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A relevância da pesquisa de mercado na elaboração de projetos de investimento...

A relevância da pesquisa de mercado na


elaboração de projetos de investimento: um
estudo de caso com uma OSCIP de microcrédito
Murilo Carneiro
Graduado em Administração, Especialista em Análise Financeira e
Mestre em Administração pelo CUML
Conselheiro de Administração da Crescer – Crédito Solidário
Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Administração do CUML
Rua Padre Euclides, 995
Cep: 14100-000 – Ribeirão Preto – SP – Brasil
e-mail: muca.ml@convex.com.br
Daisy Aparecida do Nascimento Rebelatto
Graduada em Engenharia Civil pela UFSCar, mestre em Engenharia de
Produção e doutora em Engenharia Mecânica pela EESC-USP.
Pós-doutorada pela Universidad Complutense de Madrid. Docente dos cursos
de graduação e pós-graduação em Engenharia de Produção da EESC-USP
Avenida Trabalhador São Carlense, 400
Cep: 13566-590 – São Carlos – SP – Brasil
e-mail: daisy@prod.eesc.usp.br

Resumo
Este trabalho tem como objetivo demonstrar a relevância do estudo de mercado na elaboração
de projetos de investimento e, para isso, apresenta o caso de uma Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP), de pequeno porte, que atua no segmento de microcrédito.
Os resultados apresentados pelo estudo de caso levam a concluir positivamente sobre a relevân-
cia da elaboração da pesquisa de mercado bem estruturada, e de como as informações obtidas
podem determinar a continuidade ou não de um processo de análise de investimento.
Palavras-chave: Projetos de investimento; Pesquisa de mercado; Microcrédito.
Abstract
This research aims at demonstrating the importance of the market study in preparing investment
projects. It presents the case of a small Non-governmental Public-interest Organization (OSCIP)
that operates in the microcredit sector. The results presented by the case study lead us to
conclude positively about the importance of a very well structured market survey and to
understand how the information obtained may contribute to the decision to continue a process
of investment evaluation.
Keywords: Investment projects; Market survey; Microcredit.

1. Introdução
Este trabalho associa dois temas de interesse da área de finanças - projetos
de investimento e microcrédito - que podem ser considerados como pouco tra-
tados pela literatura acadêmica.

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No Brasil, em razão da imprevisibilidade econômica, que só passou a ser


amenizada em 1994 com a implementação do Plano Real, a geração de projetos
de investimento foi relegada a um segundo plano, o que originou, salvo raras
exceções, uma carência de obras atualizadas.
Ostrenga (1993) afirma que as decisões de investimento, especialmente em
termos de posicionamento estratégico competitivo, devem estar entre as mais
importantes decisões tomadas pelo executivo, visto que a saúde financeira da
empresa depende, em grande parte, dessas decisões. O espaço para possíveis
erros praticamente deixou de existir e qualquer equívoco pode ser fatal. Diante
dessa realidade, os executivos precisam de ferramentas para racionalizar o pro-
cesso de tomada de decisão em relação aos investimentos. A elaboração de
projetos de investimento apresenta-se como um dos principais instrumentos para
tal finalidade.
O microcrédito é o outro tema tratado no presente trabalho. Como é relati-
vamente novo, pode ser considerado escasso o conhecimento produzido e dis-
ponível a seu respeito. Porém, cada vez mais o microcrédito tem adquirido des-
taque no mundo, o que pode ser comprovado pela declaração da ONU, que
considera o ano de 2005 como o Ano Internacional do Microcrédito. No Brasil,
está sendo tratado como uma das prioridades do Governo Federal para a gera-
ção de renda e a redução do desemprego.
Dentre os grandes problemas enfrentados pela sociedade moderna, o de-
semprego é um dos que mais se destacam. Sabidamente, os micro e pequenos
empreendimentos têm um potencial muito maior para gerar empregos que as
grandes empresas, pois, como eles não têm condições de fazer grandes investi-
mentos em equipamentos e máquinas, utilizam-se, proporcionalmente, de uma
quantidade maior de funcionários. Esses micro e pequenos empreendimentos
enfrentam, no seu dia-a-dia, vários desafios para sobreviver no mercado; um
dos mais relevantes é a falta de recursos financeiros para capital de giro e capi-
tal fixo.
De acordo com Painter e Tang (2001), os programas de microcrédito, ao
fornecerem crédito aos pequenos empreendimentos que não têm acesso ao seg-
mento bancário tradicional, tornam-se importantes instrumentos de combate à
pobreza e desenvolvimento econômico para as comunidades menos favorecidas.
Pacanhan et al. (2004) ressaltam o importante papel que é cumprido pelo
microcrédito no que diz respeito às possibilidades de combate à pobreza, na
medida em que o acesso ao crédito produtivo contribui para a melhoria da qua-
lidade de vida do segmento pertencente à base da pirâmide econômica e social.
Quanto à geração de empregos, podem ser comprovados os resultados con-
cretos nesse sentido recorrendo-se à afirmação de Dokmo (2000). Segundo ele,
em 1999, um total de 176.147 clientes, em 25 países em desenvolvimento, fo-
ram beneficiados por operações de microcrédito, e tais clientes geraram 276.886
empregos.
A geração de projetos de investimento, que normalmente está na pauta das
grandes organizações, também pode e deve ser levada em conta por organiza-

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ções de pequeno porte. Este trabalho tem como objetivo demonstrar a relevân-
cia do estudo de mercado na elaboração de projetos de investimento e, para
isso, apresenta o caso de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Pú-
blico (OSCIP), de pequeno porte, que atua no segmento de microcrédito.
Para consecução do objetivo principal, adotou-se a pesquisa aplicada
como método, pois, de acordo com Salomon (1991), ela tem como objetivo a
aplicação de leis, teorias e modelos, na descoberta de soluções ou no diagnósti-
co de realidades.
Além de se estabelecer o tipo de pesquisa a ser utilizado, deve-se tam-
bém buscar o método de procedimento de tal pesquisa. O método adotado é o
dedutivo, que é definido, por Lakatos e Marconi (1991), como um método no
qual a busca da solução parte de teorias ou leis aceitas. Conforme apresentado
anteriormente, o estudo de mercado é uma técnica bastante conhecida e utiliza-
da na elaboração de projetos de investimento.
Após a definição do tipo e do método, deve-se adotar um procedimento
de pesquisa. O procedimento utilizado foi o estudo de caso em uma OSCIP de
microcrédito, a Crescer – Crédito Solidário, cujas peculiaridades são apresen-
tadas a seguir. Não houve a preocupação de se utilizar mais de uma organiza-
ção, pois, segundo Yin (1989), no estudo de caso o objetivo do investigador é
expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüên-
cias (generalização estatística).
O trabalho foi dividido em quatro grandes tópicos. No primeiro e no segun-
do, foram feitas revisões bibliográficas sobre os dois temas abordados:
microcrédito e projetos de investimento. Destaca-se aí a relevância de se utili-
zar a pesquisa de mercado como a primeira etapa na elaboração de projetos de
investimento.
Na seqüência, são apresentados os resultados obtidos com o estudo de caso
em uma OSCIP de microcrédito e, no tópico final, são relatadas as conclusões.

2. Microcrédito
Pode-se atribuir a Mohammed Yunus, professor de economia bengalês, o
título de pioneiro do microcrédito no mundo. No ano de 1974, em Bangladesh,
Yunus se comoveu com a situação de uma aldeia, onde algumas artesãs recor-
riam a agiotas para comprar matéria-prima utilizada na confecção de seus pro-
dutos. Passou a emprestar-lhes seu próprio dinheiro, com uma taxa de juros
bem mais baixa. Com essa atitude ele mudou a vida delas e a sua também. Essa
experiência o inspirou a criar, em 1976, o Banco Grameen (Banco das Aldeias).
De acordo com um estudo elaborado pela Caixa Econômica Federal (2002), o
Grameen Bank é o caso de microcrédito mais mencionado no mundo.
Cabe destacar que os transtornos que os agiotas trazem à vida dos
microempreendedores ainda não acabaram. Brusky e Fortuna (2002) constata-
ram, em uma pesquisa realizada nas cidades de Recife e São Paulo, que recur-
sos advindos de agiotas ainda são muitos utilizados. O problema é que eles

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cobram taxas de juros em torno de 20% ao mês, além da violência e das amea-
ças que fazem parte de seus métodos usuais de cobrança.
Segundo Parente (2002), a idéia de operar com empréstimos de pequena
monta, adotando o princípio da confiança e dispensando a burocracia exigida
pelos bancos tradicionais, foi inicialmente muito criticada pelo Banco Mundial,
que logo depois reviu sua posição e passou a apoiar a idéia. O Banco Grameen
tornou-se um modelo e passou a ser utilizado como referência em dezenas de
países, introduzindo em todo o mundo os conceitos de microfinanças e
microcrédito.
Após a citação desses dois conceitos, torna-se importante diferenciá-los.
Microfinanças constituem a prestação de serviços financeiros adequados e sus-
tentáveis para a população de baixa renda, através de produtos diferenciados,
como contas correntes simplificadas e microcréditos, que são empréstimos de
pequena monta a pessoas provenientes de parcelas da população tradicional-
mente excluídas do sistema financeiro tradicional. O objetivo deste trabalho é
tratar de apenas um dos produtos da indústria de microfinanças: o microcrédito.
A partir do histórico apresentado por Parente (2002), pode-se constatar que
o ano de 1994 foi o grande marco do microcrédito no Brasil. Até aquele ano, as
operações de microcrédito eram praticamente inexistentes. Somente a FENAPE
(Federação Nacional dos Pequenos Empreendedores) e o Banco da Mulher atua-
vam nesse segmento antes de 1994. Essa demora no surgimento de organiza-
ções que atuassem com microcrédito justifica-se por três razões: as altas taxas
de inflação, a tradição de crédito governamental dirigido e subsidiado para pro-
gramas de caráter assistencialista e a legislação estrita, que condenava como
usura toda ação concorrencial com as instituições financeiras convencionais.
O surgimento de organizações de microcrédito mais bem estruturadas ocor-
reu somente após a implementação do Plano Real, em 1994, que reduziu as
taxas de inflação e trouxe ao país uma relativa estabilidade econômica. O gran-
de exemplo a ser citado é o surgimento da Portosol, em Porto Alegre, no ano de
1995, que serviu de modelo para várias outras organizações que foram funda-
das posteriormente. Barcellos e Beltrão (2000) citam a grande importância que
tal instituição teve para o desenvolvimento dos microempreendimentos da Grande
Porto Alegre, pois, até o ano de 2000, ela já havia liberado 11.600 créditos,
totalizando 20,4 milhões de reais.
Outro exemplo que deve ser mencionado é a iniciativa pioneira do Banco
do Nordeste, que lançou o programa Crediamigo em 1997, passando a atuar
diretamente na concessão de microcrédito por meio de 50 agências. De acor-
do com Parente (2002), o Banco do Nordeste tornou-se a segunda maior ins-
tituição no fornecimento de microcrédito na América Latina em apenas dois
anos de atividade.
É possível também destacar o surgimento, nos últimos anos, dos chamados
“Bancos do Povo”, que são iniciativas de governos estaduais, como parte da
política pública de geração de trabalho e renda. A grande crítica a essa iniciativa
é que, ao cobrar apenas 1% de juros ao mês, no caso do estado de São Paulo, tais

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organizações nunca conseguirão atingir sua auto-suficiência. De acordo com o


professor Fernando Nogueira da Costa, do Instituto de Economia da Unicamp,
citado por Parente (2002), o governo acaba fornecendo crédito a fundo perdido,
pois a experiência internacional desaconselha operar com taxas inferiores às de
mercado. Dessa forma, elimina-se a possibilidade de a agência alcançar sua
autonomia política e sustentabilidade econômica.
Além das iniciativas do setor público, pode ser destacado o surgimento, em
várias cidades brasileiras, de organizações de pequeno porte que operam com
microcrédito. Normalmente, seu raio de atuação é pequeno, abrangendo apenas
a cidade onde estão localizadas. A tipologia dessas organizações, segundo Kwitko
(2002), é apresentada a seguir:

• ONG (Organização não Governamental) - associação civil sem fins lu-


crativos, regida por estatuto social, não vinculada de forma obrigatória a
nenhuma entidade controladora e, assim, sujeita a restrições quanto às
estipulações usurárias.
• OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) - pessoa
jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, regida por estatuto e que
não se encontra sujeita à Lei da Usura. Pode estabelecer parcerias para
executar parte das políticas sociais que cabem aos poderes públicos.
• SCM (Sociedade de Crédito ao Microempreendedor) - associação com
fins lucrativos, que pode ser constituída como sociedade por quotas de
responsabilidade limitada ou sociedade anônima. Sujeita-se à fiscaliza-
ção do Banco Central.
• Cooperativa de Crédito - sociedade de pessoas de natureza civil, sem
fins lucrativos, com o objetivo de conceder empréstimos e prestar servi-
ços aos seus associados e com funcionamento determinado pelo seu res-
pectivo estatuto social.

Os bancos comerciais também estão autorizados a conceder microcréditos.


O Banco Central do Brasil, através de uma resolução de agosto de 2003, auto-
rizou os bancos a utilizar 2% do seu recolhimento de depósito compulsório
como fonte de recursos para ofertar microcrédito.
Segundo Prado (2003), cada instituição financeira está adotando critérios
diferentes na hora de conceder os empréstimos. Algumas restringem o crédito
apenas a certas categorias ou somente liberam o dinheiro para pequenos empre-
endedores rigorosamente selecionados. Outras instituições declaram que o sim-
ples fato de o requerente não ser inadimplente e ter menos de R$ 1.000,00 no
banco é suficiente. Os prazos de pagamento oferecidos variam de 4 a 12 meses.
Apesar de o próprio governo estar chamando de microcrédito esta nova
modalidade de empréstimo que os bancos estão oferecendo, defende-se que ela
é muito diferente do microcrédito oferecido pelas OSCIP’s, tipo de organização
utilizada no estudo de caso do presente trabalho. De acordo com Alves (2003),
de forma equivocada, estão sendo divulgadas como microcrédito medidas de

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“bancarização” e de criação de novas linhas de crédito para consumo, que não


são microcrédito, confundindo a opinião pública. O microcrédito caracteriza-se
pela geração de trabalho e renda, financiando atividades produtivas que propi-
ciam desenvolvimento sustentável.
Esta opinião também é compartilhada por Pedro Moreira Salles, CEO do
Unibanco e presidente do Conselho de Administração da Planet Finance, uma
ONG de origem francesa, que atua no Brasil e em mais sete países com o
propósito de apoiar o desenvolvimento do microcrédito por meio da divulga-
ção das melhores práticas mundiais. Salles (2003) argumenta que o microcrédito
tradicional busca apoiar empreendedores pequenos e microempreendedores
que desejam investir no seu negócio e com ele crescer. Alguns chamam isto de
“crédito produtivo”, para diferenciar do “crédito de consumo”. Para o autor, é
tudo muito diferente: o cliente, que na sua grande maioria não é “bancarizado”,
a natureza dos riscos e custos envolvidos, o treinamento do quadro funcional,
os processos, etc. Ele afirma que, por esses motivos, tem receio de chamar de
microcrédito esta nova modalidade de crédito de consumo oferecida pelos
bancos.
Diante do exposto, serão consideradas operações de microcrédito, neste tra-
balho, as operações de “crédito produtivo” oferecidas por organizações sem
fins lucrativos denominadas OSCIP’s, pois elas se enquadram nas característi-
cas apresentadas por Alves e Salles.
Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (2003),
a indústria de microfinanças, no Brasil, ainda se encontra em estágio embrioná-
rio, mesmo possuindo um histórico de mais de duas décadas. O país apresenta
uma série de condições favoráveis ao seu desenvolvimento representadas prin-
cipalmente pela grande quantidade de clientes potenciais – 70% da população
brasileira estão excluídos do sistema financeiro.

2.1 Caracterização do segmento de atividade

Microcrédito é o tipo de financiamento disponibilizado por organizações


com ou sem fins de lucro, no qual são cobradas taxas de juros, e direcionado aos
segmentos de menor poder aquisitivo da população, especialmente a
microempreendedores, constituídos ou não formalmente.
As OSCIP’s que atuam com microcrédito têm várias características que as
distinguem das instituições financeiras convencionais (Tabela 1).
A primeira delas é relacionada à estrutura de propriedade, que nas OSCIP’s
especializadas em microcrédito é diferente das instituições financeiras conven-
cionais (bancos comerciais e empresas financeiras). As instituições convencio-
nais têm acionistas institucionais e individuais com mentalidade comercial, com
“grandes capitais” que lhes permitem oferecer capital adicional em um momen-
to de crise. Já nas OSCIP’s não se pode contar com tal respaldo financeiro, pois
seus fundadores e administradores não são capitalistas e, normalmente, sua mis-
são é mais social que financeira.

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A segunda característica é a de que os clientes das OSCIP’s de microcrédito


são diferentes dos clientes das instituições financeiras convencionais. Na maio-
ria das vezes, são microempreendedores de baixa renda que têm negócios fami-
liares rudimentares e documentação formal limitada. Diante dessas característi-
cas, são considerados de alto risco.
Finalmente, a terceira característica diferenciadora aponta que a metodologia
de análise de crédito é diferente dos procedimentos das instituições financeiras
convencionais. A análise da reputação e do fluxo de caixa dos clientes é mais
importante que as garantias e a documentação formal.

Tabela 1.- Características distintivas entre crédito convencional e microcrédito

Característica Crédito convencional Microcrédito


Propriedade e forma Instituição maximizadora Bancos e ONG’s.
de gerência de benefícios e acionistas
individuais.
Cliente Diversos tipos de empresas Empresários de baixa
formais e empregados renda com firmas
assalariados. familiares e rudimentares.
Limitada documentação
formal.
Metodologia de Garantia e documentação Análise de devedor e
empréstimo formal. de fluxo de caixa com
inspeção in loco.
Produto Valores altos. Taxas de juros baixas.
Longo prazo. Créditos pequenos.
Curto prazo. Taxas
de juros altas

Fonte: adaptado de Jansson e Wenner (1997) e Rock e Otero (1997).

2.2 Desafios para a consolidação das OSCIP’s

No Brasil, as OSCIP’s que atuam com microcrédito enfrentam vários desa-


fios para se consolidarem no mercado. Segundo estudo realizado pela Caixa
Econômica Federal (2002), eles podem ser assim resumidos:

• Inadimplência: É um dos maiores problemas de toda a indústria de


microcrédito no Brasil, devido à má qualidade das carteiras no país. Conse-
qüentemente, essa situação não só aumenta os custos das instituições brasi-
leiras, mas, principalmente, impossibilita o seu crescimento. É bom lembrar

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que essa inadimplência, longe de ser um fenômeno independente, é conse-


qüência dos outros desafios que serão tratados. No entanto, caso se conside-
re a indústria mundial de microcrédito, o nível de inadimplência normal-
mente não é alto, ficando abaixo de 5% da carteira total das instituições, em
média. Na intenção de reduzir a taxa de inadimplência, as instituições de
microcrédito criaram o papel do agente de crédito, cuja função é, além de
possibilitar que esses clientes alcancem o sistema financeiro, acompanhar o
cliente de maneira próxima e contínua em seu local de trabalho, e avaliar a
viabilidade de seu microempreendimento. As organizações de microcrédito
também devem utilizar outras estratégias para contornar esse problema.
Carneiro, Matias e Tumenas (2004) sugerem que tais organizações elabo-
rem modelos estatísticos de previsão de clientes insolventes, com o intuito
de minimizar problemas de insolvência nas suas carteiras.
• Marketing: Apesar de as organizações de microcrédito ainda investirem
pouco nessa área, elas reconhecem a importância do marketing como uma
ferramenta de crescimento. Há ainda uma grande dependência do “boca-a-
boca”, o que não é suficiente para possibilitar que penetrem no mercado de
forma maciça, de maneira a atingir o seu objetivo, que é reduzir considera-
velmente a pobreza mundial. Portanto, essas instituições precisam de uma
divulgação adequada para que possam atingir seus clientes potenciais.
• Auto-sustentação: De acordo com Salles (2003), ainda são relativamente
poucas as sociedades de microcrédito que atingiram a escala necessária à auto-
suficiência econômica; portanto, um dos grandes desafios para as organiza-
ções de microcrédito é atingir seu ponto de equilíbrio, ou seja, construir uma
carteira ativa de clientes que seja suficiente para que possam cobrir todos os
seus gastos apenas com as receitas de suas operações de crédito. O primeiro
passo, em busca da auto-sustentação, é conhecer o montante dessa carteira.
Carneiro et al. (2004a) apresentam um modelo para que esse montante seja
obtido através do cálculo do ponto de equilíbrio econômico, levando em con-
ta as peculiaridades das organizações que atuam nesse segmento.

3. Projetos de investimento
O estudo para decisões ótimas de investimento é uma área complexa, cujo
interesse vem merecendo cada vez mais atenção de acadêmicos, empresários e
governo, no sentido de serem encontradas melhores condições de resposta aos
problemas que se apresentam.
Um projeto de investimento, ao ser avaliado, passa por uma análise inicial
que estuda sua viabilidade perante diversos indicadores, como a taxa e o tempo
de retorno do investimento, o valor presente líquido e a relação custo-benefício,
entre outros. Considerada a viabilidade financeira, econômica e social de um
projeto, é possível identificar, pelo menos, três grupos que possuem interesse
direto ou indireto no estudo a ser realizado: investidores, órgãos de fomento e
comunidade regional.

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3.1 Método de elaboração de projetos de investimento

Uma organização não deve elaborar aleatoriamente suas propostas de inves-


timento; tais propostas devem estar ligadas ao seu planejamento estratégico.
Esta idéia também é compartilhada por Casarotto Filho e Kopittke (2000), quando
afirmam que a definição dos projetos de investimento de uma empresa é decor-
rente de sua Estratégia Empresarial, que é fruto de um processo de Planejamen-
to Estratégico.
O Planejamento Estratégico compreende as estratégias e políticas que de-
vem ser delineadas pela alta administração, após uma análise interna (definindo
pontos fortes e fracos) e externa (levantando oportunidades e ameaças) e que
abrangem a organização como um todo, enfatizando mais o longo prazo.
Em organizações de grande porte, sugere-se que cada departamento ou Uni-
dade Estratégica de Negócios, além de elaborar seu orçamento de gastos
operacionais (salários, matérias-primas, materiais de escritório, energia, etc),
elabore também seu orçamento preliminar de capital, ou seja, deve-se fazer
uma previsão dos gastos com os investimentos que se pretende implementar.
A alta administração, que é responsável pela aprovação final do orçamento,
definirá quais são os projetos de investimento viáveis, ou seja, aqueles que se
enquadram no Planejamento Estratégico e na verba de que a organização dis-
põe para investir. Além disso, a alta administração também pode elaborar proje-
tos de investimento que envolvam a empresa como um todo.
Há autores que sugerem que seja dada, aos departamentos, autonomia para
decidir sobre pequenos investimentos, para que a alta administração não fique
sobrecarregada. Os gastos com investimentos inexpressivos, como a compra de
um martelo, devem ser tratados, segundo Gitman (2001), como gastos
operacionais que não exigem uma análise formal. Ele afirma que a alta adminis-
tração deve somente se preocupar com projetos de investimento que gerem de-
sembolsos financeiros acima de certo montante.
A elaboração de projetos de investimento requer metodologia específica,
composta por várias etapas. De acordo com Rebelatto (2004), genericamente,
pode-se resumir esse processo em cinco grandes etapas: estudo de mercado,
estudo de tamanho e localização, engenharia do produto, análise de custos e
receitas e avaliação da viabilidade econômica e financeira.

• Estudo de Mercado

Permite que sejam identificados diversos elementos importantes, tais como:

- Análise da demanda - levantamento da intenção dos consumidores em ad-


quirir determinado bem ou serviço. Pode ser feito através de questionários
ou entrevistas (pesquisa de mercado).
- Análise da oferta - é a quantidade de determinado bem ou serviço que os
produtores esperam vender num determinado período.

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- Análise setorial - visa identificar concorrentes, ameaças de entrada no mer-


cado, características dos fornecedores, políticas governamentais e produtos
substitutos.

• Estudo de Tamanho e Localização

Visa determinar a capacidade ideal de produção a ser instalada, levando em


conta planos futuros de ampliação. Além do tamanho, é necessário definir o
local no qual o empreendimento será instalado, inicialmente, por meio de um
estudo sobre macrolocalização, com características de países, regiões e estados
e, posteriormente, por um estudo sobre microlocalização, ou seja, característi-
cas de cidades e bairros, de maneira a definir o local mais apropriado.

• Engenharia do Produto

Trata-se do detalhamento dos processos e equipamentos que deverão ser


utilizados na elaboração do produto ou serviço a que se refere o projeto. Nesta
etapa, também é importante definir o projeto do trabalho, ou seja, os direitos e
deveres dos funcionários, para que suas expectativas fiquem bem posicionadas.

• Análise de Custos e Receitas

Casarotto Filho (2002) afirma que, após a definição do estudo de mercado,


da estratégia de comercialização, do processo produtivo e da localização, tais
parâmetros devem ser consolidados em termos econômico-financeiros, pela
projeção de receitas e custos, previstos para o projeto.
A análise deverá ser feita sobre os fluxos, de forma incremental, ou seja,
somente devem ser levadas em conta as alterações que ocorrerão no caixa de-
correntes da implementação do projeto de investimento; portanto, fluxo de cai-
xa incremental é o fluxo de caixa adicional que a organização passará a ter
acima do fluxo de caixa operacional anteriormente projetado. Um projeto de
investimento, uma vez implementado, passará a gerar novas receitas (entradas
de caixa) e novos gastos (saídas de caixa); pela dedução de tais gastos das recei-
tas, é possível obter o fluxo de caixa incremental líquido.

• Avaliação da Viabilidade Econômica e Financeira

Utilizando o fluxo de caixa incremental líquido como subsídio, várias técni-


cas podem ser utilizadas para se mensurar a viabilidade econômica e financeira
de um projeto de investimento. Dentre elas, as mais comuns são o Valor Presen-
te Líquido (VPL), a Taxa Interna de Retorno (TIR) e o Período de Retorno do
Capital (payback).
Na maioria da vezes, a implantação de um projeto de investimento acarreta
efeitos diretos e indiretos sobre as pessoas e a sociedade como um todo; portan-

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to, também é importante que se faça uma Avaliação Social do Projeto, ou seja,
um levantamento dos impactos que serão gerados para a sociedade.

3.2 Relevância do estudo de mercado

De acordo com o trabalho elaborado por Carneiro et al. (2004a), as OSCIP’s


de microcrédito devem possuir uma expressiva carteira ativa de operações para
que consigam atingir a auto-sustentação, pois normalmente seus custos fixos
são altos. A grande maioria tem apenas atuação local, ou seja, seu raio de atua-
ção se restringe à cidade onde está localizada. Uma das estratégias que podem
ser utilizadas para o aumento da carteira de empréstimos é a ampliação do raio
de atuação para as cidades vizinhas.
A decisão de investir em expansão não pode ser tomada sem o desenvolvi-
mento de um projeto de investimento, que requer, primeiramente, a elaboração
de um estudo de mercado. “Entendendo-se a elaboração de um Projeto de In-
vestimento como uma seqüência de procedimentos em espiral, um ponto favo-
rável para o início dos estudos é representado pelo estudo do mercado.”
(REBELATTO, 2004, p. 1).
Casarotto Filho (2002) ressalta a importância da elaboração do estudo de
mercado ao afirmar sua influência sobre as demais etapas de um projeto de
investimento, o que reflete de forma direta no sucesso ou insucesso do empre-
endimento. Esse estudo permite identificar elementos importantes para a elabo-
ração e a avaliação do projeto, tais como: análise da demanda, região geográfi-
ca e concorrência. O primeiro passo é definir exatamente o produto ou serviço
cuja demanda vai ser analisada. Também é importante identificar os bens subs-
titutos e complementares ao produto/serviço em pauta.
Existem várias técnicas para se viabilizar um estudo de mercado. Neste
trabalho, destaca-se a pesquisa de mercado, na qual, através de questionários
ou entrevistas, são coletadas informações sobre os clientes potenciais. Quan-
to mais profunda e extensa for a pesquisa, maiores e melhores serão as infor-
mações disponíveis para a elaboração do projeto de investimento. Por outro
lado, pesquisas mais elaboradas geram custos mais elevados e demora.
Rebelatto (2004) afirma que modelos simples de pesquisa de mercado custam
pouco, mas podem ter um custo elevado para as empresas em termos de erro
de decisão.

4. Estudo de caso
A organização Crescer - Crédito Solidário foi fundada em agosto de 2000 e
constituída como uma ONG. Atua em Ribeirão Preto, cidade com aproximada-
mente 600 mil habitantes, situada no estado de São Paulo. Sua missão é o forta-
lecimento das pequenas iniciativas econômicas, por meio da disponibilização
de microcrédito aos excluídos do setor financeiro, visando à geração de renda e
ao combate ao desemprego.

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A motivação do grupo que a fundou, que tem ligação com os movimentos


pastorais da Igreja Católica, surgiu em decorrência da Campanha da
Fraternidade de 1999, que tinha o trabalho e o desemprego como tema. Du-
rante a Campanha, foi feita uma parceria entre a Igreja local e alunos e profes-
sores da Faculdade de Economia e Administração da USP – Ribeirão Preto,
com o objetivo de elaborar uma minuciosa pesquisa sobre o desemprego na
cidade. Descobriu-se que Ribeirão Preto possuía, na época, cerca de 90 mil
pessoas desempregadas ou vivendo com menos de dois salários mínimos men-
sais (18% da população).
Diante dessa realidade, um grupo de estudo foi organizado para iniciar um
projeto para enfrentar tal problema. O grupo tomou conhecimento do trabalho
realizado pelo Banco Grameen, de Bangladesh, e de algumas experiências que
já existiam no país, como a Instituição Comunitária de Crédito Portosol, que
atua na região de Porto Alegre – RS, e do Banco do Povo, de Santo André, no
ABC paulista.
Decidiu-se pela fundação de uma ONG que iria atuar com microcrédito,
com respaldo da arquidiocese da cidade, que forneceu um pequeno capital para
sua constituição, proveniente dos recursos arrecadados na Campanha da
Fraternidade. A Arquidiocese também colaborou para a viabilização de uma
parceria com um banco local, com o objetivo de conseguir recursos financeiros
para viabilizar o fornecimento dos créditos.
Em 2002, a Crescer transformou-se em OSCIP e recebeu um aporte de re-
cursos da Prefeitura Municipal. Nesse mesmo ano, participou de um concurso
promovido pelo Sebrae Nacional para eleger 30 organizações com as quais ele
desenvolveria um programa de estímulo à difusão do microcrédito, no qual con-
correram outras 140. A Crescer foi uma das aprovadas, destacando-se por ser a
única com atuação no estado de São Paulo.
O quadro funcional é composto por 6 funcionários, sendo 1 gerente, 4 agen-
tes de crédito e 1 assistente administrativo. A organização é gerida por um con-
selho de administração composto por 5 membros. A evolução da Crescer nesses
4 anos de atividade pode ser observada pela carteira ativa de empréstimos –
vide Tabela 2.

Tabela 2.- Evolução da carteira ativa de empréstimos

Período Montante (R$) Variação (R$) Variação (%)


Jan/2001 79.784,79 0,00 0
Jun/2001 104.971,45 25.186,66 31,57
Jun/2002 231.112,17 86.192,51 59,48
Jun/2003 341.004,50 44.987,57 15,20
Jun/2004 332.159,07 - 8.845,43 - 2,59

Fonte: Crescer - Crédito Solidário.

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A relevância da pesquisa de mercado na elaboração de projetos de investimento...

Vale ressaltar que, no último ano, o crescimento ficou estagnado devido à


dificuldade na obtenção de recursos financeiros para expansão de sua carteira
de empréstimos. De acordo com Carneiro et al. (2004b), este é um problema
que vem afetando várias organizações sem fins lucrativos, no Brasil e em outros
países da América do Sul.
A Crescer acredita estar conseguindo atingir sua missão de fornecer crédito
aos excluídos, visto que, da sua carteira de clientes, apenas 2% possuem curso
superior, 85% têm uma renda mensal inferior a R$ 1.200,00 e 72% são infor-
mais. Esses microempreendedores, além de garantirem sua subsistência, pas-
sam a ter condições de ampliar seus negócios, gerando novos empregos.

4.1 Histórico do projeto de investimento

Conforme já comentado, a Crescer participou de um concurso promovido


pelo Sebrae e foi uma das organizações vencedoras. Por meio de uma parceria,
a Crescer receberá recursos financeiros para liberar novas operações de
microcrédito; porém, a liberação de tais recursos tem uma contrapartida: eles
devem ser obrigatoriamente destinados à expansão dos negócios em uma outra
cidade. O funding somente será liberado ao se apresentar um projeto de inves-
timento que demonstre que a expansão é viável.
Na escolha da cidade para o projeto de expansão, o critério que mais pesou
foi a proximidade. Para que os custos sejam menores, não se pretende, em um
primeiro momento, montar uma filial. O agente de crédito atuará na cidade, mas
utilizará a estrutura operacional que já existe em Ribeirão Preto. Dentre as cida-
des próximas, a que apresenta o maior número de habitantes é Sertãozinho, em
torno de 100.000. Por isso, acredita-se que seja a cidade que possa oferecer
maiores oportunidades de negócio.
Diante da exigência do Sebrae, e levando-se em conta o arcabouço teórico
que envolve a elaboração de projetos de investimento, decidiu-se pela elabora-
ção de uma pesquisa de mercado. Para a elaboração da pesquisa, a Crescer
firmou parceria com uma organização especializada, o Núcleo de Estudos e
Pesquisas Econômicas “Prof. Paulo Dantas da Silva Jr.” (NEPE), vinculado ao
Centro Universitário Moura Lacerda, de Ribeirão Preto.

4.2 Metodologia da pesquisa de mercado

O tamanho da amostra foi estimado a partir de dados da PNAD (Pesquisa


Nacional por Amostra de Domicílio), desenvolvida pelo IBGE (Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística), referentes ao ano de 2000, que revela que o
número de micro/pequenos negócios formais, com CNPJ, em Sertãozinho, é de
2973. Já o número de pequenos negócios informais é estimado em 25% dos
negócios formais, estimativa baseada na média nacional, segundo dados da
PNAD. Dessa forma, a partir dessas estatísticas, decidiu-se pela realização de
quatrocentas entrevistas, representando mais de 10% do total de micro/peque-

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nos negócios formais e informais, o que é, estatisticamente, bastante superior ao


recomendado por métodos usuais de amostragem.
Das quatrocentas entrevistas, aproximadamente 75%, ou 300 entrevistas,
foram destinadas à coleta de dados do setor informal e 25%, ou 100 entrevistas,
foram destinadas à coleta de dados do setor formal. Adotou-se essa proporção
devido ao objetivo da Crescer em atender, prioritariamente, ao setor informal,
que normalmente é excluído pelas instituições de crédito do sistema financeiro.
Neste trabalho, foram considerados informais todos os empreendimentos des-
providos de CNPJ.
A coleta de dados teve início em fevereiro de 2004 e terminou em maio do
mesmo ano, ressaltando-se que a aplicação dos 400 questionários (total da amos-
tra) levou aproximadamente um mês para ser executada, de meados de março a
meados de abril.
Antes da aplicação efetiva dos questionários, fez-se um mapeamento da
cidade de Sertãozinho, cujo objetivo era detectar os maiores pontos de con-
centração de micro e pequenas empresas/negócios, formais ou informais.
Essa delimitação permitiu que se respeitasse a proporcionalidade quando
do estabelecimento do número de questionários aplicados em cada bairro/
região.
Simultaneamente à aplicação dos questionários, procedeu-se à checagem da
amostra, que correspondeu a aproximadamente 12% do total de questionários
aplicados. Procedeu-se, a seguir, à tabulação dos dados e, finalmente, às análi-
ses quantitativa e qualitativa.
De maneira a cumprir o objetivo dessa etapa, que era a análise da demanda
por microcrédito na cidade de Sertãozinho (SP), foi utilizado o método estatís-
tico de análise “t de Student” para amostras com nível de confiança de 90 ou
95%. Posteriormente, foi realizado um teste de hipótese para avaliar as diferen-
ças de demanda entre o setor formal e o setor informal.
A utilização do “teste t” ocorre em função de ser o teste usual para pesquisas
por amostragem com n > 30 e quando há desconhecimento da média e do des-
vio-padrão populacionais.

5. Resultados obtidos
Didaticamente, as informações mais relevantes obtidas com a pesquisa de
mercado podem ser divididas em cinco grupos:

• Caracterização das empresas: Na amostra, há uma predominância de em-


presas que atuam no comércio (49,7%) e em serviços (47,1%). Há muitos
empreendimentos com certa experiência no segmento em que atuam, pois
57,2% estão estabelecidos há mais de 3 anos. Somente 12,1% estão há me-
nos de seis meses no mercado. As empresas são realmente de pequeno por-
te: somente 7,7% possuem um faturamento mensal superior a R$ 3.000,00 e
5,7% têm um quadro com mais de 3 funcionários.

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A relevância da pesquisa de mercado na elaboração de projetos de investimento...

• Caracterização dos proprietários: O nível de escolaridade dos empreen-


dedores é baixo, pois somente 16,3% possuem segundo grau completo e
1,2% curso superior. Há predominância do número de casados (65,8%) em
relação aos solteiros (15,5%). Quanto ao número de dependentes, a maioria
(52,4%) possui 1 ou 2.
• Acesso ao sistema financeiro tradicional: Na amostra, 44,5% dos entrevis-
tados possuem conta corrente em bancos, em nome do proprietário ou do
empreendimento. Para os que não possuem conta corrente (55,5%), ao ser
questionado o motivo, somente 13,2% tiveram suas contas encerradas devido
a problemas com pagamento de operações de crédito. Dentre os que possuem
conta corrente, 56,4% possuem limite de cheque especial. Entre estes empre-
endedores, 72,9% declararam utilizar a mesma conta corrente para fins pes-
soais e para o empreendimento. Entre os entrevistados que possuem conta
corrente e que já fizeram empréstimos bancários, 74% não tiveram grandes
dificuldades para quitá-lo. A burocracia (informações e documentos exigi-
dos), a necessidade de comprovação de renda e as altas taxas de juros cobra-
das foram as maiores dificuldades apontadas pelos entrevistados que já recor-
reram a empréstimos bancários e que tiveram suas solicitações atendidas.
• Necessidades de capital: Dos empreendedores entrevistados, 51,2% decla-
raram possuir necessidade de recursos financeiros para capital de giro (com-
pra de matéria-prima ou mercadorias); destes, 90,8% disseram que o mon-
tante necessário é igual ou inferior a R$ 5.000,00. Em relação ao capital
fixo, 66,3% precisam de recursos para ampliação ou reforma do empreendi-
mento; destes, 61,3% demandam um montante igual ou inferior a R$ 5.000,00.
Quanto à compra de máquinas e equipamentos, 53,1% declararam ter esta
necessidade, sendo que, em 83,2% dos casos, o montante necessário não
ultrapassa R$ 5.000,00. A compra de utilitários é uma necessidade para 39,8%
dos entrevistados e 63,2% conseguiriam suprir sua necessidade com R$
5.000,00. Quando os entrevistados foram questionados sobre o valor máxi-
mo de que poderiam dispor mensalmente para pagar uma operação de em-
préstimo, a resposta da maioria (72,7%) situou-se na faixa entre R$ 51,00 e
R$ 300,00. Em relação ao prazo, 61,2% declararam que não contrairiam
empréstimos com prazo igual ou superior a 18 meses. Quanto à taxa de
juros, a grande maioria (89,4%) dos potenciais tomadores de empréstimos
afirmaram que estariam dispostos a pagar uma taxa máxima entre 1 e 2% ao
mês. O percentual de empreendedores com restrições cadastrais junto a ins-
titutos de proteção ao crédito é pequeno, correspondendo a somente 12,7%
da amostra. O nível de endividamento levantado foi pequeno, pois somente
8,7% possuem algum tipo de endividamento com instituições financeiras.

6. Conclusões
O objetivo deste trabalho foi demonstrar a relevância que o estudo de merca-
do possui na elaboração de projetos de investimento, a partir dos resultados apre-

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sentados em uma pesquisa de mercado para uma OSCIP de microcrédito. Depen-


dendo dos resultados obtidos com tal pesquisa, a organização pode abortar o pro-
jeto ou dar continuidade às próximas etapas, o que evidencia sua relevância.
Diante dos resultados obtidos com a pesquisa de mercado para microcrédito
em Sertãozinho - SP, concluiu-se que a Crescer deve dar continuidade às próxi-
mas etapas, pois a demanda existe e o produto oferecido se enquadra nas neces-
sidades dos clientes potenciais. É possível ratificar esta afirmação a partir dos
comentários apresentados na seqüência.
As operações de crédito somente podem ser oferecidas a empreendedores
que estejam estabelecidos há mais de seis meses. Na amostra, somente 12,1%
estão no mercado há menos de seis meses. A maioria dos empreendimentos
possui poucos funcionários e o crédito pode gerar um aumento em sua capaci-
dade produtiva, favorecendo a contratação de mais funcionários. Isto corrobora
a missão da organização, que é combater o desemprego.
Durante os quatro anos em que a Crescer vem atuando em Ribeirão Preto,
foi possível observar que, estatisticamente, os casados têm uma tendência me-
nor de se tornarem insolventes. Especula-se que seja decorrência do maior nível
de responsabilidade e comprometimento que têm, devido à necessidade de sus-
tentar suas famílias. Na amostra, 15,5% são solteiros e 65,8% são casados, con-
figurando maioria.
A concorrência que pode vir a ser oferecida pelas instituições financeiras
tradicionais não pode ser considerada como ameaça, pois 55,5% dos clientes
não possuem conta corrente em bancos. Além disso, tem-se verificado, no mer-
cado onde a Crescer já atua, que as taxas de juros oferecidas por bancos e
financeiras, para este segmento de clientes, são mais altas que as oferecidas por
ela. Parece ser importante também ressaltar que as OSCIP’s de microcrédito
possuem maior agilidade na liberação do crédito e exigem menos documenta-
ção. Outra informação obtida foi o baixo nível de endividamento dos empreen-
dedores que possuem relacionamento com instituições financeiras.
Uma das limitações do microcrédito é o valor máximo das operações que,
na Crescer, é de R$ 6.000,00. Por meio da pesquisa, foi possível constatar que
este fator não inviabilizaria o negócio, pois a necessidade de capital de giro e
capital fixo da grande maioria dos clientes se mostra inferior a essa quantia.
Outra possível limitação seria o prazo máximo de parcelas, que é de 15
meses. A pesquisa mostrou que isto não é problema, pois a maioria afirmou que
não contrairia empréstimos com prazo igual ou superior a 18 meses.
Dentro do processo de crédito da Crescer, não se liberam operações para
clientes que possuam restrições cadastrais. Esta limitação também não é proble-
ma, pois somente 12,7% possuem restrições junto a institutos de proteção ao
crédito.
A pesquisa forneceu uma informação que, apesar de não inviabilizar o negó-
cio, deve ser analisada com atenção. A maioria dos entrevistados declarou que
teria condições de pagar parcelas mensais que variassem de R$ 51,00 a R$ 300,00.
Este intervalo indica a necessidade de cautela na liberação de créditos acima de

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R$ 3.000,00. A taxa de juros cobrada pela Crescer geraria, para uma operação
deste valor, em um prazo de 15 meses, uma parcela mensal de R$ 280,00.
A única informação obtida que pode inviabilizar o negócio é a de que
89,4% dos microempreendedores afirmaram que estariam dispostos a pagar
uma taxa máxima entre 1 e 2% ao mês. A pesquisa não aponta qual foi o
parâmetro utilizado pelos entrevistados para pleitear taxas em patamares tão
baixos. Especula-se que seja devido a dois motivos. O primeiro é óbvio: o
cliente não quer pagar taxas de juros altas. O segundo pode ser devido às
constantes campanhas publicitárias de grandes lojas de varejo, que anunciam
planos de pagamento com taxas de juros muito baixas afirmando, em alguns
casos, que se trata de taxa nula.
Apesar de essa informação trazer preocupação, acredita-se que ela não
inviabiliza o negócio, pois cabe ao agente de crédito, que manterá contato dire-
to com os empreendedores, demonstrar as vantagens do microcrédito, como,
por exemplo: pouca burocracia, agilidade na liberação e taxa de juros compatí-
vel com as taxas do sistema financeiro tradicional.
Os resultados apresentados pelo estudo de caso levam a concluir positiva-
mente sobre a relevância da elaboração da pesquisa de mercado bem estruturada,
e de como as informações obtidas podem determinar a continuidade ou não de
um processo de análise de investimento. Vale ressaltar que, apesar de sua im-
portância, a pesquisa de mercado é apenas a primeira etapa do estudo de viabi-
lidade de um investimento. Para que o projeto em questão seja concluído, é
necessário dar seqüência a outras quatro etapas, pelo menos: o estudo de tama-
nho, a engenharia do produto, a análise de custos e receitas e a avaliação da
viabilidade econômica e financeira, como sugerido pela literatura.

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Submetido em 8 de dezembro de 2004


Aprovado em 11 de janeiro de 2005

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