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Resumo
O atual paradigma brasileiro da avaliação psicológica na seara do trânsito é padronizado pelo Conselho Nacional de
Trânsito (CONTRAN), o qual determina em resolução estipulação de prazo limítrofe para que todo psicólogo que
atue na referida atividade, (e queira permanecer atuando na mesma), obtenha grau de especialista em Psicologia do
Trânsito. Embora o exercício da profissão de Psicólogo no Brasil seja de regulação e fiscalização normativamente
atribuídas ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) e aos respectivos Conselhos Regionais, no que concerne à
matéria de trânsito a legislação pátria confere a órgãos que regulam e fiscalizam questões de trânsito prerrogativas
que sobrepõem-se às dos próprios CFP e CRPs quanto a exigências específicas aos psicólogos, evidenciando-se uma
antinomia referente às competências legais de cada órgão na relação com o exercício da Psicologia. A questão
promove discussões que permeiam a lógica legal da competência atribuída ao CONTRAN em relação à atividade de
psicólogo.
Palavras-chave: Psicologia, Trânsito, Avaliação, Especialização
Abstract
The current Brazilian paradigm of psychological evaluation in the area traffic is standardized by the National Traffic
Council (CONTRAN), which determines in resolution the stipulation borderline term for any psychologist who acts
in such an activity, (and wants to keep working in it), who gets a specialist degree in Traffic Psychology. Although
the profession of a psychologist in Brazil is one regulamentation and supervision which are normatively assigned to
the Federal Council of Psychology (CFP) and its Regional Councils, concerning matters of traffic Brazilian law gives
the agencies that regulate and supervise traffic issues prerogatives that overlap those of CFP and CRPs themselves
as to the specific requirements for psychologists, highlighting an antinomy pertaining to the legal responsibilities of
each agency in relation to the exercise of Psychology. The question promotes discussions that permeate the legal
logic of the competence assigned to CONTRAN in relation to the activity of the psychologist.
Keywords: Psychology, Traffic, Evaluation, Specialization
1 Contato: joel.malaquias@hotmail.com
integração normativa de fatos e valores” (p. 246). ressaltar as quais compõem ligação com a aplicação
Com tal pensamento verifica-se a estreita relação da ciência psicológica no contexto do trânsito
do Direito à norma, a qual norteia a integralização brasileiro. Inicialmente, com base nos dados
entre os elementos valorativos pessoais de cada apresentados anteriormente (capítulos 1 e 2) fora
indivíduo na sociedade na produção de fatos, possível estabelecer que a Psicologia do Trânsito é
também de cunhos sociais, fortalecendo o vínculo uma disciplina aplicada a uma coletividade,
com a Psicologia em sua aplicação ao trânsito indistintamente, não só àqueles que conduzem
devido, como já citado anteriormente, tal veículos, mas também aos pedestres, todos
aplicabilidade ser direcionada a partir do Princípio integrando a sociedade em constante mobilidade
da Legalidade, ou seja, do que é considerado legal transitável.
pela questão de estar ligado a uma norma (lei). Com base no mencionado supra, decorre-se
Ainda segundo a citada autora, a Teoria do que a Psicologia do Trânsito é uma ciência que está
Direito, a partir da definição já transcrita, intimamente ligada ao Direito Público, diante de
estabelece um critério metodológico de divisão do suas características de aplicabilidade, servindo a um
Direito, podendo este ser denominado, mediante interesse coletivo.
as circunstâncias, como Direito Objetivo ou No que tange às subdivisões do Direito do
Direito Subjetivo, assim como também ocupar âmbito público ou privado e para qual a área
searas distintas especificadas como Direito Público psicológica do trânsito encontrar-se-ia mais
ou Direito Privado. plausivelmente intrincada, pode-se, a partir de uma
O Direito Objetivo é o conjunto de normas análise da legislação pátrea, obter resposta precisa
jurídicas válidas e as condutas humanas que elas nesse sentido. O CTB (1997), em seu artigo 19,
descrevem na sociedade, regendo o alínea VII, prevê o seguinte:
comportamento de cada indivíduo com a Art. 19. Compete ao órgão máximo executivo de
prescrição de uma determinada sanção em caso de trânsito da União:
descumprimento do mandamento normativo ...
(Diniz, 2006). VII - expedir a Permissão para Dirigir, a Carteira
Já com relação ao Direito Subjetivo, tem-se que Nacional de Habilitação, os Certificados de
o mesmo representa a faculdade de agir de cada Registro e o de Licenciamento Anual mediante
pessoa a partir do que se está normatizado em uma delegação aos órgãos executivos dos Estados e do
sociedade. É a permissão dada pela norma jurídica Distrito Federal.
válida para que cada cidadão possa fazer algo ou a Analisando o trecho da legislação supra
sua negativa, com consonante proibição. Tal mencionada, se o ato de dirigir veículos no Brasil é
descrição não pode confundir-se com a simples algo passivo de permissão por parte do Estado,
faculdade de agir de cada pessoa, devido este não seja para a condução temporária ou mesmo
ser um direito estabelecido, seja posto permanente após a aquisição da CNH, a partir de
normativamente ou doutrinado, mas uma seu órgão competente. Sob tal diretriz, a referida
qualidade de cada ser humano (Diniz, 2006). atividade pode ser enquadrada como pertencente
As divisões do Direito, quanto ao mesmo ser âmbito do Direito Administrativo, na seara do
de ordem pública ou privada, derivam do Direito Direito Público, posto a terminologia “permissão”
Objetivo, a partir do foco a que se destina cada pertencer ao citado âmbito jurídico.
norma jurídica. O Direito Público pode ser A doutrina de Meirelles (2012, p. 40), define
definido como o complexo normativo jurídico que como Direito Administrativo o “conjunto
rege as relações nas quais o sujeito é o próprio harmônico de princípios jurídicos que regem os
Estado, representando, em suas ações e decisões, órgãos, os agentes e as atividades públicas
uma coletividade, enquanto que o Direito Privado tendentes a realizar concreta, direta e
é representado pelo conjunto normativo que imediatamente os fins desejados pelo Estado”.
abrange as relações jurídicas entre particulares Porém, na referência ao mencionado contido
(Diniz, 2006). no CTB sobre a atividade de conduzir veículos, é
Apresentadas tais divisões jurídicas, cabe explicado por Meirelles (2012):
Permissão é o ato administrativo negocial, ato estatal ao qual se pode classificar o direito de
discricionário e precário, pelo qual o Poder condução de veículo automotor, este, segundo a
Público faculta ao particular a execução de doutrina de Meirelles (2012), mais se identifica
serviços de interesse coletivo, ou o uso especial de com a referida atividade, no caso em apreço
bens públicos, a título gratuito ou remunerado,
referindo-se à licença:
nas condições estabelecidas pela Administração
(p. 199). Licença é o ato administrativo vinculado e
definitivo pelo qual o Poder Público, verificando
A partir a definição supra, observa-se que,
que o interessado atendeu a todas as exigências
embora tenha a previsão no CTB a título de legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou
“permissão”, o ato de dirigir não pode ser a realização de fatos materiais (...). A licença
considerado uma questão permissionária por resulta de um direito subjetivo do interessado,
definição, posto não se enquadrar, em sua essência, razão pela qual a Administração não pode negá-la
como um negócio ou serviço de interesse coletivo. quando requerente satisfaz todos os requisitos
Tal atividade mais se qualifica como um ato legais para sua obtenção. (p. 198).
autorizador por parte do Poder Público, de acordo Diante do exposto, pode-se dizer que a
com a lição de Meirelles (2012): avaliação psicológica, enquanto prática científica,
Autorização é um ato administrativo está atrelada a um procedimento licenciador estatal,
discricionário e precário pelo qual o Poder podendo-se deduzir que a mencionada licença
Público torna possível ao pretendente a realização nada mais é do que um ato de administração da
de certa atividade, serviço ou utilização de sociedade que cabe ao governo, entidade política
determinados bens particulares ou públicos, de que administra um determinado Estado
seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei soberanamente, no caso o Estado brasileiro, tal
condiciona à aquiescência prévia da
como definido por Meirelles (2012). Com o
Administração. (p. 198-199).
apresentado, evidencia-se que a relação da
Porém, mesmo assumindo características de Psicologia, em sua prática destinada à avaliação dos
autorização, perante a definição doutrinária, o condutores de veículos, concernente ao Direito
direito de conduzir veículos não se encaixa na reflete-se no ramo administrativista deste.
modalidade de autorização, devido ao fator de que, A doutrina de Meirelles (2012, p. 40) define
segundo o citado doutrinador, é um direito como Direito Administrativo o “conjunto
“precário”, o qual depende da “aquiescência” do harmônico de princípios jurídicos que regem os
Poder Público, podendo também este, órgãos, os agentes e as atividades públicas
discricionariamente, decidir sobre autorizar ou não tendentes a realizar concreta, direta e
ao candidato à condução de veículo tal direito, imediatamente os fins desejados pelo Estado”.
bem como cessar a qualquer tempo o mesmo, sem Mediante tais características e conceituações,
indenização, sob o pretexto da mera conveniência pode-se definir como sendo a Psicologia do
pública (Meirelles, 2012, p. 199). Tais Trânsito um ramo psicológico que possui vínculo
circunstâncias não são previstas no CTB, no qual com o Direito, na esfera do Direito Público
está disposto que, basta o candidato à CNH estar brasileiro, contida no âmbito do Direito
aprovado nos testes aos quais é submetido que o Administrativo, como atividade permissionária de
direito a conduzir veículo lhe é conferido com a interesse do Estado.
expedição da Carteira de Habilitação, sendo a
mesma suspensa ou cassada somente mediante 3. Competências dos Órgãos de Trânsito sobre
circunstância considerada como infração ou crime a Atividade Psicológica no Brasil
de trânsito cometido pelo próprio condutor, A atuação e competências dos órgãos que estão
desqualificando tal ato jurídico administrativista envolvidos com as questões do trânsito no Brasil
como sendo o adequado a classificar o direito de estão previstas na legislação pátrea, de forma
condução de veículo. discriminada a partir de cada função específica
Compulsando novamente a doutrina do Direito destes, bem como a hierarquia existente entre os
Administrativo brasileiro, é possível enxergar outro mesmos. No mesmo sentido, as atribuições de
cada órgão referente ao emprego da ciência Tal órgão máximo executivo de trânsito da
psicológica nas questões envolvendo o trânsito União é o Departamento Nacional de Trânsito
também estão previstas legislativamente, mesmo (DENATRAN), criado, originariamente, pelo
que de forma indireta, porém sendo possível Decreto-Lei nº 237, de 1967 e inicialmente
identificar tal atribuição. integrante da estrutura do Ministério da Justiça,
Está prevista no CTB (1997) a existência no posteriormente sendo transferido para a estrutura
país do Sistema Nacional de Trânsito com a do Ministério das Cidades, cabendo ao referido
seguinte definição em seu artigo 5º: ministério, segundo o previsto no artigo 1º do
é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Decreto Federal nº 4.711 (2003) “a coordenação
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que máxima do Sistema Nacional de Trânsito”. A partir
tem por finalidade o exercício das atividades de do Decreto Federal nº 4.711, 2003 também ficara
planejamento, administração, normatização, definido que o dirigente do DENATRAN
pesquisa, registro e licenciamento de veículos, presidirá o CONTRAN.
formação, habilitação e reciclagem de condutores, Originariamente o CONTRAN foi criado pelo
educação, engenharia, operação do sistema viário, Decreto-Lei nº 2.994 de 1941, o qual instituía o
policiamento, fiscalização, julgamento de infrações Código Nacional de Trânsito da época, e
e de recursos e aplicação de penalidades.
atualmente possui a designação de órgão máximo
Na mesma legislação, especificamente em seu normativo e consultivo de trânsito do país (CTB,
artigo 7º, também encontra-se prevista a 1997, art. 7º, I). Em escala hierárquica inferior
composição do referido Sistema: estão os órgãos estaduais e municipais de trânsito.
Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito São atribuições do CONTRAN, segundo o
os seguintes órgãos e entidades: CTB:
I - o Conselho Nacional de Trânsito - a. Estabelecer as normas regulamentares referidas
CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão neste Código e as diretrizes da Política Nacional
máximo normativo e consultivo; de Trânsito;
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - b. Coordenar os órgãos do Sistema Nacional de
CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Trânsito, objetivando a integração de suas
Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, atividades;
consultivos e coordenadores; c. Criar Câmaras Temáticas integradas por
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito especialistas com o objetivo de estudar e oferecer
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos sugestões e embasamento técnico sobre assuntos
Municípios; específicos para decisões do colegiado;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários d. Estabelecer seu regimento interno e as
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos diretrizes para o funcionamento dos CETRAN e
Municípios; CONTRANDIFE;
V - a Polícia Rodoviária Federal; e. Estabelecer as diretrizes do regimento das
VI - as Polícias Militares dos Estados e do JARI;
Distrito Federal; e f. Zelar pela uniformidade e cumprimento das
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de normas contidas neste Código e nas resoluções
Infrações - JARI. complementares;
Ainda referente à norma anteriormente citada g. Estabelecer e normatizar os procedimentos
também está previsto, em seu artigo 9º, a criação para a imposição, a arrecadação e a compensação
das multas por infrações cometidas em unidade da
de um órgão que será a representação máxima
Federação diferente da do licenciamento do
referente à questão de trânsito no Brasil:
veículo;
Art. 9º “O Presidente da República designará o h. Responder às consultas que lhe forem
ministério ou órgão da Presidência responsável formuladas, relativas à aplicação da legislação de
pela coordenação máxima do Sistema Nacional de trânsito;
Trânsito, ao qual estará vinculado o CONTRAN e i. Normatizar os procedimentos sobre a
subordinado o órgão máximo executivo de trânsito aprendizagem, habilitação, expedição de
da União”. documentos de condutores, e registro e
acordo com a sua localização e em conformidade estabelecida pela doutrina para o ato de Permissão,
com os critérios aqui estabelecidos. indicando que o mesmo é eivado de precariedade,
§ 1º As entidades credenciadas deverão manter o no caso em apreço devido à administração pública
seu quadro de peritos examinadores atualizado não poder revogar o ato permissionário mediante o
junto ao órgão que a credenciou.
transcorrer do prazo previsto no artigo 15,
§ 2º O prazo de vigência do credenciamento será
de um ano, podendo ser renovado sucessivamente
parágrafo 2º da resolução supra, caso a entidade
desde que observadas às exigências desta estiver na observância das exigências legais para a
Resolução. Permissão, não aparenta ser o ato administrativo
§ 3º A cada dois anos as entidades, públicas ou que melhor define a relação de competência dos
privadas, credenciadas deverão comprovar o órgãos de trânsito para com a realização da
cumprimento do disposto nos artigos 16 a 23, atividade psicológica aplicada à avaliação de
junto aos órgãos ou entidades executivas de condutores prevista no CTB. Nesse caso, segundo
trânsito do respectivo Estado ou do Distrito Meirelles (2012, p. 199), aplica-se a “Permissão
Federal onde estiverem credenciadas.
Condicionada”, pela qual o Poder Público limita
Art. 18. O credenciamento de médicos e
seu poder discricionário de revogação do ato
psicólogos peritos examinadores será realizado
pelo órgão ou entidade executivo de trânsito do permissivo a qualquer tempo, já que seu prazo já
Estado ou do Distrito Federal,observados os está definido por norma legal.
seguintes critérios: A atividade psicológica aplicada na avaliação de
I – médicos e psicólogos deverão ter, no mínimo, condutores acima apresentada é, de acordo com a
dois anos de formados e estar regularmente legislação, desenvolvida de forma mista, podendo
inscritos no respectivo Conselho Regional; ser por entidade de caráter público ou privado,
III – o psicólogo deve ter Título de Especialista porém, quando da circunstância de tal entidade ser
em Psicologia do Trânsito reconhecido pelo CFP privada o resultado esperado da atividade em
ou ter concluído com aproveitamento o curso
questão pela citada organização é meramente
“Capacitação Para Psicólogo Perito Examinador
de Trânsito” (Anexo XVII).
empresarial, mas como a atividade em foco
§ 2º Até quatorze de fevereiro de 2015, será destina-se à sociedade, reveste-se de um caráter
assegurado ao psicólogo que tenha concluído e público, daí o fato de ser permitida a partir de ato
sido aprovado no curso de “Capacitação para jurídico- administrativo oriundo dos órgãos
Psicólogo Perito Examinador de Trânsito”, de 180 reguladores de trânsito do país.
(cento e oitenta) horas ou curso de “Especialista No que se refere aos psicólogos que atuam em
em Psicologia do Trânsito”, o direito de solicitar tal atividade, de acordo com a última resolução
credenciamento ou de continuar a exercer a acima mencionada (Resolução CONTRAN
função de perito examinador.
425/2012) e em consonância com a doutrina
§ 3º A partir de 15 de fevereiro de 2015, a
jurídica administrativista brasileira, o
solicitação para o credenciamento só será
permitida aos psicólogos portadores de Título de credenciamento de tais profissionais para a atuação
Especialista em Psicologia do Trânsito em tela ocorre mediante o ato administrativo de
reconhecido pelo CFP. Licença. Ou seja, os psicólogos que atuam na
avaliação de condutores de veículos o fazem
Frente aos dados apresentados, ao realizar um
mediante uma Licença emitida pelos órgãos de
estudo dos atos administrativos jurídicos do Poder
trânsito, tendo esta caráter definitivo, segundo a
Público, encontra-se o ato de Permissão como o
doutrina (Meirelles, 2012) e segundo o previsto no
mais indicado para estabelecer-se um vínculo com
artigo 18 da resolução em análise, não havendo
a atividade de Psicologia aplicada à avaliação de
previsão de prazo para renovação do referido ato
condutores de veículos no Brasil sob a
que lhes permitem a atuação na avaliação de
competência dos órgãos de trânsito do país para
trânsito dentre as previsões resolutivas do
sua execução. Como já citado anteriormente, a
CONTRAN.
Permissão é um ato administrativo do Estado com
Destarte, a aplicação da ciência psicológica no
fins negociais, para a prestação de serviços de
contexto da avaliação de condutores de veículos no
interesses da coletividade. Mas, diante da definição
Brasil somente é possível sua execução por
instituição de personalidade jurídica pública ou CFP e dos CRPs. Dentre outras atribuições, é de
privada, mediante o credenciamento desta junto ao responsabilidade do CFP e CRPs, sendo os últimos
órgão competente de trânsito, recebendo uma subordinados ao primeiro, “ orientar, disciplinar e
Permissão Condicionada do referido órgão para tal fiscalizar o exercício da profissão de Psicólogo”
atividade, tendo que compor seu quadro psicólogo (Lei 5.766, 1971, art. 1º). No mesmo sentido, o
que tenha também se credenciado junto ao órgão Decreto Federal n. 79.822, 1977, prevê em seu
de trânsito, obtendo este profissional uma Licença artigo 3º: “O Conselho Federal de Psicologia tem
para atuar na atividade de avaliador de condutores por finalidade orientar, supervisionar e disciplinar
de veículos. Evidencia-se em tal discussão o fato o exercício da profissão de Psicólogo, em todo o
de que os órgãos de trânsito possuem competência território nacional”, prevendo ainda no seu artigo
legal para atuarem na regulação da atividade 6º, incisos V e VI:
psicológica componente do procedimento V - exercer função normativa e baixar atos
administrativo para a aquisição da CNH no Brasil, necessários à execução da legislação reguladora do
pois a base legislativa que subsidiou este capítulo é, exercício da profissão;
inclusive, de origem de um órgão de trânsito VI - definir o limite de competência do exercício
(CONTRAN), fortalecendo a posição aqui profissional, conforme os cursos realizados ou
exarada. provas de especialização prestadas em escolas ou
institutos profissionais reconhecidos.
3.1 Possíveis Antinomias Apresenta-se clara a legislação ao delinear as
O vocábulo “antinomia” é uma partícula textual competências dos órgãos regulamentadores da
da lexicografia jurídica, de uso no âmbito retórico atividade de psicologia no país, em específico às do
processual, significando, segundo Horcaio (2006): CFP, evidenciando que competem a este todas as
“Contradição existente entre duas leis que versam deliberações, inclusive de ordem de produção
sobre a mesma matéria ou entre duas cláusulas de normativa pertinente à limitação da “competência
um negócio jurídico” (p. 85). O termo enquadra-se do exercício profissional”, da atividade de
aproximadamente na questão a ser apreciada neste psicólogo no Brasil.
momento do trabalho até aqui desenvolvido, não É flagrante a superveniência de incoerência
tratando-se de uma questão de conflito entre leis contextual de atribuições legais ao ser instituído no
que tratam do mesmo assunto, nem tampouco de país um órgão que lhe é atribuída competência, por
um negócio jurídico, mas de entidades que foram todas as diretrizes, de determinada profissão,
criadas por leis específicas e que tratam de porém, sendo produzidas regras referentes à
assuntos distintos entre si, mas que abordam uma mesma profissão por órgão com atribuições
mesma matéria de forma conflituosa. estranhas a esta. É o caso do descrito no Capítulo
Neste subcapítulo analisar-se-á a questão de 3, no qual é apresentada a produção de resoluções
possíveis conflitos legislativos, ou mesmo de por parte do CONTRAN que limitam a
interpretação jurídica, existentes entre a competência do exercício de psicólogo quando
competência atribuída legalmente aos órgãos de este atua em avaliações no contexto do trânsito,
trânsito para a regulação da atividade psicológica especificamente no âmbito dos procedimentos
no procedimento de avaliação de condutores de para a aquisição/renovação da CNH.
veículos para a aquisição da CNH versus a Segundo Meirelles (2012), o CFP se enquadra,
competência legal do órgão fiscalizador da enquanto órgão da administração pública, na
profissão de psicólogo, ou seja, o Conselho Federal condição de autarquia de regime especial, com
de Psicologia (CFP) e suas respectivas autonomia organizacional, operacional, de gestão e
representações regionais, os Conselhos Regionais de direção. Possui poder de polícia, inclusive, nas
de Psicologia (CRPs). suas atribuições fiscalizatórias da profissão de
Está previsto na Lei n. 4.119, de 1962, e psicólogo, ou seja, é constituído como uma
regulamentado pelo Decreto Federal n. 53.464, instituição independente com finalidade específica:
1964, a criação da profissão de psicólogo no Brasil a de fiscalizar e normatizar sobre o exercício da
(art. 1º), e na Lei n. 5.766, de 1971, a criação do profissão de psicólogo no Brasil.
No que se refere ao CONTRAN, já fora que tornaria, de imediato, ilegal a postura adotada
mencionado anteriormente acerca de suas na ocasião do referido I Fórum Nacional de
atribuições, restando claro que todas são do Trânsito, em 1999, pelo Conselho Federal de
âmbito do trânsito. Embora a questão do trânsito Psicologia, mantida até o hodierno pelo tal.
seja assunto de competência ao CONTRAN,
legitimando suas deliberações sobre o assunto, é 4. Uma Análise da Legalidade da Exigência de
passível de abrangência a atividade psicológica Formação em Pós-Graduação em Psicologia
aplicada na forma de avaliação dos candidatos à do Trânsito para a Atuação do Psicólogo na
CNH, mas como tal órgão pode exigir que um Avaliação Psicológica de Condutores de
profissional psicólogo possua título de especialista Veículos
na área da Psicologia do Trânsito como requisito Não se trata de promover neste capítulo um
essencial para a atuação em tal área? Como aferir a julgamento da conjuntura atual brasileira referente
capacidade de atuação de um psicólogo que não às exigências estabelecidas pelo CONTRAN sobre
seja especialista para a sua atuação no âmbito do a formação do profissional psicólogo para a
trânsito sem, ao menos, possuir competência atuação na avaliação de trânsito. Pelo contrário, a
referente à matéria Psicologia, mas com plena proposta aqui é de analisar sob o prisma do que
competência para deliberar sobre a matéria prevê a legislação, a doutrina jurídica, e, quiçá, o
trânsito? Essas questões são de definições emprego de alguma possível analogia que possa ser
complexas sob o ângulo das normas que norteiam realizada, a qual encontre semelhança para com o
as atividades do CFP e do CONTRAN. assunto, deixando que tais fontes de discussão
Mesmo com monção aprovada no I Fórum falem por si mesmas.
Nacional de Trânsito em 1999 e encaminhada ao Como apresentado no capítulo 2.1, a aplicação
CONTRAN e ao DENATRAN, segundo Lagares da Psicologia ao trânsito decorre de previsão legal,
(2011, p. 1) “sugerindo a especialização como estando tal prática sob a égide jurídica do Princípio
exigência mínima para atuação como Psicólogo da Legalidade a partir das previsões do CTB (Lei n.
Perito Examinador do Trânsito”, o CFP não 9.503 de 1997), da mesma forma a atividade do
poderia delegar a outro órgão sua atividade profissional psicólogo, assim como de qualquer
principal, prevista inclusive na lei de sua própria outro profissional no Brasil, cuja profissão esteja
criação, posto constituir um contrassenso jurídico legalmente reconhecida, está regida pelo citado
referente às suas atribuições legais. Princípio, sob força de previsão constitucional
Normativamente a questão apresenta um inicialmente.
considerável nível de complexidade diante das É previsto na Constituição Federal de 1988, em
competências e atribuições relativas ao CFP e ao seu artigo 5º, inciso XIII: “é livre o exercício de
CONTRAN, mas demonstra certa invasão de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
competência por parte do CONTRAN na seara da qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
atividade da profissão psicológica. Sensato seria Mediante a presente previsão constitucional, no
que, perante as regras do Direito Administrativo que concerne a profissão de psicólogo em
brasileiro e a legislação, o CFP determinasse os específico, seu delineamento, bem como limites de
critérios para a atuação do psicólogo no âmbito do atuação, estão previstos na já citada Lei n. 4.119 de
trânsito, sendo recepcionado tais critérios pelo 1962, estando previsto também legalmente as
CONTRAN e demais órgão de trânsito no Brasil, atribuições do conselho de classe referente à
convalidando a deliberação do referido conselho atividade profissional em tela (Lei n. 5.766 de
de classe enquanto responsável pela atuação, 1971). Frente ao exposto, cabe realizar uma análise
fiscalização e regulamentação da profissão de das resoluções do CONTRAN que versam sobre
psicólogo no país. Também cabe ressaltar que, se exigências profissionais aos psicólogos que atuem
analisada a legislação que institui o CFP, não está com a avaliação de condutores de veículos.
previsto na mesma a possibilidade de transferência Em consulta à doutrina da Teoria do Direito,
de competência e atribuições da citada instituição tem-se que, metodologicamente, o Direito
para outra instituição, seja pública ou privada, o Positivo, ou seja, a teoria a qual baseia o Direito às
normas, estabelece uma hierarquização da uma resolução, não podendo, portanto, uma
legislação produzida em sociedade como melhor resolução, tendo caráter de ato meramente
forma de ordenar o controle da vida social. A administrativo, suplantar um comando legal
partir da mencionada hierarquia normativa, mister ordinário, muito menos uma previsão
um estudo de cada tipo norma até aqui citada que constitucional. Sendo assim, as resoluções do
esteja presente na relação de aplicação psicológica CONTRAN que preveem restrições atinentes à
aos procedimentos de trânsito brasileiro no intuito atividade psicológica vão de encontro com as leis
de aferir a legalidade da exigência do título de que disciplinam a profissão de psicólogo no país e
especialista do psicólogo que atua na avaliação de a criação do CFP, bem como à Constituição
condutores. Inicialmente, tem-se, de forma Federal de 1988, a qual estabelece os regramentos
indireta, o trecho constitucional supra, o qual consoantes ao exercício das profissões no Brasil.
estabelece o livre direito de exercício profissional a Quanto a fato de o CFP autorizar ao
partir da lei. Segundo a doutrina de Gusmão CONTRAN deliberar também sobre a profissão
(2009), a Constituição é definida como uma fonte de psicólogo no contexto do trânsito, tal fato pode
estatal do Direito e que: “Está acima de qualquer comparar-se, analogicamente, à terceirização, por
lei, sendo, por isso, a lei suprema” (p. 110). parte de órgãos e empresas públicas, de suas
Estando a Constituição no topo da cadeia atividades fins. Nesse sentido observam-se os
hierárquica das normas no Brasil, e referindo esta julgamentos proferidos pelos tribunais do país
ao exercício profissional no país atrelado à lei, sobre o tema, a exemplo do exarado pelo Tribunal
referente à atividade de psicólogo tem-se a lei que de Contas da União (TCU), no qual consta: “a
criou a profissão e suas atividades (Lei n. terceirização é legítima desde que não implique a
4.119/1962). Esta lei, segundo Diniz (2006), trata- execução de atividades inerentes aos quadros
se da Lei Ordinária, a qual encontra-se no rol próprios dessas entidades” (TCU, Acórdão 1465,
também das fontes formais estatais, e que resulta 2002). No mesmo sentido está previsto no Decreto
da atividade legislativa com a sansão do respectivo Federal n. 2.271, 1997, em seu artigo primeiro:
chefe do Poder Executivo a partir da competência “No âmbito da Administração Pública Federal
constitucional que é conferida, tanto para formulá- direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto
la e editá-la, como para sancioná-la. No caso em de execução indireta as atividades materiais
tela, trata-se de uma lei federal. acessórias, instrumentais ou complementares aos
Já as resoluções produzidas pelo CFP, são assuntos que constituem área de competência legal
consideradas, segundo Meirelles (2012), como do órgão ou entidade”. Ou seja, de acordo com o
espécies de atos administrativos gerais ou julgamento e a legislação, ambos citados, é
normativos, os quais são editados “pelas altas proibido confiar atividades ou atribuições próprias
autoridades do Executivo (...) para disciplinar a outros que não sejam os próprios destas,
matéria de sua competência específica” (p. 188- podendo ser considerado, por analogia, ilegal a
193). delegação de atividades do CFP ao CONTRAN.
Tais ocorrências também se repetem e se Podem-se insurgir argumentos no sentido de
aplicam na relação com a matéria trânsito, embora que, como a atividade psicológica em questão
estando previsto na Constituição Federal somente ocorre no âmbito da relação administrativa estatal
referência à competência da União para a criação relacionada ao trânsito, o órgão responsável pela
de leis sobre o tema. É o que ocorre com o Código regulação de tal atividade (CONTRAN) teria a
de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503 de 1997), legitimidade para legislar acerca de exigências à
também com a criação do CONTRAN a partir do profissão de psicólogo. Tal órgão possuiria a
Decreto-Lei nº 2.994 de 1941, porém, cabe afirmar competência legal para determinar que os
que as atribuições deste são estritamente relativas profissionais da referida atividade possuam o título
ao trânsito de acordo com a legislação citada. de especialista em Psicologia do Transito para
Destarte, ainda dissertando sobre a hierarquia atuarem na avaliação de condutores. Mas como a
normativa, uma previsão constitucional é superior previsão constitucional de que as atividades
a uma lei ordinária, bem como esta é superior a profissionais estão subordinadas ao Princípio
jurídico da Legalidade e a lei que cria a atividade perante os parâmetros jurídicos estudados até aqui,
profissional em questão atribui tão somente ao pelo menos, contrária as previsões legais, cabendo
CFP e aos CRPs a regulação e fiscalização desta aos que se sentirem prejudicados pela medida
profissão, permaneceria na condição de ilegal a buscarem o direito que lhes assistem juridicamente.
transferência de atribuição entre CFP e Quanto aos órgãos de regulação e fiscalização
CONTRAN nesse sentido. da atividade psicológica, demonstra-se imperiosa a
Vale ressaltar que tanto o CFP quanto o necessidade de se rever o atual quadro,
CONTRAN são autarquias federais e que tais rediscutindo-o; buscando manter suas atribuições
órgãos públicos possuem, segundo a doutrina de realizáveis por si mesmos, ainda que se continue a
Meirelles (2012): “atribuições estatais específicas” considerar de que as exigências atuais de
(p. 396), caracterizando, ainda mais latente, a especialização dos profissionais de psicologia
ilegalidade de transferência de tais atribuições entre envolvidos na avaliação psicológica de condutores
as mesmas entidades. de veículos encontram fundamento na necessidade
da busca constante de uma melhor qualidade
Considerações Finais profissional, com vistas para a entrega de um
Faz-se necessário afirmar que o presente melhor condutor de veículo à sociedade brasileira
trabalho não possui o condão, (menos ainda a em previsões de um cotidiano de trânsito mais
intenção), de ser conclusivo relativo ao assunto que positivo no país.
aborda, mas servindo de mola impulsionadora para
outras discussões referente ao tema. Referências
Mediante todos os dados apresentados, a partir Alchieri, J. C., Hoffman, M. H., & Cruz, R. M. (Eds.).
das previsões legais demonstradas, além dos (2011). Comportamento Humano no Trânsito. São Paulo:
Casa do Psicólogo.
conhecimentos doutrinários expressos sobre a
temática, ou analogamente relacionados, restou Conselho Nacional de Trânsito. (1998). Resolução n. 51,
demonstrado o entendimento de evidente caráter de 21 de maio de 1998. Dispõe sobre os exames de
aptidão física e mental e os exames de avaliação
ilegal a exigência de título de especialização em psicológica a que se refere o inciso I, do art. 147 do
Psicologia do Trânsito ao psicólogo que atue, ou Código de Trânsito Brasileiro e os §§ 3 º e 4º do art. 2º
vise atuar, na avaliação psicológica de condutores da Lei 9.602/98. Brasília, DF. Recuperado em 15 maio,
para a aquisição da CHN no status quo hodierno. 2013, de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
Não há explicitamente na legislação abordada Conselho Nacional de Trânsito. (1998). Resolução n. 80,
no trabalho em tela que o CONTRAN, bem como de 19 de novembro de 1998. Altera os Anexos I e II da
qualquer outro órgão da área do trânsito, possua a Resolução no 51/98-CONTRAN, que dispõe sobre os
legitimidade de atribuição reconhecida legalmente exames de aptidão física e mental e os exames de
avaliação psicológica. Brasília, DF. Recuperado em 15
para legislar administrativamente, (como é o caso maio, 2013, de
em análise), sobre limites ou especificidades http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
relativas à profissão de psicólogo, usurpando as
Conselho Nacional de Trânsito. (2008). Resolução n. 267,
atribuições do CFP e CRPs, como se apresenta de 15 de fevereiro de 2008. Dispõe sobre o exame de
desde algum tempo até o atual paradigma. aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o
As atribuições de natureza finalística do CFP credenciamento das entidades públicas e privadas de
que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do
são exclusivas deste, não podendo ser exercidas Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, DF. Recuperado
por outro órgão, mesmo que de natureza pública e em 15 maio, 2013, de
governamental, sendo, por isso, flagrantemente http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/R
contrário aos parâmetros legais qualquer meio de ESOLUCAO_CONTRAN_267.pdf
delegar ou transferir tais atribuições. Conselho Nacional de Trânsito. (2008). Resolução n. 283,
A obrigatoriedade de possuir especialização em de 1º de julho de 2008. Altera a Resolução nº 267, de 15 de
Psicologia do Trânsito exigida pelo CONTRAN fevereiro de 2008, do CONTRAN, que dispõe sobre o
exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica
resolutivamente aos psicólogos para atuarem na e o credenciamento das entidades públicas e privadas de
avaliação de condutores de veículos como que tratam o art. 147, I e §§ 1º e 4º e o art. 148 do
procedimento de aquisição/renovação da CNH, é, Código de Trânsito Brasileiro - CTB. Brasília, DF.