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1) Os Homens Pintados
Eles mal haviam passado pelo ponto onde a moita ficava mais perto
da antiga trilha, quando o cimério saltou para dentro do caminho
atrás deles e cravou sua faca entre as espáduas do último homem. O
ataque foi tão rápido e inesperado, que o picto não teve chance de se
salvar. A lâmina estava em seu coração, antes dele perceber que
corria perigo. Os outros dois se voltaram com a instantânea rapidez
dos selvagens, mas, mesmo enquanto o seu punhal afundava, o
cimério deu um tremendo golpe com o machado de guerra em sua
mão direita. O segundo picto estava se virando, quando o machado
caiu. Este abriu-lhe o crânio até os dentes.
Com uma praga arfante e desconexa, ele deu meia-volta e fugiu para
oeste. Ele não retomou seu caminho, mas correu com toda a
velocidade de suas longas pernas, apelando para todas as
inesgotáveis reservas de resistência, que são a compensação da
Natureza para uma existência bárbara. Atrás dele, por um espaço de
tempo, a mata estava em silêncio; logo, um uivo demoníaco explodiu
no ponto que havia abandonado recentemente, e ele ficou ciente de
que seus perseguidores encontraram os corpos de suas vítimas. Não
teve fôlego para amaldiçoar as gotas de sangue que ficaram
espalhadas pelo chão, vindas de seu ferimento recém-aberto,
deixando um rastro que até uma criança poderia seguir. Ele pensara
que talvez aqueles três pictos fossem os únicos que ainda o
perseguiam, do bando de guerra que o havia seguido por mais de mil
e seiscentos quilômetros. Mas ele deveria saber que estes lobos
humanos nunca abandonam um rastro de sangue.
Aquela saliência seria um lugar tão bom para morrer quanto qualquer
outro. Subiu manquejando pela trilha, usando mãos e joelhos nos
locais mais íngremes, a faca entre os dentes. Ele ainda não alcançara
a saliência, quando uns quarenta selvagens pintados saíram correndo
entre as árvores, uivando como lobos. Ao verem sua presa, seus
gritos se ergueram a um crescendo diabólico, e correram em direção
ao pé do penhasco, lançando flechas enquanto se aproximavam. As
setas choveram sobre o homem, que escalava obstinadamente, e
uma delas se fincou na barriga de sua perna. Sem interromper sua
subida, ele a puxou e lançou para um lado, sem se importar com os
projéteis menos precisos que se estilhaçavam nas rochas ao seu
redor. Implacavelmente, ele se arrastou para cima da beirada da
saliência e girou ao redor, puxando sua machadinha e erguendo o
punhal na mão. Deitou-se na beirada, olhando ferozmente para seus
perseguidores; somente sua cabeleira emaranhada e olhos ardentes
estavam visíveis. Seu peito ofegava, enquanto sorvia o ar em
grandes e trêmulos ofegos, e ele apertou os dentes ao sentir náusea.
Mas ele não conseguia entender. O que havia lá, ao redor de seu
refúgio, para fazer um bando de guerreiros pictos abandonar uma
perseguição, que eles seguiram tão longe com toda a fúria de lobos
famintos? Ele sabia haver lugares sagrados, pontos situados à parte
como santuários pelos vários clãs, e que um fugitivo, se refugiando
num destes santuários, estava a salvo do clã que o erguera. Mas as
diferentes tribos raramente respeitavam santuários de outras tribos;
e os homens que o perseguiram certamente não tinham pontos
sagrados pertencentes a eles nesta região. Eram homens dos Águias,
cujas aldeias ficavam bem distantes a leste, vizinhas à região dos
pictos Lobos.
Foram os Lobos que o haviam capturado, numa incursão contra os
povoados aquilonianos ao longo do Rio Trovão, e dado-o aos Águias,
em troca de um chefe Lobo capturado. Os Águias tinham uma dívida
de sangue contra o gigante cimério, e agora ela ficou ainda mais
sangrenta, pois sua fuga custara a vida de um notável chefe de
guerra. Foi por isso que eles o haviam seguido tão implacavelmente,
sobre largos rios e colinas, e através de longas léguas de florestas
sombrias, os territórios de caça de tribos hostis. E agora, os
sobreviventes daquela longa perseguição viraram as costas, quando
seu inimigo estava pego na armadilha. Ele sacudiu a cabeça, incapaz
de entender.
Isto era espantoso. Esta região era uma selva uivante. O cimério
sabia que, por mais de mil e seiscentos quilômetros, esta costa
ocidental era nua e inabitada, exceto pelas aldeias das ferozes tribos
do litoral, que eram ainda menos civilizadas que suas irmãs das
florestas.
2) Homens do Mar
- Veja, milady!
- Por que diz isso, menina? Como sabe que meu tio teme alguém?
- O que é? Por que estão nos chamando para dentro? Os pictos estão
chegando?
Numa pequena torre de vigia, no teto da casa feudal, que era feita de
troncos como as outras construções, o Conde Valenso observava o
navio que se aproximava, enquanto este rodeava o ponto do chifre
meridional. O conde era um homem magro, duro e flexível como
arame, de estatura mediana e no final da meia-idade. Era moreno, de
expressão sombria. Os calções e o casaco eram de seda negra; a
única cor ao redor de seus trajes eram as jóias, que brilhavam no
cabo de sua espada, e o manto cor de vinho, lançado
negligentemente sobre o ombro. Torceu nervosamente o fino bigode
preto, e virou os olhos sombrios para seu senescal – um homem de
feições coriáceas, vestido em aço e cetim.
- Ele estava caçoando de você. Os barachos são cruéis, mas não são
piores que os renegados zíngaros, que se autodenominam
bucaneiros. Zingelito foi um bucaneiro no passado.
- Suas flechas nos deixariam crivados, e não somos páreos para eles
na luta corpo-a-corpo. Devemos ficar atrás de nossos muros e confiar
em nossos arqueiros.
- Você não encontrará madeira para fazer manteletes, a não ser que
derrube árvores, ou a arranque de seu próprio navio. – assegurou
sombriamente o conde – E seus homens não são arqueiros barachos;
não são melhores arqueiros que os meus. Além disso, o pouco saque
que você acharia neste castelo não valeria o preço.
- Por que deixei Zingara – ele disse –, é assunto meu. Mas foi o azar
que me deixou encalhado aqui. Eu havia trazido toda a minha gente
para a terra firme, e muitas das mobílias que você mencionou, para
construir habitação temporária. Mas meu navio, ancorado lá fora na
baía, foi lançado contra os rochedos da ponta norte e destroçado por
uma súbita tempestade que veio do oeste. Tais tempestades são
bastante comuns em certas épocas do ano. Depois daquilo, não havia
nada para se fazer, exceto ficar e fazer o melhor que pudesse.
- Não para Kordava. Mas talvez para alguma região distante... para
Vendhya ou Khitai...
- Você não acha este lugar tedioso, milady? – perguntou Zarono, pela
primeira vez se dirigindo diretamente a Belesa.
A ânsia de ver um novo rosto e ouvir uma nova voz havia trazido a
jovem para o grande salão, nesta noite. Mas agora, ela desejaria ter
permanecido no quarto de dormir, com Tina. Era inconfundível o
significado do olhar que Zarono lançou para ela. Sua fala era
decorosa e formal; sua expressão, serena e respeitosa. Mas não
passava de uma máscara, através da qual se vislumbrava o espírito
violento e sinistro do homem. Ele não conseguia afastar o ardente
desejo dos olhos, quando mirava a aristocrática beleza jovem, em
seu vestido de gola baixa e seu cinto cravejado de jóias.
- Uma partilha por igual. – disse Zarono, pondo a mão sobre a mesa,
com os dedos bem abertos. O gesto lembrava curiosamente uma
grande aranha. Mas os dedos palpitavam com uma curiosa tensão, e
os olhos do bucaneiro brilhavam com uma nova luz.
- Quem não ouviu? Foi ele quem assaltou a ilha do castelo do exilado
príncipe Tothmekri, da Stygia, passou as pessoas no fio da espada e
levou o tesouro que o príncipe havia trazido consigo, quando fugira
de Khemi.
“Esta havia sido demolida, e havia rastros de pés nus ao redor dela,
mas nenhum sinal de luta. Nem havia lá qualquer sinal do tesouro,
nem algum indício que mostrasse onde ele estava escondido. Os
piratas mergulharam na floresta para procurarem por seu chefe e os
capitães dele, mas foram atacados pelos selvagens pictos e
mandados de volta ao navio. Desesperadamente, içaram âncora e
fugiram navegando, mas antes que se aproximassem das Barachas,
uma terrível tempestade fez o navio naufragar, e somente um
homem sobreviveu.
“Esta é história do Tesouro de Tranicos, ao qual os homens têm
procurado em vão por quase um século. Sabe-se que o mapa existe,
mas seu paradeiro continua sendo um mistério.
- Você mente! Você mente! Maldita seja, você mente! Admita sua
culpa, ou esfolarei seu corpo teimoso! Ele não pode ter me seguido
aqui...
- Você vai fazer o que eu mandar. – ele logo disse, com não mais
sentimento humano em sua voz do que o bater da pedra no aço. E,
virando-se, ele deixou o quarto. Cega por um súbito ataque de
horror, Belesa caiu desmaiada ao lado da cama onde Tina estava
deitada.
Belesa nunca soube por quanto tempo ficou oprimida e sem sentidos.
Sua primeira percepção foi a dos braços de Tina ao seu redor e do
soluço da criança em seu ouvido. Mecanicamente, ela se endireitou e
pôs a menina entre seus braços; e se sentou lá, com os olhos secos e
mirando invisivelmente a vela que tremulava. Não havia ruído no
castelo. As canções dos bucaneiros na praia haviam parado. De forma
cega e quase impessoal, ela reavaliou seu problema.
- Temos que ir, milady! – ela sussurrou – Zarono não lhe terá. Vamos
para bem longe floresta adentro. Devemos ir até onde não pudermos
mais, e então cairmos e morrermos juntas.
A trágica força que é o último refúgio do fraco adentrou a alma de
Belesa. Era a única escapatória das sombras, que estavam se
fechando sobre ela desde o dia em que haviam fugido de Zingara.
- Não, não, milady! Não abra a porta! Não sei por que, mas sinto que
alguma coisa maligna está se escondendo perto de nós!
Belesa sacudiu a cabeça. Ela não queria que se repetisse a cena que
se seguira à primeira menção de Tina sobre o homem negro. De
qualquer forma, ela não ousava se aventurar em direção àquele
corredor escurecido.
Belesa não perguntou à menina como ela sabia que o homem negro
estaria na floresta; era o esconderijo razoável para qualquer coisa má
– homem ou demônio. E ela sabia que Tina estava certa: elas não
ousariam deixar o forte agora. Sua decisão, que não havia vacilado
diante da perspectiva da morte certa, se desfez diante do
pensamento de atravessar algumas florestas sombrias, com aquela
negra criatura cambaleante à solta entre elas. Sem saber o que fazer,
ela se sentou e afundou o rosto nas mãos.
5) Um Homem da Selva
- Procure por uma sombra, empurrada por uma nuvem que cobre a
lua; tateie na escuridão por uma cobra; siga uma névoa que sai do
pântano à meia-noite.
- Você conhece?
- Strom! O diabo leve seu dono! Como ele conseguiu navegar naquele
vendaval? – A voz do bucaneiro se ergueu a um grito que se alastrou
pela praia – De volta ao forte, seus cães!
- Não temos nada para negociar com você, exceto golpes de espada.
– rosnou Zarono.
- Ora, não finja! – riu Strom, embora a fúria lhe ardesse azul nos
olhos – Eu sei que você o tem. Pictos não usam botas!
Ele não era tão óbvio, quando olhou para os homens que observavam
ao longo do muro, mas seus dois ouvintes entenderam. E os homens
também. Strom tinha um navio. Aquele fato iria figurar em qualquer
negócio, ou luta. Mas ele não carregaria todos, independente de
quem o comandasse; independente de quem zarpasse nele, alguns
seriam deixados para trás. Uma onda de tensa especulação correu
pela multidão silenciosa, na paliçada.
- Aquele cão lhe trouxe para cá, conde? Eu devia ter imaginado. Onde
ele está?
- Pensa que sou algum idiota? Meus homens têm ordens de levantar
âncoras e partir daqui, caso eu não reapareça em uma hora, ou se
eles suspeitarem de traição. Eles não lhe dariam o navio, se você me
esfolasse vivo na praia. Além disso, tenho a palavra do conde.
- Minha promessa não é ninharia. – disse sombriamente Valenso –
Chega de ameaças, Zarono.
Strom riu.
- Por que não pede meu sabre, para cortar minha garganta com ele?
Desista de seus fiéis... bah! Você abandonaria seu irmão ao diabo, se
pudesse ganhar algo com isso. Não! Você não levará homens
suficientes a bordo, para ter chance de se amotinar e levar meu
barco.
Zarono estava de pé, com sua fúria negra lhe submergindo a astúcia.
- Seu cão baracho! Vou lhe dar sua resposta... em suas tripas...
- Mesmo um zíngaro deveria saber que nunca houve paz entre pictos
e cimérios, e nunca haverá. – ele retrucou, com uma praga – Nossa
rixa é mais velha que o mundo. Se você tivesse dito isso para um de
meus irmãos mais selvagens, já estaria com a cabeça rachada. Mas
vivi entre vocês, civilizados, por tempo suficiente para entender sua
ignorância e falta habitual de cortesia... a grosseria que indaga a
ocupação de um homem que aparece à sua porta, vindo de mil
milhas de selva. Não importa.
- Pelo que ouvi – ele citou –, concluí que há alguma discórdia sobre
um mapa!
- Seu cão! – rugiu Strom, se voltando para Zarono – Você nunca teve
o mapa! Você mentiu...
Seu nome era Galbro, e ele não demonstrou intenção de lhe desafiar
a ira.
- O tesouro de Tranicos!
- O quê?
- Sim! – disse Strom, com uma praga – Nós dois não seríamos presa
fácil para você. Estou disposto a concordar com a proposta de Conan.
O que diz, Valenso?
- Os capitães e 30 homens!
- Muito bem.
- Feito!
Valenso se sobressaltou.
- Quer dizer que não sabe que seus homens mataram um caçador
picto na floresta, noite passada?
O conde sacudiu a cabeça.
- Não. Mas eles sabem quem o matou, pela mesma razão que eu sei.
Esta corrente estava amarrada ao redor do coto do pescoço cortado.
Você deveria estar completamente louco, para identificar seu trabalho
desse jeito.
Logo, ela falou, e sua voz estava fatigada e áspera aos seus próprios
ouvidos.
- Nunca irei me casar com ele. – ela disse, sem saber o que fazer.
- Você não a deixou cair na praia. – disse Belesa, numa voz tão
desprovida de piedade quanto a dele próprio; a alma dela parecia ter
se tornado pedra – Você o arrancou do pescoço acidentalmente, na
noite passada, neste salão, quando chicoteou Tina. Eu o vi, brilhando
no chão, antes de deixar o salão.
- Sim! O homem negro! Ele esteve aqui! Neste salão! Deve ter
encontrado a corrente no chão. Os guardas não o viram. Mas ele
esteve diante de sua porta na noite passada. Eu o vi, andando pelo
saguão superior.
Por um instante, ela achou que ele cairia morto de puro terror. Ele
caiu para trás em sua cadeira, a corrente escapulindo de seus dedos
flácidos e caindo com um tinido sobre a mesa.
“Mas, por quê? Que perversidade engenhosa ele tem em mente, que
propósito diabólico ao qual nenhuma mente humana pode alcançar ou
entender?”.
“Não era seu corpo material, mas seu espírito, mandado para me
atormentar... seu espírito, que não conseguiria me seguir pelas águas
expostas ao vento. Antes que ele conseguisse alcançar Kordava em
carne e osso, embarquei para colocar vastos mares entre eu e ele.
Ele tem suas limitações. Para me seguir pelos mares, ele deve
permanecer em seu corpo humano de carne. Mas aquela carne não é
carne humana. Ele pode ser morto, eu acho, por fogo, embora o
feiticeiro que o invocou não tivesse poderes para matá-lo... sejam
quais forem os limites impostos aos poderes dos bruxos.
- Fogo do inferno!
Ele riu diante dos sorrisos medonhos e sem graça, com o qual lhe
acolheram o reconhecimento de suas intenções quanto a ele. E ele
também entendeu o pensamento que passou pela mente de cada um:
deixar o bárbaro proteger o tesouro para eles, e levá-los de volta à
trilha para a praia, antes que eles o matassem.
- Subir sozinho, com você e Zarono? Pensa que sou idiota? Pelo
menos um homem virá comigo! – E ele escolheu seu contramestre,
um gigante musculoso, de rosto severo, nu até o largo cinto de
couro, com argolas de ouro nas orelhas e uma faixa vermelha
amarrada ao redor da cabeça.
O cimério saltou para trás e pulou para fora, sobre a saliência. Ele se
sentia páreo para todos os três, embora todos fossem espadachins
famosos; mas não queria ser pego pelas tripulações, que viriam
atacando caminho acima, ao som do combate.
- E com todos nós mortos, teria tomado meu navio e toda a pilhagem
também! – espumou Strom.
- Não seja idiota. – rosnou Zarono – Você acha que qualquer homem
na terra conseguiria subir aqueles degraus, ao alcance da espada
dele? Traremos os homens cá para cima, bem aqui, para emplumá-lo
com flechas, se ele ousar aparecer. Mas ainda conseguiremos aquelas
gemas. Ele tem algum plano de obter a pilhagem, ou não teria
trazido 30 homens para carregá-la de volta. Se ele pode consegui-la,
nós também podemos. Vamos curvar uma lâmina para fazer um
gancho, amarrá-lo a uma corda, arremessá-la ao redor da perna
daquela mesa, e então arrastá-la até a porta.
- Ele fala a verdade. – disse Zarono, sem saber o que fazer – O que
faremos?
- Mas não farei isso! – Conan rugiu – Não que eu tenha algum amor
por vocês, cães; mas porque um homem branco não abandona
homens brancos, mesmo inimigos seus, para serem trucidados por
pictos.
- E o tesouro?
Flechas zumbiram para fora das moitas, mas seu vôo foi apressado e
errático – apenas três homens caíram. Então, os selvagens homens
do mar mergulharam na orla das folhagens, e caíram sobre as
desnudas figuras pintadas que se erguiam de dentro da escuridão
diante deles. Foi um instante assassino de esforço ofegante e feroz,
corpo-a-corpo, sabres abatendo machados de guerra, pés calçados
pisando corpos nus, e logo pés descalços estavam avançando pelas
moitas, em fuga precipitada, enquanto os sobreviventes daquela
breve matança abandonavam a refrega, deixando sete figuras
imóveis e pintadas estendidas sobre as folhas ensangüentadas que se
alastravam pelo chão. Mais para trás, nos matagais, soava um bater
e levantar; logo parou, e Conan caminhou até ser visto; seu chapéu
envernizado se fora, o casaco estava rasgado e o sabre pingava em
sua mão.
- Conan!
7) Homens da Floresta
- Conan não nos faria mal. – disse a criança, sem hesitar – Ele vive
de acordo com seu código de honra bárbaro, mas eles são homens
que perderam toda a honra.
- Você é muito sábia para sua idade, Tina. – disse Belesa, com o vago
desconforto que a precocidade da menina freqüentemente lhe
causava.
- Olhe! – Tina se empertigou – A sentinela se foi da muralha sul! Eu a
vi na saliência, há um momento atrás; agora desapareceu.
Ela não gritou como Tina. Era incapaz de fazer qualquer barulho ou
movimento. Viu Tina e estava consciente de pequenas mãos
agarrando-a freneticamente. Mas estas eram as únicas realidades
sensatas, numa cena de pesadelo negro, loucura e morte, dominada
pela sombra monstruosa e antropomórfica que estendia braços
medonhos contra um clarão sinistro e semelhante ao fogo do inferno.
Seu espanto foi total, quando a jarra lhe foi derrubada violentamente
da mão, esparramando-lhe a couraça com espuma, e girou
bruscamente para encarar o rosto, distorcido de raiva, do capitão
pirata.
- Seu cão assassino! – rugiu Strom – Vai matar meus homens pelas
minhas costas, enquanto eles lutam por sua pele imunda tanto
quanto pela minha?
Cada vez mais selvagens fluíam por trás das cabanas, tendo escalado
a desprotegida muralha sul. Strom e seus piratas foram empurrados
do outro lado da paliçada, e num instante o recinto estava apinhado
de guerreiros nus. Eles varreram os defensores feito lobos; a batalha
se revolvia em redemoinhos de figuras pintadas lançando-se sobre
pequenos grupos de homens brancos desesperados. Pictos,
marinheiros e homens de confiança caíam espalhados pela terra,
onde eram pisados por pés desatentos. Valentes lambuzados de
sangue mergulhavam uivando nas cabanas; e os berros, que
emergiam de dentro, onde mulheres e crianças morriam sob os
machados vermelhos, erguiam-se acima do estrépito da batalha. Os
soldados abandonaram o portão, quando ouviram os gritos
lamentosos; e, num instante, os pictos haviam quebrado-o, e
estavam correndo para dentro da paliçada àquele ponto também. As
cabanas começaram a pegar fogo.
- Porque... uh! – Uma faca, numa mão escura, penetrou fundo nas
costas do baracho – O diabo lhe devore, bastardo! – Strom se voltou,
cambaleante, e partiu a cabeça do selvagem até os dentes. O pirata
oscilou e caiu de joelhos, o sangue lhe escorrendo dos lábios.
- Você acha que ele está morto? – ela perguntou, com aparente
irrelevância.
- Não sei. Não tenho dinheiro nem amigos. Não fui ensinada a ganhar
minha vida. Talvez fosse melhor se uma daquelas flechas atingisse
meu coração.
- Não diga isso, milady! – implorou Tina – Trabalharei por nós duas!
- Um navio e uma tripulação são tudo o que quero. Assim que colocar
o pé naquele convés, terei um navio; e assim que alcançar as
Barachas, terei uma tripulação. Os rapazes da Irmandade Vermelha
estão ansiosos para navegarem comigo, porque eu sempre os levo
para ótimas pilhagens. E, assim que eu puser você e a menina em
terra firme, na costa zíngara, mostrarei aos cães um pouco de
pilhagem! Não, não, obrigado! O que é um punhado de jóias para
mim, quando todo o saque dos mares do sul estará ao meu alcance?