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a última reforma do direito

medieval português

José Domingues*

* Professor da Universidade Lusíada do Porto


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

Resumo
Trata-se de apurar alguns dos critérios de trabalho e o tratamento dado
às fontes de Direito pelos compiladores Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim
na reforma legislativa processada no início do século XVI. Do seu labor saíu a
primeira colectânea de Ordenações impressa em Portugal (1512/1513). O método
recomendado é a comparação entre as fontes de Direito utilizadas e os textos
finais dessas Ordenações Manuelinas. Este cotejo documental, para além de um
melhor entendimento do processo de compilação manuelino, permitirá apurar
as evoluções do Direito na passagem das Ordenações Afonsinas para as Ordenações
Manuelinas.

Palavras-chave
Ordenações; Afonsinas; Manuelinas; compromisso; medieval.

Abstract
The aim is to clarify some of the working criteria and the treatment given to
the sources of Law by the compilers Rui Boto, Rui da Grã and João Cotrim in the
legislative reform processed at the beginning of the sixteenth century. From their
work resulted the first collection of Ordenações printed in Portugal (1512/1513).
The recommended method is the comparison between the sources of Law used
and the final texts of Ordenações Manuelinas. This comparison of documents, in
addition to a better understanding of the manuelino process of compilation,
will allow us to know the developments of the Law in the way from Ordenações
Afonsinas to Ordenações Manuelinas.

KEYWORDS
Ordenações; Afonsinas; Manuelinas; compromise; medieval.

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A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

Introdução

Com a Dinastia de Avis abrem-se as portas a uma nova e empreendedora


era do Direito português – a era das colectâneas oficiais de Direito pátrio, vulgo
Ordenações – que se irá estender até ao advento das codificações contemporâneas.
Este espaço cronológico de mais de quatro centúrias ficou marcado pelo
surgimento de três Ordenações: as Afonsinas, as Manuelinas e as Filipinas1. A
transição das primeiras para as segundas – preocupação deste singelo trabalho
– foi, sobretudo, ditada pela chegada da imprensa a Portugal. Os préstimos
desta novidade, que permite, em simultâneo, produzir múltiplos exemplares do
mesmo texto, vieram resolver o inquietante problema medieval de divulgação
dos preceitos normativos e, particularmente, do corpus de ius proprium.
A jurishistoriografia hodierna, na procura ávida de novos dados, não pode
confinar-se ao surgimento de eventuais pergaminhos esconsos em prateleiras
contorcidas de arquivo. O cotejo entre textos conhecidos, sobretudo neste
âmbito histórico-jurídico, pode revelar-se um manancial inesgotável de informes
valiosíssimos. Cumpre referir os trabalhos pioneiros (no fecho do século XVIII),
sobre as fontes do Código Filipino, saídos da pena de João Pedro Ribeiro2 e
Joaquim José Ferreira Gordo3; Francisco Xavier de Oliveira Matos, sobre as fontes
do Código Manuelino, como complemento à edição de 17974. Para época bem mais
recente, Marcello Caetano comparou os títulos do Regimento dos Oficiais com
os correspondentes nas Afonsinas e no livro I das Manuelinas (edição de 1512)5;

1
Sobre a origem desta designação, vide João José Alves DIAS, Ordenações Manuelinas: Livros I a V:
Reprodução em fac-símile da edição de Valentim Fernandes (Lisboa, 1512-1513): Livro Primeiro, Centro de
Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2002, Introdução, pp. VII-VIII. (= OM)
2
João Pedro RIBEIRO, “Memorias Sobre as Fontes do Codigo Philippino”, Memorias de Litteratura
Portugueza, Tomo II, publicadas pela Academia das Ciências de Lisboa, na Oficina da mesma
Academia, Lisboa, 1792, pp. 46-129.
3
Joaquim José Ferreira GORDO, Fontes Proximas da Compilação Fillipina ou indice das ordenações e
extravagantes de que proximamente se derivou o codigo fillipino, Lisboa, Officina da Academia Real das
Sciencias, 1792.
4
Francisco Xavier de Oliveira MATTOS, “Fontes Internas do Codigo Manuelino de 1521”, Ordenaçoens
do Senhor Rey D. Manuel, Coimbra, na Real Imprensa da Universidade, 1797. Utilizo a edição fac-
simile das Ordenações Manuelinas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984. (= OM (1521))
5
Marcello CAETANO, Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos (Edição fac-

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José Domingues

contamos também com o confronto do livro I das Afonsinas com o homólogo


livro I das Manuelinas (edição de 1521), da lavra de Carvalho Homem6; e com o
imprescindível trabalho de Maria Madalena Santos e Miguel Lopes Romão, que
cotejaram os livros manuelinos I e II da edição de 1512-1513 (editor Valentim
Fernandes) com os da edição de 1514 (editor João Pedro Bonhomini)7.
Para o âmbito deste estudo, o trabalho de Pedro Ribeiro abre uma incipiente
perspectiva para os capítulos de Cortes que foram utilizados na redacção de
títulos das Ordenações8. Esta investigação acabou por não ser tão ambiciosa
como inicialmente se previa. Ribeiro pensou dividir a obra em três partes: “A I
comprehenderá em 5 Secções as Fontes internas, tanto proximas como remotas daquelle
Codigo. 1.ª cortes; 2.ª Leis Geraes; 3.ª Leis Municipaes; 4.ª Costumes da Nação; 5.ª
Codigos Antigos. A II em 5 Secções as Fontes externas. 1.ª Codigo Gothico; 2.ª Leis das
Partidas; 3.ª Leis do Touro; 4.ª Direito Romano; 5.ª Direito Canonico. A III mostrará,
pelo pela Ordem do mesmo Codigo Philippino, de quaes das mesmas Fontes foi tirado
cada hum dos seus Titulos, paragrafos, e versiculos”9. Mas, malogradamente, apenas
imprimiu a secção 1 (Cortes) da parte I (Fontes Internas).
O trabalho de Ferreira Gordo compreende três colunas: na primeira o Codigo
Filippino, na segunda o que lhe corresponde no Manuelino (usa a edição de 1521)
e, finalmente, o que lhe corresponde nas Extravagantes e Leis posteriores. O escopo
deste autor não é tanto jurishistoriográfico (no sentido actual stricto sensu), mas
sobretudo colocar à disposição dos coetâneos práticos do Direito (estavam em
vigor as Ordenações Filipinas) um suporte para uma interpretação adequada
das ordenações10, através do recurso a um elemento histórico, que estabeleça
a conexão com o percurso e as razões circunstanciais de edição dos preceitos
normativos11.

similada do texto impresso por Valentim Fernandes em 1504 e neste ano de 1955 reimpresso pela
Fundação da Casa de Bragança com prefácio do Professor Doutor Marcello Caetano), Lisboa, 1955,
pp. 23-27 e 39-42.
6
Armando Luís de Carvalho HOMEM, “Ofício régio e serviço ao Rei em finais do século XV: Norma
legal e prática institucional”, Revista da Faculdade de Letras – História, série II, vol. 14, Porto, 1997,
pp. 123-138.
7
Maria Madalena SANTOS e Miguel Lopes ROMÃO, “Diferenças encontradas na comparação entre
os livros I e II das Ordenações Manuelinas: edição 1512-1513 – editor Valentim Fernandes: edição
de 1514 – editor João Pedro Bonhomini”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol.
43, n.º1, Lisboa, 2002, pp. 349-375.
8
A propósito das primeiras Ordenações, confrontar com o Anexo II – Capítulos de Cortes nas Afonsinas
(1331-1433), em José DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas – Três Séculos de Direito Medieval (1211-
1512), Zéfiro Editora, Sintra, 2008, pp. 597-601.
9
RIBEIRO, “Memorias Sobre as Fontes do Codigo Philippino”, 47.
10
“Ninguém hoje ignora que para bem interpretar as Ordenações d’este Reino conteudas na Compilação,
que d’ellas mandou fazer ElRei Filippe II de Castela, se ha mister consultar muitas vezes, e ter presentes
as Compilações anteriores, e Leis Extravagantes, que proxima ou remotamente lhe servirão de Fontes”
[GORDO, Fontes Proximas, p. v].
11
Prevenindo, no entanto, contra o seu uso excessivo: “Que nunca procurem saber a origem de qualquer
ordenação, senão quando a sentença d’ella estiver duvidosa ou escura, ou tambem parecer contrária á de outra
Ordenação; aliás se gastará o tempo inutilmente, o que ninguem deve fazer, e muito menos o que segue a

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O escopo fundamental do trabalho de Oliveira Matos é identificar as fontes


internas para os títulos de cada um dos cinco livros das Ordenações Manuelinas
de 1521. Para tal, elabora quatro colunas. Na primeira coluna inscreve os
títulos e parágrafos das Manuelinas de 1521 e nas outras três regista as fontes
correspondentes: as antecedentes Manuelinas de 1514, a seguir as Afonsinas e, na
última coluna, a legislação extravagante.
Marcello Caetano pretende, sobretudo, identificar as fontes afonsinas do
Regimento e “estabelecer a relação entre o Regimento de 1504 e a primeira forma das
Ordenações”12.
O estudo de Carvalho Homem visa, particularmente, a análise do ofício
régio, à luz do livro I, que incide sobre esta temática. Entendendo que “um
exame comparativo dos índices dos livros primeiros das duas codificações dá-nos desde
logo a ideia que algo se complexificou, pelo aumento do número de ofícios e serviços,
eventualmente pelo desdobramento dos preexistentes. Mas não é um aumento que, por si
só, se afigure ‘chocante’: no livro I das OA tínhamos um total de 12 títulos consagrados
aos oficiais e aos serviços produtores de actos escritos; nas OM o número sobe para 21”13.
Já o último trabalho referido pretende apurar se a impressão de 1514
edita um texto diferente do impresso por Valentim Fernandes em 1512-13. Nas
palavras dos autores, “se nos encontramos perante uma simples reedição do mesmo
texto feita por um outro editor ou, pelo contrário, se o texto de 1514 é um novo texto
deliberadamente distinto do anterior”14. Para isso, o cotejo deixa de ser meramente
formal estendendo-se ao conteúdo dos títulos. Por outro lado, acaba por colmatar
a lacuna do trabalho de Oliveira Matos, que não contempla esta primeira
impressão das Manuelinas. Mas só em parte, porque fica a faltar o cotejo com os
restantes três livros15.
As linhas que se seguem recuam ao período, imediatamente antecedente,
de transição do Direito Medieval para a modernidade, em concreto, de passagem
das Afonsinas para as primeiras Manuelinas. O objectivo primordial será apurar

profissão das letras” [GORDO, Fontes Próximas, p. vi].


12
CAETANO, Regimento dos Oficiais, p. 39 e nota 1: “A comparação com o índice da impressão de 1514 é
fácil de fazer pela Prefação da edição de 1786 [erro de Caetano, este ano é o da resolução régia. O ano
de edição correcto é 1797], embora a numeração dos títulos nesta não esteja correctamente reproduzida”.
13
Carvalho HOMEM, “Ofício régio”, p. 128. Cfr. o anexo final, “Correspondência temática entre o liv. I
das Ord. Afonsinas (OA) e o liv. I das Ord. Manuelinas (OM)”.
14
SANTOS e ROMÃO, “Diferenças encontradas…”, p. 350. Acabando por concluir que “o texto é
no essencial o mesmo, mas comporta dezasseis diferenças evidentemente deliberadas e relevantes” (p.
351). Enquanto se não proceder ao cotejo completo dos restantes 3 livros, os motivos latentes de
uma segunda edição do mesmo “sistema” seriam o de assegurar uma edição em pergaminho e,
sobretudo, o de colmatar a lacuna no tít. 112 do livro III, que não contemplava os privilégios do
governador e desembargadores da Casa do Cível, ao lado do regedor e desembargadores da Casa
da Suplicação [DIAS, Ordenações Manuelinas, pp. XXI-XXII].
15
Os autores sublinham “que o trabalho se encontra necessariamente incompleto dada a descoberta recente
e correspondente publicação dos cinco livros da edição de 1512-1513, confirmando-se a existência de uma
edição completa das Ordenações Manuelinas, feita por Valentim Fernandes. Esperamos completá-lo assim
que o tempo nos permitir” [SANTOS e ROMÃO, “Diferenças encontradas…”, p. 351].

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os títulos que passam daquelas para estas; os que são rejeitados; os que mudam
de livro e, na medida do possível, alguns dos que sofrem grandes mutações de
fundo no conteúdo. Seguindo esta metodologia, espero poder clarificar alguns dos
parâmetros aferidores da reforma manuelina. As cambiantes inventariadas, de
maior ou menor monta, fornecem indispensáveis indícios da evolução do Direito
nos seis decénios que separam as duas colectâneas de leis ou, por outras palavras, a
reforma afonsina (1446) da reforma manuelina (1512/13). Claro que a disponibilidade
de tempo e a economia de espaço, ditados por trabalhos desta índole, não se
compadecem com uma comparação minuciosa de todos os títulos dos cinco livros,
a que, forçosamente, teria que acrescer os do Regimento dos Oficiais.
Na impossibilidade de um cotejo integral, palavra por palavra, de todos os
títulos – inclusive os do Regimento dos Oficiais – fica-me a convicção que este pode
ser o derradeiro caminho a palmilhar para se chegar mais perto do controverso
Compromisso de D. João II. Para já, continuo a não acreditar que este último tenha
sido um repertório ou índice e muito menos que tenha vindo colmatar a escassa
vigência das Afonsinas16. No entanto, enquanto se não fizer essa aferição ou
surgirem dados documentais inéditos, dificilmente se saberá, sequer, se algum
dia terá existido o trabalho do corregedor da Corte Lourenço da Fonseca.
Reforma das Ordenações Afonsinas. O repto de sacudir a poeira ao
procedimento de compilação do Direito Medieval Português, com mais de
seiscentos anos de existência, acabou por me empurrar para a caverna escura
do desconhecido. O que parecia insofismável acabou por se desvanecer, dando
lugar à incerteza e ao dúbio17.
Na realidade, esse sistema culminou na colectânea que actualmente
conhecemos sob a designação de Ordenações Afonsinas18; os cinco livros que
formam a sua colecção completa já são conhecidos desde os finais do século
XVIII; ainda neste século, a imprensa da Universidade de Coimbra adianta a
sua estampagem, que ocorre em 1792; o processo medieval de compilação está
documentado no próprio prólogo, que enceta o livro I; esse manancial precioso
de informes é aproveitado pelo responsável da edição coimbrã – Luís Joaquim
Correia da Silva – e, pouco tempo antes, por dois pioneiros da jurishistoriografia
portuguesa – Pascoal José de Melo Freire e José Anastácio de Figueiredo. Desde
então, a atenção assídua dos investigadores perdura até aos dias de hoje, com
parcas cambiantes quanto ao processo compilatório.

16
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 186-193.
17
Este título condensa algumas ideias defendidas no trabalho de tese [DOMINGUES, As Ordenações
Afonsinas], para ele faço remissão genérica, abstendo-me das constantes e fastidiosas referências
(nomeadamente as documentais), que ficam limitadas ao pontual e estritamente necessário.
18
Utilizo a edição fac-simile Ordenações Afonsinas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984.
Feita a partir da edição das Ordenaçoens do Senhor Rey D. Affonso V, Coimbra, Real Imprensa da
Universidade, 1792. (= OA)

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Por isso, estando minimamente documentado e reiteradamente aproveitado


pela investigação com mais de duzentos anos de perseverança, o sistema
medieval português de compilação não deveria criar dificuldades maiores e,
menos ainda, permitir avanços científicos expressivos. Em última instância, o
resumo do estado da questão seria este:
• As Ordenações Afonsinas são a primeira colectânea oficial de Direito, sob a
chancela de legisperitos portugueses.;
• Iniciada no reinado de D. João I e continuada no de D. Duarte;
• 1418 (Cortes de Santarém), é a data plausível de arranque dos trabalhos,
avançada por Carvalho Homem a sugestão de Armindo de Sousa;
• O primeiro compilador foi João Mendes;
• Após a sua morte foi substituído por Rui Fernandes, durante o reinado
de D. Duarte;
• Carvalho Homem aponta como motivo mais plausível de substituição a
aposentação, nos finais do reinado de D. Duarte;
• Terminada em Arruda dos Vinhos, a 28 de Julho de 1446 (data no final
do livro V), na menoridade de D. Afonso V, estando a regência do reino
confiada ao infante D. Pedro;
• O livro I apresenta um estilo redactorial (estilo legislatório ou decretório)
diferente dos restantes quatro livros (estilo compilatório);
• Segundo a corrente historiográfica clássica, João Mendes teria feito o livro
I e Rui Fernandes os livros II a V;
• Martim de Albuquerque vem alterar as posições (1993 e 2002), defendendo
que Rui Fernandes é o feitor do livro I e João Mendes dos livros II a V;
• Espinosa da Silva, que pouco se apega ao justificativo de autores diferentes
e, logicamente, a esta rotação, envereda antes pela hipótese de no livro I se
tratar matéria ex novo, não contemplada em fontes nacionais anteriores19.

Esta é a síntese que se pode retirar a partir do prólogo afonsino, o único


documento conhecido que trata o sistema de compilação medievo na primeira
pessoa, com os escassos acrescentos da investigação actual em marcação destacada.
No entanto, se cruzarmos com outras advertências coligidas em documentos
avulsos, a interpretação deste singelo relato pode revelar-se substancialmente

19
Hipótese já proposta por Luís Correia da Silva, em 1792. Também seguida por António Pedro
Barbas HOMEM, “As Ordenações Manuelinas: Significado no Processo de Construção do Estado”,
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raul Ventura, Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, 2003, vol. I, p. 295. Mas na minha diagnose “os regimentos do livro I são concertados de forma
distinta, mas parece que essa diferença tem mais a ver com a matéria tratada do que, propriamente, com a
diferença de punho compilador ou a originalidade de Afonso V. Repare-se que o livro I é dos mais volumosos
e, por outro lado, só tinha interesse coligir-se o que estava em vigor, por isso, evitam-se os emaranhados e as
repetições fastidiosas, consequentemente, também os monarcas e as datas” [DOMINGUES, As Ordenações
Afonsinas, pp. 98-101]. Além do mais, como veremos, a técnica decretória das Manuelinas também
não inculca matéria legislativa nova, sem qualquer paralelo em fonte anterior.

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diferente daquela que tem sido seguida. Da documentação que me foi possível
compulsar, desde o início do reinado de D. João I até 1446, evidencia-se:
• 1391 (Agosto, 29) – referência explícita a um Livro de Ordenações do Reino
– “hum livro da nosa Chancelaria da Cassa Ciivell em no qual eram escriptas as
hordenaçoens dos nossos Reignos”;
• Até 1446 repetem-se mais de duas dezenas, pelo menos, de referências
concretas a Livros de Ordenações20;
• Não pode ser mero acaso que essas referências documentais a Livros de
Ordenações coincidam, invariavelmente, com a transcrição de diplomas
de carácter vincadamente normativo (leis, ordenações, capítulos gerais de
Cortes, costumes, concórdias…);
• c. 1426 – Na carta de Bruges, dirigida pelo infante D. Pedro ao seu irmão
D. Duarte, adverte-se a extrema necessidade de reforma do Direito – “E
yso mesmo de as leys e ordenações do reyno serem proujdas e atituladas cada
huã daquelo a que pertençe. E se entre elas fosem açhadas alguãs que ja fosem
reuogadas, que as tyrem, pois que delas não hão dusar; e as boas ordenações se
gardasem nas cousas sobre que são feytas”;
• 1427 (Agosto, 30) – referência a um Livro de Ordenações antigas – “livro das
Hordenaçoões antiguas”;
• Próximo desta data, existem mais duas referências à Ordenação antiga
(uma de 1427 e outra de 1430);
• Nas Ordenações Afonsinas ocorrem cerca de uma dezena de referências
expressas às Ordenações antigas.

Sem nunca descurar a copiosidade de dúvidas inerentes a tão frias e secas


referências documentais, na escuridão da gruta começam a projectar-se algumas
sombras da realidade. A menção escrita aos Livros de Ordenações permitiu-me inferir
que muito antes de 1446 já estariam em vigor livros oficiais de Direito Português.
O que implicaria que o processo de compilação se tivesse processado por mais
do que uma fase – em analogia ao que acontece, posteriormente, com a reforma e
impressão das Manuelinas. A primeira fase estaria concluída antes de 1391.
A citação das Ordenações antigas ou, melhor ainda, do livro antigo de
Ordenações é o aval para a existência de duas fases conclusas (anteriores a Agosto
de 1427). Por outras palavras, se há referência expressa a um livro antigo ou

20
Para além dessas referências documentais [DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 84-89],
recentemente, deparei com outra que relata: “nos liuros das ordenaçoens da nosa chançellaria he contheuda
ordenaçom que nouamente fezemos sobre as moedas”. Trata-se de um pergaminho escrito no dia 3 de
Fevereiro de 1444, que traslada uma carta de D. Duarte de 11 de Março de 1437, que, por sua vez,
transcreve a ordenação de D. Duarte, datada de 25 de Outubro de 1435, sobre o valor da moeda
[Évora, BP - Pergaminhos Avulsos, Pasta 16, Perg. 20].
Para além de mais uma referência documental, tem a particularidade de estar no plural. O que quer
dizer que esses coetâneos Livros de Ordenações tinham que ser dois, pelo menos, conforme já defendi.

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Ordenação antiga é porque existia um livro novo ou Ordenação nova. Por seu turno,
a famigerada sugestão na carta de Bruges tanto pode ser indiciária de que estava
em curso uma fase de compilação, como de que a fase de compilação concluída
não tinha surtido o efeito prático pretendido21. Quer dizer, quando D. Pedro
escreve ao seu irmão D. Duarte das duas uma: ou estava em curso uma reforma
legislativa ou a reforma concluída não tinha sido a melhor22. Consequentemente,
se enveredarmos pela segunda hipótese, a partir de 1427 irá encetar-se a fase das
Afonsinas que vai terminar na vila de Arruda, em 1446 – ao tempo, apelidada de
“reformaçom noua das ordenaçõoes”23. Se esta é a reforma nova, mais uma vez fica
provado que existiu uma reforma antiga.
Da súmula documental, com contornos temporais e de conteúdo ainda
muito incertos, acabaram por instilar três fases compilatórias distintas:
• 1385-1391 – 1.ª fase.
• 1418-1427 – 2.ª fase.
• 1427-1446 – 3.ª fase (Ordenações Afonsinas).

Questão diversa, mas correlativa com o sistema de compilação, é a dos seus


compiladores e do diferente estilo redactorial predominante no livro I em relação
aos restantes quatro. A constatação de dois estilos redactoriais (legislativo e
compilatório) coincide, de imediato, com a referência a dois compiladores
(João Mendes e Rui Fernandes). Esta casualidade coagiu praticamente toda a
investigação a atribuir o livro I a um compilador e os restantes quatro a outro
compilador.
Durante muitas décadas entendeu-se que o primeiro compilador teria
iniciado a obra (organizando o livro I) e o compilador a seguir a teria concluído
(elaborando os livros II a V). Este parecia ser o regular advir dos factos,
subentendendo-se a primazia de um argumento cronológico. Assim, João
Mendes teria elaborado o livro I e Rui Fernandes os outros quatro.
No entanto, Martim de Albuquerque veio inverter esse entendimento, que
durava à mais de dois séculos. Na sua convicção, o livro I teria sido feito por Rui
Fernandes: por um lado o estilo legislatório adaptar-se-ia melhor a um teórico
(Doutor em Direito) e seria o estilo preconizado pelo infante D. Pedro na carta de
Bruges; por outro lado, tudo levava a crer que João Mendes teria trabalhado mais

21
D. Pedro, entre outras, sugere a reforma do Direito como forma de combate contra a delonga da
Justiça, que grassava no reino, fazendo com que “aqueles que tarde vençem, ficão vençidos”. Esta
dificuldade na aplicação da Justiça é suscitada pela ociosidade dos magistrados, porque se “seis
tyuesem uontade de desembargar e fosem diligentes em seu offiçio (…) farião mais que çinqoenta que tal
uontade non tem” [Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte (Livro da Catuxa), edição diplomática,
Editorial Estampa, Lisboa, 1982, p. 35]. Só com o apoio deste texto não me parece que seja possível
ter a certeza se D. Pedro se refere a uma reforma que estava a ser feita ou a uma reforma que
deveria ser feita.
22
Esta seria a reforma iniciada em 1418 (Cortes de Lisboa).
23
IAN/TT – Núcleo Antigo, n.º14 (Ms. de Santarém).

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tempo, tendo, por isso, obrigação de ter produzido mais obra. Desta feita, o livro
I seria empreitada de Rui Fernandes e os livros II a V de João Mendes.
Parece legítimo que Rui Fernandes tenha feito o livro I, mas não tanto
pelos argumentos de Martim de Albuquerque. Antes de mais, a tentativa de
separar um prático de um teórico do Direito é pouco persuasiva, sobretudo a
partir do momento que se sabe que João Mendes redigiu o Regimento de Évora,
maioritariamente em estilo decretório. Apenas com base na carta de Bruges, torna-
se muito difícil garantir que o infante D. Pedro advogava o estilo legislatório24.
Por fim, entendo que o argumento temporal terá que ser matizado com o início
dos trabalhos em 1427:
• Tempo de trabalho [1427 (1433-1438) 1446 = 19 anos]
• João Mendes [máx. 11 anos / mín. 6 anos]
• Rui Fernandes [máx. 13 anos / mín. 8 anos]

Outros motivos abonam a paternidade do livro I a Rui Fernandes. Desde


logo, o grau de parentesco atribuído a D. Pedro (bisavô), D. João (avô) e D.
Duarte (pai), que só é compatível com o monarca D. Afonso V. Três leis sem
data, mas que pertencem à regência do infante D. Pedro (OA, I, 4, §§ 2-5; OA, I,
4, §§ 6-17 e OA, I, 31). Duas leis datadas dessa regência, uma de 3 de Setembro
de 1442 (OA, I, 50) e outra de 3 de Março de 1443 (OA, I, 72). E o facto de o
regimento dos corregedores vigente em 1439 ser substancialmente diferente do
que consta no livro I, prova que este livro ainda não estava em vigor. Mas este
último argumento perde relevância prática na medida em que o livro I só entraria
em vigor após a conclusão (e revisão) de toda a obra.
A questão é que os mesmos motivos se repetem nos restantes quatro livros,
nomeadamente, o dito grau de parentesco. Também nos quatro livros constam
leis da regência de D. Pedro: três leis sem data, no livro II (OA, II, 37, 38 e 40);
outra sem data, no livro III (OA, III, 30); mais duas sem data, no livro IV (OA,
IV, 28 e 51); no livro V constam doze leis sem data, (OA, V, 22, 23, 25, 26, 38, 3925,
55, 60, 64, 67, 90, 92), uma lei de 31 de Janeiro de 144326 (OA, V, 93, § 2) e outra
de 11 de Janeiro de 1445 (OA, V, 63, §§ 3-5). Muito proeminente é o facto de se
fazerem remissões directas de qualquer um dos quatro livros para o livro I. Se
aceitarmos que Rui Fernandes fez este livro I, João Mendes nunca poderia ser o

24
Sintomático desta indecisão é o que afirma, em sentido contrário, João Alves Dias na introdução
às Ordenações Manuelinas, editadas por Valentim Fernandes: “Apenas parte do 1.º volume constituía,
na verdade, um novo texto, e um verdadeiro volume de Ordenações. Nos outros, pouco mais se fizera do que
seguir o conselho que o Regente, enquanto Infante, mandara de Bruges a seu irmão «de as leis e ordenações do
reino serem providas e intituladas, cada uma daquilo a que pertence; e se entre elas fossem achadas algumas
que já fossem revogadas, que as tirem pois que delas não hão-de usar; e as boas ordenações se guardassem nas
coisas sobre que são feitas»” [p. IX].
25
Repetida no título 82.
26
Data que, não constando na compilação afonsina, se pode apurada a partir de uma cópia no Livro
das Vereações da Câmara do Porto.

370 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

autor dos outros quatro, porque não poderia remeter para um livro inexistente,
redigido após a sua morte.
Há, no entanto, uma hipótese que não podemos descurar: será que não
estamos perante meras interpolações do ultimador de toda a obra?
Se assim for, voltamos à estaca zero, escasseando cada vez mais os
argumentos para adjudicar o livro I a Rui Fernandes e os restantes a João Mendes
ou vice-versa. No entanto… Que o finalizador do trabalho tivesse intercalado as
remissões é, perfeitamente, compreensível e justificável numa obra de Direito. Já
as alusões de parentescos começam a levantar reticências: não vejo motivo válido
para se alterarem essas menções, a não ser uma tentativa de plágio, que não faz
qualquer sentido – até porque contraria todo o espírito do estilo compilatório.
Mas mais discordante é o facto de se interpolarem leis da regência do infante D.
Pedro. O mais sensato é que a legislação extraordinária fosse apensada no final de
cada volume (como efectivamente veio a acontecer após 1446)27. A interpolação
de uma lei extraordinária, no miolo de qualquer um dos volumes, obrigava a um
trabalho extra e incomportável de redigir todo o livro de novo. Temos que ter
cautela ao projectar a realidade em que vivemos para séculos passados. Este tipo
de intercalações são muito fáceis e rápidas na era das tecnologias digitais, mas
praticamente impensáveis para os tempos medievais.
A questão dos compiladores não se restringe a este debate. Em definitivo, se
aceitarmos que existem livros de ordenações a vigorar desde 1391, que desde esta
data até à conclusão das Afonsinas medeiam cerca de cinco décadas e meia e que,
entretanto, existiram várias fases de trabalho – continuará a ser lícito arrolarmos
apenas os compiladores João Mendes e Rui Fernandes?
Não me parece, pelo menos em relação à primeira fase de trabalhos,
concluída antes de 1391. Nessa data, João Mendes seria demasiado jovem e
inexperiente para ombrear a faraónica tarefa e, particularmente, ainda não era o
corregedor da Corte como ficou consignado no prólogo afonsino. A partir deste
alvitre silogístico ficamos encurralados entre duas perguntas impertinentes, mas
elementares e inescusáveis:
Quem foi o relator da primeira fase?
Porque é que o seu nome não vem referido no prólogo das Ordenações
Afonsinas?
A primeira pergunta converte-se num verdadeiro enigma sem resposta. Que
eu saiba, não se conhece, até ao momento, qualquer documento escrito que permita
uma tentativa de resposta minimamente satisfatória. Por sugestão de alguns
letrados do século XVIII, entre as brasas do movimento compilatório medieval, é
27
Mesmo as simples adições aos títulos podem causar sérios transtornos. Repare-se, por exemplo,
com o que acontece com o acrescento feito por D. Afonso V ao regimento do almirante, que tanto
nos aparece entre os parágrafos 9º e 10º [IAN/TT – Maço 1 de Leis, n.º 177] como no final do título
[António Caetano de SOUSA, Provas da História Genealógica, tomo III, pp. 405-406]. Ou o aditamento
ao título 114 do livro V (§§ 8 e 9), que falta no manuscrito de Santarém.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 371


José Domingues

atiçado o nome do Doutor João das Regras. Por outro lado, a proximidade do ano
de 1391 (1.ª fase) permite o recuo até às Cortes de Coimbra de 1385, onde brilhou
este insigne patrocinador da causa do Mestre de Avis. Por último, se acreditarmos
que um dos primordiais e mais fortes impulsos da colectânea lusa tenha sido
a libertação do jugo das fontes de Direito castelhanas (nomeadamente as Sete
Partidas), começa a sedimentar-se a génese da lida codificadora nas Cortes de
1385 e no seu principal mentor – João das Regras.
Embora se não trate de um argumento escrito, não posso deixar de chamar à
colação uma prova iconográfica que, fora de qualquer pretensão, pode ser ajuda
preciosa no entendimento deste arcano. A estátua jacente de João das Regras, na
tampa que cobre o seu próprio túmulo28, pode ser portadora de uma mensagem
simbólica com mais de seis séculos. Não há dúvida que o Homem quando quer
transmitir uma mensagem importante, de forma vigorosa e duradoura, recorre
aos símbolos – por exemplo, quem ignora que há milénios a balança identifica a
Justiça e o Direito?
Para esta causa, os sinais mais relevantes nessa escultura são: um livro na
mão direita, pousado sobre o peito, e um rolo de pergaminho na mão esquerda,
levemente sustida no ar.
Tem-se sustentado que, em sintonia com as suas vestes, estaríamos perante
os atributos característicos da sua condição de jurista: um livro de Direito,
encadernado e encerrado por fecho metálico, e um rolo de documentos ou a
carta de Doutoramento conquistada em Bolonha29. É a primeira explicação que
vem à mente, perfeitamente plausível e em que não custa acreditar. Por isso, o
que eu disser a seguir não passa de outra justificação meramente hipotética. De
qualquer forma, o facto de se esculpirem estes dois elementos e a posição de
cada uma das mãos não são totalmente despicientes. Sem embargo, acredito que
o canteiro nos quis transmitir que o perene ocupante daquele sarcófago coligiu
o direito disseminado, a esmo, em fontes avulsas (= rolo de pergaminhos) para
uma colectânea organizada de Direito (= livro). A mão esquerda, ligeiramente
sustida no ar, representaria a matéria-prima alheia, no início da tarefa, enquanto
que na mão direita estaria a obra consumada pelo seu punho, apertada com força
contra o próprio peito. Da esquerda para a direita, porque também a leitura e

28
Depositado na igreja de S. Domingos de Benfica, em Lisboa.
29
Mário Jorge BARROCA, Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422), Fundação Calouste Gulbenkian
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Porto, 2000, vol. II, Tomo 2, p. 2093 (que refere os dois
autores infra).
D. Luís de Gonzaga de Lancastre e TÁVORA, “Apontamentos sobre um Senhor de Cascais –
Mestre João Afonso, Chanceler do Rei D. João I”, Arquivo de Cascais, vol. 1, Cascais, 1980, p. 113:
“estátua jacente cuja cabeça se apoia em duas almofadas e os pés num mastim deitado mas de cabeça erguida,
e que segura com a mão esquerda um in-quarto cerrado por dois fechos aparentes, apoiado sobre o peito, e com
a direita um rolo de documentos”.
António BRÁSIO, “Uma grande figura de Legista e de Português: o Chanceler João das Regras”,
Anais da Academia Portuguesa de História, IIª Série, vol. 24, tomo 1, Lisboa, 1977, p. 23.

372 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

escrita se faz nesse mesmo sentido – leitura dos preceitos normativos e a sua
consequente redacção no respectivo Livro das Ordenações, sempre da esquerda
para a direita. Apesar de não ter a caução de um relato escrito, a grande vantagem
deste testemunho é o de ser único e coevo do Doutor João das Regras, bem como
da primeira fase de compilação do Direito Pátrio.
Agora, se uma resposta válida à primeira pergunta se pode escusar no
extravio de livros e documentos, pela voracidade dos séculos e das traças, a
segunda pergunta (supra) não admite decisão de non liquet. Na ausência de outros
comprovativos fidedignos, a resposta a esta questão terá que se buscar por entre
as linhas do prólogo das Afonsinas. Embora de uma forma implícita, acredito que
ela pode constar no próprio texto. O que lá merece particular atenção:
• No reinado de D. João I, a obra não se terminou “por alguuns empachos que
se seguirom”;
• Por seu turno, D. Duarte também a não terá terminado “porque a Deos
prouve regnar pouco”.

Recordo que a obra se inicia no reinado de D. João I, continua no de D. Duarte


e finaliza-se no de D. Afonso V. O justificativo de não conclusão é bastante diferente
num e noutro caso: no primeiro, diz-se que se não acabou por causa de alguns
estorvos e não por causa do falecimento do monarca; no segundo, diz-se que não se
terminou porque morreu o monarca e foi curto o seu reinado. Mas esta divergência
seria de somenos relevante se não contrariasse tudo quanto se disse até agora. A
questão é que, neste momento, é totalmente descabido afirmar que a empreitada se
não concluiu (até 1433 ou, por maioria de razão, até 1438) se aceitarmos por certo
que no reinado de D. João I se finalizaram duas fases, pelo menos.
Por outras palavras, seria absurdo afirmar que os trabalhos iniciados no
tempo do Mestre de Avis se não concluíram “por alguuns empachos que se seguirom”,
quando existem referências constantes a livros de ordenações desde 1391 e ao
livro antigo das ordenações desde 1427. Nesta aparente estultice pode estar a
resposta à omissão do nome do Doutor João das Regras. Efectivamente, estou
ciente que o prólogo se limita a relatar a derradeira fase de compilação – a das
Afonsinas. Por isso, refere apenas os nomes dos dois compiladores que laboraram
nessa etapa – João Mendes e Rui Fernandes – esconjurando outros admissíveis
compiladores para a tumba rasa do esquecimento.
Este entendimento expande-se a partir do momento em que o conteúdo do
título 15 do livro III me permite vislumbrar uma fase inconclusa – recordo, “por
alguuns empachos que se seguirom” – nos finais do reinado de D. João I. De alguma
forma, também ficam ressalvados os cronistas que esqueceram a iniciativa e
o labor de D. João I. Só Rui de Pina se aventurou a asseverar que D. Duarte
“entendeo em mandar correger e abreviar as Ordenaçoões do Regno, e em seus dias nom
se acabaram. ElRey Dom Affonso seu filho as mandou depois reformar em cinco Livros”.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 373


José Domingues

Porque é que haviam de se preocupar com uma trabalho inacabado ou com


outros completamente ultrapassados?
Não me surpreende, porque, tanto em plena Idade Média como hoje, “lex
posteriori revogat priori”. A lei nova remete a antiga para um plano de inferioridade
e de desinteresse. E mais do que hoje, naqueles tempos as colectâneas revogadas
eram sentenciadas à destruição, sob penas graves para os que as possuíssem30.
Não se trata de qualquer aversão leviana, antes pelo contrário, eram decisões
ponderadas em proveito do princípio geral da segurança e certeza jurídica
do Direito vigente. Por causa deste princípio latente, torna-se aceitável que os
cronistas não fizessem referência às compilações mais arcaicas. O próprio Damião
de Góis, na Crónica de D. Manuel, acaba por se referir às Ordenações terminadas
em 1521, esquecendo completamente as outras edições31:

“Mandou per homens doctos de seu conselho visitar, e rever os cinco liuros
das ordenações, que el Rei dom Afonso quinto, seu tio fez reformar, sendo
regente o Infante dom Pedro seu tio, por elle ser de menor idade, nas quaes
mandou diminuir, e acrescentar aquillo que pareceo necessario pera bom
regimento do regno, e ordem de justiça no que se trabalhou muito, e tanto
tempo que foi a mor parte de todo o que elle regnou.”32

Reforma das Ordenações Manuelinas. Desde D. João I que, dotar o reino


de umas Ordenações apuradas e acessíveis para atalhar aos principais estorvos
da justiça coeva, passa a ser preocupação habitual de todos os monarcas lusos. O
Venturoso não escapa a essa “fúria compiladora”, que assolou todo o século XV e
primeiro quartel do século XVI, e, nos alvores do seu reinado, já os procuradores
às Cortes de Lisboa de 1498 comentam:

“Jtem Senhor vossos pouos ssouberom ora como vossa alteza manda
compillar os livros das ordenações capitollos de cortes e estravagantes
e estillos de vossas Relaçoões que som avidos por lleys pera que sejam
abrjujadas”33

30
Por Carta de 15 de Março de 1521, D. Manuel determina “que dentro de tres meses qualquer pessoa
que tever as hordenações da impressam velha a rompa e desfaça de maneira que nam se possa ler sob pena de
pagar qualquer pessoa a quem forem achadas passado o dito tempo e as tever, cem cruzados (…) e mais ser
degradado por dous anos para além”.
31
Cfr. DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XV.
32
Damião de GÓIS, Crónica de D. Manuel, 4ª parte, capítulo 86, p. 603.
33
Cortes Portuguesas, Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498). Organização e revisão geral de João José
Alves DIAS, Centro de Estudos Históricos – Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2002, p. 93.
A propósito do papel destas Cortes na reforma das Ordenações do Reino, vide Nuno J. Espinosa
Gomes da SILVA, História do Direito Português, Fontes de Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, 4.ª
edição revista e actualizada, Lisboa, 2006, Nota Final XII, pp. 644-652.

374 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

Tendo em conta a labuta árdua e incipiente do seu bisavô, a continuidade no


breve reinado de seu avô, a concretização do seu tio e o “compromisso” alcançado
por seu primo, é compreensível que D. Manuel quisesse dar continuidade e
associar o seu nome a essa linha genética de reforma e compilação das Ordenações
do Reino34. Sobretudo, quando a sua divulgação pelo reino, grave inquietude
que afligira os seus antecessores, contava com a recente chegada da tipografia
a Portugal. O próprio D. Manuel, em carta régia de 20 de Fevereiro de 1508,
dirigida ao impressor Jacob Cromberger, sublima o “ quam neçessaria he a nobre
arte de ympressam (…) pera o bom gouerno, porque com mais facellidade e menos despesa,
os ministros da Justiça possam usar de nossas leys e ordenações”35.
Antes dos cinco livros das Ordenações, o primeiro ensaio de imprimir
legislação, bem sucedido, continua a ser apanágio do Regimento dos Oficiais das
Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos36. Em 22 de Fevereiro de 1503, este Regimento
já estaria impresso37. O seu impressor, Valentim Fernandes, fez uma nova edição
circa 29 de Março de 1504 e outra, uma contrafacção desta, entre 1506 e 1511. Aos
nossos dias chegaram apenas dois exemplares desta contrafacção e nenhum das
edições anteriores38.

34
Mário Júlio de Almeida COSTA, História do Direito Português, Almedina, 3.ªed., 9.ª reimp., Coimbra,
2008, p. 282.
Não é difícil de acreditar na avidez do rei Venturoso, porque assim o testemunha o seu cronista:
“El-Rei D. Manuel foi naturalmente amador da honra e desejoso de deixar de si memória e boas leis e foros a
seus sujeitos e vassalos”. No entanto, não deixa de ser curioso que o nome próprio de D. Manuel, na
totalidade dos 10 livros do primeiro sistema, só surge expresso no cólofon de 3 livros: 2 da primeira
edição (Livros II e IV) e 1 da segunda edição (Livro II).
35
José Anastácio de FIGUEIREDO, Synopsis Chronologica de subsidios ainda os mais raros para a historia e
estudo critico da legislação portugueza, vol. I, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1790, p. 165.
DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XVI.
SILVA, História do Direito Português, p. 331.
36
CAETANO, Regimento dos oficiais.
37
Nessa data, é passado um alvará de privilégio a Valentim Fernandes para imprimir e fazer os livros
dos regimentos das justiças do reino [IAN/TT – Corpo Cronológico, Parte I, mç. 4, n.º 12].
“A 25 de Fevereiro, de 1503, foi publicado em pregão o alvará em que o Rei concedia a Valentim Fernandes
o privilégio de único impressor «dos liuros dos Regymentos que ora mandamos fazer pera todo o Reyno dos
Juizes e oficiaes»” [No Quinto centenário da Vita Christi: os primeiros impressores alemães em Portugal,
coord. De João José Alves DIAS, Lisboa, 1995, p. 76]
38
“Trata-se de uma contrafacção da segunda (?) edição da obra, datada de 1504, de que hoje não se conhece
nenhum exemplar. A primeira edição (1503) deveria acabar no actual fol. lxxvj; até aqui existe toda uma
lógica de um novo códice legislativo, em que os documentos se encontram integrados e ordenados, sem darem
a entender terem sido peças soltas. O «regimento dos pesos», assim como os seguintes, foram acrescentados
posteriormente. Talvez tenha, também, existido a edição autónoma de cada um deles, ou pelo menos, do
primeiro. Esgotadas as edições, refundiram-se todas num só volume. Atente-se que o Regimento sobre o
passar do gado advertia não ser necessário a sua transcrição no «Livro da Câmara» «porque nos mandamos
assentar este regimento nos regimentos nouos que mandamos dar pello regno». O corpus estava a ser
actualizado constantemente. O actual livro contém regimentos datados até 28 de Abril de 1503.
Valentim Fernandes abriu as capitulares, assim como as tarjas e gravuras utilizadas na portada, em data
posterior a 1506. Capitulares e gravuras essas que só voltam a aparecer em obras datadas de circa 1512. É
certo que existem os Estatutos da Ordem de Cristo, infelizmente sem data nem indicação tipográfica.
O texto foi composto nos dois góticos 119.” [No Quinto centenário da Vita Christi, p. 85].
DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XIII.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 375


José Domingues

Apoiada nos cronistas do século XVI39, a historiografia tem entendido que a


reforma das leis e ordenações principiou no ano de 1505. No entanto, Alves Dias,
levanta outra hipótese: “não se poderá subentender antes (…) a referência ao ano de
1505 como a data em que se divulgara, de forma completa, o Regimento dos oficiais[…],
onde, na verdade, aparece a primeira remodelação das Ordenações de D. Afonso V?”40.
A reforma das Ordenações já estava em curso no início do ano de 1506, conforme
consta em diploma endereçado aos juristas dela encarregados (Rui Boto, Rui da
Grã e João Cotrim):

“Havemos por bem que, nas Ordenações de nossos reinos em que ora por
nosso mandado entendeis, ponhais nos titulos e lugares a isso convenientes
quaisquer sentenças, acordos ou determinações que tenhamos passadas
ou aprovadas nos feitos dos forais, assim nas tomadias e serventias,
como aposentadorias e outras coisas que antre nossos povos e senhorios
se tratassem, pera nos tais feitos não ser necessário tirar-se sentença nem
outra mais despesa, somente remeterem as tais cousas às leis e ordenações
gerais dos nossos reinos, as quais desejamos muito vermos acabadas e
encomendamo-vos muito a conclusão disso.
Escrita em Almeirim, a 9 de Fevereiro, Álvaro Fernandes a fez, de 1506”41

Nos finais de 1511, ainda não estaria terminada. Em alvará de 12 de


Novembro desse ano, D. Manuel concede ao duque de Bragança toda a jurisdição,
sem embargo da nova ordenação geral que fazia e depois de feita42.
A nível da sistematização externa, manteve-se a divisão em cinco livros,
com as respectivas temáticas em cada um deles, herdada das Afonsinas. Mas
alterou-se o estilo de redacção utilizado, que passou a ser o decretório para todos
os livros (nas Afonsinas este estilo é particular apenas do livro I), como se de leis
novas se tratasse. Aproveitando a ocasião para uma revisão e actualização do
texto afonsino, a nível interno, considera-se que “a remodelação foi efectivamente
profunda”:

39
Damião de Góis, acima transcrito, e Jerónimo Osório: “Neste mesmo ano [1505] reformou el-rei muito
nas ordenações antigas, muito acrescentou, e em quanto às rendas, muitos bons decretos publicou”.
40
DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XV. Tendo em atenção as palavras de Damião de Góis – “foi movido
começar um negócio de muito trabalho” – não me parece que esta hipótese possa proceder. Nesta data
(1505), o Regimento já estava terminado.
De qualquer forma, nas doutas palavras de Marcello Caetano, “É muito difícil não relacionar os dois
acontecimentos, tanto mais que o próprio Monarca os aproxima no prólogo da edição de 1514” [CAETANO,
Regimento dos Oficiais, pp. 35-36].
41
FIGUEIREDO, Synopsis Chronologica, I, pp. 161-162.
DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XV.
42
Memórias de Vila Real, vol. II, pp. 375-377.
Casa de Bragança, AH – Memórias da Casa de Bragança (Tomo IV), Ms. 2166 / NG. 702. R, fl. 133v.
Sobre o processo de preparação das Ordenações Manuelinas, entre a imensa bibliografia, vide Barbas
HOMEM, “As Ordenações Manuelinas”, pp. 290-305 (a bibliografia atinente vem arrolada na nota 4).

376 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

• “Expurgou-se toda a legislação revogada ou que não tinha já aplicação – como era
o caso da que se referia às minorias étnicas, judeus e mouros;
• Reordenaram-se todos os cinco livros, transitando de uns para outros a legislação
que melhor se enquadrava à matéria de cada um” 43

Outro aspecto importante seria, revisar e actualizar o texto:


• “Tendo em atenção a legislação extravagante publicada”44

Tendo como ponto de partida estas directrizes orientadoras, passo a uma


análise rápida e sucinta para cada um dos cinco livros45.
Livro I. Começando pelo final deste tomo, a diferença que salta logo à vista
é o afastamento do chamado “regimento da guerra”. Trata-se de um conjunto
de vinte e dois títulos – desde o título 51 (Do Regimento da Guerra) até ao título
72 (Do Regimento do Chanceller, Meirinho, e Porteiro das Correiçooens das Comarcas)
– que chegou a ser questionado quanto à sua efectiva inclusão nas Afonsinas. O
facto de este corpus de regimentos só aparecer no códice da Câmara do Porto, não
constitui argumento suficiente para que se continue a duvidar que estes títulos
fizeram parte integrante do livro I das Afonsinas desde a sua génese46.
Do cômputo global destes vinte e dois regimentos temos que ressalvar três,
que, efectivamente, se mantiveram nas Manuelinas:
• Título do meirinho-mor [OA, I, 60 → OM, I, 11].
• Título dos alcaides-mores dos castelos [OA, I, 62 → OM, I, 42].
• Título da chancelaria das comarcas [OA, I, 72 → OM, I, 34].

O que concluir? Só estes três regimentos é que se mantiveram em vigor e os


restantes dezanove perderam aplicabilidade?
É pouco provável.
O mais consistente é que, tratando-se de matéria específica de ius bélico,
tenha sido desentranhada do âmbito da matéria comum, tratada nas Ordenações.
A própria inclusão nas Afonsinas deve ter sido uma imposição da comissão
revisora47. Desta feita, se assim for entendido, os reformadores manuelinos

43
DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XVII.
44
SILVA, História do Direito Português, p. 331.
45
Um cotejo dos prólogos dos livros II, III, IV e V está feito em DIAS, Ordenações Manuelinas, pp.
XVII-XVIII.
46
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 118-123.
47
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 302 e 123. Essa inserção, para além de forçada, foi tão
apressada que não deu tempo a que Fernandes a reformasse: “Os regimentos, que em este Livro som
escriptos da Guerra, do Condestabre, e do Marechal, e do Almirante, e do Capitam da Frota, e do Alferes, e do
Moordomo Moor, e dos Conselheiros, e do Meirinho, e do Apousentador Moor, e dos Cavalleiros e dos Retos,
Nós, por aqui serem scriptos, nom avemos de todo por aprovados, nem lhe damos por ello maior autoridade
daquello, que teem per Cartas dos Reix, que ante Nós forom, ou por custumes, que continuadamente ata ora
usassem: e prazendo a Deos Nos entendemos ainda mandar poer os ditos Regimentos na forma, que devem
seer” [OA, I, 70, p. 472].

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 377


José Domingues

acabam por dar razão ao “voto vencido” de Rui Fernandes, salvaguardando, no


entanto, os três títulos mais característicos de matéria comum.
Neste período de crepúsculo da Idade Média, como assevera Carvalho Homem48,
a tendência é para o aumento dos cargos públicos (gerais e locais) e consequente
aperfeiçoamento da máquina burocrática do reino. Por isso, são poucos os títulos que
não encontram paralelo entre os dois livros49. São mais os que foram acrescentados50.
No entanto, não quer dizer que se trate de ofícios totalmente novos ou regimentados
de novo: em alguns casos trata-se do desdobramento dos preexistentes51. Não deixa
de ser sintomático que os regimentos para os cargos concelhios, acrescentados nestas
Manuelinas, encontrem paralelo no antecedente Regimento dos Oficiais, excepto o
título do que hão-de levar os escrivães da Fazenda e da Câmara das cartas e desembargos e
alvarás e outras escrituras que fizerem [OM, I, 48]. O Regimento, por sua vez, foi beber
grande parte dos preceitos para os títulos novos às Afonsinas52.
Voltando ao início, este livro não tem um prólogo alargado semelhante ao das
Afonsinas. Uma lacuna profunda53 para o entendimento deste processo manuelino

48
Carvalho HOMEM, “Ofício régio”, p. 128. No entanto, a diferença terá que ser matizada, tento em
conta que este autor utiliza o livro da edição de 1521.
49
Não encontro paralelo dos seguintes títulos afonsinos:
• Título do porteiro dos ouvidores nossos e do porteiro do ouvidor da rainha [OA, I, 21].
• Título do que pertence aos carcereiros da cadeia do corregedor da Corte e da Cadeia dos ouvidores [OA,
I, 22].
• Título da maneira que hão-de ter os juízes que El-Rei manda a algumas vilas para seu serviço e do poder
que hão-de levar [OA, I, 25].
50
A nível de cargos gerais:
• Título do governador da justiça na Casa do Civil [OM, I, s/n.º].
• Título do chanceler da Casa do Civil [OM, I, 23].
• Título dos desembargadores dos agravos [OM, I, 24].
• Título dos sobrejuízesl [OM, I, 25].
• Título dos ouvidores do crime [OM, I, 26].
• Título do promotor de justiça [OM, I, 27].
• Título do escrivão que tem cargo de solicitador da justiça [OM, I, 29].
• Título dos escrivães que escrevem perante os desembargadores e sobrejuízes e ouvidores da dita Casa
[OM, I, 30].

A nível de cargos locais:


• Título do tesoureiro do concelho [OM, I, 39].
• Título do escrivão da Câmara [OM, I, 40].
• Título do escrivão da almotaçaria [OM, I, 41].
• Título do que hão-de levar os escrivães da Fazenda e da Câmara das cartas e desembargos e alvarás e
outras escrituras que fizerem [OM, I, 48].
• Título dos tabeliães das notas [OM, I, 49].
• Título dos tabeliães judiciais [OM, I, 50].
• Título do escrivão dos órfãos [OM, I, 58].
51
É o caso paradigmático do título do corregedor da corte (OA, I, 5), que se desdobra no corregedor
da Corte dos feitos crimes (OM, I, 5), no corregedor da Corte dos feitos cíveis (OM, I, 6) e no
almotacé-mor (OM, I, 12). Neste último título foi incorporado o regimento dos pesos de 1502, com
alterações.
52
CAETANO, Regimento dos Oficiais, pp. 23-27.
53
Que pode ser, mutatis mutandi, colmatada com o prólogo da impressão de 1514, publicado em

378 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

de reforma, que se limita ao nome de Rui Boto (com outros letrados do Conselho e
Desembargo régio) como o responsável máximo de toda a obra:
“Aqui se começam os çinco liuros das ordenaçõoes corregidas e emendadas pello doctor
Ruy Boto do conselho del Rey e Chançeller moor destes regnos e senhorios com outros
leterados do seu conselho e desembargo pera ello deputados. Per mandado do Inuictissimo e
muy poderoso senhor el Rey dom Emanuel nosso senhor e por elle vistas e examinadas.
Seguese o liuro Primeiro”54
Para este livro primeiro migraram três títulos, um do livro II e dois do livro IV:
• Título dos tabeliães gerais [OA, II, 34 → OM, I, 53].
• Título das partilhas entre irmãos [OA, IV, 107 → OM, I, 57].
• Título do curador que é dado aos bens do ausente e à herança do finado a que não é
achado herdeiro [OA, IV, 94 → OM, I, 59].

A migração do título das partilhas dos órfãos suscita dúvidas, dificilmente se


enquadrando na temática deste livro I, antes pertencendo à temática do livro IV. O
que me parece mais plausível é que se trate de uma influência nefasta do Regimento
dos Oficiais. Por o seu conhecimento ser imprescindível aos juízes dos órfãos, o núncio
do Regimento foi buscar a lei “Como se ham de fazer as partilhas dos orfãaos e outros
quaaesquer segundo forma da ordenaçam que aqui vay trelladada”55. Ainda mantém o estilo
compilatório, que, posteriormente, será vertido para decretório nas Manuelinas.
Em anexo final vai o cotejo do título dos juízes ordinários (OM, I, 35), com as
fontes originárias que me foi possível identificar. Não deixa de ser curioso como
se articulam, de uma forma mesclada, extravagantes com os textos das próprias
Afonsinas.
Mas não foi às fontes originárias (identificadas como mediatas no anexo
documental n.º1) que os primeiros compiladores manuelinos foram beber. A
fonte imediata utilizada por estes, seguramente, terá sido o título 1 do Regimento
dos Oficiais – Titulo dos juizes ordenairos das çidades e villas56 / Titulo dos juyzes
ordenairos e cousas que ha seus offycios perteençe57. A identificação das fontes
manuelinas revela que no total dos 59 parágrafos: só 8 é que não registam fonte
antecedente; 11 derivam excusivamente do Regimento (fonte 1); 21 constam nas
Ordenações Afonsinas (fonte A); 18 no diploma de 1496 (fonte B); e apenas 2 foram
redigidos a partir do diploma de 1503 (fonte C)58. Repare-se que as Ordenações
Afonsinas continuam a ocupar um lugar de preponderância.

Francisco Xavier de Oliveira MATTOS, “Tavoadas ou Indices do Codigo Manuelino de 1514”,


(OM, pp. LXXXVI-LXXXVIII).
54
OM, I, fl. 1.
55
Esta é a epígrafe que consta na tabuada, porque no corpo consta “Titollo de como se ham de fazer as
partilhas antre os jrmãaos”.
56
Regimento dos Oficiais, tabuada.
57
Regimento dos Oficiais, fl. 1.
58
O cômputo dos parágrafos das quatro fontes de Direito deste título com os que não revelam fonte
paralela dá um total de sessenta parágrafos (52+8=60). O parágrafo excedente justifica-se com o (§
19) que se repete em três fontes (Afonsinas, 1496 e Regimento).

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 379


José Domingues

Bastante mais revelante é o facto de 51 dos parágrafos deste título (ou


seja, todos os parágrafos que encontram correlação nas fontes inventariadas) já
constarem no Regimento dos Oficiais. O que quer dizer que foi esta a fonte imediata
das Manuelinas – esta ilação acaba por ser confirmada pelo cotejo feito a nível
do conteúdo de cada um dos parágrafos. Por outras palavras, o conjugar das
várias fontes, aproveitado nas Manuelinas, já tinha sido feito pelos núncios do
Regimento dos Oficiais59. No entanto, foi alterada a ordem dos parágrafos 3, 4 e 5,
que foram intercalados a meio do parágrafo 5 (dividido em dois <5/6>, tal como
o parágrafo 41 <41/42>); e foi trocada a ordem dos parágrafos 50 e 51.
Livro II. Desde as Afonsinas que o livro II das Ordenações é o que mais
arrepsias suscita – “é muito heterogéneo, dificilmente se podendo encontrar nexo
lógico entre as matérias nele contidas”60. Talvez seja mais um motivo plausível
para que, em ambas as edições do “primeiro sistema”, tenha sido o último dos
cinco volumes a ser impresso (19 de Novembro de 1513 e 15 de Dezembro de
1514, respectivamente)61. A temática da legislação tratada neste livro teve forte
necessidade de se adaptar às idiossincrasias da época, nomeadamente, quanto à
perseguição movida às minorias religiosas.
O desentranhar da matéria legislativa sobre mouros e judeus foi ditada pela
publicação da lei de 1497, que os expulsa do reino. Este diploma normativo passa
a fazer parte integrante deste livro62. A matéria revogada consta nas Afonsinas do
título “Que o Judeo nom tenha mancebo Chrisptão por soldada, nem a bem fazer” (OA, II,
66) até ao título “Do Mouro que se torna Chrisptãao e depois se torna Mouro” (OA, II,
121), inclusive. No total seriam cinquenta e seis títulos ab-rogados, mas foram apenas
cinquenta e cinco, porque os compiladores manuelinos ressalvam o título “de como o
judeu converso aa Fé De Jesus Christo deve herdar a seu Padre e a sua Madre” (OA, II, 79).
• Título de como o cristão que foi judeu deve herdar a seu pai e a sua mãe e aos
outros parentes [OA, II, 79 → OM, II, 49].

Mas não foi apenas no âmbito das minorias étnico-religiosas que se fez sentir
o expurgo de preceitos normativos. Também os títulos em matéria de concórdias
e concordatas foram arredados deste livro. Volvidos cerca de seis décadas da
conclusão das Afonsinas, os renovadores da nova compilação de leis e ordenações
entenderam que deviam excluir as estruturas normativas acordadas entre os
monarcas antecessores e a Santa Sé ou clerezia do reino. Por isso, os primeiros sete

59
Outra fonte documental utilizada pelos redactores do Regimento (que acabei por não referir nas
fontes mediatas deste título) foi a lei de 14 de Julho de 1499, sobre aqueles que “fazem casamentos
clandestinos escondidamente contra nossa defesa e ordenaçam sobre ello nouamente feita” (§ 5).
60
Marcello CAETANO, História do Direito (Séc. XII-XVI), seguida de Subsídios para a História das Fontes
do Direito em Portugal no Séc. XVI, textos introdutórios e notas de Nuno Espinosa gomes da Silva,
Editorial Verbo, 4.ª Edição, 2000, p. 539.
61
Vide a cronologia destas duas edições em DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XXIX.
62
OM, II, 48.

380 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

títulos do livro II das Afonsinas não encontram nenhum correspondente no livro II


das Manuelinas. Por maioria de razão, no prolongamento desta decisão, compreende-
se que também a concórdia extravagante de 1455 não tenha sido incluída na nova
colectânea oficial. O prólogo manuelino, bastante mais curto em comparação com o
seu antecessor, parece-me indiciário desta amputação normativa.
Esta é a primeira grande novação, cunhada pela reforma manuelina no livro
II. A eliminação deste extenso aglomerado legislativo levanta uma questão grave
em torno da sua aplicabilidade imediata. Está completamente fora de questão
reivindicar que se trata de matéria desactualizada e que, por isso, deveria ser
revogada. Então, porque é que se afastaram todos estes preceitos normativos,
reiterados nas compilações anteriores, desde o Livro de Leis e Posturas, as
Ordenações de D. Duarte, até às Ordenações Afonsinas?
A única justificação plausível que me ocorre é que os núncios da reforma
moderna entendem tratar-se de matéria de Direito Canónico, remetendo para
ele a sua inserção em compêndio respectivo e o seu tratamento exaustivo. Desta
forma e a partir daqui, as concórdias e concordatas deixam de fazer parte do ius
proprium passando a fazer parte do direito subsidiário, integradas no âmbito do
Direito Canónico63.
No entanto, como o denota o final do incipit, nem todos os artigos acordados
com a Igreja foram degredados do segundo livro manuelino – “alguuns que pera
bõa gouernança e regimento da terra mais neçessarios parecem Mandamos aqui poer
as determinações e deçisões delles em o titulo seguinte”. Trata-se dos casos em que
os clérigos deviam responder perante as justiças seculares. Esta matéria foi
resgatada às Afonsinas, mas a partir de um livro diferente, que estava destinado
ao Direito Civil.
• Titulo em que casos os clérigos e religiosos devem responder perante as justiças
seculares [OA, III, 15 → OM, II, 1].

Ao mesmo livro III das Afonsinas foi requisitado o título sobre os prelados e
fidalgos para que não fizessem de novo coutos nem honras.
• Titulo que os prelados e fidalgos não façam novamente coutos nem honras [OA,
III, 50 → OM, II, 47].

Consequentemente, foi abolido deste livro II o título “Das inquiriçom que


ElRey Dom Donis mandou tirar per razom das honras e coutos que os fidalgos fazião
como nom deviam” (OA, II, 65). Tratando-se de matéria análoga, pressupondo
uma certa relação antinómica, é compreensível que os reformadores deitem mão
ao critério cronológico, segundo o qual a norma nova revoga a mais antiga64.

63
Esta é uma forte machadada no Direito Canónico que, com a Lei da Boa Razão de 18 de Agosto de
1769, será proscrito do foro temporal, perdendo o valor de fonte subsidiária.
64
Também não encontrei paralelo dos seguintes títulos afonsinos:

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 381


José Domingues

A temática dos direitos reais65, é melhorada com um dos diplomas


normativos mais polémicos da História do Direito Português – a chamada lei
mental66. Digo polémico porque existindo e estando em pleno vigor desde os
finais do século XIV – o primeiro caso documentado da sua aplicação prática
continua a ser o da confirmação dos bens de Diogo Lopes Pacheco, em 15 de
Maio de 139367 – mal se compreende que não tenha sido coligida na colectânea
oficial afonsina, terminada em 1446. A única argumentação tolerável ainda
é a de Marcello Caetano, quando desabafa que “é um mistério a sua omissão nas
Ordenações Afonsinas, fruto porventura da oposição dos fidalgos, que ainda nas Cortes
de 1472 consideravam a lei como feita «contra direito e justiça»”68.
Por isso, a primazia do registo oficial nas Ordenações pertence a este livro II
das Manuelinas. Para não sobejarem dúvidas desse primado, no dito livro ficou
expressamente consignado:

“A qual ley por nom estar encorporada e assentada em cada huum dos çinco
liuros das nossas reformações e seer para o que dito he muy proueitosa e
neçessaria nos a mandamos emcorporar em este segundo liuro desta nossa
noua compilaçam das leys e ordenações de nossos regnos que ora fezemos”69.

Mas a controvérsia não se fica por aqui. Para mim, ainda mais curioso e
difícil de entender é o facto de existir uma lei geral promanada pelo Rei, aplicada
durante quatro décadas consecutivas, sem nunca ter sido escrita. Mas a verdade é
que a documentação alude, declaradamente, que teria sido D. Duarte o primeiro
a escrever esse comando normativo. O livro II das Manuelinas persevera nesse
sentido:

“Elrey dom Eduarte meu auoo por dar çerta forma e maneira como os beens
e terras da coroa do regno antre seos vassallos e naturaaes ouuessem de

• Título que os clérigos ajam servidores [OA, II, 10].


• Título do beneplácito régio [OA, II, 12].
• Título dos fidalgos que apropriam a si os mosteiros e igrejas dizendo que tinham direito a pousadias
e comedorias [OA, II, 17].
• Título que não leve El-Rei, ou quem dele terra ou alcaidaria tiver, a terça parte das cousas que se
venderem para comer [OA, II, 31].
• Título que só tenham porteiro aqueles que tiverem autorização de El-Rei [OA, II, 33].
• Título da ordenação dos sacadores de El-Rei [OA, II, 63].
65
Perdura a nota que nas Afonsinas (OA, II, 23, p. 208) fazia a transição da temática da Igreja para os
direitos reais: “Atee aqui auemos falado das ygrejas e moesteiros, e bem assy dos clerigos segraes e frades
professos e cousas que a elles pertençem Agora entendemos falar dos direitos reaes e cousas que pertençem a
nos e aos oficiaes de nossas rendas e dereitos” (OM, II, 14, fl. 12v).
66
OM, II, 17.
67
Paulo MEREA, Novos Estudos de História do Direito, Barcelos, 1937, pp. 61-74.
68
CAETANO, História do Direito, p. 515.
69
OM, II, 17, fl. 20 v.

382 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

regular e soçeder fez escreuer e poer em sua chançellaria huma ley que se
diz mental por seer primeiro feita segundo a vontade e tençam delrey dom
Joham o primeiro seu padre meu bisauoo que em seu tempo se praticou
ainda que nom fosse escripta.”70.

Se é o que dizem os documentos, lá diz o velho adágio: “contra factos não há


argumentos”. Mas, por outro lado, não é menos verdadeiro o provérbio que assevera:
“as aparências iludem”. Por isso, o jurista que não dispensa contraditório encontra
sempre provérbio em contrário – “onde o lobo acha hum cordeiro, busca outro”. Quer
dizer, então, que há sempre outra tese, por muito remota que seja. O conhecimento
científico não se compadece com verdades absolutas, válidas para todos os tempos,
lugares e circunstâncias – mesmo que o derradeiro e único substrato seja um
avelhentado pergaminho escrito, crestado pelo curso dos séculos.
Todos os jurishistoriadores sabem que a lei mental foi escrita pela primeira
vez em 1434, no entanto, ainda nenhum questionou o porquê de ela nunca ter
sido escrita até essa data. Para a não inserção nas Afonsinas contamos com a
argumentação plausível de Caetano e é vulgo conhecimento que essa compilação
oficial nunca pretendeu esgotar todo o Direito vigente. Mas porque é que essa lei
nunca foi escrita durante, praticamente, todo o reinado de D. João I? Tratando-se de
um facto inédito na jurishistoriografia, forçosamente, deveria ter um fundamento
explícito. Partindo do princípio basilar de que o secretismo é incompatível com
regras de Direito, desde os tempos primordiais do Código Hamurabi até aos nossos
dias, confesso que não consigo arranjar nenhum argumento para que este acto
normativo medieval não tenha sido escrito.
Por outras palavras, temos uma afirmação documental escrita – “Dom
Eduarte pella graça de Deus Rey de portugall e do Algarue e Senhor de Cepta a quantos
esto uirem fazemos saber que conssyrando nos em como ElRey meu Senhor e padre cuja
alma Deus aja auia feta huã ley em sua uoontade sobre as terras da coroa do Regno A
quall ataa gora nunca fora pobricada nem scripta E por esta rrazom sse mettiam
sobre ella mujtas duujdas e contendas em nossa corte”71 – que não se coaduna com
a realidade envolvente sobre a divulgação medieval das leis gerais (apesar
de todos os arcaísmos inerentes). No entanto, não conseguimos justificar esse
desvio72. À contrário, levantei a ideia (mera plausibilidade) de que a lei mental
tivesse sido escrita antes de 1434, forçando uma interpretação extensiva, para
além do elemento literal:

70 OM, II, 17, fl. 20.


71
IAN/TT – Maço 1 de Leis, n.º158.
Acreditada pelos primeiros reformadores manuelinos, conforme acima transcrito.
72
Poderíamos enveredar pela analogia com o costume que, surgindo de forma espontânea no seio da
comunidade, nos primeiros tempos não é escrito. Mas a verdade é que estamos perante uma lei,
como verdadeira fonte de Direito voluntária.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 383


José Domingues

“o que, presumivelmente, o diploma régio de 8 de Abril de 1434 pretendia dizer


era que a lei mental nunca tinha sido escrita no livro da Chancelaria. É
que, de outra maneira, não se entende que este diploma normativo não escrito
tivesse a coercibilidade necessária para ser aplicado, durante mais de 40 anos,
contra a poderosa classe da nobreza. Por outro lado, a necessidade de registo
no livro da Chancelaria parece assomar no reinado de D. Duarte, período
álgido de abreviamento e correcção das ordenações. Ou seja, os antigos livros
de ordenações estão em eminência de serem revogados e tornados inúteis,
por isso, é necessário transferir para os vulgares livros da Chancelaria as
ordenações que apenas estavam nesses livros de ordenações, de modo a que
sobre elas não subsistam quaisquer dúvidas – mormente, a lei mental”73

A lei mental é o paradigma de uma extravagante originária – embora


exista desde o início, não foi intencionalmente incluída no texto das Ordenações.
Mas neste tomo constam outras extravagantes supervenientes – produzidas
mais tarde, no contexto das vicissitudes normativas posteriores. Os dois actos
normativos apensados no final do livro II afonsino, passam a ocupar o lugar
devido: o primeiro, sobre o privilégio dado aos rendeiros de el-rei74, manteve-se

73
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 138.
Talvez traga alguma ajuda as palavras de D. Afonso V, quando os fidalgos, nas Cortes de Coimbra-
Évora de 1472-73, lhe pedem que revogue a lei mental: “Responde ElRey que a ley mental houve
principio e fundamento em ElRey Dom João, seu avo, e foi depois por ElRey Dom Duarte, seu pay, de todo
authorizada e pubricada”. Diz-se que D. Duarte autorizou e publicou, mas não que escreveu pela
primeira vez. Em contrapartida, no início deste capítulo, os fidalgos nem sequer referem o nome
de D. João I e dizem que foi D. Duarte que fez a lei: “a ley mental que se chama, feita por ElRey vosso
padre, muito contra direito e justiça”.
Aqui podem, também, ter algum cabimento as palavras tardias (segunda metade do século XVI) de
Duarte Nunes de Leão, sobre a sua colectânea de Extravagantes: “se alguma cousa faltar (o que eu não
cuido) não foi por negligencia, porque eu fiz toda a diligencia possiuel em buscar tudo o que hauia. Mas seria
por ser ja reuogado, ou não star em registro algum, por muitas cousas passarem sem ir aa chancellaria,
o que he grande confusão” [Duarte Nunes de LEÃO, Leis Extravagantes, Lisboa, 1569, p. 218 (Edição
«fac-simile» da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987)].
A propósito da lei mental vide Fina d’ARMADA, “As mulheres vianenses enganaram a Lei Mental
de D. Duarte?”, Grandes Enigmas da História de Portugal, vol. I, coordenadores Miguel Sanches de
Baêna e Paulo Alexandre Loução, Ésquilo, 2008, pp. 423-431. A autora mostra neste artigo como
a transmissão do ouro por via feminina, na região de Viana do Castelo, resulta de uma tradição
milenar. Colocando a questão premente: “Terá esta tradição desencadeado uma forma de fugir à Lei
Mental?”
Nesta linha de pensamento, não deixa de ser curioso que, na região do Barroso, a gola do lobo
também se transmita por via feminina – informação facultada por Francisco Álvares. Sobre a
utilização da traqueia e outras partes do corpo do lobo como cura de doenças, entre vários trabalhos
deste investigador, vide Francisco ÁLVARES, “O Lobo no Imaginário Popular”, Serra da Aboboreira
– a Terra, o Homem e os Lobos, coord. Manuel Nunes, Câmara Municipal de Amarante, 2004, p. 141.
74
Esta ordenação não está datada, Luís Miguel Duarte situa-a entre os anos de 1451 e 1461, “em que
D. Fernando da Guerra e Pero Vasques de Melo presidem às Casas da Suplicação e do Cível”
[Luís Miguel DUARTE, Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459-1481), Fundação Calouste
Gulbenkian– Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Textos Universitários de Ciências Sociais e
Humanas, Coimbra, [1999], p. 95, nota 290].

384 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

neste livro, passando para a respectiva parte dos direitos reais; o segundo, de 5 de
Março de 1450, versando sobre penas e não se adaptando ao substrato material
do livro II, foi endereçado para o livro dedicado ao Direito Penal – o livro V.
• Título do privilégio dado aos rendeiros de el-rei [OA, II, 122 → OM, II, 29].
• Título da pena que merecem os que abrem as cartas mandadeiras de El-Rei, da
rainha ou de outros senhores [OA, II, 123 → OM, V, 90].

O título 37, sobre a forma de se venderem os bens por dívida de El-Rei


e o tempo do respectivo pregão, começa assim: “Per os regimentos e ordenações
que andam em a nossa fazenda feitas per os Reys passados he mandado que…”75. Esta
referência expressa aos regimentos e ordenações da Fazenda vem asseverar – a partir
de outras antigas referências documentais coligidas76 e o facto de escassearem
as matérias fiscais nas Afonsinas – a plausível preexistência de uma compilação
específica em matéria jurídico-tributária77.
A fonte interna da primeira parte deste título 37 é a ordenação extravagante
de 28 de Abril de 1502, sobre o modo a ter na venda dos bens por dívida de
El-Rei78. No entanto, não foi revogada a respectiva fonte afonsina (OA, II, 52)
– muito embora a redacção tenha sido bastante alterada – que serviu de base à
segunda parte do mesmo título.
O título que isenta as igrejas, mosteiros, clérigos e frades de pagarem os
impostos de dízima, portagem e sisa (OM, II, 13) veio revogar o título para que
os clérigos e frades não paguem portagem, senão como pagam os outros cristãos (OA, II,
21). A fonte próxima deste título das Manuelinas é a lei outorgada em Saragoça,
por D. Manuel I, no dia 1 de Agosto de 149879.
Para finalizar, em matéria de extravagantes, falta referir a lei concedida por D.
Afonso V a 20 de Setembro de 1447, que veio alterar a lei da amortização – outorgada
por D. Dinis a 10 de Julho de 1286 – compilada nas Afonsinas (OA, II, 14). Corolário
da entrada em vigor deste Livro II da Reforma das Ordenações, a lei afonsina surge
imediatamente após a reunião da clerezia portuguesa com o infante D. Pedro, em

75
OM, II, 37, fl. 47v. A mesma asserção consta no Regimento dos Oficiais, que, no final, manda
que se “trellade no liuro dos regimentos da dita fazenda” [Regimento dos Oficiais, fl. 94v e fl. 95v,
respectivamente].
76
1442, Abril, 20 – “E uos fazee Registar este nosso aluara no liuro das hordenaçoees dessees contos”
[Chancelarias Portuguesas. D. Duarte. Centro de Estudos Históricos – Universidade Nova de Lisboa.
Lisboa, 1999, vol. II (Livro da Casa dos Contos), doc. 91, p. 132].
1445, Janeiro, 01 – “E fazee Registar este aluara nos liuros das hordenaçoões dos nossos contos dessa
cidade” [Idem, doc. 105, p. 147].
1445, Junho, 18 – “E fazee llogo rregistar estas determjnações no lljuro das ordenações dos nossos
contos dessa çidade” [Idem, doc. 113, p. 165].
1459, Outubro, 23 – “traladar no Líuro das hordenaações que andam nos nosos Contos” [J. M. da Silva
MARQUES, Descobrimentos Portugueses, vol. I, p. 567].
77
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 86-87.
78
Regimento dos Oficiais, fls. 94v-96.
79
Anexo documental n.º 2.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 385


José Domingues

Lisboa, a 1 de Agosto de 1447. A contestação clerical à recente colectânea de leis,


fez com que o monarca permitisse ao clero conservar os imóveis adquiridos antes
da morte de D. João I (13, Agosto, 1433)80, desde que, pacificamente, os possuísse à
data de promulgação da dita lei (20, Setembro, 1447)81.
Não deixa de ser extremamente curioso que este diploma não conste no
final de nenhum dos livros II afonsinos que chegaram aos nossos dias, pois El-
Rei mandou “outrossy que esta nossa carta seia registrada em fim do segundo liuro das
nossas ordenaçoões pera que da nossa chancellarya se possa dar o trellado della em publica
forma segundo se acustumam de dar as outras ordenaçoões Ao qual trellado dado da dita
forma mandamos que se de comprida ffe como ao proprio original”82.
Livro III. Este livro é encetado pelo título da citação. O texto das Ordenações
Afonsinas refere quatro formas distintas de citação: “per palha (…) per porteiro (…)
per tabalião (…) per editos” (OA, III, 1). A citação por palha tem causado alguma
estranheza na sua denominação. O próprio Marcello Caetano chegou a aventar
uma confusão de abreviatura, derivando palha de palba, abreviatura de palavra83.
Não concordando com esta teoria, tendo em atenção o referido por Teófilo Braga
para a estipulação por troca de palha84 e o constante nos foros de Porto de Mós85,
propus que “a palha era transmissível, posta na porta e podia ser britada, logo, teria
que ser algo de material, não podendo corresponder à efémera citação oral. (...) se, por
um lado, repugna aceitar que a palha da citação fosse um simples colmo de gramínea, por

80
Esta é a data registada pelos reformadores manuelinos. Mas a morte de D. João I não terá sido no
dia 14 de Agosto? A este propósito vide Margarida Garcez VENTURA, O Messias de Lisboa. Um
Estudo de Mitologia Política (1383-1415), Edições Cosmos, Lisboa, 1992, p. 109: “E, assim, inúmeros
acontecimentos coincidiam nesse dia faustoso: nascimento do fundador da dinastia, vitória de Aljubarrota,
partida para Ceuta (ou tomada, no Oitavário), entrada de D. Nuno para o convento, mudança da era de
César para de Cristo, morte do rei, lançamento da primeira pedra da ermida de S. Jorge, o Milagre da Cera”.
81
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 169-170.
82
Braga, AD – Gaveta dos Privilégios, n.º26. Existem outros exemplares manuscritos e impressos,
arrolados em DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, Anexo I, n.º35, p. 581.
83
“A palha é tão frágil, e a representação da justiça por uma vara de madeira ou fuste (como se lê em lei de D.
Afonso II, L.L.P., pág. 12: «se nosso porteiro quer com fuste, quer com letras, ou per si») parece tão lógica
que não é de excluir a hipótese, formulada no Dicionário de Fr. Domingos Vieira, de a palha aparecer nos
textos por confusão com a abreviatura palba, de palavra, significando a citação oral (por oposição às letras)
de que se deixava sinal do juiz, em vez da carta. Isso explicaria o que se lê nas O.A., III, 1, quanto ao facto de
esse tipo de citação ser no século XV reservado a certos magistrados superiores, fundado no muito trabalho
deles, o que impediria a utilização do porteiro e as formalidades que ela implicava” [CAETANO, História
do Direito, p. 391, nota 3].
84
“O símbolo da estipulação, pela troca da palha (stipula festuca) aparece nos nossos Forais, nos Capítulos
especiais de Santarém, de 1323 sob a designação de Palha de fuste, a qual se dividia entre o credor e o devedor;
já se não pratica o acto, mas ainda existe a expressão abstracta alusiva, como arrematação e entregar o ramo,
e nas Ordenações Afonsinas (liv. I, tít. 19) há a citação per palha. Na linguagem popular encontramos a
locução referente à pessoa que se enfurece por dá cá aquela palha usada por Jorge, e também tirar palha
com alguém, significa puxar palavra, inquietar”. [Teófilo BRAGA, O Povo Português nos Seus Costumes,
Crenças e Tradições, Publicações D. Quixote, Portugal de Perto, 2.ª edição, 1994, vol. I, p. 206 (1.ª
edição de 1885)]
85
“a testaçom que fezer o moordomo faça o testemuynho d homens poendo huã palha na porta. E aquel que lha
britar peite LX.ª soldos se lhy for procurado per homens boons” [IAN/TT – Chancelaria D. Dinis, Liv.
III, fls. 45-46].

386 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

outro lado, não se pode identificar com algo abstracto como a palavra. Será palha uma
designação, perdida na roda do tempo, para um determinado documento solene?”86.
Também não seria qualquer documento solene, mas sim um fuste ou vara
pequena, como prolongamento da vara maior que os juízes utilizavam, conforme
nota Duarte Nogueira, citando Viterbo, a propósito da lei de D. Afonso II87.
Pouco antes de Viterbo88, já José Veríssimo Alvares da Silva tinha chegado a esta
conclusão. Para fundamentar o modo como se faziam as citações na primeira
idade da Monarquia, este último autor, colaciona os forais daquele tempo –
nomeadamente, os de Soure, Castelo Branco e Pombal – e o Código Visigótico.
Nesses vetustos pergaminhos do Direito se fala no sinal do juiz e do alcaide
e em sigilar. Por isso, contínua, “este signal he o que em huma Lei de D. Affonso
II se chama Fuste, e he o ramo, que os nossos Porteiros trazem na mão”. Acabando
por concluir que a origem da citação por palha (palha stipula) e dos mandados
de penhora, no nosso Direito, está directamente ligada aos ancestrais ritos dos
povos germânicos89.
Perante tão autorizadas vozes (desde o século XVIII ao XXI), é plausível
que não resistam quaisquer dúvidas. Partindo do princípio que esta seja a versão
procedente, nos antigos Paços de Audiência de Monsaraz pode estar a prova
iconográfica concludente. No fresco mediévico do Bom e Mau Juiz, que aí se
conserva, em frente ao bom juiz está uma personagem descalça, com as mãos
cruzadas e apoiadas numa vara à altura do peito. Em relação à vara do juiz, é
bem patente a diferença de tamanho e de cor: a vara do juiz é muito maior e de
cor vermelha, em contraposição ao tamanho curto e cor amarelada daquela vara.
Tudo leva a crer que podemos estar perante alguém intimado a estar em juízo
(em alternativa, pode ser um porteiro), com o respectivo sinal de citação (a palha,
fuste ou vara).
O cotejo com o moderno texto manuelino torna-se imprescindível para
sabermos se a citação por palha ainda se mantém, nos alvores do século XVI.
Malogradamente, ao livro III da edição de Valentim Fernandes falta o fólio 1,
86
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 351-352.
87
“Este vocábulo (fuste) pode ter diferentes sentidos, mas no caso que nos interessa identifica um símbolo de
autoridade utilizado pelo porteiro. Viterbo fala em palha ou sinal entregue como símbolo de autoridade a quem
devia executar mandato. Cita expressamente esta lei. No caso vertente identificava um símbolo de autoridade
que usualmente acompanhava estes funcionários. Como executavam mandatos judiciais e o símbolo do poder
judicial era a vara (António Barbas Homem, Judex perfectus…, passim) o símbolo que o porteiro utilizaria
devia ser uma vara mais pequena. Nesta medida a interpretação de Viterbo está perfeitamente adequada.
Podia ser uma palha, a qual em sentido figurado representava uma vara pequena, como prolongamento da
vara maior que os juízes utilizavam.” [José Duarte NOGUEIRA, Lei e Poder Régio I - As Leis de Afonso II,
Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2006, p. 315, nota 144].
88
Frei Joaquim de SANTA ROSA DE VITERBO, Elucidário das palavras, termos e frases [...], edição
crítica por Mário Fiúza, 2.ª reimpressão, Livraria Civilização Editora, Barcelos, 1993: s. v. “sigillar”
e nota de Viterbo (1.ª edição 1799).
89
José Veríssimo Alvares da SILVA, “Memória sobre a forma dos juízos nos primeiros séculos da
Monarquia Portuguesa”, Memórias da Literatura Portuguesa, Academia Real das Ciências, Lisboa,
Tomo VI, 1796, pp. 43-45.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 387


José Domingues

onde se falaria deste tipo de citação90. O recurso ao livro III da edição de 1514
acabou por confirmar que, nesta data, ainda se mantinha, textualmente, a matéria
e designação da citação por palha91.
Este livro, dedicado à matéria do processo civil, não sofre alterações de
vulto com a primeira reforma manuelina. Já ficou assinalada a transição dos seus
títulos 15 e 50 para o livro II.
Quanto a extravagantes, de pronto, ressaem dois títulos: o que consagra a
matéria de como se hão de arrematar os bens dos morgados ou capelas, em que for feita
penhora (OM, III, 92)92 e o título final dos privilégios e liberdades concedidos ao regedor
e desembargadores da Casa da Suplicação (OM, III, 112). Este último não contempla
os desembargadores da Casa do Cível, dando azo ao protesto de D. Álvaro de
Castro, 3.º governador da Casa do Cível, junto do monarca, volvido pouco mais
de 5 meses da impressão do livro III (30 de Agosto de 1512 a Fevereiro de 1513).
O monarca resolve o diferendo, por alvará de 1 de Julho de 1513, equiparando
os privilégios das duas Casas, ampliando a lei “ora incorporada no terceiro livro das
Ordenações”93.
Esta vicissitude legislativa – que acaba por desactualizar um livro das
Ordenações, com menos de um ano de existência – aposta à vantagem de uma
edição em pergaminho, são os precursores imediatos apontados para uma nova
edição, concretizada por João Pedro de Cremona, desde 11 de Março a 15 de
Dezembro, no ano de 151494.
Os privilégios dos desembargadores da Suplicação, concedidos a 12 de
Novembro de 1450, já constavam apensos ao final do livro III das Afonsinas,
conforme consta em traslado de D. João II (20 de Agosto de 1486) e de D. Manuel
I (27 de Novembro de 1501): “em fim do liuro terçeiro da Reformaçom das nossas
hordenaçõees que anda em nossa chançelaria he scripto e assentado ho priuillegio das
homrras e herdades e framquezas que per nos som dados e outorgados aos desenbargadores
da nossa casa da sopricaçam”95. Dos livros III afonsinos que chegaram até nós, em
nenhum consta esta extravagante. Mormente por não se tratar de matéria ex novo
das Ordenações e pela polémica que suscitou, escolhi este título para cotejo com as
fontes documentais localizadas96.

90
Cfr. DIAS, Ordenações Manuelinas, Liv. III, p VII.
91
Liuro Terceiro das Ordenações, nouamente corrigido na segunda empressam, Lisboa, João Pedro
Bonhomini, 1514, fl. 1.
Na edição de 1521 (edição de 1797, fac-simile da Fundação Calouste Gulbenkian de 1984), apenas
se fala na citação “perante huma testemunha dando o Julgador licença aa parte”.
92
Parece que esta matéria teve influência das Leis de Toro, de Castela.
93
DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XXII.
94
Idem.
95
IAN/TT – Gaveta 14, maço 8, n.º23.
IAN/TT – Corpo Cronológico, Parte 1, Maço 3, n.º74.
96
Anexo documental n.º 3.

388 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

No âmbito dos títulos afonsinos que não aparecem nas Manuelinas, entre
outros, destacam-se os que tratam matérias sobre a forma de se fazerem as cartas
citatórias e sobre porteiros e sacadores97.
Livro IV. Se exceptuarmos as grandes amputações dos títulos do Regimento
da Guerra (Liv. I) e dos títulos consagrados às minorias étnicas (Liv. II), o livro
IV foi dos que sofreu maior corte de títulos. Cerca de três dezenas não encontram
correspondente das Afonsinas para as Manuelinas. Ao invés, são minguados os
que surgem de novo. É claro que esta conclusão apressada e incauta, ditada por
um mero resvalar sobre os indíces, não dispensa o cotejo de textos, que tanto
pode nivelar como cavar ainda mais este fosso. Por isso – reitero – só um cotejo
alargado das múltiplas fontes de Direito inventariadas fará justiça ao título que
apadrinha este trabalho.
No âmbito das extravagantes introduzidas, logo no título da decraraçam da
valia das liuras e doutras moedas (OM, IV, 1), consta expressamente que “sendo el
Rey dom Afonso meu tyo da muy louuada e escrareçida memoria na çidade de euora no
anno de nosso senhor Jesu Cristo de mil e quatroçentos e satenta e tres (…) Ordenou e pos
por ley com acordo de sua corte…”. Por esta simples asserção, este título tem vindo
a ser incluído no cômputo das poucas excepções manuelinas de estilo redactorial
compilatório.
Mas uma análise mais atenta a este título, revela que a matéria tratada a
partir dos finais do parágrafo 14 já não corresponde à fonte de 1473; a fonte
que, desde aí, serve de base até ao final do título também não saíu da pena dos
compiladores manuelinos; trata-se de uma declaração feita por El-Rei D. Manuel

97
São, fundamentalmente, estes os títulos revogados:
• Título Dos que podem ser citados perante os sobre-juizes da casa do Cível ou perante o corregedor da Corte
[OA, III, 6].
• Título Daquelle que nega o que razam ha de saber e lhe vem provado que lhe nom seja recebida defesa
alguma [OA, III, 35].
• Título Se o author que no libello faz menção dalguuma escriptura pubrica será theudo de a mostrar amte
da lide comtestada [OA, III, 37].
• Título Que os desembarguadores d’ElRey asy da fazenda como da justiça nom passem desembarguos
alguuns senão per cartas selladas [OA, III, 44].
• Título Como a mulher pode demandar a raiz que o marido vendeo sem sua procuração [OA, III, 46].
• Título Que o citado por força nova responda logo a ella sem havendo outro prazo [OA, III, 52].
• Título Quando Elrey der cartas a alguuns prelados que ajam porteiros ou sacadores ponha-se em ellas que
os mordomos nam perquam seu direito [OA, III, 96].
• Título Se alguns guanharem d’ElRey porteiros ou sacadores que paguem o dapno que elles sem rezam
fezerem aas partes [OA, III, 101].
• Título Que nam fação execuçam em mais bens do condenado que em quanto possa avondar a divida [OA,
III, 104].
• Título Das rezoens que se aleguam a embargar a arrematação [OA, III, 105].
• Título Das arremataçoens como se ham de fazer assy nos beens movees como de raiz [OA, III, 106].
• Título Das cartas de segurança que se pedem per morte de homem ou feridas abertas e sanguoentaads como
e quando se darão [OA, III, 123].
• Título Que os priviligiados per carat d’ElRey nom sejam escuzados pera serem titores [OA, III, 124].
• Título Dos juizes que recebem peita por julguar e da parte que lha daa ou promete [OA, III, 128].

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 389


José Domingues

ao valor da moeda, datada de 12 de Junho de 149998 (mas o título manuelino não


faz qualquer identificação do seu autor, data ou local).
A forma como, no mesmo título, se conjugam estas duas fontes de Direito
manuelinas levanta a questão de sabermos onde acaba o estilo compilatório e
onde começa o estilo legislatório.
Para não ir mais longe, que o tempo urge, pegando no título escolhido para
cotejo (anexo final n.º 4), a impressão imediata é que estamos perante uma ampla
manifestação do estilo decretório. Mas, em última instância, os responsáveis por
estas primeiras Manuelinas limitaram-se a uma ligeira adaptação da declaração
final feita em nome de D. Afonso V (OA, IV, 7), dispensando a transcrição
afonsina do capítulo das Cortes de Santarém de 1331.
Livro V. O cólofon deste livro oferece-nos duas particularidades99: este
volume foi o primeiro a ser impresso e o único à custa e despesa do próprio
impressor, Valentim Fernandes100. O investimento de cabedais próprios por parte
de impressores e livreiros não era praxe incomum desse tempo101. No entanto,
mal se compreende que o impressor assuma apenas a despesa de um volume e os
restantes quatro – nada se dizendo – sejam assumidos pelo erário régio. Seria este
o acordo inicial, ou algo terá invertido o regular andamento das negociações? A
verdade é que o alvará régio, outorgado em Lisboa a 3 de Outubro de 1514, para
pagamento da dívida de impressão a Valentim Fernandes fala, expressamente,
em “mil corpos de livros dos cinco livros das Ordenações que por contrato lhe mandámos
fazer, pelos quais há de haver setecentos mil reais, à razão de setecentos reais por cada
corpo dos ditos livros e se haviam de arrecadar dos concelhos destes reinos”.
Afinal, Valentim Fernandes acabou por ser ressarcido da impressão dos
cinco livros. E bem ressarcido! Se compararmos o preço pago com o estabelecido,
passados cerca de sete anos, para a edição de 1521. Fernandes recebeu 700 reais
por cada colecção dos cinco livros e a de 1521 foi taxada em 400 reais – “E não
se poderá mais vender toda a obra destes cinco livros que por quatrocentos reais”102. Do
intrincado destas negociações palacianas, de tão elevado valor pecuniário103,

98
Porto, AHM – Livro Grande fls. 3v-4 (Instrumento de 1500, Maio, 30);
Porto, AHM – Livro A, fls. 170v-172;
Corpus Codicum, vol. I, pp. 550-552;
Abílio José SALGADO e Anastásia Mestrinho SALGADO, Registos dos Reinados de D. João II e de D.
Manuel I (edição fac-similada), Lisboa, 1996, pp. 394-396.
99
Para além de ser o único que foi rubricado por “Salema”.
100
“Acabouse de emprimir ho liuro quinto das ordenações, corregido e emendado per o doctor Ruy boto Chançaller
moor destes regnos e senhorios. Per mandado, autoridade e preuilegio delRey nosso senhor. Em Lyxbõa per
Valentim fernandez alemam, e a sua custa e despesa. Aos xxx dias de Março de Mil e quinhentos e doze
annos” (OM, V, 110, fl. 74v).
101
Por exemplo, os Artigos das Sisas (4 de Fevereiro de 1512) foram impressos à custa e privilégio do
livreiro Diogo Fernandes. Cfr. Barbas HOMEM, “As Ordenações Manuelinas”, p. 294.
102 OM (1521), V, final.
103
Vide, a este propósito, DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XXIII. A colecção dos cinco livros das
Ordenações aproximava-se do valor de uma nau de 250 toneladas (750$000 reais).

390 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

podem-se sacudir alguns indícios para uma plausível justificação do atraso na


impressão do livro II, o último a ser impresso.
Em relação às Ordenações do reino, são estes os destroços documentais
conhecidos do labor de impressão de Valentim Fernandes:
• 1512, Março, 30 – Imprime o livro V das Ordenações, à sua custa e despesa.
• 1512, Junho, 19 – Imprime o livro IV das Ordenações, por mandado,
autoridade e privilégio de El-Rei D. Manuel.
• 1512, Agosto, 30 – Imprime o livro III das Ordenações, por autoridade e
privilégio de sua alteza.
• 1512, Dezembro, 17 – Imprime o livro I das Ordenações, por autoridade e
privilégio de sua alteza.
• 1513, Novembro, 19 – Imprime o livro II das Ordenações, por mandado,
autoridade e privilégio de El-Rei D. Manuel.
• a. 1514, Outubro, 03 – Recebe 400 mil reais em pimenta da Casa da Índia,
por conta da impressão que tinha em mãos.
• 1514, Outubro, 03 – Alvará autorizando a Casa da Índia a entregar a
Valentim Fernandes maçãs no valor de 300 mil reais, para concluir o
pagamento da impressão dos 5000 livros das Ordenações, no valor de 700
mil reais. Fernandes entrega todos os livros no Hospital de Todos-os-
Santos de Lisboa. O provedor do Hospital, o bispo de Safi, fica obrigado
a devolver ao monarca os 700 mil reais dos ditos livros, que arrecadaria
junto dos concelhos104.
• 1514, Outubro, 09 – Mandado régio, ao feitor da Casa da Índia, autorizando
a entrega a Valentim Fernandes de especiarias no valor de 300 mil reais,
que estavam para ser entregues ao Hospital de Todos-os-Santos, para
cobrir a divida da impressão dos livros das Ordenações, ficando o Hospital
com a receita que obtivesse da venda dos livros105.

O que concluir?

Numa reconstituição conjectural pode ser que, inicialmente, Valentim


Fernandes tenha assumido os encargos da impressão, reservando para si o direito
de arrecadar a sua venda directa aos concelhos106; imediatamente à impressão do
livro V, por motivo que desconhecemos, alteram-se os ajustes e a coroa assume
todo o encargo, obrigando-se a pagar o labor de Fernandes; a impressão continua
regularmente, imprimindo-se mais três livros ainda durante o ano de 1512; no final
desse ano, após a impressão de quatro livros, Fernandes suspende os trabalhos até
104
Documento publicado em DIAS, Ordenações Manuelinas, pp. XXIII-XXIV, que refere as fontes
originais no IAN/TT e a sua publicação posterior.
105
Idem, pp. XXIV-XXV.
106
Convém lembrar que este impressor contava com a experiência bem sucedida da impressão do
Regimento dos Oficiais.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 391


José Domingues

que lhe seja pago o trabalho feito; durante o ano de 1513 são-lhe pagos 400 mil reais
em pimenta; no final desse ano, o impressor finaliza a obra, imprimindo o livro II; e
em 1514 recebe os 300 mil reais remanescentes, para perfazer os 700 mil acordados.
Faltam-nos peças para completar o puzzle. Antes de mais, não sabemos os
motivos que levaram o monarca a, entre Março e Junho de 1512, mudar de opinião,
assumindo o encargo medianeiro de cobrar aos concelhos para pagar a Fernandes.
Pode ter sido astúcia de Fernandes, ambição do Rei, ou, simplesmente, um acordo
vantajoso para ambas as partes: o Rei tem facilidade de escoamento pelos canais
inerentes da justiça e administração, arrecadando os lucros e reforçando a vínculo
do seu nome à obra; por sua vez, Fernandes assegura uma liquidação soberba e
caucionada pelo erário régio, sem o esforço adicional e moroso de cobrar dos vários
concelhos do reino.
Nada a obstar, até o governador Álvaro de Castro, em Fevereiro de 1513,
protestar junto do monarca contra o título 112 do livro III, que excluía os vetustos
privilégios dos desembargadores da sua Casa do Cível. Levanta-se, assim, o manto
sombrio à desactualização da incipiente colectânea. Perante este óbice inesperado,
é natural que Valentim Fernandes se acautele e interrompa a impressão dos livros,
exigindo garantias de pagamento. Talvez ainda nesse ano, foi-lhe adiantado
o pagamento dos 400 mil reais em pimenta – “E porque ele nos deve já sobre eles
quatrocentos mil reais” – instando-o à conclusão da obra. Fernandes termina de
imprimir o livro em falta, nos finais de 1513.
Terminada a obra “e por quanto o dito Valentim Fernandes tinha necessidade de
ser logo pago e não podia aguardar tanto tempo para haver seu dinheiro quanto se havia
mester para se arrecadar dos ditos concelhos”, El-Rei ordena à Casa da Índia que lhe
disponibilize a quantia de 300 mil reais em maçãs. Nesta fase final de quitação surge
como mediador contratante o Hospital de Todos-os-Santos de Lisboa, que devia
receber os 5000 livros de Valentim Fernandes e entregar-lhe os 300 mil reais em
maçãs.
No entanto, no documento régio do dia 3 de Outubro, consta expresso que “o
bispo de Safi, provedor do dito Hospital, fizesse arrecadar os ditos setecentos mil reais (…)
dos ditos concelhos a que se haviam de dar”; e mais à frente, o feitor da Casa da Índia, ao
disponibilizar as especiarias no valor de 300 mil reais, teria que cobrar “obrigação do
dito bispo por que se obrigue de vos pagar dentro de seis meses, pelo dito Valentim Fernandes,
os ditos 700$000 reais, que assim há-de arrecadar dos concelhos pelos ditos livros”.
Passado seis dias, no documento de 9 de Outubro, D. Manuel quita a dívida
de Valentim Fernandes, autorizando que por este alvará fossem “levados em conta
aos tesoureiros das especiarias que lhe entregarão os quatrocentos mil reais em pimenta, e
os trezentos mil em maçãs”. E o valor arrecadado com a distribuição dos livros das
Ordenações é “dado ao dito Hospital para as obras da despesa dele”, confirmando-se, mais
abaixo, que “o dinheiro dos livros tem Vossa Alteza dado ao Hospital”107.
107
As passagens acima aspadas, para as quais se não indicou a fonte, foram directamente transcritas

392 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

Em concreto, no espaço de uma semana de Outubro de 1514, o monarca


muda de estratégia e prescinde do pagamento da dívida de Valentim Fernandes
em favor do Hospital de Todos-os-Santos de Lisboa. Não creio que a espontânea
generosidade de El-Rei seja explicação suficiente para esta brusca mudança de
ideias. O que me parece mais coerente é que, o provedor do Hospital, sabendo de
antemão do empreendimento de uma nova edição das Ordenações a levar a cabo
por João Pedro de Cremona, tenha recusado o “presente envenenado”.
Concluindo, Valentim Fernandes foi bem pago pela primeira edição das
Ordenações, o Hospital de Lisboa ainda deve ter conseguido vender alguns
desses exemplares e ao monarca ficou-lhe a consolação de uma nova edição
corrigida, sobretudo no título 112 do livro III, com o seu cunho desde o início,
melhor ilustrada e – quem sabe? – mais económica do que a anterior. Mas a obra
ainda não estava perfeita e quando se concluiu o segundo sistema, o monarca
mandou (por alvará de 15 de Março de 1521) destruir as anteriores edições, sob
pena de degredo de dois anos e o pagamento de uma coima de 100 cruzados108.
Este biblicídio não foi ditado por uma aversão à obra em si – os livros eram caros,
preciosos e, ainda por cima, estavam ornamentados com as gravuras do monarca,
sem qualquer similar na edição do segundo sistema – mas, acima de tudo, estava
em causa a boa administração da justiça e o seu princípio basilar da segurança
e certeza jurídica perigava com a circulação simultânea de duas ou três edições
distintas.
A nível da ordem sequencial de títulos, em relação às Afonsinas, este livro
foi o mais mexido de todos. Para além disso, muitos títulos foram revogados e
outros acrescentados, de forma que, o tempo e espaço me obrigam a adiar a sua
análise adequada para outra oportunidade.
Dos títulos importados, merece destaque:
• Título que não dêem carta de segurança em caso de feridas abertas até passarem
30 dias e em caso de morte até três meses [OA, III, 123 → OM, V, 42].
• Título das coisas defesas que não levem a terra de mouros [OA, IV, 4 e 63 →
OM, V, 92].

Para cotejo (anexo 5) escolhi o título do regimento dos alcaides das sacas (OM,
V, 47). A matéria das sacas do pão e da passagem de gado para fora do reino já
tinha sido regulada por alvará de D. Duarte, em Almeirim a 13 de Abril de 1437,
impondo a “qualquer pessoa, que nos saca do dito pam, e gaados requerer, e lha nos
outorgarmos, que nos pague a dizima do que assy per bem della pera fora dos ditos nossos
Regnos levarem, como ataa qui pagavão, a saber, de cincoenta huum”109. A proibição

dos documentos publicados em DIAS, Ordenações Manuelinas, pp. XXIII-XXV.


108
Documento publicado em DIAS, Ordenações Manuelinas, pp. XXXI-XXXII, que refere a sua
publicação em Tito de Noronha e no jornal O Conimbricense. Cfr. a transcrição na nota 30.
109
Ordenações Afonsinas, Liv. V, Tít. 48.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 393


José Domingues

de passar gado para fora do reino terá sido, definitivamente, generalizada com
a compilação das Ordenações Afonsinas – “defendemos e mandamos, que nom seja
alguum tam ousado, que leve [para] fora do Regno, per mar ou per terra, armas, nem
servos, nem goados; e qualquer que o contrairo fezer, perca todo pera a Coroa do Regno,
assy como suso he estabellicido nos cavallos, ouro, prata, e moeda”110.
Mas este simples comentário final legislativo, nas Afonsinas, vai dar azo a
empenhados projectos legislativos ao longo da segunda metade do século XV e
princípio do século XVI. Rente às Cortes de Lisboa de 1455 houve uma iniciativa
legislativa régia, que obrigava todos os lavradores e criadores a declararem, a
partir do dia 24 de Junho de 1455, os gados que possuiam, “fazendo deles receita e
despesa”111. O tema continuará a ser abordada em, praticamente, todas as reuniões
de cortes sucessivas112.
Esta densificação legislativa exige um reforço da malha de fiscalização e
controlo, definindo-se os portos de passagem (entrada e saída de animais) ao
longo da raia com Castela113 e criando-se cargos oficiais novos, nomeadamente, o
de alcaide das sacas, contador dos gados114 e respectivos escrivães.
Quando, a 30 de Setembro de 1477, D. Afonso V concede carta de alcaide-
mor das sacas de Entre-Tejo-e-Guadiana a Lopo Álvares de Moura, já o faz com
o respectivo regimento115. Curiosamente, Miguel Duarte publica um regimento,
sem data, enviado a esse mesmo alcaide-mor das sacas116. Posteriormente, surge o
reformado regimento de 20 de Abril de 1503117. Foi este último a fonte próxima dos
compiladores manuelinos de 1512. Para além da adaptação ao estilo legislatório,
as alterações mais substanciais consistem em retirar os títulos que encabeçam os
vários capítulos do Regimento, excluir os parágrafos sobre a parte que El-Rei dá aos
que descobrirem cousas defesas e das pessoas que podem tomar as cousas defesas, como se

110
Ordenações Afonsinas, Liv. V, Tít. 47, § 16.
111
Armindo de SOUSA, As Cortes Medievais Portuguesas, vol. II, p. 348.
112
Armindo de SOUSA, As Cortes Medievais Portuguesas, vol. II.
113
Os principais portos seriam:
• Monção, Melgaço, Valadares e Castro Laboreiro.
• Chaves e Monforte de Rio Livre.
• Miranda.
• Mogadouro.
• Sabugal.
• Marvão.
• Elvas.
• Olivença.
• Campo de Noudar.
• Moura.
Cfr. Maria José Lagos TRINDADE, “A Vida Pastoril e o Pastoreio em Portugal nos Séculos XII a
XVI”, Estudos de História Medieval e Outros, Lisboa, 1981, p. 44.
114
Na ausência destes, a contagem poderia ser feita perante o portageiro.
115
FIGUEIREDO, Synopsis Chronologica, p. 146.
116
DUARTE, Justiça e Criminalidade, doc. 97, pp. 654-659.
117
IAN/TT – Corpo Cronológico, Parte III, maço 2, doc. 29.
Regimento dos Oficiais, fls. 81-91v.

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A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

fossem alcaides das sacas (§§ 12a e 12b) e o parágrafo da ordenação geral que proíbe a
saída de determinadas coisas para fora do reino (§ 17a).
Esta ordenação geral (§ 17a) é a legítima sucessora da ordenação geral que
consta no regimento sem data, dirigido ao alcaide-mor das sacas Lopo Álvares de
Moura. Ainda foi esta última (sem data) que foi transcrita no final do título dos
juízes ordinários no Regimento dos Oficiais (§ 53)118.
Seria importante averiguar a datação desta lei – bem como do regimento do
alcaide das sacas – que me parece ser uma interpolação no regimento119, até porque
se lhe segue a obrigação de registo nos livros da Câmara e o envio do traslado
em pública forma aos alcaides das sacas e, só depois, se transcreveu o parágrafo
18. Ao certo, a dita ordenação terá que ser posterior a 1498, já que nela se refere a
descoberta da Índia (Vasco da Gama chega a Calecut em Maio deste ano de 1498).
A fundamentar esta ideia incipiente de uma interpolação, o conteúdo dos
parágrafos 12a, 12b e 17a do Regimento foi trasladado para o título respectivo
”que nom levem pera fora do regno pam nem farinha nem gaados nem ouro nem prata
nem cauallos nem armas nem vam fazer nem vender carauellas fora do regno” (OM, V,
45, §§ 8, 9 e 1-3). A fonte próxima do parágrafo 17a, bem como dos correlativos
parágrafos no título 45 do livro V, é a ordenação de 24 de Maio de 1503120. Em
definitivo, quer uma (s.d.) quer outra (24.05.1503) são ordenações autónomas que,
por mister e utilidade, foram interpoladas nos respectivos regimentos do alcaide
das sacas. Mas essa interpolação deixa de se justificar, por irrepetibilidade, na
colectânea oficial das Ordenações, onde ambos têm assento.
Não deixa de ser extremamente curioso que parte da ordenação de 24
de Maio de 1503 tenha sido interpolada no regimento sobre o passar do gado,
datado de 20 de Abril de 1503 – com quase um mês de anterioridade.
Conclusão. O estilo decretório surge como um dos melhoramentos técnico-
legislativos de vulto arvorados pelas Manuelinas121. Convém salientar, no entanto,
que, em grande parte dos títulos, se continua a transcrever por formais palavras
as fontes antecedentes – afonsinas e extravagantes. Em definitivo, títulos há em
que este avanço acaba por se confinar à supressão dos monarcas autores e dos

118
Cfr. o anexo documental 1 (em rodapé registam-se as variantes do regimento do alcaide-mor das
sacas, Lopo Álvares de Moura).
119
No mesmo sentido, CAETANO, Regimento dos Oficiais, p. 32.
120
IAN/TT – Colecção Cronológica, Parte 2, Maço 7, doc. 119.
121
Esta prerrogativa consta em, praticamente, toda a bibliografia do tema, bem espelhada nas palavras
de Alves Dias: “Não se limitaram eles [compiladores manuelinos – não arrisco a classificação de
legisladores-compiladores] porém a corrigir as Ordenações Afonsinas e a acrescentar-lhe a nova
legislação. Deram antes continuação ao trabalho ensaiado na elaboração de parte do primeiro livro da anterior
compilação, transformando quase todas as leis, de todo o corpus, em estilo legislatório” [DIAS, Ordenações
Manuelinas, p. XVI].
Exceptuam-se do estilo decretório ou legislativo, o título dos escrivães eclesiásticos (OM, II, 9), o
título da lei mental (OM, II, 17), o título de como o cristão que foi judeu deve herdar os seus pais
e outros parentes (OM, II, 49) e o título da declaração da valia das libras e outras moedas (OM,
IV, 1).

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 395


José Domingues

respectivos tempos e lugares de promulgação – e pouco mais. Esta ilação permite,


por um lado, reforçar a tese da escassa distância material entre o estilo decretório
e o compilatório e que a matéria do livro I das Afonsinas não é tratada ex novo122,
por outro lado, torna legítimo questionar o efectivo proveito desta apregoada
benfeitoria manuelina. Atente-se nestas palavras, sobretudo as finais:

“De facto, as Ordenações começadas, a organizar, provavelmente, à roda


de 1505, erguiam-se escoradas na codificação afonsina, fonte da maior
parte das suas leis, alterando-se, contudo, a sistematização que aí fora
praticada, alterando-se a colocação dos títulos, a distribuição dos artigos
e alguns dos seus conteúdos, omitindo-se, ainda, os autores das diferentes
normas…, reorganizando, reordenando, simplificando, procurava-se
transformar uma colecção de legislações multiformes e feitas por
variados príncipes num corpo legislativo unificado e atribuído à
responsabilidade de um único monarca”123

Não se trata apenas de uma unificação sob a égide do mesmo monarca.


Trata-se de, mais além, colmatar a supina fraqueza do estilo compilatório, lastrada
à vigência da compilação afonsina. Estou convicto que “a compilação sistemática
de Rui Fernandes, apesar de todo o mérito, não conseguiu suprir completamente a
dificuldade das outras compilações cronológicas”124. O comprovativo surge a poucos
anos da conclusão das Afonsinas, nas Cortes de Santarém de 1451. O facto de se
juntarem na mesma colectânea – e até sob o mesmo título – actos normativos de
diversas eras e reinados deu azo a um capítulo geral de Cortes onde se questiona
a aplicabilidade das ordenações novas versus ordenações velhas125.
A questão prender-se-ia com eventuais relações de conflito, que geravam a
impossibilidade de duas normas, entre si incompatíveis, serem simultaneamente
aplicadas. Tratando-se de normas apartadas no tempo, o critério imediatamente
aplicável seria o cronológico, segundo o qual a norma nova revoga a mais
antiga. Mas o problema densifica-se quando essas normas se inserem na
mesma colectânea, que, tacitamente, implica a sua ratificação simultânea.
Aparentemente, os reformadores manuelinos resolvem o problema preterindo o
estilo compilatório e adoptando o estilo decretório em todos os livros.

122
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 98-101.
Em sentido inverso, Barbas HOMEM, “As Ordenações Manuelinas”, p. 295: “Já o livro I daquelas
Ordenações aprovadas no reinado de D. Afonso V seguiu um estilo diferente, dito decretório ou legislativo,
porquanto não houve lugar à transcrição de leis anteriores. A razão de ser prende-se essencialmente com a
novidade dos regimentos dos ofícios incluídos neste livro I, dedicado aos cargos públicos”.
123
Ivo Carneiro de SOUSA, “O Poder Visto por um Caleidoscópio – Representações do Príncipe e da
Sociedade Portuguesa do Renascimento”, Problemáticas em História Cultural, p. 57. Sublinhado meu.
124
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, p. 190.
125
Vide a interpretação deste capítulo geral de 1451 em DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp.
189-190 e 395-396. Conferir, supra, com o exemplo registado ao tratar do livro IV.

396 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

Mas a questão não se fica por aqui. Houve, efectivamente, uma mudança
de estilo redactorial nos livros II a V manuelinos. Mas em que medida o estilo
decretório ou legislatório alterou as fontes usadas? Houve uma alteração que
nos permita afirmar que estamos perante textos legislativos novos? Afinal, em
que consiste o estilo decretório ou legislatório? Em que medida as Ordenações
Manuelinas, bem como o livro I das Afonsinas, são verdadeiras recompilações?126
Por outras palavras, urge definir a parametricidade do estilo legislatório,
estabelecendo a linha limítrofe com o estilo compilatório. Pelos títulos cotejados
(nomeadamente, os que seguem em anexo), não sei até que ponto será legítimo
afirmarmos que estamos perante textos novos. Um parecer convincente não
dispensa um cotejo aturado de todos os títulos dos cinco livros, apurando o que é
retirado, acrescentado, alterado e mantido a partir das fontes utilizadas.
No fundo, das duas uma: os compiladores limitam-se a cortar o supérfluo
e desajustado dos textos originais, mantendo as partes dispositivas ainda em
vigor, aparecendo o texto final como um mero somatório das partes de vários
textos originais; ou, então, depois de apurar o que ainda é válido, refundem os
vários dispositivos originais, criando um novo texto normativo e acrescentando-
lhe uma dimensão legislativa de cunho próprio. Se me é permitida uma
derradeira questão: será que os núncios manuelinos vestem a pele de verdadeiros
compiladores-legisladores?
Menos dúvida pode causar a depuração da legislação sobeja. O que não quer
dizer que toda a legislação desentranhada deixou de vigorar – veja-se o que ficou
dito a propósito das concórdias e concordatas e do regimento da guerra. Este
seria o escopo fundamental de uma qualquer reforma legislativa – retirar aquilo
que sobra. Especial cuidado se deve ter ao cotejar índices de livros, porque, por
vezes, um título que se mantém no índice aparece totalmente reformado na nova
colectânea. Além de que, não raro, este expurgo é parcial, existindo títulos que se
conservam apenas em parte. Separar o que é compilado do que é escusado será,
com certeza, um dos critérios aferidores do estilo legislatório manuelino.
Ao invés, para se poder avaliar o trabalho dos primeiros compiladores
manuelinos quanto à legislação extravagante carreada de novo, torna-se
imprescindível um cotejo negativo entre as edições do primeiro sistema – Valentim
Fernandes 1512/13 e João Pedro de Cremona 1514 – e a edição do segundo
sistema – Jacob Cromberger 1521. Ou seja, apurar em que medida os núncios
do segundo sistema aproveitam as fontes legislativas anteriores às edições do
primeiro sistema. Um resvalar pelas Fontes Internas do Código Manuelino de 1521,
da lavra de Xavier de Oliveira Matos, dá-nos uma ideia imediata de um labor
incompleto por parte dos primeiros compiladores, em relação às extravagantes

126
A este propósito vide o que já referi, remetendo para bibliografia temática, em DOMINGUES, As
Ordenações Afonsinas, p. 200, nota 8.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 397


José Domingues

publicadas127. Este cotejo negativo, quanto às fontes extravagantes originárias,


deverá ser estendido às Ordenações Afonsinas, como fonte imediata, e na medida
em que, para além da esfalfada lei mental, outros textos preteridos pelas Afonsinas
surgem, posteriormente, nas Manuelinas128.
No cômputo das extravagantes teremos que ter sempre no adelhão o
Regimento dos Oficiais impresso – “interessa, pois, ver em que medida a compilação de
1504 serviu de fonte às Ordenações Manuelinas”129. Fica definitivamente garantido
que esta foi uma das fontes imediatas das Manuelinas de 1512/13. Importa, no
futuro, averiguar a extenção da sua utilização, nomedamente, tentando apurar se
e em que medida os novos compiladores tiveram em mão as fontes antecedentes
que assistiram a feitura do Regimento – só viável mediante um cotejo de todos os
títulos.
A nível de reestruturação interna, o critério da migração de títulos de um
livro para outro assume uma certa ponderação, logo no primeiro sistema das
Manuelinas. O entendimento cabal desta migração entre volumes, não escusa um
confronto com a edição do segundo sistema das Manuelinas (1521). Por exemplo,
o título final do livro III130 – dos privilégios do regedor e desembargadores da Casa
da Suplicação – passou para o livro II na edição de 1521 (OM, II, 23). Mas bem
mais relevante e curiosa é a inquieta migração do título “de como se ham de fazer
as partiçooens antre os irmaãos”: do livro IV das Afonsinas passa para o livro I das
Manuelinas do primeiro sistema (1512/13 e 1514), voltando de novo ao livro IV
na edição do segundo sistema.
• Título de como hão de fazer as partições entre irmãos [OA, IV, 107 → OM
(1512), I, 57 → OM (1521), IV, 77].

Outra questão que fica latente é a de se apurar se esta colecção teve vigência
efectiva e chegou a ser adquirida pelos concelhos. Uma busca nos coevos livros
de contas e vereações dos concelhos, que resistiram à rasoira do tempo, pode
abrir algumas brechas. O enigma da vigência ganha certa ênfase com o assento
da Relação, de 6 de Maio de 1512, que já se refere às Ordenações Afonsinas como
a Ordenação antiga131. Concomitantemente, levanta-se o problema da vigência do

127
MATTOS, “Fontes Internas do Codigo Manuelino de 1521”.
128
A título exemplificativo, a lei de 4 de Maio de 1305, para que só o Rei possa fazer cavaleiros, não
podendo gozar das honras de cavaleiros os que não fossem armados ou feitos por autoridade régia,
consta no Livro das Leis e Posturas (pp. 202-203) e nas Ordenações de D. Duarte (pp. 201-202), passando
para as Ordenações Manuelinas de 1521 (OM, II, 38), sem deixar paralelo nas Afonsinas nem nas
Manuelinas de 1512/13 e 1514.
129
CAETANO, Regimento dos Oficiais, p. 36.
Alves Dias faz o cotejo de um excerto do título dos almotacés: colocando na 1.ª coluna o texto das
OA, depois o do Regimento e na 3.ª coluna o texto das OM [DIAS, Ordenações Manuelinas, p. XIV].
Conferir o documento n.º 5, em anexo final.
130
Embora este título não conste na edição impressa das Ordenações Afonsinas, não há dúvida que ele
constava no final do seu livro III.
131
DOMINGUES, As Ordenações Afonsinas, pp. 19-20.

398 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

Regimento dos Oficiais, na medida, em que não sabemos se foi revogado pelas
Ordenações novas.
A encerrar, o estudo sistemático das fontes de Direito que serviram a
primeira geração de compiladores manuelinos (Rui Boto, Rui da Grã e João
Cotrim) é terreno fértil ainda por sulcar, de uma importância vital para melhor
entendermos o entardecer do Direito Medieval Português, bem como, de forma
mais generalizante, todos os séculos das Ordenações pátrias – desde as incipientes
Afonsinas até à última edição das Filipinas, tendo sempre presente a segunda
geração das Manuelinas e sem nunca olvidar o Compromisso de Lourenço da
Fonseca, o Regimento dos Oficiais e as Extravagantes de Nunes de Leão132.

ANEXOS

A fim de ilustrar o método adoptado e consolidar algumas das conclusões


ventiladas, de cada um dos cinco livros das Ordenações escolhi um título, que
cotejei com as fontes próximas utilizadas pelos compiladores de 1512/13.

Legenda:
[…] → Texto que consta na fonte originária e falta nas OM.
(…) → Texto que consta nas OM e falta na fonte originária.
*...* → Texto alterado na sua redacção originária, pelas OM.
☑ → Fonte documental cotejada. Para evitar que o cotejo dos textos se
tornasse demasiado prolixo e confuso optei por registar apenas as variantes da
fonte que me pareceu ser a mais próxima e segura.
Observação:
Optei por introduzir uma numeração de parágrafos, que falta nos
documentos, por uma questão de facilidade de exposição, entendimento e
referência.
1.
Liv. I – Titulo xxxv.
Dos juizes ordenarios e do que a seus officios pertençe.

Fonte imediata:
1. 1504 – Regimento dos Oficiais das cidades, villas e lugares destes
Reinos, fls. 1-8.

132 Não posso deixar de reiterar que as conclusões deste trabalho são muito precárias, uma vez que
se torna imprescindível o cotejo de todos os títulos dos cinco livros, labor árduo que está fora do
limite de tempo e espaço disponível para este trabalho.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 399


José Domingues

Fontes mediatas:
A. 1446 – Ordenações Afonsinas, Liv. I, Tít. 26.
B. 1496, Agosto, 01 – Regimento dos juízes ordinários.
[João Pedro RIBEIRO, Dissertações Chronologicas e Criticas, tomo IV, Parte I,
Lisboa, 1867, doc. 7, pp. 182-188]
C. […] – Regimento do passar do gado.
[IAN/TT – Maço 1 de Leis, n.º45]
[Luís Miguel DUARTE, Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459-
1481), Fundação Calouste Gulbenkian– Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas, Coimbra, [1999], doc. 97,
pp. 654-659]

|B| [Dom Manuell per graça de Deos Rey de Portugall, e dos Allgarves
da aquem e da alem mar em Africa, e Senhor da Guinee, a quantos esta nosa
carta dordenaçam virem fazemos saber que]133
|1|1 Os juizes ordinairos e quaes quer outros que nos de fora mandarmos
deuem seer diligentes e trabalhar que na cidade villa ou (lugar)134 onde forem
juyzes e seos termos se nom façam malefícios nem malfeitorias. E fazemdose
ou outros alguuns danos tornem a ello e procedam contra os *culpados*135 com
grande diligencia sem tardança.
|1/B|2 (E posto que)136 pellos reys nossos antecessores fosse ordenado e
*feita*137 ley que todos os juizes das cidades villas e lugares destes regnos cada
huuns em seos *julgados*138 tirassem inquirições geraes deuassas em cada
huum anno per çertos capitulos em *sua*139 Ley [e Ordenaçam]140 declarados.
Por quanto nos ouuemos por çerta enformaçam que de se tirarem taes deuassas
(geraes)141 era pouco serviço de Deus e nosso *e*142 dellas se seguia muyto dano
e perda a nosso pouoo, por se veer per esperiencia que muytos com pouco temor
de Deus testemunhauam falsamente em as ditas deuassas contra outros a que
desejauam empeçer. E por taes testemunhas prendiam muytas pessoas e outras
se ausentavam, e alguuns eram punidos nom teendo culpa nos maleficios em que
os as taes testemunhas culpauam e outros em seos liuramentos gastauam suas

133
Em B.
134
Falta em 1.
135
“que os fazem”, em 1.
136
Falta em B.
137
“posto por”, em 1. “mandado e posto por”, em B.
138
“lugares”, em B.
139
“a dicta”, em B.
140
Em B.
141
Falta em B.
142
“porque”, em 1.

400 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

fazendas ou grande parte dellas. Querendo nos a *esto*143 proueer (e tirar)144 os


ditos inconuenientes e por se nom dar azo aos prejuros e se escusarem muytas
demandas, despesas e perdas que se dellas seguem. E por que pera alimpar
e purgar a terra de maos homens e os maleficios poderem seer sabidos e per
dereito punidos pareçe abastar a prouisam que pellas outras ordenações he dada
per que he mandado aos juizes que sobre as mortes, roubos e outros *graues*145
maleficios quando em seos julgados forem cometidos tirem inquirições deuassas.
Estabeleçemos e poemos por ley com acordo dos do nosso conselho e leterados
que daqui em diante em todos nossos regnos e senhorios nom tirem inquirições
deuassas geraes. E [revogamos em todo, e avemos por revogado, a dicta ordenaçam,
per que era mandado aos juizes que tirasem as dictas emquiriçõoees devasas
jeeraaes]146 porem mandamos a todollos [nosos]147 corregedores, ouuidores,
juizes, e justiças de nosos regnos e senhorios que (daqui em diante)148 nom tirem
mais as ditas inquirições [devasas]149 geraes, mas soomente tirem e sejam theudos
tirar as deuassas particulares sobre as mortes, roubos, furtos grandes, forças de
molheres, fogos postos [em pam, ou em olivaaees, ou em vinhas]150, e sobre
fugida de presos, ou quebramento de cadea, moeda falsa, resistência, ou offensa
de justiça, ou outros *graues*151 maleficios, (tanto)152 que ouuerem enformaçam
que em seus julgados som cometidos. E sendo os taes maleficios (ou cada huum
delles)153 cometidos em cidade ou villa, os juizes começaram tirar sobre elles as
inquiriçam do dia que cometidos forem a dous dias, posto que de taes maleficios
nom seja dada querella nem sejam per alguma parte *requeridos*154. E sendo [os
taaees maleficios, ou allguuns delles,]155 cometidos no termo de qualquer cidade
ou villa os ditos juizes começaram de tirar as ditas inquirições do dia que a sua
noticia vier a tres dias E passados *oyto*156 dias despois do maleficio cometido
nom poderam os juyzes allegar que nom começaram a tirar sobre tal maleficio
inquiriçam por nom saberem que era cometido, por que nom he de creer que
quando (alguum)157 dos sobreditos graues maleficios for cometido (no termo)158

143
“ello”, em B.
144
Falta em B.
145
“grandes”, em B.
146
Em B.
147
Em B.
148
Falta em B.
149
Em B.
150
Em B.
151
“grandes”, em 1 e B.
152
Falta em B.
153
Falta em 1 e B.
154
“querelados”, em B.
155
Em 1 e B.
156
“os dictos”, em B.
157
Falta em B.
158
Falta em B.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 401


José Domingues

dalguuma cidade ou villa que em oyto dias nom venha aa noticia dos juyzes de
tal cidade ou villa em cujo termo for cometido. As quaes inquirições acabaram de
tirar do dia que os maleficios forem cometidos a trinta dias. E qualquer juiz que
nom tirar inquiriçam deuassa em cada huum dos sobreditos casos ou a começar
de tirar *e*159 (nom)160 acabar [depois]161 *nos*162 *tempos*163 aqui declarados, seja
degradado dous annos pera çepta sem remissam, e mais pague cinqo mil reis, a
metade pera quem o acusar, a outra [meetade]164 pera a piedade.
|1|3 [Item]165 (E ysso mesmo tiraram inquiriçam)166 se algumas pessoas
venderam ou compraram ou apenharam algumas cousas das ygrejas, a saber,
joyas alfayas ou ornamentos douro, prata, ou de seda, ou de lãa, ou de linho, ou
doutros quaesquer corregimentos das ditas ygrejas. E tanto que os achar em mão
de quaes quer pessoas os tomaram e entregaram aa ygreja donde foram tirados
e procederam contra os vendedores e compradores segundo *as culpas de cada
huum*167.
|1|4 Item enquereram se algumas pessoas de qualquer qualidade e estado
que sejam agasalham em suas casas algumas freyras sem nossa licença, posto que
a tenham de suas preladas E tanto que o souberem lhes mandem de nossa parte
que logo as tornem pera seus moesteiros. E todo nos façam logo saber pera em
ello mandarmos entender como seja seruiço de Deus e nosso.
|1|5 E bem assi se trabalharam de saber se *se*168 fazem casamentos
clandestinos escondidamente contra nossa defesa e ordenaçam sobre ello
nouamente feita. E achando alguuns em ello culpados executem em elles a dita
ordenaçam e penas em ella postas169.
|1/B|6 E porque os julgadores e outros officiaes (da justiça)170 nom tomem
atrevimento pera vsarem de seos officios como nom deuem, Mandamos *a
todolos*171 juizes das cidades villas e lugares de nossos regnos e senhorios que do
dia que começarem a seruir seos officios a dez dias primeiros seguintes começem a
tirar (inquirições)172 deuassas sobre os juyzes que ante elles foram, a qual acabaram
de tirar atee trinta dias do dia que for começada, em a qual perguntaram as
testemunhas que mais razam tenham de o saber (e sejam preguntadas ao menos

159
“ou”, em 1 e B.
160
Falta em 1 e B.
161
Em 1 e B.
162
“dos”, em 1 e B.
163
“termos”, em 1.
164
Em 1 e B.
165
Em 1.
166
Falta em 1.
167
“acharem cada huuns delles em culpa”, em 1.
168
“algumas pessoas”, em 1.
169
Reporta-se à lei de 14 de Julho de 1499 (OM, V, 27).
170
Falta em B.
171
“aos”, em B.
172
Falta em B.

402 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

atee trinta testemunhas)173 per estes capitollos *que se seguem*174.

[Regimento dos Juizes.]175


|1/B|7 Item se os [dictos]176 juizes *faziam*177 as audiencias aos tempos
ordenados, e se despachauam os feitos sem delonga.
|1/A|8 Item se leyxauam de fazer dereito [e Justiça]178 por [medo ou]179
temor, peita, amor, (odio)180, ou negligencia.
|1/B|9 Item se trabalharom de proueer as inquirições e querellas e saber
[parte]181 se em seos julgados auia alguuns malfeitores obrigados aa justiça pera os
prenderem ou mandarem prender ou se derom fauor a alguuns que (sabiam que)182
eram obrigados aa justiça que andassem na terra, e se nom trabalharom de os prender
(ou mandar prender)183 ou se os avisarom ou derom fauor que a seu saluo se fossem.
|1/B|10 Item se levarom seruiços ou jeiras ou outras seruentias, ou receberom
dadiuas dalguuns fidalgos ou doutras pessoas por lhe serem fauorauees em
alguuns seus feitos ou dalguuns seus.
|1/B|11 Item se com poderio de seos officios tomarom alguuns mantimentos
ou outras cousas sem dinheiro ou por menos preço do que valiam.
|1/B|12 Item se derom alguuns presos por feitos crimes sobre fiança.
|1/B|13 Item se liurarom alguuns feitos crimes sem apelarem por parte da
justiça sendo os casos taes que segundo nossas ordenações deveram apellar.
|1|14 Item se dormirom com algumas molheres que perante elles trouxessem
demandas ou requeriam alguuns desembargos.
|1/B|15 Item se tirarom as inquirições sobre os juyzes que ante elles forom,
e sobre os outros officiaes da justiça, e sobre os graues maleficios aos tempos em
esta ordenaçam limitados.
|1|16 Item saibam se os juizes ante elles guardaram os preuilegios dos
besteiros do monte, espingardeiros como em elles he contheudo, por que
queremos que lhes sejam guardados muy inteiramente.

173
Falta em B.
174
“abaixo deccllarados et cet”, em B.
175
Falta em B.
176
Em B.
177
“non fezeram”, em B.
178
Em A.
179
Em A.
180
Falta em A.
181
Em 1 e B.
182
Falta em B.
183
Falta em B.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 403


José Domingues

[Alcaydes pequenos]184
|1/A|17 (E bem assi emqueiram sobre os alcaydes)185 se fezerom pididos de
pam, vinho, guaados, ou outras cousas, (ou se leuam jeiras)186. [OA, I, 26, § 12]
|1/A|18 Item se prendem ou soltam [alguuns]187 sem mandado de justiça.
[OA, I, 26, § 13]
|1/B/A|19 Item se prendem com diligencia os que os juyzes mandam
prender, ou se leyxam de prender alguuns por peitas que reçebam, ou mandam
auisar os que lhe mandam prender pera se guardarem e nom serem presos.
|1/B|20 Item se leixam trazer armas defesas ou aos tempos defesos a algumas
pessoas, e se por lhas leixarem trazer reçebem algumas peitas.
|1/B|21 Item se leuam por prender os malfeitores alguum dinheiro ou outro
alguum interesse das partes querellosas, ou leuam dos presos alguma cousa
pellos leuarem aas audiencias.

[Taballiãaes]188
|1/B|22 (Item)189 [outro sy]190 emquereram sobre os tabaliães se guardam os
artijgos que em nossa chancellaria jurarom.
|1/B|23 Item se dam (sem)191 delonga os estromentos e escrituras aas partes
quando lhe som requeridas, ou se leuam mais por ellas do que [lhes]192 he taxado.
|1|24 Item se dormiram com algumas molheres que andassem em demanda
perante os juizes de cujos feitos fossem tabaliães.
|1/A|25 Item se (por respeito de seus officios)193 *leuarom*194 jeyras ou
*outras seruentias de graça*195. [OA, I, 26, § 14]
|1/B|26 Item se descobrirom os segredos da justiça ou auisarom os de que
sabiam que era querellado, ou per qualquer (outra)196 maneira fossem obrigados
aa justiça ou denegarom aos juizes e corregedores as culpas que deles tem.
|1/B|27 Item se descobriram alguma parte o que se contem nas inquirições,
posto que sejam de feito ciuel ante de serem abertas e pubricadas.
|1/B|28 Item se fezerom alguumas falsidades em escrituras ou inquirições
ou em quaes quer outros autos, ou fazem alguuns outros erros em seus officios.
|1/B|29 E bem assi tiraram inquiriçam sobre todos os outros officiaes

184
Em 1.
185
Falta em A. A referência aos alcaides consta no parágrafo anterior (OA, I, 26, § 11).
186
Falta em A.
187
Em A.
188
Em 1.
189
Falta em 1.
190
Em 1 e B.
191
Falta em B.
192
Em B.
193
Falta em A.
194
“allugam”, em A.
195
“serviços”, em A.
196
Falta em 1 e B.

404 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

e ministros da justiça (*assi*197 vereadores, juizes dos orfãaos, escriuães,


almoxarifes, reçebedores, almotaçees, e alcaydes das sacas onde os ouuer, se
erram em seos officios. E em especial se leuarom peita)198 de seus julgados,
preguntando em as [ditas]199 inquirições pessoas de boa fama de que se presuma
que ajam de dizer verdade e que deuem saber parte das semelhantes cousas [por
que forem prreguntados]200 e lhes faram quaes quer *outras interrogações*201 que
necessarias forem pera se saber como de seos officios vsam. E se proceder contra
os culpados como for direito [e pera que dos Correjedores, que acabam o tempo
de seus ofícios e jullgados, se posa mais brevemente fazer direito, se allguumas
pesoas de suas Correyçooees os quiserem demandar, mandamos que tanto que
os Corregedores novos começarem servir seus ofícios, os Corregedores pasados
se vyram aos lugares onde os novos esteverem, e estem hy continuadamente
hum mes, pera poderem seer citados, e demandados per quaaeesquer pesoas,
que contra elles emtenderem teer direito, por allguumas cousas que lhe tenhão
feitas, ou tomadas, em tempo de seus jullgados]202.
|1|30 E nom tirando as ditas inquirições ou começandoas e nom as acabando
nos ditos termos encorram nas penas sobreditas.
|1/A|31 E das cousas que acharem que elles logo por si podem correger,
prendam e corregam dando apellaçam e agrauo nos casos que deuem. E se
taes cousas forem que per sy nom podem correger, façam o saber a aquelles a
que pertence .a saber. dos crimes e malfeitorias [a Nos e]203 ao corregedor (da
comarca, *ou ao corregedor da nossa corte quando mais perto for*204 )205. E das
outras cousas que ao conçelho pertençem aos regedores e officiaes do conçelho,
(e das da fazenda aos contadores e veedores della)206. [OA, I, 26, § 19]
|1/A|32 Item em todos os feitos de mortes de homens e molheres, e forças
e roubos, (e doutros grandes maleficios açima declarados)207, deuem tomar per
si as inquirições nom as cometendo a outro nenhuum. E como forem acabadas
*emuiarão o trelado das *que forem*208 tiradas sobre as mortes a arca das
malfeitorias*209, e outro ficara na arca do conçelho. (As quaes deuassas se

197
“.a saber.”, em 1.
198
Falta em B.
199
Em 1 e B.
200
Em B.
201
“preguntas”, em B.
202
Em B. Este parágrafo faz parte do regimento dos corregedores das comarcas.
Aqui termina esta ordenação de 1496, passando depois a tratar dos pesos e medidas.
203
Em A.
204
“E quando o corregedor de nossa corte mais perto for o podera notificar a elle como a corregedor
da comarca”, no final do parágrafo de 1.
205
Falta em A.
206
Falta em A.
207
Falta em A.
208
“inquirições”, em 1.
209
“enviar nos feitos das mortes ho trellado a Nós”, em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 405


José Domingues

pagaram pollos querelosos se os hy ouuer, e nom os auendo pagaram aquelles


que per ellas se acharem culpados e nom se mostrando pollas ditas inquirições
quaes som os culpados nas ditas mortes querendose alguum liurar este tal
pague ao tabaliam ou escriuam, nom soomente o trelado da inquiriçam, mas
tambem o que lhe montar de auer do original. E mandamos que se nom leue
paga das taes inquirições aos herdeiros do morto)210. [OA, I, 26, § 21]
|1/A| 33 Item trabalhemse de saber [parte]211 dos malfeitores e os prender,
e se na terra nom forem saber onde som e emuiaram recado aos juyzes e justiças
que os prendam e lhos emuiem. [OA, I, 26, § 22]
34
E mandamos aos ditos juízes que nom mandem prender pessoa alguma per
aluara, saluo per o alcayde ou meyrinho. E nos aluaraes que passarem para serem
presas quaes quer pessoas sejam decrarados os nomes dos que mandam prender e
sem decraraçam dos ditos nomes os nom assynem nem passem, saluo se pera mayor
segredo e segurança das cousas da justiça sendo o caso de qualidade que se assi deua
fazer mandarem passar aluara per que prendam a pessoa que lhe disser ou amostrar
que lhe o dito aluara apresentar, leuando todvia outro aluara secreto em que vaa
decrarado o nome da pessoa que ouuer de seer presa, o qual sera apresentado ao
alcayd e meirinho ao tempo da prisam, e sem elle nom prenderam pessoa alguma,
posto que pello primeiro aluara que sem nome do que mandauam prender o tenham
buscado. E se per aluara sem nome prenderem pague cada huum que o fizer dez
cruzados. E a parte que o tal aluara leuar outros tantos, e o escriuam ou tabaliam
que o fezer outros dez cruzados para o ospital de todos os santos da nossa cidade
de lixboa, e mais sera cada huum degradado huum anno pera alem. E se for pessoa
em que cayba pena daçoutes seja açoutado. E o juiz que tal aluara passar sem nome,
e sem outro em que o nome vaa decrarado quando o caso for tal em que se requeira
semelhante segredo pagara ao que per semelhante aluara preso for çem reaes por
cada dia que preso jouuer, e seja sospenso do officio em quanto nossa merçee for.
|1| 35 Item se alguuns fidalgos e seus homens ou quaes quer outras pessoas
fezerem alguumas malfeitorias ou tomadias trabalhemse os juizes de os penhorar
e fazer pagar o dano que fezerem ou cousas que tomarem, e prender os que
mereçerem seer presos. E se por sua culpa alguum nom for preso ou penhorado
nos casos em que o deue seer, Mandamos que per seus beens os ditos juizes
paguem os ditos danos e malfeitorias, e mais aueram qualquer outra pena
criminal *que*212 no caso couber. E mandamos aos corregedores das comarcas
quando per esses julgados vierem que saibam como os juízes em esto obram. E se
os acharem culpados façam em elles comprimento de dereito.
|1/A| 36 Item façam ouuir bem suas audiencias e (que sejam)213 assesegadas

210
Falta em 1 e A.
211
Em 1 e A.
212
“como”, em 1.
213
Falta em A.

406 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

e ouçam as partes bem (nos lugares publicos e pera ysso ordenados e nom em
suas casas)214, leixandolhe dizer de seu dereito o que quiserem, nom lhes dizendo
maas palauras nem os doestando nem fazendo outro mal por refertarem seu
dereito. [OA, I, 26, § 23]
|1/A| 37 Item trabalhemse que façam ambos as audiencias aos tempos que
deuem, e quando alguum delles for doente ou absente de justa causa, nom leixe
nem ponha por sy ouuidor, *mas*215 façao saber aos vereadores e regedores, e
elles daram (o dito)216 carrego a huum dos vereadores que vijrem *pera ysso mais
pertencente*217. [OA, I, 26, § 24]
|1/A| 38 *Outro sy*218 saybam se os almotaçees vsam de seus officios como
deuem. E se o contrairo fezerem do que lhes he mandado ou forem negligentes
[tornem-se a elles e]219 costrangam os pera ello assi per corpos como por beens
segundo he contheudo (no regimento de seus officios e)220 das cousas que deuem
fazer e sob as penas hy *decraradas*221. [OA, I, 26, § 25]
|1/A| 39 Item nom lhes consentiram que dos feitos da almotaçaria
*ordenem*222 processos nem grandes escrituras, *mas mandem lhes que*223
breuemente os liurem. E [assy]224 os juízes liuraram (per sy)225 os agrauos e
apellações que perante elles vierem fazendo lhe [logo]226 o almotaçee per palaura
relaçam *nom chegando a conthia de *seyscentos*227 reaes*228. E (chegando aa
dita conthia e)229 de hy pera çima liurem (os ditos juizes)230 com os vereadores
*em camara*231. [OA, I, 26, § 26]
|1/A| 40 Item [Feitos]232 dos furtos (dos escrauos de que elles primeiramente
teuerem tomado conheçimento, quer sejam cristãos, quer mouros)233 atee conthia
de *trezentos reaes, conheçeram os juízes e desembargalloham em camara com
os vereadores sem apellaçam nem agrauo, dandolhes pena de açoutes aos que

214
Falta em A.
215
Em 1.
216
Falta em 1 e A.
217
“que mais perteencente for, que o dito carrego tenha”, em 1 e A.
218
“Item”, em 1 e A.
219
Em A.
220
Falta em A.
221
“contheudas”, em 1 e A.
222
“usem de ordenar”, em A.
223
“e”, em 1 e A.
224
Em A.
225
Falta em A.
226
Em A.
227
“quinhentos e quorenta”, em 1.
228
“ataa conthia de dez mil libras”, em A.
229
Falta em A.
230
Falta em A.
231
“na Rollaçom”, em A.
232
Em A.
233
Falta em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 407


José Domingues

acharem culpados, ou qualquer outra que merecerem*234. [OA, I, 26, § 28]


|1/A| 41 *Outrosy*235 os juizes façam em tal guisa que nos feitos das injurias
(verbaes se nom façam longos processos)236, e [os vereadores]237 ponham
*diligencia em os fazerem*238 concrusos e como o forem, *nom sendo cada
huma das partes caualleiro ou fidalgo de sollar ou de cota darmas, leuem os
aa camara e os desembarguem com os vereadores na primeira relaçam que
fezerem depois que os feitos forem concrusos*239. E se alguum for (sospeyto)240
tomem dos outros homens boons da cidade ou villa (huum)241 em seu logo
que sospeito nom seja. E a relaçam (dos taes feytos)242 se fara perante as partes
sendo pera ello chamadas ou aa sua reuelia se ao dia que lhes for assynado nom
forem. E as *sentenças*243 que derem façam [cumprir]244 as dar a execuçam (nom
passando porem condenaçam de seys mil reis, por que em mayor quantidade
queremos que nom possam em estes feitos das injurias verbaes condenar)245 [e
nom recebão apellaçom, nem aggravo, salvo se esses feitos forem de fidalgos
ou vassallos aconthiados em cavalo e armas porque em estes dessas pessoas as
devem dar]246. [OA, I, 26, § 27]
42
E mandamos a todos os juízes das cidades villas e lugares de nossos regnos
e senhorios e a quaes quer outros julgadores e corregedores das comarcas, e
ouuidores e corregedores da nossa corte que daqui em diante nom prendam nem
mandem prender pessoa alguma de qualquer qualidade e condiçam que seja per
petiçam ou queixume de injuria verbal que outrem della faça nem per inquiriçam
que por ella seja tirada, posto que a pessoa que se ouuer por injuriada seja de mayor
sorte, condiçam e qualidade que o injuriarem, saluo quando per final sentença for
determinado que a tal pessoa seja presa per maneira que ante da sentença difinitiua
nom seja pessoa alguma presa por causa de injuria verbal como dito he.
|1|43 E quando cada huma das partes for caualleiro ou fidalgo de sollar
ou cota darmas, ou molher de cada huma das sobreditas qualidades os juizes
conheçeram dos ditos feitos, e os determinaram finalmente per sy sem os

234
“de cinquo livras da moeda antigua ou cinquo desta, ou honde o ladrom nom for enfamado d’ante
ou entom ou em outros furtos, livrem-no com os vereadores sem appellaçom, salvo se for feito em
Igreja, ou em feira, ou em caminho publico”, em A.
235
“Item”, em 1 e A.
236
Falta em A.
237
Em A.
238
“aguça em serem concluzos”, em A.
239
“a primeira quarta feira depois da conclusom os levem logo aa Rollaçom e os desembarguem com
os vereadores se sospeitos nom forem”, em A.
240
Falta em A.
241
Falta em A.
242
Falta em A.
243
“livramento”, em A.
244
Em A.
245
Falta em A.
246
Em A.

408 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

vereadores e daram apellaçam e agrauo aas partes que de suas sentenças ou


mandados apellar ou agrauar quiserem.
|1/A|44 Item por que os juizes ordinairos com os homens boons tem o
regimento da cidade ou villa elles ambos quando poderem, ou ao menos huum
hiram [aa quarta feira e ao sabado]247 sempre aa *vereaçam*248 da camara (quando
se fezer)249 pera com os outros ordenar o que entenderem por prol cummum, [e
por]250 dereito e justiça. [OA, I, 26, § 29]
|1/A|45 Item sem delonga faram cada dia audiencia aos feitos dos presos e
lhes daram liuramento (segundo seus mereçimentos e nossas ordenações)251.
[OA, I, 26, § 30]
|1/A|46 Item costrangeram o alcayde e seos homens que tragam os (presos)252
a audiencia e prendam os que lhe elles mandarem e soltaram per seu mandado.
[OA, I, 26, § 31]
|1/A|47 *Outro sy*253 costrangeram o alcaide que serua e guarde a cidade
ou villa de noyte e de dia com os homens jurados que lhe forem dados na camara
segundo lhe he ordenado em cada huma cidade (ou villa)254. E façam lhes pagar
o que ham de auer per o alcaide, e nom lhes pagando tomem lhe tantas de suas
rendas per que os paguem do que assy ham de auer, (e mandaram tanger o
sino de correr naquelles lugares onde sempre se costumou correr e aas horas
costumadas)255. [OA, I, 26, § 32]
48
Item proueeram as estalageens das cidades villas e lugares e seus termos
onde forem juizes se tem suas estalageens prouidas de camas e mantimentos
como som obrigados, e nom as tendo como deuem lhes sejam logo tomados os
preuilegios que teuerem de estalagadeiros e lhes nom sejam mais guardados.
|1/A|49 Item as deuassas que os [ditos]256 juizes tirarem sobre os juizes do
anno passado e sobre os outros officiaes da justiça emuiaram aos corregedores
das comarcas do dia que forem acabadas atee huum mes e cobraram delles
conhementos pera em todo tempo se saber como lhas emuiaram e em que
tempo. E esto compriram sob aquella pena que ençima lhes he posta se as ditas
inquirições nom tirarem257.
|1/A|50 E [com todas estas cousas]258 sejam auisados (os ditos juizes)259 que

247
Em 1 e A.
248
“Rellaçom”, em A. Falta em 1.
249
Falta em 1 e A.
250
Em 1.
251
Falta em 1 e A.
252
Falta em 1 e A.
253
“Item”, em 1 e A.
254
Falta em A.
255
Falta em A.
256
Em 1.
257
Cfr. OA, I, 26, § 40, com redacção bastante diferente.
258
Em A.
259
Falta em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 409


José Domingues

nom consentam a arçebispo nem a bispo nem a seos vigairos que tomem nossa
jurdiçam nem vam contra nossos dereitos fazendo [e constrangendo]260 os leigos
perante sy responder nos casos que nom deuem e consintindo o contrairo, e nom
o fezendo saber a nos tornar nos hemos a elles e lho estranharemos grauamente
nos corpos e nos beens. [OA, I, 26, § 41]
|1/A|51 Item se alguns vierem perante elles a audiencia que sejam
caualleiros ou escudeiros ou outras pessoas poderosas ouçam logo seos feitos
e os emuiem [logo]261 dante sy e nom lhes consentam que hy mais estem e se
quiserem alleuantar palauras defendanlhes que nom venham hy mais, (e per seos
procuradores requeiram seu dereito nos casos em que per [seos]262 procuradores
o podem requerer)263. [OA, I, 26, § 42]
|1/C|52 Item seram os juizes auisados que nom dem a pessoa alguma
[de qualquer condiçam que seja]264 licença pera comprar gado alguum pera o
tornar a reuender, saluo *aquelles*265 que se obrigarem em cada huum lugar de
nossos regnos ao cortar. E estes nom poderam mais comprar que aquella copia
que forem obrigados cortar, do qual leuaram çertidam dos juizes, vereadores
e procuradores feita pello scriuam da camara ou per tabaliam pubrico da dita
villa em que forem obrigados, na qual çertidam sera declarado em quanto he
a obrigaçam. E os juyzes que tal licença derem a outras pessoas, e assi aquelles
que o gado comprarem para o reuender, Queremos que encorram nas penas que
encorrem aquelles que compram pam pera o reuender, a qual he perderem o
gado que assy comprarem pera reuender em dobro, [.a saber.]266 a metade pera o
acusador e a outra pera a nossa camara267.
|1/C|53 Item *nom consentiram*268 que *os*269 gados *que de fora de
nossos regnos*270 vierem pastar a *elles*271 [nom]272 andem pastando a menos
de cinco legoas dentro do estremo, e se menos quiserem andar que os mayores e

260
Em 1.
261
Em 1 e A.
262
Em 1.
263
Falta em A.
264
Em 1.
265
“aquellas pessoas”, em 1.
266
Em 1.
267
Com redacção diferente em relação a C. Conferir também com OM, V, 47, § 13 (anexo documental
n.º 5). Mas este último ainda mais alterado na redacção, porque a sua fonte é a extravagante no final
do Regimento dos Oficiais, de 20 de Abril de 1503.
Mais um comprovativo de que os compiladores manuelinos seguiram de muito perto o Regimento
dos Oficiais, limitando-se a uma mera remissão e dispensando o trabalho de actualização.
268
“queremos”, em C.
269
“nenhuuns”, em 1 e C.
270
“de Castela”, em C.
271
“estes Regnos”, em C.
272
Em C.

410 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

postores(sic) dem fiança abastante a (nom tornarem)273 *e*274 passarem [com]275


os ditos gados fora de nossos regnos sem serem vistos e contados *per*276 o
contador dos gados (perante o alcaidedas sacas da comarca onde andarem)277
estando hy, e se hy nom esteuer perante o portageiro, e estando todos no lugar
perante todos seram contados querendo o portageiro *estar aa dita conta*278. E
esta maneira se teera assi na entrada como na sayda do dito gado, e a sayda
sera per o mesmo porto per onde foy a entrada. E fazendo o contrairo desto os
mayoraes ou pastores [queremos e]279 mandamos que percam todos seus gados
e sejam presos e ajam a pena *dos*280 passadores *dos gados*281, (segundo mais
largamente diremos no quinto liuro no titulo do regimento dos alcaydes das
sacas)282. [A qual por seer a todos notorio mandamos aqui trelladar a ordenaçam
que ora sobre ello teemos feita que he a seguinte. E esto nom auera lugar nem
se entendera nos bois das carretas que vem a nossos regnos
|1/C|53a Ordenamos e poemos per ley e ordenaçom geral que nam seja
nenhuum tam ousado de qualquer condiçam que seja que dos ditos nosos
Regnos tire nem mande tirar nem pasar [os ditos]283 gaados dos ditos nosos
Regnos pera fora delles nem dem pera ello azo favor ajuda nem comsymtymento
sem nosa licença e qualquer que for achado a fazer o comtrairo e lhe for
verdadeiramente provado seja loguo preso e perca o dito gaado em tresdobro
e asy qualquer outra cousa defesa que pasar E sendo escudeiro e dahy pera
baixo pela primeira vez pague o dito gaado em tresdobro como dito he e pela
segunda vez anoveado e as pesoas em que couber açoutes sejam açoutadas nos
lugares onde asy pasarem as ditas cousas defesas e as outras seram degradadas
pera alem por dous anos e pela segunda vez por tres anos e esto aalem da pena
civel em cima contheuda e esta mesma pena averam os que derem ajuda e favor
a se pasarem os ditos gaados e cousas defesas ou o nam tolherem se poderem
sendo lhe provado. E os alcaydes mores pela primeira vez avemos por bem
que paguem anoveado [todo aquelo que pasarem]284 e serem degradados por
dous anos pera alem e pela segunda vez pagaram as ditas noveas em dobro
e seram degradados pera alem por quatro anos (seemdolhe verdadeiramente

273
Falta em C.
274
“a”, em 1. Trata-se de um lapso nas Ordenações Manuelinas, que altera completamente o sentido do
texto. Falta em C.
275
Em C.
276
“perante”, em 1 e C.
277
Falta em 1. Substituído por “vos”, em C.
278
“hy estar”, em C.
279
Em 1 e C.
280
“que ordenada for aos”, em C.
281
“das cousas defesas destes nossos regnos para outros”, em 1 e C.
282
Falta em 1. Conferir com OM, V, 47, § 6 (anexo documental n.º 5).
283
No regimento de Lopo Álvares de Moura.
284
No regimento.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 411


José Domingues

prouado)285. E estas penas queremos que sejam a metade pera quem os acusar
ate fym do porceso e a outra metade pera nosa Camara]286.
|1|54 Item os juizes ordinairos onde nom ouuer juízes [speçiaaes]287 dos
órfãos guardaram e compriram em todo com muyta diligencia o regimento dos
juizes que especialmente som ordenados aos orfãaos.
55
Outrosy por quanto ouuerem por enformaçam que muytos moradores
nas aldeas de nossos regnos que estam afastadas per huma legoa e mais das
cidades e villas de cujo termo e jurdiçam som perdiam mujtos dias e geiras por
hirem requerer sua justiça sobre danos e coymas e outras contendas de pequena
quantidade e contia as ditas cidades e villas de cuja jurdiçam som, querendo a
esto prouer determinamos e mandamos que em qualquer aldea em que ouuer
vinte vizinhos, e de hy para çima atee cinquoenta e for huma legoa afastada ou
mais da cidade ou villa de cujo termo for, os juizes da dita cidade ou villa com
os vereadores e procurador escolham em cada hum anno huum homem boom
da dita aldea que seja nella juiz, ao qual daram juramento em camara que bem
e verdadeiramente conheça e determine sumariamente sem processo algum as
contendas que forem antre os moradores da dita aldea de conthia de çem reaes
para baxo sem apellaçam nem agrauo. E bem assi conheçera dos danos e coymas
antre os ditos moradores e as determinaram segundo as posturas do conçelho
sem apelaçam nem agrauo. podera prender os malfeitores que forem achados
cometendo os maleficios em a dita aldea e seu limite ou lhe for requerido pellas
partes que os prenda sendolhe mostrados mandados ou querelas per onde o
deuam ser e tanto que forem presos os mande entregar aos juizes ordenairos de
cujo termo for a dita aldea.
56
E sendo a aldea de cinquoenta vezinhos atee cento conheçera o dito juiz
atee duzentos reaes. E das coymas e danos sem apellaçam e agrauo, e prendera
os malfeitores e os remetera como dito he.
57
E se for aldea de çem vezinhos atee cento e cinquoenta conheçera de
conthia de trezentos reaes, e de hy para baixo e dos danos e coymas antre os ditos
moradores sem apellaçam e sem agrauo, e prendera e remetera os malfeitores
pello modo sobredito.
58
E se a dita aldea for de duzentos vezinhos e de hy para çima conheçera
o dito juiz atee conthia de quatrocentos reaes sem apelaçam e agrauo sem sobre
ysso fazer processo e das coymas e danos, e esto antre os moradores de essa aldea
e prendera e remetera os malfeitores aos juizes ordinairos como suso dito he, e
os ditos juyzes das taes aldeas daram a execuçam realmente e com efeito as ditas
sentenças.

285
Falta no regimento.
286
Em 1. Esta ordenação consta também no regimento (sem data) que foi enviado a Lopo Álvares de
Moura, alcaide-mor das sacas de Entre-Tejo-e-Guadiana [DUARTE, Justiça e Criminalidade, doc. 97,
p. 658].
287
Em 1.

412 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

E nom conheceram de contenda alguma que seja sobre beens de raiz


59

nem sobre crime algum soomente quanto aa prisam dos malfeitores como dito e
declarado he.

2.
Liv. II – Titulo xiij.
Que as ygrejas e moesteiros e clerigos de ordeens sacras ou beneficiados e frades nom
paguem dizima, portagem nem sysa.

Fonte:
A. 1498, Agosto, 01 – Lei que isenta os clérigos do pagamento dos impostos
reais de dizima, portagem e sisa.
[Braga, AD – Colecção Cronológica, n.º 1496] ☑
[Rerum Memorabilium, vol. 2, fl. 94v]
[Porto, AD – Cartório do Cabido, Livro dos Originais n.º XXIX (1687), fl. 4]
[Porto, AD – Cartório do Cabido, Livro das Sentenças n.º CII, fls. 124v e ss.]
[Duarte Nunes de LEÃO, Leis Extravagantes, Lisboa, 1569, pp. 184-185.
(Edição «fac-simile» da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987)]

[Dom manuell per graça de Deus Rey de purtugall e dos algarues daquem
e dalem mar em afriqua e senhor de guine(?) prjnçipe de Castela e de liam
e daragam e de arzillia e de granada e etc. a quantos esta nosa carta virem
fazemos saber que ]288
1
(Por quanto nossa tençam e vontade he em todallas cousas em que
sentirmos que nossa consciencia pode seer encarregada a desemcarregamentos
e nom leuarmos cousa injusta.)289 Consijrando *como as ygrejas e clerigos e assi
os moesteiros e religiosos delles em estes nossos regnos e senhorios, sempre
pagaram os direitos reaes*290 . a saber . sysas, dizimas e portageens, assi como
se fossem pessoas leigas *E posto que*291 os ditos direitos sejam justos e antijgos,
Pareçendonos que per ventura poderiamos em ysso teer alguum carrego de
consciencia, *por se dizer que*292 por razam de seos priuilegios *deuiam seer dos
taes direitos escusos*293, Querendo nos enformar da verdade [desto]294 falamos

288
Em A.
289
Está no final do fl. 1, em A.
290
“alguas vezes os preuylegios que as Igrejas e os mosteiros creligos e religiosos tem e como per
direito sam escusados de pagar quaesquer direitos e doutras mujtas obrjgaçoes a que as pesoas
leygoas sam obrjgadas e vimdo viuer(?) nos nosos Reinos de purtugall e do algarvee e senhorjo
delles em eles pagam todos direitos Reaes”, em A.
291
“ajnda que”, em A.
292
“que quamto a elles”, em A.
293
“poderjam vjr alguma duuida
294
Em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 413


José Domingues

com alguuns [pessoas]295 leterados de consciencia e com outros do nosso conselho.


E praticando e visto bem todo, achamos que ysto se nom podia sem carrego de
consciencia das taes pessoas leuar. (E porem)296 *determinamos*297 e mandamos
(e poemos por ley)298 [que des ho primeiro dia de janeirro que vira em diamte]299
pera sempre [Jamais]300, que as ygrejas e moesteiros, assi de homeens como
molheres, e (as prouencias em que ha)301 jrmitãaes que fazem voto de profissam.
E beem assi os clerigos dordeens sacras, e os frades ou freiras, [e jrmytaes que
fazem a dita profisam]302 e os beneficiados que posto que nom sejam dordeens
sacras e viuem como clerigos e por taes som auidos, sejam todos [do dito tempo
em diamte]303 ysentos (e escusos)304 de pagar de todallas [aquelas]305 cousas
que trouxerem ou conprarem peraa suas neçessidades ou venderem, Dizima
nem portagem, nem aquella parte de sysa que segundo os foraes e artijgos das
sysas dos ditos nossos regnos as taes pessoas eram obrigados de pagar, e esto
das cousas que comprarem para suas neçessidades soomente e nom doutra
nenhuma cousa e daquelles que com elles viuerem a que continuadamente dam
de comer e de vestir, e do que venderem de suas nouidades e rendas de seos
beneficios e beens patrimoniaes mouees e de raiz que teuerem. E a outra parte
que segundo os artijgos das sysas carrega sobre os leigos, e polos ditos artijgos os
ditos leigos som obrigados a pagar, toda via se arrecadara e cobrara para nos [dos
ditos leigos]306. Pero se qualquer das ditas pessoas comprar quaesquer cousas
por trauto de mercadoria ou per via de negoçeaçam ou beens de raiz, Queremos
que da dita compra paguem sisa como se fossem leigos, saluo se forem casas para
sua morada e vso, e outros beens de raiz que segundo a qualidade de sua pessoa,
soomente para sua manteença e soportamento lhe forem neçessarias, porque
das compras das taes cousas nom pagara sysa nem outro (alguum)307 direito. E
assi mesmo a pagaram das cousas que venderem per maneira de negoçiaçam ou
trauto de mercadoria segundo os artijgos das ditas nossas sysas, porque achamos
per direito que das taes cousas som obrigados pagar. E por esto (as ditas pessoas
que per esta nossa carta)308 declaramos e mandamos que [as ditas pesoas]309 nom

295
Em A.
296
Falta em A.
297
“acordamos”, em A.
298
Falta em A.
299
Em A.
300
Em A.
301
Falta em A.
302
Em A.
303
Em A.
304
Falta em A.
305
Em A.
306
Em A.
307
Falta em A.
308
Em A.
309
Em A.

414 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

paguem sysa, dizima nem portagem. Nom leixaram toda via de fazerem saber
a nossos oficiaes e leuar aas casas das alfandegas e portagens e sysas, as cousas
que per os foraes e artijgos deuem *a elles seer leuadas*310, [levandoas]311 assi as
que trouxerem per mar ou per terra, *como as que*312 venderem e comprarem,
segundo *nos*313 ditos foraes e artijgos he declarado Porque doutra maneira
[se]314 poderiam fazer enganos e conluyos a nossas rendas, o que nom seria
razam nem honesto. E (alli)315 lhe seram desembargadas sem que paguem direito
alguum, como açima he declarado. E por quanto pellos artijgos das sysas antijgas
estaua ordenado que de todollos pannos de lãa que se comprassem e vendessem
se pagasse sysa, e que a metade pagasse o vendedor e a metade o comprador.
E agora de pouco aca se ordenou que aquelle que trouuer os pannos de fora do
regno, dando comprador em çerto tempo limitado aos ditos pannos que nom
seja obrigado de pagar sysa segundo no dito artijgo mais largamente se contem.
Queremos e mandamos que quando em tal caso o comprador que se deer for
clerigo, ou das pessoas açima declaradas que som escusadas de pagar a dita
sisa, que se guarde ho *primeiro*316 artijgo que antes estaua feito, de maneira
que o que vende o pano pague sua metade da sisa, e o clerigo que comprar seja
escuso da sua metade como em çima dito he. E se per ventura cada huma das
ditas pessoas ysentas per esta nossa carta, quando comprar ou vender alguma
cousa se obrigar de a fazer forra da parte da sisa que a dita parte pertençia pagar.
(Queremos que ysto nom possa fazer, e se o fezer que toda via)317 [que]318 a
dita sisa se arecade, ou da parte que comprou e vendeo ao clerigo, ou da mesma
cousa que se comprou ou vendeo. E por escusar os enganos e conluyos que nisto
poderiam fazer algumas pessoas que nom teuessem bõoa consciencia, porque
per direito o clerigo em tal caso he obrigado de jurar, se lhe for pedido juramento.
Em tal caso estara em escolha do rendeiro ou do nosso oficial de o (querer)319
prouar ou leixallo em seu juramento como mais quiser. E jurando que he para
suas neçessidades ou de suas rendas lhe sera crijdo, saluo se as cousas forem
taes que auendo respeito a qualidade de sua pessoa [que]320 nom seja verisimel
que sejam suas *nem*321 (que)322 lhe sejam necessarias. E esta (mesma)323 maneira

310
“vjr a ellas”, em A.
311
Em A.
312
“ou”, em A.
313
“por os”, em A.
314
Em A.
315
Falta em A.
316
“dito”, em A.
317
Falta em A.
318
Em A.
319
Falta em A.
320
Em A.
321
“ou”, em A.
322
Falta em A.
323
Falta em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 415


José Domingues

e juramento se tera na dizima e portagem. E sendo caso que alguma parte, a


qualquer clérigo ou pessoa das que em çima dito he, vendam alguma cousa, e
nom se achando a dita parte que lhe assi vendeo, para per ella se arrecadar nossa
sisa, Mandamos que polla mesma cousa (que)324 ao dito clerigo for vendida, se
arecade a sisa que disso para nos se auia darrecadar, como se faria per a dita
parte sendo achada. E (ysto) nom se achando beens ou fazenda do dito vendedor
per que se possa auer e recadar.
[E porem mandamos aos nosos veadores da fazenda e contadores e
almoxarifes das comarquas e aos juizes das sisas e a quaes quer outros nosos
oficiaes e pessoas a que esta nosa carta for mostrada e o conheçimento della
pertemcer per quall quer maneira que seja que façam comprir e guardar todo
ho comteudo em ella sem nisso se por embarguo alguum e por vir a noticia
de todos a mandem apreguar em nosa cidade de lixboa e a mandem asemtar
no llibro dos artigos das nosas sisas para que se guarde des ho dito tempo em
diamte e todolos arendamentos que se daquj em diante fizerem se entenda
serem feitos com esta condiçam previsto que em elles nom seja expresamente
decrarado nem faça delo mençam dada em a cidade de Saragoça o primeiro dia
dagosto antonio carneiro a fez anno do Senhor de mjll iiijc LRbiij annos]325

3.
Liv. III – Titulo Cxij.
Dos preuilegios e liberdades conçedidas ao regedor e desembargadores da casa da
sopricaçam.

Fonte:
A. 1450, Novembro, 12 – Privilégios dos desembargadores da
Suplicação.
[IAN/TT – Gaveta 14, maço 8, n.º23 (confirmação de 20 de Agosto de 1486
– doc. deteriorado)]326
[IAN/TT – Corpo Cronológico, Parte 1, Maço 3, n.º74 (confirmação de 27 de
Novembro de 1501 – doc. deteriorado)]

[Dom Joham per graça de Deus Rey de purtugal e dos Algarues daaquem
e daallem mar em africa Senhor da gujnee etc a quantos esta nossa carta
virem fazemos saber que em fim do liuro terçeiro da reformaçam das nossas
hordinações que andam em nossa chançelaria he escripto e assentado ho
priuillegio das homrras liberdades e framquezas que per nos som dados e

324
Falta em A.
325
Em A.
326
É esta a fonte utilizada para o cotejo textual, servindo a outra fonte apenas como auxiliar nas partes
em que o texto seja ilegível.

416 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

outorgados aos desenbargadores da nossa casa da sopricaçam do quall o theor


he este que se segue.
Dom afomsso per graça de Deus Rey de purtugall e do allguarue e Senhor
de cepta etc a quantos esta carta virem fazemos saber que per os reis que ante
nos foram especialmente per elRey dom Joham meu avoo da gloriosa memoria
cuja alma Deus aja foram dados mujtos preuilegios aos desembargadores e
oficiaaes da nossa casa do ciuel dos quaes sempre husaram o regedor chanceler
veedores de nossa fazenda desembargadores da nossa casa da sopricaçam
procurador de nossos feitos spriuam da nosa chamçelaria e por que os ditos
priujllegios eram em desuayradas escripturas e mujtas prollixas e soomente
nos liuros da chancelaria da dita casa do ciuel e os sobreditos nosos oficiaaes
que comnosco andam os deuem aauer em mayor graça e especialidade que os
da dita casa do ciuel pollos grandes trabalhos e despesas e andanças(?) que
em noso continuadamente teem e serviço que nos fazem per honde quer que
andamos de que sam escusados os da dita casa do ciuel pollo assesseguo que
na dita cidade sempre ham nos mandamos asemtar em nosso nome os ditos
preuilegios em esta nossa carta com a declaraçam que lhes ora nouamente
fazemos para serem postos nos liuros da nosa chancelaria e som estes]327
1
*Ordenamos*328 e mandamos que o[s sobreditos]329 regedor (da nossa
casa da sopricaçam e)330 chançeler moor, veedores (de nossa fazenda)331,
desembargadores (da dita casa)332, *o procurador dos nosos feitos, (e prometor
da justiça), o escriuam da chançaleria, (escriuães da fazenda e bem assi o
nosso almotaçe moor)*333, nom paguem em seruiços, pedidos, emprestidos,
fintas, talhas, aduas, nem em outros quaesquer encarregos ordenados ou não
ordenados, que per os moradores dos lugares hu eles beens e lugares teuerem,
forem lançados assi para nos como para mester de guerra, como para proueito
ou necessidade dos ditos conçelhos, ou para alguma cousa que lhes aconteça ou
ajam de fazer posto que sejam cousas piadosas e a todos neçessarias e proueitosas,
assi como fazimento, refazimentos de muros, pontes, fontes, calçadas, caminhos,
guardas e outras quaesquer cousas que aos ditos conçelhos pertençam per
qualquer maneira que seja.
2
Outro sy mandamos que em quanto os sobreditos forem nossos oficiaes e
em a dita nossa casa da sopricaçam, andarem ou forem veer suas fazendas, ou
forem aalguum lugar por nosso seruiço ou mandado, nom possam ser çitados

327
Em A.
328
“defendemos”, em A.
329
Em A.
330
Falta em A.
331
Falta em A.
332
Falta em A.
333
“e ofiçiaaes sobre ditos” em A, mas não refere o promotor de justiça, os escrivães da Fazenda e o
almotacé-mor.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 417


José Domingues

nem acusados, nem demandados presente nenhuuns juizes por nenhum feito
ciuil nem crime, saluo presente o corregedor da nossa corte.
3
Outro sy mandamos que os seos caseiros que esteuerem em suas quintãas
ou que laurarem em seos casaes, sem engano e malicia sejam escusados dos
encarregos dos conçelhos, e de hirem com presos, nem com dinheiros, nem
pagarem na bolsa que para elles em alguuns lugares he ordenada, nem seruirem
com os concelhos hu som moradores, nem sem elles per mar nem per terra,
nem serem oficiaes, nem auerem oficios em os ditos conçelhos contra suas
vontades (nom sendo dos da gouernança da terra . a saber . juizes, vereadores
e procurador, porque destes oficios nom escusa nenhum preuilegio)334, nem
seerem beesteiros do conto, saluo se o ja eram antes que fossem seos caseiros,
ou eram postos na vintena do mar, porque queremos que taes como estes nom
sejam escusados de seruir, posto que sejam seos caseiros. E nom soomente os seos
caseiros encabeçados mas ajnda os que suas herdades laurarem, se a mayor parte
de sua vida manteuerem per a laura que em as ditas suas herdades fezerem, e
ysso mesmo seus mordomos e panyguados.
4
Outro si mandamos que dos mançebos e obreiros e seruidores, assi homens
como molheres que em esses lugares e julgados ouuer, onde elles seos beens teem
[e fazendas]335, dees e façaes dar a eles ante e primeiro que a outro algum desses
lugares os ditos mançebos e obreiros e seruiçaes, por as taxas desses lugares,
e fazee em tal guisa que per mingua dos sobreditos seos bens e herdades nom
fiquem por aproueitar, se nom sede çertos que nos vos faremos pagar e corrger
toda perda e dano per vossos beens que por esta razam reçeberem.
5
Outro sy mandamos que todos seos caseiros, criados, mordoomos e
paniguados, lauradores e homens que com elles viuerem (em suas casas os
seruirem continuadamente, ou que delles reçeberem casamento ou outra
satisfaçam sem a outra pessoa serem acostados,)336 ajam todalas honrras,
priuilegios e liberdades que ham para elles os fidalgos e os do nosso conselho.
6
Ourro(sic) si mandamos que se algumas pesoas lhes forem obrigadas em
alguma parte de nossos regnos, assi em conthia de prata, ouro, dinheiros, ou
em outros beens mouees ou de rayz per razam de contractos, arrendamentos,
aforamentos ou pensões de herdades, alugeres de casas, heranças, ou outras
cousas semelhantes, e os quiserem demandar, que os demandem presente o
corregedor da nossa corte, ao qual mandamos que ouça as partes e faça dereito.
7
Outro sy queremos e mandamos que aquelles que lhes laurarem suas
herdades propias, emprazadas, aforadas, ou que em ellas ajam vsofruito ou
outro alguum proueito, que sejam seos caseiros emcabeçados, ou seos parçeyros
que lhes tragam suas herdades, nom paguem a nos nem a outra alguma pesoa

334
Falta em A.
335
Em A.
336
Falta em A.

418 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

jugada de pam, vinho, linho, nem de nenhuum outro fruito, assi elles como os
que lhes as ditas herdades laurarem e aproueitarem per qualquer maneira que as
os ditos lauradores tragam emprazadas, aforadas, ou arrendadas, a dinheiro ou a
pam çerto, ou a meyas, ou a terço, quarto ou quinto, ou per outra qualquer guisa,
porque como quer que as tragam, se a dita jugada nom pagarem todo vem em
proueito dos sobreditos. E se alguum laurar algumas suas herdades posto que
em ellas nom seja emcabeçado per qualquer guisa que as traga, se outra doutra
pessoa nom laurar, saluo as dos sobreditos, nom pague jugada sem em bargo de
qualquer determinaçam que per artigos geraes ou especiaes em contrairo desto
seja dada.
8
Outro sy mandamos que os seos caseiros emcabeçados, moordomos
amos e paniguados, e outros que com elles viuerem, nom sejam tutores nem
curadords(sic) de nenhumas pessoas, nem pousem com elles, nem lhes tomem
suas casas de morada, nem adegas, nem caualeriças, nem roupa, nem palha,
nem galinhas, nem bestas, nem outras nenhumas cousas contra suas vontades
para nos nem para a raynha mjnha muyto amada e prezada molher, nem para o
(principe e)337 jfantes, [meu jrmãao]338 nem para outras nenhumas pesoas.
9
Outrosi mandamos que se os ditos nossos oficiaes quiserem demandar
algumas viuuas ou outras algumas pessoas, posto que sejam miseraues por
algumas diuidas suso declaradas, que as possam demandar perante o dito
corregedor. E se as ditas veuuas ou outras quaes quer pessoas quiserem demandar
os ditos nossos oficiaes, Mandamos que elles nom respondam perante outros
nenhuns juizes nem justiças, se nom perante o dito nosso corregedor, por quanto
o priuilegio dos ditos nossos oficiaes, auemos por melhor que o das veuuas nem
de nenhumas outras pessoas. E mandamos que perçeda todos os outros assi o
dos oficiaes da [dita]339 casa do çiuil como o dos escolares e moedeiros, como
doutros quaesquer, por serem a nos mais chegados e auerem mais trabalho por
nosso seruiço.
10
Outrosy mandamos e defendemos que nom seja nenhuma pessoa tam
ousada de qualquer estado e condiçam que sejam, que aos sobreditos, nem
suas casas nem herdades e beens, nem a seos homens e molheres, gaados,
bestas, casaes, quintãas e lugares, nem a outras nenhumas cousas faça força,
mal nem desaguisado, nem lhes pousem em suas casas de morada, adegas
nem caualariças, nem lhes tomem a elles nem a seus caseiros e lauradores que
esteuerem em suas quintãas e casaes emcabeçados, bestas, roupa, palha, galinhas
nem outras aues, e gaados, nem lhes cacem coelhos nem outras alimarias, nem
lhes talhem lenha nem outra madeira em suas defesas, nem lhes façam caminos
nem atreuessadoyros per as ditas suas herdades e lauras e quintãas e defesas. E

337
Falta em A.
338
Em A.
339
Em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 419


José Domingues

aquelles que contra esto forem e o contrairo fezerem, Mandamos a todos os juizes
e justiças que lho nom consentam, e lhes façam correger toda perda e dano e mal
que lhes for feito, e paguem mais a nos os nossos encoutos de seis mil *reaaes*340,
dos quaes (nos praz que aja qualquer pessoa que os acusar dous mil reaes, e o
mais se arrecadara para a nossa camara. E)341 mandamos aos nossos almoxarifes
(ou recebedores)342 dos [ditos]343 lugares onde os danos forem feitos que os
recebam e arrecadem por nos desses que lhos assi fezerem e lhes contra esto
forem, sob pena [de nossa merçee e]344 de o pagarem de suas casas, por quanto
nossa merçee e vontade he de os auermos em nossa guarda e defensam. (E dos
ditos encoutos queremos que sejam juizes os ditos almoxarifes ou reçebedores,
se os ouuer nos lugares onde os ditos preuilegios nom forem guardados. E nom
os auendo hy sejam disso juizes os juizes ordenairos desses lugares. E assy de
huns como dos outros viram sempre as apellações e agrauos dereitamente ao
juyz de nossos feitos)345.
11
Outrosy mandamos que possam andar em bestas muares sem embargo de
nossa defesa. E esso mesmo os que com elles viuerem ou caualgarem, ou os em
ellas aalguns lugares mandarem. E mandamos a todollos juizes, corregedores,
contadores, almoxarifes, e outros quaesquer oficiaes de nossos regnos, E em
especial a todollos juizes, ouuidores das terras da [dita]346 raynha minha molher,
contadores e almoxarifes [que o conhecimento desto pertencer]347 que assi
ho cumpram e guardem *muy inteiramente*348 sem embargo de quaesquer
mandados nossos ou da dita raynha que em contrairo desto sejam dados
E sem embargo de lhe termos outorgado que soomente suas cartas em as di-
ditas(sic) suas terras se cumpram. E mandamos que qualquer juiz ou outra
qualquer justiça ou pessoa a que esto pertençer fazer, se nom quiserem comprir
e guardar esta nossa carta de preuilegios, graças e merçes e liberdades que
assi som dadas aos ditos nossos oficiaes, ou lhes contra elles forem em parte
ou em todo, dello fezerem çerto per escriptura pubrica [mandamos]349 ao dito
(nosso)350 corregedor (da corte)351, que aos sobreditos ou cada huum delles dee
carta per que façam çitar perante sy os [ditos]352 juizes e justiças (e quaes quer

340
“solldos”, em A.
341
Falta em A.
342
Falta em A.
343
Em A.
344
Em A.
345
Falta em A.
346
Em A.
347
Em A.
348
“esta nossa carta”, em A.
349
Em A.
350
Falta em A.
351
Falta em A.
352
Em A.

420 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

outras pessoas)353 que lhes contra esto forem (em parte ou em todo)354, e os ditos
preuilegios lhes guardar nom fezerem, que per pessoa venham dizer qual he a
razam porque nom cumpriram e guardaram os ditos nossos preuilegios. E se
os achar culpados ou negrigentes, lhes faça correger toda perda e dano que por
esta razam reçeberem, e mais que lho estranhe como entender per direito. [e este
prevjlegio prometemos de manteer e guardar sem nenhuum mjngoar nem
fallecimento]355 E mandamos que posto que alguuns tragam nosso mandado que
seja contra este preuilegio que lho nom guardem por muyto especial que seja,
porque nossa vontade he de em todo seer guardado. E se alguuns outros oficiaes
nossos ou outras quaesquer pessoas de puro feito ou força, sem ordem de justiça,
o dito preuilegio lhes quiserem quebrantar, mandamos que lho nom consentam,
porque nom queremos que nenhuum tenha autoridade de o quebrantar.
12
(Outro sy por fazermos merçee aos nossos desembargadores da casa da
sopricaçam e do çiuil e a suas molheres, nos praz que as molheres que foram
e forem dos desembargadores da(sic) cada huum das ditas casas emquanto
veuuas forem e em sua honrra esteuerem, ajam e tenham todos os ditos
preuilegios e liberdades que seos maridos por razam de seos oficios tinham,
assi para suas pessoas como para seos criados, amos e caseiros e lauradores
tirando soomente paniguados, e que nom possam trazer seos contentores(sic)
aa corte, nem aa casa do çiuil, saluo nos casos em que as outras veuuas os
podem trazer. E mandamos ao nosso chançeller moor que tirando os ditos dous
casos lhe mande dar suas cartas de preuilegios em forma como os auiam e se
dauam aos seus maridos.
13
E por quanto os ditos preuilegios e liberdades som per especial graça e
merçee outorgados e conçedidos aalguns fidalgos e a outras algumas pessoas,
Auemos por bem que os taes preuilegios se nom estendam a seus paniguados,
nem possam delles gouuir nem vsar, nem isso mesmo para as ditas pessoas por
razam dos ditos preuilegios, nem os que com elles caualgarem, ou os algumas
partes mandarem , poderem andar em bestas muares, se outro preuilegio para
ysso nom teuerem. E tirados dos ditos preuilegios estes dous casos lhes mandara
o dito chançeller moor dar suas cartas com o trelado dos ditos preuilegios)356.
[dante em a ujlla de santarem xij dias do mes de nouembro Djogo
Gonçalvez a fez anno de nosso Senhor Jesus Cristo de mjl e iiijc L annos.
Do quall preujllegio e liberdades dello o doutor Joham Teixeira do nosso
comselho e nosso chamçeller moor nos pedio por meerçe que lhe mandasemos
dar o trellado delle em pubrica forma em huuma nossa carta para Joham da
roucha morador em a nossa ujlla de setuuall andre annes e esteuam da roucha e

353
Falta em A.
354
Falta em A.
355
Em A.
356
Falta em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 421


José Domingues

Gregorio e caterina da roucha filhos do dito Joham da roucha todos moradores


em a dita vylla de setuuall e esto por serem seus e vjuerem com elle e serem
daquellas pessoas em que se o dito preujllegio entendja. E visto per seu dizer
e pedir lhe mandamos dar o dito preujllegio todo emcorporado em esta nossa
carta assi e pella guisa como em fim do dito liuro terceiro foy th(…) e porem
mandamos a todollos nossos corregedores jujzes e justiças oficiaaes e pessoas
dos nossos regnos que em todo lhes cumpram e goardem o dito preujllegio e
ljberdades delle asy e polla guisa como aquj em esta nossa carta he escripto
e dclarado sem outro nenhuum embargo que lhe sobre ello ponha dada em
nossa cidade de lixboa a xx dias do mes dagosto ElRej o mandou per o dito
chançeller moor que Joham djaz a fez anno de nosso senhor Jesus Cristo de
mjll e iiijc Lxxxbj.]357

4.
Liv. IV – Titulo iiij.
Dos contractos desaforados.

Fontes:
A. 1446, Julho, 28 – Ordenações Afonsinas, Liv. IV, Tít. 7.

[ElRey Dom Affonso Quarto de famosa memoria em seu tempo fez Cortes
geraaes em a villa de Santarem, em as quaees lhe forom requeridas algumas
cousas per seu serviço e bem do povoo segundo cumpridamente he contheudo
em certos capítulos, que pela parte do povoo lhe forom apresentados, antre os
quaees se contem hum capitulo com a resposta a elle dada pelo dito senhor em
esta forma que se segue.
Primeiramente aggravam-se dos prazos desafforados, porque muitos
sem razom e sem direito recebem gram dapno porque logo per elles gaançam
execuçam e nom podem tam asinha desembargar nem poer o seu direito que
ante nom recebam dapno e muitos o leixam ante passar que o virem aa Corte
demandar: porem vos pedem por mercee que mandees que os nom aja hy ou
se os hy ouver mandês que as partes possam poer nas terras o seu direito sobre
elles ou que os juizes das terras defendam aos porteiros que nom obrem pelos
ditos prazos e que ponham aas partes tempo certo a que pareçam perante os
vossos ouvidores da nossa portaria.
A este artigo diz ElRey que pois tanto dapno vem delles que os nom aja
hy daqui em diante e manda que os nom façam e se os alguem fezer que nom
valham mais que outro prazo feito simpresmente.

357
Em A.

422 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

1
O qual artigo visto per nos com a reposta a elle dada, dizemos que de
seer declarado em esta guisa, a saber, que]358 *Se alguma pessoa em qualquer
contracto*359 prometer dar ou fazer alguma cousa, ou pagar alguma quantidade
ou qualquer outra cousa a tempo çerto, sob çerta pena, e nom a dando, fazendo, ou
pagando ao dito tenpo, que logo seja feita execuçam em seos beens, sem elle mais
ser *citado*360 nem ouuido com seu direito (Mandamos que)361 tal desaforamento
nom valha cousa alguma, *posto*362 que logo assi (a tal conuença)363 seja julgada
per sentença, porque sem embargo de tal contracto e sentença mandamos que se
nom faça execuçam por ella a menos de esse condenado ser chamado e ouuido
com seu direito sobre essa execuçam [e assy declaramos o dito artigo seer
entendido]364.
2
Pero esto nom auera lugar quando alguum prometer em algum contracto
pagar ou responder em (alguum)365 lugar que nom seja de seu foro, ou renunciar
qualquer preuilegio de foro que lhe seja [outorgado]366 geral ou *especialmente
conçedido*367 ou de espaço ou outro qualquer preuilegio geral ou especial,
Porque nestes casos queremos que se guarde o directo comuum e o que per
*nossas ordenações he determinado*368 [porque ouvemos per certa informaçom
que assy foi sempre geeralmente usado em estes regnos]369.

5.
Liv. V – Titulo xlviij.
Do regimento dos alcaides das sacas sobre a passagem dos gados e outras cousas
defesas para fora do regno370

Fontes:
A. 1503, Abril, 20 – Regimento do passar do gado.
[IAN/TT – Corpo Cronológico, Parte III, maço 2, doc. 29]
[Regimento dos Oficiais das cidades, villas e lugares destes Reinos, fls. 81-91v] ☑
B. 1503, Maio, 24 – Ordenação das coisas que são defesas de levar para fora
do reino.

358
Em A.
359
“se em algum contrauto alguem”, em A.
360
“chamdo”, em A.
361
Falta em A.
362
“ainda”, em A.
363
Falta em A.
364
Em A.
365
Falta em A.
366
Em A.
367
“especial”, em A.
368
“hordenaçõoes do regno sobre ello feitas”, em A.
369
Em A.
370
“Titollo do regimento que el Rey fez nonamente(sic) sobre ho passar do gaado e as outras cousas
defesas pera fora do regno”, em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 423


José Domingues

[IAN/TT – Corpo Cronológico, Parte II, maço 7, doc. 119]

|A| [Nos el Rey fazemos saber a quantos este nosso aluará de regimento
virem feito e dado pera remedio dos gaados que se passam para fora de nossos
regnos que veendo nos o grande danno que se segue a nossos regnos por a
passagem dos ditos gaados fomos enformado que se passam muy disolutamente
e sem reçeo das penas sobre ello ordenadas querendo remedialo, Ordenamos
que os alcaides das sacas majores e pequenos dos ditos nossos regnos e
assi todas as outras justiças ofiçiaaes e pessoas neste regimento conthiudos
e decrarados tenham daqui adiante a maneyra abaixo decrarada açerca do
remedio da passageem dos ditos gaados e dem em todo e per todo a execuçam
as penas aqui conthiudas segundo per cada capitolo o decraramos ordenamos
e mandamos.]371
(Os alcaides das sacas ham de ser postos per nossas cartas em os lugares
do estremo e nom em outros que som dentro do regno. Aos quaes mandamos
que com muyta diligencia e fieldade seruam os ditos oficios, e cumpram todas
as cousas adiante declaradas)372.
[Capitulo primeiro das deuassas que se ham de tirar em cada huum
anno.]373
|A|1 (E pera que os ditos alcaides possam saber as pessoas que deuem
acusar)374 [ordenamos e]375 Mandamos a todollos juizes das villas e lugares
[das comarcas]376 de todo o regno [que ora sam e ao diante forem]377 que nas
deuassas que em cada huum anno mandamos tirar sobre os juizes e oficiaes
[que acabam de seruir seu anno]378, perguntem se sabem algumas pessoas que
passarom gado ou outras cousas defesas para fora de nossos regnos. E este
capitulo perguntaram sob as penas da nossa ordenaçam postas aos que nom
perguntam todollos capitulos das ditas deuassas quando as assi tiram E se pollas
taes deuassas acharem algumas pessoas culpadas prendelas ham, nom sendo
porem fidalgos nem caualleiros, porque das taes pessoas [queremos que]379 nollo
faram saber como as assi acham culpadas, para lhe mandarmos a maneira que
com ellas se tenha. E alem desto daram os ditos juizes em rol aos alcaides das
sacas da comarca donde forem os culpados per as ditas deuassas para os auerem
de acusar segundo forma *deste regimento*380.

371
Em A
372
Falta em A.
373
Em A.
374
Falta em A.
375
Em A.
376
Em A.
377
Em A.
378
Em A.
379
Em A.
380
“do que por este regimento mandamos”, em A.

424 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

[Capitulo que os juyzes deem aos alcaydes das sacas em rol os culpados
nas deuassas.]381
|A|2 Item, mandamos aos alcaydes das sacas que requeiram aos juizes das
villas e lugares da sua comarca, que mandem aos taballiães dos lugares donde
assi forem juizes que lhes dem em rol por elles assinado todos os passadores
que acharem culpados nas deuassas inquirições e autos que teuerem para os
acusarem segundo forma do que por este regimento ordenamos da maneira que
nisso ajam de teer.
[Capitulo que os culpados respondam aas acusaçõoes nos lugares per
onde passaram posto que em outro viriam(sic)]382
|A|3 Item, queremos [e mandamos]383 que os culpados nas ditas deuassas
e inquirições que sobre os passadores asi se tirarem venham responder aas
acusações que por elas lhe fizerem perante os juizes dos lugares perque asi
passarem as ditas cousas defesas posto que nelles nom viuam e morem em outras
villas e lugares por alongados que sejam daquelles per que assi passaram as ditas
cousas defesas. [porque assi nos praz e anemos(sic) por bem]384

[Capitulo da maneira em que os alcaides das sacas ham de demandar os


culpados.]385
|A|4 *Outrosy*386 ordenamos que tanto que assi forem presos os culpados
na pasajem das ditas cousas defesas sejam demandados pollos ditos alcaides das
sacas judicialmente fazendo petiçam contra elles, declarando em ella as culpas em
que pellas ditas inquirições for cada huum achado, pedindo aos juizes das villas
e lugares perante quem assi forem demandados que os condanem nas penas em
que encorreram, segundo nossass ordenações e regimentos sobre ello feitos. E
os ditos juizes ouuindo as ditas partes com elles ditos alcaides, e reçebendolhes
sua defesa que de direito seja de reçeber, proçederam pellos feitos dos taes em
diante, aos quaes os ditos alcaydes das sacas daram suas prouas. a saber. as ditas
inquirições, e qualquer outra proua que com ellas mais teuerem E os ditos juizes
seguiram os termos ordenados, reçebendo aas partes suas contraditas. a saber.
aquellas que forem pera reçeber segundo ordem de juizo, e sobre todo daram
suas sentenças como lhes pareçer direito e justiça. E qualquer das partes que
for condenada podera apellar se quiser da sentença que os ditos juizes derem.
*E os ditos juízes*387 lha reçebam e lha dem para o juiz de nossos feitos para as
despachar como for direito e justiça. E se a sentença for dada em fauor da parte

381
Em A.
382
Em A.
383
Em A.
384
Em A.
385
Em A.
386
“Item”, em A.
387
“E mandamos aos ditos juizes que”, em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 425


José Domingues

e quiser estar per ella, em tal caso apellara o tal juiz ou juizes por nossa parte.
E qualquer das ditas apellações vijram ao dito juiz de nossos feitos para ver e
despachar como dito he.

[Capitulo do gaado que o estrangeiro que nestes regnos viuer podera


comprar pera sua lauoira, e a maneira em que ho podera fazer.]388
|A|5 Item, auemos por bem [e mandamos]389 que qualquer estrangeiro que
nestes regnos viuer possa comprar aquelle gaado que para sua lauoira lhe seja
neçessario, e mais nom, o qual podera comprar no lugar onde viuer e nom em
outro, posto que nom tenha carta de vezinhança, e esto depois de passado huum
anno de viuenda no tal lugar com sua molher e casa, e antes de passado o dito
anno o nom podera comprar. E qualquer que o contrairo fizer e lhe for prouado,
queremos que encorra na pena que encorre e que he posta aos passadores.

[Capitulo que fala da maneira que se ha de teer com os gaados que vem a
pastar de castella a estes regnos como ham de ser vistos e contados.]390
|A|6 *Outrosy*391 [Queremos e]392 mandamos que nenhuuns gaados que
de castella vierem pastar a estes nossos regnos nom andem pastando a menos
de çinco legoas a dentro do dito estremo. E se menos quiserem andar, que os
mayoraes e pastores deem fiança segura e abastante aos juizes do lugar mais
chegado aos termos donde pastarem, a qual ficara assentada na camara do dito
lugar, pella qual fiquem obrigados a nom passarem e nom sayrem com os ditos
gaados fora de nossos regnos sem serem vistos e contados perante o nosso alcaide
das sacas da comarca onde andarem pello contador dos ditos gados estando
hy, e se nom esteuer hy, perante o portageiro, e estando todos no lugar, farsea
perante todos querendo o dito portageiro hy estar. E *esta*393 maneira se tera assi
na entrada como na sayda do dito gaado, a qual sayda sera pello mesmo porto
(per)394 onde entrarem. E fazendo o contrairo disto os ditos maioraes e pastores
[queremos e mandamos que]395 percam todos seos gaados e sejam presos e ajam
a pena [que ordenada for aos]396 dos passadores [de cousas defesas destes nosos
regnos pera outros]397.

388
Em A.
389
Em A.
390
Em A.
391
“Item”, em A.
392
Em A.
393
“essa”, em A.
394
Falta em A.
395
Em A.
396
Em A.
397
Em A.

426 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

[Capitulo da maneira que ham de seer contados e registados os ditos


gaados que de castella vierem pastar ao regno, e a pena auera quem tirar mais
do que meter.]398
|A|7 Item, mandamos que ao tempo da entrada dos pastores e gaados dos
regnos de castella para os nossos, e assi dos nossos para os de castella sejam
pollos nossos alcaydes das sacas da comarca per onde entrarem e pollos ditos
oficiaes contados como dito he, e escriptos per o escriuam em seu liuro do registo
muy verdadeiramente pollo meudo e *conto da*399 boa declaraçam. a saber. de
quanto o gaado he, e cujo he e de que lugares, pera da tornada pello dito registo
se ver, se cada huum mete ou tira mais ou menos do que foy contado e registado,
em maneira que pella boa conta que disso se tomar se faça todo boom recado, e se
nom possa tirar mais daquillo que no regno entrou aos ditos pastos. E quando se
achasse que mais leuauam daquillo que meteram perdersea, e alem disso aueram
as penas que som dadas aos proprios passadores.

[Capitulo per que el Rey manda que o dizimo dos gaados que de castella
vierem pastar a estes regnos se pague em proprio gaado e nom a dinheiro.]400
|A| 8 *E*401 porque quando alguuns gados vem a pastar a estes nossos
regnos e nelles fazem suas *parições*402, seos donos delles ou os pastores que
taes gaados trazem paguam o dizimo das crianças que assi ca naçem a dinheiro e
nom em propios gaados. Auemos por bem [e mandamos]403 que os dizimos dos
ditos gaados que assi ca naçerem se paguem em proprio gaado e nom a dinheiro,
sob pena daquelles que os ditos dizimos a dinheiro reçeberem perderem o dito
dinheiro que assi reçeberem em tres dobro, das quaes penas auera a metade
quem os acusar, e a outra metade a nossa camara.

[Capitulo como cada villa ou lugar que seja porto ordenado aja hy contador
e escriuam dos gaados e mantijmento que ham dauer.]404
|A|9 *Outrosy*405 ordenamos que em cada villa ou lugar do estremo que
seja porto ordenado aja contador dos gaados e escriuam, os quaaes seram dados
per nossas cartas. E auera por seu trabalho tanto huum como o outro a custa dos
donos dos gaados que assi contarem, assi da entrada como da sayda de nossos
regnos. a saber. de cada çento de carneiros e de ouelhas e de qualquer outro
gado meudo leuaram quatro reaes, e per este respecto do mais e do menos. E

398
Em A.
399
“com toda”, em A. Embora com dúvidas, parece-me que o impressor das Ordenações terá cometido
um erro.
400
Em A.
401
“Item”, em A.
402
“partições”, em A
403
Em A.
404
Em A.
405
“Item”, em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 427


José Domingues

do gado vacuum de cada çento leuaram dez reaes, e assi por este respeito do
mais e do menos. E nom auera mais lugar o outro mantijmento que a estes
oficios antijgamente era ordenado, e soomente *aueram*406 seos salayros por esta
maneyra que agora ordenamos.

[Capitulo da maneira que o dito contador e scriuam ha de teer no contar


do dito gaado.]407
|A|10 Item, os ditos contador e escriuam dos gados contaram e
*escreueram*408 todollos boys que pollo lugar do porto onde forem oficiaes
entrarem dos regnos de castella para estes nossos com carretas. a saber. quantos
som, e de que synaes e cores, e cujos som e de que lugares, e com toda outra
boa declaraçam para se saber e veer ao tempo da tornada delles, se tiram ou
leuam mais dos que meteram. E os que assi os nom escreuerem, ou *leuarem*409
mais do que trouueram, por cada huma destas cousas sejam perdidos. E assi se
entenda ysto naquelles que de nossos regnos entrarem para castella com carretas
E isto somente se entendera nos lugares dos ditos portos em que assi ysto ham de
proueer e veer os ditos oficiaes.
|A|11 E o dito contador e escriuam pella conta e escriptura que fizerem dos
ditos boys de carretas na maneira que dito he, leuaram de cada çento de boys
outros dez reaaes como do outro gado que entrar a pastar. E assi estes seram
obrigados a tornar per onde entraram, e ficaram escritos na maneira que com
o outro gado se ha de fazer. Pero declaramos que se per outro alguum porto
quiserem tornar por lhes vijr melhor o poderam fazer, tomando porem para ysso
aluaraes de guysa, em que declarem quantos boys meteram, para outros tantos
poderem tirar e mais nom, assi como se faz com os cauallos. E nom o fazendo
assy encorram aquelles que ho contrairo fizerem na pena dos passadores [como
he decrarado nas ordenaçõoes e capitollos de cortes sobre ysso feytas]410.

[Capitulo como os alcaydesdas sacas requeiram as justiças quando per si


nom poderem resistir ao que conuier e que as justiças façam ho que lhe por
elles for requerido]411
|A|12 *Outrosy*412 [Ordenamos e mandamos que]413 se alguuns passadores,
ou outras pessoas passarem destes nossos regnos para fora delles algumas cousas
defesas, aos quaes os ditos nossos alcaydes das sacas nom possam resistir por

406
“espediram”, em A.
407
Em A.
408
“sereueram”(sic), em A.
409
“meterem”, em A.
410
Em A.
411
Em A.
412
“Item”, em A.
413
Em A.

428 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

sy mesmos para os prenderem e lhes tomarem as ditas cousas defesas que assi
passarem segundo forma de nosso regimento e ordenações sobre o tal caso feytas.
Mandamos aos corregedores das comarcas onde o tal aconteçer, e a todallas
outras nossas justiças e oficiaes e pessoas a que pertençer, e a que pellos [ditos]414
alcaidas(sic) for requerido, que logo com grande diligencia mandem com elles e
vam em pessoa a se cumprir assi para a prisam dos taes e tomadia do que assi
passarem e leuarem defeso, como para qualquer outra cousa que para bõa execuçam
do que mandamos sobre este caso lhes os ditos alcaides das sacas da nossa parte
e por nosso seruiço requererem, e o façam inteiramente e com grande cuydado e
diligencia por ser cousa que tanto cumpre a nosso seruiço se proueer E qualquer
dos sobreditos que [ho]415 nom comprir ou nysso poser tam maa diligencia que por
sua mingua deyxemos de ser seruido. Auemos por bem que encorra em pena de
çinquoenta cruzados douro pera os ditos alcaides das sacas ou oficial dellas que
tal requerimento lhe fizer. E aleem da dita pena [nos]416 lhe darmos qualquer outra
que nos bem pareçer. E para podermos ser çerto do que nisto se faz e mandarmos
todo dar a execuçam, os ditos alcaydes das sacas tomaram estromentos publicos de
como assi o dito requerimento fezeram aas ditas justiças quaes quer que forem, e
de como foram a isso negligentes para por elles proueermos como nos bem pareçer
açerca da execuçam das ditas penas. E [Pero decraramos que]417 esta pena se nom
entenda nos alcaydes moores nem corregedores, porque açerca destes proueremos
como for nossa merçe quando forem culpados, o que delles nom esperamos. E
encomendamos lhes que para prouisam dos semelhantes casos deem aos ditos
alcaides das sacas todo fauor e ajuda que poderem e de como o elles fezerem, nolo
faram os ditos alcaides saber para aos que nysso nos nom seruirem bem, darmos
aquelle castigo que for nossa merçee.

[Capitulo da parte que elRey daa aos que descobrirem cousas defesas]418
|A|12a [Item. Porque a çerca destas cousas seja melhor proueido e os
homens com melhor vontade folguem de nisso entender, praz nos por este
capitulo que qualquer pessoa que descobrir aos nosos alcaides das sacas onde
estam algumas cousas defesas para passarem para fora de nossos regnos sem
nossa liçença, E seendo achadas per seu descobrimento e ordem que para ysso
deer, ajam os taaes que o assi descobrirem a terça parte de todo o que assi
per seu descobrimento for achado e tomado, seendo porem as ditas cousas
tomadas naquelles lugares em que por nosas ordenações e regimentos se
deuem perder]419

414
Em A.
415
Em A.
416
Em A.
417
Em A.
418
Em A.
419
Em A. Este parágrafo passou para o título ”que nom levem pera fora do regno pam nem farinha nem

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 429


José Domingues

[Capitulo das pessoas que poderam tomar as cousas defesas que se


passarem como se propios alcaides das sacas fossem]420
|A|12b [Item. Alem de que assi por este capitolo outargamos(sic), nos praz
mais que os alcaides moores dos castellos corregedores juizes merinhos(sic)
alcaides pequenos, e todas outras pesoas de qualquer sorte que sejam posam
tomar e mandar tomar os gaados e quaesquer outras cousas defesas que se
pasarem para fora de nosos regnos sem nossa liçença, assi como se proprios
alcaides das sacas fosem E do que asy tomarem e mandarem tomar ajam a
meetade, e a outra para nosa camara, tomando porem as taaes cousas naquella
maneira e nos lugares em que por bem dos ditos nosos regimentos e ordenações
as taes cousas se deuem perder. E mandamos aos ditos nosos alcaides das sacas
que lhe nom ponham a yso embargo alguum, porque asy nos praz por melhor
se remediar o danno que nisto se faz.]421

[Capitulo da maneira em que el Rey ordena que os carniceiros e pesoas


obrigadas a talhar carnes em algumas çidades villas e lugares do regno, e asy os
que compram per cartas de vezinhanças tenham na compra nos ditos gaados e a
pena que aueram nom guardando o que o dito senhor nisso manda]422
|A|13 *E*423 por que fomos enformado que nas compras que se fazem assi
pollos carniçeiros amostrando cartas dobrigações como per os que compram
per cartas de vezinhanças, dizendo que som para suas lauoyras e criações, se
fazem muytos conluyos, onde se segue grande deuassidam e dano aa tirada do
gado de nossos regnos, querendo nysso remediar, Ordenamos que daqui por
diante se tenha nisso a maneira abaixo declarada. a saber. Todo carniçeiro ou
pessoa obrigada a cortar em cada huum dos lugares de nossos regnos, quando
quiser hir comprar gaado para auer de comprir suas obrigações, pedira carta de
çertidam de sua obrigaçam *dos*424 oficiaaes da çidade ou villa em que assi for
obrigado e por elles lhe sera passada, feita per o escriuam da camara e assynada
por elles todos em que declarem a *forma*425 de tal obrigaçam, e assi o anno em
que a hade cumprir E os ditos oficiaes seram auisados que a tal çertidam lhe
nom dem soomente daquella soma de gado que o tal obrigado teuer por cumprir
ao tempo em que assi a dita çertidam lhe for dada. E quando assi lha derem ser
lhe ha por elles dado juramento dos euangelhos que decrare se tem ja auido e

gaados nem ouro nem prata nem cauallos nem armas nem vam fazer nem vender carauellas fora do regno
(OM, V, 45, § 8).
420
Em A.
421
Em A. Este parágrafo passou para o título ”que nom levem pera fora do regno pam nem farinha nem
gaados nem ouro nem prata nem cauallos nem armas nem vam fazer nem vender carauellas fora do regno
(OM, V, 45, § 9).
422
Em A.
423
“Item”, em A.
424
“aos”, em A.
425
“soma”, em A.

430 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

comprado alguum gaado para ajudar a comprir com o que ajnda lhe faleçer da
obrigaçam que ao tal tempo teuer por que della lhe seja descontado e se lhe nom
dee, saluo daquello que verdadeiramente lhe faleçer para auer de cumprir sua
enteyra obrigaçam. E a sobredita çertidam se lhe passara na maneira que dito he,
em huma folha de papel enteira pera no que em limpo ficar se auerem de poer as
diligencias que abaixo seram declaradas que mandamos que na sobredita carta de
çertidam se ponha. E despois que o tal carniçeiro ou obrigado [ha]426 tal çertidam
teuer hindo aaquelle lugar em que gaado queira comprar ha apresentara aos
oficiaes da camara *delle*427 em camara, e por elles lhe sera dito que vaa buscar
ho gado que achar no termo do dito lugar, que lhe queiram vender, e traga em
rol as pessoas que lho vendem, e quanto cada huma. E trazendo o tal rol aos
ditos oficiaes elles lhe passaram seu assynado abixo da çertidam que assy leua
do lugar onde som obrigados. Pello qual lhe daram lugar que elle possa comprar
o sobredito gado contheudo no dito rol, declarando lhe as pessoas, e quanto de
cada huma no mesmo mandado que lhe por elles ha de ser dado, o qual sera feito
pello escriuam da camara ou taballiam publico, quando o escriuam da camara hy
nom esteuer. E por esta mesma maneira o fara em cada lugar que for apresentado
a çertidam do gado que ha de comprar, e assi do que ja tem comprado, auendo
as licenças para as taes compras fazer na maneira sobredita, e ysto atee encher
a copia da çertidom que leua do lugar em que fica obrigado do gado que ha de
comprar. E *se o*428 tal carniçeiro e obrigado comprar alguum gado que sem
primeiro fazer as taaes diligencias, ou cada huma dellas, encorrera em pena de
pagar anoueado todo o gado que assi comprar. E *posto*429 que faça todas as
sobreditas diligencias, se comprar mais que a soma da dita çertidom do que ha de
comprar, ou comprando mais em cada lugar (ou doutras pessoas)430 do que lhe
he *concedido*431 pellos oficiaes, posto que da soma principal nom passe, pagara
isso mesmo anoueado o que assi comprar aleem dos ditos mandados e çertidam
E no caso em que o comprador perder o gado que comprar anoueado. a saber.
por comprar a pessoas que lhe nom *seram*432 nomeadas pella çertidom que das
camaras ha de leuar, as taaes pessoas que assi lhe venderem que forem fora da
dita çertidom e rol que dos oficiaes da camara ham de leuar perderam o preço
que valer o gado que lhe assi venderem sem mais outra nouea.
|A|14 E quanto aos que com cartas de vezinhanças forem comprar para suas
criações ou lauoiras teersea a maneira sobredita, que mandamos que se tenha
com os carniçeiros dos gados. a saber. da presentarem as cartas na camara, e nom

426
Em A.
427
“della”, em A.
428
“sendo caso que o”, em A.
429
“sendo caso”, Em A.
430
Falta em A.
431
“dado lugar”, em A.
432
“sejam”, em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 431


José Domingues

poderam comprar saluo aquella soma de gado e aaquellas pessoas que pellos
oficiaes lhe for *concedido*433, o que ysso mesmo se poera abaixo da çertidom,
ou nas costas da carta da vezinhança, como mandamos que se faça nos ditos
carniçeiros obrigados. E antes do tal mandado [se lhe dar]434 se dara juramento
(dos euangelhos)435 ao que tal carta de vezinhança leuar se teem neçessidade
do dito gado ou he para elle, e sem primeiro lhe ser dado o dito juramento (dos
euangelhos)436 se lhe nom dara lugar para o comprar. E comprando alguum gado
nom guardando primeiro o modo sobredito, encorra em pena de pagar anoueado
todo o que comprar, e o vendedor perdera soomente o preço que ouue pollo gado
que lhe assi vendeo. E se caso for que alguum morador dalguum lugar queira
leuar a vender gado seu aa [esta]437 çidade de lyxboa, ou a nossa corte, ou para
cada huum destes lugares o trazer, ho quiser comprar no lugar onde viuer faloa
saber no lugar de que assi for aos juizes e oficiaes delle em camara, e se obrigara
a çerto tempo mostrar çertidom dos oficiaes da camara da dita çidade ou do
nosso almotaçe moor quando vier a nossa corte, nom estando nos na dita çidade,
de como talhou ou vendeo em nossa corte ou na dita çidade. E nom a leuando
ao tempo em que ficar obrigado encorra nas penas que encorrem os passadores.
*Empero*438 o que ouuer de comprar pera assi trazer a nossa corte e a lyxbõa,
auera çertidom dos oficiaes da camara do lugar onde comprar, naquella maneira
que se ha de dar aos carniçeiros obrigados e aos das cartas de vezinhança, e sem
ella o nom podera fazer sob as penas postas aos sobreditos carniçeiros obrigados
e aos das cartas das vezinhanças.
|A|15 E a metade de todas estas penas assi dos carniçeiros obrigados como
daquelles que com cartas de vezinhanças comprarem ou sem ellas, sera para
quem o acusar, e a outra metade para nossa camara.
|A|16 E mandamos aos alcaides das sacas, corregedores, meirinhos de
correições e ouuidores, que sempre trabalhem de saber se se guarda este nosso
capitulo como nelle he contheudo, assi açerca dos compradores como dos
vendedores, e façam dar a execuçam as penas nelle contheudas nos culpados
[que açerca disto acharem]439. E esto sem embargo da pessoa que em cada huum
anno de nossa corte ha de hyr a fazer correiçam per nossos regnos sobre este caso.

[Capitulo que se nom paguem as soldadas dos pastores castelhanos saluo a


dinheiro e nom em gaado]440

433
“dado lugar”, em A.
434
Em A.
435
Falta em A.
436
Falta em A.
437
Em A.
438
“E pera”, em A.
439
Em A.
440
Em A.

432 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

|A|17 *E*441 defendemos e mandamos que daqui em diante nenhumas


pessoas de qualquer condiçom e qualidade que sejam, nom paguem a nenhuuns
pastores castelhanos que a estes regnos vierem ganhar suas vidas em gados suas
soldadas, e soomente lhas pagaram a dinheiro, porque somos enformado que
com o gado que leuam das ditas soldadas, por dizerem que o ganharam nellas
passam outro muyto mais. Sob pena que qualquer pastor que sua soldada reçeber
no dito gado ho perder, posto que o nom passe, e quem lho pagar outro tanto, a
metade para quem ho acusar, e a outra pera a nossa camara.

[Capitulo da ordenaçam geeral da defesa dos mantijmentos e cousas que


som vedadas que se nom passem pera fora do regno por mar nem por terra]442
|B/A|17a[Dom Manuel etc. a quantos esta nosa carta dordenaçom virem
fazemos saber que seemdo nos em emformado como]443
[(Item veendo nos como)444 sem embargo de pellos reys [pasados]445 nossos
atecessores sempre foy defeso (com graues penas)446, que destes [nosos]447 regnos
se nom tirasse pam, nem farinha, nem gaados pera fora delles, muytos se atreuem
ao fazer nom reçeando as (ditas)448 penas [das ordenações sobre ello feitas por
serem pequenas o tiram]449, de que se segue (muy grande)450 dano a nossos
*regnos*451, por causa de os mantijmentos se aleuantarem em (muy)452 majores
preços do que seria se para fora leuado nom fossem. E vendo (ysso mesmo)453
como *hy causa beento*454 nosso senhor (de nestes regnos se auer mester de
guastar mais mantijmentos que em outros tempos, pellos descobrimentos)455 das
jndias e *outras*456 terras e ylhas *que*457 nouamente som descubertas *e cada dia
se descubrem a que mandamos nossas gentes e armadas. Querendo proueer ao
danno que nisso se faz e dar mais çerto remedio*458. Determinamos e (mandamos

441
“Item”, em A.
442
Em A.
443
Em B.
444
Falta em B.
445
Em B.
446
Falta em B.
447
Em B.
448
Falta em B.
449
Em B.
450
Falta em B.
451
“pouos”, em B.
452
Falta em B.
453
Falta em B.
454
“louuado”, em B.
455
Falta em B.
456
“com as mujtas”, em B.
457
“ora”, em B.
458
“per nossos naturaes para as quaaes por nosso mandado navegam e am de nauegar mujtas nãos e
navios para que foi neçessarjo aver(?) no dito Regno mujtos mantymentos o que ajudarja a se majs
encarçeerem se a yso nom prouesemos”, em B.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 433


José Domingues

por este capitulo que pera ello espeçialmente fazemos)459 que daqui em diante
nenhuma pessoa de qualquer estado e condiçam que seja, nom tire nem mande
tirar per sy nem per outrem destes nossos regnos e senhorios pera fora delles, per
mar nem por terra sem nossa liçença nenhuuns gados, nem trigos, nem farinha,
çeuada milho, nem outro pam de qualquer natura que seja E quem quer que o
contrairo fezer [auemos por bem que]460 encorra em perdimento de todos seus
bems e fazenda, a metade pera quem ho acusar, e a outra (metade)461 pera nossa
camara. E aalem dello seja degradado pera todo sempre pera a nossa ylha de
sam thome. (Resaluando porem alcaides moores de fortalezas e fidalgos, que
auemos por bem que soomente paguem anoueado o que assy das ditas cousas
passarem ou mandarem passar. E sejam degradados dous annos pera nossa
çidade de çepta)462. E *nas ditas*463 penas (de perdimento de fazendas e degredos
pera a dita ylha)464, queremos e mandamos que emcorram quaesquer juyzes [e
justiças]465 e alcaydes das sacas, ou outros quaes quer nossos ofiçiaaes que a esto
derem consentimento, fauor e ajuda, ou [sabendoo]466 o nom defenderem nem
contradisserem a tirada (e leuada)467 das ditas *cousas*468, posto que ao tirar dellas
outro consentimento nom deem. E bem assy quaaes quer meestres ou senhorios
de nauios que semelhante pam e gaado leuarem sem nossa licença.
E se algumas pessoas ouuerem de nos a dita liçença para tirarem algum
gaado ou pam para fora, queremos que aquelles a que a concedermos, alem da
dizima que (das taaes liçenças)469 em nosa chançallaria per *regra della*470 ham de
pagar, paguem (mais)471 outra dizima para a rendiçam dos catiuos daquello que
se montar no que per tal liçença ouuer de passar. E os taaes aluaraes ou cartas
de liçença (que assi outorgamos)472 queremos e (mandamos)473 que se nom façam
sem primeiro verem çertidom do thesoureiro ou reçebedor da [dita]474 rendiçam
(dos catiuos)475 feita per seu scriuam (e asynada per ambos)476 de como assi

459
Falta em B e no título 45 das OM.
460
Em A e B, mas falta no título 45 das OM.
461
Falta em A e B, consta no título 45 das OM.
462
Falta em B. Mas em nota marginal consta “alcaides mores fidallguos pagaram anoueado e a pena
(…) dous anos [para] cepta”.
463
“nesas mesmas”, em B.
464
Falta em B.
465
Em B.
466
Falta em A e B, mas consta no título 45 das OM.
467
Falta em B.
468
“pam e gaados”, em B.
469
Falta em B.
470
“nosa ordenanaça antigua”, em B.
471
Falta em B.
472
Falta em B.
473
Falta em B.
474
Em B.
475
Falta em B.
476
Falta em B.

434 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

pagarom a dita dizima, e fica (sobre o dito thesoureiro ou reçebedor)477 carregada


em reçepta E seendo feito o tal aluara ou liçença sem *nelle ser decrarado como
asi pagou a dita dizima*478, mandamos que se nom guarde nem aja efeto alguum.
Outro sy porque fomos enformado que algumas pessoas tiram o dito pam
pellos portos do mar de nossos regnos, dizendo que o leuam a ilha de madeira e
lugares dalem [e outras partes de nossos regnos e senhorios os quaaes o leuam
para outros regnos ou lugares]479 onde sabem que teem valia, o que assi fazem
por lhe dello despois nom seer tomada conta, nem seerem obrigados trazer
recadaçam dos lugares para onde dizem que o querem leuar. Querendo remediar
*este engano*480, auemos por bem (e mandamos)481 que daqui em diante quaes
quer pessoas que quiserem tirar o dito pam per qualquer porto do mar dos
ditos nossos regnos para outros lugares delles ou de nossos senhorios ante que
carreguem deem fiança abastante em camara aos juyzes e ofiçiaaes do lugar onde
o tal pam careguarem, que a huum çerto tempo conuinhauel que lhe per elles
sera assinado, olhando a distancia do caminho e disposiçam do tempo, traram
çertidom autentica dos juizes e ofiçiaaes do lugar onde o tal pam leuarem de
como hi he descarregado, e da soma delle. E qualquer pessoa que carreguar o
dito pam sem dar a dita fiança, ou dandoa nom trouxer a dita çertidom ao tempo
que lhe foy assinado que ho trouxesse, nom seemdo impidido por alguum caso
fortuito (e que conheçidamente por tal seja aujdo)482, [avemos por bem que]483
encorra nas penas sobreditas em que encorrem aquelles que o dicto pam leuam
fora de [ditos]484 nossos regnos sem nossa licença. (E assi mandamos que em todo
se cumpra e guarde este capitulo)485] 486.
[E porem mandamos a todollos nosos corregedores juizes e justiças ofyciaaes
e pesoas de nosos Regnos que asy a cumpram e guardem e façam comprir e
guardar sem duuijda nem embarguo que a ello ponham e ao nosso chamçeler
mor que a faça publicar per todos nossos Regnos e lugares e asentar em os liuros
da nosa chamcelaria para que a todos venha em notycia / dada em lixboa a xxiiij
dias de mayo Thome Lopez a fez anno de mjl e bc iij.]487

477
Falta em B.
478
“a dita certidam”, em B.
479
Em B.
480
“como semelhante engano se não faça”, em B.
481
Falta em B.
482
Falta em B.
483
Em B.
484
Em B.
485
Falta em B e no título 45 das OM.
486
Em A e B. Este parágrafo passou para o título ”que nom levem pera fora do regno pam nem farinha
nem gaados nem ouro nem prata nem cauallos nem armas nem vam fazer nem vender carauellas fora do
regno (OM, V, 45, §§ 1-3). A fonte deste parágrafo é a ordenação de 24 de Maio de 1503 [IAN/TT –
Colecção Cronológica, Parte 2, Maço 7, doc. 119].
487
Em B.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 435


José Domingues

[Capitulo que el Rey daa poder aos alcaydes moores das sacas que prouejam
sobre os alcaides pequenos e a jurdiçam que nysso lhe daa.]488
|A|18 *E*489 per este presente capitulo deste nosso regimento damos poder
aos alcaides moores das sacas das comarcas onde os ouuer, que elles peruejam
sobre os alcaides pequenos dellas, e tenham muy grande cuydado de saber
se seruem seos oficios como deuem e compre por nosso seruiço e guardam e
cumprem em todo este nosso regimento. E achando que alguum ou alguuns
delles o nom fazem assi verdadeiramente e bem como som obrigados, os possam
sospender de seos oficios. E se forem caualeiros os prender sobre suas menagens
quando suas culpas e a qualidade dellas o requerer. E de hy para baixo sejam
presos em ferros. Os quaes alcaides moores das ditas sacas nos faram logo
saber as culpas e erros em que os acham para mandarmos entender em seos
castigos e se despacharem como for direito. Pero porque aja hy quem serua os
ditos oficios, damos isso mesmo poder aos (ditos)490 alcaides moores das sacas
que com os juyzes e oficiaes da villa ou lugar de que forem os ditos alcaides
sospensos, enlejam pessoas que os ditos oficios seruam que sejam para ello autos
e perteençentes, e que com toda verdade [e boom cuydado]491 o façam em quanto
assi os outros forem sospensos e nos os nom proueermos. E aos que assi poserem
sera dado juramento dos euangelhos que ho façam fielmente e guardem em todo
nossos regimentos.

[Capitulo do que el Rey manda a todas as justiças que cumpram açerca da


eixecuçam deste regimento, e sob que pena.]492
|A|19 Item, mandamos por este capitulo a todollos alcaides moores de
fortalezas, corregedores, ouuidores, juyzes, alcaides pequenos, e outras quaesquer
justiças e oficiaes e pessoas de qualquer qualidade que sejam que nom vam
contra as cousas deste nosso regimento, antes em todo o cumpram e guardem e
façam cumprir e guardar como nelle he contheudo sob pena de qualquer que o
contrairo fizer encorrer em pena de çinquoenta cruzados douro, a metade para a
nossa camara, e a outra para quem o acusar, e mais seram emprazados que a hum
çerto tempo que lhe os ditos alcaides moores das ditas sacas assinaram, pareçam
em nossa corte perante nos a dar razam porque o nom cumpriram e do dito
emprazamento e dia do apareçer nos faram çerto os ditos alcaides moores das
sacas per auto publico para dello sermos çerto. E mandamos *isso*493 mesmo a
todos os taballiães que façam as escripturas e emprazamentos e autos que pellos
ditos alcaides das sacas for requerido por nosso seruiço, de graça e sem por

488
Em A.
489
“Item”, em A.
490
Falta em A.
491
Em A.
492
Em A.
493
“assi”, em A.

436 Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010)


A última reforma do direito medieval português, pp. 359-437

ello leuarem nenhuum dinheiro nem outro interesse, sob pena de perdimento
dos oficios, de que faremos merçe a quem nossa merçe for20¶ (E defendemos
aos ditos alcaides das sacas que nom façam auenças com os conçelhos sobre as
passagens dos gados, nem dem lugar aos rendeiros que as façam. E qualquer
que o contrairo fizer seja preso, e da cadea auera aqnella(sic) pena que nos bem
e direito pareçer.)494
|A|21 Porem mandamos que daqui em diante em todo e per todo se cumpra
e guarde este nosso regimento como nelle he contheudo e decrarado E per outro
alguum se nom vse, saluo per este, porque nom queremos que outro (alguum)495
aja lugar.
|A| [E mandamos que se assentem nos liuros das camaras de cada çidade
villa e lugar porque a todos seja notorio e se nom possa allegar ignorancia. E
os alcaides moores das sacas daram em pubrica forma o trellado deste nosso
regimento aos alcaides pequenos e nom husaram mais dos regimentos que teem,
e soomente o faram por este. E por que mais manifesto possa seer o que agora
ordenamos auemos por bem que todo este regimento seya lijdo e pubricado em
cada camara de cada çidade villa ou lugar, chamados pera ysso homeens boons
e alguuns do pouoo, porque melhor se possa saber e comprir o que por elle
mandamos. Feito em lixboa a .xx. dias dabril. Anno de mil e quinhentos e tres.
E mandamos ao scriuam da camara de cada çidade villa ou lugar que em
cada mes huma vez faça leer e pubricar em camara este regimento sob pena de
perdimento do ofiçio se o assi nom comprir E porque nos mandamos asentar
este regimento nos regimentos nouos que mandamos dar pello regno naquella
çidade villa ou lugar em que for dado, nom seram obrigados ao trelladar em o
liuro da camara como o mandamos porque abasta hyr ja no dito regimento.]496

494
Falta em A.
495
Falta em A.
496
Em A.

Lusíada. Direito. Porto nos. 1 e 2 (2010) 437

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