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Asas Indomáveis
Jéssica Caroline Zanette
11 de março de 2010
PRÓLOGO
É, você leu isso mesmo. Existem muito mais coisas entre o céu e a terra
que os olhos humanos podem ver. Algumas pessoas nascem com a
capacidade de enxergar o “oculto” para os outros, e essas pessoas são tão
especiais que necessitam de proteção.
Toda pessoa algum dia já teve medo do escuro, algumas o tem até
hoje, eu realmente invejo essas pessoas e concordo plenamente com elas, a
melhor coisa que alguém pode fazer é ficar longe do escuro.
Quando seus olhos não vêem mais a luz e seu corpo se alarma todo
não é só um medo bobo que aparece, seu sangue se enche de adrenalina
que é um mecanismo para deixar seu corpo esperto e avisá-lo que ali tem
perigo.
Não que anjos não existam, eles existem, e são ótimos guerreiros devo
dizer, o problema é que eles só podem trabalhar de dia.
Sou filha de uma humana com um anjo. Pelas minhas veias corre a
força dos anjos, mas o meu corpo pode andar pela escuridão
tranquilamente.
A diretora do Instituto, senhora Vânia, diz que eu sou muito ansiosa por
ficar enchendo o saco dela todo o tempo para sair para uma missão.
“Eu estou pronta e você sabe disso.” Eu repito sem parar todos os dias.
Como resposta ela só me diz que eu sou muito nova para correr um
risco tão grande.
“Você não faz idéia de como é difícil lá fora, você não está pronta,
precisa de mais treino.”
O que me deixa com muita raiva é saber que ela me prende aqui e o
motivo não é porque eu sou nova demais ou fraca demais. Eu sou a primeira
da turma. Conheço todas as artes marciais, técnicas de luta, técnicas para
matar demônios, vampiros e caçadores de almas! Duque, um garoto de 15
anos já foi mandado para duas missões, duas missões! E eu ainda nada!
“Calma garota, sua hora vai chegar.” Milla, minha melhor amiga, fala
para mim todos os dias.
Bom talvez se você me conhecesse diria que meus olhos não são tão
grandes, na verdade eles são, mas eu fico a maior parte do tempo com
cara de sono então eles parecem menores.
Até a inútil da Lyra já foi mandada para uma missão, claro que ela é
tão ruim que precisou que alguém a resgatasse, e eu, que sou a melhor do
Instituto, estou presa aqui. Eu já prometi a mim mesma, se minha primeira
missão não sair em 6 meses eu fujo! Não queria ter de fazer isso, mas se for o
único jeito...”
“Você só fala isso porque já foi mandada para uma missão.” Respondi
tomando o meu diário das mãos dela e fechando-o. “A senhora Vânia tem
implicância comigo!”
“Ela teria motivos para ter, cada semana você arranja uma briga
nova!” Ela não precisava me lembrar disso. “Mas eu acho que ela só se
preocupa com você.”
Sobre uma coisa Milla estava certa, a senhora Vânia nunca me punia
pelas minhas brigas, se fosse outra pessoa no meu lugar, ela mandava para
o forno na hora e o forno é, sem dúvida, o pior lugar para se estar no mundo.
Você fica preso dentro dele por uma semana só recebendo água, de baixo
de um sol de 40°, muitas pessoas saem de lá desmaiadas.
“Não quero falar sobre isso agora,” Terminei com a conversa pois sabia
onde ela iria dar. “Tenho que ir para aula de Kung-Fu.”
“Por que você ainda faz essa aula? É do primeiro ano! Ainda mais com
essa calça de couro!” Milla arregalou os olhos grandes.
“Jéssica,” Sr. Hung não tinha mais formalidades comigo. “Quero que
ensine os passos básicos ao Sr. John, ele é novato e está assustado comigo.”
“Você nem pediu o nome dele! Nem a idade...” Ela falava colocando
a mão na testa. “Você nunca vai arrumar um namorado.”
Capítulo 2 – Telhado de vidro
“Doze dias e ele ainda não falou comigo,” Falei para Milla, colocando
os pés em cima da mesa, referindo-me ao aluno novato. “Algum dia ele vai
perceber que foi o melhor para ele.”
Talvez eu tenha sido muito dura, Milla era a única pessoa que eu tinha
como família lá dentro, e eu sabia que ela só tinha a mim. Mas eu tinha que
dizer algo que surtisse efeito, e realmente o resultado foi rápido, lágrimas
caíram dos olhos dela.
“Droga Jess,” Sua voz era uma mistura de raiva e dor. “Eu ia contar
para você, mais cedo ou mais tarde. Eu só não quero que você faça nada
de idiota!”
“Eu juro não fazer nada idiota,” Menti. “Só preciso que você seja
sincera comigo.”
“Então, eu cheguei até a sala dela mas ela parecia estar conversando
com alguém, então eu fiquei esperando eles terminarem a conversa do lado
de fora. Sra. Vânia estava conversando com o Sr. Hung sobre as aulas e tudo
mais...”
Não fazia o menor sentido, todo mundo tinha missões, por que eu não
podia ter uma também?
Eu não suportava mais aquele rodeio todo. O papo para mim tinha
que ser direto e reto, aprendi com a vida que quando uma pessoa rodeia
demais ou ela está inventando história, ou ela está tentando achar uma
forma de aliviá-la.
“A Sra. Vânia te protege porque ela gosta mais de você do que dos
outros alunos”. Ela agora fechou os olhos. “Ela é sua mãe Jess.”
...
Minha vida inteira eu fui criada dentro desse Instituto para gente meio-
humana, meio-anjo. Os humanos normais conheciam o nosso Instituto como
um centro de ensino para crianças superdotadas, bom, mas isso não
interessa.
O que eu sei é que eu havia sido abandonada pela minha mãe assim
que nasci e tive sorte de vir parar no Instituto. Pessoas como eu, fora do
Instituto, não costumam durar muito. Demônios acabam com a maioria das
crianças meio-anjo que estão por aí, são um alvo fácil já que ninguém
acredita nelas quando elas dizem que vêm monstros e elas também não
tem treino. Então é melhor matá-las antes que elas aprendam certo?
“Queria eu que fosse brincadeira. Maldita hora que eu fui até lá levar
aqueles papéis e...”
“Me solta.” Forcei a minha voz para que ela saísse. “Eu vou lá tirar essa
história a limpo.”
Durante todos esses anos que eu estive no Instituto, a única vez que eu
chorei de verdade foi no dia do meu aniversário. As únicas pessoas que
lembraram foram Milla, Sr.ª Vânia, e Tyller, o garoto mais legal daqui, na
minha concepção.
Aquela tarde foi terrível! Escolheram Lyra ao invés de mim para uma
missão muito importante, era a missão que eu havia pedido a Deus todos os
dias, e mandaram aquela múmia no meu lugar.
No caminho trombei com o aluno novo, aquele que eu dei uma surra.
Ele pareceu assustado em me ver. Ficou mais assustado ainda quando eu
pedi desculpas por ter esbarrado nele.
“Tudo bem.” A voz dele era tão baixa que se eu não tivesse me
esforçado para ouvir, com certeza não ouviria.
“Hey gata,” Tyller passou um braço pelo meu ombro. “Aonde vai com
tanta pressa?”
Mas me controlei.
“Wow! Vejo que alguém acordou com os dois pés esquerdos!” Ele
continuava sorrindo, como sempre. “Eu vou com você.”
“Você não vai!” Parei virando-me para ele. “Você nem sabe o que eu
vou fazer!”
“É, não sei e não me interessa. Mas eu vou com você, me empeça se
puder.”
“Você pode ser suspensa por isso!” Falou Tyller com os olhos
arregalados.
“Eu duvido muito,” Falei cinicamente. “Não me deixam sair daqui nem
para uma missão, quem dirá em uma suspensão. Estou certa diretora?”
O brilho nos olhos dela era mortal, ela devia estar com muito ódio de
mim.
Minha única preocupação era como eu iria manter contato com Milla.
“Então a garota concordou?” Ele pergunta para seu servo mais fiel.
“Posso mandar o dragão para lá?”
“Deixe que ela pense que ninguém será ferido. Que garota tola, por
que eu mandaria um dragão ao Instituto? Para ele dar um passeio? Eu quero
a cabeça da filha da diretora em uma bandeja de prata.”
Mas teve uma vez que eu passei o dia todo na sala da diretora e
adivinha só quem foi a grande culpada por isso? Se você disse Lyra, acertou.
Eu, Milla e Tyller estávamos no refeitório descansando quando Lyra
chegou e sentou-se bem na minha frente.
“E aí Jess,” Sua voz era fina e irritante. “Você pode me contar como
você chegou aqui mesmo?”
Lyra deu uma daquelas risadas que faz o seu sangue ferver.
“Vamos Jess, conta para mim.” Ela insistiu olhando para suas amigas.
“Que é?” Falei dando uma mordida no sanduíche. “Vocês viram que
eu estava quieta. E depois, ela vai gostar de eu ter quebrado o nariz dela,
assim ela pode fazer uma reconstrução naquela coisa horrenda!”
“Gata, a diretora Vânia vai comer seu fígado.” Tyller sempre foi
exagerado.
“Eu não falo mais nada Jess, você não tem jeito mesmo.” Milla disse
escorando a cabeça entre as mãos.
Talvez isso não fosse possível. Apesar de manter meu sangue gelado
como o de um crocodilo, eu não conseguia garantir que não voaria em seu
pescoço.
“Aqui é mais seguro para você. Você não tem idéia o quanto eles
iriam querer te caçar lá fora, seria algo além do normal Jess. Você é valiosa
demais para se deixar perder.” Eu sentia que ela estava sendo sincera.
Eu tinha essa grande habilidade, eu sabia quando alguém estava
mentindo ou escondendo alguma coisa só de olhar.
“Por que sou tão especial?” Dessa vez eu a encarava. “Pensei que
aqui todos fossem iguais, meio-gente, meio-anjo e só, não vejo o porquê de
eu ser especial. Por eu saber lutar mais que os outros? Ser mais rápida e
esperta? Isso não seria motivo para eu sair lá e acabar com um clã de
vampiros sozinha?”
O olhar dela que sempre era imponente, desmoronou. Sra. Vânia não
era mais a diretora do Instituto naquele momento, era uma criança que teve
o seu maior segredo descoberto. Nos olhos dela havia angústia e medo.
Sim, Sra. Vânia era a minha mãe. Uma mãe ausente, mentirosa e sem
um pingo de consideração pela filha, o que eu mais temia acabara de
acontecer... A minha mãe era parecida com a mãe de Lyra, menos na
parte das cirurgias plásticas.
Saí correndo para o jardim, nunca ninguém ficava lá fora por medo. O
jardim era o limite entre o Instituto e o mundo exterior. Nenhum animal das
trevas poderia penetrar no Instituto, a não ser que fosse convidado. O jardim
era um lugar seguro, mas todos o evitavam.
Chegando lá, percebi que nem todos. Tyller estava lá, sentado na
grama olhando para o nada.
Tyller era alto e forte, vivia com o cabelo bagunçado. As roupas que
ele usava eram de grife, mas ele as colocava de um jeito tão desleixado que
pareciam roupas normais, Milla odiava isso, eu achava “estiloso”.
Lá, sentado no jardim ele parecia tão frágil. Estava com os cotovelos
apoiados nos joelhos, uma posição defensiva devo dizer. Eu finalmente havia
descoberto onde ele ficava na maior parte do tempo. Tyller às vezes sumia,
e ninguém sabia onde ele se enfiava, agora eu havia descoberto.
“Hey Ty,” Falei sentando-me do lado dele. “Desculpa roubar seu lugar,
mas preciso de um momento de reflexão também.”
Então sem falar nada ele passou um dos seus braços por meus ombros,
como sempre costumava fazer, só que dessa vez me puxou mais para perto.
Eu escorei minha cabeça no seu ombro.
Eu não sei por que motivo aquilo me emocionou tanto, só sei que me
desatei a chorar. Eu Jéssica, que nunca antes havia chorado na frente de
ninguém, agora havia chorado duas vezes no mesmo dia.
“Nenhum incomodo,” Disse ele sorrindo. “Você pode vir aqui sempre
que quiser, pode falar comigo sempre que precisar.”
“Eu sou assim Jess,” Continuou ele. “Aquele Tyller é quem ou outros
querem que ele seja. Sabe, ser capitão do time não é fácil, os jogadores
exigem confiança de você. Todos os seus amigos querem que você pareça
descolado, alegre e forte...”
“Se você ou o outro Tyller contar para alguém que eu chorei no seu
colo feito criança, você vai ser um Tyller morto.”
“Nunca que eu contaria,” Ele imitou uma voz ofendida. “Para você ter
chorado, o motivo deve ter sido forte. Obrigado por confiar em mim.”
Entrei pelas portas do Instituto muito mais tranqüila do que quando saí
por elas. Eu tinha que encontrar Milla e contar a ela tudo o que tinha
acontecido, ela devia estar morrendo de preocupação.
Corri pelo grande salão central e olhando para o chão reparei no meu
reflexo. O piso do salão era tão brilhoso que funcionava como um espelho,
olhando bem o meu reflexo percebi o quanto eu parecia com a diretora.
Como eu nunca tinha percebido isso antes?
Eu sempre achei estranho ela ler um livro como esse, o livro realmente
citava 1001 nomes de outros livros, e cada vez que um livro era citado, ela
saía feito louca atrás daquela obra para lê-la. Resultado: Ela já havia lido 24
livros citados naquele imenso guia literário e ainda não tinha terminado o
próprio guia.
“Eu tenho sorte de ter você,” Sussurrei no ouvido dela. “Ainda estou
aqui por você.”
“Ah Jess,” Ela falava em meio a soluços. “Desculpe-me, deve ser difícil
pra você.”
Eu não precisei dizer nada, ela sabia o quanto eu era honrada por ter
a amizade dela.
As únicas pessoas que sabiam que a diretora Vânia era minha mãe
era eu, Milla, a própria diretora, e o Sr. Hung. E eu preferia que continuasse
assim, já que eu não a considerava como uma mãe, não faria nenhuma
diferença os outros saberem ou não.
“Não é disso que eu estou falando,” Ela fingiu ser indiferente. “Estou
falando de você e da sua...”
“Eu só durmo lá mesmo,” Falei mexendo a mão. “Já vi essa aula mais
de mil vezes, você acha que eu preciso realmente dela?”
“Se alguém pedir,” Milla continuou. “Eu não te vi sair do quarto desse
jeito, vão achar que eu estou ficando louca como você.”
“Queria saber se você quer ir numa festa que vai ter no meu
dormitório.” Ela parecia nervosa por falar comigo. “Vai ser divertido.”
Aquele papinho nunca ia colar comigo, mas talvez fosse divertido ver
as patricinhas e os machões do Instituto juntos, aquilo ia feder a hormônios,
mas eu estava interessada em ver como pareceria.
Isso sim surpreendeu Lyra, mas ela parecia aliviada em eu ter aceitado
a proposta.
“Hoje as sete no meu dormitório.” Ela respondeu retribuindo o sorriso e
depois saiu da sala.
Aquela aula tinha que terminar logo para eu poder contar para Milla
as novidades, eu não sabia como seria a reação dela.
Bom, ela sempre dizia que eu tinha que me enturmar com as pessoas,
ser mais simpática, sociável. Eu sempre achei tudo isso uma besteira e
sempre deixei bem claro isso para Milla, ela iria se surpreender em me ver
indo a uma festa, ainda mais uma festa que Lyra estaria.
Eu geralmente não era tão mal educada, sempre era a última a sair
da sala sempre por preguiça de levantar rapidamente, mas você tem de
convir que minha pressa era por uma boa causa!
“Você só pode estar brincando,” Ela pôs uma mão na minha testa.
“Você está com febre não está?”
“Não,” Falei tirando a mão dela de perto de mim. “A Pearl está dando
uma festa e me convidou, na verdade eu acho que a Lyra mandou ela me
convidar, então eu quero ver o que está reservado pra mim lá. E eu não vou
a lugar algum sem você, então se arruma e... Ajude-me a escolher uma
roupa.”
“Ok, eu vou nessa festa com você,” Ela falou rapidamente. “Mas você
tem que prometer não arranjar briga lá.”
Cruzei os dois dedos na minha frente e os beijei como sinal que ela
poderia confiar em mim. Eu não pretendia brigar mesmo.
Depois o meu gesto, Milla correu para o banheiro tomar banho. Ela era
a única NERD que eu conhecia que gostava realmente de festas. Eu deveria
gostar de festas, provavelmente gostasse se vivesse em algum lugar normal,
se e fosse normal, mas já que a vida não permitiu ser assim me transformei
em uma “festafóbica”.
Tenho que admitir que eu criei essa imagem temerosa, e até gosto
dela. Quando as pessoas temem você, elas o respeitam. Ser durona foi o
modo que encontrei de poder levantar a cabeça no Instituto, e deu muito
certo, ninguém era melhor do que eu lá.
“Já sei o que vou vestir, e já sei o que você vai vestir!” Ela falou abrindo
o armário com uma mão enquanto segurava a toalha com a outra.
“E o que é que eu vou vestir?” Falei entrando no banheiro.
“Isso é completamente...”
Eu sabia que ela iria iniciar uma lição de moda, então a interrompi.
“Uma coisa por vez. Hoje o vestido, um dia quem sabe o salto.”
Ela sabia que eu nunca usaria salto, mas não se opôs, a vontade de ir
à festa era maior que os seus caprichos.
“Se ele cair no meio da festa eu te mato.” Era a frase que eu repetia.
“Um vestido desses e você coloca tênis.” Ela falava revirando os olhos.
Eu não me importava.
Milla era apegada com essas coisas sobre moda, ela dizia que a
primeira coisa para conquistar um garoto é a aparência e por isso ela
sempre estava impecável. Eu me perguntava as vezes porque ela ainda era
solteira.
Você sabe, ela era uma garota bonita, divertida e muito inteligente,
sempre estava paquerando alguém mas nunca tinha arranjado um
namorado de verdade.
“Só uma coisinha.” Ela falou puxando o palito japonês que estava no
meu cabelo.
Meu cabelo caiu como uma cortinha sobre meus ombros. Ela sorriu.
“Agora vamos.”
O quarto era grande e tinha portas de vidro que davam para uma
calçada externa de onde dava para ver o jardim. Ser rico no Instituto te
dava algumas mordomias, como quartos melhores, camas melhores, tudo
melhor. Mas eu não ligava muito para essas coisas de conforto. Tendo um
lugar para dormir já era o suficiente.
“Pensei que não era permitido bebida alcoólica aqui dentro.” Falei
acompanhando-a.
“E não é.”
Andamos pelo quarto tentando não esbarrar nas pessoas, o que foi
muito difícil. Praticamente todos os veteranos do Instituto estavam lá: Os
jogadores, as patricinhas, os emos e os nerds. Como ela tinha conseguido
enfiar tanta gente num só quarto?
“É aqui que eu me divirto.” Falou Milla se soltando de mim.
“Eu vou estar bem ali com o John.” Falou ela apontando para o
atacante do time de futebol. “Se precisar é só vir me chamar.”
Então eu vi a porta que dava para a calçada aberta e segui até lá.
“Havia boatos, acho que perdi uma grade de cerveja.” Ele estava
bagunçando o cabelo com uma cara de preocupado.
“Se você quiser eu finjo que não vim,” Falei cruzando os braços. “Acho
tudo isso uma besteira mesmo.”
“Você pode voltar para suas amigas se quiser.” Falei gesticulando com
a cabeça.
“Cara, eu já disse pra ela que ele não presta.” Ele se esparramou no
banco.
Eu só sorri. Era verdade, John não prestava. Ele era apenas uma
montanha de esteróides.
“Sabe,” Continuou ele. “Eu quase não te reconheci com esse vestido.”
Senti minha face corar.
“É...” Eu respondi suspirando. “Eu quero que você saiba o motivo, mas
não sei por onde começar.”
Era verdade, a história não era complicada, mas aquilo retorcia dentro
de mim. Se eu não ligava para quem era a minha mãe, então por que eu
me sentia assim?
“Mas isso deveria ser uma coisa boa.” Falou ele com uma voz confusa.
“Não no meu caso,” Respirei fundo. “Eu sempre conheci minha mãe
Ty, mas ela nunca teve coragem de admitir que eu era sua filha, nunca me
deu um abraço e ela sempre esteve perto de mim.”
“Mas você está aqui desde que eu me conheço por gente,” Ele
parecia mais confuso. “Eu lembro de quando você chegou, eu era pequeno
mas eu lembro de você bebezinha.”
“É, falaram para mim que eu havia sido abandonada aqui, mentiram
para mim minha vida toda!”
Minha voz tremia, mas não por vontade de chorar, por raiva.
“Mas isso é expressamente proibido.” Ele falou olhando para mim. “Um
meio anjo não pode se relacionar com outro anjo, é arriscado demais.”
Essa era uma das primeiras regras. Meios anjos nunca poderiam se
relacionar com outros anjos, o resultado poderia ser filhos muito especiais,
que seriam caçados o resto da vida.
“É por isso que ela não me deixa sair daqui,” Falei cerrando os dentes.
“Ela tem medo que me matem lá fora, como se ela se importasse de
verdade.”
“Ela se preocupa com você Jess.” Ele disse ajeitando o meu cabelo
atrás da orelha.
“Ela não se importa comigo Ty, ela só tem medo de eu morrer porque
então ela terá o meu sangue nas mãos.”
“Você vai ficar bem Jess, você tem a mim.” Ele segurou meu rosto
entre as mãos.
“Por fazer você usar esse vestido,” Ele sorriu. “Nunca vou esquecer
disso.”
Então eu percebi que Lyra não estava lá. Isso não cheirava bem.
Era mais do que estranho. Uma das suas melhores amigas dá uma
festa e não convida você, ou então ela não quis ser convidada. Isso não
fazia sentido, todos, absolutamente todos os veteranos estavam lá. Inclusive
todo o grupo de amizade e Lyra, menos a comandante do grupo que era a
própria Lyra.
Cheguei a pensar se ela havia morrido, não que alguém fosse sentir
falta, mas era muito estranho.
De repente houve um estrondo que fez o chão tremer. Não era como
um terremoto, mas sim como uma pequena vibração sísmica sobre os meus
pés. Talvez somente eu tivesse sentido, já que as outras pessoas continuavam
a dançar sem problema nenhum.
E eu senti medo.
Corri até ela e joguei-me no chão para apoiar a cabeça dela no meu
colo. Notei que os olhos do dragão continuavam grudados em mim.
Eu não tinha tempo para ouvir gritos naquele momento, eu tinha que
correr para algum lugar.
Olhei para os meus pés e fiquei feliz por estar de tênis, teria sido
completamente impossível correr tudo aquilo que eu havia corrido de salto.
Lembrei-me de Milla novamente.
Olhei para a janela, pedi a Deus que me desse tempo para pular pela
janela e dar a volta pelas salas para encontrar o dragão e pegá-lo de
surpresa. Apoiei a espada em uma mesa e senti que o calor vindo da porta
estava cada vez mais intenso.
“É agora.” Pensei.
Corri até meu coração quase explodir. Meu sangue pulsava tão
rapidamente por minhas veias e minha respiração estava ofegante, eu havia
nascido para aquilo que eu iria fazer, eu era uma máquina que havia sido
feita para caçar.
Pode ter sido coisa da minha imaginação, mas naquele momento ele
parou de se retorcer, como se estivesse esperando a morte que era certa,
como se quisesse morrer com dignidade.
Então eu retirei a espada de trás do meu vestido e cravei no seu
crânio.
Senti que o grande dragão havia perdido o espírito e seu corpo estava
sucumbindo. Saltei de cima da cabeça do animal antes que ele caísse e me
esmagasse junto. O grande dragão estava morto e eu o havia matado.
Senti braços envolvendo o meu corpo, só então percebi que era Tyller
me abraçando, tudo havia acabado, deixei o peso do meu corpo se apoiar
no corpo de Tyller.
“Você foi ótima,” Ele respondeu prontamente. “Vamos temos que sair
daqui.”
“Milla...” Comecei.
“Ela está na enfermaria, ela vai ficar bem.” Tyller parecia falar a
verdade.
Senti um enorme alívio por Milla estar bem, se algo acontecesse à ela
eu não saberia o que fazer, se Milla tivesse morrido, ela teria morrido por mim,
somente esta idéia me embrulhava o estômago.
Continuei a olhar para quem estava ao meu redor, vi a Sra. Vânia com
os olhos cheios de lágrimas. Eu não me importava se ela estava chorando,
eu não me importava com ela. Ao lado dela estava Lyra, para minha
surpresa ela não estava pasma e nem paralisada, ela parecia normalmente
tranqüila, como se nada tivesse acontecido. Do outro lado estava o Sr. Hung,
me olhando com orgulho, com tanto orgulho que seus olhos brilhavam.
“Ele ia te atacar,” A voz dela era fraca e frágil. “O que eu poderia ter
feito?”
Eu havia contado a minha teoria para Milla. Ela não riu de mim como
eu imaginava que seria, mas me disse para esquecer dessa paranóia.
Era verdade, eu não tinha provas que Lyra havia deixado o dragão
entrar pelos portões, mas algo me dizia que eu estava certa.
“Você não acha que eu estou louca né?” Pedi com a voz baixa.
“Jess, alguém deixou aquele animal entrar. Pode ter sido Lyra, como
pode ter sido qualquer outra pessoa, só estou dizendo que você não tem
certeza.”
“Tyller não quer me deixar bater nela,” Falei pesarosa. “Vou bater nela
e nele também!”
Eu iria escrever uma carta de despedida para ela, Milla era minha
melhor amiga, porém eu não conseguiria despedir-me dela pessoalmente,
me mataria ver ela magoada.
Do lado de fora estava Tyller, ele agora havia virado a minha sombra
desde que eu havia contado a ele meus planos de fuga.
“Você não tem mais o que fazer?” Pedi dando um leve empurrão
nele.
“Você não espera que eu te convide pra entrar.” Supus. Ele não
respondeu. “Olha, eu vou tomar um banho e dormir Ok? Estou muito
cansada e... Amanhã a gente se vê.”
Ele ficou com os olhos grudados no meu rosto como se ele estivesse
me analisando.
“Deus, eu sei que Você existe e eu sei também que não posso exigir
nada de Você, já que eu não tenho sido exatamente uma pessoa fiel à
oração, mas se for possível... Eu preciso de proteção.” Meu corpo relaxava
conforme eu ia dizendo as palavras, a água escorrendo pela pele. “Talvez
essa seja a maior burrada que eu farei na minha vida, mas eu preciso fazer
entende? Não quero colocar em risco as pessoas que amo, não quero... Não
quero elas feridas por minha causa... Então se for possível, eu peço que o
Senhor as proteja também, Milla sabe se cuidar sozinha, mas não sei como
ela vai ficar com a minha ausência e o Tyller... Bom, faça com que Tyller
continue sendo do jeito que é.”
Aquele deve ter sido o banho mais longo da minha vida, pois quando
saí debaixo do chuveiro notei que meus dedos estavam enrugados.
“Droga, por que dói tanto? Fazer as malas não deveria abrir um
buraco no meu peito, ou talvez sim. Coloco agora a minha amada calça de
couro, que ela me dê sorte, que os ventos me levem para o lugar correto.
Milla, não quero que você fique brava comigo, eu disse a você que
algum dia fugiria daqui! Está certo que nem eu pensava que faria algum dia
isso de verdade, mas agora eu tenho um motivo real, e não se preocupe, eu
nasci para fazer isso, nasci para proteger os outros, vou conseguir me
proteger.
Tyller, por favor cuide da Milla e seja você mesmo, mande o “Tyller
capitão do time” embora, você é muito melhor que isso.
Sra. Vânia, não coloque ninguém atrás de mim, eu vou saber, eu
voltarei quando for a hora, não me deixe mais decepcionada com você do
que já estou.
Lyra... Vá se ferrar!
Passei pela janela e estendi meus braços para dentro do quarto para
pegar minha mochila com algumas roupas, meu diário, meu cartão do
banco, e algumas barras de cereais que eu tinha roubado do refeitório,
também tinha um cantil com água, uma faca de prata e três canivetes que
eu também tinha roubado. Eu tinha pensado em roubar uma espada e um
arco com algumas flechas, talvez um machado, mas seriam muito difíceis de
carregar, eu dava um jeito de conseguir algo do estilo quando estivesse lá
fora.
Fechei a janela sem fazer qualquer som, coloquei a mochila nas costas
e corri em direção ao muro.
Tudo bem, eu realmente não era normal, pessoas normais não tem ¾
de sangue angelical correndo pelas veias.
Abri meus olhos enquanto ainda estava no ar, aliviada por ver o muro
embaixo de mim e não na minha frente.
Ele continuava sem dizer nada, aquilo fez meu sangue ferver.
“Você quer uma luta?” Uma risada forçada saiu da minha boca.
“Acho que não, você nunca ganharia...”
Ele fechou a minha boca com dois dedos de sua mão, seu olhar
pesaroso.
“Jess, você não deveria estar fazendo isso.” Tentei falar mas ele
manteve os dedos sobre minha boca. “Aqui fora é muito diferente, você não
duraria muito tempo...”
“Eu vou morrer se ficar ali dentro com todo mundo olhando para mim
como se eu fosse uma louca!” Senti minha garganta trancar. “Você não
entende, nunca entenderá não é mesmo?”
“Tente me impedir.”
“Você é mesmo um idiota,” Joguei minhas mãos para cima. “Eu não
preciso da sua ajuda!”
“A é?” Ele se virou para mim com uma voz de ceticismo. “Quanto
dinheiro você tem para comer, se alojar? Ou pretende roubar comida
também como você fez com a faca e as outras coisas?”
Como...
“Eu cuido da sala de armas Jess, eu sei o que entra e o que sai de lá.”
Ótimo, havia sido pega no meio da minha fuga por causa de umas
facas idiotas. Bem que me falavam que o crime não compensa.
Fiquei feliz por ele fazer uma estimativa tão alta sobre a minha
duração, no Instituto as pessoas falavam que o máximo que um meio-anjo
poderia durar no mundo exterior era meio dia, pois quando chegasse a
noite, já estaria morto.
“Onde você vai?” Falou ele, indo atrás de mim com passos pesados.
“Pegar o trem, onde mais?”
Eu dei risada, o que no mundo fazia ele pensar que ele iria comigo, ou
melhor, que eu o esperaria para ele ir comigo. Continuei andando sem olhar
para trás.
“Está frio,” Falei ainda rindo. “Você vai congelar sem um casaco
decente.”
“Eu não pedi pra você vir junto Tyller, se você morrer de frio, a culpa
não será minha.”
“Você vai me agradecer depois, você vai ver!” Disse ele.
“Faz muito tempo desde que eu saí para a minha última missão ok?”
Aquelas palavras de Tyller fizeram meu sangue ferver. Ele havia saído
para várias missões, nenhuma muito importante, mas as missões permitiam a
ele sair do Instituto, respirar ar puro, ver o mundo como realmente é...
“Você vai realmente fazer isso, não vai?” Perguntei respirando fundo.
“Ir comigo para onde eu for.” O jeito que essas palavras soaram,
parecia mais um filme romântico, não a tragédia grega que aquilo estava
sendo.
Ele parecia ser muito rabugento, sua testa tinha mais dobras que o
caroço de um pêssego, sua barba era torta e estava suja de carvão, assim
como todo o seu rosto. Porém, ele tinha belos olhos azuis.
“Somos do Instituto há alguns quilômetros daqui...” Falei olhando-o nos
olhos. “Estamos precisando de uma carona, se for possí...”
Para um jogador de futebol, até que Tyller era bem inteligente. O cara
nunca nos levaria para algum lugar se pensasse que tínhamos algum tipo de
pacto com o diabo.
Este era diferente do primeiro. Ele era alto, tinha expressões faciais
leves, e parecia ser muito simpático. Porém, também estava sujo de carvão.
“Esses dois estão dizendo que fugiram daquele antro do demônio que
tem há alguns quilômetros daqui.” Era muito estranho ouvir aquele homem
falar dessa forma sobre o lugar onde você viveu sua vida toda, mas eu não
podia fazer nada. “Eles querem uma carona.”
“Seu idiota! Já estamos atrasados, você pára cada pouco pra ajeitar
essas sacas e agora quer levar bagagem a mais?” Eu daria um soco na cara
daquele velho depois.
Tyller tinha ajudado muito, para falar a verdade, somente graças a ele
é que estávamos em um trem seguindo para “A boca do inferno”, ou como
é conhecida pelos humanos, Nova Iorque.
Era bom que ele não estivesse debochando de mim, porque eu iria
jogá-lo para fora do trem em movimento e veria seu corpo se estraçalhar
pelos trilhos.
“Do que você está rindo?” Falei irritada. “Você sabe o quanto é difícil
pra mim... Eu nunca agradeço ninguém por nada, e quando eu resolvo
bancar a boazinha vem um idiota como você e começa a rir da minha
cara, eu sou muito boba mesmo.” Após dizer isso me virei de encontro com a
parede do vagão e escorei minhas costas em um dos sacos de carvão.
“Nas outras missões foi a mesma coisa. Sempre que chegamos até eles
e dizemos que somos do Instituto o cara velho inventa uma história: seita,
tráfico de órgãos... Cada vez é uma diferente.”
Ouvi seus passos vindo em direção a mim, e logo depois ele estava
sentado do meu lado.
“Todos nós que saímos para missões somos orientados a pegar o trem,”
Tyller olhava para o nada, assim como eu. “Os dois homens são loucos
apesar de só um parecer. Há muitos anos eles transportam carvão, há muitos
anos eles dão carona para gente como nós, e nunca se lembram de nada.”
Nada. Tudo.
Milhares delas morrem todos os dias, mortas por pés humanos ou pelos
venenos que as pessoas colocam por aí para matar a “praga”, isso me faz
pensar o quão egoístas e egocêntricos os humanos conseguem ser. Tudo o
que uma formiga quer é uma migalha de pão, e mesmo assim são mortas.
“Hey, o que você tanto olha nessa parede?” Tyller falou de repente,
dando-me um baita susto.
“A lua,” ele começou com a voz baixa. “Acho que faz muito tempo
que eu não olho pra lua quando ela está cheia, bonita não é mesmo?”
Olhei para a lua, ela realmente era muito bonita. Ela estava cheia
naquela noite, especialmente grande devo dizer, parecia que se você
esticasse o braço conseguiria tocá-la.
“Eles não são tão sortudos assim,” Disse Tyller, agora abraçando as
pernas. “Eles podem tocá-la, mas não podem senti-la. Anjos não sentem
nada pelo corpo todo. Que graça tem em você tocar algo e não sentir
isso?”
“Sua sorte que eu não costumo usar coisas muito femininas,” Disse
sentando-me de novo ao lado dele. “É grande para mim, deve ficar bom
em você e, por favor, cuide desse moletom.”
“É o meu favorito.”
“Eu só estava pensando,” Ele virou de frente para mim. “Se você tinha
esse moletom desde o começo, por que não me ofereceu ele enquanto
caminhávamos e eu disse que estava com frio.”
“É você quem está dizendo isso, não eu.” Dizendo isso lancei-me para
trás em um saco de carvão.
“Boa noite Tyller.” Sussurrei baixinho, tive dúvidas se ele tinha ouvido
realmente.
“Há algo de muito errado aqui,” O anjo Cam disse para Samuel. “Eu
escuto... James, o pau mandado de Heniack, ele está aprontando alguma
coisa, eu não consigo dizer o quê, ele está me bloqueando. E tem outra voz,
uma garota, não consigo tirar da minha cabeça.”
Sem mais perguntas, Cam bateu as asas com impaciência para voar
até Sacramento, o mistério dos arcanjos o irritavam completamente, mas ele
sabia que não havia nada a ser feito, tudo acontecia no momento que
devia acontecer e blá, blá, blá. A única coisa que ele podia fazer era
esperar, com muita paciência, que seu destino fosse mais excitante do que
ser apenas um mensageiro de segunda classe... Enquanto o dia não
chegava, ele iria bisbilhotar a mente de James um pouco mais, Samuel
podia até pensar que aquilo não era nada, já que seres ruins só pensam em
coisas ruins, mas algo dizia a Cam que aquele pensamento em especial
oferecia algum risco a todos, algum risco, talvez, mortal.
Capítulo 8 – De onde os anjos vêm?
Eu não sei ao certo o que eles ficaram fazendo a noite inteira, mas eles
gritaram. Riram. Provavelmente beberam.
Igualzinho a Tyller.
“Hmmmm...”
Bom, não sei realmente se aquilo poderia ser considerado uma fala,
estava mais para um gemido.
“Nem temos café!” Ele falou virando a cabeça para outro lado, e
voltando a dormir.
OK! Pensei comigo mesma. Se ele não queria comer, pois então que
não comesse. Eu iria comer minhas barras de cereal deliciosas, e ele que
passasse fome.
Olhei para todos os cantos mas não vi ninguém, até que virei meus
olhos para cima.
Seus cabelos não eram loiros como eu havia imaginado que todos os
anjos possuíssem. Ele era ruivo e seus olhos eram de um azul cintilante,
daqueles que você reconheceria como azul mesmo no escuro.
“Você fugiu do Instituto e ninguém ficou muito feliz com isso, porém, eu
tenho ordens expressas para manter você protegida o quanto for possível.”
“Você não deveria ser tão pretensiosa querida, se você me irritar posso
mandar você e seu amigo de volta para o Instituto nesse instante, só me
exigiria um farfalhar de asas.” Seu semblante não era tão duro quanto suas
palavras.
“Sim.”
“E eu falaria o que?”
“Existem pessoas que pensam uma coisa e dizem outra totalmente
diferente, minha cara,” disse ele fechando as asas novamente. “E devo lhe
dizer que a maior parte delas faz isso.”
“Você não deveria ter saído do Instituto.” Adicionou ele com uma voz
pesarosa.
“Um dragão não deveria ter entrado lá sem ser convidado.” Rebati.
“E ele não entrou,” Seus olhos agora possuíam dor. “Ele foi convidado.”
“É por isso que eu não vou te mandar de volta para onde você veio.”
Ele falou. “Não até você descobrir direito o que Heniack está planejando.”
Fiquei esperando ele continuar com a resposta, mas ele não o fez.
“E por que vocês não descobrem isso e pronto? São tão grandes,
guerreiros e tudo mais, com um soco tenho certeza que você derrubaria
qualquer dragão.”
“Diga a ela que Samuel Orjacan pediu para que a procurasse, ela
entenderá. Agora menina, que já dei meu recado, devo ir. Seu amigo
acordará em 32 segundos e eu recebi ordens para que só você me visse.”
“Até logo menina, quando tudo estiver escuro não esqueça da luz que
há dentro de você.”
Fingi não ter ouvido a parte do sonho. Na verdade, fiquei com medo
de perguntar e ouvir a seguinte resposta: “Sonhei com você falando com um
anjo ruivo e enorme.”
“Sabe do que me lembrei agora?” Ele disse fazendo sua última seção
de alongamento.
“Calma gata,” Tyller falou abrindo um sorriso. “Eu notei a falta de facas
na sala de armas, então fui verificar se você estava no quarto, e você não
estava. Então eu vi aquele bilhete lá, e li. Depois coloquei de volta no lugar e
saí correndo atrás de você.”
Ele então, soltou a mochila e sorriu, sorriu de uma forma marota que,
juro para vocês, me deixou preocupada. Quando Tyller fazia aquela cara só
poderia significar duas coisas...
“O que eu escrevi?” Eu faria ele falar, nem que para isso tivesse que o
amarrar e ameaçar jogá-lo para fora do trem.
“Você disse que eu sou muito melhor que um capitão de time idiota.”
Ele falou se aproximando de mim. “E também disse que me ama.”
“Relaxa Jess, eu entendi o que você quis dizer.” Cada vez que ele se
aproximava eu me afastava.
“Você ama a mim como ama Milla,” Nesse momento eu parei e deixei
que ele chegasse mais perto. “Eu sei que é só amizade, mas mesmo assim,
gostei de saber que você me ama de alguma forma.”
“Fala sério, tanta coisa para pegar naquela cozinha e você me pega
barras de cereais, pensei que você fosse mais inteligente que isso Jess.”
“Onde?”
Ele sorriu.
Nada é o que parece, e tudo de ruim que pode acontecer, uma hora
ou outra, acontecerá.
Ir junto com ela para protegê-la, nem que isso custasse sua própria
vida.
Ele teria de fazer isso não só por Jess ser única no mundo inteiro, isso
com certeza era um fato muito importante, contudo, ele tinha que protegê-
la por ela ser importante demais para ele.
Ele não se via em um mundo onde Jess não existisse, e ele nunca
entendeu direito esse sentimento. Tyller sabia que existia uma grande
amizade entre eles, e que sempre poderia contar com Jess para o que fosse
e vice-versa, porém o sentimento que ele teve quando percebeu que a
durona Jéssica tinha fugido, foi algo além do seu próprio entendimento.
Ficar no Instituto não teria mais sentido se Jess não estivesse lá, e ele só
percebeu isso quando estava a ponto de perdê-la.
Tantas garotas caídas por ele naquele lugar e ele ia se apaixonar justo
pela qual não o via como outra coisa a não ser um amigo. Seria muito azar.
Se Tyller estivesse mesmo apaixonado por Jess, seria a maior prova que
o mundo é um lugar totalmente injusto.
Muito menos justo são as guerras que acontecem o tempo todo entre
os humanos por motivos absurdos. Qualquer objeto insignificante é motivo
para briga. As pessoas brigam para ver quem é melhor no trabalho, quem é
melhor amigo, enfim, para ver quem é melhor, e não percebem que, se elas
aceitassem uns aos outros como eles realmente são, não só a vida se
tornaria mais justa, como o mundo se tornaria melhor.
A única coisa que eu não conseguia tirar da minha cabeça era Milla.
Como será que ela estava naquele momento? Ela já teria saído da
enfermaria?
E o mais importante...
Milla era uma garota com o coração muito bom e no Instituto sempre
estávamos juntas.
Eu sabia que ela era muito mais sentimental que eu, então se para
mim estava sendo difícil a nossa distância, quanto estaria sendo para ela?
Ele podia partir para cima de mim a hora que quisesse. Eu poderia
acabar com ele com uma mão, não, com as duas mãos amarradas nas
costas. Um chute no rosto dele era o suficiente para deixá-lo inconsciente
por um bom tempo.
“Não diga uma coisa dessas, esse cara aqui é um bêbado. Ele
cobraria tudo em bebidas.”
“Como você pode dizer isso?” Perguntei pra Tyller olhando-o nos olhos.
“O inferno simplesmente subiu para a terra e eu sou a única que me
importo? Não tem um puto de um anjo aqui pra cuidar dessa gente e
ficavam me mantendo naquela porcaria de Instituto!”
“Com ninguém que você conheça.” Tentei ser dura, para ver se o
assunto acabava por aí. “Precisamos achar uma cabine telefônica.”
“Viu, você disse que eu nunca conseguiria um táxi com o meu aceno.”
Tyller se divertia com a sua conquista.
E depois, qualquer ajuda que ela pudesse nos dar seria um grande
passo.
“Preciso falar com Amanda Petterson.” Falei com uma voz decidida.
“Vocês tem hora marcada?” Pediu o maior deles, aquele cara devia
tomar esteróides.
Terceiro andar.
Eu estava ansiosa, mas não deixei isso transparecer para Tyller, ele iria
me encher de perguntas e tudo mais.
Chegando ao terceiro andar, nos dirigimos até a última sala, que era a
de Amanda.
Talvez fosse isso mesmo, eu não tinha visto nenhuma alma viva, muito
menos morta, desde que entramos no prédio. Não tinha um recepcionista,
nada. Somente aqueles dois seguranças na porta principal.
“Só uma pessoa pode entrar,” ela ordenou. “Não é necessário mais de
duas pessoas para uma conversa fluir, mande o garoto ficar fora.”
Era, sem sombra de dúvidas, a sala mais esquisita que eu já havia visto.
Metade da sala estava pintada com tinta preta, e metade com tinta
branca, mas ambas as partes tinham adornos dourados.
“Jéssica de quê?”
Amanda Petterson era uma mulher bonita. Ruiva, alta e de olhos azuis
que enxergavam no mais profundo da sua alma. Você poderia sentir o
poder que vinha dela mesmo se estivesse longe. Parecia não ter problemas
em falar com as pessoas, o que ela falava era lei.
“O arcanjo não é?” Disse ela, mas como uma afirmação do que como
uma pergunta.
“Típico dele,” Ela respondeu sorrindo. “Bom Jéssica, você sabe que
existe o céu, o inferno e um equilíbrio entre os dois. Eu faço parte do controle
do equilíbrio, então resumindo... Sou neutra. Meu trabalho é manter a ordem,
tanto anjos quanto demônios devem informar tudo o que acontece a mim.
Eu não posso favorecer nenhum dos lados, mas também não posso deixar
que um lado seja injustiçado, você entendeu?”
“Eu sei de tudo querida, sabia seu nome antes de você me contar,
mas achei melhor perguntar para iniciar uma conversação mais informal. O
negócio é, você nem deveria estar viva. Quando fiquei sabendo que Vânia,
que já tem metade de sangue angelical dentro dela, tinha ficado grávida
de outro anjo, dei a ela duas opções: 1 – Ela se desfazia de você antes que
isso interferisse no equilíbrio; 2 – Ela te segurava presa no Instituto para que
você nunca pudesse interferir no equilíbrio. Levando em conta que você
está aqui fora, acho que ela não conseguiu cumprir nenhuma das minhas
propostas.”
Eu não entendia mais nada, primeiro ela havia dito que eu não devia
nem existir, depois falou que estava feliz por eu ainda existir. Amanda
Petterson teria que se decidir.
“Você e seu amigo podem ficar aqui no prédio por enquanto, a sala
aqui ao meu lado tem uma suíte com um banheiro e tudo. Vocês estão meio
cansados então sugiro que não saiam feito uns adoidados por aí atrás do
Heniack nesse momento. Vão amanhã, depois de descansar um pouco.
Heniack fica em um prédio do subúrbio, eu darei as coordenadas certas
para vocês quando for a hora. Ele não fará nenhum mal a vocês, o
problema não é Heniack em si, mas sim seus guardas. Se vocês conseguirem
chegar até ele, terão todas as respostas que procuram, o problema é
chegar. Não querendo lhe desanimar moça, mas nunca ouvi falar de
alguém que tenha conseguido...”
“Mas também nunca ouvi falar de uma 2/3 de sangue angelical indo
até lá.” Ela parou um pouco, puxando uma grande corrente de ar. “Na
verdade, nunca ouvi falar da existência de um, não até hoje. É contra o
protocolo.”
“Lê mentes, sabe quando estão mentindo para ele, faz com que as
coisas aconteçam com a simples força do pensamento, tem a capacidade
de matar demônios fracos com um simples olhar e... Tem o olhar divino sobre
eles, você nunca estará sozinha Jéssica, pode acreditar.”
“Eu acho que meu lado anjo é falhado então.” Falei secamente.
“Você ainda é nova garota, nem 18 anos você tem ainda. Os poderes
vem com o tempo, só tente ficar viva até lá.” Amanda se dirigiu até a porta
para abri-la. “Se for só isso, acho que você e seu amigo podem se
acomodar no quarto. Tenho muito trabalho para fazer. Pegue tudo o que
quiser no quarto, o frigobar está abastecido também, então tenham uma
boa noite de sono.”
Amanda tinha sido uma pessoa muito legal, mas eu ainda não me
conformava com o fato que, uma pessoa com o poder dela, fosse neutra
nessa história toda. Se eu estivesse no lugar dela, daria um golpe de Estado e
mandaria os demônios para... o inferno?
Tirei a roupa e fiquei tão feliz em me libertar delas. Olhei para a minha
pele no espelho, tão branca e sem nenhuma marca que eu parecia ter sido
feita de algodão. Liguei a torneira para a banheira encher.
Nunca diria isso a ninguém, nem Milla sabia desses meus sonhos
sexuais, nem nunca saberia de minha luxúria. Muito menos de quem me
acompanhava no sonho, só de pensar no assunto eu já ruborizava, a água
da banheira queimando contra minhas bochechas.
Saber que ele estava tão perto e tão inalcançável me matava por
dentro, eu me odiava por sonhar com ele.
Chegava ser ridícula a idéia que isso transparecia. Amanhã eu iria falar
com Heniack, nem que para isso eu tivesse que passar por um exército de
coisas ruins, não me importava. Mesmo que meu corpo se rasgasse, se eu
ainda conseguisse andar e estivesse consciente o suficiente para fazer
perguntas a Heniack eu o faria.
Não! Minha mente gritou. “Já estou saindo.” Respondi em voz alta.
“Eu não disse nada ok?” Falou ele, sua voz se afastando da porta. “O
que há de errado com ela?”
Virei-me para olhá-lo, ele estava com os olhos fixos em mim. Mas com
a boca totalmente fechada.
“Apenas pare de pensar tão rápido, cante uma música, conte até 25
milhões bem devagar, mas pare com essa confusão que está na sua
cabeça!”
Ela não precisou dizer em voz alta para que eu reconhecesse a sua
“voz”.
“Olha, eu não sei como funciona direito,” Ela falou colocando uma
das mãos na cintura. “O que sei é que, com essas palavras que eu disse,
você não vai mais ouvir o pensamento de todo mundo que passar por perto
de você, a não ser que você queira, porém os pensamentos de anjos você
ouvirá, sempre que eles forem redirecionados a você. Agradeça ao seu
amigo Samuel por ter me ensinado isso, ele me disse que aconteceria algum
dia e que você precisaria disso, ou então teria que conviver com milhões de
vozes dentro da sua cabeça até que você aprendesse a controlar. O que
eu, particularmente, acho muito mais interessante.”
Resolvi fazer um teste para ver se tinha controle absoluto do meu novo
dom. Desejei poder ouvir o pensamento de Tyller uma só vez, e então
começou.
... Agora não tenho privacidade nem nos meus pensamentos!
“Juro não ficar fuçando na sua cabeça,” Disse para ele fechando os
olhos. “A não ser que precise muito!”
Então ele pegou uma muda de roupa que ele tinha encontrado,
provavelmente no closet do quarto, e foi para o banheiro, me deixando
totalmente estática.
Capítulo 12 – Morrerão juntos
Quem conseguiria dormir sabendo que no outro dia iria encontrar com
um bando de demônios em um antro de perdição?
Boate Mercarry
Ok, eu estava indo em uma boate pela primeira vez na vida, e nem
sequer era para diversão.
Ou talvez fosse...
Aquele elogio vindo dele me fez querer ser a melhor de todos os estilos,
e depois de muito treinamento eu consegui.
Sr. Hung sabia que eu era filha da Sra. Vânia, sabia que eu tinha mais
sangue angelical em mim que o normal, não que ser filho de anjo fosse
normal... Devia ser por isso que ele sempre exigiu tanto de mim, a ponto de
me fazer odiá-lo uma época.
“Você não é tão boa assim...” Ele tinha falado, fazendo sua posição
de Louva-Deus.
Nós começamos a lutar, e devo dizer que foi uma briga feia. Na
época eu não sabia que tinha um poder tão grande dentro de mim e
admito que, mesmo se eu soubesse, não teria mudado em muita coisa a
nossa luta. Hung era um cara bem fortão, ele conseguia me agarrar pelo
pescoço com freqüência, mas eu sempre dava um jeito de me livrar dos
braços dele e revidar.
“Eu não acho que você deveria ir,” Eu disse a ele, quebrando o
silêncio que pairava entre nós. “É muito perigoso.”
“Tudo bem,” Eu tinha entendido o recado. “Só acho que você não
deveria se arriscar assim por mim.”
“Você não entende mesmo né?” Tyller soltou essa pergunta no ar, e eu
não tinha certeza se era para eu responder.
“Eu estou aqui por você Jess, e essa história se tornou muito maior do
que era no começo, eu acho que uma guerra está para começar e eu não
sei o que fazer,” Tyller falava calmamente, com sabedoria. “Você é a chave
para tudo, se não fosse, os anjos não a teriam deixado viva, e eu vou te
proteger entendeu?”
“Eu esperei por isso minha vida toda,” O soltei do abraço, mas
continuei segurando suas mãos. “Tudo vai dar certo, você sabe, um de nós
pelo menos vai sobreviver pra contar isso pra alguém! Um de nós tem que
sobreviver, prometa para mim que, se eu morrer, você vai fugir.”
“Não diga uma coisa dessas,” Tyller tinha dor no olhar, era como se eu
o tivesse atingido direto no estômago. “Eu e você sairemos vivos, voltaremos
para o Instituto e puniremos o traidor.”
Algumas batidas e então a porta se abriu, era Amanda.
Amanda não tinha sido muito animadora nas palavras dela, mas eu
entendia o lado dela. Ela não queria tomar partido, ela não podia tomar
partido. A ajuda que ela estava nos dando já deveria ter me deixado grata
a ela, porém eu esperava que, pelo menos, ela nos abraçasse antes de
irmos.
Tyller riu, e soltou a minha mão para que eu pudesse entrar no carro,
logo em seguida ele entrou. O motorista então deu a partida, sem dizer uma
palavra, ele sabia onde tinha que nos levar, não havia motivo para
iniciarmos uma conversa.
“Tyller, olha um anjo lá,” Falei baixinho para que o motorista não
ouvisse. “Finalmente vi um!”
Boate Mercarry
Só de ver aquelas palavras de novo eu tive arrepios. O motorista do
táxi parou e esperou até que descêssemos, Amanda já havia pago pela
nossa corrida, então, assim que descemos do carro, o motorista deu a
partida com um cantar de pneus, como se quisesse sair logo daquele lugar,
como se soubesse o que existia ali.
Eu o puxei pelo colarinho para que pudesse olhar bem no fundo dos
olhos dele. Ele pareceu gostar do meu gesto, abriu um sorriso grande, porém
não revelou-me as presas. Eu entrei no jogo dele, percebi que aquele seria o
método mais fácil de entrar.
O outro vampiro deu risada, como se o que eu havia dito fosse ridículo.
Tudo que eu fiz foi responder com um sorriso falso e entrar na boate,
levando Tyller comigo.
Alguns minutos depois eu ouvi uma voz feminina que parecia dizer:
“Achei,” Falei para Tyller ao mesmo tempo que abri os olhos e desliguei
aquela loucura de leitura mental. “Vem comigo.”
“Vá até aquele sofá ali,” Eu disse apontando para um dos sofás pretos
perto do alarme de incêndio. “Fique por ali como se estivesse me esperando,
eu vou passar pelo alarme, tocar, então eu te encontro, esperamos as
pessoas saírem então trancamos as portas por dentro.”
“Você tem...” Tyller começou.
“Deve ser porque você está com o cheiro de merda que esse lugar
tem impregnado no seu nariz.” Respondi secamente. “E então como vai ser?
Vão me deixar falar com Heniack por bem?”
Tyller também havia pegado uma das minhas facas na minha mochila,
e agora ele a manejava como se ela fosse uma extensão do seu braço.
Desviando dos golpes e cortando os demônios sempre que podia.
Eu corri para salvar Tyller, todos os outros monstros que estavam na sala
me atacaram, eu fui desviando dos golpes e cheguei até o demônio que
estava segurando Tyller.
“Mas o que é que está acontecendo aqui?” Ouvi uma voz vindo do
topo da escada que levava para o segundo andar.
Aquele devia ser Heniack, o poder era exalado de dentro dele. Ele
estava em um corpo muito longilíneo e forte, vestido com um terno
possivelmente italiano. Ao ouvir a voz dele, todos os outros monstros se
ajoelharam.
“Ah sim,” Heniack disse olhando para mim. “A garota que matou o
meu dragão. Eu gostava dele menina, você sabe disso? Eu deveria lhe
arrancar a cabeça por isso.”
“Você interrompeu a luta porque viu que era inútil não é mesmo?”
Perguntei para Heniack lendo seus pensamentos. “E também porque você
não me quer morta, quer?”
Heniack fez um gesto para que nos sentássemos em um dos sofás. Nós
recusamos.
“Você poderia muito bem trabalhar para mim,” Heniack pegou uma
taça e a encheu de wiskey. “Eu lhe daria dinheiro, poder e você não
precisaria ficar trancada naquela joça de Instituto, o povo de lá não sabe o
que é vida. E os que conhecem, realmente, o mundo exterior não voltam
para lá.”
Heniack sorriu.
“Não pode ter sido Milla,” Eu disse com a voz rouca, lendo cada canto
da mente daquele demônio. “Ela... Ela se machucou, eu tenho certeza que
foi a Lyra...”
“Você não é ninguém para dizer quem merece morrer ou não,” Falei
com a voz áspera. “Ninguém que eu conheça é capaz de fazer isso.”
Heniack agora ria, uma risada zombeteira que me fez querer matá-lo e
dar o seu coração para os cachorros.
“Me diga, o que a humanidade fez de bom para vocês para merecer
proteção... Nada.” Essa era uma verdade. “Sua amiga Milla foi
abandonada, tratada como escrava a vida toda, aliás a maioria de vocês
passou por isso, e quando ganham a liberdade para sair do Instituto é para
quê? Para guardar a alma dos infelizes que os abandonaram. Tenha
paciência, os humanos merecem que suas almas queimem no fundo do
mais quente inferno, Milla sabe disso por isso que fez o trato comigo.”
“O que exatamente isso implica?” Eu perguntei com medo de ouvir a
resposta.
“Eu não posso deixar isso acontecer,” Falei mais para mim mesma do
que para Heniack. “Você pode esquecer que haverá essa guerra... Os anjos
vão trucidar vocês quando ficarem sabendo disso, e eu ajudarei.”
“É uma pena,” Heniack agora olhava para o relógio. “Outra pena que
eu não possa te matar agora, não eu pelo menos... Mas duvido que você
sobreviva até chegar ao Instituto.”
Sem falar nada, fui até Tyller que estava parado perto da porta,
segurei na mão dele e assim saímos da boate, Heniack ficou lá parado, nos
olhando sair.
Você sabe ler mentes querida, leia isso: Você não ficará viva muito
tempo, demônios...
Sim, porque tudo aquilo havia acontecido por causa de Milla, minha
única amiga, a única pessoa que eu realmente confiava estava prestes a
matar, por intermédio de outros, a sua melhor amiga.
“Não sei,” Eu disse sorrindo. “Mas tenho certeza que ele é muito melhor
que uma bazuca.”
“Está tudo bem,” Samuel disse tocando na minha face. “Eu levarei
você e seu amigo até o Instituto, não tenha medo pequena, eu não iria te
abandonar nunca.”
Todos os demônios que antes nos rodeava, haviam sumido, todos. Um
arcanjo é um guerreiro de Deus eu me lembrei, e com certeza Samuel era
um ótimo guerreiro.
“Não existe alguém que seja como você pequena,” Samuel agora me
soltou dos seus braços. “Você é a única do seu tipo. Agora, você e o garoto,
nas minhas costas, agora.”
Então o arcanjo levantou vôo. Cada batida da asa dele fazia com
que uma quantidade imensa de ar se deslocasse, nos impulsionando cada
vez mais para cima, cada vez mais rápido. Era confortável voar nas costas
dele, eu tinha certeza que era a melhor, e mais rápida, forma de viajar do
mundo.
Eu não sabia ao certo a quem ele se referia, mas eu fiquei feliz com a
idéia de ter seres no céu que regiam por mim.
“O que foram aquelas palavras que você disse?” Eu perguntei curiosa.
“Aquelas palavras estranhas.”
Samuel parecia estar sorrindo, mas eu não tive certeza por não
conseguir ver seu rosto.
Eu tinha certeza que ele estava rindo de mim, fazendo pouco caso.
Ótimo, um arcanjo irônico havia se juntado a turma também.
Minha cabeça estava a mil, meu coração mais ainda. A única coisa
boa que havia acontecido até aquele momento foi que eu pude,
finalmente, ter uma missão, eu só não esperava que fosse algo tão grande.
Agora ele estava tão perto que eu podia ver a cor dos olhos dele,
olhos pretos, pretos como carvão e os cabelos não tinham cor diferente. Os
olhos e cabelos contrastavam contra a sua pele branca, lisa e sem defeito
algum.
“Eu devia mandar costurarem a sua boca,” Samuel deu uma profunda
suspirada. “Ela cheira como Rise porque é filha dele, o nome dela é Jess e foi
por ela que lhe chamei, quando chegarmos ao Instituto explico tudo para os
dois, nem adianta vocês fazerem leitura mental, não vai colar comigo.”
Eu tentei, juro que tentei ler a mente do arcanjo, ele conhecia o meu
“pai”, eu realmente queria saber mais dele, mas tudo que eu conseguia
ouvir era a mente de Cam, enviando as mesmas perguntas para Samuel.
Cam olhou-me com aquele mesmo sorriso torto e uma cara de “fazer
o quê?”, eu fiz o mesmo gesto para ele. Tyller me segurou mais firme. Qual
era o problema dele? Ele queria quebrar uma das minhas costelas ou o quê?
“Me diz que você não fez aquilo Milla,” Eu segurava as lágrimas. “Me
diz que você não traiu a todos nós.”
Milla deu dois passos para trás, olhando para a multidão que
começava a se formar ao nosso redor. A notícia que eu havia voltado se
espalhou rapidamente, talvez a velocidade tenha sido aumentada pelo fato
de eu ter voltado com dois anjos junto.
“Traição?” Lyra perguntou no meio do público. “Eu disse a você que
eu não tinha nada a ver com o dragão, engoliu suas palavras Jess...”
“Não foi traição,” Milla disse com a voz alterada. “Simplesmente uma
solução, para todos nós. Não era para o dragão ter ferido ninguém.”
“Eu sei.” Ela respondeu com a voz firme. “Mas eu não vou mudar de
idéia, não vou proteger a mesma raça da mulher que me jogou aqui dentro
sem sequer me amar um pouco...”
“Heniack está vindo me buscar,” Disse Milla. “Ele falou que quando isso
acontecesse ele viria.”
“Se você não quiser você não precisa ir, você pode mudar de idéia.”
Minha voz estava cheia de esperança, eu não queria perder minha amiga,
não queria que ela se transformasse em minha inimiga. “Eu não quero lutar
contra você Milla, não faça isso.”
“Então não lute,” Ela falou com os olhos brilhando. “Venha comigo,
você sabe que eu estou certa.”
“Então assim será,” Disse Milla, abrindo um sorriso forçado. “Eu vou
embora, mas não esperem piedade de mim quando eu estiver com a
espada apontada para os seus pescoços durante a guerra. Não esperem
que eu poupe a vida de vocês. Nem mesmo você Jess, você não me apóia
agora, eu não hesitarei em tirar a sua vida.”
O pior de tudo é que eu sabia que ela estava falando a verdade, ela
não hesitaria em me matar. O que me deixava com mais raiva era que eu
não podia dizer o mesmo, eu não sabia se conseguiria matar Milla quando
chegasse o momento, não queria fazê-lo.
Uma mão pesada se apoiou no meu ombro, era Samuel com os seus 3
metros de altura à minha direita, Cam se aproximou e ficou à minha
esquerda.
A diretora possuía dor nos olhos, ela sabia sobre o que ele estava
falando, apesar de eu não estar muito certa sobre o assunto.
“Eu sabia que esse momento ia chegar,” A diretora sorriu, mas seus
olhos não. “Vocês vão cuidar bem dela não vão?”
“O que você quer dizer com isso?” Tyller arregalou os olhos, fitando-
me.
“Ela quer dizer que Jess vai embora conosco entendeu rapaz?” Cam
falou com voz ríspida. “Ela não pode ficar aqui, não é seguro. E a última
coisa que queremos é vê-la morta, concorda?”
“Eu tomo conta dela,” Tyller disse com a voz pesada. “Eu fiz isso até
agora, posso fazer isso sempre.”
Eu não lutei contra aquilo. O beijo de Tyller era quente, e enviou ondas
de calor por todo o meu corpo, porém, meu coração permaneceu
inalterado. Eu não amava Tyller, não da forma que ele me amava. Talvez eu
não fosse realmente capaz de amar, talvez o meu gene de anjo não me
deixava sentir o mesmo por ele.
Assim que ele tirou-me do chão, eu senti como se meu corpo não
pesasse nada, Cam era forte o suficiente para me erguer sem esforço e eu
apostava que ele conseguiria erguer muito mais peso se precisasse.
“Eu não sei que importância eu posso ter em uma guerra dessas.” Eu
falei encostando minha cabeça no peito de Cam, sentindo o seu cheiro de
almíscar.
“Você entenderá quando o treino estiver acabado,” Cam respondeu.
“Acredite em seu potencial garota, eu acredito nele.”
Eu ficaria algum tempo no meio de anjos, e nem sequer havia morrido
ainda. Lendo isso você pode pensar que é sorte, na verdade eu achava a
pior coisa do mundo, não morar com anjos, mas sim o motivo que me levaria
a morar com eles.
Assim estava minha vida naquele momento, eu sabia que ela iria
desabar a qualquer momento, só não queria pensar em como, só esperava
que não fosse pela espada de Milla. Só me restava esperar e, de algum
modo, estar pronta para tudo, estar pronta para o Apocalipse.