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INTRODUÇÃO

Neste trabalho, busco em certa medida fazer uma análise comparativa


entre o fascismo clássico de Benito Mussolini que vigorou na Itália entre os anos
de 1919 – no período pós-Primeira Guerra Mundial - até 1945 com o fim da
Segunda Guerra Mundial, com a Ação Integralista Brasileira, que foi um grupo
de inspiração fascista ativo no Brasil entre 1932 e 1937, liderado por Plínio
Salgado.

Explicitando onde esses movimentos se encontram, e onde eles se


separam ideologicamente. Quais os símbolos que eles compartilhavam, e qual
a noção de indivíduo que eles construíam em suas bases. As disputas internas
do Movimento Integralista para se adequar à uma ideologia de outro continente
sem abrir mão do seu nacionalismo e sem ser subserviente ao fascismo italiano
é um ponto fundamental para a sua fundação e manutenção, e não poderia
deixar de ser abordado.

A metodologia vai ser composta pela leitura de autores como Clara


Zetkin, Donald Sasson que tratam do fascismo clássico Italiano; e Fúlvio Abramo
e Helgio Trindade que falam de seu “expoente” brasileiro, o integralismo. Alguns
outros autores não menos importantes também serão utilizados em casos mais
pontuais. Dispondo de ampla bibliografia sobre o assunto, os textos escolhidos
conseguem de certa forma dialogar entre si, além de mostrarem diversas facetas
dos movimentos ao longo do século passado.

Em um primeiro momento buscarei explicitar o conceito de fascismo


proposto por Clara Zetkin em suas resoluções apresentadas aos congressos da
Terceira Internacional (Komintern). Zetkin escreve suas primeiras análises sobre
o movimento fascista italiano ainda em sua fase germinal, antes de Mussolini se
tornar Duce, e o Partido Nacional Fascista tomar o poder na Itália, com os grupos
de extermínio, articulados no interior da Itália financiado pelas elites italianas,
receosas de uma revolução, para desarticular os movimentos anarquistas
organizados.

Zetkin foi um grande expoente da teoria marxista sobre o fascismo. Além


de ter inspirado a articulação de diversas frentes de combate à ideologia fascista
mundo a fora; também foi responsável por mudar a visão que os teóricos e
militantes tinham sobre o caráter do fascismo – na época muito atrelada à ideia
de bonapartismo – precedendo as teorias que hoje são mais aceitas pelos
estudiosos.

Em um segundo momento buscarei analisar os textos de Helgio Trindade


sobre a Ação Integralista Brasileira, juntamente com os escritos de Fúlvio
Abramo para conseguir entender como o Partido Nacional Fascista se mantinha
em relação ao fascismo italiano de Benito Mussolini.

Por mais que existissem disputas – sobretudo disputas pelos


descendentes italianos no Brasil – entre as organizações, camisas negras e
camisas verdes mantiveram durante algum tempo uma relação muito próxima,
até Getúlio Vargas instaurar o Estado Novo, momento em que a embaixada
Italiana começou a desencorajar revoltas contra o governo, deixando Plínio
Salgado apenas como um articulador. Aliado a isso, quantias de dinheiro
também eram enviadas à Ação Integralista Brasileira para viabilizar suas ações.

Partindo do pressuposto de que o fascismo, assim como grande parte


dos movimentos que estiveram ativos no Século XX se reinventaram – em um
processo natural ou por necessidade – creio que seja fundamental nos voltarmos
a eles para melhor compreender suas nuances e como eles afetam e inspiram
seus expoentes ideológicos nos dias atuais. Pois se pensarmos em tempo-
história, e no potencial que as ideias de uma época têm de afetar e modificar a
sociedade e toda uma geração futura, o fascismo ainda é algo muito recente.

Mesmo na ausência de um partido fascista desde a derrota do


Integralismo no Brasil, existiu segundo Florestan Fernandes um processo de
fascistização do Estado burguês e nas “tecnoestruturas civis e militares da
sociedade capitalista” (Fernandes, 1981). Acredito que Mussolini tenha acertado
ao dizer - em um de seus discursos aos Camisas Negras em Milão - que as
próximas décadas seriam do fascismo, e que a Europa seria fascista ou
fascistizada. Mesmo sendo derrotados na Segunda Guerra, e seus expoentes
mundo à fora perdendo força, o fascismo seguiu firme como ferramenta
ideológica, principalmente no que diz respeito às instituições de controle de
massa e a manutenção da propriedade privada e dos imperialismos.
Jason Stanley faz uma análise sobre o fascismo estadunidense no
Século XXI, apontando como as políticas anti-imigração, de encarceramento e
anti-ciência hoje, usam dos mesmos argumentos e dos mesmos tipos de
propagandas usadas em regimes nazifascistas do Século XX, e ajudam a
promover um pensamento protofascista1 na sociedade.

Apesar de algumas diferenças apontadas por teóricos ao longo dos anos


– sobre algumas de suas características mais marcantes ou até mesmo sobre
onde se encontra o fascismo em um espectro ideológico, “na esquerda, na
direita, ou algo a parte?” – o que diz respeito ao cerne do movimento e o que o
compõe geralmente costumam ter, de certa forma, um consenso dos
pesquisadores e estudiosos sobre o assunto. É comum e muito difundido
algumas características e traços marcantes do fascismo, como por exemplo: o
nacionalismo chauvinista, o anticomunismo, a militarização, repressão e
eliminação do outro e a repulsa à toda forma de arte não alinhada às doutrinas
fascistas.

Em grupos de esquerda e de direita nos fóruns de internet; em debates


políticos televisionados; em manifestações populares; e no nosso cotidiano de
forma geral, o termo “fascismo” vem ganhando uma grande popularidade. Usado
muitas vezes de forma incorreta – e aqui não convém analisar se o uso incorreto
é ou não proposital - para nos referirmos aos nossos opositores no campo
político/social. Em especial, atores políticos que aplicam uma agenda neoliberal
- muitas vezes baseadas em uma necropolítica; reacionários; e até mesmo para
catalogar regimes ditatoriais como o golpe civil-militar de 1964. Houve um
desgaste muito grande do termo nesses últimos anos. O que contribuiu para a
banalização e esvaziamento do mesmo.

Apesar de eu fazer sempre uma ligação do passado com o presente até


esse ponto da escrita, uso isso apenas para ilustrar como é extremamente
importante nos dias de hoje a compreensão do que foi toda a “pedra
fundamental” dos pensamentos protofascistas que ganham cada vez mais
espaço na arena política/social na atualidade. Sendo assim, não irei focar em

1
Existem diversas aplicações para o termo “protofascismo”. Mas aqui irei usar a aplicação mais habitual,
que é a denominação dada à aspectos sociais, políticos e ideológicos que tenham bases de inspiração no
nazifascismo sem, necessariamente, a presença de um Estado fascista.
temas atuais, mas apenas usá-los de forma a ilustrar melhor as vicissitudes do
fascismo.

Os elementos protofascistas aqui mencionados são compostos por tudo


que que diz respeito à ideologia/pensamento fascista em um momento prévio à
instauração de um governo ou Estado fascista. Uma vez que os momentos
anteriores são tão – ou mais – importantes para entendermos o movimento, é
fundamental a distinção entre o fascismo e o protofascismo.

Acredito que o fascismo não foi uma ideologia confinada no século XX,
muito menos restritas aos modelos Italiano e Alemão. E aqui o termo
protofascista nos permite uma generalização da ideologia – da mesma forma
que generalizamos todas as outras – demarcando o que a meu ver, são os dois
momentos mais importantes para a doutrina fascista: a tomada de poder – ou a
organização de um movimento de massas –, e a estruturação do Estado
fascista.
A RAIZ DO FASCISMO

Quando Clara Zetkin apresenta suas teses sobre o fascismo crescente


na Itália para o III Pleno Ampliado do Comitê Executivo da Internacional
Comunista em junho de 1923, o governo de Mussolini ainda estava em seu
estágio inicial, mas muito sobre as táticas de violência – principalmente em
regiões agrárias de predominância anarquista - dos “fasci di combattimento” -
grupo criado com a fusão de dois outros movimentos fascistas, os “Fasci
Autonomi d’Azione Rivoluzionaria” e os “Fasci d’Azione Internazionalista” - já
eram conhecidas.

Para ela, e para a maior parte da literatura de hoje, o fascismo tinha


germinado durante a Primeira Guerra Mundial em um momento onde o
nacionalismo Italiano passava por um mau momento – uma vez que eles eram
considerados a menor potência europeia - e ganhado espaço de fato no
momento pós-conflito quando a Itália começa a sentir os problemas causados
pela guerra e o sentimento de traição que pesava nos nacionalistas com a não-
anexação da Dalmácia e Fiume como territórios Italianos – pautas consideradas
de extrema importância para os nacionalistas italianos. Zetkin também ressalta
a importância da guerra para a dissolução do Estado burguês e da economia
capitalista:

“As raízes do fascismo estão, de fato, na dissolução da


economia capitalista e do Estado burguês. Já havia alguns sintomas
da proletarização de camadas burguesas no capitalismo pré-guerra. A
guerra destruiu a economia capitalista a partir de suas bases. Isso é
evidente não apenas pelo empobrecimento assustador do proletariado,
como também pela proletarização de amplas massas pequeno e médio
burguesas(...)” (ZETKIN, 1923)

Apesar de muitos marxistas à época ainda fazerem uma análise - um


tanto quanto equivocada do fascismo - apresentando-o apenas como uma
expressão violenta do capitalismo, tratando a socialdemocracia como uma ala
fascista - social-fascismo2 - ou ainda como uma reação da burguesia contra a
revolução do proletariado que se apontava no horizonte tendo como base a
Revolução de 1917 e os movimentos iniciados na Alemanha - Zetkin já apontava
o fascismo como um movimento de massas nascido no seio do proletariado e da
pequena-burguesia:

“As massas aos milhares se juntaram ao fascismo. Ele se


transformou em um asilo para todos os desabrigados políticos, os
socialmente desenraizados, os destituídos e desiludidos… A pequena-
burguesia e as forças sociais intermediárias inicialmente vacilam entre
os poderosos campos históricos do proletariado e da burguesia. São
levadas a simpatizar com o proletariado por conta das dificuldades em
suas vidas e, em parte, pelos desejos nobres e ideais elevados em
seus espíritos, na medida em que este aja de forma revolucionária e
apresente perspectiva de vitória. Sob a pressão das massas e de suas
necessidades, e influenciados por essa situação, até mesmo os líderes
fascistas são forçados a, minimamente, flertar com o proletariado
revolucionário, ainda que não possua por ele qualquer simpatia.”
(ZETKIN, 1923)

Isso caracteriza o fascismo não como uma “reação espontânea” da


extrema-direita frente aos trabalhadores unificados ou como um movimento pura
e simplesmente alinhado à burguesia. Tão pouco é uma punição da burguesia
aos trabalhadores. É, ao menos na teoria marxista, a primeira vez em que o
fascismo é categorizado como um movimento de massas com características
contrarrevolucionárias nunca vistas antes em nenhum movimento – nem mesmo
pelo Terror Branco.

Na mesma medida que o fascismo acenava para os trabalhadores


italianos – de forma falaciosa – eles garantiam que seus discursos não
incomodassem as elites que financiavam seus movimentos no interior do país.
O inimigo era claramente o socialismo e não o trabalhador, este, era o pilar da
nação juntamente com a burguesia. O fascismo prometeu a inserção de
seguimentos marginalizados da sociedade no Estado. O sufrágio feminino e a
pensão para idosos e deficientes foram algumas das promessas de Mussolini

2
A teoria aceita pela Internacional Comunista, interpretava a socialdemocracia como uma espécie de variante do
fascismo. Com o “Período Final” que marcava o fim da estabilidade do capitalismo, a teoria baseada nas ideias e
resoluções de Grigori Zinoviev colocava os partidos da socialdemocracia como “Irmãos Gêmeos” do fascismo e que
um dependia ativamente do outro. Após a teoria ser anunciada no Sexto Congresso, ela foi aceita pelos partidos
alinhados à Internacional Comunista (Comintern) o que impediu várias alianças entre sociais-democratas e
comunistas no combate ao fascismo. Isso afetou até mesmo as alianças para a derrota do Integralismo no Brasil.
para os italianos, mas logo foram abandonadas quando os fascistas chegaram
ao poder.

“O fascismo falava em pensões para idosos e inválidos, o que


protegeria dos piores níveis de pobreza e sofrimento. O que houve com
essa promessa? Os poucos traços de politicas sociais para idosos,
enfermos e doentes, que se constituíam em um fundo de 50 milhões
de liras, foram abolidos. Os 50 milhões de liras foram simplesmente
eliminados do orçamento “para economizar dinheiro”, de forma que
aqueles que sofrem com a pobreza não tem mais acesso a qualquer
recurso social. Foram ainda cortados do orçamento os 50 milhões de
liras destinados a agencia de empregos e apoio aos desempregados,
e os 60 milhões de liras para as associações de credito cooperativo”
(ZETKIN, 1923)

E continua com suas críticas ao movimento, expondo a fragilidade


ideológica do fascismo e mostrando as mudanças radicais em seu programa:

“Quando se compara o programa do fascismo italiano com sua real


implementação, torna-se evidente o seguinte: a completa falência
ideológica do movimento. Há uma contradição flagrantemente o que o
fascismo prometeu e aquilo que entregou às massas. Todo o discurso
sobre como o Estado fascista colocará os interesses da nação acima
de tudo, assim que exposta aos ventos da realidade, desfez-se como
uma bolha de sabão. A “nação” se revelou como sendo a burguesia; o
Estado fascista ideal revelou-se como sendo, em sua vulgaridade falta
de escrúpulos, o Estado da classe da burguesia.” (ZETKIN, 1923)

O protofascismo era uma via calcada na disputa do Estado burguês de


forma “pacífica e ordeira”. Fugia e muito – apesar dos ataques e assassinatos
de sindicalistas – de uma política repressora aos trabalhadores tal qual as
conhecidas à época. Esse aceno às massas que Zetkin explicita em sua tese é
o que permite o fascismo crescer e se sobrepor aos demais movimentos
conservadores e nacionalistas presentes na Itália – e não só na Itália – em sua
época e aglutinar o máximo possível de pessoas de todos os tipos em suas
fileiras.

Para melhor entender esse movimento de massas precisamos entender


qual era o contexto da Itália e como as forças políticas dialogavam e se
organizavam enquanto o fascismo crescia. E isso está estritamente ligado à
Primeira Guerra Mundial – no momento de construção do nacionalismo Italiano
– e no momento pós-guerra – com o recrudescimento da violência fascista e a
chegada do Partido Nacional Fascista ao poder.

A Itália saíra da Grande Guerra com um número de baixas imensos e


uma economia, que apesar de ter ido bem – a guerra possibilitou que os
industriais italianos pagassem antigas dividas e reformulassem a produção, com
a venda de aço e outros insumos para a guerra – não se sustentou quando o
conflito chegou ao fim. Segundo Sasson foram mais de 650 mil mortos e um
milhão de feridos (2009, pag. 46). Grande parte de tudo que era produzido pelos
trabalhadores do campo ao sul do país era enviado para a guerra para suprir os
soldados, não só italianos, mas também os aliados.

O fascismo havia crescido e ganhado corpo com o proletariado que nada


havia ganhado ao fim da Primeira Guerra Mundial. Pelo contrário. As massas de
trabalhadores rurais que haviam perdido seus filhos e netos e que foram
alistados aos montes para o conflito, agora se viam deixados de lado por um
Estado que mal conseguia se manter economicamente.

A entrada na guerra também ajudou a impulsionar os discursos


nacionalistas. A fragmentação entre os intervencionistas – que apoiavam a
entrada da Itália no conflito – e os neutralistas gerou um clima de guerra civil na
Itália. O Partito Populare Italiano (católico) começa também a ser um importante
expoente desse nacionalismo crescente. Em um primeiro momento como uma
oposição ao fascismo – por conta do discurso anticlerical de Mussolini – mas
posteriormente compondo o Bloco Nacional juntamente com os fascistas, uma
vez que o Vaticano passa a considerar Mussolini uma opção viável na luta contra
os socialistas. “Mussolini lembra em seu diário que o discurso mais patriótico que
ouvira em 16 meses de guerra fora pronunciado numa igreja” (Sasson, 2009,
p.43). O PPI contava com mais de 100 mil membros logo após a sua fundação
em 1919, e com mais de 255 mil em 19203.

A vida dos que voltaram da guerra havia mudado por completo. A


Grande Guerra serviu para imbuir esses soldados de disciplina, senso de
coletividade, coragem e um grande ressentimento pelo Estado italiano:

3
Jens Peterson, “Elettorato e base sociale del fascismo italiano negli anni venti”. Studi Storici, vol. 16, nº
3, 1975, p.635.
“O novo espírito se encarnava nos soldados que retornaram. Esses
veteranos constituíram o caldo de cultura para a proliferação de
violentas associações paramilitares de direita, dos quais o fascismo
recrutava seus adeptos mais exaltados. Grande parte do simbolismo
da extrema direita foi elaborado durante a guerra. As camisas negras
usadas por seus seguidores tinham inspiração no uniforma das tropas
de elite – os arditi -, idealizado no verão de 1917 pelo general Luigi
Capello. O hino dos arditi, “Giovinezza” (Juventude), tornou-se o hino
oficial do Partido Fascista. A própria palavra fascio (feixe ou maço)
estivera em voga muito antes de Mussolini apropriar-se dela.” (Sasson,
2009, p.49)

A Itália, outrora polarizada pelos neutralistas e intervencionistas, se


polarizava agora, segundo Sasson, em dois partidos, o da guerra e o da paz:

“Desse modo, ainda havia, em 1919, dois partidos na Itália: um partido


“da guerra” constantemente em busca de um “inimigo”, fosse externo
ou interno; e um partido “da paz”, que, se acaso encontrasse um
inimigo, tentaria aplaca-lo de todas as maneiras possíveis. A história
dos anos subsequentes evidenciou o constante crescimento do partido
da guerra, sob diferentes aparências, sem qualquer impedimento por
parte de um partido “da paz” cada vez mais restrito.” (Sasson, 2009,
p.58)

Os nacionalistas e os irredentistas4 italianos propagavam uma política


de guerra, aglutinados em torno de Gabriele d’Annunzio, um poeta e político
Italiano que ocupou Fiume em 1919, proclamando a Regência Italiana de
Carnaro com uma constituição e simbologias5 com elementos que preconizam o
Estado fascista – principalmente pelo desejo de “[...] abrir caminho para um novo
Estado “corporativo” em que não houvesse lugar para conflito de classes.”
(SASSON, 2008, p. 61).

A arte na Itália sofria uma grande guinada para um nacionalismo


agressivo que ajudava na criação e fomento do partido “da guerra”. O escopo do
“homem fascista” – que irei trabalhar mais à frente – é totalmente construído em
uma noção religiosa e poética do homem italiano, do resgate de suas tradições,

4 O movimento Irredentista Italiano entendia que todos os territórios separados da Itália – seja por questões
geográficas ou políticas – mas que tivessem uma ligação com a Itália por questões de costumes, cultura ou
idioma, deveriam pertencer a Itália. Como o caso de Fiume que não tinha ligações por terra com a Itália,
mas que existiam muitos cidadãos italianos e uma de suas línguas era o Italiano.
5 Alguns cânticos fascistas; o óleo de rícino que obrigavam os adversários a beber; e o termo Duce, que

apesar de ser mais antigo, serviu para inspirar os fascistas ao uso. Além de heranças dos Futuristas que
também influenciariam posteriormente o fascismo.
da glória pelo conflito. E tudo isto estava presente nesse veio artístico. O
Futurismo de Marinetti e o fascismo terão em comum a glorificação da ideologia
da guerra e da potência que os conflitos tem de proporcionar avanços técnicos
e militares.

Nesse aspecto creio que seja complexo afirmar que o fascismo tenha
uma repulsa pela arte, ou pelos artistas, justamente por ter em seu cerne uma
grande colaboração de artistas da época que não só estavam em seu auge, mas
também estavam modificando e renovando a arte italiana. Podemos discutir o
conceito de arte ao qual estava mais atrelado, se era apenas uma forma de
propaganda ideológica, ou se era algo substancial – essa discussão é levantada
em todos os regimes políticos do sec. XX que foram próximos à artistas, como
por exemplo a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas -, mas nesse aspecto
o fascismo odiava – e ainda odeia - “apenas” tudo que foge do seu controle
ideológico.

O Decadentismo de D’annunzio era mais influente para a retórica


nacionalista e irredentista do que o próprio Mussolini. O poeta virara um herói
nacional ao mesmo tempo que contraria as vontades do governo Italiano que
queria seguir adiante e deixar a guerra para trás, mas que apesar disso não
consegue ter controle o suficiente do exército para repreende-lo pela manobra
não autorizada em Fiume, uma vez que o apoio popular estava com o poeta e
não com o governo. A empreitada mostrava a fragilidade do governo da Itália
perante as políticas aplicadas no pós-guerra e a ineficácia de mudar o
sentimento geral da população que cada vez mais ressentida se apoiava e
faziam coro aos discursos nacionalistas.

Foi somente após declarar guerra à Itália e expandir suas ocupações,


que o governo resolveu bombardear o palácio de d’Annuzio e desocupar de vez
Fiume, respeitando o Tratado de Rapallo que considerava Fiume como uma
cidade livre. Os feitos do poeta ainda seriam celebrados pelo futuro governo
fascista, e pelos conservadores e nacionalistas que se agrupavam no partido “da
guerra”.
Mas as forças que viriam a compor o fascismo ainda não estavam todas
aglutinadas em um partido. Os conservadores e nacionalistas ainda estavam
pulverizados, e Mussolini não era tão conhecido quanto d”Annunzio ou até
mesmo alguns outros colegas fascistas. Em 1919, os socialistas e os católicos –
que não compunham um mesmo bloco, mas se colocavam como oposição ao
fascismo - foram os que mais cresceram no momento pós-Guerra. Três décimos
da Câmara passaram a ser ocupados pelos socialistas – que antes ocupavam
um décimo. E o PPI com um décimo das cadeiras.; O Partido Revolucionário
Fascista não ocupava uma posição de destaque na crise social e política que a
Itália vinha passando.

A mudança de nome do partido de Mussoline que em 1919 se chamava


Revolucionário Fascista, e em 1921 passou a se chamar Partido Nacional
Fascista, não foi apenas uma mudança de nomenclatura, mas sobretudo uma
mudança de projetos políticos, de programa partidário. Em 1919 Mussolini se
apresentava como um revolucionário, seguindo muito dos ensinamentos de seu
pai que era socialista, ele propunha uma política socialista que superaria os
próprios socialistas. Pautando a derrubada da monarquia, a taxação de fortunas
e aumento de impostos sobre heranças e fazendo forte oposição à igreja
Católica.

Rejeitado em 1919 pelos socialistas, e buscando obter um melhor


desempenho nas eleições de 1920 Mussolini resolve integrar o Bloco Nacional,
que incluía principalmente o Partido Liberal Italiano e o Partido Social-Democrata
Italiano. Adotando um discurso mais moderado o PRF consegue um pequeno
crescimento na Câmara dos Deputados nas eleições de 1921. Mas a mudança
mais radical ocorre em 1922 – já renomeado para Partido Nacional Fascista -,
quando Mussolini abandona o discurso contra a monarquia e a igreja católica de
vez, além de se posicionar com mais afinco contra os socialistas e tentar angariar
mais apoio da burguesia italiana com um discurso mais liberal. No seu discurso
em Udine, em 20 de setembro de 1922 – vésperas da Marcha sobre Roma –
Mussolini fala:

“Queremos retirar do Estado todos os seus poderes econômicos. Basta


de ferrovias estatais, carteiros estatais, seguradores estatais. Basta
desse Estado mantido às custas dos contribuintes e pondo em risco as
exauridas finanças do Estado italiano. A polícia deve permanecer, pois
protege as pessoas honestas de ladrões e malvados; o educador
estatal deve permanecer, em benefício das novas gerações; as forças
armadas devem permanecer, pois protegem as fronteiras da Pátria; e
a política externa deve permanecer.” (Sasson, 2009, p.116)

A entrada do PRF no Bloco Nacional legitimou o fascismo, que passou


então a trabalhar com duas frentes: violência e legalidade. Ao passo que
Mussolini construía alianças mais fortes com os proprietários de terra e a
burguesia rural a violência do fascismo aumentava exponencialmente, de modo
a colocar o movimento em uma posição de relevância.

Mussolini havia despertado a curiosidade de grande parte da burguesia


reacionária italiana, mas eles ainda não confiavam de fato no fascismo. A
entrada de Mussolini na legalidade era uma forma de mudar esse quadro. Os
fascistas precisavam mostrar força e incitar sua base contra seus inimigos. Mas
também precisava mostrar para a burguesia que poderiam eliminar o problema
– a revolução que eles acreditavam estar por vir – e estabelecer uma forma de
governo que não fosse antagônica aos anseios da elite italiana.

Daquele momento, até a Marcha Sobre Roma os fascistas consolidaram


mais suas forças e suas práticas. Seu caráter xenófobo - com os ataques às
minorias eslovenas – e declarando guerra aos socialistas e comunistas italianos:

“destruindo em 14-15 de outubro de 2020 a redação do diário socialista


Il lavatore di Trieste e a Câmara do Trabalho em Fiume. A violência
estendeu-se então para o sul, na Emília: no dia 21 de novembro foi a
vez do Palazzo d’Accursio em Bolonha, onde os fascistas abriram fogo
contra um grupo reunido em comemoração à vitória eleitoral dos
socialistas. Nove pessoas morreram e outras 100 ficaram feridas. Em
janeiro de 1921, novamente na Bolonha, os camisas-negras
incendiaram a Câmara do Trabalho” (Sasson, 2009, p.104-105)

Na mesma medida que a violência fascista se fazia mais presente, o


apoio popular à Mussolini crescia. Não só por parte da burguesia que se
assustava com o avanço que os socialistas obtiveram nos anos anteriores nas
eleições e com os ventos da Revolução Russa que se espalhavam pela Europa,
mas também por parte do proletariado e principalmente do Lumpemproletariado
que constituíam a maior parte das forças fascistas.

A ineficácia dos socialistas e dos católicos em perceber o real perigo que


o fascismo representava, e o erro do Primeiro-Ministro Giolitti ao subestimar a
força do movimento fascista, inserindo o PNF na lista do Bloco Nacional e
fazendo vista-grossa para os atos de terror e violência por toda a Itália, foram
fundamentais para a preparação dos eventos que iriam desencadear na
nomeação de Mussolini como Primeiro-Ministro da Itália com o decorrer da
Marcha sobre Roma:

“Aqui a fraqueza do Partido Comunista também cumpriu o seu papel.


Para além de sua fraqueza numérica, o Partido certamente cometeu
também um erro político ao encarar o fascismo somente como um
fenômeno militar enquanto ignorava seu aspecto ideológico e
político. Não esqueçamos que, antes de abater o proletariado por
meio de atos de terror, o fascismo italiano já havia assegurado uma
vitória ideológica e política sobre o movimento dos trabalhadores
que se encontra nas raízes do seu triunfo. Seria muito perigoso
equivocar-se frente a importância de superar o fascismo ideológica e
politicamente.” (ZETKIN, 1923)

O momento posterior à entrada do fascismo no Estado burguês, foi o de


expandir a doutrina fascista para além de seus partidários, de forma a
implementar o modelo ideal de homem fascista na sociedade italiana. E isso é
importante, pois a inserção da doutrina fascista na Italia era algo que Mussolini
e Gentile acreditavam ser a chave para romper com a degeneração da sociedade
liberal. O homem deveria ser coletivizado, e essa deveria ser a doutrina do
Estado fascista.
O INTEGRALISMO

O movimento integralista surge no Brasil em 1932. Fundado por Plinio


Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Raele – sendo Salgado sua liderança mais
expressiva -, a Ação Integralista Brasileira é o acumulo de experiencias de
grupos como “Verde-Amarelo” e a “Escola da Anta”, e a aglutinação de alguns
microgrupos de extrema-direita em torno de uma doutrina. E assim como o
fascismo italiano, teve suas bases moldadas pelas revoluções artísticas de sua
época, e pelo contexto político não só nacional, como também internacional.

O momento “pré-integralismo” começa de fato dois anos antes, não só


com a Revolução de 1930, que serviria para modificar as estruturas
socioeconômicas e políticas do país, mas também com o primeiro contato de
Salgado com o fascismo italiano em sua viagem para a Europa. Porém a
mudança ideológica mais significativa para Salgado, e consequentemente o que
marcaria sua entrada mais incisiva na arena política, aconteceria com seu
engajamento na Semana de Arte de 1922.

A Semana de Arte de 1922 foi, segundo Salgado, um marco para toda a


sua geração, foi a responsável, assim como o Futurismo italiano, por ajudar a
modificar e edificar um novo nacionalismo brasileiro, que também serviu como
base ideológica para o Integralismo. E apesar de Salgado ter tido uma
participação bem secundária no evento, a Semana de Arte foi capaz de mudar e
moldar muitos dos seus pensamentos, fomentar um debate sobre as mudanças
do país, e colocá-lo em contato com outras pessoas, que assim como ele,
estavam cansadas do rumo que a política partidária vinha se colocando.
Segundo ele:

A revolução literária e artística de 1922-1923 teve o mérito de


acender um chamejante espírito de rebeldia, com a qual
iniciávamos a derrubada dos velhos cultores da forma,
quebrando (...) o ritmo político do país. (Salgado, Plínio,
Despertemos a Nação, op. Cit., p. 7.)
Dois movimentos de imensa importância surgiram desse evento: o
“Verdamarelismo” e o “Pau Brasil” (que mais tarde viria a se tornar o movimento
Antropofágico). Com um viés mais nacionalista, Salgado integra o
“Verdamarelismo em São Paulo, e é dali que surge a maior parte dos militantes
e intelectuais que viriam a formar mais tarde a Ação Integralista Brasileira. Mais
tarde, ao “optar pela ação, colocando-se a serviço da análise, em profundidade,
da vida brasileira e de seus problemas” o grupo se transforma na Escola da Anta.

Para Salgado, o Verdamarelismo estava construindo um nacionalismo


muito engessado, e que não era intuitivo. A criação da Escola da Anta serviu
para desenvolver um nacionalismo que era de fato brasileiro, em contraponto ao
nacionalismo da época que para ele era demasiadamente “exterior”. A anta é
adotada como um símbolo pois ela é um animal totem dos Tupi. Salgado
considerava que esse nacionalismo deveria se voltar as raízes mais profundas
do povo brasileiro. Esse resgate das raízes dos povos indígenas era um dos
pontos do movimento:

Nós procurávamos raízes nacionais para o nosso nacionalismo,


e o retorno à língua tupi era uma delas. O que influiu muito em
nós foi a obra de couto Magalhães, O Selvagem (...). Nós
tínhamos notado que, no romantismo, José de Alencar apanhou
um índio muito estilizado, muito europeizado e que não tinha
ainda raízes profundas. Nós procurávamos as raízes profundas,
por que o índio é o denominador comum de todas as raças.

Assim como seu pai, Salgado era um militante do Partido Republicano.


Os contatos com o nacionalismo da Semana de Arte e com suas leituras de
filosofia, junto ao seu envolvimento com a corrente materialista, fazem com que
Salgado enxergue o partido como algo ultrapassado, incapaz de responder aos
anseios da nova geração - inclusive dos intelectuais jovens do próprio partido -
uma máquina eleitoral sem pretensões doutrinárias.
Esse é o momento em que ele rompe com a política tradicional.
Produzindo mais do que nunca como jornalista e escritor, de forma mais
engajada politicamente, que era o marco da época:

“A geração de 1922 se caracteriza numa primeira fase (1922-


1930), por sua ruptura com o passado e pelo interesse crescente
pela política em detrimento das preocupações exclusivamente
extéticas.” (pag 50)

Em 1930, dois anos antes da fundação da AIB, e alguns meses antes da


Revolução de 30, Salgado faz uma viagem à Itália e se impressiona com a
doutrina fascista, e com seu líder. De fato, o fascismo não era um modelo a ser
copiado e exportado para o Brasil, segundo o próprio Salgado, mas algumas
coisas chamaram a atenção.

O controle do capital pelo Estado fascista, o desprezo pelo processo


democrático burguês – Salgado estava desiludido com o sufrágio, e via a
democracia burguesa e o processo eleitoral com profunda repulsa –, e acima de
tudo o corporativismo adotado pelo regime, eram coisas que mais tarde seriam
“adotadas” pelo movimento integralista.

Contando eu a Mussolini o que tenho feito, ele achou admirável


o meu processo, dada a situação diferente de nosso país.
Também como eu, ele pensa que, antes da organização de um
partido, é necessário um movimento de ideias. (pag 83)

O Integralismo não era considerado por suas lideranças como um


partido, e sim como um movimento. Portando a AIB não seguia um programa
político, e sim, uma doutrina. Criando diversas organizações dentro do próprio
movimento que eram responsáveis por modificar e preparar o militante
integralista para se tornar de fato um homem integral.
Como disse antes, Salgado ficou impressionado com o corporativismo
fascista, e assim como o fascismo italiano, o integralismo adota como modelo
organizacional da sociedade o corporativismo. Para eles não há outro modelo
que sirva para unificar patrões e empregados numa forma integral. Fora do
corporativismo prevalece a luta de classe, e a fragmentação liberal da sociedade,
cada setor lutando com suas próprias armas contra seus opositores – que não
deveriam ser grupos antagônicos.

Porém, aqui, existe uma diferença entre o pensamento fascista e o


integralista. A ideia de Plínio Salgado para o Estado Integral era muito interligada
ao caráter espiritual -o corporativismo integralista, pensado por Salgado, era
totalmente atrelado à igreja e às ideias do corporativismo Católico Apostólico
Romano. O Estado deveria ser organizado de forma que ajudasse o homem a
ser integral, ou seja, ele deveria atender as necessidades materiais, intelectuais
e espirituais do indivíduo. Aqui, ao menos para os Integralistas, a noção de
Estado se dissocia da noção de Estado fascista, pois existe um caráter de
evolução da humanidade no integralismo.

Inclusive, o próprio conceito de Integralismo, abordado por Plínio


Salgado, vem do catolicismo. O integralismo católico, que surge no século XIX,
firmava uma base católica em todas as ações políticas e sociais do ser humano,
submetendo o Estado aos princípios morais do catolicismo, e eliminando
qualquer outra corrente ideológica. Aqui o integralismo de salgado, e o
integralismo católico possuem no humanismo e no liberalismo um inimigo
comum, uma vez que a igreja também condenava a separação entre o indivíduo
e a política, tratando-as como uma coisa só, e colocando uma força espiritual
superior como única potencializadora do homem.

Enquanto o fascismo italiano leva a ideia do “feixe de varas” como uma


unidade nacional para fortalecimento da nação – aqui no caso com um caráter
mais militarista, prezando a ordem -, o integralismo enxerga na unidade uma
forma não de fortificar o Estado, e sim o homem. A ética do homem, o espírito
do homem, são as coisas que construirão o Estado integral; indivisível, forte e
capaz de prover ao homem tudo o que ele necessita para evoluir. A visão
integralista não parte do Estado – como no fascismo italiano – e sim do próprio
indivíduo, que por hora, está degenerado pela sociedade liberal.
A partir deste humanismo espiritualista se elabora a concepção
da vida social que aspira a um retorno do ideal medieval de uma
sociedade harmoniosa: “Os homens e as classes podem e
devem viver em harmonia (...). Todos os homens são suscetíveis
de harmonização social e a superioridade que existe acima dos
homens é a sua comum e suprema finalidade”. (...) Neste
aspecto doutrinário o integralismo aproxima-se muito mais dos
fascismos conservadores – o português (Salazarismo), o
espanhol (Falange Espanhola) e o belga (Rexismo) – que do
espiritualismo vago do fascismo italiano ou do agnosticismo
nacional-socialista alemão. (pagina 209)

O Homem Integral deveria ser uma forma balanceada de um homem


espiritual, político e econômico já que esses três aspectos seriam fundamentais
para a construção do Homem e da sociedade integral. Como diria Salgado:

Dar ao homem físico, ao homem material, tudo aquilo que ele


necessita para cumprir seus deveres e exercer seus direitos –
os direitos necessários para que possa cumprir seus deveres; e
ao homem espiritual tudo aquilo que lhe possa satisfazer a sede
de infinito (SALGADO)

O Integralismo deveria, então, se apresentar como uma solução para


o dilema que eles enxergavam que estava posto na sociedade, principalmente
nos grandes centros urbanos que era o foco da degeneração do homem e da
sociedade burguesa.

Fascismo e Integralismo compartilhavam uma visão muito aproximada


sobre liberalismo e comunismo. Mussolini já havia “aceitado o socialismo como
doutrina” antes da fundação do fascismo em 1915, e Salgado havia entrado em
contato com o socialismo Soviético. Para ambos o liberalismo e o comunismo
eram faces da mesma moeda; rejeitavam o Estado como único potencializador
possível do homem, fragmentando-os hora na noção de “luta de classes”, hora
no individualismo desenfreado que, segundo Mussolini, matava a liberdade do
homem.

A sociedade liberal, segundo a doutrina integralista, reduz o homem ao


individualismo, ao materialismo grosseiro, a uma simples engrenagem de uma
linha de produção infinita o afastando de sua família e tornando difícil ao homem
o cumprimento dos seus deveres religiosos. Já o comunismo seria uma outra
face desse mesmo problema, levando o homem à um coletivismo forçado,
transformando-o em um sub-homem e negando sua espiritualidade. Ambos,
liberalismo e comunismo, levariam ao problema das revoluções modernas.

Salgado também agregava à doutrina Integralista o seu equivalente ao


“estado de guerra permanente”, só que aqui, ao invés de adotar somente o
aspecto do militarismo, do Estado belicoso, adotava também um viés espiritual.
Apesar de Salgado reivindicar que as nações devem ser configuradas de povos
guerreiros, o confronto entre o “bem e o mal” aqui era marcado muito mais pelo
confronto entre o materialismo e o espiritualismo:

Quando o espiritualismo predomina, a luta se atenua, por que


fatores de apaziguamento (a bondade, a solidariedade
humana, o senso ético e religioso) entram em sua
composição; quando, porém, reina o materialismo,
prevalecem os fatores de desagregação humana (o orgulho,
a vaidade, a rebelião, a indisciplina) que são as causas do
desaparecimento das nações e das civilizações. (pag 211)

No que diz respeito a estruturação do Estado integralista, a própria AIB


serviria como um modelo de organização pré-Estado. Ou seja. O próprio
movimento, e como ele se organizava, já deixava explicito a forma como os
integralistas organizariam o Estado quando a doutrina fosse aplicada:
A estrutura da A.I.B., desde o Chefe até os militantes de base,
forma uma organização burocrática e totalitária. A burocracia da
organização manifesta-se através de um complexo de órgãos,
funções, papéis, comportamentos previstos minunciosamente
pelos estatutos, resoluções do Chefe e rituais; o caráter
totalitário, por sua vez, através das relações rígidas entre os
órgãos de enquadramento disciplinado dos militantes (a partir
das organizações da juventude até a milícia) e da submissão
autoritária e fidelidade aos superiores hierárquicos. Neste
sentido, o totalitarismo e burocracia são elementos
indissociáveis na organização do integralismo. (PG 169)

E de fato, não existia uma separação entre a vida política e a vida


pessoal dos militantes. Uma vez que diversos ritos integralistas englobavam
desde cerimonias de casamento até funerais, onde os membros deveriam seguir
as tradições e os ritos da A.I.B.

A maior interação entre integralistas e fascistas ocorreram devido aos


avanços do nazismo em solo brasileiro. Entre 1920 e 1930, milhares de alemães
imigraram para o Brasil devido – em partes – aos problemas econômicos que a
Alemanha vinha passando pós-Primeira Guerra Mundial. Os laços fortes que
eles ainda mantinham com a Alemanha, a descrença na república de Weimar e
o apreço pelo nacionalismo nazista que era crescente no país fez com que
surgissem diversos grupos nazistas no Brasil. Com isso, mesmo ainda
considerando o integralismo uma cópia não muito boa do programa fascista,
incentivam que os fascistas brasileiros, engrossem as fileiras integralistas com
intenção de frear o avanço da doutrina nazista.

Porém, a ideia do Estado Fascista nessa época era se inserir na América


do Sul, e da mesma forma que eles se aproximavam da Frente Integralista
Brasileira, se aproximavam do governo de Vargas. As relações entre fascistas e
integralistas só vai começar a se desfazer quando é mais benéfico aos fascistas
apoiar Vargas, uma vez que ele já estava no poder – Estado Novo -, e acenava
uma parceria com os italianos.

O fim do integralismo se deve à diversos fatores, e os três mais


importantes são: o fim da permissividade de atuação por parte de Getúlio Vargas,
as duas derrotas sofridas pelos camisas verde, primeiro na “Batalha da Praça da
Sé” em 1934 e posteriormente na fracassada tentativa de golpe de Estado em
1838, e o fim do apoio fascista ao movimento e a perda de credibilidade do
fascismo após o afastamento de Vargas do Eixo.

As resoluções tidas pela Internacional Comunista – em contraposição as


resoluções da Zetikin – trouxeram alguns problemas à Frente Única Antifascista
– principal unidade de enfrentamento ao fascismo no Brasil, que posteriormente
se transfiguraria na Ação Libertadora Nacional -, já que os partidos alinhados à
Comintern não participavam de nenhum ato, manifesto ou frente realizada por
sociais democratas. Devido a fragmentação do movimento, o integralismo até
então, não tinha uma oposição solidificada e contava com amplo apoio do
Estado, incluindo a polícia, que fazia vista grossa para suas ações. O quadro só
começa a mudar quando os camisas verdes radicalizam suas ações, e começam
a atacar fisicamente seus opositores.

“A vontade de contramanifestar cresce muito desde que se


divulgaram atos de violência dos integralistas em várias partes
do país, dentre os quais a agressão a bengaladas praticada pelo
líder camisa verde Gustavo Barroso (o escritor) contra a operária
Nair Coelho, em Niterói.” (42 revoada)

As mudanças nas políticas aplicadas pela União das Repúblicas Socialistas


Soviéticas com o avanço mais claro do fascismo e do nazismo em meados dos
anos 30, faz com que o PCB (Partido Comunista Brasileiro) se insira dentro
desse quadro de combate ao integralismo, e passe a participar – mesmo que de
forma tímida – da FUA. Assim, em 7 de outubro de 1934, em reação à
convocação da AIB para as comemorações aos dois anos do Manifesto
Integralista na capital paulista, a FUA se reúne para impedir a manifestação, o
que desencadeia um conflito armado entre os integralistas e os antifascistas que
durou horas, e que terminou com a debandada dos integralistas.

O conflito teve consequências negativas para os integralistas, que passaram a


ter uma oposição mais encorajada contra suas ações, uma vez que o vigor dos
grupos antifascistas foi renovado com a vitória obtida. As repercussões também
tiveram caráter nacional, encabeçando uma campanha contra as políticas
autoritárias de Vargas.

Salgado não apoiava verdadeiramente a Revolução, uma vez que entendia que
ela quebrava com estruturas sociais que ele apoiava. Porém, via nela uma forma
de encaminhar o Brasil para uma forma de governo realmente efetiva. Nos anos
que se seguiram Salgado tinha tentado se aproximar do Governo Provisório de
Getúlio Vargas, primeiro com um apoio indireto à Revolução de 1930, depois
com notas políticas sobre as diretrizes da Ditadura. Para ele a Ditadura era o
que o povo precisava naquele momento. Uma vez ignorado por Vargas, tenta
uma aproximação da juventude, pregando uma revolução dentro da Revolução.

Em 1937, com o fim das agremiações políticas no Estado Novo, os integralistas


que até o momento apoiavam Vargas, passam a criar um sentimento de
vingança pelo estadista quando a aplicação do Estado Novo, não proíbe apenas
os comunistas de se organizarem, mas também os camisas verdes. A ideia deles
era não só apoiar o novo regime, mas conduzi-lo à ditadura e à doutrina que o
povo brasileiro precisava. Porém, Vargas já via Plínio Salgado como uma
ameaça a algum tempo, porém utilizava dos integralistas quando necessário.

O ressentimento de muitos integrantes cresce, e em 1938 colocam em prática


um plano para depor Vargas. A ação não só resulta na derrota dos milicianos
integralistas que estavam presentes – com a morte e a prisão da maioria deles
durante o conflito -mas também na prisão de outros 1500 integralistas, e no exílio
de Plínio Salgado.

Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial em oposição ao Eixo, e o


cerco aos grupos nazistas em solo brasileiro – inclusive com a expropriação e
fechamentos de prédios ligados à militantes nazifascistas, e a proibição de
expressões da cultura alemã em público – cresce a repulsa pelas doutrinas que
fazem parte do Eixo, e com isso entra em declínio o prestígio de suas vertentes
brasileiras.
Quando Salgado volta do Exílio em 1945 – com o fim do Estado Novo – ele tenta
reaver a militância Integralista ao fundar o Partido de Representação Popular; e
em 1955 se candidata à presidência da República obtendo apenas 8% dos votos.
Apesar da tentativa de desassociar o integralismo do fascismo, a imagem do
grupo já estava muito desgastada e o movimento nunca voltaria a ter a força que
teve.
O MITO FASCISTA E A CONSTRUÇÃO DO “HOMEM”

No dia 28 de outubro de 1922, após a onda de violência fascista se


espalhar por toda a Itália, os Camisas Negras marcharam por toda o país no
evento que posteriormente entraria para a história como a “Marcha sobre Roma”.
Uma manifestação política com claros traços de golpe de Estado, que segundo
Ítalo Balbo – importante liderança fascista e um dos idealizadores da marcha - já
tinha como intenção a tomada de Estado na Itália. Nesse momento Mussolini e
as lideranças fascistas começam a construir e reforçar a imagem da
masculinidade fascista, do homem fascista, e acima de tudo do caráter
revolucionário do movimento.

Homens fortes e armados, cidadãos de bem, marchando em unidade


contra um Estado corrupto e decadente, destruído pela degeneração da
sociedade liberal e pela Grande Guerra. O principal alvo do PNF, naquele
momento, era o governo do Primeiro-Ministro Giolitti. O fascismo viria para
romper com as velhas instituições e apontar um novo caminho para a Itália e
para o povo italiano. Recuperar a glória passada e transformar o homem italiano
em um homem fascista. Ao menos era isso que as lideranças fascistas
apregoavam. Esse ato político não serviria apenas para mostrar a força daquele
novo e efervescente movimento, que já penetrava em parte da juventude italiana
e que vinha a passos lentos ganhando forças no parlamento burguês, mas
também seria usado como a propaganda política perfeita para seu sucesso nos
anos posteriores.

O único problema é que os fatos sempre se opõem aos mitos. A Marcha


sobre Roma de fato existiu. E os dirigentes fascistas foram capazes de reunir
milhares de pessoas para o ato. Diversos jornais na Itália davam a entender que
a tomada do Estado pelos Camisas Negras ocorria por todo o canto do país. Só
que como mais tarde Mussolini viria a confessar, a Marcha não tinha a força que
aparentava ter. Os Paramilitares fascistas naquela altura eram numerosos, mas
seus armamentos não os possibilitavam a tomada do Estado pela via
revolucionária armada tal qual os Bolcheviques na Rússia anos antes. Uma
coisa eram suas incursões contra os sindicalistas e os socialistas; tomar o
Estado já era uma empreitada muito maior.

“Os participantes da Marcha puderam acampar nas imediações de


Roma. Eram entre 30 e 40 mil, soldados amadores brincando de
revolução, mal armados (fuzis de caça, pistolas velhas do Exército,
pouca munição) e sem condição de enfrentar tropas regulares - como
perfeitamente se deram conta os mais conscientes.” (Sasson, 2009,
p.12)

Como Mussolini e as lideranças fascistas já haviam deixado claro, o


Exército não reagiria contra as forças fascistas, e nenhum Camisa Negra deveria
se opor às forças da ordem pública, pois os militares eram a força defensora da
nação. A manutenção da ordem durante o processo foi algo exaltado por
Mussolini posteriormente como um novo modelo de revolução.

“Em seu diário um estudante registrou que os participantes da Marcha


recebiam constantes garantias de que o exército jamais atiraria neles.
Os fascistas eram lembrados por seus líderes de que o “Exército é o
supremo defensor da nação”, de que “não deve ser envolvido na luta”,
de que o fascismo tinha o Exército em alta estima e de que “o fascismo
não marcha contra as forças da ordem pública”. Na verdade, as tropas
eram usadas com frequência para fornecer alimentos aos camisas-
negras, pateticamente encharcados pela chuva constante.” (Sasson,
2009, p.12)

Como eu disse antes, o fascismo havia adotado uma luta em duas


frentes. A Marcha sobre Roma é o produto final dessa postura política.
Contraditória? Em partes. Mas eficaz. Todo o potencial violento do fascismo
contra seus inimigos já havia sido mostrado nos meses anteriores, a garantia
agora era de demonstrar sua capacidade de atuar na legalidade.

“Muitas vezes aqueles que agem na ilegalidade tentam encontrar


justificativas legais para seus atos. Às vezes, os revolucionários
insistem na legalidade de seus atos, ignorando os atalhos que tiveram
que tomar. No caso de Mussolini, foi quase o oposto. Ele preferia fingir
que tomou o poder pela força, e que o poder lhe fora outorgado porque
já havia conquistado-o no campo de batalha”. (Sasson, 2009, p. 8)
Ao contrário de seus partidários o Dulce não marchou como um homem
heroico pelas estradas da Itália, nem participou das ocupações das cidades. Não
ameaçou a monarquia, nem se quer se opôs de fato à ordem vigente – esse
discurso ele já havia abandonado. Ele seguiu até Roma em um vagão leito de
trem, e apresentou seu plano de governo ao rei Victor Emanuel III. O outsider da
política Italiana entraria no jogo. Quando ele abriu mão de seus discursos contra
a monarquia, o catolicismo, ele conseguiru– sem a necessidade de uma luta
armada – chegar ao poder. E a contragosto de seus partidários – pois as milícias
já haviam recebido financiamento para suas ações -, Mussolini aceita cessar as
perseguições aos seus inimigos e entrar de vez na legalidade. Permitindo assim,
em um primeiro momento - muito breve - dar um ar democrático às suas ações.
A tomada da Itália é um mito pelo simples fato de que não houve uma tomada,
o Estado já estava de portas abertas para Mussolini e os Camisas Negras.

Essa história é boa pois ela desmonta toda a propaganda em torno do


mito. Não há nada de heroico na pseudo tomada de Estado por parte dos
fascistas. Eles não “chutaram as portas do Estado Burguês armados até os
dentes contra as forças corruptoras” para fazer a Itália voltar aos eixos. Eles não
romperam de fato com as velhas instituições. Eles apenas bateram na porta e
foram recebidos de braços abertos. Estavam, ainda, longe de ser os homens que
os intelectuais do partido defendiam em seus resgates ao Passado Mítico
Italiano.

O novo governo seria uma coalizão entre os fascistas, militares, liberais


de direita e católicos do Partido Popolari Italiano. E o respeito mostrado por
Mussolini as instituições serviria para acalmar os ânimos da elite italiana, que
viam em Mussolini um homem que, apesar da linguagem simples, da violência e
do populismo, poderia manter a Itália sobre controle. A aposta em Mussolini era
a única viável para conter o avanço da revolução, pois suas táticas já vinham
demonstrando êxito no controle aos subversivos no interior do país.

Mas só o mito da tomada do Estado, e a chegada do fascismo ao poder


não trariam de fato para a Itália o que Mussolini queria. A doutrina fascista se
constrói na “criação do novo homem” – que parte de um resgate do velho
homem; tão velho que já não existia. O que facilitava a manipulação desse
arquétipo de “homem ideal” para se encaixar nos moldes do fascismo.

Seria impossível, ao meu ver, analisar o fascismo e suas expressões por


outro caminho que não fosse o Passado Mítico e a construção da figura mítica
do homem. E por mais que esse assunto já seja algo recorrente na maioria
esmagadora dos textos sobre fascismo, nazismo e suas expressões
contemporâneas, o Passado Mítico serve como alicerce e como justificativa para
todas as doutrinas e ações fascistas. É ele o primeiro argumento responsável
pela criação de ressentimento. E é o ressentimento o agente potencializador do
discurso fascista nas massas. A ancoragem ao passado é o que contrapõe a
sociedade contemporânea e o que incute medo sobre o futuro. O líder fascista
busca sempre as contradições de classe (mesmo que negando sua existência)
para realçar e criar seus inimigos.

O fascismo, o nazismo e o Integralismo se baseiam em diferentes


noções de “homem”. Seja o homem da guerra, o homem ariano ou o homem
integral, a construção do mito e da ideologia tem sua base nessa construção que
é muito particular para eles. Ao contrário do marxismo que nega uma natureza
humana inerente, o fascismo e suas expressões tem na natureza humana um
pilar para a construção do mito fascista.

Mussolini acreditava que o homem italiano deveria se construir à imagem


da Roma antiga: um conquistador. O discurso fascista era de que o Italiano
provara com a participação na Primeira Guerra Mundial que era um povo
guerreiro, que a visão do homem italiano cordial, pacífico e “poeta” poderia ser
sobrepujada pelo homem do Futurismo. Em “A Doutrina do Fascismo”, Mussolini
e Giovanni Gentile6 falam sobre a natureza do homem e a rejeição ao pacifismo:

“Inicialmente, no que diz respeito ao desenvolvimento futuro da


humanidade, e bem distante de todas as considerações políticas
atuais. Falando de modo geral, o Fascismo não acredita na

6
Giovanni Gentile foi um dos responsáveis pela criação e fortalecimento da doutrina fascista. Em 1932
escreve em coautoria de Benito Mussolini o livro “A Doutrina do Fascismo”. Atuou como Ministro da
Educação de Mussolini durante seu governo, sendo responsável por uma série de reformas autoritárias e
doutrinárias.
possibilidade ou na utilidade da paz perpétua. Ele então descarta o
pacifismo como uma máscara para uma renúncia insolente e covarde
em contradição com o auto sacrifício. Apenas a guerra canaliza todas
as energias humanas para a sua máxima tensão e perpetua o selo da
nobreza naqueles povos que tem a coragem de enfrente-la. Todos os
outros testes são substitutos que nunca colocam o homem face a face
com si mesmo, diante da alternativa de vida ou morte.” (MUSSOLINI,
1932)

E continua:

“Portanto, todas as doutrinas que postulam a paz a qualquer custo são


incompatíveis com o fascismo. Igualmente estrangeira ao espírito do
Fascismo, mesmo que aceita como útil em alcançar algumas situações
políticas especiais, são as superestruturas internacionalistas ou de liga
que, como mostra a história, desabam pelo chão quando o coração das
nações é profundamente mexido por considerações sentimentais,
idealistas ou práticas. O fascismo carrega essa atitude antipacifista
para dentro da vida do indivíduo. "Eu não dou a mínima (me ne frego)",
o orgulhoso lema dos esquadrões de combate, escrito por um homem
ferido nos seus curativos, não é apenas um ato de estoicismo filosófico,
ele resume uma doutrina que não é meramente política: ela é a
evidencia de um espirito combativo que aceita todos os riscos.
Ela significa um novo estilo de vida italiano. O Fascista aceita e ama a
vida; ele rejeita e despreza o suicídio como covardia. A vida, como ele
entende, significa dever, elevação, conquista; a vida deve ser sublime
e completa, ela deve ser vivida para si, mas acima de tudo, para os
outros, tanto de perto quanto de muito longe, presente e futuro.”
(MUSSOLINI, 1932)

Por isso, a importância de manter o mito sobre a Marcha Sobre Roma


como uma demonstração de força e virilidade era fundamental. Essa noção de
homem irá ser transportada para as expressões do fascismo – obviamente de
forma adaptada – na Alemanha e no Brasil, de modo que se adeque melhor ao
seu Passado Mítico e suas peculiaridades presentes. Pois é importante para a
manutenção do espírito nacionalista que o que construa a doutrina não seja algo
importado.

Para o nazismo a noção de homem era algo mais atrelado ao racial. A


raça ariana seria a superior entre outras, que eram tidas como sub-raças, ficando
os judeus e os ciganos como cidadãos de segunda classe, primeiramente
expulsos da Alemanha e posteriormente confinados nos guetos e exterminados
no holocausto por meio da “Solução Final”. A contraposição entre Arianos e os
judeus foi o que permitiu a construção do nazismo. Por mais que o fascismo
italiano tenha perseguido as minorias eslavas, não existia um traço forte de uma
política de eugenia, tal qual a promovida por Hitler.

A propaganda nazista de higiene racial foi o que fomentou as campanhas


no leste europeu. A noção de pureza racial e a construção do homem ariano era
tão forte na Alemanha Nazista que o Estado treinava centenas de enfermeiras
para reconhecer qualquer traço que trouxesse impurezas raciais. Os militares
também eram instruídos pela política racial como aponta Wendy Lower:

“O Escritório de Raça e Assentamento e outras agencias da


germanização se espalharam pelos territórios ocupados em busca de
habitantes racialmente aceitáveis, de etnia germânica e de enclaves
coloniais adequados. Himmler ordenou que seus homens liderassem
uma campanha de sequestros sancionados pelo Estado. Um dos tipos
fazia uma alusão sinistra no nome: “Ação da Colheita de Trigo.” Se um
membro da SS avistasse uma menina ou menino bonito, de cabelos
louros e olhos azuis, em algum vilarejo da Ucrânia, Polônia ou
Bielorrússia, podia pegar a criança. Os examinadores raciais da SS
iriam determinar se a criança tinha sangue alemão suficiente e, se em
caso afirmativo, ela seria colocada para adoção. (...) Crianças sem
valor racial eram mandadas para asilos e campos de trabalhos
forçados ou, em alguns casos, usadas como cobaias em experimentos
médicos.” (LOWER, 2013, p.49)

A “Solução Final” já havia sido apresentada no “Mein Kampf” e colocada


em prática logo quando Hitler assume o poder como Chanceler, e posteriormente
adquiri o direito de legislar sem aprovação parlamentar com a “Lei de Concessão
de Plenos Poderes”.

A noção de homem integral, como eu já descrevi anteriormente, é


perpassada por uma noção religiosa cristã, mas na mesma medida em que todos
os outros regimes que se aproximaram ou buscaram inspiração no fascismo,
usaram o passado mítico para desenvolver a sua própria noção de nacionalismo
– uma vez que um regime importado de outro país sem modificações iria ferir
esse nacionalismo chauvinista pregado por eles.

O integralismo prezava muito pelo homem do interior, em detrimento do


homem das capitais. Para eles a força e a vitalidade do homem do interior – junto
com as questões de miscigenação – era a força do homem integral. Nesse ponto
fascismo e integralismo compartilham a ideia de que o homem do interior é quem
sustenta material e culturalmente a nação, e que o Estado coloca este homem
em um plano secundário. O homem do interior é o homem real.

Inspirando-se na figura de Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, ele


define simbolicamente o homem brasileiro: “Jeca Tatu é o
espírito nacional. É a incerteza do Povo Criança. É o homem
perdido no imenso meio físico (...). Ele não é a face ridícula da
Nação, mas a própria Nação” (44). Considera que o brasileiro
autêntico é desprezado pelos dirigentes do país. (94 helgio)
CONCLUSÃO

O nazi-fascismo e o integralismo se aproximam e se fastam em diversos pontos


como podemos ver. Fica claro as inspirações que Plínio Salgado tem no
fascismo italiano por exemplo, porém no que diz respeito a noção do homem
dentro do integralismo, a doutrina é muito mais próxima ao religioso do que ao
militar.

Ao contrário do resgate do Passado Mítico fascista e integralista, que são


resgates de um passado há muito perdido, os políticos protofascistas no Brasil
dão preferências à passados mais presentes da nossa história. Hoje eles se
voltam para a ditadura civil-militar de 1964 por exemplo. A distinção entre o
Movimento Integralista e os fascistas contemporâneos é explícita no sentido de
que nenhum protofascista hoje exalta a cultura ou o povo brasileiro. Em geral
tudo o que é traço da cultura brasileira, ou todos os traços do povo brasileiro –
aqui colocado de forma mais abrangente – é logo rechaçado como algo que
empobrece, envergonha e degenera a parcela da população que eles enxergam
como representantes legítimos do povo.

Exaltar a Ditadura Civil-Militar de 1964 é exaltar a “Lei e a Ordem”. Uma época


em que a corrupção e degeneração comunista estavam longe da máquina do
Estado. Uma época que o Estado tinha o poder de perseguir implacavelmente
seus inimigos. Que era seguro andar nas ruas a noite pois não havia crime. Que
a masculinidade e o patriarcado estavam protegidos, seguros da degeneração
da sociedade liberal; e pessoas trans, homossexuais, negros e mulheres sabiam
seu verdadeiro lugar. Eram tempos que o Estado servia para assegurar de forma
mais firme os privilégios que “se encontravam em seu auge”.

O protofascismo brasileiro não constrói seu Passado Mítico em torno de uma


história heroica de seu próprio povo; o brasileiro não é enxergado como uma
raça capaz de modificar os rumos da história, ou de construir a sociedade
perfeita. Muito pelo contrário. O neofascismo brasileiro poderia ser chamado de
fascismo colonizado. Os políticos neofascistas justificam suas ações hoje com
base no controle. Na reeducação de toda uma população para se adequar ao
padrão Europeu ou Norte Americano. E é aqui que se estabelece a grande
diferença entre o que chamamos de neofascismo e a expressão clássica do
fascismo brasileiro representado pelo Movimento Integralista.

E não é atoa que por mais que os integralistas que ainda restam, apareçam em
determinados momentos em unidades com grupos neofascistas ou participando
de manifestações com caráter protofascista, seus posicionamentos ainda
continuem contundentes no que diz respeito ao modelo político e social que
deveria ser adotado no Brasil de hoje.

Na luz desse trabalho, em plena pandemia de COVID-19,

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