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Editora UFMG
Diretor Wander Melo Miranda
Vice-Diretor Roberto Alexandre do Carmo Said
Conselho Editorial
Wander Melo Miranda (presidente)
Ana Maria Caetano de Faria
Danielle Cardoso de Menezes
Flavio de Lemos Carsalade
Heloisa Maria Murgel Starling
Márcio Gomes Soares
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Roberto Alexandre do Carmo Said
2º edição
Belo Horizonte
Editora UFMG
2014
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização
escrita do Editor.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7041-999-6
CDD: 398.0981
CDU: 398(81)
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INTRODUÇÃO 17
CONCLUSÃO 343
NOTAS 351
BIBLIOGRAFIA 383
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OS REIS E A COROA
Os reis medievais europeus, entre eles os ibéricos, como os reis
de outros tempos e lugares, personificaram não apenas o poder
político, mas também o religioso. Eram homens, mas interme-
diários de Deus. Além disso, tinham um corpo natural e outro
político, congregando características da finitude humana e da
continuidade dinástica, pela qual o poder real nunca morria. O
entrelaçamento entre o sagrado e o profano expresso na figura
do rei permitia trocas entre noções teológicas e legais a respeito
de definições da sua essência e atribuições. Esse intercâmbio
entre os poderes de Deus e os poderes do homem refletiu-se
no cerimonial em torno do rei, que adotou elementos dos ritos
eclesiásticos. As relações estreitas entre Igreja e Estado durante
toda a Idade Média deram ensejo a empréstimos mútuos, trocas
de insígnias e símbolos, presentes nos rituais das duas esferas.7
A cerimônia que inaugurava um reinado era a de confirma-
ção do rei, perante seu povo e perante Deus, após a morte do
rei anterior. Kantorowicz, ao debruçar-se sobre o caso inglês,
aponta a relação entre três fatores dos quais derivava a ideia de
perpetuidade do reino, independentemente da pessoa que esti-
vesse à sua frente: a dinastia, principal fator legitimador do rei,
desligado da aprovação ou consagração por parte da Igreja e da
eleição pelo povo; o caráter corporativo da Coroa, designativo do
corpo político do reino que se expressava por meio do rei, sendo
ambos inseparáveis; e a imortalidade da dignidade real, alocada
na figura do rei, mas a ele atribuída pelo povo. Nessa perspectiva,
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el Rei com todos se foi ao campo e indo por ele lhe saiu o Duque
D. Manuel, irmão da Rainha, de uma cilada com doze fidalgos de sua
casa, todos vestidos de uma maneira de brocados e ricas sedas e muito
galantes à mourisca, com suas lanças nas mãos, com bandeiras e as
adargas embraçadas com grande grita como mouros (...) e houve uma
grande escaramuça.26
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CATOLICISMO E PODER
O caso congolês
Encontro da bandera
Lear de coração
Senhor reis chegô na frente
Recebendo nosso zermão.
(Canto de Moçambique)
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Enquanto nas aldeias os chefes não tinham controle sobre a
produção, baseada na estrutura familiar e na divisão sexual do
trabalho, nas cidades eram os nobres — as linhagens governan-
tes — que controlavam a produção, fruto do trabalho escravo
no cultivo de terras controladas pela elite.5 As diferenças básicas
que distinguiam as cidades das aldeias e permitiam àquelas o
gozo de algum luxo eram a maior concentração da população
e a administração da produção pelo grupo dirigente, que se
apropriava de parte do trabalho do escravo. A existência de
um excedente agrícola permitia a manutenção de um setor de
serviços nas cidades, e a aquisição de bens ostentatórios e atri-
buidores de status aos setores dominantes era possível graças à
apropriação do trabalho excedente dos escravos, e não apenas
da produção excedente, como nas aldeias. A escravidão garantia
uma concentração de trabalhadores nas cidades e permitia que
os senhores administrassem a produção, mas não implicava que
os escravos trabalhassem mais arduamente.
A região de São Salvador, nome atribuído a mbanza Congo
após a conversão dos reis congoleses ao cristianismo em 1491,
tinha no século XVII cerca de 60.000 habitantes, sendo que de
9 a 12.000 destes não estavam diretamente engajados na produ-
ção. Até meados do século XVII, a capital era um ímã que unia
as diferentes linhagens nobres, conferindo solidez política ao
Congo. Mesmo quando eram travadas lutas sucessórias entre
as casas (kanda), ou entre membros da mesma linhagem, elas se
resolviam em função da centralização política, materializada em
São Salvador. Ao invés de tentar a separação, diferentes linha-
gens preferiam aderir ao grupo que no momento dominasse a
política da capital.
Quando chegaram ao Congo, os portugueses já encontraram
grandes mercados regionais, nos quais produtos específicos de
certas áreas, como sal, metais, tecidos e derivados de animais
eram trocados por outros, e um sistema monetário, no qual
conchas chamadas nzimbu, coletadas na região da ilha de
Luanda, serviam de unidade básica. O estreitamento das rela-
ções com os portugueses intensificou o comércio regional e o
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FIGURA 5 - Congo e suas províncias. Desenho de Taiam Ebert.
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junto com a sua Corte recebeu tal alegria que ninguém, nem por
palavras nem por escrito, o poderia dizer, como se todos fossem mortos
e ressuscitados, e a chegada daqueles oradores e negros por todo o
Reino de repente foi conhecida, e assim uma multidão infinda pela
alegria correu a vê-los.7
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houve nos Terreiros dos Paços grandes festas com gentes inumeráveis
e El-Rei pedio um seu arco e frechas dizendo: “Eu quero hoge por mim
mesmo festejar este dia por honra e serviço da fé e crença de nosso
verdadeiro Deos que está nos ceos e por louvor daquele venturoso
Senhor de Portugal que nó-la cá mandou.”17
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com muito prazer me dezia que te disesse que agora eras tu com
teu Regno guanhado e deu-me por isso tanto esforço que agora sóo
me matarei com cento e nom lhe haverei medo: e por isso, Senhor, faze
cristãos teus fidalgos e vassalos e co’eles sabe certo que dobrarás em
tudo teu grande poder.18
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TROCAS E REINTERPRETAÇÕES:
O CATOLICISMO AFRICANO
As relações entre Portugal e o Congo foram bastante docu-
mentadas por diários, cartas, documentos administrativos,
relatos de enviados do rei português, de clérigos que difundiam
a fé cristã e aconselhavam os negócios e a diplomacia tanto de
Portugal quanto do Congo, de comerciantes que deitavam sólidas
e lucrativas raízes, e mesmo de reis congoleses, que convertidos
e alfabetizados mantinham correspondência com a corte portu-
guesa. As fontes que registraram os primeiros encontros concor-
dam em certos aspectos, como a grande excitação, ajuntamento
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DESDOBRAMENTOS DA CONVERSÃO
Ao encetarem relações comerciais e políticas, Congo e
Portugal eram dois reinos autônomos que assim se aceita-
ram. Algumas similitudes facilitaram o reconhecimento das
normas reguladoras das duas sociedades, mesmo que traduções
simplistas e autocentradas tenham sido feitas de parte a parte.
Ambos eram monarquias, governadas por reis e uma classe
de nobres nas quais o sistema político era dominado por rela-
ções de clientelismo e influência.38 A partir de 1493, quando
os primeiros congoleses, nobres em sua maioria, foram para
Lisboa, iniciou-se um tempo de conhecimento acerca de cada
sociedade a partir da experiência vivida pelos enviados oficiais.
Em meados do século XVI, o número de congoloses em Portugal
era suficientemente grande para justificar a existência de um
representante congolês, espécie de cônsul, reconhecido pelo
governo português, para zelar pelos interesses de seu povo em
terra estrangeira, tais como os relacionados à sua representação
judicial e à obtenção de crédito.39
Desde os primeiros episódios da conversão, o cristianismo
era domínio de nobres que monopolizavam a sua difusão e
controlavam a ação dos missionários europeus. As relações
entre estes e os congoleses passaram por diversos períodos,
amistosos e conflituosos, de maior e menor influência, mas o
papel das elites congolesas na disseminação do cristianismo foi
sempre acentuado. Era entre elas que a educação religiosa e o
ensino da leitura e escrita estavam mais presentes, e era desse
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Também ali estão três homens, cada um com dois ferrinhos como
escôparos ou cinzéis, de muito boa têmpera e de quando em quando os
tocam, produzindo o som que faz o ferreiro quando dá com o martelo
em vão na bigorna. A este martelo chamam zundo e é insígnia real mui
antiga, privativa do rei e do duque de Mbata.
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POVOS EM CONTATO
Comércio, poder e identidade
FIGURA 7 - Comboio de escravos a caminho dos mercados a partir do relato de Mungo Park,
em 1790.
Fonte: THOMAS. The slave trade.
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John Thornton, por sua vez, diz que tradições e mitos eram
invocados para legitimar o poder dos ngolas, ao mesmo tempo
que eram frequentemente alterados em função de interesses
específicos. Também para ele Njinga tornou-se uma imbangala
(jaga), para garantir o apoio desse povo guerreiro, cuja aliança
era muitas vezes decisiva nas frequentes batalhas travadas entre
os habitantes do Ndongo, Matamba e adjacências. A sua dupla
identidade étnica teria, segundo o autor, sido útil para sustentar
diferentes posições, mas se Njinga buscava enquadrar-se nas
formas de eleição imbangala, segundo as quais o rei era eleito por
um seleto grupo de escravos, assim como nas tradições ambundos,
conforme as quais os laços de sangue eram fundamentais, não
havia nenhuma tradição a que pudesse recorrer para justificar a
ascensão de uma mulher no governo dos povos ambundos-jagas.
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NAÇÃO, ETNIA E
A COMPOSIÇÃO DE IDENTIDADES
No período aqui tratado, a África Centro-Ocidental era
habitada por uma variedade de povos, organizados em aldeias,
confederações e reinos, havendo ainda uma movimentação
populacional que o tráfico de escravos intensificou. Variedade
difícil de ser reconstituída devido à ausência de fontes escritas,
à extrema mobilidade dos povos, à constante mistura entre eles,
às diferentes grafias e designações que receberam daqueles que
deixaram registros a seu respeito, esses povos possuíam uma
unidade linguística que permitiu aos estudiosos considerá-los
todos pertencentes a uma mesma família, que ficou conhecida
como banto.
Foi W. H. Bleck que, analisando as línguas africanas, atribuiu
a um grande grupo linguístico este nome genérico em 1860,
ao identificar uma série de similitudes entre as estruturas e os
vocabulários de muitas línguas e constatar que em quase todas
elas existia a palavra ntu, com o sentido de gente, indivíduo,
pessoa, sendo banto seu plural.46 Designação nascida do estudo
linguístico, banto, entretanto, não é o nome de nenhuma língua
ou povo específico, designando um macrogrupo com caracterís-
ticas linguísticas e culturais semelhantes.
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REALEZA NEGRA
NO NOVO MUNDO
Nosso reis aqui não manda
Nosso intuito é de folgar
Cum onze bunda, cum onze pé
Cum vontade e calcanhar.
(Congos da Paraíba)
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Este relato, precioso não só por ser o mais remoto até agora
localizado, revela a grande quantidade de negros envolvidos na
festa e a participação dos senhores, que emprestavam roupas e
jóias para que a corte ostentasse maior luxo. Os instrumentos
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CORTES FESTIVAS
A eleição de reis, no interior das irmandades, geralmente era
acompanhada da escolha de pessoas que assumiam uma série
de outros cargos, compondo uma corte festiva, com títulos que
remetiam às cortes europeias e às cortes africanas. No compro-
misso de 1565 da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos do Mosteiro de São Domingos, em Lisboa, o
Capítulo 26 estabelecia que se algum irmão quisesse, por sua
devoção, ser mordomo, príncipe, rei, duque, conde, marquês,
cardeal ou qualquer outra dignidade, deveria se submeter à
votação.94 De modo semelhante ao ocorrido em Portugal, é nos
documentos produzidos pelas irmandades da América portu-
guesa que aparece com maior detalhe a composição e ocorrên-
cia dessas cortes festivas, eleitas junto com o rei e a rainha, nas
quais cada um tinha um papel específico na preparação e nos
atos rituais da festa.
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Assim, entendo que a tradição centro-africana, conforme a
qual tributos eram enviados aos reis e chefes tribais, foi incorpo-
rada à festa religiosa, durante a qual relações internas à comu-
nidade negra eram simbolizadas e laços sociais reforçados. Se
a coleta de esmolas por parte das irmandades era um costume
presente na sociedade portuguesa, a atribuição dessa função ao
rei se aproximava das tradições centro-africanas, facilitando a
disposição da comunidade negra em dividir seus parcos recursos
com o chefe por ela eleito, sabendo que estes voltariam para o
grupo não só sob a forma da festa, mas também como harmonia
e bem-estar das pessoas, garantidos pelo bom governo do rei.
Ao ceder parte de seus ganhos ao rei, seja o chefe africano ou o
rei da festa, e ao frisar a sua subordinação a ele, a comunidade
reforçava sua identidade comum, expressa na figura do soberano,
que a todos governava: nas sociedades africanas totalmente, na
sociedade escravista, no âmbito do espaço permitido.
No Brasil, a responsabilidade dos reis na arrecadação dos
meios materiais necessários à realização das festas das irmandades
de “homens pretos”, mencionada em compromissos e diversos
textos, foi registrada por Debret em desenho intitulado “Coleta
para a manutenção da igreja do Rosário”. Diz ele que devido à
necessidade da coleta, durante as festas dos padroeiros as irman-
dades colocavam uma mesa perto da entrada da igreja, presidida
pelo irmão de mais alto grau, que era auxiliado por outros irmãos
e pelo tesoureiro. Nesse dia eram acertadas as anuidades dos
irmãos, que vinham somar-se às contribuições para a festa. Na
imagem que nos deixou, Debret apresenta o rei, a rainha, um
oficial da corte e um pajem que, acompanhados por músicos, se
deixavam homenagear enquanto as moedas eram depositadas
numa bandeja sobre a mesa. Acerca do costume comenta que
“esse espetáculo pomposo dá sempre resultado, pois satisfazendo
o amor próprio das majestades temporárias, impõe ao mesmo
tempo aos fiéis de cor um certo respeito que os convence, sufi-
cientemente, do legítimo emprego de seus óbolos”.96
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Não há um só dos nossos velhos que não se lembre com saudade das
famosas festas do Rosário. Assim como na festa do Espírito Santo há
um imperador nas do Rosário havia rei e rainha com a sua competente
corte, e cuja realeza durava um ano. O negro e a negra, rei e rainha
da festa do Rosário, apresentavam-se trajando riquíssimos vestidos
bordados de ouro e prata, imitando o mais possível as vestes reais dos
antigos tempos. A sua corte enfeitava-se às vezes extravagantemente,
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REPRIMIR OU PERMITIR
A proibição ou permissão para que os negros festejassem a
seu modo, em determinados momentos do ano, foi tema sempre
associado à constatação de que tinham costumes próprios, como
pode ser visto pelo texto de Antonil já citado. Tendo em vista os
riscos de revoltas que sempre pairavam no ar, e a maior explo-
ração possível do trabalho escravo, senhores e administradores
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CONGADAS E CRISTIANIZAÇÃO
Senhor rei, não me mateis,
Não me mateis por piedade,
Também sou filho de rei,
Também tenho majestade!
Sou filho do rei Catroqueis,
Afilhado da Virgem Maria,
Almirante de Loanda,
Embaixador da Turquia!
(Embaixada de congada)
Figura 17 - congada dos pretos em Morro Velho, 1868. Fotografia de Augusto Riedel.
Fonte: KOSSOY; CARNEIRO. O olhar europeu.
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Durante essa festa, o escravo sai, por alguns dias, da sua situação
de oprimido para sentir-se não somente livre, mas também um homem
forte a influir nos destinos do mundo. Os escravos escolhem entre si
um “rei” e uma “rainha”, sempre escravos legítimos e não pretos livres,
os quais também participam da festa.41
Junto com o novo rei era escolhida toda uma corte, que além
do casal real compunha-se de ministros, príncipes, princesas,
damas e cavalheiros. Conforme Burmeister, cada um desses
dignitários “se enfeita da melhor maneira possível, usando
velhas fardas e mantas, calçados de seda”, sendo especialmente
valorizados os enfeites de ouro e diamantes. O autor viu a filha
de um escravo de Lund “ostentando no pescoço e nos braços
correntes de ouro de considerável valor, e também brincos”,
chamando atenção para o fato de que somente as pessoas da
corte se apresentavam enfeitadas com jóias.
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É por isso que quase já não se veem, senão no interior, essas bri-
lhantes cavalgadas, em que os cristãos pelejam contra os mouros,
recordando o dia fatal em que D. Sebastião perdeu a coroa. Os negros,
estes são mais perseverantes em seus divertimentos, ou, se preferirmos,
em suas festas tradicionais. É com uma alegria sempre ruidosa e sempre
nova que, em certo dia do ano, aproveitam a faculdade, que de tempos
imemoriais lhes tem sido concedida, para escolherem para si mesmos
um rei e uma rainha. Esta coroação de um rei do Congo, que tem lugar
em todas as capitais, é acompanhada de circunstâncias tanto mais
grotescas quanto os atores lhes dão mais gravidade.49
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INTRODUÇÃO
1
Passado presente. Cotidiano e festas religiosas em Parati. Dissertação de Mestrado,
Departamento de História, PUC/Rio, julho de 1992. Publicada como Parati. A
cidade e as festas.
Capítulo I
REIS, RITOS E SÍMBOLOS
1
Frazer. The golden bough, p. 365.
2
Evans-Pritchard. La monarquia divina de los Shilluk del Sudan Nilotico,
p. 73.
3
Evans-Pritchard. La monarquia divina de los Shilluk del Sudan Nilotico,
p. 75 a 89.
4
Randles. L’ancien royaume du Congo des origines à la fin du XIXe siècle,
p. 32.
5
Randles. L’ancien royaume du Congo des origines à la fin du XIXe siècle,
p. 28 e 29.
6
Randles. L’ancien royaume du Congo des origines à la fin du XIXe siècle,
p. 43.
7
A esse respeito, ver Kantorowicz. The king’s two bodies. A study in
medieval political theology, p. 193.
8
Kantorowicz. The king’s two bodies, Capítulo VII.
9
Bloch. Os reis taumaturgos, p. 77.
10
Bloch. Os reis taumaturgos, p. 298.
11
Kantorowicz. The king’s two bodies, p. 336 e 337.
352
Capítulo II
CATOLICISMO E PODER: O CASO CONGOLÊS
1
Os nomes de localidades e palavras kikongo são aqui grafadas conforme apa-
recem nos estudos mais recentes, que buscam entender as culturas e sociedades
da África Centro-Ocidental a partir de seus próprios conceitos, com exceção
para o nome do reino — Congo (Kongo, naqueles estudos), uma vez que já há
uma tradição de assim grafá-lo em português. Da mesma forma, o seu povo é
chamado de congolês, conforme a tradição de estudos no Brasil (onde aparece
também conguês). Mann. African kingdoms of the past. Kongo, Ndongo. West
Central Africa, p. 10, esclarece que os antropólogos têm usado o termo bakongo
para descrever os povos que falam kikongo, e que habitam uma região bem maior
do que o Congo, sendo que os habitantes do reino chamavam a si próprios de
muisikcongo ou “cidadãos do reino do Congo”, termo que não se aplicava a
nenhum outro povo, mesmo que falasse a mesma língua. Enquanto a moderna
antropologia denominou bacongo os grupos habitantes da região do antigo
reino do Congo e adjacências, banto é o nome dado ao macrogrupo cultural
habitante de vastas regiões da África Centro-Ocidental.
2
Cerca de 250.000 km2 segundo Mann. African kingdoms of the past, p. 23;
cerca de 130.000 km2 segundo Thornton. The kingdom of Kongo, p. xiv.
As informações que seguem, acerca do reino do Congo, estão neste livro de
Thornton e no de Vansina. Kingdoms of the Savanna. Há vários livros sobre
a história do reino do Congo, da chegada dos portugueses até o colonialismo
no final do século XIX, mas o livro de Thornton é o mais completo, atual, e
dialoga com os anteriores. Uma vez que a história do reino em si interessa ape-
nas tangencialmente e vem aqui detalhada devido ao desconhecimento acerca
dela, se compararmos com a história de Portugal. Evitei fazer uma discussão
bibliográfica que levaria a desvio muito grande do meu eixo principal.
3
Uso aqui os termos rei, nobreza, corte e outros afins da mesma forma que a grande
maioria dos estudos sobre o reino do Congo. Essa é a terminologia utilizada
pelos missionários, comerciantes, administradores e viajantes que observaram
a sociedade congolesa dos séculos aqui abrangidos e leram a realidade africana
com os olhos e os conceitos europeus. No caso do reino do Congo, a tradução
que esses autores fizeram de formas de organização da sociedade observada para
equivalentes de sua própria sociedade foi incorporada à nomenclatura autóctone,
com o rei cercando-se de príncipes, condes e marqueses, que governavam suas
províncias, por sua vez cercados de cortes particulares. Na linguagem corrente
da época, o chefe era o mwene, sendo o rei o mwene Kongo, segundo a grafia
atualmente usada para escrever o kikongo. Os observadores portugueses identi-
ficaram o rei como mani Congo e os chefes locais como mani, seguido do nome
da localidade que governavam, mani Sonho, por exemplo. Com a conversão do
rei do Congo ao cristianismo, a decretação deste como religião oficial do reino,
e a europeização dos hábitos da corte, os títulos europeus passaram a vigorar
também entre os congoleses convertidos.
4
Essa distinção entre as duas categorias de grupos dirigentes é explicada em
detalhe por Hilton, The kingdom of Kongo.
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Capítulo III
POVOS EM CONTATO:
COMÉRCIO, PODER E IDENTIDADE
1
Não há concordância entre os africanistas acerca das origens dos jagas: se eram
realmente um povo particular, se eram parte dos imbangala (mbangala) ou
qualquer povo da região que adotasse determinados hábitos nômades e bélicos
e a organização militar em torno de quilombos — acampamentos guerreiros.
Parreira, em Economia e sociedade em Angola na época da rainha Njinga,
século XVII, faz um minucioso balanço da discussão em torno da procedência
dos jagas nas páginas 155 e seguintes.
2
Glasgow. Nzinga. Resistência africana à investida do colonialismo português
em Angola, 1582-1663.
3
Cf. Boxer. Relações raciais no império colonial português. 1415-1825.
4
Esta versão mais difundida é contestada por Parreira. Economia e socieda-
de em Angola na época da Rainha Njinga, século XVII, p. 182, que levanta a
possibilidade de não haver parentesco entre o Ngola-a-Mbandi e Njinga e sim
uma equivalência de títulos, inserindo-se a sua campanha pela tomada do poder
na tradicional disputa que sempre envolvia a ocupação dos cargos de chefia nas
sociedades africanas. Contra a suposição de Parreira está a maioria dos autores
que escreveram sobre Njinga e que recorreram basicamente aos mesmos relatos
de capuchinhos que foram seus contemporâneos e que apontam para a consan-
guinidade entre Njinga e o Ngola-a-Mbandi.
5
Glasgow usa o termo jagas, enquanto Thornton usa imbangala.
6
Ngou-Mve. El África Bantú en la colonización de México (1595-1640), p. 63,
nos conta que entre as leis jagas haviam proibições e ritos que visavam tornar os
guerreiros invencíveis. Um desses ritos era o sacrifício de uma criança pequena, que
depois de morta devia ser reduzida a uma pasta acrescida de alguns ingredientes,
com a qual os guerreiros deviam se untar antes de seguir para o combate.
7
Cf. Thornton. Legitimacy and political power: Queen Njinga, 1624-1663,
citando Miller. Queen Nzinga of Matamba in a new perspective. Journal of
African History, XIII (1975), p. 201-216. Parreira discorda de Miller, entendendo
que Njinga tinha mais legitimidade do que aquele autor faz crer. Adoto aqui a
grafia proposta por Thornton no artigo acima citado, pois diz o autor ser esta
a forma que corresponde às regras da nova ortografia do kimbundo, adotada
pelos angolanos desde 1980. Em língua inglesa a grafia corrente é Nzinga e em
português, Jinga ou Ginga.
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Capítulo IV
REALEZA NEGRA NO NOVO MUNDO
1
Saunders. A social history of black slaves and freedmen in Portugal - 1441-
1555.
2
Santa Maria. Santuário Mariano, p. 342 et seq.
3
Tinhorão. Os pretos em Portugal. Uma presença silenciosa, p. 126 e 127.
4
Scarano. Devoção e escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII, p. 44.
5
“Os Mordomos e Confrades da Confraria de Nossa Senhora do Rosário apre-
sentaram a el-Rei um alvará de 14 de junho de 1496”. Brásio. Os pretos
em Portugal. Na nota 140 diz Tinhorão: “Nada autoriza, como se vê, a
concluir a partir de tal documento pela existência, já em 1496, da Confraria
dos Pretos do Rosário em Lisboa, apesar da referência do padre Brásio nesse
sentido em Os Pretos de Portugal, com referendo de Julita Scarano em Devoção
e Escravidão.” (Os pretos em Portugal, p. 394).
6
Tinhorão. Os pretos em Portugal, p. 130.
7
Mulvey. The black lay brotherhoods of colonial Brazil: a history, p. 17. O
compromisso, transcrito na página 255 e seguintes, aprovado em 1565, men-
ciona em um prólogo a existência de uma devoção a Nossa Senhora do Rosário
e a construção da capela por “homens pretos vindos das longes terras”, em
1460. Na p. 23, diz a autora que em 1549 D. João III permitiu que a confraria
coletasse esmolas nas ruas de Lisboa. Diante disso, fica a impressão de que o
compromisso foi oficialmente aprovado muito tempo depois de a irmandade
estar funcionando.
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Capítulo V
CONGADAS E CRISTIANIZAÇÃO
1
Moraes Filho. Festas e tradições populares do Brasil, p. 383.
2
Moraes Filho. Festas e tradições populares do Brasil, p. 383.
3
Reis. Tempo, p. 9.
4
Algranti. O feitor ausente, p. 145-146.
5
Moraes Filho. Festas e tradições populares do Brasil, p. 386. Os documen-
tos citados por Mello Morais mencionam um rei rebolo e um rei cabundá. A
reconstituição que o autor faz da festa é geral, não se referindo a uma delas em
particular, e sim reproduzindo o padrão que deveria ser comum a todas. O que
importa destacar é a presença de uma dança, que ele chama de Congos, e que a
todos congregava.
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CONCLUSÃO
1
SILVA. Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo. Vida, tempo e pensamento
de um homem livre de cor, p. 18.
2
SILVA. Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo, p. 126.
3
SILVA. Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo, p. 169.
4
Ver MARTINS. Afrografias da memória, e BRANDÃO. A festa do santo preto.
5
VOGT; FRY. Cafundó. a África no Brasil. linguagem e sociedade, p. 188.
6
VOGT; FRY. Cafundó, p. 260.
7
QUEIROZ. Pé preto no barro branco. A língua dos negros da Tabatinga,
p. 104.
8
QUEIROZ. Pé preto no barro branco, p. 105.
9
FRY; VOGT. Cafundó, p. 121.
10
ANDRADE. Os congos.
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FONTES PRIMÁRIAS
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da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos - 1778.
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