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TeseMonicaLima 2005
TeseMonicaLima 2005
Salvador
2005
MÔNICA LIMA DE JESUS
Salvador
2005
2
LIMA, Mônica.
Atuação psicológica em serviços públicos de saúde de Salvador: do ponto de vista dos
psicólogos. Mônica Lima – Salvador-Bahia, 2005.
304 f.
Orientador: Mônica Oliveira Nunes.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva, 2005.
3
A João,
com você... meu mundo ficaria completo.
4
RECONHECIMENTOS
Agradeço...
À Família Lima de Jesus – Velho Chico, Mama, Márcia Lima, Marquinhos, Tchelo,
Rita Silvana, DindaMara, Chuchus e os mais novos descendentes, Gabi, Tati e Janjão –
fonte de obstinação e de curiosidade, que apóia a caçula sem medir esforços, obrigada
por tornar minha vida melhor;
À Silvinha Ferreira, que me acolhe como filha e representa um modelo que guia a
minha formação acadêmica;
À Ná, pela amizade incondicional;
A Guga, amigo de todas as horas e agora de todos os lugares;
À Paulina, que mesmo de longe se mantém atentamente perto;
À Dri, Mil, Iarinha, Concinha, Julinho, Núbia, CA, Ollie, Mifis, Tetê, Fabi, Dezoito
parte cativa da turma da Moli;
A Pin, com quem quero sempre poder contar;
À Tia Cléo e Meu Avô, que conduzem o mistério da minha existência;
À Vladinha, por me presentear com sua amizade;
Aos amigos-pesquisadores do NISAM, Mônica, Maurice, Alexandre, Vládia, Vitória e
Milton, pelo incentivo até aos domingos;
Aos mais novos colegas de trabalho do Colegiado de Psicologia da UNIVASF, Mônica,
Afonso Henrique, Luís Augusto, Christian, Elzenita, Aléssia, Leonardo e Lúcia, pelo
apoio na reta final da escrita da tese;
À Maria Luíza Miranda, que escutou o que muitos só podem ouvir sobre mim;
Ao professor Carlos Caroso, que, nos primeiros anos do doutoramento, me acompanhou
com a competência que lhe é peculiar; agradeço por conduzir a definição do objeto de
estudo que discuto nesta tese;
À professora Mônica Oliveira Nunes, por ter acolhido o meu trabalho em momento tão
delicado. Torno-me extremamente grata pela orientação primorosa, marcada pelo
cuidado minucioso e pelo respeito;
Aos amigos do doutorado, MirelaPaloma, Artenira, MônicaAnjinho, ÂngeloCatedrático
e FernandoVascon, pelas discussões frutíferas regadas ao bom vinho. Que chegue a vez
da Czarina degustar o ―Pape‖!;
5
Ao professor Ordep Serra, pela condução humorada e pelo rigor na leitura dos nossos
projetos de tese;
Ao professor Jorge Iriart, pelas discussões fundamentais que promoveu em suas aulas;
Às professoras Leny Trad e Jane Russo, pelas contribuições na qualificação do projeto
de tese;
Ao professor Marcos Vinícius, que não faz idéia de quanto me impulsionou nesta
jornada;
A Wilson Sampaio, pelas conversas ―filosóficas‖ sobre a formação de psicólogos; e aos
colegas de trabalho da UNIFACS, pelo incentivo;
Aos funcionários e amigos do LIS, Moisés e Cliger;
Aos funcionários da biblioteca do ISC, Creuza, Dario e Bia;
Aos funcionários do CRP-BA/SE, pela disposição em me ajudar;
Ao CNPq, pelo apoio técnico-financeiro nos primeiros anos do doutoramento;
À Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, por ter autorizado o meu acesso aos
serviços públicos de saúde;
Por fim, agradeço muitíssimo aos psicólogos entrevistados, por reservarem um pouco
do seu tempo corrido para compartilharem comigo suas experiências profissionais,
possibilitando as nossas interpretações.
6
Onde não há jardim, as flores crescem de um
secreto investimento em formas improváveis.
Drummond de Andrade
7
RESUMO
Esta tese buscou compreender como atuam os psicólogos e quais significados atribuem
às suas práticas desenvolvidas nos serviços públicos de saúde de Salvador. O trabalho
de campo foi realizado entre os anos de 2002 a 2003, inspirado no modelo teórico-
metodológico de Sistema de Signos, Significados e Práticas. Foram entrevistados 21
psicólogos, dos quais sete trabalhavam em Unidades Básicas de Saúde - UBSs, 12 em
um dos três Centros de Saúde Mental – CSMs, e dois em outros locais, vinculados à
Secretária Municipal de Saúde de Salvador. A coleta de dados foi realizada através de
entrevistas semi-estruturadas e de observações assistemáticas. As atividades
desenvolvidas pelos psicólogos são similares, apesar de serem realizadas em níveis
diferentes de assistência à saúde. Predomina a oferta de psicoterapias individual e em
grupo com orientação em psicanálise. A despeito da orientação teórica, todos os
profissionais modificam a prática para adequá-la ao atendimento da população que
busca os serviços. Identificamos três modalidades de trajetórias profissionais: de
conflito, que tende à ociosidade do profissional; de reprodução, que conduz ao
isolamento típico da assistência ambulatorial; de construção, que demonstra uma certa
abertura para busca de atuação fora da clínica tradicional. Foram identificados alguns
signos e seus significados que qualificam a função do psicólogo nos serviços e as
práticas desenvolvidas que lhe dão identidade profissional: escuta, demanda,
psicoterapia, aconselhamento, terapia de apoio, de suporte, de grupo, entre outras. As
práticas psicológicas desenvolvidas foram categorizadas em psicoterapias e para-
psicoterapias, considerando as diferenças em relação a quem se destinam e às suas
funções terapêuticas, de como e onde são realizadas. Há duas grandes dimensões de
significação atreladas às práticas psicológicas que guiam a escuta psicológica: a
individual e a coletiva. A escuta psicológica tende a dar mais ênfase à dimensão de
significação individual, atribuindo-lhe maior função psicoterapêutica; tende a
negligenciar e desqualificar a dimensão socioeconômica e cultural, que escapa ao jogo
da produção de sentido do sofrimento. Foi possível categorizar a escuta psicológica em
cautelosa ou asséptica, dependendo da inclusão e manejo dos psicólogos em relação às
dimensões de significação dos problemas apresentados pelos usuários. Nestes serviços,
opera-se uma seleção socioculturalmente informada da clientela para os atendimentos
psicológicos, sendo o emprego das para-psicoterapias e da terapia de grupo proveniente
de uma estratégia dos profissionais para lidarem com demandas psicológicas de pessoas
pouco afeitas ao ideário individualista. Há necessidade de renovação da atuação
psicológica, considerando os diferentes modos de subjetivação apresentados pela
clientela que busca atendimento psicológico e as noções caras à reforma psiquiátrica em
relação ao papel e ao lugar da clínica para o cuidado em saúde mental. Nesta direção,
apresentamos uma proposta que denominamos atuação psicológica coletiva como um
ponto de partida para orientar a organização do trabalho do psicólogo em UBSs.
8
ABSTRACT
This dissertation seeked to understand how psychologists work, and which meanings
relate to their practices implemented in public health services in the city of Salvador,
Bahia, Brazil. The field study was carried out from 2002 to 2003 and was inspired by
the theoretic-methodological model of Signs, System, Meanings and Practices. 21
psychologists were interviewed, seven of which worked in the Basic Health Unit
(UBSs), 12 in one of the 3 Mental Health Centres (CSMS), and 2 in different venues
associated to the municipal Health Department in Salvador. The data collection was
done through semi-structured interviews and unstructured observations. The activities
developed by the psychologists are similar despite being carried out in different levels
of health assistance. There is predominance in the availability of individual and group
psychotherapy, oriented by psychoanalysis. In spite of theoretical orientations, all
professionals modify their practices to accommodate them to the assistance of the
people who look for these services. We identified three modalities of professional
trajectories: conflict, which deals with professionals‘ idleness; reproduction, which
leads to typical isolation of clinical assistance; and construction, which shows a certain
openness to seek practices outside the traditional clinic. We identified various signs and
their meanings that qualify the function of the psychologists in the services and
practices implemented, which provide a professional identity: listening, demand,
psychotherapy, advice, support therapy, group therapy, and others. The psychological
practices implemented were categorized in psychotherapies and para-psychotherapies,
considering the differences in relation to whom they were aimed at, and their
therapeutic functions—how and when they are realized. There are two major meaning
dimensions tied to psychological practices, which guide the listening: the individual and
the collective. The listening tends to emphasize the individual meaning dimension,
attributing a greater psychotherapeutic function. The listening also tends to neglect and
disqualify the socioeconomic and cultural dimension, which fades from the production
of the sense of suffering. It was possible to categorize the listening as cautious or
aseptic, depending on the inclusion and management of the psychologists in relation to
the meaning dimensions of the problems presented by the clients. The clientele in these
services is socio-culturally well informed. The employment of the para- psychotherapies
and group therapy derives from professionals‘ strategies to deal with the psychological
demands of the people least pleased with individual ideology. There is a necessity to
renew psychological performance considering the different types of subjectivity
displayed by the clients that seek psychological counselling. Thus, within this
perspective we present a proposal denominated Collective Psychological Consultation
as a starting point to guide the organisation of the work of the psychologists in UBSs
9
LISTA DE QUADROS
10
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SMS Secretária Municipal de Saúde
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 15
12
6. TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS NAS UNIDADES BÁSICAS DE SÁUDE: 126
as repercussões da identidade profissional
13
10.1 TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: de abertura e de renovação 257
14
1. INTRODUÇÃO
Obstinação
cada semestre. No entanto, isso não era tomado como um problema de investigação por
atendimento psicológico para as classes populares sempre esteve presente como uma
questão aberta, bem como a importância do tema para a formação dos psicólogos. A
1
No Aurélio (2004), encontramos as seguintes acepções para o termo obstinação: 1. Pertinácia,
persistência, tenacidade, perseverança: trabalhar com obstinação. 2. Teima, birra: Continuou a insistir,
só por obstinação.
2
Em 1997, no último ano do curso de psicologia, desenvolvi, com mais três colegas, sob orientação da
professora Ana Cecília Bastos, a pesquisa intitulada ―Abandono e desistência de atendimento
psicoterapêutico no Serviço de Psicologia da UFBA‖, quando entrevistamos a clientela, como atividade
da disciplina Prática de Pesquisa em Psicologia.
3
É importante ressaltar que, apesar de não ter havido pesquisa sobre este aspecto, no período em que eu
freqüentava o Serviço como estagiária, a adesão da clientela sempre foi um tema recorrente nas reuniões
internas promovidas pelo Serviço.
15
psicólogo nos serviços públicos de saúde e o compromisso social da psicologia para o
teima e birra, parece adequado por apontar para a insistência de levar a cabo uma
que fiz dele na presente tese. Por enquanto, tenho que admitir que fui tomada por uma
naquele momento como colega de trabalho: ―cuidado para não buscar briga com a
categoria‖, após ter-lhe informado sobre a minha pesquisa, ainda que de modo muito
superficial. Este efeito colateral, de certo que não estava entre meus objetivos; a partir
de então passou a ser uma possibilidade da qual busquei distanciar-me. Neste terreno,
experiência humana aos cânones de uma única abordagem teórica, tomando tudo que
está fora do seu circuito como irrelevante, e que não reconhecem a importância de
16
Por fim, para que de fato nós possamos começar, tenho que admitir que a
psicólogos da clínica privada para a área de saúde pública, tem como impulsionador um
YAMAMOTO, 1999).
17
alimentaram propostas de atuação multiprofissional para a melhoria da qualidade da
assistência à saúde mental (SPINK, 1992; DIMENSTEIN, 1998), reforçadas pela busca
quantidade ínfima nos serviços públicos. Neste estudo, a autora identificou as principais
que não havia psicólogos inseridos na área de saúde pública entre 1973 e 1982, em
instituições que alocavam tais egressos. Na área clínica, 56,9% deles trabalhavam em
surgiu em 1974, em Salvador, quando da contratação das duas primeiras psicólogas para
atuarem em um hospital psiquiátrico. De acordo com uma delas, este fato ocorreu no
18
FUSEB, a preocupação de oferecer aos pacientes agudos do hospital psiquiátrico um
Com isto objetivava manter um vínculo do paciente com a sua família e reduzir o
estigma de que o doente mental deveria ser afastado da sociedade (comunicação oral) 4‖.
de modo tão tranqüilo; muitas vezes, havia atores sociais que alimentavam os embates
psicóloga-psicanalista que atuou neste período, podemos perceber a busca para abrir e
4
Comunicação oral de uma das primeiras psicólogas contratadas pela FUSEB sobre a inserção do
psicólogo na área de saúde mental, no I Encontro Estadual dos Psicólogos da Saúde, em 1992.
19
Já em 1998, no âmbito do CRP 03 Bahia/Sergipe, os dois principais setores de
hospitais, ambulatório e pronto socorro, onde havia 19% deles, seguidos pelos setores
que 58% dos psicólogos estavam associados à área de saúde, 17% à de educação; 14%
resultados com trabalhos anteriores (CRP, 1988; 1994), reafirma a tendência apontada
última década, justificada pelo direcionamento dos psicólogos para os hospitais, clínicas
entrada de psicólogos nas UBSs ocorreu na década de 1990, um pouco mais tardiamente
pública de saúde, a despeito do relevo que esta problemática vem tendo no panorama
nacional, há uma lacuna de estudos sobre a inserção e a atuação dos psicólogos na Bahia
no campo da saúde pública, realidade que nos conduziu à seguinte pergunta de pesquisa:
objetivos específicos:
20
1) ‗Descrever o acesso e a inserção dos psicólogos nos serviços públicos de
consultório privado;
desenvolvidas;
terreno, embora contemos com uma rica produção sobre a repercussão da cultura
1987; RUSSO, 1993), que em uma das suas vertentes de interesse inclui a preocupação
1993; SILVA, 1995), há poucos estudos sobre a difusão dessa cultura, a partir da
inserção dos psicólogos no campo da saúde pública, para o contexto soteropolitano. Por
21
enquanto, cabe situar que o esquema analítico que sobressai à relação indivíduo-pessoa,
a partir da hipótese de que existe uma diferença cultural entre os modelos relacionais de
como uma grande e frutífera linha de pesquisa, desde a década de 1970, enraizando-se
identificam problemas e desafios para uma atuação psicológica mais adequada dentro da
graduação para atuarem neste espaço de trabalho (SILVA, 1992; LO BIANCO e outros,
1994; BASTOS e ACHCAR, 1994). Estes estudos foram elaborados pelos teóricos da
sumarizar alguns conceitos e noções vistas como pertinentes para orientarem a atuação
22
psicólogos. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas e de
capítulo seis, descrevemos as trajetórias profissionais (TPs) dos psicólogos nas UBSs.
demonstra uma certa abertura para a busca de atuação fora da clínica tradicional.
privado e de que não há vestígios de trabalho mais integrado para o cuidado à saúde
capacidade de lidar com os desafios decorrentes do seu encontro com a população mais
pobre.
Para a elaboração dos capítulos oito e nove, o primeiro passo foi identificar
23
em: a) institucional; b) espontânea, ou sem intermediário; c) familiar, d) diferenciada; e)
destinam e suas funções terapêuticas; b) como e onde são realizadas; c) a influência dos
dispositivos institucionais sobre a realização das mesmas. A análise dos dados permitiu
elas guiam a escuta psicológica. Foi possível identificar, do ponto de vista dos
psicólogos, duas tendências frente aos conteúdos socioculturais presentes nas demandas
asséptica e uma postura mais cautelosa. Neste momento, buscamos descrever o que
se mostrou rica por servir de exemplo concreto, mais evidente, à discussão acerca da
24
BIANCO e outros, 1994; DIMENSTEIN, 1998). Nesta direção, ousamos definir o que
25
2. CULTURA PSICOLÓGICA: algumas implicações para a atuação psicológica nos
serviços públicos de saúde
Mais Psicanálise
Cultura psicológica pode ser entendida como ―um certo movimento de difusão na
radical psi‖ (SILVA, 1995: 13)5. A cultura psicológica estrutura-se a partir de dois pólos
1995).
signos, práticas e valores que são próprios dessa cultura. O segundo pólo, representado
pelo público leigo consumidor dessa cultura, entra em contato ativo com seus signos e
sentidos. Além disso, muitas vezes, esse público se direciona aos serviços psi em busca
26
É imprescindível enfatizar que o poder heurístico dessa diferenciação, entre os
efeitos que justificam estudos sobre a difusão da cultura psicológica e seus corolários
seguir.
de 1980 (FIGUEIRA, 1981; 1985; 1987; 1988; VELHO, 1987; COSTA, 1989),
1993; FIGUEIREDO, 1995; FIGUEIREDO, 1997), que fazem este tema importante
para a compreensão da atuação psicológica nos serviços públicos de saúde, locais para
6
O interesse pela constituição e difusão da psicanálise como fenômeno cultural é, inicialmente,
encontrado em estudos como os de Berger [1965 (1980 )], nos Estados Unidos, e Castel [ 1981 (1987)],
27
década de 1970, no Brasil, inclui a expansão de um determinado modelo de
constituintes, a saber: eidos, ethos e dialeto (FIGUEIRA, 1985; 1988). Por eidos
vida‖, a princípio, para as classes médias e altas brasileiras, que direciona e dá sentido a
eixo Rio de Janeiro - São Paulo7, sendo ainda hoje os contextos mais analisados pelos
na França. No Brasil, Figueira (1985) é o primeiro pesquisador a propor a noção de ―cultura psicanalítica‖
para identificar e buscar compreender os efeitos da difusão da psicanálise.
7
Sobre as diferentes configurações assumidas pela difusão da cultura psicanalítica no Rio de Janeiro e em
São Paulo, podemos recorrer a um estudo mais recente desenvolvido por Russo (2002).
28
De acordo com Russo (1993) 8, as cinco principais características do intenso
visíveis dificuldades para a sua instalação pragmática como uma modalidade clínica.
Ele percebeu que, em comparação com outros estados, os primeiros agentes clínicos
8
Alguns aspectos já foram destacados por Castel (1981 [1987] ), na França, como importantes nesse
processo, a saber: a entrada dos pressupostos psicanalíticos na formação de vários profissionais, inclusive
dos psiquiatras e psicólogos; as instâncias oficiais psicanalíticas terem perdido o controle sobre a sua
divulgação; a psicologia ter conquistado uma posição de concorrência em relação à psiquiatria. O autor
define dois momentos da difusão psicológica tomando a difusão da própria psicanálise como referencial.
O primeiro, denominado psicanalítico, enfatiza a força do próprio saber psicanalítico no auge da sua
expansão, e o segundo momento, pós-psicanalítico, marca o surgimento ou fortalecimento das ditas
―novas técnicas psicológicas‖, derivadas da psicanálise e que se tornaram autônomas em relação à ela.
9
O objetivo do autor foi compreender alguns aspectos do processo de instauração desta cultura
psicológica na sociedade baiana do fim dos anos de 1970 e da década de 1980, centrando o foco no
segmento dos profissionais ―psi‖.
10
O argumento é o contato de Juliano Moreira com as idéias de Freud, no início do século XX.
29
brasileiros logo no início da referida década, no momento descrito como ‗boom da
Segundo Silva (1995), entre meados do século XIX até os anos de 1970, há uma
psicologia na Bahia, em 1968, uma força que reduz o controle estrito da Medicina sobre
uma comunidade psi ativa, que já contava com representantes das principais abordagens
e escolas teóricas e técnicas do campo psicológico (SILVA, 1995). O autor conclui que,
seu pequeno porte e dos limites restritos da sua influência social, realiza uma
30
marcando, ainda, significativa presença no campo da saúde e em menor escala, na
país, apontando igualmente o alcance dessa comunidade psi. Ela esteve limitada àqueles
que fazem parte de segmentos médios intelectualizados e que caracterizam uma certa
elite social, os quais, por terem maiores condições econômicas e culturais, obtiveram
acesso privilegiado aos conceitos, aos debates e aos serviços por ela oferecidos (SILVA,
1995). Por outro lado, a difusão aconteceu também via os serviços públicos (escolas,
prisões, hospitais, centros de saúde, asilos de idosos, etc), que se tornam paulatinamente
alvo dos interesses da comunidade psi como ―espaços de experimentação de uma prática
psicológica, que pretende legitimar a atuação dos seus agentes na condição de peritos‖
São Paulo, onde encontramos uma rica produção sobre este tema, desde a década de
1970. Russo (2002) também descreve a difusão da psicanálise como força motriz para o
a volta para dentro de si mesmo [...] uma busca ―dentro de si‖ para o que
antes estava ―fora‖ – parâmetros, regras, orientação. Esta busca requer o
―auto-conhecimento‖, levando o sujeito a colocar em questão sua
personalidade, sua interioridade, pois é lá (e não ―fora‖, nas regras dadas
―externamente‖) que está a chave para um comportamento saudável e
ajustado (RUSSO, 2002: 43)
31
Todos os estudos compartilham a idéia de que a difusão da psicanálise está ligada
brasileiro dos fenômenos sociais mais diversos (VELHO, 1997; Da MATTA, 1978), ou,
DUARTE, 1985; DUARTE, 1988, 1993; 1994 e 1998; RUSSO, 1993; 1997; 2002).
autônomo, senhor de si, diferente, único, que conduz sua vida pautado em noções de
igualdade e liberdade.
Figueira (1985; 1987), que discute a noção de indivíduo como um tipo específico
política do termo, considera que a psicanálise surge sob a égide do individualismo, mas
32
porém, sofre uma série de determinações vindas de uma dimensão que lhe é
totalmente desconhecida (FIGUEIRA, 1987: 99).
Da citação destacada acima, podemos perceber que o que está em cena é mais do
que determinar uma certa maneira de funcionamento psíquico, que, ao assegurar que o
sujeito não é autônomo, sustenta a idéia de que ele tem, ou pode ter, esta ilusão, aspecto
modernas e o efeito no cotidiano dos brasileiros não é recente (FIGUEIRA, 1981; 1985;
1987; 1988; VELHO, 1987; COSTA, 1989). Em busca de compreender esse fenômeno,
psicológico no cotidiano dos brasileiros nas últimas décadas do século XX, ora
focalizando-a nas classes médias urbanas (VELHO, 1987; RUSSO, 1993), ora nas
atendimento psicológico para uma população que sente, pensa e age a partir de
considerado mais afeito à prática psicanalítica pertence também às classes sociais mais
33
psicológico, freqüentemente diferenciando-se de pessoas que pertencem às ditas classes
populares, por motivos que serão discutidos criticamente (FIGUEIRA, 1987; COSTA,
―indivíduos‖, ou seja, livres e iguais. O autor inclui em sua análise aspectos da própria
interação cotidiana, que ao serem excluídas ou modificadas em favor dos rituais típicos
uso cotidiano do código de nervoso, defende a hipótese de que impera, nas classes
defende, desde então, que há construção diferencial de noção de pessoa para as classes
11
Tais autores remetem-se ao estudo etnográfico de Luiz Fernando Duarte, desenvolvido na década de
1980, em um bairro de classe trabalhadora em Niterói, no qual se objetivou compreender ―os processos de
construção das identidades sociais face à diferenciação acentuada das experiências no trabalho‖
(DUARTE, 1986, p.13).
34
populares, que é constituída mais por valores holistas do que individualistas (DUARTE,
Segundo Duarte (1986), esta locução liga dois pólos da visão de mundo dos
e que envolvam ou afetem não apenas sua mais imediata corporalidade, mas também
sua vida moral, seus sentimentos e sua auto-representação‖ (DUARTE, 2003: 177).
Duarte (1994) ressalta ainda a importância dessa noção, cuja vantagem analítica é
acadêmico. O que nos autoriza a considerar as distinções feitas por Silva (1995) sobre
12
Duarte pode ser considerado um dos pesquisadores que mais fez uso, com propriedade, do pensamento
dumontiano para compreender a realidade brasileira, a partir da relação indivíduo-sociedade e
identificação das ideologias individualista e holista em sociedades modernas e tradicionais,
respectivamente.
35
que os leigos ou ―consumidores‖ não só reproduzem os signos e sentidos advindos da
comunidade psi, mas se apropriam e constroem expressões de sofrimento que podem ser
muito distantes da ideologia dos ―produtores‖. E aí temos um dos pontos críticos que
classes populares, que se mostra, muitas vezes, problemático por apresentar resultados
individualista de pessoa. Além disso, ressalta que a avaliação subjacente aos indivíduos
tem forte base social. Neste particular, subjaz ao fato de que os pacientes julgados não
podem ser tanto pré-requisito para a realização de uma psicoterapia ao mesmo tempo
13
Além disso, Ropa e Duarte (1985) indicam as seguintes características dos sujeitos que se
aproximariam mais do sistema médico-científico: a capacidade de reflexividade e verbalização
(BOLTANSKI, 1979) implica discriminar e comunicar sensações corporais através da linguagem;
introspecção (BERNSTEIN, 1980), que significa possuir equipamento lingüístico para produzir um
discurso sobre as ‗experiências íntimas‘; a noção de problematização, elaborada a partir do conceito de
habitus cultivado (BOURDIEU, 1974), definida pelo autor como disposição adquirida pela formação
escolar, ou seja, certa intenção intelectual para problematizar.
36
meio pelo qual ela é conduzida: a) a crença na existência do inconsciente; b) alguma
imaginação, ou seja, a habilidade para jogar com o imaginário e com o pensamento não-
estruturado.
Por sua vez, Ropa e Duarte (1985) argumentam que o descompasso marcado pelo
aos cânones da psicoterapia não seria sanável através de simples modificações técnicas,
sendo mais profícuo buscar explicações sobre a eficácia como um todo do sistema
Os autores destacam três principais questões-problemas que devem ser revistos pela
37
medida que fornecem ao sujeito uma representação do seu estado, o que torna
interesse e visão dos seus atores principais sobre esta problemática é o de Figueira
(1988). O autor identifica algumas atitudes assumidas pelos próprios psicanalistas frente
percebem a sua existência, há os que não atribuem importância para os efeitos que
também aqueles que estão atentos a este fenômeno e que consideram importante levar
repercussões teóricas, clínicas e institucionais. Entre esses últimos têm aqueles que, ao
38
Segundo Figueira (1988), esta categorização binária maniqueísta mostra a sua
limitação, uma vez que propõe um dentro e um fora da psicanálise de modo estanque,
que tem responsabilizado apenas aos ―maus analistas‖ pelos efeitos negativos da difusão
(ou seja, pela distorção que culmina na psicanálise como visão de mundo). Para o autor,
Freud em relação à difusão psicanalítica e suas ações, desejos e política que se situam
1988: 140). Neste sentido, a dissociação entre o que a psicanálise diz que é e o que ela
não reconhece poder ser não esgota o fenômeno da difusão e seus efeitos na
sociedade14.
categorias binárias acima citadas. A primeira diz respeito ao efeito de conversão dos
seguidos, conseqüente da atuação dos ―maus‖ analistas, que a usam como valor ou
instrumento; neste particular, o analista utiliza seu saber de forma não dogmática e faz
(FIGUEIRA, 1988).
14
Figueira (1988, p. 139) remete-se a uma série de momentos da obra de Freud que advertem os
psicanalistas sobre os efeitos da difusão, especialmente, sobre o equívoco de tomar a psicanálise como
visão de mundo e distanciar-se da visão científica.
39
A distinção entre psicanálise-valor e psicanálise-instrumento traz subjacente um
papel que nela desempenha o ―indivíduo‖ enquanto valor, que permitem que a própria
psicanálise.
propiciar: valores, visão de mundo, ética, utopia... Mais uma vez, incidimos na
pode ser compreendida como ajustamento aos cânones que regem o individualismo
sustenta uma operação subjacente que pode explicar a seleção sociocultural da clientela.
Negligenciá-la pode camuflar uma das possíveis causas que poderia ser atribuída às
40
busca de ajustes frente aos impasses da atuação psicológica desenvolvida em
1997; 1999) atualizam a problemática que acompanha uma das facetas da difusão da
pessoas que não pertencem a classes sociais médias e altas, supostamente mais
psicanalista frente aos desafios impostos pelo seu exercício fora do consultório privado.
Nessa perspectiva, Figueiredo (1997) defende que o dispositivo psicanalítico não foi
suficientemente colocado à prova para ser rotulado como ineficaz ou impróprio para
atender às demandas da clientela que busca os serviços públicos. Em sua análise sobre a
clínica psicanalítica exercida nos ambulatórios públicos de saúde pelos mais diversos
profissionais que entrevistou, assume uma postura prescritiva orientada pelo domínio da
referido estudo, foi refletir sobre as questões mais sutis da atuação em psicanálise, em
seus aspectos específicos, nos ambulatórios da rede pública de saúde do Rio de Janeiro,
Destacamos a seguir alguns dos seus argumentos a partir da combinação de dois eixos:
autora:
os dispositivos analíticos não devem ser reduzidos aos ideais do terapeuta enquanto
41
não devem prevalecer os seus valores, nem as condições de analisabilidade devem
do cliente;
demandas diversificadas;
permite que haja uma aposta em tratar também os menos afeitos à cultura ‗psi‘;
Nas ponderações acima, Figueiredo (1997) não descarta a diferença cultural, mas
defende a possibilidade de apostar na oferta de psicanálise para a clientela que aflui nos
a partir do maior domínio dos dispositivos psicanalíticos. Neste sentido, defende que há
distancie do amplo campo das psicoterapias em geral. Entre estas condições podemos
citar: a) a psicanálise é uma clínica da fala, neste sentido fazer o sujeito falar é uma
transferência, cabe ao analista manter a oferta sem coagi-lo, mas com clareza de seu
42
objetivo; c) a ação ou a palavra como interpretação do analista dirigida ao sujeito só
Costa (1989), de modo menos contundente, mas com muito rigor, também
acredita que a psicanálise pode ser utilizada como um dos recursos de tratamentos para
a clientela que busca os serviços públicos de saúde. No referido estudo, o autor descreve
o encontro de pessoas advindas das classes populares que se queixam de nervoso com
partir de três convicções: a) crença na existência de uma essência da doença 15; b) crença
Para tanto, a doença dos nervos é discutida como um exemplo que questiona o
dos argumentos que ele utiliza é que esta manifestação difere das outras expressões
neuróticas por ser expressa por pessoas que ao relatarem seus mal-estares, reordenam
15
Crer na essência da doença é desconsiderar que ―os distúrbios mentais só existem através de certos
conflitos subjetivos, os quais, por seu turno, estão socioculturalmente condicionado‖ (COSTA, 1989: 18).
43
enfatiza que o ―pensamento fragmentado‖ das pessoas que se queixam de doenças dos
nervos tem uma repercussão significativa para a postura do terapeuta, uma vez que ele,
Outra reflexão muito profícua de Costa (1989) diz respeito à sua compreensão sobre
o conflito subjetivo e sua relação com a identidade psicológica. Esta relação, por
que sofre de doenças dos nervos e que expressa seus conflitos subjetivos ancorada em
elite. No entanto, para ficar mais claro os argumentos do autor, é importante apresentar
(sente, enuncia) como sendo eu, por oposição àquilo que se percebe ou enuncia como
não-eu (aquilo que é meu; aquilo que é outro; aquilo que é do outro)‖ (COSTA, 1989, p.
44
A identidade psicológica é diferente dos demais sistemas identitários por se
apresentar ao sujeito ―como aquilo que não é apenas atributo do meu eu ou de alguns
eu, mas o traço identificatório comum a todos os eu‖, ou, dito de outra maneira: ―é o
universal e genérico, definidor por excelência do humano‖ (COSTA, 1989, p. 22). Dois
deixam relativizar facilmente 16; b) a coerção que ela exerce é percebida como natural e
Na sua experiência clínica, Costa (1989) diz que os homens com doenças dos
nervos, ao falarem dos seus mal-estares, não se remetiam aos conflitos familiares,
afetivos e sexuais típicos das falas dos homens de elite (classe média e de profissões
objetivo do autor:
16
O autor ressalta que ―a relativização da identidade psicológica não se contrapõe à asserção psicanalítica
que afirma a universalidade da diferença de sexos [...] porque é um fenômeno da espera ego-narcísica [...]
porque a diferença de sexos não diz respeito ao ego e sim a todo o sujeito‖. Dito de outra maneira, a
diferença de gêneros e a diferença de sexos pertencem a registro diversos da experiência humana, a
primeira visa ―mostrar que estamos tratando de papéis ou funções sociais conscientemente reconhecidas e
inconscientemente ancoradas na diferença de sexos‖. Por sua vez, a diferença de sexos não é relativizável,
na perspectiva psicanalítica, é representada pela presença ou não do falo (―que é puro índice da diferença;
daquilo que demarca sem predicar uns e outros‖, os que têm e os que não têm) (COSTA, 1989, p. 24). O
que não implica uma postura ingênua de que a sexualidade não é um elemento básico na definição da
identidade masculina das classes trabalhadoras, pois é em todos, do ponto de vista psicanalítico.
45
trabalho ou ser trabalhador também é um elemento definitório de grande
significação (COSTA, 1989, p. 27)
terapeuta pautada na esperança de que a pessoa venha atribuir outras causas ao seu
pelo paciente.
46
disciplinares que, de leste a oeste ou do norte a sul, mostraram sua eficácia no
adestramento da alma e do corpo (COSTA, 1989: 27).
Outro aspecto discutido por Costa (1989) diz respeito à miopia etnocêntrica,
sempre podem ser asseguradas, considerando que terapeutas e pacientes podem não ser
socializados no mesmo universo de sentido, que pode haver distância cultural no modo
Neste terreno, o preconceito do encontro entre o sujeito ideal e sujeito ideal terapeuta é
acompanhado da ilusão de que a pessoa que apresenta problema psíquico não tem
registro sociocultural. Idéia essa que pode muitas vezes fomentar impedimentos à
17
―os psicoterapeutas, ao escutarem a expressão doenças dos nervos, nervosismo, estado de nervos ou
sistema nervoso, pensam habitualmente, num arcaísmo médico residualmente conservado na cultura
popular. A idéia dominante é que os indivíduos, quando usam a expressão, estão se referindo ao que
acreditam ser o sistema nervoso descrito pela neuro-anatomia. Desta interpretação, alguns retiram as
seguintes conseqüências: se o indivíduo crê realmente que a doença dos nervos é uma afecção
neurológica, então dificilmente aceitará a idéia de psicoterapia, e reinvidicará muito naturalmente um
tratamento exclusivamente medicamentoso. Estaria aí uma das razões pelas quais se mostra tão rebelde à
atividade psicoterápica‖ (COSTA, 1989: 34)
47
Outro obstáculo diz respeito ao estilo de comunicação. Comparando o trabalho
psicoterápico dual e de grupo, o autor conclui que os clientes eram mais extrovertidos
1989). Esta característica pode ser explicada uma vez que o trabalho em grupo permitia
sobre a pertinência do trabalho em grupo para uma parte da população alijada dos
que podem prejudicar a utilização das mesmas no âmbito dos serviços públicos de
saúde.
psicoterapêutico dual para determinados clientes e reduzir este uso a uma dimensão
uma dimensão positiva do uso das terapias de grupo quando oferecidas à população
diferente do universo das classes médias, por exemplo, nas instituições públicas de
saúde, possivelmente, alicerçada pela idéia de que ―estar em grupo de pares atenuava as
48
O movimento grupalista é marcado por alguns dos valores caros ao
JUNIOR, 1993). O autor organiza suas reflexões destacando alguns pressupostos que
têm orientado o oferecimento das práticas grupais e que merecem atenção especial, pois
grupo como essência. Aqui temos a mesma representação do indivíduo caucionada pelo
18
Indivíduo visto como uma ―forma particular de organização da individualidade moldada pela cultura
psicológica, e que carrega seus típicos anseios, conflitos e expectativas‖ (BEZERRA-JUNIOR, 1993:
137).
49
ideário individualista apenas ampliada para o próprio grupo, ou, mais precisamente,
ao lado da convicção de que o grupo possui uma natureza própria, com leis de
psicológica podem ser transferidas para o trabalho psicoterápico em grupo, pois a escuta
Por sua vez, Nicácio (1996), ao descrever o padrão de distribuição da clientela entre
histórias singulares e falas individuais que circulam nesse ambulatório. Neste serviço
foi possível identificar três fluxos de pacientes: o dos doentes dos nervos, o dos loucos e
o dos sujeitos psicológicos. Os dois primeiros, advindos de classes sociais baixas, são
medicamentoso.
19
A função do terapeuta ―ocupa um lugar que, investido transfencialmente pelo cliente, serve de garantia
para a emergência das formações inconscientes que põem em cheque as versões imaginárias de cada um
(BEZERRA-JÚNIOR, 1993, p. 143).
20
O referido ambulatório constitui uma das unidades periféricas do Instituto de Assistência dos
Servidores do Estado do Rio de Janeiro – IASERJ.
50
As queixas do nervoso remetem-se a um espaço da doença que, freqüentemente,
coincide com o corpo, elas giram em torno de uma diversidade de sintomas, não
quente; leseira na cabeça, frieza nas mãos, dormência no corpo; enjôos; vômitos;
de ônibus; vontade de quebrar tudo. Além disso, são manifestações descritas pelo olhar
entre os ditos do próprio paciente e os ditos sobre ele pelo familiar. Quando eles
encontram espaço para emitir algum discurso sobre seu próprio sofrimento, surgem
queixas como: nervosismo, crise de choro, tonteira na cabeça, insônia; falam da falta
por não ter o que fazer; nem ter pra onde ir; do desânimo para fazer as coisas, da
paralelamente possam fazer uso de psicofármacos. São os usuários que fazem uso de
uma linguagem da intimidade, ―através da qual se volta pra dentro de si, a fim de
51
Segundo Nicácio (1996), o atendimento seletivo da clientela tem resultado numa
psicológicos, ou de classe média, que transitam por um campo semântico que viabiliza a
autor demonstra com clareza que a hierarquização da clientela acaba sendo perpassada
21
Analogia forjada pelo autor a partir idéia de taylorização da assistência (LANCETTI, 1989), implica a
organização dos serviços, cuja matriz de divisão do trabalho pode ser representada por um modo de
funcionamento em que o psiquiatra se ocupa do bio, o psicólogo do psico e o assistente social do social
(NICÁCIO, 1996: 88).
52
modos de expressão de sofrimento e de subjetivação que não se coadunam com um
Por sua vez, os impasses na tradução dos profissionais psi frente à riqueza
semântica das expressões de sofrimento construídas por pessoas das classes populares
também foram discutidos por Nunes (1993). A autora, no estudo sobre a relação
institucional até a comunidade de referência. Uma das suas principais reflexões é sobre
profissionais psi (psiquiatras e psicólogos) das queixas dos usuários dos serviços
uma proposta de trabalho psicoterapêutico numa perspectiva transcultural, que tem por
53
decorre do fato da psicoterapia proposta no ocidente não ser apropriada para outros
terapeuta e de obter ganhos clínicos positivos nos encontros com clientes de contextos
culturais diferentes. Ela está esquematizada a partir da intersecção das suas dimensões, a
cultural específica que ―possibilita que os terapeutas trabalhem efetivamente com uma
a seguir:
54
d) manter a aliança terapêutica, prezando pela sensibilidade cultural, e
inicialmente abordar assuntos julgados pelo paciente como importantes e
possíveis de serem trabalhados, introduzindo, cautelosamente, assuntos que
possam ser tabus e de difícil manejo;
e) avaliar e dar feedback a partir de uma abordagem compreensiva, incluindo as
perspectivas biológica, psicológica, social e espiritual, como seja o caso;
f) explorar a identidade cultural, entendida como fluida e dinâmica, que se
expressa por determinadas estratégias, geralmente invocadas a depender do
contexto ou situação vivenciada pelo paciente. Neste sentido, atentar para o grau
de aculturação que o paciente desenvolveu em relação ao contato que teve e tem
com o novo contexto cultural, identificando suas estratégias de aculturação no
que diz respeito à rigidez e ao ajustamento ao ambiente.
2003, p. 166).
Os autores advertem que a análise cultural deve ser utilizada como uma estratégia de
de mundo do paciente que merecem ser explorados, mas que não podem conduzir a sua
do paciente;
55
b) domínio da relação, a cultura influencia a visão de mundo do paciente de acordo
padrão de comunicação, tanto verbal como não verbal. Por outro lado, ressalta a
cultural geral, aqui destacados quando focalizados para entender um caso específico.
Figueira (1995). De acordo com o autor, esta idéia não só é viável como o próprio
subjetividade mais próxima à mesma, ainda que a sua função não se resuma a isto. Dito
por Figueiredo (1995) são passíveis de serem reconhecidos para o contexto brasileiro,
ao passo que ele compartilha com DaMatta (1978) da idéia de que a sociedade brasileira
caracteriza-se como sendo constituída por um ―código duplo relacionado aos valores de
(1995, p. 43), a análise antropológica de DaMatta (1978) apresenta um ―um país cindido
56
igualitário e impessoal, gerador de (meros) indivíduos‖22. Nas palavras do próprio
DaMatta (1978, p. 156), ―as relações entre a nossa ―modernidade‖ – que se faz
posicionais. Neste sentido, pode ser representada por homens e mulheres cujas vidas
estão reguladas pelas tradições e pelos costumes. Embora gozem em certa medida e por
momentos de liberdade, estão ―atados aos lugares que ocupam numa rede estreita e
que cada um deve se dedicar às funções e às tarefas que lhes são destinadas para
22
A análise realizada por DaMatta (1978) para a sociedade brasileira propõe a distinção entre o indivíduo
e a pessoa, como duas maneiras diferentes de conceber o universo social e de agir nele; a inclusão do
terceiro modo de subjetividade denominado mero-indivíduo é uma proposta do próprio Figueiredo
(1995).
23
Um dos exemplos clássicos apresentado por DaMatta (1978), que espelha a duplicidade brasileira entre
a igualdade e hierarquia decorrente do uso da expressão ―você sabe com quem está falando?‖, empregada
em diversas situações cotidianas pelos brasileiros como um rito de autoridade, que tem como objetivo
distanciar-se de um modelo de indivíduo e operar como pessoa. O autor chama atenção para o fato de ser
difícil para um brasileiro operar como indivíduo (ou seja, ser submetido às leis e às normas gerais), uma
vez que a sociedade brasileira é marcada pelas relações pessoais e de apadrinhamento e ―onde se tem
pouca tolerância para com a igualdade e o individualismo‖ (DaMATTA, 1978, p. 182).
24
Estas definições também têm como ponto de partida a relação indivíduo-sociedade elaborada por Louis
Dumont: ―Nas sociedades tradicionais os indivíduos, enquanto unidade empírica de falas e ações, aí
figuram como seres socialmente determinados, assumindo identidades posicionais, vale dizer identidades
que se definem a partir da posição (ou posições) que ocupam no quadro social estratificado e
hierarquizado. Desta forma a coletividade e as suas tradições condicionam as existências individuais e
limitam as possibilidades de individuação em um grau desconhecido nas sociedades individualistas.
Nestas os indivíduos, além de serem unidades empíricas, são representados como elementos a-sociais,
independentes e autônomos, sobre os quais se organizam ou deveriam organizar os modos de
funcionamento e as estruturas da sociedade. Eles, de fato, são tomados com valor a ser realizado nas e
pelas práticas sociais, o que implica no estabelecimento de normas e ideais individualistas, cujo
paradigma está explicitado no ideário liberal dos séculos XVIII e XIX, e no exercício de procedimentos
individualizantes‖ (FIGUEIREDO, 1995: 27-28).
57
O sujeito e os meros-indivíduos configuram modelos modernos de subjetivação
Luis Dumont e em Roberto DaMatta. Por sua vez, o autor introduz outra categoria, os
vínculos e obrigações – rompidas com a dissolução das instituições holistas – mas ficam
controle (FIGUEIREDO, 1995: 38), considerados pelo autor como sendo aqueles para
meros-indivíduos parecem solicitar o retorno à condição de ―pessoa com tudo que ela
58
promete de integração a ordem, de diferenciação qualitativa, de sentido denso para
1995: 39). Este processo pode ser entendido como uma instauração modernizante
Estas passagens podem ser propiciadas pelas práticas terapêuticas, como espaços
80):
25
Este processo ―supõe um momento da história do indivíduo em que ele pertenceu de fato a uma
coletividade que lhe garantia uma existência como pessoa‖. As condições de assujeitamento dizem
respeito à ―eficácia dos dispositivos [transformações na estrutura e na dinâmica das famílias modernas
(FIGUEIREDO, 1991)] cuja função seria instituir uma origem simbólica para o sujeito no reino das
pessoas‖ (FIGUEIREDO, 1995: 39).
59
O autor destaca que estas transições, a partir de instaurações modernizantes,
Apesar das diferenças que as sustentam, estas plataformas têm como base comum a
Nesta perspectiva, cabe ressaltar ainda uma das hipóteses do autor, agora
tomando como referência os próprios terapeutas. O uso imbricado feito pelos mesmos
subjetividades modernas num meio social hostil; 2) apesar das dificuldades lógicas que
(FIGUEIREDO, 1995).
lida com estes modos de subjetivação, já que a exclui do bojo das plataformas citadas,
provocando os próprios psicanalistas a partir da seguinte questão: ―como será que ela
[psicanálise] funciona e o que será que ela significa quando, afastada de suas origens e
relativamente fora do lugar opera num país em que a modernidade sempre esteve
embrulhada num grande mal-entendido?‖. Neste caso, a idéia que se quer passar com a
expressão fora do lugar é de que a psicanálise fica ―sem um alvo muito nítido‖ em um
26
Figueiredo (1995: 87) identifica duas plataformas que orientam as transições modernizantes.
Plataforma humanista-existencial: ―circula o discurso de desalienação, da liberdade e da responsabilidade
individual, vale dizer, a ideologia do humanismo moderno na sua versão liberal romantizada [...]. e a
Plataforma tecnocrática: ―idéia de que o controle de si necessário para o controle do mundo físico e
social implica em desenvolver e pôr à disposição do mero indivíduo uma ―tecnologia comportamental‖, a
apropriação pelo cliente destas técnicas o elevaria à condição de sujeito‖.
60
contexto, a exemplo do Brasil, cujas subjetividades estariam organizadas sobretudo
eficácia‖, o que ainda está por ser um objeto de estudo com a seriedade que esta
problemática exige, ressalta Figueiredo (1995). Neste terreno, outro caminho apontado
pelo autor, que merece desdobramentos analíticos, coloca em cheque o próprio modelo
sujeito, cujas relações com os seus pares sugere uma busca para a condição de pessoa.
sociedades modernas e aos autores que buscaram discutir este fenômeno no contexto
61
Destacamos algumas idéias e conceitos básicos que alimentam a discussão sobre
substanciais para a análise dos dados empíricos sobre a atuação dos psicólogos em
investigação, a saber:
heurístico;
62
3. O PSICÓLOGO NO CONTEXTO DA SAÚDE PÚBLICA: compromisso social e
atuação psicológica.
Enigma
Neste capítulo, temos como objetivo apresentar alguns estudos críticos elaborados por
2003).
compreensão de como se tem estabelecido sua função social. A autora descreve este
Uma profissão que, durante seus 40 anos de vida, serviu às elites, sendo um
serviço de difícil acesso aos que têm pequeno poder aquisitivo. Uma
profissão com pouca inserção social, baixo poder organizativo, com
entidades frágeis com pequeno poder de pressão e que negociou pouco com o
Estado suas demarcações e possibilidades de contribuição social (BOCK,
2003, p. 19).
63
tem como pressuposto de interpretação que as mesmas refletem os interesses das elites
no Brasil27, uma vez que a psicologia tem se constituído como uma ciência e uma
cotidianas das pessoas, seus valores sociais e culturais, muito menos as formas de
Nesta direção, a prática profissional limita-se ao reencaminhar para o ―seu trilho‖ o que
não têm concebido suas intervenções como trabalho. Dito de outra maneira, o trabalho,
entendido como ação intencionalmente direcionada sobre o mundo, não faz sentido para
uma categoria profissional que pensa que tem como cliente ―um sujeito autônomo e
2003). Por exemplo, para a autora, perde-se de vista que, ao levantarmos critérios que
27
Na sua breve digressão, Bock (2003) remete-se a alguns fatos que exemplificam o que denomina de
compromisso com a elite, a saber, sua aplicação na educação para diferenciar pessoas e construir grupos
homogêneos, no trabalho, para selecionar trabalhadores mais adequados aos objetivos da empresas, além
disso, o exemplo que se tornou clássico, o desenvolvimento dos testes psicológicos como instrumento
principal da profissão, incentivado por interesses bélicos.
64
Por fim, a reducionista concepção da relação indivíduo-sociedade dominante na
psicologia está sustentada na idéia de que a sociedade não tem papel algum na
constituição do homem e da sua subjetividade, pois ele desenvolve-se pela sua natureza
(BOCK, 2003). A sociedade é vista como algo externo ao sujeito que, no máximo, o
específica de mundo através do estudo de Good (1994). O autor realizou uma etnografia
65
graduandos realizam práticas que são formuladas a partir de uma perspectiva
transformações no seu olhar, na sua fala e na sua escrita, que dão sentido a esse novo
com novas propostas de atuação diferentes da clínica tradicional, a qual, como veremos,
que são mais adequadas a níveis primários de saúde, como ações de prevenção,
66
reforçada ao longo do seu processo de formação e por não estarem presentes no seu
Além disso, outro aspecto que merece maior destaque é que o modelo de
população que procura os serviços públicos de saúde; e podemos arriscar , nos três
(SILVA, 1992).
Dois estudos financiados pelo Conselho Federal de Psicologia (1988; 1994) são
profissionais têm que entrar em contato com a parcela pobre da população, antes fora do
seu campo direto de intervenção. O modo como este contato ocorre, ou seja, as
problemas enfrentados por este grupo são alvo de constantes críticas dentro do próprio
psicólogos para outros contextos de trabalho, ampliação descrita como uma certa
mantenha como predominante. A despeito dessa mudança, Bastos (1990 apud BASTOS
67
relação ao tipo de instituição de graduação proveniente. Este modelo é descrito como
dirigida à clientela adulta da classe média, com dedicação parcial de tempo. No entanto,
o autor ressalta que a inserção dos psicólogos nas instituições de saúde modificou a
baixo, mas houve a manutenção das mesmas atividades típicas da clínica tradicional.
particularmente das UBSs em Teresina – Piauí, conclui que a transposição desse modelo
68
psicodiagnóstico, não é adequado para este nível de assistência à saúde, pois não atende
breve, embora estas atividades sejam vistas como especializadas e mais adequadas ao
assistência, é visto pelos autores como impeditivo e mesmo indefensável para justificar
69
previnem as necessidades das mesmas ou que visam à promoção de saúde
(JACKSON e CAVALLARI, 1991).
Apesar do esforço dos referidos autores para elencarem quais as ações e noções
que seriam mais pertinentes para serem reforçadas na formação e desenvolvidas pelos
psicólogos nas UBSs, alguns dos aspectos levantados estão por ser desdobrados ou
mesmo definidos. Está obscuro o que significa ―demanda coletiva‖ e o que se quer dizer
e não uma deliberação que se deve aceitar sem ressalvas. Neste terreno, já apresentamos
entanto, o convite feito aos psicólogos e pesquisadores, representados nos dois últimos
inserção dos psicólogos e os impasses daí decorrentes, a exemplo da prática clínica não
orientada socioculturalmente.
YAMAMOTO, 2003).
70
saúde‖28. Para o autor, as ações dos psicólogos no setor social público demonstram
universo simbólico o interesse pela mudança nas condições de vida das pessoas, bem
caminho que foi percorrido e aquele que se gostaria de trilhar para a transformação ou
Por sua vez, Bastos e Achcar (1994) apontam que o compromisso social deve
28
De acordo com Yamamoto (2003, p. 49), ―as estratégias de intervenção da ―vigilância da saúde‖
resultam da combinação de promoção da saúde, de prevenção das enfermidades e dos acidentes, e da
atenção curativa (MENDES, 1996)‖, incluindo as diretrizes advindas da reforma psiquiátrica para
estabelecimento dos modelos substitutivos de atenção a saúde mental, por exemplo.
71
psicológica a uma parcela da população que se encontrava, historicamente, excluída da
72
A natureza do compromisso enquanto profissional: uma preocupação humanista
e voltada para o atendimento de necessidades individuais, deve buscar fortalecer
uma preocupação com o engajamento pela transformação social.
Os aspectos destacados acima propõem alternativas de transformação de uma
princípios que têm orientado as políticas públicas de saúde no âmbito dos recursos
setor saúde.
14 profissões de saúde, é garantida pelo Decreto n. 53.462 29, desde 1964. No entanto,
segundo Dimenstein (1998; 1998a), antes da metade dos anos de 1970, podemos
destes profissionais para 3.671 nas equipes de saúde de nível superior, o que revela um
profissionais, este aumento é numericamente pouco expressivo. Por exemplo, para este
29
Este decreto de 21/01/1964 regulamenta a Lei 4.119, que dispõe sobre a profissão de psicologia.
73
mesmo período, o número de assistentes sociais passou de 3.309 para 6.649, muito
Brasil por categoria profissional, podemos perceber que a de psicólogo aumentou muito
proporcional, correspondente a 51,65 em 1984 30, no final da década de 1970 e início dos
anos de 1980.
Em 1995, havia 4.990 empregos para psicólogos no setor público de saúde para
profissionais: inferior aos 10.277 assistentes sociais, aos 41.501 enfermeiros e aos
entre outras categorias. Particularmente no setor público de saúde, ainda em 1995, havia
4.990 empregos para psicólogos: 70,1% deles concentrados na região sudeste (3.398),
16,8% no nordeste (817), 9,3% no sul (449), 2,4% na região norte (116) e apenas 1,4%
Em levantamento para o ano de 199832, feito por Franco e Mota (2003), havia
por 100.000 hab., enquanto para a região nordeste esta taxa cai para 4,8 por 100.000
30
Fonte IBGE (1995)
31
Fonte IBGE (1995)
32
Fonte SIA/DATASUS/MS (1998)
74
hab, e, particularmente, para a Bahia, há um déficit ainda maior, contamos apenas com
nordestinos de terem mais psicólogos do que psiquiatras nos serviços públicos de saúde.
Segundo Mota e Franco (2003), para a região nordeste, são os estados de Pernambuco
(715), Paraíba (493) e Alagoas (312) que dispõem de maior número de psicólogos; a
Bahia (242) está na quarta posição, sendo que os estados que contam com menos
psicólogos são o Piauí (45) e o Sergipe (28) em relação à quantidade de psicólogos nos
pesquisa, a presença de psicólogos na rede pública de saúde da Bahia ainda pode ser
particularmente no âmbito público, tem crescido nos últimos anos de 1990; tínhamos
3.671 em 1984, 8.290 em 1995 e 14.504 em 1998, no Brasil. Por outro lado, é preciso
33
Fontes: SESAB (2004) e SMS (2003)
75
aumenta as expectativas quanto a sua participação e exige ampliação para a atuação dos
Grosso modo, alguns fatores contribuíram para a entrada desses profissionais no setor
entrada dos psicólogos no setor público de saúde ocorreu voltada para a assistência à
34
Alguns aspectos que mostram esta movimentação foram descritos na sub-seção anterior, diz respeito à
busca dos conselhos regionais e o federal de conhecerem melhor a atuação da categoria, através das
pesquisas citadas, que apontaram as críticas que devem ser superadas desde a graduação, incorporando o
lema do ―compromisso social‖ da psicologia, tendo maior visibilidade nacionalmente na década de 1990.
35
Aspecto apresentado em profundidade no primeiro capítulo, em que se pesem as repercussões da
difusão da cultura psicanalítica e psicológica e seus desdobramentos no campo da assistência pública à
saúde.
76
saúde mental. O movimento pela reforma psiquiátrica brasileira, desencadeado em
internação hospitalar, fato que perdura até metade dos anos oitenta, ainda que de modo
germinar três processos significativos para a reforma atual: 1) a ampliação dos atores
36
Apesar de estarmos destacando apenas aspectos importantes das políticas públicas de saúde mental, a
partir da definição do nosso objetivo nesta sub-seção, que é citar a entrada dos psicólogos nas instituições
públicas de saúde, particularmente a partir dos anos de 1980, é importante ressaltar uma das repercussões
nocivas do governo militar para a assistência em saúde mental. Trata-se da abertura e incentivo no
período militar do governo brasileiro, nas décadas de 1960 e 1970, da articulação com instituições
privadas, definida como setor conveniado e contratado pela União e depois pelo SUS, que consolida a
fusão entre internação asilar e privatização da assistência (Ver TENÓRIO, 2002).
37
Os programas de Saúde Mental de Santos e o CAPS Luiz Cerqueira de São Paulo são apontados e
descritos pelo autor como experiências bem-sucedidas pioneiras em saúde mental, inaugurando novas
formas de cuidar o louco-cidadão.
77
de distribuição de cuidados (CAMBRAIA, 1999). De acordo com o referido autor, é
importante ressaltar este fato, uma vez que o ―perfil‖ de usuários desses serviços deve
ser bem preciso, trata-se de pessoas com transtorno grave e de longa evolução. Neste
consultas; d) não raro, os usuários eram internados sem o conhecimento dos seus
Nesta direção, podemos considerar que apenas a partir dos anos de 1990 é que
78
normatização e controle‖ (TENÓRIO, 2002: 27), que se podem estender para outros
com o jurídico‖ (TENÓRIO, 2002: 28). Esses aspectos exigiram reflexões dos campos
incidiram sobre a própria clínica, desde a relação com o paciente à concepção de saúde
mental.
dos recursos humanos, Dimenstein (1998; 1998a) diz que, desde a década de 1980, vem
sendo consolidada a idéia de que a assistência à saúde deve prezar pelo trabalho
realizado por equipes multiprofissionais. Cita alguns documentos que reforçam este
79
saúde, inclusive o psicólogo, ao ter como princípio que a saúde é um processo resultante
das condições de vida e que a atenção à saúde não se restringe à assistência médica,
Reforma Sanitária brasileira, cujos eixos fundamentais orientam o setor de saúde até
hoje e foram retomados nas conferências seguintes: a) saúde como direito de todos e
Mental, em 1987. Um dos eixos norteadores deste evento diz respeito à política de
Descentralizado de Saúde - SUDS, como modelo transitório para o SUS, o qual foi
realidade, que não podemos perder de vista ao fazer considerações sobre a inserção e
80
Como buscamos destacar nas linhas precedentes, a atuação dos psicólogos em
novos contextos de trabalho, como é o caso da saúde, tem sofrido crítica por não atender
pesquisas que nos informem como sua atuação de dá e quais são os entraves que a
impedem de ser mais adequada à realidade brasileira. Acreditamos que este esforço
Nesta direção, podemos considerar, a partir das críticas elaboradas pelos autores
dos principais problemas para alguns contextos de atuação, a exemplo das ações
psicólogo, até então formado para, prioritariamente, lidar com ―distúrbios psicológicos‖
De fato, a entrada dos psicólogos neste nível de atenção à saúde fomentou várias
No entanto, embora ainda estejamos por dizer o que realmente é pertinente para
cada nível de assistência à saúde, parece haver um certo acordo entre os autores de que
é preciso estar atento aos efeitos da atuação psicológica nos diversos níveis de
81
assistência à saúde. Neste particular, podemos considerar que há necessidade de
refletirmos sobre esta atuação a partir das diretrizes e princípios elaborados pela reforma
movimento pela Reforma Sanitária Brasileira - RSB, desde os anos de 1970. Uma das
principais conquistas do final da década de 1980 para o campo da saúde, no Brasil, foi a
básicos que devem orientar e prevalecer sobre toda alternativa de reorganização dos
82
serviços de saúde do país38, tendo com o setor privado uma articulação apenas
38
Ministério da Saúde. Manual para organização da atenção básica. 3 a ed. 1998. Disponível em
www.saude.gov.br Acesso em 9/03/2003.
83
A diretriz de atendimento integral autoriza uma forma de assistência que
ser humano integral está submetido às mais diferentes situações de vida e de trabalho
que podem influenciar também no seu adoecer e na sua saúde, incluindo as ações de
que assegura o acesso de toda a população aos serviços de saúde em todos os níveis de
princípio de eqüidade ressalta que a distribuição dos recursos deve ser orientada a partir
grupos de população.
de profissionais e a população.
área de saúde, percebeu que, entre os principais desafios impostos para esta categoria,
84
neste processo, há a necessária articulação da sua prática ao respectivo nível de
assistência à saúde. Além disso, notou que a ausência das temáticas relacionadas à
85
Permanente questionamento sobre o significado e o sentido do trabalho e dos
projetos de vida.
Por sua vez, Dimenstein (1998, p. 124) destaca quatro pontos fundamentais que
psicólogos nos serviços públicos de saúde são inúmeras e urgentes de serem superadas.
Não contamos com a prescrição de um modelo padronizado para cada tipo de atuação
condizente aos níveis de assistência à saúde, o que percebemos como um ganho, pois
que não passaria de mais um equívoco. No entanto, contamos com algumas reflexões e
muitas indicações de normas, conceitos, princípios que podem e devem servir de guia
para atuações mais contextualizadas e para a própria formação dos futuros psicólogos.
86
3.3 O LUGAR DA ATUAÇÃO PSICOLÓGICA NO CONTEXTO DA REFORMA
desafios para os mesmos (DIMENSTEIN, 1998; SPINK, 2003). É possível definir três
saúde mental. Nesta direção, entende que ―atenção psicossocial não é exclusivamente
87
nem reabilitação, nem clínica institucional, mas o conjunto de dispositivos e instituições
que fazem com que o cuidado em saúde mental tenha uma incidência efetiva no
cotidiano das pessoas assistidas‖ (TENÓRIO, 2001, p. 55). É o mesmo que dizer que
existem suficientes normas, noções e conceitos que podem e devem guiar a atenção em
construção de uma abordagem ética em saúde mental pode seguir o caráter conciliador
atenção psicossocial e clínica do sujeito não são a mesma coisa. Mas uma
pode tornar a outra possível – desde que a primeira evite dois riscos: impor
ao psicótico ideais de funcionamento que nossos e aos quais ele muitas vezes
não pode corresponder, e o de acreditar que o bem estar psicossocial torna
menos relevante o trabalho subjetivo na palavra; e que a segunda reconheça
os limites de qualquer prática ligada à palavra e a necessidade, em certos
casos prioridade, na psicose grave, de uma ajuda concreta e cotidiana ao
viver (TENÓRIO, 2001a, p. 87)
Saraceno (2001a, p. 151), que segue um rumo menos conciliador entre estes
eixos, ressalta que a abordagem ética em saúde mental deve fornecer ―oportunidades de
88
trocas materiais e simbólicas [que] são oportunidades precedentes na construção da
troca, não só pela sua condição de diferente, mas, principalmente, pela negatividade que
poder contratual do sujeito em três cenários principais: habitat, rede social e trabalho
(SARACENO, 2001; 2001a). Por sua vez, o autor mostra-se descrente quanto aos
possíveis efeitos substanciais da clínica para os pacientes. Nesta direção, conclui que as
―práticas terapêuticas que nos últimos 100 anos derivaram dos modelos da clínica são
A leitura de Kinoshita (2001: 55) também nos adverte para pensarmos em ações
terapêuticas, no sentido de que não se deve perder de vista o ―poder contratual‖ de cada
sujeito, uma vez que ―no universo social, as relações de trocas são realizadas a partir de
um valor previamente atribuído para cada um indivíduo dentro do campo social, como
deve redimensionar a troca de bens, a troca de mensagens e a troca de afetos, uma vez
que o objetivo de ações de cuidados em saúde mental é restituir o poder contratual dos
Os encontros clínicos não estão fora do campo das trocas simbólicas, não há
superação de críticas antigas. Cabe aos profissionais de saúde mental considerarem dois
subjetividade (KINOSHITA, 2001). Cabe ressaltar que são ambições difíceis de serem
89
concretizadas sem mudanças radicais na organização de dispositivos de cuidado em
saúde mental, mas que, no entanto, não advêm apenas da mudança estrutural das
perspectiva psicanalítica.
estruturas assistenciais, mas que tende a excluir do debate a busca de um terreno comum
que possibilite pensar conceitos sustentáveis na prática junto aos usuários numa relação
mais estreita.
freudiana de sujeito descentrado e a sua relação com o tipo de clínica (ampliada) que
oferece, aberto à criação de modelos novos de subjetividade, modelos novos através dos
90
Bezerra-Júnior (2001) defende uma noção de clínica nesta direção e,
como ampliada:
modelado por sua profissão, sem se preocupar com o sujeito que está sob os seus
cuidados, muitas vezes blindado em um não tratar tudo o que se fizer fora deste
repertório.
O segundo ponto está relacionado ao fato de, não havendo clareza do papel e
91
(TENÓRIO, 2000). O autor na discussão rigorosa do que pode ser a clínica da reforma
adverte para uma certa banalização da escuta e da clínica do sujeito, que tem dissolvido
sua força terapêutica, desde a implantação de ambulatórios como alternativa para fugir
não pode estar delimitada apenas ao seu clássico campo de pertença, tendendo a se
tornar flexível ao dirigir situações consideradas extraclínicas. Pode ser definida dessa
maneira, pois defende algumas proposições, transcritas abaixo, que exigem uma
quaisquer outras, distantes de uma abordagem ética em saúde mental. Embora seja
pertinente ressaltar que muitas das discussões feitas pelos autores citados sobre o papel
92
precisamente, da sua conjugação, que não são passíveis de serem visualizados na
de referência, que nos guiaram para a compreensão das práticas psicológicas e dos seus
regime ambulatorial. Por outro lado, a interpretação dos dados da presente pesquisa
buscou contribuir para o entendimento de como a escuta psicológica está distante das
os diversos profissionais de saúde mental estejam atentos ao alcance das suas atuações,
ainda que não esqueçamos que elas também são espelho de uma dimensão mais macro
93
4. MODELO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA: algumas considerações
método de trabalho que parte das experiências subjetivas e trajetórias singulares das
Este foi elaborado com o objetivo inicial de ser uma alternativa de investigação
39
O autor enfatiza a importância de identificar os condicionantes estruturais e a experiência organizada na análise dos
dispositivos patogênicos estruturais, relacionados ao desenvolvimento de quaisquer problemas de saúde.
94
direção, parte da revisão dos limites da abordagem epidemiológica dos transtornos
mentais, tendo como objeto de estudo os problemas de saúde mental (BIBEAU, 1992;
signos que caracterizam diferentemente a atuação psicológica tanto nas UBSs quanto
Buscamos compreender os significados que lhes são atribuídos pelos psicólogos a partir
interlocutores.
considerar que os dois primeiros tendem a coincidir com as fases de coleta dos dados.
95
No entanto, o início da coleta dos dados é um ponto de partida significativo para
factual quer ressaltar a importância de tomar como ponto de partida os casos e situações
realidade.
96
interlocutores que lidam cotidianamente com a problemática. Neste particular, é
significados que lhes são atribuídos, já que incentivamos relatos de situações concretas
dia do serviço.
97
Neste terreno, cabe ressaltar que a inspiração no modelo S/ssp nos conduziu a
seja, não leigos) como qualquer conhecimento localmente construído, portanto, plural,
idéia de que suas histórias concretas particulares na vivência dos desafios da atuação em
segundo nível é uma estratégia que combina a submissão ao texto dos discursos
coletados e a violência feita pelo pesquisador sobre estes textos. Nesta direção, o
nativo, aprendendo sua língua, seus costumes e conhecendo suas atividades. O segundo
aforismo está relacionado à capacidade de ―olhar por trás dos cenários e ler nas
nativos.
98
A terceira máxima, ―seguir os passos dos adivinhos‖, retrata dois sentidos: a) a
que se autorizam a narrar suas experiências e que são pessoas conhecedoras do objeto
mesma natureza da ―adivinhação‖, não no sentido mágico da tarefa, mas que advém da
grupo estudado.
Por fim, a quarta regra para desenvolver a interpretação antropológica sob bases
criativo‖ para compreender a realidade estudada. Neste sentido, é preciso considerar que
(RICOEUR, 1989; 1991) que deve ser capaz de preencher os espaços vazios. Por outro
nativas. Como ressaltam Bibeau e Corin (1995: 60) ―o significado não é nunca um
produto coletivo já dado, mas este é, em vez disso, incessante e cooperativamente criado
pelos atores culturais, negociado entre eles mesmos sobre diferentes estágios, e
permanente esforço de tornar a realidade estudada cada vez mais familiar aos olhos do
superficial das situações encontradas. Além disso, busca-se preencher os espaços vazios
99
Uma parte integrante e integradora da proposta S/ssp é a etnografia focalizada40,
presente desde o início do trabalho de campo: ―a análise dos dados etnográficos devem
conduzir à identificação de padrões e pontos focais em torno das amplas partes da vida
outros s/d (a)). Neste terreno, a etnografia focalizada é uma estratégia metodológica,
alguns dos aspectos que privilegiamos: a construção de pessoa dos profissionais e dos
40
O uso da etnografia focalizada parece estar sustentada no retorno crítico, no início da década de 1990,
aos trabalhos de autores clássicos da antropologia (por exemplo, Malinowski), cujas etnografias extensas
tentaram dar conta de vários aspectos – políticos, religiosos, de parentesco - de uma sociedade tradicional,
e tendiam a ser tratados extensos, o que acautelou os antropólogos, que estudam sociedades modernas, a
focalizarem mais seus estudos, pelos melindres de levar com êxito tal tarefa.
41
A noção de ciência como práxis, apresentada pelos autores, toma como ponto de partida, que ―o objeto
de conhecimento é determinado pela metodologia assim como a prática diária da ciência (que é a
100
conhecimento. Trata-se de distanciar-se das abordagens que percebem o objeto como
uma ―representação direta da realidade‖ e que ignoram a sua emergência dentro de uma
políticas que a legitimam. O que não implica necessariamente propor que a realidade
compreensão dos mesmos, por isso seu caráter relativo. Por outro lado, podemos
atribuir uma validade relativa ao conhecimento produzido, uma vez que ele é
s/d).
FILHO; CORIN e BIBEAU, s/d). Neste terreno, justificamos o fato de termos mantido
um campo de estudo muito amplo sob o rótulo de serviços públicos de saúde (incluindo
seis unidades e três centros de saúde) e ter entrevistado psicólogos distribuídos pelos
saúde pública.
101
Por fim, a sensibilidade cultural do modelo S/ssp busca enfatizar o compromisso
identificação dos signos e compreensão dos significados que são atribuídos ao objeto-
que não perca de vista as reflexões acerca dos seus aspectos universais (ALMEIDA-
interpretativa
A principal dessas noções está na problematização de que a vida social pode ser
102
Neste sentido, a analogia da vida social como um texto que pode ser lido é
inspirada no conceito de inscrição desenvolvido por Paul Ricoeur, que é ―a chave para a
transição de texto para o texto análogo, ou de um texto escrito como discurso para a
ação como discurso‖ (GEERTZ, 2002a: 50). Para Ricoeur (1991: 106) ―texto é todo
registro.
ação é constituída de significados e que pode ser lida como um texto. Do ponto de vista
interpretação do pesquisador (GEERTZ, 1989; 2002; 2002a). Este estímulo pode ser
O que é fixado pela escrita é, pois, um discurso que poderia ter sido dito, é
verdade, mas que se escreve, precisamente, porque não se diz. A fixação pela
escrita surge no lugar da fala, quer dizer, no lugar em que a fala poderia ter
nascido. Podemos, então, perguntar se o texto não é verdadeiramente texto
quando não se limita a transcrever uma fala anterior, mas quando inscreve
directamente na escrita o que quer dizer o discurso (RICOEUR, 1989, p.
142).
social, buscando salvar o ―dito‖, evitando assim a sua extinção e fixando-o em formas
ressalva de que ―interpretações mais amplas e análises mais abstratas‖ surgem de ―um
103
Nesta perspectiva, estudamos a atuação dos psicólogos nos serviços públicos de
104
No entanto, é preciso outra advertência, estamos no lugar de quem ―lê‖ e não de
quem ―escuta‖, quando do tratamento dos dados coletados. Neste particular, temos que
momento em que está no papel de quem escuta e produz um diálogo com seus
consciente, sobre o que é falado e segue o seu fluxo, ainda que orientada por um roteiro.
direta das narrativas que serão as suas unidades de análise, mas que não se limita a este
inscreve-se.
Ricoeur (1989; 1991) parte da premissa de que o ato da leitura é diferente do ato
do diálogo. Uma característica importante que marca esta diferença é que a escrita
o autor, o diálogo está para a fala, assim como, a escrita está para a leitura, uma vez que
a escrita toma o lugar do discurso. Porém, para o autor não há supremacia entre a fala e
escrita é uma inscrição directa desta intenção, mesmo se, histórica e psicologicamente, a
143).
105
texto produzido no que diz respeito à oralidade, cuja liberação transforma as relações
isto modifica a relação autor-leitor, coloca o leitor no lugar de quem produz uma
Para Geertz (2002), a interpretação pode ser também exemplificada como sendo
entende-se o uso natural e sem esforço de explicações sobre o que os semelhantes vêem,
42
Estes conceitos foram desenvolvidos pelo psicanalista Heinz Kohut e tomados de empréstimo por
Geertz (2002) para expor a passagem do texto nativo para o texto interpretativo advindo da escrita
etnográfica.
106
por sua vez, a experiência distante é uma outra interpretação, não menos válida do que a
próxima, mas considerá-la como ponto fundamental de partida. Tomamos os relatos dos
em alguns momentos, eles façam uso de conceitos que vêm de experiência-distante, pois
são também especialistas. Segundo Geertz (2002), não há diferença normativa entre tais
conceitos, ou seja, um não é melhor do que o outro. Há uma diferença de grau, e não de
oposição extrema.
Nesta mesma direção, Bibeau (1992) ressalta que, no processo interpretativo, é preciso
entanto, negligenciar os fatores políticos, sociais e culturais que se impõem nas suas
psicóloga, podemos responder esta questão e conferir validade a interpretação dos dados
107
O procedimento teórico-metodológico empregado parece nos colocar no lugar
DST/AIDS.
clínica psicanalítica, que aí se restringiu. Posso considerar que este contato foi retomado
por mim, alguns anos depois, no papel de analisanda a partir do referencial psicanalítico
de interpretação dos seus dados, conduzindo a resolução deste percalço. Desse ponto de
vista, a experiência é mais próxima do que distante. Esse aspecto pode ser explorado em
108
No primeiro momento, os termos utilizados pelos psicólogos entrevistados para
pareciam domésticos. Alguns deles sequer foram questionados por mim quando os
seus significados. O que parece demonstrar que ler é diferente de escutar, no sentido que
estamos lhe atribuindo aqui. Isolar cada fragmento narrativo onde aparecia o termo
―demanda‖ e buscar o significado atribuído a cada uso fez com que percebêssemos o
seu caráter polissêmico, que vai do sentido de ―quantidade‖, muitos usuários que
buscam os serviços, até o de ―ter demanda‖, ou seja, ter atributos que lhes confere o
da tendência de mudança do perfil dos usuários... É oportuno retomar mais uma vez as
palavras de Geertz que ampliam a noção de experiência próxima, para cumprimos nosso
objetivo:
109
veremos nos resultados e discussão. Neste terreno, parece que a vertente teórico-
Por fim, há mais uma observação a ser registrada que envolve o uso da metáfora
interpretação que preza por ressaltar ―a ação a seu significado, e não o comportamento a
seus determinantes‖ (GEERTZ, 2002a: 55). Não buscamos associações positivas entre
variáveis, presas à relação causa e efeito, buscamos os significados que são atribuídos às
ações a partir de situações concretas. Feitas estas ressalvas, a opção nesta pesquisa foi
antropologia interpretativa.
110
5. CONTEXTOS E TEXTOS DA PESQUISA: de onde emergem e quem os produz
Bahia43.
realizado junto à SMS de Salvador em 2002, uma vez que tínhamos interesse em
direção, a entrada pela SMS ocorreu pelo fato da mesma ser responsável pela atenção
básica de saúde, desde 1997. Por outro lado, um dos maiores desafios para a inserção
43
Fontes: SESAB (2004) e SMS (2003), em relatórios solicitados para a presente investigação.
111
SMS, em 2002. Neste ano, mais precisamente em 28 de abril, a SMS contava apenas
psicológico.
O trabalho de campo para coleta dos dados primários foi realizado em dois
primeiro teve como contexto de investigação as UBSs. Todos os seis psicólogos foram
oito entrevistas.
112
atendimento à população se mantiveram (QUADRO 2). Neste sentido houve perda de
três psicólogos nos serviços de ponta, representando um total de 22, assim distribuídos:
demissão e não foram entrevistados, pois, apesar de buscarmos contato, não houve
disponibilidade de tempo por parte dos mesmos. O terceiro informante potencial não foi
QUADRO 1 - Distribuição de psicólogos vinculados à SMS de Salvador, por sexo, empregados nas
Unidade Básicas (UBS) de Saúde por Distrito Sanitário (DS).
44
Estamos considerando que fizemos 20, mas de fato fizemos 21 entrevistas, quando incluímos a última
psicóloga, em 2004. No entanto, cabe ressaltar que durante a elaboração desse capítulo excluímos esta
profissional, por não ter os dados que já dispúnhamos sobre os demais profissionais entrevistados,
apresentados em relatórios para o período anterior a entrada da mesma na rede de saúde.
113
QUADRO 2 - Distribuição de psicólogos vinculados à SMS de Salvador, por sexo, empregados nos
Centros de Saúde Mental (CSM) por Distrito Sanitário (DS)
QUADRO 3 - Distribuição de psicólogos vinculados à SMS de Salvador, por sexo, empregados nas
Unidades Especializadas (EU)ou à disposição de outros serviços de ponta, por Distrito Sanitário.
trânsito dos psicólogos entre unidades, centros e setores, que inclui transferências para
possível verificar que dos seis psicólogos distribuídos em quatro distritos sanitários, em
cinco UBS, houve perda de dois profissionais para este nível de assistência através de
mental.
identificar quando das visitas aos mesmos, que houve três pedidos de demissão, uma
contrapartida houve uma transferência de uma psicóloga vinda de uma das UBSs.
114
participação dos psicólogos no campo da saúde pública, a partir da estratégia de
atuação psicológica45.
reconstruírem livremente sua própria trajetória profissional que coincidia com a própria
sobre a sua atuação na área da saúde proveniente de três eventos, dois técnico-
a) eventos técnico-científicos:
- Encontro promovido pela Associação Baiana de Medicina - ABM. Tema:
Psicoterapia nas instituições. Realizado em 30/07/2001, na ABM, Salvador-
Bahia (arquivo pessoal);
- I Encontro Estadual dos Psicólogos da Saúde. Promovido pelo CRP 3 a Região -
BA/SE. Tema: Prática do psicólogo em instituições de saúde. Período 26 a
28/11/1992. Local: Auditório do Museu Geológico da Bahia. Salvador-Bahia
(disponível em arquivo no CRP - 3a Região).
45
Suprimimos suas identidades pessoais como a dos demais interlocutores-chaves.
115
b) evento comemorativo:
- Evento de Comemoração do Dia do Psicólogo - 30 anos do Curso de
Psicologia. Relato de Mercedes Cunha: “Memória viva”. Promovido pelo CRP
3a Região - BA/SE e Departamento de Psicologia da UFBA. Local: Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas – UFBA. Salvador-Bahia. 27 de agosto de
2003 (arquivo pessoal).
organização da assistência à saúde mental que devem ser levantadas e discutidas, que
diferem das relacionadas à atenção básica à saúde. Além disso, é relevante percebermos
psiquiátrico e os que estão lidando com outras problemáticas fora do âmbito restrito da
116
incentivamos comparações entre seu trabalho na clínica particular e as realizadas nos
serviços (APÊNDICE A). Houve principalmente o encorajamento não verbal por parte
ainda que, em alguns momentos, este aspecto escapasse ao nosso controle. Foi comum
que o entrevistado solicitasse à entrevistadora voltar a um ponto anterior, que ele julgou
pela inclusão de algum adendo que ele mesmo introduziu. Apenas ao final dos tópicos e
da entrevista como um todo, quando o entrevistado dava indícios de ter concluído relato
da coleta dos dados, entre o segundo semestre de 2002 e o ano de 2003. Os serviços de
saúde onde havia presença de psicólogos vinculados à SMS eram: a) três Centros de
Saúde Mental CSM; b) cinco Unidades Básicas de Saúde – UBS (no total de cinco); c)
a) CSMs
117
pesquisa e que contavam com a presença de psicólogos ficaram sob a administração da
junho de 1998. Foi neste momento que a Prefeitura de Salvador ingressou na Gestão
bairros populares mais populosos de Salvador. Possui dois espaços de trabalho bem
Psicossocial. O CSM-F contava com seis psicólogos assim distribuídos: quatro atuando
alternativo para o cuidado de psicóticos e neuróticos graves do SUS, em Salvador. O CSM-G pertence ao
Distrito de Itapagipe, situa-se na parte baixa da cidade, sendo o mais periférico do três
centros. Vale ressaltar que é o único centro especializado em saúde mental, em regime
foram entrevistados.
b) UBSs
etc), saúde do adolescente, saúde bucal, saúde do adulto. Em todos esses serviços, são
118
desenvolvidas atividades de clínica médica, enfermagem, serviço social, nutrição,
do Ministério da Saúde, sendo que cada profissional tem sua meta (qualitativa e
quantitativa) a cumprir. Cada programa tem seus objetivos, princípios, metas e sistema
a partir da metade da década de 1990, através de concurso público, o que antes era feito
profissional em UBS antes desse período. Apenas cinco UBSs contavam com a
c) Outros locais
Outros dois locais de trabalho ocupados por dois psicólogos entrevistados foram: um
(CR), que foram adotados como estratégia de prevenção para DST-HIV-AIDS, a partir
fornece aconselhamento coletivo e individual para prevenção de IST e AIDS. Tem por
46
Informações disponíveis em www.saude.gov.br
47
Termo que vem sendo utilizado nos serviços de saúde em detrimento da sigla DST, de modo a incluir
os usuários infectados, mas que não desenvolveram a doença correlata.
119
objetivo a prevenção primária do HIV, adesão do usuário ao tratamento, o tratamento do
importante ressaltar que qualquer profissional de saúde treinado, por algum órgão
visitado conta com uma psicóloga que foi entrevistada. Por sua vez, a referida ONG
contava com um psicólogo cedido pela SMS, que foi entrevistado. Este serviço é
tratamento.
UBSs, inseridos na rede de saúde no final da década de 1990, os que estão nos CSMS
120
Fonte: SMS (2003)
Em relação à faixa etária, a maioria deles tem mais do que 40 anos, no total de
14 psicólogos. Dez deles têm menos de 40 anos (QUADRO 5). Ressalta-se que os mais
categoria profissional dos psicólogos (LO BIANCO, et. at, 1994; DIMENSTEIN, 1998)
Sexo N0 de psicólogos
Feminino 22
Masculino 3
Total 25
Fonte: SMS (2003)
anos, não diferindo do tempo médio geral de atuação, exclusivamente, no setor saúde,
que é de 21,5 anos. É importante ressaltar que alguns dos psicólogos com mais de 20
48
O total aqui difere dos apresentados em outros quadros, pois que para um dos psicólogos não constava
a idade na folha de pessoal cedida pela SMS.
121
área de educação (QUADRO 8). Estes pediram transferência para o setor saúde,
segundo seus próprios relatos, sobretudo com o objetivo de poder ―fazer clínica‖, já que,
na área de educação, sua atuação era, basicamente, realizar avaliação psicológica, sem
separados por tipo de unidade (QUADROS 7, 8 e 9). Por exemplo, tratando-se do tempo
caso das UBS (QUADRO 7). Isso corrobora com os dados apresentados, no capítulo
três, de que a participação dos psicólogos na atenção básica à saúde é também mais
QUADRO 7 – Caracterização dos psicólogos, por tempo de serviço (Geral e no de Saúde), orientação
teórica, principal atividade desenvolvida e outras atividades em UBSs.
Atuando em UBSs, havia seis psicólogos; cinco deles orientavam-se tendo como
partir de argumentos que foram apresentados no capítulo três. Exceto dois deles, todos
os outros atuavam também em consultório particular. Estes têm tempo médio de atuação
122
em serviços de saúde de 10 anos (QUADRO 7), tento entrado, particularmente, na
psicólogos que atuam nos CSM, não há maior diversidade de orientação teórica em
relação aos que estão nas UBS. Predomina a abordagem psicanalítica entre doze deles.
maioria atua, também, em consultório privado, precisamente, oito deles (QUADRO 8).
dos CSM, o centro H, o menor tempo de atuação, quatro anos, que coincide com o
QUADRO 8 - Caracterização dos psicólogos, por tempo de serviço, orientação teórica, principal
atividade desenvolvida e outras atividades em CSMs.
49
Um dos nossos entrevistados teve uma experiência pontual (quatro anos intercalados) nos CSM-F e, no
momento da pesquisa, já havia voltado ao setor de origem. No entanto, foi entrevistado, pois se mostrou
solícito e interessado na pesquisa sobre atuação psicológica, sendo apenas incluído na descrição geral que
caracteriza o perfil dos profissionais, e excluído na análise das narrativas, uma vez que seu discurso
esteve muito em função das atividades que desempenhava em outro setor que não era de atendimento
direto à população.
123
individual e em particular
grupo
Psi XV-G 17 anos 17 anos ―existencialis Psicoterapia -
mo‖ individual
Psi XVI-H 4 anos 3 anos psicanálise Psicoterapia consultório
individual particular
Psi XVII-H 4 anos 4 anos psicologia Psicoterapia consultório
junguiana individual e em particular
grupo
Psi XVIII-H 4 anos 4 anos teoria Psicoterapia clínica
sistêmica individual e em (ambulatório de
grupo hospital público)
DST/AIDS. Com tempo médio de atuação em serviço de saúde de sete anos: um deles
atua em consultório particular com referencial psicanalítico e o outro orienta sua prática
QUADRO 9 - Caracterização dos psicólogos, por tempo de serviço, orientação teórica, principal
atividade desenvolvida e outras atividades em CR DST/AIDS.
124
que o colaborador foi esclarecido sobre os objetivos da pesquisa e do uso que se fará das
que o número de psicólogos por unidade é pequeno, às vezes apenas um profissional por
b. Resolvemos não identificar os serviços de saúde pelos seus nomes oficiais, expondo
profissional por unidade. Por fim, em relação aos entrevistados que deram depoimentos
preservados.
125
6. TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS NAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE: as
deles, que entrou no final da década de 1980. A entrada de psicólogos nas UBSs é
1997), que, em Salvador, pode ser considerada não só tardia como incipiente. Em 2002,
contávamos com seis psicólogos em cinco UBSs, e em 2003 apenas com quatro,
(QUADRO 1).
diversos estudos corroboram o que foi encontrado no nosso estudo (QUADRO 7, 8, 9),
abordagem rogeriana.
fora'; 'estrangeiro'.] e, de modo geral, ainda precisa aprender a cultura local. Por um
lado, um novo sistema cultural se apresenta, onde procedimentos comuns aos serviços
públicos de saúde tornam-se complexos aos seus olhos e ouvidos. Por outro lado, sua
bagagem parece pesada e pouco adequada a este novo espaço de trabalho: os psicólogos
126
tendem a reproduzir o modelo clássico da psicologia clínica que aprenderam durante a
capítulo.
perceber que eles não sabem, a priori, o que farão neste nível primário de atenção à
saúde e quem os recebe parece não ter isso muito claro, também. Facilmente, são
impelidos a organizarem seu trabalho do modo que lhes é mais familiar. Para Silva
unidades básicas.
Do mesmo modo, ressaltamos que não identificamos nas falas dos entrevistados
dos gestores e colegas de trabalho do que pode fazer e faz um psicólogo é orientada pelo
senso comum. No entanto, quando há algum pedido de integração por parte dos
gestores, isto pode gerar mal entendido e descontentamento por parte dos próprios
psicólogos.
a entrada dos mesmos. Spink (2003), descrevendo este movimento dos psicólogos para
as UBSs de São Paulo, em 1985, já questionava o que eles deveriam fazer neste nível de
contatos com este espaço de trabalho, tal como encontramos entre os nossos
interlocutores.
127
No presente estudo, de modo geral, a identidade profissional do psicólogo
as trajetórias podem ser apresentadas como orientadas em três principais sentidos que
que pode ter como efeito a ociosidade do mesmo no local de trabalho, por ele ficar em
função de uma parcela muito pequena da população que de fato adere a este tipo de
trazidas pela população atendida, aspecto que será mais explorado no capítulo
128
Na trajetória de construção há uma abertura do profissional para o
diferença básica entre esta modalidade e as duas primeiras é que, nesse caso, o
Neste sentido, podemos considerar que há uma certa tendência do profissional, ao uso
de outras técnicas de intervenção e para o trabalho em grupo. O que não significa que se
comparativamente a eficiência das intervenções. Por sua vez, podemos perceber aqui
que incluem as condições de vida e aspectos sociais das demandas trazidas pelas
Três experiências ilustram alguns dos elementos destacados para esta categoria,
mesmo com outro setor (de educação, por exemplo). Estas trajetórias profissionais
também estão orientadas pelo referencial psicanalítico, mas não a utilizam como
diferentemente dos outros profissionais, não têm consultório particular (se têm, não
Outro aspecto que autoriza esta diferenciação é que, no horizonte teórico prático
129
abordagens teóricas. Muitas vezes, impelidos pelo fato de julgarem que a psicanálise,
Na condição de psicóloga, desde 1993, quando entra na rede de saúde, Carmem esteve
várias unidades periféricas de Salvador, numa busca ativa para lidar mais eficientemente
com aspectos que julga interferirem na sua atuação. A interlocutora interpreta sua
centro...‖, que lhe acusa de ―querer fazer psicanálise‖ no posto de saúde. O mal-estar
sua forma de ver o mundo e de orientar sua prática, que é a psicanalítica, vai perdurar e
impulsionar seu desejo de sair de uma ―unidade de saúde normal‖ para uma de ―saúde
mental‖:
130
Tava tudo certo pra eu vir, já pra entrar na equipe, aí a gente já tinha tido
reunião, não me liberaram, não. De jeito nenhum. Porque eu sou a única
psicóloga do distrito, então... Eu digo; tudo bem, mas vocês querem
psicólogos pra quê, entendeu? Pra dizer que tem, que o distrito tem
psicólogo, entendeu? Então não tem cabimento, eu não tô, eu tô ociosa na
unidade, essa é que é a verdade, entendeu? Continuo ociosa, entendeu?
Poderia tá atendendo muito mais do que eu tô atendendo. Eu tô atendendo o
paciente que soube, na rua, que tem um psicólogo e vem aqui. Porque não
tem outra forma de encaminhamento, nem dentro da unidade, nem as
assistentes sociais encaminham...eh... [Carmem, Psi IV-C: 10 anos] 50
Seu reclame de inclusão parece ecoar, também, sem destino, pela comunidade,
Este tipo de problema não foi vivenciado pela entrevistada apenas em uma única
Então, cê tá lá, fica lendo, fica isso, fica aquilo, entendeu? E não tenho muito
o que fazer, quer dizer, eu sempre pergunto isso: gente, o que é que eu
poderia fazer? Eu boto um cartaz, eu boto o quê? Sabe, eu tenho que me
mobilizar dentro da unidade pra poder buscar esse paciente, né? A louca da
última gerente chegou a me dizer: ―cê tem que ir pra fila chamar os
pacientes‖, que ela diz lá completamente louca (risos), ―cê tem que ir pra
fila‖! E, ―minha fiinha‖, que ela era louca assim: ―você, venha, tem psicólogo
aqui‖! Eu digo: é, só falta essa mesmo, oh, gente, ir pra fila chamar
paciente... [Carmem, Psi IV-C: 10 anos]
percebidos como insuficientes para aumentar a procura dos usuários para o tratamento
particular faz a interlocutora concluir que ―a demanda é muito restrita para o psicólogo
agentes comunitários de saúde (ACS) é uma das ações utilizadas no país para a
50
Ao apresentarmos os fragmentos das narrativas que busca orientar o leitor em relação aos signos e
significados destacados nas nossas discussões, utilizaremos o seguinte padrão para diferenciar os
interlocutores: [nome fictício, Psi = psicólogo, número antecedido da letra que os diferenciam por
unidade: por fim, o tempo de serviço em unidade pública de saúde, expresso em anos]
131
organização do SUS, considerando seus princípios e diretrizes, e tem assumido um
realização de seu trabalho com famílias atendidas pelo PSF em áreas urbanas e rurais de
assumido pelos mesmos em relação à percepção privilegiada que têm acerca dos
psicológica (aspecto que será discutido com profundidade em momento oportuno). Isso
lhe parece mais preparado para aceitar o tipo de atuação (psicoterapia individual
negada. Por outro lado, os motivos que impulsionam o seu pedido de transferência
podem nos fazer questionar se há implícita a idéia de que a psicoterapia individual seja
em saúde mental, do que à UBS, como sugerido por Lo Bianco e outros (1994).
132
desenvolvida por ela, os seus argumentos giram em torno do fato de estar preparada e
sua profissão, revelada pela ausência de diálogo com outras áreas de saúde, na direção
exemplarmente o que foi descrito por Goldberg (2001) como ―preconceito tecnológico‖.
Foi muito boa. [Fulana], na época, que era a gerente da unidade... [...] parece
que ela era nova aqui também na unidade na época. Ela entrou junto comigo,
parece, na prefeitura; ela não era nem da prefeitura, ela era pessoa de fora,
da... Ela é médica, infectologista, ela trabalhava com DST e AIDS, ela
trabalhava num hospital [...], me parece. Então, ela sempre... ela fazia análise
pessoal e ela sempre teve uma abertura muito grande com a psicologia, com a
psicanálise. Então, a gente teve uma identificação muito grande, ela sempre...
me recebeu muito bem, sempre me apoiou muito aqui. Ela nem ficou muito
tempo, eu acho que ela ficou uns oito, nove meses na unidade, depois ela
pediu exoneração, saiu do cargo, foi fazer outras coisas, mas a minha
acolhida, aqui, foi muito boa. Também, com as pessoas da unidade, tem uns
problemas internos, né, que sempre tem, mas, até hoje, eu tenho um
relacionamento muito bom com todo mundo aqui. [Virgínia, Psi I-A: 7 anos]
133
Virgínia, que orienta também sua atuação pela psicanálise, ao entrar, em 1999,
programa e foi ―devolvida‖, [―eu fui devolvida, como eles chamam, né?‖ (risos)] à
exoneração. No entanto, como esta demorou a sair, conseguiu uma unidade mais
central, à qual se encontra vinculada até hoje (UBS-A). Ela desenvolve, como atividade
Cristina, por sua vez, entra no serviço público em 1988. Após ter atuado na área
de educação por alguns anos, pede transferência para a área de saúde, no início da
década de 1990:
eu não tenho e não tinha nem vontade de ter uma formação dentro dessa área
pedagógica. Então, em função disso, eu consegui uma remoção para a área de
saúde, que era aonde eu teria mais um trabalho dentro da linha, que era uma
linha de consultório mesmo, uma linha clínica, visto que eu já estava tendo
meu consultório de psicologia, junto até com as colegas de lá da educação. A
gente se juntou... aquela coisa... vi que a minha praia era mais fazer clínica
mesmo. Então, eu queria não ficar dividida nisso, porque eu ficava dividida
numa atuação educacional e numa atuação clínica, na qual eu não tinha
nenhuma formação, nem pedagógica... nenhuma, nenhuma. Minha formação
tinha sido de científico e de entrar na faculdade de psicologia. Eu não tinha
nenhum interesse nessa coisa pedagógica, eu queria mais, mesmo, era fazer
psicanálise dentro de uma área completamente clínica. [Cristina, Psi III-B,
15 anos]
consultório particular (agenda com hora marcada, distribuídos nos quatros turnos de
trabalho com flexibilidade e não submetido à hierarquia médica). Além disso, não há
134
relação à atividade que desenvolve na unidade: psicoterapia individual com orientação
nos seus consultórios particulares para a UBS e o desfrute de liberdade que aparecem
ligadas entre si pela natureza da intervenção que realizam nas UBSs, além disso,
particular, à exceção de Carmem que busca implantá-lo, mas não consegue a contento.
Nos três casos, há uma recusa em participar de atividades com outros profissionais, bem
porque têm convicção de não ser uma atuação pertinente com a escolha que fizeram
Mas, no geral, eu acho que a coisa é bem mais difícil de você coordenar, o
ritmo, a forma de funcionamento da unidade com o trabalho da psicologia,
né? Então, o atrito seria que eles queriam muito que a gente fizesse um
trabalho em grupo, sala de espera, só que eu não quero fazer esse trabalho de
sala de espera, de fazer trabalho informativo, eu não tô aqui pra fazer trabalho
informativo [Carmem, Psi IV-C: 10 anos].
desenvolvidas por outros profissionais, que podem até ser psicólogos, se se dispuserem,
mas não se configuram nos seus horizontes teórico prático. Neste sentido, quando não
uma explicação muito clara para tal, não percebem os mesmos como eficazes, pois que,
ao seu ver, não vão ao cerne da questão, ou seja, são ações superficiais que servem para
135
mudança ou adaptação do comportamento, aspectos que não interessam a abordagem
psicanalítica.
Por sua vez, nestas falas podemos identificar alguns signos que as distanciam e
as fazem demarcar um lugar diferente da ―área médica‖ tais como os que se seguem: a
psicanálise não cura‖. Por outro lado, os signos atribuídos à área médica, usada aqui
mais como metonímia para a saúde pública, são: ―despacha remédio‖; ―área de saúde,
intervenção, para este espaço de trabalho, nem de quem tem se queixado diretamente do
problema de não haver demanda dos usuários para tratamento psicólogo e nem dos que
consultório particular, não é percebida, pela entrevistada, como suficiente para enfrentar
as situações que lhe surgiram, sendo necessário um esforço da própria profissional para
garantir um espaço dentro da instituição para o desenvolvimento de uma atuação que ela
136
julga mais adequada. É o contrário das trajetórias profissionais de reprodução nas quais
diz que as mesmas contavam com a referência do modelo médico, ou seja, os usuários
só buscavam a unidade quando estavam muito doentes e, além disso, não existia
encaminhamento nem reuniões técnicas. Ressaltamos aqui que tais problemas foram
Foi em 1993 que Laura entrou pela primeira vez em uma UBS. Tem uma
trajetória que inclui atuação, nos dois primeiros anos, em unidades com problemas
sociais sérios, prostituição, uso de drogas, entre outras, mas, a despeito disso, conseguiu
A interlocutora apresenta sucintamente as três vertentes que orientam seu trabalho: ―do
trabalho voltado para a aprendizagem‖. Este trabalho foi planejado para responder à
houve a percepção de que era preciso operacionalizar melhor o trabalho. A sua atuação
Eu coordeno quatro oficinas e aí é... tem a referência, todos entram aqui com
uma pasta, distribuo textos, então, é um trabalho de saúde e educação
psicopedagógica. [...] hoje eu trabalho aqui, faço acolhimento individual,
tenho uma escuta voltada, inclusive, com toda a referência da psicanálise,
mas eu faço uma aliança com o trabalho psicopedagógico [Laura, Psi II – A:
10 anos].
137
A visão da entrevistada, que tem consultório particular com a mesma orientação,
difere das anteriores. Diz que é preciso ―ter flexibilidade, ter mobilidade‖:
Tipo assim, o psicólogo fica perdido, porque a demanda é muito grande e não
estrutura nada com aquele trabalho. Não tenta fazer alguma coisa. E aí eu
tenho essa realidade, o que é que eu posso fazer? O que é que eu posso
desenvolver? Palestras educativas na escola, então... falar em palestras, o
psicólogo que está na clínica não pode fazer palestra [Laura, Psi II-A: 10
anos]
psicólogo em UBS, aos quais se remete Laura, serão de suma importância para
serviço é caracterizada por uma menor receptividade por parte do gestor. Ela entra em
1993 no serviço público de saúde, numa unidade na área suburbana da cidade, e ouve da
Ah! Esperava que viesse uma, uma pediatra e não psicóloga. [...] É, mas, já
que está aqui, faz o trabalho. Mas, aí ao contrário, a demanda ao contrário, a
demanda que eu fosse atender os funcionários problemáticos, né?... resolver
os problemas... então, há um desconhecimento claro dos médicos em
relação... muitos médicos em relação ao trabalho do psicólogo. [Conceição,
Psi VI-E: 10 anos]
Ainda que a interpelação da gerente possa ser lida apenas como indelicadeza,
138
representante da comunidade psicológica neste espaço impõe questões importantes,
muitas delas já destacadas neste e em outros capítulos. Como vimos, é atribuído a esta
psicológico.
Por outro lado, esta interpelação pode ser lida em outra direção, como sugere o
tom da entrevista com Conceição. O que pode fazer um psicólogo nas UBS? Pode
do contexto? Onde buscar orientações para organizar o seu trabalho de modo mais
nos da reforma psiquiátrica brasileira? Por sua vez, como conciliar a organização do
doença-cuidado?
políticas e não se percebia trabalhando em algo que não incluísse o ―social‖; diz que a
clínica particular nunca a atraiu. Fez formação em terapia familiar, mas estudava tanto a
139
A estratégia de Conceição para organizar seu trabalho na UBS não parece tão
sistemático como o desenvolvido por Laura. Inicialmente, ―bota pra escutar‖ todos que
Há uma série de controles assim, que às vezes ficam difíceis. Você está no
centro de saúde e quem recebe o paciente é o funcionário, que estava
acostumado a tratar umas bem, outras mal né? Isso gerando um problema,
mas a pessoa tinha que marcar... O SAME [Serviço de Atenção Médica, setor
de marcação de consulta]. E eu fiquei um pouco sem saber como vou
controlar isso aqui. Segue no SAME, marca. Eu digo os meus horários, eles
marcam, ou eu devo marcar? Mas a minha decisão foi atender quem
chegasse, crianças, adultos, ah...Toda demanda que chegar, eu vou botar pra
escutar [Conceição, Psi VI-E: 10 anos]
Conceição, que se mostrou disposta e flexível para organizar seu trabalho,
denominou de demanda ao contrário. Percebeu que seria preciso delimitar sua atuação,
deixando mais claro, para os não familiarizados com o discurso e atuação psicológica,
quem pode ser cuidado, ao menos por ela. O sujeito do seu cuidado não é o funcionário
muros indo à escola local, pois que chegavam muitas crianças e adolescentes com
dificuldade de aprendizagem, uma das queixas mais freqüentes nos serviços visitados,
pelo hospital geral, em direção aos postos de saúde (nível primário de atenção), por
motivos que não quis compartilhar diretamente, relacionados com o fato dos ―médicos
140
no processo de aceitação/rejeição da gravidez não planejada, e discussão em grupos, a
saúde oferecidos, a exemplo do ―programa de redução de danos‖ 51. Além disso, frente à
conjunto com uma enfermeira e uma assistente social. Osvalda esteve ―dividida entre a
educação e a clínica‖. A entrevistada ressalta que fazia seu trabalho com uma leitura
fazia psicanálise: ―não fazia psicanálise no ambulatório, porque a demanda era grande,
psicanálise aplicada. Não temos dúvidas que estes são pontos de partida importantes,
mas não nos escapa que ainda não dão conta da complexidade da problemática.
51
A entrevistada remete-se ao programa de redução de danos implantado em um dos distritos sanitários de
Salvador, para o atendimento de usuários de drogas injetáveis e preocupado na prevenção de DST/AIDS,
que consiste na troca de seringas descartáveis com acompanhamento sistemático por equipe
multidisciplinar, da qual fez parte.
141
Neste sentido, por enquanto, podemos considerar que, o profissional que busca
das psicólogas não incluiu durante e depois de graduada esta abordagem no seu
horizonte teórico prático. De modo geral, a maioria das entrevistadas tinha o desejo de
delas não compartilhavam desse ideal, ambas aqui incluídas na trajetória profissional
e/ou expectativa de passar por experiência de trabalho distante dos padrões tradicionais
142
reconhecimento de estar ou não atuando como psicólogo. Essa dificuldade de mudança
Por outro lado, nas descrições das trajetórias de construção foi comum
na área da educação, onde, ao menos, três das interlocutoras passaram antes da entrada
nos serviços públicos de saúde. Considerando o relato abaixo, como apenas um dos
[...] ser psicóloga pra mim era trabalhar em clínica... era a minha fantasia, era
o que eu queria, era o que eu desejava, na época que eu tava fazendo
faculdade, tava estudando psicanálise fazendo formação, coisa e tal. É...
então, por isso eu fui atrás da [cita nome de um hospital geral], entendeu?
Buscar um espaço onde eu me sentisse mais atuando na clínica, como, como
psicóloga... mas no [nome de uma instituição educacional]... depois eu fui
refazendo essa, essa questão dentro de mim, internamente, né. Fui vendo que
era outro espaço de trabalho, que eu podia atuar né, que era esse espaço de
educação... que eu enquanto psicóloga podia atuar também. Então, eu, eu...
eu comecei ... eu senti assim que o meu olhar pra esse... pra esse jovem era
diferente do olhar de um educador... de um pedagogo, era diferente do olhar
de um técnico lá de vídeo, meu olhar diferente, entendeu? Eu, eu percebia
que eu conseguia ver um pouco lá o inconsciente... ver muito o que estava
por trás daquele comportamento, aquela coisa aparente... [Osvalda, Psi V-D,
22 anos]
postura que pode ser útil para a resolução de problemas de saúde e que não se restringe
52
Um bom exemplo é a atuação desenvolvida por alguns psicanalistas em ambulatórios de saúde mental,
onde o processo de triagem foi substituído por uma escuta psicanalítica em enquadre grupal, denominada
pelos seus propositores como ―clínica da recepção‖, ao avaliarem os problemas freqüentes em relação ao
143
gerada pelo contato com situações diferentes de trabalho pode vir a proporcionar esta
respostas para problemas fora do comportamento aparente. Neste particular, o olhar que
psicologia. Desde 1993 (quando entrou na rede pública de saúde), a atuação dela se dá
atenção à saúde, com ênfase nas ações de prevenção (ver capítulo II), função possível de
ser desempenhada por qualquer profissional de saúde treinado para esta tarefa, a partir
tipo e à natureza dos encaminhamentos para psicoterapia e a baixa resolutividade decorrente desse
procedimento (ver CADERNOS IPUB. A clínica da recepção nos dispositivos de Saúde Mental. Rio de
Janeiro: UFRJ/IPUB, V. VI, N. 17, 2000).
144
É importante ressaltar que a experiência de Sandra, ou seja, o modo como a sua
capítulo 4), por natureza se distancia de um marcador caro para a definição de atuação
diferentes da sua, e não fugir da crise de identidade em alguns momentos, ela percebe
que algo da formação de base interfere de modo singular e positivo na sua atuação.
Podemos destacar alguns dos signos que sugerem um olhar que lhe dá identidade como
psicóloga, tais como: ouvir com mais tranqüilidade, sem distanciamento tão grande do
dos usuários frente às práticas sexuais de risco de infecção por HIV ao comportamento
Acredita que o tipo de conhecimento psicológico, que no seu caso vem da abordagem
apresentados nos cursos de psicologia são descritos por muitos pesquisadores como
Pensando no papel da formação acadêmica atribuído pelos nossos entrevistados para sua
atuação nas UBSs, todos compartilham da visão de que o curso de psicologia não os
145
A primeira diz respeito ao fato de não haver, durante as duas décadas (final de
1970 e década de 1980), às quais se remeteram, sem muita precisão, como sendo os
períodos dos cinco anos de graduação exigidos, matérias específicas sobre atendimento
clínica, mas que não prepara para o seu desempenho no serviço público de saúde. Além
e aqui temos algo importante, uma vez que é um atributo que aparece com diferentes
a fusão identitária psicólogo-psicanalista dos mesmos. Pois todos sabem que o processo
positivamente na sua prática, mas que ressaltam que tiveram que buscar outras leituras
para atuar fora da clínica tradicional. Há, ainda, os que apontam o excesso de
146
de psicologia, a partir de uma abordagem psicanalítica, não havendo incentivo para que
entrevistados, que, por sua vez, se refletem nas atividades por eles desenvolvidas e nas
que eles não podem desempenhar. A nossa hipótese é que essa seleção do que se pode
ou não fazer, de certo modo, decorre dessa composição e reflete a ênfase dada na
tradicional (LO BIANCO, e outros, 1994), o que pode destituir de sentido ações fora
desse horizonte.
para a fusão identitária aqui vislumbrada. Dias (1994) recorre a alguns autores
Figueiredo (1988) que mostra que não há entre a psicanálise e psicologia clínica apenas
como suporte da segunda. A leitura de Katz (1984), feita pelo autor, ressalta que a
147
Esperamos tornar os efeitos dessa fusão identitária entre os nossos entrevistados
para, então, seguir apresentando as trajetórias profissionais dos psicólogos nos CSMs.
estão orientados por outras abordagens teóricas, tais como, sistêmica, ―existencialista‖,
outros dez, que se orientam pela psicanálise, podem ser classificados em dois grupos.
O primeiro grupo inclui aqueles cujo discurso não sustenta uma definição
orientarem sua atuação nesta direção, não foram autorizados pela formação completa
148
discussão como um ponto de importante referência. Dito de outra maneira, não
referido autor como pouco produtiva, pois percebemos que, apesar dessa diferença
teórica, adequam de algum modo sua atuação para atender a população que busca os
serviços públicos de saúde, ressaltando que a ―visão de mundo‖ é o que prevalece mais
nossos interlocutores buscam, com este atributo, reafirmarem que a adequação das suas
práticas não abandona a importância atribuída à teoria psicanalítica; ela prevalece acima
de tudo. Este parece ser um modo enfatizado pelos mesmos para se resguardarem à
crítica de que a adequação da técnica esvazia a sua força teórica, ou algo nessa direção.
Outro aspecto importante que merece ser ressaltado é o fato de que esta
estavam sendo entrevistados por uma psicóloga. Neste terreno, enfatizamos, mais uma
149
vez, que a fusão identitária psicólogo-psicanalista não deve ser perdida de vista quando
da leitura das narrativas, funcionando como um pano de fundo, uma vez que ela valida
desenvolvidas.
Feitas estas ressalvas, podemos considerar que nas falas dos psicólogos-
150
7. TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DOS PSICÓLOGOS NOS CENTROS DE
Considerando a discussão que fizemos em relação à inserção dos psicólogos nas UBS e
mesmos.
tais como nas UBSs. Apenas quatro deles orientam sua atuação em referenciais teóricos
―existencialismo‖.
natureza da gestão da instituição onde se insere o profissional. Esta pode ser flexível ou
uma vez que se pode atribuí-lo inúmeros fatores, inclusive à ausência, nestes espaços,
53
Excluímos a experiência de trabalho do profissional Psi XI-F. A entrevistada percebe sua entrada em
um dos CSM como muito pontual e intercalada.
151
clínicos, ou de outras estratégias que fomentem a oferta de uma assistência mais
integrada.
para a inserção dos profissionais de psicologia que aí trabalham, caráter ressaltado nas
para um dos casos na UBS. Ao contrário, há uma certa abertura, ao menos no discurso,
e que às vezes se reflete na prática por parte dos psicólogos, na busca de alternativas
psicológica e as demandas trazidas pela população que procura o CSM-H do que nas
inconsistentes.
explorar o fato de que, após garantia da função como psicólogo clínico, quando da
152
modelo clássico, é o fato de poder estar mais ou menos psicanalista que pode causar
percebemos também com os que trabalham nas UBSs. Esta crise com a atuação na área
clínica‖, ou seja, por exemplo, na primeira área mencionada, de poder trabalhar aspectos
para quem, inicialmente, não tinha consultório particular quanto para quem continuou
sem ter.
os nossos entrevistados sempre foi uma prática que mereceu ajustes no enquadre, no seu
decorrer da constatação de que o seu aporte técnico não lhe dá o suporte adequado,
embora não seja uma característica apenas dos profissionais que se orientam na
psicanálise. Uma das entrevistadas, por exemplo, diz ter sido necessário incluir leituras
153
junguiana não se traduzem em respostas adequadas para a demanda da clientela que
buscava o CSM.
e conformismo.
possível identificar algumas regularidades nas suas trajetórias: a) a maioria delas iniciou
três delas a inserção na área de saúde mental ocorreu via hospital psiquiátrico, indo em
teórico-prática psicanalítica, sendo que apenas uma delas nunca trabalhou com
ambulatório era mais efervescente do que... não tinha ainda esse negócio do psicólogo
154
sua narrativa enfatiza a força da psicanálise como campo teórico-prático que
competência para trabalhar com psicótico, na curta internação, seu trabalho focalizava a
que recebe encaminhamento dos últimos para psicoterapia em decorrência da sua ―pré-
ambulatório por ser muito solicitada em outras atividades mais rentáveis fora do serviço
saúde mental valem a pena de serem relatados. Ela percebe que a entrada dos psicólogos
na assistência em saúde mental como sendo impulsionada por uma visão utilitarista e
Inclusive eu posso lhe dizer que o próprio fato da reforma onde os psicólogos
entraram para atender psicóticos tanto no ambulatório quanto em internação,
eu não sei até que ponto era uma coisa de grandeza de pensamento, nem de
humanidade, nem de coração, nem de abertura ideológica não, porque
também na verdade, existia na época de que se mantém um psicólogo
fazendo psicoterapia, dando atendimento psicoterápico a um psicótico, e ele
consumindo menos medicação, sai mais barato, entendeu? [Paula Psi X-F: 22
anos]
155
Lorena, em 1983, inicia sua trajetória pelos dispositivos de cuidado em saúde
hospitais psiquiátricos, que se concentravam na capital do Estado, não apenas pelo custo
elevado que eles representam para o mesmo, mas também para evitar o crescimento do
abandono das pessoas com transtorno mental por suas famílias. No entanto, a visão da
fundo do hospital, onde fica bem isolado... é a coisa mesmo de isolamento‖. Além
disso, sinaliza o quão difícil era fazer um trabalho ―decente‖ em condições precárias e
expressar, em sua narrativa, que atende ―psicóticos e neuróticos graves‖, além dos leves,
Então, hoje eu trabalho com psicóticos, mas mais com neuróticos graves e
alguns neuróticos leves que procuram o centro, né... Acho que a gente não
tem nenhum... nenhuma estrutura pra fazer um trabalho psicoterápico bom
aqui dentro. A gente faz um trabalho, que eu chamo muito mais de uma
psicoterapia de apoio. Apesar de a psicoterapia de apoio ser considerada uma
psicoterapia breve, eu tenho alguns pacientes que já têm mais de três anos
comigo, que eu não vejo condições de mexer, de afastá-los. Então, alguns, eu
mantenho. E esse, por exemplo, é um dos pontos de discórdia do trabalho
com a prefeitura, com o município, que não... no meu ponto de vista, na
minha maneira de ver, tem pouco conhecimento sobre psiquiatria e trabalho
com doente mental. Porque nós, aqui, não trabalhamos o deficiente mental,
nós trabalhamos o doente mental. Neurótico grave é um doente mental. Tanto
que as altas são... muito questionadas pelo distrito, porque são altas que ficam
muito demoradas... Eu tenho pacientes, por exemplo, que eu já dei alta e que
6 meses, 3 meses, 4 meses depois voltam, não bem, solicitam um retorno e eu
reabro a vaga. E... e... e questiono qualquer distrito que queira... interferir
nisso, porque eu acho que é um problema técnico, que só cabe a mim resolver
[Lorena Psi XI-F: 20 anos].
Outro aspecto que diferencia sua atuação das demais psicólogas é sua abertura
para implantar outro tipo de atividade de modo a obter maior resolutividade frente a
156
problemas que se tornam freqüentes. Há alguns anos atrás buscou desenvolver trabalho
conjunto extra-muro com uma outra profissional de saúde não psicóloga para
adolescentes, em uma escola próxima ao CSM-F, que, após dois anos, foi suspensa ―por
Podemos considerar que sua trajetória de reprodução tende a uma certa abertura que
não encontramos nas demais trajetórias. No entanto, atualmente, como a maioria das
fazendo avaliação psicológica. Diferente das demais colegas de trabalho descreve, com
Olha, quando eu vim para cá, a gente tinha uma visão ainda bem do médico
saber tudo, assim, daquele que tem o suposto saber, né, que o médico tem
aquela, a questão de Lacan que é aquele sujeito que sabe. Os psicólogos são
aqueles que supostamente sabem, né, [Dirce, Psi VIII-F: 19 anos].
157
abusando do ―nós‖, ―a gente‖, ―o psicólogo‖; raramente utiliza a primeira pessoa do
singular. Quando o faz, tem uma visão bem positiva da atuação de todos que trabalham
neste CSM-F, fugindo um pouco do teor encontrado nas outras entrevistas e nas visitas
Por sua vez, Lígia que fez formação em psicoterapia psicodinâmica infantil e
estudou psicanálise, desde 1983, trabalha em serviços públicos de saúde mental. Antes
infanto-juvenil, onde ficou mais ou menos cinco anos. Ao longo desses anos,
demais problemas levantados pela interlocutora nos faz pensar numa trajetória
Quer dizer, a gente sente, assim, que a municipalização não chegou pra
beneficiar mais do que o Estado beneficiava. Muito pelo contrário! A gente
sente, assim, muita dificuldade, muita dificuldade... e, hoje em dia, por
exemplo, se você pede material pras oficinas, demora pra chegar, ou não
chega... você ‗tá com um número grande de usuários, mais de 60 usuários...
tem usuário que é o turno integral; tem usuário que é meio período – só
manhã, outros só à tarde – dependendo de cada caso, né, se tem necessidade
de você observar ele o dia todo, se ele ‗tá mais... vamos dizer assim... doente
naquela época e você precisa dele ali pra observar, ou se ele não tem
condição de ficar em casa, se a família não tem como mantê-lo, às vezes você
precisa ficar com ele... mas a verdade é que, então, você precisa de ma... de
cadeira, de... outras coisas que a gente precisa e pede e não vem, e não vem,
certo Então, o que a gente nota e eu ‗tô notando agora, nesse momento atual,
o seguinte: entrando muito... muita triagem sendo feita, eles cobram uma
certa (TI) “e cadê as condições mínimas pra trabalhar ” Eu ‗tô numa sala
que não tem ventilador; então, é muito calor. Se eu for trabalhar com um
doente grave, e ele já é inquieto, já é ansioso e ali ‗tá calor, como é que eu,
158
psicóloga, vou trabalhar... fazer um trabalho individual com ele; ele não
agüenta cinco minutos! (Hum...). eu acho que se tivesse uma situação de...
um ventilador, um ar condicionado, tal, talvez... é... ele ficasse mais calmo,
né; até a gente sente o calor!, imagine ele, que é ansioso, que é agoniado, e
‗tá numa sala com...calor, certo Então, precisa muita... a gente pede e eles
dizem que vão mandar e não vem. Então, eu, como profissional...eu ‗tô
falando por mim, não ‗tô falando pelos outros, me sinto desestimulada [Ligia
Psi XII-F: 20 anos].
seu tratamento e a realização de atividades fora do CAPS. Além disso, ela defende que
as oficinas terapêuticas e/ou trabalho em grupo deveriam ser realizados por mais de um
visão de que o psicólogo deve ampliar sua atuação, não se restringindo ao atendimento
individual, que deve incluir na sua escuta a família, que deve ir atender onde o usuário
apresentados no capítulo três, sobre o lugar da clínica e da sua relação com as ações
159
modo contundente em Tenório (2001), que é um dos autores que reforça a necessidade
sujeito, que tem dissolvido sua força terapêutica, desde a implantação dos ambulatórios
Nesta direção, o autor lembra que os dispositivos CAPS podem ser uma alternativa se
que há ligação entre atuação psicológica e o ―bate-papo‖ corre-se o risco dessa atividade
Por outro lado, Lindinalva insere-se no CSM-F em 1983. Tem orientação teórica
não percebe isso como algo que lhe trouxesse problemas em relação ao contato
profissional com as mesmas. Ao entrar neste centro, propôs atendimento individual para
freqüentes até hoje. Sua proposta de trabalho foi bem aceita pelas várias diretorias às
160
E, até agora, graças a Deus, nunca tive problema não. E, se tiver, vai ser uma
complicação, porque eu não vou atender mal ninguém. Vai ser complicado!
Sou capaz até de pedir demissão. Mas, assim... eu não me submeto a isso.
[Lindinalva Psi VII-F: 18 anos].
reprodução: acabou com a lista de espera, faz a triagem da sua clientela. No entanto,
incorpora nas suas narrativas preocupações com as condições de vida da população que
assistência no município. Não lida com problemas psiquiátricos, neste sentido tem
entanto, a sua visão em relação ao modelo que prevalece neste contexto, lê-se abaixo:
161
7.2 AS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS NO CSM-G: abertura e conformismo
público em 1983, atuando no setor de recursos humanos, por seis anos. Pediu
dificuldades que o processo de municipalização tem imposto aos profissionais que estão
na ponta da rede, queixa unânime entre todos os entrevistados, incluindo aqueles dos
outros centros.
uma evasão muito grande dos pacientes e que isso merecia maior atenção, uma vez que
os motivos não lhe eram muito claros. Neste sentido, fez um pequeno levantamento
162
atividade principal para as características apresentadas pela população extremamente
carente que atendia. Senão por ter introduzido novas intervenções, pois que incorporou
o trabalho em grupo, esta abertura ainda não coincide com uma maior reflexão sobre os
Por sua vez, Roberta entrou no serviço público pela Secretária da Educação
permanecendo durante oitos anos, entre 1986 a 1994. Solicitou transferência para o
CSM-G porque sempre teve o desejo de trabalhar com psicologia clínica. Neste terreno,
Durante os nove anos no CSM-G, sendo que nos últimos dois anos ela esteve de
excluindo o trabalho psicoterapêutico com crianças, por não poder mais realizar os
marcada pelo conformismo. Ele está no CSM-G há 17 anos, desde 1989, tendo vindo
―diretamente para essa e aqui estou até hoje‖. Quanto às atividades que desenvolve, diz
163
que ―a gente faz de tudo, faz aconselhamento, faz orientação, faz psicoterapia, faz o que
chega‖, porque a clientela é variada, também não atende com freqüência psicóticos. Não
relata maiores dificuldades para realizar seu trabalho, tem uma visão positiva do centro:
Olha, eu não, eu não sei lhe dizer, porque eu não sinto dificuldades assim. Eu
acho que você ... veja só eu venho pra qui pra esse Centro, eu tenho minha
sala, eu tenho meus clientes, certo. Eu trabalho com quem chega, chega meus
clientes aqui, eu vou trabalhando, eu num ... eu num ... eu não tenho outras
dificuldades. As instalações estão boas, ótimas, certo, a partir daí você pode
desenvolver qualquer trabalho, eh ... você tem um horário que você tem que
cumprir porque ... é de praxe e tal e ... pronto você tem sua clientela. Num
tem dificuldades, não existe dificuldades, não existe dificuldades outras, né!?
[Guilherme, Psi XV-G: 17 anos]
reinstalação do CSM-H, estão marcadas pelo conflito com a gerência da unidade, pela
frente à implantação de um CAPS, na mesma área do centro, aspectos que aparecem nas
três trajetórias construídas por Bruna, Priscila e Neuza. O pano de fundo organizacional
164
psicológica, a altíssima procura de usuários naquele território em busca de tratamento
Carla, diferente das outras duas colegas de profissão, entrou no CSM-H antes da
mudança para o local atual, período que coincide com uma gerência mais flexível. Neste
alternativa foi fazer trabalho em grupo, contando com ―liberdade‖ da gerência. Além
profissional.
Na época não era a gerente atual, era um gerente né, bom, na realidade, na
época, eu tinha pouco contato com ele, porque eu trabalhava no turno da
tarde, e ele só pela manhã, então a gente eventualmente numa reunião
mensal, ou em alguma outra situação, a gente se via. Ele colocou pra mim,
ele disse ―você faz o que você quiser, né, a gente não tem um referencial, a
gente não tem uma proposta, faz o trabalho então assim, foi uma colocação
assim, contanto que você cumpra carga horária e cumpra aquele número x de
atendimento, você vai fazer e vai determinar‖, isso a princípio né, com a
mudança de gerência, a coisa mudou um pouco no sentido assim, aumentou a
nível de exigência, houve uma cobrança maior nessa questão de atendimento
em grupo [produtividade] [Carla, Psi XVII-H 4 anos]
psicologia analítica junguiana, mas teve que adequar seu aporte teórico prático frente às
Então a minha entrada foi assim, então o local que tinha pra ir é esse, né
então vá pra lá, se apresente e a, ao me apresentar, eu me dei conta dessa
realidade, de que não tinha nada estruturado, então foi uma adaptação, assim,
até porque assim, era uma população que não tinha a menor informação do
165
que era um serviço de psicologia, o que era um psicólogo, vinha procurar o
psicólogo em busca de medicação. Então assim... teve que se trabalhar
também esse lado, de explicar a necessidade do atendimento, a importância
de se ter, o que é que era, né ,de um esclarecimento nesse sentido assim,
então foi assim, pela realidade do local, junto a isso tinha um cronificação
muito grande de pacientes, tinha a questão financeira que é fundamental na
população que você atende, então eu não pude aplicar o meu conhecimento
de psicoterapia, aí eu tive que modificar assim, tá trabalhando às vezes com
psicoterapia de apoio, às vezes psicoterapia breve, em alguns momentos tá
trabalhando a questão do suporte mesmo familiar e tal. Então teve que, eu
tive que me moldar a essa comunidade, a esse atendimento, entendeu, não foi
uma coisa que eu trouxe conhecimento e apliquei, eu tive que reformular
completamente, assim, minha experiência e meu conhecimento teórico pra
essa realidade. [Carla, Psi XVII-H 4 anos]
Priscila entrou na área de saúde em 1999, ficou durante alguns meses no nível
começou a sentir uma necessidade de ―atuar de fato‖, neste caso ―fazer clínica‖, desejo
trabalha com grupos, apesar das freqüentes solicitações da gerência, que, do seu ponto
de vista, tem como objetivo apenas controlar o número de usuários e que exclui das suas
profissional de psicologia pode realizar. O relato sobre a sua entrada lê-se abaixo:
Olha, eu pedi até pra vir pra essa unidade, porque eu já sabia que tinha uma
carência de profissionais, só tinha psicólogos aqui, eu me surpreendi, na
verdade, eu achava que as coisas funcionassem de uma forma assim, mais
facilitada para o profissional, né. Essa coisa só de você, é uma coisa mesmo
de bom senso, mas aí eu me deparei com uma dificuldade muito grande
[risinhos] que era o número de pessoas, que a gente não tem flexibilidade por
parte da gerência, a gente tem discutido tudo isso, mas a gente não encontra
nenhum apoio nesse sentido. Eu vim pra clínica, eu quis vir não só... bom, eu
saí de lá [nível central da Secretaria], uma situação confortável, confortável
em termos de local, né, trabalhar com ar-condicionado, horário, tinha uma
série de comodidades, o volume de trabalho também, então eu vim por gostar
de atender em clínica, então eu me vi uma situação que eu era muitas vezes
obrigada a interromper o atendimento antes da hora, por quê? porque tem um
monte de gente lá fora esperando, tem um número de pessoas muito além do
que o tempo que a gente dispõe comporta, a qualidade versus quantidade, a
unidade quer quantidade. [Priscila, Psi XVI-H: 4 anos].
Neuza entrou na área de saúde em 1999, ficou dois anos em uma unidade básica
166
da inauguração do CSM-H, pois já tinha experiência profissional prévia em um centro
trabalho em grupo para ambas clientelas. Mostrando uma certa abertura para
de grupo em parceria com uma terapeuta ocupacional, que foi aceito pela gerência, mas
registrar o número de usuários atendidos por causa do mau funcionamento do seu cartão
de registro de atendimento).
como veremos, pode também ter conseqüências significativas, que precisam ser
167
repensadas, principalmente se queremos contribuir com práticas pertinentes ao ideário
mental.
trabalho mais problemático dos três visitados. De modo geral, os psicólogos sentem-se
desenvolvida pelos psiquiatras. Esses aspectos não aparecem como a mesma intensidade
que, de modo geral, é visto pelas psicólogas como equivocado, pois que não se
profissionais que a priori não os inclui como clientela, e dos menos afeitos ao discurso
da intimidade, da auto-reflexão. Neste sentido, parece que aqui ainda não se efetivou a
168
hierarquização da clientela por formas típicas de sofrimento psíquico (NICÁCIO,
1996).
vez que ainda contam com a busca da população mais pobre e menos escolarizada de
Salvador, que aflui do subúrbio ferroviário, diferentemente dos demais centros (de
centraliza muito na falta de formação dos profissionais que realizam a triagem, que são
pessoas pouco aptas ao trabalho psicológico, aspecto que não pode ser descartado, mas
responsável pela triagem, os pacientes que tinham uma demanda já elaborada eram
acolher a partir dos seus próprios critérios. Este também era o procedimento para os
encaminhamentos externos. Por outro lado, aqueles que não se encaixavam nestas
54
O centro estudado pela autora, na década de 1990, coincide com um dos serviços que forma nosso
campo de estudo, o CSM-G.
169
avaliação, levava-se em conta, os sintomas referidos, o uso anterior de medicamentos,
retomadas do ponto de vista dos triadores, uma vez que se coadunam aos dos próprios
psicoterapeutas, passando pela condição sociocultural dos usuários, mas que aí não se
finda, além da sua capacidade de ―verbalizar o que sente‖, ―ter insight‖, de ter um certo
―nível cultural‖. Reproduzimos uma fala abaixo pela riqueza dos seus argumentos para
a nossa discussão:
Então você [o triador] se pergunta: que tipo de pessoa você poderia fazer
realmente uma terapia que fosse produtiva, que fosse uma coisa que você
achasse daria condições dele sair daqui mais preparado, se sentindo mais apto
pra enfrentar esse tipo de coisa [citações anteriores de problemas
socioeconômicos], né? E é muito relativo, não tem formula, nem tem aquela
coisa certa. Eu acho que vai muito da conversa, da hora que ele te expõe o
problema dele, do nível cultural dele, que eu acho importantíssimo, porque
você tem muitas pessoas que não têm nem escolaridade, né? Mas que têm um
insight bom, saca as coisas e têm condições realmente de verbalizar o que
sente, etc e tal e você que tem condições de você encaminhar pra psicoterapia
(...). Pois é, exatamente com menos cultura, com menos poder aquisitivo, mas
que você acha que vai dar um bom rendimento. Já têm outros que você vê
que não tem a menor condição. E as poucas tentativas assim que às vezes a
gente faz, você vê que não têm um rendimento muito bom. As pessoas: ―não,
eu não quero isso, eu vim aqui pra, pegar um remédio, eu quero um
remédio‖, porque acreditam que a força maior é a força de um remédio, né?
O remédio que vai curar, o remédio que vai ajudar‖ [relato da enfermeira que
faz a triagem] (NUNES, 1993, p. 135).
De acordo com Nunes (1993), nas falas dos profissionais que faziam a triagem, o
―ser pobre‖ aparece como um fator de ponderação na eleição dos usuários, mas do que
próprio encontro clínico. A princípio, não há como ter garantia nos dois momentos em
relação aos benefícios desse recurso terapêutico para o usuário. E essa garantia é
possível?
170
No entanto, os psicólogos entrevistados, de certo modo, tentem a responsabilizar
muito este primeiro momento pelo insucesso do seu trabalho com o usuário. O mais
importante é que parece escapar dos profissionais de psicologia uma crítica mais
em grupo, que, como vimos, pode recorrer nos mesmos equívocos sobre a concepção do
171
8. ESCUTA, DEMANDA E NECESSIDADES PSICÓLÓGICAS: o que se pode ler
buscamos descrever e entender os significados que lhes são atribuídos pelos mesmos.
ESQUEMA 01
ESCUTA PSICOLÓGICA
DEMANDAS NECESSIDADES
PSICOLÓGICAS
DE TRIAGEM PSICOLÓGICAS
MÉDICA
ESPONTÂNEA PODER CONTRATUAL PSICOTERAPIAS
DIFERENCIADA LINGUAGEM DA INTIMIDADE INDIVIDUAL
DE GRUPO
SELEÇÃO SOCIOCULTURAL
(ESQUEMA 01). Antes disso, apresentamos brevemente algumas das definições sobre
cotidiano, ainda que não neguemos que, sendo profissionais, a utilização que fazem dos
é muito comum utilizarmos o termo demanda para nos remetermos aos motivos que
172
conduzem as pessoas a buscarem atendimento psicológico, ou, mais importante ainda,
assim é interceptada pela linguagem que é simbólica. Desta forma, a demanda apela
para a satisfação de necessidades, mas vai além de todas estas satisfações, constituindo-
se sempre como demanda de amor incondicional. Isto porque ―almeja obter do Outro
uma presentificação essencial – que o Outro dê o que está além de qualquer satisfação
possível, seu próprio ser, que é justamente o que é visado no amor‖ (LACAN, 1999, p.
cada vez mais exigente de amor, surge o desejo como condição absoluta que exclui o
Outro e visa sua própria satisfação, determinando uma certa independência do sujeito
1999).
sujeito que está em busca ou em análise, sempre terá um caráter inconsciente e pode ser
55
Cabe ressaltar que o delineamento da nossa pesquisa não incluiu uma escuta a partir da estratégia de
caso clínico, aqui entendido como mais adequado para captar sistematicamente os aspectos que definem
demanda e os seus corolários, como definidos do ponto de vista da psicanálise lacaniana. Neste sentido,
enfatizamos que menos do que a procedência do usuário ter ou não demanda psicológica, buscamos
explorar e compreender os significados e sentidos do uso desse termo pelos psicólogos com o objetivo de
entender como se opera a seleção dos usuários e dos seus problemas para o tratamento psicológico
(ESQUEMA O1).
173
exemplificada quando alguém chega a uma consulta psicológica pedindo para curar uma
dor de cabeça, dor física, mas pode inconscientemente estar demandando resolver a dor
de cabeça que é o seu casamento, neste caso a dor simbólica. Um bom exemplo, em
relação à operação estabelecida entre o desejo e a demanda de análise pode ser vista
Fica muito isso, uma certa desilusão das crenças, seja ela a crença no que for
no Deus, no amor, no amor das diversas formas no amor filial, no amor
erótico, no amor, seja ele de que forma for. Vem muito em nome de uma
certa desilusão e de uma vontade de ser amada, tem muito disso, não é à toa
vem com uma vontade de ser acolhida, de ser amada. Isso aí é uma
condição sine qua non, lógico: ninguém vai procurar nenhuma análise se não
houver esse desejo, isso é o que move, de ser aceita, essa coisa. [Cristina, Psi
III-B, 15 anos].
consumo dos usuários aos serviços. Esta busca tem como origem algum carecimento,
definido pelos autores como ―algo que o indivíduo entende que deve ser corrigido em
seu atual estado sócio-vital‖, que impede o fluxo da sua vida, que inclui alterações
físicas, orgânicas, ou mesmo, uma informação que lhe falta. Por outro lado, ―o resultado
174
Nesta mesma direção, Nunes e outros (2002: 1640) 56 propõe a diferenciação entre
ter acesso a esse serviço desejado‖. Por sua vez, as necessidades se orientam pelo ponto
seriam a quantidade e tipos desses serviços, definidos pelos profissionais (médicos) para
passíveis de serem divergentes já que são orientadas por atores sociais diferentes
mesmos‖.
de vista dos psicólogos. Neste sentido, nas linhas seguintes, estaremos buscando
56
Nunes e outros (2002) retoma as distinções de Jeffer, J. e outros On the demand versus need for
medical service and concept of shortage. American Journal of Public Health, 61: 46-63, 1971 e as de
Paim, J. As ambigüidades da noção de necessidades de saúde. Revista Planejamento, 8: 39-46, 1982.
175
descrever como as demandas se traduzem em necessidades de atendimento psicológico
saúde mental, recorrendo aos dados presentes no estudo de Cammarota (2000) 57, bem
como às queixas apresentadas pelos mesmos, a partir da visão dos nossos entrevistados
De acordo com Cammarota (2000), 53,7% das queixas dos usuários estão
para procurarem os centros de saúde mental são: 1) consulta médica mais recebimento
em grupo varia de 3% a 8% entre os motivos apontados pelos usuários nos três centros
(Tabela 19 ver ANEXO B) 58. Os usuários atribuem maior importância aos seguintes
57
Os três centros de saúde mental que serviram de contexto para a pesquisa do autor são os mesmos
cenários da presente investigação. Sua coleta foi realizada entre os meses de dezembro de 1999 e abril de
2000 sendo entrevistados 822 usuários.
58
Em relação à busca de psicoterapia individual, é importante ressaltar que a maior procura está no CSM-
H, distrito sanitário mais periférico do município (7%). A demanda traduzida pela quantidade de usuários
que buscam o atendimento psicológico aparece nas narrativas dos nossos entrevistados como um aspecto
que aumenta a pressão institucional para o trabalho psicoterápico em grupo e para a desqualificação do
176
serviços oferecidos nos centros, por ordem de preferência: 1) recebimento de remédio
(variação entre os centros de 53% a 55%); 2) consulta médica (variação entre os centros
psicólogos temos, entre as mais freqüentes: a depressão e a ansiedade. Estes são vistos
idade produtiva, que são as que mais buscam os centros de saúde mental visitados.
Chama atenção o fato das queixas trazidas pelos usuários não diferirem por centro,
eu apostaria assim num palpite que, pelo menos, oitenta por cento, que eu
atendo, a queixa é depressão. No mínimo eu diria, porque assim, e atendo,
basicamente, o que vem à procura é uma população feminina né, e na faixa
dos trinta em diante com a queixa depressão, às vezes associada a ansiedade,
associada a outras questão mais, mas com a queixa fundamental é
depressão, basicamente assim, porque, claro que a gente atende uma parcela
de psicóticos, mas esse, a maioria das vezes, não é encaminhado para o
psicólogo [Carla, Psi XVII-H: 4 anos].
Eu tenho notado assim, o número muito crescente das pessoas que vem
com sintoma de depressão, muito relacionado à situação socio
[socioafetiva], percebendo assim, [PI] mesmo, tem muito caso até mesmo
pela região muito pobre, então tem muito caso que a gente vê é que uma
pessoa tá encaminhada muitas vezes não é nem a questão da psicoterapia,
mas a questão é de fome, questão de falta de trabalho, da dignidade mesmo...
[Priscilla, Psi VI-H: 4 anos]
177
É plural, tem de tudo, né!? [...] desde os esquizofrênicos, desde os
neuróticos comprometidos, né, incapazes de exercer alguma atividade
laborativa ou de trabalho. A gente recebe muito aqui no ambulatório aquelas
neuroses de donas de casa [...]. o que eu sempre falo é que de uns tempos
para cá eu, a gente tem visto muitos casos de depressão. [...] a síndrome do
pânico, que é vertente, né, da depressão [Dirce Psi VII-F, 19 anos]
Olhe, com certeza, depressão. Depressão é o que eu posso dizer assim que a
maior parte dos pacientes aqui que me procuram. Porque a gente tem assim o
quê, na verdade o [CSM-H] atende a uma demanda de psicóticos, de pessoas
que entram em crise depressiva, né enfim, de psicopatologia mesmo,
entendeu? Agora,... o pessoal que é encaminhado para a psicologia, né,
geralmente eles passam antes pelo setor de assistente social. Eu não
trabalho dentro daqui, eu não trabalho, eu tenho experiência mesmo de
trabalhar com psicóticos, de fazer mesmo um trabalho de psicoterapia
com psicóticos. A demanda mais pacientes deprimidos, né , geralmente é o
que chega mais pra mim... chega mais pra gente. [Roberta, Psi XIII-G: 17
anos]
tanto nas UBSs quanto nos CSMs, como pode ser acompanhado no relato abaixo:
178
c) os sintomas dos neuróticos são vistos como passíveis de serem trabalhados no
psicóticos;
intervenção psicoterápica;
terapeuta algumas crenças: a) lidar com o conjunto de sintomas que lhe faz sofrer como
sentido oculto subjacente ao quadro sintomático, que lhe atribui um caráter complexo a
(BEZERRA-JUNIOR, 1992).
história que sofreu interrupções e possui brechas que expressam sintomas. Neste
179
experiências pessoais, há a possibilidade de criar novos sentidos, que, ao serem
apropriados pelo sujeito, tendem a ser inscritos na sua história e em seu projeto de vida.
Além disso, exige que o indivíduo esteja de posse de uma certa linguagem da
intimidade, que como os demais atributos, também está marcado pela inscrição de
ressaltar um:
Nesta direção, o autor adverte que é importante que o terapeuta, frente à variação
social dessas qualidades não confunda atitude cultural com atitude defensiva.
180
triagem e a espontânea, ou sem intermediário. De alguma forma, estes tipos de demanda
são vistas pelo psicólogo como problemáticas e, muitas vezes, aparecem como
triagem percebe que a queixa pode ser amparada com o auxílio do atendimento
onde o encaminhamento ocorre apenas para que o usuário não fique sem algum tipo de
considerada pelos psicólogos como a que tem mais chances de levar a cabo o tratamento
psicológico61. Há, para este tipo, uma variação que os psicólogos denominam de
61
A demanda espontânea é menos freqüente no CSM-H (implementado mais recentemente em área mais periférica
de Salvador) e cada vez mais freqüente no CSM-F (área periférica intermediária), principalmente, no CSM-G (área
mais central).
181
―nível de compreensão mais elevado‖), com um pedido que tende à ―busca de
psicológico.
interno que pode ocorrer quando o psiquiatra, ou outro profissional, julga que o seu
médica”, que não se reflete nos usuários quando do contato direto com os psicólogos.
são ameaçados pelos outros profissionais de não poderem pegar o remédio caso não
demanda médica que não entende sequer qual é a proposta do trabalho psicoterapêutico,
insatisfação do profissional.
vistos como problemáticos porque: a) são realizados por profissionais não treinados
―debilidade física‖; d) há aprazamento das consultas que deveriam ser realizadas pelos
verbalização do usuário de que ―só querem a medicação‖, e não querem outro tipo de
182
tratamento; f) há rejeição do usuário a algum tipo de tratamento que requeira muito
tem uma triagem e tem também um problema muito grande nessa triagem
[...] é uma especificidade, a pessoa [triador] vem sem ter treinamento
absolutamente nenhum e aí esse encaminhamento, por isso até que tem
muitos equívocos, tem encaminhamentos que vem, por exemplo, do próprio
serviço social pra psicoterapia e que eu volto a encaminhar, porque eu
percebo que é só o problema da pessoa é um problema socioeconômico
mesmo. Tem gente [TI] que não consegue trabalho, até pelo estado, muitas
vezes, de debilidade, debilitação física e as outras pessoas com, que estejam
em surto, que o psicólogo não tem, na verdade, muito o que fazer numa
situação dessa. [Priscilla, Psi XV-G: 4 anos]
Então realmente tem casos que realmente... eu vejo mais como assim: fazer
um acompanhamento desse paciente, porque ele não é ali um processo
psicoterapêutico, eu só estou ali para acompanhar, para dar um suporte,
porque a consulta que ele tem com o médico dele às vezes é seis meses, oito
meses, ou então um ano, então assim, é como se... porque o médico não tem
condições de tá vendo se o paciente, acompanhando melhor, ele acaba
mandando para o psicólogo. [...] [Neuza, Psi XVIII-H; 4 anos]
a pessoa [usuário] vem com uma queixa, todo mundo que vem pra cá vem
com uma queixa ligada a saúde mental e aí, meio que
indiscriminadamente “ah, vai pro psicólogo, psicólogo, psicólogo”, até
porque o aprazamento dos médicos tá uma distância de seis meses, então tipo
assim, manda pro psicólogo porque o psiquiatra vai demorar muito, mas o
que a gente vê em alguns casos são pacientes que não têm a menor
demanda pra o atendimento psicológico, por quê? porque só vem mesmo
querendo a medicação ou não tem compreensão ou rejeita outros tipos
de atendimentos, não acredita ou porque acha que é muito investimento
de tempo, ―eu não tenho tempo pra vim pra cá, eu não tenho dinheiro pra
vim pra cá‖, então quem vem só em busca da medicação, mas que, na
triagem, não se apura, não se verifica isso, manda pro psicólogo, pra daí o
psicólogo, após o primeiro atendimento vá [PI] se tem algum interesse, então
muitas vezes a gente, né, atende aquele paciente pra depois o paciente dizer,
―ah, porque eu queria era remédio, eu pensei que a senhora ia tá passando
remédio pra mim; eu não tenho tempo, não posso, eu não tenho dinheiro, eu
tenho que cuidar dos filhos, eu enfim‖, então assim, não há muito uma
triagem no sentido de perceber se aquela pessoa, além dela ter a queixa,
se ela tem a demanda né, porque tem a queixa, então vai pro psicólogo, mas,
muitas vezes, o próprio paciente verbaliza não ter interesse, então há muitas
vezes uma perda de tempo pro paciente ia dizer tudo que já disse na triagem e
pra gente que poderia estar atendendo outra pessoa que estivesse talvez mais
interessada, tivesse um aproveitamento melhor. [Carla, Psi XVII-H: 4 anos]
183
Rio de Janeiro. Alguns pontos que caracterizam a problemática que envolve
usuário ao referido serviço; 2) o primeiro atendimento estava previsto para ser realizado
num período nunca inferior a dois meses. Estas constatações têm como principais
pelo serviço está motivada pelo fato do mesmo não dispor mais de recursos pessoais
para apaziguar o seu sofrimento; supõe-se que este período longo de espera pode
visto como o principal recurso, ou mesmo o único capaz de lidar com a psicose; no caso
usuário.
Macedo e Neves (1995 apud TENÓRIO, 2001, p. 94) concluem que a triagem
fala do paciente não como demanda, mas como veículo de apresentação de sinais e
sintomas que permitam ao médico deliberar, com base nessa primeira entrevista, qual a
184
que a clínica está reduzida ao manejo farmacológico dos sintomas‖; o médico não tem
tempo para conversar com o seu paciente, por sua vez, a chamada psicoterapia não
Nesta mesma direção, nas narrativas dos nossos entrevistados aparece uma
corrente em outros ambulatórios de saúde mental. Esta metonímia pode também ser
remédio. Dos 822 entrevistados, 96,4% fizeram consulta médica e 93% pegaram
(Tabela 21, ver ANEXO B). O autor ainda ressalta que praticamente todos que fizeram
formas de tratamento.
saúde mental como um produto social. Neste terreno, alerta-nos para o fato de não a
tomarmos como natural, e sim como ―forjada pela condição de miséria e exploração
impostas à maioria da população que, sem alternativas políticas adequadas, adoece [...]‖
mal-estares coletivos‖.
não é o fato de vir de um psiquiatra, pois que pode vir de outro profissional. Os
psicólogos pinçam, das falas dos usuários, o caráter de barganha do medicamento que
185
orienta o encaminhamento para o tratamento psicológico, que é utilizado pelos mesmos
como um dos motivos principais para buscarem o psicólogo. Do ponto de vista dos
Sim, percebo sim e até eu tava comentando com a outro colega o fato assim
que às vezes você propõe num primeira consulta, primeiro atendimento pro
paciente e muitas vezes eu tenho ouvido coisas assim, ―ah, possa ser, vamos
ver, vamos tentar né, o médico mandou‖ [narra com ar de descaso], então
assim, há muito aquela coisa assim, é de graça, mandaram eu vim, então
vamos ver no que é que dá, entendeu. Então assim, muitas vezes não há
mesmo a demanda pra uma psicoterapia, mas assim, o paciente veio
encaminhado, quer experimentar, quer tentar e muitas vezes assim, aquela
coisa da falta, porque ele não tá pagando nada. [Carla, Psi XVII-H: 4 anos]
psicólogas que trabalham no CSM-H, em grau menos elevado nas demais entrevistadas
dos outros dois centros. Dentre os signos que caracterizam a demanda médica
por obediência ao médico. Bezerra-Júnior (1992, p. 150) descreveu este fato como
demanda de medicamento, que não é algo que deva ser tomado como natural ou
Então, e muitos não sabem que tem psicólogo e fica assim ―ah, quem é o
psicólogo mesmo?‖ aí ele senta aí, né e fica parado. ―Sim, pois não, como é
que a gente pode ajudar o senhor, o senhor gostaria de falar?‖. ―Falar o
que?‖. ―Bom, o senhor veio para a terapia, na terapia a gente, o psicólogo
ouve mais do que fala‖. ―Sim, doutora, e eu vou dizer o que?‖. ―Sim, o
senhor vai dizer o que te angustia, o que te estressa, o que te tira o sono‖.
Aí você não pode dizer assim, ir direto, sabe. Você tem que ir pelas bordas
186
né, para que ele consiga começar a pensar. ―Sim, doutora, e o que é
psicólogo?‖, aí você tem que explicar. ―Ah, é médico, né?‖ aí eu digo ―não,
não é médico, psicólogo não é médico‖, ―ah, doutora, pra mim é tudo igual,
eu vim pro médico. A senhora vai marcar minha consulta quando, o médico
aí é pra quando?‖. Eu digo assim ―mas eu não sou médico, eu sou psicóloga‖,
―ah, é muito difícil esse negócio aí, é médica‖ [Dirce, Psi VIII-F: 19 anos].
suas próprias palavras, nos faz questionar até que ponto podemos aceitar a demanda
com as crenças (―o senhor vai dizer o que te angustia, o que te estressa, o que te tira o
sono‖) da psicóloga em relação ao modo de buscar sentidos para o que lhe faz sofrer,
E tem pessoas, que eu acho que assim, tem o conteúdo, tão ali buscando
realmente assim se compreender, se conhecer, compreender a doença, o
que traz. [Neuza, Psi XVIII-H; 4 anos]
caso de psicóticos, que são os familiares que trazem, é bem mais provável que eles não
187
pessoas que estão com depressão, com ansiedade difusa, generalizada e em
psicose, que aí já são os familiares que levam. [Neuza, Psi XVIII-H; 4
anos]
sintomas, percebendo a necessidade de que, em alguns casos (lembrar que eles atendem
principalmente neuróticos), essa seja uma etapa do processo a ser vencida a partir do
este processo, sejam nas vertentes das psicoterapias ou das para-psicoterapias, como
Neste sentido, o que parece escapar aos entrevistados, quando refletem sobre as
problemas apresentadas pelos usuários, que parecem não fazer sentido para os mesmos.
Além disso, cabe sinalizar que, muitas vezes, a falta de demanda psicológica, que
Sim, é, algumas pessoas que são encaminhadas pelo médico, ou que ele
acha que tem uma demanda, muitas vezes são pessoas que não... não dá
pra se fazer uma psicoterapia mesmo. Elas não entram no processo
psicoterapêutico, porque não têm o insight pra aquilo que a gente está
tentando buscar trabalhar, conteúdos. Não traz conteúdos pra serem
trabalhados, então fica muito na questão da queixa, né, e aí por mais que
você tente puxar pra trazer alguma coisa mais, assim, as pessoas parecem que
não compreendem ainda o processo psicoterapêutico, né. [Neuza, Psi XVIII-
H; 4 anos]
188
trabalho psicológico não é muito comum, apesar da quantidade de encaminhamentos.
Algumas pessoas são beneficiadas com algumas das variações da atuação das para-
início do processo, outras somem e depois reaparecem, sendo novamente acolhidas pelo
psicólogo:
não ter com quem deixar os filhos, entre outros. No entanto, há casos em que mesmo
frente a tais obstáculos os usuários utilizam alternativas que exibem o seu esforço no
que diz respeito a ir andando de um bairro a outro, para não perderem a sessão, o que,
Uma pessoa que não dispõe de tempo, muitas vezes, pode ter um trabalho,
pode não estar faltando o trabalho. É a pessoa que, quando não tem trabalho
não tem dinheiro pra vir, como já ocorreu muitas vezes; tem pessoas que
vêm, mas que faltam e quando faltam duas, três sessões quando retornam
justificam “olha, eu não pude vir porque eu não tinha o dinheiro da
62
Nas UBSs e nos CSMs considera-se abandono do tratamento psicológico após a terceira falta
consecutiva sem aviso para desmarcar o atendimento.
189
passagem, ou eu comprava pão ou pagava a passagem”; tem pessoas que
vem aqui pegam... chegam aqui mais tarde que o horário comum, normal, e
justificam que pegaram no Subúrbio Ferroviário pegaram um trem, saltaram
na Calçada e tiveram que vir andando até aqui, porque não tinham
dinheiro pro transporte. E vem, vem andando da Calçada até aqui, debaixo
de um sol escaldante. [risos] coisa confusa da gente ta precisando, porque tá
muito ligado, muito vinculado um fator a outro [Priscilla, Psi XVIII-H: 4
anos].
mental mais antigos, lidam com esta problemática, de modo a termos um contraponto
também diacrônico63.
Chama atenção a força com que aparece, nas narrativas dos psicólogos que
psicológico em relação aos que trabalham nos CSM-F e CSM-G. Além disso, os
de psicologia, nos primeiros, estar mais assimilada pelos outros profissionais de saúde,
inclusive pelos que fazem a triagem. Isso é reforçado quando se evidencia que, no
organizacional:
Mas todo mundo aqui nesse centro sempre trabalhou com eh.... Talvez aqui
seja um dos poucos lugares onde a gente trabalhe realmente com
psicoterapia, a nível de... de Estado, não sei se têm outros, né. Eu acho até
63
É preciso ressaltar que as pontuações feitas aqui não têm a pretensão de serem uma análise diacrônica
estrito senso, uma vez que o delineamento desse projeto de tese não permite estes tipos de conclusões. No
entanto, levando em conta o tempo de implantação dos CSM-G e F, que foi na década de 1980, e a do
CSM-H que ocorreu no final da década de 1990 e o tempo de serviço dos psicólogos, que no caso do
CSM-H é muito inferior as demais, estamos considerando que há maior familiaridade dos profissionais
não psicólogos e dos próprios usuários ao discurso e práticas psicológicas nos primeiros centros. O CSM-
F é atualmente cenário de problemas, que antigamente eram muito presentes nos outros dois, mas que
foram reconfigurados ao longo dos anos através da seleção da clientela, a exemplo da introdução da
demanda diferenciada.
190
que tem, mas aqui no [diz o nome do CSM] a gente sempre fez um trabalho
assim de trabalhar mesmo com psicoterapia [Roberta, Psi XIII-G: 17 anos]
características da clientela atendida pelos psicólogos nos CSMs F e G, que inclui o que
cultural mais elevada, que podem estar passando por um momento de dificuldade
públicos ou mesmo profissionais liberais, com nível superior, que buscam terapia de
Você encontra de tudo, né?! Eu tenho, eh... Uma vez até me procurou aqui
um professor de filosofia, pra você ver, tem pessoas que têm mestrado que
vêm pra cá, que tão passando por uma situação difícil que não podem, né,
pagar uma psicoterapia fora e têm pessoas analfabetas, semianalfabetas,
que assinam só o nome, né. [Roberta, Psi XIII-G: 17 anos]
e a classe social desse paciente também conta, que a gente passou a ter
uma demanda de classe média, classe média baixa e classe baixa muito
pobre. [...] È, no atendimento psicológico, hoje eu tenho pessoas que, há
muitas pessoas formadas com nível universitário, um grupo dia de
quinta- feira de tarde que praticamente todos têm nível universitário,
uns tão fazendo pós-graduação, fazendo mestrado, eu tenho uma jornalista
mesmo que já fez pós, tá fazendo mestrado, tem jornalista, tem psicólogo,
tem estudante de medicina, estudante de Direito. [Bruna, Psi XIV-G: 20
anos]
Muitos desses pacientes que procuram o centro... pacientes que têm, que
trabalham, são profissionais liberais, que trabalham lá fora, inclusive
muitos que trabalham na prefeitura de Salvador... [...] entendeu
Assistentes sociais, psicólogos, médicos e que vêm e que são atendidos. E
a gente não vai dizer o nome, nem divulgar nada, claro, mas são atendidos...
[Lorena, Psi IX-F: 20 anos]
Atendo muito pouco, mas tem muita procura [classe média]! Inclusive
pra terapia de adultos, tem muito estudante universitário que me
procura aqui, que não tem como pagar, né. Então tem essa questão de ser
alto, o custo do serviço lá fora é alto. Mas a gente não pode inflacionar isso!
191
Você não pode deflacionar, na verdade, você não dizer vou cobrar 20 reais,
porque também você fica muito longe da realidade, apesar de que alguns
convênios também já estão por aí, pagando 17, 18 reais, às vezes, as pessoas
até negociam, 25 essas coisas, tal. [Lindinalva, Psi VII-F: 18 anos].
pacientes de classe média que não têm, hoje, condição de pagar terapia lá
fora... [...] procuram! E muito! E muito! Eu tenho vários pacientes
aqui..(Hum...)... e que estão bem, trabalhando e que não faltam. Eu puxo
a cadeira, encosto a mesa pra cá... é o máximo que eu posso fazer,
entendeu Porque não tem nenhuma... nenhuma sala...que seja: ―essa sala é
só pra atendimento psicoterápico‖; não tem. Tudo isso tinha que ser visto
pelo distrito. O mínimo!. Ninguém está pedindo sofás pra fazer psicanálise,
que eu acho que nem comporta e nem é o caso; é um trabalho muito longo.
Mas pelo menos, uma estrutura mínima, que o paciente se sinta confortável,
mais confortável. [Lorena, Psi IX-F: 20 anos]
É preciso ressaltar que os psicólogos estão descrevendo pessoas que têm maior
poder contratual (KINOSHITA, 2001), que podem ter perdido temporariamente, ou ter
disso, nestes casos, o poder contratual parece ser contrabalançado a partir de outras
Kinoshita (2001: 55) ressalta a importância de propormos ações em saúde mental que
restituam o direito e a capacidade das pessoas de realizarem trocas em relação aos bens,
as mensagens e os afetos no contexto social em que vivem. O autor destaca que este
clínicos, nem dos que continuamente comprometeram seu poder contratual nem dos que
192
o comprometeram temporariamente. Nesta direção, quando não é possível proceder a
uma escuta do sofrimento do usuário, porque o modo dele expressá-lo é pouco familiar,
principal clientela que aflui nos serviços públicos de saúde. Podemos ter uma idéia do
perfil, em termos quantitativos, dos usuários que são atendidos nos centros estudados,
praticamente igual para os três centros de saúde mental. Entre os 822 entrevistados, 45
estado civil dos usuários, observou-se que 51% eram solteiros, 22% casados, 12%
separados, 10% viviam maritalmente e 5% eram viúvos; aqui também não há muita
relação ao nível de instrução formal, 49% dos entrevistados podem ser considerados de
baixa instrução64, quando se soma os sem instrução (18%) e os que tinham o primário
centros em relação ao grau de instrução. O CSM-H tem o maior índice de usuários com
baixa instrução (55%), seguido pelos 51% que se encontram vinculados ao CSM-G e
pelos 44% em atendimento no CSM-F. Neste sentido, os usuários que apresentam maior
64
O autor utilizou o termo baixa instrução para especificar o grupo com ―reduzida capacidade para a
compreensão da linguagem por meio das palavras escritas, bem como para sua articulação-motora-fina
na transcrição das mesmas, sugerindo um estágio de educação formal precário e próximo ao
analfabetismo‖ (CAMMAROTA, 2000, p. 49)
193
ANEXO B). Caracterização que corrobora com a tendência apresentada nas narrativas
distritos sanitários. No entanto, o estudo de Cammarota (2000) parece não ter captado a
entrada dos usuários que formam a demanda diferenciada e que identificamos em nosso
serviços, 45% deles não possuem qualquer fonte de renda pessoal, seguido pelo
percentual de 45,7% que contam com uma renda que varia entre um e cinco salários
mínimos, sendo que boa parte deles freqüenta o CSM-H, representando 54% da sua
Considerado o perfil dos usuários por tipo de ocupação podemos perceber que
maior índice dos que não trabalham (49%) e o menor de aposentados (29%) em relação
aos outros dois centros (Tabela 6 ver Apêndice B). Aspecto que se torna,
Os dados expostos brevemente acima nos fazem perceber que a maioria dos
usuários, que freqüenta os serviços de saúde visitados, tem baixo poder contratual em
relação a trocas de bens. Além disso, sinalizam que os mesmos podem ter sua
direção, pode, ou não, comprometer sua capacidade de troca de afetos, aspecto que
escuta.
194
Esses elementos apontam para o fato de que temos que ficar atentos para não
psicossocial.
que chamamos demanda diferenciada, que apresenta, como um dos benefícios visíveis,
Tem um, um rapaz, inteligente, classe média, mora na Pituba, mas não tem
condição de pagar, não tem plano de saúde, não tem condição de pagar e os
planos de saúde não cobrem psicoterapia, ‗cê sabe disso...(É)... Então, ele
veio pra cá e... já tem quatro meses que ele não usa...e tem quatro meses que
ele não usa cocaína nenhuma; ainda usa maconha. Se ele ficar com ela pouco
tempo, pouco, de uso... pouco uso, mas que não está usando mais nenhum
ansiolítico, só tá usando antidepressivo e a dosagem está sendo
diminuída aos poucos. E é conversado com o psiquiatra, essas coisas, essas
questões. [Lorena, Psi IX-F: 20 anos]
E agora a classe média procura. [...] Aqui o Centro. Então você ver assim...
eu já tive casos de filhos de dentista, que o pai não tem a menor condição de
pagar um tratamento, mesmo que seja simbólico, mesmo que seja uma
coisa... mas não tem a menor, porque está numa pior. Então assim... vem...
Eu atendo muito pouco essa clientela, porque eu sinto assim “poxa, se eu
preencho a minha clientela daqui, que já é limitada, com o pessoal de
classe média, eu vou tirar vaga daquele que não tem nada, entende?‖.
Então assim, já atendi eventuais crianças que aparecem, a mãe chega assim
muito mal. Às vezes, chega a certo ponto que a gente diz assim: a gente
investiga essas pessoas pra saber ―e aí, dá pra você pagar alguma coisa?‖
Levo até o consultório, por conta desse pode pagar e fica numa vaga aqui. Eu
jogo um pouquinho nisso assim. [Lindinalva, Psi VII-F: 18 anos].
dificuldades que acometia sua atuação e dos demais profissionais desde o final da
195
década 1980 e início da de 1990: o abandono do tratamento psicológico. Neste período,
este era tão intenso que motivou Bruna junto com outros profissionais, inclusive
psiquiatras, a fazer uma ―pesquisa interna‖ para conhecer os seus motivos, a qual
social:
Tinha, o setor tinha suas normas e a gente atendia o paciente uma vez por
semana, fazia uma psicoterapia individual, não existia nessa época [final de
80 início de 90] psicoterapia de grupo; com o decorrer do tempo se via que
existia uma evasão muito grande dos pacientes e a gente não entendia por
que, por que que esses pacientes iam embora, a gente resolveu fazer uma
pesquisa interna, o paciente chegava, se dizia angustiado, tinha aquela
queixa e se passa a perceber que o paciente tinha muito mais uma queixa
social do que na verdade psico-social, psíquica entendeu! [...] e nós
fizemos essa pesquisa e o paciente muitas vezes nem sabia o que é o
psicólogo, não sabia da existência do psicólogo, não sabia o que era uma
terapia, não sabia por que que ele tava ali [...] [Bruna, Psi XIV-G: 20
anos]
Este levantamento do perfil dos usuários lhe deu clareza de que algo mais do que
psicoterapêutico que fazem parte do manejo clínico, atrapalhavam uma atuação mais
proveitosa para os que buscavam ajuda, uma vez que são as pessoas que apresentam as
características citadas há pouco, que tendem a ter mais benefício como o tipo de
Outra idéia trazida nos relatos de Bruna merece ser destacada. Ela parte do
196
entrevistados que sugiram que eles estão ali por imposição de outros profissionais de
saúde.
ser entendida como um atributo exclusivo das pessoas de classe média empobrecidas,
pois que os mais pobres ―com certa sensibilidade‖ podem buscar, ou permanecer no
para terem acesso a um ―pensamento mais refinado‖, um espaço para ter um outro nível
de escuta:
psicológico em serviço público, cinco anos, e que não querem alta em função dos
outros, 2002) desses usuários, introduzidos aos poucos na rede pública de saúde.
permanecer, ou não, no tratamento, sendo que, nesse caso, aparecem associadas a outras
197
dificuldades, por exemplo, o fato de ser visto no centro de saúde mental e ser tomado
por ―maluco‖:
Todos esses relatos nos fazem perceber que tem havido uma diminuição da
escuta psicológica de usuários com ―queixa social‖ e aumentado a daqueles que têm
perceber ainda que as pessoas com maior poder contratual têm se beneficiado com os
culturalmente informada.
dificuldade de acesso, por falta de dinheiro para chegar até o centro, por exemplo, as
soluções têm sido a de realizar encontros quinzenais, em vez de semanais. Quando são
198
a coisa dos pacientes evadirem e depois a gente de sentir a necessidade de
fazer um levantamento pra saber o que seria, e se detectou que os pacientes
não tinham conhecimento do que era terapia, como é que funcionava, porque
que ele tava ali, vinham porque o amigo indicava, porque o medico dizia que
ele tinha que ir, então é isso, e vinha e muitas vezes ele não queria, ele queria
só falar o que tava passando na mente, falou, se sentiu melhor, vai embora ou
porque eu não tenho dinheiro pra pagar toda semana, então nós resolvemos
formar psic... e essa demanda aumentava, também aumentava muito o
número de pessoas que procurava o [diz o nome do centro] aumentava
muito a cada ano, e nós então percebemos que deveríamos criar os
grupos de terapia, foi um dos motivos que nós criamos, foi pra absolver a
demanda e tinham grupos que inicialmente pela esp..., formamos grupos de
pessoas que tivessem características, que não tinham condição de pagar,
que não tinham condição, não entendiam o que era o trabalho, não
porque que eles estavam ali, nós formamos um grupo com esse tipo de
característica, inicialmente esse grupo que era de quinze em quinze,
justamente por causa da própria dificuldade do transporte, depois por si só ele
foi crescendo e foi, eu tive essa experiência, porque eu que investi nisso,
porque eu tive uma performance, fiz parte desse levantamento, entendeu
[Bruna, Psi XIV-G: 20 anos]
terapia em grupo tem sido principalmente realizada para lidar com as demandas
sobre esta). Dessa forma, há uma tendência a organizar a atuação psicológica para o
gerência e nem desejo dos profissionais para este tipo de trabalho. Onde há imposição
199
e cliente e isso seria um impasse, [TI] de opera-se um tratamento, uma
psicoterapia. São coisas que assustam a gente, por que? Porque, há quanto
tempo vem se realizando dessa forma, e se se pensa, quem está à frente
pensa que é assim, por que que se permitiu que isso acontecesse por
tanto tempo? Na verdade, não se trata disso; na minha opinião, trata-se
simplesmente de que não convém mais que seja assim, então querem nos
fazer acreditar que isso não funciona, que não é eficaz, quando na verdade, eu
que tenho experiência, na minha prática, que eu tive experiência de ver o
quanto é importante... e esse... Retorno das pessoas, inclusive, pessoas até
dizerem que adiaram o tratamento desse tipo por muito tempo por
medo, por preconceito, que não imaginava que seria tão importante na
vida delas, que iria operar mudanças tão importantes na vida delas...
[Priscila, Psi XVI-H: 4 anos]
prática psicológica.
argumento principal se remete à temporalidade da sua oferta, que há muito tempo está
200
e a dificuldade dos psicólogos de darem conta dos dispositivos institucionais 65, que
como eficaz, pois que há garantia de princípios da psicoterapia; neste sentido não se
pelo psicólogo, não sendo uma tarefa que se estenda a qualquer profissional de saúde:
de trabalhar com os conteúdos trazidos pelas pessoas que formam o grupo. Emprega-se
65
Os entrevistados informam que há uma norma que diz que o psicólogo deve atender 12 pacientes no
turno, de seis horas. De modo geral, eles se recusam a cumpri-la, a partir do argumento de que é
humanamente difícil atender com qualidade esta quantidade de usuários em período tão limitado de
tempo, em se tratando de trabalho psicológico. Há, além da recusa de cumprir esta norma, os ajustes de
tempo de sessão que é diminuída em 10 minutos, apesar de todos acharem que deve ser de no mínimo 30
min, como em consultório particular. Por outro lado, nos centros onde é imposto marcar 12 consultas por
turno, os psicólogos contam com o fato de não irem todos os usuários, o que não é um fato incomum, ou
indo todos os usuários permanecem em serviço até cumprirem a agenda diária. Neste sentido, sempre
atendem individualmente durante 30 min.
201
a mesma noção de demanda psicológica e envolvimento do usuário no trabalho
Olha, não. Faço tanto de grupo quanto individual, entendeu, mais em grupo.
Por exemplo, que eu tenho quatro grupos aqui e é um trabalho em
psicoterapia mesmo, a gente trabalha em cima da demanda, eu trabalho
em cima da demanda do paciente, tá certo? [...] E eu tenho visto assim, pelo
menos nos meus clientes, né, eu tenho visto assim que eles têm uma
evolução, né. Eles têm uma evolução, né, formam vínculo com o grupo, né,
formam vínculo comigo também, né, eu vejo realmente que existe [Roberta
Psi XIII-G: 17 anos].
Trata-se então de uma estratégia para lidar com a produtividade exigida pela
avaliação da assistência em saúde mental (que está atrelada à liberação de verbas), sem,
E então o grupo não, você pode ter um tempo maior para o grupo. Então
como eu gosto muito, adoro trabalhar com grupo e eu acho que o grupo é um
trabalho que você pode ir pro profundo também, sabe, quando você
direciona bem o grupo, quando você conduz bem o trabalho de grupo. Então,
uma das soluções, eu acho que é esse trabalho de grupo pra você poder dar,
cumprir com a questão da produtividade, né. Tem esse lado, agora tem um
lado também, porque eu acredito, porque, se eu não acreditasse no
trabalho de grupo, eu também não faria, cê tá entendendo? [Roberta Psi
XIII-G: 17 anos]
E ... tem pessoas que adoram trabalhar em grupo, tem pessoas que realmente
gostam muito. O grupo, eu acho que um é trabalho muito rico na verdade.
Por quê? Porque você vê que a sua realidade pode ser muito parecida
com a de outras pessoas, o grupo é um espaço onde se aprende muita
coisa, né, você pode trabalhar até com a questão da transferência, né, fica
mais diluída com, com.... é muito, eu acho muito interessante trabalhar com
grupo, eu sou meio que apaixonada, sabe? (risos) E eu acho que é bom a
nível da demanda daqui, que é muito grande e você pode fazer um trabalho...
[Roberta Psi XIII-G: 17 anos]
um espaço de trocas entre iguais, ou mais próximos, uma vez que a realidade retratada
por um dos usuários do grupo pode ser mais parecida com as dos outros membros.
(KINOSHITA, 2001) intransponível numa relação dual no que diz respeito as vertentes
202
de trocas de afeto e de mensagem, ampliando o potencial de benefício psicoterapêutico
para os usuários.
Dito de outra maneira, as pessoas que formam o grupo, com suas atitudes
experiência humana. Um dos seus argumentos nos parece muito útil para corroboração
funcionar como um
203
Mais uma vez podemos nos remeter à estratégia grupal como uma possibilidade
da recepção, descrita por Figueiredo (1997) como tendo maior resolutividade em casos
onde o usuário não se adapta ao tratamento individual por poder contar e escolher entre
uma escuta mais cautelosa. O espaço da escuta nos serviços públicos de saúde está em
aberto e por ser conquistado. Pode ser preenchido por outros profissionais nos CSMs e
este é um ponto importante, uma vez que há uma tendência dos psicólogos em
encaminhamento. Por outro lado, um dos principais processos que se opera em relação a
204
9. SIGNOS E SIGNIFICADOS DAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS
Muitos são os termos utilizados pelos psicólogos quando solicitados a falarem das
prática psicológica oferecida, é a escuta que fornece o élan entre as mesmas do ponto de
ser a única atividade desenvolvida pelos psicólogos nos serviços estudados, oferece um
atributo que define, de modo mais geral, a função desse profissional, sem que
precisemos dizer a sua orientação teórica. Para explorar a polissemia desse termo,
No terreno das psicoterapias, um jargão que se tem tornado muito caro ao campo
205
À escuta. 1. Em estado, postura ou atitude de atenção, de vigilância
(AURÉLIO, 2003)
ação básica do seu trabalho fornecendo à escuta uma qualidade de ação, de alerta, de
interesse sobre a fala significativa, que remonta à história dos sujeitos, revelada a partir
os clientes papéis diferentes e bem definidos. Duas das descrições sobre a escuta
alguém [psicólogo] que ouça um certo lado dele, que outras pessoas não
estão acostumados a ouvir. Estão ouvindo lados importantes, como a
comida, como a dormida, mas tem esse lado da subjetividade que não...
alguém que não tenha preconceito com eles, [...] alguém que não julgue
[...] começou a aprofundar e eu fui favorecendo... o quê?, uma associação
livre dele, né? e ali sem julgamento, ―é mesmo? Quero saber mais, quero
saber mais‖. É difícil alguém chegar querendo ouvir mais. [...] Eu estava
ali para ele abrir aquilo que, aparentemente, não estava incomodando, o
cara era presidiário, pode dar problema na [diz o nome da instituição]. mas
dentro dele está a ferida lá... [Flávio, Psi XX-J, 7 anos]
estão preparados para ouvir. A garantia desse espaço como marcador da natureza do
206
trabalho psicológico é o que motiva a defesa dos psicólogos em relação à importância
da sua atuação, muitas vezes desvalorizada dentro dos serviços públicos de saúde.
Feitas estas primeiras considerações, estamos nos propondo a refletir até que
1995), considerando que, do ponto de vista da comunidade psi, esta escuta é orientada
para se referirem a suas atividades como sinônimos, ou nos apoiarmos apenas nas
definições encontradas nos livros e manuais acadêmicos. Uma leitura mais cuidadosa
terreno, partimos, mais uma vez, do que e como fazem os psicólogos a partir de casos
concretos.
207
apresentadas e definidas à medida que realizarmos a leitura interpretativa das narrativas
ESQUEMA 02 PSICANÁLISE
ESCUTA PSICOLÓGICA
PARA-
PSICOTERAPIA PSICOTERAPIA
possibilidade, é sempre um vir a ser. O usuário é sempre recebido pelo psicólogo como
últimas são tratadas pelos próprios profissionais como práticas menos importantes,
porém mais adequadas ao perfil de uma parcela da clientela, e são rotuladas aqui como
quem, como e onde são realizadas, a quem se destinam e suas funções terapêuticas e,
208
adequar-se à produção de um discurso psicológico tomado como modelo desde a
graduação do profissional.
―interferir muito mais‖, ser ―mais incisivo‖, característica que vai incidir na análise da
a) da estrutura institucional inadequada (sala, falta de divã, etc), mas este tipo de
Acho que a gente não tem nenhum... nenhuma estrutura pra fazer um
trabalho psicoterápico bom aqui dentro. A gente faz um trabalho, que eu
chamo muito mais de uma psicoterapia de apoio. Apesar de a psicoterapia
de apoio ser considerada uma psicoterapia breve, eu tenho alguns pacientes
que já têm mais de três anos comigo, que eu não vejo condições de mexer, de
afastá-los. [Lorena, Psi IX-F, 20 anos]
209
sessões que precisa ser imutável, uma vez por semana na melhor das hipóteses (porque,
entrevistas preliminares, passam requerer uma hora, ou uma hora e meia. Destacamos a
citação abaixo, sublinhando que esta disposição para a escuta, traduzida no tempo de
c) a inadequação das técnicas dos psicólogos a uma parte da população que busca os
serviços, seja por conta da estrutura psíquica do usuário, das expressões de sofrimento
sentimentos:
Acho que a gente não tem nenhum... nenhuma estrutura pra fazer um
trabalho psicoterápico bom aqui dentro. A gente faz um trabalho, que eu
chamo muito mais de uma psicoterapia de apoio. Apesar de a psicoterapia
de apoio ser considerada uma psicoterapia breve, eu tenho alguns pacientes
que já têm mais de três anos comigo, que eu não vejo condições de mexer, de
afastá-los. [Lorena, Psi IX-F, 20 anos]
210
É muito, muito eclético isso, um exercício de, é como eu falo pras minhas
colegas fora daqui assim, que eu já vi aqui, nesses quatro anos que eu tô
trabalhando, coisas que assim, eu acho que não chegariam num consultório
particular, entendeu? Assim, todo tipo de patologia, todo tipo de rede familiar
que você possa imaginar, e tal assim, é aí que você percebe que é uma
realidade completamente diferente, que você que tem que se adaptar
àquele, e não você querer que o paciente se adapte ao seu referencial,
entendeu? [Carla, Psi XVII-H: 4anos]
primeiro diz respeito à maior diversidade clínica e de redes familiares mais difíceis
maioria dos usuários parece não apresentar determinadas características que favoreçam
Porque, desde quando a psicanálise começou, eu acho que tem muito a ver
com a história né, começou em uma época que quem procurava eram pessoas
realmente, era elite, começou com uma forma muito elitizada e, talvez por
conta disso, se criou uma ilusão de que, pra funcionar tem que ser
daquela forma, mas com o passar do tempo, com a necessidade, a
diversidade também, né, as pessoas foram ousando mais, ousando e
fazendo experiências tanto variar, extrapolar aquelas normas, romper
com algumas coisas, e, a partir daí, acho que se descobriu que é possível sim
fazer um trabalho. [Priscilla, Psi XVI-H: 4 anos]
É uma coisa assim que eu até criticava muito, assim que eu acho que aquela
coisa de referencial teórico, sempre criticava muito essas pessoas que
faziam desse modelo um monte de coisa, mas, ao chegar aqui, eu percebi
que eu tinha que me flexibilizar mesmo assim um pouco, porque senão eu
não ia tá podendo atender nem cinco por cento dessa população, né, eu ia tá
oferecendo um serviço mui-to elitizado pra o que essa população pede e
solicita, tem capacidade assim, às vezes, de compreensão, então. Meu
referencial teórico mudou, eu tive que passar a ler outras coisas assim, [Carla,
Psi XVII-H: 4 anos]
211
pertinentes, ou mesmo vislumbrando a mudança, por vezes levada a cabo, para outra
abordagem teórica incompatível com a anterior66. A despeito desse fazer cotidiano, essa
profissional de ter uma escuta mais sensível aos desafios encontrados e tentar resolvê-
los do interior do seu próprio referencial teórico, sem tender a naturalizá-los como
Que mecanismos poderiam estar por trás dessa aparente dissonância entre
orientação teórica dos psicólogos e as demandas dos pacientes? Neste sentido, Figueira
sujeito de referência da análise realizada por Figueira (1978), dos que buscam o
ainda que circunscrita ao seu próprio campo disciplinar 69, podendo lançar mão desse
66
Aqui podemos citar um dos casos onde o profissional de formação psicanalítica, que atende a partir
desse referencial, disse estar fazendo formação em psicologia junguiana. Bastaria nos remeter a um único
conceito, o de inconsciente, para percebermos a distância entre tais sistemas simbólicos.
67
A partir da leitura de Peter Berger, Figueira (1978) trabalha com a seguinte definição de sistema
simbólico: ―matriz de todos os significados socialmente objetivados e subjetivamente reais. A sociedade
histórica inteira e toda a biografia do indivíduo são vistas como acontecimentos que se passam dentro
deste universo‖ (p. 58). Outro aspecto importante de ressaltar é que Figueira complementa esta definição,
dizendo que o seu ―caráter nômico ou ordenador fornece, ao sujeito que o adote, uma perspectiva
coerente para a apreensão subjetiva das diferentes fases de sua biografia‖ (p. 59). A psicanálise e a
umbanda, objetos de estudo do autor, são consideradas sistemas simbólicos, capazes de fornecerem, em
momento de crise ou de episódios de doença, ―uma versão (interpretação, explicação), derivada de uma
Weltanschauung que lhes é própria, e a terapia, apoiada na versão enquanto procedimento diagnóstico,
para as dificuldades de um sujeito, permitindo-lhes saná-las (p. 59).
68
Esta operação não foi sugerida pelo autor, apesar de a leitura do seu texto ter nos feito cogitar esta
possibilidade. Ao contrário, ele sinaliza que o fato de o trabalho dos terapeutas estar inspirado pelo
―princípio de neutralidade‖, torna esta idéia um tanto quanto absurda.
69
Não houve referência espontânea de busca de recursos teóricos ou técnicos em áreas fora da própria
psicologia, a exemplo, da antropologia ou sociologia.
212
arsenal ao se depararem em sua trajetória profissional com questões que dificultam a
mundo e sua experiência social de sentido e lógica, não deixando brechas por onde
permite que o sujeito mantenha uma relação mais amistosa com outros sistemas. Há
entrevistados a partir dos estilos definidos pelo autor. No entanto, levando-os em conta,
podemos considerar que os próprios profissionais, frente aos desafios encontrados para
213
apostamos que um estilo de relativização pode apurar a sua escuta psicológica,
dos nossos entrevistados, estas categorias nos parecem profícuas ao sinalizarem que o
contato dos mesmos com as explicações sobre os problemas de saúde construídas pelos
leituras e mesmo de técnicas não propostas pelo seu sistema simbólico de origem, mas
―ideal‖.
70
[par(a)- [Do gr. pará.] significa 'proximidade', 'ao lado de', 'ao longo de'; 'elemento acessório,
subsidiário'; 'funcionamento desordenado ou anormal'; 'semelhante'; 'oposição']:(AURÉLIO, 2003)
214
―estabilização‖71), estando as mesmas entre as terapêuticas de importância e de
particular, cabe destacar que o discurso de muitos usuários sobre os seus problemas de
71
Jucá (2003), em recente estudo sobre os sentido da cura em saúde mental, discute duas categorias,
compensados e estabilizados, utilizadas pelos profissionais para qualificarem o quadro do paciente. Em
detrimento da riqueza da sua discussão, destacamos que ―o paciente compensado é aquele que: está como
sintomas controlados; assim mantido através do uso de uma determinada medicação (em dosagem
específica); e tem possibilidades de conviver socialmente (o que não implica integrar-se na sociedade de
modo ativo‖ (p. 104). Em relação à ―estabilização (ou quadro/ paciente estável) diria respeito aos casos
em que existe sempre a persistência de um quadro sintomático que resiste à intervenção médica [...] os
pacientes podem até ter seus sintomas intensificados em um dado momento, mas como o uso da
medicação, o resultado máximo obtido seria levar ao retorno do quadro ―de base‖ (p. 104).
72
Percebemos o quão difícil é estabelecer parâmetros precisos que diferenciem as psicoterapias das para-
psicoterapias, do modo como as descrevemos aqui. No entanto, não seria difícil encontrar contradições se
optássemos em seguir os aspectos que caracterizam as psicoterapias-breves de orientação psicanalítica da
corrente que lhe dá sustentação (a psicanálise). No fragmento de narrativa descrito, percebemos a
contradição na descrição da entrevistada quando diz fazer psicoterapia de apoio, como vertente da
psicoterapia breve, com o tempo superior ao indicado na literatura especializada. Considerando apenas a
temporalidade do tratamento (BRAIER, 1997), podemos considerar psicoterapia de apoio como sinônimo
de breve quando a escuta psicológica dura três anos? Ver no Anexo C, o quadro comparativo de algumas
características teórico-técnicas da psicanálise e da psicoterapia breve de orientação psicanalítica,
elaborado por Braier (1997: p. 39). Chamamos atenção aqui para a questão da duração ou
temporalidade, descrita pelo autor como ―prolongada e indeterminada‖ , ―fixa previamente, curta de
alguns meses‖, respectivamente. Além disso, o autor destaca os seguintes aspectos: fins terapêuticos e
técnica, a última composta por itens como: trabalho com conflitos, regressão e dependência,
desenvolvimento e análise da neurose de transferência, análise de resistência, insight, elaboração,
fortalecimento e ativação das funções egóicas, focalização, multiplicidade dos recursos terapêuticos e, por
fim, planejamento.
215
detrimento de outra, ou da conjugação de teorias e de técnicas diferentes, parte do modo
psicoterapêutica
ESQUEMA 03
PSICANÁLISE
ESCUTA PSICOLÓGICA
PSICOTERAPIA
PARA-
PSICOTERAPIA
DIMENSÕES DE
SIGNIFICAÇÃO
INDIVIDUAL COLETIVA
manejo 73.
73
Este termo foi utilizado, primeiramente, no projeto de dissertação de Lima (2000), quando buscou
compreender os signos e significados da experiência depressiva e as práticas utilizadas para o seu manejo,
a partir do ponto de vista das pessoas deprimidas e da sua rede de apoio.
216
chamamos de dimensão individual (psíquica e biológica), podendo ser definida a partir
são aspectos que se remetem a interpretações de cunho mais interno dos problemas de
interpretações dos psicólogos; a princípio, tudo aquilo a que não se poderia dar
(ESQUEMA 03).
inscrevem, Kleinman (1978) chamou atenção para três tipos de arenas sociais que
217
social e organizadas como subsistemas de opiniões legitimados socialmente, ou seja,
formas terapêuticas.
associada à arena popular, ou seja, às pessoas comuns, aos pacientes e seus familiares.
Embora a arena folk se apresente como sendo estruturada de acordo com o uso do
terapêuticos privilegiados, na visão de Kleinman, ela não estaria associada nem a uma
visão de illness nem de disease, sendo claramente marcada pela cultura. Ora, para
autores como Keyes (1985) e Young (1990), esta compreensão pode conduzir à noção
que percebe e rotula uma anormalidade dentro do seu sistema nosológico específico,
Young (1990: 200), em relação a estes conceitos, é de que os mesmos podem conduzir à
218
(FIGUEIRA, 1985; 1988) que é específico dessa arena profissional, que anuncia a
modo de subjetivação no domínio dessa cultura particular, que pode ser diferente se
particular dos signos e significados elaborados pelos produtores (SILVA, 1995) e ainda
A distinção proposta por Kleinman pode ser útil para ressaltar que múltiplas
origem de seus atores. O que vale a pena ressaltar é que o próprio Kleinman (1977) não
subsídios para avaliar a distância que separa os modelos oficiais de saúde dos métodos
219
Em termos da utilidade do ponto de vista antropológico apresentado para a
2003).
dimensões de significação que aparecem nas queixas e nas demandas dos usuários, ora
psicológica diz respeito à relação entre o tipo e a gravidade da doença, e não a pessoa
depressões e ansiedades acentuadas seriam mais adequadas, ao tratamento por meio das
Algumas são... têm, também são atendidas por psiquiatras e fazem uso de
medicação, não todas, né, só aquelas que necessitam. Pessoas em... crise
muito acentuada, crise de ansiedade muito forte, depressão muito também
acentuada, então fazem uso de medicação e a psicoterapia fica mais como
um suporte assim, mais como um apoio, né. [Guilherme, Psi XV-G: 17
anos]
Orientação
220
E em alguns casos inclusive, alguns que têm, pessoas com esquizofrenia em
tratamento psiquiátrico lógico! Porque chegam compensadas, têm tido assim
um retorno assim positivo, por que? porque é um trabalho mais assim de
orientação, até pra uma organização mesmo do dia-a-dia, de questões
práticas. [Priscila, Psi XVI-H: 4 anos]
perceber que o uso de medicação é um marcador com potencial hierárquico que coloca
psiquiátricos, concluindo que eles podem operar ora para um lado, ora para o outro.
psiquiatra, que inclui as consultas periódicas, a função do médico que se reduz cada vez
74
―termo utilizado para designar o tratamento ambulatorial destinado aos pacientes considerados
―compensados‖ (JUCÁ, 2003, p. 138)
221
mais a um papel de emissor de receitas e o ―auxílio‖75 de outras terapêuticas. Nesta
por um dos psiquiatras por ela entrevistado remete à idéia de que o trabalho psicológico,
É interessante notar que, do ponto de vista dos profissionais, este tipo de atributo
descompensador seja atribuído ao papel que a religião tende a exercer nos usuários que
ser vista como mais indicada para alguns casos específicos, geralmente coincidindo com
75
Ênfase atribuída pela autora.
222
as demandas trazidas pelos neuróticos, principalmente para os psicólogos que não estão
Por outro lado, há casos em que a escuta psicológica é vista como um ―apoio‖,
porque é mais um apoio que eu dou a ela; é uma escuta, claro, eu escuto, ela
fala!... Tem um discurso, inclusive, espontâneo, apesar de desorganizado,
porque ela tem uma estrutura bem comprometida, mas ela não aceita
[interromper, ter alta]. Ela vem toda semana. [Lorena, Psi IX-F, 20 anos]
usar o termo desenvolvido por Jucá (2003), em estudo sobre os sentidos da cura em
saúde mental. Vejamos um pouco mais sobre a história dessa paciente atendida por
Lorena. Ela começou a ser atendida há três anos atrás, tem 33 anos, fez a primeira crise
de esquizofrenia aos 19 anos e tem um filho. Foi encaminhada pelo psiquiatra para o
pela psicóloga a continuar seu tratamento na cidade para a qual estava se mudando.
Apesar da distância, esta proposta não foi bem aceita pela usuária, que continuou
Tenho, por exemplo, o caso de uma paciente aqui que eu... que ela foi morar
em Arembepe com a mãe dela. Ela tem um filho... ela teve um filho...
adoeceu com 19 anos, é jovem e... veio pra mim, encaminhada pelo
psiquiatra. E eu comecei um trabalho com ela e tudo mais... consegui,
inclusive, ligar as trompas dela fora daqui, fazer uma busca com um
pessoal conhecido... na [diz o nome do hospital] pra... porque senão ela ia ter
criança todo ano, parir todo ano, porque ela não tem nenhuma censura, não
sabe nada do... quer é sair, fugir de casa e é aquela confusão toda. E essa
paciente foi morar em Arembepe com a mãe. E, aí, eu resolvi conversar com
ela e dizer que ela deveria ficar sendo atendida lá em Camaçari, que era
223
bem mais perto. E a mãe achou bom. E, inclusive, conseguimos um
psiquiatra pra ela lá, a nível de atendimento ambulatorial, e encaminhamos
pra uma psicóloga também lá em Camaçari. Duas semanas depois, ela
volta chorando... e voltou pra cá e está de novo aqui comigo e eu recebi de
volta. E ela ficava vindo de Arembepe toda semana e não perdia o
atendimento e voltou pro psiquiatra daqui também. Porque ela não... não...o
vínculo dela é aqui, com os profissionais daqui e não com os de lá; ela não
fez o vínculo lá, não conseguiu. E chorava e pedia. Eu não ia deixar essa
paciente sem atendimento. [...] Ah! É isso que eu digo. Depois do retorno, ela
já „tá comigo tem mais de três anos, porque... e ela não falta! [Lorena, Psi
IX-F, 20 anos]
(que ocorre uma vez por semana) não dariam a esta atuação psicológica um status de
profissionais.
consideração de que talvez o caso da usuária exija inserção em outro tipo de dispositivo
mais intensivo que o seu problema parece requerer. Segundo, que o ambulatório, apesar
do empenho de alguns profissionais, não tem como dar conta de determinados casos,
76
Articular com pessoas conhecidas para viabilizar cirurgia de ligadura de trompas de uma paciente, por
exemplo.
224
necessário apostar na conjugação entre a clínica e as intervenções psicossociais
percebemos justificativas que possam vir a qualificar este tipo de atuação psicológica
remete à idéia de que a própria prática desenvolvida pelos psicólogos não tem alcance
comunidade psi, que entram para atuar justamente em centros de saúde mental, não
indica que este fato pode ocorrer em decorrência da diferenciação de formas típicas de
uso de psicofármacos.
77
É necessário considerar a hipótese de que os psicólogos, mesmo em consultório particular, não têm os
psicóticos como clientela principal. Esta suposição é recorrente na comunidade psicológica, mas não
temos nenhuma referência em literatura especializada sobre atendimento psicológico na clínica particular,
ao menos para Salvador-Bahia. Isto nos faz chamar a atenção do leitor para a possibilidade de que a
seleção da clientela por estrutura psíquica não se restringe ao contexto dos serviços público de saúde.
225
Podemos buscar hipóteses que justifiquem não só o despreparo como o
aspectos psicossociais que envolvem os pacientes com transtorno mental parece não ser
uma experiência suficientemente motivadora que desperte nos estudantes e nos futuros
relação aos próprios neuróticos, já que estes formam a clientela básica dos psicólogos
nos serviços visitados. No caso dos neuróticos, esta seleção recai na capacidade de
pessoas por serem ―mais informadas e mais esclarecidas‖, estariam mais aptas à
psicoterapia.
Uma das nossas hipóteses para explicar este acontecimento é corroborado com a
reflexão trazida por Bezerra-Júnior (1993). É possível que esta ―seleção‖ esteja
226
O preconceito do sujeito ideal paciente e o sujeito ideal terapeuta finge que o
indivíduo com problemas psíquicos não tem estatuto sociocultural. Deste
modo, cria impedimentos ao exercício da psicoterapia [ênfase nossa],
cujos fundamentos últimos não são as técnicas, mas a criação da
possibilidade de que o inconsciente se manifeste e produza seus efeitos.
relatos abaixo nos remetem a signos específicos que qualificam determinadas pessoas
―trazer conteúdos para serem trabalhados‖; ―busca o potencial que tem dentro dele‖; ―se
Por outro lado, caso não exista esta capacidade de compreensão do processo
mesmo frente ao empenho do psicólogo, a psicoterapia ficará no vir a ser, como uma
227
associação que buscamos aqui explicitar. Ou seja, oferece-se orientação,
Orientação
Olha, no Serviço Público a gente não trabalha... a gente trabalha com uma
abordagem psicanalítica, mas a gente não trabalha com psicanálise, tá. A
gente introduz a psicanálise, mas, aqui não tem nem um espaço físico que
permita isso, né, e também, [diz o nome da entrevistadora], você sabe, fazer
um tipo de terapia com um aprofundamento maior, exige o quê, um nível
intelectual, um nível de associação mais elaborado, que a nossa clientela
nem sempre apresenta. Outra coisa, é o tempo que a gente tem aqui, de um
ano. Então de um ano, a gente tem que fazer uma terapia breve, a gente não
pode focar na questão principal que é a que o usuário traz [...] A: Mas
sem descartar o inconsciente. [Dirce, Psi VII-F: 19 anos]
Várias narrativas, algumas destacadas acima, nos levam a concluir que, pela
uma vez que sugerem que uma boa parte dos usuários encontra-se em um nível elevado
228
que a psicoterapia requer, como condição para sua realização satisfatória, a presença de
pessoas com maior capacidade de associação de idéias, que tenham nível intelectual
elevado, o que, segundo alguns informantes, não coincide necessariamente com maior
nível econômico.
a relativização de como os critérios que compõem cada uma das categorias aqui
unilateral.
têm outras pessoas que têm escolaridade básica, ou nenhuma e que ficam
também. Eu acho que é uma coisa muito mais, assim, interna, da
formação do sujeito, da pessoa, do questionamento, da relação que teve
com a vida pregressa, familiar, com a família de origem. Acho que é uma
coisa muito mais, assim claro que o nível intelectual entra também, mas eu
não generalizaria, não diria que é por isso. Porque têm outras pessoas... por
exemplo, tem uma moça, aqui, que eu atendo, uma senhora ela é lavadeira,
não teve nem primeiro grau, è uma pessoas super sofrida, veio do
interior, né?! uma coisa muito delicada a situação dela, e ela tem, assim,
uns insights fantásticos, ela tem umas colocações muito boas, ela se
questiona, ela è muito envolvida no trabalho, no atendimento,
comprometida mesmo. Então, eu não conseguiria fazer essa generalizações.
Não sei se e por isso, se esse é o motivo. Sem dúvida, interfere, mas não sei
se é o motivo. [Psi I-A, 7 anos]
pessoas que não têm escolaridade alta, mas que conseguem permanecer e obter
benefícios psicoterápicos a uma certa capacidade interna da pessoa de lidar com os seus
com a sua vida pregressa, como mais importantes para a adesão à psicoterapia.
229
Além disso, há os usuários que não estão interessados no trabalho psicológico,
ou não são compatíveis com as exigências que a psicoterapia requer e nem podem ser
Tem gente [TI] que não consegue trabalho, até pelo estado, muitas vezes, de
debilidade, debilitação física e as outras pessoas com, que estejam em surto,
que o psicólogo não tem na verdade muito o que fazer numa situação dessa.
A pessoa precisa de um atendimento urgente de um psiquiatra, marque pra
daqui a não sei quantos meses, e aí manda pro psico... [Priscilla, Psi XVI-H:
4 anos]
vezes, a intervenção medicamentosa é condição sine qua non para entrada dos usuários
com problemas psíquicos graves no trabalho psicológico. Por outro lado, do ponto de
78
Para contextualizar os nossos argumentos, lembramos as ressalvas feitas no capítulo três, a partir dos
estudos de Tenório (2001) e de Goldberg (1994), entre outros, sobre o alcance das práticas clínicas psi
para o cuidado de pacientes graves em nível ambulatorial, quando discutem a importância e a natureza do
CAPS. Os autores se remetem aos pacientes que requerem acompanhamento sistemático e investimentos
clínicos e ―extra-clínicos‖ conjugados.
230
vista dos psicólogos, depois do emprego do trabalho psicológico, a suspensão ou
Jucá (2003).
Continuo achando que, pros serviços públicos, psicólogo ainda é aquele que
atende pouco, porque dá pouca produção. Sem ver a qualidade do trabalho
que ele faz. Eu tenho... vamos dizer assim... pra fazer uma média de... por
exemplo, hoje, que eu atendi seis pacientes e ainda tenho uma pra atender,
que já deve ter chegado. Seis pacientes; desses seis, só duas... duas fazem uso
de medicação; as outras não [...] já fizeram...já. Não são psicóticas; as outras
são. Aliás, essas duas que fazem não são psicóticas; são neuróticas graves.
[...] de medicação, e fazem... um quadro de depressão, fazem uso de anti-
depressivo e precisam, certo , mas dessas seis, só duas; as outras quatro
não... [...] não fazem mais... de nada. [...] já fizeram! e hoje não usam nada! E
isso é o quê Eu pergunto pro serviço público, pra gerência do distrito, pra
prefeito, pra secretário de saúde: isso é pouca produtividade, ou é qualidade
da produção [Lorena, Psi IX-F: 20 anos]
dos usuários. No entanto, está evidente que os psicólogos utilizam a suspensão paulatina
ou diminuição dos medicamentos como marcador positivo apenas para usuários não-
psicóticos.
propensão à mudança do perfil da clientela atendida pelos psicólogos nos centros mais
antigos, descrita como uma ―demanda diferenciada‖. Neste particular, observa-se que há
esclarecidas‖, que têm buscado atendimento psicológico nos serviços públicos de saúde,
79
De acordo com os entrevistados, este aspecto, muitas vezes, não é levado em consideração para medir
a qualidade da atuação psicológica, desenvolvida pelos psicólogos nas avaliações institucionais, que
prezam, exclusivamente, pela produtividade (quantidade de pacientes atendidos).
231
considerada mais apta à psicoterapia. Introduz-se aí, com mais evidência, a dimensão
dos problemas de saúde, que podem ser percebidos como qualitativamente relevantes
sentido, a atuação psicológica realizada nos serviços públicos de saúde não tem função
psicoterapêutica:
tem muito caso, até mesmo pela região muito pobre, então tem muito caso
que a gente vê é que uma pessoa tá encaminhada, muitas vezes não é nem a
questão da psicoterapia, mas a questão é de fome, questão de falta de
trabalho, da dignidade mesmo... [Priscilla, Psi XVI-H: 4 anos]
atuação psicológica oferecida para lidar com o problema de saúde, que tem como palco
um contexto típico de uma parcela das classes populares. Nestes casos, a identificação
aceitar a falta de amor da mãe, que não tem tempo de demonstrar amor frente à sua
condição de trabalhadora pobre, ainda que justificada pela estrutura social em que ela e
232
seus pais vivem. O significado atribuído à dimensão social é restritivo e determinista em
relação à sua influência sobre o estar no mundo de pessoas que pertencem as classes
A gente trabalha muito com esse lado, que pai e mãe não atentam muito,
sabe... Trabalha, é empregada doméstica, sai, tem que deixar mesmo o filho
em casa, deixa o filho sozinho, aí o filho se vira, esquenta a comida, ela deixa
a comida pronta, o menino esquenta de qualquer forma, ou não esquenta, ou
não come, ou então o menino sai, vai jogar bola e não sabe nem para onde é
que foi, que horas que volta... E tem uma coisa assim, que é uma questão
social séria, que muitas vezes durante este tempo, me dá meio desespero,
assim! Porque você não tem muito o que fazer. Você alerta os pais, você
orienta os pais, você discute, trabalha com eles a questão da relação pai-filho,
mãe-filho. Mas, e aí? Ele não tem a condição de melhorar isso, porque não
tem tempo, a mãe chega em casa de noite, vai fazer o quê? Vai cozinhar para
o outro dia, vai fazer isso, isso e aquilo. Qual é o tempo que a mãe tem de
colocar o filho do lado, deitar a cabecinha no colo ―e aí, filho, o que quê você
fez hoje?‖ Entendeu? Não tem... Ela tá morta de cansada, trabalhou o dia
todo. Tá trabalhando ainda, só pensa em cama, em dormir e acabou. Acordar
no outro dia e começar tudo de novo. Final de semana é o quê? Lavar a
roupa, cuidar da casa, fazer faxina, então são umas coisas assim, essas
questões de estrutura social, que a gente trabalha a criança por que? O que eu
tenho trabalhado, aqui, é pra ela conviver bem com isso. Saber conviver
com essas questões, mas... ele vai sentir falta, vai sentir falta, vai ficar essa
defasagem, vai ficar defasado, vai sentir essa falta de amor, de carinho, de
atenção. Eu não sei como é que vai ser isso, não é, mais tarde? [Lindinalva,
Psi VII-F: 18 anos]
sofrimento, que têm fome, não têm trabalho, estão sem dignidade, com problema
física, estamos contribuindo para uma abordagem ética em saúde mental? Não
A categoria etnográfica neurose social descrita por Nunes (1993) merece ser
233
Neste estudo, a autora analisa esta categoria em dois aspectos, que buscaremos
pelos seus informantes. Um deles remete a interpretações da neurose social como sendo
apresentada por aquele que sofre apenas de privação econômica, cultural, intelectual,
forte ligação entre a lógica da ausência do discurso psicológico nas classes populares e a
lógica da ―privação cultural‖. Esta lógica interfere na percepção dos próprios agentes
sofre do que eles próprios chamam de neurose social, ou seja, de problemas advindos da
234
Esta inadequação de uma atuação reducionista dos profissionais de darem ênfase
está em conformidade com a leitura das narrativas dos nossos interlocutores, quando
busca entender o lugar da neurose social na nosologia psiquiátrica e o que está em jogo
na delimitação do grupo de pessoas que lhe são vulneráveis 80, formado por aqueles que
neuroses e não das psicoses, devido a sua natureza menos biológica, tendo como
biológico. Neste particular, a neurose social seria difícil de ser encaixada no quadro
permanência da problemática social‖, que acomete pessoas das camadas populares, para
80
A caracterização dessas pessoas aparece assim nas narrativas de um dos informantes de Nunes (1993,
p. 212): ―são pessoas extremamente limitadas, e aqui o psiquiatra, que é o meu caso, faz estritamente uma
medicina química, biológica, medicamentosa, [...] essas pessoas não têm condições de fazer uma
elaboração de suas dificuldades para tentar reverter o quadro neurótico[neuroses sociais] que ela
apresenta. Se você me perguntar assim uma sintomatologia específica de qualquer desses pacientes, eu
não vou saber lhe dizer, porque eu tenho uma noção genérica [...].
235
as quais, tendo pouco o que fazer, restam-lhes apenas as intervenções medicamentosas
exemplo do discurso do deprimido, mas que não parece trazer muitos ganhos para o
processo psicoterapêutico:
essa depressão, que elas chamam de um nervoso, vamos dizer assim, né,
todo esse texto, eu tô sentindo um nervoso. Esse nervoso indefinido, que eu
acho que é mais uma coisa depressiva, que é a minha clientela básica
(risos) [...] agora eu não sei identificar um caso, ou um exemplo. Mas é
muito assim, mulheres que não sabem o que fazer da sua vida, que não, que
tão angustiadas, porque tão em casa e aí, maridos, né, que bebem, ou que têm
a vida deles, ou que têm outra mulher, entendeu? Então a vida delas se
resume a quê, né, a cuidar da casa, dos filhos, né, não têm um parceiro,
enfim... ou quando tem, às vezes têm um parceiro mais legal e tudo, elas
sentem um vazio que não sabem explicar por quê, entendeu? Aí acham que é
porque deixaram de estudar, deixaram de ter uma profissão, entendeu,
abriram mão da vida, enfim... Enfim, eu acho que é uma coisa que a gente já
sabe, né, que é a falta de perspectiva mesmo... Mas, o que é que eu teria
mais pra falar sobre isso, que eu não sei? (risos) [...] É um nervoso
indefinido, né? É uma vontade de bater nos meninos sem saber por quê,
vamos dizer assim, eh (...) uma insônia, entendeu. Em alguns casos, uma
agitação, sabe? Um gritar sem saber por quê, começa a gritar com as pessoas,
tem isso... [Carmem, Psi IV-C, 10 anos].
Outro aspecto que chama atenção é o fato de ser tão difícil para a psicóloga
relatar um único caso acompanhado, ainda que sejam essas mulheres a principal
clientela dos serviços. Nesta perspectiva, é razoável inferir que a entrevistada parece
tomar os discursos de sofrimento das usuárias que atende excluindo qualquer outra
possibilidade de significação que esteja além das suas dificuldades concretas de vida.
Possivelmente, porque os conteúdos trazidos pelas suas pacientes não fazem sentido
236
No relato abaixo, Neuza descreve um dos grupos de mulheres que acompanhou
que, geralmente, faz uso de ansiolíticos, mas a riqueza e diversidade dos sintomas, cujas
familiar em um outro mais conhecido, pode haver a criação de uma nova categoria, por
nossos interlocutores, padece do mesmo mal das neuroses sociais descritas por Nunes
de casa, tende a ser desqualificado. Alguns dos chavões que se pode ouvir são que as
pessoas que buscam os serviços ―só fica[m] na queixa‖ ou ―não têm demanda‖, ou seja,
identificam entre os mais utilizados: depressão, com 16,3%, e epilepsia, com 13%
237
(TABELA 9, ver ANEXO B). Estes dados reforçam a importância do fenômeno do
nervoso para a população que busca os referidos serviços. No entanto, essa referência ao
da doença por parte dos usuários, hipótese levantada, inclusive, por Cammarota (2000),
acima citados, por ser um trabalho que incluía o interesse de discutir o código do
nervoso em termos da sua importância para o cuidado clínico médico. Segundo a autora,
pode ser entendido como um idioma com usos e finalidades importantes para a conduta
onde foi possível destacar papéis e funções sociais que sustentam a vida das pessoas,
entre outros, justificando a pertinência em relacionar suas causas aos seus significados,
238
reafirmando que a doença não é um acontecimento meramente biológico, mas um
No caso da nossa pesquisa, é paradoxal como este tipo de sofrimento faça tão
pouco sentido à escuta psicológica e que seja tão difícil relatar um caso de nervoso,
quando se tem estes, ou melhor, elas como ―clientela básica‖, caracterizando o que foi
descrito por Costa (1989) como uma certa ―miopia etnocêntrica‖. Por outro lado,
quadro categorizado nos manuais científicos fazem algum sentido, tendem a ser
severamente desorganizadas:
Sim, tem sim, o psicótico ele traz muito isso também, né?! Mas... tem, tem ...
eh... Porque eu falei assim que eu não atendo paciente psicótico aqui, mas, às
vezes, chega pra você porque ... eh... não se pode fazer, a assistente social faz
uma triagem antes, né, mas vem com certeza têm muitos que ... explicam a
sua doença por questões mágicas, né?! Mas isso tem muito mais a ver, eu
acho, com a questão de psicopatologia. Por exemplo, ah é ―foi macumba,
que porque fizeram macumba em cima de mim e aí por isso eu fiquei desse
jeito‖ [Roberta, Psi XIII-G: 17 anos]
pelos conteúdos religiosos quando estes surgem como causas dos conflitos psicológicos.
239
psíquicas gravemente desorganizadas, como se esta associação inviabilizasse um maior
poder interpretativo.
sendo possível devolver aos conteúdos religiosos uma função menos restritiva.
como atributo apenas sintomatológico, mas como uma das dimensões que orienta uma
Por sua vez, os conteúdos mágico-religiosos podem vir dos que têm estrutura
A nossa hipótese é de que as pessoas que sofrem de nervoso, e que sofrem por
pouco individualista, por isso pouco sensível aos ouvidos inadvertidos dos psicólogos.
Neste sentido, cabe mais uma pergunta para a reflexão: por que é difícil ouvir e
Eu acho que essas pessoas [que explicam seu sofrimento com conteúdos
mágico-religiosos] abandonam com mais facilidade. Eu não sei talvez se a
gente não tenha [...] Pensando agora, né? Talvez a gente devesse ter assim
uma abertura maior, né, pra toda essa questão da religiosidade, né, da pessoa
que tem... embora, eu acho até que eu tenho uma boa abertura pra isso aí,
81
Esta é uma variação encontra na diversidade de categorias de divindades presentes no idioma do
candomblé, por exemplo, ―de herança‖, ―de nascença‖, que oferecem aos seus adeptos possibilidades
complexas de ―referentes identificatórios‖ (NUNES, s/d).
240
inclusive quando a gente trabalha com o grupo, a gente.. num dos contratos é
aqui a gente não discute muito essa questão da religião em si, a não ser que
isso... mas ninguém tem que tá convencendo um ao outro que tem que
trocar de religião, a religião é uma coisa que a gente tem que ter respeito
cada um. Então é uma das coisas que... é um dos contratos, né, que eu faço
com o grupo. [Roberta Psi XII-G: 17 anos]
da escuta oferecida. Aqui, parece operar o que foi descrito por Good (1994) como
formação simbólica, que esvazia de sentido aspectos fora da escuta treinada durante a
formação.
dificuldade dos psicólogos em lidarem com um discurso muito diferente do que estão
Não, mas eu acho assim, poxa, eu tenho que dar a uma pessoa, que não pode
me procurar a nível particular, a mesma qualidade no atendimento que eu dou
a uma que pode. Eu não me permito fazer essa diferença. Que eu acho que
você, tipo... Eu tinha um colega aqui que ele dizia: ―[diz seu nome], mas eu
não vou atender a essa senhora, porque ela não sabe nem falar. Ela só
vem falar que não tem dinheiro, que ela... das questões sociais dela”. Aí
ele virou para mim e, esse colega meu que dava supervisão aqui falou assim:
―e ela não tem... você... ela não merece ser ouvida por conta disso?‖,
entendeu. Ela merece o mesmo nível de atenção que você dá a um que
consegue um nível de elaboração, que ela não tem, ela não alcança. Tá ouvir
as questões sociais, você tá tratando essa pessoa. Você está tratando dentro
dos limites dela. [Dirce, Psi VIII-F: 19 anos].
postura ética, o respeito à religião do cliente, o que, muitas vezes, se traduz na prática
apenas em não convencer ninguém a mudar de religião, muito menos impor sua própria
241
psicologia. No entanto, fora isso, não se é formado para atribuir sentido aos conteúdos
―uma certa abertura‖ para lidar com a religiosidade, é a inclusão da garantia de respeito
atuação devemos fomentar desde a formação dos psicólogos para contemplar esses
DIAS, 1994), entre os motivos que podem explicar a inabilidade dos terapeutas em lidar
bibliografia pelos que estão nos serviços públicos de saúde e b) a ignorância dos
capítulo pode ser compreendido por analogia a um circuito elétrico (ESQUEMA 04). A
controle consciente dos seus protagonistas. De certo que a posição ocupada pelo
função de ―controle‖ que o primeiro deve estar habilitado a exercer. No entanto, este
82
Remete-se a noção de objeto-modelo apresentado no Sssp (ver capítulo 4).
242
estilo de relativização (FIGUEIRA, 1978) parece o mais indicado para diminuir a
distância cultural entre usuários e psicólogos. Neste sentido, a escuta psicológica pode
da clientela;
CAUTELOSA ASSÉPTICA
BIOLÓGICO
PSICANÁLISE
PSICOLÓGICO
ESCUTA PSICOLÓGICA
PSICOTERAPIA SOCIAL
PARA-
PSICOTERAPIA
CULTURAL
DIMENSÕES DE
SIGNIFICAÇÃO
INDIVIDUAL COLETIVA
tentativa de não excluir definitivamente uma grande parte das pessoas que buscam os
243
de outra maneira, uma possibilidade truncada de absorver pessoas em cujo discurso
É visível que algo que autoriza a ―impureza‖ da prática psicológica (que não é
psicanálise, mas sim de base, referendado...), bem pode ser o tão conhecido ―jeitinho‖
mesmo correndo o risco de ser amaldiçoada e colocada fora do clã, surge uma que
revela uma percepção de que é preciso fazer outra coisa para lidar com as problemáticas
Eu não posso lhe dizer jamais que eu faço psi-ca-ná-li-se aqui, eu faço um
trabalho que tem, [risos] muitos psicanalistas até têm assim, uma
verdadeira, um verdadeiro pavor de ouvir esse tipo de coisa, mas um
trabalho norteado, referenciado na psicanálise e isso é possível, isso é
possível, felizmente!. Talvez pela necessidade mesmo, por essa inserção do
psicólogo no serviço público, né, e de muitos psicólogos terem esse perfil ou
essa formação, esse perfil na psicanálise, e começarem a trabalhar, buscarem
trabalhar com isso e o resultado ser eficaz. [Priscilla, Psi XVI-H: 4 anos]
literatura especializada que define o que é uma psicoterapia breve e quais são os seus
referindo.
244
9.3 ESCUTA PSICÓLOGICA e MODOS DE SUBJETIVAÇÃO: abrindo questões.
Muitos são os termos empregados pelos psicólogos quando se referem aos usuários que
buscam, ou que estão em atendimento psicológico, além dos que demarcam gênero
Por princípio, usuários são todos aqueles que desfrutam de algum serviço
público por direito de uso83. Por outro lado, esta denominação pode ser vista como um
alguém que padece, ou que está sob cuidados médicos, pode ser criticado por dar idéia
incorporada também nesta mesma direção, no entanto, muito mais utilizado para os que
que atendem. Aqueles que têm contato com o dispositivo CAPS, algumas vezes, o
utilizam. No entanto, fazem uso freqüente do termo paciente e, muitas vezes, de cliente
e abusam do termo pessoa, e raramente utilizam sujeito. Por sua vez, o termo indivíduo
não é utilizado e, de fato, entre algumas das idéias que lhe estão associadas na nossa
com a diversidade e riqueza das demandas da população que busca os serviços públicos
83
Um dos princípios do SUS é que todos têm o direito à saúde e este tem como meta proporcionar o acesso universal.
245
de saúde é ampliar a noção da própria clínica e rever seus limites e alcances. Neste
forma diferente‖ (BEZERRA, 2001: 141) e refletir como os encontros clínicos podem
subjetivo, desenvolvidos por Costa (1989) nos seus estudos sobre o alcance da escuta
O relato abaixo sobre uma paciente atendida em uma UBS é emblemático para
que o nosso objetivo é buscar argumentos possíveis para entender como a escuta
desenvolvemos ao longo dessa tese, esta orientação tem a ver com o fato de como as
psicológica.
Trata-se de uma jovem que tinha, do ponto de vista da psicóloga, uma ―coisa
bissexual‖, que, apesar do seu esforço em incentivá-la na análise das identificações com
o homem e com a mulher, dizia que a ―questão da bissexualidade tinha a ver com um
santo‖. Neste sentido, parecia não se responsabilizar por suas práticas homoeróticas,
pois que atribuía a tais encontros íntimos a influência do santo que a ―pegava‖. De
ficam... (risos) interessante isso não sei como consegue fazer, mas fica [ficar
na psicoterapia ou em análise apesar de serem espíritas ou ligados à
umbanda]. E é interessante porque funciona... assim... numa coisa meia
paralela, viu. Eu tinha uma paciente que ela tinha uma coisa bissexual e ela
achava que essa questão dela ser bissexual é porque ela tinha, ela tem um tal
246
de um santo que parece que passava... o santo tem essa característica
bissexual. Então, ela achava que a questão da bissexualidade dela tinha a
ver com esse santo. Mas, independente disso, a gente tratava isso aqui de
forma bem analítica fora a crença dela, quais as identificações dela com o
santo homem, quais as identificações dela com o santo mulher. Agora, chega
um ponto em que há uma encruzilhada mesmo ou você abre mão de um
tipo de raciocínio para entrar em outro, ou então, você rompe com a análise.
E, normalmente, se rompia, porque acho que esse outro dado era mais
forte. Não o lado da crença mesmo, o gozo de não querer entrar em
outros conteúdos. Porque, repare bem, o que existe é o seguinte na medida
em que você não tem mais o benefício da dúvida, não dá mais para você ser
hipócrita com algumas crenças que se tem não dá mais para chegar e achar
que isso é porque o santo pegou ele e ele foi ser mulher, ou foi ser homem
naquele momento. Então, ela teve um relacionamento homossexual, porque o
santo pegou. Então, vai começar a ver que há um desejo mesmo disso, que
é dele, que é independente do santo vir, e começar a trabalhar com isso.
Ou ele aceita, começa a trabalhar que há um desejo, que há um compromisso
dele nisso e de alguma forma rompe com essa coisa de que é algo externo,
ele pode ate associar o externo, com o interno. Ou ele faz isso, essa
conciliação, ou ele vai romper, esse sujeito vai romper [Cristina, Psi III-B, 15
anos].
explicação da usuária como vindo de uma ―crença‖, e não como uma crença diferente
84
Em Lacan, gozo, definido a partir do conceito de energia psíquica em Freud, ―é a energia que se
desprende quando o inconsciente trabalha‖ (NASIO, 1993, p. 33). Há três estados do gozar: a) o gozo
fálico corresponde a ―energia dissipada durante a descarga parcial, tendo como efeito um alívio relativo,
um alívio incompleto da tensão inconsciente‖; b) o mais-gozar ou gozo residual corresponde ao gozo
retido no interior do sistema psíquico... é o excedente que aumenta constantemente a intensidade da
tensão interna‖ ; c) o gozo do Outro ―estado fundamentalmente hipotético que corresponderia à situação
ideal em que a tensão fosse totalmente descarregada, sem entrave de nenhum limite‖ (NASIO, 1993, p.
27). Uma das imagens do gozo é o efeito libertador e apaziguador do sintoma. O sujeito goza com o
sintoma quando desfruta de uma satisfação, ou seja, ao encontrar alívio do seu sofrimento inconsciente
247
respeito a sua importância para a constituição da subjetividade, logo para o conflito
subjetivo.
Vamos nos aventurar a abrir algumas questões a partir das referências teóricas
subjetivamente como os meros indivíduos (FIGUEIREDO, 1995), uma vez que transita,
ainda que de modo conflituoso, por dois sistemas simbólicos diferentes um mais holista
menos, duas direções do seu tratamento, considerando que a mesma lida com dois
―sintomas‖ vêm de uma tradição hierárquica que é aquela presente no candomblé; neste
(NASIO, 1993). A relação entre desejo e gozo lê-se na máxima lacaniana ―não ceder em seu desejo‖, que
significa ―um lembrete prudente de que não se abandone o desejo, única defesa contra o gozo‖, pois ―ao
nos satisfazemos de maneira limitada e parcial com sintomas e fantasias, garantimos nunca encontrar o
pleno gozo máximo‖ [gozo do Outro] (NASIO, 1993, p. 35).
85
O estilo de relativização implica em ―relativizar a própria visão de mundo, captando-lhe os
delineamentos, limites, potencial explicativo e vantagens‖ (FIGUEIRA, 1978, p. 64). E o de isolamento
―fornece ao sujeito uma weltanschauung capaz de dotar o mundo e sua experiência social de sentido e
lógica, não deixando brechas por onde possa insinuar-se o desconhecido‖ (FIGUEIRA, 1978, p. 63).
248
confere a priori uma determinada característica, um lugar no panteão)86. Na segunda
que se deve buscar explicações para o mesmo nas experiências mais tenras, remetendo-
―identidade sexual‖, no que se refere a ser bissexual. Dito de outra maneira, ser mulher
e operar como bissexual pode ser vivenciado como fora do normal e, por isso, pode ser
à identidade religiosa, que pode muito bem estar superposta à psicológica, aumentando
86
As menções do ―santo‖ parecem estar relacionadas com o orixá denominado Oxumaré, da tradição do
candomblé iorubá, que tem como característica principal a possibilidade de estar no trânsito entre os
mundos feminino e masculino. Verger (2002, p. 207) assim descreve o arquétipo de Oxumaré: ―Oxumaré
é o arquétipo das pessoas que desejam ser ricas; das pessoas pacientes e perseverantes nos seus
empreendimentos e que não medem sacrifícios para atingir seus objetivos. Suas tendências à
duplicidade podem ser atribuídas à natureza andrógina de seu deus [ênfase nossa]. Com o sucesso
tornam-se facilmente orgulhosas e pomposas e gostam de demonstrar sua grandeza recente. Não deixam
de possuir certa generosidade e não se negam a estender a mão em socorro àqueles que necessitam‖.
249
em muito o conflito subjetivo. Ancorar a orientação bissexual, fonte do conflito, no
campo da identidade religiosa pode resultar numa estratégia menos individualista e mais
holista de construção de pessoa, pois que a mesma está caucionada dentro de uma
cultural? A princípio podemos pensar numa escuta que tende a ser cautelosa, mas que,
no processo de ―assujeitamento‖, ou, como diz Figueiredo (1997), contar com a força do
caminho...
teóricas em relação à noção de pessoa presente: 1) uma que está centrada no modelo
(GOLDMAN, 1987); 2) a outra considera que o candomblé é uma religião que se adapta
idéia de que o ―eu possui um caráter múltiplo que se opõe à concepção de unicidade do
87
Neste artigo, Nunes (s/d) busca discutir como os ―referentes identificatórios‖ presentes no idioma do
candomblé são utilizados pelas pessoas para construírem suas identidades de forma progressiva e flexível;
não houve a intenção explícita de situar o reflexo da noção de pessoa na clínica psicológica a partir desses
elementos.
250
que não encontram respostas satisfatórias para resolverem seus problemas dentro da
está presente uma linguagem que ainda que predomine uma noção sociocêntrica de
Esta é uma discussão muito mais profícua do que conseguiríamos sintetizar aqui;
marcador identitário (no caso da paciente, representado pelo orixá oxumaré) quando da
tentativa de precisar em qual modo de subjetivação ele surge e quais repercussões disso
para a escuta psicológica. Uma das posições sobre a relação operada entre modelos
míticos88 e a experiência vivida é citada por Nunes (s/d). Nesta perspectiva, a identidade
mítica não é sentida como um modelo exterior, ao qual a pessoa precisa se subjugar;
trata-se de uma síntese entre o duplo e a metamorfose (AUGRAS, 1992 apud NUNES,
s/d). Dito de outra maneira, o processo de identificação da pessoa com seu orixá de
com as diferentes dimensões do eu, segundo um processo mais dinâmico que aquele que
88
Definido como ―tipos psicológicos que oferecem às pessoas um modelo de pensamento e de
comportamento‖ (AUGRAS, 1992 apud NUNES, s/d)
251
sugere a substituição de um ―eu inautêntico‖ por um ―eu reprimido‖. Neste sentido, a
Augras (1992), quando esta última sugere que a compreensão da relação entre a pessoa
e o seu orixá remete-se a um conflito de identidade vivido pela mesma e que sua
resolução deve ser buscada na descoberta do ―eu oculto‖ representado pelo respectivo
processo do assujeitamento por parte do mero-indivíduo, como a que temos nos termos
compromisso dele nisso e de alguma forma rompe com essa coisa de que é algo externo,
ele pode ate associar o externo, com o interno... Ou ele faz isso, essa conciliação, ou ele
vai romper, esse sujeito vai romper‖. Se assim o fazemos, a princípio este pedido de
religioso (ser do santo bissexual) a algo externo à pessoa e o desejo (ser bissexual) ao
âmbito interno ao sujeito, como algo que lhe escapa pela negação da sua
responsabilização. Não seria limitador tomar a visão de mundo religioso que sustenta
sua posição subjetiva de bissexual como algo ―externo‖, no sentido de não lhe atribuir
candomblé é percebido como ―uma obrigação à qual ela deve se submeter‖. Tanto a
pessoa quanto a sua família são lembradas pela divindade do seu compromisso como a
ordem cosmológica da qual fazem parte. Neste sentido, ―o fato de adotar modelos
252
extremamente legítimo dentro de um contexto sociocêntrico, a ordem sendo seguir a
homoerótica‖ e romper com esta ―coisa externa‖ poderia descambar facilmente para o
retorno dessa concepção de um ―eu reprimido‖. Ainda neste sentido, sua orientação
sexual fundida ao modelo mítico poderia ser considerado o ―eu inautêntico‖, o que
Por outro lado, o tratar de ―forma bem analítica‖ o conflito subjetivo da usuária parece
terra (ESQUEMA 03), atingindo o mais alto grau de assepsia da escuta psicológica.
253
processo identitário de um ―mero-indivíduo‖ dentro de um determinado idioma
psicológico nos serviços públicos de saúde, nem no consultório particular. Para que ele
funcione, é preciso que a pessoa tenha capacidade de ―lidar com certos conteúdos em
um nível muito subjetivo‖, aspecto que independe da classe social, pois há os que
suportam o trabalho analítico e outros não, indo atrás de soluções que trabalham com o
apaziguamento temporário:
porque a gente sabe que a psicanálise não é universal, ela precisa, inclusive,
que o sujeito que está assujeitado a ela tenha uma certa possibilidade de
lidar com certos conteúdos num nível muito subjetivo. Quem não é, não
fica e não fica nem aqui, e não fica lá [consultório particular] (fim do Lado
A) [...] e há esse embate... ou ultrapassa isso... E, também, eu vejo assim
passa um, dois meses. Se der para ultrapassar isso, aí fica, senão... vai
embora, porque começa a ver como é difícil. [...] independe da classe social.
Independe, de qualquer forma. Há uns que suportam ficar, de lidar com
certos conteúdos, outros não. E aí eu acho mesmo que vai em busca de
outras soluções, de um trabalho de corpo, ou sei lá, de uma coisa dessa que
acha que está apaziguando aquela dor. E há pessoas que querem mexer e
outras que não querem mesmo, que não querem sair. E aí, tem o gozo do
sintoma, a gente não pode esquecer disso, né?, de que apaziguou aquilo um
pouquinho. Então, é só isso que eu quero e aí, vai e volta, vai e volta,
procura um analista aqui, outro ali, aí vai fazendo seu circuito, né? [Cristina,
Psi III-B: 21anos].
orientada ao contexto de origem do usuário é garantida não apenas pela sua capacidade
de ―lidar com certos conteúdos num nível muito subjetivo‖, mas pela habilidade do
254
10. ATUAÇÃO PSICOLÓGICA COLETIVA EM UBS: um ponto de partida para uma
percebíamos como pertinente para este espaço de trabalho não tinha sido possível de
2003),
Em meados de 2004, nos conduzimos mais uma vez à referida UBS para marcar
uma vista técnica. Com surpresa ouvimos da gerente da unidade: ―acho que, finalmente,
chegou o tipo de psicóloga que você procurava‖. Buscamos, a partir desse retorno
atuação psicológica deveria ser compatível com as atribuições de uma UBS, já que
89
É uma modalidade de estágio continuado em psicologia, a partir dos Parâmetros Nacionais
Curriculares, que incentiva a aproximação paulatina dos graduandos a áreas de atuação, implantado no
projeto pedagógico de um dos cursos de psicologia da rede privada de Salvador. No caso particular do
estágio observacional em psicologia da saúde os graduandos fazem observações sistemáticas éticas de
atuações de psicólogos que trabalham nos serviços públicos de saúde, particularmente, em situações
sócio-educativas. Discutem as ações que foram desenvolvidas pelo psicólogo responsável em orientação.
90
Neste particular, podemos generalizar que se tratava de psicoterapia institucional nos serviços públicos
de saúde e esta não era o tipo de atuação que vislumbrávamos dentro do campo da psicologia da saúde,
como campo de conhecimento e de atuação (ver SPINK, 2003), além da familiaridade que tínhamos a
partir da formação em pós-graduação em saúde coletiva.
255
semi-estruturada, incentivamos a reconstrução da sua recente trajetória profissional em
profissionais das UBSs e as dos CSMs, que tanto enriqueceram as discussões sobre a
atuação psicológica, ousamos rascunhar alguns caminhos que pudessem avalizar o que
conjunto com outros profissionais, não restritas ao setor saúde. Este processo deve
campo da saúde coletiva. A APC poderia ser ainda entendida como uma ―estratégia‖ de
saúde em UBS. Neste sentido, este esforço alicerçou-se por noções significativas que
256
advertências e indicações significativas para a organização do trabalho do
psicólogo na rede básica de saúde.
A atuação psicológica coletiva deve se pautar criticamente no conceito de saúde
explicitado na Constituição Federal de 1988 e na superação de qualquer tipo de
reducionismo que lhe seja decorrente, advinda do movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira (PAIM, 1999; LACERDA, 1998), como meio balizador das
práticas psicológicas planejadas e desenvolvidas para um fim que não se esgota
no indivíduo nem é de exclusividade do setor saúde para serem promovidas;
A formação do profissional de psicologia para a atuação na área de saúde
pública deve estar atenta às indicações alternativas de Bastos e Achcar (1994)
para formação pautada no compromisso social da profissão, no sentido de
diminuir os efeitos negativos da aplicação indiscriminada dos conhecimentos
advindos da clínica tradicional.
Por fim, a atuação psicológica coletiva tem como ferramenta principal à escuta
cuidado. Nessa perspectiva, contempla dois aspectos para a escolha e para a organização
de atenção à saúde.
Bárbara começou a trabalhar em uma UBS, que tem como foco de ação a prevenção em
DST/AIDS, em 2003. Ela ressalta que parte dos psicólogos convocados, seus
257
contemporâneos na graduação, escolheu trabalhar no centro de saúde mental, quando
tinha a opção de ir para a referida UBS, onde se inseriu. É significativo pontuar que, do
seu ponto de vista, esta vaga na UBS foi mais difícil de ser preenchida, porque o
trabalho que envolve a problemática da AIDS não é cobiçado pela categoria, muito em
que envolvem a soropositividade para o HIV, tema que percebe como pouco explorado
durante a graduação.
universidade em 1996. Por outro lado, sua visão em relação ao papel da universidade
não difere da maioria dos entrevistados. Bárbara enfatiza que esta é mais um espaço de
―convivência‖ e ―trocas não só acadêmicas‖, que se aprende muito tanto nas salas de
aulas quanto fora delas, por propiciar maior diversidade cultural. Por sua vez, chama
atenção o fato de, com a mudança curricular do curso de psicologia, ela ter cursado a
apresenta com tendo lhe instrumentalizado, já que teve oportunidade de ter contato
grupos operativos. Destaca que esta abordagem, através do trabalho em grupo, busca
Bárbara sobre a referida UBS é que ela está ―desconectada‖ da comunidade, sendo
258
necessário desenvolver nos potenciais usuários uma postura mais participativa; aspecto
O posto é da comunidade, isso é que essa comunidade não entende, não cobra
por isso, não luta por isso, né?!. Então se eles estivessem dentro do posto,
sabendo o que a gente passa enquanto profissional né, até pra lutar com a
gente, né!?. A gente tá tentando formar um conselho local de saúde e não
consegue e por quê? Porque há uma portaria que diz que o presidente do
conselho é... o gerente do posto deve ser presidente do conselho. [...] Aí
claro, assim, a gerente do posto não concorda com isso. E o Conselho
também não vai se formar, sabendo que o presidente já está escolhido e é
uma pessoa com cargo de confiança da Secretaria né?! Aí a gente fez
reuniões e pediu que ele se manifestasse contra isso. E até hoje eles não se
manifestaram, que eles não têm essa mobilização [...] no posto e eu tentei
fazer esse trabalho.
destaque como uma das possíveis atuações de um psicólogo, ainda que não nos
A chegada na unidade foi acolhedora por parte da gerente. Como já havia uma outra
psicóloga aí inserida, oferecendo psicoterapia, soube através da gerente que ―não havia
demanda para as duas‖ realizarem o mesmo tipo de atividade. Bárbara relata que se
sentiu ―aliviada‖ com esta informação, porque não tinha como proposta de trabalho
organizá-lo em torno da psicoterapia, ainda que não tivesse claro, naquele momento, o
259
momento, inclui o significado da demanda psicológica propriamente dita, baseada no
psicanalítica]92, ainda que ela não saiba explicar os motivos associados à não
acho que tinha que ele [psicólogo] tinha que otimizar o tempo dele... eu, eu
acredito que seria mais adequado... que não, não fosse... porque se a gente
começasse a olhar mesmo todas as áreas... não (TI) a gente tem muito que se
olhar... problema de diabetes, problemas de hipertensão, a gente só trata o
92
É importante ressaltar que não aparece nada no seu relato que desqualifique a psicoterapia de base
psicanalítica, muito menos a atividade desenvolvida pela outra psicóloga nesta unidade, a não ser as
restrições apontadas em relação à adequação ao nível de assistência em questão.
260
diabético e o hipertenso, não trata a pessoa que está propensa a ser diabética
ou hipertensa né? Fazendo um trabalho de prevenção... todos, eu, eu acho
que tem esse olhar...
No que diz respeito à sua relação com os outros colegas de trabalho, comenta
que sua postura causou um certo estranhamento, quando lhe foi oferecida uma agenda
para marcação de consultas e ela explicou que não precisaria desse material, pois não
psicólogo, que na sua opinião, têm sido bem aceitas. O momento de ambientação com
inserção da entrevistada.
pela gerência. A noção de atendimento integral parece funcionar como pano de fundo
para a organização do seu trabalho, orientado de modo mais integrado, como visto no
fragmento abaixo:
Outro aspecto que podemos destacar, no relato acima, é o fato dos outros
261
individual em DST/AIDS para uma demanda espontânea93 que flui no serviço. No
entanto, há aqueles que questionam sua postura de buscar uma atuação mais integrada
adolescente, que, do seu ponto de vista, é de difícil abordagem; além disso, de se ter
uma visão mais completa de saúde. Aproveitando uma discussão realizada por
problemática das DST, HIV e AIDS, podemos citar: a) palestra em uma escola
93
Por demanda espontânea entende-se a busca livre da população por serviços de saúde, tanto no setor
público quanto no privado, sendo uma das características do modelo assistencial privatista de saúde,
hegemônico no Brasil (PAIM, 1999).
94
Segundo Goldberg (2001), por preconceito tecnológico enfatiza-se uma certa maneira de se realizar
práticas, que cada profissional adota, a partir de um repertório comportamental modelado por sua
profissão, sem se preocupar com o sujeito que está sob os seus cuidados, muitas vezes blindado num não
tratar tudo o que se fizer fora deste repertório.
262
comunidade, através da parceria com uma escola, reforçando os princípios da
ressaltar que se trata de uma clientela com baixo nível de informação, que tem muitas
dúvidas em relação aos sintomas e sinais das DSTs, além do uso correto dos
preservativos, ao contrário do que mostram em relação à AIDS, sobre a qual dizem estar
bem informados.
por três razões: a) remete-se de modo mais evidente a uma reflexão da necessidade de
obstáculos; c) pode ser entendida como original, não estando centrada na doença, e se
sim na saúde.
95
O conceito de aconselhamento, adotado pelo Ministério da Saúde, foi elaborado pela psicologia em sua
vertente humanista, seu representante teórico clássico é Carl Roger (MOSKOVICS, 2000).
96
A demanda espontânea que procura esta unidade é composta, particularmente, por: profissionais do
sexo, usuários de drogas injetáveis, soropositivos, algumas mulheres casadas e pouquíssimos
adolescentes. Diferentemente da clientela atendida por outros psicólogos em outras UBS, a entrevistada
diz que a sua clientela é composta, basicamente, por homens, inclusive, alguns moradores de rua.
263
Inicialmente, a interlocutora propôs dois grupos para adolescentes com o
por trabalhar com o adolescente é apontada em três sentidos: a) sua experiência prévia
Do seu ponto vista, não houve adesão dos adolescentes às ―oficinas‖ oferecidas
acham que sabem tudo e que como eles não vai acontecer nada, definido na literatura
último ponto, a interlocutora conclui que parte do problema ocorria também porque
estes termos não pareciam ter muito significado para os mesmos. Podemos inferir que,
promoção de saúde para esta clientela. Disposta a convocá-los, Bárbara utilizou outra
estratégia, descrita a seguir, se responsabilizando por contribuir com uma meta que a
97
É importante ressaltar que a segunda tentativa de desenvolver este trabalho foi oferecê-lo para os
estudantes de uma escola pública, circunvizinha a unidade, também sem sucesso.
98
Ver Ayres, e outros (2003)
99
A vacinação dos adolescentes para Hepatite B foi uma determinação do Ministério da Saúde, a partir do
perfil epidemiológico para esta faixa etária em DSTs/AIDS, oferecidas na maioria das UBS brasileiras, de
acordo com a gerente da referida unidade.
100
A entrevistada diz ter trocado o título da oficina, algumas vezes, de modo a torná-la mais atrativa ao
adolescente. Por fim, concluiu que deveria investir em outra proposta de trabalho.
264
A estratégia adotada pela entrevistada para superar o que diz ter sido seu
―reflexão crítica‖ com esta clientela, além de oferecer os outros serviços que a unidade
disponibiliza. Neste sentido, buscou parceria com uma ONG que oferecia atividades
grupo foi fechado facilmente com 25 adolescentes, sendo realizado nas instalações da
ONG101.
aspectos considerados por Dimenstein (1998) como pontos fundamentais que devem
unidade – comunidade:
uma ONG que tem aqui na [UBS] e que fiz uma proposta de saúde, eu sinto
que ele [UBS] é desconectado com a comunidade, né? Ele é um posto que
não tem vivência na comunidade, essa era uma chance de a gente estar
com a comunidade. Pra que a comunidade saber mais, da nossa vizinhança...
101
Não há espaço físico suficiente na unidade básica para realização de atividades desse porte, fato que,
de acordo com a entrevistada, já impossibilitou o trabalho com outro grupo de usuários.
265
procura na inscrição, que a gente, quando começou o curso, explicou que eu
era psicóloga no posto de saúde. Então precisava que eles fossem vacinados,
que é... tínhamos o programa de preservativos, tínhamos nutricionista...
E então é... o trabalho feito era assim: são oito encontros de uma hora e meia.
Os primeiros 45 minutos são apenas relativos a noções de telemarketing,
né?. [No segundo momento] a gente tem uma lista e eles escolhem [os temas
de interesse]. O que mais apareceu [...] e a gente trabalhou: DST-AIDS,
gravidez na adolescência, drogas, uso e abuso de substâncias
psicoativas... hum... deixa eu me lembrar, relação de gênero apareceu e...
projeto de vida, tem mais algum, mas agora não estou me lembrando...
Então essa fase acabou, essa turma acabou... Aí eles vêm aqui no posto,
tomaram as vacinas de hepatite, principalmente de hepatite, porque o público
jovem é o nosso alvo, alguns foram para nutricionista, umas duas meninas
que estavam com peso acima... E todos agora participam do trabalho do
DST; mês e mês, depois que terminou eles vêm pegar o preservativo.
prevenção e de promoção de saúde desse trabalho, mas que não permite comparações
sobre a sua eficácia em relação às atividades oferecidas pelos demais psicólogos: a) não
adolescentes, tendo como centro difusor a saúde e não a doença. Nesta direção, conjuga,
eficiente e caro à saúde coletiva à expectativa de estar refletindo sobre o projeto de vida,
tendo como local de difusão a unidade básica de saúde, mas que não se limita a ela.
266
Além disso, percebemos o interesse de identificar precocemente problemas de saúde e
atuação psicológica, em pauta, não tem como foco encontrar ou garantir um emprego
adolescente mais atento para as dificuldades que encontra no seu dia a dia, inclusive em
relação aos riscos intrínsecos às experiências cotidianas, de ordem não só sexual, mas
trabalhar em grupo, né? De dar fala a todo mundo, de saber que você é um
facilitador, que você não está coordenando nada, está facilitando a reflexão
crítica, né? Sempre buscar a reflexão crítica dos adolescentes, principalmente
né? Eles têm muito esse imperativo do padrão de beleza, eu sempre
converso com eles. Assim, quando ele está no mercado de trabalho sempre
surge a questão de ser negro... [...] de seguir um padrão de beleza, que não é
um padrão de beleza nosso, não é? Não é um padrão estético, genético da
nossa raça... dos baianos. Então, eu acho que sempre puxava pra questão
crítica, pra questão crítica... isso tem me ajudado muito... na formação que eu
faço [psicologia social].
experiência prévia em treinamento, mas que era também utilizada com um pretexto para
por exemplo, preparar um currículo com foto 102. Estas noções eram apresentadas nos
102
Esta atividade foi relatada em outro momento de contato com a entrevistada, consistia em discutir
quais informações deveriam constar no currículo e como deveriam ser apresentadas. Uma das questões
polêmicas foi a apresentação da fotografia, o tipo de reflexão proporcionado possibilitou a discussão
sobre o ―receio‖ dos adolescentes de se apresentarem como negros e não conseguirem a suposta vaga, do
uso de fotos inadequadas (por exemplo, em trajes de laser) para apresentação de currículo e quais os
significados desse uso inadvertido, do conflito psicológico de não corresponderem ao ―padrão estético‖
hegemônico socialmente, entre outros aspectos psicossociais.
267
interlocutora, no processo avaliativo, o ―momento da saúde‖, como os adolescentes
assim denominavam, começou a ser esperado com muito entusiasmo, sendo que apenas
duas pessoas desistiram, uma delas por ter conseguido um trabalho no mesmo horário
práticas psicológicas para as UBs em detrimento de outras, além dos textos teóricos que
Chaves (1995) 103. Em uma unidade básica de saúde, após negociação com a instituição
sete desistências, além disso, oito usuários encaminhados por outros profissionais de
saúde da referida unidade nunca apareceram. A autora, frente a estes dados questiona:
havia, realmente, demanda destes usuários para a psicoterapia? Ela chama atenção
de uma variável de natureza social, uma vez que, particularmente, quatro usuários
compareceram a uma sessão e relataram ser impossível ter folga para irem às sessões
futuras e o contato que teve com um deles ficou mais evidente não existir uma demanda
103
Este estudo visou ―descrever uma experiência docente de atuação profissional e de avaliação de
condições para a realização de estágios em uma instituição que presta assistência à saúde‖ (CHAVES,
1995, p. 110)
104
Dos onze atendimentos realizados, quatro foram concluídos: uma psicoterapia e três avaliações com
posterior encaminhamento para serviços especializados de psicologia. Com relação aos demais
atendimentos, houve sete desistências: quatro compareceram a apenas uma sessão, um compareceu a duas
e dois a três sessões.
105
Este era composto por 14 adolescentes, com idade de 10 a 14 anos, que se reuniam quinzenalmente
com uma equipe muldisciplinar. Seu objetivo principal era, como ―via de educação para a saúde, criar um
espaço para os adolescentes selecionarem temas vinculados às suas experiências, discutirem aspectos de
suas histórias de vida e receberem informações que ampliem seus graus de conhecimento, possibilitem
mais alternativas de escolhas e orientem seus comportamentos na direção da minimização ou eliminação
de fatores de risco (CHAVES, 1995, p. 110).
268
encaminhados em decorrência de violência sexual. Nestes casos, a desistência é
apontada como freqüente pela literatura especializada, dadas as implicações que surgem
seus filhos para irem aos encontros e o desapontamento quando da sua finalização; c) no
O tipo de atividade desenvolvida por Chaves (1995) é vista pela própria autora
úteis para uma atuação psicológica, que, do nosso ponto de vista, está muito próxima ao
que descrevemos como atuação psicológica coletiva. Estas serão apresentadas a seguir
269
disponíveis, com os recursos humanos disponíveis, que são fontes de referências para
Por fim, dentre as sugestões da nossa entrevistada, outros aspectos que devem
setores de vacinação e curativo; b) saber como funciona uma comunidade e buscar atuar
mais integrado.
estão atuando nos serviços públicos de saúde: não se sabem onde estão, o que fazem e
quais as dificuldades e sucessos nesse contexto de trabalho. Até o momento, parece não
haver, em Salvador, um espaço institucionalizado pela própria categoria para este fim,
aspecto que aparece nas narrativas dos demais entrevistados, sinalizando a nossa
270
11. O LUGAR DO PSICÓLOGO E DA ESCUTA PSICOLÓGICA NOS SERVIÇOS
abaixo.
ESQUEMA 05
C SOCIO
O CULTURALMENTE S
M ORIENTADA A
P DIMENSÕES DE SIGNIFICAÇÃO
U
R D
O E
M ATUAÇÃO ESCUT DEMANDA
I PSICOLÓGICA S
S A C
S DIVERSIDADE O
O DE PRÁTICAS L
CONTEXTO CONTEXTO PSICOLÓGICAS E
S SOCIAL CULTURAL T
O I
C V
I FORMAÇÃO E TRAJETORIAS NIVEIS DE
ASSISTÊNCIA A
A PROFISSIONAIS
L À SAÚDE
271
Foram identificadas três modalidades: a) de conflito, que tende à ociosidade do
de narrativas que incluem as condições de vida e aspectos sociais das demandas trazidas
pelos usuários como aspectos que influenciam nos seus problemas de saúde.
profissionais. Esta categorização tem como ponto de partida uma dicotomia marcada: a)
promoção da saúde dentro de UBSs, tende aqui a ser percebido como apresentando uma
certa abertura para construir um modelo de atuação psicológica apontado como mais
272
Respaldados nas análises apresentadas nos capítulos oito e nove e em uma
experiência concreta definimos que a atuação psicológica coletiva deve: a) ter como
articulação com outras atividades dentro do serviço; d) ter finalidade congruente com os
de atenção à saúde.
adequar de algum modo sua atuação para atender a população que busca os serviços
públicos de saúde, ressaltando que a ―visão de mundo‖ é o que prevalece mais do que a
realizarem um trabalho mais integrado com as outras atividades vistas como necessárias
273
comportamental modelado pela sua profissão. Esta dificuldade é revelada pela ausência
de diálogo com outras áreas de saúde, na direção de fazer um trabalho mais integrado ou
mesmo de organizar uma atuação mais compatível com a realidade dos serviços
públicos de saúde.
contexto dos serviços de saúde públicos, é marcada pelo fato dos profissionais poderem
estar mais ou menos psicanalistas do que são nos consultórios particulares. Esta
assertiva decorre do fato de que tal atuação psicológica exige uma modelagem particular
direção do tratamento, que pode assumir curiosamente uma postura mais incisiva ou
usuários.
que tais queixas assumiam aos ouvidos dos nossos entrevistados. Percebemos então que
274
Nesta direção, explorar o caráter polissêmico do termo demanda nos relatos dos
atribuídos às mesmas, que não pretendemos retomar aqui, as hipóteses discutidas daí
significação dos problemas apresentadas pelos usuários, que parecem não fazer sentido
usuário de ter insight, mas também a capacidade pouco acurada do psicólogo de romper
tem havido uma diminuição da escuta psicológica de usuários com ―queixa social‖ e
aumentado a daqueles que têm uma queixa explicitamente reconhecida enquanto ―psico-
social ou psíquica‖; d) os usuários com maior poder contratual têm se beneficiado com
informada da clientela.
275
demandas e caracterização da população atendida, mas em alguns casos também como
de trocas entre iguais, considerando o fato dos relatos dos usuários surgirem de
contratual intransponível numa relação dual. Os usuários que formam o grupo, com
modo que pudéssemos compreender o que pode ser uma escuta psicológica
está associada à ação básica do seu trabalho, caracterizada pela habilidade do psicólogo
de manter-se alerta, ter interesse sobre a fala significativa, que remonta à história dos
276
manejo da subjetividade não ocorre sem tropeços e obstáculos, no que diz respeito aos
superior às demais atividades. A maioria dos psicólogos organiza seu trabalho em torno
realização da psicoterapia. De certa forma, estas últimas são tratadas pelos próprios
profissionais como práticas menos importantes, porém mais adequadas ao perfil de uma
―análise‖ nem ―psicanálise‖. Entre outros fatores que possibilitam esta diferença estão
c) da inadequação das técnicas dos psicólogos a uma parte da população que busca os
277
Esta categorização de psicoterapia e de para-psicoterapia tem como pano de
psicólogos; a princípio, tudo aquilo a que não se poderia dar respostas clínicas, mas que
278
Há uma tendência, que aparece nas narrativas dos psicólogos, de que a
remete à idéia de que a própria prática desenvolvida pelos psicólogos não tem alcance
relação aos próprios neuróticos, já que estes formam a clientela básica dos psicólogos
nos serviços visitados. No caso dos neuróticos, esta seleção recai na capacidade de
pessoas por serem ―mais informadas e mais esclarecidas‖, estariam mais aptas à
psicoterapia. Discutimos a hipótese de que esta ―seleção‖ esteja operando por causa da
nível de questionamento, têm insight, trazem conteúdos para serem trabalhados, buscam
279
Todos os psicólogos consideram a dimensão biológica dos problemas de saúde
entrada dos usuários com problemas psíquicos graves no trabalho psicológico. Por outro
Outro aspecto discutido que nos pareceu relevante é o fato de existir uma
propensão à mudança do perfil da clientela atendida pelos psicólogos nos centros mais
apoiando a nossa hipótese de que há seleção dos pacientes para esse tipo de
culturais dos problemas de saúde, que podem ser percebidos como qualitativamente
sentido, a atuação psicológica realizada nos serviços públicos de saúde não teria função
uma escuta psicológica muitas vezes truncada, quando não a desautorizam totalmente.
280
Estes tipos de expressão de sofrimento, ―nervoso‖ ou ―neuroses de dona de
encontrada entre parte dos entrevistados. A análise de casos concretos relatados pelos
uma grande parte das pessoas que buscam os serviços públicos de saúde, com uma
saúde é ampliar a noção da própria clínica e rever seus limites e alcances. Nesta direção,
281
detalhes que conseguimos retratar na árdua tarefa de qualificar a escuta psicológica em
asséptica ou cautelosa, nosso objetivo foi buscar argumentos possíveis para definir o
perspectiva que aqui desenvolvemos, esta orientação tem a ver com o fato de como as
contexto de origem do usuário é garantida não apenas pela sua capacidade de ―lidar com
certos conteúdos num nível muito subjetivo‖, mas pela habilidade do profissional em
tese, além disso apontar alguns dos limites dessa investigação, explicitando algumas das
refletem outros dois pontos de vista que devem ser problematizados: a) de considerar
282
problema em si, no sentido de justificar o descompasso entre as demandas e as
pertinentes para qual nível de assistência à saúde não busca associar inadvertidamente
outras. Neste sentido, é que precisamos sinalizar que o que denominamos atuação
orientações teóricas.
cultura psicológica do ponto de vista dos psicólogos, o que nos impediria de tomar as
natureza do trabalho desenvolvido entre as várias UBSs e os diversos CSMs nos parece
283
um ponto, paradoxalmente, que deu força e fraqueza ao presente estudo. No caso das
UBSs, esta constatação reforçou a problemática apresentada na literatura, por isso deu-
lhe força. Por outro lado, tornou-a fraca quando da impossibilidade de encontrar
experiências novas implantadas, das quais pudéssemos nos valer e discutir aspectos para
cabo esta tarefa descrevendo uma única trajetória profissional, que nos pareceu trazer,
de modo mais visível, alguns dos aspectos apontados na literatura como possíveis de
Esta insistência nos conduziu a considerar que a escuta psicológica cautelosa deve
orientar uma atuação psicológica coletiva como uma de suas ferramentas principais,
saúde coletiva. Eis um terreno fértil não só para fazermos pesquisas como também para
arriscarmos propor e implementar ações novas que possam, finalmente, contribuir para
respeito à atuação psicológica desenvolvida nos CSMs, o apelo para a renovação vem
284
As discussões que nos remeteram aos conceitos de escuta cautelosa e asséptica
atribuir homogeneidade entre elas, ao tempo em que não podemos nos privar de lembrar
que os profissionais fazem uso particular das suas orientações de modo muito mais rico
as que tomem a clínica psicológica em outras vertentes teóricas como objeto de estudo
em relação à sua adequação para o cuidado das pessoas que sofreram menor influência
da cultura psicológica.
Um outro aspecto que não nos escapou, mas requer maior aprofundamento, diz
saúde mental.
por nível de assistência, apesar de constatarmos que não havia diferença significativa no
narrativas vindas de um dos contextos de trabalho mais do que do outro, no caso dos
CSMs. Este caráter excepcional também pode ser percebido no capítulo que tratamos
285
Este procedimento foi mantido por dois motivos que gostaríamos de explicitar
pertinente para UBS, fato que foi levado a cabo com mais consistência por ter havido
clínica, talvez por isso tenhamos privilegiado as narrativas daí, somado ao fato delas
Estas duas razões foram suficientes para mantermos o caráter duplo do texto,
que ora descamba para um lado ora para o outro, o que pode sugerir apenas um deslize,
e não uma decisão metodológica. Temos consciência de que poderíamos escrever uma
tese escolhendo um dos dois níveis de atuação, mas não abdicamos de assegurar a maior
terreno, se acabamos por perder um pouco na força da análise para articular às práticas
psicológicas desenvolvidas aos níveis de assistência à saúde, por outro julgamos que
saúde coletiva. É justamente sobre este aspecto que gostaríamos de fechar a presente
tese, partindo mais uma vez de um fragmento narrativo, sem nome, no sentido de exigir
Mas o serviço público não reconhece isso e não... e não valoriza esse
trabalho, principalmente o distrito hoje, eu continuo afirmando, pelo... pouco
conhecimento, ou nenhum conhecimento do trabalho que... em saúde mental.
Eu sou revoltada com isso e não é à toa que em vinte anos de serviço público,
eu não tivesse ainda... E aí você diz assim: ―cê continua como ‖ Continuo.
Eu não vou pedir demissão. Mas é difícil trabalhar, porque revolta, chateia,
angustia, mas... um paciente que você consegue que ele caminhe sozinho e
que um dia ele volta aqui – como já aconteceu várias vezes – no Natal, com
286
um vaso de flor na mão, de uma planta, que ele até cultivou e diz assim: ―Eu
me lembrei de você‖, depois de dois anos que não aparecia e vim lhe trazer.
Ah! Compensa! entendeu
disposição da elite. Por outro lado, seria mais oportuno ampliar o foco para a atenção
assistência mental e falar de um não-lugar para a subjetividade dos usuários como fonte
comunidade psi, que com melhores condições de trabalho deveriam poder fazer jus a
psicológica por apontar seus limites e alcances, e sim intercedeu para que possamos
desafiador. Neste sentido, nos ocupamos da atuação psicológica para sinalizar o quanto
ela nos é cara e o quanto achamos que pode sair desse não-lugar no contexto da saúde
coletiva.
287
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOCK, A Psicologia e sua ideologia: 40 anos de compromisso com as elites. In: BOCK,
A (org.). Psicologia e o compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. p. 15-28.
288
CAMBRAIA, M. As práticas e os processos de trabalho nos ambulatórios de saúde
mental. 1999. 190f. (Mestrado em Saúde Pública). Departamento de Prática de Saúde
da Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo, 1999.
CORIN, E. The cultural frame: context and meaning in the construction of health. In:
SOL LEVINE (ed.) Society and health. New York, Oxford University Press, 1994.
289
DIAS, M. Mal-estar no ambulatório público: um estudo sobre a inserção do psicólogo
num programa estadual do Rio de Janeiro. 1994. 175f. (Mestre em Psicologia Clínica).
Departamento de Psicologia. Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1994.
290
FIGUEIREDO, A C. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clinica
psicanalítica no ambulatório público. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997.
GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In: _____,
A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. p. 13-41.
GOOD, B. How medicine constructs its objects. In: _____, Medicine, rationality, and
experience. Cambrigde University Press, New York, 1994. p. 65-87.
291
KINOSHITA, R. Contratualidade e Reabilitação Psicossocial. In: PITTA, A.
Reabilitação Psicossocial no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: HUCITEC, 2001, p. 55-59.
292
Pública, Rio de Janeiro, 18(6): 1639-1646, nov-dez, 2002. Disponível em: www.
scielo.br Acessado em 17 mai, 2003.
RUSSO, J. O corpo contra palavra: terapias corporais no campo psicológico dos anos
80. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993.
293
SCHRAIBER, L. e MENDES-GONÇALVES, R. Necessidades de Saúde e atenção
primária. In: SCHRAIBER, L.; NEMES, M. e MENDES-GONÇALVES, R. (orgs.).
Saúde do Adulto: Programas e Ações na Unidade Básica. São Paulo: Hucitec, 1996.
294
YAMAMOTO, O. Questão social e políticas públicas: revendo o compromisso social.
In: BOCK, A (org.). Psicologia e o compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. p.
37-54.
13. ANEXO A
295
13. ANEXO A
296
13. ANEXO A
297
13. ANEXOS B
298
Tabela 9: Distribuição dos usuários de saúde mental segundo o diagnóstico referido. USM/SMS –
Salvador 10 sem de 2000.
Tabela 19: Distribuição dos usuários de saúde mental segundo o motivo da procura pelos serviços.
USM/SMS –Salvador 10 sem de 2000.
Tabela 21 – Distribuição de procedimentos realizados nos dias de entrevista pelos 822 usuários
pesquisados USM/SMS – Salvado 10 sem 200.
SERVIÇOS N. (%)
Consultas médicas 792 96,4
Psicoterapia individual 59 7,2
Psicoterapia de grupo 34 4,1
Recebimento de remédio 771 93,8
Psicoterapia familiar 5 0,6
Outros 4 0,5
Fonte: (CAMAMROTA, 2000)
106
Substituímos os nomes dos centros pelas siglas utilizadas no presente estudo para diferenciar os
contextos da pesquisa, apenas no sentido de mantermos as mesmas considerações éticas estabelecidas.
299
Tabela 3: Distribuição dos usuários de saúde mental por nível de instrução. USM/SMS – Salvador 10 sem
de 2000.
Tabela 5: Distribuição dos usuários de saúde mental por nível de renda. USM/SMS – Salvador 10 sem de
2000.
Tabela 6: Distribuição dos usuários de saúde mental por tipo de ocupação. USM/SMS –Salvador 10 sem
de 2000.
13. ANEXO C
300
Quadro sintético comparativo de algumas características teórico-técnicas que
diferenciam a psicanálise da psicoterapia breve de orientação psicanalítica (BRAIER,
1997, p 39).
14. APÊNDICE A
301
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS PSICÓLOGOS EMPREGADOS NOS
SERVIÇOS DE SAÚDE.
1. Identificação
UR:
Nome:
Ano de entrada no UR:
Ocupação/função:
Carga Horária na UR:
Trabalho em outras Unidades de Saúde:
Outras atividades profissionais:
Ingresso no curso de Psicologia: Término: Local do curso:
Abordagem teórico-prática de referência:
5. O que o(a) senhor pensa sobre as novas propostas para assistência às pessoas
com problemas de saúde mental?
302
7. O(a) senhor(a) poderia falar sobre a sua atuação psicológica nesta unidade e no
seu consultório a partir do relato de casos concretos atendidos [psicoterapia,
aconselhamento, apoio, suporte, termos utilizados pelos psicólogos, que foram
incluídas, ao longo da pesquisa] ou de situações concretas de trabalho:
Explorar as principais queixas dos usuários; a natureza dos conteúdos trazidos pelos
usuários (inclusive, os culturais, por exemplo, mágico-religiosos e os sociais, condições
de vida, escolaridade, etc.)
303
14. APÊNDICE
Universidade Federal da Bahia B
Instituto de Saúde Coletiva
Nome do entrevistado
Assinatura:
Data:
107
A coleta dos dados ocorreu no período em que eu ainda estava sob orientação do referido professor.
304