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A difícil arte de abrir um bar ou restaurante e mantê-lo aberto

De cada 100 estabelecimentos criados no Brasil, apenas três sobrevivem mais de dez anos

A história é conhecida. O sujeito junta uma grana ou recebe o FGTS e pensa logo em montar um bar ou
restaurante. Às vezes, investe muito, como um empresário que tinha um capital de R$ 800 mil, pegou
uma consultoria, montou a casa e quebrou em 4 meses. Às vezes, dá certo: há 70 mil bares e
restaurantes em São Paulo. Mas segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), de
cada 100 que abrem, 35 fecham em 1 ano, 50 em 2, 75 em 5 e de 95 a 97 em 10 anos.

Há na cidade dois restaurantes com mais de 80 anos - o Capuano, na Bela Vista, e o Castelões, no Brás.
Alguns com mais de 50, como a Cantina Roperto, o Gigetto e o Pandoro. Cantina Speranza, Sujinho e
Acrópoles, com mais de 40. Outros na faixa de 30, como o Família Mancini, Lélis, Galeto's, C. Que Sabe.
E centenas num tal de abre e fecha, muda de nome,de ponto e de cara - trocam de cantina para rodízio
ou pizzaria.

Por que isso acontece? Segundo o presidente da Abrasel, Joaquim Saraiva de Almeida, porque o
mercado é versátil, exige mudanças constantes para adaptações às novidades, e as ofertas no mercado
são maiores que a demanda. Por isso, é preciso analisar a concorrência e tentar diferenciar-se.

Por ano, abrem-se 600 e fecham-se 400 bares e restaurantes na cidade. Não faz muito tempo, cerraram
as portas o Café Antique, de 6 anos, e o Esplanada Grill, de 20, ambos na Rua Haddock Lobo, nos
Jardins. O Antique não resistiu aos bistrôs. O Esplanada, ao alto custo do aluguel no endereço estrelado.

O presidente da Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo, Nelson
de Abreu Pinto, identifica três problemas básicos para o insucesso. Primeiro: falta de profissionalismo -
esse não é um negócio para amadores. Segundo: capital insuficiente para montar e gerir o restaurante.
Terceiro: não ter reserva para o capital de giro.

Segundo ele, naufragam os que se aventuram numa atividade econômica que não dominam. "Não
conhecem o negócio. E, se não conhecem, se atrapalham", diz. "Para entrar no ramo de alimentação e
lazer é preciso conhecer os meandros da parte técnica e operacional, conhecer a fundo cozinha, salão,
recepção e administração."

O dinheiro também é essencial. "Às vezes, a pessoa recebe uma indenização de R$ 30 mil e diz 'Ah, vou
montar um restaurante'. Monta e custa R$ 100 mil. Como só tinha R$ 30 mil, fica devendo a outra parte,
pagando juros altíssimos. Aí precisa de verba para aluguel, água, luz, telefone, mão-de-obra e encargos
sociais. E também de uma reserva para comprar alimentos e bebidas."

DICAS

Em novembro, quatro jovens empresários abriram o Allez, Allez!, numa casa da década de 20, na Vila
Madalena. "Até agora só tivemos problemas corriqueiros", conta Eduardo Borger, de 26 anos, um dos
sócios. "Vamos muito bem." O segredo? Planejamento. "Fizemos uma bateria de reuniões, decidimos
qual seria o capital de risco, bolamos o projeto, encontramos o ponto, alugamos e reformamos." Antes de
alugar o imóvel, verificaram se podiam abrir o restaurante na Rua Wisard. "Checamos tudo."

Como não têm estacionamento, contrataram serviço de manobristas. "É importante verificar se tem
seguro e se os carros não ficam na rua", ensina Borger. Chamaram um contador e fecharam todas as
contas dentro do que foi planejado.

Licença mesmo, só Deus sabe quando, mas um protocolo da Prefeitura permite que a casa funcione. No
mais, mangas arregaçadas para o trabalho. "Quando abre um restaurante, a pessoa tem de saber que vai
trabalhar fins de semana, em horários malucos, que vai dormir tarde e acordar cedo."

Segundo o empresário, a alta carga tributária e trabalhista é um dos principais problemas. Outro: a falta
de experiência. Mas há outros detalhes. Se funciona de dia, tem de aceitar vale-refeição e, à noite, cartão
de crédito - o que significa pagar taxas e esperar para receber.

É preciso ficar esperto para a legislação trabalhista por causa dos horários de funcionamento, à noite e
aos domingos. "Às vezes, um ex-funcionário reclama na Justiça e o valor que tem de ser pago é tão alto
que o dono quebra", diz Sérgio Marques Júnior, gerente-executivo da Abrasel. Para Abreu Pinto, o que
derruba os empresários são os juros do mercado financeiro. Depois, o custo de gestão por causa dos
encargos municipais, estaduais e federais. "Este tem mais tributos do que outros ramos porque o pessoal
vê restaurante cheio na hora do almoço e imagina que o lucro é grande. Mas é inferior a 10%."
Aos que pensam em abrir um restaurante a Abrasel recomenda: fazer pesquisa na Prefeitura sobre a lei
de zoneamento; pesquisa no local para averiguar como o público-alvo se comporta; verificar a facilidade
de estacionamento e analisar problemas de barulho em relação à vizinhança.

VIA-CRÚCIS

O advogado Sivaldo José Martins, do sindicato patronal, aconselha que primeiro se pesquise onde vai se
estabelecer, para não investir e depois perder tudo por falta de licença. "Comerciantes de outros ramos
raramente são intimados, mas o restaurante, um mês ou dois depois de se instalar, já é intimado a
requerer licença de funcionamento."

"Então, a pessoa vai requerer, mas, se não tiver os documentos, o pedido será indeferido. Se isso ocorre,
começa o processo de fechamento. Primeiro as multas, depois intimação para regularizar ou cessar a
atividade, em seguida o fechamento administrativo. Finalmente, fechamento com força policial. Quem vai
ficar estimulado a se estabelecer nessas condições?"

"É penoso", diz o advogado. "O comerciante sofre vistorias da Vigilância Sanitária, Contru, Cadam, Psiu.
Se for restaurante com música ao vivo ou mecânica, pode contar que o Psiu vai lá e, uma vez detectado o
ruído acima do limite permitido, a multa é de 300 UFMS ou R$ 22 mil. A segunda é de 400 UFMS ou R$
27 mil. Quem agüenta?"

Apesar dos pesares, a atividade de bares e restaurantes é a única que existe em todas as cidades do
Brasil, inclusive em vilarejos - são 780 mil -, e movimenta mais de R$ 12 bilhões ao ano. O setor gera 8%
dos empregos diretos no Brasil, ou seja, 6 milhões de empregos. E permite a ascensão econômica das
pessoas - elas podem entrar como faxineiro, auxiliar de cozinha ou balconista e chegar a chefe de
cozinha, maitre ou até mesmo dono do restaurante.

Licença de funcionamento é exibida como um troféu

O advogado Sivaldo José Martins, há 16 anos consultor do Sindicato de Hotéis, Restaurantes e Similares
de São Paulo, dá as dicas para abrir um restaurante:

1. Saber se o prédio tem planta aprovada e habite-se para ramo comercial.

2. Verificar se aquela zona de uso permite restaurante. Isso é feito por meio de um termo de consulta.

3. Procurar um contador para tratar de cadastros, documentação e elaborar o contrato social da empresa.
Precisa ter CNPJ, a inscrição estadual chamada de Declaração Cadastral (Deca) e Cadastro do
Contribuinte Mobiliário.

4. Recolher a Taxa de Fiscalização do Estabelecimento. Depois, com locação e cadastros acertados,


requerer o auto de licença de localização e funcionamento junto à prefeitura em até 60 dias.

O termo de consulta, que deveria sair em 15 dias, leva até um ano. A licença de funcionamento demora
até cinco anos, em vez dos 60 dias previstos em lei. "Por isso, mais de 80% dos restaurantes trabalham
sem licença", conta Martins. Segundo ele, a dificuldade é tanta que aqueles que conseguem o alvará
exibem-no emoldurado, como um troféu.

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