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ARTIGO

Cenário

A ARTE DA
CONTRAINTELIGÊNCIA
EMPRESARIAL
Mandamentos baseados na arte da guerra
Por Antonio Celso Ribeiro Brasiliano

N
ós somos feitos para encarar a uma des- Decepção consiste em identificar uma ameaça
graça mesmo que por falsidade... nós para a informação de alguém e responder cuidado-
continuaremos a lutar com a convicção samente com informações desenhadas para atingir
que a honestidade é a melhor política e apenas um receptador, com a intenção de distrair a
que a verdade sempre acaba vencendo. É um sen- atenção para longe do que a empresa está realmente
timento muito bonito para um livro infantil, mas o fazendo. Fundamental para essa aproximação é criar
homem que se baseia nisso faria melhor se embai- as condições de erro por parte do concorrente.
nhasse sua espada para sempre. Manual do Solda- Também é importante ter em mente a quantidade
do Britânico (1869) de tempo que a empresa necessita de proteção da
Decepção é uma das mais exóticas contramedidas informação sensível sem comprometer o projeto.
usadas para prevenir a perda de informações sensíveis. A essência da decepção é saber — ou acreditar
Talvez o estrategista chinês do Século 5 d.C. disse que você saiba — quem está obtendo o quê de
bem quando sugeriu que: Toda arte de guerra é ba- quem e através de que canais. E então, com esses
seada na decepção. Assim, quando capaz, finja in- pensamentos em mente, colocar dentro desses ca-
capacidade; quando ativo, finja inatividade. Quan- nais — e apenas estes canais — a informação que
do próximo, faça parecer que você está muito longe; você quer que eles acreditem e sobre a qual possi-
quando longe, que você está muito perto. Ofereça velmente irão trabalhar. Desoriente-os até que en-
ao inimigo uma isca para atraí-lo; finja desordem e contrem um caminho que não mostre o que você
derrube-o. Quando ele se concentrar, prepare contra está realmente fazendo.
ele; onde ele for forte, evite. Irrite-o e confunda-o. Contudo, um verdadeiramente bem desenvolvi-
Finja inferioridade e encoraje sua arrogância. do plano de decepção não é simplesmente contar
Estes são os elementos que você quer comunicar um par de mentiras para algumas pessoas e esperar
para o seu oponente quando você está começando que alguém da concorrência morda a isca.
a proteger a si mesmo e quer permitir que ele obte- A Decepção possui sete mandamentos, que de-
nha impressões errôneas através de seu próprio tra- vem ser seguidos para que tenhamos sucesso:
balho de pesquisa. Essas impressões frequentemen-
te gerenciam de tal forma a opinião do adversário PRIMEIRO MANDAMENTO
que se torna difícil ele acreditar que sejam erradas e Operações de decepção não são nunca organi-
sobrepujam muitas vezes as análises mais rigorosas. zadas pobremente, jamais devem ser executadas

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por quem é orgulhoso para precipitar decisões e ter QUINTO MANDAMENTO
soluções repentinas e decididamente não é para os O que você quer que seu concorrente faça? Você
fracos do coração. precisa ter em mãos os recursos, meios, métodos e
tudo o mais para determinar o quanto seu rival está
SEGUNDO MANDAMENTO seguindo a pista que você quer que ele siga. Não ter
Antes mesmo de começar um projeto de decep- idéia do quanto o projeto está funcionando significa
ção, pense sobre o efeito de seu programa sobre uma alto custo e pouco benefício. Em resumo, você pre-
variedade de outros potenciais receptores da infor- cisa saber o que deverá fazer a partir do instante em
mação. Quais serão as consequências. Vale a pena? que o concorrente esteja fazendo o que você queria
que ele fizesse.
TERCEIRO MANDAMENTO
O número de pessoas que têm qualquer espécie SEXTO MANDAMENTO
de conhecimento com o projeto de decepção preci- Você tem de ser capaz de seguir o fluxo das in-
sa ser o menor possível. Mandamento de ouro, que formações e as suas pílulas de veneno devem ser
nem sempre é executado. cuidadosamente distribuídas para as pessoas certas
de modo a alcançar o objetivo.
QUARTO MANDAMENTO
Você sempre tem de proporcionar alguma medida SÉTIMO MANDAMENTO
de valor, real valor, matéria mesmo, com o propósito A decepção é tipicamente defensiva, você tem de
de validar a informação e todas as outras peças que saber proteger suas preciosas fontes de informação.
não têm efetivamente nenhum valor. A decisão de Há momentos em que você tem conhecimento de
abrir informações efetivamente válidas para suportar algo de grande valor, mas não pode usar por causa
as falsas é de responsabilidade do líder e, é claro, deve do comprometimento potencial da fonte. A alterna-
ser tomado o cuidado de divulgar informações válidas tiva para não usar essa informação é seguir a linha
e precisas, porém, o mínimo sensíveis possível. de decepção preconizada por Winston Churchill

janeiro/fevereiro | 2020
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Cenário

durante a Segunda Guerra Mundial: Em tempo de com que os inimigos desconfiassem que suas men-
guerra, a verdade é tão preciosa que ela precisa sagens operacionais estavam sendo lidas — e deci-
estar sempre rodeada por uma verdadeira corpo- fradas. Churchill preferiu assumir a responsabilidade
ração de mentiras. Lembre-se do caso em que os pelo bombardeio a pôr em risco qualquer coisa que
Aliados conseguiram acesso à base das máquinas pudesse prejudicar o programa do Dia D.
de criptografia dos alemães. É claro que hoje em dia jamais teremos de en-
Eles conseguiram uma máquina em 1939 através frentar opções como essa, de vida ou morte, de
dos esforços da Espionagem Polonesa; Mais tarde guerra nuclear ou bacteriológica no mercado de ne-
conseguiram um modelo mais recente através de gócios. Mas a Contra Inteligência é aplicada tanto
uma operação no Atlântico Norte. Se os alemães no campo empresarial como no econômico, militar
tivessem sabido que os seus praticamente indecifrá- e social. O gestor de segurança deve estar apto a
veis códigos estavam sendo normalmente lidos em utilizar essas técnicas. ■
Bletchley Park, com certeza os teriam mudado. Po-
rém, os Aliados tinham de ser extremamente judicio-
sos no uso das informações obtidas justamente por
isso: não havia nenhum interesse em deixar saber
que eles eram capazes de ler as mensagens codifi-
cadas. Esse cuidado chegou a extremos, como por
exemplo, Churchill deixar bombardear a catedral
de Coventry ainda que soubesse que esse seria o
Antonio Celso Ribeiro Brasiliano, CIEIE, CPSI,CIGR, CRMA, CES, DEA,
alvo principal de um raid aéreo. Se ele tivesse in- DSE, MBS, Doutor em Ciência e Engenharia da Informação e Inteligência
terceptado os bombardeiros alemães, poderia fazer Estratégica pela Université Paris-Est (Marne La Vallée, Paris, França).

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