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RBMAD ISSN 2357-9676

Volume 1 Numero 1 Ano 2014


Revista Brasileira de Meio Ambiente Digital e Sociedade da Informação São Paulo, Brasil Pág. 49 - 208

JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA NOS CRIMES INFORMÁTICOS

Christiany Pegorari Conte


Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie

RESUMO

Este trabalho apresenta uma breve abordagem acerca da fixação do juízo competente nos crimes
informáticos, destacando-a como um dos desafios a ser enfrentado pela Ciência Criminal no
mundo globalizado. Assim, a presente dissertação de mestrado procura versar de forma sintética
sobre a denominada Sociedade da Informação, consectário lógico de um fenômeno relativamente
recente: a globalização, (bem como, do desenvolvimento das tecnologias da informação), e seus
impactos no Direito, notadamente, nos direitos penal e processual penal. Ademais, trata, de
maneira geral, da fixação de competência criminal e, sucintamente, dos crimes informáticos, suas
classificações e características. Por fim, traz à baila a recente discussão doutrinária que envolve a
fixação de competência, quando a infração perpetrada configura um crime informático. Nesse
toar, insta destacar que o advento das novas tecnologias, especialmente da Internet, propiciou o
surgimento de um novo tipo de criminalidade transnacional, uma vez que estas alteraram a
concepção clássica de território, com a criação do ciberespaço ou espaço virtual. Esta nova
representação de território transpõe a idéia de limites físicos e torna mais fácil e célere o
cometimento de crimes por intermédio da Rede Mundial de Computadores, cujos resultados
transcendem às fronteiras de um determinado Estado, atingindo, dessa forma, dois ou mais países
do globo. Vale lembrar, que referido tema nos permite apreender, também, sobre a
imprescindibilidade de que conceitos, como soberania estatal e a própria noção de território,
sejam repensados diante da nova realidade que se apresenta. Todo esse contexto tecnológico em
que se encontra inserida a denominada Sociedade da Informação, nos leva a refletir, portanto,
sobre a eficácia das normas que regulamentam a aplicação da lei processual penal no tocante à
determinação da competência, bem como, acerca da necessidade de instrumentos de cooperação
internacional, tendo em vista o caráter supranacional dos delitos perpetrados em ambiente
virtual.

Palavras-chave: ciberespaço; direito processual penal; crimes transnacionais; crimes informáticos;


globalização; sociedade da informação.

Data de submissão: 03/04/2014 Data do aceite para publicação: 17/04/2014


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ABSTRACT

This research presents one brief boarding concerning the setting of the competent judgment in the
informatics crimes, detaching it as one of the challenges to be faced by Criminal Science in the
globalization world. Thus, the present master’s thesis search to turn of synthetic form on the called
Information Society, logical consequency of a relatively recent phenomenon: the globalization, (as
well as of the development of the technologies of the information), and its impacts in the Law,
especially, in the criminal laws and criminal lawsuit. Moreover, treats, in a generalized form, of the
setting of criminal competence and, synthetically, of the informatics crimes, its classifications and
characteristics. Finally, it brings to the recent quarrel in the legal literature that involves the
competence setting, when the crimes are perpetrated by news technologies, especially, Internet. In
this way, it’s important to detach that the advent of the new technologies, especially of the
Internet, it provided the sprouting of a new type of transnational crime, a time that these had
modified the classic conception of territory, with the creation of cyberspace or virtual space.This
new representation of territory exceeds to the idea of physical limits and becomes more easy and
fast the practical of crimes by Internet, whose resulted they exceed to the one borders determined
State, reaching, of this form, two or more countries around the world. It’s important remember,
that cited subject in allows them to apprehend, also, on the necessity that concepts, as state
sovereignty and the proper notion of territory, are rethink ahead of the new reality that if presents.
All this technological context, where if it finds the called Information of Society inserted, in takes
them to reflect, therefore, on the effectiveness of the norms that they regulate the application of
the criminal procedure law in regards to the determination of the competence, as well as,
concerning the necessity of international cooperation, in view of the supranational character of the
crimes perpetrated in virtual environment.

Keywords: cyberspace; criminal lawsuit; transnational crimes; informatics crimes; globalization;


information society.

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INTRODUÇÃO

O surgimento de novas tecnologias, notadamente da informática, como consequência de


um ainda contemporâneo processo de globalização, acarretou mudanças consideráveis na
sociedade, tanto que poderíamos comparar o impacto causado pelo surgimento da Internet ao
sofrido com o considerado “avanço técnico” promovido durante a Revolução Industrial no século
XVIII.
Assim, os fenômenos tecnológicos ocorridos na denominada era da informação, que teve
início nos anos 50 e ganhou força após o fenômeno da globalização, na segunda metade dos anos
80, por óbvio, atingiram e vem atingindo todas as ciências existentes, notadamente, com o
advento das telecomunicações e sua fusão com a informática.
Da mesma forma, o Direito não ficou excluído destas inovações, ao contrário, passou a ter
de enfrentar mais um desafio, qual seja: o de solucionar as questões jurídicas atinentes a esta
nova realidade.
A partir da década de noventa desponta a problemática da relação entre o Direito e as
novas tecnologias, na qual se sobressaem dois pontos: o primeiro, relacionado à capacidade ou
monopólio do Estado, através do Direito, de regular estas novas tecnologias, no sentido de
incriminar e punir novas condutas socialmente danosas ou penalmente relevantes; o segundo,
ligado ao impacto destes sistemas informacionais no próprio Direito e suas Instituições.
Não há dúvidas de que as novas tecnologias impactaram o direito, exemplos disso são: a
possibilidade de produção de prova mais sofisticada; a ampliação de certas expressões, como
documento digital, certificação digital; a possibilidade de cumprimento da pena à distância (ships);
informatização do processo, dentre outros avanços.
Do mesmo modo, o desenvolvimento da Internet trouxe sensíveis vantagens à vida
moderna, posto que esta se transformou no meio mais fácil e rápido de comunicação de dados,
entretanto, também acarretou num indesejável incremento da criminalidade, uma vez que tem
sido utilizada para a prática de atividades ilícitas, se transformando em um novo instrumento de
cometimento de crimes que anseia por amparo do Direito Penal.
Dessa forma, a utilização do ambiente da Internet facilitou a prática de crimes já
existentes, bem como possibilitou a criação de novas práticas criminosas que atingem os mais
diversos direitos, causando prejuízos de todas as ordens em todo o globo.
O surgimento do denominado mundo virtual ou ciberespaço, que apresenta novas
concepções de tempo e, sobretudo, de espaço, passou a constituir um empecilho à correta

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aplicação da lei penal, posto que a concepção clássica de território (espaço físico) ganha outra
denotação: de espaço virtual, isto é, ambiente global no qual há uma transcendência dos limites
territoriais (da vida real).
Assim, o ciberespaço não é propriamente um território, mas se caracteriza por um fluxo
constante de informações, através de redes de comunicação, de forma que a localização da
informação passa a ter relevância, uma vez que é ela quem dá a idéia de território, desvinculado
do espaço físico, surgindo daí, diversas questões a serem solucionadas pelo direito penal e
processual penal.
Ademais, há que se ter em mente que os delitos perpetrados em ambiente virtual possuem
caráter transnacional, uma vez que atingem diversos países, simultaneamente, que somado ao
caráter global do ciberespaço, faz surgir a necessidade de uma nova análise acerca do exercício da
aplicação da lei penal no espaço.
É preciso ter em vista que um mundo cada vez mais globalizado exige que o Direito Penal
acompanhe as constantes evoluções tecnológicas, com o fito de garantir a correta aplicação da lei
e, por conseguinte, atingir o ideal de justiça e de promoção da paz social.
A sociedade contemporânea reclama a imposição de limites à determinadas condutas
realizadas no ciberespaço, através da efetiva punição das práticas ilícitas.
Neste sentido, o presente trabalho tenta apontar algumas respostas sobre a problemática
questão do exercício da jurisdição e da determinação da competência face à criminalidade
tecnológica.

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CAPÍTULO I – Direito Penal e Direito Processual Penal na Era Globalizada: características e


tendências.

A passagem para o século XXI, por si só, já constitui uma boa razão para uma re-análise do que
quer que seja e, quando tratamos das Ciências do Direito Penal e Processual Penal, isso se torna
ainda mais importante, tendo em vista que tanto a existência, quanto a sobrevivência destas estão
intimamente relacionadas às exigências de seu tempo.

Nesse sentido, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli afirmam que:

A efetividade do direito penal é a sua capacidade para desempenhar a função que


lhe incumbe no atual estágio de nossa cultura. (...) Um direito penal que não
tenha esta capacidade será não efetivo e gerará tensões sociais e conflitos que
acabarão destruindo sua eficácia (vigência).1

Esses autores nos apresentam uma linha de pensamento interessante, consolidando a idéia de
que quando o Direito Penal deixa de corresponder aos anseios da sociedade fica reduzido a um
simples exercício de poder por parte do Estado, perdendo a sua efetividade.

Dessa forma, merece destaque o questionamento acerca das tarefas que o Direito Penal terá
de enfrentar face às evoluções sociais que se apresentam e que modelam a nova sociedade, dita
da informação.

Nessa esteira, a Ciência do Direito Penal coloca no banco dos réus as concepções clássicas e
deverá proceder à revisão destas, passando a cultivar de forma mais acentuada as premissas
supranacionais. É preciso ter em mente que alguns delitos que surgiram (como os crimes
informáticos), e outros que foram fomentados, exatamente com a evolução da sociedade e pela
revolução tecnológica, só podem ser combatidos com êxito numa atuação conjunta, de maneira
que, regulações distintas e de diferentes intensidades acarretam num verdadeiro “oásis de
criminalidade” 2.
O autor alemão Claus Roxin nos ensina que:
1
ZAFFARONI, Eugenio Rául; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. São Paulo:
Editara Revista dos Tribunais, 2004 p. 348.
2
ROXIN, Claus. La Ciencia del derecho penal ante las tareas del futuro, In: La ciência del dercho penal ante el nuevo
milênio. Valencia: tirant lo blanch, 2004 p. 401.

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A Ciência Penal terá de proporcionar as bases científicas para um direito penal


supranacional em curto prazo, isto é, propiciar o fortalecimento de um Direito
Penal Internacional (...). A ciência penal do futuro terá que desenvolver-se sobre
fundamentos internacionais em maior medida do que há feito até agora.3

Insta salientar que a criminalidade é um fenômeno que surge de forma muito similar em
todos os países do globo, notadamente, com as facilidades que os meios tecnológicos, sobretudo a
Internet, propiciam para que uma conduta parta ou espraie seus efeitos em qualquer país, daí
porque se costuma denominar os delitos perpetrados em ambiente virtual de criminalidade
transnacional.

Dessa feita, o futuro do direito penal, não obstante as diferentes leis penais existentes em
cada país exige, no mínimo, uma maior colaboração entre os Estados do globo, para uma eficaz
investigação e punição dos delitos transfronteiriços.

1.1 A Globalização e suas influências na Ciência Criminal

Trata-se a globalização de um processo pelo qual ocorre a integração entre as economias e


sociedades de vários paises, sendo que esta permite a transnacionalização de mercadorias,
serviços e informações.

O colapso do regime socialista na Europa Oriental, a partir da segunda metade dos anos 80,
que culminou com a desagregação da URSS, no início dos anos 90, foi decisivo para o fim da
chamada Guerra Fria e condição para a constituição de uma Nova Ordem Mundial, na qual não faz
mais sentido a bipolarização política, ideológica e econômica entre o capitalismo e o socialismo.
Dentre os principais indicadores e tendências dessa Nova Ordem destaca-se a intensificação do
processo de globalização econômica e financeira marcada pela acelerada transnacionalização do
capital, integração de mercados, da interdependência, da competitividade no comércio
internacional, da abertura das economias nacionais, tudo isso viabilizado pela dinâmica das
rápidas inovações tecnológicas. O fim do regime socialista derrubou, portanto, os últimos entraves
políticos e ideológicos à expansão geográfica do capitalismo praticamente para todos os lugares
da Terra.

3
Ibidem, mesma página.

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Assim, a globalização faz parte da dinâmica de mundialização da economia que implica em


rearranjos regionais e busca de novas diretrizes.

A luz do que preceitua Eric Hobsbawm:

Antes de mais nada, penso que não se pode identificar a globalização só


com a criação de uma economia global, ainda que esta seja o seu centro e o seu
aspecto mais evidente. Temos de olhar além da economia. A globalização baseia-
se em primeiro lugar na eliminação de aspectos técnicos, mais do que
econômicos, que constituem o seu pressuposto: a distância e o tempo. (...).
4
(grifos nossos).

Através da globalização, ampliou-se a integração de mercados, a interdependência entre as


economias nacionais e estrutura-se, cada vez mais, uma rede mundial de mercados de produtos,
bens, serviços, capitais e tecnologia.

Desde que surgiu no final do século XX, a expressão globalização tem sido utilizada em
larga escala para explicar diversos fenômenos.

Em verdade, a globalização pode ser caracterizada como um fenômeno histórico


impulsionado pela expansão do capital produtivo e financeiro, levando a uma maior integração de
mercados e à interdependência econômica dos países, tudo isso tendo como substrato o advento
de novas tecnologias.

A partir do ingresso do Brasil nesta faceta mundial globalizada, bem como da ênfase dada à
abertura econômica no fim dos anos 80 e inicio da década de 90, o país pode experimentar um
crescimento econômico jamais imaginado, além de sua integração à economia global.

Conforme nos ensina Ulrich Beck:

O choque da globalização, traço marcante da transição para a segunda


modernidade, tem ao seu final um efeito politizante, pois todos os atores e

4
Uma das idéias desenvolvidas pelo historiador inglês Eric Hobsbawm numa entrevista conduzida por Antonio Polito.
Disponível em: http://historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/012438.html. Acesso em: 10/12/07.

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organizações, em todos os domínios da sociedade, precisam lidar com os


paradoxos e as exigências da globalização e com a sua dinâmica que altera todos
os antigos fundamentos.5

Assim, a globalização é um fenômeno em plena expansão, que verdadeiramente tende a


mudar, cada vez mais, a feição de diversos segmentos sociais e científicos, trazendo novos hábitos,
novos costumes, novas expectativas, novas possibilidades e novos problemas 6. O mundo
interconectado abriu caminhos alternativos para a prática de ilícitos, fato que impõe a
necessidade de um aprimoramento da eficácia penal.

Conforme nos explica Moisés Naím:

Nos anos 90 ocorreram importantes transformações políticas e


econômicas, aliadas à chegada de tecnologias revolucionárias às mãos de civis, que
dissolveram os mecanismos em que os governos tradicionalmente confiavam para
assegurar suas fronteiras nacionais, bem como possibilitaram uma maior
integração de economias, políticas e culturas mundiais. 7

A tecnologia trouxe a expansão das operações de mercado, bem como de outros


segmentos, não apenas geograficamente, ao minimizar custos (como o de transporte), mas
também ao tornar possível o comércio de uma vasta gama de produtos que não existiam
anteriormente.

Os novos meios eletrônicos de comunicação propiciaram uma alteração significativa das


relações jurídicas e do modo operacional de muitas atividades, de maneira geral, sobretudo, com
o advento de uma nova concepção de tempo e de espaço. Hoje em dia, grande parte das nossas
atividades rotineiras pode ser realizada através da rede mundial de computadores. O autor Pierre
Lévy8 afirma que os desafios advindos com a informática estão no seu uso, limites e destino final,
desta feita, a criatura humana é criadora e vítima das suas invenções.

5
BECK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do globalismo e respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra,
1999, p. 225.
6
BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 36.
7
NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006, p. 9-10.
8
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Lisboa: Instituto Piaget, 2000, passim.

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Conforme nos ensina Marco Antonio de Barros:

A tutela punitiva tecnológica é um tema ainda pouco explorado para os


padrões da chamada Sociedade da informação, na qual se sobressai a intensa
utilização de ultramodernos meios de comunicação filiados à tecnologia,
notadamente a internet (cadeia de redes em escala mundial utilizada para
circulação de informações de todos os tipos) os quais revolucionaram os hábitos
diários de grande parte da população planetária. 9

A sociedade moderna exige um repensar sobre conceitos existentes, tais como Soberania,
Jurisdição e Competência, intrinsecamente ligados à questão do território, que se tornaram
ultrapassados frente ao advento do ciberespaço.

Nos dizeres de Ivete Senise Ferreira: (...) já se deu a internacionalização da criminalidade


informática, devido à mobilidade dos dados nas redes de computadores, facilitando os crimes
cometidos à distância. Diante desse quadro, é indispensável que os países do globo harmonizem
suas normas penais, para prevenção e repressão eficientes (...).10

Nesse mesmo sentido Alexandre Daoun e Renato Opice Blum afirmam que:

A reprimenda à criminalidade praticada com o emprego de meios eletrônicos,


notadamente os que avançam na rede mundial de computadores, terá de ser
acionada por todos os povos civilizados e essa perspectiva deriva, com certeza,
do próprio fenômeno da globalização. Enquanto isso, persistem as dúvidas
quanto à lei a se aplicar em cada caso concreto: se a lex fori ou se a lex loci delicti
comissi e, no tocante à competência, qual a jurisdição assumirá o processo e
julgamento desses crimes.11

O ponto nevrálgico que se apresenta no mundo globalizado, portanto, é o da atuação dos


Estados em sistemas globais ou regionais, que obriga-os a reverem sua autonomia política, bem

9
BARROS, Marco Antonio de. Tutela Punitiva Tecnológica. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.). O Direito na
Sociedade da Informação. São Paulo: Atlas, 2007 , p. 275.
10
FERREIRA, Ivete Senise. A criminalidade informática, In: Newton de Lucca; Adalberto Simão Filho. (Org.). Direito e
Internet - aspectos jurídicos relevantes. Bauru: Edipro, 2000 p. 213.
11
DAOUN, Alexandre; BLUM, Renato Opice. Cybercrimes. In: Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. Bauru:
Edipro, 2000, p. 117.

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como sua soberania, tendo em vista que esta pode desprender-se da idéia de fronteiras e
territórios fixos.

Há a necessidade de uma ampliação da colaboração jurídica, econômica, e política dentro


de um mundo globalizado.

Desse modo, para combater uma praga transfronteiriça como a nova criminalidade é
imperativo ter-se em conta as vias de uma cooperação internacional, já que é indiscutível que uma
parte da delinqüência informática migrou para a internet, face a essa nova realidade global.

(...) neste início do século XXI as ciências se deparam com o novo desafio
de pensar o mundo como uma sociedade global: as relações, os processos e as
estruturas econômicas, políticas, demográficas, geográficas, históricas, culturais e
sociais, se desenvolvem em escala mundia (...). (...) o pensamento científico
elaborado com base na reflexão sobre a sociedade nacional não é suficiente para
apreender a constituição e os movimentos de uma sociedade global que
apresenta desafios empíricos e metodológicos, históricos e teóricos, que exigem
novos conceitos e interpretações. Todo esse contexto acarretou na chamada
crise dos Estados nacionais, com a alteração da noção clássica de soberania e
transformação das fontes e instancias formais (estatais) de resolução de conflitos
frente ao cenário internacional.12

Cumpre ressaltar, mais uma vez, que as fronteiras nacionais não constituem mais um
obstáculo significativo para a criminalidade globalizada. Basta verificarmos alguns exemplos de
crimes de trânsito que surgiram nos últimos anos: em 1999 o vírus denominado I love you, que
partiu de um computador localizado nas Filipinas causou danos consideráveis em máquinas de
todo o mundo, desde Europa até América, passando pela Ásia; a existência de múltiplas redes de
difusão de pornografia infantil em toda a Internet; em 1998, tivemos o Caso Hispahack, no qual
quatro espanhóis, dois deles radicados em Gibraltar, foram detidos por acesso indevido e
modificação de programas de dados de sistemas informáticos de diferentes universidades
espanholas e estrangeiras (dentre elas Universidade de Oxford), de provedores de acesso, e até da
NASA, entre outras entidades. Agiam a partir de um computador da universidade de Oviedo,
Espanha, e como lugar para armazenamento dos dados roubados utilizavam um computador

12
BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. São Paulo: editora revista dos
tribunais, 2007 p.36-37.

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privado de um cybercafé localizado em Palma de Mallorca, Espanha; mais recentemente, em


outubro de 2000 descobriu-se que os computadores da Microsoft que continham o código fonte
(linguagem de programação) de seus produtos mais importantes foram furtados sigilosamente,
durante três meses, por piratas informáticos, configurando um caso de espionagem industrial,
realizado através de um vírus informático que viajava escondido num correio eletrônico enviado
de um computador localizado em algum lugar da Ásia. Obtidas as informações essas eram
repassadas para um correio eletrônico de San Petersburgo (Rússia), de onde partiam outros
ataques. No mesmo ano, a Comissão de Federação de Comércio Eletrônico dos EUA, alertou sobre
a existência de 1600 Webpages, realizando ofertas fraudulentas – de loteria, trabalho em casa,
investimentos à distância e etc, em todo o mundo. 13

Que a globalização influenciou diretamente a Ciência Criminal não há dúvidas, tanto que
está em processo de formação um Direito repressivo transnacional (Penal e Processual Penal), de
natureza mista, isto é, que permite a comunicação entre dois sistemas jurídicos, quais sejam:
“common law” e romano-canônico. E os exemplos dessa integração já são perceptíveis em regras
como: infiltração de agentes, arrependimento de criminosos, ação controlada, dentre outras,
todas introduzidas pelo “common law” ao sistema pátrio.

Nesse toar, o posicionamento de Luiz Otávio de Oliveira Rocha:

Longo é o caminho a percorrer para que a repressão internacional alcance o


avançadíssimo estágio em que se encontra a delinqüência organizada, sendo
poucos os que duvidam que os instrumentos penais tradicionais e as clássicas
técnicas de investigação não servem para fazer frente a um fenômeno criminal
de tais características e dimensões, e que não é possível enfrentar a
criminalidade moderna de grandes proporções, informatizada ou digital, com o
Direito Penal e processual clássicos (...). Pensar de outra forma é o mesmo que
comparar os meios de comunicação e transporte do século passado com os
atuais.14

13
Exemplos citados por: PAZ, Isabel Sanchez García de; CORDEIRO, Isidoro Blanco. Problemas de derecho penal
internacional en la persecución de delitos cometidos a través de internet. In: Revista semanal técnico-jurídica de
derecho penal. Madrid: la ley, n. 06, fev/2002 p. 167-168.
14
A vigência da Lei penal no espaço: efeitos da globalização. In: Estudos de Direito Penal – Aspectos práticos e
polêmicos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.56-57.

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Portanto, a globalização trouxe consigo a necessidade de aprimoramento de mecanismos de


combate à criminalidade de natureza transnacional e, conseqüentemente, de repensar a Ciência
Criminal, bem como, despertou uma consciência mundial para a necessidade de estabelecimento
de mecanismos de justiça supranacional.

Na mesma toada, dentro deste contexto de globalização, a aquisição, pela sociedade, do status
de sociedade informacional, isto é, a sociedade que se vale da comunicação fácil e intensa com
grandes possibilidades de interatividade, de forma rápida, constituindo-se verdadeiras auto-
estradas da informação ou info-vias15, (e que tem como fonte, em todos os aspectos, o controle e
o processamento da informação), contribui consideravelmente para a dissolução das fronteiras,
facilitando a prática de condutas cujos efeitos se espraiam de forma ilimitada.

CAPÍTULO II - A Aplicação da Lei Penal e Processual Penal no Espaço

Quando tratamos de aplicação da lei penal no espaço, na realidade, estamos adentrando a


seara do Direito Penal Internacional, portanto, trata de questão interna, posto que vinculado ao
Direito nacional de cada Estado. Em contrapartida, temos o Direito Internacional Penal que trata
da justiça penal em caráter supranacional, para o combate aos crimes que atingem bens
considerados da humanidade ou universais, tais como: genocídio, crimes de guerra, tráfico de
mulheres, etc. Logo, neste capítulo abordaremos a questão da competência de justiça.

O Direito Penal internacional, portanto, compreende um conjunto de princípios e normas que


disciplinam conflitos de leis no espaço, isto é, abarca as hipóteses de um crime lesar bens jurídicos
de dois ou mais países.

2.1 Conceito de Espaço e de Território

O território pode ser considerado, sob o âmbito jurídico, como o espaço onde se aceita a
vigência de uma ordem jurídica estatal, constituindo, assim um dos elementos fundamentais do
Estado, posto que configura o local onde ele exerce a sua soberania; sob o prisma geográfico,
trata-se do espaço físico delimitado por fronteiras.

15
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de Internet e da Sociedade da Informação, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
67-90

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Celso Ribeiro Bastos, tratando do assunto, nos explica que:

No território de cada Estado vige, tão-somente, a sua ordem jurídica.


Em outros termos, a nenhum país estrangeiro é lícito praticar atos
coativos dentro do território nacional. A esse fenômeno dá-se o nome de
impenetrabilidade da ordem jurídica estatal. Daí a importância assumida
pelo território na configuração do Estado. É precisamente a circunstância
de dispor ele de uma porção de terra sobre a qual apenas o seu poder é
reconhecido, o que permite ao Estado ser soberano. 16

Paulo José da Costa Jr. define território como: todo espaço, estritamente geográfico
ou ampliado mercê de ficção jurídica, sujeito à soberania e à jurisdição do Estado.17

Atualmente, a soberania do Estado vem sendo questionada face à globalização e o


surgimento da criminalidade transfronteiriça, conforme foi analisado no item acima, mas, fato é
que o território é elemento essencial ao Estado, é o seu âmbito de validez, de tal forma que a
ausência do primeiro acarreta na inexistência do segundo.

2.2 Território físico

Podemos considerar como território nacional todo o espaço em que o Estado exerce a sua
soberania, portanto: o solo, os rios, os lagos, os mares interiores, as baías, a faixa do mar exterior,
que corre ao largo da costa e que constitui mar territorial, incluindo o seu leito e subsolo (até a
faixa de 12 milhas marítimas, conforme a lei 8.617/93 dispõe em seu art.1º); o espaço aéreo
correspondente ao território (art.11 da lei 7.565/86 c/c Convenção de Paris de 1919), os rios e
lagos internacionais sucessivos (tal como o rio Amazonas), na parte que atravessa o país; os rios e
lagos internacionais simultâneos ou fronteiriços (tal como o rio Paraguai, que toca território do
Brasil, Bolívia e Paraguai e sobre o qual foi firmado o Tratado da Bacia do Prata), e etc.

Insta ressaltar que, no tocante ao mar territorial, o exercício da soberania é delimitado pelo
direito de passagem inocente, isto é, a faixa contígua - de 12 a 24 milhas marítimas -, na qual o

16
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva: 1999, p.58.
17
COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito Penal – Curso Completo. São Paulo: Saraiva, 2000 p.35.

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Brasil pode tomar medidas de fiscalização, a fim de evitar infrações a leis aduaneiras, fiscais, de
imigração ou sanitárias, mas que não compreende o território nacional. Ademais, o espaço
cósmico ou extra-atmosférico, bem como o alto-mar, são considerados bens de domínio público
internacional, portanto, nenhum Estado exerce sua soberania, de maneira exclusiva, sobre os
mesmos.

Temos, ainda, a questão das Contravenções penais, que segundo o art. 2º, do decreto-lei n.
3.668/41, só aplica-se a lei brasileira para as contravenções cometidas no território nacional. Em
contrapartida, a lei n. 9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura, prevê a aplicação da lei
brasileira, ainda que o crime não tenha sido cometido em território nacional, desde que a vítima
seja brasileira ou encontre-se o agente em local sob jurisdição brasileira (art. 2º).

2.3 Território por ficção

O art. 5º, § 1º do Código Penal trata do chamado território por extensão, equiparação ou
ficção, in verbis:

Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as


embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo
brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as
embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem,
respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

O § 2º, do mesmo dispositivo dispõe que:

É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou


embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso
no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em
porto ou mar territorial do Brasil.

Assim, aos crimes cometidos em embarcações ou aeronaves públicas ou a serviço do país


ou de natureza privada nacional ou estrangeira, mas que se encontrem aportadas ou pousadas em
território nacional, em mar territorial ou espaço aéreo correspondente à estes, será aplicada a lei
brasileira.

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Christiany Pegorari Conte 63

2.4 Território virtual ou ciberespaço

Não é possível tratar de ciberespaço sem explicarmos, em breves linhas, acerca da


Internet, que pode ser definida como: uma rede de computadores interconectados e que agrupa
outras milhares de redes menores que utilizam um protocolo comum para comunicar-se entre si18
(tradução livre). A Internet permite conectar computadores procedentes de qualquer parte do
mundo sempre que estes encontrem- se na rede, isso se dá através de sistemas de comunicação
que se comunicam por um conjunto de regras conhecidas como Protocolo. A Internet não se
apresenta, nessa esteira, como uma entidade física ou tangível, mas sim, configura uma rede de
redes interligadas.

Com o advento da Internet e, com ela, do ciberespaço, a concepção clássica de território


transfigurou-se, posto que esta possibilitou o tráfego rápido e eficiente de informações, bem
como uma interação num espaço que desconhece os limites impostos por fronteiras. Não existe
separação de lugar na rede. A noção de lugar passa a ser qualquer ponto da rede em que se possa
ter acesso à informação.

O ciberespaço permite escapar às limitações da vida real. O conceito de território está


intimamente relacionado a uma idéia nova, qual seja: a de rede. A rede, como território, se
caracteriza pela localização da informação. A informação na rede, portanto, passa a ser elemento
identificador do território no ciberespaço.
Assim, essas características fazem com que a Internet tenha uma maior dificuldade em
estabelecer um “centro de comando” tal como na versão tradicional de território físico delimitado.

Além da dificuldade em identificar um território dentro do ciberespaço outra problemática


se apresenta, qual seja: um indivíduo pode estar em diversos espaços, ao mesmo tempo, na
Internet. Vale dizer, um sujeito pode dispor de uma identidade no espaço real e de várias distintas
na Internet, fato este que, em última análise, pode gerar um conflito de competências entre os
Estados e carrear numa dificuldade de localização do próprio agente do crime19.

18
Texto original: Podemos definir a Internet, como una red de computadoras interconectadas que agrupa a otras miles
de redes más pequeñas, que utilizan un protocolo común para hablar entre sí. BELTRAMONE, Guillermo; ZABALE,
Ezequiel. El Derecho en La Era Digital – derecho informático de fin de siglo. Argentina: editorial Juris, 1997, p. 11.
19
Recentemente, um hacker brasileiro foi preso na Holanda sob acusações de ciberterrorismo e de fraudes bancárias
por meio da Internet. Ele teria capturado dados e controlado milhares de computadores, usados para atacar
servidores de órgãos públicos e sistemas de grandes empresas. Ele negociava a venda desse serviço por 30 mil Euros.
A ação foi descoberta pelo FBI, que alertou a Polícia Federal. O hacker era vigiado havia quatro meses e embarcou
para Holanda com a finalidade de fechar negócio. Além do brasileiro, cujo nome não foi revelado, um holandês e

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 64

O doutrinador espanhol Ramón J. Moles nos ensina que:

O ciberespaço não dispõe de fronteiras territoriais, mas de normas ou técnicas,


que regulam sistemas de acesso e que não pertencem ao mundo jurídico. Assim,
não vigora o conceito de soberania e nem de competência territorial.20

Dessa forma, um agente pode estar no Chile e invadir o sistema informático de uma
empresa sediada no Canadá, através de um provedor brasileiro, sendo que os prejuízos
provocados pela invasão ocorrerão no Japão. Como fica a questão do local do crime? Qual será o
Estado competente para processar e julgar o sujeito? Se um país não pune certa atividade
cibernética danosa, um país atingido deve usar o poder coercitivo de seu ordenamento jurídico
para deter um individuo que está fora dos limites de sua soberania?

Esses são os questionamentos feitos diante dessa nova realidade que se apresenta, tendo
em vista que a consumação de um crime se dá em todos os lugares em que a rede é acessível.

Nesse sentido, o autor Celso Valin nos apresenta a dimensão dessa problemática:

O grande problema ao se trabalhar com o conceito de jurisdição e


territorialidade na Internet reside no caráter internacional da rede. Na Internet
não existem fronteiras e, portanto, algo que nela esteja publicado estará em
todo o mundo. Como, então, determinar o juízo competente para analisar um
21
caso referente a um crime ocorrido na rede?

Gabriel Cesar Zaccaria de Inellas, sobre o assunto, afirma que: como a Rede da Internet é
mundial e sem fronteiras e sem donos, torna-se quase impossível para qualquer país, aplicar e
executar leis, para regular o denominado ciberespaço.22

outro homem foram presos. Foram apreendidos 10 discos rígidos, 4 notebooks e 500 CDs e DVDs. A Justiça Federal
expediu mandados de busca e apreensão que foram cumpridos em Taubaté, onde o Hacker morava, e em
Caraguatatuba, onde tinha uma casa de praia. O hacker, por meio de e-mails ou sites falsos, instalava programas em
computadores que ficavam sob seu domínio. O dono não percebia que seu computador era usado pelo criminoso
(grifo nosso). In: TAVARES, Bruno; GODOY, Marcelo. Com ajuda do FBI, hacker do Brasil é preso na Holanda. Jornal O
Estado de São Paulo, Caderno Metrópole, 31.07.2008, p. A3.
20
MOLES, Ramón J.. Territorio, tiempo y estructura del ciberespacio. In: derecho y control en Internet. España: Ariel
Derecho, 2000 p.25-26.
21
VALIN, Celso. A questão da jurisdição e da territorialidade nos crimes praticados pela Internet. In Direito,
sociedade e informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000, p. 115.
22
INELLAS, Gabriel Cesar Zaccaria de. Crimes na Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004 p.79

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Christiany Pegorari Conte 65

Cumpre obtemperar que, apesar da característica global da qual é dotado o ciberespaço,


cada país possui a sua soberania, ainda que esta última venha sofrendo relativizações nos últimos
anos. Ademais, embora exista uma forte corrente contemporânea no sentido de mitigação da
soberania nacional em prol de uma soberania internacional, visando uma participação comunitária
dos Estados na resolução de problemas mundiais, através de documentos internacionais,
notadamente fomentados pela globalização. Fato é que estes ainda são ineficazes quando se trata
de efetiva aplicação do Direito Penal, tendo em vista seu caráter subsidiário em relação à
jurisdição interna dos países.

Desse modo, estamos diante de um problema complexo a ser resolvido e que merece um
olhar mais atento por parte dos estudiosos do Direito.

2.5 Local do Crime

O Código Penal trata do lugar do crime, determinando a possibilidade de aplicação ou não


da lei penal brasileira, em seu art. 6º: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a
ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o
resultado. Dessa forma, qualquer fragmento de conduta que tenha tocado o solo nacional, desafia
a aplicação da lei penal pátria. Trata-se da adoção da denominada teoria da ubiqüidade, aplicada
pela maioria dos países do mundo e que leva em consideração tanto o momento executivo,
quanto o consumativo do crime.

Alguns doutrinadores afirmam que somente a aplicação dos artigos 5º e 6º do nosso


Código Penal não seria suficiente para a solução do problema da aplicação da lei penal no espaço,
tornando-a, na realidade, dúbia e confusa no que tange aos crimes informáticos, dentre eles Celso
Valin23. Referido autor, inclusive, aponta como melhor opção considerar-se como local do crime
aquele em que está localizado o agente, o que não se apresenta como entendimento pacífico,
constituindo, até mesmo, objeto de recusa internacional.24

23
VALIN, Celso. Op.cit., p. 115.
24
BARROS, Marco Antonio. Tutela Punitiva Tecnológica. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.). O direito na Sociedade
da informação. São Paulo: Atlas, 2007, p. 293.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 66

Gabriel César Zaccaria de Inellas posiciona-se no sentido de que deve ser aplicada a regra
geral do art. 6º do Código Penal, segundo a teoria da ubiqüidade, sem prejuízo de convenções,
tratados e regras de direito internacional, assim, os delitos cometidos fora do território nacional,
poderiam aqui receber punição, desde que previstos em Convenções ou Acordos internacionais os
quais o Brasil subscreva25.

Entretanto, independentemente da postura adotada, a doutrina é uníssona ao tratar da


necessidade de se firmar um documento internacional que aponte parâmetros globais a serem
tomados, com o fito de se evitar o problema de que todos ou nenhum país se considere apto a
julgar referidos crimes.

Vale ressaltar, ainda, que se forem praticados atos meramente preparatórios no Brasil,
visando à execução do delito no estrangeiro, o agente não será atingido pela lei pátria, que só
pune os atos executórios. Daí desponta a problemática do ciberespaço como meio eficaz para a
realização fragmentada do iter criminis, possibilitando o desenvolvimento deste em diversos
lugares e dificultando a punição do agente.

Assim, há a necessidade de solução da questão da territorialidade da Internet, tendo em


vista que muitos delitos podem ser cometidos através da Rede e, sem uma regulamentação clara e
eficaz, correremos o risco de que um delito possa ser julgado em toda e qualquer parte do mundo
ou, ainda, que não haja punição.

2.6 Territorialidade temperada

A aplicação da lei penal nacional dentro dos limites do território é uma questão de
exercício da soberania estatal, constituindo-se esta, portanto, a regra. Assim, a lei penal aplica-se
dentro do território que a editou. Entretanto, excepcionalmente, permite-se a aplicação de lei
estrangeira, quando assim estabelecer algum tratado ou convenção internacional, o que
transforma o Principio da territorialidade em territorialidade temperada. Dispõe o art. 5º, do CP:
Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao
crime cometido no território nacional.

Sobre o assunto, Nelson Hugria nos ensina que:

25
Ibidem, mesma página.

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Christiany Pegorari Conte 67

O Código criou um temperamento à impenetrabilidade do direito interno ou à


exclusividade da ordem jurídica do Estado sobre o seu território, permitindo e
reconhecendo, em determinados casos, a validez da lei de outro Estado. É
obséquio à boa convivência internacional, e quase sempre sob a condição de
reciprocidade, que o território do Estado se torna penetrável pelo exercício de
alheia soberania.26

2.7 A extraterritorialidade e os Princípios que norteiam a aplicação da lei penal no espaço

Ante a falta de legislação penal e processual penal que corresponda às necessidades da


sociedade pós-moderna, resta-nos pôr em prática a aplicação de alguns princípios já existentes no
Código Penal.

Assim, é possível a aplicação da lei penal brasileira aos crimes cometidos no exterior,
conforme dispõe o art. 7º do Código Penal, que trata da extraterritorialidade e se desdobra em
condicionada e incondicionada (art. 7.º, §§ 2.º e 3.º).

Referido dispositivo também adotou alguns princípios norteadores para a aplicação da lei
penal nacional a crimes ocorridos em território estrangeiro, quais sejam: 1. Princípio da Proteção
(art. 7º, inciso I, §3º), segundo o qual prevalece a lei referente à nacionalidade do bem jurídico
lesado, é também conhecido como Princípio da defesa real; 2. Princípio da Justiça Universal (art.
7º, inciso II, alínea a), aplica-se a lei brasileira aos crimes que por tratado ou convenção
internacional o Brasil se obrigou a punir; 3. Princípio da Nacionalidade Ativa (art.7º, inciso II,
alínea b), aplica-se a lei nacional aos brasileiros, onde quer que estes se encontrem; 4. Princípio da
Representação (art.7º, inciso II, alínea c), que torna possível a aplicação da lei brasileira aos crimes
cometidos no estrangeiro em aeronaves ou embarcações privadas ou mercantes que se localizem
em território alienígena e aí não sejam julgados.

A grande diversidade das legislações penais dos vários países, contudo, leva à dificuldades,
muitas vezes insuperáveis, para a aplicação da lei penal e realização de processos criminais em
lugares afastados do local do crime, fato que torna a aplicação desses princípios, notadamente o
da justiça universal, utópica e cientificamente insustentável. 27

26
HUNGRIA, Nelson .Comentários ao Código Penal. 4º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, Vol. 1. Tomo I, p. 149.
27
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003 p. 132-133.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 68

2.8 Aplicação da lei processual penal no espaço

O Código de Processo Penal pátrio estabeleceu o princípio da territorialidade, como


norteador da aplicação das normas no espaço, vale dizer, a legislação processual penal pátria
possui aplicabilidade dentro do território nacional, aliás, esta é a dicção do art. 1º do CPP,
ressalvadas algumas hipóteses por ele indicadas:

Art. 1o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este


Código, ressalvados:
I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;
II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de
Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros
do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts.
86, 89, § 2o, e 100);
III - os processos da competência da Justiça Militar;
IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no
17);
V - os processos por crimes de imprensa.
Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos
nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo
diverso.

Conforme comentamos, ao tratar da lei penal no espaço, estamos diante de uma das
facetas do exercício da própria soberania estatal, daí porque a jurisdição criminal coincide com os
limites do território sobre o qual será exercida.

O Código de Processo Penal, no entanto, nos apresenta algumas exceções acerca da sua
aplicação. A primeira delas, diz respeito aos tratados, convenções e regras de direito
internacional, hipótese na qual a lei processual pátria deixa de ser aplicada em obediência aos
regramentos de interesse internacional que tenha subscrito. É o que ocorre, por exemplo, em
relação às imunidades diplomáticas, em decorrência da Convenção de Viena de 1961, referendada

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Christiany Pegorari Conte 69

pelo Decreto 56.435/65, que concede imunidade de jurisdição aos diplomatas que estiverem a
serviço de seus países de origem.28

A segunda exceção que nos é apresentada pelo CPP é a jurisdição política, vale dizer, para o
julgamento de crimes de responsabilidade, não se invocará o Poder Judiciário, mas órgãos do
Poder Legislativo. Estamos diante das chamadas imunidades parlamentares, previstas, sobretudo,
no art. 52 da Constituição Federal.

Constitui, igualmente, exceção à aplicabilidade do CPP a Justiça Especial, vale dizer, os


processos de competência da Justiça Penal Militar, tendo em vista que esta possui um Código de
Processo Penal Militar aplicável aos crimes desta seara (Decreto-lei n. 1.002/69).

O dispositivo, ora estudado, também traz à baila o Tribunal de Segurança Nacional, como
uma de suas hipóteses de inaplicabilidade. No entanto, referido órgão não subsiste mais. Era
previsto no art. 122 da CF/1937: os crimes que atentarem contra a existência, segurança e a
integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular serão submetidos a processo e
julgamento perante tribunal especial, na forma que a lei instituir. Atualmente, os crimes contra a
segurança nacional estão disciplinados em lei própria (7.170/83) e são de competência da Justiça
Federal Comum (art.109, IV, CF/88) ou, eventuamente, da Justiça Penal Militar, se o crime estiver
voltado às instituições militares, conforme o art. 82, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal
Militar.

A última exceção que nos é apresentada trata da Lei de Imprensa. Assim como no caso da
justiça militar, a lei 5.052/6729, além de tipificar condutas penalmente relevantes perpetradas

28
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006,
p. 66.
29
Vale ressaltar, no entanto, a discussão acerca da Lei de Imprensa, que resultou na suspensão de alguns dispositivos.
Por intermédio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130-7-DF, o PDT (Partido
Democrático Trabalhista) afirma que a Lei 5.250/67, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de
informação, viola diversos preceitos constitucionais e, por isso, deve ser revogada em sua totalidade. São eles: (a) “a
parte inicial do parágrafo 2º do artigo 1º (a expressão “... a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à
censura, na forma da lei, nem...”; (b) o parágrafo 2º do artigo 2º; (c) a íntegra dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 20, 21, 23, 51,
52; (d) a parte final do artigo 56 (o fraseado “...e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de três meses da
data da publicação ou transmissão que lhe der causa...”); (e) os parágrafos 3º e 6º do artigo 57; (f) os parágrafos 1º e
2º do artigo 60; (g) a íntegra dos artigos 61, 62, 63, 64 e 65. Também são alvo os artigos 20, 21 e 22, que dispõem
sobre os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), bem como a responsabilidade civil do jornalista
profissional e da empresa que explora o meio de informação ou divulgação (artigos 51 e 52). In: Ministro defere
liminar para suspender aplicação de artigos da Lei de Imprensa. Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=83348. Acesso em: 29.08.08. A discussão em
torno da Lei de Imprensa deu origem a um Projeto de Lei, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 70

através da imprensa, apresenta regramentos processuais que devem ser considerados em


detrimento ao CPP.

Por fim, o parágrafo único apresenta o princípio da especialidade em relação aos crimes de
imprensa30, preceituando que se aplicará, subsidiariamente, o Código de Processo Penal se a lei
especial não dispuser de modo diverso.

CAPÍTULO III – Competência Criminal

A jurisdição, expressão do poder soberano do Estado, evidentemente, não pode ser


exercida de maneira ilimitada por qualquer Juiz. Daí a necessidade da criação de órgãos
jurisdicionais com a função específica de aplicar o direito a uma situação litigiosa concreta. Surge,
dessa forma, a idéia de competência como medida da jurisdição ou porção do poder jurisdicional
que cada órgão pode exercer31. Neste sentido, trataremos, no capítulo em epígrafe, da
denominada competência de jurisdição32.

A delimitação da competência é realizada em diversos planos legislativos (Constituição


Federal e leis ordinárias) e levando-se em conta a natureza da lide, o território e a função que cada
órgão poderá exercer dentro de cada processo. Tendo em vista referida forma de delimitação, o
exercício da jurisdição nacional é dividido em justiça comum (estadual ou federal) e justiças
especializadas (militar, eleitoral e trabalhista).

A competência penal é definida, via de regra, de acordo com o lugar em que se consumar a
infração ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução,
segundo a dicção do art. 70 do CPP, que adotou a teoria do resultado. Este é o chamado foro
comum ou locus delicti commissi. Entretanto, quando tratamos de delitos que produzem
resultados em diversos locais dentro do território nacional (crimes plurilocais) ou, até mesmo, em
territórios outros, que não o brasileiro (crimes à distância ou de espaço máximo), a

pretende a revogação total da lei n. 5.250/67 e que está sendo analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania do Senado (CCJ), desde o dia 07.10.08.
30
Conforme já explanado, agora apenas os crimes de imprensa se sujeitam a esta regra do parágrafo único do art. 1º,
do CPP.
31
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, volume 2. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 76.
32
Verificada a competência da Justiça brasileira, cumpre passar a uma segunda etapa na busca do juiz competente
(...). Trata-se, já agora, de saber se o conhecimento da ação caberá à justiça comum, ou a algum dos ramos das
justiças especializadas. In: CARNEIRO, Athos Gusmão. Competência e jurisdição. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 93.

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Christiany Pegorari Conte 71

regulamentação se dá de forma diversa. E, no caso dos crimes informáticos, a questão da


definição do foro competente é ainda mais complexa, conforme se verificará mais adiante,
notadamente, porque as distâncias territoriais transformaram-se na distância entre olhos e mãos
de um teclado de computador.33

3.1 Jurisdição penal e suas características

A palavra jurisdição tem sua origem etimológica na expressão latina jurisdictio, composta
pelas palavras juris, que significa direito e dictio, cujo sentido se traduz na ação de dizer. Dessa
forma a Jurisdição é o poder de dizer o direito (...) é o ato de soberania do Estado, consistindo no
poder de aplicar a lei abstratamente considerada a um fato concreto. 34O exercício da jurisdição
deve se ater à alguns princípios dos quais pinçamos os mais relevantes.

Na dicção do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal Brasileira, que trata do Princípio
da Inafastabilidade da Jurisdição: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito. Daí verifica-se a relevância do exercício da jurisdição por intermédio do Poder
Judiciário que, deverá, portanto, analisar as lides que lhe são submetidas e administrar a justiça,
com o fito de obter a paz social (efetividade da jurisdição). Conforme nos ensina Fernando da
Costa Tourinho Filho:

Ele (Estado) chamou a si a tarefa de administrar justiça, isto é, a função de aplicar


a lei aos casos concretos, aos litígios que surgissem, dando a cada um o que é
seu, mesmo porque os conflitos de interesses afetavam e afetam , sobremaneira,
a segurança interna do Estado, e , assim, para preservar a ordem, para manter
estável o equilíbrio da sociedade, para impedir-lhe a perturbação, a Justiça, arte
de dar a cada um o que é seu, passou a ser administrada, exercida pelo próprio
Estado. Cabendo a este o monopólio da administração da justiça, surge-lhe o
dever de garanti-la. 35

Vale dizer, não se pode vedar o acesso à Justiça àquele que tem direito de receber uma
resposta do judiciário.

33
RAHAL, Flavia; GARCIA, Roberto Soares. Crimes e Internet – Breves Notas aos crimes praticados por meio da rede
mundial e outras considerações. Boletim Ibccrim, ano nº 9, nº 110, janeiro, 2002, p. 8.
34
PRADO, Amauri Renó do; BONILHA, José Carlos Mascari. Manual de Processo Penal – Conhecimento e Execução
Penal. 2º ed. São Paulo: ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 117.
35
Curso de Processo Penal, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 46-47.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 72

O princípio do acesso à Justiça, também conhecido doutrinariamente como


direito ao exercício de ação e de defesa, possibilita, grosso modo, que todos os
cidadãos compareçam em juízo para a defesa de direitos seus que julguem
estarem sendo lesados ou ameaçados36.

Conforme nos ensina Rodrigo da Cunha Lima Freire37: (...) O disposto no inciso XXXV do art. 5º
da CF é, ao mesmo tempo, fonte dos princípios fundamentais da inafastabilidade da jurisdição e da
efetividade da jurisdição.

O principio do acesso à justiça ou da indeclinabilidade da jurisdição constitui um dos princípios


da jurisdição que tem por finalidade garantir ao individuo a possibilidade de participar de um
processo, buscando a preservação de um direito que lhe pertence.

No âmbito do processo penal, referido principio significa que38:

(...) o juiz não se furta, não se subtrai do exercício da função jurisdicional. (...) Não
se pode passar para outro órgão a jurisdição, tampouco recusar-se a julgar, em
obediência ao princípio ora focalizado. O andamento do processo só será obstado,
não alcançando o julgamento de mérito, em hipóteses de ocorrência de causas de
extinção da punibilidade.

Outro princípio importante é o do juiz natural, que assegura a imparcialidade dos juízes e dos
tribunais. Dessa forma, nos explica Maria Thereza R. Assis Moura: no direito brasileiro, a garantia
do juiz natural tem duplo significado, qual seja de proibição de tribunais extraordinários, ‘ex post
facto’, e de juiz constitucionalmente competente, e integra a cláusula do devido processo legal.39

Além destes, temos outros princípios essenciais que norteiam o processo penal e, por
conseqüência, ganham relevância, inclusive, quando se trata de jurisdição e competência, quais
sejam: Princípio do Contraditório que propicia às partes a chamada paridade de armas, isto é, que

36
PRATES, Francisco de Castilho. Por uma perspectiva constitucionalmente adequada da Jurisdição e do Processo
Constitucional em um paradigma democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 128, 11 nov. 2003.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4320>. Acesso em: 06 jan. 2008.
37
FREIRE., Rodrigo da Cunha Lima. Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional Efetiva na Sociedade Informacional. In:
PAESANI, Liliana Minardi (Coord.). O direito na Sociedade da Informação. Atlas, São Paulo, 2007, p. 301.
38
PRADO, Amauri Reno do; BONILHA , José Carlos Marcari. Op. Cit., p. 48.
39
MOURA, Maria Thereza R. Assis. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. STOCO, Rui;
FRANCO, Alberto Silva (Coord.).São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 894.

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Christiany Pegorari Conte 73

ambas possam se manifestar isonomicamente durante o processo e o Princípio do Devido


Processo Legal, que diz respeito ao dever de obediência ao que se encontra estabelecido nas
normas, buscando, dessa forma, uma segurança jurídica e a proteção dos direitos dos envolvidos
na lide penal.

A jurisdição pode ser, em relação ao objeto de apreciação, penal ou extrapenal (que abarca as
jurisdições cível, eleitoral, trabalhista e etc). Em matéria penal a jurisdição consiste no exercício do
jus puniendi, vale dizer, na aplicação da norma penal ao caso concreto, objetivando a repressão e
a prevenção de práticas criminosas. A jurisdição penal é, portanto, o poder de decidir o conflito
entre a pretensão punitiva (ou o direito subjetivo público de punir) e os direitos subjetivos públicos
concernentes à liberdade do cidadão.40

O exercício da jurisdição penal se dá, essencialmente, através da persecutio criminis. Nos


dizeres de José Frederico Marques:

O normal é que a função jurisdicional se exerça, no terreno penal, em função da


persecutio criminis de que a ação penal é um dos momentos. Todavia, como a
norma penal protege, ainda, o direito de liberdade, por conversão, há causas de
direito penal, submetidas à jurisdição deste nome, longe de serem provocadas no
exercício da persecutio criminis, visam ou impedi-la ou fazê-la cessar. È o que
acontece com a revisão criminal e com certos casos de habeas copus.41

Assim, podemos dividir a jurisdição penal em: de conhecimento (que se dá através da ação
penal que visa a aplicação da lei ao caso concreto, por intermédio de uma sentença; ou por meio
de uma declaração de existência de uma relação jurídica, como no caso de habeas corpus pautado
no art. 648, VII, do CPP; ou , ainda, a criação, modificação ou extinção de uma situação jurídica, tal
como ocorre através do pedido de revisão criminal); cautelar (que visa assegurar a eficácia da
tutela jurisdicional de conhecimento, como, por exemplo o depoimento ad perpetuam rei
memoriam, disciplinado no art. 225 do CPP, a prisão preventiva, regrada pelo artigo 311 do CPP, e
etc); e , finalmente, temos a execução, cujo escopo é efetivar as disposições da sentença, através
da aplicação efetiva da pena ou da medida de segurança, se for o caso.

40
LEONE, Armando. Giurisdizione penale. In: Nuovo Digesto Italiano, vol. VI, p. 135 apud MARQUES, José Frederico.
Da competência em Matéria Penal. São Paulo: Millenium, 2000, p. 13.
41
Ibidem., p.14-15.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 74

Vale ressaltar que a jurisdição penal não conhece e decide apenas as causas penais,
chamando para si causas de outra jurisdição por força da conexão. Como exemplos temos o
conhecimento e julgamento de medidas cautelares que visam garantir uma indenização à vítima,
como o seqüestro de bens adquiridos com proventos da infração (art. 125 e 132 do CPP) e a
hipoteca legal sobre imóveis do indiciado (art. 134, CPP), bem como a restituição de coisas
apreendidas (art. 120, do CPP) e a ação civil ex delicto 42(art. 63 usque 68 do CPP).43

3.2 Competência em matéria penal

A jurisdição é uma, expressão da soberania estatal, vale dizer, é atribuição abstrata feita a
todos os órgãos do poder judiciário. E, conforme o magistério de Ada Pelegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho44:

(...) passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à


determinação do juiz competente para determinado processo: através das regras
constitucionais e legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com
referência a dada categoria de causas (regras de competência), excluem-se os
demais órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la, em concreto.

Dessa maneira, a determinação da competência torna possível o exercício concreto do poder


jurisdicional, posto que delimita a jurisdição, isto é, o espaço dentro do qual determinada
autoridade judiciária poderá aplicar o direito aos litígios que lhe forem submetidos 45. Conforme as
lições de Cândido Rangel Dinamarco46:

Competência de juízo é a quantidade de jurisdição cujo exercício se atribui a


um específico órgão judiciário ou a órgãos da mesma espécie, pertencentes
à mesma Justiça, localizados no mesmo grau de jurisdição e ocupando a
mesma base territorial.Sendo juízo cada um dos órgãos instituídos pelo
Estado para o exercício da jurisdição, o tema da competência de juízo
compreende a determinação do órgão concretamente competente para

42
Neste ponto vale a ressalva acerca da Lei n. 11.719/08, que modificou o Código de Processo Penal, estabelecendo:
Art. 63. (...) Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo
valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do
dano efetivamente sofrido.
43
Ibidem, p. 15-16.
44
As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: ed. RT, 2001, p. 43.
45
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: ed. RT, 2005, p.199.
46
Competência de Juízo. Disponível em: http://xoomer.alice.it/direitousp/curso/dina18.htm. Acesso em:
08/02/08.

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Christiany Pegorari Conte 75

conduzir o processo a partir do início (competência inicial, originária) e


também para apreciar os recursos que no processo vierem a ser interpostos
(competência recusal).

A repartição do poder jurisdicional penal obedece a regramentos constantes na Constituição


Federal (onde encontramos normas relativas à competência de jurisdição ou de justiça;
competência dos Tribunais Superiores ou por prerrogativa de função, ou, ainda, competência
hierárquico-funcional; competência originária dos Tribunais de Justiça e da Justiça Militar
Estadual), bem como em normas infraconstitucionais, em decorrência da permissão constitucional
de que os Estados legislem sobre competência originária e recursal dos tribunais locais.

O Código de Processo Penal Brasileiro estabelece regras atinentes à limitação e fixação de


competência, segundo o lugar da infração (competência de foro ou locus delicti comissi);
competência conforme o domicilio ou residência do acusado; competência por distribuição; por
conexão e continência; por prevenção, conforme art. 69 e seguintes do referido diploma legal.

Por fim, as leis de organização judiciária estabelecem as regras pertinentes à competência


de juízo, para o caso de existirem varas especializadas.

Cumpre ressaltar que, em matéria penal, a competência ratione loci representa


competência comum ou residual, vale dizer, os critérios de fixação de competência em razão da
matéria ou da pessoa são excepcionais. Assim, a determinação do juízo competente se faz, como
regra geral, de acordo com a referência geográfica.

Conforme o magistério de Fernando de Almeida Pedroso47:

(...) o juiz competente será aquele cuja jurisdição satisfaça aos três requisitos da
competência, isto é, que tenha jurisdição para conhecer da infração penal de que
trata, para submeter a seu juízo a pessoa do acusado, e para estender a sua
autoridade até o lugar onde a infração foi cometida etc. O conhecimento da
competência importa, em tese, nas seguintes indagações: de que natureza é o
fato? Quem o praticou? Onde o praticou?

47
PEDROSO, Fernando de Almeida. Competência Penal – doutrina e jurisprudência. São Paulo: ed. RT, 2007, p. 16-17.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 76

Os critérios determinativos da competência em matéria penal e suas implicações serão


analisados a seguir.

3.3 Competência Absoluta e Relativa

Em direito processual há, conforme visto, uma divisão de competência que permite limitar o
exercício da jurisdição. Nesse toar, existem regras que determinam a competência dos tribunais,
seja em razão da matéria, da pessoa, do lugar da infração e etc. Quando tratamos do ponto de
vista da divisão da competência em absoluta ou relativa, (na medida em que pode ser superada ou
não, no último caso acarretando a nulidade do feito), na realidade estamos abordando a questão
da incompetência, isto é, da inviabilidade de um tribunal processar e julgar um determinado caso.

O Código de Processo Penal não aborda a questão da competência absoluta e relativa de


forma clara. Entretanto, trata da incompetência no titulo VI (das questões e processos incidentes),
capítulo II (das exceções), nos artigos a seguir, in verbis:

Art. 108 - A exceção de incompetência do juízo poderá ser oposta, verbalmente


ou por escrito, no prazo de defesa.
§ 1º - Se, ouvido o Ministério Público, for aceita a declinatória, o feito será
remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo
prosseguirá.
§ 2º - Recusada a incompetência, o juiz continuará no feito, fazendo tomar por
termo a declinatória, se formulada verbalmente.

Art. 109 - Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne
incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte,
prosseguindo-se na forma do artigo anterior.

O teor do art. 108 do CPP nos induz a concluir pela competência relativa, posto que prevê a
argüição pela parte da incompetência do juízo no prazo da defesa, já o art. 109, nos remete à idéia
de competência absoluta, uma vez que permite ao juiz se declarar incompetente em qualquer fase
do processo.

Neste sentido, cabem os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:

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Christiany Pegorari Conte 77

Chama-se absoluta a hipótese de fixação de competência que não admite


prorrogação, isto é, deve o processo ser remetido ao juiz natural determinado
por normas constitucionais ou processuais penais, sob pena de nulidade do feito.
Encaixam-se neste perfil a competência em razão da matéria (...) e a
competência em razão da prerrogativa de função (...). Chama-se relativa a
hipótese de fixação da competência que admite prorrogação, ou seja, não
invocada a tempo a incompetência do foro reputa-se competente o juízo que
conduz o feito, não se admitindo qualquer alegação posterior de nulidade. É o
caso da competência territorial, tanto pelo lugar da infração, quanto pelo
domicilio/residência do réu.48

Hélio Tornaghi, tratando do assunto, nos explica:

A norma sobre competência é, por vezes, inderrogável pela vontade das


partes: diz-se a competência absoluta. De outras vezes, a lei lhes confere
disponibilidade: a competência é relativa. Exemplo típico dessa última é o
que decorre do art. 73 do Código de Processo Penal.49

Cumpre salientar que a incompetência do juiz é considerada causa de nulidade do


processo, consoante o disposto no art. 564, inciso I, e art. 567, ambos do CPP.

Outro fator que deve ser considerado é que a repartição de competência, nos casos de
competência absoluta é pautada no interesse público. Neste toar, Ada Pelegrini Grinover, Antonio
Sacarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho ensinam:

(...) A distribuição do exercício da função jurisdicional entre os diversos órgãos


leva em conta, por vezes, o interesse público da perfeita atuação da jurisdição,
como é o caso da competência de jurisdição e da competência por prerrogativa
de função. E, por vezes, prioriza o interesse das partes, como ocorre na
competência pelo local da infração, ou pela residência ou domicílio do acusado.
No primeiro caso, tem –se a chamada competência absoluta, que não pode ser
alterada, devendo a incompetência ser pronunciada a qualquer tempo e

48
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 199.
49
Curso de Processo Penal, vol. III. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 95.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 78

independentemente da alegação das partes. No segundo caso a competência é


relativa, isto é, prorrogável, se não argüida pela parte em tempo oportuno. 50

Referidos autores alertam:

No processo penal, em que o foro comum é o da consumação do delito (CPP. Art.


70), acima do interesse da defesa é considerado o interesse público expresso no
princípio da verdade real (...) Por isso, mitiga-se, no processo penal, a diferença
entre competência absoluta e relativa: mesmo esta pode ser examinada de ofício
pelo juiz (CPP, art. 109), o que não acontece no cível. 51(grifos nossos)

Dessa forma, temos que a incompetência relativa pode ser prorrogada, posto que não
afeta a própria substância da ‘res in iudicio deducta’ ou a qualidade pessoal da parte 52. Portanto,
não há prejuízos, tendo em vista que o critério de repartição em razão do lugar constitui, em
resumo, uma forma de repartição dos litígios entre juízes de iguais atribuições53. Assim, a
incompetência relativa deve ser argüida no prazo da defesa prévia, sob pena de preclusão e de
conseqüente prorrogação.

Contrariamente, a incompetência absoluta é improrrogável, pois abarca situações em que há a


inviabilidade de que um tribunal conheça a matéria ou julgue determinada pessoa, sendo
incompetente para tanto. 54

3.4 Competência em razão da matéria ou “ratione materiae”

O critério de determinação da competência segundo a matéria, também chamado de critério


material, é fixado pela Constituição Federal, bem como por leis de organização judiciária, neste
último caso, em decorrência de autorização constitucional, permitindo aos Estados da federação
legislar sobre a organização de sua justiça, exceto no tocante aos crimes dolosos contra a vida, de
competência do Tribunal do Júri, por previsão expressa do art. 5º, inciso XXXVIII, da CF e art. 74,
caput, do CPP.

50
Op. Cit, p. 44-45.
51
Ibidem, mesma página.
52
MOURA, Maria Thereza R. Assis Moura. In: FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coord.). Código de Processo Penal e
sua interpretação jurisprudencial – doutrina e jurisprudência. Vol. 2. São Paulo: ed. RT, 2004, p. 897.
53
Ibidem, mesma página.
54
Neste sentido o seguinte julgado: A incompetência absoluta do juízo acarreta nulidade insanável e pode ser
reconhecida a qualquer tempo, inclusive de ofício, pelo órgão julgador (...) – STJ – 5º Turma – Rel. Gilson Dipp – HC
10.912 – j. 16.05.1000 – DJU 26.03.2001, p. 437.

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Christiany Pegorari Conte 79

Em razão da matéria é possível delimitar a competência das justiças especiais (militar e


eleitoral), bem como da Justiça Comum Federal e da Justiça Comum Estadual.

3.4.1 Justiça Federal e Justiça Estadual

A Justiça Federal brasileira é regulamentada pela Lei n. 5.010, de 1966 e tem sua competência
prevista nos artigos. 106 a 110 da CF/88.

À Justiça Comum Federal compete processar e julgar os crimes políticos e as infrações


penais praticadas em detrimento de bens, serviço ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções; os crimes previstos em tratado ou
convenção internacional, os crimes contra a organização do trabalho, contra o sistema financeiro
nacional e a ordem econômico-financeira, os crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves,
ressalvada a competência da Justiça Militar, dentre outros, listados no art. 109 da CF/88,
conforme se verifica, in verbis:

Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:


I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto
as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à
Justiça do Trabalho; e
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou
pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro
ou organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens,
serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça
Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada
a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei,
contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 80

VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o


constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente
sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade
federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de
carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a
homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção,
e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
§ 1º - As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária
onde tiver domicílio a outra parte.
§ 2º - As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção
judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou
fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou ainda, no
Distrito Federal.
§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos
segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de
previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do
juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras
causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
§ 4º - Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o
Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da
República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer
fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal. (Acrescentado pela EC-45/2004)

Analisando as hipóteses de competência da Justiça Federal, listadas no art. 109 da Constituição


Federal, destacamos as considerações a seguir.

No tocante à competência para julgamento de crimes políticos, previstos na Lei de Segurança


Nacional (Lei 7.170/83), esta, anteriormente, pertencia à Justiça Militar (art. 129, §1o, CF/69). Com

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Christiany Pegorari Conte 81

a CF/88, cabe à Justiça Federal o processo e julgamento por crime contra a segurança nacional,
segundo a regra literal do art. 109, IV, da CF, oposta a do art. 30, Lei 7.170/83, anterior à
promulgação da Constituição de 1988 e por ela não recepcionada.

Em relação aos crimes contra a União, autarquias e empresas públicas federais55: os bens,
serviços e interesses tutelados pelo art. 109, IV, da CF são aqueles relacionados institucionalmente
às entidades públicas mencionadas na norma, não abarcando aqueles relacionados pessoalmente
com seus dirigentes. 56

Em se tratando dos crimes cometidos contra funcionário público federal, para adentrarem a
seara da competência federal devem estar relacionados com o exercício da função, segundo o teor
da Súmula 147 do STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra
funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Nos crimes praticados
por funcionário público federal no exercício de suas funções ou com essas relacionadas, consoante
a Súmula 254 do TRF: Compete à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por
funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionados. Ainda, se o
funcionário público federal cometer crime doloso contra a vida no exercício de suas funções e com
este relacionado (propter officium), a competência é do Júri Federal, regulado pelo Decreto- Lei n.
253/67.

Os crimes praticados contra sociedade de economia mista federal, à qual se aplica regime
jurídico de pessoa de direito privado, (como, por exemplo, a Petrobrás e o Banco do Brasil), são de
competência da Justiça Estadual, por isso que não amparadas no art. 109, IV, da Constituição
Federal. O mesmo se diga em relação às concessionárias e permissionárias de serviço público
federal, de modo que compete à Justiça Estadual processar e julgar, exemplificadamente: delito
de incitação ao crime, previsto no art. 19, Lei 5.250/67, ainda que praticado por meio de
comunicação, vale dizer, por intermédio de empresa concessionária de serviço público federal; o
crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, consistente na utilização de central telefônica clandestina

55
Exemplos de autarquias federais: DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, o INSS – Instituto
Nacional do Seguro Social, Banco Central do Brasil. Ex. de Fundação Pública Federal, criada pela Lei n.º 6.129, de
06.11.74: CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Exs. Empresas Públicas Federais:
Correios, Radiobrás, Caixa Econômica Federal – CEF.
56
Buscando exemplo na história recente, eventual crime praticado durante invasão de fazenda pertencente à família,
do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, perpetrada por membros do Movimento dos Sem-
Terra – MST é da competência da Justiça Estadual.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 82

em residência, com o objetivo de realizar ligações para o exterior; o ilícito consistente na recepção
clandestina de sinal de TV a cabo e etc.

No que tange aos crimes em detrimento de fundos ou de programas de crédito federais, estes
são de competência da Justiça Federal, pois tratam de recursos da União, ainda que o
financiamento seja operacionalizado por sociedade de economia mista, que na hipótese atua
como órgão de execução da política de crédito e financiamento do Governo Federal. O mesmo
raciocínio se aplica quando se tratar de fundo do qual a União ou suas entidades participem. Desse
modo, o estelionato praticado em conta vinculada ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço –
FGTS (Lei 8.036/90 e LC 110/01), ainda que depositário seja outro Banco, que não a Caixa
Econômica Federal, é de competência da Justiça Federal. Igualmente, os crimes praticados contra
o PASEP, fundo público instituído pela Lei Complementar n. 8/70, são de competência da Justiça
Federal.

Sobre o crime de porte ilegal de arma de fogo (previsto anteriormente no art. 10, Lei 9.437/97,
e ora nos arts. 14 e 16 da Lei n. 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento - que a revogou), embora
haja fiscalização do porte de arma pelo Ministério da Justiça, via Sistema Nacional de Armas –
SINARM, não enseja, só por isso, a competência da Justiça Federal, posto que ausente o interesse
direto e específico da União, sendo de competência da Justiça Estadual Comum, ainda que se trate
de arma de uso privativo das Forças Armadas ou de origem estrangeira.

Outras observações relevantes se fazem em relação às contravenções penais, que estão


excluídas da competência da JF, salvo se conexas à crime federal57, bem como no tocante ao crime
de “lavagem” ou ocultação de bens, dinheiro e valores, previstos na Lei n. 9.613/98. A
competência para o crime de lavagem de dinheiro é definida diante do caso concreto e em função
do crime antecedente. Se o crime anterior for de competência da Justiça Federal, caberá a esta o
julgamento do processo relacionado ao crime acessório. Segundo o texto do artigo 2º da lei n.
9.613/98, são de competência da Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes de
“lavagem”, quando: a) praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou
em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas; ou b) quando o crime antecedente for de competência da própria Justiça
Federal. Neste último caso, dentro do que se refere à apuração judicial das condutas que

57
Vide Súmula 38 do STJ: Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por
contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
(a Súmula 22 do TRF não está mais em vigor).

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Christiany Pegorari Conte 83

englobam a “lavagem, ou seja, a conduta em si, tipificada como crime, e os crimes antecedentes,
deve-se levar em consideração a questão da conexão entre esses. Neste caso, segundo a alínea b,
58
do art. 2º, as condutas antecedentes a “lavagem” devem ser julgados por um juízo federal.
Residualmente poderão as varas estaduais tratar de casos que envolvam a “lavagem” de capitais,
desde que a Justiça Estadual59 seja competente para o processo e julgamento do crime
antecedente ou o mesmo não atinja bens de interesse da união ou de suas entidades, bem como
não atente contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. Conforme observa o
professor Marco Antonio de Barros:

Realmente, grande parte das ações penais envolvendo crimes de


“lavagem” é processada perante a Justiça Federal, mormente em face do
caráter transnacional do delito e da natureza jurídica de alguns bens que a
lei visa tutelar, principalmente a estabilidade e a credibilidade dos
sistemas econômico e financeiro do país. 60

Em relação aos crimes de contrabando e descaminho e de receptação (arts. 334 e 180 do CP)
temos: a competência para os crimes de descaminho e contrabando sendo da Justiça Federal. E,
quanto ao delito de receptação, compete seu processo e julgamento, via de regra, à Justiça
comum estadual. Mas, tratando-se de receptação de bens contrabandeados, considerada a
receptação enquanto delito de autonomia relativa, a competência é da Justiça Federal,
competente para o crime anterior e conexo ao de contrabando.

No tocante aos crimes contra o meio ambiente: a competência dos crimes contra a fauna
silvestre será da Justiça Federal somente se a conduta ocorrer em terras de propriedade da União
ou de suas entidades autárquicas ou fundacionais, quando caracterizado seu interesse direto e

58
Nesse sentido, o STF, apresentou entendimento constante no RE n. 198.4888, da 2º turma, publicado no DJ de
13.11.96, afirma que, quando se trata de crime contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, a regra
aplicável para a fixação da competência é a do que consta no art. 109, IV, da CF/88. Na falta de previsão legal
atribuindo expressamente à Justiça Federal a competência para o julgamento de tais delitos deve ser destinada à
Justiça Estadual. Consoante a súmula de n. 122, o STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado
dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do CPP. Assim,
entende-se que se o crime antecedente for de competência da Justiça Federal, também será o crime de “lavagem”.
59
Exemplo disso é o caso da “lavagem” operada graças a recursos obtidos por meio de extorsão mediante seqüestro
cometido dentro do território nacional e que não tenha qualquer vínculo ou interesse internacional. Tanto o crime de
extorsão mediante seqüestro quanto a “lavagem” serão julgados por um juízo comum estadual da comarca na qual os
fatos ocorreram, ou no local em que foram feitas as apreensões. Outros casos podem citados: a corrupção ativa
ocorrida no âmbito municipal; a concussão cometida na restrita esfera da administração estadual; o tráfico de drogas
que não ultrapassa as fronteiras nacionais, isto é, que não configure hipótese de tráfico internacional e etc. Ref.:
BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo: Ed. RT, 2007, p.202-203.
60
BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit., p. 197.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 84

específico. Do contrário, a competência é da Justiça Estadual para, exemplificadamente, processar


e julgar o abate de animal silvestre em fazenda particular e a manutenção em cativeiro de animal
silvestre sem a devida permissão. O crime contra animal doméstico e de propriedade particular é
de competência da Justiça Estadual. O mesmo vale para os crimes contra a flora.

Mister se faz comentar que em relação ao crime de malversação de verba pública da União
(art. 315, CP), compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba
sujeita à prestação de contas perante órgão federal (Súmula 208/STJ), bem como compete à
Justiça Estadual processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba transferida e
incorporada ao patrimônio municipal (Súmula 209/STJ).

Quando a Constituição Federal cita os crimes previstos em tratado ou convenção


internacional61, se refere aqueles que se revestem do caráter de internacionalidade, vale dizer,
têm efetiva repercussão internacional, e não apenas interna. Dentre os crimes previstos em
tratado ou convenção internacional adotados pelo Brasil, a hipótese mais comum é do tráfico
internacional de entorpecentes: se ocorrer a internacionalidade do tráfico, firma-se a competência
da Justiça Federal (art. 70 da lei n.11.343/06). Caso contrário, ela será da Justiça Estadual, ou seja,
na hipótese de tráfico interno, consoante a súmula 522 do STF: salvo ocorrência de tráfico para o
exterior, quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o
processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes. Nesse sentido, vale a lembrar o teor
do art. 70, Paragrafo Único, da lei 11.343/06, que dispõe que se no município não houver Vara da
Justiça Federal, a competência não será, por delegação, da justiça estadual, mas sim da vara
federal da circunscrição respectiva. (art. 109, §3º - jurisdição federal delegada). Em contraposição
à antiga previsão do art. 27 da Lei n°. 6.368/76.62

A previsão contida no art. 109, inciso V-A, que trata da competência para as causas
relativas a Direitos Humanos, foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.04, para
incluir na competência da Justiça Federal os crimes que impliquem grave violação aos direitos
humanos63. Referida Emenda Constitucional acrescentou, ainda, o §5º ao art. 109. Trata-se da

61
Exemplos de documentos internacionais: a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção para Repressão
ao Tráfico de Mulheres e Crianças, de que decorre, respectivamente, a competência da Justiça Federal para os crimes
de transferência ilegal de criança para o exterior (art. 239, Lei 9.069/90 – ECA) e de tráfico de mulheres (art. 231, CP).
62
Art. 27. O processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão à justiça estadual com interveniência
do Mistério Público respectivo, se o lugar em que tiver sido praticado, for município que não seja sede de vara da
Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Federal de Recursos.
63
Vale destacar o caráter vago e indeterminado do dispositivo em questão, que vem recebendo severas críticas da
doutrina, pois, de fato, toda infração penal viola, em maior ou menor grau, algum direito humano (vida, integridade

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 85

chamada federalização dos crimes contra os direitos humanos, uma inovação em termos de
competência penal da Justiça Federal. Na premissa de que os crimes contra os direitos humanos
são previstos em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, é a União que tem a
responsabilidade internacional pela sua prevenção e repressão. A EC 45/04 permitiu a assunção
institucional da repressão desses crimes pela União por meio de incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal.

A Jurisprudência, no que tange aos crimes contra a organização do trabalho (arts. 197-207
do CP), entende que serão de competência da Justiça Federal apenas aqueles que atinjam os
direitos dos trabalhadores considerados coletivamente. 64

Insta destacar, também que nem todos os crimes contra o sistema financeiro nacional são de
competência da Justiça Federal, mas somente aqueles definidos na Lei n. 7.492/86 por força da
exigência constitucional do art. 109, VI, final, da CF que limita essa competência aos “casos
determinados por lei”. Está no art. 26, caput, Lei 7.492/86: a ação penal, nos crimes previstos
nesta Lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal. Por isso que a
jurisprudência, nos crimes contra o sistema financeiro previstos na Lei 4.595/64, aponta a
competência da Justiça Estadual: essa lei não atribuiu a competência penal em favor da Justiça
Federal. Não se incluem, ainda, nos crimes previstos contra a ordem econômica os ilícitos
constantes na lei nº 8.137/90 (salvo se tratar de tributo federal, como, por exemplo, a apropriação
indébita previdenciária - art. 168-A, CP, introduzido pela Lei 9.983/00), os da lei n. 8.176/91 e os
crimes contra a economia popular. 65

Ainda, é de competência da Justiça Federal a apreciação do crime de Moeda Falsa (art.289,


CP), quer se trate de moeda nacional ou estrangeira. Mas, para atrair a competência da Justiça
Federal, o laudo pericial deve atestar que as cédulas falsificadas são de regular qualidade e que,
dependendo das circunstâncias, podem induzir o homem de compreensão média a erro.

Em relação ao habeas corpus, compete ao Juiz Federal de primeira instância o processo e


julgamento deste contra Delegado de Polícia Federal para trancar inquérito policial. Mas, se o

física, liberdade, honra, patrimônio, etc). Do mesmo modo como determinar a gravidade da violação suficiente para
autorizar o deslocamento da competência para o âmbito da justiça federal?
64
Conforme a Súmula 115 do TRF: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do
trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados
coletivamente.
65
Súmula 498 do STF: Compete a justiça dos estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes
contra a economia popular.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 86

inquérito tiver sido requisitado por autoridade judiciária (juiz) ou por despacho de Ministério
Público Federal, o juiz será a autoridade coatora, e a competência será do Tribunal Regional
Federal.

Temos, ainda, a questão dos crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves. Trata-se do
denominado crime à distância66. Em se tratando de navio ou aeronave submetida à jurisdição
nacional, não há necessidade de que o crime envolva estrangeiro para atrair a competência da
Justiça Federal. Se tratar-se de crime doloso contra a vida cometido a bordo de navio ou aeronave
a competência é do Júri Federal, disciplinado no Decreto-Lei n. 253/67. A circunstância pura e
simples de o navio estar atracado no porto ou de a aeronave estar pousada no aeroporto não tem
repercussão alguma na competência da Justiça Federal, por isso que determinada, na dicção
constitucional, pela ocorrência do crime “a bordo de navios ou aeronaves”, e não pela ocorrência
do crime “a bordo de navios em navegação ou aeronaves em vôo”. Se tratar-se de crime militar a
bordo de navios ou aeronaves (v.g., crime praticado em um navio de guerra), a competência será
da Justiça Militar, por força da ressalva constitucional do fim do inciso mencionado.

Destaca-se, também, o crime de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro no país,


tratam-se dos delitos previstos nos arts. 125 e seguintes do Estatuto do Estrangeiro (lei nº
6.815/80). Para que constitua crime é necessário que o estrangeiro entre ou permaneça em
território nacional usando nomes que não sejam os verdadeiros ou mediante atribuição de falsa
qualidade (art. 309, CP). Se for reconhecida ao estrangeiro a condição de refugiado, suspende-se o
processo-crime pela entrada irregular no território nacional (art. 10, Lei 9.474/97). O mesmo se
diga se for concedido asilo político ao estrangeiro.

Por fim, em relação à disputa sobre direitos indígenas, apenas aqueles que atinjam a
coletividade indígena, como o genocídio contra silvícolas, excluídos os crimes em que o indígena
67
figure isoladamente como autor ou vítima, são de competência da Justiça Federal. Preceitua a
CF ser de competência privativa da União legislar sobre populações indígenas (art.22, XIV), bem
como ser de competência da Justiça Federal resolver a disputa sobre direitos indígenas (art. 109,
XI). Assim, caso alguém resolva dizimar um grupo de índios, especialmente se o fizer em reserva
indígena, sob tutela da União, por conta de conflitos de terras, por exemplo, deve responder por

66
Trataremos dos crimes a distância, em outras partes deste trabalho, com maior profundidade.
67
Súmula 140 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como
autor ou vítima.

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Christiany Pegorari Conte 87

homicídio na Justiça Federal. É assunto de interesse e tutela direta da União, do contrário, trata-se
de crime de competência da Justiça Estadual. 68

Na primeira instância, a Justiça Federal é composta por uma Seção Judiciária em cada estado
da Federação e, na segunda instância, por cinco Tribunais Regionais Federais, que atuam em cinco
regiões jurisdicionais.

As Seções Judiciárias são formadas por um conjunto de varas federais, onde atuam os juízes
federais (cada juiz é titular de uma vara federal) e, nas principais cidades do interior, funcionam
Subseções Judiciárias.

Os Tribunais Regionais Federais julgam, em grau de recurso, as ações provenientes da primeira


instância (Seções Judiciárias), possuindo, ainda, competência originária para o exame de algumas
matérias previstas no art. 108 da Constituição Federal (conflitos de competência entre juízes
federais vinculados ao Tribunal, habeas-corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal etc).

Os Tribunais Regionais Federais foram instalados em 30/03/89, como a segunda instância da


Justiça Federal, em substituição ao extinto Tribunal Federal de Recursos. A jurisdição e sede
desses Tribunais foram previstas pela Resolução n.1, de 06/10/88, do Tribunal Federal de
Recursos, que estabeleceu:

 TRF – 1º região Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá, Mato


Grosso, Tocantins, Maranhão, Piauí, Goiás, Bahia, Minas Gerais.
 TRF – 2º região Rio de Janeiro e Espírito Santo.
 TRF – 3º região São Paulo e Mato Grosso do Sul.
 TRF – 4º região Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná.
 TRF – 5º região Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Sergipe.

68
Foi, aliás, o que ocorreu em Brasília com o caso do índio pataxó, Galdino Jesus dos Santos, incendiado por 4 rapazes
no DF, em 20/04/97, cujos autores foram processados perante a Justiça Estadual – ver STJ/RE 192.049-DF, 5º. T., rel.
Felix Fischer, 09.02.99.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 88

Os Tribunais Regionais Federais possuem autorização legal para especializar varas, de acordo
com o disposto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 5.010/66, c/c o artigo 11, Parágrafo Único, do mesmo
diploma legal.

Neste sentido, foi decidida pelo CJF (Conselho de Justiça Federal) a ampliação da competência
das varas especializadas, que ficará a cargo dos Tribunais Regionais Federais, para incluir o crime
organizado, segundo a recomendação nº 3, de 30.05.2006.69 Também há a resolução n. 517, de
30.06.2006, que altera a Resolução nº 314, de 12 de maio de 2003, para incluir os crimes
praticados por organizações criminosas na competência das varas federais criminais especializadas
em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores.70 Nesse sentido, os dizeres do Prof. Marco Antonio de Barros:

A recomendação de ampliação da competência, atinente aos “crimes praticados


por organizações criminosas”, torna difusa e complexa a especialização da vara
criminal, afastando-a do seu espectro original, que foi estabelecido para
processar e julgar os crimes financeiros e de “lavagem” de capitais. Cria-se aí
uma nova questão a ser discutida e que certamente coloca em risco a eficácia da
medida que resultou na especialização das varas federais. 71

Insta destacar, ainda, a questão da Força Atrativa da Justiça Federal em face da Justiça
Estadual: no conflito entre crime federal e delito estadual, havendo conexão ou continência,
devem eles seguir para a Justiça Federal, em razão de sua competência ter previsão constitucional.
72

O art. 108, inciso I, alínea a, da Constituição Federal, determina a competência dos Tribunais
Regionais Federais para processar e julgar, originariamente, “os juízes federais da área de sua
jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de

69
O autor da proposta é o ministro Gilson Dipp, do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
70
Segundo os Juizes Titulares da 2º e 6º VCELD, Sylvia Maria Rocha e Fausto Sanctis, respectivamente: "As varas
especializadas não têm pessoal para fazer face ao volume de trabalho.” A 6ª Vara Federal tem nove funcionários. Só
dois dos processos que estão lá, os da Parmalat e do Banco Santos, têm cerca de 400 volumes e 200 volumes,
respectivamente, de acordo com o juiz. Tramitam na 6ª Vara 411 processos, 939 inquéritos policiais e 441
procedimentos criminais como quebra de sigilo e seqüestro de bens.
Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Federal de São Paulo, diz que a sobrecarga de trabalho é tamanha que ela e Sanctis já
requisitaram a criação de uma terceira vara. "Essa resolução pode inviabilizar a especialização das varas", afirma a
juíza. "Tudo pode ser enquadrado como crime organizado”.
71
Op. Cit. p. 202.
72
Consoante o teor da Súmula 122 do STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes
conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do Art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal.

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Christiany Pegorari Conte 89

responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da


Justiça Eleitoral”.(Foro por prerrogativa de função ou foro privilegiado).

O art. 108, inciso I, alínea d, da nossa Carta Constitucional, cuida da competência dos Tribunais
Regionais Federais para processar e julgar originariamente: “os habeas-corpus, quando a
autoridade coatora for juiz federal”.

Justifica-se sua análise no bojo deste trabalho, já que o habeas corpus tem natureza de ação
penal, abrangido, portanto, pelo conceito de competência penal originária. Essa competência dos
Tribunais Regionais Federais abrangia os habeas corpus impetrados contra ato de Juiz do Trabalho
ao fundamento de que esta Justiça especializada não tinha competência penal. Agora, conforme o
art. 114, inciso IV, da CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/04, dita
competência passa a ser dos Tribunais Regionais do Trabalho.

Ao lado da justiça federal e das justiças especiais (que serão tratadas logo a seguir) temos a
denominada Justiça Comum ou Ordinária. Diz-se comum ou ordinária, pois possui função residual,
isto é, todas as matérias que não puderem ser enquadradas nas Justiças especializadas ou na
Justiça Federal serão de sua competência. Aliás, é o que se depreende da interpretação feita ao
art. 92 da Constituição Federal que lista os órgãos que exercem o Poder Judiciário, levando em
consideração a natureza da lide. A divisão de competência da Justiça Estadual é feita segundo
alguns critérios que serão estudados mais adiante.

3.4.2 Justiças Especiais

Dentro das jurisdições penais destacam-se as seguintes Justiças Especializadas: a Justiça


Militar; a Justiça Eleitoral, Jurisdição política e a Jurisdição Internacional.

A justiça militar pode ser considerada em âmbitos estadual e federal. Compete à Justiça
Militar Federal processar e julgar os crimes militares definidos em lei (art.124 da CF). Os crimes
militares, por sua vez, encontram-se tipificados no Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001, de
21 de outubro de 1969), tendo sido excluídos da competência da Justiça Militar os crimes
definidos pela lei n. 7.170, de 14.02.83 (Lei de Segurança Nacional). Conforme o art. 125,
parágrafo 3º da CF/88, lei Estadual poderá criar Justiça Militar Estadual:

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 90

§ 3º - A lei estadual poderá criar, mediante proposta do T ribunal de Justiça, a


Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e
pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça,
ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja
superior a vinte mil integrantes.

A competência da Justiça Militar Estadual é definida em razão da matéria (crime militar) e


da pessoa (policial militar). O policial militar da reserva ou reformado equipara-se ao policial em
atividade para fins de aplicação da lei penal militar. A exclusão, demissão ou exoneração do
serviço militar não retira a competência da Justiça Militar, desde que o fato tenha sido praticado
ao tempo em que o agente era policial militar (art. 5° do Código Penal Militar). A lei penal militar
poderá, nesse caso, alcançar ex-policiais militares.

O Código Penal Militar prevê a existência de crimes propriamente militares (somente


previstos na legislação penal militar) e crimes militares impróprios (previstos também na legislação
penal comum).

A competência para julgar os crimes militares impróprios muitas vezes cabe à Justiça
Comum, disso decorre que a mesma infração poderá originar um Inquérito Policial, elaborado pela
Polícia Civil e um Inquérito Policial Militar, elaborado pela Polícia Militar. Entretanto, o policial
militar não poderá ser julgado pelo mesmo fato por dois juízos distintos. Neste caso, se ao receber
o inquérito o juiz auditor verificar que é incompetente para julgar o feito, determinará a remessa
dos autos à Justiça Comum. Do mesmo modo procederá o juiz de direito no caso inverso.

A Justiça Militar e a Justiça Comum poderão, outrossim, julgar o mesmo fato, sem qualquer
vinculação de uma à decisão da outra. É o que ocorre quando a conduta é praticada em concurso
por um policial militar e um civil, uma vez que neste caso é vedada a unidade de processo e
julgamento (art. 102, alínea “a” do Código de Processo Penal Militar e art. 79, inciso I do Código de
Processo Penal). O civil é julgado pela Justiça Comum e o militar pela justiça castrense.

Compete, ainda, à Justiça Militar processar e julgar os delitos cometidos em lugares


sujeitos à Administração militar e os crimes de favorecimento pessoal, mas somente quando se
imputa ao favorecido um crime militar, bem como os policiais militares pela prática de crime de
abuso de autoridade (Lei n° 4.898/65), facilitação de fuga de preso de cadeia pública e crimes
dolosos contra a vida praticados por militar contra civil (Lei n° 9.299/96).

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Christiany Pegorari Conte 91

Constitui competência da Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de


acidente de trânsito envolvendo viatura de polícia militar, salvo se autor e vítima forem policiais
militares em situação de atividade (Súmula 6 do Superior Tribunal de Justiça). Por fim, a Súmula 78
do Superior Tribunal de Justiça dispõe que:

Compete à Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual,


ainda que o delito tenha sido praticado em outra unidade federativa.73

À Justiça Eleitoral compete o julgamento dos crimes eleitorais e conexos, bem como
habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção em matéria eleitoral.
A Constituição Federal trata da competência da Justiça Eleitoral nos artigos 118 a 121. A lei n.
4.737/65 (Código Eleitoral) tipifica os crimes eleitorais e dispõe sobre competência para processo
e julgamento de seus órgãos (arts. 22 e seguintes).

A Jurisdição Política é exercida pelas Casas do Congresso Nacional (art. 51 e 52 da CF/88). A


Carta Magna estabelece a competência privativa do Senado para julgar o Presidente da República,
os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes de
responsabilidade e conexos. Ademais, também compete ao Senado processar e julgar os Ministros
do Supremo Tribunal Federal, membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional
do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União também pela
prática de crimes de responsabilidade, definidos na lei n. 1.079/50.

Por fim, temos a jurisdição penal internacional que, embora ainda esteja longe de obter a
forma de tribunal judiciário, tal como no direito interno 74, aos poucos vem ganhando destaque,
sobretudo diante dos crimes que violam bens universais, bem como face à criminalidade
transnacional que se agiganta e que desafia uma cooperação internacional mais eficaz. Exemplos
disso, em âmbito interno, foram as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 45/04, que
inseriu dispositivos no artigo 5º da CF/88 neste sentido, quais sejam:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem


aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

73
Informações retiradas do site do TJM. Disponível em: http://www.tjm.sp.gov.br/. Acesso em: 12.03.2008.
74
MARQUES, José Frederico. Da competência em Matéria Penal Campinas: Millenium, 2000, p. 197.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 92

quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas


constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja
criação tenha manifestado adesão. (grifos nossos).

O Brasil ratificou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, aos 20 de Maio de


2002, sendo que referida ratificação foi promulgada pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de
2002. 75

O Tribunal Penal Internacional constitui jurisdição complementar à interna e jurisdição


ratione materiae, para processo e julgamento das matérias nele previstas, de acordo com o que
dispõe seu artigo 5º. Nas palavras de Marrielle Maia:
O Tribunal destina-se a intervir somente nas situações mais graves, em que se
verifique a incapacidade ou a falta de disposição dos Estados-parte de processar
os responsáveis pelos crimes previstos no Estatuto de Roma.76

O TPI tem competência para processo e julgamento dos crimes mais graves que afetem a
comunidade internacional como um todo, quais sejam: genocídio, crimes de guerra, crimes contra
a humanidade77 , crime de agressão (conforme disposto no Estatuto de Roma, nos artigos 5º à
13).

O Estatuto também nos indica a jurisdição ratione temporis em seu artigo 13, que dispõe: O
Tribunal terá jurisdição unicamente sobre crimes cometidos após a entrada em vigor do presente
Estatuto. E, na segunda parte do dispositivo apresenta a solução para a situação do Estado que
passa a integrar o Estatuto, após sua entrada em vigor. Em referida hipótese o Tribunal apenas
poderá exercer sua jurisdição em relação aos crimes cometidos após a aderência do Estado ao
texto estatutário.

75
O Estatuto da Corte Penal Internacional, foi aprovado em Roma, em 17 de Julho de 1998.
76
MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional: Aspectos institucionais, jurisdição e Principio da
Complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 78.
77
Que abarcam: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma
população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de
direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada,
esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição
de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais,
religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente
reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou
com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid;k)
Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem
gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

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Christiany Pegorari Conte 93

Ao longo do Estatuto podemos encontrar diversas regras sobre competência e jurisdição,


ora limitando, ora expandindo a atuação do Tribunal, tudo isso fruto de longas discussões entre os
Estados participantes, numa tentativa de atender a todos e de manter íntegras as soberanias
internas, sem desconsiderar a existência de uma soberania supranacional. A título de
exemplificação podem ser citados os artigos 124 e 12 do Estatuto. O primeiro refere-se à
possibilidade de um Estado-membro, mesmo após ter subscrito o texto do Estatuto, abrir mão de
submeter-se à jurisdição do Tribunal Penal Internacional por um período de sete anos contados a
partir da entrada em vigor do mesmo. O segundo, resultado de uma proposta feita pela Coréia,
quando da elaboração do texto do Estatuto, diz respeito à possibilidade de competência baseada
no território em que o crime foi cometido, bem como de acordo com a nacionalidade do acusado
(art.12, nº 2, alíneas a e b). Ambas as previsões limitam a competência e a jurisdição do Tribunal
Penal Internacional, mas foram necessárias para atender ao interesse de todos os países que
subscreveram o Estatuto, bem como evitar um esvaziamento da competência do Tribunal ou um
avanço desnecessário às competências e jurisdições nacionais, cabendo destacar que tais
restrições apenas serão válidas quando o Estado remeter a situação ao Promotor, ou ele mesmo
instaurar o inquérito.

3.4.3 Juizados Especiais Criminais

A lei de juizados especiais cíveis e criminais surgiu com a intenção de fomentar a solução
extraprocessual de conflitos, bem como tornar menos burocráticas e mais céleres as decisões
jurisdicionais, mormente em casos de menor complexidade e gravidade, e com o fito de desafogar
o poder judiciário. O art. 98 da CF/88 prevê a criação dos Juizados Especiais Criminais, conforme se
verifica a seguir:

Art. 98 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:


I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de
menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante
os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei,
a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 94

A previsão constitucional da criação dos juizados criminais foi regulamentada pelas leis n.
9.099/95 (que instituiu os juizados em âmbito estadual) e n. 10.259/01 (responsável pela criação
dos juizados especiais criminais na esfera federal).

A lei n. 9.099/95 trata dos juizados especiais criminais a partir do art. 60:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e
leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das
infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e
continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal
do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-
se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

A competência dos juizados especiais criminais estaduais é fixada pelo lugar em que foi
praticada a infração penal (art. 63, da lei 9.099/95). Se o processo não é de competência do
juizado, mas lá é processado, deve ser reconhecida a incompetência absoluta, com o envio dos
autos ao juiz competente. No entanto, prevalece o entendimento de que não será decretada a
nulidade dos atos já praticados a menos que se demonstre prejuízo.78

Segundo o teor da lei n. 10.259/01, os Juizados Especiais Criminais Federais atuam nas
causas de competência da Justiça Federal, em matéria criminal, quando se tratar de infrações de
menor potencial ofensivo:

Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos


de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial
ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Os titulares dos Juizados também são juízes federais, que atuam sob a jurisdição das seções
judiciárias. Cada estado da Federação tem pelo menos um Juizado Especial Federal cível e um
criminal. Na maioria dos estados, há Juizados Especiais funcionando também nas maiores cidades
do interior.

78
STF – rejeitou-se, ainda, a alegação de nulidade absoluta do processo, porquanto, o impetrante não demonstrara o
prejuízo na adoção do rito sumaríssimo, restringindo-se a questão de incompetência da turma recursal. Precedente
citado: HC 81510/PR (DJU de 12.04.2002). HC 85019/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, 15.02.2005. (HC-85019).

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Christiany Pegorari Conte 95

Os recursos dos Juizados Especiais Federais vão para uma Turma Recursal, formada por juízes
da própria Seção Judiciária a que estiver vinculado o Juizado.

O Parágrafo Único do art. 98, da CF/88, acrescido pela EC n. 22/99 foi renumerado para §1o
com a EC 45/04, que tratou da Reforma do Judiciário, e é regulamentado pela Lei 10.259/01, que
instituiu o Juizado Especial Federal Criminal, por isso que no art. 98, I, CF não havia previsão de
Juizados Especiais na Justiça Federal. Sem embargo disso, os institutos de direito material penal
postos na Lei 9.099/95, como a transação penal, a representação e a suspensão do processo, já
eram de aplicação obrigatória nos feitos de competência da Justiça Federal.

Em se tratando de habeas corpus, compete à Turma Recursal dos Juizados Especiais federais o
processo e julgamento destes em que figuram como autoridades coatoras: Juiz Federal ou
Procurador da República que oficiam em Juizado Especial Federal.

Compete, originariamente, ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus


contra decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais, conforme a Súmula 690 do
STF79.

Insta destacar ainda a recente resolução de n. 565, de 13 de agosto de 2007, que recomenda a
criação de juizados especiais em aeroportos, de lavra do Presidente do STJ, Ministro Raphael de
Barros Monteiro Filho. Referida resolução dispõe que os Presidentes dos Tribunais Regionais
Federais procedam a instalação de postos de Juizados Especiais Federais em aeroportos do País
mediante a designação de Juiz Federal para atuar em regime de plantão, sem prejuízo de sua
jurisdição, despachando por via eletrônica, preferencialmente, sem a necessidade de
deslocamento. O artigo 2º preceitua:

O art. 2º - Os Tribunais Regionais Federais deverão estabelecer a estrutura física


e de pessoal de apoio aos serviços de que trata o art. 1º, bem como
regulamentarão os procedimentos referentes ao atendimento ao público e

79
Julgados recentes têm questionado a competência do STF para a hipótese prevista na Súmula 690 do Supremo
Tribunal Federal. A decisão proferida no HC 86.834/SP , segundo a qual o STF se deu por incompetente e remeteu os
autos para o TJSP julgar habeas corpus impetrado contra ato de juiz integrante de Turma Recursal Criminal paulista,
demonstra isso. No caso, o STF declinou de sua competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. In:
FREITAS, Jayme Walmer de. O potencial cancelamento da Súmula 690 do STF . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.
1705, 2 mar. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11006>. Acesso em: 31 jan.
2009.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 96

demais atividades operacionais sobre o funcionamento de Juizados Especiais


Federais nos aeroportos.

Outros avanços relevantes acerca dos Juizados Especiais são: 1. o provimento nº


1.341/2007, do Conselho Superior da Magistratura, que estabelece que, a partir da instalação das
Varas dos Juizados Especiais, a competência para executar os serviços auxiliares relacionados aos
feitos distribuídos nas referidas Varas será dos Juizados Especiais existentes nas respectivas
Comarcas, Foros Distritais e Foros Regionais do Estado; 2. o provimento nº 1.345/2007,
igualmente do Conselho Superior da Magistratura, que extingue o JECRIFam (juizado especial
criminal familiar), criado pelo Provimento CSM nº 805/2003, sendo ratificada a absorção da sua
estrutura pelo ofício da Vara do Juizado Especial Criminal.80

3.5 Competência em razão do lugar ou “ratione loci”

Nos itens anteriores comentamos sobre a Justiça comum Federal e Estadual, bem como
discorremos brevemente sobre as justiças especializadas. Referidos comentários foram relevantes
na medida em que através desta análise é possível a identificação da competência através da
matéria sobre a qual versa o delito. A própria Constituição Federal nos indica a competência dos
diversos órgãos jurisdicionais pelo critério material. A partir de agora verificaremos outros dois
critérios para determinação de competência em matéria penal.

A competência penal também pode ser delimitada em razão do lugar, que leva em
consideração o espaço territorial legislativamente demarcado.81

O art. 70 do CPP nos indica que a regra estabelecida para a competência territorial é a de que
esta seja determinada segundo o lugar onde a infração se consumou e, no caso de tentativa, no
lugar onde se realizou o último ato de execução. Trata-se da adoção da teoria do resultado pela
legislação processual penal brasileira. Logo, a regra é a de que o foro competente para a
persecutio criminis será onde se deu a consumação ou onde esta deveria se dar, segundo o último
ato de execução, vale dizer, o local da infração.

80
Sobre esta alteração cabem algumas observações: a Lei "Maria da Penha" (Lei nº 11.340/2006) exclui da
competência dos Juizados Especiais as causas de violência doméstica ou familiar contra a mulher (art. 41), criando o
denominado JECriFam, cuja competência seria de processo e julgamento das infrações penais definidas na lei
9099/95, observada a competência do Foro Central, envolvendo a violência doméstica. O provimento citado extingue
referido órgão especial do poder judiciário, cuja criação fora objeto de críticas.
81
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 2, Saraiva: São Paulo, 2003, p. 80.

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Christiany Pegorari Conte 97

Nos dizeres de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães
Gomes Filho82:

A regra é esta porque normalmente no local onde se deu a infração estão as


provas e sua colheita será mais proveitosa. A competência pelo local da infração
é estabelecida mais no interesse público do que no da parte: é mais provável
conseguir provas idôneas onde se deram os fatos.

Considera-se como consumado o delito que reunir todos os elementos de sua definição legal,
segundo os ditames do art. 14, inciso I, do CP. Por sua vez, diz-se tentado o crime cuja
consumação não se atinge por motivos alheios à vontade do agente, embora já iniciados os atos
executórios (art. 14, inciso II, CP).

Outro ponto de relevo, quando tratamos da fixação de competência em razão do lugar, é a


classificação dos crimes em: materiais, ou seja, aqueles em que o dispositivo legal descreve a
conduta e exige resultado como elemento típico; e formais, que descrevem a conduta típica e o
resultado correspondente, mas não exigem a ocorrência deste último para a sua consumação. Nos
delitos materiais, portanto, o local da produção do evento é que fixa a sua consumação e , por
consequência, a competência para seu processo e julgamento. Nos crimes formais, por sua vez,
temos como consumado o delito, quando efetivada a descrição da conduta proibida, fixando-se,
dessa forma, a competência do juízo.

Existem alguns crimes, porém, que incitam dúvidas quanto à definição do foro competente
para julgá-los, dentre os quais podemos citar: apropriação indébita; estelionato na modalidade
emissão de cheque sem fundos; falso testemunho prestado no juízo deprecado; extorsão
mediante seqüestro; delitos qualificados pelo resultado e crimes contra a honra. 83

Em relação ao crime de apropriação indébita (art. 168, CP) existem duas correntes acerca da
determinação do foro competente, a primeira corrente preceitua que a consumação do delito
ocorre no lugar onde o agente deveria prestar contas da coisa alheia móvel da qual tem posse ou

82
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no
Processo Penal. Op. Cit. p. 48.
83
Estes delitos são exemplos trazidos nas obras de PRADO, Amauri Renó do; BONLILHA, José Carlos Mascar. Op. Cit, p.
124 e 125 e PEDROSO, Fernando de Almeida. Competência Penal – doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 44-54.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 98

detenção. A segunda linha de pensamento diz que a consumação se dá no local onde houver o
agente invertido a posse ou detenção, agindo como se dono da coisa fosse. 84

No tocante ao crime de estelionato na modalidade fraude no pagamento por meio de cheque


(art. 171, parágrafo 2º, inciso VI, do Código Penal) a Súmula n. 521 do STF solucionou a antiga
controvérsia sobre o local em que se consumava o delito em questão:

O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob


a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local
onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.

No que tange aos delitos contra a administração da justiça, como o delito de falso testemunho,
praticados por meio de precatória, o foro do delito é o do lugar onde a infração ocorreu, vale
dizer, no juízo deprecado.85

A fixação do foro competente atinente ao delito de extorsão mediante seqüestro (art. 159, do
Código Penal), é feita segundo o lugar onde se deu a privação de liberdade de locomoção da
vítima, independentemente da vantagem obtida como resgate.86

Quanto aos delitos qualificados pelo resultado, como, dentre outros, a lesão corporal seguida
de morte (art. 129, parágrafo 3º, CP) e o latrocínio (art. 157, parágrafo 3º, CP). Há duas correntes
acerca da determinação do foro competente para estes delitos: 1. a primeira corrente determina
que a consumação do delito se dá apenas com a ocorrência do resultado qualificador, sendo,
portanto, foro competente o do local onde se deu o resultado mais grave; 2. a outra corrente
entende que o foro competente é o do lugar onde ocorreu a ação ou omissão dolosa, pouco
importando o local do resultado mais grave. 87

Em sede de crimes contra a honra, no âmbito da lei de imprensa, o foro competente para a
persecução penal é determinado pelo art. 42 da lei de imprensa (lei n. 5.250/67):

84
RT 203/99, 540/302, Jutacrim 33/41 e RT 642/334, 679/411 e 708/322. O juízo competente para o processo crime
por apropriação indébita é o do lugar da alienação da coisa como própria (RT 131/493).
85
RT 582/307 e 605/298.
86
RSTJ 85/301.
87
PRADO, Amauri Renó do; BONILHA, José Carlos Mascari. Op. Cit., p. 123.

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Christiany Pegorari Conte 99

Art . 42. Lugar do delito, para a determinação da competência territorial, será


aquêle em que fôr impresso o jornal ou periódico, e o do local do estúdio do
permissionário ou concessionário do serviço de radiodifusão, bem como o da
administração principal da agência noticiosa. Parágrafo único. Aplica-se aos
crimes de imprensa o disposto no art. 85, do Código de Processo Penal.

Assim, a competência territorial ou de foro para a apreciação dos crimes de imprensa se


fixa de acordo com o meio de informação e divulgação empregado pelo agente.
O art. 70, e seus parágrafos, do CPP tratam dos denominados crimes a distância, vale dizer,
aqueles que se desenrolam nos territórios de dois ou mais países, sobre os quais discorreremos
novamente mais adiante:

§ 1º - Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora


dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no
Brasil, o último ato de execução.
§ 2º - Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional,
será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha
produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3º - Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou
quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas
divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

O art. 71 do CPP, por sua vez, trata das hipóteses de delito continuado ou permanente
praticados em território de duas ou mais jurisdições: tratando-se de infração continuada ou
permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela
prevenção.

Uma vez sendo desconhecido o lugar da infração a competência se regulará pelo domicílio ou
residência do réu (art. 72 do CPP). Vale lembrar, contudo, que nos casos de ação penal privada o
querelante poderá optar pelo foro do domicílio do réu, mesmo que o local da infração seja
conhecido, segundo a faculdade que lhe é dada pelo art. 73 do CPP, salvo se a ação penal privada
for subsidiária da ação penal pública ou se a infração penal for daquelas que devem seguir rito
especial (como, por exemplo, no caso da lei de imprensa).

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 100

Por fim, se destacam ainda as disposições especiais contidas nos arts. 88 à 91 do CPP, que
tratam do processo por crimes praticados fora do território brasileiro, estabelecendo a
competência da seguinte forma:

Art. 88 - No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será


competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o
acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da
Capital da República.
Art. 91 - Quando incerta e não se determinar de acordo com as normas
estabelecidas nos arts. 89 e 90, a competência se firmará pela prevenção.

3.6 Competência em razão da pessoa ou “ratione personae”

O critério da prerrogativa de função ou fixação da competência em razão da pessoa é outro


método a ser utilizado para delimitação da jurisdição. A competência ratione personae não está
relacionada à características pessoais, mas aos cargos ou funções exercidas por determinadas
pessoas, conforme nos explica Fernando de Almeida Pedroso:

A competência ratione personae não é ditada pela qualidade das pessoas


envolvidas como autoras da infração penal, o que implicaria flagrante,
clamorosa e manifesta antinomia com o princípio constitucional da
isonomia ou da igualdade de todos perante a lei (...). O que visa a lei,
nesse passo, não é a qualidade da pessoa que figura como agente da
infração penal, mas a relevância e magnitude das funções por ela
exercidas e desempenhadas.88

O artigo 84 (e seguintes) do CPP dispõe acerca da competência por prerrogativa de função:

Art. 84 - A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal


Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas
que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

88
Fernando Almeida Pedroso. Op. Cit, p. 32.

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Christiany Pegorari Conte 101

Cumpre ressaltar aqui o teor da Súmula 451 do STF, que preceitua que a competência por
prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício
funcional. Vale dizer, o privilégio está relacionado ao exercício do cargo ou função para a proteção
deste. Outro ponto relevante a ser observado diz respeito à Súmula 394 do STF, que dizia:
cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa
de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele
exercício. Referida Súmula foi revogada, com efeito “ex nunc”, em decisão da sessão plenária do
Excelso Pretório no dia 25.08.99, no julgamento (iniciado em 30 de abril de 1997) de Questão de
Ordem suscitada no Inquérito 687-SP, em que figurava como indiciado um ex-deputado federal. 89
90

A competência em razão da pessoa é delimitada segundo indicações feitas pela Constituição


Federal e Constituições Estaduais, assim, temos o critério ratione personae do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de
Justiça dos Estados.

Nessa toada, serão processados e julgados pelo STF, por crimes comuns, o Presidente da
República, o Vice-Presidente, os Deputados Federais, os Senadores, os Ministros do Supremo e o
Procurador-Geral da República. Ademais, também compete ao STF o processo e julgamento por
infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade praticados pelos Ministros de Estado e
os Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, membros dos tribunais superiores, dos
Tribunais de Contas da União, bem como os chefes de missão diplomática em caráter permanente
(art. 102, I, alíneas b e c, da CF/88). Cumpre destacar aqui a previsão do art, 52, II, da CF, que nos
alerta para os crimes de responsabilidade, cuja pena seja a perda do cargo ou a inabilitação para
exercício da função pública, perpetrados por Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros
de Estado e etc, que deverão ser julgados pelo Senado Federal.

Perante o Superior Tribunal de Justiça deverão ser processados e julgados, por crimes comuns,
os Governadores de Estado e o Governador do Distrito Federal. Nos crimes comuns e de

89
MENESES, Geraldo Magela e Silva. Foro por prerrogativa de função: nova diretriz do STF (cancelamento da Súmula
394. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=846>. Acesso em: 22 mar. 2008.
90
A questão da extensão de foro especial a ex-ocupantes de cargos públicos, como Presidentes, Ministros,
Parlamentares, etc foi muito criticada. O STF, no entanto, pacificou a discussão, nas ADins 2797-2 e 2.860 (DOU de
26.09.2005 e DJU de 19.12.06), que, por maioria de votos, resolveu pela inconstitucionalidade da lei 10.268/02, que
acrescentava os §§ 1º e 2º ao art. 84 do CPP.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 102

responsabilidade também será competente para processo e julgamento dos desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais de Contas dos
Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou dos Tribunais de Contas dos Municípios e
os do Ministério Público que oficiem perante tribunais, conforme a dicção do art. 105, inciso I,
alínea a, da CF/88.

Já os Tribunais Regionais Federais, por sua vez, são competentes para processo e julgamento
dos crimes comuns e de responsabilidade praticados por juízes federais, juízes da justiça do
trabalho, militar e membros do Ministério Público da União (Art. 107, inciso I, alínea a, da CF).

Por fim, os Tribunais de Justiça dos Estados são responsáveis para processar e julgar os crimes
comuns cometidos pelos Secretários de Estado, os Vice-Governadores e Deputados Estaduais,
bem como pelos crimes comuns e de responsabilidade perpetrados pelos juízes estaduais, o
Procurador-Geral de Justiça e os demais membros do Ministério Público dos Estados e Prefeitos
Municipais (art.29, VIII, da CF).

Finalmente, cumpre observar que crimes eleitorais praticados por juiz de direito ou membro
do Ministério Público, no exercício de suas funções serão de competência da Justiça Eleitoral,
conforme indicação do art. 96, inciso III, da CF/88.

3.7 Das Causas Modificativas de Competência

Alguns fatores podem modificar a competência, influindo nas regras e preceitos acerca de sua
delimitação, tais como as questões de conexão e continência e de desaforamento.

A competência por conexão ou continência vem descrita nos artigos 76 e seguintes do Código
de Processo Penal. Por conexão entende-se a ligação entre duas ou mais infrações, conforme nos
explica Julio Fabbrini Mirabete:

Por coerência, maior segurança e economia, por vezes é aconselhável haja um só


processo apesar da prática de vários crimes. É o que ocorre quando existe a
conexão. No art. 76, I, refere-se a lei à conexão intersubjetiva, prevendo três
hipóteses. A primeira quando duas ou mais infrações foram praticadas por várias
pessoas reunidas (...). Quanto à segunda, há também conexão quando as

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 103

infrações são praticadas por várias pessoas em concurso, embora diverso o


tempo e o lugar. Na terceira hipótese, haverá conexão se os crimes forem
praticados por várias pessoas, umas contra as outras (...). No inciso II a lei se
refere à conexão material, ou lógica ou teleológica, em que crimes são praticados
para facilitar ou ocultar outros, ou para se conseguir vantagem ou impunidade de
outros. (...) No inciso III trata o art. 76 da conexão probatória ou instrumental,
quando a prova de uma infração ou de qualquer circunstancia influir na prova de
outra (....).91

De acordo com o verificado acima temos três hipóteses de conexão, quais sejam: 1. a
subjetiva ou moral (art.76, I, do CPP); 2. objetiva ou material (art.76, II, do CPP) ; 3. a instrumental
ou probatória (art. 76, III, do CPP). A conexão, seja qual for a sua modalidade, acarreta na
prorrogação do foro.

A continência, por sua vez, também pressupõe a idéia de nexo, porém, este se dá entre
pessoas ou fatos e não entre infrações, como ocorre na conexão.

Continência tem o sentido de uma coisa contida na outra, sendo impossível a


separação. No direito processual, significa uma forma de alteração do caminho
ordinário de determinação da competência ou de sua modificação, impondo a
reunião em um mesmo processo, com fundamento no concurso de pessoas ou
no concurso de crimes, de mais de um autor ou de mais de um ilícito.92

Tal como ocorre na conexão, a continência também pode ser classificada segundo o
critério de cumulação, isto é, referido instituto processual pode se revestir do caráter de
cumulação subjetiva (art. 77, inciso I, do CPP) ou de cumulação objetiva (art.77, inciso II, do CPP).

Os critérios de determinação de competência, em caso de conexão ou continência, devem


seguir o disposto nos artigos 78 e 79 do CPP, in verbis:

Art. 78 - Na determinação da competência por conexão ou continência, serão


observadas as seguintes regras:
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição
comum, prevalecerá a competência do júri;

91
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 306-307.
92
Ibidem., p. 308.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 104

II - no concurso de jurisdições da mesma categoria:


a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações,
se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior
graduação;
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

Art. 79 - A conexão e a continência importarão unidade de processo e


julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

A determinação da competência por conexão ou continência implica num único processo


para a apreciação dos fatos, fator este que beneficia na produção das provas, atende ao princípio
da economia processual e evita, em última análise, decisões contraditórias.

Finalmente, trataremos em breves linhas do instituto do desaforamento, que, igualmente,


atinge a fixação de competência. O desaforamento pode ser compreendido como: uma
derrogação da competência territorial, consentida pela lei face de razões contingentes, que
93
dependem da apreciação de um órgão jurisdicional (...). O desaforamento é cabível nas
hipóteses listadas pelo art. 427 do CPP94:

Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a


imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a

93
MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. Campinas: Millenium, 2000, p. 259.
94
Cumpre observar, em relação ao instituto do desaforamento, a previsão feita pela lei n. 11.719/08, no tocante ao
art. 383, Parágrafo Único do CPP e o art. 74, parágrafo 2º do mesmo diploma legal: Art. 383. O juiz, sem modificar a
descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em
o
conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave (...) § 2 Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a
este serão encaminhados os autos.
Art. 74 - A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a
competência privativa do Tribunal do Júri. (...)
§ 2º - Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração da competência de outro, a este
será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência
prorrogada.

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Christiany Pegorari Conte 105

requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado


ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o
desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não
existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de


serviço, se o julgamento não puder ser feito no prazo de 6 (seis) meses fixados pela lei para a sua
realização, nos termos do art. 428, do Código de Processo Penal.

3.8 Breves considerações acerca dos Conflitos de Jurisdição e Competência

O conflito de jurisdição encontra-se plasmado nos arts. 113 e seguintes do Código de


Processo Penal e pode surgir quando: 1. duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem
competentes, ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso; 2. Quando entre elas
surgir controvérsia sobre unidade do juízo, junção ou separação dos processos, consoante a
previsão do art. 114 do referido diploma legal.

O conflito de jurisdição pode ser: a) positivo: quando duas ou mais autoridades judiciárias
reivindicam sua competência para conhecer do mesmo fato criminoso; b) negativo: quando duas
ou mais autoridades judiciárias se acham incompetentes para processar e julgar um mesmo delito.

Sobre conflito de jurisdição nos explica Fernando da Costa Tourinho Filho:

Partindo-se do pressuposto de que a jurisdição é una, há quem entenda que o


verdadeiro conflito de jurisdição somente seria possível quando houvesse
disputa entre dois ou mais Estados soberanos, para apreciarem a mesma causa.
A maioria, entretanto, empregando o termo jurisdição como sinônimo de justiça,
afirma haver conflito de jurisdição quando houver dissídio entre um ou mais
órgãos da jurisdição ou da Justiça Especial. Entre nós, em face da autonomia dos
Estados-membros, pode-se falar em conflito de jurisdição quando a divergência
para o conhecimento de uma causa ocorrer entre órgãos da Justiça Comum e
Especial, entre órgãos de Justiça Especial diversa, entre órgãos Jurisdicionais
Comuns de Estados-Membros.95

95
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 641.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 106

Na mesma toada, estaremos diante de conflito de competência quando houver divergência


entre dois ou mais órgãos da mesma justiça (juízes da mesma jurisdição).

O conflito de jurisdição se torna relevante para o presente estudo devido à característica


transnacional da maioria dos crimes informáticos. Assim, a natureza transfronteiriça deste tipo de
criminalidade faz surgir, por diversas vezes, dúvidas acerca de quem poderá exercer a jurisdição
face ao caso concreto, conforme se verificará nos capítulos a seguir. Diante da doutrina clássica
acerca da jurisdição e competência, desponta o questionamento de como solucionar as questões
atinentes aos conflitos face aos crimes perpetrados no ciberespaço.

CAPÍTULO IV – Crimes Informáticos

O livro Verde da Sociedade da Informação96, documento elaborado pelo Ministério da


Ciência e Tecnologia, que inseriu oficialmente o Brasil na denominada Sociedade da Informação,
define a internet97 (teia global, conhecida como WWW – World Wide Web ou rede de alcance
mundial98) como:

Um sistema de redes de computadores – uma rede de redes – que pode ser


utilizado por qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, onde haja um
ponto de acesso, e que oferece um amplo leque de serviços básicos, tais como
correio eletrônico, acesso livre ou autorizado a informações em diversos
formatos digitais e transferência de arquivos.99

A Internet, que despontou na década de 60, nos Estados Unidos, com uma função adstrita
aos interesses governamentais e que, por um bom tempo foi utilizada apenas em atividades

96
O advento dos meios de comunicação em massa, sendo o mais relevante a Internet, bem como das novas
tecnologias de informação, carreou num impacto significativo na sociedade contemporânea, transformando-a na
denominada sociedade da informação, responsável pela dissolução de fronteiras e por uma nova visão acerca da
produção e uso da informação. A gênese da sociedade da informação não possui um marco perfeitamente delineado
na história, mas sim, constitui um corolário lógico de diversos processos de desenvolvimento, dentre os quais, a
globalização, que estimulou a idéia de infra-estrutura global de informação, propiciando a abertura das
telecomunicações. Portanto, trata-se, a sociedade da informação, da sociedade contemporânea, que interage e se
utiliza, nos atos da vida diária, da infra-estrutura global da informação, ocasionada pela abertura das
telecomunicações, que possui como elemento fundamental a Internet.
97
Sobre a Internet também fizemos alguns breves comentários no capítulo II da presente pesquisa.
98
BARROS, Marco Antonio; GARBOSSA, Daniela D’Arco; CONTE, Christiany Pegorari. Crimes Informáticos e a
proposição legislativa: considerações para uma reflexão preliminar. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 865,
novembro, 2007, p. 401.
99
Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. A sociedade da informação no Brasil – Livro Verde, p. 171.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 107

militares e universitárias, hoje integra a vida de milhares de pessoas que já não conseguem mais
exercer suas atividades rotineiras, sobretudo profissionais, sem a sua presença. 100

O Brasil é hoje o sexto maior usuário da Internet no mundo. Em 2007, eram cerca de 39
milhões de usuários da rede mundial de computadores no nosso país, em relação aos 1,2 milhões
de pessoas com acesso à rede no mundo101. Em 2008, o Brasil superou a marca de 41 milhões de
usuários de internet, com o ingresso dos consumidores de baixa renda na rede102. E o acesso não
se limita ao ambiente laboral, cerca de 20,1 milhões de pessoas já têm acesso à web em suas
casas.103 Ademais, o tempo médio que o internauta brasileiro passa na Internet também
aumentou, chegando a 23 horas e 48 minutos por mês.104

Inegavelmente, a Internet trouxe facilidades à vida cotidiana, apresentando novos modelos


de negócios, facilidade de comunicação e transmissão de dados105, que permitem a interação
entre os internautas e a disponibilização de ferramentas que estimulam o seu uso.

Seu desenvolvimento abrupto também tem sido favorecido, no Brasil, pelo crescimento da
banda larga e pelas maiores possibilidades de aquisição de um computador pessoal, através de
financiamentos facilitados, eliminação da incidência de impostos nas vendas desse tipo de
equipamento, bem como a desvalorização do dólar em relação ao real, que resultou na redução

100
Em poucos mais de dez anos, a porcentagem dos lares brasileiros que dispõem de computador cresceu mais de três
vezes. Esse equipamento está presente em quase um quarto dos domicílios do país, ou precisamente, 24%, segundo
pesquisas recentes de instituições especializadas. Em 1996, e acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, só 6,9% dos domicílios dispunham de um computador. A venda de computadores pessoais no Brasil
alcançaram 10,1 milhões de unidades, um aumento de 23% sobre as vendas de 2006. Estes são dados retirados da
notícia “Computador em Casa” do Jornal O Estado de São Paulo, p. A2, publicada em 01.01.2008.
Com vendas de 10,7 milhões de unidades, o mercado brasileiro de computadores fechou o ano passado como o
quinto maior do mundo. O Brasil representa 47,3% de todo o volume de microcomputadores vendidos na América
Latina, segundo dados retirados da notícia “Brasil já é o quinto maior mercado de PCs do Mundo. Jornal O Estado de
São Paulo, Caderno Negócios, p. B12, publicada em 20.02.2008.
101
Estes são dados fornecidos pela ONU: CHADE, Jamil. Brasil já é o sexto maior usuário da internet. Jornal O Estado
de São Paulo. Cadeno Negócios, p. B15, publicado em 03.11.07.
102
CRUZ, Renato. Brasil já tem 41 milhões de usuários de internet. Jornal O Estado de São Paulo.Caderno Economia,
28.06.2008, p. B23.
103
Acesso à web em casa cresceu 47%, diz pesquisa do Ibope sobre o uso da internet no Brasil. O Estado de São Paulo.
Cadeno Negócios, p. B15, publicado em 03.11.07.
104
Os brasileiros continuam sendo a população que passa mais tempo na internet entre os dez países onde é feita a
pesquisa da Net Ratings. O Japão está em segundo lugar da lista, com 21 horas e 34 minutos, seguido da França (20
horas e 23 minutos) e dos EUA (19 horas e 46 minutos).Conf. CRUZ, Renato. Idem.
105
A quantidade de informação digital cresce 60% por ano, segundo a reportagem “A rede vai explodir”. Revista da
Semana, n. 29. Coluna sobre Ciência e Tecnologia, p. 23, publicada em 24.03.2008.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 108

do preço dos componentes importados da máquina, o que contribuiu para baratear o produto ao
consumidor final.106

Logo, um sem número de atividades e de serviços passaram a ser realizados com o apoio
na Internet. Por exemplo: certificação de documentos que passam pela rede; leilões virtuais,
correios eletrônicos, comércio dos mais variados produtos (como o de créditos para celulares pré-
pagos); operações no mercado financeiro (como investimentos, compra e venda de ações e
serviços bancários), entre outras. Tanto entidades públicas, como as privadas têm se utilizado da
Internet para prestarem seus serviços de maneira mais célere, atingindo um número cada vez
maior de pessoas.

Mas, embora a Internet represente um grande avanço no sistema de comunicação,


produzindo muitos benefícios para a sociedade moderna, a sua utilização também facilitou a
prática de crimes já existentes, bem como possibilitou a criação de novas práticas criminosas que
atingem os mais diversos direitos, causando prejuízos de todas as ordens, inclusive, no que tange à
economia do país, pois os valores perdidos em furtos de informações, violações de patentes,
comércio de produtos pirateados, fraudes de maneira geral, entre outras condutas, atingem
números cada vez maiores107. Daí a necessidade de um melhor amparo legal desses direitos
potencialmente violáveis.

Neste sentido, os dizeres de Marco Antonio de Barros, Daniela D’Arco Garbossa e


Christiany Pegorari Conte:

Sucede que a transmissão de dados via Internet não é totalmente segura. São
frequentes as notícias que se tem a respeito de invasores da rede, que
conseguem acessar dados pessoais dos usuários, com os mais variados objetivos,

106
O barateamento dos computadores ao lado da generosa oferta de crédito atraiu consumidor e, inclusive de renda
mais baixa, o que está provocando uma alteração expressiva no mercado e no uso da Internet. Havia uma demanda
reprimida nas classes econômicas C e D, que começa a ser aliviada.
Tanto que no ano passado, o total de internautas no Brasil chegou à 40 milhões, crescimento este incentivado pelas
vendas de computadores que somaram10, 5 milhões e ultrapassaram, pela primeira vez, o total de aparelhos de
televisão vendidos no país. Para 2008, a expectativa de crescimento do número de internautas é de 15%, chegando a
45 milhões. A internet foi a mídia que mais cresceu no ano passado. CRUZ, Renato. Classe C brasileira avança na
Internet. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Negócios, p. B19, 05.03.2008.
107
À titulo de exemplificação, a perda estimada de arrecadação de impostos causada pela Pirataria no Brasil é de R$
27 bilhões; o número de empregos que seriam criados no País se a pirataria fosse eliminada seria de R$ 2 milhões; o
valor de produtos apreendidos pela Receita Federal no 1º semestre de 2006 foi de R$ 377 milhões. In: BARRETO, Luiz
Paulo. Processar quem baixa MP3 é um Erro. Caderno Informática. Jornal O Estado de São Paulo, p. L14, 20/11/06.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 109

colocando em risco a transmissão de informações, chegando ao ponto de causar


graves danos.108

Do mesmo modo preleciona Miranda Rosa:

O maior elenco de novos tipos de ilícito penal é o que oferece a expansão da


comunicação eletrônica, de que é exemplo marcante a Internet. Essa rede
mundial permite, de um lado grandes progressos nos contatos entre pessoas e
organizações de vários tipos, entre cientistas e técnicos, homens de negócios e
esportistas, enriquecendo consideravelmente a chamda mídica com o reforço da
instantaneidade das notícias, informações, trocas de idéias e debates de variado
objeto. Como conseqüência não só os bons usuários, mas também aqueles que
têm objetivos ilícitos, atuam por seu intermédio na prática de crimes.109

Nessa esteira, os crimes informáticos, isto é, os delitos perpetrados mediante a utilização


de moderna tecnologia, notadamente, por intermédio da Internet, um dos meios de comunicação
mais significativos e revolucionários da sociedade contemporânea, têm crescido
significativamente no Brasil e no Mundo: o ciberespaço certamente apresenta perigos, por detrás
de informações inúteis e enganosas, com acesso irrestrito à pornografia, jogos e fraudes (tradução
livre). 110

Na avaliação do Perito Criminal da Polícia Federal, Dr. Paulo Quintiliano111: foi-se o tempo
em que os crimes na internet eram coisa de um bando de garotos que queriam provar para os
amigos que eram capazes de invadir computadores. Hoje, estes delitos são cometidos por
quadrilhas organizadas, que segundo o Banco Mundial, em 2004, movimentaram mais recursos
financeiros do que o tráfico ilícito de drogas.112.

108
BARROS, Marco Antonio; GARBOSSA, Daniela D’Arco; CONTE, Christiany Pegorari. Crimes Informáticos e a
proposição legislativa: considerações para uma reflexão preliminar. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 865,
novembro, 2007, p. 402.
109
ROSA, Felippe Augusto Miranda. Criminalidade e Violência Global. Rio de Janeiro: Ediora Lúmen Júris, 2003, p.44.
110
Texto original: Cyberspace certainly holds dangers: besides much pointless or misleading information, there is
access to pornography, gambling and fraud. In: SUTTON, Willian. The future and how to cope with it. Revista Speak
Up, n. 248, Ano XX, São Paulo: editora Peixes, janeiro/2008, p. 30-31.
111
Referido profissional exarou esta opinião na IV Conferência Internacional de Perícias em Crimes Cibernéticos
(ICCyber), em palestra ocorrida em 26.09.2007, evento realizado no Guarujá – SP, bem como em palestra proferida
para os alunos do curso de mestrado em direito na Sociedade da Informação, das FMU, no dia 24.08.2007.
112
TOLEDO, Cinthia. Brasil organiza conferência sobre crimes virtuais. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno
Tecnologia, p. L10, 20.08.2007.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 110

As dificuldades no combate a este crime são cada vez maiores, face ao rápido
desenvolvimento de novas tecnologias, as facilidades e generalidades da Internet, bem como
porque pode envolver pessoas de diferentes países, pois o crime cibernético não tem fronteiras.113

4.1 Definição e classificação dos crimes informáticos

Conforme visto, o sensível crescimento da utilização de computadores nos últimos anos,


bem como o acesso facilitado à Internet, além de representar inegável avanço para a sociedade,
possibilitando a realização de diversas atividades rotineiras de forma mais fácil e célere, também
abriu espaço para uma nova espécie de criminalidade: a informática. Neste sentido, afirma
Reginaldo César Pinheiro:

Com a popularização da Internet em todo o mundo, milhares de pessoas


começaram a se utilizar deste meio. Contemporaneamente se percebe que nem
todos a utilizam de maneira sensata e, acreditando que a internet é um espaço
livre, acabam por exceder em suas condutas e criando novas modalidades de
delito: os crimes virtuais.114

As oportunidades de perpetração destes crimes vêm se expandindo rapidamente aos


mesmos passos largos da proliferação e penetração da tecnologia digital. Segundo Peter
Grabosky115:

Crimes relacionados aos computadores, como os crimes em geral, podem ser


explicados pela conjugação de três fatores: motivação, oportunidade e ausência
de efetiva vigilância e guarda. As motivações irão variar de acordo com a
natureza do crime em questão, mas podem incluir ganância, desejo, vingança,
desafio ou aventura. (...) Desafios significativos são colocados pela natureza
transnacional da maior parte dos crimes computacionais.

A criminalidade informática traz no seu bojo características semelhantes à da


informatização global, sendo a mais relevante delas a transnacionalidade, uma vez que

113
Segundo o diretor técnico-científico da Polícia Federal, Dr. Geraldo Bertolo. Ibidem.
114
PINHEIRO, Reginaldo César. Os Crimes Virtuais na esfera jurídica brasileira. Boletim IBCCrim. Ano 8, n 101,
abril/2001, p. 18.
115
GRABOSKY, Peter. Cibercrime. Mundo Virtual – Cadernos Adenauer. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung,
Ano IV, n. 06, 2003, p. 47.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 111

praticamente todos os países, hoje, têm acesso ou fazem uso da informática, de maneira que é
possível praticar um ilícito penal a partir de qualquer lugar da denominada sociedade global. 116

Dessa forma, é possível observarmos uma nova faceta da informática: como o


mais novo e preponderante fator criminógeno, pois de um lado abra maior
espaço aos infratores para o cometimento de injustos penais, utilizando-a como
ferramenta eficaz, potencializando ilicitudes como estelionato, racismo, pedofilia
e os crimes contra honra; de outro, permite o cometimento de novas ilicitudes,
exemplificando-se: a utilização abusiva da informação armazenada, violando o
direito à privacidade, à intimidade e à imagem dos indivíduos. Em síntese, temos
injustos penais cometidos pelo uso do computador (computer crime), bem como
contra o computador (hardware, software) ou mesmo contra a própria
informação.117

Quando tratamos desta nova criminalidade de plano já encontramos as primeiras


dificuldades, quais sejam: a nomencaltura e a classificação. Nos dizeres de Ricardo Martín:

A realidade polifórmica da criminalidade informática se reflete e manifesta nas


tentativas de definição e conceituação da mesma, assim como nas classificações
dos fatos que dão lugar ao estudo deste fenômeno. Assim, a aproximação de um
conceito genérico onicompreensivo do fato informático penalmente relevante dá
lugar necessariamente a definições muito amplas. (tradução livre)118

As denominações e classificações acerca dos crimes relacionados às novas tecnologias são


inúmeras: criminalidade mediante computadores, criminalidade do computador, delito
informático, delinqüência informática, delitos cibernéticos, cibercrimes, e etc. No entanto, parece-
nos mais oportuno adotarmos a denominação “crimes informáticos”, devido sua abrangência 119,

116
COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime Informático. Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, vol. 07, n. 28,
2004, p. 32.
117
Ibidem, mesma página.
118
Texto original: La polifórmica realidad de la criminalidad informática, se refleja y manifesta en los intentos de
definicón o conceptuación de la misma, así como en las clasificaciones de los hechos a las que da lugar el estudio de
este fenómeno. Así, la aproximación a un concepto genérico, omnicomprensivo del hecho informático penalmente
relevante da lugar necesariamente a definiciones muy amplias. In: MARTÍN, Ricardo M. Mata y. Delincuencia
informática y derecho penal. Madrid: Edisofer libros juridicos, 2001, p.21.
119
No mesmo sentido ver também: ROSSINI, Augusto Eduardo de Souza. Condutas Ilícitas na Sociedade Digital. In
Caderno Jurídico: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Ano 2,
n. 4, jul/02., pp. 137-138 e BARROS, Marco Antonio; GARBOSSA, Daniela D’Arco; CONTE, Christiany Pegorari. Op.cit, p.
403.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 112

que permite abarcar um campo de estudo maior, levando em consideração toda a delinqüência
relacionada com a informática e as novas tecnologias.

A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Organização das Nações


Unidas, em 1983, definiu como crime informático qualquer conduta ilegal, não ética, ou não
autorizada que envolva processamento automático de dados e/ou a transmissão de dados.120

Paulo Marco Ferreira Lima define os crimes de computador como:


(...) qualquer conduta humana (omissiva ou comissiva) típica, antijurídica e
culpável, em que a máquina computadorizada tenha sido utilizada e, de alguma
forma, facilitado de sobremodo a execução ou a consumação da figura delituosa,
ainda que cause um prejuízo a pessoas sem que necessariamente se beneficie o
autor ou que, pelo contrário, produza um benefício ilícito a seu autor, embora
não prejudique a vítima de forma direta ou indireta.121

Na mesma linha de pensamento, o secretário executivo da Associação de Direito e


Informática do Chile, Cláudio Líbano Manzur, define os crimes informáticos como:

Todas aquelas ações ou omissões típicas, antijurídicas e dolosas. Trata-se de


fatos isolados ou em série, cometidos contra pessoas físicas ou jurídicas,
realizadas com o uso de um sistema de tratamento da informação e destinadas a
produzir prejuízos para a vítima, através de atentados a saúde técnica
informática, a qual, geralmente, produzirá de maneira colateral lesões a diversos
valores jurídicos, ocasionando, muitas vezes, um benefício ilícito ao agente, seja
patrimonial, ou não, atue ele com ou sem ânimo de lucro (tradução livre).122

Em outras palavras, podemos considerar como crimes informáticos os ilícitos perpetrados


por intermédio da internet ou com o auxílio desta, causando algum tipo de dano à vítima.

120
Ver PALAZZI, Pablo Andrés. Delitos Informáticos. Buenos Aires: Ad Hoc, 2000, p. 39.
121
LIMA, Paulo Ferreira. Crimes de Computador e Segurança Computacional. Campinas: Millennium, 2006, p. 31.
122
Texto original: Todas aquellas acciones u omisiones típica, antijurídicas y dolosas, trátase de hechos aislados o de
una série de ellos, cometidos contra personas naturales o jurídicas, realizadas en uso de un sistema de tratamiento de
la información y destinadas a producir un perjuicio en la victima a través de atentados a la sana técnica informática, lo
cual, generalmente, producirá de manera colateral lesiones a distintos valores jurídicos, repontándose, muchas veces,
un benefício ilícito en el agente, sea o no sea carácter patrimonial, actúe con o sin ánimo de lucro. MANZUR, Claúdio
Líbano. Chile: los delictos de Hacking en sus diversas manifestaciones, in Revista Electrónica de Derecho Informático,
n. 21, abril de 2000. Disponível em: http://publicaciones.derecho.org/redi. Acesso em: 20.03.2008.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 113

Portanto, dentro do conceito amplo de criminalidade informática encontram-se abarcadas


as situações nas quais há o uso do computador para a prática do ilícito penal, bem como as
práticas criminosas contra o computador ou em relação às informações contidas na máquina. A
partir destas considerações é possível classificar os crimes informáticos, dentre as inúmeras
classificações possíveis, em “puros”, “mistos” e “comuns”.

Neste sentido, nos explica Reginaldo César Pinheiro123, que o crime virtual puro seria toda
e qualquer conduta ilícita que tenha por objetivo exclusivo o sistema de computador, pelo
atentado físico ou técnico ao equipamento e seus componentes, inclusive dados e sistemas. Em
contrapartida, podem ser considerados crimes virtuais mistos aqueles cujo uso da internet é
condição ‘sine qua non’ para a efetivação da conduta, embora o bem jurídico visado seja diverso
do informático. Por fim, o crime virtual comum seria aquele que se utiliza da internet apenas como
instrumento para a realização do delito já tipificado pela lei penal.

Logo, os crimes virtuais puros são aqueles que atacam o sistema informático software (ou
programa informático), hardware (que corresponde à parte física do computador, tais como: CPU,
monitor, teclado, circuito), dados, sistemas e meios de armazenamento e etc. Já em relação aos
crimes mistos, o computador constitui condição sem a qual não seria possível a prática do crime,
tais como a transferência ilícita de valores em uma ‘homebanking’ ou a prática de ‘salemislacing’
(retirada diária de pequenas quantias em milhares de contas, também conhecido como retirada
de saldo).124 Finalmente, os crimes comuns seriam aqueles que já encontram respaldo na
legislação brasileira, constituindo, a rede mundial de computadores, apenas mais um meio de
execução destes delitos, tal como ocorre nos seguintes crimes, já tipificados pela lei penal:
estelionato (art. 171, CP), a ameaça (art. 147, CP), os crimes contra a honra (arts. 138-140, CP), o
homicídio (art. 121, CP), veiculação de pornografia infantil (artigo 241, do Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA - Lei 8.069/90), crime de violação direito autoral (art. 184, do Código Penal) e
etc.

O grande desafio apontado em relação aos crimes informáticos diz respeito, sobretudo, aos
ditos crimes informáticos puros, que não possuem respaldo na legislação pátria, tais como aquele
em que há violação à informação, considerada como bem juridicamente relevante. Tendo em vista
que o princípio da legalidade é tido como norteador do Direito Penal torna-se impossível punir

123
Op. Cit, p. 19.
124
FURLANETO NETO, Mário; GUIMARÃES, José Augusto Chaves. Direito da Informática: crimes na internet: elementos
para uma reflexão sobre a ética informacional. Revista do Conselho da Justiça Federal, n. 20, março/2003, p.69.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 114

uma conduta que, embora cause danos à vítima e constitua, em essência, um ilícito, não possua
correspondência típica na legislação.

Podemos tomar como exemplo de dificuldade para a tipificação de conduta lesiva a dados
informáticos, realizada através de vírus (programa malicioso), poderíamos enquadrar esta conduta
ao crime de dano (art.163, CP)? Não estaríamos violando o princípio da legalidade que veda a
analogia in malam partem? Dado informático seria sinônimo de coisa125? Tratar-se-ia de
interpretação extensiva126, meramente?

Inúmeras questões surgem quando tratamos de condutas realizadas no ciberespaço. Esta


nova forma que toma a criminalidade moderna suscita dúvidas e insegurança quanto à
aplicabilidade e efetividade das normas existentes.

4.2 Softwares criminosos e autores de ilícitos perpetrados em meio eletrônico

Fato é que os meios eletrônicos e, especialmente, a Internet, têm facilitado a perpetração


de condutas penais comuns, bem como possibilitou o surgimento de novas condutas criminosas,
mais complexas, através da disseminação de ferramentas de alta tecnologia. Esta nova era
tecnológica, que abarca a denominada Sociedade da Informação, propiciou o surgimento de novas
espécies de criminosos, responsáveis por grande parte dos prejuízos ocasionados por intermédio
da Internet, através da disseminação de vírus, desvendando códigos ou outras informações
pessoais, etc. Nos dizeres de Miranda Rosa:

Todos os tipos de criminalidade, ou quase todos, prestam-se para que sejam


cometidos pela via “virtual”, ou seja, pela rede eletrônica montada em todos os
países. Essa rede está se propagando em grande velocidade, até mesmo pela
aparente, ou não, simplicidade de seu uso. 127

125
Se dado informático for considerado como sinônimo de coisa, estaríamos diante de interpretação extensiva, o que
é plenamente aceitável pelo nosso Direito Penal, permitindo a aplicação do art. 163 do Código Penal. No entanto, o
bem jurídico tutelado pelo crime de dano é o patrimônio, dotado, portanto, de valoração econômica, daí surge a
problemática de que nem todos os dados informáticos possuem valor econômico e, portanto, não estariam abarcados
pela legislação penal em vigor.
126
Extensiva é a interpretação quando se afirma que a fórmula legislativa é menos ampla que o pensamento do
legislador, pois as expressões legais empregadas dizem menos do que corresponde à vontade da norma (minus scripsit
quam voluit), impondo-se, portanto, estendê-la à outras hipóteses, ampliando-se o sentido da lei. Ao contrário da
interpretação analógica, segundo a qual não se amplia o conteúdo do texto legal, como na interpretação extensiva,
mas se aplica a mesma disposição legal a casos semelhantes que não foram previstos. Vide: PEDROSO, Fernando
Almeida. Direito Penal – Parte Geral: doutrina e jurisprudência. São Paulo: editora método, 2008, p. 63-65.
127
Op. Cit, mesma páigina.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 115

Dentre as práticas criminosas mais comuns podemos listar: furto de dados, estelionato,
clonagem de cartões, os crimes contra a honra128, apologia ao racismo, homofobia, pedofilia129 130,
vandalismo informático (cyberpunk), terrorismo131, rufianismo, conspirações criminosas, tráfico de
substâncias entorpecentes132, crimes contra a propriedade intelectual (como pirataria133 de

128
Em relação aos crimes contra honra cometidos na internet: a comissão de Ciência, Tecnologia e Informação do
Senado aprovou projeto de autoria do senador Expedito Junior (PR-RO) que altera o Código Penal, aumentando em
um terço a pena para crimes contra a honra praticados pela internet. O projeto deveria seguir para a Comissão de
Constituição e Justiça, mas o parlamentar retirou-o da pauta de votação após ser acusado de atentar contra a
liberdade de expressão e de opinião. O projeto também pretendia a alteração do CPP, determinando que a autoridade
policial, ao ser informada deste tipo de delito, acesse o site indicado na internet pela vítima e imprima os textos
ofensivos que servirão de prova documental para o boletim de ocorrência. In: Liberdade na Internet. Jornal o Estado
de São Paulo, 03.03.08, p. A2 e A pena para crimes contra a honra cometidos na internet deve ser mais dura?Jornal O
Estado de São Paulo, 09.03.08.
129
Segundo o relatório anual da Polícia Federal de 2005, o número de denúncias sobre pedofilia na Web foi 2.772,
bem como foram instaurados 105 inquéritos policiais Relatório Anual do Departamento da Polícia Federal relativo ao
ano de 2005. Dados disponíveis em: http://www.dpf.gov.br. Acesso em: 22/01/07. Levantamento da ONG SaferNet
mostra que o número de denúncias de pedofilia na internet no Brasil aumentou 120% entre 2006 e 2007, passando de
121.358 para 267.470. Somente neste ano, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, mantida pela
entidade, recebeu 39.820 denúncias de pornografia infantil online – cerca de 500 por dia. Esse crescimento se deve,
em parte, à ampliação do acesso à internet e à maior divulgação do serviço na mídia. A grande quantidade de
denúncias, porém, deixa claro que a pedofilia online é um crime que acontece em larga escala. In: GRANDIN, Felipe.
Cresce 120% o número de denúncias de pedofilia online. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Cidades/Metrópole,
22.03.08. Ainda sobre pedofilia a maior operação da policia federal contra esse tipo de conduta no Brasil recebeu o
nome de Carrosel e cumpriu 102 mandados de busca em 14 Estados, 3 pessoas foram presas e se desbaratou uma
comunidade com usuários de 78 países. In: MENDES, Vannildo. PF faz maior operação da história contra pedofilia.
Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Cidades/Metrópole, 21.12.07. Na Espanha foram detidos nos últimos quatro
anos mil pedófilos, mas só 30 estão na prisão. O avanço da pornografia infantil (e com ela a pedofilia) tem todas as
características de uma praga, que é a percepeção que tem tanto a polícia, como as organizações que combatem a
mera reforma do código penal espanhol (considerada insuficiente). Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2008/02/06/ult581u2444.jhtm. Acesso em: 06.02.08.
130
O número de páginas denunciadas por divulgação de pedofilia e exploração sexual de crianças dobrou entre 2006 e
2007 no País, segundo a organização não-governamental (ONG) SaferNet, que cuida da Central Nacional de Denúncias
por Crimes Cibernéticos. Esse estudo vai ajudar nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia,
que começa a funcionar hoje.De acordo com o presidente da SaferNet, Tiago Tavares, no ano passado, foram feitas
267.470 denúncias a respeito de 38.760 páginas com esse tipo de conteúdo, ante 121.635 denúncias feitas em 2006,
sobre 17.148 páginas. Ele acredita que o aumento de 126% nas denúncias está relacionado ao crescimento do número
de usuários de internet, que sobe em média 20% ao ano no Brasil. A pesquisa foi divulgada pela Agência Brasil.
Denúncia de pedofilia na internet dobra em 1 ano no País. Disponível em: http://noticias.br.msn.com/artigo.aspx?cp-
documentid=6592852. Acesso em: 25/3/2008.
131
O ciberterrorismo tem crescido consideravelmente na rede. Segundo reportagem do Jornal O Estado de São Paulo,
com a invasão do Afeganistão em 2001, muitos terroristas perderam suas bases e tiveram que fugir. Foram para um
território amplo, sem lei, pouco vigiado e cheio de ‘armas’ para que continuem a disseminar sua doutrina e recrutar
novos jihadistas: a internet. A diferença entre esse novo território e as montanhas afegãs é que fuzis, granadas e
metralhadoras foram substituídos por e-mails, fóruns, fotos e vídeos digitais. Conforme analista do site The Search for
International Terrorism Entities, Adam raisman, A internet é um dos arsenais mais poderosos que um terrorista pode
obter.In: Internet converte-se em arsenal e campo de batalha dos terroristas. Jornal O Estado de são Paulo, Caderno
Internacional, p. A16, 16.09.07. Aliás, os ciberataques retiraram, inclusive, a Estônia, que ficou sem acesso à internet
por um período de três semanas. In Ciberataques tiram Estônia da Internet. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno
Internacional, p. A16, 18.05.07.
132
Cabe aqui destacar a prática de abusos e crimes perpetrados no ambiente de metaversos como o Second Life
(simulador que tem hoje cerca de 4 milhões de usuários, dos quais 100 mil são brasileiros), onde, assim como na vida
real, há personagens incitando o uso de entorpecentes, andando armados e divulgando material relacionado à
pornografia infantil. In. BRITO, Fábio; SANT’ANNA, Emílio. Sexo, drogas e máfias agitam mundo paralelo a internet.
Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Sociedade, p. A21, 04.03.07.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 116

informação, falsificação e contrafação), crimes de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, inserção de


dados falsos em sistemas de informações, modificação ou alteração não autorizada de sistema de
informações, interceptação de comunicações em sistema de informática, fraudes134 (dos mais
variados tipos, como a fraude em venda e investimentos e transferências fraudulentas de fundos
eletrônicos)135.

A rede mundial de computadores possui uma linguagem própria, pautada no idioma inglês,
daí porque os sujeitos ativos dos crimes informáticos recebem denominações peculiares. Os
principais agentes de crimes perpetrados em ambiente de internet são: hacker, cracker, pheakers,
cardes e cyberterrorists.

Hacker e cracker são agentes distintos. Hacker, em inglês, significa “fuçador”. O


termo aponta aquele que possui alta habilidade técnica para lidar com sistemas
de computação ou comunicações em rede. Na verdade, o hacker procura invadir
máquinas de terceiros para satisfazer seu próprio ego, como se fosse para vencer
o desafio tido como invencível. Sua intenção não costuma ir além de fuçar
determinado sistema. Podemos dizer que a conduta do hacker, se fosse tipificada
com a idéia acima, seria um crime de mera conduta, já que não apresenta
nenhuma lesão efetiva a um bem jurídico. Na maioria das vezes o hacker invade
sistemas informáticos alheios apenas para provar que é capaz de tal proeza.
Seria, hipoteticamente, uma “invasão de domicílio moderna”.Cracker, ou pirata
digital, é a pessoa especialista em sistemas informatizados, que invade sistemas
alheios, sem autorização. Porém, seu objetivo é adulterar programas e dados,
furtar informações, valores e praticar atos de destruição deliberada. O cracker

133
A operação I-Commerce (comércio ilegal) da Polícia Federal prendeu 17 pessoas em flagrante e indiciou outras 57
por crime de violação de direito autoral (pirataria de softwares, Cds e DVDs). O delegado de Repressão a crimes
cibernéticos da PF, Cristiano Sampaio, destacou que a maioria dos praticantes de crimes de venda de produtos piratas
pela internet é jovem, tem entre 18 e 30 anos e conhece bem a rede. Segundo o delegado, esse jovem, em geral é de
classe média. Cerca de 42% dos brasileiros consomem este tipo de produto, diz o delegado Welder Almeida, da
unidade de repressão a crimes cibernéticos da PF em São Paulo. Disponível em: hrrp://://link.estadao.com.br. Acesso
em: 19.09.06. Para tentar coibir a pirataria, o prefeito Gilberto Kassab, regulamentou a lei de autoria do vereador
Gilson Barreto (PSDB), por meio do decreto n. 47.801, que autoriza a cassação do auto de licença de funcionamento
de lojistas e do termo de permissão de uso dos ambulantes que venderem mercadorias irregulares – falsificadas,
contrabandeadas, pirateadas ou produto de furtos. IN: Golpe contra a pirataria. Jornal O Estado de São Paulo,
30.10.06.
134
Segundo o Perito da Polícia Federal, Dr. Paulo Quintiliano, o crime de internet mais comum hoje no Brasil não é
mais a exploração de crianças, mas os golpes finaceiros. Os ladrões estão migrando sua atividade para o espaço
virtual, pois o risco é menor. Eles não vão trocar tiros com a Polícia. In: Brasil organiza conferência sobre crimes
virtuais. Jornal O Estado de são Paulo, Caderno Link, p. L10, 20.08.07.
135
Aliás, o número de fraudes eletrônicas registradas no Brasil em 2005 alcançou a ordem de R$ 300 milhões, segundo
estimativa apresentada por Jair Scalco, diretor setorial de produtos eletrônicos da Federação Brasileira de Bancos –
FEBRABAN. MANZONI JUNIOR, Ralphe. Febraban: fraudes eletrônicas somam R$ 300 mi. Disponível em:
http://www.idgnow.uol.com.br. Acesso em 16/04/07. reportagem de 17/01/06.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 117

destaca-se por ser autor de grandes fraudes eletrônicas, que causam expressivos
prejuízos a usuários privados e às instituições públicas.136

O hacker atua através do “entrusismo”, é um autodidata da informática, cujo objetivo se


limita a vulnerar programas informáticos. Por outro lado, o cracker, igualmente detentor de uma
curiosidade informática aguçada, não tem como objetivo apenas invadir programar ou ter acesso
às informações, mas sim, adulterá-los.

Estas denominações nem sempre vêm veiculadas de maneira correta pela mídia ou por
pessoas que desconhecem a tecnicidade da linguagem adotada quando tratamos destes
criminosos digitais. De qualquer maneira, estes criminosos da internet deixaram, há muito tempo,
de ser apenas estudantes de computação querendo se destacar, mas tornaram-se agentes
criminosos profissionais, organizados em máfias, que praticam golpes imensuráveis, com o auxílio
das ferramentas tecnológicas cada vez mais evoluídas.

Um dos grandes aliados na aplicação de golpes virtuais são hoje os computadores alheios
ou “máquinas zumbis” ou botnets137. Tanto os invasores estrangeiros estão recrutando no Brasil
máquinas para atacar instituições financeiras em seu país de origem, como os invasores brasileiros
vêm recrutando máquinas zumbis no exterior para atacar empresas e bancos aqui. 138

136
BARROS, Marco Antonio; GARBOSSA, Daniela D’Arco; CONTE, Christiany Pegorari. Op. Cit, p. 409.
137
O nome se refere a computadores caseiros controlados remotamente por um invasor para cometer crimes, sem
que seu dono desconfie. Redes com mais de 100 000 computadores zumbis sob o comando de um único criminoso já
foram detectadas nos Estados Unidos e na Europa. É um exército que trabalha de forma sincronizada e pode enviar
spams, invadir sites num ataque coletivo ou até hospedar material ilícito ou pornográfico. O computador escravizado
também pode entregar os dados pessoais de seu dono, como contas bancárias, senhas ou número de cartão de
crédito digitados no teclado. O golpe não é novo mas cresce de forma perturbadora no Brasil, Uma pesquisa da
empresa de segurança digital Symantec, divulgada em outubro, mostra que o país tem praticamente a metade dos
computadores zumbis da América Latina, algo em torno de 140 000 máquinas aliciadas. São 3% do total mundial,
número inferior ao da China (20%), dos EUA (19%), mas que nos coloca à frente de países como Itália, Índia e Israel.
Na prática, em vez de um único computador para aplicar o golpe, o criminoso passa a contar com milhares de
ciberlaranjas para executar o trabalho sujo. Isso fez com que usuários domésticos se tornassem um dos pontos mais
vulneráveis da segurança na internet hoje. O crescimento das redes zumbis no Brasil está ligado ao número de
computadores conectados à internet banda larga – cerca de 4.7 milhões – que são mais úteis aos criminosos pela
rapidez na navegação e pelo tempo que ficam conectados. In: BORTOLOTI, Marcelo. Sua Máquina a serviço do crime.
Artigo sobre tecnologia da Revista Veja, n.,44, ano 39, editora Abril 08.11.06, p. 134-135.
138
Contra as redes zumbis foi criada em 2005 uma Força Internacional – a International Botnet Task Force, cuja idéia é
trazer soluções para esse tipo de ataque e encurtar o tempo de ação da polícia. Para desmantelar uma botnet é
preciso fazer o caminho inverso. Só que essas redes contêm centenas de intermediários, de diferentes lugares do
mundo. E para rastrear tudo isso, é necessário uma ordem judicial que pode demorar cerca de dois anos, explica Paulo
Quintiliano, na IV Conferência Internacional de Perícias em Crimes Cibernéticos (ICCyber), em palestra ocorrida em
26.09.2007, evento realizado no Guarujá – SP

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 118

Sobre o assunto, a coordenadora do Movimento Internet segura139 afirma que: o crime


virtual é difícil de ser combatido porque não se encontra limites nas fronteiras dos países 140.

É muito difícil mensurar o real prejuízo causado pelos crimes virtuais no Brasil e no mundo,
os números são, geralmente, subestimados, sobretudo quando estamos diante de empresas e
instituições financeiras que temem a perda de clientes e investidores, fator este que auxilia e
incentiva esses criminosos da internet no cometimento dos mais diversos ilícitos através de suas
invasões141.

Além dos hackers e crackers, temos os denominados pheackers, especializados no ramo de


telefonia e que atacam os sistemas de telecomunicação (móvel ou fixa): são aqueles indivíduos
especialistas nos famosos “gatos de telefonia”, que realizam ligações clandestinas de telefone, ou
mesmo praticam a clonagem de linhas telefônicas, fixas ou móveis.142

Por fim, temos os Cardes143 e os Cyberterrorists:

Cardes é a denominação que se dá aos criminosos que se apropriam do número


de cartões de crédito, obtidos através de invasão de listas eletrônicas constantes

139
Entidade formada por empresas que atuam na área informática e desenvolvem ações para reduzir os riscos na
rede.
140
Op. Cit, p. 134.
141
Sobre o assunto os jornais noticiaram há pouco tempo acerca da perda de mais de 4.9 milhões de euros por parte
do segundo maior banco da França, o Société Générale (SocGen), provocada por uma fraude, a maior da história
financeira mundial, pela atuação de um de seus operadores, que utilizou do conhecimento de tecnologia da
informação, para fazer pesadas apostas nos índices de futuros. O funcionário foi denunciado, sob a acusação de
falsificação de resgistros bancários, uso fraudulento de registros e fraude informática. In: Operador provoca rombo
recorde de 4.9 bilhões de euros no 2º maior banco francês. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Economia, p. B12,
25. 01. 08. Nem mesmo o partido do governo federal escapou da atuação destes jovens: nas eleições de 2006 o PT
teve o site do partido invadido, bem como postaram na página petista uma mensagem agressiva contra o Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. In: OLIVEIRA, Clarissa. Hackers atacam página do PT. Jornal o Estado de São Paulo. Caderno
nacional, p. A7, 24.08.06.
142
BARROS, Marco Antonio; GARBOSSA, Daniela D’Arco; CONTE, Christiany Pegorari. Op. Cit, mesma página.
143
No Brasil, a Polícia Federal conseguiu prender, no final do ano passado, uma organização criminosa envolvendo
jovens de classe média, foram cerca de 30 pessoas, todas com idades entre 20 e 25 anos, em Minas, Bahia e Santa
Catarina, suspeitos de participação em uma quadrilha especializada em crimes cibernéticos, que lesava correntistas e
bancos de todo o país. Em oito meses o grupo causou um prejuízo de cerca de R$ 14 milhões. O grupo enviava e-mails
em nome de empresas, além de mensagens simuladas como notícias relevantes para as vítimas. Depois de abertos os
e-mails instalavam um vírus no computador do usuário, sem que ele tivesse conhecimento. Quando a vítima acessava
os dados bancários, os criminosos também alcançavam as contas correntes e realizavam transferências, saques e
pagamentos indevidos. O dinheiro desviado era depositado na conta de laranjas e dividido entre os integrantes da
quadrilha. A quadrilha mantinha contato com outros criminosos cibernéticos de vários lugares do país para trocar
ferramentas.IN: PF prende 30 hackers de classe média. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Metrópole, p. C3,
10.11.07. A operação replicante, da Polícia Federal de Goiás, prendeu em 2006 uma outra quadrilha que roubava
senhas e invadia dados pessoais e bancários pela internet, desviando cerca de R$ 32 milhões. Foram presas 58
pessoas em Goiás, Tocantins, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Distrito Federal, todos com a média de 20 anos de
idade.In: PF prende 58 hackers em 4 Estados. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Metrópole/Cidades, p. C4,
03.09.06.

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Christiany Pegorari Conte 119

nos sites de compras efetivadas pela Internet, ou de outros meios ilícitos para
realizar toda a espécie de compras. Eles conhecem o número dos cartões de
crédito dos usuários da rede, normalmente a partir da instalação de programas
espiões, capazes de permitir o acesso a todo tipo de informação digitada no
teclado do computador do usuário.144

Já a denominação Cyberterrorists indica a atividade ilícita daquele que desenvolve bombas


lógicas ou vírus com o intuito de sabotar computadores e provocar a queda do sistema de grandes
provedores, impossibilitando o acesso de usuários, gerando grandes prejuízos econômicos. 145 146

Além de agentes com as mais diversas técnicas e denominações, os programas de


computador utilizados por estes criminosos também receberam uma classificação e uma
nomenclatura diferenciada. Tratam-se dos softwares criminosos, dentre os quais se destacam: os
spammers; os hoaxes; os cookies e os spywares, bem como os vírus de maneira geral.

Os Spammers consistem no envio de mensagens eletrônicas, especialmente publicitárias,


não solicitadas, os spams (que são mensagens de conteúdo uniforme, enviadas de forma
massificada e sem a solicitação do destinatário). Tratam-se daquelas mensagens que superlotam
as caixas de e-mails do usuário e que, geralmente, envolvem práticas desleais e comércio
incontrolado de informação147. Ademais de configurarem contumaz invasão de privacidade do
usuário da Internet e de servirem de instrumento para outras práticas, como a espionagem dos
dados do destinatário (usuário da Internet).

Os Spammers costumam se aproveitar de assuntos do momento para aguçar a curiosidade


ou chamar a atenção do internauta e enganá-lo. Também se deve tomar cuidado com o
recebimento de muitos spams, pois isso pode ser um sinal de que um spyware (programa espião
que monitora as atividades dos usuários, com o objetivo de depois vender estas informações à
alguma empresa ou para roubar dados e senhas) esteja instalado na máquina, monitorando os

144
Ibidem, mesma página.
145
Idem, idem.
146
Em Abril de 2000 – foi preso em operação conjunta do FBI e da polícia do Canadá, um Canadense que se
movimentava pela internet usando o apelido de Mafiaboy por sua participação em ataques informáticos, consistentes
no bombardeio com correio eletrônico (mailbombing) que bloquearam alguns dos servidores mais potentes da rede,
dentre eles o portal da CNN, o site de busca do Yahoo e empresas dedicadas ao comércio pela rede, como e-Bay e
Amazon, chegando a ocasionar um colapso no tráfico de dados em todo o mundo, cujas perdas foram valoradas em
1,7 milhões de dólares. In: CORDERO, Isidoro Blanco; PAZ, Isabel Sanchez García. Problemas de derecho penal
internacional em La persecución de delitos cometidos a través de Internet. Revista Semanal Técnico-jurídica de
derecho penal., n. 07, 11 al 17 de febrero de 2002 Madrid: La Ley, p. 167.
147
Idem, idem.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 120

seus hábitos para aumentar as chances de que você se interesse pelos spams enviados.148
Também podemos estar diante de um hoaxes (boatos)149, isto é, do envio de e-mails de conteúdo
alarmante ou falso, normalmente constando como remetentes empresas importantes ou órgãos
governamentais, na maioria das vezes acompanhadas de vírus. Além disso, temos os chamados
phishings150, também relacionados aos e-mails de conteúdo falso, cujo objetivo é o de furtar
dados. No Brasil esta prática tem sido cada vez mais comum. Dentre os phishings mais comuns no
país estão as mensagens que prometem fotos e vídeos de acidentes trágicos (tais como os
acidentes aéreos ocorridos nos últimos tempos), instigando a curiosidade mórbida de muitos
internautas; as que prometem fotos ou vídeos sensuais de participantes do reality show Big
Brother Brasil ou, ainda, as que solicitam, em nome da Polícia Civil, a ajuda da população para
identificar participantes da facção PCC151.

Dentre os spammers mais comuns estão os e-mails com propaganda, muitas vezes
enganosas, as correntes que pedem que a mensagem seja encaminhada para ter realizado o seu
pedido ou para ajudar alguém, as brincadeiras que induzem o usuário a abrir o e-mail, como as
que indiquem como assunto “as fotos da nossa viagem” ou, ainda, você recebeu um cartão de
“fulano”, as de conteúdo impróprio (que trazem mensagem de violência ou pornografia, os spim
(que é o spam por meio de programas de mensagens instantâneas como MSN e ICQ) e, por fim, os
spams via redes de relacionamento, através de sites como o ORKUT.

Os cookies, que são softwares que registram as informações digitadas pelo usuário, bem
como todos os cliques que ele faz num determinado site, geralmente são utilizados por sites de
comércio, mas também podem sê-lo com o objetivo de furtar informações do internauta.

148
TOLEDO, Cinthia. Proteja-se do ataque de spams. Jornal o Estado de São Paulo. Caderno Link, p. L14, 06.08.07.
149
A Receita Federal recentemente alertou sobre e-mails falsos enviados através de uma página que imita a página
oficial da RF. De acordo com a Receita, essa é uma forma de quadrilhas especializadas em crimes pela Internet
tentarem obter ilegalmente informações fiscais, cadastrais e financeiras dos contribuintes. In: DOLIS, Rosangela.
Receita alerta que e-mail sobre IR é falso e perigoso. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Economia, p. B8,
07.07.07. Há pouco tempo a Comissão de Direito na Sociedade da Informação da OAB/SP, advertiu sobre falsas
mensagens eletrônicas que estavam circulando na Internet em nome do Ministério Público Federal, autoridades e
Tribunais. Uma destas mensagens sugere que a mensagem estaria sendo enviada por um Advogado. Disponível em:
http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/sociedade_informacao/informacoes/email_espiao.pdf. Acesso em:
21.03.08.
150
Phishing é a soma das palavras inglesas: password (senha) e Fishing (pescar). Trata-se de um tipo de fraude, cujo
escopo é a obtenção de dados alheios. São difundidos através dos spams ou de janelas publicitárias que surgem ao
abrir determinados sites.
151
Segundo uma pesquisa da Anti-phishing Working Group (APWG), organismo mundial de combate a este tipo de
fraude, só no ano passado (2007) houve quase 350 mil casos diferentes de phishing em todo o mundo. Desse total,
cerca de 4 mil tiveram origem no Brasil. In: GALO, Bruno. Phishing: todo cuidado ainda é pouco. Jornal O Estado de
São Paulo. Caderno Link, p. L8, 31.03.08.

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Christiany Pegorari Conte 121

Além destes programas criminosos, temos os vírus em geral, que são programas estranhos
ao sistema do computador capazes de copiar e instalar cópias de si próprio, resultando na
realização de tarefas não solicitadas e destruindo arquivos e seus correspondentes dados, bem
como são capazes de inutilizar totalmente a máquina. Os vírus podem ser espalhados de diversas
maneiras, a partir da instalação de programas, em geral gratuitos, com a utilização de disquetes,
pen drives ou CDs infectados, com a abertura de arquivos, e etc. Ademais, podem receber
denominações específicas como cavalos de tróia ou backdoors.

Por fim, vale tecer algumas considerações sobre os ataques de negação de serviço (DoS --
Denial of Service) , nos quais o atacante utiliza um computador para tirar de operação um serviço
ou computador conectado à Internet. 152

4.3 Breves considerações sobre a dificuldade de determinação do tempo, do local, das provas e da
autoria dos crimes informáticos.

Os óbices encontrados, quando tratamos de crimes informáticos, vão além das


denominações e classificações acerca dos mesmos. As dificuldades são de diversas ordens, dentre
as quais destacamos a questão da determinação do tempo e, conforme estamos tentando
demonstrar neste trabalho, sobretudo, do espaço, bem como em relação à produção de provas e
identificação da autoria (em outras palavras: da materialidade delitiva e dos indícios de autoria
imprescindíveis à futura ação penal).

No tocante à identificação do momento do crime, que nos permite verificar qual a norma
penal que incidirá sobre o caso, bem como possibilita esclarecer circunstâncias do crime e
conflitos entre normas, aferir imputabilidade, determinar a aplicação de institutos como a anistia
e a prescrição153, e etc, existem três teorias: 1. teoria da atividade: segundo a qual considera-se
praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado (trata-se
da teoria adotada pelo art. 4º do Código Penal pátrio); 2. teoria do resulta: que preceitua ser
momento do crime aquele em que se deu o resultado; 3. teoria da ubiqüidade: que considera
praticado o crime tanto no momento da ação ou omissão, quanto o do resultado.
152
Exemplos deste tipo de ataque são: gerar uma grande sobrecarga no processamento de dados de um computador,
de modo que o usuário não consiga utilizá-lo; gerar um grande tráfego de dados para uma rede, ocupando toda a
banda disponível, de modo que qualquer computador desta rede fique indisponível; tirar serviços importantes de um
provedor do ar, impossibilitando o acesso dos usuários a suas caixas de correio no servidor de e-mail ou ao servidor
Web.
153
VIANNA, Túlio Lima. Fundamentos do direito penal informático – do acesso não autorizado a sistemas
computacionais, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 61.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 122

Quando tratamos do ambiente de internet, no entanto, nos deparamos não apenas com
um espaço próprio, mas também de um tempo peculiar. E é exatamente a vinculação espaço-
temporal deste ambiente virtual que origina os principais conflitos jurídicos.154

Conforme nos ensina Túlio Lima Vianna:

Há que se observar aqui que, nos delitos informáticos em geral, muita vez, o
período de tempo entre a ação e o resultado é relativamente grande. Isto
porque, ao digitarmos determinado comando em um computador ligado em
rede, para que ele execute uma operação em outra máquina, provavelmente tal
instrução viajará por muitos cabos até chegar ao seu destino.155

Imaginemos uma situação em que o agente transfere para o computador da vítima através
de um download156 de um arquivo. Esta transferência pode demorar horas. Ademais, não
podemos nos olvidar das seguintes possibilidades: 1. de crime informático permanente, quando o
agente obtém senhas ou dados do computador que lhe permitem acessos futuros à máquina do
usuário, hipótese na qual ação e resultado prolongar-se-iam no tempo; 2. a questão da
dissociação temporal, que, conforme nos explicam Marco Antonio de Barros, Daniela D’Arco
Garbossa e Christiany Pegorari Conte:

Sucede que os meios informáticos proporcionam uma dissociação


temporal, visto que possibilitam programar a execução de um delito
informático no tempo. Isto é, os computadores possuem um relógio
interno, que torna possível a sua programação para ativar um programa
qualquer ou executar determinada instrução em data predeterminada. Tal
pode ocorrer mesmo quando são utilizadas “máquinas inocentes”, isto é,
que foram invadidas e tiveram dados manipulados pelos invasores da
Internet. Contudo, quando se tratar de um crime praticado em ambiente
virtual, pode-se deparar com a problemática definição do momento em
que ocorreu a conduta, sobretudo se a ação tiver sido programada com

154
Nesse sentido ver MOLES, Rámon J.. Territorio, tiempo y estructura del ciberespacio. In: Derecho y control de
Internet, Madrid: Ariel Derecho, 2000, p. 23.
155
Op.cit, p.62.
156
Download é a transferência de um arquivo. Fazer um download significa copiar um determinado programa para o
seu computador, sempre utilizando a Internet como fonte.

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Christiany Pegorari Conte 123

meses de antecedência. Sem dúvida isto pode dificultar a posterior


investigação do delito e até mesmo prejudicar a correta aplicação da lei
penal.157

Do mesmo modo, outro ponto que se demonstra intrincado é acerca da territorialidade do


espaço virtual158, vale dizer, o ciberespaço não dispõe de fronteiras territoriais na concepção que
temos de território físico, logo, a localização das informações passa a ter relevância para a
indicação do território, conforme já verificado em outras passagens desta pesquisa. Além disso, a
internet possui uma capacidade infinita de alcançar qualquer ponto do mundo, com maior
rapidez, bem como mobilizar pessoas graças à sua eficácia na transmissão de informações159.

No tocante à produção e resguardo das provas necessárias para a punição destes crimes
informáticos deparamo-nos com mais um obstáculo: o ônus da prova técnica é um fardo pesado
para as autoridades judiciárias brasileiras, quando tratamos dos crimes praticados no
ciberespaço160.

A internet favorece o anonimato, daí porque o grande obstáculo é a dificuldade de


identificação e localização dos criminosos que atuam na rede. Muitos dos delitos perpetrados em
ambiente virtual deixam de ser punidos pela impossibilidade técnica de rastrear as pessoas que os
cometem ou, ainda, de comprovar a própria conduta criminosa. Ademais, contamos com o
princípio do in dúbio pro reo, que leva à absolvição em caso de dúvida quanto à imputação.

Vale lembrar, ainda, que as dificuldades de identificação são ainda maiores quando a
conduta criminosa é realizada por rede wirelless aberta, em airport points ou através de
provedores estrangeiros de serviços de internet (cyberparaísos).

Dúvidas não pairam de que, cada vez mais, a utilização de alta tecnologia vem ocupando
espaço nas investigações policiais e na produção de provas de casos que envolvem este novo tipo
de criminalidade, (embora ainda em descompasso com o avanço da criminalidade), tanto que hoje

157
Op. Cit, p. 411.
158
Sobre assunto discorreremos em diversas passagens da presente pesquisa, pois trata-se de ponto primordial a ser
considerado quando tratamos da questão de fixação de competência.
159
Nesse sentido: MOLES, Ramón, J.. op. Cit, , p. 26.
160
REINALDO FILHO, Demócrito. Crimes Cometidos na Internet: questões técnicas dificultam condenações. Revista
Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Ano V, n. 26, Junho/Julho, 2004, p. 159.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 124

já existe a figura dos ciberdetetives ou peritos especializados nas novas tecnologias e que auxiliam
nas investigações e produção de provas necessárias ao processo de um cibercrime.161

Além de técnicos especializados este tipo delinqüência exige novas ferramentas de


investigação:

(...) já foram desenvolvidas algumas técnicas forenses digitais, a exemplo da Tech


Biz Forense Digital, que trouxe a denominada ferramenta Encase. Esta última
recupera dados dos discos duplicados e permite que o perito tenha alta
produtividade na busca de indícios ou provas contidas na mídia suspeita.
Atualmente, a EnCase já está sendo usada por polícias federais, civis e
Ministérios Públicos brasileiros, como também por instituições financeiras e
empresas de telecom. 162

Estes novos aparatos se tornaram uma necessidade no que tange à obtenção dos
elementos que possibilitam a propositura de uma ação penal, até porque a evidência eletrônica
apresenta características próprias e complexas, exigindo conhecimento especializado na sua coleta
e utilização163.

Insta destacar que constatamos uma nova problemática, no tocante à identificação do


agente criminoso, qual seja: quando este se utiliza de sites, cujos provedores encontram-se em
outros países. Referidos provedores suscitam, como justificativa para o não fornecimento de
dados ou do IP (número que identifica a conexão) sobre os seus usuários, o fato de que o provedor
(matriz) encontra-se no estrangeiro. 164

161
Tanto a Polícia Civil, como a Polícia Federal contam com peritos especializados em informática e equipamentos
eletrônicos. Eles interceptam e-mails e identificam crimes na internet, além de recuperarem dados apagados nos
computadores suspeitos. Na Alemanha, ciberdetetives valeram-se da mesma tecnologia utilizada por um pedófilo
para identificá-lo e prendê-lo. PEREIRA, Rodrigo. Contra o crime hi-tech, ciberdetetives. Jornal O Estado de São Paulo.
Caderno Cidades/Metrópole, p. C!, 21.10.07. No mesmo sentido, após dois anos de investigação virtual, a Polícia
Federal e o Ministério Público Federal levaram à prisão um microempresário que abusou sexualmente de sua filha de
9 anos e transmitiu as imagens via internet. O trabalho dos ciberdetetives consistiu em obter com a Microsoft a
quebra de cadastro do microempresário e rastrear o IP (numeração que indica o computador de onde saíram os
dados, no caso, as imagens proibidas). Graças a essa investigação via internet que a PF e o MPF conseguiram obter
provas materiais do crime. In: PEREIRA, Roberto.Denúncia online leva a pai que abusou da filha – computação vira
área de especialização forense. Jornal o Estado de São Paulo. Caderno Metrópole/Cidade, p. C1, 21.10.07.
162
BARROS, Marco Antonio; GARBOSSA, Daniela D’Arco; CONTE, Christiany Pegorari. Op. Cit, p. 413.
163
BLUM, Renato Opice. Questões Atuais de Direito Eletrônico. Carta Forense, Ano V, nº 45, Fev./2007, p. 12.
164
Aliás foi a alegação feita pela Google Brasil Internet Ltda. que, inicialmente, se negou à cooperar nas investigações
de usuários que praticavam crimes através de um site de relacionamentos (Orkut – que possui cerca de 20 milhões de
usuários) ,sob sua administração, dentre os quais: pornografia infantil, racismo, crimes contra os direitos humanos,
entre outros, afirmando que o site estava baseado nos EUA e o Google Brasil não teria condições de repassar os
dados.. Posteriormente, a empresa mudou de posicionamento e passou a cooperar com as investigações de denúncias

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 125

Vale lembrar aqui da responsabilidade dos provedores de acesso à Internet, que devem
manter o registro de todos os dados que possam servir de identificação de seus usuários. Aliás, as
dificuldades de identificação de internautas não param por aí. Quando o crime é praticado a partir
de um local público como cibercafé ou LAN house, nos deparamos com mais um óbice. Isso porque
as lan houses se tornaram o principal local de acesso à internet no Brasil165. Estes “locutórios”
públicos nem sempre mantêm os dados de seus usuários, neste sentido, não faltam leis que
obrigam estas casas a exigir a identificação de seus clientes, contudo, na prática elas dificilmente
são cumpridas.166

4.4 Ausência de previsão legal de condutas ilícitas e as iniciativas legislativas do Congresso


Nacional sobre os crimes informáticos

O crescimento da criminalidade informática, e seu rápido desenvolvimento ao longo dos


últimos anos, tornou-se uma preocupação mundial, tanto que boa parte dos países do globo têm
tomado providências com intuito de diminuir os impactos deste tipo de delinqüência em seus
territórios, seja através da subscrição à documentos internacionais de cooperação, seja por
intermédio da promulgação de leis específicas para as novas condutas criminosas que surgiram ou,
ainda, adaptando a legislação vigente se utilizando da hermenêutica jurídica.

No Brasil, conforme verificamos em tópicos anteriores, algumas condutas encontram


respaldo na legislação vigente, notadamente, aquelas nas quais a Internet tornou-se mais um
modo executório do delito. Por outro lado, os meios tecnológicos também propiciaram o advento

sobre crimes cometidos em comunidades do Orkut. Sobre o assunto ver: SERRANO, Felipe. Orkut agora diz que
combaterá crimes. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Link, p. L16, 30.10.06; FRANÇA, Valéria. Google Brasil vai
ajudar na apuração de crimes virtuais. Disponível em: http://link.estadao.com.br. Acesso em: 06.08.07; Orkut
identificará autor de homicídio e ameaças. Jornal Folha de São Paulo. Caderno Cotidiano, p. C7, 12.06.07.
165
Uma pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos sobre a Tecnologia da Informação e Comunicação (Cetic.br)
mostrou que 49% dos internautas acessam a rede mundial em centros públicos pagos. 40% acessam em casa; 24% no
trabalho e 24% na casa de outra pessoa. As lan hauses são o principal ponde de acesso dos internautas de baixa
renda, mas mesmo os jovens que possuem computador com banda larga em casa usam eventualmente estes centros
pagos. In: Lan house é o principal local de acesso à internet no país. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno
Tecnologia, p. B23, 15.03.08.
166
O Ministério Público Federal aponta que 70% dos crimes cibernéticos são realizados nestes locais.Para tentar
diminuir isso foram editadas leis que obrigam o procedimento de identificação do usuário: a primeira lei foi
promulgada em 27.11.03, pela então prefeita de SP, Marta Suplicy (PT). Segundo a qual as lan hauses precisam ter
dados básicos dos menores de 18 anos, como nome completo, número do RG, data de nascimento, endereço e
telefone. Em 11.01.2006 o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) promulgou lei estadual ainda mais severa,
segundo a qual estas casas devem manter os dados de seus clientes, independentemente da idade, ademais, os
menores de 12 anos não podem usar computadores sem a presença dos pais ou responsável. Na prática, porém, nada
disso acontece nas lan houses de diferentes bairros da cidade, é o que demonstra a reportagem de MORESCHI, Bruno.
Lan houses descumprem a lei em SP. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Metrópole, p. C, 09.07.07.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 126

de novas práticas delitivas que necessitam de previsão legal para que adquiram tipicidade,
sobretudo, quando estamos diante dos crimes informáticos ditos puros. Nesse toar, nos explicam
Marco Antonio de Barros, Daniela D’Arco Garbossa e Christiany Pegorari Conte:

Há condutas voltadas contra um determinado computador, que visam a tomar


conhecimento de todos os dados e informações nele constantes, sejam eles de
qualquer natureza. Neste caso, o ato será punível pela prática do crime de furto,
isto se tais informações puderem ser apreciadas economicamente, ou seja,
possuírem um valor de mercado. Dito de outra forma, se os arquivos que o
agente subtrair não possuírem valor econômico, a conduta restará
presentemente impune. É o que ocorre quando o cracker invade o computador
de um usuário e subtrai-lhe diversos arquivos, como trabalhos de faculdade,
fotografias, enfim, arquivos pessoais, aparentemente sem qualquer conteúdo
econômico. Por falta de legislação específica, o invasor, mesmo que identificado,
não será punido penalmente.167

Conforme já comentamos em outras oportunidades para que uma conduta seja punível, na
seara do Direito Penal, é necessário que a mesma esteja prevista em lei, consoante o Princípio da
Legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, da CF e art. 1º do Código Penal168).

Além do caso supra referido, ainda pode ser citado, como exemplo, a transferência ilícita
de valores pela Internet, sobre a qual ainda há discussão acerca do enquadramento legal no crime
do art. 155, parágrafo 4º, 3º parte, do CP (furto mediante o emprego de fraude169) ou no art. 171
do CP (estelionato), já que a fraude é dirigida à máquina e não à pessoa.

Em suma, as dificuldades no enquadramento das condutas perpetradas em ambiente


virtual persistem. Diante desta problemática, o nosso legislativo se manifestou por intermédio da
apresentação de um projeto de lei substitutivo ao PL 76/200, de iniciativa do Senador Eduardo
Azeredo, que reúne outros dois projetos170, que tramitam conjuntamente no Senado171.

167
Op. Cit, p. 413-414.
168
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
169
Tem predominado na jurisprudência o enquadramento no crime de furto mediante emprego de fraude, conforme a
decisão do STJ, HC, 61.512-RJ, 5º turma, rel. Min. Gilson Dipp. DJ 05.02.2007, p. 284.
170
PL da Câmara de n. 89/2003 (n. 84/1999 na origem), PL do Senado de n. 76 e 137, ambos de 2000.
171
Conforme requerimento n. 847/2005.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 127

Referido substitutivo pretende promover alterações ao Código Penal, Código Penal Militar,
Código de Processo Penal, Código de Defesa do Consumidor (lei n. 8.078/90), da lei n. 9.296/96 (lei
de interceptações telefônicas) e, por fim, a lei que trata da possibilidade de intervenção da Polícia
Federal em investigações de crimes de repercussão interestadual ou internacional (lei n.
40.446/02), tipificando ou criando causas de aumento de pena relacionadas às condutas ilícitas
que empregam as novas tecnologias, bem como procurando seguir as diretrizes da Convenção do
Conselho da Europa sobre Cibercrime, conforme a própria justificativa do projeto demonstra.

O Substitutivo recebeu diversas críticas172, principalmente, porque prevê a identificação


prévia dos usuários da internet antes de iniciarem qualquer operação que envolva interatividade,
como envio de e-mails, conversas em salas de bate-papo, criação de blogs, captura de dados
(como baixar músicas, filmes, imagens), dentre outras disposições.

Ademais, afirmam algumas autoridades no assunto que, mesmo sendo o projeto aprovado,
teremos outras dificuldades para colocá-lo em prática, uma delas é a questão da existência de
delegacias especializadas, isso porque somente 6 dos 26 Estados da Federação possuem
delegacias especializadas em crimes deste tipo. O delegado Ubiraci da Silva, da Delegacia de
Crimes Eletrônicos de São Paulo, neste sentido, é outro crítico do projeto: a solução não é
aumentar a duração das penas, mas melhorar a cooperação entre polícia e provedores. 173

Neste sentido, vale lembrar que temos hoje, por exemplo, em funcionamento as seguintes
delegacias e órgãos especializados: DIG-DEIC (4º delegacia de repressão a crimes de informática
de São Paulo); DERCIFE (delegacia especializada na repressão de crimes contra informática e
fraudes eletrônicas de Belo Horizonte – MG); DRCI (delegacia de repressão aos crimes de
informática no Rio de Janeiro- RJ); Delegacia Especial de repressão a crimes tecnológicos, em
Brasília – DF, que integra a Divisão de Repressão aos crimes de alta tecnologia (DICAT); NUCIBER
(núcleo de combate aos cibercrimes em Curitiba – PR); NURECCEL (núcleo de repressão contra
crimes eletrônicos em Vitória –ES); DRC (divisão de repressão aos cibercrimes da delegacia
estadual de investigações criminais – DEIC de Goiás). No âmbito da Polícia Federal temos o setor
de serviço de perícia em informática do Instituto Nacional de Criminalística (INC).
172
É uma tentativa extrema de resolver a criminalidade cibernética, que não surtirá efeito. O criminoso vai se conectar
por meio de provedores no exterior, que não se submetem à legislação brasileira, ou usará laranjas [terceiros] e
identidade falsa no Brasil, afirma o presidente da ONG Safernet (Central Nacional de Denúncias de Crimes
Cibernéticos), Thiago Tavares. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u20908.shtml.
Acesso em: 11.06.06.
173
MORESCHI, Bruno. Só 6 Estados têm delegacias especializadas para crimes cibernéticos. Jornal O Estado de São
Paulo. Caderno Cidade/Metrópole, p. C5, 30.05.2007.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 128

Além da escassa quantidade de delegacias ou divisões que tratem especificamente destes


delitos, os dados destas delegacias e do Ministério Público não são centralizados, fator este que
dificulta, inclusive, mensurar, ao certo, quantos crimes, por intermédio da internet, são praticados
no Brasil, embora as estimativas sejam de crescimento deste tipo de criminalidade, conforme
demonstra a Ong – Safernet, que em 2005 repassou 172 notícias-crime ao Ministério Público
Federal e que, no ano de 2006, repassou 300, sendo que 95% delas estavam relacionadas ao
Orkut.174

Para Demi Getschenko, especialista que presenciou a primeira conexão de internet no País:
leis para punir crimes tecnológicos tornam-se rapidamente obsoletas. Já a Procuradora do
Ministério Público Federal de São Paulo, Dra. Thamea Valiengo, defende o projeto: é apenas uma
tentativa de criar um espaço com leis175, afirma.176

Ainda, sobre o substitutivo do Senador Eduardo Azeredo, cabe salientar que as penas
aplicáveis aos crimes tipificados, tornam questionável a efetividade da norma, pois, em sua
maioria, permitem a suspensão condicional do processo e a transação penal. Desse modo, resta-
nos questionar se tais penas intimidariam a prática destas condutas, ainda que tipificadas.

No mesmo rumo, instaurou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com o fito de
investigar a pedofilia na Internet. De acordo com o presidente da comissão, o senador Magno
Malta (PR-ES), o objetivo da comissão é transformar a pedofilia em crime no Brasil, pois, segundo
ele:

(...) o crime não é previsto pelo Estatuto da Criança e Adolescente e a sociedade


não tem como punir o pedófilo. É preciso tipificar o crime de pedofilia. Hoje você

174
Ibidem.
175
Neste sentido, as iniciativas de controle da Internet por governos aumentam em todo o mundo. A Open-Net
Initiative – uma parceria entre a Universidade de Toronto, Havard, Cambridge e Oxford, - identificou que pelo menos
24 países praticam hoje algum tipo de filtragem da rede mundial, bloqueando conteúdo considerado inadequado. Na
América Latina , Cuba é o único país que realiza restrições à utilização da Internet. A Ásia tem países onde a internet é
extremamente livre, como Coréia do sul, Japão e Taiwan, e países onde ela é extremamente controlada, como China,
Coréia do Norte e Mianmar. No ano passado, Mianmar chegou a cortar toda a conexão com a internet, como forma
de conter os protestos contra a ditadura militar. A China tem uma política nacional de filtragem da internet, chamada
Projeto Escudo Dourado. Internacionalmente, o sistema foi apelidado de Grande Firewall da China. Firewall é o nome
dado à tecnologia que permite o bloqueio de conteúdo da internet. O alvo do sistema são os conteúdos que
questionem a autoridade governamental ou que incentivem o descontentamento social. In: CRUZ, Renato. Crescem as
ameaças à liberdade na Internet – Países usam a tecnologia e a força para impedir a livre expressão. Jornal o Estado
de São Paulo. Caderno Negócios, 24.05.2008, p. B13.
176
Ibidem.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 129

tem o trabalho do MP, mas não tem legislação que possa manter os criminosos
presos. O MP tenta juntar artigos do código penal, mas sem condição de
condená-los.177

Afirma o senador, ainda, que é preciso destruir as redes transnacionais de troca de


informações de pedofilia, para tanto ele pretende que o crime de pedofilia seja incluído na
Constituição e seja categorizado como crime hediondo, com pena de até 30 anos de prisão.

Atualmente, a pedofilia não encontra tipificação legal, de forma que tem sido enquadrada
ou no estupro presumido (art. 213 c.c. art. 224, do Código Penal) ou no art. 241 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, no crime de corrupção de menores (art. 218 do Código Penal), ou em
outros tipos penais, dependendo da conduta praticada178 179.

De qualquer modo, entendemos ser relevante a promulgação de uma lei que defina
algumas condutas ilícitas que, atualmente, não podem ser punidas por atipicidade.

4.5 Convenção de Budapeste sobre Cibercrime

A Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, também conhecida como


Convenção de Budapeste, de 23 de novembro de 2001, tem como objetivos, entre outros:
intensificar a cooperação entre os Estados-membros, bem como possibilitar a adoção de uma
política criminal comum para o combate dos delitos informáticos.

Além de normas de direito penal material, que tipificam algumas condutas relacionadas à
Internet, referido documento apresenta normas processuais, regulando, inclusive, a questão de
competência, em seu art. 22, que dispõe:

177
CPI quer transformar Pedofilia em crime no Brasil. Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/brasil/2008/03/25/ult2041u359.jhtm. Acesso em: 25.03.2008.
178
Neste sentido, vale lembrar que o Governo Federal pretende lançar um site para receber denúncias de abuso
sexual infantil e para rastrear crimes cibernéticos. O anúncio desta medida foi feito pelo secretário especial de Direitos
Humanos, Paulo Vannuchi. O Projeto é uma parceria entre a secretaria, a Polícia Federal e a organização Internacional
de Polícia Criminal (Interpol). A representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil, Marie
Pierre Poirier, disse que iniciativas como essa refletem a determinação do governo brasileiro em acabar com a
impunidade nos casos de exploração sexual. In: CIMIERI, Fabiana. Site receberá denúncias de abuso. Jornal O Estado
de São Paulo. Caderno Cidades/Metrópole, 13.05.08, p. C4.
179
A Lei n. 11.829, de 25 de Novembro de 2008, surge, dentro deste contexto, com o intuito de aprimorar o combate
à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e
outras condutas relacionadas à pedofilia na Internet, alterando a Lei n. 8.069/90 (ECA).

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 130

1. Cada parte adotará as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias


para estabelecer à competência relativamente a qualquer infração penal definida
em conformidade com os artigos 2º a 11º da presente Convenção, sempre que a
infração seja cometida:
a) no seu território;
b) a bordo de um navio;
c) a bordo de aeronave matriculada nessa parte e segundo as suas leis; ou
d) por um dos seus cidadãos nacionais, se a infração for punível criminalmente
onde foi cometida ou se a infração não for de competência territorial de nenhum
Estado.
2. Cada parte pode reservar-se o direito de não aplicar ou de apenas aplicar em
casos ou condições específicas as regras de competência definidas no nº 1, alínea b
à d do presente artigo ou em qualquer parte dessas alienas;
3. Cada parte adotará medidas que se revelem necessárias para estabelecer a sua
competência relativamente a qualquer infração referida no artigo 24, nº1 da
presente convenção, quando o presumível autor da infração se encontre no seu
território e não puder ser extraditado para outra Parte, apenas com base na sua
nacionalidade, após um pedido de extradição.
4. A presente convenção não exclui qualquer competência penal exercida por uma
Parte sem conformidade com seu direito interno.
5. Quando mais que uma Parte reivindique a competência em relação à uma
presumível infração prevista na presente Convenção, as Partes em causa, se for
oportuno, consultar-se-ão a fim de determinarem qual é a jurisdição mais
apropriada para o procedimento penal.

Referido documento representa um importante passo rumo ao combate da criminalidade


informática, ademais de configurar relevante exemplo rumo à cooperação internacional eficaz
entre os países.

Neste sentido, Oscar Morales García nos explica sobre as intenções do Conselho da Europa
sobre Cybercrime:

Certamente, a denominada Sociedade da Informação nasce ao abrigo das


tecnologias (...). A questão, então, está em determinar o alcance das
transformações e efetuar prognósticos ponderados sobre o que virá e sobre os
riscos, tomando como ponto de partida os interesses fundamentais neste novo
marco de relação. Somente assim é possível aventurar-se a conclusões sobre a

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 131

necessidade de intervenção do Direito Penal em um setor emergente e de


aparência caótica, no qual ainda não há penetrado com decisão os instrumentos
primários de regulação (...) Do mesmo modo, só assim, saberemos até que ponto
as normas penais existentes são suficientes ou reclamam uma urgente
modificação e adaptação das tecnologias existentes. Sob esta lógica nasce o que
até o momento é o projeto legislativo mais ambicioso em matéria de
delinqüência associada ao uso das tecnologias da informação e comunicação, isto
é, a Convenção do Conselho da Europa sobre o Cybercrime.180

Ademais, a estrutura, bem como o conteúdo e alcance da Convenção ,têm justificativa na


ausência de iniciativas internacionais ou supranacionais nesta temática. Nessa esteira, a
Convenção de Budapeste visa harmonizar a legislação dos diversos países pertencentes ao
Conselho da Europa, além de abrir a oportunidade de adesão para países que não façam parte do
referido conselho, como os EUA e o Canadá.181

O Brasil ainda não é signatário da Convenção sobre Cibercrime, no entanto, é possível


notar no projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, referido no tópico anterior, pontos
de semelhança com o preceituado no documento internacional. No entanto, o nosso país integra a
rede 24/7 (24 horas por dia, sete dias por semana) do G-8182. Segundo Geraldo Bertolo: são cerca
de 50 nações dispostas a colaborar com as outras em casos de delitos na web que envolve mais de

180
Texto original: Ciertamente, la denominada Sociedad de la Información que nasce al abrigo de las tecnologías - no
sólo de carácter telemático, también de otro tipo como el cable o la televisión colectivos. La cuestión entonces radica
indeterminar el alcance de los cambio y efectuar prognosis ponderadas sobre los que vendrán y los riesgos que
llevarán aparejados, como punto de partida en la fijación de intereses fundamentales en el nuevo marco de relación.
Sólo así pueden aventurarse conclusiones sobre la necesidad de intervención del Drecho Penal en un sector emergente
y de apariencia caótica, en el que aún no han perpetrado con decisión los instrumentos primarios de regulación,
administrativo, civil, mercantil, etc. Y sólo así sabremos hasta qué punto las normas penales existentes son suficientes
o reclaman una tan urgente y demandada modificación y adaptación a las tecnologíasexistentes. En esta lógica nasce
lo que hasta el momento es el proyecto lesgislativo más ambicioso en materia de delincuencia asociada al uso de las
tecnologías de la información y la comunicación, esto es, la Convención del Consejo de Europa sobre
Cybercrimen(…)..Apuntes de Política Criminal en el contexto tecnológico. Una Aproximación a la Convención del
Consejo de Europa sobre Cybercrime.In: delicuencia informática – problemas de responsabilidad. Cuadernos de
Derecho Judicial, IX, Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2002, p. 16.
181
Ibidem , p. 21.
182
A sigla G-8 corresponde ao grupo dos oito países mais ricos e influentes do mundo, fazem parte os Estados Unidos,
Japão, Alemanha, Canadá, França, Itália, Reino Unido e Rússia. Antes chamada de G-7, a sigla alterou-se com a
inserção da Rússia, que ingressou no grupo em 1998. Explicitamente, a função do G-8 é a de decidir qual ou quais
caminhos o mundo deve seguir, pois esses países possuem economias consolidadas e suas forças políticas de
globalização, abertura de mercados, problemas ambientais, ajudas financeiras para economias em crise, entre outros.
Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/g8.htm. Acesso em: 21.03.08.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 132

um país183. Além, da criação, em 2005, da Força Internacional (International Botnet Taske Force),
já citada neste trabalho.

Outros países também assumiram as regras citadas em documentos internacionais,


agregando e/ou alterando seu direito interno, conforme nos demonstra Sérgio Marcos Roque:

- a Alemanha, que em 1986, promulgou lei contra criminalidade informática que


contempla os delitos de espionagem e falsificação de dados e a fraude eletrônica;
- a Áustria, que na lei de reforma do Código Penal, de 22/12/1987, previu delitos
de destruição de dados (art.126) e fraude eletrônica (art. 148);
- a França, que na lei 88-19 de 05/01/1988, dispõe sobre acesso fraudulento a
sistema de elaboração de dados (462-2); sabotagem (462-3); destruição de dados
(462-4), falsificação de documentos eletrônicos (462-5) e uso de documentos
informatizados falsos (462-6);
- os EUA, que adotaram o ato federal de abuso computacional, que modificou o
ato de fraude e abuso computacional de 1986, direcionada a atos de transmissão
de vírus184.
- Portugal, com a edição da lei 109, de 17/08/1991 (lei da criminalidade
informática);
- Itália, que pela lei n. 547, de 23/12/1993, introduziu no Código Penal novas
figuras relacionadas ao computador, ampliadas pela convenção de Budapeste
sobre Cibercrime185.

A cooperação internacional e a harmonização das legislações penais dos países despontam


como saídas eficazes no combate à criminalidade informática, na medida em que permitem uma
maior agilidade e eficácia nas investigações e punições.

CAPÍTULO V – Questões sobre jurisdição, competência e crimes informáticos no direito


estrangeiro

Como expressão da soberania, cada Estado tem o direito de impor sua jurisdição em
relação aos delitos perpetrados dentro de seus limites territoriais. Nessa esteira, temos como

183
Op.cit., mesma página.
184
PAIVA, Mario Antonio Lobato de. A atipicidade dos delitos cometidos pela Internet. Revista Síntese de Direito
Penal e Processual Penal, ano V., n. 26, jun/jul, 2004, p.157.
185
ROQUE, Sérgio Marcos. Crimes de Informática e investigação policial. Revista Justiça Penal, n. 7, Jacques de
Camargo Penteado (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 311.

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Christiany Pegorari Conte 133

regra o Princípio da territorialidade permeando os ordenamentos jurídicos de todos os países.


Outro ponto que se destaca diz respeito à determinação do local do crime e a aplicação dos
princípios que regem a extraterritorialidade nos Estados, notadamente, no tocante à criminalidade
informática, via de regra, de caráter transnacional.

Conforme a explicação de Juan José González Rus:

Os critérios que regulam a aplicação da lei penal no espaço vigentes na maioria


dos ordenamentos jurídicos estão baseados na utilização do princípio da
territorialidade como pauta básica, complementando com outros inspirados na
idéia de extraterritorialidade (geralmente personalidade ativa, personalidade
passiva, real ou da proteção de interesses e justiça universal). Neste sentido,
responde também, quase sempre, a determinação do lugar do cometimento do
delito, que se faz comumente a partir da mesma finalidade político-criminal de
favorecer a competência do Estado para processar e punir comportamentos
criminais, que direta ou indiretamente, próxima ou remotamente, afetam ou
podem afetar seus interesses.186

Assim, o presente capítulo tem o intuito de demonstrar como alguns países têm tratado
das questões que envolvem jurisdição, competência e crimes informáticos, verificando os pontos
positivos e negativos das soluções dadas pelo direito estrangeiro nesta temática, com o fito de
indicar o que poderia, eventualmente, ser aplicado no direito brasileiro.

5.1 Alemanha

O direito alemão adota, como regra, o princípio da territorialidade, aplicando o direito


pátrio as condutas perpetradas em território alemão, segundo o parágrafo 3º, do Título I, do

186
(Tradução Livre). Texto original: los criterios que regulan la aplicación de la ley penal em el espacio vigentes em la
mayoría de los ordenamientos jurídicos están basados em la utilización del princípio de territorialidad como pauta
básica, complementado com otros inspirados em la idea de extraterritorialidad (generalmente: personalidade activa,
personalidad pasiva, real o de protección de intereses y justicia universal. A ese mismo desígnio responde también casi
siempre la determinación del lugar de comisión del delito, que se hace por lo común desde la misma finalidad político-
crimiinal de favorecer la competencia del Estado para perseguir e sancionar comportamientos criminalesque directa
ou indirectamente, próxima ou remotamente, afectan ou podem afectar sus intereses. In: RUS, Juan José Gonzáles.
Cooperación internacional em la persecución y represión del delito. El penalista liberal – controvérsias nacionales e
internacionales en Derecho Penal, Procesal Penal y Criminologia. DALBORA, José Luis Guzmán (coord). Buenos Aires,
Hammurabi, 2004, p. 647.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 134

Strafgesetzbuch (StGB) ou Código Penal Alemão: O direito penal alemão é aplicado aos crimes
perpetrados dentro de seu território.187

Não existe no Código Penal Alemão nenhum dispositivo específico para a determinação do
local do crime informático, existindo, portanto, apenas dispositivos de aplicação genérica, tal
como na legislação penal brasileira, bem como princípios, à semelhança do nosso direito, que
regulam a chamada extraterritorialidade188. Neste sentido, nos dizeres de Roberto Chacon de
Albuquerque:

Com base em tais princípios, podem ser extraídas algumas conclusões em relação
à responsabilidade dos provedores de acesso e de conteúdo na Internet (...)
Precisa-se para determinar a responsabilidade dos provedores de acesso à
Internet, diferenciar provedores situados no território alemão e provedores
situados no exterior. Se eles funcionarem na Alemanha, podem ser responsáveis
pelo conteúdo ilícito ao qual dão acesso até mesmo no exterior. Se o conteúdo
estiver armazenado na Alemanha e for acessado a partir do exterior, pode-se ser
enquadrado na própria Alemanha. O provedor de conteúdo ilícito pode ser
objeto de sanção penal a título de participação, mesmo se o ato principal não for
passível de punição no exterior. Se o provedor de acesso estiver situado no
exterior, o direito alemão só incide caso houver um valor internacional, ou se o
lugar do resultado for o território alemão, se o resultado ocorrer na Alemanha,
ou se o sujeito ativo houver pretendido que ocorresse na Alemanha.189

O ordenamento jurídico alemão ao tratar do local do crime190: considera como local do


crime cada lugar onde o ato foi praticado, isto é, cada local onde o autor praticou uma ação ou
omissão, bem como onde se deu a consumação do delito. Considera-se que a participação é
punível no lugar em que o ato é cometido, e em cada lugar, onde o partícipe tenha praticado uma
ação ou omissão. Se o partícipe estrangeiro praticar uma conduta em território nacional lhe será
aplicada a lei criminal alemã, o mesmo ocorrerá se o local onde for praticada a conduta não aplicar

187
Tradução Livre: Das deutsche Strafrecht gilt für Taten, die im Inland begangen werden.
188
Parágrafos 5º- 7º, do Código Penal Alemão.
189
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. A criminalidade informática. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 69-70.
190
Tradução Livre do Parágrafo 9º do Código Penal Alemão (Ort der Tat ou Local do crime):
1. Eine Tat ist an jeden Ort begangen, an der Täter gehandelt hat oder im Falle des unterlassens hätte handeln
müssen oder an der zum Tatbestand gehörende Erfolg eingetreten ist odernach der Vorstellung des Täters ein treten
sollte.
2. Die Teilnahme ist sowohl an dem Ort begangen, an dem die Tat begangen ist, als auch an jedem Ort, an dem
der Teilnehmer gehandelt hat ode rim Fallen des Unterlassens hätte handeln müssen oder an dem nach seiner
Vorstellung die Tat begangen warden sollte. Hat der Teilnehmer an ein Auslandstat im Inland gehandelt, so gilt für die
Teilnahme das deutsche Strafrecht, auch wenn die Tat nach dem Recht des Tatorts nicht mit Strafe bedroht ist.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 135

seu Direito Penal. Assim, à semelhança do Brasil, adota a chamada teoria da ubiqüidade, segundo
a qual se considera como local do crime tanto o lugar onde ocorreu a conduta, bem como onde se
deu o resultado.
A Alemanha também tem encontrado dificuldades para dirimir questões que envolvem a
criminalidade informática, sobretudo de caráter transnacional. Em 2006, o Tribunal da Comarca
de Düsseldorf, República Federal da Alemanha, solicitou ao Brasil, mediante carta rogatória, que
a empresa "Universo Online" informasse os dados de uma pessoa que, em 25 de fevereiro de
2004, às 3:20 horas (hora da Europa Central), a partir do IP n. 200.98.154.187, havia bloqueado
o acesso aos sites atendidos pela empresa "Online-forum". A rogatória fundamentou-se em
inquérito para investigação de crime de "sabotagem informática”. Este pedido do Tribunal
Alemão foi atendido pelo ministro Raphael de Barros Monteiro, que fundamentou sua decisão
com a seguinte argumentação: as informações cadastrais, como o endereço, não estão
protegidas pelo sigilo. O UOL questionou a ordem, afirmando que, antes de cumprir a decisão, é
preciso a homologação da sentença alemã. Segundo a defesa do provedor, a Constituição
brasileira dispõe que os dados são invioláveis, o que impede a quebra de sigilo das informações
cadastrais. A empresa, contudo, declarou que não se opõe a fornecê-las, desde que haja
expressa autorização judicial.
Ao analisar o pedido, o presidente do STJ destacou que, em casos semelhantes, o tribunal
foi favorável ao fornecimento de dados cadastrais. Ele ressaltou inclusive que o Supremo
Tribunal Federal tem entendido que o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao
Poder Judiciário, é a comunicação de dados e não os dados, o que torna impossível qualquer
investigação administrativa, fosse qual fosse.
O ministro concluiu que não se pode falar em ofensa à soberania nacional ou à ordem
pública, uma vez que a Constituição Federal proíbe a quebra do sigilo da comunicação dos
dados, não o conhecimento dos dados em si. O presidente do STJ determinou que o caso fosse
encaminhado à Justiça Federal de São Paulo, para que fosse providenciado o cumprimento da
decisão.191

5.2 Holanda

Sob o ponto de vista da determinação do local do crime, o direito penal holandês não se
distancia do direito penal alemão, prevendo que a jurisdição holandesa incidirá nos casos de

191
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Carta Rogatória n. 297 - (2005/0010755-8). Tribunal da Comarca de Düsseldorf e
Universo Online. Advogada: Ana Luiza Brochado Saraiva Martins e outros. Ministro Barros Monteiro, 18.09.06.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 136

crimes praticados em território holandês (princípio da territorialidade), ainda, segundo a


nacionalidade do agente que praticou a conduta ou da vítima (princípio da personalidade) e da
modalidade de conduta criminosa (princípio da proteção), nos moldes do art 2º ao 7º do Código
Penal Holandês.

Para resolver as questões atinentes à determinação da jurisdição competente para


processar e julgar crimes de caráter transfronteiriço, tal como ocorre nos crimes informáticos, a
Suprema Corte Holandesa desenvolveu três teorias bastante interessantes, quais sejam: 1.
considera-se como lugar do crime e, portanto, será o país responsável para exercer jurisdição,
aquele onde a conduta foi perpetrada e não o local onde ocorrer a consumação do delito (teoria
desenvolvida numa decisão de 16 de outubro de 1899); 2. se alguém pratica um crime através de
um instrumento, a partir do exterior, mas com consequências nos Países Baixos, a Justiça
Holandesa será competente para julgá-lo (premissa aplicada num julgamento de 1915); 3. teoria
do resultado constitutivo do ato, segundo a qual a jurisdição será exercida pelo país no qual o ato
se consumou inteiramente (decisão de 04 de fevereiro de 1958).192

As críticas feitas a estes posicionamentos, da Suprema Corte Holandesa, são no sentido de


que estas diretrizes desenvolvidas e aplicadas podem tornar aleatória a determinação da
jurisdição e competência, carreando na possibilidade de que vários países possam, ao mesmo
tempo, ser competentes para julgarem crimes informáticos de projeção transfronteiriça.

192
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. Op. Cit, p. 71.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 137

5.3. Itália

A Itália tem encontrado dificuldades para estabelecer jurisdição e competência em relação


aos crimes perpetrados no ciberespaço. Notadamente, porque esses delitos possuem um iter
criminis fracionado em diversos pontos da rede de computadores.

O Professor Roberto Zannoti afirmou que a solução apontada pelo direito penal italiano
quanto à criminalidade informática tem sido considerar o lugar onde se verificou o fato (por
exemplo, num crime contra a honra, o lugar onde o indivíduo recebeu a ofensa) para fixar
jurisdição e competência. Ademais, apontou que a melhor alternativa para punição deste tipo de
criminalidade é a uniformização dos ordenamentos, bem como a adoção de soluções
internacionais, tais como a cooperação entre os Estados (que tem sido mais profícua na
Europa).193

O Código Penal Italiano prevê aplicação da lei penal italiana a todo cidadão italiano ou
estrangeiro que esteja em território nacional, salvo nos casos em que a legislação interna, ou
internacional, exclua a sua aplicação. A lei penal italiana também se aplica aos cidadãos italianos
ou estrangeiros em relação aos fatos praticados no exterior, mas limitadamente às hipóteses
estabelecidas na legislação italiana ou pelo direito internacional.194

O artigo 8º do Código Processual Penal Italiano dispõe, por sua vez, que: a competência
territorial se estabelece de acordo com o local onde se consumou o delito.195Logo, podemos
concluir que, mesmo em relação aos crimes informáticos tem sido aplicada a regra geral de
competência da legislação processual penal italiana. Por fim, estabelece a lei italiana que, não
sendo possível a aplicação da regra geral estabelecida no art. 8º, será competente o juiz do último
lugar em que uma parte da ação ou omissão ocorreu.196

193
ZANNOTTI, Roberto (Advogado e Professor delegado de Direito Penal Administrativo da Faculdade de Direito de
Catanzaro). Seminário Internacional sobre Responsabilidade Penal. Palestra proferida em 29.05.08. OAB/SP.
194
Tradução Livre do Códice Penale Italiano: Art. 3 - Obbligatorietà della legge penale
La legge penale italiana obbliga tutti coloro che, cittadini o stranieri, si trovano nel territorio dello Stato, salve le
eccezioni stabilite dal diritto pubblico interno o dal diritto internazionale.
La legge penale italiana obbliga altresì tutti coloro che, cittadini o stranieri, si trovano all'estero, ma limitatamente ai
casi stabiliti dalla legge medesima o dal diritto internazionale.
195
Tradução Livre. Reogle Generali: 1. La competenza per territorio è determinata dal luogo in cui il reato è stato
consumato.
196
Tradução Livre. Regole supletive: 1. Se la competenza non può essere determinata a norma dell'articolo 8, è
competente il giudice dell'ultimo luogo in cui è avvenuta una parte dell'azione o dell'omissione.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 138

5.4. Estados Unidos

Existem leis estaduais norte americanas sobre delitos informáticos, cujo capítulo sobre
competência é bastante amplo, permitindo o julgamento do delito informático em qualquer
estado e que são conhecidos como long arm statutes197·, isto é, leis de grande alcance, que
tentam evitar a impunidade e os avanços da criminalidade informática no país. Por exemplo, a lei
sobre delitos informáticos do estado de Tennessee estabelece diversos pontos de conexão para
poder intervir em delitos cometidos através de computadores.198 199

Quando se trata de crime que extrapole as fronteiras americanas o interesse passa a ser
federal, de forma que os crimes transnacionais, como os crimes informáticos, são investigados
pelo FBI200.

Por fim, vale lembrar que os EUA também se utilizam da doutrina dos efeitos da conduta,
além de considerar como local do crime aquele onde a ação ou omissão se realizou. Assim,
considera-se como local do crime o lugar da ação ou omissão, bem como onde se deu ou deveria
se dar os efeitos da conduta.

5.5. América Latina

Conforme já afirmado, praticamente todos os países adotam em seus ordenamentos o


princípio da territorialidade, como princípio básico para a determinação de jurisdição e
competência em matéria penal, bem como solucionam as questões de extraterritorialidade
conforme alguns princípios, como da personalidade, da defesa, da universalidade e etc.

A Argentina adota como regra geral, que os juízes nacionais apenas podem aplicar a lei
penal nacional, de forma que o modo de aplicação da jurisdição ou competência dos juizes

197
Laws that allow a state to extend its jurisdiction to individuals or organizations not currently residing in that state.
Tradução Livre: Leis que permitem que um estado estenda sua jurisdição aos indivíduos ou organizações que residam
fora de sua jurisdição.
198
PALAZZI, Pablo Andrés. Delitos Informáticos. Buenos Aires, 2002, p. 72-73.
199
For the purposes of venue under the provisions of this part, any violation of this part shall be considered o hav
been committed: 1. In any county in which any act was performed in furtherance of any transaction violating this part:
2. in any countyin which any violater had control or possession of any proceeds of the violation or of any books,
records, documents, property, financial instrument, computer software, computer program or other material, objects,
or items which were used the furtherance of the violation; and 3. in any county from which, to which or through
which any access to a computer, computer system, or computer network was made, whether, by wire,
electromagnetic waves, or any other means of communication ( Tennessee Code Annoted, Sections 39-14-601).
200
CORREA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 76.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 139

argentinos depende da aplicabilidade do próprio direito argentino. Segundo o art.1º do Código


Penal Argentino, temos que: Este código se aplicará: 1. por delitos cometidos ou cujos efeitos se
produzem no território da Nação Argentina ou em lugares submetidos à sua jurisdição.201

Também adota o princípio da nacionalidade ou personalidade no seu ordenamento,


segundo o qual a lei penal do Estado segue o seu nacional, ainda que este esteja fora do território
nacional. Assim, a jurisdição depende da nacionalidade do domicílio do autor ou da vítima. Há
ainda a possibilidade de aplicação da jurisdição Argentina aos crimes internacionais cometidos no
estrangeiro quando se tratar de crime contra os direitos humanos, conforme estabelece o art. 118
da Constituição Argentina202.

A doutrina Argentina considera que a lei penal nacional tem validez universal sobre
determinadas condutas especialmente graves, segundo o princípio da universalidade, a respeito
das quais o Estado que prende o autor deve aplicar sua lei, sem levar em consideração o local do
fato, a nacionalidade do sujeito ou do bem jurídico. Determinados bens jurídicos são tão
relevantes que todos os Estados se comprometem a assegurá-los através de seus ordenamentos
jurídicos e com a Argentina isso não ocorre de modo diverso. Entretanto, conforme nos aponta Kai
Ambos: (...) na prática, ainda não existem casos nos quais a Argentina tenha exercido a sua
jurisdição e aplicado a sua lei com base neste princípio (...) esta questão da aplicação do princípio
universal em relação aos crimes internacionais não foi devidamente regulamentada pelo direito
argentino.203

No Chile também impera o princípio da territorialidade, conforme o art. 5º do Código Penal


Chileno: A lei penal chilena é obrigatória para todos os habitantes da República, inclusive os
estrangeiros. Os crimes cometidos dentro do mar territorial ou adjacente estarão submetidos às
prescrições deste código.204

201
Tradução livre: Este código se aplicará: 1. por delitos cometidos o cuyos efectos deban producirse em el território de
la Nación Argentina o em los lugares sometidos a su jurisdición.
202
Articulo 118.- Todos los juicios criminales ordinarios, que no se deriven del despacho de acusacion concedido en la
Camara de Diputados se terminaran por jurados, luego que se establezca en la Republica esta institucion. La actuacion
de estos juicios se hara en la misma provincia donde se hubiera cometido el delito; pero cuando este se cometa fuera
de los limites de la Nacion, contra el Derecho de Gentes, el Congreso determinara por una ley especial el lugar en que
haya de seguirse el juicio.
203
AMBOS, Kai. Jurisdición penal para crímenes internacionales en América Latina. Revista Penal n.10, Barcelona,
2002, p. 132.
204
Tradução Livre: art. 5º: La ley penal chilena es obligatoria para todos los habitantes de la República, incluso los
extranjeros. Los delitos cometidos dentro del mar territorial o adyacente quedan sometidos a las prescripciones de este
código.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 140

Em relação aos crimes perpetrados no exterior haverá a aplicação da lei penal chilena, nos
casos de extraterritorialidade, dos quais se destaca um direito penal de representação no art. 6º
do Código Penal. Assim, estão submetidos a jurisdição chilena os crimes perpetrados fora do
território de la República de acordo com a aplicação dos princípios que disciplinam a
extraterritorialidade, bem como, há, adicionalmente, outros casos de aplicação extraterritorial,
contemplados em leis especiais.

A Colômbia aplica o princípio da territorialidade em caráter absoluto, bem como os


princípios que regem a extraterritorialidade. No entanto, cabe destacar que, em relação ao
princípio da universalidade, este somente poderá ser aplicado se o cidadão estrangeiro que
praticou a conduta estiver em território colombiano e desde que não se trate de crime político ou
de crime cuja pena seja privativa de liberdade superior a três anos. Ademais, deve existir
representação da parte interessada ou requerimento do Procurador Geral da República e, em caso
de ter sido solicitada a extradição, esta deve ter sido denegada pelo governo nacional. Por fim,
para que o Ministério Público (la Fiscalía) possa investigar delitos internacionais estes devem estar
previstos na legislação colombiana.

A Venezuela, no tocante a crimes de caráter internacional, traz as seguintes


regulamentações: se o delito é cometido em território venezuelano, aplica-se o princípio da
territorialidade, conforme o art.3º do seu Código Penal.205 A doutrina venezuelana afirma que o
princípio da territorialidade se sustenta por motivos de diversas ordens: políticas (como expressão
da soberania do Estado); por razões de ordem repressiva e preventiva (pois é justo e conveniente
que no lugar onde foi cometido o delito, se julgue e castigue a pessoa que tenha perpetrado o
crime) e, por fim, por razões de ordem processual, posto que é no lugar em que foi cometido o
delito que se encontrará o maior número de provas para o desenvolvimento do processo penal.206

No México, a aplicação extraterritorial da lei penal exige que o fato produza efeitos no
território mexicano, bem como que o acusado se encontre em território nacional, que não haja
sido julgado definitivamente no país em que praticou o crime e, por fim, que a conduta esteja
tipificada tanto no país em que se deu, quanto no ordenamento mexicano (art.2º a 4º do Código
Penal Mexicano).

205
Artículo 3.- Todo el que cometa un delito o una falta en el espacio geográfico de la República, será penado con
arreglo a la ley venezolana.
206
AMBOS, Kai. Op. Cit., p. 138.

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Christiany Pegorari Conte 141

CAPÍTULO VI – Indicativos para a definição do Juízo Criminal Competente nos Crimes


Informáticos

Tratar de competência e jurisdição nos crimes informáticos é algo complexo. A doutrina


apresenta como um dos maiores problemas a ser enfrentado, a questão da competência, de
Justiça e de Jurisdição, quando o assunto é o combate aos crimes cometidos através da Internet:

Como a Rede da Internet é mundial e sem fronteiras ou donos, torna-se quase


impossível para qualquer País, aplicar e executar leis para regular o denominado
ciberespaço [...] Devido ao seu caráter internacional, na Internet não existem
fronteiras; por conseguinte, o que for veiculado através dela, estará,
instantaneamente, em todo o mundo.207

O autor Gustavo Testa Corrêa, tratando da jurisdição no ciberespaço, cita que na Internet
existem três níveis de jurisdição: 1. primeiro nível: espaço físico, onde as pessoas habitam e
convivem, cada um governado por um único Estado-Nação, vinculando-se a pessoa ao espaço
físico que habita; 2. segundo nível: dos provedores de acesso, considerado o primeiro nível de
jurisdição da Internet em si, uma vez que realiza a conexão entre o mundo virtual e o real; 3.
terceiro nível: dos domínios e das comunidades que ultrapassam fronteiras nacionais por meio dos
provedores.208

Determinar jurisdição e competência no ciberespaço constitui, portanto, questão


intrincada em todos os países do globo. Grande parte dos ordenamentos, inclusive o brasileiro,
adotam, quanto ao local do crime, para efeito de determinar a jurisdição a ser aplicada face ao
caso concreto, a teoria da ubiqüidade, que diante da criminalidade informática transnacional
pode gerar conflitos entre os Estados, neste sentido:

A principal vantagem que se aprecia é que este evita as possibilidades de


impunidade que aparecem como insanáveis nas outras teorias, quando são
contraditórios os critérios que regem os países que podem ver-se afetados. Em
contrapartida, oferece o inconveniente de multiplicar o número de conflitos
positivos de jurisdição que podem ser exercidas, na medida em que incrementa
substancialmente as possibilidades de que os Estados possam aplicar suas

207
INELLAS, Gabriel César Zaccaria de. Crimes na Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 79.
208
CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 76-77.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 142

respectivas legislações. Por isso, que talvez seja conveniente estabelecer foros
secundários para determinar a competência preferencial ou exclusiva quando se
produza um resultado.209

Outro ponto que se destaca está relacionado ao interesse e aptidão nacional para julgar
determinado delito. No Brasil, por exemplo, de acordo com a legislação nacional, muitos dos
delitos perpetrados por intermédio da Internet podem ser processados pela justiça brasileira,
entretanto, isto nem sempre pode ser interessante, pois talvez seja melhor que o processo e
julgamento se dêem no país que tenha melhores condições de aplicar eventual pena, bem como
se poderia evitar a extradição do indivíduo para o país em que fosse condenado.

Também se demonstra relevante a necessidade de adoção de um documento internacional


sobre o assunto, capaz de solucionar o problema trazido pela adoção da teoria da ubiqüidade no
nosso ordenamento, que, a priori, foi estabelecida objetivando evitar a impunidade dos crimes,
mas que em face da Internet e das novas formas de criminalidade, tornou-se de aplicabilidade
duvidosa, de forma a não resolver mais os impasses gerados por estas.

Insta destacar, igualmente, que as diferentes legislações penais existentes no mundo


também podem dificultar o combate a este tipo de criminalidade, tendo em vista que em
determinados países uma conduta pode ser tida como crime, todavia em outros pode ser
tipificada como um delito diverso, mais ou menos grave, ou, até mesmo, como fato atípico, assim,
não se pode olvidar a questão do tratamento punitivo diverso que pode ser dado a determinado
fato, daí, exsurge, a relevância do surgimento ou subscrição de regras internacionais (já existentes)
acerca do tema, objetivando uma uniformidade e harmonização não dos ordenamentos jurídicos
como um todo, o que seria impossível, mas de parâmetros globais de combate a estes delitos
informáticos, sobretudo, tendo em vista o caráter transnacional dos mesmos.

Vale lembrar, ainda, que a diversidade de legislações pode beneficiar o agente, uma vez
que a dificuldade na fixação da competência pode levar à impunidade ou, por outro lado, poderá
prejudicá-lo, se levarmos em conta a oportunidade que se abre à vítima de escolher,
eventualmente, um local, cuja punição seja mais grave, para oferecer a queixa-crime, no caso de
ação penal de iniciativa privada, ou a representação, no caso de ação penal de iniciativa pública
condicionada.

209
RUS, Juan José González. Op. Cit, p. 656.

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Christiany Pegorari Conte 143

Tomando como exemplo um crime contra a honra, cometido através da Internet,


verificaremos que a ofensa à honra poderá ser conhecida em qualquer parte do mundo e, então,
surge a problemática da análise de qual será o foro competente para processar o infrator, isto é,
deve ser levado em conta o local de onde partiu a ofensa, ou, onde está localizado o provedor por
meio do qual se veiculou a mesma? Ou, ainda, o do local onde o ofendido tomou conhecimento
do ultraje à sua honra?

O artigo 70 do Código de Processo Penal, que trata da fixação de competência nos


denominados crimes à distância, adota, como regra, a teoria do resultado, ou seja, é competente
para apurar a infração penal o foro onde se deu a consumação do delito. O art. 70, caput, trata do
chamado foro comum ou locus delicti commissi. Referido dispositivo prevê que:

Art. 70 - A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se


consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o
último ato de execução.

Quando tratamos de delitos que produzem resultados em diversos locais dentro do


território nacional (crimes plurilocais) ou, até mesmo, em territórios outros, que não o brasileiro
(crimes à distância ou de espaço máximo), a regulamentação se dá pelos parágrafos do art. 70, do
Código de Processo Penal:

§ 1º - Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora


dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no
Brasil, o último ato de execução.
§ 2º - Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional,
será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha
produzido ou devia produzir seu resultado.
§ 3º - Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou
quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas
divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 144

Entretanto, no caso dos crimes informáticos, a questão da definição do foro competente é


ainda mais complexa, notadamente, porque as distâncias territoriais transformaram-se na
distância entre olhos e mãos de um teclado de computador. 210

Prevê, ainda, o art. 88 do Código de Processo Penal211:

Art. 88 - No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será


competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o
acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da
Capital da República.

A questão, entretanto, aparentemente solucionável pelo referido dispositivo e pelos


demais retro referidos, não possui, na realidade, uma solução tão simples assim, ademais, há de
ser analisado, em caráter preliminar, o fato do crime cometido através de um computador
constituir delito material ou formal, questão relevante para uma correta fixação da competência.

Neste sentido, Maria Helena Junqueira Reis afirma: Os crimes conectados aos
computadores são crimes materiais, aqueles que só se tornam perfeitos com a realização do
resultado fixado como característico do tipo legal.212 O ilustre doutrinador Fernando de Almeida
Pedroso corrobora tal posicionamento preceituando que:

Tratando-se de crime material, ou seja, delito necessariamente provido de


conduta e evento, sua consumação acontece no instante em que sobrevier
o resultado, já que representa este o elemento típico que confere fecho e
desfecho à figura criminosa, ultimando-a e completando-a. Nos delitos
materiais, portanto, o local da produção do evento é que fixa sua
consumação e competência para a persecutio criminis in juditio.213

Gabriel César Zaccaria Inellas214 assevera que os crimes informáticos, em sua maioria, são
delitos formais, ou seja, consumando-se no local onde foi realizada a ação, uma vez que nestes, o

210
Flavia RAHAL; Roberto Soares GARCIA. Crimes e Internet – Breves Notas aos crimes praticados por meio da rede
mundial e outras considerações. Boletim Ibccrim, ano nº 9, nº 110, janeiro, 2002, p. 8.
211
INELLAS, Gabriel César Zaccaria de. Crimes na Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 84.
212
REIS, Maria Helena Junqueira. Computer Crimes. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 47.
213
PEDROSO, Fernando de Almeida. Competência Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 48.
214
Op. Cit, p. 87-88.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 145

sujeito ativo, ao realizar a ação, buscava um objetivo, entretanto, mesmo se não conseguir efetivá-
lo, restará consumado o delito.

Outra questão levantada ao se tratar da competência em crimes informáticos, agora em


âmbito interno, é a seguinte: uma vez superada esta questão da aplicação da lei nacional ou
estrangeira, à que justiça caberá a análise do caso concreto, à Justiça Estadual ou Federal?

Túlio Lima Vianna pondera que:

Quando o crime for praticado pela Internet, julgamos que a competência deverá
ser da Justiça Federal, já que o interesse da União em ter a Internet resguardada
dentro dos limites brasileiros é evidente. Além do mais, este é um crime em que
o resultado nem sempre se produz no lugar da ação, podendo até ocorrer em
países diversos (crimes à distância), com repercussões internacionais que nos
fazem crer ser prudente deixar a competência para a Justiça Federal. 215

Há dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processo e julgamento de


determinados crimes praticados pela Internet. Neste sentido, nas palavras de Pablo Andrés
Palazzi: quando a legislação não é suficientemente clara para definir o juiz natural, cabe à
jurisprudência indicar os princípios para a sua determinação.216
Assim, alguns julgados definem a competência para os crimes de informática como da
justiça comum, quando há ausência de tratados internacionais entre os países envolvidos, veja-se:
(...) Para a incidência da regra de fixação da competência do art. 109, V, da CF/88, é imperativa a
análise da existência ou não de tratado ou convenção internacional entre os países envolvidos na
prática criminosa. 2. A qualidade do órgão policial conducente da investigação é irrelevante para a
fixação da competência do Juízo, pois a Carta da República prevê regras distintas na fixação das
competências jurisdicional e policial. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de
Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Cruz do Sul/RS, suscitado217.
Sobre o assunto, Breno Guimarães Alves da Mata nos indica que:

O projeto de Emenda Constitucional n° 407/05 visa atribuir a competência


exclusiva da Justiça Federal para processar os crimes praticados no âmbito da

215
VIANNA, Túlio Lima. Dos Crimes pela internet. Revista do CAAP, Belo Horizonte, a.5, v.9, 2000, p. 19.
216
Op.cit., p. 74.
217
CC 33.871/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13.12.2004, DJ 01.02.2005 p.
403.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 146

internet ou em ambientes similares, disseminados em escala mundial, inclusive


os crimes virtuais cometidos por hacker, cracker e demais ilícitos, por meio da
alteração do artigo 109 da CF/88, independente dos referidos tratados
internacionais entre os países envolvidos.218

Neste sentido, tivemos um importante posicionamento exarado pela 3º seção do Superior


Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu, por unanimidade, ser de competência da Justiça Estadual o
julgamento de ações sobre a divulgação de pornografia infantil por meios digitais quando ela é
feita dentro do país.219220 Outro caso semelhante, que tratou do conflito de competência no
âmbito da Justiça Federal discutiu o momento da consumação do crime de publicação de imagens
de pornografia infantil na internet (art. 241, caput, da lei 8.069/90 – ECA). Os Juízos da Vara
Federal Criminal da Seção Judiciária de Santa Catarina e da 4º Vara Federal da Seção Judiciária de
São Paulo declararam-se incompetentes. A 3º Seção do STJ, em acórdão relatado pela Ministra

218
MATA, Brenno Guimarães Alves da. Análise e tendências do cenário jurídico atual na Internet . Jus Navigandi,
Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1771>. Acesso em:
19 set. 2008.
219
O caso foi o seguinte: Uma testemunha recebeu, em seu e-mail, fotos pornográficas envolvendo crianças e
adolescentes, mas o material teria sido obtido no site KAZAA, um programa internacional de armazenamento e
compartilhamento de arquivos eletrônicos. A 7º Vara Criminal do Rio de Janeiro considerou-se incompetente para
julgar o caso, com base no art. 109, V, da CF, segundo o qual o julgamento de crimes previstos em tratados
internacionais que se iniciem no país e tenham resultado no estrangeiro compete aos juízes federais. A pornografia
infantil e a pedofilia são crimes previstos em convenção internacional promulgada pelo decreto 99.710/1990. Já a 37º
Vara Criminal daquele Estado alegou que o fato de o tema constar de convenção internacional não implica
automaticamente que a competência seja federal. Baseado no art. 70 do CPP, destacou que o crime foi iniciado no
Brasil e nele concluído, no caso o Rio de Janeiro, onde M. F. recebeu os arquivos. O relator, ministro Hamilton
Carvalhido, afirmou que - embora os crimes de pedofilia e divulgação de pornografia infantil por meios eletrônicos
estejam descritos no art. 241 da lei n. 8.069/90 (ECA) e também constem de convenção internacional da qual o Brasil
é signatário – tanto o resultado como a execução ocorreram em território nacional, e o fato de os arquivos terem sido
obtidos no KAZAA, com sede no estrangeiro, era irrelevante para a ação. O Parecer do Ministério Público Federal
(MPF) seguiu o mesmo raciocínio. Segundo o Ministro, a jurisprudência do STJ sobre o compartilhamento de arquivos
com informações ilegais a partir de sites com sede no exterior aponta no mesmo sentido. Por fim, disse que a
competência por prevenção só ocorre quando há dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição
cumulativa e um deles tiver antecedido aos outros em algum ato do processo. Conclui por declarar competente a 37º
Vara Criminal do Rio de Janeiro. (CC57411) – Caderno de Jurisprudência do Jornal do Advogado – Ano XXXIII, n. 326,
março de 2008, p.20.
220
A competência no Estatuto da Criança e do Adolescente é fixada da segundo os seguintes dispositivos: Art. 147. A
competência será determinada:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.
§ 1º. Nos casos de ato infracional, será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as regras
de conexão, continência e prevenção.
§ 2º A execução das medidas poderá ser delegada à autoridade competente da residência dos pais ou responsável, ou
do local onde sediar-se a entidade que abrigar a criança ou adolescente.
§ 3º Em caso de infração cometida através de transmissão simultânea de rádio ou televisão, que atinja mais de uma
comarca, será competente, para aplicação da penalidade, a autoridade judiciária do local da sede estadual da
emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo estado.
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a
adolescente, aplicando as medidas cabíveis (...)
VI - aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente;

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Christiany Pegorari Conte 147

Maria Thereza de Assis Moura, processo n. 29886, por votação unânime, determinou que a
competência para a instrução e julgamento do processo deve ser fixada no local onde os fatos
delituosos se consumaram, ou seja, Florianópolis (SC). 221

Nos casos em epígrafe, levou-se em consideração o art. 70 do CPP, que trata da


competência territorial, ao determinar o local da consumação dos fatos como o competente para
processo e julgamento do crime, se adequando à intenção do legislador que, ao definir este
dispositivo, teve o propósito de facilitar a coleta das provas, garantindo a celeridade e a economia
processual.

Um acórdão do Supremo Tribunal Federal entendeu que o crime tipificado no art, 241 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, consubstanciado na publicação, pela Internet, de fotografias
pornográficas ou de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes, cujo acesso se
deu além das fronteiras nacionais, atrai a competência da Justiça Federal para o seu
processamento e julgamento222.
Entendeu, a terceira Seção do STJ, em relação ao crime de subtração de dinheiro de conta-
corrente via internet, ser de competência da Justiça Federal gaúcha a apuração de transferência
eletrônica na conta de uma agência da Caixa Econômica Federal de Porto Alegre/RS, para duas
contas localizadas no Estado de Goiás.223

221
Palavras da relatora: Ainda que as imagens de conteúdo pedófilo-pornográfico estejam armazenadas no provedor
de acesso à rede mundial de computadores, localizado na cidade de São Paulo, sabe-se, é certo, que o responsável pela
veiculação de tais imagens, o qual possui autonomia no gerenciamento das informações disponibilizadas no espaço
virtual fornecido pelo provedor, encontra-se na cidade de Florianópolis. Por esse motivo, em Florianópolis devem ser
praticados os ulteriores atos de investigação e eventual persecução penal, pois nesta localidade é que ocorreu a
publicação. É certo, ainda, que tais informações são acessíveis em qualquer parte do mundo em que se disponha de
um terminal de computadores conectado à referida rede. E é justamente esta diversidade de locais em que a
informação pode ser acessada que se revela o engessamento das normas de direito processual penal frente às
inovações tecnológicas perpetradas pelo homem, ante a dificuldade de identificação do local da consumação do
ilícito, como exige a regra geral contida no art. 70. (grifo nosso). Disponível em:
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=1307. Acesso em: 23.08.07.
222
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC n. 86.289-6/GO, Relator: Ministro Ricardo Lewandowiski. Paciente: Carlos
Alberto Guerriro do Valle; Impetrantes: Luiz Vicente Cernicchiaro e outros; Autoridade Coatora: Superior Tribunal de
Justiça. Brasília, 06.06.06. Sustentou o impetrante a incompetência da Justiça Federal para processo e julgamento do
feito, porquanto, a ação e o resultado do delito teriam ocorrido integralmente no território brasileiro.Afirma que o
delito não se consumou no exterior e o fato de os acessos às fotos que veiculavam pedofilia ter ocorrido na França e
na Bélgica consubstanciam apenas exaurimento do crime. O Ministro Relator Ricardo Lewandowski reconheceu a
competência da Justiça Federal para o processo e julgamento previsto em tratado ou convenção internacional,
quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro (art. 109, inciso V, da
CF/88).
223
A competência para julgar subtração de dinheiro de conta-corrente por meio de transferência via internet, sem
autorização do titular da conta é do juízo do local da consumação do delito de furto, que se dá onde o bem é
subtraído da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade. No caso, foram retirados R$ 3.400 da conta de W.L.de
B.S., por intermédio do Internet Banking da CEF. O juiz da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás
declinou de sua competência por entender que cabe o julgamento à Justiça Federal de Porto Alegre/RS. O juiz federal
da 2ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul suscitou no STJ o conflito de competência por entender ser

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 148

Aliás, a suscitação do conflito de competência em relação à conduta retro mencionada tem


sido constantemente levada aos tribunais, conforme se verifica em jurisprudência do STJ. 224 Vários
outros julgados enfrentam a questão do conflito de competência dos crimes informáticos, a saber:
(...) A suposta prática de estelionato em desfavor de correntista do Banco do Brasil, por intermédio
da rede mundial de computadores, não altera a competência da Justiça Estadual, nos termos da
súmula n.º 42 do STJ (...).225

Outro julgado interessante, apontando o lugar do recebimento do e-mail para fixar a


competência:

Na hipótese dos autos, houve o momento consumativo perpetrado pelo agente ao


praticar o ato de constrangimento (envio dos e-mails de conteúdo extorsivo), e o
das vítimas que se sentiram ameaçadas e intimidadas com o ato constrangedor, o
que ocasionou a busca da Justiça. Consumação do lugar do recebimento das
mensagens eletrônicas. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo
de Direito da 2ª Vara Criminal de Guarapuava/PR. 226

Tendo em vista as decisões mencionadas podemos concluir que o crime perpetrado pela
internet será de competência da Justiça Federal quando: se tratar de crime contra bens ou
serviços da União, entidades autárquicas ou empresas públicas (Exemplo: um ataque ao sistema
informatizado da Presidência da República); os crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, desde que a execução tenha se iniciado no Brasil e o resultado tenha ou devesse se
dar no estrangeiro e vice-versa (como nos casos de pornografia infantil e racismo) e, por fim, os

incompetente para apreciar o processo. Ao reconhecer o conflito, a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura,
destacou o artigo 70 do Código de Processo Penal, que fixa a competência, em regra, pelo lugar em que for praticada
a infração. Além disso, a relatora entendeu que configura furto qualificado a apropriação de valores de conta-corrente
mediante transferência bancária fraudulenta, sem o consentimento do correntista. "A fraude, de fato, foi usada para
burlar o sistema de proteção e vigilância do banco sobre os valores mantidos sob sua guarda, configurando, assim,
crime de furto qualificado por fraude, e não estelionato". Diante dessas razões, declarou competente o juiz federal da
2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul.- STJ -CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 72.738 - RS
(2006/0226850-1), RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA; AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA
RÉU : EM APURAÇÃO; SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 2A VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL; SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DA 5A VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS. IN: Fraude eletrônica
é furto qualificado e deve ser julgada no local do delito. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=84795. Acesso em: 22.08.2007.
224
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 91.583 - MG (2007/0266276-4), SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA DE
UBERABA - SJ/MG; SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E EM LAVAGEM DE VALORES DE CAMPINAS, Ministro Relator: Paulo Galloti. DJ
17.03.2008.
225
CC 46.559/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24.11.2004, DJ 13.12.2004 p. 215.
226
CC 40.569/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10.03.2004, DJ 05.04.2004
p. 201.

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Christiany Pegorari Conte 149

crimes contra o sistema financeiro ou a ordem econômico-financeira, nos casos previstos em lei. A
Justiça Estadual, portanto, tem caráter residual também em relação à criminalidade informática.

Em relação, ainda, à competência da Justiça Federal nos crimes informáticos, afirmou o Dr.
Paulo Quintiliano, perito em crimes cibernéticos, que estimativas da Polícia Federal dão conta de
que até 2020 praticamente todos os crimes da Justiça Federal serão perpetrados pela Internet ou
com auxílio das tecnologias.227

Outro caso interessante, envolvendo crime praticado em ambiente virtual e competência,


foi o do procedimento investigatório instaurado para apurar a prática de incitação pública, feita
pela Internet, de plantio de maconha. A Procuradoria da República do Paraná enquadrou referida
conduta no crime previsto no art. 286, do CP (incitação à crime). O crime estava sendo praticado
em um site, abrigado pelo Geocities, oferecido pela Yahoo, no qual constam instruções técnicas
para cultivo e preparação da maconha para o consumo. Foi requerido pela PRP ao Juízo Federal da
1º Vara Criminal da Seção Judiciária de Curitiba, o envio dos autos ao Ministério Público Estadual,
por se entender que não havia elementos que caracterizavam a competência federal. Deferido o
pedido, instaurou-se, a seguir, um conflito negativo, visto que o juiz de direito da Vara de
Inquéritos Policiais da Região Metropolitana de Curitiba também se declarou incompetente para
julgar o processo, argumentando haver interesse da União, considerando-se a
extraterritorialidade, já que a titularidade do domínio do site está localizada na Califórnia, EUA.
Por votação unânime, em acórdão de lavra do Ministro Nilson Naves, confirmou-se a competência
da Justiça Comum Estadual, eis que o fato de o delito estar sendo cometido por meio da Internet,
por si só, não justifica a alegação de lesão direta a bens, serviços ou interesses da União. 228

Vale lembrar aqui, que o Projeto de Lei do Senador Eduardo Azeredo, sobre criminalidade
informática, pretende alterar o art. 1º da lei n. 10.446, de 08.02.02, que dispõe sobre as infrações
penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins
do disposto no inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição229, para agregar às funções da Polícia

227
Palestra proferida na Escola da Magistratura Federal, acerca do tema Crimes Cibernéticos, no evento sobre
criminalidade no mundo virtual, em 14.08.08.
228
Processo n. 62949, 3• Seção STJ.
229
Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 150

Federal as investigações dos delitos praticados contra ou mediante rede de computadores,


dispositivo de comunicação ou sistema informatizado. Apresentando, dessa forma, uma
verdadeira federalização da persecução dos crimes informáticos. Neste sentido, o promotor de
justiça Augusto Eduardo de Souza Rossini questiona o art. 21 do Projeto de Lei, nas sugestões
feitas pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais (CAO-Crim) do
Ministério Público, afirmando que esta atribuição deve ser mantida em nível estadual, sob pena de
haver um rompimento do pacto federativo.230

Na realidade, embora ainda haja dúvidas quanto à determinação de competência em


âmbito interno, este não constitui o nosso maior problema. O ponto nevrálgico, quando tratamos
deste assunto, é a determinação de qual o Estado que deverá exercer a sua jurisdição, vale dizer, a
determinação da competência de justiça. Nos dizeres de Salvatore Resta:

A difusão progressiva da interconexão da rede de computadores e do fluxo


transfronteiriço de dados, fez nascer um problema jurídico no caso dos crimes
informáticos internacionais. Em particular, resulta na árdua individualização do
lugar do cometimento do delito e da jurisdição competente, sobretudo, em
relação aos instrumentos de cooperação internacional.231

Celso Valin, ao tratar da questão da territorialidade e jurisdição nos crimes praticados pela
internet sugere, como sendo a melhor hipótese para a definição do local do crime e, portanto,
determinação da legislação aplicável: onde estiver o autor das infrações, pois, segundo ele: este

§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União
ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo
da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
230
CAO-Crim oferece sugestões ao projeto de Lei sobre crimes virtuais. Disponível em:
http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2008/Agosto/CAO-
Crim%20oferece%20sugest%C3%B5es%20ao%20projeto%20de%20Lei%20sobre%20crimes%20v. Acesso em:
09.11.08. O Dr. Eduardo Rossini exarou a mesma opinião em debate com o Dr. Renato Ópice Blum e com o assessor
do Senador Eduardo Azeredo, José Henrique Portugal, realizado no dia 06.11.08, no III Congresso Brasileiro de Direito
da Sociedade da Informação: Novos Desafios, realizado na FMU.
231
Texto original: La diffusione progressiva della interconnessione delle reti dei computers e dei flussi transfrontalieri
dei dati, há già fatto nascere determinati problemi giuridici Nei casi di crimini informatici internazionali. In particolare,
risulta árdua L’individuazione Del luogo di commissione del reato e della giurisdizione competente, anche, in relazione
agli strumenti dicooperazione Internazionale. RESTA, Salvatore. I Computer Crimes tra informática e telemática. Itália:
casa Editrice Dott. Antonio Milani, 2000, p. 153.

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Christiany Pegorari Conte 151

seria o país com melhores condições de aplicar uma eventual pena, bem como se evitaria a
necessidade de extradição para o país em que fosse condenado.232

Há entendimento, também, no sentido de que a competência deve ser deferida em favor


do juízo onde os efeitos da infração penal são maiores. Roberto Chacon de Albuquerque, neste
sentido, assinala:

O país com jurisdição para julgar e processar crimes informáticos seria o país
onde o autor do crime estava fisicamente presente, o país onde os dados foram
alterados, o país onde o efeito foi produzido, ou o país onde a prova pode ser
mais facilmente coletada? A transmissão de dados pode envolver tantas
unidades soberanas que se termine por determinar o país onde as conseqüências
ou os efeitos do crime se tornaram manifestos pela primeira vez de maneira
exclusivamente fortuita.233

O autor supracitado propõe uma revisão nos critérios existentes para determinação do
lugar do crime, muito embora isso também não seja absolutamente capaz de impedir que mais de
uma jurisdição se veja envolvida na investigação e julgamento de um mesmo crime.234 E defende
que a solução mais razoável seria a adoção do princípio de que o país com jurisdição para julgar e
processar crimes informáticos deve ser aquele em que se apresentem as melhores condições para
a defesa dos acusados e para a investigação do crime, nesta ordem.235

O doutrinador Augusto Eduardo de Souza Rossini afirma, por sua vez, que as normas que
disciplinam as questões de aplicação da lei penal e processual penal no espaço e de competência
continuam sendo suficientes para resolver as questões atinentes à fixação do juízo competente
nos crimes informáticos:

Para fixar a competência de uma infração penal telemática, o operador deverá


formular raciocínio idêntico ao que faz com relação aos crimes ditos tradicionais:
se material, formal, de mera conduta; se tentado, consumado etc. (...) as normas
de fixação de competência existentes não necessitam de qualquer alteração para
tratar das infrações penais telemáticas. Basta boa vontade do operador que,

232
VALIN, CELSO, op. Cit, p. 117.
233
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. A criminalidade Informática. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p.64.
234
Ibid., p. 65.
235
Ibid., p. 75.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 152

repita-se, deve conhecer direito material para classificar exatamente o delito que
a ele se apresenta.236

Por fim, Wladimir Aras pondera a possibilidade de utilização, por equiparação, da previsão
contida no art. 42 da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), que considera competente para o processo
e julgamento o foro do local onde for impresso o jornal237, conforme se verifica:

Esse dispositivo resolve conflitos de competência entre juízos situados em


comarcas diferentes, no mesmo Estado ou em Estados diversos, a partir da
consideração do provedor (de acesso ou de conteúdo) como ente equiparado a
empresa jornalística. Bem trabalhado, o principio pode ser adequado aos crimes
transnacionais, ainda que cometidos por meio da Internet, bastando que se
considere como local do fato aquele onde estiver hospedado o site de conteúdo
ofensivo.238

Referido autor ainda propõe, como alternativa a aplicabilidade do art. 72 do Código de


Processo Penal que estabelece a competência do foro de domicilio do réu, quando não for
conhecido o lugar da infração.239

Conforme visto no capítulo II, o ciberespaço não é propriamente um espaço, mas uma rede
de redes que não tem uma localização física. Estas redes existem à medida que conectam os
usuários, pontos desta, bem como, a informação se localiza em todo ponto da rede em que ela é
acessível. Assim, a definição da jurisdição aplicável, é motivo de muitas dúvidas, que não são
resolvidas pela aplicação estrita do princípio da territorialidade.

Sobre a dificuldade em se estabelecer jurisdição nos crimes informáticos, podemos citar o


caso da Yahoo França240, no qual um sujeito vendia virtualmente, pela Internet, objetos nazistas. O

236
ROSSINI, Augusto Eduardo de Souza. Informática, telemática e direito penal. São Paulo: memória jurídica editora,
2004, p. 178-179.
237
Art . 42. Lugar do delito, para a determinação da competência territorial, será aquele em que for impresso o jornal
ou periódico, e o do local do estúdio do permissionário ou concessionário do serviço de radiodifusão, bem como o da
administração principal da agência noticiosa.
238
ARAS, Vladimir. Crimes de Informática: uma nova criminalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2250>. Acesso em: 11/04/06.
239
Ibidem.
240
A Justiça francesa determinou que a Yahoo, um dos maiores provedores de serviços da Internet, proíbisse o acesso
de internautas franceses a sites que realizam leilões de relíquias nazistas. A sentença - uma das primeiras do gênero
no mundo - deve criar jurisprudência para casos semelhantes envolvendo sites internacionais.
A decisão é importante porque envolve a Yahoo, uma empresa muito conhecida, e a França, e não um país de terceiro
mundo, diz David Lound, especialista norte-americano em legislação internacional. Ao anunciar a proibição, o juiz

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Christiany Pegorari Conte 153

site estava hospedado nos EUA, mas os objetos eram oferecidos para todo o mundo, inclusive a
França. A jurisdição francesa entendeu que, neste caso, poderia ser acionada a Yahoo França, para
que esta impedisse o acesso de todos os usuários do país àquele site, que se encontrava
hospedado nos EUA, se fundamentando no fato de que os efeitos repercutiram na França.

Contudo, os efeitos também se espraiaram em outros países do globo, desse modo, cabe
questionarmos: será que os resultados de uma conduta podem servir de parâmetro para a fixação
da jurisdição nacional? O simples fato do acesso a uma determinada informação no Brasil já
serviria para que o país pudesse chamar para si a jurisdição?

Não há uma resposta concreta, nem no direito nacional, nem no direito internacional a
este respeito. Existem apenas critérios que podem ser utilizados para a definição da jurisdição.
Dentro destes critérios se destaca o da proibição de jurisdições irrazoáveis, ou seja, deve-se evitar
que se fixe uma jurisdição que não tenha relação com nenhum dos pontos finais ou iniciais da
conexão ou da comunicação. Exemplo: uma mensagem que tenha partido da Alemanha para
chegar no Brasil e tenha passado por um servidor nos EUA. A jurisdição americana, neste caso, não
parece ser a melhor, pois é apenas um ponto de conexão entre dois países, não é o local final, de
forma que deve ser afastada241.

Outro critério que merece destaque é o de se considerar o local de conexão à rede ou o do


resultado naturalístico como regra geral para a determinação da jurisdição, combinando-o,
entretanto, com o primeiro critério, que afasta a jurisdição irrazoável.

responsável do caso, Jean-Jacques Gomez, confirmou decisão que já tinha feito em maio.
A Yahoo teve um prazo de três meses para vetar o acesso dos usuários franceses aos leilões de relíquias nazistas.
Caso não cumprisse a medida, a empresa enfrentaria multas diárias de US$ 12.940 (R$ 24,8 mil). A empresa chegou a
alegar, numa audiência, não ter condições técnicas de impedir o acesso aos leilões apenas na França.
A Yahoo também sustentou que, se proibisse o acesso a todos seus usuários, estaria desrespeitando a liberdade de
expressão, garantida pela constituição dos Estados Unidos, onde fica a sede da companhia.
A sentença foi bem-vinda pela União dos Estudantes Judeus Franceses, uma duas organizações francesas que levaram
o caso à Justiça.
A proibição ajuda a acabar com a banalização da memória do Holocausto", disse o diretor da entidade, Yigal Harrar.
Segundo ele, a decisão judicial prova que a Yahoo tem capacidade técnica de impedir que apenas internautas
franceses acessem determinados sites. In: Justiça francesa manda Yahoo proibir acesso a leilões nazistas. Disponível
em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2000/001120_yahoo.shtml. Acesso em: 14.09.08.
241
A criminalidade informática não conhece fronteiras. Com uma troca de dados ou o envio de um e-mail, a
informação remetida, muitas vezes, passará, em poucos segundos, por dezenas de servidores, antes de atingir o
destinatário. Em virtude da estrutura descentralizada da internet, o caminho a ser tomado pelos dados não pode ser
previsto, nem determinado pelo internauta. Um e-mail enviado do Brasil para os EUA pode passar pelo Reino Unido,
caso o fluxo de dados entre aqueles países estiver congestionado. Sob o ponto de vista técnico, um internauta, a partir
dos EUA, pode modificar dados armazenados no Brasil, para então transferi-los para o Reino Unido com o objetivo de
obter uma vantagem ilícita. In: ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. A criminalidade Informática. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2006, p. 63.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 154

Entretanto, este segundo critério também deve ser analisado à luz do caso concreto, pois o
local da conexão ou do resultado naturalístico pode, em alguns casos, não auxiliar na
determinação da jurisdição, como por exemplo: quando o acesso da rede se dá por wirelless242,
ataques botnets243, sites móveis ou “ciberparaísos”, utilização de Proxy244 e etc.

Outro ponto relevante, que deve ser adotado como critério para determinação da
jurisdição, é que o lugar onde estão hospedados fisicamente os dados não serve de parâmetro
para definir jurisdição. O exemplo é o Orkut, em que os dados estavam fisicamente hospedados
nos EUA, entretanto, todas as conexões foram feitas a partir do Brasil e por brasileiros. Neste caso,
considerou a justiça brasileira, que o lugar do crime não era aquele onde estavam fisicamente
armazenados os dados, afastando a jurisdição americana. Vale ressaltar que o que se torna
relevante saber é: 1) quem tem acesso aos dados e 2) quem tem controle sobre estes pontos de
acesso (controle este realizado pelo provedor, mas que também pode ser burlado). Assim, nos
casos de serviços remotos dirigidos à brasileiros, em língua portuguesa, com o perfil do público
brasileiro e etc, tal como o Orkut, deve prevalecer o lugar da conexão para definir a jurisdição e
não a localização física do servidor245. Além disso, se o agente for de nacionalidade brasileira, pelo
princípio da personalidade, deve ser aplicada a lei nacional.

Mais um aspecto importante a ser considerado, diz respeito ao dever de proteção do


Estado brasileiro aos direitos fundamentais, sobretudo aqueles que o país se obrigou a punir
perante a comunidade internacional, como é o caso da pornografia infantil (Protocolo Facultativo
da Convenção de Proteção aos Direitos da Criança, segundo o qual o Brasil se obriga a punir o seu

242
A tecnologia wireless (sem fios) permite a conexão entre diferentes pontos sem a necessidade do uso de cabos. É
uma tecnologia capaz de unir terminais eletrônicos, geralmente computadores, entre si, devido às ondas de rádio ou
infravermelho, sem necessidade de utilizar cabos de conexão entre eles.
243
São redes formadas por computadores infectados com bots. Estas redes podem ser compostas por centenas ou
milhares de computadores. Um invasor que tenha controle sobre uma botnet pode utilizá-la para aumentar a potência
de seus ataques, por exemplo, para enviar centenas de milhares de e-mails de phishing ou spam, desferir ataques de
negação de serviço, etc.
244
Em informática, proxy é um tipo de servidor que atende a requisições repassando os dados a outros servidores. O
termo proxy, a propósito, vem do inglês e pode ser traduzido como "procurador". O usuário conecta-se a um servidor
proxy, requisitando algum serviço, como um arquivo, conexão, website, ou outro recurso disponível em outro
servidor. Um servidor proxy pode, opcionalmente, alterar a requisição do cliente ou a resposta do servidor e, algumas
vezes, pode disponibilizar este recurso sem nem mesmo se conectar ao servidor especificado.
245
Segundo o posicionamento do Procurador da República Dr. Sérgio Gardenghi Suiama, em palestra proferida na
Escola da Magistratura Federal, sobre criminalidade no mundo virtual: Competência Jurisdicional nos crimes de
internet, em 12.08.08.

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Christiany Pegorari Conte 155

nacional que pratique crimes relacionados à pornografia infantil246, ainda que o resultado tenha
ocorrido fora do Brasil, tendo em vista, também, que o nacional não pode ser extraditado 247).

Vale destacar ainda, que é inegável a necessidade de cooperação internacional entre os


Estados, independentemente de qual será o responsável pela aplicação da legislação (a exemplo
da União Européia). Isso porque a sociedade contemporânea já não concebe mais a idéia de
soberania nos moldes dos séculos passados, ou seja, a sociedade pós-moderna exige uma
transformação da soberania de regional para inclusiva, promovendo uma soberania orgânica de
cooperação entre os Estados. Neste sentido, Juan José González Rus comenta, se referindo a
adoção pelos países de uma política criminal que prestigie a cooperação internacional, que
devemos analisar qual o papel que cumpre atualmente a territorialidade na aplicação da lei penal
no espaço, inclusive no que tange a determinação do local do delito, bem como que não podemos
desconsiderar a questão da relativização da importância das fronteiras e do território, frente a
problemas que são considerados comuns entre os países, compatibilizando-se a necessidade de
colaboração entre os Estados, com a fragmentação que os efeitos da atribuição de competências
jurisdicionais nos apresenta248.

Somente um modelo de Estado transnacional será capaz de conter ou, ao menos


minimizar, os efeitos nocivos da criminalidade transfronteiriça. Ademais, os instrumentos de
cooperação devem ser ágeis para que possam ser eficazes. Atualmente, os instrumentos de
cooperação internacional existentes, em sua maioria, não funcionam a contento, tais como as
cartas rogatórias e o MLAT (tratado de assistência judiciária mútua), pois demoram muito para
serem cumpridos, fato este que, muitas vezes, impede a investigação e punição do crime
informático.

Por fim, nos parece relevante uma tentativa de tipificação uniforme, em um documento
internacional, nos moldes da Convenção do Conselho da Europa, das principais condutas
potencialmente praticáveis com o auxílio da Internet. Quanto mais uniformes são as legislações,
mais fácil se torna a aplicação da lei. No entanto, a harmonização legislativa não é tarefa fácil,

246
Art. 4º (...) 2. Cada Estado Parte poderá adotar as medidas que possam ser necessárias para estabelecer a sua
competência relativamente às infrações previstas no artigo 3º, item 1, nos seguintes casos: a) Caso o alegado autor
seja nacional desse Estado ou tenha a sua residência habitual no respectivo território; b) Caso a vítima seja nacional
desse Estado.
247
Art. 5º, inciso, LI, CF/88: nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum,
praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
na forma da lei.
248
Op. cit, p. 648.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 156

sobretudo, em relação aos crimes de conteúdo, sobre os quais há pouco ou nenhum consenso
internacional. Nos EUA, por exemplo, algumas condutas de racismo e de ódio são toleradas pela
primeira emenda à Constituição Americana249. Assim, quais legislações poderiam servir de
parâmetro para a harmonização e como escolher o sistema mais adequado, dentre outros fatores,
são questões intrincadas e que interferem na soberania dos Estados.

Enfim, conforme visto, diversos aspectos acerca da competência penal, podem ser
suscitados ao tratarmos de delitos informáticos. Não há critério único definido e aplicado por
todas as nações. Muitas são as divergências existentes em referência a este assunto, todavia, um
foco não pode ser deixado de lado, qual seja: a incorreta fixação da competência pode beneficiar o
infrator e gerar impunidade, fato este desinteressante à comunidade interna e internacional.

249
Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or
abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the
Government for a redress of grievances. Tradução Livre: O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer
uma religião, ou proibir o livre exercício das mesmas; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre
o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações
por ofensas. (Grifo nosso). A Primeira Emenda protege todo tipo de opiniões, tanto as más como as boas, a
propaganda comunista ou nazista, o material intolerante, racista ou sexista. A única exceção é quando se ameaça a
vida de alguém" esclarece Eugene Volokh, professor da Faculdade de direito da Universidade de Los Angeles, em Irvine,
na Califórnia. In: Ódio, racismo e crime, têm também seu espaço na Internet. Disponível em:
http://www1.an.com.br/2002/dez/27/0inf.htm. Acesso em: 14.09.08.

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Christiany Pegorari Conte 157

Conclusões

O período da pós-modernidade, em que se encontra inserida esta nova sociedade, é


marcado por uma intensa revolução digital também chamada de tecnológica, na qual o Brasil
encontra-se inserido, notadamente, a partir do momento em que experimentamos o ingresso da
Internet em nossas vidas.
Nessa esteira, o estudo da vigência da lei penal no espaço é, sem dúvida, o tema do Direito
Penal que mais suscita questionamentos dentro do contexto da globalização, tendo em vista que
postulados clássicos como o do monopólio estatal da distribuição da justiça penal e o principio da
territorialidade, amparados em um conceito de soberania que experimenta a mais magnífica
mutação, desde o seu nascimento como conceito jurídico, estão demandando novos estudos que
reformulem o seu perfil.
A visão clássica de soberania, como poder do Estado de aplicar suas leis dentro dos limites
de seu território, solucionando as lides que lhe são submetidas, modernamente sofreu uma
relativização, diante da necessidade de criação de instrumentos internacionais para atuarem
subsidiariamente, quando o conflito de interesses extrapolar os limites internos de um país,
ganhando contorno internacional.
Um novo pensar sobre o Direito Penal e Processual Penal é necessário, tendo em vista as
enormes transformações trazidas pela globalização e que implicam, também, no incremento da
criminalidade de caráter transnacional, especialmente, tendo em vista que a consumação de um
crime praticado pela Internet se dá em todos os lugares em que a rede é acessível.
Nesse sentido, surge a problemática da fixação da competência nos crimes informáticos,
tendo como fator inovador e relevante o ciberespaço, que extrapola as demarcações territoriais
dos Estados, carreando na dificuldade em se definir qual a lei aplicável, bem como qual país
poderá exercer a jurisdição, quando estamos diante de um delito perpetrado em ambiente virtual,
cujo iter criminis tenha se desenrolado em diversos lugares do mundo, através da rede mundial de
computadores.
A presente pesquisa traz a baila não apenas as dificuldades que se apresentam quando
tratamos da criminalidade informática, que vão desde a tipificação até o cerne do trabalho em
epígrafe, que é a fixação do juízo competente para processo e julgamento destes crimes, mas,

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 158

também, busca demonstrar como o judiciário tem resolvido as questões atinentes à competência
em face destas infrações modernas.
Neste sentido, os tribunais pátrios têm adotado como regra o disposto no art. 70 do CPP, o
local do resultado da conduta criminosa, vale dizer, da consumação delitiva, numa tentativa de
adequação das situações novidadeiras à intenção do legislador que, ao adotar a teoria do
resultado no CPP, o fez com o propósito de facilitar a coleta de provas, bem como para a garantia
da celeridade e economia processuais. Ademais, isto se fundamenta no reconhecimento do lugar
onde houve a maior repercussão social para justificar o exercício da jurisdição. No entanto, este
posicionamento, que procura solucionar as lides de acordo com a legislação em vigor, nem sempre
se demonstra eficaz. Até porque, é extremamente difícil indicar um critério único para
determinação de jurisdição e competência, pois as dificuldades e as inovações tecnológicas
transcendem à quaisquer regras.
Também tem sido discutido pelo judiciário o conflito de jurisdição entre a Justiça Federal e
a Justiça Comum Estadual para processar e julgar os crimes informáticos. Em relação a isso, os
tribunais têm entendido que apenas nas hipóteses elencadas nos incisos do art. 109 da CF, pode
ser suscitada a competência da Justiça Federal, isto é, quando o crime informático atentar contra
bens ou serviços da União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas; ou se tratar de
crimes previstos em documentos internacionais ou, por fim, quando se tratar de delitos
financeiros, nos casos previstos em lei, mantendo, desta forma, a justiça estadual, a residualidade
que lhe serve de característica.
Nesta esteira, ainda, cumpre ressaltar que o projeto de lei que trata de crimes
informáticos, embora constitua um avanço, ao tipificar os crimes informáticos, não trata de direito
processual e, conseqüentemente, não aborda a questão da competência, resvalando neste
assunto apenas no seu art. 21, que altera o art. 1º da lei 10.446/02, para federalizar a persecução
criminal dos crimes informáticos.
Acreditamos que o trabalho do legislador é de extrema importância para o efetivo combate
da criminalidade informática, principalmente tipificando condutas que possam ser punidas, mas
não somente. Necessitamos que o judiciário também se movimente para garantir a eficácia do
combate à este tipo de criminalidade.
Neste sentido, parece-nos interessante, para o combate à criminalidade informática, a
criação de varas especializadas nestes delitos, que propiciariam agilidade, bem como maior
profundidade nos julgamentos, e, também, da ampliação das delegacias especializadas para a
persecução criminal das infrações em epígrafe.

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Christiany Pegorari Conte 159

Ademais, aparenta-se prudente a definição da competência de acordo com alguns critérios


que comentamos no capítulo específico deste estudo, procurando-se evitar jurisdições irrazoáveis,
assim como, desponta como relevante e imprescindível a cooperação entre os países, com o fito
de que se possa combater eficazmente este tipo de delinqüência. Cremos que a melhor jurisdição
é aquela que tiver melhores condições de aplicar sua lei penal, respeitando-se, evidentemente,
regramentos que dizem diretamente com a soberania, tal como a possibilidade de extradição.
Verificamos que os óbices no combate aos crimes perpetrados em ambiente virtual são
inúmeros, sendo a determinação da competência um deles. A identificação de qual a jurisdição a
ser utilizada em face de cada caso concreto é problemática. Não há consenso na doutrina, nem na
jurisprudência. As dúvidas quanto à lei aplicável, bem como quanto ao órgão competente para a
resolução da lide penal subsistem diante de um Código de Processo Penal e um Código Penal da
década de 40, que parecem não acompanhar as evoluções tecnológicas.
Dessa forma, todos esses fatores nos levam a questionar se o Direito Penal e Processual
Penal em vigor são suficientes diante desta perspectiva que surge.

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Christiany Pegorari Conte 161

ANEXO I
COMENTÁRIOS AO SUBSTITUTIVO (ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003)250

O Substitutivo apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo251 aglutinou três projetos de lei
que já tramitavam no Senado, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema
eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra rede de
computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares, e dá outras
providências (veja as razões em detalhe no Apêndice B).

O PLC 89, de 2003, de autoria do Deputado Luiz Piauhylino, altera:


- o Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
- a Lei de Interceptações Telefônicas, Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.

O PLS 76, de 2000, de autoria do Senador Renan Calheiros, tipifica crimes cometidos com o uso
de informática mas sem alterar o Código Penal.

O PLS 137, de 2000, de autoria do Senador Leomar Quintanilha, determina o aumento das
penas ao triplo para delitos cometidos com o uso de informática.

250
Resenha Didática fornecida pela assessoria do Gabinete do Senador Eduardo Azeredo e complementada pelas observações feitas
pelo Professor Rui Stoco (Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Conselheiro do Conselho Nacional de
Justiça), que exara as seguintes considerações: A análise feita ao substitutivo é perfunctória, apenas a título de colaboração
imediata, sem ingressar em questões que merecem maior estudo, aprofundamento e maturação. Talvez, em outro momento, se possa
estudar melhor a possibilidade de regulamentar amplamente os crimes cometidos contra o sistema de informática e os crimes
praticados através da informática, ou seja, mediante a utilização da Internet (World Wide Web), ou rede mundial de computadores.
Mas penso ser importante verificar que inúmeros comportamentos humanos, estratificados como tipos penais no Código Penal e
considerados crimes, podem ser cometidos através da Internet (...). Por fim, o maior desafio é lograr impedir a impunidade que o
universo virtual da imagem e som propicia. O crime cometido à distância e sem fronteiras impede a punição. O indivíduo que
atua criminosamente mediante a utilização da WEB, pode fazê-lo de um país para outro de sorte que internamente não há como
responsabilizá-lo. Nestes casos – que são prevalecentes – há que se evoluir para a edição, através do concerto das nações, de
instrumentos (tratados, convenções, protocolos) supranacionais. A mim parece que esse prazo esgotou-se, pois a difusão de
informações (dados, textos, imagens, sons, diálogos, etc) ganhou o planeta e não encontra mais barreiras. Todavia, o avanço
tecnológico e as suas novas hipóteses fáticas andam bem mais rápido do que a nossa capacidade de regulamentar, disciplinar,
tipificar condutas e punir. Quiçá no âmbito dos países integrantes do MERCOSUL se possa concentrar instrumentos re
regulação e coibição. (grifos nossos).STOCO, Rui. Brasília, 28.04.08.
251
No caderno Notas e Informações, do Jornal O Estado de São Paulo, do dia 12.07.08, p. A3, foi elaborado comentário, na nota
denominada Uma lei para internet, acerca do projeto de lei em epígrafe, nos seguintes termos: Embora contenha pontos
controvertidos ou insuficientemente claros, o projeto que tipifica delitos praticados na internet, aprovado na última quarta-feira
pelo Senado, merece o aplauso de todos aqueles que consideram inaceitável que a ampla liberdade de expressão característica da
comunicação virtual sirva para prática de crimes repulsivos, como a disseminação de pedofilia (...). Ninguém tem a pretensão de
erradicar o lixo da rede global de computadores. O que se busca é conter, tanto quanto possível, a sua propagação, criando
mecanismos cada vez mais efetivos de identificação dos perpetradores e estabalecendo sanções penais (...). O Senado foi além da
questão da pedofilia. Tipificou como crimes a inserção de vírus – códigos maliciosos – e a violação ou divulgação de informações
confidenciais. No caso dos vírus, só é crime o ato doloso, intencional. Os internautas que os receberem inadvertidamente não serão
penalizados. Na versão original, todos os disseminadores seriam punidos, ‘o que resultaria em responsabilidade criminal para
quase metade dos computadores do País’, avalia o diretor do NIC.Br, entidade executora do Comitê Gestor da Internet no Brasil,
Demi Getschko. Em outra decisão sensata, os senadores afinal deixaram de fora o problema de download de imagens, vídeos e
músicas na Web. Conforme explicação do próprio Senador Eduardo Azeredo: Nãp existe nehuma alteração para o usuário comum.
Criamos penalidades para quem usar a internet para pedofilia, para quem mandar vírus ou destruir trabalhos científicos
profissionais. Baixar música não tem nada a ver com o projeto.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 162

O substitutivo aos três projetos, depois da aprovação das subemendas da Comissão de


Assuntos Econômicos, altera:
- o Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
- o Código Penal Militar, o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969;
- a Lei da Repressão Uniforme, a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002;
- a Lei Afonso Arinos, Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989;
- o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

A Convenção sobre o Cibercrime, do Conselho da Europa

A Convenção sobre o Cibercrime, celebrada em Budapest, Hungria, a 23 de novembro de


2001, pelo Conselho da Europa, teve como signatários 43 paises, europeus na sua maioria (veja
lista detalhada no Apêndice A) e ainda Estados Unidos, Canadá, África do Sul e Japão. Cada Estado
signatário deve ratificar as disposições constantes da Convenção no seu ordenamento jurídico
interno.

Embora o Brasil ainda não seja signatário da Convenção sobre o Cibercrime, pode ser
considerado um país em harmonia com suas deliberações, pois o presente Projeto de Lei já atende
às recomendações do seu Preâmbulo, como, por exemplo, “a adoção de poderes suficientes para
efetivamente combater as ofensas criminais e facilitar a sua detecção, investigação e persecução
penal, nos níveis doméstico e internacional e provendo protocolos para uma rápida e confiável
cooperação internacional”.

A harmonia é importante para otimizar a repressão dos crimes de informática,


notadamente transnacionais. O presente Projeto de Lei coloca o Brasil em condições de poder
tratar e acordar de maneira diferenciada, o que facilitará em muito a cooperação judiciária
internacional e eventuais extradições, com os países signatários da Convenção de Budapest e
outras, inclusive os EUA, país sede dos maiores provedores de acesso à rede mundial de
computadores.

Em resumo a Convenção recomenda procedimentos processuais penais, a guarda criteriosa


das informações trafegadas nos sistemas informatizados e sua liberação para as autoridades de

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Christiany Pegorari Conte 163

forma a cumprir os objetivos relacionados no preâmbulo. Além disso, trata da necessária


cooperação internacional, das questões de extradição, da assistência mútua entre os Estados, da
denúncia espontânea e sugere procedimentos na ausência de acordos internacionais específicos,
além da definição da confidencialidade e limitações de uso. Define também a admissão à
Convenção de novos Estados por convite e a aprovação por maioria do Conselho.

A harmonia crescente da legislação brasileira com a Convenção sobre o Cibercrime

A legislação brasileira em vigor já tipifica alguns dos crimes identificados pela Convenção,
como os crimes contra os direitos do autor e crimes de pedofilia, e, caso a caso, cuida de alguns
outros já tipificados no Código Penal. Veja abaixo o que, segundo a Convenção, a legislação penal
em cada Estado signatário deve tratar e a sua correspondência na legislação brasileira:

As leis brasileiras e a Convenção de Budapeste (CP – Código Penal e CPM – Código Penal
Militar)

Recomendação da Convenção Artigos das leis ou códigos


1 - do acesso ilegal ou não autorizado a sistemas 285-A do CP
informatizados 339-A do CPM
2 - da interceptação ou interrupção de Lei 9.296 de 1996, para crimes
comunicações, apenados com reclusão
154-A, 285-B, 163, 163-A e 171, §
3 - da interferência não autorizada sobre os dados 2º, VII do CP
armazenados 339-C, 259, 262, 262-A e 251 VI
do CPM
163-A, 171,§2º,VII, 297 e 298 do
4 - da falsificação em sistemas informatizados CP
311 do CPM
163 do CP
5 - da quebra da integridade das informações
259 e 262 do CPM
6 - das fraudes em sistemas informatizados com ou 163-A e 171,§2º,VII do CP
sem ganho econômico 262-A e 251 VI do CPM
241 da Lei 8.069, de 1990,
7 - da pornografia infantil ou pedofilia Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), alterado pela
Lei 10.764, de 2003;
Lei 9.609, de 1998, (a Lei do
Software), da Lei 9.610 de 1998,
8 - da quebra dos direitos de autor
(a Lei do Direito Autoral) e da Lei
10.695 de 2003, (a Lei Contra a
Pirataria);
9 - das tentativas ou ajudas a condutas criminosas 285-A do CP

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 164

339-A e 356 do CPM


art. 22 do Substitutivo,
10 - da responsabilidade de uma pessoa natural ou
responsabilidade dos provedores
de uma organização
de acesso
penas de detenção, ou reclusão,
e multa, com os respectivos
11 - das penas de privação de liberdade e de
agravantes e majorantes, das
sanções econômicas
Leis citadas e dos artigos do
Substitutivo.

A posição oficial do Brasil em relação à Convenção sobre o Cibercrime

Em dezembro de 2006 a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado


Federal (CRE) aprovou Requerimento de Informações, de autoria do Senador Eduardo Azeredo,
solicitando ao Ministério das Relações Exteriores qual o posicionamento oficial do Brasil em
relação à Convenção, uma vez que ele ainda não é dela signatário, que foi respondido em março
de 2007, informando que o Brasil aguarda o melhor momento para aceder à Convenção.

Em junho de 2007 e em abril de 2008 o Senador Eduardo Azeredo participou da


Conferência sobre o Cibercrime, em Estrasburgo, França, onde expôs a situação da legislação
brasileira no contexto.

São 13 os crimes civis tipificados no Substitutivo civis, mais 9 militares:

1 – Roubo de senha - Difusão de Código Malicioso – inclusão do art. 171, § 2º, VII, -
Estelionato Eletrônico

É a tipificação do “phishing” com pena de reclusão, de um a três anos. Foi incluída a majorante
de pena de uma sexta-parte se o autor se vale de nome falso ou da utilização da identidade de
terceiros.

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Christiany Pegorari Conte 165

2 - Falsificação de dados públicos – inclusão de “dado eletrônico” no art. 297

Mantida a pena, o enunciado passa a ser “Falsificar ou alterar, no todo ou em parte, dado
eletrônico ou documento público verdadeiro:”

3 - Falsificação de cartão de crédito ou de telefone celular – inclusão de “dado eletrônico” ao


enunciado do art. 298

Mantida a pena, o enunciado passa a ser “Falsificar ou alterar, no todo ou em parte, dado
eletrônico ou documento particular verdadeiro:”, abrangendo o cartão e telefone que são “dados
eletrônicos”,

3 – Destruição de dado alheio – alteração do enunciado do art. 163

Ficará assim: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia ou dado eletrônico alheio:”

5 – Inserção ou difusão de Código Malicioso – inclusão do art. 163 – A – “vírus,... etc”

O texto atualizou a redação dos projetos originais, colocando a difusão de código malicioso
que cause dano, como, por exemplo, o “vírus”, o “worm”, o trojan”, o “zumbi” etc. A pena é de
reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de
identidade de terceiros para a prática do crime, a pena é aumentada de sexta parte.

6 – Inserção ou difusão de Código Malicioso seguido de dano – inclusão art. 163–A, § 1º

A difusão de código malicioso seguida de dano, como, por exemplo, o “vírus”, o “worm”, o
trojan”, o “zumbi” etc. A pena prevista de reclusão de 2(dois) a 4(quatro) anos e multa.

7 - Acesso não autorizado – inclusão do art. 285-A

Acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem


autorização do legítimo titular, quando exigida. Pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 166

multa. Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática
do crime, a pena é aumentada de sexta parte.
8 – Obtenção não autorizada de informação e manutenção, transporte ou fornecimento
indevido de informação obtida desautorizadamente – inclusão do art. 285–B

Obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de


comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização,
do legítimo titular, quando exigida. Pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Se o
agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática do crime, a
pena é aumentada de sexta parte.

9 - Divulgação não autorizada de informações pessoais disponíveis em banco de dados -


inclusão do art. 154–C

Divulgar, utilizar, comercializar ou disponibilizar dados e informações pessoais contidas em


sistema informatizado com finalidade distinta da que motivou seu registro, salvo nos casos
previstos em lei ou mediante expressa anuência da pessoa a que se referem, ou de seu
representante legal. Pena de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. Se o agente se vale de
nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática do crime, a pena é
aumentada de sexta parte.

10- Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública – alteração do art. 265

Mantida a pena, incluído no tipo o serviço de “informação ou telecomunicação”.

11 – Ataques a redes de computadores - Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico,


telefônico, informático, telemático, dispositivo de comunicação, rede de computadores ou
sistema informatizado – alteração do art. 266

Os novos serviços no tipo incluem os ataques a redes de computadores tipo DoS, DdoS etc.

12 –Discriminação de raça ou de cor, disseminados através de rede de comutadores etc.

Alteração do art. 20, § 3º, II, da Lei Afonso Arinos, Lei nº 7.716/1989.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 167

13 –Receptar ou armazenar consigo imagens com conteúdo pedófilo

Alteração do enunciado do art. 241 da Lei nº 8.069, de 1990, Estatuto da Criança e


Adolescente.

14 a 22 - Alterações equivalentes propostas pelas Forças Armadas, sob coordenação do


Ministério da Defesa, para os dispositivos que alteram o Código Penal Militar.

A exemplo de outros artigos do CPM foram incluídas as expressões “em prejuízo da


administração militar” ou “desde que o fato atente contra a administração militar” ou “sob
administração militar”

Definições para efeitos penais

Para efeitos penais são definidos o que é “Dispositivo de Comunicação”, “Sistema


Informatizado”, “Rede de Computadores”, “Código Malicioso”, “Dados Informáticos”, “Dados de
Tráfego”.

Novos bens protegidos para efeitos penais

Para efeitos penais consideram-se também como bens protegidos o dado, o dispositivo de
comunicação, a rede de computadores, o sistema informatizado.

Sobre as obrigações do responsável por liberar acesso a uma rede de computadores ou


prestar serviços mediante o seu uso:

- Guardar os dados aptos das conexões realizadas pela rede de computadores;


- Atendendo requisição judicial, fornecer os dados no curso de investigação;
- Atendendo requisição judicial, preservar imediatamente os dados requisitados;
- Repassar à polícia as denúncias que receber de crimes passíveis de ação penal pública
incondicionada, como pedofilia, cometidos na rede;

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 168

- Pagar multa variável, de R$2mil a R$100 mil, aplicada pela autoridade desatendida, caso
não atenda às obrigações de guarda ou da requisição judicial de fornecimento dos dados,
independentemente de indenização à pessoa lesada, garantido o contraditório.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 169

APÊNDICE A

Convention on Cybercrime
CETS No.: 185
Treaty open for signature by the member States and the non-member States which have
participated in its elaboration and for accession by other non-member States

Opening for signature Entry into force

Conditions: 5 Ratifications including at least 3


Place: Budapest
member States of the Council of Europe
Date : 23/11/2001
Date : 1/7/2004

Status as of: 15/6/2008


Member States of the Council of Europe

States Signature Ratification Entry into force Notes R. D. A. T. C. O.

Albania 23/11/2001 20/6/2002 1/7/2004 X

Andorra

Armenia 23/11/2001 12/10/2006 1/2/2007

Austria 23/11/2001

Azerbaijan

Belgium 23/11/2001

Bosnia and Herzegovina 9/2/2005 19/5/2006 1/9/2006 X

Bulgaria 23/11/2001 7/4/2005 1/8/2005 X X

Croatia 23/11/2001 17/10/2002 1/7/2004

Cyprus 23/11/2001 19/1/2005 1/5/2005

Czech Republic 9/2/2005

Denmark 22/4/2003 21/6/2005 1/10/2005 X X X

Estonia 23/11/2001 12/5/2003 1/7/2004 X

Finland 23/11/2001 24/5/2007 1/9/2007 X X X

France 23/11/2001 10/1/2006 1/5/2006 X X X

Georgia 1/4/2008

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 170

Germany 23/11/2001

Greece 23/11/2001

Hungary 23/11/2001 4/12/2003 1/7/2004 X X X

Iceland 30/11/2001 29/1/2007 1/5/2007 X X

Ireland 28/2/2002

Italy 23/11/2001 5/6/2008 1/10/2008 X

Latvia 5/5/2004 14/2/2007 1/6/2007 X X

Liechtenstein

Lithuania 23/6/2003 18/3/2004 1/7/2004 X X X

Luxembourg 28/1/2003

Malta 17/1/2002

Moldova 23/11/2001

Monaco

Montenegro 7/4/2005 55

Netherlands 23/11/2001 16/11/2006 1/3/2007 X X

Norway 23/11/2001 30/6/2006 1/10/2006 X X X

Poland 23/11/2001

Portugal 23/11/2001

Romania 23/11/2001 12/5/2004 1/9/2004 X

Russia

San Marino

Serbia 7/4/2005 55

Slovakia 4/2/2005 8/1/2008 1/5/2008 X X X

Slovenia 24/7/2002 8/9/2004 1/1/2005 X

23/11/2001
Spain
r

Sweden 23/11/2001

Switzerland 23/11/2001

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 171

the former Yugoslav


23/11/2001 15/9/2004 1/1/2005 X
Republic of Macedonia

Turkey

Ukraine 23/11/2001 10/3/2006 1/7/2006 X X

United Kingdom 23/11/2001

Non-member States of the Council of Europe

States Signature Ratification Entry into force Notes R. D. A. T. C. O.

Canada 23/11/2001

Costa Rica

Japan 23/11/2001

Mexico

South Africa 23/11/2001

United States 23/11/2001 29/9/2006 1/1/2007 X X X

Total number of signatures not followed by ratifications: 21

Total number of ratifications/accessions: 23

Notes:(55) Date of signature by the state union of Serbia and Montenegro.


a: Accession - s: Signature without reservation as to ratification - su: Succession - r: Signature "ad
referendum".
R.: Reservations - D.: Declarations - A.: Authorities - T.: Territorial Application - C.: Communication
- O.: Objection.
Source : Treaty Office on http://conventions.coe.int

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 172

APÊNDICE B

Por que é preciso tipificar os crimes de informática ou cibercrimes:

Porque a Constituição Federal diz em seu art. 5º, do Título I, Capítulo I,dos Direitos e Garantias
Fundamentais, no inciso XXXIX, que:
“XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”

No Direito Penal não se admite a analogia para prejudicar o réu; ou seja, a conduta deve estar
claramente definida no texto da lei. Assim, algumas condutas criminosas mediante o uso de rede
de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, devem estar claramente
definidas na lei.

Por que é preciso alterar o Código Penal:

Porque a Constituição Federal em seu art. 59, parágrafo único, diz que “Lei complementar
disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.” Esta lei é a Lei
Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que no seu art. 7º, inciso IV, diz que:
“IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a
subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por
remissão expressa.”.

No nosso caso, a lei básica é o Código Penal, que está sendo alterado com mudanças de
redação ou inclusão de novos artigos, parágrafos, incisos etc., em complemento à lei existente.

Considerações Gerais sobre Direito Penal

O Direito Penal é um dos ramos do Direito Público que define as infrações que devem ser
punidas com mais rigor pelo Estado, e suas respectivas penas, estando a maior parte delas
previstas no Código Penal. Inclui os crimes punidos com privação da liberdade, restrição de
direitos e, também, multa. Inclui também as contravenções, definidas na Lei de Contravenções
Penais e punidas com prisão simples, com a possibilidade de aplicação isolada de multa.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 173

Em regra, para que exista a responsabilidade penal de uma pessoa em relação a um crime é
necessário que ela tenha agido, ou se omitido, com intenção ou vontade, ou seja, com dolo.

Quando expressamente previsto na lei penal, é possível responsabilizar penalmente uma


pessoa que age ou se omite por negligência, imprudência ou imperícia, ou seja, com culpa.

E, de acordo com o art. 23, “Exclusão de ilicitude”, Não há crime quando o agente pratica o
ato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Ou seja, inciso III, quando a pessoa age dentro daquilo que é direito seu ou seu dever legal.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 174

O Código Penal

O Código Penal está dividido em duas partes: a Parte Geral (arts. 1º a 120) e a Parte Especial
(arts. 121 a 361). Cada parte é dividida em Títulos, estes em Capítulos e estes em Seções, de
acordo com o bem jurídico que se quer proteger (como a vida, o patrimônio etc.). A essa divisão
dá-se o nome de topologia, ou localização dos crimes dentro do código.

A Parte Geral trata da Aplicação da Lei Penal (arts 1º a 12), do Crime (arts. 13 a 24), da
Imputabilidade Penal (arts. 26 a 28), do Concurso de Pessoas (arts. 29 a 31), das Penas (arts. 32 a
95), das Medidas de Segurança (arts. 96 a 99), da Ação Penal (arts. 100 a 106), da Extinção da
Punibilidade (arts.107 a 120).

A Parte Especial trata dos Crimes contra a Pessoa (arts. 121 a 154), dos Crimes contra o
Patrimônio (arts. 155 a 183), dos Crimes contra a Propriedade Imaterial (arts. 184 a 196), dos
Crimes contra a Organização do Trabalho (arts. 197 a 207), dos Crimes contra o Sentimento
Religioso e contra o Respeito aos Mortos (arts. 208 a 212), dos Crimes contra os Costumes (arts.
213 a 234), dos Crimes contra a Família (arts. 235 a 249), dos Crimes Contra a Incolumidade
Pública (arts. 250 a 285), dos Crimes contra a Paz Pública (arts. 286 a 288), dos Crimes contra a Fé
Pública (arts. 289 a 311), dos Crimes contra a Administração Pública (arts. 312 a 359) e Disposições
Finais (arts. 360 e 361).

Por que é preciso criar medidas administrativas como, por exemplo, a guarda de dados:

Porque a Constituição Federal diz em seu art. 5º, do Título I, Capítulo I, dos Direitos e Garantias
Fundamentais, no inciso II, que:
“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

E a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que no seu art. 3º, inciso III,
prescreve que:
“Art. 3º A lei será estruturada em três partes básicas:
.....................................................................................................................................................
III – parte final, compreendendo as disposições pertinentes às medidas necessárias à
implementação das normas de conteúdo substantivo *...+.”

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 175

No nosso caso, como acontece hoje, se a autoridade judicial requerer as informações de


conexões informáticas, a parte responsável pela conexão pode alegar que não é obrigado por
lei a guardar e muito menos a fornecer as informações.

A tramitação do SUBSTITUTIVO em Julho de 2008


O Projeto de Lei 76 de 2000, que tem apensados o PLC 89 de 2003 e o PLS 137 de
2000, teve o Substitutivo aprovado na Comissão de Educação (CE), depois na Comissão
de Ciência e Tecnologia – CCT e na Comissão de Assuntos Econômicos – CAE. Voltando à
CCJ em junho de 2008, o Substitutivo e as subemendas da CAE foram consolidadas em
Substitutivo já apresentado à CCJ, sendo aprovado em reunião de 18 de junho.

Em 09 de julho de 2008 foi aprovado em Sessão Plenária do Senado Federal, como Projeto
de Lei da Câmara nº 89, de 2003 – PLC 89 de 2003 e será enviado à Câmara dos Deputados para
revisão.

APÊNDICE C

SUBSTITUTIVO (ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003)


(Aprovado em Sessão Plenária do Senado Federal em 09 de julho de 2008)

Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-Lei nº 1.001,


de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e a Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para tipificar condutas
realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou
que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares,
e dá outras providências.”

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art.1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-
Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de
1989, e a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para
tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 176

computadores, ou que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas


informatizados e similares, e dá outras providências.

Art. 2º O Título VIII da Parte Especial do Código Penal fica acrescido do Capítulo IV, assim redigido:

“Capítulo IV
DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA
DOS SISTEMAS INFORMATIZADOS252253

Acesso não autorizado a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema


informatizado

Art. 285-A. Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de


comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso254:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros
para a prática do crime, a pena é aumentada de sexta parte.

Obtenção, transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação


Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do
legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado,
protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a
pena é aumentada de um terço.
Ação Penal
Art. 285-C. Nos crimes definidos neste Capítulo somente se procede mediante representação,
salvo se o crime é cometido contra a União, Estado, Município, empresa concessionária de

252
O Professor Rui Stoco apresentou parecer, em nome do Ministério da Justiça, acerca do projeto de lei em epígrafe, realizando
algumas observações que passaremos à acrescentar nos dispositivos correspondentes. Este material foi fornecido pelo Dr. Rui Stoco,
quando proferiu palestra acerca da Responsabilidade Civil e Penal na Internet, nas FMU, em 30.05.08.
253
Sugestão do Prof. Rui Stoco: Dos Crimes contra a segurança e o regular funcionamento dos sistemas informatizados de
comunicação.
254
Sugestões: crítica em relação à expressão “sistema informatizado constituinte”, pois gera dúvidas ao intérprete da norma. O
segundo aspecto a ser levantado refere-se à necessidade de autorização. Talvez seja necessária a ressalva “quando exigida”, pois nem
sempre a autorização para o acesso é solicitada. Redação sugerida: Acessar, sem prévia autorização do legítimo titular, quando
exigida, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado que permita acesso à rede de computadores.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 177

serviços públicos, agências, fundações, autarquias, empresas públicas ou sociedade de economia


mista e subsidiárias.”

Art. 3º O Título I da Parte Especial do Código Penal fica acrescido do seguinte artigo, assim
redigido:

“Divulgação ou utilização indevida de informações e dados pessoais


154-A. Divulgar, utilizar, comercializar ou disponibilizar dados e informações pessoais contidas em
sistema informatizado com finalidade distinta da que motivou seu registro, salvo nos casos
previstos em lei ou mediante expressa anuência da pessoa a que se referem, ou de seu
representante legal.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros
para a prática do crime, a pena é aumentada da sexta parte.”

Art. 4º O caput do art. 163 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)
passa a vigorar com a seguinte redação:

“Dano

Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia ou dado eletrônico alheio:
.......................................................................................................”(NR)

Art. 5º O Capítulo IV do Título II da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de


1940 (Código Penal) fica acrescido do art. 163-A, assim redigido:

“Inserção ou difusão de código malicioso


Art. 163-A. Inserir ou difundir código malicioso em dispositivo de comunicação, rede de
computadores, ou sistema informatizado.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Inserção ou difusão de código malicioso seguido de dano

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 178

§ 1º Se do crime resulta destruição, inutilização, deterioração, alteração, dificultação do


funcionamento, ou funcionamento desautorizado pelo legítimo titular, de dispositivo de
comunicação, de rede de computadores, ou de sistema informatizado:
Pena – reclusão, de 2(dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática
do crime, a pena é aumentada de sexta parte.”

Art. 6º O art. 171 do Código Penal passa a vigorar acrescido dos seguintes dispositivos:

“Art. 171 ................................................................................................


§ 2º Nas mesmas penas incorre quem:
................................................................................................................
Estelionato Eletrônico255
VII – difunde, por qualquer meio, código malicioso com intuito de facilitar ou permitir acesso
indevido à rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado:
§ 3º Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática
do crime do inciso VII do § 2º deste artigo, a pena é aumentada de sexta parte.”

Art. 7º Os arts. 265 e 266 do Código Penal passam a vigorar com as seguintes redações:

“Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública


Art. 265. Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força, calor,
informação ou telecomunicação, ou qualquer outro de utilidade pública256:
........................................................................................................ “(NR).

“Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático,


dispositivo de comunicação, rede de computadores ou sistema informatizado
Art. 266. Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico, telefônico, telemático,
informático, de dispositivo de comunicação, de rede de computadores, de sistema informatizado
ou de telecomunicação, assim como impedir ou dificultar-lhe o restabelecimento257:

255
O Dr. Eduardo Rossini, em debate realizado no dia 06.11.08, no III Congresso Brasileiro de Direito da Sociedade da Informação,
nas FMU, afirmou que este dispositivo não resolve as dificuldades de enquadrar a conduta perpetrada pela internet em estelionato ou
furto mediante fraude. Ademais, a aprovação desde dispositivo acarretaria em abolitio criminis das condutas já punidas pelo
enquadramento da conduta no art. 171 do CP.
256
Redação sugerida pelo prof. Rui Stoco: Atentar contra a segurança ou funcionamento de serviço de água, luz, força, calor,
informação ou telecomunicação, ou qualquer outro serviço essencial ou de utilidade pública.

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Christiany Pegorari Conte 179

...................................................................................................... “(NR)

Art. 8º O caput do art. 297 do Código Penal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Falsificação de dado eletrônico ou documento público
Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, dado eletrônico ou documento público, ou alterar
documento publico verdadeiro:
......................................................................................................”(NR)

Art. 9º O caput do art. 298 do Código Penal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Falsificação de dado eletrônico ou documento particular
Art. 298. Falsificar, no todo ou em parte, dado eletrônico ou documento particular ou alterar
documento particular verdadeiro:
......................................................................................................”(NR)

Art. 10. O art. 251 do Capítulo IV do Título V da Parte Especial do Livro I do Decreto-Lei nº 1.001,
de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), passa a vigorar acrescido do inciso VI ao seu §
1º, e do § 4º, com a seguinte redação:

“Art. 251. ........................................................................................................

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem:


.........................................................................................................................

Estelionato Eletrônico
VI - Difunde, por qualquer meio, código malicioso com o intuito de facilitar ou permitir o acesso
indevido a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou a sistema informatizado, em
prejuízo da administração militar
.........................................................................................................................

§ 4º - Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática


do crime, a pena é aumentada da sexta parte.”

257
O Prof. Rui Stoco recomenda uma pequena alteração de redação, pois parece haver um conflito de normas diante do que dispõe o
art. 151, parágrafo 1º, incisos II e III do Código Penal, no que se refere aos serviços telegráficos e telefônicos, embora esse conflito
decorra das próprias normas atualmente em vigor e não da alteração que se propõe.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 180

Art. 11. O caput do art. 259 e o caput do art. 262 do Capítulo VII do Título V da Parte Especial do
Livro I do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), passam a vigorar
com a seguinte redação:

“Dano Simples
Art. 259. Destruir, inutilizar, deteriorar ou faze desaparecer coisa alheia ou dado eletrônico alheio,
desde que este esteja sob administração militar:”(NR)
.........................................................................................................................
.........................................................................................................................

“Dano em material ou aparelhamento de guerra ou dado eletrônico


Art. 262. Praticar dano em material ou aparelhamento de guerra ou dado eletrônico de utilidade
militar, ainda que em construção ou fabricação, ou em efeitos recolhidos a depósito, pertencentes
ou não às forças armadas:”(NR)

Art. 12. O Capítulo VII do Título V da Parte Especial do Livro I do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de
outubro de 1969 (Código Penal Militar), fica acrescido do art. 262-A, assim redigido:

“Inserção ou difusão de código malicioso


Art. 262-A. Inserir ou difundir código malicioso em dispositivo de comunicação, rede de
computadores, ou sistema informatizado, desde que o fato atente contra a administração militar:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Inserção ou difusão código malicioso seguido de dano
§ 1º Se do crime resulta destruição, inutilização, deterioração, alteração, dificultação do
funcionamento, ou funcionamento não autorizado pelo titular, de dispositivo de comunicação, de
rede de computadores, ou de sistema informatizado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática
do crime, a pena é aumentada da sexta parte.”

Art. 13. O Título VII da Parte Especial do Livro I do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969
(Código Penal Militar), fica acrescido do Capítulo VII-A, assim redigido:

“Capítulo VII-A

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, jan./jun. 2014.


Christiany Pegorari Conte 181

DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DOS SISTEMAS INFORMATIZADOS

Acesso não autorizado a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema


informatizado
Art. 339-A. Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de
comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, desde que o
fato atente contra a administração militar:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros
para a prática do crime, a pena é aumentada de sexta parte.

RBMAD, São Paulo, volume 1, número 1, p. 49-208, Jan./Jun. 2014.


Jurisdição e competência nos crimes informáticos 182

Obtenção, transferência ou fornecimento não autorizado de dado ou informação


Art. 339-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do
legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado,
protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível, desde que o
fato atente contra a administração militar:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a
pena é aumentada de um terço.

“Divulgação ou utilização indevida de informações e dados pessoais


Art. 339-C Divulgar, utilizar, comercializar ou disponibilizar dados e informações pessoais contidas
em sistema informatizado sob administração militar com finalidade distinta da que motivou seu
registro, salvo nos casos previstos em lei ou mediante expressa anuência da pessoa a que se
referem, ou de seu representante legal.
Pena – detenção, de um a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros
para a prática de crime, a pena é aumentada da sexta parte.”

Art. 14. O caput do art. 311 do Capítulo V do Título VII do Livro I da Parte Especial do Decreto-Lei
nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), passa a vigorar com a seguinte
redação:
“Falsificação de documento
Art. 311. Falsificar, no todo ou em parte, documento público ou particular, ou dado eletrônico ou
alterar documento verdadeiro, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço
militar:”(NR)

Art. 15. Os incisos II e III do art. 356 do Capítulo I do Título I do Livro II da Parte Especial do
Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), passa a vigorar com a
seguinte redação:

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Christiany Pegorari Conte 183

“CAPÍTULO I

DA TRAIÇÃO

Favor ao inimigo

Art. 356. ...................................................................................................:


....................................................................................................................
II - entregando ao inimigo ou expondo a perigo dessa conseqüência navio, aeronave, fôrça ou
posição, engenho de guerra motomecanizado, provisões, dado eletrônico ou qualquer outro
elemento de ação militar;

III - perdendo, destruindo, inutilizando, deteriorando ou expondo a perigo de perda, destruição,


inutilização ou deterioração, navio, aeronave, engenho de guerra motomecanizado, provisões,
dado eletrônico ou qualquer outro elemento de ação militar.”(NR)

Art. 16. Para os efeitos penais considera-se, dentre outros:

I – dispositivo de comunicação: qualquer meio capaz de processar, armazenar, capturar ou


transmitir dados utilizando-se de tecnologias magnéticas, óticas ou qualquer outra tecnologia;
II – sistema informatizado: qualquer sistema capaz de processar, capturar, armazenar ou
transmitir dados eletrônica ou digitalmente ou de forma equivalente;
III – rede de computadores: o conjunto de computadores, dispositivos de comunicação e sistemas
informatizados, que obedecem a um conjunto de regras, parâmetros, códigos, formatos e outras
informações agrupadas em protocolos, em nível topológico local, regional, nacional ou mundial
através dos quais é possível trocar dados e informações;
IV – código malicioso: o conjunto de instruções e tabelas de informações ou qualquer outro
sistema desenvolvido para executar ações danosas ou obter dados ou informações de forma
indevida;
V – dados informáticos: qualquer representação de fatos, de informações ou de conceitos sob
forma suscetível de processamento numa rede de computadores ou dispositivo de comunicação
ou sistema informatizado;
VI – dados de tráfego: todos os dados informáticos relacionados com sua comunicação efetuada
por meio de uma rede de computadores, sistema informatizado ou dispositivo de comunicação,

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 184

gerados por eles como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando origem da
comunicação, o destino, o trajeto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo do serviço
subjacente.

Art. 17. Para efeitos penais consideram-se também como bens protegidos o dado, o dispositivo de
comunicação, a rede de computadores, o sistema informatizado.258

Art. 18. Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes
especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de
comunicação ou sistema informatizado.

Art. 19. O inciso II do § 3º do art. 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a
seguinte redação:

“Art. 20 ...............................................................................................
.............................................................................................................
§ 3º........................................................................................................
II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas, ou da publicação
por qualquer meio.
................................................................................................... “(NR)

Art. 20. O caput do art. 241 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte
redação:

“Art. 241. Apresentar, produzir, vender, receptar, fornecer, divulgar, publicar ou armazenar
consigo, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet,
fotografias, imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou
adolescente:259
...................................................................................................... “(NR)

Art. 21. O art. 1º da Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

258
Este dispositivo poderia ser descartado, tendo em vista que não se está criando um subsistema penal para os crimes informáticos,
mas apenas incluindo dispositivos em legislações já existentes.
259
Os verbos que expressam o núcleo do tipo já mostram que se trata de crime de ação múltipla, indicado pelos verbos, apresentar,
produzir, vender, receptar, divulgar, publicar e armazenar é, portanto, tipo aberto, de sorte que poderá consumar-se através de
qualquer comportamento ou, no caso, qualquer ação, pois exige-se conduta positiva.

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Christiany Pegorari Conte 185

“Art. 1º ...................................................................................................
................................................................................................................
V – os delitos praticados contra ou mediante rede de computadores, dispositivo de comunicação
ou sistema informatizado.
......................................................................................................”(NR)

Art. 22. O responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou
do setor público é obrigado a:

I – manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de três anos, com o objetivo de
provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da
origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e
fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;
II – preservar imediatamente, após requisição judicial, outras informações requisitadas em curso
de investigação, respondendo civil e penalmente pela sua absoluta confidencialidade e
inviolabilidade;
III – informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente, denúncia que tenha recebido e que
contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja
perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade.
§ 1º Os dados de que cuida o inciso I deste artigo, as condições de segurança de sua guarda, a
auditoria à qual serão submetidos e a autoridade competente responsável pela auditoria, serão
definidos nos termos de regulamento.
§ 2º O responsável citado no caput deste artigo, independentemente do ressarcimento por perdas
e danos ao lesado, estará sujeito ao pagamento de multa variável de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a
R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada requisição, aplicada em dobro em caso de reincidência, que
será imposta pela autoridade judicial desatendida, considerando-se a natureza, a gravidade e o
prejuízo resultante da infração, assegurada a oportunidade de ampla defesa e contraditório.
§ 3º Os recursos financeiros resultantes do recolhimento das multas estabelecidas neste artigo
serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública, de que trata a Lei nº 10.201, de 14 de
fevereiro de 2001.

Art. 23. Esta Lei entrará em vigor cento e vinte dias após a data de sua publicação.

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Jurisdição e competência nos crimes informáticos 186

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Christiany Pegorari Conte 187

ANEXO II - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO PELA GOOGLE260


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260
O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública contra a Google Brasil, por causa da resistência da empresa em
repassar dados de usuários suspeitos de pedofilia e de incitar crimes de ódio no site de relacionamentos ORKUT, que tem cerca de 30
milhões de usuários no Brasil. Desde 2006, mais de 100 mil páginas do site foram denunciadas por disseminar esses conteúdos.
Segundo o Procurador da República, que nos forneceu, aliás, cópia do Termo de Ajustamento de conduta que ora apresentamos neste
anexo, afirma que o Orkut responde hoje por 90% das denúncias recebidas pelo MPF. Segundo o Procurador, a Google foi notificada
para que apresentasse soluções, como permitir o acesso de autoridades aos álbuns, repassar dados de usuários e preservar as imagens
em um banco de dados para uso como prova em ações criminais. In: PEREIRA, Rodrigo. MPF vai à Justiça para Google liberar
dados. Jornal o Estado de São Paulo. Caderno Cidades/Metrópole, 09.04.08, p. C5.

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COMPUTADOR EM CASA. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Cidades, 01.01.08.
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POLÍCIA INVESTIGA NOVO SUSPEITO EM FRAUDE DE 4.9 BILHÕES DE EUROS. Jornal O Estado de
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QUADRILHA CONVERSAVA COM HACKERS DE TODO PAÍS. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno
Cidades;/Metrópole, 10.140.2007.
UMA LEI PARA A INTERNET. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Cidades;/Metrópole, 12.07.08.

PALESTRAS, CONGRESSOS E SEMINÁRIOS

III CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: NOVOS DESAFIOS.


Mesa Redonda sobre criminalidade informática. Local: Faculdades Metropolitanas Unidas. Data.
06.11.08.
CURSO SOBRE CRIMINALIDADE NO MUNDO VIRTUAL: CRIMES CIBERNÉTICOS. Local: Escola da
Magistratura Federal – EMAG. Data: 14.08.08.
SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE RESPONSABILIDADE PENAL. Local: OAB/SP e FMU. Data:
29.05.08.
I CICLO DE PALESTRAS SOBRE OS DESAFIOS DO DIREITO PENAL NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO: CRIMES CIBERNÉTICOS E TECNOLÓGICOS. Local: OAB/SP. Data: 03.04.08.
IV CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE PERÍCIAS EM CRIMES CIBERNÉTICOS (ICCyber). Palestra
sobre Criminalidade Informática. Palestrante: Dr. Paulo Quintiliano. Local: Hotel Sofitel Jequitimar.
Data: 26.09.07.

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