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organização
Eliane Cantarino O’Dwyer
Processos identitários
e a produção da etnicidade
ISBN 978-85-7650-373-6
Este livro foi viabilizado por recursos do projeto Diverso – Políticas para a Diversidade e os Novos
Sujeitos de Direitos: estudos antropológicos das práticas, gêneros textuais e organizações de governo,
realizado com financiamento da Finep através do Edital de Ciências Sociais 2006 (Convênio Finep/FUJB
nº 01.06.0740.00, REF: 2173/06), coordenado por Antonio Carlos de Souza Lima, Adriana Vianna e Eliane
Cantarino O’Dwyer. Contou também com apoio do projeto “Etnicidade, práticas culturais e formas de
organização social em um contexto regional do baixo Amazonas” (Proc. CNPq:309611/2009-1, Bolsa de
produtividade em Pesquisa), sob a responsabilidade de Eliane Cantarino O’Dwyer.
P956
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-373-6
Nota Introdutória
Construções identitárias: nada vem do nada 11
Eliane Cantarino O’Dwyer
Capítulo 1
Nossa Senhora da Conceição e sua proteção à “tapera de preto”
designada “terra da pobreza”: instâncias de afirmação de uma
territorialidade específica 15
Patrícia Portela Nunes
Introdução 15
Terra da pobreza: conflitos, relações e territorialidade 22
Relações, crenças e práticas religiosas: instâncias de delimitação
do “território de parentesco” 45
Bibliografia 52
Capítulo 2
O ritual de iniciação do danhono e faccionalismo entre os Xavante
da T. I. São Marcos 53
Paulo S. Delgado
A casa dos solteiros 55
Estratégias adotadas na produção do ritual 73
Bibliografia 81
Capítulo 3
Tradição, Práticas rituais e afirmação étnica entre os Tuxá de Rodelas:
uma abordagem da cultura enquanto processo 83
Ricardo Dantas Borges Salomão
Uma breve etno-história dos índios Tuxá de Rodelas 84
Práticas rituais e a busca por direitos territoriais 94
O impacto da construção das hidroelétricas de Paulo Afonso e Itaparica 98
Bibliografia 109
Capítulo 4
Dilemas e construções identitárias dos Camba no Brasil: exclusão e
interação em Corumbá 113
Ruth Henrique
Da reorganização das “feirinhas bolivianas” à participação em eventos
públicos como o “Festival América do Sul” 124
Devoção à Nuestra Señora de Urkupiña: fé e festa nos dois lados da
fronteira e a “união” entre Camba e Colla em Corumbá 130
Considerações finais: Camba brasileiros, indígenas, bolivianos e demais
construções identitárias 145
Bibliografia 148
Capítulo 5
Relações interétnicas: cabo-verdianos & mandjácus 151
João Silvestre Varela
Introdução 151
Emigração/imigração e relações interétnicas 151
Duas categorias contrastivas: cabo-verdianos e mandjácus 153
Histórico do afluxo dos mandjácus a Cabo Verde 156
A relação entre os cabo-verdianos e os mandjácus do ponto de vista
dos atores sociais 158
O que designa o termo mandjácu 162
O contexto de interação social 166
As acusações mútuas e as relações com as instituições públicas e
privadas 173
Explicação sobre a discriminação 178
Conclusão 184
Bibliografia 185
Capítulo 6
Erepecuru-Oriximiná: uma rota em movimento 187
Andreia Franco Luz
“Novos Agregados Sociais”: os “remanescentes de quilombos” na
cidade de Oriximiná 194
A Cidade e os Bairros: a dinâmica dos encontros 200
Considerações finais 203
Bibliografia 205
Capítulo 7
Castanheiros, remanescentes
de quilombo, filhos do Erepecuru 207
Joyce Silva dos Santos Drumond Linhares
Entrada no campo 207
O interior é fartura 212
Castanheiros: filhos do rio Erepecuru 218
Considerações finais 228
Bibliografia 233
Capítulo 8
Identidade étnica em situação de fluxo: o caso dos remanescentes de
quilombo em contexto urbano de Oriximiná-Pará 235
Nathalia S. Klein
Bibliografia 243
Capítulo 9
Identidades em movimento: questionamentos acerca de construção
de identidades culturais e étnicas em condições contextuais de
deslocamentos 244
Erick Delgado Ribeiro
Linguagens 246
Identidades 249
Ações Socialmente Implicadas 249
Culturas 250
Identidades 252
Deslocamentos 255
Etnografia 259
Trabalho de campo: condições de entrada 263
Entrada em campo 264
Dinâmicas socioecológicas e ambientais 267
Deslocamentos do Ituqui: as terras caídas 268
Vida em movimento: estratégias e sustentabilidade 270
Preservação, depredação: agências diacríticas 275
Conclusões e considerações finais 279
Bibliografia 284
Nota Introdutória
3 ERIKSEN, T. H. Ethnic identity, national identity and intergroup conflict. Oxford: Ox-
ford University Press, 2001.
4 Barth, Fredrik. Other Knowledge and Other Ways of Knowing. Journal of Anthropological
Research, v. 51, n. 1 (Spring, 1995), p. 65-68.
Introdução
Localizadas na área desapropriada pelo governo do Estado do Maranhão em
1980 para implantação do designado Centro de Lançamento de Alcântara
(C.L.A.) e dentro da área estipulada pelos militares da Aeronáutica como “fai-
xa de segurança”7, quatro comunidades, as quais me reporto no presente
62.000 hectares deste município; o que corresponde a mais da metade da área deste e atinge
a mais de 2.000 famílias de trabalhadores rurais.
8 Conforme dispõe a Portaria n. 35 registrada no Livro de Cadastro-Geral n. 001 da Fundação
Cultural Palmares, sob o n. 6, em 1º de março de 2004 e publicada no Diário Oficial da União
n. 43 de 4 de março de 2004, Seção 1, f. 7. De acordo com o registro n. 96, f. 100 desta Por-
taria 165 comunidades deste município são beneficiadas pelo Art. 1° da Lei n. 7.668 de 22 de
agosto de 1988, art. 2°, §§ 1° e 2°, art. 3°, § 4° do Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003.
9 Reflexões mais detidas a respeito do confl ito com a base de lançamento de foguetes através
de atos de intervenção perpetrados pelos aparatos de Estado ou das ações dos agentes sociais
organizados em movimento social estão explicitadas na introdução de meu trabalho de tese.
10 O Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal,
promulgada em 5 de outubro de 1988 institui como direito constitucional a propriedade de-
fi nitiva das terras das referidas comunidades nos seguintes termos: “Aos remanescentes das
comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
defi nitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”
11 O uso do itálico tem em vista chamar a atenção que tais palavras são usadas como ca-
tegorias de classificação acionadas em determinado domínio de ação: Base, em referência a
Base Aérea, e atingidos, em referência àqueles que se percebem como tendo sido afetados
pelas ações do governo federal relacionadas ao Programa Espacial Brasileiro são usadas como
categorias políticas, referidas ao domínio das relações de enfrentamento e luta por direitos
assegurados por lei.
Olha, essa terra era dos índios, quando teve a liberação, que liberou as
terras, para os pobres comparem suas posses de terra, uns compraram e
outros tiraram. Então, o Teófi lo José de Barros mais o velho Trocci eram
dois cidadãos, que não eram daqui, mas vieram e compraram essas terras
do Mato Grosso e do Canelatiua. Então, o Teófi lo, como era mais pobre
um pouco, ficou com essa parte do Calobico pra cá. E o Trocci, como era
mais pesado, ficou com a mata do Mato Grosso, uma mata grande. E lá
formaram um engenho de cana. Para fazer garapa, pra fazer cachaça, pra
fazer tiquira, pra fazer o que tivesse que fazer. (...)
E eles compraram essa terra pra eles fazerem aqui o canavial. E tinha os
empregados que cortavam a cana e levavam pro Mato Grosso no carro
de boi, para fazerem lá o trabalho, né? Agora eles preparavam a cachaça,
o açúcar, rapadura, o mel, o que eles podiam fazer. E levavam para o
cajueiro, um igarapé que tem perto da Mãe Eugênia, lá tem um porto, e
tinha um armazém, uma casa g rande, que eles garravam e botavam lá. Aí
iam tran spor tar para o Bequimão, pra Guimarães, pra onde eles encon-
trasse m de vender.
Então, nesse período, tinham cidadão, lá no Retiro, por nome José Ma-
noel A zevedo, ele tinha 52 anos, ele soube bem dessa situação. Aí, foram
indo, foram indo, foram indo, o Virgílio não tinha terra, era irmão da
Matilde, eram dois irmãos, mas ele não tinha terra. Aí ele disse: — Me
vende um pedaço de terra. Ela disse: — Eu não mando as terras, eu tenho
marido, quem pode saber isso é Manoel. Aí ele foi falou com ele: — Olha,
eu não vendo as terras pra ele, mas se ele me der uma ponta, nós faz negó-
cio. Aí ela voltou, veio e disse pra ele: — Olha, Virgílio, Manoel disse que
se tu der uma ponta para ele, ele faz negócio contigo. Aí ele deu, ele deu
uma ponta pra ele, do caminho de São João Velho pro [?] pra Virgílio, e
ficando do caminho de São João pro rumo da Ponta da Areia pra ele. Ele
não vendeu, ele deu o recibo da troca da ponta, mas não deu papel gran-
de. Então, aí, passados os tempos, o Manoel morre, o velho, marido da
Matilde. Como morreu, ele como irmão, ficou como fosse o proprietário
das terras. Aí ele entendeu, o que ele entendeu de fazer? Tomar as terras
toda, essa terra aqui que era do Teófilo e bota sse dentro da que e ra de
seu Manoel Cor reia, pra passar o rumo bem no Rio de Inácia, abaixo de
um cajueiro velho que tinha.
Aí, José Manoel que era do Retiro, cidadão morador, nascido e criado
com 52 anos, aí ele protestou, que ele não aceitava aquela demarcação.
Aí, brigaram, brigaram, brigaram e chamaram um engenheiro pra ir de-
marcar a terra. Aí ele veio, botou a máquina dele, demarcou do cajueiro,
no rumo certo, e aqui para baixo foi no rumo do igarapé por nome pica -
-pau, igarapé do Retiro, desceu ali rumo adentro foi na beira de u m ro-
çado novo, atrás do Rio do A rú-Mirim, tirou e botou na Barreira Grande
15 Não é tão fácil, para mim, precisar os critérios de seleção que utilizei para organização
destes diagramas em razão da quantidade de material e do tempo que levei para organizá-los.
Iniciei-os em 2002. Mas somente em função do alargamento de meu tempo de permanência
em campo, em 2004, pude realmente estruturá-los. Para tanto foram necessárias muitas idas
e vindas, isto é coletava os dados, levava-os para São Luís, organizava-os, sempre com a aju-
da de um designer gráfico (muitos percalços também para encontrá-lo) e retornava a fi m de
verificá-los. Nisto fui acrescentando outros tipos de dados de forma a estruturar diagramas
que transcenderam as relações de parentesco. Acrescentei, sempre que possível, dados referi-
dos a “lugar de procedência” e “lugar de residência” o que autorizava a entrever os desloca-
mentos sucessivos de um mesmo agente dentro e fora da terra da pobreza e ainda, quando a
referência me era feita, dados sobre a ocupação profi ssional: os marinheiros, os carpinteiros,
os músicos e as parteiras foram referências constantes, posto que as ocupações de trabalha-
dor rural ou pescador figuravam como pré-dados. Ao realizar estes diagramas pude perceber
o fluxo dos agentes pelos povoados da terra da pobreza e também para fora dela. Passei então
a observar e a me interessar sobre os diferentes sentidos que os agentes atribuem à mudança
de lugar físico – que trato no capítulo 3 da tese. No âmbito das relações de parentesco, inclui
e distingue as relações entre pais e fi lhos de criação, discernindo o tipo de vínculo entre estes,
se baseados em laços de sangue ou não. Os diagramas que organizei dispondo e expondo
estes dados são apresentados na segunda parte do segundo capítulo da tese intitulada “Terra
da pobreza como território de parentesco”. Ao todo, organizei 57 diagramas, agrupáveis em
três conjuntos distintos conforme tratei neste capítulo.
16 Sobre a noção de isolats e sua apropriação por estas diferentes disciplinas consultar:
TORNAY, Serge. 1980. O estudo do parentesco. In: COPANS, J. et al. Antropologia: ciência
das sociedades primitivas? Lisboa: Edições 70, 1980.
Domingos: antes que teve isso. Porque olha, a senhora me deu ontem
aquele papel que fala famílias, que eu me lembrei hoje na roça, essa famí-
lia era dos pretos de Itapuaua, lá, o pessoal de lá é só desse título.
Patrícia: qual é? Araújo?
Domingos: Araújo! É, é só esse título. Eu acho que nessa mistura, eles
vieram, né? Aí quando a pegação terminou, eles ficaram por ali, pelo Aru,
pelo mato, porque que aí tudo era mato.
Patrícia: mas a D. Maria dos Remédios, mulher de seu Hilton, tem Araú-
jo. Mário tem Araújo.
Domingos: sim, mas é de lá.
Delina; veio de lá
Patrícia: como é que é? É Bento Araújo?
Domingos: não, Bento é Diniz.
Patrícia: B ento é Diniz? E de onde vem o A raújo de Mário?
Domingos: a Raimunda.
Patrícia: a Raimunda era a avó dele?
Domingos: avó dele, mãe de Helena. E Helena é Araújo e teve Maria,
Maria Araújo teve esse A raújo.
Patrícia: e Mário foi criado pela Helena, pela avó. E a mãe dela é que
chamava Raimunda?
Domingos: Raimunda Araújo.
Patrícia: e essa Raimunda era de lá?
Domingos: era de lá, de lá veio pra Pepitiua, da Pepitiu a veio pra cá.
Araújo é só de lá. Para cá não tem Araújo. Agora, a Maria de seu Hilton,
ela é A raújo, mas ela foi dada para uma família que é Sá e Azevedo.
Patrícia: mas, a Dionísia, a mãe dela é Araújo?
Domingos: é Araújo. É fi lha da Raimunda Araújo. Eram três fi lhas, Dio-
nísia, Maria e Helena, da Raimunda mais Bento. Agora Bento era Diniz,
era irmão de Raimundo Camum, pai de A lfredo que chamava Bizagal. O
Bento era tio de Alfredo, irmão do pai de Alfredo. Era Bento, era Manuel,
que era Manuel Velho, era Camum, João Cação e Francisca.
Patrícia: Diniz.
Domingos: Diniz.
(ENTREVISTA: 29/01/2004).
(grifos meus)
18 Tomo aqui a expressão utilizada por: COMERFORD, J. C. Como uma família: sociabi-
lidade, reputações e territórios de parentesco na construção do sindicalismo rural na Zona
da Mata de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Antropologia) – PPGAS – Museu Nacional
– UFRJ. Rio de Janeiro, 2001. Na presente pesquisa privilegiaremos um possível enfoque su-
gerido por essa expressão com referência a um padrão de ocupação observado: residências e
locais de trabalho daqueles que se consideram parentes autorizam a associação pelos agentes
sociais dos nomes de família a determinados lugares, delimitando um território de parentes-
co, independentemente da existência de laços de consanguinidade. Estes territórios incluem
além de parentes (consanguíneos e afi ns), amigos, vizinhos e aqueles que aderiam ao grupo
que mantém entre si laços de reciprocidade positiva.
19 Apesar de realizada na década de 1970, a pesquisa de Laís Mourão só foi publicada mais
recentemente, em 2007. O prefácio da antropóloga Eliane O’Dwyer chama atenção para a
atualização do conceito antropológico e objeto da pesquisa da autora: “campesinato livre
comunal”, de forma a nos indicar a especificidade do material etnográfico que essa mono-
grafi a apresenta: “Em o Pão da Terra o leitor poderá reconstituir a problemática teórica dos
estudos do campesinato e questões relevantes de análise sobre a economia familiar campo-
nesa, diferenciação interna do campesinato e ricas informações etnográficas relacionadas às
situações de terras de santo” (O’DWYER, 2007, p. 17). Mourão registra assim um contexto
histórico anterior ao confl ito social referido à implantação da base de lançamento de foguetes
em Alcântara que sugeria a prevalência de um “campesinato livre” (MOURÃO, 1975, p. 45),
caracterizado pela ausência de controle ostensivo por aqueles que foram seus antagonistas
históricos no contexto das grandes plantações.
20 Segundo Celso Furtado, a lei de 1739 reserva o mercado inglês para o açúcar produzido
pelas colônias da coroa britânica. Para este autor, justamente pelo fato desta lei ter garantido
o monopólio do mercado inglês aos produtores de açúcar das Antilhas, que foi possível aos
produtores brasileiros recuperarem alguns mercados. A retroação do mercado de açúcar no
decorrer do século XIX, no entanto, coloca a produção brasileira em desvantagem face à
concorrência com as Antilhas (FURTADO, 1970, p. 89).
21 Não se trata, contudo, simplesmente de considerar a formação do protocampesinato es-
cravo referido à plantation, conforme as considerações de Sidney Mintz (1992), isto é, a
situação social enfocada não remete àqueles núcleos de produção agrícola, observados dentro
da plantation, que possibilitavam a produção autônoma dos escravos em parcelas de terras,
seja para a própria subsistência, seja para a comercialização. Em referência ao processo de
constituição dos povoados de Alcântara, pode-se aventar a ocorrência desta autonomia fora
dos limites estritos das fazendas de algodão e cana baseadas na monocultura e no trabalho
escravo, uma vez que a capacidade coercitiva dos mecanismos repressores da força de tra-
balho variando de intensidade na colônia ou no império e o processo, lento e gradual, de
desagregação destas unidades de produção econômica facultaram situações de acesso à terra
e de autonomia produtiva que se deram em épocas diferentes; há áreas de colonização antiga
e áreas de colonização mais recente.
q
Porto doRetiro
Igarapé Do Picapau Retiro
Araraí
Janã
OCEANO ATLÂNTICO
Povoado Bom Viver
Mato Grosso Vila do Meio Canelatiua
Ponte do Calobico
Porto do Aru
Rio de Inácia
Aru-Grande
Porto de Canelatiua
Porto de Itapera
Povoado
Itapera
N
Povoado
Brito
Legenda
Limite de terra
Casa de forno Barracão ou terreiro
da pobreza
Bom Viver
Canelatiua
Terra da Pobreza 3
Terra da Pobreza 4
N
Terra de Marinha
Uru-Grande
Porto de Canelatiua
Terra da Pobreza 2
tiua
Fazenda Mato Grosso
Canela
Igarape de Canelatiua
Rio de
Fazenda São Francisco da Ponte Fazenda Itapera
Uru-Mirim
Terra da Pobreza 1
Povoação
24 Iniciação religiosa.
25 A categoria ˜ iprédu está relacionada duplamente à maturidade biológica do homem e
mulher, por isso a consideramos como uma das fases do ciclo de vida e a uma condição
pós-vivência do processo ritual. Embora não existam rituais de passagem específicos para
ela, pode-se dizer que é consequência do processo ritual. Homem e mulher são considerados
˜ iprédu somente após terem atuado como danhohui’wa, padrinhos. Danhohui’wa é uma ca-
tegoria usada no processo ritual do danhono, sempre estando a ele referenciada.
28 Presenciei certa vez o cacique da aldeia Nossa Senhora de Guadalupe fazendo esta distri-
buição, após ter conseguido uma grande quantidade de calções com uma secretaria de estado
de Mato Grosso.
31 Os Xavante traduzem esta categoria como advogado pelo fato deste ator ritual atuar em
defesa dos moradores da casa dos solteiros. Não estaremos tratando em detalhes da escolha
do a’ãma, muito menos de sua atuação no processo ritual.
33 Não trataremos do ritual da corrida do No’oni neste texto. De antemão, informamos que
trata-se de um ritual onde os neófitos, após terem os lóbulos auriculares já perfurados ritual-
mente, desafi am uns aos outros e aos membros da última classe de idade iniciada para uma
corrida de aproximadamente 400 metros rasos. Todas as classes de idade podem participar
desta corrida competindo entre si ou desafi ando membros de outras classes. O carregador
da capa do no’oni dá a largada das baterias que acontecem no amanhecer e ao entardecer.
34 A categoria watsire’wa significa os do meu lado, da mesma metade, conjunto de pessoas
do mesmo clã a qual o ego pertence. Enquanto que os Tsire’wa são aqueles que pertencem
ao clã oposto de ego.
35 Nodzö’u é também o nome de uma classe de idade. Este tipo de milho caracteriza-se pelo
colorido de seus grãos na espiga. Normalmente alternam-se as cores vermelho e preto. Em
relação ao milho convencional o nodzö’u é mais macio.
36 Esta espécie de madeira é escolhida por serem avermelhadas. Na falta de uma destas es-
pécies de madeira os grupos domésticos costumam confeccionar as bordunas com outro tipo
de madeira e aplicam-lhes uma pintura vermelha extraída do urucum.
37 Xavante que ocupou o cargo de deputado federal. Foi o primeiro indígena eleito para
ocupar este cargo e exerceu o mandato de 1983 a 1987. Faleceu em 2002.
38 A aldeia Jesus de Nazaré foi construída em um local que os Bororo reivindicam como
sendo parte de sua terra indígena. Os Xavante, por seu turno, contestam alegando que houve
equívocos no momento da demarcação das duas terras indígenas, que são limítrofes, e uma
faixa de 10 quilômetros ficou para os Bororo.
39 Sobre esta aldeia veja Lopes da Silva (2002, p. 370). Segundo esta autora, os moradores
de Parawadzara’dzé se formaram a partir de reagrupamentos de Xavante oriundos de outros
grupos que entraram em confl ito entre si e com regionais e se dispersaram.
40 Parte do território Xavante que estava localizado na região do rio Couto Magalhães foi
demarcado e reconhecido como Terra Indígena Parabubure – Municípios de Campinápolis,
Água Boa, Canarana e Nova Xavantina.
Bibliografia
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PEIRANO, Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
41 Ao contrário do caso apresentado por Roberto Cardoso de Oliveira (2006) no qual a cate-
goria “caboclo” tinha uma conotação pejorativa e insultante da identidade Terena em Mato
Grosso, tanto para índios como para os não índios em Rodelas, tanto a categoria “caboclo”
ou “índio” eram usadas para se referir as mesmas famílias que habitavam o antigo aldeamen-
to de Rodelas. O termo “caboclo” não tinha conotação desvalorativa, e ao contrário, os Tuxá
mais antigos, quando se referem a algum membro da sua comunidade com orgulho, dizem
“fulano era caboclo de verdade, autêntico”. O confl ito do uso das duas categorias só ocorre
após o processo de reivindicação de direitos territoriais ao estado brasileiro pelos índios Tuxá
em meados do século XX.
“Aí foi, quando meu avô foi buscar essas caboclas lá em Juazeiro, aí
quando chegou aqui ficou com duas tribas. Pequena com uma triba, e
Sinhá Alta com outra. Aí fi xou elas duas. Aí foi uma coisa só. Tudo era
Tuxá. Elas eram a cabeceira45 , ‘vamos trabalhar hoje!’, aí todo mundo
sabia... A diferença é que a Sinhá Alta, veio para levantar a aldeia, e a
Pequena estava aqui toda uma vida dentro da aldeia. Aí quando a Sinhá
Alta chegou para levantar a aldeia, fez aquele rebanho de gente, para tra-
balharem, e aí ficou... Não eram brigadas, as duas eram cunhadas. Mas
sobre o trabalho, você sabe que em aldeia, tem caboclo que quer ser mais
inteligente que o outro, mais sabido né, aí acha que aquele outro é mais
tolo... Mas não era inimigo, tudo era uma coisa só mesmo.”
44 Mestre e mestra eram os nomes pelos quais chamavam os índios com grande conhecimen-
to da “ciência do índio”, e do mundo espiritual. Muitas vezes, os Tuxá referem como “mes-
tres” tanto espíritos de índios que “trabalhavam no regime dos índios”, e que foram grandes
curandeiros e pajés, como os índios vivos, que são os que comandam o ritual e recebem as
orientações dos espíritos de outros “mestres” durante as práticas mágico-religiosas. Para dis-
tinguir no texto as duas categorias de “mestres”, vou usar a palavra “mestre encantado” para
me referir aos mestres enquanto entidades espirituais, e somente a palavra “mestre” quando
for para o segundo caso.
45 Mestre de Cabeceira é o termo que se usa hoje para as pessoas, que tem um conhecimento
maior da cultura Tuxá, e que ficam sentadas de frente as fi las dos dançarinos de Toré.
“Este nóvel P.I.T., fundado no ano passado, está situado à margem direita
do Rio São Francisco, junto à vila do mesmo nome, no Estado da Bahia,
com uma população de 212 indígenas”.
“Fizeram questão para todo mundo sair daqui. Fizeram questão de pes-
soas incentivarem de ir embora daqui. Nós tivemos balançado para ir
embora daqui. Fomos em dois municípios procurar local. Não agradou.
Ficava uma coisa por trás, dizendo para a gente, não faça isso. Na outra
viagem, o pajé veio e disse:
— ‘sabe de uma coisa, vamos ficar lá mesmo. Terra ali é memorada’, como
dizia uma cabocla velha que tinha ali.
— ‘a lei não é morada. Lá está o que é nosso, os brancos é que vão usu-
fruir, e nós é que vamos ficar jogados. Não, isso não está certo. Isso não
está certo, nós vamos é ficar.’
... O povo fez aquele reboliço, foi embora para aqui, para lá, para acolá.
Eu disse:
— ‘Eu não vou não.’
‘Ah! Vai se acabar porque ficou tudo debaixo d’água.’
Aí ficaram incentivando uns aos outros. Veio os próprios políticos no
meio da gente. E família contra família. Família que ia, ia viver. Quem
ficava era para morrer. É que eles iam viver, nós íamos morrer. Se um dia
chegasse lá não tinha apoio. Porque não quis acompanhá-los.”
Esse sentimento de uma maior “mistura” dos Tuxá com não índios
após a construção da Hidroelétrica é também corroborada pelos habitan-
tes antigos da velha Rodelas. É importante destacar que apesar dos casa-
mentos exogâmicos, tanto as lideranças mais velhas como as lideranças
jovens são formadas por casais endogâmicos. Na minha opinião, essa im-
pressão de ambos os grupos, índios e não índios, se dá principalmente por
dois motivos:
Após a barragem os não índios que casaram com índios tem na sua
maioria famílias residentes na cidade, ao contrário de antes, em que
a maioria tinha família estabelecida em outro município ou povoado.
“Era uma vida sadia. Colocava a esteira na porta da casa, e ficava olhan-
do as estrelas. Porque as águas são vivas até a meia-noite. Meia-noite em
ponto ela dorme. Quando dá 1246 horas da noite, aí você vê as cachoeiras
tornar a começar a chiar. Aí quando chegava meia-noite em ponto, você
via ficar silêncio, não via zoada de cachoeira nenhuma. Mas quando dava
12 horas da noite, da madrugada, você via começar aqueles estrondos,
aquelas coisas... Era bonito demais, rapaz. Meia-noite é meia-noite em
ponto. Na hora que se diz, ‘o que está bom está parado, e o que é ruim
começa’. Aí quando é madrugada, a primeira cantada do galo, que já é
outro dia, aí o mal se arretira, e o bem chega. Aí nesse rio, a gente via
muita coisa, muita coisa aí nesse rio, que era da gente né, dos antepassa-
dos. Já hoje não tem mais, ninguém encontra mais. Porque aquele lugar
que eles viviam, terminaram tudo. Por isso às vezes eu fico pensando,
está existindo uma fraqueza assim, em certas coisas no meio da gente por
causa disso aí. Porque acabou-se. Aquele lugar sagrado acabou-se. Aquele
cruzeiro ali, aquele serrote ali, eu alcancei um tempo, que os índios fa-
ziam festa lá, mas festa assim, da religião deles né. Não é festa de dançar,
não. Festa da religião deles, faziam lá no serrote. Hoje em dia ninguém
faz mais. E também não tem mais aonde, está tudo alagado. Isso tudo já
é uma coisa, que quebra uma parte da força da gente, né. No mato, nesse
46 Doze horas para o Pajé – quer dizer a hora que do primeiro canto do galo na madrugada
–, e quando as águas do rio São Francisco “voltavam a chiar” na cachoeira, era por volta de
umas 3h da manhã.
“Disse em reuniões passadas que isso foi, isso faz parte dos danos que
ela causou. Que deveria ser compensado, muito bem compensado, pe-
los danos morais que ela causou, não foram só danos pessoais, danos
morais aonde envolve a religião do nosso povo. O morro mestre aonde
era o reinado, está submerso. Acredito que não saíram de lá, porque ele
não desapareceu todo, está pela metade. Mas os pertences que eram dos
antigos, os restos mortais que eram dos antigos que estavam ali, que eles
frequentavam, os espíritos mortais que frequentavam, os restos mortais
que estavam ali, os seus pertences que estavam ali. Que quando o índio
morria os seus pertences eram todos enterrados, que ele usava. A sua
sabedoria, sua crença, a sua religião. E foi retirado a parte que não se en-
contra mais aqui, está no museu por aí, e o que não foi encontrado ficou
submerso por debaixo das águas, aí enfraqueceu a religião. Mas o que
resta ainda, a gente está preservando, tá continuando, e estamos fazendo
para dar continuidade ao futuro desses jovens, essa religião.”
“E mesmo de primeiro não tinha a vaidade que tem hoje. De primeiro não
tinha discoteca, não tinha televisão, não tinha nada. Quando era um toré,
para a gente dá, era mesmo que uma festa. Era tudo ansioso, dançando
e tudo. Mas hoje em dia, meu bem, chega de noite toma um banho vão
para discoteca, outros vão para aqui, outros vão para acolá, aí pronto.”
“... era a brincadeira, não tinha discoteca, não tinha boate, não tinha
nada, era o canto da gente, era se divertir, dançando toré, rei rei rei.
Rodeio, pegava na mão do outro e cantando, dizendo verso e cantando.
Aquilo ali se pudesse passava a noite todinha. Tinha uma namorada pe-
gava na mão. Naquele tempo quando a gente pegava na mão já era muita
coisa, compreendeu? Cantava aquilo para viver, ajudar a sobreviver. Tudo
que a gente funciona por crença, ajuda a viver.”
Bibliografia
ALVAREZ, Sonia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. Cultura e política nos
movimentos sociais latinos-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
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Sonhos submersos ou desenvolvimento? Impactos da barragem de Itaparica, Recife. Recife:
Massangana, 2000.
49 Feira BRASBOL é o nome oficial da feira, cuja sigla é uma abreviação de Brasil-Bolívia.
51 Aqui entendamos como os Camba não indígenas de Albó (1989) e que chamamos de
Camba urbanos.
52 Neste caso, seguindo a divisão social dos espaços da cidade, estamos nos referindo aos
Camba residentes “antes da linha do trem”, que são em sua maioria os cruceños, tal qual a
família da D. Augustina, e não aos Camba do São Francisco, “depois da linha do trem”. No
entanto, em eventos que mobilizam toda a cidade, como foi o “Festival América do Sul” e o
carnaval (considerado, e divulgado pela mídia de Mato Grosso do Sul, como o “melhor do
estado”, com apresentação de escolas de samba nas ruas do centro de Corumbá), alguns jo-
vens Camba de São Francisco também se motivam a descer para o centro da cidade, embora
sejam minoria.
53 O Sr. Juan Carlos é filho da D. Augustina, organizadora da novena e da fiesta à Nuestra Seño-
ra de Urkupiña que acompanhei em agosto de 2007 e sobre a qual discorreremos neste artigo.
54 Este vínculo entre dançarino da La Diablada e a Virgen é semelhante ao que se estabelece
entre os dançarinos que participam dos festejos à Nuestra Señora de Urkupiña, pois ambos
dançam para “pagar” uma promessa feita à santa.
55 Segundo os nossos interlocutores, a imagem da santa não deve ser comprada pelo devoto,
mas sim ganha por outro. O que geralmente acontece entre os mais devotos da santa, que
se disponibilizam a fazer as novenas anualmente, é a “troca de imagens”, onde um dá uma
imagem e recebe outra, respeitando assim o fato de “não ter comprado a santa”.
56 Cada um deles, de acordo com o Sr. João Hellensberger, vestidos com roupas brilhantes e
coloridas, representariam os habitantes de várias regiões da Bolívia, do Altiplano ao Oriente.
Mas, no cortejo da santa organizado por D. Augustina não houve a presença dos dançarinos
que viriam de Puerto Quijarro, pois os mesmos cobraram 200 dólares para se apresentarem.
Diante do aumento considerável no valor das apresentações (que segundo informaram girava
em torno de 50 dólares) a família de D. Augustina não conseguiu arrecadar o montante
necessário para tal.
57 O Sr. Juan Carlos (Camba cruceño, como ele mesmo disse, nascido em Santa Cruz de La
Sierra) é professor e atualmente diretor de uma escola técnica no Centro de Corumbá.
58 Prece lida do livreto Novena a La Gloriosísima Virgen de Urkupiña. 5. ed. Cochabamba: 1998.
59 Ibid.
61 Esclareço que ao falar de notas de “dinheiro falso”, não estou me referindo a nenhum ato
ilícito, mas a fotocópias das notas de dinheiro boliviano, usadas para simbolizar o mesmo.
Bibliografia
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http://www.museu-Goeldi.br/etnografiatraducao/PDFs/antropologia%20em%20
fronteiras.pdf.
Introdução
Neste texto vou abordar as relações sociais entre os cabo-verdianos (os que
são da “terra62”) e os mandjácus (imigrantes provenientes da costa oci-
dental africana, que não são considerados, nem se autoidentificam como
da “terra” destacando a configuração e a afi rmação destas identidades no
contexto das interações sociais. Apresento a composição e a distribuição
demográfica dos grupos, as atividades econômicas e sociais a que se dedi-
cam, a caracterização dos contextos de interação e as etnomias utilizadas,
o depoimento dos envolvidos e a minha análise e interpretação dos dados.
Por fi m, concluo sobre o tipo de relações sociais observadas decorren-
tes dos dados colhidos e análises realizadas sobre as configurações identi-
tárias que caracterizam os cabo-verdianos e os mandjácus.
“A terra natal, deste modo. Permanece como um dos mais poderosos sím-
bolos unificadores para pessoas móveis e deslocadas (...). Precisamos abrir
mão das idéias ingênuas da comunidade entendida como uma entidade
literal, mas continuar sensíveis à profunda ‘bifocalidade’ que caracteriza
as vidas vividas localmente em um mundo globalmente interconectado”
(SAHLINS, 1997b, p. 117).
67 Foi-me feita essa pergunta no mercado popular de Sucupira (Praia) por uma das minhas
entrevistadas que achou o meu sotaque diferente em crioulo, achando que eu era um mand-
jácu. Eu já estou há 15 anos fora de Cabo Verde.
68 Edna, 30 anos, trabalha há um mês num restaurante no interior do Sucupira que serve
prato feito, natural da ilha de Santiago, entrevista em janeiro de 2008.
69 Os quadros não africanos (europeus na sua maioria) eram designados por cooperantes pe-
los cabo-verdianos. José Vicente Lopes, relata bem o panorama geral cabo-verdiano na pré-
-independência e nos seus momentos iniciais no seu livro, Os Bastidores da Independência,
caracterizado pela carência de quase tudo.
70 Professores de Educação Física, Ciências, Matemática, Físico-Química, Francês, Inglês e
História.
71 Cabo Verde e Guiné Bissau foram governados pelo mesmo partido, o PAIGC, da indepen-
dência até 1980, altura em que ocorreu um golpe de estado na Guiné Bissau que teve como
uma das consequências a separação política dos dois países, até então, considerados irmãos:
“dois corpos, um coração”.
73 Em Cabo Verde existem associações funerárias de dois tipos principais: uma em que os
membros participam com uma cota em função de cada morte de um associado e outra em
que os membros pagam uma cota mensal. No primeiro caso, o retorno é variável em função
do número de associados no momento de cada morte e dos adimplentes; o segundo caso, o
retorno é fi xo e predeterminado. As pessoas preferem o primeiro tipo.
Todos os cidadãos têm igual dignidade social e são iguais perante a lei,
ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado ou prejudicado, privado
de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da raça, sexo,
ascendência, língua, origem religião, condições sociais e econômicas ou
condições políticas ou ideológicas75.
74 Cf. art. 22º, n. 1, da Constituição da República de Cabo Verde de 1992 (os grifos são meus).
75 Cf. art. 23º, n. 1, da Constituição da República de Cabo Verde de 1992 (os grifos são meus).
Migrantes nigerianos
—“Mandjácu”, “amigo”. Eu não me identifico por esses nomes. Quando
dizemos (aos cabo-verdianos) que somos da Nigéria, dizem – “He! Mand-
jácu da Nigéria” – é um abuso essa forma de tratamento, é discriminação,
é racismo! Nós não gostamos de ser chamados de “mandjácus”, temos o
nosso nome. Nós não lhes chamamos de escravos (referindo-se à história
dos cabo-verdianos), por que nos chamam de “mandjácus”? É um despre-
zo! Isso magoa muito76.
— Nos chamam “mandjácus de merda, por que não vão para a vossa
terra?”77
Estes dois nigerianos identificaram os dois etnônimos utilizados pelos
cabo-verdianos para designá-los e avaliam que ser chamado de “mand-
jácu” ou “amigo” é a mesma coisa em termos depreciativos.
Migrante cabo-verdiana-suíça
— Mandjácus 78 .
Cabo-verdianos
Duca, (22 anos, rabidanti há dois anos no Sucupira, natural da ilha de
Santiago) diz que os cabo-verdianos designam os imigrantes da costa oci-
dental africana por “amigos” ou “mandjácus”. Ela Acha que “amigo” é
melhor porque “mandjácu”, segundo ouviu falar, “mandjácu” se refere a
pessoas de uma tribo (etnia) da Guiné Bissau, por isso, “amigo” é mais
correto.
Djunha, (43 anos, rabidanti há vários anos no Sucupira, natural da
ilha do Fogo) afi rma que os cabo-verdianos chamam os imigrantes africa-
nos de “mandjácus” ou “amigos”. Para ele mandjácu é mais depreciativo:
“é um desprezo, é para inferiorizar, e amigo é mais suave. (…) mandjácu é
uma forma de discriminação que está errada, mas que existe (…) é compa-
nalidade suíça por adoção, artista plástica, entrevistada na Cidade da Praia, janeiro de 2008.
79 Badius são os naturais da ilha de Santiago.
80 Sampadjudus são os naturais das outras ilhas diferente de Santiago.
81 Suleimane, 24 anos, natural da Guiné Conacri, há quatro anos em Cabo Verde, rabidanti,
entrevista, janeiro, 2008.
Migrante Senegalês
Usumane (28 anos, rabidanti no Sucupira, senegalês, há dois anos em
Cabo Verde), fala que são chamados de “amigos” ou “mandjácus” e que
chamam os cabo-verdianos por “amigos” mas não percebe qualquer tipo
de discriminação nem da parte dos cabo-verdianos em geral, e nem das
autoridades policiais.
Nota-se que o termo mandjácu é depreciativo, sinônimo ao amigo e
serve para demarcar os limites identitários entre “os da terra” e “os que
vieram de fora”. Trata-se de “um estigma (…) um atributo profundamente
depreciativo” (GOFFMAN, 1980, p. 13). Para Big e Angel, mandjácu e
amigo são sinônimos em termos de carga pejorativa, “não têm diferença,
são iguais, amigo não é melhor do que mandjácu. É tão ruim quanto”83.
82 Acharam que eu era um mandjácu por causa do sotaque no falar crioulo que perceberam.
83 Big (35 anos), Angel (37 anos), nigerianos ambos rabidantis no Sucupira, residentes em
Cabo Verde há mais de 8 anos, entrevista, janeiro de 2008.
84 Seku Kabé, 28 anos, sendo oito em Cabo Verde, fi lho de mãe cabo-verdiana e pai guine-
ense, vendedor no mercado de artesanato na ilha do Sal, entrevista, janeiro de 2008.
85 Igor, 24 anos, há um ano em Cabo Verde, fi lho de mãe cabo-verdiana e pai angolano,
estudante, entrevista na ilha do Sal, janeiro de 2008.
86 Joel, 34 anos, nascido e criado em Cabo Verde, fi lho de pais cabo-verdianos, segurança de
um hotel, entrevista na ilha do Sal, janeiro de 2008.
87 Seku Kabé, 28 anos, sendo oito em Cabo Verde, fi lho de mãe cabo-verdiana e pai guineen-
se, vendedor no mercado de artesanato na ilha do Sal, entrevista, janeiro de 2008.
88 Misá, 41 anos, nascida em Cabo Verde, emigrou para a Suíça com 11 anos e regressou a
Cabo Verde com 30 anos e reside aí desde então, fi lha de pais cabo-verdianos, adquiriu a nacio-
nalidade suíça por adoção, artista plástica, entrevistada na Cidade da Praia, janeiro de 2008.
89 Joel, 34 anos, nascido e criado em Cabo Verde, fi lho de pais cabo-verdianos, segurança de
um hotel, entrevista na ilha do Sal, janeiro de 2008.
90 Catota é o nome crioulo obsceno para o órgão sexual da mulher. Usa-se esse nome na
expressão “catota bu mái (catota da tua mãe) para se ofender verbalmente uma pessoa numa
situação de confl ito, é o superlativo máximo em ofensas verbais em Cabo Verde, o correspon-
dente brasileiro ao “vai tomar …”.
91 Misá, 41 anos, nascida em Cabo Verde, emigrou para a Suíça com 11 anos e regressou a Cabo
Verde com 30 anos e reside aí desde então, filha de pais cabo-verdianos, adquiriu a nacionalidade
suíça por adoção, artista plástica, entrevistada na Cidade da Praia, janeiro de 2008.
92 Igor, 24 anos, há um ano em Cabo Verde, fi lho de mãe cabo-verdiana e pai angolano,
estudante, entrevista na ilha do Sal, janeiro de 2008.
93 Big, 35 anos, nigeriano, vendedor no Sucupira, residente em Cabo Verde há mais de oito
anos, entrevista, janeiro de 2008.
94 Angel, 37 anos, nigeriano, vendedor no Sucupira, residente em Cabo Verde há mais de
oito anos, entrevista, janeiro de 2008.
95 Big, 35 anos, nigeriano, vendedor no Sucupira, residente em Cabo Verde há mais de oito
anos, entrevista, janeiro de 2008.
96 Big, 35 anos, nigeriano, rabidanti no Sucupira, residente em Cabo Verde há mais de oito
anos, entrevista, janeiro de 2008.
97 Idem.
98 Idem.
99 Angel, 37 anos, nigeriano, rabidanti no Sucupira, residente em Cabo Verde há mais de
oito anos, entrevista, janeiro de 2008.
100 Joel, 34 anos, nascido e criado em Cabo Verde, fi lho de pais cabo-verdianos, segurança
de um hotel, entrevista na ilha do Sal, janeiro de 2008.
101 Jornal A semana, sexta-feira, 8 de junho de 2007, p. 14 (Os grifos são meus).
109 Idem.
110 Idem.
111 Idem.
113 Misá, 41 anos, nascida em Cabo Verde, emigrou para a Suíça com 11 anos e regressou a Cabo
Verde com 30 anos e reside aí desde então, filha de pais cabo-verdianos, adquiriu a nacionalidade
suíça por adoção, artista plástica, entrevistada na Cidade da Praia, fevereiro de 2008.
114 VASCONCELLOS, 1916, p. 99-100.
(…) foi surgindo ali (em Cabo Verde) uma cultura sui-generis no Mundo,
marcadamente lusíada. Com características muito próximas (a literatura
e a música), este povo constituído na sua grande maioria por mulatos,
pouco reteve da África, nos seus hábitos e costumes, individualizou-se
numa amálgama de influências, cujas origens os especialistas localizam
no continente europeu, nas Américas e na Ásia, havendo mesmo que as
tenha detectado ali na Oceania” (Diário de Lisboa).
Considerando que Cabo Verde possa ser classificado como uma socie-
dade plural, segundo Hutchinson e Smith (1996, p. 238), o pluralismo é
uma condição na qual os membros de uma mesma sociedade são inteira-
mente distinguidos por diferenças fundamentais nas suas práticas institu-
cionais. Tais diferenças não são distribuídas aleatoriamente. Normalmente
se agrupam e estabelecem divisões sociais profundas entre os distintos gru-
pos. A prevalência de tais dissociações entre os membros de coletividades
institucionalizadas dentro de uma única sociedade constitui o pluralismo.
Esse pluralismo simultaneamente conota uma estrutura social caracteriza-
da por descontinuidades fundamentais e clivagens e é baseado num com-
plexo cultural sistematizado.
O pluriculturalismo depende de um esforço tremendo para “entender
a diversidade cultural tanto no país no qual vivemos como no mundo em
que vivemos” (MAYBURY-LEWIS, 1984, p. 14-5).
O fato é que a maioria das nações do mundo já está ficando pluriétni-
ca. O que distingue uma das outras é que algumas reconhecem esse fato
e tenta incorporá-lo na cultura e nas instituições nacionais, ao passo que
outras tentam negar a pluriculturalidade e suprimi-la. Estas últimas estão
então, na opinião do autor, a fazer o que os psicanalistas chamam de “um
estado de negação” e vão descobrir que “é impossível funcionar no mundo
moderno sem ser afetado pela globalização e pelas migrações populacio-
nais” (MAYBURY-LEWIS,1984, p. 17).
Conclusão
As relações entre cabo-verdianos e mandjácus são caracterizadas na discri-
minação e preconceito racial da parte dos cabo-verdianos em relação aos
mandjácus. Estes imigrantes africanos se dedicam majoritariamente a ati-
vidades de comércio informal ou na indústria de construção civil. Alguns
veem Cabo Verde como se fosse uma “porta” de entrada para a Europa
que seria uma espécie de el dourado. Dizem que nos seus países é difícil,
quase impossível conseguir visto de entrada para qualquer país europeu
devido a redes mafiosas e de corrupção que cercam as embaixadas aí nes-
ses países, e que a solução é Cabo Verde como ponto de passagem ou de
residência para trabalhar.
A utilização do etnônimo mandjácu é considerada um estigma para
indivíduos e grupos assim designados. Trata-se de uma identidade “oni-
presente” que não pode ser suprimida por defi nições mais favoráveis nos
contextos de interação. No entanto, os emigrantes cabo-verdianos depor-
tados da diáspora também dizem sofrer do mesmo tipo de problema de
discriminação.
115 A cidade de Oriximiná está situada à margem esquerda do rio Trombetas, afluente do
rio Amazonas, a uma distância de 880 km da cidade de Belém, capital do Estado do Pará, e
a 400 km de distância da cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas.
116 A Mineração Rio do Norte (MRN) é uma associação de empresas que envolve capitais
nacionais e estrangeiros oriundos da Companhia Vale do Rio Doce e Companhia Brasileira
de Alumínio (Brasil), da Alcan e da Alcoa (Canadá), da Billiton (Holanda), da Reynolds
(USA), e da Norsk Hydro (Noruega). Cada empresa, durante a vigência da joint-venture, fica
responsável pelo desenvolvimento e execução dos projetos, que tem como atividade econômi-
ca principal a extração da bauxita no vale do Trombetas.
117 Porto Trombetas é uma cidade que está situada na circunscrição do município de Orixi-
miná – fica a uma distância de cerca de 80 km da cidade de Oriximiná – e é nela que funcio-
na a Mineração Rio do Norte (MRN).
118 Dessa arrecadação, 65% deve ser repassada para a administração local e, de acordo com
a legislação constitucional, os recursos provenientes deste repasse, os royalties devidos pela
MRN, só podem ser utilizados em projetos que direta ou indiretamente estejam direcionados
ao bem-estar da população local.
119 A interação social entre alguns membros do chamado grupo de “remanescentes de qui-
lombos” do alto do rio Erepecuru na cidade de Oriximiná, a partir de uma situação etno-
gráfica, serviu de base para a elaboração da dissertação “Do alto do rio Erepecuru à cidade
de Oriximiná: A constituição de um espaço social em um núcleo urbano da Amazônia”,
apresentada em março de 2002, na Universidade Federal Fluminense.
120 A história da ocupação por escravos em fuga das áreas banhadas pelo rio Trombetas e
seus afluentes é descrita por escritores e viajantes desde o início do século XIX, como a rela-
tada em “O Negro no Pará”, cujo autor, Vicente Salles, comenta sobre “os negros dispersos,
vivendo em palhoças humildes, conhecidos sob a designação de mocambeiros, constituem
porém a grande maioria da população rural do Trombetas e seus afluentes” (SALLES, 1971,
p. 232). Tavares Bastos, em 1866, também observava que “perto de Óbidos entra no Amazo-
nas o rio Trombetas; nas suas florestas existem muitas centenas de escravos fugidos. Os mo-
cambos do Trombetas são diversos; dizem que todos contêm, com os criminosos e desertores
foragidos, mais de 2.000 almas” (BASTOS, 1866, p. 201) e ainda arrisca uma projeção, “os
mocambos tem sido perseguidos periodicamente, mas nunca destruídos. Eu acredito que elles
hão de prosperar e augmentar” (1866, p. 202).
121 O’DWYER, Eliane Cantarino. Os Quilombos do Trombetas e do Erepecuru-Cuminá. In:
Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002.
122 Segundo os comentários de alguns moradores do bairro da Cidade Nova, as terras desse
novo bairro eram de “propriedade do vice-prefeito, e na época da campanha ele prometeu
dar aquelas terras se ganhasse a eleição. Ele ganhou, mas não cumpriu o prometido, e aí, o
pessoal passou a invadir”. Obs.: As eleições as quais ela se refere são as de outubro de 1996.
123 A denominação interior é utilizada pelos informantes para designar as localidades ru-
rais em oposição à cidade. Entende-se, pois, como interior tanto as áreas habitadas pelas
populações ribeirinhas do município de Oriximiná, como também àquelas pertencentes às
chamadas comunidades “remanescentes de quilombos” situadas ao longo dos rios Trombetas
e Erepecuru.
124 Conforme analisa a antropóloga Joan Vincent, nos estudos sobre a sociedade agrária, é
muito comum a hospedagem de crianças provenientes do interior para a cidade “em casa de
parentes que residem próximos a escolas” e “como os mecanismos estabelecidos de parentes-
co se adaptam às necessidades em mudança; as reciprocidades envolvidas podem transcender
gerações” (1987, p. 385).
125 É neste ponto que a pesquisa tende a divergir metodologicamente do esquema utilizado
por Barnes, visto que em seu trabalho o modelo de “rede social” construído era ilimitado,
aleatório e não considerava nenhuma pessoa que estivesse fora da rede de indicações geradas
através dos informantes. Aqui, no entanto, é o integrante do grupo eleito para ser o ponto
de partida da pesquisa quem vai conduzir o pesquisador para os “contextos dos encontros
sociais” (BARTH, 1966, p. 83), ou seja, para os espaços nos quais a ação social acontece.
126 O objetivo aqui é mais demonstrar o movimento de migração do que analisar suas cau-
sas, mas como afi rma a pesquisadora Elisa M. Pereira Reis quanto aos processos de migração
rural-urbana “é importante observar também que, embora percebida como uma decisão in-
dividual, a migração é frequentemente uma resposta societal na medida em que ela se torna
localmente o meio mais legítimo, senão o único, de mobilidade social” (1976, p. 81-82).
127 No decorrer da década de 1950, vários trabalhos coordenados por um grupo de antro-
pólogos reunidos no Rhodes-Livingstone Institute, em Lusaka (Zâmbia), afi liados à Univer-
sidade de Manchester, como J. Clyde Mitchell (1956), Arnold L. Epstein (1958), Max Gluck-
man (1961), entre outros, desenvolveram análises voltadas para a questão da heterogeneidade
étnica e as interações sociais vivenciadas nas cidades industriais da Rodésia do Norte (atual
Zâmbia), localizada no centro da África. Essas cidades, situadas próximas às minas de co-
bre, constituíram o chamado Copperbelt (Cinturão do Cobre), que acolhia um fluxo grande
de migrantes de diferentes tribos africanas à procura de trabalho nas minas. Tais pesquisas
abordaram, sobretudo, situações sociais que envolviam diferentes pessoas de padrões cultu-
rais em um contexto urbano de múltiplos eventos e encontros. Aqui, a etnicidade funcionava
como uma categoria que permitia aos membros dos diversos grupos étnicos espalhados em
um contexto de larga interação social, fora de um sistema de grupo corporado, um reconhe-
cimento de seus pares através da contrastividade com os demais indivíduos.
Considerações finais
Uma vez instalados na cidade de Oriximiná, principalmente, nos bairros
de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Santa Terezinha e da Cidade
Nova, alguns desses membros do grupo étnico “remanescente de quilom-
Bibliografia
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Castanheiros, remanescentes
de quilombo, filhos do Erepecuru
Joyce Silva dos Santos Drumond Linhares
Entrada no campo
O destino é Oriximiná, o último grande município do oeste paraense que
faz fronteira com a Guiana Francesa e o Suriname, situado à margem do
rio Trombetas. A área urbana propriamente é pequena, mas o município
envolve também toda a área chamada de interior, onde estão localizadas
as comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, chegando a ter um
território de mais de 100 mil quilômetros quadrados, com pouca densida-
de (0,4) demográfica por quilometro quadrado·. A presença da Mineração
Rio do Norte (MRN) – empresa de extração mineral da bauxita – insta-
lada, no fi m da década de 1970, no porto Trombetas, distrito do muni-
cípio de Oriximiná, incentivou um crescimento tanto comercial quanto
populacional na área urbana de Oriximiná. Observa-se uma diversidade
de moradores e frequentadores da cidade de Oriximiná, tais como: rema-
nescentes de quilombos, trabalhadores agrícolas ribeirinhos, funcionários
da empresa MRN, pequenos produtores que vivem na ‘estrada do BEC’,
que une o município de Oriximiná ao de Óbidos, e os índios wai-wai do
Mapuera, entre outros atores sociais.
Através do Grupo de Estudos Amazônicos (GEAM), constituído por
discentes e docentes pesquisadores da UFF, foi apresentado o projeto “Ca-
tegorias Sociais, Formas de Organização e Fluxos Culturais – uma análise
do contexto urbano em Oriximiná” à Pró-Reitoria de Extensão (PROEX)
da UFF que viabilizou a viagem e permanência na cidade de Oriximiná,
onde funciona a Unidade Avançada José Veríssimo (UAJV), que integra
o Campus Avançado da UFF. A UFF mantém as instalações da UAJV
em Oriximiná desde 1973, com objetivo principal de desenvolver ativi-
dades tanto extensionistas como de ensino e pesquisa. Assim, a Unidade
Avançada foi criada para oferecer um subsídio e um estímulo aos estu-
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade defi nitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
128 É como os quilombolas se referem aos curandeiros, sendo o Chico Melo até a presente
data, o último sacaca daquela região. Os sacacas possuem um domínio sobre ervas medici-
nais, rezas etc.
O interior é fartura
A população dos quilombos ou mocambos do Trombetas, como também
são conhecidos nos relatos dos viajantes e em referências historiográficas,
foi em 1866 contabilizada por Tavares Bastos em mais de 2.000 indivíduos.
Atualmente, com uma população de cerca de 6.000 pessoas, os quilombo-
las de Oriximiná estão organizados em 32 comunidades rurais, distribuídas
por oito territórios constituídos por grandes extensões da Floresta Amazô-
nica ainda muito preservadas, que somam mais de 665 mil hectares129.
A Floresta Amazônica está longe de ser um vazio demográfico, visto
que abriga diversas comunidades ribeirinhas, quilombolas e/ou indígenas.
Quando fugiram para a floresta, no século XIX, das fazendas e das pro-
“(...) a configuração espacial desses grupos do alto curso dos rios, cujo
relativo isolamento é mantido e atualizado de forma consciente, não
deve conduzir à reificação de qualquer imagem de um “mundo fechado
e autosuficiente”. Do nosso ponto de vista, a naturalização das ideias de
“isolado social” e/ou “isolado cultural” deixa de fora e à margem das
descrições etnográficas, diferentes processos históricos e sociais que re-
sultam na construção de um “isolamento consciente”, baseado na me-
mória histórica e genealógica desses grupos sobre sua origem comum,
recuperando-se, assim, a noção de Weber sobre a construção de “frontei-
ras rigorosas... que se fi xam em pequenas diferenças de hábitos cultivados
e aprofundados... em virtude de um isolamento monopolista consciente”
(Quilombos Identidade Étnica e Territorialidade, 2002).
130 Entende-se aqui que o “fi nal do mês” se estende até o início do outro mês.
131 Pratica que encontrei tanto no interior como na cidade, seria como uma reza que o ben-
zedeiro (a) puxa com as próprias mãos o mal, a doença da pessoa necessitada.
132 Destaco aqui que a mineradora hoje vive uma relação “amigável” com as comunidades,
bem diferente do passado confl ituoso, com ações de despejo e restrições do exercício das
atividades extrativistas por parte da MRN para com as comunidades. Ver O’Dwyer (2005).
“Rafael foge do seu destino de sacaca. Mas ele mesmo tem noção que a
vida dele está direcionada para isso” e completa dizendo, como se confor-
masse: “Não surgiu ainda nenhum sacaca porque a natureza mudou mui-
to. Anda muito movimentada por causa das televisões, motores, barcos.”
134 É uma liderança importante dos quilombolas, na época do campo ele assumia a coorde-
nação da cooperativa.
Para Wanderley,
136 Programa idealizado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vin-
culada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) as boas práticas no manejo
da castanha-do-brasil são cuidados simples que devem ser seguidos desde a coleta do produto
até a fase de ensacamento e industrialização. Evitar que o ouriço permaneça por muito tem-
po no chão, não misturar ouriços velhos com ouriços novos, separar as castanhas chochas,
mofadas ou machucadas daquelas em boas condições, não deixar as castanhas na mata por
longo período e secar o produto antes do armazenamento são alguns destes cuidados.
Considerações finais
Ao realizar o estudo etnográfico nas comunidades remanescentes de qui-
lombo do rio Erepecuru, parto da ideia de que a cultura é nas pessoas por
meio de experiências. Assim, a minha experiência etnográfica do trabalho
de campo permitiu o acesso a essas formas de experiências vivenciadas
pelos quilombolas, que constituem modos de produzir e reproduzir suas
práticas culturais. Como Barth (2005) coloca: “(...) devemos pensar a cul-
tura como algo distribuído por intermédio das pessoas, entre as pessoas,
como resultado das suas experiências. Ao terem experiências semelhantes
e se engajarem mutuamente em reflexões, instruções e interações, as pesso-
as são induzidas a conceitualizar e, em parte, compartilhar vários modelos
culturais. Sugiro que um aspecto crucial das coisas culturais é a forma
pela qual elas se tornaram diferencialmente distribuídas entre pessoas e
entre círculos e grupos de pessoas”. Segundo o entendimento do grupo, ser
quilombola envolve não só a titulação coletiva do território como também
estar inserido nas redes de relações próprias das comunidades do rio Ere-
pecuru. É também ter um modo de ser considerado distinto, que defi ne os
de dentro em relação aos de fora.
Procurei investigar a multiplicidade de relações e significados envol-
vidos no cotidiano das pessoas interligadas, seja por laços de parentesco,
vizinhança e/ou redes sociais que integram as comunidades remanescentes
de quilombos do alto dos rios. Esses laços configuram o sentimento de
pertencimento aos grupos, entendendo estes como abertos, não fechados e
intransponíveis. Esse sentimento de pertencimento ultrapassa a localidade
das comunidades no interior. Como observei, ao se deslocarem do terri-
tório ocupado originalmente em direção à cidade de Oriximiná, o modo
137 ALMEIDA, Alfredo Wagner (Orgs.). Cadernos de debates Nova Cartografi a Social: Ter-
ritórios quilombolas e confl itos. UEA, 2010, p.336/7.
138 Utilizo o termo “município” para me referir a toda extensão territorial de Oriximiná,
incluindo a zona rural e urbana. E utilizo o termo “cidade” para me referir apenas ao centro
urbano.
139 Fala de um informante do quilombo do Trombetas presente no encontro de 1988 grava-
da em entrevista durante o trabalho de campo em fevereiro de 2009.
140 É possível que a ARQMO tenha sido fundada no ano seguinte (1989), essa data de fun-
dação foi dada em entrevista por um dos fundadores da associação.
143 Chico Melo foi o último sacaca de que se tinha notícia até a data em que a entrevista foi
feita, em fevereiro de 2009. Hoje, dizem que um novo sacaca está surgindo no Trombetas.
144 Idem a 142.
145 HERZFELD, Michael. Cultural intimacy: social poetics in the nation-state. Routledge,
2005, p. 147.
146 Idem a 142.
147 BARTH, Fredrik. Etnicidade e o conceito de cultura. Antropolítica, n. 19. EDUFF, 2005.
150 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: O guru, o iniciador e outras
variações antropológicas. Contra Capa, 2000.
151 ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Companhia das Letras, 2008.
152 BARTH, Fredrik. An anthropology of knowledge. Current Anthropology, v. 4, 2002.
Linguagens
Neste momento, busca-se concentrar os esforços analíticos na construção
de um conceito de Linguagem como aqui se considera, entendido como
fundamental para a argumentação desenvolvida neste trabalho. Para tanto,
considera-se primeiramente a necessidade de apresentação de dois outros
conceitos: significação e simbolização, para garantir maior clareza à análise.
Identidades
Culturas
Afi rma-se, então, que cada contexto intersubjetivo se configura por meio
de inúmeras agências socialmente implicadas, que se atravessam e se afe-
tam continuamente, formando quadros processuais igualmente ininterrup-
tos. Observa-se que cada ação é constituída por diversos atos coordenados
processualmente, que por sua vez são construídos por meio da conjugação
de várias linguagens, que abarcam inúmeras condições significativas e sim-
bólicas. A multiplicidade de linguagens constituintes de cada ação torna
estes quadros ainda mais complexos, uma vez que as linguagens também
são posicionadas em condições de influências mútuas e constantes. Neste
panorama aparentemente caótico, recorre-se a uma outra disposição já
apresentada, que defi ne que é característica fundante de toda linguagem
o fato de ser também referencialmente construída. Isto torna possível se
considerar, com mais clareza, que todas as configurações processuais de
Identidades
Retomando a organização categórica aqui proposta e defi nida, pode-se
considerar que: a) as inúmeras possibilidades de “seres humanos” se cons-
troem em dimensões experimentais, b) nas quais cada sujeito se realiza
como uma existência singular, inter-relacionado com outros sujeitos – e
portanto com outras ‘existências singulares’, c) por meio de condições de
compartilhamento de linguagens, constituídas e manifestas em ações so-
cialmente implicadas, d) multiplicadas em redes processuais que são con-
ceitualmente dispostas como culturas localizadas e dinâmicas. Defi nin-
Etnografia
A concepção aqui sugerida acerca da etnografia se apresenta no sentido de
se compreender e se realizar as incursões etnográficas como possibilidades
de experimentação de diferentes formas de manifestação existencial. Trata-
-se da intenção de se construir posicionamentos localizados em contex-
tos de “alteridades”, vivenciando de forma compreensiva as experiências
de mundo de Outros, não de forma “empática”, mas sim constituída em
“estranhamentos”: deslocamentos constantes de referências relacionais. A
“experiência etnográfica” não deve ser apenas uma condição de análise
do “estranho vagamente familiar”, como se fosse simplesmente uma ques-
Entrada em campo
A curta viagem, desde a saída do porto de Santarém até a chegada à região
de várzea do rio Ituqui, fez-se em, aproximadamente, duas horas. A nave-
gação pelo rio Tapajós até seu encontro com o rio Amazonas e a observa-
ção de um horizonte de águas intermináveis transformavam o percurso em
uma experiência tácita, ainda sem elaboração consolidada. Como ilustra-
ção marcante da condição de “estranhamento”, só foi possível constatar
que havia chegado ao Ituqui depois de já estar a pelo menos meia hora em
suas águas, no momento em o barco parou, atracando-se a um dos diver-
sos “portos singulares”, construídos de forma artesanal e esmerada, com
ripas de madeira improvisadas como rampas de acesso – cuja condição
provisória se fez diacrítica, como discutirei posteriormente. Juntamente
com os outros pesquisadores, fui recepcionado por alguns comunitários e,
após breves apresentações e identificações pessoais, nos encaminhamos até
um local onde outros moradores já estavam reunidos, aguardando o início
das discussões a serem realizadas.
Neste primeiro dia, comparecemos às reuniões nas três comunidades:
São José, Nova Vista e São Raimundo. Cada reunião ocorria num espaço
comum, presente em cada comunidade: uma espécie de “galpão”, soergui-
do a 1 metro do solo, todo construído em madeira – exceto pelas telhas de
tijolo ou amianto – delimitado por paredes vazadas em trançados, ergui-
das a mais ou menos 1,70 metro a partir do piso. Este espaço compartilha-
do, de tamanho suficientemente capaz de abrigar todos os moradores ao
mesmo tempo, é significado e simbolizado de diversas formas, sendo utili-
zado em múltiplas ocasiões e situações intersubjetivas, como por exemplo,
festividades e discussões, como estas reuniões em questão.
As três recepções, marcadas em singularidades e diferenças, apresen-
tavam situações possíveis de serem relativamente comparadas, como, por
exemplo, a utilização do galpão comunitário de cada comunidade como
espaço de discussão. Cada comunitário fazia questão de se identificar sin-
gularmente, por nome e sobrenome. Formas receptivas, com distintivida-
des e cortesias, ou simplesmente “educadas”, como muitos assim defi ni-
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