia, hipo-
de suprimento de glucose da ordem de 15 a 20 tensão,etc.), análogo de somatostatina (octreoti-
mg/kg/min e de soluções glucosadas com do), etc..
concentração superior a 10%. Deve igualmente Nos doentes com hipoglicémia refractária à
manter-se o suprimento alimentar por via entérica glucose IV + diazóxido (até 20 mg/kg/dia) e a
sempre que possível (preferência para o leite análogos da somatostatina, ou com adenoma do
materno, se necessário com a utilização de sonda pâncreas, está indicada a pancreatectomia.
orogástrica) assegurando acesso venoso perma-
nente. II – Hipoglicémia assintomática
Regras práticas importantes: No caso de glicémia inferior a 36 mg/dL (< 2
1) A alimentação entérica (preferência para o mmol/L) tratando-se de RN de termo, assintomá-
leite materno) pode ser iniciada em ritmo contí- tico, de peso adequado para a idade gestacional e
1812 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sem factores de risco, com idade superior a 3 Prognóstico


horas de vida, o RN deve ser alimentado - de pre-
ferência com leite materno – determinando-se a A probabilidade de sequelas neurológicas depen-
glicémia ao cabo de 2-3 horas após a refeição. No de fundamentalmente da gravidade da hipoglicé-
caso de glicémia mantida < 36 mg/dL, ao mesmo mia, da sua duração sem tratamento correctivo, e
tempo que é providenciada a alimentação entérica especialmente da eventualidade de surgimento de
(por via oral ou por sonda em função do contexto convulsões.
clínico) deve ser iniciada administração de soluto As sequelas neurológicas descritas em estudos
de glucose IV na dose de 6 mg/kg/minuto, pro- epidemiológicos dizem respeito a alterações do
cedendo-se depois de modo idêntico ao descrito desenvolvimento cognitivo, a anomalias motoras
atrás para o tratamento da hipoglicémia sintomá- e a convulsões recorrentes.
tica.

Prevenção
2. HIPERGLICÉMIA
As medidas de prevenção da hipoglicémia neona-
tal têm em vista facilitar a adaptação metabólica Definição e importância do problema
do feto à vida extra-uterina na perspectiva dos
eventos descritos a propósito da etiopatogénese. O diagnóstico de hiperglicémia neonatal é biológi-
1 – No RN saudável sem factores de risco: promo- co: define-se pela verificação de glicose plasmáti-
ção do aleitamento materno colocando aquele ao ca em concentração > 125 mg/dL no RN de termo
peito da mãe já no bloco de partos para estímulo e > 150 mg/dL (> 8,2 mmol/L) no RNPT.
da secreção do colostro e láctea; com efeito, o leite Trata-se duma alteração metabólica neonatal
materno diminui o consumo de glicose, fomen- menos frequente que a hipoglicémia, embora ocor-
tando a cetogénese. ra com elevada prevalência nos RNPT submetidos
2 – RN com RCIU e RNPT com idade gestacio- a terapia intensiva, especialmente nos de peso infe-
nal inferior a 32 semanas: suprimento de glicose rior a 1.250 gramas (cerca de 30-40%). Nalguns
endovenosa a 10% em dose semelhante à produ- estudos tem-se verificado elevação da mortalidade
ção hepática endógena (> 6mg/kg/minuto) e iní- e da duração do internamento quando os valores
cio precoce da alimentação com leite materno. da glicémia ultrapassam 150mg/dL nas primeiras
No RNPT em que não haja contra-indicação de 24 horas de internamento.
alimentação entérica, a administração de triglicé- A importância deste problema clínico, com
ridos de cadeia média promove a elevação da gli- implicações prognósticas, decorre fundamental-
cose no sangue; por outro lado, deve ser evitado o mente das repercussões na osmolaridade do soro(o
suplemento de polímeros de glicose pelo risco de incremento de 18 mg/dL de glicémia provoca ele-
intolerância alimentar e pelos riscos associados à vação de 1 mOsm/L) com consequências em
hiperosmolaridade (por ex. enterocolite necrosan- vários territórios, nomeadamente SNC (probabili-
te). dade de hemorragia intraperiventricular-HIPV).
3 – RN de mãe diabética (RNMD): o nadir espe-
rado da hipoglicémia verifica-se em geral cerca Etiopatogénese
das 4-6 horas de vida, podendo manter-se até às
48 horas, particularmente nos casos de glicémia O suprimento excessivo de glicose endovenosa é um
materna pré-intraparto > 8 mmol/L(> 144 factor causal frequente de hiperglicémia, sobretu-
mg/dL). do no RNPT, em relação inversa com o peso de
O procedimento preventivo inclui início preco- nascimento; a frequência atinge o acme nos de
ce da alimentação e determinação da glicémia peso inferior a 1.000gramas. Com efeito, nestes
imediatamente antes da mamada esperando recém-nascidos a neoglucogénese não é totalmen-
obter-se valores estáveis e boa adaptação ao peito te inibida pela presença de glicose, poderá haver
ou biberão. insuficiência de insulina, certo grau de resistência
CAPÍTULO 340 Alterações do metabolismo da glucose 1813

periférica à sua acção, assim como elevação dos QUADRO 4 – Factores etiológicos mais comuns
níveis circulatórios de catecolaminas e cortisol. de hiperglicémia neonatal
A administração parentérica de lípidos constitui
outro factor etiológico: aumenta a neoglucogénese Administração endovenosa
fundamentalmente através do aumento da oxida- • Glicose
ção de ácidos gordos. • Lípidos
Determinados fármacos tais como a dexameta- Fármacos
sona, aminofilina e cafeína poderão originar • Cafeína, aminofilina
hiperglicémia transitória através do estímulo de • Dexametasona
enzimas da neoglicogénese; no caso da cafeína Estresse, dor
verifica-se concomitantemente estimulação de • Asfixia
enzimas da glicogenólise hepática. • Dificuldade respiratória (SDR)
Nas infecções sistémicas (em que existe igual- • Hemorragia intraperiventricular (HIPV)
mente probabilidade de hipoglicémia) o mecanis- • Infecção sistémica
mo desta relaciona-se com anomalias da resposta • Procedimentos cirúrgicos com anestesia
da insulina à elevação da glicose sanguínea, da
neoglicogénese e da glicogenólise por acção de
mediadores inflamatórios. como foi descrito, pode verificar-se perda de peso,
No âmbito de procedimentos cirúrgicos, a hiper- desidratação, e acidose metabólica.
glicémia explica-se pela dor e estresse que origi- No âmbito da vigilância laboratorial da urina
nam libertação de catecolaminas, glucagom e cor- para pesquisa de glicosúria, há que reter uma
tisol favorecendo a glicogenólise hepática. Noutras noção prática importante: algumas tiras reagentes
situações acompanhadas de estresse (asfixia peri- de diagnóstico rápido detectam “açúcares” em
natal, SDR, etc.) verifica-se idêntico mecanismo. geral, os quais poderão englobar outros para além
A hiperglicémia pode igualmente constituir da glicose (como por ex. a galactose, o que indica-
um epifenómeno duma entidade clínica rara desi- ria a presença de galactosémia).
gnada por diabetes mellitus transitória neonatal
(englobando outras alterações para além da hiper- Tratamento
glicémia: desidratação, acidose metabólica e ceto-
némia), associada em cerca de 30% dos casos a A actuação no caso da hiperglicémia deve ser
antecedentes familiares de diabetes mellitus; mais fre- sobretudo preventiva, ponderando o possível efei-
quente nos RN com RCIU, o mecanismo relacio- to dos factores etiológicos descritos eventualmente
na-se com atraso na maturação dos mecanismos presentes. Como norma geral, deve providenciar-
libertadores de insulina das células beta dos se nutrição adequada, mantendo a glicémia no
ilhéus pancreáticos e com sensibilidade extrema à intervalo de valores que não originem diurese
insulina exógena. Habitualmente verifica-se re- osmótica ou necessidade de intervenção agressiva
gressão completa do quadro clínico ao cabo de 1-3 (glicémia entre 150-180 mg/dL). Com a utilização
meses de vida extra-uterina (Capítulo 182). de bombas de perfusão permitindo doses e ritmos
Em suma, no Quadro 4 são discriminados os de administração e concentrações de glicose bem
factores etiológicos mais comuns da hiperglicémia controlados, monitorizando a glicose plasmática e
neonatal urinária, não será necessária a utilização de insuli-
na. Se, apesar dos referidos procedimentos, a glicé-
Manifestações clínicas e diagnóstico mia persistir > 300mg/dL, mesmo reduzindo a gli-
diferencial cose administrada, deve ser utilizada insulina cris-
talina numa dose única de 0,1 a 0,5 Unidades/kg
Em geral a hiperglicémia não se acompanha de IV ou em perfusão (0,1 Unidades /kg /hora, com
manifestações clínicas específicas. A glicosúria monitorização rigorosa da glicémia.
secundária a hiperglicémia pode levar a poliúria. Nos casos comprovados de diabetes mellitus
Nos casos de diabetes mellitus transitória, transitória neonatal pode utilizar-se insulina crista-
1814 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

341
lina IV ou SC: em regra 0,1-0,5 U/kg/dose IV ou
SC de 6-6 ou 8-8 horas, ou de modo contínuo na
dose de 0,1 U/kg/hora.

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Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill Medical, 2011 hora no RN de termo e < 0,7mL/kg/hora nos RN
Sperling MA., Menon RK. Differential diagnosis and manage- pré-termo após as primeiras 24 horas de vida e
ment of neonatal hypoglycemia. Pediatr Clin North Am durante período de 8 a 12 horas ) é um achado clí-
2004; 51:703-723 nico frequente e relevante (70%). No entanto, a
Srinivasan G, Pildes RS, Cattamachi G, Voora S, Lilien LD. IRA pode cursar com diurese normal ou elevada
Plasma glucose values in normal neonates. J Pediatr 1986; (~30%), o que acontece especialmente nos
109: 114-117 RNMBP ou MBP extremo (<1.000 gramas).
Williams A F. Neonatal hypoglycaemia: Clinical and legal Deve admitir-se o diagnóstico de IRA nas
aspects. Semin Fetal Neonatal Med 2005; 10:363-368 seguintes situações:
Yeung MY. Glucose intolerance and insulin resistance in extre- – creatinina sérica > 1 mg/dL no RN de termo;
mely premature newborns, and implications for nutritional ou
management. Acta Paediatr 2006; 95: 1540-1547 – incremento diário de >0,3 mg/dia no RN de
termo ou pré-termo; ou
CAPÍTULO 341 Insuficiência renal aguda no recém-nascido 1815

– não verificação de valor de creatinina sérica QUADRO 1 – Causas principais de IRA no RN


inferior ao da mãe a partir do 5º dia de vida (o
valor no RN diminui até atingir ~0,4 mg/dL). 1) Pré-Renal
Nas formas de IRA não oligúrica estes critérios Hipovolémia (hemorragia fetal/neonatal, choque
são considerados válidos em presença de diurese séptico,enterocolite necrosante, desidratação),
superior a 1 mL/kg/hora, sendo que o diagnósti- hipoperfusão renal(asfixia perinatal,insuficiência
co de tal forma pode passar despercebido se, pe- cardíaca, síndroma de dificuldade respiratória,
rante tal suspeita, não se proceder à determinação intervenção cirúrgica cardíaca, acção de fármacos:
da creatinina sérica. tolazolina, captopril, indometacina).
2) Renal ou Intrínseca
Etiopatogénese e classificação Necrose tubular aguda, anomalias congénitas (agenésia
bilateral, displasia renal, doença renal poliquística,
A IRA pode ser classificada nos seguintes tipos: restrição de maturação glomerular), infecção
1) Pré-renal, relacionada com hipoperfusão (congénita, pielonefrite), vascular renal (trombose
renal ou hipovolémia (70-75%); arterial ou venosa renal, coagulação intravascular
2) Renal ou intrínseca, relacionada com lesão disseminada), nefrotoxinas (aminoglicosídeos,
parenquimatosa renal (3-8%); indometacina, anfotericina B, meios de contraste),
3) Pós-renal ou obstrutiva, relacionada com obstrução intra-renal (nefropatia pelo ácido úrico,
obstrução mecânica da árvore excretora renal (20- mioglobinúria, hemoglobinúria).
25%). 3) Pós-Renal ou Obstrutiva
Quer a IRA pré-renal, quer a pós-renal podem Anomalias congénitas (prepúcio imperfurado, estenose
originar lesão renal ulterior se a patologia de base da uretra, válvulas da uretra posterior, divertículo da
se mantiver durante tempo prolongado (Quadro 1). uretra, refluxo vésico-ureteral primário, ureterocele,
A IRA de causa renal compreende três fases megauréter, síndroma de Eagle-Barrett, obstrução da
junção ureteropélvica), compressão extrínseca(teratoma
designadas respectivamente por:
sacrococcígeo,hematocolpos), obstrução intrínseca
1) inicial, correspondendo à agressão e eventos
(cálculos renais, obstrução fúngica),bexiga neurogénica.
associados que originam lesão celular tubular;
2) de manutenção, em que se verifica diminui-
ção mantida da FGR e elevação da ureia no
sangue; a duração desta fase reflecte, em parte, a inicial, quer através de vasodilatadores, quer atra-
gravidade e duração da agressão inicial; vés de expansão da volémia, poder-se-á reduzir a
3) de recuperação, em que a FGR e a função gravidade da lesão renal. Durante a fase de recu-
tubular são restauradas gradualmente. peração, a perfusão deverá ser mantida para evi-
Os factores hemodinâmicos renais, especial- tar prolongamento da IRA.
mente a vasoconstrição renal, desempenham A IRA pode ser também gerada por compro-
papel importante por intermédio do sistema reni- misso da taxa de filtração glomerular capilar
na-angiotensina-aldosterona. O aparelho justaglo- resultante de alteração da permeabilidade ou da
merular é estimulado no sentido de activação respectiva área , e ou por obstrução do lume tubu-
daquele sistema, contribuindo para diminuir o lar.
débito sanguíneo renal, iniciando-se um ciclo As células epiteliais tubulares, uma vez lesa-
vicioso, o que leva a ulterior isquémia renal e das, separam-se da membrana basal, como que se
lesão tubular; admite-se que determinados com- descamando, ocupando o lume do túbulo e obs-
postos vasoactivos como prostaglandinas e ade- truindo-o. Gera-se, assim, aumento da pressão
nosina desempenham papel importante na vaso- tubular a montante da zona de obstrução que,
constrição renal. sendo superior à pressão de filtração glomerular,
Os mesmos factores hemodinâmicos renais contribui para diminuir a taxa de filtração glome-
são particularmente importantes durante as fases rular.
inicial e de recuperação. Com efeito, se se conse- Outra consequência da lesão e necrose tubu-
guir reverter o défice de perfusão renal na fase lares é a possibilidade de o filtrado glomerular
1816 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(englobando catabólitos, creatinina, etc.) ser reab- Exames complementares


sorvido para a circulação através das fissuras cria-
das na parede tubular pela lesão das respectivas Os resultados de determinados exames comple-
células, o que leva a persistência de valores eleva- mentares laboratoriais obtidos do sangue permi-
dos de creatininémia e de urémia. Os factores tem o diagnóstico de IRA: elevação da creatinina,
tubulares são, assim, muito importantes na fase de ureia, fósforo, magnésio e potássio; diminuição do
manutenção da IRA, sendo que a FGR não melho- sódio e cálcio; e acidose metabólica.
ra enquanto os resíduos tubulares não forem
removidos e a função tubular restaurada. – Creatinina (ver Definições)
Outro aspecto a ter em conta é a possibilidade A propósito da creatinina, cabe salientar:
de produção de radicais livres de oxigénio na fase – a creatinina sérica no RN pré-termo depende
de reperfusão renal pós-isquémica levando a lesão do peso e da massa muscular;
renal por peroxidação lipídica ao nível das mito- – determinados fármacos como as cefalospori-
côndrias do córtex renal. A entrada de cálcio extra- nas e sulfametoxazol podem interferir no resulta-
celular para o espaço intracelular, assim como a do; a cimetidina pode elevar o nível sérico por
redistribuição intracelular do cálcio, podem ter diminuir a secreção tubular.
papel importante no mecanismo de lesão da célu-
la tubular renal através da entrada do mesmo nas – Capacidade de depuração da creatinina (clearance)
mitocôndrias, activando as fosfolipases e promo- Trata-se dum parâmetro mais preciso do que a
vendo a degradação de fosfolípidos. creatinina considerada isoladamente, e representa-
tivo da FGR no RN de termo e pré-termo; como limi-
Manifestações clínicas tação é referida a dificuldade de colheita de urina
durante tempo prolongado.
O diagnóstico de IRA baseia-se em determinadas Recorda-se a fórmula (de Schwartz) que permi-
manifestações clínicas e em resultados de exames te determinar a FGR → FGR (filtração glomerular
complementares. Uma vez que a IRA é frequente renal)= kL/PCr em que:
em RN necessitando de terapia intensiva, há que k = constante: 0.45 no RN de termo e 0.33 no
identificar: RN pré-termo;
1) por um lado, as situações consideradas de L = comprimento em cm;
risco, as quais são dedutíveis da classificação PCr = concentração da creatinina no plasma
etiológica atrás descrita; em mg/dL.
2) por outro, os sinais que poderão alertar para Esta fórmula deverá ser utilizada com precau-
disfunção renal como: RN sem sinais de desidra- ção nos RN com restrição de crescimento intra-
tação em que se verifique diminuição da diurese uterino.
nas primeiras 24 horas de vida, incremento pon- O Quadro 2 resume a evolução pós-natal dos
deral excessivo e sinais de sobrecarga hídrica valores de FGR em diversas idades gestacionais.
(edema, insuficiência cardíaca), hipertensão arte-
rial (HTA), bradicárdia, taquicárdia, arritmia, – Ureia
sinais neurológicos e coma. Na IRA verifica-se elevação progressiva da
De salientar que valores de PA sistólica > ureia no sangue (> 40 mg/dL no RN de termo e >
90/65 mmHg em RN de termo e > 80/45mmHg 30 mg/dL no pré-termo) e incremento diário
em RN pré-termo podem estar associados a sobre- ~5mg/dL.
carga da volémia e expansão do volume extrace- Notas: situações acompanhadas de catabolismo
lular, excessiva secreção de renina e a produção de como infecção sistémica, corticoterapia e supri-
angiotensina II. mento proteico excessivo podem influenciar os
Para fins práticos considera-se hipertensão valores obtidos.
(sistólica/diastólica), respectivamente: >100/70
mmHg no RN de termo; e > 90/60 mmHg no RN – Electrólitos, pH e gases
pré-termo. A IRA acompanha-se de potássio sérico > 6
CAPÍTULO 341 Insuficiência renal aguda no recém-nascido 1817

QUADRO 2 – FGR no RN(mL/min/1,73 m2 /Capacidade de depuração da creatinina

Idade gestacional (semanas) S 1ª S 2ª S 3ª


25-28 5,5-16,5 9,3-21,5 26-69
29-37 9,7-21 15-42,5 33-70
38-42 26-55 41-91 74-117
S= semanas de vida pós-natal

mEq/L, sódio <130 mEq/L, cálcio total < 8 ção da fracção excretada de Na urinário (FeNa)]
mg/dL, além de hiperfosfatémia (> 8 mg/dL) e de acordo com fórmulas a seguir espificadas
hipermagnesiémia (>2,6 mg/dL). (Quadro 3):
A acidose metabólica, ligeira a moderada, tra-
duz-se em geral por pH<7,30 e bicarbonato < 18 e Na urinário/ Na sérico
20 mEq/L, respectivamente no RN pré-termo e de • FeNa = –––––––––––––––––––– x 100
termo. Cr urinária/ Cr sérica

– Diagnóstico diferencial entre IRA pré-renal e


renal ou intrínseca Na urinário
Para o diagnóstico diferencial entre estas duas • IFR = ––––––––––––––––––––
situações utiliza-se a chamada prova de sobrecarga Cr urinária/ Cr sérica
de líquidos no pressuposto de:
– não existir insuficiência cardíaca congestiva;
– não existir obstrução urinária. • Creatinina (Cr) urinária (U) / Creatinina (Cr)
A referida prova consiste em administrar por plasmática (P)
via IV soluto fisiológico (NaCl a 0,9%) na dose de • Osmolaridade U / Osmolaridade P
20 mL/kg em 2 horas; se a oligúria se mantiver,
deverá ser administrado furosemido IV na dose de Estes índices têm elevada sensibilidade para a
2 mg/kg. identificação de IRA nos RN de termo, mas baixa
Se não se verificar débito urinário > 1 especificidade nos RN pré-termo de muito baixo
mL/kg/hora nas duas horas subsequentes, e se o peso. Outras limitações dizem respeito:
RN evidenciar sinais de euvolémia, deverá sus- – à dificuldade de interpretação nos casos em
peitar-se de IRA e proceder-se a restrição de flui- que tenha havido administração prévia de furose-
dos. mido; nesta circunstância o melhor índice a ser
Se a prova de sobrecarga de líquidos não tiver utilizado será a relação Cr U / Cr P que testemu-
êxito, revertendo IRA oligúrica (efeito terapêuti-
co), ou perante IRA não oligúrica, estão indicados QUADRO 3 – Índices Urinários na IRA no RN
os seguintes exames complementares no sangue: de termo
hemograma incluindo contagem de plaquetas, e
determinação de natrémia, bicarbonato, cloro, Pré-Renal Renal
creatinina, ácido úrico, cálcio, fósforo, glucose, Intrínseca
pH, PaCO2 e Pa O2. • Osmolaridade urinária (U) >400 <400
Se for possível obter amostra de urina, deve (mOsm/L)
proceder-se a análise sumária, urocultura e dosea- • Osmolaridade U/Osmol. P >1,3 <1,0
mentos de sódio, creatinina, e osmolaridade. • FeNa (%) <3 >3
Para o diagnóstico diferencial entre IRA pré- • IFR <3 >3
renal e renal ou intrínseca podem ser utilizados • Cr U / Cr P >30 <30
outros critérios [determinação da osmolalidade Abreviatura: Osmol. = Osmolaridade

urinária, índice de falência renal/IFR e determina-


1818 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

nha a reabsorção ao longo do nefrónio e a integri- dente à soma da diurese com as perdas insensíveis
dade tubular; e outras perdas (perdas fecais, perdas pelos vómi-
– à circunstância de os RN pré-termo eviden- tos, perdas de líquidos de drenagem, sondas, etc..).
ciarem habitualmente, como particularidade da Em situações de anúria não se administra
condição de prematuridade, valor de FeNa > 5% sódio nem potássio; havendo oligúria, o supri-
na ausência de IRA intrínseca. mento em sódio deverá ser equivalente à perda
urinária.
– Outros aspectos a valorizar Na IRA poliúrica, o volume do suprimento
Na IRA intrínseca pode verificar-se hematúria deve ser igual ao das perdas, sendo que o supri-
em cerca de 15 a 20% dos casos; igualmente mento em potássio e sódio deverá também ser
poderão surgir proteinúria, cilindrúria (cilindros igual ao das respectivas perdas urinárias.
grosseiros e hemáticos) assim como restos de célu-
las tubulares. 2. Precauções na administração de fármacos
Na IRA funcional a proteinúria é mínima ou Tendo em conta que certos fármacos ou os res-
ausente podendo ser detectados cilindros granu- pectivos metabólitos activos são eliminados pelo
losos finos e hialinos. rim, há necessidade de certas precauções na admi-
Nos RN MBP em que é habitual verificar-se nistração dos mesmos em situação de IRA, reajus-
IRA não oligúrica ou poliúrica, os valores de potás- tando as doses para evitar toxicidade.
sio também variam (elevados, baixos ou dentro da Por outro lado, estando o RN submetido a diá-
normalidade); nestas situações, havendo suspeita lise e sendo alguns fármacos removidos como
clínica e laboratorial, valoriza-se a relação resultado da técnica, os mesmos poderão requerer
Osmolaridade U/Osmolaridade P > 1,0 como a prescrição de dose suplementar.
sugestiva de IRA, o que deverá ser confirmado Como regra geral fácil de reter, as cefalospori-
através da demonstração de diminuição da FGR. nas e as penicilinas têm grande margem de segu-
rança. Pelo contrário os aminoglicosídeos e a van-
Tratamento comicina, pela fraca margem de segurança obrigam
a doseamento sérico; a vancomicina não é removi-
O tratamento da IRA funcional implica a necessi- da por hemodiálise nem por hemofiltração enquan-
dade de promover adequada perfusão renal res- to a gentamicina (aminoglocosídeo) é eficientemen-
taurando a volémia (a propósito do diagnóstico te removida por hemodiálise e parcialmente por
diferencial IRA funcional-IRA intrínseca este diálise peritoneal. (ver adiante – Tratamento)
aspecto já foi abordado ao descrever a prova de Nesta perspectiva podem ser esboçados os
sobrecarga de líquidos). seguintes procedimentos de ordem geral e prática
No caso de o baixo débito renal se relacionar tendo sempre em consideração as especificidades
com a persistência de canal arterial persistente, de cada caso e a farmacocinética do fármaco.
haverá que ter em conta que a expansão da volé- 2.1 – Hipótese de fármaco administrado em per-
mia poderá comportar risco de insuficiência fusão contínua:
cardíaca ou de agravamento da mesma se já esti- – deverá reduzir-se o ritmo de administração
ver instalada; por consequência, é preferível pro- do fármaco
ceder à laqueação cirúrgica do mesmo, associada 2.2 – Hipótese de fármaco administrado de modo
a utilização de diurético. intermitente:
Na IRA intrínseca, em função da etiopatogénese e – poderá diminuir-se a dose parcelar manten-
da gravidade, o tratamento engloba duas vertentes: do-se o intervalo entre doses (sendo que deste
tratamento de suporte e tratamento substitutivo. modo se obtém menor diferença entre o acme e o
nadir da concentração sérica); ou,
Tratamento de suporte – poderá manter-se a dose parcelar aumentan-
1. Administração de fluidos do o intervalo entre doses; ou ainda,
Na IRA de causa renal ou intrínseca está indicada – utilizar as duas estratégias descritas em con-
a administração de volume de fluidos correspon- junto.
CAPÍTULO 341 Insuficiência renal aguda no recém-nascido 1819

3. Hiperpotassémia e hiponatrémia (ver Capí- Nos RN submetidos a nutrição parentérica, se


tulo 338) se verificar estado não catabólico é, em geral, pre-
conizado o emprego de aminoácidos essenciais na
4. Hipocalcémia e hiperfosfatémia dose 0,8 gramas /kg/24 horas; se estado catabóli-
Habitualmente verifica-se diminuição do cál- co: mistura de aminoácidos essenciais e não essen-
cio total, e diminuição ou normalidade do cálcio ciais na dose de 1,5 gramas/kg/24 horas.
ionizado. – Hidratos de carbono
Nos casos sintomáticos utiliza-se gluconato de O suprimento de hidratos de carbono, adapta-
cálcio a 10%: 2-3 mL/kg (18-27 mg/kg de cálcio- do caso a caso (em geral 55-65% do valor energé-
elemento) 4 vezes por dia em perfusão IV ao ritmo tico total), é realizado tendo como base a glicose
de 0,5 mL/kg/minuto até normalização da calcé- (perfusão de 10-20 gramas/kg/24 horas e débito
mia; a normalização da calcémia pode contribuir ~7 – 13 mg/kg/minuto); torna-se necessária a
para a normalização do fósforo. monitorização rigorosa da glicémia a qual deverá
Nos casos de fósfatémia > 7 mg/dL , estando os ser mantida entre 40 e 125 mg/dL.
RN submetidos a alimentação entérica, está indica- – Lípidos
do o emprego de fórmulas com baixo teor em fós- Em regra preconiza-se o suprimento de
foro. Após normalização do fósforo está indicada a emulsões de gordura a 20% (com teor inferior de
administração de metabólito di-hidroxilado de fosfolípidos em relação às emulsões a 10%) na
vitamina D -1,25 (OH)2D3 na dose de 0,125 mcg por dose de 1-1,2 gramas/kg/24 horas, o que corres-
via oral ou IV diária ou em dias alternados, com ponde a cerca de 30% do valor energético total.
vigilância laboratorial de calcémia e fosfatémia. – Energia
Na hipocalcémia e hiperfosfatémia refractárias É recomendado um suprimento mínimo de 100
está indicada a diálise. kcal/kg/dia que poderá ser incrementado até 120
a 150 kcal/kg/dia nos estados hipercatabólicos
5. Acidose metabólica – Vitaminas
Para a correcção da acidose metabólica no Na IRA não está indicada a administração de
contexto de IRA (pH<7,2 e /ou HCO3 < 12 vitaminas lipossolúveis pelo risco de acumulação.
mEq/L) emprega-se o bicarbonato de sódio No que respeita às vitaminas hidrossolúveis, as
(NaHCO3), garantindo ventilação adequada do respectivas necessidades estão aumentadas,
doente, segundo a fórmula: havendo que ter precaução ao administrar vitami-
na C: sendo precursora de ácido oxálico, poderá
HCO3(mEq) a administrar = (HCO3 desejado - provocar secundariamente estado de oxalose.
HCO3 actual) x peso em kg x 0,3
7. Hipertensão arterial
Em função da gravidade da acidose metabóli- A elevação da pressão arterial é geralmente
ca pode considerar-se o valor desejado entre 15 e ligeira e secundária à sobrecarga de fluidos. Nos
20 mEq/L. casos de IRA secundários a doenças renais especí-
ficas, tais como doença renal poliquística e trom-
6. Plano nutricional bose da veia renal, a hipertensão poderá ter evo-
A nutrição adequada contribui para reduzir o lução mais abrupta e mais grave.
catabolismo tecidual e, consequentemente, a pro- O Quadro 4 resume os fármacos mais frequen-
dução de metabólitos nitrogenados. temente utilizados para tratamento da HTA em
– Proteínas situação de IRA do RN.
Nas formas com poliúria e na ausência de esta- No tratamento da HTA (IRA do RN) os fárma-
do catabólico o suprimento de aminoácidos deve cos a utilizar prioritariamente são a hidralazina e
ser da ordem de 0,8-1,0 gramas /kg/24 horas. Nas a nifedipina. Nas crises hipertensivas utiliza-se o
formas acompanhadas de estado catabólico (por nitroprussiato de sódio.
ex. infecções sistémicas) o suprimento de aminoáci- Estando indicado diurético, o furosemido
dos deve ser da ordem de 1,5 gramas/kg/ 24 horas. constitui o fármaco de eleição;de referir que a
1820 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 4 – Tratamento Farmacológico QUADRO 5 – Indicações de diálise


da HTA na IRA do RN
• Hipercaliémia persistente (> 7mEq/L) associada a
Fármaco Dose alterações do ECG
Furosemido 0,5-3 mg/kg/dose IV (até 4 doses/dia) • Insuficiência cardíaca com hipervolémia (anasarca,
Captopril 0,05-0,5 mg/kg PO (até 4 doses/dia) edema pulmonar, etc.)
Hidralazina 0,2 mg/kg/dose IV • Acidose refractária (HCO3 < 12 mEq/L)
0,75-5 mg/kg/d PO • Hipertensão arterial refractária
Propranolol 0,05-0,15 mg/kg/dose IV • Sinais neurológicos associados a hiperazotémia
0,5-2 mg/kg/d PO • Pericardite associada a hiperazotémia
Nifedipina 0,25-0,5 mg/kg PO (até 6 doses/dia) • Hiperfosfatémia
Enalapril 0,005-0,05 mg/kg IV • Hipocalcémia sintomática
Metildopa 5-10 mg/kg PO (até 4 doses/dia) • Hipercalcémia na fase poliúrica
Nitroprussiato • Hiponatrémia sintomática
de sódio 0,5-5 mcg/kg/minuto IV • Hipernatrémia grave
• Hiperazotémia e hipercreatininémia rapidamente
progressivas
espironolactona e os tiazídicos não deverão ser
utilizados se se comprovar diminuição da FGR.
No caso de se provar comparticipação do celares de troca: entrada/saída) as substâncias
SRAA está indicado o captopril (Capítulo 162). tóxicas/catabólitos acumulados no sangue (em
particular a ureia) e que passam por difusão atra-
Tratamento específico vés do peritoneu para o líquido irrigado.
O tratamento dito específico compreende diversas Embora deva ser realizada em UCIN, é uma
técnicas de depuração extra-renal ou de diálise. técnica simples que não exige equipamento sofis-
ticado.
1. Indicações de diálise Utiliza-se um cateter supra-umbilical inserido
Diálise é, afinal, o processo utilizado para em direcção à fossa ilíaca esquerda. A solução de
separar diferentes substâncias dissolvidas e que DP a utilizar contém dextrose (existem soluções
consiste em fazê-las passar através duma mem- com diversas concentrações de dextrose), sódio,
brana; os cristalóides atravessam facilmente a cálcio, magnésio, cloro, lactato (não contendo
membrana, ao passo que os colóides não a atra- potássio nem bicarbonato).
vessam ou o fazem muito lentamente. Em regra são utilizados volumes iniciais de
O Quadro 5 sintetiza as principais indicações troca de 10-20 mL/kg, que podem ser incrementa-
de diálise. dos até 40 mL/kg, vigiando a eventual distensão
Salienta-se que a diálise deverá ser precoce, abdominal e a função respiratória; as trocas são
idealmente iniciada antes da verificação dos efei- feitas entre cada 15 ou 30 minutos (i.e. de acordo
tos das alterações metabólicas e hidroelectrolíticas com a sequência: entrada de soluto → 15 ou 30
descritas. minutos de pausa → saída de soluto, e assim
sucessivamente).
2. Tipos de diálise Como principais contra-indicações da DP
Podem ser utilizadas os seguintes tipos de diá- citam-se: intervenção cirúrgica abdominal recente
lise: (< 48 horas), ECN, discrasia sanguínea, derivação
2.1 Diálise peritoneal (DP) ventriculoperitoneal prévia, defeitos congénitos
A diálise peritoneal é um método de depura- da parede abdominal,etc..
ção extra-renal por irrigação contínua e prolonga-
da da cavidade peritoneal, com uma solução ligei- 2.2 – Hemodiálise
ramente hipertónica em relação ao plasma, que Esta técnica (necessitando de acesso vascular,
permite remover de modo parcelar (volumes par- anticoagulação sistémica, monitorização rigorosa e
CAPÍTULO 341 Insuficiência renal aguda no recém-nascido 1821

equipamento muito especializado) não é utilizada no Pediatria /American Academy of Pediatrics. Madrid:
período neonatal devido à possibilidade de reper- Panamericana, 2010
cussões hemodinâmicas indesejáveis que determina. McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
2.3 – Hemofiltração e hemodiafiltração Livingstone, 2008
Trata-se de técnicas de depuração extracorpo- Polin R A, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
ral contínua; são utilizadas, para além da IRA, University Press, 2008
igualmente em situações de infecção sistémica Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA
com o objectivo de remoção de toxinas microbia- (eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
nas e de citocinas. Como contra-indicações citam- Medical, 2011
se as coagulopatias, hipotensão e dificuldade de
acesso venoso.
Não cabendo nos objectivos do livro pormeno-
rização destas técnicas, salienta-se que as mesmas
implicam, entre outros requisitos, a necessidade
de acesso arteriovenoso ou venovenoso, heparini-
zação e respectivo controlo laboratorial, hemofil-
tros com membranas de características diversas,
soluções de diálise para “troca”, etc..
Como vias de acesso vascular na hemofiltração
podem ser utilizadas a artéria e veia umbilical, a
veia femoral e a veia subclávia, sendo que os cate-
teres indicados poderão ser os convencionais para
a veia ou artéria umbilical, e cateteres especiais de
lume único ou duplo.

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1822 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

da (isto é, nascido prematuramente) esta fase a


Alimentação e nutrição que corresponde grande velocidade de crescimen-
no recém-nascido de alto risco to in utero ocorre em ambiente extra-uterino. Por
isso, o suprimento nutricional adequado ao RNPT
constitui um verdadeiro desafio para os pediatras-
neonatologistas tendo em conta diversos factores

342
tais como as particularidades ou limitações anato-
mofisiológicas inerentes, designadamente no que
respeita à imaturidade do tubo digestivo (Capítu-
los 326 e 331).
Neste capítulo são abordados aspectos funda-
mentais e algumas especificidades da alimentação
NUTRIÇÃO ENTÉRICA NO no RN pré-termo, em complemento do que foi
referido nos Capítulos 51- 53. Salienta-se que este
RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO tópico corresponde a uma área do conhecimento
científico em que existem controvérsias e dúvidas
João M. Videira Amaral pela falta de estudos aleatórios e controlados.

Objectivo da nutrição do RNPT

Importância do problema A Academia Americana de Pediatria (AAP) reco-


menda que o regime nutricional considerado
A nutrição do RN pré-termo (RN PT) pode consi- “ideal” para os RNPT proporcione taxas de cresci-
derar-se uma urgência nutricional tendo em consi- mento e desenvolvimento semelhantes às obser-
deração a escassez de reservas de nutrientes acu- vadas no período pré-natal sem, no entanto,
muladas durante a gestação. Pode deduzir-se que conduzir a sobrecarga das funções metabólica e
quanto menor a idade gestacional e o peso de nas- excretora ainda imaturas, com vista ao desenvol-
cimento, menor a quantidade de reservas; este vimento neurológico normal.
aspecto tem, pois, maior acuidade nos RN de Diversos estudos recentes têm chamado a
muito baixo peso (RN MBP) – inferior a 1500 gra- atenção para os riscos inerentes a uma estratégia
mas, pois o período de maior acumulação de nutricional dita “mais generosa mas agressiva”
reservas de nutrientes e de energia corresponde ao que, embora produzindo melhores taxas de cresci-
terceiro trimestre da gestação. mento a curto prazo, podem conduzir a proble-
Com efeito, é no período compreendido entre mas metabólicos e cardiovasculares tardios; é o
a 26ª e 36ª semanas pós-concepcionais que se veri- chamado dilema nutricional que é colocado ao
ficam maior velocidade de ganho de peso e de neonatologista (Capítulo 45).
crescimento longitudinal por hiperplasia e hiper- Na prática, o crescimento considerado ade-
trofia celulares (maior que em qualquer outro quado para um lactente com antecedentes de pre-
momento da vida humana incluindo o período da maturidade deverá ser semelhante ao crescimen-
puberdade). Contudo, a esta fase corresponde to que teria in utero, o que corresponde ao incre-
também grande vulnerabilidade (trata-se do mento de cerca de 10-15 gramas/kg/dia. Todavia
conceito de período crítico) pela maior possibilida- tal nem sempre é possível tendo em conta a mul-
de de efeitos adversos caso surjam carência ou tiplicidade de problemas clínicos associados à
inadequação de suprimento em energia e nu- prematuridade, que comprometem as possibili-
trientes, com repercussões futuras; este aspecto dades de suprimento de nutrientes; de tal situa-
tem maior relevância ao nível do sistema nervoso ção poderão resultar défices nutricionais impon-
pela possibilidade de alterações irreversíveis no do eventualmente necessidades suplementares, o
campo da cognição e comportamento. que deverá ser tido em conta na fase de recupera-
No RN com antecedentes de gravidez encurta- ção.
CAPÍTULO 342 Nutrição entérica no recém-nascido pré-termo 1823

Métodos de alimentação QUADRO 1 – Necessidades energéticas (kcal/


/kg/dia) em função do consumo
O suprimento de nutrientes e energia pode reali-
zar-se de dois modos: por via entérica e por via Energia para a manutenção 40-70
parentérica. Dispêndio metabólico em repouso 40-60
No sentido lato, a chamada alimentação entérica Dispêndio com a actividade 0-5
(AE) é um método em que é utilizada a via fisioló- Dispêndio com a termorregulação 0-5
gica – a digestiva – para suprimento alimentar Energia para o crescimento 35-55
incluindo a alimentação natural “ao peito”(leite Dispêndio com a síntese 15-20
materno), por biberão contendo fórmula ou alimen- Energia proveniente das reservas 20-35
tos especiais, ou por sonda gástrica; no sentido Energia para digestão/absorção
restrito ela diz respeito à administração de leite e perdida nas fezes 15
materno, de fórmula, ou de alimentos especiais sub-
stitutivos, por sonda gástrica (consultar Glossário).
A chamada nutrição parentérica (NP) é um mL/kg/dia (em situações específicas, podendo
método em que os nutrientes e energia são admi- ultrapassar 160 mL/kg/dia).
nistrados por via IV nos casos em que a situação
clínica do RN não permite a utilização da via Energia
digestiva; pode ser total (administração exclusiva) De acordo com a ESPGHAN e AAP tem sido reco-
ou parcial (associada à alimentação por via diges- mendado para RNPT em alimentação entérica, a
tiva). Embora seja dada ênfase neste capítulo à partir da primeira semana de vida, o suprimento
nutrição do RNPT, cabe referir que, em função do energético, respectivamente, de 110-150 kcal/kg/
estado clínico do RN, a alimentação entérica por dia, e de 120 kcal/kg/dia. Suprimentos superiores
sonda gástrica e a nutrição parentérica também a 150 kcal/kg/dia estão indicados se o crescimen-
são utilizadas em RN de termo. A NP no RN ,quer to não for satisfatório.
seja ou não PT, é abordada no Capítulo 343. Quer se trate de AE, quer de NP, os macronu-
trientes são distribuídos do seguinte modo em ter-
Necessidades nutricionais mos de percentagem (%) relativa do valor calórico
total (VCT):
Fluidos – Proteínas: ~15% VCT <> 3,5 g/kg/dia;
As necessidades em fluidos do RN variam em – Hidratos de carbono: ~55-65% VCT<> 16
função da idade gestacional, peso de nascimento, g/kg/dia;
idade pós-natal e respectiva situação clínica e – Gorduras: ~35-50% VCT<> 7 g/kg/dia.
ambiental. Como complemento do que foi expla-
nado no Quadro 1 do Capítulo 51, sugere-se a O Quadro 1 discrimina a energia consumida
consulta do Capítulo 343. que justifica tais necessidades no RNMBP.
Salienta-se que os RN em incubadora berço
aquecido com aquecimento radiante superior Salienta-se que no RN submetido a nutrição
requerem maior suprimento em líquidos do que parentérica as necessidades energéticas são
os RN em incubadora em ambiente de humidade menores uma vez que não é consumida energia
controlada. Os RN com peso < 1.000 gramas nas com a digestão e absorção intestinais, nem se veri-
primeiras 24 horas de vida poderão necessitar de fica perda energética pelas fezes. Com efeito, veri-
> 100-150 mL/kg/dia, obrigando a vigilância ficam-se incremento ponderal e taxas de retenção
rigorosa da diurese, peso e doseamento de elec- de azoto com suprimento energético da ordem de
trólitos no sangue. 80-100 kcal/kg/dia.
Como valores médios no RN pré-termo em Pelo contrário, as necessidades em energia
geral, oscilando em função das perdas, idade ges- podem ser superiores em RN com actividade
tacional e idade pós-natal, são estabelecidas as aumentada, hipotermia, SDR, infecção, situações
necessidades em fluidos da ordem de 140-160 submetidas a intervenção cirúrgica, RCIU, etc..
1824 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Proteínas e aminoácidos crescimento e desenvolvimento do SNC, salien-


No RN PT as necessidades de proteínas e aminoá- tando-se o seu papel fundamental na sinaptogé-
cidos devem ser individualizadas em função da nese, mielinização, assim como no desenvolvi-
idade gestacional, idade pós-natal e condição clí- mento da retina e da membrana celular; da com-
nica tendo em vista garantir a sua utilização. Por posição estrutural desta última cabe salientar os
outro lado, deve haver uma relação adequada ácidos gordos poli-insaturados de longa cadeia
entre suprimento de proteínas e aminoácidos e (LCPUFA): o ácido docosa-hexanóico (DHA) e o
suprimento energético. Suprimento excessivo ácido araquidónico (ARA). Uma vez que somente
pode levar alterações metabólicas com efeito dele- a partir do terceiro trimestre da gestação se verifi-
tério ao nível do SNC, enquanto suprimento defi- ca o maior acréscimo dos referidos nutrientes,
citário poderá conduzir a défice de mielinização e torna-se fácil compreender a especial vulnerabili-
de crescimento dos órgãos. dade do RNPT ao défice de suprimento daqueles,
Recorda-se que para além dos aminoácidos sendo que a incorporação de LCPUFA nas mem-
essenciais “clássicos” para o adulto da espécie branas neurais depende da transferência transpla-
humana e também para a criança, acrescentam-se centar dos referidos ácidos gordos e do suprimen-
para o RNPT: arginina, cistina, taurina, glicina e to pós-natal.
tirosina. Tratando-se de AE, o suprimento de gorduras,
Uma limitação no RN PT é a imaturidade deve corresponder a 7 gramas/kg/dia; para evitar
enzimática (por ex. das vias de degradação, das a deficiência em ácidos gordos essenciais (desi-
vias do ciclo da ureia, da fenilalanina-hidroxilase, gnadamente ácido linoleico e linolénico) torna-se
etc.) sendo que o suprimento excessivo de ami- necessário o suprimento mínimo de 0,5-1
noácidos poderá dar origem a alterações metabó- grama/kg/dia (~2-4% do VCT); as gorduras na
licas tais como hiperamoniémia, urémia, hiperti- totalidade não deverão ultrapassar 50% do VCT.
rosinémia, com riscos vários incluindo o de toxici-
dade neurológica. Minerais, oligoelementos e vitaminas
Para evitar o catabolismo torna-se necessário o As necessidades em minerais, oligoelementos e
suprimento mínimo de 1,2 a 2 gramas/kg/dia (para vitaminas, abordadas de modo genérico no
a alimentação entérica) e 1 a 1,5 gramas/kg/dia Capítulo 51, são especificadas para o RN no
(para a nutrição parentérica, no pressuposto de Capítulo 343.
suprimento energético de 30 kcal/kg/dia).
Um aspecto importante a reter é o seguinte: o Esquemas de alimentação entérica (AE)
suprimento de aminoácidos, mesmo com baixo
suprimento energético, poupa as proteínas endó- Vias de administração
genas por aumentar a síntese proteica. Nos RN com idade gestacional igual ou superior a
34 semanas e/ou sucção-deglutição estabelecida,
Hidratos de carbono a administração de leite deve ser iniciada por via
Os hidratos de carbono constituem uma fonte oral e ao peito da mãe (por conseguinte, em condi-
energética de rápida utilização, o que contribui ções ideais, com leite materno); caso tal não seja
para evitar o catabolismo tecidual. Em condições possível, poderá administrar-se leite de fórmula
de estabilidade clínica, e em obediência à %VCT, adequado à condição clínica do RN PT através de
foi estabelecida a necessidade de suprimento biberão/tetina.
médio ~ 16 gramas/kg/dia. O principal hidrato Nos RN com idade gestacional inferior a 34
de carbono como fonte energética é a glicose semanas, ou naqueles em que a situação clínica
armazenada sob a forma de glicogénio cujo acrés- não permite a sucção, a alimentação entérica é
cimo (tal como as gorduras) se verifica sobretudo propiciada através de técnicas utilizando, dum
no terceiro trimestre. modo geral, sondas:
– nasogástrica (de mais fácil fixação do que a
Gorduras orogástrica, mas aumentando a resistência da via
As gorduras são nutrientes importantes para o aérea);
CAPÍTULO 342 Nutrição entérica no recém-nascido pré-termo 1825

– orogástrica (preferida nos casos de SDR e/ou duas técnicas podem ser utilizadas: intermitente
com risco de apneia); (com seringa, injectando o leite em bolus, ou com
– transpilórica (com uma oliva de tungsténio seringa vertical sem êmbolo-método gravitacio-
na extremidade, “mais pesada”, para facilitar a nal), contínua empregando bomba de perfusão,
passagem desta para o duodeno enquanto se veri- ou combinação das duas:
fica peristaltismo); está indicada nos casos de 2.1 – Intermitente
refluxo gastresofágico importante ou intolerância A administração do leite materno ou fórmula
gástrica; com tal sonda não é possivel beneficiar pela via gástrica intermitente (cada 2 ou 3 horas) é
das enzimas gástricas que promovem a digestão considerada mais fisiológica relativamente à
das gorduras). contínua pelo facto de favorecer o processo cíclico
Em situações específicas o leite ou alimento de secreção das hormonas intestinais e do sistema
líquido pode ser administrado através de acessos biliar, propiciando melhor tolerância; por outro
cirúrgicos (gastrostomia ou jejunostomia). lado, não exige o emprego de bombas de perfusão
As sondas convencionais, fabricadas com e comporta menor risco de precipitação dos
polietileno ou cloreto de polivinil, devem ser sub- nutrientes no sistema de administração.
stituídas cada 3-4 dias. Actualmente são utilizadas Utiliza-se em geral o seguinte esquema (versá-
sondas de poliuretano ou silicone, mais flexíveis, til em função da tolerância), considerando
de maior diâmetro interno, e menos susceptíveis volumes por refeição de 2-2 ou de 3-3 horas):
de originarem lesão traumática da mucosa.
→ RN de peso < 1000 gramas:
Técnicas volume inicial: 10-20 mL/kg/dia; incremento
O objectivo principal da alimentação no RN PT de + 10 mL/kg/dia nos RN com peso < 750 gra-
(após período fisiológico inicial de perda e de recupera- mas, e de + 20 mL/kg/dia nos RN com peso entre
ção do peso de nascimento) é propiciar um cresci- 750-999 gramas
mento aproximado ao verificado in utero para
idêntica idade gestacional (~10-25 gramas/kg/ → RN de peso 1000-1499 gramas:
/dia). Menor acréscimo de peso indicará, em volume inicial: 20-30 ml/kg/dia; incremento
princípio, suprimento energético deficitário, de + 20 mL/kg/dia
enquanto acréscimo superior poderá estar relacio-
nado com sobrecarga de fluidos. Na prática, tal → RN de peso 1500-2499 gramas:
objectivo é em geral conseguido com suprimento volume inicial: 30-40 ml/kg/dia; incremento
de volume de leite entre 150-160 mL/Kg/dia. de + 30-40 mL/kg/dia
Tratando-se de alimentação com fórmula,
poderá haver, de facto, variação do volume dentro → RN de peso igual ou superior a 2500 gramas:
de pequenos limites tendo em conta a concentra- volume inicial: 50 ml/kg/dia; incremento de +
ção calórica utilizada(por ex. 80 kcal/100 mL ou 50 mL/kg/dia
70 kcal/100 mL).
O objectivo desta progressão em volume (que
1. Nos RN alimentados por via oral (excluindo deve ser individualizado em função do estado clíni-
RN com aleitamento materno exclusivo) pode ser co) é atingir 140-160 ml/kg/dia, salientando-se que
utilizada a seguinte estratégia: este esquema não se aplica aos RN alimentados PO.
– RN com peso de nascimento entre 1.500-
2.000 gramas: 3-4 mL cada 3 horas com incremen- 2.2 – Contínua
tos diários por refeição de 3-4 mL; Aplicam-se neste caso as regras respeitantes
– RN com peso de nascimento superior a 2.000 aos volumes a administrar atrás mencionadas.
gramas: 5 mL cada 3 horas com incrementos diá- A alimentação gástrica contínua está especial-
rios por refeição de 5 mL . mente indicada nos casos de prematuridade extre-
ma (RN de peso inferior a 1000 gramas), SDR, e
2. Nos RN alimentados por sonda gástrica intolerância à técnica intermitente.
1826 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

3. Intermitente/contínua Preparados de reforço nutricional


Trata-se duma variante que combina as técni- do leite materno
cas de administração intermitente e contínua: por Está provado que o leite da própria mãe do RN
ex. alimentação contínua durante uma hora segui- pré-termo (leite materno pré-termo) é o preferido
da de pausa de 2-3 horas. para o mesmo, especialmente se se tratar de
RNMBP. Tal se explica pela maior biodisponibili-
Alimentação entérica mínima ou trófica dade de nutrientes, propriedades imunológicas,
Está provado que o jejum prolongado, originando presença de enzimas, hormonas e factores de cres-
atrofia da mucosa intestinal, compromete a inte- cimento.
gridade anatomofisiológica da mesma e facilita, Relativamente ao leite humano de termo
entre outros efeitos adversos, a passagem de bac- (maturo), o de pré-termo possui maior carga caló-
térias para a corrente sanguínea. Por outro lado, rica, e maior concentração de proteínas, sódio, e
demonstrou-se que a utilização de pequeno volu- cloro; por outro lado, possui mais baixa concen-
me de leite (idealmente materno) sem objectivos tração de lactose do que o leite humano maturo.
de cumprimento das necessidades nutricionais, Estas diferenças em composição, que persistem
constitui importante estímulo para garantir a refe- durante o 1º mês de lactação, são consideradas
rida integridade anatomofisiológica e imunológi- benéficas para o RN pré-termo.
ca do tracto intestinal, uma vez que o mesmo Apesar destas diferenças, diversos estudos
conduz à libertação de factores de crescimento, de sugerem que o leite humano pré-termo não satis-
secreções exócrinas várias (pancreáticas, biliares, faz as necessidades para o crescimento de RN pré-
etc.), à secreção de hormonas intestinais com efei- termo quanto a proteínas, cálcio, fósforo, sódio,
tos trófico, maturativo, e de estímulo da motilida- ferro, cobre, zinco e algumas vitaminas. Nesta
de intestinal, etc.. Os resultados a curto e médio perspectiva, tem sido recomendada a suplementa-
prazo são, fundamentalmente, menor incidência ção ou enriquecimento do leite materno a admi-
de intolerância alimentar e de colestase, menor nistrar a RN pré-termo com preparados em pó
tempo de NP, mais fácil transição para a AE (comercializados em pacotes) reforçando o
“plena”, etc.. conteúdo do mesmo em energia, proteínas, hidra-
Na prática, a partir da fase de estabilização hemo- tos de carbono, cálcio e fosfato. No Quadro 2 mos-
dinâmica, e desde o 1º dia, administra-se leite (0,5- tra-se o incremento obtido com a referida suple-
10 mL/kg/dia, sendo o volume total dividido em mentação.
várias parcelas nas 24 horas, cada 3, 4, 6 ou 8 horas, A adjunção do reforço ao leite humano nas
por ex. em função do contexto clínico e tolerância); circunstâncias referidas é iniciada a partir do
é a chamada alimentação entérica não nutricional suprimento ≥ 100 mL/dia.
ou trófica. O volume de leite deve ser incrementa- Noutros tipos de suplementação podem ser
do em função da situação clínica do RNPT, poden- utilizados polímeros de glucose (3,8 kcal/grama
do eventualmente haver necessidade de o reduzir de pó), ou triglicéridos de média cadeia, [reque-
se se verificar intolerância.
Por outro lado, a chamada “sucção não nutri- QUADRO 2 – Incremento nutricional do leite
cional” ou não acompanhada de suprimento de materno após suplementação
leite, deve ser estimulada nos RN PT o mais pre- (por 100 mL de leite materno)
cocemente possível (inicialmente com chupeta,
dedo com luva esterilizada, e, se houver condi- Energia (kcal): 10 → 14
ções clínicas, com o mamilo-aréola da mãe Proteínas (g): 0,6 → 1g
mesmo antes da chamada “subida do leite”), não Hidratos de carbono (g): 2 → 2,4
só como “habituação” para a fase de autonomia Gordura (g): vestigial
de sucção/deglutição de leite, mas igualmente Sódio (mmol): 0,3 → 0,9
pela razão de a referida sucção constituir um Cálcio (mmol):1 → 2,2
estímulo para a secreção láctea e da lipase sali- Fósforo (mmol): 0,7 → 1,2
var.
CAPÍTULO 342 Nutrição entérica no recém-nascido pré-termo 1827

rendo mínima digestão por serem absorvidos Nalguns centros utiliza-se em situações selec-
directamente para o sistema porta (7,7 kcal/mL)]. cionadas de intolerância alimentar, a eritromicina
(doses de 3-5 mg/kg/dia), tendo em conta o seu
Fórmulas para pré-termo efeito procinético (por se tratar de um agonista da
Na ausência de leite humano, as fórmulas para motilina). Tal estratégia implica atenção à possibi-
pré-termo constituem o substituto mais apropria- lidade de efeitos adversos. O efeito procinético é
do. Em comparação com as fórmulas para bebés explicado pelo estímulo: – da libertação de motili-
de termo, aquelas possuem mais elevada concen- na endógena; e – dos nervos colinérgicos do trac-
tração de proteínas (2,5 g/100 mL contra 1,8 g/100 to gastrintestinal com consequente libertação de
mL), maior carga calórica (75 kcal/100 mL contra cálcio e contracção da musculatura intestinal.
90 kcal/100 mL), e mais elevada concentração de
minerais, vitaminas e oligoelementos. BIBLIOGRAFIA
Birch EE, Garfield S, Castañeda Y, Hughbanks-Wheaton, Uauy
Regras práticas da AE R, Hoffman D. Visual acuity and cognitive outcomes at 4
1. O resíduo gástrico – a verificar antes de cada years of age in a double-blind, randomized trial of long-
refeição – não deverá exceder o volume de 2-4 chain polyunsaturated fatty acid –supplemented infant for-
mL/kg; caso tal se verifique, o referido volume mula. Early Human Development 2007; 83: 279-284
residual deve ser reintroduzido (com o objectivo Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
de manter o balanço electrolítico); ou seja, o volu- Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
me da refeição próxima deve ser subtraído do Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona: Ergon, 2011
volume correspondente ao referido resíduo. Delange FM, West KP(eds). Micronutrient Deficiencies in the
2. A alimentação entérica deve ser suspensa – First Months of life. Basel: Karger/Nestlé Nutrition
por período variável em função do contexto clíni- Institute, 2003
co – nos casos de distensão abdominal, vómitos Ehrenkranz RA, Younes N, Lemons JA, et al. Longitudinal
ou dificuldade respiratória. growth of hospitalized very low birth weight infants.
3. A presença de resíduo gástrico > 10 mL/kg Pediatrics 1999;104:280-289
poderá dever-se a alteração funcional da motilida- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
de em relação com a prematuridade, ou a patolo- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
gia oclusiva diversa: ECN, esquema alimentar 2011
inadequado, alterações metabólicas, infecção sis- Koletzko B. Pediatric Nutrition in Practice. Basel: Karger, 2008
témica, hipotermia, hipoxémia, etc.. Modi N. Management of fluid balance in the very immature
4. Após a refeição o RN (monitorizado) deve neonate. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2004;89:F108-
ser colocado em decúbito ventral com a cabeça e 111.
tronco elevados. Ng YY, Su PH, Chen JY, et al. Efficacy of intermediate-dose oral
5. As crianças necessitando de AE prolongada erythromycin on very low birth weight infants with fee-
durante vários meses poderão ser candidatas à ding intolerance. Pediatr Neonatol 2012; 53:34-40
gastrostomia. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Transição da via entérica para a via oral Medical, 2011
Dum modo geral esta transição deve ser gradual
e ter início quando a situação clínica o permitir:
coordenação da sucção – deglutição, estabilida-
de clínica, idade corrigida superior a 34 sema-
nas e peso superior a 1500 gramas. No caso de
crianças com antecedentes de gastrostomia, tal
transição poderá ser mais difícil implicando
eventualmente a necessidade de colaboração da
equipa de fisiatria tendo em vista a estimulação
motora.
1828 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Indicações

343 A NP neonatal está indicada nas seguintes situa-


ções:
– Prematuridade, nomeadamente a prematuri-
dade extrema (RN com idade gestacional < 28
semanas e/ou de peso inferior a 1.000 gramas)
NUTRIÇÃO PARENTÉRICA com problemas associados tais como insuficiência
respiratória.
NO RECÉM-NASCIDO – Restrição de crescimento intrauterino (RCIU)
associada a alterações graves da fluxometria da
Luís Pereira-da-Silva artéria umbilical ou, após o nascimento, a alterações
da fluxometria na artéria mesentérica superior.
– Anomalias congénitas do aparelho digestivo
requerendo intervenções de grande cirurgia (por
Definição e importância do problema ex. atrésia do esófago, atrésia intestinal, gastros-
quise,etc.).
Mesmo que as estratégias ventilatória e antimi- – Doenças do tubo digestivo, como a enteroco-
crobiana praticadas numa unidade de cuida- lite necrosante e a síndroma do intestino curto.
dos intensivos neonatais sejam de excelência, a – Asfixia perinatal grave,etc..
qualidade assistencial praticada nestas pode
considerar-se deficitária se não for dada aten- Contra-indicações
ção ao suporte nutricional do RN em estado
crítico. A NP não deve ser iniciada, ou deve ser interrom-
Recém-nascidos (RN) total ou parcialmente pida ou reduzida, em presença de uma das
impossibilitados de alimentação por via entérica, seguintes situações: desidratação, fase aguda de
requerem, tal como foi referido no Capítulo 342, a infecção, importantes desequilíbrios iónicos, da
chamada nutrição parentérica (PN). Trata-se de glicémia e da calcémia, acidose metabólica, insufi-
um método em que os nutrientes são administra- ciência renal aguda e insuficiência hepática aguda.
dos por via IV nos casos em que a situação clínica
não permite a utilização da via digestiva; pode ser Características gerais e preparação
total (administração exclusiva) ou parcial (associa- dos componentes
da à alimentação por via digestiva).
Apesar de haver, desde há muito, programas Alguns autores têm proposto preparados de NP
informatizados que auxiliam a prescrição de NP neonatal prontos a usar, de constituição fixa, com
neonatal, as premissas em que assentam os res- vantagens económicas ao evitar o consumo de
pectivos protocolos não são muitas vezes consen- tempo e recursos na preparação dos componentes
suais e estão em contínua mudança. de modo personalizado, doente a doente.
Neste capítulo é feita uma abordagem do Outros autores têm alertado para o facto de
tópico em epígrafe com base na experiência do determinada composição fixa ou padronizada de
autor, e nos Consensos Nacionais sobre Nu- nutrientes ser inadequada na primeira semana de
trição Parentérica no Recém-Nascido, sob os vida, e para o risco de degradação de certas vita-
auspícios da Secção de Neonatologia da Socie- minas hidrossolúveis em soluções prontas a usar.
dade Portuguesa de Pediatria, revistos e publi- Também, por motivos económicos, alguns autores
cados em 2008 na Acta Pediátrica Portuguesa propõem a administração conjunta de todos os
(2008;39: 125-134) por L. Pereira-da-Siva, et al, nutrientes numa só bolsa, incluindo os lípidos, ao
sugerindo ao leitor a consulta da Bibliografia e contrário do modo clássico em que se utiliza uma
doutros Capítulos relacionados (48, 50, 338-340, bolsa para soluto de glucose, aminoácidos e elec-
342). trólitos, e outra para os lípidos. A estratégia em
CAPÍTULO 343 Nutrição parentérica no recém-nascido 1829

que é utilizada uma bolsa tem o inconveniente de ma, fosforémia, magnesiémia, ureia no sangue e
os lípidos poderem conduzir à precipitação de cál- creatininémia.
cio e fósforo e de, ao tornarem a solução ligeira-
mente opalescente, dificultarem a detecção Após a primeira semana
macroscópica de microcristais de fosfato de cálcio. Dum modo geral, e sem prejuízo de situações
No Hospital Dona Estefânia a preparação dos pontuais, está indicada avaliação semanal dos
solutos e emulsões é feita pela equipa de farma- seguintes parâmetros, para além dos já descritos
cêuticos e técnicos de farmácia no respectivo ser- em relação à 1ª semana:
viço hospitalar em condições de assepsia rigoro- – Transaminases (ALT e AST), fosfatase alcalina,
sa(área isolada, em câmara de fluxo laminar, utili- bilirrubinas total e conjugada, gama-glutamil trans-
zação de luvas e batas esterilizadas, etc.) median- peptidase (γ-GT), trigliceridémia, albuminémia e
te prescrição médica diária; utilizam-se duas bol- amoniémia. Com os micrométodos actualmente
sas como foi referido atrás. disponíveis, não é necessário proceder a colheitas
de sangue de volume superior a 1 a 2 ml de sangue.
Vigilância clínico – laboratorial
Modo e vias de administração
A administração de NP de modo correcto e segu-
ro implica vigilância clínica e laboratorial na pers- De um modo geral, a NP total (NPT) é adminis-
pectiva de detecção de possíveis complicações e trada empregando dois recipientes ou bolsas inde-
de indispensáveis reajustamentos. pendentes, respectivamente com duas tubagens
O exame clínico deve ser rigoroso para avalia- ou linhas de perfusão próprias, ligadas a uma
ção constante do estado de hidratação e detecção conexão em Y colocada na parte terminal das mes-
de sinais sugestivos de infecção ou de problemas mas, o mais proximamente possível ao local de
metabólicos, e do estado de nutrição e crescimen- venoclise (com ou sem cateter central).
to através da medição de parâmetros antropomé- Uma bolsa contém uma solução hidroelectrolí-
tricos (peso, comprimento e perímetro cefálico). tica de glicose, aminoácidos, electrólitos, minerais
O peso (a avaliar diariamente), pelo facto de e vitaminas hidrossolúveis; a outra bolsa contém
oferecer maior rigor e reprodutibilidade, é o mais uma emulsão lipídica e vitaminas lipossolúveis.
utilizado. O comprimento (a avaliar semanalmen- Existem actualmente comercializadas bolsas úni-
te), considerado um indicador global da massa cas incluindo os lípidos (all-in-one).
magra, reflecte o crescimento esquelético. O incre- Todas as soluções da NP devem ser armazena-
mento do perímetro cefálico (a avaliar semanal- das entre 2 e 8º C e protegidas da luz solar directa
mente) reflecte o crescimento do encéfalo. e da fototerapia, tanto durante o armazenamento
Os perímetros corporais, nomeadamente os como durante a administração.
dos membros, são difíceis de interpretar, pois A opção de administrar a NP por via periférica
incluem estruturas diversas (pele e tecido subcu- ou central depende de vários factores, nomeada-
tâneo, músculo, osso, vasos e nervos). mente a duração prevista, a osmolalidade da mis-
A vigilância laboratorial é um procedimento tura obtida e a existência de complicações.
obrigatório, a realizar com maior frequência nos
primeiros dias: Via periférica
– Indicações: previsão de NP durante período
Primeira semana inferior a 2 semanas, bons acessos venosos perifé-
– Avaliação diária de: glicémia (Dx ou BMT) (3 ricos e recém-nascido (RN) com bom estado nutri-
vezes por dia), densidade urinária e pesquisa de cional prévio.
glicosúria (Multistix) (3 vezes por dia), gases no – Limitações: manuseamento do RN e veno-
sangue, ionograma sérico (Na, Cl, K, Ca, P, Mg) , punções frequentes, indicação de suprimento
sendo que a maioria dos aparelhos de gasometria energético empregando soluções hiperosmolares
já permite estas determinações. (> 900 mOsm/Kg) e/ou ou com concentração
– Avaliação de 2-2 ou de 3-3 dias de: hemogra- final de glicose > 12,5 mg/dL (12,5%), desaconse-
1830 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

lhadas por comportarem riscos, através de via QUADRO 1 – Cálculo do volume de fluidos em
periférica. função do peso e idade pós-natal

Via central Peso (g) 1º-2º dias 3º- 5º dia > 6º-7º dia
– Indicações: previsão de NP durante período (ml/Kg/24h) (ml/Kg/24h) (ml/Kg/24h)
prolongado (> 2 semanas), como por ex.: após < 750 80-120 150 160-200
intervenção de grande cirurgia do aparelho gas- 750-1000 80-110 140 150-190
trintestinal ou no contexto de disfunção gastrin- 1001-1250 100 130 150-180
testinal prolongada, intolerância de alimentação 1251-1500 90 120 150-170
entérica após a primeira semana de vida e neces- 1501-2500 80 110 150-160
sidade de suprimento energético mais elevado em >2500 70 110 150-160
menor volume.
– Limitações: impedimento de colocação de
cateter na fase aguda de infecção; perfusão de – Evolução ponderal
solução com concentração final de glicose > 25 Para avaliar a evolução ponderal torna-se fun-
mg/dL(25%) ou com osmolalidade > 1300 damental a comparação do peso do RN com os
mOsm/Kg. valores de curvas apropriadas.
– Tipos de cateter: 1) Venoso central, de inser- • Deverá proceder-se a aumento do suprimen-
ção percutânea periférica (epicutâneo-cava) ou de to de fluidos perante polipneia, se se utilizar incu-
inserção percutânea central (por ex., na veia sub- badora aberta, ou fototerapia. Nestas circunstân-
clávia): se previsão de NP < 2 semanas; 2) Venoso cias deve adicionar-se ao cálculo basal o volume
central, com túnel (tipo Broviac®) – se previsão de correspondente a cerca de 20% das perdas insensí-
NP > 2 semanas; 3) Vasos umbilicais: a) na veia (a veis. Em RN submetidos a intervenções de grande
extremidade do cateter deve ficar localizada cirurgia, deverá proceder-se à compensação das
acima do diafragma): especialmente no RN de perdas pelo aspirado gástrico e enterostomia.
extremo baixo peso (EBP) (< 1000 g), se utilização • Deverá proceder-se a restrição do suprimen-
por curto prazo e via periférica não disponível; b) to de fluidos perante sinais compatíveis com canal
na artéria: somente em casos muito excepcionais e arterial patente ou risco da sua abertura, displasia
em regime de utilização muito temporária. broncopulmonar, ou insuficiência renal.
Aos preparados administrados por cateter cen- • O incremento de fluidos deve ser progressi-
tral deve ser adicionada heparina na dose de 0,5-1 vo e muito cauteloso, não se devendo ultrapassar
UI/mL. 150 mL/kg/dia, especialmente até ao 7º dia de
vida e nos casos de RN com peso < 1.000 gramas,
Fluidos e energia pelo risco de abertura do canal arterial e de dis-
plasia broncopulmonar;
Suprimento de fluidos • Nos RN mais imaturos (< 31 semanas) e nos
O Quadro 1 sintetiza o cálculo do volume de flui- primeiros 3 dias de vida, para reduzir as perdas
dos a administrar em função do peso e da idade transepidérmicas, há que providenciar ambiente
pós-natal. da incubadora com humidade da ordem de 70-
• Os parâmetros orientadores da prescrição 80%, cobertor de plástico e gorro. Salienta-se que
são os seguintes: a humidade constitui um risco de infecção e que
– Densidade urinária as referidas perdas diminuem ao longo da primei-
É recomendado manter este parâmetro entre ra semana com a queratinização da pele.
1005 e 1010, ou a osmolalidade urinária entre 75 e
300 mOsm/Kg. Energia e nutrientes
– Natrémia
Nas primeiras horas de vida e antes da admi- Energia
nistração de Na, a natrémia indica essencialmente O suprimento energético estará naturalmente
o estado de hidratação. subordinado ao suprimento possível de macronu-
CAPÍTULO 343 Nutrição parentérica no recém-nascido 1831

trientes: glicose, aminoácidos (AA) e lípidos. da (em geral e em função do contexto clínico:
Notas importantes: inicialmente de 6-6 horas e, após a 1ª semana de
– O suprimento em glucose deve contribuir NP de 12-12 ou de 24-24 horas).
com maior valor calórico/energia do que os lípi- – Suprimento de glucose em dose superior a 13
dos; mg/kg/min (18 g/kg/24horas) comporta o risco
– É desesjável administrar-se um mínimo de 25 de ultrapassar o seu limite de oxidação (conversão
kcal não proteicas por 1 grama de aminoácidos; em lípidos à custa de grande consumo energético
ou seja, a relação numérica calorias não protei- com risco elevado de hiperprodução de CO2 e
cas/calorias proteicas entre > 6 e < 10; hipercárbia).
– Se o RN estiver submetido a NP exclusiva, o – A necessidade de utilização de solutos de
suprimento energético total não deve exceder 120 glucose em concentração superior a 12,5% obriga
kcal/kg/24 horas. à utilização de cateter venoso central.
– A hiperglicémia mantida associa-se a retino-
Glicose patia da prematuridade (nos RN< 1.500 gramas), e
É aconselhado o ritmo inicial de perfusão IV de a hemorragia intraperiventricular e morte (nos
glucose no RN de termo de 3-5 mg/kg/minuto, e RN < 1.000 gramas).
de 4-8 mg/kg/minuto no RN PT, com incremento
progressivo até se atingir a glicémia de 80-120 Aminoácidos
mg/dL. Não deverá ser ultrapassado o ritmo de 13 As fontes de azoto incorporadas nas soluções de
mg/kg/minuto(~18 g/kg/dia) (Quadro 2).A nutrição parentérica (NP) – (soluções cristalinas de
administração de glucose por via parentérica impli- aminoácidos) – têm sofrido aperfeiçoamentos
ca vigilância da glicémia e detecção de eventual gli- desde o início da sua utilização: modificações com
cosúria como base orientadora da prescrição. vista a conterem, para além da tirosina, cistina e
Notas importantes: taurina, menos glicina, e mais aspartato e gluta-
– Em caso de hiperglicémia (> 150 mg/dl), mato.
especialmente se associada a glicosúria, deverão Com efeito, vem a propósito referir que no RN
ser ponderadas a redução de glicose e/ou de lípi- PT a capacidade de síntese de alguns aminoácidos
dos (pelo seu efeito hiperglicemiante) e o incre- (cisteína, tirosina, taurina, arginina, glicina e histi-
mento da administração de aminoácidos (por pro- dina) é limitada; por isso, são considerados essen-
moverem a secreção de insulina). Em situações em ciais em tal circunstância.
que se torna prioritário manter o suprimento ener- Na prática, as soluções de aminoácidos crista-
gético (como por ex. no RN< 1.000 gramas) e a linos utilizadas em NP contêm os seguintes ami-
manutenção da dose de glicose, está indicada a noácidos: leucina, isoleucina, valina, metionina,
administração de insulina na dose de 0,05-0,1 fenilalanina, triptofano, treonina, lisina, histidina,
U/kg/hora, em linha endovenosa independente cisteína, tirosina e taurina (este último não presen-
da NP, vigiando a glicémia e atendendo aos seus te em todas as referidas soluções).
efeitos adversos (hipoglicémia, acidose láctica). A administração de aminoácidos(AA) deve ser
– A glicosúria deve ser detectada e monitoriza- precoce (desde o 1º dia) para evitar balanço azota-
do negativo. Em geral inicia-se com a dose de 2,5-
QUADRO 2 – Ritmo de perfusão da glucose 3 gramas/kg/dia e incremento diário de 0,5-1
grama/kg até suprimento máximo de 2,8 – 3,8
Glicose gramas/kg/dia(valores mais elevados no RNPT, e
Ritmo de perfusão IV de glicose: menores no RN de termo). (Quadro 3)
– RN de termo: 3 - 5 mg/kg/minuto; Após intervenções de grande cirurgia, nos RN
– RN pré-termo: 4 - 8 mg/kg/minuto de peso inferior a 1.000 gramas, assim como nos
O suprimento deve ser aumentado até se atingir RN com RCIU submetidos a NP de duração
glicémia de 80 – 120 mg/dl. superior a 1 semana, poderá aumentar-se de
Nota: Não exceder 13 mg/kg/min (18 g/kg/24h) modo controlado o suprimento de aminoácidos
até 3,5-4 gramas/kg/dia; pelo contrário, nos casos
1832 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 3 – Administração de aminoácidos gatório o suprimento de aminoácidos na ordem


de > 2,3 g/kg/24h.
Aminoácidos – Dose superior a 4 g/kg/24h pode aumentar
Início: 2,5-3 g/kg/d, no 1º dia de vida. a retenção azotada sem benefício no crescimento,
Incremento diário de 0,5-1 g/kg/d até ao máximo de: e associar-se a risco de elevação sérica de AA
– 3,8 g/kg/d(RN de 24-25 semanas); e de potencialmente neurotóxicos, por imaturidade
– 2,8-3 g/kg/d(RN ≥ 37 semanas); metabólica (no RN pré-termo).
NB: É desejável a relação calorias não proteicas / calo- – No RN com insuficiência hepática e insufi-
rias proteicas > 6 e <10 ciência renal, deve adaptar-se a dose de AA em
função do grau de insuficiência.

de insuficiência hepática deverá reduzir-se. Lípidos


Na prática, pode estabelecer-se a seguinte cor- Os lípidos por via IV são administrados na forma
respondência: para a administração de 2 – 3 gra- de emulsão na dose inicial de 1 grama/kg/dia,
mas de aminoácidos/kg/dia torna-se necessário, com incrementos de 0,5-1 g/kg/dia até se atingir
respectivamente, o suprimento de energia na o máximo de 3 g/kg/dia (Quadro 4).
ordem de 50 – 60 kcal/kg/dia. Tal energia pode Notas importantes:
ser obtida com suprimento de glucose ao ritmo de É recomendado habitualmente que a adminis-
~10 mg/kg/minuto. tração IV de emulsão de lípidos seja contínua.
Notas importantes: – A administração de lípidos por via IV impli-
– A administração de aminoácidos por via ca a necessidade de monitorização de determina-
parentérica implica vigilância de determinados dos parâmetros laboratoriais:
parâmetros laboratoriais como base orientadora *Trigliceridémia
da prescrição: O objectivo é manter valores inferiores a 250
*Ureia no sangue mg/dL. Após centrifugação do sangue a analisar
O valor entre 5,5 e 22 mg/dL indica, em princí- a verificação da lactescência do plasma sobrena-
pio, que as necessidades proteicas foram atingidas dante é sugestiva de trigliceridémia > 150 mg/dL.
na ausência de factores que poderiam incrementar *Glicémia
o referido parâmetro (por ex. infecção sistémica, O objectivo é manter a glicémia entre 40 e 125
desidratação, insuficiência renal, energia proteica mg/dL; tal cuidado justifica-se tendo em conta o
insuficiente, tratamento com corticóides, etc.). efeito hiperglicemiante da emulsão lipídica.
Salienta-se que ureia elevada não indicia necessa- – As emulsões lipídicas constituem uma exce-
riamente intolerância aos aminoácidos. lente fonte isosmolar de calorias e de ácidos gor-
*Amoniémia dos essenciais, cujo défice se poderá tornar evi-
Este parâmetro pode ser avaliado por micro- dente após cerca de 3 dias de ausência de provisão
método no início da NP e quando se atinge a dose exógena.
máxima de aminoácidos. Se o valor ultrapassar – A carnitina, facilitadora do transporte de áci-
255 mcg/dL deverá reduzir-se o suprimento de
aminoácidos. QUADRO 4 – Administração de lípidos
*Bilirrubinémia conjugada e GGT
Estes parâmetros são indicadores sensíveis de Lípidos
colestase relacionável com administração prolon- Início no 1º ou 2º dia de NP com 1 g/kg/24h.
gada e excessiva de aminoácidos e fitosteróis de Incremento diário de 0,5-1 g/kg/24h até máximo de 3
emulsões lipídicas. g/Kg/24h
*Transaminases séricas (ALT e AST) Os lípidos devem fornecer 25-40% do suprimento
Estes parâmetros são indicadores de citólise, a energético não proteico.
qual poderá ser provocada pela acção de certos Ritmo de perfusão constante nas 24h, não excedendo
nutrientes (ver adiante). 125 mg/kg/h
– No RN submetido a grande cirurgia é obri-
CAPÍTULO 343 Nutrição parentérica no recém-nascido 1833

dos gordos através das membranas mitocondriais, QUADRO 5 – Administração de sódio (Na)
está deficitária no RN pré-termo. Metanálises rea-
lizadas não têm demonstrado que a sua suple- Sódio
mentação seja vantajosa, mas esta poderá ser Início da administração de sódio após perda > 7 % do
considerada, na dose de 8-16 mg/kg/24h, se a peso de nascimento:
NPT exclusiva for > 4 semanas em RN pré-termo. – RN de termo: 2 - 5 mEq/kg/24h
– São preferidas as emulsões a 20% relativa- – RN pré-termo de peso > 1.500 g: 3 - 5 mEq/kg/24h
mente às emulsões a 10%, pelo menor risco de – RN pré-termo de peso < 1.500 g: 2 -5 mEq/kg/24h.
hiperfosfolipidémia e hipercolesterolémia. A Se as necessidades forem superiores, haverá que con-
emulsão constituída pela mistura de TCL e de siderar perfusão suplementar independente de solução
TCM pode considerar-se vantajosa pelo facto de contendo Na, em torneira de 3 vias.
estes últimos não requerem carnitina para serem
metabolizados. Misturas contendo ácido oleico
parecem reduzir o risco de peroxidação e lesão – No RN de peso < 1.000 gramas , nos primei-
celular. Recentemente foi referida a melhoria da ros 3 a 5 dias há maior risco de hipernatrémia pelo
colestase induzida pela NP, pela utilização de facto de a perda insensível de água poder exceder
emulsões contendo ácidos gordos poli-insatura- a perda relativa de Na.
dos de cadeia longa (LCPUFA) ω-3. – Se as necessidades de sódio forem superiores
– A administração de heparina em baixa dose às habitualmente recomendadas para NP, deve
(0,5/mL em via periférica, e 1 UI/mL em via cen- proceder-se à respectiva suplementação com per-
tral) estimula a libertação da lipoproteína lipase fusão IV independente em sistema com torneira
endotelial, deficitária no RN pré-termo, sendo que de 3 vias (por ex. NaCl a 20%: 1 mL <> 3,4 mEq).
não está provado que aquela melhore a utilização
dos lípidos. Cloro (Cl)
– A utilização endovenosa de lípidos associa-se O suprimento de cloro (Cl) obedece ao esquema
a maior risco de sépsis por Staphylococcus coagula- descrito no Quadro 6.
se negativo e por Candida, mas não a de displasia Notas importantes:
broncopulmonar. – Como parâmetros laboratoriais orientadores
– Nos casos de hiperbilirrubinémia não conju- da prescrição são salientados:
gada, SDR, síndroma de hipertensão pulmonar e *Clorémia
infecção sistémica, deverá ser ponderada a redu- Deverá ser mantida entre 97-110 mEq/L
ção da dose inicialmente calculada (ver adiante). *Gasometria
A alcalose metabólica pode indicar défice de
Sódio (Na) suprimento de Cl.
A administração de sódio (Na) deve ser iniciada – Cl: 1 mmol <> 35,5 mg <> 1 mEq.
após perda de >7% do peso de acordo com o – Não deve exceder-se a dose de 6 mEq/kg/ 24h
esquema que consta do Quadro 5. pelo risco de acidose metabólica hiperclorémica.
Notas importantes:
– A adminstração de soluções contendo sódio Potássio (K)
implica a necessidade de monitorização de deter- De acordo com o esquema do Quadro 7 (com base
minados parâmetros laboratoriais: no peso de nascimento e maturidade), deve pro-
*Natrémia
Nas primeiras horas de vida e antes da admi- QUADRO 6 – Administração de cloro (Cl)
nistração de Na, a natrémia indica essencialmente
o estado de hidratação; após a sua administração, Cloro
pode reflectir o estado hidratação e/ou a reserva RN de termo: 2 - 3 mEq/kg/24h
de Na. A natrémia deve ser mantida entre 135 e RN pré-termo de peso > 1.500 g : 3 - 5 mEq/kg/24h
145 mEq/L. RN pré-termo de peso < 1.500 g : 2- 5 mEq/kg/24 h
– Na: 1 mmol <> 23 mg <> 1 mEq.
1834 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ceder-se ao início de administração (sob a forma QUADRO 8 – Administração de cálcio (Ca)


de KCl), somente após o 2º dia de vida e perante e fósforo (P)
comprovação de diurese franca (≥ 1 mL/kg/h).
Após os 10 dias de vida, em geral, dose de 3 Ca, P e relação Ca/P
mEq/kg/dia é suficiente para manter balanço Termo Pré-termo
positivo quanto a crescimento em todas as idades Ca (mg/kg/24h) 40 - 50 50 - 120
gestacionais. P (mg/ kg/24h) 25 - 30 30 - 70
Notas importantes: Relação Ca / P (mg/mg) 1,7 / 1 1,7 / 1
– Como parâmetros laboratoriais orientadores (molar) 1,3 - 1,7/1 3 - 1,7/1
da prescrição são salientados:
*Caliémia
Se ocorrer hipercaliémia (> 6,5 mEq/L), não se *Fosforémia
deve iniciar, ou deve-se suspender a administra- A fosforémia deve ser mantida entre 4,7 e 8,5
ção de K. mg/dL. A hipofosforémia (< 4 mg/dL) é um dos
– Diurese indicadores precoces de osteopénia da prematuri-
Se < 0,5 mL/kg/h, não se deve iniciar ou deve- dade e de défice de suprimento de Ca e P.
se suspender administração de K. *Fosfatase alcalina
– K: 1 mmol <> 39 mg <> 1 mEq. Em condições ideais de normalidade, o nível
– A elevada incidência de hipercaliémia em RN sérico da fosfatase alcalina deverá ser < 250 UI. A
< 28 semanas tem diminuído desde a utilização de sua elevação para níveis séricos > 800 UI é um
corticóides pré-natais. indicador pouco específico de défice de suprimen-
– A dose de K deverá ser ajustada em casos de to de Ca e P, uma vez que ~ 80% <> origem óssea
terapêutica diurética susceptível de incrementar e ~20% <> origem intestinal e hepática.
as respectivas perdas. – Ca: 1 mmol <>40 mg <> 2 mEq; P: 1 mmol
– Se as necessidades de potássio forem super- <>31 mg. A valência do P varia conforme se trate
iores às habitualmente recomendadas para NP, de fosfato monobásico ou dibásico.
deve proceder-se à respectiva suplementação com – As doses de Ca e P recomendadas para NP
perfusão IV independente em sistema com tornei- não são consensuais, nomeadamente no RN pré-
ra de 3 vias (por ex. KCl a 7,5%: 1 mL <> 3,4 mEq). termo. Utilizando as novas formulações de fosfato
orgânico (mais compatíveis que as inorgânicas) é
Cálcio e Fósforo (Ca e P) possível providenciar maior suprimento de Ca e P.
O suprimento indicado em Ca e P e respectiva – Ao optar pela administração de P nos pri-
relação são sintetizados no Quadro 8. meiros dias de vida, é fundamental considerar
Notas importantes: que a maioria dos fosfatos contém quantidade
–Como parâmetros laboratoriais orientadores apreciável de Na (por ex.: 2 mEq Na/ ml de glice-
da prescrição são salientados: rofosfato Na ou de fosfato monossódico a 27,5%).
*Calcémia – Concentrações elevadas de Ca devem ser
A calcémia deverá ser mantida entre 8,3 e 10,8 administradas por via central pelo risco de irrita-
mg/dL (cálcio total) ou entre 4,4 e 5,6 mg/dL(cál- ção directa ao nível do território venoso periférico.
cio ionizado); contudo, salienta-se que a calcémia – Também não existe consenso quanto à rela-
não é um indicador seguro, nem de osteopénia, ção Ca/P ideal nas soluções de NP. A Academia
nem de suprimento de Ca e P. Americana de Pediatria inicialmente recomenda-
va a relação Ca/P de 1,3/1 (mg/mg) ou 1/1
QUADRO 7 – Administração de potássio (K) (molar); recentemente passou a ser preferida em
mg/mg a relação de 1,7/1 induzindo provavel-
Potássio mente melhor retenção mineral no RN pré-termo.
Início ≥ 2º dia, se diurese ≥ 1 mL/kg/h
RN de termo e pré-termo: 1-3 mEq/kg/24 h Magnésio (Mg)
O suprimento indicado em Mg é sintetizado no
CAPÍTULO 343 Nutrição parentérica no recém-nascido 1835

Quadro 9. – Na situação de colestase deve reequacionar-


Notas importantes: se a administração de oligoelementos tendo em
– Como parâmetro laboratorial orientador da conta que a eliminação de zinco e de cobre se veri-
prescrição salienta-se que a magnesiémia deverá fica por via hepática.
ser mantida entre 1,2 e 2,5 mg/dL
– Mg: 1 mmol <> 24,2 mg <> 2 mEq. Vitaminas hidrossolúveis
Utilizando NP, para cumprimento das doses reco-
Oligoelementos mendadas de vitaminas hidrossolúveis é adminis-
Na perspectiva da NP cabe uma referência espe- trado o preparado comercial (Soluvit N infantil®),
cial aos oligoelementos estabelecendo compara- adicionando-as ao frasco/bolsa na dose de 1
ção entre as necessidades no RN de termo (RNT) e mL/kg/dia (Quadro 12).
no RNPT(Quadro 10). De referir que o Fe não é Notas importantes:
adicionado às soluções de NP devido à posssibili- – O preparado comercial Soluvit N®‚ fornece
dade de efeitos adversos. apenas cerca de 30% da dose de vitamina C reco-
Na prática utiliza-se em NP um preparado mendada.
comercial padronizado de oligoelementos (Pedi- – Uma vez que as vitaminas hidrossolúveis,
trace®). É recomendada a dose de 1 mL/kg/dia nos especialmente a vitamina B2 ou riboflavina,
casos de NP exclusiva com duração superior a 2 sofrem degradação quando expostas à luz, o fras-
semanas; até às 2 semanas de NP utiliza-se em geral co com soluto a perfundir deve estar protegido
suplemento de gluconato de Zn (zinco) a 0,1% (0,25 com saco de plástico preto opaco.
mL/kg/dia no RN de termo e 0,4 mL/kg/dia no – Para garantir a eficácia, solução deverá ser
RN pré-termo). Tal se refere no Quadro 11. utilizada até período máximo de 12 horas.
Notas importantes:
– Peditrace® (Fresenius Kabi) não contém ferro, Vitaminas lipossolúveis
crómio, nem molibdénio, sendo que propicia a Para cumprimento das doses recomendadas, as
dose recomendada dos restantes oligoelementos. vitaminas lipossolúveis (A, D2, E, K1 ) são admi-
– Na situação de insuficiência renal deve ree- nistradas sob a forma de preparado comercial
quacionar-se a administração de oligoelementos (Vitalipid N infantil®) na dose de 4 mL/kg/dia;
(selénio excretado por via renal). cabe referir, a propósito, que o Intralipid® a 20%
contém já vitamina E: 4 mg/21 mL). (Quadro 13)
QUADRO 9 – Administração de magnésio (Mg)

Magnésio QUADRO 11 – Administração


RN de termo e pré-termo: 0,3 - 0,5 mEq/ kg/24h. de oligoelementos

Oligoelementos
QUADRO 10 – Necessidades em oligoelementos • < 2 semanas de NP: Gluconato de Zn a 0,1%
(mcg/kg/dia) no RN RN de termo: 0,25 ml/kg/24h(250 mcg/kg/24 h);
RN pré-termo: 0,4 ml/kg/24h(400 mcg/kg/24 h)
RN T RN PT • > 2 semanas de NP exclusiva: Peditrace® (Fresenius
Cobre 20 20 Kabi): 1 ml/kg/24h, acrescentando-se gluconato de Zn
Selénio 2 2 se RN pré-termo: 150 mcg/kg/24 h (0,15 ml/kg/24 h)
Zinco 250 400
Crómio 0,2 0,2
Manganês 1 1 QUADRO 12 – Vitaminas lipossolúveis
Iodo 1 1
Molibdénio 0,25 0,25 Vitaminas hidrossolúveis
RN T = RN de termo ; RN PT = RN pré-termo Soluvit N®‚ (Fresenius Kabi): 1 ml/kg/24h
1836 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 13 – Vitaminas lipossolúveis nos S aureus e S epidermidis originando quadros clí-


nicos diversos tais como septicémia, ou a chamada
Vitaminas lipossolúveis sépsis do cateter. As infecções por fungos surgem
Vitalipid N Infantil® ‚ (Fresenius Kabi): 4 ml/Kg/d, até em geral relacionadas com a utilização de emulsão
ao máximo de 10 ml/24h adicionado ao frasco de lípidos e com antibioticoterapia frequente.
contendo emulsão de lípidos No que respeita às complicações metabólicas
salientam-se:
1. hiperglicémia e hipoglicémia;
Nota importante: 2. alterações do potássio e sódio séricos;
– Para evitar a fotodegradação dos vários compo- 3. acidose hiperclorémica (em relação com a
nentes da emulsão, também o respectivo frasco deve administração de aminoácidos);
ficar protegido com saco preto de plástico opaco. 4. alcalose metabólica secundária ao défice de
suprimento de cloro;
Cálculo da osmolaridade 5. síndroma colestática (de etiopatogénese não
Prescrevendo as doses de nutrientes actualmente completamente esclarecida); e
recomendadas, a osmolalidade das soluções de 6. osteopénia da prematuridade.
NP neonatal rapidamente atinge cerca de 750
mOsm/Kg. Dado que a perfusão periférica de Interrupção da NP
soluções de NP com > 800-900 mOsm/Kg pode
associar-se a flebite, é importante estimar a sua Em função do contexto clínico, em geral procede-
osmolaridade (mOsm/L). Este cálculo é possível se à interrupção da NP quando o suprimento
por uma equação simples, validada para soluções energético da mesma corresponde a cerca de 25%
de NP neonatal (Pereira-da-Silva et al., 2004), que do valor calórico total (VCT) ou a nutrição entéri-
inclui as concentrações de glicose e AA expressas ca permite o suprimento da totalidade de
em g/L, a de P em mg/L e a de Na em mEq/L: nutrientes (100% do VCT).

Osmolaridade (mOsm/L) = Situações particulares


(AA x 8) + (glicose x 7) + (Na x 2) + (P x 0,2) – 50
Colestase
Ao ser memorizada numa calculadora de bolso O RN pré-termo está particularmente predisposto
ou em folha de cálculo Excel do computador pes- à colestase quando submetido a NP prolongada e,
soal ou do local de trabalho, esta equação permite especialmente, quando concorrem outros factores
o cálculo rápido da osmolaridade e a escolha indi- associados, como sépsis e privação prolongada de
vidual, mais objectiva, da via e ritmo de adminis- alimentação por via entérica. Admite-se que fitos-
tração. (Consultar anexo a seguir à Bibliografia). teróis contidos nas emulsões lipídicas e doses
excessivas de AA (metionina, triptofana, glicina) e
Complicações glicose possam estar implicadas na disfunção
hepática. Foi recentemente descrito o efeito hepa-
As complicações da NP mais frequentemente des- toprotector conferido pela utilização ácidos gor-
critas relacionam-se com problemas do cateter, dos poli-insaturados de cadeia longa ω-3 (LC-
infecciosos e metabólicos. PUFA) como fonte endovenosa de lípidos.
As relacionadas com o cateter englobam fenó- Actuação: Em caso de colestase, ponderar:1)
menos tromboembólicos, má posição da extremi- reduzir a dose de AA para cerca de 2 g/kg/24h; 2)
dade susceptível de rupturas e difusão do fluido não exceder em 15 g/kg/24h a dose de glicose; 3)
perfundido em diversas estruturas como tecido preferir emulsões lipídicas contendo ácidos gordos
celular subcutâneo, miocárdio, pleura, ou outros ω-3; 4) reduzir a administração de oligoelementos,
locais, com consequências diversas. uma vez que a eliminação de Cu e Zn é hepática; 5)
No âmbito das infecções têm sido mais frequen- vigiar a colestase através de indicadores séricos
temente isolados do sangue os germes microbia- considerados sensíveis – bilirrubina conjugada e
CAPÍTULO 343 Nutrição parentérica no recém-nascido 1837

gama - GT; 6) iniciar o mais rapidamente possível a Comentário final


nutrição entérica e ponderar o uso do ácido ursode-
soxicólico, dado o seu efeito colerético e colagogo. Ainda não existe unanimidade, quer entre clíni-
cos, quer entre investigadores, quanto à forma de
Infecção sistémica nutrir por via parentérica RN com diversos graus
Nos casos de infecção sistémica (sépsis) poderão de imaturidade e diferentes tipos de patologia.
ocorrer: Em suma, a prática de prescrição da NP deverá
• hiperglicémia por aumento da resistência à orientar-se em recomendações e critérios baseados
insulina; e na evidência, sempre no pressuposto de adapta-
• hipertrigliceridémia por redução da activi- ção às circunstâncias individuais de cada pacien-
dade da lipoproteina lipase. Em qualquer circuns- te.
tância, a perfusão de lípidos por si só não interfe- Tratando-se de tópico que é objecto de intensa
re com a função imunitária. e contínua investigação, é natural que a médio
prazo, a matéria descrita mereça actualização.
Na fase aguda da sépsis não está provado que
haja necessidades acrescidas de proteínas, nem BIBLIOGRAFIA
intolerância às mesmas, sendo prudente: Aggett PJ. Trace elements of the micropremie. Clin Perinatol
• reduzir o ritmo de perfusão de glicose de 2000;27:119-129
forma a manter a euglicémia; e Ainsworth S, Clerihew L, McGuire W. Percutaneous central
• diminuir o ritmo de perfusão de lípidos para venous catheters versus peripheral cannulae for delivery of
<1-2 g/kg/24h, monitorizando a trigliceridémia. parenteral nutrition in neonates. Cochrane Database Syst
Rev 2007;(3):CD004219
Hiperbilirrubinémia não conjugada Cowan E, Nandivada P, Puder M. Fish oil-based lipid emul-
Os lípidos administrados por via endovenosa sion in the treatment of parenteral nutrition-associated
libertam ácidos gordos livres os quais, competin- liver disease. Curr Opin Pediatr 2013;25:193-200
do com o processo de ligação da bilirrubina à Greene HL, Hambidge KM, Schanler R, Tsang RC. Guidelines
albumina, podem aumentar a fracção livre de for the use of vitamins, trace elements, calcium, magne-
bilirrubina a níveis neurotóxicos, com especial sium, and phosphorus in infants and children receiving
relevância no RN pré-termo. total parenteral nutrition: report of the Subcommittee on
Actuação: Em caso de hiperbilirrubinémia não Pediatric Parenteral Nutrient Requirements from the
conjugada no RN pré-termo (RN PT), é prudente Committee on Clinical Practice Issues of the American
suspender ou reduzir o ritmo de perfusão de lípi- Society for Clinical Nutrition. Am J Clin Nutr 1988;48:1324-
dos. No entanto, há autores que preconizam, em 1342
tais casos administrar a dose de 1-2 g/kg/24h no Gura KM, Duggan CP, Collier SB, Jennings RW, Folkman J,
RN pré-termo, mesmo que a bilirrubinémia não Bistrian BR, Puder M. Reversal of parenteral nutrition-asso-
conjugada atinja 10–12 mg/dL, desde que se ciated liver disease in two infants with short bowel syndro-
garanta uma albuminémia adequada (≥ 2,5 g/dL). me using parenteral fish oil: implications for future mana-
(Capítulo 358). gement. Pediatrics 2006;118:e197-e201
Gura KM. Is there still a role for peripheral parenteral nutri-
Hipertensão pulmonar tion? Nutr Clin Pract 2009;24:709-717
De acordo com investigações realizadas, foi des- Hay WW Jr, Thureen P. Early postnatal administration of intra-
crito que a perfusão endovenosa de lípidos no RN venous amino acids to preterm, extremely low birth weight
pré-termo com dificuldade respiratória se pode infants. J Pediatr 2006;148:291-294
associar a incremento da resistência vascular pul- Kim SM, Lee EY, Chen J, Ringer SA. Improved care and grow-
monar, com efeito dependente da dose e do tempo th outcomes by using hybrid humidified incubators in very
de perfusão. preterm infants. Pediatrics 2010;125:e137-145
Actuação: Na hipertensão pulmonar, deverá Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
ponderar-se a diminuição ou suspensão do supri- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
mento endovenoso de lípidos. 2011
1838 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

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CAPÍTULO 343 Nutrição parentérica no recém-nascido 1839

ANEXO – Esquema de consulta rápida: cálculos para NP

Nutriente 1º Dia Incremento diário Máximo


Fluidos 70 - 110 10 – 15 150 -175
(ml/kg/24h)
Glicose 5–6 q.b. para glicémia 10 - 12
(mg/Kg/min) 80-120 mg/dL
Lípidos 0,5 - 1 0,5 - 1 3
(g/kg/24h) (ou no 2º dia NP)
Aminoácidos 1,5 0,5 - 1 3,5
(g/kg/24h)
Na 2 – 3-5
(mEq/ kg/24h) (após perda 7% P.N.)
Cl 2 – 3-5
(mEq/kg/24h) (após perda 7% P.N.)
K 2 – 2
(mEq/kg/24h) (no 2º dia NP; caliémia e diurese)
Ca 40 - 50 – 50 - 80
(mg/kg/24h)
P q.b. para Ca:P = 1,7:1 – q.b. para Ca:P = 1,7:1
(mg/kg/24h) (mg:mg) (mg:mg)
Mg 0,3-0,4 – 0,4
(mEq/kg/24h)
Vitaminas 1 – 1
hidrossolúveis
(ml/kg/24h) (Soluvit N®) (Soluvit N®)
Vitaminas 2 1 4
lipossolúveis (Vitalipid Infantil®) Maxº 10 ml/24h
(ml/kg/24h) (Vitalipid Infantil®)
Oligoelementos
(ml/ kg/24h)
< 2 semanas NP – – 0,25 - 0,4
Gluconato Zn 0,1%
> 2 semanas NP – – 1
(Peditrace®)
1840 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

344
RNMBP alimentados com leite materno (~40%)
comparativamente a RNMBP alimentados com
fórmula para pré-termo (~20%). Em cerca de 30%
dos casos de osteopénia verifica-se evolução para
a forma mais grave de DMO: o raquitismo
(Capítulo 59).
DOENÇA METABÓLICA ÓSSEA
Etiopatogénese
DA PREMATURIDADE
O cálcio (Ca) é o catião mais abundante do orga-
João M. Videira Amaral nismo: cerca de 98% do cálcio corporal encontra-
se nos ossos, constituindo um dos seus principais
componentes inorgânicos (o RN de termo contém
~28 gramas de Ca).
Definição, importância do problema O fósforo (P) constitui o segundo ião mais
e aspectos epidemiológicos abundante do organismo. A sua distribuição é
preferencialmente óssea, encontrando-se cerca de
A doença metabólica óssea (DMO) da prematuri- 80% no esqueleto (o RN de termo contém ~16 gra-
dade é uma situação clínica caracterizada por mas de P), e cerca de 9% no músculo esquelético;
défice de mineralização da substância osteóide o restante 1% distribui-se pelos lípidos da mem-
(por suprimento deficitário de cálcio ou fósforo) brana celular, pelos compostos de alta energia
observada no RN/lactente em fase de crescimento (ATP), proteínas intracelulares de tradução de
com antecedentes de prematuridade, na idade pós sinal, ARN e ADN.
concepcional correspondente à gestação de termo. A deposição crescente (ou acréscimo) de Ca e de
Trata-se dum problema clínico cuja frequência P, quer durante a vida intra-uterina, quer no perío-
é inversamente proporcional ao peso de nasci- do neonatal, depende duma oferta adequada dos
mento e idade gestacional, compreendendo um referidos minerais, de vitamina D, e duma regula-
espectro variado de alterações: desde a desmine- ção hormonal que, por um lado, favoreça a minera-
ralização ligeira ou osteopénia, à desmineralização lização e, por outro, limite a reabsorção óssea, pro-
grave acompanhada de fracturas (raquitismo). movendo aumento do conteúdo mineral ósseo.
A importância desta situação decorre essen- O acréscimo mineral intra-uterino (com ênfase
cialmente de determinado tipo de morbilidade para o Ca e P) ocorre a partir das 24 semanas de
que tem acompanhado a diminuição da mortali- idade gestacional até ao final da gestação na pre-
dade de RN pré-termo; por outro lado, a partir da sença de relação Ca/P constante (relação ideal de
década de 70, começou a chamar-se a atenção para 2/1 ao nível ósseo e 1,7/1 no conteúdo extra-ósseo
a necessidade de suplementação mineral, princi- corporal). O pico máximo de incorporação mine-
palmente de fósforo, nas primeiras semanas de ral surge entre as 34 e 36 semanas de gestação
vida extra-uterina para garantir uma mineraliza- (Ca<> 120-140 mg/kg/dia e P <> 60-80
ção óssea semelhante à verificada in utero, em RN mg/kg/dia ).
pré-termo. Vários factores hormonais favorecem o proces-
A DMO surge mais frequentemente na raça so de mineralização óssea intra-uterina:
negra e em lactentes nos quais se verificou perda – a proteína relacionada com a PTH (PrPTH)
de peso mais acentuada no período neonatal pre- que tem papel importante na manutenção do gra-
coce; estes últimos integram fundamentalmente diente de Ca transplacentar;
os RN de idade gestacional < 28 semanas e peso – a produção placentar de 1,25(OH)2 – vitami-
de nascimento < 1.000 gramas evidenciando alte- na D regulando a produção de proteínas transpor-
rações radiológicas ósseas em cerca de 60% dos tadoras de Ca;
casos. Em diversos estudos epidemiológicos tem – as baixas concentrações de PTH limitando a
sido demonstrada maior frequência da doença em mobilização mineral óssea;
CAPÍTULO 344 Doença metabólica óssea da prematuridade 1841

– a presença de concentrações elevadas de cal- Assim, neste processo patológico dinâmico, tal
citonina favorecendo a deposição mineral; como a deficiência em fósforo afecta a homeostase
– libertação de factores de crescimento seme- do cálcio, também a deficiência em cálcio afecta a
lhantes à insulina (IGF-I) estimulando o cresci- homeostase do fósforo.
mento ósseo e incrementando a mineralização; O Quadro 1 resume as principais característi-
– elevados níveis de estrogénios circulantes no cas bioquímicas das referidas deficiências.
sangue materno favorecendo a mineralização.
O resultado final da acção conjunta destes fac- Factores predisponentes
tores é a ocorrência de 80% da mineralização óssea
no terceiro trimestre de gestação. Na prática clínica, as situações que, nos RN com
Após o nascimento a absorção intestinal antecedentes de prematuridade, favorecem o desen-
constitui o factor determinante do suprimento volvimento de DMO podem ser assim sistemati-
mineral. zadas:
Em suma, um dos factores que contribui para – Idade gestacional < 32 semanas, especial-
a génese da DMO no RN/lactente com antece- mente com peso de nascimento < 1.000 gramas;
dentes de prematuridade é a existência de reser- – Má absorção (incluindo de minerais);
vas deficitárias de minerais, designadamente de – Alimentação com leite da própria mãe (ou
cálcio e de fósforo, pois, como foi referido, cerca leite humano prematuro) com insuficiente teor
de 80% da mineralização óssea ocorre no 3º tri- em cálcio e fósforo relativamente ao leite “de
mestre da gestação. termo”;
O insuficiente suprimento do fósforo estimula a – Nutrição parentérica prolongada no pressu-
produção de 1,25(OH)2 – vitamina D com conse- posto de suprimento deficitário de Ca e de P, em
quente aumento da absorção intestinal de cálcio e comparação com o acréscimo intra-uterino em
de fósforo. Por outro lado, verifica-se inibição da idêntico período de tempo;
libertação de PTH, do que resulta diminuição da – Tratamento com diuréticos originando perda
perda renal de fósforo e aumento da perda renal de renal de cálcio proporcional à perda de sódio;
cálcio (hipercalciúria). Com a referida inibição da – Problemas clínicos diversos que determinam
libertação da PTH obter-se – ia, em princípio, o atraso no início da alimentação entérica e /ou
“garantia de não reabsorção óssea” se a produção deficiente suprimento mineral no regime alimen-
de 1,25(OH)2 – vitamina D não se mantivesse. tar em relação com limitações da concentração ou
Contudo, este metabólito, continuando “em acção”, do volume de leite;
estimula a acção de osteoblastos, levando à remoção – Imobilização prolongada conduzindo à dimi-
de Ca e P ósseos pela activação dos osteoclastos. nuição da massa óssea;
Mantendo-se insuficiente o suprimento em – Utilização de corticóides determinando
cálcio e fósforo, gera-se um ciclo vicioso, com diminuição da absorção intestinal, perda renal de
consequente intensificação da espoliação de Ca e cálcio e redução do conteúdo mineral ósseo.
P ósseos. Em tal circunstância, apesar do défice
em cálcio resultante do baixo suprimento, obser- QUADRO 1 – Bioquímica das Deficiências
va-se perda renal importante. em P e Ca
Uma vez que o nível sérico do metabólito
hepático mono-hidroxilado 25(OH) – vitamina D é Deficiência em P:
normal com suplemento de 400 UI de vitamina D, P sérico < 4 mg/dL, hipofosfatúria (< 1 mg/kg/dia),
pode concluir-se que a carência da referida vitamina hipercalciúria (> 4 mg/kg/dia);
D não constitui factor determinante de DMO. Por Nota:hipercalcémia (>11 mg/dL)pode surgir nas
outro lado, o nível elevado do metabólito renal di- formas graves de deficiência em P
hidroxilado – 1,25(OH)2 – vitamina D, sugere defi- Deficiência em Ca:
ciência mineral “numa tentativa” de intensificar a Ca sérico < 8,5 mg/dL, hiperfosfatúria, hipocalciúria
absorção intestinal de Ca e de P para restaurar as (< 1 mg/kg/dia)
respectivas reservas espoliadas no organismo.
1842 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Actualmente investiga-se nalguns centros o – doseamento da actividade da fosfatase alcali-


possível papel duma proteína solúvel designada na (quinzenal), assim como do cálcio, fósforo e
por alfa-Klotho (alfa-Kl, termo derivado da mito- creatinina séricos (em geral, semanal, desde a
logia grega) cujos níveis séricos aumentam com a segunda semana até à data de alta hospitalar);
idade gestacional. A mesma tem influência na – colheita de urina de 6 horas para determina-
indução da resistência ao estresse oxidativo e no ção da calciúria (Cau), fosfatúria (Pu) e creatininú-
metabolismo fosfo-cálcico. ria (Cru) (no mesmo dia da determinação sérica);
Actualmente investiga-se nalguns centros o – exame radiográfico ósseo (punho) entre o 28º
possível papel duma proteína solúvel designada e 35º dias de vida sempre que haja suspeita clínica
por alfa-Klotho (alfa-Kl, termo derivado da mito- e/ou biológica de DMO.
logia grega) cujos níveis séricos aumentam com a A verificação de P sérico < 4 mg/dL em RN ali-
idade gestacional. A mesma tem influência na mentado com leite materno sugere défice do refe-
indução da resistência ao estresse oxidativo e no rido mineral e possível DMO, a confirmar me-
metabolismo fosfo-cálcico. diante os resultados da calciúria, fosfatúria e rela-
ção calciúria/creatininúria.
Manifestações clínicas A fosfatase alcalina (FA) elevada (em concentração
cerca de 5 vezes o valor de referência para o adul-
As manifestações clínicas de DMO (que podem to), na ausência de doença hepática, estabelece a
passar despercebidas em mais de metade dos indicação de estudo radiológico ósseo; trata-se, no
casos se não existir índice elevado de suspeita), entanto, dum marcador pouco sensível. Mais
podem ser detectadas, em geral, cerca das 6 a 12 sensível é a isoenzima óssea da FA cuja determina-
semanas de idade pós-natal. O respectivo espectro ção ainda não faz parte da prática clínica corrente.
é variado: desde sinais inespecíficos como ausên- • Considerando, no conjunto, os resultados
cia de evolução do crescimento longitudinal e do dos exames atrás descritos, a verificação de:
perímetro cefálico, a sinais clássicos da síndroma – P sérico < 4 mg/dL associado a:
raquítica nos casos de evolução avançada: cranio- – Cau >4mg/kg/dia + Pu<1mg/kg/dia ou
tabes, fontanela anterior alargada, alargamento – Cau/Cru >0,6 ou
das metáfises dos punhos e joelhos, fracturas. – Relação Cau /Pu ≥ 1
As fracturas das costelas (por vezes múltiplas legitima o diagnóstico de DMO relacionada
e suspeitadas clinicamente em apenas cerca de 10- com suprimento mineral inadequado.
15% dos casos) poderão ser causa de dificuldade
respiratória e dor. • Se Cau ≥ 4,8 mg/dL<> 1,2 mmol/L ; e Pu >1,2
A dolicocefalia pode ser explicada pela menor mg/dL<>0,4 mmol/L; e relação Cau /Pu < 1 considera-
consistência dos ossos do crânio (por défice do se que o suprimento de Ca e P administrado ao
conteúdo mineral ósseo) e postura mantida da RN é adequado.
cabeça por hipoactividade motora originando
deformação; admite-se que tal dolicocefalia possa A fosfatúria pode determinar-se calculando a per-
originar miopia (miopia na ausência de retinopa- centagem de reabsorção tubular de fosfato (%RTF)
tia da prematuridade). segundo a fórmula:

Exames complementares Pu (mg/dL) Cr sérica (mmol/L)


% RTF = ––––––––––– x ––––––––––––––– x 100
Havendo necessidade de detectar a doença o mais Cru (mmol/L) P sérico (mg/dl)
precocemente possível, os exames a programar
em função do contexto clínico de cada caso, considerando-se hipofosfatúria se % RTF > 95%
poderão ser realizados, quer atendendo a factores (<> fosfatúria <1mg/kg/dia)
predisponentes ou de risco (por ex. RN pré-termo
de peso < 1.250 gramas), quer a dados clínico- De acordo com os critérios de Koo as alterações
biológicos já disponíveis: radiológicas ósseas, dependendo da gravidade e da
CAPÍTULO 344 Doença metabólica óssea da prematuridade 1843

duração da desmineralização, podem ser assim Estes exames imagiológicos sofisticados e mais
sistematizadas: precisos, não são acessíveis na maioria dos servi-
– Grau I: presença de rarefacção óssea; ços de neonatologia na actualidade.
– Grau II: grau I + alterações metafisárias , alar-
gamento metafisário em taça e alteração subpe- Prevenção e tratamento
rióstica;
– Grau III: grau II+ fracturas As estratégias que têm como objectivo prevenção
De salientar que: primária da DMO devem incidir fundamentalmen-
1 – as alterações radiológicas esqueléticas so- te sobre a eliminação ou redução da multiplicidade
mente se tornam evidentes se se verificar défice de de factores que contribuem para a prematuridade.
mineralização para além de 30-40%; assim, os Nas situações de prematuridade acompanha-
sinais bioquímicos podem preceder em 2 a 4 da dos factores predisponentes ou de risco está
semanas os sinais radiológicos; indicada vigilância rigorosa do balanço do Ca e do
2 – se deverá proceder a radiografia do punho: P, com suplementação dos referidos minerais.
se P sérico < 4 mg/dL nos RN de peso <1000 gra- No RN pré-termo, não existe consenso quanto
mas, mesmo na ausência de alteração de parâme- à idade em que se deve iniciar o suplemento de Ca
tros bioquímicos. e P. Em geral, nas crianças alimentadas com leite
humano a suplementação (com aditivos do leite
Outros exames materno) inicia-se quando se atinge o volume de
100 mL/dia por via entérica.
– Doseamento do metabólito 25 (OH)-vitamina Nos casos em que tal não é possível são utiliza-
D; já foi referido antes que, na presença de suple- das as fórmulas com mais elevado conteúdo de
mento de vitamina D (400 UI/dia), o valor é nor- minerais relativamente às fórmulas padrão (fór-
mal; Nota: no que respeita ao metabólito 1,25(OH)2- mulas para pré-termo) (Capítulos 53 e 342). A
vitamina D, a respectiva concentração sérica é normal interrupção de tal suplementação é levada a cabo
ou elevada; quando o lactente atinge o peso comparável ao do
– Técnica SPA (sigla do inglês single-photon RN de termo tendo em consideração diversos estu-
absorptiometry). dos realizados sobre o período em que ocorre o
Trata-se dum método que permite avaliar de acréscimo máximo de minerais in utero. Nos casos
modo seriado as alterações da mineralização de RN com peso de nascimento <1.000 gramas está
óssea em determinado local; o local onde se indicada a suplementação, pelo menos durante 3
convencionou proceder a tal avaliação é a epífise meses, ou até ser atingido o peso de 3.500 gramas.
distal do rádio. No RN pré-termo está indicada a dose pro-
– Técnica de densitometria óssea que permite filáctica clássica de vitamina D, igualmente aplicá-
medir o conteúdo mineral ósseo de modo seriado vel a lactentes de termo (160 UI/kg /dia até máxi-
e, por conseguinte, monitorizar a velocidade de mo de 400 UI/dia), pois os mecanismos de
acréscimo mineral. Uma nova modalidade desi- hidroxilação hepática (formação de de vitamina
gnada por DEXA (sigla de dual-energy X ray absop- 25(OH)-vitamina D) e de hidroxilação renal (for-
tiometry) permite medir com mais precisão o refe- mação de 1,25(OH)2-vitamina D ) estão funcional-
rido conteúdo mineral. A dose de radiação desta mente activos.
técnica é baixa. Se os parâmetros clínicos, bioquímicos e
Esta técnica não permite a sua utilização à radiológicos legitimarem o diagnóstico de DMO,
cabeceira do doente, o que constitui uma limitação para além das medidas já descritas, há que adoptar os
nos casos de RN submetidos a terapia intensiva. seguintes procedimentos:
– Técnica de ecografia quantitativa – reduzir ao mínimo – sempre que possível – a
Trata-se duma nova técnica em expansão em interferência de factores predisponentes;
países como a Espanha, Itália e Alemanha com a – restringir as medidas de fisioterapia que po-
vantagem de poder ser utilizada à cabeceira do derão contribuir para o aparecimento de fracturas
doente. ásseas;
1844 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– tratamento das fracturas ósseas (imobiliza- Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
ção adequada de membros, etc.). Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
– incrementar o suprimento oral em fósforo Delange FM, West KP(eds). Micronutrient Deficiencies in the
utilizando fosfato monossódico (25 mg duas First Months of life. Basel: Karger/Nestlé Nutrition
vezes/dia <> 50 mg/dia, podendo ser incremen- Institute, 2003
tado até 37,5 mg duas vezes/dia <> 75 mg/dia; Fanaroff AA, Martin RJ. Neonatal-Perinatal Medicine-
este suprimento poderá ser reduzido progressiva- Diseases of the Fetus and Infant. St. Louis: Mosby, 2002
mente para metade se o valor de P> 4 mg/dL e Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
relação Cau /Pu < 1 se mantiverem durante duas Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011
semanas consecutivas, sendo que a monitorização Koletzko B. Pediatric Nutrition in Practice. Basel: Karger, 2008
de Ca e P séricos deverá ser mantida durante 4 McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
semanas; Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
– se se verificar valor sérico do Ca<8 mg/dL, McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
mantendo-se o suprimento do fosfato monossódi- Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
co, deverá administrar-se gluconato de cálcio a Livingstone, 2008
10% por via oral na dose de 100 mg/kg/dia (não Modi N. Management of fluid balance in the very immature
concomitantemente para evitar precipitação). neonate. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2004;89:F108-111
Perrone S, Cervo E, Buonocuore G .Assessment of skeletal sta-
Prognóstico tus in children and their mothers from birth to the fourth
year of life by using quantitative ultrasound. Biol Neonate
Relativamente às fracturas ósseas, uma das mani- 2005; 88:331-347(abstract)
festações da forma mais exuberante de DMO (em Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
cerca de 20% dos RNMBP aos 3 meses de idade University Press, 2008
pós-natal), de acordo com os estudos disponíveis Rigo J, De Curtis M, Pieltain C, et al. Bone mineral metabolism
não existe risco elevado de tal patologia em idades in the micropremie. Clin Perinatol 2000; 27: 147-170
subsequentes. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
Existindo ainda muitos aspectos controversos AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
relativamente ao conteúdo mineral ósseo futuro e Medical, 2011
ao risco de osteoporose no adulto, ao analisar os Siahanidou T, Garatzioti M, Lazaropoulou C, et al. Plasma
resultados de séries estudadas a médio e longo soluble alpha-klotho protein levels in premature and term
prazo – estudos nem sempre realizados com neonates: correlations with growth and metabolic parame-
metodologias sobreponíveis – é importante entrar ters. Eur J Endocrinol 2012; 167: 433-440
em consideração com os resultados de estudos
demonstrando que ex utero o acréscimo mineral é
mais demorado que in utero (respectivamente 12
contra 5 semanas para idêntico acréscimo).
Na literatura também há relatos de casos em
que se verificou associação entre baixa estatura na
segunda infância e valores mais elevados de FA no
período neonatal.

BIBLIOGRAFIA
Casanova MR, Gutierrez PB, Ferris BM, Casanova MB.
Usefulness of ultrasound in the assessment of bone mine-
ralization in newborns. An Esp Pediatr 2002;56: 443-447
Catache M, Leone CR. Aspectos fisiopatológicos,diagnósticos e
terapêuticos da doença metabólica óssea em recém-nasci-
dos de muito baixo peso. Jornal de Pediatria (Rio de
Janeiro) 2001; 77(supl 1):S53-S62
CAPÍTULO 345 Problemas respiratórios do recém-nascido. Generalidades 1845

Problemas respiratórios
do recém-nascido

345
PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS FIG. 1
DO RECÉM-NASCIDO. RN com dificuldade respiratória, sendo notórias a retracção
xifoideia e a cianose.
GENERALIDADES
– retracções costais ou xifoideia
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido – gemido expiratório. (Figura 1)
e João M. Videira Amaral Outro critério para definir síndroma de difi-
culdade respiratória baseia-se na valorização do
chamado índice de Silverman-Andersen (Quadro
1)
Definições e importância do proble- Não havendo dificuldade respiratória o índice
de Silverman-Andersen será 0 (zero), isto é, 0/10.
ma Convencionou-se considerar a existência de difi-
culdade respiratória nas situações em que o referi-
Define-se problema respiratório no RN (ou, no do índice é igual ou superior a 4 na primeira hora
sentido genérico, síndroma de dificuldade respirató- de vida, e igual ou superior a 3 a partir da segun-
ria/ SDR) como a verificação de dois ou mais dos da hora de vida.
seguintes sinais: Na literatura científica é clássico considerar o
– frequência respiratória > 60/minuto termo de síndroma de dificuldade respiratória
– cianose respirando ar como sinónimo de “síndroma de dificuldade respi-
– adejo nasal ratória por imaturidade pulmonar/défice de surfac-

QUADRO 1 – Índice de Silverman – Andersen

Pontuação Expansão Retracção Retracção Adejo Gemido


torácica intercostal xifoideia nasal expiratório
0 Boa, síncrona 0 0 0 0
com expansão abdominal
1 Amplitude Ligeira Ligeira Ligeiro Audível com
irregular ou estetoscópio
sem sincronismo ausente
com resp. abd.
2 Expansão Acentuada Acentuada Acentuada Audível sem
torácica com estetoscópio
retracção abd.
resp = respiração; abd = adominal
1846 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tante ou doença da membrana hialina (Capítulo lidade de o alvéolo se distender, aumentando o


346). seu volume (ΔV) como resposta a um determina-
A designação de insuficiência respiratória impli- do aumento de pressão (ΔP), aplicado durante a
ca que, no contexto de SDR se entre em conta com inspiração.
critérios biológicos como determinação de pH e No recém-nascido a compliance é cerca de 2
gases no sangue; constitui excepção a este concei- ml/cm H2O aos 3 minutos de vida, 4 aos 60 minu-
to a verificação do critério clínico apneia prolongada tos de vida e 5-14 pela idade de 7 dias, enquanto no
o qual, isoladamente, legitima a definição de insu- adulto é da ordem dos 170 ml/cm H2O. (Figura 2)
ficiência respiratória. Adiante, a propósito dos cri- Não será, portanto, difícil compreender a neces-
térios para ventilação na UCIN, será dada ênfase a sidade de um muito maior esforço muscular para
este conceito fisiopatológico. encher de ar os alvéolos no período neonatal pela
Os problemas respiratórios manifestam-se em menor compliance ou distensibilidade pulmonar.
cerca de 3 a 5% dos RN de acordo com estatísticas A força oposta à distensibilidade é a resistência
englobando nado – vivos seguidos na mesma elástica do tórax ou elastância; tal resistência –
maternidade. Considerando a globalidade dos RN elástica no RN – resulta quase exclusivamente da
pré-termo, tais problemas surgem em cerca de 1/3 tensão superficial (TS) ou forças de tensão ao nível
dos mesmos. da superfície de contacto ar-líquido nos alvéolos
Este tipo de patologia constitui uma causa (no adulto a comparticipação de tais forças é ape-
importante de morbilidade e de mortalidade neo- nas 50%). A TS depende da ausência ou presença
natais, nomeadamente no RN pré-termo. Tal pode de surfactante: mais surfactante → menor TS →
ser explicado pelas seguintes circunstâncias: maior aumento do volume alveolar. A pressão
– complexidade dos mecanismos de adaptação intra-alveolar (P) necessária para se opor à ten-
pulmonar à vida extra-uterina; dência de os alvéolos colapsarem é dada pela fór-
– defeitos do desenvolvimento pulmonar con- mula de La Place,
dicionando anomalias congénitas; P = 2xTS
– imaturidade anatómica e funcional do siste- R
ma respiratório no RN pré-termo; em que R=raio do alvéolo; quanto maior o R,
– susceptibilidade do RN às infecções. (alvéolo mais expandido), menor pressão (P)
necesária para o abrir ou expandir mais. (ver
Particularidades da fisiologia adiante surfactante).
da respiração no RN

Resistência pulmonar ao fluxo de gases


O pequeno calibre das vias aéreas do RN explica
os valores elevados da resistência pulmonar ao
fluxo do ar (no RN=25 a 30 cm H2O/L/seg.; no
adulto = 1,9 a 2 cm H2O/Litro/segundo).
Devemos ter em mente a fórmula: Resistência
ao fluxo=1/r4, isto é, inversamente proporcional à
4ª potência do raio das vias aéreas.
A traqueia do recém-nascido mede 5-6 mm de
diâmetro (10 mm aos 3 anos e 15-18 mm na idade
adulta) e 40 mm de comprimento (contra 11 a 13
cm no adulto).

Compliance pulmonar
FIG. 2
Esta designação define a característica de distensi-
bilidade ou compliance alveolar, traduzida pela Curva volume/pressão no recém-nascido (inspiração
relação ΔV/ΔP em ml/cm O2H, ou seja, a possibi- e expiração).
CAPÍTULO 345 Problemas respiratórios do recém-nascido. Generalidades 1847

Outras particularidades
– A língua grande do RN impede ou dificulta a
respiração pela boca, o que condiciona um tipo de
respiração predominantemente por via nasal.
– O diafragma desempenha papel importantís-
simo (em termos quantitativos, cerca de 80%) na
mecânica ventilatória relativamente aos outros
músculos torácicos. Poderão, portanto, deduzir-se
as enormes repercussões que decorrem da parali- 36 ← Freq. resp./min. → 70
sia diafragmática de origem obstétrica, por exem- 0,3 ← Relação espaço morto/vol. corrente → 0,6
2-14 ← Compliance ml/cm H2O → 1,0
plo. 29 ← Resistência em cm H2O /L/seg. → 2,3
– O tórax é muito flexível, (tem maior distensi-
bilidade) isto é, a grelha costal é exageradamente CPT = Capacidade pulmonar total
CV = Capacidade Vital (= VC + VRI + VRE)
“mole”, o que explica a propensão para se verifi- VR = Volume residual (o restante no fim da expiração forçada);
carem sinais de retracção com maior acuidade no CI = Capacidade inspiratória (volume obtido após uma inspiração
profunda)
RN pré-termo (maior compliance torácica). CRF = Capacidade residual funcional (no fim duma expiração nor-
– O reflexo da tosse não está perfeitamente mal)
VRI = Volume de reserva inspiratória (volume inspiratório obtido
desenvolvido, o que explica a facilidade de se para além do VC)
verificarem síndromas de aspiração alimentar em VC = Volume corrente (ventilação normal)
VRE = Volume de reserva expiratória (volume duma expiração
caso de regurgitação. forçada)

Volumes pulmonares no período neonatal


FIG. 3
Na Figura 3 podemos comparar os volumes pul-
monares num RN normal e num RN em que a fun- Volumes pulmonares num RN normal e num RN com SDR.
ção respiratória está alterada.

Trocas gasosas ao nível dos pulmões


I – Relação ventilação-perfusão
Em condições óptimas de trocas gasosas ao
nível da membrana alvéolo-capilar, a relação entre
a ventilação alveolar (VA) e o débito sanguíneo
capilar (Q) deve ser igual a 1.
Na Figura 4 podemos esquematicamente exa-
minar as situações em que tal relação está altera-
da.
• Hipoventilação alveolar
Está esquematizada na hipótese C: VA/Q <1: é E: VA/Q = 1 (normal)
A: Shunt capilar
o que acontece nas situações de obstrução brôn- B: Shunt anatómico
quica ou de depressão respiratória impedindo que C: Hipoventilação alveolar VA/Q < 1
D: Espaço morto VA/Q > 1
o ar alveolar seja suficientemente renovado, estan-
do intacta a perfusão sanguínea capilar. Há,
FIG. 4
consequentemente, ao mesmo tempo, diminuição
da PO2 e elevação da PCO2. Anomalias da relação ventilação-perfusão em A, B, C e D.
• Shunts Alvéolo normalmente irrigado e ventilado em E.
Nestas circunstâncias, verifica-se uma mistura
de sangue venoso com sangue arterial, o que traz O sangue não oxigenado vai eventualmente mistu-
como consequência uma diminuição da PaO2. rar-se, a jusante, com o sangue oxigenado, prove-
Na hipótese A: o sangue perfunde alvéolos não niente de capilares vizinhos eferentes de alvéolos
ventilados (v. g. atelectasias, membranas hialinas). onde se processou a oxigenação (shunt capilar).
1848 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Na hipótese B: neste caso, não se verifica pas- (por ex. com pressão alveolar de O2 de 200 mHg
sagem de sangue através dos capilares pulmo- obtém-o PaO2 de 200 mmHg se não houver mistura
nares, v. g. em caso de foramen ovale ou de canal (0%); se houver mistura de 20 % de sangue não oxi-
arterial (shunt anatómico). genado com a mesma pressão de O2 obtém-se Pa de
Os shunts capilar e anatómico são característi- 100 mmHg (menor).
cos da circulação de tipo fetal, embora possam ser • Espaço morto
restabelecidos em certas circunstâncias de vida Corresponde à hipótese assinalada em D:
extra-uterina, mesmo que não exista malformação VA/Q > 1; os alvéolos são normalmente ventila-
cardiovascular; é o que se passa em situações de dos, mas não são irrigados. Existe aumento da
acidose e hipoxémia. (Capítulo 351). PCO2 sem diminuição da PO2.
O diagnóstico destes shunts baseia-se na prova II – Afinidade da Hemoglobina para o oxigénio
da “hiperóxia” e que consiste na administração de A existência de hemoglobina fetal F no RN
O2 a 100% durante 20 minutos e concomitante modifica a afinidade desta para o O2.
medição de PaO2. A situação será tanto mais grave Como se pode depreender da Figura 6, a curva
quanto maior a percentagem de O2 no ar inspira- de dissociação da hemoglobina desloca-se para a
do para obter PaO2 normal*. esquerda, dada a afinidade aumentada da hemo-
A Figura 5 mostra a relação entre a pressão alveo- globina para o oxigénio em tais circunstâncias; tal
lar de O2 (PAO2) e a pressão arterial de O2 (PaO2) em afinidade resulta dum défice de 2,3-diphosphogli-
função do grau de mistura de sangue arterial (mais cerato (2,3-DPG), défice tanto maior quanto
oxigenado) com sangue venoso (menos oxigenado) menor for a idade gestacional.
em situações de curto-circuito (shunt) direito-esquer- Verifica-se, pelo contrário, um deslocamento
do; ou seja, para idêntica pressão alveolar de O2, a para a direita quando diminui o pH, aumenta a
pressão arterial de O2 é tanto maior quanto menor a PCO2, ou aumenta a temperatura.
percentagem de mistura de sangue não oxigenado Como resultado duma muito maior captação
de O2 pela HbF a quantidade de O2 a distribuir
pelos tecidos é muito menor, o que implica (para
que se verifique uma oxigenação tecidual eficien-

FIG. 5
Evolução da Pa O2 em função. 1 – da PA O2 (pressão de O2
I – Efeito da temperatura
no ar alveolar); 2 – da importância da mistura sangue venoso II – Efeito do pH
– sangue arterial (Shunt dto - esq.).

FIG. 6
*Citada por razões históricas dado o desenvolvimento de novas tec-
nologias para atingir o mesmo objectivo. Curva de dissociação de HbO2.
CAPÍTULO 345 Problemas respiratórios do recém-nascido. Generalidades 1849

te), uma taxa de Hb circulante no RN superior à Como em toda e qualquer situação clínica,
doutro grupo etário. (Capítulos 135 e 136) para o diagnóstico diferencial dos quadros clíni-
cos de SDR, torna-se fundamental a realização de
Etiopatogénese e classificação história clínica e de exames complementares em
função dos dados colhidos e observados. Em ter-
Para além dum sistema repiratório intacto, para o mos de anamnese, por ex.: a verificação de prema-
início e manutenção da respiração normal, torna- turidade aponta para SDR do tipo I; a verificação
-se essencial o concurso dum certo número de de líquido amniótico meconial aponta para sín-
condições básicas (Quadro 1 – Capítulo 326). droma de inalação amniótico-meconial; antece-
Assim, tendo em conta os fenómenos da adap- dentes de amnionite, ruptura prolongada de
tação cardio-respiratória fetal à vida extra-uterina membranas e ou de febre intra-parto sugerem
(Capítulo 326), e examinados os factores com pneumonia, integrada ou não num quadro de
influência no início e manutenção da função respi- infecção sistémica, etc..
ratória, será mais fácil compreender a classificação
das SDR com base na etiopatogénese (Quadro 2); Princípios gerais da actuação
nesta perspectiva, são consideradas duas grandes e avaliação inicial
causas: as de localização no sistema respiratório, e
as de localização extra - sistema respiratório. Perante situação de SDR verificada desde o pós-
parto imediato:
QUADRO 2 – Classificação das síndromas – o RN deverá ser colocado em incubadora, em
de dificuldade respiratória (SDR) condições de assépsia e de termoneutralidade;
no RN – deverá promover-se a monitorização das fre-
quência cardíaca e respiratória, da oxigenação, da
Causa no sistema respiratório pressão arterial e da temperatura;
1 – SDR tipo I (doença da membrana hialina) – deverá garantir-se o equilíbrio hidroelectrolí-
2 – SDR tipo II (taquipneia transitória ou “pulmão tico e ácido-base;
húmido”) – deverá prevenir-se e detectar-se eventual
3 – SDR por inalação amniótico-meconial infecção iniciando tratamento em caso de suspeita
4 – SDR dita secundária (pneumonia fetal e ou após realização de determinados exames.
neonatal, síndromas associadas a “ar ectópico” Estes objectivos conseguem-se através de vigi-
(pneumotórax, pneumomediastino, etc.), lância ou monitorização clínica, biofísica, bioquí-
hemorragia pulmonar, displasia broncopulmonar, mica e imagiológica em unidade de cuidados
síndromas associadas a anomalias congénitas especiais ou em unidade de cuidados intensivos.
(hérnia diafragmática de Bochdalek, agenésia
pulmonar, hipoplasia pulmonar, etc.) No âmbito dos exames complementares de
Causa extra- sistema respiratório imagem assumem particular importância, em pri-
1 – SDR por anomalias cardiovasculares meiro lugar a radiografia do tórax e, em certos
2 – SDR de causa metabólica (acidose, alcalose, casos, a ecografia torácica. O Quadro 3 proporcio-
hipoglicémia, etc.) na dados imagiológicos torácicos importantes
3 – SDR de causa neuromuscular (hemorragia do SNC, para a orientação diagnóstica.
efeito de fármacos, anomalias congénitas do SNC – Na perspectiva de detecção de insuficiência
por ex. defeito de Arnold – Chiari, paralisia do respiratória e de eventual repercussão multiorgâ-
frénico associada a paralisia do plexo braquial, etc.) nica – que poderão determinar a transferência do
4 – SDR de causa hematológica (anemia grave de RN para UCIN – estão indicados determinados
etiologia diversa, síndromas associadas a procedimentos:
policitémia/hiperviscosidade, etc.)
– Oximetria de pulso
5 – SDR de causa funcional (choque hipovolémico de
Na oximetria de pulso utiliza-se um foto-sen-
etiologia diversa, infecção sistémica, etc. ).
sor cutâneo (oxímetro de pulso ) para determinar
de modo contínuo a percentagem de saturação de
1850 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 3 – Tórax e Sinais Radiológicos

Imagem observada Orientação diagnóstica


Pulmão Denso
Granitado difuso com ou sem broncograma Doença da membrana hialina
“Miliar” de nódulos grosseiros assimétrica Inalação – Infecção
Opacidade difusa Pneumonia – Hemorragia pulmonar
Pulmão Húmido
Diminuição homogénea da transparência Perturbações da reabsorção do líquido alveolar/edema
Linha cisural pulmonar
Opacidades perivasculares
Pulmão Arejado
Hipertransparência acentuada dum campo pulmonar Pneumotórax; Malformações
Hipertransparências difusas, lineares, paralelas aos Enfisema lobar
brônquios Enfisema intersticial
Diafragma
Cúpula abaixada Enfisema; Pneumotórax
Cúpula elevada Paralisia do nervo frénico; Atelectasia
Mediastino
Hipertransparência em torno da silhueta cardíaca Pneumomediastino
Hérnia diafragmática
Eventração diafragmática
Agenesia pulmonar
Hipoplasia pulmonar
Desvio mediastínico Atelectasia
Enfisema lobar congénito
Malformação quística
Tumor
Hidrotórax
Pneumotórax

Hb em oxigénio (Hb-O2) disponível para transpor- dos são pouco influenciados pela temperatura e
te do mesmo. perfusão da pele (ao contrário do que acontece
A saturação de Hb-O2 (que nos dá na prática com o monitor de pressão transcutânea de O2).
clínica diária a monitorização cutânea contínua da Com os referidos monitores (oxímetros) é possí-
oxigenação) é afectada pela curva de dissociação vel proceder, para além da oximetria de pulso, à
da oxi-hemoglobina (ver atrás Figura 6). São acon- monitorização das frequências cardíaca, respirató-
selháveis os seguintes valores: se < 34 semanas: ria e da pressão arterial (monitores integrados).
90-92%; se 34 semanas ou mais: 92-97%. De salien-
tar que estudos recentes aconselham ser prudente – Determinação inicial do pH e gases no sangue)
evitar saturações abaixo de 90% no RN pré-termo. *PaO2
O método tem limitações, citando-se alguns Com a determinação da pressão arterial de O2
exemplos: saturações de 88 – 93% correspondem a há possibilidade de regular a concentração de oxi-
PaO2 entre 50 e 80 mm Hg. Valores extremos, ele- génio necessária para manter os valores fisiológi-
vados ou baixos, têm fraca correlação com a PaO2 cos de 70-80 mm de Hg.
(exemplo: saturação de 98 ou 99% pode corres- De notar que um valor inferior pode ser res-
ponder a PaO2 variando entre 95 e > 200 mm Hg). ponsável por hipóxia celular com consequente aci-
Como vantagens citam-se: fácil de utilizar; não dose metabólica, e um valor exageradamente eleva-
requer calibração manual; os valores determina- do pode ser tóxico para os vasos retinianos com
CAPÍTULO 345 Problemas respiratórios do recém-nascido. Generalidades 1851

possibilidade de sequelas no RN pré-termo, nomea- (em unidades de cuidados especiais ou em UCIN)


damente retinopatia, podendo originar cegueira. deverão contemplar os seguintes pontos:
*PCO2
A determinação da pressão de CO2 permite Balanço hidroelectrolítico
apreciar o valor da ventilação alveolar. Os valores Torna-se fundamental proceder aos registos do
normais oscilam entre 35 e 45 mmHg. peso diário assim como do suprimento de fluidos
Um aumento da pressão de CO2 (hipercápnia) e electrólitos, do débito urinário (pós -algaliação
pode ser sinal de obstrução, atelectasia, perturba- ou colocação de saco colector), das perdas pelas
ção do mecanismo central da respiração, ou de fezes e das perdas insensíveis. Com efeito, a
patologia neuromuscular. manutenção do balanço hidroelectrolítico dentro
Uma hipocápnia, pelo contrário, pode consti- da normalidade é condição indispensável para
tuir a tradução do fenómeno de compensação res- garantir ventilação-perfusão normais e trocas
piratória duma acidose metabólica e, também, gasosas eficazes.
eventualmente de perturbações do mecanismo
central da respiração. Humidade e temperatura ambientais
*pH O ambiente termo-neutro (a garantia do consumo
O valor normal deste parâmetro está com- mínimo de oxigénio) implica humidade relativa ~
preendido entre 7,35 e 7,40. De notar também que ou > 50 %. Por outro lado, uma humidificação
uma acidose grave pode ter consequências deleté- dentro dos limites recomendados contribui para
rias: vasoconstrição dos capilares pulmonares e diminuir a perda de líquidos através da pele e,
sequelas ao nível do S.N.C. consequentemente, a perda de calor corporal.
*BE (“Excesso de base”) Situações que implicam entubação traqueal neces-
Este parâmetro permite calcular a quantidade sitam de humidade relativa >60%.
de iões básicos necessária para neutralizar uma Nos RN de peso < 1000 gramas poderá haver
perturbação de origem metabólica no espaço necessidade de humidade relativa ~ 80-90% e
extracelular (no RN = ± 0,5 peso do corpo em kg). manutenção de temperatura cutânea abdominal
Num estado normal de equilíbrio, o BE = 0. de 36,9ºC (nestes casos, com sensor aplicado na
Portanto, uma acidose metabólica corresponde a pele do abdómen, ligado a sistema automático de
um BE negativo cujo valor se correlaciona com o aquecimento servocontrolado).
número de mEq de bicarbonato necessário para a Nos RN de peso entre 1000-1499 gramas, com
correcção da acidose. (Capítulo 48) tal sistema automático, deverá providenciar-se
temperatura cutânea abdominal de 36,7ºC; se
– Outros exames 1500-1999 gramas: 36,5ºC.
Salientando-se que nas situações de patologia Recorda-se que a hipotermia (temperatura axi-
respiratória poderá verificar-se compromisso mul- lar < 36,5ºC: ligeira- 36-36,4ºC; moderada- 32-35,9ºC;
tiorgânico, cabe referir que após concretização de grave- <32ºC), originando vasoconstrição pulmo-
procedimentos prioritários, e uma vez verificada a nar, poderá levar a situação hipoperfusão e hiper-
estabilização clínica hemodinâmica, poderão estar tensão pulmonares, agravando o quadro respi-
indicados determinados exames complementares ratório. O Quadro 2 do Capítulo 331 especifica a
tais como hemograma com plaquetas, hematócrito, temperatura ambiente recomendável para RN de
grupo sanguíneo, PCR, glicémia, ionograma, estu- diversos subgrupos de peso.
do da coagulação, exames microbiológicos, hemo-
cultura, exame sumário da urina, urocultura, etc.. Cuidados da pele
A integridade da pele é importante para manu-
Cuidados gerais ao RN tenção do balanço hídrico e da temperatura cor-
com problemas respiratórios poral; por outro lado a, perda da integridade da
mesma comporta igualmente risco de infecções
Em obediência aos princípios da actuação atrás sistémicas. Na prática clínica deverá evitar-se ao
sintetizados, os cuidados gerais ao RN com SDR mínimo o uso de adesivos e doutras práticas que
1852 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

contribuam para a lesão da pele, chamando-se a suporte) respiratório, no sentido lato da expres-
atenção para a necessidade de protecção daquela são, diz respeito fundamentalmente:
sobre proeminências ósseas, sobretudo no RN de 1) à administração de suplemento de oxigénio
prematuridade extrema (< 1000 gramas). em proporções variadas em função dos parâme-
tros clínicos e biológicos de cada caso (FiO2 entre
Posição do RN 21 e 100%);
A colocação de doentes com dificuldade respirató- 2) à aplicação de determinados procedimentos
ria em posição correcta é muito importante para e técnicas de administração do referido suplemen-
garantir a melhoria da função respiratória e a to de oxigénio;
eficácia dos restantes cuidados. A este propósito 3) à aplicação de técnicas que têm por objecti-
cabe salientar o seguinte: vo rendibilizar a função respiratória,as quais cul-
– estando o RN submetido a ventilação mecâ- minam com a ventilação mecânica com aparelhos
nica, mudanças de posição do corpo, não planea- sofisticados que permitem monitorizar a própria
das ou mal efectuadas, podem alterar a posição do função respiratória.
TET(ver adiante);
– a posição em decúbito dorsal prolongada, Modalidades de oxigenoterapia
leva a atelectasias segmentares posteriores; e assistência respiratória
– a colocação do RN em posição de decúbito
lateral durante ventilação mecânica pode ajudar Nos casos de RN respirando espontaneamente,
no que diz respeito a melhoria de áreas de atelec- com SDR ligeira, evidenciando adequada ventila-
tasia ou de enfisema intersticial; ção-minuto, e sinais de hipoxémia ligeira (satura-
– a posição em decúbito ventral tem sido refe- ção de O2-Hb < 89 %) poderá haver necessidade
rida como bastante vantajosa por melhorar a ven- de providenciar apenas suplemento de O2 no sen-
tilação, permitindo a total expansão pulmonar e tido de obter saturação de O2-Hb entre 89 e 93%.
facilitando a drenagem de secreções (RN monito- O oxigénio deve ser aquecido à temperatura
rizado). do RN, e humidificado, podendo ser administra-
Nota importante: esta posição está proscrita em do segundo diversas modalidades:
RN saudáveis em berço convencional, para dor-
mir. Campânula
Trata-se de campânula transparente de perspex
Manutenção da permeabilidade das vias aéreas fechada, cúbica ou cilíndrica, com uma abertura
Determinadas medidas com o objectivo de manter semicircular correspondente ao pescoço do RN
a permeabilidade das vias aéreas incluem: (ficando a cabeça dentro da mesma) e um orifício
– aspiração suave de secreções, drenagem pos- de comunicação com a fonte de oxigénio; a cam-
tural, vibração torácica e percussão suave, sobretu- pânula pode ser usada quer em berço, quer dentro
do em situações de atelectasia ou de pneumonia. da própria incubadora. (Figura 7)
– a aspiração das vias aéreas, realizada por Esta modalidade permitindo, através da gran-
pessoal de enfermagem especializado deverá ser de abertura em torno do pescoço do RN, a saída
reduzida ao mínimo, nomeadamente no RN pré- do CO2 expirado pelo RN (evitando a acumulação
termo extremo; com efeito, aspirações excessivas, do mesmo dentro da campânula) está indicada em
sem indicação clínica para tal, poderão conduzir a situações necessitando de FiO2 > 25%.
lesões traumáticas e, por vezes, a efeitos secundá- Haverá, pois, que monitorizar a FiO2 dentro da
rios graves como por ex. pneumotórax. campânula com oxímetro colocado a meia distân-
cia entre o nariz e boca e a sat O2 –Hb com oxíme-
Assistência respiratória tro de pulso (sensor aplicado, de preferência sobre
Independentemente da etiologia e gravidade da o pulso direito /pré-ductal, ou em alternativa
SDR, para além dos cuidados atrás descritos, os sobre o dedo grande do pé direito ou esquer-
RN com tal patologia poderão necessitar de assis- do/pós-ductal). Salienta-se que, de acordo com a
tência respiratória; tal noção de assistência (ou situação clínica, poderá haver indicação para ava-
CAPÍTULO 345 Problemas respiratórios do recém-nascido. Generalidades 1853

Fonte de O2 delgada, pode verificar-se absorção transcutânea de


Sistema de
oxigénio se o mesmo RN não estiver vestido e o
aquecimento de O2
ambiente da incubadora proporcionar elevada
concentração de FiO2; assim, poderá verificar-se
Humidificador incremento de PaO2 ~9 mmHg(~1.2kPa) se a FiO2
do habitáculo for ~95%.
Oxímetro Oxímetro
(Monitor de Fi O2) de pulso
(saturação em O2 da Hb) Pressão positiva contínua na via aérea
Nos RN com respiração espontânea pode admi-
90% nistrar-se suplemento de O2 empregando um sis-
tema de fluxo contínuo da mistura de ar e de oxi-
génio que permite manter certo grau de distensão
alveolar no fim de cada expiração(isto é, alvéolo
mais distendido do que em situação fisiológica
através da criação de pressão de distensão contí-
nua-CPAP ou continuous positive airway pressure
FIG. 7 medida em cm de H2O.
Oxigenoterapia em campânula. A técnica de pressão positiva contínua (CPAP)
– que pode ser utilizada através de máscara(rara-
liar os valores pré e pós-ductais implicando a apli- mente), pronga, ou sonda nasal dupla (mais fre-
cação de dois oxímetros (ver Capítulo 351). quentemente), ou ainda tubo endotraqueal (TET
nasofaríngeo ou TET traqueal) – promove uma me-
Incubadora lhoria da PaO2 explicada pelo que se designa recru-
Nos casos em que o RN necessite de FiO <25% po- tamento alveolar e optimização do volume pulmo-
derá administrar-se oxigénio conectando a fonte nar, permitindo mais eficaz ventilação-perfusão.
de O2 directamente ao interior do habitáculo da As indicações principais da CPAP são: SDR da
incubadora; nestas circunstâncias poderá com- prematuridade (doença da membrana hialina
preender-se que a FiO2 monitorizada com oxíme- ligeira a moderada), apneia da prematuridade, na
tro – tal como se referiu para a campânula- pode fase pós-extubação na sequência de ventilação
diminuir sempre que se abre a “janela” da incuba- mecânica e, eventualmente, no pós-parto imedia-
dora, o que constitui uma limitação pelas oscila- to (capítulo 329).
ções que provoca na FiO2. A CPAP com TET constitui, em geral, uma
forma de avaliar a capacidade de tolerância do RN
Cânulas nasais à CPAP nasal , desde que haja indicação de extuba-
Outro método de administração de oxigénio ção. Contudo, deve ter-se em conta que tal avaliação
consiste na aplicação de cânula nasal dupla (ou deve ser efectuada durante alguns minutos apenas,
em alternativa, sonda única empregando sonda dada a eventualidade de o TET poder aumentar a
vulgar de calibre 8 FG introduzida numa das nari- resistência da vias aérea e, por isso, o trabalho da
nas até cerca de 3 cm). respiração susceptível de levar, por sua vez, a episó-
Com esta modalidade deve utilizar-se um dios de apneia ou atelectasia. (ver adiante).
debitómetro de precisão permitindo débitos < 1 As pressões de distensão contínua/ CPAP
L/minuto (por ex. 0.25, 0.50, 0.75 L/min, etc.). De- podem variar entre 3 e 8 cm H2O, consoante a
terminando a concentração de oxigénio na hipofa- situação clínica e a gravidade da mesma. Contudo,
ringe (FhO2) com este método, é possível estabelecer são mais utilizados valores ~ 3 – 6 cm H2O.
a seguinte relação, respectivamente entre débito e Empregando tal técnica haverá que dar especial
FhO2: 0.25L/min<>30%; 0.50L/min<>45%; atenção à eventual melhoria da compliance ou dis-
0.75L/min<>60%; 1L/min<>65%. tensibilidade da via aérea coincidindo com a me-
Nota importante: No RN pré-termo (< 28 sema- lhoria da situação clínica; tal poderá poderá origi-
nas) em que a camada da pele é extremamente nar hiperinsuflação-enfisema e pneumotórax (ma-
1854 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

nifestada por excessiva retenção de CO2 e aumen- de ventilação mecânica não constitui a única indi-
to da PaCO2 num RN em melhoria); ou seja, com a cação de internamento na mesma. Assim, é opor-
melhoria da oxigenação deve reduzir-se progressi- tuno discriminar os critérios clássicos utilizados para
vamente a pressão de distensão contínua. transferência de RN para UCIN (com ou sem pro-
A distensão gástrica pode ser um efeito blemas respiratórios):
secundário da CPAP nasal, o qual não contra-indi- – RN pré-termo de peso inferior a 1.500 gra-
ca a alimentação por via entérica. Para prevenir tal mas;
efeito deve aplicar-se sonda orogástrica nos RN – a verificação de necessidade de assistência
submetidos a CPAP nasal. ventilatória em função dos dados colhidos
Nota: Chama-se a atenção para a terminologia, pelo exame clínico, dos resultados da determi-
por vezes incorrectamente empregue; o termo nação de pH e gases no sangue(gasometria);
“assistência respiratória”, mais lato, engloba pro- – problemas hemodinâmicos tais como choque
cedimentos vários, desde oxigenoterapia, modali- de etiologia diversa (designadamente infec-
dades de oxigenoterapia, assistência com apare- ciosa), hipertensão arterial, hipotensão, defei-
lhos de apoio estando o RN em respiração espon- tos cardíacos e insuficiência cardíaca, etc.;
tânea, etc., até assistência ventilatória ou ventila- – problemas hematológicos (diátese hemorrá-
ção mecânica. gica grave, CID, etc.);
– problemas neurológicos com repercussão
Monitorização em UCIN multissistémica (status epilepticus, doenças
neuromusculares, etc.);
Recorda-se, a propósito, que as UCIN são unidades – problemas metabólicos, alterações do equilí-
assistenciais com equipamento sofisticado inte- brio hidroelectrolítico e ácido-base;
grando equipas fixas de enfermeiros e de pediatras- – infecções sistémicas;
neonatologistas com formação especializada em – alterações da termo-regulação;
intensivismo neonatal, e agregando a si outros – patologia dita cirúrgica major implicando
especialistas que dominam certas técnicas, como vigilância pré- e pós-operatória.
cirurgiões neonatais, gastrenterologistas, cardiolo-
gistas, pneumo-broncologistas, etc.. O conceito de Nesta perspectiva, são descritas sucintamente
intensivismo implica a disponibilidade de equipas as modalidades mais correntes de monitorização
próprias em permanência, 24 horas por dia, 7 dias do RN realizada em UCIN.
por semana, 365 dias por ano (Capítulo 264).
Para a vigilância e terapia intensivas torna-se Monitorização não invasiva
necessário proceder a técnicas invasivas como • O tópico sobre “admissão na UCIN” da alí-
cateterismo arterial e venoso. Pelas condições nea sobre “cuidados ao RN pré-termo” (capítulo
indispensáveis de ambiente em assépsia rigorosa é 331) tipifica de modo sucinto os diversos tipos de
possível a realização de intervenções cirúrgicas em aparelhos para monitorização básica: de frequên-
áreas reservadas e isoladas da UCIN, como laquea- cia cardíaca e respiratória (implicando aplicação
ção do canal arterial no RN pré-termo e correcção de eléctrodos sobre a pele, com possibilidade de
cirúrgica de hérnia diafragmática de Bochdalek. obtenção de traçados de registo digital), de tem-
Do equipamento sofisticado fazem parte, nomea- peratura cutânea e de ambiente, de pressão arte-
damente, incubadoras “abertas” e fechadas (clássi- rial por método doppler tipo Dinamap e de oxi-
cas) com mecanismo de regulação de temperatura metria de ambiente (para determinação da FiO2).
automática (servocontrolada), monitores electrónicos • Para além do oxímetro de pulso já referido e
e ventiladores, aparelhos de fototerapia, etc.. utilizado também em UCIN, cabe referir ainda os
De facto, os problemas respiratórios neonatais monitores para determinação da pressão transcu-
tipificam perfeitamente o paradigma do interna- tânea de O2 e de CO2. Com o aparecimento do oxí-
mento em UCIN, designadamente pelas reper- metro de pulso, a monitorização transcutânea de
cussões multissistémicas da disfunção respiratória. oxigénio (Ptc O2) – monitor com eléctrodo aplica-
Salienta-se – pelo que foi dito – que a necessidade do sobre a pele, e produzindo determinada tem-
CAPÍTULO 345 Problemas respiratórios do recém-nascido. Generalidades 1855

peratura indispensável para vasodilatação da • A pressão arterial por método directo (hoje
pele, tem passado a ser menos utilizada. menos vulgarizada dado o desenvolvimento de
• A monitorização da Ptc CO2 é extremamente métodos não invasivos) também pode ser realiza-
importante na prática clínica uma vez que permi- da através do cateter arterial especial com equipa-
te determinar de modo contínuo tal parâmetro, mento ligado a monitor-transdutor.
com grande aproximação ao valor da pressão arte- • A gasometria venosa não tem valor quanto à
rial de CO2 (Pa CO2). determinação da pressão de O2, sem qualquer cor-
Existem, no entanto, algumas limitações rela- relação com a Pa O2. O pH é ligeiramente mais
cionadas com o funcionamento dos dois últimos baixo e a pressão de CO2 (venosa, não arterial) é
monitores: 1) necessidade de recalibração diária; 2) ligeiramente mais elevada.
necessidade de recolocação em diferentes zonas da • A gasometria capilar obtida através de colhei-
pele após cada 4 a 6 horas (ou de 2 em 2 horas nos ta de sangue capilar (arterializado) –em geral obti-
RN mais imaturos) face à irritação da pele (eritema do por punção na região calcaneana- proporciona
ou queimadura superficial causada pela tempera- informação útil; as limitações são semelhantes às
tura exigida para a eficácia do funcionamento do da punção venosa.
eléctrodo; 3) resultados difíceis de interpretar em • A pressão venosa central (PVC) pode ser moni-
situações clínicas acompanhadas de má perfusão torizada pelo cateter venoso umbilical com extre-
cutânea, em que a sua utilização é pouco eficaz. midade atingindo a aurícula direita. No RN
• A avaliação ecocardiográfica é muito importan- valores da ordem de 4 – 8 cm H2O, são geralmen-
te pelos achados obtidos, nomeadamente em ter- te aceites como normais. No entanto, actualmente
mos de status cardíaco (por ex. grau de repleção alguns dados indirectos relativamente à pré-carga
das cavidades cardíacas), de resistências pulmo- e pós-carga podem ser obtidos de modo não inva-
nares e periféricas, e de shunt intrapulmonar. sivo através da ecografia com doppler.
• A fotopletismografia dá informação através de
monitor sofisticado sobre o estado hemodinâmico Indicações da ventilação mecânica
na microcirculação, designadamente no respeitan-
te ao volume intravascular. Habitualmente são estabelecidos dois tipos de cri-
térios (clínicos e biológicos) para início de ventila-
Monitorização invasiva ção mecânica implicando entubação traqueal e
• A gasometria arterial (determinação do pH e internamento em UCIN:
gases no sangue arterial) constitui a avaliação mais
padronizada e aceite do status respiratório. Requer • Clínicos
punção arterial (por ex. da artéria radial ou tempo- – índice de Silverman >7 sem melhoria na
ral direitas, pré-ductais) ou a manutenção de uma sequência de período anterior de assistência respi-
linha arterial contínua. Na prática corrente, estando ratória, designadamente na modalidade de
o RN internado em UCIN, no período neonatal pre- pressão de distensão contínua por via nasal apli-
coce obtém-se sangue arterial da artéria umbilical cada a RN em respiração espontânea (CPAP nasal,
uma vez que em praticamente todos os RN com isto é, sistema de fluxo contínuo de mistura de
SDR é colocado um cateter arterial umbilical, viabi- ar/O2, gerando pressão positiva no fim da expira-
lizando uma linha de monitorização arterial contí- ção, garantindo menor esvaziamento e maior dis-
nua, permitindo avaliação dos referidos parâme- tensão alveolares do que em situação normal);
tros. Em geral procede-se a colheitas de sangue – apneia recorrente: dois ou mais episódios/
arterial periodicamente em função da clínica com /hora com necessidade de ventilação manual para
seringa aplicada a sistema de torneira com três ou reversão e ou ausência de resposta ao tratamento
mais vias segundo técnica que ultrapassa os objec- com xantinas;
tivos do livro; outra alternativa é a determinação – doenças do foro neurológico e neuromuscu-
contínua com monitor electrónico que incorpora lar, congénitas ou adquiridas, implicando ausên-
sensor em contacto com o sangue arterial, o que cia de movimentos respiratórios ou movimentos
implica o emprego de cateteres especiais. respiratórios irregulares ou de fraca amplitude;
1856 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

346
– doenças sistémicas diversas, idem;
– RN submetidos a tratamento com fármacos in-
terferindo no automatismo e dinâmica respiratórios.

• Resultados da determinação de pH e gases no


sangue (gasometria)
→ PaO2 < 50 mm Hg (6,7 kPa) ou Sat.O2-Hb < DOENÇA DA MEMBRANA
88% com FiO2 > 60% (se ≤ 32 semanas de gestação)
[ou com FiO2 > 80%(se > 32 semanas)] HIALINA
→ PaCO2 > 60 mmHg (8,0 kPa): associada a
pH<7,20 se idade gestacional > 32 semanas; Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido
→ PaCO2 > 50 mmHg (6,7kPa) associada a e João M. Videira Amaral
pH<7,25 se idade gestacional ≤ 32 semanas;
→ Acidose metabólica grave (pH< 7,20) na
ausência de resposta a alcalinizantes (bicarbonato
de sódio, por ex.) e/ou a expansores de volume. Definição e importância do problema
Nota importante: Correspondência entre as
medidas de pressão kPa (capa pascal) e mmHg: A doença da membrana hialina (DMH, hoje mais
valor de KPa x 7,5 corresponde a valor em mmHg frequentemente designada por SDR do tipo I)
constitui um problema respiratório típico da ima-
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de /compliance da caixa torácica (parede torácica
mais complacente). A propósito do último compo-
nente fisiológico – distensibilidade/compliance da
CAPÍTULO 346 Doença da membrana hialina 1857

QUADRO 1 – Factores de Risco de DMH mento alveolar uniforme, reduzindo o gradiente


de pressões entre o interstício e o alvéolo, dimi-
Risco aumentado nuindo assim a formação de edema pulmonar. Por
Prematuridade, sexo masculino, gemelaridade/segundo outro lado, evidencia propriedades imunológicas
gémeo, hipóxia e acidose, corioamnionite, cesariana antibacterianas e anti-inflamatórias, possivelmen-
electiva, diabetes materna, hidropisia fetal, etc.. te relacionadas com as apoproteínas SP-A e SP-D.
Risco diminuído O surfactante pulmonar (SP) é sintetizado a par-
Hipóxia intra-uterina crónica, ruptura prolongada de tir da 20ª – 22ª semana de gestação em células es-
membranas ovulares, hipertensão materna, restrição do pecíficas – no retículo endoplásmico de células al-
crescimento intra-uterino (RCIU), administração de veolares diferenciadas, os pneumócitos do tipo II –
corticóides pré-natais, administração de tocolíticos, (SP intracelular) que, por sua vez, libertam aquele
hormonas tiroideias, etc.. (exocitose) para o espaço alveolar – (SP extracelular).
Até à 35 semanas, na biossíntese do SP tem
papel primordial a enzima metil-transferase
caixa torácica – cabe recordar que a força oposta a (transformação de fosfatidil-etanolamina em pal-
esta se chama resistência elástica ou elastância. mitil-miristil – lecitina); este surfactante é mais
vulnerável a noxas. Após as 35 semanas tem papel
1. Metabolismo e disfunção do surfactante primordial a enzima fosfocolina-transferase, a
pulmonar qual promove a transformação do diglicérido-fos-
O termo “surfactante” corresponde à designação focolina em dipalmitoil-lecitina (SP de “melhor
funcional de um material heterogéneo e complexo qualidade”), pois é mais resistente às noxas.
de natureza lipoproteica, relativamente insolúvel, O aumento quantitativo do SP, com o desenro-
com grande plasticidade (distendendo-se em grau lar da gestação, é acompanhado de modificação na
variável) cuja propriedade principal consiste em composição dos fosfolípidos e das apoproteínas;
diminuir a tensão superficial na interface ar-líqui- com efeito, no que respeita aos primeiros, inicial-
do da porção respiratória do pulmão. mente predomina FI, enquanto por volta da 35ª
O surfactante extraído do pulmão (SP) de dife- semana predomina FG; quanto às apoproteínas,
rentes espécies tem uma composição semelhante: verifica-se aumento de SP-A pela 35ª semana. Nas
fosfolípidos - cerca de 84%, lípidos neutros – cerca situações de DMH é menor o teor em FG e SP-A.
de 8% , e proteínas – cerca de 8% . Dos fosfolípi- Para que as propriedades tensioactivas do SP
dos, cerca de 65% corresponde a compostos de sejam mantidas de forma constante na superfície
fosfatidilcolina saturada ou dipalmitoilfosfatidil- alveolar existem mecanismos de regulação do seu
colina (DPPC), e 15% a fosfatidilglicerol (FG), a metabolismo. Tal metabolismo engloba diversos
fosfatidilinositol(FI) e a fosfatidiletanolamina. estádios: síntese (já referida), armazenamento e
Os referidos lípidos estão associados a quatro secreção pelos pneumócitos do tipo II, eliminação
proteínas específicas (apoproteínas) designadas e reciclagem ou recuperação (Figura 1).
como SP-A, SP-B, SP-C e SP-D. As SP-A e SP-D são O SP de localização extracelular, em termos
hidrofílicas, ao passo que SP-B e SP-C são proteí- morfológicos, apresenta-se em 4 formas: corpos
nas hidrofóbicas, sem afinidade para moléculas lamelares (estrutura semelhante a fios enrolados),
lipídicas; tais proteínas são fundamentais no mielina tubular, grandes vesículas precursoras da
metabolismo do surfactante camada monomolecular e pequenas vesículas; as
A DPPC e o FG constituem os principais com- vesículas organizam-se em corpos multivesicu-
ponentes tensioactivos do SP; este último, promo- lares (CMV). Os corpos lamelares, cujas lamelas
vendo a diminuição da tensão superficial dos uma vez no espaço extracelular se reorientam, dão
alvéolos e bronquíolos respiratórios durante a origem à mielina tubular (estrutura semelhante a
expiração, evita o colapso das vias aéreas distais e fios entrelaçados em malha), monocamada fosfolí-
a perda do volume pulmonar (aumenta a com- pidida rica em DPPC; ora é esta a forma estrutural
pliance pulmonar ou relação V/P, atrás referida). de SP verdadeiramente responsável pela diminui-
Durante a inspiração o SP promove recruta- ção da tensão superficial na superfície alveolar.
1858 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

do oxigénio e pelo trauma da ventilação artificial


(efeitos do volume insuflado e da pressão gerada);
estes eventos contribuem também para a lesão e
hipoprodução de surfactante.
Nos RN afectados pela DMH, a parte inferior
da parede torácica é puxada para dentro ao
mesmo tempo que o diafragma desce; consequen-
temente a pressão intratorácica torna-se negativa
o que conduz à formação de atelectasia. A parede
torácica altamente complacente do RN pré-termo,
por outro lado, oferece menos resistência, (em
comparação com o que acontece no RN não ima-
turo) à tendência para o colapso, com incapacida-
FIG. 1
de para a manutenção de ar residual no fim da
Metabolismo do surfactante pulmonar. Semi-vida ~12-18 expiração.
horas. A deficiente síntese, ou libertação de surfactan-
te, associada à incapacidade de se criar uma capa-
Embora raras, determinadas alterações genéti- cidade residual adequada, e a particularidade de a
cas podem contribuir para síndroma de dificulda- parede torácica ser mais complacente, levam a ate-
de respiratória por disfunção do surfactante pul- lectasia, resultando em alvéolos perfundidos , mas
monar. Trata-se de alterações dos genes das pro- não ventilados, o que conduz a hipóxia. A dimi-
teínas B e C (SP-B e SP-C) e do gene duma proteí- nuição da compliance pulmonar, a redução do volu-
na transportadora do surfactante através da mem- me corrente, o aumento do espaço morto fisiológi-
brana (transportador designado por ABCA3) que co, o aumento do trabalho respiratório, assim
originam formas letais familiares de dificuldade como a insuficiente ventilação alveolar conduzem
respiratória fora do contexto de imaturidade. a hipercápnia. A combinação de hipóxia, hipercáp-
Outras causas familiares raras de disfunção do nia e acidose produz vasoconstrição arterial incre-
surfactante incluem principalmente a displasia mentando o shunt direita-esquerda através do fora-
acinar, a displasia alveolar capilar, a linfangiecta- men ovale, ductus arteriosus e no interior do próprio
sia pulmonar e a proteinose alveolar(deficiência pulmão. Verifica-se secundariamente redução do
congénita da SP-B). fluxo sanguíneo pulmonar com lesão isquémica,
Ulteriormente, a monocamada fosfolipídica quer das células que produzem surfactante
sofre catabolismo transformando-se em vesículas (pneumócitos de tipo II) e dos pneumócitos de tipo
que sofrem endocitose (captação pelo pneumócito I, quer das células do leito vascular, o que favorece
II) reorganizando-se de novo em corpos multivesi- a saída de material proteico intravascular para o
culares que irão ser submetidos a catabolismo nos espaço alveolar (Figura 2).
lisossomas, formando-se ácidos gordos livres; uma O colapso alveolar em áreas disseminadas do
parte destes é perdida, enquanto outra é reutilizada parênquima, a formação de depósitos hialinos e
a partir do retículo endoplásmico, repetindo-se o eosinófilos, de fibrina agregando células alveolares
ciclo. O coeficiente de reutilização ou reciclagem da necrosadas forrando os ductos alveolares e os
monocamada fosfolipídica é cerca de 95%. bronquíolos terminais (daí o nome de “membra-
A síntese do surfactante depende em parte do nas hialinas”, conceito anatomopatológico, sendo
pH normal, da temperatura e da perfusão sanguí- que as mesmas são raramente observadas antes
nea. A asfixia, a hipoxémia e a isquémia pulmonar, das 6,8 horas de vida extra-uterina), e o edema
particularmente se associadas a hipovolémia, intersticial contribuem para diminuir a compliance
hipotensão e estresse pelo frio, podem suprimir a ou distensibilidade do pulmão, de tal modo que
síntese de surfactante. Por outro lado, o epitélio será necessária pressão mais elevada que em
revestindo a via respiratória pode também ser condições normais para expandir os alvéolos e vias
lesado e sofrer necrose por elevadas concentrações terminais. (Figura 3)
CAPÍTULO 346 Doença da membrana hialina 1859

• Asfixia
• Cesariana
• Prematuridade
• Predisposição familiar
• Acidose

Alteração
Défice de surfactante
do metabolismo celular
↑ Permeabilidade
dos capilares e
↓ “Compliance” células alveolares

Hipoventilação Hipoperfusão
alveolar alveolar
Atelectasia

Asfixia e Hipoxémia Acidémia Vasoconstrição


Metabolismo Hipotensão Choque pulmonar
anaeróbio

FIG. 2
Patogénese da doença respiratória do RN por défice de surfactante.

A Figura 4 ilustra a consequência do défice ou 3. Distensibilidade da caixa torácica


disfunção do surfactante pulmonar, com alteração Reiteram-se aqui as particularidades fisiológicas
do formato da curva volume/pressão (incapaci- no RN pré-termo traduzidas essencialmente por
dade de distensão alveolar com o aumento da
pressão intralveolar, e incapacidade de manuten-
ção do volume residual).

2. Hipodesenvolvimento estrutural do pulmão


Reportando-nos às fases do desenvolvimento pul-
monar embrionário e fetal, cabe referir que no RN
pré-termo viável foi já atingido o estádio canalicu-
lar ou sacular. Nestes estádios as vias aéreas dis-
tais são de estrutura tubular, têm paredes espessas
e a distância entre o leito capilar e o interstício é
superior à que se verifica no termo da gestação , o
que constitui factor limitativo quanto às trocas
FIG. 3
gasosas.
Por outro lado, sendo a área membranocapilar Aspecto histológico post-mortem de pulmão de RN pré-termo
muito permeável, tal facto facilita a passagem de com DMH: parede dos alvéolos forrada por camada amorfa,
plasma para o interstício e espaço alveolar. homogénea, eosinófila (membranas hialinas). (URN-HDE)
1860 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

extrema (RN de peso < 1000 gramas) as manifes-


tações são menos exuberantes, por vezes traduzi-
das pelo aparecimento precoce de episódios de
apneia e de cianose.
Um dos componentes da SDR, precoce e típico,
é o gemido expiratório que testemunha esforço do
RN no sentido de encerramento da glote e numa
tentativa de impedimento de saída de ar dos
alvéolos. O gemido tem também um significado
prognóstico: a sua diminuição ao cabo de algumas
horas de evolução, tal como verificação de diure-
se, poderão traduzir uma melhoria.
Uma vez iniciado o quadro, assiste-se a um
agravamento progressivo: taquipneia crescente
(que pode durar vários dias), retracções supra-
FIG. 4
esternal e intercostal, retracção esternal inferior
Curva volume/pressão no RN com SDR por DMH. (Défice de sur- originando o chamado “tórax em funil”, também
factante e incapacidade de manutenção do volume residual). de intensidade crescente, adejo nasal, e cianose
cada vez mais difícil de melhorar numa atmosfera
maior tendência para a distorção da caixa torácica com O2. (Figura 1 do Capítulo 345)
durante a respiração o que contribui para aumen- A auscultação pulmonar evidencia uma dimi-
tar o trabalho respiratório. nuição do murmúrio vesicular e, por vezes, fer-
Outro aspecto particularmente relevante no RN vores finos, possivelmente causados pelo descola-
pré-termo tem a ver com as características das mento ou abertura alveolar, e não pela existência
fibras musculares do diafragma (teor diminuído de líquido alveolar. A auscultação cardíaca pode
em fibras do tipo I, menos resistentes à fadiga). Por evidenciar bradicárdia nas situações acompanha-
outro lado, a hipotonia muscular em geral, própria das de hipoxémia grave.
do pré-termo, e em especial dos músculos intercos- Frequentemente existem os seguintes sinais
tais, acentua-se nos períodos de sono REM (rapid acompanhantes:
eye movements), períodos que têm maior duração no – hipotonia, hipoactividade motora espontâ-
pré-termo relativamente ao RN de termo. nea e reflexa, relacionadas com a gravidade da
hipoxémia e acidémia e/ou lesões hemorrágicas
Manifestações clínicas e radiológicas do SNC associadas e secundárias àquelas.
A hipotonia extrema, hipotermia e hipotensão
Os primeiros sinais de dificuldade respiratória são são consideradas sinais de mau prognóstico.
sempre precoces, muitas vezes não detectados; em Quanto aos sinais radiológicos a imagem típi-
percentagem significativa dos casos existe associa- ca é constituída por um retículo-granitado difuso,
ção com um certo número de factores predispo- bilateral (zonas de atelectasia alveolares) a que se
nentes; asfixia perinatal, sofrimento fetal, nasci- sobrepõe a imagem do desenho brônquico hiper-
mento por cesariana, anestesia, hemorragias arejado (aerobroncograma). Classicamente, des-
maternas e/ou “shock” no período pré-parto, dia- crevem-se 4 estádios de gravidade:
betes materna, etc.. I – reticulogranitado fino e disperso;
A dificuldade respiratória surge muito preco- II – I + aerobroncograma ultrapassando a si-
cemente, sempre antes da 4ª hora de vida. Por lhueta cardíaca;
vezes, a SDR surge imediatamente após o nasci- III – II + desaparecimento do contorno da si-
mento; se a SDR surgir após a 8ª hora de vida, lhueta cardíaca;
poderá, em princípio, excluir-se a doença da IV – III + desaparecimento dos limites do dia-
membrana hialina. fragma (imagem radiográfica chamada “pulmão
Salienta-se que nos casos de prematuridade branco”). (Figura 5)
CAPÍTULO 346 Doença da membrana hialina 1861

1 – Agravamento progressivo em 24 a 36 horas;


2 – Manutenção da gravidade máxima entre as
24 e 48 horas;
3 – Melhoria pelo 3º - 4º dia, traduzindo ten-
dência para reversibilidade da doença, (o que é
facilitado por terapêutica bem conduzida).
Tal melhoria traduz-se por diurese espontânea,
melhoria da oxigenação e diminuição das necessi-
dades de O2.
Além da hipoxémia e acidose existe a possibi-
lidade de complicações: pneumotórax, sobreinfec-
ção, hemorragia (pulmonar, do SNC, das supra-
renais), ligadas ou não a coagulação intravascular
disseminada.
Outra complicação é constituída pela doença
pulmonar crónica. (Capítulo 353)

Diagnóstico diferencial

Tendo em conta a evolução natural da DMH (fun-


FIG. 5 damentalmente, SDR iniciada nas primeiras qua-
Imagem radiográfica de DMH (graus IV-III) – “Pulmão branco”. tro horas de vida, com agravamento nas 24-36
Aerobroncograma e hipoventilação global. (UCIN-HDE) horas subsequentes), o diagnóstico diferencial
pode fazer-se com outros quadros respiratórios de
O quadro radiológico é sobreponível ao que início precoce tais como:
surge nos casos precoces de pneumonia por 1 – pneumonia por Streptococcus beta hemolítico
Streptococcus do grupo B. do grupo B (surgindo em RN pré-termo e de
termo), em que a infecção origina compromisso
Exames laboratoriais dos pneumócitos II e défice e /ou alteração do
surfactante traduzida, designadamente, por qua-
A PaO2 é baixa (valor normal = 98-100 mmHg), dro radiológico semelhante;
sendo de mau prognóstico as situações em que é 2 – défice congénito total ou parcial da apo-
inferior a 45 mmHg. O pH é inferior a 7,35 em proteína SP-B (proteinose alveolar); taquipneia
geral (normal ~ 7,35-7,45). transitória (Capítulo 347), salientando-se que a
Quanto à PCO2, de início pode ser normal ou designação de SDR de tipo I dada à DMH, e de
baixa (fase da taquipneia ou luta fisiológica contra SDR de tipo II dada à taquipneia transitória surgiu
a hipóxia); (valores normais compreendidos entre por se admitir, até há algumas décadas que deter-
33,5 e 41,1 mmHg). Depois das primeiras horas, os minados quadros respiratórios de início precoce
valores tendem a elevar-se, atingindo valores eram sempre explicados por défice de surfactante;
superiores a 65 mmHg nas formas mais graves, para se estabelecer a destrinça, numa situação
numa fase de exaustão. considerou-se tipo I, e na outra, tipo II);
O ionograma plasmático pode evidenciar 3 – cardiopatias congénitas;
valores elevados de potassémia, sintomáticos de 4 – anomalias congénitas do sistema respirató-
lesão celular grave por hipoxémia. rio inferior como por ex. hipoplasia pulmonar;
5 – síndromas acompanhadas de hipertensão
Evolução e complicações pulmonar persistente, etc. (ver atrás Etiopatogé-
nese).
Descrevem-se 3 períodos na evolução natural da Para além da radiografia do tórax, a ecocardio-
doença: grafia pode ser útil como avaliação inicial para
1862 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

excluir quadros de hipertensão pulmonar, disfun- constitui um bom modelo no que respeita à admi-
ção miocárdica ou canal arterial permeável com nistração de cuidados ao RN pré-termo em UCIN
repercussão hemodinâmica. ou em unidade de cuidados especiais.

Prevenção Cuidados gerais


1 – RN colocado em ambiente de termoneutralida-
Na sua essência, a prevenção da DMH baseia-se de, sob fonte de calor ou em incubadora, para evi-
na prevenção da prematuridade o que implica, tar a hipotermia e o consumo de oxigénio (~34-
entre outras medidas, uma vigilância pré-natal 35ºC); a hipertermia também deve ser evitada,
adequada incluindo, claro está, a detecção sis- sendo objectivo manter temperatura cutânea
temática de factores de risco. abdominal entre 36ºC e 37ºC (Quadro 1 do
Uma vez que está demonstrado o papel eficaz Capítulo 331).
dos corticóides administrados à grávida em risco 2 – Equilíbrio hidroelectrolítico e ácido-base
de parto prematuro no que respeita, designada- Nas primeiras 48 horas o suprimento hídrico
mente à estimulação da maturidade pulmonar deve ser da ordem de 50-70 mL/kg/dia e, depois,
fetal, existe consenso quanto à aplicação de um até 100-150 mL/kg/dia em função do balanço
conjunto de normas a seguir sintetizadas: hídrico que deve ser rigoroso (registo das perdas
1 – Em situação de risco de parto prematuro indi- insensíveis, da diurese e doutras perdas) com a
ca-se a administração de corticóides entre as 24 e finalidade de garantir diurese > 1mL/kg/hora,
34 semanas, sendo que se deverá ponderar a hipó- pressão arterial média ~30-50 mmHg, natrémia
tese de eventuais contra-indicações da respectiva entre 135 e 145 mEq/L e hematócrito ~ 35-40%. A
administração; eventual acidose respiratória regride com ventilo-
2 – Tal actuação preventiva não é incompatível terapia correcta; se surgir acidose metabólica
com a administração de tocolíticos à grávida com haverá que ter precaução com a administração de
o objectivo de prevenir o parto prematuro; alcalinizante (bicarbonato de sódio).
3 – O corticóide indicado é a betametasona por via 3 – Equilíbrio hemodinâmico
IM em duas doses de 12 mg com intervalo de 24 horas; Na DMH existindo elevada probabilidade de
4 – Reforça-se a indicação de corticóide nos choque (hipotensão, oligoanúria, taquicárdia e
casos de ruptura prematura de membranas em acidose metabólica, mesmo sem diminuição da Pa
idade gestacional inferior a 32 semanas na ausên- O2) haverá, por vezes, a indicação de administrar:
cia de sinais de corioamnionite; tal actuação dimi- – expansores da volémia: soro fisiológico na
nui o risco associado de hemorragia intraperiven- dose de 10 mL/kg em 20-30 minutos;
tricular; – inotrópicos em perfusão contínua (dopamina
5 – Há que atender ao possível risco de efeitos na dose de 2-8 mcg/kg/minuto, ou dobutamina:
adversos sobre o crescimento e desenvolvimento 5-15 mcg/kg/minuto).
psicomotor e neuro-sensorial da criança resul- 4 – Suporte nutricional
tantes de eventuais ciclos de tratamento ao longo Na fase inicial, até estabilização hemodinâmi-
da gravidez. ca, está contra-indicada a alimentação por via
entérica, havendo que providenciar suprimento
Tratamento energético para as necessidades básicas: em regra,
perfusão de glucose IV na dose de 4-6 mg/kg/
Algumas normas gerais quanto a cuidados, assim /minuto acompanhada de vigilância da glicémia
como aspectos essenciais da oxigenoterapia, assis- e glicosúria para reajustamentos; após estabiliza-
tência respiratória com CPAP nasal e ventiloterapia ção hemodinâmica inicia-se a nutrição parentérica
foram abordadas no Capítulo 345. e a alimentação entérica mínima (não nutritiva)
Relativamente à entidade clínica DMH, cabe por sonda gástrica, idealmente com leite materno,
mencionar algumas especificidades quanto a cui- com o objectivo de estimular a maturação das
dados gerais e à terapêutica substitutiva com sur- células do tubo digestivo (Capítulos 331,342,333).
factante. Aliás, o RN pré-termo com tal patologia 5 – Tratamento da infecção
CAPÍTULO 346 Doença da membrana hialina 1863

Tal como é referido no Capítulo 361, as infec- naturais como medida complementar da assistên-
ções perinatais constituem uma das causas de pre- cia ventilatória.
maturidade; ou seja, podendo um parto pré-termo Posologia
espontâneo constituir um epifenómeno de infecção, No caso do Survanta® a dose de administração
haverá que proceder à respectiva avaliação e de fosfolípidos é 100 mg / Kg / dose ou 4 ml /Kg
actuar, entre outras medidas, com antibioticotera- / dose. A repetição das doses, se necessário, deve
pia após colheitas de sangue (para hemograma, ser de 6 - 6 horas, no máximo de 4 doses. Em situa-
determinação da PCR, hemoculturas, etc.). ções graves de quadro radiológico de pulmão bran-
co bilateral, é admissível a sua repetição ao fim de
Particularidades da ventiloterapia 4 horas.
Como particularidades da ventiloterapia (conven- No caso do Curosurf® a dose de administração
cional) na DMH cabe referir: de fosfolípidos é 100 – 200 mg /Kg / dose ou 1,25
– Utilizar sempre a menor PIP possível. a 2,5 ml /Kg/dose. A primeira dose de Curosurf
– Manter valores de Pa CO2 entre 40 e 60 mm deve ser 200 m /Kg sendo que poderá proceder-se
Hg, (evitando valores inferiores a 40 mm Hg, acei- a repetição da administração com mais 2 doses de
tando a chamada “hipercápnia permissiva” – aci- 100 mg/Kg cada, com 6-12 horas de intervalo.
dose respiratória – na fase aguda da doença tendo Em situações clínicas muito graves pode ser
como fundamento dados da medicina baseada na feita a administração com um intervalo mais curto
evidência: a hipocápnia nos primeiros dias de (4-6 horas).Em circunstâncias especiais, de acordo
vida comporta alto risco de displasia broncopul- com o quadro clínico-radiológico, poderá even-
monar. tualmente ser necessário administrar mais 2 doses
– Limitar a duração de FiO2 >60%. de 100 mg/Kg cada tendo em consideração que
– Não retardar o início do “desmame” da ven- não se deverá ultrapassar a dose de 400 mg/Kg.
tiloterapia.
Técnica de administração
Administração de surfactante exógeno Compreendendo-se que a administração do SP
Tipos deverá ser feita em UCIN ou unidade de cuidados
Na actualidade, os tipos de surfactante utilizados especiais com equipa treinada e apoio de monito-
por via endotraqueal podem ser divididos em dois rização, são referidos apenas aspectos genéricos.
grandes grupos: os produtos contendo compo- Os vários tipos de surfactante são administra-
nentes do surfactante endógeno de pulmão ani- dos em bolus lento:
mal, e os preparados sintéticos ou recombinantes. – em circuito fechado através de um adaptador
Como exemplos de surfactantes naturais mais e sonda própria ligada a uma peça em Y colocada
utilizados em Portugal citam-se: o Curosurf® (frac- na extremidade proximal do tubo endotraqueal
ção fosfolipídica de pulmão porcino de cuja com- (TET);
posição fazem parte: DPPC e fosfolípidos, e SP-B e – ou em circuito aberto em 4 ou 5 bolus contí-
SP-C) e o Survanta® (fracção fosfolipídica de nuos, através de um cateter colocado dentro do
pulmão bovino cuja composição inclui: DPPC e tubo endotraqueal.
fosfolípidos, tripalmitina, acido palmítico, SP-B e Mudanças na posição do corpo durante a
SP-C). administração das doses, podem contribuir para
Como exemplos de surfactantes sintéticos ou uma distribuição mais homogénea do surfactante.
recombinantes sem apoproteínas citam-se: o Em doentes especialmente predispostos a situa-
ALEC® (Artificial Lung Expanding Compound) e ções de ar ectópico (por ex. pneumotórax),o sur-
o Exosurf® (palmitato de colfosceril). factante pode ser administrado através dum siste-
De acordo com os estudos metanalíticos fre- ma de infusão contínua lenta, durante 30 minutos
quentemente actualizados no âmbito da Cochrane a uma hora.
Library verifica-se melhoria mais acentuada e mais
precoce, assim como menor morbilidade e menor Estratégias de administração
mortalidade, com a utilização dos surfactantes A administração de surfactante pode ser:
1864 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– profiláctica e precoce (imediatamente ao nasci- experientes (designadamente, a terapêutica de sub-


mento), por ex. nos RN de idade gestacional < 28 stituição pós-natal com surfactante e as estratégias
semanas que necessitam de entubação traqueal no de ventilação aperfeiçoadas) conduziram a dimi-
bloco de partos; de acordo com ensaios clínicos nuição significativa da mortalidade (<10%).
recentes, comparando o uso precoce de CPAP Embora cerca de 85-90% dos sobreviventes
nasal associado a administração selectiva de sur- com DMH e submetidos a ventilação mecânica não
factante, com administração profiláctica conven- evidenciem sequelas quanto a função respiratória
cional (via entubação traqueal) comprovou-se que e neurodesenvolvimento, o prognóstico é global-
ambas as estratégias são eficazes quanto à even- mente melhor nos RN de peso > 1.500 gramas.
tual necessidade de ventilação invasiva, risco de
mortalidade ou de surgimento de DBP; BIBLIOGRAFIA
– de recuperação ou resgate, tardia quando se Direcção Geral da Saúde. Administração de surfactante pulmo-
verificarem critérios clínico-radiológicos de DMH nar na síndrome de dificuldade respiratória do recém-nasci-
ou quando se verificar agravamento da doença, do. Lisboa:Departamento da qualidade na Saúde/DGS,
designadamente considerando o défice de oxige- 2012. (www.dgs.pt/acesso em Julho, 2013)
nação objectivado pelo índice de oxigenação. Greenough A, Milner AD(eds). Neonatal Respiratory
Disorders. London : Arnold, 2006
Efeitos colaterais Hallman M. Lung surfactant, respiratory failure, and genes.
São descritos os seguintes: NEJM 2004; 350:1278-1280
– hemorragia pulmonar e infecções pulmo- Kinsella JP, Greenough A, Abman SH. Bronchopulmonary dys-
nares secundárias; plasia. Lancet 2006; 367: 1421-1430
– hiperinsuflação; este efeito pode ocorrer em Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
RN com situações menos graves em que a admi- Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
nistração do surfactante leva a melhoria rápida da 2011
compliance e do volume corrente, condicionando Leone TA, Finer NN, Rich W. Delivery room respiratory mana-
em certos casos, um estado de hiperinsuflação, o gement of the term and preterm infant. Clin Perinatol
que poderá levar, especificamente, a enfisema 2012;39:431-440
intersticial e/ou pneumotórax; MacGuire W, McEwan P, Fowlie PW. Care in the early newborn
– outras complicações como aquelas relaciona- period. BMJ 2004; 329:1087-1089
das com a abertura do canal arterial, enterocolite Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal
necrosante ou hemorragia intraperiventricular Medicine. St Louis: Essevier Mosby, 2011
não têm sido influenciadas pela terapêutica com McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
surfactante; Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
– obstrução das vias aéreas (“inundação” com Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syn-
surfactante); este efeito ser explicado pelo even- drome. Lancet 2006; 367:1878-1879
tual volume excessivo do preparado de SP e pela Pillow JJ, Which CPAP system is best for the preterm infants
viscosidade de alguns preparados; a este propósi- with RDS. Clin Perinatol 2012;39:483-496
to salienta-se a eventual necessidade de ajusta- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
mento dos parâmetros de ventilação transitoria- AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
mente, até se ter comprovado distribuição homo- Medical, 2011
génea daquele nas vias aéreas. Soll RF, Blanco F. Natural surfactant extract versus synthetic
surfactant for neonatal RDS. Cochrane Dtabase Syst Rev
Prognóstico 2001; 2: CD000144
Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders.
Os progressos realizados ao longo dos anos nos Pediatr Rev 2010; 31: 487 - 496
países com recursos no âmbito dos cuidados pré- Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and
natais, a corticoterapia pré-natal, a aplicação da filo- their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004
sofia do transporte in utero, a assistência intra-parto,
os cuidados de terapia intensiva a cargo de equipas
CAPÍTULO 347 Taquipneia transitória 1865

347
ciam os primeiros movimentos respiratórios (por
ex. em situações de cesariana electiva sem se ter
iniciado trabalho de parto, de fluidoterapia intra-
parto condicionando hiper-hidratação e hipona-
trémia maternas).
A propósito do processo de reabsorção do
TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA líquido pulmonar fetal há que referir que o papel
da compressão do tórax fetal na sua passagem
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido pelo canal de parto, contribuindo para a expulsão
e João M. Videira Amaral daquele pela boca (inexistente nos casos de cesa-
riana electiva atrás mencionada) é limitado, pois
por esta via apenas se elimina cerca de 10-15% do
mesmo.
Definição e importância do problema Cabe salientar a importância dos péptidos
natriuréticos (BNP e NT-proBNP) na regulação do
A SDR designada por taquipneia transitória (TT) é volume extracelular (Glossário Geral).
um problema respiratório benigno e auto-limitado Como consequência da existência de líquido pul-
do RN de termo ou pré-termo, que surge imedia- monar fetal preenchendo os alvéolos, e do edema
tamente ao parto por atraso na reabsorção do intersticial no pós-parto imediato, verifica-se:
líquido pulmonar fetal; tal problema, que corres- 1 – alteração da ventilação-perfusão enquanto
ponde a anomalia da adaptação respiratória fetal os alvéolos estiverem preenchidos pelo referido
à vida extra-uterina, é também designado por líquido;
“pulmão húmido” (noção que traduz a existência de 2 – compromisso da mecânica ventilatória do
edema pulmonar) ou SDR do tipo II (para o dis- RN no pós-parto imediato, o que se explica, sobre-
tinguir da DMH ou SDR do tipo I, sendo que antes tudo, por resistência aumentada das vias aéreas
da sua descrição por Avery em 1966, situações devida à compressão extrínseca pelo edema inter-
como a que se analisa neste capítulo eram consi- sticial;
deradas formas ligeiras de DMH). 3 – compromisso ligeiro do surfactante pulmo-
De acordo com vários estudos epidemiológi- nar (e consequente diminuição da compliance pul-
cos a TT, que explica cerca de 30-40% de todos os monar), o qual poderá ser transitoriamente inacti-
casos de SDR no RN, tem sido descrita com uma vado pelo mesmo líquido alveolar; compreende-
incidência variando entre 0,8- 4/1000 em RN de se que este mecanismo pode ter maior relevância
termo, e em cerca de 8-10/1000 RN pré-termo. no RN pré-termo.
Recentemente foi descrita uma forma de TT
Etiopatogénese relacionada com edema pulmonar pós-natal per-
sistente por reentrada de fluido na via respiratória
Reportando o leitor ao Capítulo 326, onde se des- a partir da circulação pulmonar.
creve o mecanismo de reabsorção do líquido pul-
monar fetal, importará aqui enumerar alguns fac- Manifestações clínicas
tores que comprometem tal processo e que, por
consequência, predispõem a TT: Na sua forma típica, a TT surge em RN de termo
1 – Dificuldade de reabsorção do líquido pul- (mais frequentemente) ou pré-termo próximo do
monar fetal (por ex. policitémia/hiperviscosida- termo. Esta forma de SDR traduz-se essencial-
de, laqueação tardia do cordão, hipoproteinémia, mente por taquipneia muito acentuada (por vezes
asfixia perinatal, depressão neonatal por fármacos atingindo FR de 100-120/minuto), sendo o gemi-
administrados à mãe durante o parto, etc.); do e a retracção costal pouco comuns; no entanto,
2 – Volume aumentado do líquido pulmonar em situações de prematuridade concomitante,
fetal e alvéolos preenchidos com o mesmo quando como se pode depreender, os sinais de TT poderão
o feto assume a condição extra-uterina e se ini- sobrepor-se aos de DMH (problemas associados).
1866 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

O tórax evidencia certo grau de hiperinsufla- frénico direito e região supra-hilar esquerda, cor-
ção que, provocando abaixamento do diafragma, respondentes a regiões em que o processo de dre-
poderá criar condições temporárias para que o nagem de líquido é mais moroso;
fígado e o baço passem a ser palpáveis. – opacidades lineares ou arciformes hilífugas
A auscultação poderá evidenciar fervores cre- pela existência de edema nos espaços intersticiais
pitantes finos generalizados (e não apenas nas perivasculares e derrame pleural discreto;
bases), tal como se verifica em casos de edema – opacidades lineares correspondentes às cisu-
pulmonar por insuficiência cardíaca. ras ou “cisurite” (vias de drenagem secundárias);
Como critério muito sugestivo de TT pode – hiperinsuflação pulmonar de grau variável;
citar-se: a não necessidade de incrementar a FiO2 – apagamento discreto das cúpulas diafragmá-
entre as 12 e 24 horas de vida para manter satura- ticas;
ções de Hb-O2 dentro dos limites aceitáveis(89- – cardiomegália discreta, por vezes; (Figuras 1
93%). A e B)
As formas graves (raras), que correspondem à
chamada TT “maligna”, acompanham-se de sinais A
de falência miocárdica e de hipertensão pulmonar
associada a shunt direito – esquerdo, entre outros.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente


com as seguintes situações: síndroma de taqui-
pneia pós-asfixia, síndromas de hiperviscosida-
de/policitémia, anomalias cardiovasculares
acompanhadas de débito pulmonar aumentado,
quilotórax congénito, sépsis precoce com pneu-
monia por Streptococcus do grupo B, etc.. B
Em função dos antecedentes perinatais e do
estado geral do RN com SDR manifestando-se no
pós-parto imediato, poderá estar indicada a reali-
zação de exames complementares, designadamen-
te nas formas de evolução mais prolongada e de
expressão clínica mais exuberante.

Exames complementares

Na maior parte dos casos a anamnese perinatal e


o estudo evolutivo da imagem radiográfica do
tórax permitem o diagnóstico de TT após exclusão
doutras causas de SDR; ou seja, o diagnóstico defi-
nitivo de TT é inevitavelmente retrospectivo.
Alguns sinais radiográficos do tórax testemu-
nham a evolução habitualmente benigna deste
quadro:
FIG. 1
1 – primeira radiografia em incidência ântero-pos-
terior (pós-parto) Representação esquemática e quadro radiológico de
– diminuição da transparência parenquimato- taquipneia transitória no pós-parto imediato (fase inicial com
sa pela existência de edema intersticial e alveolar, opacidades ao nível do ângulo cardiofrénico direito e 1/3
superior do campo pulmonar esquerdo. (URN-HDE)
e opacidades discretas ao nível do ângulo cárdio-
CAPÍTULO 347 Taquipneia transitória 1867

2 – segunda radiografia após 24-48 horas de evolu- sódio a partir de determinado volume de admi-
ção nistração como forma de reduzir ou evitar a trans-
– não visualização das opacidades, o que cor- ferência excessiva de fluido para o feto;
responde a regressão do quadro anterior; – evicção da laqueação tardia do cordão umbi-
– imagem de “arejamento” franco dos campos lical para prevenir transfusão placento-fetal exces-
pulmonares (Figura 2). siva,etc.;
A gasometria evidencia em geral pH normal – prevenção da asfixia perinatal, etc..
ou elevado, e défice de base normal. O estudo eco-
cardiográfico poderá evidenciar, nas formas clás- Tratamento
sicas ou ligeiras de TT, sinais de disfunção ventri-
cular esquerda nas primeiras 24 horas. Na TT aplicam-se as medidas gerais de suporte, já
De acordo com dados da literatura, o péptido descritas anteriormente para as SDR.
NT-proBNP está sempre elevado nos casos de TT; Como particularidades, cabe referir:
cerca de 24 horas após início do quadro, valores – garantir suprimento hídrico ~ 70-80
acima de 6576 pg/mL são preditivos de evolução mL/kg/dia e de glucose ~ 4-6 mg/kg/minuto;
mais prolongada e de eventual necessidade de – oxigenoterapia (em geral com FiO2 ente 40 e
ventilção mecânica (sensibilidade de 85% e especi- 60%) ou qbp para manter saturação de Hb-O2
ficidade de 64%). entre 89-93%, Pa O2 entre 45-70mmHg, Pa CO2
entre 45-60 mmHg, e pH entre 7,25 e 7,40; utili-
Prevenção zando campânula, salienta-se a necessidade de
usar débito gasoso/ar - oxigénio entre 5-10
Salientam-se algumas medidas preventivas que L/minuto para evitar retenção de CO2 expirado
podem deduzir-se da etiopatogénese atrás descrita: dentro da referida campânula e reinalação do
– parto vaginal, sempre que possível; mesmo;
– precaução na administração de fluidos à par- – em função do quadro clínico- radiológico-
turiente (por ex. como veículo de ocitócicos e biológico poderá estar indicada CPAP nasal,
outros fármacos) os quais deverão incorporar sendo raras as situações que requerem ventilação
mecânica;
– tratando-se dum diagnóstico retrospectivo,
alguns casos de SDR precoce mais tarde confirma-
dos como TT poderão ter sido submetidos a anti-
bioticoterapia segundo critérios descritos (Capí-
tulo 362).

Prognóstico

A mortalidade é baixa, descrevendo-se nalgumas


séries taxas ~0,8% em RN de termo e ~7% em
RNMBP.
Quanto a morbilidade, nalguns estudos a
médio e longo prazo foi verificada maior incidên-
cia de episódios de sibilância recorrente no
contexto familiar de doença atópica.

BIBLIOGRAFIA
FIG. 2
Aydemir O, Aydemir C, Sarikabadayi YU, et al. The role of
Padrão radiográfico de taquipneia transitória plasma N-terminal pro-B-type natriuretic peptide in pre-
(RN correspondente à Figura 1): desaparecimento das dicting the severity of transient tachypnea of the newborn.
opacidades após 24 horas. (UCIN-HDE) Early Human Development 2012; 88: 315 - 319
1868 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

348
Avery ME, Gatewood OB, Brumley G. Transient tachypnea of
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Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syn- A síndroma de aspiração meconial (SAM) é um
drome. Lancet 2006; 367:1878-1879 problema respiratório secundário à invasão das
Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge vias aéreas distais (bronquíolos terminais e alvéo-
University Press, 2008 los) por líquido amniótico com mecónio, do que
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon resulta hipoventilação alveolar com hipóxia e aci-
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill dose proporcionalmente ao número de alvéolos
Medical, 2011 obliterados.
Sundell H, Garrott J, Blankenship WJ, et al. Studies on infants A aspiração de líquido amniótico sem mecó-
with type II RDS. J Pediatr 1971; 78:754-764 nio, por vezes acompanhada de sangue, ou
Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders. contendo germes microbianos, pode surgir, quer
Pediatr Rev 2010; 31: 487 - 496 na sequência de asfixia perinatal em que se verifi-
Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and ca respiração do tipo gasping, quer nas extracções
their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004 por cesariana, ou ainda nos partos por via baixa.
Refere-se, a propósito, a associação frequente
entre líquido amniótico tinto de mecónio, listerio-
se e outras infecções congénitas (Capítulo 360).*
Em cerca de 8-10% de todos os nascimentos
verifica-se expulsão de mecónio que se pode asso-
ciar a depressão neonatal; no entanto, a presença
de mecónio na traqueia – que se verifica apenas
em metade daquele contingente – não implica
necessariamente o aparecimento de disfunção res-
piratória; com efeito, só em cerca de 1/3 dos RN
com mecónio na traqueia surge SDR. De acordo
com cruzamento destes dados e de resultados de
diversos estudos epidemiológicos, na prática a
SAM surge em cerca de 5% dos RN com líquido

*Existe a possibilidade de aspiração para a via aérea de conteúdo


gástrico contendo secreções ácidas ou leite em qualquer momento do
período neonatal ou mais tarde; este quadro é habitualmente designa-
do pelo termo “pneumonia de aspiração”.
CAPÍTULO 348 Síndroma de aspiração meconial 1869

amniótico tinto de mecónio, o que corresponde a a hipoxémia intra-uterina que, gerando um estí-
incidência média de 2/1000 nado-vivos. De mulo vagal, promove o peristaltismo e o relaxa-
salientar que a SAM é um problema respiratório mento do esfíncter anal. Como foi referido antes, o
típico no RN de termo ou quase de termo (raro mecónio pode ser aspirado in utero sendo que a
antes das 37 semanas de gestação e frequente após hipoxémia fetal intra-parto poderá constituir estí-
as 42 semanas) por razões apontadas adiante. mulo do centro respiratório originando gasping
Comprovou-se maior associação de SAM a: intra-parto antes da saída da cabeça.
mães fumadoras, diabetes mellitus materna, pré- A existência de mecónio preenchendo as vias
eclâmpsia/eclâmpsia, oligoâmnio, restrição de aéreas pode originar processo obstrutivo total ou
crescimento intra-uterino com disfunção placen- parcial. Tratando-se de processo obstrutivo total
tar e pós- maturidade. nas vias aéreas de grande calibre, tal poderá ser
A importância da SAM deriva fundamental- fatal se não revertido; se o processo se verificar
mente dos seguintes factos: nas zonas de pequeno calibre, do mesmo poderão
1 – mortalidade por hipertensão pulmonar resultar zonas de atelectasia; se o processo obstru-
persistente (HPP) (entre 2 e 30%, verificando-se as tivo for parcial, poderá gerar-se um mecanismo
taxas mais elevadas nos países em desenvolvi- valvular (criação de condições de entrada de ar e
mento sem meios de terapia intensiva); e dificuldade de saída).
2 – morbilidade, relacionada principalmente Verificando-se em condições de normalidade
com sequelas neurológicas e pulmonares. (fisiológicas) redução do calibre das vias durante a
expiração, o obstáculo intraluminal contribui para
Etiopatogénese redução mais acentuada do referido calibre; por
outro lado, a acumulação progressiva de ar
O mecónio, lesivo para os pulmões, é uma sub- poderá levar a hiperinsuflação pulmonar e a situa-
stância viscosa complexa, estéril, composta essen- ções diversas de ar ectópico como enfisema inter-
cialmente de líquido amniótico deglutido, coleste- sticial, pneumotórax e/ou pneumomediastino
rol, ácidos e sais biliares, mucopolissacáridos, (Capítulo 349).
enzimas pancreáticas intestinais, vernix caseosa, Para além do processo obstrutivo, a presença
lanugo e restos de células escamosas. A palavra de mecónio nas vias aéreas pode ter outras conse-
mecónio, que vem do tempo de Aristóteles, e deriva quências:
do grego mekoniun, significa extracto de papoila 1 – compromisso da ventilação-perfusão com
ou ópio; efectivamente, segundo o entendimento consequentes hipóxia, hipercápnia e acidose;
dos médicos da antiguidade, a associação entre salienta-se que no contexto de SAM, e consideran-
depressão neonatal e mecónio era comparada ao do os antecedentes de hipóxia intra-uterina, cróni-
efeito deste sobre a respiração do RN. Compara- ca ou subaguda, haverá que contar com o efeito da
tivamente ao tipo de mecónio translúcido e fluido, mesma hipóxia sobre a musculatura da parede
o mecónio espesso tipo “puré de ervilhas” está arterial pulmonar (artérias intracinares) levando a
mais frequentemente associado a complicações, hiperplasia, quer em espessura, quer em compri-
designadamente por facilitar o crescimento bacte- mento, do que poderá resultar hipertensão pul-
riano e levar a obstrução mais acentuada. monar, agravando os efeitos atrás descritos
A eliminação de mecónio in utero é um aconte- (Capítulo 351);
cimento raro antes do termo da gestação (37 sema- 2 – depressão da função bactericida dos neu-
nas); no entanto, tal eliminação é progressivamen- trófilos determinando susceptibilidade a infec-
te mais provável depois desta idade, o que está em ções;
relação com o teor mais elevado, a partir de então, 3 – resposta inflamatória alveolar e parenqui-
da motilina, hormona que promove o peristaltis- matosa na qual intervêm macrófagos, neutrófilos,
mo intestinal; ou seja, a maturidade (intestinal) e o mediadores tais como citocinas (FNT-alfa, IL-1
nível de motilina constituem factores predispo- beta, e IL-8), eicosanóides (tromboxano B2, leuco-
nentes de eliminação de mecónio. trienos B4 e D4, e 6-cetoprostaglandina F1-alfa,
Como factor desencadeante tem papel crucial etc.); um efeito do processo inflamatório é a rup-
1870 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tura da barreira alveolocapilar com passagem de (por shunt direita-esquerda em relação com hiper-
proteínas do soro para as vias aéreas; tensão pulmonar, etc.), cardiomegália (por espo-
4 – efeitos vasculares (alteração da vaso-reacti- liação de reservas de glicogénio do miocárdio
vidade, vasoconstrição das artérias pulmonares, secundariamente à hipoxémia mantida);
shunt direito – esquerdo, etc.) em que intervêm – hipoglicémia (por esgotamento das reservas
mediadores vasoactivos (tais como endotelina-1, de glicogénio: glicólise anaeróbia inicial e ulterior
prostaglandina PGE2, tromboxano A2); a hipóxia e falência, também por hipoxémia mantida)
o efeito directo do mecónio contribuem igualmen- (Capítulos 329, 340, 365).
te para a resposta vascular pulmonar;
5 – efeitos metabólicos traduzidos por disfun- Exames complementares
ção e/ou inactivação do surfactante, sobressaindo
a alteração e o défice das proteínas SP-A e SP-B; Nos casos de SAM estão indicados os seguintes
tais efeitos resultam essencialmente da acção lesi- exames complementares (para além doutros a
va dos sais biliares do mecónio sobre os pneumó- ponderar em função de cada situação específica):
citos do tipo II. 1. gasometria
– revela sinais de hipoxémia, hipercápnia e aci-
Manifestações clínicas dose (de início, respiratória por retenção de CO2 e
ulteriormente mista devida à produção de ácido
A SAM na sua forma mais típica corresponde a láctico por glicólise anaeróbia face à falência do
uma forma de SDR evidente no pós-parto imedia- metabolismo aeróbio por hipoxémia);
to com as seguintes particularidades: 2. oximetria de pulso pré e pós-ductal
– RN impregnado de mecónio, por vezes com – a suspeita de hipertensão pulmonar persis-
sinais de dismaturidade ou pós-maturidade (pele tente obrigará a avaliar o gradiente de oxigenação
seca, unhas grandes também com mecónio, restri- pré-ductal e pós-ductal; como rastreio inicial,
ção de crescimento intra-uterino, etc.), com dada a probabilidade de surgir quadro de hiper-
depressão que obriga a manobras de reanimação, tensão pulmonar em situações de SAM, deve
e esboçando movimentos respiratórios de ampli- monitorizar-se simultaneamente a saturação de
tude e ritmo irregulares e ineficazes (gasping); Hb-O2 com dois oxímetros de pulso: um colocado
– evolução com gravidade crescente (taqui- em zona do membro superior direito ou orelha
pneia, cianose progressiva, com ulterior apareci- direita, e outro em qualquer membro inferior; a
mento de gemido, retracção costal, e adejo nasal). verificação de diferença superior a 10% aponta
Podem ser notórios o aumento do diâmetro para, shunt direita – esquerda compatível com
ântero-posterior do tórax por hiperinsuflação pul- quadro de HPP (Capítulo 351);
monar e a auscultação de roncos e de fervores cre- 3. hemograma
pitantes e subcrepitantes dispersos. – revela, em geral, leucocitose com neutrofilia
Os sinais clínicos que poderão levantar a sus- com aparecimento de bastonetes e outras formas
peita de hipertensão pulmonar persistente mais jovens da série branca face ao estresse da
secundária são: cianose generalizada e intensa, hipoxémia; e trombocitopénia por sequestração e
hipoxémia refractária às medidas de oxigenotera- consumo de plaquetas no território pulmonar;
pia/assistência respiratória, e labilidade dos parâ- 4. radiografia do tórax
metros de oxigenação (por exemplo diminuição – a radiografia em incidência ântero- posterior
acentuada da saturação de Hb-O2 após manusea- do tórax permite evidenciar alguns ou todos os
mento do RN, por vezes atingindo 50-55% ). seguintes achados:
É frequente, neste tipo de SDR, a coexistência • opacidades nodulares bilaterais de limites
de: mal definidos, de densidade variável e con-
– sinais neurológicos concomitantes (tremores, fluentes, separadas por pequenas zonas de “hipe-
convulsões, hiporrefexia, alteração do tono mus- rarejamento” (enfisema) ou de parênquima de
cular); aspecto normal, que, no conjunto, se assemelham
– sinais cardiocirculatórios: sopros transitórios a imagem em “favo de mel”;
CAPÍTULO 348 Síndroma de aspiração meconial 1871

• repartição irregular dos sinais de ventila- cabe referir um método espectrofotométrico que
ção/arejamento, visualizando-se imagens de enfi- pode identificar o tipo de pigmentos biliares pre-
sema e imagens de atelectasia (Figuras 1 e 2); sentes no mecónio (absorção a 405 nm) absorvidos
• cardiomegália ; ao nível do epitélio pulmonar e transportados
• abaixamento das cúpulas diafragmáticas tes- pelo plasma até ao glomérulo renal;
temunhando distensão enfisematosa; 6. ecocardiografia doppler
• sinais de pneumotórax e/ou de pneumome- – este exame, realizado com o apoio do cardio-
diastino (Capítulo 349); logista pediátrico, é fundamental para avaliar a
5. análise de urina contractilidade cardíaca; havendo sinais sugesti-
– como particularidade deste tipo de SDR, vos de shunt direita-esquerda, servirá também
para detectar eventuais doenças cardíacas estrutu-
rais com tal fisiopatologia, tais como síndroma de
disfunção do ventrículo esquerdo, estenose aórti-
ca e interrupção do arco aórtico (Capítulos 207,
208);
7. electrocardiograma (ECG)
– nas situações de asfixia intra-parto, o ECG
pode evidenciar alterações do segmento ST suge-
rindo isquémia subendocárdica.

Tratamento

Em situações de SAM aplicam-se as medidas refe-


ridas atrás a propósito das SDR em geral (monito-
rização cárdio-respiratória, da oxigenação, e da
pressão arterial, diurese, estabilização hemodinâ-
mica e hidroelectrolítica com suprimento energéti-
co e hídrico adequados, glicémia, etc.) reiterando-
se a necessidade de vigilância e actuação em uni-
dades de cuidados especiais ou intensivos.
Como medidas específicas são sintetizadas as
seguintes (a ponderar caso a caso):
– CPAP nasal;
– ventilação mecânica convencional ou de alta
frequência;
– terapêutica substitutiva com surfactante;
– óxido nítrico inalado (NOi) com acção rela-
xante específica sobre a musculatura vascular pul-
monar – aplicado em ventiladores de fluxo contí-
nuo, ciclados por tempo e de pressão limitada –
como estratégia de diminuição da pressão da arté-
ria pulmonar e de melhoria da oxigenação arterial
(sendo que a respectiva abordagem ultrapassa os
objectivos do livro).
– antibioticoterapia a aplicar em função do
FIG. 1 e 2
contexto clínico de cada caso, justificada pela pro-
Síndroma de aspiração meconial: padrão radiográfico do tórax babilidade de infecção associada a eliminação de
com opacidades nodulares irregulares alternando com áreas mecónio in utero e de acordo com critérios expos-
de enfisema e de parênquima de aspecto normal. (URN-HDE) tos no Capítulo 361.
1872 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Uma breve referência ainda a duas terapêuti- ders. London: Arnold, 2006
cas levadas a cabo nalguns centros: Espinheira MC, Grilo M, Rocha G, et al. Meconium aspiration
– corticoterapia, não consensual, no pressupos- syndrome - the experience of o tertiary center. Rev Port
to de poder combater o processo inflamatório des- Pneumol 2011; 17: 71-76
crito a propósito da etiopatogénese; Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
– ECMO (oxigenação por membrana extracorporal Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
– em geral utilizando-se circuito de derivação 2011
veno-arterial); tal técnica, muito complexa e exi- MacGuire W, McEwan P, Fowlie PW. Care in the early newborn
gindo equipas experientes e numerosas, já é exe- period. BMJ 2004; 329:1087-1089
quível em Portugal. Está indicada nos casos Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal
refractários às medidas anteriores e sempre que o Medicine. St Louis: Essevier Mosby, 2011
IO seja igual ou superior a 40; também, a sua des- McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
crição ultrapassa os objectivos do livro. Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
Prevenção Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Livingstone, 2008
Os aspectos fundamentais da prevenção da SAM Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syn-
dizem respeito a: drome. Lancet 2006; 367:1878-1879
– vigilância pré-natal rigorosa: Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
• detecção de factores de risco (doenças mater- University Press, 2008
nas e fetais que possam conduzir a hipóxia fetal) e Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
encaminhamento da grávida atempadamente AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
para centro especializado, com unidade de cuida- Medical, 2011
dos especiais ou intensivos neonatais; Saugstad OD. New guidelines for newborn resuscitation a cri-
– actuação correcta no pós-parto imediato: tical evaluation. Acta Paediatrica 2011; 18:1-5
• este aspecto já foi referido a propósito da rea- Vain NE, Szyld EG, Prudent LM. Oropharyngeal and nasopha-
nimação do RN (Capítulo 329). ryngeal suctioning of meconium-stained neonates before
delivery of their shoulders: multicentre, randomized
Prognóstico controlled trial. Lancet 2004; 364: 597-602
Warren JB, Anderson JDM. Newborn respiratory disorders.
Como complemento dos dados descritos atrás a Pediatr Rev 2010; 31: 487 - 496
propósito da importância do problema da SAM, Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and
importa dar ênfase a certos aspectos considerados their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004
relevantes quanto ao prognóstico:
– risco de problemas neurológicos futuros,
designadamente convulsões recorrentes;
– prevalência de paralisia cerebral da ordem
de 9% havendo antecedentes concomitantes de
asfixia perinatal grave;
– disfunção pulmonar;
– hiper-reactividade brônquica.

BIBLIOGRAFIA
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Greenough A, Milner AD (eds). Neonatal Respiratory Disor-
CAPÍTULO 349 Síndromas de ar ectópico 1873

349
A frequência de SAEIT tem diminuído ao
longo do tempo, o que é explicável pelos progres-
sos realizados em cuidados perinatais; salienta-se
que aquela depende da existência de patologia
respiratória de base: 50 vezes superior se esta se
verificar.
SÍNDROMAS DE AR ECTÓPICO Neste capítulo procede-se à abordagem das
formas mais representativas de SAEIT, com espe-
Marta Nogueira, J. Nona, A. Marques Valido cial ênfase para o pneumotórax e o enfisema pul-
e João M. Videira Amaral monar intersticial.

Definição e importância do problema 1. PNEUMOTÓRAX

A designação de síndroma de ar ectópico intra- Aspectos epidemiológicos


torácico (SAEIT) engloba um conjunto de situa-
ções clínicas nas quais se verifica a existência de ar Em cerca de 1% dos RN de termo, saudáveis, pode
fora da via respiratória (em zonas vizinhas ou cir- surgir pneumotórax, em geral assintomático; as
cundantes da mesma), em geral como resultado frequências de tal patologia, mais elevadas no
de solução de continuidade do epitélio respirató- período neonatal do que em qualquer outro perío-
rio. Dependendo da localização daquele (interstí- do da vida, traduzem a magnitude do problema:
cio do parênquima pulmonar, entres os dois folhe- – corresponde a cerca de 0,1- 0,25% da totali-
tos da pleura, entre os dois folhetos do pericárdio, dade dos problemas respiratórios neonatais de
e ou no mediastino), surgem as designações res- acordo com estudos epidemiológicos;
pectivamente de enfisema intersticial pulmonar, – o pneumotórax espontâneo é cerca de 10 vezes
pneumotórax, pneumopericárdio, pneumome- mais frequente no RN em relação a outras idades;
diastino. O pneumotórax (que pode surgir secun- – surge em cerca de 5-10% dos casos de DMH,
dariamente a pneumomediastino) e o enfisema frequência que aumenta nos casos submetidos a
pulmonar intersticial explicam cerca de metade ventilação mecânica;
dos casos de SAEIT. – em 10% dos casos, o pneumotórax é bilateral;
Pela continuidade anatómica do tecido inter- – nas situações de síndroma de aspiração me-
sticial pulmonar/torácico com o interstício das conial o pneumotórax pode surgir em 20 a 50%
baínhas peribroncovasculares, ao longo do vasos dos casos.
do pescoço ou dos grandes vasos que atravessam
o diafragma, poderão surgir secundariamente Etiopatogénese
situações caracterizadas por “ar ectópico” extra-
torácico: tecido celular subcutâneo (enfisema sub- As particularidades anatomofisiológicas do pulmão
cutâneo), cavidade peritoneal (pneumoperito- do RN constituem factores de vulnerabilidade faci-
neu), no interstício do escroto (pneumoscroto) litando o aparecimento do ar entre os dois folhetos
(síndromas de ar ectópico extratorácico – SAEET), pleurais. Destacam-se os seguintes factores:
ou mesmo na circulação sistémica por ruptura de – elevadas pressões inspiratórias utilizadas no
alvéolos na proximidade dos pequenos vasos pul- pós-parto imediato;
monares (embolia gasosa) que pode ter localiza- – imaturidade estrutural do parênquima pul-
ção intra ou extra- torácica (síndroma de ar ectó- monar, mais notória no RN pré-termo, traduzida
pico intra e extratorácico). essencialmente por menor elasticidade e menor
Em pneumologia neonatal o aparecimento de distensibilidade, sobretudo antes das 30-32 sema-
SAEIT constitui factor de morbilidade e de morta- nas (o que se explica pelo défice de elastina e de
lidade, sobretudo no RN pré-termo. surfactante, respectivamente); o défice quantitati-
1874 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

vo ou qualitativo de surfactante obriga ao empre-


go de pressões inspiratórias mais elevadas ao pro-
ceder-se a ventilação artificial por problema respi-
ratório prévio, o que aumenta a probabilidade de
ruptura nas vias aéreas;
– menor número de comunicações ou “canais”
interalveolares (poros de Kohn) e entre bronquío-
los mais distais (canais de Lambert), tanto mais
notório quanto menor a idade gestacional, salien-
tando-se que tais “derivações” ou “curto-circuitos
fisiológicos” permitem distribuição mais homogé-
nea, em volume e pressão, de ar nas vias terminais;
inversamente, o défice de tais estruturas faz com
que, com maior probabilidade, possa haver zonas
hiper e hipodistendidas, com maior risco, quer de
FIG. 1
pneumotórax espontâneo, quer de volutrauma e
barotrauma nos casos de ventilação artificial; Mecanismo do pneumotórax do RN: obstrução total →
– maior susceptibilidade às infecções (que hipoventilação; obstrução parcial → mecanismo valvular
poderão ter origem pré-natal): como um dos fenó- levando a acumulação progressiva de ar; ruptura alveolar.
menos comuns às infecções, cabe salientar o papel
dos neutrófilos recrutados e sequestrados na área ceral da pleura; tais bolhas, rompendo-se depois,
do processo infeccioso que, através da produção levam à acumulação de ar entre os folhetos parie-
de elastase, originam alteração e ruptura da elasti- tal e visceral da pleura.
na com as consequências atrás descritas; A acumulação ectópica de ar na cavidade pleu-
– nos casos de obstrução parcial ou total, por ral conduz a:
sangue, mecónio ou líquido amniótico, em certas – alteração da ventilação-perfusão por com-
áreas dos brônquios e bronquíolos, poderá verifi- pressão das vias aéreas com consequentes hipoxé-
car-se distribuição heterogénea do ar inspirado mia e hipercápnia;
(zonas hiperventiladas e hiperdistendidas e zonas – compressão dos vasos sanguíneos intersti-
hipoventiladas); nos casos de obstrução parcial ciais susceptível de originar quadro de hiper-
poderá gerar-se mecanismo valvular determinan- tensão pulmonar e curto-circuito extrapulmonar,
do acumulação progressiva de ar em certas áreas e o que agrava a hipoxémia;
ruptura alveolar consequente, mesmo sem mano- – aumento progressivo da pressão intratoráci-
bras de reanimação (pneumotórax espontâneo); ca levando a diminuição do retorno venoso e do
claro que as manobras de reanimação condicio- débito cardíaco com hipotensão arterial e isqué-
nando a génese de pressões inspiratórias elevadas mia secundárias de territórios como o rim e encé-
aumentam a probabilidade de ruptura alveolar falo; de salientar que as variações da pressão arte-
(Figura 1 ); rial no contexto de quadro de dificuldade respi-
– o pneumotórax também poderá surgir como ratória e manuseamento do RN, por vezes ina-
consequência de manobras intempestivas: perfu- dvertidamente intempestivo, podem provocar
ração das estruturas com sonda de aspiração no oscilações do débito cerebral, do que poderá resul-
âmbito dos cuidados ao RN com SDR ou utiliza- tar hemorragia intraperiventricular, sobretudo no
ção de tempo inspiratório longo com baixa fre- pré-termo.
quência em RN ventilados mecanicamente.
Como resultado da ruptura alveolar ou dos Manifestações clínicas
bronquíolos, o ar difunde-se através do espaço
broncovascular atingindo a cavidade pleural após O pneumotórax espontâneo poderá ser assin-
formação de pequenas “bolhas de distensão gaso- tomático, constituindo um achado radiológico
sa” por “descolamento” localizado do folheto vis- inesperado, ou traduzir-se por SDR ligeira.
CAPÍTULO 349 Síndromas de ar ectópico 1875

Nos casos de pneumotórax sob tensão pode


manifestar-se de modo agudo, com deterioração
do estado geral, e agravamento do quadro de difi-
culdade respiratória inicial já instalado: cianose,
agitação traduzindo hipoxémia grave, bradicárdia
e choque; tal agravamento é muito sugestivo da
patologia em análise se o RN estiver submetido a
ventilação mecânica.
Tratando-se de pneumotórax unilateral, verifi-
ca-se hipersonoridade à percussão no lado afecta-
do e desvio do choque da ponta, mais fácil de se
notar à esquerda; de salientar que a semiologia
auscultatória nem sempre fornece dados conclu-
dentes uma vez que há possibilidade de trans-
missão do murmúrio vesicular do lado são, o que
pode ser explicado pelas dimensões exíguas da
caixa torácica do RN.
Um sinal indirecto é constituído pelo apareci-
mento abrupto de abdómen tenso e distendido
FIG. 2
(associado a hepato e esplenomegália) por empur-
ramento do diafragma pela pressão do ar ectópico Imagem radiográfica de pneumotórax esquerdo com desvio
supradiafragmático. da silhueta cardíaca para a direita. (URN-HDE)

Exames complementares

O exame complementar de eleição é a radiografia


do tórax.
A imagem típica do pneumotórax corresponde
a uma área de hipertransparência em que não se
visualiza sinal de parênquima ou de vasos pulmo-
nares na face lateral e/ou medial do hemitórax,
uni ou bilateralmente, com desvio da silhueta
cardíaca (Figura 2).
Nos casos de acumulação abundante de ar sob
forte tensão (hipertensivo, ou seja, corresponden-
te a situação em que o volume do ar ectópico
aumenta progressivamente) pode observar-se
colapso do pulmão homolateral e desvio mediastí-
nico para o lado oposto, assim como rectificação
ou inversão da curvatura da linha diafragmática
(Figura 3).
Tratando-se de pneumotórax de pequenas
dimensões, a sua detecção poderá ser difícil tendo
em conta que o referido exame é realizado classi-
camente no berço ou incubadora com o RN em
decúbito dorsal. Assim, para confirmação, o exame
FIG. 3
deverá ser feito com o RN em decúbito lateral ou,
em alternativa, em decúbito dorsal com a ampola Pneumotórax sob tensão à direita; inversão da curva
de raios X colocada lateralmente (raios horizon- diafragmática respectiva. (NIHDE)
1876 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tais); em tais circunstâncias poderá visualizar-se Com efeito, uma vez que a pressão do ar no espa-
eventual transparência retrosternal, não notada na ço do pneumotórax é da ordem de 760 mmHg (cor-
posição convencional (Figura 4). No pneumatórax respondente à pressão atmosférica), e a pressão de
de localização medial deverá fazer-se o diagnósti- oxigénio no sangue dos capilares pulmonares “em
co diferencial com o pneumomediastino. contacto” é mais baixa, criam-se condições para um
A técnica de transiluminação consiste em apli- fluxo de gás no sentido da zona de maior pressão
car luz proveniente de lâmpada halogénia ou de para a zona de menor pressão, ou seja, no sentido
fonte emissora de fibra óptica, cuja extremidade é pleura → capilar, viabilizando a diminuição pro-
circular e plana para se ajustar à pele, em contacto gressiva do volume de ar pleural. Como precaução,
e perpendicularmente a esta. Com tal técnica haverá que providenciar no sentido de a oxigena-
obtém-se um halo luminoso na superfície torácica ção que se promove com a referida finalidade não
em torno da fonte luminosa: havendo conteúdo determine que a saturação em O2 ultrapasse 93%.
líquido ou gasoso sob a zona explorada (neste Como medida emergente a realizar por especia-
caso, parede do tórax), verifica-se maior dispersão lista experiente, e em condições de assépsia
da luz, formando-se um halo maior. poderá utilizar-se uma cânula de calibre 19-21 G,
Este método não invasivo tem a vantagem de aplicada a seringa de 20 mL com soro fisiológico
permitir tirar conclusões de modo rápido, mas intercalando torneira de 3 vias; a punção é feita no
implica experiência por parte do observador e 4º espaço intercostal, na linha axilar anterior, aspi-
ambiente semelhante a “câmara escura”, no de- rando-se o ar em repetidas operações (borbulhan-
curso da execução da técnica. do no soro), com a precaução, de fechar a torneira
ao retirar a seringa para extracção do ar aspirado.
Tratamento O tratamento mais eficaz do pneumotórax sob
tensão é a drenagem pleural ligada a um sistema
Se o RN não estiver submetido a ventilação mecâ- de drenagem subaquática garantindo uma
nica e os sinais de dificuldade respiratória forem pressão negativa de aspiração entre – 10 e – 20 cm
ligeiros, a administração de oxigenoterapia com H2O (1-2 kPa) (Figura 5).
FiO2 a 95 % (monitorizando simultaneamente a
Saturação em O2) é, em geral, suficiente como
estratégia que promove a reabsorção do ar no sen-
tido cavidade pleural-capilares.

A B

FIG. 4 FIG. 5
A – Pneumotórax de pequena dimensão mais visível à direita Localização dos drenos pleurais e ligação ao frasco com tubo
(incidência póstero-anterior); B – Sinal de ar ectópico introduzido abaixo do nível da água; o comprimento em cm
retrosternal (incidência de perfil em decúbito dorsal a que deste tubo submerso na água (H2O) corresponde à pressão
corresponde incidência ântero-posterior sem alterações negativa em cm de H2O. Outro tubo do frasco está acima do
aparentes) noutro RN. (URN-HDE) nível da água e aberto para atmosfera.
CAPÍTULO 349 Síndromas de ar ectópico 1877

Prevenção sido observado quase exclusivamente em RN ven-


tilados e com antecedentes perinatais de corioam-
Para além das estratégias de prevenção da infec- nionite.
ção pré-natal susceptível de fragilizar o parênqui-
ma pulmonar e do emprego de manobras correc- Etiopatogénese
tas na reanimação no bloco de partos, cabe referir
ainda: Após ruptura alveolar o ar difunde-se para o
– que com o emprego de curarizantes nos RN interstício formando pequenas colecções quísticas
submetidos a ventilação mecânica e com a nova com diâmetro variando entre 0,1 e 1 cm localiza-
geração de ventiladores, designadamente com das nos septos interlobulares, estendendo-se do
ventilação sincronizada, a incidência de pneu- hilo para a periferia do pulmão; tais alterações
motórax tem diminuído; podem ser localizadas ou difusas. Surgem mais
– que outras medidas de prevenção em RN frequentemente no contexto de RN com DMH
ventilados de modo convencional incluem o ventilados, e menos frequentemente em casos de
emprego de tempo inspiratório curto, frequências síndromas de aspiração e de sépsis.
mais elevadas e o emprego de terapia substitutiva Como consequência das alterações descritas
com surfactante nos casos de défice ou disfunção que comprimem o parênquima, verifica-se tam-
deste. bém diminuição da distensibilidade (compliance)
pulmonar e do débito pulmonar.
Prognóstico O EPI está associado a elevação da elastase dos
leucócitos nos aspirados traqueais, o que poderá
O prognóstico em termos de morbilidade e de sugerir o papel da infecção intra-uterina na géne-
mortalidade depende fundamentalmente da se da doença.
doença de base, dos efeitos sistémicos do ar ectó-
pico e da idade gestacional. De salientar que nos Manifestações clínicas
RN com imaturidade extrema (peso de nascimen-
to < 1.000 gramas) a frequência de HIPV é cerca de Ao contrário do que acontece em certas formas de
80-90% se surgir hipotensão durante o episódio de pneumotórax, o EPI manifesta-se de modo gra-
pneumotórax; pelo contrário, tal frequência dual: na sua forma mais típica, e no decurso da
reduz-se para 10% se não surgir hipotensão. ventilação mecânica, agravamento do quadro clí-
nico, o que leva à necessidade de intensificar o
suporte ventilatório por alteração da ventilação-
perfusão e hipoxémia A semiologia clínica detecta
2. ENFISEMA PULMONAR em geral diminuição da amplitude dos movimen-
INTERSTICIAL tos torácicos, hiperinsuflação e diminuição da
intensidade dos sons cardíacos.
Definição
Exames complementares
O enfisema pulmonar intersticial (EPI) é a presen-
ça de ar no interstício ou tecido perivascular do A radiografia do tórax, exame complementar funda-
pulmão, resultante de ruptura de alvéolos ou de mental para o diagnóstico, evidencia sinais de peque-
bronquíolo. nas colecções aéreas ou radiolucências de forma quís-
tica (tipo “esponjoso”, grosseiras) ou linear, de
Aspectos epidemiológicos dimensões variadas. As lesões podem ser localizadas
(sobretudo na periferia ou regiões médias), ou difu-
O EPI tem sido identificado em cerca de 10% das sas, uni ou bilateralmente, não se ramificando.
necrópsias de RN de termo e em cerca de 25% das Nas formas lineares o diagnóstico diferencial faz-
de RN pré-termo de muito baixo peso (<1.500 gra- se com o chamado “broncograma aéreo”, típico da
mas). Salienta-se que este problema clínico tem DMH; neste último, as lesões lineares hipertranspa-
1878 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

rentes ramificam-se, predominam nas regiões hilares cial. A etiopatogénese é semelhante à descrita a
(não na periferia) e nos lobos inferiores (Figura 6). propósito do pneumotórax e EPI.
Exceptuando nos casos de pneumotórax asso-
Prevenção e tratamento ciado, o RN com quadro de pneumomediastino
está habitualmente assintomático ou exibe sinais
A prevenção passa essencialmente pela adopção de dificuldade respiratória ligeira. Pode verificar-
duma estratégia de suporte ventilatório mínimo se aumento do diâmetro ântero-posterior do
para garantir oxigenação adequada. tórax, hipersonoridade do tórax à percussão e di-
Os princípios básicos do tratamento que têm minuição dos sons cardíacos.
como objectivo fundamental reduzir o barotrau- Nos casos graves podem observar-se sinais de
ma, dizem respeito, sobretudo a: baixo débito cardíaco por repercussão hemodinâ-
– diminuição da PEEP, do tempo inspiratório- mica (compressão do coração e pulmões).
cerca de 0,3 segundos (utilizando ventilação con- A radiografia do tórax em incidência póstero-
vencional); anterior evidencia zona de hipertransparência na
– estratégia de baixo volume (utilizando venti- área mediastínica impedindo a visualização do
lação de alta frequência). pedículo vascular (Figura 7); contornando a si-
lhueta cardíaca, exceptuando no contorno infe-
Prognóstico rior; nalguns casos é possível observar-se imagem
do timo “como que levantado ou subido” dando a
Chama-se a atenção para a mortalidade elevada imagem em sinal da vela. Através de ecografia é
nas formas de EPI de início nas primeiras 24-48 possível fazer a destrinça entre pneumomediasti-
horas. A forma difusa de EPI está mais frequente- no e pneumotórax de localização medial.
mente associada a doença pulmonar crónica A atitude a tomar deverá ser expectante, com
(Capítulo 353). vigilância rigorosa dos sinais vitais e grau de oxi-
genação, tendo em conta que a recuperação é
espontânea na maioria dos casos.
3. PNEUMOMEDIASTINO

A presença de ar ectópico no mediastino é quase


sempre precedida de enfisema pulmonar intersti-

FIG. 7
Imagem radiográfica de pneumomediastino: incidência
FIG. 6 póstero-anterior com sinais de acumulação de ar no
Sinais de enfisema intersticial pulmonar associados a mediastino impedindo a visualização de pedículo vascular
pneumotórax. São notórias pequenas áreas quísticas cardíaco e compressão centrífuga do parênquima pulmonar
intraparenquimatosas no campo pulmonar esquerdo. (URN-HDE) bilateralmente. (URN-HDE)
CAPÍTULO 349 Síndromas de ar ectópico 1879

4. PNEUMOPERICÁRDIO

Relativamente ao pneumopericárdio, caracteriza-


do pela presença de ar no saco pericárdico, admi-
te-se que o gás, sob alta pressão, possa penetrar na
cavidade pericárdica ao nível da zona de rebati-
mento ou transição do pericárdio visceral para o
pericárdio parietal.
As manifestações clínicas, variáveis, depen-
dem da rapidez com que se acumula o gás, sendo
de notar que o primeiro sinal poderá ser hipo-
tensão. Assim descrevem-se:
– formas oligo-assintomáticas (corresponden-
do a acumulação lenta sem aumento significativo
da pressão intrapericárdica); e
– formas de início súbito com palidez, ta-
quicárdia, hipotensão e choque, com ulterior bra-
dicárdia e diminuição da amplitude do pulso;
estas manifestações explicam-se por tampona-
mento com acumulação mais brusca e abundante
de gás, sendo que a pressão intrapericárdica se
FIG. 8
aproxima da pressão venosa central, o que tem
repercussão sobre a ejecção ventricular. Imagem de pneumopericárdio associado a pneumomediastino.
A radiografia do tórax evidencia área de hiper- (NIHDE)
transparência envolvendo toda a silhueta cardía-
ca, inclusivamente no seu contorno inferior
(supradiafragmático). Recorda-se que na imagem
do pneumomediastino tal bordo é preservado
(Figuras 8 e 9).
A atitude nos casos de pneumopericárdio
assintomático é “expectante armada”. O trata-
mento efectivo do pneumopericárdio sintomático
com sinais de tamponamento cardíaco consiste na
punção pericárdica ou drenagem com agulha e
seringa ao nível da zona infraxifoideia, com incli-
nação da agulha para cima e para trás, em condi-
ções de assépsia com o apoio ecográfico e em
UCIN.

BIBLIOGRAFIA
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Disorders. London: Arnold, 2006
FIG. 9
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2011 Imagem radiográfica de pneumopericárdio. (NIHDE)
1880 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

350
Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal
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ryngeal suctioning of meconium-stained neonates before SDR secundária (acompanhando situações clíni-
delivery of their shoulders: multicentre, randomized cas de etiologia diversa), é caracterizada funda-
controlled trial. Lancet 2004; 364: 597-602 mentalmente pela saída de sangue ou fluido
Watkinson M, Tiron I. Events before the diagnosis of a pneu- hemático de origem pulmonar pelo tubo endotra-
mothorax in ventilated neonates. Arch Dis Child Fetal queal (TET), boca ou fossas nasais, em situações
Neonatal Ed 2001; 85: F201-F203 consideradas críticas obrigando a ventilação
Yu VYH (ed). Pulmonary Problems in the Perinatal Period and mecânica e/ou a ressuscitação.
their Sequelae. London: Baillière Tindall, 2004 Trata-se dum problema clínico raro, mas grave,
Zierold D, Lee SL, Subramanian S, DuBois JJ. Supplemental comportando risco elevado de mortalidade e mor-
oxygen improves resolution of injury-induced pneumotho- bilidade; a sua incidência em autópsias de RN nas
rax . J Pediatr Surg 2000; 35:998-1001 primeiras 2 semanas de vida é 1 a 12/1.000, na
maioria em RNMBP com quadro de PDA.

Etiopatogénese

São considerados os seguintes factores predispo-


nentes ou de risco: asfixia perinatal grave, hipoter-
mia, ventilação mecânica, diátese hemorrágica,
sobrecarga de fluidos – hipervolémia, infecção sis-
témica grave, cardiopatias com curto-circuito
esquerdo – direito, PDA hemodinamicamente
significativa, aspiração de conteúdo gástrico, doen-
ça hemorrágica do RN (Capítulo 357), doenças
hereditárias do metabolismo, terapêutica substitu-
tiva com surfactante pulmonar exógeno (nesta últi-
ma circunstância em cerca de 1 a 5% dos casos), etc..
Admite-se que a formação de edema pulmo-
nar hemorrágico se deve a hipoxémia e acidose
determinando insuficiência ventricular esquerda.
Neste contexto, a elevação da pressão na aurícula
esquerda leva sequencialmente a elevação da
pressão capilar pulmonar, conduzindo por sua
vez a edema e ruptura de capilares alveolares em
todo o território pulmonar; tal mecanismo é, efec-
CAPÍTULO 350 Hemorragia pulmonar 1881

tivamente, diverso do verificado no adulto em Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
que, no contexto de insuficiência ventricular Godfrey S. Pulmonary hemorrhage/hemoptysis in children.
esquerda, o excesso de fluido edematoso se locali- Pediatr Pulmonol 2004; 37:476-484
za apenas nas bases pulmonares. Greenough A, Milner AD(eds). Neonatal Respiratory
De referir que alguns dos factores de risco Disorders. London : Arnold, 2006
atrás descritos podem estar associados a determi- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
nados mecanismos favorecendo o edema Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
hemorrágico: por ex. lesão e fragildade do tecido 2011
pulmonar, desequilíbrio de pressões ao nível capi- Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal
lar pulmonar, défice de factores de coagulação, Medicine. St Louis: Essevier Mosby, 2011
hipoproteinémia, alteração do surfactante, etc.. McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
Manifestações clínicas Livingstone, 2008
Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
Dum modo geral, os sinais clínicos (saída de líqui- University Press, 2008
do hemático pela boca, fossas nasais e TET) coin- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
cidem com agravamento da situação clínica de AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
base e/ou manobras de reanimação; pode surgir Medical, 2011
bradicárdia, hipotensão e choque. Sant' Anna GM, Keszler M. Weaning infants from mechanical
A imagem radiográfica do tórax é variável, ventilation. Clin Perinatol 2012; 39:543-562
sendo que nas formas graves pode haver opaci-
dades dispersas, ou opacidade difusa bilateral
semelhante ao ”pulmão branco”, relacionável com a
situação de base de insuficiência ventricular
esquerda, choque e compromisso estrutural e fun-
cional do surfactante.

Tratamento e prognóstico

O tratamento inclui fundamentalmente: aspiração


das vias aéreas, administração de adrenalina por
via traqueal, reposição das perdas de sangue, ven-
tilação mecânica com PEEP e, havendo recursos
técnicos, HFV. A atitude de terapia (intensiva)
deverá ter em conta fundamentalmente a correc-
ção da doença de base.
O prognóstico, dependendo da etiologia, dum
modo geral é mau. Com efeito, no pré-termo a
mortalidade oscila entre 30 e 60%, e em mais de
metade dos sobreviventes pode surgir doença
pulmonar crónica. Entre os RN de termo com
hemorragia pulmonar a mortalidade relaciona-se
sobretudo com a patologia de base precipitante.

BIBLIOGRAFIA
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Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
1882 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

351
aorta, directamente através do canal arterial, e
indirectamente através do foramen ovale.
O tono vascular pulmonar durante a gestação
parece ser determinado por um balanço entre
diversos factores: baixa pressão de oxigénio no
sangue, incremento da produção de vasoconstri-
HIPERTENSÃO PULMONAR tores como endotelina-1 (ET-1), serotonina (5HT),
leucotrienos, tromboxano, factor activador das pla-
PERSISTENTE quetas (PAF), hiperreactividade da musculatura
lisa da parede vascular arterial (tono miogénico
João M. Videira Amaral aumentado) e baixa produção de substâncias vaso-
dilatadoras (prostaciclina-PG I2, de menor rele-
vância, e óxido nítrico-NO, de maior relevância).
Recorda-se que o NO (chamado precisamente
Definição, aspectos epidemiológicos endothelium derived relaxing factor ou factor de relaxa-
e importância do problema ção endotelial) é produzido no endotélio vascular
através da conversão de L-arginina em L-citrulina
A chamada síndroma de hipertensão pulmonar pela enzima sintetase do NO. Uma vez produzido,
persistente (HPP) do RN é uma situação clínica de o NO difunde-se facilmente pelas células de mús-
etiopatogénese diversa, acompanhada de dificul- culo liso causando vasodilatação por estimular a
dade respiratória em que se verifica hipoxémia guanilato-ciclase solúvel, aumentando a produção
arterial grave resultante de diminuição do débito de cGMP (guanosinamonofosfato cíclica).
sanguíneo pulmonar e curto-circuito direito – Os mecanismos responsáveis pela manutenção
esquerdo pelo foramen ovale e/ou ductus arteriosus da RVP aumentada (predomínio dos factores que
(canal arterial) por aumento relativo da pressão na determinam oligoémia pulmonar) durante a vida
artéria pulmonar em relação à sistémica. fetal não estão completamente esclarecidos; admi-
A incidência de HPP no RN é calculada em te-se que, para além da maior produção de fac-
cerca de 1 a 5 /1000 nado-vivos, correspondendo tores vasoconstritores, e de menor produção de
a cerca de 0,5 a 1% dos internamentos em UCIN. factores vasodilatadores, tenham papel importan-
Apesar dos progressos da perinatologia nas últi- te factores mecânicos como a compressão vascular
mas décadas, constitui ainda um problema clínico pelo líquido pulmonar fetal.
muito importante em RN de termo e pré-termo, Alguns minutos após o nascimento, em condi-
pela mortalidade (~ 20%) e morbilidade, designa- ções de normalidade e na ausência de alterações
damente em termos de sequelas neurológicas estruturais dos vasos arteriais pulmonares, a
importantes (~ 15%). pressão da artéria pulmonar diminui rápida e
drasticamente, o que se explica pelo aumento da
Etiopatogénese produção de vasodilatadores tais como NO e PG I2
– passando a predominar sobre os vasoconstri-
Embora a etiopatogénese da HPP não esteja com- tores – como resposta a estímulos diversos: dis-
pletamente esclarecida, torna-se fundamental tensão rítmica dos pulmões em relação com os
rever alguns mecanismos que regulam o tono vas- movimentos respiratórios, aumento da pressão
cular pulmonar fetal e pós-natal , alguns dos quais sanguínea de O2, e estresse do estiramento.
são baseados em estudos experimentais. Poderá assim compreender-se que qualquer
Durante a vida fetal a resistência vascular pul- perturbação na sequência de eventos que condu-
monar (RVP) está aumentada, o que tem como zem normalmente à diminuição da RVP na transi-
consequência o leito pulmonar receber apenas ção para a vida extra-uterina, poderá criar condi-
cerca de 8 a 10% do débito cardíaco; ou seja, a ções para manter a RVP aumentada após o nasci-
maioria do sangue oxigenado na placenta que mento e um padrão circulatório arterial pulmonar
atinge o ventrículo direito é veiculada para a semelhante ao verificado no feto.
CAPÍTULO 351 Hipertensão pulmonar persistente 1883

Como exemplos de perturbações impedindo a FETO CRIANÇA ADULTO


diminuição da RVP na transição fetal-neonatal citam-
28 semanas 40 3 dias 11 anos 19 anos
se:
1 – défice de produção de vasodilatadores
BT
(descreve-se hoje uma situação genética responsá-
vel pela menor produção de NO);
2 – maior produção de vasoconstritores como
BR
a ET-1 ou substâncias vasoactivas produzidas
por germes microbianos como Streptococcus aga-
lactiae; DA
3 – manutenção da hiperreactividade da
musculatura lisa da parede vascular arterial pul-
monar: Alv.
→ por excesso de músculo liso, sobretudo nas
artérias de médio calibre (quer em espessura, quer
Pleura
em extensão) como resultado de hipoxémia cróni-
ca intra-uterina); e/ou BT – Bronquíolo terminal; BR – Bronquíolo respiratório; DA – Ducto alveolar
Geggel & Reid, 1984
→ por excesso de músculo liso com idêntica
localização como resultado do aumento de débito
FIG. 1
pulmonar fetal secundário ao encerramento do
canal arterial no feto por efeito de anti-inflamató- Desenvolvimento muscular da parede arterial em extensão.
rios não esteróides administrados à grávida;
4 – diminuição do leito vascular pulmonar no
MUSCULAR Parcialmente Não
contexto de anomalia congénita (por ex. hipopla- MUSCULAR MUSCULAR
sia pulmonar, hérnia diafragmática, etc.).
A propósito da muscularização, normal ou
excessiva dos ramos arteriais pulmonares, impor- →
Capilar
ta recordar sucintamente algumas noções básicas
importantes com implicações na clínica:
• no que respeita ao desenvolvimento muscu-
lar da parede arterial em extensão, ou seja, ao
longo do vaso (em paralelo à via respiratória), em Artéria – LUME
condição de normalidade , a muscularização atin-
ge, no RN, apenas a região pré-acinar (até ao bron-
quíolo terminal-BT); em situação de HPP o desen-
volvimento muscular atinge zonas mais distais
(em paralelo ao bronquíolo respiratório-BR e
ducto alveolar-DA estendendo-se até ao alvéolo)
(Figura 1);
Geggel & Reid, 1984
b – no que respeita ao desenvolvimento mus-
cular da parede arterial em espessura – e compa-
FIG. 2
rando vasos com idêntico diâmetro externo - a
muscularização excessiva traduz-se em menor Desenvolvimento muscular da parede arterial em espessura.
calibre e, portanto, em maior espessura da parede
(Figuras 2); primento dos vasos, e inversamente proporcional
• no que respeita à lei de Poiseuille: a resistência ao número de vasos e à 4ª potência do raio dos
à passagem fluido (neste caso, sangue) num canal mesmos; fórmula: R= 8nL /π r4 .
(neste caso, vaso arterial pulmonar) é directamente Assim, é possível estabelecer uma classificação
proporcional à viscosidade do sangue e ao com- etiopatogénica (Quadro 1).
1884 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Manifestações clínicas do Pa O2 pré e pós-ductal), e avaliação contínua da


e exames complementares saturação de Hb-O2 pré e pós-ductal.
Os critérios clássicos de diagnóstico de HPP
Tendo em conta a diversidade da patologia de (em RN ventilado na modalidade IMV com FiO2
base, as manifestações clínicas são muito variadas de 100%) são:
tendo como denominador comum sinais de – cianose central; ou
hipoxémia grave e refractária com FiO2 de 100%. – PaO2 pós-ductal < 100 mmHg; ou
Os referidos sinais podem ser muito precoces, por – Sat Hb-O2 pós-ductal < 90%;
vezes já no pós-parto imediato, e em geral nas pri- – labilidade de oxigenação arterial (conside-
meiras 12 horas de vida. rando-se na prática, 2 ou mais episódios de dimi-
Nos casos relacionados com policitémia, hipo- nuição sat Hb-O2 < 85% no período de 12 horas
glicémia, ou asfixia perinatal verifica-se cianose obrigando a intensificação do suporte ventilató-
grave associada a taquipneia; contudo, inicial- rio);
mente os sinais de dificuldade respiratória podem – gradiente significativo de oxigenação pré-
ser muito discretos. ductal (mão direita) e pós –ductal (qualquer dos
Nos casos relacionados com síndroma de aspi- pés) de:
ração meconial, pneumonia por Streptococcus do • PaO2 > 20 mmHg ou
grupo B, hérnia de Bochdalek, ou hipoplasia pul- • Sat Hb-O2 > 5% (para valores de saturação
monar, a SDR é mais exuberante , podendo verifi- entre 70 e 95%).
car-se quadro de choque e disfunção multiorgâ-
nica. A sequência de eventos: isquémia do miocár- Para avaliação da gravidade utiliza-se o IO
dio → disfunção dos músculos papilares → regur- (índice de oxigenação) avaliado de modo seriado
gitação tricúspide e mitral → disfunção biventri- e descrito no Capítulo 352:
cular → choque cardiogénico → hipóxia-isquémia
tecidual conduz a agravamento da hipoperfusão IO = Pressão média na via aérea
pulmonar. x FiO2/Pa O2(mmHg)
Pode deduzir-se que os exames prioritários são
a determinação de pH e gases no sangue (incluin- Se IO > 40 em 3 de 5 gasometrias determinadas
com intervalos de 30 minutos o risco de mortali-
QUADRO 1 – Hipertensão Pulmonar dade é cerca de 80%.
Persistente no RN. Os exames complementares indicados em
Classificação etiopatogénica situação de hipoxémia grave e refractária têm
como objectivo essencial avaliar a função do
1. Vasoconstrição pulmonar miocárdio, demonstrar sinais de curto-circuito
Asfixia perinatal, síndroma de aspiração direito – esquerdo pelo ductus arteriosus e/ou fora-
meconial, pneumonia, alterações metabólicas, obstru- men ovale, e excluir doença cardíaca estrutural; eis
ção das vias respiratórias superiores, hipoventilação, os fundamentais:
alterações do SNC, etc.. – Radiografia do tórax
2. Policitémia/Hiperviscosidade O padrão depende da doença de base; haven-
3. Hipertrofia da musculatura lisa arterial pulmonar do quadro de HPP grave, verifica-se pobreza da
Hipoxémia crónica intra-uterina, insuficiência placen- trama pulmonar na periferia, com “amputação”
tar, encerramento do canal arterial in utero (salicilatos, dos vasos, contrastando com dilatação do tronco
indometacina, ibuprofeno), cardiopatia congénita, pulmonar e nos ramos pulmonares principais.
hipertensão sistémica fetal. – Exames laboratoriais
4. Leito vascular pulmonar diminuído Para avaliação global e esclarecimento etioló-
Hipoplasia pulmonar, hérnia diafragmática de Bochdalek, gico, em função de cada caso, poderá haver neces-
microtrombos pulmonares, quistos pulmonares, estenose sidade de determinados exames laboratoriais
da artéria pulmonar, displasia alveolocapilar, etc.. como hemograma completo, glicémia, calcémia,
magnesiémia, etc..
CAPÍTULO 351 Hipertensão pulmonar persistente 1885

A determinação do péptido BNP no plasma – Ventilação mecânica (de alta frequência ou


(consultar Glossário Geral) merece ser destacada, convencional);
podendo este marcador ser considerado como – Cateterismo central (artéria umbilical e veia
forma de rastreio para proceder a eco-doppler. umbilical, designadamente) para mais fácil moni-
Com efeito, valores superiores a 2500 pg/mL torização de pH e gases, colheitas de sangue para
estão associados a estresse ventricular direito e a exames laboratoriais, fluidoterapia para expansão
sinais ecográficos de sobrecarga ventricular, com- de volume vascular, etc., na perspectiva de gerir
patíveis com HPP, embora não exclusivos desta manuseamento mínimo.
última. – Analgésicos derivados dos opióides (fentanil na
– Eco-doppler dose de 1-2 mcg/kg/hora IV contínuo em RN
Este exame, o melhor meio de diagnóstico, submetidos a ventilação mecânica; ou morfina na
imprescindível na avaliação de insuficiência respi- dose de 10 mcg/kg/hora IV após dose inicial de
ratória hipoxémica permite evidenciar: impregnação, 1 hora antes, de 100 mcg/Kg IV).
• pressão elevada na artéria pulmonar (supe- – Sedativos (midazolam na dose de 1-5 mcg/
rior a 75% da pressão arterial sistémica); kg/hora IV).
• septo auricular procidente/abaulado para a – Curarizantes em crianças ventiladas (por ex.
aurícula esquerda; pancurónio ou vecurónio).
• sinais de insuficiência tricúspide; – Correcção de alterações metabólicas.
• dilatação do ventrículo direito com desvio – Tratamento de infeccções (antibioticoterapia e
do septo; outras medidas).
• aumento da relação entre fase de pré-ejecção – Tratamento substitutivo com surfactante exóge-
ventricular direita/e fase de ejecção ventricular no.
direita; – Correcção do hematócrito (objectivo: obter valor
• a magnitude da HPP e do curto-circuito ~40%) evitando hiperviscosidade ou anemia.
direito-esquerdo pelo ductus arteriosus e/ou fora- – Elevação da pressão arterial sistémica para man-
men ovale; e, também, ter volume de sangue circulante adequado, enchi-
• avaliar a contractilidade cardíaca; mento das câmaras cardíacas (sob controlo eco-
• excluir doenças cardíacas estruturais, sobre- gráfico), débito cardíaco adequado e diminuição
tudo as que dependem do curto-circuito direito- do curto-circuito direito-esquerdo. Este desiderato
esquerdo como por ex. interrupção do arco aórti- pode atingir-se com:
co, estenose aórtica, síndroma de disfunção do • expansores de volume (por ex. soro fisiológi-
ventrículo esquerdo. co-10 a 20 mL/kg em 30 minutos).
• aminas vasopressoras (por ex. dopamina ou
Tratamento dobutamina).
– Alcalinização (correcção da acidose metabóli-
Os objectivos fundamentais dos procedimentos ca e respiratória, mantendo pH neutro ou ligeira-
terapêuticos da HPP, a realizar em UCIN, são: mente alcalino) para induzir vasodilatação pul-
– tratar a doença de base; monar através de:
– melhorar o estado hemodinâmico; • estratégia de hiperventilação mecânica evi-
– corrigir os factores de vasoconstrição arterial tando baro-, volu-, e atelectrauma .
pulmonar; e • administração de alcalinizante(garantindo
– melhorar a oxigenção. ventilação mecânica): bicarbonato de sódio.
De salientar que todos os cuidados gerais de- – Vasodilatadores pulmonares:
verão obedecer ao princípio do manuseamento Existem várias possibilidades cuja escolha
mínimo tendo em conta a labilidade extrema da deve ser feita com bom senso, em função dos
situação. Eis os aspectos principais do tratamento recursos da UCIN e da experiência da equipa.
cuja aplicação deverá ter em conta a etiopatogéne- Selectivos:
se de cada caso: • ventilação com NOi (óxido nítrico inalado
– Oxigenoterapia com dose inicial de 20 ppm durante 1 hora) (vaso-
1886 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dilatação selectiva) obrigando a monitorização de vada, nomeadamente nos casos acompanhados de


NO2 produzido; anomalias estruturais dos vasos pulmonares.
Não selectivos: Excluindo esta situação, a recuperação funcional
• sulfato de magnésio(vasodilatação não selec- pulmonar é boa, sem doença residual.
tiva) na dose de impregnação de 300 mcg/kg/ IV
em 4 horas seguido de perfusão IV ao ritmo de 20- BIBLIOGRAFIA
50 mcg/kg/hora; Baptista MJ, Correia-Pinto J, Rocha G, Guimarães H, Areias JC.
• sildenafil (Viagra®) quando NOi não está dis- Brain-type natriuretic peptide in the diagnosis and mana-
ponível; gement of persistent pulmonary hypertension of the new-
• prostaglandina E1 (Prostin®: 0,05-0,1 mcg/ born. Pediatrics 2005; 115: 111
kg/minuto IV contínuo); Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
• adenosina (25-50 mcg /kg/ minuto IV contí- Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
nuo); Fanaroff AA, Martin RJ. Neonatal-Perinatal Medicine-
• nitroprussiato de sódio(dose inicial de 0,25- Diseases of the Fetus and Infant. St. Louis: Mosby, 2002
0,5 mcg/kg/minuto IV contínuo); dose pode ser Greenough A, Milner AD(eds). Neonatal Respiratory
incrementada até 4 mcg/kg/minuto. Disorders. London: Arnold, 2006
– Ventilação com alta frequência – não parece estar Kinsella JP, Abman SH. Clinical approach to inhaled nitric
provado que esta modalidade aplicada de início oxide in the newborn with hypoxemia. J Pediatr 2000; 136:
seja superior à ventilação convencional como 717-726
estratégia de 1ª linha; em certas unidades é utiliza- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
da perante falência da ventilação convencional em Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
situações de IO > 20, e acidose respiratória persis- 2011
tente (PaCO2> 60 mmHg e pH < 7,20). Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal
Nalguns centros utilizam-se em simultâneo Medicine. St Louis: Essevier Mosby, 2011
VAF+ NOi. McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
– Oxigenação por circulação extracorporal com Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
membrana (ECMO), menos utilizada desde a era Livingstone, 2008
do NOi. Contudo está indicada na ausência de Pearson DL, Dawling S, Walsh WF, et al. Neonatal pulmonary
resposta a esta última técnica. hypertension: urea cycle intermediates, nitric oxide pro-
duction, and carbamoyl-phosphate synthetase function.
Após a alta hospitalar as crianças devem ser NEJM 2001; 344:1832-1838
encaminhadas para centro de desenvolvimento Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
(no pressuposto de apoio multidisciplinar) com o University Press, 2008
objectivo de se proceder a avaliação periódica, Reynolds E, Ellington J, Vranicar M, Bada H. Brain-type natriu-
designadamente de tipo neuro-sensorial, pelo retic peptide in the diagnosis and management of persis-
menos até aos seis anos. tent pulmonary hypertension of the newborn. Pediatrics
A avaliação auditiva deverá ser realizada o 2004; 114: 1297 - 1304
mais precocemente possível. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA
(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Prognóstico Medical, 2011
Walsh-Sukys MC, Tyson JE, Wright LL, Bauer CR, Korones
A sobrevivência varia com a doença subjacente. SB,et al. Persistent pulmonary hypertension of the newborn
Dum modo geral, prognóstico a longo prazo rela- in the era before nitric oxide: practice variations and out-
ciona-se com a verificação (ou não) de encefalopa- comes. Pediatrics 2000; 105;14-20
tia hipóxico-isquémica associada, e com o resulta-
do da terapêutica vasodilatadora pulmonar (bom
ou mau).
Apesar dos progressos da terapia intensiva, a
mortalidade dos RN com HPP continua a ser ele-
CAPÍTULO 352 Assistência ventilatória no recém-nascido 1887

352
lado, comportar diversas complicações e sequelas,
nomeadamente do foro respiratório e neurológico.

Tipos de ventiladores

Para se compreender o funcionamento dos mo-


ASSISTÊNCIA VENTILATÓRIA dernos e sofisticados ventiladores utilizados na
actualidade, será útil explanar alguns princípios
NO RECÉM-NASCIDO gerais relacionados com a evolução da tecnologia
da ventilação artificial.
J. Nona, A. Marques Valido e João M. Videira Amaral Os ventiladores clássicos podem ser classifica-
dos em dois grandes grupos: ventiladores de volume
e ventiladores de pressão (positiva ou negativa).
Considerando o modo de administração do fluxo
Importância do problema gasoso (aquecido e humidificado) cuja concentra-
ção em oxigénio pode variar entre 21 e 100% atra-
A decisão de iniciar ventilação mecânica baseia-se vés de misturadores que fazem parte do próprio
na gravidade do problema respiratório de acordo equipamento, existem duas modalidades: de fluxo
com os critérios antes definidos. Na prática clíni- contínuo e de fluxo intermitente.
ca, em geral, as situações que requerem tal proce- Nos ventiladores de volume, um determinado
dimento correspondem a duas situações de SDR: e constante volume de gás previamente calculado
RN com respiração espontânea submetido previa- é administrado ao doente durante cada ciclo ins-
mente a assistência respiratória na modalidade de piratório. Inicialmente, na década de 1980, eram
pressão positiva contínua (CPAP) com progressi- pouco utilizados no RN, pois não tinham sistemas
vo agravamento; ou RN em que surge, progressi- eficazes na monitorização do volume corrente
va ou subitamente, um quadro de insuficiência gerado pelo ventilador. Actualmente, com o
respiratória aguda. (Capítulo 345). desenvolvimento de vários sistemas de monitori-
Os grandes objectivos da ventilação mecânica zação contínua baseados em sensores de fluxo, a
– idealmente de duração tão curta quanto possível aplicação de ventiladores de volume já pode ser
– são providenciar um volume pulmonar adequa- efectivada com segurança em RN; para além da
do com vista à normalização da ventilação-per- monitorização precisa do volume corrente, é tam-
fusão e da saturação da Hb em oxigénio, evitando bém possível monitorizar outros parâmetros.
a hiperinsuflação e a atelectasia Geralmente os ventiladores iniciam a fase ins-
Como se torna fácil compreender, a assistência piratória dos respectivos ciclos ventilatórios em
ventilatória implica a verificação de condições téc- intervalos de tempo determinados. Nos ventila-
nicas, logísticas e de recursos humanos (equipas dores volumétricos a inspiração termina quando o
de pediatras-neonatologistas e de enfermeiros volume de gás pré-determinado tiver sido admi-
especializados, entre outros profissionais) que nistrado ao doente. Como exemplos de ventila-
somente podem ser concretizadas numa unidade dores com estas características citam-se os Bourns
de cuidados intensivos neonatais, ou pediátricos e LS 104 e 105®.
neonatais (unidade polivalente). Nos ventiladores de pressão positiva, conside-
Uma vez que ventilação mecânica pode origi- rados classicamente os ventiladores de eleição
nar efeitos secundários ou complicações impor- para RN, o volume de gás administrado ao RN
tantes, a decisão de se proceder à entubação para durante a fase inspiratória somente cessa quando
iniciar a ventilação mecânica deve ser ponderada a pressão de insuflação pulmonar (pressão inspi-
equacionando riscos e benefícios; com efeito, ape- ratória ou “pico” de pressão) atinge o nível pre-
sar de, por vezes, representar a única terapêutica viamente determinado. Ou seja, neste tipo de ven-
da insuficiência respiratória aguda com efeito sal- tiladores a quantidade de gás que entra no
vador imediato e a curto prazo, poderá, por outro pulmão do RN a cada inspiração dependerá prin-
1888 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

cipalmente da referida pressão inspiratória e da secundários importantes tais como diminuição da


compliance (distensibilidade, complacência ou eficiência das trocas gasosas, retenção de mistura
elasticidade) alveolar/pulmonar, definida ante- gasosa intra-alveolar, variabilidade da pressão
riormente como variação do volume pulmonar arterial e da velocidade do fluxo sanguíneo cere-
em função da variação da pressão (Capítulo 345). bral podendo conduzir a hemorragia intraperi-
Para determinada compliance pulmonar, quanto ventricular, etc..
maior a pressão inspiratória, maior o volume de Nalguns ventiladores de pressão, a inspiração
gás administrado durante a fase inspiratória. O termina quando a pressão inspiratória pré-deter-
inverso também é verdadeiro: para determinada minada é atingida. Estes ventiladores são ciclados
pressão inspiratória, o volume de gás administra- puramente por pressão (por ex. Baby Bird®). Com
do durante a fase inspiratória será tanto maior este tipo de ventiladores não é possível obter uma
quanto maior a compliance pulmonar. “onda quadrada ou em plateau”), dificultando
Os ventiladores de pressão negativa (em que o que, com determinado “pico” de pressão, se pro-
RN era colocado dentro de estrutura ou suporte, mova uma ventilação alveolar eficaz, nomeada-
com sistema de vácuo estanque aplicado em torno mente nos casos de compliance pulmonar diminuí-
do tórax, expandindo-o) são hoje considerados da (défice de surfactante).
obsoletos, interessando apenas mencioná-los para Outro modo de interromper a fase inspiratória
enquadramento mais compreensivo. de um ventilador é por tempo; ou seja, o ventila-
Nos ventiladores de fluxo intermitente o gás dor mantém a pressão inspiratória por período de
somente é administrado durante a fase inspirató- tempo pré-determinado (criando desta forma o
ria do ciclo respiratório. Este tipo de ventiladores plateau inspiratório), no fim do qual se inicia a
caiu em desuso pela seguinte razão: se um RN res- expiração.
pirasse de modo não síncrono com o ventilador Os ventiladores com estas características são
(por ex. início da inspiração espontânea durante a designados por ventiladores de pressão positiva
fase expiratória do ventilador) o mesmo passaria a não sincronizada (“ciclados por tempo e de
respirar num sistema fechado, ou respiraria gás pressão limitada): permitem regular o número de
contido no chamado espaço morto (TET e tuba- ciclos ventilatórios por minuto, os tempos inspi-
gem do ventilador). ratório e expiratório, assim como limitar a pressão
Nos ventiladores de fluxo contínuo o gás é inspiratória(“pico” de pressão), em relação com o
administrado ao RN, quer na fase inspiratória, débito do gás e o volume de cada ciclo ventilató-
quer na fase expiratória do ciclo respiratório. rio.
Deste modo, pode compreender-se que com tais Recorda-se que débitos do gás mais elevados
ventiladores é possível a ventilação artificial com (4 a 10 L/minuto) conduzem a pressões inspirató-
frequências respiratórias baixas, sendo que o RN rias mais elevadas(“picos” mais elevados) e a
mantém concomitantemente a respiração espontâ- ondas inspiratórias “quadradas” ou em plateau,
nea intercalada por ciclos artificiais do ventilador, em que o aumento de pressão é mais rápido; débi-
ao mesmo tempo que se verifica o fluxo contínuo tos mais baixos (0,5-4 L/minuto produzem ondas
de gás através do circuito do ventilador; é, assim, inspiratórias “em rampa” ou sinusoidais em que o
possível a chamada ventilação intermitente obri- aumento de pressão é mais lento - semelhante à
gatória (IMV – intermittent mandatory ventilation). respiração normal. Como exemplos de ventila-
Apesar de os ventiladores de fluxo contínuo dores com estas características são citadas as
terem permitido a introdução da IMV e, por isso, seguintes marcas: Bear Cub/Bourns® e Sechrist®.
terem contribuído para um avanço na assistência Entretanto, as tecnologias desenvolveram ven-
ventilatória do RN, não resolveram o problema da tiladores de fluxo contínuo permitindo que, ao
respiração assíncrona RN-ventilador: há, com efei- mesmo tempo, o doente respire espontaneamente
to, a possibilidade de, por ex., o ventilador iniciar e desencadeie, com o esforço inspiratório, uma
a fase inspiratória no momento em que o doente pressão de insuflação pulmonar (pressão inspi-
expira. ratória) que será sempre síncrona com o referido
Do assincronismo poderão resultar efeitos esforço inspiratório.
CAPÍTULO 352 Assistência ventilatória no recém-nascido 1889

Este tipo de ventilação “à demanda” ou “dis- dades como ventilação de recurso, ou como venti-
parada” pelo doente (termo corrente em inglês – lação inicial e exclusiva, tendo em conta que tais
patient triggered ventilation ou intermittent demand características contribuem para reduzir o risco de
ventilation) é hoje exequível com os chamados ven- “traumas” no tracto respiratório atrás referidos.
tiladores com ventilação sincronizada. Os ventiladores de alta frequência compreen-
A moderna tecnologia permite um método de dem várias modalidades:
ventilação sincronizada com melhor interacção 1 – ventilação de alta frequência oscilatória
entre o doente e o ventilador utilizando a activi- (HFOV ou high frequency oscillatory ventilation), por
dade eléctrica do diafragma medida por sensor- sua vez, compreendendo os osciladores puros e
sonda colocado no esófago. É o método NAVA assim como aqueles que funcionam com interrup-
(neurally adjusted ventilatory assist). ção de fluxo.
Apesar dos progressos realizados com a venti- 2 – ventilação de alta frequência com "jacto"
lação sincronizada conduzindo a cada vez me- (HFJV ou high frequency jet ventilation).
lhores resultados, fundamentalmente três tipos de
problemas ainda pendentes estimularam o desen- Princípios gerais da ventilação
volvimento de nova tecnologia: a verificação de mecânica com ventiladores
hiperdistensão do ácino conduzindo ao aumento convencionais
da permeabilidade alveolar e capilar; a verificação
frequente de hipertensão pulmonar persistente Para melhor compreensão dos referidos princí-
associada a grande número de quadros clínicos de pios, importa salientar que, na prática clínica e
SDR; e a prevalência significativa de doença pul- quanto à etiopatogénese, três grandes grupos de
monar crónica como sequela das estratégias utili- problemas respiratórios neonatais podem ser
zadas com os ventiladores existentes originando considerados:
quer barotrauma (como efeito da pressão de gás – SDR em que predomina a diminuição da com-
utilizado), quer volutrauma (como efeito do volu- pliance pulmonar (por ex. SDR da prematuridade
me utilizado), quer ainda o chamado atelectrauma por défice de surfactante, pneumonia, edema pul-
(como efeito de haver zonas do parênquima com monar, atelectasia, hipoplasia pulmonar, etc.);
alvéolos mais ou menos distendidos – distribuição – SDR em que predomina a resistência aumen-
heterogénea de ar alveolar ou desigualdade no tada da via respiratória (por ex. síndroma de
“recrutamento alveolar”, como se diz habitual- inalação amniótico-meconial, doença pulmonar
mente na gíria). crónica, edema intersticial, etc.);
Surgiu então nova geração dos chamados ven- – SDR em que predomina a disfunção da mus-
tiladores de alta frequência (high frequency ventila- culatura respiratória, do mecanismo de regulação
tors/HFV ou, em português, VAF), completamente respiratória, ou doença obstrutiva relacionável
diferentes dos ventiladores atrás descritos. com anomalias congénitas das vias respiratórias
Como características essenciais destes apare- superiores (por ex. miastenia grave, doença neu-
lhos – que promovem uma mais eficaz e mais rológica grave, atrésia dos coanos, síndroma de
homogénea distribuição de gás (portanto, mais Pierre Robin, efeito de fármacos depressores do
fisiológica), com menor distensão alveolar – são SNC, apneia, encefalopatia hipóxico- isquémica,
referidas: etc.) (Capítulo 345).
1 – utilização de frequências muito elevadas,
suprafisiológicas, variáveis entre 5 e 15 Hertz 1. Parâmetros utilizados na ventilação
(designação habitual da frequência em VAF), ou com pressão positiva (não sincronizada
seja entre 300 e 900 ciclos por minuto (1 Hertz cor- ou convencional)
responde a 60 ciclos por minuto); Os parâmetros habitualmente utilizados nesta
2 – utilização de volumes correntes (Vc) muito modalidade e a respectiva mudança dependem da
baixos, iguais ou inferiores ao espaço morto das idade gestacional, da gravidade da doença e do tipo
vias aéreas (± 1 a 2 mL /kg). da mesma; ou seja, quer a própria ventilação mecâ-
Actualmente são utilizados em muitas uni- nica, quer o desmame do ventilador, são processos
1890 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dinâmicos implicando experiência do operador. logia, sendo objectivo manter a saturação da Hb


– Frequência (ciclos/minuto) em O2 entre 89 e 93%.
Pode variar entre 40 e 60 ciclos/minuto; a fre- – Pressão média da via aérea ou Paw ou MAP
quência deve ser ajustada para Vc (volume cor- (cm/H2O)
rente) e ventilação – minuto adequados. Deve ser Os principais parâmetros que influenciam a
dada atenção especial ao utilizar FR > 75 Paw são: Ti, relação I: E, PIP, PEEP e formato da
ciclos/minuto uma vez que o tempo para a expi- onda inspiratória. Como é evidente, o seu valor
ração poderá tornar-se demasiado curto, o que depende da gravidade da situação clínica.
poderá originar situações de retenção de ar e des- – Relação tempo inspiratório/tempo expiratório (I :
vio deste para zonas exteriores à via aérea (ar ectó- E ou Ti : Te)
pico). Para prevenir tal, deve diminuir-se o Ti A relação I :E depende da FR e do Ti . A relação
(tempo inspiratório) e a relação I: E para aumentar I : E fisiológica é 1 : 2. Como regra pode referir-se
o Te (tempo expiratório). (ver adiante alínea que todas as relações I : E são boas ou aceitáveis,
Monitorização de parâmetros…) com excepção da relação I : E de 1 : 1 , ou das cha-
– Tempo inspiratório (Ti) madas relações I : E invertidas (exemplo I : E de
Em geral o Ti utilizado na prática varia entre 1:0.8).
0.37 a 0.40 segundos, a não ser que surjam deter- Com efeito, relações invertidas ou relações de
minadas condicionantes que obriguem à sua alte- 1 : 1 aumentam a possibilidade de ruptura alveo-
ração. lar e de situações de “ar ectópico”: para certo Ti
– Pressão inspiratória (ou pico inspiratório máxi- pré-determinado o aumento da frequência para
mo-PIP em cm/H20) além de determinados valores limita o tempo
A expansibilidade da caixa torácica e grande expiratório levando a acumulação progressiva de
parte do volume corrente produzido dependem gás (ar+O2).
da PIP. A escolha inicial do PIP depende da idade
gestacional, do tipo de patologia e gravidade da 2. Escolha dos parâmetros iniciais
mesma, da expansibilidade da caixa torácica, e da na ventilação com pressão positiva
experiência e sensibilidade do operador. A PIP (não sincronizada ou convencional)
pode variar entre valores tão baixos como 16 – 18 São analisados a seguir os diversos parâmetros
cm H2O e valores tão altos como 28-32-34-38 cm tendo em conta as particularidades referidas.
H2O, dependendo dos factores atrás apontados. – Débito(fluxo) da mistura gasosa
– PEEP ou Pressão positiva no fim da expiração Em regra utiliza-se débito de 6 a 8 L/minuto
(cm/H2O) – PEEP (cm/H2O)
A PEEP (positive end expiratory pressure) é a A PEEP deve ser ajustada entre 3 – 6 cm de
pressão de distensão ou abertura permanente das H2O.
vias aéreas no fim da expiração impedindo o Nas situações obstrutivas a utilização da PEEP
colapso alveolar. Este fenómeno permite o que se deve ser criteriosa pela possibilidade de diminui-
designa por “recrutamento alveolar” rendibilizan- ção do retorno venoso, o que implica vigilância
do o funcionamento de mais alvéolos (alvéolos rigorosa do estado hemodinâmico. O valor deverá
mais ventilados e mais distendidos), permitindo ser quanto baste para diminuir as retracções cos-
ventilação-perfusão mais eficaz. Os valores de tais, sendo que tal critério obriga a muita prática e
PEEP utilizados consoante as situações clínicas experiência.
devem oscilar entre 3 e 6 cm H2O. – Frequência (ciclos/minuto)
– FiO2 ou fracção de oxigénio no ar ou mistura A frequência utilizada no início da ventilação
gasosa inspirada (avaliada em %: de 21 a 100, ou em poderá oscilar entre 20 e 60 ciclos por minuto.
décimas: de 0,21 a 1,0) – Ti (Tempo inspiratório)
Em regra, inicia-se a ventilação utilizando FiO2 Utiliza-se em geral Ti entre 0,36 e 0,4 segundos.
de 40% aplicando a regra de bom senso de come- Salienta-se que: o ajustamento do Ti deverá
çar com parâmetros “baixos”; no entanto há que obedecer à constante de tempo do sistema respirató-
ter em conta a gravidade clínica e o tipo de pato- rio a qual se encontra elevada nas situações obs-
CAPÍTULO 352 Assistência ventilatória no recém-nascido 1891

trutivas; e que quanto mais graves os sinais de – Volume garantido (VG)


compromisso parenquimatoso, mais curto deverá Na prática pré-determina-se ou marca-se no
ser o Ti. A constante de tempo (Kt) constitui a ventilador o volume corrente que se deseja , geral-
medida do tempo necessário para a pressão nas mente 4 – 6 mL /Kg. O sistema automático de volu-
vias aéreas alveolares e proximais se equilibra- me garantido –ou do volume que se deseja, pré –
rem. Os valores normais oscilam entre 0,08 e 1,1 determinado que começa a operar ao carregar-se na
segundos (s); média ~ 0,24 segundos (s). Ao cabo respectiva tecla – permite que o mesmo se mante-
de 3 constantes de tempo, cerca de 95% do Vc nha independentemente da evolução da compliance
entrou (durante a inspiração) ou saiu (durante a à medida que a situação melhora, ou esta aumente;
expiração) dos alvéolos. ou seja, considerando a variação V/variação P que
– PIP (cm/H20) define a compliance em caso de melhoria desta (em
A PIP/pressão inspiratória ideal deve ser a função da evolução favorável da patologia pulmo-
mínima necessária para manter adequada ventila- nar), é o próprio ventilador que ajusta progressiva-
ção alveolar; a referida pressão deverá ser sempre mente a pressão necessária (neste caso, diminuindo
verificada previamente através da oclusão manual a pressão inspiratória/PIP necessária durante os
da peça de conexão tubo do ventilador-TET, antes ciclos respiratórios). Com esta estratégia previne-se,
da conexão com este último, já aplicado no doen- em certa medida, o trauma resultante de volume
te. gasoso excessivo/ hiperinsuflação ou volutrauma.
Na prática, a PIP deve ser a suficiente para
promover elevação do tórax em cerca de 0,5 cm (o 4. Avaliação da ventiloterapia
que exige muita prática e experiência), ou para Após entubação traqueal e início da ventilação torna-
obter volume corrente entre 4 e 6 mL/kg. se crucial verificar a posição do TET através da radio-
Para promover a elevação da PaO2, os parâme- grafia do tórax póstero- anterior feita in situ (em posi-
tros a aumentar são a FiO2,a PIP e a PEEP. Para ção correcta, a extremidade deve projectar-se entre a
promover diminuição da PaCO2, os parâmetros a 1ª e 3ª vértebras torácicas); a radiografia inicial e as
aumentar são a FR e a PIP; para aumentar a Pa seguintes, a efectuar de acordo com a evolução, ser-
CO2, haverá que diminuir a FR e a PIP. virão para determinar o grau de compromisso paren-
quimatoso e eventuais complicações como, por ex.
3. Parâmetros utilizados sinais de ar ectópico ou outras complicações.
na ventilação sincronizada Outra avaliação seriada essencial diz respeito à
(Patient – triggered ventilation) monitorização em UCIN (invasiva e não invasiva)
Na ventilação sincronizada são utilizados os parâ- já referida (Capítulo 345).
metros mencionados a propósito da ventilação com Os objectivos essenciais da ventiloterapia são
pressão positiva não sincronizada. Neste tipo de obter:
ventiladores existe um mecanismo automático de – pH > 7,2 nas primeiras 6 horas de vida e >
“disparo/com gatilho” (trigger) ou de início de ven- 7,25 após as 6 horas de vida
tilação automática se surgir apneia; se tal surgir, o – Pa CO2 entre 40 e 60 mmHg
ventilador passará, então, a controlar a totalidade – Pa O2 entre 50 e 70 mmHg ou Sat Hb-O2 entre
dos ciclos respiratórios. Assim, há que contar com 89 e 93%.
mais os seguintes parâmetros a programar:
– “Trigger” Sob o ponto de vista hemodinâmico há que
O nível de “trigger” deve ser pré-determinado, monitorizar, entre outros parâmetros, os pulsos e
caso a caso, segundo uma escala de sensibilidade ondas de pulso, a perfusão periférica, a frequência
e dependendo da patologia e da imaturidade do cardíaca, a pressão arterial e o débito urinário
RN; inicialmente escolhe-se o nível mais baixo que
corresponde a maior sensibilidade para o “dispa- 5. Cuidados com o tubo endotraqueal
ro” e início da ventilação controlada. O nível Para além da radiografia do tórax anteriormente
poderá ser ou não aumentado em função da mencionada a fim de verificar a localização cor-
resposta do RN. recta, há que:
1892 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– fixar o TET de modo seguro e correcto evi- expansibilidade torácica adequada, e mantendo a
tando aglomerado de adesivos; mesma FiO2 ≤ 30%, é a frequência respiratória (FR)
– manter o pescoço do RN ligeiramente esten- o parâmetro seguinte a ser aliviado de modo a
dido; atingir-se o valor de ciclos < 20/minuto; ao
– não aspirar o TET muito frequentemente pela mesmo tempo que se avalia a tolerância do RN,
possibilidade de o manuseamento excessivo pro- mantém-se o mesmo volume corrente, a mesma
vocar flutuações da pressão arterial e do débito PIP (já anteriormente aliviada) e a mesma FiO2
sanguíneo cerebral. (FiO2 ≤ 30%). Caso não se verifique tolerância do
RN, deve manter-se a FR no menor nível possível,
6. “Desmame” da ventilação mecânica tentando diminuição mais tarde;
convencional 3 – Ao atingir-se FR de 10 – 15 ciclos/minuto,
À medida que se verificam sinais de melhoria com PIP < 20 cm H2O (dependendo da idade ges-
da doença e da função pulmonares (vidé atrás ava- tacional e da maturidade do RN), com FiO2≤ 30%)
liação/monitorização contínua), o suporte mecâ- é possível proceder à extubação do RN;
nico ventilatório deve ser progressivamente ali- 4 – Para garantir o sucesso da extubação está
viado com vista à sua retirada, idealmente no indicada a administração de:
mais curto intervalo de tempo. • corticóide nos casos de RN submetidos a ven-
Os parâmetros básicos para iniciar o desmame tilação mecânica por período superior a 7 dias(por
ventilatório são fundamentalmente três: ex. dexametasona, na dose de 0,1 mg/kg cerca de
• baixas necessidades de oxigénio (FiO2 ≤ 30 %); 4 horas antes da extubação, com repetição de mais
• melhoria da compliance (isto é, possibilidade duas doses de 0,1 mg/kg com oito horas de inter-
de baixar a pressão inspiratória/PIP nas vias valo); trata-se, pois, de tratamento de curta dura-
aéreas mantendo o mesmo volume corrente e oxi- ção tendo em conta os efeitos sobre o neurodesen-
genação- ver atrás :volume garantido); e volvimento e crescimento;
• boa oxigenação contínua (sat Hb-O2 ≥ 90- • metilxantina (por ex. citrato de cafeína por ser
92%). estimulante do centro respiratório, com início 24
Outros parâmetros a considerar são: horas antes da extubação: dose de impregnação
• hemodinâmicos (normalidade da pressão (oral ou IV) 20-40 mg/kg, seguindo-se dose de
arterial, frequência cardíaca e sinais perfusão peri- manutenção diária a iniciar 24 horas depois da
férica adequada, etc.); dose de impregnação: 4-6 mg/kg (oral ou IV);
• metabólicos (glicémia e ionograma sérico 5 – Antes da extubação o RN deverá ficar sub-
normais); metido a pausa alimentar; na hipótese de o doen-
• hematológicos (hematócrito igual ou super- te não estar em jejum, deverá proceder-se à aspi-
ior a 35-40%, como garantia da capacidade de ração do conteúdo gástrico antes da extubação. É
transporte de oxigénio pela Hb após termo da igualmente recomendável a aspiração das vias
suplementação daquele); respiratórias superiores e, eventualmente, do TET.
• neurológicos (normalidade do automatismo 6 – Após extubação o RN passará para o regi-
respiratório com garantia de respiração espontâ- me de CPAP nasal ou oxigenoterapia nas modali-
nea, rítmica e regular). dades atrás descritas, sendo o suplemento de O2
regulado em função da saturação de O2-Hb, man-
Estratégia: tendo-se o objectivo inicial de valores entre 89 e
1 – O parâmetro PIP (o que potencialmente é mais 93%.Salienta-se a necessidade de pausa alimentar
agressivo para o doente) deve ser o primeiro a ser nas duas horas subsequentes à extubação.
progressivamente “aliviado”: deve diminuir-se pro- 7 – Em circunstâncias especiais poderá estar indi-
gressiva e lentamente (em regra 2-3 cm H2O de cada cada fisioterapia respiratória, reservada para os RN
vez) até se atingir valor de PIP < 20 cm H2O. A PEEP com excesso de secreções nas vias aéreas ou com ate-
deve ser seguidamente diminuída até < 4 cm H2O; lectasia recorrente verificada antes da extubação.
2 – Ao atingir-se a PIP e a PEEP referidas, man- Nota: Tendo em consideração os objectivos
tendo o mesmo volume corrente, com garantia de fundamentais do livro, opta-se por não abordar,
CAPÍTULO 352 Assistência ventilatória no recém-nascido 1893

quer aspectos práticos do manejo de ventiladores transpulmonar: a medida da diferença entre a


de alta frequência, quer os relacionados com os de pressão nas vias aéreas e a pressão no esófago
última geração. determinada através de um cateter esofágico.
• O volume corrente (Vc) é definido como o
Monitorização de parâmetros no RN volume de ar/mistura gasosa inspirado em cada
submetido a ventilação mecânica ciclo respiratório ajustado ao peso corporal em
ml/Kg. Há actualmente aparelhos para monitori-
No RN submetido a ventilação mecânica é possí- zação contínua do volume corrente . O Vc normal
vel, com os modernos ventiladores proceder à varia de 5 a 7 ml/Kg para a maioria dos RN.
monitorização de parâmetros, alguns dos quais Em ventilação mecânica(artificial), segundo
referidos ao abordar as particularidades da fisio- vários autores deve ser utilizado um volume cor-
logia da respiração no RN. rente mais baixo: 4 a 6 ml/Kg .
Para além da FiO2 que pode ser determinada, • O parâmetro ventilação/minuto (V) obtém-se
quer com oxímetros convencionais quando o RN multiplicando a frequência respiratória (F) pelo
está submetido a oxigenoterapia em campânula volume corrente (Vc); é expresso em ml /Kg /
ou em incubadora, quer em oxímetros instalados minuto ou L /Kg / minuto; isto é: Vc x F = V (ml
em ventiladores, cabe referir outros parâmetros: /Kg / minuto ou L/Kg/minuto).
• A pressão média da via aérea (Paw ou MAP- siglas Exemplo: sendo F = 40 ciclos / minuto , Vc =
de pressure airway ou mean airway pressure) é a média 6,5 ml/Kg, o volume minuto será 260 ml/Kg
das pressões nas vias aéreas proximais durante todo /minuto ou 0,26 L/Kg/minuto.
o ciclo respiratório. Os parâmetros de ventilação tal Os valores considerados normais no RN do V
como a frequência (F ou nº de ciclos/minuto), o estão compreendidos entre 240 – 360 ml /Kg/minu-
tempo inspiratório em segundos (Ti), a relação tempo to ou 0,24 – 0,36 L/Kg/minuto. Monitorizando o Vc
inspiratório (Ti)/tempo expiratório (Te), o pico inspi- e a V simultaneamente com a Paw (MAP) , podem
ratório máximo ou pressão inspiratória em cm H2O ser efectuados ajustamentos adequados da PIP ,
(PIP) e a pressão positiva no final da expiração em cm PEEP e do tempo inspiratório (Ti).
H2O (PEEP ou positive end expiratory pressure que cor- • Valores de distensibilidade ou elasticidade
responde à pressão residual no fim da expiração ao alveolar ou compliance < 1 mL/cm H2O/kg são
promover-se pressão de distensão contínua) podem compatíveis com doença pulmonar intersticial ou
considerar-se os determinantes da MAP. alveolar tal como a doença da membrana hialina.
Na prática, a pressão média pode ser represen- A compliance alveolar de 1–2 mL/cm H2O/kg
tada pela área da figura geométrica formada pela significa recuperação, tal como sucede depois de
onda inspiratória de pressão; daí resulta que administração de surfactante (ver adiante).
ondas inspiratórias “quadradas” ou em plateau No RN os valores médios da compliance são 3,70
geram uma pressão média maior que as ondas mL/cm H2O, variando entre 2,0 e 14 mL/cm H2O.
sinusoidais (em rampa), triangulares. A chamada compliance dinâmica é calculada
Nota: A sigla CPAP conceptualmente significa dividindo o volume corrente (Vc) pelo gradiente
o mesmo que PEEP: emprega-se o termo CPAP de pressão (grad P entre o início e o fim da inspi-
quando o RN, estando em respiração espontânea, ração).
está ligado a aparelho de fluxo contínuo que gera Os valores médios da compliance dinâmica são
a referida pressão; e PEEP quando o RN está sub- 1.72 mL/cm H2O/kg , variando entre 0,9 e 3,7 cm
metido simultaneamente a ventilação com pressão H2O/kg.
positiva intermitente. • Valores de resistência pulmonar ao fluxo de
Através da fórmula seguinte pode determinar- gases > 100 cm H2O/L/segundo são sugestivos de
se a Paw: doença das vias aéreas com restrição ao fluxo de
ar tal como sucede com a displasia broncopulmo-
(F ) (Ti)(PIP) + [ 60 –(F) (Ti) x PEEP]
Paw ou MAP = nar. (ver adiante)
60 • As curvas de pressão – volume (P-V) e de fluxo –
• Em certos casos pode determinar-se a pressão volume (F-V) permitem objectivamente analisar a
1894 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dinâmica respiratória, ciclo a ciclo ventilatório. As 3 – A diferença de pressões parciais de oxigé-


curvas F-V providenciam informação no que diz nio no gás alveolar e no sangue arterial (A-aDO2),
respeito à resistência das vias aéreas, especialmen- traduzindo igualmente a relação ventilação-per-
te à restrição do fluxo expiratório; as curvas P-V fusão, pode calcular-se pela seguinte fórmula:
reflectem, sobretudo, as variações da compliance
dinâmica do pulmão. A-aDO2 =
• A constante de tempo (Kt) foi definida ante- = [(FiO2 entre 0.21-1)(Pr atm -47) – PaCO2(em mmHg) /R ] –
riormente. PaO2(em mmHg)
Para evitar retenção de ar intra-alveolar duran-
te a ventilação mecânica, a medida do tempo expi- NB-Pr atm = pressão atmosférica de 760 mmHg; 47= valor da pressão do vapor de
água; admite-se que o valor da pressão alveolar de CO2(PACO2) é sobreponível ao
ratório deve ser > 3 vezes a Kt (0,36 – 0,45 segun- valor da pressão arterial de CO2(PaCO2); R= quociente respiratório de 0,8 sendo
que alguns autores não consideram este parâmetro na fórmula.
dos).

Índices de avaliação do problema Valores > 250 mmHg indicam insuficiência res-
respiratório piratória e necessidade de assistência respiratória
que poderá ser iniciada com CPAP nasal.
No âmbito da assistência respiratória podem ser Uma regra prática – “a regra dos 50” poderá
utilizados certos índices de gravidade que permi- estabelecer uma relação com o resultado da apli-
tem avaliar o quadro clínico e igualmente o pro- cação da fórmula; assim se: PaO2 ~50mmHg,
gnóstico: 1 – o índice de oxigenação (IO); 2 – a PaCO2 ~50 mmHg, FIO2 > 50%, pressão atmosféri-
relação artério – alveolar de oxigénio (a/A O2); e 3 ca~760 mmHg e humidade relativa ~50%, muito
– a diferença de pressões parciais de oxigénio no provavelmente a A-aDO2 será >250 mmHg.
gás alveolar e no sangue arterial (A-aDO2).
1 – O índice de oxigenação (IO) incorpora a Fármacos de apoio à ventiloterapia
FiO2, a pressão média nas vias aéreas (Paw ou convencional
MAP), e a PaO2; utiliza-se a seguinte fórmula para
o respectivo cálculo: Os fármacos utilizados como apoio à ventilação
mecânica convencional (e, por consequência, a
IO = [FiO2 (21-100%) x Paw]: PaO2 (mmHg) manusear por equipa de intensivismo com expe-
riência) relativamente aos quais se faz uma abor-
Os valores de IO compreendidos entre 30-35 dagem sucinta, podem ser sistematizados como se
são indicativos de problema respiratório grave. Se segue:
o IO aumentar progressivamente durante um 1 – Com acção directa na mecânica ventilatória
período de 6 horas para cerca de 35 – 40, existe (analgésicos, sedativos, relaxantes muscu-
insuficiência respiratória muito grave comportan- lares e estimulantes respiratórios);
do risco de mortalidade elevada, a qual pode 2 – De suporte circulatório
exceder 80 %. 3 – Corticosteróides
2 – A relação artério-alveolar de oxigénio (a / 4 – Diuréticos
A O2) traduzindo, em certa medida, a relação de
ventilação-perfusão, pode calcular-se pela seguin- Os analgésicos mais utilizados são os
te fórmula: opióides, de que são exemplo a morfina, o fentanil
PaO2 (mmHg) e o alfentanil.
a / A O2 =
713 x FiO2 (entre 0.21- 1) – PaCO2 (mmHg) Quanto à morfina, utiliza-se a dose inicial de
100mcg/kg, seguindo-se manutenção: 10-30mcg/
NB-(713<> pressão do gás intra-alveolar) /kg a repetir com 1 hora de intervalo.
Valores de a/A O2 entre 0,75- 0,30 são indica- No que respeita ao fentanil, utiliza-se a dose
tivos de compromisso respiratório precoce; valo- inicial de 100 mcg/kg em 10 minutos, seguindo-se
res < 0,30 indicam disfunção respiratória impor- a manutenção na dose de 1 mcg/kg/hora.
tante. Entre os sedativos são utilizados com mais fre-
CAPÍTULO 352 Assistência ventilatória no recém-nascido 1895

quência as benzodiazepinas (por ex. midazolam e em baixa dose (< 5 mcg/kg/min ) com dobutami-
diazepam). na (na dose de 5-10 mcg/kg/min); o objectivo é
O midazolam utiliza-se na dose inicial de 0,2 diminuir a probabilidade de vasoconstrição pe-
mg/kg IV, seguindo-se a manutenção em per- riférica verificada com altas doses de dopamina,
fusão lenta: 2-6 mcg/kg/minuto. No que respeita tirando partido do efeito dopaminérgico desta
ao diazepam: 1ª dose: 0,1-0,2 mg/kg e doses ulte- sobre a perfusão renal, e do inotropismo com a
riores iguais , se necessário, cada 12- 24 horas. dobutamina.
Os relaxantes musculares (mais utilizados na Os fármacos que actuam na circulação pul-
era dos ventiladores não sincronizados quando se monar têm particular utilidade em situações de
verificava desajustamento e “luta” do RN “contra vasoconstrição pulmonar conduzindo a hiper-
o ventilador”) reduzem as necessidades em anal- tensão pulmonar. Citam-se como exemplos “histó-
gésicos; são utilizados quando a combinação seda- ricos” a tolazolina, a nitroglicerina, e o nitroprus-
tivo-analgésico é ineficaz; em geral obrigam a rea- siato de sódio. Mais recentemente passou também
justamento dos parâmetros ventilatórios, nomea- a ser utilizado o sildenafil sildenafil (Viagra®)
damente aumento da FR. (Capítulo 351).
Citam-se como exemplos a d-tubocurarina, o Os fármacos designados habitualmente por
pancurónio, o vecurónio e o atracúrio. Por ser estimulantes respiratórios estão especialmente
mais frequentemente usado, faz-se menção ape- indicados na prevenção e tratamento da apneia da
nas da posologia do pancurónio: dose inicial: 30- prematuridade (especialmente em RN de peso de
40 mcg/kg; manutenção: 20 mcg/kg cada 1 ou nascimento < 1000 gramas e na fase pós-extubação
cada 2 horas se necessário. de RN de muito baixo peso e na doença pulmonar
Os fármacos de suporte circulatório, global- crónica (Capítulo 331). Como acções principais
mente, permitem rendibilizar as trocas gasosas destacam-se: estimulação do centro respiratório,
nos tecidos(circulação sistémica) e nos pulmões aumento da sensibilidade dos quimiorreceptores
(circulação pulmonar). ao CO2, e aumento da intensidade das contracções
Os fármacos que actuam na circulação sisté- diafragmáticas. Na prática clínica, os mais usados
mica melhoram o débito sanguíneo tecidual por são as metilxantinas (teofilina e citrato de cafeína)
diminuição da pré-carga e da pós-carga e aumen- e o doxapram.
to da contractilidade do miocárdio. Como exem- Resumem-se as respectivas doses (sendo acon-
plos de fármacos com tal acção e mais frequente- selhável o doseamento sérico):
mente usados em unidades de cuidados intensi- • Teofilina IV dose inicial: 5-6 mg/kg; manu-
vos e especiais – e sempre utilizados em perfusão tenção: 1,5-2 mg/kg 8-8 horas (risco de taquicár-
contínua e de efeito dependente de dose e do local dia, tremores,distensão abdominal);
de acção – citam-se a dopamina, a dobutamina e o • Cafeína (citrato) IV dose inicial: 20 mg/kg
isoproterenol (Quadro 1). IV; manutenção: 5-12 mg/kg cada 24 horas;
Por vezes utiliza-se combinação de dopamina • Doxapram IV contínuo dose: 1-3 mg/kg/

QUADRO 1 – Fármacos com acção na circulação sistémica

Fármaco Local de acção/receptores Dose (mcg/kg/min) Efeito


Dopamina de dopamina (dopaminérgico) 0,5 - 4 vasodilatação renal
beta 1 4 -10 inotropismo
alfa 1 + beta 1 11- 20 vasoconstrição periférica
Dobutamina beta 1 < 10 inotropismo
beta 1 + beta 2 > 10 vasodilatação periférica
Isoproterenol beta 1 + beta 2 0,05 – 2 inotropismo
vasodilatação periférica
> FC
FC: = frequência cardíaca
1896 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

/hora, a regular em função da resposta clínica; QUADRO 2 – Complicações da Ventilação


como efeitos secundários há possibilidade de Mecânica
hipertensão arterial,tremores/convulsões, sialor-
reia, etc.. Das vias aéreas
No que respeita aos corticóides, cabe citar fun- Extubação, oclusão, edema, estenose
damentalmente a dexametasona e a hidrocortisona. Pulmonares
Na fase pré e pós-extubação já foi referida a dexa- Atelectasia, pneumotórax, pneumomediastino,
metasona em curso terapêutico curto dados os enfisema, doença pulmonar crónica
efeitos adversos sobre o neurodesenvolvimento e Mecânicas
crescimento. Tendo em conta tal limitação e na Desconexão, curvatura do TET, falha eléctrica no
perspectiva de tratamento não de curta duração ventilador, fuga de gás
(por ex. casos dependentes do ventilador e doen- Infecciosas
ça pulmonar crónica, antecedentes de amnionite, Traqueíte, pneumonia, septicémia (sendo fontes de
etc.) recomenda-se actualmente a hidrocortisona, infecção possíveis: mãos, cateteres, humidificadores,
sem os efeitos adversos atribuídos à dexametaso- pele, etc.)
na e com igual ou superior eficácia quanto ao des-
mame do ventilador e à diminuição da necessida-
de de oxigénio suplementar. São estabelecidas as Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds).
seguintes doses de hidrocortisona: 5 mg/kg/dia Nelson Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier
durante 3 semanas. Saunders, 2011
Nalguns centros utiliza-se em alternativa a Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC(eds). Neonatal-Perinatal
betametasona inalada num período variando Medicine. St Louis: Essevier Mosby, 2011
entre 1 e 4 semanas. McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
Os diuréticos, diminuindo o edema intersticial Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
pulmonar, estão principalmente indicados em McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
situação de canal arterial permeável e na doença Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
pulmonar crónica. Livingstone, 2008
Na prática usam-se: Montan S, Arul-Kumaran S. Neonatal respiratory distress syn-
– furosemido, na dose de 1-2 mg/kg IV; a dose drome. Lancet 2006; 367:1878-1879
pode ser repetida em função da resposta clínica Morley CJ. Volume-limited and volume targeted ventilation.
tendo em atenção efeitos adversos não desprezí- Clin Perinatol 2012; 39:513-523
veis com a utilização prolongada: nefrocalcinose, Nona J, Santos C, Bento AM, et al. High frequency oscillatory
alcalose hipoclorémica, hipocaliémia, hipocalcé- ventilation in meconium aspiration syndrome. Einstein
mia, etc.. 2009; 7:201-205
– clorotiazida: 20 mg/kg/dose, via oral; e espi- Polin RA, Lorenz JM. Neonatology. Cambridge: Cambridge
ronolactona: 1 mg/kg/dose (Capítulos 202, 331, University Press, 2008
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CAPÍTULO 353 Displasia broncopulmonar 1897

353
concentrações elevadas de oxigénio;
– presença de alterações radiológicas do tórax
(padrão reticular grosseiro, opacidades alternan-
do com áreas de arejamento irregular, etc.), e
– presença de alterações histopatológicas (de
cujo padrão de “displasia” resultou o nome dado
DISPLASIA BRONCOPULMONAR à doença).
Bancalari em 1979 propôs a definição de DBP
Marta Nogueira, A. Marques Valido considerando como critérios: dificuldade respi-
e João M. Videira Amaral ratória com necessidade de oxigenoterapia aos 28
dias de vida, associada a alterações radiológicas
compatíveis.
Verificou-se, entretanto, que um contigente
1. DISPLASIA BRONCOPULMONAR significativo de RN, sobretudo aqueles com ima-
turidade extrema (peso de nascimento < 1.000 gra-
Definição, aspectos epidemiológicos mas) estava dependente de oxigénio aos 28 dias
e importância do problema de vida sem antecedentes de patologia pulmonar
significativa.
A. A definição de displasia broncopulmonar Em 1988 Shennan modificou os critérios pro-
(DBP) – considerando-se o termo mais genérico postos por Bancalari introduzindo o termo de
de doença pulmonar crónica (DPC) como sinóni- doença pulmonar crónica (DPC) do pré-termo
mo – tem variado desde que foi descrita pela pri- assim definida: dificuldade respiratória e depen-
meira vez por Northway e colaboradores, em 1967 dência de oxigénio às 36 semanas de idade gesta-
(numa época em que não eram ainda utilizados cional, associadas a alterações radiológicas com-
corticóides pré-natais nem surfactante exógeno patíveis com a doença.
como terapêutica substitutiva). Concluindo-se, depois, que tanto a definição
Esta afecção constitui o exemplo da doença de Bancalari, como a de Shennan, não permitiam
pulmonar crónica mais frequente na primeira determinar a gravidade da doença pulmonar, che-
infância e uma das sequelas mais representativas gou-se à definição actual a referir a seguir.
da terapia intensiva neonatal; esta, permitindo,
por um lado, a sobrevivência de RN e lactentes B. Actualmente, na sequência de várias reuniões
cada vez mais imaturos e de peso mais baixo (e, internacionais e do consenso estabelecido pelos
por isso, mais susceptíveis à lesão pulmonar), grupos de trabalho do Instituto Nacional de
contribui, por outro, para aumentar a incidência Saúde dos EUA dos National Institutes of Health
de tal patologia. Trata-se, pois, duma doença rela- and Human Development (NICHD) sobre termi-
cionada com os progressos da medicina. nologia de situações de doença pulmonar crónica
Uma vez que a terminologia das várias enti- com início no período neonatal, foram estabeleci-
dades que integram o conceito de patologia pul- dos os seguintes critérios, considerando a divisão
monar crónica no RN e lactente tem evoluído ao de RN com < 32 semanas, e com ≥ 32 semanas:
longo dos anos (e gerado alguma confusão na lite- I – RN com < 32 semanas de idade gestacio-
ratura científica), para melhor compreensão, será nal, avaliação às 36 semanas de idade pós-mens-
pertinente esboçar alguns aspectos relacionados trual (IPM) ou na data da alta (considerando a que
com definições e conceitos anteriores. ocorrer primeiro), > 21% de O2 durante pelo
Quando foi primeiramente descrita, a DBP foi menos 28 dias:
definida tendo como base os seguintes critérios: DBP ligeira <> Respirando ar às 36 semanas de
– dependência de oxigénio em RN e lactentes idade pós-menstrual ou na data da alta (conside-
com antecedentes de prematuridade e de doença rando a que ocorrer primeiro);
da membrana hialina grave; – DBP moderada <> Necessidade de < 30% de
– ventilação prévia por longos períodos com O2 às 36 semanas de IPM, ou na data da alta, idem;
1898 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– DBP grave <> Necessidade de > 30% de O2 quência de 23% em RN com idade gestacional < 32
com ou sem ventilação IPPV ou CPAP às 36 sema- semanas e peso oscilando entre 500-1499 gramas.
nas de IPM, ou na data da alta, idem. Em Portugal, de acordo com os dados publica-
II – RN com 32 semanas ou mais de idade ges- dos pelo Grupo do Registo Nacional do
tacional, avaliação com idade > 28 dias mas < 56 RNMBP/Estudo Multicêntrico 1996-2000 (5 anos),
dias de idade pós-natal ou na data da alta, idem, no contingente de RNMBP com < 34 semanas de
> 21% de O2 durante pelo menos 28 dias: gestação e peso igual ou > 500 gramas, sobrevi-
– DBP ligeira <> Respirando ar pelos 56 dias ventes às 36 semanas de idade pós-concepcional e
de idade pós-natal ou na data da alta, idem dependentes de O2 nesta referida idade, a propor-
– DBP moderada <> Necessidade de < 30% de ção média de DPC no quinquénio foi 20,8%
O2 até aos 56 dias de idade pós-natal ou alta, idem. (643/3094) especificando-se os limites: 12,5 – 26,3%.
O grupo II inclui recém-nascidos pré-termo e
de termo com antecedentes de patologia cardio- Etiopatogénese
pulmonar diversa como síndroma de aspiração
meconial, pneumonia, e cardiopatias congénitas Sucintamente, pode afirmar-se que a etiopatogé-
requerendo suporte ventilatório prolongado. nese da DBP é multifactorial, com compromisso
Depreende-se que, de acordo com a definição dos pulmões e coração. Seguidamente são siste-
adoptada na actualidade, são considerados como matizados os factores intervenientes principais.
critérios sine qua non a oxigenoterapia e a idade
gestacional, não entrando em conta com as even- Imaturidade pulmonar
tuais alterações radiológicas do tórax. Pelas 24 semanas de gestação é atingida a fase
C. De acordo com estudos epidemiológicos canalicular do desenvolvimento, que progride até
nos EUA calcula-se que em cada ano surjam entre ser atingida a fase sacular pelas 30 semanas.
3.000 a 7.000 novos casos de DBP apesar dos notá- Existem, pois, características estruturais que tor-
veis avanços na prevenção e no tratamento da nam o pulmão imaturo mais susceptível à lesão
insuficiência respiratória no recém nascido. aguda provocada pela intervenção terapêutica,
A incidência de DBP é tanto mais elevada designadamente ventilatória. O resultado será a
quanto menores a idade gestacional e o peso de ruptura e interrupção das estruturas em desenvol-
nascimento, sendo que é pouco frequente em RN vimento (vias aéreas e barreira alveolocapilar)
com idade gestacional >34 semanas. com reparação tecidual anómala.
Com a prática de estratégias de ventilação Consequentemente pode verificar-se o apareci-
mecânica cada vez menos agressivas e o desen- mento de zonas de diferente distensibilidade ou
volvimento da terapêutica substitutiva com sur- compliance, do que resulta correspondente hetero-
factante exógeno, a incidência da forma clássica geneidade de ventilação (zonas de colapso alveo-
de DBP tem diminuído consideravelmente. lar em grau variável alternando com zonas hiper-
Estudos epidemiológicos do grupo de Ban- ventiladas).
calari em RN imaturos (< 1.000 gramas) eviden- A passagem de fluidos e proteínas para o espa-
ciaram: na era pré surfactante – frequência de ço alveolar inactiva o surfactante pulmonar que
cerca de 46%; e, na era pós-surfactante – cerca de compromete ainda mais a compliance pulmonar
39%. predispondo a lesão por (volutrauma, barotrauma
Num estudo do grupo de Hack (década de 90 e atelectrauma) (ver adiante).
passada – englobando sete UCIN) foram obtidos
os seguintes resultados quanto a dependência de Ventilação mecânica
oxigénio aos 28 dias de vida: grupo ponderal (barotrauma, volutrauma e atelectrauma)
1001-1500 gramas → 13%; no de 751-1000 gramas Virá a propósito recordar as seguintes noções:
→ 42%; e no de 501 – 750 gramas → 79%. – barotrauma ou lesão pulmonar induzida
Noutro estudo de Darlow& Horwood (1992), pela pressão, ocorrendo durante a ventilação com
considerando a dependência de oxigénio pelas 36 pressão inspiratória elevada; este tipo de lesão
semanas de idade pós-concepcional obteve-se a fre- pode ser prevenido utilizando balão auto-insuflá-
CAPÍTULO 353 Displasia broncopulmonar 1899

vel com válvula de escape regulada a 30-40 cm Admite-se que tal toxicidade resulta do
H2O a que já nos referimos; aumento de produção de radicais livres de oxigé-
– volutrauma ou lesão pulmonar induzida por nio citotóxicos por défice de defesas antioxidantes
volume corrente excessivo. ao nível das células endoteliais (dos capilares e
– atelectrauma ou lesão provocada por insufi- alveolares) .
ciente ventilação levando a colapso alveolar ou Recordam-se, a propósito, os principais siste-
hipodistensão alveolar. mas antioxidantes: dismutase do superóxido, per-
Ora, sendo a expansibilidade torácica inversa- oxidase da glutationa, catalase, redutase, sintetase
mente proporcional à idade gestacional, o risco de (enzimáticos), vitaminas C, A, e E, determinados
volutrauma é tanto maior quanto menor a idade oligoelementos como o selénio, cobre, ferro, zinco,
gestacional, chamando-se a atenção para: 1) a pos- etc. (não enzimáticos).
sibilidade de pressões inspiratórias consideradas Acontece que a actividade dos sistemas
moderadas ou não excessivas poderem originar enzimáticos antioxidantes é tanto mais deficitária
volumes correntes excessivos e hipocápnia; 2) a quanto menor a idade gestacional, o que confere,
possibilidade de maior volutrauma quando alvéo- em tal circunstância, maior vulnerabilidade das
los colapsados são hiperdistendidos por ventila- células à acção dos radicais livres de oxigénio
ção com pressão positiva intermitente e menor (radical superóxido, peróxido de hidrogénio,
volutrauma nos casos em que se mantém dis- hidroxilo, etc.), os quais, reagindo com consti-
tensão contínua moderada dos alvéolos ao ser tuintes celulares proteicos (DNA) e lipídicos (desi-
aplicada CPAP. gnadamente, a membrana lipídica) provocam des-
Uma vez que a maioria dos RN pré-termo em truição celular e lesões estruturais por alteração
que surge DBP foi submetida a ventilação mecâni- do mecanismo de reparação celular.
ca, e havendo associação frequente entre enfisema Outro efeito dos radicais livres de oxigénio é o
intersticial e DBP, é provável que surjam diversos recrutamento celular, (sobretudo de leucócitos
tipos de lesão traumática ao nível do parênquima polimorfonucleares) o qual estimula a activação
pulmonar em relação, quer com as alterações ana- do ácido araquidónico, a inactivação da alfa-1-
tomofisiológicas das vias terminais e parenquima- antitripsina (esta última antioxidante), e o proces-
tosas, quer com as características do ventilador e so inflamatório em cascata. Embora todas as célu-
as estratégias ventilatórias adoptadas. Assim, las do organismo possam sofrer o efeito dos radi-
poderá surgir volutrauma e barotrauma, respecti- cais livres de oxigénio face a concentrações eleva-
vamente por volume – corrente e pressão inspi- das de oxigénio, o pulmão é mais vulnerável
ratória elevados provocando hiperdistensão tendo em conta, não propriamente a sensibilidade
alveolar e, por outro lado, atelectrauma (colapso inerente ao tecido pulmonar, mas a maior superfí-
alveolar) por insuficiente PEEP ou por défice de cie de exposição dos pneumócitos I e II, em
“recrutamento” alveolar. contacto directo com o gás inspirado.
Admite-se também o possível papel do TET
que, por um lado, pode lesar a mucosa e, por Edema pulmonar e canal arterial funcionante
outro, pode levar a infecção, face à dificuldade na Diversos estudos demonstraram que nos RN com
drenagem de secreções . doença respiratória por imaturidade pulmonar
Estudos experimentais em animais pré-termo (défice de surfactante ou doença da membrana
concluíram que existe associação (lesiva) entre hialina), submetidos a fluidoterapia com supri-
pressão inspiratória elevada, volume corrente ele- mento de volume excessivo e não evidenciando
vado e défice de surfactante. Demonstrou-se tam- fase diurética precoce nas primeiras 48-72 horas, a
bém que volume corrente excessivo pode lesar o incidência de DBP é mais elevada.
pulmão e iniciar a cascata inflamatória. Admite-se que, em tal circunstância, o supri-
mento excessivo de fluidos aumenta a incidência
Toxicidade do oxigénio do quadro clínico decorrente de manutenção da
A toxicidade do oxigénio constitui um factor major permeabilidade do canal arterial (PDA ou persis-
na etiopatogénese. tência do ductus arteriosus) determinando:
1900 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

1 – incremento do débito sanguíneo pulmonar 4 – desequilíbrio entre o sistema protease e


e do líquido intersticial (edema pulmonar) com antiprotease.
aumento da resistência da via aérea ao fluxo de Recorda-se que as proteases são enzimas sinte-
gases e estímulo da cascata inflamatória ; tizadas pelos neutrófilos; têm acção proteolítica e,
2 – diminuição da compliance pulmonar, com em condições de normalidade, são inactivadas
tendência ao colapso alveolar. pelas antiproteases. Sendo as antiproteases degra-
Gera-se, assim, um círculo vicioso vicioso do dadas ou bloqueadas pelos radicais livres de oxi-
qual resulta a necessidade de assistência venti- génio, passam a predominar as proteases (com
latória com pressão inspiratória mais elevada e a papel relevante a elastase) cuja concentração
necessidade de FiO2 também mais elevada. aumenta; desfaz-se assim o equilíbrio existente
em condições normais entre protease e antiprotea-
Inflamação e infecção se. As consequências são a destruição da matriz
A inflamação, tal como o oxigénio, também consti- proteica, colagénio, elastina, etc..
tui um factor major na etiopatogénese da DBP; ou
seja, a maioria dos factores implicados estão inter- Estado de nutrição
ligados. Os nutrientes têm papel importante no crescimen-
Com efeito, a resposta inflamatória pode ser to e desenvolvimento celulares, sendo de salientar
desencadeada por factores não infecciosos (a que que a carência daqueles torna as células mais vul-
já se aludiu atrás), e a factores infecciosos pré- neráveis à lesão induzida pela acção dos radicais
natais (por ex. corioamnionite), ou pós-natais, livres de oxigénio. Sabendo-se que a transferência
actuando estes últimos no pós-parto imediato. dos nutrientes da mãe para o feto se verifica
Verificou-se em determinados estudos que o sobretudo no terceiro trimestre, torna-se fácil com-
aumento de IgM em RN e lactentes em que surge preender que a carência nutricional inerente à pre-
DBP leva a admitir o papel de infecções pré-natais maturidade predispõe a tal lesão, nomeadamente
(por ex. por adenovírus) na génese da doença. ao nível do pulmão (fundamentalmente, menor
No que respeita a infecções pós-natais, nalguns síntese de ADN). Havendo em tais RN igualmen-
estudos comprovou-se associação entre infecções te carência em ácidos gordos poli-insaturados,
por CMV e VSR e maior incidência de DBP. com acção antioxidante, compreende-se igual-
Relativamente ao papel da associação entre mente o acréscimo de predisposição para tal tipo
isolamento traqueal de Ureaplasma urealyticum, de lesões.
Ureaplasma parvum, e ulterior desenvolvimento de A carência em vitamina A influencia, também
DBP em RN MBP, estudos recentes desvalorizam negativamente, o crescimento e desenvolvimento
o papel de tal germe microbiano. das células epiteliais, endoteliais e surfactante
Mais consistentes têm sido os estudos que evi- pulmonares. Em diversos estudos comprovou-se
denciam associação significante entre corioamnioni- que o nível sérico de vitamina A está diminuído
te e risco elevado de ulterior DBP; tal é corroborado nos RN com DBP.
pela verificação de níveis elevados de citocinas
inflamatórias no sangue do cordão fetal, no líquido Predisposição genética
amniótico e ulterior desenvolvimento de DBP. Descreve-se hoje, com o desenvolvimento da bio-
A resposta inflamatória traduz-se: logia molecular, um estado de predisposição
1 – pelo afluxo ou recrutamento de neutrófilos, genética a anormal hiperreactividade brônquica,
macrófagos, leucotrienos, factor de activação das sendo que existe associação entre DBP e antece-
plaquetas (PAF), IL-6, IL-8, factor de necrose dentes familiares de asma.
tumoral (TNF), etc. às vias aéreas e tecido intersti-
cial, sendo que tal recrutamento se verifica por Anomalias do desenvolvimento vascular
acção do quimiotactismo positivo de citocinas; pulmonar e pré-eclâmpsia
2 – lesão oxidativa; No contexto de DBP é importante assinalar as
3 – aumento da permeabilidade da membrana anomalias da circulação pulmonar que se verifi-
alveolocapilar; cam:
CAPÍTULO 353 Displasia broncopulmonar 1901

– resistência vascular pulmonar (RVP) aumen- metaplasia do epitélio respiratório, hipoplasia


tada; alveolar, fibrose da parede sacular, obliteração
– vasorreactividade anormal. bronquiolar, e muscularização excessiva das vias
Tais anomalias têm implicações na terapêutica aéreas e ramos arteriais pulmonares (Figura 1).
(ver adiante). Ocorre um quadro de SDR mantida com
Actualmente a pré-eclâmpsia é considerada taquipneia, retracções, episódios de cianose, e
um factor de risco de DBP, verificando-se que crises de agitação/irritabilidade por hipoxémia;
naquela primeira existe fenómeno de anti-angio- existe igualmente aumento muito marcado do tra-
génese. Este fenómeno, com impacte no desenvol- balho respiratório.
vimento vascular pulmonar e no desenvolvimen- Há sinais de insuficiência ventricular direita e
to alveolar, é explicado pelo défice de determina- cor pulmonale secundários a hipertensão pulmo-
dos factores de crescimento. Com efeito, no nar: edema pulmonar, cardiomegália, hepato-
sangue do cordão de RN de mães com pré- megália.
eclâmpsia desenvolvendo ulteriormente DBP, São frequentes atelectasia recorrente, infecções
foram demonstrados valores baixos de VEGF (vas- pulmonares intercorrentes, e broncomalácia com
cular endothelial growth factor) e de PlGF (placental consequente sibilância.
growth factor), devido a neutralização por uma Um dos problema associados é a dificuldade
tirosinocinase (sFlt-1), a qual é produzida em na alimentação por via oral, o que frequentemen-
excesso pelas vilosidades trofoblásticas em tal te tem repercussões negativas no crescimento.
contexto (pré- eclâmpsia).
2. Forma atípica ou “nova DBP”
Manifestações clínicas O paradigma desta forma é constituído pelas
e exames complementares situações de imaturidade extrema (peso de nasci-
mento <1.000 gramas) com SDR ligeira, e necessi-
O desenvolvimento da terapia intensiva, incluin- dade de suporte ventilatório por episódios fre-
do a terapêutica substitutiva com surfactante pul- quentes de apneia; nestes casos são utilizadas
monar exógeno, tem permitido ao longo dos anos menores concentrações de oxigénio e mais baixas
a sobrevivência de RN de peso cada vez mais pressões inspiratórias, a dependência de oxigénio
baixo e mais imaturos. é ligeira e o compromisso da função pulmonar
Dum modo geral, a DBP surge em RN pré- menos acentuado. Em geral, os problemas asso-
termo submetidos a ventilação mecânica nos pri- ciados que determinam manutenção da disfunção
meiros dias de vida; a dependência do ventilador respiratória relacionam-se sobretudo com infec-
para além de 1-2 semanas pode conduzir às hipó-
teses de diagnóstico de: DBP, de PDA, e de infec-
ção.
São consideradas actualmente duas formas clí-
nicas de DBP:

1. Forma clássica
Esta forma corresponde às situações mais graves,
em geral anteriores à era da terapêutica com sur-
factante exógeno: necessidade de maiores concen-
trações de oxigénio, suporte ventilatório obrigan-
do a pressões inspiratórias mais elevadas durante
a primeira semana de vida, e elevada probabilida-
FIG. 1
de de síndromas de ar ectópico e insuficiência res-
piratória crónica. Corte histológico do pulmão: caso de óbito com DBP. Sinais
Estas características acompanham-se funda- de metaplasia do epitélio respiratório; grau discreto de
mentalmente de inflamação das vias aéreas com fibrose. (UCIN-HDE)
1902 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ções associadas aos cuidados prestados e a altera- intersticial com ou sem sinais de enfisema;
ções hemodinâmicas em relação com a manuten- 2 – DBP moderada – opacidades reticulares (ou
ção da permeabilidade do canal arterial. linhas de opacificação) hilífugas associadas a
Tendo em conta que esta forma surge em RN sinais de enfisema;
com idades gestacionais entre 23 e 28 semanas, o 3 – DBP grave – opacidades mais densas,difu-
quadro anátomo-patológico traduzindo sinais de sas e heterogéneas traduzindo zonas de fibrose ou
“agressão” em estádio de desenvolvimento muito de atelectasia; concomitância de zonas de enfise-
mais precoce, é diverso do verificado na outra ma e de atelectasia; possível cardiomegalia corres-
forma: défice de desenvolvimento das vias aéreas pondente a situação de cor pulmonale (Figura 2).
devido a imaturidade – défice de alvéolos/hipopla- No que respeita aos achados do estudo da fun-
sia alveolar, sáculos dilatados, e anarquia no desen- ção pulmonar (que se podem deduzir das altera-
volvimento dos capilares. Nesta forma, ao contrário ções descritas a propósito da etiopatogénese),
do que acontece na primeira, as lesões de metapla- salienta-se:
sia e de hiperplasia epiteliais e fibrose são mínimas. – Capacidade residual funcional diminuída
Verifica-se em geral um quadro de SDR ligeira, – Compliance diminuída
com possível agravamento por infecção intercor- – Resistência aumentada das vias aéreas
rente ou persistência do canal arterial; em compa- – Aumento do trabalho respiratório
ração com a “forma clássica”, existe menor depen- – Hipercápnia secundária à hipoventilação al-
dência do oxigénio, e sinais mais discretos de veolar que, por sua vez, resulta da alteração
aumento do trabalho respiratório. na relação ventilação-perfusão e do aumento
do espaço morto.
No que respeita ao padrão radiológico torácico
descrito inicialmente por Northway, o Quadro 1 A
resume determinados sinais em diversos estádios,
reflectindo a evolução das lesões.
O padrão radiológico (não específico da doen-
ça, persistente e afectando ambos os campos pul-
monares), pode também ser classificado em ligeiro,
moderado e grave:
1 – DBP ligeira – opacidades reticulares de dis-
tribuição homogénea traduzindo compromisso

QUADRO 1 – Classificação Radiológica


de Northway
B C
Estádio I
Sobreponível ao quadro de DMH com “granitado”
bilateral e broncograma aéreo (1º-3º dia de vida).
Estádio II
Opacificação dos campos pulmonares (4º-10º dia de vida).
Estádio III
Pequenas áreas quísticas alterando com zonas de den-
sidade variável (10º-20º dia de vida).
Estádio IV
Densidades lineares grosseiras, sobretudo nos vértices, FIG. 2
alternando com zonas de hipertransparência e de hipo- A, B e C – Imagens radiográficas de DBP tipificando os
transparência, com distribuição irregular (a partir do estádios II, III e IV de Northway: opacificações, pequenas
30º dia). áreas quísticas dispersas, densidades lineares grosseiras e
áreas de hipo e hipertransparência. (NIHDE)
CAPÍTULO 353 Displasia broncopulmonar 1903

Tratamento factante pulmonar. A dose inicial é 1-2 mg/kg/


dose IV ou oral, duas vezes por dia; a diminuição
As medidas terapêuticas (sintomáticas) aplicadas gradual ou interrupção depende da evolução do
nos casos de DBP têm em consideração os vários quadro de dificuldade respiratória. É fundamen-
factores intervenientes na etiopatogénese e as tal atender aos efeitos colaterais, sobretudo se o
características da respectiva circulação pulmonar. tratamento for prolongado (hiponatrémia, hipoca-
De salientar, no entanto, que as várias estratégias liémia, hipoclorémia, hipercalciúria, osteopénia,
aplicadas não têm tido sucesso significativo. nefrocalcinose, ototoxicidade, etc.). Tal implica
Portanto, torna-se importante o investimento na vigilância laboratorial (ionograma sérico, ecogra-
prevenção. fia renal, etc.).
Verifica-se sinergismo entre diuréticos e teofili-
1. Oxigenoterapia na(ver adiante).
Utiliza-se, em geral, cateter nasal (com alto débito:
1-2 L/min) com a finalidade de providenciar satu- 3. Corticóides
ração de Hb-O2 entre 92-95% (ou 95-96% perante Para além da acção anti-inflamatória suprimindo
sinais de hipertensão pulmonar) e PaO2 entre 60 e a produção de mediadores inflamatórios, os cor-
80 mmHg, quer em vigília, quer durante os perío- ticóides estimulam a síntese de surfactante pul-
dos de sono. monar e de enzimas antioxidantes. A corticotera-
A administração de oxigénio só deve ser inter- pia sistémica deve ser aplicada com restrições e não
rompida após suspensão doutras medidas a des- como rotina, e apenas em RN pré-termo eviden-
crever adiante, e caso se verifique progressão pon- ciando sinais de DBP grave, dependentes da assis-
deral adequada; verificando-se défice de pro- tência ventilatória durante mais de duas semanas,
gressão ponderal não explicada por baixo quo- se verificadas as seguintes condições:
ciente energético, a oxigenoterapia deve ser rein- – necessidade de FiO2 >40% e pressão média
troduzida. (MAP) > 8 cm H2O, ou
Nota importante: Tendo em conta as anomalias – sinais clínicos e radiológicos de atelectasia
da circulação pulmonar atrás descritas, verifica-se recorrente e edema pulmonar recorrente sem
que os episódios de hipoxémia (mesmo ligeiros) resposta aos diuréticos, ou
provocam elevação significativa da pressão na – sinais de hiperreactividade brônquica (bron-
artéria pulmonar, com consequente hipertensão cospasmo, hipersecreções).
pulmonar. Por isso, a elevação da saturação em O2 As precauções a ter são: excluir PDA com
e da PaO2 são eficazes quanto à diminuição da repercussão hemodinâmica, infecção, síndromas
pressão na artéria pulmonar; daí a importância da de ar ectópico, HIPV, LPV, alterações metabólicas,
oxigenoterapia controlada. etc..
Poderão ser utilizadas a dexametasona, a beta-
2. Diuréticos metasona (IV ou oral) ou a hidrocortisona (oral).
Podem ser utilizados (tiazídicos, ou espironolac- No caso da dexametasona é utilizado o seguin-
tona ou furosemido, isoladamente ou em associa- te esquema (IV ou oral):
ção) com o objectivo de tratar o edema pulmonar; – 0,15 mg/kg/dia (em duas doses) – 3 dias
os mesmos permitem reduzir o grau de restrição – 0,10 “ “ “ “
de fluidos (geralmente 120-150 mL/kg/dia) e – 0,05 “ “ “ “
incrementar o suprimento energético. Tendo em conta os efeitos nefastos da dexame-
Em geral prefere-se o furosemido (diurético de tasona no crescimento e neurodesenvolvimento,
ansa) tendo em conta as suas acções tubulares torna-se aconselhável, caso se opte por este cor-
renais: aumento da excreção de Na+, K+, Cl-, Ca++, ticóide, a sua utilização fora da 1ª semana de vida
Mg++ no ramo ascendente da ansa de Henle; e e durante período não excedendo os 5-7 dias.
acções extra-tubulares: estimulção da síntese das Nesta perspectiva, a tendência actual é utilizar,
prostaglandinas com efeito vasodilatador pulmo- com vantagem, a hidrocortisona por via oral na
nar e sistémico; estimulação da secreção do sur- dose de 5 mg/kg/dia durante 3 semanas nos
1904 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

casos de DBP estabelecida com dependência do entre 20-30 gramas/dia por volta da idade pós-
ventilador. concepcional de 40 semanas. Haverá que ter em
Outra opção é o emprego de corticóides inala- conta a necessidade de balanço hidroelectrolítico
dos (por ex. betametasona, budesonido) em perío- rigoroso, sendo por vezes necessário restringir o
do precoce (< 2 semanas), desconhecendo-se se os suprimento em fluidos.
efeitos deletérios a longo prazo são inferiores aos Para incrementar o suprimento energético
dos utilizados por outras vias. podem ser administrados suplementos sob a
forma de polímeros da glucose e de triglicéridos
4. Broncodilatadores de cadeia média. Em casos seleccionados, poderá
Com o objectivo de combater o broncospasmo ser necessário proceder a gastrostomia.
agudo podem ser utilizados: beta-2 adrenérgico
(como por ex. salbutamol), anticolinérgico deriva- 7. Transplantação celular (em investigação)
do da atropina (como por ex. o brometo de ipra- Trata-se de proceder a transplantação de células
trópio), metilxantina (por ex. aminofilina, cafeína, pluripotenciais com a possibilidade de reduzir a
etc.). inflamação e o processo de lesão pulmonar.
Tendo em conta os efeitos colaterais cardiovas-
culares tais como hipertensão, taquicárdia e arri- 8. Plano da alta hospitalar
tmia, as suas indicações deverão ser individuali- A alta para o domicílio está indicada nas seguintes
zadas. circunstâncias.
– Salbutamol (nebulização): 0,1-0,5 mg/kg/ – após 1 semana da última alteração terapêuti-
dose em 3 mL de soro fisiológico 4 a 6 vezes por ca;
dia; pode utilizar-se outras vias-oral, IV contínua, – após 1 semana de Saturação Hb-O2 estável
aerossol. durante o sono;
– Brometo de ipratrópio (nebulização): 125-250 – FiO2 necessária < 30%;
mcg por dose em 3 mL de soro fisiológico 3 a 4 – ausência de sinais de hipertensão pulmonar,
vezes por dia. e PaO2 > 55 mmHg.
– Aminofilina (IV contínua): 1ª dose → 5-6
mg/kg/dose IV em 30 minutos ou oral , seguida Prevenção
dose de manutenção → 1,5-3 mg/kg IV lenta ou
oral, 2-3 vezes/dia. O nível sérico deve ser manti- As estratégias que têm como objectivo prevenir a
do entre 10-20 mcg/mL. DBP (prevenção primária) devem incidir sobre a
Nota importante: A aplicação de aerossóis com eliminação ou redução da multiplicidade de fac-
broncodilatadores poderá não ser eficaz nas pri- tores que contribuem para a lesão pulmonar.
meiras semanas de vida pela ausência de efeito Tendo em conta que a imaturidade pulmonar
relaxante da musculatura lisa da via respiratória. constitui o principal factor predisponente na etio-
patogénese da doença em causa, a prevenção da
5. Óxido nítrico DBP deve ter o seu início no período pré-natal,
Existem dados discordantes na literatura científica tentando prolongar a gravidez na medida do
quanto ao emprego do NO inalado de rotina em possível.
situações de DBP; o mesmo está indicado caso se Estando iminente o parto pré-termo, a admi-
comprove hipoxémia associada a hipertensão pul- nistração de corticóides pré-natais contribui de
monar. Salienta-se, no entanto, o risco de hemor- modo significante para a diminuição, quer da inci-
ragia intracraniana em RN com peso < 750 g. dência e gravidade do problema respiratório do
pré-termo (DMH), quer da probabilidade da sub-
6. Nutrição sequente evolução para DBP.
Torna-se fundamental propiciar nutrição adequa- O Quadro 2 resume as principais estratégias de
da (suprimento energético entre 120-180 prevenção, quer as actualmente exequíveis, quer
kcal/kg/dia) com vista a garantir o processo de as que são actualmente objecto de investigação.
reparação pulmonar, assim como ganho de peso A propósito da prevenção e tratamento das
CAPÍTULO 353 Displasia broncopulmonar 1905

QUADRO 2 – Estratégias para a prevenção De acordo com estudos recentes, a administra-


da DBP ção pós-natal de corticóides em doentes com DBP
ou risco de DBP deverá ser ponderada caso a caso
Actualmente exequíveis e não recomendada como rotina, dada a sua
– Prevenção do parto pré-termo repercussão sobre o volume da massa encefálica.
– Administração de corticóides pré-natais Ainda no âmbito da prevenção primária cabe
– Redução ao mínimo das diversas formas de trauma referir o “potencial” papel de certos fármacos de
e da duração da ventilação acordo com estudos realizados, na maioria não
– Administração de surfactante exógeno conclusivos; a este propósito citam-se a azitromici-
– Redução ao mínimo da toxicidade do oxigénio na e outros macrólidos (activos contra Ureaplasma),
– Administração de corticóides pós-natais a cafeína, a pentoxifilina, o cromoglicato, a acetilcis-
– Prevenção e tratamento agressivo das infecções pré e teína.
pós-natais A respeito do papel do surfactante, foi citado,
– Evicção da fluidoterapia excessiva como exemplo, o projecto INSURE no Capítulo 329.
– Encerramento do canal arterial Quanto às estratégias de assistência respirató-
– Intervenção nutricional ria preventiva, os estudos realizados têm advoga-
Em investigação do globalmente a vantagem de se utilizar precoce-
– Administração exógena de enzimas antioxidantes mente CPAP nasal em RNMBP, evitando a entu-
(por ex. SOD) bação traqueal e a ventilação mecânica. Tornado-
– Indução do sistema citocrómio P450 se indispensável a ventilação mecânica, cabe refe-
– Terapia génica rir que se demonstrou vantagem em utilizar
– Manipulação genética volumes correntes e concentrações de oxigénio tão
– Células estaminais angiogénicas baixos quanto possível de modo a evitar a
hipocárbia, o volutrauma e a toxicidade do O2. Por
infecções pré e pós-natais, cabe referir que cerca outro lado, a verificação de DBP associada a baro-
de 30 a 40 % dos partos pré-termo são provocados trauma ou volutrauma torna recomendável a
por infecção materna. estratégia de hipercápnia permissiva e a utilização
Relativamente à intervenção nutricional é de ventiladores com modalidade de volume
importante chamar a atenção para o papel de vita- garantido e volume corrrente controlado.
mina A e selénio na diferenciação e manutenção No que respeita a aspectos gerais da preven-
da integridade das células epiteliais do sistema ção secundária, salienta-se que o lactente deve ser
respiratório: alguns estudos demonstraram que submetido ao esquema habitual do programa
altas doses de vitamina A em RN de peso < 1.000 nacional de vacinação.
gramas (imaturidade extrema) (5.000 UI ,três A prevenção com vacina anti-gripe está indica-
vezes por semana durante 4 semanas) determina- da se a criança tiver idade superior a 6 meses
ram diminuição da mortalidade por DBP, especu- (idade pós-natal), anualmente, no Outono: entre
lando que poderão contribuir para a diminuição os 6-35 meses → 0,25 mL/ mês ,duas doses (a
da respectiva incidência. família e contactos deverão ser vacinados); após
A propósito da administração (preventiva) de 36 meses → 0,5 mL em dose única.
corticóides ao RN, sem que possa ser garantida a A prevenção da infecção por vírus sincicial respi-
eficácia, segundo a Secção de Neonatologia da ratório (VSR) está indicada nas crianças com idade
SPP é proposto o seguinte esquema de adminis- pós- natal inferior a 24 meses, nos casos de terem
tração de budesonido em aerossolterapia: necessitado de tratamento relacionado com a
– Início ao 7º dia de vida em RN de peso < doença, pelo menos durante uma semana, nos seis
1.500 gramas (MBP) submetidos a ventilação meses antecedentes.
mecânica: É empregue o anticorpo monoclonal-palivizumab
– 400 mcg/dose de 12-12 horas (3 dias) (Synagis®) 15 mg/kg/mês a partir do início da
– 200 mcg/dose de 12-12 horas (2 dias) “época do VSR”e durante a referida época (de
– 200 mcg/dia- dose única (2 dias). Outubro a Março no nosso clima).
1906 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

De acordo com dados científicos actuais, e as palivizumab oferece nos surtos de infecção noso-
normas da Secção de Neonatologia da SPP consi- comial por VSR. Nestas circunstâncias, é essencial
dera-se indicada a profilaxia com palivizumab nas aumentar as medidas de isolamento e controlo,
seguintes situações: podendo considerar-se a utilização de palivizu-
• Muito recomendável: mab se existirem 3 ou mais crianças infectadas por
– Crianças com menos de 2 anos com DBP que VSR.
foram tratadas (oxigenoterapia, broncodilata- – Não está indicado o palivizumab no trata-
dores, diuréticos ou corticóides) nos 6 meses ante- mento da doença por VSR estabelecida.
riores ao início da estação do VSR ou que têm alta – Se existir uma doença intercorrente não está
durante a mesma. contra-indicada a utilização de palivizumab; se a
– Crianças com menos de 2 anos com cardio- criança fôr submetida a imunoprofilaxia e adqui-
patia congénita com alteração hemodinâmica rir a infecção por VSR, a mesma deve ser inter-
significativa (sinais de insuficiência cardíaca, com rompida.
ou sem hipertensão pulmonar, ou com hipoxémia)
ou com cardiopatia adquirida sintomática com Prognóstico
insuficiência cardíaca.
- Crianças ex-pré-termo nascidas com 28 sema- O prognóstico depende dos vários tipos de com-
nas ou menos que tenham idade inferior ou igual plicações surgidas e, designadamente, do grau de
a 12 meses no início da estação do VSR ou com disfunção cardiorrespiratória. A mortalidade
alta durante a mesma. (entre 30 e 40%) ocorre prdominantemente no pri-
– Crianças pré-termo nascidas entre as 29 e 32 meiro ano de vida, em geral como consequência
semanas de gestação que tenham idade inferior de insuficiência cardiorrespiratória, sépsis, infec-
ou igual a 6 meses no início da estação do VSR ou ção respiratória ou morte súbita.
com alta durante a mesma. O prognóstico quanto à função pulmonar, a
curto prazo, pode considerar-se bom, inclusiva-
• Recomendável mente nos casos de crianças que têm alta com
– Crianças pré-termo nascidas entre as 32 e 25 necessidade de oxigenoterapia continuada. O des-
semanas de gestação e com menos de 6 meses de mame do O2 é geralmente possível antes do 1º
idade no início da estação, ou com alta durante a ano; a progressão ponderal – um dos problemas
mesma que apresentem dois ou mais factores de face às dificuldades alimentares – é proporcional à
risco. melhoria da função pulmonar.
Consideram-se factores de risco: idade cro- A melhoria da função pulmonar verificada ao
nológica inferior a 10 semanas no início da esta- longo do tempo pode explicar-se pelo processo de
ção, ausência de aleitamento materno ou duração crescimento e desenvolvimento da via respiratória
deste inferior a 2 meses, ter irmão em idade esco- que continua na 2ª e 3ª infância.No entanto, as re-
lar, frequência de infantário, antecedentes fami- hospitalizações são frequentes no 1º ano de vida
liares de asma, malformações das vias aéreas ou (cerca de 25-30% devidas a infecções respiratórias
doença neuromuscular, co-habitação com mais de associadas a sibilância recorrente).
quatro adultos. Estudos a longo prazo demonstraram que em
A recomendação para este grupo de pré-termo crianças com idade superior a 10 anos, adoles-
dependerá dos recursos económicos disponíveis, centes e adultos, se verifica elevada prevalência de
dado que alguns dos estudos de custo efectivida- hiperreactividade brônquica. No que respeita ao
de neste grupo não são favoráveis. prognóstico neurológico, os doentes com DBP evi-
– Em casos particulares, nomeadamente crian- denciam maior incidência de sequelas em compa-
ças com patologia pulmonar, cardíaca ou imuno- ração com as crianças sem a doença. Tais sequelas
deficiência. traduzem-se fundamentalmente por paralisia
cerebral, défice cognitivo, dificuldades de apren-
Notas importantes: dizagem, défice de atenção e problemas de com-
– Não há dados claros sobre a protecção que o portamento.
CAPÍTULO 353 Displasia broncopulmonar 1907

Existe, por outro lado, risco aumentado de reti- Dysplasia. Pediatr Rev 2012; 33:255 - 263
nopatia da prematuridade e de alterações da audi- Kersbergen KJ, de Vries LS, van Kooij BJM, et al. Hydrocor-
ção. tisone treatment for BPD and brain volumes in prterm
No que respeita a complicações do foro cardio- infants. J Pediatr 2013. doi:10.1016/jpeds.2013.04.001
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1908 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

longo dos meses permite definir o conceito de


Problemas hematológicos e afins P-50, ou seja, a pressão parcial de O2 necessária
para saturar 50% da Hb. (Capítulo 345)
No lactente nascido de termo, ao longo dos
referidos 4-6 meses de vida, a P-50 vai, aumentan-

354
do em concomitância com a diminuição progressi-
va da afinidade Hb-O2, atingindo-se então os
valores de P-50 do adulto (~27 mmHg).
Contudo, no RN pré-termo, com teor mais ele-
vado de HbF, e menor de 2,3-DPG, a diminuição
progressiva da afinidade para o O2 após o nasci-
ANEMIA NEONATAL mento não se correlaciona com o declínio da Hb F.
A concentração de Hb, decrescendo desde o
Ana Nunes e João M. Videira Amaral nascimento, atinge o nadir cerca das 8-12 semanas
no RN de termo (11-12 g/dL), e cerca das 6 sema-
nas no RN pré-termo (7-10 g/dL). Este decréscimo
“fisiológico” corresponde à chamada anemia
Desenvolvimento e valores de Hb fisiológica do RN. O conceito de anemia da pre-
no RN e lactente maturidade corresponde, de facto, a um exagero
da anemia fisiológica normal.
No período neonatal e meses seguintes ocorrem
variações significativas fisiológicas da massa eritro- Definições
citária (Capítulo 136). Por consequência, a defini-
ção e avaliação da síndroma anémica neste período A Hb aumenta com a idade gestacional: o teor no
da vida deverá ter em conta o processo normal do RN de termo (sangue do cordão) é ~16,8 g/dL
desenvolvimento, o qual pode ser tipificado por (13,7-20,1). No RN pré-termo MBP tal teor é 1-2
um conjunto de eventos a seguir discriminados. g/dL inferior ao do RN de termo. De salientar que
Após o nascimento, a saturação da Hb em O2 pode haver diferenças de valores em função do
atinge 95%, passando a eritropoietina a ser inde- local de colheita do sangue. No sangue capilar e
tectável. No fim da 1ª semana a eritropoiese cor- no 1º dia de vida o valor de Hb normal pode osci-
responde a cerca de 1/10 relativamente à que se lar entre 15,4 e 18,6 g/dL em recém-nascidos de
processava no feto. O número de reticulócitos é termo; no sangue venoso o valor de Hb é inferior
baixo e o valor de Hb cai. Apesar da descida dos (menos 3,6 g/dL), podendo a diferença reduzir-se
níveis de Hb, a relação Hb A/Hb F aumenta. aquecendo previamente o local de punção capilar
Os níveis de 2,3-DPG (2,3-difosfoglicerato) (geralmente região calcaneana).
aumentando durante a gestação, atingem no A anemia é uma alteração hematológica em
termo desta os do adulto; após diminuição tran- que se verifica valor baixo de massa eritrocitária;
sitória na 1ª semana de vida extra-uterina, os na prática clínica é admitido que a concentração
níveis sobem novamente. de Hb reflecte a massa eritrocitária circulante.
A interacção funcional entre Hb A (cuja relação Na 1ª semana de vida define-se:
com Hb F vai aumentando, isto é, substituição – Anemia pela verificação de valores de Hb
progressiva de Hb F por Hb A) e 2,3-DPG diminui inferiores a 13g/dL e de hematócrito (Hct) inferior
a afinidade do O2 para a Hb, o que se traduz numa a 40%;
facilidade crescente de libertação (e de disponibi- – Microcitose pela verificação de volume glo-
lidade) de O2 para os tecidos. Reportando-nos à bular médio (VGM) inferior a 95 fL;
curva de dissociação de Hb-O2, verifica-se desvio – Hipocromia pela verificação de concentração
progressivo da curva para a direita entre a data de de hemoglobina globular média (CHGM) inferior
nascimento e os 4-6 meses de vida. A progressiva a 32 % ou < 32 g/dL;
diminuição de afinidade da Hb para o oxigénio ao – Macrocitose pela verificação de VGM > 118 fL.
CAPÍTULO 354 Anemia neonatal 1909

Recorda-se que os eritrócitos do feto RN têm ção inadequada (resposta eritropoiética hepática
maior diâmetro (104-118 fL) que noutras idades; menos sensível à anemia e hipóxia tecidual, recor-
existe, pois, macrocitose (fisiológica ou normal dando-se que a produção renal de eritropoietina
para este período específico) (Quadro 1). somente se verifica a partir da idade pós-concep-
A percentagem de reticulócitos no recém-nas- cional de 42-43 semanas), níveis baixos de factores
cido de termo varia entre 3 – 7% ao nascer, 1-3 % reguladores da produção de eritropoietina tais
no D4, sendo <1% no D7. No pré- termo estes como interleucina-3 e de factor de crescimento dos
valores são mais elevados (6-7%) e permanecem granulócitos, etc..
elevados durante mais tempo (Capítulo 137).
Etiopatogénese e manifestações
Anemia da prematuridade clínicas

Sendo a anemia da prematuridade considerada A anemia neonatal pode ser explicada pelos
uma forma (ou “exagero”) da anemia fisiológica seguintes mecanismos:
do RN/lactente com algumas especificidades, esta 1. perda sanguínea; 2. destruição eritrocitária
entidade é abordada sucintamente antes da classi- aumentada; 3. produção eritrocitária diminuída.
ficação geral das anemias neonatais. Os mesmos são especificados a seguir.
A anemia da prematuridade ocorre classica-
mente em RN pré-termo de baixo peso, estando 1. Anemia por perda sanguínea
associada a valores de Hb < 7-10 g/dL. As suas
manifestações clínicas incluem fundamentalmen- Hemorragia fetal ou placentar
te: palidez progressiva, escassa progressão ponde- 1. A perda de sangue fetal pode ocorrer na
ral, hipoactividade, taquipneia, taquicárdia, e difi- sequência de amniocentese, cordocentese traumá-
culdade alimentar. tica, ou rotura do cordão.
A etiopatogénese inclui vários factores asso- 2. As transfusões feto-maternas, ocorrendo em
ciados, destacando-se: perdas sanguíneas repeti- cerca de 8% de todas as gravidezes, são causas
das para estudos analíticos, vida média eritrocitá- muito frequentes de hemorragia fetal; no entanto,
ria encurtada, crescimento rápido com expansão somente em 1 % dos casos essas perdas excedem
concomitante da volémia o que constitui factor de os 40 mL e são responsáveis por anemia significa-
diluição dos elementos figurados (neste caso eri- tiva. Quer se trate de transfusões espontâneas,
trócitos) contabilizados, e esgotamento das reser- quer secundárias a amniocentese, a pesquisa de
vas de ferro ao duplicar o peso, o que acontece em células fetais no sangue materno (prova de Betke-
idade pós-natal mais precoce do que no RN de Kleihauer) é fundamental para o diagnóstico des-
termo (Capítulo 138). tas situações.
Para além destes factores, destacam-se ainda: 3. As transfusões feto-fetais, nos gémeos mo-
inadequado suprimento de proteínas, ferro e vita- nozigóticos com placenta monocoriónica, devidas
mina E, níveis baixos de eritropoietina por produ- a anastomoses vasculares a nível placentar, resul-

QUADRO 1 – Valores hematológicos (média) no RN de termo

Sangue do cordão D1 D3 D7 D14


Htc (%) 53 58 55 54 52
Eritrócitos (106/ml) 5,2 5,8 5,6 5,2 5,1
Hemoglobina (g/dL) 16,8 18,4 17,8 17,0 16,8
VGM (fl) 108 108 99 98 96
HGM (pg) 34 35 33 33 32
CHGM ( % ou g/dl) 31,7 32,5 33,0 33,0 33,0
Abreviaturas: D – dia de vida; Htc – hematócrito; VGM – volume globular médio; HGM – hemoglobina globular média; CHGM – concentração de hemoglobina globu-
lar média.
1910 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tam em anemia no dador e policitémia no recep- secundária a doenças auto-imunes maternas como
tor. Deve admitir-se este diagnóstico quando a o lúpus eritematoso sistémico. A hemólise é
diferença de Hb nos dois gémeos for superior a secundária à passagem transplacentar de anticor-
2,5-5 g/dL. Geralmente verifica-se oligoâmnio no pos maternos, com manifestações menos graves
dador e poli- hidrâmnio no receptor. que as aloimunes.
4. As hemorragias de causa placentar ocorrem A normalização dos valores eritrocitários ocor-
nos casos acompanhados de placenta prévia, re, em geral, até às 2-3 semanas de vida.
abruptio placentae, descolamento placentar e 3. Anemia hemolítica induzida por drogas. É
insersões velamentosas do cordão. rara no recém-nascido apesar de o eritrócito do
recém-nascido ser particularmente sensível aos
Hemorragias pós-parto efeitos tóxicos das drogas oxidantes.
1. As hemorragias internas (intracranianas, As penicilinas,as cefalosporinas e a alfa-metil-
subdurais, hematoma do fígado, baço, retroperito- dopa, podem estar implicadas neste processo.
neal, cefalo-hematoma gigante) são geralmente
assintomáticas nas primeiras 24-48 horas de vida e Anemia hemolítica não imune
associadas geralmente a parto traumático. 1. Infecção. Todos os germes microbianos do
2. As hemorragias do cordão são geralmente grupo TORCHS, em particular CMV e Coxsackie B,
secundárias a lesões, anomalias congénitas ou diá- assim como microrganismos bacterianos com des-
tese hemorrágica. taque para Escherichia coli, podem ser causa de
3. As de causa iatrogénica, secundárias a flebo- hemólise. Em qualquer circunstância, palidez
tomias frequentes para estudos analíticos, têm associada a mau estado geral, perfusão tecidual
particular relevância e frequência elevada no RN diminuída e acidose, obrigam a admitir a hipótese
pré-termo submetido a terapia intensiva, podendo de sépsis. Geralmente coexiste trombocitopenia,
a espoliação efectuada atingir 5 a 10% da volémia. hepatosplenomegália e aumento da bilirrubina
directa e indirecta (Capítulos 297 e 360).
2. Anemia por destruição eritrocitária 2. Defeitos da membrana eritrocitária
aumentada No período neonatal a mais frequente é a esfe-
rocitose hereditária. Cursa com anemia hemolíti-
Anemia hemolítica imune ca de grau variável, esferócitos no esfregaço do
A passagem transplacentar de anticorpos sangue periférico, hiperbilirubinémia e história
maternos contra antigénios existentes no glóbulo familiar em muitos casos. Contudo uma história
vermelho fetal constitui a causa mais frequente da familiar negativa não exclui o diagnóstico (as
hemólise neonatal. mutações de novo são frequentes). A fragilidade
1. Anemia aloimune (isoimunização Rh, ABO osmótica do eritrócito está aumentada. Estudos
e grupos minor). O espectro clínico varia da ane- familiares confirmam o diagnóstico, embora só
mia ligeira com hiperbilirubinémia, a anemia em 70% dos casos sejam positivos.
grave com hidropisia fetal. A profilaxia materna A eliptocitose hereditária, autossómica domi-
com gama globulina anti-D imediatamente após o nante, é muito mais rara. Manifesta-se com hiper-
parto contribuiu para a diminuição drástica da bilirrubinémia, anemia e eritrócitos deformados e
isoimunização Rh. fragmentados em circulação.
A isoimunização ABO é, por isso, hoje em dia 3. Défices enzimáticos
mais frequente cursando geralmente com quadros O mais frequente é o défice da glucose 6 fos-
ligeiros, isto é, hiperbilirrubinémia moderada e fato desidrogenase (G-6PD).É uma doença gené-
anemia ligeira a moderada, sendo rara a hepatos- tica recessiva ligado ao cromossoma X. Esta enzi-
plenomegália. ma intervém no processo enzimático que protege
A isoimunização por incompatibilidade dos o eritrócito da oxidação. O diagnóstico deve sus-
grupos minor (c, E, Kell, Duff, Kidd) é rara (Capítulo peitar-se no recém-nascido com hiperbilirrubiné-
358). mia inexplicável, teste de Coombs negativo, cor-
2. Anemia autoimune. Trata-se de forma rara, pos de Heinz e picnócitos no esfregaço sanguíneo.
CAPÍTULO 354 Anemia neonatal 1911

O estudo familiar e a determinação da actividade ponsável por cerca de 18% dos casos de hydrops
enzimática 2-3 meses após o episódio de hemólise, fetalis de causa não imune. O vírus liga-se ao anti-
são necessários para confirmar o diagnóstico. A génio P do glóbulo vermelho, com redução signi-
hemólise por défice da piruvato-quinase é mais ficativa da produção de eritrócitos fetais, do que
rara, mas pode ser responsável por anemia pode resultar anemia grave e /ou morte fetal
hemolítica grave na 1ª semana de vida. (Capítulo 297).
4. Hemoglobinopatias
Ao nascer cerca de 80% da hemoglobina em Aspectos semiológicos e diagnóstico
circulação corresponde a HbF, constituída por diferencial
duas cadeias alfa e duas cadeias gama (α2 γ2 ).O
desvio da síntese para a HbA tipo adulto (α2 β2 ) Em complemento da alínea anterior, importa
tem início às 32 semanas e irá prolongar-se pelos salientar alguns aspectos da semiologia clínica e
primeiros 2-3 meses de vida. As hemoglobinopa- laboratorial que poderão ser úteis na perspectiva
tias secundárias a alterações nas cadeias β, (dre- do diagnóstico diferencial (Figura 1).
panocitose e β - talassémias), são silenciosas no Os dados obtidos pela história familiar (ane-
período neonatal, pelo predomínio, então, de HbF. mia, colelitíase, esplenectomia, icterícia), e história
Nas α talassémias, o feto não consegue produ- obstétrica (hemorragia vaginal, placenta prévia,
zir HbF por défice na síntese das cadeias α. Uma abruptio placentae, vasa previa, tipo de parto, parto
das consequências pode ser a formação de Hb Bart traumático, rotura do cordão, parto múltiplo)
que, impedindo a libertação de O2 para os tecidos associados ao exame clínico cuidadoso, são
(desvio da curva de dissociação da HbO2 para a imprescindíveis para o diagnóstico etiológico.
esquerda), leva a hidropisia com morte fetal na Os valores hematológicos devem ser pondera-
grande maioria dos casos. (Capítulo 143) dos em função do peso, idade gestacional, idade
pós natal e local da colheita sanguínea, reiterando-
3. Anemias por produção eritrocitária se que os mesmos são mais elevados no sangue
diminuída capilar em relação ao venoso ou arterial; por outro
São secundárias a hipoplasia ou aplasia medular lado, a concentração da Hb imediatamente após
de causa congénita, infecciosa (Parvovírus B19), ou uma perda aguda pode ser normal devido à vaso-
a défices nutricionais (vitamina E). Caracterizam- constrição compensatória; ou seja, a comprovação
se por diminuição de reticulócitos e ausência de da descida dos valores em caso de hemorragia só
icterícia. se torna aparente várias horas depois, após a reex-
pansão plasmática.
Anemia congénita hipoplástica de Blackfan- Uma anemia grave verificada no pós-parto
Diamond imediato ou nas primeiras 24 horas de vida, até
Trata-se duma situação rara, estando somente prova em contrário, deve ser considerada
atingida a série vermelha. A série branca é normal secundária a espoliação sanguínea ou a isoimuni-
assim como as plaquetas. O grau de anemia é zação grave; a respectiva gravidade depende do
variável e em 1/3 das situações verifica-se a exis- intervalo de tempo ocorrido entre a hemorragia e
tência de anomalias associadas (microcefalia, o parto.
fenda palatina, prega da nuca, má inserção dos O diagnóstico de perda aguda de sangue deve
polegares e anomalias renais). Em cerca de 15 a ser equacionado imediatamente no recém-nascido
20% dos casos há antecedentes familiares pálido, em choque hipovolémico, com má per-
(Capítulos 140-145). fusão, taquipneia, pulsos fracos e hipotensão, o
que obriga a urgente e rápida reposição da volé-
Disgenesia reticular e leucemia congénita mia.
São situações extremamente raras. Na perda crónica o único sinal é a palidez da
pele e mucosas; através dos exames laboratoriais
Infecção fetal por Parvovírus B19 são comprovados parâmetros de anemia normo-
Esta infecção pode ser assintomática. É res- crómica normocítica ligeira com valores de Hb
1912 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Diminuição da Concentração da Hemoglobina

N.° DE RETICULÓCITOS

Diminuído Normal ou Elevado

Prova de Coombs Directa


An. aplásica congénita
An. aplásica adquirida
Toxinas
Parvovírus B19
Défices Nutricionais Negativa Positiva
Leucemia
Neuroblastoma

VGM Anemia hemolítica imune

Diminuído Normal ou Elevado

Perda crónica intra uterina Esfregaço Sanguíneo


α Talassémia

Normal Alterado

Iatrogenia Esferocitose hereditária


Transfusão feto-materna Eliptocitose hereditária
Transfusão feto-fetal Défice de G6PD
Hemorragia interna Défice de piruvato-cinase
Infecção CID

Adaptado de Blanchette & Zipursky, 1984


(VGM= volume globular médio; CID= coagulação intravascular disseminada)

FIG. 1
Diagnóstico etiológico da anemia neonatal.

entre 9-12 g/dL ou anemia microcítica hipocrómica se no RN, diferente do adoptado para a criança maior,
com valores de Hb entre 5-7 g/dL.Uma das formas tendo em conta a “macrocitose fisiológica” do RN.
de perda crónica é a transfusão feto-placentar cró- A este propósito, pormenoriza-se a prova de
nica ou feto-fetal. De salientar o conceito de microcito- Betke-Kleihauer realizada no sangue materno:
CAPÍTULO 354 Anemia neonatal 1913

perda fetal de cerca de 50 mL de sangue para a cir- mento da anemia da prematuridade, particular-
culação da mãe permite detectar nesta até 1% de mente nos RN de muito baixo peso:
eritrócitos fetais em esfregaço com base no princí- 1 – laqueação tardia do cordão umbilical, dei-
pio de que a Hb F é álcool e ácido-resistente. xando o RN 30 segundos em posição inferior à
Após as primeiras 24 horas de vida as princi- placenta, com excepção dos casos de isoimuniza-
pais causas são as hemorragias internas ou hemó- ção ou de necessidade de reanimação;
lise. 2 – redução da espoliação sanguínea (limita-
Nas 1ªs semanas de vida podem estar impli- ção, planificação e uso de micrométodos nas co-
cadas as hemoglobinopatias, as aplasias e a cha- lheitas para estudos analíticos);
mada anemia fisiológica ou da prematuridade. 3 – normas estritas de transfusão de sangue
(consultar Capítulo 155);
Exames complementares 4 – estimulação da eritropoiese com eritropoie-
e diagnóstico etiológico tina recombinante humana (r-EPO):
Indicações:
A avaliação inicial de uma anemia inclui essen- • idade gestacional inferior a 32 semanas
cialmente a realização dos seguintes exames: • RN de peso < 1500 gramas
– Hemograma completo • saturação O2-Hb > 85% e FiO2 < 30%
– Reticulócitos • tolerância de alimentação entérica
– Esfregaço sangue periférico (corpos de Heinz, • hematócrito central < 40%
eliptócitos, picnócitos) Esquema de tratamento:
– Prova de Coombs directa • início depois dos 7 dias de vida
– Bilirrubinémia conjugada e não conjugada • dose de 200 U/kg 3 vezes por semana
– Grupo sanguíneo do recém-nascido e da mãe (600U/kg/semana)
• via subcutânea (alternando locais de admi-
Como segunda prioridade estão indicados os se- nistração)
guintes exames: Administração simultânea de ferro:
– Estudo serológico no âmbito do grupo • dose de 3 mg/kg/dia, progredindo para 6
TORCHS mg/kg/dia quando a alimentação entérica
– Hemocultura atingir o quociente energético de 100kcal/
– Ferritina /kg/dia
– Doseamento G6PD, piruvato-cinase • duração de EPO+ Ferro até às 37 semanas de
– Prova de Betke – Kleihauer no sangue mater- idade corrigida e, no mínimo, durante 6
no semanas
– Estudos imunológicos e da coagulação • administração simultânea de vitamina E na
– Mielograma dose de 25 UI/dia por via oral
5 – manutenção das reservas de ferro no orga-
O fluxograma incluído na Figura 2 contribui nismo (nos casos em que não se utiliza EPO):
para o apuramento do diagnóstico etiológico. • início profiláctico de ferro a partir dos 30 a 40
dias de vida (suplementação com ferro ele-
Prevenção e tratamento mentar na dose de 2-3 mg/kg/dia até ao 1
ano de idade)
A prevenção e o tratamento da anemia neonatal • ferro elementar (Fe) na dose de 4-6
são determinados pela etiopatogénese subjacente, mg/kg/dia nos RN pré-termo com anemia
salientando-se que se aplicam neste grupo etário, ferropénica até 30 dias após a data de nor-
com algumas especificidades, as normas de actua- malização do hematócrito e hemoglobina
ção referidas a propósito das síndromas anémicas • vigilância laboratorial cada 45 dias com
noutros grupos etários. contagem de eritrócitos, reticulócitos e deter-
Neste capítulo é dada ênfase a medidas gerais minação da ferritina
a aplicar nas situações de prevenção e /ou trata- 6 – vigilância clínica – hematológica após a alta
1914 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

355
e durante 2-3 meses nas situações de anemia
hemolítica imune.

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Franz AR, Pohlandt F. Red blood cell transfusion in very and
extremely birth weight infants under restrictive transfusion
guidelines: is exogenous erythropoietin necessary ? Arch Definição e importância do problema
Dis Child / Fetal Neonatal Ed 2001; 84: F96-F100
Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson O valor médio do hematócrito (Ht) venoso em RN
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, de termo é 53% (sangue do cordão), 60% às 2
2011 horas, 57% às 6 horas e 52% entre as 12 e 18 horas
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and de vida. Policitémia no RN define-se pela verifica-
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill ção de hematócrito (Ht) venoso superior a 65% , o
Livingstone, 2008 que corresponde a Hb ~20 g/dL.
Maier R, Obladen M et al. On behalf of the European Trata-se dum problema clínico cuja incidên-
Multicenter Erythropoietin beta Study group. Early treat- cia, conforme diversas séries, variando entre 0,4%
ment with erythropoietin B ameliorates anemia and e 5%, é mais elevada em recém–nascidos de risco
reduces transfusion requirements in infants with birth (com restrição de crescimento intra-uterino, pós-
weigths below 1000g. J Pediatr 2002; 141:8-16 termo, antecedentes de diabetes materna na gravi-
Murray NA, Roberts IAG. Neonatal transfusion practice. Arch dez /RN de mães diabéticas, tabagismo materno,
Dis Child/ Fetal Neonatal Ed 2004; 89: F 101-107 e de hipoxémia crónica intra-uterina) e naqueles
Ohls R K.The use of erythropoietin in neonates. Clin Perinatol com antecedentes de gravidez em locais de gran-
2000;27:681-696 de altitude (superior a 1.000 metros). A incidência
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA é menor em situações de prematuridade, sobretu-
(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill do com menos de 34 semanas.
Medical, 2011 As principais implicações clínicas da policité-
Shalev H, Landau D, Pissard S, et al. A novel epsilon gamma mia (pormenorizadas na alínea seguinte) decor-
delta beta thalassemia presenting with pregnancy compli- rem da hiperviscosidade sanguínea comprome-
cations and severe neonatal anemia. Eur J Haematol 2013; tendo o débito sanguíneo e oxigenação tecidual, e
90:127-133 predispondo à estase e formação de trombos ao
Widness JA. Pathophysiology, Diagnosis and Prevention of nível da microcirculação em diversos territórios.
Neonatal Anemia. NeoReviews 2000;(4):e61-e64 Estes eventos têm particular relevância ao nível
do córtex cerebral, supra-renais e rins.

Etiopatogénese

A policitémia neonatal integra dois grandes grupos:


– policitémia activa, na dependência da eritropoie-
se intra-uterina, por acção da eritropoietina fetal em
resposta a hipóxia fetal e/ou a insuficiência placentar;
CAPÍTULO 355 Policitémia e hiperviscosidade 1915

– passiva, secundária a transfusão sanguínea hematócrito, volume eritrocitário, deformabilidade


para o feto (feto-fetal em caso de gravidez geme- dos eritrócitos (quanto maior volume e menor defor-
lar, materno-fetal), ou a laqueação do cordão mabilidade, maior viscosidade), número e volume
umbilical, superior a 30 segundos; no recém-nas- leucocitários; mas igualmente, dos lípidos e proteí-
cido de termo a causa mais frequente é a laquea- nas no plasma (especialmente fibrinogénio), das pla-
ção tardia do cordão (Capítulo 326)*. quetas, e de factores endoteliais. Recorda-se, a
A policitémia acompanha-se frequentemente propósito, que os eritrócitos do RN (com macrocito-
de hiperviscosidade sanguínea: verifica-se uma se fisiológica, própria da idade) são menos deformá-
correlação linear entre tais parâmetros para veis, o que predispõe a estase na microcirculação.
valores entre 42% e 65%, e exponencial para Na prática clínica utiliza-se o valor do hemató-
valores superiores a 65%. Contudo, os dois termos crito como representativo da viscosidade sanguí-
não são sinónimos. nea, uma vez que o aparelho para determinar a
A policitémia depende: viscosidade sanguínea (viscosímetro) não existe
– do número de eritrócitos (em relação, por ex. na maioria das unidades de recém-nascidos.
com eritropoiese activa); A hiperviscosidade sanguínea tem reper-
– da diminuição do volume plasmático (por ex. cussões sistémicas das quais poderão decorrer, em
em relação com desidratação); ou, grau variável, um conjunto de sinais. Estes, quan-
– de ambos os factores (por ex. situações de do presentes, resultam de deficiente perfusão
restrição do crescimento fetal). microcirculatória/oxigenação em diferentes
O hematócrito depende: órgãos e sistemas.
– do local da colheita de sangue (o hematócri- No sistema cardiopulmonar verifica-se dimi-
to colhido em sangue capilar é 10% mais elevado nuição do débito cardíaco resultante da diminui-
do que o obtido através de colheitas em sangue ção do volume de ejecção e da frequência cardía-
venoso central), sendo que não se verifica discre- ca; com valores de hematócrito superiores a 70%,
pância significativa entre os valores obtidos do verifica-se que a pressão da artéria pulmonar
hematócrito no sangue venoso central e no sangue iguala a pressão sistémica.
arterial; No sistema gastrintestinal a redução do fluxo
– da técnica utilizada [o valor determinado por sanguíneo tem sido associada a um maior risco de
analizador automático (método de Coulter) é infe- enterocolite necrosante.
rior ao encontrado por microcentrifugação]; A circulação entero-hepática dos ácidos biliares
– da idade pós-natal do recém-nascido(ver e a função exócrina pancreática também podem ser
atrás). afectadas durante os primeiros dias de vida.
A viscosidade sanguínea (aplicando ao sangue a No sistema renal comprova-se diminuição da
definição de Poiseuille: relação entre as forças de taxa de filtração glomerular, do débito urinário e da
atrito das partículas circulantes e a velocidade do excreção urinária do sódio, o que parece estar rela-
fluxo sanguíneo num vaso) depende: não só, do cionado com diminuição do fluxo plasmático renal,
traduzindo provavelmente, uma resposta fisiológi-
ca do rim no sentido de retenção de água e sódio.
*A questão relacionada com o tempo pós-parto em que se deve proce-
der à clampagem/laqueação do cordão é controversa, variando No sistema nervoso central demonstrou-se
conforme diversos autores, o conceito de “tardia”. Classicamente tem- diminuição do fluxo sanguíneo cerebral com
se considerado norma corrente proceder à laqueação 30 segundos após
o parto completo. Contudo, de acordo com as normas de orientação
aumento da resistência vascular, o que compro-
veiculadas pelo ILCOR (International Liaison Committee on mete a libertação do oxigénio aos tecidos irriga-
Resuscitation) e a American Heart Association (AHA), datadas de 2010,
dos. Esta relação de causa – efeito não está, no
nos RN com boa adaptação à vida extra-uterina, não necessitando de
reanimação, a laqueação não deverá realizar-se antes de 1 minuto / 60 entanto, cabalmente demonstrada, admitindo-se
segundos (Capítulo 329). Os respectivos peritos realçam que: 1) -a que possa ser relacionada, mais com o factor
laqueação antes da primeira respiração pode originar bradicárdia coin-
cidindo com diminuição do débito cardíaco; 2) –nos RN pré-termo com etiológico da policitémia do que com a policitémia
boa adaptação à vida extra-utrina com tal procedimento (laqueação propriamente dita.
não antes de 1 minuto) evidenciam maior estabilidade hemodinâmica,
têm menor necessidade de inotrópicos e ficam mais enriquecidos em
Como consequência do maior consumo de glu-
reservas de ferro. (Capítulo 138). cose pelo eritrócito, a mesma pode diminuir no
1916 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

sangue (hipoglicémia), evento que ocorre em ções clínicas mais típicas, em relação com a reper-
cerca de 50% dos casos. cussão da hiperviscosidade em diversos territórios.
Nos RN de mãe diabética com policitémia/hi-
perviscosidade, concomitantemente com a forma- Exames complementares
ção microtrombos, tem sido comprovada diminui-
ção dos factores antagonistas da coagulação e Uma vez que o viscosímetro somente está disponí-
diminuição do cálcio no sangue (hipocalcémia) vel em raros centros, o diagnóstico baseia-se na
por maior consumo em relação com o referido determinação do hematócrito em sangue venoso
processo da coagulação (Capítulos 136 e 333). periférico, a realizar nos RN com sinais sugestivos
A trombocitopénia associada a policitémia tem e/ou com factores predisponentes de policitémia e
sido explicada, quer por diminuição de produção valor de hematócrito capilar ≥ 70% (se possível,
relacionada com hipóxia tecidual, quer por determinado por microcentrifugação). Na avalia-
aumento de consumo e ou, adesão à parede endo- ção do hematócrito há que ter em conta os factores
telial e destruição. atrás referidos susceptíveis de influenciar o mesmo.
Por outro lado, como resultado do incremento Em função do contexto clínico (anamnese, fac-
da destruição eritrocitária, é frequente surgir tores de risco, sinais clínicos, etc.) poderão estar
hiperbilirrubinémia (Capítulo 358). indicados outros estudos analíticos:
– sanguíneos (tais como contagem de plaque-
Manifestações clínicas tas, pH e gases no sangue, glucose, cálcio, iono-
grama);
Na grande maioria dos casos de policitémia os – urinários (densidade e sedimento).
recém-nascidos estão assintomáticos. As manifes- – imagiológicos (radiografia do tórax e ecogra-
tações clínicas (em geral nas primeiras 12 horas de fia transfontenelar se existirem alterações cardio-
vida, inespecíficas e por vezes subtis) dependem respiratórias e neurológicas respectivamente).
do grau de hiperviscosidade e das consequências
da diminuição da perfusão tecidual em vários sis- Tratamento
temas como SNC, renal, e cardio-respiratório.
Muitas vezes, as referidas manifestações são A actuação consiste em promover a hemodiluição
secundárias a alterações metabólicas acompa- quando:
nhantes como hipoglicémia e hipocalcémia. – em RN assintomáticos, o hematócrito venoso
Pela anamnese perinatal poderão ser identifi- for superior a 70% ;
cadas situações de base como as que são descritas – em RN sintomáticos, o hematócrito venoso
no Quadro 1. for superior a 65%.
Na sua forma típica, o recém nascido está Nos casos de RN assintomático com hemató-
pletórico ou com eritrocianose, sendo mais fre- crito venoso entre 70% e 75%, há que ponderar a
quentes: letargia, irritabilidade, tremores, taqui- actuação, valorizando também outros factores de
pneia e dificuldade alimentar. risco de complicações, sobretudo neurológicas.
No Quadro 2 estão sintetizadas as manifesta- Os objectivos são:

QUADRO 1 – Factores etiológicos de policitémia

Policitémia activa Policitémia passiva


Hipóxia fetal crónica Laqueação tardia do cordão
Restrição do crescimento intra-uterino Transfusão feto-fetal
Pré-eclâmpsia Transfusão materno-fetal
Anomalias cromossómicas (trissomia 13, 18 e 21)
Diabetes materna
Síndroma de Beckwith-Wiedemann
CAPÍTULO 355 Policitémia e hiperviscosidade 1917

QUADRO 2 – Manifestações clínicas O cálculo do volume de troca através da ETP


da hiperviscosidade baseia-se na seguinte fórmula:

Sistema Nervoso Central Volume de troca (mL) =


Letargia, irritabilidade, tremores, hipotonia, = Volémia (80-100 mL/kg) x
convulsões, alterações da sucção, trombose do seio x (Ht observado – Ht desejado) / Ht observado
venoso (muito rara) e sequelas neurológicas tardias.
Cardiorrespiratórias O acesso para a realização de ETP pode ser
Taquipneia, taquicardia, cardiomegalia, congestão central (veia umbilical) ou periférico. Na prática
vascular pulmonar, derrame pleural. clínica são realizadas trocas parcelares de 5-10 mL
Renais de cada vez, tendo em atenção a monitorização
Diminuição da taxa de filtração glomerular, diminuição dos sinais vitais, da temperatura e da glicémia.
do débito urinário, diminuição da excreção urinária, Outras medidas gerais de suporte incluem:
proteinúria, hematúria por lesão tubular. – hidratação adequada e controlo do hemató-
Metabólicas crito;
Hipoglicémia, hipocalcémia, hipomagnesiémia, – correcção de alterações metabólicas;
hiperbilirrubinémia. – pausa alimentar nos casos de manifestações
Hematológicas do foro gastrintestinal.
Trombocitopénia, diminuição de factores antagonistas Após a alta do hospital/maternidade, os lac-
da coagulação, provavelmente secundária à asfixia. tentes com antecedentes de policitémia sintomáti-
Gastrintestinais ca deverão ser avaliados periodicamente em
Intolerância alimentar, enterocolite necrosante. consulta.

Prognóstico e complicações
• diminuir o valor do hematócrito para cerca
de 55% - 60%. Nos recém nascidos policitémicos e assintomáti-
• diminuir a congestão pulmonar. cos o prognóstico é bom. Nos recém nascidos sin-
• normalizar a taxa de filtração glomerular. tomáticos submetidos a ETP, a correcção hemodi-
• diminuir a taxa de utilização da glicose. nâmica promovendo melhoria do débito cerebral,
• normalizar a velocidade do fluxo sanguíneo da perfusão e oxigenação tecidual sistémicas,
cerebral. contribui para a melhoria do prognóstico, desi-
gnadamente em termos de menor probabilidade
Tal desiderato pode ser conseguido através da de sequelas neurológicas.
chamada exsanguinotransfusão parcial (ETP <> Nos casos sintomáticos, para além das seque-
sangria seguida de substituição por outro fluido, las neurológicas, estão descritas complicações tais
com o objectivo de promover diluição do sangue como insuficiência cardíaca, enterocolite necro-
circulante) a qual reduz a “massa” eritrocitária sante, íleo paralítico, insuficiência renal, trombose
sem alteração da volémia utilizando: da veia renal e do seio longitudinal, enfarte testi-
– solutos colóides (albumina humana a 5%), cular, etc..
com efeito de hemodiluição mais duradoira pelo Entre as sequelas neurológicas encontradas no
facto de os mesmos pemanecerem no espaço intra- seguimento a médio e longo prazo, contam-se
vascular por mais tempo em função da respectiva anomalias motoras e quadros de epilepsia; ressal-
maior pressão oncótica, ou va-se, no entanto, que por vezes é difícil atribuir
– solutos cristalóides (soro fisiológico ou lacta- apenas à policitémia tal evolução, admitindo-se a
to de Ringer). comparticipação concomitante dos factores pre-
Nota importante: o plasma humano não é reco- disponentes de policitémia na referida morbilida-
mendado por aumentar a viscosidade plasmática de, como por exemplo a hipóxia fetal. Com efeito,
e a agregação eritrocitária devido ao seu elevado esta possibilidade pode explicar o escasso efeito
conteúdo em fibrinogénio. da ETP nalguns casos de policitémia sintomática.
1918 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 3 – Complicações e sequelas descritas McInerny T (ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
na síndroma policitémia/ Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
hiperviscosidade McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
• Sequelas neurológicas. Livingstone, 2008
• Insuficiência cardíaca congestiva. Ozek E, Soll R, Schimmel MS. Partial exchange transfusion to
• Enfarte testicular. prevent neurodevelopmental disability in infants with
• Priapismo. polycythemia. Cochrane Database of Systematic Reviews
• Retinopatia. 2005.DOI: 10.1002/14651858.CD005089
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• Íleo paralítico. gement of polycythemia. Pediatr Clin North Am 2004; 51:
• Insuficiência renal aguda. 1063-1086
• Trombose da veia renal. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon AA
(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Medical, 2011
O Quadro 3 sintetiza algumas complicações e Schimmel MS, Bromiker R , Soll RF. Neonatal Polycythemia: is
sequelas da síndroma policitémia/hiperviscosida- partial exchange transfusion justified? Clin Perinatol 2004;
de, sendo que por vezes é difícil distinguir entre 31:545-553.
sintomatologia do quadro propriamente dito e Secção de Neonatologia da SPP/ Consensos e Recomendações
complicações. da SPP. Rocha R, Fernandes PC, Alexandrino AM, Tomé T,
Barrocas MF. Policitémia e hiperviscosidade no recém-nas-
Prevenção cido. Acta Pediatr Port 2006;37:113- 117
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As medidas preventivas de ordem geral implicam Perinatol 1995;22 :693-706
uma correcta vigilância pré-natal detectando e
corrigindo, designadamente, os factores de risco
de hipoxémia fetal e de crescimento intra-uterino,
quer em termos de restrição, quer em termos de
hipercrescimento fetal (macrossomia).
No âmbito dos procedimentos durante o parto,
chama-se a atenção, de acordo com o que antes foi
referido, para o tempo de laqueação do cordão
umbilical e para a importância do plano em que o
recém-nascido é colocado no pós-parto imediato
(superior, com menor probabilidade de transfusão
placento-fetal, ou inferior ao do períneo materno,
com maior probabilidade de tal transfusão).

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Linderkamp O. Blood viscosity of the neonate. NeoReviews
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CAPÍTULO 356 Trombocitopénia neonatal 1919

356
do sangue circulante, com um diâmetro 14 vezes
inferior ao do glóbulo vermelho. O seu número
aumenta de forma linear com a evolução da ges-
tação, pelo que é habitual verificar-se nos RN pré-
termo um valor numérico de plaquetas ligeira-
mente inferior ao observado no RN de termo.
TROMBOCITOPÉNIA Embora existam vários reguladores da produ-
ção de tais células, tais como as interleucinas 3, 11
NEONATAL e 16, o factor que estimula de forma mais signifi-
cativa esta produção é a trombopoietina, glicopro-
António Vieira Macedo e João M. Videira Amaral teína que se liga ao receptor c-mpl expresso nos
megacariócitos e nos seus precursores (Capítulo
135).
As alterações plaquetárias no período neonatal
Definição, aspectos epidemiológicos podem integrar os seguintes grupos:
e importância do problema – Qualitativas congénitas;
– Qualitativas adquiridas;
Define-se trombocitopénia neonatal, quer no pré- – Quantitativas (por aumento de destruição, por
termo, quer no recém nascido de termo, como a défice de produção, por sequestração).
situação clínica em que se verifica número de pla- A relação entre a etiopatogénese e semiologia
quetas inferior a 150.000/mm3; de referir que laboratorial pode ser tipificada por um conjunto
valores entre 100.000 e 150.000/mm3 são fre- de noções práticas com implicações clínicas:
quentes no RN aparentemente saudável, pelo que, – plaquetas revestidas por IgG, embora pos-
em tais circunstâncias, se torna indispensável sam constituir um indicador de destruição pla-
excluir falsa doença avaliando com rigor a evolu- quetária, são frequentemente encontradas em RN
ção numérica de tais células sanguíneas. sem sinais de doença aparente;
Considera-se trombocitopénia grave o quadro clí- – níveis elevados de trombopoietina, o mais
nico acompanhado de valor inferior a 50.000/mm3, importante regulador da produção de plaquetas,
salientando-se que manifestações hemorrágicas podem ser um indicador de destruição aumenta-
significativas estão habitualmente associadas apenas da;
a valores inferiores a 20.000 – 30.000/mm3. – nas chamadas “plaquetas reticuladas” cor-
A trombocitopénia constitui um problema fre- respondendo a plaquetas jovens, existe conteúdo
quente no RN, em particular no pré-termo, sendo a elevado de ácido ribonucleico; em situações de
respectiva incidência muito variável em função, não maior destruição, o número destas plaquetas e de
só da definição utilizada, mas, sobretudo, da popu- megacariócitos medulares está aumentado no
lação considerada; na maioria dos casos correspon- sangue periférico; o inverso é possível em casos de
de a situações clínicas de gravidade ligeira a mode- diminuição da produção;
rada com regressão espontânea e sem sequelas. – o volume plaquetário médio (VPM), mais
De acordo com vários estudos, a trombocitopé- elevado nas plaquetas mais jovens, traduz em
nia está presente em cerca de 0,12 a 0,70% dos RN; princípio um aumento de produção, secundário a
nos internados em unidades de cuidados intensivos destruição aumentada; no entanto, a sua maior
neonatais (UCIN), esta proporção oscila entre 20% e utilidade, a par do exame morfológico das pla-
50%; a trombocitopénia grave é observada em cerca quetas, verifica-se no âmbito do diagnóstico de
de 8% dos RN pré-termo assistidos em UCIN. situações hereditárias (macrotrombocitopénias );
– a glicocalicina, fragmento proteolítico solú-
Etiopatogénese vel da subunidade a da glicoproteína Ib, é um
e semiologia laboratorial componente dos megacariócitos normais e madu-
ros, e das plaquetas; níveis elevados da referida
As plaquetas são pequenos elementos figurados glicocalicina verificam-se em situações de maior
1920 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

consumo de plaquetas, enquanto níveis reduzidos tado analítico evidenciando valor diminuído de
se associam a situações com diminuição da res- plaquetas, torna-se necessário muitas vezes
pectiva produção; excluir as chamadas “pseudotrombocitopénias”
– estudo medular: em casos especiais poderá causadas pela agregação das plaquetas em colhei-
ser elucidativo para avaliação da celularidade tas feitas em tubos com EDTA; uma nova colheita
medular e da morfologia dos megacariócitos em tubo citratado ou uma observação em lâmina,
quando a trombocitopenia é prolongada e grave, e permitirá, na maioria dos casos, comprovar o dia-
de causa desconhecida; em situações com aumen- gnóstico de “trombocitopénia verdadeira”.
to da destruição plaquetária, a medula evidencia Na perspectiva de se obter o diagnóstico
número normal ou aumentado de megacariócitos; etiológico torna-se fundamental uma anamnese
pelo contrário, em situações em que está afectada rigorosa inquirindo sobre determinados pontos:
a produção, o número de megacariócitos está
reduzido. Ocasionalmente podem ser observados 1. Dados relativos à mãe/grávida
dados mais específicos: inclusões víricas sugerem – Existe história de doença autoimune? Na gravi-
infecção por CMV ou Parvovírus; megacariócitos dez anterior o RN teve trombocitopénia? As pla-
picnóticos, sem citoplasma, são sugestivos de quetas maternas são normais ou evidenciam
infecção por VIH; invasão medular ou diminuição número diminuído? A que medicações foi subme-
das células mielóides e eritróides sugerem aplasia. tida ? Existe história de hipertensão ou de diabetes
– sendo muito difícil a realização de estudos da gestacional? Existe risco infeccioso?
cinética plaquetária no recém-nascido, certos
dados relacionados com a necessidade e frequên- 2. Dados relativos ao RN
cia de transfusões permitem uma avaliação indi- – Verifica-se bom estado geral? O RN evidencia
recta do mecanismo da trombocitopénia: sinais de doença ou anomalias congénitas, desi-
• trombocitopénia grave com boa resposta à gnadamente esqueléticas? Há antecedentes de
transfusão feita semanalmente relaciona-se prova- asfixia? Existe restrição de crescimento intra-uteri-
velmente com menor produção (por exemplo, trom- no? A trombocitopénia tem início precoce (< 72
bocitopénia amegacariocítica congénita ); horas de vida) ou tardio (depois deste período)?
• trombocitopénia com necessidade frequente A trombocitopénia é ligeira/moderada (50 –
de transfusões é muito sugestiva de aumento do 150.000/mm3) ou grave?
consumo. A abordagem inicial do recém nascido com
trombocitopénia nesta perspectiva permite, em
Classificação muitos casos, apontar para um dos grupos etioló-
gicos apontados e, a partir daqui, avançar para os
Em cerca de 50% das situações acompanhadas de exames complementares específicos; o objectivo
alterações quantitativas das plaquetas no RN último é proceder ao tratamento adequado para
(trombocitopénia relacionável com os mecanis- prevenir a hemorragia grave com risco de vida.
mos anteriormente referidos: 1 – aumento de des- De acordo com a etiopatogénese e a cronologia
truição; 2 – diminuição de produção- o mecanis- das manifestações clínicas – que, em cerca de 75%
mo mais frequente; ou 3 – sequestração), não é dos casos surgem até às 72 horas de vida – é esta-
possível estabelecer o diagnóstico etiológico. Nos belecida a classificação (Quadro 1):
restantes casos, no entanto, através de anamnese O fluxograma que integra a Figura 1 diz
perinatal rigorosa e de exame físico adequado, é respeito a uma abordagem do RN com tromboci-
possível identificar determinado factor etiológico topénia precoce, orientando para as hipóteses de
que poderá ser incluído num ou mais dos diagnóstico.
seguintes grupos: 1 – imunológico; 2 – infeccioso;
3 – genético; 4 – drogas; 5 – coagulação intravas- Formas clínicas
cular disseminada; 6 – insuficiência placentar; 7 –
miscelânea. Seguidamente são descritas algumas formas clíni-
Perante determinado contexto clínico e o resul- cas de trombocitopénia neonatal.
CAPÍTULO 356 Trombocitopénia neonatal 1921

QUADRO 1 – Causas de trombocitopénia fetal 1. Trombocitopénia aloimune


e neonatal De mecanismo análogo ao da doença hemolítica
por incompatibilidade Rh, a trombocitopénia aloi-
Fetal e neonatal precoce (≤72h) mune é causada pela passagem transplacentar de
– Insuficiência placentar* anticorpos maternos contra antigénios existentes
Pré-eclâmpsia herdados do pai (na raça caucasiana: HPA-1a e
Diabetes mellitus HPA-5b positivos) destruindo as plaquetas fetais
Restrição do crescimento intra-uterino (RCIU) no decurso do segundo trimestre da gestação. De
– Asfixia perinatal* referir que os antigénios plaquetários humanos
– Policitémia HPA-1a e HPA-5b estão presentes em 98% da
– Imunológica
população sendo baixa a proporção de mulheres
Trombocitopénia neonatal aloimune*
HPA-1a e HPA-5b-negativas.
Trombocitopénia neonatal autoimune
Ao contrário do que sucede na aloimunização
Lúpus neonatal
Anemia hemolítica do recém-nascido (factor Rh)
Rh, em 40-50% dos casos ocorre na 1ª gravidez. O
Drogas (vancomicina,valproato,etc.)
risco de recorrência em gravidez subsequente é
– Infecção* elevado, dependendo do genótipo do pai: se
Congénita (grupo TORCH, VIH) homozigoto (HPA-1a/1a), o risco é de 100%; se
Perinatal (Streptococcus B, E.coli, Listeria monocytogenes) heterozigoto (HPA-1a/1b), o risco é de 50%.
– Coagulação intravascular disseminada* Esta situação tem uma prevalência oscilando
– Trombose (aórtica, renal) entre 1/2.000 e 1/ 5.000, devendo ser considerada
– Congénita/ Hereditária em todos os RN que evidenciem trombocitopénia
Aneuploidia (Trissomias 13, 18, 21; Triploidia)*(#) inexplicada grave (<30.000/mm3) ou hemorragia
Trombocitopénia amegacariocítica congénita(#) intracraniana e cuja mãe, não tendo história de
Trombocitopénia com ausência de rádio (sindroma púrpura trombocitopénica idiopática, apresente
TAR)(#) valores numéricos normais de plaquetas.
Anemia de Fanconi(#) O diagnóstico, quando realizado no decurso
Leucemia congénita(#)
da gestação, permite salvar a vida destas crianças
– Imunodeficiência
através da transfusão intra-uterina de plaquetas
Síndroma de Wiskott Aldrich
maternas e da administração de imunoglobulina
Linfo-histiocitose hemofagocítica
intravenosa (IGIV) à progenitora. No entanto,
– Síndroma de Kasabach-Merrit/
Hemangioendoteliomas
cabe referir que esta estratégia é viável apenas
– Metabólica (Acidémia propiónica/ metilmalónica)(#) quando a situação é antecipada em resultado de
– Outras (raras) uma gravidez anterior. O parto poderá ser realiza-
Neonatal tardia (>72h) do através de cesariana ou por via vaginal, após
– Sépsis bacteriana tardia* correcção da trombocitopénia fetal documentada
– Enterocolite necrosante* por punção venosa umbilical.
– Infecção congénita O diagnóstico no RN depende da demonstra-
– Insuficiência medular congénita/ hereditária ção de anticorpos maternos dirigidos contra as
– Coagulação intravascular disseminada plaquetas do respectivo pai e da existência de
– Outras (hipertensão pulmonar persistente(“), antigénios plaquetários incompatíveis entre a mãe
fototerapia,erros inatos do metabolismo, défice (HPA-1a negativa) e o pai (HPA-1a positivo); o
nutricional(#)-ferro, folato, vitamina B12- recém nascido evidenciará provavelmente o tipo
– Hiperesplenismo (“) plaquetário do pai, não sendo habitualmente
Abreviaturas:
TORCH – toxoplasmose, outras infecções congénitas (hepatite B, sífilis, herpes zoster), possível colher uma quantidade de sangue sufi-
rubéola, citomegalovírus, herpes simplex
VIH-vírus da imunodeficiência humana ciente para investigação adequada. A resolução
* → Causas mais frequentes
(#) → por diminuição de produção ocorre com a completa destruição dos anticorpos
(“) → por sequestração
→ As situações não assinaladas com os símbolos (# ) ou (“ ) correspondem a mecanismo maternos, alguns meses após o nascimento.
de destruição aumentada
Em muitos casos coexistem mecanismos combinados( por ex. sépsis, asfixia, RCIU, Por último, salienta-se ainda a importância do
pré-eclâmpsia, enterocolite, etc.)
aconselhamento pré-natal nestes casais, uma vez
1922 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

TROMBOCITOPÉNIA PRECOCE

Plaquetas 50-150.000 Plaquetas < 50.000

Hipertensão materna
Insuficiência placentar RN beg RN doente

SIM NÃO
T. imune Sépsis
Ins. placentar CID
TORCH
Hemólise
RN beg RN doente RN doente RN beg
grave

Vigiar Sépsis T. imune


plaquetas 10 d. CID Drogas
TORCHS

Normal < 150.000

T. imune Abreviaturas:
beg=bom estado geral ;Plaquetas= valor por mm3; T=trombocitopénia
Drogas CID=coagulação intravascular disseminada; d=dias

FIG. 1
Abordagem do RN com trombocitopénia precoce.

que a gravidade da incompatibilidade tem ten- ser realizadas determinações diárias durante a
dência crescente, necessitando de rigorosa vigilân- primeira semana de vida. Posteriormente, é espe-
cia hematológica e ecográfica a partir das 20 sema- rado um aumento espontâneo progressivo, com
nas gestacionais. normalização do número das plaquetas até às 3
semanas de vida; por vezes tal normalização pode
2. Trombocitopénia autoimune requerer mais tempo (meses) e enquanto não se
Grávidas com púrpura trombocitopénica idiopática, completar o catabolismo completo dos anticorpos.
lúpus eritematoso sistémico ou que necessitaram de Contrariamente à trombocitopénia aloimune, as
terapêutica farmacológica (heparina) produzem auto- manifestações clínicas são em geral ténues, com risco
anticorpos plaquetários com a capacidade de de hemorragia intracraniana muito mais baixo, infe-
transpor a placenta e provocar destruição das pla- rior a 1%. Um factor preditivo de maior gravidade é
quetas fetais em cerca de 10% dos casos. O valor a ocorrência de trombocitopénia num filho anterior.
numérico das plaquetas do RN (relacionado com a
gravidade da doença materna) diminui entre as 48 3. Trombocitopénia associada a infecção
e as 96 horas após o nascimento, pelo que deverão Em RN evidenciando sinais de doença e trombo-
CAPÍTULO 356 Trombocitopénia neonatal 1923

FIG. 3
Aspecto radiográfico do caso da Figura 1: ausência do rádio
esquerdo sendo notório sinal de cardiomegália relacionável
com cardiopatia. (URN-HDE)

4. Trombocitopénia congénita e hereditária


Na grande maioria dos casos, o mecanismo res-
ponsável pela trombocitopénia reside na diminui-
ção da produção de plaquetas. Como exemplos
citam-se a trombocitopénia amegacariocítica
congénita (em geral associada a anomalias congé-
nitas e a anomalias de forma e de dimensão das
plaquetas), a síndroma TAR (trombocitopénia
FIG. 2
associada a aplasia do rádio) (Figuras 2 e 3), ane-
RN com síndroma TAR associada a RCIU e trissomia 18. mia de Fanconi, associada a trissomias 13, 18 ou
(URN-HDE) 21, acidémia metilmalónica, etc.. Em geral, a trom-
bocitopénia é ligeira a moderada.
citopénia precoce ou tardia, há que admitir como Nas situações congénitas o diagnóstico dife-
causa subjacente mais provável a infecciosa. rencial faz-se com outras síndromas congénitas
Efectivamente, cerca de 80% das infecções sistémi- cursando com diátese hemorrágica e alteração
cas comprovadas evoluem com trombocitopénia. qualitativa das plaquetas tais como:
O principal mecanismo responsável é a maior – síndroma de Bernard Soulier transmitida de
destruição secundária, quer à lesão do endotélio modo autossómico recessivo e caracterizada por
com adesão e agregação plaquetária, quer devido défice de adesão plaquetária, e por plaquetas com
a destruição plaquetária. volume aumentado (Capítulo 149);
Em relação às sépsis bacterianas, na data do – trombastenia de Glanzmann , situação igual-
diagnóstico, pelo menos 25% dos RN evidenciam mente autossómica recessiva em que se verifica
trombocitopénia podendo persistir durante alguns défice de adesão plaquetária (Capítulo 149);
dias. As infecções víricas (incluindo por Coxsackie – síndroma de Wiskott-Aldrich, que corres-
B, Echovírus 11, Parvovírus B19, VIH) e por germes ponde a quadro hereditário ligado ao cromossoma
do grupo TORCHS podem igualmente ser causa- X a que se associam eczema, e diminuição do
doras de trombocitopénia. volume e de adesão plaquetários (Capítulo 69).
1924 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

5. Trombocitopénia induzida por drogas se verificado o aparecimento de anticorpos neu-


Algumas drogas administradas durante a gravi- tralizantes e prolongado tempo de latência quanto
dez, como a azatioprina, o quinino, a cocaína, o ao efeito (cerca de 6 a 10 dias)
ácido acetilsalicilico, a hidralazina ou tiazidas, são As indicações gerais de transfusão de plaque-
susceptíveis de causar trombocitopénia não só na tas (concentrado plaquetário) em função do res-
grávida, como também no feto e RN, através de pectivo número verificado no sangue periférico
mecanismo imunológico não são totalmente sobreponíveis em diversos
Alguns medicamentos utilizados em recém- centros mundiais. Nesta perspectiva, sugere-se ao
-nascidos, como a indometacina, a vancomicina leitor a consulta do Capítulo 155 onde aquelas são
ou a heparina, podem igualmente ser responsá- descritas. Como regra geral, o RN é transfundido
veis por trombocitopénia neonatal. (Quadro 1) na base de 5-10 ml / Kg de concentrado plaquetá-
rio CMV negativo, em 30 a 60 minutos; a desleu-
6. Insuficiência placentar cocitação do preparado reduz o risco da trans-
Situações de hipertensão induzida pela gravidez, missão do citomegalovírus a níveis semelhantes
restrição do crescimento intrauterino, diabetes aos obtidos com o uso de sangue seronegativo.
gestacional ou hipóxia, são frequentes na grávida, Na trombocitopénia aloimune devem ser utili-
constituindo uma causa comum de trombocitopé- zadas plaquetas maternas lavadas para remover
nia no RN, em particular no pré-termo; o meca- os anticorpos ou, em alternativa, plaquetas de
nismo em causa relaciona-se com défice de produ- dador HPA-1a negativo, e imunoglobulina intra-
ção (diminuição da megacariocitopoiese). venosa (IGIV: 0,5 – 1 g/kg/dia durante 3-5 dias ou
A trombocitopénia, em geral ligeira ou mode- até subida numérica das plaquetas acima de
rada, e detectada no pós-parto, atinge valor míni- 50.000/mm3); salienta-se que a IGIV deve ser
mo entre o 2º e o 4º dia, e normaliza entre o 7º e 10º iniciada mesmo antes do início da transfusão.
dia de vida. Não é habitualmente necessário qual- Nas grávidas com antecedentes de filho ante-
quer tratamento. rior com trombocitopénia aloimune e hemorragia
intracraniana, deve iniciar-se tratamento com
7. Idiopática imunoglobulina semanal, associada ou não a cor-
Tal como foi referido antes, em mais de metade ticoterapia, a partir das 12 semanas de gestação; a
dos casos, mesmo após investigação adequada, necessidade de manter este tratamento, pode ser
não se encontra uma causa evidente para a trom- confirmada a partir da tipagem plaquetária do
bocitopénia. Habitualmente, o número de plaque- feto, obtida por amniocentese a partir das 15
tas é superior a 50.000/mm3, podendo a normali- semanas de gestação. Em centros especializados,
zação ocorrer somente após várias semanas. quando o feto é HPA-1a positivo, a contagem das
plaquetas fetais a partir de cordocentese permite
Tratamento avaliar se a terapêutica está a ser eficaz; e, caso tal
não aconteça, está indicada a realização de trans-
O tratamento da trombocitopénia é determinado fusões intrauterinas repetidas de plaquetas com-
pela etiologia subjacente; salienta-se, no entanto, patíveis.
que o tratamento substitutivo com recurso à trans- Na trombocitopénia auto-imune recomenda-
fusão de plaquetas constitui o único possível em -se a administração de imunoglobulina intraveno-
grande número de situações. sa (IGIV: 1g/Kg/dia em dois dias consecutivos ou
O uso de factores de crescimento, nos quais se 0,5g/Kg/dia durante quatro dias), podendo asso-
depositou inicialmente grande expectativa, tem ciar-se prednisolona (3 mg/kg/dia durante 3 a 7
algumas limitações que comprometem a sua utili- dias) na ausência de resposta à IGIV. A transfusão
zação: de plaquetas irradiadas na trombocitopénia auto-
– relativamente à interleucina 11 recombinan- imune pode considerar-se ineficaz, pois as mes-
te, tais limitações relacionam-se com surgimento mas são prontamente destruídas independente-
de retenção hídrica e arritmia; mente do dador; no entanto, em situações extre-
– quanto à trombopoietina recombinante tem- mas ou perante a verificação de valor de plaque-
CAPÍTULO 357 Doença hemorrágica por défice de vitamina K 1925

357
tas inferior a 30.000/mm3, a referida transfusão
poderá ser ponderada em associação à IGIV e
prednisolona.

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Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson tese por carência de vitamina K, a qual surge em
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders, crianças não submetidas a profilaxia com vitamina
2011 K no pós-parto imediato (cerca de 0,2 a 1,8% de
MacDonald MG, Mullett MD, Sehia MMK (eds). Avery_s RN, na sua forma clássica ou precoce, e cerca de 4,3
Neonatology. Pathophysiology and Management of t he a 10,3/100.000 de lactentes, na sua forma tardia).
Newborn. Saunders: Philadelphia, 2005. Com efeito, de acordo com estudos epide-
McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and miológicos que datam do início da década de 40
Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill do século passado, verificou-se que com a admi-
Livingstone, 2008 nistração profiláctica de vitamina K1 (1 mg) por
Murray NA, Howarth L J, McCloy M P, Roberts I A G. Platelet via IM ao RN após o nascimento, a incidência da
transfusion in the management of severe thrombocytope- doença na sua forma clássica (ver adiante) era
nia in neonatal intensive care unit patients. Transfus Med 0,07-0,25/100.000 nado-vivos, e 0,25/100 a
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and management. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2003; para a síntese de proteínas coagulantes e anticoa-
88: F359 – F364. gulantes nas quais se incluem os factores II, VII,
Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon IX, X, proteína C e proteína S. Por sua vez, o défi-
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill ce dos factores II,VII,IX e X conduz a défice de
Medical, 2011 protrombina .
Sola M C. Evaluation and treatment of severe and prolonged Em circunstâncias fisiológicas verifica-se habi-
thrombocytopenia in neonates. Clin Perinatol 2004; 31: 1– tualmente um diminuição moderada dos factores
14. II, VII, IX e X entre as 48-72 horas de vida (no RN
Sola M C, Vechio A, Rimsza L M. Evaluation and treatment of pré-termo entre as 48 horas e os 7 dias de vida),
thrombocytopenia in the neonatal intensive care unit. Clin com normalização dos respectivos níveis entre os
Perinatol 2000; 27: 655 – 679. 7 e 10 dias de vida (no RN pré-termo, mais tarde).
Este défice transitório de factores vitamina
K-dependentes deve-se provavelmente ao défice
1926 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

vitamina K livre na grávida/mãe e à ausência de forma clássica, a probabilidade de hemorragia


flora bacteriana intestinal do RN que conduz à intracraniana é, no entanto, maior.
síntese de vitamina K neste último, predispondo a
hemorragia espontânea, mais ou menos prolonga- Diagnóstico diferencial
da. Sendo o leite materno deficitário em vitamina
K, tal predisposição é mais acentuada em RN ali- O diagnóstico diferencial da doença hemorrágica
mentados com leite humano. do RN por défice de vitamina K faz-se fundamen-
Os estados de carência materna de vitamina K talmente com a coagulação intravascular dissemi-
no RN podem também ser provocados por fárma- nada e o défice congénito de um ou mais factores de coa-
cos administrados à mãe (por ex. fenobarbital, gulação (que não os dependentes da vitamina K).
fenitoína) interferindo no metabolismo daquela. Chama-se a atenção para o facto de somente
De salientar, por outro lado, que situações que cerca de 5 a 30% dos casos de défice de factores
ultrapassam o período neonatal (no lactente) VIII e IX se manifestarem no período neonatal.
acompanhadas de má-absorção intestinal, hepati- Nos casos de hemorragia gastrintestinal
te, atrésia das vias biliares ou de supressão da poderá admitir-se a hipótese de síndroma de sangue
flora intestinal por antibioticoterapia oral prolon- materno deglutido, eventualmente presente no estô-
gada, podem originar quadro de carência de vita- mago ou nas fezes, (por exemplo explicável por
mina K com manifestações hemorrágicas mais tar- fissuras mamárias) utilizando-se a prova de Apt;
dias, caso não se verifique compensação através esta prova baseia-se na detecção de sangue do RN
do regime nutricional. (em que predomina a Hb fetal que é álcali-resis-
tente) no leite materno ou no aspirado gástrico.
Manifestações clínicas No RN pré-termo, a verificação de equimoses
poderá ser explicável por fragilidade capilar, e não
São descritas três formas de apresentação da por défice de vitamina K ou por défice de factores
doença hemorrágica por carência de vitamina K, de coagulação.
no RN e lactente, designadas respectivamente por
precoce, clássica e tardia: Exames complementares
1 – precoce (em geral nas primeiras 24 horas de
vida), aguda e rara, no contexto de antecedentes Na doença hemorrágica do RN os tempos de pro-
gravídicos de ingestão de fármacos tais como pri- trombina, de coagulação, e de tromboplastina par-
midona, fenobarbital, fenitoína, metsuximida, cial estão prolongados; os níveis de protrombina
rifampicina, isoniazida, etc.); poderão surgir (factor II) assim como os dos factores VII, IX e X
hematemese, melena, hemorragia intrabdominal, estão diminuídos. A vitamina K facilita a carboxi-
hemorragia intracraniana e céfalo-hematoma exu- lação pós- transcrição dos factores II, VII, IX e X; na
berante; ausência de descarboxilação, tais factores formam
2 – clássica (em geral entre o 2º e 7º dias de vida), o complexo proteico designado pela sigla em
caracterizada por um ou mais dos seguintes sinais: inglês PIVKA (protein induced in vitamin K absence)
epistaxe, hematemese, melena, hemorragia umbili- o qual constitui um marcador com elevada sensi-
cal, hemorragia vaginal, equimoses, hematúria e, bilidade para detecção da carência de vitamina K.
raramente, hemorragia intracraniana; hoje rara, O tempo de hemorragia, o número de plaque-
face à atitude profiláctica sistemática, os casos des- tas circulantes, o nível dos factores V, VIII, de fibri-
critos têm sido associados alimentação com leite nogénio, a fragilidade capilar e a retracção do coá-
materno exclusivo na ausência de profilaxia; gulo evidenciam valores normais no recém-nasci-
3 – tardia (em geral entre as 2 e 12 semanas de do de termo.
vida), com incidência ~4 a 10/100.000 , relaciona-
da com antecedentes de má absorção (fibrose Prevenção
quística, diarreia crónica, doença celíaca), atrésia
das vias biliares, hepatite, défice de alfa 1-antitrip- Considerando as diversas formas clínicas ante-
sina,etc.; com manifestações sobreponíveis à riormente descritas é estabelecido o seguinte
CAPÍTULO 357 Doença hemorrágica por défice de vitamina K 1927

esquema preventivo recomendado pela Academia para reposição dos factores de coagulação defi-
Americana de Pediatria: citários: 10-20 mL/kg (Capítulo 155).
No RN: – Outros procedimentos incluem (em casos de
– Administração sistemática no pós-parto a hemorragia gástrica) lavagem gástrica com soro
todo e qualquer RN de vitamina K1 na dose entre fisiológico à temperatura ambiente até obtenção
0,5 a 1 mg por via intramuscular(IM) ou subcutâ- de aspirado gástrico claro.
nea (SC) (ou 2-4 mg por via oral nos casos em que
aquelas vias estejam contra-indicadas); BIBLIOGRAFIA
NB- não foi comprovada a possível associação American Academy of Pediatrics. Committee on Fetus and
entre cancro na idade pediátrica e administração Newborn. Controversies concerning vitamin K and the
de vitamina K por via intramuscular admitida há newborn. Pediatrics 2003; 112: 191-192
anos por alguns autores; a absorção por via SC é Burke CW. Vitamin K deficiency bleeding: overview and consi-
semelhante à absorção por via IM; derations. J Pediatric Health Care 2013; 27: 215-221
– Administração de vitamina K1 -1 mg por via Chanville AB, Oudyi M, Bresson V, et al. Maladie hémorra-
IM (uma dose semanal) nos RN submetidos a gique par déficit en vitamine K: à propos d'un cas secon-
nutrição parentérica total; ou preparado comercial daire à une cholestase transitoire. Archives de Pédiatrie
contendo vitamina K1 (capítulo 343); 2013;20: 503-506
– Administração de vitamina K1 – 1 mg por via Christensen RD(ed). Hematologic Problems of the Neonate.
IM(uma dose mensal) nos casos de RN e lactentes Philadelphia: Saunders, 2000
com antecedentes de restrição de crescimento Cloherty JP, Eichenwald EC, Strak AR. Manual of Neonatal
intra-uterino, com estados de desnutrição de Care. Philadelphia; Lippincott Williams & Wilkins, 2008
diversas etiologias, alimentados exclusivamente Cruz M (ed). Tratado de Pediatria. Barcelona:Ergon, 2011
com leite humano e submetidos a antibioticotera- Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
pia de largo espectro; Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
– Administração de vitamina K1 – 1 mg por via 2011
IM (uma dose mensal) em situações de doença Laubscher B, Banziger O, Schubiger G, et al. Prevention of vita-
crónica com risco elevado de diátese hemorrágica min K deficiency bleeding with three oral mixed micellar
por défice de viatmina K: fibrose quística, hepati- phylloquinone doses: results of a 6-year (2005-2011) sur-
te neonatal, défice de alfa 1-antitripsina,doença veillance in Switzerland. Eur J Pediatr 2013; 172: 357-360
celíaca, diarreia crónica, etc.; McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S (eds). Forfar and
Na grávida: Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
– Administração no terceiro trimestre de vita- Livingstone, 2008
mina K1 -5 mg/dia por via oral e/ou de 10 mg IM Nathan DG, Orkin SH, Ginsburg D (eds). Hematology of
quatro horas antes do parto (havendo tratamento Infancy and Childhood. Philadelphia: Saunders, 2003
com anticonvulsantes), seguida de profilaxia no RN. Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
Tratamento Medical, 2011
Von Kries RV, Gobel U, Hachmeister A, Kaletsch U, Michaelis
Nos casos de doença estabelecida procede-se do J. Vitamin K and childhood cancer: a population based
seguinte modo: case-control study in Lower Saxony, Germany. BMJ 1996;
– Administração de vitamina K1 na dose de 2 a 313: 199-203
10 mg (20 mg nos casos de hemorragia intracra- Zipursky A. Prevention of vitamin K deficiency bleeding in
niana ou formas graves) por via SC; dever-se-á newborns. Br J Haematol 1999; 104:430-437
evitar a administração por via IM (pelo risco de
formação de hematomas); igualmente poderá ser
utilizada a via IV(intravenosa) na dose entre 1-5
mg, com precaução pelo risco de reacção anafilác-
tica e de morte súbita;
– Administração de plasma fresco congelado
1928 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

358
impregnação do pigmento nos núcleos da base. A
forma mais grave é constituída pelo chamado ker-
nicterus que pode ter evolução fatal.
Neste capítulo é dada ênfase às situações asso-
ciadas a hiperbilirrubinémia não conjugada.

ICTERÍCIA NEONATAL Etiopatogénese

João M. Videira Amaral Para a compreensão dos diversos quadros clínicos


da icterícia neonatal e das medidas profiláctico –
terapêuticas a instituir, designadamente no âmbi-
to das hiperbilirrubinémias à custa da fracção não
Definição e importância do problema conjugada da bilirrubina (com riscos potenciais
em função do valor, idade gestacional, idade pós-
A icterícia, síndroma resultante da impregnação natal e contexto clínico), será útil abordar as eta-
da pele e mucosas pelo pigmento bilirrubina pas fundamentais do metabolismo da bilirrubina,
quando o mesmo ultrapassa determinado valor a sua toxicidade e os principais factores predispo-
sérico (> 7 mg/dL no RN versus > 2 mg/dL no nentes da síndroma ictérica.
adulto) , constitui uma das manifestações clínicas
mais frequentes no período neonatal (entre 25 e Metabolismo da bilirrubina
50% dos RN de termo e percentagem superior no Síntese
pré-termo). Por outro lado, em cerca de 6% dos A bilirrubina é o produto final do catabolismo dos
RN de termo são atingidos valores de bilirrubiné- pigmentos contendo heme (Figura 1). A maior parte
mia > 13 mg/dL e, em cerca de 3%, >15 mg/dL. da sua produção (80-85%) tem lugar ao nível do SRE
Não existe uma definição universalmente acei- (especialmente fígado, baço, medula óssea e tecidos
te sobre o que se considera “valor normal de bilir- com macrófagos) por degradação oxidativa da Hb
rubinémia”. Em termos práticos considera-se que provém dos eritrócitos envelhecidos; e median-
habitualmente hiperbilirrubinémia do RN toda e te a intervenção da enzima heme-oxigenase e do pig-
qualquer situação clínica associada a bilirrubiné- mento celular citocrómio P450, forma-se biliverdina.
mia total superior a 13 mg/dL no RN de termo, e A biliverdina-redutase ao nível dos microssomas
superior a 10 mg/dL no RN pré-termo; torna-se dos macrófagos promove a hidrogenação da biliver-
óbvio que este critério se pode considerar arbitrá- dina IX-a, que se transforma em bilirrubina indirec-
rio uma vez que valores inferiores àqueles limites ta, livre, não conjugada, lipossolúvel.
nas primeiras 24 horas de vida e em determinadas Uma pequena parte da produção da bilirrubina
circunstâncias poderão constituir já risco impor- (15-20%) tem origem em moléculas proteicas com
tante para o SNC. heme (mioglobina, peroxidase, triptofano-pirrolase,
Na grande maioria dos casos a icterícia relacio- catalase, citocrómios, citocrómio-oxidase, etc.) e na
nada com elevação da fracção não conjugada da chamada eritropoiese ineficaz. Nesta fase do meta-
bilirrubina (ou indirecta, retomando a nomencla- bolismo da bilirrubina (síntese) o mecanismo prin-
tura antiga relacionada com a reacção de Van den cipal da hiperbilirrubinemia é uma hiper-hemólise.
Bergh) tem uma evolução benigna, sendo conside- Sabendo que 1 g de hemoglobina catabolizada ori-
rada classicamente como icterícia fisiológica, isto é gina 34 mg (600 µ mol) de billirrubina, pode dedu-
manifestação própria e expectável no RN. Todavia, zir-se que a descida de 1 g de Hb/dL/dia é res-
num pequeno número poderão surgir níveis eleva- ponsável pela quadruplicação da produção diária
dos de bilirrubinémia não conjugada comportando de bilirrubina, a qual pode atingir 28 mg/kg/dia.
risco de toxicidade para o SNC e de encefalopatia A bilirrubina assim sintetizada (chamada bilir-
de grau variável (com lesões ligeiras, moderadas rubina IX-a, indirecta, livre, não conjugada) é lipos-
ou graves); o substrato anátomo- patológico de tal solúvel, ultrafiltrável, com grande poder de difusão
encefalopatia corresponde fundamentalmente a extravascular, difusível em todos os tecidos e tóxi-
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1929

ca para as células, sobretudo as dos núcleos basais [Bilirrubina] x [Albumina] /


do encéfalo; cerca de metade da bilirrubina sinteti- / [Bilirrubina-Albumina] = K
zada, pela sua lipossolubilidade, deposita-se rapi-
damente nos tecidos onde se forma, e igual quanti- ou seja, a quantidade de bilirrubina livre varia
dade atinge a circulação. A produção aumentada inversamente à concentração de albumina dis-
de bilirrubina pode ser determinada pela taxa de ponível para se lhe ligar (Figura 2).
excreção de CO (ver adiante). A capacidade de fixação bilirrubina-albumina
é susceptível de ser diminuída por certos factores:
Transporte sérico diminuição do pH, diminuição da quantidade de
Como foi referido, parte da bilirrubina que albumina na circulação como acontece no RN pré-
deixa o SRE é transportada em ligação principal- termo, fenómenos competitivos desempenhados
mente à albumina (complexo bilirrubina-albumi- por substâncias biológicas (por ex. AGNE ou áci-
na),e acessoriamente em ligação com ácidos gor- dos gordos não esterificados, alfa-globulinas, lipo-
dos plasmáticos e certas lipoproteínas eritrocitá- proteínas, etc.) e por certos fármacos [por ex. dro-
rias e globulinas. O complexo albumina-globulina gas aniónicas, sulfamidas, antibióticos (moxalac-
é hidrossolúvel, não ultra filtrável, ou seja, de tam, ácido fusídico, infusão rápida de ampicilina),
menor difusão extravascular, não penetrando no meios de contraste radiológico (ácido ipanóico, e
espaço intracelular, nomeadamente nas células outros), ácido acetilsalicílico, etc.] que igualmente
nervosas. se ligam à albumina; tal diminui a probabilidade
A união bilirrubina-albumina é possível em 2 de ligação à bilirrubina, passando esta a circular
centros de ligação: ao primeiro liga-se uma molé- livre no plasma, e em quantidade tanto maior
cula de bilirrubina intensamente, sendo dificil- quanto maior a taxa de ocupação dos centros de
mente deslocável; ao segundo ligam-se duas, mas ligação da albumina por outras “substâncias
a afinidade é menor. Portanto, cada molécula de concorrentes”, e menor a quantidade de albumi-
albumina é capaz de transportar, pelo menos, três na.Por outro lado, quanto maior o teor de bilirru-
moléculas de bilirrubina. bina livre, não ligada à albumina , maior a proba-
Outra parte da bilirubina encontra-se livre no bilidade de passagem daquela para as células (e,
plasma, segundo a lei da acção de massa: designadamente, células nervosas). Este risco

SISTEMA RETICULOENDOTELIAL

ERITRÓCITOS ERITROPOIESE HEME-PROTEÍNAS


ENVELHECIDOS INEFICAZ (não eritrocitárias)

HEME – OXIGENASE HEME CITOCRÓMIO P450

BILIVERDINA-REDUTASE BILIVERDINA IX-a

BILIRRUBINA IX-a e isómeros


(Indirecta, livre, não conjugada, lipossolúvel)

1g de Hb gera 34 mg de bilirrubina
Produção de bilirrubina:
PLASMA • RN normal: 6-10 mg/kg/dia
• Adulto: 3-4 mg/kg/dia

FIG. 1
Metabolismo da bilirrubina. A designação formal da molécula de bilirrubina nativa é: 4Z, 15Z-bilirrubina IX-a ou α.
1930 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Captação da bilirrubina pelo hepatócito e


SINUSÓIDE Dissociação do complexo
Bilirrubina não conjugada – Albumina
conjugação
Não obstante a ligação estreita bilirrubina-
albumina, a bilirrubina não conjugada é separada
da albumina ao nível dos sinusóides com a com-
Hepatócito CAPTAÇÃO DE BILIRRUBINA NÃO
participação de receptores de membrana da bilir-
Citoplasma CONJUGADA (BNC)
rubina à superfície dos hepatócitos, sendo depois
captada pelo hepatócito (Figura 2).
A transferência da bilirrubina do líquido extra-
Recepção Proteínas Y e Z celular para o citosol hepático parece ser influen-
(Transporte
intracelular) ciada pelos respectivos gradientes de concentra-
ção através da membrana celular e pelo teor em
proteínas disponíveis no referido citosol, chama-
BNC – Y
das proteínas captadoras de aniões: Y e Z. São pre-
BNC – Z cisamente as proteínas Y e Z (esta última em
menor grau) que transportam a bilirrubina até ao
retículo endoplásmico onde tem lugar a glucuro-
UDPGT UDPGA no-conjugação principalmente com o ácido glu-
curónico (uridina-di-phosfato-glucurónico-ácido
Retículo BILIRRUBINA ou UDPGA) realizada sob a dependência duma
endoplásmico CONJUGADA (BC) enzima dos microssomas, a UDPG-T (uridina-di-
phosfato-glucurónico-transferase).
A UDPGA provém da uridina-di-phosfato-glu-
FIG. 2
cose (UDPG) através dum processo de desidroge-
Transporte, captação e conjugação da Bilirrubina. nação dependente da enzima UDPG-desidrogena-
se. A função da UDPG-desidrogenase depende
pode ser quantificado do seguinte modo (conside- dum suprimento contínuo de glucose e/ou de
rando as relações molares bilirrubina/albumina a reservas de glicogénio; isto é, a glucose actua
um pH de 7,40): como fonte de ácido glucurónico, sendo portanto,
– 1 grama de albumina fixa, no máximo, 17 mg fundamental para a função normal do sistema de
de bilirrubina (29 µmoles) conjugação da bilirrubina.
– albuminémia normal <> 35 g/L (ou 3,5 De salientar que a bilirrubina também se pode
g/dL) <> (510 µmoles) conjugar, acessoriamente, com a xilose, glucose,
Ora, a saturação (ou capacidade máxima de outros glúcidos, e possivelmente, com sulfatos e
fixação de bilirrubina pela albumina) atinge-se aminoácidos.
quando o valor da bilirrubina em µmoles atingir No RN de termo e, sobretudo, no RN pré-
510 µmoles (ver acima), ou seja, quando atingir termo reúnem-se um certo número de circunstân-
cerca de 29 mg/dL (ou 290 mg/L<> 510 µmoles), cias susceptíveis de dificultar directa ou indirecta-
ou relação molar de 1/1. mente a conjugação: défice enzimático transitório,
Se o valor de albuminémia for inferior a 35 g/L tendência para a hipoglicémia associada a defi-
(por ex. no RN pré-termo), tal saturação (e risco cientes reservas de glucose e/ou imaturidade
consequente de passagem de bilirrubina para a enzimática, défice de proteína Y, etc.. A maturação
célula nervosa) atinge-se com valores inferiores de ou intensificação da actividade da UDPG-T
bilirrubina. depende da presença da hormona tiroideia e dum
Em conclusão, o risco de neurotoxicidade deve substrato – a bilirrubina – que, na vida fetal, é eli-
ter em conta, não só o valor da bilirrubinémia minada através da placenta. Por outro lado, a refe-
indirecta ou não conjugada, mas também o teor de rida actividade pode ser induzida pelo fenobarbi-
albumina no sangue (verificando-se risco se rela- tal ou outros fármacos (ver adiante icterícia
ção molar ≥ 1/1). fisiológica).
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1931

Polimorfismos e mutações nos genes das enzi- iniciar a alimentação, ou seja, o urobilinogénio e
mas de conjugação podem explicar situações estercobilinogénio (precursores de urobilina e
caracterizadas por não conjugação da bilirrubina, estercobilina, respectivamente) somente se for-
originando hiperbilirrubinémia não conjugada mam se for iniciada a alimentação per os. Uma
(indirecta) a que se fará referência adiante. pequena fracção de urobilinogénio é excretada na
No feto não existe glucuronoconjugação, urina. A oxidação de urobilina e estercobilina
sendo que toda a bilirrubina formada passa livre- contribui para a cor normal das fezes e urina.
mente a barreira placentária e é metabolizada no Existe também outra particularidade da fisio-
fígado da mãe. logia do intestino do feto e RN: é a existência da
beta – glucuronidase no lume e epitélio cuja fun-
Excreção da bilirrubina ção consiste em catalizar a desconjugação da bilir-
Somente após a conjugação se torna possível a rubina (função que está aumentada na ausência
excreção (de modo activo com a participação de de flora), dando origem a ácido glucurónico e a
sistema de transporte dependente de energia – bilirrubina não conjugada. Esta última é reabsor-
bombas MRPR2 e MDR3) – pelo hepatócito nos vida para a circulação, contribuindo para aumen-
canalículos biliares e tubo digestivo: a bilirrubina tar significativamente a taxa sérica de bilirrubina
conjugada, chegando ao intestino veiculada pela não conjugada ou indirecta (recirculação êntero-
bílis, é ulteriormente reduzida e degradada pelas hepática).
bactérias saprófitas do tubo digestivo em urobili- Pode concluir-se que a bílis contém elevada
nogénio e estercobilinogénio (Figura 3). concentração de bilirrubina que, no adulto, é
Acontece, no entanto, que no período pós- sobretudo bilirrubina IX-a*, pigmento que não
parto imediato não existem bactérias no tubo poderá ser excretado sem conjugação. Contudo,
digestivo; a flora, com efeito, só surge após se no RN, para além da bilirrubina IX-a, formam-se
outros isómeros hidrossolúveis que podem ser
excretados directamente (pela bílis e urina), isto é
VIAS BILIARES sem necessidade de conjugação. Por outro lado,
BÍLIS esta particularidade permite tirar partido do efei-
BC (Bilirrubina Conjugada) to fotoquímico da luz com comprimento de onda
entre 420 e 480 nm, a qual promove a transforma-
TUBO DIGESTIVO
ção de bilirrubina IX-a em isómeros hidrossolú-
veis (por ex. Z-lumirrubina) excretados pela bílis e
urina, o que pode constituir estratégia para redu-
zir o nível sérico da hiperbilirrubinémia em deter-
Flora Ausência de Flora
minadas situações de risco, rendibilizando a eli-
minação do pigmento (ver adiante).

Redução ß - Glucuronidase Toxicidade da bilirrubina


Bacteriana (BC) Ao abordar a problemática da neurotoxicidade da
bilirrubina é importante uma referência sucinta ao
Desconjugação BC conceito fisiológico clássico da chamada “barreira
Urobilinogénio hemato-encefálica que se opõe à passagem de
e estercobilina BNC macromoléculas e compostos polares”; tal barrei-
fecais ra corresponde a um substrato estrutural consti-
Circulação tuído pelas células endoteliais dos capilares cere-
êntero-hepática brais e pelas “junções intercelulares” que restrin-

FIG. 3 *Bilirrubina IX-a ou IX-α (sinónimos). De acordo com a configuração


dos arranjos espaciais dos átomos são descritas 2 configurações da
Excreção da Bilirrubina (Consultar Glossário geral: Microbiota). molécula: Z ou cis e E ou trans.
1932 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

gem a difusão intercelular e o movimento de solu- • Multifactorial


tos. Ora, a fracção de bilirrubina livre, não ligada • Não hemolítica, englobando situações, quer
à albumina e não conjugada, atravessa mais facil- acompanhadas de elevação da bilirrubina
mente tal barreira, o que determina maior risco de não conjugada, quer acompanhadas de ele-
toxicidade da célula do SNC. vação da bilirribina conjugada (directa).
Os factores críticos que comprometem o fun- • Hemolítica, englobando situações acompa-
cionamento de tal barreira são a imaturidade, o nhadas de elevação da bilirrubina não conju-
nível de bilirrubina livre não conjugada (condicio- gada (indirecta).
nada por exemplo, pela hipoalbuminémia, como O Quadro 1 sistematiza os grandes grupos
foi atrás referido), e a velocidade de subida da etiopatogénicos de hiperbilirrubinémia não conju-
concentração sanguínea da mesma. gada.
Outros factores podem tornar tal barreira mais
permeável, quer no RN de termo, quer no pré- Factores de risco
termo, tais como: acidose metabólica ou respirató-
ria graves, hipoxémia persistente e infecção sisté- Na prática clínica é importante identificar, logo
mica; estes últimos factores podem explicar situa- desde o nascimento, em RN de termo, e pré-
ções de kernicterus em RN de termo ou quase de termo, os principais factores de risco elevado de
termo. Em suma, todos estes factores contribuem hiperbilirrubinémia indirecta:
para aumentar a toxicidade da bilirrubina. – predisposição genética para hiperbilirrubiné-
mia neonatal (frequente em determinadas etnias
Factores predisponentes de icterícia neonatal asiáticas (Capítulos 141-143);
A elevada frequência com que surge icterícia no – antecedentes familiares de afecção hemolíti-
RN e, de modo especial, no RN pré-termo relati- ca (Capítulo 140);
vamente a outros grupos etários, é explicável por – diabetes materna;
um conjunto de factores (predisponentes), os – prematuridade (risco mais elevado se idade
quais podem ter papel importante, mesmo em gestacional entre 35 e 38 semanas);
situações consideradas não patológicas:
– poliglobúlia fisiológica associada a tempo de QUADRO 1 – Hiperbilirrubinémia não
vida média eritrocitária ~70 dias facilitando a hemó- conjugada (indirecta)
lise, o que corresponde a maior oferta de massa eri- (Icterícia hemolítica e não
trocitária ao fígado para metabolisar, podendo difi- hemolítica)
cultar a excreção de bilirrubina formada;
– défice transitório das enzimas da glucurono- Multifactorial
conjugação, mais acentuado em condições de pre- • Icterícia fisiológica ou do desenvolvimento
maturidade; Causa não hemolítica
– défice em proteína Y; • Icterícia por síntese aumentada de bilirrubina
– actividade aumentada da beta-glucuronidase; • Icterícia por defeito de captação e/ou de conjugação
– no pré-termo acrescentam-se: da bilirrubina
• hipoalbuminémia; • Icterícia por circulação êntero- hepática aumentada
• hipoglicémia; • Icterícia associada à amamentação
• acidose metabólica. • Icterícia secundária ao leite materno
Causa hemolítica
Classificação etiopatogénica • Icterícia por iso-imunização materno-fetal (doença
hemolítica perinatal)
Em função das alterações verificadas nos diversos • Icterícia por enzimopatias eritrocitárias
passos do metabolismo da bilirrubina e dos prin- • Icterícia por membranopatias eritrocitárias
cipais mecanismos responsáveis pela elevação da • Icterícia por hemoglobinopatias
bilirrubina, são deduzidos os três grandes grupos • Icterícia por causas diversas (vitamina K3, fármacos,
de síndroma ictérica: infecções, etc.)
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1933

– irmão anterior com síndroma ictérica neces- obstrução do fluxo normal da bílis (colestase),
sitando de intervenção; sendo que pode haver situações mistas (associa-
– sexo masculino; das a hemólise).
– macrossomia fetal (>4.000 gramas) associada
a diabetes materna; 1. Os exames laboratoriais considerados de
– incompatibilidade de grupos sanguíneos primeira linha, prioritários e essenciais são:
mãe-filho com prova de Coombs directa positiva – grupo sanguíneo (Rh/antigénios Dd; ABO)
no RN(ver adiante); na mãe; idem no RN (sangue do cordão ou sangue
– icterícia neonatal surgida nas primeiras 24 periférico) se mãe Rh negativo e/ou O; pressupõe-
horas de vida (precoce) apontando para causa se, claro, que o grupo sanguíneo da mãe deverá já
hemolítica (em geral, doença hemolítica por ser conhecido tendo em conta a vigilância pré-
incompatibilidade sanguínea mãe-filho); natal (Capítulos 324 e 325).
– exame físico evidenciando sufusões, equi- – provas de Coombs (pesquisa de anticorpos
moses ou hematomas; maternos anti D) (prova directa no RN e indirecta
– hipogalactia associada a perda ponderal na mãe) se mãe Rh negativo (dd ou Du) e RN Rh
significativa, etc.. positivo (DD ou Dd)*;
– pesquisa de anticorpos anti-A e anti-B no
Notas importantes: sangue do cordão ou no sangue periférico (RN)
– A lista anterior de factores de risco foi dedu- tratando-se de mãe do grupo O e de RN do grupo
zida de estudos epidemiológicos realizados em A ou B;
diversos centros perinatais; como foi atrás referi- – hemoglobina e hematócrito no RN;
do, em regra os RN pré-termo e os portadores de – doseamento de bilirrubina total, fracções con-
icterícia de causa hemolítica têm maior risco de jugada e não conjugada;
encefalopatia bilirrubínica. – estudo morfológico do sangue periférico no
– Hábitos maternos de fumo do tabaco, assim RN [a detecção de esferócitos no sangue do RN
como consumo de álcool e de drogas como a poderá ser (no período neonatal) sinal indirecto
heroína, diminuem o risco de hiperbilirrubinémia. de iso-imunização ABO e não de esferocitose here-
– A bilirrubina tem propriedades antioxi- ditária (Capítulo 141)];
dantes. – contagem de reticulócitos no RN.

Semiologia e exames complementares 2. Após exclusão de situações mais frequentes


no nosso meio, são citados outros exames:
Perante um RN ictérico, a anamnese perinatal e o – pesquisa de anticorpos maternos para anti-
exame físico do RN poderão determinar, em cer- génios irregulares (anti-c, anti-E, anti-Kell, etc.) se
tos casos, a realização dum conjunto de exames mãe Rh positivo no contexto clínico sugestivo de
complementares para esclarecimento etiológico, doença hemolítica perinatal;
salientando-se que o aparecimento de icterícia
nas primeiras 24 horas de vida pós-natal (situação, *→ A prova de Coombs (ou prova da antiglobulina) directa permite pesqui-
sar anticorpos (imunoglobulinas) fixados sobre os eritrócitos do doente.
até prova em contrário, patológica) obrigará sempre a Compreende esquematicamente os seguintes passos: 1) Junção de eri-
investigação laboratorial, cuja sequência é ditada trócitos do doente, com anticorpos fixados sobre os eritrócitos, ao soro
de Coombs (obtido por injecção no coelho de gama-globulina humana
pelo contexto clínico ( ver adiante). permitindo obter anticorpos anti-imunoglobulina humana- ou anticor-
Nas alíneas seguintes são discriminados os pos anti-anticorpos do doente fixados sobre os eritrócitos; 2) A ligação
anticorpo anti-imunoglobulina humana aos anticorpos fixados sobre os
principais exames complementares a realizar: referidos eritrócitos provoca aglutinação dos mesmos (prova não
– alíneas 1. e 2. em situações de icterícia de específica dos anticorpos anti-D).
→ A prova de Coombs indirecta permite pesquisar anticorpos no soro do
aparecimento precoce (< 24 horas de vida) suge- doente (livres ou não fixados sobre os eritrócitos). Compreende os
rindo, até prova em contrário, factor etiológico de seguintes passos: 1) Junção ao soro (com anticorpos livres) de eritróci-
hemólise; tos supostamente com antigénios correspondentes aos referidos anti-
corpos; 2) Se tal acontecer, os anticorpos fixam-se sobre esses eritróci-
– alínea 3. em situações de icterícia de apareci- tos, recobrindo-os; 3) Procedimento, a partir daqui, semelhante ao des-
mento não precoce sugerindo factor etiológico de crito para a prova de Coombs directa.
1934 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– doseamento quantitativo de G-6PD (glucose- – maior actividade da enzima beta-glucuronida-


6 fosfato desidrogenase); se no intestino do RN contribuindo para a hidrólise
– outros doseamentos enzimáticos em função da bilirrubina conjugada, formando-se bilirrubina
do contexto clínico (Capítulo 142); não conjugada que, sendo reabsorvida pela circula-
– resistência globular; ção êntero - hepática, contribui para a elevação da
Nota importante: em função do grau de hemó- bilirrubina não conjugada no sangue periférico.
lise, a icterícia poderá ser notória entre as 24 e 48 A propósito de hiperbilirrubinémia multifacto-
horas: rial cabe citar CY Yeung e TF Fok, de Hong Kong,
que descreveram há 3 décadas um quadro clínico de
3. Nos casos associados a bilirrubinémia conju- hiperbilirrubinémia neonatal comum na China,
gada > 2 mg/dL (icterícia raramente presente na data relacionável com o hábito tradicional de adminis-
do nascimento, em geral notória durante ou a partir da trar aos bebés RN no pós-parto tisanas à base de
1ª semana de vida) estão indicados exames tais certas ervas chinesas, com elevada morbilidade,
como pesquisa de pigmentos e sais biliares na designadamente Kernicterus. Foram descritos dois
urina e fezes, pesquisa de substâncias redutoras mecanismos para explicar tal quadro:1) disfunção
na urina, provas de função hepática, tempo de hepática nos 85% dos casos não associados a hemó-
protrombina, ALT, AST, fosfatase alcalina, serolo- lise; 2) nos restantes casos, desencadeamento de
gia do grupo TORCHS, rastreio de doenças hemólise aguda relacionavel com défice de G-6-PD
metabólicas, ecografia hepatobiliar, etc. (ver altamente prevalente em certas zonas da China.
adiante Capítulos 118, 360, 361, e Parte XXXII).
Manifestações clínicas
Hiperbilirrubinémia multifactorial Tendo em conta que a síndroma ictérica é um
processo dinâmico, face a determinado caso surgi-
Icterícia fisiológica do, será mais preciso no momento da observação
Etiopatogénese excluir icterícia fisiológica do que afirmar o dia-
A chamada “icterícia fisiológica” constitui um gnóstico com segurança, pois um dos critérios
quadro clínico que surge em mais de 50% dos RN habitualmente utilizado é a sua duração.
aparentemente saudáveis; pode considerar-se que Assim, uma icterícia, provavelmente, não é
faz parte do desenvolvimento pós-natal normal. A fisiológica se:
sua etiopatogénese, multifactorial, diz respeito a – surgir antes das 24 horas de vida
alterações, em grau moderado e em simultâneo, – corresponder a valor de bilirrubinémia total
de fases diversas do metabolismo da bilirrubina no sangue do cordão superior a 4 mg/dL
antes descrito: – a velocidade de subida da bilirrubinémia
– excesso de oferta de bilirrubina ao hepatóci- total for superior a:
to devido à policitémia relativa; a destruição eri- > 0,5 mg/dL/hora
trocitária no sistema reticuloendotelial produz > 5 mg/dL/dia
maior quantidade de bilirrubina – 6 mg/kg/dia – a bilirrubinémia total for > 13 mg/dL no RN
versus 3-4 mg/kg/dia no adulto, sendo que, como de termo (ou > 10 mg/dL no pré-termo)
foi referido antes, os eritrócitos do RN têm uma – tiver duração:
vida média mais curta (cerca de 80 dias versus 120 >10 dias no RN de termo (excepto se alimenta-
dias no adulto) e 1 grama de Hb produz cerca de do ao peito)
34 mg de bilirrubina; >21 dias no RN pré-termo
– devido à imaturidade enzimática do fígado, -corresponder a valor de bilirrubinémia conju-
verifica-se captação e conjugação diminuídas gada (directa) > 2 mg/dL
(designadamente por défice de proteína Y e de -existir anemia
UDPG-T); -existir hepatosplenomegália
– ausência ou flora intestinal deficitária limi-
tando a transformação da bilirrubina conjugada Inversamente, a evolução natural da icterícia fisioló-
em urobilinogénio; gica no RN de termo saudável pode ser assim descrita:
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1935

início depois das 24 horas de vida, não devendo determinações com este método, a fim de não fal-
exceder 13 mg/dL na primeira semana, ritmo de sear os resultados.
incremento inferior a 5 mg/dL / dia; início da des- Nalguns centros, como rastreio é utilizada tec-
cida de valores em cerca de 1 semana no RN de nologia para determinar a carboxiemoglobina
termo, e em cerca de 2 semanas no RN pré- termo. (COHb) e para testar o monóxido de carbono expi-
Nota: de acordo com estudos epidemiológicos con- rado com base na produção de CO em resultado do
cluiu-se que cerca de 50% das icterícias com valor de catabolismo do heme (ETCO ou end-tidal carbon
bilirrubinémia superior a 13 mg/dL não são fisiológicas. monoxide) (ver atrás Metabolismo da bilirrubina).
Embora este método não tenha evidenciado mais
A icterícia neonatal progride no sentido cranio- elevadas especificidade e sensibilidade que a bilir-
caudal devido a afinidades do pigmento lipossolú- rubinometria transcutânea, perante situação de
vel para os lípidos do SNC. De acordo com estudos icterícia poderá contribuir para o diagnóstico dife-
de correlação, que datam da década de 60 do sécu- rencial entre hiperbilirrubinémia não conjugada e
lo passado, a cor ictérica verificada na cabeça e pes- hiperbilirrubinémia conjugada (nesta última situa-
coço corresponde grosseiramente a valores séricos ção, não se verificando aumento de CO expirado).
de bilirrubina entre 4,5 e 8 mg/dL; até ao umbigo Dada a possibilidade de evolução de certos
entre 9 e 12 mg/dL; até aos joelhos entre 8 e 15 casos de icterícia para valores de risco de bilirrubi-
mg/dL; até à região palmoplantar > 15 mg/dL. De némia após a alta hospitalar, mesmo em recém nas-
realçar que a avaliação clínica através deste critério cidos de termo ou quase de termo, saudáveis e sem
clínico não é suficientemente segura, implicando sinais de hemólise, Buthani & Johnson nos EUA
designadamente boa visibilidade com luz natural. conceberam um nomograma aplicável em recém-
nascidos a partir de 35 semanas de idade gestacio-
Actuação prática nal inclusive, em que são estratificados determina-
No contexto de presumível quadro de icterícia dos valores de bilirrubinémia em mg/dL e respec-
fisiológica, e tratando-se de criança saudável de tivos percentis (P) em função da idade em horas;
termo, não haverá necessidade de exames comple- foram consideradas curvas evolutivas entre as 12
mentares laboratoriais. No entanto, hoje em dia mui- horas e as 144 horas, delimitando 4 zonas:
tas unidades dispõem de aparelhos de avaliação não – de baixo risco (percentil < 40);
invasiva da bilirrubinémia (bilirrubinómetros – risco intermédio inferior( percentil 40-75);
transcutâneos) utilizando os princípios da reflectân- – risco intermédio superior( percentil 76-95); e
cia espectrofotométrica para determinação da taxa – risco elevado (percentil > 95).
de bilirrubina impregando a pele, a qual é conside- Ou seja, conforme o valor de bilirrubinémia às
rada representativa da bilirrubina no sangue. 48, 60,72 ou 96 horas, assim a atitude a tomar. Esta
Tais aparelhos avaliam determinado índice estratégia tem sido recomendada pela AAP tendo
que, de acordo com tabelas (com valores de corre- em conta a realidade actual generalizada de alta
lação para RN pré-termo, e RN com pele pigmen- precoce da maternidade, o que implica vigilância
tada) permitem estabelecer a correspondência ulterior (Quadro 2).
com a bilirrubinémia com boa correlação (coefi- Tratando-se de hiperbilirrubinémia não conju-
ciente entre 0,91-0,93). Os mesmos estão hoje vul- gada sem sinais de hemólise em RN pré-termo de
garizados e, diminuindo a necessidade de colhei- muito baixo peso, há, pelo contrário, que ponde-
tas sanguíneas, devem ser utilizados como apare- rar a necessidade de determinação frequente de
lhos para rastreio; sempre que os valores obtidos bilirrubina sérica pelo maior risco de kernicterus
pelo método transcutâneo correspondam a bilir- havendo determinados factores predisponentes a
rubinémia estimada de, pelo menos, 10 mg/dL, reiterar, tais como:
dever-se-á confirmar o valor por método conven- – hipoalbuminémia;
cional de colheita de sangue. Se o RN estiver sub- – presença de factores susceptíveis de aumentar a
metido a fototerapia(que origina pigmentação taxa de bilirrubina não ligada à albumina com maior
cutânea), há que colocar um adesivo na zona da probabilidade de penetração na célula nervosa;
pele a ser testada caso se proceda a ulteriores – hipoxémia, e infecção (propiciando maior
1936 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Relação bilirrubinémia-idade em horas e actuação prática

Idade P < 40 P 40-75 P 76- 95 P> 95


(horas) BRB BRB BRB BRB
48 <8,5 8,5-10,7 10,8-13,1 >13,1
60 <9,5 9,5-12,5 12,6-15,1 >15,1
72 <11,1 11,1-13,3 13,4-15,8 >15,8
96 <12,3 12,3-15,1 15,2-17,3 >17,3
Actuação A B C D
A: Alta e nova observação clínica 48 horas depois
B: Determinação da bilirrubinémia ou bilirrubina transcutânea 48 horas depois
C: Idem 24 horas depois
D: Idem 6 a 12 horas depois + fototerapia (ver adiante)
BRB = Bilirrubinémia (mg/dL) (Adaptado de Buthani & Johnson, 2000)

permeabilidade da barreira hemato-encefálica); 2. Icterícia por defeito de captação e/ou


– peso muito baixo (de acordo com regra empí- de conjugação da bilirrubina
rica: considerando o peso de nascimento em gramas e Como exemplos de defeitos do metabolismo nesta
o valor de bilirrubinémia em mg/dL, existe risco de etapa citam-se:
kernicterus se o valor da bilirrubinémia for igual – Síndroma de Crigler-Najjar
ou superior ao valor dos dois primeiros dígitos do Esta síndroma integra dois tipos:
peso; por ex. bilirrubinémia de 11 mg/dL e peso – tipo I, mais grave, transmitido hereditaria-
de 1100 gramas). mente de modo autossómico recessivo.
A etiopatogénese relaciona-se com ausência
Hiperbilirrubinémia não conjugada total da actividade enzimática da UDPG-T (uridino-
de causa não hemolítica difosfo-glucuronil-transferase) por mutações no
gene UGT1A1, do que resultam: hiperbilirrubiné-
1. Icterícia por síntese aumentada de bilirrubina mia não conjugada podendo atingir níveis críticos
Este grupo, englobando dum modo geral quadros (por vezes superiores a 35 mg/dL) e risco elevado
benignos, é caracterizado por hiperbilirrubinémia de encefalopatia. As medidas correctivas englobam,
indirecta não acompanhada de hemólise (os entre outras, fototerapia, exsanguinotransfusão e
valores de bilirrubina ultrapassam os níveis consi- eventual transplantação hepática. (ver adiante alí-
derados fisiológicos). nea sobre doença hemolítica por iso-imunização).
Os exemplos clássicos são: – tipo II, mais benigno e resultante de défice
– Policitémia parcial de UDPG-T, traduzido na clínica por for-
(RN com restrição de crescimento intra-uterino e mas mais ligeiras de hiperbilirrubinémia(não
antecedentes fetais de hipoxémia crónica, atraso de ultrapassando em geral 20 mg/dL), sendo o risco
laqueação do cordão umbilical, transfusão feto-fetal de encefalopatia muito reduzido; por vezes as pri-
ou placento-fetal, administração de ocitocina intra- meiras manifestações ocorrem após o período
parto em doses superiores a 20 Unidades, etc.); neonatal ou na 2ª infância. Como tratamento sin-
– Reabsorção de sangue extravascular tomático utiliza-se o fenobarbital pelo seu papel
(RN com hematomas, equimoses, petéquias, de indutor enzimático.
“máscara equimótica”, hemorragia intracraniana, – Síndroma de Gilbert
etc.). Esta síndroma, surgindo com uma frequência
Constituindo a prematuridade um factor de ~1/1.000, é de transmissão hereditária autossómica
risco de kernicterus como foi dito antes, há sempre dominante ou recessiva; é caracterizada por icterí-
que atender aos respectivos factores predispo- cia ligeira (bilirrubinémia crónica – 3-4 mg/dL, de
nentes descritos na alínea anterior. intensidade oscilante, sendo que os valores de bilir-
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1937

rubinémia aumentam significativamente se houver Os casos de estenose hipertrófica do piloro,


suprimento alimentar deficiente ou episódio infec- estenoses ou atrésias intestinais, íleo paralítico,
cioso. Não existe risco de kernicterus. doença de Hirschprung, obstrução intestinal
Foram descritas mutações e polimorfismos de baixa, etc. tipificam quadros clínicos acompanha-
genes que determinam a expressão da enzima dos de diminuição do peristaltismo intestinal
UDPG-T (genes UGT1A1, TATA box, CAT box, – Sangue deglutido intra-parto
etc.) Descrevem-se formas homozigóticas e hete- Aplica-se neste caso o que foi dito a propósito
rozigóticas, sendo hoje possível o estudo de biolo- do mecónio estagnado (contendo bilirrubina),
gia molecular. A benignidade do quadro não uma vez que 1 grama de Hb constitui substrato
requer tratamento o qual, aliás, não existe. para a produção de 34 mg de bilirrubina.
– Sindroma de Lucey-Driscoll
Trata-se dum quadro de hiperbilirrubinémia 4. Icterícia associada à amamentação
familiar transitória, sendo que a bilirrubinémia A etiopatogénese desta forma clínica relaciona-se
poderá atingir níveis de risco de encefalopatia, o fundamentalmente com o défice de suprimento
que obrigará a exsanguinotransfusão. A etiopato- energético por secreção láctea insuficiente, ou por
génese não está esclarecida, admitindo-se o papel razões várias que poderão determinar diminuição
de um factor sérico inibidor da UDPG-T. da frequência das mamadas ao longo do dia.
– Outras situações Como resultado de tal suprimento insuficiente
O mecanismo de captação e/ou conjugação da poderá verificar-se diminuição do reflexo gas-
bilirrubina pode ser comprometido pela acção de trocólico, hipoperistaltismo intestinal e atraso da
fármacos utilizados na grávida, parturiente ou eliminação do mecónio; são, assim, criadas as
puérpera lactante (através do leite materno) como condições já descritas a propósito da circulação
ocitocina, novobiocina, pregnandiol,etc..No hipo- êntero-hepática aumentada. Sob o ponto de vista
tiroidismo pode igualmente verificar-se défice teleológico, estudos actuais sugerem que tal meca-
transitório da enzima UDPG-T. nismo seja fisiológico e protector do organismo
considerando a acção antioxidante da bilirrubina.
3. Icterícia por circulação êntero-hepática A evolução clínica natural desta síndroma
aumentada ictérica pode assim resumir-se: icterícia surgida
O mecónio existente no intestino pesa cerca de 200 após as 24 horas de vida, sem sinais de hemólise
gramas, estando incluído neste peso 175 mg de (anemia ou hepatosplenomegália), com maior
bilirrubina (50% da qual não conjugada); ou seja, intensidade verificada pelos 7-8 dias de vida e
quantidade de bilirrubina 5 a 10 vezes superior à valores máximos de bilirrubinémia indirecta atin-
produção diária num RN de termo sem patologia. gindo 16-17 mg/dL.
Nos casos em que existe interrupção do trânsi- A actuação prática inclui tentativa de aumento
to intestinal ou diminuição do peristaltismo da estimulação da secreção láctea colocando ao
levando a atraso ou interrupção da eliminação do peito o RN maior número de vezes; em casos espe-
mecónio, criam-se condições para que: a beta-glu- ciais poderá estar indicada fototerapia em função
curonidase actue com mais efectividade sobre a do peso, idade geastacional e idade pós-natal.
bilirrubina conjugada do mecónio “estagnado”
promovendo a sua hidrólise, desconjugando-a; e a 5. Icterícia secundária ao leite materno
bilirrubina indirecta resultante seja absorvida pela A etiopatogénese desta forma clínica poderá rela-
circulação êntero-hepática, aumentando conse- cionar-se fundamentalmente com dois factores:
quentemente os níveis séricos de bilirrubina não – teor aumentado de beta-glucuronidase no
conjugada (indirecta). leite materno e, em especial, em determinados
Como exemplos de situações clínicas explica- leites de certas mães-lactantes, do que resulta o
das por este mecanismo, citam-se: efeito atrás mencionado de desconjugação da bilir-
– Alimentação entérica tardia (jejum prolon- rubina conjugada e absorção da bilirrubina não
gado pós-parto) conjugada atingindo a circulação êntero-hepática;
– Problemas digestivos obstrutivos – teor aumentado de lipase no leite de certas
1938 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mães - lactantes do qual resulta correspondente tulo 140 (generalidade sobre anemias hemolíti-
teor mais elevado em ácidos gordos não esterifica- cas), nesta alínea são abordadas como protótipos
dos de cadeia curta que, absorvidos no duodeno, as diversas formas clínicas da doença hemolítica
bloqueiam o sistema de captação e transporte perinatal por incompatibilidade sanguínea mãe-
intra-hepatócito da bilirrubina, para além de inibi- filho (sistemas ABO, Rh e outros sistemas).
rem a UDPG-T.
A evolução clínica pode ser sintetizada do 1. Doença hemolítica perinatal por iso (ou alo)
seguinte modo: trata-se duma icterícia que surge, -imunização Rh / anti-D
em geral, após o 3º - 4º dia em cerca de 20-30% dos Definição e importância do problema
RN com aleitamento materno exclusivo, mais inten- A doença hemolítica perinatal por iso-imunização
sa entre o 10ª e 15º dia de vida, prolongando-se, por Rh/anti-D define-se como o processo mórbido em
vezes, até aos 2 meses. Em cerca de 2 - 4% dos casos que surge hemólise no feto e RN como conse-
são atingidos valores de bilirrubinémia da ordem quência da ligação de anticorpos maternos anti-D
de 20-25 mg/dL. Inicialmente esta situação com- aos eritrócitos fetais com antigénios D ou com a
porta-se como “icterícia fisiológica prolongada”. variante Du herdados do pai e inexistentes no
Quanto à actuação prática: nos casos de hiper- organismo materno.
bilirrubinémia muito elevada, e verificando-se a A iso-imunização materno-fetal constitui no
presença de factores de risco de kernicterus o RN nosso meio a causa mais frequente de icterícia pre-
deverá ser submetido a fototerapia, suspendendo- coce no período neonatal; ocorre em cerca de 1/3
se a alimentação com leite materno durante 48 do total de casos em RN com grupo Rh positivo,
horas, o que pode constituir atitude “de prova”; de mães com grupo Rh negativo (incompatibilida-
com efeito, a suspensão daquela, estando em causa de Rh), e em cerca de 2/3 do total de casos - nos
o quadro clínico em análise de “icterícia secundária RN com grupos sanguíneos A ou B, de mães O
ao leite materno”, levará a diminuição significativa (incompatibilidade ABO). Os restantes casos de
da bilirrubinémia; em geral a reintrodução do leite iso-imunização (~ 1-2% do total de casos de icterí-
materno poderá originar subida da bilirrubinémia, cia hemolítica), são explicados por iso-imunização
embora para níveis inferiores aos anteriores. atípica - subgrupos Kell, Duffy,Kidd, MNS e outros
Se a icterícia se prolongar para além de 2-3 mais raros; a eles se fará referência adiante.
semanas, haverá que fazer o diagnóstico diferencial Globalmente, a incidência de doença hemolíti-
com patologia associada responsável igualmente ca por incompatibilidade Rh (susceptível de pre-
por icterícia prolongada como por exemplo atrésia venção conforme adiante será referido) é da
das vias biliares ou outra causa de colestase (embo- ordem de 0,2-0,4/1000 gravidezes; no que respei-
ra nesta condição, quase sempre o estado geral ta às formas por incompatibilidades doutros gru-
esteja comprometido, a icterícia seja “verdínica “ e pos tal prevenção ainda não é possível.
haja antecedentes de baixo peso de nascimento e, O risco de iso-imunização Rh (mãe Rh nega-
eventualmente, outros sinais associados); uma aná- tivo e filho Rh positivo) é cerca de 16% em cada
lise sumária de urina excluindo a presença de bilir- gravidez ABO compatível, e cerca de 1-2% em
rubinúria) e a ausência de alterações macroscópicas cada gravidez ABO incompatível (ver adiante).
das fezes (acolia ou hipocolia, em geral intermiten-
te) excluem tal quadro (Capítulo 118). Etiopatogénese
O sistema Rh depende de três pares de alelos,
Em suma, nos RN submetidos a alimentação sendo que cada elemento do par é herdado de
com leite materno são descritos dois quadros clí- cada progenitor. Entre os cerca de 48 antigénios
nicos que importa distinguir. que fazem parte do sistema Rh, em combinações
muito diversas (determinados por outros tantos
Hiperbilirrubinémia não conjugada genes), os designados por c, C, D, e, E são os mais
de causa hemolítica importantes quanto à capacidade de originarem a
produção de anticorpos. As combinações CDe,
Em complemento das noções descritas no Capí- cDE (correspondentes ao fenótipo Rh positivo/
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1939

/Rh(+) pela presença do antigénio D) são as mais recimento de anticorpos IgM anti-D que, não atra-
frequentes, e a combinação cde correspondente ao vessando a placenta, são inócuos; em regra, é o que
fenótipo Rh negativo/Rh(-) pela ausência do anti- se passa no decurso duma primeira gravidez.
génio D. Nos caucasianos a ausência de antigénio A resposta imune secundária a ulterior exposi-
D ocorre em cerca de 15% da população, nos afri- ção a antigénios D (correspondendo, em regra, a
canos em cerca de 7%, e nos asiáticos (Japão e segunda gravidez e a partir das 12 semanas) é
China) em <1%. mais rápida, traduzindo-se pelo aparecimento, em
Um indivíduo pode, assim, evidenciar as grande quantidade, de anticorpos anti-D predo-
seguintes relações fenótipo → genótipo: Rh (-) → minantemente IgG que, atravessando a placenta,
cde,cde; Rh(+) → homozigoto (por ex. CDe,cDE aderem com grande “avidez”, através da sua frac-
ou simplesmente DD); ou Rh(+) → heterozigoto ção Fc, à membrana dos eritrócitos fetais Rh(+)
(por ex. CDe, cde ou simplesmente Dd). Conclui- (isto é, com antigénio D); estes, atraindo macrófa-
se que um homem Rh(+) homozigoto casado com gos e monócitos, são destruídos no espaço extra-
uma mulher Rh(-) terá sempre filhos Rh(+) Dd; vascular (baço).
um homem Rh(+) heterozigoto casado com uma Em cerca de 2% das gravidezes, este tipo de
mulher Rh(-) poderá ter filhos Rh(+) Dd em 50% resposta poderá verificar-se já numa primeira gra-
dos casos, e Rh(-) dd em 50% dos casos. videz. Por outro lado, a probabilidade de iso-imu-
Somente os fetos Rh(+), isto é , com o antigénio nização vai aumentando com o número de gravi-
D (presente na membrana eritrocitária a partir das dezes, pois os anticorpos anti-D formados como
4 a 7 semanas de idade gestacional) e estimulando resposta a sucessivas estimulações antigénicas
a produção, por parte da mãe Rh(-) ou D(-), de (inicialmente predominando os do tipo IgM), vão
anticorpos anti-D (ou seja , imunização), podem sendo, em cada vez maior número, do tipo IgG,
ser afectados. As mães com a variante Du rara- que atravessam a placenta.
mente produzem anticorpos anti-D quando os res- Refira-se que em cerca de 30% dos casos
pectivos fetos são portadores de antigénio D ou poderá não se verificar o tipo de resposta com pro-
Rh(+). No entanto, mães Rh(-) poderão ser imuni- dução de anticorpos em mulheres Rh(-) com fetos
zadas por fetos portadores de Du. Rh(+) em sucessivas gestações.
A imunização verifica-se quando há passagem Como consequência da hemólise surge:
transplacentar de eritrócitos fetais para a circula- a) anemia fetal com repercussão essencialmen-
ção materna, sendo que a hemorragia feto- mater- te em dois órgãos:
na ocorre em, pelo menos, 50% das gestações 1. coração, cuja função pode claudicar e levar a
(sobretudo no 3º trimestre). Em termos quantitati- insuficiência cardíaca e hidropisia fetal;
vos, o volume de sangue que passa para a circula- 2. fígado, cuja função pode igualmente claudi-
ção materna pode oscilar entre 1mL e 30 mL, car, levando a diminuição da síntese da albumina,
sobretudo se se verificar parto traumático impli- diminuição da pressão oncótica que, por sua vez,
cando manobras e procedimentos invasivos. Ora, agrava a hidropisia; igualmente há elevação da
o grau de resposta imune materna ao antigénio D síntese da eritropoietina e surgem focos de eritro-
é proporcional ao volume da hemorragia/trans- poiese com aparecimento de formas jovens no
fusão feto-materna. sangue periférico; idênticos focos surgem igual-
Idêntico fenómeno anteriormente à gravidez, mente no baço, rins e supra-renais; como resulta-
em mãe Rh(-) pode ocorrer como resultado de do do aparecimento de focos de eritropoiese hepá-
transfusão de sangue com antigénio D, de injecção tica e no baço verifica-se hepatosplenomegália;
acidental de eritrócitos D(+) pelo uso de seringas outra consequência da formação de focos de eri-
partilhadas com indivíduos toxicodependentes , e tropoiese hepática é a obstrução do fluxo sanguí-
de administração de produtos portadores do refe- neo (podendo conduzir a hipertensão portal) e do
rido antigénio D anteriormente à gravidez. fluxo biliar (podendo conduzir a colestase que
A resposta imune primária materna ao antigénio passará a ser notória na vida extra-uterina); nas
D atingindo a circulação e proveniente do feto é lenta formas graves poderá surgir morte fetal;
traduzindo-se, cerca de 1 a 6 meses depois, pelo apa- b) hiperprodução de bilirrubina não conjuga-
1940 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

da; durante a vida intra-uterina a bilirrubina em vida e, mais tarde no RN , devem ser fundamen-
excesso é eliminada através da mãe; após o nasci- tados na anamnese perinatal (designadamente
mento poderá originar quadro de hiperbilirrubi- inquirindo sobre grupo sanguíneo da mãe e resul-
némia com risco de kernicterus. tado de prova de Coombs indirecta, eventuais
transfusões realizadas na mãe anteriormente à
Manifestações clínicas gravidez, evolução das gravidezes anteriores,
Classicamente são descritas três formas clíni- antecedentes de filhos anteriores com doença
cas designadas respectivamente por ligeira, hemolítica e respectiva evolução, administração
moderada e grave. profiláctica anterior de gama-globulina anti-D,
Na forma ligeira, que abrange mais de metade etc.).
dos casos, pode surgir anemia com valor de Hb Assim, o mais precocemente possível, deve
não inferior a 12 g/dL e bilirrubinémia no sangue reconfirmar-se o grupo sanguíneo (ABO, D, Du) e
do cordão < 3 mg/dL; a bilirrubinémia não ultra- proceder-se à prova de Coombs indirecta (pesqui-
passa em geral 18-20 mg/dL no período neonatal sa de anticorpos anti-D) no caso de mãe D/Rh(-);
precoce, sendo que o valor de Hb poderá atingir 1 – a prova de Coombs indirecta deve ser rea-
nível da ordem de 8 g/dL após a primeira semana lizada mensalmente até ao dia do parto;
de vida. Trata-se, pois, duma forma clínica ante- 2 – se, entretanto, se verificar resultado positi-
riormente designada por forma anémica. vo da pesquisa, deve proceder-se à titulação de
Na forma moderada verifica-se icterícia antes anticorpos: a verificação de títulos >1/8 (indican-
das 24 horas de vida (precoce) em geral com valor do iso-imunização materna, mas não necessaria-
de hiperbilirrubinémia atingindo > 20 mg/dL mente doença fetal) estabelece indicação para:
entre as 36 e 48 horas de vida. • amniocentese para determinação da densida-
Esta forma, anteriormente designada por de óptica/índice óptico do líquido amniótico a 450
forma ictérica, se não corrigida , poderá conduzir mμ por espectrofotometria em função da impre-
a quadro de encefalopatia de expressão clínica gnação bilirrubínica do mesmo) e avaliação de
variável, sendo designada por kernicterus na eventual doença fetal; (o protocolo pormenorizado
forma mais grave. a cargo da equipa de medicina fetal ultrapassa o
O kernicterus na sua evolução natural evolui âmbito deste capítulo; como noção geral salienta-se
em três fases: que, de acordo com o clássico gráfico de Lilley – em
1ª fase) caracterizada por hipotonia, letargia e ordenada a densidade óptica e em abcissa a idade
sucção débil nos primeiros dias de vida; gestacional- são definidas três zonas de índice ópti-
2ª fase) caracterizada por febre, irritabilidade co elevado/doença grave, intermédio/doença
com choro frequente, episódios de apneia, hiper- moderada, e baixo/doença ligeira ou ausência de
tonia e opistótono entre o 5º e 7º dias de vida, doença, implicando diferentes atitudes).
conduzindo à morte na grande maioria dos casos; • cordocentese para colheita de sangue fetal e
3ª fase) encefalopatia crónica com sinais esta- detecção de possível anemia (Hb< 10 g/dL), pH
belecidos: hipotonia, atraso motor, atetose, défice fetal, grupo sanguíneo fetal, e eventual transfusão
auditivo neuro-sensorial grave, disartria, etc.. fetal, etc..
A forma grave de doença hemolítica perinatal é • ecografia fetal para detecção de possível asci-
tipificada pela doença fetal, detectável antes da 34ª te, edema, derrame pleural, pericárdico, hepatos-
semana de gestação: hidropisia, anemia grave, plenomegália, etc.;
hepatosplenomegália, diátese hemorrágica grave 3 – nos casos de mães já anteriormente iso-
com trombocitopénia, hiperplasia das células B dos imunizadas ou com prova de Coombs positiva
ilhéus de Langerhans com risco ulterior de hipogli- por terem recebido gama-globulina anti-D (ver
cémia, e défice de factores de coagulação; conduz à adiante), a verificação de títulos de anticorpos
morte na ausência de intervenção pré-natal. deve ser feita entre as 16 e 18 semanas, às 22 sema-
Exames complementares nas e, depois, de 2-2 semanas; se, entretanto, a
Gravidez titulação evidenciar valores > 1/16 são levados a
Os exames complementares a realizar na grá- cabo os procedimentos referidos em 2 –.
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1941

Recém-nascido Existem diversos tipos de aparelhos no merca-


Em RN de mãe Rh(-) no pós-parto imediato do:
deve proceder-se a colheita de sangue do cordão – convencional com 6-8 lâmpadas de 20W a
umbilical para determinação dos seguintes parâ- uma distância recomendada de ~30 cm; podem
metros: grupo sanguíneo (ABO,D, Du ), bilirrubi- ser utilizados em simultâneo dois aparelhos, o que
na conjugada e não conjugada, Hb, hematócrito, duplica a irradiância;
valor de reticulócitos, proteínas totais e fracções, e – luz em foco (bilispot) de irradiância elevada
da prova de Coombs directa. Se esta última for com 20cm de diâmetro e colocado a uma distância
positiva, poderá concluir-se que os eritrócitos ~50 cm do doente;
estão aderentes à membrana dos eritrócitos. – “colchão luminoso” ou “pá luminosa” de
Valores de Hb < 12 g/dL e de bilirrubina > 4 fibra óptica sobre o qual se coloca o RN;
mg/dL correspondem a formas graves de doença – outras modalidades incluindo berços com
hemolítica perinatal. lâmpadas convencionais colocadas por cima, por
Em função do contexto de cada caso clínico, baixo e de cada lado do berço (transparente).
está indicado proceder ao doseamento seriado da Os aparelhos de fototerapia implicam esque-
Hb e da bilirrubina (de 6-6 horas) para decisão ma de manutenção e verificação periódica da irra-
terapêutica, a abordar na alínea seguinte. diância (vida média das lâmpadas variando entre
500 a 2.000 horas).
Tratamento
As bases do tratamento da doença hemolítica 2. Indicações
perinatal por iso-imunização Rh/D, como exem- O Quadro 3 resume de modo integrado as
plo paradigmático das hiperbilirrubinémias indi- indicações da fototerapia (e da exsanguinotrans-
rectas graves, incluem fundamentalmente a foto- fusão/ET a abordar na alínea seguinte) nos casos
terapia, a exsanguinotransfusão e o emprego de de doença hemolítica perinatal por iso- imuniza-
fármacos. ção por incompatibilidade Rh (DHPNRh) em fun-
ção da bilirrubina e Hb no sangue do cordão e da
Fototerapia idade em horas; no entanto, tais indicações
1. Princípios gerais deverão ser ponderadas caso a caso.
A chamada fototerapia é uma modalidade pro-
filáctico-terapêutica que utiliza a energia luminosa 3. Precauções
para transformar a bilirrubina nativa em isómeros – Uma vez que a fototerapia implica incremen-
hidrossolúveis através de dois mecanismos: a) foto- to das perdas insensíveis, haverá que providen-
oxidação da qual resultam complexos pirrólicos ciar cálculos rigorosos do balanço hídrico.
excretados pela urina; b) foto-isomerização da qual Empregando fototerapia convencional, os supri-
resultam dois isómeros, um dos quais designado
por Z-lumirrubina (4Z, 15E), excretado eficazmen- QUADRO 3 – Indicações da fototerapia
te pela bílis e pela urina (ver atrás Metabolismo da na DHPNRh
bilirrubina). A fotodegradação da bilirrubina verifi-
ca-se com o emprego de faixa de luz com os com- Vigilância Fototerapia E-T
primentos de onda entre 420 e 480 nm. Sangue do cordão
Na prática pode ser utilizada luz branca(fluores- Hb (g/dL) >14 12-14 <12
cente), azul e verde. No que respeita à irradiância Bilirrubina (mg/dL) <4 4 >4
(baixa, média ou elevada), os novos aparelhos são
concebidos empregando a elevada irradiância pela Idade
sua maior eficácia (entre 12-40 uW/cm2 /nm) sendo Bilirrubina(mg/dL)
que os de baixa irradiância produzem luz com < 24 horas <7 7-9 10-14
menos de 6 uW/cm2 /nm. Quanto maior a dose de 24-48 horas <10 10-14 >14
irradiância que atinge o RN e maior a superfície cor- > 48 horas <12 12-18 >18
poral abrangida, maior a eficácia da fototerapia.
1942 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mentos hídricos devem ser incrementados na Albumina


ordem de +20-25 mL/kg/dia; nos casos de RN Nos casos de hipoalbuminémia, poderá consi-
pré-termo tal incremento poderá corresponder a + derar-se a administração de albumina na dose de
50ml/kg/dia em relação aos cálculos na ausência 1 grama/kg. Tendo em conta a ligação da bilirru-
de fototerapia (Capítulo 338) . bina à albumina (ver atrás Metabolismo da bilir-
– Os olhos devem ser protegidos com cobertu- rubina) e a penetração da bilirrubina livre não
ra opaca (papel de carbono negro ou veludo negro) conjugada através da membrana da célula nervo-
para evitar efeitos de fototoxicidade na retina. sa, se a albumina for administrada antes da fase
– O RN deverá ficar nu (sem fralda), pois a de travessia da membrana – o que é difícil de
penetração da luz não ultrapassa 2-3 mm na pele, determinar em tempo real – tal medida poderá
não havendo perigo de lesão das gónadas. empiricamente contribuir para reduzir tal pene-
– A fototerapia deve ser suspensa caso se veri- tração na célula nervosa e suas consequências.
fique elevação da bilirrubina conjugada (colesta-
se) para evitar a chamada síndroma do “bebé Concentrado eritrocitário
bronzeado” que consiste na verificação de colora- Para correcção da anemia poderá estar indica-
ção castanha acinzentada da pele, plasma e urina, da a transfusão de concentrado eritrocitário (10-15
explicável pela formação de coproporfirina e mL/kg, a ser repetida em função do contexto clí-
retenção de fotobilirrubina no pigmento biliar. nico) muitas vezes associada a imunoterapia e a
– Nas UCIN e unidades neonatais em geral, fototerapia, ou antes da exsanguinotransfusão
estando o RN submetido a nutrição parentérica, para estabilização das condições hemodinâmicas,
os recipientes dos solutos a perfundir deverão ser respiratórias e metabólicas.
protegidos com plástico impermeável à luz a fim Outra indicação da transfusão de concentrado
de impedir alteração química de aminoácidos e eritrocitário é a verificação de anemia tardia (Hb
vitaminas entre outros compostos (Capítulo 343). <7,5 g/dL) entre a terceira semana e os 2 meses de
– Poderá verificar-se, como efeito colateral da idade pós-natal) nos casos de hemólise ligeira
luz, o aparecimento de erupção cutânea maculo- inicial submetidos apenas a fototerapia e ou a
papular nas áreas expostas, de evolução auto-limi- IGIV. Assim, em tais circunstâncias, o lactente
tada cessando a exposição. deverá ser submetido a vigilância periódica do
– Poderá igualmente verificar-se aceleração do hematócrito, Hb e reticulócitos. A decisão de
trânsito intestinal com aparecimento de diarreia. transfundir dependerá de eventuais sinais clínicos
– Numa situação rara – porfíria eritropoiética associados traduzindo hipoxémia tecidual:
congénita – a fototerapia está contra-indicada taquipneia e taquicárdia agravadas pelo esforço
(Capítulo 143). (refeições), escassa progressão ponderal, palidez,
etc. (Capítulo 155).
Imunoglobulina endovenosa (IGIV)
Trata-se duma terapêutica com interesse e Exsanguinotransfusão (ET)
potencialmente eficaz se for administrada precoce- 1. Objectivos
mente nos casos de hemólise importante (incre- Os objectivos deste procedimento invasivo são:
mento de bilirrubinémia de 0,5-1 mg/dL/hora); – remover parcela importante da bilirrubina
de acordo com algumas séries estudadas, contri- não conjugada circulante e potencialmente tóxica
bui para reduzir a necessidade de exsanguino para o SNC;
transfusão. O mecanismo de acção relaciona-se – remover igualmente parcela importante de
com possível bloqueio dos receptores Fc do siste- eritrócitos com anticorpos aderentes e predispos-
ma reticuloendotelial, contribuindo para diminuir tos a hemólise, e, consequentemente, a agrava-
a velocidade da hemólise. mento da anemia e da hiperbilirrubinémia;
Tem-se utilizado a dose de 500 mg/kg em per- – substituir parte do sangue do RN com eritró-
fusão (durante 2 horas ou 8 horas, conforme os citos compatíveis com os da mãe e RN.
protocolos). Poderá utilizar-se idêntica dose repe- 2. Condições técnicas essenciais
tida 12 horas após a primeira. Não cabendo no âmbito deste capítulo a des-
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1943

crição da técnica de ET, é importante referir aplica-se também a situações de hiperbilirrubinémia não
alguns aspectos: conjugada de causa não hemolítica.
– Tempo de armazenamento máximo do – Como precaução máxima, os RN pré-termo
sangue de 72 horas, pois o nível de potássio eleva- quase de termo (35-36 semanas), pela sua maior
se com o tempo, sendo aceitável o valor até 9 vulnerabilidade, embora eventualmente a respec-
mEq/L. tiva condição somática os aproxime dos RN de
– Sangue do dador com um hematócrito entre termo, deverão ser assistidos segundo os critérios
55 e 60% (Hb > 12g/dL), previamente irradiado de pré-termo.
como meio de prevenir reacção enxerto contra – O valor de bilirrubinémia >20 mg/dL deve
hospedeiro, inactivando os linfócitos do dador. ser considerado uma emergência médica pelo
– Sangue aquecido a 37ºC durante duas horas. risco elevado de kernicterus.
– Volume de troca utilizado correspondente a Como nota importante salienta-se que o risco
duas volémias, isto é ~160 mL/kg, o que permite de kernicterus é mais significativo até aos 5-7 dias
remover cerca de 85% dos eritrócitos e cerca de de vida, existindo excepções a esta regra; trata-se,
45% da bilirrubina circulante. com efeito, do período de maior permeabilidade
– Tipo de sangue Rh negativo, Du negativo, da barreira hemato-encefálica. Não se deverá,
compatível com o do RN no sistema ABO. pois, protelar “de mais” a eventual ET caso esteja
3. Indicações indicada, pois ao decidir pela sua realização
Tendo sido referidas indicações gerais no poderá ser tarde pela possibilidade de lesão já
Quadro 4, (chamando a atenção para a necessida- estabelecida do SNC.
de de ponderar a indicação de ET logo após o nas-
cimento) cabe agora referir algumas especifici- 4. Complicações
dades no que respeita, designadamente, à condi- As complicações mais frequentemente associa-
ção peso de nascimento e verificação de eventuais das a ET são: cardíacas (arritmia,insuficiência
factores de risco susceptíveis de aumentarem o cardíaca por sobrecarga volémica, etc.),vasculares
risco de neurotoxicidade da bilirrubina. (tromboembolismo, vasospasmo, etc.), hematoló-
– Nas primeiras 36 horas de vida poderá haver gicas (hemorragias por trombocitopénia ou défice
necessidade de doseamento da bilirrubinémia de factores de coagulação, etc.), infecções, metabó-
cada 4 a 8 horas se o ritmo de incremento for igual licas (hipocalcémia, hipo e hiperglicémia, acidose
ou superior a 0,5 mg/dL/hora, não considerando, metabólica, etc.).
no entanto, para tal cálculo, o valor inicial da bilir-
rubina no sangue do cordão. Metalporfirinas
– Após as 36 horas está indicada ET equacio- As protoporfirinas (SnPP) e as mesoporfirinas
nando a relação peso de nascimento-bilirrubiné- (SnMP) são fármacos que, inibindo a heme-oxige-
mia total (BT) (ver Quadro 3 como complemento): nase, reduzem a conversão do radical heme em
<1.500 g . . . . . . . .ET se BT > 13 mg/dL bilirrubina. Têm sido realizados estudos multicên-
1.500-2.500 g . . . .ET se BT > 16 mg/dL tricos ainda não completamente validados ao
>2.500 g . . . . . . . .ET se BT > 18 mg/dL ponto de poderem ser recomendados de modo
– A ET deverá ser sempre realizada se houver rotineiro no tratamento e prevenção das hiperbi-
sinais sugestivos de encefalopatia bilirrubínica lirrubinémias
independentemente dos valores de bilirrubinémia.
– Na presença de factores de risco tais como índi- Eritropoietina
ce de Apgar <3 aos 5 minutos, hipoglicémia, hipo- A administração de eritropoietina recombinan-
termia, hipercapnia, hipoxémia (PaO2 <40 mmHg), te poderá constituir um tratamento alternativo às
acidose metabólica persistente (pH<7,15), infecção transfusões de concentrado eritrocitário nas ane-
sistémica com ou sem meningite, proteínas totais mias tardias, designadamente nas situações com
<4 g/dL, albumina <2,5 g/dL, deve ser diminuído antecedentes de tranfusão intra-uetrina com evo-
o nível de bilirrubina indicativo para ET de – lução para anemia hiporregenerativa importante
2mg/dL; este critério de ponderação de factores de risco entre a 3ª e 6ª semanas de vida.
1944 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Estudo evolutivo e acompanhamento 4 – Durante a gravidez (28-29 semanas): 300


Os casos de lactentes e crianças com antece- mcg
dentes de DHPNRh deverão ser submetidos a vigi- 5 – Pós-parto se o RN for Rh (+) /D positivo ou
lância periódica em centros de desenvolvimento Du positivo
desde a alta hospitalar, pressupondo acção coorde-
nada pelo respectivo médico assistente. O risco de Nas situações 1-, 2-, 3-, e 5- a administração de
compromisso do sistema nervoso (motor, sensorial, gama globulina anti-D deve realizar-se o mais pre-
comportamental, etc.) é mais relevante se existirem cocemente possível, até às 72 horas subsequentes
antecedentes de bilirrubinémia > 25 mg/dL, sinais no sentido de garantia de eficácia.
neurológicos no período neonatal precoce, ET e
alterações nos resultados obtidos pelo estudo de Caso especial de incompatibilidade Rh
potenciais evocados auditivos do tronco cerebral. Existe uma situação especial que teoricamente
pode merecer esquema de prevenção: RN do sexo
Prevenção feminino Rh(-) , filho de mãe Rh(+). Nesta cir-
A prevenção da DHPNRh centra-se nos cunstância poderá verificar-se transfusão mater-
seguintes princípios: no-fetal de eritrócitos com antigénio D(Rh(+)
– proscrição absoluta de hetero-hemoterapia e durante o nascimento dum RN Rh(-) a partir da
respeito pelas regras de compatibilidade em trans- respectiva mãe Rh(+). Como consequência o RN
fusões; ficará sensibilizado logo após o nascimento (pro-
– prevenção das hemorragias feto-maternas duzindo anticorpos anti-D). Tratando-se dum RN
reduzindo as manobras obstétricas com probabili- do sexo feminino que recebeu anticorpos anti-D
dade de aumentarem o volume daquelas; (Rh), fácil se torna compreender que, atingida a
– administração de gama-globulina anti-D a idade de procriação, tal indivíduo, portador de
mulheres com antigénio D negativo/Rh(-) evi- anticorpos anti-D (Rh) poderá dar origem a pro-
denciando resultado negativo da prova de duto de concepção afectado por doença hemolíti-
Coombs indirecta. ca se se verificar incompatibilidade de grupo san-
Experimentalmente demonstrou-se que 10 guíneo feto-materna.
microgramas (mcg) de gama-globulina anti-D neu- Neste contexto, de acordo com Ramos de
tralizam 0,2 a 1 mL de sangue [depuração de eri- Almeida, admite-se como lógica a atitude de admi-
trócitos fetais circulantes com antigénio D ou Rh(+) nistrar gama-globulina anti-D a RN do sexo femi-
para o baço onde são destruídos por macrófagos nino Rh (-) de mães Rh(+) imediatamente ao parto.
através de diversos mecanismos]. No pressuposto Esta estratégia, no entanto, não entrou na rotina.
de que em mais de 95% dos casos as hemorragias
feto-maternas têm volume inferior a 10 mL, as 2. Doença hemolítica neonatal por iso (ou alo)
doses-padrão que são preconizadas têm probabili- -imunização ABO
dade de eficácia na quase totalidade das situações. Definições
De acordo com as recomendações da AAP e do A doença hemolítica neonatal por iso-imunização
ACOG (American College of Obstetricians and ABO - hoje mais frequente que a DHPNRh como
Gynecologists) tem sido utilizado o seguinte proto- foi atrás referido face à possibilidade de preven-
colo para a administração de gama-globulina anti- ção efectiva desta última – define-se como o pro-
D por via IM na maioria dos centros perinatais: cesso mórbido em que se verifica hemólise no RN
1 – Status pós -aborto ou ruptura de gravidez na circunstância de mãe do grupo O e RN do
ectópica: grupo A ou B.
– até 12 semanas: 50 mcg Recorda-se aqui, para melhor compreensão,
– após 12 semanas: 300 mcg algumas características genotípicas e fenotípicas
2 – Status pós -biópsia das vilosidades corióni- dos eritrócitos e soro no sistema ABO o qual diver-
cas: 50 mcg ge do sistema Rh – neste último existe um sistema
3 – Status pós-amniocentese ou cordocentese: antigénico nos eritrócitos humanos não associado
300 mcg a aglutininas (anticorpos naturais) no soro:
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1945

– no sistema ABO os caracteres A, B, e O são antigénica poderá ocorrer anteriormente à passa-


herdados como três pares alelomórficos, pelo que gem prévia de eritrócitos fetais (isto é, antes duma
são possíveis os fenótipos A, B, O e AB. A corres- primeira gravidez a mulher poderá já ser portado-
pondência fenótipo-genótipo é a seguinte: ra de anticorpos/aglutininas IgG anti-A ou anti-B
Fenótipo A → Genótipos: AA (homozigoto) e resultantes de estímulos antigénicos com estrutu-
AO (heterozigoto) ra e composição química semelhante à dos antigé-
Fenótipo B → Genótipos: BB (homozigoto) e nios eritrocitários A ou B, presentes em certos ali-
BO (heterozigoto) mentos, bactérias e produtos biológicos como o
Fenótipo O → Genótipo: OO (homozigoto) toxóide tetânico).
Fenótipo AB → Genótipo: AB (heterozigoto); Nos casos de incompatibilidade A/B ou B/A
– no sistema ABO considera-se a existência de não existe risco de doença hemolítica porque as
dois aglutinogénios/antigénios eritrocitários, res- aglutininas anti-B e anti-A nos grupos A ou B res-
pectivamente A e B, e duas aglutininas /anticorpos pectivamente são predominantemente do tipo
naturais, respectivamente B ou beta e A ou alfa; IgM (macromoléculas) sem capacidade para atra-
assim, por definição, não podem coexistir no vessarem a placenta no caso de passagem prévia
mesmo indivíduo um antigénio e o correspondente de eritrócitos fetais B ou A no sentido feto-mãe.
aglutinogénio porque de tal resultaria a aglutinação Centrando a atenção na situação de mãe O e
dos próprios eritrócitos, incompatível com a vida; feto/RN do grupo A ou B, gera-se um mecanismo
– assim, existem eritrócitos com antigénio A e, semelhante ao descrito a propósito da DHPNRh:
no respectivo plasma, aglutinina/anticorpo natural os anticorpos / aglutininas, atingindo os eritróci-
B ou beta; eritrócitos com antigénio B e, no respecti- tos fetais ou do RN, aderem à sua superfície deter-
vo plasma, aglutinina/anticorpo natural A ou alfa; minado processo hemolítico com consequências
eritrócitos sem antigénios e, no respectivo plasma, semelhantes – fundamentalmente anemia e hiper-
aglutininas/anticorpos naturais A ou alfa + B ou bilirrubinémia.
beta; eritrócitos com antigénios A+B e, no respecti- Caberá agora analisar algumas diferenças da
vo plasma sem anticorpos naturais ou aglutininas. etiopatogénese em relação à DHPNRh:
O Quadro 4 elucida sobre o que foi descrito. 1) grau de hemólise mais ligeiro na doença
ABO condicionando, de modo geral, quadros clí-
Etiopatogénese nicos mais ligeiros, e;
Em cerca de 20% das gravidezes verifica-se 2) doença fetal praticamente inexistente na
situação de incompatibilidade ABO mãe/ feto doença ABO, sendo por isso mais correcto falar
(A/B), (B/A), (O/A), (O/B), (A/O), (B/O); contu- em doença neonatal ABO em comparação com a
do, somente ocorre doença hemolítica no recém- designação de doença perinatal Rh.As razões da
nascido A ou B cujas mães são do grupo O pos- raridade da hemólise fetal (< 2% dos casos de DH
suindo aglutininas B-beta e A-alfa , quer do tipo ABO) prendem-se com o facto de a membrana eri-
IgM, quer do tipo IgG; ora, estas últimas têm a trocitária fetal ser escassa em antigénios A e B,
capacidade para atravessar a placenta no caso de sendo que a expressão antigénica somente se
estimulação antigénica por passagem prévia de desenvolve de modo significativo a partir do final
eritrócitos fetais B ou A, no sentido feto-mãe. da gestação e, sobretudo, a partir do termo da gra-
De salientar, no entanto, que tal estimulação videz, continuando o seu desenvolvimento até aos

QUADRO 4 – Sistema ABO e relação antigénios eritrocitários – aglutininas plasmáticas (naturais)

Grupo Antigénios eritrocitários Aglutininas/anticorpos naturais


A A anti -B ou beta
B B anti-A ou alfa
AB AB ausência
O ausência anti-A (alfa) + anti- B (beta)
1946 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

2 anos; ou seja, a característica de “grupo A ou B” dentes familiares haverá, por vezes, que fazer o
não está completamente definida no período fetal, diagnóstico diferencial com outras icterícias
o que determina escassa ou nula probabilidade de hemolíticas como por ex. esferocitose hereditária e
os eritrócitos fetais serem reconhecidos como enzimopatias eritrocitárias.
estranhos ao organismo materno.
Por outro lado, sendo gerados anticorpos anti- Exames complementares
A ou anti-B, para além do facto de nem todos No contexto de incompatibilidade ABO mãe-
serem hemolisantes, os mesmos poderão aderir filho e icterícia precoce, a elevada probabilidade
não só a antigénios A ou B na membrana eritro- de doença hemolítica ABO deve ser confirmada
citária do RN, mas também a antigénios de estru- ou infirmada através da realização de determina-
tura semelhante a antigénios A ou B distribuídos dos exames laboratoriais (hemograma com conta-
por tecidos e secreções; ou seja, surge aqui um gem de reticulócitos e pesquisa de esferócitos).De
mecanismo de competição que poupa eritrócitos A facto, a presença de esferócitos no sangue periféri-
ou B, diminuindo a exposição destes ao anticorpo co (> 4/mmc) nesta idade sugere com maior pro-
materno circulante, reduzindo o grau de hemólise. babilidade DH ABO do que esferocitose hereditá-
Aliás, a dupla incompatibilidae mãe-filho ABO ria; considera-se reticulocitose significativa indi-
e Rh diminui o risco e a gravidade de DHPNRh ciando hiperplasia medular por hemólise o valor
pelo facto de os eritrócitos fetais Rh (+) e do grupo > 4-5% ,podendo por vezes ser atingidos valores
A ou B, que passam para a circulação de mãe do entre 15-30%.
grupo 0 Rh (+), poderem ser destruídos pelos anti- Relativamente aos aspectos relacionados com
corpos maternos anti A ou anti-B antes do estimu- a vigilância da bilirrubinémia aplicam-se os
lo antigénico para a formação de anticorpos anti- princípios já descritos a a propósito da DHPNRh.
D por parte da mãe. Trata-se de mecanismo seme- A prova de Coombs directa no RN em geral é
lhante ao descrito para a imunoglobulina anti-D. negativa ou fracamente positiva, o que é explica-
Ao contrário da iso-imunização Rh, na DH do pelo facto de haver menor número de sítios
ABO, a probabilidade de iso-imunização vai dimi- antigénicos nos eritrócitos do RN.
nuindo com o número de gravidezes, pois os anti- O diagnóstico pode ser confirmado através da
corpos formados como resposta a sucessivas esti- pesquisa de anticorpos maternos anti-A ou anti-B
mulações antigénicas, inicialmente do tipo IgG, adsorvidos à superfície dos eritrócitos do RN
passam mais tarde a ser predominantemente do (prova do eluato).
tipo IgM, macromoléculas que não atravessam a
placenta. Tratamento
No caso de DH ABO têm perfeito cabimento as
Manifestações clínicas medidas descritas para a DHPNRh, incluindo
As manifestações clínicas neste tipo de iso- fototerapia, a administração de imunoglobulina
imunização ABO são variadas; a anemia e a icterí- polivalente, transfusão de concentrado eritrocitá-
cia podem ser ligeiras; classicamente surge icterí- rio e exsanguinotransfusão.
cia precoce, embora em certas formas o quadro se Nesta alínea é dada ênfase a indicações de
assemelhe a icterícia fisiológica. Outra particulari- fototerapia (Quadro 5) e de exsanguinotransfusão,
dade da icterícia é o seu modo “oscilante” suge- resumidas a seguir.
rindo quadro de hemólise ligeira por surtos, e o No que respeita à ET, e no contexto de DH-
prolongamento para além das duas semanas ABO, em geral não existe a necessidade de reali-
conduzindo a anemia (excepcionalmente grave), zar esta técnica imediatamente após o nascimento,
de expressão tardia (3ª-4ª semanas de vida) e tendo em conta a baixíssima probabilidade de
acompanhada de hepatosplenomegália. Em certas doença fetal e de doença neonatal precoce e grave;
forma de incompatibilidade B-O foram descritos é, no entanto, crucial observação rigorosa seriada,
casos de hiperbilirrubinémia > 20 mg/dL; os casos sendo que o risco de kernicterus é mais significati-
de encefalopatia são raros. vo até aos 5 dias, período de maior permeabilida-
Em função do contexto clínico e dos antece- de da barreira hemato-encefálica. As indicações
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1947

QUADRO 5 – Indicações de fototerapia A etiopatogénese é sobreponível à descrita


na DH-ABO para outros grupos grupos sanguíneos. Cabe refe-
rir, no entanto, duas particularidades:
Idade Vigilância Fototerapia 1) no sistema Rh a DH surge mais frequente-
Bilirrubina(mg/dL) mente com antigénios E e c caso se verifique pre-
< 24 horas <7 7-9 viamente sensibilização ao antigénio D;
24-48 horas <10 10-14 2) no sistema Rh também, e dentro da raridade
> 48 horas <12 12-18 da iso-imunização por grupos menores, a DH
anti - c é a mais frequente.

da ET em função da bilirrubinémia total (BT) e do Manifestações clínicas


peso de nascimento são assim estabelecidas: As manifestações clínicas são semelhantes às
• <1.500 g . . . . . .ET se BT > 13 mg/dL descritas a propósito da DHPNRh; isto é, nestas
• 1.500-2.500 g . . .ET se BT > 16 mg/dL formas pode haver doença fetal(anemia/hidropi-
• >2.500 g . . . . . .ET se BT > 18 mg/dL sia) e, no RN, as formas anémicas e ictérica.
Na prática clínica, e na ausência de incompati-
Salienta-se, contudo, que a ET deverá ser bilidade Rh e ABO, deve suspeitar-se desta de
sempre realizada de imediato caso se verifiquem doença no pós-parto e nas seguintes circunstâncias:
sinais sugestivos de encefalopatia bilirrubínica – icterícia precoce (surgida antes das 24 horas
independentemente dos valores de bilirrubinémia de vida) com evolução rápida para valores críticos
(e, idealmente, antes do surgimento dos referidos de hiperbilirrubinémia;
sinais, o que implica elevado índice de suspeita na – anemia associada;
avaliação clínica seriada e cuidadosa). – hepatosplenomegália;
Na presença de factores de risco tais como índi- – prova de Coombs directa positiva, reticuloci-
ce de Apgar <3 aos 5 minutos, hipoglicémia, hipo- tose importante e detecção de eritroblastos no
termia, hipercapnia, hipoxémia (PaO2 <40 sangue periférico.
mmHg), acidose metabólica persistente
(pH<7,15), infecção sistémica com ou sem menin- Tratamento e evolução
gite, proteínas totais <4 g/dL, albumina <2,5 Os procedimentos a realizar e a possível evo-
g/dL, deve ser diminuído o nível de bilirrubina lução são os mesmos que foram descritos a propó-
indicativo para ET de -2mg/dL; este critério de sito da DHPNRh. Uma vez identificado o antigé-
ponderação de factores de risco aplica-se também nio eritrocitário que desencadeou o processo de
a situações de hiperbilirrubinémia não hemolítica. iso- imunização, tal facto deverá ficar registado no
Boletim de Saúde no sentido de prevenir, no futu-
3. Doença hemolítica neonatal por incompati- ro, eventuais transfusões de derivados sanguíneos
bilidade dos chamados grupos sanguíneos com o referido antigénio.
menores
Definição e importância do problema Hiperbilirrubinémia conjugada
Tal como foi referido antes, em cerca de 1-2% da
totalidade dos casos de iso – imunização por Definição e importância do problema
incompatibilidade sanguínea feto-materna, po- A hiperbilirrubinémia directa ou conjugada é
derá surgir iso-imunização em relação com deter- devida a falência no processo de excreção para o
minados antigénios [c,C,e,E (no sistema Rh), Fya duodeno (com consequente retenção) da bilirrubi-
(no sistema Duffy), M,N,S,s (no sistema MNSs), na conjugada (BC), ácidos biliares e outros com-
JKa, JKb (no sistema Kidd), etc]. existentes na postos da bílis. Define-se quantitativamente pela
superfície do eritrócito fetal e ausentes no eritróci- verificação de nível sérico de BC > 2 mg/dL, ou
to materno, designados classicamente como pela relação entre BC e bilirrubina total > 15-20%.
menores ou irregulares. Tal situação classicamente está associada a hepa-
Etiopatogénese tomegália, esplenomegália, urina escura (por bilir-
1948 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

rubinúria conjugada) e fezes claras. Este quadro, QUADRO 6 – Hiperbilirrubinémia conjugada


de etiopatogénese variada, é designado pelo (directa) (Icterícia colestática)
termo colestase.
Toda e qualquer situação de colestase, uma vez 1. Lesão do hepatócito com ductos biliares normais.
diagnosticada, deverá ser encaminhada atempa- a – Causa tóxica (nutrição parentérica no RNMBP, sép-
damente para centro especializado tendo em sis, necrose isquémica);
conta a necessidade de tratamento dirigido aos b – Causa infecciosa [vírus, bactérias e parasitas
factores etiológicos; com efeito, a demora na (Toxoplasma)];
actuação exequível poderá ser fatal ou originar c – Causa metabólica (doenças hereditárias do metabo-
sequelas, tais como cirrose biliar (por ex se a inter- lismo, síndroma de Rotor, síndroma de Dubin-Johnson,
venção cirúrgica correctiva de defeito das vias cirrose idiopática, trissomia 18,etc.).
biliares não se realizar até à 4-6 semanas de vida). 2. Oferta excessiva de bilirrubina para excretar (sín-
droma de bílis espessa por “entupimento”) em casos
Etiopatogénese de doença hemolítica e de hemólise secundária a
Reportando-nos ao Capítulo 118, em síntese, podem ECMO.
ser considerados os seguintes grandes grupos de 3. Obstrução ao fluxo biliar (atrésia das vias biliares
colestase quanto à etiopatogénese (Quadro 6): intra ou extra-hepáticas).
a – Tipo extra-hepático isolado ou associado a quisto
Algumas formas clínicas do colédoco, trissomia 13 ou 18, ou polisplenia;
Muitas das situações clínicas que integram o b – Tipo intra-hepático por vezes associado a sídroma
Quadro 6 fazem parte de diversos capítulos do de Alagille, atrésia intra-hepática com linfedema, hipo-
livro. Nesta alínea, entre outras, optou-se por plasia ductular não sindrómica, quisto do colédoco,
abordar sucintamente duas síndromas ainda não adenopatia, tumores, quisto pancreático, fibrose quisti-
pormenorizadas e consideradas paradigmáticas ca, etc..
no âmbito das hiperbilirrubinémias conjugadas: 4. Outras situações.
síndroma de Dubin Johnson e síndroma de Rotor. Nota importante: A causa mais frequente de colestase em doentes doentes hospitaliza-
dos em UCIN é a nutrição parentérica prolongada.

Síndroma de Dubin Johnson


Trata-se duma situação autossómica recessiva a relação coproporfirinogénio I / coproporfirino-
cusada por um defeito no transporte da BC e de génio III é muito elevada, o que pode ser conside-
outros aniões orgânicos, do hepatócito para a bílis. rado critério para o diagnóstico. A prova de excre-
A mesma resulta de mutações (descritas mais de ção da bromossulftaleína revela resultado anor-
10) num gene que codifica um anião orgânico mal (depuração prolongada)
transportador dependente de ATP (cMOAT, sinó- O exame histológico do fígado revela estrutura
nimo de MRP2). normal e acumulação de pigmento semelhante à
A síndroma pode manifestar-se na transição do melanina nos lisossomas.
período neonatal para a 1ª infância por sinais de
colestase associados a náuseas, vómitos, hepato- Síndroma de Rotor
megália e valores de BC ~2-5 mg/dL, os quais Esta síndroma colestática, tendo pontos
podem atingir cerca de 20 mg/dL durante inter- comuns com a síndroma de Dubin-Johnson (SDJ),
corrências infecciosas; a situação pode regredir na também se transmite de modo autossómico reces-
adolescência, considerando-se dum modo geral a sivo; sob o ponto de vista de manifestações clíni-
evolução benigna, sem doença crónica. ALT, AST, cas, não existe elevação de BC desencadeada por
fosfatase alcalina e sais biliares no soro evidenciam intercorrências.
valores normais. A excreção de ácidos biliares e o De base molecular ainda desconhecida, evi-
nível sérico de ácidos biliares são normais. Por dencia, para além do defeito da SDJ, deficiência na
colangiografia não se visualiza o tracto biliar e o captação de aniões orgânicos e ausência de acu-
padrão radiológico da vesícula biliar é anormal. mulação de pigmento no hepatócito. O padrão
O coproporfirinogénio urinário é normal, mas radiológico da vesícula biliar é normal.
CAPÍTULO 358 Icterícia neonatal 1949

Para o diagnóstico diferencial com SDJ tem McDonagh AF. Controversies in bilirubin biochemistry and
importância o perfil de coproporfirina urinária (na their clinical relevance. Seminars in Fetal and Neonatal
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1950 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

to às infecções perinatais deve saber reconhecer o


Infecção do feto e recém-nascido risco infeccioso bacteriano perinatal, os sinais de
infecção bacteriana neonatal e que atitudes tomar
em casos de suspeita. Por último, deve ter noções
firmes sobre a infecção de origem hospitalar, outra

359
das grandes preocupações na eventualidade de o
RN se encontrar hospitalizado.
Neste capítulo são dadas noções fundamentais
que permitam ao médico adquirir conhecimentos
de modo a identificar, encaminhar e/ou tratar a
patologia infecciosa congénita e peri-neonatal.
ASPECTOS GERAIS DA Nos Capítulos 360, 361 e 362 são abordadas as
infecções congénitas mais comuns, mais porme-
INFECÇÃO NO RECÉM-NASCIDO norizadamente a infecção bacteriana perinatal e,
sucintamente, as infecções hospitalares com ori-
Maria Teresa Neto gem na comunidade. (A infecção por vírus da
imunodeficiência humana consta do Capítulo 70).

Definições
Importância do problema
Os conceitos são importantes não só para que pos-
No recém-nascido a infecção reveste-se de carac- samos falar a mesma linguagem, mas também
terísticas tão específicas que a tornam uma das porque os mesmos se relacionam em geral, quer
patologias mais temidas neste grupo etário. Na com determinadas manifestações clínicas, quer
realidade, a infecção (bacteriana, fúngica, para- com agentes etiológicos e terapêuticas diferentes.
sitária ou vírica), de origem materna ou adquirida
no hospital, é muito mais frequente no período Infecção congénita
neonatal do que em qualquer outro período da É a infecção adquirida in utero, por via transpla-
vida; pode ser rapidamente evolutiva, é potencial- centar. A criança pode nascer já com sequelas da
mente muito grave e, na generalidade, está asso- infecção, por exemplo, calcificações intracrania-
ciada a mortalidade elevada. Por isso, a infecção é nas, restrição de crescimento intra uterino (RCIU),
uma preocupação, não só de pediatras e neonato- lesões oculares, porque houve tempo para que tal
logistas como também de obstetras, uma vez que acontecesse. São as infecções que se agrupam
muitas das situações podem ser detectadas e tra- numa sigla TORCHS (toxoplasmose, outras,
tadas in utero ou condicionar determinadas ati- rubéola, vírus citomegálico humano, hepatite, sífi-
tudes obstétricas – designadamente antibioticote- lis). Algumas destas infecções podem ocorrer no
rapia durante o trabalho de parto ou decisão de final da gestação, ou ser adquiridas no período
retirar o feto – que de outro modo não se toma- perinatal vindo a dar manifestações já para além
riam. do período neonatal. É o caso da sífilis que, adqui-
O médico que trata o recém-nascido (RN) – rida no final da gestação, poderá tornar-se sin-
médico de família, pediatra ou neonatologista – tomática no segundo mês de vida.
deve ter conhecimentos e competências que lhe
permitam diagnosticar, tratar ou encaminhar um Infecção perinatal
RN doente: no que respeita às infecções congénitas É uma infecção adquirida por via ascendente. O
saber a periodicidade com que devem ser efectua- agente patogénico, habitualmente um comensal
dos os estudos serológicos antes ou durante a gra- ou infectante do tracto genital materno, atinge o
videz, saber interpretar os resultados, estar fami- meio intra-uterino, porque houve rotura de mem-
liarizado, quer com os sinais clínicos deste tipo de branas; contudo, membranas intactas não são
infecções, quer com o tratamento de eleição; quan- sinónimo de barreira eficaz.
CAPÍTULO 359 Aspectos gerais da infecção no recém-nascido 1951

Nesta situação a criança: 1) poderá nascer já quente. Contudo, deve ser sempre tido em consi-
com doença evidente e por vezes grave, com reac- deração que outros microrganismos – bactérias ou
ção diminuída aos estímulos e depressão respi- fungos – podem ser causa de infecção de origem
ratória, condicionando adaptação difícil à vida hospitalar com consequências muito mais graves
extra-uterina (traduzida, designadamente, por para o doente (maior patogenicidade, eventual
baixo índice de Apgar), ausência de resposta às multirresistência, maior mortalidade).
medidas de reanimação, necessidade de cuidados
intensivos e risco elevado de morte nas primeiras Infecção da comunidade
horas de vida; 2) ou poderá vir a manifestar a É uma infecção causada por microrganismos adqui-
doença durante os primeiros dias de vida. ridos na comunidade e manifestando-se em RN já
no domicílio. Frequentemente, o RN adquire a infec-
Infecção precoce ção por contágio através dum irmão a frequentar
Corresponde a quadro mórbido com início dos infantário ou escola, ou doutros familiares doentes.
sinais clínicos nas primeiras 72 horas de vida. A situação paradigmática corresponde ao caso
Nalgumas infecções que ocorrem predominante- de RN em ambulatório que é admitido com quadro
mente na primeira semana de vida considera-se o de pneumonia ou de sépsis. Os agentes implicados
limite de 7 dias; é o que acontece, por exemplo na podem ser Haemophilus influenza, Streptococcus
infecção por Streptococcus do grupo B. Os micror- pneumoniae ou Neisseria meningitidis. A antibioticote-
ganismos que causam infecção precoce são, rapia empírica terá que abranger todas estas hipó-
supostamente, sempre de origem materna. teses etiológicas e ainda a possibilidade de alguns
destes microrganismos serem multirresistentes.
Infecção tardia
Trata-se de infecção cujos sinais clínicos ocorrem Septicémia
depois das 72 horas de vida. Pode ser provocada Septicémia é uma infecção sistémica generalizada
por microrganismos transmitidos pela mãe, caracterizada por sinais clínicos de infecção como
adquiridos no hospital se a criança estiver hospi- prostração, hipotonia, recusa ou intolerância ali-
talizada ou adquiridos na comunidade se a crian- mentar, febre, hipotermia ou labilidade térmica,
ça estiver no domicílio. má perfusão periférica, tempo de recoloração
capilar superior a 2 segundos, dificuldade respi-
Infecção de origem materna ratória e hemocultura positiva.
Este tipo de infecção é provocado por um micror- Os sinais clínicos são acompanhados, mais
ganismo transmitido pela mãe. Frequentemente cedo ou mais tarde, por alterações dos reagentes
trata-se duma infecção precoce; no entanto, tal da fase aguda, positividade da PCR, leucocitose
tipo de infecção pode ser tardia – a criança é colo- ou leucopénia, neutrofilia ou neutropénia.
nizada pelos microrganismos maternos que inva-
dem a circulação sanguínea mais tarde, por vezes Sépsis
mesmo depois do período neonatal. Em Portugal Definida como infecção sistémica com os mesmos
o Streptococcus do grupo B é o agente mais fre- sinais clínicos referidos na septicémia, sendo o
quentemente isolado nas infecções de origem resultado da hemocultura negativo. No caso de
materna seguido, de longe, pela E. coli ou outras infecção de origem materna este resultado é fre-
enterobacteriáceas – Klebsiella, Proteus. quentemente condicionado pela administração de
antibióticos à mãe no período periparto. A tera-
Infecção de origem hospitalar pêutica antimicrobiana deverá ser feita com base
É uma infecção adquirida após o nascimento, com nos critérios atrás expostos para a septicémia
microrganismos de origem hospitalar; raramente (mesmos antibióticos e a mesma duração).
ocorre antes das 72 h de vida. Em cuidados inten-
sivos neonatais os agentes mais frequentemente Pneumonia
implicados são Staphylococcus coagulase negativa, Trata-se dum quadro de dificuldade respiratória
dos quais Staphylococcus epidermidis é o mais fre- (SDR) acompanhado de sinais auscultatórios (fer-
1952 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

vores crepitantes, por vezes difíceis de detectar) e te). A cultura do LCR é positiva se não tiver sido
radiológicos (condensações heterogéneas evi- iniciada antibioticoterapia prévia. O exame cito-
dentes na radiografia do tórax, mantidas por mais químico do LCR evidencia número de células
de 48 h). Em RN ventilados a pneumonia manifes- superior a 20 /mm3, glicose inferior 70% a 80% em
ta-se muitas vezes também por necessidade de relação ao valor da glicémia, e proteínas com valor
aumentar os parâmetros de ventilação. Na maior superior a 150 mg/dL .
parte das pneumonias no período neonatal é difí- A meningite é mais frequente na infecção tar-
cil conhecer o agente etiológico O diagnóstico cor- dia; com efeito, é necessário tempo para ocorrer
recto é feito com o agente isolado na hemocultura replicação e disseminação bacterianas. Pelo contrá-
– um achado raro em neonatologia – ou isolado de rio, a pneumonia é mais frequente na infecção pre-
peça de exame necrópsico em caso de óbito. Nas coce: as vias aéreas superiores ficam de imediato
primeiras 12 h de vida as bactérias detectadas em colonizadas na passagem do feto pelo canal do
cultura de aspirado do tubo traqueal (TET) ou da parto, sendo o pulmão facilmente atingido.
orofaringe permitem o diagnóstico etiológico; no
entanto, num RN admitido em cuidados intensi- BIBLIOGRAFIA
vos já há alguns dias, o exame bacteriológico das No fim do Capítulo 362.
secreções do TET pode indicar apenas colonização.

Infecção urinária
É uma situação definida pela comprovação de
bacteriúria significativa (consultar Capítulo 164,
sobre Infecção Urinária) pressupondo técnica cor-
recta de colheita de urina: no período neonatal a
colheita correcta de urina para exame bacterioló-
gico deve ser feita por punção suprapúbica; no
caso de o médico não ter prática da técnica devem
ser feitas duas colheitas para saco ou colheita por
algaliação após desinfecção cuidadosa.
Se a infecção urinária estiver localizada ao
tracto urinário inferior, pode manifestar-se apenas
por recusa e intolerância alimentar – vómitos. A
infecção urinária do tracto superior – pielonefrite
– manifesta-se como sépsis: febre, má perfusão
periférica, e também recusa ou intolerância ali-
mentar. A hemocultura também pode ser positiva
– septicémia com pielonefrite – sendo de salientar
que muitas vezes não se percebe qual foi a infec-
ção primária – se a renal que determinou a disse-
minação hematogénica, se a infecção sistémica
que determinou foco de localização secundária no
rim.
O tratamento é igual ao referido para a sépsis.
O diagnóstico de certeza é dado pelo resultado de
urocultura e pela ecografia renal.

Meningite
O quadro clínico de meningite é sobreponível ao
de infecção sistémica (sépsis/septicémia, isto é,
sem ou com hemocultura positiva, respectivamen-
CAPÍTULO 360 Infecção congénita 1953

360
com o agente infeccioso torna desnecessária a
repetição do estudo serológico.
Outro facto muito importante diz respeito ao
local onde as análises são processadas; as mesmas
deverão ser idealmente realizadas num laborató-
rio idóneo, sempre o mesmo, com a mesma técni-
INFECÇÃO CONGÉNITA ca, de modo a viabilizar a comparação de resulta-
dos seriados designadamente no que respeita a
Maria Teresa Neto estudos serológicos. Facto não menos importante:
os resultados devem ser observados e correcta-
mente interpretados por quem os solicita. Caso
haja suspeita de infecção congénita, uma vez
Particularidades das infecções do nascida a criança, devem ser solicitados exames
grupo TORCHS e implicações práticas no sangue do RN e da mãe no mesmo laboratório,
de modo a comparar os resultados com os obtidos
Existe um grupo de infecções, frequentemente anteriormente. A interpretação dos resultados por
assintomáticas no adulto saudável e, por conse- parte do patologista clínico constitui também uma
guinte, também durante a gravidez, com a parti- ajuda de grande importância.
cularidade de poderem provocar doença grave no
feto/RN, sendo as respectivas manifestações clíni-
cas semelhantes. Entre tais infecções incluem-se as
designadas por infecções do grupo TORCHS
1. SÍFILIS CONGÉNITA
(toxoplasmose, outras, rubéola, vírus citomegálico
humano, herpes simplex e sífilis) já mencionadas Definição, etiopatogénese
atrás. Sendo as manifestações clínicas fetais e neo- e aspectos epidemiológicos
natais deste tipo de infecções semelhantes, para a
sua destrinça torna-se fundamental a interpreta- A sífilis é uma doença de transmissão sexual pro-
ção correcta do estudo serológico materno realiza- vocada por um espiroqueta, Treponema pallidum.
do durante a gravidez. Num RN com sinais de A sífilis congénita, adquirida pelo feto (muito
doença, a correcta interpretação dos resultados mais frequentemente por via hematogénica trans-
dos estudos serológicos realizados durante a gra- placentar e mais raramente por contacto com
videz condiciona poupança de gastos em trabalho lesão activa no canal do parto), evidencia relação
de laboratório de imunologia, de virologia ou de com o estádio da doença materna. Quanto mais
parasitologia e, sobretudo, poupança em tempo recente a infecção materna e mais avançada a gra-
de diagnóstico. videz, maior o risco de infecção fetal. Treponema
Neste capítulo são abordados aspectos funda- pode atingir todos os órgãos, realçando-se o fíga-
mentais das infecções congénitas mais comuns do, baço, pulmões, sistema nervoso central e siste-
numa perspectiva prática, com especial ênfase ma musculoesquelético, ao nível dos quais se veri-
para o diagnóstico e o tratamento. ficam reacções inflamatórias intersticiais difusas e
No que respeita às infecções que induzem endarterite obliterante.
imunidade e para as quais existe possível inter- A sífilis congénita é sempre uma sífilis secun-
venção terapêutica, cabe salientar que o momento dária.
mais oportuno para avaliar o estado imunitário da Deve recordar-se, a propósito, que durante
mulher (imune versus não imune) é a consulta pré- toda a gestação se verifica a passagem transpla-
concepcional. Assim, há tempo para esclarecer centar de IgG materna, sendo que a IgM materna
dúvidas, protelar uma gravidez se o contexto clí- somente atravessa a placenta se se verificar lesão
nico o justificar, ou até proceder à imunização da deste órgão. Entre as 10 e 20 semanas o feto tem a
futura grávida. Para algumas doenças infecciosas capacidade de produzir, quer IgG, quer IgM. Por
o conhecimento de que a mulher já teve contacto- conseguinte, a IgM presente no soro do RN signi-
1954 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

fica, em princípio, produção própria ou infecção São a seguir sistematizadas as manifestações


activa, enquanto a IgG pode ter proveniência, mais significativas da sífilis congénita precoce:
quer a partir da mãe, quer a partir do feto/RN. – Rinite mucóide, mucopurulenta ou mucopios-
Nesta perspectiva, a interpretação dos resulta- sanguinolenta
dos serológicos quanto a IgG no RN, obriga neces- – Lesões cutaneomucosas ricas em Treponemas e,
sariamente à comparação entre títulos obtidos na por isso, altamente contagiosas
mãe e no filho RN. • sifílides maculosas (roséola sifilítica) – mácu-
A presença de Treponema no organismo induz a las disseminadas, arredondadas,róseas
formação de anticorpos não treponémicos ou • pênfigo palmoplantar – bolhas de localiza-
reagínicos (inespecíficos), e de anticorpos treponé- ção simétrica, de conteúdo seropurulento ulceran-
micos ou específicos. do e transformando-se em crostas (Figura 1)
Com a descoberta da penicilina em 1943, a sífi- • condiloma plano – lesões de tipo “vegeta-
lis passou a ter tratamento específico; por isso, a ções” achatadas perianais
partir de então ficaram criadas as condições para – Lesões viscerais
a erradicação da sífilis congénita, a doença com • hepatomegália – hepatite neonatal,colestase
melhor relação custo benefício no que respeita a (a causa mais frequente de colestase nos países em
diagnóstico/tratamento. Infelizmente tal ainda desenvolvimento é a sífilis congénita), eritropoie-
não aconteceu, designadamente em Portugal. se extramedular, compromisso do SRE
Com efeito, no nosso país a sífilis congénita conti- • esplenomegalia (Figura 2)
nua a ser uma infecção que põe em risco a vida de • linfadenopatia generalizada (sendo a locali-
recém-nascidos apesar da diminuição progressiva zação epitroclear típica)
da declaração de casos: 47 em 1996/97, 48 em – Manifestações hematológicas
1998, 44 em 2001, 19 em 2003, 21 em 2005 e igual • anemia hemolítica com prova de Coombs
número em 2007. A responsabilidade destes negativa (por vezes a forma de apresentação no
números é dos progenitores, dos médicos e do lactente)
Sistema de Saúde. Dos primeiros, porque poderão • leucocitose (reacção leucemóide ou síndro-
não ter recorrido ao médico durante a gravidez ma de Von Jachs Luzet)
por diversas razões, inclusivamente por défice de • trombocitopénia
esclarecimento; dos médicos, porque no caso de a • CID nas formas graves
gravidez ter tido acompanhamento médico o dia- – Manifestações respiratórias
gnóstico deveria ter sido feito, a terapêutica pres- • pneumonia intersticial (pneumonia alba)
crita e a cura da infecção materna comprovada; do – Manifestações renais
Sistema de Saúde porque se a sífilis não foi dia- • síndroma nefrótica
gnosticada nem tratada por falta de acompanha- – Manifestações ósseas (lesões simétricas,doloro-
mento médico durante a gravidez tal significa que
o referido Sistema ainda não conseguiu fazer che-
gar os cuidados à população nos casos em que a
população não procurou esses cuidados.

Manifestações clínicas

A sífilis congénita é uma doença com um espectro


de manifestações muito amplo e formas de apre-
FIG. 1
sentação também variadas (exuberantes ou oligos-
sintomáticas). Da infecção intra-uterina pode Lesões cutâneas características da sífilis congénita: pênfigo
resultar hidropisia fetal por anemia fetal grave, bolhoso à esquerda e descamação plantar à direita. Estas
mortalidade fetal ou prematuridade. A criança lesões são altamente contagiosas e devem ser manipuladas
com luvas, pelo menos durante as primeiras 24h de
pode, contudo, nascer assintomática surgindo as
terapêutica com penicilina. (UCIN-HDE)
manifestações da doença mais tarde.
CAPÍTULO 360 Infecção congénita 1955

• compromisso assintomático na maioria dos


casos (alteração bioquímica, citológica e serológi-
ca do LCR)
• leptomeningite aguda, compromisso menin-
govascular,compromisso dos pares cranianos.

Sucintamente referem-se alguns sinais de com-


plicações da sífilis congénita não tratada (manifes-
tações residuais ou estigmas, hoje praticamente
inexistentes no nosso meio e apenas citadas por
razões históricas): reacções tardias (após 2 anos de
FIG. 2
idade) de hipersensibilidade, correspondentes à
RN com sífilis congénita. São notórias hepatosplenomegália sífilis terciária adquirida – a tríade de Hutchinson
e petéquias na região inguinal direita. (UCIN-HDE) (dentes de Hutchinson, ceratite intersticial e sur-
dez por lesão do VIII par craniano).
sas ao tacto, com impotência funcional, muito fre-
quentes ; por vezes a forma de apresentação é a Exames complementares
pseudo paralisia de Parrot com postura antiálgica
do membro) Para o diagnóstico da sífilis congénita torna-se
• osteocondrite metafisária, a lesão mais fre- fundamental atender aos antecedentes da gravi-
quente,em geral manifestada antes dos 3 meses, dez: seguimento médico, resultados dos exames
por vezes associada a fractura patológica não treponémicos e treponémicos e terapêutica
• sinal de Wimberger correspondente a rare- instituída e realizada em caso de resultados reacti-
facção óssea evidente no bordo interno da extre- vos/positivos. É muito importante estudar a evo-
midade proximal da tíbia (Figura 3) lução dos títulos das provas não treponémicas,
• periostite (em geral manifestada após os 3 sendo sabido que, em caso de sífilis no adulto, as
meses) provas treponémicas se mantêm positivas para a
– Manifestações do sistema nervoso central vida, e as provas não treponémicas devem negati-
var em caso de cura.
As manifestações clínicas atrás mencionadas,
as alterações encontradas na radiografia dos ossos
longos, no hemograma, no exame citoquímico do
LCR, nas provas de função hepática, no exame de
urina, completam o quadro que possibilita um
diagnóstico de suspeição muito forte. A suspeição
clínica é muito fortalecida pelo resultados dos
exames laboratoriais não treponémicos e treponé-
micos – VDRL titulado comparado com o da mãe
e FTAabs ou TPHA. O diagnóstico de certeza hoje
em dia baseia-se, mais na pesquisa do DNA do
Treponema pallidum por PCR, do que nos antiqua-
dos e abandonados métodos de pesquisa de tal
microrganismo em campo escuro.
FIG. 3
Salienta-se ainda que a suspeita de qualquer
Lesões ósseas de osteocondrite e metafisite típicas da sífilis infecção congénita implica a obrigatoriedade de
congénita (destruição esponjosa bilateral)podendo levar a exame oftalmológico (referido de novo adiante,
descolamento epifisário. Apesar de exuberantes e enquadrado no contexto clínico laboratorial).
extremamente dolorosas, regridem completamente após
A seguir são sistematizadas as análises a reali-
tratamento com penicilina. (UCIN-HDE)
zar, o significado de cada uma delas, a interpreta-
1956 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ção dos respectivos resultados e a atitude a ter na 2. no RN de mãe com VDRL reactiva
grávida com resultado de VDRL reactivo, e no RN – Determinar VDRL com titulação no soro do
de mãe com VDRL reactivo. RN e da mãe.
– Se VDRL reactiva realizar: punção lombar (se
• VDRL (Venereal Disease Research Labora- a contagem plaquetária for normal) para VDRL e
tory) – É uma prova não treponémica. O resultado exame citoquímico no LCR; radiografia dos ossos
é dado como reactivo ou não reactivo, em dilui- longos dos membros inferiores (detecção de sinais
ções ou títulos (Ex: diluído a 1/4 ou reactivo a 2 de osteocondrite e periostite, outros); provas de
diluições, diluído a 1/8 ou reactivo a 4 diluições). função renal e hepática; hemograma e proteína C
Tendo a análise VDRL elevada sensibilidade é com a reactica (PCR); exame oftalmológico; ecografia
mesma que se procede ao rastreio. A especificidade é, transfontanelar.
no entanto, menor; ou seja, há a certeza de dia-
gnosticar todos os casos verdadeiros, embora pos- Tratamento
sam surgir resultados falsos reactivos.
Um resultado reactivo para VDRL deve ser 1. da grávida
sempre confirmado por provas treponémicas – Se os exames forem positivos, deve iniciar-se o tra-
FTA Abs (Fluorescent Treponemal Antibody tamento com penicilina:
Absorption test) ou TPHA (Treponema pallidum – se a doença tiver duração inferior a 1 ano
hemaglutination assay). (sífilis recente): penicilina benzatínica 2.400.000 UI
Nota importante: a conversão do VDRL, de reac- em administração única;
tivo em não reactivo, constitui prova de cura; por – se a duração for superior a 1 ano (sífilis tar-
isso, deve ser repetida até negativar; se a prova dia ou latente): penicilina benzatínica 2.400.000 UI
positivar novamente, tal corresponderá a reinfec- 1 vez por semana durante 3 semanas.
ção da grávida, o que implica novo tratamento. Nota importante: somente a penicilina trata a
sífilis do feto; uma grávida medicada com eritro-
• FTA- Abs ou TPHA – São provas treponémi- micina trata a sífilis da própria, mas não a do feto).
cas, confirmando o diagnóstico das provas não
treponémicas. Positivam mais precocemente que 2. do RN de mãe com VDRL reactiva
as não treponémicas; possuindo elevada especifi- – deve iniciar-se tratamento com penicilina se:
cidade, mas baixa sensibilidade, não estão indica- • evidência clínica, laboratorial ou radiológica
das para rastreio de sífilis congénita;
Nota importante: as provas treponémicas man- • RN de mãe com VDRL reactiva, não tratada;
têm-se positivas durante toda a vida; por isso, • mãe tratada com outro antibiótico que não
torna-se desnecessário repetir a análise para ava- penicilina;
liar se houve cura. • mãe com tratamento no 9º mês de gestação
(situação correspondente a feto não tratado);
Procedimentos • ausência de cura comprovada da infecção
1. na grávida materna;
– Rastreio → VDRL: pré concepcional, 1º, 2º, 3º – esquema de tratamento: penicilina G benzatí-
trimestres. Se existe história de múltiplos parcei- nica 100.000UI /kg/ dia via IV de 12/12h durante
ros sexuais, deve realizar-se a análise também na 10 dias (14 dias se houver neuro-sífilis, VDRL reac-
admissão à sala de partos. tiva ou alterações citoquímicas do LCR).
– Confirmação → Se a VDRL foi reactiva, o
resultado deve ser titulado. A infecção deve ser Estudo evolutivo
confirmada através da realização da análise FTA
Abs ou TPHA. A descida progressiva dos títulos A criança com sífilis congénita confirmada deve
de VDRL até à negativação constitui prova de ser observada em consulta de seguimento mensal-
cura. O parceiro sexual deve ser rastreado e trata- mente durante os 3 primeiros meses e, depois, de
do se infectado. 3-3 meses até aos 12 meses.
CAPÍTULO 360 Infecção congénita 1957

Nos casos de neuro-sífilis a punção lombar coce for a transmissão materno-fetal: em situações
para exame do LCR deve ser repetida aos 6 meses. extremas poderá surgir aborto e morte fetal.
Na grávida, a toxoplasmose pode ter manifes-
tações semelhantes a uma gripe. Em imunodepri-
midos a doença pode manifestar-se com gravida-
2. TOXOPLASMOSE de (menigoencefalite, pneumonite, miocardite).
A frequência de toxoplasmose varia muito nas
Definição, etiopatogénese diversas comunidades urbanas, o que depende
e aspectos epidemiológicos dos hábitos alimentares, do contacto com animais
portadores e das condições climáticas (o oocisto
A toxoplasmose congénita é uma doença provoca- sobrevive bem ao calor). Nas zonas em que o
da por um protozoário, Toxoplasma gondii, parasita consumo de carne crua é muito frequente, cerca de
intracelular obrigatório. Este protozoário existe 60% dos adultos jovens têm anticorpos anti-toxo-
sob 3 formas: trofozoítos ou taquizoítos (forma plasma; vários estudos realizados em Portugal
proliferativa); quisto tecidual (bradizoíto); oocisto revelam prevalências de 26% a 31%. No nosso país
(produzindo trofozoítos). tem-se assistido a uma diminuição das taxas de
A toxoplasmose é uma zoonose largamente seropositividade, facto que pode ser atribuído a
difundida em todo o mundo, tendo como hospe- múltiplos factores, tais como: 1) o parasita é menos
deiro definitivo o gato; outros hospedeiros são prevalente; 2) a população tem melhores cuidados
ocasionais (todos os mamíferos, algumas aves e de higiene, nomeadamente no que respeita a lava-
répteis, etc.). gem das mãos e desinfecção de frutas e legumes; 3)
O Toxoplasma transmite-se por ingestão de existem menos animais de abate contaminados.
carne mal cozida de animais parasitados contendo A taxa de seropositividade na população em
quistos teciduais, ingestão ou inalação de oocistos geral induz preocupações diferentes: uma elevada
eliminados pelas fezes de gatos; mais raramente, a prevalência indica grande frequência do parasita;
transmissão faz-se por transfusão de sangue ou por isso, apesar de haver baixa prevalência de
transplantação de órgãos. indivíduos susceptíveis, incluindo mulheres em
A prevenção primária é muito eficaz: ingestão idade fértil, a possibilidade de seroconversão duran-
de carne bem cozida, manipulação de carne crua te a gravidez é grande. Uma prevalência baixa indi-
com luvas, lavagem cuidadosa das superfícies ca menor risco de infecção na população em geral
onde foi cortada carne crua, lavagem cuidadosa mas, como a prevalência de mulheres susceptíveis é
de vegetais consumidos crus, jardinagem com maior, o número de seroconversões durante a gravi-
luvas e manipulação de dejectos de gatos com dez pode ser maior também. Sob o ponto de vista
luvas são medidas simples que podem reduzir económico é mais rendível rastrear grávidas numa
significativamente a taxa de seroconversão duran- população de elevada prevalência de seropositivas –
te a gravidez. as grávidas a rastrear serão poucas e a possibilidade
É possível a transmissão ao feto em caso de de diagnosticar uma seroconversão é elevada. Sob o
primo-infecção da grávida ou de recrudescência ponto de vista clínico, como é obvio, interessa mais
de doença crónica da mesma em situações de imu- que a taxa de seroconversão na gravidez seja baixa.
nodepressão; raramente um adulto saudável e A infecção do feto, em princípio, só ocorre se se
imunocompetente tem uma reinfecção ou reacti- verificar primo-infecção materna durante a gesta-
vação de infecção. ção: a parasitémia materna origina infecção pla-
O risco de transmissão durante a gravidez, centar (placentite) com consequente disseminação
crescente com o tempo de gestação, pode ser hematogénica para o feto. A passagem do parasita
contabilizado do seguinte modo: cerca de 10% dos do sangue materno para a placenta e desta para o
fetos serão afectados se a mãe se infectar no pri- feto, pode ser concomitante com a invasão da pla-
meiro trimestre, 30% se no 2º trimestre e 50 a 60% centa ou não, podendo mediar algum tempo entre
se no final da gravidez. Quanto à gravidade da as duas ocorrências.
infecção fetal, ela é tanto maior quanto mais pre- Salienta-se, no entanto, que em mães com imu-
1958 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

nossupressão e antecedentes de primo-infecção, Manifestações clínicas e diagnóstico


pode verificar-se reactivação de infecção latente de infecção no RN
com ulterior parasitémia e risco de infecção fetal.
Daí a importância da conhecer os resultados de Na grande maioria dos casos de toxoplasmose
estudos serológicos anteriores à gravidez. congénita (cerca de 85%) a criança está assintomá-
tica ao nascer, podendo surgir, nos meses ou anos
Avaliação pré-concepcional subsequentes, sinais isolados ou associados de
modo diverso, que se podem relacionar com infec-
Se o estudo serológico da mulher evidenciar IgG ção adquirida intra-uterina.
positiva e IgM negativa não há necessidade de Nos casos de infecção no primeiro trimestre da
repetir a análise. Se se comprovar uma infecção gravidez são notórios sinais neurológicos e oftal-
recente pode ser útil protelar uma eventual gesta- mológicos tais como, restrição de crescimento
ção. intra-uterino (RCIU) microcefalia (testemunhando
lesão cerebral grave, hidrocefalia obstrutiva, calci-
Avaliação pré-natal ficações intracranianas difusas, convulsões, altera-
ções do LCR e retinocoroidite (Figura 4)
Se a mulher for seronegativa deve investir-se na Nos casos de infecção adquirida no segundo e
prevenção primária, altamente eficaz. Nesse senti- terceiro trimestres verifica-se, para além de retino-
do devem ser dadas noções básicas sobre o modo coroidite e de alterações do LCR, doença generali-
de transmissão da doença. Em Portugal, as nor- zada: baixo peso de nascimento, RCIU, hepatos-
mas da DGS preconizam a repetição de serologias plenomegália, linfadenopatia, icterícia, hepatite,
em mulheres seronegativas, uma vez por tri- anemia hemolítica e trombocitopénia, hipopro-
mestre; a manter-se a actual política em relação a trombinémia, pneumonite intersticial, pancardite.
esta infecção, idealmente estas deviam repetir-se As lesões oculares primárias da retina e coroi-
mensalmente de modo a detectar precocemente deia (presentes em 60 a 80% dos casos) podem
uma eventual seroconversão. acompanhar-se ou complicar-se de lesões secundá-
rias tais como: iridociclite, catarata, glaucoma,
Diagnóstico de infecção fetal estrabismo, nistagmo e descolamento da retina.
Os antecedentes epidemiológicos e obstétricos,
A infecção fetal é diagnosticada na sequência de assim como os sinais clínicos orientam para o dia-
seroconversão materna comprovada: IgM positiva gnóstico que deverá ser confirmado pela realiza-
com IgG ainda negativa ou, já positiva mas com ção de exames complementares:
avidez baixa.
Se tal acontecer, ecografias morfológicas seria-
das, amniocentese para identificação do parasita
no líquido amniótico por PCR (reacção em cadeia
da polimerase), podem confirmar a infecção do
feto; esta última técnica (PCR), muito simples,
sensível e específica, segura, de resposta rápida e
pouco dispendiosa, constitui actualmente o prin-
cipal meio de diagnóstico de infecção fetal.
A ecografia fetal detalhada poderá revelar, já
ou em tempo próximo, hidrocefalia, calcificações
intracranianas, hepatomegália, ascite e placentite.
FIG. 4
O diagnóstico de infecção fetal e a comprova-
ção ecográfica de defeitos fetais daí decorrentes Microcefalia em criança com toxoplasmose congénita adquiri-
permitem ao casal a decisão de abortamento da às 16 semanas de gestação. O diagnóstico e o tratamento
medicamente assistido de acordo com a legisla- da infecção congénita in utero podem impedir lesões graves
do SNC. (UCIN-HDE)
ção.
CAPÍTULO 360 Infecção congénita 1959

• Exames gerais (hemograma com contagem rastreio da grávida, do diagnóstico da infecção na


de plaquetas e reticulócitos, análise do LCR, pro- mulher e, depois, no feto.
vas de função e citólise hepáticas, bilirrubinémia Se se verificar seroconversão durante a gravi-
total e conjugada, etc.); dez, a mulher deve ser encaminhada para um cen-
• Exames específicos (a programar em função tro de diagnóstico pré-natal e seguida em consul-
da forma de apresentação): ta de alto risco.
– radiografias do crânio, incluindo TAC para O tratamento com espiramicina trata a infec-
detecção de calcificações intracranianas, lesões ção materna e impede a disseminação do parasita
parenquimatosas, dilatação ventricular, etc.; para o feto mas não trata a infecção fetal se ela já
– radiografia do tórax para detecção de sinais estiver estabelecida. Assim, o tratamento na grávi-
de pneumonite intersticial; da é feito com espiramicina durante toda a gravidez
– radiografia dos ossos longos para detecção caso não se comprove infecção fetal (3g/dia de
de estrias longitudinais nas epífises e radioluscên- 12/12h). A terapêutica deve ser iniciada logo que
cia óssea; seja feito o diagnóstico de seroconversão.
– ecografia transfontanelar para detecção das
lesões já descritas (calcificações, dilatação venticu- 2. Infecção fetal
lar, outras); A infecção fetal deve ser tratada com pirimetami-
– exame oftalmológico para detecção das na e sulfadiazina (25 mg/dia e 4g/dia respectiva-
lesões já descritas; mente). Este tratamento deve ser iniciado logo
– estudo serológico pós-natal: IgG positiva, que haja diagnóstico de infecção fetal e mantido
por vezes com título superior ao da mãe, e IgM até ao nascimento. A grávida deve receber tam-
positiva confirmam o diagnóstico; nos casos assin- bém suplemento de ácido folínico.
tomáticos e suspeitos torna-se necessário proceder
ao estudo serológico seriado – a repetição do estu- 3. Infecção no RN
do serológico com periodicidade mensal para Atendendo a que a espiramicina é um bacteriostá-
detectar subida dos níveis de IgG pode confirmar tico, no RN sintomático o tratamento deve ser
o diagnóstico; contudo, mesmo em doentes infec- iniciado com pirimetamina (1mg /kg por via oral
tados, a IgM determinada ao nascer, pode já ser de 2/2dias) e sulfadiazina (100mg/kg/dia por via
negativa e as IgG podem ter origem materna. Daí oral de 12/12h) que actuam de modo sinérgico
a grande dificuldade em estabelecer um diagnós- contra Toxoplasma.
tico preciso com base nas serologias. Nesse senti- Estes medicamentos são depressores medu-
do poderão ser úteis as técnicas de imunoblot lares; por isso, a terapêutica a terapêutica deve ser
(Western-blot) dando informação sobre as popula- complementada com a administração de ácido
ções de IgG – apenas uma população, suposta- folínico (10 mg por via oral de 3/3 dias) sendo
mente de origem materna ou duas populações, indispensável realizar um hemograma duas vezes
uma materna outra do RN. Será assim possível ter por semana, pelo menos no início. O tratamento
um diagnóstico de certeza. com pirimetamina deve ser interrompido se o
– identificação de ADN do parasita no sangue valor plaquetário for inferior a 90.000/mm3 e a
e LCR do RN, uma análise específica, de resposta sulfadiazina interrompida se o valor dos neutrófi-
rápida; los for inferior a 1000/mm3.
– inoculação no cobaio: técnica ainda utilizada A comprovação de doença ocular ou do SNC
mas pouco relevante na prática clínica. obriga à administração de corticóides – predniso-
na – 1,5mg/kg/dia por via oral de 12/12h (dura-
Tratamento ção a determinar pelo oftalmologista).

1. Infecção da grávida Estudo evolutivo


Os autores franceses defendem que infecção fetal
tratada tem muito melhor prognóstico do que a Uma criança com suspeita de toxoplasmose congé-
não tratada. Por isso, salienta-se a importância do nita deve ser vigiada regularmente com estudo
1960 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

serológico seriado de 3-3 meses no primeiro ano de Portugal, diversos estudos mostram taxas que se
tratamento – que é o primeiro ano de vida – e com situam entre os 80% e os 90%. Investigação reali-
exame oftalmológico, igualmente seriado e regu- zada na maternidade do Hospital de Dona
lar, até ao início de idade adulta. Estefânia revelou que a taxa de puérperas com
IgG positiva para CMV era de 85% em 1988, 60%
em 2003 e 62% em 2010.
Tanto a infecção materna primária (ocorrendo
3. INFECÇÃO PELO VÍRUS em 0,6 a 4% de todas as gravidezes) como a recor-
CITOMEGÁLICO HUMANO (CMV) rente, podem resultar em infecção congénita;
contudo, a taxa de infecção e a gravidade de com-
Etiopatogénese, aspectos promisso fetais após a infecção materna primária
epidemiológicos e importância são muito maiores (cerca de 40 a 50%) do que
do problema após infecção recorrente (cerca de 1%).
A transmissão materno-fetal do CMV pode ocor-
O vírus citomegálico humano (CMV), originando rer com igual frequência em todas as fases da gesta-
uma infecção conhecida por doença de inclusão ção, salientando-se que na maioria destes casos não
citomegálica, é um vírus que pertence à família se verifica qualquer sintomatologia na mãe ou a sin-
dos vírus herpes (Capítulo 298). tomatolgia é ligeira, semelhante a síndroma gripal.
A infecção pode ser congénita, adquirida no Ao contrário doutras infecções como rubéola e
período perinatal ou, após o nascimento, ainda no toxoplasmose, IgG positiva para CMV não protege
período neonatal ou já durante a fase de lactente. o feto - havendo probabilidade de infecção em 50%
As principais fontes de transmissão do vírus no dos casos – mas diminui a gravidade da infecção
período perinatal são a infecção do tracto genital, que, na maior parte dos casos, é subclínica.
sobretudo no último trimestre (cerca de 80% dos
casos) e o leite materno. Actualmente, nos países Manifestações clínicas
desenvolvidos, a infecção neonatal adquirida por
transfusão sanguínea é negligenciável. A dificul- As manifestações clínicas mais típicas da infecção
dade e raridade em encontrar dadores seronegati- congénita por CMV são:
vos foi contornada com a administração de – nas situações de infecção materna precoce
sangue irradiado nos RN de extremo baixo peso, e na gravidez: RCIU, microcefalia, calcificações
sangue desleucocitado a todos os RN. intracranianas periventrculares;
A prevalência média da infecção perinatal por – nas situações de infecção materna tardia na
CMV nos EUA é cerca de 1% da população; gravidez: ausência de sintomatologia ou hepatos-
destes, cerca de 10% são sintomáticos ao nascer e plenomegália, pneumonia, icterícia colestática,
90% aparentemente saudáveis (dos quais 15 a 20%
evoluem para sintomáticos).
São descritos dois tipos de infecção na grávi-
da/adulto: primária (primo-infecção) ou recorren-
te (secundária). Neste último caso poderá tratar-se
de reactivação da infecção primária com estirpe
latente, ou reinfecção com nova estirpe.
A infecção pelo CMV confere imunidade cru-
zada com novas linhagens de CMV, mas esta pro-
tecção não é completa, sendo que tem sido
FIG. 5
demonstrada reinfecção com outras linhagens
através de análise do ADN vírico. Hepatosplenomegália com distensão abdominal, icterícia
A taxa de seropositividade é muito elevada na mista (com aumento da bilirrubina directa e indirecta), ane-
população em geral mas varia com as condições mia e hiperesplenismo em RN com infecção congénita por
CMV adquirida no final da gestação.
sociais, económicas e culturais da população. Em
CAPÍTULO 360 Infecção congénita 1961

Se a grávida for seronegativa antes da gravi-


dez devem ser dadas indicações sobre prevenção
primária que, segundo alguns autores, pode evitar
até 3/4 de todas as seroconversões. Essas medidas
dizem respeito à lavagem cuidadosa das mãos
após muda de fralda ou limpeza do períneo de
um lactente, limpeza de lágrimas e secreções
nasais, evitar dar beijos na boca de lactentes e não
partilhar comida, bebidas, talheres ou pratos.
Às mulheres de maior risco – funcionárias de
creches ou mães seronegativas com filho pequeno
em infantário e mulheres com síndroma gripal na
gravidez pode ser oferecido rastreio serológico tri-
FIG. 6
mestral durante a gravidez. Claro que se houver
Aspecto ecográfico de calcificações periventriculares no con- alterações fetais ecográficas sugestivas de infecção
texto de infecção por CMV. (UCIN-HDE) por CMV devem ser realizadas análises e progra-
mados outros procedimentos.
anemia, trombocitopénia grave, sinais sugestivos Em conclusão, na ausência de vacina contra o
de sépsis, etc.. CMV, o rastreio universal das grávidas não tem
indicação e, nesta circunstância, deve ser feito
Rastreio universal da grávida investimento na prevenção primária.

Esta questão é polémica e ainda não resolvida: Diagnóstico pré-natal


alguns autores defendem com muita convicção o
rastreio enquanto outros tomam uma posição dia- O diagnóstico pré-natal baseia-se nos seguintes
metralmente oposta. Os defensores da sua realiza- critérios:
ção entendem que não rastrear é não reconhecer o – Detecção de anomalias na ecografia fetal;
problema, salientando que o rastreio permite um – Detecção de seroconversão para CMV na grá-
conhecimento precoce do risco de infecção, com vida (IgG positiva “de novo” com IgM positiva) e
implicações práticas nas estratégias para a preven- achado de avidez baixa das IgG.
ção primária e para o diagnóstico de infecção fetal Os meios de diagnóstico de infecção fetal são
em fase mais precoce. Pelo contrário, os defensores os seguintes:
do “não” argumentam, nomeadamente: 1) que a a) Ecografia fetal detalhada;
prevenção primária e a educação para a saúde são b) Pesquisa de vírus por PCR (reacção em ca-
uma inerência dos cuidados primários de higiene, deia da polimerase) no líquido amniótico obtido
salientando que a lavagem das mãos previne muitas por amniocentese;
outras doenças; 2) que o feto sintomático será c) Estudo da infecção fetal e da repercussão da
sempre diagnosticado se a gravidez for correcta- mesma sobre o feto, através do sangue obtido por
mente vigiada e as ecografias correctamente execu- cordocentese (PCR, serologia, alterações hema-
tadas e interpretadas; 3) que o diagnóstico de certe- tológicas e da função hepática).
za de infecção fetal é difícil e baseado na pesquisa de
CMV no líquido amniótico obtido por amniocente- Diagnóstico neonatal
se; 4) que o facto de a pesquisa ser negativa em
determinado período, não implica que a mesma se Se a infecção neonatal for sintomática – por ex.
mantenha negativa durante toda a gravidez; 5) que hepatite, sépsis vírica, pneumonite – ou se existi-
não existe tratamento específico para a infecção uma rem já sequelas da infecção intra uterina – RCIU,
vez diagnosticada. Em Portugal a Direcção Geral da microcefalia, calcificações periventriculares – é fácil
Saúde preconiza que, a ser realizado o rastreio, este admitir como hipótese diagnóstica uma das infec-
seja feito em consulta pré-concepcional. ções do grupo TORCHS. Se a mãe tiver feito as aná-
1962 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

lises adequadas, restam escassas hipóteses acerca a terapêutica ainda in utero. Apesar de os primei-
do agente etiológico uma vez que provavelmente a ros resultados serem admitidos como promis-
única não realizada será a serologia para CMV. sores, a terapêutica fetal só deverá ter lugar em
Uma vez que a infecção congénita por CMV estudos controlados.
pode levar a defeitos de migração neuronal, em
todos os RN com lisencefalia, polimicrogiria, etc. 2. Neonatal
deve-se tentar saber se o CMV está em causa. Após o diagnóstico de uma infecção congénita por
Se a infecção for assintomática, habitualmente CMV deve tentar-se estabelecer a gravidade da
não é diagnosticada no período neonatal. Se a doença de modo a decidir da justificação ou não
criança vier a desenvolver uma surdez neuro-sen- de instituir terapêutica. Com o aparecimento da
sorial mais tarde pode admitir-se que a sua causa gamaglobulina específica hiperimune e com os
seja uma infecção congénita por CMV. Nessa altu- novos fármacos antivíricos – ganciclovir e foscar-
ra será tarde para se conseguir comprovar o dia- net – é possível actualmente discutir se se deve ou
gnóstico. O único meio que temos de saber se a não tratar os casos comprovados.
surdez é provocada por infecção congénita por A administração de gamaglobulina específica
CMV é proceder à pesquisa do vírus no sangue hiperimune só tem interesse nos RN que adquiri-
obtido para diagnóstico precoce apesar de a sensi- ram a infecção no final da gestação e que ainda
bilidade do método não ser muito elevada. têm IgG negativa. Os infectados no primeiro e
Actualmente existem técnicas que permitem segundo trimestres não terão benefício com a sua
diagnóstico mais rápido e mais preciso de infec- administração uma vez que já receberam IgG
ção por CMV. maternas que os ajudam a combater a infecção.
1. A micro cultura em Shell Vial a partir de Quanto ao uso de antivíricos, nomeadamente
urina do RN com identificação do antigénio do ganciclovir, as indicações do fabricante para a sua
CMV. utilização são as seguintes :
2. A identificação do ADN vírico por técnica de – Infecções por CMV com risco de vida ou da
PCR é também possível na urina, sangue ou sali- visão.
va. – Doentes imunodeprimidos.
3. O estudo da serologia da mãe e do RN (não O fabricante sublinha que o medicamento não
de sangue do cordão), comparado e evolutivo, está indicado na terapêutica das infecções congé-
assim como a avaliação da avidez das IgG mater- nitas ou neonatais por CMV. O ganciclovir é tóxi-
nas podem contribuir para o diagnóstico. De sa- co para a medula óssea (supressão medular que
lientar que no RN a IgM pode evidenciar valores pode ter gravidade variável) e gónadas, é cancerí-
falso negativo ou falso positivo – reacção cruzada geno e teratogénico embora este último aspecto
com outros vírus herpes. seja hoje em dia posto em causa.
4. Cartão de rastreio neonatal de doenças Nos EUA foi realizado um estudo multicêntri-
metabólicas – O estudo no sangue do RN utiliza- co que englobou 42 crianças com antigenúria posi-
do para o rastreio de doenças metabólicas torna tiva para o vírus na urina, com lesões do SNC e
possível fazer o diagnóstico de infecção congénita idade inferior a 1 mês. Foi administrado ganciclo-
muito para além do período neonatal. vir em doses de 8mg/Kg/dia ou 12mg/Kg/dia de
No sentido de avaliar a repercussão da infec- 12/12 horas durante 6 semanas. Verificou-se me-
ção por CMV nos órgãos e, designadamente no lhoria audiológica em 3/14 RN, oftalmológica em
SNC e órgãos dos sentidos, devem ser realizados 8/13 RN, da hepatosplenomegália em 3/30 RN e
exames complementares mencionados a propósito de alterações do SNC em 8/42 RN. Deste estudo
da toxoplasmose (ver atrás). concluiu-se que a dose de 12 mg/Kg/dia era mais
eficaz e que a terapêutica tinha sido bem tolerada.
Tratamento A mortalidade foi inferior à esperada e aos 2 anos
de idade 24% das crianças tinham desenvolvi-
1. Fetal mento aparentemente normal.
Tem havido tentativas ditas de sucesso em iniciar Deste estudo resultou que a administração de gan-
CAPÍTULO 360 Infecção congénita 1963

ciclovir pode ser prescrita a RN com doença grave sis- de, a transmissão faz-se por via fecal-oral e a
témica ou hepatite evolutiva. maior contagiosidade ocorre nas duas semanas
Durante o tempo em que se administra o gan- que precedem o início da icterícia. Por isso, muitas
ciclovir a eliminação vírica na urina é interropida mas, vezes o maior perigo já passou quando é feito o
logo que a terapêutica cessa, recomeça a excreção do diagnóstico de hepatite A na puérpera. Não é
vírus. Contudo, como o resultado do efeito citopá- conhecido o estado de portador.
tico do vírus tem consequências mais graves nos Alguns autores preconizam a administração
primeiros meses de vida é desejável que a replica- de imunoglobulina inespecífica ao RN – 0,02
ção vírica possa ser controlada durante esse mL/kg por via IM – se os sintomas maternos tive-
período.Alguns autores sugerem que se mantenha rem tido início duas semanas antes ou uma sema-
a terapêutica com valaciclovir oral, um precursor na depois do parto; mas a eficácia desta medida
do ganciclovir, para além das 6 semanas. não está comprovada. É fundamental que sejam
Cabe a propósito lembrar que a excreção do cumpridas as regras básicas de higiene, nomeada-
vírus persiste durante anos, quer nas infecções mente a preocupação por parte da mãe, de uma
congénitas e perinatais, quer nas pós-natais pre- lavagem cuidadosa das mãos. O aleitamento
coces e nas infecções primárias de crianças mais materno é permitido.
velhas e adultos. 2. No que respeita à hepatite B espera-se e é
desejável que cada vez tenha menor importância.
Estudo evolutivo Com efeito, muitas mulheres em idade fértil estão
já vacinadas. A vacina anti-vírus da hepatite B faz
As crianças sintomáticas devem ser acompanha- parte do programa nacional de vacinação e o RN
das nas seguintes áreas: é vacinado logo ao nascer.
• Medicina fisica e reabilitação para rastreio e O problema remanescente diz respeito às mães
tratamento de eventuais alterações motoras. com positividade do antigénio AgHBs, sobretudo
• Otorrinolaringologia para estudo da audição se associada a positividade do AgHBe . Em ambas
– a surdez é evolutiva e pode não existir ainda na as situações é preconizada a administração de
data do rastreio universal neonatal. imunoglobulina específica ao RN logo após o nas-
• Oftalmologia para rastreio e correcção de cimento na dose de 1 mL por via IM. O aleitamen-
estrabismo convergente ou défice visual. to materno é permitido.
• Ensino especial nas crianças com défices 3. Quanto à hepatite C sabe-se hoje que é
cognitivos ou de aprendizagem. muito mais prevalente na população em geral do
Relativamente às crianças assintomáticas, que se admitia antes. O aleitamento materno é per-
Remington chama a atenção para a eventual mitido. A criança deve ser dirigida para consulta
necessidade do mesmo número de apoios numa de hepatologia para ser vigiada até por volta dos
fase tardia, uma vez que é altamente provável que 18 meses para se saber se ficou infectada ou não.
estas crianças venham a ter surdez neuro-senso-
rial e atraso de desenvolvimento psicomotor ou BIBLIOGRAFIA
da linguagem. No fim do Capítulo 362.

4. HEPATITES A, B, E C

Relativamente a este tópico é feita uma aborda-


gem muito sucinta, considerando que se trata das
formas de hepatite mais comuns.
1. A hepatite A somente tem importância clíni-
ca em Perinatologia se a infecção ocorrer no peri-
parto ou imediatamente após o parto. Na realida-
1964 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

361
matizada do diagnóstico de sépsis baseada na
importância relativa dos sinais clínicos e dos fac-
tores de risco; não proceder a diagnósticos negati-
vos falsos, o que implica tratar mais RN dos que
os realmente infectados; evitar tratamentos desne-
cessários no RN com risco infeccioso, uma vez
INFECÇÃO BACTERIANA provado que não existe infecção.
A história clínica materna é de importância
DE ORIGEM MATERNA primordial para a identificação de situações de
risco infeccioso, o qual deve ser valorizado de
Maria Teresa Neto acordo com as circunstâncias, sempre com o objec-
tivo de evitar o diagnóstico tardio de sépsis. O
risco infeccioso constitui um sinal de alerta e não
uma doença; por conseguinte, o risco infeccioso
Etiopatogénese e aspectos não se trata embora a sua ocorrência implique
epidemiológicos uma atitude de vigilância e pesquisa sistemáticas
de exclusão de infecção. Implica também, fre-
A infecção bacteriana perinatal é, por definição, quentemente, a administração de antibióticos até
uma infecção de origem materna, geralmente prova de que não existe infecção. Ou seja, a pre-
adquirida por via ascendente. Os microrganismos sença de determinados factores de risco legitima
causadores são, por isso, os colonizadores habi- o início de terapêutica antimicrobiana conside-
tuais do tracto genital feminino: as enterobacteriá- rando que, até prova em contrário, o RN está
ceas – E coli, Proteus, Klebsiella – e o Streptococcus infectado. Na prática, a dificuldade reside em
do grupo B (SGB). Este último é, de longe, o agen- determinar que condições maternas constituem
te mais frequente da sépsis neonatal de origem realmente um risco infeccioso para o feto, que
materna nos países desenvolvidos. exames realizar, em que situações deve ser inicia-
Em Portugal a taxa de mulheres em idade fértil da antibioticoterapia e durante quanto tempo.
portadoras de SGB varia, de acordo com as regiões, Gerdes calculou a frequência de sépsis, septicé-
entre 15% a 30%. Num estudo realizado em 10 uni- mia ou pneumonia de acordo com determinados
dades neonatais portuguesas o SGB contribuiu em parâmetros maternos do seguinte modo: rotura
52% para os isolamentos em hemocultura nos casos prematura de membranas (RPM) > 18-24h de 1 a
de infecções de origem materna, seguido da E coli 2%; mãe portadora de Streptococcus do grupo B
(17%). Num outro estudo, também nacional, a inci- (SGB) entre 0,5 e 2%; as duas condições associadas
dência de infecção comprovada por SGB nos pri- ou a existência de uma delas juntamente com parto
meiros 7 dias de vida foi de 0,44/1000 nado vivos. pré-termo espontâneo, elevam a frequência para
De referir que a letalidade pode ser superior a 8%, valores entre 4 e 11%; o estado de portador de SGB
e as sequelas importantes caso haja meningite. juntamente com a existência de febre materna têm
O diagnóstico precoce e correcto de infecção uma frequência semelhante à RPM e corioamnio-
bacteriana no período neonatal continua a ser um nite ou RPM; sofrimento fetal, depressão neona-
dos grandes desafios da neonatologia. Os sinais tal/ índice de Apgar < 6 aos 5 minutos, entre 3 e
clínicos são inespecíficos e insidiosos e um atraso 10%. Ainda segundo o mesmo autor, tomando
no início da terapêutica implica um risco elevado como base o estado de portadora de SGB, a asso-
de morte evitável. ciação de febre materna multiplica o risco de
infecção neonatal 4 vezes, a associação de RPM ou
Risco infeccioso e sua interpretação prematuridade 7 vezes; por outro lado, a associa-
ção de três factores – estado de portador, prematu-
Gerdes define muito bem qual o papel do neona- ridade e RPM – eleva o risco entre 8 a 11 vezes.
tologista no que respeita à infecção e risco infec- O problema que se levanta em relação à
cioso perinatais: desenvolver uma avaliação siste- corioamnionite clínica, definida por vários autores
CAPÍTULO 361 Infecção bacteriana de origem materna 1965

pela existência de febre materna, taquicárdia – sistema nervoso central (alterações do tono
materna ou fetal, dor ou hiperestesia uterina, líqui- muscular, convulsões, etc.);
do amniótico (LA) fétido e leucocitose materna, é – sistema hematopoiético (diátese hemorrági-
interpretar estes sinais e sintomas. Cada um deles, ca, anemia, hepatosplenomegália, etc.);
observado num contexto de trabalho de parto, – sistema osteoarticular (artrite).
pode ser devido a muitos outros factores que nada Estes sinais podem aparecer isoladamente ou
têm a ver com infecção. Por exemplo temperatura em associação, o que depende essencialmente da
materna superior a 37ºC pode surgir no decurso de duração da infecção, da virulência do germe cau-
uma analgesia epidural ou desidratação; a sal, da maturidade do RN, e dos respectivos meca-
taquicárdia materna pode ser devida a hipotensão, nismos de defesa imunitária.
administração de fármacos ou simplesmente
ansiedade, enquanto a fetal pode ser um sinal de Exames complementares
sofrimento fetal por outra causa que não a infec-
ção; do mesmo modo, a leucocitose pode surgir no O isolamento do germe patogénico no sangue por
decurso do parto sem que isso indique infecção. meio de hemocultura constitui o método mais
Para além das condições atrás mencionadas específico para o diagnóstico de infecção sistémica.
existem algumas causas extrínsecas que aumen- As colheitas para exames culturais devem ser
tam o risco de infecção intra-amniótica. São elas a sempre realizadas antes do início da antibioticote-
monitorização fetal interna, a existência de mais rapia; sempre que possível devem ser realizadas
de 4 toques vaginais ou o internamento prolon- duas hemoculturas com volume de sangue sufi-
gado em meio hospitalar, o trabalho de parto ciente – pelo menos 0,5mL.
prolongado ou procedimentos obstétricos inva- Outros exames a realizar em função do contex-
sivos (como amniocentese, transfusão intra-ute- to clínico são: exames microbiológicos de exsuda-
rina ou cerclage). dos periféricos; cultura do aspirado traqueal;
exame cultural e citoquímico do LCR, caso haja
Manifestações clínicas clínica sugestiva de meningite e o estado clínico
do RN permita a realização de punção lombar.
As manifestações clínicas da infecção sistémica do Contudo, os resultados destes exames são de-
RN são muito variáveis. Sendo o RN um ser “ima- morados.
turo” é lógico admitir que as manifestações Entretanto, torna-se necessário realizar outros
podem ser escassas (o RN é oligossintomático, em exames de resposta mais rápida que ajudem a
geral exibindo aspecto de “não estar bem” em consolidar a suspeita clínica de infecção: são os
doenças muito diversas); o clínico deverá, pois, exames indirectos de infecção, nomeadamente os
assumir uma atitude de suspeita, designadamente referentes aos reagentes de fase aguda (por ex.
nas situações de risco atrás discriminadas. proteína C reactiva-PCR). Salienta-se que não há
As manifestações podem relacionar-se com nenhum marcador de infecção que, isoladamente,
todos os órgãos e sistemas, incluindo: permita estabelecer um diagnóstico rápido e fide-
– a pele (cianose, icterícia, escleredema, celuli- digno de infecção precoce no RN. Por isso, muitos
te, abcesso, sufusões hemorrágicas, má perfusão autores têm tentado estudar marcadores que, em
capilar periférica, com tempo de recoloração pro- conjunto, tenham elevado valor preditivo. Pouco
longado, etc.); se tem conseguido, mesmo considerando em
– sistema respiratório (dificuldade respirató- conjunto critérios de gravidade baseados na clíni-
ria, apneia, taquipneia, etc.); ca materna, neonatal, e vários parâmetros hema-
– sistema digestivo (intolerância alimentar, tológicos e reagentes de fase aguda.
vómitos, diarreia, distensão abdominal, icterícia, De acordo com a nossa experiência, a PCR seria-
etc.); da continua a ser a análise que melhor perfil apre-
– sistema cardiovascular (bradicárdia, taqui- senta. Três determinações negativas, com 12 h a 24
cardia, arritmia, hipertensão pulmonar, cardite, h de intervalo permitem interromper a antibiotico-
choque, etc.); terapia às 72 h com uma grande margem de segu-
1966 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

rança. Mas, mesmo na era do diagnóstico molecu- sendo necessário proceder a exames complemen-
lar, como diz Remington, mais importante que tares - bastará a vigilância clínica rigorosa.
tudo, continua a ser a experiência aliada à valoriza- Nota importante:
ção dos dados clínicos: a história perinatal, o exame Muitas vezes há a percepção de que, ao ser
objectivo e a impressão clínica. Um único resultado iniciada antibioticoterapia na circunstância de RN
de análise normal não deve impedir o clínico de com sinais inequívocos de doença infecciosa, tal
prescrever antibióticos se o RN evidenciar sinais início é tardio. De facto, tal terapêutica deveria ter
sugestivos de doença - isto é, “não está bem”, assim sido iniciada in utero, sendo que o desenlace
como um único exame anormal não deve ser um poderá ser fatal.
indicativo absoluto para início de antibioticotera- A antibioticoterapia materna deverá ser iniciada
pia num RN evidenciando bom estado geral. logo que seja feito o diagnóstico de amnionite. A
referida antibioticoterapia deve ser dupla. Não haven-
Tratamento do dúvidas quanto à utilização de gentamicina,
existe discussão sobre se deve ser usada penicilina
1. Ponderação de situações clínicas ou ampicilina. Com base no achado de que os
A decisão de tratamento implica, primeiramente, baixos e tardios níveis séricos fetais da penicilina –
valorizar a clínica. O médico poderá deparar com 1/3 dos níveis séricos maternos 120 minutos
as seguintes situações: depois – quando comparados com os níveis séricos
elevados e precoces da ampicilina – níveis seme-
• O RN está doente – Situação em que o risco lhantes aos maternos 60 a 90 minutos depois –
“deixou de ser risco, passou a infecção” e a conclui-se que deve ser recomendada a ampicilina.
decisão é fácil de tomar: proceder a colheitas
(hemocultura, exsudados periféricos e do aspira- 2. Antibioticoterapia empírica
do traqueal) e iniciar antibioticoterapia. O tratamento empírico da infecção de origem mater-
• O RN não apresenta sinais sugestivos de na é baseada nos possíveis agentes etiológicos. A
doença (ainda) mas há antecedentes de: a) amnio- penicilina ou ampicilina são antibióticos adequados
nite; b) terapêutica materna com ampicilina e ao tratamento da infecção por SGB, salientando-se
gentamicina no periparto (que obviamente atingiu que ainda se encontram estirpes de E coli sensíveis
o feto). também à ampicilina. A administração conjunta de
Na realidade a terapêutica teve início in utero e um aminoglicosídeo, habitualmente a gentamicina,
ao pediatra basta prescrever ao RN os mesmos alarga o espectro para as bactérias Gram negativo,
antibióticos prescritos à grávida anteriormente, de beneficiando-se ainda da potenciação do efeito bac-
modo a dar continuidade ao referido tratamento. tericida quando se administra um beta lactâmico
A hemocultura, que deve ser feita apesar de tudo, juntamente com um aminoglicosídeo.
será provavelmente negativa uma vez que o feto A ampicilina é usada na dose de 100
transita para a vida extra-uterina com antibióticos mg/kg/dia com periodicidade de 12-12h e a gen-
na sua circulação. tamicina na dose de 4 mg/kg/dia em administra-
• O RN não apresenta sinais sugestivos de ção única. O tratamento deve durar 10 dias no
doença, existe risco infeccioso perinatal, a mãe foi caso de septicémia sem meningite. Se houver
medicada com 1 antibiótico, ou não chegou a ser meningite por SGB os antibióticos devem ser
medicada: em tal circunstância impõe-se uma administrados durante 15 a 21 dias. Na pneumo-
vigilância clínica muito rigorosa e estudo seriado nia, a terapêutica deve ser continuada até, pelo
dos marcadores de infecção. A excepção a esta menos 2 dias, após desaparecimento dos sinais
regra é o RN de mãe portadora conhecida de SGB radiológicos.
a qual fora submetida a profilaxia da transmissão
da infecção de modo adequado (2 ou mais admi- BIBLIOGRAFIA
nistrações de ampicilina – 2 g seguidos de 1g de 4 No fim do Capítulo 362.
– 4h, ou penicilina); nesta última situação, em
principio, o RN não corre risco de infecção, não
CAPÍTULO 362 Infecção associada à prestação de cuidados de saúde 1967

362
depende a ecologia dos serviços e unidades. A mul-
tirresistência é, quer se queira aceitar ou não, uma
consequência do uso desregrado de antibióticos,
muitas vezes prescritos “sem razão, para alívio da
consciência do médico ou, no ambulatório, para
responder às solicitações insistentes dos pais”.
INFECÇÃO ASSOCIADA
Infecção com origem na comunidade
À PRESTAÇÃO DE CUIDADOS
Por último, interessa referir algo sobre a infecção neo-
DE SAÚDE natal com origem na comunidade. Um RN no
domicílio tem probabilidade de adquirir uma infec-
Maria Teresa Neto ção sistémica ou uma pneumonia causada pelos mes-
mos agentes microbianos de uma criança mais cres-
cida com quem conviva eventualmente: Haemophylus
influenza, Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumo-
Infecção associada à prestação niae. Os vírus respiratórios podem também provocar
de cuidados de saúde (IACS) infecção das vias respiratórias superiores, bronquioli-
te ou mesmo pneumonia. É, por isso, de importância
Os RN gravemente doentes admitidos em cuida- fundamental conhecer o contexto epidemiológico,
dos intensivos (UCIN) têm risco de infecção de ori- inquirindo, nomeadamente sobre se há doentes na
gem hospitalar tanto mais elevado quanto mais família ou irmãos em infantário.
grave a doença de base, quanto menor a idade de As manifestações clínicas são as anteriormente
gestação, e quanto mais manobras invasivas forem descritas, mas a terapêutica deve ter em considera-
realizadas. A septicémia relacionada com cateter ção duas condições muito importantes. A primeira
venoso central é muito frequente; mais rara é a é que a infecção, manifestando-se em ambiente
pneumonia relacionada com o tubo traqueal nos extra-hospitalar, pode ser de origem comunitária,
RN submetidos a ventilação invasiva. Ao contrário mas também (e ainda) de origem materna, haven-
do que acontece em unidades de adultos em que a do necessidade de abranger um leque vasto de bac-
infecção mais frequente é a urinária, a infecção térias possíveis, até que o resultado de culturas
mais frequentemente encontrada nas UCIN é a sep- conduza ao diagnóstico de certeza.
ticémia seguida da pneumonia. Os agentes mais Assim, num RN gravemente doente pode ser
frequentemente isolados são os Staphylococcus coa- necessário prescrever 3 antibióticos: ampicilina
gulase negativa – dos quais se destaca o para o SGB e a eventual Listeria; gentamicina para
Staphylococcus epidermidis – seguidos, de longe, cobrir esses agentes e também E coli; cefalosporina
pelos Gram negativo de origem entérica ou não entéri- de 3ª geração para cobrir o Haemophylus influenza
ca, muitas vezes multirresistentes. (Capítulo 305) ou o S. pneumoniae multirresistentes. Uma vez
A atitude mais importante no que respeita às conhecidos os resultados das culturas, será inter-
IACS é a prevenção, e a medida isolada mais efi- rompido o antibiótico que não seja necessário.
caz na prevenção é a lavagem das mãos. Depois, Finalmente, uma chamada de atenção para os
outros factores podem influenciar e ser melhora- “NUNCAS” da infecção no período neonatal.
dos no sentido de diminuir as taxas de infecção de 1. Nunca tratar uma sépsis neonatal em ambu-
origem hospitalar, fonte de despesas acrescidas e latório.
de morbilidade e mortalidade evitáveis. 2. Nunca solicitar exames complementares de
Uma correcta relação enfermeiro/doente, espa- diagnóstico em ambulatório mesmo que estejam
ço físico e arquitectura adequados, equipas médica disponíveis. Em vez disso, escrever um pequeno
e de enfermagem estáveis, são alguns desse fac- resumo clínico com a hipótese diagnóstica ao cole-
tores. A política de antibióticos de uma unidade ga do centro hospitalar mais próximo, enviando o
hospitalar é também muito importante porque dela doente para este.
1968 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

3. Nunca tratar uma sépsis neonatal com ape- Davies JK, Gibbs RS. Obstetric factors associated with infec-
nas um antibiótico. tions of the fetus and newborn infant. In Remington and
4. Nunca tratar uma sépsis neonatal com anti- Klein eds. Infectious diseases of the fetus and newborn
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5. Nunca menosprezar o diagnóstico baseado Denkers EY, Gazzinelli RT. Regulation and function of T-cell-
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1970 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ção pélvica, anomalias de apresentação, manobras


Problemas neurológicos de versão intra ou extra-uterina e utilização de
e traumáticos instrumentos (ventosa, fórceps).
Com base na sua etiopatogénese, os traumatis-
mos de parto podem ser divididos em duas cate-
gorias:

363
– a. lesões provocadas por hipóxia e isquémia;
– b. lesões decorrentes de aplicação de forças
mecânicas durante o trabalho de parto e parto
propriamente dito.
Durante o trabalho de parto, a cabeça e o corpo
do feto estão sujeitos à pressão cérvico-vaginal
TRAUMATISMO DE PARTO podendo, por isso, sofrer acção traumática da qual
poderão resultar lesões. Sempre que haja necessi-
Lincoln Justo da Silva dade de recurso instrumental ou de manobras de
versão fetal aumentam as probabilidades de lesão
traumática.
As lesões por hipóxia ou isquémia são provo-
Definição e importância do problema cadas por alterações placentares, estiramento do
cordão umbilical, administração excessiva de fár-
Os traumatismos de parto (traumatismos de nas- macos à mãe, ou lesões provocadas pela manipu-
cimento ou tocotraumatismos) são lesões ocorri- lação fetal externa ou interna.
das no feto/RN por acção de forças mecânicas de A ventosa, quando aplicada incorrectamente,
tracção ou pressão, relacionadas, quer com nasci- pode alongar o crânio na direcção occípito-frontal
mento normal e sem qualquer relação causal apa- provocando o estiramento da tenda do cerebelo,
rente, quer com situações muito diversas tais susceptível de provocar a ruptura da veia de
como partos obrigando ao recurso instrumental, Galeno ou dos seios recto ou transverso. O recém-
evitáveis ou não. nascido pode apresentar-se assintomático ou com
Actualmente, nos países industrializados a lesões de gravidade variável que poderão também
morte por traumatismo de parto é rara, embora originar sequelas (escoriações, abrasões, lacera-
contribua com uma percentagem importante para ções cutâneas, hematomas, fracturas, designada-
a morbilidade neonatal. A incidência de tal pato- mente do crânio, com afundamento ou em bola de
logia oscila, conforme diversos estudos epide- pingue-pongue, etc.).
miológicos, entre 2 e 7/1000 nado-vivos, valor que A aplicação do fórceps, mais difícil do que a
comparticipa entre 2 a 3% a mortalidade infantil. ventosa e exigindo eficaz analgesia materna, pode
Nesta perspectiva, o médico ou profissional de originar lesões dos tecidos moles da mãe, e das
saúde (idealmente integrado em equipa) que pres- estruturas osteomusculares e cutâneas do feto
ta assistência ao parto deve estar preparado para (couro cabeludo e crânio, face, olhos e parênqui-
prevenir, enfrentar e resolver os problemas decor- ma cerebral) . As fracturas do crânio são mais fre-
rentes deste tipo de lesões traumáticas potencial- quentes com o fórceps do que com a ventosa.
mente fatais ou podendo originar sequelas de gra- Quando as colheres do fórceps são aplicadas
vidade variável. de modo simétrico, a curva cefálica da colher do
fórceps adapta-se à curva craniana fetal e torna
Etiopatogénese e classificação possível a aplicação da força na maior superfície
possível. Por consequência, se as colheres do refe-
São considerados factores predisponentes de rido instrumento não forem aplicadas de modo
lesões traumáticas: macrossomia, desproporção simétrico ao plano sagital, a curva cefálica da co-
feto-pélvica, prematuridade, distócia, trabalho de lher, não se adaptando ao crânio fetal, gera forças
parto prolongado, parto vaginal com apresenta- tensionais que provocam a deformação e a even-
CAPÍTULO 363 Traumatismo de parto 1971

tual fractura do osso onde a colher estiver apoia- QUADRO 1 – Classificação das lesões
da. Esta situação pode igualmente provocar a rup- traumáticas do parto relacionáveis
tura das veias perfurantes levando a hemorragia com forças mecânicas
intracraniana.
A monitorização fetal intra-parto (aplicação de Lesões extracranianas
eléctrodo no coiro cabeludo ou na parte corporal Caput succedaneum; Cefalo-hematoma; Hemorragia
apresentada, por vezes em posição incorrecta) subaponevrótica
pode também ter consequências várias (que Lesões cranianas
podem ser consideradas iatrogénicas): abrasões e Fracturas; Escoriações; Outras
lacerações ao nível do crânio, face, globo ocular ou Lesões intracranianas
outro local. Da colheita de sangue fetal para estu- Hemorragia epidural; Hemorragia subdural; Hemorragia
do analítico poderá resultar hemorragia. subaracnoideia
Lesões de nervos e espinhal medula
Manifestações clínicas e actuação Lesão do plexo braquial; Paralisia do nervo facial; Lesão
do nervo frénico; Lesão do nervo recorrente; Lesão da
Seguidamente são descritas as principais formas espinhal medula
clínicas de lesões traumáticas associadas às condi- Lesões dos ossos
ções do nascimento, assim como a actuação essen- Clavícula; Úmero; Fémur; Outros
cial em tais circunstâncias, relacionando alguns Lesões dos músculos
tipos daquelas com a aplicação instrumental (fór- Hematoma/Fibroma do esternocleidomastoideu
ceps ou ventosa). Determinadas situações referi- Lesões da face
das no Quadro 1 são objecto de descrição noutros Luxação do septo nasal; Lesões oculares
capítulos do livro (244, 271, 257, 310). Lesões da pele
Equimoses; Escoriações; Hematomas; Esteatonecrose
1. Lesões extracranianas Lesões viscerais
As lesões cranianas mais frequentes são o caput Hemorragia suprarrenal; Ruptura do baço; Ruptura do
fígado; Outras
succedaneum e o céfalo-hematoma, por vezes asso-
ciadas a parto instrumental; as mesmas manifes-
tam-se por tumefacção com características e cro- O chamado caput vacuum é uma modalidade
nologia de aparecimento e evolução distintos. de caput succedaneum, de contornos bem demarca-
(Capítulo 327) dos pela aplicação dos bordos da ventosa.
Quanto à actuação, deverá adoptar-se atitude
Caput succedaneum de vigilância, sem necessidade de qualquer tera-
O caput succedaneum (vulgo bossa sero – san- pêutica (não se devendo proceder à drenagem
guínea) apresenta-se no pós-parto imediato como pelo risco de infecção).
uma zona de edema mole e superficial (ao nível
do tecido celular subcutâneo) que ultrapassa o
limite das suturas ósseas. Acompanha-se de acen-
tuada moldagem craniana e regride ao fim de
alguns dias; não se torna, dum modo geral,
necessária qualquer intervenção, exceptuando nos
casos de diátese hemorrágica concomitante.
Cabe referir, a propósito, que a noção de caput
succedaneum é lata, dizendo respeito, de facto à
zona de apresentação que, na maior parte dos casos é a
cabeça. No entanto, o verdadeiro sentido deste tipo
FIG. 1
de lesão aplica-se a também a outras áreas de
apresentação tais como face, fronte, nádegas Lesão traumática da nádega em RN (apresentação de nádegas)
(Figura 1) e extremidades. com escara. (URN-HDE)
1972 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Céfalo-hematoma Hemorragia subaponevrótica


O cefalo-hematoma, ocorrendo em cerca de 1 a As complicações hemorrágicas associadas ao
2% dos nascimentos, é uma colecção hemática, parto por ventosa têm uma incidência de cerca de
dos tecidos não superficiais (localização subpe- 0,7% e uma mortalidade ~ 0,2 %. A hemorragia
rióstica). Sendo subperióstica, compreende-se que pode ocorrer em diferentes planos teciduais,
não ultrapasse os limites de cada sutura óssea, ao desde a pele ao osso do crânio. A complicação
contrário do que acontece no caput succedaneum. A mais grave derivada da aplicação da ventosa é a
localização mais frequente é parietal, podendo ser hemorragia subaponevrótica (entre a pele e o pe-
uni ou bilateral. Esta tumefacção resulta da lesão riósteo) caracterizada por uma “massa flutuante”
dos capilares e vasos diplóicos, que acompanha a que pode evidenciar sinais de “onda líquida” e
separação do periósteo do osso respectivo, sendo que ultrapassa as suturas cranianas.
que, não evidente no momento do nascimento, A hemorragia subaponevrótica pode ser acom-
somente passa a ser notada ao cabo de alguns panhada de palidez, (anemia por perda) taquicár-
dias, com tendência para aumentar: passa, então, dia e hipotonia. Em estudos anatomopatológicos
a palpar-se (e, por vezes, a ver-se) uma tumefac- estimou-se que o espaço subaponevrótico, quando
ção esferóide sob tensão, por vezes com sinal de preenchido por uma colecção de sangue com cerca
flutuação. Dada tal cronologia de aparecimento, de 1 cm de espessura, pode acomodar um volume
muitas vezes é a mãe que nota a anomalia quando de sangue de 260 mL, o que excede a volémia total
a criança já teve alta da maternidade. (Capítulo de alguns recém nascidos.
327) A sua incidência é cerca de 4/10.000 em partos
No caso de o céfalo – hematoma se manifestar eutócicos e de 60/10.000 em partos por ventosa; a
atipicamente, logo no pós-parto e no contexto de mortalidade é muito significativa (cerca de 22%).
parto laborioso e instrumental, pela etiopatogéne- Com efeito, sob a aponevrose, mais densa,
se explanada antes (colecção hemática sub-periós- existe uma outra camada fibrosa, menos densa,
tica), tal facto poderá traduzir a presença de frac- contendo grandes veias emissárias com ligação
tura óssea ou diátese hemorrágica que constitui aos seios durais e veias do couro cabeludo. A lesão
factor predisponente. da referida aponevrose está associada a um
A verificação de céfalo-hematoma não tem conjunto de factores como a compressão externa
relação com o prognóstico neurológico a não ser com movimento de tracção, e a eventual défice de
que haja em simultâneo uma lesão do sistema ner- coagulação, que é particularmente grave na pre-
voso central. Por isso não obriga, em princípio, a sença de hemofilia.
qualquer terapêutica especifica e não necessita de É mais rara do que a bossa sero-sanguínea da
qualquer intervenção cirúrgica. qual difere por aumentar após o nascimento e se
Se as dimensões forem grandes (aspecto rela- acompanhar de importante perda de sangue.
cionável por exemplo, por parto complicado ou Assim, os recém nascidos de sexo masculino que
por diátese hemorrágica como situação de base) apresentem hemorragia subaponevrótica extensa
poderá surgir um quadro de anemia por perda após partos difíceis devem ser avaliados quanto
ou de icterícia por hemólise de quantidade signi- ao sistema de coagulação, em especial com dosea-
ficativa de sangue localizado (Capítulos 354 e mento dos factores VII e VIII. Embora rara, a
358). hemofilia A deve ser admitida como hipótese face
A actuação, nestas circunstâncias, dependerá ao contexto clínico referido. Nos casos de hemofi-
do grau de anemia e da hiperbilirrubinémia veri- lia comprovada, e perante situações emergentes
ficada. A médio prazo poderá ocorrer calcificação, implicando necessidade de intervenção cirúrgica,
o que se traduz em tumefacção dura nas semanas deve ser efectuada terapêutica substitutiva com
e meses subsequentes, a qual passará a ser menos factor em défice para prevenir a hemorragia pós-
notória com o crescimento do crânio, não agra- operatória (Capítulo 151).
vando o prognóstico na ausência doutras lesões. O diagnóstico da hemorragia subaponevrótica
Neste tipo de lesão não se deve proceder à dre- reveste-se por vezes de grande dificuldade. Uma
nagem. vez que o sangue não forma um coágulo mas uma
CAPÍTULO 363 Traumatismo de parto 1973

camada extensa e difusa nos tecidos moles, é fre-


quente passar despercebida nas primeiras horas
de vida. Têm sido referidas formas silenciosas res-
ponsáveis pela morte neonatal sem sinais clínicos
sugestivos previamente.
A actuação consiste em vigiar a anemia – que
poderá obrigar a transfusão – e a eventual hiper-
bilirrubinémia secundária. Em geral aquela regri-
de ao fim da 3ª ou 4ª semana de vida, não estando
indicada a drenagem (Capítulos 354 e 358).
Notas importantes:
1 – Dada a possibilidade de ocorrência de lesão
traumática e a necessidade de um rápido diagnós-
tico e terapêutica, torna-se obrigatória a presença
do neonatologista quando se realiza um parto por
fórceps.
2 – Como será fácil depreender, a utilização
sequencial da ventosa e fórceps está associada a
maior frequência de lesões traumáticas (tais como
FIG. 2
lesão do plexo braquial, lesão do nervo facial,
hemorragia intracraniana), e de asfixia perinatal Radiografia do crânio de RN (parto de fórcepes) com sinal de
(ver adiante). traço de fractura.
3 – O diagnóstico das lesões por fórceps ou
ventosa efectua-se pela clínica, confirmada pela
ecografia transfontanelar, TAC ou RMN se houver
necessidade de detectar a presença de hemorragia
na fossa posterior e nas estruturas cerebelosas.
4 – O prognóstico da fractura induzida pela
aplicação do fórceps depende das lesões associa-
das, salientando-se que em cerca de 4% dos casos
as sequelas a longo prazo poderão ser graves.

2. Lesões cranianas
Descrevem-se os seguintes tipos de lesões ósseas
cranianas: fracturas (lineares, e com afundamento,
também chamadas em bola de ping pong, mais
tipicamente associadas a ventosa); e as formas de
osteodiastase occipital (separação traumática da jun-
FIG. 3
ção cartilagínea entre a escama do occipital e o osso
parietal, situação hoje rara). Radiografia do crânio de RN: osteodiastase traumática.
As fracturas espontâneas raramente estão
associadas a lesões cerebrais, ao contrário do que nea de acentuado edema do couro cabeludo como
acontece nos partos com instrumentos . A sua inci- acontece na presença da hemorragia subapone-
dência é difícil de determinar porque depende da vrótica: nestes casos deve recorrer-se à TAC ou à
suspeita clínica e da realização da radiografia cra- RMN crânio-encefálica. A RMN tem sido cada vez
niana. (Figuras 2 e 3) mais utilizada para avaliar as lesões hemorrágicas
O diagnóstico da fractura craniana é confirma- e parenquimatosas nos traumatismos cranianos
do pela radiografia simples ou ecografia transfon- perinatais .
tanelar. Contudo é frequente a ocorrência simultâ- Tais situações implicam a colaboração indis-
1974 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

pensável da equipa de neurocirurgia e, por vezes, O tratamento inclui a correcção do choque


de cuidados intensivos neonatais. hipovolémico e das alterações da coagulação. Na
A fractura linear não requer terapêutica especí- maioria dos casos está indicada drenagem cirúrgi-
fica, mas deve ser vigiada no plano clínico e ima- ca a cargo de equipa especializada.
giológico para exclusão do quisto leptomeníngeo .
Hemorragia subdural
3. Lesões intracranianas É a menos frequente das hemorragias intracra-
A hemorragia intracraniana no recém nascido de nianas, mas a mais frequentemente relacionada
termo pode ser uma complicação grave de trau- com evento traumático; pode afectar igualmente
matismo de parto. A sua frequência tem vindo a RN de termo e pré-termo. A sua incidência é ~ 2,9
diminuir devido ao número crescente de casos por 10.000 nado-vivos nos partos vaginais espon-
submetidos a monitorização contínua do bem tâneos, e cerca de 8 a 10 por 10.000 nos partos por
estar fetal e de partos por cesariana. Os factores de ventosa e fórceps. Trata-se duma lesão traumática
risco estão relacionados com a aplicação do fór- cuja incidência tem diminuído à medida que me-
ceps, da ventosa, do parto precipitado e da lhora a qualidade dos cuidados pré- natais.
macrossomia fetal com parto por via vaginal. Deve, porém, ter-se em consideração que a
A incidência da hemorragia intracraniana sin- presença de hemorragia subdural não correspon-
tomática nos recém nascidos de termo é aproxi- de necessariamente a traumatismo de parto grave.
madamente de 5,1 a 5,9 / 10.000. O seu diagnóstico é determinante dado que a
De acordo com a sua localização podem ser intervenção cirúrgica é decisiva para ultrapassar o
considerados os seguintes tipos: hemorragia sub risco de vida.
dural, epidural e subaracnoideia. Segundo Volpe, Uma vez que a drenagem profunda do cérebro
é muito importante ter em consideração: desagua na grande veia de Galeno na junção da
a) os factores de risco tais como a idade de ges- tenda do cerebelo com a foice do cérebro, a locali-
tação, o trabalho de parto, o parto, a ocorrência de zação mais comum é a tentorial e a inter-hemisfé-
eventos como a asfixia, e a necessidade de reani- rica.
mação; As manifestações clínicas dependem da locali-
b) os sinais neurológicos de alarme, os quais zação da hemorragia. Quando localizada na
deverão ser identificados o mais precocemente convexidade cerebral produz alterações neuroló-
possível; gicas focais; na fossa posterior os sinais estão asso-
c) a imagiologia para localização da hemorra- ciados ao aumento da pressão intracraniana,
gia, com recurso à ecografia transfontanelar, TAC incluindo apneia, assimetria pupilar, desvio ocu-
e RMN; e lar e coma . O início dos sintomas ocorre nas pri-
d) o exame do líquido cefalorraquidiano. meiras 24 horas mas, nalguns casos, pode ocorrer
no 4º ou 5º dia após o parto.
Hemorragia epidural A ecografia transfontanelar pode constituir
Este tipo de lesão, consequência da ruptura da uma contribuição para o diagnóstico, embora a
artéria meníngea média, está frequentemente técnica de eleição seja a TAC crânio-encefálica.
associado a cefalo-hematoma ou a fractura crania- A intervenção cirúrgica dependerá da localiza-
na. A raridade desta situação no recém nascido ção da hemorragia e dos sinais de compressão do
deve-se à ausência do sulco da artéria meníngea tronco cerebral.
média nos ossos cranianos, tornando a artéria O prognóstico depende da presença de enfarte
menos susceptível à lesão . cerebral e da localização da lesão.Trata-se duma
As manifestações clínicas podem incluir altera- situação que implica, evidentemente, apoio da
ções neurológicas difusas com hipertensão intra- equipa de neurocirurgia e ou cuidados intensivos
craniana, fontanela hipertensa e alterações focais neonatais.
como convulsões e estrabismo.
O diagnóstico é confirmado pela ecografia e Hemorragia subaracnoideia
TAC crânio-encefálica. A incidência desta hemorragia é cerca de 1,3
CAPÍTULO 363 Traumatismo de parto 1975

por 10.000 nado- vivos de partos vaginais espon- b. paralisia de Klumpke que envolve as raízes
tâneos, e 2 a 3 por 10.000 de partos por ventosa e inferiores de C8 e T1; e a
fórceps . A hemorragia subaracnoideia é originada c. paralisia braquial total (C5, C6, C8 e T1) .
pela ruptura das veias perfurantes do espaço sub-
aracnoideu ou das pequenas veias leptomenín- Para explicar esta situação têm sido admitidas
geas . Pode ser assintomática ou apresentar-se por várias hipóteses tais como a tracção lateral do pes-
convulsões que ocorrem por volta do 2º dia de coço para libertar o ombro anterior que provoca
vida. O risco é mais significativo nos partos ins- edema, hemorragia ou mesmo ruptura das raízes
trumentais (ventosa). do plexo braquial e o estiramento do plexo na
O diagnóstico é feito pela TAC uma vez que a sequência de rotações iguais ou superiores a 90º.
ecografia transfontanelar não propicia informação Na paralisia de Erb-Duchenne o membro
suficiente. Exceptuando os casos em que é muito superior afectado evidencia posição em extensão,
extensa, nos recém nascidos de termo tal hemor- adução e rotação interna (um autor inglês chamou
ragia é reabsorvida não exigindo qualquer inter- a esta posição o “sinal do empregado de café que
venção. Se não houver lesão cortical ou encefalo- pede discretamente gorgeta”). O reflexo de
patia não surgirão sequelas. preensão está presente, mas o reflexo de Moro é
Nota importante: assimétrico à custa da parésia do lado afectado. À
Como medidas gerais aplicáveis a situações de movimentação passiva o membro evidencia flaci-
hemorragias intracranianas em geral apontam-se: dez e, quando solto, cai facilmente ao longo do
1 – Monitorização dos sinais vitais, temperatu- tronco (Figura 4).
ra, PO2, PCO2, Sat O2-Hb, pressão arterial, glicé- Neste tipo de lesão poderá verificar-se conco-
mia, balanço hidroelectrolítico, coagulação, etc.; mitantemente lesão do nervo frénico originando
2 – Por vezes torna-se necessária a utilização paralisia do diafragma, dada a sua relação com o
de anticonvulsantes (Capítulo 364), restrição plexo braquial (origem nas raízes de C3, C4, C5),
inicial de fluidos tendo em conta a eventualidade o que poderá ter repercussão na mecânica venti-
de edema cerebral e ou secreção inapropriada de latória do diafragma. Tal é demonstrável em ciner-
hormona anti-diurética (SIADH), algaliação, etc.; radioscopia ou ecografia (hemicúpula elevada e
por vezes torna-se necessário o tratamento do ausência de abaixamento do diafragma na inspi-
edema cerebral. ração) (Figura 5).
Na paralisia de Klumpke, (Figura 6) mais rara,
4. Lesões dos nervos e espinhal medula os músculos flexores do punho são atingidos,
As lesões do plexo braquial ocorrem aproximada- observando-se paralisia da mão; são notórias mão
mente entre 0,5 a 2,6/1000 nascimentos . Na maior
parte dos casos (80-90%) verifica-se recuperação
em semanas ou meses, conquanto nos restantes
10-20% haja necessidade de tratamento complexo
e multidisciplinar.
Os factores de risco de lesão do plexo braquial
são: macrossomia fetal (peso de nascimento >
4000 gramas), microssomia (peso < 2500 gramas)
em apresentação pélvica, prolongamento do 2º
estádio do trabalho de parto, distócia de ombros,
má apresentação fetal e necessidade de parto com
instrumentos.
Podem ser observados três tipos de lesão do
plexo:
a. paralisia de Erb-Duchenne, a mais frequen-
FIG. 4
te (cerca de 90% dos casos), envolvendo as raízes
C5 e C6; Paralisia de Erb-Duchenne (lado direito). (NIHDE)
1976 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

de lesões associadas como o hematoma do mús-


culo esternocleidomastoideu, fractura da clavícu-
la, do úmero ou costelas, lesão do facial, do hipo-
glosso e mesmo da medula espinhal.
Em função do contexto clínico e antecedentes
do parto poderão estar indicadas radiografia do
ombro e membro superior afectados (para
exclusão de fractura), radiografia do tórax e, even-
tualmente, ecografia ou cinerradioscopia se se
verificar dificuldade respiratória relacionável com
lesão do nervo frénico .
O tratamento das paralisias do plexo braquial
deve incluir a fisioterapia precoce com o objectivo
de evitar as contraturas e deformidades articu-
lares sendo o prognóstico favorável quando a
recuperação dos movimentos dos músculos bicí-
pete e adutor do ombro, aos 3 meses, for total .
Perante o diagnóstico de paralisia do frénico,
a actuação consiste em medidas de suporte tais
como decúbito lateral sobre o lado afectado e oxi-
FIG. 5
genoterapia. Na maioria dos casos verifica-se
Lesão do frénico à direita originando paralisia da cúpula recuperação espontânea, sendo que a intervenção
diafragmática direita. Concomitante fractura da clavícula cirúrgica fica reservada para situações especiais
homolateral. (URN-HDE) de infecções respiratórias de repetição e insufi-
ciência respiratória.
pendente, ausência de reflexo de preensão e de
mobilidade do punho. A este tipo de lesão poderá Lesão do nervo facial
associar-se a síndroma de Claude-Bernard-Horner A lesão do nervo facial (7º par craniano), que
(enoftalmia, miose e ptose palpebral por lesão do ocorre em cerca de 0,75% dos nascimentos, é em
simpático) assim como paralisia de Erb-Duchenne geral causada pela compressão da porção periféri-
paralisia braquial total). ca do nervo (paralisia periférica) no percurso exte-
Deve ter-se em consideração a possibilidade rior ao foramen estilomastoideu ou no seu trajec-
to à frente do ramo da mandíbula (por exemplo
por compressão in utero ou por aplicação de fór-
ceps). O nervo é mais frequentemente afectado
por compressão pelo fórceps ou pelo promontório
materno (em partos laboriosos).
A paralisia do tipo central é menos frequente
estando relacionada com lesão traumática do
SNC.
Os sinais clínicos da paralisia periférica (fláci-
da) manifestam-se por sulco nasolabial menos
notório no lado afectado, não encerramento com-
pleto das pálpebras do olho do lado afectado (o
que não acontece na paralisia central) e desvio da
comissura labial, mais aproximada da linha média
(por vezes só detectado durante o choro ficando
FIG. 6
imóvel) em contraste com o lado oposto (são) em
Paralisia de Klumpke. que a mesma se afasta da linha média. Nas formas
CAPÍTULO 363 Traumatismo de parto 1977

completas pode manifestar-se em toda a hemiface provocada por aplicação de fórceps. A lesão bila-
o que se traduz por ausência de pregueamento da teral pode ser causada por traumatismo, hipóxia
hemifronte afectada coincidindo com o choro da –isquémia ou hemorragia do tronco cerebral.
criança. (Figura 7) Nos casos de paralisia unilateral, o RN poderá
A paralisia central é espástica, atingindo ape- estar assintomático ou evidenciar disfonia ou
nas a metade inferior da face contralateral. Os estridor inspiratório durante o choro. Muitas
movimentos das pálpebras e da fronte estão intac- vezes o traumatismo atinge também o nervo gran-
tos. Está frequentemente associada a paralisia do de hipoglosso, o que originará dificuldade ali-
6º par e a hemorragia intracraniana. mentar e acumulação de secreções na orofaringe
O diagnóstico diferencial da paralisia facial por compromisso da deglutição. A paralisia bilate-
traumática faz-se com: ral origina estridor, dificuldade respiratória e cia-
1. situações de paralisia (central) congénita nose.
relacionadas, por exemplo, com agenésia do Na paralisia unilateral, as manifestações
núcleo do nervo facial (síndroma de Moebius); podem obrigar a diagnóstico diferencial com de-
2. determinadas síndromas malformativas feitos laríngeos congénitos; verificando-se sinais
como síndroma de Goldenhar, trissomias 13 e 18, de paralisia bilateral, em função da história clínica
etc.; 3) e; (possível trauma não evidente) deverão ser excluí-
3. outra situação congénita e benigna que dos defeitos congénitos do SNC incluindo anoma-
consiste na ausência dos músculos depressores da lia de Arnold-Chiari, anomalias cardiovasculares
boca. e massas mediastínicas.
A evolução em geral é favorável, para a cura, O diagnóstico pode ser feito através de larin-
em cerca de 2 a 3 semanas (na circunstância de goscopia flexível com fibra óptica.
existir apenas compressão e edema locais). A A paralisia unilateral regride em geral ao cabo
ausência de encerramento palpebral nos casos de de 6-8 semanas, não necessitando de qualquer tra-
paralisia periférica implica cuidados com a humi- tamento ou intervenção. Nalguns casos de parali-
dificação da córnea com soro fisiológico. O trata- sia bilateral o prognóstico é reservado, podendo
mento limita-se à protecção do olho afectado e a ser necessária a traqueostomia.
intervenção neurocirúgica (neuroplastia) somente
está indicada nas situações persistentes. Lesões da espinhal-medula
As lesões da espinhal-medula, cujas formas
Lesões do nervo recorrente graves são raras, poderão surgir no contexto de
A lesão unilateral pode ser causada por tracção hiperextensão da cabeça e pescoço, apresentação
excessiva da cabeça fetal durante parto com apre- pélvica e distócia de ombros. As formas clínicas
sentação pélvica, ou por tracção lateral da cabeça habituais são: hematoma espinhal epidural, lesão
da artéria vertebral, hematomielia cervical
traumática, oclusão da artéria espinhal, e secção
transversal.
As manifestações clínicas podem englobar-se
em 4 modalidades, dependendo da localização: 1.-
Lesão cervical alta e/ou do tronco cerebral: morte
fetal, depressão neonatal, SDR, choque, e hipoter-
mia, sendo o prognóstico mau, com óbito neonatal
precoce; 2.- Lesão cervical média/alta: depressão
neonatal, SDR, paralisia das extremidades infe-
riores, arreflexia tendinosa, perda da sensibilidade
na metade inferior corporal, retenção urinária, e
FIG. 7 obstipação; pode haver associação a paralisia bra-
quial; 3.- Lesão ao nível de C7 ou inferior, por
Paralisia facial periférica à direita. (UCIN-HDE)
vezes reversível: atrofia muscular, deformidades
1978 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ósseas, contracturas e incontinência urinária; 4.-


Lesão espinhal parcial ou oclusão da artéria espi-
nhal: espasticidade e sinais neurológicos subtis.
O diagnóstico diferencial inclui fundamental-
mente amiotonia congénita, mielodisplasia asso-
ciada a spina bifida, tumores da espinhal medula,
etc.. A imagiologia, através de radiografia conven-
cional da coluna vertebral, TAC, e RMN podem
contribuir para o diagnóstico.
O prognóstico depende da gravidade e locali-
zação da lesão.
FIG. 8
A actuação compreende, entre outras medidas,
manobras de ressuscitação, e imobilização da Fractura da clavícula direita. (URN-HDE)
cabeça-pescoço-tronco, o que implica colaboração
de centro especializado. pação da região clavicular constitui um procedi-
mento obrigatório do primeiro exame físico do
5. Lesões dos ossos RN no pós-parto) deverá proceder-se a uma imo-
A distocia de ombros surge em 0,6 a 2,1% dos par- bilização do membro superior e ombro no sentido
tos por via vaginal, representando por vezes uma de minorar a dor pelo manuseamento da criança
verdadeira emergência obstétrica. Felizmente, a (por exemplo fixar a manga do casaco à roupa que
maior parte das distocias de ombros é resolvida cobre o tronco com um alfinete de segurança).
sem morbilidade materna ou fetal; como compli- As fracturas dos ossos longos dos membros
cações podem surgir vários tipos de fracturas (da são, em geral, em ramo verde, podendo, no entan-
clavícula, úmero, fémur) e/ou ou lesão do plexo to, ser completas. De acordo com diversos estudos
braquial. epidemiológicos a fractura do úmero é, a seguir à
A clavícula é o osso que mais frequentemente da clavícula, a segunda mais frequente, comparti-
se fractura no contexto de traumatismo do parto, cipando cerca de 4,2% dos casos de lesões traumá-
variando a sua frequência entre 0,3% a 2,3 % dos ticas; relaciona-se, na sua maioria, com manipula-
casos; de salientar que o seu significado clínico é ção fetal para extracção do membro superior em
limitado, não reflectindo a qualidade dos cuida- posição posterior.
dos prestados. As fracturas do fémur e do rádio são hoje
Como manifestações clínicas da fractura da muito raras devido aos progressos na assistência
clavícula citam-se: hipomobilidade do membro ao parto; estão relacionadas, sobretudo, com par-
superior do lado correspondente, crepitação e tos com apresentação pélvica ou em cesarianas
irregularidade ou saliência notada pela palpação com extracção fetal muito difícil.
da região clavicular, reflexo de Moro ausente ou As fracturas metafisárias e descolamentos epi-
incompleto do mesmo lado, e diminuição da fisários dos ossos longos surgem habitualmente
depressão supraclavicular resultante do espasmo no contexto de manobras de versão externa ou na
do esternocleidomastoideu. extracção fetal durante a distocia de ombros.
Dum modo geral (exceptuando nos casos de O diagnóstico de fractura dos ossos longos
lesões traumáticas associadas), perante a suspeita implica imobilização prévia com indispensável
de fractura simples, não se torna necessário proce- actuação pelo ortopedista.
der à radiografia da clavícula. Por vezes o dia-
gnóstico de fractura é feito a posteriori pela mãe da 6. Lesão dos músculos
criança ao prestar-lhe os cuidados: saliência indo- Hematoma/Fibroma do esternocleidomastoideu
lor ovóide que corresponde ao calo ósseo, tradu- Este tipo de lesão, cuja etiopatogénese é contro-
zindo a excelência do prognóstico e a rapidez da versa, surge em geral no contexto de partos distó-
consolidação. (Figura 8) cicos com rotação e extensão excessivas do pesco-
Se forem detectados sinais de fractura (a pal- ço, do que resulta ruptura das fibras musculares
CAPÍTULO 363 Traumatismo de parto 1979

do esternocleidomastoideu com hematoma ou da especial. Nos casos de evolução não favorável


trombose venosa e ulterior desenvolvimento de com a actuação conservadora está indicada inter-
tecido fibroso; poderá também estar em relação venção cirúrgica, idealmente não depois dos 4
com má-posição intra-uterina. anos.
As manifestações surgem na maior parte das
vezes entre a primeira semana e segunda semanas 7. Lesões da face
de vida quando a criança já está em casa. Observa- Para além das fracturas dos ossos da face e maxi-
se tumor ou nódulo em forma de azeitona, de lar inferior (hoje raras devido aos progressos da
consistência firme com cerca de 2 a 5 cm de diâ- medicina materno-fetal e obstetrícia), cabe dar
metro fazendo corpo com o músculo em questão; realce às fracturas dos ossos próprios do nariz e à
por vezes verifica-se apenas um endurecimento luxação da cartilagem nasal; esta última, a mais
localizado do músculo relacionado com fibrose frequente lesão nasal traumática, traduz-se por
difusa. Em ambas as circunstâncias pode verificar- desvio do septo que poderá comprometer a respi-
se concomitantemente torcicolo, constituindo este ração por obstrução nasal. Trata-se duma situação
o primeiro sinal de alerta (Figura 9). que implicará correcção precoce a cargo da equipa
São descritos dois tipos de evolução: ou de ORL pelo risco de sequelas (deformação per-
regressão pelo 5º - 6º mês de vida, ou fibrose resi- manente).
dual com torcicolo, escoliose cervical e deforma- As lesões oculares foram abordadas no
ção craniofacial. Capítulo 257).
A actuação nestes casos implica encaminha- A Figura 10 mostra o aspecto de um RN com
mento para consulta de cirurgia pediátrica na um quadro de lesão traumática da fronte e face –
eventualidade de ser necessário proceder a felizmente hoje rara – traduzida essencialmente
exames complementares (ecografia muscular, por edema generalizado, no contexto de apresen-
radiografia da coluna cervical, etc.) e fisioterapia. tação de face e asfixia perinatal. Trata-se duma
Entretanto, deverá promover-se o ensino a quem situação evitável, hoje rara, que se apresenta por
cuida da criança no sentido de se realizarem razões didácticas.
exercícios passivos (inclinação da cabeça para o
lado oposto ao mesmo tempo que se volta o mento 8. Lesão da pele e tecidos moles
para o lado afectado). Durante o sono a criança Para além de equimoses, hematomas e feridas
deverá ficar em posição que se oponha à posição contusas, salientam-se dois quadros clínicos clás-
viciosa com o auxílio de saco de areia ou almofa- sicos, embora raros:

FIG. 9 FIG. 10
Hematoma/fibroma do estermocleidomastoideu à direita. Lesão traumática da fonte e face resultante de apresentação
(URN-HDE) de face. (URN-HDE)
1980 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Esteatonecrose
A esteatonecrose é uma lesão circunscrita da
pele e tecido celular subcutâneo (do tipo placa),
com certo grau de dureza à palpação, de cor aver-
melhada ou arroxeada.
Os casos descritos na literatura englobam
sobretudo antecedentes de macrossomia; as alte-
rações descritas atrás surgem em geral entre a 1ª
semana e 2ª semana após partos laboriosos e ou
traumáticos em áreas com maior deposição de
gordura tais como nádegas, dorso, coxas, mem-
bros superiores e face.
A etiopatogénese relaciona-se com trauma,
hipóxia – isquémia e hipotermia, conduzindo a
FIG. 11
processo necrótico do tecido adiposo subcutâneo
com ulceração ocasional. Estudos anátomo- Máscara equimótica em RN (efeito resultante de circular aper-
patológicos demonstraram cristais de gordura tada ao pescoço). (URN-HDE)
neutra por solidificação da gordura originando
ulteriormente “reacções de corpo estranho”(cris-
tais de palmitina no citoplasma de células
“gigantes”).
A evolução natural é no sentido de regressão
espontânea lenta em semanas a meses. Como
sequelas poderá verificar-se atrofia residual, cica-
trizes e, raramente, calcificações.
Não existe tratamento específico.

Máscara equimótica
Este quadro clínico, cuja designação é históri-
ca, traduz-se por aspecto azulado da fronte, face e
pescoço como consequência de petéquias e
sufusões pequenas confluentes, em geral com
FIG. 12
hemorragia subconjuntival associada.
O mesmo resulta de hipertensão venosa no ter- Hemorragia subconjuntival em RN com máscara equimótica.
ritório da cava superior nos casos de circular do (URN-HDE)
cordão apertada. Idêntico quadro pode surgir nos
casos de partos com período expulsivo rápido O fígado é o órgão mais frequentemente afec-
levando a descompressão brusca do tórax (pato- tado, variando as manifestações clínicas do tipo
génese semelhante à dos traumatismos torácicos de lesão (por ex. fractura ou hematoma subcapsu-
verificados noutros grupos etários). lar). Na sua forma mais típica verificam-se palidez
Em geral, o prognóstico é favorável na ausên- explicada por anemia por perda, baixa progressi-
cia de hipóxia-isquémia perinatal e boa adaptação va do hematócrito, e possível evolução para
à vida extra-uterina. (Figuras 11 e 12) choque hipovolémico.
Como nota importante refere-se que a hepato-
9. Lesões viscerais megália (resultante de hemorragia subcapsular)
As lesões viscerais são mais frequentes nos partos pode ser um sinal de alerta no contexto de parto
pélvicos, em RN macrossómicos e nos casos de laborioso. A ecografia ou radiografia simples
patologia de base acompanhada de visceromegá- abdominais poderão evidenciar sinais de conteú-
lia. do líquido intraperitoneal.
CAPÍTULO 363 Traumatismo de parto 1981

A ruptura do baço, menos frequente, poderá A avaliação cuidadosa da gravidez e apresen-


ter manifestações semelhantes às descritas para a tação fetal, do trabalho de parto e do modo de
lesão hepática; a radiografia abdominal simples descida da apresentação, assim como a decisão do
poderá evidenciar sinais indirectos de hemoperito- obstetra quanto ao tipo de parto, serão aspectos
neu (designadamente opacidade difusa, desvio da determinantes para a prevenção do traumatismo
“bolha” gasosa gástrica para a linha média, etc.). parto. No que respeita a aspectos técnicos preven-
A lesão das suprarrenais (hemorragia) é, em tivos quanto a parto instrumental do âmbito do
regra, subclínica; nos casos de manifestações evi- especialista de obstetrícia, torna-se importante fri-
dentes poderão ser detectados sinais inespecíficos sar que este deverá seguir cuidadosamente as
de modo progressivo em relação com: boas práticas quanto à aplicação do fórceps, e as
– anemia por perda (taquipneia, taquicárdia, instruções do fabricante em relação ao manejo da
palidez, etc.), ou com ventosa (por ex. força de vácuo a utilizar, a dura-
– insuficiência supra-renal (vómitos, hipoglicé- ção da aplicação, etc.).
mia, irritabilidade, coma, convulsões, diarreia,
etc.). BIBLIOGRAFIA
A confirmação da hemorragia supra-renal (a Al-Qattan MM. Identification of the phrenic nerve in surgical
posteriori) pode ser obtida através de ecografia e exploration of the brachial plexus in obstetrical palsy. J
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orientar a atitude terapêutica de modo a facilitar, Dhiraj U, Sabaratuan A. Neonatal subgaleal hemmorrhage and
sempre que possível, a permanência do recém its relationship to delivery by vacuum extraction. Obstetr
nascido junto da sua mãe. Gynecol Survey 2003; 58:687-693
Se as lesões forem muito importantes, torna-se Dupuis O, Silveira R, Dupont, Mottolese C, e tal. Comparison
indispensável falar com os pais o mais precoce- of “instrument-associated” and “spontaneous” obstetric
mente possível, explicando-lhes a causa e a evolu- depressed skull fractures in a cohort of 68 neonates. Am J
ção a curto prazo da situação. Embora muitas Obstetr and Gynecol 2005;192:165-170
lesões que ocorrem após partos laboriosos sejam Fette A. Birth and neonatal care injuries: newborn surgery.
transitórias, as mesmas poderão interferir com o Pediat Therapeut 2012; 2:132. doi: 10.4172/2161-0665.
processo de vinculação precoce entre o recém nas- 1000132
cido e seus pais. Por outro lado, a ansiedade que Hammad IA, Chauhan SP, Gherman RB, et al. Neonatal bra-
surge na mãe poderá perturbar, não apenas o alei- chial plexus palsy with vaginal birth after cesarean delivery:
tamento materno, mas também o modo como irá a case-control-study. Am J Obstet Gynecol 2013; 208: e1-e5
perspectivar toda a sua relação com o bebé. Hocksma AF, Ter Steeg AM, Dilkstra P, Nelissen RG, Beelen A,
Por isso, tendo em consideração a segurança de Jong BA. Shoulder contracture and osseous deformity in
do recém-nascido e da sua família, torna-se obstetrical brachial plexus injuries. J Bone Joint Surg Am
necessário promover uma relação de confiança 2003 ;85-A:316-322
com o médico e a equipa em geral, somente possí- Indusekhar R, Oláh KS. Serious fetal intracranial haemorrhage
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brachial plexus injury and postural control. J Pediatr 2013; – as convulsões epilépticas ou manifestações
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Uhing MR. Management of birth injuries. Clin Perinatol 2005; síncronas de neurónios cerebrais, associadas a
32:19-38 sinais electroencefalográficos; e
Whitby EH, Griffiths PD, Rutter S, Smith MF, Spigg A, Ohdike – as convulsões não epilépticas ou manifestações
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obstetric factors. Lancet 2004; 363:846-851 Estabelecendo comparação com alterações
paroxísticas doutros grupos etários, cabe referir as
seguintes destrinças:
– devido à imaturidade do córtex cerebral no
RN e à incompleta mielinização do sistema nervo-
so, as convulsões tónico-clónicas generalizadas
são raras no período neonatal;
– tendo em conta, por outro lado, o maior
desenvolvimento das áreas subcorticais (designa-
damente diencéfalo e tronco cerebral) no RN, os
fenómenos oculomotores, oro-buco-linguais e os
sinais de disfunção autonómica são mais fre-
quentes.
A incidência de convulsões neonatais varia
muito em função da idade gestacional, das popu-
lações estudadas (com situações de risco variá-
veis), e dos critérios utilizados para a sua defini-
ção (clínicos ou electroencefalográficos). Nesta
CAPÍTULO 364 Convulsões no recém-nascido 1983

perspectiva, não é de estranhar que tenham sido imaturo também favorecem o predomínio do esta-
reportadas incidências variando entre 0,5% (em do excitatório, predispondo a convulsões; por
RN de termo) e 22 %(em RN pré-termo). exemplo, ao nível da substantia nigra as vias exci-
Devido à possibilidade de tal disfunção (rela- tatórias desenvolvem-se antes das vias inibitórias.
cionável com múltiplos factores) poder originar, por Na prática clínica, os factores etiológicos mais
sua vez, danos subsequentes ao nível do sistema frequentemente implicados são mencionados no
nervoso, deverá existir da parte do clínico que pres- Quadro 1.
ta cuidados a RN um elevado nível de suspeita, o
que implica diagnóstico e tratamento realizados Manifestações clínicas
com celeridade e, muitas vezes, aplicação de medi-
das sintomáticas antes do diagnóstico etiológico. Estabelecendo a relação entre a semiologia clínica,
a idade gestacional e a verificação ou não de alte-
Etiopatogénese rações electroencefalográficas, Mizrahi &
Kellaway com base em estudo videoelectroencefa-
Existindo ainda muitas dúvidas quanto à patogé- lográfico contínuo, estabeleceram a classificação
nese das convulsões em geral, há mecanismos que consta do Quadro 2, o qual engloba noções
básicos que importa realçar: atrás referidas na alínea Definição.
– imaturidade cerebral associada a predomínio A convulsão subtil corresponde a uma altera-
do papel dos neurotransmissores excitatórios (pri- ção motora, autonómica ou comportamental que
mariamente glutamato, com maior expressão dos surge mais frequentemente em RN pré-termo,
respectivos receptores e escassez relativa dos res- nem sempre acompanhada de alterações do EEG.
pectivos transportadores) em relação aos neuro-
transmissores inibitórios (primariamente GABA / QUADRO 1 – Convulsões neonatais
ácido gama amino butírico); de tal resulta mais Factores etiológicos
intenso e prolongado contacto do glutamato com
os receptores pós-sinápticos; uma vez que a vita- • Encefalopatia hipóxico-isquémica
mina B6 ou piridoxina é um cofactor para a síntese • Encefalopatia hipertensiva
de GABA, deduz-se que o défice ou ausência • Infecções (grupo TORCHS, meningite, meningoence-
desta última constitui factor predisponente de falite, etc.)
convulsões; • Anomalias congénitas (agenésia cerebral, etc.)
– as características de imaturidade dos recep- • Lesões cérebro-vasculares (enfartes arteriais e venosos,
tores do glutamato anteriormente referidas facili- etc.)
tam o influxo catiónico e a despolarização da • Lesões traumáticas (hematoma subdural, hemorragia
membrana activando o fenómeno de convulsão; intraperiventricular, etc.)
– hipofuncionamento dos neurotransmissores • Alterações hidroelectrolíticas e metabólicas (hipona-
inibitórios no cérebro imaturo, o que se relaciona trémia, hipernatrémia, hipoglicémia, hipocalcémia,
com a fraca expressão dos respectivos canais ióni- hipomagnesiémia, etc.)
cos; • Doenças hereditárias do metabolismo (galactosémia,
– disfunção da bomba de Na/K com reper- frutosémia, aminoacidopatias, anomalias do ciclo da
cussão negativa na produção de energia celular, o ureia, hiperglicinémia cetótica e não cetótica, etc.)
que é favorecido em situações de hipóxia-isqué- • Convulsões familiares (esclerose tuberosa, síndromas
mia e hipoglicémia; neurocutâneas, etc.)
– disfunção ao nível da membrana celular do • Privação de drogas (heroína, etc.)
neurónio, traduzida nomeadamente por maior • Efeito de fármacos, “tóxicos e toxinas” (isoniazida,
permeabilidade, o que é favorecido por situações bilirrubina, etc.)
acompanhadas de hipocalcémia e hipomagnesié- • Síndromas genéticas (síndroma de Smith-Lemli-Opitz,
síndroma de Zellweger, etc.)
mia.
• Outros
Para além destes factores celulares, as carac-
terísticas do desenvolvimento do SNC no cérebro
1984 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

QUADRO 2 – Tipos de convulsões neonatais zada (flexão dos membros superiores – mais fre-
quentemente –, ou dos membros inferiores), focal
• Convulsões epilépticas (associadas a anomalias no EEG) (com manifestação ao nível da musculatura flexo-
Subtis (predominantemente no RN pré-termo) ra de um membro superior), ou multifocal (con-
Clónicas focais e multifocais tracções musculares assíncronas de várias partes
Mioclónicas generalizadas e focais do corpo).
Tónicas focais Da relação entre a etiopatogénese e a semiolo-
• Convulsões não epilépticas (não associadas a anomalias gia clínica pode estabelecer-se a seguinte noção
no EEG) geral: as convulsões multifocais traduzem descar-
Mioclónicas focais e multifocais gas não síncronas em mais de um local, sendo
Tónicas generalizadas geralmente migratórias; as convulsões generaliza-
Subtis das traduzem descargas difusas, bilaterais, síncro-
• Convulsões “electroencefalográficas” ou anomalias do nas e não migratórias.
EEG assintomáticas
Exames complementares

As respectivas manifestações podem ser siste- Perante uma convulsão há, pois, que caracterizar
matizadas do seguinte modo: movimentos de as manifestações clínicas e proceder a exames
mastigação, desvio horizontal do globo ocular complementares para esclarecimento etiológico
com ou sem tremor ocular, fixação ocular manti- tendo em conta a história clínica e as hipóteses
da, movimentos de pedalagem, movimentos dos que podem ser sugeridas pela consulta do Quadro
membros superiores semelhantes a gestos de 1. Alguns destes exames (prioritários) são aborda-
“boxeur” ou de nadador, fenómenos autonómicos dos a propósito da actuação prática (ver adiante).
como alterações vasomotoras hipertensão arterial, Nesta alínea cabe uma referência especial aos
crises de hiperpneia ou apneia,etc.. A convulsão seguintes:
subtil acompanhada de alterações no EEG surge – EEG contínuo para se poder apreciar o tra-
mais frequentemente no RN pré-termo. çado de base e a existência ou não de actividade
Na convulsão clónica o RN evidencia movi- paroxística (ver adiante: a EEG);
mentos rítmicos de grupos musculares em duas – Vídeo-EEG para o esclarecimento de casos
fases: uma, de contracção mais rápida, e outra recorrentes e hospitalizados (correlação entre as
mais lenta, voltando à posição inicial; podem veri- manifestações clínicas e o traçado electroencefalo-
ficar-se num grupo muscular (focal) ou em vários gráfico) – técnica ainda não disponível em todos
grupos musculares (multifocal) sendo que, por ex. os serviços hospitalares;
o diafragma e a musculatura faríngea podem ser – RMN com particular interesse admitindo a
afectados, o que tem implicações na função respi- hipótese de enfarte cerebral (na sua forma típica
ratória. A convulsão focal está mais frequente- em território da artéria cerebral média).
mente associada a lesão localizada do SNC do que Nota importante:
a alterações metabólicas. O enfarte de um território arterial na sua forma
A convulsão tónica caracteriza-se: por extensão típica é decorrente duma artéria importante (arté-
ou flexão mantida dos membros superiores ou infe- ria cerebral média). Começa por edema seguido
riores (tónica generalizada), sendo mais frequente em de isquémia, sendo por vezes secundário a hemor-
RN pré-termo; ou por postura mantida de um ragia. Semanas mais tarde a zona é substituída por
membro ou postura assimétrica do tronco em rela- quistos. Estes acidentes podem ocorrer no período
ção ao pescoço (tónica focal); ocorre com frequência de vida fetal ou intraparto. Situações como a
semelhante no RN de termo e no pré-termo. gemelaridade e defeitos cardíacos podem condi-
A convulsão mioclónica caracteriza-se por cionar esta patologia. Manifestam-se precocemen-
movimentos desordenados, síncronos ou assín- te por convulsões precoces. A RMN detecta a lesão
cronos e rápidos, tendendo a ocorrer sobretudo com muito pormenor e permite definir o prognós-
em grupos musculares flexores; pode ser generali- tico quanto à função motora.
CAPÍTULO 364 Convulsões no recém-nascido 1985

Diagnóstico diferencial contínua ao ritmo entre 5-10 mg/kg/minuto; nos


casos de hipoglicémia persistente poderá estar
Ao abordar o tema “convulsões no RN” importa indicada a administração de prednisolona
estabelecer a destrinça entre estas e outros fenó- (2mg/kg/dia); se hipocalcémia → administração de
menos motores frequentes designados por tre- gluconato de cálcio a 10%: 2mL/kg IV em 10 minu-
mores. tos, dose que pode ser repetida passadas 6 horas; a
Eis alguns aspectos que permitem tal destrin- dose de manutenção após 1ª dose é 6-8 mL/kg/dia
ça: em 24 horas; se hipomagnesiémia → administração
– Os tremores são movimentos rítmicos de de sulfato de magnésio a 50%: 0,2 mL/g IM, dose
pequena amplitude, e amplitude e frequência que pode ser repetida 1 a 2 vezes por 24 horas até
regulares; na convulsão (clónica) existe uma com- correcção da alteração (Capítulos 338-340);
ponente de movimento rápido e uma componente – iniciar tratamento com fármacos anticonvul-
de movimento lento; santes adiante especificados;
– Os tremores são sensíveis a estímulos exter- – monitorizçaão de sinais vitais;
nos; são interrompidos com uma flexão passiva e – realização doutros exames complementares
suave do membro onde se verificam, o que não em função da história clínica incluindo exames
acontece na convulsão; neuroimagiológicos, com prioridade para a eco-
– Os tremores não se acompanham de fenóme- grafia transfontanelar;
nos oculares como fixação ou desvio ocular nem – nos casos de convulsões recorrentes verifica-
de alterações autonómicas (por ex. taquicárdia, das nas primeiras horas de vida, e sem achados
crises de apneia, fenómenos vasomotores cutâ- complementares esclarecedores, está indicado
neos, sialorreia ou alterações pupilares), ao proceder a prova terapêutica com piridoxina
contrário da convulsão. endovenosa (50-500 mg) durante a convulsão com
monitorização simultânea de EEG; em situação de
Tratamento carência de piridoxina verifica-se cessação da crise
e do traçado anómalo do EEG, o que implica ulte-
Tendo em consideração que a convulsão, indepen- rior terapêutica de manutenção na dose de 50-100
dentemente do factor etiológico, poderá resultar mg/dia por via oral ou endovenosa;
em lesão do SNC, sobretudo se for mantida, há – nos casos em que não seja detectada etiologia
que estabelecer prioridades na actuação, a qual específica, haverá que admitir a possibilidalidade
deve ser precoce, urgente e, por vezes emergente; de doença hereditária do metabolismo, o que obri-
salienta-se, a propósito, que uma convulsão man- ga a ulterior análise de sangue para doseamento
tida origina incremento do consumo de glucose, de lactato, amónia, aminoácidos séricos, e de
substrato fundamental para o metabolismo da urina para pesquisa e doseamento de ácidos orgâ-
célula cerebral. nicos, etc. (Capítulo 368).
Embora para fins didácticos se estabeleça um
esquema sequencial de actuação, pressupõe-se 2. Tratamento anticonvulsante
que muitas das medidas terão que ser levadas a cabo As opiniões dos autores especialistas e investiga-
quase em simultâneo, com a colaboração de equipa dores em neurologia neonatal dividem-se quanto
especializada e experiente (mais que uma pessoa). à indicação de tratamento anticonvulsante:
enquanto alguns recomendam que somente os RN
1. Aspectos gerais com convulsões clínicas devem ser tratados com
– promover ventilação e perfusão adequadas fármacos anticonvulsantes, outros opinam que,
(RCR), estabilidade hemodinâmica e aplicação de não só na situação anterior, mas também nos casos
venoclise com soluto glucosado; de alterações do EEG sem manifestações clínicas
– detectar factores etiológicos susceptíveis de se deve proceder a tal tratamento, tendo em consi-
correcção (hipoglicémia, hipocalcémia, hipoma- deração o efeito adverso das alterações ao nível da
gnesiémia, etc.); se hipoglicémia → administração de célula do sistema nervoso sobre o metabolismo do
glucose a 10%: 2mL/kg IV seguida por perfusão cérebro imaturo.
1986 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Na prática, os fármacos antiepilépticos mais O diazepam, com uma vida média de cerca de
usados são o fenobarbital e a fenitoína; outros 54 horas no RN pré-termo e de 18 horas no RN de
como as benzodiazepinas, a primidona, o valproa- termo, é a benzodiazepina mais frequentemente
to de sódio, a lidocaína e o tiopental sódico utilizada; a via aconselhada é a IV, pois a via IM
poderão ser utilizados em situações especiais. condiciona absorção muito lenta.
Seguidamente são pormenorizados alguns esque- Como limitações da sua utilização são citadas
mas terapêuticos neste âmbito. as seguintes: maior probabilidade de hipotonia e
de depressão respiratória, sobretudo se utilizado
– Fenobarbital em associação com barbitúricos; níveis terapêuti-
Oscilando a vida média do fenobarbital entre cos próximos dos tóxicos; pela forte ligação às
45 e 173 horas, são habitualmente utilizadas as proteínas verifica-se tempo de impregnação no
seguintes doses: SNC fugaz, razão pela qual não está indicado em
• dose inicial de sobrecarga: 20 mg/kg IM ou regime de manutenção; o benzoato de sódio, seu
IM , em cerca de 10 minutos. veículo para uso IV, compete com a bilirrubina na
No caso de a dose inicial não ser efectiva, sua ligação à albumina o que aumenta o risco de
doses subsequentes de 5 ou 10 mg/kg em interva- kernicterus.
los de 10 ou 15 minutos até ser atingida dose total • dose em situação aguda (não seguida de
de 40 mg/kg; manutenção): 0,5 mg/kg IV em administração
• dose de manutenção: 3-4 mg/kg/dia (IM, IV lenta (2 minutos); pode ser repetida 15 a 30 minu-
ou oral a dividir por duas doses diárias), sendo tos depois.
recomendados níveis séricos entre 16 e 40 O lorazepam IV (não disponível em todos os
mcg/mL; a colheita de sangue para doseamento países), pode ser utilizado como alternativa ao
do fármaco deverá ser feita antes da primeira dose diazepam na dose de 0,05-0,1 mg em 2 a 5 minu-
diária. tos, também podendo ser repetida a sua adminis-
O fenobarbital é eficaz em cerca de 70 a 80% tração; a probabilidade de depressão respiratória é
das convulsões neonatais. menor.
O midazolam IV utiliza-se na dose inicial de
– Fenitoína 0,15 mg/kg seguida da dose de 0,1-0,4
Se após dose de 40 mg/kg de fenobarbital as mg/kg/hora em regime de manutenção.
crises de convulsões persistirem, deve iniciar-se a
administração (concomitante) de fenitoína: 3. Duração do tratamento anticonvulsante
• dose inicial de sobrecarga: 15 a 20 mg/kg IV Tendo em conta:
(0,5-1 mg/kg/minuto) ou 7,5 a 10 mg/kg com 1) a possibilidade de efeitos adversos do trata-
intervalo de 20 minutos, de modo a atingir nível mento anticonvulsante prolongado sobre a morfo-
sérico entre 15 a 20 mcg/mL; logia e metabolismo das células neuronais;
• dose de manutenção: 4-8 mg/kg/dia (IV a 2) que a duração do período de “lua de mel”
dividir por duas doses diárias), sendo o início da ou livre de convulsões após o período neonatal é
manutenção 12 horas após a dose inicial. imprevisível – meses a anos –, foram definidos cri-
A fenitoína é eficaz em cerca de 15% dos casos térios que legitimam a interrupção do tratamento
de convulsões que não cederam ao fenobarbital. iniciado no período neonatal, mesmo nos casos de
Os níveis séricos são difíceis de manter porque o risco elevado de recorrência; como regra geral, o
fármaco se redistribui rapidamente pelos tecidos, fenobarbital poderá ser suspenso se o exame neu-
problema que é potenciado se a administração for rológico e o EEG não revelarem alterações.
por via oral; por isso, a manutenção não pode ser O processo de suspensão do fenobarbital deve
mantida por via oral. A absorção por via IM é irre- ser gradual, em duas semanas.
gular. Assim, como regra prática, não é recomenda- Salienta-se que nos casos de antecedentes de
da a continuação do fármaco uma vez cessadas as EHI e de depressão importante nos traçados do
convulsões e/ou removida venoclise. EEG, existe probabilidade de recorrência de cerca
– Benzodiazepinas de 30 - 50%; nos casos de hipoglicémia e hipocal-
CAPÍTULO 364 Convulsões no recém-nascido 1987

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20 a 35% dos casos (principalmente atraso mental 2000
e doença motora não progressiva) sendo que, em
muitas situações, aquelas se relacionam mais com
a doença de base do que com as próprias
convulsões; as convulsões recorrentes são referi-
das com uma frequência entre 15 e 20%.
Comparando as alterações do desenvolvimen-
to em RN de termo e pré-termo, a médio e longo
prazo, a proporção daquelas é muito maior no
segunda caso (cerca de 75%) do que no primeiro
(cerca de 40%).
Quanto à mortalidade, considerando global-
mente RN pré-termo e de termo (~ 20-25%),
salienta-se que mais de metade dos óbitos ocorre
nos RN pré-termo.

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1988 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

365
– Encefalopatia neonatal designa o estado
neurocomportamental anómalo traduzido funda-
mentalmente por diminuição do nível de
consciência com alterações do tono neuromotor.
– Lesão cerebral hipóxico-isquémica refere-se
à neuropatologia que se atribui a hipóxia e ou
ENCEFALOPATIA isquémia evidenciada por critérios bioquími-
cos(CK-MB,CK-BB), electrofisiológicos (EEG),
HIPÓXICO-ISQUÉMICA imagiológicos(ecografia transfontanelar), TAC,
RMN, ou anomalias detectadas post-mortem
Leonor Duarte A incidência de EHI ocorre em cerca de 3 a
9/1.000 nado – vivos, e em proporção muito
maior nos países em desenvolvimento. A lesão
cerebral de origem hipóxico-isquémica nos RN de
Definições e importância do problema termo constitui uma causa importante de morbili-
dade e de mortalidade. Como nota, refere-se que
O défice de oxigenação tecidual pode ser causado, qualquer anomalia neurológica detectada após o
quer por hipoxémia (diminuição do conteúdo em período neonatal (designadamente 1ª e 2ª infân-
oxigénio no sangue), quer por isquémia (redução cia) somente poderá ser atribuída a asfixia perina-
da perfusão sanguínea em determinado territó- tal se se tiver verificado quadro de EHI no perío-
rio); em geral, estes dois eventos ocorrem em do neonatal imediato.
simultâneo ou de modo sequencial. Cabe também especificar outros dados que tra-
A designação de asfixia está relacionada com duzem a importância do problema da asfixia peri-
compromisso das trocas gasosas e corresponde, natal quanto à mortalidade e morbilidade em ter-
não só a défice de oxigenação sanguínea, mas mos de neurodesenvolvimento. A mortalidade
igualmente a excesso de CO2 (hipercápnia), do global por asfixia perinatal oscila entre 10% e 30%.
que resulta acidose. O diagnóstico de asfixia peri- A frequência de sequelas no âmbito do neurode-
natal implica a observância de 4 critérios: senvolvimento em sobreviventes com tal patolo-
1 – pH arterial umbilical<7,0; gia é da ordem de 15% a 45%. O risco de paralisia
2 – índice de Apgar 0-3 aos 5 minutos; cerebral (PC) em sobreviventes de asfixia perina-
3 – sinais neurológicos no pós parto; tal é 5%-10% em comparação com 0,2% na popu-
4 – disfunção multiorgânica no período neonatal lação geral. A maioria das situações de PC não se
imediato (pulmonar, renal, cardiovascular, metabó- relaciona com asfixia perinatal e a maioria das
lico, gastrintrestinal, hematológico), ou morte. situações de asfixia perinatal não causa PC. De
Uma situação de asfixia perinatal mantida, acordo com estudo nacional sobre PC aos 5 anos,
determinando a hipotensão e isquémia e conduzin- foi possível atribuir a etiologia " asfixia perinatal e
do a alteração do débito sanguíneo cerebral, é a neonatal" em 11% dos casos daquela.
causa mais frequente de encefalopatia hipóxico-
isquémica (EHI) definida como quadro neurocom- Etiopatogénese
portamental anómalo no RN de termo relacionado
com lesões neuronais e acompanhado de manifes- A agressão hipóxico-isquémica pode fazer-se de
tações noutros sistemas, também relacionadas com maneira aguda ou crónica, e em qualquer momen-
a hipóxia-isquémia nos referidos territórios. to da gestação. Actualmente admite-se que a lesão
A propósito de EHI, outros termos merecem neuronal conduzindo à necrose, e relacionada
ser definidos: com asfixia, surge após fase inicial de hipóxia-
– Depressão neonatal corresponde à situação isquémia, isto é, na fase de reperfusão cerebral.
clínica de RN de termo com adaptação prolonga- Durante os eventos de asfixia (que, em 90%
da à vida extra-uterina, geralmente associada a dos casos, ocorrem ante - ou intra-parto)o meta-
índice de Apgar baixo ao 1 e 5 minutos. bolismo cerebral altera-se substancialmente; na
CAPÍTULO 365 Encefalopatia hipóxico-isquémica 1989

falta de O2, entra em acção a glicólise anaeróbia neamente inflamação e fenómeno de reparação. A
como fonte energética de alternativa para a célula morte celular inicia-se imediatamente após a
nervosa o que, por sua vez, conduz a depleção agressão, continuando durante dias ou semanas.
rápida da ATP neuronal, acumulação de lactato, e Verifica-se contudo uma mudança no fenótipo da
falência dos mecanismos de “bomba” da membra- morte celular variando entre padrão de morfolo-
na, o que leva ao aparecimento de acidose. Desta gia necrótica precoce e patologia assemelhando-se
última falência resultam influxo e acumulação a apoptose. A este tipo de evolução chama-se
intracelular de Na+ e Ca++ e de aminoácidos exci- continuum de necrose-apoptose.
tatórios tais como o aspartato e glutamato, levan- A nova modalidade de tratamento com hipo-
do a edema citotóxico e a vasospasmo. termia (ver adiante) permite reduzir o metabolis-
Sendo restaurado o débito sanguíneo cerebral mo cerebral, o edema citotóxico, a pressão intra-
(reperfusão) são produzidos radicais livres de oxi- craniana e a apoptose. De referir também como
génio e de óxido nítrico, o que leva ao agravamen- efeitos benéficos limitar a extensão da lesão neu-
to do vasospasmo, e a lesão mitocondrial. Estes, ronal através de mecanismos diversos tais como
juntamente com o edema citotóxico conduzem à inibição de radicais livres.
morte neuronal, que pode ser imediata ou proces- Para além do SNC, outros órgãos podem evi-
sar-se de modo progressivo em diversas áreas. denciar repercussões da asfixia, tais como:
O óxido nítrico (nas células e nos endotélios), – rim, o órgão mais frequentemente afectado
considerado inicialmente factor protector pelo no contexto de asfixia perinatal (necrose tubular
efeito vasodilatador e antiagregante das plaque- aguda ou cortical);
tas, reage com o superóxido produzindo peroxini- – miocárdio e músculo estriado (isquémia,
trito, de cuja degradação resulta o radical hidroxi- diminuição da contractilidade ventricular, insufi-
lo, potente agente oxidante. ciência tricúspide, frequência cardíaca fixa, com
Outro efeito da elevação do cálcio intracelular ausência de variabilidade);*
é a estimulação das fosfolipases que promovem a – sistema digestivo (isquémia intestinal e
destruição das membranas fosfolipídicas das ECN);
membranas neuronais com libertação de ácido – sangue periférico, medula óssea e fígado
araquidónico cuja metabolização – quer pela via (disfunção hepática, deficiente produção de fac-
da cicloxigenase, quer pela da lipoxigenase – leva tores de coagulação, deficiente produção de pla-
à formação de compostos vasoconstritores (por ex. quetas);
leucotrienos e tromboxanos) agravando a isqué- – sistema respiratório (aumento da resistência
mia inicial. vascular pulmonar, disfunção e destruição do sur-
No recém –nascido de termo a necrose neuro- factante, hemorragia);
nal é selectiva, sendo atingidas as seguintes zonas: – supra-renal (hemorragia supra-renal).
os hemisférios, o córtex visual, o hipocampo, os
núcleos cinzentos centrais, o tálamo e o hipotála- Manifestações clínicas
mo. No tronco cerebral são afectados os tubércu-
los quadrigémeos, os núcleos oculomotores, a for- Quanto aos antecedentes há a referir: problemas
mação reticulada, os núcleos da protuberância e obstétricos associados a dificuldade mecânica no
os núcleos bulbares. parto e a difícil adaptação do feto à vida extra-ute-
A gravidade das lesões exprime-se em geral de rina com depressão grave traduzida por índice de
forma descendente; nas formas moderadas as Apgar baixo; e dificuldade na iniciação e manu-
lesões são restritas ao córtex; e, nas formas graves, tenção da respiração espontânea obrigando a
são afectados os núcleos cinzentos centrais.
A propósito dos mecanismos de lesão cerebral
* De facto a hipóxia-isquémia leva a lesão da membrana e libertação de
no RN de termo cabe salietar os resultados da substâncias intracelulares para a corrente sanguínea como troponina
investigação de Ferriero. Este autor chamou a cardíaca I (cTNI) e péptido natriurético (N-Terminal PRO-BNP) que
podem servir de marcadores de disfunção miocárdica. A creatina-qui-
atenção para uma particularidade do efeito do nase (CK-MB) elevada traduz estresse ao nível do músculo liso (ver
estresse oxidativo e da excitotoxicidade: simulta- adiante).
1990 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

manobras de reanimação na sala de partos congénitas cardíacas podem constituir factores


(Capítulo 329). predisponentes. Em cerca de 50% dos casos sur-
O quadro de EHI integra um conjunto de gem como consequência de asfixia perinatal.
sinais neurológicos acompanhados ou não, em Outros mecanismos patogénicos incluem arterio-
grau variável, doutras manifestações ao nível patia, tromboembolismo/hipercoagulabilidade,
doutros sistemas (disfunção multiorgânica): dis- vasospasmo e acção traumática.
função renal, dificuldade respiratória, hipertensão
pulmonar, hipoglicémia, hipocalcémia, acidose, Exames complementares
disfunção hepática, enterocolite necrosante, trom-
bocitopénia, CID, etc.. Os referidos sinais podem Reforçando-se a noção de que o diagnóstico de EHI é
surgir no pós-parto imediato ou mais tarde. fundamentalmente clínico, cabe referir alguns
O espectro de manifestações varia entre o grau exames complementares com interesse para o estudo
I ou forma ligeira, grau II ou forma moderada e evolutivo e para avaliação prognóstica e diagnóstico
grau III ou forma grave. (Quadro 1, adaptado de diferencial; a sua escolha deverá ser criteriosa em
M Levene) função dos antecedentes e da evolução clínica.
Adoptando os critérios clássicos de Sarnat & • Exame do LCR – poderá estar indicado se
Sarnat na EHI (englobando mais parâmetros do existir suspeita de quadro infeccioso;
que os da classificação de M Levene) podem ser • EEG – reportando-nos ao Quadro 2, cabe
considerados três estádios evolutivos designados salientar que o traçado se relaciona com a gravi-
respectivamente por estádio 1 (manifestações dade da situação;
ligeiras), estádio 2 (manifestações moderadas) e • aEEG – actualmente está disponível uma nova
estádio 3 (manifestações graves) (Quadro 2). modalidade de EEG (designada EEG de amplitude
integrada) com vantagens no que respeita à moni-
Diagnóstico diferencial torização dos efeitos do tratamento efectuado em
situações com convulsões e ou submetidas a hipo-
O diagnóstico diferencial da EHI faz-se designa- termia como terapêutica (ver adiante).
damente com outras situações acompanhadas de • Ecografia transfontanelar – técnica com limita-
convulsões (Capítulo 364). ções, a realizar sistematicamente em todos os
Nesta alínea cabe uma referência especial a um casos de asfixia perinatal na perspectiva de selec-
quadro relacionado com enfarte cerebral de ter- ção de casos para outros exames; na fase inicial a
ritório irrigado pela artéria cerebral média. É contribuição é escassa, podendo ser detectados
caracterizado clinicamente por convulsões de sinais de edema; o eco-Doppler permite medir os
manifestação precoce, tal como acontece em certas fluxos arteriais e o chamado índice de resistência
formas de EHI. (Figuras 1 e 2);
Com efeito, estes acidentes vasculares podem • TAC – poderá fornecer dados representativos
ocorrer já no período de vida fetal ou intraparto; de lesões do córtex cerebral, tálamo, gânglios da
situações como a gemelaridade e anomalias base e região periventricular; indicada na 2ª -4ª

QUADRO 1 – Gravidade da EHI

Grau I Grau II Grau III


(ligeira) (moderada) (grave)
Irritabilidade Letargia Coma
Hiperalerta
Hipotonia ligeira Hipotonia moderada Hipotonia grave
Sucção débil Sonda de alimentação Não respiração espontânea
Não convulsões Convulsões Convulsões prolongadas

(adaptado de M Levene, 1985)


CAPÍTULO 365 Encefalopatia hipóxico-isquémica 1991

QUADRO 2 – EHI –Critérios de Sarnat & Sarnat (Estádios 1, 2 e 3)

Parâmetros 1 2 3
Consciência Irritabilidade Letargia Estupor ou coma
Mov espont Aumentados Diminuídos Diminuídos ou ausentes
Tono muscular N ou > ligeiro < ligeiro Flacidez
Postura Flexão discreta Flexão acentuada Extensão dos membros
das extremidades das extremidades superiores e inferiores
ROT N < Arreflexia
Pupilas Midríase Miose Hipo/ arreflexia à luz
ou anisocória
Respiração Espontânea Espontânea Periódica ou apneia
ou apneia episód.
FC > < Variável
Secreção salivar, Escassa Abundante Variável
brônquica
Motilidade GI N ou < > Variável
Convulsões Não Frequentes Variável
EEG N Amplitude < Padrão periódico com
Espículas focais fases isoeléctricas ou isoeléctrico
Duração < 24 h 2-14 d Horas a semanas
Prognóstico bom Bom (80%) se < 5d Mortalidade ~50%
Reservado se > 5d Sequelas ~50%
Abreviaturas: >=aumentado; <= diminuído; Mov espont= movimentos espontâneos; N= normal; ROT= reflexos ósteo-tendinosos; FC= frequência cardíaca; EEG= electroencefalograma; d= dias;
h= horas; episód.= episódios de; GI= gastrintestinal

semana de vida, poderá dar contributo quanto ao substratos do cérebro cujo perfil se altera após
prognóstico; igualmente com interesse nos casos episódio de hipóxia-isquémia-reperfusão.
em que se admite a hipótese de enfarte cerebral; No que respeita à avaliação dos efeitos da
• Espectroscopia de protões – trata-se duma téc- asfixia em diversos órgãos e sistemas, cabe referir
nica que permite avaliar a concentração de vários os seguintes exames:

FIG. 1 FIG. 2
Imagem de ecografia transfontanelar de RN com EHI. Imagem de ecografia transfontanelar de RN com EHI.
Aspecto de enfarte na região têmporo-occipital (corte Aspecto de enfartes na região da fenda e zona cortical
sagital). (UCIN-HDE) (corte coronal). (UCIN-HDE)
1992 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

1. Coração Seguidamente resumem-se os tópicos princi-


– Troponina cardíaca I (cTNI) e troponina cardíaca T pais de tal actuação:
(cTnT), proteínas que são marcadores de lesão do – Ventilação mecânica desde o pós-parto, e por
miocárdio, com efeito sobre a interacção entre acti- período variando entre 48 a 72 horas em função do
na e miosina, mediada pelo cálcio. Valores nor- contexto clínico, com o objectivo de normalização
mais: I= 0-0,28 ±0,42 mcg/L; T=0-0,097 mcg/L. dos parâmetros de pH e gases no sangue na tenta-
Valores elevados associam-se situações de asfixia tiva de manutenção dos seguintes valores: pH
comprovada. (7,25-7,40), PaO2 (50-70 mmHg), PaCO2 (45-60
– Creatina quinase, fracção MB (CK-MB). Valores mmHg), SatO2-Hb (90-93%);
elevados >5-10% poderão indicar lesão miocárdica. – Estabilização hemodinâmica, metabólica e
– NT-pro BNP (valores de referência entre as 24 hidroelectrolítica; ou seja, manutenção dos valores
e 48 horas de vida: mediana de 3300 pg/mL, dimi- normais da pressão arterial, da glicémia, da natré-
nuindo para 1180 pg/mL após 48 horas). Valores mia, da potassémia com monitorização da diurese
superiores devem ser avaliados em função do e dos parâmetros da função renal (osmolalidades
contexto clínico (ver Glossário Geral). sérica e urinária, creatinina sérica, ionogramas
urinário e sérico, etc.);
2. SNC – Tratamento das convulsões (Capítulo 364);
– CK, fracção BB (CK-BB). Valores elevados em – Tratamento do edema cerebral através da
situação de asfixia ao cabo de ~12 horas; contudo administração de corticóides, manitol (Capítulo
não tem valor prognóstico. 271).
– Proteína S-100 + CK-BB. Valores elevados de Outras medidas (ou em investigação ou em
proteína S-100 (>8,5 mcg/L) + de CK-BB, associa- início de aplicação à clínica carecendo de valida-
dos a pH arterial baixo são preditivos de encefalo- ção) têm por finalidade prevenir a morte neuronal
patia moderada a grave(sensibilidade ~70% e tardia por mecanismos diversos tais como admi-
especificidade ~90-95%). nistração de barbitúricos (tiopental), bloqueantes
dos canais do cálcio, bloqueantes dos receptores
3. Rim dos neurotransmissores, inibidores da sintetase
– Beta-2 microglobulina urinária (proteína de baixo do óxido nítrico, etc..
peso molecular filtrada pelo glomérulo e quase A hipotermia corporal iniciada antes das 6
reabsorvida na totalidade no túbulo proximal). horas de vida (providenciando temperaturas ~33-
Valores elevados são indicadores de disfunção 34ºC durante 72 horas, com reaquecimento ulte-
tubular proximal. Consultar Capítulos 163 e 341. rior progressivo), constitui um método já aplicado
– FENa pode igualmente demonstrar a reper- no nosso país com as seguintes indicações: < 6
cusão sobre a função renal (Capítulo 163). horas de vida, > 36 semans de idade gestacional,
– CysC/cistatina C urinária e NGAL (Neutrophil evidência de asfixia perinatal, EHI moderada ou
gelatinase-associated lipocalin) sérica e urinária ele- grave e exclusão de defeitos congénitos. Sobre os
vados são também marcadores preditivos precoces efeitos benéficos de tal procedimento já foi feita
de lesão renal aguda secundária a encefalopatia neo- referência.
natal (consultar bibliografia).
– Ecografia renal. Anomalias detectadas correla- Prognóstico
cionam-se com oligúria.
Em complemento do que foi descrito no Quadro 2,
Tratamento e de acordo com diversos estudos multicêntricos,
salienta-se que a mortalidade por EHI oscila entre
Os princípios gerais do tratamento da EHI – não 10 a 15%. As principais sequelas (15-20%) detecta-
consensuais em centros internacionais idóneos – das são: paralisia cerebral (formas discinéticas e
obedecem à noção de que a lesão neuronal pode tetraplegia), epilepsia, atraso mental, microcefalia,
ser minorada se a actuação no periparto for ade- cegueira cortical, surdez e perturbações da lingua-
quada e atempada (Capítulo 329). gem.
CAPÍTULO 365 Encefalopatia hipóxico-isquémica 1993

Em suma, quanto mais precocemente se mani- Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria.Acta
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1994 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

366
O desenvolvimento do sistema nervoso central
(SNC) no decurso dos primeiros meses de gesta-
ção é caracterizado fundamentalmente por um
processo de multiplicação e migração celulares: na
sequência dum primeiro período de histogénese,
na segunda metade da gravidez verifica-se marca-
HEMORRAGIA do crescimento e diferenciação celulares, com
continuidade após o nascimento.
INTRAPERIVENTRICULAR A proliferação glial e neuronal é rápida nos pri-
meiros meses, ocorrendo preferencialmente na zona
Leonor Duarte ventricular do neuroepitélio primitivo. As células
gliais radiárias estendem-se ao longo da parede
ventricular até à pia-mater, servindo de guia a todos
os neurónios jovens que vão surgir na zona germi-
Definição e importância do problema nativa ventricular. Todos estes eventos têm influên-
cia no número, diferenciação, e disposição da glia,
A chamada hemorragia intraventricular (HIV) é sendo que qualquer noxa que actue nesta fase
uma situação clínica típica nos RN pré-termo, poderá originar alterações da migração, da organi-
caracterizada por processo hemorrágico localizado zação do tecido neuronal, e da mielinização.
na área cerebral da matriz germinal, contígua com A partir da zona ventricular, uma primeira
o ventrículo lateral em localização lateral-ventral; geração de neurónios em franca proliferação celu-
quando se verifica ruptura do epêndimo, a hemor- lar migra para a parte externa do tubo neural para
ragia, inicialmente periventricular, estende-se ao formar a placa subcortical ou “sub placa”. Esta
ventrículo – que pode sofrer dilatação – passando camada de células é em seguida atravessada por
a chamar-se intraperiventricular (HIPV). neurónios jovens que, em vagas sucessivas, vão
Há duas décadas tinha uma incidência de 30% formar de dentro para fora a placa cortical ou o
em RN pré-termo de peso inferior a 1.500 gramas; futuro córtex. A migração celular termina por
com os progressos na assistência perinatal tem-se volta das 20- 24 semanas, ficando então o capital
verificado diminuição da mesma (na actualidade neuronal fixado definitivamente.
cerca 12 a 15% em RN com < 32 semanas de idade A matriz germinativa é uma região transitória
gestacional) nos países industrializados e com muito vascularizada, involuindo a partir das 34
recursos de terapia intensiva. Salienta-se, a propósi- semanas; praticamente desaparecida no termo da
to, que a incidência global abrangendo as diversas gestação, cabe salientar que os respectivos vasos,
formas de hemorragia intracraniana neonatal(sub- com características peculiares (grandes e irregulares,
dural, epidural, subaracnoideia,intraparenquimato- não exibindo características de arteríolas ou vénulas
sa e da matriz germinativa/intraventricular) varia e constituídos basicamente por endotélio e membra-
entre 2% e > 30% em função da idade gestacional. na basal frágil), são muito vulneráveis a diversas
Como resultado de tal patologia poderão resul- noxas . A matriz germinativa, confinando com o
tar lesão cerebral grave e sequelas neurológicas. ventrículo lateral, é um local de mitoses e prolifera-
ção celular com produção de células gliais e de oli-
Aspectos do desenvolvimento godendrócitos, os quais produzem mais tarde a mie-
do sistema nervoso central (SNC) lina; a matriz germinativa produz igualmente astró-
citos que migram para a superficie externa do córtex.
Para a compreensão da problemática relacionada A placa subcortical é uma estrutura transitória
com a HIPV, será importante abordar de modo cujos neurónios, migrando, vão constituir o cór-
sucinto alguns aspectos do desenvolvimento do tex; tais células, diferenciando-se, contribuem
SNC, sugerindo-se a leitura complementar de tex- igualmente para a formação de receptores, de neu-
tos relativos à anatomofisiologia respectiva e do rotransmissores e de factores de crescimento. A
Capítulo 367. actividade destes neurónios processa-se a partir
CAPÍTULO 366 Hemorragia intraperiventricular 1995

das 15 semanas de gestação, mantendo-se até Os factores extravasculares são constituídos pelo
cerca das 22-34 semanas; mediante processo de deficiente suporte tecidual envolvente e pela acti-
apoptose que entretanto se inicia e se processa até vidade fibrinolítica aumentada.
aos 6 meses de vida pós-natal, torna-se progressi- Os factores intravasculares podem ser sistemati-
vamente nítido o desenvolvimento de conexões e zados do seguinte modo:
de estruturas definitivas. – hipotensão arterial com consequente hipoxé-
A formação dos sulcos acompanha a formação mia e isquémia, seguidas de reperfusão;
do córtex. O aspecto deste é liso cerca das 20 – alterações da coagulação e das plaquetas
semanas, acelerando-se o seu crescimento no últi- nem sempre explicadas (trombocitopénia, disfun-
mo trimestre; as etapas de formação dos sulcos ção) podendo originar obstrução paulatina de
são bem precisas, permitindo uma relação sequen- ramos das artérias cerebrais, já no terceiro tri-
cial com a idade gestacional. mestre da gravidez;
Os primeiros vasos sanguíneos provenientes – pressão venosa aumentada por dificuldade
da rede meníngea são alimentados por três do retorno venoso determinando congestão exces-
grandes artérias cerebrais; têm um trajecto per- siva ao nível da zona germinal (associada a situa-
pendicular à superfície na sua “penetração” e pro- ções clínicas na transição fetal para a vida extra-
gressão para as camadas profundas. De salientar uterina, como trabalho de parto laborioso por via
que a proliferação da árvore vascular é particular- vaginal, e a dificuldade respiratória, etc.);
mente activa durante a fase de proliferação neuro- – débito cerebral aumentado associado a situa-
nal, sendo a maturação morfológica dos capilares ções clínicas como hipertensão arterial de etiopa-
muito precoce e muito rápida. togénese diversa, hipercápnia e aumento da
A mielinização constitui um fenómeno essen- pressão arterial de CO2 , hipervolémia, diminuição
cial para a velocidade de condução do influxo ner- do hematócrito (< de 1 mmol/L de Hb contribui
voso; o conjunto dos axónios mielinizados, for- para incremento de 12% do débito cerebral), hipo-
mando um tecido branco nacarado, constitui a glicémia, etc.;
chamada substância branca. – instabilidade hemodinâmica com flutuações
da pressão arterial e do débito cerebral (por exem-
Etiopatogénese e factores de risco plo em casos de ventilação mecânica assíncrona
com os movimentos respiratórios do RN, sus-
A HIPV, de etiopatogénese multifactorial e aspec- ceptível de ser revertida por acção de agentes
tos ainda controversos e evoluindo ao longo do paralisantes musculares), manuseamento intem-
tempo paralelamente à investigação contínua ori- pestivo do RN, convulsões, pneumotórax, aspira-
gina-se na zona da matriz germinal subependimá- ção traqueal em RN ventilados, canal arterial per-
ria, zona muito vascularizada a partir da qual se meável, FiO2 elevada, etc..
geram neuroblastos e glioblastos. A mesma sofre Os mecanismos de lesão cerebral associados a
processo de involução a partir das 34 semanas; ou HIPV podem ser assim sintetizados:
seja, tal zona germinal tem tanto maior dimensão 1 – congestão venosa e isquémia periventricu-
quanto menor a idade gestacional. lar;
Os vasos capilares da referida matriz são 2 – destruição da matriz (com consequente des-
constituídos por estrutura indiferenciada: endoté- truição dos precursores da glia, formação quística,
lio e membrana basal frágil com escassez de teci- e repercussão no desenvolvimento futuro por
dos de suporte envolvente e muito dependentes lesão cerebral);
do metabolismo oxidante; tal fragilidade estrutu- 3 – necrose hemorrágica na substância branca
ral predispõe à ruptura e hemorragia por acção de periventricular (unilateralmente) por obstrução
determinados factores determinantes, mecânicos e do retorno venoso por sangue coagulado.
hipóxico – isquémicos (factores vasculares). De salientar que tal necrose:
Para além dos factores vasculares, são descri- a. não constitui extensão da hemorragia ventricular
tos outros factores determinantes(intravasculares para o parênquima;
e extravasculares). b. é distinta da leucomalácia periventricular – LPV
1996 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(lesão simétrica bilateral, não hemorrágica relacionável QUADRO 1 – Classificação das HIPV em função
com perturbação circulatória arterial), também por da gravidade (critérios de Papile)
vezes associada à HIPV. Contudo, de acordo com os
conceitos de Volpe, determinada área de necrose Grau I
inicialmente não hemorrágica pode evoluir para Hemorragia localizada à matriz germinal /hemorragia
necrose hemorrágica no contexto de subsequente subependimária isolada (uni ou bilateral) – não hemor-
fenómeno de reperfusão a qual, por sua vez, ragia intraventricular;
poderá agravar a HIPV; Grau II
4 – hidrocefalia, desenvolvendo-se de forma Existência de sangue no ventrículo sem dilatação ven-
aguda (dias), ou de modo progressivo e lento (desi- tricular por ruptura da zona matriz – epêndimo
gnada lentamente progressiva, em semanas), explicá- Grau III
vel pelo fluxo de sangue coagulado ventricular Existência de sangue no ventrículo com dilatação ven-
através dos buracos de Magendie e Luschka, ori- tricular
ginando obstrução ao nível do quarto ventrículo e Grau IV
compromisso da circulação e/ou de reabsorção do HIPV com extensão intraparenquimatosa
LCR; se se verificar obstrução do aqueduto de Notas: Os graus III e IV comportam maior risco de sequelas neurológicas
A hemorragia subependimária é uma lesão hemorrágica de tamanho variável localizada na
Sylvius a hidrocefalia é não comunicante. matriz germinal cobrindo a cabeça do núcleo caudado, área particularmente vascularizada
entre as 24 e 32 semanas; distingue-se, pela localização, da hemorragia dos plexos coroideus
(Capítulo 190). Surge em cerca de 40% das gran- que nunca está localizada à frente dos buracos de Monro.

des hemorragias.
Notas importantes:
– a hidrocefalia tem uma patogénese diversa QUADRO 2 – HIPV- Classificação de Volpe
da chamada ventriculomegália, esta última com-
pensatória de atrofia cortical (tipo ex-vacuo); I
– no RN de termo, a HIPV pode manifestar-se Hemorragia da matriz germinal não atingindo o ven-
por convulsões, apneia, irritabilidade, ou letargia, trículo, ou sangue no ventrículo ocupando < 10% do seu
vómitos, desidratação, ou fontanela hipertensa. volume;
As HIPV, em função da sua extensão e gravida- II
de, podem ser classificadas em 4 graus de acordo HIV ocupando 10%-15% do volume ventricular (visão
com os critérios de Papile e colaboradores; tal clas- em plano ecográfico sagital);
sificação tem implicações práticas importantes na III
clínica pela sua correspondência com parâmetros HIV ocupando > 50% do volume ventricular (visão em
imagiológicos (designadamente ecográficos) que, plano ecográfico para-sagital , com distensão lateral do
em certa medida, são preditivos das complicações ventrículo).
e prognóstico a curto e longo prazo (Quadro 1). Notas: Segundo este critério, deve ser anotado se existe ou não ecodensidade periventricular
(localização e extensão)
Volpe apresentou outra classificação baseada
em critérios ecográficos, considerando três graus
(Quadro 2). 1. Forma subclínica ou “silenciosa”
Nesta forma, mais frequente, os sinais neuroló-
Manifestações clínicas e exames gicos são praticamente inexistentes, sobressaindo
complementares a diminuição do hematócrito como sinal mais típi-
co, e a dificuldade de correcção do respectivo défi-
Cerca de 90% dos casos de HIPV surgem até às 72 ce após transfusão; daí a necessidade da detecção,
horas de vida (3 dias de vida) e 50% até às 24 horas como rotina, da HIPV em todos os RN pré-termo
de vida. Por outro lado, a extensão das lesões ocor- assistidos em UCIN.
re em 20 a 40% dos casos em cerca de 3 a 5 dias. 2. Forma intermitente ou “saltitante”
Nesta forma, que corresponde a hemorragia de
Formas clínicas pequenas dimensões, os sinais surgem por fases
As manifestações clínicas da HIPV podem assu- (períodos sintomáticos de horas ou dias entrecor-
mir fundamentalmente três formas: tados por períodos de duração idêntica com apa-
CAPÍTULO 366 Hemorragia intraperiventricular 1997

rente estabilização): hipotonia, diminuição da ção atempada de complicações, tais como dilata-
actividade motora espontânea, dificuldade respi- ção ventricular e hidrocefalia pós-hemorrágica
ratória, movimentos oculares anómalos, alteração (medição das dimensões dos ventrículos através
do sensório (estado vigil, irritabilidade, estupor), da funcionalidade do ecógrafo, determinação do
ângulo poplíteo em extensão, etc.. Estes sinais chamado índice de dilatação ventricular).
podem passar despercebidos em RN pré-termo já Utilizando o eco-doppler, pode determinar-se
afectados por outros problemas, neurológicos ou o índice de resistência(IR) através da fórmula: IR =
não. (VFS-VFD)/VFS em que VF=velocidade de fluxo,
3. Forma “catastrófica” S= sistólico, e D= diastólico; com o referido índice
Esta forma, correspondente a HIPV importan- pretende-se medir a resistência ao fluxo sanguí-
te, traduz-se por: neo, sendo que um índice elevado pode indicar
a) um ou mais sinais de deterioração neuroló- baixa compliance (distensibilidade) intracraniana,
gica de modo rápido, em minutos a escassas o que comporta risco de perfusão cerebral defi-
horas: estupor ou coma, dificuldade respiratória citária e, consequentemente, possibilidade de
(diminuição da amplitude e frequência dos movi- lesão isquémica.
mentos respiratórios, apneia), convulsões tónicas Reportando-nos à classificação de Papile, será
generalizadas, pupilas não reactivas, tetraparésia mais fácil interpretar os aspectos da ecografia
flácida, postura de descerebração, etc.; transfontanelar (Figuras 1, 2, 3 e 4).
b) um ou mais dos seguintes sinais: hiper- Quando a hemorragia é maciça (grau III) pode
tensão da fontanela anterior, diminuição do observar-se todo o ventrículo preenchido e dilata-
hematócrito, hipotensão, bradicárdia, instabilida- do; a dilatação é proporcional às dimensões do
de térmica, acidose metabólica, alterações da conteúdo intraventricular. Em situações extremas
homeostase glicémica e hidroelectrolítica, etc.. poderão verificar-se sinais hemorrágicos no 3º e 4º
Poderá surgir quadro de hidrocefalia aguda, ventrículo e, por vezes, no espaço subaracnoideu
sendo que a mortalidade nesta forma é elevada. infratentorial, ocupando a cisterna magna.
Nota importante: A hemorragia intraparenquimatosa (grau IV),
No âmbito da avaliação clínica diária (impli- unilateral, é detectada como lesão hiperecogénica
cando, entre outros gestos, medição rigorosa do ocupando o parênquima (evoluindo para cavita-
perímetro cefálico), a verificação de aumento do ção), em contacto íntimo com o ventrículo lateral,
perímetro cefálico igual ou superior a 2 cm por semana de forma globosa ou de forma triangular; está
aponta para a possibilidade de hidrocefalia pós- associada a hemorragia intraventricular abundan-
hemorrágica. te. Por vezes produz efeito de massa e anomalias
da circulação cerebral da zona atingida (Figura 4).
Exames complementares
Ecografia transfontanelar e ecografia com-doppler
O exame de eleição à cabeceira do doente é a
ecografia transfontanelar, susceptível de identifi-
car os 4 graus de HIPV conforme foi referido antes
(classificação de Papile).
Tendo em conta a data habitual de apareci-
mento de HIPV atrás referida, e sem prejuízo das
decisões pontuais em função do contexto clínico, é
aconselhável proceder em todos os RN com idade
gestacional inferior a 32 semanas, a exames eco-
gráficos seriados no 1º, 3º, e 7º dias de vida pós-
natal e, depois, semanalmente.
FIG. 1
No caso de se verificarem alterações rele-
vantes, deve proceder-se a seguimento ecográfico Hemorragia de grau I, já em fase de quisto. Corte sagital
mais pormenorizado e mais frequente para detec- mediano. (UCIN-HDE)
1998 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

A ecografia transfontanelar poderá igualmente


identificar sinais de hemorragia cerebelosa cuja
destrinça com hemorragia subdural infratentorial
poderá ser difícil.

Tomografia axial computadorizada (TAC)


Em situações especiais poderá estar indicado
este tipo de exame imagiológico para esclareci-
mento etiopatogénico de lesões intraparenquima-
tosas mais periféricas; está também indicado em
síndromas neurológicas acompanhadas hemorra-
gia intracraniana havendo antecedentes de parto
traumático (por ex. hematoma subdural e epidu-
FIG. 2
ral da fossa posterior, hemorragia cerebelosa no
Hemorragia de grau II com coágulos visíveis ao nível do pré-termo) (Capítulo 8).
corno posterior. Corte sagital. (UCIN-HDE)
Ressonância magnética nuclear (RMN)
Tendo em conta as limitações técnicas relacio-
nadas com a sua execução, está indicada apenas
em formas graves e no estudo evolutivo pós-neo-
natal.

Espectroscopia próxima dos infravermelhos


Nalguns centros especializados e em situações
seleccionadas, utiliza-se este método para avaliar o
processo de autorregulação da circulação cerebral.

Exame do líquido céfalo-raquidiano (LCR)


Somente se justifica a punção lombar em RN
FIG. 3
sem condições para intervenção cirúrgica e com a
Hemorragia de grau III com coágulo de moldagem. Corte finalidade de tentar reverter a dilatação ventricu-
coronal. (UCIN-HDE) lar (ver adiante); no caso de ser realizada, com-
prova-se eritrorráquia, hiperproteinorráquia e
hipoglicorráquia.

Diagnóstico diferencial

No RN pré-termo poderá surgir um quadro neu-


rológico (semelhante a uma das formas clínicas
atrás descritas), caracterizado fundamentalmen-
te por convulsões e depressão respiratória, e
explicado por hemorragia cerebelosa espontâ-
nea ou de causa traumática (partos de apresenta-
ção pélvica ou manobras de reanimação com
máscara implicando compressão da face e região
occipital); como consequência poderá surgir
FIG. 4
enfarte venoso. Como factores predisponentes
Hemorragia de grau III, com extensão ao parênquima (grau citam-se alterações hemodinâmicas e da coagula-
IV). Corte coronal. (UCIN-HDE) ção.
CAPÍTULO 366 Hemorragia intraperiventricular 1999

Prevenção Tratamento

A prevenção da HIPV implica um conjunto de Caso se verifiquem sinais de dilatação ventricular


medidas pré-natais, intra-parto e pós-natais. progressiva para além das quatro semanas de
vida, há que intervir com um conjunto de proce-
1. Medidas pré-natais dimentos e atitudes cujo objectivo é facilitar a eli-
As medidas pré-natais dizem respeito essencial- minação ou a remoção do LCR; por eco-doppler
mente à correcta assistência da grávida transferin- está indicada tal remoção caso se verifique incre-
do-a atempadamente para centros especializados mento de IR > 30% em relação à linha de base, ou
se existir risco de parto pré-termo. Duas medidas linha de base de IR > 0.9;
pré-natais importantes dizem respeito: – punção lombar periódica: em geral procede-
– à administração de antibioticoterapia à grá- se à extracção de parcelas de 10-15 mL/kg de LCR
vida em caso de ruptura prematura das membra- em cada punção lombar, dependendo o número e
nas como medida eficaz de prevenção da hemor- duração das mesmas da evolução e resultado
ragia da matriz germinal e de parto pré-termo conseguido; este método tem riscos tais como
(com efeito, a infecção das membranas, associada meningite e ventriculite;
à sua ruptura prematura, poderá desencadear o – drenagem ventricular: a drenagem ventricu-
parto pelo facto de certos microrganismos, produ- lar recomendada é a drenagem definitiva ventri-
tores de prostaglandinas, estimularem a contracti- culoperitoneal por equipa de neurocirurgia pediá-
lidade uterina); trica; como técnica invasiva, indicada em cerca de
– à corticoterapia com betametasona como 10% das HIPV, comporta também riscos relaciona-
medida potencialmente útil no que respeita à dos com morbilidade infecciosa; como alternativa
maturação dos vasos da matriz germinal. provisória, em certos casos, pode utilizar-se a
derivação externa para correcção emergente de
2. Medidas intra-parto hipertensão intracraniana ou nos casos de obstru-
Estas medidas dizem respeito ao parto minima- ção da derivação definitiva.
mente traumático e realizado por equipa expe- Como se pode depreender, em todas as cir-
riente em centro especializado. ciunstâncias torna-se obrigatória a vigilância
seriada ecográfica (enquanto a fontanela anterior
3. Medidas pós-natais persistir) e/ ou através de TAC.
Correspondem a reanimação neonatal minima- – inibidores da anidrase carbónica: em geral
mente traumática, em ambiente de termoneutrali- utiliza-se a acetazolamida que também comporta
dade, evitando: riscos como o aparecimento de acidose metabólica
– a utilização de solutos hipertónicos e de e efeito desmielinizante; caso se associe ao furose-
expansão rápida da volémia; mido, existe ainda o risco de nefrocalcinose por
– hipóxia, hiperóxia, hipercápnia, hipocápnia e hipercalciúria.
oscilações da pressão arterial.
Cuidados gerais: Prognóstico
– mantendo a cabeça do RN em posição neu-
tra/decúbito dorsal (a rotação da cabeça poderá O prognóstico da HIPV é, em princípio, reservado,
aumentar a pressão venosa central); designadamente nas situações correspondentes
-promovendo a mínima manipulação, o míni- aos graus III e IV, o que implica um esquema orga-
mo ruído e a mínima luminosidade. nizado de seguimento multidisciplinar a longo
Nota importante: prazo. Contudo, em RN pré-termo com formas de
A administração de fenobarbital, vitamina grau I-II, em comparação com idêntica população
E, indometacina e etamcilato não evidencia- sem HIPV, existe maior probabilidade de paralisia
ram redução da incidência de HIPV, de acor- cerebral e de alterações do foro cognitivo.
do com as conclusões de estudos metanalíti- As sequelas mais frequentemente surgidas,
cos . dependentes das lesões associadas, são as seguin-
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CAPÍTULO 367 Leucomalácia periventricular 2001

367
veis e susceptíveis a isquémia/ hipoperfusão no
RN pré-termo correspondem a pequenas zonas
entre a confluência ou anastomose de dois siste-
mas de drenagem sanguínea em continuidade
(zonas “fronteira”). Tais áreas de perfusão inade-
quada, subsidiárias das artérias medulares pro-
LEUCOMALÁCIA fundas, localizam-se na substância branca a
alguns milímetros da parede ventricular (periven-
PERIVENTRICULAR tricular).
De Rueck descreveu três tipos de anastomoses
Leonor Duarte periventriculares no cérebro humano: de tipo I-
artérias que terminam na (ou se dirigem para a)
parede ventricular, ou “ventriculópetas”; de tipo
II- anastomoses entre as artérias medulares ventri-
Definição e importância do problema culópetas e ramos das artérias coroideias “ventri-
culófugas” (que se afastam da parede ventricular);
A designação de leucomalácia periventricular de tipo III- artérias “ventriculópetas” que no seu
(LPV), usada pela primeira vez em 1962 por trajecto inicial se aproximam do ventrículo e
Banker e Larroche, é um problema neurológico depois retrocedem para se anastomosarem com
grave, predominantemente no RN pré-termo, artérias ventriculópetas mais curtas (Figura 1).
afectando, segundo a descrição clássica, zonas Estabelece-se aqui uma diferença em relação
bilaterais de necrose focal, gliose, e disrupção de ao RN de termo cuja área de maior vulnerabilida-
axónios na área da substância branca periventri- de é o córtex cerebral; com efeito, no RN pré-
cular, e associada a sequelas; trata-se duma afec- termo o córtex cerebral é mais poupado aos efeitos
ção resultante de asfixia perinatal e de hipoper- da isquémia porque possui abundante vasculari-
fusão sanguínea cerebral, associada ou não a zação dependente das artérias leptomenígeas. No
hemorragia intraperiventricular. entanto, no RN de termo poderá também surgir a
A referida lesão da substância branca tem sido chamada leucomalácia subcortical, situação pouco
também observada em RN de termo, designada- abordada na literatura.
mente em situações com antecedentes de repara- Depois da descrição inicial de Banker e
ção cirúrgica de cardiopatia congénita. Larroche, diversos estudos chamaram a atenção
De acordo com estudos realizados em diversos para a comparticipação doutros factores para
centros especializados, têm sido apuradas, em além dos relacionados com as particularidades
populações de crianças ex-RN com peso de nasci-
mento inferior a 1.500 gramas, incidências de LPV
entre 5 e 15 %.

Etiopatogénese

Para além da prematuridade, constituem factores


predisponentes de LPV a instabilidade hemodinâ- V V
mica com oscilações da pressão arterial e varia-
ções do débito sanguíneo cerebral no contexto de
patologia diversa característica do RN pré-termo Tipo I Tipo II Tipo III
(dificuldade respiratória, infecção sistémica,
manuseamento intempestivo, episódios de
FIG. 1
apneia, hipoglicémia, oscilações da temperatura
corporal, etc.). Três tipos de anastomoses observadas no cérebro humano
As áreas da substância branca mais vulnerá- segundo de Rueck. (consultar texto); V = ventrículo lateral.
2002 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

anatomofisiológicas de tipo vascular menciona- Os axónios que atravessam as referidas “zonas


das antes: fronteira” vulneráveis são afectados; de tal inter-
– deficiência do mecanismo de auto-regulação rupção anatomofuncional resultará diplegia
circulatória (mecanismo pelo qual se mantém espástica, a sequela ou perturbação motora típica
débito cerebral constante apesar das variações da do RN pré-termo. Se as lesões da substância bran-
pressão arterial sistémica) no RN pré-termo, recor- ca forem mais extensas, poderão ser afectados os
dando-se que o débito cerebral é regulado por axónios que se estendem até aos membros super-
variações no calibre das arteríolas intracerebrais;* iores e face. As ramificações ópticas e acústicas
– imaturidade estrutural da substância branca também podem ser atingidas.
conferindo maior vulnerabilidade no RN pré- Tal como foi referido no capítulo anterior, os
termo; diversos estudos demonstraram que a conceitos etiopatogénicos estão em constante evo-
lesão difusa da substância branca afecta sobretudo lução com base na investigação. Com efeito, admi-
o oligodendrócito imaturo, mais vulnerável à te-se actualmente: 1 – a comparticipação concomi-
“agressão” por hipóxia-isquémia e radicais livres, tante de eventos, quer intra-uterinos, quer pós-
à apoptose, e à acção dos mecanismos excitatórios natais; 2 – a interacção complexa entre o desenvol-
pelo glutamato (sendo preservados relativamente vimento da vasculatura cerebral e a regulação do
outros tipos de células); como consequência, veri- débito sanguíneo cerebral (ambos na dependência
fica-se perda de mielina; da idade gestacional); 3 – alterações dos precur-
– infecção e inflamação, o que tem sido sosres dos oligodendrócitos com acção fundamen-
demonstrado pela associação entre infecção tal na mielinização; 4 – e o papel importante da
materna, ruptura prolongada de membranas, infecção e ou inflamação da díade materno-fetal.
níveis elevados de IL-6 no sangue do cordão e
incidência mais elevada de LPV (Capítulo 364). Manifestações clínicas
Como consequência da hipóxia – isquémia e
dos eventos referidos ao nível da substância bran- Inicialmente os sinais podem ser inspecíficos.As
ca periventricular, surge o quadro morfológico de manifestações clínicas, correspondendo de facto a
“leucomalácia”, a forma mais característica de sequelas dos eventos descritos anteriormente, são
necrose axonal e glial na substância branca no RN fundamentalmente diplegia espástica (típica da
pré-termo. LPV), alterações da motricidade fina, alterações
Trata-se duma patologia sempre bilateral com da esfera cognitiva, problemas de memorização e
localização mais habitual na região do corpo do atenção e, nalgumas crianças, atraso mental.
ventrículo lateral e do corno frontal, ao nível do Para avaliação do prognóstico, torna-se neces-
buraco de Monro e do corno occipital. Nas cerca de sário proceder a exame neurológico rigoroso e
duas semanas que se seguem ao evento hipóxico- seriado durante o período de internamento hospi-
isquémico e inflamatório, verifica-se “amolecimen- talar.
to, malácia ou dissolução” focal do tecido cerebral, A probabilidade de doença motora futura
do que poderá resultar a formação de cavidades. A depende, entre outros factores, da localização e do
gliose cicatricial contribui, por sua vez, para a tipo das lesões encontradas nos estudos imagioló-
redução do volume das cavidades, podendo gicos (Capítulo 189).
seguir-se microcalcificações secundárias. A perda
dos axónios pode levar à diminuição do volume Exames complementares
da substância branca por retracção cicatricial, e à
dilatação ventricular por mecanismo ex-vacuo. Na prática clínica corrente assume particular
importância, como complemento do exame neu-
*O débito sanguíneo cerebral é influenciado por variações da pressão rológico seriado, a ecografia transfontanelar (tam-
de CO2 e de O2. A hipercápnia induz vasodilatação cerebral, e a
hipocápnia provoca vasoconstrição com consequente diminuição do bém realizada de modo seriado). Os sinais mais
débito sanguíneo cerebral. Por sua vez, a hipóxia induz vasodilatação, característicos de LPV são: hiperecogenicidade
e a hiperóxia leva a constrição dos pequenos vasos. Estes efeitos são
mediados provavelmente através dum efeito local do pH da parede
periventricular seguida de sinais de quistos poren-
vascular. cefálicos (sinal do “queijo suíço”); numa fase mais
CAPÍTULO 367 Leucomalácia periventricular 2003

tardia e nas formas mais graves passam a ser notó-


rios sinais de atrofia cortical com alargamento dos
ventrículos, o que está de acordo com as alterações
anatomopatológicas. (Figuras 2, 3 e 4)
Em estudos de correlação clínico patológica, a
sensibilidade da ecografia transfontanelar é cerca
de 70%, o que equivale a dizer que existe fraca
capacidade discriminativa para a detecção de
pequenas áreas de necrose.
Outros exames de imagem evidenciando
maior sensibilidade, poderão estar indicados em
função do contexto clínico (RMN, TAC, Eco-dop-
pler, etc.).
FIG. 4
A RMN poderá ser útil para confirmar LPV no
lactente ou criança mais velha com antecedentes Leucomalácia quística posterior.Corte coronal. (UCIN-HDE)

de prematuridade e com quadro de alterações


cognitivas, sensoriais e ou motoras. Em função do
contexto clínico poderá estar indicado o EEG.

Tratamento e prevenção

Na fase actual dos conhecimentos não existem


medicações nem medidas para o tratamento
específico da LPV durante o período neonatal.
Nesta perspectiva, todos os esforços deverão ser
dirigidos para a prevenção com base nos factores
de risco e etiopatogénese.
Assim, torna-se fundamental garantir uma
FIG. 2
perfusão cerebral normal e estável através de pro-
Aspecto ecográfico de leucomalácia não quística ao nível dos cedimentos e atitudes no âmbito do internamento
cornos frontais. Corte coronal e parassagital. (UCIN-HDE) em UCIN: monitorização da pressão arterial (evi-
tando variações bruscas deste parâmetro)*, volé-
mia, oxigenação e ventilação com especial atenção
para a hipocápnia e hipóxia, manuseamento míni-
mo do RN, evicção da infecção materno-fetal, tra-
tamento pronto da infecção materna e do RN, etc..

Prognóstico e seguimento

Globalmente pode referir-se que a LPV é a princi-


pal causa de disfunção cognitiva, comportamen-
tal, motora e sensorial em crianças nascidas com

FIG. 3 *Existe controvérsia acerca dos procedimentos para manter pressão


arterial normal no pré-termo, pois, de acordo com o que foi referido na
Leucomalácia periventricular (LPV) quística e alargamento do alínea Etiopatogénese, face às características de disfunção do mecanis-
sistema ventricular por mecanismo ex vacuo. Corte coronal mo de auto-regulação cerebral no RN pré-termo, pressão arterial nor-
mal não significa necessariamente perfusão cerebral normal, o que
posterior. (UCIN-HDE) constitui uma dificuldade para o clínico.
2004 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

idade gestacional < 32 semanas. Nas formas mais Lou H, Lassen N, Friis-Hansen B. Impaired autoregulation of
graves poderá desenvolver-se epilepsia. cerebral blood flow in the distressed newborn infant. J
Especificando, como resultado da LPV, verifica-se Pediatr 1979; 94:118-121
incidência aproximada de paralisia cerebral ~10%, Marret S, V. Zupan, P Gressens, Lagercrantz H, Evrard P. Les
e de dificuldades escolares ~ 35-50%, sendo que leucomalacies periventriculaires. Aspects hystologiques et
estes resultados traduzem nalguns estudos asso- étiopathogéniques. Arch Pédiatr 1998; 5 :525-537
ciação de HIPV e LPV. As sequelas são tanto mais McInerny T(ed). Tratado de Pediatria /American Academy of
frequentes quanto menor a idade gestacional. Pediatrics. Madrid: Panamericana, 2010
A diplegia espástica constitui a sequela mais McIntosh N, Helms P, Smyth R, Logan S(eds). Forfar and
frequentemente associada a patologia do SNC em Arneil´s Textbook of Pediatrics. London: Churchill
RN pré-termo, dado que a lesão na substância Livingstone, 2008
branca se localiza em geral na zona vizinha ou jus- Rudolph CD, Rudolph AM, Lister GE, First LR, Gershon
taposta aos ventrículos. Se as lesões se localizarem AA(eds). Rudolph’s Pediatrics. New York: McGraw-Hill
mais perifericamente, poderão ser afectados os axó- Medical, 2011
nios de que dependem a face, os membros supe- Silveira RC, Procianoy RS, Dill JC, et al. Periventriculat leuko-
riores e a visão (neste último caso, se a localização malacia in very low birth weight preterm neonates with
for dorsolateral ou contígua aos cornos occipitais). high risk for neonatal sepsis. J Pediatr (Rio J) 2008; 84: 211-
Como se pode depreender, os casos de LPV, 216
muitas vezes associados a outros problemas no Soul JS, Hammer PE, Tsuji M, et al. Fluctuating pressure-passi-
contexto de ex-RN pré-termo, deverão ser segui- vity is common in the cerebral circulation of sick prematu-
dos pelo médico assistente, por sua vez, em liga- re infants. Pediatr Res 2007; 61:467-473
ção a uma equipa multidisciplinar no âmbito dum Verboon-Maciolek MA, Truttmann AC, Groenendaal F, et al.
centro de desenvolvimento. Development of cystic periventricular leukomalacia in
newborn infants after rotavirus infection. J Pediatr 2012;
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Kliegman RM, Stanton BF, Schor NF, Geme JWSt (eds). Nelson
Textbook of Pediatrics. Philadelphia: Elsevier Saunders,
2011
Levene M. Neonatal Neurology. Edinburgh: Churchil
Livinstone, 2002
PARTE XXXII
Doenças Hereditárias do Metabolismo*

* Os textos que integram a Parte XXXII foram revistos pelo Dr. Aguinaldo Cabral a quem o editor-autor
muito agradece o inestimável contributo, exaustivo, rigoroso e extremamente empenhado.
2006 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Rastreio

368 Com os avanços da tecnologia, muitas doenças


genéticas/metabólicas podem ser diagnosticadas
ainda antes do início das manifestações clínicas. É
este o conceito de diagnóstico precoce.
INTRODUÇÃO À CLÍNICA A escolha das doenças a rastrear implica a obe-
diência a um conjunto de condições básicas: a pos-
DAS DOENÇAS HEREDITÁRIAS sibilidade de diagnóstico confiável numa fase pre-
coce da vida, quando os sinais são inespecíficos,
DO METABOLISMO inexistentes ou raros; e a existência de uma tera-
pêutica considerada eficaz.
João M. Videira Amaral Um rastreio implica, igualmente, a ponderação
de um conjunto de questões de ordem prática,
relacionadas, nomeadamente, com a tecnologia a
utilizar, o controlo laboratorial de qualidade e as
Importância do problema necessidades da sua utilização de forma ininter-
rupta ao longo do tempo.
As doenças hereditárias do metabolismo (DHM), Uma vez diagnosticados os casos de possível
embora raras, estão associadas a morbilidade e mor- doença, devem os mesmos ser encaminhados para
talidade significativas em relação, sobretudo, com o centros de referência para confirmação diagnósti-
atraso do diagnóstico e a aplicação de medidas tera- ca e tratamento específico.
pêuticas indicadas já no período neonatal. O respec- Em Portugal o diagnóstico precoce sistemático
tivo rastreio universal, inicialmente para a fenilce- da fenilcetonúria iniciou-se em 1979 e, em 1981,
tonúria, foi introduzido em muitos países em 1960. passou também a incluir o do hipotiroidismo
Muitas destas doenças são provocadas por muta- congénito, tendo sido já rastreados até ao final de
ções em genes que codificam proteínas específicas; o 2011 cerca de 7 milhões de recém-nascidos. Em
resultado final de tais anomalias será o compromis- 2005 teve início o chamado rastreio alargado utili-
so variável da capacidade funcional daquelas (enzi- zando a espectrometria de massa em tandem.
mas, receptores, proteínas de transporte, compo- Efectivamente, continuando a realizar-se o ras-
nentes da membrana celular ou de outras estruturas treio do hipotiroidismo congénito e da fenilce-
celulares como ácidos nucleicos, lisossomas, peroxis- tonúria, com a utilização desta nova tecnologia, é
somas, aparelho de Golgi, mitocôndrias, etc.) origi- possível fazer também, de forma sistemática, a
nando quadros clínicos de expressão diversa. detecção de diversas aminoacidopatias, acidúrias
Até à actualidade foram identificados mais de orgânicas e defeitos da β-oxidação dos ácidos gor-
cinco centenas de defeitos enzimáticos responsá- dos. A partir de 2011 passaram a ser rastreadas no
veis por tais doenças hereditárias, na sua maioria nosso País 25 DHM, acrescentando ao hipotiroi-
( cerca de 60%) de transmissão autossómica reces- dismo e às que constam do Quadro 1 as seguintes:
siva, sendo cerca de 20% de transmissão autossó- 1 – Aminoacidopatias: hiperargininémia, homo-
mica dominante, 12% ligadas ao cromossoma X, e cistinúria clássica, hipermetioninémia; 2 –
8% com padrão de hereditariedade mitocondrial. Acidúrias orgânicas: acidúria malónica, acidúria 3
Salienta-se que podem ocorrer em qualquer idade, – metilcrotonilglicinúria; 4 – Défices/Def. de beta-
desde a vida fetal até à idade adulta. oxidação mitocondrial dos ácidos gordos: def. múl-
Como se depreende, tais patologias deverão tipla das desidrogenases dos ácidos gordos/acidú-
ser assistidas e orientadas inicialmente em centros ria glutárica II, def. primária em carnitina, def. da
especializados de referência, embora o seu segui- desidrogenase de 3-hidroxi-acilCoA de cadeia
mento se possa realizar em instituições menos curta (SCHAD).
diferenciadas, mas sempre em estreita ligação com De acordo com os resultados do Programa
aqueles. Nacional de Diagnóstico Precoce, actualmente
CAPÍTULO 368 Introdução à clínica das doenças hereditárias do metabolismo 2007

QUADRO 1 – Rastreio de doenças hereditárias • no período pós-neonatal, verificando-se:


do metabolismo no recém-nascido – dismorfia facial, alterações esqueléticas
– vómitos intermitentes inexplicados
Doenças – atraso do desenvolvimento psicomotor/sen-
Fenilcetonúria (PKU) sorial
Leucinose (MSUD) – ataxia recorrente
Citrulinemia – letargia
Acidúria Arginino-succínica (ASA) – coma recorrente (metabólico,neurológico ou
Acidúria Propiónica (PA) hepático)
Acidúria Metilmalónica (MMA) – convulsões
Acidúria Isovalérica (IVA) – odor anormal, corporal ou urinário
Acidúria 3-Hidroxi-3-Metilglutárica (3-HMG) – icterícia
Acidúria Glutárica Tipo I (GA I) – hepatomegália
Deficiência da Desidrogenase dos Ác. Gordos de Cadeia – acidose metabólica
Média (MCAD) – luxação do cristalino
Deficiência da Desidrogenase dos Ác. Gordos de Cadeia – cabelo anormal
Muito Longa (VLCAD) – hipopigmentação
Deficiência da Desidrogenase dos Ác. Gordos Hidroxilados – cálculos renais, etc..
de Cadeia Longa (LCHAD)
Deficiência em Carnitina-Palmitoil Transferase I (CPT I) Como se disse, estas doenças podem manifes-
Deficiência em Carnitina-Palmitoil Transferase I I tar-se em qualquer idade, chamando-se a atenção
(CPT II) para formas clínicas de apresentação tardia, no
adulto, por vezes interpretadas erroneamente
como processos degenerativos, vasculares, etc..
agregado ao INSA, desde o seu início até ao final
de 2011 foram apuradas as seguintes prevalências: Exames laboratoriais
hipotiroidismo congénito (n= 1053) - 1/3.010;
fenilcetonúria (n= 312) - 1/10.263; outras DHM A suspeita de doença hereditária do metabolismo
(n= 193) - 1/3.357. com base em dados obtidos pelo clínico (anamne-
se e exame objectivo) implica a realização de aná-
Manifestações clínicas gerais lises laboratoriais em regime hospitalar para ava-
liação de determinados parâmetros em simultâ-
Poderá suspeitar-se de doença hereditária do neo no sangue e urina (e LCR perante contexto clí-
metabolismo nas seguintes circunstâncias: nico de encefalopatia): uma colheita, quer para
estudo imediato, quer para eventual estudo ulte-
• no período pré-natal, existindo antecedentes rior mais sofisticado a que adiante se fará referên-
familiares de doença e de mortes inexplicadas; cia (Capítulo 369).
• no período neonatal, verificando-se: No sangue estão indicadas, de imediato, as
– letargia, hipotonia, convulsões, deterioração seguintes análises: hemograma, ionograma, hiato
neurológica, coma iónico, glicemia, provas de função hepática, pro-
– hepatosplenenomegália, hipoglicémia, falên- vas de função renal, estudo da coagulação, pH e
cia hepática, icterícia gases, ácido úrico, amónia e lactato; e na urina:
– cardiomiopatia, falência cardíaca, morte pesquisa de cetonúria.
súbita, hidropisia não imune
– odor anormal, corporal ou urinário BIBLIOGRAFIA
– acidose metabólica grave, cetose, hiperamo- A bibliografia Parte XXXII é discriminada no fim do Capítulo
niémia 374.
– sinais dismórficos
– doença grave inexplicada
2008 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

369
zimática e, particularmente, da ingestão proteica e
da produção endógena decorrente do catabolismo
proteico.

Manifestações clínicas

DEFEITOS DO METABOLISMO A idade de apresentação é variável.


No período neonatal, geralmente após um
DOS AMINOÁCIDOS intervalo livre – depois do início da alimentação
com leite adaptado – ocorrem os seguintes sinais,
E PROTEÍNAS por vezes associados: recusa alimentar, sucção
pobre, episódios de apneia, vómitos, não ganho
João M. Videira Amaral de peso, hipotonia, letargia, convulsões, hipoter-
mia, coma, alterações do tono muscular, mioclo-
nias e, por vezes, odor anómalo.
Após o período neonatal as formas de apre-
Sistematização sentação podem ser: crises agudas ou recorrentes
de coma, vómitos crónicos, acidose, hipoglicémia,
Os erros inatos do metabolismo dos aminoácidos ataxia, alterações do comportamento, neuropatia,
compreendem diferentes situações clínicas como: deterioração neurológica e ou mental progressiva,
hiperfenilalaninémias(incluindo fenilcetonúria); autismo, etc..
tirosinémia dos tipos I,II e III; alcaptonúria, haw- Na 1ª infância, coincidindo com a diversifica-
kinsinúria; acidémias/acidúrias orgânicas de ção alimentar, poderão surgir febre, anorexia ou
cadeia ramificada(leucinoses, acidémias propióni- vómitos.
ca, metilmalónica, isovalérica e outras); doenças Na puberdade, o crescimento e eventuais alte-
do ciclo da ureia; doenças dos aminoácidos sulfu- rações do foro endócrino poderão constituir fac-
rados (incluindo homocistinúria e outras); hipe- tores desencadeantes de estresse metabólico.
rornitémias, síndroma HHH; acidúrias orgânicas
“cerebrais” e doenças do catabolismo da lisina Exames complementares
(incluindo a acidúria glutárica tipo I, a L2-hidroxi-
glutárica, a D2 – hidroxiglutárica, a acidúria N- Perante a suspeita de doença relacionável com
acetilaspártica ou doença de Canavan); hiperglici- defeitos do metabolismo dos aminoácidos, e no
némia não cetótica; doenças do metabolismo da pressuposto de que, em fase anterior, já foram rea-
prolina e da serina; defeitos do transporte dos lizadas análises em amostras de sangue, urina e
aminoácidos através das membranas celulares LCR, discriminadas no capítulo anterior, devem
(cistinúria, intolerância proteica lisinúrica, doença ser feitas outras análises mais específicas em labo-
de Hartnup) e muitas outras. ratório especializado, a partir das referidas amos-
tras de sangue, urina (e, eventualmente de LCR),
Etiopatogénese ou seja, a partir dos produtos da colheita já obtida
anteriormente:
As deficiências de determinadas enzimas envolvi- – Cromatografia dos aminoácidos no sangue e
das no metabolismo dos aminoácidos conduzem urina
frequentemente a sinais e sintomas de “intoxica- – Cromatografia dos ácidos orgânicos na urina
ção” aguda ou crónica por acumulação de meta- – Cromatografia dos aminoácidos no LCR se
bólitos e a lesão tecidual. Os órgãos mais frequen- suspeita de encefalopatia metabólica
temente afectados são o sistema nervoso central, o – Perfil de acilcarnitinas no plasma.
fígado e os rins.
A expressão clínica e da gravidade dependem Outros exames a solicitar dependerão da sus-
fundamentalmente do grau de deficiência en- peita diagnóstica específica (ver adiante).
CAPÍTULO 369 Defeitos do metabolismo dos aminoácidos e proteínas 2009

Tratamento de emergência ção de mistura de aminoácidos é crucial nos casos


de fenilcetonúria, leucinose, tirosinémia, homocis-
Em muitas destas situações verifica-se descom- tinúria, e no defeito da ornitina-aminotransferase;
pensação aguda directamente relacionada com noutras situações, como as acidúrias orgânicas, a
incremento da ingestão proteica ou com estado mistura de aminoácidos é mais controversa. No
catabólico, factor altamente deletério; assim, as entanto, cabe referir que a restrição proteica exces-
principais linhas de actuação incluem: siva pode levar a catabolismo.
– Interromper o estado catabólico: propiciando – Medicamentos: aplicam-se as noções referidas
um suprimento energético aumentado, geralmente a propósito do tratamento de emergência que
soluto glicosado endovenoso (excepcionalmente contribuam para a desintoxicação, por exemplo, nas
por sonda nasogástrica), se necessário associando a doenças do ciclo da ureia, tirosinémia tipo I, etc..
administração de insulina por via endovenosa.
– Interromper o suprimento proteico: propi- Avaliação regular do crescimento,
ciando a chamada “nutrição de emergência” através desenvolvimento e de parâmetros
de nutrição (entérica ou parentérica de acordo com laboratoriais
a situação clínica) à custa de hidratos de carbono,
lípidos, NaCl, KCl, gluconato de cálcio e água Chama-se a atenção para o risco de má-nutri-
durante 24-48 horas. Após este período, o supri- ção e de deficiências nutricionais diversas como
mento proteico é iniciado cautelosamente, de resultado do regime dietético restritivo (Capítulos
modo progressivo, com leite materno, se possível, 19,21,58 e 59).
ou com fórmula; se a via entérica não for viável, De acordo com as patologias em causa, para
procede-se à nutrição parentérica com solução de além das análises para avaliação global, haverá
aminoácidos, com incrementos progressivos; nesta que incluir o ionograma sérico, ureia no sangue,
última circunstância, com a melhoria do quadro determinação de proteínas totais e fracções, amo-
clínico, procede-se à transição para a alimentação niémia, aminoácidos urinários e plasmáticos, e
entérica, geralmente dentro do período de 4-5 dias. ácidos orgânicos na urina
– Propiciar suprimento hídrico e electrolítico
adequados. Níveis séricos de sódio dentro dos Educação da Família
limites da normalidade reduzirão o risco de
edema e lesão cerebrais. A família deve ser instruída sobre as característi-
– Terapêutica medicamentosa específica ou cas principais da doença em causa, sobre a sinto-
vitamínica (cofactores enzimáticos) dependendo da matologia nas crises de descompensação, sobre
patologia em causa (por exemplo, biotina na acidú- critérios de gravidade e sobre medidas emer-
ria propiónica, hidroxicobalamina na acidúria metil- gentes a tomar. Torna-se, assim, fundamental que
malónica, carnitina nas acidúrias orgânicas, glicina a família aprenda a contactar de imediato o centro
na acidúria isovalérica, etc.), e fármacos que promo- especializado de tratamento a que a criança deve
vem a eliminação da amónia (benzoato de sódio, recorrer nas situações graves.
fenilbutirato de sódio nas doenças do ciclo da ureia).
– Meios de depuração dependendo da patolo- No âmbito deste capítulo é feita uma referên-
gia, estado clínico e achados laboratoriais: diure- cia especial à fenilcetonúria, à tirosinémia do tipo
se forçada, diálise peritoneal, hemodiálise, hemo- I, à homocistinúria, às acidúrias orgânicas e às
filtração, exsanguinotransfusão, etc.. doenças do ciclo da ureia.

Tratamento de manutenção

– Dietético: dieta hipoproteica, e suplemento de


1. FENILCETONÚRIA
aminoácidos (não contendo os aminoácidos cuja
via metabólica está bloqueada) associado a oligoe- Esta doença, vulgarmente designada nos países
lementos e sais minerais. De referir que a utiliza- de língua inlesa pela sigla PKU (de phenylketo-
2010 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

nuria), pertence ao grupo das hiperfenilalaniné- O leite materno pode ser usado durante os pri-
mias. meiros meses de vida, sob rigorosa vigilância do
A PKU na sua forma clássica, com uma fre- centro especializado de tratamento.
quência estimada entre 1/10.000 e 1/20.000 A vigilância metabólica é feita com o dosea-
RN(em Portugal,até final do ano de 2005, em mento regular do nível sérico da fenilalanina, o
2.590.890 RN foi encontrada prevalência qual deve ser mantido entre 3 – 6 mg/dL. Chama-
~1/11.000) resulta do défice total ou parcial da se, a propósito, a atenção para o facto de dietas
enzima fenilalanina – hidroxilase hepática origi- extremamente restritivas, originando valores séri-
nando níveis elevados de fenilalanina e seus meta- cos < 3 mg/dL, poderem conduzir a quadros de
bolitos no sangue; o gene que codifica a fenilalani- défice de fenilalanina (que é um aminoácido
na-hidroxilase localiza-se no cromossoma 12q24.1, essencial) traduzido por hipocrescimento, letar-
descrevendo-se uma diversidade de mutações. A gia, anemia e até, morte.
maioria dos doentes corresponde a heterozigotias Estão descritas formas de hiperfenilalaninémia
para dois diferentes alelos mutantes. moderada, benigna, com valores de fenilalaniné-
A hiperfenilalaninémia não relacionada com mia ligeiramente elevados, até 6-6,5 mg/dL, com
PKU surge com uma frequência ~1/50.000. dieta normal. Nestes casos o prognóstico é bom,
De referir que em cerca de 1-3% dos casos com sem necessidade de regime alimentar restritivo,
valores elevados de fenilalanina no sangue, a ano- sendo, no entanto, prudente o seguimento clínico
malia é explicada por gene localizado no cromos- (com atenção especial ao exame neurológico) e a
soma 11q22.3-23.3, determinando défice duma das vigilância laboratorial periódica.
enzimas necessárias para a produção ou renova- Se o indivíduo afectado atingir a idade adulta
ção do cofactor tetra- hidro-biopterina (BH4); e, no sexo feminino, a idade de procriar, há que
trata-se das chamadas formas malignas de hiper- atender a que níveis elevados de fenilalanina
fenilalaninémia, ou mais correctamente, hiperfe- durante a gravidez podem ter efeito lesivo sobre o
nilalaninémias por defeito de BH4, muito graves, feto (aborto frequente, baixo peso de nascimento,
não respondendo à dieta hipoproteica isolada. restrição do crescimento intra-uterino, defeitos
Quanto a manifestações clínicas, salienta-se cardíacos, microcefalia e outras anomalias congé-
que a criança afectada é assintomática na data do nitas). É necessário, pois, que a mulher com hiper-
nascimento mas, caso não se verifique qualquer fenilalaninémia cumpra dieta muito rigorosa
intervenção (o que acontecia na era pré-rastreio) antes da concepção e durante toda a gravidez, de
verifica-se atraso do desenvolvimento progressivo modo a manter níveis séricos de fenilalanina entre
e grave: atraso psicomotor, da locomoção, da fala, 1-3 mg/dL.
hiperactividade frequente, comportamento autis-
ta, negativismo,etc.. Pode igualmente verificar-se
quadro de hipsarritmia (“espasmos infantis”),
hipertonia e hiperreflexia osteotendinosa; sem tra-
2. TIROSINÉMIA DO TIPO I
tamento, surge deterioração neurológica e mental
progressiva. A tirosinémia do tipo I (ou tirosinémia hepato-
Os fenilcetonúricos podem apresentar, de renal) é uma doença autossómica recessiva rara,
modo inconstante, um fenótipo clínico particular: provocada por défice da enzima fumaril-aceto-
pele clara, dermatose aparentando eczema,cabe- acetato-hidrolase originando elevação da tirosina
los loiros e olhos azuis; trata-se dum pseudo- albi- sérica e acumulação de metabólitos tóxicos inter-
nismo secundário. mediários. Como consequência surge compromis-
O tratamento dietético é fundamental, consis- so grave ao nível do fígado, rim e nervo.
tindo numa dieta hipoproteica, semi-sintética, A doença raramente tem início no período neo-
suplementada com aminoácidos apropriados, natal; dum modo geral, estas surgem a partir da
sendo o suprimento em fenilalanina reduzido e 4ª-5ª semana de vida e, mais frequentemente, nos
controlado.Tal regime deve ser mantido durante primeiros meses.
toda a vida. Trata-se duma doença hepática grave, com
CAPÍTULO 369 Defeitos do metabolismo dos aminoácidos e proteínas 2011

insuficiência hepática aguda que pode ser fatal. amostras de biópsia hepática, de culturas de fibro-
Os sinais clínicos poderão ser desencadeados por blastos, e ainda através de estudo genético (análi-
doença intercorrente levando a estado catabólico se mutacional).
(por ex. febre). O tratamento consiste essencialmente: 1-
Caracteriza-se por icterícia, hepatospleno- numa dieta hipoproteica com suprimento reduzi-
megália, edema, diátese hemorrágica, ascite, hipo- do e controlado de fenilalanina e tirosina, suple-
glicémia, e, por vezes odor a “couve cozida”. Pode mentado com mistura apropriada de aminoáci-
existir disfunção tubular renal complexa, raquitis- dos; e 2- na utilização imediata do fármaco NTBC
mo de causa renal, e, raramente, sinais de poli- (nitro-triflurometil-benzoil-cicloexanediona), tri-
neuropatia periférica aguda (simile porfíria). Os cetona que inibe a hidroxifenil-piruvato dioxige-
doentes estão em risco de sofrer de hepatocarcino- nase, bloqueando a montante o catabolismo da
ma, o qual pode aparecer precocemente. (Figura 1) tirosina, e evitando a acumulação de metabolitos
No âmbito da avaliação laboratorial do qua- tóxicos para o fígado, rim e nervo, o que se traduz
dro sindrómico de hepatopatia e diátese hemorrá- numa melhoria dramática. Trata-se duma tera-
gica, cabe referir níveis elevados de ALT e AST pêutica de primeira linha em qualquer idade,
traduzindo citólise, e níveis baixos dos factores de inclusivamente no RN em coma. Se não houver
coagulação II,VII, IX, XI, XII. O diagnóstico dife- resposta ao NTBC (o que pode ocorrer em cerca de
rencial faz-se fundamentalmente com a galactosé- 10% dos casos) e/ou houver suspeita de maligni-
mia e intolerância hereditária à frutose pela hepa- dade hepática, o transplante do fígado impoe-se
topatia e pela diátese hemorrágica e tubulopatia. com urgência.
O diagnóstico baseia-se na demonstração de
níveis elevados de tirosina e de alfa-fetoproteína
(AFP) (no sangue), de ácido aminolevulínico
(ALA) (na urina), e da presença de succinilacetona
3. HOMOCISTINÚRIA
na urina e sangue. Salienta-se que esta última
E OUTRAS ENTIDADES
constitui melhor marcador para o diagnóstico do
que a hipertirosinémia, a qual pode acompanhar A homocistinúria clássica ou de tipo I, devida a
certas hepatopatias agudas adquiridas. deficiência da cistationina-beta-sintetase (CBS), é
A confirmação diagnóstica faz-se pela determi- o erro inato do metabolismo da metionina mais
nação da actividade da enzima acima referida em frequente. Tal deficiência, relacionada com gene
localizado no cromossoma 21q.22.3, leva à acumu-
lação nos tecidos de metionina, homocistina e
derivados, com perda de cistationina e baixa
concentração de cistina. Os portadores heterozigó-
ticos são assintomáticos.
No que respeita a manifestações clínicas, cabe
referir que a doença está associada a anomalias
graves em quatro órgãos ou sistemas: o olho (luxa-
ção do cristalino, miopia, glaucoma, etc.), o esque-
leto (dolicostenomélia, aracnodactilia, osteoporo-
se, fracturas patológicas,etc.), o sistema nervoso cen-
tral (atraso mental, AVC,sintomas psiquiátricos,
etc.), e o sistema vascular (tromboembolismo das
artérias e veias, a principal causa de morbilidade e
mortalidade). A acumulação de homocistina é
FIG. 1
provavelmente determinante do dano vascular
Lactente com quadro clínico de tirosinémia tipo I: generalizado e complicações tromboembólicas.
hepatosplenomegália, sinais de raquitismo, e desnutrição. A criança é assintomática ao nascer, mas, se não
(Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral) for tratada, surgirá progressivamente o quadro clí-
2012 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

nico completo, incluindo o fenótipo semelhante ao lico, recusa alimentar, vómitos ou suprimento
da síndroma de Marfan (estatura elevada, ossos excessivo de proteínas, pode surgir, na forma clás-
longos finos e alongados) e aracnodactilia na tran- sica, mais grave, (incidência ~1/200.000) um qua-
sição para a puberdade. Contudo, a restrição da dro de encefalopatia (prostração, alterações do
mobilidade articular contrasta com a laxidão da tono muscular, convulsões, coma),hipotermia, por
autêntica síndroma de Marfan. As anomalias sur- vezes hipoglicémia, cetose marcada e, ocasional-
gem significativamente mais cedo nos doentes não mente, odor a açúcar queimado (cheiro de xarope
respondentes à piridoxina (vitamina B6). de bordo ou maple sirup) da urina, suor e cerúmen.
O diagnóstico inicial assenta no perfil típico Sem diagnóstico e tratamento correcto(dieta hipo-
da cromatografia dos aminoácidos no plasma: ele- proteica com suprimento reduzido e controlado de
vação da metionina e homocistina, baixo nível de leucina, suplementada com mistura de aminoáci-
cistina, e não aumento de cistationina. O diagnós- dos isenta de aminoácidos de cadeia ramificada:
tico definitivo far-se-á determinando a actividade leucina, isoleucina,valina), o quadro pode ser fatal,
enzimática nos fibroblastos e hepatócitos (biopsia ou levar a sequelas graves, neurológicas e mentais.
hepática) e por análise mutacional. – Deficiência de biotinidase e de holocarboxi-
O tratamento tem como objectivo reduzir os lase sintetase manifestadas essencialmente por
níveis elevados de homocistina para valores convulsões, acidose metabólica e alterações cutâ-
próximos do normal, mantendo um ritmo de cres- neas; na deficiência de holocarboxilase sintetase
cimento normal. O mesmo consiste em dieta com pode haver manifestações, especialmente no RN.
suprimento de metionina reduzido, e de cistina – Hiperglicinémia não cetótica: constitui uma
elevado, associando piridoxina, ácido fólico, vita- entidade clínica causada por deficiência do siste-
mina C e betaína, em várias combinações. Cerca ma enzimático que promove a clivagem da glici-
de 50% dos doentes respondem a doses altas de na.Trata-se dum quadro grave que cursa com
vitamina B6 (200 mg a 1 grama /24 horas). encefalopatia epiléptica, em geral grave, com
Salienta-se igualmente a importância do trata- deterioração neurológica progressiva, e prognósti-
mento antitrombótico. A ausência de resposta à co muito reservado.
piridoxina poderá estar relacionada com a carên-
cia em folato.

Para além das situações referidas em 1., 2., e 3.,


4. ACIDÚRIAS ORGÂNICAS
cabe referir as entidades seguintes:
– Leucinose: Trata-se duma doença provocada As acidúrias orgânicas são alterações do metabo-
por deficiência dum sistema enzimático mitocon- lismo intermediário dos aminoácidos e outros
drial complexo (desidrogenase tendo como coen- compostos, com consequente acumulação de áci-
zima a vitamina B1, com 4 subunidades designa- dos carboxílicos nos líquidos corporais, sendo
das por E1-alfa, E1-beta, E2 e E3, codificadas por excretados pela urina.
genes em diferentes cromossomas); como conse- As acidúrias mais conhecidas relacionam-se
quência, há repercussões no metabolismo dos três com defeitos envolvendo o metabolismo dos ami-
aminoácidos essenciais de cadeia ramificada(leu- noácidos ramificados (leucina, isoleucina e valina).
cina, isoleucina e valina), sendo que o mesmo Incluem, entre outras, as acidúrias propiónica
fenótipo pode ser determinado por diferentes (AP), metilmalónica (AMM), e isovalérica(AIV),
genótipos. que são as mais frequentes; e outras como: a 3-
Relativamente à leucinose, a que se deu ênfase metilglutacónica, a 3-metilcrotonilglicinúria, a 3-
anteriormente, salienta-se a diminuição da alani- hidroxi-3-metilglutárica, defeito múltiplo das car-
na e elevação sérica e urinária de leucina (mais boxilases (incluindo as já mencionadas deficiência
acentuadamente), de isoleucina e de valina; na de biotinidase, a deficiência de holocarboxilase
urina surgem igualmente os cetoácidos dos últi- sintetase), defeito múltiplo das acil-CoA-desidro-
mos três aminoácidos. genases, etc..
Num contexto de infecção febril, estado catabó- As manifestações clínicas das acidúrias orgâ-
CAPÍTULO 369 Defeitos do metabolismo dos aminoácidos e proteínas 2013

nicas em geral, variáveis, dependem da via ção, interromper o suprimento de proteínas (no
metabólica afectada; são descritas diversas formas: máximo durante 24-48 horas), administrar carniti-
– Neonatal: encefalopatia metabólica de tipo na, e em promover a remoção dos metabólitos
"intoxicação", com dificuldade alimentar, letargia, tóxicos com métodos dialíticos como diálise per-
hipotonia axial asssociada a hipertonia dos mem- itoneal,hemodiálise, hemofiltração, e hemodiafil-
bros, espasmos mioclónicos, desidratação e dis- tração.
função neurovegetativa com edema cerebral, Na fase de manutenção: dieta hipoproteica,
coma, falência multiorgânica, odor atípico (por ex. por vezes suplementada com mistura de aminoá-
a pés suados na acidémia isovalérica), etc.. cidos, isenta dos aminoácidos cujo metabolismo
– Formas intermitentes crónicas (em qualquer está afectado, sempre suplemento de carnitina, e
idade) incluindo episódios recorrentes de cetoaci- suplementos de minerais, oligoelementos e vita-
dose (por ex. na acidúria propiónica e metilmaló- minas.
nica), com ou sem letargia, coma, ataxia, sinais
neurológicos focais, quadro semelhante a síndro-
ma de Reye, etc..
– Forma progressiva crónica: má progressão
5. DOENÇAS DO CICLO DA UREIA
ponderal, vómitos crónicos, anorexia, osteoporo-
se, hipotonia, atraso do desenvolvimento psico- O ciclo da ureia ou de Krebs-Henseleit que, na sua
motor, infecções recorrentes, macrocefalia (na forma completa, tem lugar somente no fígado,
acidúria glutárica do tipo I) constitui a principal via metabólica comum para a
Como complicações das acidúrias orgânicas, excreção do azoto. A sequência de reacções que o
descrevem-se pancreatite, necrose dos gânglios da integram, em parte na mitocôndria, em parte no
base, nefrite tubulointersticial, dermatose (semel- citosol, converte (sobretudo a partir da glutamina
hante à acrodermatite enteropática), osteoporose, e do glutamato) a amónia tóxica e outros compos-
cardiomiopatia, etc.. tos nitrogenados em produto não tóxico – a ureia
Os achados laboratoriais compatíveis com as – excretada através da urina.
acidúrias orgânicas em geral são: cetose/cetacido- Aos diferentes defeitos genéticos responsáveis
se, lactato aumentado ou normal, hiperamonié- por deficiência de uma ou mais enzimas que inter-
mia, glicémia normal, elevada ou baixa, neutropé- vêm no ciclo (em número de oito – Figura 2) – cor-
nia, trombocitopénia ou pancitopénia e hipocalcé- respondem diversas entidades clínicas adiante
mia. discriminadas em que se verifica hiperamoniémia.
Para a identificação do tipo de acidúria torna- De referir, no entanto, que defeitos enzimáticos
se fundamental proceder à realização das noutras vias metabólicas poderão secundariamen-
seguintes determinações: cromatografia dos ami- te bloquear qualquer passo do ciclo da ureia.
noácidos plasmáticos, cromatografia dos ácidos As vias alternativas de excreção do azoto,
orgânicos na urina evidenciando perfil específico nomeadamente a conjugação da glicina com o
para cada patologia, doseamento da carnitina benzoato, e da glutamina com o fenilacetato
total, livre e das acilcarnitinas. O diagnóstico deve poderão ser aproveitadas como meio de tratamen-
ser confirmado por estudos enzimáticos ou estudo to dos doentes com défice de formação de ureia.
genético mutacional. As doenças do ciclo da ureia correspondem
No caso das acidúrias propiónica e metilmaló- aos erros metabólicos hereditários mais frequentes
nica verifica-se, como foi referido, acidose metabó- (incidência cumulativa de 1/8.000). Descrevem-se
lica, cetose, elevação da glicina e da amónia (a alte- as seguintes entidades clínicas: deficiência de
ração deste último parâmetro impõe diagnóstico ornitina transcarbamilase (OTC); deficiência de
diferencial com doenças do ciclo da ureia). arginino-succinato sintetase (AS) ou citrulinémia,
O tratamento na fase aguda consiste em com- englobando vários tipos; deficiência de arginino-
bater o catabolismo com a administração endove- succinato liase (AL); deficiência de arginase ou
nosa de altas doses de glucose (associando insuli- hiperargininémia; a deficiência de glutamina-sin-
na se necessário), corrigir a acidose, tratar a infec- tetase (GS); a deficiência de carbamil fosfato sinte-
2014 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

PATRIMÓNIO AZOTADO HEPÁTICO Fenilbutirato


Fenilacetato

Glutamina Glutamina Fenilacetil-glutamina


7 Alanina
Benzoato
Aspartato
Glicina Glicina Hipurato
Amónia
Glutamato

Actil CoA
NH3
6

N-acetil-glutamato 1

Carbamil-fosfato

Mitocôndria
2
Citrulina Ornitina
8

Citrulina Ornitina
Aspartato
3 Citosol

Arginino-succinato Ureia

4 Arginina 5
Ácido orótico
Orotidina Urina
Fumarato
Símbolos: + = estimulação; Traços a cheio, perpendiculares às setas, numerados de 1 a 8 = defeitos.
(Adaptado de Fernandes, Saudubray & Walter, 2006)

FIG. 2
Ciclo da ureia e vias alternativas de excreção de azoto. Enzimas: 1 – Carbamil fosfato sintetase; 2-Ornitina transcarbamilase;
3 – Arginino-succinato sintetase; 4 – Arginino-succinato liase; 5 – Arginase; 6 – N-acetilglutamato sintetase; 7 – Glutamina
sintetase; 8-Citrina (transportador mitocondrial de aspartato-glutamato).

tase (CPS); a deficiência de N-acetilglutamato sin- heterozigotos do sexo feminino podem ter formas
tetase (NAGS); e o defeito da citrina. ligeiras, sendo que cerca de 75% são assintomáticos.
Com excepção da deficiência da ornitina trans- As manifestações clínicas das doenças do ciclo
carbamilase ou OTC (de transmissão hereditária da ureia são extremamente variáveis:
ligada ao cromossoma X e a forma mais comum de No RN aparentemente saudável com peso ade-
todas as doenças do ciclo da ureia), os outros defei- quado à idade, após um intervalo livre por vezes
tos são de transmissão autossómica recessiva. inferior a 24 horas, ou de alguns dias, surge ano-
Como regra geral, os homozigotos com OTC do rexia, recusa alimentar, vómitos, letargia, e/ou irrita-
sexo masculino têm formas mais graves que os bilidade e taquipneia. Verifica-se deterioração rápida
heterozigotos do sexo feminino; por outro lado, os com alterações neurológicas, alterações do tono
CAPÍTULO 369 Defeitos do metabolismo dos aminoácidos e proteínas 2015

muscular, hiporreflexia, instabilidade vasomotora, QUADRO 1 – Doenças metabólicas


hipotermia, apneia e convulsões, podendo seguir-se e hiperamoniémia
coma profundo e morte. As complicações são
hemorragia cerebral e pulmonar e, como sequela, – Deficiências de enzimas do ciclo da ureia (UCD)
grave atraso psicomotor. O diagnóstico inicial suge- – Insuficiência hepática
re habitualmente septicemia, sendo que a presença – Doenças dos ácidos orgânicos
de alcalose respiratória, associada às manifestações – Defeitos de oxidação dos ácidos gordos
descritas, poderá ser a chave para o diagnóstico. – Síndroma de Reye
Após o período neonatal, as manifestações – Terapêutica com valproato
poderão ser menos agudas e mais variáveis: ano- – Choque hipovolémico
rexia, letargia, vómitos, hepatomegalia, má pro- – Hiperamoniémia transitória do RN
gressão ponderal, atraso do desenvolvimento psi- – Síndroma HHH(hiperornitinémia, hiperamoniémia,
comotor, episódios de irritabilidade; diplegia, homocitrulinúria)
tetraplegia espástica na deficiência da argininase – Infecção por vírus Herpes simplex
(argininémia); alterações do cabelo (tricorexis – Síndroma de hiperamoniémia e hiperinsulinémia
nodosa) na deficiência da arginino-succinato liase – Miopatias mitocondriais, deficiência de piruvato
No adolescente e no adulto: habitualmente carboxilase, deficiência de piruvato desidrogenase
verificam-se sintomas neurológicos e/ou psiquiá- – Intolerância proteica lisinúrica
tricos crónicos, com alterações do comportamen- – Asfixia perinatal
to, por vezes bizarro, com desorientação, letargia, – Insuficiência cardíaca congestiva
alterações do estado de consciência, e quadro de – Tratamento com asparaginase
psicose. As referidas doenças poderão também – Infecção por bactérias urease positivas
manifestar-se por encefalopatia recorrente, geral-
mente associada a ingestão de elevado teor de
proteínas, infecção, estresse, anestesia, estado designadamente neste grupo etário, são atingidos
catabólico ou, por vezes, sem causa aparente. valores de amónia > 1.500 µmol/L.
Na hiperargininémia o quadro poderá ser Salienta-se, a propósito, que a hiperamoniémia é
diferente, caracterizando-se fundamentalmente uma emergência médica.
por diplegia espástica, (por vezes interpretada Nas situações de suspeita clínica de doença do
como fazendo parte de paralisia cerebral), hipe- ciclo da ureia torna-se fundamental realizar de
ractividade, ataxia, atetose, distonia e, raramente, imediato um conjunto de análises básicas obedecen-
coma e convulsões refractárias ao tratamento anti- do a rigorosas condições técnicas de colheita e
convulsante. transporte (designadamente amostras de sangue e
O Quadro 1 mostra situações que, não sendo urina em recipientes acondicionados em gelo); no
doenças do ciclo da ureia, podem cursar com sangue – amónia, electrólitos, pH e gases, hiato
hiperamoniémia. iónico, lactato, glucose, ureia, creatinina, provas
No que respeita ao diagnóstico das doenças do de função hepática e factores de coagulação; na
ciclo da ureia, é importante rever algumas defini- urina – análise sumária.
ções. Assim, fala-se de hiperamoniémia quando o Como análises especiais (em laboratório especiali-
valor da amónia no sangue é > 80µmol/L no RN, zado) estão indicados os seguintes doseamentos:
e > 50µmol /L após os 28 dias de vida. Na prática, aminoácidos plasmáticos e urinários,ácidos orgâ-
consideram-se valores normais, respectivamente nicos urinários, ácido orótico na urina, e perfil da
os valores < 50µmol/L no RN, e < 35 µmol/L após carnitina e acilcarnitinas no plasma. Na deficiên-
o período neonatal. cia de OTC verifica-se: aumento de ácido orótico
Num RN sem doença deste foro, mas com na urina.
patologia relacionada com septicemia ou asfixia, Os resultados obtidos quanto ao padrão de
raramente a amónia é > 180 µmol/L; se o valor for aminoácidos plasmáticos poderão ser diagnósti-
> 200µmol/L há que suspeitar de doença metabó- cos para as entidades clínicas a seguir discrimina-
lica, sendo que nas doenças do ciclo da ureia, e das: deficiência de arginino-succinato-sintetase
2016 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

(AS), de arginino-succinato liase (AL), de argina- elevada (> 400 µ mol/L), o doente estiver em
se, e de glutamina-sintetase (GS). O diagnóstico coma e a amoniémia não descer significativamen-
pode ser confirmado, quer por estudo enzimático te nas primeiras 4 horas de tratamento, estão indi-
(leucócitos, fibroblastos, hepatócitos), quer por cadas técnicas de diálise (hemodiálise, hemofiltra-
análise genética/ADN, mutacional. ção ou hemodiafiltração); em alternativa, diálise
Nota importante: salienta-se que o doseamento peritoneal, menos eficaz;não se deve fazer exsan-
urgente da amónia no sangue deve fazer parte da guinotransfusão;
investigação básica obrigatória em todos os – introdução cautelosa da dieta de emergência
doentes com encefalopatia não esclarecida, em sem proteínas nas primeiras 24-48 horas através
qualquer idade. de alimentação entérica (AE) e/ou alimentação
parentérica (AP) consoante a gravidade da encefa-
A hiperamoniémia é uma emergência médica. lopatia aguda, e a intolerância digestiva;
O tratamento de emergência compreende: – após 24-48 horas sem proteínas, início de
– interrupção imediata do aporte proteico suprimento de proteínas- 0,5 g/kg/dia (na AP,
durante 24-48 horas; sob a forma de aminoácidos) ou na AE através de
– aplicação imediata de sonda cânula ou cate- fórmula infantil adequada à restrição proteica.
ter IV para suprimento energético elevado à base O tratamento de manutenção baseia-se em:
de soluto de glucose (a 10% se em veia periférica – dieta hipoproteica com restrição de proteína
ou a 10-25% se em veia central), sendo que está natural de acordo com o tipo de doença, idade,
indicada restrição de fluidos se houver suspeita peso, e tolerância individual , suplementada com
de edema cerebral; mistura apropriada de aminoácidos; e
– se os vómitos forem persistentes, pode usar- – administração de drogas eliminadoras de
se ondansetron IV na dose de 0,15 mg/kg em 15 amónia, agora PO, como benzoato de sódio, e/ou
minutos, podendo repetir-se até 3 doses diárias; fenilbutirato de sódio, cloridrato de arginina
– introdução imediata de drogas eliminadoras (excepto no defeito de arginase) e adequado supri-
de amónia: mento de vitaminas, minerais e oligoelementos.
*benzoato de sódio até 500 mg/kg/dia, PO ou Os objectivos do tratamento são:
IV em 2 doses (1ª de 250 mg/kg em 2-4 horas; 2ª – manter amoniémia < 80 µmol /L, e glutami-
de 250 mg/kg nas próximas 20-22 horas); na < 800-1.000 µmol /L;
*fenilbutirato de sódio até 600 mg/kg/dia, PO – manter ausência de ácido orótico na urina;
ou IV em 2 doses (1ª de 250 mg/kg em 2-4 horas;2ª – manter a normalidade dos níveis plasmáticos
de 350 mg/kg nas próximas 20-22 horas); de proteínas totais, de albumina e pré-albumina,
*L- arginina PO ou IV(até 700 mg/kg/dia na de aminoácidos essenciais e de carnitina total.
citrulinémia e acidúria arginino-succínica); até 150
mg/kg/dia nas deficiências de ornitina transcar-
bamilase/OTC, de carbamilfosfato-sintetase/CPS
e de N-acetilglutamato-sintetase/NAGS; também
se usa o carbamil-glutamato nos defeitos de
NAGS e CPS;
*ácido carglúmico (Carbaglu®) específico
para as situações de défice de NAGS (N-acetilglu-
tamato sintetase) de início precoce neonatal, acti-
vador da CPS, primeira enzima do ciclo da ureia-
dose inicial de 100 mg/kg/dia;
*L-carnitina PO ou IV na dose de 200
mg/kg/dia, se o doente estiver submetido a trata-
mento com benzoato de sódio e emulsão de lípi-
dos(AP);
– técnicas de diálise; se a amoniémia for muito
CAPÍTULO 370 Defeitos do metabolismo dos hidratos de carbono 2017

370
pentoses, do transporte da glicose, e o hiperinsuli-
nismo congénito.
Neste capítulo são abordadas, pela sua maior
frequência, as glicogenoses, a galactosémia e a
intolerância hereditária à frutose.

DEFEITOS DO METABOLISMO
DOS HIDRATOS DE CARBONO 1. GLICOGENOSES

João M. Videira Amaral Virtualmente, todas as proteínas envolvidas na


síntese ou degradação do glicogénio, e na respec-
tiva regulação, foram descritas. Os defeitos gené-
ticos dessas proteínas dão origem a um largo
Introdução espectro de doenças de grande heterogeneidade
genética e clínica, caracterizadas pela acumulação
A glicose é, para as células dos mamíferos, a fonte de glicogénio, de estrutura normal ou anormal,
primária de energia, podendo ser armazenada na nas células de diferentes tecidos. São as chamadas
forma macromolecular, como glicogénio, para uso doenças de armazenamento do glicogénio ou gli-
posterior. A galactose e a frutose também consti- cogenoses, distinguindo-se as formas hepáticas,
tuem fontes de energia, embora em menor grau musculares e generalizadas.
que a glucose. Os aspectos fundamentais da síntese e degra-
Assim, os hidratos de carbono com implica- dação do glicogénio estão resumidos na Figura 1.
ções clínicas mais relevantes nas doenças here- São conhecidas actualmente mais de 12 glico-
ditárias do metabolismo compreendem três genoses que podem ser predominantemente
monossacáridos (glucose, galactose e frutose), três hepáticas, preferencialmente musculares, ou gene-
dissacáridos (lactose/galactose+glucose, isomal- ralizadas.
tose/glucose+glucose, e sacarose/frutose+gluco- As glicogenoses hepáticas compreendem os
se, sorbitol), e um polissacárido (o já referido gli- seguintes tipos: I (Ia e I não a), III, IV, VI, IX, XI e
cogénio). A galactose entra na composição de cer- O.
tos glicolípidos, glicoproteínas e glicosaminoglica- As glicogenoses musculares mais frequentes
nos. são tipo V e VII, não esquecendo o envolvimento
O suprimento contínuo de glucose a partir da muscular, por vezes muito relevante, nas glicoge-
alimentação, da gluconeogénese, e da glicogenóli- noses III e IX, e na forma juvenil / adulto da gli-
se mantém a normalidade do nível de glucose no cogenose tipo II; outras: defeito da fosfoglicerato-
sangue. (Capítulos 51 e 184). quinase, fosfogliceratomutase, defeito da desidro-
Recorda-se que o metabolismo da glucose gera genase láctica, defeito da frutose-1,6-difosfato
ATP pela via da glicólise (conversão da glucose ou aldolase A, defeito da isoforma muscular da piru-
glicogénio em piruvato), fosforilação oxidativa vatoquinase, e defeito da fosfogluco-isomerase.
mitocondrial (conversão do piruvato em dióxido A glicogenose generalizada é essencialmente
de carbono e água), ou ambas; e que as fontes die- a glicogenose tipo II (doença de Pompe), embora
téticas da glucose provêm dos polissacáridos inge- se reconheça carácter sistémico à glicogenose tipo
ridos, amidos e dissacáridos. IV.
As alterações do metabolismo dos hidratos de
carbono mais importantes são: os defeitos here- 1.1. Glicogenose tipo I
ditários do metabolismo da galactose e frutose, Como foi referido, é uma das mais frequentes glico-
defeitos da neoglucogénese, doenças de armaze- genoses (cerca de 1/4 de todas as glicogenoses); dis-
namento de glicogénio (glicogenoses), defeitos do tinguem-se dois subtipos: resultante do defeito da
metabolismo do glicerol, do metabolismo das subunidade catalítica da glucose-6-fosfatase (tipo Ia
2018 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

LISOSSOMA CITOPLASMA

Maltase ácida Glicogénio


Enzima ramificante

(Glicose) n+1

H2O Pi
Sistema enzima Sistema
desramificante fosforilase
Glicogénio-sintetase
(Glicose) n
UDPG

G–1–P PPi
UTP
PGM
ATP
GK PGI F – 1,6 – diPase
Glucose G–6–P F–6–P F – 1,6 – diP
Sistema
Glucose-6-fosfatase Fosfofrutoquinase
Pi

modelo mais aceite:


G-6-P Glicólise Gluconeogénese
Pi
G

Citosol
G6P
catalítica PK PC
Membrana RE G6PT1 G6PT2 G6PT3

Lume RE
Piruvato Lactato
G-6-P Pi G

Abreviaturas: UDPG= uridildifosfoglucose; UTP=uridiltrifosfato; G-1-P= glucose-1-fosfato; G-6-P= glucose- 6-fosfato; F-6-P= frutose-6-fosfato; F-1,6-diP=frutose-1,6-difosfato; ATP=adenosinatrifosfato;
Pi=fosfato inorgânico;PPi=pirofosfato; RE=retículo endoplasmático; G-6-Pase=glucose-6-fosfatase; T1=transportador de glucose-6-fosfato; sp=proteína estabilizadora; T2a=transportador do fosfato;
T2b=transportador do fosfato,pirofosfato e carbamilfosfato;GLUT7=transportador da glucose.
De: CabralA: “Enfermedades metabolicas hereditarias”. ERGON-Madrid, 2006)

FIG. 1
Metabolismo do glicogénio.

ou doença de von Gierke), e do defeito da translo- tonia, equimoses e epistaxes. Os rins estão sime-
case da glucose-6-fosfato (tipo I não-a ou tipo Ib). tricamente aumentados. (Figura 2)
Quanto às manifestações clínicas em relação O tipo Ib, menos frequente, apresenta ainda:
com a etiopatogénese, há a salientar: hipoglicé- esplenomegália, infecções bacterianas ou fúngicas
mia recorrente(de jejum curto), convulsões por recorrentes devidas a neutropénia, anomalias
hipoglicémia, hepatomegália, acidose láctica e fagocitárias e outras anomalias da imunidade.
hiperventilação. Outros sinais frequentes são; Neste tipo é também frequente a doença inflamató-
baixa estatura, fácies de boneca, obesidade do tron- ria intestinal (semelhante à doença de Crohn), diar-
co, abdómen saliente por grande hepatomegália, reia prolongada, anemia e artrite ocasional. A
postura lordótica, musculatura hipotrófica, hipo- morte pode ocorrer por sépsis.
CAPÍTULO 370 Defeitos do metabolismo dos hidratos de carbono 2019

vão diminuindo com a idade: 0-12 meses → 7-9


mg/kg/minuto; >1-3 anos(A) → 6-8 mg/kg/
minuto; >3-6 A → 6-7 mg/kg/minuto; >6-12 A →
5-6 mg/kg/minuto; adolescente → 5 mg/kg/
/minuto; adulto → 3-4 mg/kg/minuto.
O valor calórico total (VCT) deverá ser reparti-
do do seguinte modo: hidratos de carbono → 60-
70%; gorduras → 20-30%; proteínas → 10-15%.
As necessidades são cobertas por refeições fre-
quentes, ricas em hidratos de carbono durante o
dia e, durante a noite, com a chamada alimentação
contínua nocturna (ACN) de acordo com o
seguinte esquema: duração ~12 horas até aos 6
anos, cobrindo ~50-35% do VCT; duração ~10
FIG. 2
horas após os 6 anos até ao fim da adolescência
Fenótipo de crianças com glicogenose do tipo Ia (~30% do VCT); e duração ~8 horas no adul-
(von Gierke). Fácies de boneca, grande distensão abdominal to(~25% VCT). Para evitar a hipoglicémia, a ACN
por hepatomegália importante e obesidade. (NIHDE) deve iniciar-se, no máximo, 1 hora após a última
refeição do dia; e, na manhã seguinte deve iniciar-
No que respeita ao diagnóstico, este deve se a alimentação do doente cerca de 15-30 minutos
basear-se na clínica, nos resultados de análises depois de terminada a ACN. Após 1 ano de idade
bioquímicas e análise mutacional. Os achados de emprega-se o amido cru: de 4-4 horas até aos 2
hepatomegália, hipoglicémia de jejum curto, aci- anos de idade e, depois, de 6-6 horas.
dose láctica, hiperlipidémia e hiperuricémia são Nos casos em que não pode ser administrada
altamente sugestivos. Poderá ser necessário reali- ACN, está indicada a administração de alimentos
zar uma prova de tolerância à glucose oral, (2 ricos em hidratos de carbono a intervalos regu-
g/kg, até máximo de 50 g, com colheitas de lares, de 2-2, 3-3, ou 4-4 horas, também durante a
sangue aos 30,60,90,120 e 180 minutos) para des- noite.
trinça diagnóstica: na glicogenose de tipo I(Ia ou No que respeita aos hidratos de carbono de
Ib) verifica-se diminuição da lactacidémia, absorção rápida, salienta-se a necessidade de res-
enquanto nas outras glicogenoses se verifica tringir a lactose e evitar a sacarose.
aumento. A prova do glucagom (500 µg ou 30-100 Em função do contexto clínico de cada caso,
µg/kg IM com determinação da glicémia aos 15, poderá ser necessário recorrer a terapêuticas com-
30, 45 e 60 minutos) mostrará falta de resposta plementares dirigidas a situações específicas,
hiperglicémica (ausência de incremento de 25 como: hiperlipidémia, proteinúria mantida, nefro-
mg/dL em 45 minutos), salientando-se que calcinose, nefrolitíase, hiperuricémia, osteopénia,
poderá surgir neste contexto hipoglicémia ou aci- osteoporose, restrição do crescimento, etc..
dose grave. Só raramente será necessário proceder Na glicogenose do tipo Ib o tratamento é
a biopsia hepática para o estudo enzimático (fíga- semelhante ao do tipo Ia; contudo, face às respec-
do fresco, idealmente não congelado). tivas manifestações clínicas (ver atrás) existem
Nas glicogenoses tipo I, os objectivos do trata- certas particularidades:
mento são evitar a hipoglicémia e alterações – precaução com o suprimento de amido cru,
metabólicas secundárias, promover o crescimento susceptível de exacerbar doença inflamatória
normal e prevenir a nefropatia. Assim, torna-se intestinal;
fundamental propiciar um suprimento exógeno – a utilização de antbióticos profilácticos
de glucose continuamente, dia e noite, a um ritmo deverá ser ponderada;
que mantenha a glicemia acima do limiar dos – a utilização de G-CSF (factor estimulante do
mecanismos de contra-regulação.Salienta-se, a crescimento dos granulócitos), não glicosilado,
propósito, que as necessidades diárias de glucose que, aumentando significativamente o número de
2020 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

neutrófilos (se neutropénia < 1.500/mmc), contri-


bui para a diminuição da frequência e gravidade
das infecções, a melhoria da cicatrização de abces-
sos e úlceras, e a melhoria da doença inflamatória
intestinal;
– eventualidade de esplenectomia nos casos de
esplenomegália irreversível.

Como complicações da glicogenose do tipo I


há a referir: adenoma hepático que pode evoluir
para carcinoma hepatocelular; doença renal que se
inicia precocemente e pode levar à necessidade de
transplante renal; gota; cálculos renais; pancreati-
te; anemia; osteopénia; ovários poliquísticos;
hipertensão pulmonar; hipocrescimento; atraso
pubertário; tendência hemorrágiaca; e envolvi-
FIG. 3
mento neurológico. O atraso mental é raro.
Lactente com hipotonia generalizada (floppy baby) no contexto
1.2. Glicogenose tipo II (doença de Pompe) de glicogenose tipo II (doença de Pompe). (NIHDE)
Esta forma de glicogenose, mais rara que as de
tipo I (incidência estimada em ~1/50.000 nado-
vivos, correspondendo nas estatísticas de vários
centros a 1/5 de todas as glicogenoses), resulta do
défice da enzima maltase ácida lisossomal (alfa-
1,4 glucosidase ácida) cujo gene estrutural está
localizado no cromossoma 17q25.2. Estão descri-
tas diversas mutações.
Estão descritas duas formas principais: neona-
tal/infantil (mais frequente) e juvenil/adulto, confor-
me a data de início de manifestações; contudo
existem formas com início em diversas idades e de
evolução lenta caracterizadas essencialmente por
miopatia.
Na forma mais frequente- início nos primeiros
meses de vida ou já no RN – são notórios hipoto-
FIG. 4
nia generalizada (floppy baby) com massas muscu-
lares de volume normal, perturbações da degluti- Sinais radiológicas de cardiomegália em criança com doença
ção, macroglóssia (por vezes o primeiro sinal que de Pompe. (NIHDE)
chama a atenção), cardiomegália progressiva/car-
diomiopatia hipertrófica, e insuficiência cardior- cha autónoma ao longo dos anos, com defecho
respiratória que pode conduzir à morte nos pri- fatal em idade variável. O EMG revela sinais de
meiros meses. Não existe hepatomegália ou a irritabilidade eléctrica.
mesma é discreta. O ECG revela encurtamento de Os achados laboratoriais são semelhantes nas
P-R e complexos QRS de alta voltagem. (Figuras 3 duas formas: demonstração de vacúolos nas célu-
e 4) las(musculares, leucócitos, fibroblastos) que se
A forma juvenil/adulto caracteriza-se funda- coram para o glicogénio, e elevação da fosfatase
mentalmente por fraqueza muscular proximal, ácida, CK e, por vezes de ALT e AST. A glicémia,
sobretudo nos membros inferiores e tronco, inca- lactacidémia, prova de tolerância à glucose oral e
pacidade progressiva e impossibilidade da mar- do glucagom normais. A confirmação do diagnós-
CAPÍTULO 370 Defeitos do metabolismo dos hidratos de carbono 2021

tico faz-se pela demonstração do défice enzimáti- As manifestações clínicas na forma clássica,
co e por análise mutacional, segundo a metodolo- mais grave, têm início de forma aguda por volta
gia já referida para outras doenças hereditárias do da 1ª semana de vida após ingestão de leite,
metabolismo (biópsia muscular, fibroblastos, etc.). incluindo leite materno: vómitos, diarreia, letar-
É possível o diagnóstico pré-natal. gia, hipotonia, icterícia por hiperbilirrubinémia
O tratamento é sintomático, tentando compen- não conjugada ou mista, hepatomegália, disfun-
sar as disfunções surgidas. Está indicada alimen- ção hepática, hemorragias; tais manifestações
tação rica em proteínas com suplementos de ala- podem ser fatais. As cataratas podem estar pre-
nina e leucina. A terapia substitutiva enzimática já sentes desde os primeiros dias de vida ou obser-
é possível actualmente. var-se mais tarde (Capítulo 256).
Na sua forma crónica existe, em geral, ano-
rexia persistente, vómitos frequentes, restrição do
crescimento e alterações do desenvolvimento.
2. GALACTOSÉMIA (Figura 5)
Uma constelação de achados clínicos no RN e
A propósito da etiopatogénese, cabe recordar que lactente, como doença hepática, diátese hemorrá-
a lactose, dissacárido constituído por glicose e gica, icterícia, vómitos recorrentes, não progressão
galactose, é o principal hidrato de carbono do do peso, etc. devem levantar a suspeita diagnós-
leite. Ao ser ingerida, a lactose é hidrolisada no tica de galactosémia, sendo que o diagnóstico de
intestino por acção da lactase, em glicose e galac- sépsis é muitas vezes o primeiro a ser sugerido.
tose; a galactose é depois metabolizada em galac- Por outro lado, há que ter em atenção que a septi-
tose-1-fosfato (Gal-1-P) pela galactoquinase. cemia por E. coli surge com frequência nos doentes
Outra enzima, a galactose-1-P-uridiltransferase com galactosémia.
(GALT) converte a Gal-1-P e a uridinadifosfogli- Como achados laboratoriais há a realçar aci-
cose (UDP glucose) em uridina difosfogalactose dose metabólica, glicosúria, galactosúria, albu-
(UDP-galactose), e em glucose-1-P, sendo esta minúria, e aminoacidúria relacionáveis com dis-
metabolizada em glucose-6-P, a partir da qual se função tubular renal (Capítulo 163). A positivida-
formam glicose, piruvato e lactato. A galactose de de substâncias redutoras na urina, embora não
pode ser também convertida em galactitol por seja um achado muito sensível, pode fortalecer a
acção da aldolase redutase; por sua vez, a suspeita. Com maior sensibilidade e especificida-
UDPglicose pode ser convertida em UDP galacto- de é o chamado teste de Beutler (fluorescent spot
se pela UDP galactose epimerase.
A UDP galactose é utilizada na síntese de gli-
coconjugados e intervém nas vias de síntese de
novo, isto é, de produção endógena de galactose,
facto que parece explicar muitas complicações tar-
dias da galactosémia; a produção endógena, que é
contínua, e da ordem de 0,53 - 1,05 mg/kg/hora,
pode conduzir a verdadeira intoxicação do SNC.
A fonte principal de galactose é o leite e pro-
dutos lácteos, existindo livre nas frutas e vegetais.
A galactosémia, doença autossómica recessiva,
surge com incidência na Europa entre 1/18.000 e
1/60.000 na sua forma clássica. A mesma resulta
da deficiência de GALT, com consequente acu-
mulação de galactitol e de Gal-1-P, exercendo
FIG. 5
acção lesiva nos tecidos. De realçar que outras
variantes derivam de graus diversos de deficiên- Lactente com galactosémia: icterícia, desnutrição e distensão
cia menos acentuada da referida enzima. abdominal notórias. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
2022 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

test) realizado com amostra de sangue total: não se haja parésia ou ataxia), deficiência psíquica, dis-
observa fluorescência em caso de deficiência de função ovárica conduzindo a infertilidade, ataxia,
GALT; esta análise só deverá ser executada 120 etc.. Por isso, o prognóstico final poderá ser pro-
dias após eventual transfusão de sangue. O resul- blemático.
tado positivo apontará para suspeita diagnóstica
de galactosémia, a confirmar mediante determina-
ção da actividade enzimática (também somente
após 120 dias de transfusão) e/ou por análise do
3. INTOLERÂNCIA HEREDITÁRIA
DNA, pesquisando de imediato mutações: no
À FRUTOSE
nosso país, a mais prevalente é a Q188R.
O diagnóstico precoce (antes das manifesta- A propósito da etiopatogénese, cabe sintetizar
ções clínicas) pode ser feito após o nascimento. que na via do metabolismo da frutose se distin-
O tratamento baseia-se na exclusão da galacto- guem diversas entidades clínicas, entre elas: a fru-
se e lactose da alimentação. Assim, em caso de tosúria essencial ou benigna, assintomática, resultan-
suspeita de doença, deve excluir-se de imediato a te de défice da frutoquinase (que catalisa a frutose
galactose da alimentação, designadamente inter- em frutose-1-fosfato) e incidência ~1/120.000; e a
rompendo o aleitamento materno e/ou fórmulas intolerância hereditária à frutose (IHF) por défice da
convencionais (derivadas do leite de vaca) e os aldolase B [ou aldolase da frutose-1-6-difosfato (F-
produtos lácteos e derivados. Deve proceder-se à 1,6 DP)] ao nível do fígado, rim e intestino delga-
administração de suplementos de cálcio, escol- do, a que se dará ênfase. A IHF, com incidência da
hendo cautelosamente os preparados sem lactose. ordem de 1/30.000 é explicável por mutações no
As mulheres galactosémicas grávidas devem gene da aldolase B no cromossoma 9q22.3. A aldo-
continuar a dieta sem lactose durante a gravidez. lase B catalisa a hidrólise da frutose-1-6 difosfato
O marcador mais importante para monitorizar em triose fosfato e gliceraldeído fosfato; hidrolisa
o tratamento é a medição da Gal-1-P nos eritróci- igualmente a frutose-1-fosfato (F-1-P). Como
tos, admitindo-se como valor no limite superior resultado do défice enzimático, verifica-se rápida
aceitável: 150 µmol/L. acumulação de frutose-1-fosfato com acção tóxica
Os doentes com galactosémia necessitam de tecidual devida a redução do ATP intracelular e
seguimento especializado, com especial atenção inibição da glicogenólise.
para o desenvolvimento na área da fala, e para a A frutose é importante fonte dietética de hidra-
vertente endocrinológica (em relação com início tos de carbono, encontrando-se no mel, vegetais,
de tratamento hormonal – anticoncepção – nas leguminosas, frutos, sacarose, sorbitol (este últi-
raparigas, pelos 12-13 anos). mo, poliálcool que resulta da redução enzimática
Chama-se a atenção para o facto de o defeito da glicose). Dum modo geral, um adulto consome
parcial de GALT – como foi referido, significativa- diariamente cerca de 100 gramas de frutose,
mente mais frequente (10 vezes) que o relacionado consumo que, infelizmente, está em crescendo.
com a forma clássica – merecer tratamento com Como regra geral, os indivíduos de qualquer
dieta se a determinação de Gal-1-P for superior 10 idade com a anomalia não têm manifestações clí-
mg/dL. Nestes casos, o procedimento é adminis- nicas até ingerirem alimentos contendo frutose ou
trar, pelos 4 meses de idade, diariamente 2-3 dL de sacarose (açúcar de mesa). Os lactentes e RN ali-
leite de vaca durante uma semana (teste provo- mentados exclusivamente com leite materno estão
catório): se não surgir aminoacidúria e a Gal-1-P assintomáticos.
for inferior a 2 mg/dL, a criança em causa poderá Existem formas de apresentação agudas e cró-
passar a ter regime alimentar normal. nicas. O modo mais frequente de apresentação da
Mesmo nos doentes tratados, poderão surgir doença corresponde ao início da diversificação ali-
complicações como moderada restrição do cresci- mentar e introdução de fruta ou sacarose: palidez,
mento,atraso da fala, dispraxia (movimentos vómitos, diarreia, hipoglicémia, sudorese, tremor,
“desajeitados e descoordenados” – incluindo ao choque, icterícia, diátese hemorrágica, apatia,
nível dos músculos que intervêm na fala - sem que coma, edema, ascite, oligoanúria, hepatomegália
CAPÍTULO 370 Defeitos do metabolismo dos hidratos de carbono 2023

e, por vezes, esplenomegália, insuficiência hepáti- – havendo dúvidas, deve medir-se a activida-
ca aguda e disfunção tubular renal que podem ser de enzimática, de preferência nas células hepáti-
fatais. (Figura 6) A sintomatologia inicial é seme- cas, ou como alternativa, no intestino; salienta-se
lhante à da galactosémia. que, para tal medição não deve ser realizada nas
A sensibilidade à frutose é variável: enquanto células do sangue nem nos fibroblastos, os quais
certos doentes exibem sintomas com pequenas somente expressam a aldolase A. Tem valor dia-
dose de frutose, outros poderão tolerarar até 250 gnóstico demonstrar um ratio aumentado entre as
mg/kg/dia; dum modo geral, a exuberância de actividades enzimáticas usando respectivamente
manifestações é directamente proporcional ao teor como substratos a F1,6-DP e a F-1-P.
de frutose ingerido. Nota importante: não se deve proceder à prova
Poderá desenvolver-se aversão aos doces e de sobrecarga com frutose oral; somente, e se for
hábitos alimentares peculiares, resultando em considerado indispensável, pode realizar-se a
efeito protector para o organismo pela menor prova de sobrecarga com frutose IV de forma
ingestão do nutriente; consequentemente, poderá lenta, em 4 horas, com 200 mg/kg de frutose.
haver atraso do diagnóstico correcto, conhecendo-
se casos em que tal é somente realizado na idade O tratamento consiste em prescrever para toda
adulta. Deve reforçar-se a ideia de que os doentes a vida um regime alimentar isento de frutose,
não identificados estão em risco de vida. assim como de seus precursores como sacarose e
Havendo suspeita da doença, deve proceder- sorbitol. Uma vez ultrapassada a fase aguda, o
se a um conjunto de exames laboratoriais: cumprimento de tal dieta permite, em geral, um
– análise de urina (incluindo pesquisa de sub- curso benigno.
stâncias redutoras); os achados clássicos em caso
de intolerância à frutose são: frutosúria, glicosú-
ria, fosfatúria, proteinúria, aminoacidúria teste-
munhando disfunção tubular renal;
– análise de sangue: pH, fósforo, glicose dimi-
nuídos; e lactato, ALT, AST elevados; alteração
dos factores de coagulação;
– a confirmação diagnóstica faz-se por análise
de ADN (que permite o diagnóstico em mais de
95% dos casos), pesquisando a mutação prevalen-
te na Europa (A149P);

FIG. 6
Imagem de histologia hepática: lactente com IHF, sendo
notórias alterações cirróticas no contexto de hepatomegália
em regressão com dieta. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
2024 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

371
mas de apresentação diversa. No seu conjunto, a
clínica poderá integrar:
– manifestações renais: infecções recorrentes
do tracto urinário, nefrolitíase, insuficiência
renal;
– manifestações neuropsíquicas: atraso psico-
DOENÇAS DO ÁCIDO motor, epilepsia, espasticidade, distonia,
ataxia, coreoatetose, autismo, automutilação,
NUCLEICO E DO surdez, etc.;
– artrite e gota;
METABOLISMO DO HEME – baixa estatura;
– cãibras e fraqueza musculares;
João M. Videira Amaral – imunodeficiência e infecções recorrentes,etc..
Para o diagnóstico torna-se fundamental valo-
rizar um conjunto de parâmetros, a saber:
– determinação do nível de ácido úrico no soro
1. DOENÇAS DO METABOLISMO e na urina de 24 horas;
– determinação da relação ácido úrico / creati-
DAS PURINAS E PIRIMIDINAS
nina na urina da manhã;
– detecção de cristais urinários;
Abordar sucintamente o metabolismo das purinas – estudo das purinas e pirimidinas na urina de
e pirimidinas, implica uma descrição breve da sín- 24 horas, evitando nas 24 horas precedentes
tese dos ácidos nucleicos; esta faz-se a partir da e durante a colheita, a ingestão xantinas
ribose-5-fosfato que, sob a acção da fosfo-ribosil- (veiculadas pelo chá, café, cacau, licores,
pirofosfato sintetase (PRPS) origina a P-5-ribose- etc.);
pirofosfato (PRPP) de que derivam dois tipos de
compostos: purinas (ou bases purínicas) e pirimi- 1.1. Principais doenças
dinas (ou bases pirimídicas). do metabolismo das purinas
A biossíntese das purinas decorre duma via
complexa implicando diversas enzimas e meca- Citam-se como exemplos as seguintes:
nismos de retrocontrolo, resultando em inosina
monofosfato (IMP), que é convertida em adenosi- Deficiência de adenosina deamidase (ADA)
na monofosfato ou guanosina monofosfato (AMP, Sucintamente, esta afecção integra um quadro de
GMP). As purinas são catabolisadas via transfor- imunodeficiência combinada grave, diarreia,
mação hipoxantina → xantina → ácido úrico. hipocrescimento, sinais neurológicos progressi-
A biossíntese das pirimidinas faz-se por jun- vos, hipogamaglobulinémia, e elevação da adeno-
ção à PRPP de ácido orótico proveniente do sina. O tratamento consiste em transplante da
aspartato e do carbamil fosfato. Forma-se assim medula óssea, salientando-se que é possível a
o ácido orótico e o ácido uridílico, precursores terapêutica de reposição enzimática.
das bases pirimídicas dos ácidos nucleicos, o que
implica – tal como na via das purinas – a inter- Nefropatia hiperuricémica familiar juvenil
venção de diversas enzimas e mecanismos de Trata-se dum quadro possivelmente relacionado
retrocontrolo que podem estar ausentes, defi- com defeito de transporte renal. Manifestando-se
citários ou disfuncionantes (por ex. hiperactivi- a partir da puberdade, é caracterizado por gota,
dade). insuficiência renal precoce e antecedentes fami-
As doenças hereditárias do metabolismo das liares de idêntica patologia.
purinas e pirimidinas, traduzindo perturbações Comprova-se por exame laboratorial, hiperuri-
em diversos passos do mesmo, englobam um cémia, excreção renal diminuída de ácido úrico, e
conjunto muito heterogéneo de doenças com for- relação elevada ácido úrico/creatinina.
CAPÍTULO 371 Doenças do ácido nucleico e do metabolismo do heme 2025

Síndroma de Lesch-Nyhan 1.2. Principais doenças


Esta síndroma, de transmissão ligada ao cromos- do metabolismo das pirimidinas
soma X, decorre de regeneração deficiente de IMP
a partir de hipoxantina, e de GMP, a partir de gua- Citam-se, entre outras, duas entidades:
nina, com implicação da enzima HPRT (hipoxan-
tina/guanina fosfo-ribosil transferase). As mani- Acidúria orótica hereditária
festações clínicas, que podem manifestar-se a par- Sucintamente, esta afecção, resultante do défice de
tir dos 3-4 meses, integram atraso motor, hipoto- uridina-monofosfato sintetase, pode manifestar-se
nia muscular, distonia, coreoatetose, espasticida- já no RN e lactente com um quadro de hipocresci-
de, epilepsia, automutilação, gota, cálculos de mento e anemia megaloblástica refractária ao tra-
ácido úrico e insuficiência renal. Estão descritas tamento. O achado laboratorial mais notório é a
formas de mais discreta expressão clínica, quer elevação do nível sérico de ácido orótico. O trata-
articular, quer neurológica. (Figura 1) mento consiste na administração de uridina (25-
Existe hiperuricémia, aumento da relação ácido 150 mg/kg/dia) em função do resultado do dosea-
úrico/creatinina, aumento de ácido úrico na urina mento urinário de ácido orótico.
da manhã e aumento da hipoxantina. O tratamen-
to, fundamentalmente, inclui regime alimentar com Deficiência de timidina fosforilase (TP)
restrição de purinas e administração de alopurinol. A principal característica clínica desta doença, em
geral com início de manifestações entre os 5 e 15
Outras doenças do metabolismo das purinas anos, é a chamada encefalopatia mitocondrial
Salientam-se, entre outras: a hiperactividade da (mio-neuro-gastrintestinal – sigla MNGIE) acom-
fosfo-ribosil pirofosfato sintetase (PRPS), ligada ao X, panhada de fenómenos de pseudobstrução, neu-
cursando com hiperuricémia, hiper-hipoxantiné- romiopatia e oftalmoplegia externa crónica pro-
mia, e quadro de gota associando-se nefrolitíase e gressiva (CPEO). Como achado laboratorial ress-
surdez neurossensorial; e a xantinúria por défice salta-se a elevação do teor de timidina na urina.
da xantina-oxidase cursando com nefrolitíase e
artromiopatia, hematúria, hipouricémia, hiper-
xantinémia e hiper-hipoxantinémia. Ambas re-
querem dieta restrita em purina e alopurinol.
2. DOENÇAS DO METABOLISMO
DO HEME

No âmbito da abordagem sucinta do metabolis-


mo do heme, é importante recordar, para melhor
compreensão dos problemas clínicos a ele ligados,
que a biossíntese daquele se processa a partir da
glicina e succinil-CoA, principalmente na medula
óssea (~80%) e no fígado, com o concurso de oito
enzimas. O heme é metabolizado em bilirrubina,
com ulterior excreção biliar.
Assim, as porfírias, na maioria doenças AD,
resultam de anomalias da biossíntese do heme,
por sua vez relacionadas com defeitos enzimáti-
cos.
As manifestações clínicas das anomalias do
metabolismo do heme integram fundamental-
FIG. 1
mente sintomas abdominais, neurológicos e der-
Síndroma de Lesch-Nyhan: criança com distonia; são visíveis as matológicos, os quais estão relacionados com
marcas de automutilação na mão esquerda. (Cortesia do Dr. níveis elevados de porfirinas e seus precursores
Aguinaldo Cabral) no sangue, sua acumulação nos tecidos, e ulterior
2026 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

excreção pela urina e fezes. Descrevem-se funda- (urticária solar de repetição) e doença hepática.
mentalmente dois grandes grupos de porfírias: Para além dos marcadores atrás referidos a propó-
hepática e eritropoiética de acordo com a origem dos sito do diagnóstico laboratorial das porfírias em
metabólitos patológicos. geral, cabe referir o teor elevado de protoporfirina
Para o diagnóstico torna-se fundamental valo- livre nos eritrócitos, plasma e fezes. O tratamento
rizar um conjunto de parâmetros, a saber: inclui fotoprotecção, administração de beta-caro-
– Detecção de porfobilinogénio na urina (pro- tenos, e colestiramina e ácidos biliares nas compli-
vas de Hoesch, de Watson-Schwartz), haven- cações hepáticas.
do suspeita de porfíria hepática aguda (ver
adiante);
– Detecção de coproporfirina e protoporfirina
nas fezes;
– Detecção de coproporfirina e porfirinas (uro,
hepta-,hexa-, penta-) na urina;
– Detecção de precursores da porfirina (ácido
delta-aminolevulínico e porfobilinogénio) na
urina nos casos de suspeita de porfíria hepá-
tica e doença de Gunther (ver adiante);
– Detecção da actividade enzimática eritrocitá-
ria em situações específicas (sobretudo na
protoporfíria): por ex. deidratase do ácido
delta-aminolevulínico, sintetase do uroporfi-
rinobilinogénio III, etc..

2.1. Alguns exemplos de porfírias

Porfíria eritropoiética congénita


(doença de Gunther)
Esta entidade foi sucintamente descrita no capítu-
lo 143 (Hematologia).

Porfíria hepática intermitente aguda


Doença de transmissão AD, está relacionada com
défice da enzima porfobilinogénio sintetase.
Manifesta-se na adolescência e idade adulta
mediante a acção de desencadeantes como fárma-
cos indutores enzimáticos, fome, estresse, álcool,
hormonas, menstruação, etc.: vómitos, cólicas
abdominais, quadro simile abdómen agudo, poli-
neuropatia. Nas crises agudas, para além da evic-
ção de desencadeantes, está indicada analgesia
(clorpromazina, opiáceos), anti-emese (promazi-
na) e glicose IV (4-6 g/kg/dia) e hematina(3
mg/kg/dia) em administração IV lenta de curta
duração, durante 4 dias.

Protoporfíria eritropoiética-hepática
Esta doença, de transmissão AD, manifesta-se
essencialmente por fotossensibilidade, dermatose
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2027

372
– Doenças por defeito de transporte lisossómico.
Neste capítulo é dada ênfase às primeiras qua-
tro entidades clínicas (MPS, Oligossacaridoses,
ML e Esfingolipidoses), respectivamente nas alí-
neas 1, 2, 3, 4, adiante sistematizadas.
Os peroxissomas são organelos celulares que
DOENÇAS DOS ORGANELOS possuem funções anabólicas e catabólicas, sinteti-
zam fosfolípidos (plasmalogénios, importantes
João M. Videira Amaral constituintes das membranas celulares), a mielina;
intervêm na beta-oxidação dos ácidos gordos de
cadeia muito longa e alfa-oxidação do ácido fitâ-
nico (ácido gordo 3-metil), e na formação dos áci-
Sistematização dos biliares; e promovem o catabolismo da lisina e
do glioxilato.
As células do organismo humano possuem diversos Muitas reacções dependentes do oxigénio veri-
organelos interligados funcionalmente tais como: ficam-se nos peroxissomas para proteger a célula
lisossomas, peroxissomas, retículo endoplásmico, dos radicais livres, sendo que o H2O2 produzido é
complexo de Golgi e mitocôndrias. As anomalias metabolizado pela catalase peroxissómica.
verificadas a este nível permitem a individualização Salienta-se que para a biossíntese dos peroxisso-
de determinadas entidades clínicas, sendo que a mas e transporte transmembranar torna-se funda-
relação entre a doença e o respectivo organelo se mental o concurso das chamadas peroxinas codifi-
pode considerar em certa medida artificial, mas útil cadas pelo gene PEX.
para fins didácticos e melhor compreensão dos pro- Neste contexto, poderá ser compreendida a
blemas clínicos decorrendo das referidas anomalias. sistematização das doenças dos peroxissomas,
Os lisossomas, organelos que contêm hidro- considerando, fundamentalmente:
lases em meio ácido, são fundamentais para a cisão – Defeitos da biogénese dos peroxissomas
intracelular de moléculas e composto de diversas – Defeitos enzimáticos isolados. (ver adiante
dimensões. Certas enzimas lisossómicas, sendo alínea 5.)
captadas através de endocitose por outras células,
poderão ser identificadas nos fluidos orgânicos. Outros organelos com importância na etiopa-
Como consequência de defeitos em genes que togénese doutro grupo de doenças hereditárias do
codificam as referidas enzimas lisossómicas, metabolismo são: o retículo endoplásmico (RE-
haverá acumulação de substratos incompletamente estrutura do citoplasma celular constituída por
catabolisados nos organelos de diversos sistemas e um conjunto de sáculos e de túbulos achatados)
órgãos (por ex. órgãos sólidos, tecido conjuntivo, cuja função está associada a outro organelo; e o
sistema osteoarticular, sistema nervoso, etc.), cuja aparelho de Golgi (AG- microstrutura com peque-
tradução clínica é o surgimento de organomegálias nas bolsas e vesículas, e papel importante nos pro-
e outras disfunções de carácter progressivo. cessos de secreção e absorção da célula).
No âmbito das doenças dos lisossomas são Para melhor compreensão das doenças destes
consideradas diversas entidades clínicas assim organelos, importa recordar as seguintes noções:
discriminadas: – muitas enzimas e proteínas de transporte e
– Mucopolissacaridoses (MPS) de membrana, assim como hormonas, requerem
– Oligossacaridoses glicosilação (glicosilação proteica) para que se tor-
– Mucolipidoses (ML) nem funcionais, formando-se glicoproteínas;
– Esfingolipidoses – mais de 30 enzimas conhecidas, localizadas
– Doenças lisossómicas de armazenamento ou nos referidos organelos (RE e AG), estão envolvi-
depósito de lípidos (incluindo as lipofuscinoses), e das em tal processo;
de glicogénio (glicogenose tipo II ou doença de – as perturbações ao nível de múltiplos passos
Pompe, já abordada) metabólicos relacionados com a glicosilação pro-
2028 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

teica originam uma diversidade de síndromas tura de GAG, sinónimo do termo antigo de muco-
designados genericamente por síndromas CDG polissacáridos),os quais se depositam nos órgãos e
(da sigla em inglês de congenital defects of glycosy- tecidos. Os GAG, que constituem a matriz extracelu-
lation), cuja classificação é feita segundo critérios lar, são açúcares de cadeia longa aminoacetilados ou
fisiopatológicos (alínea 6.). sulfatados em ligação a estrutura proteica.
Para exemplificar a relação funcional entre Trata-se de doenças crónicas, progressivas e
organelos, refere-se a cisão das glicoproteínas, a multissistémicas, de transmissão AR, exceptuan-
qual tem lugar nos lisossomas. do no caso da MPS II (doença de Hunter), que é
Uma das principais função das mitocôndrias, ligada ao cromossoma X. Nas formas moderadas,
organelo em forma de grão, bastonete ou filamen- o fenótipo e a esperança de vida aproximam-se da
to, é o fornecimento de energia sob a forma de normalidade. O diagnóstico pré-natal é possível
ATP através da oxidação dos ácidos gordos, a oxi- para todos os tipos.
dação de acetilCoA no ciclo do ácido tricarboxíli- Os bebés afectados têm geralmente aparência
co e a fosforilação oxidativa na cadeia respiratória. normal ao nascer, sendo com o tempo que o fenó-
Tal processo implica o concurso de mais de 50 tipo se vai definindo; se o fenótipo sugestivo é
enzimas e complexos enzimáticos compostos por notório logo ao nascer, é mais provável que a
número variável de polipéptidos. situação em causa se relacione com mucolipidose
As doenças do metabolismo energético mito- tipo II ou I-cell disease (ver adiante).
condrial, ou simplesmente, doenças mitocon- As manifestações clínicas mais relevantes das
driais, decorrem de perturbações de enzimas ou MPS podem ser sistematizadas como se segue:
complexos enzimáticos directamente envolvidos – dismorfia facial (fácies grotesco)
na geração de energia química pela fosforilação – alterações esqueléticas (disostose múltipla)
oxidativa; incluem o complexo piruvato desidro- – hepatosplenomegália
genase (PDH), o ciclo do ácido tricarboxílico, a – hérnia umbilical e inguinal
cadeia respiratória e a ATP sintetase. – rigidez articular como regra, exceptuando na
Classicamente as perturbações das mitocôn- doença de Mórquio
drias são abordadas separadamente, no âmbito do – hipocrescimento de grau variável (nanismo
metabolismo energético (Capítulo 373). na antiga nomenclatura)
– surdez, opacidade da córnea
– deterioração mental e alterações neurológi-
cas progressivas (variáveis)
1. MUCOPOLISSACARIDOSES (MPS) – defeitos cardíacos (lesões valvulares)
– pele áspera e hirsutismo
AS MPS são doenças lisossómicas de sobrecarga, – infecções respiratórias frequentes.
resultantes de deficiência de enzimas lisossómicas
(hidrolases ácidas), com consequente degradação O Quadro 1 resume a classificação das MPS,
incompleta dos glicosaminoglicanos (com a abrevia- dando ênfase a aspectos clínicos característicos.

QUADRO 1 – Síntese classificativa das MPS

Tipo Dismorfia facial Disostose múltipla Atraso mental Opacidade da córnea Coração
I ++ ++ ++ ++ +
II ++ +(++) ++ – +
III + + ++ + –
IV + ++ – (+) –
VI + + – ++ +
VII + + + + (+)
Designação dos tipos de MPS: I-Hurler; II-Hunter; III-Sanfilippo; IV-Mórquio;
VI-Maroteaux-Lamy; VII-Sly. ( )=variável
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2029

QUADRO 2 – Glicosaminoglicanos(•) patológicos na urina em diferentes MPS

Normal Mucopolissacaridose Achados clínicos típicos,


I II III IV VI VII sistemas orgânicos afectados
Sulfato de dermatano ++ ++ ++ + Esqueleto + órgãos internos
Sulfato de heparano + + + n/+ Atraso mental
Sulfato de queratano + Esqueleto
Sulfato de condroitina + (+) +

(•) Anteriormente designados mucopolissacáridos (GAG/MPS) e pesquisados como triagem; probabilidade de falsos positivos nos tipos III e IV.
() = varável; n = normal

O tipo IX (Natowicz) foi bem caracterizado, O cuidadoso estudo radiológico pode contri-
mas apenas num doente. buir para o diagnóstico valorizando as seguintes
Em síntese, as MPS podem ser caracterizadas alterações: escafocefalia, sela turca alargada; cos-
do seguinte modo: telas alargadas e grosseiras com afilamento proxi-
• Síndroma dismórfica e hipocrescimento
(Hurler, Hunter e Maroteaux- Lamy, Sly) (Figuras
1-A, B, C; 2; 3; 4);
• Deficiência mental com regressão das capaci-
dades e alterações do comportamento (Sanfilippo);
(Figura 5);
• Displasia óssea grave (Mórquio); (Figura 6).

O diagnóstico baseia-se:
– na detecção urinária e caracterização dos
GAG parcialmente degradados; (Quadro 2)
– na análise (no soro, leucócitos ou fibroblastos)
da actividade das enzimas específicas (Quadro 3); e
FIG. 1A
– na análise molecular (estudo mutacional).
MPS-I (Hurler): Nanismo, fácies grosseira, organomegália,
QUADRO 3 – Mucopolissacaridoses e alterações mão bota. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
enzimáticas específicas

MPS I (Hurler-Scheie) → alfa-L-iduronidase


MPS II (Hunter) → iduronato-2-sulfatase
MPS III (Sanfilippo) → quatro enzimas (A, B, C, D) do
metabolismo do sulfato de heparano, respectivamente:
heparano S sulfamidase, N-ac-alfa-glucosaminidase,
Ac-CoA-glucosaminida-N-acetiltransferase,
N-ac-glucosaminina-6-sulfato sulfatase.
MPS IV (Mórquio) → duas enzimas (A, B) do
metabolismo do sulfato de queratano, respectivamente:
N-ac-galactosamina-6-sulfato sulfatase(Mórquio A),
beta-galactosidase(Mórquio B)
MPS VI (Maroteaux-Lamy) → N-acetilgalactosamina-
4-sulfatase (arilsulfatase B)
MPS VII (Sly) → Beta-glucuronidase FIG. 1B
MPS IX (Natowicz) → Hialuronidase 1 MPS-I (Hurler): Fácies grosseira, pescoço curto, hirsutismo.
(Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
2030 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

FIG. 1C
MPS-I (Hurler): Aspecto das mãos, dedos grosseiros. (Cortesia FIG. 4
do Dr. Aguinaldo Cabral) Sly (MPS-VII): Fácies grosseira, hipertrofia gengival,
organomegália, alterações esqueléticas. (Cortesia do
Dr. Aguinaldo Cabral)

FIG. 2
MPS-II (Hunter): Atraso mental,organomegália, difiuldade de
extensão articular. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral) FIG. 5
Sanfilippo (MPS-III): hirsutismo, fácies grosseira. (Cortesia do
Dr. Aguinaldo Cabral)

FIG. 3
Maroteaux-Lamy (MPS-VI): Fácies grosseira,alterações esqueléti- FIG. 6
cas, hérnia umbilical, dificuldade de extensão articular. Mórquio (MPS-IV-A): 2 irmãos com a doença; nanismo e
(Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral) inteligência normal. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2031

mal (costelas em remo); corpos vertebrais em anzol


com esporão ântero-inferior, gibosidade, cifose
dorsal, lordose lombar; metacárpicos com afila-
mento proximal; alteração dos ossos da bacia
(grandes asas do ilíaco, como na doença de
Mórquio), cavidades cotiloideias fugidias e irre-
gulares, etc.. (Figuras 7, 8, 9, 10, 11)
Para além do tratamento sintomático, salien-
FIG. 9
ta-se que tem havido progressos com a terapêuti-
ca enzimática de substituição, disponível para MPS: padrão radio-
alguns tipos de MPS (perfusão IV semanal de lógico (pormenor de
enzima recombinante). Nalguns casos de MPS vértebra em anzol).
(Cortesia do Dr.
tipos I, II e VI tem sido realizado transplante de
Aguinaldo Cabral)
medula óssea com resultados variáveis.

FIG. 10
FIG. 7 MPS: radiografia do 1/3 inferior dos antebraços e das mãos:
MPS: aspecto radiológico de costelas em remo. (Cortesia do metacárpicos grosseiros, com afilamento proximal; metacárpi-
Dr. Aguinaldo Cabral) cos em “favo de mel”. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)

FIG. 8
Aspecto radiológico
de MPS; vista lateral
da coluna
vertebral:costelas
alargadas,
grosseiras;alteração
dos corpos
vertebrais(vértebras
em “anzol”) com
esporão
anteroinferior;
retrolistese. (Cortesia FIG. 11
do Dr. Aguinaldo
Radiografia do crânio de MPS: vista lateral do crânio com sela
Cabral)
turca alargada em “tamanco”. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
2032 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

tose múltipla, atraso psicomotor, surdez, catara-


2. OLIGOSSACARIDOSES tas, opacidade da córnea, hepatosplenomegália e
hérnias. As infecções bacterianas são comuns, pos-
Sistematização sivelmente em relação com deficiência imunitária.
Por vezes surgem: ataxia progressiva e hidrocefa-
As oligossacaridoses são doenças de armazena- lia comunicante. A pesquisa de linfócitos com
mento lisossomial, autossómicas recessivas, devi- vacúolos é habitualmente positiva.
das à deficiência de enzimas que fazem a degra- São descritos dois tipos:
dação das cadeias oligossacarídicas das glicopro- – tipo 1 (Infantil), ocorrendo antes do 1 ano de
teínas; daí serem também chamadas glicoprotei- idade com: facies grosseiro, hipertrofia gengival,
noses. A deficiência enzimática específica origina macroglossia, organomegália, surdez, atraso psi-
acumulação intracelular de glicoproteínas e/ou comotor evoluindo para atraso mental grave. A
de oligossacáridos, parcialmente degradados, morte ocorre entre 3-10 anos de idade;
com consequente excreção aumentada na urina. – tipo 2 (Juvenil), mais moderado, com início
A sua frequência, inferior à das MPS, contudo mais tardio, da infância à idade adulta, com disos-
é elevada em certas regiões do mundo, como é o tose múltipla, atraso mental moderado e surdez.
caso da fucosidose em Itália, e da aspartilglicosa-
minúria na Finlândia. 2.2. β-Manosidose (McKusick 248510)
Existe grande heterogeneidade clínica, em É muito menos frequente que a doença anterior.
parte explicada pela vasta heterogeneidade aléli- Como manifestações clínicas descrevem-se:
ca. O mesmo defeito enzimático pode dar origem graves dificuldades de aprendizagem, alterações
a formas clínicas diferentes, com idade de início, graves de comportamento, surdez e infecções fre-
gravidade e envolvimento de órgãos muito variá- quentes. O fenótipo simile-Hurler tem menor inci-
veis, sendo responsável tanto pelas formas pre- dência. Mais frequentemente surgem: atraso men-
coces como pelas de começo tardio. Partilham tal que pode estar associado a neuropatia periféri-
muitos aspectos clínicos com as mucolipidoses ca, convulsões, surdez e atraso de crescimento. O
(ML), e outras doenças lisossomais, mas em parti- início surge por volta dos 1-2 anos, podendo
cular com as mucopolissacaridoses (MPS), desi- alguns doentes viver até à idade adulta.
gnadamente no que respeita a alterações esquelé-
ticas e fácies grosseiro. Dum modo geral as mani- 2.3. Fucosidose (McKusick 230000)
festações das oligossacaridoses surgem mais pre- É devida à deficiência da α-L-fucosidase, com
cocemente do que as das MPS (RN ou primeira consequente acumulação de glicoesfingolípidos,
infância). glicolípidos e glicoproteínas em vários tecidos,
Pertencem a este grupo: manosidoses, fucosi- originando grave doença neurodegenerativa,
doses, doença de Schindler, aspartilglicosaminú- convulsões frequentes, e moderada disostose múl-
ria, sialidoses e galactossialidoses, descritas de tipla. Estão descritas mais de 20 mutações.
modo sucinto a seguir. Alguns doentes apresentam angioqueratomas
proeminentes. O início das manifestações clínicas
2.1. α-Manosidose (McKusick 248500) pode ocorrer entre as idades de 1-2 anos, podendo
Esta doença é devida à deficiência da – manosida- verificar-se sobrevivência até à idade adulta. No
se que causa acumulação de oligossacáridos e gli- geral verifica-se: fácies grosseiro, atraso mental,
coproteínas ligadas a resíduos de manose em infecções respiratórias frequentes, deterioração
vários tecidos e tipos de células, incluindo neuró- neurológica, alterações esqueléticas, hepatosple-
nios. Existem mais de 60 mutações, sendo a nomegália. Estão descritos dois tipos:
R750W a mais comum. – tipo 1, de início precoce (3-18meses) com
As manifestações clínicas são de largo espec- deterioração progressiva, compromisso do SNC e
tro, desde formas perinatais, geralmente fatais, a medula espinal, atraso mental, atraso de cresci-
formas oligossintomáticas, na idade adulta. São mento, disostose múltipla, alterações vertebrais,
frequentes: fácies grosseiro (simile-Hurler), disos- cardiomegália, hepatosplenomegália, hérnias e
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2033

convulsões; os doentes apresentam concentração excreção elevada na urina. É frequente na Finlân-


de NaCl elevada no suor (Capítulo 91); dia (1/17.000), e rara noutras regiões.
– tipo 2, de início mais tardio e curso mais Como manifestações clínicas destacam-se:
lento, com angioqueratomas (aspecto típico), atraso psicomotor, diminuição da coordenação
sendo a concentração de NaCl no suor normal. dos movimentos finos, atraso da linguagem, alte-
Em ambos os tipos podem observar-se linfóci- rações psiquiátricas, hiperactividade, infecções
tos no sangue periférico, com vacúolos. recorrentes nos primeiros anos de vida, diarreia e
hérnias. O início dá-se por volta dos 6-15 anos
2.4. Doença de Schindler (McKusick 104170) com agravamento lentamente progressivo do
Doença muito rara devida à deficiência de α-N- comportamento, dismorfias, cifose, baixa estatura,
acetilgalactosaminidase que provoca acumulação fraqueza ligamentar, macroglossia, voz rouca,
de glicoesfingolípidos em vários tecidos. Descre- acne, fotosensibilidade, angioqueratomas e telan-
vem-se dois tipos: giectasias. A hepatomegália é rara, excepto nos
– tipo 1 (Infantil), de inicio por volta do 1 ano doentes finlandeses. No adolescente pode surgir
de idade, em crianças até aí aparentemente nor- macrorquidismo. A disostose é ligeira, e não há
mais; depois verifica-se deterioração neurológica alterações visuais (excepto, por vezes, um pontea-
com convulsões, hipotonia axial, espasticidade, do semelhante a cristal na córnea).
atrofia óptica, nistagmo, surdez e atraso psicomo- Alguns autores referem um aspecto facial
tor importante. Há, pois um quadro de distrofia característico: hipertelorismo, nariz pequeno e
neuroaxonal e crises mioclónicas. Outros doentes grosseiro, pavilhões auriculares com lobos peque-
apresentam síndroma piramidal e cerebeloso; nos ou ausentes e lábios grossos. A morte pode
alguns têm hiperacúsia, oftalmoplegia e estrabis- ocorrer na meia idade.
mo. Através da neuro- imagem demonstra-se atro- Alguns doentes podem apresentar microcefa-
fia do córtex cerebral, cerebelo e tronco: a electro- lia, opacidade da córnea, espasticidade, hipotonia
miografia evidencia sinais de degenerescência e hipertrofia das válvulas cardíacas. No sangue
axonal e o electrorretinograma é normal. O EEG periférico podem ser observados linfócitos com
evidencia sinais de compromisso cerebral difuso, vacúolos. Na Finlândia a mutação mais frequente
e de irritabilidade multifocal, especialmente nas é a C163S.
regiões central, parietal e occipital.
A mutação E25K é a mais comum nesta forma 2.6. Sialidoses (McKusick 256550)
grave, especialmente em homozigotia. As sialidoses são devidas à deficiência da α-neu-
– tipo 2 (Adulto), ou doença de Kansaki; todos raminidase responsável pela remoção dos resí-
os doentes apresentam telangiectasias, angioquera- duos de ácido siálico dos sialoconjugados, com
tomas, atraso mental ligeiro e degenerescência axo- consequente excreção urinária elevada de sialoli-
nal periférica; por vezes, fácies grosseiro e lábios gossacáridos. O espectro clínico é amplo, desde
grossos. Pela neuro-imagem comprovam-se sinais formas precoces com hidropisia fetal, até formas
de enfartes lacunares sem atrofia cortical. O electro- de progressão lenta de síndroma mioclónica e
miograma permite evidenciar redução de amplitu- mancha cor de cereja ou “cherry-red spot” detectável
de e velocidade de condução normal. Não ocorre por fundoscopia (Capítulo 255).
degenerescência progressiva. Estão descritos qua- Descrevem-se dois tipos principais:
dros intermédios sem organomegália ou alterações – tipo1, de início na infância/adolescência,
ósseas. Existe discrepância genótipo-fenótipo admi- com perda visual progressiva, cherry-red spot na
tindo-se que outros factores contribuam para o qua- mácula, convulsões, polimioclonias que se agra-
dro neurológico tão grave das formas precoces. vam com os estímulos emocionais/sensoriais,
ataxia. Mais tarde: atrofia óptica, opacidade punc-
2.5. Aspartilglicosaminúria (McKusick 208400) tiforme da córnea e cegueira. Não ocorrem: dis-
Trata-se duma doença causada pela deficiência da morfias, alterações esqueléticas nem atraso mental
aspartilglicosaminidase que leva ao armazena- significativo. Pela neuro-imagem detecta-se atro-
mento de aspartilglicosamina nos tecidos, e à sua fia cerebral e do cerebelo. Por vezes são observa-
2034 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dos linfócitos vacuolizados no sangue periférico. aos 15 anos. Neste tipo são evidentes: fácies gros-
– tipo 2, de início muito mais precoce, com seiro, opacidade da córnea, angioqueratomas,
fácies grosseiro, disostose múltipla e hepatosple- envolvimento cardíaco e alterações da coluna ver-
nomegália. Este tipo integra duas formas: forma tebral (platispondilia); nalguns casos são verifica-
congénita, com hidropisia fetal, ascite, hérnias, dos: deterioração neurológica progressiva com
displasia óssea, opacidade da córnea e telangiec- ataxia, mioclonias, convulsões, sinais piramidais e
tasias. A morte é precoce (pré-natal ou nas primei- atraso mental.
ras semanas de vida); e forma infantil com grave
atraso do desenvolvimento neurológico, hepatos- Diagnósticos diferencial, definitivo
plenomegália; edema e a ascite podem observar- e pré-natal
se ao nascer, ou mais tarde; o fenótipo like-Hurler
vai-se acentuando. São comuns: cherry-red spot Do ponto de vista clínico, as oligossacaridoses
na mácula, opacidade punctiforme na córnea e partilham muitos sinais e sintomas não só com as
cristalino, surdez, convulsões, atraso de cresci- mucolipidoses (ML) II e III como, principalmente,
mento e disfunção motora. Pode verificar-se com as mucopolissacaridoses (MPS). Estas últi-
macrocefalia nalguns casos. Os doentes podem mas, contudo, excretam na urina GAG (mucopo-
sobreviver até à segunda década, mas, geralmente lissacáridos) e não oligossacáridos.
a morte ocorre na infância (1-7 anos). Como acha- Assim, perante um doente com fácies grossei-
dos radiológicos destacam-se: disostose múltipla ro (semelhante ao da síndroma de Hurler), altera-
que pode ser grave e condrodisplasia puntacta epi- ções esqueléticas, com (ou sem) atraso mental,
fisária. torna-se fundamental proceder, de imediato, a
cromatografia em camada fina em urina de 24
2.7. Galactossialidoses (McKusick 256540) horas para pesquisa de oligossacáridos e mucopo-
Trata-se de doenças devidas a defeito combinado lissacáridos. Se se comprovar mucopolissacaridú-
da neuraminidase e da β–galactosidase, causado ria, tal apontará, em princípio, para MPS; se se
por falta duma proteína protectora, a catepsina A, verificar oligossacaridúria, há que admitir a possi-
responsável pela estabilidade do complexo enzi- bilidade de oligossacaridose, ou de doenças rela-
mático dentro dos lisossomas. cionadas, como ML, ou ainda doutras doenças
As manifestações clínicas são dominadas por lisossomais que apresentam oligossacaridúria
fácies grosseiro, cherry-red spot na mácula, altera- como: GM1, GM2,e doença de armazenamento de
ções ósseas. O exame do esfregaço do sangue per- ácido siálico.
iférico evidencia linfócitos vacuolizados. Distin- Chama-se a atenção para o facto de outras doen-
guem-se três tipos: ças não metabólicas poderem apresentar alteração na
– tipo infantil precoce, com as seguintes mani- excreção de oligossacáridos, tais como: síndromas
festações, já no RN: hidropisia fetal, ou edema, de: Coffin-Lowry, Coffin-Siris, displasia frontome-
ascite, hérnia inguinal, fácies grosseiro, fígado e tafisária, Sotos, Williams, Costello, e outras, não
baço aumentados, insuficiência renal com pro- esquecendo o hipotiroidismo congénito.
teinúria maciça, cardiomegália, e telangiectasias. A Salienta-se que a cromatografia de oligossacá-
morte é precoce por insuficiência cardíaca e renal; ridos urinários é a única prova de rastreio útil e
– tipo infantil tardio, manifestando-se até aos 2 fiável.
anos por fácies grosseiro, hepatosplenomegália, Será importante dosear, no plasma, a quitotrio-
hérnia inguinal, disostose múltipla, cherry-red spot sidase, que está elevada não só na doença de
e opacidade da córnea. Como complicações des- Gaucher, mas também nas doenças: GM1, Krabbe,
creve-se insuficiência cardíaca devida ao encerra- MPS IV-B, NP-B, NP-C, doença de armazenamen-
mento das válvulas aórtica e mitral. Nalguns to de ésteres do colesterol, Wolman, fucosidose,
doentes verificam-se macrocefalia e surdez neu- galactosialidose e glicogenose IV.
rossensorial; A pesquisa de linfócitos vacuolizados no
– tipo juvenil/adulto, ocorrendo com maior sangue periférico, quando positiva, constitui um
incidência no Japão, e uma idade média de início elemento adjuvante da suspeição clinica.
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2035

O exame radiológico dos ossos, particularmen-


te da coluna vertebral, em dois planos, é funda-
3. MUCOLIPIDOSES (ML)
mental para provar (ou não) a existência de disos-
tose múltipla. Outro tipo de doenças lisossómicas, as ML, partil-
A confirmação diagnóstica faz-se pela determi- ha características clínicas e bioquímicas das MPS e
nação da actividade das enzimas lisossómicas das esfingolipidoses. As mesmas integram essen-
específicas nos leucócitos, fibroblastos, linfoblas- cialmente os seguintes tipos: ML I (sialidose do
tos, amniócitos, vilosidades coriónicas, e raramen- tipo I), ML II (doença de célula-I ou I-cell disease),
te no plasma. Nas sialidoses e galactosialidose não ML III (distrofia pseudo-Hurler), e a ML IV.
devem ser usados, para esse fim, os leucócitos, A ML I, considerada por alguns como oligos-
sendo preferível a cultura de células. Na galactos- sacaridose, é devida a deficiência da enzima
sialidose é possível determinar a actividade da lisossómica alfa-neuraminidase. As manifestações
catepsina A nos fibroblastos. clínicas são variáveis: hidropisia fetal, défice
A análise do DNA está disponível para todas visual, convulsões mioclónicas, alterações da mar-
estas patologias. cha, fundoscopia evidenciando mancha cor de cere-
Para o diagnóstico pré-natal podem ser usadas ja (Capítulo 255), e disostose múltipla.
as vilosidades coriónicas em todas as doenças, As ML II e ML III são devidas a deficiência da
excepto na sialidose e galactosialidose (para as mesma enzima: N-acetilglicosamil fosfotransferase.
quais se dá preferência, respectivamente, ao liqui- A ML II é semelhante à doença de Hurler, mas
do amniótico e à cultura de células). com início muito precoce e com evolução grave:
dismorfia facial, cifoscoliose, gibosidade lombar,
Tratamento e prognóstico visceromegália, rigidez articular, hipertrofia gengi-
val, atraso psicomotor em geral grave e morte pre-
Para o tratamento destas afecções, essencialmente coce. É frequente a ocorrência de hidropisia fetal.
sintomático na fase actual do conhecimento, A ML III, comportando maior sobrevivência,
torna-se fundamental o apoio multidisciplinar de evidencia quadro clínico menos exuberante,
centros especializados em doenças hereditárias do embora alguns doentes tenham displasia óssea
metabolismo. progressivamente incapacitante.
Deve ser dada atenção às possíveis perturba- A ML IV, devida a deficiência de mucolipidina
ções do sono e do comportamento, assim como às 1 (proteína de canal do cálcio com papel impor-
situações que necessitem de anestesia. A dismorfia tante na endocitose) caracteriza-se fundamental-
facial, a displasia esquelética, a obstrução das vias mente por atraso psicomotor progressivo, opaci-
aéreas superiores podem dificultar grandemente dade da córnea, e elevação da gastrina na maioria
as manobras de anestesia. dos casos (parâmetro que poderá ser utilizado
O transplante de células estaminais, a terapêu- como triagem).
tica enzimática de substituição (TES), e de redução O tratamento das ML é sintomático.
do substrato estão em evolução.
O transplante de medula óssea (TMO) tem
sido realizado em número reduzido de casos, não
sendo a sua eficácia definida com exactidão: na –
4. ESFINGOLIPIDOSES
manosidose parece favorável quando realizado
muito precocemente; na fucosidose os resultados A etiopatogénese das esfingolipidoses, doenças
foram inconclusivos, e alguns doentes finlandeses dos lisossomas dum ou mais órgãos, relaciona-se
com aspartilglicosaminúria tiveram importantes com a acumulação de esfingolípidos, por defi-
complicações após o referido TMO. ciência primária de enzimas ou de proteínas acti-
O êxito da TES nas doença de Gaucher, Fabry vadoras envolvidas no respectivo catabolismo.
e nalgumas MPS, faz prever que as oligossacari- Os esfingolípidos, localizados predominante-
doses possam vir a beneficiar dessa terapêutica, mente no sistema nervoso, estão distribuídos por
assim como da terapia génica. todo o organismo. Incluem fundamentalmente:
2036 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– os galactocerebrosídeos, sulfatídeos e esfin- veis, desde formas assintomáticas a formas extre-


gomielina, componentes essenciais das camadas mamente incapacitantes. Salientando-se que não
de mielina; e ocorrem alterações neurológicas significativas,
– os gangliosídeos encontrados particularmen- cabe referir que os sintomas prevalentes são visce-
te na substância cinzenta do cérebro. rais, hematológicos e ósseos.
Deste modo, as esfingolipidoses surgem como Na criança surge esplenomegália, geralmente
doenças primárias do SNC ou periférico; contu- acompanhada de hepatomegália, anemia, trombo-
do, as manifestações também poderão decorrer da citopénia, tendência hemorrágica, crises agudas de
acumulação de esfingolípidos no sistema reticu- dor abdominal (relacionados com enfartes espléni-
loendotelial (SRE) ou noutras células. cos), crises dolorosas ósseas (por enfartes medu-
Como manifestações clínicas gerais das esfin- lares nos ossos longos). O envolvimento ósseo é,
golipidoses citam-se: atraso psicomotor progressi- nos mais velhos, uma causa maior de morbilidade;
vo, epilepsia, ataxia e ou espasticidade. Poderá a necrose asséptica da cabeça do fémur e as fractu-
verificar-se hepatosplenomegália, sendo que alte- ras espontâneas são comuns. Poderá ocorrer infil-
rações esqueléticas e dismórficas são raras (excep- tração pulmonar e, nos adultos, poderá surgir qua-
to na GM1 – ver adiante). Outros achados incluem: dro de hipertensão pulmonar.
o aspecto fundoscópico de mancha cor de cereja na Na DG do tipo 2 a sintomatologia torna-se
mácula, medula óssea com células espumosas, e notória na infância precoce com disfunção do
linfócitos vacuolados. tronco cerebral, disfagia, alteração da motilidade
As entidades clínicas que fazem parte das esfin- ocular (oftalmoplegia), espleno-hepatomegália,
golipidoses são: doença de Gaucher, doença de retroflexão do pescoço, espasticidade marcada,
Niemann-Pick A e B, gangliosidoses GM1 e GM2, hipocrescimento e caquexia. A evolução é geral-
galactossialidose, doença de Krabbe, leucodistrofia mente rápida: poucos doentes sobrevivem até aos
metacromática, doença de Fabry, doença de Farber, 2 anos de idade, sendo que outros têm têm curso
doença de Niemann-Pick C, e defeito da prosaposi- mais lento e sobrevivem até aos 5 anos. Estão des-
na. Todas, excepto a doença de Fabry (recessiva, critas variantes fetais e neonatais com elevada
ligada ao X), são doenças autossómicas recessivas. incidência de óbitos por hidropisia.Estas formas
Seguidamente, procede-se à abordagem sucin- clínicas são por vezes descritas como de “bébé
ta das primeiras quatro doenças citadas. colódio”.
A forma de DG do tipo 3 é muito heterogénea.
4.1. Doença de Gaucher As manifestações clínicas mais frequentes e mais
Etiopatogénese e sistematização graves traduzem compromisso do SNC (tronco
A doença de Gaucher (DG) é devida a deficiência cerebral): paralisias dos músculos oculares (com-
de beta-glucosidase (ou glucocerebrosidase). promisso da motilidade para cima e horizontal),
Embora se admita hoje que existe um espectro clí- surdez e, por vezes, atraso do desenvolvimento.
nico contínuo e diversificado,a tradicional subdi- Pode haver quadro de epilepsia mioclónica pro-
visão em 3 fenótipos é útil e tem cunho didáctico: gressiva com demência e morte. Pode também veri-
tipo 1(doença não neuropática ou tipo adulto), ficar-se compromisso cardíaco e esplenomegália.
mais frequente, correspondendo a ~80-90% dos
casos de doença de Gaucher; tipo 2 (neuropática Diagnóstico
aguda ou infantil); e tipo 3 (neuropática subagu- O diagnóstico assenta essencialmente:
da, crónica ou juvenil). Todos os tipos são pan- – na demonstração de células de Gaucher em
étnicos, realçando-se que o tipo 1 é particularmen- esfregaço da medula óssea;
te prevalente nos judeus Ashkenazi. – na verificação de níveis elevados de quito-
triosidase (igualmente importante para a monito-
Manifestações clínicas rização do tratamento);
Conquanto o tipo 1 de DG seja geralmente dia- – na demonstração da deficiência enzimática
gnosticado na idade adulta, pode aparecer em em leucócitos,linfócitos, fibroblastos, células do
qualquer idade, com manifestações muito variá- fígado e baço;
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2037

– na análise mutacional (sendo que mais de queza musculares, hepatosplenomegália e linfa-


300 mutações já foram identificadas). denopatias progressivas. Pelos 6 meses torna-se
evidente atraso psicomotor. Entretanto, a par do
Tratamento quadro de hipotonia axial inicial, que é substituí-
Actualmente existem dois tipos fundamentais do por espasticidade e rigidez, surge frequente-
de tratamento que constituem grandes avanços e mente caquexia. Por fundoscopia, em cerca de
se podem complementar: a terapêutica enzimática 50% dos casos verifica-se a presença de mancha cor
de substituição (ERT), e a terapêutica de redução de cereja na mácula.
do substracto (SRT). A deterioração motora e cognitiva é progressi-
A ERT com administração IV lenta de enzima va, ocorrendo em geral a morte entre os 18 e 36
recombinante foi já usada em milhares de doentes, meses. Estão descritos, no entanto, quadros clíni-
tendo-se comprovado eficácia e segurança, espe- cos de gravidade intermédia, com início do qua-
cialmente na DG do tipo 1. Alguns centros têm dro neurológico no período infantil tardio, juvenil,
utilizado com resultados promissores a alglucera- ou até na idade adulta.
se e a imiglucerase. O tipo B corresponde a uma doença crónica que
A SRT é uma terapêutica oral que pretende tipicamente se inicia com hepatosplenomegália na
reduzir a acumulação de células de Gaucher nos infância, mas que pode ocorrer em qualquer idade.
vários tecidos, incluindo o ósseo. Pode usar-se iso- Existe raramente doença hepática grave. Os acha-
ladamente ou em associação a ERT. dos mais comuns são: infiltração reticulonodular
Em casos especiais, em função do contexto clí- no pulmão, e doença pulmonar intersticial com
nico, poderá estar indicada a esplenectomia. repercussão funcional variável. Os doentes eviden-
ciam também um perfil lipídico anormal, transami-
4.2. Doença de Niemann-Pick (tipos A e B) nases elevadas e trombocitopénia. No adulto a
Etiopatogénese e sistematização fibrose pulmonar com sintomatogia acompanhante
Esta entidade clínica engloba um grupo heterogé- leva à necessidade de oxigenoterapia. Nos casos
neo de doenças, actualmente divididas em dois “puros” de tipo B não se verificam alterações neu-
subgrupos: rológicas nem défice cognitivo (Figura 12).
– os tipos A e B, em que existe deficiência da O curso da doença é marcado por hiperesple-
enzima lisossómica esfingomielinase (mais acen- nismo progressivo (implicando raramente esple-
tuada no tipo A), com consequente acumulação nectomia), perfil lipídico aterogénico e deteriora-
progressiva de esfingomielina e colesterol não
esterificado nos órgãos sistémicos e no cérebro
(menos acentuada no tipo B);
– e o tipo C , devido, não a deficiência enzimá-
tica do lisossoma ou do seu cofactor, mas a defei-
to do tráfico de lípidos (perturbação da saída de
colesterol do lisossoma com consequente depósito
de esfingomielina).
O tipo A é uma forma neuropática aguda e
mais prevalente nos judeus Ashkenazi; o tipo B é
uma forma não neuropática com incidência étnica
mais alargada.

Manifestações clínicas e laboratoriais


No tipo A clássico os primeiros sintomas, sur-
FIG. 12
gidos nas primeiras semanas de vida, são vómitos
e/ou diarreia, estabilização do crescimento. Pode Criança do sexo feminino com doença de Niemann-Pick do
surgir icterícia colestática neonatal raramente. tipo B em cujo quadro sobressai hepatosplenomegália; ausên-
Antes dos 3-4 meses verifica-se hipotonia e fra- cia de défice cognitivo. (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
2038 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

ção da função pulmonar. Nalguns casos a espe- esfingolipidoses), e a doença de Mórquio B, com
rança de vida é quase normal. anomalias que a torna mais próxima das MPS.
Os oxisteróis estão a ser investigados como Manifestações clínicas
marcadores bioquímicos para o tipo C permitindo Sob o ponto de vista de expressão clínica, dis-
a detecção precoce da doença e a avaliação do per- tinguem-se 3 tipos de GM1: tipo 1 ou infantil pre-
fil de gravidade. coce, tipo 2 ou infantil tardio, e 3 ou tipo adulto,
crónico, de início tardio.
Diagnóstico – tipo 1: neste tipo verifica-se hipotonia nos
O diagnóstico pode ser suspeitado pela verifi- primeiros dias / semanas de vida, instabilidade
cação de histiócitos esponjosos na medula óssea e cérvico-cefálica, estabilização do desenvolvimen-
pela determinação da concentração de quitotriosi- to psicomotor pelos 3-6 meses, dificuldade ali-
dase (moderadamente aumentada). O diagnóstico mentar, hipocrescimento e, por vezes, edema da
definitivo baseia-se na determinação da activida- face e periférico. As características dismórficas
de enzimática nos fibroblastos (de preferência, poderão ser notórias logo ao nascer, ou paulatina-
pela maior confiabilidade), ou nos leucócitos. mente ao longo tempo: fácies grosseiro, edema
palpebral, macroglóssia, hipertrofia gengival,
Tratamento achatamento da raiz nasal e filtro longo. A hepa-
A experiência com o transplante de medula tosplenomegália está quase sempre presente,
óssea, limitada, não parece trazer benefícios para assim como a cifoscoliose. Com o tempo surge
os doentes do tipo A. A esplenectomia pode ter défice visual, nistagmo, sendo que em cerca de
efeitos deletérios nos casos de doença pulmonar. 50% dos casos por fundoscopia observa-se a cher-
Está em progresso o emprego da terapêutica ry-red spot ou mancha cor de cereja da mácula. Por
enzimática de substituição com enzima humana outro lado, a hipotonia dá lugar a espasticidade e
recombinante. A oxigenoterapia nos doentes com verifica-se deterioração neurológica pelos 12
doença pulmonar crónica faz parte das medidas meses com evolução fatal até cerca dos 2 anos de
de tratamento sintomático. idade. Uma variante mais grave de expressão
Nos casos de tipo C, alguns centros têm expe- fetal/neonatal inclui hidropisia e cardiomiopatia.
riência no emprego do miglustato, com efeitos As alterações esqueléticas dos ossos longos e colu-
notórios ao cabo de 6-16 meses de tratamento, o na têm tradução radiológica semelhante às das
que implica necessidade de terapêutica mantida MPS (Hurler) (Figura 13);
mesmo sem melhoria inicial. A espectroscopia por
RM poderá vir a ser usada para avaliar a eficácia
do tratamento.

4.3. Gangliosidose GM1


Etiopatogénese e sistematização
Trata-se duma esfingolipidose devida a defeito
da enzima lisossómica beta-galactosidase, com
manifestações fenotípicas muito diversas. A enzi-
ma normal catalisa, não só glicoconjugados, gan-
gliósidos GM1 e outros glicosfingolípidos, mas
também oligossacáridos contendo galactose, e o
sulfato de queratano. Deste modo, as formas
mais graves são uma combinação de aspectos
FIG. 13
observados nas neurolipidoses, MPS e oligossa-
caridoses. Criança de etnia cigana com gangliosidose GM1. Fácies
A deficiência da enzima vem associada a duas grosseira, edema da face, achatamento da raiz nasal e filtro
doenças clinicamente distintas: as gangliosidoses longo. Hipotonia e atraso psicomotor. (Cortesia do Dr.
Aguinaldo Cabral)
GM1 (com anomalias que as aproximam mais das
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2039

– tipo 2 , cujas manifestações surgem em geral cia entre judeus Ashkenazi; uma variante especial
entre os 12-18 meses, com disfunção motora, de T-S (variante B1) tem elevada incidência no
sobretudo no sentar-se, pôr-se de pé, dificuldades norte de Portugal e sul da Europa.
da marcha, ataxia, etc.. A breve trecho surge tetra- Em qualquer dos subtipos se podem apresen-
parésia espástica e quadro de convulsões. Não há tar formas infantis, formas infantis tardias ou
sinais dismórficos, nem alterações visuais ou vis- juvenis, e formas crónicas ou do adulto.
ceromegália;
– tipo 3: neste tipo, com início de manifesta- Manifestações clínicas
ções no final da infância, adolescência, ou na As formas infantis dos 3 subtipos têm uma apre-
idade adulta, a evolução é muito lenta: disartria e sentação similar: por volta dos 4-6 meses de idade
distonia frequentes, inteligência normal ou ligei- nota-se fraqueza muscular e hipotonia, assim como
ramente afectada. Não existem anomalias ocu- típica resposta de sobressalto aos sons com hipe-
lares. rextensão dos membros superiores (reacção por
hiperacúsia). À medida que a hipotonia se acentua,
Diagnóstico verifica-se de modo progressivo regressão das
O diagnóstico da GM1 baseia-se na presença de capacidades psicomotoras, dificuldades de degluti-
linfócitos com vacúolos no sangue periférico e de ção, convulsões, deficiência visual progressiva com
histiócitos espumosos na medula óssea, assim como amaurose, tetraplegia espástica e macrocefalia, com
de alterações radiológicas ósseas. Como foi referi- descerebração pelos 3 anos. A mancha cor de cereja na
do, no caso da GM1 do tipo 1 tais alterações são mácula é quase constante. Na doença de Sandhoff
semelhantes às que se associam à MPS (Hurler). pode verificar-se hepatosplenomegália.
Através de fundoscopia pode ser detectado o Nas formas infantis tardias ou juvenis, particular-
sinal de mancha cor de cereja na mácula nas GM1 do mente T-S e, muitas vezes, variante B1, o início dos
tipo 1 . A cromatografia de oligossacáridos uriná- sintomas tem lugar entre os 2 e 10 anos com ataxia,
rios orientam o diagnóstico, verificando-se padrão disartria, involução psicomotora, espasticidade e
patognomónico na forma infantil precoce (tipo 1). convulsões. A mancha cor de cereja é inconstante.
Para o diagnóstico definitivo torna-se funda- As formas crónicas ou do adulto apresentam-se de
mental determinar a actividade enzimática nos modo muito diverso: distonia, ataxia, atetose, psi-
leucócitos. O doseamento da neuraminidase em cose (em 50% dos adultos doentes), síndroma do
leucócitos ou fibroblastos deve ser feito sistemati- neurónio motor, disfunção espinocerebelosa com
camente em todos os casos de deficiência de beta- oftalmoplegia supranuclear, disfunção autonómi-
galactosidase para se excluir galactossialidose. ca etc..

Tratamento Diagnóstico
Utiliza-se o fármaco miglustat, administrado por Quer na forma infantil, quer na forma infantil
via oral com o objectivo de redução do substrato. tardia ou juvenil, é frequente a verificação da man-
cha cor de cereja na mácula através de fundoscopia.
4.4. Gangliosidose GM2 Para o diagnóstico torna-se fundamental a
Etiopatogénese e sistematização determinação da actividade enzimática nos leucó-
Distinguem-se três subtipos desta esfingolipidose: citos e fibroblastos. O estudo ultraestrutural da
doença de Tay-Sachs, doença de Sandhoff, e defi- pele ou conjuntiva pode contribuir para o diagnós-
ciência do activador GM2, esta última, rara. Em tico através da identificação de corpos lamelares
todos existe alteração do catabolismo dos ganglió- concêntricos nas terminações nervosas. Para o dia-
sidos GM2 nos lisossomas, acumulando-se nos gnóstico definitivo é importante o estudo genético.
neurónios.
Na doença de Tay-Sachs (T-S) há deficiência da Tratamento
beta-hexosaminidase A, e na doença de Sandhoff Tal como no caso da GM1, tem sido utilizado o
deficiência da beta-hexosaminidase A e B. A forma miglustat oral como terapêutica de restrição de
clássica da primeira doença tem elevada incidên- substrato.
2040 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– doença hepática com hepatomegália, icterícia


5. DEFEITOS DO METABOLISMO e colestase;
DOS PEROXISSOMAS – alteração do comportamento e deterioração
cognitiva;
Sistematização – falência do crescimento.

O Quadro 4 resume a classificação das doenças do Em função da idade, os sintomas e sinais


peroxissoma. podem ser assim discriminados:
1) RN: hipotonia, hipoactividade, convulsões,
Manifestações clínicas gerais dismorfia craniofacial, alterações esqueléticas, e
icterícia colestática (prolongada);
A síndroma de Zellweger, a NALD e a IRD consti- 2) 1-6 meses: hipocrescimento,hepatomegália,
tuem, em continuum, o chamado espectro Zellweger, icterícia prolongada, anomalias gastrintestinais,
ou seja, diversidade de manifestações duma mesma hipocolesterolémia, défice de vitamina E, e ano-
entidade, desde a forma mais grave à mais ligeira. malias visuais;
As doenças do peroxissoma podem ser reco- 3) > 6 meses-4 anos: hipocrescimento,proble-
nhecidas por um conjunto de manifestações clíni- mas neurológicos, atraso psicomotor, deficiência
cas, traduzidas fundamentalmente por sinais visual e auditiva, osteoporose;
dismórficos, anomalias neurológicas, disfunção 4) > 4 anos: alterações do comportamento,
hepática e gastrintestinal, a saber: deterioração cognitiva, sinais de desmielinização
– dismorfia cranioacial, anomalias esqueléti- da substância branca, paraparésia espástica,defi-
cas, encurtamento proximal (rizomélico) dos ciência visual e auditiva, neuropatia periférica,
membros, calcificações das epífises, etc.; anomalias da marcha.
– encefalopatia, convulsões, neuropatia perifé- Seguidamente são descritas algumas das for-
rica, marcha anormal, hipotonia; mas clínicas mais representativas das doenças dos
– anomalias auditivas e oculares (retinopatia, peroxissomas.
cataratas, cegueira);
5.1. Síndroma de Zellweger-ZS
QUADRO 4 – Classificação das doenças dos (ou cérebro-hepato-renal)
peroxissomas As principais manifestações clínicas desta afecção
incluem: fácies peculiar (simile Down), fronte ele-
Defeitos da biogénese dos peroxissomas vada, epicanto, fontanela anterior grande, hipoto-
• Síndroma de Zellweger (ZS) nia muscular, convulsões neonatais, anomalias
• Adrenoleucodistrofia neonatal (NALD) oculares (glaucoma, catarata, retinopatia pigmen-
• Doença de Refsum infantil (IRD) tar, displasia do nervo óptico), surdez neurossen-
• Condrodisplasia punctata rizomélica tipo 1 (RCDP1) sorial, doença hepática, quistos renais, calcifica-
Defeitos enzimáticos isolados ções epifisárias.
• Adrenoleucodistrofia ligada ao X (X-ALD) A morte ocorre habitualmente no primeiro ano
• Adrenomieloneuropatia (AMN) de vida.
• Pseudoadrenoleucodistrofia neonatal
• Deficiência da proteína D-bifuncional 5.2. Adrenoleucodistrofia neonatal-NALD
• Deficiência de 2-metilacil-CoA racemase Nesta situação, em que se verifica progressiva
• RCDP tipo 2 e tipo 3 alteração da substância branca, os achados
• Doença de Refsum do adulto dismórficos podem estar ausentes ou ser menos
• Hiperoxalúria tipo 1 acentuados que na ZS. Alguns doentes exibem
• Acidémia glutárica tipo 3 fenótipo sugestivo de doença de Werdnig-
• Acatalasémia Hoffman. No RN são habituais convulsões e hipo-
• Nanismo de Mulibrey tonia.Não se verificam calcificações epifisárias e a
morte surge em geral na infância tardia.
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2041

5.3. Doença de Refsum infantil lia. A forma cerebral da criança constitui o fenóti-
Trata-se da forma mais ligeira do espectro de po mais grave: início de sintomas entre os 5 e 12
Zellweger, com sobrevivência possível até à idade anos, levando a estado vegetativo e morte em
adulta. Os doentes poderão evidenciar início tar- poucos anos.
dio de sintomas e ausência, quer de anomalias de Os rapazes afectados poderão apresentar como
migração neuronal, quer de doença progressiva primeiras manifestações: défice da atenção, altera-
da substância branca. A dismorfia facial, ligeira ções comportamentais, mau aproveitamento esco-
(ou inconstante), é semelhante à que se verifica na lar, deficiência visual-espacial e ou surdez.
ZS. O desenvolvimento cognitivo e motor é muito Posteriormente: deficiência visual e auditiva
variável, com surdez, deficiência visual relaciona- graves, quadriplegia, ataxia cerebelosa, convulsões
da com retinopatia. e, por vezes, hipertensão intracraniana.
Sintomas de insuficiência suprarrenal (hipogli-
5.4. Condrodisplasia punctata rizomélica cémia, crises de perda de sal, pigmentação cutâ-
clássica (RCDP) nea) poderão preceder, coexistir ou seguir o qua-
Esta condrodisplasia caracteriza-se por encurta- dro neurológico (Capítulo 176).
mento dos segmentos proximais dos membros,
dismorfia facial, calcificações epifisárias que 5.7. Adrenomieloneuropatia (AMN)
podem desaparecer depois dos 2 anos, contractu- Pode considerar-se uma variante da X-ALD.
ras, cataratas, atraso psicomotor e restrição de Afecta cerca de 60% dos homens com ALD entre
crescimento e, por vezes, ictiose. os 20 e 50 anos e 60% das mulheres heterozigóti-
No fenótipo estão implicados muitos genes, o cas com mais de 40 anos. Em ambos os sexos a
que determina grande heterogeneidade na tipolo- doença apresenta-se com paraparésia espástica
gia clínica (por exemplo, tipos 1,2 e 3, indistiguí- progressiva e, nalguns homens, desenvolve-se
veis no plano clínico). As variantes mais modera- posteriormente desmielinização cerebral lenta-
das devem ser destrinçadas de outras formas de mente fatal, o que não acontece no sexo feminino.
condrodisplasia punctata como a forma AD de
Conradi-Hunermann (sem atraso mental), e as for- Diagnóstico
mas AR e ligadas ao X (recessivas ou dominantes).
Lembra-se, a propósito, que uma forma de Para além de exames de imagem do SNC (TAC,
etiopatogénese desconhecida, foi documentada RMN, etc.) em todas as doenças deste foro, está
no Capítulo 228, no âmbito das osteocondrodis- indicada a realização sistemática do doseamento
plasias. do colesterol total (normal ou baixo), da bilirrubi-
némia total e conjugada (existe hiperbilirrubiné-
5.5. Doença de Refsum clássica mia conjugada) e das provas de função hepática
Nesta doença, que tem início na idade escolar ou (resultados indicadores de disfunção).
adolescência, ou mais tardiamente na 5ª década de Quanto a análises específicas (doseamentos)
vida, os aspectos clínicos mais relevantes são: reti- cabe referir as seguintes:
nopatia, neuropatia periférica, ataxia cerebelosa. – ácidos gordos de cadeia muito longa
Sem tratamento, verifica-se deterioração do qua- (AGCML) no plasma – análise fundamental:
dro clínico. Menos frequentemente: surdez neuro- valores elevados nas doenças com deficiência de
sensorial, alterações cutâneas, anósmia, anomalias beta-oxidação nos peroxissomas; valores normais
esqueléticas e cardíacas. Não se observam dismor- na doença de Refsum, deficiência de alfa-metil-
fias, disfunção hepática, nem atraso mental. acil-CoA racemase e RCDP;
Nalguns casos poderá ser sugerido o diagnóstico – plasmalogénios eritrocitários: valor baixo
de doença de Charcot-Marie-Tooth. aponta para doenças do espectro Zellweger e RCDP;
– ácido fitânico no soro e LCR: aumentado nos
5.6. Adrenoleucodistrofia ligada ao X (X-ALD) defeitos de biogénese e na doença de Refsum;
Esta doença manifesta-se com grande variabilida- – ácido pristânico no soro: aumentado nas
de clínica, inclusivamente dentro da mesma famí- doenças em que está afectada a beta-oxidação nos
2042 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

peroxissomas; elevação isolada indica deficiência as glicoproteínas; neste processo de glicosilação


de alfa-meti-acil-CoA racemase; intervêm mais de 500 genes.
– intermediários dos ácidos biliares (soro, Metade das proteínas corporais corresponde a
urina): elevados na deficiência de alfa-metil-acil- glicoproteínas, tais como muitas proteínas do soro
CoA racemase, e normais ou elevados nos defeitos (transferrinas, factores de coagulação, etc.), de
da biogénese dos peroxisomas; membrana, e intracelulares como as enzimas
– glioxalato, oxalato e glicolato urinários: lisossómicas. A ligação covalente dos glicanos à
excreção elevada na hiperoxalúria primária tipo 1; cadeia polipeptídica pode ser feita a resíduos de
– ácido pipecólico: os valores determinados asparagina (N-glicosilação), ou a resíduos de seri-
permitem fazer a destrinça das várias formas; na ou treonina (O-glicosilação).
– hiperproteinorráquia sem aumento de célu- As designadas CDG do tipo I (subdividindo-se
las (LCR) na doença de Refsum clássica. de Ia a Il), assim como as do tipo II (de IIa a IIf)
Deve proceder-se, após estas análises, ao estu- decorrem de anomalias da N-glicosilação associa-
do enzimático (fibroblastos) e à análise mutacio- das a defeito enzimático ou molecular definido.
nal. Associadas a anomalias da O-glicosilação,
O exame ultrastrutural do fígado evidencia foram identificadas as seguintes doenças: exosto-
ausência de peroxissomas na ZS. se múltipla, uma variante de síndroma de Ehlers-
Danlos simile progéria, síndroma de Walker-
Tratamento Warburg, doença músculo-olho-cérebro, e calcino-
se tumoral familiar.
As bases essenciais do tratamento incluem dieta As síndromas CDG são doenças AR, excep-
com restrição de ácido fitânico (proibição de tuando a exostose múltipla que é AD.
carnes de ruminantes e de gorduras), com ou sem Um grupo crescente de doentes com padrão
plasmaférese na doença de Refsum clássica. Na alterado da glicosilação, mas ainda sem defeito
ALD ligada ao X, o transplante de células hemato- enzimático ou molecular definido, constitui o tipo
poiéticas pode estabilizar, ou até reverter a des- CDGx; admite-se, pois, que muitas formas de
mielinização cerebral, desde que realizado muito CDG estão ainda por descobrir.
precocemente e em doentes seleccionados. Mais de 19 doenças estão relacionadas com
Não existe tratamento eficaz para a forma defeitos na N-glicosilação e na O-glicosilação;
inflamatória cerebral de ALD. O óleo de Lorenzo poderá, em casos raros, no mesmo doente coexis-
(mistura na proporção respectiva de 4/1 de trio- tir dupla anomalia. Nas CDG relacionadas com
leato de gliceril e de trierucato de gliceril) parece defeitos na N-glicosilação (a maioria) estão envol-
não ter efeito curativo nem preventivo. vidos três compartimentos celulares: citosol, retí-
culo endoplásmico e aparelho de Golgi.
Nesta alínea é dada ênfase a duas formas mais
frequentes: CDG Ia e CDG Ib.
6. DEFEITOS DA GLICOSILAÇÃO
(SÍNDROMAS CDG) 6.1. CDG Ia
Esta doença, a forma mais comum no âmbito dos
Etiopatogénese e classificação defeitos em análise (mais de 550 doentes e ~ 80%
dos doentes com síndromas CDG), é devida à
Trata-se dum grupo heterogéneo de doenças desi- deficiência de fosfomanomutase 2 (PMM2).
gnado pela sigla CDG (congenital defects of glycosy- Os sintomas e sinais são distintos consoante a
lation) resultante de defeitos da síntese das cadeias idade, salientando-se que o SNC está afectado na
de oligossacáridos das glicoproteínas. generalidade dos casos, sendo o compromisso
Reiterando o que atrás foi referido, a glicosila- doutros órgãos variável.
ção consiste no processo de síntese de glicanos No feto surge hidropisia detectável por eco-
(oligossacáridos) e na sua ligação covalente a grafia pré-natal; no RN são notórios derrame per-
outros compostos como as proteínas, produzindo icárdico e ascite.
CAPÍTULO 372 Doenças dos organelos 2043

No lactente verifica-se distribuição anómala da Havendo suspeita de doença de glicolisação


gordura subcutânea, mamilos invertidos, estrabis- proteica (CDG) está indicada, como rastreio, a
mo, hipotonia axial, hipocrescimento, dificuldade electroforese da transferrina por focalização isoe-
alimentar (vómitos, diarreia, anorexia), atraso psi- léctrica (FIE), tandem MS, ou por electroforese
comotor,ataxia, hiporreflexia, hepatomegália, diá- capilar. Diferentes padrões encontrados ou subti-
tese hemorrágica, doença tromboembólica,etc.. pos correspondem a diferentes deficiências
Alguns doentes evidenciam sinais de renomegá- enzimáticas. Contudo, padrões relacionados com
lia, derrame pericárdico e ou cardiomiopatia. A glicolisação anormal são também encontrados na
mortalidade ocorre em cerca de 25% dos casos por galactosémia, intolerância hereditária á frutose,
insuficiência hepática, cardíaca ou renal. hepatite, alcoolismo, etc..
Na 2ª infância e adolescência são evidentes A imagiologia do SNC na CDG Ia evidencia
alterações neurológicas, atraso mental, disfunção sinais de hipoplasia cerebelosa (constante), de
cerebelosa, retinite pigmentar, convulsões ou AVC hipoplasia cerebral (inconstante) e de hipomielini-
recorrentes. Poderão também surgir anomalias zação do SN periférico (frequente); no fígado são
esqueléticas e osteopénia. notórios sinais de fibrose e esteatose.
No adulto surge ataxia, atraso mental não pro- O doseamento da actividade da PMM2 pode
gressivo, neuropatia periférica, e alterações esque- efectuar-se nos leucócitos ou fibroblastos. O estu-
léticas (tórax e coluna) com impotência funcional do mutacional (mais de 70 mutações identifica-
obrigando ao recurso a cadeira de rodas. No geral, das) torna-se fundamental; a mutação mais fre-
os doentes são extrovertidos e alegres. É frequen- quente é a R141H.
te o hipogonadismo hipergonadotrófico- puber- Na CDG Ib podem comprovar-se: hipoglicé-
dade ausente no sexo feminino (Capítulo 181). mia com hiperinsulinismo; e as alterações bioquí-
Estão descritas formas ligeiras, sem dismorfis- micas e da coagulação já descritas para a CDG Ia.
mo e com atraso psicomotor moderado. O doseamento da actividade da PMI pode tam-
bém realizar-se nos leucócitos e fibroblastos.
6.2. CDG Ib Nota importante: Um padrão normal de FIE das
Esta forma, devida a deficiência de fosfomanose-iso- transferrinas não exclui síndroma CDG; nesta cir-
merase (PMI), é fundamentalmente dominada por cunstância, está indicado proceder-se ao teste uti-
sintomatologia do foro hepatointestinal. São fre- lizando outras glicoproteínas como a haptoglobi-
quentes enteropatia com perda de proteínas, fibrose na, tiroglobulina, e alfa-1-antitripsina.
hepática congénita, coagulopatia, e doença trombóti-
ca. Alguns doentes evidenciam vómitos persistentes, Tratamento
e ou sinais de hipoglicémia com hiperinsulinismo.
Não existem alterações neurológicas. No caso da CDG Ia não existe tratamento específi-
Nota importante: O diagnóstico de síndroma co. Discute-se o interesse da dieta cetogénica. Para
CDG deverá ser considerado em todo e qualquer além do tratamento anticonvulsante, é importante
quadro clínico sem explicação etiopatogénica apa- a prevenção dos AVC com ácido acetilsalicílico na
rente, particularmente se for multissistémico, com dose de 0,5-1 mg/kg/dia. Se surgirem fracturas
ou sem compromisso neurológico. frequentes, estão indicados os bifosfonatos.
Quanto à CDG Ib, é essencial o diagnóstico
Exames complementares e diagnóstico feito com precocidade, pois existe tratamento dis-
ponível com manose (150 mg/kg/dia em 4 a 6
Nos dois tipos de CDG descritos poderá haver doses); com efeito, os sintomas regridem rapida-
alterações da coagulação (défice de proteínas C, S, mente, embora o padrão alterado de transferrinas
e de AT III, F XI), hipoalbuminémia, e sinais de leve alguns meses a melhorar ou normalizar.
citólise hepática (elevação de ALT e AST). Nota importante: Além da CDG tipo Ib, que tem
Detectam-se também hipocolesterolémia e pro- tratamento com manose, a de tipo IIc (défice de
teinúria tubular. O EMG evidencia diminuição da transportador GDP-fucose) pode ser parcialmente
velocidade de condução nervosa. tratada com fucose (25 mg/kg/dia em 3 tomas).
2044 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

1. DOENÇAS MITOCONDRIAIS

373 Etiopatogénese e aspectos


da genética com implicação clínica

As mitocôndrias possuem o seu próprio DNA


DOENÇAS DO METABOLISMO (DNAmit), sistema que, no decurso da evolução,
perdeu muito dos seus genes originais que migra-
ENERGÉTICO MITOCONDRIAL ram para o núcleo; tal sistema está fortemente
dependente do genoma nuclear para a produção
João M. Videira Amaral de inúmeros factores essenciais à transcrição, tra-
dução, replicação, integridade, etc. do referido
DNA mit. Cada célula contém centenas de mito-
côndrias, ou seja milhares de cópias do DNAmit,
Sistematização e dos genes que codifica.
A mitocôndria constitui a principal fonte de
As mitocôndrias são remanescentes de agentes energia (E) de todos os tecidos humanos. Para o
bacterianos que colonizaram as células anaeróbias desempenho das funções anteriormente referidas,
nucleadas há milhões de anos, ganhando depois as mitocôndrias integram diversas vias metabóli-
residência permanente nas células. Com o tempo, cas em que participam processos bioquímicos,
foi-se estabelecendo uma relação simbiótica entre enzimas e complexos enzimáticos, interdepen-
os dois organismos. dentes, como: complexo da piruvato-desidrogena-
Uma das principais funções de tais organelos é se (c PDH), ciclo da carnitina, β-oxidação dos áci-
o fornecimento de energia em forma de ATP pela dos gordos (β-OXAG), ciclo de Krebs e a cadeia
oxidação dos ácidos gordos, a oxidação de respiratória (CR).
acetilCoA no ciclo tricarboxílico e a fosforilação Defeitos em enzimas ou complexos enzimáti-
oxidativa na cadeia respiratória. cos (em número superior a 50, fazendo parte de
As doenças do metabolismo energético mito- qualquer destas vias, e envolvidos na geração de
condrial abrangem patologia diversa de etiopato- energia pela fosforilação oxidativa), poderão ori-
génese complexa, relacionada fundamentalmente ginar uma doença mitocondrial (DM), também
com as seguintes anomalias, interligadas: chamada encefalomiopatia mitocondrial. Tal
patologia não se pode, no seu conjunto, considerar
1 – defeitos mitocondriais propriamente ditos rara, pois estima-se que afecte cerca de 1/8500
(doenças mitocondriais) indivíduos.
2 – defeitos do metabolismo do piruvato e do A CR, localizada na membrana interna da
ácido tricarboxílico; mitocôndria, merece uma referência especial,
3 – defeitos da oxidação mitocondrial dos áci- designadamente quanto a complexos que integra
dos gordos; e suas funções.
4 – defeitos da cetogénese e da cetólise; No que respeita a complexos, cabe citar:
5 – defeitos da cadeia respiratória (CR); – complexo I (CI): NADH-CoQ- oxido-reduta-
6 – deficiência da creatina. se que contém mais de 40 subunidades codi-
ficadas pelo DNA nuclear (DNAn), e apenas
Pela sua importância, são abordadas neste capítu- 7 pelo DNAmit;
lo as entidades clínicas com a seguinte sistemati- – complexo II (CII): Succinato-CoQ-oxido-
zação: doenças mitocondriais, doenças por defei- redutase com 4 subunidades codificadas ape-
tos da oxidação mitocondrial dos ácidos gordos e nas e só pelo DNAn;
da cetogénese, doenças por defeitos da cetólise, e – complexo III (CIII): Ubiquinol-citocromo c-
doenças por defeitos da biossíntese e transporte oxido-redutase, com dez subunidades codifi-
de creatina. cadas pelo DNAn, e uma pelo DNAmit;
CAPÍTULO 373 Doenças do metabolismo energético mitocondrial 2045

– complexo IV (CIV): Citocromo c-redutase CI CII CIII CIV CV


(oxidase) com dez subunidades do DNAn, e
Membrana externa
três codificadas pelo DNAmit; e
H+ H+ H+ H+
– complexo V (CV): ATP-sintetase com catorze C

subunidades do DNAn, e apenas duas do Membrana


interna
Q

DNAmit. Portanto: das 80-90 proteínas da CR,


apenas 13 são codificadas pelo DNAmit. Matriz
NADH FADH2 O2
Pi
As funções cruciais da CR são:
fluxo de electrões
– a reoxidação do NADH e FADH oriundos do ATP ADP
fluxo de protões
ciclo do ácido cítrico (CAC) e da β-OXAG;
– a transferência de electrões para o O2; e
FIG. 2
– a fosforilação oxidativa do ADP em ATP
(Fig. 1). Complexos da CR e formação de ATP.

A reoxidação dos referidos substratos liberta E 1. O DNAmit é herdado da mãe;


que serve para bombear protões da matriz da 2. As moléculas do DNAmit existem em múlti-
mitocôndria para o espaço intermembranar; o gra- plas cópias na célula (poliplasmia);
diente electroquímico gerado é utilizado pelo CV 3. As mutações patogénicas afectam, no geral,
para a síntese de ATP (Figura 2). uma certa proporção do DNAmit (hetero-
A CR está dependente de dois genomas dife- plasmia);
rentes: o DNAn e o DNAmit. 4. Apenas acima de uma percentagem mínima
Para melhor compreensão da clínica das doen- crítica de DNA que sofreu mutação surgem
ças deste foro, torna-se importante relembrar, suma- alterações significativas da fosforilação oxi-
riamente, algumas noções básicas de genética mito- dativa e sintomatologia (efeito limiar);
condrial e de genética nuclear (mendeliana), como: 5. O grau de heteroplasmia, nas gerações se-
guintes de células, pode alterar-se (segregação
Ácidos gordos replicativa), podendo mudar o quadro clinico.
(carnitina)
Mitocôndria
No que respeita à relação entre etiopatogénese
e genética destas afecções, há que ressaltar os
β-Oxidação
NADH seguintes aspectos:
Cadeia de transporte de electrões

‘H’ + e- 1. Os defeitos enzimáticos da CR podem ser:


NAD+
isolados (um só complexo afectado), ou
2 ‘H’

combinados, sendo que qualquer defeito


Piruvato

Acetil
SCoA FPH2 enzimático da CR, independentemente da
Pi Pi sua localização, poderá afectar gravemente
e-
‘H’ +

FP + + o metabolismo .
ADP ADP
substratos

H’

2. As mutações do DNAn, que podem afectar o


Outros

2‘

Ciclo do
ácido cítrico ATP ATP
(transporte
metabolismo energético, são ainda pouco
de troca) conhecidas, mas o seu número cresce pro-
O2
gressivamente.
CO2 H2O 3. Na fertilização, todo o DNAmit provém do
ovócito, pelo que o padrão de transmissão
do DNAmit (e mutações patogénicas) é radi-
CO2 H2O
calmente diferente do da hereditariedade
mendeliana (nuclear). Assim, uma mãe com
FIG. 1
mutação pontual no DNAmit transmite-a a
Funções da cadeia respiratória mitocondrial. todos os seus filhos de ambos os sexos, mas
2046 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

só as filhas a transmitirão à descendência DNAmit, sendo todos os outros pelo DNAn.


(hereditariedade materna). Eis alguns exemplos: mutações que codificam
4. O fenótipo é, assim, determinado pela pro- subunidades do CI e CII dando origem:
porção reltiva entre o DNA em que se verifi- – a formas autossómicas recessivas (AR) de
cou mutação e o DNA normal, que é variá- síndroma de Leigh;
vel nos diferentes tecidos, e pode alterar-se – ou a defeitos predominantemente miopáti-
ao longo da vida. cos, encefalopáticos ou generalizados do
CoQ10;
Na perspectiva da relação entre alterações – ou a mutações nos genes que codificam pro-
genéticas e entidades clínicas, pode estabelecer-se teínas necessárias à “reunificação” dos dife-
a seguinte sistematização: rentes complexos da CR, como:
– SURF1, SCO2, COX10, COX15, SCO1 asso-
Alterações primárias do DNAmit ciadas a formas de Leigh, a formas infantis
Podem surgir deleções simples, duplicações (estas miltissistémicas fatais, a encefalopatia e car-
últimas podendo coexistir), e mutações pontuais. diomiopatia (SCO2, COX15), a nefropatia
As deleções simples, apresentando-se geralmente, (COX10), a hepatopatia (SCO1).
de forma esporádica determinam determinadas
síndromas como: de Pearson, de Kearns-Sayre Nota: É importante mencionar, a propósito, o
(KSS), PEO (oftalmoplegia externa progressiva), defeito primário de CoQ10: primeiros casos des-
diabetes e surdez. Ocasionalmente pode haver critos em 1989 em 2 irmãos com fadiga progressi-
transmissão materna. va, fraqueza proximal, crises de mioglobinúria,
No que respeita às mutações pontuais (cerca presença de RRF (ver adiante) e lípidos no múscu-
de 200) poderão decorrer de hereditariedade lo. A actividade enzimática dos complexos da CR
materna, e ser multissistémicas, ou esporádicas e era normal, mas diminuída a dos CI+III e II+III.
específicas de tecido; o seu número tem crescido, Outros doentes podem apresentar encefalomiopa-
sugerindo-se, para actualização, a consulta do tia sem mioglobinúria, ou fenótipo de Leigh, com
sítio – http://infinity.gen.emory.edu/mitomap. início na idade adulta.
html.
Nas encefalomiopatias de transmissão materna *Defeitos da sinalização intergenómica
há fundamentalmente 4 síndromas mais impor- As mutações nos genes nucleares podem pro-
tantes a destacar: MELAS, MERFF, NARP/MILS e vocar alterações qualitativas ou quantitativas no
LHON. DNAmit.
Para além destas formas sindromáticas (e – Qualitativas: deleções múltiplas do DNAmit
outras, como veremos adiante), bem definidas e (AD ou AR) com: oftalmoplegia externa progressi-
caracterizadas, estão descritas inúmeras associa- va (PEO) associada a variados sinais/sintomas; ou
ções de sinais/sintomas devidas a mutações do mutações no gene da timidina fosforilase (TP) ori-
DNAmit. Os órgãos ou sistemas mais frequente- ginando a síndroma MNGIE (encefalomiopatia
mente afectados são, entre outros: visão, audição, neurogastrintestinal mitocondrial); ou mutações
endócrino, coração, digestivo, rim,etc.. no gene de uma isoforma do transportador do
nucleótido adenina (ANT1) com PEO (AD); ou
Alterações do DNAn mutações no gene da polimerase ? (POLG) com
Todas as doenças resultantes de tais alterações PEO (AD ou AR); ou no gene Twinkle (helicase).
associam-se a hereditariedade mendeliana. São – Quantitativas: depleções acentuadas a par-
consideradas as seguintes alterações: ciais do DNAmit com formas congénitas ou juve-
nis de miopatia ou hepatopatia (AR). Estão identi-
*Mutações em genes que codificam proteínas ficados 2 genes na síndroma de depleção do
da CR DNAmit: gene da timidina-quinase 2 (TK2) com
Das várias dezenas de polipéptidos que consti- depleção do DNAmit e miopatia isolada; e gene
tuem a CR, apenas 13 são codificados pelo da deoxiguanosina-quinase (d GK) com formas
CAPÍTULO 373 Doenças do metabolismo energético mitocondrial 2047

sistémicas de depleção, frequentemente com mio- Salienta-se que as DM são doenças que podem
patia e compromisso hepático. surgir em qualquer idade, com qualquer tipo de
Têm sido descritos recentemente mais genes sintomas, atingir qualquer órgão ou sistema, e
nucleares patogénicos, como: o gene da síndroma com qualquer tipo de hereditariedade.
de Barth (tafazina), e os genes nucleares do CI: Para além de um alto grau de suspeição, é cru-
NDUFV1, NDUFV2, NDUFS1, NDUFS3, NDUFS4, cial colher uma história clinica detalhada, e fazer
NDUFS6, NDUFS7. A investigação nesta área está um exame físico o mais completo possível.
em franco progresso. São descritos a seguir determinados sinais e
sintomas clínicos de suspeição, de acordo com
Em suma: diferentes idades:
1 – As DM podem resultar, quer de mutações
no genoma mitocondrial ou nuclear, quer de 1. Período neonatal
defeitos da comunicação intergenómica e manifes- – Neurológicos: dificuldade respiratória e acido-
tam-se por amplo espectro de sintomas e sinais, o se láctica marcadas, grave hipotonia isolada,
que determina grande variedade de apresentações verificação de lesões quísticas na imagiologia
clínicas. cerebral sem história de asfixia perinatal;
2 – Nas DM estão, com efeito, afectadas nume- – Cardíacos: cardiomiopatia;
rosas funções em órgãos com grandes necessi- – Digestivos: hepatopatia, hipoglicémia refractá-
dades energéticas de suprimento de ATP, como ria, insuficiência hepatocelular grave;
cérebro, coração, musculatura esquelética, rins ou – Multissistémicos: alterações multiorgânicas e
retina. acidose láctica, alterações hematológicas
Assim, os doentes evidenciam várias combina- como anemia e pancitopénia;
ções de sintomas neuromusculares, e outros, sin-
tomas envolvendo sistemas diferentes, indepen- 2. Período pós-neonatal
dentes, o que pode ser explicado pela expressão – Metabólicos: coma com cetoacidose, crises de
específica para determinado tipo de tecido de um acidocetose e hiperlacticidémia em períodos
defeito genético particular. febris, morte súbita, sindroma de Reye;.
3 – Os defeitos da CR podem surgir em qual- – Gastrintestinais: não progressão ponderal,
quer idade. O desenvolvimento intra-uterino vómitos recorrentes, diarreia crónica, atrofia
pode ser afectado gravemente, o que se traduz em das vilosidades intestinais, hipocrescimento,
defeitos congénitos , designadamente do SNC; nas insuficiência hepática grave, hepatomegália
crianças mais pequenas predomina a patologia progressiva, falência hepática devida ao val-
encefalopática, intermitentemente progressiva, proato, disfunção pancreática exócrina, pseu-
enquanto em adolescentes e adultos predomina a do-obstrução intestinal;
patologia miopática. – Cardíacos: CM, geralmente hipertrófica
(concêntrica), sindroma de hiperexcitabilida-
Como e quando suspeitar de DM? de, bloqueios de condução;
– Hematológicos: anemia sideroblástica, pancito-
Como regra geral, deve suspeitar-se de DM quan- pénia com medula aplástica, neutropénia e
do ocorrer uma associação inexplicável (isto é sem trombocitopénia, anemia macrocítica refractá-
relação aparentemente funcional ou embriológica) ria e dependente de múltiplas transfusões;
de dois ou mais sintomas, geralmente com curso – Endócrinos: hipoglicémia recorrente, diabetes
rapidamente progressivo ou persistente.É carac- mellitus insulino-dependente, diabetes insí-
terístico observar-se um número crescente de pida, nanismo, atraso da idade óssea, hipoti-
órgãos/tecidos afectados, em que o SNC acaba roidismo, hipoparatiroidismo, deficiência de
por estar envolvido, nas fases avançadas. hormona de crescimento, insuficiência
O sintomas iniciais podem persistir ou agra- suprarrenal, hiperaldosteronismo, insufi-
var-se ou, por vezes, melhorar ou desaparecer, à ciência ovárica ou disfunção hipotalâmica
medida que outros órgãos vão sendo afectados. com infertilidade;
2048 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– Renais: raquitismo vitamino-resistente, hi- tagmo, movimentos involuntários (e/ou síndro-


percalciúria, insuficiência renal, nefrite tubu- ma extrapiramidal), sindroma piramidal por
lointersticial, síndroma de Toni-Debré- vezes com reflexos osteotendinosos ausentes. Por
Fanconi, de Bartter, nefrótica, hemolítica-uré- vezes: proteínas elevadas no LCR, diminuição da
mica; velocidade de condução nervosa, leucodistrofia.
– Musculares: hipotonia e fraqueza musculares, A imagiologia cerebral é fundamental para
instabilidade cérvico-cefálica, hipomobilida- documentar as alterações referidas.
de espontânea, atrofias musculares, fadiga
fácil, miopatia, intolerância ao exercício com Síndroma de Pearson
mialgias, mioglobinúria recorrente, distonia; Surge habitualmente no primeiro ano de vida com
– Neurológicos: atraso ou paragem do desenvol- compromisso multiorgânico variável, anemia
vimento psicomotor, ataxia cerebelosa, epi- macrocítica refractária, com ou sem neutropénia, e
lepsia resistente ou que se agrava com val- trombocitopénia. Na medula: vacuolização dos
proato, epilepsia mioclónica, síndroma de precursores eritróides e mielóides, hemossiderose,
West, polineuropatia sensitivo-motora, pés sideroblastos em anel. É frequente observar-se
cavos, amiotrofia muscular, leucodistrofia; disfunção pancreática exócrina. Trata-se de sín-
– Oftalmológicos: ptose palpebral, atrofia ópti- droma geralmente fatal, conquanto possa evoluir
ca, retinite pigmentar, degenerescência reti- para síndroma de Kearn-Sayre.
niana, retinopatia “sal e pimenta”, motilida-
de ocular alterada, oftalmoplegia externa, Síndroma de Kearns-Sayre (KSS)
cataratas, opacidades da córnea, diplopia; Início usual antes dos 20 anos de idade com oftal-
– ORL: surdez neurossensorial progressiva, moplegia progressiva, retinite pigmentar, blo-
ototoxicidade provocada por aminoglicosí- queio cardíaco, ataxia, proteínas no LCR > 100
deos; mg/dL. Ainda: demência, diabetes, hipoparatiroi-
– Dermatológicos: pigmentação marmoreada, dismo, baixa estatura, presença de RRF (tradução
pigmentação de áreas expostas à luz, cabelo de Ragged Red Fibers, fibras vermelhas rasgadas ou
fraco, quebradiço, tricotilodistrofia, exante- defeituosas) no músculo.
mas;
– Dismórficos: fácies simile síndroma alcoólica Síndroma de Barth
fetal, com ou sem agenésia do corpo caloso; Doença ligada ao cromossoma X, com cardiomio-
– Outros: lipomatose simétrica múltipla, para- patia dilatada, neutropénia crónica grave, miopa-
ganglioma hereditário. tia e acidúria 3-metilglutacónica (tipo II).

Formas clínicas Síndroma de Alpers


Ocorre habitualmente entre 1-4 anos de idade:
Para além da vastidão de perfis clínicos, desta- regressão psicomotora e crises mioclónicas
cam-se formas sindromáticas particulares (algu- refractárias, microcefalia adquirida, poliodistrofia
mas designadas por siglas do inglês) que importa rapidamente progressiva com perda neuronal,
conhecer: astrocitose, espongiose e insuficiência hepatoce-
lular.
Sindroma de Leigh
Caracteriza-se por lesões bilaterais, simétricas, de Síndroma de depleção do DNAmit
espongiose, proliferação vascular e astrocitose, Existem várias formas:
afectando os gânglios da base, tronco e medula. – encefalopática com hepatopatia ocorrendo
A evolução faz-se por crises com regressão psi- desde o período de RN até aos 2 anos de vida, com
comotora, episódios de apneia frequentes e pro- hipotonia generalizada, grave encefalopatia, aci-
blemas de deglutição por alteração do tronco cere- dose láctica, hipocrescimento, morte precoce e
bral. É frequente verificar-se : vómitos, recusa ali- hepatopatia fatal. Podem apresentar epilepsia
mentar, paralisia oculomotora, atrofia óptica, nis- mioclónica e cardiomiopatia;
CAPÍTULO 373 Doenças do metabolismo energético mitocondrial 2049

– miopática: no RN e lactente jovem, com hipo- DIDMOAD


tonia generalizada, miopatia progressiva, acidose Quando surge precocemente também é denomi-
láctica, tubulopatia frequente, distrofia e atrofia nado síndroma de Wolfram. Existe diabetes melli-
musculares progressivas. A histologia do músculo tus, diabetes insípida, atrofia óptica, surdez neu-
pode ser normal ou evidenciar RRF (ver atrás). O rossensorial.
EMG evidencia padrão miopático.
Diagnóstico
MELAS
Encefalopatia mitocondrial cursando com acidose O diagnóstico definitivo das DM é complexo,
láctica e episódios simile AVC, os quais surgem necessitando dum modo geral da conjugação de
geralmente antes dos 40 anos. Os doentes podem parâmetros clínicos, bioquímicos, anatomopatoló-
ter acidose láctica, crises epilépticas focais ou gicos e genéticos. De acordo com os resultados
generalizadas, demência, cefaleias recorrentes respectivos, o diagnóstico poderá ser considerado:
(tipo enxaqueca) e vómitos. Outras manifestações confirmado, provável, possível, ou refutado.
incluem atraso estatural, surdez neurossensorial, E porquê tal complexidade? Porque a clínica e
oftalmoplegia externa progressiva, diabetes não as alterações bioquímicas não são específicas do
insulino-dependente, polineuropatia; proteinorrá- defeito metabólico, o que pode levar a resultados
quia (~50% dos casos), calcificações nos gânglios inconclusivos. Por outro lado, se os resultados
da base e RRF nas fibras musculares. A mutação forem normais tal não invalida o diagnóstico de
mais comum é a A3243G. DM. Por consequência, são necessárias, por vezes,
provas dinâmicas que ponham em evidência a alte-
MERRF ração do metabolismo energético subjacente, pro-
Epilepsia mioclónica com presença de RRF na vas que implicam padronização com o objectivo
biópsia muscular. Existem mioclonias ou epilepsia de uma mais correcta interpretação.
mioclónica, miopatia, e, por vezes, demência, sur- Assim, frequentemente, o diagnóstico bioquí-
dez neurossensorial, atrofia óptica,e neuropatia mico/genético só é concretizado após uma longa
sensitiva. Mutação mais típica: A8344G. série de estudos bioquímicos e moleculares, em
diferentes tecidos, de preferência os mais afecta-
NARP dos clinicamente. É crucial, pois, existir um diálo-
Neuropatia, ataxia, retinite pigmentar, em com- go contínuo entre o clínico, o bioquímico e o gene-
binações variáveis, com atraso psicomotor, epi- ticista para uma interpretação integrada de todos
lepsia, fraqueza muscular proximal, e atraso os dados recolhidos.
mental. De salientar que devem ser evitadas as pro-
vas/estudos desnecessários, chamando-se a aten-
LHON ção para a necessidade do consentimento infor-
Neuropatia óptica hereditária de Leber. Há perda mado e esclarecido.
de visão aguda ou subaguda devida a atrofia ópti- Para o diagnóstico de DM torna-se necessário
ca bilateral, neuropatia retrobulbar, tortuosidade persistência, humildade e, não raras vezes, aguar-
dos vasos retinianos e edema do disco óptico. dar pela evolução do quadro clínico.
É mais frequente no sexo masculino. Ainda: O fluxograma da Figura 3 poderá ser útil.
síndroma cerebelosa, piramidal, neuropatia per-
iférica e alterações da condução cardíaca. 1. Exames bioquímicos basais (iniciais)
Análise basal de metabólitos
MNGIE Dosemento de: lactato (L), piruvato (P), razão L/P,
Encefalopatia mio-neuro-gastrintestinal que ocor- 3-hidroxibutirato (3OHB), acetoacetato (AcAc),
re com diarreia intermitente alternando com razão 3OHB/AcAc, e glicémia e AG livres, em
períodos de pseudobstrução intestinal, miopatia jejum e 1 hora após refeição, se possível ao longo
com RRF, oftalmoplegia externa progressiva, neu- de 24 horas.
ropatia periférica, leucodistrofia, caquexia. Fundamental para o diagnóstico: hiperlactici-
2050 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Provas dinâmicas
SUSPEITA CLÍNICA
Prova de sobrecarga com glucose: 2 g glucose/Kg
com doseamento no sangue (imediatamente antes
e 60 minutos após a toma) de: glicémia, L, P, 3OHB
Estudos bioquímicos Normais
basais e AcAc, respectivas razões e, na urina, os AO. A
prova procura revelar uma alteração do metabolis-
mo energético mitocondrial não evidente nas
Alterados Provas in vivo, condições basais, como seja um L ou alanina ele-
função celular vados. Trata-se duma prova ideal para crianças.
Prova de esforço: em crianças maiores colabo-
Estudos histológicos, Normais rantes, adolescentes e adultos. Dosear no sangue:
bioquímicos, genéticos CPK, L, P, L/P, AA (alanina), e AO (urina), antes
e após o esforço. Interpretação por vezes difícil.

Alterados Normais Outro diagnóstico? Outros estudos


Cita-se a análise do consumo de O2 (polaro-
Aguardar evolução grafia) em mitocôndrias a fresco, só possível em
Doença Mitocondrial laboratórios especializados muito experientes.

2. Outros exames complementares


Todos os órgãos-alvo devem ser explorados cui-
FIG. 3
dadosamente.
Doenças mitocondriais – marcha diagnóstica. Olhos: Fundoscopia, acuidade visual, campi-
metria, motilidade ocular. A retinite pigmentar
démia (L >4 mmol/L); frequentemente a razão está presente em 75% dos casos (Capítulo 255).
L/P e, também, a razão 3OHB/AcAc estão eleva- Sistema nervoso: EMG e velocidade de condu-
das; sugestivo: presença de cetonémia paradoxal ção nervosa; potenciais evocados auditivos e
após refeição. visuais; ERG; EEG (vigília e sono) com poligrafia.
Tais relações reflectem, indirectamente, o RMN-CE convencional: possível detecção de
potencial redox do citoplasma (L/P), e da mito- lesões hiperintensas nos núcleos da base e tronco
côndria (3OHB/AcAc). (Leigh); lesões vasculares agudas (MELAS), alte-
Deve ser colhido sangue venoso ou arterial em rações difusas da substância branca central (KSS,
tubo com fluoreto de sódio, não usando garrote e defeito do CII); RMN-CE com espectroscopia:
evitando, quanto possível, a agitação (movimen- estudo do pico de L, mielinização, perda neuro-
tos), choro. É útil recordar a correspondência: nal, medição de picos de outros metabólitos como:
Lactato em mmol/L <> mg/dL x 0,11. creatina, colina, acetil-aspartato; TAC-CE para
Outros metabólitos: CPK, ácido úrico, amónia, detecção de calcificações (MELAS, KSS). Com
CoQ10, AA (alanina), carnitina total, livre e acil- estes exames de neuroimagem podem observar-se
carnitinas no plasma e urina; aminoácidos (AA) e alterações em 80% dos doentes, dependendo,
ácidos orgânicos (AO) urinários. Se possível: toco- contudo, do tempo de evolução da doença.
ferol e biotinidase. Sistema cardiovascular: para detecção de car-
Se sintomas gastrointestinais (GI) predomi- diomiopatia, bloqueios de condução, sindroma de
nantes dosear a timidina no sangue para o dia- hiperexcitabilidade,etc..
gnóstico de MNGIE. ORL: audiometria (detecção de surdez neuros-
Nota: se os doseamentos evidenciarem resulta- sensorial, frequente).
dos normais no sangue, mas existirem sinais de Sistema endócrino: detecção de diabetes,
compromisso do SNC, deve proceder-se aos hipoparatiroidismo (Pearson, KSS, MELAS).
seguintes doseamentos no LCR: glucose, proteí- Prova com ACTH e outros estudos se existir baixa
nas, L, P, L/P, AA e folatos. estatura (Capítulos 112 e 181).
CAPÍTULO 373 Doenças do metabolismo energético mitocondrial 2051

Rim: função renal completa, glomerular e


tubular, urina de 24 horas. Avaliação sobre even-
tualidade de síndroma de Fanconi ou outras alte-
rações até ao momento não evidenciadas
(Pearson, KSS, MELAS).
Sangue: alterações podem afectar as três
séries; se suspeita de Pearson, proceder a punção
da medula óssea.
Sistema digestivo: frequentes os problemas
alimentares e RGE,particularmente nos mais
jovens; valorizar vómitos frequentes, diarreia cró-
nica, hipocrescimento, disfunção pancreática exó-
crina (Pearson), episódios de pseudobstrução
intestinal; valorizar os sintomas do foro hepático
FIG. 4
como hepatomegália, insuficiência hepática indu-
zida pelo valproato, disfunção hepática aguda Aspecto ultra-estrutural RRF (fibras musculares rasgadas,
(depleção do DNAmit). defeituosas ou Ragged Red Fibers).
Sistema muscular: poderá ser necessário estu- (Cortesia do Dr. Aguinaldo Cabral)
dar o metabolismo energético do M com RMN e
espectroscopia com 31P, e determinar a relação fos- Usam-se actualmente, nos estudos histológi-
focreatina/fósforo inorgânico no estado de repou- cos, diferentes técnicas: morfológicas (como o teste
so, exercício e na recuperação. Nos doentes, a rela- tricrómio Gomorri modificado); histoquímicas
ção é baixa no repouso, desce mais ainda no exercí- (succinato desidrogenase, citocromo c-oxidase, ou
cio e, na recuperação, verifica-se subida lenta,sendo ambas); de fluorescência (catiões lipofílicos fluores-
que a técnica é difícil de aplicar em crianças. centes); imuno-histoquímicas (anticorpos), ou de
Sistema cognitivo: uma avaliação cognitiva hibridação in situ (sondas específicas). No músculo
cuidadosa é, obviamente, importante. dos doentes é frequente observarem-se depósitos
de gordura e de glicogénio.
Nota importante: deverá proceder-se a registos As alterações mitocondriais são mais difíceis
audiovisuais: fotos e videoimagens para estudo de interpretar noutros tecidos que não o M, como
evolutivo. hepatócitos, células tubulares renais, miocárdio,
músculos extra-oculares,etc..
3. Exame histológico
Os estudos histológicos são muito importantes 4. Exame bioquímico ulterior
para o diagnóstico de DM. O achado ultra-estru- Após a realização dos estudos bioquímicos
tural de fibras vermelhas rasgadas (RRF) (Figura 4) iniciais, e perante a suspeita de DM, deve proce-
corresponde a fibras musculares com acumulação der-se ao doseamento da actividade dos com-
subsarcolémica de mitocôndrias alteradas quanto plexos da CR, que pode ser efectuado em dife-
ao seu número, disposição, forma e estrutura rentes tecidos:
interna. Tal achado foi considerado como marca- – cultura de fibroblastos através de biópsia de pele;
dor inequívoco de DM mas, actualmente não é ou
aceite, pois poderá ser detectado noutras doenças não – biópsia do músculo.
mitocondriais como a distrofia muscular, polimio- As biópsias devem ser executadas nas condi-
site, dermatomiosite, ou até em pessoas idosas. ções mais adequadas, cumprindo regras essen-
Por outro lado há DM sem RRF como as formas: ciais:
LHON e síndroma de Leigh devido a mutações *no caso da biópsia de pele, a amostra deve ser
no gene da ATPase 6. colocada em meio especial (ex. Hans), conservada
É muito comum a sua observação no MERRF e enviada à temperatura ambiente até ao limite de 48
(A8344G), MELAS (A3243G) e no KSS. horas, para o laboratório especializado;
2052 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

*no caso da biópsia do músculo e para estu- hereditariedade materna; ou no doente e em


dos a fresco (métodos polarográficos), os mesmos ambos os progenitores se se suspeitar de mutações
deverão ser feitos obrigatoriamente no mesmo nucleares e hereditariedade mendeliana.
dia da biópsia, o que implica a realização desta no Se houver suspeita de determinada síndroma clíni-
próprio centro especializado . Se tal não acontecer, ca em concreto, como por exemplo: MERRF,
deve dividir-se a amostra de músculo em 2 por- MELAS, NARP, Leigh, etc., deve fazer-se a detec-
ções, ambas conservadas a -80º C, uma para estu- ção prévia das alterações genéticas conhecidas do
do da actividade enzimática e DNA, e outra para DNAmit; se o estudo mutacional for negativo,
estudos histológicos. Chama-se a atenção para a deve proceder-se a biópsia muscular para estudos
importância do doseamento de CoQ10 no múscu- bioquímicos, histológicos e moleculares.
lo, porquanto a doença por defeito de CoQ10 é Se a situação configurar uma associação de sin-
tratável. tomas e sinais não conhecida, mas evocadora de uma
Em suma, o uso de amostras congeladas é a DM, deve proceder-se a biópsia muscular e outros
prática mais comum, ainda que não a ideal. É estudos neste tecido.
aconselhável medir a actividade enzimática indi-
vidual dos complexos da CR, mas também a acti-
vidade do I+III e II+III. Tratamento
Deve padronizar-se a actividade de cada com-
plexo pela actividade da citrato-sintetase, para 1. Específico
garantia da validade e estado de conservação da Pela ausência de grandes séries de doentes, não há
amostra. estudos concludentes quanto ao efeito dos múlti-
Nota importante: uma actividade enzimática plos tratamentos experimentados. A terapêutica
normal dos complexos da CR não afasta o dia- farmacológica específica revela apenas alguma
gnóstico de DM. Com efeito, poderá acontecer que melhoria em casos raros, geralmente sem efeito
o tecido estudado não expresse a doença ou, no nas formas precoces e multissistémicas. Como
caso de a expressar, que exista um mosaicismo excepção devem ser citados os seguintes fármacos:
celular. – a ubiquinona-10 ou CoQ10, potente antioxi-
dante, eficaz no defeito primário do CoQ10;
– a idebenona: similar à ubiquinona mas
5. Exame genético muito mais solúvel, pode atravessar a barrei-
O exame genético é por vezes decisivo para dia- ra hemato-encefálica, podendo ser útil na
gnóstico de DM. doença de Friedrich.
Assim, numa primeira fase, deve proceder-se – outros (sendo referida entre parênteses a
do seguinte modo: entidade clínica para que é dirigido): vitami-
– investigar as mutações do DNAmit e na C (def. CIII); vitamina K3 ,menadiona
DNAn(estas últimas ainda pouco conheci- (def. CIV provavelmente); vitamina B2,ribo-
das); flavina (def. CI); vitamina B1, tiamina (útil
– escolher o(s) tecido(s) mais afectados clinica- apenas no def. PDH); citocrómio c (KSS pro-
mente a que possivelmente corresponderá vavelmente); mono-hidrato de creatina
uma proporção maior de DNA que sofreu (crises agudas do MELAS); histidinato de
mutação; cobre (a tentar nas formas graves de encefa-
– estudar: mutações pontuais, deleções, dupli- lomiocardiopatia do lactente com defeito de
cações e depleção do DNAmit. COX – mutação SCO2); carnitina (útil nas
– técnicas:colheita de sangue: 5-10 ml em tubo deficiências secundárias); dicloroacetato(útil
EDTA; colheita de tecidos: fibroblastos, mús- nas acidoses lácticas graves no defeito PDH,
culo, fígado, outros. mas por períodos curtos); bicarbonato (me-
lhoria da hiperventilação); ácido fólico (útil
É útil fazer o estudo genético do(a) filho(a) e da no KSS e anomalias da mielinização); ácido
mãe se houver suspeita de mutações do DNAmit e folínico (por vezes alguma melhoria em
CAPÍTULO 373 Doenças do metabolismo energético mitocondrial 2053

situações de alteração da substância branca – apoio psicológico e/ou psiquiátrico aos


cerebral);corticóides (por vezes útil nas crises doentes e familiares, quando necessário
do MELAS e na insuficiência suprarrenal no (aspecto fundamental, a não descurar).
MELAS e KSS); L-arginina, precursora do
óxido nítrico (vasodilatador), com acção Nota importante: não existe ainda um trata-
inconstante nas crises de AVC no MELAS. mento curativo, definitivo das DM. Abundam,
pelo contrário, controvérsias acerca dos resultados
Nota importante: não devem ser usados fárma- e benefícios das muitas terapêuticas referidas.
cos que inibam a CR e/ou o metabolismo da mito-
côndria: valproato de sódio, fenobarbital, hidan-
toína, tetraciclinas, ciprofloxicina, aminoglicosí- 2. DOENÇAS POR DEFEITOS
deos (especialmente nos doentes com a mutação DA OXIDAÇÃO MITOCONDRIAL
A1555G, que têm surdez), AZT, anestésicos vários, DOS ÁCIDOS GORDOS
analgésicos (como o fentanil). E DA CETOGÉNESE

Os transplantes hepático, renal ou cardíaco Etiopatogénese e sistematização


deverão ser cuidadosamente ponderados em
casos muito seleccionados, dadas as característi- A oxidação dos ácidos gordos (AG) na mitocôn-
cas evolutivas das DM. dria é crucial para a produção de energia. Nos
estádios tardios de jejum, os AG fornecem ~80%
2. Medidas gerais das necessidades totais de energia pela síntese
Reforça-se o papel importante de certas medidas hepática de corpos cetónicos, e por oxidação
de suporte, a saber: directa noutros tecidos.
– evicção/correcção de descompensações Os ácidos gordos de cadeia longa (AGCL: C16-
metabólicas agudas, tendo em atenção a cor- C20) constituem a fonte energética essencial para
recção sintomática em função de sinais de o músculo esquelético durante o exercício prolon-
compromisso de diferentes órgãos; gado, e a fonte preferida pelo miocárdio.
– suprimento energético adequado, não exces- A oxidação de AG integra quatro componentes:
sivo: evicção do jejum prolongado, promo- – ciclo da carnitina;
vendo refeições com intervalos regulares; – ciclo da beta-oxidação ;
– dieta cetogénica somente com indicação no – via de transferência de electrões; e
def. PDH , e no Leigh, com resultados contra- – síntese dos corpos cetónicos (ver adiante).
ditórios;
– evicção de situações que exijam elevada A via de transferência de electrões transfere
necessidade energética: administração de uma parcela da energia libertada na beta-oxidação
antipiréticos em casos de febre (não ácido para a cadeia respiratória, daí resultando síntese
acetilsalicílico, preferindo ibuprofeno), evic- de ATP.
ção de ambientes muito quentes, abstenção No fígado, parte importante da acetil-CoA
de álcool; derivada do ciclo da beta-oxidação é utilizada
– reidratação IV em situações de desidratação; para a síntese de corpos cetónicos: 3-hidroxibuti-
– diálise se insuficiência renal ou nos casos de rato e acetoacetato. Estes corpos cetónicos são
MNGIE (com timidina muito elevada no então exportados para os tecidos para a oxidação
sangue); final (principalmente para o cérebro), poupando
– fomento do exercício físico aeróbico controla- glicose.
do, sempre que possível para melhorar a Noutros tecidos, como o músculo, a acetil-CoA
tolerância à fadiga; entra no ciclo de Krebs para a produção de ATP.
– correcção da acidose: bicarbonato; nos casos Os AG livres, libertados com o concurso das
de acidose láctica grave, poderão estar indi- lipases, dos triglicéridos armazenados no tecido
cadas diálise peritoneal ou hemodiálise; adiposo, circulam ligados à albumina. A sua oxi-
2054 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

dação nos tecidos periféricos poupa o consumo de hipoglicémico hipocetótico típico, acompanhado
glucose, e a necessidade da conversão das proteí- por sinais de insuficiência hepática e hiperamo-
nas do corpo em glucose. niémia.
Por sua vez, o fígado, utilizando AG, fornece – a acumulação tóxica de acilcarnitinas de
energia para a gluconeogénese e para a síntese de cadeia longa, especialmente nas perturbações de
ureia. oxidação dos ácidos gordos de cadeia longa,
As doenças principais que decorrem de ano- poderá causar acidose láctica grave no RN e lac-
malias ao nível dos quatro componentes atrás tente, cardiomiopatia e hepatopatia, manifesta-
referidos podem ser assim sistematizadas: ções que levantam problemas de diagnóstico dife-
– defeito do transportador da carnitina (CTD)- rencial com defeitos da CR.
deficiência primária de carnitina e deficiên-
cia de captação de carnitina; Manifestações clínicas
– deficiência de carnitina-palmitoil-transferase
1(CPT1); As perturbações da oxidação de ácidos gordos e
– deficiência de carnitina/acilcarnitina-trans- da cetogénese, evidenciando grande variabilidade
locase; de manifestações, apresentam-se na maioria dos
– deficiência de carnitina-palmitoil-transferase casos, em 3 formas principais: hepáticas, cardíacas, e
2(CPT2); musculares.
– deficiência de desidrogenase de acil-CoA de Em geral, as manifestações ocorrem no lacten-
cadeia muito longa(VLCAD); te jovem com episódios potencialmente fatais de
– deficiência de desidrogenase de acil-CoA de coma com hipoglicémia hipocetótica induzidos
cadeia média (MCAD); por jejum ou doença febril, por vezes em associa-
– deficiência de desidrogenase de acil-CoA de ção a falência hepática e hiperamoniémia (o que
cadeia curta (SCAD); foi referido na alínea anterior).
– deficiência de desidrogenase de hidroxiacil- Nalgumas formas clínicas observa-se: fraque-
CoA de cadeia longa (LCHAD); za e dor muscular crónicas; ou rabdomiólise recor-
– deficiência de proteína trifuncional mitocon- rente induzida pelo exercício; ou cardiomiopatia
drial (MTP); aguda ou crónica.
– deficiência de desidrogenase de hidroxiacil-
CoA de cadeia curta (SCHAD); Diagnóstico
– deficiência de 3-cetoacil-CoA tiolase da
cadeia média (MCKT); O diagnóstico baseia-se nas seguintes determina-
– deficiência de desidrogenases de múltiplas ções:
acil-CoA (acidúria glutática tipo 2) ou de – perfil das acilcarnitinas no plasma por espec-
ETF/ETF-DH ( flavoproteínas de transferên- trometria de massa em tandem;
cia de electrões); – doseamento da carnitina total no plasma,
– deficiência de HMG-CoA(3-hidroxi-3-metil- sendo que todas estas doenças(excepto a
glutaril-CoA) sintetase conduzindo a defeito CPT1) têm concentrações de carnitina baixa
da cetogénese; ou muito baixa;
– deficiência de HMG-CoA(3-hidroxi-3-metil- – cromatografia dos ácidos orgânicos na urina,
glutaril-CoA) liase conduzindo a defeito da a qual poderá evidenciar acidúria dicarboxí-
cetogénese. lica específica durante o jejum ou doença;
– acilcarnitinas urinárias;
Dois aspectos importantes a reter são: – doseamento de ácidos gordos plasmáticos .
– a produção insuficiente de corpos cetónicos,
associada à inibição da gliconeogénese pelos Por vezes são necessárias outras análises, in
baixos níveis de acetil-CoA durante os estados vitro ou in vivo para estudo da via de oxidação dos
catabólicos (por ex. jejum prolongado, infecção, ácidos gordos.
procedimento cirúrgico,etc.), poderá causar coma O estudo histológico hepático na fase aguda
CAPÍTULO 373 Doenças do metabolismo energético mitocondrial 2055

pode evidenciar sinais de esteatose hepática micro 3. DOENÇAS POR DEFEITOS


ou macrovesicular. DA CETÓLISE
A determinação da actividade enzimática é
possível nos fibroblastos e linfoblastos. Etiopatogénese e sistematização
O diagnóstico molecular pode ser de utilidade
nas seguintes doenças, para pesquisa de muta- A situação de cetose esporádica surge como
ções(respectivamente, entre parênteses): MCAD resposta ao jejum, estado catabólico ou dieta ceto-
(A985G), LCHAD (G1528C) e CPT2 na sua forma génica. A cetose permanente, rara, poderá tradu-
miopática (S113L). zir defeito da cetólise. A cetose, se associada a
O diagnóstico pré-natal é possível em todas outras anomalias metabólicas, poderá traduzir:
estas doenças usando amniócitos ou vilosidades alterações do metabolismo mitocondrial tais como
coriónicas, excepto na deficiência de HMG-CoA acidúrias orgânicas e perturbações da cadeia res-
(3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA) sintetase. piratória; e também diabetes mellitus. A cetonúria
no RN constitui, como regra, doença metabólica
Tratamento primária.
Nas doenças por defeitos da citólise verifica-se
1. Fase aguda falência do processo de utilização dos corpos cetó-
– deve promover-se elevado suprimento de nicos sintetizados no fígado, originando cetoaci-
glucose IV(~7-10 mg/kg/minuto ou super- dose grave e hipoglicémia hipercetótica.
ior) de imediato, estando proscritos lípidos Na prática clínica identificam-se duas enti-
por via IV; dades relacionadas com defeitos da cetólise:
– Manter a glicémia > 100 mg/dL (> 5,5 – deficiência de succinil-CoA 3-oxoácido CoA-
mmol/L), com o objectivo de estimular a transferase (SCOT);
secreção de insulina, suprimir a oxidação de – deficiência de 3-oxotiolase (acetoacetil-CoA
AG no fígado e músculo, e bloquear a lipólise. tiolase mitocondrial) considerada, na prática,
acidúria orgânica com cetose muito intensa.
2. Fase de manutenção
– deve evitar-se o jejum prolongado na tentati- Manifestações clínicas e diagnóstico
va de evitar a utilização de AG como fonte
energética; As perturbações da cetólise traduzem-se funda-
– nos casos mais graves, com o mesmo objecti- mentalmente por episódios recorrentes de cetoaci-
vo e garantia de evitar com maior eficácia o dose grave, taquipneia,hipotonia e coma(na
jejum, procede-se à alimentação intragástrica SCOT) e também por episódios de náuseas e
contínua nocturna, podendo ser usado o vómitos, com sinais neurológicos de expressão
amido cru como meio libertador lento de variável (na deficiência de 3-oxotiolase).
glucose; alguns autores recomendam restri- Na SCOT verifica-se elevação persistente de
ção do suprimento de gorduras; acetonas (D-3-hidroxibutirato e acetoacetato) no
– nos defeitos de beta-oxidação da AG de soro e urina, sendo normais os valores de acilcar-
cadeia longa, a administração de TCM é de nitinas.
grande utilidade (exceptuando nos casos de O diagnóstico deve ser confirmado por estudo
deficiência MCAD em que nunca devem ser enzimático em linfócitos e fibroblastos em cultura.
usados); Na deficiência de 3-oxotiolase para além da
– administração de triglicérido C7 (tri-hepta- elevação acetonas (D-3-hidroxibutirato) no soro e
noína), introduzida recentemente, em formas urina, verifica-se hiperglicémia e acidose láctica
seleccionadas destas doenças; (valor normal de lactato no sangue: < 19 mg/dL
– carnitina: a sua utilização, crucial na forma ou < 2,1 mmol/L). Na urina verifica-se elevação
CTD (defeito do transportador da carnitina), de 2-metil-3 hidroxibutirato e de 2-metilacetoace-
deve ser cautelosa ou evitada nas outras for- tato. O estudo enzimático em cultura de fibroblas-
mas. tos é essencial.
2056 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Tratamento cular, torna-se necessário um transportador de


creatina (CRTR).
As bases fundamentais da actuação têm em conta Nesta perspectiva, são identificadas três enti-
que os doentes com defeitos da cetólise podem dades relacionadas com defeitos de biossíntese ou
sofrer descompensação rápida já na primeira de transporte de creatina, levando a concentrações
infância, o que poderá dar origem a sequelas neu- baixas desta no SNC:
rológicas irreversíveis. – deficiência de GAMT
A actuação compreende os seguintes passos: – deficiência de AGAT
– devem ser evitados períodos longos de – deficiência de CRTR (esta última, ligada ao
jejum, propiciando elevado suprimento em flui- cromossoma X).
dos com elevado teor de hidratos de carbono
desde a verificação do mínimo sinal de doença Manifestações clínicas, diagnóstico
(designadamente intercorrências acompanhadas e tratamento
de estresse metabólico como infecções) ou em caso
de intervenções cirúrgicas; Nas três afecções referidas, verifica-se atraso do
– hospitalização caso se comprove cetonúria; desenvolvimento psicomotor, com especial rele-
em tal circunstância deve ser ser aplicada per- vância na área da fala (grave), epilepsia por vezes
fusão IV de glucose para tentar interromper o refractária (demonstração de anomalias do EEG),
estado catabólico (~10mg/kg/minuto <> 60kcal/ sinais extrapiramidais na GAMT, e autismo.
/kg/dia) e incorporando bicarbonato se a acidose Através da RMN com espectroscopia é possí-
for grave (pH<7,1); vel comprovar-se as concentrações baixas de crea-
– na fase aguda da descompensação deve ser tina no cérebro nas três entidades.
evitado o suprimento de proteínas e gorduras; O diagnóstico faz-se:
– monitorização rigorosa do balanço hidroelec- – pela relação diminuída creatina/creatinina, e
trolítico, prevenindo e ou combatendo a desidra- de elevação de guanidinoacetato (no plasma,
tação, tendo em conta que a verificação de hiper- urina, e LCR) na GAMT;
natrémia poderá ser fatal; – pela relação elevada creatina/creatinina (no
– após melhoria está indicado suprimento de plasma) e guanidinoacetato normal (na
baixo teor em gorduras (não ultrapassando 1 urina) na CRTR;
g/kg/dia de lípidos IV); – pela diminuição de guanidinoacetato na
– poderá estar indicado suplemento em carni- urina e plasma, com relação normal ou dimi-
tina se os respectivos níveis séricos forem baixos. nuída de creatina/creatinina na urina (na
AGAT).

4. DOENÇAS POR DEFEITOS O tratamento inclui essencialmente adminis-


DA BIOSSÍNTESE E TRANSPORTE tração de mono-hidrato de creatina (300-400
DA CREATINA mg/kg/dia), com suplemento de ornitina e redu-
ção de arginina no caso da GAMT. Na AGAT a
Etiopatogénese e sistematização administração de mono-hidrato de creatina pode
levar à melhoria dramática do desenvolvimento.
O sistema creatina/creatina-fosfato tem papel Na CRTR não existe tratamento útil.
importante de reserva energética no cérebro e
músculo.
A creatina é sintetizada num processo que
envolve duas fases: arginina-glicina amidino-
transferase(AGAT) e guanidinoacetato metiltrans-
ferase(GAMT); a S-adenosilmetionina(SAM) serve
como dador do grupo metilo. Para que a creatina
seja captada ao nível dos tecidos cerebral e mus-
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2057

374 1. GENERALIDADES SOBRE LÍPIDOS

Lípidos e aterosclerose

Os estudos de investigação em lipidologia têm


DEFEITOS DO METABOLISMO demonstrado a associação entre hipercolesterolé-
mia e doença aterosclerótica e doença cardíaca
DOS LÍPIDOS INCLUINDO coronária.
Os progressos realizados em técnicas laborato-
DISLIPOPROTEINÉMIAS riais sofisticadas permitindo identificar e separar
subclasses de partículas lipídicas, assim como
João M. Videira Amaral medir determinados marcadores de inflamação da
parede arterial, têm permitido melhor com-
preensão da aterogénese e da ruptura da placa de
ateroma conduzindo à síndroma coronária aguda.
Sistematização Recorda-se, a propósito, que a aterosclerose afecta
não só as artérias coronárias, mas também as arté-
As doenças hereditárias relacionadas com defeitos rias carótidas e as dos membros inferiores.
do metabolismo dos lípidos integram classica- Admite-se que a fase inicial do desenvolvimen-
mente os seguintes grupos nosológicos: to da aterosclerose corresponda a um processo de
1 – alterações da beta-oxidação mitocondrial disfunção endotelial com espessamento da íntima
dos ácidos gordos; e média ocorrendo na fase da pré-adolescência,
2 – alterações do metabolismo dos ácidos gor- com maior intensidade se existirem factores de
dos de cadeia muito longa; risco como obesidade e hipercolesterolémia fami-
3 – doenças de armazenamento de lípidos; e as liar. De acordo com um estudo realizado em estu-
4 – doenças por anomalias do metabolismo e dantes de Medicina de raça caucasiana nos EUA
transporte das lipoproteínas (dislipoprotei- (The Johns Hopkins Precursors Study), verificou-se
némias). que a incidência de coronariopatia pelos 30-40
anos de idade era directamente proporcional aos
De acordo com a actual nomenclatura, as afec- valores de hipercolesterolémia na idade pediátrica.
ções integrando, respectivamente, a alínea 1 - A propósito dos factores de risco da aterogéne-
estão incluídas no capítulo de doenças do meta- se, cabe recordar o capítulo 45, chamando-se a
bolismo energético mitocondrial; as referentes à atenção para a hipótese das origens fetais das
alínea 2 – no capítulo das doenças do peroxisso- doenças do adulto de acordo com diversos estu-
ma; e as da alínea 3 – no capítulo das doenças do dos epidemiológicos: maior incidência de corona-
lisossoma; nesta perspectiva, as principais enti- riopatia no adulto com antecedentes de baixo peso
dades nosológicas que as integram foram já abor- de nascimento; maior risco na idade adulta de sín-
dadas, fazendo parte dos capítulos anteriores (372 droma metabólica (resistência à insulina, dia-
e 373). betes mellitus de tipo 2, obesidade, coronariopa-
Assim, o objectivo deste capítulo (374) é proce- tia) se houver antecedentes de ambiente intra-ute-
der à descrição sucinta das Disliproteinémias, rino adverso, traduzido designadamente por dia-
tópico com aspectos relacionados com o capítulo betes e obesidade maternas, conduzindo a ma-
47 (1º volume), o qual é dedicado à doença ateros- crossomia fetal/neonatal.
clerótica. Retomando o que foi referido no capítulo 47,
reitera-se que o processo de penetração lipídica na
íntima se pode dever a um conjunto de factores
adversos, salientando-se o papel das partículas
lipídicas LDL oxidadas e altamente tóxicas.
2058 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Linfócitos e monócitos penetrando no endotélio glicerofosfolípidos e aglicerofosfolípidos ou


lesado, evoluem para macrófagos “carregados “ esfingolípidos;
com partículas LDL e, ulteriormente para células *os glicerofosfolípidos mais importantes são as
espumosas. Tal acumulação poderá, até certo lecitinas e as cefalinas;
ponto, ser contrabalançada por partículas HDL *os esfingolípidos, lípidos predominantes no
com capacidade de remoção dos lípidos da parede sistema nervoso, têm um álcool diferente do glice-
vascular. Para a formação das placas fibrosas é fun- rol, a esfingosina.
damental a existência de processo inflamatório – ésteres do colesterol: resultam da esterifica-
(testemunhado por elevação da PCR) em que par- ção da função álcool do colesterol por um
ticipam macrófagos. A deposição de lípidos na ácido.
camada subendotelial da parede arterial traduz-se A não solubilidade aquosa dos lípidos (coleste-
macroscopicamente pelo aparecimento das estrias rol livre, colesterol esterificado e triglicéridos,
gordas que, até certo ponto, poderão ser reversí- exceptuando-se, pois, os fosfolípidos) implica um
veis. sistema de transporte plasmático constituído pela
Numa fase mais tardia do desenvolvimento da associação daqueles a diversas proteínas específi-
placa, surge ruptura das células musculares lisas cas (apoproteínas ou simplesmente apo) median-
da parede arterial, o que é facilitado pela liberta- te ligações covalentes.
ção de citocinas teciduais e de factores de cresci- Formam-se, assim, macromoléculas com-
mento. A placa de ateroma (estrias gordas e placas plexas em que os lípidos estão envolvidos por
fibrosas) é composta por uma parte central ou proteínas com um pólo solúvel nos lípidos e outro
núcleo de substância gorda separada do lume por solúvel na água, orientando-se o pólo solúvel nos
colagénio e tecido muscular liso. O crescimento da lípidos para o interior, e o pólo solúvel na água
placa pode conduzir a isquémia dos tecidos cuja para o exterior (lipoproteínas).
vascularização depende da artéria com parede O centro das referidas partículas contém
lesada. macromoléculas hidrofóbicas incluindo triglicéri-
A inflamação crónica no interior do ateroma, dos e ésteres de colesterol, enquanto a superfície é
possivelmente causada por agentes microbianos composta de moléculas hidrofílicas como fosfolí-
como Chlamydia pneumoniae poderá conduzir a pidos e colesterol.
instabilidade da placa e a ruptura subsequente; se As apolipoproteínas são necessárias para a
consequentemente surgir ruptura do endotélio, integridade estrutural (Apo B-100; Apo B-48, Apo
verifica-se fenómeno de agregação e adesão de A-I) e servem como ligantes (Apo B-100, Apo E,
plaquetas com formação de coágulo no local da Apo A-I) ou co-factores para enzimas específicas
ruptura. (Apo C-II, Apo A-I, Apo A-IV).
Com base no princípio de que os lípidos têm
Lipoproteínas baixa densidade, e as proteínas densidade mais
elevada, foi possível separar por ultracentrifuga-
Tipos e estrutura dos lípidos ção aqueles dois componentes e identificar quatro
Os lípidos são ésteres, ou seja, a combinação de classes de partículas lipoproteicas por ordem
um ácido com um álcool; os ácidos constituintes decrescente de dimensões, e crescente de densida-
dos lípidos chamam-se ácidos gordos. Os álcoois de (Figura 1):
mais encontrados nos lípidos são o glicerol e o – Quilomicron (Qm) cuja apoproteína é a
colesterol. ApoB 48; transporta triglicéridos do intestino
Os principais lípidos existentes no organismo para os tecidos periféricos, quer para consu-
são: mo energético, quer para deposição nas célu-
– triglicéridos: em que as funções álcool do las adiposas; não são aterogénicos.
glicerol são esterificadas por três ácidos – Lipoproteínas de densidade muito baixa
iguais ou diferentes; segregadas pelo fígado, o segundo transpor-
– fosfolípidos: contendo na sua estrutura uma tador de triglicéridos com a sigla VLDL (do
molécula de ácido fosfórico; são de 2 tipos: inglês, very low density lipoproteins contendo
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2059

Densidade g/ml TECIDO INTESTINO FÍGADO


ADIPOSO
Colesterol-
0,9 1,006 1,063 1,21 Triglicéridos
Via Veia -Glicerol
linfática porta +
Quilomicron VLDL LDL HDL Ácidos gordos

Glúcidos
LP
1200-10 000 300-800 200-250 75-100

QM
Diâmetro A° Lipoproteína-
-lipase LP
MÚSCULOS
AGL +
FIG. 1 VÍSCERAS
Heparina PLASMA
Separação de lipoproteínas por ultracentrifugação.
Abreviaturas: AGL – Ácidos gordos livres (transportados pela albumina); Qm – Quilomicra;
LP- lipoproteína
ApoB100, C e E), são aterogénicas e precur-
soras das lipoproteínas de densidade baixa.
FIG. 2
– Lipoproteínas de densidade baixa, o princi-
pal transportador de colesterol, com a sigla Vias metabólicas do colesterol. (consultar texto)
LDL (do inglês, low density lipoproteins)
contendo somente ApoB; são aterogénicas. O sistema de transporte das lipoproteínas
– Lipoproteínas de densidade intermédia compreende três vias: endógena, exógena e de
(intermediate density lipoproteinas) derivando transporte reverso.
das VLDL. O primeiro passo na biossíntese do colesterol é
– Lipoproteínas de densidade elevada, com a a formação de 3-hidroxi-3-metilglutaril CoA
sigla HDL (do inglês, high density lipoproteins) (HMG-CoA) a partir de acetil-CoA. HMG-CoA,
contendo apoA e exercendo efeito protector por acção da HMG-CoA redutase, leva à formação
em termos de formação do ateroma. de mevalonato e, em passos seguintes (resumida-
mente) a isoprenóides activados e lanosterol, o
Acentua-se que as LDL constituem o principal primeiro esteróide precursor de colesterol.
transportador de colesterol, os Qm e as VLDL Pela via endógena o colesterol e triglicéridos
transportam predominantemente triglicéridos, sintetizados no fígado (HDL e VLDL) e noutros
enquanto as HDL predominantemente fosfolípi- tecidos são transportados a outros territórios, quer
dos; de referir que a proporção de colesterol asso- para utilização como fonte energética, quer para
ciado às HDL é superior à das VLDL e inferior à formação de reservas ou depósitos. As HDL cap-
das LDL. tam o colesterol das células , esterificando- o, e as
Uma referência especial merece a chamada VLDL transportam os triglicéridos endógenos
lipoproteína (a), abreviadamente Lp(a), partilhan- formados no hepatócito.
do características com determinados factores de As partículas HDL encontram-se em dife-
coagulação; possui elevado conteúdo em hidratos rentes subfracções (HDL 1→HDL 3), sendo gera-
de carbono e integra duas apoproteínas: ApoB100 das principalmente pelo metabolismo dos Qm e
e Apo(a), esta última muito semelhante ao plasmi- pela interacção com VLDL.
nogénio. Pela via exógena, o colesterol e os triglicéridos
absorvidos ao nível do intestino são transportados
Metabolismo e transporte das lipoproteínas a outros tecidos, nomeadamente fígado, músculo
Existem dois órgãos com papel crucial na biossín- e tecido adiposo. A mucosa intestinal sintetiza,
tese e secreção das partículas lipoproteicas: o imediatamente a seguir à ingestão de alimentos,
intestino e o fígado. (Figura 2) os Qm a partir das gorduras ingeridas e as VLDL,
2060 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

quer no período de digestão, quer nos respectivos ção das HDL, o que tem efeito vasoprotector.
intervalos (via exógena). Através da Apo A-I e Apo A-IV, as HDL activam a
Os Qm e as VLDL são formados nos microsso- lecitina-colesterol-acil-transferase ou LCAT, indu-
mas das células da mucosa duodenal e hepatóci- zindo a formação de ésteres de colesterol. Estes
tos, respectivamente. Neste passo do metabolismo podem ser trocados por triglicéridos de outras
desempenha papel importante uma proteína lipoproteínas através da proteína de transferência
microssómica de transferência de VLDL para o CETP ou cholesteryl ester transfer protein. Por este
retículo endoplásmico. mecanismo a maioria do colesterol contido nas
Apo C-II tem um papel importante na cisão HDL é metabolizada através da via das LDL.
dos Qm e VLDL como co-factor da lipoproteína O Quadro 1 sintetiza as principais funções das
lipase, ou glicoproteína ligada ao endotélio (ver apoproteínas.
adiante), a qual desdobra o triglicérido em glicerol
e ácidos gordos, para ulterior metabolismo na Receptores
célula. Os remanescentes dos Qm são absorvidos Para melhor compreensão dos problemas clínicos
pelo fígado (via receptor de Apo E) e metaboliza- decorrentes das anomalias hereditárias do meta-
dos.VLDL evolui para IDL (intermediate density bolismo das lipoproteínas, torna-se útil sintetizar
lipoprotein) e, após remoção de todos os lípidos, alguns aspectos relacionados com o papel dos
transforma-se finalmente em partículas LDL ricas receptores a nível ultra-estrutural.
em colesterol. Não sendo estas necessárias nos O conceito de receptores para as lipoproteínas
tecidos periféricos, são absorvidas novamente deve-se a Goldstein e Brown (Pémio Nobel) ao
pelo fígado via receptor de LDL. estudarem o mecanismo de transporte do coleste-
LDL é encontrada em diferentes subfracções rol dentro das células. Utilizando como modelo
(LDL 1→LDL 6); LDL 6 é descrita como uma partí- os fibroblastos em culturas, demonstraram que a
cula pequena , densa e altamente aterogénica. As maioria das LDL só se catabolizavam após fixação
mesmas partículas LDL ligam-se, via Apo B-100, a receptores na membrana celular.
ao receptor LDL, são captadas por endocitose e Posteriormente, verificou-se que para lá destes
cindidas no lisossoma, principalmente através da receptores que reconhecem as apoproteínas B e E
acção da lipase ácida. O colesterol, quando liber- (receptores BE) e fixam as LDL, há no fígado
tado, inibe a actividade da HMG-CoA sintetase e receptores apenas para as E (receptores E). O
é armazenado via acil-CoA colesterol-aciltransferase número de receptores B e E é máximo no RN e
(ACAT) nas células sob a forma de “gotículas lipí- diminui com a idade.
dicas”. Existem também receptores para as HDL.
Pela via de transporte reverso o colesterol não Os receptores, cuja estrutura é esquematizada
esterificado é transportado dos tecidos extra- na Figura 3, são glicoproteínas cujos aminoácidos
hepáticos, de novo, para o fígado com a participa- estão distribuídos em 5 domínios. Os seus precur-

QUADRO 1 – Principais funções das apoproteínas

Lipoproteína Apolipoproteína (Apo) Função


Quilomícrons A-I, A-IV, C-I, C-II Transporte de triglicéridos exógenos, vitaminas solúveis em
C-III, E, B-48 gordura e drogas
VLDL CI-III, E, B-100 Transporte de triglicéridos endógenos
IDL C-II, E, B-100 Produto de remoção de triglicéridos VLDL
LDL B-100 Produto da remoção de triglicéridos IDL; transporte de colesterol para
tecido extra-hepático; regulação da biossíntese de colesterol
HDL A-I, A-II, A-IV, Principalmente modificação de outras lipoproteínas, transporte
C-I, C-III, D, E de colesterol para o fígado
Lipoproteína (a) B-100, Apo (a) Incerta, possivelmente para reparação vascular; factor de risco de aterosclerose
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2061

fundem-se com outras para formar grandes vesí-


culas de contorno irregular, os endossomas ou
receptossomas.
PRIMEIRA ZONA Quando o pH desce a 6,5 as LDL separam-se
Sitio de Ligação dos receptores, voltando o receptor á superfície
292 Aminoácidos (reciclagem dos receptores). Na fase seguinte as
LDL são captadas pelos lisossomas, sendo as pro-
teínas hidrolisadas em aminoácidos por acção de
proteases, e os ésteres de colesterol em colesterol
livre, por acção de esterases.
A captação do colesterol pelos receptores celu-
lares tem por objectivo fornecer à membrana celu-
lar o colesterol de que ela necessita para a sua
SEGUNDA ZONA
estabilidade. Compreende-se, assim, que o meta-
400 Aminoácidos bolismo do colesterol seja regulado para que seja
fornecida à membrana uma quantidade necessá-
ria, mas não excessiva.
Assim, a captação do colesterol provoca:
• Acções sobre a HMG-CoA redutase
– repressão da síntese da enzima como se
comprova pela diminuição do seu RNA-m;
– aceleração do seu catabolismo;
– inibição da sua actividade por inibição
alostérica pelo colesterol em excesso;
TERCEIRA ZONA • Aumento da actividade de acil-CoA-colesterol
58 Aminoácidos aciltransferase (ACAT), enzima que esterifica
o excesso de colesterol que ficará depositado
no citoplasma como gotículas;
• Repressão da síntese dos receptores

QUARTA ZONA As Figuras 4 e 5 sintetizam os mecanismos de


Região Intramembranar captação das LDL e os mecanismos de regulação
22 Aminoácidos
desencadeados pelo colesterol em excesso.
QUINTA ZONA A actividade dos receptores é regulada por um
Região Intracitoplasmica
conjunto de factores, cujos mecanismos de acção
50 Aminoácidos
(alguns demonstrados apenas em estudos experi-
mentais) poderão, em situações especiais, ser apli-
cados na prática clínica em várias estratégias de
FIG. 3
terapêutica das anomalias do metabolismo. Eis
Representação esquemática da estrutura do receptor BE. alguns exemplos mais relevantes:
– a insulina aumenta o número de receptores
sores são sintetizados nos ribossomas, migrando nos fibroblastos em cultura;
para o aparelho de Golgi; a síntese destes recep- – a adrenalina diminui a fixação, internalização
tores é regulada por gene no cromossoma 19. e degradação das LDL;
O receptor na membrana celular, aparecendo à – o cortisol diminui a internalização das LDL
superfície da membrana cerca de 45 minutos após sem afectar o número de receptores;
a sua síntese, capta as LDL, formando-se entretan- – o cálcio é necessário para a interacção LDL-
to vesículas de endocitose revestidas por clatrina. receptores no fibroblasto, sendo a sua acção
Estas vesículas perdem rapidamente a clatrina e menos nítida no hepatócito; de referir que os
2062 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

SINTESE DO SINTESE DO
bloqueantes dos canais do cálcio estimulam
RECEPTOR COLESTEROL o catabolismo das LDL;
– inibidores da HMG-CoA redutase aumentam o
número de receptores, do mesmo modo que
DNA HMG CoA as resinas catiónicas como a colestiramina e
Redutase
colestipol; certos fibratos, idem.
IN O
IBI
ÇÃ ÇÃ
O IBI
RNA IN
O órgão com maior número de receptores é o
Colesterol
COLESTEROL
fígado (cerca de 75% relativamente aos restantes
EM EXCESSO órgãos). A actividade específica mais elevada foi
Ribossomas
encontrada no córtex supra-renal e corpo amarelo,
ACTIVAÇÃO
o que se pode explicar pelo facto de o colesterol
ser o precursor das hormonas esteróides.
Um aspecto particular diz respeito às células
ACAT
endoteliais cujos receptores podem captar as LDL,
mas não” internizá-las”, exceptuando nos casos
de lesão endotelial.
Armazenamento
dos ésteres
do colesterol
2. DISLIPOPROTEINÉMIAS
FIG. 4
Uma vez que as dislipoproteinémias em idade
Consequências do excesso de colesterol celular. pediátrica (consideradas como anomalias qualita-
tivas ou quantitativas, por excesso ou por defeito,
Ribossomas na repartição das lipoproteínas plasmáticas e/ou
– apoproteínas), quer primárias ou hereditárias,
quer secundárias, têm tendência a prevalecer na
Receptor
idade adulta, a sua detecção tão precoce quanto
possível tem implicações práticas importantes
LDL
pela possibilidade de determinadas medidas pro-
filáctico-terapêuticas reduzirem o risco de atero-
Reciclagem

Receptor LDL
génese.

Internalização 2.1. Hipercolesterolémias


Lisossomas
*Hipercolesterolémia familiar (HF)
LDL nos lisossomas A hipercolesterolémia familiar constitui uma
das dislipoproteinémias monogénicas primárias
mais frequentes com transmissão hereditária de
Colesterol tipo autossómico co-dominante. Descrevem-se
+
formas homozigóticas e heterozigóticas.

Os estudos moleculares identificaram cinco
classes de mutações de genes afectando a capaci-
HMG CoA
redutase
ACAT dade de o colesterol – LDL se ligar ao receptor de
LDL. Estão descritas mais de 900 mutações; algu-
mas destas resultam em falência da síntese do
receptor LDL (a que correspondem fenótipos mais
FIG. 5
graves- formas homozigóticas, com actividade de
Visão global do metabolismo dos receptores. receptor LDL< 2%), enquanto outras resultam,
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2063

quer em deficiência de ligação ou de libertação na tendão de Aquiles), nas regiões palmares e na pele
interface lipoproteína-receptor, quer em número da superfície de extensão dos antebraços, pálpe-
reduzido de receptores de LDL – formas hetero- bras (xantelasma), etc.. Pode estar presente o arco
zigóticas, com actividade de receptor de LDL ~ corneano (gerontoxon), habitualmente antes dos
25%. 10 anos.
Está indicado o rastreio da doença através de Há antecedentes de doença cardiovascular
análise de sangue do cordão umbilical nos casos familiar prematura, designadamente com corona-
de antecedentes familiares de HF. riopatia e enfarte do miocárdio nos progenitores e
familiares jovens, com risco de morte súbita.
Forma homozigótica A etiopatogénese da doença pode ser determi-
Na forma homozigótica, com uma incidência nada pela análise das mutações, e gravidade pelo
~1/1 milhão de indivíduos, são herdados dois ale- estudo da actividade dos receptores de LDL em
los mutantes de receptores de LDL resultando em linfócitos.
valores de hipercolesterolémia, em regra, superior Como se pode depreender, o prognóstico é
a 600 mg/dL. Os níveis de C-HDL estão ligeira- reservado sem tratamento, o que compromete a
mente diminuídos e os de triglicéridos ligeira- sobrevivência até á idade adulta.
mente elevados ou normais.
Nos casos de indivíduos de idade inferior a 18 Forma heterozigótica
anos com colesterolémia total > 270 mg/dL e/ou A HF heterozigótica é uma das mais frequentes
C-LDL ~200 mg/dL, existe probabilidade ~90% formas de doença aterosclerótica com coronario-
de HF; e, se existir familiar em 1º grau com a doen- patia associada a mutações de um único gene.
ça, o diagnóstico pode considerar-se muitíssimo A sua prevalência, oscilando entre 1/250 a
provável. 1/500 indivíduos (mais de 10 milhões em todo o
As manifestações clínicas na forma homo- mundo), explica mais de metade dos óbitos em
zigótica, muito precoces, traduzem-se em ateros- indivíduos no Ocidente.
clerose prematura atingindo a aorta e coronárias Trata-se duma situação de hereditariedade co-
desde a infância; outros sinais são xantomatose dominante, com uma penetrância da ordem de
precoce [essencialmente xantomas tuberosos, 50% nos familiares em 1º grau de indivíduos afec-
(Figura 6) não observáveis na forma heterozigóti- tados, e de 25% nos familiares em 2º grau. Na sua
ca e que podem ser notórios desde os primeiros etiopatogénese interagem factores genéticos e
anos de vida] nos tendões (designadamente do ambientais, o que explica a variabilidade de
expressão fenotípica entre povos de diferentes
regiões do globo, traduzida pelos valores do coles-
terol-LDL (valor médio na China ~170 mg/dL e,
no Canadá, ~290 mg/dL).
Podem verificar-se arco corneano, xantomas
tendinosos ou xantelasma, em geral a partir da
adolescência. Os sintomas de doença coronária
em geral iniciam-se pelos 45 anos no sexo mascu-
lino, e uma década mais tarde no sexo feminino.
No desconhecimento de antecedentes fami-
liares/ eventuais casos familiares não diagnostica-
dos e, sem estudo de genética molecular prévio, o
diagnóstico provável de HF heterozigótica
poderá ser admitido com base nas seguintes
noções epidemiológicas: com valores de colestero-
FIG. 6
lémia total ~310 mg/dL, sem antecedentes fami-
Xantomas no contexto de hipercolesterolémia familiar liares em 1º grau, existe probabilidade de 4% de
homozigótica. (NIHDE) HF heterozigótica; havendo antecedentes fami-
2064 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

liares em 1º grau de HF, a probabilidade será já de vação sanguínea de LDL (níveis intermédios entre
95%. HF homo e heterozigótica). A coronariopatia
Os aspectos fundamentais do tratamento das surge mais tardiamente que na HF homozigótica.
HF são abordados na parte final do capítulo, em
alínea especial, integrando as entidades clínicas *Hipercolesterolémia poligénica
descritas no âmbito das dislipoproteinémias A maioria dos casos de hipercolesterolémia (cerca
de 85%) resulta de elevação primária de coleste-
*Deficiência de Apo B-100 familiar rol-LDL de causa poligénica, sendo que o papel
A deficiência de Apo B-100 familiar, com uma fre- de muitos genes com escassa influência no fenóti-
quência aproximada de 1/700 nos indivíduos de po é fortemente influenciado pelo ambiente (regi-
cultura ocidental, é uma doença autossómica me de sobrecarga alimentar).
dominante, com características muito semelhantes Este tipo de hipercolesterolémia verifica-se em
à HF heterozigótica, por vezes indistinguível famílias que partilham estilos de vida comuns
desta. Trata-se dum defeito estrutural em que a sem obedecerem ao padrão hereditário em que ao
mutação de um gene leva a substituição de um defeito de um gene corresponde um defeito de
aminoácido (glutamina por arginina) no codão lipoproteína.
3500 da apo B 100. De tal resulta redução da capa-
cidade de ligação das LDL ao receptor e elevação 2.2. Hipercolesterolémia associada a
do colesterol-LDL, estando os triglicéridos em hipertrigliceridémia
nível normal.
Somente foram descritas formas heterozigóti- Compreende duas formas:
cas a que correspondem situações clínicas de
expressão semelhante à HF heterozigótica: xanto- *Hiperlipémia familiar combinada (HFC)
mas tendinosos e coronariopatia prematura. Trata-se duma situação AD-a mais frequente disli-
Como na prática o perfil clínico e bioquímico, poproteinémia suirgindo na proporção ~1/200 -
e atitude terapêutica semelhantes aos da HF hete- caracterizada por elevação moderada de coleste-
rozigótica, somente em estudos de investigação rol-LDL e de triglicéridos, com diminuição do
está indicada a destrinça por biologia molecular. nível de colesterol-HDL. Embora não tenha sido
descrito qualquer processo específico de aterogé-
*Sitosterolémia (ou fitosterolémia) nese relacionado com esta forma clínica, em cerca
Esta dislipoproteinémia rara, autossómica recessi- de 20% dos indivíduos com doença coronária
va, resulta de absorção excessiva de esteróis de pelos 60 anos de idade verifica-se HFC.
plantas (sito ou fitosteróis) por mutações de genes O perfil clínico e bioquímico desta afecção
responsáveis pelo respectivo sistema de transpor- pode traduzir-se do seguinte modo:
te dependente de ATP (que limita a absorção no a- História familiar de doença cardíaca prema-
intestino delgado e promove a excreção biliar da tura;
parcela absorvida). O resultado é a elevação de b – C-LDL > percentil 90;
colesterolémia, aparecimento de xantomas e ate- c – C-LDL e trigliceridémia > percentil 90;
rosclerose prematura. d – Triglicéridos > percentil 90;
O diagnóstico faz-se pela determinação da O diagnóstico de HFC implica que em, pelo
colesterolémia e sitosterolémia que são elevadas. menos, dois familiares em 1º grau do caso a inves-
tigar, se verifique, no mínimo, 1 dos 3 parâmetros
*Hipercolesterolémia autossómica recessiva biológicos descritos (b,c,d). Uma das característi-
Esta forma é muito rara, salientando-se a maior cas é a variação do fenótipo ao longo do tempo
prevalência na ilha da Sardenha e Líbano. A etio- (dislipoproteinémia variável). Não surgem xanto-
patogénese relaciona-se com defeito do processo mas. A elevação de Apo B associada à detecção de
de internalização/endocitose das LDL nos lisos- pequenas partículas densas LDL suporta o dia-
somas, sem que a captação das LDL pelos recep- gnóstico.
tores esteja comprometida; a consequência é a ele- Do quadro clínico da HFC em crianças e adul-
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2065

tos faz parte a chamada síndroma metabólica que é o alelo “normal” presente na maioria da popula-
sugerida pela verificação de adiposidade, hiper- ção. Assim, as alterações moleculares da apo E
tensão e hiperinsulinémia. impedem a captação dos remanescentes. É o que
De acordo com o NCEP (National Cholesterol se passa com a apo E2 com uma capacidade de
Education Program), a referida síndroma integra ligação ao receptor deficiente, ao contrário das
seis componentes principais: obesidade abdomi- apo E3 e E4. Em cerca de 1% da população existe
nal, dislipidémia aterogénica, hipertensão arterial, homozigotia para apo E2/E2, a mutação mais
resistência à insulina, com ou sem intolerância à comum associada a DBLF, mas só se expressa a
glucose,evidência de inflamação vascular e hiper- doença numa minoria de casos. Curiosamente, a
coagulabilidade . Estima-se que cerca de 30% dos homozigotia apo E4/E4 predispõe para doença de
indivíduos adultos com excesso de peso preen- Alzheimer.
chem os critérios de diagnóstico de síndroma Na adolescência e idade adulta surgem xanto-
metabólica, incluindo 2/3 dos casos de HFC. mas tuberosos nos joelhos, cotovelos, nádegas, e
O mecanismo pelo qual a adiposidade visceral coloração amarela nas pregas das palmas das
se associa a síndroma metabólica e a DM2 não está mãos. Pela 4ª ou 5º década de vida surge quadro
completamente esclarecido. Admite-se que a obe- de doença aterosclerótica vascular periférica.
sidade origine estresse ao nível do retículo endo- O diagnóstico é confirmado por electroforese –
plásmico, levando a supressão do receptor da banda broad beta (ver atrás), discriminativa em
insulina e resistência a esta. 50% dos casos; e por determinação das VLDL por
Por outro lado, na HFC, a associação de hiper- ultracentrifugação. As razões colesterol/triglicéri-
trigliceridémia a hipercolesterolémia confere risco dos no soro < 3,0 e colesterol/triglicéridos nas
aterogénico. Tal como foi referido no capítulo 45, a VLDL < 0,02 são indicações úteis, mas não conclu-
acumulação de gordura intrabdominal/visceral sivas. A verificação do polimorfismo das apo E
avaliada por RMN (em estudos de investigação) constitui critério a favor da doença.
constitui seguramente o marcador mais importan-
te da adiposidade com risco aterogénico. 2.3. Hipertrigliceridémias
Estudos recentes demonstraram que a ratio
elevada triglicéridos /colesterol HDL ou TG/C- Este tópico inclui diversas dislipoproteinémias de
HDL constitui um factor de risco cardiovascular gravidade e frequência diversas.
traduzido por proporcional maior rigidez arte-
rial em crianças, adolescentes e jovens adultos. *Quilomicronémia familiar /
Hiperlipoproteinémia tipos I ou V
*Disbetalipoproteinémia familiar (DBLF)/ Trata-se duma situação muito rara, AR (frequência
Hiperlipoproteinémia tipo III ~1/ 1 milhão, explicada por mutação de um gene,
Esta doença rara, que surge com uma frequência do que resulta depuração defeituosa das lipopro-
~1/10.000 indivíduos, é causada por mutações no teínas contendo apo B. A deficiência ou ausência
gene da apo E; traduz-se por elevação de coleste- da lipoproteína lipase (LPL), ou do seu cofactor
rol e triglicéridos com valor normal de HDL na apoC-II que facilita a lipólise pela LPL, origina:
sequência de exposição a factores ambientais tais aumento de quilomicron (tipo I) ou; aumento de
como regime hipercalórico com elevado teor em QM e de triglicéridos/VLDL (tipo V). Os níveis de
gorduras e ingestão de álcool. A expressão da C-HDL estão diminuídos.
doença é facilitada em presença de diabetes, obe- A testemunhar o excesso de Qm por depura-
sidade, doença renal e hipotiroidismo. ção defeituosa (no tipo I) está o aspecto do soro
Há uma acumulação de IDL evidenciada na após 24 horas de repouso a +4ºC: sobrenadante
electroforese pela existência de uma banda beta e leitoso ou cremoso num soro límpido (Figura 7).
pré-beta (broad beta). Recorda-se que os remanes- No tipo V o aspecto do soro é diverso: sobrena-
centes são captados no fígado pelos receptores E e dante cremoso devido aos Qm, e infranadante
que o gene da apo E polimórfica se expressa em 3 turvo devido às VLDL.
isoformas: apo E3, apo E2, e apo E4; este último é De salientar que a quilomicronémia causada
2066 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– diminuição da destruição das VLDL, prova-


velmente por carência em apo C-II, ou pela
existência de variantes desta apoproteína.
Para o diagnóstico torna-se essencial que haja,
pelo menos, um familiar em 1º grau com hipertri-
gliceridémia; o diagnóstico diferencial faz-se com
a HFC e com a DBLF.
Nota: em geral, os valores de trigliceridémia na
hiperlipoproteinémia de tipo V são muito super-
iores (> 1.000 mg/dL) aos dos verificados na
HTGF.

*Deficiência de lipase hepática


FIG. 7
Esta afecção, muito rara, AR, resultante de défice
Soro de criança com hiperlipoproteinémia do tipo I. de lipase hepática (LH) traduz-se por elevação de
colesterol e de triglicéridos no plasma, em geral
por deficiência de LPL está associada a hipertrigli- associada a elevação de c-HDL.
ceridémia mais modesta do que a relacionada com Recorda-se, a propósito, que a LH hidrolisa os
ausência ou carência de apo C-II. triglicéridos e fosfolípidos em VLDL remanes-
Um dos quadros de apresentação clínica é o de centes e IDL, impedindo a conversão em LDL. A
dores abdominais recorrentes e de pancreatite confirmação diagnóstica consiste em medir a acti-
aguda. Pode verificar-se hepatosplenomegália e vidade da LH em plasma heparinizado.
xantomatose eruptiva com as localizações habi-
tuais já referidas a propósito doutras dislipopro- Antes da análise doutras dislipoproteinémias
teinémias. Não existe risco aterogénico. não necessariamente hiperlipémicas ou até nor-
molipémicas, na perspectiva do diagnóstico dife-
*Hipertrigliceridémia familiar (HTGF) / rencial, importa para o clínico a lista das princi-
Hiperlipoproteinémia tipo IV pais hiperlipémias secundárias, não hereditárias,
A HTGF é uma doença AD de etiologia desconhe- em que deve ser considerado igualmente isco ate-
cida, ocorrendo com uma frequência ~1/ 500 rogénico (Quadro 2).
indivíduos. Traduz-se por elevação dos triglicéri-
dos (> percentil 90, em geral entre 500 e 1.000 2.4. Alterações do metabolismo
mg/dL); pode ser acompanhada por elevação das HDL
ligeira do colesterol total com C-HDL baixo. De
acordo com a experiência de vários centros, *Hipoalfalipoproteinémia primária
somente em cerca de 20% dos casos as manifesta- Esta dislipoproteinémia, a mais comum alteração
ções surgem na idade pediátrica; ao contrário da do metabolismo das HDL e muitas vezes ocorren-
HFC, não parece ser significativamente aterogéni- do segundo o modo de transmissão AD, pode sur-
ca (não se verifica o desenvolvimento de xanto- gir na ausência de história familiar.
mas, nomeadamente) (Capítulo 47). Define-se pelo padrão biológico: colesterolémia-
As suas causas não são uniformes, pelo que HDL baixa (< percentil 10 para o género e idade)
não se trata de um grupo homogéneo de dislipo- associada a C-LDL e trigliceridémia normais.
proteinémias. Fundamentalmente, a etiopatogé- A etiopatogénese relaciona-se com diminuição
nese pode relacionar-se com: da síntese de apo A-I e aumento do catabolismo
– síntese aumentada de VLDL, devida prova- de HDL. Desconhecendo-se, com os dados dis-
velmente a uma resistência periférica à insu- poníveis, o papel da doença na aterogénese,
lina, com hiperinsulinismo secundário; esta impõe-se o diagnóstico diferencial com outras
modalidade encontra-se associada a síndro- afecções, como deficiência de LCAT, doença de
ma metabólica (ver atrás-HFC); Tangier e síndroma metabólica.
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2067

QUADRO 2 – Causas de hiperlipémias zida clinicamente pelos seguintes sinais e sinto-


secundárias mas: neuropatia periférica intermitente, hepatos-
plenomegália, hipertrofia amigdalina com colora-
Hipercolesterolémia ção alaranjada por acumulação de colesterol nas
Síndroma nefrótica, hipotiroidismo, colestase, células de Schwann.
isotretinoína, tiazidas, contraceptivos orais, beta-blo-
queantes, imunossupressores, inibidores das proteases *Deficiência de lecitina-colesterol aciltrans-
no tratamento das infecções por VIH, carbamazepina, ferase familiar (LCAT) /Doença fish-eye
progesterona, ciclosporina, etc.. A etiopatogénese desta doença rara relaciona-se
Hipertrigliceridémia com mutações nos genes que expressam a LCAT
Obesidade, diabetes mellitus tipo 2, álcool, insuficiência com deficiência total ou parcial desta enzima. Tal
renal, sépsis, estresse, síndroma de Cushing, gravidez, interfere com o processo de esterificação do coleste-
hepatite, inibidores da protease, beta-bloqueantes, rol e impede a formação de partículas de HDL e
estrogénios, tiazidas,etc.. promove catabolismo de apo A-I. Clinicamente
Diminuição de colesterol-HDL verifica-se opacificação corneana (dado isolado na
Obesidade, hábitos de tabaco, diabetes mellitus tipo 2, forma clínica designada por doença eye fish, em
má-nutrição, beta-bloqueantes, anabolisantes, etc.. que a deficiência é parcial), anemia hemolítica e
insuficiência renal progressiva a partir da adoles-
cência e adultícia. Admite-se que não é aterogénica.
*Hiperalfalipoproteinémia familiar Para confirmação diagnóstica, os exames labo-
Trata-se duma situação rara que diminui o risco ratoriais evidenciam diminuição de c-HDL, de
de aterosclerose e de coronariopatia, e probabili- apo A-I, aumento de triglicéridos e relação coles-
dade de sobrevida aumentada. A etiopatogénese terol livre / colesterol total > 0,7.
relaciona-se com deficiência da proteína de trans-
ferência colesterol-éster (CETP) por mutações no 2.5 Hipocolesterolémias
respectivo gene localizado no cromossoma 16Y21.
Os valores de C-HDL por vezes ultrapassam 80 As situações associadas a alterações do metabolis-
mg/dL, e na forma homozigótica (mais frequente mo do colesterol intracelulare das lipoproteínas
no Japão) > 150 mg/dL. com apo B acompanham-se de hipocolesterolé-
mia.
*Deficiência familiar de Apo A-I
Surge como resultado de mutações no gene da *Abetalipoproteinémia
apo A-I, determinando valores baixos ou vesti- Esta anomalia rara, AR, origina-se por mutações
giais de HDL. Como consequência surge um qua- no gene que codifica uma proteína microssómica
dro de gravidade variável em função das referidas de transporte de triglicéridos para o retículo endo-
mutações, caracterizado na maioria dos casos, por plásmico, a qual é deficiente; como consequência,
aterosclerose prematura, xantomatose, opacidade há produção deficiente de lipoproteínas contendo
corneana e, ocasionalmente, associação a amiloi- apo B, necessárias para a transferência de lípidos
dose. no intestino delgado para as Qm nascentes e, no
O perfil laboratorial inclui diminuição de C- fígado, para as VLDL.
HDL e de Apo A-I no plasma. A clínica inclui má absorção de gorduras com
diarreia, carência de vitamina E, hipocrescimento,
*Doença de Tangier e sinais neurológicos (degenerescência espinoce-
É uma doença autossómica co-dominante em que lular, hiporreflexia, ataxia, espasticidade na idade
os valores de C-HDL são inferiores a 5 mg/dL. A adulta, retinite pigmentar). Muitos dos sinais são
etiopatogénese relaciona-se com mutações no o resultado de má absorção de vitaminas lipos-
gene ABCA1 de uma proteína implicada na liga- solúveis. Os sinais neurológicos implicam o dia-
ção do colesterol celular à apo A-I. A consequência gnóstico diferencial com a ataxia de Friedreich.
é a acumulação de colesterol livre no SRE ,tradu- O perfil laboratorial inclui: ausência de Qm,
2068 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

VLDL, LDL e apo B, com valores baixos de coles- supra-renal, etc.) e sindactilia cutânea (2º - 3º dedos
terol e triglicéridos; e disfunção eritrocitária (acan- do pé > 97%)
tocitose). Nos casos de colesterolémia inferior a 20
mg/dL, a sobrevivência é improvável. O diagnós-
*Hipobetalipoproteinémia familiar tico definitivo pode ser levado a cabo através da
Esta doença familiar autossómica co-dominante, identificação de precursores do colesterol através
relacionada com mutações no gene que codifica a da técnica de cromatografia gasosa e da análise
síntese de apo B-100, na forma homozigótica evi- mutacional.
dencia sintomatologia semelhante à da abetalipo-
proteinémia. 2.6. Alterações do metabolismo
Distingue-se da abetalipoproteinémia pelo intracelular do colesterol
facto de os progenitores heterozigóticos nos casos
da doença em epígrafe evidenciarem diminuição Recorda-se que os ácidos biliares, sintetizados no
do colesterol-LDL, de triglicéridos e de apo B. fígado a partir do colesterol, são essenciais para a
absorção lipídica no intestino, regulam a síntese
*Doença de Anderson do colesterol hepático e são necessários para a
Esta doença, com fenótipo sobreponível à abetali- produção adequada de bílis.
poproteinémia e à hipobetalipoproteinémia homo-
zigótica, deve-se à incapacidade de secreção de *Xantomatose cerebrotendinosa
apo B-48 no intestino delgado. Esta doença AR pode manifestar-se no RN como
A não absorção de Qm origina esteatorreia e icterícia colestática (hepatite autolimitada). Em
carência de vitaminas lipossolúveis. O perfil bio- geral surge sintomatologia no fim da adolescên-
químico evidencia valor sanguíneo normal de apo cia: inicialmente atraso mental seguindo-se catara-
B-100, como resultado da sua secreção normal tas e deterioração neurológica progressiva, diar-
pelo hepatócito. reia e aparecimento de xantomas tendinosos pelos
20-40 casos.
*Síndroma de Smith-Lemli-Opitz (SSLO) Outro dado clínico é o aparecimento de ateros-
A etiopatogénese desta síndroma rara (incidência clerose prematura prodendo levar à morte por
oscilando entre 1/20.000 – 1/60.000 RN caucasia- enfarte do miocárdio.
nos) está relacionada com mutações no gene Segundo alguns autores, incluída no capítulo
DHCR7, do que resulta deficiência da enzima sobre perturbações da síntese dos ácidos biliares, a
microssómica DHCR7 (7-di-hidrocolesterol redu- mesma resulta défice da enzima esterol-27 hidro-
tase), a qual se traduz em défice da síntese de xilase por mutação de gene, necessário para a sín-
colesterol na sua fase final. tese mitocondrial de ácidos biliares no fígado. O
Desconhece-se até que ponto a síntese deficitá- resultado é a acumulação de colestanol e coleste-
ria de colesterol poderá contribuir para a patogé- rol, sobretudo no sistema nervoso.
nese de defeitos congénitos, embora se conheça o O diagnóstico faz-se pela demonstração de
papel importante da mielina no neurodesenvolvi- colestanol (e, por vezes, colesterol) elevado no
mento. plasma, assim como de álcoois biliares específicos
Recorda-se que a SSLO integra em mais de na urina, também elevados. Também se pode
metade dos casos anomalias craniofaciais, esquelé- demonstrar a deficiência enzimática em fibroblas-
ticas, genitais e do desenvolvimento; ao nível dos tos; em certas populações e análise de ADN pode
órgãos internos, podem estar afectados o SNC ser um método rápido de diagnóstico.
(holoprosencefalia, agenésia do corpo caloso, etc.),
o sistema cardiovascular(canal atrioventricular, *Doença de Wolman
etc.), o tracto urinário (hipoplasia ou aplasia renal, De transmissão AR, deve-se à falta da lipase ácida
etc.), tubo digestivo (doença de Hirschprung, etc.), lisossómica, com consequente acumulação de
sitema respiratório (hipoplasia pulmonar, anoma- ésteres de colesterol nas células por falência de
lia dos lobos), sistema endócrino (insuficiência hidrólise (doença de armazenamento).
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2069

De prognóstico muito reservado, (é fatal) as suprimento em fibras solúveis, o mesmo deve ser
manifestações clínicas incluem hepatospleno- calculado em gramas (gramas a administrar =
megália, esteatorreia, hipocrescimento; a morte idade em anos + 5-10 até à idade de 15 anos) até
surge em geral antes do 1 ano. máximo de 25 gramas por dia). Com esta estraté-
Nota: existe outra clínica resultante de defi- gia é possível a diminuição da colesterolémia em
ciência da mesma enzima (designada por “Doença cerca de 10-15%.
de armazenamento de ésteres de colesterol”), tam- – Exames clínicos planeados
bém AR, com maior sobrevivência. A avaliação clínica global periódica, incluindo
do peso e altura para determinação do IMC (índi-
*Doença de Niemann-Pick tipo C ce de massa corporal) é fundamental, designada-
Trata-se duma esfingolipidose (doença AR) carac- mente nos casos associados a hipertrigliceridémia,
terizada pela acumulação de colesterol e esfingo- com tendência para obesidade.
mielina no SNC e SRE. É devida, não a deficiência – Exercício físico
enzimática do lisossoma ou do seu cofactor, mas a – Fármacos
defeito do tráfico de lípidos (perturbação da saída De acordo com as recomendações gerais do
do colesterol do lisossoma, com consequente depó- NCEP(National Cholesterol Education Program)
sito de esfingomielina). O prognóstico é reservado, Expert Panel for Children and Adolescents, o trata-
com morte durante a 2ª infância ou adolescência. mento farmacológico das hiperlipémias está indi-
Actualmente é possível o tratamento com cado nas crianças com idade de 10 anos ou super-
miglustat evidenciando resultados promissores. ior, após período mínimo de 6 meses de regime
Nota: Os tipos A e B desta doença dos organe- alimentar dietético sem se terem atingidos os
los foram tratados no Capítulo 372. objectivos terapêuticos (delineados no capítulo
47-p.253).
Terapêutica das dislipoproteinémias Assim, deve ser considerada farmacoterapia
nas seguintes circunstâncias:
A intervenção terapêutica nas dislipoproteinémias • colesterol-LDL > 190 mg/dL sem factores de
compreende: medidas gerais (algumas já referidas risco de doença cardiovascular; ou
no capítulo 47, e dirigidas predominantemente • colesterol-LDL > 160 mg/dL associado:
para as situações acompanhadas de hipercoleste- * a doença cardiovascular prematura (< 55
rolémia); e específicas de cada entidade abordada: anos) na família; ou
* a dois ou mais factores de risco cardiovascu-
1. Medidas gerais lar verificados após tentativa de modificação do
– Regime alimentar estilo de vida (Quadro 2-p.252)
Considerando a percentagem do valor calórico Estas normas arbitrárias baseiam-se na proba-
total, a medida geral mais importante diz respeito bilidade estatística de o caso em questão poder
à redução do suprimento em gorduras: inferior a corresponder a uma forma hereditária de dislipo-
30% (sendo gorduras saturadas inferior a 7-10%, proteinémia, tal como HF. A idade de 10 anos foi
poli-insaturadas 10% e mono-insaturadas 10-15 seleccionada por corresponder à idade em que se
%), colesterol inferior a 200-300 mg/dia, incre- tem verificado, em estudos, a formação das
mentando o suprimento em hidratos de carbono estrias gordas nas artérias coronárias e aorta.
(50-60%, aumentando o teor em hidratos de car- De acordo com os peritos do NCEP, está pre-
bono complexos e reduzindo o de açúcares) e em visto que, em casos específicos, correspondendo a
proteínas (15-20%). valores muito elevados de colesterol, a terapêutica
A restrição dietética somente deverá ser posta com fármacos possa ser antecipada. Assim, por
em prática em crianças com mais de dois anos, exemplo, a partir dos 3-4 anos poderão utilizar-se
exceptuando nos casos de HF homozigótica (e resinas fixadoras de ácidos biliares como a colesti-
ponderada nas formas heterozigóticas). ramina(entre 4-32 gramas /dia) em duas tomas
O regime deverá igualmente ter suprimento ,ou o colestipol (5-40gramas/dia) associados ao
rico em fibras, frutos e vegetais. Relativamente ao ácido fólico (5 mg 1 vez por semana).
2070 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Com a utilização de fármacos é possível redu- Na idade pediátrica há estudos que demons-
ção dos valores da colesterolémia cerca de 30%. tram maior eficácia da colestiramina e colestipol
Não está indicada a intervenção farmacológica em comparação com ezetmibe.
nos casos de hipertrigliceridémia isolada, deven- • Hipercolesterolémia autossómica recessiva
do ser ponderada se os valores de triglicéridos – Inibição da HMG CoA redutase com estati-
ultrapassarem > 1000 mg/dL no período pós- nas, com resposta escassa.
prandial pelo risco de pancreatite.
O Quadro 3 sintetiza os principais fármacos a • Sitosterolémia
utilizar no contexto das dislipoproteinémias em – Ezetimibe ou resinas fixadoras de ácidos
geral, com referência a indicações, mecanismo de biliares (colestiramina ou colestipol)
acção e dose inicial. Nota: estatinas ineficazes.

2. Medidas específicas • Hipercolesterolémia poligénica


Para além das medidas gerais explanadas – Têm cabimento as medidas gerais, eficazes.A
antes e a aplicar em todas as situações de dislipo- farmacoterapia é raramente necessária.
proteinémias em geral, são especificadas outras
medidas a aplicar nas doenças descritas. • Hiperlipémia familiar combinada (HFC)
– Nos casos de C-LDL > 160 mg/dL, deverá ser
• Hipercolesterolémia familiar homozigótica considerada a farmacoterapia.
– Aférese das LDL.
– Inibição da HMG CoA redutase com estati- • Disbetalipoproteinémia familiar (DBLF)
nas, eventualmente associadas a ezetimibe como – Embora as medidas gerais sejam suficiente-
forma de bloqueio da absorção intestinal do coles- mente eficazes, a alternativa é a associação a far-
terol ou a resinas fixadoras de ácidos biliares macoterapia (estatinas, ácido nicotínico e fibratos).
como a colestiramina ou o colestipol.
– Transplante hepático, ponderando as compli- • Quilomicronémia familiar
cações associadas. (Capítulo 123) – Reforçando-se a noção de as medidas gerais
– Terapêutica génica em investigação incluírem suplemento de vitaminas lipossolúveis,
• Hipercolesterolémia familiar heterozigótica e defi- nesta doença estão indicados óleos de peixe ou
ciência de Apo B-100 familiar TCM, estes últimos absorvidos directamente para o
– Inibição da HMG CoA redutase com estati- sistema venoso porta. Há que evitar administração
nas, eventualmente associadas a ezetimibe como hormonal (esteróides, estrogénios) que é agravante.
forma de bloqueio da absorção intestinal do coles-
terol ou a resinas fixadoras de ácidos biliares • Hipertrigliceridémia familiar (HTGF)
como a colestiramina ou o colestipol. – Tal como foi referido em Medidas Gerais, ape-

QUADRO 3 – Farmacoterapia nas dislipoproteinémias

Fármaco Mecanismo de acção Indicação Dose Inicial


Estatinas Síntese de colesterol e de VLDL Receptores LDL 5 - 80 mg ao deitar
Resinas fixadoras
de ácidos biliares Excreção de bílis LDL 4 - 40 gramas/dia
Ácido nicotínico Síntese de VLDL hepática LDL e > TG 100 – 2000 mg 3x/dia
Fibratos LPL e < VLDL TG 600 mg 2x/dia
Óleos de peixe VLDL TG 3 - 10 gramas/dia
Inibidores da absorção
de colesterol (Ezetamibe) Absorção intestinal de colesterol LDL 10 mg/dia
Símbolos: > = aumento de ; < = diminuição de
CAPÍTULO 374 Defeitos do metabolismo dos lípidos incluindo dislipoproteinémias 2071

nas está indicada farmacoterapia (fibratos, nicoti- Cabral A. Enfermedades del almacenamiento del glicógeno y
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PARTE XXXIII
Clínica Pediátrica e Novos Paradigmas
2074 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

375
escassos e dispendiosos face a necessidades quase
ilimitadas impõem, por parte da Sociedade, a pres-
tação de cuidados efectivos, em tempo útil, cen-
trados no doente, acessíveis, equitativos e com a
máxima eficiência e segurança.
Na base desses desafios está a necessidade de
MEDICINA BASEADA NA obter e sintetizar a informação e o conhecimento
científicos, válidos e relevantes, que sirvam de
EVIDÊNCIA – PRINCÍPIOS suporte à actividade clínica diária. A questão cen-
tral é, então, saber como podem os clínicos ter
E APLICAÇÕES EM PEDIATRIA acesso à inovação e ao desenvolvimento que vai
ocorrendo a um ritmo muito acelerado e, simulta-
Paulo Sousa e Isabel Saraiva de Melo neamente, dominar essa informação e conheci-
mento de modo a introduzir eventuais mudanças
na sua prática para obter o máximo beneficio para
os doentes e o equilíbrio atrás referido.
Definição e importância do problema
Aspectos históricos
A medicina baseada na evidência (MBE) é uma
metodologia científica de apoio à decisão clínica Historicamente, não obstante a utilização de estu-
que nas últimas três décadas adquiriu importân- dos controlados no apoio à decisão clínica remon-
cia crescente na prática médica, um pouco por tar a 1940, pode dizer-se que a MBE, como meto-
todo o mundo. Considerando as diversas defini- dologia sistemática, surgiu na década de 1970.
ções existentes, aquela que nos parece reflectir Entre os pioneiros destaca-se Archie Cochrane
melhor os princípios e aplicações da MBE, foi des- (epidemiologista britânico), que defendeu a utili-
crita por Sackett (2000) que a refere como “the inte- zação de ensaios clínicos aleatorizados (randomi-
gration of best research with clinical expertise and zed controlled trials – RCT) como “padrão de ouro”
patient values”. para se obter a prova ou a evidência em medicina,
Na prática, a MBE pode ser vista como um sendo igualmente o principal impulsionador das
processo sistemático de revisão, análise e utiliza- revisões sistemáticas.*
ção da literatura científica na avaliação das opções Mais tarde, nas décadas de 1980 e 1990, foram
e no apoio às tomadas de decisão clínica. Tal para- dados contributos muito significativos para a afir-
digma surge como opção ao processo de tomada mação, conceptualização e desenvolvimento da
de decisão clínica utilizado durante séculos, que MBE salientando-se os estudos de David Sackett,
assentava, essencialmente, no ensino/treino in- Gordon Guyatt e Brian Haynes da Universidade
tensivo, na experiência individual (perícia/ exper- de McMaster (Toronto, Canadá), e de David Eddy
tise) acumulada e na aprendizagem com os “mes- e colaboradores da Universidade de Duke (Caro-
tres” – medicina baseada na prática. As principais lina do Norte, EUA).
críticas a este processo de decisão clínica residiam
na enorme variabilidade das práticas, algumas Virtudes e controvérsias
delas com pouca sustentação científica e, conse-
quentemente, dos resultados clínicos e económi- A MBE, ao defender a utilização da melhor prova
cos, bem como no facto de nem sempre essas prá- ou evidência disponível para apoiar a tomada de
ticas serem escrutinadas/avaliadas.
O desenvolvimento tecnológico, paralelamen- * Na verdade, segundo os filólogos a palavra "evidência", radicada na
gíria médica, é uma tradução não totalmente correcta da palavra em
te aos sucessivos avanços na área da biomedicina, língua inglesa evidence, que em português significa “prova”. Mais cor-
vieram colocar enormes desafios à prática clínica, rectamente, a tradução para português de, por ex. there is evidence seria
“está provado” ou “existem provas de que...” Este anglicismo deve-se
exigindo uma constante actualização. Paralela- ao grande impacte que a língua inglesa tem hoje em diversas áreas da
mente, o difícil equilíbrio entre gerir recursos ciência (Nota do editor-JMVA).
CAPÍTULO 375 Medicina baseada na evidência – Princípios e aplicações em pediatria 2075

decisão, incorpora três vantagens essenciais para inclui as competências básicas da prática clínica e
a melhoria da prática clínica: a experiência individual do médico), deve ter em
i) Proporcionar uma forma mais robusta e consideração e integrar, na tomada de decisão, as
objectiva de definir e manter consistentemente preferências dos doentes, o contexto e as circuns-
elevados padrões de qualidade e segurança; tâncias da situação clínica, bem como o que está
ii) Promover o processo de transferência dos provado com rigor científico (isto é, a melhor evi-
resultados decorrentes de trabalhos científicos dência disponível).
para a prática clínica (medicina de translação);
iii) Possibilitar ganhos de eficiência (através da Cinco passos fundamentais da MBE
diminuição de desperdícios e da aplicação de boas
práticas) Objectivamente, a MBE inclui cinco passos essen-
Apesar de as virtudes atrás descritas serem ciais (Quadro 1): i) a formulação de questões clíni-
facilmente identificáveis e estarem robustamente cas que emergem da constatação do problema, ou
fundamentadas, existem algumas resistências e seja converter a necessidade de informação em
oposições a este paradigma. No essencial, as críti- questões objectivas; ii) pesquisar evidência, isto é,
cas assentam em dois argumentos: a) que a MBE procurar e recolher provas que nos permitam dar
diminui, ou não contempla, a importância da resposta às questões clínicas levantadas; iii) ava-
experiência clínica e a opinião do médico enquan- liação da qualidade da evidência (validade e utili-
to perito; b) que as condições em que são feitos os dade clínica); iv) aplicação da evidência ao doente
estudos e ensaios clínicos, que definem as me- individual ou grupo de doentes – população; v)
lhores práticas, não são as que existem na prática avaliação do desempenho da aplicação da evidên-
clínica do dia-a-dia. cia na prática clínica (adesão à utilização da evi-
Haynes e colaboradores (2002) desenvolveram dência e impacte nos resultados – Outcomes).
um modelo (Figura 1) que pretende demonstrar o A formulação de questões clínicas constitui o
papel central que a perícia/experiência do médico ponto de partida e, muitas vezes, a sua principal
tem na tomada de decisão clínica baseada na evi- dificuldade, na medida em que nem sempre é fácil
dência. traduzir um problema clínico numa questão
Não pretendendo ser exaustivos na análise do objectiva. Tendo essa dificuldade em considera-
modelo, parece-nos interessante referir o factor- ção, Sackett e colaboradores (2000) desenvolve-
chave nele contido: a experiência clínica (que ram um esquema que integra quatro pontos fun-
damentais (acrónimo em Inglês é PICO, patient ou
problema; intervention; comparison; outcomes) que
devem ser tidos em consideração aquando da for-
Situação clínica mulação de questões clínicas.
e circunstâncias Apresentamos, como exemplo, o caso de um
rapaz de 4 anos de idade que recorre ao seu médi-
co assistente por febre com 12 horas de evolução
e otalgia à direita. Na observação verifica-se uma
Perícia/experiência clínica
membrana timpânica hiperemiada com abaula-
Preferências Evidência
e acções científica QUADRO 1 – Os cinco passos essenciais
dos doentes na medicina baseada na evidência

1. Formular uma questão clínica


2. Pesquisar a informação mais relevante
3. Avaliar a qualidade da prova ou evidência
FIG. 1
4. Aplicar a informação obtida ao doente
Modelo de tomada de decisão clínica baseada na evidência 5. Avaliar os resultados/desempenho
(adaptado de Haynes et al. 2002).
2076 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

mento da mesma, compatível com otite média de questões e regras pré-definidas (por exemplo,
aguda (OMA) à direita. Surge a questão sobre risco de viés; como foi feita a aleatorização; grau de
medicar ou não com antibiótico, tendo em conta o ocultação; os sujeitos foram tratados de maneira
seu efeito na duração dos sintomas, ocorrência de idêntica nos diferentes grupos do estudo?).
complicações e frequência de otite serosa persis- Outro critério para avaliar a utilidade da evi-
tente, bem como potenciais efeitos adversos asso- dência em relação à capacidade para responder à
ciados à terapêutica (Quadro 2). questão clínica inicial pode ser ilustrado, numa
A pesquisa da literatura existente nas diferentes forma hierárquica, conforme se apresenta na
fontes de informação bibliográficas em formato digi- Figura 2 (hierarquia do valor relativo dos estudos
tal, (por exemplo: Cochrane; Pubmed; Web of Science; primários e secundários).
EMBASE; Scopus, onde se podem encontrar diversos Quando se considera estar perante um conjun-
títulos de publicação periódicas, de carácter científi- to de literatura válida e útil (após passar pelo
co, tais como Evidence–Based Medicine; ACP Journal crivo de avaliação crítica) é chegada a fase de deci-
Club; Evidence-Based Practice; Clinical Evidence; dir qual a evidência que pode ser aplicada/utili-
International Journal of Evidence Based Healthcare;; zada para determinado doente em particular, ou
Evidence-Based Child Health - Cochrane Review Journal; para uma determinada população. Tal decisão
Pediatrics; Archives of Disease in Childhood; British deve contemplar os valores e preferências do
Medical Journal; New England Journal of Medicine; doente, bem como as circunstâncias presentes.
Lancet; Science) constitui um passo decisivo, uma vez Outro aspecto crucial que se deve ter em conside-
que será esta a base da análise que posteriormente ração diz respeito à discussão que deve haver
será avaliada e seleccionada, e que fundamentará as entre o médico e o doente e/ou seus familiares,
decisões/ opções a serem tomadas. sobre a efectividade e os riscos inerentes às opções
Após pesquisar a literatura podemos obter: quer válidas. Dessa forma o doente torna-se actor par-
estudos primários, como por exemplo, estudos ticipante (aquilo que alguns autores anglo-saxó-
retrospectivos de caso-controlo, estudos prospectivos nios denominam de “therapeutic alliance”) e tem a
de coorte, ensaios clínicos aleatorizados e controla- possibilidade de fazer escolhas informadas. Ainda
dos; quer os secundários – síntese dos primários – de nesta fase, de aplicação do que está provado (da
que são exemplo as revisões sistemáticas e as evidência), é fundamental integrar as questões
metanálises relevantes para a questão em análise. custo – efectividade e a disponibilidade e exequi-
A fase seguinte consiste na avaliação crítica, em bilidade da opção escolhida.
termos de validade interna (consistência do estudo
entre a pergunta de investigação, a metodologia uti-
lizada e os resultados obtidos) e externa (capacidade Revisão
de obter resultados semelhantes quando se replica o sistemática

estudo noutro contexto) e utilidade clínica dessa evi- Ensaio clínico


randomizado
dência. Para o processo de avaliação crítica da evi-
dência é fundamental obter respostas a um conjunto
Estudo de coorte

QUADRO 2 – Exemplo duma questão clínica


Estudo caso-controle
utilizando o acrónimo PICO

P (Problema/doente) Criança de 4 anos com otite Séries de casos / relato de caso

média aguda
I (Intervenção) Antibioticoterapia Editorial / opinião de peritos
C (Comparação) Não medicar com antibiótico
O (Outcome/Resultado) Duração dos sintomas,
ocorrência de complicações, persistência de otite
FIG. 2
serosa e efeitos adversos da terapêutica
Hierarquia da evidência (adaptado, Haynes, 2006).
CAPÍTULO 375 Medicina baseada na evidência – Princípios e aplicações em pediatria 2077

Por último, e não menos importante, vem a de tal associação. Nesta perspectiva, o atraso na
fase de avaliação após aplicação da evidência na aplicação da “melhor evidência” disponível (do
prática clínica. Tal avaliação deve ser realizada que foi provado) traduziu-se em mortes que seriam
periodicamente (em intervalos de tempo razoá- potencialmente evitáveis; não obstante, permitiu
veis) e deve possibilitar a introdução de melhorias diminuir a incidência desta dramática entidade.
em qualquer das quatro fases antecedentes.
Um exemplo importante é a realização de reu- Normas de orientação clínica e MBE
niões de revisão de casuística e de reuniões sobre
morbilidade e mortalidade. Tais acções têm por As normas de orientação clínica – NOC (guide-
base um processo de auto-avaliação da prática clí- lines) – constituem um conjunto de recomenda-
nica de forma reflexiva. ções desenvolvidas de forma sistematizada que se
Paralelamente, a execução prática de um pro- destinam a apoiar o médico e o doente na tomada
grama de auditorias, internas e/ou externas é, de de decisões acerca dos cuidados de saúde, em
facto, desejável pois permite medir o grau de uti- situações clínicas específicas. A metodologia de
lização da MBE na tomada de decisão clínica, bem elaboração das NOC obedece aos princípios gerais
como o seu contributo para a melhoria da quali- da medicina baseada na evidência, ou seja, assen-
dade e da segurança dos cuidados prestados. ta na interpretação e síntese dos estudos científi-
Outro aspecto incontornável, principalmente na cos publicados sobre a matéria em discussão.
actual conjuntura socioeconómica, é a necessidade Cada NOC deve ter explícito um conjunto de
e a pertinência de se fazerem estudos de avaliação informação sobre a estrutura da sua concepção,
económica que permitam avaliar, numa perspecti- como por exemplo: título, responsáveis pela sua
va de custo-benefício, a adopção de tal metodolo- elaboração; fontes de financiamento; objectivos;
gia na prática clínica do dia-a-dia. intervenções/práticas; fonte e métodos de selec-
ção da evidência científica; metodologia e avalia-
Síndroma da morte súbita ção crítica da referida evidência; recomendações
do lactente, um exemplo de estudo principais; análise de custos; benefícios e riscos
potenciais; e as datas previstas para se proceder à
As recomendações actuais, a nível nacional e inter- revisão das recomendações (Roque, A et al. 2010).
nacional, são unânimes em defender o decúbito A força de recomendação de uma NOC deve
dorsal como posição para dormir nos lactentes por ter por base um conjunto de factores, salientando-
forma a prevenir esta entidade. Dado tratar-se dum se os seguintes: a qualidade da evidência em que
tipo de patologia pouco frequente numa população se baseiam, o balanço entre os riscos e os benefí-
saudável, as recomendações foram essencialmente cios, a aplicação e disponibilidade no contexto e
baseadas em estudos de caso-controlo. Na segunda nas circunstâncias em causa, e o impacte em ter-
metade do século XX foi aconselhado o decúbito mos de custo-benefício.
ventral, baseado em argumentos fisiológicos e fisio- Considerando as diferentes abordagens quanto
patológicos. Até 1970 foram publicados dois estu- à avaliação da qualidade da evidência e à hierar-
dos revelando um risco superior de síndroma da quização da força de recomendação das NOC, o
morte súbita do lactente (SMSL) associada ao decú- Grading of Recommendation, Assessment, Develo-
bito ventral; a partir de 1986 estudos realizados em pment and Evaluation (GRADE) é, provavelmente, a
vários países revelaram consistentemente resulta- mais conhecida e utilizada na generalidade dos
dos semelhantes e em 1988 são publicados no Lancet vários centros mundiais. O GRADE tem por base
os resultados preliminares duma primeira revisão uma abordagem sistemática relativamente a cada
sistemática. Seguiram-se entretanto campanhas de um dos factores enumerados no parágrafo anterior.
saúde pública (a iniciativa Back to sleep a partir de A concluir, cabe destacar que a MBE tem como
1990) e a substancial redução da incidência de principal objectivo melhorar a qualidade (senso
novos casos de SMSL (50-70%), concomitante com lato)* dos cuidados através da integração da me-
uma redução da prevalência do decúbito ventral,
* Nas dimensões definidas por Maxwell: efectividade, eficiência, segu-
constituem a prova mais convincente (ou evidência) rança, aceitabilidade; equidade; relevância.
2078 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

lhor evidência disponível com a perícia/experiên- Lobo-Antunes J. A Nova Medicina. Lisboa: Fundação
cia do médico e as preferências dos doentes. Francisco Manuel dos Santos, 2012
Longe de retirar a “arte” à prática da medicina, Moyer VA, Elliott EJ, Gilbert R et al. Evidence Based Pediatrics
conforme alguns críticos afirmam, a MBE realça e and Child Health. Second edition. London: BMJ Books,
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CAPÍTULO 376 Qualidade e segurança em cuidados de saúde 2079

376
QUADRO 1 – Características de população
pediátrica que a tornam mais
susceptível à ocorrência
de incidentes relacionados
com os cuidados de saúde

QUALIDADE E SEGURANÇA • Dependência de um cuidador ou familiar para os


cuidados habituais de sobrevivência (alimentação,
EM CUIDADOS DE SAÚDE locomoção,etc) e para os cuidados médicos
• Comunicação difícil ou limitada pela idade e grau
Maria João Lage e Idalina Bordalo de desenvolvimento, com necessidade de
interlocutores para a compreensão da historia clínica,
da doença e do plano terapêutico
• Anatomia e fisiologia imaturas, com
Importância do problema: desenvolvimento físico e cognitivo em mudança
Primum non nocere permanente limitando uma abordagem unificada a
toda a pediatria
Os cuidados médicos podem, só por si, ser causa- • Necessidade de equipamento ajustado à idade e
dores de lesão. A dimensão do problema ao nível necessidade de cálculos na prescrição e
do sistema de saúde tornou-se evidente a partir administração de medicação
dos anos 90, com a publicação por Lucian Leape • Epidemiologia diferente em relação à população
dos primeiros artigos sobre a frequência do erro adulta, com mais episodios de doença aguda e
médico e com o relatório “To err is human: Building menos doença crónica.
a safer Health System” do Institute of Medicine
(1999). Este estudo mostrou que 3 a 4% dos afectadas pelos incidentes relacionados com a
doentes hospitalizados nos EUA eram lesados medicação do que os adultos. A revisão de proces-
pelos cuidados médicos, com um número de sos clínicos num hospital pediátrico mostrou que
mortes anuais superior a 44.000. Nos hospitais 15% das crianças hospitalizadas são vítimas de
portugueses um estudo piloto revelou que 11% um evento adverso, ou seja, sofrem uma lesão
dos doentes adultos hospitalizados sofreram uma relacionada com os procedimentos a que são sub-
lesão associada aos cuidados de saúde. Para um metidos. Muitos destes incidentes são considera-
profissional de saúde hoje, é impossível ignorar dos susceptíveis de prevenção. Os pediatras
esta realidade ou ficar indiferente à sua relevância devem, por isso, ser os principais promotores da
na prática clínica. segurança do doente.
À medida que os cuidados de saúde se tornam A lesão originada pelos cuidados médicos é
mais abrangentes, mais invasivos e mais com- muitas vezes invisível para o doente e também
plexos tecnologicamente, a intervenção do médico para o próprio profissional, que é tentado a consi-
tem uma dependência crescente da subespeciali- derá-la inevitável ou pouco frequente. O primeiro
zação, da actualização científica e do trabalho de passo para a execução de práticas mais seguras na
equipa. Neste contexto, os novos sucessos tera- rotina é, por isso, garantir a maior visibilidade do
pêuticos têm-se acompanhado de um aumento do erro e das suas implicações aos mais variados
risco inerente ao sistema e de oportunidades de níveis (diagnóstico, medicação, utilização de equi-
erro e de lesão. Paralelamente, os doentes e as pamento, procedimentos, etc.).
suas famílias estão mais atentos ao processo dia-
gnóstico e terapêutico e são cada vez mais exi- Os incidentes relacionados com
gentes na avaliação dos resultados. os cuidados de saúde em pediatria
As crianças estão na linha da frente, quando
consideramos os factores de risco para a ocorrên- Como se definem
cia de incidentes (Quadro 1), sendo 3 vezes mais Para uniformizar os conceitos de incidente, risco,
2080 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

evento adverso, erro, segurança e outros termos revisão dos processos clínicos dos doentes hospi-
relacionados com a qualidade dos cuidados de talizados triados através da detecção de situações
saúde, foi elaborada pela OMS em 2009 uma taxo- clínicas que podem fazer suspeitar de um inciden-
nomia internacional, recentemente adoptada pela te (ex: hipo ou hiperglicémia, hipo ou hipernatré-
Direção Geral da Saúde (Quadro 2). mia, necessidade de antagonista de heparina ou
de anticonvulsante). Este método tem sido consi-
São frequentes? derado o padrão para a determinação da frequên-
Os incidentes relacionados com os cuidados cia da lesão relacionada com os incidentes. A rede
pediátricos foram revistos por vários investiga- neonatal de Vermont Oxford analisou 1230 relatos
dores utilizando metodologias diferentes. O estu- voluntários de incidentes em 54 unidades de cui-
do já referido de Matlow et al (2011) adaptou à dados intensivos neonatais, 47% dos quais eram
pediatria o método dos “triggers”, ou seja, a relacionados com a medicação, 11% com erros de
identificação e 7% com erro ou atraso no diagnós-
QUADRO 2 – Definição de conceitos em tico. Em 10778 prescrições pediátricas, o estudo de
Segurança do doente* Kaushal et al (2001) detectou 616 erros de medica-
ção (5,7% das prescrições) dos quais 1% causaram
• Segurança do Doente é a redução do risco de danos lesão. Num período de 1 ano (2008-2009) a
desnecessários relacionados com os cuidados de saúde, National Patient Safety Agency no Reino Unido
para um mínimo aceitável. Um mínimo aceitável recebeu 910.089 relatos de incidentes dos quais 5%
refere-se à noção colectiva em face do conhecimento se relacionavam com os cuidados pediátricos e 2%
actual, recursos disponíveis e no contexto em que os com os recém-nascidos. Dos 339 diários clínicos
cuidados foram prestados em oposição ao risco do não pediátricos analisados por Carrol etal (2003), 27%
tratamento ou de outro tratamento alternativo. tinham registos errados referentes à medicação.
• Risco: A probabilidade de ocorrência de um Os cuidados ambulatórios têm sido menos
incidente. estudados mas não estão imunes ao erro: o estudo
• Dano associado ao Cuidado de Saúde é o dano “Learning from errors in ambulatory pediatrics”
resultante ou associado a planos ou ações tomadas analisou 147 relatos de erros médicos com origem
durante a prestação de cuidados de saúde, e não de em 14 consultórios, verificando que 37% eram
uma doença ou lesão subjacente. relacionados com o tratamento, 22% com a identi-
• Incidente de Segurança do Doente é um evento ou ficação, 15% com as imunizações e 13% com
circunstância que poderia resultar, ou resultou, em dano exames diagnósticos. Num serviço de urgência
desnecessário para o doente. Os incidentes surgem quer pediátrico canadiano verificaram-se 100 erros de
de actos intencionais quer de actos não intencionais. prescrição e 39 erros de administração de medica-
• Erro é a falha na execução de uma acção planeada de ção por cada 1000 doentes admitidos.
acordo com o desejado ou o desenvolvimento No Hospital de Dona Estefânia, o hospital
incorreto de um plano. Os erros podem manifestar-se pediátrico português com maior volume de
por prática da acção errada (comissão) ou por não se
doentes, foram relatados 3418 incidentes relacio-
conseguir praticar a acção certa (omissão), quer seja
nados com os cuidados de saúde entre 2002 e
na fase de planeamento, quer na fase de execução.
2010, dos quais 428 (12,5%) foram relacionados
• Ocorrência comunicável é uma situação com
com a medicação, 479 (14%) com o equipamento e
potencial significativo para causar dano, mas em
214 (6,3%) com a realização de procedimentos. Os
que não ocorreu nenhum incidente.
incidentes que se associam com maior frequência
• Quase evento (near-miss) é um incidente que não
a lesão do doente (evento adverso) são as compli-
alcançou o doente.
cações cirúrgicas, as infecções nosocomiais e os
• Evento sem danos é um incidente em que um evento
incidentes relacionados com a medicação.
chegou ao doente.
• Incidente com danos (evento adverso) é um
Porque é que acontecem?
incidente que resulta em danos para o doente.
Embora uma acção ou omissão particular, um erro
*Estrutura Conceptual da Classificação Internacional sobre Segurança do Doente, DGS 2011
por desconhecimento do procedimento correcto
CAPÍTULO 376 Qualidade e segurança em cuidados de saúde 2081

ou ainda um lapso momentâneo possam estar na O relato voluntário dos incidentes detectados
origem imediata de um incidente (Quadro 3), a na prática clínica abre uma janela diagnóstica para
análise mais cuidada da situação revela invaria- as falhas do sistema. Para ultrapassar a habitual
velmente uma sucessão prévia de pequenos des- relutância dos profissionais em relatar, é funda-
vios das práticas de segurança, influenciados pelo mental a compreensão, por parte da organização,
ambiente de trabalho. Nos cuidados aos doentes do valor do relato como uma oportunidade para
no serviço de urgência pediátrico podem, por aprender e melhorar o sistema e não como factor
exemplo, ser factores contributivos para a ocor- de culpabilização. A participação de enfermeiros,
rência de incidentes: a incorrecta identificação dos técnicos e médicos no sistema de relato ajuda a
doentes, a falta de experiência pediátrica do pes- quebrar barreiras interprofissionais e a recolocar o
soal, o erro de cálculo nas doses de medicamentos, interesse do doente (neste caso a prevenção da
o défice de comunicação entre os profissionais que lesão) no centro dos cuidados. Sem desresponsa-
trazem e os que recebem o doente ou entre os pro- bilizar os profissionais pela quebras intencionais
fissionais e os familiares, o diagnóstico errado por na segurança dos cuidados, uma cultura justa
informação incompleta ou interrupções durante a encoraja e valoriza a identificação das situações de
avaliação do doente ou a descoordenação por falta risco, separando a sua análise e correcção da fun-
de treino em trabalho de equipa. ção disciplinar da instituição.
Uma cultura flexível favorece o trabalho de
A cultura de segurança na prática equipa disciplinado e a aquisição de competências
clínica: implementação de medidas técnicas em detrimento da hierarquia rígida ou do
de diagnóstico, melhoria individualismo. Tudo numa organização de cuida-
e prevenção dos de saúde deve estar orientado para o doente.
Em clínica pediátrica este aspecto é particularmen-
A cultura de segurança ideal apoia-se em 4 ele- te importante: desde o treino dos vários profissio-
mentos chave: os relatos de incidente, a justiça, a nais no tratamento de crianças até à adaptação das
flexibilidade e a aprendizagem. instalações e dos equipamentos à dimensão infan-
til e à necessidade da presença permanente dos
QUADRO 3 – Alguns exemplos de eventos pais. A flexibilidade também se traduz na incorpo-
adversos em pediatria ração da informação gerada pelos relatos de inci-
dentes, avaliações de risco e auditorias na gestão
– Lactente com suspeita de oclusão intestinal enviado diária da organização. São exemplos no Centro
para o bloco operatório sem observação prévia do Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), a substitui-
cirurgião sénior, verificando-se a não indicação ção rápida de equipamento com defeito detectado
operatória quando o doente já estava ventilado e em relatos de incidente (sistemas de medição de
sedado na mesa operatória. diurese com tubos muito rigidos impedindo a
– Erro na marcação na bomba infusora do ritmo de clampagem, seringas mal calibradas que se soltam
soro de correcção com cloreto de sódio (9ml/ hora dos prolongamentos, agulhas de punção que se
em vez de 20 ml/hora) num recém-nascido com partem facilmente, prolongamentos de soro que
desidratação grave hiponatrémica, causando não perfundem com ritmos baixos, compressas
perfusão de dose infraterapêutica durante 12 horas. cujos folhetos se separam), a elaboração de proce-
– Desconexão de cateter venoso umbilical, com dimentos para actividades onde se verifique gran-
consequente perda de sangue e necessidade de de variabilidade (administração de terapêutica
transfusão de concentrado eritrocitário e plaquetas. pré-anestésica, antibioticoterapia pré e intraope-
– Extubação acidental de criança ventilada e sedada ratória, actuação na dor abdominal aguda pediá-
durante a realização de radiografia do tórax originando trica, organização do processo clínico) e a forma-
bradicárdia e hipoxémia, sendo necessária ventilação ção profissional em áreas transversais a toda a
manual com máscara e reentubação imediata. organização (controlo de infecção, reanimação
Base de dados da Gestão de Risco do CHLC – HDE, Lisboa pediátrica, prevenção do erro na via do medica-
mento, segurança das instalações, etc).
2082 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Uma cultura de aprendizagem utiliza a infor- identificação correcta dos doentes. As medidas
mação obtida pelos vários instrumentos de gestão gerais sugeridas para cumprir estes objectivos são
de risco para implementar planos de acção correc- a simplificação de processos, a diminuição da
tivos ou preventivos da lesão do doente (Quadro variabilidade com o uso de protocolos e listas de
4). A sistematização da análise e correcção dos verificação, a melhoria da comunicação e o treino
incidentes com maior gravidade utilizando, por de simulação e trabalho de equipa (Quadro 5).
exemplo, o Protocolo de Londres e a comunicação
“em anonimato” dos resultados da investigação E o doente? Aspectos
permitem criar uma memória organizacional que da comunicação na relação
previna ocorrências semelhantes no futuro. As médico-doente
áreas que têm sido alvo de mais atenção são: a
segurança do circuito de medicação, desde a pres- Em 2006, um estudo da Healthcare Comission (Reino
crição à administração, o controlo de infecção hos- Unido) analisou o serviço prestado às crianças nos
pitalar, o reconhecimento precoce da deterioração hospitais e detectou que apenas 24% da enfermeiras
clínica do doente, a actuação rápida na paragem e 7 a 9% dos médicos tinham recebido algum treino
cardio-respiratória, a comunicação eficaz da infor- na comunicação com crianças. As crianças não ver-
mação clínica, a prevenção das complicações bais, com patologia complexa ou com dificuldades
cirúrgicas (compressas retidas, lado errado) e a de comunicação e os seus pais referiram que, com
frequência, ninguém valoriza a informação que pres-
QUADRO 4 – Análise de incidente e plano tam relativamente à deterioração do estado clínico ou
de acção a novos sintomas. Muitos estudos têm avaliado a
participação das famílias e dos próprios doentes na
Incidente promoção da segurança nos seus cuidados. Alguns
Lactente internado com alimentação parentérica hospitais (incluindo o HDE) sugerem sistematica-
exclusiva através de cateter venoso central de longa mente ao doente e à sua família a lavagem das mãos,
duração. Corte acidental do cateter pelo pai do lactente a vigilância das quedas (grades das camas levanta-
ao tentar remover com bisturi o adesivo que segurava das), o conhecimento da medicação e dos procedi-
uma luva de protecção colocada na zona de conexão mentos programados e o alerta sobre situações de
do cateter ao sistema de soro (utilizada durante o risco ou erros detectados durante o internamento.
banho do lactente). Os doentes que foram vítimas de um incidente
Consequências para o doente que se tenha traduzido em lesão esperam uma comu-
Necessidade de colocação cirúrgica de novo acesso nicação honesta e aberta desse facto por parte dos
central, perda de capital venoso (necessidade de profissionais implicados. Esta é uma “boa prática”
laqueação de veia jugular). reconhecida, mas infelizmente pouco praticada. A
Causa raiz* dificuldade desta comunicação é evidente e requer
Manipulação do cateter com técnica errada (utilização coragem, preparação e suporte por parte da institui-
de bisturi). ção. Neste processo, não pode ficar esquecido o pla-
Factores contributivos no de cuidados ao doente lesado e o apoio ao profis-
Falta de formação do pai na manipulação de cateteres, sional implicado.
excesso de confiança, presença de bisturis nos quartos,
utilização pelos profissionais de procedimento
QUADRO 5 – Cinco sugestões para melhorar a
inapropriado (luva e adesivo) para a protecção do cateter. segurança do doente pediátrico
Plano de Acção
Remoção dos cortantes dos quartos; plano de formação
1. Seguir protocolos escritos de segurança
faseado dos cuidadores na manipulação dos cateteres
2. Falar quando há dúvidas
com registo escrito do ensino e aprendizagem; não
3. Comunicar com clareza e precisão
utilização de luva e adesivo para protecção do cateter.
4. Não desleixar o trabalho e impedir que outros o façam
*Causa raiz: a causa original da falha ou falta de eficiência de um processo; isto é, a
razão fundamental para a ocorrência de um evento.
5. Relatar e analisar os incidentes
Base de dados da Gestão de Risco do CHLC – HDE, Lisboa
CAPÍTULO 376 Qualidade e segurança em cuidados de saúde 2083

Como saber e fazer mais Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS. To err is human: buil-
ding a safer health system: a report of the Committee on
A segurança deve ser um esforço conjunto dos Quality of Health Care in America, Institute of Medicine.
profissionais, da administração e dos doentes e Washington, DC: National Academy Press; 2000
famílias, sendo a participação dos pais particular- Kozer E, Berkovitch M, Koren G. Medication errors in children.
mente importante nos cuidados pediátricos. Pediatr Clin North Am 2006;53:1155–1168
Todos os profissionais, particularmente os médi- Lage MJ. Segurança do doente: da teoria à prática clínica,
cos, devem incluir o treino da comunicação, do Revista Portuguesa de Saúde Pública 2010, vol tematico
trabalho de equipa e da prevenção do erro no seu (10) 11-16
plano de formação em serviço, aproveitando os Leape LL, Brennan TA, Laird N, et al. The nature of adverse
instrumentos disponíveis na sua organização events in hospitalized patients: results of the Harvard
(plano de auditorias, sistema de relato de inci- Medical Practice Study II. NEJM 1991;324: 377–384
dentes, avaliação de risco) e noutros locais Matlow AG, Cronin CM, Flintoft V, Nijssen-Jordan C, Fleming
(National Patient Safety Agency, World Alliance M, Brady-Fryer B, Hiltz M, Orrbine E, Baker GR
for patient Safety, Institute for Healthcare Description of the development and validation of the
Improvement, Joint Comission, Agency for Canadian Paediatric Trigger Tool. BMJ Qual Saf 2011;
Healthcare Research and Quality) para melhorar 20:e416- e423
a segurança da prática clínica. Mohr JJ, Lannon CM, Thoma KA, et al. Learning from errors in
ambulatory pediatrics. In: Advances in Patient Safety: From
BIBLIOGRAFIA Research to Implementation. Washington, DC: Agency for
American Academy of pediatrics, Policy Statement— Healthcare Research and Quality, 2005:355–368
Principles of Pediatric Patient Safety: Reducing Harm Due Powell SK. When things go wrong: responding to adverse
to Medical Care. Pediatrics 2011; originally published onli- events: a consensus statement of the Harvard hospitals.
ne May 29, 2011; DOI: 10.1542/peds.2011-0967 Lippincott’s Case Management. 2006;11:193-194
American Academy of Pediatrics, National Initiative for Sousa P, Uva AS, Serranheira F, Leite E, Nunes C. Segurança
Children’s Health Care Quality Project Advisory do doente: eventos adversos em hospitais portugueses:
Committee. Principles of patient safety in pediatrics. estudo piloto de incidência, impacte e evitabilidade.
Pediatrics 2001;107:1473–1475 Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública, Maio 2011
Berwick D. What ‘Patient-Centered’ should mean: confessions Suresh, G., Horbar, J.D., Plsek, P., Gray, J., Edwards, W.E.,
of an extremist. Health Affairs. 2009;28:w555-65 Shiono, P.H., Ursprung, R., Nickerson, J., Lucey, J.F.,
Carrol AE et al. Resident documentation discrepancies in a Goldman, D. Voluntary Anonymous Reporting of Medical
neonatal intensive care unit. Pediatrics 2003; 111:976-980 Errors for Neonatal Intensive Care Pediatrics 2004; 113:
Direcção Geral da Saúde. Análise das Causas Raiz, Incidentes e 1609-1618
Eventos Adversos (Orientação da DGS 011/2012 de Taylor-Adams S, Vincent C. Systems analysis of clinical inci-
30/07/2012). Lisboa: DGS/Departamento da Qualidade, 2012 dents: the London protocol. Clin Risk 2004;10:211-220
Estrutura Conceptual da Classificação Internacional sobre UK National Patient Safety Agency (2009). Review of patient
Segurança do Doente. Relatório Técnico Final. Tradução safety for children and young people [Em-linha]. Disponí-
realizada pela Divisão de Segurança do Doente, vel em: www.npsa.nhs.uk/nrls
Departamento da Qualidade na Saúde. Lisboa: Direcção- UK National Patient Safety Agency. Learning from reporting:
Geral da Saúde, 2011 improving the quality of data. [Em linha]. National
Frey B, Ersch J, Bernet V. Involvement of parents in critical inci- Reporting and Learning System. Quarterly Data Summary.
dents in a Pediatric-Neonatal Intensive Care Unit. Qual Saf 14 (Nov 2009) 9-10. Disponível em
Health Care 2009; 18:446-449 http://www.nrls.npsa.nhs.uk/resources/collections/quar
Gouyon JB, Cransac A, Sgro C. Medication errors in neonatal terly-datasummaries/? entryid45=65329.
medicine: from prescription to administration. Archives de Vincent, C. Patient Safety. London: Wiley Blackwell, 2010
Pédiatrie 2012; 19: 976-983 WHO. World Alliance for Patient Safety. Who draft guidelines
Kaushal R, Bates DW, Landrigan C, et al. Medication errors for adverse event reporting and learning systems. Geneva:
and adverse drug events in pediatric inpatients. JAMA World Health Organisation, 2005
2001; 285: 2114-2120
Anexos
Esta parte do livro, considerada como complemento de diversos capítulos, integra valores de refe-
rência de parâmetros laboratoriais, quadros e diagramas utilizados em clínica pediátrica hospitalar
e extra-hospitalar.
Patologia Clínica
Química clínica/Valoresde referência
2086

Sexo Masculino Sexo Feminino


Idade Soro Plasma LCR Urina 24h Soro Plasma LCR Urina 24h
Acido Úrico 0-18 A 2,0-5,5 mg/dl 150-990 mg /24h 2,5-5,5 mg/dl 150-990 mg/24h
> 18 A 3,5-7,2 mg/dl 2,6-6,0 mg/dl
Albumina 0-7 D 2,8-4,4 g/dl 2,8-4,4 g/dl
7 D -14 A 3,8-5,4 g/dl 3,8-5,4 g/dl
> 14 A 3,5-5,2 g/dl 3,5-5,2g/dl
Alanina amino- 0-2 A 13-45 U/L 13-45 U/L
transferase >2A 10-45 U/L 7-35 U/L
Amilase 0-1 M 5-65 U/L 5-65 U/L 59-401 U/24h
1 M-70 A 25-125 U/L 25-125 U/L
>70 A 20-160 U/L 20-160 U/L
59-401 U/24 h
Amónia 0-1 M 56-92 μmol/L 56-92 µmol/L
>1M 21-50 μmol/L 21-50 µmol/L
TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Aspartatoami- 0-1 M 25-75 U/L 25-75 U / L


notranferase 1 M-2 A 15-60 U/L 15-60 U / L
>2A 8-35 U/L 8-35 U/L
Bilirrubina 0-0,3 mg/dl 0 - 03 mg/dl
Directa
Bilirrubina Total 0-1 D 1,4-8,7 mg/dl 1,4-8,7 mg/dl
1 D-2 D 3,4-11,5 mg/dl 3,4-11,5 mg/dl
2 D-5 D 1,5-12,0 mg/dl 1,5-12,0mg/dl
>5D 0,3-1,2 mg/dl 0,3-1,2mg/dl
Calcio Ionizado 1,15-1,32 mmol/L 1,15-1,32 mmol/L
Calcio Total 0-10 D 7,6-10,4 mg/dl 42-353 mg/24h 7,6-10,4mg/dl 42-353 mg/24h
10 D-2 A 9,0-11,0 mg/dl 9,0-11,0mg/dl
2 A-12 A 8,8-10,8 mg/dl 8,8-10,8mg/dl
> 12 A 8,6-10,3 mg/dl 8,6-10,3mg/dl
Capacidade total 110-370 µg/dl 110-370 µg/dl
fixação ferro
Cloro 0-30 D 98-113 mmol/L 110-130 mmol/L 110-250 mmol 98-113 mmol/L 110-130 mmol/L 110-250
> 30 D 98-107 mmol/L /24h 98-107 mmol/L mmol/24h
Colestrol Total 0-1 M 38-174 mg/dl 56-195 mg/dl
1 M-6 M 53-194 mg/dl 59-216 mg/dl
6 M-12 M 83-205 mg/dl 68-216 mg/gl
1 A-3 A 37-178 mg/dl 37-178 mg/dl
Química clínica/Valoresde referência (cont.)

Sexo Masculino Sexo Feminino


Idade Soro Plasma LCR Urina 24h Soro Plasma LCR Urina 24h
Colestrol Total 3 A-6 A 103-184 mg/dl 103-184 mg/dl
6 A-9 A 107-245 mg/dl 107-245 mg/dl
9 A-11 A 120-228 mg/dl 122-242 mg/dl
11 A-13 A 122-228 mg/dl 120-211 mg/dl
13 A-15 A 101-218 mg/dl 125-211 mg/dl
15 A-18 A 105-218 mg/dl 101-215 mg/dl
> 18 A 125-200 mg/dl 122-200 mg/dl
Colestrol HDL 0-2 A 12-60 mg/dl 12-60 mg/dl
2 A-7 A 38-75 mg/dl 36-73 mg/dl
7 A-12 A 37-74 mg/dl 37-70 mg/dl
12 A-16 A 30-63 mg/dl 35-74 mg/dl
16 A-19 A 30-63 mg/dl 35-74 mg/dl
> 19 A 35-88 mg/dl 35-67 mg/dl
Colestrol LDL 0-12 A 65-100 mg/dl 65-100 mg/dl
> 12 A 70-120 mg/dl 70-120 mg/dl
Colinesterase 4620-11500 U/L 3930-10800 U/L
Creatinaquinase 0-1 M 16-312 U/L 16-312 U/L
CK >1M 16-171 U/L 16-145 U/L
Creatinaquinase <24 U/L < 24 U/L
CKMB
Creatinina 0-7D 0,7-1,2 mg/dl 600-2500 mg/24h 0,7-1,2 mg/dl 600-1500 mg/24h
7 D-30 D 0,3-0,8 mg/dl 0,3-0,8 mg/dl
1 M-1 A 0,2-0,5 mg/dl 0,2-0,5 mg/dl
1 A-3 A 0,2-0,8 mg/dl 0,2-0,8 mg/dl
3 A-12 A 0,5-1,1 mg/dl 0,5-1,1 mg/dl
12 A-18 A 0,5 -1,0 mg/dl 0,5 -1,0 mg/dl
> 18 A 0,8-1,3 mg/dl 0,6-1,0 mg/dl
Ferro 0 -1 M 100-250 µg/dl 100-250 µg/dl
1 M-9 A 50-120 µg/dl 50-120 µg/dl
>9A 70-180 µg/dl 70-180 µg/dl
Anexos

Fosfatase Alcalina 0-12 A <500 U/L <500 U/L


12 A-15 A <750 U/L <332 U/L
15 A-18 A <390 U/L 40-150 U/L
>18 A 40-150 U/L 40-150 U/L
2087
Química clínica/Valoresde referência (cont.)
2088

Sexo Masculino Sexo Feminino


Idade Soro Plasma LCR Urina 24h Soro Plasma LCR Urina 24h
Desidrogenase 0-1 M 290-775 U/l 290-775 U/l
láctica LDH 1 M-3 A 180-430 U/L 180-430 U/L
3 A-13 A 110-295 U/L 110-295 U/L
>13 A 110-247 U/L 110-247 U/L
Fosforo 0-1 M 2,8-7,0 mg/dl 400-130 mg/24h 3,1-7,7 mg/dl 400-130 mg/24h
1 M-1 A 3,1-6,6 mg/dl 3,1-6,8 mg/dl
1 A-2 A 3,1-6,2 mgl/dl 3,1-6,3 mgl/dl
2 A-13 A 3,1-5,9 mg/dl 3,1-5,9 mg/dl
13 A-16 A 3,1-5,3 mg/dl 3,1-5,5 mg/dl
16 A-18 A 3,1-5,1 mg/dl 3,1-4,8 mg/dl
> 18 A 2,5-4,9 mg/dl 2,5-4,9 mg/dl
Gamagentamil 0-7D 34-263 U/L 34-263 U/L
Tramspeptidase 7 D-1 A 6-151 U/L 6-151 U/L
TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

>1A < 55 U/L < 38 U/L


Glucose 0-1D 36-110 mg/dl 45-80 mg/dl 0-500 mg/24h 36-89 mg/dl 45-80 mg/dl 0-500 mg/dl
1 D-7 D 47-110 mg/dl 47-110 mg/dl
>7D 70-110 mg/dl 70-110 mg/dl
HbA1c 4-6 % 4-6 %
Lactato 4,5-19,8 mg/dl 10-22 mg/dl 4,5-19,8 mg/dl 10-22 mg/dl
Lipase 8-78 U/L 8-78 U / L
Magnesio 0-1 M 1,3-2,3 mg/dl 24-255 mg/24h 1,3-2,3 mg/dl 24-255 mg/24h
1 M-1 A 1,7-2,3 mg/dl 1,7-2,3 mg/dl
1 A-3 A 1,6-2,5 mg/dl 1,6-2,5 mg/dl
3 A-6 A 1,7-2,4 mg/dl 1,7-2,4 mg/dl
6 A-15 A 1,6-2,4 mg/dl 1,6-2,4 mg/dl
> 15 A 1,8-2,4 mg/dl 1,8-2,4 mg/dl
Piruvato 0,3-0,9 mg/dl 0,3-0,9 mg/dl
Potássio 0-1 M 3,7-5,9 mmol/L 25-125 3,7-5,9 mmol/L 25-125
1 M-1 A 4,1-5,3 mmol/L mmol/24h 4,1-5,3 mmol/L mmol/24h
1 A-3 A 3,5-5,1 mmol/L 3,5-5,1 mmol/L
>3A 3,5-5,1 mmol/L 3,5-5,1 mmol/L
Proteina C < 05 mg/dl < 0,5 mg/dl
Reactiva
Proteinas Totais 0-2 M 4,0-7,0 g/dl 0-149 mg/24h 3,6-7,0 g/dl 0-149 mg/24h
2 M-6 M 4,0-7,0 g/dl 4,0-7,6 g/dl
Química clínica/Valoresde referência (cont.)

Sexo Masculino Sexo Feminino


Idade Soro Plasma LCR Urina 24h Soro Plasma LCR Urina 24h
Proteinas Totais 6 M-1A 4,2-7,9 gl/dl 20-100 mg/dl 4,6-7,8 gl/dl 20-100 mg/dl
1 A-3 A 6,0-8,0 g/dl (0-1 M) 6,0-7,8 g/dl (0-1 M)
3 A-9 A 6,3-8,1 g/dl 6,3-8,1 g/l
9 A-19 A 6,4-8,6 g/dl 15-45 mg/dl 6,4-8,6 g/dl 15-45 mg/dl
> 19 A 6,4-8,2 g/dl (>1 M) 6,4-8,2 g/dl (>1 M)
Sódio 0-7 D 133-146 mmol/L 40-220 mmol/24h 133-146 mmol/L 40-220 mmol/24h
7 D-30 D 134-144 mmol/L 134-144 mmol/L
7 D-6 M 134-142 mmol/L 134-142 mmol/L
6 M-1 A 133-142 mmol/L 133-142 mmol/L
1 A-15 A 132-145 mmol/L 132-145 mmol/L
> 15 A 136-145 mmol/L 136-145 mmol/L
Trigliceridos 0-7 D 13-95 mg/dl 11-76 mg/dl
7 D-13 A 30-100 mg/dl 35-110 mg/dl
13 A-19 A 37-148 mg/dl 39-124 mg/dl
> 19 A 37-150 mg/dl 37-150 mg/dl
Ureia 0-4 D 8,5-25,6 mg/dl 15-34,2 g/24h 8,5-25,6 mg/dl 15-34,2g/24h
4 D-12 A 10,7-38,5 mg/dl 10,7-38,5 mg/dl
> 12 A 17,0-43 mg/dl 17,0-43 mg/dl
A = anos; M = meses; D = dias
Anexos
2089
2090 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Imunologia – Valores de referência Imunologia – Valores de referência (cont.)

COMPLEMENTO C1q IG A (IMUNIGLOBULINA A)


Idade M F Idade M F
Qualquer idade 118-238 G/L 118-244 3 Meses 0.06-0.58 G/L 0.06-0.58
OROSOMUCÓIDE 6 Meses 0.1-0.96 0.1-0.96
Idade M F 1 Ano 0.36-1.65 0.36-1.65
Qualquer idade 0.4-1.3 G/L 0.4-1.3 2 Anos 0.36-1.65 0.36-1.65
AAT (ALFA 1 ANTITRIPSINA) 3 Anos 0.45-1.35 0.45-1.35
Idade M F 4 Anos 0.52-2.1 0.52-2.1
Qualquer idade 0.92-2.0 G/L 0.92-2.0 5 Anos 0.53-2.2 0.53-2.2
PCR 6 Anos 0.83-2.17 0.83-2.17
Idade M F 7 Anos 0.65-2.4 0.65-2.4
Qualquer idade <0.30 mg/dl <0.30 8 Anos 0.74-2.6 0.74-2.6
C1 INACTIVADOR 9 Anos 1.08-2.0 1.08-2.0
Idade M F 10 Anos 0.7-2.22 0.7-2.22
Qualquer idade 210-390 mg/dl 210-390 11 Anos 0.91-2.55 0.91-2.55
HAPTOGLOBINA 13 Anos 1.08-3.25 1.08-3.25
Idade M F >13 Anos 1.0-4.9 0.85-4.5
Qualquer idade 0.34-2.0 G/L 0.34-2.0 IG M (IMUNIGLOBULINA M)
CERULOPLASMINA SERICA Idade M F
Idade M F 3 Meses 0.12-0.87 G/L 0.12-0.87
Qualquer idade 0.22-0.61 G/L 0.22-0.61 6 Meses 0.25-1.2 0.25-1.2
APO A1 12 Meses 0.36-1.04 0.36-1.04
Idade M F 2 Anos 0.72-1.6 0.72-1.6
Qualquer idade 1.10-2.05 G/L 1.25-2.15 3 Anos 0.46-1.9 0.46-1.9
APO B 4 Anos 0.52-2.0 0.52-2.0
Idade M F 5 Anos 0.4-1.8 0.4-1.8
Qualquer idade 0.55-1.4 G/L 0.55-1.25 6 Anos 0.55-2.1 0.55-2.1
TRANSFERRINA 7 Anos 0.6-1.75 0.6-1.75
Idade M F 8 Anos 0.68-1.75 0.68-1.75
Qualquer idade 2-3.8 G/L 2-3.8 9 Anos 0.55-1.6 0.55-1.6
IG G (IMUNIGLOBULINA G) 10 Anos 0.8-1.5 0.8-1.5
Idade M F 11 Anos 0.66-1.55 0.66-1.55
3 Mese s 2.7-7.8 G/L 2.7-7.8 13 Anos 0.7-1.5 0.7-1.5
6 Meses 1.9-8.6 1.9-8.6 >13 Anos 0.5-3.2 0.6-3.7
12 Meses 3.5-11.8 3.5-11.8 IgE
2 Anos 5.2-10.8 5.2-10.8 Idade M F
3 Anos 5.0-13.6 5.0-13.6 1 Ano ND-15.0 UI/ml ND-15.0
4 Anos 5.4-14.4 5.4-14.4 2 Anos 1.0-19.0 1.0-19.0
5 Anos 6.4-14.2 6.4-14.2 3 Anos ND-32.0 ND-32.0
6 Anos 6.5-14.1 6.5-14.1 9 Anos ND-101.0 ND-101.0
7 Anos 5.7-13.2 5.7-13.2 15 Anos 1.4-300.0 1.4-300.0
8 Anos 7.3-14.1 7.3-14.1 > 1.0-183.0 1.0-183.0
ND = não doseável
9 Anos 7.6-13.3 7.6-13.3
10 Anos 7.3-13.5 7.3-13.5
11 Anos 8.5-13 8.5-13
13 Anos 7.7-15.1 7.7-15.1
>13 Anos 8.0-17.0 8.0-17.0
G/L = gramas por litro
Anexos 2091

Imunologia – Valores de referência (cont.) Imunologia – Valores de referência (cont.)

IGGE ESPECÍFICA ELASTASE FECAL (Fezes)


Idade M F < 100 μg/g: Insuf. pancreática severa
Classe 0 0 U/l 0,35 100 - 200 μg/g: Insuf. Moderada
Classe 1 0,35 0,7 > 200 μg/g: Normal
Classe 2 0,7 3,5 Ac. Anti-Streptolisina O (Taso)
Classe 3 3,5 17,5 Idade M F
Classe 4 17,5 50 > <100 <100
Classe 5 50 100
Classe 6 >100
COMPLEMENTO CH100
Idade M F
Qualquer idade 488-1150 UCH100/ML 488-1150 UCH100/ML
C’3 (Complemento Fracção C3)
Idade M F
Qualquer idade 0.75-1.4 G/L 0.75-1.4
C’4 (Complemento Fracção C4)
Idade M F
Qualquer idade 0.1-0.34 G/L 0.1-0.34
RA TESTE (F. Reumatoide)
Idade M F
Qualquer idade < 18 UI/ML < 18
C1 INACTIVADOR FUNCIONAL
Qualquer idade < 41: Anormal
41 - 67: Equívoco
68: Normal
BETA 2 MICROGLOBULINA
Idade M F
Qualquer idade 0.810 - 2.190 mg/l 0.810 - 2.19 mg/l
BETA 2 MICROGLOBULINA (URINA)
Idade M F
Qualquer idade <0.150 mg/l <0.150 mg/l
SERELOGIA PARA A DOENÇA CELÍACA
Gliadina, Ac
IgA < 10 UA / mL
IgG < 10 UA / mL
Transglutaminase tecidual, Ac
IgA < 10 UA / mL
IgG < 10 UA / mL
Endomísio, Ac
IgA Negativo
IgG Negativo
AC = anticorpos; Gliadina e Transglutaminase: ensaio imunofluorimétrico
Endomísio: imunofluorescência indirecta
2092 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Reanimação / SAV
Reanimação (Parâmetros somatométricos e vitais; máscaras e sondas)

Idade Peso FC FR TAS Máscara SNG/Foley


(Kg) (c/min) (c/min) (mmHg) (Nº) (F)
RN 1 145 < 40 42 ± 10 0 5
RN 2-3 125 < 40 60 ± 10 0 5-8
1M 4 120 24-35 80 ± 16 1 5-8
6M 7 130 24-35 89 ± 29 1-2 5-8
1A 10 130 20-30 96 ± 30 1-2 8
2-3 A 12-14 120 20-30 99 ± 25 3 8
4-5 A 16-18 100 20-30 99 ± 20 3-4 10
6-8 A 20-26 100 12-25 105 ± 13 4-5 10
10-12 A 32-42 75 12-25 112 ± 19 5 10-12
> 14 A > 50 70 12-18 120 ± 20 5 > 12
PAS = pressão arterial sistólica; SNG = sonda naso gástrica

Máscara laríngeas Tubos de Guedel (ou de Mayo)

Peso Nº Insuflação (ml) Idade Tamanho (Nº) Comprimento (cm)


< 5 Kg 1 (Pediátrica) 4 ml Pretermo 00 3,5-4,5
5-10 Kg 1.5 (Pediátrica) 7 ml RN-3 meses 0 5,5
10-20 Kg 2 (Pediátrica) 10 ml 3-12 meses 1 6,0
20-30 Kg 2.5 (Pediátrica) 14 ml 2-5 anos 2 7,0
30-50 Kg 3 (Pediátrica) 20 ml > 5 anos 3 8,0
50-70 Kg 4 (Adulto) 30 ml
>70 Kg 5 (Adulto) 40 ml
TUBOS 4-10 cm (incisivos centrais → ângulo
OROFARÍNGEOS da mandíbula)

Entubação endotraqueal
TUBOS 12 e 36 Fr (ponta da pirâmide nasal →
NASOFARÍNGEOS tragus)
Material para entubação
– Aspirador
– Fonte de O2 Fórmulas de cálculo rápido (> 1 ano)
– Máscara e “AMBU”
– Tubo de Guedel (Mayo) Peso: 8 + (2 x idade em anos); Peso em kg
– Laringoscópio Tubo endotraqueal:
– Tubo endotraqueal (o n.º indicado, 1 n.º acima e 1 n.º – Diâmetro interno: 4 + (Idade/4) (em anos)
abaixo) – Distância (cm) oro-traqueal: 3 x diâmetro interno, ou
– Fio condutor 12 + Idade (anos)/2
– 1 ajudante Tensão arterial sistólica (mmHg) (limite inferior):
Lâminas de alringoscópio – 70 + (2 x idade em anos)
PT-RN Miller 0
1-18 meses Miller 1
18 meses-8 anos Miller 2; MacIntosh 2
> 8 anos MacIntosh 3
Miller: lâmina recta; MacIntosh: lâmina curva
Anexos 2093

Laringoscópio, Tubos endotraqueais (TET) e sondas

Idade Peso TET Laringoscópio Sondas para


(Kg) Diâmetro Distância Distância (Nº da lâmina) aspirar TET
interno orotraqueal nasotraqueal
(mm) (cm) (cm) (F)
RN 1 2.5 9 11 0 (Recta) 6
RN 2-3 3.0 10 11 1 (Recta) 6
1M 4 3.5 10 12 1 (Recta) 8
6M 7 3.5 12 14 1 (Recta) 8
1A 10 4.0 13 15 1 (Recta) 8
2-3 A 12-14 4.5 14 16 1-2 (Recta/Curva) 8
4-5 A 16-18 5.0 15 17 2 10
6-8 A 20-26 6.0-6.5 17 21 2-3 (Curva) 10
10-12 A 32-42 7.0 20 22 2-3 (Curva) 10
14-16 A 45 7.5 22 23 3 10
> 16 A 50 7.5-8.0 23 24 3 10-14

Punção intra-óssea Pás do desfibrilhador

Pediátrica Idade Diâmetro (cm)


Local de punção Comp. da agulha (18G)/Idade < 1 ano 4,5
0-3 anos 3-6 anos 6-12 anos > 1 ano ou > 10 Kg 8-10
Tíbia proximal 0,5-0,7 cm 1-1,5 cm 1,5 cm
Maléolo interno 0,75-1 cm 1 cm

Adulto
Local de punção Comprimento da agulha (15G)
Tíbia proximal 2,5 m
Maléolo interno 2 cm
Rádio distal 1,5 cm
Úmero 2,5 cm
Agulhas intra-ósseas automáticas (B.I.G., – Bone Injection Gun)

Tubos torácicos*

Peso (Kg) Pneumotórax (F) Derrame pleural


Transudado (F) Exsudado (F)
<3 8-10 8-10 10-12
3-8 10-12 10-12 12-16
9-15 12-16 12-16 16-20
16-40 16-20 16-20 20-28
> 40 20-24 24-28 28-36
*(Sistema F)
2094 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Infecciologia e tabelas de conversão


Período de incubação de algumas doenças infecciosas

Doença Tempo de incubação


Sarampo Cerca de 10 dias (variando de 7 a 18 dias desde a exposiçãoao início de febre e
cerca de 14 dias até ao aparecimento do exantema)
Rubéola 16 a 18 dias (com uma variação de 14-23 dias)
Varicela 2 a 3 semanas. Geralmente 13-17 dias
Parotidite epidémica 12-25 dias. Frequentemente 18 dias
Poliomielite 7-14 dias (casos paralíticos) com uma variação possível de 3-35 dias
Raiva Habitualmente 3 a 8 semanas
Febre amarela 2 semanas a 3 meses
Gripe 1-3 dias
Mononucleose infecciosa 4-6 semanas
Hepatite A 15 a 50 dias. Média: 28 a 30 dias
Hepatite B 45 a 180 dias. Média: 60 a 90 dias. Por vezes apenas 2 semanas ou 6 a 9 meses
Hepatite C 2 semanas a 6 meses. Geralmente 6 a 9 semanas
Tifo exantemático 1 a 2 semanas. Geralmente 12 dias
Febre escaronodular Geralmente 5-7 dias
Difteria 2-5 dias. Ocasionalmente mais prolongado
Tosse convulsa 6-20 dias
Escarlatina 1-3 dias
Meningite meningocócica 2-10 dias. Geralmente 3 a 4 dias
Febre tifóide 3 dias – 3 meses. Geralmente 1-3 semanas
Gastrenterite por Salmonella 6-72 horas a 5 dias. Geralmente 12-36 horas
Cólera De poucas horas a 5 dias. Geralmente 2-3 dias
Brucelose 5-60 dias. Geralmente 1-2 meses; Por vezes, vários meses
Tétano 3-4 dias. Média 10 dias
Botulismo 12-36 horas (aparecimento de sintomas neurológicos)
Sífilis 10 dias a 3 meses. Geralmente 3 semanas
Febre recorrente 5-15 dias. Geralmente 8 dias
Leptospirose íctero-hemorrágica 4-19 dias. Geralmente 10 dias
Paludismo Plasmodium falciparum: 7-14 dias
Plasmodium vivax e P. ovale: 8 a 12 dias
Plasmodium malariae: 7-30 dias
Para certas espécies de P. vivax pode haver um período de incubação de 8-10
meses e superior para o P. ovale
Amebiose Geralmente 2-4 semanas. Pode variar de alguns dias a vários meses ou anos
Calazar 2-6 meses. Varia entre 10 dias e anos
Toxoplasmose 5-25 dias
Anexos 2095

Tabelas de conversão

Bilirrubina Glicémia Ureia Creatinina Plasmáticos cortisol Pco2 Po2


Sérica no plasma no plasma
mg/100 ml

mg/100 ml

mg/100 ml

mg/100 ml
mmol/litro

mmol/litro

nmol/litro

μg/100 ml
μmol/litro

μmol/litro

mmHg
kPa
Cálcio Sérico Fosfato Sérico Colesterol Triglicéridos Proteínas
(total) (como P inorganico) Sérico Séricos Séricas

Totais Albumina
mg/100 ml

mg/100 ml

mg/100 ml

mg/100 ml
mmol/litro

mmol/litro

mmol/litro

mmol/litro

g/100 ml
gl/litro

Correspondência de temperatura [escalas Celsius (C) / Fahrenheit (F)]

33ºC = 91,4 ºF; 34ºC = 93,2 ºF; 35ºC = 95ºC; 36ºC = 96,8ºF; 37ºC = 98,6ºF; 38ºC = 100,4ºF; 39ºC = 102,2ºF; 40ºC = 104ºF;
41ºC = 105,8ºF; 42ºC = 107,6ºF; 43ºC = 109,4ºF; 44ºC = 111,2ºF
2096 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Correspondência doutras medidas (sistemas Cálculo da superfície corporal


métrico e britânico de unidades físicas) (fórmula de Mosteler)

Volume:
1 onça líquida (fluid oz) = 30 mL 
Superfície (m2) =
Peso (kg) x Altura (cm)
3600
1 galão = 4,546 litros
(Arch DisChild 1994; 70: 246-247)
Peso:
1 libra (lb) = 453 gramas
1 onça (oz) = 30 gramas
1 kg = 2 lb + ≤ oz
Comprimento:
1 pé = 30 cm
1 polegada (inch) = 2,5 cm
1 jarda = 91 cm
1 metro = 1 jarda + 3,4 polegadas
1 micron = 1/1000 milímetro,ou micrómetro,
representado por μ
1 milimicron = 1/1000000 milímetro (mm),
representado por μ
1 milímetro (mm) = ~0,04 polegadas
1 centímetro = ~0,4 polegadas

Períodos de afastamento de crianças em infantários e/ou escolas

– Diarreia com sangue (ou devida a E. coli 0157:H7, Shigella, Salmonella)


– Conjuntivite purulenta (contexto de cada caso)
– Tuberculose pulmonar do adulto (atestado de ausência de risco de contágio)
– Impetigo (até cura clínica/atestado médico)
– Faringite estreptocócica e escarlatina (até 24 horas de tratamento)
– Escabiose e pediculose (até tratamento completo)
– Varicela (até 5 dias após início da erupção / lesões secas na totalidade e na fase de crosta)
– Rubéola (até 7 dias após início do exantema); NB - mulheres grávidas com < 20 semanas gestacionais, até
conhecimento do estudo serológico (comprovação de protecção imunológica)
– Pertussis (até 5 dias completos após início da antibioticoterapia correcta, ou 21 dias na ausência de tratamento)
– Parotidite (até 9 dias após aparecimento da tumefacção glandular)
– Sarampo (até mínimo de 4 dias após início do exantema)
– Hepatite A (até 7 dias após início da doença e ou enquanto permanecer icterícia, se presente)
– Hepatite B (doença aguda: até à cura clínica; portadores crónicos: se sintomáticos)
– Infecções meningocócicas – meningite e sépsis (até cura clínica)
Anexos 2097

Pediatria Social
Escala Social de Graffar*

Para avaliação do contexto familiar social da criança/adolescente são considerados 5 parâmetros, respectivamente
profissão, grau de instrução, fonte principal de rendimento, local de residência e tipo de habitação. Em função das diversas
alíneas inquiridas para cada parâmetro A, B, C, D, E (a que é atribuída pontuação de 0 a 5 assinalada com seta (→), são
consideradas cinco classes: I (alta), II (média alta), III (média), IV (média baixa) e V (baixa) assinaladas entre parênteses ( ).
No que respeita à profissão,grau de instrução e fonte principal de rendimento é considerado o progenitor
(ou representante) a que se atribui pontuação mais elevada. É estabelecida a seguinte correspondência procedendo ao
somatório das pontuações: classe I (pontuação de 5 a 9);classe II (pontuação de 10 a 13); classe III (pontuação de 14 a 17);
classe IV (pontuação de 18 a 21) e classe V (pontuação de 22 a 25).

Classificação social
A. Profissão do progenitor mais qualificado:
1 → profissões liberais; professores da universidade; directores executivos de empresas; oficiais das forças armadas. (I)
2 → administradores de empresas; funcionários com funções de responsabilidade; comerciantes. (II)
3 → pequenos industriais e comerciantes; operários qualificados; funcionários públicos ou administrativos; funções de
secretariado. (III)
4 → operários semiqualificados; empregados do comércio. (IV)
5 → mão de obra não qualificada; serventes em obras; trabalhadores em serviços de limpeza; trabalhadores rurais. (V)
B. Grau de instrução do progenitor mais qualificado:
1 → curso universitário completo ou equivalente. (I)
2 → curso secundário completo e técnico superior; curso universitário incompleto. (II)
3 → curso secundário ou equivalente incompleto. (III)
4 → curso primário completo. (IV)
5 → curso primário incompleto; incompetência para ler e escrever. (V)
C. Fonte principal de rendimento:
1 → fortuna herdada ou adquirida. (I)
2 → rendimento decorrente de honorários (profissões liberais, comerciantes); ordenado mensal. (II)
3 → salário mensal; vencimento certo. (III)
4 → salário quinzenal, semanal ou diário. (IV)
5 → rendimento irregular; subsistência dependente de apoio público ou privado. (V)
D. Local de residência:
1 → bairro residencial em zona considerada diferenciada; zonas com valor elevado quanto a casa ou terreno. (I)
2 → bairro residencial em zona considerada não diferenciada; zona de urbanização bem estruturada e com arborização;
zona de terreno e casas de valor considerado médio em área não diferenciada. (II)
3 → bairro de construção antiga; zona antiga considerada não valorizada. (III)
4 → bairro operário com elevada densidade populacional; área próxima de zonas industriais com poluição e ou
saneamento precário. (IV)
5 → ”bairro da lata”; zona sem saneamento; zona rural considerada de fraco valor económico. (V)
E. Tipo de habitação:
1 → casa ou apartamento de luxo. (I)
2 → casa ou apartamento confortável e espaçoso. (II)
3 → casa ou apartamento em bom estado de conservação com saneamento básico, cozinha, casa de banho e
electrodomésticos essenciais. (III)
4 → habitação em mau estado de conservação, sem saneamento básico e ou energia eléctrica; habitação de dimensões
exíguas e escassa ventilação. (IV)
5 → barraca sem saneamento básico, água de canalização e ou energia eléctrica. (V)
*[Graffar M. Une méthode de classification sociale d´échantillons de population. Courier 1956;6:455]
2098 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Crescimento e Nutrição
Avaliação do estado nutricional

1. Medições e técnicas
Perímetro cefálico – Utilização de fita métrica inextensível de largura < 1 cm, bem aplicada em torno da cabeça, num
plano - fronte, por cima das arcadas orbitárias – proeminência occipital – em posição que permita a leitura do valor máximo
em três tentativas. Consultar curvas de crescimento.
Perímetro braquial (lado esquerdo) – Utilização de fita métrica inextensível de largura < 1 cm, a meia distância entre o
acrómio e o olecrânio; o membro superior deve ficar pendente com flexão do antebraço sobre o braço garantindo
ângulo de 90°. (Consultar tabelas de Frisancho e bibliografia).
Prega tricipital – Utilização de calibrador de espessura (por ex. calibrador de Harpenden) pregueando ou “pinçando” a
pele previamente com os dedos, na região tricipital, a meia distância entre o acrómio e o olecrânio; a pressão exercida
pelas pinças do calibrador deve ser constante.
2. Notas importantes relativamente ao peso e comprimento/estatura
Peso – A balança deve estar calibrada.
Comprimento/estatura – Quer utilizando craveiras para bebés, quer estadiómetros para crianças maiores em quem se
consiga a posição bípede estável, haverá necessidade de o observador ser ajudado por outra pessoa para evitar
oscilação da bacia, garantindo membros inferiores em extensão completa, pés formando ângulo de 90° com as pernas
sem arquear o dorso, cabeça no plano do tronco, e bordo inferior das órbitas no mesmo plano dos meatos auditivos.

Nefro-Urologia

Proteinúria e microalbuminúria

Em situação de normalidade a excreção urinária de proteínas é diminuta (<4 mg/m2/hora ou <100 mg/m2/24 horas).

1. Verificando-se proteinúria, para avaliação de eventual 2. A determinação das relações Up/c (proteínas/
disfunção tubular, em função do contexto clínico, podem creatinina na urina) ou Ualb/c (albumina/creatinina na
ser quantificadas na urina as seguintes proteínas de urina) reflectem com rigor a proteinúria ou albuminúria
baixo peso molecular: de 24 horas. Recomenda-se a primeira amostra de urina
– Beta 2 microglobulina (b2M) da manhã para evitar o efeito do exercício ou do
– Alfa 1 microglobulina (a1M) ortostatismo.
– Proteína ligada ao retinol (RBP).
Os respectivos valores de referência são expressos na sua 3. São considerados os seguintes valores de referência,
relação com a creatinina(c): traduzindo normalidade:
b2M/c <> 9,8(6,0-40,7)mcg/mmol Up/c: <0,5 mg/mg ou <50 mg/mmol (lactentes);
a1M/c <> 0,4(0,1-2,2)mcg/mmol <0,2 mg/mg ou <20 mg/mmol (crianças > 1 ano);
RBP/c <> 8,1(<1-24,5)mcg/mmol U alb/c: <30 mg/g ou < 3 mg/mmol
A sua elevação está associada a disfunção tubular
(proteinúria tubular).
A verificação de microalbuminúria constitui um
indicador fiel de doença renal crónica.
(in Ariceta G. Proteinuria. Eur J Pediatr 2011;170:15-20)
Anexos 2099

Nefro-Urologia
Dilatação pré-natal ligeira / moderada (7 – 14 mm)

ECOGRAFIA PÓS-NATAL (2 - 4 semanas)

Bacinete Ectasia piélica isolada • Bacinete ≥ 15 mm ou


< 5 mm 5 – 14 mm • Bacinete 5 – 14 mm e ectasias
caliciais, ectasia do uréter,
parênquima alterado, assimetria
renal ou bexiga alterada

Controle Ecografia Quimioprofilaxia


Clínico aos 3, 6 e 12 meses Protocolo das
Se regressão Se agravamento
Dilatações graves
Protocolo de estudo e vigilância das crianças com diagnóstico pré-natal de malformações nefro-urológicas
(FIG 1-Cap. 168, pág. 808)

Dilatação pré-natal grave (≥ 15 mm)

ECOGRAFIA PÓS-NATAL (48 - 72 h)

Quimioprofilaxia

• Bacinete ≥ 15 mm ou
• Bacinete 5 – 14 mm e ectasias caliciais, ectasia do uréter, parênquima
alterado, assimetria renal ou bexiga alterada

CUMS

Anomalias
RVU Normal
vésico-uretrais

DMSA Obstrutivo MAG 3 Não obstrutivo


Diminuição
da função
Vigilância
Vigilância Inconclusivo Ecografia aos Cirurgia
3, 6 e 12 m
Cirurgia MAG 3 se indicado

Protocolo de estudo e vigilância das crianças com diagnóstico pré-natal de malformações nefro-urológicas
(FIG 2-Cap. 168, pág. 808)
2100 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Gastrenterologia
Dieta sem glúten

São salientados os alimentos permitidos (sem glúten) em confronto com os alimentos proibidos (com glúten).

Leite e derivados Peixes


Permitidos leite de mulher, leite de vaca, leite de vaca em Permitidos todos os peixes frescos ou congelados,
pó, iogurte, leite condensado, queijo fresco, requeijão, conservas naturais em óleo, crustáceos, ou moluscos
natas. frescos ou congelados, ovas de peixe.
Proibidos leites aromatizados com sabores a diversos frutos, a Proibidos peixes panados em farinha de trigo ou enrolados em
chocolate e a cacau, queijo de barra ou tipo flamengo, queijo pasta de farinha, peixes cozinhados e comercializados
creme. industrialmentre.
Carnes Legumes
Permitidos carnes verdes ou congeladas, croquetes, rissóis Permitidos todos os legumes verdes(couve, nabiça,
ou panados de carne, confeccionados com farinha de agrião, fava, ervilha) crus, congelados ou em conservas
milho. naturais, todos os legumes secos(grão, feijão), puré de
Proibidos todas as conservas de carne, carnes cozinhadas batata, fécula de batata.
industrializadas, carnes pré-cozidas, croquetes, rissóis e Proibidos todos os legumes de conserva industrial, batatas secas
panados industriais. e desidratadas.
Charcutaria Frutos
Permitidos fiambre, presunto ou fumeiro caseiro, sem pão Permitidos todos os frutos frescos, sumos de frutas, frutos
ou farinha com glúten, nem conservantes. frescos em casa, conservas caseiras de fruta.
Proibidos toda a charcutaria comercial, carne moída tipo Proibidos todas as compotas de fruta industriais e purés de
“hamburger”, filetes de peixe. castanha.
Cereais e derivados Produtos açucarados
Permitidos arroz, tapioca, farinha de soja, farinha de Permitidos açúcar, melaço, mel puro,geleias caseiras,
mandioca, farinha de “pau”, farinhas de cereais infantis todos os bolos feitos com farinha de milho ou fécula de
com informação nutricional especificando “sem arroz, fécula de batata; cacau, gelatina, marmelada, doces
gluten”(rótulo azul), biscoitos sem glúten. caseiros, coco.
Proibidos farinhas de trigo, centeio, aveia, cevada, malte; todos Proibidos açúcar glacé, bombons, caramelos, sugus, sorvetes,
os alimentos fabricados com os cereais referidos (pão branco, pudins flan, leite creme, sobremesas instantâneas.
broa, pão centeio, tostas, pasteis, bolos); massas (macarrão, Bebidas
esparguete). Permitidas sumos naturais de frutos, limonada, chá, café,
Ovos águas minerais, cacau.
Permitidos todos os tipos de confecção que inclua ovos Proibidas cerveja, sumos de fruta industriais em embalagem,
desde que não utilize farinhas proibidas. bebidas achocolatadas, refrescos artificiais.
Condimentos
Permitidos vinagre, sal, pimenta, etc. ; bicarbonato de
sódio, fermentos para bolos, maionese caseira, ervas
aromáticas, polpa de tomate.
Proibidos condimentos em pó moídos e empacotados, picles,
sopas sob a forma sólida em “cubos”(tipo Maggi ou Knorr),
molho branco.
Anexos 2101

Gastrenterologia
Icterícia após os 14 dias de vida

OBSERVAÇÃO MÉDICA OBRIGATÓRIA

Leite Materno Colúria, com ou sem Acolia*: COLESTASE?*


Bom estado geral Bilirrubina total / conjugada
Boa evolução ponderal AST / ALT, GGT / Fosfatase alcalina
Urina de cor normal (Tira-teste) Cálcio / Fósforo, Glicose / Lactato
Fezes de cor normal Estudo da Coagulação: Hemograma**

SEM SINAIS DE ALARME


COM SINAIS DE ALARME
Letargia / irritabilidade / convulsões
Vómitos / má evolução ponderal
COM SEM
Sinais de coagulopatia / ascite
Acolia fecal Acolia fecal

Reavaliar aos 30 dias de vida

URGENTE Programar transferência


(transferir < 4-6h) para Unidade de Referência
em < 72 horas

Icterícia mantida

ENVIAR PARA UNIDADE DE REFERÊNCIA***

* Comparar com cartão com fotografias de fezes anexado ao BSI (modelo a implementar)
** Evitar colheitas nas veias jugulares, sobretudo nos doentes com sinais de alarme
Se não for possível efectuar todas as análises é preferível referenciar o doente sem análises
Efectuar vitamina K, 5 mg, via intramuscular, se possível
*** Hospital com as valências de Gastrenterologia Pediátrica e Cirurgia Pediátrica com experiência documentada em Protoenterostomia de Kasai; valência de Hematologia Pediátrica
para o estudo das icterícias prolongadas de bilirrubina livre; valência de Cuidados Intensivos Neonatais e/ou Pediátricos para os doentes com sinais de alarme.

(Algoritmo tirado de: Acta Pediatr Port 2010; 41(3): 141-143/Secção de Gastrenterologia e Nutrição da SPP, elaborado por Ermelinda Santos Silva, Inês Pó e Isabel Gonçalves)
Índice remissivo

A Acidentes de submersão/afogamento, 1286 – tubular distal (tipo I), 780


A-aDO2, 1894 Acidentes tromboembólicos, 687, 913 Acidúrias orgânicas, 1286, 2006, 2012, 2013,
a/AO2, 1894 Acidentes vasculares cerebrais, 687, 913, 1626, 2055
Abcesso, 1416, 1425 1757, 1990 Acne, 836, 843, 845, 864, 1074, 1089, 1110, 2033
Abcesso Ácido Acomodação, 1206, 1214-1217, 1281
– apendicular, 1651 – acetilsalicílico, 731, 918, 1019, 1025, 1059, Acondrogénese, 1130, 1131, 1133
– cerebral, 426, 1281, 1430, 1448 1106, 1120, 1357, 1924, 2043 Acondroplasia, 80, 104, 121, 158, 938,
– da órbita, 1431 – araquidónico (AA), 290, 304, 308, 397, 1128-1135, 1140
– de Bezold, 435 519, 717, 1306, 1325, 1763, 1824 Aconselhamento genético, 70-74, 91, 104, 686,
– de Brodie, 1161 – ascórbico, 291, 295, 662, 664, 669, 693 691, 728, 906, 949, 1243
– hepático, 1550 – aspártico, 321, 623 Acrocefalossindactilia, 940
– periamigdalino, 421, 1414 – base,equilíbrio, 123, 264, 276, 531, 808, Acrocianose, 353, 705
– pulmonar, 454, 488, 1437 880, 1306, 1488, 1601, 1862 Acrodermatite, 579
– retrofaríngeo, 1414 – biliar, 247, 312, 571, 587, 590, 1674, 1915, Acrodermatite enteropática, 2013
Abdómen agudo, 52, 723, 1106, 1286, 1337, 1948, 2026, 2068,2 070 Acromatopsia, 1211
1359 – clorídrico, 287, 551 Acromegália, 118, 878
Abetalipoproteinémia, 552, 659, 703, 837, 901, – docosa-hexanóico (DHA), 261, 304, 308, Activador do plasminogénio tecidual, 468,
1235, 1245, 2067, 2068, 2071 1824 654, 732, 919
Aborto espontâneo, 84, 1460, 1774 – fólico, 70, 92, 109, 230, 248, 348, 552, 672, Acufenos, 428
Abuso/negligência, 216 707, 814, 939, 1060, 1095, 2052 Acuidade visual, 643, 1064, 1071, 1206-1210,
Abuso sexual, 190-192, 409, 1544 – glutâmico, 687, 867 1238, 1248, 11431, 2050
Acantose, 330 – homovanílico, 620, 847, 848 Adaptação fetal à vida extra-uterina, 1687
Acantosis nigricans, 330, 334, 335 – láctico, 227, 276, 288, 305, 551, 779, 1332, – respiratória, 1688
Ácaros, 361, 363, 364, 368, 373, 384, 509, 511, 1602, 1661, 1870 – cardiocirculatória, 1690
525 – linoleico, carência de, 290, 291, 1824 – digestiva, 1694
Acção dinâmica específica (ADE), 285 – nucleico, 96, 479, 1506, 1535, 2024, 2025 – hematológica, 1699
Acetilcolinesterase, 700, 930, 956, 1615, 1674 – urso-desoxicólico, 499 – metabólica, 1696
ACF (anemia de células falciformes), 548, 686, – vanilmandélico, 620, 847 – neurológica comportamental, 1700
687, 913, 915, 1122, 1236 Ácidos biliares, 808, 880, 1306, 1488, 1601, – renal, 1697
– crises de hiper-hemólise, 686 1862 – térmica, 1693
– crises hipoplásticas, 686 Ácidos gordos, 510, 514, 550, 571, 759, 840, Addison, doença de, 585, 839, 846, 857, 861,
– crises de sequestração, 687 2041, 2045, 2053 867, 888, 897, 963
– crises vasoclusivas, 687 Ácidos gordos essenciais, 290, 291, 305, 321, ADE, 285
– medula óssea, 688 510, 587, 1824, 1833 Adenite cervical supurada, 421, 1414
– radiografias do crânio e coluna, 688 – ácido linoleico, 290, 291, 1824 Adenocarcinoma gástrico, 544
– síndroma torácica aguda, 687 – ácido alfa linolénico, 290 Adenofleimão, 1426
Aciclovir, 768, 1032, 1356, 1382, 1522, 1524, Ácidos gordos LCPUFA, 247, 587, 1824, 1833, Adenoidectomia, 158, 160, 423, 426, 430, 1079
1540 1836 Adenóides, hipertrofia das, 160, 384, 425, 432
Acidémia, 269, 687, 1008, 1859 Ácidos gordos trans, 290, 291, 320 Adenoidite, 422, 423,
– glutárica, 2040 Acidose, 269, 274, 276, 688, 811, 881, 1310, Adenoma de células beta dos ilhéus, 887
– isovalérica, 2013 1656, 1766, 1848, 1910, 1988 Adenomegália, 634, 1016, 1056, 1229, 1507
– metilmalónica, 1921 – diabética, 209, 271, 681, 809, 868, 880, 1311 Adenosina deamidase (ADA), deficiência de,
– propiónica, 602, 888, 1809 – hiperclorémica, 278, 1836 2024, 2025
Acidente isquémico arterial, 915 – metabólica, 209, 216, 264, 274, 574, 608, Adenosina, trifosfato de (ATP), 887, 1377,
Acidente vascular cerebral, 913, 688 779, 880, 1819, 1834, 2007 1688, 1840, 1948, 2017, 2045
Acidentes, 1195, 1252, 1262, 1286, 1336, 1344, – respiratória, 269, 278, 1332, 1723, 1862, 1886 Adenovírus, 1393, 1413, 1441, 1529, 1532,
1487 – tubular proximal (tipo II), 780 1538, 1649, 1900
2104 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Adiadococinésia, 898 Ajudas técnicas/apoio tecnológico (AT), 63, Alimentos funcionais, 310
Adipositário, ressalto, 329, 337 65, 925, 934, 952, 968, 1200 Alocefalia, 937
Adolescência, 223-239 Alagille, síndroma de, 587, 588, 1006, 1948 Alo- imunização, 701
– alimentação, 325 Alanina-aminotransferase (ALT), 578-583 Alopécia, 514, 555, 574, 625, 839, 962, 1082,
– anorexia nervosa, 183 AlaTOP®, 367 1093, 1147, 1566
– características psicológicas, 234 Albinismo, 709, 1220, 234, 2010 Alquilantes, 622, 623, 625
– classificação e maturidade sexual, 224 Albumina, 264, 287, 339, 553, 578, 725, 1929, Alta hospitalar, 308, 968, 1241, 1343, 1842,
– comportamento, 178, 182, 234, 220, 236 1939, 1942, 2053 1886, 1904, 1935, 1944
– consulta, 229 Alcalóides da vinca, 622, 716 ALTE, 219, 535
– crescimento e desenvolvimento, 224 Alcalose, 269, 272, 278 Alterações tubulares renais/tubulopatias, 778
– desenvolvimento psicossocial, 233 – hipoclorémica, 495, 531, 1627, 1640, 1896 Alucinações, 182, 209, 905, 906, 1545
– e família, 233 – metabólica, 269, 272, 278, 356, 779, 834, Alveolite alérgica, 1572
– estádios de Tanner, 229, 230, 834, 861 1797, 1801, 1833, 1836 Alveolite dentária, 1255
Adrenalina, 392, 401, 655, 847,1359, 1687, – respiratória, 269, 278, 1330, 2015 Amaurose, 1145, 1152, 1224, 1238, 1248, 2039
1694, 1726, 1787, 1881, 2061 Álcool, 90, 99, 102, 141, 158, 203, 209, 216, 233, Amaurose congénita de Leber, 1238
Adrenarca, 227, 860-863 237, 905, 1262, 1589, 1933 Ambiguidade genital, 765, 834, 1623, 1661
Adrenoleucodistrofias, 837, 840, 903, 961, Alcoolismo, 99, 192, 606 Ambliopia, 65, 939, 1218-1220, 1242,
2040, 2041 Aleitamento materno, 134, 194, 246, 256, 1244-1246, 1248, 1263
Adrenomieloneuropatia, 2040, 2041 296-232, 306, 316 Ambiente, 4, 5, 9, 40, 60, 91, 99, 112, 128, 134,
aEEG, 1990 – composição do leite humano,297, 302 203, 242, 341, 360, 1745, 1999
Aerofagia, 539-542 – cuidados de higiene, 300 Amebiose, 1544, 1550
Aerossol, 376, 379, 483, 500, 811, 1463, 1570, – excreção de fármacos, 301 Amenorreia, 87, 126, 185, 353, 496, 836, 862,
1904 – factores de sucesso e insucesso, 299 1662
Aflatoxinas, 1572 – problemas durante a lactação, 299, 300 Ametropia, 1216
Afogamento/quase afogamento, 215, 217 Alergénios, 358 Amigdalectomia/amigdalo-adenoidectomia,
Afonia, 147 Alergia, 49, 306, 307, 313, 358 158, 160, 421
AFP (alfa-fetoproteína), 219, 589, 620, 645, 930, – alimentar, 306, 313, 361, 363, 368, 399, Amigdalite, 419-422, 755, 1022, 1025, 1078,
1615, 1666, 1675, 2011 400-402 1393, 1395, 1528, 1529
Aftas de Bednar, 1709 – a proteínas do leite de vaca, 306, 360, 400, Amilasémia, 608
Agamaglobulinémia, 407, 472, 548, 954, 1045, 491, 494, 563, 1645 Amiloidose, 764, 838, 1044, 1056, 1062,
1378, 1404 – de expressão cutânea, 361, 386 1075-1077, 2067
Agamaglobulinémia ligada ao cromossoma X, – medicamentosa, 394 Aminoácidos, 96, 112, 286, 2009, 2012, 2061
472, 1379 Alérgicas, doenças, 358 Aminoácidos, defeitos do metabolismo dos,
Agenésia, 141, 795, 830, 901, 928, 943, 1664, – estudo ISAAC (Portugal), 358 2008
1712, 1815, 1849, 2048, 2068 – nomenclatura, 358 Aminoacidopatias, 2008
Agenésia renal, 51, 102, 796, 808, 1664, 1764 – prevenção, 360 Aminoacidúria, 938, 2021-2023
Agenésia do corpo caloso, 141, 943, 946, 2048, Alfa-1 antitripsina, 589 e glossário geral Amiodarona, 850, 1082, 1291, 1300-1304
2068 Alfa-1 microglobulina, 778 Amnésia, 671, 906, 1336, 1339, 1340, 1782
Agenésia dos nervos cranianos, 943 Alfa-fetoproteína (AFP), 219, 589, 620, 645, Amniocentese, 92, 498, 1603, 1614, 1618, 1673,
Agentes alquilantes, 622, 623, 625 947, 1615, 1666, 1675, 2011 1909, 1924, 1940, 1961
Agentes biológicos, 390, 521, 1019, 1059, Alfa-talassémias, 699 Amónia, 600, 952, 1307, 1810, 1985, 2007, 2015,
1061-1063, 1095 Algesímetro, 1780 2050
Agentes físicos, 65, 388, 703, 1063, 1246, 1344, Alimentação, 282 Amoniémia, 600, 1810, 1829, 1832, 2009, 2016
1450 – após o 1º ano de vida, 325 Amoxicilina, 419, 429, 1415, 1458, 1488, 1492
Agnosias, 64 – diversificada no 1º ano de vida, 316 Amoxicilina-clavulanato, 421, 426, 433, 1433,
Agonistas beta 2-miméticos, 374 – e diferenças culturais, 351 1438
Agressão, 22, 28, 101, 137, 191, 237, 308, 1340, – entérica, 553, 555, 1652, 1656, 1765, 1811, Ampicilina, 462, 791, 1030, 1102, 1328, 1381,
1489, 1989 1819, 1822, 1862, 1913, 1937 1471, 1528, 1615, 1966
Agressividade, 137, 139, 159, 178, 205 – e nutrição, 282 Amputação, 1099, 1200, 1448, 1472, 1713
Água, 11, 61, 205, 211, 216, 264-270, 282, – entérica mínima, 1862 ANA, 1049, 1056, 1080, 1108, 1111
283-285, 1794 – erros, 350 Anaeróbio, 1315, 1332, 1597, 1694, 1859
– necessidades, 266, 267, 269, 283 – na adolescência, 325 Anafilaxia, 393,-400, 468, 668, 712, 1286, 1359,
– perdas, 266, 283-285 – na diabetes mellitus (DM1), 871 1365
Água, líquidos e electrólitos, 283-285, 291-293 Alimentar Analgesia, 609, 1125, 1341, 1350, 1778, 1780,
AIJ (Artrite idiopática juvenil), 1019, 1043, – alergia, 399 1965, 2026
1066, 1071, 1080, 1092, 1111 – hipersensibilidade, 399 Analgésicos não opióides e opióides, 1355,
AINE, 396, 626, 1055, 1059-1062, 1068-1070, – intolerância, 399 1722, 1778, 1784
1076, 1112, 1123, 1426, 1471 Alimentares, fontes, 321-324 Anamnese, 46, 1626, 1635, 1702
Índice remissivo 2105

Anaplasmose, 1476 Anomalias congénitas, 98 – anti-TNF-alfa, 560


Anasarca (hidropisia), 699, 765, 973, 1322, – campo de desenvolvimento, 102, 103 – IgE, 367
1820 – classificação, 104 – monoclonais específicos, 479, 578, 623,
Anastomose de Blalock-Taussig, 1010 – deformação, 104 1904
ANCA(anticorpos), 1102 – desenvolvimento embriofetal, 99 Anti-DNA, 756, 762, 763, 814, 1088
Anca bloqueada, 1160, 1177 – displasia, 104 Antieméticos, 532-534, 894, 1338, 1540
Anca dolorosa, 1160, 1173 – disrupção, 104 Antiepilépticos (fármacos), 911, 912
Anca instável, 1160, 1176 – factores etiológicos, 99 Antifibrinolíticos, 726
Ancilostomose, 1542, 1545, 1550, 1551 – major, 104 Antifúngicos, 1564
Ancylostoma, 665, 1543, 1551, 1552 – malformação, 104 Antigénios VCA ou da cápside vírica do VEB,
Androgénios, 226, 392, 658, 721, 830, 860 – minor, 102 1396, 1527
Anedonia, 182 – múltiplas, 104 Anti-histamínicos, 208, 209, 363, 384
Anel de Kayser- Fleischer, 592 – períodos críticos de formação, 101 Anti-inflamatórios não esteróides, 396, 626,
Anel de Saturno, 1139 – prevenção, 108 1055, 1076, 1123, 1426, 1471
Anemia , 652 Anomalias congénitas do rim, 795 Antileucotrienos, 377, 379
– alo-imune, 1908, 1921 ,1938 Anomalias congénitas do sistema respiratório, Antimaláricos, 214, 520, 1561-1563
– aplástica, 718 452 Antimetabólitos, 622, 629, 630, 659, 1737
– auto-imune, 702, 1910 Anomalias da fenda branquial, 1591 Antimicrobianos, 1381- 1392
– auto-imune adquirida, 702 Anomalias da parede do tórax, 450 Antimicrobianos, associação de, 1384
– fisiológica do lactente, 663, 742, 1908 Anomalias da refracção, 1216 Antimicrobianos, espectro de acção de, 1383
– da prematuridade, 742, 1911 Anomalias das orelhas (quistos, fossetas e Antimicrobianos, farmacocinética de, 1384
– de Blackfan-Diamond, 721, 1911 apêndices), 1592 Antimicrobianos, quimioprofilaxia, 1391
– de células falciformes/ACF Anomalias do pénis e uretra, 818 Antimoniais, 1544, 1556, 1557
(drepanocitose), 686, 1163, 1325, 1908 Anomalias do úraco, 51, 815, 1619 Antipiréticos, 419, 423, 437, 485, 681, 749, 909,
– de Fanconi, 616, 720, 1921, 1923 Anomalias funcionais das plaquetas, 717 1398, 1424, 1519, 2053
– ferropénica, 661, 698, 1009 Anopheles, 1544, 1546, 1559 Antirretrovíricos, 409-414
– hemolítica e causas, 673, 1912 Anorexia nervosa, 185, 338, 352-356, 497, 608, Antraz, 1416,1423
– hemolítica de causa extrínseca, 701 707, 1271 Antropometria, 113
– hipocrómica, 661 Anquiloglóssia, 1590, 1668 Anúria, 756, 771, 1697, 1818
– iso-imune, 701, 1908, 1921, 1938 Ansiedade, 175, 1590 APECED, 838, 839, 846
– macrocítica, 652, 670 Antagonistas beta-adrenérgicos, 392, 777 Apendicite aguda, 1649
– microcítica, 661 Antagonistas da aldosterona, 1027 Apendicite crónica, 1650
– megaloblástica, 652, 670 Antagonistas dos receptores da angiotensina Apendicite recorrente, 1650
– neonatal, 1908 II, 776 Apgar (índice de), 442, 950, 1682, 1700, 1717,
– normocítica, 658 Antagonistas dos receptores dos leucotrienos, 1943, 1964, 1988
– normocrómica, 658 376 Aplasia, 105
– por alterações da membrana, 674 Antagonistas H2, 537 Aplasia medular, 718
– por defeitos enzimáticos, 679 Antiácidos, 575 Apneia, 221, 335, 475, 533, 930, 1293, 1338,
– por defeitos da hemoglobina, 684 Antiagregantes das plaquetas, 918 1746, 1965, 1992, 2048
– por perda sanguínea no RN, 1909 Antibióticos/antimicrobianos, 1381 Apoios educativos, 968
Anencefalia, 838, 927, 1675, 1764 Antibióticos, resistência aos, 1383 Apolipoproteínas (apo), 2058
Aneurismas na doença de Kawasaki (factores Anticoagulantes, 655, 656, 688, 740, 1925 Apoptose, 965
de risco), 1019 Anticolinérgicos, 210, 376 Apraxia oculomotora, 902, 947
Anfetamina, 1333, 1772-1774 Anticoncepcionais, 769 Aprendizagem e insucesso escolar, 148
Anfotericina, 1556, 1572, 1575, 1815 Anticonvulsantes, 784, 1112, 1307, 1339, 1472, Apt, prova de, 1926
Angina de Vincent, 419-421, 1413 1686, 1801, 1927, 1975 Aquaporinas, 265
Angioedema, 363, 386, 391, 406, 1075, 1103 Anticorpos, 358,362 Arbovírus, 1538, 1540
Angiografia, 482, 597, 689, 1002, 1234 – ANA, 1049, 1056, 1080, 1108, 1111 Aracnodactilia congénita, 1148
Angioplastia, 997, 1006, 1020 – ANCA, 756,1102,1109 Arginase, défice de, 2013, 016
Angioma, 928, 947, 1705 – anti –DNA, 722,763,814 Arginino-succinato liase (AL), deficiência de,
Angle, terminologia de, 1254, 1258 – anti-endomísio, 554 2014-2016
Anião gap (hiato iónico), 264, 779 – antifosfolípidos, 1042 Arginino-succinato sintetase (AS), deficiência
Animais domésticos, 361, 374, 384, 1355, 1548 – antigliadina (AAG), 555 de, 2014
Aniridia, 616, 641, 1245 – anti-insulina, 866 Argininémia, 2013, 2015
Anisocitose, 658 – antiperoxidase, 867 Arlequim, fenómeno de, 1706
Anisometropia, 1241 – anti-receptor de insulina, 888 Arnold – Chiari, malformação de, 929
Anomalias ano-rectais, 1627, 1637, 1641 – anti-RNP, 1087 Arritmia respiratória, 977
Anomalias bucofaciais, 1588 – anti-transglutaminase tecidual (TGT), 554 Arritmias, 974, 999, 1019, 1036
2106 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Artéria umbilical única, 1710 – pós-traumática, 900 – causas, 121


Arterite de Takayasu, 1116 – recorrente, 901 – diagnóstico diferencial, 123
Artralgia, 1022 Ataxia-telangiectasia, 403, 470, 620, 902, 944, – exames complementares, 123
Artrite, 397, 406, 540, 555, 1069, 1122, 1406, 947, 963 Balanço hidroelectrolítico no RN, 1790
1491, 1965 Atelectrauma, 1599, 1899, 1898 Ballard, método de avaliação da idade
Artrite idiopática juvenil (AIJ), 1043, 1071, Atelosteogénese, 1131, 1133 gestacional, 1716
1075, 1080, 1092, 1101 Atenção, perturbação de, 155, 166, 184 Barbitúricos, 301, 686, 1019, 1992
– classificação, 1044 Aterosclerose, 258, 318, 914, 1085, 1090, 2057, Barker, hipótese de, 242-247, 1739, 1769, 1771
– critérios de diagnóstico, 1045 2071 Barotrauma, 1296, 1599, 1874, 1889, 1898, 1905
– exames complementares, 1056 Atetose, 898, 923, 1940, 2015, 2039 Bartonella henselae, 1483, 1486, 1539
– manifestações extra-articulares, 1055 Atopia, 358, 359, 370, 480, 508 Beighton, escala de hipermobilidade, 1144
– tratamento, 1058 ATP, 887, 1377, 1688, 1840, 1948, 2017, 2045 Bem-estar fetal, 1671, 1675, 1682, 1758, 1974
Artrite idiopática juvenil oligoarticular, 1071 ATP-ase, 546, 591, 779, 1688 Benzodiazepinas, 153, 177, 180, 208, 210, 599,
Artrite idiopática juvenil sistémica, 1080 Atraso pubertário, 862 901, 1306, 1348, 1777, 1986
Artrite psoriásica, 1048, 1070 Atrésia, 98 Beta-2 agonistas, 375
Artrite reactiva, 1120 – das vias biliares, 587, 1926 Beta-2 microglobulina urinária, 778, 1992
Artrite relacionada com entesite, 1048 – do colo uterino, 1664 Beta-bloqueantes, 777, 1330, 2067
Artrite reumatóide juvenil com FR IgM – do cólon e recto, 1636 Beta-gonadotrofina coriónica humana
presentes no soro, 1067 – do duodeno, 1628 (B-hCG), 1676
Artrite séptica, 1164, 1406, 1436, 1438, 1448, 1491 – do esófago, 1610 Beta-glucuronidase, 1932, 1934, 1937, 2029
Artrites idiopáticas juvenis, 1043 – do jejuno e íleo, 1629 Betametasona, 95,478, 1657, 1862, 1903, 1999
Artrogripose, 158 – do piloro e outros defeitos do antro, 1627 Beta-talassémias, 694
Artropatia da doença inflamatória crónica do – dos coanos, 1788, 1889 Betké-Kleihauer, prova de, 1909, 1912
intestino, 1069 – vaginal, 1661, 1664 Bexiga, alterações da, 815
Árvore genealógica, 71, 72, 106 Atrésia e estenose do jejuno e íleo, 1629 Bexiga neuropática/neurogénica, 798, 815,
AS sintetase, défice de (-5 ASA), 560 Atriosseptostomia, 1003, 1012, 1013 817, 818
Ascaridiose, 1542-1546 Atrofia, 104, 105 Bicarbonato de sódio, 210, 276, 749, 811, 1010,
Ascaris lumbricoides, 1542-1546 Atrofia muscular espinhal, 950-953 1291, 1787, 1798, 1862
Aschoff, nódulos de, 1119 Atropina, 375, 392, 1304, 1640, 1772, 1904 Bifosfonatos, 1090, 1141
Ascite, 54, 267, 589, 594-598, 633, 805, 1656, Audição, 64, 131, 142, 146, 432, 448 Bilirrubina, metabolismo da, 1928
2034, 2042 – provas diagnósticas, 439 Biliverdina, 1929
Ascite urinária, 805, 806 – rastreio, 448 Biliverdina-redutase, 1929
Asfixia perinatal, 921, 1656, 1697, 1701, 1722, – rastreio auditivo neonatal, 440 Bioética, 23, 30, 1785
1737, 1989, 1992, 2047 – rastreio auditivo pós-neonatal, 442 Bioimpedância (ver impedância
Ashworth, escala de, 923 Audiometria, 441, 442, 447 bioeléctrica/BIO), 339
Asma, 369 Auditoria, 1682 Biológica, terapêutica, 1062-1066
Asparaginase, 623, 629, 732, 914, 2015 Aura, 893, 894, 900, 904, 906 Biópsia ganglionar, 617
Aspartato amino transferase (AST), 578, 590, Ausências, 900, 905, 907, 908, 910 Biópsia hepática, 587-590
1018, 1094, 1413, 1645 Autismo (espectro do), 162, 163, 166, 181, 948, Biópsia jejunal, 555
Aspartilglicosaminúria, 2032, 2035 2008, 2024 Biópsia muscular, 1042, 1092
Asperger-síndroma de, 162-164 Autonomia, desenvolvimento de, 131 Biópsia renal, 757, 765
Aspergilose, 366, 496, 1565, 1572, 1573 Auxologia, 112 Bioterrorismo, 1459, 1481
Aspergillus, 366, 496, 1565, 1572, 1573 Avaliação audiológica, 439 Biotina, 295
Aspiração de corpo estranho, 438, 476, 490, Avaliação do estado nutricional, 334, 338 Biotinidase, deficiência de, 961-963, 2012, 2050
1286, 1444 AVC (acidentes vasculares cerebrais), 913 Biótipos faciais, 1254
Asplenia, 1293, 1342, 1358, 1371, 1401 Avulsão (dentária), 1266, 1264 – terminologia de Angle, 1254
Assistência ventilatória no RN, 1887 Azatioprina, 512, 561, 586, 1061, 1109, 1924 Bipolar, perturbação, 180
Associação, 105 Azoospermia, 496, 498 Birras, 133, 138, 875
– CHARGE, 105,863,1234,1611 Blackfan-Diamond, anemia congénita de, 1911
– VACTERL/VATER, 105, 796, 1610, 1630, B Blalock-Taussig, anastomose de, 1010
1641 Bactericidas, 1383, 1407, 1434, 1470, 1507, Blastomicose, 1396, 1462, 1565, 1575, 1581
Astigmatismo, 1216, 1241 1508, 1967 Blastomyces, 1574
Astrocitoma, 644, 895 Bacteriémia, 548, 1324, 1453 Blefarite, 1227
Ataxia, 770, 842, 892, 894, 898 Bacteriémia oculta (assintomática), 1397, 1484 Bloqueantes
– aguda, 899 Bacteriostáticos, 1383,1508 – beta, 777, 1330, 2067
– crónica, 901 Bacteriúria, 785, 788, 789, 1392, 1952 – de receptores H2, 392, 598
– de tipo dominante, 903 Bacteróides sp, 418, 424, 1356, 1428 – dos canais do cálcio (BCC), 776, 810,
– de Friedreich, 902 Baixa estatura, 119 1088, 1304
Índice remissivo 2107

Blount, doença de, 1173 Calázio, 1227, 1228, 1429, 1430 Cárie dentária, 248, 1268
BNP (B-type natriuretic peptide), 984, 1027, Calcificações Cariótipo, 84, 87, 93, 95, 100, 993, 1674
1598, 1747, 1865, 1989, 1992 – abdominais, 1632 Carnes, 320, 350, 672, 2042
Bócio, 856, 858, 859, 1709 – cerebrais, 1544, 1802 Carnitina, 888, 1036, 1810, 2007, 1013, 2054
Bolas rolantes Stycar, 1210, 1213 – epífises, 1136, 2040 Carotenos, 309, 686, 2026
Boletim de Saúde Infantil e Juvenil, 114, 120, – retina, 1243 Carpenter, síndroma de, 220, 939
220, 1719, 1721 – tecidos moles, 1098 Carta dos Direitos da Criança Hospitalizada,
Boletim Individual de Saúde, 68, 1721 Cálcio, 123, 247, 257, 274, 573, 655, 756, 783, 28
Bonding, 173 1799, 1820, 1840, 1985, 2062 Carta Hospitalar de Pediatria, 7, 1292
BOOP (ver bronquiolite obliterante) Calciopénico, raquitismo, 345 Cartilagem de conjugação (fisária ou fise),
Bordetella Calcidiol, 345, 589, 781 1157
– pertussis, 1371, 1440-1444 Calcitriol, 249, 345, 781 Cartões de Teller, 1210
– parapertussis, 1440, 1441 Cálculos Carvedilol, 1027, 1036
Borrelia burgdorferi, 1489 – biliares, 677, 682, 698 Casos clínicos, abordagem de, 46
Borreliose, 1489, 1493 – renais, 574, 576, 843, 1815, 2007, 2020 Catarata, 1244
Bossa sero-sanguínea, 1972 Câmara expansora, 375, 379, 381 Catecolaminas, 638, 772, 831, 847, 1321, 1687,
Botulismo, 950, 1325, 1364, 1396 Campimetria, 1213, 1215, 2050 1779, 1808
Brannstrom, teoria de (ver cárie dentária), Campo de desenvolvimento, 102, 103 Cateterismo, 1006, 1584, 1619, 1854
1270 Campo visual, 1207-1214, 1225 – dos vasos umbilicais, 1599, 1749, 1885
Braquicefalia, 937, 940 Campo visual (método de Sheridan), 1213 – venoso central, 1584, 1619
Braquiterapia, 626 Camptodactilia, 1197 CD4 (na SIDA), 412
Brazelton, escala de avaliação, 16, 130, 134, Campylobacter, 547, 560, 955, 1453, 1454 Cefaleias, 892
135 Canais de Lambert, 1874 Céfalo-hematoma, 1706, 1740, 1910, 1926,
Breakthrough disease, 1524 Canal 1971, 1974
Bridas de Ladd, 1633 – arterial, persistência do, 914, 979, 981, Cefalosporinas, 419, 422, 437, 467, 1019, 1228,
Broncodilatadores, 382, 392, 401, 471, 478, 482, 1003, 1830, 1995 1381
488, 498, 1573, 1904 – onfalomesentérico, 1619 Cegueira diurna, 1233
Broncofibroscopia, 461 Canamicina, 1228, 1381, 1382, 1509 Cegueira nocturna, 349,1233
Broncopneumonia, 459, 463, 482, 1501 Candida albicans, 406, 518, 575, 840, 1237, 1416, Célula estaminal (diferenciação), 648-650, 708,
Bronquiectasias, 486 1565, 1570 1242
Bronquiolite aguda, 473 Candidíase, 410, 518, 839, 1565, 1569, 1571, Células
Bronquiolite obliterante (BO), 481 1572 – B (défice), 405
Bronquiolite obliterante com pneumonia Cancro pediátrico, 612 – de Reed-Sternberg, 635
organizada (BOOP), 483 Cangurú, geração, 231 – eucarióticas, 1564
Bronquite, 484 Cangurú, posição do RN, 967, 1751 – procarióticas, 1564
Brucella, 1459-1463 Cantrell, pentalogia de, 1614 – T (défice), 405
Brucelose, 1459-1463 Capilarosopia, 1094 Celulite, 421, 1416, 1424
Brudzinski, sinal de, 1467 Capnografia, 1746 – odontogénica, 1279,1 437
Bruxismo, 153, 1257 Capnógrafo, 1724 – periorbitária e orbitária, 1430
Buftalmo/buftalmia, 1224, 1225 Cápsula endoscópica, 560, 1646 CERAC, 14, 107
Bulimia nervosa, 352, 353, 355, 356 Captopril, 522, 775, 993, 1027, 1820 Ceratite (ou queratite), 1227, 1546, 1955
Bullying, 138 Caput succedaneum, 1971, 1972 Cereais, 289, 319, 323, 872
Caquexia, 185, 2036, 2049 Cerebelite, 899
C Carbamazepina, 208, 277, 706, 911, 930, 933, Cervicalgia, 1160, 1186
C (componentes do complemento) C3, C4, 765, 2067 Céstodes, 1542
814, 1975 Carcinoma hepatocelular, 581 Cetoacidose diabética, 209, 273, 868, 880
Cabeça Cardiologia fetal, 973 Cetogénese, defeitos da, 2044
– discranias, 937 Cardiologiapediátrica, Introdução à, 972 Cetólise, defeitos da, 2044, 2055
– fístulas, 1591 Cardiomiopatia hipertrófica, 902, 1036, 1740, Cetonémia, 880, 889, 813, 2050
– quistos, 1591 2020 Cetonúria, 868, 873, 876, 880
– idem do recém-nascido, 1703 Cardiomiopatias, 1035 Cetose, 209, 268, 875, 2007, 2055
Cabeça de medusa, 597 Cardiopatias congénitas – grupos nosológicos, CFTR, 495, 608
Cadeia respiratória, defeitos da, 2044 978 CHARGE, associação, 106
Cafeína, 301, 774, 1746, 1813, 1892, 1904 Cardiopatias, tratamento in utero, 975 CHAT (Checklist for Autism in Toddlers), 163
Caffey, maus tratos, 189 Cardiotocografia (CTG), 1675 Chiari/Arnold Chiari, 105, 158, 929
Cãibras, 1358, 1359, 1428, 2024 Cardite reumática, 1120, 1021 Chlamydia, 414, 457, 461, 1230, 1482, 2058
Calafrios, 749, 1448 Carências vitamínicas e minerais, 343, 345, Choque, 271, 275, 575, 1292, 1315, 1447, 1879,
Calazar (Kala-azar), 1543, 1553 347 2015
2108 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Chumbo, 141,293,662,922,1314 Cloropromazina, 1776 Compostos de platina, 622


CIA (comunicação interauricular), 984 Cloroquina, 213, 719, 1544, 1563 Compulsão, 176
Cianose, 138, 158, 373, 475, 490, 692, 1728, Clostridium, 313, 560, 1427, 1454 Comunicação, problemas de, 131, 139,144
1870, 1884, 1901, 1977 CMV (citomegalovírus), 406, 913, 1090, 1520, Comunicação interauricular (CIA), 984
Cicatriz quelóide, 1344, 1503 1953, 1960 Comunicação interventricular (CIV), 914, 979,
Cicatriz renal (CR), 787, 791, 794, 807 Coagulação intravascular disseminada (CID), 987
Ciclo de Krebs, 886, 2044, 2053 734, 1286, 1325, 1954, 1990 Concentração bactericida mínima (CBM), 1385
Ciclofosfamida, 483, 662, 767, 1019, 1109, 1116 Coagulopatia, 652 Concentração inibitória mínima (CIM), 1385
Ciclosporina 769, 1071 Coanda, efeito de, 1000 Concentrado plaquetário, 717,744,750
CID (coagulação intravascular disseminada), Coarctação da aorta, 995 Concussão, 1336,1340
734, 1286, 1325, 1954, 1990 – actuação no RN, 997 Condrodisplasia calcificante congénita
Cifoscoliose, 926, 958, 1139, 1186, 2035 – síndroma de roubo da subclávia, 997 (Conradi), 1134
Cifose, 1189, 2031 Cocaína, 209, 914, 1333, 1736, 1772, 1777, 1924 Condrodisplasia metafisária tipo McKusick,
Cinesiterapia respiratória, 478, 488, 502, 967, Coccidioides, 1469, 1565, 1576 1134, 2032
1351 Coccidioidomicose, 411, 1113, 1576, 1577 Condrodisplasia punctata rizomélica, 2040,
Cintigrafia, 55 Cognição, problemas de, 131 2041
– esofágica, 536 Colangiorressonância, 589 Condrodisplasias, 1128
– hepatobiliar, 589 Colangite, 560, 585, 588, 594 Conectivite, 1042
– osteoarticular, 1067, 1160, 1168, 1192 Colecistectomia, 678 Conjuntivite, 1222
– pulmonar, 453, 482 Colecistite, 548, 696, 1104, 1488, 1526, 1650 – aguda, 1228
– renal, 785, 789, 790, 803, 808, 809, 1080 Colelitíase, 350, 576, 678, 689, 839, 1911 – alérgica, 1231
– tiroideia, 853 Colestase do recém-nascido e lactente, 587, – bacteriana, 1229
Circulação fetal, 1690, 1692 588 – crónica, 1231
Circulação neonatal de transição, 1693 Colesterol, 75, 244, 258, 514, 587, 703, 830, – flictenular, 1501
Circuncisão, 722, 819, 820 2069, 2071 – papilar, 1229
Circunlocução, 145 Cólica apendicular, 1650 – vírica, 1229
Cirrose hepática, 593 Cólicas, 209, 307, 625, 872, 1535, 1634, 2026 Conradi, displasias esqueléticas, 1134, 2041
Cirurgia da epilepsia, 903, 911, 947 Colite Consanguinidade, 64, 72, 79, 348, 1225
Cirurgia do ambulatório, 44 – hemorrágica, 548,769 Consciência, alterações da, 1309, 1974, 2015,
Cirurgia fetal, 95,932,1605,1670 – ulcerosa, 126, 243, 313, 558, 585, 1069, 2054
Cirurgia pediátrica, 1588 1104, 1454 Consentimento informado, 25,27
Cisapride, 536 Coloboma, 105, 1270, 1234, 1245 Constante de tempo (Kt), 1891
Cisticercose, 214, 643, 1547, 1552 Cólon irritável, 313 Consulta de Genética, 71, 72
Cistina, 287, 755, 1785, 1824, 1831, 2012 Colonoscopia, 540, 553, 560, 1069, 1114 Consulta do adolescente, 237
Cistinose, 780, 781, 813 Colostomia, 1642, 1643, 1668 Consulta pré-concepcional, 1671
Cistite, 785, 791, 1571 Coluna vertebral, 626, 690, 927, 1129, 1149, Consulta pré-natal, 1671
Cistografia (gamacistografia) isotópica, 791 1504, 2035 Continuidade de cuidados, 66
Cistografia miccional e pós-miccional Colúria, 578, 590, 681, 687 Contusão cerebral, 1278
(radiológica), 804, 805 Coma, 600, 1309, 2011, 2047, 2054 Convenção sobre os Direitos da Criança, 6,
Citocinas, 246, 559, 584, 735, 764, 867, 1014, Coma, escalas de avaliação, 1309 190
1398, 1498, 1900, 2058 Comedão, 513, 514 Convulsões, 904, 1340, 1468, 2007
Citosina-arabinósido, 622, 624, 718 Comensalismo, 1541 Convulsões febris, 905, 908, 909, 1371, 1399
Citomegalovírus (ou CMV), 406, 913, 1090, Comissões de Controlo da Infecção, 1582 Convulsões no recém-nascido, 1982, 1988
1520, 1953, 1960 Competências do Pediatra, 32 Cooley, anemia de, 695
Citostáticos, 27, 229, 623, 706 Complemento, défice do, 405 Coombs, provas de, 1671, 1910, 1933
Citrulinémia, 2007, 2013, 2016 Complexo epispadia extrofia da bexiga, 816 Coprocultura, 540, 549, 553, 574, 1457
CIV, 990,1010,1013 Complexo plasmina-antiplasmina, 738 Cordão umbilical, 1624, 1679, 1682, 1691, 1697,
CK (creatina-quinase), 1318, 1989, 1992, 2020 Complexo primário tuberculoso, 1499 1702, 1936, 2063
Claritromicina, 419, 545, 1381 Complexo trombina-antitrombina, 738 Cordocentese, 94, 1673, 1909, 1924, 1940, 1944,
Clindamicina, 419, 500, 1328, 1381, 1415, 1659 Compliance pulmonar, 988, 1690, 1846, 1858 1961
Clínica Pediátrica hospitalar, 40 Compliance torácica, 1847 Corectopia, 1247
Clítoris, 816, 845, 1661, 1712 Comportamento, 136,183 Coreia, 902, 919, 921, 923, 947, 961
Clone, 96, 631, 1365 – perturbações do, 137 Coreia de Huntigton, 878
Clonidina, 1777 – tipos de comportamento social, 138 Coreia de Sydenham, 421, 898, 1023, 1120,
Clorambucil, 767, 1061, 1112 – alimentar, 185, 352 1414
Cloranfenicol, 1387, 1454, 1494 – humano, 200 Coreoatetose, 592, 902, 923, 947, 961, 2024
Cloro, 264, 270, 292, 496, 1790, 1833 – intervenção, 139 Corioamnionite, 922, 1437, 1514, 1744, 1857,
Cloroma, 629 – suicidário, 180,201 1877, 1900, 1964
Índice remissivo 2109

Coriocarcinoma, 644, 853, 1681 – epilépticas, 905,906 Defeitos do metabolismo dos aminoácidos e
Coroideia/coróide, 1139, 1204, 1232, 1248, 1958 – generalizadas, 905 proteínas, 2008
Coroidorretinite(ou coriorretinite), 1237 – hipoplásticas, 690 Defeitos do metabolismo dos hidratos de
Corpo ciliar, 1204 – histéricas, 910 carbono, 2017
Corpo estranho intracorneano, 1247 – mioclónicas, 905 Defeitos do metabolismo dos peroxissomas,
Cor pulmonale, 494, 1141, 1901, 1902, 1907 – parciais, 905 2027, 2039
Córtex suprarrenal, 833 – tónicas, 905 Defeitos do septo aurículo-ventricular
Corticosteróides, 438, 511, 585 – tónico-clónicas, 905 (DSAV), 990
Corticosteróides, efeitos secundários, 766, – vasoclusivas, 687, 690, 1518 Defeitos do tubo neural, 109, 148, 249, 817,
1060, 1010, 1088 – vasovagais, 910 927, 1594, 1676
Corticoterapia pré-natal, 1657, 1834, 1857, Cristalino, 946, 1205 Defeitos monotópicos e politópicos de campo,
1864, 1904 – ectopia, 77, 963, 1248 103
Cortisol, 830, 837, 839, 844, 886 – subluxação, 1225, 1248 Défice de
Cotrimoxazol, 1356, 1382, 1387 Critérios de gravidade no RN, 1682 – biotinidase, 961, 962
Cover test, 1212, 1220 Critérios de Jones, 1023, 1122, 1124 – ferro, 661
Coxa magna, 1178 Cromonas, 377, 379, 382, 385 – folato, 670, 720
Coxa vara, 1131, 1200 Cromossoma, 83-87 – glucocorticóides, 841
Coxiella, 1477, 1481 Cromossomopatias, 83-87 – G-6PD (glucose -6 fosfato desidrogenase),
Coxsackie vírus, 1531, 1535 Crosta láctea, 507 679
CPAP, 158, 478, 1686, 1727, 1733, 1787, 1853, Croup/falso crup, 438 – 21-hidroxilase, 832
1894, 1905 CTFF (capacidade total de fixação do ferro à – hormona de
CPRE (colangiopancreatografia retrógrada transferrina), 666 crescimento(GH)/hipopituitarismo, 124
endoscópica), 589 CTG, 1675 – IgA, 471
Crânio “em escova”, 676, 690, 697 Cuidados à criança e adolescente, 66 – IgG subclasses, 471
Craniofaringeoma, 124, 838 Cuidados ao recém-nascido, 66, 1718, – magnésio, 293
Craniorraquisquise, 927 Cuidados continuados, 7, 66 – micronutrientes, 293, 574
Craniossinostose/sinostose, 938, 939, 940 Cuidados de saúde e incidentes, 2079, 2080 – mineralocorticóides, 837
Craniotabes, 348 Cuidados de saúde e infecções associadas, – nutricional, 293, 295
Creatina cinase (quinase) (CK), 1992, 2020 1582, 1967 – piruvato quinase, 683
Creatina, deficiência da, 2044, 2056 Cuidados paliativos, 28, 626, 1784 – potássio, 293
Crescimento, 112 Curvas de crescimento, 112 – selectivo de IgA , 471
Crescimento fetal, alterações do, 1680, 1706, Curvas de crescimento extra-uterino, 1750 – subclasses de IgG, 471
1735 Curvas de crescimento intra-uterino, 1706, – vitaminas
Cretinismo, 852 1718 – A, 295
Criança Curva de dissociação da HbO2, 744, 1848, – Biotina, 295
– com doença crónica, 67 1849, 1908, 1911 – B12, 670,720
– com necessidades especiais, 62,67 Curva volume-pressão, 1846 – C, 295
– direitos da, 5,6 Cushing, síndroma de, 840 – Complexo B, 295
– em Portugal e no Mundo, 2 Cutis laxa, 1150 – D, 295
– maltratada, 188 Cryptosporidium, 1543, 1550, 1565 – E, 295, 704
– sacudida/abanada, 1249 – Folato, 295
– superiores interesses da, 17 D – K, 295
CRIB, 1683, 1685 Dacriocistite, 1222, 1226 – Niacina, 295
CRIES, 1779, 1780 Dacriocistocele, 1223 – Piridoxina, 295
Crioglobulinas, 702, 1102 Dactilite (drepanocitose), 699 – Riboflavina, 295
Crioterapia, 1195 Dallas, critérios de miocardite, 1032 – Tiamina, 295
Cryptococcus, 527, 1565 Damoiseau, linha ou curva de, 465 Deficiência de adenosina deamidase (ADA),
Criptococose, 1527, 1565 DAMP (défice de atenção, motricidade e 2024
Criptofasia, 1761 percepção), 167 Deficiência de 2-metilacil-CoA racemase, 2040
Criptorquidia, 823 Dandy-Walker, 930 Deficiência de LCAT, 2060, 2066, 2067
Criptosporidiose, 1543, 1550, 1565 DDO (doenças de declaração obrigatória), Deficiência de timidina fosforilase, 2025
Crises 1393, 1396 Deficiência,incapacidade e invalidez, 63
– atónicas, 905 Defeitos congénitos, 98 Deficiência mental, 140
– clónicas, 905 Defeito politópico de campo, 105 Deformação, 104
– de hiper-hemólise, 690 Defeitos da glicosilação (síndromas CDG), Deformidade coxofemoral, 1180
– de hipóxia, 1007 2042 Deformidade de Madelung, 125
– de perda de sal, 834 Defeitos da linha média, 124 Degenerescência macular (em mancha “cor de
– de sequestração, 690 Defeitos da parede abdominal, 1617 cereja”), 1235
2110 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Degenerescência retiniana, 1235 – exames complementares, 270, 271 DIDMOAD (ou síndroma de Wolfram), 2049
Deleção, 76, 82, 84 – sinais e sintomas, 270, 271 Difenil-hidantoína, 301, 670, 719, 912, 1291,
Delinquência, 138, 139 Desmopressina, 155, 718, 726, 784, 1145 1787, 1801
Delírios, 182 Desnutrição, 123, 246, 250, 339 Difteria, 419, 472, 1365, 1369, 1372, 1396
Demografia e saúde, 2 – energético-proteica, 340 DiGeorge síndroma de, 406, 1379, 1708
Dengue, 214 – marasmo, 340 Dímeros –D, 737, 738, 1318
Denni-Morgan, prega de, 510 – proteica, 340, 341 Diplegia, 921, 923, 925, 1077, 1535, 2002, 2015
Densitometria óssea/DXA, 333, 339 Desvios axiais dos membros, 1169 Diplopia, 888, 892, 894, 900, 1187, 1208, 1217,
Dentes, 1255 Dextrocárdia, 994 1312, 2048
– anatomia, 1254, 1255 Dextroversão, 994 Direitos da criança, 5, 6, 17, 189, 198
– apinhamento, 1257 Diabetes, 866 Disartria, 840, 842, 888, 898, 902, 924, 962,
– cárie, 1268 – insípida de causa central, 784 1334, 1535, 1940, 2039
– decíduos, 1255 – insípida nefrogénica, 783 Disautonomia familiar, 848,1334
– definitivos, 1256 – mellitus do tipo 1(DM1), 866, 1235 Disceratose (disqueratose) congénita, 708, 720
– diagrama, 1255 – cetoacidose, 880 Discite, 1158, 1162
– erupção dos, 1255 – hipoglicémia (complicação), 873 Discranias, 937
– fracturas, 1260,1261 – hiperglicémia (complicação), 877 – braquicefalia, 940
– hematoma de erupção, 1255 – retinopatia, 877 – escafocefalia, 940
– lesões periodontais, 1261 – situações especiais, 877, 878 – macrocefalia, 937
– oclusão e relação molar e incisiva, 1257 – vasculopatia e outras complicações, 877 – microcefalia, 937
– reimplante dentário, 1267 – mellitus do tipo 2 (DM2), 126, 335, 1332, – oxicefalia, 940
Dentinogénese imperfeita, 1141 2067 – plagiocefalia, 940
Depressão, 178 – mellitus (outros tipos), 879, 880, 1235, 1236 – trigonocefalia, 940
Depressão neonatal, 1988 Diabetes gestacional, 1672, 1762 – turricefalia, 940
Derivação ventrículo-peritoneal, 933 Diabetes pré-gestacional, 1764 Discromatopsia, 1211
Dermatite, 506, 507 Diagnóstico Disenteria, 547
– atópica, 368, 509 – da doença alérgica na criança, 362 Disfunção endotelial, 735, 877, 1653, 2057
– das fraldas, 517 – estudo do feto, 94 Disfunção multiorgânica, 1357, 1413, 1470,
– de contacto, 517 – funcional na paralisia cerebral, 924 1475, 1557
– seborreica, 507 – oncológico, 617 Disgenésia
Dermatofitoses (ou dermatofitias), 1565 – precoce, 1964, 2006 – gonadal, 864
Dermatóglifos, 86, 96, 125 – pré-implantatório, 84 – renal, 795
Dermatologia, 505 – pré-natal, 92, 93, 95, 97, 973, 1670, 2021 Disgrafia, 147
Dermatomiosite, 1092 – pré-natal da fibrose quística, 498 Dislexia, 145, 147
Dermatosparaxis, 1144 – pré-natal da HDC, 1603, 1604 Dislipoproteinémias, 247, 259, 674, 703, 914,
Dermografismo, 364, 365, 367, 391, 510 – pré-natal das uropatias malformativas, 2057, 2066, 2070, 2071
Derrame pericárdico, 974, 1017, 1019, 1023, 807 Dismorfologia, 69, 98
1032, 1033 – pré-natal de gastrosquise e onfalocele, Dismotilidade intestinal, 546
Derrame pleural, 464 1614, 1617 Disostoses, 1128
– agentes trombolíticos, 468 Diálise, 759, 770, 797, 811, 1797, 1818, 2016, Dispepsia funcional, 539
– drenagem, 466 2053 Displasia, 104
– etiologia, 464 Diarreia, 270 Displasia arritmogénica do ventrículo direito,
Derrame/hematoma subdural, 1336, 1340, – aguda, 270, 312 1038
1971, 1974, 1983, 1998 – associada a antibióticos, 312 Displasia broncopulmonar, 1849, 1863, 1897
Descolamento da retina, 1238, 1248 – crónica e exames complementares, 557- Displasia campomélica, 1132
Desenvolvimento, 128, 131 559 Displasia cleidocraniana, 1132
– cerebral, 965 – crónica inespecífica, 557 Displasia condro-ectodérmica (Ellis van
– do sistema nervoso, 1994 – do viajante, 211,3 13 Creveld), 1134
– do sistema visual, 1206, 1207 – por má absorção, 551 Displasia de desenvolvimento da anca, 1176
– maxilo-facial, 1252 – por má digestão, 551 Displasia de Kniest, 1131
– períodos, etapas e áreas, 131-133 – osmótica, 546 Displasia de Sticker, 1131
– perturbações globais do, 162 – secretória, 546, 549 Displasia de Strudwick, 1131
– pontos de viragem/touch points, 133-135 Diastase dos rectos abdominais, 1625 Displasia diastrófica, 1131
– psicomotor, 132, 133, 150, 164, 184, 298 Diastemas, 1257 Displasia epifisária múltipla (Fairbanks), 1131
– psicossocial, 231 Diátese hemorrágica, 619, 652, 722, 737, 770, Displasia espondilepifisária (DEE) precoce, 1130
Desfibrilhação, 1294, 1302-1304 1105, 1318, 1972, 2011 Displasia espondilepifisária (DEE) tardia, 1131
Desidratação aguda, 270 Diazepam, 909, 926, 1291, 1308, 1343, 1357, Displasia espondilometafisária (tipo
– e leite materno, 300 1472, 1722, 1986 Kozlowski), 1134
Índice remissivo 2111

Displasia metafisária de Jansen, 1131 – de Bourneville-Pringle, 948 – de Plummer, 857


Displasia metafisária de Schmid , 1131 – de Brill-Zinsser, 1476 – de Pompe, 1708, 2017, 2010, 2027
Displasia metatrópica, 1134 – de Bruton, 405 – de Refsum, 933, 2040, 2041
Displasia tanatófora, 1130 – de Burns, 1172 – de Reiter, 1042, 1047, 1067, 1111
Displasias esqueléticas e doenças afins, 1128, – de Byler, 588, 589 – de Ritter, 1421
1130, 1131, 1132 – de Caffey, 1135,1136 – de Sanfilippo, 2028-2030
Dispneia laríngea, 436 – de Canavan, 962, 963, 2008 – de Scheurmann, 1189
Disquézia, 561 – de Caroli, 588 – de Schindler, 2032, 2033
Disrafia/disrafismo, 927, 932 – de Chagas, 214, 1544 – de Sever, 1183
Disrupção, 104 – de Charcot - Marie-Tooth, 955 – de Sevestre Jacquet, 518
Dissacaridases, 547 – de Christmas (hemofilia B), 722 – de Sly, 2028-2030
Distanásia, 29, 1784 – de Cockayne, 963 – de Steinert (miotónica), 959
Distensibilidade (compliance) pulmonar, 1604, – de Conradi, 1134 – de Still, 1043, 1044, 1049, 1052, 1072
1690, 1846 – de Creutzfeldt- Jakob, 1396, 1540 – de Tangier, 2066, 2067
Distensibilidade (compliance) torácica, 1847 – de Crohn, 559, 1069, 2018 – de Tay Sachs GM2, 962, 2039
Distrofia coroidorretiniana, 1238 – de Crouzon, 941 – de von Gierke, 2018, 2019
Distrofia de cones- bastonetes, 1238 – de Cushing, 842 – de von Hippel-Lindau, 847
Distrofia miotónica congénita, 951-953 – de Déjerine-Sottas, 955 – de von Willebrand, 729
Distrofia muscular congénita de Fukuyama, – de Duchènne, 963 – de Werdnig-Hoffman, 952, 2040
953 – de Fabry, 2035,2036 – de Williams, 77, 87, 486, 1152
Distrofias musculares congénitas, 957 – de Farber, 963 – de Wilson, 591,780,961
Distrofias musculares progressivas (Duchenne – de Friedreich (ataxia), 879, 962, 2067 – de Wolman, 588,838,841,2068
e Becker), 957 – de Gaucher, 588, 594, 1235, 2034, 2037 – de xarope de bordo, 2012
Distrofia torácica asfixiante (Jeune), 1134, 1140 – de Gibert (pitiríase rosada), 522 – do arranhão do gato, 1483
Disúria, 785 – de Gunher, 685 – do beijo, 1527
Diurese, 267, 809 – de Graves, 853, 857 – do ciclo da ureia, 588,2008,2013,2015
Diuréticos, 777, 784, 810, 983, 1026, 1123, 1342, – de Hallervorden Spatz, 962, 963 – do comportamento alimentar, 179, 184,
1798, 1896, 1903 – de Hand-Schuller-Christian (histiocitose), 352-356
Diverticulite, 1106, 1647, 1650 613 – do grupo TORCHS, 1671, 1672, 1738,
Divertículo de Meckel, 1647 – de Hartnup, 963, 2008 1953
Divertículos da bexiga, 817 – de Hashimoto, 851 – do metabolismo do ácido nucleico, 2024
DNR (do not resuscitate), 24 – de Hirschprung, 564, 567 – do metabolismo do heme, 2024
Dobutamina, 1027, 1036, 1321, 1862, 1895 – de Hodgkin, 555, 612-614, 620 – do refluxo gastresofágico, 533
Doença – de Hunter, 2028, 2029 – do soro, 391, 394, 396, 1018, 1365
– alérgica, 358,362 – de Hurler-Scheie, 2029 – do tecido conjuntivo, 1021, 1042
– aterosclerótica, 242,258,2057 – de Huntington, 962 – dos cílios imóveis, 480, 483
– aterosclerótica e doença de Kawasaki, 1020 – de Kawasaki, 1014, 1101 – dos organelos, 2027
– auto – imune, 554, 707, 716, 839, 853, – de Kienbock, 1172 – dos peroxissomas, 2006, 2027, 2039
1166, 1801, 1920 – de Kikuchi-Fujimoto, Glossário geral – endócrina, 830, 843
– cardiovascular, 247, 252, 258, 652, 1014, – de Kohler, 1183 – exantemática, 1393
1021 – de Krabbe, 962, 963 – gonocócica, 1164
– celíaca, 164, 554, 562 – de Kugelberg-Welander, 954 – granulomatosa crónica, 406,471
– crónica, 67, 98, 234, 369, 495, 612, 652, – de Lafora, 932, Glossário geral – hemolítica perinatal, 1932, 1933, 1938
866, 965, 972, 1042, 1156, 2006 – de Legg-Calvé-Perthes, 1174 – hemorrágica por défice de vitamina K,
– da membrana hialina, 1845, 1849, 1856 – de Leish-Nyhan, 963 1925
– do arranhão do gato, 1483 – de Letterer-Siwe, 508, 517 – hidática, 1548
– de Addison, 839 – de Lyme, 1132, 1396, 1489 – inflamatória do intestino, 313, 540, 542,
– de Albers-Schonberg, 1132 – de Machado-Joseph, 903 558
– de Alexander, 960 – de Maroteaux-Lamy, 2028, 2029 – intersticial pulmonar, 491 (ver síndromas
– de Anderson, 2068 – de Mauriac, 875 ChILD)
– de Bang/brucelose, 1459 – de Mórquio, 2028-2031, 2038 – mão-pé-boca (hand foot mouth), 1533, 1534
– de Basedow, 853 – de Niemann-Pick, 926, 1235, 1245, 2036, – meningocócica, 1396, 1401, 1446
– de Behçet, 914, 1109, 1114 2069 – metabólica óssea da prematuridade, 1840
– de Berger, 665, 758 – de Osgood-Schlatter, 1183 – músculo-olho-cérebro, 953
– de Bernard-Soulier, 717 – de Palizaeus-Merzbacher, 926, 963 – oncológica, 612
– de Bloch-Sulzberger, 946 – de Panner, 1172 – miotónica (de Steinert), 959
– de Blount, 1134, 1170 – de Perthes (Legg-Calvé-Perthes), 1134, – mista do tecido conectivo, 1040
– de Bornholm/pleurodínia, 1535 1160, 1175, 1178 – mitocondrial, 902, 964, 2028, 2044
2112 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– péptica ulcerosa , 543 DRPLA, 962 Electrólitos, 263, 272, 531, 564, 778, 809, 812,
– pneumocócica, 1374, 1376, 1398, 1403 DSAV (defeitos do septo auriculoventricular), 1027, 1790, 1799, 1814, 1828
– pulmonar crónica, 369, 497, 1751, 1897 990 Electromiograma (EMG), 951, 964, 1105
– pulmonar intersticial, 481,491 DST, 14, 232, 224, 236 Electrorretinograma (ERG), 964
– rara, 89 d-tubocurarina, 1895 Elefantíase, 1545
– renal crónica, 807, 812 Ductus venosus, 1677, 1687 Eliminação (de doença), 1367
– renal poliquística, 796 Duke, critérios de, 1029 Eliptocitose, 659, 674
– reumática, 1043, 1044, 1049 Dumping, 987 Ellis Van Creveld, síndroma de, 659, 674, 1134
– trombótica, 731 Duplicação gástrica, 1627 Embriofetopatia alcoólica, 102, 105, 109, 1774
– vascular pulmonar, 985,986 Duplicação intestinal, 1636 Embriofetopatia diabética, 887, 1762-1771
Doenças da idade pediátrica com repercussão Durban-Edmonton, classificação de AIJ, 1046 Emergências, 1285, 1360
no adulto, 242 DVP (derivação ventriculoperitoneal), 933 Emetropia, 1216
Doenças da junção neuromuscular, 956 DXA/Dual X ray absorptiometry, 333 EMLA, 1783
Doenças da retina, 1232 Emolientes, 511
Doenças da supra-renal, 830 E Empiema, 464, 1406, 1432, 1436, 1469, 1540
Doenças da tiroideia, 849 ECHO-vírus, 755, 1532, 1953 Enalapril, 1027
Doenças de declaração obrigatória (DDO), Eclâmpsia e pré-eclâmpsia, 1696, 1702, 1736, Enantema, 1395, 1412, 1442
1393, 1396 1755, 1865, 1900, 1921 Enartrose, 1176
Doenças do ácido nucleico, 2024 ECMO, 1321, 1600, 1686, 1872, 1948 Encefalite, 899, 910, 922, 1111, 1395, 1464, 1484,
Doenças do ciclo da ureia, 2008, 2013 Ecocardiograma,indicações para, 975, 986 1535, 1537
Doenças do corno anterior medular, 953 Ecografia, 50 Encefalocele, 927
Doenças do metabolismo do heme, 2024 – abdominal, 50 Encefalopatia espongiforme, 1540
Doenças dos organelos, 2027 – das vias biliares extra-hepáticas, 589 Encefalopatia hipóxico-isquémica (EHI), 1886,
Doenças emergentes, 1362 – Doppler, 52, 1001, 1006, 1673, 1885, 1990, 1889, 1983, 1988
Doenças hereditárias do metabolismo, 886, 1997, 1999, 2002 Encefalopatia neonatal, 1988
1234, 1306, 1880, 1983, 2006 – fetal, 1671, 1674, 1742, 1940, 1958, 1962 Encoprese, 561, 563, 569-571
Doenças infecciosas exantemáticas, 1393 – renal e vesical, 51, 791 Endocardite infecciosa, 989, 1029
Doenças maculares, 1234 – transfontanelar, 1810, 1956, 1960, 1973, Endoscopia digestiva, 553, 560
Doenças mitocondriais, 902, 964, 2028, 2044 1985, 1991, 1999 Endotelial, disfunção, 242, 258, 878
Doenças musculares, 957 – tridimensional, 1673 Endotoxinas, 734, 1325, 1398, 1449, 1467, 1473,
Doenças neurodegenerativas, 960 Ecossistema social, 129 1654
Doenças neuromusculares, 949 Ectima, 1416-1420 Enemas na obstipação, 564
Doenças reumáticas juvenis mais comuns, Eczema, 358, 359, 509, 510 Enfarte
1042 Eczema numular, 510, 523 – cerebral, 690, 737, 768, 770, 777, 913, 943,
Doenças sexualmente transmissíveis (DST), Edema 1572, 1974, 1983, 1989
234 – angioneurótico, 389 – esplénico, 688
Dolicocefalia, 937, 940, 1149 – cerebral, 274, 626, 770, 880, 884, 1249, – intestinal, 1104, 1107
Dolicostenomelia, 1148 1336, 1465, 1539, 1975, 2013 – miocárdio, 1017, 1019, 1029, 1149
Dopamina, 166, 210, 335, 532, 831, 847, 851, – de Quincke/angioneurótico, 389 – ósseo, 1162
1027, 1599, 1795, 1862, 1895 – idiopático do escroto, 826 – placenta, 1702, 1736
Dor abdominal, 538, 540, 1121 – papilar, 1312, 1338, 1431, 1467, 1491 – pulmonar, 688
Dores de crescimento, 1125 – periorbitário, 1430, 1546 – testicular, 1918
Dor no recém-nascido, 1778 – pulmonar, 216, 482, 1561, 1747, 1821 Enfisema, 373, 451, 459, 475, 490, 1114, 1150,
Dorsalgia, 1186 – retiniano, 1248 1501, 1853
Dor torácica, 1004 Edrofónio, prova do, 956 – lobar congénito, 452, 475, 1788, 1850
Doxapram, 1895, 1896 Educação alimentar, 319 – pulmonar intersticial, 1850, 1852, 1864,
D-penicilamina, 592 Educação para a saúde, 19, 200, 206, 221 1869, 1873, 1877
DPI (Dry powder inhaler) ou inalador de pó EEG (electroencefalograma), 165, 447, 894, – subcutâneo, 1247
seco, 380 907, 964, 1984, 1991, 2056 Engenharia tecidual/queimaduras, 1350
Dracunculose, 1545, 1551 Efusão, 431, 440, 444 Entamoeba, 1453, 1542
Drenagem Eisenmenger, reacção de, 985 Enterite regional, 121
– gástrica, 1797 Eisenmenger, síndroma de, 979 Enterobactérias, 427, 575, 1654
– peritoneal, 1659, 1660 Elastase, 707, 736, 1874, 1877, 1900 Enterobiose, 1545, 1551
– pleural, 466 Electrocardiograma (ECG), 159, 216, 963, 1122, Enterobius vermicularis, 1542, 1550, 1662
– ventricular/de LCR, 1999 1488, 1798, 1871, 1820, 2020 Enterococos, 396, 792, 1029, 1651
– vesical, 799, 1348, 1584, 1851, 1952, 1975 Electrocardiograma de Holter, 969, 1006 Enterocolite granulomatosa ou hemorrágica
Drepanocitose, 688 Electroencefalograma (EEG), 165, 447, 894, (Crohn), 559, 1069, 2018
Drogas e toxicodependência, 1771 907, 964, 1984, 1991,2 056 Enterocolite necrosante, 1627, 1652, 1989
Índice remissivo 2113

Enteropatia neutropénica (tiflite), 1650 Eritrodermia, 1409, 1416 Espectroscopia, 911, 1990, 2050, 2056
Enterovírus, infecções por, 1325, 1326, 1491, Eritromicina, 419, 430, 462, 756, 1230, 1381, Espectro do autismo, 162
1531 1485, 1638, 1956 Espectro Zellweger, 587, 963, 1638, 1983, 2040
– não polio, 1531 Eritropoietina, 659, 696, 704, 746, 812, 1009, Espermarca, 228
Entesite, 1048 1697, 1738, 1914 Espermatocele, 823
Entorse, 1192 Eritropoietina recombinante, 1913, 1943 Espinha bífida (spina bífida), 927
Entubação traqueal, 1293-1300, 1338, 1730, Erliquiose, 1476 Espirometria, 368
1845 Erosão da córnea, 1247 Espiroquetas, infecção por, 1383, 1491
Enurese, 33, 145, 154, 178, 563, 813, 818, 868 Erosões pépticas , 543 Esplenectomia, 676, 683, 684, 703, 716
Enxaqueca, 896 Erradicação (de doença), 1367 Espondilite anquilosante e outras
Enxaqueca abdominal, 541 Erros alimentares, 350 espondilartropatias, 1170
Enxaqueca da artéria basilar, 900 Erros inatos (doenças hereditárias) do Espondilólise, 1190
Eosinofilia, 389, 460, 492, 707, 839, 946, 1102, metabolismo, 1948, 1983, 2005 Espondilolistese, 1190
1115 Erupção cutânea, 386, 1393, 1396, 1428, 1483, Espondiloptose, 1190
Ependimoma, 643 1516, 1517 Esquistossomose, 1505, 1542, 1547, 1552, 1556
Epicanto, 86, 1131, 1218, 1774, 2040 Erupção dentária, 347, 1255 Esquizencefalia, 943
Epidemia, 11, 249, 461, 755, 1446, 1496, 1752, Escabiose (sarna), 524 Esquizofrenia, 182
1771 Escafocefalia, 941,942 Estádio do desenvolvimento de Tanner, 229,
Epidermólise bolhosa, 1146 Escala de coma (Glasgow), 1310, 1319, 1337 230
Epididimite, 825 Escala de Finnegan, 1775 Estado de mal epiléptico, 910, 1305
Epifisiodese, 1183 Escala de Graffar, 1702, Anexos Estafilocococos (Staphylococcus), 434, 436, 456,
Epifisiólise femoral proximal, 1174 Escala de inteligência WISC, 163 1323, 1410, 1415, 1433, 1951
Epífora, 1222 Escala de Le Fort (gravidade de gastrosquise), Estase pupilar, 896, 899
Epiglotite, 436, 1436, 1438 1618 Estatísticas vitais, 11-16
Epilepsia, 903, 906-909 Escala de Snellen, 1206 – causas de morte, 14
– de ausências, 907 Escala social de Graffar, 1702, Anexos – saúde infantil no Mundo, 9-11
– mioclónica juvenil, 908 Escalas de desenvolvimento, 64, 65 – saúde infantil em Portugal, 11-16
– rolândica benigna, 906 Escarlatina, 406, 1395, 1409-1416 – taxa de mortalidade infantil (TMI), 12, 13
Epinefrina, 832, 886, 1349, 1773 Escarlatina estafilocócica, 1410 – taxa de mortalidade perinatal (TMPN), 13
Epipodofilotoxinas, 622 Escherichia coli, infecção por, 456, 786, 1398, – taxa de mortalidade em menores de 5
Episclerite, 1077, 1084, 1107, 1110 1464, 1964 anos (TMM5), 11, 13
Epispadia, 816 Esclerodermias juvenis, 1097 Estatura, 112, 120, 551, 554, 576
Epistaxe, 628, 653, 711, 730, 996, 1104, 1121, Esclerose tuberosa, 908, 948 Estatura-alvo familiar, 120
1555, 1926 Esclerótica, 1204 Estatura baixa (causas), 121
Epstein-Barr (infecções por), 389, 420, 577, Escleróticas azuis, 1138 Esteatonecrose, 1971, 1980
589, 607, 632, 1485, 1520 Escoliose, 1187 Esteatorreia, 551, 553, 557, 571
Equilíbrio Escorbuto, 295, 347, 451 Esteatose hepática, 336, 600
– ácido-base, 264 Escotoma, 1234 Estenocefalia, 938
– hidroelectrolítico, 264 Escroto Estenose aórtica , 998
Equimose, 653, 656, 712, 714, 717, 737, 843, – agudo, 825 Estenose hipertrófica do piloro, 1627, 1638
1103, 1246 – alterações do contéudo, 823 Estenose mitral, 914, 1120
Equinococose, 1396, 1542, 1552 – tumefacção, 823, 825 Estenose pulmonar , 1005
Erb-Duchenne, paralisia de, 1704, 1715, 1740, Esferocitose hereditária, 659, 673, 674 Estenose tricúspide, 980
1765, 1976 Esfingolipidoses, 2027, 2035 Estereopsia, 1212
Erisipela, 1416, 1423 Esofagite, 355, 400, 410, 531, 540, 545 Estereoteste de Wirt-Titmus, 1212
Erisipelóide, 1424 Esófago, atrésia do, 1610 Esternocleidomastoideu, fibroma/hematoma
Eritema facial em “asa de borboleta”, 1083 Esógago, cintigrafia do, 536 do, 1971,1979
Eritema infeccioso (5ª doença ou Esófago de Barrett, 535 Estomatite, 342, 410, 653, 707, 1078, 1093, 1110,
megaleritema), 1395, 1517 Esófago, impedância intraluminal do, 536 1534
Eritema marginado, 1121 Esófago, pH metria do, 536 Estomatologia, 1251
Eritema migrans (migratório), 1491, 1492 Esoforia, 1212 Estrabismo, 1217, 1234
Eritema multiforme, 393, 1019, 1110-1112, 1501 Esotropia, 1212 Estrabismo falso, 1218
Eritema nodoso, 560, 1069, 1112, 1500, 1575, Espasmos Estreptococo (Streptococcus), 418, 437, 1471
1578 – do choro, 138, 904, 910 – beta-hemolítico, 418-427
Eritema pérnio (frieiras), 1334 – infantis, 908 – do grupo A, 418-422, 423, 427, 1395, 1409
Eritema “tóxico” do RN, 1720 Espasticidade, 923, 926, 932, 949, 961, 962 – do grupo B (Streptococcus agalactiae), 456,
Eritroblastose fetal (doença hemolítica do Espectro de autismo (doenças do), 162, 144, 1425, 1861, 1883, 1921
RN), 588, 1740, 1928, 1932 446, 2008, 2024 – pneumoniae, 437, 1376, 1403, 1471
2114 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Estresse (stress), 11, 134, 154, 165, 199, 510-520 Fármacos, alergia a, 383 Feto, adaptação à vida extra-uterina, 1687
Estridor, 436, 437, 481 Fármacos com acção circulatória, 1895 Feto, terapêutica do, 95
Estrófulo, 392, 393 Fármacos de apoio à ventilação, 1894 Fetoscopia, 94
Estrogénios, 113, 126, 224-227, 245 Fármacos, hipersensibilidade a, 394 Fezes
Estrongiloidose, 1545, 1551 Fármacos, tolerância a, 396 – acólicas, 577, 587
Estupor, 1309, 1467, 1991, 1997 Farnsworth, testes de, 1211 – com muco, 547
Etambutol, 1382, 1508, 1509 Fascite, 421, 1162, 1166, 1281 – sanguinolentas, 546, 547, 1070, 1105
Etanol (álcool etílico), intoxicação por, 207-210 Fascite necrosante, 421, 1281, 1413, 1426, 1523 FGF23 (Fibroblast Growth Factor 23), 1605
Etapas da hematopoiese, 649 Fasciolose, 1547, 1552 Fibras alimentares, 289, 540, 563, 564
ETCO, 1935 Favismo, 679, 680, 683 Fibrilinopatias, 1150
Ética, 21, 23, 25-30, 70, 602, 1266 Febre, 221, 266, 410, 418, 456, 785, 1014, 1021, Fibrinolíticos, 734, 765, 772, 919
Eurocat, 108, 109, 1196 1029, 1042, 1161, 1361 Fibronectina, 750, 1143, 1345, 1419, 1435, 1579
Eutanásia, 29, 1784 Febre da carraça (escaronodular), 1359, 1393, Fibrose quística, 495
Eventração diafragmática, 1595, 1608 1477 Filariose, 1542, 1545, 1551
Ewing , sarcoma de, 613 Febre das Montanhas Rochosas, 1474 Fimose, 793, 818, 819
Exame oftalmológico, 1208 Febre de Malta (ou ondulante), 1396, 1459 Finnigan, escala de , 1779
Exame clínico do recém-nascido, 1702 Febre de origem indeterminada, 1397 FiO2 (fracção inspirada de O2), 1297, 1789, 1852
Exantema da ampicilina, 1528 Febre de São Joaquim/coccidioidomicose, Fise, 1157
Exantemas, 1393-1396 1576 FISH (fluorescence in situ hybridation), 974
Excesso de peso, 225, 249, 316-319, 329 Febre escaronodular (da carraça), 1393, 1395, Fístulas e quistos da cabeça e pescoço, 1591
Exoftalmia, 855, 940, 941 1477 Fitosterolémia(ou sitosterolémia), 2064
Exoforia, 1212 Febre faringoconjuntival, 1536 Fleimão, 1416, 1425
Exônfalo (ou onfalocele), 1614 Febre ganglionar (mononucleose infecciosa), Fluidos e electrólitos, 264
Exotropia, 1212 1528 Fluidos, perdas e necessidades, 266, 270, 272,
Exsanguinotransfusão, 676, 682, 742, 1803, Febre/hipertermia, tratamento, 1331-1333 1790
1917, 1936, 1942, 1946, 2009 Febre Oroya, 1483 Fluidos orgânicos, composição em
Exsudado, 418-423, 427-429, 441, 457, 460, 464 Febre paratifóide, 1457 electrólitos, 267
Extrofia da bexiga, 815, 816 Febre Q, 1481 Fluidoterapia, 270, 272
Febre recorrente, 1493 Fluidoterapia nas queimaduras, 1349
F Febre reumática, 421, 1021, 1119 Fluor e cárie dentária, 288, 1272, 1273, 1274
Face (dermatoses), 507-512, 521-527 Febre sem foco de infecção detectável, 1362, Fluorose, 1274
Fácies, 852, 959, 1001, 1089, 1132, 1152, 1704, 1397 Fluxometria, 1675, 1828
2018, 2032, 2034 Febre tifóide, 1450 Fobias, 135, 175, 176, 177
Facomatoses, 944 Fenda alvéolo-palatina, 1588 Folato, 70, 92, 109, 230, 248, 348, 552, 672, 707,
Factor activador das plaquetas (PAF), 1325, Fenda labial, 1588 814, 939, 1060, 1095, 2052
1465, 1654, 1882, 1899 Fenilcetonúria, 2006-2008 Foliculite, 1416, 1422
Factor de crescimento epidérmico, 1654 Fenitoína, 208, 912, 1113, 1308 Fome, 6, 11, 130, 244, 300, 353, 530, 888, 1740,
Factor de necrose tumoral-alfa (TNF), 735, Fenobarbital, 589, 671, 912, 1773, 1776 2026
1325, 1365, 1447, 1455, 1495 Fenómeno de Arlequim, 1706 Fontan, cirurgia de, 1003
Factor V de Leiden, 733 Fenómeno de Koebner, 1044, 1055 Fontanelas, 118, 938, 1336, 1341, 1706
Factores da coagulação, 655, 734, 1881, 1926, Fenómeno de Marcus Gunn, 943 Força muscular, alterações da, 63, 503, 671,
1940, 2015, 2042, 2059 Fenómeno de Raynaud, 1083, 1083, 1084, 842, 949, 1096, 1186
Factores de crescimento hematopoiéticos (G- 1088, 1099 Formação em Pediatria, 30
CSF e GM-CSF), 649 Fenómeno de Somogy, 877 Fórmula de Parkland/queimaduras, 1349
Fadiga crónica, 158 Fenótipo, 71, 80, 89, 1945, 2028, 2046, 2068 Fórmula de Schwartz/filtraçãoglomerular
Fagocitose (défice de ), 405 Fenótipo MASS, 1150 renal, 1816
Fala, 143 Fentanil, 626, 1291, 1348, 1782, 1894, 2053 Fórmula leucocitária, 654
Falso estrabismo, 1218 Feocromocitoma, 832, 847 Fórmulas de transição e continuação, 305, 315
Falso micropénis, 820 Ferritina, 661, 663, 667, 695, 814, 909, 1913 Fórmulas lácteas, 302, 305, 314, 331
Família, 4, 6, 19, 233 Ferro, 292, 661-668 Fosfatase alcalina, 344, 553, 573, 575, 586-593,
Fanconi – anemia por carência/deficiência em 597, 1574, 1830, 1840
– anemia de, 659, 714, 719, 720 ferro, 661 Fosfatoninas, 344
– síndroma de, 779-781 – depósitos/reservas orgânicas, 661, 662 Fosfatúria, 1801, 1842, 2023
Faringite – diagnóstico laboratorial, 665 Fosfopénico, raquitismo, 346, 1840
– aguda, 418 – prevenção do défice, 319, 668 Fósforo, 279, 291, 308, 814, 883, 1307, 1129,
– estreptocócica, 418 – tratamento da anemia por défice em 1313, 1696, 1799, 1840, 2023
Fármacos, 155, 176, 207, 213, 594, 605, 621, ferro, 668 Fotofobia, 541, 895, 1048, 1208, 1225, 1245,
1381, 1519, 1771 FETENDO (fetal endoscopy), 1604, 1605 1467, 1538
Índice remissivo 2115

Fotopletismografia, 1855 Gastrosquise e outros defeitos da parede Glomerulonefrite aguda, 755


Fotopsia, 1233 abdominal, 1617 – pós-estreptocócica, 421, 757
Fotossensibilidade cutânea, 908, 1083, 1084, Gastrostomia, 147, 926, 952, 1589, 1612, 1825, Glomerulonefrite crónica, 758
1093 1904 Glomerulonefrite mesangial proliferativa, 760
Fototerapia, 512, 603, 676, 1686, 1793, 1829, G-CSF, 649 Glossite, 664, 671
1933, 1941 Gemelaridade (gestação múltipla), 1737, 1752 Glucagom, 840, 871, 886, 879, 880, 1766, 1806
FOUR Score, nova escala de coma, 1309 Gémeos, classificação, 1752-1754 Glucocorticóides, 830, 831, 837, 841, 842, 850,
Fovea central /retina, 1205 Genética, 69-70 878, 1605, 1739, 1803
Fractura da clavícula, 1971, 1978 – anomalias cromossómicas, 76 Glucose, 126, 244, 265, 288, 878, 882, 1271,
Fractura do crânio, 1337, 1404, 1971, 19725 – carga genética, 71 1327, 1467, 1806, 2056
Fracturas dos maxilares, 1262 – cariótipo, 76 Glucose-6-fosfato-desidrogenase, deficiência
Fracturas dos ossos longos no RN, 1971 – consulta de Genética, 85 em, 679
Fracturas ósseas, particularidades, 1191 – diagnóstico preditivo, 75 Glutamina-sintetase, deficiência de, 2013, 2016
Franceschetti, sinal oculodigital de, 1233 – diagnóstico pré-natal, 80 GM-CSF, 649
Francisella tularensis, 1413, 1462 – doenças multifactoriais, 71 GnRH, 861, 864
Freio do lábio superior (inserção baixa), 1591, – ética, 70 Golpe de calor, 1298, 1299
1668 – hereditariedade mendeliana, 73 Gomez, critérios de classicação da má-nutrição,
Friedreich , ataxia de, 902 – hereditariedade mitocondrial, 75 339
Frieiras (eritema pérnio) , 1334 – hipótese de Lyon, 75 Gonadarca, 225, 861
Frio, lesão pelo, 1334, 1335 – limiar genético, 71 Gonalgia, 1180
Frutos, 319 – tipos de testes de genética, 87 Gonococo (Neisseria gonorrhoeae), 1719
Frutose, intolerância hereditária à, 2011, 2017, Gengivo-estomatite, 341, 410, 653, 703, 1078, Goodpasture, síndroma de, 491, 665, 759, 1109
2022 1093 Goodwinn, avaliação do risco pré-natal de,
Frutosúria essencial, 2022, 2023 Genitais externos, órgãos, 108, 113, 227, 816, 1671, 1672, 1745
FTA-Abs (Fluorescent Trponemal Antibody 1641, 1712 Gordura castanha, 1694
Absorption test), 1956 Genómica, 44, 70, 583, 639, 1505 Gordura intrabdominal/visceral, 244, 251, 333
Fucosidose, 2032, 2034 Gentamicina, 1328, 1381, 1787, 1964 Gota, 696, 1043, 2020, 2024, 2025
Fundoplicatura de Nissen, 537 Genu recurvatum, 1182, 1183 Gottron, sinal de, 1093
Fundoscopia, 1214 Genu valgum, 783, 1134, 1169, 1182 Gower, sinal de, 950, 957, 1093
Fungos, infecções por, 1323, 1346, 1381, 1469, Genu varum, 1169, 1182 Graffar, escala social de, 1702, Anexos
1564 Genótipo, 77, 97, 333, 413, 495 Grande para a idade gestacional (GIG), 1680,
Furosemido, 749, 756, 776, 801, 811, 1027 Gestação múltipla, 1737, 1752 1740, 1764, 1768, 1769
Furúnculo, 1423 GH, 112, 126, 886, 859, 1608 Granuloma, 1367, 1460, 1476, 1491, 1503, 1543
Fusobacterium sp, 408, 423, 1355 GH, défice de, 126 Granuloma periapical, 1279
Ghon, nódulo ou foco de, 1498, 1499 Granulomatose de Wegener, 1114
G GHRF/GH releasing factor, 112 Graves, doença de (tirotoxicose), 851
Gaguez, 143, 144 Giardia lamblia, 556, 1542, 1662 Gravidade, critérios de, 1682
Galactose, distúrbios da, 1809, 1813, 1983, Giardíase (ou giardiose), 556, 1542, 1662 Gravidez de risco, 1671, 1724, 1759, 1954
2017 GIG (grande para a idade gestacional), 1680, Greaves, teoria de, 616
Galactose-1-fosfato-uridil-transferase (GALT), 1740, 1741, 1765, 1768 Grelina, 331, 1604, 1606, 1739
défice de, 2021 Gigantismo, 118, 1614, 1740, 1741 Griffiths, escala de desenvolvimento de, 64
Galactosémia, 780, 888, 963, 1245, 1813, 1983, Ginecologia pediátrica, 1661 Guillain- Barré, síndroma de, 950, 954
2011, 2021 Ginecomastia, 228, 845
Galactossialidoses, 2032, 2034 Glasgow, escala de coma de, 1310, 1319, 1337 H
Gamaglobulina anti-D, 1940-1942 Glaucoma, 1224, 1225 Habilitação e reabilitação, 62, 147, 966
Gama-glutamil-transpeptidase (GGT), 578, Glenn, operação de, 1003 Habilitação para a marcha, 934
588, 594, 608, 1018, 1645, 1832 Glicogénio hepático, 883, 884, 1697, 1930, 2017 Hábitos alimentares, 247, 250, 258, 300, 321,
Gangliosidose GM, 961, 962, 2038, 2039 Glicogenólise, 288, 868, 885, 889, 1694, 1806, 331, 332, 400
Gangrena gasosa (ou mionecrose), 1286, 1427 1813, 2017, 2022 HAD (hormona antidiurética), 266, 277, 779,
Gasometria, 814, 1012, 1307, 1334, 1829, 1855, Glicogenoses, 779, 888, 1810, 2017 783, 1339, 1975
1867, 1870 Gliconeogénese (ou neoglicogénese), 885, Haemophilus influenzae, infecção por, 422, 433,
Gastrenterite aguda, 546, 769, 1377, 1450, 1452 1737, 1806 1399, 1434
Gastrenterologia, critérios de referenciação a, Glicorráquia, 1018, 1468, 1998 Hálito cetónico (da cetoacidose diabética), 881
542 Glicosilação, defeitos da, 2042 Halotano, hipertermia por, 1332
Gastrenterologia e Hepatologia, 529 Glicosúria, 881, 882, 1787, 1812, 1829, 2021, Hamartomas, 945, 948
Gastrite, 539, 542, 543 2023 Háptena, 1362
Gastroparésia, 540 Glioma maligno, 644 Hartnup, doença de, 2008
Gastropatia congestiva, 597 Glioma ocular, 1204 HbA1c (hemoglobina glicada), 869, 874
2116 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

HBsAg, 580 Hemograma, 653 Hidatidose, 1547, 1548


Head, reflexo de, 1689 Hemólise, 701 Hidralazina, 1033, 1820
Helicobacter pylori, testes invasivos e não – auto-imune, 702 Hidrato de cloral, 1772, 1783
invasivos, 543 – iso ou aloimune, 701 Hidratos de carbono, 282, 296, 302, 1653, 1697,
Hellix valgum, 1593, 1668 Hemoperitoneu, 1980 1820, 1824
HELLP, 734, 1756 Hemoptise, 488, 491, 497 Hidratos de carbono, defeitos do metabolismo
Helmintas, 1393, 1542 Hemorragia alveolar difusa, 491 dos, 2017
Hemangioma capilar, 1705 Hemorragia do vítreo, 1248 Hidrocefalia, 732, 933, 938, 948, 1310, 1336,
Hemangioma cavernoso, 1705 Hemorragia intracraniana, 917, 1341, 1342, 1466, 1501, 1544
Hemartrose, 723 1921, 1971 Hidrocele, 823, 826, 1622, 1667
Hematemese, 535, 597, 1547, 1628, 1644 Hemorragia intraperiventricular, 1994 Hidroclorotiazida, 776, 784
Hematologia, 647 Hemorragia pulmonar, 1880 Hidrocolpos, 1664
Hematoma, 657, 1113, 1144 Hemorragias do tubo digestivo, 1644 Hidroelectrolítico, equilíbrio, 264, 1790
– da base da língua, 723 Hemossiderose pulmonar, 491 Hidrogénio expirado, teste do, 539, 553, 557,
– das vísceras intrabdominais, 1971 Hemostase, 655 574
– do coiro cabeludo, 723, 1706 Hemostase e semiologia clínica, 656 Hidropisia (hydrops), 1515, 1740, 1758, 1857,
– do esternocleidomastoideu, 1971, 1978 Hemostase e avaliação laboratorial, 657 1910, 1939, 2007, 2033
– epidural, 1340 Henoch-Schonlein, púrpura de, 1102 Hidropisia vesicular, 1017, 1104
– inguinocrural, 723 Hepatite aguda, 577 Hidrosadenite, 1417, 1418, 1429
– intracerebral, 1341 Hepatite auto-imune, 584 Hidrossalpinge, 1664
– periorbitário, 1249 Hepatite crónica, 580, 592 Hidroxicloroquina, 213, 718, 1061, 1089, 1095,
– subdural, 1340, 1983 Hepatite neonatal, 574 1096, 1563
– submucoso, 1264 Hepatite vírica (A, B, C, D, E, G), 577, 1396, Hidroxicobalamina, 672
– subperióstico, 1706, 1707 1953 Hidroxiureia, 692
– suprarrenal, 1971 Hepatosplenomegália, 697, 1910, 1934, 1955, Hifema, 1242, 1247
Hematométrio, 1664 1959, 2006, 2028 Himenópteros, 1358, 1359
Hematopoiese, 648 Hepatoblastoma, 613 Hiperactividade e défice de atenção, 166, 183,
Hematocolpos, 1815 Hepcidina, 662, 664 184
Hematoquésia, 1644 Hereditabilidade, 88 Hiperaldosteronismo, 781
Hematúria, 723, 727, 737, 754, 1019, 1086, 1088 Hering – Breuer, reflexo de, 1689 Hiperalfalipoproteinémia familiar, 2066
Heme, 684 Hérnia da linha branca, 1625 Hiperamoniémia, 2013, 2014
Heme, doenças do metabolismo do, 685,2 024 Hérnia diafragmática congénita, 1595 Hiperargininémia, 2013
Heme-oxigenase, 662, 1928, 1943 – cirurgia fetal, 93, 932, 1605, 1670 Hiperbilirrubinémia, 1928
Hemeralopia (cegueira diurna), 1233 – das cúpulas, 1596, 1597 – conjugada, 1932, 1947
Hemiparésia, 715, 894, 916, 919, 923, 925, 943, – paresofágica (peri-hiatal), 534, 1596, 1597 – não conjugada, 1936, 1938
947, 1107 ,1111 – retrocostoxifoideia, 1596 Hipercalcémia, 295, 344, 532, 562, 606, 784,
Hemiplegia, 909, 913, 917, 921, 947, 1309, Hérnia diafragmática em investigação, 1602 810, 844, 1131, 1132, 1152, 1803
1539, 1999 Hérnia encarcerada, 1623 Hipercalciúria, 782, 844
Hemoconcentração, 703 Hérnia epigástrica, 1625 Hipercápnia, 219, 503, 1332, 1597, 1600, 1723,
Hemocromatose, 79, 588, 594, 838, 878 Hérnia estrangulada, 1623 1858, 1902, 1988, 2002
Hemocultura, 1323, 1397, 1406, 1438, 1464, Hérnia inguinal indirecta e directa, 1621 Hipercápnia permissiva, 1905
1564, 1863, 1953, 1964 Hérnia inguinal irredutível, 825, 1623 Hipercoagulabilidade e doença trombótica,
Hemodiafiltração, 1821 Hérnia inguinoscrotal, 823, 1621 731
Hemodiálise, 1821 Hérnia umbilical, 1624 Hipercolesterolémias, 258, 2062
Hemofagocitose, 659, 720, 1460, 1482 Heroína, 1772 Hipercrescimento intra-uterino, 1740
Hemofilias, 722 Herpangina, 420, 1395, 1533, 1534 Hiperesplenismo, 683, 697, 698, 712, 714, 720
Hemofiltração, 1821 Herpes, infecção por vírus, 1520 Hiperfenilalaninémia, 2010
Hemoglobina, alterações da, 684 – citomegalovírus, 1524 Hiperforia, 1212
– CMHG, 653 – Epstein-Barr, 1527 Hiperfosfatémia, 292, 810, 1331, 1766, 1804,
– fetal (F), 684, 685, 699 – simples, 436 1816, 1819, 1821
– glicada (HbA1c), 868 – varicela – zóster, 1520 Hipergamaglobulunémia, 584, 1483, 1543,
– globular média-HGM, 653 Herxheimer, reacção de, 1463, 1492, 1495 1556, 1560
– instável, 692 Heterocromia, 1242 Hiperglicémia, 209, 265, 271, 274, 331, 572,
– M, 693 Heteroplasmia, 902 609, 777, 843, 866, 880, 882, 1088
– H, 699 Heterotaxia, 994 Hiperglicinémia cetótica e não cetótica, 1983,
Hemoglobinopatias, 674, 685, 686, 690 Heterotropia, 1212 2008, 2012
Hemoglobinúria paroxística, 702 Hiato iónico (gap iónico), 264 Hiper-hepcidinémia, 664
Hemoglobinúria paroxística nocturna, 700, 720 Hidantoína, 671, 718, 912, 1787, 1801, 2054 Hiper IgE, 405, 470, 471
Índice remissivo 2117

Hiperinsulinismo, 877, 887, 888, 1809, 2017, Hipofosfatémia, 345, 677, 881, 1804 Hospitalismo, 27, 172, 173
2066 Hipogamaglobulinémia, 406, 472 HPV (vírus do papiloma humano), 1373
Hiperlactacidémia, 294, 1332, 1561, 1602, 1870 Hipoglicémia, 116, 124, 341, 587, 834, 870, 873, Humanização, 23, 28, 172, 173
Hiperlipidémia familiar combinada, 1064, 885, 1806, 1808, 2017 Hydroa estival, 685
2070 Hipogonadismo hipergonadotrófico, 864 Hydrops (hidropisia), 1515, 1740, 1759, 1857,
Hiperlipidémias secundárias, 2066, 2067 Hipogonadismo hipogonadotrófico, 863 1910, 1939, 2007, 2033
Hiperlipoproteinémia, 259, 2062 Hipomagnesiémia, 355, 777, 1799 Hydrops da vesícula biliar, 1017
Hipermagnesiémia, 1304, 1696, 1804, 1805, Hiponatrémia, 277, 780, 1795
1817 Hipoparatiroidismo, 839, 840, 897, 1245, 1801 I
Hipermetropia, 1216 Hipopion, 1215 IACS, 1582, 1967
Hipermobilidade articular, 1137, 1146 Hipopituitarismo, 124, 818, 839, 863, 888 Ibuprofeno, 691, 909, 1055, 1126, 1266, 1657,
Hipernatrémia, 277, 1797 Hipoplasia (defeito congénito), 105 1747, 1884
Hiperosmolaridade, 277, 880 Hipoplasia congénita da supra-renal, 841 Icterícia, 124, 495, 575, 594, 653, 1018, 1928,
Hiperoxalúria, 2040, 2041 Hipoplasia cartilagem-cabelo (McKusick), 1134 1391, 1938, 2021, 2068
Hiperparatiroidismo, 345, 814 Hipopotassémia, 277, 278, 780, 1797 Icterícia associada ao aleitamento materno,
Hiperplasia (defeito congénito), 79, 95, 277, Hipoproteinémia, 342, 764, 810 1937
481, 865, 1455 Hiposfagma, 1227, 1229 Icterícia fisiológica, 1934
Hiperplasia congénita da supra-renal, 832 Hipospadia, 820, 821 Icterícia hemolítica, 674, 1932
– com ou sem perda de sal, 833 Hipossialia, 1271, 1274, 1275 Icterícia multifactorial, 1932
– sem perda de sal, 836 Hipotensão, 220, 271, 341, 749, 1795, 1854, Icterícia não hemolítica, 577, 584, 587, 1932
Hiperpotassémia, 277, 278, 780, 1797 1877, 1988, 1997 Icterícia neonatal por incompatibilidade
Hiperreactividade brônquica, 369, 473 Hipotermia, 185, 209, 354, 712, 852, 885, 1304, sanguínea, 1938
Hipersensibilidade, 358, 399 1329, 1333, 1851, 1980, 2012 1 Icterícia secundária ao leite materno, 1937
Hipersensibilidade alimentar, 399 Hipotermia selectiva da cabeça, 1993 Ictiose (bebé colódio), 1704
Hipersensibilidade ao látex, 932 Hipótese de Barker, 242, 1739, 1769 Idade cronológica (do RN), 1678
Hipertensão Hipotiroidismo, 86, 119, 125, 277, 331, 562, 850 Idade corrigida (ou ajustada), 1678
– arterial, 248, 252, 771, 918, 1703, 1710, Hipotonia, 950, 1093, 1095 Idade estatural, 120
1737, 1739, 1744 Hipotrofia, 105 Idade gestacional, 1678
– essencial, 248 Hipotropia, 1212 Idade pós-menstrual, 1678
– intracraniana, 643,896,1336 Hipovitaminose, 343 Idade óssea, 118,120
– portal, 596 Hipoxémia, 152, 156, 1334, 1399, 1600, 1723, Idades recomendadas para intervenção
– pulmonar persistente no RN, 1882 1746 cirúrgica, 1667
Hipertermia, 958,1329 Hipóxia (crises de ), 1007 IECA, 759, 768, 775, 776, 877, 993, 1027, 1036,
Hipertermia maligna, síndroma de, 958, 1332 Hipóxia crónica, 1008 1123
Hipertiroidismo, 853 Hipsarritmia, 908 IgE específica, diagnóstico da doença alérgica,
Hipertricose, 843, 928 HIPV (hemorragia intraperiventricular), 1994 366
Hipertrigliceridémias, 261, 2065 Hirschberg, teste de, 1209 IgE total, diagnóstico da doença alérgica, 366
Hipertrofia (defeito congénito), 104, 988, 1003, Histeria, 176 IGF 1 (insulin-like growth factor), 112, 331
2033 Hirsutismo, 836, 843, 845, 1088 IGF BP3 (IGF binding protein), 112
Hipertrofia das adenóides (vegetações), 422 Histiocitose, 470, 517, 613, 619, 635 IGIV, 407, 706, 1019, 1062, 1076, 1116, 1364,
Hiperuricémia, 963,1043,2019,2024,2025 Histoplasma capsulatum, 1461,1 556, 1565, 1574 1524, 1924, 1942
Hiperviscosidade, 687, 704, 732, 771, 889, 1914 Histoplasmose, 1462, 1556, 1565, 1574 IgM, 1674, 1953, 1959, 1961
Hipervitaminose A, 295 História clínica, 46, 362, 1263 IgVZ (varicela-zoster), 768, 1364, 1520
Hipoacúsia, 439 História da Medicina, 2, 41, 189 IHF (intolerância hereditária à frutose), 2022
Hipoalbuminémia, 341 Hodgkin, 635 IL (interleucinas), 512, 648, 649, 735, 1490,
Hipoaldosteronismo, 838, 841 Holocarboxilase sintetase, deficiência de, 2012 1498, 1919
Hipoalfalipoproteinémia familiar, 2066 Holoprosencefalia, 86, 87, 940, 1764, 2068 Ileíte terminal (Crohn,ileocolite, ou
Hipobetalipoproteinémia familiar, 2068 Holter, ECG de, 999, 1036 enterocolite granulomatosa ), 559
Hipocalcémia, 274, 292, 347, 405, 608, 811, 905, Homocistinúria, 2011 Íleo meconial, 496, 1631
1799 Homossexualidade, 236 Ileocolite, 559
Hipoclorémia, 780 Hordéolo externo, 1228 Imagiologia, 49
Hipocolesterolémias, 260, 2062 Hordéolo interno, 1227 – Ecografia, 50
Hipocondroplasia, 1130 Hormona antidiurética (HAD), 266, 277, 779, – Eco-doppler, 52
Hipocratismo digital, 705, 1008 783, 1339, 1975 – TAC, 52
Hipocrescimento, 112, 120 Hormonoterapia, 825 – RMN, 55
Hipocromia, 658, 661 Hortículas, 319 Imaturidade pulmonar, 1688, 1856
Hipoforia, 1212 Hospital de dia, 44, 136, 182, 366, 402, 792 IMC (índice de massa corporal), 117, 329
Hipofosfatasémia, 1132 Hospital do futuro, 43, 44 Impedância bioeléctrica, 333, 339
2118 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Impedancimetria ORL, 441 – Bartonella henselae, 1483 – vírus hepatotrópicos, 577


Imperfuração anal, 1641, 1642 – BK, 1583 – vírus herpes, 1520
Impetigo, 1416-1428 – Blastomyces, 1469 – vírus influenza A e B, 456
Impigem, 1567 – Bordetella, 1440 – vírus parainfluenza 1, 2, 3, 456
Imunidade celular, 403 – Borrelia, 1469 – vírus respiratório sincicial (VRS ou VSR),
Imunidade humoral, 403 – Brucella, 1485 427, 456, 473, 479
Imunização activa, 1363, 1365 – Campylobacter, 547, 548, 552 – vírus varicela-zoster (VVZ), 713, 735, 955,
Imunização passiva, 1363, 1364 – Candida, 1565 1520
Imunocomplexos, 698, 735, 755, 762, 1092, – Chlamydia, 456 – Yersinia enterocolitica, 547, 548, 552
1102, 1105, 1107, 1113, 1560 – Citomegalovírus, 1520, 1960 Infecção urinária, 785, 1584, 1642, 1662, 1952
Imunodeficiência grave combinada, 405 – Coccidioides, 1564 Infecciologia, 983, 1362, 1747
Imunodeficiência primária, 403 – Coxiella, 1474 Infecções da pele e dos tecidos moles, 1416
– défices de células T e B, fagocitários e do – Cryptococcus, 1564 Infecções odontogénicas, 1278
complemento, 407 – Enterovírus, 1531 Infecções recorrentes, 403, 408, 471
– doenças da imunidade humoral, 404 – Erlichia, 1476, 1478 Infestação, 1542
Imunodeficiência e pneumonia recorrente, 471 – Fungos, 1564 Inflamação (mediadores), 1326, 1465, 1869,
Imunogenicidade, 394 – Gram positivo, 427, 456 1882, 1899, 1988
Imunoglobulinas, 297, 392, 415, 706, 710, 1019, – Gram negativo, 427, 456 Inibição (comportamento), 177
1062, 1076, 1116, 1418, 1556 – Haemophilus influenza, 427, 429, 436, 456, Inibidores da bomba de protões (PPI), 537
Imunoglobulinas específicas, 479, 1364 1434 Inibidores da calcineurina, 512
Imunoglobulinas hiperimunes, 1364 – Helicobacter pylori, 543 – tacrolimus, 512
Imunoglobulinas IV, 1536 – Herpesviridae, 1520 – pimecrolimus, 512
Imunoglobulinas PO, 1657 – Histoplasma, 1564 Inibidores da enzima de conversão da
Imunopatogénese básica, 361 – Kingella, 1161, 1163, 1166 angiotensina (IECA), 759, 768, 775, 877,
Imunossupressão, 410, 415, 471, 512, 585, 601, – Leishmania, 1553 993, 1036, 1123
625, 721, 763, 1089 – Leptospira, 1486 Inibidores da fusão, 412
Imunoterapia, 385, 405, 579, 582 – Listeria monocytogenes, 1968 Inibidores da protease, 412
Inalação, 379 – Moraxella catarrhalis, 418, 423, 427, 429 Inibidores da secreção ácida gástrica, 537
Inalação de corpo estranho, 489 – Mycobacterium tuberculosis, 1583 Inibidores da transcriptase reversa, 412
Inaloterapia, 501 – Mycoplasma, 427, 456, 1513 Inibidores da transcriptase reversa não
Incompatibilidade sanguínea, 1938 – Neisseria meningitidis, 1446, 1464 nucleósidos, 412
Incontinência – Norovirus, 547 Iniencefalia, 927
– fecal, 562 – Parvovírus B19, 1515 Inotrópicos, 1027, 1028, 1315, 1323
– urinária, 818 – Plasmodium, 1558 INR, 657
Incontinentia pigmenti, 946 – Pneumocystis jiroveci (carinii), 1564 Insucesso escolar, 148, 149
Indicadores de risco de surdez, 444 – Proteus, 785 Insuficiência
Índice cefálico, 937 – Pseudomonas, 436, 499 – cardíaca, 1002, 1022, 1024, 1027, 1028,
Índice CPO (cárie dentária), 1268 – Rickettsia, 1474 1035
Índice de Apgar, 1700 – Salmonella, 1450 – cardíaca-tratamento, 1026
Índice de Ballard, 1716, 1742, 1750 – Shigella, 548 – cárdio-respiratória, 473, 1293
Índices de avaliação do problema respiratório, – Staphylococcus aureus MS, MR ou LPV, – hepática aguda, 578, 599
1894 427, 436, 456 ,1416 – intestinal, 575
Índices de gravidade, 1682 – Streptococcus anaeróbios, 423 – medular/aplasia medular, 718
Índice de massa corporal, 117, 329, 332 – Streptococcus pneumoniae, 423, 427, 434, – pancreática, 497,606
Índice de Mentzer, 654, 660 456, 1403 – pulmonar crónica da prematuridade,
Índice de oxigenação (IO), 1894 – Streptococcus pyogenes, 418, 423, 434 1906
Índice ponderal no RN, 1680 – Toxoplasma gondii, 1957 – renal aguda (IRA), 809
Índice de Silverman-Andersen, 1845 – Treponema pallidum, 1953 – renal aguda no RN, 1814
Indometacina, 983, 1747 – Ureaplasma urealyticum, 1514, 1899 – renal crónica (IRC), 812
INEM(Instituto Nacional de Emergência – VHA, VHB, VHC, VHD, VHE, VHG, 577- – supra-renal, 837
Médica), 1786 583 Insulina (acções), 886
Infecção associada aos cuidados de saúde – VIH, 408 Insulinas (perfil e efeitos), 869
(IACS), 1582, 1967 – vírus Coxsackie, 1537 Insulinémia, 868
Infecção do feto e recém-nascido, 1950 – vírus de Epstein-Barr, 420, 702, 1485, 1520, Insulinoma, 887
Infecção nososcomial ou IACS, 1582, 1967 1527 Insulinoterapia, 868
Infecção por: – vírus do Nilo (West Nile vírus ou WVN), Interferões, 581, 582, 1325, 1330, 1278, 1452,
– Anaplasma, 1476 1543 1460, 1483, 1498, 1536, 1555
– Arbovirus, 1538 – vírus ECHO, 1537 Interleucinas (IL), 512, 648, 735, 1490, 1498, 1919
Índice remissivo 2119

Intertrigo, 291, 339 – vésico-ureteral, 802 Leite de vaca, 320


Intervenção in útero, 975, 1002 Juvenil Leite materno, 296, 302, 315
Intervenção precoce, 966 – doença reumática, 1042 – actuação prática, 299
Intestino neurogénico, 932 – composição, 297
Intolerância K – e desidratação, 300
– à glucose, 867 Kala-azar (ver Calazar) – e fármacos, 301
– à lactose, 401, 540, 542, 549 Kawasaki, doença de, 1014 – em gémeos, 1760
– alimentar, 399 Kayser-Fleischer, anel de, 591, 592 – em RN pré-termo, 1822
– aos açúcares, 552 Kernicterus, 1928 – e xenobióticos, 301
– às proteínas do leite de vaca, 399, 534, Kernig, sinal de, 1467 – suplementação com preparados em pó,
536, 552, 562 Kilocaloria, 285 1827
– hereditária à frutose, 2011, 2017, 2022 Kilojoule, 285 Leites e fórmulas, 302, 305, 314, 315
Intoxicação, 207, 899 Klinefelter, síndroma de, 86, 142, 824, 863 Lenticone, 1245
Intoxicações agudas, 207, 308 Klumpke, paralisia de, 1975, 1976 Leprechaunismo 588,878
Intradermorreacção de Mantoux, 1498 Kniest, displasia esqulética de, 1131, 1133 Leptina, 331
Intra-óssea (injecção), 1295 Knudson, teoria de, 616 Leptospira, 1486
Invaginação intestinal, 1104,1635 Kohn, poros de, 1874 Leptospirose, 1486
Investigação e clínica pediátrica, 34 Kussmaul, respiração de, 264, 270 LES (lúpus eritematoso sistémico), 1081
Iodo, 9, 291, 850, 854 Kwashiorkor, 121, 339, 341, 343, 354, 1035 Lesão cerebral hipóxico-isquémica, 1988
Iões, 264 Lesão (cicatriz) renal, 786
Iogurtes, 311, 320 L Lesões alvéolo-dentárias, semiologia, 1263
Iontoforese pela pilocarpina (prova do suor), Lábio leporino(fenda labial), 1588, 1589 Lesões da gengiva e mucosa bucal, 1262
497, Labirintite, 430, 435 Lesões dos dentes e polpa dentária, 1260
IPLV, 399 Lacrimejo, 1222 Lesões ósseas dos maxilares, 1262
IPR, 659 Lactato, 268, 272, 276, 374, 574, 589 Lesões periodontais, 1261
IRA, 809 Lactilol, 565 Lesões traumáticas osteoarticulares, 1192
IRIDA, 665 Lactose, 288, 291, 297, 304, 309-312, 341, 399, Lesões vasculares e dos nervos periféricos,
Iridociclite, 1016, 1077, 1110, 1236 577, 1826, 2021 1194
Íris, 1204 Lactulose, 565 Letargia, 1309
ISAAC, 359 Lamivudina, 581, 582 Leucemias, 627
Iso-imunização (ou alo- imunização) (ver Lagoftalmo, 956 – linfoblástica aguda (LLA), 628
doença hemolítica) Lambert, canais de, 1874 – mieloblástica aguda (LMA), 630
Isomerismo, 994 Lamotrigina, 912 – manifestações clínicas e exames de
Isoniazida (INH), 1381, 1382, 1508 Lanzoprazol, 537 imagem, 628,629
Isoproterenol, 1895 Lanugo, 1702, 1742 – tratamento, 630,631
Isquémia Laqueação do cordão umbilical, 1693 Leucinose, 889, 901, 2012
– de Volkmann, 1194 Laringe, dispneia da, 436 Leucocidina de Panton e Valentine, 1161, 1164
– do miocárdio, 1013, 1989-1991 Laringe, doenças inflamatórias da, 436 Leucócito, 648, 652
– do SNC, 913, 1989, 1994 Laringite, 437 Leucocitúria, 789
– intestinal, 1652-1654 Laringite sub-glótica, 437 Leucocória, 619, 1234, 1209, 1245
Laringomalácia, 158 Leucodistrofia metacromática, 903, 926, 961,
J Laringospasmo, 215, 348, 438, 533, 535 963, 964
Jacto urinário no recém-nascido, 1701 Laringotraqueíte, 437 Leucomalácia periventricular (LPV), 2001
Janeway, lesões de, 1029 Laringotraqueobronquite, 437 Leucorreia, 1543, 1551, 1662
Jatene,operação de, 975, 1012 Larva migrans, 1546, 1552 Leucosterase, 788
Jejuno Lavagem gástrica, 2038 Leucotrienos, 1326, 1465, 1869, 1882, 1899,
– absorção de nutrientes, 571 Laxantes, 561, 565 1988
Jejuno-ileal LC-PUFA, 247, 290, 304 Leuprolido/GnRH, 864
– oclusão, 1626 LCR (líquido céfalo-raquidiano), 1464 Levamisol, 763
– absorção de nutrientes, 571 Leber, amaurose congénita de, 1238 Levosimendan, 1027
Joelho,deformidade do, 1182 LEC (líquido extracelular), 264, 265, 1790 LHON(doença do DNA mit), 2046, 2049
Joelho doloroso (gonalgia), 1181 Le Fort, escala de, 1618 LIC (líquido intracelular), 264, 265, 1790
Joelho, exagero da mobilidade, 1182 Legumes, 319 Lidocaína, 626, 1291, 1302, 1304
Joelho, limitação da mobilidade do, 1181 Leguminosas, 320 Lienteria, 551
Joelho valgo, 1170, 1171 Lei de Poiseuille, 1883 LIG/RCIU/PIG, 1679, 1680
Joelho varo, 1170, 1171 Lei de Virchow, 939 Lindano, 524
Junção Leishmania, 1543, 1553 Linfadenopatia, 617-635, 1013-1020
– pielo-ureteral, 801 Leishmaniose, 1543, 1553 Linfangioma quístico, 1709
2120 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Linfangite, 1354, 1355, 1359, 1424, 1467, 1585 Macrocefalia, 164, 938, 961, 962, 1130, 1132 Maxilo-facial, crescimento e desenvolvimento,
Linfócitos B, 403, 628 Macroglóssia, 157, 158, 640, 852, 887 1252
Linfócitos T, 403, 628 Macrólidos, 1382 Meato urinário, 820, 821
Linfo-histiocitose hemofagocitária (LHH), 659, Macrossomia, 1678, 1679, 1740, 1763 Mecónio, 1687, 1702, 1730
721 Mácula, fundoscopia, 1235 Mediadores inflamatórios, 754, 1043, 1074,
Linfoma de Hodgkin, 635 -mancha cor de cereja, 963,1235 1316, 1345, 1525, 1654
Linfoma gástrico, 544 Madelung, deformidade de, 125 Medicamentos (ver Fármacos)
Linfomas não Hodgkin, 632 Magnésio, 279, 282, 292, 293, 322, 547, 571, Medicina Baseada na Evidência(MBE), 2074
– linfoma anaplástico de grandes células, 573, 574, 775, 777, 1799 Medicina Física, 62
634 Malária, 1558 Medicina Materno-Fetal, 1670
– linfomas B (Burkitt, Burkitt like e B de Malária cerebral, 1561 Medicina Pediátrica e Medicina do Adulto,
grandes células), 632 Malária congénita, 1562 241
– linfoma linfoblástico (pré-T e pré-B), 633 Malatião, 510 Medicina Perinatal, 1670
Linfo-histiocitose hemofagocitária, 653, 720, Mal de Pott, 1504 Medula ancorada, 932
1177, 1529, 1535 Mal epiléptico, estado de, 910, 1305 Medula óssea, 617, 676, 689, 697
Linfopénia, 1085, 1087, 1088, 1090, 1095, 1473 Malformação adenomatóide quística, 454 Medula supra-renal, 831
Linguagem, 22, 65, 87, 106, 131, 143, 147, 164, Malformação de Arnold-Chiari, 929, 931 Meduloblastoma, 643
181, 194, 1760, 1950, 1992 Mama, critérios de Tanner, 227-229 Megacólon congénito, 567
Linguagem e comunicação, 143, 439 Mancha “café com leite”, 945 Megaleritema (eritema infeccioso), 1395, 1515
Lipase hepática, deficiência de, 2066 Mancha cor de cereja, 1232, 1235 Megauréter, 798, 802
Lípidos, 289, 1833, 2057 Mancha de Roth, 1029, 1237 MELAS (doença mitocondrial), 914, 2049
– ácidos gordos de cadeia muito longa, Mancha mongólica, 1705 Melatonina, 152, glossário geral
2027 Manobra de Barlow, 1176 Melena, 1644
– defeitos do metabolismo dos, 2057 Manobra de Heimlich, 1297 Membro inferior, patologia regional específica
– metabolismo das lipoproteínas, 2059 Manobra de Hoffman, 299 do, 1173
– dislipoproteinémias, 2062 Manobra de Ortolani, 1176 Membro superior, patologia regional
Lipofuscinose, 961, 962, 963, 1235, 2027 Manometria ano-rectal, 561, 564, 568 específica do, 1172
Lipo-hipertrofia, 870 Manosidose alfa, 2032 Membros, desvios axiais dos, 1169
Lipoproteínas, 247, 2058, 2059 Manosidose beta, 2032 Memória, problemas de, 149
Líquido pulmonar fetal, 1688, 1689, 1865 Má nutrição energético proteica (síndromas MEN,sigla inglesa de neoplasia endócrina
Líquidos corporais, 264, 1790 (ver fluidos) de), 338 múltipla, 615
Lisencefalia, 942 – avaliação do estado nutricional, 248,338 Menarca, 227, 862
Lisossomas, doenças dos, 2027 – marasmo, 340,341 Meningite, 1305, 1375, 1403, 1446, 1464, 1795,
Litíase, 51, 1802 – kwashiorkor, 340, 341 1952, 1964, 1983
– biliar, 497, 539, 576, 677, 682, 698 MAP ou Paw (pressão média na via aérea), 1893 Meningite tuberculosa, 1503
– renal, 786, 801, 817 Marasmo, 340, 341 Meningocele, 900
Livedo reticularis, 1093, 1094, 1101, 1107, 1108 Marcador bioquímico de gravidez, 1676 Meningococémia crónica, 1448
Loa loa, 1551 Marcadores bioquímicos, 930, 1614 Meningocócica, doença, 1446
Lobar, pneumonia, 458-461 Marcadores de aterosclerose, 259 Meningococo (Neisseria meningitidis), 1446
Lombalgia, 1186 Marcadores de infecção em alergologia, 367, Meningoencefalite, 1537
Lorazepam, 1986 373 Menstruação, 664, 862, 863
Lordose, 950, 1177 Marcadores pré-clínicos de doença Mentira, 138
Lorenzo, óleo de, 964 cardiovascular/DCV, 259 Mentzer, índice de, 654, 660, 695
LPV (leucomalácia periventricular), 2001 Marcadores tumorais, 859, 864 Meperidina, 1772, 1782
LRG (glicoproteína rica em leucina), 1651 Marcha alérgica, 362 Mercaptopurina, 622
LSD, 1773 Marfan, síndroma de, 1148 Merozoítos, 1558, 1559
Lupus eritematoso sitémico infantil e juvenil Marijuana, 1774 MERRF (doença mitocondrial), 2049
(LES), 1081 Má rotação intestinal, 1633 Metabolismo da glucose, 1806
Luxação congénita da anca(displasia do Máscara equimótica do RN, 1980 Metabolismo do cálcio, 1799
desenvolvimento), 1176 Massagem cardíaca, 1298, 1728, 1731 Metabolismo, doenças hereditárias do, 2005-
Luxação da cabeça do rádio (pronação Massas anexiais quísticas, 1665 2006
dolorosa), 1172 Mastoidite, 430, 434 Metabolismo do ferro, 661
Luxação e subluxação congénita do cristalino, Material para reanimação do recém-nascido, Metabolismo do fósforo, 1799
1245 1724 Metabolismo do magnésio, 1799
Luxações, 1192 Maturidade (ver critérios de Ballard e de Metadona, 1772, 1776
Tanner) Metáfise, 1157
M Maus tratos (criança maltratada), 54, 173, 188, Metalporfirinas, 1943
Má absorção intestinal, 551, 570, 571 216, 901, 1249 Metamorfopsia, 1233
Índice remissivo 2121

Metástases, 617 Morbilidade em Portugal, 14, 15, 16 Nefrolitíase, 786, 801, 817
Metatarsus adductus, 1184 Mordeduras e picadas, 1355 Nefronoptise, 780
Metemoglobina, 682, 692, 693, 704 Morfeia, 1098 Nefropatia
Metemoglobinémia, 682, 692, 693, 704 Morfina, 1771 – de Berger, 758
Metilfenidato, 169, 184, 209, 774, 818 Morfogénese, 99-105 – de refluxo, 797, 801, 812
Metilprednisolona por via sistémica na asma, Moro, reflexo de, 1714 – hiperuricémica familiar juvenil, 2024
376 Morrow, efeito de, 1000 – IgA, 759
Metilxantinas, 1746 Mortalidade, taxas de – lúpica, 761, 1087
Método Cangurú, 231, 967, 1751 – infantil, 12, 13, 16, 18, 19, 109, 1752, 1785 Nefrotoxicidade, 622, 809, 810, 1382, 1551
Método Credé, 1230 – menores de 5 anos (TMM5), 11-13, 15 Nefro-urologia, Introdução à 754
Método de Sheridan/campo visual, 1221 – perinatal, 12, 13, 99, 920, 1752, 1762 Negligência, 19, 21, 47, 188, 208, 216, 338
Metotrexato, 622, 1060, 1069, 1070, 1073, 1095, – por causas e idades, 14 Nemátodos, 1381, 1542-1546, 1662
1112, 1116 Morte súbita, 1000, 1010, 1031, 1036, 1149 Neoglucogénese (ou gluconeogénese), 885,
Metronidazol, 556 Morte súbita do lactente (SMSL), 218 1806, 2017
Miastenia grave, 956 Motricidade, desenvolvimento de, 131 Neomicina, 398, 598, 1381
Micofenolato, 766 Mucocele, 1590 Neonatologia, Introdução à, 1677
Micoses, 1564 Mucolipidoses, 963, 2027 Neonatologia centrada na Família, 1678
Micotoxinas, 1572 Mucopolissacaridoses, 963, 2028 Neoplasia endócrina múltipla (MEN), 615
Microalbuminúria, 690, 691, 779, 875 Mucosite e tratamento oncológico, 623 Neseritide, 1028
Microangiopatia trombótica, 703 Mucoviscidose, 495 Nesidioblastose, 888, 889, 1809, 1810, 1811
Microbiota, 310 Munchausen, síndroma de, 191 Neuroblastoma, 637
Microcefalia, 841, 938, 942, 943, 946, 958, 961, Multirresistência/resistência a Neurocristopatias, 567, 637
964, 1134 antimicrobianos, 44, 1381, 1450, 1496, 1584 Neurofibromatose, 944-946
Microcitose, 652, 658, 661, 684 Mustard, operação de, 1012 Neurologia, 891
Microencefalia, 936 Mutualismo, 1541 Neuropatia óptica pós-traumática, 1248
Microfibrilopatias, 1150 Mycobacterium tuberculosis, 1496 Neuropatias hereditárias sensitivo-motoras
Microsferofaquia, 1245 Mycoplasma (e anemia hemolítica), 702 (NHSM), 955
Microtia, 1593 Neutropénia, 705
Midazolam, 909, 1291, 1308, 1783, 1885, 1895, N Neutropénia cíclica, 707
1986 Naloxona, 1291, 1314, 1726, 1732, 1777, 1782 Neutropénia congénita benigna, 709
Mielite, 1539 Nanismo, 120, 1060, 1128, 1129, 2028, 2047 Nevrite óptica, 1104
Mielocatexe, 709 Não doença e pseudo-doença cardíaca , 976 NFCS, 1779
Mielograma, 620, 672, 707, 709, 719 Naproxeno, 894, 1059, 1114, 1123 Nicolsky, sinal de , 1112
Mielomeningocele, 929 Narcolepsia, 155 Nictalopia (cegueira nocturna), 1233
Miglustato, 2038 Nasofaringite, 418, 423 NIDCAP, 1750,1751
Migração neuronal, Alterações da, 942 Natriurese, 1598, 1698, 1755, 1791, 1989 Niemann-Pick, doença de, 926, 1235, 1245
Miliosmoles, 271 Natriurético, péptido auricular (PNA), 1698, NIPS, 1779
Milium sebáceo, 1705 1791 Nissen, fundoplicatura de, 537
Milrinona, 1027 NARP (doença mitocondrial), 2049 Nistagmo, 898-901, 962, 963, 1210, 1215, 1234,
Minerais, 292, 1687, 1790, 1799 Necessidades em electrólitos, 291, 1790, 1799, 1238, 1245
– carência e excesso, 292 1828 Nistatina, 1382, 1567, 1569, 1572, 1663
Miocardite, 1031 Necessidades em fluidos, 284, 1790, 1822, Nitritos na urina, 788
Miodesopsia, 1233 1828 Nitrofurantoína, 793, 897, 1382, 1388
Mionecrose (ou gangrena gasosa), 1427 Necessidades energéticas, 285, 1790, 1822, Nitroglicerina, 1895
Miopatia centronuclear, 958 1828 Nitroprussiato, 1028, 1820, 1886, 1895
Miopatiaa nemalínica, 953 Necessidades especiais, criança e adolescente Nódulos
Miopatias congénitas, 958 com, 62 – de Aschoff, 1119
Miopia, 1216 Necrólise epidérmica tóxica, 1112 – de Horner Trantas, 1231
Miosites, 959 Necrose asséptica óssea, 689, 1060, 1084, 1085 – de Lisch, 945
Miringotomia, 430 Necrose glomerular renal, 762, 763 – isolados da tiroideia, 859
MNGIE (doença mitocondrial), 2049 Necrose gorda/esteatonecrose, 1803, 1971, – subcutâneos, 963, 1023, 1055, 1121, 1122,
Mola hidatiforme, 854 1980 1546
Moles, 265 Necrose tubular renal aguda, 810, 1992 Noradrenalina, 1027, 1319, 1324
Molusco contagioso, 526 Nefrite intersticial/tubulointersticial (TINU), Norfloxacina, 1382
Monitorização, 1292, 1845, 1887 784, 1238 Normocítica , anemia, 658, 660, 702, 813, 839
Mononucleose infecciosa, 420, 1527 Nefrite lúpica-classificação, 1086 Normocrómica, anemia, 658, 660, 702, 813, 839
Montelucaste, 161 Nefrocalcinose, 777, 779, 782, 1152, 1784, 1896, Northway, classificação radiológica de, 1902
Moral, 23 1903, 1999, 2019 Norwood, operação de, 1003
2122 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

NP (nutrição parentérica), 572, 573, 1828 Oftalmologia pediátrica, Introdução à, 1204 Osteossonografia/ecografia, 51
NTISS, 1883,1686 Óleo de Lorenzo, 964 Osteotomia, 942, 968
NT-proBNP, 1598, 1747 Olheiras, 470 Ostiofoliculite, 1418, 1423
Nutrição, 282, 1687, 1822, 1828 Olho (bases de anatomofisiologia), 1204-1206 Ostium primum, 984
– ácidos gordos essenciais, 291 Oligoâmnio, 1619, 1697, 1755, 1768, 1869, 1910 Ostium secundum, 984
– água, 283 Oligoanúria, 600, 755, 770, 1814 OTC, deficiência de, 2013
– alimentação diversificada, 316 Oligoartrite, 1047 Otite média aguda, 427, 1399, 1405, 1431,
– alimentação após 1º ano de vida, 325 Oligoelementos, 291, 1828 1431, 1435
– avaliação da, 333 Oligogenia, 89 Otite sero-mucosa, 431, 439
– comportamento alimentar (alterações), Oligossacaridoses, 963, 2032 Otite média com derrame ou efusão, 427, 439
353 Omeprazol, 537 Otoemissões acústicas (OEA), 442, 447
– energia, 285 Oncocercose, 1545, 1551 Otomastoidite aguda, 430, 434
– entérica/enteral (NE), 572, 1822 Oncologia, 611 Otoscopia, 428
– erros alimentares, 351 – diagnóstico, 617-620 Oxicefalia, 941
– gorduras, 289 – tratamento, 621-627 Ovários (tumores e quistos), 1665
– hidratos de carbono, 288 Onfalite, 596, 1409, 1626, 1710 Ovos, 320
– leites e fórmulas, 302 Onfalocele (ou exônfalo), 1614 Oxacilina e flucloxacilina, 1328, 1381, 1388,
– minerais (Ca,P,Mg,Fe), 291, 292, 1799, Operação de Jatène, 975 1421
1806, 1828 Opiáceos, 1312, 1313, 1358, 1772, 1774, 2026 Óxido nítrico tecidual, 1325, 1326, 1465, 1653,
– minerais (carência e excesso), 293 Opsoclónus-mioclónus, 619, 900 1659, 1988, 2053
– na fibrose quística, 499 Optótipos, 1210 Óxido nítrico terapêutico (NOi), 1583, 1602,
– nutrientes (critérios para o cálculo de), Organelos, doenças dos, 2027 1871, 1882, 1886
282 Organofosforados, 209, 210 Oxigenação extracorporal (ECMO), 1320,
– necessidades nutricionais, 282, 327, 1696, Organogénese, 101, 103, 851, 944, 1682, 1736 1600, 1686, 1872, 1948
1823, 1826 Ornitina transcarbamilase (OTC), deficiência Oxigénio, toxicidade, 1898, 1899
– oligoelementos, 282, 291, 306, 322, 574, de, 2013 Oxigenoterapia, 1291, 1300, 1598, 1724, 1786,
1152, 1695, 1837 Orquidopexia, 825 1852, 1853
– parentérica/parenteral (NP), 572, 1828 Orquidómetro, 229 Oximetria, 159, 160, 216, 475, 1318, 1326, 1728,
– probióticos e prebióticos, 310, 1652 Orquite, 825, 1460, 1529, 1536 1849, 1870
– proteínas, 286 Ortoforia, 1212 Oxiúro (Enterobius vermicularis), 1545
– regimes vegetarianos, 350 Ortolani,manobra de, 1176, 1713 Oxiurose (ou oxiuríase/enterobíase) , 1544,
– trófica no RN pré-termo, 1826 Ortopedia Pediátrica, Introdução à, 1156 1545
– simbióticos, 310 Ortótese, 935, 968, 1187-1190, 1197-1203
– UL(ver adiante), 283 Osgood-Schlatter, doença de, 1183 P
– vitaminas, 292 Osler,nódulos de, 1029 P-50, 1908
– vitaminas (carência e excesso), 295 Osmolalidade, 265 PAF, 1325, 1465, 1658, 1882, 1899
Osmolaridade, 265 Palatina, fenda, 1588, 1708
O Osmoles, 265, 271, 275 Paliação, 1784
Obesidade, 329 Osteocondrite dissecante, 1181 Palivizumab, 479, 1365, 1905
– comorbilidade, 333 Osteocondrodisplasias, 1128 Pancitopénia, 718, 1460, 1516, 1529, 1557,
– definição(critérios), 329 Osteocondroses, 1134, 1172 2013, 2047
– etiopatogénese, 330 Osteodisplasias, 1128 Pâncreas, doença do, 540
– tratamento, 334 Osteodistrofia hereditária de Albright, 119, Pancreatite, 606, 1323, 1334, 1514, 1535, 1650,
Obnubilação, 1309 813, 814 2013, 2020, 2065
Obsessão, 176 Osteodistrofia renal, 813 Pancurónio, 1885, 1895
Obstipação, 561 Osteogénese imperfeita, 1130, 1137 PANDAS, 421, 1414
Obstrução Osteoma osteóide, 1050, 1057, 1058, 1125, 1167 Paniculite, 1112
– das vias biliares, 588 Osteomalácia, 293, 343 Pansinusite, 498
– do aparelho lacrimal, 1221 Osteomielite, 690, 1042, 1050, 1161-1163, 1194, PAP (Complexo plasmina-antiplasmina), 738
– do tubo digestivo, 1626 1279, 1281 PAPP-A, 1676
– nasal, 423 Osteomielite crónica recorrente multifocal Papiloma vírus humano (HPV), vacina anti-,
– nasolacrimal, 1221 (CRMO), 690, 1161, 1075 1372
Obstrução vaginal alta, 1663 Osteopénia, 1840 Paracetamol, 1331, 1348, 1402, 1457, 1519,
Obstrução vaginal baixa, 1663 Osteopénia da prematuridade, 1840 1782
Oclusão e aspectos da relação molar e relação Osteopetrose, 720, 1132, 1139 Parafimose, 819
incisiva, 1257 Osteoporose, 244, 249, 293, 695, 763, 843, 924, Parafina líquida, 565
Odinofagia, 420 1060, 1140, 1844, 2011 Paragangliomas, 847
Oftalmia neonatal, 1230 Osteossarcoma, 613, 617-620 Paragonimíase (paragonimiose), 1547, 1551
Índice remissivo 2123

Paralisia cerebral, 920 Perdas insensíveis, 207, 266, 275, 284, 756, PIP, 1600, 1787, 1863, 1890
Paralisia 1793 Piretrina, 524
– de Bell (facial), 429, 956, 1340, 1491, 1522, Perfil biofísico fetal, 1675 Piridoxina, 295, 297, 1308, 1983, 1985, 2012
1529, 1704, 1976 Perfuração intestinal, 1456, 1505, 1657 Pirimidinas, defeitos do metabolismo das,
– de Erb-Duchenne, 1975, 1976 Periarterite nodosa, 1106 2024
– de Klumpke, 1975, 1976 Pericardite, 1033 Pirogénios, 1397, 1398
– do diafragma (frénico), 1975, 1976 Perímetro cefálico, 66, 112, 146, 165, 243, 904, Piruvato, 589, 680, 881, 886, 952
Paralisia flácida aguda, 949, 1535 929, 937, 1702, 1750, 1997 Piruvato-desidrogenase,defeitos do
Parasitismo, 1541 Perinatologia, 1583, 1669, 1670, 1754, 1768, metabolismo do, 926, 2028, 2044
Parasitoses, 1541 1882 Piruvato-quinase, defeitos do, 659, 679, 683,
Parassónias, 152 Período neonatal, 1679 1806,1808,1911,2017
Paratiróide (paratiroideia), 774, 847, 1696, Período perinatal, 1679 Pitiríase rosada (doença de Gilbert), 522
1800-1803 Periodontite, 1278 Pitiríase versicolor, 1566, 1568
Paregórico, 1776 Períodos críticos da organogénese, 183, 246, PIVKA , 1926
Parkland, fórmula de (fluidoterapia), 1349 923, 1745 Placenta, 94, 101, 244, 405, 745, 981, 1002,
Paromomicina, 1543, 1550, 1551, 1557 Periostite, 1955, 1956 1363, 1486, 1647, 1909, 1953
Patologia Clínica, Serviço de, 59 Periporite, 1416, 1418, 1428 Placentite, 1957
Paul Bunnel Davidsohn, prova de, 1529 Peritonite, 604, 768, 1044, 1104, 1359, 1406, Plagiocefalia, 940
Paw ou MAP (pressão média na via aérea), 1893 1456, 1649, 1656 Plaquetas, 657, 711, 717, 729, 1919
PCR (polymerase chain reaction), 97, 1036, 1130, Permetrina, 524 Plasmócitos, 473, 635, 854, 1279
1467, 1479, 1506, 1968 Pérolas de Epstein, 1709 Plasmodium, 1558
PCR (proteína C reactiva), 391, 461, 560, 1017, Peroxidação, 290, 294, 585 Plasticidade cerebral, 62, 926, 965, 966
1070, 1407, 1505, 1650, 1965 Peroxissomas, defeitos do metabolismo dos, Pletismografia corporal, 368
PCR-DNA, 411 2027, 2039 Plétora do RN, 1914
Peak Flow Meter/debitómetro, 368 Persistência do canal arterial, 981, 1747 Pleura, 464
Pé (deformidades), 1183 Personalidade, 21, 136, 179, 186, 200, 355, 591, Pleural, derrame, 464
– boto, 1184 600, 892 Pleurisia, 464
– cavo, 1184 Perturbação Pleurite, 464
– doloroso, 1183 – bipolar, 180 Pleurodínia (doença de Bornholm), 1535
– equinovaro aduto, 1185 – da linguagem, 143, 180 PLUG (plug the lung until it grows), 1605
– metatarsus adductus, 1184 – de hiperactividade e défice de atenção pMDI, 379
– plano, 1184 (PHDA), 166, 169, 184 Pneumatocele, 459
– valgo, 1184 – do comportamento, 136, 180, 182, 184 Pneumatose intestinal, 1655
Pediatra-consultor, 9, 66 – do sono, 152, 156 Pneumocistose, 1579
Pediatria, 2, 3 Pesadelo, 153 Pneumocócica, doença, 456, 1403
– formação em, 30 Pescoço (fístulas e quistos), 1591 Pneumocystis jiroveci (carinii), 1579
– investigação e clínica, 34 Peso de nascimento, 1679, 1680 Pneumomediastino, 1878
Pediculose, 523 PET, 55, 639, 848, 911 Pneumonia adquirida na comunidade, 456
Pedopsiquiatria, 171, 172 Petéquias, 653, 656, 711 Pneumonia de aspiração, 489, 1869
PEEP, 1732, 1787, 1878, 1881, 1890 pH, 268,269 Pneumonia intersticial, 459
PEG, 565 Phadiatop®, 362 Pneumonia persistente, 469
Peixe/alimentação diversificada, 319 PHDA, 166, 169, 184 Pneumonia recorrente, 469
Pelagra, 248, 295, 963 pHmetria, 533 Pneumonias, 456,1403
Pele e tecidos moles, infecção da, 1416 Piaget, teoria de, 131, 151, 235 Pneumopericárdio, 1879
Penicilinas, 418, 1378, 1388, 1391 Picadas, 1355 Pneumotórax, 160, 453, 460, 475, 497, 796,
Pénis e uretra, anomalias do, 818 Picadas de insectos, 392, 393 1873
Pénis escondido (sepulto), 820 Picnodisostose, 1132 Poiquilocitose, 652
Pentalogia de Cantrell, 1614 Pieira, 369, 481 Poiseuille, lei de, 1883,1915
Pentobarbital, 1308, 1343 Pielite, 785 Poland, síndroma de, 451
Péptica, úlcera, 535, 539, 542, 543 Pielonefrite, 785 Polaquiúria, 787
Péptido C, 868, 877, 878, 887, 1810 Pilocarpina (iontoforese pela), 497 Polegar
Péptidos natriuréticos, 265, 266, 1028, 1791, Piloromiotomia extramucosa de Ramstedt, – aduto, 1197
1867,Glossário geral 1639 – em gatilho, 1198
Perda auditiva, 439, 1138 Piloroplastia, 537 Pólen, 358, 362, 369
Perda de sal, sindroma de, 278, 279, 778, 833, Pimecrolimus, 512 Poliarterite nodosa, 1107
834-836, 841, 842 Piodermites, 1416 Poliartrite, 1048
Perdas e necessidades de líquidos Piomiosite, 1425 Policitémia, 652, 653, 691, 704, 732, 914, 916,
(manutenção), 266 Piopneumotórax, 460 1008, 1914
2124 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Polidipsia, 498, 779, 781, 783, 796, 847, 868, Procinéticos, 536 – de Paul Bunnel Davidsohn, 1529
881 Procaterol, 375 – de provocação (doença alérgica), 365, 401
Poliglobúlia, 652, 653, 691, 704, 732, 914, 916, Produtos de degradação da fibrina (PDF), – de reacção à oclusão, 1210
1008, 1914 737-739 – de Schilling, 672
Poli-hidrâmnio, 950, 974, 1603, 1611, 1627, Profilaxia – do calcanhar-joelho, 898
1703, 1744, 1910 – da cárie dentária, 1272 – do dedo nariz, 898
Polimiosite, 1092 – da conjuntivite neonatal, 1230, 1718 – do hidrogénio expirado, 539, 553, 557
Poliomielite, 954, 1531 – da doença hemorrágica do recém-nascido, – do nistagmo optocinético, 1210
Poliovírus, 1531 1718, 1925 – do suor, 495, 553, 589
Polipose nasal, 497 – da endocardite infecciosa, 989, 993, 997, – dos reflexos acústicos, 446
Polirradiculoneuropatias, 954 1000, 1010 – tuberculínica, 1496
Polissonografia, 159 – da hemofilia, 727,728 Provedoria da criança, 204
Poliúria insípida, 279, 783, 784 – da hepatite, 579-584,1364 Prurido, 386, 392
Ponto cego/retina, 1205 – da infecção por VIH, 411 Prurigo estrófulo, 392, 393
Pontos cardinais, reflexo dos, 1715 – da malária, 213,1558 Pseudo-acondroplasia, 1131
Pontos de viragem do desenvolvimento / Progéria, 865 Pseudo-ataxia, 900
touch points, 133, 134, 135 Progeróide, fenótipo, 1144,1150 Pseudo-crises, 910
Porencefalia, 943 Programação/programming, conceito de, 243, Pseudo-doença cardíaca, 910
Porfírias, 685, 1942, 2025, 2026 331, 332 Pseudo-estrabismo, 1218
Poros de Kohn, 1874 Programa Nacional de Prevenção e Controlo Pseudo-hipoaldosteronismo, 838, 841
Portador crónico de S. typhi, 1457 das IACS, 1584 Pseudo-hipoparatiroidismo, 1801
Pós-carga, 1022 Programa Nacional de Promoção da Saúde Pseudomonas aeruginosa, 436, 486, 495, 624,
Posição de cócoras/squatting, 1007 Oral, 1273, 1274 1387, 1425, 1471
Potássio, 277, 278 Programa Nacional de Vacinação, 1367 Pseudo-paralisia de Parrot, 1955
Potenciais evocados auditivos (PEA), 444, 447 Prolapso rectal, 497 Pseudo-tumor cerebri, 896, 917
Potenciais evocados visuais, 1211 Proliferação bacteriana intestinal, 570 Pseudo-xantoma elástico, 1150
PPGSS (papular purpuric gloves socks syndrome), Pronação dolorosa (luxação da cabeça do Psicoses, 181
1517 rádio), 1172 Psoríase, 519
Prader –Willi, síndroma de, 77, 82, 87, 121, Propranolol, 533, 598, 776, 855, 894, 1010, Pterigium colli, 87, 125, 126, 721
863, 878, 950 1036, 1350, 1736, 1820 PTH, 784, 814, 1799
Pré-bióticos, 310 Prosódia, 143, 145 Pubarca, 831, 836, 845
Pré-carga, 1022 Prostaglandinas, 775, 981, 1002, 1124, 1291, Puberdade (estádios de Tanner), 229, 230, 834,
Prednisolona/metilprednisolona na asma, 376 1451, 1465, 1638, 1687, 1785 861
Prega de Denni-Morgan, 510 Proteína Puberdade normal e patológica, 226, 860
Prega tricipital, 339 – C, 733,740 Puberdade precoce, 832, 834, 864, 865, 946,
Prematuridade, 1742 – C reactiva (PCR), 785, 1018, 1075, 1111, 948
Pressão arterial, 252-256, 772 1162, 1401, 1424 Pulmão
Pressão intra-ocular, 1224 – S, 733 – de choque, 1315
Pressão positiva contínua na via aérea (CPAP, Proteínas, 282, 296, 302, 1822, 1828 – em “favo de mel”, 488
PEEP), 1845, 1887 – valor biológico, 288 – húmido/taquipneia transitória, 1865
Pressoterapia, 1353, 1354 Proteinose alveolar, 1858 – raquítico, 348, 450
Pré-termo, 50, 246, 264, 292, 300, 1677, 1702, Proteinúria, 33, 754, 757, 759, 766, 1115, 1479, Pulpectomia, 1278
1742, 1822, 1994 1556, 1818, 2019, 2043 Pulpite, 1254, 1277
Prevenção primária, secundária e terciária, Proteinúria de baixo peso molecular, 778, 2085 Pulso femoral, 996, 1710
1123, 1124 – alfa-1 microglobulina, 778, 2085 Purinas, defeitos do metabolismo das, 2024
Prevenção – beta-2 microglobulina, 778, 2085 Púrpura, 656
– cardiovascular, 250, 258 – RBP/Retinol Binding Protein, 778, 2085 – alérgica (anafilactóide, vascular), 1102
– da alergia alimentar, 402, Prótese, 1202 – de Henoch-Schonlein, 1102
– da febre reumática, 1026, 1028, 1123 Proteus, 488, 786, 1388, 1425, 1654, 1951, 1964 – fulminante, 1448
– da infecção por VIH, 413 Protoporfíria eritropoiética-hepática, 2026 – neonatal fulminante, 732
– de acidentes, 195, 196, 201, 204, 217, 1274 Protozoários, 1541 – trombocitopénica idiopática, 713-715
– de IACS, 1584 Prova – trombocitopénica idiopática crónica, 714
Primo-infecção tuberculosa, 1497 – de absorção da D-xilose, 553 – trombocitopénica trombótica, 659, 674,
Prick, 362 (ver testes cutâneos) – de Apt, 1927 703, 712, 714, 716, 747, 1087
PRIST, 366 (ver IgE) – de Coombs directa, 1933 Pústula, 1417
Probióticos, 310 – de Coombs indirecta, 1933
Problemas respiratórios do recém-nascido, – de esforço, 999 Q
1845 – de hiperventilação e hiperóxia, 1885 Qualidade em serviços de saúde, 2079
Índice remissivo 2125

Queilite, 341, 363, 510 – da doença de Hirschsprung, 568 Refracção, anomalias de, 1216
Queimaduras, 1344 – da doença de Wilson, 591 Regurgitação, 32, 307, 530, 533-536
Queimaduras e nutrição, 1349 – da retinopatia da prematuridade, 1240 Regurgitação valvular, 1019,1023
Queimaduras e reabilitação, 1350 – da SAOS, 159 Reidratação, 272
Quelóide (cicatriz), 1352, 1503 – da visão, 1207, 1220 – endovenosa, 272, 549
Quemose, 363, 855, 1229, 1430 – das dislipoproteinémias, 251, 2057 – entérica, 275
Quilomicronémia familiar, 2065, 2070 – de AgHBs na gravidez, 581 – oral, 275, 549
Quilotórax, 465, 476, 1866 – de defeitos da parede abdominal, 1614, – situações especiais, 276
Quimioprofilaxia, 1391, 1407, 1435, 1459, 1473, 1617 Renina, 265, 774, 1699
1511, 1562, 1574, 1581 – de doenças hereditárias do metabolismo, Renina-angiotensina, 265, 773
Quimioterapia, 623 2006 Renograma, 808
Quimiotripsina, 287, 498, 553 – de drogas ilícitas, 1775 Renoprotecção, 754, 776
Quinolonas, 1381-1383 – de glomerulopatia na drepanocitose, 689 Resiliência, 129, 966
Quinta doença (eritema infeccioso), 1515 – de hemoglobinopatias, 685 Resistência a antimicrobianos, 1381, 1454,
Quisto broncogénico, 453 – de tóxicos, 208 1457, 1496
Quisto da cabeça e pescoço, 1591 – do autismo, 163 Resistência a insulinoterapia, 335, 866,
Quisto dermóide, 1594 – na dor abdominal, 539 876-878, 1095, 1837, 2057
Quisto do canal tiroglosso, 859, 1593 – pré-natal de cromossomopatias, 1603 Resistência familiar à ACTH (défice familiar
Quisto do colédoco, 588, 593 – serológico da doença celíaca, 555 de glucocorticóides), 841
Quisto do cordão, 823, 826 Raynaud, fenómeno de, 1083, 1093, 1099 Respiração
Quisto enterogénico (duplicação intestinal), RCR básica (SBV), 1293 – apnêustica, 1312
1636 RDW, 654 – atáxica, 1312
Quisto epidermóide, 1594 Reabilitação, 62 – de Biot, 1312
Quisto hidático, 1547-1549 Reabilitação de anomalias congénitas da mão, – de Cheyne-Stokes, 1312, 1468
Quisto pulmonar, 454 1196 – de Kussmaul, 271,881, 1312
Quistos de Baker, 1057 Reabilitação de anomalias dos membros – paradoxal, 1608
Quistos do ovário, 1665, 1666 inferiores, 1200 – periódica, 1742
Quociente de inteligência (QI), 140-142, 165, Reabilitação respiratória, 501 Respiratórios, problemas no RN, 1845
924, 943 Reabilitação neurológica, 965 Ressalto adipositário/crescimento/obesidade,
Reacção de Herxheimer, 1463, 1492, 1494 332
R Realimentação, síndroma de, 354 Restrição do crescimento intra-uterino
Rabdomiólise, 884, 1331, 1334, 1357, 1482, Reanimação cárdio-respiratória (RCR), 1293, (RCIU), 1680, 1735
1804, 2054 1722 Retenção fecal funcional, 562
Rabdomiossarcoma, 1242 Reanimação do recém-nascido, 1722 Reticulocitose, 669, 672, 677, 678, 682, 720
Radiação ultra-violeta, 348, 512, 514 Recém-nascido, 1677 Retina, 1204, 1232
Radicais livres, 622, 624, 626, 866, 1325, 1337, Recém-nascido de alto risco, 1681 Retinite, 1237
1654, 1688, 1732, 1764, 2002 Recém-nascido de mãe diabética, 887, 1762 Retinoblastoma, 55, 1209, 1242
Radiografia do cavum, 422 Recém-nascido de mãe toxicodependente, Retinopatia/retinose pigmentar, 1238
Radio-isótopos, 626 1771 – da malária, 1561
Radiologia, 49 Recém-nascido e peso, 1678-1680 – da prematuridade, 1238
Radioterapia, efeitos secundários, 636 Recém-nascido e idade gestacional, 1678-1680 – de Putscher, 1248
Radioterapia em oncologia, 626 Rectocolite, 1113 – proliferativa, 1236
Raios ultra-violeta, 348, 512, 514 Rectorragia, 1644, 1646, 1655, 1657 – “sal e pimenta”, 1237
Ramstedt, piloromiotomia de, 1640 Reed-Sternberg, células de, 635 Rett, síndroma de, 162, 926, 962
Ranitidina (antagonista H2), 537 Referência/referenciação, redes de., 1287 Reumatologia, Introdução à clínica, 1042
Rânula, 1590, 1709 Reflectometria acústica, 430 Reumatismo poliarticular agudo, 421, 1021,
Raquisquise, 927 Reflexo 1119
Raquitismo da prematuridade, 1840 – “alaranjado”, 1112 Reye, síndroma de, 889, 918, 1019
Raquitismos, 346 – corneano, 1312 Ribavirina, 479, 583, 1382
Raquitismos, tórax e pulmão, 450 – oculocefálico, 1312 Riboflavina, 295
Raquitismos de causa renal, 780-783 – oculovestibular, 1312 Rickettsia, 1474
Rashkind, septostomia de, 975 – pupilar (fotomotor e acomodação), 1213 Rickettsia rickettsii, 1474
RAST(ver IgE), 366 – recto anal inibidor (RRAI), 562 Rifampicina, 1381, 1434, 1446, 1464, 1496
Rastreio Reflexos arcaicos (ou primitivos), 1714 Rim
– auditivo, 439 Refluxo – ectópico, 797
– bioquímico de defeitos congénitos, 1676, – gastresofágico, 424, 533, 1444, 1601, 1611, – em ferradura, 797
2006 1645, 1695, 1825 – multiquístico, 796
– bioquímico de gravidez, 1676 – vésico-ureteral, 797, 1815 – poliquístico, 796
2126 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Rinite, 423 Semiologia fetal, 1672 – conjuntivite-otite, 1437, 1440


Rinite alérgica, 368, 383 Semiologia geral, 46, 173, 209, 237 – CREST, 1099
Rino-sinusite, 423, 497 Sene, 565 – da apneia obstrutiva do sono (SAOS),
Riquetsioses, 1474 Senning, cirurgia de, 1012 156-160, 335
Risco, 129, 187, 201 Sensibilização, 358 – da criança maltratada, 188, 901, 1249
Risco clínico nos serviços de saúde, 2079 Sépsis, 269, 407, 440, 471, 568, 575, 603, 1323, – da criança abanada/sacudida, 191, 1249
Risco de surdez, 444 1833 – da doença não tiroideia, 853
Risco na gravidez, 1671, 1672, 1682, 1745 Sépsis neonatal, 1950, 1964 – da fadiga crónica, 1535
Risco no recém-nascido, 1683 Septicémia, 422, 658, 706, 915, 1105, 1163, – da junção pielo-ureteral, 801
Ritmo de galope, 1032 1237, 1355, 1409, 1952, 2015 – da morte súbita do lactente (SMSL), 218-
Rizálise, 1256 Septostomia auricular de Rashkind, 975 221, 298, 1777, 2077
Rizotomia, 926 Sequência (tipo de defeito congénito – da sela turca vazia, 124
RMN, 50, 55, 424, 455, 589, 600, 1642, 1673, múltiplo), 105 – da veia cava, 633
1973, 1984, 2002, 2050 Sequestração pulmonar, 454 – de Aagenaes, 588
Rombencefalite, 1533 Sheridan/Escala de desenvolvimento, 64 – de abstinência no recém-nascido, 1771
Roncopatia, 154, 422 Sheridan/Stycar,método de avaliação do – de activação macrofágica (MAS), 1061, 1075
Rosa de Bengala, prova de, 1465 campo visual, 1211 – de alerta e resposta adequada (SARA),
Roséola tífica, 1456 Shigella, 548 1475
Ross, cirurgia de, 1000 Sialidoses, 2032-2035 – de Aicardi, 943, 959
Rotavírus, 546 SIADH, 277, 1286, 1468, 1540, 1795 – de Alice no País das Maravilhas, 1529
Roth, manchas de, 1029, 1237 Sibilância recorrente, 369, 481, 495, 535 – de Allagille, 587, 588, 590, 1006, 1948
Rouquidão, 147, 437, 635, 857, 1442 SIDA, 10, 14, 214, 354, 408-411, 1575, 1702 – de Allgrove, 841
rTPA (activador do plasminogénio tecidual), Sideropénia (marcadores), 666 – de Alpers, 961, 2048
772, 919 Sífilis, 702, 764, 922, 1088, 1237, 1245, 1702, – de Alport, 754, 760, 1145
Rubéola, 1395, 1396 1706, 1953, 1964 – de Angelman, 77, 82, 87, 925
Sildenafil (Viagra®), 1600 – de anoftalmia-esófago-genital, 1611
S Simbiose, 1541 – de Antley-Bixler, 834
Sacroileíte, 1054, 1057 Simbióticos, 310 – de Apert, 80, 158, 939, 940, 1638
Sal alimentar / das cozinhas, 257, 321, 325 Sinais de perigo no RN, 1721 – de apneia obstrutiva do sono, 156-160, 335
Salbutamol, 374, 375, 477, 480, 811, 1291, 1798, Sinal da ansa sentinela, 608 – de ar ectópico, 1873
1904 Sinal de Auspitz, 520 – de Arnold-Chiari, 105, 158, 929-931, 1977
Salicilatos, 889, 1019, 1061, 1120 Sinal de Battle, 1338 – de Asperger, 162-164
Salmonella, 1453 Sinal de Brudzinski, 1467 – de aspiração meconial, 1868
Salmonelose tífica e não tífica, 1454 Sinal de Cullen, 607 – de Barth, 707, 709, 1244, 2047, 2048
Salter-Harris, classificação de lesões Sinal de Cushing, 1468 – de Bartter, 779-781,1796,2048
(cartilagens de conjugação), 1193 Sinal de Grey Turner, 607 – de Beckwith – Wiedemann,
SAOS, 156-160, 335 Sinal de Kernig, 1467 158,620,641,888,1614, 1741, 1809, 1916
Sarampo, 1395, 1396 Sinal de Nikolsky, 1421 – de Bernard-Soulier, 717
Sarcoidose , 838, 1031, 1075, 1112, 1113, 1185, Sinal de Russel, 353 – de Blackfan-Diamond, 721, 1911
1187, 1238 Sinal de Savulesco, 428 – de Blau, 1042, 1074
Sarcoma de Ewing, 613, 1162 Sinal de Trendelenburg, 1175 – de Bloom, 616
Sarna (escabiose), 524 Sinal de Vachez, 428 – de Budd –Chiari, 594, 596, 599
Saturno, anel de, 1038 Sinal de Wimberger, 1955 – de Carney, 842, 843
Saúde, 4 Sinal do anel de sinete, 488 – de Carpenter, 784, 939, 941
Saúde Infantil e Juvenil em Portugal, 11 Sinal do carril, 487 – de Chediak-Higashi, 709, 1234
Saúde Pública, 5, 204, 205 Sinal oculodigital de Franceschetti, 1233, 1238 – de choque tóxico por S.aureus, 1415
Schistossomíase (ou Schistossomose), 1547 Síncope, 278, 777, 904, 999, 1036 – de choque tóxico por S.pyogenes, 1414
SDR/síndroma de dificuldade respiratória, Síndroma, 105 – de Churg-Strauss, 1042, 1101, 1115
1845 – adrenogenital, 833 – de Claude-Bernard-Horner, 618, 619, 1976
Seborreia, 507 – alcoólica fetal, 142 – de Cockaine, 864, 865
Secreção inapropriada de HAD (SIADH), 277, – antifosfolípidos, 1042 – de Cornelia de Lange, 121, 938, 1638
1286, 1468, 1540, 1795 – auto-inflamatória familiar pelo frio – de Cowden, 615
SEDA (síndroma eczema dermatite atópica), (FCAS), 1075 – de Crigler-Najjar, 602, 603, 1936
386 – CDG, 964, 1235, 2028, 2042, 2043 – de Cushing, 123, 331, 842
Sedação, 1290,1348,1357,1600,1778 – cérebro-hepato-renal(de Zellweger), 2040 – de Denys-Drash, 640, 765
Segurança do doente pediátrico, 2079 – CINCA, 1076, 1077 – de depleção de DNAmit, 2048
Selagem, 1275 – colestática, 587, 1947 – de dificuldade respiratória no RN (SDR),
Selantes, 1141, 1275 – compartimental, 1350, 1357, 1616 1845
Índice remissivo 2127

– de DiGeorge, 405, 471, 974, 1379, 1708 – de Laurence-Moon-Biedl, 863 – de Rett, 80, 166, 925, 962
– de Donahue (leprechaunismo), 588 – de Leigh, 963, 2046, 2048, 2051 – de Reye, 532, 888, 918, 1019, 1310, 1402,
– de Down, 83, 85, 140, 159, 424, 555, 631, – de Leill, 1344 1523, 1810, 2013, 2047
1375, 1630, 1674, 1708 – de Lemierre, 422 – de Ritter, 1421
– de Dubin-Johnson, 588, 1948 – de Lennox-Gastaut, 906-908 – de Rothmund-Thomson, 863, 865
– de Eagle Barrett (prune-belly), 806, 1619, – de Lesch-Nyhan, 659, 926, 2025 – de Rotor, 588, 1948, 1949
1815 – de Li-Fraumeni, 615, 845 – de “roubo” da subclávia, 997
– de eczema dermatite atópica (SEDA), – de lise tumoral, 621, 810 – de Sandifer, 535
386, 509 – de Loeffler, Glossário geral – de Schwachman-Diamond, 708
– de Edward, 85, 86, 938, 1704 – de Lowe, 780, 963 – de Shone, 995
– de Eisenmenger, 979, 988 – de Lucey-Driscoll, 1937 – de Shprintzen-Goldberg, 1150
– de Ellis van Creveld, 659, 673, 1134 – de má-absrorção, 551 – de Sjogren, 840
– de Evans, 702, 713, 714, 1087 – de Majeed, 1079 – de Smith-Lemli-Opitz, 827, 828, 841, 1638,
– de Fairbanks, 1131, 1136 – de Mallory-Weiss, 531, 1645 1983, 2068, 2071
– de Fanconi, 81, 121, 766, 779, 780, 2051 – de Marfan, 1148,1248 – de Smith-Magenis, 87
– de Feingold, 1611 – de Marshall, 1741 – de Sotos, 1741
– de Fraser, 795 – de Mauriac, 877 – de Stevens Johnson, 1018, 1019, 1111, 1112
– de Fryns, 1595 – de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser, 1664 – de Sturge-Weber, 914, 947
– de Gianotti-Crosti, 579, 1528 – de McCune-Albright, 842, 854, 864, 865 – de Swyer-James, 482
– de Gilbert, 1936 – de Miller-Fisher, 955 – de Tietze, 977
– de Gitelman, 779-781 – de Mitchel, 800 – de Tourette, 1414
– de Goodpasture, 491-493, 665, 759, 1108 – de Moebius, 943,1977 – de Turner, 85, 87, 122, 124, 126, 142, 608,
– de Gradenigo, 435 – de morte súbita do lactente, 218-221, 298, 851, 863, 995
– de Guillain-Barré, 774, 950, 954, 959, 1777, 2077 – de van der Woude, 1589
1359, 1364, 1456, 1539 – de Mounier-Kuhn, 588 – de varicela congénita, 1522
– de HDC, 1603 – de Muckle-Wells (MWS), 1074-1076 – de vómitos cíclicos, 531
– de Heiner, 491, 494 – de Munchausen por procuração, 190, 191, – de von Jachs-Luzet, 347
– de Heller, 162-164, 166 887, 901, 1249 – de Walker-Warburg, 953
– de Hermansky-Pudlak, 1234 – de Natowicz, 2029 – de Waterhouse-Friderichsen, 838, 1321,
– de Hinman, 818 – de Nezelof, 405 1448
– de Hiper IgE, 405, 470, 472 – de Nielsen, 588 – de Weaver, 1741
– de Hiper IgM, 405, 407, 707, 709 – de Noonan, 864, 865, 1006 – de Weil, 1490
– de hipertermia maligna, 958, 1286, 1331, – de obstrução do antro gástrico, 1627 – de Weill-Marchesen, 953
1332 – de Ohtahara, 907 – de Werner, 864, 865
– de hipopneia obstrutiva do sono/SHOS, – de Omenn, 405 – de West, 906-908
157, 160 – de Palizaeus-Merzbacher, 926, 962, 963 – de Williams, 1000, 1006, 1150, 1152
– de hipoventilação congénita de causa – de Parinaud, 1486 – de Williams-Campbell, 487
central, 154 – de Patau, 86, 87, 938 – de Wiskott- Aldrich, 405, 470, 471
– de Holt-Oram, 1202 – de Pearson, 1327 – de Wolf-Parkinson-White, 975
– de Hunter, 1623, 2028-2030 – de Pendred, 851 – de Wolfram, 2049
– de Hurler, 938, 1623, 2028-2030, – de Pepper, 683 – de Zellweger, 587, 963, 1638, 1983, 2039,
2032-2035, 2038 – de Perlman, 1741 2040
– de Hutchinson-Gilford/progéria, 865 – de Pfeiffer, 941 – diencefálica, 339
– de Imerslund-Grasbeck, 670 – de Pierre Robin, 158, 451, 1133, 1704, – disentérica, 547
– de imunodeficiência adquirida, 10, 14, 1708, 1788, 1889 – do apex orbitário, 1433
214, 354, 408-411, 1575, 1702 – de Pierson, 765 – do bebé abanado, 188, 1342
– de Jeune, 1134 – de Plummer-Vinson, 665 – do bebé bronzeado, 1942
– de Joubert, 901 – de Poland, 451, 1202 – do choque tóxico, 1019
– de Kabuki, Glossário geral – de Potter, 796 – do cólon irritável, 313
– de Kallman, 863, 873 – de Prader-Willi, 77, 82, 87, 121, 863, 878, 950 – do coração esquerdo hipoplásico, 1002
– de Kartagener, 486 – de Rabson-Mendenhall, 878 – do cri-du-chat, 84, 1704
– de Kasabach-Merritt, 674, 703, 1705, 1921 – de Ramsay-Hunt, 1522 – do hospitalismo, 28
– de Kearns-Sayre, 902, 963, 2048 – de realimentação, 343, 354, 355 – do intestino curto (SIC), 570
– de Klinefelter, 86, 142, 824, 851, 863 – de Reiter, 1042, 1069 – do intestino irritável, 540
– de Klippel-Feil, 1709 – de resistência aumentada das vias aéreas – do lobo médio, 487
– de Kostman, 708 superiores/SRAVAS, 160 – do olho vermelho, 1227
– de Landau-Kleffner, Glossário geral – de resposta inflamatória sistémica (SIRS), – do pulmão encarcerado/LES, 1086, 1088
– de Larsen, Glossário geral 1316, 1323 – do rolhão meconial, 1632
2128 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

– do superespecialista, 47,49 – TAR, 1923 Somatometria, 112, 113


– do X frágil, 77, 82, 141, 162 – torácica aguda (STA), 689 Somatostatina (SRIF ou somatotropin release
– dos membros inferiores inquietos, 155 – válvula-bexiga, 805 inhibiting factor), 859
– dumping, 877 – VIP, 638 Sonambulismo, 153
– febril, 1393, 1397 – WAGR, 615, 641 Sonilóquia, 153
– hemofagocitária, 653, 720, 1529, 1556 – WHIM, 709 Sono, 152
– hemolítica urémica (SHU), 548, 714, 769 Síndromas alvéolo-dentárias, 1276 – dissónias, 155
– HHH, 2015 Síndromas auto-inflamatórias juvenis, 1074 – parassónias, 152
– hiper-IgD com febre periódica (HIDS), Síndromas CDG, 2028, 2042, 2043 – perturbações do, 152
1075, 1076 Síndromas ChILD, 481, 491 – REM, 152
– hiper –IgM, 708 Síndromas colestáticas, 588, 1362 – não REM, 152
– locked in, 1309 Síndromas compartimentais, 1194, 1350, 1357 Sopro cardíaco, 974
– mão-pé-boca (hand-foot-mouth), 1533 Síndromas de aspiração, 489 Sopro inocente, 974
– MEN, 847 Síndromas de defeito de regressão caudal, Soiling, 562
– metabólica, 260, 334, 335, 877, 1739, 2057, 1047 Spina bifida, 926
2065 Síndromas de Ehlers –Danlos, 1142 Sprengel, deformação de, 54
– miasténica congénita não auto-imune, 956 Síndromas de imunodeficiência, 403,408,1407 SRIF ou somatostatina, 850
– mielodisplásica, 630, 719 Síndroams de má-nutrição energético- STA (síndroma torácica aguda), 689
– mieloproliferativa, 630 proteica, 348 STAN, técnica, 1675
– moya-moya, 914 Síndromas de oclusão do tubo digestivo, 1626 Starling, lei de, 464
– nail-patella, 754, 1132 Síndromas epilépticas, 906-910 Status epilepticus, 910, 1305
– NARP, 81, 902, 2046, 2049, 2052 Síndromas falciformes, 684 Strongyloides stercoralis, 1555
– nefrítica, 755 Síndromas hematológicas, 652,653 Stycar, 1210
– nefrótica congénita/hereditária, 754, 764 Síndromas mielodisplásicas, 631 Sucralfato, 540
– nefrótica idiopática, 764 Síndromas mieloproliferativas, 631 Sudação, 156, 207, 270, 386, 399, 473, 495, 509,
– neurocutânea e articular infantil crónica Síndromas neurocutâneas, 944 903, 976, 1305, 1315
(CINCA), 1075 Síndromas periódicas associadas à criopirina, Suicídio, 180, 181
– neuroléptica maligna, 1333 1076 Sulfamidas, 1382
– oculoglandular de Parinaud, 1486 Síndromas talassémicas, 684 Sulfassalazina, 1055, 1061, 1070, 1112
– OMA (opsoclónus,mioclónus, ataxia), Síndromas tumorais PTEN, 615 Sufusões, 657, 1264
619, 638, 900 Sinéquias dos pequenos lábios, 1661 Superantigénios, 1015, 1114, 1120
– PAPA(artrite piogénica,piodermite Sinovectomia, 1070, 1071 Superespecialista, 47
gangrenosa,acne), 1077 Sinovite transitória da anca, 1174 Superiores interesses da criança, 17
– paraneoplásica, 619, 637, 665, 900 Sinus urogenital (SUG), 1670 Suporte avançado de vida (SAV), 1293
– periódica associada ao receptor do TNF Sinusite aguda, 424, 425, 1407 Suporte básico de vida (SBV), 1293
(TRAPS), 1075 Sirenomelia, 102 Supra-renal, 830
– periodontal, 1277 Siringomielia, 927, 929 Surdez, 439
– pertussis, 1444 SIRS (síndroma de resposta inflamatória Surdez, indicadores de risco, 444
– PFAPA (febre, aftas, faringite, sistémica), 1315, 1323 Surfactante pulmonar, 1346, 1597, 1690, 1745,
adenopatias), 1075, 1078 Sistema imune, 403 1763, 1772, 1856-1859
– PHACE, 948 – adaptativo, 403 Surfactante pulmonar exógeno, 1863, 1864
– polidactilia e costelas curtas (tipos 1 a – inato, 403 Suturas cranianas, 939
IV), 1134 Sistema músculo-esquelético, 1156
– poliglandular auto-imune tipo I Sistema renina-angiotensina aldosterona, 242, T
(APECED), 839 265, 773, 837, 988, 1027, 1791 Tabagismo, 219, 259, 298, 362, 366, 369, 383,
– poliglandular auto-imune tipo II, 840 Sistema respiratório 469, 480
– pós-gastrenterite, 552 – anomalias, 452 Tabelas de percentis (curvas de crescimento),
– pós-pericardiotomia, 1033 – morfogénese, 452 114, 115-117, 1678, 1718
– PPGSS (papular,purpuric gloves,socks), Sistema de Saúde Português, 5-9 Tacrolimus, 512, 767
1521 Sitosterolémia (ou fitosterolémia), 2064, 2070 Talassémia, 79, 659, 678, 690, 695, 720, 1466,
– prune-belly (Eagle Barrett), 806, 1619 Situs 1912
– pulpar, 1277 – incertus, 994, 1133 Tanner (estádios e puberdade) 229, 861, 862,
– SAPHO (sinovite, acne, pustulose, – sagitallis, 994, 1133 864, 865
hiperostose, osteíte), 1075 – solitus, 994, 1133 Taquicárdia, 270, 473, 772, 809, 972, 973, 1014,
– SEC, 638 SNAP/SNAP-PE, 1684, 1685 1119, 1293, 1315, 1397, 1964
– serotonínica, 1333 Snellen, escala de acuidade visual de, 1206 Taquicárdia fetal, 974
– stiff-man, 878 Sódio, 264-278, 809, 1790, 1776 Taquipneia transitória do RN, 1865
– talassémica, 685, 693, 694, 698, 1911 Soluço, espasmos do, 138 TASO, 418, 756, 759, 1021, 1119
Índice remissivo 2129

Taxa de prevalência de infecção por VIH, 15 Timpanograma, 430, 444 Toxoplasmose congénita, 1957
TEACCH/intervenção no autismo, 165 Timpanometria, 430, 444 TPHA (Treponema pallidum hemagglutination),
Telangiectasia, 902, 947, 1094, 1098, 1099 Tinea capitis, 1570 1956
Telarca, 227, 228, 232, 861 Tinea corporis, 1571 Trabalho infantil, 6, 194, 199
Temperamento, 136 Tinea cruris, 1567 Tracolimus, 512
Temperatura central, 1319, 1324, 1326, 1329 Tinea pedis, 1572 Traço talassémico, 688
Temperatura periférica, 1319, 1329 Tinea unguium, 1570 Transaminases (ALT, AST), 578, 587, 591, 596
Tempo Tinea (Pitiríase) versicolor, 1572 Transcriptase reversa, 412
– de coagulação (TC), 657 Tinha, 1570 Transferrinas, 650, 659-667, 1447, 2042, 2043
– de hemorragia (TH), 657 TINU (nefrite túbulo-intersticial e uveíte), 784, Transfusão
– de protrombina (TP ou PT), 657 1238 – feto-fetal ou intergemelar, 1908, 1909
– de recoloração capilar, 1317-1320, 1324, Tioguanina, 622 – feto-materna, 1909
1326, 1703, 1951 Tiopental, 1291, 1308, 1338, 1343, 1986, 1993 Transfusão de sangue e derivados, 742
– de trombina, 657 Tique, 898 – reacções transfusionais agudas, 749, 750
– de tromboplastina parcial activado (TTPa TIR (tripsina imunorreactiva), 498 – recomendações, 744
ou PTTa), 657 Tiroideia (Tiróide),doenças da , 849 Transição Medicina da adolescência-Medicina
Tendão de Zinn, 1206 Tiroidite, 702, 851, 857, 877, 1087, 1104 do adulto, 41, 45, 67, 68
Tendinite, 1052, 1053 Tiroidite de Hashimoto, 858 Translucência da nuca, 1673, 1674
Teniose, 1541, 1547 Tirosina, 287, 294, 303, 2008, 2009 Transmissão vertical de VIH, 411
Tenossinovite, 1052, 1053, 1067, 1084, 1093, 1120 Tirosinémia, 780,1824, 2008-2011 Transplantação cardíaca, 1004, 1037
Teofilina, 208-210, 378, 1895, 1903 Tirotoxicose, 1330 Transplantação de células estaminais, 691
Teoria de Greaves, 616 Tiroxina, 850, 853, 858 Transplantação hepática, 500, 601
Teoria de Knudson, 616 TMM5 (taxa de mortalidade de menores de 5 Transplante de medula óssea (TMO), 407,
Terapêutica anti-epiléptica, 912 anos), 11-13, 15 481-483, 629, 691, 1063
Terapêutica antimicrobiana, 1381 TMO (transplante de medula óssea), 406, 481, Transplante intestinal, 575
Terapêutica fetal, 94, 95, 1759, 1962 629, 1063 Transplante renal, 812
Terapêutica génica, 691, 697, 721, 871, 2070 Tolazolina, 1815, 1895 Transposição completa das grandes artérias,
Terapêutica inalatória, 371 Tolerância medicamentosa, 396 1011
Terapêutica ocupacional, 1064 Tomografia axial computadorizada (TAC), Transporte de doentes, 1287, 1785
Terapêutica transfusional, 742 49,384,455,498,1959,2050 Transporte do recém-nascido, 1785
Teratoma, 53, 644, 1603, 1712, 1788, 1815 Tono muscular, 64, 152, 219, 1777, 1965 Transposão (gene “saltitante”), 1384
Terçol/terçolho, 1126 – activo, 949, 1713 Transudado, 464
Termogénese, 1334, 1694 – passivo, 950, 1713 Traqueíte, 438, 475, 484, 502
Termorregulação, 1687, 1693, 1694, 1745, 1823 Toracocentese, 465 Traqueomalácia, 1612, 1613
Terrores nocturnos, 153, 158, 175 Tórax, anomalias da parede do, 450 Tratamento antipirético, 1404
Teste de confrontação, 1213 Tórax em barril (ou enfisematoso), 451 Tratamento oncológico, 617
Teste da visão binocular, 1211 Tórax em funil ou pectus excavatum, 451, 452 Traumática, patologia osteo-articular, 1191
Teste da visão cromática, 1211 Tórax em quilha ou de pombo, 451 Traumatismo de parto, 1970
Teste de Adams, 1188 Torção do epidídimo, 826 Traumatismos, 196
Teste de Farnsworth, 1211 Torção do testículo, 826 Traumatismos cranioencefálicos (TCE), 1336
Teste de Hirschberg, 1209 Torcicolo, 1186 Traumatismos da medula espinhal, 1971, 1975
Teste de Thomas, 1180 Tosse convulsa, 1440 Traumatismos, ferimentos e lesões acidentais,
Teste do hidrogénio expirado, 539, 553, 557 Tosse crónica, 362, 383, 471, 482 196
Teste do olhar preferencial, 1210 Tosse por acessos, 1442 Traumatismos óculo-orbitários, 1246
Testes cutâneos, 363 Touch points (pontos de viragem do Traumatismos palpebrais, 1247
Testes genéticos, 70, 73 desenvolvimento), 133-135 Traumatologia alvéolo – dentária (ver lesões),
Testes para H. Pylori, 543 Toxicodependência, 4, 11, 27, 192, 219, 234, 1259
Testículo ectópico, 823 409, 774, 1496, 1771, 1779 Tremátodos, 1544
Testículo retráctil, 824 Toxidermias, 395, 1055 Tremor, 898
Tetania, 278, 293, 347, 574 Toxina, 1363 Trendelenburg, sinal de, 1175, 1177
Tetralogia de Fallot, 1007 Toxina botulínica, 147, 864, 926 Treponema pallidum, 1953
Tetraparésia, 900, 921, 923, 925, 926, 943 Toxinas, 141, 297, 312, 525, 693, 703, 810, 1015, TRH (thyrotropin releasing hormone), 850
Tetraplegia, 923-925 1366, 1410, 1654, 1821 Tríade de Cushing, 1312
Tiflite (enteropatia neutropénica), 1650 Toxocara, 213 Tríade de Virchow, 732
Tifo exantemático (epidémico), 1475 Toxocarose, 1237, 1551 Triagem de doentes, 1289
Tifo murino (ou endémico), 1475 Toxóide, 1363, 1364 Tricuriose, 1545
Timidina fosforilase (TP), deficiência de, 2025, Toxoplasma gondii, 1237, 1469, 1529, 1543, 1968 Trientina, 592
2046 Toxoplasmose, 1388, 1469, 1529, 1542, 1551, 1957 Triglicéridos, 258, 2058
2130 TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA

Trigonocefalia, 937 Tumores da tiroideia, 847, 849, 859 V


Trimetoprim- sulfametoxazol, 659, 1381, 1463, Tumores do sistema nervoso central, 642, 851, Vacina, 1363
1471 863, 895, 945 Vacinação, Programa Nacional de, 1368
Tripanossomose, 213, 214, 1542, 1544, 1551 Tumores do trofoblasto, 854 Vacinas, 11,212, 397, 1362, 1366, 1721
Tripsina imunorreactiva (TIR), 498 Tumores ginecológicos, 1665 Vacinas não incluídas no PNV, 1374
Triquíase, 1222 Tumores mais frequentes na criança, 612, 613 Vacina
Triquinose, 1546, 1550 Tumores ósseos, 619, 1160, 1167 – anti-HAV, 1374
Trissomia 13 (Patau), 86, 87, 938 Tumores ováricos, 865, 1665 – anti-HBV, 1369
Trissomia 18 (Edward), 85, 86, 938, 1365, 1564, Tumores (sinais de alarme), 619 – anti-Hemophilus influenzae B (Hib), 463,
1704 Turner, síndroma de, 85, 87, 122, 124, 125, 142, 1369
Trissomia 21 (Down), 83, 85, 86, 140, 616, 797, 851, 863, 995 – anti-Neisseria meningitidis C (Men C), 1371
1375, 1674 Turricefalia, 695, 940, 941 – anti- rotavírus, 1377
Trofozoítos, 1559 Trypanosoma, 1547, 1551 – anti-Streptococcus pneumoniae, 463, 1376
Trombastenia de Glanzmann, 717 – antituberculose (BCG), 1371
Trombocitopénia, 711, 744 U – antivírus da gripe (Influenza), 1374
Trombocitopénia neonatal, 744, 1919 UCIN, 1286,1290 – antivírus da poliomielite (VIP), 1371
Trombocitose, 666, 716, 765, 914, 1017, 1018, UCIP, 1286,1290 – antivírus da varicela, 1376
1067, 1077, 1117 UL (Tolerable Upper Limit), 283 – antivírus do papiloma humano (HPV), 1372
Tromboembolismo, 738, 740, 767, 916, 1086, Úlcera duodenal, 540 – antivírus do sarampo, rubéola e
1364, 1990, 2011 Úlcera péptica, 539, 542, 543 parotidite epidémica (VASPR), 1372
Trombofilia, 731, 771, 913 Umbigo e canal onfalomesentérico, 1620 – bivalente inactivada [antidifteria, tétano
Tromboflebite, 731 Umbigo e coto umbilical no RN, 1710 (Td)], 1372
Trombose da veia renal, 771 Umbigo e hérnia, 1625 – tríplice inactivada [antidifteria, tétano,
Trombose do seio cavernoso, 1281, 1423, Unidade de Vigilância Pediátrica (UVP), 16 pertussis (DTPa)], 1371
1430 Úraco patente, 817 Vacinações (percentagem de crianças
Trombose dos seios venosos, 917 Úraco, quisto do, 817 vacinadas), 15
Tronco, patologia regional específica do, 1186 Ureaplasma urealyticum, 1514, 1899 Vacinas (ver Imunização)
Troponinas, 1036, 1318, 1989, 1992 Ureia, 142, 531, 588, 756, 1108, 1313, 1468, – contra-indicações e precauções, 1375
TSH (thyroid stimulating hormone), 850 1684, 1804, 2013, 2054 – e viagens, 211
Tuberculina, 339, 461, 1499, 1505, 1506, 1577 Ureia, doenças do ciclo da, 2013 – em síndromas de imunodeficiência, 415,
Tubérculos coroideus, 1507 Ureterocele, 803 1378
Tuberculose, 1496 Uretra, 785 – em situações de imunossupressão, 1378
Tuberculose congénita, 1504 Uretrite, 785 VACTERL, 105, 796, 1610, 1613, 1630, 1641
Tuberculose – doença, 1499, 1500 Uretrocistografia, 789 Vacuoterapia, 1354
Tuberculose extratorácica, 1503 Urgência e emergência, níveis de cuidados, Vaginite, 1662
Tuberculose – infecção, 1499, 1500 1288 Vaginose, 1662
Tuberculose miliar (granúlia), 1501 Urgência e emergência, serviços de, 1286 Valproato, 599, 607, 908, 912, 930, 1921, 2015,
Tuberculose pós-primária, 1499 Urgência e emergência, sistema de triagem, 2048, 2051, 2053
Tuberculose primária, 1499, 1500 1288 Válvulas da uretra posterior, 51, 95, 754, 798,
Tuberculose torácica, 1501 Urina 800, 813, 1286, 1712, 1815
Tuberculostáticos/antibacilares, 1507-1510 – análise sumária, 756, 761, 765, 769, 770, Valvuloplastia, 1000, 1006
Tubo neural, defeitos do, 927 771, 779, 780, 787 Valvulotomia, 1000
Tubulopatias, 778 – exame cultural, 787, 788 Vancomicina, 209, 462, 467, 500, 1030, 1163,
– acidose tubular proximal, 779 Urobilinogénio, 492, 702, 1931, 1934 1166, 1328, 1471, 1921, 1924
– acidose tubular distal, 782 Urocultura, 787, 788 Varicela, 1520
– raquitismos de causa renal, 780-782 Urografia de eliminação, 804, 814 Varicela congénita, 1522
– diabetes insípida nefrogénica, 783 Uropatia obstrutiva, 801, 807 Varicela perinatal, 1523
– actuação prática, 779-781 Urticária, 362, 363, 386-391 Varicela-zoster, 1520-1524, 899, 914
Tumor de Wilms, 640 Urticária-angioedema, 387, 1151, 1359 Varicocele, 799, 802
Tumores, sinais e sintomas, 617-620 Urticária pelo frio (UFF), 1042,1 076 Varizes esofágicas, 596
Tumores, tratamento, 621-627 Útero, 1664 Vasculite, 1101
Tumor testicular, 827 – bicorne, 1664 Vasculites sistémicas, 1101
Tumor tiroideu, 857 – didelfos (duplicado), 1664 – arterite de Takayasu, 914, 1042, 1101,
Tumores, ambiente e genética, 614 – unicorne, 1664 1116-1118
Tumores de células germinativas, 644 Uveíte, 539, 1045, 1047, 1048, 1049, 1232, 1243, – doença de Behçet, 1109
Tumores da fossa posterior, 899 1479, 1535 – doença de Kawasaki, 1014
Tumores da hipófise, 847 Uveíte e nefrite túbulo-intersticial (TINU), – granulomatose de Wegener, 1114
Tumores da supra – renal, 843, 845 784, 1238 – poliarterite nodosa, 1106
Índice remissivo 2131

– púrpura de Henoch Schonlein, 1102 Vulnerabilidade, desenvolvimento e, 129


VATER, 1610 Vulvovaginite, 1662
VATERR, 1641 Vygotsky, teoria de, 151
VCA, 1528
– Ig G, 420, 1528 W
– Ig M, 420, 1528, 1529 Waterhouse –Friderichsen, síndroma de, 838,
VDRL, 1671, 1955, 1956 1321, 1448
Vecurónio, 1291, 1338, 1600, 1885, 1895 Waterlow,classificação de má-nutrição, 338,
Vegetariano,regime, 350 340
VEGFR, 1898 Williams, síndroma de, 77, 87, 486, 1001, 1137,
Velocidade de crescimento, 118, 119 1151-1153
Ventilação de alta frequência, 1889 Wilms, tumor de, 51, 54, 612, 613, 616-620,
Ventilação/minuto, 1893 640, 704, 765, 1741, 1809
Ventilação mecânica, 1307, 1311, 1313, 1319, WISC (Escala de inteligência de Wechsler
1324, 1331, 1887 para crianças), 163
– complicações, 1896 Wiskott-Aldrich, síndroma de, 403, 405, 407,
– convencional, 1889, 1890 470, 472, 1923
– indicações, 1855
– sincronizada, 1889 X
Ventilação-perfusão, 1847 X, anomalias ligadas ao cromossoma, 83, 85,
Ventiladores, tipos de, 1887 87
Ventriculomegália, 1077, 1517, 1996 Xantinas, 376, 1655, 1746, 1855, 2024
Vernix caseosa, 1077, 1517, 1996 Xantomas, 2063-2066, 2068
Vertigem paroxística benigna, 895 Xantomatose cerebrotendinosa, 903, 2068,
Vesícula biliar, hidropisia (hydrops) da, 1017 2071
Viagens, 211 Xarope de bordo, doença do cheiro a
Video-EEG, 910, 1984 (leucinose), 888, 901, 2012
VIH, prevalência de infecção por, 15, 409, Xenobióticos, 301
1719, 1923 Xeroftalmia, 248, 295, 350
Vilosidades coriónicas, 76, 94, 498, 941, 1140, Xerose, 349, 363, 387, 510, 511, 513
1674, 1944, 2035 X frágil, síndroma do, 82, 83, 94, 141, 142, 144,
Vincristina, 621, 622, 630 162, 165
Vinculação, 129, 136, 172, 298, 967
Violência, 4, 11, 16, 21, 174, 179, 183, 189 Y
Viragem tuberculínica, 1500 Yersinia enterocolitica, 547, 548, 552
Virchow, lei de, 939
Vírus (ver atrás: Infecções por - ) Z
Visão, desenvolvimento de, 132, 1206, 1207 Zellweger, síndroma de, 587, 963, 1638, 1983,
Viscosidade sanguínea, 1915 2039, 2040
Vitamina A, deficiência, 349 Zigotia, 1756, 1757
Vitamina D, deficiência e insuficiência, 294, Zona (Herpes zóster), 1522
343, 348 Zinco, 291, 305, 318, 342, 513, 552, 553, 574,
Vitaminas, 292, 1822, 1828, 1836 592, 1828
– carência e excesso, 295, 343, 349 Zoonose, 1477, 1548
– hidrossolúveis, 294 Z-score, 334
– lipossolúveis, 293
Volémia, 264, 652
Volume – corrente, 1847
Volume garantido, 1889
Volumes pulmonares no RN, 1847
Volutrauma, 1898
Volvo, 1626, 1632-1637
Volvo gástrico, 1628
Vómitos , 530, 1638
– abordagem do doente com, 531
– cíclicos, 531, 895
– diagnóstico diferencial, 532
Von Willebrand, doença de, 729
2ª Edição

VERSÃO ACTUALIZADA

Tratado de Clínica Pediátrica


João M. Videira Amaral
Esta obra, de cariz prático, pretende apresentar de forma concisa dados actuais sobre
tópicos fundamentais da clínica pediátrica de complexidade variável, quer no âmbito
do ambulatório, quer no âmbito da prática hospitalar.

Concretizada com a colaboração de uma plêiade de autores convidados, é apresentada


em 3 volumes compreendendo 33 partes e 376 capítulos.

O Tratado de Clínica Pediátrica (nesta segunda edição, revista, actualizada, ampliada e


em DVD) tem como principais destinatários estudantes de Medicina e de áreas relacio-
nadas com as Ciências da Saúde, internos de medicina geral e familiar e de pediatria,
médicos de família, pediatras gerais, assim como profissionais da saúde interessados na
área da Medicina da Criança e do Adolescente. A bibliografia seleccionada, que encerra
cada capítulo ou parte, contribuirá para esclarecimento complementar do leitor inter-
essado.

O coordenador-editor espera que o conteúdo, escrito em espírito de missão por todos


os autores, seja útil aos leitores, quer no âmbito da formação pré/pós-graduada e
contínua, quer no âmbito do desempenho profissional. O objectivo último é contribuir
para a saúde e bem-estar da criança e adolescente, e da comunidade em geral. João M. Videira Amaral
VERSÃO ACTUALIZADA
João M. Videira Amaral
O coordenador-editor (João M. Videira Amaral) é médico-pediatra e professor catedrático jubilado da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Até Outubro de 2007 foi director da
Clínica Universitária de Pediatria no Hospital de Dona Estefânia, Lisboa e regente das disciplinas de
Pediatria e de Clínica Pediátrica da mesma Universidade. É autor ou co-autor de cerca de 260 artigos em
revistas científicas e em livros de texto, sobretudo na área da Pediatria Neonatal e da Educação Médica.
Foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria (1989-92) e actualmente é Director da Acta
Pediátrica Portuguesa, revista científica da referida Sociedade.

Volume 1
Com o apoio de: Abbott Laboratórios, Lda.
2ª Edição

Volume
1

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