Você está na página 1de 163

SEBENTA

ANESTESIA EM
GRANDES ANIMAIS

Coordenadores

Stelio Pacca Loureiro Luna

Antônio José de Araújo Aguiar

Francisco José Teixeira Neto

1
ÍNDICE
TÓPICO PÁGINA
PREPARO DO PACIENTE PARA A ANESTESIA 2
AVALIAÇÃO DA DOR E DO SOFRIMENTO ANIMAL 6
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA DOR 12
ANALGESIA EM GRANDES ANIMAIS 14
FARMACOLOGIA DOS ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS E ANTIPIRÉTICOS 16
FARMACOLOGIA DOS ANALGÉSICOS OPIÓIDES 28
FARMACOLOGIA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS 45
ANESTESIA LOCAL EM EQUINOS 55
ANESTÉSICOS GERAIS INTRAVENOSOS 61
SEDAÇÃO, ANALGESIA E ANESTESIA EM EQUINOS À CAMPO 72
ANESTÉSICOS GERAISL INALATÓRIOS 81
ANESTESIA GERAL INALATÓRIA E VENTILAÇÃO CONTROLADA EM EQUINOS 91
MONITORAÇÃO EM EQUINOS 95
EQUILÍBRIO ÁCIDO BÁSICO 102
EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO E ANESTESIA 119
ANESTESIA EM EQUINO COM SÍNDROME CÓLICA 136
TERAPIA DE SUPORTE DO PACIENTE ANESTESIADO 145
ANESTESIA LOCAL E REGIONAL EM BOVINOS 149
ANESTESIA EM SUINOS 159

2
PREPARO DO PACIENTE PARA A ANESTESIA

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO e STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

Avaliação pré anestésica: considerações gerais:


A anestesiologia veterinária é uma ciência multidisciplinar que envolve conhecimentos integrados de
farmacologia, fisiologia e clínica. O exame clínico pré-anestésico é a primeira etapa antes da realização do
procedimento anestésico. Nesta fase, a condição física do paciente é avaliada através de exames clínico-
laboratoriais e, de acordo com o estado fisiológico do paciente, o risco anestésico é determinado. Com base no
exame pré-anestésico também se determinam quais as medidas terapêuticas a serem empregadas visando a
estabilização das funções fisiológicas vitais no paciente que vai ser submetido à anestesia.
Identificação do animal
Na primeira fase da avaliação pré-anestésica deve-se ter à disposição os dados de identificação do
paciente, como espécie, raça, idade, sexo e estado reprodutivo, já que estes aspectos vão influenciar na escolha
da técnica anestésica.
Espécie:
Espécies de grande porte como os eqüinos e bovinos apresentam particularidades fisiológicas que devem
ser reconhecidas em função de seu impacto na anestesia. A anestesia em espécies de grande porte (eqüinos),
apresenta maior risco de complicações durante o procedimento anestésico quando comparada à anestesia em
pequenos animais. Em função do seu porte e temperamento, há também de se considerar que a anestesia em
eqüinos apresenta maior risco de injúrias ao profissional. Em bovinos o maior risco está associado à regurgitação
e possível aspiração do conteúdo gástrico, com a possibilidade de ocorrência de pneumonia aspirativa.
Raça:
Nos bovinos, as fêmeas de origem européia (Bos Taurus, exemplo Jersey) e os machos de origem indiana
(Bos indicus, exemplo Nelore) são normalmente dóceis, enquanto que os machos de origem européia e as fêmeas
de origem indiana são indóceis e de difícil avaliação pré-anestésica. Nos eqüinos, os Puro Sangue Inglês e Árabes
são normalmente mais indóceis e podem apresentar alguma dificuldade no exame clínico. Asininos e Muares são
também difíceis de serem contidos e manipulados.
Idade:
Os animais idosos e muito jovens apresentam dificuldade de manter a temperatura corporal e compensar
eventuais alterações cardiopulmonares. Neonatos (animais com menos de oito semanas de idade) apresentam
pouca capacidade de metabolizar os fármacos administrados, uma vez que o sistema enzimático hepático ainda
se encontra imaturo. Da mesma forma, os pacientes geriátricos (animais que excederam 75% da expectativa de
vida) apresentam dificuldade de metabolizar e excretar os fármacos anestésicos e apresentam uma menor
porcentagem de água, reduzindo o volume de distribuição dos fármacos.

Sexo:
O sexo dos animais não altera as respostas anestésicas. Entretanto, é importante salientar que fêmeas
em cio podem apresentar maior risco de hemorragia intra-operatória e as gestantes apresentam alterações
fisiológicas que podem alterar as respostas anestésicas.
Anamnese
Em relação à anamnese, devem ser pesquisados os diversos sistemas facilmente avaliados por meio da
anamnese inicial, de acordo com o quadro a seguir:

3
SISTEMAS OBSERVAÇÕES
Respiratório tosse, dispnéia, secreções
Endócrino hipo ou hipertireoidismo, Síndrome de Cushing
Sistema nervoso central convulsões, epilepsias
Digestório diarréias
Cardiovascular cansaço fácil, ascite, síncopes
Hematológico transfusões recentes, mucosas
É importante que o anestesista se informe com o proprietário sobre a ocorrência de outras doenças. Além
disso, faz-se necessário conhecer quais as medicações foram administradas ao animal, uma vez que vários
agentes podem interferir na ação dos anestésicos e fármacos adjuvantes.
Exame Físico
No exame físico, é importante verificar o peso, a constituição física e o estado nutricional. Os animais
desnutridos podem apresentar hipoproteinemia, ocorrendo, assim, incremento na fração livre de fármacos que se
ligam às proteínas, como o tiopental, aumentando o efeito farmacológico dos mesmos e a conseqüente depressão
que possam causar. Isto se agrava no paciente desnutrido, onde há diminuição da resposta imunológica, da
capacidade vital pulmonar devido à diminuição da massa muscular, maior incidência de edema pulmonar e
intersticial e maior sensibilidade aos anestésicos em geral.
Freqüentemente, animais anêmicos, desidratados e/ou com perdas sanguíneas significativas são
apresentados para a anestesia, devendo-se realizar em todo paciente a avaliação do estado volêmico, por meio
de sinais clínicos como o elasticidade da pele, coloração das mucosas aparentes e tempo de preenchimento
capilar (TPC).
Deve–se verificar a temperatura corpórea do animal. Pacientes que apresentam hipotermia previamente à
indução anestésica certamente terão este problema agravado pela anestesia, com as suas conseqüências
inerentes. Animais de porte reduzido (neonatos eqüinos e bovinos, ovinos, caprinos) são mais susceptíveis à
hipotermia que animais de grande porte. Esta ocorrência é atribuída ao fato de que animais relativamente
pequenos apresentam maior relação superfíce/massa.
No exame do sistema cardiovascular deve-se procurar identificar por auscultação a possível presença de
sopros e arritmias. Os sopros tem incidência relativamente baixa em grandes animais. Em muitas situações
observa-se a presença de sopros “inocentes”, que não estão associados à doença cardíaca. No entanto presença
de sopro cardíaco associado a outros sinais como edema periférico, ascite e/ou dispnéia é forte indicativo de
doença cardíaca avançada. Animais com histórico de síncope (desmaio), cansaço ou fraqueza devem idealmente
ser submetidos à avaliação cardiológica previamente ao procedimento anestésico, tal como um eletrocardiograma
e/ou ecocardiograma.
Com relação ao sistema respiratório, deve-se realizar auscultação cuidadosa dos pulmões para se avaliar a
possível presença de sibilos e estertores, que são indicativos de doença pulmonar. A amplitude e a freqüência dos
movimentos respiratórios deve ser adequada, indicando que a ventilação é normal. A observação de cianose das
mucosas aparentes é indicativo de hipoxemia grave devido à comprometimento da função pulmonar. A
hemogasometria arterial (ver a frente) é indicada em situações onde há alteração significativa da função pulmonar,
como hérnia diafragmática, traumatismo torácico e doença pulmonar avançada.
Exames Laboratoriais
A seleção dos exames laboratoriais adicionais é baseada no exame físico, classificação do risco
anestésico (Tabelas 1 e 2) e no tipo de procedimento a ser realizado.

4
Tabela 1 - Classificação do estado físico e risco anestésico segundo a American Society of Anesthesiology

Classificação Descrição Exemplos


ASA
I Paciente hígido Ausência de doença sistêmica. Animais submetidos a
procedimentos eletivos como tenotomias e orquiectomia.
II Paciente com afecção Pacentes neonatos e geriátricos; gestantes, obesos, cardiopatas
sistêmica discreta compensados, infecções localizadas, fraturas não complicadas.
III Paciente com afecção Desidratação moderada / hipovolemia; anorexia; caquexia; anemia;
sistêmica moderada fraturas complicadas.
IV Paciente com afecção Choque; uremia; toxemia; desidratação grave; hipovolemia severa;
sistêmica grave anemia grave; síndrome cólica; doença cardíaca
descompensadas.
V Moribundos sem expectativa Falência de múltiplos órgãos, choque em fase terminal,
de sobrevivência, com ou traumatismo craniano.
sem cirurgia nas 24 horas

Preparo do Paciente para a Anestesia


Jejum:
A presença de conteúdo gástrico aumenta o risco de regurgitação, com possível aspiração e obstrução de
vias aéreas durante o ato anestésico e pneumonia aspirativa após a anestesia.
Nos pacientes em aleitamento (lactentes), o jejum não é recomendado pelo esvaziamento gástrico ser
extremamente rápido. Portanto em neonatos, o jejum não é necessário, pois podem rapidamente desenvolver
hipoglicemia quando submetidos ao jejum.
Os eqüinos adultos são submetidos a jejum sólido de 12 horas antes da anestesia geral, não sendo
necessário jejum hídrico devido ao rápido esvaziamento do compartimento gástrico. Em casos de urgência não é
necessário realizar jejum em eqüinos, já que nesta espécie praticamente não há risco de regurgitação.
O jejum assume particular importância em ruminantes adultos submetidos à anestesia geral ou
procedimentos envolvendo decúbito prolongado, uma vez que o risco de regurgitação de conteúdo ruminal com
conseqüente pneumonia aspirativa é muito grande. Devido ao tamanho do compartimento gástrico, bovinos
adultos devem ser submetidos à jejum alimentar e hídrico de 24 horas antes de procedimentos envolvendo
anestesia geral ou sedação com décubito. O jejum recomendado para pequenos ruminantes (ovinos, caprinos)
antes da anestesia geral é de 24 e 12 horas para alimentos sólidos e água, respectivamente. Mesmo assim ocorre
grande risco de regurgitação e os cuidados preventivos quanto a este aspecto devem ser levados em
consideração.
Em casos em que a intubação orotraqueal seja realizada é importante que a cavidade oral seja higienizada
antes da indução anestésica, para evitar o risco de contaminação respiratória no momento da intubação
endotraqueal.
Vias de administração de fármacos
Os fármacos anestésicos podem ser administrados pelas vias oral (VO), retal, subcutânea (SC),
intramuscular (IM), intravenosa (IV), intraperitoneal, intracardíaca, epidural, intratecal (subaracnóidea), inalatória,
intraóssea e intraarticular.
A via subcutânea apesar de apresentar uma absorção lenta é útil em animais cujo acesso venoso esteja
impossibilitado. Esta via é contraindicada em eqüinos pois normalmente ocorre inflamação do local. O efeito
farmacológico normalmente ocorre a partir de 15 minutos e apresenta efeito mais prolongado que as demais vias
injetáveis.
A via intramuscular apresenta tempo de ação intermediário entre a via subcutânea e a intravenosa. Tem as
mesmas indicações e precauções da via subcutânea, levando-se em consideração a maior rapidez de efeito que
esta última. Como desvantagem principal o volume do fármaco deve ser reduzido. É uma das vias mais utilizadas
em grandes animais, devendo ser administrada na região cervical e na músculo glúteo no membro posterior.
A via intravenosa é uma das mais utilizadas em anestesia, tendo em vista a rapidez de ação e a
possibilidade de administração de grandes volumes, particularmente para fluidoterapia. É freqüentemente utilizada
5
em casos de emergência quando necessita-se de um efeito imediato. Outro uso freqüente desta via é durante a
anestesia intravenosa contínua, quando pode-se controlar de modo relativamente preciso a(s) concentração(ões)
do(s) anestésico(s) administrados por meio de bombas de infusão. Diversos fármacos que não podem ser
administrados pelas vias subcutânea e intramuscular, dada a possibilidade de irritação, podem ser administrados
pela via intravenosa. Durante uma anestesia deve-se sempre ter disponibilidade de acesso intravenoso para casos
de emergência, mantendo-a veia canulada. Em grandes animais a melhor opção é a veia jugular. Como alternativa
tem-se a veia mamária em vacas e a torácica lateral em eqüinos.
A via intraperitoneal apresenta um efeito mais rápido que a via IM e mais lento que a IV. É indicada para
animais de laboratório ou de porte muito pequeno, quando o acesso venoso é inviável. Pode também ser utilizada
para fluidoterapia.
Uma outra via de acesso de efeito tão rápido quanto a IV e que também permite a administração de grandes
quantidades de fluidos é a intraóssea. Entretanto é mais utilizada em pequenos animais. Normalmente utiliza-se o
trocanter maior do fêmur ou a tuberosidade ilíaca como via de acesso, podendo-se ou não lançar mão de agulhas
específicas.
A via intracardíaca apesar de apresentar efeito extremamente rápido deve ser evitada pela possibilidade de
dano do miocárdio e lesão das estruturas torácicas. É utilizada na área de auscultação cardíaca. As vias epidural,
intratecal e intraarticular são normalmente utilizadas para administração de anestésicos locais e serão discutidas a
seguir, bem como a via inalatória.

6
AVALIAÇÃO DA DOR E SOFRIMENTO ANIMAL

STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

Não existe nada pior que a dor. Ela fragmenta o ser e o incapacita para viver

O QUE FAZ OS ANIMAIS SOFREREM?


O principio de analogia é uma ótima forma de responder esta questão de um modo simples. Todos os estímulos
ou fenômenos que desencadeiam sofrimento no ser humano podem potencialmente desencadeá-lo em animais.
Entretanto, devido às diferenças nos comportamentos de cada espécie, em muitos casos alguns estímulos que
não causam sofrimento no ser humano, podem desencadear em animais e vice-versa. Os principais estímulos
desencadeantes de sofrimento nos animais são a dor, ansiedade, medo, estresse, desconforto e injúria ou trauma.
Assim, além dos estímulos físicos, o sofrimento pode ser causado por sensações emocionais desagradáveis como
por exemplo em casos de contenção, barulho e/ou iluminação excessivos, odores de predadores ou qualquer
situação em que haja incapacidade do animal de manifestar o comportamento normal, situações estas freqüentes
em animais silvestres em cativeiro e em animais de produção contidos em espaços exíguos, como é o caso de
aves, suínos e ruminantes em confinamento.
Dentre as causas de sofrimento, um dos conceitos que é mais estudado para melhor abordar esta questão é o
estresse, definido como a energia necessária para resistir e reverter os efeitos adversos impostos por um estímulo
físico, fisiológico e/ou emocional considerado nocivo, que levam a uma alteração da homeostase. Esta reação de
adaptação produz a uma resposta comportamental e/ou fisiológica do organismo, caracterizada por alterações
cardiovasculares, endócrinas e metabólicas. A resposta ao estresse pode ser benéfica e é fundamental para a
sobrevivência, quando uma alteração imediata de comportamento é suficiente para o animal se livrar do estímulo
ou se adaptar ao mesmo. Por exemplo, quando os animais procuram abrigo e apresentam modificações
fisiológicas frente às condições adversas do ambiente ou quando uma presa foge do predador com sucesso.
Desta forma a resposta de estresse salva a vida na maioria das situações. Animais adrenalectomizados e
incapazes de produzir cortisol são muito susceptíveis aos pequenos insultos, como extremos de frio, calor,
infecção e trauma, que um animal normal facilmente suportaria. Apesar da resposta de estresse ser fundamental
para a manutenção da vida, caso o estímulo seja muito intenso ou persistente e o organismo não consiga se
adaptar, esta resposta pode ser deletéria se prolongada e prejudicar o organismo, causando distúrbios sociais,
alimentares, digestivos, reprodutivos, cardiovasculares e imunes, entre outros descritos a seguir.
Além das injúrias, traumas e doenças, os animais são susceptíveis a outros estímulos que causam dor e
sofrimento. Em eqüinos as maiores causas de estresse são confinamento, alimentação inadequada causando
desconforto abdominal e alterações ortopédicas. Cavalos mantidos em Jockeys ou Hípicas apresentam acima de
95% de incidência de úlceras gástricas, demonstrando claramente o manejo inadequado a que estes animais
estão submetidos. Cães e gatos sofrem por ansiedade de separação e solidão. Na Grã-Bretanha, 25% destes
animais apresentam estresse, hiperatividade e depressão, principalmente pelo fato que os donos passam muito
tempo longe de casa, bem como pela mudança na rotina, como a chegada de um bebê ou um novo animal de
estimação.
As causas principais de dor e sofrimento em animais de produção são: em ruminantes a marcação à quente ou
frio, castração, descorna, mastite e laminite, onde mesmo após a resolução clínica da laminite, o limiar de dor
destes animais está reduzido, dada sensibilização central do sistema nervoso; em aves domésticas a muda
forçada, debicagem e doença degenerativa articular e em suínos a caudectomia e o corte de dentes. O próprio
manejo dos animais pode ser uma causa considerável de estresse, tal como o transporte e confinamento, este
último particularmente importante em casos de aves de postura e de corte e em criações intensivas de suínos e
“baby beef”. As aves de postura são confinadas em áreas muito restritas e de alta densidade populacional, o que
causa aumento da agressividade e histeria extrema em determinadas linhas genéticas. Na muda forcada estes
animais são submetidos a longos períodos de restrição alimentar, chegando a perder 35% do peso e apresentar 1
a 2% de mortalidade (Underwood 2002).
Além de atividades relacionadas ao manejo para produção, muitos animais estão sujeitos a práticas de “esporte”
que causam ao sofrimento, tais como algumas provas de rodeio e torneios ilegais de luta. Estas atividades não
deflagram apenas a dor física, mas estão imbuídas de um dano emocional devido ao estresse psíquico e a
frustração que muitas vezes acarretam (Prada et al 2002).

Conseqüências do estresse.
O cientista inglês Charles Darwin em 1872 estabeleceu que diferentes tipos de estímulos externos
desencadeariam uma resposta orgânica similar. Em 1929, Cannon fez esta colocação de forma mais científica e
caracterizou o estresse como uma resposta fisiológica produzida pelo aumento da atividade do sistema nervoso
simpático. Esta alteração seria a mesma para excitação, fome, dor e medo. Em 1935, o austríaco erradicado no
Canadá, Hans Selye definiu a “síndrome geral de adaptação", estabelecendo as três fases do estresse: 1) reação
de alarme (luta ou fuga), caracterizada pela fase aguda de ativação do sistema nervoso simpático; 2) fase de
adaptação ou resistência, que depende das condições ambientais e do passado da história do animal, da
7
experiência prévia, da presença de outros estímulos simultâneos, como fome e frio, da idade que quanto menor,
menor a resistência e do sexo, já que a glândula adrenal das fêmeas é maior que a dos machos e 3) exaustão do
sistema biológico de defesa, em que a resposta passa a ser danosa e até irreversível.
O estresse crônico pode causar alterações comportamentais, como vocalização, movimentação e fuga, tendência
anti-social e agressiva, fraqueza e tremores musculares, atrofia dos músculos faciais, alopecia simétrica, aumento
do abdômen, aumento do consumo de água, aumento do apetite em estresse agudo, redução do apetite em
estresse crônico, redução da conversão alimentar, perda de peso, formação de úlceras digestivas,
imunodepressão, dificuldade de cicatrização, hipertensão arterial, desequilíbrio eletrolítico, poliúria, aumento do
estímulo sexual, com masturbação, copulação excessiva ou redução da capacidade reprodutiva, com redução na
libido, infertilidade e redução do desenvolvimento fetal.
A resposta de estresse envolve um componente emocional e pode variar de acordo com a espécie, indivíduo,
idade, sexo, estado geral do animal, intercorrência de estímulos simultâneos, entre outros. A intensidade da
resposta fisiológica depende da percepção de cada indivíduo e da severidade do estímulo. De modo geral a
experiência prévia minimiza a resposta de estresse e diferentes estímulos podem desencadear diferentes
respostas fisiológicas. Desta forma a resposta de estresse não é específica e qualitativamente a mesma
independente da natureza do insulto, mas pode variar de acordo com o tipo e qualidade do estímulo. Dada a estas
considerações não há um único teste biológico fidedigno e específico para se avaliar a resposta ao estresse e o
conjunto de alterações psíquicas, comportamentais e fisiológicas devem ser avaliadas em conjunto.
Fisiologicamente o estresse é caracterizado por alterações de comportamento, sistema nervoso autônomo e
neuro-endócrino. Ocorre todo um movimento do organismo para aumentar o catabolismo, por meio de alterações
cardiovasculares, com estímulo do sistema nervoso simpático, onde o sangue é dirigido da pele, vísceras e rins
para órgãos vitais, como o coração, cérebro e musculatura esquelética. As alterações endócrinas se caracterizam
por aumento dos hormônios catabólicos, como o hormônio liberador da corticotrofina, ACTH, opióides endógenos,
cortisol, vasopressina, prolactina, glucagon, hormônio do crescimento, renina e catecolaminas e redução dos
hormônios anabólicos, como a insulina, para aumentar a produção de energia. O cortisol é um hormônio chave
durante o estresse, pois aumenta o catabolismo de carboidratos, por meio do aumento da gliconeogênese,
glicogenólise e efeito anti-insulina, causando hiperglicemia. Aumenta o metabolismo de proteínas, por aumento da
gliconeogênese, dos níveis de proteínas plasmática e hepática, da concentração de aminoácidos no sangue e
balanço negativo de nitrogênio e aumenta o metabolismo de lipídeos, por aumento da gliconeogênese,
mobilização de ácidos graxos e aumento da síntese e armazenamento de lipídios. Adicionalmente interfere no
balanço hidro-eletrolítico, pois causa retenção de sódio e cloro e aumenta a excreção de potássio. Quanto aos
efeitos cardiovasculares, aumenta a sensibilidade do miocárdio às catecolaminas, protege contra os efeito tóxicos
das catecolaminas e apresenta efeito inotrópico positivo no miocárdio. O cortisol ainda atua nas células
sanguíneas e órgãos linfáticos, com redução do número de eosinófilos, basófilos e linfócitos e redução do
tamanho dos órgãos linfáticos. Atua também na função renal, com aumento da filtração glomerular, diurese,
redução da retenção de potássio, aumento da reabsorção de sódio e excreção de fosfato, nos ossos, onde reduz
a formação de cartilagem e o crescimento. No sistema gastrointestinal, aumenta a secreção de ácido gástrico e de
pepsina, com potencial ulcerogênico. Pode induzir o parto em determinadas espécies e apresenta efeito
antiinflamatório, antialérgico e imunossupressivo.
Em casos de animais silvestres, a contenção produz uma resposta aguda de estresse, já que o animal é
impossibilitado de fugir ou lutar, ocasionando assim uma frustração e conseqüente exaustão física. O estresse
deste modo pode facilmente causar o óbito, podendo ser o mesmo imediato, caso ocorra imediatamente após o
estresse, causado por traumas, hemorragia, hipoglicemia, anóxia, fibrilação ventricular ou parada cardíaca;
mediato, caso ocorra na primeira hora após o estresse, tal como trauma, timpanismo gástrico, hipocalcemia,
hipoglicemia, hipo ou hipertermia ou acidose e finalmente tardio, quando a morte ocorre algumas horas ou até 30
dias após, tal como timpanismo gástrico, trauma, pneumonia aspirativa e miopatia de captura. A miopatia por
captura é um dos problemas mais comuns observados durante a captura, contenção ou transporte, sendo uma
doença muscular degenerativa caracterizada por liberação de potássio, mioglobina e lactato, podendo ocasionar
fibrilação ventricular, necrose tubular com insuficiência renal e acidose.

Contexto histórico-evolutivo da abordagem da dor e sofrimento e comparação entre o


ser humano e os animais
A dor tem sido historicamente negligenciada no ser humano, quiçá em animais, nos quais historicamente, a dor foi
desconsiderada por muito tempo. A visão Cartesiana estabelecida por René Descartes no século XVII, propunha
que os animais eram fisiologicamente diferentes do homem e que a reação destes seres a um estímulo doloroso
seria puramente mecânica, sem haver consciência da dor. A resposta demonstrada frente a um estímulo nocivo
seria apenas um reflexo de proteção, determinado pelo sistema nervoso autônomo. Levando-se em conta que
nesta época não se conseguia provar que os animais sentiam dor, simplesmente se assumia que a dor não fazia
parte das sensações dos animais. Dentro da visão atual, graças à teoria evolutiva de Charles Darwin no século
XX, considera-se o homem descendente dos animais. Desta forma, estes são usados para estudar a fisiologia e a
farmacologia de mecanismos da dor no homem. Assim estabeleceu-se o dilema que se o comportamento da dor é
puramente mecânico nos animais, sem haver consciência da mesma, não seria necessário tratar a dor, nem se
preocupar com o bem estar dos animais. Entretanto, ao mesmo tempo, não haveria justificativa para se usar
8
animais em modelos de dor para que os resultados sejam aplicados no ser humano. O bom senso sugere que a
falha em provar alguma coisa não significa a não existência do fenômeno, ou seja “a ausência de evidencia não
significa a evidencia da ausência” (Prada et al 2002).
Da mesma forma que não há dúvida de que o homem sofre e sente dor, há evidências claras de que os animais
sofrem e sentem dor como o homem, tendo em vista a anatomia, a fisiologia e respostas farmacológicas similares,
reações semelhantes à um estímulo nocivo e comportamento de esquiva frente a uma experiência dolorosa
repetida. O sofrimento é subjetivo e a melhor forma de avaliá-lo é em nós mesmos. Daí a máxima, “ponha-se no
lugar do animal”, pois está é a melhor forma de avaliar o sofrimento alheio. Segundo Charles Darwin “não há
diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais... os animais, como os
homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento”.

Implicações e abordagem da dor em animais


Dentre os conceitos atuais, a dor pode ser classificada em nociceptiva (somática ou visceral), neuropática e
psicogênica. A dor nociceptiva é a clássica dor aguda relacionada, por exemplo, a um trauma ou à cólica digestiva.
A dor neuropática na maioria das vezes origina-se a partir da dor aguda não tratada ou tratada de forma
insuficiente, passando a ser crônica. Neste caso, a dor passa de sintoma, no caso da dor nociceptiva, à própria
doença, no caso da dor neuropática, caracterizando-se como uma forma de estresse. O componente psicogênico
da dor também é muito importante não apenas no ser humano. Vinte e cinco por cento dos pacientes que
procuram tratamento para dor, não apresentam nenhuma lesão. Em animais, a situação talvez não seja diferente,
tendo em vista que boa parte das fibras que transmitem impulsos nervosos relacionados à dor conectam-se
diretamente ao sistema límbico, que é o centro das emoções. Desta forma a dor em animais apresenta além do
aspecto físico, um componente emocional importante.
A dor é considerada o quinto sinal vital, juntamente com a função cardiorrespiratória e a térmica. Apesar de todo o
avanço tecnológico da medicina, a dor é um dos maiores escândalos desta especialidade, dada muitas vezes à
impotência diante da obtenção de um tratamento eficaz para a mesma. Do lado de quem prescreve, as razões
pelas quais a dor não é tratada apropriadamente se devem a falta de conhecimento e de objetividade, falha de
prescrição, questões econômicas e temor de efeitos colaterais advindos do tratamento farmacológico. Por outro
lado, a medicina humana e veterinária muitas vezes é impotente para o tratamento adequado da dor, mesmo
quando o método é bem selecionado, dada a complexidade dos mecanismos envolvidos na deflagração da dor.
De forma geral, em animais, esta questão se agrava e, mais ainda, quando se trata de animais de grande porte.
Nestes seres, o uso de analgésicos é ainda restrito e de pequena magnitude. Um estudo demográfico realizado no
Brasil revelou que dos veterinários que usam analgésicos, quase 90% utilizam antiinflamatórios não esteróides e
apenas 4% usam opióides em pequenos animais (Santos et al 2003). O primeiro levantamento do uso de
analgésicos no pós-operatório de pequenos animais foi realizado nos EUA e indicou que apenas 28% dos cães
recebiam analgésicos após cirurgias e apenas 19% dos cães foram tratados após 8 horas de pós-operatório
(Hansen & Hardie 1993). Neste mesmo estudo apenas 6,7% dos gatos recebiam analgésicos. No Canadá 84%
dos cães e 70 % dos gatos recebiam analgésicos após procedimentos ortopédicos e em torno de 9 a 17% dos
animais após cirurgias de castração (Dohoo & Dohoo 1996ab). Na Austrália, até 1996, apenas 5% dos médicos
veterinários utilizavam antiinflamatórios não esteróides em cirurgias de castração em cães e cadelas (Watson et al
1996). Na Grã-Bretanha em estudos mais recentes, mais de 90% dos veterinários utilizavam analgésicos em cães
e gatos após cirurgias ortopédicas, entretanto o uso de analgésicos após castração foi 53% e 32% em fêmeas e
machos caninos e 26% e 16% em fêmeas e machos felinos (Capner et al 1999, Lascelles et al 1999). Estes
números foram similares em outros países como a África do Sul e Nova Zelândia (Joubert 2001, Williams et al
2005). Pode-se ver claramente que está havendo uma maior conscientização da necessidade do uso de
analgésicos em pequenos animais, porém ainda aquém do necessário e que os gatos são tratados em menor
porcentagem que os cães.
Além da questão ética e moral do bem estar animal, a dor é biologicamente danosa, por dificultar a cura de lesões,
devido à resposta de estresse; causar emagrecimento, tanto pela redução do apetite, como pelo aumento do
consumo de energia; risco de automutilação; possibilidade de se tornar crônica; depressão da função imune e em
casos de pós cirúrgico, aumento do tempo de recuperação e maior risco de complicações pós-operatórias. Como
exemplo, ratos portadores de câncer e submetidos a analgesia apresentaram 80% menor incidência de lesões de
metástase que os que cuja dor não foi tratada (Page et al 1993).
A questão puramente econômica também seria um argumento relevante para abordar este tema em animais com
mais atenção. A produção dos animais pode ser profundamente afetada em presença de dor, interferindo no bem
estar e no estado de saúde dos mesmos. Em estudo recente (Sturlini & Luna 2006), observou-se que leitões
castrados sob efeito de anestesia local apresentaram maior ganho de peso na semana após a cirurgia, que
aqueles em que o procedimento foi realizado sem anestesia. Este aumento de peso superou os gastos com o
procedimento anestésico, demonstrando a vantagem e a viabilidade econômica de se evitar o sofrimento
desnecessário de animais. É comum o argumento de que o tratamento da dor em animais submetidos a
procedimentos ortopédicos deve ser limitado dada à possibilidade do animal “forçar” o membro e interferir na
recuperação da cirurgia. Entretanto, cães submetidos à correção de fratura de fêmur apresentaram melhor
recuperação do ponto de vista cirúrgico, em termos de melhor cicatrização, consolidação da fratura mais rápida e
menor edema, infecção e migração de pino, quando tratados com analgésicos antiinflamatórios do que os não

9
tratados (Cruz et al 2000). Em eqüinos, cujo uso de analgésicos opióides é polêmico dada à possibilidade de
excitação, o risco de efeitos adversos com o emprego de morfina é inversamente proporcional à intensidade da
dor (Muir, 1981), podendo a mesma ser indicada para esta espécie em casos de dor. Assim, frente a diversos
estudos, é irrefutável que a dor seja prevenida e tratada nos animais.

Meios da avaliação da dor em animais


A avaliação da dor em animais é difícil, pela ausência de entendimento de sua capacidade de comunicação ou
pela própria falta de sonorização, da mesma forma que os neonatos humanos. As atitudes com relação ao uso de
analgésicos em animais variam de acordo com o sexo e idade dos veterinários. As mulheres são mais sensíveis
na avaliação da dor e normalmente estabelecem escores de dor mais altos que os homens, da mesma forma que
veterinários com menor tempo de graduação em relação aos graduados há mais tempo (Dohoo & Dohoo 1996ab
Capner et al 1999, Lascelles et al 1999).
O comportamento é o componente principal na avaliação, já que normalmente está alterado. Entretanto, no caso
de animais exóticos, diversas vezes sequer se conhece o que é o comportamento normal da espécie em questão.
Há diversos estudos referentes a métodos de interpretação de dor em animais, onde se descrevem escalas de
avaliação, que apesar de aparentemente subjetivas são extremante úteis na prática (Holton et al 2001, Price et al
2003). Dentre as escalas, normalmente utilizam-se escores, escala analógica visual, onde se traça uma linha de
zero a dez cm, sendo zero correspondente a um animal sem dor e dez a pior dor possível e escala de contagem
variável, onde se associam vários parâmetros de avaliação. Para uma avaliação mais abrangente da dor, as
alterações comportamentais devem ser complementadas com a observação das alterações fisiológicas. As
alterações comportamentais mais óbvias de dor em cães a gatos são agressão, vocalização e inquietude. Quanto
à vocalização, no cão pode ocorrer de acordo com a intensidade da dor latido, uivo, gemido e choro e no gato,
sibilo, choro, gemido e grito. Alguns animais se escondem e relutam em se levantar e movimentar, aparentando
estarem sedados. Andam, sentam-se ou deitam-se de forma anormal e com dificuldade. Ficam desinteressados
do ambiente, “rígidos” e com tremores. Os cães e gatos apresentam dorso arqueado, posicionam o rabo entre as
pernas e abaixam a cabeça, protegem a área afetada, lambem e olham para o local afetado. A dor nos membros
causa claudicação e pode haver automutilação. Gatos com dor abdominal adotam posição de esfinge com tensão
da musculatura abdominal. Os cães não abanam a cauda e os gatos pouco a movimentam. Os gatos não se
lambem e não praticam a auto-limpeza.
Os cavalos ao sentir dor podem apresentar movimentos de arranque em poucos passos, parar, balançar o trem
posterior e reiniciar o mesmo movimento. Podem ranger os dentes, morder a área afetada, apresentar movimento
de esquiva, balançar a cabeça e a cauda e resfolegar. Os lábios podem ficar enrugados. Alguns animais enchem
a boca de alimento, mas não mastigam, nem engolem e podem brincar e espalhar a água sem ingestão. Sinais de
dores nos membros se caracterizam por apoiar e levantar constantemente o membro, aliviar o peso do membro
afetado, mantendo o discretamente flexionado e relutância em se movimentar (Taylor et al 2002). Cavalos
submetidos à artroscopia passaram menor tempo se alimentando, se movimentando, em comportamento
exploratório e em decúbito esternal e demonstraram maior ocorrência de comportamento anormal entre 24 e 48
horas após a cirurgia em relação à cavalos não submetidos à cirurgia (Price et al 2003). Os cavalos com dor
lombar apresentam além dos sinais gerais de dor já mencionados, intensa sensibilidade ao serem selados ou
montados, se rebaixando nestas atividades, dificuldade em se curvar ou permitir ser cavalgado, tropeço, passos
curtos, relutância em se moverem e perda de performance. Os sinais de dor abdominal em eqüinos são clássicos
e envolvem desde depressão ou agitação intensa, abaixamento da cabeça, relutância em se movimentar, olhar
para o flanco, movimentos de cavar com a pata, sudorese profusa, mímica de micção sem urinar ou urinar pouco e
até decúbito, com rolamento e movimentação das patas, havendo a possibilidade de choque neurogênico e óbito.
O óbito de um eqüino com dor abdominal é uma cena chocante e inesquecível. Em casos de dor crônica, os
animais apresentam tensão abdominal, depressão, abaixam a cabeça, apresentam postura anormal de cabeça,
evitam outro cavalos, ficam isolados, com olhar fixo, indiferente e distante (Taylor et al 2002).
Bovinos normalmente vocalizam com grunhidos e urros, rangem os dentes, relutam em se moverem, alteram a
expressão facial e reduzem a produtividade. Suínos gritam, não se levantam, não respondem à presença de
outros animais e se tornam irritados ou mesmo agressivos. Ovinos podem balir, ranger os dentes, alterar a
expressão facial, parecerem desinteressados e isolados do grupo. Além das alterações anteriores, observadas em
ruminantes, os caprinos alternam freqüentemente a postura e parecem agitados, batendo o pé. Em aves de
produção pode haver alterações de postura, reações de fuga, vocalização e movimentos excessivos de cabeça e
pescoço. Pássaros portadores de dor crônica podem ficar passivamente imóveis em postura agachada, olhos
cerrados e cabeça encolhida no corpo (Underwood 2002).
Sem mencionar os animais silvestres, mesmo em animais domésticos, de laboratório ou de produção, pouco ainda
se conhece sobre o comportamento. Desta forma, a avaliação da dor em animais não deve levar em conta apenas
o comportamento. As respostas variam muito e as interpretações podem ser equívocas. Por exemplo, estudos
utilizando câmaras de vídeo demonstraram que a simples presença física do observador altera completamente o
comportamento de coelhos (Flecknell 2006). Na dúvida deve-se utilizar o principio da analogia, ou seja, tudo o que
dói no homem, dói no animal.
As alterações fisiológicas relacionadas à dor se caracterizam por estímulo do sistema nervoso simpático, com
aumento da freqüência cardíaca, respiratória e da pressão arterial, dilatação da pupila, sudorese no coxim, no

10
caso de gatos e generalizada e abundante no caso de eqüinos. Adicionalmente ocorre ativação do metabolismo
com aumento da secreção de hormônios do catabolismo, da mesma forma que na resposta de estresse
anteriormente mencionada.

Controle da dor em animais


A complexidade da dor ultrapassa a fronteira física. A dor também se estabelece pelas influências do meio
ambiente e do aspecto psicológico do animal, daí ser considerada como um fenômeno biopsico-social, que
envolve os aspectos biológico, psíquico e social do indivíduo. Está relacionada ao ambiente que o animal vive e
conseqüentemente às condições de tratamento do mesmo. Assim, a abordagem da dor em animais deve ser
multidisciplinar, mesmo quando se trata de animais de produção e fatores externos aos animais devem ser
levados em consideração.
Os conceitos recentes demonstram que a melhor forma de controle da dor é a prevenção. Desta forma, evita-se a
sensibilização periférica e central do sistema nervoso, esta última muitas vezes irreversível, dada à dificuldade de
tratamento. Isto se deve ao fato de que neurônios com poucos receptores podem se tornar ricos em receptores de
dor, com ampliação da sensibilidade. Este estado de hipernocicepção pode perdurar toda a vida, tornando-se
crônico. Muitas dores crônicas se iniciam com estados dolorosos agudos e podem ocorrer sem nenhuma
evidência de lesão. Desta forma a dor pode continuar mesmo que a lesão inicial seja curada. Em algumas
situações não existe terapia para alívio total, apenas o sono. Como citado anteriormente este tipo de dor é
conhecida como neuropática e é gerada por uma deformação plástica das membranas nervosas, reorganização
da neuroanatomia, alteração genética da medula espinhal e morte dos neurônios inibitórios da dor.
Um mito normalmente considerado é que os animais jovens não possuem o sistema nervoso tão desenvolvido e
desta forma o sofrimento é menor. Entretanto, a ciência mostra que neonatos apresentam maior sensibilidade que
adultos na percepção da dor (Hellebrekers 2002). É importante lembrar que até o início da década de 80, eram
realizados procedimentos cruentos em neonatos humanos, inclusive cirúrgicos, sem anestesia ou analgesia,
simplesmente pelo fato que não se percebia que os bebês apresentavam dor.
Da mesma forma que a dor deve ser avaliada de forma multidisciplinar, também deve ser tratada
preferencialmente por associação de vários métodos. Apesar da grande importância dos métodos convencionais,
como o uso de opióides, antiinflamatórios, anestésicos locais, sedativos e anestésicos gerais, outras técnicas, tais
como acupuntura, homeopatia, fitoterapia e métodos físicos, entre outros, são tão ou mais importantes de acordo
com a etiologia e a categoria da dor, bem como, por exemplo, o uso de antidepressivos em casos de dor crônica,
assim como no ser humano.

Considerações finais
A dor é a única doença incapacitante de toda a plenitude do corpo. Mesmo animais deficientes físicos,
podem compensar as deficiências com outras atividades ou fortalecer outras funções ou sentidos. Entretanto,
nenhum ser pode exercer suas atividades como um todo quando sofre de dor.
Todo o embasamento científico demonstra que os animais sentem dor, dado não apenas a resposta
comportamental, mas também a bioquímica e fisiológica. Porém, com exceção de animais de estimação em que
há uma maior preocupação com o tema, os animais de produção estão constantemente sujeitos a experiências
extremante dolorosas, na sua esmagadora maioria, sem o uso de anestésicos e/ou analgésicos. Estas práticas,
tais como debicagem em aves de postura, caudectomia e corte de dentes em leitões, castração, desvio lateral de
pênis para produção de rufiões e descorna em ruminantes, bem como outras práticas de manejo que causam dor
e sofrimento intensos, tal como a marcação a fogo, deveriam ser reavaliadas quanto à necessidade e a forma de
realização.
O que diferencia um animal destinado a consumo alimentar para um animal de estimação? Por que damos direitos
diferentes a eles? Por que os de estimação são considerados “membros da família”, cuja função é companhia,
com direitos quase similares e algumas vezes até superiores aos dos seres humanos e os de consumo sequer são
considerados no que concerne ao sofrimento que padecem durante o período de criação, sendo submetidos a
práticas de confinamento e de mutilação? Esta é uma visão limitada e utilitarista do animal, onde este é tratado de
acordo com a função para o homem. Originalmente e até meados do século passado, a criação animal se
embasava numa situação quase simbiótica, em que o homem entrava com o alimento, cuidado com a saúde e
proteção contra predadores e intempéries, para aumentar a capacidade de sobrevivência dos animais e os
animais em contrapartida entravam com a produção. Nesta relação havia uma certa “justiça” entre as partes. A
partir da industrialização da agricultura, este contexto se alterou profundamente. A produtividade passou a ser
prioridade sem se levar em consideração a posição do animal neste novo modelo de criação. O custo do
sofrimento animal não foi levado em consideração, assim como o custo que a natureza tem sido submetida às
práticas agrícolas voltadas à monocultura e a degradação ambiental em prol da suposta produtividade, medida
apenas em quantidade de toneladas por área e não na herança do impacto ambiental, que apresenta um custo
muitas vezes irrecuperável.
Adicionalmente na área científica o número de estudos com animais aumentou de forma galopante, visando
principalmente uma suposta aplicação na saúde humana. Uma maior preocupação com o bem estar animal no
apenas se iniciou a partir de década de 90, dado principalmente à impossibilidade de se publicar artigos científicos
em revistas internacionais sem o parecer de comissões de ética.
11
Pode-se questionar se os animais têm emoção e/ou inteligência, mas um fato inquestionável é que eles podem
sofrer. Já que o ser humano usa os animais em benefício próprio, é questão de bom senso, independente da
abordagem filosófica no que concerne o bem estar animal, que estes sejam tratados de forma digna, evitando-se a
dor e o sofrimento destes seres.

Referências Bibliográficas
Hansen B, Hardie E. Prescription and use of analgesics in dogs and catsin a veterinary teaching hospital: 258
cases (1983-1989). Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 202, p. 1485-1494, 1993.
Dohoo SE & Dohoo IR. Postoperative use of analgesics in dogs and cats by Canadian veterinarians. Canadian
Veterinary Journal v. 37, p. 546-551, 1996a.
Dohoo SE & Dohoo IR. Factors influencing the postoperative use of analgesics in dogs and cats by Canadian
veterinarians. Canadian Veterinary Journal v. 37, p. 552-556, 1996b.

Page GG, Ben-Eliyahu S, Yirmiyah R, Lebeskind J. Morphine attenuates surgery-induced enhancement of


metasthatic colonization in rats. Pain, v. 54, p. 21-8, 1993.
Sturlini L, Luna SPL. Estudo comportamental e endócrino do efeito de orquiectomia com e sem anestesia em
leitões. Projeto de Iniciação Científica-CNPq, 2006.
Cruz ML, Luna, SPL, Silva Junior JR, Iamagute P, Crocci A, Takahira RK. Efeitos do flunixin, ketoprofeno,
carprofeno, brupenorfina e placebo para analgesia pós-operatória em cães submetidos à osteossíntese de fêmur.
A Hora Veterinária, v. 114, p. 19-25, 2000.
Watson AD, Nicholson A, Church DB, Pearson MR. Use of anti-inflammatory and analgesic drugs in dogs and cats.
Australian Veterinary Journal, v. 74, p. 203-210, 1996.
Joubert KE. The use of analgesic drugs by South African veterinarians. Journal of the South African Vetrinary
Association, v. 72, p. 57-60, 2001.
Williams VM, Lascelles BDX, Robson MC. Current attitudes to, and use of, peri-operative analgesia in dogs and
cats by veterinarians in New Zealand. New Zealand Veterinary Journal, v. 53, p. 193-202, 2005.
Capner CA, Lascelles BD, Waterman-Pearson AE. Current British veterinary attitudes to perioperative analgesia for
dogs. Veterinary Record, v. 145, p. 95-99, 1999.
Lascelles BD, Capner C, Waterman-Pearson AE. Current British veterinary attitudes to perioperative analgesia for
cats and small animals. Veterinary Record, v. 145, p. 601-604, 1999
Prada ILS, Massone F, Cais A, Costa PEM, Seneda MM. Bases metodológicas e neurofuncionais da avaliação de
ocorrência de dor/sofrimento em animais. Revista de Educação Continuada CRMV-SP, v. 5, p. 1-13, 2002.
Santos FC, Rahal SC, Leite CAL. Uso pós-operatório de antiinflamatórios em pequenos animais – estudo
demográfico. Vet News, v. 61, p. 7-8, 2003.
Holton L, Reid J, Scott EM, Pawson P, Nolan A. Development of a behaviour-based scale to measure acute pain in
dogs. The Veterinary Record, v. 148, p. 525-531, 2001.
Price J, Catriona S, Welsh EM, Waran NK. Preliminary evaluation of a behaviour-based system for assessment of
post-operative analgesia in horses following arthroscopy surgery. Veterinary Anaesthesia and Analgesia, v. 30, p.
124-137, 2003
Flecknell P. Pain recognition in non-verbal species – animals. Proceedings of the Spring Meeting of the Association
of Veterinary Anaesthetists, Liverpool, UK, April 3-5, 45-49, 2006.
Hellebrekers L. Dor em animais. Editora Manole, Barueri, SP,1ª. Ed, 166p, 2002
Undrwood WJ. Pain and distress in agricultural animals. JAVMA, v. 221, p. 208-211.
Taylor PM, Pascoe PJ, Mama KR. Diagnosing and treating pain in the horse: where are we today? The Veterinary
Clinics of North America: Equine practice. Pain Managemnet and Anesthesia, v. 18, 1-19, 2002.

12
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA DOR
STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

ESCALA ANÁLOGA VISUAL (VAS)

• linha horizontal de 100 mm de comprimento com duas descrições comportamentais em cada extremo, que
representa todo o espectro da dor. O observador desenha uma linha vertical que melhor representa a dor no
animal. O VAS pode resultar numa maior variabilidade do que as escalas simples descritivas.

0 ______________________________________100
Sem dor Pior dor possível imaginável

• Principal desvantagem: o VAS depende totalmente do observador identificar, reconhecer e interpretar a dor em
animais. Caso o observador não desconheça o tratamento analgésico, ele pode ser induzido na sua resposta.
Portanto, há uma grande variabilidade entre observadores e isto pode influenciar a interpretação de resultados,
principalmente entre pesquisas diferentes.

ESCALA SIMPLES DESCRITIVA

1. Sem dor
2. Dor leve
3. Dor moderada
4. Dor severa

•Consiste na observação do animal e não no tipo de procedimento cirúrgico. A vantagem é que não há a
interferência pela acuidade visual, como no VAS. Cada número se torna o escore do paciente. Fácil utilização.
• Principal desvantagem: não é uma escala sensitiva (poucas categorias)

Escala de contagem variável para avaliação da dor aguda pós-operatória em eqüinos (adaptada de (Raekallio,
Taylor et al., 1997; Pritchett, Ulibarri et al., 2003; Bussieres, Jacques et al., 2008).
Variável Critério Escore
1. Parâmetros fisiológicos
Frequência Cardíaca Porcentagem de aumento em relação ao valor basal de 0–10% 0
Pressão Arterial Média Porcentagem de aumento em relação ao valor basal de 11 – 30% 1
Porcentagem de aumento em relação ao valor basal de 31 – 50% 2
Porcentagem de aumento em relação ao valor basal maior que 50% 3
2. Postura
Posicionamento na baia Na porta, observando o ambiente e disposto a interagir 0
Em pé, no meio e de frente para a porta da baia 1
Em pé, no meio e de frente para as laterais da baia 2
Em pé, no meio e de frente para o fundo da baia, não está 3
interessado ambiente, nem disposto a interagir

Posição do pescoço Acima da cernelha ou pastando 0


Na altura da cernelha 1
Abaixo da cernelha 2
3. Movimento
Locomoção espontânea Move-se livremente 0
Move-se pouco ao redor da baia 1
Não se movimenta, relutância em se mover 2
Agitado, inquieto. Redução do tempo em que permanece em 3
decúbito esternal
Comportamento exploratório Normal: explorar e/ou cheirar o ambiente em que se encontra, 0
quando está em pé ou durante a locomoção
Diminuição do comportamento exploratório 1
Aumento do comportamento exploratório 2
4. Socialização
Resposta a abertura da porta Move-se em direção a porta 0

13
Olha para a porta 1
Não responde 2
Resposta a aproximação Move-se em direção ao observador, orelhas para frente 0
Olha para o observador, orelhas para frente 1
Move-se para longe do observador 2
Não se move, orelhas para trás 3
Comportamento de interação Presta atenção nas pessoas e no ambiente 0
Resposta exagerada a estímulos auditivos 1
Resposta agressiva a estímulos auditivos 2
Prostração, não responde a estímulos auditivos 3
Resposta ao alimento Move-se até a porta e come o feno prontamente 0
Move-se até a porta, mas hesita para comer 1
Demonstra pouco interesse, come muito pouco ou apanha o feno 2
com a boca, mas não mastiga ou engole
Não demonstra interesse pelo feno, não come 3
5. Interação
Tentativa de levantar um dos Levanta espontaneamente o membro quando solicitado 0
membros torácicos
Levanta o membro após ser estimulado 1
Extremamente relutante 2
Torna-se agressivo e não levanta do membro 3

Resposta a palpação da área Nenhuma reação (confortável) 0


operada
Reação moderada (incomodado) 1
Reação violenta a palpação (dolorido) 2
Não permite palpar (comportamento agressivo de antecipação) 3

6. Miscelânea de comportamentos sugestivos de dor. (Observar a presença dos comportamentos


descritos abaixo)
• Olhar para o flanco
• Chutar o abdome (apenas em cirurgia abdominal)
• Movimentos intermitentes ou contínuos de cabeça lateralmente ou verticalmente
• Patear o chão
• Sudorese
• Movimentar a cauda brusca e repetidamente
Todos os comportamentos acima relacionados estão ausentes 0
Presença de 1 dos comportamentos acima relacionados 1
Presença de 2 dos comportamentos acima relacionados 2
Presença de 3 ou mais dos comportamentos acima relacionados 3

7. Ingestão de alimento Normal 0


Diminuída 1
Anorexia 2

14
ANALGESIA EM GRANDES ANIMAIS

STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

Considerações gerais:

A importância da dor em medicina veterinária foi despertada apenas recentemente, dado tanto à questões de
ordem ética, como pelos melhores resultados em termos de prognóstico, quando a mesma é tratada de forma
adequada. Pode ser considerada juntamente com a pressão arterial, freqüência cardíaca, temperatura e
respiração, o 5o. sinal vital. Entretanto a dor ainda não é tratada apropriadamente tendo em vista a falta de
conhecimento e de objetividade no tratamento, a falha de prescrição e o receio de efeitos colaterais.
A dor tem uma abrangência biopsico-social, mesmo em animais e sua detecção é primordial para se elaborarem
condutas adequadas. Existem varias formas de avaliação da dor, sendo que em condições clínicas, predominam
os métodos subjetivos. Em termos de tratamento, a dor deve sempre ser abordada de uma forma multidisciplinar.
Muitas vezes não basta o tratamento farmacológico, sendo necessária uma associação de métodos para se atingir
um resultado mais adequado.
Defini-se dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, que é associada ou descrita em termos
de lesões teciduais. Os estímulos são carreados a partir dos nociceptores pelas fibras A delta e C. É importante
reconhecer os mecanismos pelos quais a dor ocorre para melhor prevení-la e interferir no seu curso diante das
várias formas de tratamento. Inicialmente ocorre ativação dos nociceptores (A delta e C), fenômeno conhecido por
transdução, seguido de transmissão do impulso pelo nervo aferente, modulação do impulso na medula, com a
deflagração de vários mecanismos, encerrando com a percepção no córtex cerebral. Desta forma podemos
interferir em uma ou mais etapas, para o combate da mesma. Idealmente o que se postula na atualidade é uma
associação de métodos, atuando desta forma se possível em todas estas etapas.
A dor pode ser classificada em nociceptiva (somática ou visceral), neuropática e psicogênica. Para que ocorra a
sensação da dor deve haver a nocicepção, caracterizada pela transmissão de impulsos em resposta a um
estímulo nocivo e a percepção da dor, que seria a consciência da dor. A nocicepção ocorre mesmo em um
paciente inconsciente, entretanto, a dor não é percebida se o paciente estiver inconsciente, como por exemplo
durante a anestesia. Porém quando o indivíduo desperta, em casos que a nocicepção não foi evitada, a dor torna-
se presente, daí a importância de se prevenir a nocicepção com anestésicos locais, AINES, opióides e outros
métodos, mesmo num animal anestesiado.
Por muito tempo se questionou a necessidade do tratamento da dor em animais, tendo em vista a possibilidade de
quando os mesmos não sentem dor, eles poderiam se auto mutilar e conseqüentemente interferirem no processo
de recuperação cirúrgica. Porém se confundia dor fisiológica, que possui a função de proteção, é localizada,
transitória e de alto limiar, e portanto fundamental que seja mantida, com a dor clínica, que causa inflamação,
devido ao dano em tecido periférico, é de baixo limiar (alodinia), de resposta exagerada (hiperalgesia) e com
aumento da área afetada (hiperalgesia secundária). Desta forma o que se preconiza atualmente é deixar a dor
fisiológica intacta, por razões óbvias de proteção, sendo porém importante prevenir o desconforto e o
desenvolvimento da dor clínica, evitando-se assim tanto a sensibilização periférica, que causa aumento da
sensibilidade dos neurônios sensitivos de nociceptores de alto limiar, estimulados por mediadores inflamatórios
(“sopa inflamatória”), com liberação de bradicinina, 5-HT, histamina, prostaglandinas, leucotrienos, citocinas,
neuropeptídeos, entre outros e diminuição do limiar dos nociceptores, como a sensibilização central, em que
ocorre alteração da excitabilidade dos neurônios da medula espinhal, onde neurônios do corno dorsal passam a
responder à estímulos inócuos, fibras A beta passam a transmitir impulsos dolorosos, as células do corno dorsal
respondem a áreas periféricas mais amplas e a resposta à dor torna-se mais longa e prolongada. As implicações
da sensibilização são que a dor passa a ser deflagrada pela atividade dos nociceptores e torna-se auto
permanente. Desta forma é mais fácil prevenir a dor que tratá-la, já que de aguda a dor pode-se tornar crônica.
De forma geral a dor em animais tem sido subestimada, particularmente em felinos, devido à pouca informação
sobre farmacologia clínica e farmacocinética, extrapolação de doses de cães e medo do uso de opióides e de
AINES.
Dentre os analgésicos disponíveis, como métodos de analgesia preventiva periférica, pode se lançar mão de
anestésicos locais que previnem o estímulo nocivo, AINES que reduzem produção de prostaglandina e a
sensibilização das terminações nervosas e opióides periféricos (ex: articulações), que reduzem o efeito de
neuropeptídeos locais. Para se realizar a analgesia preventiva central, pode-se utilizar opióides que agem na pre e
pós-sinapse, reduzindo a liberação de neurotransmissores e causando hiperpolarização da membrana do núcleo
dorsal da rafe. Adicionalmente têm-se os antagonistas de NMDA na medula espinhal (ex: quetamina) que
previnem a excitação induzida pelo glutamato e agonistas adrenorreceptores alpha-2, que agem em receptores da
medula espinhal.

15
OPIÓIDES
Os opióides reduzem os efeitos psicológicos da dor, podendo causar excitação, apresentam estabilidade
cardiovascular, leve sedação, depressão respiratória, diminuem a motilidade gastrointestinal e podem provocar
náusea e vomito. Os agonistas totais apresentam um efeito teto mais alto e os parciais e agonistas/antagonistas
apresentam um efeito máximo reduzido em relação aos totais. Dentre os opióides temos os agonistas mi puros, os
agonistas mi parciais e os agonistas (kappa)/antagonistas (mi), que possuem poucos efeitos colaterais. Os
opioides além de causar sedação, são indicados principalmente nas primeiras horas após a cirurgia, entretanto é
ideal que sejam associados com antiinflamatórios não esteróides.

AINES
Os AINES são inibidores da enzima ciclooxigenase COX, que é responsável por funções homeostásicas, tais
como proteção gástrica, tornando a camada de muco espessa e prevenindo a erosão ácida da mucosa; proteção
renal, contribuindo para autoregulação do fluxo sangüíneo renal e estabelecendo um equilíbrio entre agregação
plaquetária e trombose. Quando estes fármacos são utilizados, além de reduzirem a inflamação, também afetam
os efeitos homeostásicos, dai a importância do uso de fármacos que inibam predominantemente a COX induzida
(COX-2) e liberada em grandes quantidades pela inflamação ao invés da COX constitutiva (COX-1), que é
responsável pela homeostase. Seu efeito periférico se dá por inibição da COX com diminuição da síntese de
prostaglandina e redução da excitabilidade das fibras nervosas, levando a um efeito antiinflamatório.
Centralmente, atuam no hipotálamo, apresentando efeito antipirético e fraca ação analgésica. Seus efeitos
colaterais pela inibição da prostaglandina, ocorrem no trato GI, induzindo úlceras e vômito; no rim, causam perda
da autoregulação do fluxo sangüíneo renal, insuficiência renal e necrose papilar; no fígado, podem levar a
toxicidade parenquimatosa e finalmente no sangue, podem causar discrasias sangüíneas, com aumento do tempo
de sangramento.

Opióides mais freqüentemente utilizados em grandes animais:


Morfina analgesia de 2 a 4 horas
0,1 a 0,2 mg/kg IM pequeno efeito cardiovascular
Metadona potência similar a morfina
0,1-0,2 mg/kg - IM
Tramadol considerado analgésico fraco (duração 8 horas)
2 mg/kg - IV, IM alta seletividade por receptores mu, porém baixa afinidade
Buprenorfina 33 vezes mais potente que a morfina (porém se considera que sua eficácia
0,005 a 0,01 mg/kg –SC, IM, IV analgésica é menor que a da morfina)
longo período de latência
longa duração de ação: 8-10 hs
Butorfanol 3 a 5 vezes mais potente que a morfina (porém de eficácia analgésica limitada
0,1 a 0,4 mg/kg – SC, IM, IV em comparação à morfina)
efeito na CAM dos anestésicos inalatório é limitado.

OUTROS FÁRMACOS

A cetamina, como antagonista de receptor NMDA, previne a despolarização de acumulação para liberação de
glutamato e em doses subanestésicas produz analgesia. Além de poder ser utilizada para indução de anestesia,
pode-se realizar infusão no trans e pós-operatório.
Os anestésicos locais (lidocaina, bupivacaina e ropivacaina) interrompem a condução elétrica de nervos
periféricos, prevenindo a propagação do impulso para o corno dorsal da medula e sensibilização central. Causam
bloqueio regional, podendo ser usados no pré, trans ou pós-operatório. Dentre os mecanismos de analgesia
produzidos pela lidocaina estão a supressão dos neurônios nociceptivos da medula espinhal, redução da
descarga nervosa das fibras nervosas periféricas e depressão cortical, podendo reduzir a CAM dos anestésicos
inalatórios, potencializar a anestesia intravenosa e produzir analgesia pós-operatória. Normalmente usam-se bolus
de 1,5 mg/kg, seguido de infusão de 0,25 mg/kg/min.
Os adrenorreceptores alfa-2 agonistas (xilazina, detomidina, dexmedetomidina) atuam no corno dorsal da medula;
nas vias adrenérgicas descendentes, com efeito analgésico sistêmico. Produzem maior analgesia visceral que
somática.
Outros métodos de analgesia incluem analgesia epidural, transdermal (adesivos de fentanil), acupuntura, TENS e
fitoterapia (Salix - chorão, Cannabis – maconha, Capsicum, pimenta pela capsaicina, menta). Deve-se também
empregar métodos de apoio, como imobilizar a área, bandagem, tratar a causa, reduzir inflamação e edema,
sempre tendo-se uma abordagem multidisciplinar.

16
FARMACOLOGIA DOS ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS E
ANTIPIRÉTICOS

PAULO VINICIUS MORTENSEN STEAGALL


NOELI PEREIRA ROCHA
Histórico e conceitos
Os AINES formam um grupo heterogêneo de compostos, em geral com relação química semelhante, mas
com fórmula estrutural variada, e que possui ações antiinflamatórias, analgésicas e antipiréticas. São substâncias
não esteróides que inibem componentes da cascata inflamatória.
O primeiro uso de um AINES sintético, o ácido salicílico, ocorreu em meados de 1875 e 23 anos após
Felix Hoffmann ter utilizado a aspirina (derivado do acetil do ácido salicílico) para o tratamento da artrite de seu
próprio pai. Entretanto, há alguns séculos atrás, desde a época de Hipócrates há 2000 anos atrás, já se conhecia
as propriedades antipiréticas de extratos da Salix Alba (árvore salgueiro branco) no tratamento da febre, de onde
no século XIX foi isolado a saligenina, um glicosídio contendo álcool salicílico como componente ativo. Entretanto,
os efeitos gastrointestinais indesejáveis e o sabor amargo da substância levaram à pesquisa de novos produtos
derivados desse grupo.
Ainda no final do século XIX, ocorreu a descoberta de outros medicamentos que compartilhavam as
mesmas ações farmacológicas da aspirina, como por exemplo o paracetamol, ainda hoje utilizado em grande
escala na América do Norte, embora apresente reduzida atividade antiinflamatória. Após a segunda guerra
mundial, em 1952, a fenilbutazona foi sintetizada e utilizada em eqüinos.
Até 1971, os salicilatos, os paraminofenóis,as pirazolonas e a indometacina foram utilizados clinicamente
sem que houvesse uma compreensão dos mecanismos de ação que justificasse seus efeitos antiinflamatórios,
antitérmicos e analgésicos, observados em uma gama de processos inflamatórios. Enfim, em 1971,foi descoberto
que o ácido acetilsalicílico, a indometacina, a fenilbutazona eram inibidores da enzima ciclooxigenase, e
conseqüentemente, bloqueadores da síntese das prostaglandinas. Esta descoberta forneceu grande impulso aos
estudos do processo inflamatório e da participação das prostaglandinas (principalmente PGE2 e PGI2), assim
como de outros mediadores presentes no foco inflamatório, como histamina, bradicinina etc.
A partir desta época, as pesquisas começaram a objetivar a produção de antiinflamatórios mais potentes,
mas com menor incidência de efeitos colaterais. Os principais compostos lançados no período de 1975 a 1990, e
que ainda permanecem no mercado, são os ácidos propiônicos, acéticos, fenamatos, oxicans e ácido
aminonicotínico. Alguns destes medicamentos se revelarammais potentes do que a aspirina, como por exemplo,
os oxicans, os fenamatos, o diclofenaco, a flunixina. Entretanto, a ocorrência de efeitos adversos não diminuiu.
Com a descoberta das duas isoformas distintas da ciclooxigenase (COX) em 1991, ocorreu o surgimento em 1999,
do primeiro inibidor seletivo da COX-2, o celecoxibe. Tais fármacos são os mais utilizados na Medicina Humana
nos processos inflamatórios agudos e crônicos e terão uma abordagem especial neste capítulo.

O PROCESSO INFLAMATÓRIO
Os mediadores inflamatórios são formados em resposta à lesão ou dano tecidual (químico, térmico ou
mecânico) quando as membranas celulares fosfolipídicas liberam ácidos graxos de cadeia curta, como por
exemplo, o ácido aracdônico (AA), sob ação enzimática da fosfolipase A2. A atividade biológica destes compostos
é geralmente localizada, com uma meia-vida extremamente curta (segundos).
O AA serve como substrato para quatro grupos de enzimas: ciclooxigenase (COX), também denominada
de prostaglandina sintetase, 5-lipooxigenase (5-LO), 12- lipooxigenase (12-LO) e 15-lipooxigenase (15-LO).
A conversão do AA em PGG2 e depois em PGH2, também chamadas de endoperoxidases cíclicas, ocorre
por meio das enzimas prostaglandinas G/H sintetase (COX), respectivamente, e por reações de oxidação e
redução. Após uma série de reações em cascata, há a formação dos eicosanóides, derivados do ácido
eicosanóide, formado por cadeia de 20 carbonos, e que incluem outras prostaglandinas (PGs - PGE2, PGI2, PGD2)
e tromboxana (TX - TXA2 e TXB2), leucotrienos (LT -LTA4, LTB4, LTC2 e LTD2) e outras de menor importância
(Figura 1).
As PGs são as principais substâncias do processo inflamatório e responsáveis pela manifestações clínicas
da inflamação, como o eritema e o calor, mediados pela PGE2 e PGI2, por meio da vasodilatação local. A produção
de edema e inchaço local são resultados do aumento da permeabilidade capilar mediados pela histamina e a
bradicinina, e potencializados pelas prostaglandinas.
Nos estágios tardios da inflamação, as PGs mantêm a resposta inflamatória por meio da quimiotaxia das
células polimorfonucleares. Os leucócitos são responsáveis pela produção e ativação de uma variedade de
17
citocinas e mediadores inflamatórios, entre eles as interleucinas (IL), fator de necrose tumoral, histamina,
bradicinina e prostaglandinas.
A febre é uma resposta de origem central produzida pela PGE2, a qual atua no hipotálamo, que aumenta o
limiar termoregulatório. A produção da PGE2 é estimulada pela IL-1, liberada em infecções virais e bacterianas,
contribuindo nos estados febris durante a infecção sistêmica.
As prostaglandinas por si só não estimulam diretamente os nociceptores, mas intensificam os estímulos
nociceptivos produzidos por outros mediadores, como a bradicinina e histamina, fenômeno conhecido como
hiperalgesia. Desta forma estímulos não dolorosos, como o toque, passam a ser dolorosos, fenômeno conhecido
como alodinia, que também possui a participação das PGs.
Nas plaquetas, por meio da ação da enzima TX sintetase, há a formação da TXA2, que induz a agregação
e adesão plaquetária e causa vasoconstricção. Por outro lado, nas células do endotélio vascular, a PGI2
(prostaciclina) é formada pela ação da enzima prostaciclina sintetase, e que em geral, possui efeitos opostos aos
da TX (inibição da agregação plaquetária e vasodilatação). A produção das TX e das prostaciclinas possui um
papel fundamental na manutenção da integridade das plaquetas na corrente sanguínea.
A formação dos LT após a ação enzimática da LO é importante no processo inflamatório, especificamente
o LTB4, como agente quimotáxico. Os LTC4 e LTD4, sintetizados nas células brancas e em outros tecidos possuem
atividade importante nas broncoconstricções alérgicas e nas reações anafiláticas. A figura 1 demonstra a cascata
inflamatória.

Mecanismo de ação dos AINES


O mecanismo de ação dos AINES é objeto de estudo intenso nos dias de hoje, mas primariamente, ocorre
pela inibição da enzima COX, enzima que catalisa a incorporação de uma molécula de oxigênio ao AA para a
produção de eicosanóides nas membranas celulares (Vane, 1971) e está presente possivelmente em todos os
tipos de células, excluindo os eritrócitos. Conseqüentemente, há o bloqueio da síntese de PGs e dos efeitos
deletérios destas.
Há pelo menos duas isoformas de ciclooxigenase, composta por 600 aminoácidos, os quais 60% são
homólogos, sendo o que as difere é uma leve alteração na estrutura dos seus longos canais hidrofóbicos.
A maioria dos AINES atua por meio da ligação reversível ao local de ação do chamado complexo
enzimático COX, onde se ligaria o AA. Portanto, os AINES inibem de forma competitiva a ligação do AA a este
complexo (figura 2) (Taylor, 1999). No caso da COX-2, o canal hidrofóbico é maior e mesmo quando o AINES está
ligado, ainda há a possibilidade que o AA se ligue ao complexo enzimático COX. Neste caso, o AINES é
considerado um fraco inibidor de COX-2 ou inibidor não seletivo de COX-2. O ácido acetilsalicílico é o único
AINES que se liga de forma irreversível ao complexo, e portanto, não permite que a atividade da enzima COX seja
readquirida até que novas sejam formadas pelas células (figura 2).
Desta forma, os AINES foram classificados em três classes, baseados na maneira a qual se ligam aos
complexos enzimáticos COX. A classe I seria os AINES, em sua maioria, que se ligam de forma simples,
competitiva e de forma reversível. A classe II difere da classe I pela sua ligação tempo-dependente, de forma
rápida, seguida da formação de um complexo que se dissocia de forma lenta, como resultado de uma alteração
transicional (ex. ácido meclofenâmico). A classe III seria da aspirina e dos salicilatos, que formam uma ligação
tempo-dependente, competitiva, irreversível, com a modificação covalente do complexo enzimático COX.
A COX-1 é a forma constitutiva da enzima encontrada em diversos tecidos e é responsável pela
regulação da homeostase por meio da produção de PGs na mucosa gastrointestinal, pela agregação plaquetária e
manutenção do fluxo sanguíneo renal. A COX-2 também é expressa em baixas concentrações nas células
endoteliais e do músculo liso, condrócitos, fibroblastos, monócitos, macrófagos, células sinoviais e órgãos como os
ovários, cérebro e os rins, atuando em funções importantes como a ovulação e o parto. Entretanto, primariamente,
é induzida pelo dano ou lesão tecidual, ativando a cascata de inflamação e produzindo eicosanóides, mediadoras
da inflamação que aumentam a transmissão de impulsos nociceptivos para o cordão espinhal, principalmente nos
estágios iniciais da inflamação (Fu et al., 1990; Kujubu et al., 1991), nos casos de inflamação, infecção e
neoplasias. Diversas citocinas e outros mediadores inflamatórios, como as IL-1 , IL-1 , fator de necrose tumoral
(FNT)- , fator de crescimento epidermal e derivado das plaquetas podem rapidamente induzir a formação de
COX-2 (Smith, 1998).
Sucintamente, a inibição da COX-1 está relacionada aos efeitos adversos dos AINES, enquanto que a
inibição da COX-2 é responsável pelas propriedades antiinflamatórias.
Todavia, já há estudos demonstrando a ação da COX-2 na produção de mediadores antiinflamatórios na
fase tardia ou de resolução da inflamação (Gilroy et al. 1999). Pela COX-2 estar presente também em atividades
homeostáticas, acredita-se que possa ocorrer o atraso na cicatrização e aumento na incidência de efeitos
colaterais no rim e no trato reprodutivo, e principalmente sérios efeitos deletérios no sistema cardiovascular
18
quando há a inibição da COX-2 pelos AINES. Além disso, a COX-1 e COX-2 são expressas na forma constitutiva
no SNC, variando entre as diferentes espécies animais. Todavia, ainda não se sabe o efeito e a importância
dessas enzimas no SNC.
A existência de uma terceira forma de COX, a COX-3, identificada no SNC de cães (Chandrasekharan et
al. 2002) pode ter relação com o efeito analgésico central produzido pelos AINES, como diminuição da dor e da
febre. Acredita-se que a dipirona e o paracetamol possam ser inibidores preferenciais de COX-3. A COX-3 surge a
partir da transcrição do gene da COX-1, mas retém o intron 1 em seu mRNA.

Classificação dos AINES


Os AINES podem ser classificados de acordo com o tipo de ligação com o complexo enzimático COX
(vide mecanismo de ação), baseados na sua fórmula estrutural (figura 3) ou ainda, de acordo com sua capacidade
de inibição da COX-1 e COX-2 (tabela 1).
Baseados na sua fórmula estrutural, os AINES formam um grupo de ácidos orgânicos fracos, derivados
dos ácidos carboxílico e dos ácidos enólicos com propriedades antiinflamatórias, analgésicas (mecanismos de
ação central e periférico) e antipiréticas (mecanismo de ação central). Dentro desta classificação, podem ser
classificados como ácidos salicílicos, acético, propiônico, fenâmico, pirazolonas, oxicam (tabela 1).
Os AINES ainda foram classificados por Lees et al. (2004), de acordo com sua capacidade de inibição da
COX-1 e COX-2, podendo ser divididos em inibidores não seletivos (piroxicam, ácido acetilsalicílico, indometacina,
ibuprofeno, paracetamol, fenilbutazona, cetoprofeno, ácido meclofenâmico, ácido tolfenâmico), inibidores
preferenciais de COX-2 (meloxicam, carprofeno, nimesulida, etodolac) e inibidores seletivos de COX-2, que
incluem os coxibs, divididos em primeira geração (celecoxib, rofecoxib e etoricoxib) e segunda geração
(lumaricoxib, valdecoxib, parecoxib), além do vedaprofeno. O deracoxib e o firocoxib são inibidores seletivos de
COX-2 desenvolvidos para o uso veterinário (Lees et al., 2004; McCann et al., 2004). Finalmente, há uma classe
chamada de inibidores de COX e 5-lipooxigenase (liclofelone e tepoxalina), pois inibem ambas as vias da
inflamação (Lees et al., 2004).
O uso em Medicina Veterinária de inibidores preferenciais e seletivos de COX-2 aumentou a margem de
segurança terapêutica e resultou na diminuição dos efeitos colaterais quando comparados aos inibidores não
seletivos (Luna et al., 2007), mas mesmo estes fármacos podem causar úlceras gastrointestinais, principalmente
quando doses e intervalos adequados não são respeitados, ou ainda, quando o AINES é associado ao uso de
corticóides (Lascelles et al., 2005b). Provavelmente, isto se deve aos efeitos colaterais serem relacionados a
outros tipos de mecanismos de ação e não só apenas à inibição das PGs. A tepoxalina, apesar de pouco seletiva
para COX-2, possui uma ampla margem de segurança para uso em cães com osteoartrite crônica, provavelmente
devido à inibição da 5-LO e por algumas propriedades farmacocinéticas intrínsecas do fármaco.

COXIBES: Uma nova subclasse de AINES


A necessidade de desenvolvimento de AINES mais eficazes e que apresentassem menores efeitos
colaterais, intensificou as pesquisas nos últimos anos. O resultado foi a introdução de uma nova subclasse de
AINES: os coxibs, fármacos que possuem o sufixo coxib e que inibem COX-2, mas possuem pouquíssima
atividade sobre COX-1. Devido à forma molecular destes compostos (figura 3), há uma limitação na inibição de
COX-1, mesmo em doses apropriadas que inibam a COX-2. Além do uso já conhecido com outros AINES, o uso
dos coxibs tem se expandido nos campos da neurologia e oncologia.
Os fármacos deste grupo possuem um anel tricíclico ligado a um grupo sulfonamida ou sulfona, exceto
pelo lumiracoxib, que possui apenas dois anéis. Este último fármaco é um derivado do ácido fenilacético que
possui uma curta meia-vida de eliminação e uma afinidade maior por COX-2 do que os outros coxibs.
Além de apresentarem uma menor incidência de efeitos colaterais em relação aos inibidores não seletivos,
os coxibs são mais lipossolúveis e atravessam mais facilmente a barreira sangue-cérebro, o que poderia aumentar
a distribuição sistêmica destes fármacos e facilitar a inibição da COX-2 no SNC, visto que há um incremento da
produção de PGE2 no SNC após estímulos nociceptivos.
Estudos recentes com os coxibs demonstraram que há um efeito promissor no tratamento contra o
crescimento de células neoplásicas, visto que a COX-2 é expressa em células mesenquimais e podem
potencializar o crescimento do tumor por estimular os fatores de crescimento (VEGF, bFGF, HGF), a angiogênese,
a resistência à apoptose e a invasão tumoral. Alguns tumores possuem concentrações elevadas de PGE2, o que
aumenta a expressão de COX-2 no local, mas não nas células normais. Um estudo retrospectivo recente
demonstrou um aumento no tempo de sobrevida em cães com carcinoma prostático que foram tratados com
meloxicam e carprofeno (Sorenmo et al. 2004).

19
Entretanto, os efeitos destes AINES no sistema cardiovascular têm sido objeto de discussão devido ao
aumento na taxa de mortalidade e aumentam o risco de problemas cardiovasculares, relatados no homem e
experimentalmente em porcos, com o uso de inibidores seletivos COX-2, visto que a expressão da COX-2
aumenta após infarto do miocárdio e é importante na preservação da função ventricular esquerda (Mengle-Gaw &
Schwartz, 2002; Timmers et al. 2007). Entretanto, outros estudos de meta análise envolvendo milhares de
pacientes humanos não conseguiram demonstrar o aumento na incidência de eventos cardiovasculares com o uso
do celecoxib comparados a outros AINES ou com pacientes que receberam placebo (White et al. 2007).

Outros efeitos farmacológicos importantes na terapia com AINES

EFEITOS ANALGÉSICOS DOS AINES E OUTROS MECANISMOS DE AÇÃO


Os AINES exercem seu efeito analgésico principalmente por meio da inibição da produção de PGE2 e
PGF2 . A PGE2 aumenta as concentrações de AMP cíclico nos nociceptores e com isso, diminui o limiar
nociceptivo. Esta sensibilização dos nociceptores depende, basicamente, da liberação da PGE2 e da prostaciclina
(PGI2) (figura 4 e 5), que por meio de um mecanismo de transdução intracelular metabotrópico, com ativação de
proteína G estimuladora da enzima adenilato ciclase, eleva as concentrações de AMPc e CA++, culminando na
diminuição do limiar de excitabilidade, facilitando a ativação do nociceptor. Desta forma, a sensação de dor surgirá
mesmo após estímulos de baixa intensidade que seriam incapazes de causar dor no tecido normal (hiperalgesia).
Como a PGI2 é liberada continuamente por células endoteliais, sua ação sensibilizante neuronal poderia estar
presente em dores com disfunções vasculares e dores relacionadas à cefaléias (figura 5). Este tipo de dor, em
geral, responde bem e rapidamente aos AINES, pois uma vez bloqueada a síntese de PGI2, a dor é abolida em
função da redução da sensibilização do nociceptor. Por outro lado, a PGE2 induz uma sensibilização de lenta
progressão (1-2h) e que persiste por um período longo (6h). Este tipo de hiperalgesia é característica dos
processos inflamatórios, assim algumas dores viscerais (útero, intestinais, ureteres – figura 5). Neste caso, os
AINES não possuem eficácia imediata, mesmo que ocorra a inibição da síntese de PGE2.
Estudos recentes ainda sugerem outros mecanismos de ação, principalmente a nível molecular. Por
exemplos, bloqueio de receptores para prostaglandina (ácido meclofenâmico), propriedades anti-bradicinina
(flunixin, cetoprofeno, ácido tolfenâmico), inibição da liberação de enzimas, como a -glucuronidase, ou de
citocinas, como a IL-6 (carprofeno) ou ainda a inibição da 5-LO (tepoxalina) (Lees et al. 2004). Estes mecanismos
adicionais diferem entre os fármacos e provavelmente possam contribuir para as propriedades farmacológicas,
toxicológicas e terapêuticas dos AINES e talvez expliquem por que fracos inibidores de COX, como o carprofeno,
podem ser clinicamente efetivos. Entretanto, a extensão destes efeitos ainda é incerta.
A liberação de peptídeos opióides endógenos, o bloqueio da liberação de serotonina e mecanismos que
envolvem antagonistas de receptores N-metil D-aspartato podem estar relacionados aos efeitos analgésicos. Os
AINES podem ter atividade sobre o metabolismo celular, sistema de segundo mensageiro e efeitos
antinociceptivos no SNC (Vangeas & Schaible, 2001).
Acredita-se que a dipirona, além de inibir a síntese de PGE2, possa atuar aumentando a liberação de
encefalinas. Adicionalmente, a dipirona parece atuar perifericamente no nociceptor de forma similar à morfina, por
meio da liberação de óxido nítrico. Este por sua vez, elevaria os níveis de GMPc, levando à abertura de canais de
+
K , sensíveis ao ATP, com a subseqüente e rápida elevação do limiar de excitabilidade neuronal.

EFEITOS ANTI TÉRMICOS


O processo febril é desencadeado pela PGE2 liberada das células endoteliais dos vasos sanguíneos do
hipotálamo. A endotoxina, lipopolissacarídeo produzido pelas bactérias Gram negativas são potentes indutores da
liberação de citocinas próinflamatórias na circulação (principalmente, o TNF- e a IL-1), que danificam os
leucócitos e o endotélio vascular, causando a produção de eicosanóides. A endotoxemia é caracterizada por
alterações cardiovasculares (vasoconstricção pela produção da TXA2 seguida de vasodilatação), alteração do
fluxo sanguíneo renal, febre, leucopenia e a tendência em se desenvolver coagulopatias (figura 6). É comum a
ocorrência do quadro durante a injúria isquêmica no trato gastrintestinal ou em casos de metrite. O flunixin
meglumine é o AINES de eleição para atenuar a ação das endotoxinas, em doses menores do que as
preconizadas para ação analgésica, principalmente dos efeitos cardiovasculares (Semrad et al. 1987).

20
QUADRO 1: RELAÇÃO COX 1-COX-2 (FIGURA 7)
Diversos estudos in vitro e in vivo têm determinado a atividade relativa dos AINES contra COX-1 e COX-2
e expressados pela razão COX-2/COX-1. Portanto, uma razão menor que 1,00 supõe uma atividade preferencial
do fármaco diante da COX-2, ou seja, a razão indica que um determinado AINES inibe preferencialmente COX-2
(é necessária uma concentração menor do fármaco para inibir COX-2 do que a atividade de COX-1), ou vice-versa
quando o valor é maior que 1,00. Portanto, inibidores seletivos de COX-2 possuem um valor numérico baixo,
enquanto que inibidores não seletivos de COX apresentam valores maiores.
Em razão das variações entre os resultados apresentados por diferentes pesquisadores, laboratórios,
condições experimentais (in vivo, in vitro ou ex vivo), muitas vezes, não é possível determinar as diferenças entre
os inibidores seletivos e preferenciais de COX-2, ou ainda dos inibidores não seletivos e preferenciais de COX-2.
Além disso, as razões de COX-2/COX-1 são calculadas por meio da porcentagem de inibição (50, 80 ou 95%) da
COX e diferem entre as diferentes espécies animais. Por este fato, na espécie canina, por exemplo, o carprofeno
pode ser considerado como inibidor preferencial ou seletivo de COX-2, enquanto que no cavalo, é considerado
inibidor não seletivo de COX. Da mesma maneira, o etodolac é considerado em alguns estudos como inibidor
preferencial de COX-2, e em outros, como inibidor não seletivo.
Portanto, há ainda muita controvérsia na classificação dos AINES, principalmente quanto à relação COX-
2/COX-1. Além disso, estudos recentes utilizam a relação COX-1/COX-2 de maneira inversa. Desta forma, os
valores maiores se relacionam aos inibidores preferenciais de COX-2 e baixos valores numéricos, aos inibidores
não seletivos, tornando ainda mais confuso o entendimento da relação.
Farmacocinética dos AINES
A farmacocinética de diversos AINES em diversas espécies e por diferentes vias de administração está
disponível na literatura. Estes dados não devem ser extrapolados de uma espécie para outra e
conseqüentemente, os regimes de doses e intervalos de administração devem ser determinados separadamente
para cada espécie, principalmente em relação às atividades de cada isômero do AINES, e não apenas de sua
mistura racêmica.
Os AINES são ácidos fracos com pKA que varia entre 3 e 5. São ionizados em pH fisiológico e exceto
pelos salicilatos, há um alto grau de ligação dos AINES às proteínas plasmáticas, principalmente à albumina, em
todas as espécies, o que limita sua passagem do plasma para o fluido intersticial, mas facilita a passagem para o
exsudato inflamatório. Com isso, a concentração dos AINES no exsudato inflamatório (mensurado pela área sobre
a curva), geralmente excede a do plasma. Apenas a fração não ligada às proteínas possui atividade biológica
(quadro 3).
Os AINES são lipofílicos com baixa solubilidade em água e que geralmente são formulados em sais de
sódio, o que faz com que as formulações comerciais disponíveis sejam geralmente bem absorvidas pelo trato
gastrintestinal, quando administrados pela via oral ou após injeções subcutâneas e intramusculares, com alta
biodisponibilidade nas espécies monogástricas.
A absorção de alguns AINES, como a fenilbutazona, pode ser mais lenta durante ou após a ingestão de
feno ou forragem, principalmente no caso dos eqüinos, ou ainda dependendo da formulação em óleo,
comprimidos ou cápsulas de gelatina.
Outras características em comum da farmacocinética dos AINES são baixo volume de compartimento
central e de distribuição (geralmente 200-300 ml/kg), provavelmente devido à alta ligação às proteínas
plasmáticas. Entretanto, há exceções, como é o caso do alto volume de distribuição do flunixin e do ácido
tolfenâmico em bezerros e deste último fármaco em cães, pelo alto grau de ligação aos tecidos.
O metabolismo dos AINES é primariamente hepático, após oxidação, redução, hidrólise (fase 1), seguida
de conjugação dos fármacos, visando a formação de compostos inativos, com alguns ativos, como por exemplo, a
fenilbutazona é metabolizada em oxifembutazona e o ácido acetilsalicílico em salicilato.
Os efeitos colaterais gastrintestinais causados pelos AINES podem ainda ser intensificados pela
recirculação enterohepática, processo que o fármaco é excretado pela bile para o intestino, e que leva o duodeno
a uma nova exposição à altas concentrações do AINES e talvez explique porque alguns destes possuam longa
meia-vida de eliminação (Duggan & Kwan, 1979, Galbraith & McKellar, 1991). A recirculação enterohepática de
alguns AINES, como o naproxeno, piroxicam, indometacina, flunixin, carprofeno e ácido tolfenâmico, pode estar
ligada ao aumento na incidência de úlceras gastrintestinais (Duggan & Kwan, 1979).
Os AINES e seus metabólitos são excretados pela urina. Como estes fármacos são ácidos fracos, sua
eliminação nos rins pode ser influenciada pelo pH da urina. Alguns dos AINES são excretados tanto pela urina
quanto na bile, e neste último caso, poderá existir a recirculação enterohepática.
O clearance e a meia-vida terminal variam notoriamente entre as espécies, raças e linhagens,
provavelmente devido às diferenças no clearance hepático.
21
Quadro 2: O metabolismo dos AINES nos gatos e o risco de intoxicação
O metabolismo hepático é importante para a inativação do ácido acetilsalicílico e do paracetamol, que é
conjugada pelo ácido glicurônico, catalisada por um grupo de enzimas microssomais, a uridina-difosfato-
glicuroniltransferase. Tal fato é de extrema importância na espécie felina, visto que há uma deficiência relativa na
conjugação com o ácido glicurônico em virtude das baixas concentrações das enzimas da família
glicuroniltransferase e que portanto, faz com que alguns AINES possuam uma meia-vida prolongada, com
acúmulo do fármaco, o que aumenta o risco de intoxicação nos felinos domésticos, principalmente quando são
tratados como cães de pequeno porte. Os compostos contendo fenóis, ácidos aromáticos ou aminas aromáticas
são fármacos que possuem meia-vida prolongada em gatos. Dentre os AINES, o ácido acetilsalicílico e seus
derivados podem causar intoxicação dose-dependente, com a presença de vômitos, anorexia, taquipnéia,
salivação, hipertermia, gastroenterite hemorrágica, icterícia, anemia, convulsão e morte. Uma dose única de 25
mg/kg de aspirina tem uma meia-vida plasmática de 44 horas no gato, enquanto que nos cães, este valor é de 7
horas. A dipirona é um antipirético composto por um derivado fenólico e que, assim como a aspirina, deve ser
administrada com cuidados. O paracetamol e a fenacetina são extremamente tóxicos para o gato provocando a
conversão da hemoglobina em metemoglobinemia (que não transporta o oxigênio). Neste caso, o metabólito tóxico
N-acetil-p-benzoquinona é inativado pela conjugação com o glutatião hepático e com os eritrócitos, causando
lesão oxidativa e hepatocelular.
Outros AINES potencialmente tóxicos para a espécie são o paracetamol, a fenilbutazona, ibuprofeno,
ácido meclofenâmico, naproxeno. Portanto, deve-se optar pelo uso de AINES mais seletivos para COX-2, como o
carprofeno e o meloxicam.

Quadro 3: A importância biológica da ligação dos AINES às proteínas plasmáticas


O uso concomitante de outros fármacos, como sulfonamidas, quinolonas, anticoagulantes,
benzodiazepínicos e anestésicos gerais, que também possuam alto grau de ligação às proteínas plasmáticas,
poderá acarretar na saturação dos sítios de ligação proteicos, e aumentar as interações terapêuticas e/ou tóxicas.
Portanto, animais hipoproteinêmicos estão mais sujeitos à intoxicação por AINES.
A ligação dos AINES com as proteínas plasmáticas talvez explique a atividade terapêutica prolongada dos
AINES. Em estudos farmacocinéticos, os AINES apresentam meia-vida de eliminação curta e clearance rápido,
mas geralmente são administrados a cada 24 horas, pois a sua concentração no exsudato inflamatório se mantém
elevada por mais tempo do que a concentração plasmática. Conclui-se que meia-vida plasmática não é um fator
importante na determinação de dose-intervalo de um AINES.
A penetração dos AINES nos fluidos sinoviais depende das características do composto, mas geralmente
chega a 60% da concentração plasmática, principalmente devido às baixas concentrações de proteínas dentro do
fluido. Na presença de sinovite, a concentração do AINES aumenta e pode exceder a concentração plasmática,
devido ao aumento da permeabilidade vascular local (Moses & Bertone, 2002).
Neste mesmo contexto, apenas a fração livre do AINES está disponível para o processo de filtração nos
capilares glomerulares e excreção renal.

Efeitos colaterais e contra-indicações


Todos os AINES inibem ambas as formas de COX, e, portanto, influenciam tanto na homeostase do
organismo, quanto na produção de eicosanóidess. A preservação da mucosa gástrica, o fluxo sanguíneo renal e a
função plaquetária são de particular importância. Os efeitos tóxicos dos AINES são geralmente resultantes da
quebra de ao menos um desses mecanismos homeostáticos. Conseqüentemente, estes fármacos apresentam um
pequeno índice de segurança terapêutica. Os efeitos colaterais mais comuns são: inapetência, letargia, dores
abdominais, irritação gástrica, úlceras gastrintestinais, diarréia, vômito, melena, desenvolvimento de enteropatias
com perda de proteínas, lesão hepática e renal, degradação articular e aumento do tempo de sangramento pela
alteração na agregação plaquetária (Mathews, 1996).
Em razão do seu mecanismo de ação, os antiinflamatórios são contra-indicados em casos de lesão
hepática ou renal, depleção do volume sanguíneo (animais desidratados, hipovolêmicos, choque séptico ou
hipovolêmico), insuficiência renal, coagulopatias, como nos casos de erliquiose, em animais com histórico de
doença gastrintestinal, ou intolerância ao uso de antiinflamatórios. Além disso, exceto pelo meloxicam e
carprofeno, os AINES estão restritos ao uso pós-operatório. As contra-indicações são principalmente para cães e
gatos, os quais são mais susceptíveis aos efeitos colaterais, e em pacientes geriátricos, devido à alteração da
farmacocinética dos AINES com a idade do animal, aumentando a probabilidade de ocorrência de efeitos
adversos. Nestes casos, o uso de antagonistas de receptores H2 e sucralfatos pode ser útil na prevenção ou no
22
tratamento de úlceras gastrintestinais. Animais com menos de seis semanas de idade podem não eliminar
fármacos de maneira adequada devido a imaturidade do sistema hepático e dos mecanismos de clearance renal
(Davis et al. 1973)
Em relação ao uso clínico, é importante lembrar que a eficácia e a toxicidade de um AINEs varia
individualmente e a monitoração dos efeitos colaterais é obrigatória. Animais que necessitem do tratamento
prolongado, nos casos de dor crônica, as doses e intervalos de administração devem ser ajustadas até que a
menor dose com o maior benefício possa ser alcançada.
Alguns AINES podem atravessar a barreira placentária em animais gestantes e se concentrar nos tecidos
fetais.

Alterações gastrointestinais
Apesar da eficácia e da segurança dos inibidores preferenciais e seletivos de COX-2 serem relatadas em
cães e eqüinos (Vasseur et al., 1995; Mathews et al., 2001, McCann et al. 2004), alguns estudos recentes em cães
demonstraram que mesmos estes fármacos mais modernos podem causar efeitos colaterais e até morte
(Lascelles et al., 2005b). A administração de AINES é o fator predisponente mais comum de úlceras
gastrintestinais na espécie canina (Stanton & Bright, 1989). Nestes casos, doses elevadas foram utilizadas ou os
AINES foram associadas à AINES. No estômago, as PGE2 e PGI2 protegem a mucosa gástrica por meio da
secreção de muco protetor ao longo do trato gastrintestinal e regulam a produção do ácido gástrico aumentando a
secreção de bicarbonato e espessando a mucosa, o que é essencial para a proteção do trato contra erosões e
úlceras. Importância equivalente é a manutenção da microcirculação do estômago, através da vasodilatação
mediada pelas PGs. Portanto, a inibição das PGs pela administração de AINES pode acarretar úlceras
gastrintestinais e outros efeitos colaterais, como diarréia, vômito e melena.
Por outro lado, o fenômeno de adaptação gástrica, o qual o estômago pode se adaptar a terapias
prolongadas com AINES, pode explicar a ausência de efeitos colaterais, mesmo quando inibidores não seletivos
são utilizados de forma errônea. Esta adaptação ocorre quando o estômago aumenta o fluxo sanguíneo local,
reduz o infiltrado inflamatório e aumenta a regeneração da mucosa celular, e é visto geralmente após 14 dias de
administração (Graham et al. 1988)

Alterações renais
Nos rins, a auto-regulação do fluxo sanguíneo renal mantém uma perfusão normal face às variações na
pressão arterial sistêmica. Este fenômeno é controlado por uma gama de processos e por meio da síntese e o
metabolismo das PGs, que exercem uma importante papel na regulação do fluxo sanguíneo, filtração glomerular,
modulação da liberação da renina, transporte tubular de íons e metabolismo hídrico. As PGE2 (medula) e PGI2
(glomérulo) estão em contínua atividade na manutenção da dilatação da artéria aferente, e às vezes, nos casos de
diminuição do fluxo sanguíneo renal, e são de extrema importância para a manutenção da hemodinâmica renal.
Os cães aparecem como a espécie mais susceptível a estas variações, como no caso de uma hipotensão arterial.
Portanto, em casos de hipovolemia (perda sanguínea, anestesia, peritonite, insuficiência cardíaca, choque
hipovolêmico ou séptico), quando AINES são administrados, haverá a inibição das PGs e portanto, na
possibilidade de hipoperfusão, a ocorrência de insuficiência renal aguda.
Os AINES não devem ser utilizados na presença de insuficiência renal ou associados com outros agentes
nefrotóxicos.

Alterações na hemostasia
A agregação plaquetária é dependente do TX, produzida pela COX localizada nas plaquetas. A COX-1 é a
enzima fundamental nesse processo, produzindo na plaqueta uma endoperoxidase precursora do TXA2. A inibição
da COX pode então resultar em distúrbios da coagulação. A prostaciclina localizada no epitélio vascular regula a
atividade plaquetária e tende a neutralizar o efeito do TX. Em adição, a prostaciclina é um potente vasodilatador,
enquanto a que o TX é um fraco vasoconstrictor. A inibição da COX pelos AINES vai atingir diretamente a
agregação plaquetária, dependendo da COX inibida e seu local. O aumento do tempo de sangramento é um risco
a ser levado em consideração com o uso dos AINES, mas isto não é normalmente um problema clínico que
contra-indique o uso do AINE no período perioperatório.

Alterações nas cartilagens, articulações e no líquido sinuvial


A sinovite e a inflamação das articulações produz altas concentrações de citocinas, particularmente da IL-
1 , que estimula a produção de PGE2 e faz com que os sinoviócitos e condrócitos produzam enzimas proteolíticas
23
como a colagenase, caseinase e estromelisina que são capazes de quebrar a matriz cartilaginosa. Os AINES
podem interferir na síntese de proteoglicanos, metabolismo da membrana sinovial e na atividade osteoblástica e
dos osteoclastos, de forma dose-dependente. A inibição da síntese de PGE2 pode diminuir a efusão nas
articulações, melhorar os quadro de claudicação, diminuir o processo inflamatório do fluido sinovial, reduzindo
assim os sinais clínicos das inflamações articulares crônicas, caracterizadas por dor, sinovite e deterioração
progressiva da cartilagem articular.

Interações medicamentosas
A furosemida e os inibidores da enzima conversora de angiotensina estimulam a produção de
prostaglandina para aumentar o fluxo sanguineo renal, produzir vasodilatação e natriurese. Portanto, o uso
concomitante dos AINES podem diminuir a eficácia destes fármacos.O uso concomitante destas duas classes de
antiinflamatórios deve ser evitada. Os corticóides inibem a enzima fosfolipase A2, enzima que libera o AA das
membranas celulares fosfolipídicas. Os AINES inibem a enzima COX, que catalisa a conversão do AA em
prostaglandinas e tromboxanas, portanto o risco de efeitos adversos é maior quando ambas as classes são
administradas.

Principais AINES de uso atual em Medicina Veterinária e suas respectivas aplicações.


Os AINES são considerados como uma das melhores classes de analgésicos para prevenir e tratar a dor
pós-operatória. São indicados nos casos de edema e inflamação, principalmente nas desordens músculo-
esqueléticas.
A maioria dos AINES possui potente atividade anti-inflamatória e analgésica. A diferenciação dos fármacos
se dá principalmente pela incidência dos efeitos colaterais. Em geral, inibidores não seletivos não devem ser
utilizados por mais de dois ou três dias. Para o tratamento, por exemplo, de osteoartrite crônica ou outras afecções
que necessitem a administração diária de AINES por meses, o profissional deve respeitar as doses e intervalos
para cada espécie, assim como o fármaco mais adequado.
Em bovinos, os AINES são amplamente utilizados nas doenças respiratórias agudas, associados aos
antibióticos e no tratamento das injúrias músculo-esqueléticas, assim como nos eqüinos e asininos. Nestes dois
últimos, possuem papel importante no tratamento das dores abdominais, popularmente conhecidas como “cólicas”
e nos quadros de laminite em cavalos.
Carprofeno
O carprofeno é um AINES derivado do ácido arilpropiônico comumente utilizado em cães e gatos, no
período pré-operatório. Possui propriedades analgésicas, antipiréticas e antiinflamatórias, com grande eficácia
para procedimentos ortopédicos e de tecidos moles nesta espécie. É amplamente utilizado em cães com
osteoartrite crônica. Sua farmacocinética é bem conhecida em diversas espécies.
O mecanismo de ação do carprofeno ainda é desconhecido, mas estudos sugerem que não há inibição da
lipoxigenase e que, portanto, não afeta a síntese de mediadores inflamatórios derivados do leucotrieno (Taylor et
al., 1996). Estudos, ex vivo e in vivo, demonstraram que há uma fraca inibição da COX em eqüinos, cães, bovinos
e em gatos, o que torna seu mecanismo de ação analgésico peculiar e possibilita uma maior segurança
terapêutica no uso clínico do que outros AINES, já que a gênese de úlceras gastrintestinais é correlacionada com
a inibição da COX. Além disso, o metabolismo do carprofeno independe da conjugação glucurônica, que resulta
na ação prolongada de diversos AINES e eleva a toxicidade desta classe de analgésicos, principalmente em
gatos, que possuem uma menor produção da enzima hepática glucuronidase.
Quando administrado pela via SC, o carprofeno é rapidamente absorvido e sua biodisponibilidade é de
100%. Tanto esta via, como a via IV são indicadas para uso clínico (Taylor et al. 1996).
O carprofeno pode ser utilizado em bezerros com doença respiratória com inflamação aguda e em
eqüinos, nas desordens osteomusculares.
Cetoprofeno
O cetoprofeno é um derivado do ácido propiônico e um potente inibidor da COX sem seletividade para
COX-2. Difere dos outros AINES por inibir também a via da lipoxigenase e da síntese de leucotrienos. Entretanto,
não há estudos comprovando a inibição efetiva da produção de leucotrienos (Moses & Bertone, 2002). A
agregação plaquetária é inibida pela administração pré-operatória de cetoprofeno, limitando seu uso ao pós-
operatório.
O cetoprofeno pode ser utilizado em cães, gatos, vacas e em eqüinos. Comercialmente, está disponível na
forma racêmica, tanto em preparação oral como injetável, mas não deve ser utilizado por períodos acima de 5

24
dias. Pode ser utilizado no pós-operatório de cirurgias, em bezerros com pneumonia ou ainda em vacas com
mastite.
Deracoxib
O deracoxib é um inibidor seletivo de COX-2 da classe dos coxibs, similar ao rofecoxib e ao celecoxib
disponíveis para uso na espécie humana. Não é comercializado no Brasil, mas é um dos fármacos AINES de
grande uso na pós-operatório e na osteoartrite canina nos EUA, com ampla margem de segurança. Entretanto,
mesmo apresentando alta seletividade para COX-2, estudos recentes relataram a incidência de perfuração
gastrointestinal em cães, quando doses elevadas e intervalos inadequados foram utilizados, principalmente
quando administrados concomitantemente com corticóides (Lascelles et al 2005b). A farmacocinética do deracoxib
é conhecida apenas em gatos.
Diclofenaco
O diclofenaco exerce potentes ações analgésicas, antitérmicas e antiinflamatórias. É um inibidor não
seletivo da COX e sua potência é significativamente maior do que da indometacina, dos ácidos propiônicos e de
outros AINES. O diclofenaco parece influenciar também a síntese de leucotrienos já que tem sido observado um
efeito redutor das concentrações intracelulares do ácido araquidônico livre. Clinicamente, o diclofenaco não é mais
utilizado em Medicina Veterinária, entretanto ainda é administrada principalmente em cães e gatos, por
proprietários leigos, o que leva à intoxicação, causando grave gastroenterite hemorrágica, vômitos e morte por
hipovolemia, devido ao forte efeito depressor sobre a COX-1.
Dipirona (metamizol)
A dipirona é utilizada na maioria das espécies domésticas. Comercialmente, o fármaco pode vir associado
à escopolamina (hioscina), um anti-espasmódico e anti-colinérgico. Tal formulação é bastante utilizada nos
eqüídeos, nos casos de “cólica”. Sua absorção é rápida, com boa biodisponibilidade, após a administração oral.
Possui boa propriedade analgésica e antipirética, porém fraca atividade antiinflamatória, provavelmente pela baixa
ligação à proteínas plasmáticas e conseqüentemente baixas concentrações no foco inflamatório, por ser
rapidamente metabolizado. De fato, embora seja eficaz no alívio da dor entre leve e moderada, tem um efeito
analgésico de curta duração.
A administração intramuscular pode provocar reação local e abscessos, além de ser dolorosa. É um
fármaco não licenciado para animais que se destinem ao consumo humano, uma vez que o seu uso está proibido
há décadas nos Estados Unidos e Europa, por causar aplasia de medula óssea.
Firocoxib
O firocoxib é um potente inibidor seletivo de COX-2, desenvolvido especificamente para uso veterinário
(McCann et al., 2004). As concentrações plasmáticas de firocoxib, após doses terapêuticas são capazes de inibir
COX-2 com pouco impacto na atividade de COX-1, como a maioria dos coxibs (McCann et al., 2004). Em estudos
clínicos, o firocoxib foi altamente efetivo e aceitável no controle da dor e inflamação associada à osteoartrite
canina, com raros efeitos adversos. Em estudo recente em cães (Steagall et al. 2007), o firocoxib não causou
nenhum efeito colateral no trato gastrintestinal após 28 dias de administração.
Fenilbutazona
A fenilbutazona é amplamente utilizada na espécie eqüina, nas desordens músculo-esqueléticas e no pós-
operatório imediato. Entretanto, devido a sua solução de pH ácido poder causar sérias irritações quando
administrada pela via subcutânea ou intramuscular, a via intravenosa é sugerida. Em razão disto, a incidência de
tromboflebite, por injeções extra-vasculares, é alta, e portanto, deve haver antissepsia adequada e cuidado à
injeção. Juntamente com o cetoprofeno, a fenilbutazona diminui a dor e a ocorrência de claudicação em cavalos
com laminite
Flunixin-meglumine
O flunixin é um potente antiinflamatório e analgésico, com inibição preferencial de COX-1. A principal
indicação do flunixin é para uso cirúrgico. Todavia, há relatos da ocorrência de insuficiência renal aguda, aumento
da concentração de ALT e úlceras gastrintestinais com o uso do flunixin em cães (embora doses elevadas e
intervalos de administração não foram respeitados, em cães anestesiados), e portanto, o medicamento deve ser
administrado no pós-operatório e por no máximo, dois ou três dias.
Alguns estudos já demonstraram os efeitos anti-endotoxêmicos com o uso do flunixin-meglumine em
doses reduzidas (1/4 da dose total) em relação à dose que apresenta efeitos antiinflamatórios e analgésicos. Por
esse motivo, é largamente usado em casos de choque endotoxêmico, principalmente durante o início do quadro
clínico (quadro 3). Em vacas com pneumonia, seu uso tem sido bem sucedido quando associado a antibióticos.
Em asininos, o seu perfil farmacocinético é diferente do que nos eqüinos, e a eliminação do flunixin, e
também da fenilbutazona ocorre de forma mais rápida.

25
Meloxicam
O meloxicam é amplamente utilizado no tratamento de desordens músculo-esqueléticas associadas à dor
e inflamação. Entretanto, estudos atuais demonstram uma grande variação na ocorrência de efeitos colaterais,
principalmente em cães e gatos e quando as doses são maiores ou extrapoladas de uma espécie para outra.
Estudos in vitro sugerem que o meloxicam é capaz de inibir a síntese de PGE2 sem afetar a síntese de
proteoglicano ou os níveis de colágeno do tipo II, diferente do ácido acetil-salicílico, que diminui a produção de
proteoglicano e da prolifração celular. Comparado a outras espécies, os cavalos apresentam uma rápida
eliminação e tempo de residência curto, mas estes parâmetros farmacocinéticos são ainda menores que nos
asininos, tornando a administração do meloxicam em burros e mulas, impraticável.
Vedaprofeno
Em modelos experimentais de inflamação de eqüinos, o vedaprofeno demonstrou ser um inibidor da
síntese de PGE2, TX, edema, inchaço e da infiltração leucocitária (Lees et al. 1999). Em gatos, demonstrou boa
eficácia analgésica no pós-operatório e no tratamento da febre provocada por doença do trato respiratório superior
(Lopez et al. 2007).
Em cães, o vedaprofeno é rapidamente absorvido do trato gastrintestinal com alta biodisponibilidade
(Hoiejmakers et al. 2005). No tratamento da osteoartrite foi comparado à eficácia do meloxicam, com baixa
incidência de efeitos colaterais.

Bibliografia
Chandrasekharan, N.V., Dai, H., Roos, K.L., Evanson, N.K., Tomsik, J., Elton, T.S., Simmons, D.L. (2002) COX-3,
a cyclooxygenase-1 variant inhibited by acetaminophen and other analgesic/antipyretic drugs: cloning, structure,
and expression. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 15, 13926-
13931.
Davis, L.E., Westfall, B.A., Short, C.R. (1973) Biotranformation and pharmacokinetics of salyclate in newborn
animals. American Journal of Veterinary Research, 34, 1105-1108.
Duggan, D.E., Kwan, K.C. Enterohepatic recirculation of drugs as a determinant of therapeutic ratio. Drug
metabolism reviews, 9, 21-41.
Fu, J.Y., Masferrer J.L., Seibert, K., Raz, A., Needleman, P. (1990) The induction and supression of prostaglandin
H2 synthase (cyclooxygenase) in human monocytes. Journal of Biological Chemistry, 265, 16737-16740.
Galbraith, E.A., McKellar, Q.A. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of piroxicam in dogs. Veterinary Record,
128, 561-565.
Gilrow, D.W., Colville-Nash, P.R., Willis, D., Chivers, J., Paul-Clark, M.J., Willoughby, D.A. (1999)
Inducible cyclooxygenase may have anti-inflammatory properties. Nature Medicine, 5, 621-622.
Graham, D.Y., Smith, J.L., Spjut, H.J., Torres, E. (1988) Gastric adaption: studies in humans during continuous
aspiring administration. Gastroenterology, 95, 327-333.
Hoeijmakers, M., Coert, A., Helden, H., Horspool, L.J. (2005) The pharmacokinetics of vedaprofen and its
enantiomers in dogs after single and multiple dosing. Journal of Veterinary Pharmacology and Therapeutics, 28,
305-312.
Knapp, D.W., Richardson, R.C., Chan, T.C., Bottoms, G.D., Widmer, W.R., DeNicola, D.B., Teclaw, R., Bonney,
P.L., Kuczek, T. Piroxicam therapy in 34 dogs with transitional cell carcinoma of the urinary bladder. Journal of
Veterinary Internal Medicine, 8, 273-278.
Kujubu, D.A., Fletcher, B.S., Varnum, B.C., Lim, R.W., Herschman, H.R. (1991) TIS10, a phorbol ester tumor
promoter-inducible mRNA from Swiss 3T3 cells, encodes a novel prostaglandin synthase/cyclooxygenase
homologue. Journal of Biological Chemistry, 22, 12866-12872.
Lascelles, B.D.X., McFarland, J.M., Swann, H. (2005a) Guidelines for safe and effective use of NSAIDs in dogs.
Veterinary Therapeutics, 6, 237-251.
Lascelles, B.D.X., Blikslager, A.T., Fox, S.M., Reece, D. (2005b) Gastrointestinal tract perforation in dogs treated
with a selective cyclooxygenase-2 inhibitor: 29 cases (2002-2003). Journal of the American Veterinary Medical
Association, 227, 1112-1117.
Lees, P., May, S.A., Hoeijmakers, M., Coert, A., Rens, P.V. (1999) A pharmacodynamic and pharmacokinetic study
with vedaprofen in an equine model of acute nonimmune inflammation. Journal of Veterinary Pharmacology and
Therapeutics, 22, 96-106.

26
Lees, P., Landoni, M.F., Giraudel, J., Toutain, P.L. (2004) Pharmacodynamics and pharmacokinetics of non
steroidal anti-inflammatory drugs in veterinary species. Journal Veterinary of Pharmacology and Therapeutics, 27,
479-490.
Lopez, S. Pertuy, S., Horspool, L., Van Laar, P., Rutten, A. (2007) Vedaprofen therapy in cats with upper
respiratory tract infection or following ovariohysterectomy. The Journal of Small Animal Practice, 48, 70-75.
Luna, S.P. L., Basílio, A.C., Steagall, P.V.M., Machado, L.P., Moutinho, F.Q., Takahira, R.K., Brandão, C.V.S.
(2007) Evaluation of adverse effects of long-term oral administration of carprofen, etodolac, flunixin meglumine,
ketoprofen and meloxicam in dogs. American Journal of Veterinary Research (in press).
Mathews, K.A. (1996) Nonsteroidal anti-inflammatory analgesics in pain management in dogs and cats. The
Canadian Veterinary Journal, 37, 539-545.
Mengle-Gaw, L.J., Schwartz, B.D. Cyclooxygenase-2 inhibitors: promisse or peril (2002) Mediators of Inflammation,
11, 275-286.
McCann, M.E., Andersen, D. R., Zhang, D., Brideau, C., Black, W.C., Hanson, P.D., Hickey, G.J. (2004) In vitro
effects and in vivo efficacy of a novel cyclooxygenase-2 inhibitor in dogs with experimentally induced synovits.
American Journal of Veterinary Research, 65, 503-512.
Moses, V.S., Bertone, A.L. Nonsteroidal anti-inflammatory drugs. The Veterinary clinics of North America. Equine
practice, 18, 21-37.
Papich, M.G. (1997) Principles of analgesic drug therapy. Seminars in Veterinary Medicine and Surgery (Small
Animal), 12, 80-93.
Semrad, S.D., Hardee, G.E., Hardee, M.M., Moore, J.N. (1987) Low dose flunixin meglumine: effects on eicosanoid
production and clinical signs induced by experimental endotoxaemia in horses. Equine Veterinary Journal, 19, 201-
206.
Smith, T.J. (1998) Cyclooxygenase as the principle targets for the action of NSAIDs. Rheum Dis Clin North Am 24,
501-521.
Sorenmo, K. U., Goldschmidt, M.H., Shofer, F.S., Goldkamp, C., Ferracone, J. (2004) Evaluation of
cyclooxygenase-1 and cyclooxygenase-2 expression and the effect of cyclooxygenase inhibitors in canine prostatic
carcinoma. Veterinary and Comparative Oncology, 2, 13–23.
Stanton, M.E. & Bright, R.M. (1989) Gastroduodenal ulceration in dogs: retrospective study of 43 cases in literature
review. Journal of Veterinary Internal Medicine, 3, 238-244.
Steagall, P.V.M., Mantovani, F.B., Ferreira, T.H., Salcedo, E.S., Moutinho, F.Q., Luna, S.P.L. (2007) Evaluation of
the adverse effects of oral firocoxib in dogs. Journal Veterinary Pharmacology and Therapeutics (in press).
Taylor, P.M., Delatour, P., Landoni, F.M., Deal, C., Pickett, C., Shojaee Aliabadi, F., Foot, R., Lees, P. (1996)
Pharmacodynamics and enantioselective pharmacokinetics of carprofen in the cat. Research in Veterinary Science,
60, 144-151.
Taylor, P.M. (1999) Newer analgesics. Nonsteroid anti-inflammatory drugs, opioids, and combinations. The
Veterinary clinics of North America. Small Animal Practice, 29, 719-735.
Timmers, L., Sluijter, J.P., Verlaan, C.W., Steendijk, P., Crammer, M.J., Emons, M., Strijder, C., Grundeman, P.F.,
Sze, S.K., Hua, L., Piek, J.J., Borst, C., Psaterkamp, G., De Kleijn, D.P. (2007) Cyclooxygenase-2 inhibition
increases mortality, enhances left ventricular remodeling, and impairs systolic function after myocardial infarction in
the pig. Circulation, 115, 326-332.
White, W.B., West, C.R., Borer, J.S., Gorelick, P.B., Lavange, L., Pan, S.X., Weiner, E., Verburg, K.M. (2007) Risk
of cardiovascular events in patients receiving celecoxib: a meta-analysis of randomized clinical trials. The American
Journal of Cardiology, 99, 91-98.
Vane, J.R. (1971) Inhibition of prostaglandin synthesis as a mechanism of action for aspirin-like drugs. Nature: New
Biology, 23, 232-235.
Vanegas, H., Schaible, H.G. (2001) Prostaglandins and cyclooxygenases [correction of cycloxygenases] in the
spinal cord. Progress in neurology, 64, 327-63.
Vasseur, P.B., Johnson, A.L., Budsberg, S.C., Lincoln, J.D., Toombs, J.P., Whitehair, J.G., Lentz, E.L. (1995)
Randomized, controlled trial of the efficacy of carprofen, a nonsteroidal anti-inflammatory drug, in the treatment of
osteoarthritis in dogs. Journal of the American Veterinary Medical Association, 206, 807-81

27
Tabela 1: Classificação química dos AINES, segundo a fórmula estrutural destes compostos

Classificação AINES
Ácidos carboxilícos
Ácido acetilsalicílico aspirina, salicilatos
Ácidos acéticos diclofenaco, etodolac, eltenac
cetoprofeno, carprofeno, ibuprofeno, naproxeno,
Ácidos propiônicos
vedaprofeno
Ácidos fenâmicos flunixin meglumine
Ácido enólico
Pirazolonas fenilbutazona, oxifenbutazona, dipirona
Oxicams meloxicam, piroxicam, tenoxicam
celecoxib, rofecoxib, deracoxib, firocoxib, parecoxib,
Inibidores seletivos de COX-2
valdecoxib, lumaricoxib, valdericoxib
Inibidores de COX e LO liclofelone, tepoxalina

28
Tabela 2: Doses terapêuticas de diversos AINES empregados em medicina veterinária

Espécie
AINES Cão Gatos Cavalo Bovino Suínos Principais Nomes comerciais
Ácido 0,5 a 1 mg/kg VO por 7 2 mg/kg VO, 24 hs por 5
5 mg/kg VO Arquel®
meclofenâmico dias dias
2,2mg/kg, VO, SC, 12h ou 4mg/kg, SC, IV, seguido
Carprofeno 0,7mg/kg, IV, VO, 24h 0,7mg/kg, IV, 24h Rymadil®, Carproflan®, Zenecarp®
4mg/kg, 24h de 2 mg/kg (1 dia)
2mg/kg seguido de 1mg/kg
2mg/kg, VO, SC, dose Biofen®, Ketofen®, Ketojet®, Profenid®
Cetoprofeno , VO, SC, 24h (max. 5 2mg/kg, IV, IM, 24h 3 mg/kg, IM, 24 hs, 3 dias
única Cetoprofeno®, Anafen®
dias)
Deracoxib 1 a 2mg/kg, VO, 24h 1 mg/kg VO, dose única Deramaxx®
Analgex V®, Buscopam composto®*, D-
Dipirona 5 a 22mg/kg, IV, 48h 500®, Dorflex®, Dipirona®, Novalgina®,
25mg/kg, IM, SC, 8-12h 10-25mg/kg, IM, SC, 24h
Anador®, Lisador®*, Finador®
Etorgesic®
Etodolac 10 a 15mg/kg, VO, 24h
Butazona®, Butazonil®, Butazolidina®,
2mg/kg, IV, VO, 24h ou 10 a 20mg/kg, VO seguido
Fenilbutazona - Não recomendada 4 mg/kg VO, IV cada 24 hs Equipalazone®, Fenilbutazona®,
4mg/kg 48h de 2,5 a 5 mg/kg, 24h
Tomanol®*
Firocoxib 5mg/kg, VO, 24h Previcox®
1mg/kg, IV, IM, VO, 24h ou
Flunixin 2mg/kg seguido de 2 mg/kg, IM, 24 hs, por
- - 0,25mg/kg, IV, 8h Banamine®, Desflan®, Flunixina®
meglumine 1mg/kg, IM,IV, 12h três dias
(antiendotoxêmica)
0,1mg/kg (2-3 d) seguido
Maxicam®, Meloxivet®
0,2 mg/kg seguido de de 0,025mg/kg e depois 0,4 mg/kg seguido de 0,2
Meloxicam 0,5 a 1mg/kg, IV,VO, 24h 0,5 mg/kg, IM, 24 hs Movatec®
0,1mg/kg, VO, SC, 24h por 0,1mg/gato (2x mg/kg, IM
Loxiflan®
semana)
10 mg/kg VO, 12 hs Tylenol®,
Paracetamol Não recomendado
(antiendotoxêmica) Tylex®, Naldecon®*
0,3mg/kg, VO, 24h (2x), Inflamene®, Piroxicam®,
Piroxicam Não recomendado 0,3 a 1 mg/kg, VO, 24hs
depois a cada 48h Feldene®, Cicladol®
Tepoxalina 10mg/kg, VO, 24h Zubrin®
0,5 – 1 mg/kg, VO, IV, 24
Vedaprofeno 0,5mg/kg, VO, dose única Quadrisol®
hs
Observação: Estas doses constituem guias gerais. Deve-se considerar as indições, contra indicações e possíveis efeitos colaterais associados a cada fármaco, que
podem diferir entre as espécies.

29
FARMACOLOGIA DOS ANALGÉSICOS OPIÓIDES

PAULO VINICIUS MORTENSEN STEAGALL


STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

Histórico e conceitos
Opióides são alcalóides naturais ou sintéticos derivados do ópio (do grego ópion), que significa “suco”,
exsudato leitoso seco extraído das cápsulas das sementes verdes (imaturas) cortadas da planta Papaver
somniferum ou papoula, originária da Ásia Menor. Após a queda da pétala da flor, a cápsula da semente é
incisada e o suco leitoso é ressecado para formar uma massa pegajosa acastanhada, a qual é colhida, seca e
pulverizada para formar o produto final.
O ópio tem sido utilizado para o combate da dor desde os primórdios da civilização. Há relatos do uso de
extrato de papoula pelos sumérios ao redor de 4.000 AC e posteriormente pelos egípcios. Os benefícios
analgésicos, sedativos e antitussígenos do ópio começaram a serem usufruídos na Europa no século XVI, durante
a Idade Média. No século XVIII, o uso do ópio se tornou popular na China. Navegantes mercadores portugueses e
ingleses traficaram o produto visando a exploração econômica, o que resultou na Guerra do Ópio, em meados de
1839, entre Inglaterra e China, e transferência da Ilha de Hong Kong para os ingleses, como indenização de
guerra, até 1997.
A invenção da seringa e agulha hipodérmica em 1853 disponibilizou o uso de morfina em soldados feridos
em batalhas, até o início do uso abusivo no Ocidente, o que causou vários casos de dependência física no
homem. Atualmente a planta é cultivada na China, Tailândia, Índia, Irã, Paquistão e Afeganistão, sendo este último
responsável pela maioria da produção mundial.
Dentre os mais de 20 alcalóides encontrados no ópio, apenas a morfina (Figura 1) e a codeína possuem
uso clínico. A morfina (do grego Morpheus, Deus dos sonhos) foi o primeiro opióide a ser isolado em 1806, na
Alemanha. A heroína (diamorfina), de etimologia da palavra heróico em alemão, foi produzida em 1874 com o
intuito de tratar a dependência causada pela morfina, até que anos mais tarde descobriu-se que seria uma droga
com potencial ainda maior de causar dependência. Outros opióides sintéticos foram criados a seguir, já na
Segunda Guerra Mundial, como a meperidina (1939) e a metadona (1942), pelos químicos alemães, para se obter
o mesmo benefício analgésico da morfina sem efeitos colaterais. Entretanto isto não foi possível, pois estes
também causam efeitos colaterais. Na década de 1960, a fentanila, a oximorfona, a etorfina e outros opióides
foram introduzidos na Medicina Veterinária. Em 1978, o citrato de carfentanila e dois anos mais tarde, a
alfentanila, surgiram como novos opióides para uso em humanos. A carfentanila é uma ótima opção para sedação
e contenção química de animais selvagens. Em 1984, foi sintetizado a sufentanila, mais potente e de menor
período de ação que a fentanila, e mais recentemente, a remifentanila em 1996. O uso dessa classe de
analgésicos tem sido cada vez mais importante em Medicina Veterinária tanto para analgesia como componente
da anestesia balanceada, que consiste na associação de diversos fármacos num único protocolo anestésico.
Os opióides são os principais analgésicos da história, ainda insubstituíveis em determinadas situações
cirúrgicas e de dor extrema. Produzem analgesia sem a perda da propriocepção ou da consciência, com
possibilidade de narcose. Apresentam grande eficácia no pós-operatório imediato e na dor aguda. Entretanto,
infelizmente, são os analgésicos menos utilizados em Medicina Veterinária, devido ao receio dos efeitos colaterais
e o controle de entorpecentes.

Mecanismo de ação
A identificação dos sítios de ação e de ligação dos opióides no cérebro de mamíferos em meados de 1970
auxiliou no entendimento do mecanismo de ação destes fármacos. Os opióides inibem, por meio de proteínas
ligantes do tipo GTP (guanina trifosfato), a enzima monofosfato adenilato ciclase. A ativação do receptor também
causa inibição voltagem-dependente dos canais de cálcio, por meio da proteína Gi. Com isso, há diminuição na
formação de AMPc, inibição da excitabilidade das fibras aferentes e do impulso nociceptivo (Figura 2).
Os efeitos analgésicos dos opióides podem ocorrer também por meio das vias serotoninérgicas e dos
receptores GABA. Outras evidências sugerem que os opióides mobilizam cálcio das vesículas intracelulares, como
conseqüência da ativação da fosfolipase C. Esta via de inibição dos canais de cálcio aparentemente é utilizada
+
pelos opióides que atuam em receptores κ. Os opióides ainda promovem a abertura de canais de K levando à
+ ++
hiperpolarização da célula. Assim as cargas positivas decorrentes do influxo por canais de Na ou Ca , saem

30
+
pelos canais de K que se mantêm abertos e não se acumulam na célula. Desta forma não ocorre a
despolarização celular e a célula fica incapacitada de propagar impulsos nociceptivos.
Os opióides reduzem a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato e a substância P e
inibem os impulsos nervosos somatosensoriais aferentes supraespinhais. A partir do cérebro ativam as vias
inibitórias descendentes noradrenérgica e serotonérgica da medula espinhal e reduzem os efeitos psicológicos da
dor, causando leve sedação.
O efeito antálgico também ocorre quando administrado por via intra-articular em artroscopias e
artrotomias, com eficácia igual ou superior, em relação à via sistêmica e menor incidência de efeitos colaterais.

acoplados
opióides + receptores proteína Gi

estimula Interfere com o (-) (-)


(+)
canal para Ca+2
Sistema deadenilatociclase dependente de voltagem
(-) (+)
AMPc
(-) K+
(+)
PkA

GMPc (-) Hiperpolarização da célula


Ca+2

interferência c/transdução
e liberação deneurotransmissores
Figura 2: Esquema do mecanismo de ação dos opióides: (+) estímulo. (-) inibição.

Receptores opióides
Os opióides agem ao menos em três diferentes receptores opióides: OP3 (µ - mu), OP2 ( – kappa) e OP1
( – delta). Estes já foram clonados e apresentam suas seqüências de aminoácidos definidas. O receptor sigma
( ), originalmente identificado como receptor opióide, não é mais considerado como tal, visto que possui alta
afinidade pela cetamina e fenciclidina, fármacos com atividade antagonista de receptores N-metil D-aspartato
(NMDA). O receptor epsilon ( ), postulado como receptor da endorfina, opióide endógeno, apesar da controvérsia,
provavelmente é um subtipo de receptor OP2 ( ). Novos receptores foram descobertos em estudos recentes, tais
como o ORL1, semelhante aos outros receptores opióides.
Estudos farmacológicos menos recentes ainda propõem a existência de subtipos de receptores µ (µ-1, µ-2
e µ-3), ( -1, -2 e -3) e ( -1 e -2), cuja existência ainda não foi confirmadas por pesquisas clonais modernas.

Distribuição dos receptores opióides


Assim como em número, a distribuição dos receptores opióides é diferente entre as espécies animais e
dentro do SNC. Altas densidades destes receptores são encontradas em áreas centrais que processam
informações nociceptivas. A área cinzenta periaqueductal, formação reticular mesencefálica, medula, substância
nigra e amígdala no cérebro apresentam uma presença maior de receptores do tipo OP3 ( ), enquanto que nas
lâminas do corno dorsal I-IV e substância gelatinosa na medula espinhal há a presença de receptores OP3 ( ),
OP2 ( ) e OP1 ( ). Os receptores também estão localizados perifericamente no plexo mioentérico, coração, rim,
duto deferente, pâncreas, células de gordura, líquido sinovial, linfócitos e adrenais e por meio destes ocorrem
alguns dos efeitos farmacológicos, como a diminuição da motilidade gastrointestinal. A maioria dos efeitos
farmacológicos são similares nas espécies animais quando um determinado receptor é ativado, entretanto há
diversas exceções. Por exemplo, quando a morfina se liga ao receptor OP3 (µ) em gatos e no homem, os efeitos
podem ser de excitação e sedação, respectivamente, dependendo da dose e via de administração (quadro 3).

Opióides endógenos
A descoberta de receptores opióides levou à busca de ligantes endógenos, conhecidos como peptídeos
opióides endógenos, divididos em três famílias (encefalinas, endorfinas e dinorfinas), identificadas em diversas
regiões do SNC, trato gastrintestinal e outros tecidos periféricos. Essas três famílias dão origem a outros produtos
31
(metencefalina, leucenfalina, dinorfinas, neoendorfina, -endorfina, orfanina e outros), que são neuropeptídeos
intimamente relacionados às áreas de informações nociceptivas no SNC. Podem agir em mais de um receptor
opióide e não participam apenas da atividade analgésica, mas também da resposta de estresse e funções
cognitivas, como aprendizado e memória. Espera-se que estudos futuros, principalmente relacionados à biologia
molecular, elucidem as principais funções dos opióides endógenos. Sabe-se que possuem potências diferentes e
que se ligam a receptores opióides diferentes. As encefalinas se ligam a receptores OP1, as endorfinas aos OP3 e
as dinorfinas aos OP2.

Farmacodinâmica dos opióides


Classificação dos opióides
Os opióides são classificados de acordo com o tipo de receptores e a maneira a que se ligam a estes,
fatores determinantes do grau de analgesia e da farmacodinâmica. Por exemplo, um opióide ao se ligar ao
receptor OP3 (µ) causará analgesia supraespinhal, entretanto também produzirá depressão respiratória,
bradicardia, euforia, dependência física e hiperpolarização dos nervos periféricos induzidos pela resposta imune e
inflamatória. O receptor OP2 (κ) media a analgesia espinhal e seu estímulo produz miose, sedação e disforia. Os
receptores OP1 (δ) desencadeiam atividade psicomimética, analgesia espinhal, alucinação, estimulo vasomotor e
respiratório e modulam a atividade de receptores OP3 (µ). Em geral, os fármacos analgésicos opióides de maior
efeito clínico são os que possuem seletividade aos receptores OP3 (µ).

A conceituação dos termos a seguir é de extrema importância para se definir as diferenças entre os
opióides:
Afinidade: capacidade dos fármacos se ligarem a seus sítios receptores no organismo.
Atividade: capacidade de causar uma ação na célula que reside seu receptor. Portanto, um fármaco pode
apresentar alta afinidade, sem atividade.
Potência: está associada a sua afinidade pelos receptores. Um fármaco opióide pode ser muito potente,
por possuir uma alta afinidade e não apresentar atividade. Essa terminologia é confusa, já que a potência do
opióide é dada como indicação de sua capacidade de fornecer analgesia, o que nem sempre se aplica.
Eficácia: é o conceito que melhor define as propriedades analgésicas de um opióide. Pode ser ilustrada
por meio de uma curva dose-resposta; a intensidade de analgesia é diretamente proporcional à eficácia do
fármaco. Se dois opióides possuem a mesma atividade em um mesmo receptor, o que possuir maior afinidade,
será mais potente. Além disso, o opióide com maior atividade será mais eficaz, quando a afinidade for igual.
Como os opióides atuam em diferentes receptores, a relação de afinidade, atividade, potência e eficácia
não podem ser comparadas diretamente, porque, por exemplo, um opióide pode ter diferentes afinidades e
atividades em diferentes receptores (tabela 1), o que resultaria em variações na eficácia analgésica. Por isto, os
opióides são divididos em agonistas puros ou plenos, agonistas-antagonistas e antagonistas, conforme a
habilidade intrínseca de induzir um efeito farmacológico ao se ligar a um ou mais receptores.
Agonistas puros são opióides que possuem alta afinidade e atividade em seus receptores e que são
capazes de induzir uma resposta máxima. Agonistas parciais não, pois possuem afinidade por apenas alguns
receptores e possuem atividade significante apenas pelos receptores que interagem. Um agonista parcial é aquele
que mesmo com a saturação total dos seus respectivos receptores, seus efeitos continuarão sendo menores do
que aqueles obtidos por agonistas plenos. Os agonistas parciais apresentam o chamado efeito teto (quadro 1),
diferentemente dos agonistas plenos. Desta forma no caso dos agonistas plenos, quanto maior a dose, maior o
efeito, enquanto que nos agonistas parciais e agonistas-antagonistas, ocorre o efeito teto, em que a partir de uma
determinada dose, ao se aumentar a mesma não se observa um efeito analgésico adicional (Figura 3).
Os opióides ainda podem ser agonistas de um certo tipo de receptor e antagonistas de outros, como é o
caso do butorfanol, e são chamados de agonistas-antagonistas. Isto implica na afinidade por todos os receptores,
mas atividade em um receptor e pouca ou nenhuma em outro (Figura 4). Os agonistas-antagonistas são capazes
de reverter alguns efeitos farmacológicos dos agonistas puros, como depressão respiratória e euforia, mas ainda
podem produzir analgesia, principalmente em animais muito sedados durante a recuperação anestésica. Este
conceito é fundamental para o uso clínico de opióides, pois não se deve administrar um agonista pleno associado
a um agonista-antagonista ou mesmo um agonista parcial.
Os fármacos antagonistas se ligam aos receptores, sem produzir efeito farmacológico, mas pelo
deslocamento competitivo de um agonista, os antagonistas revertem os efeitos dos agonistas.
A tabela 1 apresenta a afinidade dos diferentes fármacos opióides por receptores opióides (OP3, OP2,
OP1) e a potência analgésica relativa.
32
Quadro 1: O que é efeito-teto?

O “efeito-teto” tipicamente descrito para opióides agonistas parciais ou agonistas-antagonistas, como a


buprenorfina e o butorfanol, é resultante de estudos dose-resposta, onde os resultados geraram um gráfico de
uma curva em forma de U invertido, também conhecida como curva dose-resposta em forma de sino.
Conseqüentemente, doses menores podem produzir uma eficácia analgésica maior, enquanto que doses elevadas
podem diminuí-la. Além disso, estudos sugerem que a faixa de variação de doses, que estão próximas ao pico da
curva são aquelas que apresentam maior atividade antinociceptiva. Acima desta faixa, há um declínio da atividade
agonista e o aparecimento de uma atividade antagonista, o que poderia causar alívio insuficiente da dor.
Entretanto, estes conceitos são produtos de estudos farmacológicos desenvolvidos experimentalmente, e
provavelmente possuem pequena influência sobre o manejo da dor quando doses clinicamente indicadas são
utilizadas.

agonista parcial +
Agonista agonista ou
analgesia

agonista
parcial ou

Log da
dose
Figura 3: Curva dose-resposta representada no eixo horizontal pelo log da dose e eixo vertical pela intensidade da analgesia
produzida. Opióide agonista total: quanto maior a dose maior a analgesia, sem efeito teto; Agonista parcial ou agonista-
antagonista: a curva dose-resposta atinge um efeito teto, em que ao aumentar a dose, não se observa efeito analgésico
adicional. Ao se administrar um agonista parcial ou agonista-antagonista previamente ao uso de agonistas plenos, deve-se
aumentar a dose do agonista pleno para se atingir a mesma intensidade de analgesia, alcançada com o uso de agonista pleno
isoladamente (Modificado de Miller 1994)

B C
A

µ µ µ
k k k
Figura 4: Ligação dos opióides nos receptores. A: agonista pleno; B: agonista parcial; C: agonista-antagonista

33
Efeitos farmacológicos dos opióides

Analgesia
Os opióides produzem analgesia ao se ligarem a receptores específicos, localizados no SNC em nível
supraespinhal e espinhal e sistema nervoso periférico. O grau de analgesia depende do tipo de ligação do opióide
com o receptor (agonista pleno, agonista parcial, agonista-antagonista), da dose, via de administração e
farmacocinética, que varia de espécie para espécie. A maioria dos analgésicos opióides disponíveis no mercado
são agonistas de receptores OP3 ( ), entretanto devido aos efeitos colaterais clássicos, tem sido pesquisados
novos opióides com seletividade total ou parcial para receptores OP1 ( ).
Além do efeito analgésico, a maioria dos opióides causa sedação e reduz a ansiedade e o estresse,
resultantes da dor. Quando empregados no pré-operatório, são capazes de fornecer analgesia preemptiva ou seja
prevenirem a sensibilização central ao estímulo doloroso.
Estudos recentes demonstraram a ação analgésica local de baixas doses de opióides quando empregados
em tecidos inflamados periféricos. A utilização em artroscopias é um exemplo clássico. Provavelmente, o efeito
analgésico seja atribuído à presença de receptores opióides nas terminações nervosas periféricas e nas células
inflamatórias, visto que a administração de opióides em tecidos não inflamados, não apresenta eficácia analgésica
(quadro 2).

Quadro 2: Principais usos dos opióides em Medicina Veterinária

• Analgesia para dor aguda nos períodos pré, trans e pós-operatório.


• Analgesia para dor crônica, principalmente quando associados a outros fármacos analgésicos.
• Associação com tranqüilizantes e sedativos, visando a neuroleptoanalgesia, para obtenção do sinergismo
entre os fármacos utilizados.
• Redução da concentração alveolar mínima (CAM) dos anestésicos inalatórios, principalmente em cães e
gatos.
• Redução da dose do anestésico intravenoso utilizado para a indução da anestesia.
• Parte do protocolo de anestesia e analgesia balanceada/multimodal, administrados por meio de infusões
contínuas
• Técnicas de analgesia espinhal.

Sistema Respiratório
A depressão respiratória causada pelo uso de doses elevadas de opióides é um efeito colateral conhecido
principalmente na espécie humana, e se dá pela diminuição da resposta dos centros respiratórios, localizados no
tronco cerebral, à elevação do dióxido de carbono (Figura 5). Entretanto, há pouca relevância em animais, mesmo
que possam reduzir a freqüência respiratória, o volume-minuto normalmente é mantido. Exceção deve ser
considerada no uso de opióides de curta duração (fentanila, sufentanila, alfentanila e remifentanila) no período
trans-operatório, quando é necessária a ventilação artificial do animal, dada a intensa depressão respiratória e
indução de apnéia.

34
Figura 5: Efeito depressor respiratório dose-dependente da morfina. Em situação normal ao se aumentar a
pressão alveolar de CO2, aumenta-se a ventilação alveolar. A administração de morfina reduz a resposta de
ventilação de forma dose-dependente (Miller 1994)

Atividade antitussígena
Os efeitos antitussígenos dos opióides, principalmente da codeína, morfina e do butorfanol, devem-se a
atividade em receptores OP3 (µ) e OP2 ( ), mas não estão relacionados com o grau de analgesia. Este efeito é
importante em animais em estado crítico, visando facilitar a indução anestésica e a intubação endotraqueal. Há
diversas formulações antitussígenas para uso humano com a associação de opióides, principalmente com a
codeína.

Sistema Cardiovascular
Os opióides podem causar efeitos variáveis no sistema cardiovascular, dependentes principalmente da
dose, via de administração e espécie animal. Ao se ligarem aos receptores opióides no tronco cerebral e no
coração, os opióides inibem o tônus simpático cardíaco, o que pode causar bradicardia vago-mediada e
hipotensão (Figura 6). Entretanto, tal fato ocorre principalmente com a administração intravenosa de opióides
potentes durante o trans-operatório e pode ser atenuada pela administração de anticolinérgicos, como a atropina e
a hioscina. A hipotensão é de mínima relevância no animal normovolêmico e pode ser corrigida facilmente com
administração de cristalóides. Estes efeitos ocorrem principalmente em animais sem dor, quando o opióide é
administrado na medicação pré-anestésica.
A meperidina e morfina podem causar hipotensão e vasodilatação quando administradas pela via
intravenosa, dada a liberação de histamina pelos mastócitos, o que pode levar ao broncoespasmo e prurido,
fatores relacionados com a dose administrada e a velocidade de injeção do fármaco. O prurido é de maior
preocupação nos primatas e no homem e não ocorre com a administração de outros opióides como a fentanila, a
oximorfona e a hidromorfona. A meperidina é o único opióide que comprovadamente causa redução da
contratilidade do miocárdio em cães, mesmo em doses clínicas. Mas em geral, quando utilizados de forma correta,
os opióides apresentam boa estabilidade cardiovascular, sem deprimir o miocárdio.
Em cavalos, os efeitos farmacológicos no sistema cardiovascular são diferentes e variam individualmente.
Neste caso, pode ocorrer estimulação simpática, com aumento da freqüência cardíaca, pressão arterial e débito
cardíaco.

35
140 5.0

4.5
120
A 4.0 A
A A
A
100 3.5 A
A A
FC (bat/min)

DC (L/min)
B AB 3.0
80 B A AB
B AB AB
B
2.5
C B
60 C C 2.0
B B B
40 1.5
Morfina Morfina
1.0
Metadona 0,5 Metadona 0,5
20
Metadona 1,0 0.5 Metadona 1,0

0 0.0
05 15 30 60 90 120 0 5 15 30 60 90 120
Tempo Tempo
Figura 6: Efeito cardiovascular da morfina (1 mg/kg) e metadona (0,5 e 1 mg/kg) administradas por
via intravenosa em cães. Observa-se redução dose-dependente da freqüência e débito cardíaco com
a administração de metadona. Letras maiúsculas diferentes indicam diferenças entre os tratamentos
em cada momento. O tempo está expresso em minutos (Maiante, 2007)

Sistema Digestório
Os opióides reduzem o peristaltismo e a atividade propulsiva do trato gastrintestinal e aumentam o tônus
da musculatura lisa e esfíncter anal, o que pode causar constipação e aumento do tempo de esvaziamento
gástrico em animais, sob uso crônico. A náusea e vômito, que podem ocorrer por ativação da zona
quimiorreceptora do gatilho, são aparentemente importantes apenas nos cães e gatos, com a administração de
morfina. Alguns animais podem defecar devido ao aumento inicial do tônus gastrintestinal.
Em eqüinos, diversos estudos retrospectivos recentes não apontaram uma relação direta entre o uso de
opióides e a incidência de cólica.

16
14
12
pontuação

10
*
8
6 **
4 *
2
** Controle
T 10
0
0 60 120 180 240 300 360 420 480 540 600 660 720
Tempo (minutos)
Figura 7: Motilidade intestinal em eqüinos após a administração de 0,01 mg/kg buprenorfina. Observar a redução
da motilidade de forma significativa por até quatro horas após a administração do opióide (Carregaro et al 2006)

Sistema Urinário
A administração epidural de morfina pode causar retenção urinária por um decréscimo no tônus do
músculo detrusor da bexiga e aumento do tônus do esfíncter vesical, o que pode produzir espasmo. Pode-se

36
observar aumento das concentrações do hormônio anti-diurético (ADH), com redução da produção de urina.
Todavia, este efeito colateral aparenta ter pouca relevância clínica.

Sistema Locomotor
Os efeitos dos opióides no sistema locomotor irão depender da dose de administração e da espécie
animal. Por exemplo, na espécie canina e humana, os opióides podem causar sedação e decréscimo da atividade
locomotora, enquanto que em eqüinos e felinos (quadro 3), ocorre o contrário, principalmente com doses
elevadas. Estes efeitos são minimizados com a administração concomitante de tranqüilizantes e/ou sedativos,
como a acepromazina e a xilazina. Em eqüinos hígidos, o uso de opióides ainda é restrito, devido à ação
excitatória, o que leva ao aumento da atividade locomotora, como conseqüência do aumento da atividade
dopaminérgica (figura 8).

Farmacocinética dos opióides


A morfina é um ácido fraco, com pKa de 8,0. Em sua maioria, os opióides são facilmente absorvidos no
intestino, mas devido ao alto efeito de primeira passagem, a biodisponibilidade resultante da administração oral é
baixa. Por isso, deve-se preferir a administração parenteral. São bem absorvidos quando administrados pela via
intramuscular e subcutânea, com metabolismo pelo sistema microssomal hepático. Alguns compostos produzem
metabólitos com propriedades analgésicas, como é o caso da 6-morfina-glucuronida. A morfina é conjugada ao
ácido glucurônico durante seu metabolismo, como a maioria dos outros opióides. Como os felinos possuem uma
baixa concentração da enzima glicuronidase, o efeito analgésico deste opióide pode ser limitado nesta espécie. O
volume de distribuição varia entre os opióides, principalmente pela lipossolubilidade diferente destes fármacos.
A remifentanila é um opióide diferenciado por ser metabolizado por esterases plasmáticas, independente
do fígado, podendo ser de grande utilidade em animais hepatopatas.

Quadro 3: O uso de opióides em felinos e eqüinos

O uso de opióides em gatos, e principalmente em eqüinos, não é alto como em outras espécies, tais como
a humana e a canina, devido aos efeitos no SNC, que incluem mudanças comportamentais e excitação. Estas
diferenças em particular se devem a um padrão de distribuição dos sítios de ligação dos opiáceos no cérebro. Em
sua maioria, os receptores estão distribuídos de maneira muito parecida pelas áreas do SNC, exceto na amígdala
e no córtex frontal, onde há, pelo menos, o dobro de sítios receptores nas espécies onde ocorre a depressão do
SNC, como em cães quando comparado aos gatos. A amígdala e o cortex cerebral são componentes do sistema
límbico, nas quais há alta ligação dos opióides a seus receptores em primatas, humanos e cães. Talvez isto
explique tais diferenças comportamentais entre as espécies após a administração de opióides.
Ao se tratar de eqüinos, aparentemente, há uma margem de segurança pequena entre as doses que
causam analgesia e as que causam excitação e aumento da atividade locomotora. Além disso, o conhecimento
sobre o uso dos analgésicos opióides é limitado e a ocorrência de efeitos colaterais é maior do que em outras
espécies. Mas um fato é consolidado: diversos estudos já demonstraram que os cavalos usufruem um benefício
analgésico com a administração de opióides, tanto pela via sistêmica, como pela epidural. Os agonistas-
antagonistas, como o butorfanol, são capazes de produzir analgesia com menor estimulação simpática e aumento
da atividade locomotora que os agonistas puros, principalmente quando associados aos sedativos e
tranqüilizantes em cavalos com dor. Além disso, a administração da morfina na medicação pré-anestésica não foi
relacionada com um aumento na incidência de cólicas no pós-operatório, ou mesmo alterações hemodinâmicas ou
ventilatórias, mesmo que sabidamente o fármaco cause diminuição da motilidade propulsiva. Os cavalos que
recebem morfina tendem a receber uma menor quantidade de analgésicos no pós-operatório. Portanto, o sucesso
na utilização de opióides em cavalos está relacionado ao uso correto, às doses e intervalos adequados e o
conhecimento dos principais efeitos colaterais.
Em relação ao gato, até recentemente, o uso de opióides era restrito devido ao mito, resultante de estudos
da década de 20, quando doses 100 vezes maiores de morfina foram utilizadas. Todavia, diversos estudos já
demonstraram que a administração de morfina em doses clínicas não causa excitação ou “mania”. Assim como
em outras espécies, a morfina é de extrema eficácia na dor severa em gatos, mas pode ter um efeito analgésico
reduzido, em relação a outras espécies, devido a baixa capacidade de glicuronização hepática nesta espécie,
consequência da limitada quantidade de enzimas hepáticas UDP-glicuroninosiltransferase (UGT), produzindo
menos metabólitos ativos da morfina (morfina-6-glicuronida). Este metabólito possui atividade analgésica na
espécie humana e contribui para o efeito analgésico da morfina como um todo.

37
250
* Controle
T5
200 * *
* T 10

interrupções/min * * * *
150
*
* *
100
* * * * * *
*
* *
*
50

0
* * * * * * * * * * *
0 2 4 6 8 10 12 14 16
Tempo (horas)
Figura 8: Atividade locomotora espontânea em eqüinos após o uso de buprenorfina IV. Observar que o efeito é
proporcional à dose. Legenda: Controle – animais tratados com solução fisiológica; T5: 0,005 mg/kg de
buprenorfina; T10: 0,01 mg/kg de buprenorfina (Carregaro et al 2007)

Principais opióides de uso atual em Medicina Veterinária e suas respectivas aplicações

Agonistas puros ou plenos


Os agonistas puros apresentam alta afinidade e atividade intrínseca para receptores OP3 ( ), com
atividade variável em outros receptores. Desta forma produzem analgesia potente, sem efeito teto, porém
apresentam a desvantagem de deflagrar os efeitos colaterais clássicos.

Sulfato de Morfina
Assim como a maioria dos outros opióides, a morfina possui uma fórmula estrutural complexa, com uma
molécula com um núcleo fenantrênico, parcialmente hidrogenado, uma ligação óxido e uma estrutura contendo
nitrogênio e dois grupos hidroxi (alcoólico e fenólico). É o principal derivado fenantrênico do ópio, que possui 9-
17% de base de morfina e com afinidade 200 vezes maior para os receptores OP3 do que para os receptores
OP2. Após a síntese de morfina, outros derivados sintéticos foram obtidos com mais facilidade, por substituição
dos radicais químicos em lugar dos átomos de hidrogênio, em uma ou ambas posições hidroxi da molécula. Por
exemplo, ao se substituir o átomo de hidrogênio nas posições hidroxi fenólica, a atividade analgésica é reduzida,
assim como a depressão respiratória e constipação e há um aumento da estimulação do SNC, como ocorre com a
codeína. Já ao se substituir a posição hidroxi alcoólica, a depressão respiratória aumenta, assim como a narcose,
características da hidromorfona. Em ambas as substituições, ocorre a diminuição da atividade emética, e portanto,
tanto a hidromorfona quanto a codeína causam menos emese do que a morfina. A náusea e o vômito são efeitos
colaterais comuns e são causados primariamente pela estimulação de receptores de dopamina e de 5-HT3,
associados com o estímulo da zona quimioreceptora do gatilho na área postrema da medula. A atividade do centro
do vômito pode ser deprimida com a administração concomitante da acepromazina.
Ao ser absorvida no estômago e intestino delgado, a morfina se distribui principalmente para o SNC,
fígado, rins, pulmões e músculos. A maior parte da biotransformação de morfina à morfina 3-glicuronídeo e
morfina 6-glicuronídeo, se dá no sistema microssomal hepático e a eliminação pelos rins, consideradas as vias
metabólicas primárias para inativação e eliminação do fármaco. Em torno de 90% é excretada pela urina e 7-10%
pelas fezes. A farmacocinética da morfina no cão revelou que a meia-vida é curta, de uma a duas horas.
Entretanto, as concentrações de morfina no fluido cerebroespinhal se mantêm elevadas por maior tempo do que
às concentrações plasmáticas, principalmente após a administração pela via epidural, o que resulta num efeito
analgésico mais prolongado e que não reflete a curta meia-vida de eliminação. No gato a sua duração de ação
varia entre 4-6 horas e a meia-vida é três vezes maior do que no cão, devido ao seu metabolismo por conjugação.

38
Uma nova formulação de morfina de liberação lenta para administração oral tem sido estudada
recentemente. O fármaco foi absorvido após 6 horas em cães, com biodisponibilidade de 20% e meia-vida de
eliminação de 8 a 10 horas. Deve ser administrada duas vezes ao dia, na dose de 2 a 5 mg/kg. Da mesma forma
que a morfina para uso parenteral, essa formulação também causa vômitos e estudos futuros ainda devem ser
realizados para observar a aplicabilidade clínica e eficácia analgésica deste composto.
A morfina pode ser utilizada para qualquer tipo de dor, principalmente as de intensidade moderada a
severa, com extrema eficácia analgésica. Por estas razões, além do baixo custo financeiro, ainda é o opióide de
eleição nestes casos.
Os animais podem se apresentar disfóricos, principalmente na ausência de dor, mas o mais comum, pela
própria atividade agonista em receptores OP3 ( ) deste fármaco, é a euforia.
No cão pode ocorrer um breve período de excitação, caracterizado por inquietação, salivação, náusea,
vômito, micção e defecação, que pode ser evitado ou minimizado pela administração IV lenta do fármaco ou
administração subcutânea ou intramuscular. Adicionalmente a administração intravenosa deve ser lenta
principalmente por causa da liberação de histamina, que causa vasodilatação periférica e hipotensão. Os cães
podem se apresentar ofegantes após a administração de altas doses de morfina e oximorfona, devido às
alterações no centro termoregulatório. Animais ofegantes não necessariamente apresentam hiperventilação. Pelo
contrário, podem apresentar hipoventilação e hipercapnia. No gato, a morfina não provoca excitação quando
administrada em doses clínicas de 0,1-0,2 mg/kg.
Após a administração da morfina, ocorre depressão dos centros vasomotor, da tosse e medular
respiratório, com diminuição do volume minuto e aumento da tensão de CO2. Apresenta pouco efeito no
rendimento cardíaco, mantendo a freqüência e ritmo cardíaco normalmente inalterados.

Cloridrato de Meperidina (Petidina)


A meperidina (petidina) é um opióide sintético que apresenta 1/10 da potência da morfina, com latência de
15 a 30 minutos. Seus efeitos cardiovasculares, respiratórios e gastrointestinais são semelhantes aos da morfina,
entretanto por não estimular a zona quimiorreceptora do gatilho, no cérebro, não induz vômito e defecação, mas
libera histamina, com hipotensão após rápida injeção IV. Seu efeito espasmolítico é similar ao da atropina,
reduzindo a salivação e secreções respiratórias. Deve ser evitada em cães com cardiopatias, por reduzir a
contratilidade do miocárdio e apresentar efeito inotrópico negativo. Em gatos, estudos clínicos sugerem um
período de ação de apenas 45 minutos, em cães, entre 90 e 120 minutos, e em eqüinos, apenas de 30 minutos.
Quando empregada de forma isolada, a meperidina causa pouca sedação em cães e gatos. A via subcutânea
deve ser evitada em qualquer espécie.

Cloridrato de Metadona
A metadona é um analgésico opióide sintético agonista de receptores OP3 (µ), embora estudos mais
recentes revelem a sua ação em receptores N-metil-D-apartato. É uma alternativa à morfina e hidromorfona em
pacientes humanos com dor severa e no tratamento de dependentes de morfina. É metabolizada no fígado pelas
enzimas do sistema microssomal hepático P-450 e apresenta ligação às proteínas plasmáticas no homem em
torno de 90%. Possui potência similar a da morfina (tabela 1). Sua analgesia em humanos se estende por
períodos variáveis de 4 a 8 horas. A mistura racêmica contém igual concentração dos enantiômeros dextro e
levógiro. A levo-metadona possui maior afinidade por receptores opióides. A metadona causa menor liberação de
histamina que a morfina e pode ser administrada pela via IV, principalmente quando se deseja um período de
latência menor.
Poucos são os estudos realizados com esse fármaco em animais. Observou-se alterações de
comportamento nos gatos, como leve excitação, inquietude, maior dificuldade de contenção e midríase, na dose
de 0,6 mg/kg da mistura racêmica, e na dose de 0,3 mg/kg de levometadona, mas não com a dose de 0,2 mg/kg
da mistura. A principal vantagem da metadona em relação à morfina é que a primeira não produz vômito em cães
e gatos. Em cães produz uma depressão cardiovascular mais significativa que a morfina.

Citrato de Fentanila
A fentanila é um opióide sintético com alta afinidade por receptores opióides OP3 (µ). Apresenta alta
lipossolubilidade, potência 80 a 100 vezes maior que a morfina, com curto período de latência e ação. Por isso é
comumente utilizado no trans-operatório anestésico, como componente analgésico de associações
neuroleptoanalgésicas e hipnoanalgésicas, associado a outros agentes em protocolos de analgesia multimodal e
em analgesia espinhal. É também utilizado como adjuvante da anestesia por halogenados, pois potencializa os

39
anestésicos inalatórios em até 82%, o que o torna muito útil para anestesia em pacientes de risco. Tem duração
de ação ao redor de 20 a 30 minutos e ação analgésica dose-dependente.
A fentanila possui alto volume de distribuição em cães e gatos e alto clearance renal. A longa meia-vida de
eliminação é reflexo da alta lipossolubilidade do fármaco e devido à baixa perfusão sanguínea nestes locais, é
metabolizado lentamente. Na prática, esta grande redistribuição da fentanila pelos tecidos do organismo impede o
uso de infusões contínuas por mais de duas horas, devido ao acúmulo semelhante aos barbitúricos.
Cães anestesiados pelo halotano, em normocapnia, não apresentaram alteração na contração do
miocárdio, enquanto que em hipercapnia, a fentanila pode apresentar ligeira ação depressora do miocárdio. A
bradicardia induzida pela fentanila é provavelmente devida à estimulação de núcleos vagais medulares e ainda
por bloqueio da atividade cronotrópica simpática. Tal efeito causa hipotensão arterial por redução do débito
cardíaco, redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio e do fluxo sanguíneo coronariano, sem alterações na
resistência periférica total. Quando associado à barbitúricos pode produzir intensa bradicardia, hipotensão e
depressão respiratória, devendo ser evitado nestas situações. A bradicardia é facilmente revertida pela
administração de anticolinérgicos, como a atropina.
Causa depressão respiratória dose-dependente com diminuição da resposta ventilatória à hipercapnia e à
hipóxia, redução do volume-minuto sem alteração significativa do volume corrente, diminuição da saturação de O2,
acidose respiratória e metabólica por hipercapnia e aumento do déficit de base, podendo eventualmente levar à
apnéia. É altamente recomendada a ventilação artificial de animais sob infusão contínua de fentanila.
Aparentemente, animais jovens parecem ser mais resistentes aos efeitos analgésicos e sedativos deste
fármaco, onde costuma apresentar menor período de latência e ação.
Atualmente, o emplastro ou adesivo de fentanila desenvolvido para humanos tem sido utilizado em cães,
gatos e eqüinos. Os emplastros liberam taxas de 25, 50, 75 ou 100 µg/h do fármaco, mas devido à variabilidade
individual dos parâmetros farmacocinéticos, principalmente no gato, podem ser insuficientes no tratamento da dor.
De qualquer maneira, recomenda-se a colocação do emplastro com 12 horas, no mínimo, de antecedência. A
duração de efeito neste caso pode chegar a 72 horas.

Cloridrato de Sufentanila
A sufentanila, derivado fenilpiradínico da fentanila, é um opióide sintético com potência 1000 vezes maior
que a morfina e que apresenta praticamente as mesmas características farmacológicas que a fentanila, entretanto
diferenciando quanto a sua potência, 5 a 10 vezes maior que a fentanila, e maior lipossolubilidade. Potencializa
em até 90% os anestésicos inalatórios (Figura 9). Seu uso não é comum em anestesia em Medicina Veterinária,
pelo custo financeiro mais elevado que a fentanila. É indicado como coadjuvante da anestesia balanceada, após
um bolus, seguido de infusão contínua.

Figura 9: Redução da Concentração Alveolar Mínima do halotano em ratos com o aumento progressivo da dose
de sufentanila (Miller 1994)

40
Cloridrato de Alfentanila
A alfentanila é um opióide sintético 25 vezes mais potente que a morfina, com período de ação de2 a 5
minutos, potência e meia-vida de eliminação menores que a fentanila, mas com as mesmas características
farmacológicas que a fentanila e a sufentanila. Causa da mesma forma que os anteriores bradicardia e depressão
respiratória. Assim como a sufentanila, a alfentanila é mais lipossolúvel e apresenta uma maior ligação às
proteínas plasmáticas que a fentanila.

Cloridrato de Remifentanila
A remifentanila é um analgésico de ação ultra-curta, 25 a 30 vezes mais potente que a alfentanila e 50
vezes mais potente que a morfina. É considerado o fármaco ideal para promover analgesia intensa durante o
trans-operatório, seguida por uma rápida e previsível recuperação pós-operatória, dado ao seu perfil
farmacocinético.
A remifentanila é o último opióide sintetizado derivado da piperidina com uma ligação de éster. A
incorporação de um éster dentro da sua cadeia produziu uma susceptibilidade molecular para inativação por
esterases plasmáticas e em outros tecidos. Seu metabolismo ocorre predominantemente por esta via, que produz
um metabólito ácido (GI-90291), e em menor extensão, por N-dealquilação, que produz o metabólito GI-94119.
Seu principal metabólito é 1/200 a 1/4000 menos potente do que a remifentanila e não apresenta nenhum efeito
quando são utilizadas doses clínicas deste opióide, mesmo após infusões de seis a oito horas de duração. A
excreção renal destes metabólitos foi estimada em 90%. Sua biotransformação rápida em metabólitos pouco
ativos pode ser associada com sua curta duração de ação e ausência de efeito cumulativo, mesmo em doses
repetidas ou em infusão contínua.
Em cães e ratos a meia-vida de eliminação deste fármaco é de aproximadamente dez minutos ou menos.
Em cães, possui uma meia-vida terminal de 5,6 minutos comparada a 19,9 minutos da alfentanila.

Cloridrato de Etorfina
A etorfina é utilizada para captura e contenção de animais silvestres de grande porte, tais como os
mamíferos elefantes, rinocerontes, girafas, hipopótamos e répteis, como as tartarugas gigantes e crocodilos.
Possui potência de 800 a 1000 vezes maior que a morfina. Para se ter uma idéia da potência deste fármaco, um
rinoceronte de 2 toneladas pode ser imobilizado com 1 mg de etorfina (0,5 µg/kg). Pode causar taquicardia,
hipertensão, depressão respiratória, atonia ruminal e hipotermia. Assim como a carfentanila, deve ser utilizado
sempre com a disponibilidade imediata do antagonista diprenorfina, para se reverter o efeito caso haja auto-
inoculação acidental. Não é disponível no Brasil, mas pode ser importado para uso em animais silvestres.

Hidrocloridrato de Tramadol
O tramadol é um análogo da codeína, com alta seletividade para receptores OP3 ( ), porém com baixa
afinidade, aproximadamente 6000 vezes inferior a da morfina e 10 vezes inferior a da codeína. Supõe-se que o
tramadol atue por ativação da via monoaminérgica espinhal, inibindo a recaptação de norepinefrina e a liberação
de 5-hidroxitriptamina (serotonina) das vesículas de armazenamento nas terminações nervosas. Isto sugere além
do mecanismo de ação opióide, um mecanismo analgésico adicional e não-opióide, que envolve as vias inibitórias
descendentes do sistema nervoso central (SNC). No entanto, o mecanismo opióide do tramadol é provavelmente o
responsável pela analgesia em animais.
O tramadol é apresentado sob a forma de uma mistura racêmica que é metabolizada em enantiômeros (+)
e (-). O enantiômero (+), O-desmetiltramadol, possui uma maior afinidade por receptor opióide OP3 (µ) e possui
algum efeito serotoninérgico na 5-hidroxitriptamina e o enantiômero (-) inibe a recaptação da noradrenalina.
Parece haver uma diferença na produção do isômero (-) entre homem e animais.
A atividade opióide do tramadol é produzida pela metabolização da mistura racêmica em um metabólito
ativo. Esta metabolização é realizada pela enzima citocromo P450 por demetilação com subseqüente sulfatação
ou glucuronização. Isto pode resultar em um metabolismo reduzido do tramadol, como ocorre com a morfina em
felinos. Um estudo recente em Beagles demonstrou que a produção do isômero (-) também é limitada.
Os efeitos antinociceptivos do tramadol foram revertidos pela ioimbina, um antagonista de
adrenoreceptores do tipo -2 e pelo antagonista opióide naloxona. Isto sugere que a ativação de adrenoreceptores
do tipo -2 possui um papel significativo na modulação monoaminérgica espinhal da dor.
Em humanos, o tramadol é recomendado para analgesia pós-operatória, mas não para o tratamento de
dor severa, já que a potência e eficácia do tramadol são similares a petidina. Existem poucos relatos descrevendo

41
seu uso em Medicina Veterinária. Em cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia, o tramadol apresentou
efeitos analgésicos similares em relação à morfina. É promissor seu uso em gatos, particularmente porque em
ambas as espécies pode ser prescrito para administração doméstica.
Seu uso analgésico é indicado em pacientes onde os AINEs são contra-indicados, como em portadores de
úlceras, desordens hemorrágicas e distúrbios renais ou hepáticos. Apresenta mínimos efeitos sobre o sistema
gastrointestinal, com incidência de náuseas e vômitos de 30 a 35% em seres humanos.

Agonistas-antagonistas
Cloridrato de Buprenorfina (Temgesic®, Buprenex®)
A buprenorfina é um opióide semi-sintético derivado da tebaína, altamente lipofílica, com atividade
agonista parcial de receptores opióides do tipo OP3 (µ) e antagonista de receptores OP1 (k).
Dentre os analgésicos opióides, a buprenorfina é o fármaco mais utilizado em pequenos animais no Reino
Unido e um dos mais populares em diversos países do mundo, como a França, Austrália, Finlândia, Nova Zelândia
e África do Sul. Uma propriedade característica da buprenorfina é que esta possui grande afinidade por seus
receptores, sendo de difícil antagonismo. Em felinos pode causar midríase e euforia, entretanto na maioria das
vezes, os gatos tornam-se calmos ao longo do tempo, ronronam, e aparentam-se confortáveis após sua
administração oral. Inclusive, a farmacocinética da administração intravenosa é semelhante a da via oral, nesta
espécie.
É similar em estrutura e aproximadamente 30 vezes mais potente que a morfina. Sua ligação e
dissociação dos receptores opióides é lenta, por ser um fármaco extremamente lipofílico, o que se traduz em um
período de latência longo ao redor de 45 minutos e período hábil prolongado de 6 a 12 horas. Isto a torna o
opióide de duração mais prolongada utilizado clinicamente. Pela suas características de ligação aos receptores de
opióides, possui propriedades peculiares. Doses baixas produzem ação analgésica, enquanto que doses altas
podem ser menos efetivas, devido a sua curva em forma de sino e ao efeito teto (quadro 2) limitado, em relação a
um agonista pleno de receptores OP3 ( ).
É um opióide de uso comum em felinos, com superioridade analgésica em relação à morfina, à meperidina
e à oximorfona. Tem também ótima indicação para analgesia em animais de laboratório, como coelhos e ratos
apresentando meia vida de eliminação de 2,8 horas e metabolismo hepático, com excreção predominantemente
biliar de seus metabólitos. Causa depressão respiratória dose-dependente em coelhos, com hipoventilação por
diminuição da freqüência respiratória, mas assim como outros opióides, causa mínimos efeitos hemodinâmicos.
Produz discreta sedação em cães e excitação em eqüinos. Nesta última espécie ativa o sistema
cardiovascular, o que leva a um aumento do débito cardíaco e pressão arterial e reduz a motilidade intestinal, o
que pode ser um efeito indesejável em animais com cólica (Figura 7).
Em suínos apresenta período de ação de 10 horas após uma dose de 0,02mg/kg, sete horas na dose de
0,01 mg/kg e não tem efeito na dose de 0,005mg/kg. É eficaz no pós-operatório na dose de 0,01 mg/kg duas ou
três vezes ao dia.

Tartarato de Butorfanol (Torbugesic®)


O butorfanol é um opióide sintético com atividade antagonista em receptores OP3 ( ) e agonista em
receptores OP2 ( ). Possui rápida absorção após a administração intramuscular, provavelmente devido a sua alta
lipossolubilidade. Apresenta grande volume de distribuição e rápida meia-vida de eliminação.
É o opióide mais utilizado na América do Norte na espécie felina e um dos mais utilizados em cães. Causa
midríase e comportamento disfórico, quando utilizado em doses elevadas, principalmente em gatos. Pelo mesmo
motivo, não é utilizado como analgésico na espécie humana. Entretanto, normalmente é isento de efeitos
colaterais, como náusea e vômito, produzidos pelos opióides agonistas puros. Possui potência 7 a 10 vezes maior
que a morfina, o que não significa uma eficácia analgésica melhor. Desta forma, o butorfanol não deve ser
utilizado para tratamento de dor severa em pequenos animais. Assim como a buprenorfina, sua farmacocinética
resulta em uma curva dose-resposta em forma de sino, com efeito-teto, que resulta numa redução da analgesia
em doses altas. Doses de aproximadamente de 0,8 a 1 mg/kg são associadas com o efeito-teto.
O butorfanol é um analgésico para dor visceral, na dose de 0,2 mg/kg. Apresenta meia-vida e período de
ação curto em felinos de 45 minutos e em cães de aproximadamente duas horas, com bom efeito sedativo e
mínimos efeitos cardiovasculares.
Causa menor depressão respiratória que a morfina e interfere pouco nos parâmetros respiratórios, pois
causa leve diminuição da freqüência respiratória e aumento na pressão parcial de CO2.

42
Em eqüinos, o butorfanol possui boa eficácia analgésica para a dor visceral, principalmente nos cavalos
com “cólica”. A analgesia visceral após dose de 0,22 mg/kg IM permanece por 4,5 hs e por 30 mins após 0,1
mg/kg IV, daí ser empregado amplamente na dor abdominal. Em eqüinos com ausência de dor, pode aumentar a
atividade locomotora e nestes casos, deve-se associá-lo com outros sedativos e tranquilizantes. Dos opióides
utilizados rotineiramente, é o fármaco que apresenta maior custo financeiro.

Antagonistas
Nalorfina
Derivada da morfina, a nalorfina pode ter efeito agonista quando usada isoladamente ou antagonista
quando usada após agonistas. Recomenda-se a dose de 1 mg de nalorfina para cada 10 mg de morfina ou 20 mg
de meperidina para reversão dos efeitos destes opióides.

Naloxona (Narcan®)
A naloxona é o antagonista clássico de receptores opióides. O uso mais comum dos antagonistas opióides
é para reversão dos efeitos sedativos, excitatórios e de depressão respiratória. Em casos de doses elevadas de
naloxona, a analgesia é também revertida, o que pode ser indesejável se o animal estiver com dor. Portanto, a
administração da naloxona deve ser realizada de forma lenta e em doses mínimas, monitorando as respostas do
animal até o efeito desejável. Desta forma, os efeitos analgésicos não serão completamente revertidos.
Outra propriedade importante da naloxona é que o fármaco é rapidamente metabolizado em naloxona
glicuronida e sua rápida meia-vida de eliminação promove antagonismo por apenas 1 hora. Com isto, após este
período, o animal pode voltar a ter os efeitos do agonista. Em gatos, pela deficiência de glicuronil transferase,
podem apresentar uma meia-vida maior.

Nalmefeno (Revex®)
O nalmefeno é um antagonista opióide com período de ação aparentemente maior que a naloxona, mas
poucos estudos foram realizados neste sentido. Os mesmos cuidados da administração de antagonista em
reverter a ação de um agonista devem ser observados.

Bibliografia
BAILEY, P. L., STANLEY, T. H. “Intravenous opioid anesthetics”. In: MILLER, R. D. Anesthesia. 4. ed . New York. Churchill
Livingstone, 1994. v.1, cap.12, p. 291-387.
BRANSON, K. R. & GROSS, M. E. Agonistas e antagonistas de opióides. In: Farmacologia e Terapêutica Veterinária. 8. ed..
Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2001, p.224-48.
CARREGARO, A. B, LUNA, S. P. L., MATAQUEIRO, M. I., QUEIROZ NETO, A. “Effects of buprenorphine on nociception and
spontaneous locomotor activity in horses”. American Journal of Veterinary Research, v.68, 2007, p.246-50.
CARREGARO, A. B., TEIXEIRA NETO, F. J., BEIER, S. L., LUNA, S. P. L. “Cardiorespiratory effects of buprenorphine in
horses”. American Journal of Veterinary Research, v.67, 2006, p.1675 -80
FLECKNELL, P. A., LILES, J. H. “Assesment of the analgesic action of opiod agonist-antagonists in the rabbit”. Journal of
Veterinary Anaesthesia, v. 171990, p. 24-9.
GÓRNIAK, S. L. “Hipnoanalgésicos e Neuroleptoanalgesia”. In: SPINOSA, H. S., GÓRNIAK, S. L. e BERNARDI, M. M.
Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 1996. p. 141-146.
LASCELLES, B.D.X. & WATERMAN-PEARSON, A. “Analgesia in cats”. In Practice, v.19, 1997, p. 203-213.
MAIANTE, A. “Efeitos sedativos e cardiorrespiratórios da metadona em cães: estudo comparativo com a morfina”. Botucatu,
2007. 94p. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária). FMVZ, Unesp.
PASCOE, P.J. “Opioid analgesics”. Veterinary Clinics of North America , v.30, 2000, p.757-72.
RESINE, T.; PASTERNAK, G. “Opioid Analgesics and Antagonists”. In: HARDMAN, J. G.; LEMBERD, L. E.,MOLINOFF, P.B.;
RUDDON, R. W. Goodman e Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics. New York. Mc Graw Hill, 9ed, 1996. p. 521-
555.
ROBERTSON, S.A.; TAYLOR, P.M.; LASCELLES, B.D.X.; DIXON, M.J. “Changes in thermal threshold response in eight cats
after administration of buprenorphine, butorphanol and morphine”. Veterinary Record, v.153, 2003, p.462-465.
TEIXEIRA, M.J. “Dor: Contexto Multidisciplinar”. Curitiba, Editora Maio, 2003, 834p.

43
Tabela 1: Afinidades dos fármacos opióides por receptores opióides OP3 ( ), OP2( ) e OP1 ( ) (adaptado
de Pascoe, 2000)*

Receptores opióides

Fármaco OP3 ( ) OP2 ( ) OP1 ( ) Potência analgésica em relação


à morfina
Agonistas puros ou plenos

Morfina +++ + ++ 1

Oximorfona +++ ND + 10

Hidromorfona +++ ? ? 10-15

Fentanila +++ + 80-100

Alfentanila +++ + + 20

Sufentanila +++ + + 500-1000

Remifentanila 800

Meperidina +++ ++ + 0.1

Codeína ++ + + 0.1

Agonistas mistos

Metadona +++ 1-1.5

Tramadol + + + 0.5?

Agonista parcial

Buprenorfina parcial - ? 30

Agonistas-

Antagonistas

Butorfanol parcial +++ ? 3-5

Pentazocina parcial ++ 0.25-0.5

Nalbufina -- ++ 1

Antagonistas

Naloxona --- -- -

Nalmefene --- -- --

* as afinidades foram baseadas em diferentes estudos em diferentes espécies e por isto podem apresentar variações. +++= alta afinidade; ++= afinidade

intermediária; += baixa afinidade; ---= maior antagonismo; --=antagonismo intermediário; -= menor antagonismo; ?=atividade desconhecida ou de resultados

conflitantes na literatura. ND= não disponível.

44
45

Tabela 2: Doses (mg/kg), vias de administração sistêmicas e período de ação (horas) dos fármacos opióides
para uso em cães, gatos, eqüinos e ruminantes saudáveis*.
* Notar que alguns fármacos as doses aparecem em bolus + infusão contínua; £ Utilizar a via sublingual apenas em gatos. Nesta mesma espécie
Doses (mg/kg)
Período Nome Comercial
Via de
Fármacos Cão Gato Eqüino Suínos Ruminantes de ação (Laboratótio)
administração
(horas)
Astramorph
(AstraZeneca); Dimorf
(Cristália);
0,5-1
M.S.Long (Janssen-
ou 0,5 + IM, SC ou IV
Morfina 0,2-0,3 0,05-0,2 0,05-0,2 0,05-0,4 3-4 Cilag); MST Continus
0,1-1 (infusão)
(Astra);
mg/kg/hr Solução Injetável de
Cloridrato de Morfina
(Granado)
Dolantina (Aventis);
Meperidina 3-5 1-3 2-3 1-2 2-5 IM 0,75-2
Dolosal (Cristália)
Metadona 0,5-1 0,2 0,05-0,1 - - IM, IV 3-4 Metadon (Cristália)

Oximorfona 0,05-0,2 0,03-0,1 0,02-0,1 - - IM, IV 3-4 Não disponível no Brasil

Hidromorfona 0,1-0,4 0,05-0,1 IM, IV 3-4 Não disponível no Brasil


Dorless (União
Química); Dorless V
(Agener),
Sensitram (Libbs);
Tramadol 2-4 2 1 IM, SC 4-6
Sylador (Sanofi-
Synthélabo);
Tramal (PHarmacia
Brasil)
Durogesic (Janssen-
30 µg/kg Cilag);
5 g/kg + 3- 2 g/kg + 2-3
Fentanila 0,07-0,15 + 10 0,01 IV Infusão Fentanil (Cristália e
6 g/kg/hr g/kg/hr
µg/kg Janssen-Cilag);
Nilperidol (Cristália)
5 g/kg + Alfenta (Cristália)
0,04
Alfentanila 1 g/kg/min 0,5 IV Infusão Rapifen (Janssen-
mg/kg/hr Cilag)
g/kg/min
5 g/kg + 0,1 g/kg + Fastfen (Cristália);

Sufentanila 0,1 0,01 IV Infusão Sufenta (Janssen-


Cilag)
g/kg/min g/kg/min
0,3 0,2 Ultiva (GlaxoWellcome)
Remifentanila IV Infusão
g/kg/min g/kg/min
0,05-0,2 Tensegic V (Fort Dodge)

+
Butorfanol 0,2-0,4 0,1-0,4 0,1-0,2 0,05-0,2 IM, SC, IV 1-3
23,7
µg/kg/min
Pentazocina 1-2 0,5-1 0,5-3 2 - IM, SC, IV 2-3 Não disponível no Brasil

Nalbufina 0,3-0,5 0,03-0,1 IM, SC, IV 3-4 Nubain (Novartis)

0,005- IM, SC, IV, Temgesic (Shering-


Buprenorfina 0,01-0,05 0,01-0,03 0,005-0,01 0.001-0,01 4-8
0,05 sublingual £ Plough)

Naloxona 5-15 µg/kg 5-15 µg/kg IV 1 Narcan (Aventis)

0,25-30 0,25-30 Não disponível no Brasil


Nalmefene IV 1-2
µg/kg µg/kg
evitar, a administração de opióides pela via subcutânea; V – Laboratório veterinário
46

FARMACOLOGIA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

Histórico [1]
Na natureza diversas substâncias são capazes de bloquear o canal de sódio, impedindo a despolarização
da membrana neuronal, base do mecanismo de ação dos anestésicos locais. Dentre estas substâncias estão a
tetradoxina, que é derivada do peixe tetraodontiforme marítimo, popularmente conhecido como baiacú e a
saxotoxina, originária de dinoflagelados. Entretanto estas substâncias apresentam fixação muito prolongada à
superfície externa da membrana, além de grande potência, que impedem seu uso, dada a toxicidade.
O primeiro anestésico local (AL) utilizado foi a cocaína, extraída da planta Erythroxylon coca, amplamente
utilizada pelos índios Incas do Peru, com finalidade estimulante. Em 1860, Niemann, isolou o alcalóide da cocaína e
observou seu efeito AL. Apenas em 1884, Koller utilizou o fármaco para anestesia tópica oftálmica, sendo que ao
mesmo passou a ser usado como anestésico local clinicamente. Corning, em 1985, realizou a primeira anestesia
espinhal subaracnóide em um cão e, no mesmo ano, McLean utilizou a cocaína para bloqueio nervoso em membro
de eqüino, ambos inaugurando o uso de anestésicos locais em animais. Freud, nesta mesma época, estudou os
efeitos fisiológicos para combater a síndrome de abstinência de viciados em morfina, causando assim o primeiro caso
de dependência de cocaína, além de pessoalmente ter sido um usuário da mesma.
Devida à alta toxicicidade e a possibilidade de dependência da cocaína em seres humanos, novos
anestésicos locais foram pesquisados. Em 1905 foi sintetizada a -procaína por Einhern. Na década de 40 a lidocaína
e de 60 a bupivacaína. Recentemente, no final da década de 80, foi lançada a ropivacaína.

Definição [1]
AL é toda substância capaz de bloquear, de maneira reversível, os impulsos nervosos aferentes,
especialmente aqueles que conduzem os estímulos dolorosos, no local de sua aplicação, causando perda temporária
da sensibilidade dolorosa.

Generalidades [1]
Além de meios mecânicos, como compressão do feixe nervoso, e físicos, como resfriamento, de anestesia
local de forma transitória ou permanente, há os meios químicos que podem causar maior ou menor intensidade e
duração. Dentre estes, há as fenotiazinas, os beta-bloqueadores, como o propranolol, e venenos protoplasmáticos de
ação muito prolongada ou irreversível, como o álcool, fenol ou sarapin, utilizados em casos de pacientes terminais,
sofrendo de dor intensa e de difícil tratamento ou para neurólise química em eqüinos, em que se requeira
insensibilidade de membros por um período muito prolongado.

Química [1]
Os AL são constituídos de três cadeias descritas na Tabela 1 e exemplificadas para a lidocaína e procaína
na Figura 1: um grupo aromático não saturado, normalmente caracterizado pelo anel benzênico, ligado a uma amina,
na sua maioria terciária, por meio de uma cadeia intermediária, éster ou amida.
O grupo aromático, por ser lipofílico, se une aos lipídeos da membrana celular e o grupo amina às proteínas.
O ácido para amino butírico (PABA) pode funcionar como um hapteno, produzir uma reação antígeno-anticorpo e
desencadear reações alérgicas ou anafiláticas. Os anestésicos com grupamento éster são facilmente hidrolisáveis
pela pseudocolinesterase hepática e plasmática, apresentando duração de ação mais curta, enquando que os de
grupo amida são de metabolismo mais lento, pelo sistema microssomal hepático.
47

Grupo aromático Cadeia Grupo amina


intermediária CH3
CH3 O
CH2

NH C CH2 N

CH2
CH3
CH3
Xilidina Amida Amina terciária
CH3
O
CH2

NH2 C O CH2 CH2 N

CH2

PABA Éster Amina secundária


CH3

Por serem pouco solúveis em água, os anestésicos locais são disponíveis sob a forma de sal, por meio de
uma reação de uma base fraca (amina) combinada a um ácido forte (HCl), formando um sal solúvel (cloridrato) e
solução de baixo pH (Figura 2). Ao serem injetados nos tecidos, tanto a forma de base, como a de cátion estarão
disponíveis e cada uma delas predominará de acordo com o pH local, sob a forma de base não ionizada, lipossolúvel
e responsável pela difusão nos tecidos e a forma de cátion, ionizada e farmacologicamente ativa. Desta forma, há
necessidade de um equilíbrio entre as duas formas, tanto para penetração do AL nos tecidos, sob a forma de base,
como para o desencadeamento do efeito farmacológico, conferido pela forma de cátion.

Anatomia nervosa [1]


O neurônio, unidade celular do nervo periférico, é composto do axoplasma, responsável pelo metabolismo,
e membrana celular, determinante do funcionamento da célula nervosa, apresentando as propriedades de
excitabilidade e condutibilidade.
Para atingir o tecido nervoso, o anestésico local tem que ultrapassar várias estruturas: o epineuro, que é um
tecido conjuntivo frouxo que agrega vários feixes de fibras, contendo vasos que irão nutrir o nervo; o perineuro, que
são agregados de grupos de fibras em fascículos e o endoneuro que reveste cada fibra ou axônio (Figura 3).

Todas as fibras nervosas são envoltas por células de Schwann. As não mielinizadas são de condução mais
lenta, contendo 5 a 20 fibras por células de Schwann, enquanto que as mielinizadas são de condução mais rápida, do
tipo saltatória, devido à camada de mielina, que é uma membrana de Schwann modificada, envolvendo cada
neurônio (Figura 4). Os canais iônicos distribuem-se ao longo dos axônios nas fibras não mielinizadas e se
restringem aos nodos de Ranvier, caracterizados por interrupções das membranas de mielina nas fibras mielinizadas.

Estrutura da membrana celular [1]


A membrana celular é formada por uma camada dupla de fosfolipídeo com grupos polares hidrofílicos,
dispostos externamente. Nesta matriz lipídica, flutuam moléculas de colesterol e proteína globular com cálcio. Os
canais transmembrana estão associados às moléculas de proteína helicoidais maiores, que se estendem sobre toda
48

a largura da membrana (Figura 5). A água preenche os canais permitindo o fluxo iônico através da membrana (Singer
& Nicholson 1972).

Condução Nervosa [1]


Os sinais nervosos são conduzidos ao longo das fibras nervosas por potenciais de ação, caracterizados por
alterações dos gradientes elétricos da membrana celular, a partir de uma rápida inversão do potencial de repouso
negativo, que é ao redor de – 90 mV. Tal fato ocorre pela penetração de íons sódio para o meio intracelular, através
dos canais de sódio. Na seqüência o potencial de ação se move ao longo da fibra desmielinizada até a extremidade
da mesma. No caso das fibras mielinizadas, a condução é saltatória, de um nodo de Ranvier a outro. Após a
despolarização, ocorre fechamento dos canais de sódio e saída lenta do potássio por meio de seus canais,
repolarizando a membrana em ao redor de –95 mV. A seguir a bomba de sódio e potássio da membrana
restabelecem a distribuição iônica transmembrana original.

Farmacocinética [1]
Vários fatores interferem na farmacocinética dos ALs (Tabelas 2A e 2B). Quanto maior a ligação às
proteínas plasmáticas, maior a duração de ação, dada a menor disponibilidade do fármaco sob a forma livre. Quanto
maior a lipossolubilidade do AL e a concentração no local de aplicação, maior a difusibilidade. Uma maior quantidade
da forma de base, que é lipossolúvel, torna o período de latência menor e mais intenso o bloqueio, dada a maior
difusão. O pKa, pH de equilíbrio entre a forma inonizada e não ionizada, dos ALs varia entre 7,6 e 8,9, tendo em vista
que são compostos químicos de base fraca. Assim a forma predominante em pH fisiológico, é a catiônica. Quanto
mais próximo do fisiológico (7,4) for o pKa do AL, maior o equilíbrio entre a forma de base e de cátion, facilitando
tanto a penetração, como o efeito farmacológico. Em meio ácido, como no caso de tecido inflamado, abcessos, uso
de adrenalina, que torna o pH da solução mais ácido, isquemia e acidose local, ocorre menor difusão do AL e
conseqüentemente seu efeito é prejudicado.

Absorção e distribuição [2]


A absorção e duração de ação do AL dependem de vários fatores descritos a seguir:
1) Vascularização do local: é maior em tecidos altamente irrigados e que possum alta atividade metabólica,
como o músculo intercostal, músculo masseter, cauda e mucosas. Desta forma ao se aplicar o AL nestes tecidos, a
absorção, o período de latência e a duração serão mais rápidas;
2) Vasodilatação local: a maioria dos ALs causa paralisia vasomotora, sendo que as fibras autônomas são mais
rapidamente bloqueadas, ocorrendo vasodilatação, aumento do fluxo sangüíneo local e maior absorção para a
circulação sangüínea;
3) Lipossolubilidade: quanto maior a lipossolubilidade do AL, menor o período de latência, já que o mesmo terá
maior penetração, duração e potência, pois o fármaco demorará mais tempo para ser removido da membrana celular;
4) Velocidade de metabolismo: quanto mais rápido o metabolismo, menor a duração de efeito. Os fármacos
contendo em sua fórmula o grupo éster são mais rapidamente metabolizados, pois além do fígado, sofrem
metabolismo pelas pseudocolinesterases plasmáticas;
5) Concentração/dose: proporcionalmente quanto maior a dose e a concentração, mais rápida será a absorção
e mais longa a duração. Assim, pode-se adequar a concentração a ser utilizada de acordo com o tempo de bloqueio
anestésico requerido, usando-se concentrações mais altas para cirurgias mais prolongadas.
6) Uso de vasoconstrictores, como a adrenalina: este fármaco causa vasoconstrição, produzindo absorção mais
lenta, maior período de latência, maior tempo de ação e menor toxicidade, possibilitando o uso de doses ou
concentrações maiores dos ALs. Existem soluções comercialmente disponíveis de ALs já contendo adrenalina, mas
caso seja necessário adicioná-la, a concentração utilizada é de 1:200.000, diluindo-se 0,1 ml solução milesimal de
adrenalina para cada 20 ml de AL. Concentrações mais altas causam risco de excitação simpática, acidose local,
hipoxia e necrose. As soluções de AL contendo adrenalina não devem ser usadas em extremidades, como em
membros, cauda e ponta de orelha, pois podem reduzir de tal forma o fluxo sangüíneo local, a ponto de causarem
necrose. Deve-se também evitar o uso destas soluções em bordas de feridas pelo mesmo motivo.
7) Alcalinização dos ALs: pelo aumento do pH da solução, a adição do bicarbonato, reduz o período de latência,
aumenta a penetração e a difusão longitudinal, entretanto o seu uso clínico é questionável. Pode ser utilizado na
concentração de 0,3 ml bicarbonato a 5% para cada 20 ml anestésico, 0,12 mEq de bicarbonato para 10 ml
bupivacaína e 1 mEq para cada 10 ml de lidocaína.
8) Hialuronidase: esta enzima mucolítica, também poderia aumentar a difusão de ALs para o local de ação,
49

entretanto pode aumentar a toxicidade. Desta forma, a relação custo-beneficio de seu uso é limitada.

Além dos fatores citados anteriormente, a duração de ação dos ALs depende do tipo de estrutura nervosa que será
bloqueada. Por exemplo, dado ao contato rápido e direto do AL com a medula na anestesia subracnoide, o período
de latência é muito menor que para a anestesia epidural ou bloqueio de nervos periféricos, tendo em vista as varias
barreiras que o AL tem que ultrapassar. O tempo de bloqueio na anestesia infiltrativa está descrito na Tabela 3 e na
anestesia epidural na Tabela 4.

Transferência Placentária [2]


Os fatores que vão interferir na transferência de ALs para os fetos são similares aos descritos anteriormente
para absorção e distribuição dos fármacos, dentre eles: o gradiente de concentração entre circulação materna e fetal,
tamanho da fração livre do fármaco no plasma, ou seja não conjugada à proteína plasmática, o grau de ionização e a
lipossolubilidade da fração não ionizada. A susceptibilidade e o metabolismo fetal é igual ao materno, porém no feto
ocorre maior acúmulo do fármaco no fígado, devido ao menor metabolismo e cérebro, pela menor quantidade de
outros tecidos adiposos.

Biotransformação e excreção [2]

Os fármacos do grupo éster são hidrolizados primariamente pela pseudocolinestease plasmática. Os


produtos do metabolismo podem ser excretados diretamente pelo rim ou ainda serem transformados
metabolicamente. O metabolismo dos fármacos tipo amida, como a lidocaina, é mais complexo, podendo ser
parcialmente degradados por hidrólise plasmática, porém sofrem principalmente dealquilação no sistema
microssomal hepático e excreção urinária. A bupivacaina também sofre o mesmo processo, entretanto, é
parcialmente metabolizada por conjugação com o ácido glicurônico, o que pode ser um problema em gatos, que
possuem limitada capacidade de formar conjugados glicuronídicos (ADAMS).
A prilocaina é metabolizada em ortotoluidina e capaz de oxidar a hemoglobina em metahemoglobina,
causando metahemoglobinemia, entretanto tem pouco uso em medicina veterinária. Fatores que reduzem o fluxo
sangüíneo hepático podem prolongar o metabolismo dos ALs. Da mesma forma, a urina alcalina pode retardar a
eliminação dos metabólitos dos ALs. Devido ao caráter alcalino do mesmo, sua eliminação é favorecida pela
acidificação da urina. Pequena quantidade é excretada pela bile.

Farmacodinâmica [1]
Mecanismo de Ação do AL [2]
O local de ação do AL é na membrana celular, por meio do impedimento tanto da geração, quanto da
condução do impulso nervoso.

Seqüência do Bloqueio Anestésico [3]:


1) Expansão da membrana pela base, por aumento da pressão lateral na fase lipídica e incremento da
desordem da membrana, levando a compressão dos canais de sódio.
2) Ligação do cátion ao sítio receptor, deslocamento do cálcio, por ligação do AL à superfície interna da
membrana, no orifício interno do canal de sódio.
3) Bloqueio do canal de sódio
4) Menor condutância ao sódio
5) Depressão da intensidade de despolarização elétrica
6) Falha em alcançar o potencial limiar
7) Bloqueio no desenvolvimento do potencial de ação propagado
8) Bloqueio na condução
Uma excessiva concentração de AL pode causar hiperdistensão da membrana e ruptura de sua arquitetura.
Alguns fatores interferem no bloqueio nervoso. Por exemplo, o aumento da concentração de cálcio no meio
que banha o nervo, reduz o bloqueio da condução produzido pelo AL, já que o cálcio altera o potencial de superfície
50

da membrana, diminuindo o grau de inativação dos canais de sódio. Desta forma, o limiar de estímulo elétrico da
membrana é diminuído e a membrana se torna mais excitável. O AL bloqueia a liberação de íons cálcio, atuando
como estabilizador de membrana.

Sensibilidade diferencial das fibras nervosas [2]


Os ALs bloqueiam qualquer estrutura excitável, ou seja todos os nervos. Portanto, além do bloqueio da
nocicepção, ou perda da sensação dolorosa, também pode ocorrer bloqueio das fibras do sistema nervoso autônomo
e bloqueio motor. O bloqueio do canal de sódio pelo cátion é freqüência dependente. Quanto maior a freqüência ou
número de impulsos, mais rápido o bloqueio, pois o acesso ao receptor só ocorre quando o engate da face interna do
canal de sódio está aberto.
Desta forma, o tamanho, presença ou ausência de mielinização e a velocidade de condução nervosa, são
fatores que vão influenciar na susceptibilidade ao bloqueio anestésico. Fibras de menor diâmetro e de maior
condução de impulsos, como as do tipo B e C, são bloqueadas antes das A. Dentro da mesma categoria de diâmetro,
as mielinizadas são bloqueadas mais precocemente que as não mielinizadas. Da maior para menor sensibilidade de
bloqueio estão na mesma categoria, as fibras autônomas pré e pós-ganglionares e as fibras C de pequeno diâmetro
e desmielinizadas (dor), seguidas das mielinizadas A-Delta(dor e temperatura), A-Gama (muscular), A-Beta (tato e
pressão) e finalmente as A-Alfa (motora). O retorno da função nervosa ocorre em ordem inversa (Tabela 5).
Do ponto de vista clínico, o bloqueio da função nervosa ocorre na seguinte ordem: dor, calor, tato, pressão
profunda e função motora. Desta forma em situações clínicas é possível a manutenção da função motora, sem
sensibilidade a dor, em casos em que não se queira que o animal perca a movimentação.

Toxicidade [2]
Desde que administrados na dose adequada os ALs são praticamente isentos de efeitos colaterais.
Entretanto, pode ocorrer intoxicação quando administrados inadivertidamente por via intravenosa. A toxicidade é
proporcional a potência de cada fármaco (Tabela 2). Localmente, podem causar irritação local, quando administrados
em altas concentrações. Quando associados a um vasoconstritor podem causar necrose local, principalmente se
aplicados em extremidades. Adicionalmente, produzem dor à injeção, já que o pH da solução varia entre 3,5-4,5 em
soluções contendo com vasoconstrictor e entre 5,1 - 6,0 em soluções sem vasoconstritor.
A toxicidade sistêmica é caracterizada por sintomas nervosos e cardiovasculares. Em altas doses podem
desencadear convulsão e a susceptibilidade de cada espécie, tem relação direta com o grau de desenvolvimento do
SNC, fazendo com que os animais sejam menos susceptíveis que o homem e os répteis menos que os mamíferos.
Além da dose de lidocaína desencadeante de atividade convulsiva variar com a espécie (WAGMAN et al., 1967),
também varia entre indivíduos da mesma espécie (STEEN & MICHENFELDER, 1979; deTOLEDO, 2000). Os
sintomas de intoxicação se manifestam por excitação do SNC e se caracterizam por: inquietude, alteração de
comportamento, tremores, vômito, olhar fixo, fasciculação muscular esquelética, inicialmente da face e membros,
opistótono, contraturas, convulsão tônico-clônica, podendo levar a depressão do SNC, com perda da consciência,
depressão bulbar, parada respiratória e colapso cardiovascular, por depressão do miocárdio, redução da frequência
cardíaca, vasodilatação, hipotensão e morte. Supõe-se que a excitação inicial do SNC ocorra pelo bloqueio seletivo
das vias inibitórias das áreas motoras do córtex cerebral, mais rapidamente que as vias excitatórias do SNC,
predominando estas últimas. Com o aumento da dose, ocorre depressão tanto das vias inibitórias, como excitatórias,
com consequente depressão do SNC.
Alguns fatores intereferem na atividade convulsiva da lidocaina, como a presença de outros fármacos com
atividade no sistema nervoso central e alterações de pressão arterial (YOKOHAMA et al., 1995). Em presença de
acidose metabólica e aumento da PaCO2 (acidose respiratória), ocorre diminuição do limiar convulsígeno, pois há
uma maior quantidade de cátion, que não se difunde, permanecendo maior tempo na circulação. O aumento da
PaCO2 também aumenta o fluxo sanguíneo cerebral, facilitando a difusão do AL. (WAGMAN et al., 1967; STEEN &
MICHENFELDER, 1979. A duração da atividade convulsiva causada pela lidocaína, varia de 20 segundos a 3,5
minutos, conforme a espécie e a dose administrada (WAGMAN et al., 1967; LIU et al., 1983). Na tabela 6 encontram-
se as doses convulsivas de lidocaína em diversas espécies.
Acidentes de toxicidade normalmente ocorrem quando há injeção intravascular acidental, uso de altas
concentrações, como, por exemplo, lidocaina a 10% em mucosas e por sobredosagem em animais de pequeno
porte.
Os benzodiazepínicos, barbitúricos e miorrelaxantes periféricos apresentam ação anticonvulsivante
profilática e terapêutica e devem ser empregados no tratamento, seguido de respiração controlada, quando houver
apnéia.
51

Efeitos Farmacodinâmicos dos ALs [2]


Sistema nervoso central [3]
Os ALs atravessam facilmente a barreira hematoencefálica. A lidocaína apresenta um efeito ambivalente
sobre a função e o metabolismo cerebral. Doses de 2 a 3 mg/kg, deprimem a função elétrica e o metabolismo, já
doses maiores, de 25 a 30 mg/kg, produzem tremores e aumentam o metabolismo cerebral (SAKABE et al., 1974;
STEEN & MICHENFELDER, 1979). O efeito depressor pode ocorrer por diminuição da transmissão sináptica e da
ação estabilizante do AL sobre as membranas celulares no SNC, bloqueando, pelo menos parcialmente, os canais de
sódio (ASTRUP & SORENSEN, 1981). Doses baixas de lidocaína, pela via intravenosa, produzem sedação,
analgesia e atividade anticonvulsivante, com aumento do limiar, redução da duração e da intensidade da convulsão,
diminuindo ou abolindo as convulsões produzidas por estimulação elétrica ou química, possivelmente por inibir a
facilitação cortical sobre os motoneurônios (deTOLEDO, 2000). Como mencionado anteriormente com relação à
toxicidade, ao se aumentar a concentração plasmática, podem ocorrer fasciculações, tremores e até convulsões,
dependendo da dose administrada (WAGMAN et al., 1967; STEEN & MICHENFELDER, 1979, deTOLEDO, 2000).
A lidocaína têm sido empregada em infusão contínua intravenosa para potencializar a anestesia e produzir
analgesia pós-operatória. Esta ação analgésica, quando administrada pela via intravenosa, está relacionada à
depressão cortical (WAGMAN et al., 1967) e à supressão dos neurônios nociceptivos da medula espinhal (WOOLF &
WIESENFELD-HALLIN, 1985).

Sistema cardiovascular [3]


Terapeuticamente, tendo em vista que diminui a taxa de despolarização, o AL pode ser usado como
antiarrítmico ventricular durante ou após a anestesia, em casos de isquemia, cardiopatia e excesso de digitálicos, na
dose de 1 a 2 mg/kg de lidocaina. Este fármaco é conhecido como desfibrilador químico em casos de fibrilação atrial
e amplamente utilizado para o tratamento de contrações ventriculares prematuras em diversas espécies de animais,
por prolongar o intervalo PR e QRS (COLLINSWORTH et al., 1974).
Por outro lado, com o aumento da dose, causa vasodilatação, efeito cronotópico e inotrópico negativo, com
bradicardia, arritmia, redução da condutibilidade cardíaca, aumento do volume diastólico, depressão do miocárdio,
redução do débito cardíaco e pressão arterial e parada cardíaca por assistolia.

Interação com outros fármacos [3]


Fármacos depressores do SNC podem potencializar o efeito cardiodepressor dos anestésicos locais. O
cloranfenicol e a prometazina aumentam ou prolongam a ação convulsivante dos anestésicos locais.

Anestésicos Locais [1]


Propriedades desejáveis dos ALs [2]
As características ideais de um AL são ausência de irritação local, baixa toxicidade, ação reversível e sem
sequelas, tempo hábil conhecido, esterelizável, estável, solúvel em água, compatível com vasopressor, não interferir
com outros fármacos, ter boa penetração e período de latência curto.

Indicações dos ALs [2]


Apesar destes fármacos serem classicamente indicados para produzir anestesia regional, também são
empregados para potencializar a anestesia intravenosa e inalatória e tratar disritmias cardíacas. Dentre as
modalidades de anaestesia regional, os anestésicos locais são utilizados para anestesia tópica, de pele e mucosas,
em uso oftálmico, odontológico e uretral, infiltração local, anestesia perineural em nervos periféricos e anestesia
intraarticular, para insensibilização de uma região ou diagnóstico de claudicação em grandes animais, anestesia
intravenosa regional e anestesia espinhal, subdividida em epidural e subaracnóide, para bloqueio anestésico da
região abdominal posterior e membros posteriores das diversas espécies animais.

Fármacos anestésicos locais [2]

Lidocaína [3]
A lidocaína (α-dietil-aminoacetato-2,6-xilidina) é um AL hidrossolúvel de curta duração. Foi o primeiro AL do
tipo amino-amida, derivado da xilidina, a ser desenvolvido e, provavelmente, é o mais comumente empregado na
52

prática clínica, devido à sua potência, rápido início e moderada duração de ação e atividade anestésica tópica
(SKARDA, 1996). É metabolizada em 75% numa única passagem pelo fígado, originando dois metabólitos, a
glicinaxilidina e a monoetilglicinaxilidina, sendo o ultimo farmacologicamente ativo. A lidocaína é excretada em
pequena quantidade por via biliar e principalmente por via renal, sendo 10 a 20% excretada de forma inalterada na
urina do cão (DiFAZIO & BROW, 1972).
Como descrito anteriormente, pequenas doses de lidocaína por via intravenosa, produzem efeitos
anticonvulsivantes ou sedativos. À medida que as doses são aumentadas, pode ocorre convulsão (deTOLEDO,
2000).
O efeito eletrofisiológico cardíaco primário da lidocaína é a redução na velocidade máxima de
despolarização, principalmente das fibras de Purkinje e musculatura ventricular. Daí ser amplamente utilizada como
antiarritmico, por diminuir a fase 4 da despolarização, a duração do potencial de ação e prolongar o período refratário
efetivo (COLLINSWORTH et al., 1974). Adicionalmente a lidocaína reduz as concentrações plasmáticas de
catecolaminas, aumentadas em resposta ao estresse, por estímulo do sistema simpático e tem sido utilizada em
cirurgias cardiacas no cão, com finalidade antiarritimica cardíaca (SCHAUB et al., 1977).
Além do efeito antiarritimico, a lidocaina inibe os neurônios nociceptivos da medula espinhal (WOOLF &
WIESENFELD-HALLIN, 1985), reduz a descarga elétrica das fibras nervosas periféricas e deprime o córtex cerebral
(WAGMAN et al., 1967), potencializando em 40 a 70% a anestesia intravenosa e inalatória em diversas espécies.
Localmente causa bloqueio simpático, vasodilatação, anestesia das terminações nervosas do endotélio vascular,
estabilização de membrana e redução da dor em diversas neuropatias e no pós-operatório (SAKATA, 2001).

Uso clínico [4]


A lidocaína é disponibilizada comercialmente em várias formulações para abranger todas as modalidades de
anestesia local (Tabela 7).
Quando aplicada por via subcutânea ou intramuscular seu período de latência é extremamente curto, em
torno de 1 a 2 minutos. Por via epidural, a latência varia de 3 a 12 minutos e a duração de 120 a 150 minutos (Cruz,
Gasparini, ISHYI). Nesta via produz relaxamento muscular mais rápido e intenso que a bupivacaína; entretanto, a
duração da anestesia é menor, daí serem associadas para produzirem bom relaxamento muscular e prolongada
duração (Cruz et al).
A associação da lidocaína a um vasoconstritor, como a adrenalina, além de aumentar a latência e a
duração, pode diminuir o bloqueio da cadeia simpática paravertebral, minimizando a hipotensão arterial.

Bupivacaína [3]
A bupivacaína é 3 a 4 vezes mais potente, de efeito mais prolongado e apresenta uma maior taxa de
ligação às proteínas plasmáticas que a lidocaína. É usada freqüentemente para bloqueio nervoso regional e espinhal,
dada a longa duração de ação. É um fármaco que viabiliza, de acordo com a dose, a realização de bloqueio
exclusivamente sensitivo, mantendo-se a atividade motora. É mais tóxica que a lidocaína tanto para o SNC, como
para o sistema cardiovascular.

Ropivacaína [3]
A ropivacaína é o primeiro AL derivado de amino-amida que é um enantiômero puro (>99% S-enantiômero).
É de longa duração e homóloga da bupivacaína. Promove bloqueio sensitivo e motor de duração igual ou um pouco
menor e toxicidade cardíaca menor que este agente. A diferença química entre os dois é que a ropivacaína apresenta
um grupo propil no lugar do grupo butil da bupivacaína, na posição 1 do nitrogênio terciário.
É utilizada na sua forma levógira, a S-ropivacaína, por apresentar menor tempo de ligação com o receptor
na célula, diminuindo o risco de intoxicação. Da mesma forma que a bupivacaína, apresenta efeito prolongado,
provavelmente devido a alta ligação com proteínas plasmáticas, chegando a 99%.
Tanto a ropivacaína, como a bupivacaina bloqueiam as fibras de dor C e Aδ mais completamente que as
fibras motoras Aβ. Por esta razão possuem seletividade entre os bloqueios sensitivo e motor, isto é: promovem
analgesia suficiente para uma anestesia cirúrgica, relaxamento muscular satisfatório durante os procedimentos, e
com a vantagem de recuperação rápida da mobilidade no período pós-operatório (FELDMAN et al. (1996).
A ropivacaína possui baixa toxicidade e boa margem de segurança para os sistemas cardiovascular e
nervoso central, o que permite seu uso em altas concentrações. A sobredose por ropivacaína em animais é mais
tolerada que a sobredose por bupivacaína, porém menos que por lidocaína.
53

Referências bibliográficas [1]

ASTRUP, J. & SORENSEN, H.R. “Inhibition of cerebral metabolism by lidocaine”. European Journal of Neurology,
v.20, 1981, p.221-4.
BREARLEY, J.C. “Sedation, premedication and analgesia”. In: HALL, L.W. & TAYLOR, P.M. Anaesthesia of the Cat,
London, Baillière Tindall, 1994, p.111-28.
CRUZ, M. L. et al. “Epidural anaesthesia lignocaine, bupivacaine or a mixture of lignocaine and bupivacaine in dogs”.
Journal of Veterinary Anaesthesia, v. 24, 1997, p. 30-2.
DeTOLEDO, J.C. “Lidocaine and seizures”. Therapeutic Drug Monitoring, v.22, 2000, p.320-2.
DiFAZIO, C.A. & BROW, R.E. “Lidocaine metabolism in normal and phenobarbital-pretreated dogs”. Anesthesiology,
v.36, 1972, p.238-43.
ENGELKING, L.R. “Pharmacokinectis of antipyrine, acetamoniphen and lidocaine in fed and fasted horses”. Jounal of
Veterinary Pharmacology & Therapeutics, v.10, 1987, p.73-82.
FELDMAN et al 1996
GASPARINI, S. S. et al. “Anestesia epidural com ropivacaína ou lidocaína isolada ou associada à xilazina em cães”.
Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, São Paulo, v. 41, n. suplemento, 2004, p. 16-7.
ISHY, H. M. et al. “Uso da lidocaína isolada ou associada à quetamina ou ao butorfanol, em anestesia epidural em
cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia”. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, Rio de Janeiro, v. 9, n.
1, 2002, p. 134-136.
LEE, A. et al. “Disposition kinetics of ropivacaine in humans”. Anesthesia and Analgesia, v.69, 1989, p.537-44.
LIU, P.L. et al. “Comparative CNS toxicity of lidocaine, etidocaine, bupivacaine and tetracaine in awake dogs following
rapid intravenous administration”. Anesthesia and Analgesia, v.62, 1983, p.375-9.
McFARLANE, C. et al. “Glutamatergic antagonism: effects on lidocaine-induced seizures in the rat”. Anesthesia and
Analgesia, v.79, 1994, p.701-5.
MAMA, K. R. & STEFFEY, E. P. “Anestésicos locais”. In: ADAMS, H. Richard. Farmacologia e terapêutica em
veterinária. Trad. Cid Figueiredo. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2003, p.285-298.
COLLINSWORTH, K.A. et al. “The clinical pharmacology of lidocaine as an antiarrythmic drug”. Circulation, v.50,
1974, p.1217-21.
SCHAUB, R.G. et al. “Reduction of ischemic myocardial damage in the dog by lidocaine infusion”. American Journal
of Pathology, v.87, 1977, p.399-414.
SAKABE, T. et al. “The effects of lidocaine on canine cerebral metabolism and circulation related to the
electroencephalogram”. Anesthesiology, v.40, 1974, p.433-41.
SAKATA, R.K. “Tratamento da dor”. In: YAMASHITA, A. M. et al. Anestesiologia. 5a. ed. São Paulo: Atheneu, 2001,
p.1175.
Singer e Nicholson (1972 ref?),
SKARDA, R.T. “Local anesthetics and local anesthetic techniques in horses”. In: MUIR III, W.W & HUBBELL, J.A.E.
Equine anesthesia: monitoring and emergency therapy, St. Louis, Mosby Year Book, 1991, p.199-246.
SKARDA, R.T. “Local and regional anesthetic and analgesic techniques: dogs”. In: THURMON, J.C. et al. Veterinary
Anesthesia, Baltimore, Williams & Wilkins, 1996, p.426-47.
th
STRICHARTZ, G.R. & BERDE, C.B. “Local anesthetics”. In: MILLER, R.D. Anesthesia, 4 ed. New York, Churchill
Livingstone, 1994. p.489-521.
STEEN, P.A. & MICHENFELDER, J.D. “Neurotoxicity of anesthetics”. Anesthesiology, v.50, 1979, p.437-53.
WAGMAN, I.H. et al. “Effects of lidocaine on the central nervous system”. Anesthesiology, v.27, 1967, p.155-69.
WOOLF, C.J. et al. “The systemic administration of local anaesthetics produces a selective depression of C-afferent
fibre evoked activity in the spinal cord”. Pain, v.23, 1985, p.361-74.
YOKOHAMA, M. et al. “Effect of vasoconstrictive agents added to lidocaine on intravenous lidocaine-induced
convulsions in rats”. Anesthesiology, v.82, 1995, p.574-80.
WOOLF, C.J. et al. The systemic administration of local anaesthetics produces a selective depression of C-afferent
fibre evoked activity in the spinal cord. Pain, v.23, 1985, p.361-74.
54

Tabela 1: Estrutura química dos anestésicos locais


AL grupo aromático cadeia grupo amina
intermediária
cocaina ácido benzóico éster terciária
procaina PABA éster terciária
tetracaina PABA éster terciária
lidocaina xilidina amida terciária
bupivacaina xilidina amida terciária
etidocaina xilidina amida terciária
ropivacaína xilidina amida terciária
prilocaina xilidina amida secundária

Tabela 2A: Dados farmacocinéticos da lidocaína, bupivacaína e ropivacaína


Anestésico Potência pKa % de fração Ligação com Lipossolubilidade
não ionizada proteínas (%)
em pH 7,4
Procaína 1 8,9 3 6 0,6
Lidocaína 2 7,9 25 70 2,9
Bupivacaína 8 8,1 15 95 28
Ropivacaína 8 8,1 15 94
* potência comparativa em relação à procaína
Fonte: MAMA & STEFFEY (2003)

Tabela 2B: Dados farmacocinéticos da lidocaína, bupivacaína e ropivacaína


Anestésico Espécie t½α t½β t½γ Vd Clearence Referência
(min) (min) (h) (L/kg) (ml/kg/min)
Lidocaína cavalo 40 2,8 52 Engelking,
1987
Bupivacaína homem 2,7 28 3,5 72 L 470 ml/min Strichartz &
Berde 1994
Ropivacaína homem 1,9 59 L 730 ml/min Lee et al 1989

Tabela 3: Duração do bloqueio anestésico local na anestesia infiltrativa no cão após o uso de lidocaína e bupivacaína
Anestésico local Concentração Duração em anestesia infiltrativa
(minutos)**
Lidocaína 1% 60-120
1% com adrenalina* 120-180
2% 120-200
2% com adrenalina* 150-240
Bupivacaína 0,25% 170-230
0,25% com adrenalina* 200-300
0,5% 240-360
0,5% com adrenalina* 240-360
* adrenalina adicionada na concentração de 1:200.000 da solução de anestésico local
** período de latência: até 2 minutos

Tabela 6: Duração do bloqueio anestésico local na anestesia peridural no cão após o uso de lidocaína, bupivacaína e
ropivacaína
Fármaco(s) Dose (mg/kg) Período de latência Período de ação anestésica-
(minutos) (horas)
Lidocaína 2% 5 1 - 18 1 –2,5
Bupivacaína 0,5% 1,25 12 + 1 2
Ropivacaína 1% 2,5 1-6 4 – 4,5

Tabela 7: Dose convulsiva da lidocaína nas diversas espécies


55

Espécie Dose convulsiva (mg/kg) Referências


coelho 5a6 WAGMAN et al., 1967
gato 10 a 12,5 WAGMAN et al., 1967,
BREARLEY, 1994
cão 22 a 27 SAKABE et al., 1974; STEEN &
MICHENFELDER, 1979; LIU et
al., 1983
rato 32 McFARLANE et al., 1994
macaco 14 a 23 STEEN & MICHENFELDER,
1979
cavalo 4 SKARDA, 1991
homem 6a7 STEEN & MICHENFELDER,
1979
Observação: a dose convulsiva de bupivacaína é de 3,8 mg/kg no gato e 4,3 a 5 mg/kg no cão.

Tabela 8: Concentrações para uso clínico dos anestésicos locais

Fármaco Concentrações Uso

Lidocaína 1-2% Infiltrativa, peridural


5, 10% Tópica

Bupivacaína 0,25-0,75% Infiltrativa, peridural

Ropivacaína 0,25-1 % Infiltrativa, peridural

Tabela 7: Bloqueio anestésico prolongado para eqüinos com neurolíticos – comparação entre alcool benzílico 0,75%
(cisaprin) e álcool etílico 100% (Fonte: Escodro 2004)
Latência (dias) Tempo bloqueio (dias)
1) álcool etílico 100% 30 120 (pinça) a 150
2) Álcool benzílico 0,75% 7 > 180

Reações
1) intenso edema até 30 dias; neurotemese (degeneração nervosa permanente)
2) intenso edema até 30 dias; axonotemese (tendência de regeneração do nervo e restabelecimento da condução do
estímulo nervoso)
56

ANESTESIA LOCAL EM EQÜINOS

STELIO PACCA LOUREIRO LUNA E FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO

Procedimentos cirúrgicos como sutura de feridas, fetotomias, vulvoplastias, laparotomias de


flanco/laparoscopias podem ser realizadas animal em posição quadrupedal, sob o efeito de uma técnica anestésica
local combinada à agentes sedativos/analgésicos. Para procedimentos mais invasivos e de maior duração, é
necessário recorrer à anestesia geral. Enquanto a anestesia intravenosa pode ser empregada para procedimentos
mais curtos (até 1 hora), a anestesia inalatória é recomendada para cirurgias prolongadas devido à rápida
recuperação proporcionada.
Os bloqueios perineurais e intra-articulares são frequentemente empregados para o diagnóstico de claudicações na
espécie equina. Outras modalidades de anestesia local como a anestesia local infiltrativa, anestesia epidural e
bloqueios perineurais na região a cabeça, são utilizadas para procedimentos cirúrgicos com o animal em estação. A
anestesia local (bloqueios perineurais em extremidades e bloqueios de cabeça) também pode ser empregada
concomitantemente à anestesia geral no equino com o objetivo de se proporcionar anestesia balanceada. Na
anestesia balanceada, procuram-se empregar associações de fármacos com mecanismos de ação e efeitos
variados, com o objetivo de se reduzir a dose de cada fármaco, propiciando assim uma diminuição dos efeitos
colaterais observados com o uso isolado de doses elevadas cada agente.
Os anestésicos inalatórios são os agentes mais empregados para manutenção da anestesia geral por períodos que
excedem 1 hora. No entanto, estes fármacos produzem depressão cardiorespiratória dose-dependente (STEFFEY &
HOWLAND, 1980). Uma das formas de se minimizar este efeito é através do uso de associações que possibilitem a
redução da concentração de agente inalatório para a manutenção anestésica. Apesar da escassez de estudos, a
experiência prática tem demonstado que o uso de bloqueios anestésicos locais pode reduzir de forma significativa os
requerimentos de agentes inalatórios. Tem-se observado que para a maioria do procedimentos cirúrgicos ortopédicos
(osteossíntse) em equinos é necessário o emprego concentrações elevadas de agentes inalatórios (acima de 1,5
concentração alveolar mínima - CAM) para a manutenção anestésica. Com o uso de bloqueios perineurais em
fraturas de extremidades, pode-se reduzir esta concentração para cerca de 1 CAM em alguns casos.

Bloqueios anestésicos perineurais


Cabeça (Figura 1)
As anestesias perineurais na cabeça apresentam algumas vantagens, na medida que possibilitam a
realização de intervenções cirúrgicas com o animal em posição quadrupedal, facilitando a manipulação do mesmo.

B
A Figura 1: Bloqueios perineurais da região da
cabeça no equino.
A: Bloqueio do nervo auriculopalpebral (aquinesia
de pálpebra superior); B: Bloqueio do nervo
C E
supraortbitário (anestesia da pálpebra superior), C:
F Bloqueio do nervo infratroclear (anestesia da
D comissura medial olho); D: Bloqueio nervo
zigomático (anestesia da pálpebra inferior); E:
Bloqueio do nervo lacrimal (anestesia comissura
lateral do olho); F: Bloqueio do nervo
infraorbitário (injeção de anestésico na
emergência do nervo: anestesia de lábio superior,
narinas – injeção de anestésico no interior do
G
forâmen: anestesia de dentes incisivos até 1o
molar, cavidade nasal, seio maxilar).

Bloqueio do nervo auriculopalpebral: aquinesia (ausência de movimento e de fechamento voluntário) da pálpebra


superior3,4,5,6: o suprimento da função motora da pálpebra superior é fornecido pelo nervo auriculopalpebral, que é
um ramo do nervo facial. O bloqueio do nervo auriculopalpebral pode ser realizado na porção mais dorsal do arco
zigomático (Figura 1) com a introdução subcutânea de uma agulha 30 X 7, injetando-se 3 a 5 mL de anestésico local
em forma de cordão junto ao arco zigomático. A realização deste bloqueio, apesar de produzir aquinesia da pálpebra
57

superior, não produz anestesia, sendo útil para o exame oftálmico, alívio do blefaroepasmo (espasmo palpebral),
administração de medicamentos de uso oftálmico por via subconjuntival, remoção de corpo estranho na córnea e
estruturas adjacentes, colheita de material para histologia e/ou biópsia e para cirurgias oftálmicas e suturas de
pálpebras (em conjunto com outros bloqueios).

Bloqueio do nervo supraorbitário: anestesia de pálpebra superior4,6,7,8: o nervo supraorbitário é localizado na


emergência do foramen supraorbitário, 6 cm dorsal a comissura medial do olho (Figura 1). Introduz-se a agulha em
direção dorso-ventral (anestesia da porção medial da pálpebra superior).
Bloqueio do nervo lacrimal: anestesia da comissura lateral da pálpebra:o nervo lacrimal é localizado de 0,5 a 1 cm
acima da comissura lateral da pálpebra superior, junto a borda da cavidade orbitária (profundidade subcutânea: 3 mL
de anestésico local).
Bloqueio do nervo infratroclear: anestesia da comissura medial da pálpebra: o nervo infratroclear, localizado cerca de
1 cm dorsal e lateral a comissura medial do olho (Figura 1), junto a uma pequena protuberância óssea (profundidade
subcutânea - volume: 3 mL de anestésico local).

Bloqueio do nervo zigomático: anestesia de pálpebra inferior 4,6,7,8: o nervo zigomático, situado entre a comissura
lateral e medial do olho, junto à borda da cavidade orbitária e ventral a pálpebra inferior (profundidade subcutânea -
volume: 3 mL de anestésico local).

Bloqueio do nervo infraorbitário: anestesia do maxilar superior6,8: o nervo infraorbitário emerge do forâmen
infraorbitário, localizado abaixo do músculo elevador naso-labial, cerca de 2,5 cm dorsal ao ponto médio de uma
linha imaginária conectando a incisura nasolabial e o ponto mais rostral da crista facial (Figura 1). A injeção de 5 mL
de anestésico local na abertura do forâmen em ambos os lados produz anestesia das narinas, lábios superiores e
tecidos moles craniais ao forâmen. A introdução de uma agulha longa cerca de 3,5 cm no interior do forâmen para a
administração de cerca de 5 mL de anestésico local em ambos os lados produz anestesia dos dentes caninos,
incisivos superiores, até a altura do primeiro molar; além do seio maxilar, palato, mucosa oral e nasal. A agulha deve
ser introduzida em direção antero-posterior.

Bloqueio do nervo mentoniano: anestesia da porção anterior da mandíbula5,6,8: o nervo mentoniano, é situado na
emergência do forâmen mentoniano. O forâmen é localizado porção lateral do ramo anterior da mandíbula, no
espaço interdentário, no ponto médio de uma linha imaginária conectando canino inferior e o primeiro pré-molar,
abaixo da dobra entre os lábios superiores e inferiores. Com a administração de anestésico local (5 mL) na abertura
do foramen, obtém-se anestesia dos lábios inferiores. Caso se utilize agulha longa, introduzida cerca de 7,5 cm no
interior do forâmen para a administração de anestésico local (5mL), obtém-se anestesia do ramo anterior da
o
mandíbula, dentes incisivos e pré-molares inferiores (até 3 pré molar). A agulha deve ser introduzida em direção
antero-posterior.

Bloqueio retrobulbar: anestesia para enucleação9: realiza-se infiltração superficial subcutânea das pálpebras
superior e inferior (5 ml/por cordão) ou bloqueio perineural das pálpebras como descrito anteriormente, associado à
introdução de uma agulha 150x12 na comissura medial do olho, tangencialmente ao globo ocular, rente ao tabique
ósseo, até o nervo óptico (profundidade em torno de 10 cm - volume: 20 mL de anestésico local com vasconstritor).
Esta técnica é viável em animais submetidos à anestesia intravenosa ou geral inalatória.
Membros
A anestesia local em membros é indicada não apenas para procedimentos cirúrgicos nestas regiões, mas
também para promover analgesia pós-operatória, bem como para fins de diagnósticos de claudicações e analgesia
em casos de laminite, caso o animal tenha que ser transportado ou ainda em casos de cobertura. Nestes bloqueios
recomenda-se inicialmente introduzir a agulha 30x7, e depois acoplá-la à seringa de plástico, evitando-se assim,
acidentes por quebra de seringas de vidro, caso o animal se movimente. A "mão" ou "pé de amigo" podem auxiliar
na contenção física para a realização destes bloqueios em alguns casos.
58

Membro Anterior(Figuras 2, 3, 4) 6,8,9,10,11,12,13

Osso Metacarpiano
Acessório Figura 2: Vista lateral do
membro anterior esquerdo. Os
Bloqueio Palmar Alto círculos indicam os locais de
inserção das agulhas para os
Nervo Metacarpiano Nervo Palmar (Nervo Digital) bloqueios digital palmar,
Bloqueio Palmar Baixo sesamoideano abaxial, palmar
baixo e palmar alto.
Bloqueio Sesamoideano abaxial
Ramo Dorsal
Nervo Digital Palmar (Ramo Ventral)
Bloqueio Digital Palmar
Membro anterior esquerdo
(vista lateral)

Cranial
A B
Cranial
3o MC
3o MC

Medial Lateral
Medial 2o MC 4o MC Lateral
LSB

LSB LA
2o MC 4o MC FDP
FDP FDS
FDS Nervo
Caudal Nervo Palmar Metacarpiano Caudal Nervo Palmar
Nervo Metacarpiano

Figura 3: Corte transversal da canela do membro anterior na altura indicada na figura anterior (Figura 2)
para realização do bloqueio palmar baixo (A) e alto (B). MC: osso metarpiano; LSB: ligamento supensor
do boleto; FDP (ligamento flexor digital profundo; FDS (ligamento flexor digital supeficial)

A B

C
Figura 4: Localização anatômica para
realização do bloqueio dos nervos ulnar
(A), mediano (B) e musculocutâneo (C).
FONTE: Muir & Hubbell. Handbook of
Veterinary Anesthesia, 1995
59

Bloqueio do nervo digital: anestesia do terço posterior do casco: o anestésico local (3 mL, subcutâneo) é depositado
sobre o ramo ventral do nervo digital palmar (ou digital plantar no membro posterior) (Figura 2), localizado nas faces
lateral e medial da quartela, abaixo da articulação metacarpo (ou metatarso)-falangeana (boleto), paralelo à veia e
artéria digitais.
Bloqueio sesamoide abaxial: anestesia de quartela e casco : o anestésico local (3-5 mL, subcutâneo) é depositado
sobre o nervo palmar (ou plantar no membro posterior), antes da sua bifurcação em digital palmar (ramo dosal) e
nervo digital palmar (ramo ventral) (Figura 2), localizado abaxialmente à borda proximal dos sesamóides proximais,
acompanhado por artéria e veia.
Bloqueio de 4 pontos baixo: anestesia do terço distal do metacarpo até a extremidade (casco): Este bloqueio é
chamado de 4 pontos porque para se obter anestesia se extendendo do terço distal do metacarpo até o casco,
devem-se bloquear tanto os nervos metacarpianos (medial e lateral) como os nervos palmares (medial e lateral). O
bloqueio baixo de 4 pontos é realizado na altura da extremidade distal do metacarpiano acessório (Figura 2). Para o
bloqueio dos nervos metacarpianos (ou metatarsianos no membro posterior), uma agulha 30X7 é introduzida no
aspecto caudal no membro, perpendicular à pele, entre o ligamento suspensor do boleto e os ossos metacarpianos
o o
acessórios (2 e 4 ), injetando-se 3-5 mL de anestésico local em cada ponto (Figura 3A). Para o bloqueio os nervos
palmares (ou plantares no membor posterior), a agulha é introduzida entre os combinação dos tendões flexores
digitais (superficial e profundo) e o ligamento suspensor do boleto (profundidade 1 cm), injetando-se 3-5 mL de
anestésico local nestes pontos.
Bloqueio de 4 pontos alto: anestesia do terço médio do metacarpo até a extremidade (casco): Este bloqueio é similar
ao anterior, com aumento da área bloqueada, que se extende do terço médio do metatarso (canela) até a
extremidade do membro. O bloqueio de 4 pontos alto é realizado na altura do terço proximal do metacarpo, cerca de
5 cm abaixo da articulação carpo-metacarpina (Figura 2). Para o bloqueio dos nervos metacarpianos (ou
metatarsianos no membro posterior), uma agulha 30X7 é introduzida no aspecto caudal no membro, perpendicular à
o o
pele, entre o ligamento suspensor do boleto e os ossos metacarpianos acessórios (2 e 4 ), injetando-se 3-5 mL de
anestésico local em cada ponto (Figura 3A). Para o bloqueio os nervos palmares (ou plantares no membor
posterior), a agulha é introduzida subcutaneamente entre os os tendões flexores digitais (superficial e profundo) e o
ligamento acessório (frenador superior) (profundidade 1 cm).
Bloqueio dos nervos ulnar, mediano e musculo-cutâneo: anestesia distal ao carpo (inclusive): Os nervos ulnar,
mediano e musculo-cutâneo devem ser bloqueados para se produzir anestesia distal ao carpo (Figura 3). O nervo
ulnar está localizado na face posterior, na transição entre a face lateral e medial do membro, no terço caudal do
rádio, cerca de 10 cm acima do osso carpo acessório (ou acessório do carpo), numa depressão situada entre os
músculos flexor carpo ulnar e o ulnar lateral (profundidade de 0,5-1,0 cm - volume: 5-10 mL de anestésico local). O
nervo mediano localiza-se no aspecto medial do terço proximal do rádio-ulna. Para se bloquear o nervo mediano
uma agulha é introduzida cerca de 4 cm de profundidade entre a borda posterior do rádio e o músculo flexor carpo
radial para administração de cerca de 10-15 mL de anestésico local. O nervo músculo-cutâneo situa-se no aspecto
medial, terço proximal da borda anterior do rádio-ulna, margeando a veia cefálica (profundidade subcutânea -
volume: 10 mL de anestésico local).

Membro Posterior (Figura 5)6,8,9,10,11,12,13


Os bloqueios referentes à porção distal do metatarso são realizados da mesma forma que anteriormente
descritos para o membro anterior.

Figura 5: Localização anatômica para


realização do bloqueio dos nervos fibular,
safeno e tibial. O nervo fibular (ramo
superficial e profundo) é localizado no
aspecto lateral do membro posterior, entre o
músculo extensor digital lateral e comum.
Os nervos safeno e tibial se localizam no
Nervo Safeno
apecto medial do membro posterior.
Nervo Tibial
Nervo
Fibular
(Peroneo)
60

Bloqueio dos nervos fibular (ou peroneo), safeno e tibial: anestesia distal ao tarso (inclusive): Da mesma forma que
no membro anterior, três nervos devem ser bloqueados simultaneamente, sendo um situado na face lateral (nervo
fibular) e dois situados na face medial dos membros (nervos safeno e tibial) (Figura 5). O nervo tibial é encontrado
na face medial do membor posterior. cerca de 15 cm acima da articulação do tarso. O nervo tibial situa-se
cranialmente aos tendões do músculo gastrocnêmio e flexor digital superficial (tendão de Aquiles) e caudalmente ao
tendão flexor digital profundo (profundidade até 2,0 cm - volume: 10 mL de anestésico local). O nervo safeno situa-se
na face medial, acima da articulação fêmur tibio-rotuliana, dorsal e paralelo à veia safena (profundidade subcutânea
– volume: 10 mL de anestésico local). O nervo fibular deve ser bloqueado em dois pontos, o ramo superficial e o
profundo. Este nervo está localizado na face lateral do membro posterior, entre os músculos extensor digital lateral e
extensor digital comum; 10 cm proximal ao maléolo lateral da tíbia (profundidade de 1-2 cm - superficial - e 5 cm -
profundo - volume: 10 mL e anestésico local em cada ponto).

Anestesia para orquiectomia6,9: inicialmente deve-se realizar uma anestesia infiltrativa subcutânea sob forma de
cordão no local da incisão (5 ml), seguido de injeção perineural no cordão espermático com agulha 100x10 aplicando
o anestésico próximo ao anel inguinal externo (10 ml de cada lado). Uma segunda opção seria a injeção de 20 ml de
anestésico local no centro de cada testículo (intratesticular), aguardando-se um período de latência de 10 minutos.

Analgesia da cauda, períneo, vagina e vulva (Figura 6)6,8: a analgesia desta região pode ser obtida através da
anestesia epidural, que consiste na administração do anestésico local no espaço epidural, entre as vértebras
primeira e segunda vértebras coccígeas (Co1 e Co). Para a localização correta do espaço intercoccígeo Co1-
Co2,deve-se erguer e abaixar a cauda do animal em movimento constante, palpando-se a articulação de maior
mobilidade após as vértebras sacrais. Este espaço localiza-se aproximadamente 5 cm cranial aos primeiros pelos da
cauda. Cranialmente à primeira articulação intercoccígea, localiza-se a articulação sacro-coccígea. Esta articulação
no entanto apresenta mobilidade significativamente menor que a articulação intercoccígea. Idealmente o animal deve
permanecer em posição quadrupedal simétrica, preferencialmente apoiando os quatro membros, ou pelo menos os
dois membros posteriores. Após a realização de um botão anestésico subcutâneo, introduz-se a agulha em ângulo
de 90º com controno da garupa, atravessando-se os ligamentos supraespinhoso, interespinhoso e amarelo, até
alcançar o espaço peridural. Neste local a pressão é negativa e pode ser confirmada pela observação da sucção de
uma gota de anestésico, colocada previamente no canhão da agulha. Antes da injeção deve-se aspirar para se
certificar que não haja uma injeção intravenosa inadvertida. O período de latência é de até 20-30 minutos e o volume
de anestésico local a ser injetado é de 0,015 ml/kg (cerca de 7,5 mL para um aniamal de 500 Kg), já que um volume
maior pode ocasionar ataxia, perda da motricidade e até decúbito, levando a sérios riscos de traumatismo.
Normalmente observa-se um relaxamento da cauda e do esfincter anal até 10 minutos após a aplicação do
anestésico local, porém a analgesia para o início da cirurgia é obtida apenas após 20 a 30 minutos. Em situações em
que se deseja uma analgesia mais anterior, ou seja, por exemplo na cervix, deve-se complementar com anestesia
infiltrativa no local, já que esta região não é abrangida por este bloqueio. Tendo em vista que a vulva é inervada
pelos nervos espinhais emergentes das vértebras sacrais S2 e S3, em algumas situações se faz necessária, a
anestesia infiltrativa da transição entre a pele e a mucosa vulvar.

1a articulação Figura 6: A-Localização anatômica para


intercoccígea realização da anestesia peridural no equino.
S5 Uma agulha é introduzida na primeira
Co1 articulação intercoccígea (entre a primeira- Co1
A Co2 e a segunda-Co2 vértbras coccígeas). Este
Sacro espaço apresenta maior mobilidade que o
espaço sacro-coccígeo (entre a última vértebra
sacral-S5 e Co1)
B-Região anestesiada (área demarcada com
pontos) com a administração de anestésico local
B em equino (0,015 mL/kg)
61

Por ser uma técnica simples e de baixo custo a anestesia epidural é indicada para realização de cirurgias na
cauda, cirurgias corretivas de urovagina, vulvoplastias, parto distócico, fetotomia, prolapsos de reto ou vagina, em
casos de dilaceração de reto e períneo pós-parto (fístulas retovaginais) e mesmo em casos de cólica para controle de
tenesmo, quando deseja-se realizar palpação retal.
Caso se utilize lidocaína 2% para a anestesia epidural obtém-se um período analgésico em torno de 90
16
minutos , sendo que a adição de adrenalina pode prolongar um pouco este período. Uma boa opção para aumento
da duração do bloqueio seria o uso de 0,17 mg/kg de xilazina diluida em 6 a 10 ml de solução fisiológica. O período
de latência com a utilização da xilazina é longo, em torno de 30 minutos, e a duração de ação prolngada, variando
de 165 a 180 minutos17. Neste caso a sedação e ataxia são pouco evidentes, não havendo alterações
cardiorrespiratórias significantes17,18,19. A associação de 0,22 mg/kg de lidocaína 2% e 0,17 mg/kg de xilazina 2%
possibilita que se encurte o período de latência (devido ao uso da lidocaína) já que este protocolo produz um período
de latência curto em torno de 5-10 minutos e uma duração mais longa (330±6 minutos), agilizando assim o início da
cirurgia e reduzindo a necessidade de complementação anestésica16. Em um trabalho recente realizado em nosso
ambiente20, comparou-se o uso da ropivacaína 1%, da lidocaína 2% com vasoconstrictor e da associação de
lidocaína e ropivacaína em éguas, utilizando-se um volume de 0,018 ml/kg. Observou-se um período médio de
latência de 17, 15 e 7 minutos e um período analgésico médio de 285, 163 e 202 minutos respectivamente,
demonstrando a viabilidade do uso da ropivacaína na espécie eqüina e de uma maior duração de ação
proporcionada pelo uso deste novo anestésico.

Problemas relacionados às anestesias perineurais e regionais


Em algumas situações, pode ocorrer falha no bloqueio anestésico, sendo que as principais causas seriam:
localização errônea do nervo, volume inadequado, diluição ou hemodiluição do anestésico, presença de tecido
fibroso ou reação inflamatória, impedindo a difusão do anestésico e presença de outras regiões dolorosas que não
aquela enervada pelo nervo. Deve ser rigoroso o cuidado com antissepsia, evitando-se contaminação do local, bem
como deve-se evitar movimentos transversais da agulha, que possam causar lesão ou secção dos nervos. Com
relação a bloqueios dos nervos digitais e metacarpianos ou metatarsianos, deve-se tomar cuidados redobrados para
que não se cause tendinite dos flexores digitais superficial e profundo.

Referências Bibliográficas

1) DAY, T.K.; SKARDA, R.T. The pharmacology of local anesthetics. Veterinary Clinics of North America, v.7, n.3,
p.489-500, 1991.
2) LEISURE, G.S.; DIFAZIO, C.A. Ropivacaine: the new local anesthetic. Seminars in Anesthesia, v.15, n.1, p.1-9,
1996.
3) RUBIN, L.F. Auriculopalpebral nerve blocks as an adjunct to the diagnosis and treatment of ocular inflamation in
the horse. Journal of the American Verinary Medical Association, v.144, p.1387-8, 1964
4) MERIDETH, R.E.; WOLF, E.D. Ophtalmic examination and therapeutic techniques in the horse. The Compendium
of Continuing Education, v.3, n.11, p.S426-33, 1981.
5) LINDSAY, W.A.; HEDBERG, E.B. Performing facial nerve blocks, nasolacrimal catheterization, and paranasal
sinus centesis in horses. Veterinary Medicine, v.86, n.1, p.72-83, 1991.
6) SKARDA, R.T. Local and regional anesthetic and analgesic techniques. In: THURMON, J.C.; TRANQUILLI, W.J.;
BENSON, G.J. Lumb & Jones' Veterinary Anesthesia, 3rd ed., Baltimore: Williams & Wilkins, 1996, p.448-478.
7) MANING, J.P.; St CLAIR, L.E. Palpebral frontal and zygomatic nerve blocks for examination of the equine eye.
Veterinary Medicine, v.71, p.187-9, 1976.
8) GAYNOR, J.S.; HUBBELL, A.E. Perineural and spinal anesthesia. Veterinary Clinics of North America: Equine
Practice, v.7, n.3, p.501-20, 1991.
9) MASSONE, F. Anestesiologia Veterinária, 2ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1994, 252p.
10) NYROP, K.E.; COFFMAN, J.R.; DEBOWES, R.M.; BOOTH, L.C. The role of diagnostic nerve blocks in the
equine lameness examination. The Compendium of Continuing Education, v.5, n.12, p.142-9, 1983.
11) BUDRAS, K.-D. Atlas der anatomie des pferdes, Hannover: Schlütersche, 1994, 144p.
62

ANESTÉSICOS GERAIS INTRAVENOSOS

STELIO PACCA LOUREIRO LUNA


MARIANA DO AMARAL CORRÊA

HISTÓRICO E CONCEITOS
Anestésicos gerais intravenosos são fármacos que promovem depressão do Sistema Nervoso Central de
forma dose-dependente e reversível, o que resulta na perda das capacidades de percepção de estímulos dolorosos e
resposta a estes estímulos. Os fármacos classificados como anestésicos gerais, como os barbitúricos e propofol,
causam inconsciência e relaxamento muscular. A depressão do SNC, devido à hipnose, evita a percepção da dor,
mesmo sem propriedades intrinsecamente analgésicas.
Historicamente, o primeiro fármaco utilizado com a finalidade de se atingir a inconsciência foi o ópio, em
1657, por Cristopher Wren. Na seqüência, em 1665, Sigismund Elsholtz reportou que este mesmo fármaco causava
analgesia.
A utilização de anestésicos intravenosos deu um grande passo após a criação da seringa por Riynd, em
1845. Porém, o russo Pirogoff, em 1846, produziu óbito em um paciente ao administrar éter por via intravenosa. Em
1853 a agulha foi produzida por Alexander Wood, deixando de serem utilizadas as cânulas de metal.
A partir de 1872, Ore reportou o uso de hidrato de cloral como agente intravenoso. Em 1874 Pierre Cyprien
testou este fármaco com sucesso durante uma cirurgia no ser humano e, em 1875, Humbert administrou-o por via
oral, retal e intravenosa em eqüinos. Meltzer, em 1905, associou este fármaco com sulfato de magnésio em eqüinos,
potencializando o relaxamento muscular.
Provavelmente, o maior avanço histórico da anestesia intravenosa foi a síntese dos barbitúricos em 1920,
com o surgimento do pentobarbital em 1930 e do tiopental em 1933. Apenas mais recentemente surgiram outros
hipnóticos, como o etomidato na década de 70 e o propofol na década de 80.
Os anestésicos gerais intravenosos podem ser utilizados por meio de uma única administração ou por meio
de infusão contínua. No último caso, idealmente os fármacos devem apresentar meia-vida e clearance rápidos, com
duração curta e metabolismo rápido. Também devem ser solúveis em água, estáveis em solução e devem produzir
um rápido equilíbrio entre o sangue e o cérebro, de modo que as alterações na concentração plasmática resultem em
alterações correspondentes no plano anestésico. Idealmente ainda, estes fármacos devem produzir mínima
depressão cardiorrespiratória e não causarem dor à injeção, flebite, trombose ou lesão quando administrados por via
extravascular. Seus metabólitos devem ser inativos e/ou não tóxicos. Infelizmente, nenhum dos fármacos até o
momento apresenta todas estas características.
A maioria dos anestésicos intravenosos estimula a transmissão GABAérgica, com aumento da condução do
cloro e hiperpolarização do neurônio, promovendo inibição da condução nervosa.
63

CLASSIFICAÇÃO DOS ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS


BARBITÚRICOS

PROPRIEDADES QUÍMICAS E FÍSICAS


Formado a partir de ácido malônico e uréia, o barbitúrico é um sal sódico, constituído por um ácido fraco e
uma base forte, o hidróxido de sódio. Seu pKa é de 7,6 e desta forma, ao ser administrado no pH fisiológico do
organismo (7,4), o barbitúrico apresenta-se 60% na forma não ionizada e 40% na forma ionizada.

Para o barbitúrico penetrar na membrana fosfolipídica das células, ele deve estar na forma não ionizada.
Desta maneira, quanto mais ácido for o pH do organismo, maior será a quantidade do princípio ativo na forma não
ionizada. Por esta razão, existe a necessidade de se tomar mais cuidado em animais que apresentam acidemia.
Dado ao predomínio da forma não ionizada, neste caso ocorrerá uma passagem maior do barbitúrico pela barreira
hematoencefálica e, conseqüentemente, maior efeito farmacológico.
Tendo em vista que o barbitúrico é formado por uma base forte, o pH da solução é alcalino e maior que 10. O
mesmo é apresentado sob a forma de pó e deve ser diluído preferencialmente em água destilada e no caso do
tiopental, em concentrações que variam de 2,5% para pequenos animais e 5% para grandes animais. Após a
diluição, a solução é estável por duas semanas e deve ser armazenada sob refrigeração (5 a 6°C) para se retardar a
deterioração.
Quimicamente os barbitúricos podem ser classificados em oxibarbitúricos, quando apresentam o oxigênio no
carbono 2 de sua fórmula, tais como o pentobarbital e o metohexital, ou tiobarbitúricos, quando apresentam o enxofre
no mesmo local, característica esta que aumenta a lipossolubilidade do fármaco e a rapidez do efeito. Quanto maior o
número de átomos de carbono em sua estrutura, maior a potência, enquanto a adição do núcleo aromático confere
propriedades convulsivantes ao agente anestésico.
Quanto à duração de ação, estes fármacos podem ser classificados em barbitúricos de ultracurta duração,
com tempo de efeito de 5 a 20 minutos, tais como o metohexital, tiamilal e o tiopental sódico; barbitúricos de curta
duração, com tempo de efeito de 60 a 120 minutos, como o pentobarbital sódico; e barbitúricos de longa duração,
representado pelo fenobarbital sódico, que apresenta duração de 6 a 12 horas.
Os barbitúricos de ultracurta e curta duração são utilizados como anticonvulsivantes e para a anestesia geral,
de acordo com o tempo anestésico requerido, enquanto que os de longa duração estão entre os principais
anticonvulsivantes utilizados para o tratamento prolongado da epilepsia.

CLASSIFICAÇÃO AGENTE PERÍODO DE LATÊNCIA PERÍODO HÁBIL

Fenobarbital

Pentobarbital

Tiopental

Tiamilal

Metohexital
64

FARMACOCINÉTICA
Estes fármacos apresentam alta lipossolubilidade e uma taxa de ligação às proteínas plasmáticas de 72 a
86%. Desta forma seus efeitos farmacológicos são potencializados em pacientes com hipoproteinemia. Isto se deve
ao fato de que somente a fração não ligada às proteínas ultrapassa a barreira hematoencefálica. Assim, pacientes
com hiproteinemia apresentam uma maior disponibilidade do fármaco sob a forma livre para ultrapassar a barreira e
promover depressão do SNC.
Da mesma maneira, o uso concomitante de outros fármacos que apresentem alta ligação com proteínas
plasmáticas potencializa os efeitos dos barbitúricos, dado ao aumento da disponibilidade de sua forma livre e
farmacologicamente ativa.
Por causa de sua alta solubilidade lipídica, a penetração do tiopental no SNC é rápida. Os primeiros efeitos
são visíveis entre 15 e 30 segundos após a administração e sua meia-vida de equilíbrio sangue:cérebro é de
aproximadamente 1 minuto.
Os barbitúricos apresentam um grande volume de distribuição e ampla redistribuição para os tecidos,
principalmente para a musculatura esquelética e tecido adiposo, o que pode ser atríbuído a alta solubilidade lipídica
destes fármacos. O tiopental apresenta volume de distribuição de 843 ml/kg e seu clearence é de 1,51 ml/kg/min. Por
possuir este baixo clearance, o fármaco apresenta efeito cumulativo e promove recuperação prolongada da
anestesia.
Após o período de ação do fármaco, o tiopental é redistribuído do SNC para os músculos e para o tecido
gorduroso, onde se deposita. Desta maneira, a concentração do anestésico no SNC se torna mais baixa do que a
necessária para produzir hipnose, o período anestésico hábil é encerrado e o paciente começa a se recuperar da
anestesia. Portanto, as concentrações do barbitúrico no plasma, musculatura e vísceras caem, enquanto sua
concentração na gordura aumenta. Ao mesmo tempo, parte do anestésico é biotransformada pelo fígado, o que ajuda
a reduzir sua concentração plasmática. Caso seja utilizada uma dose muito alta do anestésico ou sejam realizadas
administrações repetidas, ocorrerá saturação dos tecidos muscular e adiposo, dificultando a redistribuição do fármaco
do SNC para estes locais, o que retardará a recuperação anestésica do paciente (Figura 2).
100

Plasma
% da dose administrada

Músculo
SNC
50

Tecido adiposo
0

0 0,5 1 2 4 8 16 32 128
Tempo (min)
65

Figura 2: Farmacocinética após a aplicação do tiopental em bolus.

Os barbitúricos são fármacos metabolizados pelo sistema microssomal hepático, por meio de oxidação. Apenas uma
pequena fração do tiopental sofre reação de dissulfuração. A taxa de biotransformação deste anestésico é de 4% por
hora em cães.
Em cães, o tiopental possui meia-vida alfa de 3 minutos e beta de 7 horas. A longa duração da meia-vida de
eliminação se deve a lenta remoção do fármaco de compartimentos teciduais altamente lipofílicos. A eliminação dos
barbitúricos é realizada principalmente por excreção renal de metabólitos inativos.
A recuperação anestésica com a utilização de barbitúricos geralmente é lenta. Após uma dose de indução, os
pacientes se recuperam com uma grande quantidade do fármaco ainda presente no organismo. A recuperação após
anestesia com tiopental nem sempre é suave e tentativas mal-sucedidas de se levantar e andar são relativamente
comuns. Cães anestesiados com 15 mg/kg deste fármaco necessitam de 45 a 109 minutos para voltar a andar.
Dentre as particularidades da farmacocinética, ocorre um aumento do efeito de acordo com o avanço da
idade. Porém, nenhuma perda de resposta cerebral a estes fármacos foi encontrada para explicar este fator. Em
animais gestantes, ocorre maior volume e meia-vida de distribuição.
Estes anestésicos apresentam o chamado “efeito glicose”, com prolongamento da duração do fármaco
quando do uso de infusão de glicose ou ringer lactato, dada a diminuição da atividade dos componentes da cadeia
eletrônica microssomal, o que causa um decréscimo do metabolismo. Cabe ressaltar que não há uma
potencialização do efeito dos barbitúricos, apenas o prolongamento da duração deste efeito.
Pacientes submetidos ao uso contínuo de barbitúricos apresentam tolerância ao fármaco, provavelmente por
indução da atividade de enzimas hepáticas responsáveis por sua biotransformação.

FARMACODINÂMICA
Sistema Nervoso Central (SNC)
O mecanismo de ação dos barbitúricos se dá principalmente por potencialização do GABA. Estes fármacos
diminuem a taxa de dissociação do GABA de seus receptores, com aumento do tempo de duração em que os canais
de íon cloreto estão abertos. Desta maneira, ocorre uma facilitação das ações sinápticas de neurotransmissores
inibitórios, causando um bloqueio sináptico.
Os barbitúricos também reduzem a seletividade e a ligação da acetilcolina aos receptores. Esta classe de
anestésicos deprime seletivamente a transmissão nervosa nos gânglios autônomos e reduz a excitação nicotínica por
ésteres de colina. Esta depressão seletiva sobre a ação nicotínica da acetilcolina pode ocorrer por vários
mecanismos moleculares, como por exemplo, por alteração na ligação da acetilcolina com seus receptores. Outros
mecanismos de ação incluem a diminuição da condutância de íons sódio, potássio e cálcio.
O uso de barbitúricos causa depressão irregular no SNC, desde sedação até coma, de maneira dose-
dependente. Na indução da anestesia com a utilização de barbitúricos pode ocorrer ativação do SNC, com resultante
excitação, caso sejam administrados em doses insuficientes em animais sem medicação pré-anestésica ou em
injeção lenta. Quando administrados em injeção rápida ou em animais sedados, a indução é normalmente rápida,
suave e livre de excitação. Apresentam potente efeito anticonvulsivante e são amplamente utilizados para tal.
Além de atuarem como anestésicos gerais, os barbitúricos reduzem de forma dose-dependente a taxa
metabólica cerebral, em cerca de 25 a 30% no homem, no caso do tiopental. Como conseqüência desta redução, o
66

fluxo sangüíneo cerebral, o consumo de oxigênio cerebral, a pressão intracraniana e do líquor são reduzidos. A
pressão de perfusão cerebral não é alterada, pois a pressão intracraniana diminui mais do que a pressão arterial
média. Os barbitúricos causam depressão do centro termorregulador, localizado no hipotálamo, devido à diminuição
da atividade do SNC promovida por estes fármacos.

Sistema Cardiovascular
Os barbitúricos deprimem o sistema cardiovascular de forma dose-dependente, pela depressão do centro
vasomotor e do miocárdio, com vasodilatação, redução da força de contração cardíaca, discreta redução da pressão
arterial e venosa central. Aumentam a freqüência cardíaca devido ao bloqueio vagal que acarretam e também como
resposta compensatória à queda de pressão arterial. Além disso, reduzem o retorno sangüíneo para o coração, uma
vez que a vasodilatação promovida é particularmente venosa, diminuem o fluxo sanguíneo coronariano e o consumo
de oxigênio pelo miocárdio. Os mecanismos para estes efeitos cardiovasculares incluem um efeito inotrópico
negativo direto, diminuição do volume de preenchimento ventricular e um decréscimo transitório da descarga
simpática do SNC.

Sistema Respiratório
Da mesma forma que para o sistema cardiovascular, os barbitúricos promovem depressão respiratória dose-
dependente de ação central, dada à depressão do centro respiratório bulbar. Com isto há diminuição do volume
minuto e do volume corrente e, em menor magnitude, da freqüência respiratória, o que leva a hipercapnia e acidose
respiratória. Ocorre redução das respostas reflexas à hipoxia e hipercapnia, podendo ocorrer apnéia, principalmente
em doses elevadas ou na associação com outros fármacos depressores respiratórios. Além disso, estes fármacos
deprimem o clearance mucociliar tanto quanto a anestesia inalatória.

Sistema Digestório
De maneira geral, os barbitúricos reduzem a amplitude das contrações rítmicas de motilidade, o tônus da
musculatura gastrointestinal e a produção de secreções, devido sua ação central e periférica.
Em cães a incidência de refluxo gastroesofágico após a indução com tiopental gira em torno de 17,6%. Isto
provavelmente ocorre pela diminuição da pressão do esfíncter esofágico que este fármaco promove.

Sistema Urinário
Devido à hipotensão arterial e a vasoconstrição renal compensatória que os barbitúricos promovem, ocorre
redução do fluxo plasmático renal e da taxa de filtração glomerular. Estes fatores estimulam uma maior secreção de
ADH e maior reabsorção tubular de água, o que diminui a produção de urina. Entretanto, o efeito do tiopental sobre
fluxo sangüíneo renal pode ser mínimo em cães saudáveis.

Outros Efeitos
Os barbitúricos diminuem o fluxo sangüíneo hepático, proporcional ao decréscimo do débito cardíaco. Porém,
como o tiopental é um fármaco de metabolismo lento, a recuperação da consciência ocorre principalmente pela sua
redistribuição. Desta forma, alterações da função hepática promovem um aumento do tempo de recuperação
anestésica.
Estes fármacos diminuem o tônus uterino, atravessam rapidamente a barreira placentária e, em altas doses,
promovem depressão fetal. Nas cesarianas em que o animal esteja hígido e com parâmetros fisiológicos compatíveis,
67

a anestesia barbitúrica pode ser empregada por estabelecer rapidamente o equilíbrio materno-fetal, exceção feita ao
pentobarbital sódico, que causa 100% de mortalidade nos neonatos.
Os barbitúricos causam midríase inicial, seguida de miose puntiforme. O tiopental diminui a pressão
intraocular, o que o torna um bom agente indutor em cães com descemetocele ou laceração corneal.
Relata-se níveis aumentados de histamina em mais do que 350% do nível normal após a utilização de doses
clínicas de tiopental em seres humanos. Por este motivo, o fármaco pode não ser um anestésico seguro em
pacientes alérgicos, atópicos, com mastocitoma ou mastocitose sistêmica.
O tiopental diminui o hematócrito e o número de leucócitos, enquanto as alterações na proteína total são
variáveis. A queda provocada no hematócrito provavelmente se dá pelo seqüestro esplênico das hemácias.

Efeitos colaterais
Sem dúvida, a recuperação prolongada da anestesia é um fator que deve ser levado em consideração. Esta
também pode ser agitada, principalmente se o paciente for anestesiado apenas com barbitúrico.
Outro efeito colateral importante da utilização de barbitúricos é o desenvolvimento de hipotermia, que ocorre
pela redução da produção de calor, pelo aumento da perda do mesmo por vasodilatação, e pela depressão do centro
termorregulador .

Uso dos Barbitúricos


Os barbitúricos são amplamente empregados em anestesia veterinária, entretanto, deve-se evitar
administrações repetidas, dado seu efeito cumulativo (Figura 2).
Estes fármacos devem ser utilizados após a medicação pré-anestésica com fenotiazínicos, para evitar o
bloqueio vagal e a fase de excitação ou delírio e para reduzir a dose em 50 a 60%.
O uso dos barbitúricos é desaconselhado em animais portadores de patologias cardíacas, renais e hepáticas,
bem como em fêmeas gestantes de alto risco.
Como já comentado, estes fármacos devem ser empregados com cuidado em animais com acidose,
hipoproteinemia ou anemia, dada a potencialização do efeito anestésico.

PROPOFOL

O propofol (diisopropil fenol) é um anestésico geral não barbitúrico, derivado alquil-fenólico, de baixa
solubilidade em água. Por esta característica, necessita ser veiculado em solução de 1%, em emulsão fina que
contem 10% de óleo de soja, 1,2% de fosfolipídeos de ovo purificado, 2,25% de glicerol e lecitina de ovo, o que
confere à solução um aspecto leitoso. Seu pH varia entre 7,0 e 8,5 e há a necessidade de se agitar o frasco antes da
utilização, para homogeneização da emulsão.
Pelo fato do veículo ser um meio rico para crescimento bacteriano, o fármaco possui um tempo limitado de
uso após a abertura do frasco. É essencial uma técnica asséptica no preparo e administração do propofol, uma vez
que infecção pós-operatória e hipertermia após procedimentos cirúrgicos não contaminados foram atribuídas à
contaminação do equipo de infusão. Além do mais, estudos laboratoriais demonstraram que microorganismos podem
crescer na solução. Portanto, após a abertura em condições assépticas, o propofol pode ser armazenado sob
refrigeração por até uma semana.
68

A validade do propofol é de até 3 anos em temperatura de até 25°C e este deve ser administrado
exclusivamente por via intravenosa, já que não produz flebite ou dor grave no local. Quando administrado em infusão
contínua, deve ser diluído preferencialmente em glicose a 5%.

FARMACOCINÉTICA
Em geral, o propofol proporciona uma indução rápida e suave, seguida por um curto período de
inconsciência. Suas características farmacocinéticas possibilitam que o mesmo seja utilizado em infusão contínua,
sem acarretar uma recuperação muito prolongada. O seu clearance metabólico é 10 vezes mais rápido que o do
tiopental em seres humanos.
A sua duração de ação após uma administração única varia de 3 a 9 minutos, dependendo da utilização ou
não de medicação pré-anestésica. Com relação à infusão contínua, altas taxas de infusão de propofol devem ser
administradas para se induzir um plano cirúrgico de anestesia e bloquear as respostas autonômicas ao estímulo
doloroso em animais. Porém, nestas doses, este fármaco causa depressão cardiovascular e respiratória significativas
e, por este motivo, o propofol isoladamente tem se mostrado insatisfatório para a realização da maior parte dos
procedimentos cirúrgicos e deve ser associado à opióides e outros analgésicos.

O propofol apresenta um alto volume de distribuição e ampla redistribuição para os tecidos, principalmente
para a musculatura esquelética e tecido adiposo, como deveria ser esperado pela sua natureza lipofílica. Seu volume
de distribuição em estado estável é de 6,5 l/kg, seu clearence é de 50,1 ml/kg/min e o seu tempo de permanência é
de 131,6 minutos. A ligação deste fármaco às proteínas plasmáticas e eritrócitos em diferentes espécies varia entre
96 a 98%.
Este agente intravenoso sofre biotransformação hepática por meio de reação de conjugação com o ácido
glicurônico em metabólitos inativos. Porém, o rápido declínio da sua concentração no plasma é superior ao fluxo
sangüíneo hepático, o que sugere a presença de sítios extra-hepáticos de biotransformação. Há indicação que os
pulmões, os rins e o trato intestinal são os principais responsáveis pela biotransformação extra-hepática do propofol.
Pelo fato dos opióides também requererem conjugação glicurônica, a sua utilização simultânea pode
potencializar o efeito anestésico do propofol, devido à competição pelos mesmos sítios metabólicos.
Os felinos apresentam menor capacidade de biotransformação deste fármaco, devido à presença do radical
fenol em sua fórmula. A capacidade reduzida desta espécie para conjugar o fenol é devida as concentrações
limitadas de glicuronil transferases que esta espécie apresenta, o que pode retardar a excreção deste fármaco e
potencializar a exposição das hemácias aos metabólitos ou compostos que induzem injúria oxidativa. Portanto, o
propofol pode induzir injúria oxidativa de hemácias de felinos, quando administrado durante vários dias consecutivos.
O propofol possui meia vida alfa de 2 a 8 min e beta de 322 minutos em cães. A longa duração da meia-vida
de eliminação é devido à lenta remoção do fármaco de compartimentos teciduais altamente lipofílicos.
Após ser convertido em metabólitos inativos, o propofol é eliminado principalmente pelos rins, em menos de
1% sob a forma inalterada. Contudo, sua excreção não é influenciada por insuficiência renal nos cães e no homem.
Apenas 2% dos metabólitos são eliminados pelas fezes.
Muito embora a meia-vida de eliminação do propofol seja longa, a recuperação anestésica normalmente é
rápida, mesmo em casos de administrações prolongadas. Ao se interromper uma infusão, sua concentração no
compartimento central é alta, declinando rapidamente, tanto pelo metabolismo quanto pela redistribuição do fármaco
para os compartimentos periféricos. Desta maneira, as concentrações plasmáticas de propofol declinam rapidamente
para níveis sub-hipnóticos, permitindo um pronto despertar.
69

A redistribuição do fármaco para o compartimento central é lenta, resultando em uma meia-vida de


eliminação prolongada, de tal forma que as concentrações de propofol no compartimento central permanecem em
níveis sub-hipnóticos. A completa eliminação do propofol do organismo pode levar horas, até mesmo dias, porém,
apresenta pequeno ou nenhum efeito sobre a recuperação da anestesia.
Aparentemente os animais idosos são mais sensíveis aos efeitos do propofol. Isto se dá mais pela
farmacocinética do que pela farmacodinâmica, já que animais jovens apresentam um volume de compartimento
central maior do que os adultos, com isto há uma necessidade de doses maiores do fármaco, tanto na indução
quanto na manutenção por infusão intravenosa contínua. Não são observadas diferenças entre sexos no tocante à
sensibilidade ao fármaco.
A recuperação anestésica é normalmente isenta de excitação. O tempo de recuperação após o uso de
propofol é curto, desde que administrado em dose única. Dada a rápida redistribuição do fármaco para os
compartimentos periféricos, o despertar da anestesia pode ser rápido quando este é utilizado por infusão contínua,
de acordo com a taxa administrada.(16) No entanto, a recuperação pode ser extremamente prolongada quando a
anestesia cirúrgica é obtida exclusivamente com a utilização de propofol, pois pode ocorrer saturação dos
compartimentos periféricos, ocasionando a lenta remoção do agente destes compartimentos.
A dose de propofol para a indução anestésica varia de 4 a 6 mg/kg e da velocidade de sua administração,
das características do paciente e da utilização prévia de outros fármacos. Sugere-se que para a manutenção de
anestesia cirúrgica seja utilizada uma infusão intravenosa contínua em taxas que variam de 0,15 a 0,8 mg/kg/min,
dependendo da associação com outros fármacos e do grau do estímulo cirúrgico presente.

FARMACODINÂMICA
Sistema Nervoso Central (SNC)
O mecanismo de ação anestésica do propofol ainda não está totalmente compreendido. Este fármaco inibe a
atividade nervosa das sinapses espinhais e supra-espinhais a partir da potencialização dos efeitos do
neurotransmissor inibitório GABA (ácido gama-amino-hidroxibutírico) em receptores GABAérgicos, exercendo suas
ações em canais iônicos, sem se ligar diretamente aos receptores. Todas as estruturas do SNC são afetadas, com
depressão e diminuição da atividade metabólica cerebral. O propofol diminui a pressão intracraniana e a pressão de
perfusão cerebral e não produz hipóxia ou isquemia neste órgão.
Além da depressão do SNC, o propofol apresenta efeito miorrelaxante e possui propriedades anti-pruriginosas,
provavelmente por depressão medular. Não está comprovado se o mesmo apresenta propriedades analgésicas.
Causa maior depressão dos reflexos osteotendinosos e oculares, quando comparado ao tiopental.

Sistema Cardiovascular
O propofol deprime transitoriamente a pressão arterial e a contratilidade do miocárdio de maneira similar ao que se
observa com o uso de barbitúricos de ultracurta duração. Os efeitos cardiovasculares do propofol envolvem redução
dose-dependente da pressão arterial, mais pela redução da resistência vascular sistêmica do que pela diminuição da
função ventricular ou o débito cardíaco. Aparentemente, a redução do débito cardíaco ocorre pela diminuição do
volume sistólico e da pré-carga, dado ao efeito venodilatador direto, com redução da pressão arterial e a
sensibilidade barorreflexa em resposta à hipotensão arterial. Em doses equipotentes causa maior hipotensão que o
tiopental sódico, possivelmente pela maior depressão sobre a resistência vascular sistêmica.
O propofol exerce efeito discreto sobre o ritmo cardíaco. Não altera a condução atrioventricular nem apresenta efeito
direto sobre a atividade do nodo sinoatrial. Desta maneira, não induz bradiarritmias de forma direta. A presença de
70

bradiarritmia pode estar ligada a uma menor sensibilidade barorreflexa, causada pelo efeito inibitório predominante
do propofol sobre as terminações nervosas simpáticas. Desta forma, o fármaco não é considerado arritimogênico,
apesar de poder intensificar as arritmias causadas pela adrenalina.
O propofol também causa vasodilatação coronariana, com aumento do fluxo sangüíneo coronariano, além de diminuir
o consumo de oxigênio pelo miocárdio.

Sistema Respiratório
Este fármaco pode promover apnéia com duração de até sete minutos após a indução anestésica. A depressão está
relacionada à velocidade de administração, porém a apnéia é responsiva à maioria dos reflexos estimulantes.
Observa-se depressão respiratória dose-dependente representada por diminuição da freqüência respiratória,
aumento da pressão parcial de CO2 e da concentração expirada de CO2 e diminuição da PaO2. Desta forma é
aconselhável a suplementação com oxigênio. Em doses equipotentes, este fármaco causa maior depressão
respiratória do que o tiopental.

Sistema Digestório
O propofol diminui a tensão do esfíncter esofágico posterior. Recomenda-se jejum prévio de pelo menos 8 horas ou a
utilização de anti-eméticos em pequenos animais. A incidência de refluxo gastroesofágico após a indução com
propofol é de 50% em cães. Entretanto, a incidência de náuseas e vômitos após o uso do propofol é muito baixa e,
aparentemente, apresenta propriedades antieméticas, provavelmente por modulação de vias neuronais subcorticais.

Efeitos Endócrinos
Quando administrado em dose única ou mesmo durante infusão contínua prolongada, este fármaco não interfere na
síntese de corticosteróides nem altera a resposta normal durante a estimulação do ACTH.

Outros Efeitos
Da mesma maneira que o tiopental, o propofol diminui a pressão intraocular e pode ser utilizado para a
realização de cirurgias oftálmicas.

Efeitos Colaterais
Este fármaco não promove liberação de histamina nem broncoespasmo, contudo, sua administração pode
causar dor no momento da injeção pela provável ativação da cadeia inflamatória de cininas. Este efeito não parece
ser um problema significativo em animais.
A hipotermia parece ser o principal efeito colateral deste anestésico e é causada por uma associação de
fatores. O miorrelaxamento, a redução da produção de calor causada pela diminuição do metabolismo basal, o efeito
inibidor da termorregulação central, associados a vasodilatação com inibição da vasoconstrição termorregulatória
tônica do organismo são os responsáveis pelo decréscimo da temperatura corporal.
Em 8% dos animais anestesiados com propofol ocorrem tremores musculares, opistótono, hiperextensão de
membros e movimentos mandibulares. Já a incidência pós-anestésica de emese, espirros ou movimentos de
pedalagem em cães é de cerca de 15% e pode ser diminuída por meio de tranqüilização com acepromazina.

Uso do Propofol
Tem sido amplamente utilizado em pequenos animais para a realização de indução anestésica e para a
manutenção da anestesia por meio de infusão intravenosa contínua, associado a outros fármacos.
71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CLAEYS, M.A.; GEPTS, E.; CAMU, F. “Haemodynamic changes during anaesthesia induced and maintained
with propofol”. British Journal of Anaesthesia, London, v.60, n.1, jan/1988, p.3-9.
2. CONCAS, A.; SANTORO, G.; SERRA, M. “Neurochemical action of the general anaesthetic propofol on the
chloride ion chanel coupled with GABAA receptors”. Brain Research, Amsterdam, v.542, n.2, mar/1991, p.225-
32.
3. EBERT, T.J. et al. “Sympathetic responses to induction of anesthesia in humans with propofol or etomidate”.
Anesthesiology, Philadelphia, v.76, n.5, may/ 1992, p.725-33.
4. ENGELMANN, J. et al. “Sensory and motor effects of etomidate anesthesia”. Journal of Neurophysiology,
Washington, v. 95, n.2, feb/2006, p.1231-43.
5. EVERS, A.S. & CROWDER, C.M. “Anestésicos gerais”. In: HARDMAN, J.G.; LIMBIRD, L.E. Goodman & Gilman:
as bases farmacológicas da terapêutica. Rio de Janeiro, McGraw-Hill, 2003.
6. FRAGEN, R.J. & AVRAM, M.J. “Nonopioid intravenous anesthetics”. In: BARASH, P.G.; CULLEN, B.F.;
STOELTING, RK. Clinical Anesthesia. Philadelphia, JB Lippincot, 1989.
7. GROUNDS, R.M. et al. “Acute ventilatory changes during i.v. induction of anaesthesia with thiopentone or
propofol in man. Studies using inductance plethysmography”. British Journal of Anaesthesia, London, v.59, n.9,
sep/1987, p.1098-102.
8. ILKIW, J.E. & PASCOE, P.J. “Cardiovascular effects of propofol alone and in combination with ketamine for total
intravenous anesthesia in cats”. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v.64, n.7, jul/2003,
p.913-7.
9. LANGLEY, M.S. & HEEL, R.C. “Propofol: a review of its pharmacodynamic and pharmacokinetic properties and
use as an intravenous anaesthetic”. Drugs, Auckland, v. 35, n.4, apr/1988, p.334-72.
10. MICHENFELDER, J. “The interdependency of cerebral function and metabolic effects following massive doses of
thiopental in the dog”. Anesthesiology, Philadelphia, v.41, n.3, sep/1974 p.231-36.
11. MUIR, W.W. 3rd & MASON, D.E. “Side effects on etomidate in dogs”. Journal of the American Veterinary Medical
Association, Schaumburg, v.194, n.10, may/1989, p.1430-4.
12. NAGEL, M.L.; MUIR, W.W.; NGUYEN, K. “Comparison of the cardiopulmonary effects of etomidate and thiamylal
in dogs”. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v.40, n.2, feb/1979, p.193-6.
13. OGLESBY, A.J. “Should etomidate be the induction agent of choice for rapid sequence intubation in the
emergency department”? Emergency Medicine Journal, London, v.21, n.6, nov/2004, p.655-9.
14. ROBERTSON, S.A.; JOHNSTON, S.; BEEMSTERBOER, J. “Cardiopulmonary, anaesthetic and postanaesthetic
effects of intravenous infusions of propofol in Greyhounds and non Greyhounds”. American Journal of Veterinary
Research, Schaumburg, v.53, n.6, jun/1992, p.1027-32.
15. UPTON, R.N. & LUDBROOK, G.R. “A model of the kinetics and dynamics of induction of anaesthesia in sheep:
variable estimation of thiopental and comparison with propofol”. British Journal of Anaesthesia, London, v.82, n.6,
jun/1999, p.890-9.
16. WATKINS, S.B.; HALL, L.W.; CLARKE, K.W. “Propofol as an intravenous anesthetic agent in dogs”. The
Veterinary Record, London, v.120, n.14, apr/1987, p.326-9.
17. WEAVER, B.M. & RAPTOPOULOS, D. “Induction of anaesthesia in dogs and cats with propofol”. The Veterinary
Record, London, v.126, n.25, jun/1990, p.617-20.
72

Tabela 1: Doses (mg/kg) dos anestésicos gerais intravenosos e anticonvulsivantes de uso em cães, gatos,
eqüinos, ruminantes e suínos.

Fármacos Doses (mg/kg) Nomes comerciais


Rumi-
Caninos Felinos Eqüinos Suínos
nantes
Thionembutal (Abbott); Thiopental
Tiopental* 15 a 25 10 a 20 5 a 10 5 a 10 10 a 20
(Cristália)
Pentobarbital* 30 30 15 15 10-20 Indisponível no Brasil

Fenobarbital 3-10 3-10 Não Não Não Edhanol (Sintofarma); Fenobarbital (Neo-
usado usado usado Química, Neovita, Sanval, União Química,
Vital Brazil); Fenocris (Cristália); Gardenal
(Aventis)

Propofol* 10 10 2 2 2-5 Diprivan (AstraZeneca); Propofol (Cristália)

Etomidato* 1-2 1-2 Não Não Não Etomidato (Cristália); Hypnomidate


usado usado usado (Janssen-Cilag)

OBS: *As doses dos anestésicos intravenosos estão expressas caso os mesmo sejam utilizados de forma isolada,
sem o uso de medicação pré-anestésica. Quando se usam tranquilizantes, benzodiazepínicos, opióides ou
adrenorreceptores alfa-2 agonistas, estas doses normalmente devem ser reduzidas pela metade

A dose do fenobarbital deve ser ajustada caso a caso em casos de convulsão


73

SEDAÇÃO, ANALGESIA E ANESTESIA EM EQÜINOS À CAMPO

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO


ANTONIO JOSÉ DE ARAUJO AGUIAR

INTRODUÇÃO:
A anestesia eqüina tem se desenvolvido intensamente nos últimos anos com o surgimento de novas técnicas
e/ou associações anestésicas. O objetivo deste artigo é fornecer subsídios ao profissional para realização de
procedimentos anestésicos à campo, abordando recentes progressos na sedação, analgesia e anestesia intravenosa.

1- Emprego de analgésicos no tratamento da dor abdominal aguda:

A síndrome cólica é uma patologia que requer intervenção imediata. O alívio da dor é uma das medidas
terapêuticas a serem adotadas. Entretanto, a terapia analgésica, caso empregada de forma inadequada pode
mascarar o quadro clínico, prejudicando o diagnóstico precoce de processos de natureza cirúrgica. Nestas situações,
o atraso no envio do animal à cirurgia pode causar o insucesso. Portanto, a terapia analgésica deve ser empregada
com critério, visando ao mesmo tempo proporcionar alívio da dor, sem no entanto prejudicar o diagnóstico.
Escolha do analgésico:
O veterinário deve escolher o analgésico com base no seu conhecimento sobre as vantagens e
desvantagens de cada fármaco. Em casos simples de cólica espasmódica e/ou inflamatória, o uso de analgésicos
discretos é vantajoso por resultar em inibição da dor sem mascarar processos de maior gravidade. Por outro lado,
fármacos de maior poder analgésico somente devem ser empregados após estabelecido o diagnóstico ou em casos
de dor não controlável com outros fármacos (tabela 1).

Tabela 1: Eficácia relativa dos analgésicos no tratamento da dor abdominal aguda em eqüinos.

Analgésico Dose Eficácia analgésica


Dipirona 10 mg/kg/IV Discreta
Dipirona / hioscina 4 ml/ 100 kg (associação) Discreta a moderada
Flunixin meglumine 1 mg/kg/IV Boa
Xilazina 0,5-1,0 mg/kg/IV Boa a excelente
Detomidina 10-20 µg/kg/IV Excelente
Butorfanol 0,05 - 0,1 mg/kg/IV Boa

Fonte: WHITE NA, The equine acute abdomen 1990 (modificado)

Anti-inflamatórios não esteroidais (AINES)


Os anti-inflamatórios não esteroidais são os fármacos de emprego mais difundido na tratamento da dor
abdominal. A dipirona é um AINE de eficácia discreta no controle da da dor abdominal (tabela 1).O flunixin
meglumine além de possuir bom poder analgésico, inibe a síntese de tromboxana e prostaciclinas, minimizando os
efeitos da endotoxemia (MOORE et al, 1986). O flunixin meglumine somente deve ser empregado após o
estabelecimento do diagnóstico ou em casos de dor intensa, não controlável por outros analgésicos, uma vez que
este fármaco pode mascarar os sinais clínicos de obstruções estrangulativas severas (endotoxemia). O uso
prolongado e/ou de altas doses destes fármacos deve ser evitado, uma vez que podem provocar ulceração do trato
digestório e insuficiência renal, particularmente em animais endotoxêmicos/desidratados que receberam
concomitantemente terapia com aminoglicosídeos (gentamicina/amicacina).

Alfa-2 agonistas:
A xilazina e detomidina são alfa-2 agonistas que produzem sedação, miorrelaxamento e analgesia intensa.
Em função destes efeitos, estes fármacos facilitam sobremaneira a realização do exame de palpação retal no animal
com síndrome cólica. A xilazina pode ser utilizada com esta finalidade na dose de 0,5 mg/kg/IV. Os alfa-2 agonistas
também são de grande eficácia no controle da dor abdominal severa, não passível de ser controlada por outros
analgésicos (tabela 1). Estes fármacos devem ser empregados cuidadosamente em pacientes com comprometimento
significativo da função circulatória, uma vez que estudos tem demonstrado que os alfa-2 agonistas provocam
bradiarritimas e depressão acentuada do débito cardíaco (WAGNER et al, 1991). Adicionalmente a diurese induzida
por estes fármacos pode contribuir para um agravamento do quadro de desidratação. A motilidade do jejuno e porção
distal da flexura pélvica podem se reduzir por até 2 horas após o emprego de 1,1 mg/kg de xilazina (ADAMS et al,
1984). Logo seu uso repetido e prolongado deve ser evitado, particularmente em animais c/ distúrbios do trânsito
intestinal ou com íleo paralítico. A xilazina associada ou não ao opióide butorfanol tem sido empregada em casos de
74

dor não controlável por outros analgésicos. Deve-se estar atento ao fato de que processos estrangulativos de maior
gravidade, como torções de cólon maior e torções de intestino delgado, muitas vezes produzem dor incontrolável,
mesmo com o emprego de analgésicos potentes como os alfa-2 agonistas, flunixin meglumine e butorfanol.

Opióides:
Dentre os opióides, o butorfanol tem sido o fármaco de uso mais difundido no tratamento da dor abdominal. O
butorfanol, por ser um opióide agonista/antagonista, proporciona alívio da dor com menor incidência de efeitos
colaterais. No tratamento da dor abdominal, podem-se empregar as doses de 0,05 a 0,1 mg/kg/IV. Deve-se evitar o
uso de doses excessivamente elevadas, uma vez que neste caso pode ocorrer excitação. O uso do butorfanol por
períodos prolongados também não é recomendado em função da possível interferência com o trânsito intestinal
(SOJKA et al, 1988). O butorfanol é um fármaco recomendado no tratamento da dor abdominal moderada a severa. A
principal vantagem a ser considerada é o fato deste fármaco produzir analgesia sem no entanto interferir
significativamente na função cardiorrespiratória (ROBERTSON et al, 1981, KALPRAVIDH et al, 1984). Em função
desta característica, a avaliação do quadro circulatório do animal não é prejudicada, como pode ocorrer com o
emprego do flunixin meglumine.

Conclusões:
O emprego de analgésicos é um tópico de grande importância na abordagem terapêutica do eqüino com
síndrome cólica. Ao se considerar o uso de analgésicos, deve-se conhecer a farmacologia dos principais fármacos,
visando assim proporcionar alívio da dor, sem no entanto prejudicar o estabelecimento do diagnóstico e tratamento
adequados.

2- Contenção farmacológica do eqüino em posição quadrupedal:

Durante a realização de um exame clínico em animais de grande porte, em especial nos eqüinos, muitas
vezes há necessidade de se empregarem métodos de contenção química que, em associação aos meios de
contenção física, irão facilitar a obtenção de um diagnóstico clínico, além de permitirem o emprego de técnicas de
exame auxiliares, como a ultra-sonografia e radiografia, a colheita de material biológico para exames laboratoriais e a
realização de intervenções cirúrgicas simples.
Alguns procedimentos clínicos especiais, tais como exames oftálmicos, do pavilhão auricular e conduto
auditivo externo, exames da cavidade oral, palpação retal, endoscopias dos tratos respiratório e digestório, lavados
traqueais e exames das extremidades dos membros torácicos e pélvicos, muitas vezes só são possíveis com a
administração prévia de fármacos com efeitos depressores do sistema nervoso central, que produzem efeitos
tranqüilizantes e ansiolíticos.
Uma contenção farmacológica eficaz tornaria os pacientes mais calmos e tranqüilos, indiferentes ao meio
que os cerca, reduzindo suas reações de defesa a estímulos externos como ruídos e toques. Favoreceria, também, a
manipulação de uma determinada região do corpo ou mesmo a movimentação do paciente de um local para outro.
O emprego de agentes tranqüilizantes, sedativos e analgésicos tem como objetivos principais a redução da
ansiedade e do estresse experimentados pelo paciente, muitas vezes provocados pela simples aproximação de
pessoas estranhas, até mesmo do próprio médico veterinário, ou pelo ambiente de um hospital veterinário, para onde
foi transportado.
Em alguns casos, a origem do estresse á a dor que, invarialvelmente, está associada a diversas afecções
clínicas, determinando inquietação e agressividade por parte do paciente, tornando mais difíceis a sua manipulação e
exame clínico, além de aumentar os riscos de acidentes a si próprio, e aos profissionais responsáveis pelo
tratamento. Nestes casos, a utilização de agentes analgésicos, associados ou não a tranqüilizantes, promoveria a
redução da dor e desconforto, acalmando o paciente; fornencendo assim, condições seguras para a melhor
condução do caso.
A contenção química em eqüinos não está isenta de efeitos indesejáveis. Não existe um fármaco “ideal” que
produza efeitos tranqüilizantes ou analgésicos sem que também não cause algum grau de depressão
cardiorrespiratória, incoordenação motora, ataxia ou mesmo, em alguns casos, o decúbito. Por esse motivo, alguns
agentes sedativos e analgésicos são empregados em associação, buscando-se minimizar a ocorrência destes
efeitos.
O comportamento do animal é um fator de importância fundamental na seleção dos agentes e técnicas de
sedação, bem como nos efeitos clínicos observados após a administração destes.
Dentre os fatores a serem considerados na escolha da técnica de contenção química a ser empregada,
pode-se citar: o comportamento do indivíduo, a raça, a idade, o sexo, o manejo, o tipo de cirurgia/exame clínico a ser
realizado e o custo operacional dos procedimentos.

Características comportamentais da espécie eqüina

Alguns fatores relacionados a espécie eqüina influenciam diretamente o comportamento individual do


paciente.
75

Em geral, animais de comportamento mais dócil, tranqüilo e menos agressivo, apresentam respostas
melhores à administração de agentes sedativos e tranqüilizantes, onde costumam-se observar sinais característicos
de depressão do sistema nervoso central, mesmo quando são empregadas doses baixas desses fármacos. Em
contrapartida, pacientes de temperamento instável, estressados e muito inquietos costumam ser menos responsivos
à contenção química, necessitando, assim, do emprego de substâncias mais potentes e em doses elevadas.
A seleção do fármaco mais adequado em cada caso dependerá do estado físico do paciente, tipo de procedimento
clínico/cirúrgico a ser executado, da disponibilidade de auxiliares e de recursos materiais, das instalações do local do
exame e, principalmente, de uma avaliação comportamental adequada do paciente.
Algumas considerações sobre os principais fatores que influenciam o comportamento animal são
apresentadas a seguir.
Embora haja, dentro da espécie eqüina, uma grande variação de peso e tamanho, os indivíduos adultos são
animais de grande porte, o que dificulta, em diversas ocasiões, o manejo clínico, incluindo procedimentos simples
como a aproximação do profissional, o deslocamento do paciente até o tronco de contenção, a aplicação de meios
físicos de contenção e a venopunção para a administração de medicamentos.
Os eqüinos apresentam um padrão de comportamento bastante variável devido, principalmente, à raça e ao
manejo a que foram submetidos desde o nascimento. Em geral, os animais adultos são muito sujeitos ao estresse,
com sentidos de olfato, audição e visão bastante desenvolvidos, reagindo de maneira muito rápida e brusca a
estímulos externos.
Quando se administra um tranqüilizante ou sedativo, em doses clínicas, os cavalos costumam se manter em
posição quadrupedal, muito embora apresentem sinais de instabilidade corpórea, com o afastamento lateral dos
membros toráciocs, apoio alternado dos membros posteriores sobre a região da pinça do casco, e ataxia. Alguns
animais tornam-se assustados ao terem a percepção destes efeitos, especialmente se eles forem conduzidos de um
local a outro, imediatamente após a administração do fármaco.

Raça
A raça é um dos fatores que mais influenciam o padrão de comportamento dos pacientes. Tanto em eqüinos
quanto em outras espécies, existem grandes variações de temperamento, característicos de determinadas raças.
Os animais das raças Puro Sangue Inglês, Árabe, Mangalarga Paulista e Andaluz, em geral, apresentam
comportamento agitado e assustam-se com facilidade, especialmente em ambientes diferentes ao local de criação e
na aproximação de pessoas estranhas. Por outro lado, as raças Quarto-de-Milha, Bretão e Percheron apresentam
temperamento mais dócil e menos vulnerável ao estresse.

Sexo
Os garanhões normalmente apresentam temperamento mais agitado quando comparado às fêmeas. O
manejo desses animais deve ser feito com muita cautela, pois sempre há o risco de acidentes, sendo aconselhável o
auxílio do tratador ou pessoa conhecida pelo paciente. Deve-se sempre evitar a presença de outros machos ou
fêmeas em estro nas proximidades do local de exame, assim como a permanência de muitas pessoas próximas ao
paciente. Ruídos e movimentos bruscos próximos à cabeça do animal também dificultam o exame clínico, tornando
os animais mais estressados e ansiosos.
As fêmeas, por ocasião do parto e durante o início do período de lactação, costumam modificar o seu
comportamento, tornando-se mais inquietas. As éguas, quando acompanhadas de suas crias, adotam atitude de
proteção, e qualquer procedimento, seja na égua ou no potro neonato, deve ser realizado com muita calma e
cuidado.

Idade
A facilidade de contenção física nos animais mais jovens, devido ao seu menor porte pode dispensar o
emprego da contenção química para a realização de um exame clínico de rotina. Entretanto, em situações em que
esta é necessária, deve-se ter cautela na seleção dos fármacos e no cálculo de suas doses, pois animais neonatos e
jovens são bastante sensíveis aos efeitos de agentes depressores do sistema nervoso central. Os principais sistemas
do organismo ainda estão em fase de desenvolvimento e, com isso, os efeitos depressores destes agentes sobre os
sistemas cardiovascular e respiratário serão mais intensos e prolongados do que nos animais adultos. Além disso, a
biotransformação e eliminação de fármacos serão também mais lentas, devido à imaturidade dos sistemas hepático e
renal.
A presença da mãe junto ao potro neonato durante o procedimento de contenção física, venopunção e
administração do medicamento, geralmente reduz o seu estresse e os acalma. Uma vez que os efeitos
tranqüilizantes tenham se manisfestado, a fêmea pode ser retirada do local do exame. Entretanto, algumas mães
reagem de forma violenta à manipulação e à contenção física de suas crias, necessitando, em algumas ocasiões, ser
também submetidas à contenção química.

Manejo
O padrão de comportamento individual é bastante influenciado pelo método de manejo que o paciente foi
submetido desde o seu nascimento. Os eqüinos submetidos a procedimentos inadequados de adestramento ou
doma, com a aplicação de violência e de maus-tratos, podem apresentar sinais de alteração de comportamento,
76

reagindo à manipulação e ao exame de determinadas regiões de seu corpo, especialmente a cabeçaa. Isso pode
ocorrer mesmo em indivíduos de raçaas mais dóceis como a Quarto-de-Milha.

Estado Clínico
Os pacientes com estado geral debilitado, normalmente apresentam-se apáticos e pouco responsivos a
estímulos externos, não necessitando, na maioria dos casos, de contenção química para a realização de um exame
físico. Entretanto, nos procedimentos em que haja a necessidade da administração desses fármacos, deve-se ter
cuidado na escolha do agente, e utilizá-lo em doses baixas, pois estes pacientes são sensíveis aos seus efeitos
depressores sobre o sistema cardiorrespiratório.
Os animais em excelente estado clínico, como os eqüinos atletas, por outro lado, podem se mostrar mais
resistentes à contenção química, necessitando algumas vezes de fármacos mais potentes e em doses mais altas
para uma boa tranqüilização.

Local do Exame
Em condições ideais, o ambiente onde o exame clínico será realizado deve ser o mais tranqüilo e calmo
possível, sem a ocorrência de ruídos, ou a circulação de outros animais, pessoas e veículos. A disponibilidade de
tronco de contenção facilita a contenção física e permite a administração de medicamentos com maior segurança.
Um ambiente inadequado, com barulho e estímulos externos é uma fonte de estresse adicional aos pacientes
e prejudica a obtenção de uma contenção química de qualidade. Assim, os efeitos de uma tranqüilização, algumas
vezes, são pouco evidentes, ou mesmo não se manifestam em animais muito estressados. Inúmeros procedimentos
podem ser realizados através da contenção farmacológica do eqüino em estação, desde cirurgias até exames
clínicos e radiográficos.

3- Fármacos principais:

Fenotiazínicos:
Os fenotiazínicos são fármacos empregados na contenção farmacológica de eqüinos em estação, produzindo
sedação discreta. Possuem ação antiarritmogênica, reduzindo o risco de fibrilação ventricular induzida pela
epinefrina. Seus efeitos sedativos são adequados em animais de temperamento dócil. No entanto, não produzem
sedação adequada em animais excitados e/ou nervosos. Adicionalmente, devido a sua ação hipotensora, não são
recomendados em pacientes com comprometimento circulatório (síndrome cólica). Seu uso em garanhões deve ser
cauteloso, uma vez que há relatos da ocorrência eventual de priapismo (enrijecimento persistente do pênis) em
animais tratados com fenotiazínicos. A acepromazina é um fenotiazínico que tem sido empregado como medicação
pré-anestésica em eqüinos na dose de 0,03 a 0,05 mg/kg/IV ou IM.

Alfa-2 agonistas:
Os alfa-2 agonistas são amplamente empregados na espécie eqüina. Em função da sua ação sedativa,
analgésica e miorrelaxante, facilitam a realização de inúmeros procedimentos, desde simples radiografias até
laparotomias com o animal em estação. A xilazina e detomidina, apesar de possuírem boa eficácia analgésica,
resultam em maior grau de ataxia que a romifidina (HAMM et al, 1995, ENGLAND et al, 1992) (Tabela 2). Devido à
ataxia produzida por estes fármacos, recomenda-se evitar a movimentação do animal após a sedação.

Tabela 2: Comparação entre os efeitos clínicos dos principais agentes alfa-2 agonistas empregados no eqüino.

Fármaco Analgesia Ataxia Abaixamento


de cabeça
Xilazina (1 Boa Maior Intermediário
mg/kg/IV)

Detomidina (20 Excelente Maior Maior


µg/kg/IV)

Romifidina Boa Menor Menor


(80 µg/kg/IV)

Os efeitos produzidos por estes fármacos ocorrem de forma dose dependente. Devendo-se selecionar a dose
em função do estado sistêmico, temperamento do animal e tipo de procedimento. Os alfa-2 agonistas provocam
o
bradiarritmias, bloqueio AV de 2 grau, redução do débito cardíaco e hipertensão transitória, seguida de hipotensão
77

(WAGNER et al, 1991). Tais efeitos são bem tolerados por animais sadios, entretanto devem ser empregados
cuidadosamente em pacientes com comprometimento circulatório.

Associação dos alfa-2 agonistas com opióides (Neuroleptoanalgesia): A associação de uma alfa-2 agonista
com um opióide produz um estado denominado neuroleptoanalgesia (sedação e analgesia intensa). Esta associação
resulta em maior sedação e analgesia (efeito sinérgico), sendo empregada para contenção farmacológica em animais
que necessitam de sedação e/ou analgesia mais intensas.
A xilazina (0,3 a 0,5 mg/kg/IV), pode ser associada ao butorfanol (0,02 a 0,05 mg/kg/IV) para produzir
neuroleptoanalgesia.

3- Anestesia intravenosa à campo

Xilazina/quetamina/diazepam:
A associação xilazina/quetamina/diazepam induz anestesia segura e efetiva nos eqüinos. O período
anestésico hábil proporcionado por esta associação é relativamente curto (aproximadamente 10 minutos). Havendo a
necessidade de se prolongar seus efeitos, pode-se readministrar 1/3 da dose inicial de xilazina e quetamina na
mesma seringa. Esta associação é empregada para realização de pequenas cirurgias ou ainda como parte de um
protocolo de indução da anestesia geral (Tabela).
A quetamina (2,0-3,0 mg/kg/IV) deve ser administrada após 5 - 10 minutos do emprego da dose alta de
xilazina (1,0 mg/kg/IV). Antes da administração da quetamina, deve-se estar seguro de que o animal apresenta
sedação adequada, evidenciada pelo abaixamento da cabeça e relativa indiferença ao ambiente. Caso contrário,
existe o risco de excitação induzida pela quetamina. Para se aumentar o miorrelaxamento, o diazepam (0,05 a 0,1
mg/kg/IV) é associado à quetamina na mesma seringa.

Acepromazina/ xilazina/quetamina/diazepam:
Alternativamente, a acepromazina (0,03 – 0,05 mg/kg) pode ser administrada por via intramsucular 1 hora
antes da administração da dose baixa de xilazina (0,3 a 0,5 mg/kg) pela via intravenosa. O uso prévo do fenotiazínico
possibilita a redução da dose do agonista alfa-2. Deve-se aguardar um período prolongado após a administração da
acepromazina IM, uma vez que este fenotiazínico possui um período de latência longo no cavalo. Durante esta fase,
para se otimizar a tranquilização induzida pela acepromazina, o animal deve ficar em ambiente tranquilo, sem ser
manipulado. A quetamina (2,0-3,0 mg/kg/IV) assoicada ao diazepam (0,1 mg/kg) é administrada após 5 - 10 minutos
do emprego da xilazina. O período anestésico hábil é semelhante à técnica anterior.

Xilazina / Éter Gliceril Guaiacol (EGG) / Quetamina:


Após pré-medicação com xilazina (0,3 a 0,5 mg/kg/IV), anestesia pode ser induzida com a quetamina (2,0
mg/kg/IV) associada ao EGG (100 mg/kg/IV). Esta associação permite uma anestesia com maior grau de
miorrelaxamento, graças ao emprego do EGG. Nesta técnica, 5-10 minutos após o agonista alfa-2 a anestesia é
induzida com EGG a 5 ou 10% administrado por via IV. Logo nos primeiros sinais de ataxia, a infusão de EGG é
interrompida e a quetamina é administrada sob a forma bolus. Logo após o animal entrar em decúbito o restante do
EGG pode então ser infundido. O período anestésico hábil é de aproximadamente 15 a 20 minutos. A administração
de EGG deve ser realizada preferencioalmente através de catéter intravenoso.

Associação xilazina/telazol(tiletamina-zolazepam)
O telazol é uma associação previamente preparada de tiletamina (anestésico dssociativo) com zolazepam
(benzodiazepínico). A associação xilazina (1 mg/kg/IV) e telazol (1,0 a 1,5 mg/kg/IV) é uma técnica satisfatória de
anestesia de curta duração em eqüinos, proporcionando um período anestésico hábil com duração média de 15
minutos. Semelhantemente à quetamina, o telazol somente deve ser utilizado após sedação prévia com o alfa-2
agonista. O emprego do alfa-2 agonista auxilia na inibição dos efeitos indesejáveis dos anestésicos dissociativos
(hipertonia muscular / excitação).

Anestesia intravenosa por infusão contínua:


No campo, o veterinário pode não ter acesso imediato a centros cirúrgicos de referência, onde há a
disposição equipamento para realização da anestesia inalatória. O advento de técnicas de anestesia intravenosa por
infusão contínua no eqüino tem possibilitado a realização de procedimentos cirúrgicos de maior duração (YOUNG et
al, 1993, TAYLOR et al, 1998). A manutenção da anestesia com o emprego de agentes intravenosos possui as
seguintes vantagens:

- produz menor depressão cardiovascular que os anestésicos inalatórios (LUNA et al, 1996). Tipicamente a
pressão arterial média (PAM) sob anestesia inalatória cai abaixo de 70 mm Hg, enquanto que com o uso da
associação EGG/quetamina/xilazina administrada or infusão contínua a PAM se mantém em valores próxiomos a
90-100 mm Hg
- não resulta na resposta de estresse endócrino noramalmente associada à anestesia inalatória (LUNA et al, 1996,
TAYLOR et al, 1998).
78

Deve-se considerar ainda que a anestesia intravenosa é de maior praticidade para o clínico no campo, não
exigindo investimento em equipamentos sofisticados.
As técnicas de anestesia intravenosa empregando de infusões contínuas de EGG/quetamina/Alfa-2 agonista
(G/K/X) tem se tornado populares. Com o emprego destas técnicas, deve-se estar atento para avaliação do plano
anestésico. Diferentemente do animal sob anestesia geral inalatória, os reflexos protetores são mantidos
(laringotraqueal e oculopalpebral), verificando-se nistagmo mesmo em planos cirúrgicos adequados. Portanto,
mesmo com a presença de nistagmo (movimentos rápidos do globo ocular) e reflexo palpebral, o anestesista não
deve aumentar a velocidade de infusão caso o animal não esteja se movimentando em resposta ao estímulo cirúrgico
. No animal sob anestesia intravenosa total com o emprego da associação EGG/quetamina/alfa-2 agonista, o melhor
parâmetro para avaliação do plano anestésico é a presença ou ausência de movimentação do animal diante do
estímulo cirúrgico.

Conclusões:
A contenção farmacológica/anestesia intravenosa pode ser empregada em inúmeras situações em eqüinos.
O uso racional das diversas técnicas anestésicas disponíveis deve-se basear no conhecimento das vantagens e
desvantagens de cada fármaco e suas diversas associações.

Referências Bibliográficas:

ADAMS, S.B., LAMAR, C.H., MASTY, J. Motility of the distal portion of the jejunum and pelvic flexure in ponies:
Effects of six drugs. Am. J. Vet. Res. v.45, p.795-9, 1984.
ENGLAND, G.C.W., CLARKE, K.W., GOOSSENS, L. A comparison of the sedative effects of three α2 adtrenoceptor
agonists (romifidine, detomidine and xylazine) in the horse. J. Vet. Pharmacol. Ther. v.15, p.194-201, 1992.
HAMM, D., TURCHI, P., JÖCHLE, W. Sedative and analgesic effects of detomidine and romifidine in horses. Vet.
Rec. v.136, p. 324-7, 1995.
KALPRAVIDH, M., LUMB, W.V., WRIGHT, M. et al. Analgesic effects of butorphanol in horses. Am. J. Vet. Res. v.45,
p.211-6, 1984.
LUNA, S.P.L., TAYLOR, P.M., WHEELER, M.J. Cardiorespiratory, endocrine and metabolic effects in ponies
undergoing intravenous or inhalation anesthesia. J. Vet. Pharmacol. Ther. v.19, p. 251-8, 1996.
MOORE, J.N., HARDEE, M.M., HARDEE, G.E. Modulation of arachidonic acid metabolism in endotoxic horses:
comparison of flunixin meglumine, phenilbutazone and a selective tromboxane synthetase inhibitor. Am. J. Vet.
Res. v.47, p.110-3, 1986.
ROBERTSON, J.T.MUIR, W.W., SAMS, R. Cardiopulmonary effects of butorphanol tartrate in horses. Am. J. Vet.
Res. v.42, p. 41-44, 1981.
SOJKA, J.E., ADAMS, S.B., LAMAR, C.H., et al. Effect of butorphanol, pentazocine, meperidine, or metoclopramide
on intestinal motility in female ponies. Am. J. Vet. Res. v.49, p.527-9, 1988.
TAYLOR, P.M., KIRBY, J.J., SHRIMPTON, D.J., JOHNSON, C. B. Cardiovascular effects of surgical castration during
anaesthesia maintained with halothane or infusion of detomidine, ketamine and guaifenesin in ponies. Eq. Vet. J.
v.30, n.4, p.304-9, 1998.
WAGNER, A.E., MUIR, W.W., HINCHCLIFF, K.W. Cardiovascular effects of xylazine and detomidine in horses. Am. J.
Vet. Res. v.52, n.5, p.651-7, 1991.
YOUNG, L.E. BARTRAM, D.H., DIAMOND, M.J., et al. Clinical evaluation of an infusion of xylazine, guaifenesin and
ketamine for maintenance of anesthesia in horses. Eq. Vet. J. v.25, p.115-9, 1993
79

Emprego de agentes sedativos e analgésicos em eqüinos.

Fármaco / Dose Indicação Observações


Associação
Acepromazina 0,03 - 0,05 mg/IV-IM Tranquilização / Medicação pré-anestésica Período de latência longo (30 min com a via IV e 60 min
(MPA) com a via IM).
Pouco eficaz em animais excitados / nervosos.
Evitar em animais desidratados/endotoxêmicos.
Evitar uso em garanhões excitados (risco preapismo).
Xilazina 0,3 - 0,5 mg/kg/IV(sedação discreta Procedimentos diversos / MPA Utilizar cuidadosamente em animais com comprometimento
a moderada) Analgesia circulatório.
Não utilizar em potros de até 1 mês.
1,0 mg/kg/IV(sedação intensa) Empregar doses reduzidas (0,2 - 0,3 mg/kg) em raças de
tração (maior susceptibilidade, ataxia excessiva).
Detomidina 10 - 20 µg/kg/IV Procedimentos diversos / MPA Maior duração de ação que a xilazina.
Analgesia Analgésico potente.
Doses reduzidas em raças de tração (5 - 10µg/kg)
(Não disponível atualmente no mercado nacional.)
Romifidina 0,03 – 0,05 mg/kg/IV(sedação Procedimentos diversos / MPA Menor ataxia que a xilazina e detomidina.
discreta a moderada) Duração mais prolongada
0,08-0,1 mg/kg/IV(sedação intensa) Doses reduzidas em raças de tração (20 - 40µg/kg)
Butorfanol 0,02 - 0,1 mg/kg/IV Alívio da dor abdominal aguda(dor moderada Pode causar excitação caso administrado isoladamente em
a severa) animais hígidos.
Acepromazina / Acepromazina (0,03 - 0,05 MPA Administrar a acepromazina na baia.
Xilazina mg/kg/IV) Procedimentos com animal em estação Caso acepromazina seja administrada IM aguardar 1 hora
30 min após: antes de manipular o animal (30 min se via IV foi utilizada)
Xilazina (0,02 - 0,07mg/kg/IV) Sedação satisfatória antes da indução anestésica com
quetamina.
Xilazina / Xilazina (0,3 - 0,5 mg/kg/IV) / MPA Sedar o animal no local do procedimento devido ao maior
Butorfanol Butorfanol (0,02 - 0,05mg/kg/IV) Procedimentos que necessitam de maior grau grau de ataxia.
de sedação / analgesia (Ex: laparotomias em Tanto a romifidina como a detomidina podem ser
estação com o emprego conjunto de anestesia empregadas como alternativa à xilazina.
local)
Xilazina / Xilazina (0,3 - 0,5 mg/kg/IV) / MPA Sedar o animal no local do procedimento devido ao maior
Buprenorfina Buprenorfina (3 µg/kg/IV) - mesma Procedimentos que necessitam de maior grau grau de ataxia
seringa de sedação / analgesia (Ex: laparotomias)
Acepromazina / Acepromazina (0,05 mg/kg/IV) / MPA Menor grau de sedação / analgesia que as associações de
Buprenorfina Buprenorfina (3 µg/kg/IV) - mesma alfa-2 agonista / opíóide. Menor grau de ataxia que as
seringa associações de alfa-2 agonista / opíóide.
80

Emprego de agentes antestésicos intravenosos em eqüinos.

Fármaco / Associação Dose Indicação Observações


A) Xilazina Xilazina (1,0 mg/kg/IV), 5-10 minutos após: Quetamina Cirurgias de curta Período anestésico hábil: ~10 minutos.
(2,0-3,0 mg/kg/IV) + diazepam (0,05-0,1 mg/kg/IV) duração, Indução da
Quetamina / Diazepam anestesia geral inalatória Para prolongar o efeito, administrar xilazina + quetamina (1/3 da dose
original). Evitar o uso isolado da quetamina em animais que não
apresentarem sedação satisfatória com o alfa-2 agonista (associar EGG).
B) Acepromazina / Xilazina Acepromazina (0,05 mg/kg/IV), 30 min após: Xilazina (0,3- Cirurgias de curta Período anestésico hábil: ~10 minutos (semlhante técnica anterior).
Quetamina / Diazepam 0,7 mg/kg/IV), 5-10 minutos após: Quetamina (2,0-3,0 duração, Indução da
mg/kg/IV) + diazepam (0,1 mg/kg/IV) anestesia geral inalatória Dose de xilazina reduzida (de 1,0 para 0,3-0,5 mg/kg) pelo uso prévio de
acepromazina.
Evitar o uso isolado da quetamina em animais que não apresentarem
sedação satisfatória com o fenotiazínico /alfa-2 agonista.
C) Xilazina Xilazina (1,0 mg/kg/IV), 5-10 minutos após: Telazol (1,0 a Cirurgias de curta Período anestésico hábil mais prolongado que na técnica anterior.
1,5 mg/kg/IV) duração
Telazol (tiletamina / zolazepam) Recuperação mais prolongada que a associação
xilazina/quetamina/diazepam.
Maior ataxia na fase de recuperação.
Custo mais elevado (tiletamina-zolazepam)
D) Xilazina Xilazina (0,3-0,5 mg/kg/IV), 5-10 minutos após: EGG (100 Cirurgias de curta Anestesia de boa qualidade. Relaxamento muscular adequado.
mg/kg/IV) + Quetamina (2,0 mg/kg/IV). duração, Indução da
Éter gliceril guaiacol (EGG) / anestesia geral inalatória
Quetamina
E) Xilazina / Éter gliceril guaiacol / Xilazina (0,3-0,5 mg/kg/IV), 10 minutos após: EGG (100 Cirurgias de curta Apnéia transitória eventualmente observada com o uso do tiopental sódico.
Tiopental mg/kg/IV) + Tiopental sódico (2-4 mg/kg/IV) duração, Indução da
anestesia geral inalatória Não utilizar em pacientes de alto risco (desidratados / endotoxêmicos)

F) Anestesia intravenosa por infusão INDUÇÃO: Cirurgias prolongadas Ajustar a velocidade de infusão em função da necessidade individual de
contínua (EGG/Quetamina/Xilazina) (até 1-1,5 horas de cada animal.
Técnica A: Xilazina (1,0 mg/kg/IV), 10 minutos após: duração).
Diazepam (0,05 a 0,1 mg/kg/IV) + Quetamina (2,0 Manutenção adequada da função cardiovascular ( geralmente não ocorre
mg/kg/IV) hipotensão).
ou Técnica B (ver acima) Recuperação de boa qualidade desde que o tempo de anestesia não
exceda 1 a 1,5 horas.
MANUTENÇÃO:
Recomendável suplementar O2 através da sonda endotraqueal ou sonda
Infusão contínua (1-1,5 ml/kg/hora) da associação: Éter nasal introduzida até a faringe (mínimo de 15 litros / minuto para animal
gliceril guaiacol (EGG) 100 mg/mL / Quetamina: 2mg/mL / adulto) para prevenir hipoxemia.
Xilazina: 1 mg/ml (Diluir em Solução Fisiológica ou
Glicofisiológica)
Técnicas Anestésicas Intravenosas em Grandes Animais

Técnica 1:
MPA 0,05 mg/kg acepromazina
30 mins -> 0,5 mg/kg xilazina

Indução 2 mg/kg quetamina

Manutenção éter gliceril guaiacol (100 mg/ml) em 500 ml de fisiologica


xilazina (2 mg/ml) – 10 ml a 10%
Quetamina (4 mg/ml) – 20 ml a 10%
1 ml/kg/h 1ª hora e 0,6 ml/kg/h 2ª hora

Técnica 2:
MPA 0,05 mg/kg acepromazina
30 mins -> 0,5 mg/kg xilazina

Indução 2 mg/kg quetamina

Manutenção éter gliceril guaiacol (100 mg/ml) em 500 ml de fisiologica


xilazina (1 mg/ml) – 5 ml a 10%
Quetamina (2 mg/ml) – 10 ml a 10%
1 a 1,5 ml/kg/h

Técnica 3 (Potros - cirurgias rápidas e pouco cruentas):


MPA 0,1 mg/kg acepromazina

Indução 2 mg/kg quetamina + 0,15 mg/kg midazolam

Manutenção 4 mg/kg/h quetamina

Técnica 6 (Adultos - cirurgias rápidas e pouco cruentas):

MPA 0,1 mg/kg acepromazina

Indução 100 mg/kg éter gliceril guaiacol 10% + 0,15 mg/kg midazolam

Manutenção 2 mg/kg quetamina bolus


4 mg/kg/h quetamina

81
ANESTÉSICOS GERAIS INALATÓRIOS

ADRIANO BONFIM CARREGARO E STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

INTRODUÇÃO
A anestesia geral pode ser obtida com a utilização de qualquer anestésico que tenha a característica de
promover hipnose por depressão do SNC. Apesar de muito antiga, a anestesia inalatório voltou a receber
destaque na anestesiologia somente na metade do século passado, com o advento de medicamentos mais
seguros para esta técnica. Apesar da anestesia poder ser obtida com agentes injetáveis, os anestésicos
inalatórios possibilitam mudanças de plano anestésico mais rápidas, fornecimento de oxigênio adequado durante
o procedimento, uma vez que este é o principal diluente e, por serem eliminados em sua grande parte pela via
aérea, não comprometem os sistemas de biotransformação e de excreção, em comparação aos agentes
intravenosos.
Diferentes concentrações de agentes inalatórios induzem a uma variedade de efeitos reversíveis. Baixas
concentrações podem induzir amnésia, euforia, hipnose, excitação e hiperreflexia. Altas concentrações podem
causar profunda sedação, miorrelaxamento e diminuição da resposta motora e autonômica frente a um estímulo
doloroso, progredindo para uma anestesia cirúrgica.

HISTÓRICO
A anestesia inalatória, atualmente o procedimento anestésico mais utilizado, não é tão recente como se
pensa. Na idade média, monges utilizavam uma esponja soporífera embebida em solução à base de ópio, sucos
de amoras amargas, eufórbia, meimendro, mandrágora e hera e sementes de bardana, alface e circuta. Tudo era
muito bem misturado, posto a ferver até a evaporação total, promovendo o sono nos pacientes.
Por volta de 1776, Joseph Priestley descobriu o dióxido de nitrogênio (N2O), ou óxido nitroso, também
conhecido como gás hilariante, por proporcionar tremenda euforia e bem estar. Entretanto, apenas em 1844,
Horace Wells utilizou o referido gás com fins anestésicos. Solicitou para que um amigo removesse um dente o
qual lhe incomodava. O procedimento foi realizado e Wells nada sentiu.
Famoso por seus procedimentos indolores, Wells foi convidado a demonstrar seu procedimento na
Universidade de Harvard. Todavia, a quantidade de N2O foi insuficiente, fazendo com que o voluntário urrasse de
dor. Wells foi taxado de charlatão e abandonou a odontologia; entrou em depressão, suicidando-se pouco depois.
William Thomas Green Morton, colega de Wells, substituiu em 1846 o N2O pelo éter que, embebido em
uma esponja e colocado em um globo de vidro, promoveu a primeira anestesia inalatória bem sucedida
reconhecida pela sociedade científica da época, em um paciente submetido à cirurgia de pescoço.
Atualmente, com a descoberta dos anestésicos inalatórios halogenados, isto é, compostos não
inflamáveis os quais contém cloro, bromo, flúor ou iodo em sua forma molecular, tem-se anestésicos mais
potentes, menos tóxicos e mais lipossolúveis, o que confere relativa facilidade na mudança do plano anestésico.

PROPRIEDADES QUÍMICAS
A estrutura química determina a estabilidade da molécula e sua resistência à degradação por variáveis
físicas como o calor, luz e materiais com os quais entra em contato, assim como sua resistência à degradação
metabólica no corpo e, portanto, seu potencial de toxicidade.

Óxido Nitroso
O óxido nitroso (N2O) é um gás inorgânico, incolor, com odor adocicado e não inflamável, que não se
degrada em condições físicas normais e não é biotransformado pelo corpo. Sintetizado em 1772, atualmente é
utilizado como “segundo gás”, por não ter condições de promover anestesia cirúrgica. O seu emprego se dá por
meio da administração de 25-75%, adicionado à mistura de O2 e do agente anestésico, favorecendo a indução e
manutenção anestésicas. A atuação sobre as variáveis hemodinâmicas e pulmonares é desprezível.
O uso de N2O em medicina veterinária é bastante restrito uma vez que esse poder de potencialização
dos agentes inalatórios não é tão evidente em animais como no homem. Além disso, atualmente o custo dos
agentes mais utilizados é bem acessível, o que não favorece financeiramente seu uso. Deve-se atentar para o
acúmulo de N no sistema anestésico, principalmente no balão reservatório, bem como nas cavidades do paciente,
como tórax, rúmen e abdome, devido a passagem do N com facilidade. A recuperação anestésica, após a
utilização do N2O deve ser realizada com o aporte de O2 puro para que não ocorre hipoxemia.

Halotano
O halotano (2-bromo-2-cloro-1,1,1-trifluoretano) (Figura 1), é um alcano, hidrocarboneto alifático
saturado, derivado halogenado do etano. Foi sintetizado em 1951 e introduzido clinicamente em 1956,
substituindo rapidamente os agentes inalatórios utilizados até então, principalmente o éter e o ciclopropano,
facilmente explosivos. Apesar do halotano ser inflamável, isto só ocorre em improváveis concentrações clínicas.
82
Devido esse fato, passou a ser o principal anestésico inalatório nas décadas de 80 e 90. Entretanto, algumas
características como cardiotoxicidade e biotransformação, comentadas com mais propriedade neste capítulo,
fizeram com que seu uso tenha diminuído sensivelmente nos últimos anos, dando abertura a agentes mais
seguros.
O halotano encontra-se na forma de líquido incolor, com odor agradável, o que lhe confere vantagem na
indução anestésica por máscara, porém apresenta certa instabilidade em contato com alguns fatores físicos,
corroendo metais, plásticos e borrachas presentes em um circuito anestésico, bem como degradar-se em contato
com a luz ultravioleta. Assim, utiliza-se 0,01% de timol para lhe conferir certa estabilidade, além de ser
acondicionado em frasco âmbar. O halotano também é adsorvido e degradado quando em contato com a cal
sodada seca. Todavia, após sua umidificação, ele é liberado.

Isofluorano
O isofluorano (2-cloro-2-(difluorometoxi)-1,1,1-trifluoro-etano) (Figura 1) foi introduzido na anestesia em
1981 para evitar os efeitos cardiotóxicos do halotano, destacando-se a sensibilização do miocárdio às
catecolaminas. Devido à remoção do Br e Cl pelo F e a ligação éter, a molécula adquiriu mais estabilidade, maior
lipossolubilidade e menor potência. Ademais, é um anestésico completamente não-inflamável.
O isofluorano é um éter halogenado e, atualmente, o anestésico mais utilizado em medicina veterinária,
apesar de começar a perder espaço na medicina para o sevofluorano, desfluorano e as novas técnicas de
anestesia intravenosa. A sua vantagem é a diminuta depressão hemodinâmica, comparada ao halotano,
biotransformação e custo. Todavia, devido seu odor repugnante, não é o agente mais indicado para a indução
anestésica.
O enfluorano é um isômero do isofluorano, ou seja, mesma fórmula e conseqüentemente, mesmo peso
molecular, porém com diferenças marcantes, tanto em relação à potência quanto à biotransformação, fazendo
com que fosse posto em desuso.

Sevofluorano
O sevofluorano (2,2,2-trifluoro-1-[trifluorometil] fluorometil éter) (Figura 1), começou a ser utilizado em
1995. Tal qual o isofluorano, não é inflamável e pouco altera os parâmetros hemodinâmcos. A diferença marcante
ao isofluorano é a baixa solubilidade e, associado ao seu odor agradável, é o anestésico inalatório mais indicado
para a indução anestésica.
Todavia, o contato com a cal sodada origina pelo menos dois produtos de degradação, os compostos A
(fluorometil-2,2-difluoro-1-[trifluorometil] vinil éter) e B (1,1,1,3,3-pentafluoro-2-[fluorometoxi]-3-metoxipropano),
especialmente em altas temperaturas. Apesar de promover necrose renal em ratos, o mesmo não foi verificado em
outras espécies. Entretanto, tem-se relatado proteinúria e glicosúria em alguns pacientes.

Desfluorano
O desfluorano (2-(difluorometoxi)-1,1,1,2-tetrafluoro-etano) (Figura 1), recentemente foi introduzido na
medicina veterinária. Atualmente, vem substituindo o isofluorano na medicina, porém devido o alto custo,
principalmente a necessidade de equipamentos apropriados para sua administração, seu uso em medicina
veterinária ainda restringe-se à pesquisa. Soma-se a isso, a baixa potência e o odor repugnante.

PROPRIEDADES FÍSICAS
As características ideais para um anestésico inalatório incluem ampla potência, baixa solubilidade no
sangue e tecidos, resistência à degradação física e metabólica, e efeitos ínfimos nos órgãos vitais, sejam íntegros
ou lesados. Outras características incluem irritação de vias aéreas e estimulação cardíaca, mais precisamente,
alterações de ritmo, baixo custo e mínimo ou nenhum efeito na camada de ozônio.

Resistência à degradação
Para minimizar o custo e resíduos, os agentes inalatórios são administrados por meio de circuitos de
anestesia circulares valvulares, ou seja, reinalatórios. Esses circuitos são compostos de um sistema de absorção
de dióxido de carbono (CO2) e permite, dessa forma, a reinalação do gás expirado pelo paciente. Os absorventes
consistem em bases divalentes (hidróxido de cálcio ou de bário) ou monovalentes (hidróxido de sódio ou de
potássio), adicionadas a 15% de água. Estudos demonstraram que os absorventes com sódio ou potássio (fortes
bases) produzem maior quantidade de monóxido de carbono (CO) e composto A que os absorventes com cálcio.
O absorvente mais utilizado é o hidróxido de cálcio, conhecido como cal sodada.
A degradação dos anestésicos inalatórios por essas bases pode ser influenciada pelo tipo de absorvente
utilizado, alta temperatura, tanto de cal sodada quanto do paciente, e do fluxo. Os produtos da degradação
dependem do tipo de anestésico, umidade ou ressecamento da cal sodada. Alguns desses produtos merecem
cuidados. A cal ressecada pode degradar qualquer um dos agentes anestésicos, todavia, ocorre maior formação
de CO em contato com o desfluorano. Esse problema não ocorre em absorventes úmidos. A formação do
composto A, com potencial nefrotóxico, advém da degradação do sevofluorano, tanto na presença de cal sodada
úmida quanto seca. O halotano não é degradado em composto A, ainda que o seja em um composto paralelo,
insaturado e também nefrotóxico. Entretanto, a quantidade produzida não é suficiente para promover lesão renal,
ou pelo menos, menor que a quantidade produzida de composto A advinda do sevofluorano.

83
Pressão parcial de vapor
Os anestésicos inalatórios necessitam ser volatilizados para serem absorvidos e, posteriormente, voltar à
forma líquida (condensação) para atingir o sangue e o órgão-alvo, no caso o cérebro. O que determina a
passagem do anestésico para as diversas fases orgânicas é a pressão parcial entre elas.
A pressão parcial de vapor é a pressão a qual as moléculas são mantidas em equilíbrio entre as fases
líquida e gasosa, ou seja, alvéolos e sangue, por exemplo. É a pressão (em mmHg) necessária para volatilizar-se
um anestésico; na prática, o suficiente para que as moléculas sejam inaladas e voltem ao estado líquido, atingindo
o cérebro e promovendo anestesia.
Apesar da quantificação do anestésico inalatório ser expressa geralmente sob a forma de porcentagem,
discutida a posteriori, a pressão parcial é o melhor parâmetro de concentração para descrever a difusão do
anestésico. Isto porque a quantidade de anestésico inalado está intimamente relacionada à pressão atmosférica.
A concentração de um anestésico (vaporização) é dada pela pressão parcial do gás dividida pela pressão
atmosférica x 100. Ao nível do mar tem-se uma pressão atmosférica de 760mmHg. Pra o isofluorano, o qual tem
pressão parcial de vapor de 240 (a 20°C) (Tabela 1), a máxima vaporização atingida seria 31,5%. Entretanto, essa
mesma vaporização seria maior em La Paz (Bolívia), uma vez que a cidade localiza-se a 3650 metros acima do
nível do mar (473mmHg). Assim, nessas condições, a vaporização máxima de isofluorano (a 20°C) seria 240/473
x 100 = 50,7%!

Solubilidade
Uma das propriedades biofísicas mais importantes dos anestésicos inalatórios é a sua solubilidade nos
diferentes tecidos orgânicos. Na comparação entre eles, é de suma importância caracterizar se a solubilidade dos
fármacos é diferente, uma vez que ela está intimamente relacionada à indução e recuperação anestésica.
Também caracterizada como coeficiente de partição (CP), a solubilidade é determinada sendo a razão
entre dois meios distintos, seja sangue/gás ou sangue/cérebro, por exemplo. Essa razão expressa a concentração
necessária para que os dois compartimentos entrem em equilíbrio, permitindo com que o anestésico atravesse as
membranas por difusão, chegando ao órgão efetor.

Coeficiente de partição sangue/gás


A solubilidade de um agente anestésico no sangue é quantificada como coeficiente de partição
S
sangue/gás (CP /G), a qual expressa o equilíbrio entre a concentração de um anestésico no sangue (fase I) e no
S
gás (fase II). O CP /G possibilita a comparação entre os anetésicos no que diz respeito à indução, recuperação e
S
alteração de plano anestésico. Quanto maior o CP /G mais hidrossolúvel é o fármaco; com isso, deve-se saturar o
sangue para que o mesmo forneça moléculas para outros tecidos. Em suma, o equilíbrio entre os compartimentos
é mais lento.
S S
Como exemplo, tem-se um anestésico X, com o CP /G igual a 1 e outro Y com CP /G igual a 10. Neste
caso, o anestésico Y necessita de uma concentração 10 vezes maior no sangue que nos avéolos, quando
comparado ao anestésico X. Conseqüentemente, o anestésico X induzirá o paciente mais rápido, o mesmo
S
ocorrendo com a recuperação ou mudanças de plano. Em outro exemplo, tem-se um anestésico com CP /G igual a
0,5. Se a concentração desse anestésico no sangue arterial é de 3%, a sua concentração nos pulmões será de
6%.
S
Um baixo CP /G reflete uma baixa afinidade do sangue para o anestésico; característica desejável uma
vez que isso faz com que seja estabelecido um controle maior do plano anestésico, ou seja, a estabilização, e
S
consequentemente, uma recuperação mais rápida da anestesia. Os CP /G variam de acordo com o agente, os
quais são demonstrados na Tabela 1.

Coeficiente de partição óleo/gás


O
Do mesmo modo, o coeficiente de partição óleo/gás (CP /G) correlaciona a concentração de anestésico
no óleo de oliva (padrão) e no gás, sendo inversamente proporcional à concentração alveolar mínima (CAM,
O
discutida a seguir) e diretamente proporcional à potência do anestésico. Os CP /G dos diferentes tecidos
O
orgânicos estão descritos na Tabela 1. O CP /G do desfluorano é aproximadamente metade do sevofluorano, o
qual é metade do isofluorano, sendo também metade da solubilidade do halotano. Neste caso, tem-se tanto uma
indução e recuperação mais rápidas com o desfluorano que com o sevofluorano e assim sucessivamente. Na
O
prática, as diferenças entre os CP /G são mais evidentes em anestesias prolongadas, situação em que os
O
anestésicos mais lipossolúveis (maior CP /G) se depositam com maior intensidade nos tecidos, principalmente no
adiposo.

Potência e Concentração Alveolar Mínima


A concentração anestésica no cérebro necessária para promover anestesia nos pacientes é clinicamente
muito difícil de ser mensurada. Desse modo, para avaliar a potência de um dado anestésico inalatório assumiu-se
como parâmetro a concentração alveolar mínima (CAM), a qual é definida como a concentração necessária, em
uma atmosfera, para abolir a resposta dolorosa supramáxima em 50% dos indivíduos. Deste modo, consegue-se

84
comparar a grandeza de dois anestésicos frente à necessidade de fornecimento dos mesmos para obter-se
anestesia.
As doses dos anestésicos inalatórios podem ser quantificadas em múltiplos da CAM. O valor de 1 CAM
representa a dose mínima efetiva (ED50) de dado anestésico inalatório. Geralmente é uma dose ineficaz para a
manutenção anestésica, a qual é influenciada por características individuais, adjuvantes anestésicos e também ao
procedimento cirúrgico em questão. A concentração capaz de manter 100% dos pacientes anestesiados situa-se
próxima a 1,5 CAM para qualquer anestésico. Todavia, a utilização de fármacos como sedativos ou opióides
promovem um sinergismo com o agente inalatório, diminuindo a necessidade do mesmo em pequenos animais. Já
em eqüinos, o uso de opióides não promove tal efeito. Neste caso, características individuais como espécie e raça
influenciam a CAM, além do estado nutricional e condições fisiológicas (hipotermia, hipoproteinemia, hipotensão).
A duração do procedimento, sexo e peso não têm influencia sobre essa variável. As CAMs dos principais agentes
inalatórios em cães, eqüinos e gatos estão descritas na Tabela 1.

MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS INALATÓRIOS


Aproximadamente 30 anos atrás, Meyer e Overton observaram uma forte correlação entre a potência do
anestésico e sua solubilidade em óleo de oliva. Assim, imputaram que os anestésicos inalatórios atuavam de
modo inespecífico nos componentes lipídicos das células. Entretanto, estudos recentes verificaram que não é
apenas o poder lipofílico o responsável pela eficiência anestésica e, consequentemente, a potência. Como
exemplo, séries homólogas de anestésicos como os n-alcoóis e n-alcanos exibem uma característica de que a
potência aumenta conforme a adição de grupos metileno (=CH2). Todavia, a eficiência da adição sucessiva cessa
em um “ponto de corte”, em que a molécula fica demasiadamente extensa para promover o efeito anestésico.
Ademais, alguns agentes alcanos halogenados, com estruturas similares aos anestésicos inalatórios não
apresentam características anestésicas, porém, por vezes, induzem à convulsão. Assim, a eficiência dos agentes
anestésicos não pode ser imputada apenas à característica de lipossolubilidade mas, também para as
características eletrostáticas e o tamanho da molécula.

Ação dos anestésicos inalatórios nas diferentes regiões do sistema nervoso


O mecanismo de ação dos anestésicos gerais e, por conseguinte, dos agentes inalatórios ainda não está
totalmente definido. A literatura é um tanto quanto controversa na determinação de qual ou quais áreas do SNC
são afetadas pelos anestésicos inalatórios. Acredita-se que eles atuem com mais propriedade no córtex cerebral e
hipocampo, mas nada com precisão.
Os agentes inalatórios diminuem a transmissão do estímulo ascendente da medula espinhal para o
cérebro, diminuindo assim a estimulação supra-espinhal. No cérebro, os agentes inalatórios deprimem o fluxo
sangüíneo e o metabolismo de glicose e, seletivamente, várias regiões supra-espinhais. Por exemplo,
concentrações ligeiramente hipnóticas de isofluorano reduzem a ativação cerebral em várias regiões corticais
distintas, considerando que as atividades desenvolvidas pelo córtex visual, motor, e de outras regiões subcorticais
permanecem inalteradas. Avaliações por tomografia também indicam que o tálamo e a formação reticular são mais
deprimidas que outras regiões.

Ação molecular dos anestésicos inalatórios


Os anestésicos inalatórios são conhecidos por interagir com proteínas globulares, todavia com
seletividade considerável. Os canais iônicos são proteínas que regulam o fluxo de íons para a membrana
citoplasmática. Uma variedade de canais iônicos que modulam a atividade elétrica das células está ligada às
ações dos anestésicos, tanto fisiológicas como comportamentais. Alguns destes canais são sensíveis a vários
anestésicos inalatórios. Os canais iônicos que são sensíveis aos anestésicos voláteis em concentrações
clinicamente efetivas incluem os receptores nicotínicos, serotoninérgicos (tipo 3), glicinérgicos, gabaérgicos
(GABA(A)) e os receptores de glutamato, que são ativados pelo N-metil-d-aspartato (NMDA).
Um ponto definido é que a ação celular se dá em maior proporção nas sinapses, através do bloqueio das
mesmas, que na condução axônica. Isso ocorre tanto nas sinapses excitatórias quanto nas inibitórias. Nas
sinapses, os canais iônicos podem influenciar a liberação de neurotransmissores pré-sinápticos ou alterar a
excitabilidade pós-sináptica frente a esses neurotransmissores. Uma hipótese de funcionamento é a de que os
anestésicos inalatórios aumentem a atividade inibitória pós-sináptica nos receptores glicinérgicos e GABA(A), e
diminuem a atividade excitatória pré-sináptica nos receptores nicotínicos, serotoninérgicos e de glutamato (Figura
2).
Os GABA(A) são os receptores inibitórios mais abundantes do cérebro. Cada receptor é uma complexa
proteína transmembrana que abre um poro cloreto-permeável para o neurotransmissor GABA. Em concentrações
efetivas, os anestésicos gerais aumentam a sensibilidade aparente dos receptores ao GABA e prolongam o efeito
inibitório após o pulso de liberação de GABA, inibindo a excitabilidade neuronal pós-sináptica. A modulação dos
receptores GABA(A), porém, não é suficiente para desencadear todos os efeitos dos anestésicos inalatórios. Desde
modo, outros canais iônicos contribuem para a anestesia. Concentrações clínicas desses gases também
promovem a inibição de receptores de glutamato e nicotínicos, sugerindo que os canais iônicos excitatórios
medeiam um caminho alternativo na anestesia. Em neurônios motores espinhais, os anestésicos voláteis
aumentam a atividade de receptores inibitórios glicinérgicos e inibem os receptores pós-sinápticos AMPA e NMDA.

85
EFEITOS DOS ANESTÉSICOS NOS SISTEMAS ORGÂNICOS

Hemodinâmico
Todos os agentes anestésicos inalatórios promovem depressão hemodinâmica dose-dependente. Em
concentrações terapêuticas, há hipotensão arterial e diminuição do débito cardíaco, principais parâmetros
hemodinâmicos. O halotano é o agente que mais deprime esse sistema ocorrendo bradicardia, diminuição da
resistência vascular sistêmica e inotropismo negativo, culminando em hipotensão severa. Apesar da hipotensão
promovida pelo isofluorano ser semelhante ao halotano, há manutenção do débito cardíaco, uma vez que a
origem dessa queda está quase que totalmente relacionada à diminuição da resistência vascular sistêmica e não à
força de contração do miocárdio.
A freqüência cardíaca é reduzida frente ao halotano, resultante da ação sobre vários pontos, tanto nas
células marcapasso quanto no sistema de Hiss-Purkinje. Tem sido imputado ao isofluorano, tal qual o desfluorano,
situações de aumento desse parâmetro, geralmente decorrente de compensação da hipotensão. O sevofluorano
praticamente não altera a freqüência cardíaca.
O débito cardíaco decresce com o uso de qualquer agente inalatório. Entretanto, essa variável é afetada
em demasia com o uso de halotano e enfluorano. Essa diminuição é imputada à diminuição do volume sistólico,
decorrente do inotropismo negativo. Em concentrações clínicas, o isofluorano, sevofluorano e desfluorano mantêm
o débito cardíaco em patamares adequados. Há redução do fluxo sangüíneo coronariano com o uso de halotano.
A diminuição desse fluxo parece ser uma resposta à redução nas necessidades miocárdicas de O2. Apesar do
isofluorano promover redução do fluxo coronariano, geralmente há menor depressão do fluxo que com os outros
anestésicos.
Há vasodilatação cerebral em resposta ao halotano, produzindo aumento no fluxo sangüineo cerebral,
apesar da redução no débito cardíaco. O aumento na pressão intracraniana, que acompanha a dilatação da
vasculatura cerebral, limita a utilização do halotano nos pacientes com lesões cerebrais decorrentes de traumas
ou tumores. O mesmo efeito ocorre com o isofluorano, porém, em menor intensidade comparado ao halotano.
O fluxo sanguíneo renal é alterado, principalmente com o halotano. Há redução na filtração glomerular e
conseqüentemente, no volume urinário. Há também, redução no fluxo sanguíneo hepático total, promovendo uma
constrição do fígado, com diminuição da oxigenação tecidual. Essa diminuição no fluxo sangüíneo, tanto renal
quanto hepático é de 30-40% com o halotano e bem menos intensa com os outros agentes inalatórios.
Apesar de todos os efeitos depressores hemodinâmicos, obtidos em maior ou menor intensidade de
acordo com a concentração do fármaco, o principal efeito indesejável dos agentes inalatórios é a sensibilização do
miocárdio às catecolaminas, culminando em arritmias, principalmente extra-sístoles ventriculares. Esse efeito
ocorre quando há aumento das catecolaminas circulantes, decorrente de estimulação simpática, hipóxia e acidose,
ou a administração de epinefrina. A mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado, embora os
receptores 1 adrenérgicos sejam os principais envolvidos na gênese dessas arritmias. As arritmias ventriculares
podem ser prevenidas com o uso de fenotiazínicos na medicação pré-anestésica, bloqueando tais receptores.
Esse efeito é mais pronunciado com o uso de halotano que, associado à alta taxa de biotransformação, faz com
que esse agente rapidamente perca espaço na anestesiologia veterinária. O sevofluorano, desfluorano e
isofluorano praticamente não promovem esse efeito tendo o último, ação antiarrítmica frente ao uso de cloreto de
bário em cães.

Pulmonar
A depressão pulmonar é observada com o uso de quaisquer anestésicos inalatórios, sendo dose-
dependente. Todos os agentes promovem diminuição do volume corrente e aumento no CO2 arterial. A
hipoventilação e a hipercapnia ocorrem geralmente em uma respiração espontânea. Rapidamente há taquipnéia e
respiração superficial o que, por vezes, pode ser confundida com superficialização da anestesia. O halotano inibe
a resposta ventilatória à hipoxemia, impendindo o controle neural central da respiração. Assim, o efeito da
anestesia profunda pode ser devastador durante a ventilação espontânea com halotano, uma vez que a
hipoventilação progressiva, o impedimento da troca de CO2 e O2 e a ausência de resposta à hipercapnia, podem
levar ao agravamento do quadro de hipoxemia.
No homem, o sevofluorano produz depressão respiratória dose-dependente, ocasionando hipercapnia e
diminuição da curva de resposta ao CO2. Os efeitos respiratórios desse fármaco são equiparáveis aos do
isofluorano, sendo que ambos deprimem a função respiratória em maior intensidade que o halotano. A apnéia é
obtida com concentrações superiores à 3 CAM com o halotano. Já com o isofluorano, o índice apnéico cai para 2,5
CAM e, para o desfluorano, 2 CAM, demonstrando a maior capacidade depressora desse último. Ainda, há
broncodilatação com o uso do halotano.
Os anestésicos inalatórios diferem ainda na pungência (odor acre) e tendência em irritar as vias aéreas.
Devido a baixa pungência e pouco risco de irritar as vias aéreas, o sevofluorano é atualmente o mais indicado
para uma indução anestésica por máscara. Ao contrário, o desfluorano deve ser evitado como agente indutor uma
vez que é altamente pungente e muito irritante às vias aéreas, promovendo tosse, laringoespasmo e aumento de
secreções, fato também presente na indução por isofluorano. Durante a anestesia, não foram observados efeitos

86
irritantes com o uso de halotano e sevofluorano. Para o isofluorano e desfluorano, a irritação é quase desprezível
em concentrações até 1 CAM.

Muscular
O miorrelaxamento obtido com os agentes inalatórios é dose-dependente, sendo que o halotano
promove miorrelaxamento moderado, apesar de suficiente para a realização da maioria dos procedimentos
cirúrgicos. Entretanto, para situações que exijam miorrelaxamento total, tanto o isofluorano quanto sevofluorano e
desfluorano são mais indicados.
A hipertermia maligna, uma síndrome de origem genética, e imuno-mediada, ocorre com maior
incidência em suínos e em menor escala em humanos. Na anestesia inalatória em suínos, deve-se evitar o uso de
halotano em animais puros ou oriundos de cruzamentos com as raças Pietrain ou Landrace, as quais são mais
susceptíveis. Apesar de citada com o uso de todos os agentes inalatórios nas outras espécies, é rara mas com
incidência maior com o uso de halotano.

Biotransformação
A biotransformação dos anestésicos inalatórios atuais não promove tantos danos teciduais como ocorria
com o clorofórmio e éter. Ela se dá por via hepática, realizada pelo complexo microssomal P450 2E1. De todo o
halotano administrado ao paciente, aproximadamente 20% é biotransformado. O sevofluorano, isofluorano e
desfluorano têm maior resistência à biodegradação, com 5%, 0,2% e 0,02% respectivamente.
Entretanto, o halotano, isofluorano e desfluorano são biotransformados em compostos acetilados, como
o trifluoroacetato (TFA), o qual causa hepatotoxicidade através de uma reação imunológica envolvendo a
formação de um hapteno e uma resposta auto-imune. A incidência de lesão hepática depende da extensão de
biotransformação do fármaco. Desse modo, está mais associado ao uso do halotano e em muito menor grau, com
o isofluorano e desfluorano. Apesar de aproximadamente 5% do sevofluorano inalado ser biotransformado, esse
fármaco não está associado à lesão hepática, pois gera compostos inorgânicos, como o fluoreto e
hexafluoroisopropanol.
O halotano está relacionado a dois tipos de hepatotoxicidade. Aproximadamente 20% dos pacientes
humanos têm sintomas de hepatite discreta a moderada como náuseas, letargia, febre e aumento nas enzimas
alanina e aspartato aminotransferases. Outra situação, rara mas presente em 1:10.000 casos de anestesia com
halotano, desenvolvem hepatite aguda, com presença de necrose, caracterizada por marcante aumento nas
enzimas alanina e aspartato aminotransferases e bilirrubina, icterícia, encefalopatia hepática e, por vezes, o óbito.
Pacientes com diagnóstico clínico de hepatite por halotano contém anticorpos para imunoglobulina G
(IgG) atuando contra as proteínas hepáticas modificadas pelo TFA, CF3 e COCl, metabólitos do halotano. A
exposição crônica indireta a esses agentes, principalmente por profissionais com contato periódico
(anestesiologistas, cirurgiões, enfermeiros) é preocupante uma vez que estudos demonstraram que 10% dessa
população apresenta anticorpos para essas proteínas acetiladas, evidenciando a necessidade de sistemas de
anti-poluição eficientes no ambiente cirúrgico. Há necessidade de estudos mais detalhados sobre esse tema para
determinar qual a real periculosidade disso.
Fatores predisponentes para a hepatite por halotano seriam a prévia exposição ao agente, obesidade,
sexo feminino, curtos intervalos entre as exposições, icterícia pós-operatória e pré-disposição genética para
hepatite. Como o halotano tem maior biotransformação, a possibilidade de hepatite significativa frente a esse
agente é maior. Em humanos, tem-se uma relação de 1 caso para cada 10.000 com halotano, 1:1.000.000 para o
isofluorano e 1:10.000.000 para o desfluorano.

Nefrotoxicidade
O efeito nefrotóxico dos agentes inalatório teve sua preocupação no início da década de 40, quando o
metoxiflurano passou a ser utilizado. Esse efeito era ocasionado pela formação secundária de fluoreto, advinda da
biotransformação desse agente. Utilizando o modelo de metoxifluorano, constatou-se que uma concentração
plasmática acima de 50 µmol/L de fluoreto inorgânico resultava em nefrotoxicidade. A produção de fluoreto
inorgânico com o uso de desfluorano, halotano e isofluorano é limitada e esses agentes são improváveis como
causadores de nefrotoxicidade em pacientes saudáveis. Apesar de estudos observarem uma concentração
plasmática acima de 50 µmol/L após a administração prolongada de sevofluorano, não constatou-se diferença
entre as disfunções renais após este agente em comparação aos outros citados.
A nefrotoxicidade do composto A tem sido demonstrada em animais expostos a altas concentrações.
Estudos têm demonstrado que o perigo com o uso de sevofluorano ocorre quando administra-se mais que 2
CAM/hora, ou seja, 1 CAM por duas horas ou 2 CAM em uma hora, e o fluxo de gás inspirado seja menor que
2L/min. Isso faz com que ocorra um acúmulo do composto A no circuito, podendo estar associado à proteinúria e
glicosúria. Assim, recomenda-se a utilização de um fluxo superior a 1L/min em procedimentos prolongados, sob
anestesia com sevofluorano. A nefrotoxicidade em estudos com ratos demonstram uma concentração indesejável
acima de 290ppm/h.

Teratogenicidade
Estudos realizados nos idos de 70, concluíram que mulheres expostas a traços de gases anestésicos
tinham maior propensão a aborto espontâneo, infertilidade e anormalidades congênitas nas suas crianças.

87
Entretanto, estudos posteriores comprovaram lacunas na metodologia, colocando em dúvida essa afirmação.
Adicionalmente, estudos em animais demonstraram não haver correlação entre mutagenicidade,
carcinogenicidade, ou toxicidade orgânica frente à exposição de anestésicos. Entretanto, a teratogenicidade foi
demonstrada em animais após uma exposição prolongada durante a gestação.

DEPLEÇÃO DA CAMADA DE OZÔNIO


Compostos com cloro ou bromo, como o halotano e isofluorano, podem esgotar a camada de ozônio,
resultando em um aumento da radiação ultravioleta na Terra. Há um risco potencial mas uma limitada
preocupação com esse fato, principalmente com o uso desses anestésicos. Como o desfluorano e o sevofluorano
são desprovidos de cloro e bromo, não há preocupação para esse risco com estes agentes.
O efeito estufa também pode ser influenciado pelo óxido nitroso (NO2) utilizado como adjuvante
anestésico, além do dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e CFC´s (CFxClx), os quais absorvem alguma
radiação infravermelha emitida pela superfície da Terra e irradiam por sua vez alguma energia absorvida de volta
para a superfície. Talvez, em um período curto, esse fator possa ser pesar a favor de gases que não prejudiquem
o meio ambiente.

OUTROS ANESTÉSICOS INALATÓRIOS MENOS IMPORTANTES

Éter
O éter foi o anestésico inalatório que por mais tempo foi utilizado na rotina hospitalar, desde a primeira
utilização, por Morton. Por mais de 100 anos foi considerado o agente inalatório mais seguro em um procedimento
anestésico. Como vantagem, era um agente inalatório que permitia rápida hipnose e recuperação, para os
padrões da época, além de ser pouco biotransformado e promover poucas alterações cardiovasculares.
Entretanto, algumas características indesejáveis, somado ao advento do halotano, fizeram com que o
uso do éter em anestesia fosse descartado. Por ser inflamável, havia a possibilidade de explosão uma vez que o
gás, mais pesado que o ar, se acumulava na sala cirúrgica e ficava alheio à qualquer fonte de faísca. Ademais,
S
devido a baixa lipossolubilidade, com CP /G 12,1, ou seja, cinco vezes maior que o halotano, verificou-se que as
mudanças de planos anestésicos não eram tão rápidas como se pensava. Apesar de ainda utilizado como
anestésico inalatório em animais de laboratório, seu uso é quase nulo devido o baixo custo do halotano e
facilidade no uso.

Enfluorano
O enfluorano (2-cloro-1,1,2,-trifluoroetil-difluorometil éter) é um isômero do isofluorano. Foi introduzido na
anestesiologia em 1966, a fim de substituir o halotano, uma vez que não sensibilizava o miocárdio às
catecolaminas e tinha uma taxa de biotransformação de 5%. Todavia, o enfluorano é bem menos potente que o
halotano, tem efeito hemodinâmico muito similar e efeito depressor pulmonar mais acentuado. Ademais, a
concentração ideal para planos mais profundos de anestesia, necessária em alguns procedimentos cirúrgicos,
promove intensa depressão comparando-se aos outros agentes inalatórios. O miorrelaxamento promovido pelo
enfluorano também não é o ideal. Por vezes, o paciente, mesmo em plano ideal de anestesia, apresenta
fasciculações ou movimentos abruptos, muito similares às convulsões. Atualmente, a utilização do enfluorano
diminuiu bruscamente, principalmente com o advento do isofluorano, ou até mesmo comparando-se ao halotano.

88
Figura 01. Estrutura química dos principais agentes halogenados.

Tabela 1. Características físico-químicas


químicas dos principais agentes antestésicos halogenados.
Sevofluoran Desfluoran
Características Halotano Isofluorano Óxido Nitroso
o o
Peso molecular 197,4 184,5 218 168 44
Ponto de ebulição (20°C) 50,2 48,5 58,5 23,5 -88,5
Pressão de Vapor (mmHg) (20°C) 240 238 160 664 38,7
Coeficiente de partição (37°C)
- Sangue/gás 2,54 1,46 0,68 0,42 0,47
- Óleo/gás 224 91 47 18,7 1,4
- Cérebro/gás 1,9 1,6 1,7 1,3 0,5
CAM (cão) 0,87 1,28 2,36 7,20 188
CAM (eqüino) 0,88 1,31 2,31 -- 205
CAM (gato) 1,03 1,61 2,58 9,79 255
Conservante Timol -- -- -- --
Estabilidade em cal sodada Instável Estável Estável Estável Estável
Estabilidade em luz UV Instável Estável Estável Estável Estável

89
Modificado de Campagna et al., 2003.

Figura 2. Locais de ação dos anestésicos inalatórios. À esquerda tem-se uma sinapse inibitória (GABAA), mediada
pelo neurotransmissor GABA e permeável por ânions. À direita, uma excitatória, mediada por acetilcolina e
permeável por cátions. Abaixo, respectivamente, têm-se as curvas dos potenciais de membrana influenciados
pelos anestésicos inalatórios, sendo maior nos neurônios inibitórios, estimulando o efeito, e menor nos
excitatórios, inibindo o mesmo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPAGNA, J.A. & MILLER, K.W. & FORMAN SA. “Mechanisms of actions of inhaled anesthetics”. New England
Journal of Medicine, v.348, n.21, 2003, p.2110-24.
DOHERTY, T.J. & GEISER, D.R. & FRAZIER, D.L. “Comparison of halothane minimum alveolar concentration and
minimum effective concentration in ponies”. Journal of Veterinary and Pharmacology Therapeutics, v.20, n.5, 1997,
p. 408-10.
EBERT, T.J. & HARKIN, C.P. & MUZI, M. “Cardiovascular responses to sevoflurane: a review.” Anesthesia and
Analgesia, v.81, sup.6, 1995, p.11-22.
EGER, E.I. “Characteristics of anesthetic agents used for induction and maintenance of general anesthesia”.
American Journal of Health-System Pharmacy, v.61, sup.4, 2004, p.3-10.
FEE, J.P. & THOMPSON, G.H. “Comparative tolerability profiles of the inhaled anaesthetics”. Drug Safety,
v.16,n.3, 1997, p.157-70.
FERREIRA, W.L. & AYLON, E.G & CARREGARO, A.B. “Ação antiarrítmica do isofluorano em cães submetidos à
arritmias ventriculares induzidas por cloreto de bário”. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.58,
n.6, 2006, p.1064-9.
FRANKS, N.P. & LIEB, W.R. “Molecular and cellular mechanisms of general anaesthesia”. Nature, v.367, n.6464,
1994, p.607-14.
KENNA, J.G. et al. “Metabolic basis for a drug hypersensitivity: antibodies in sera from patients with halothane
hepatitis recognize liver neoantigens that contain the trifluoroacetyl group derived from halothane”. Journal of
Pharmacology and Experimental Therapeutics, v.245, n.3, 1988, p.1103-9.
LONGNECKER, D.E. & MILLER, F.L. “Farmacologia dos anestésicos inalatórios”. In: ROGERS, M.C. et al.
Princípios e Prática de Anestesiologia. 1ª. ed., Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan, 1996, p.777-802.
90
MUIR, W.W. & WERNER, L.L. & HAMLIN, R.L. “Effects of xylazine and acetylpromazine upon induced ventricular
fibrillation in dogs anesthetized with thiamylal and halothane”. American Journal of Veterinary Research, v.36, n.9,
1975, p.1299-1303.
NARAHASHI, T. et al. “Ion channel modulation as the basis for general anesthesia”. Toxicology Letters, v.23,
n.100-101, 1998, p.185-91.
NJOKU, D. et al. “Biotransformation of halothane, enflurane, isoflurane, and desflurane to trifluoroacetylated liver
proteins: association between protein acylation and hepatic injury”. Anesthesia and Analgesia, v.84, n.1, 1997,
p.173-8.
SARAIVA, R.A. “Como evitar a formação de substâncias tóxicas durante a absorção de dióxido de carbono pela
cal sodada com uso de anestésicos halogenados”. Revista Brasileira de Anestesiologia, v.54, n.3, 2004, p.431-7.
STACHNIK, J. “Inhaled anesthetic agents”. American Journal of Health-System Pharmacy, v.63, n.7, 2006, p.623-
34.
STEFFEY, E.P. “Inhalation Anesthetics”. In: In: THURMON, J.C. et al. Veterinary Anesthesia, Baltimore, Williams &
Wilkins, 1996, p.297-329.

91
ANESTESIA GERAL INALATÓRIA E VENTILAÇÃO CONTROLADA EM EQÜINOS

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO

1. Introdução

A anestesia geral inalatória resulta em hipoventilação e hipercapnia. O uso da ventilação controlada ou


ventilação com pressão positiva intermitente (VPPI) é capaz de normalizar a tensão de CO2 arterial. Embora
existam circunstâncias onde o emprego desta modalidade ventilatória é claramente indicado (apnéia, uso de
bloqueadores neuro-musculares), há controvérsias com relação ao uso rotineiro da VPPI. Antes de se optar pelo
emprego da ventilação ventilação controlada, deve-se procurar reconhecer as vantagens e desvantagens de cada
modalidade de ventilação no que se refere aos seus efeitos sobre a função cardiorrespiratória.
2. Função respiratória: ventilação espontânea X controlada

Os anestésicos gerais inalatórios deprimem a ventilação de forma dose-dependente, provocando


hipercapnia e acidose respiratória (pH < 7,35; PaCO2 > 45 mmHg). A PaO2, na maioria das ocasiões, não cai
abaixo do limite mínimo tolerável (60 mmHg) porque a fração de O2 inspirada (FiO2) é próxima a 100%. No eqüino,
a função respiratória também é afetada pelo decúbito. Quando o animal está em posição quadrupedal ocorre
ajuste adequado entre a ventilação e perfusão pulmonar (AMIS et al, 1984). Entretando, no animal anestesiado
observam-se grandes desequilíbrios na relação ventilação/perfusão pulmonar (desequilíbrio V/Q) (McDONNEL &
HALL, 1979; SCHATZMANN et al, 1982; NYMAN & HEDENSTIERNA, 1989,)
Um método empregado para se avaliar o grau de disfunção respiratória é a diferença entre a tensão
alveolar e arterial de O2 [P(A-a)O2]. O eqüino em estação apresenta valores pequenos de P(A-a)O2, sugerindo que
as trocas gasosas se procedem de forma adequada (relação V/Q adequada). Entretanto, no eqüino anestesiado,
podem ocorrer grandes diferenças entre os valores de O2 alveolar e arterial, sendo que os parâmetros de O2
arterial (PaO2) podem se encontrar muito abaixo dos valores de O2 alveolar (PAO2) (HALL et al, 1968).Em outras
palavras, um animal respirando ar ambiente (FiO2=21 %) deve apresentar uma PaO2 de 90 - 100 mmHg, que seria
o valor ideal para uma FiO2 de 21 %. Durante a anestesia, a FIO2 é de aproximadamente 100 %. Para esta FiO2, a
PaO2 ideal seria de aproximadamente 500 mmHg (MUIR & HUBBELL, 1995) Entretanto, durante a anestesia é
muito difícil de se atingir este valor em função do desequilíbrio na relação V/Q. O decúbito dorsal resulta em maior
desequilíbrio V/Q que o decúbito lateral, resultando em valores de PaO2 mais baixos (STEFFEY et al, 1977,
NYMAN & HEDENSTIERNA, 1989).
Em função da anestesia invariavelmente resultar em hipercapnia (PaCO2>45mmHg) e, em determinadas
circunstâncias, hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg) diversos autores têm recomendado o uso da VPPI com o objetivo de
reduzir a PaCO2 e elevar a PaO2 (MUIR, 1991). O pH sangüíneo e a PaCO2 retornam à normalidade quando se
realiza a VPPI em animais posicionados em decúbito lateral. Neste caso, consegue-se também obter elevação
significativa da PaO2 (STEFFEY et al, 1977). No decúbito dorsal a ventilação controlada também produz
resultados semelhantes no que se refere ao pH e PaCO2, embora a PaO2 não se eleve significativamente,
podendo até mesmo se reduzir após o uso da VPPI (DAY et al, 1995). A ineficácia da VPPI em elevar os valores
de PaO2 têm sido creditada à persistência de desequilíbrios na relação V/Q.
Na anestesia geral inalatória, observa-se maior incidência de hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg) quando o
animal é posicionado em decúbito dorsal. Embora a ventilação controlada seja pouco eficaz em reverter a
hipoxemia quando esta é observada durante a respiração espontânea, a VPPI quando aplicada desde o começo
da cirurgia pode resultar em menor incidência de hipoxemia (DAY et al, 1995).Tal fato justificaria o uso da VPPI
em eqüinos posicionados em decúbito dorsal. Entretanto, deve-se considerar que a ventilação controlada resulta
em maior depressão cardiovascular quando comparada à ventilação espontânea (Tabela 2)

92
Tabela 1: Valores hemogasométricos observadas em eqüinos conscientes, e durante a anestesia geral inalatória
sob ventilação espontânea.
Consciente Anestesiado
(ventilação espontânea)
pH 7,35 - 7,45 > 7,20 (ideal)
PaCO2 (mmHg) 36 - 44 < 70 (ideal)
PaO2 (mmHg) 80 - 100 > 200 (ideal)

3. Função cardiovascular: ventilação espontânea X controlada

Um dos principais aspectos a serem considerados antes de se empregar a VPPI se refere aos seus efeitos
sobre a função cardiovascular. Durante a ventilação espontânea a pressão intratorácica negativa gerada durante a
inspiração aumenta o retorno venoso para o coração. Na ventilação controlada, a inspiração artificial leva ao
aumento da pressão intratorácica, reduzindo o retorno venoso. (tabela 2) Conseqüentemente à queda do retorno
venoso, o débito cardíaco também é reduzido. Além deste fato, deve-se considerar que, durante a ventilação
espontânea, a função cardiovascular é influenciada indiretamente pelos níveis de CO2 arterial, que estão
normalmente aumentados nesta situação (HUBBEL, 1991). A elevação da PaCO2 (hipercapnia) provoca aumento
dos níveis circulantes de catecolaminas , resultando em maior estimulação cardiovascular (WAGNER et al, 1990).
Caso ocorra elevação moderada da PaCO2 (até 70 mmHg), esta pode ser benéfica para o animal, por resultar em
maior estimulação cardiovascular. Por outro lado, a hipercapnia severa resulta em estimulação cardiovascular
excessiva (taquicardia, hipertensão), que podem ser confundida com plano superficial de anestesia (MUIR, 1991).
A elevação excessiva da PaCO2 também produz acidose respiratória severa (pH < 7,2), prejudicando as funções
enzimáticas celulares (MUIR, 1991)
Não há unanimidade com relação ao grau de hipercapnia que pode ser permitido até a instituição da VPPI.
Entretanto, tem-se recomendado que a ventilação controlada deve ser instituída quando a PaCO2 ultrapassar 70
mmHg (MUIR, 1991, HARTSFIELD, 1995).
4. Quantidade de anestésico inalada: ventilação espontânea X controlada

Neste aspecto, a respiração controlada oferece a vantagem de propiciar maior estabilidade do plano
anestésico, uma vez que a quantidade de anestésico inalada é mantida constante. Entretanto, a ventilação
espontânea pode resultar em maior oscilação do plano de anestesia, em decorrência de variações na quantidade
de anestésico inalada (tabela 2).

93
Tabela 2: Efeitos da ventilação espontânea e controlada.
VENTILAÇÃO ESPONTÂNEA VENTILAÇÃO CONTROLADA
Função respiratória
• Diminuição do volume minuto (Vm) • Volume minuto mantido
• Diminuição da freq. respiratória e volume corrente (Vt) • Freq. respiratória e volume corrente mantidos
Aumento da PaCO2 e ETCO2 PaCO2 e ETCO2 normais
(liberação de catecolaminas) (< liberação de catecolaminas)
• Desequilíbrio na relação ventilação/perfusão • Desequilíbrio na relação ventilação/perfusão
(PaO2 < 500 mmHg)
Função cardiovascular
Inspiração aumenta o retorno venoso • Inspiração “artificial” diminui o retorno venoso
(pressão intratorácica positiva)
(pressão intratorácica negativa)
Aumento dos níveis de catecolaminas • Baixos níveis de catecolaminas
(aumento da PaCO2)
Estimulação da função cardiovascular • Função cardiovascular não estimulada
(Contratilidade, RVP, débito cardíaco)
Quantidade de anestésico inalada
Varia da acordo com o padrão respiratório • Mantida constante

5. Indicações da Ventilação Controlada


Invariavelmente equinos sob anestesia geral hipoventilam (PaCO2 acima de 45 mmHg). Entretanto, há
controvérsias com relação ao uso rotineiro da VPPI simplesmente para manter PaCO2 normal. A VPPI pode estar
associada à maior depressão cardiovascular, enquanto elevações moderadas da PaCO2 possibilitam melhora dos
parâmetros circulatórios (HARTSFIELD, 1995). Embora a ventilação controlada não seja necessária em todos os
animais sob anestesia geral, algumas circunstâncias tornam necessário o emprego desta modalidade ventilatória.

Indicações para o uso da ventilação controlada:


• Apnéia
• Uso de bloqueadores neuro-musculares
• Intervenções cirúrgicas torácicas
• Hipercapnia excessiva (PaCO2 > 70 mmHg)
• Hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg)
• Anestesias em decúbito dorsal.
• Anestesias prolongadas (duração > 90 minutos)

Situações como apnéia, uso de bloqueadores neuro-musculares e intervenções cirúrgicas torácicas são
indicações evidentes da necessidade do emprego da VPPI. Embora definição do grau de hipercapnia que pode
ser tolerado durante a anestesia também seja motivo de controvérsia, tem-se recomendado que a VPPI deve ser
instituída quando a PaCO2 ultrapassar 70 mmHg (MUIR, 1991). Por outro lado, apesar da ventilação controlada
ser de eficácia questionável na melhora da PaO2 em determinadas circunstâncias, esta deve ser instituída sempre
que se observar hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg). O decúbito dorsal resulta em maior incidência de hipoxemia (35%)
e neste caso, a ventilação controlada quando utilizada desde o início da anestesia é eficaz em reduzir a incidência
de hipoxemia para 20% (DAY et al, 1995). A experiência clínica, bem como resultados de estudos experimentais
tem demonstrado que em cirurgias prolongadas (duração > 90 minutos) pode recomendar o uso da VPPI uma vez
que nesta situação a PaCO2 freqüentemente ultrapassa 70 mmHg (TEIXEIRA NETO et al, 1997). Adicionalmente
o Serviço de Anestesiologia Veterinária da FMVZ - UNESP tem empregado a ventilação controlada em animais
com plano anestésico instável, facilitando assim a indução e estabilização da anestesia.
94
6. Ventilação controlada: aspectos práticos
A ventilação controlada é uma modalidade de respiração artificial onde o anestesista determina todos os
parâmetros ventilométricos (freqüência respiratória, volume corrente e volume minuto), lembrando que:
freq. resp. (FR) X volume corrente (Vt) = volume minuto (Vm)
O aumento do volume minuto indica hiperventilação (↓ PaCO2). Por outro lado, a queda do volume minuto
denota hipoventilação (↑ PaCO2). Os parâmetros do aparelho da ventilação controlada devem ser ajustados de
forma a se manter uma PaCO2 próxima à normalidade. Há poucos fabricantes de aparelhos de ventilação
mecânica para uso em grandes animais (HB Hospitalar-Brasil, Mallard Medical, JD Medical, Dräger). O ventilador
de grandes animais empregado no Serviço de Anestesiologia Veterinária da FMVZ – UNESP é do tipo ciclado a
tempo (time-cicled), ou seja possui ajuste eletrônico do tempo inspiratório, freqüência respiratória e relação
inspiração/expiração, embora seu acionamento seja pneumático. O respirador é ajustado de forma a manter a
PaCO2 próxima à normalidade (36 – 44 mmHg).

Ajuste do aparelho de respiração controlada (eqüinos adultos)


Tempo inspiratório: 2 - 3 seg
Freqüência respiratória: 6 - 10 mpm
Relação I/E: 1/2 ou 1/3
Pressão inspiratória: 20 – 30 cm H2O
Volume corrente: 15 ml/kg

95
MONITORAÇÃO EM EQÜINOS

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO

1. Introdução

A monitoração é o princípio básico para realização de uma anestesia segura, auxiliando no


reconhecimento precoce de eventuais complicações no período trans-anestésico. A ocorrência de parada
cardiorrespiratória em eqüinos é um problema que deve ser prevenido a todo custo por meio do reconhecimento e
tratamento imediato de eventuais alterações sistêmicas, uma vez que a massagem cardíaca externa é de eficácia
limitada em animais de grande porte e a desfibrilação elétrica é impraticável.

2. Registro Anestésico:

O registro anestésico é uma forma simples e prática de se monitorar o paciente, possibilitando uma
avaliação precisa da evolução dos parâmetros vitais durante a anestesia. O registro anestésico é um documento
com valor legal, podendo ser apresentado como prova em caso de acidentes anestésicos. O Serviço de
Anestesiologia Veterinária da FMVZ - UNESP, adota na rotina uma ficha cujo modelo seque em anexo.

3. Métodos de monitoração:

Os tipos de monitoração podem ser divididos em métodos clínicos, que não envolvem o uso de aparelhos
sofisticados, e os métodos tecnológicos, que implicam no uso de equipamento específico.

3.1. Monitoração da profundidade anestésica:

Avaliação clínica:
Durante a anestesia geral inalatória, os reflexos protetores são deprimidos de forma dose-dependente.
Após a intubação endotraqueal o animal deve ser avaliado quanto aos reflexos palpebral, corneal, posição do
globo ocular, presença de nistagmo e diâmetro da pupila. Quando em plano superficial, o animal apresentará os
reflexos palpebral e corneal vigorosos (+++) nistagmo, lacrimejamento, globo centralizado ou rotacionado
medialmente. Á medida que atinge plano de anestesia cirúrgica, o reflexo palpebral se torna diminuído (+) ou
ausente (-), o reflexo corneal presente (++), o nistagmo desaparece e o globo rotaciona. Deve-se tomar cuidado
para que o reflexo corneal não desapareça ou esteja deprimido pois este é um sinal sugestivo de plano
excessivamente profundo (THURMON, 1990). Quando a cabeça do animal não está acessível para se avaliar
estes sinais, pode-se testar o reflexo anal, que é testado através de estimulação mecânica do ânus do animal.
Este reflexo deve estar diminuído em plano cirúrgico

Analisador de gases anestésicos:


O analisador de gases anestésicos é um método de avaliação do plano anestésico, sendo atualmente
empregado na roptina do centro cirúrgico de grandes animais da FMVZ - Unesp - Botucatu. Este aparelho, através
da emissão de luz de diversos comprimentos de onda, é capaz de determinar a concentração do anestésico no
final da expiração, que é uma estimativa da concentração alveolar do agente inalatório. Desta forma, é possível
anestesiar o animal baseado na concentração alveolar mínima (CAM) do agente inalatório que está sendo
empregado.

3.2. Monitoração da função cardiovascular.

A monitoração cardiovascular é de vital importância para uma anestesia segura, uma vez que a espécie
eqüina é susceptível à diversas complicações anestésicas originadas de alterações cardiovasculares. Os
96
anestésicos inalatórios possuem notada capacidade de deprimir a função circulatória e provocar arritmias.
Observa-se que estes fármacos produzem queda do débito cardíaco e pressão arterial de forma dose-
dependente.

Eletrocardiografia:
Através da eletrocardiografia se avalia a freqüência cardíaca e a possível ocorrência de arritmias.
Na espécie eqüina utilizam-se as derivações bipolares de membros (DI, II ou III) ou a derivação base-ápice
(figura 1). Deve-se prestar atenção ao segmento ST e à amplitude da onda T durante a anestesia. Desvios
do segmento ST (infra ou supradesnivelamento) ou aumentos excessivos da onda T são alterações
eletrocardiográficas sugestivas de hipóxia de miocárdio que requerem intervenção imediata

P
Figura 1: Traçado eletrocardiográfico
em equino na derivação base-ápice

ST

QRS

Débito cardíaco:

O débito cardíaco (volume de sangue que o coração bombeia em 1 minuto) é um parâmetro de grande
importância na avaliação do “status” hemodinâmico do paciente anestesiado. O método de termodiluição é a
técnica mais empregada para mensuração deste parâmetro. Entretanto, por se tratar de uma método invasivo de
maior dificuldade técnica, a técnica de termodiluição somente é empregada em trabalhos de pesquisa.
Recentemente, a monitoração do débito cardíaco por ecodoplercardiografia trans-esofágica tem sido avaliada em
eqüinos com resultados aparentemente satisfatórios (YOUNG et al 1996).
Pressão Arterial:

A pressão arterial é um parâmetro que deve ser monitorado obrigatoriamente durante a anestesia.
Estudos têm demonstrado que quando a pressão arterial média (PAM) atinge valores inferiores a 70 mmHg por
períodos prolongados aumenta consideravelmente o risco de ocorrência de miosite pós-anestésica (LINDSAY et
al, 1989). A monitoração da pressão arterial é considerada um método confiável de avaliação da profundidade
anestésica, sendo que, na maioria das circunstâncias as mudanças no plano anestésico se tornam evidentes
rapidamente através da elevação ou diminuição da pressão da pressão arterial, antes que mudanças em outras
variáveis se tornem evidentes (THURMON, 1990).
A pressão arterial poder ser aferida por meio de métodos invasivos, que envolvem a cateterização de uma
artéria periférica, ou por métodos não invasivos:
De forma geral os métodos não invasivos proporcionam a vantagem de não haver necessidade de se
cateterizar uma artéria, entretanto, um fator limitante do seu uso, é a baixa precisão e confiabilidade em situações
de choque, hipotensão. Em eqüinos o local acessado para fixação do manguito do equipamento de pressão
arterial não invasiva é a base da cauda, na artéria coccígea média.
Os métodos invasivos são de precisão e confiabilidade inquestionável, mesmo no caso de hipotensão.
Entretanto, há necessidade de se cateterizar uma artéria, devendo-se possuir certa prática. No eqüino as artérias
cateterizadas são a facial, facial transversa na região da cabeça e a artéria metatarsiana dorsal no membro
posterior. O cateter pode ser conectado a um manômetro aneróide para leitura da pressão arterial média (PAM)
(figura 2). Outro método invasivo envolve o uso de um transdutor e amplificador de pressão. O transdutor converte
a pressão gerada no interior da artéria em um sinal elétrico, que é então conduzido para um osciloscópio, que
fornece os valores de pressão arterial sistólica (PAS), diastólica (PAD) e média (PAM) (Figura 3)

97
Seringa c/ sol.
Manômetro aneróide
heparinizada
cateter

Torneira de três vias

Figura 2: Material utilizado para monitoração da pressão arterial invasiva com manômetro aneróide

ECG

PAS PA invasiva

PAD

Figura 3: Registro do traçado eletrocardiográfico e do traçado de pressão arterial invasiva obtido por osciloscópio.

3.3. Monitoração da função pulmonar:

Os eqüinos, em função da ação depressora dos anestésicos gerais e do próprio decúbito apresentam
alterações significativas da função respiratória. Durante a anestesia inalatória sob ventilação espontânea é comum
se observar hipercapnia e acidose respiratória. Em função de alterações na relação ventilação/perfusão
decorrentes do decúbito também há maior risco de se observar hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg), principalmente
quando o animal é posicionado em decúbito dorsal.

Hemogasometria Arterial:
A hemogasometria arterial é o método de maior precisão e importância na avaliação da função pulmonar e
do equilíbrio ácido-básico durante a anestesia. Através do exame hemogasométrico é possível se avaliar a
eficácia com que estão se procedendo as trocas gasosas pulmonares. As amostras de sangue arterial para
hemogasometria devem ser coletadas em seringas previamente heparinizadas sob condições anaeróbicas. As
amostras devem ser armazenadas em gelo a analisadas até 3 horas após sua colheita. A hemogasometria arterial
fornece os valores de pH, tensão de CO2 arterial (PaCO2), tensão de O2 arterial (PaO2), saturação da hemoglobina
(SaO2), bicarbonato e déficit ou excesso de bases.
98
Tensão de CO2 arterial (PaCO2):
Os valores de PaCO2 são empregados para se avaliar a ventilação do paciente (Tabela 1). Uma PaCO2
abaixo de 35 mmHg indica hiperventilação, enquanto uma PaCO2 acima de 44 mmHg indica hipoventilação.
Valores de PaCO2 acima de 70 mmHg podem estar associados à acidose respiratória excessiva e hipoxemia caso
o animal estiver respirando ar ambiente. Neste caso deve-se empregar a ventilação mecânica (MUIR , 1991). Por
outro lado, valores de PaCO2 abaixo de 20 mmHg resultam em alcalose respiratória severa e diminuição no fluxo
sangüíneo cerebral, prejudicando a oxigenação do SNC (HASKINS, 1995).

Tabela 1: Interpretação das mudanças na PaCO2 em eqüinos:


PaCO2 Interpretação
35 – 45 mm Hg Normal (normocapnia)
< 35 mm Hg Hiperventilação (hipocapnia )
45 – 70 mm Hg Hipoventilação (hipercapnia moderada)
> 70 mm Hg Hipoventilação (hipercapnia severa)

Tensão de O2 arterial (PaO2) e saturação da oxihemoglobina (SaO2):


A PaO2 é um parâmetro que avalia a eficácia da oxigenação do sangue pelos pulmões. A PaO2 representa
a tensão de O2 dissolvida no plasma, enquanto a SaO2 indica a porcentagem de Hb saturada com O2, se
relacionando com a PaO2 através de uma curva sigmóide (Figura 4)

100
90
SaO2
(%)

50

60 80 100
PaO2 (mmHg)

Figura 4: Curva de dissociação da oxihemoglobina (relação entre a PaO2 e a SaO2)

A queda da PaO2 e SaO2 é definida como hipoxemia. A interpretação dos valores de PaO2 e SaO2 no que
se refere à hipoxemia é dada na tabela 1.

Tabela 1: Interpretação dos valores de PaO2, SaO2 com relação à hipoxemia.


PaO2 (mmHg) SaO2 (%) Importância
> 80 > 95 Normal (FiO2= 21%)
60 a 80 90 a 94 Valores baixos
< 60 < 90 Hipoxemia severa
< 40 < 75 Hipoxemia muito severa
Fonte: Haskins, 1995 (modificado)

99
A interpretação da PaO2 também depende da concentração de oxigênio na mistura inalada (FiO2) e da
tensão de O2 alveolar (PAO2) (MUIR & HUBBELL, 1995). Para uma determinada FiO2, tem-se um valor de PaO2
ideal (Tabela 2).

Tabela 2: Relação entre a concentração de O2 inspirada (FiO2) e a PaO2 ideal


FiO2 (%) PaO2 ideal (mmHg)
20 (ar ambiente) 95-100
30 150
40 200
50 250
80 400
100 500

Durante a anestesia geral inalatória, geralmente emprega-se uma FiO2 próxima a 100 %. O
desenvolvimento de grandes diferenças entre a PaO2 ideal e a PaO2 mensurada no paciente anestesiado pode ser
provocada por hipoventilação e desequilíbrios na relação ventilação/perfusão (V/Q). Logo, a constatação de uma
PaO2 de 100 mmHg em um paciente respirando 100% de O2, embora não seja hipoxemia, representa um sério
problema, provavelmente relacionado à hipoventilação e/ou desequilíbrios na relação V/Q.

Oximetria de Pulso:
A oximetria de pulso é um método de monitoração que nos permite avaliar de forma contínua a saturação
da hemoglobina no sangue arterial (SpO2). A SpO2 é uma estimativa não invasiva da saturação calculada por meio
da hemogasometria arterial (SaO2). O oxímetro de pulso emite luz de diversos comprimentos de onda (vermelho e
infravermelho) sobre uma superfície mucosa, detectando os padrões de absorção da hemoglobina saturada com
O2. Em eqüinos, a SpO2 (oximetria) tende a subestimar a saturação da hemoglobina calculada pela
hemogasometria (SaO2), entretanto esta diferença é relativamente pequena (3 a 6%), não invalidando seu uso.
Deve-se ainda estar atento ao fato de que quando a saturação da hemoglobina cai a valores abaixo de 80%, esta
diferença tende a aumentar (WHITEHAIR, 1990). A eficácia da oximetria de pulso também pode ser afetada por
situações onde a perfusão sangüínea periférica é reduzida, como no caso de hipotensão, choque e uso de
agentes vasoconstritores (ALEXANDER et al, 1989) A oximetria de pulso possui limitações quando o animal
estiver respirando uma mistura enriquecida de O2 (HASKINS, 1995). Sabe-se que a PaO2 ideal para um animal
respirando O2 puro (FiO2=100%) é de aproximadamente 500 mmHg. Desta forma, uma PaO2 de 100 mmHg em
um animal respirando 100% de O2 é motivo de preocupação para o anestesista. Entretanto, a SaO2 praticamente
não se altera nesta situação, sendo que tanto no caso de uma PaO2 de 100 mmHg como de 500 mmHg a SaO2
será elevada (HASKINS, 1995) (Figura 4).

100
90
SaO2
(%)

50

60 80 100 500
PaO2 (mmHg)

Figura 5: Efeito do enriquecimento da concentração de O2 inspirada (FiO2) sobre a curva de dissociação da


oxihemoglobina. Observar que a SaO2 não se modifica significativamente com quando a PaO2 se situa
entre 100 e 500 mmHg.

100
Apesar das suas limitações, a oximetria de pulso é método relativamente prático, que possibilita detectar
de forma rápida (tempo real) mudanças súbitas na saturação da hemoglobina (WHITEHAIR, 1990).

Capnometria:
A capnometria uma técnica que determina a concentração de CO2 no final da expiração (ETCO2). O valor
de CO2 expirado ou ETCO2 é uma estimativa da PaCO2 (WAHBA & TESSLER, 1996). Os monitores de CO2
podem mostrar na tela o registro gráfico da concentração de CO2 na inspiração e expiração (Figura 6).

90

ETCO2
45

ICO2
0 mmHg

Figura 6: Registro gráfico da concentração de CO2 nas vias aéreas (capnograma). Sob condições ideais, o CO2
expirado (ETCO2) deve ser de aproximadamente 35-45 mmHg, enquanto o CO2 inspirado (ICO2) deve
ser de 0 mmHg.

Através da curva de CO2 pode-se avaliar o estado da cal sodada durante a anestesia. Caso ocorra
reinalação de CO2 em função do esgotamento da cal sodada, observa-se elevação da concentração de CO2
inspirada. (ICO2).
Os valores de ETCO2 se correlacionam positivamente com a PaCO2 em cães (HIGHTOWER et al, 1981,
GROSENBAUGH & MUIR, 1998). Entretanto em eqüinos os resultados fornecidos pela capnometria são variáveis.
Nesta espécie observam-se grandes diferenças entre o CO2 arterial e expirado [P(a-ET)CO2] durante a anestesia,
dificultando o seu emprego como estimativa da PaCO2 (TEIXEIRA NETO et al, 1997).

4. Referências bibliográficas

ALEXANDER, C.M., TELLER, L.E., GROSS, J.B. Principles of pulse oximetry: theoretical and practical
considerations. Anesth. Analg. v.68, p.368-76, 1989.
AMIS, T.C., PASCOE, J.R., HORNOF, W. Topographic distribution of pulmonary ventilation and perfusion in the
horse. Am. J. Vet. Res. v.45, p.1597, 1984.
CULLEN L.K., STEFFEY E.P., BAILEY C.S., et al. Effect of high PaCO2 and time on cerebrospinal fluid and
DAY T.K., GAYNOR J.S., MUIR, W.W., et al. Blood gas values during intermittent positive pressure ventilation and
spontaneous ventilation in 160 anesthetized horses positioned in lateral or dorsal recumbency: Vet Surg. v.24
p.266-76, 1995.
DUCHARME, N.G., FUBINI, S.L. Gastrointestinal complications associated with the use of atropine in horses.
J.A.V.M.A. v.182, p.229-31, 1983.
GROSENBAUGH, D.A., MUIR, W.W. Accuracy of noninvasive oxyhemoglobin saturation, end-tidal carbon dioxide
concentration, and blood pressure monitoring during experimentally induced hypoxemia, hypotension, or
hypertension in anesthetized dogs. Am. J. Vet. Res. v.59, p.205-12, 1998.
HALL LW, GILLLESPIE JR, TYLER, WS: Alveolar-arterial oxygen tension differences in anaesthetized horses. Brit.
J. Anaesth. v.40,. p.560-8, 1968
HASKINS, S.C. Monitoring the anesthetized pacient. In: THURMON, J.C., TRANQUILLI, W.J., BENSON, G.J.
Lumb & Jone’s Veterinary Anesthesia (3 ed). Baltimore: Willians & Wilkins, 1995, p.409-24.

101
HIGHTOWER C.E., KIORPES A.L., BUTLER H.C., et al: End-tidal partial pressure of CO2 as an estimate of arterial
partial pressure of CO2 during various ventilatory regimens in halothane-anesthetized dogs. Am. J. Vet. Res.
v.41 p.610-2, 1980.
HUBBELL J.A.E. Oxygen supplementation and ventilatory assist devices. In: MUIR W.W., HUBBELL J.A.E. Equine
Anesthesia: Monitoring and Emergency Therapy. St Louis: Mosby - Year Book, 1991, p. 401-18.
LINDSAY, W.A., ROBINSON, G.M., BRUNSON, D.B., et al. Induction of equine postanesthetic myositis after
halothane-induced hypotension. Am. J. Vet. Res., v.50, p. 404-10, 1989.
McDONNELL W.N., JEFFCOTT L.B.7 Radiographic evidence of impaired pulmonary function in laterally recumbent
anaesthetized horses. Eq. Vet. J., v.11, p.24-32, 1979.
MUIR, W.W. Complications: Induction, Maintenance, and Recovery Phases of Anesthesia. In: MUIR, W.W.,
HUBBELL J.A.E.: Equine Anesthesia: Monitoring and Emergency Therapy. St Louis: Mosby - Year Book, 1991,
p. 419-43.
MUIR, W.W., HUBBEL, J.A.E. Acid-base balance. In:____ Handbook of Veterinary Anesthesia (2 ed), St Louis:
Mosby-Year Book, 1995, p.262-78.
NYMAN G., HEDENSTIERNA G. Ventilation-perfusion relationships in the anaesthetized horse. Eq. Vet J. v.21
p.274-81, 1989.
SCHATZMANN, U., KOEHLI, M., DUDAN, F., et al. Efffect of postural changes on certain circulatory and
respiratory values in the horse. Am. J. Vet. Res., v.43, p.1003, 1982.
STEFFEY E.P., WHEAT J.D., MEAGHER D.M., et al: Body Position and mode of ventilation influences arterial pH,
oxygen, and carbon dioxide tension in halothane-anesthetized horses. Am. J. Vet. Res. v.38 p.379-82, 1977
THURMON, J.C. General clinical considerations for anesthesia of the horse. In: RIEBOLD, T.W.: Veterinary Clinics
of North America: Principles and Techniques of Equine Anesthesia, Philadelphia: W.B. Saunders, 1990, p.485-
94.
WAGNER A.E., BEDNARSKI R.M., MUIR W.W. Hemodynamic effects of carbon dioxide during intermittent
positive-pressure ventilation in horses. Am. J. Vet. Res., v.51, p.1922-9, 1990.
WHITEHAIR, K.J. et al. Pulse oximetry in horses. Vet. Surg. v.19, p. 243-8, 1990.
YOUNG , L.E., BLISSITT, K.J., BARTRAM, D.H., et al. Measurement of cardiac output by transoesophageal
doppler echocardiography in anaesthetized horses: comparison with thermodilution. Brit. J. Anaesth. v.77, p.
773-80, 1996.

102
EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE EM ANESTESIOLOGIA

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO


Considerações gerais
+
Diariamente o catabolismo animal produz grande quantidade de ácidos fixos (íons H ) e voláteis (CO2). A
produção ácidos voláteis ocorre devido ao catabolismo de carbohidratos e ácidos graxos (fosforilação oxidativa),
+
cujo resultado final é a produção de CO2, adenosina tri-fosfato (ATP) e água. A produção ácidos fixos (íons H )
ocorre principalmente devido ao catabolismo de proteínas (animoácidos), que tem seu grupamento anima
removido antes de entrarem no ciclo do ácido cítrico. No entanto, o pH dos fluidos orgânicos deve ser mantido
dentro de valores fisiológicos para otimizar as atividades enzimáticas celulares, essenciais para a manutenção
homeostase orgânica, e tanto os ácidos fixos como os voláteis necessitam ser neutralizados/eliminados para que
não ocorram alterações do pH incompatíveis com a vida. Os ácidos fixos (íons H+) são assim denominados por
serem excretados em solução aquosa pelos rins, enquanto os ácidos voláteis (CO2) são eliminados pelos
pulmões.
Conceitos elementares
Ácido e base
+
De acordo com o conceito de Bröwsted e Lowry, ácidos são compostos doadores de prótons (íons H ), enquanto
+
bases são substâncias receptoras de prótons (íons H ). A forma não ionizada (ácido) está em equilíbrio químico
com a forma ionizada (base), formando o par ácido-base conjugada, de acordo com a equação abaixo, onde HA é
-
o ácido e A é a base:

HA H+ + A-
+
A concentração de íons H (pH) deve ser mantida constante para que a homeostase seja mantida. As proteínas
são essencias para a manutenção da estrutura e função normal da células (homeostase). No entanto, as
+
proteínas possuem muitos grupamentos dissociáveis altamente reativos com íons H . Estes grupamentos podem
+
ganhar ou perder íons H e tais reações, causadas por alterações no pH, podem resultar em mudança na sua
configuração espacial, resultando em desnaturação e perda de função (morte celular).
pH (potencial hidrogeniônico)
+
O termo potencial hidrogeniônico ou pH é utilizado para expressar concentração de íons H em uma solução. De
acordo com a fórmula:

pH = - log10 [H+] ou pH = log10


( ) 1
[H+]
+ + +
Como pH = -log10[H ], o pH varia inversamente com concentração de íons H (quanto maior pH menor a [H ]).
+
Além deste fato, a relação entre pH e [H ] não é linear (Figura 1).

103
120

100

[H+] nEq/L
80

Figura 1: Relação exponencial entre pH 60 pH = -log[H+]


e concentração de íons H+.
40

20

0
7.0 7.2 7.4 7.6 7.8 8.0
pH

Diferenciação entre ácidos fortes e fracos


De acordo com a lei da ação das massas, a velocidade de uma reação química é proporcional à concentração
+ -
dos reagentes. Para o par ácido / base conjugada (HA / H + A ) descrito acima, a reação química pode ocorrer
em duas direções opostas:

HA H+ + A- ou H+ + A- HA
Como as duas reações estão ocorrendo ao mesmo tempo, e a prevalência de uma forma ou outra do ácido e sua
base conjugada irá resultar na constante de dissociação ou constante de ionização (Ka):

[H+ + A-]
Ka =
[HA]
Um valor elevado para a constante de dissociação (Ka) significa que há maior prevalência da forma dissociada, se
tratando portanto de um ácido forte (grande tendência a se dissociar ou ionizar). Os ácido fortes, devido à
+ -
prevalência da forma ionizada (H + A ), produzem um maior impacto no pH de uma solução (Ex: ácido
clorídrico - HCl). Os ácidos fracos (constante de dissociação relativamente baixa), por prevelecerem na forma
não ionizada (HA), resultam em mudanças menos intensas do pH (Ex: ácido carbônico).

Substâncias tampão e sua importância para se minimizar alterações no pH.


Tampão é um ácido fraco e sua base conjugada (também chamada sal), capaz de minimizar mudanças no pH
causadas pela adição de uma substância ácida ou básica à solução (Figura 2). As soluções tampão são mais
eficientes quando o pH da solução onde o tampão está presente não difere em mais de 1 unidade do pH onde as
concentrações do ácido fraco e seu respectivo sal são iguais (pK' ). Quando um ácido forte (HCl) é adicionado a
-
uma solução tampão, o íon H+ é neutralizado pela sal (A ) do tampão, levando à formação de um ácido com
pouca tendência a se dissociar (ácido fraco), minimizando desta forma impacto do ácido forte no pH.

104
Figura 2: Curvas de titulação de três ácidos e 14
suas respectivas bases conjugadadas. Notar que 13 NH3
as mudanças no pH da solução decorrentes da 12
adição de NaOH são menos intensas quando o
pH não difere em mais de 1 unidade do pK´ (pH 11
10 pK’ = 9,25 HPO42-
onde as formas não-ionizada e ionizada estão
presentes em concentrações iguais). O ácido 9 [NH4+] = [NH3 ]
acético (CH2COOH) é comparativamente o 8 pK’ = 6,86 CH3COO-
mais forte dos ácidos em pH fisiológico (7,4) NH4+
por predominar na forma dissociada (CH2COO- pH 7 [H2PO4-] = [HPO42- ]
6
+ H+) nesta faixa de pH. O amônio (NH4+) se pK’ = 4,76
5 H2PO4-
comporta como o ácido mais fraco em pH
fisiológico, predominando na forma não 4 [CH3COOH] = [CH3COO-]
ionizada (NH4+). O H2PO4-, por sua vez, se 3
comporta como o tampão mais eficiente no 2 CH COOH
organismo (tampão fosfato), uma vez que seu 3
1
pK´ (6,86) não difere em mais de 1 unidade de
pH fisiológico (7,4) (Adaptado de Lehnninger, 0
0.0 0.5 1.0
1984).
Equivalentes de NaOH

As soluções tampão são de grande importância no organismo animal, representando a primeira linha de defesa do
organismo contra mudanças bruscas no pH e manutenção da homeostase. Existem inúmeros tampões no
organismo animal. Dentre eles o mais importante é o tampão ácido carbônico (ácido fraco) / bicarbonato (base
conjugada ou sal).

Sistemas tampões e manutenção do equilíbrio ácido base


Bicarbonato/ácido carbônico
-
O bicarbonato (HCO3 ) / ácido carbônico (H2CO3) é o sistema tampão de maior importância no líquido
extracelular (LEC) (sangue e fluido intersticial), representando a primeira linha de defesa do organismo contra
mudanças no pH. O pK´ do sistema tampão bicarbonato / ácido carbônico difere em mais de 1 unidade do pH do
fluido extracelular (pK´ = 6,1 versus pH do fluido extracelular = 7,4). Portanto o a eficácia deste tampão seria
reduzida “in vivo”. Porém, na prática, o bicarbonato / ácido carbônico é altamente eficaz em minimizar alterações
no pH devido ao fato deste atuar como um sistema aberto, onde um dos componentes (CO2) é rapidamente
(poucos minutos) eliminado pelos pulmões através da ventilação alveolar. Ao se adicionar um ácido forte
+ -
(HCl) a este sistema, o íon H se combina ao HCO3 (sal ou base), formando o H2CO3. (o equilíbrio químico é
deslocado no sentido oposto). No organismo animal, no entanto, a enzima anidrase carbônica cataliza a
dissociação do H2CO3. em H2O. e CO2. A eliminação do CO2 (ácido volátil) pelos pulmões permite o retorno do pH
ao normal. O sistema tampão bicarbonato / ácido carbônico é importante na manutenção do EAB por atuar
de forma integrada com os pulmões e rins, onde componente volátil (CO2) é eliminado pelos pulmões através
+
da ventilação alveolar e componente fixo (H ) é eliminado pelos rins. Diferentemente dos pulmões, que atingem
eficácia compensatória máxima em minutos/horas, a compensação renal leva dias para atingir eficácia máxima.
Além de excretar o excesso de íons H+, os rins promovem a reabsorção/regeneração do bicarbonato, contribuindo
assim para a reposição do bicarbonato consumido (titulado) pela produção de substâncias ácidas pelo organismo.

Eliminado pelos Eliminado pelos Regenerado ou


pulmões rins reabsorvido pelos rins

Proteínas CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-


Enquanto o bicarbonato / ácido carbônico é o principal tampão do líquido extracelular (LEC), as proteínas
(principalmente hemoglobina) são os principais tampões do líquido intracelular (LIC). A hemoglobina
presente no interior das hemácias é responsável por cerca de 80% da capacidade de tamponamento das
proteínas do sangue, enquanto a proteína plasmática (principalmente albumina), representa os 20% restantes. O
papel da hemoglobina no tamponamento de alterações do EAB será discutido posteriormente neste capítulo.

105
Fosfatos
-
Além das proteínas, os fosfatos orgânicos e inorgânicos (H2PO3 ) também são importantes tampões
-
intracelulares. O pK´ do sistema tampão fosfato (H2PO3 / ácido fosfórico) é 6,86. O fosfato inorgânico atua de
forma eficaz como tampão no meio intracelular pois, além de estar presente em maiores concentrações no LIC,
seu pK´ é relativamente próximo ao pH do LIC (pK´ = 6,86 versus pH = 7,4).
Regulação pulmonar do equilíbrio ácido base
Como discutido anteriormente, os pulmões atuam de forma integrada com o sistema tampão bicarbonato / ácido
carbônico na manutenção do EAB. Em situações normais, a pressão parcial de dióxido de carbono no sangue
(PCO2) é mantida constante (entre 35 a 45 mm Hg) através de ajustes na ventilação alveolar. Elevações na
PCO2 resultam em acidificação do líquido extracelular (↓pH) devido à formação de ácido carbônico e vice-versa.
Existe uma relação inversa entre PCO2 e e ventilação alveolar (ou volume minuto), ou seja, quanto maior a
ventilação alveolar, menor a PCO2 e vice-versa. A ventilação alveolar é um processo controlado por
quimiorreceptores centrais (SNC) e periféricos (localizados nos seios carotídeo e aórtico), os quais detectam
mudanças no pH do líquido intersticial (quimirreceptores centrais) e do sangue (quimirreceptores periféricos). As
alterações na PCO2 ocorrem rapidamente (minutos), caracterizando uma resposta fisiológica compensatória a
+
mudanças no pH dos fluido orgânicos: No caso de aumento da produção de ácidos fixos (H ) ou voláteis (CO2),
ocorre queda no pH sangüíneo e do fluido intersticial, resultando em estimulação dos quimirreceptores e
consequente aumento da ventilação alveolar e diminuição da PCO2 (tentativa de alcalinizar o pH ácido).

90

Figura 3: Relação inversa entre pressão parcial 80


de CO2 no sangue arterial (PaCO2) e volume PaCO2 (mm Hg)
70
minuto observada em seis cães anestesiados.
Quanto maior o volume minuto, menor a PaCO2 60
devido a maior eliminação deste ácido volátil 50
pelos pulmões. O volume minuto é o produto da
multiplicação da freqüência respiratória (FR) 40
pelo volume corrente (Vt = volume de ar 30
inspirado ou expirado a cada movimento
20
respiratório), refletindo mudanças na
ventilação alveolar 10
0 100 200 300 400 500 600 700
Volume minuto (mL/kg)

Regulação renal do equilíbrio ácido-base


-
Numa situação fisiológica, os rins mantêm a concentração de bicarbonato (HCO3 ) no fluido extracelular
dentro de valores normais através da reabsorção do bicarbonato presente no filtrado ultraglomerular (Figura 4) e
através da regeneração do bicarbonato consumido (titulado) pelo processo diário de produção de ácidos fixos
+
(H ) (Figuras 5 e 6). Durante os processos de reabsorção e regeneração de bicarbonato, ocorre ainda a excreção
+
do excesso de H produzido.

106
Lúmen tubular Célula tubular Fluido intersticial
peritubular

Na + Na + Na +

HCO3- H+ H+ HCO3- HCO3-


filtrado reabsorvido
H2CO3
H2CO3
CA
H2O CO2 CO2 + H2O

Figura 4: A reabsorção do bicarbonato (HCO3-) presente no filtrado ultraglomerular


ocorre primariamente na porção proximal dos túbulos renais. Durante o processo o
HCO3- filtrado se combina ao hidrogênio (H+) secretado no lúmen tubular pela célula
tubular renal (via bomba de sódio e hidrogênio), formando ácido carbônico (H2CO3). O
CO2 gerado a partir do H2CO3 se difunde para o interior da célula tubular e, sob a ação
da anidrase carbônica (CA) volta a formar H2CO3. Enquanto o íon H+ gerado pelo
H2CO3 é secretado no lúmen tubular, o HCO3- é reabsorvido para o líquido intersticial
(bicarbonato reabsorvido) (Modificado de DiBartola, 1992).

Lúmen tubular Célula tubular Fluido intersticial


peritubular
Na 2HPO4
Na + Na + Na +

NaHPO4- + H+ H+ HCO3- HCO3-


regenerado
H2CO3
NaH2PO4 CA
CO2 + H2O

Figura 5: Regeneração de bicarbonato (HCO3-) a partir da titulação de fosfato


inogânico (HPO42-) no túbulo renal (excreção de acidez titulável). Sob a ação da
anidrase carbônica (CA), o ácido carbônico (H2CO3) é formado no interior da célula
tubular renal. O H2CO3 gera HCO3-, o qual difunde para o interstício (HCO3-
regenerado), e o íon hidrogênio (H+), secretado no lúmen do túbulo renal. No lúmen
tubular, o H+ se combina com o fosfato presente no filtrado ultraglomerular, formando
fosfato ácido de sódio (NaH2PO4), que por sua vez é excretado na urina (Modificado
de DiBartola, 1992)..

107
Lúmen tubular Célula tubular Fluido intersticial
peritubular

Cl- Na + Na + Na +

H+ H+ HCO3- HCO3-
+ regenerado
NH3 NH3 H2CO3
glutaminase
NH4 + Cl- GLU-NH2 CA
CO2 + H2O

Figura 6: Regeneração de bicarbonato (H2CO3) a partir da excreção de amônio


(NH4+). A desnitrogenação de animoácidos (glutamina – GLU), leva a formação de
amônia (NH3), a qual difunde para o lúmen tubular. O NH3 se combina com o íon H+
secretado no lúmen pela célula tubular, formando NH4+, que é excretado pela urina na
forma de cloreto de amônio (NH4Cl). Durante o processo, além da excreção de
-
amônio, o HCO3 é regenerado.

Diagnóstico dos distúrbios equilíbrio ácido-base


Inúmeras situações patológicas podem afetar significativamente o equilíbrio ácido-base, interferindo assim com a
homeostase orgânica. Os termo acidose se refere ao excesso relativo de substâncias ácidas no organismo
devido a processos patológicos. O termo alcalose denota excesso de substäncias básicas e/ou deficit de
substâncias ácidas devido a situações patológicas. Deve-se diferenciar os termos acidose e alcalose de
acidemia e alcalemia (menos empregados). Acidemia e alcalemia se referem especificamente ao pH do fluido
extracelular: pH < 7,35 = acidemia / pH > 7,45 = alcalemia. A diferenciação entre estes termos é importante
porque freqüentemente pode-se observar animais que apresentam acidose (acúmulo de substâncias ácidas), sem
no entanto apresentar acidemia (pH < 7,35), ou situação oposta (alcalose sem manifestar alcalemia). Um exemplo
desta situação seria um animal com acidose metabólica (acúmulo de ácidos fixos) totalmente compensada (pH
normal), onde a queda no pH devido ao acúmulo de substâncias ácidas é compensada pela diminuição da PCO2
decorrente do aumento na ventilação alveolar ((hiperventilação). Podem ocorrer ainda distúrbios mistos, onde
ocorrem alterações que resultam em modificações no pH em sentidos opostos (Ex: acidose metabólica e alcalose
metabólica), onde o pH pode não se encontrar alterado. Portanto, os termos alcalose e acidose são mais
apropriados para designar alterações do EAB.
O diagnóstico de distúrbios do EAB deve-se basear no histórico, achados do exame físico e exames laboratorais.
O exame hemogasométrico associado a mensuração de eletrólitos (ÂNÌON GAP), no entanto, se constitui no
principal meio para se efetuar um diagnóstico e tratamento preciso dos distúrbios do EAB.
ÂNION GAP
O ÂNION GAP é um parâmetro calculado a partir da determinação da concentração de eletrólitos no sangue,
sendo utilizado como auxiliar no diagnóstico de determinados distúrbios do EAB. De acordo com a lei da
eletroneutralidade, todos os ânions são anulados por todos os cátions no organismo, não existindo diferença
(GAP) entre estes. No entanto, nas mensurações realizadas na prática clínica, observa-se a presença de uma
diferença entre as somas das concentrações dos cátions (Na+ e K+) e a soma das concentrações dos
ânions (Cl- e HCO3-). Esta diferença é denominda ÂNION GAP. Em cães e gatos, o ÂNION GAP normalmente
se situa entre 12 e 24 mEq:
ÂNION GAP = (Na+ + K+) - (Cl- + HCO3-) = 12-24 mEq/L
A explicação para esta diferença é atribuída a presença dos cátions não mensurados (CNM, Ex: Ca e Mg) e
principalmente dos ânions não mensurados (ANM, Ex: lactato, acetato, β-hidroxibutirato, proteínas). Portanto, caso

108
se leve em consideração a presença dos íons não mensurados (CNM e ANM), o resultado seria igual a zero
(todos os ânions são anulados por todos os cátions):

(Na+ + K+ + CNM) - (Cl- + HCO3- + ANM) = 0 (Lei da eletroneutralidade)


O ÂNION GAP é um parâmetro utilizado para auxiliar no diagnóstico de acidose causada por acúmulo de ácidos
orgânicos (Ex: acidose lática = cauda por acúmulo de ácido lático). Neste caso, enquanto ocorre acúmulo do
+ -
cátion H (que leva a titulação do HCO3 ), o aumento da concentração ânion não mensurado (lactato) é
acompanhado de queda da concentração do ânion bicarbonato, queda esta necessária para manter a
eletroneutralidade. Portanto o acúmulo de ácidos orgânicos (Ex: lactato) leva ao aumento do ÂNION GAP
-
devido à queda da concentração do HCO3 para se manter a eletroneutralidade.
Hemogasometria
Cuidados na colheita e armazenagem da amostra: O sangue arterial é preferencialmente utilizado,
especialmente caso haja disponibilidade de uma artéria periférica caterizada, o que evita o risco de hematoma
ocasionado por punções arteriais repetidas. No caso de punção arterial, emprega-se uma agulha de pequeno
calibre conectada a uma seringa de 1 ou 3 mL previamente heparinizada para evitar a coagulação da amostra (0,4
a 1 mL de sangue). Para se heparinizar uma seringa, aspira-se uma pequena quantidade de heparina sódica
(5.000 UI/mL), o suficiente apenas para preencher o espaço morto, localizado entre o êmbolo e o conector da
agulha. Existem ainda seringas específicas para colheita de sangue para hemogasometria, previmente
preenchidas com heparina. Em cães e gatos, as amostras de sangue arterial podem se obtidas por meio da
punção da artéria femoral, enquanto em eqüinos a artéria carótida pode ser puncionada. O sangue venoso
também pode ser empregado para análise hemogasométrica. A veia jugular é empregada para colheita de
amostras de sangue venoso em pequenos e grandes animais. Deve-se evitar o garroteamento da veia no
momento da aspiração da amostra (sangue fluindo livremente) para se evitar a colheita de sangue estagnado,
que pode conter valores hemogasométricos alterados. As amostras devem ser colhidas anerobicamente,
evitando-se a sua contaminação bolhas de ar, que podem causar alteração nos valores hemogasométricos. A
análise hemogasométrica idealmente deve ser realizada imediatamente após a colheita da amostra. Caso
haja demora na realização da análise pode haver interfência com os resultados, uma vez que o metabolismo das
células sangüíneas resulta em consumo do O2 (redução da PO2) e produção de CO2 (elevação da PCO2) e queda
do pH. No caso do emprego de gelo para conservação da mostra, o metabolismo celular é desacelerado,
possibilitando o armazenamento da amostra por até 2-3 horas sem que haja interferência significativa nos
resultados.
Hemogasometria do sangue: A amostras sangüíneas são analisadas por um aparelho de hemogasometria
arterial, o qual fornece os valores de pH, pressão parcial de CO2 (PCO2), pressão parcial de O2 (PO2), bicarbonato
-
(HCO3 ) e déficit ou excesso de bases (BE ou BD) do sangue venoso ou arterial. Para o diagnóstico de
-
alterações do EAB, observam-se os valores de pH, PCO2 e HCO3 .
Diferenças entre o sangue arterial e venoso: De forma geral, os valores hemogasométricos do sangue arterial e
venoso são relativamente próximos, com a PCO2 do sangue venoso sendo lligeiramente superior a PCO2 do
sangue arterial. Os valores de PO2 constituem excessão a esta regra, apresentando diferença significativa entre
as diferentes amostras (Tabela 1). Os valores de PO2 do sangue venoso são significativamente menores que os
valores do PO2 do sangue arterial devido ao consumo do O2 pelo metabolismo tecidual. Enquanto a PO2 do
sangue arterial reflete a capacidade de oxigenação do sangue pelos pulmões, a PO2 do sangue venoso reflete a
oxigenação dos tecidos. A hemogasometria arterial é indicada caso seja necessário avaliar a função pulmonar,
além das alterações do EAB. No entanto, para o diagnóstico de alterações do EAB, tanto a hemogasometria
arterial como o venosa podem ser empregadas, uma vez que os parâmetros utilizados neste caso (pH, PCO2 e
bicarbonato) não diferem significativamente em termos práticos (Tabela 1).

Tabela 1: Valores hemogasométricos normais do sangue arterial e sangue venoso (jugular) em cães

Parâmetro Sangue Arterial Sangue Venoso

pH 7,35 - 7,45 7,33 - 7,45


PCO2 (mm Hg) 31 - 43 36 - 48
PO2 (mm Hg) 80 - 100* 40 - 50
Bicarbonato (mEq/L) 19 - 22 19 - 21

*Obs: Valores para cães respirando ar ambiente (20% de O2)

Interpretação da hemogasometria: A análise isolada do pH sangüíneo não se presta para se verificar se uma
alteração do EAB está presente ou não, uma vez que este parâmetro pode não estar alterado em caso de
resposta compensatória pulmonar ou renal ou em caso de distúrbios mistos (presença de mais de um distúrbio do
109
EAB com efeitos opostos no pH). Como já exposto, os os termos acidose ou alcalose definem situações onde há
excesso ou déficit relativo de substâncias ácidas ou básicas no sangue. As alterações do EAB (acidose / alcalose)
são classificadas de acordo com sua causa em distúrbios metabólicos ou respiratórios. Os distúrbios
metabólicos são causados por excesso/déficit relativo de ácidos fixos (solúveis) no sangue (Ex: acidose
metabólica devido ao acúmulo de ácido lático), resultando em alterações primárias dos níveis de bicarbonato
do sangue. Por outro lado, os distúrbios respiratórios são causados excesso/ déficit relativo de ácidos voláteis
(CO2), resultando em alterações primárias na pressão parcial de CO2 do sangue (PCO2) (Tabela 2).

Tabela 2: Interpretação inicial dos valores hemogasométricos


pH Diminuído: Acidose Aumentado: Alcalose
PCO2 Diminuído: Alcalose respiratória primária ou Aumentado: Acidose respiratória primária ou
compensatória (secundária) compensatória (secundária)
-
HCO3 Diminuído: Acidose primária ou compensatória Diminuido: Acidose metabólica primária ou
(secundária) compensatória (secundária)

-
Após a análise inicial, onde se verificam possíveis alterações no EAB com base nos valores de pH, PCO2 e HCO3 ,
deve-se procurar identificar se se trata de distúrbio simples ou misto. No caso de distúrbio simples, existe
apenas uma alteração primária (metabólica ou respiratória), enquanto a outra alteração é de natureza
compensatória (Tabela 3).
Tabela 3: Distúrbios simples do equilíbrio ácido-base
-
pH Pressão parcial de CO2 Bicarbonato (HCO3 )
(PCO2)
Acidose metabólica com alcalose normal ou Reduzido Reduzido (alteração primária)
respiratória compensatória < 7,35 (resposta compensatória)

Alcalose metabólica com acidose normal ou Aumentado Aumentado (alteração primária)


respiratória compensatória > 7,45 (resposta compensatória)

Acidose respiratória com alcalose normal ou Aumentado (alteração primária) Aumentado


metabólica compensatória < 7,35 (alteração compensatória)

Alcalose respiratória com acidose normal ou Reduzido (alteração primária) Reduzido


metabólica compensatória > 7,45 (alteração compensatória)

Pode haver inicialmente alguma dificuldade para se determinar qual alteração é de natureza primária e qual é de
natureza compensatória (secundária). No entanto, deve-se ter sempre em mente que os distúrbios do EAB são
secundários à processos patológicos e o conhecimento da etiopatogenia do problema clínico que o animal
apresenta é freqüentemente necessário para se determinar qual alteração é primária e qual é compensatória.
No caso de distúrbios mistos, há mais de uma alteração primária do EAB (Tabela 4). A diferenciação entre
distúrbios simples e misto é um procedimento por vezes complexo, sendo possível de ser realizada com precisão
no presente momento apenas em cães. Para fins práticos, no entanto, diagnostica-se o distúrbio do EAB de maior
importância dentro do contexto de cada caso clínico, sem preocupações maiores com a difrenciação entre
distúrbios simples e mistos, uma vez que tal diferenciação geralmente não interfere nas medidas terapêuticas a
serem adotadas.

110
Tabela 4: Distúrbios mistos do equilíbrio ácido-base
-
pH Pressão parcial de CO2 Bicarbonato (HCO3 )
(PCO2)

Acidose Metabólica e Normal ou < 7,35 ou > Reduzido* Reduzido*


Alcalose Respiratória 7,45

Acidose Respiratória e Normal ou < 7,35 ou > Aumentado* Aumentado*


Alcalose Metabólica 7,45

Acidose Metabólica e < 7,35** Aumentado ou Normal Reduzido


Acidose Respiratória

Alcalose Metabólica e > 7,45** Reduzido ou normal Aumentado


Alcalose Respiratória

Acidose Metabólica e Normal ou < 7,35 ou > Reduzido ou aumentado ou Reduzido ou aumentado ou
Alcalose Metabólica 7,45 normal normal
-
*Distúrbios mistos com efeito aditivo na PCO2 e HCO3 (aumentos ou reduções de maior magnitude)
**Distúrbios mistos com efeito aditivo no pH (desvio do pH de maior magnitude)
Em cães, a diferenciação entre distúrbio simples e misto pode ser baseada no cálculo da resposta
compensatória que seria esperada em caso de distúrbio simples (Tabela 5). Caso a resposta compensatória renal
-
(HCO3 ) ou pulmonar (PCO2) esteja dentro dos valores esperados, trata-se de distúrbio simples. Caso esta
resposta esteja marcadamente maior ou menor que os valores esperados, trata-se provavelmente de distúrbio
misto (Tabela 4). Esta abordagem, no entanto ainda não é passível de ser aplicada em felinos e outras espécies
domésticas. Nestas situações, a diferenciação precisa entre distúrbios simples e mistos pode ser difícil de ser
realizada com precisão. Maiores detalhes sobre distúrbios mistos do EAB serão abordados posteriormente neste
capítulo.
Tabela 5: Respostas compensatórias pulmonares e renais esperadas em caso de distúrbios simples do equilíbrio
ácido-base em cães:
Tipo de distúrbio Alteração primária Resposta compensatória
-
Acidose Metabólica ↓ HCO3 0,7 mm Hg de queda na PCO2
-
p/ cada 1 mEq/L de queda no HCO3
-
Alcalose Metabólica ↑ HCO3 0,7 mm Hg de aumento na PCO2
-
p/ cada 1 mEq/L de aumento no HCO3
-
Acidose Respiratória Aguda ↑ PCO2 1,5 mEq/L de aumento no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de aumento na PCO2
-
Acidose Respiratória Crônica ↑ PCO2 3,5 mEq/L de aumento no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de aumento na PCO2
-
Alcalose Respiratória Aguda ↓ PCO2 2,5 mEq/L de redução no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de redução na PCO2
-
Alcalose Respiratória Crônica ↓ PCO2 5,5 mEq/L de redução no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de redução na PCO2

Acidose metabólica
A acidose metabólica é um distúrbio do EAB resultante do excesso relativo ou absoluto de ácidos fixos no
-
organismo. Se caracteriza por uma queda primária da concentração de bicarbonato (HCO3 ), excesso relativo de
+
ácidos fixos (íons H ) e redução secundária da PCO2 (resposta compensatória do organismo). Em caso de
-
acidose metabólica moderada (redução moderada do HCO3 ), a queda da PCO2 pode ser suficiente para
normalizar o pH.
Resposta respiratória à acidose metabólica: O excesso relativo/absoluto de ácidos fixos no organismo (acidose
+
metabólica) é caracterizado pelo aumento da concentração de íons H , o que resulta em estímulo dos
quimioreceptores centrais e periféricos, os quais determinam um aumento da ventilação alveolar (diminuição da
PCO2). Esta resposta ocorre de forma relativamente rápida (dentro de minutos) atingindo eficácia máxima dentro
de poucas horas. Em cães com acidose metabólica simples, a PCO2 se reduz em 0,7 mm Hg para cada 1 mmol/L
-
de queda do HCO3 (cálculo feito com base em estudos experimentais). Em outras espécies (equinos, bovinos,

111
felinos), não há dados experimentais que permitam o cálculo da estimativo da resposta pulmonar face a acidose
metabólica.

Acidose metabólica normoclorêmica (ÂNION GAP aumentado)


Neste tipo de acidose, ocorre aumento do ÂNION GAP (> 24 para cães e gatos) devido ao acúmulo e um ácido
-
que não contém cloreto (Cl ) como seu ânion, como por exemplo no caso de acúmulo de alguns ácidos orgânicos
(lactato, cetoácidos, salicilato) e inorgânicos (fosfato, sulfato). O acúmulo de ácidos orgânicos ocorre devido sua
produção de excessiva pelo organismo (Ex: acidose lática e cetoacidose diabética) ou pela sua administração
acidental ao animal (Ex: intoxicação por ácido acetilsalicílico). O acúmulo de ácidos inorgânicos, por outro lado,
ocorre devido ao bloqueio parcial/total da sua excreção pelos rins (acidose urêmica).
+ +
Como discutido anteriormente, o ÂNION GAP é a diferença entre a soma dos cátions (Na e K ) e a soma dos
- -
ânions (Cl e HCO3 ). No entanto, o ÂNION GAP deve ser interpretado cuidadosamente, uma vez que na verdade
não existe diferença (GAP) entre a soma dos cátions e ânions no organismo devido a presença dos cátions não
mensurados (CNM) e ânions não mensurados (ANM) (lei da eletroneutralidade). No caso de acúmulo de ácido
- -
orgânicos ou inorgânicos, que não contém Cloreto (Cl ) como seu ânion, ocorre consumo do HCO3 pelos íons
-
H+ da substância ácida (dimnuição do HCO3 ) resultando em aumento do ÂNION GAP e manutenção dos níveis
de cloreto dentro da normalidade (normocloremia).
AcIdose Lática: O metabolismo da glicose resulta resulta inicialmente na formação de ácido pirúvico, o qual sob
condições normais (aerobiose) é convertido em acetil-CoA, composto que participa do ciclo de Krebs (fosforilação
oxidativa) ou do processo de gliconeogênese. Por outro lado, sob condições anaeróbicas o piruvato sofre
fermentação lática, resultando na formação de ácido lático. A acidose lática é um problema clínico comum tanto
em pequenos como grandes animais. Este tipo de acidose metabólica é causada pelo acúmulo de ácido lático no
organismo devido ao aporte deficiente de O2 aos tecidos ou devido à incapacidade destes em utilizar o oxigênio
suprido pelo sangue (estados de choque). No choque hipovolêmico ou hemorrágico, por exemplo, a queda do
volume circulante resulta em redução da oferta de O2 para os tecidos (hipóxia tecidual), resultando em acúmulo de
ácido lático. Como já discutido anteriormente, a acidose lática resulta tipicamente em aumento do ÂNION GAP
uma vez que a redução do bicarbonato ocorre paralelamente à elevação do lactato (ânion não mensurado - ANM):

Lactato (ANM)
(Na + K ) - (Cl + HCO3-) = ÂNION GAP > 24
+ + -

O entanto, o fato do animal não apresentar ÂNION GAP aumentado não implica na ausência de acidose orgânica,
uma vez que o ÂNION GAP é influenciado por outros fatores. A hipoproteinemia (níveis séricos de albumina
reduzidos), por exemplo, pode mascarar a elevação do ÂNION GAP, por apresentar efeito oposto neste
parâmetro.
Cetoacidose Diabética: O acúmulo de cetoácidos (acido acético, propiônico e β-hidroxibutírico) levando à
acidose metabólica ocorre na diabetes mellitus. Esta afecção é um distúrbio hormonal do metabolismo da glicose
causado por uma deficiëncia absoluta ou relativa de insulina, o que impede absorção da glicose circulante
pelas células, resultando em hiperglicemia (aumento dos níveis de glicose circulante). Paralelamente, ocorre
aumento dos níveis séricos de glucagon, hormônio que estimula a glicogenólise (aumento da glicemia) e
lipólise (formação de cetoácidos). Portanto, devido à deficiência de insulina e excesso de glucagon, ocorre
acúmulo excessivo de cetoácidos (acetato, β-hidroxibutirato) levando à acidose metabólica. Em pacientes
diabéticos com depleção do volume circulante (desidratação), ocorre aumento do ÂNION GAP devido à retenção
de cetoácidos na circulação (acetato, β-hidroxibutirato). Em pacientes diabéticos com o volume circulatório normal
(não desidratados), o ÂNION GAP pode não estar aumentado devido ao aumento dos níveis séricos de cloreto
-
(Cl-) que ocorre secundariamente à retenção de Cl pelos rins. No diabetes também observa-se acidose lática
caso o paciente esteja significativamente desidratado/hipovolêmico.
Intoxicaçäo por salicilato: Trata-se de um problema clínico raramente observado em pequenos animais onde, a
injestão acidental do ácido acetilsalicílico (aspirina) pode causar acidose metabólica. O ácido acetilsalicílico é
metabolizado pelo fígado em ácido salicílico (salicilato). O acúmulo de salicilato (ânion não mensurado) é
associado à um aumento do ÂNION GAP e acidose metabólica.
Acidose urêmica: Na acidose urêmica, os ácidos inorgânicos (fosfato, sulfato) e orgânicos se acumulam no
organismo devido a incapacidade dos rins em excretá-los. No caso de insuficiência renal observa-se que os
valores de uréia e creatinina séricos se encontram elevados (a uréia e creatinina são metabólitos que dependem
dos rins para sua excreção) e a hemogasometria pode acusar acidose metabólica associada a aumento do ÂNION
GAP (acidose urêmica).

112
Acidose metabólica hiperclorêmica (ÂNION GAP normal)
A acidose metabólica hiperclorêmica (ou associada a ÂNION GAP normal) é causada por diarréia e outras
circunstäncias clínicas que não serão abordadas neste capítulo (acidose tubular renal, uso de diuréticos inibidores
da anidrase carbônica, hipoadrenocorticismo). Neste caso, o ÂNION GAP se encontra normal (12 a 24 para cães e
-
gatos) uma vez que a queda dos valores de bicarbonato (HCO3 ) é acompanhada de elevação dos valores de
-
cloreto (Cl ).
Diarréia: A diarréia é um problema comum tanto em medicina de pequenos como de grandes animais. Na diarréia
- -
o organismo perde líquido relativamentne rico em bicarbonato (HCO3 ) e pobre em cloreto (Cl ), o que resulta em
- - -
hipercloremia (Cl reduzido) e valores de HCO3 reduzidos. Como a queda do HCO3 é acompanhada de elevação
-
do Cl , o ÂNION GAP se mantém dentro da normalidade:
Diarréia
(líquido rico em HCO3- e pobre em Cl-)

(Na+ + K+) - ( Cl- + HCO3-) = ÂNION GAP normal


Em caso de perda excessiva de fluido pela diarréia, o animal pode desenvolver hipovolemia com conseqüente
acidose lática (ÂNION GAP aumentado), podendo ocorrer a coexistência de ambos os tipos de acidose metabólica
(normoclorêmica e hiperclorêmica).
Tratamento da acidose metabólica
O tratamento da acidose metabólica é baseado na remoção da sua causa. No caso de desidratação/choque
hipovolêmico (acidose lática), deve-se procurar repor o déficit hídrico com fluidos (Ex: Ringer Lactato) para se
reexpandir volume circulante e possibilitar a normalização da perfusão tecidual (nomalização da oferta de O2 aos
tecidos). A reposição de fluidos no choque hipovolêmico resulta em última instância em normalização do
metabolismo tecidual que deixa de ocorrer sob condições de anaerobiose, (interrompmento da produção de ácido
lático). No caso de choque hemorrágico, a reposição do volume circulante é feita com sangue (até 15-20 mL/kg) e
fluidos como o Ringer lactato. O Ringer lactato é empregado como fluido de reposição em casos de choque
hipovolêmico em função da sua composição eletrolítica ser relativamente próxima à composição eletrolítica do
plasma sangüíneo (ver capítulo 3). Além deste fato, seu emprego é considerado benéfico em casos de
-
hipovolemia/acidose metabólica em função de seu efeito alcalinizante, atribuído ao ânion lactato (C3H5O3 ) que,
+
ao ser convertivo em glicose (C6H12O6) ou sofrer metabolismo oxidativo, resulta no consumo de íons H :

→ 2 C3H5O3- (lactato) + 2 H+ = C6H12O6 (glicose)


Gliconeogênese Hepática→
→ C3H5O3- (lactato) + H+ + 3O2 = 3CO2 + 3H2O
Metabolismo oxidativo→
Em caso de cetoacidose diabética, o tratamento com insulina objetiva normalizar o metabolismo da glicose,
resultando conqüentemente no interrompimento/redução da produção excessiva de cetoácidos (acetato, β-
hidroxibutirato). Na cetoacidose diabética, no entanto, muitos animais podem se apresentar
hipovolêmicos/desidratados (acidose lática), necessitando portanto de reposição hídrica concomitantemente à
terapia com insulina.
Em caso acidose metabólica severa, concomitantemente à outras medidas terapêuticas visando a estabilização do
animal, empregam-se soluções alcalinizantes por via intravenosa como o bicarbonato de sódio (NaHCO3). O
critério para o uso do bicarbonato adotado na FMVZ-UNESP é a presença de valores de bicarbonato menores que
15 mmol/L ou a presença de um déficit de bases (BE) menor que –10 mmol/L. Havendo a indicação para o uso do
bicarbonato, a sua reposição é baseada na seguinte fórmula:

HCO3- (mmol) = 0,3 X peso animal (kg) X Déficit de Bases


-
Nesta fórmula o déficit de bases pode ser calculado como a quantidade de HCO3 (mmol) que falta para que o
-
valor de HCO3 do animal atinja um valor padrão (20 mmol/L). Alternativamente pode-se empregar o valor de
déficit de bases (BE) fornecido pela hemogasometria. No entanto, caso se empregue o valor de BE, geralmente se
repõe apenas metade do valor calculado numa primeira etapa para se minimizar o risco de indução de alcalose
-
metabólica (excesso de HCO3 ) iatrogênica (artificialmente induzida). A quantidade bicarbonato de sódio calculada
é reposta em 15-30 minutos. Deve-se sempre tem em mente que a ênfase deve ser dada no tratamento na causa
-
da acidose metabólica e não no uso do HCO3 , que é apenas uma solução paliativa reservada para situações
emergenciais (acidose metabólica severa).
As complicações potenciais do uso do bicarbonato de sódio, são a alcalose metabólica iatrogênica e a
acidose paradoxal do SNC. Uma abordagem conservadora é adotada com relação ao uso de bicarbonato de
sódio devido ao risco potencial de alcalose metabólica. No entanto, tem-se observado que esta complicação é
relativamente pouco frequente, uma vez que eventuais excessos de bicarbonato de sódio são prontamente
113
eliminados pelos rins. Por outro lado, caso doses elevadas de bicarbonato sejam empregadas em animais
apresentando insuficiência renal, o bicarbonato pode resultar em alcalose metabólica devido a limitada capacidade
excretora dos rins. O tratamento da alcalose iatrogênica é baseado no uso de soluções acidificantes (Ringer
Simples, Fisiológica) e sua resolução ocorre lentamente, no curso de vários dias.
A acidose paradoxal do SNC é uma complicação potencial do uso do bicarbonato de sódio e pode ocorrer caso
haja rápida formação de ácido cabônico à partir do bicarbonato, resultando em última instância em acúmulo de
CO2:
Administração rápida de Excesso de CO2 ultrapassa a barreira
bicarbonato hematoencefálica (acidose paradoxal do SNC)

H+ + HCO3- H2CO3 H2O + CO2

O excesso de CO2 formado a partir do bicarbonato prontamente ultrapassa a barreira hematoencefálica e, ao


atingir o SNC, pode resultar em acidose (acidose paradoxal do SNC). Para se prevenir esta complicação,
recomenda-se que a administração intravenosa do NaHCO3 seja realizada lentamente (mínimo de 15 a 30
minutos).
Alcalose metabólica
A alcadose metabólica é um distúrbio do EAB resultante de um déficit relativo ou absoluto de ácidos fixos no
-
organismo. Se caracteriza por uma elevação primária da concentração de bicarbonato (HCO3 ), déficit de ácidos
+
fixos (íons H ) e elevação secundária da PCO2 (resposta compensatória do organismo). Em caso de alcalose
-
metabólica moderada (elevação moderada do HCO3 ), a elevação da PCO2 pode ser suficiente para normalizar o
pH.
Resposta respiratória à alcalose metabólica: O déficit relativo/absoluto de ácidos fixos no organismo (alcalose
+
metabólica) é caracterizado pela diminuição da concentração de íons H , o que leva à diminuição do estímulo aos
quimioreceptores centrais e periféricos e conseqüente diminuição da ventilação alveolar (elevação da PCO2). Esta
resposta ocorre de forma relativamente rápida (minutos - horas). Em cães com alcalose metabólica simples, a
-
PCO2 se eleva em aproximadamente 0,7 mm Hg para cada 1 mmol/L de elevação do HCO3 .(cálculo feito com
base em estudos experimentais). Em outras espécies (equinos, bovinos, felinos), não há dados experimentais que
permitam o cálculo da estimativo preciso da resposta pulmonar face a alcalose metabólica.
A alcalose metabólica pode ser classificada de duas formas: alcalose metabólica hipoclorêmica (ou responsiva à
administração de cloreto) e alcalose metabólica resistente à administração de cloreto.

Alcalose metabólica hipoclorêmica (responsiva à administração de cloreto)


Este tipo de alcalose metabólica pode ser causada pela administração excessiva da substâncias básicas (Ex: uso
-
de bicarbonato de sódio), ou pela perda excessiva de íons cloreto (Cl ).
+ -
Vômito/regurgitação de conteúdo estomacal: O suco gástrico é em rico íons H e Cl secretados pelas células
-
parietais da mucosa gástrica. Durante este processo, ocorre formação de igual número de íons HCO3 no líquido
-
extracelular. No entanto, o equilíbrio ácido-base não é afetado porque ocorre secreção de HCO3 pelo suco
+ -
pancreático no lúmen do duodeno, o qual é titulado pelo H do suco gástrico. Paralelamente, o Cl secretado no
lúmen estomacal é reabsorbido nas porções mais distais do trato digestório. Com a ocorrência de
vômito/regurgitação, ocorre perda de líquido rico em ácido clorídrico (HCI). Conseqüentemente à este processo, o
- +
HCO3 presente no suco pancreático não é mais titulado pelo íon H do suco gástrico, sendo reabsorido nas
-
porções mais distais do trato digestório no lugar do cloreto (aumento da concentração de plasmática de HCO3 ).
-
No vômito/regurgitação paralelamente à redução da concentração do ânion Cl , ocorre aumento da concentração
-
do ânion HCO3 para se manter a eletroneutralidade (a soma de todos os cátions se iguala à soma de todos os
ânions):
Vômito
(líquido rico em Cl-) Observação:
CNM: cátions não medidos
ANM: ânions não medidos
(Na+ + K+ + CNM) -= ( Cl- + HCO3- + ANM)

Tratamento da alcalose metabólica hipoclorêmica


A ênfase do tratamento deve ser a remoção da causa (Ex: tratamento da causa do vômito). Além diste
procedimetno, a fluidoterapia deve ser empregada com o objetivo de se repor o déficit hídrico, normallizar o pH e
-
reduzir os níveis de bicarbonato a valores normais (19-22 mmol/L no cão). No vômito, como a hipocloremia (↓ Cl )
114
- -
é associada ao aumento do HCO3 (o HCO3 secretado pelo suco pancreático é absorvido pelo intestino no lugar
- -
do Cl ), a administração de fluidos acidificantes ricos em cloreto é capaz de normalizar os níveis de Cl e
- -
paralelamente diminuir os níveis de HCO3 . A administração de Cl neste caso, possui efeito acidificante por
-
favorecer a excreção do HCO3 pelos rins. A solução fisiológica (NaCl a 0,9%) é utlizada na correção da alcalose
-
metabólica hipoclorêmica por ser um fluido relativamente rico em cloreto (154 mmol/L de Cl na solução fisiológica
-
versus 110 mmoL/L de Cl no plasma do cão). No vômito, além da hipocloremia, frequentemente ocorre o
+
desenvolvimento de hipocalemia (K plasmático reduzido). No entanto, a solução fisiológica (NaCl a 0,9%) não
contém potássio, havendo a necessidade de adição deste eletrólito sob a forma de cloreto de potássio (KCl) a este
fluido. A administração de KCl, bem como a velocidade de infusão de fluidos contendo potássio deve ser feita
criteriosamente (ver capítulo 3).

Acidose Respiratória
A acidose respiratória é um distúrbio do EAB resultante do excesso ácidos voláteis (CO2) no organismo. Se
caracteriza por uma elevação primária da pressão parcial de CO2 (PCO2) com conseqüente queda do pH e
-
elevação secundária do HCO3 plasmático (resposta compensatória).
Causas de acidose respiratória
Inúmeras condições clínicas podem estar associadas a hipercapnia/acidose respiratória (Tabela 6). A
hipoventilação alveolar (↓VA) resulta em hipercapnia/acidose respiratória e pode ocorrer em função de uma
depressão de origem central (depressão do centro respiratório bulbar) ou em função de um problema mecânico
que resulte em impedimento da expansão adequada dos pulmões (problemas neuromusculares, obstrução de vias
aéreas, defeitos restritivos, posicionamento e decúbito em grandes animais).
Em determinadas situações, uma percentagem variada de alvéolos não recebe nenhuma ventilação, como por
exemplo em casos de pneumonia avançada, edema pulmonar e atelectasia (colabamento alveolar) devido a
defeitos restritivos em geral. O sangue que percorre estas unidades alveolares não ventiladas não sofre nenhuma
troca gasosa, caracterizando os denominados “shunts”. Em um animal apresentado pneumonia, por exemplo,
uma percentagem significativa de “shunts” ocasiona hipoxemia (↓ PaO2) e, caso a PaO2 se reduza a valores
abaixo de 60 mm Hg (normal 80-100 Hg), ocorre estímulo ao centro respiratório bulbar que determina
compensação através de um aumento da ventilação aleolar. Este aumento da ventilação alveolar resulta em
hipocapnia (↓ PaCO2) e objetiva manter os níveis de O2 no sangue arterial (PaO2) acima do limiar hipóxico (60 mm
Hg). No entanto, com o agravemento de uma pneumonia ou em casos onde há comprometimento grave dos
pulmões (% significativa de “shunts”), além da oxigenação estar comprometida (hipoxemia = ↓ PaO2), esta
também é acompanhada de hipercapnia/acidose respiratória (↑ PaCO2).

Tabela 6: Causas de acidose respiratória


Depressão do centro bulbar: Doença neurológica (lesão alta da medula espinhal, tronco cerebral
Anestésicos (barbitúricos, propofol, agentes inalatórios, opióides
Respirador mecânico Ajuste do respirador com valores de volume minuto (Vm) reduzidos
Problemas neuromusculares Doença neuromuscular (Miastenia Gravis, Tétano, Botulismo, etc)
Fármacos (bloqueadores neurmusculares, aminoglicosídeos)
Obstrução de vias áereas: Colapso/estenosede traquéia, laringoespasmo
Defeitos restritivos Hérnia diafragmática
Traumatismo torácico
Pneumotórax
Efusão pleural / hemotórax / piotórax
Doença pulmonar Síndrome do distress respiratório
Pneumonia (estágio avançado) / edema pulmonar severo
Tumor (metástase pulmonar)

Princípios de fisiologia respiratória: a hipoventilação/hipercapnia como causa de


hipoxemia
Os pulmões possuem um papel essencial na manutenção da homeostase orgânica ao efetuarem trocas gasosas
com o ar ambiente, eliminando o CO2 e absorvendo o O2. O sangue venoso é relativamente rico em CO2 e pobre
em O2 (Figura 7). Por outro lado, o alvéolo numa situação normal (ventilação normal), contém concentrações
relativamente maiores de O2 e menores de CO2 ao ser comparado com o sangue venoso. Como a difusão do O2 e
115
CO2 através da barreira alvéolo-capilar ocorre a favor de um gradiente de concentração, o CO2 é eliminado do
sangue para os alvéolos (e deste para o meio exterior) enquanto o O2 é absorvido para capilar alveolar. O
gradiente de concentração de O2 entre o alvéolo e o sangue venoso é muito maior que no caso do CO2 (Figura 7).
No entanto, a difusão do CO2 para o interior o do alvéolo ocorre de forma eficiente pelo fato deste gás ser cerca de
20 vezes mais difusível que o O2.

Figura 7: O gradiente de concentração entre o Ventilação alveolar (VA)


sangue venoso e o alvéolo favorece a Normal
eliminação do CO2 e a absorção do O2 pelos
Alvéolo
pulmões, num processo denominado
PACO2 : 40 mm Hg
arteriolização do sangue venoso. A ventilação
PAO2 : 100 mm Hg
alveolar é muito importante para manter a
concentração dos gases alveolares constante, O2
favorecendo a oxigenação do sangue venoso.
No caso de diminuição da ventilação alveolar,
no entanto, ocorre elevação da pressão parcial CO2
de CO2 alveolar (PACO2), o que resulta numa
queda paralela da pressão parcial de O2 capilar
alveolar (PAO2), uma vez que o CO2
acumulado no alvéolo “ocupa” o espaço do O2.
Dependendo do grau de hipoventilação existe
maior risco de hipoxemia (diminuição da Sangue venoso Sangue arterial
PaO2). PvCO2 : 45 mm Hg PaCO2 : 35 mm Hg
PvO2 : 40 mm Hg PaO2 : 100 mm Hg

Como previamente exposto (Figura 7), a hipoventilação resulta em acúmulo de CO2 nos alvéolos resultando em
queda da concentração de O2 alveolar (PAO2) e consequente hipoxemia (↓ PaO2). Uma forma de se prevenir a
hipoxemia em um animal apresentando hipoventilação (Ex: animal anestesiado com depressão respiratória devido
ao anestésico) é o enriquecimetno da fração inspirada de O2 (FiO2). Na figura 7, a concentração alveolar de O2
(PAO2) de 110 mm Hg é típica de um animal respirando ar ambiente (FiO2 de 21%) ao nível do mar, de acordo
com a fórmula para cálculo da concentração de O2 alveolar (PAO2).

Observação:
PAO2 = FiO2 x (PB – PH2O) – PACO2 -FiO2 (Fração de O2 inspirada) = 0,21 (ar ambiente)
-PB (pressão barométrica) = 760 mm Hg (nível do mar)
PAO2 = 0,21 x (760 – 47) – 40 -PH2O (pressão de água) = 47 mm Hg
-PACO2 (pressão parcial de CO2 alveolar) = 40 (animal
PAO2 = 110 mm Hg ventilando normalmente)

Em um pulmão normal, um gradiente de concentração de O2 entre o sangue venoso (PAO2 = 110 versus PvO2 =
40) resulta em PaO2 de aproximadamente 90-100 mm Hg). Supondo que este animal apresente hipoventilação
levando ao acúmulo de CO2 no interior dos alvéolos (Ex: PACO2 = 80 mm Hg). Pode-se prever qual o reflexo do
elevação da concetração de CO2 alveolar (↑PACO2) na concentração de O2 alveolar (↓ PAO2):

PAO2 = FiO2 x (PB – PH2O) – PACO2 Observação:


-FiO2 (Fração de O2 inspirada) = 0,21 (ar ambiente)
PAO2 = 0,21 x (760 – 47) – 80 -PB (pressão barométrica) = 760 mm Hg (nível do mar)
-PH2O (pressão de água) = 47 mm Hg
PAO2 = 70 mm Hg -PACO2 (pressão parcial de CO2 alveolar) = 40 (animal
ventilando normalmente)

Este animal, devido a hipoventilação levando à queda da concentração alveolar de O2 (PAO2 = 70 mm Hg)
desenvolverá hipoxemia (pressão parcial de O2 no sangue arterial – PaO2 < 70 mm Hg). No entanto, a hipoxemia
(↓ PaO2) causada por hipoventilação pode ser prevenida com o enriquecimento da fração de O2 inspirada (FiO2 >
30%). Supondo por exemplo que o mesmo animal descrito acima esteja conectado a um circuito anestésico
recembendo O2 puro (FiO2 = 100 %) ao invés de ar ambiente:

116
Observação:
PAO2 = FiO2 x (PB – PH2O) – PACO2 -FiO2 (Fração de O2 inspirada) = 1,0 (O2 puro = 100 %)
-PB (pressão barométrica) = 760 mm Hg (nível do mar)
PAO2 = 1,0 x (760 – 47) – 80 -PH2O (pressão de água) = 47 mm Hg
-PACO2 (pressão parcial de CO2 alveolar) = 40 (animal
PAO2 = 620 mm Hg ventilando normalmente)
Neste caso, a adminstração de O2 puro (FiO2 = 100%) possibilita que a pressão parcial de O2 alveolar (PAO2)
esteja marcadamente elevada, prevenindo a hipoxemia mesmo em caso de hipoventilação severa em um animal
com pulmões normais.
A hipoventilação alveolar, no entanto, é apenas uma causa de hipoxemia. Outras condições que podem
causar hipoxemia são discutidas no capítulo sobre o fisiologia respiratória e anestesia.
Efeitos fisiológicos hipercapnia
A hipercapnia severa (elevação da pressão parcial de CO2 acima de 60-70 mm Hg), além de resultar em acidose
respiratória (pH < 7,35), pode causar elevação da pressão intracraniana (hipertensão craniana), elevação da
pressão intraocular, bem como estimulação cardiovascular generalizada (taquicardia e hipertensão). A
estimulação cardiovascular associada a hipercapnia severa ocorre devido aumento de catecolaminas circulantes
(adrenalina, nordrenalina). Por outro lado, caso o pH sanguíneo apresente queda significativa (pH < 7,2) devido à
elevação da PCO2, a acidose pode resultar em depressão do miocárdio e comprometimento da função
cardiovascular (homeostase orgânica afetada).
Resposta à acidose respiratória aguda: Na acidose respiratória, devido à elevação primária da pressão parcial
-
de CO2 e queda do pH, ocorre elevação compensatória do HCO3 no líquido extracelular (plasma e interstício). A
-
elevação compensatória do HCO3 ocorre em duas fases (aguda e crônica), atingindo seu pico dentro de
+
aproximadamente 3 a 4 dias devido atuação dos rins. Na acidose respiratória aguda, o acúmulo de íons H
-
decorrente de elevação da PCO2 não pode ser tamponado pelo bicarbonato (HCO3 ). Neste caso, os tampões
intracelulares (fostato e principalmente a hemoglobina) apresentam um papel essencial (Figura 8).

Figura 8: Na acidose respiratória ocorre


elevação primária do CO2 (PCO2). Este gás se Plasma Hemácia
difunde livremente pelas membranas biológicas.
No interior das hemácias o CO2 se combina com
a água pela ação da anidrase carbônica, formando
ácido carbônico, o qual de dissocia em HCO3- e
↑ CO2 CO2 + H2O
H+. A hemoglobina (Hb-) tampona o íon H+
produzido devido ao acúmulo de CO2, enquanto
o HCO3- é regenerado. O HCO3- se difunde
H2CO3 Hb-
novamente para o meio extracelular (↑
compensatório do HCO3- plasmático) através de ↑ HCO3- HCO3- + H+
um mecanismo de transporte denominado
Cl-
“translocação de cloreto” .

-
Em cães com acidose respiratória aguda, o HCO3 se eleva dentro de minutos e se estabiliza em poucas horas.
-
Como previamente exposto, a elevação do HCO3 na fase aguda da acidose respiratória é associada
principalmente à ação dos tampões intracelulares (hemoglobina e fosfatos), os quais neutralizam o H+ liberado
-
pelo ácido carbônico, resultando assim na formação de HCO3 (Figura 8). De acordo com estudos experimentais
-
em cães o HCO3 se eleva em aproximadamente 0,15 mm Hg para cada 1 mm Hg de elevação do CO2 na acidose
respiratória aguda.
Resposta à acidose respiratória crônica: Com o decorrer de alguns dias, os rins passam a exercer um papel
-
importante na acidose respiratória, sendo responsáveis pela elevação compensatória da concentração de HCO3
no líquido extracelular (plasma e interstício). Os rins atingem sua eficácia máxima dentro de aproximadamente 3 a
-
4 dias, quando a elevação dos níveis de HCO3 se estabiliza. Na acidose respiratória, os rins aumentam a
- -
excreção de íons H+ e regeneram HCO3 no líquido intersticial. A regeneração de HCO3 no líquido intersticial
pelos rins ocorre de forma paralela ao aumento da excreção de ácidos inorgânicos (NH4Cl e NaH2PO4) (Figuras 5
e 6).
Tratamento da acidose respiratória
A ênfase do tratamento da acidose respiratória deve ser baseada na remoção da causa. O clínico deve suspeitar
de acidose respiratória caso o animal apresente afecção reconhecidamente associada a este distúrbio do EAB
117
(Tabela 5). A hipoxemia (↓ PaO2) é o risco imediato à vida de um animal apresentando acidose respiratória.
Portanto, deve-se considerar a oxigênioterapia de emergência (Ex: admnistração de O2 através de máscara
facial) caso haja evidência de hipóxia severa (cianose das mucosas aparentes, dispnéia, coma). Havendo colapso
do animal, deve-se estar preparado para se proceder à intubação orotraqueal e/ou traqueostomia para possibilitar
a ventilação dos pulmões.
Os anestésicos gerais intravenosos (tiopental, propofol) e inalatórios são fármacos que atuam no centro
respiratório bulbar causando depressão respiratória dose dependente (hipercapnia e acidose respiratória). A
depressão respiratória pode ser particularmente evidente quando estes fármacos são associados com doses
elevadas de opióides (situação comum em anestesia). Portanto, o risco de hipóxia durante a anestesia é grande.
Para se minimizar este risco, os pacientes sob anestesia geral são intubados e geralmente recebem de O2 puro
(FiO2 > 90 %) ao invés de ar ambiente (FiO2 = 21%). Em um animal anestesiado apresentando elevaçoes
moderadas da PaCO2 (até 60-70 mm Hg) não há necessidade imediata de se realizar ventilação mecânica
(artificial) caso a hipoxemia esteja sendo prevenida com o emprego uma FiO2 > 90%. No entanto, caso ocorra
hipercapnia excessiva (PaCO2 > 60-70 mm Hg) a homeostase orgânica pode ser comprometida, uma vez que o
pH pode atingir valores excssivamente baixos (pH < 7,2),. Neste caso, recomenda-se o emprego do respirador
mecânico com o objetivo de normalizar o pH e os níveis CO2 no sangue. Durante a recuperação anestésica,
quando o animal é desconectado do circuito anestésico com O2 puro, deve-se estar atento para a respiração.
Caso haja depressão respiratória signifcativa devido à ação residual dos agentes anestésicos, o animal pode
apresentar hipoxemia na recuperação, uma vez que o mesmo não está mais respirado O2 puro (FiO2 > 90%), mas
sim ar ambiente (FiO2 = 21%).
Em determinadas afecções (Ex: pacientes com trauma torácico e hipovolêmicos, casos graves de síndrome
dilatação/torsão gástrica), além da acidose respiratória (↑ PaCO2), pode-se observar também acidose metabólica
-
primária (↓ HCO3 ), caracterizando um distúrbio misto com efeitos aditivos no pH. Caso se realize a opção pela
terapia com bicarbonato de sódio (NaHCO3) no tratamento do componente metabólico, este deve ser empregado
cuidadosamente para se evitar alcalização excessiva do pH, o que pode agravar ainda mais a acidose respiratória.
-
Recomenda-se nestes casos, administrar inicialmente metade ou 1/3 da quantidade de HCO3 calculada, em
quatidades suficientes apenas para manter o pH acima de 7,2.
Alcalose Respiratória
A acidose respiratória é um distúrbio do EAB resultante do déficit de ácidos voláteis (CO2). Se caracteriza por
uma redução primária da pressão parcial de CO2 (PCO2) com conseqüente elevação do pH e redução secundária
-
do HCO3 plasmático (resposta compensatória).
Causas de alcalose respiratória
Inúmeras condições clínicas podem estar associadas a alcalose respiratória (Tabela 7). A hiperventilação resulta
em hipocapnia/alcalose respiratória. A hiperventilação pode ser causada pelo estímulo de quimioreceptores
periféricos em situações de hipoxemia (PaO2 < 60 mm Hg). Outras situações que levam a hiperventilação são:
ajuste do respirador mecânico, estímulo direto do centrol respiratório bulbar, doença neurológica, hipertermia.
Efeitos fisiológicos hipocapnia
A redução aguda do níveis de CO2 arterial (hipocapnia = ↓ PaCO2) pode estar associada a redução da pressão
intracraniana e redução do fluxo sanguíneo cerebral. Em pacientes humanos apresentando traumatismo craniano
associado a elevação da pressão intracraniana, induz-se a hipocapnia com o objetivo de se controlar a hipetensão
craniana. Os sintomas da hipocapnia crônica em animais não são marcantes, uma vez que o devio do pH não é
tão evidente na fase crônica da alcalose respiratória.
Resposta à alcalose respiratória aguda: Na alcalose respiratória, devido à redução primária da pressão parcial
-
de CO2 e elevação do pH, ocorre redução compensatória do HCO3 no líquido extracelular (plasma e interstício). A
-
redução compensatória do HCO3 ocorre em duas fases (aguda e crônica), atingindo seu pico dentro de
aproximadamente 3 a 4 dias devido atuação dos rins. Na alcalose respiratória aguda, déficit de íons H+ decorrente
da redução da PCO2 é tamponado pelos tampões intracelulares (fostato e principalmente hemoglobina). Portanto,
na alcalose respiratória aguda, a hemoglobina e outros tampões intracelulares liberam íons H+ que por sua vez
- -
irão tamponar o HCO3 , resultando em redução compensatória do HCO3 no líquido extracelular.
-
Em cães com acidose respiratória aguda, o HCO3 se reduz dentro de minutos e se estabiliza em poucas horas.
-
Como previamente exposto, a redução do HCO3 na fase aguda da acidose respiratória é associada
principalmente à ação dos tampões intracelulares (hemoglobina e fosfatos), os quais liberam íons H+, resultando
- -
assim titulação (redução) do HCO3 . De acordo com estudos experimentais em cães o HCO3 se eleva em
aproximadamente 0,25 mm Hg para cada 1 mm Hg de elevação do CO2 na alcalose respiratória aguda.
Resposta à alcalose respiratória crônica: Com o decorrer de alguns dias, os rins passam a exercer um papel
-
importante na alcalose respiratória, sendo responsáveis pela redução compensatória da concentração de HCO3
no líquido extracelular (plasma e interstício). Os rins atingem sua eficácia máxima dentro de aproximadamente 3 a

118
4 dias. Na alcalose respiratória, os rins reduzem a excreção de ácidos orgânicos (NH4Cl e NaH2PO4), resultando
-
em última instância na redução dos níveis de HCO3 no líquido intersticial.

Tabela 7: Causas de alcalose respiratória

Hipoxemia (estímulo de quimioreceptores periféricos devido a PaO2↓ - < 60 mm Hg)


Pneumonia (fase inicial)
Síndrome de distress respiratório
Hipertermia
Estresse térmico
Estimulação direta do centro respiratório bulbar
Dor / ansiedade
Septicemia (Bactérias gram negativas)
Doença hepática
Prenhez (ação estimulante central da progesterona)
Doença neurológica
Traumao
Tumor
Infecção/inflamação
Respirador mecânico
Ajuste do respirador com valores de volume minuto (Vm) elevados

Tratamento da alcalose respiratória


Da mesma forma que os demais diistúrbios do EAB, a ênfase do tratamento da alcalose respiratória deve ser
baseada na remoção da causa.

119
EQUILÍBRIO HIDRO-ELETROLÍTICO E ANESTESIA

FRANCISCO J TEIXEIRA NETO


DANIELA CAMPAGNOL
1- Introdução

Muitos animais a serem anestesiados apresentam distúrbios hidro-eletrolíticos significativos. Pacientes cirúrgicos
podem freqüentemente apresentar desidratação/hipovolemia discreta a moderada que pode não ser evidente no
exame pré-anestésico. Além de situações de déficit volêmico, há distúrbios eletrolíticos graves (Ex: hipercalemia
associada à obstrução das vias urinárias/uroperitônio) que necessitam ser previamente corrigidos devido ao
elevado risco de morbidade e mortalidade intra-operatória. Neste capítulo, não somente serão discutidas as
alterações hidro-eletrolíticas mais frequentemente observadas nos pacientes cirúrgicos, mas também sua
correlação com o equilíbrio ácido-base.Uma situação clínica que ilustra a correlação mencionada acima é o
agravamento de estados de hipercalemia (aumento do potássio plasmático) quando estes ocorrem
concomitantemente à acidose metabólica.
2- Distribuição corpórea da água e dos eletrólitos no organismo e seu papel fisiológico

Em cães e gatos adultos, a água perfaz aproximadamente 60% de seu peso corpóreo (Seeler, 2007). Variações
na percentagem relativa de água corpórea são observadas nos animais alocados nos extremos da faixa etária
(neonatos e idosos) e nos animais obesos. O conteúdo de água corpórea total é maior no início da vida e se reduz
gradativamente com o passar do tempo devido, principalmente, a diminuição do volume plasmático e do fluido
intersticial. Nos neonatos, o conteúdo de água corpórea total pode ser considerado como 75% do peso corpóreo
(Seeler, 2007). Em animais obesos, o excesso de gordura contribui para a menor proporção de água, uma vez que
o tecido adiposo apresenta baixo teor hídrico. Nestes animais, o déficit de fluido deve ser estimado com base no
peso corpóreo magro (peso real, descontando-se o peso representado pelo tecido adiposo), evitando-se a super-
hidratação. Considerando que 20% do peso corpóreo são constituídos de tecido adiposo e que na obesidade a
proporção de gordura em relação ao peso corpóreo não é inferior a 30%, o peso corpóreo magro pode ser
estimado como:
Animais normais (peso corpóreo magro) = peso corpóreo mensurado X 0,8
(considerando 20% de gordura)

Animais obesos (peso corpóreo magro) = peso corpóreo mensurado X 0,7


(considerando no mínimo 30% de gordura)

Animais magros (peso corpóreo magro) = peso corpóreo mensurado X 1

As fórmulas acima devem ser consideradas apenas como um guia geral, pois grandes variações na percentagem
relativa de gordura podem ocorrer entres os diferentes indivíduos. Como exemplo destas variações, os autores
têm observado felinos domésticos obesos pesando cerca de 8 kg, cujo o peso magro estimado seria de
aproximadamente 4 kg (50% do peso mensurado constituído por tecido adiposo).

A água corpórea se encontra distribuída em dois grandes compartimentos: compartimento intracelular e


extracelular (Figura 1). Os fluidos presentes no liquido intracelular (LIC) e liquido extracelular (LEC) estão
separados anatomicamente pelo endotélio vascular e/ou membranas celulares. Dessa forma, o compartimento
extracelular pode ser ainda subdividido em compartimentos intravascular, intersticial e transcelular. Cerca de 40%
do peso vivo em água se encontram no compartimento intracelular (2/3 da água corpórea total), enquanto os
outros 20% se encontram no compartimento extracelular (1/3 da água corpórea total). Da água presente no
compartimento extracelular, apenas 5% se encontra no interior de vasos sanguíneos (1/4 da água do
compartimento extracelular), enquanto os 15% restantes constituem o fluido intersticial (3/4 da água do
compartimento extracelular). O conteúdo de água presente fluido transcelular, constituído pela somatória dos
líquidos cavitários (sinóvia, humor aquoso, líquor e fluidos encontrados no trato gastrointestinal, bexiga, cavidade
pleural e peritoneal), em condições normais representa apenas 1 a 2% do peso corpóreo. Entretanto, em
determinadas anormalidades clínicas, o acúmulo hídrico no compartimento extracelular pode estar marcadamente
aumentado, como nos casos de ascite (Seeler, 2007).

120
COMPARTIMENTO COMPARTIMENTO
INTRACELULAR EXTRACELULAR
INTERSTICIAL VASCULAR

15% do peso 5% do peso


corpóreo corpóreo
40% do peso corpóreo

3/4 da água do 1/4 da água do


compartimento compartimento
extracelular extracelular
2/3 da água corpórea total 1/3 da água corpórea total

Figura 1: Distribuição da água corpórea total entre os compartimentos intracelular e extracelular. O compartimento
transcelular não está representado, pois seu teor hídrico é relativamente insignificante. Adaptado de Schaer, 1989:
General Principles of Fluid therapy in Small Animal Medicine. The Veterinary Clinics of North America – Small Animal
Practice.

Em situações clínicas, os eletrólitos que apresentam papel importante na homeostase orgânica podem ter sua
concentração plasmática determinada a partir de amostras sanguíneas. Os eletrólitos são pequenas partículas que
se movem através da membrana celular lipídica por meio de canais iônicos seletivos a favor do gradiente de
concentração. No entanto, como se pode verificar na tabela 1, os eletrólitos não estão homogeneamente
distribuídos entre os diferentes compartimentos. Enquanto alguns eletrólitos se distribuem principalmente no LEC
(Ex: sódio, cloreto e bicarbonato), outros se apresentam concentrados principalmente no LIC (Ex: potássio,
fosfatos e sulfatos). Portanto, a determinação da concentração plasmática de um eletrólito que esteja distribuído
principalmente no compartimento intracelular (Ex: potássio) pode não representar de forma fidedigna a sua
concentração no interior da célula. Na hipocalemia severa (potássio plasmático < 2 mEq/L), por exemplo, o déficit
de potássio intracelular pode se tornar aparente durante a terapia de reposição intravenosa, onde redução
adicional do potássio plasmático nas primeiras horas de terapia poderá ocorrer antes da normalização da
concentração de potássio nas horas subseqüentes.

Tabela 1: Distribuição dos eletrólitos (mEq/L) entre os compartimentos intracelular e extracelular.*

COMPARTIMENTO
COMPARTIMENTO EXTRACELULAR
INTRACELULAR
Intersticial Vascular
+
Na 13 145 142
K+ 155 4 5
Ca2+ 2 3 5
Mg2+ 35 2 2
Cl- 2 115 106
HCO3- 10 30 24
Fosfatos 113 2 2
Sulfatos 20 1 1
* Adaptado de Seeler, 2007. Fluid and Eletrolyte Therapy. In: Lumb & Jones’ Veterinary Anesthesia.

O sódio é o principal cátion (íon de carga positiva) localizado no compartimento extracelular (concentração
aproximada de 145 mEq/L no LEC versus 13 mEq/L no LIC em cães), enquanto o potássio apresenta distribuição
inversa (concentração aproximada de 4 mEq/L no LEC versus 155 mEq/L no LIC em cães). Bombas de transporte
ativo (Na/K ATPase) auxiliam a manter o gradiente diferencial das concentrações de sódio e de potássio entre os
compartimentos intra e extracelular. O sódio está intimamente relacionado com a manutenção do volume de fluido
extracelular, funcionamento normal do SNC, geração de potencial de ação em tecidos excitáveis, na habilidade
renal de excreção de urina concentrada e no transporte de muitas substâncias através das membranas celulares.

121
Aproximadamente 95% do potássio se localizam no compartimento intracelular. Uma das principais funções do
potássio é restabelecer o potencial de membrana em repouso das células excitáveis (musculatura lisa e estriada).
Tal função consagra a importância fisiológica vital do potássio para manutenção da atividade normal das células
miocárdicas (atividade elétrica cardíaca), da musculatura lisa do trato gastrointestinal e da musculatura esquelética
.

Similarmente aos cátions, os ânions (íons de carga negativa) também se distribuem de forma diferente nos
compartimentos orgânicos. O cloreto acompanha a distribuição do sódio, estando localizado principalmente no
compartimento extracelular (concentração aproximada de 110 mEq/L no LEC versus em 2 mEq/L no LIC em
cães). Devido ao fato do ânion cloreto acompanhar o movimento do cátion sódio, eventuais alterações na
concentração de cloreto devem ser analisadas face às alterações concomitantes na concentração de sódio, como
será explicado mais adiante neste capítulo. O ânion bicarbonato, similarmente ao ânion cloreto, está localizado
principalmente no LEC (concentração aproximada de 25 mEq/L no LEC versus em 10 mEq/L no LIC em cães).
Tanto o cloreto como o bicarbonato são ânions que participam diretamente da regulação do equilíbrio ácido-base
no compartimento extracelular.

- +
O ânion bicarbonato (HCO3 ) é uma base que ao se combinar com o hidrogênio (H ) dá origem a um ácido fraco
-
(H2CO3 = ácido carbônico). Este ácido e sua base conjugada (H2CO3 / HCO3 ) atuam como principal tampão
extracelular, protegendo o organismo contra mudanças abruptas no pH do LEC. Normalmente, os tampões
tendem a ser mais eficientes quando o pH de uma determinada solução é próximo ao seu pk’ (pH onde as formas
dissociada [ionizada] e não dissociada [não ionizada] se encontram em proporções iguais). Apesar do pk’ do
bicarbonato/ácido carbônico (6.1) não ser próximo ao pH fisiológico (7.4) do meio extracelular, o que implica na
redução de sua eficiência, o bicarbonato/ácido carbônico ainda é o tampão de maior importância no LEC. A
importância do bicarbonato/ácido carbônico como principal tampão de LEC pode ser explicada pelo fato deste
atuar de forma integrada com os pulmões e os rins, onde eventuais excessos de carga ácida são eliminados para
o exterior através dos pulmões na forma de CO2 (ácido volátil) e/ou pelos rins na forma de ácidos solúveis:

Eliminado pelos Eliminado pelos Regenerado ou


pulmões rins reabsorvido pelos rins

CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-

Os ânions fosfato e sulfato, por outro lado, participam na regulação do equilíbrio ácido-base no LIC. Além das
-
proteínas, os fosfatos orgânicos e inorgânicos (H2PO3 ) também são importantes tampões intracelulares. O pK´ do
-
sistema tampão fosfato (H2PO3 / ácido fosfórico) é 6.86.Dos tampões intracelulares, o fosfato inorgânico atua de
forma mais eficaz por estar presente em maior concentração no LIC.
3- Movimento de água e eletrólitos entre os compartimentos

Movimento de água entre os compartimentos intra e extracelular: Os diferentes compartimentos encontrados


no organismo são separados entre si por membranas celulares. Embora a água possa atravessá-la livremente, tal
membrana não é permeável a todos os solutos. Essa característica de semipermeabilidade justifica as diferenças
na composição dos fluidos de compartimentos distintos. O movimento de água entre os compartimentos intra e
extracelular é diretamente influenciado pelo número de partículas osmoticamente ativas presentes em cada um
deles. A movimentação da água através da membrana celular ocorre sempre no sentido de se igualar as
concentrações de partículas osmoticamente ativas dos compartimentos extra e intracelular, num processo passivo
(sem gasto de energia) denominado osmose.

O termo “osmolalidade” refere-se ao número de partículas osmoticamente ativas presentes em 1 quilograma de


solvente (H2O). O sódio, a glicose e a uréia são as principais partículas osmoticamente ativas presentes no líquido
extracelular (LEC). A osmolalidade do LEC pode ser estimada pela seguinte fórmula:
2 [Na+] + Glicose + Uréia = mOsm/kg
18 2,8

Os números 18 e 2,8 apresentados na equação acima são os fatores de conversão da concentração de glicose e
uréia de mg/dL para mmol/L. Em animais hígidos, a osmolalidade plasmática pode ser estimada simplesmente por
2 x [Na+], pois a contribuição da glicose e da uréia é mínima. A osmolalidade plasmática varia de 290 a 310
mOsm/kg em cães e de 308 a 335 mOsm/Kg em gatos (DiBartola, 2000a).

122
O sódio é o principal determinante da osmolalidade plasmática e governa o movimento de água entre os
compartimentos intra e extracelular. Sendo o sódio o principal soluto osmoticamente ativo do LEC, situações de
+
hipernatremia (↑ Na plasmático) causando aumento da osmolalidade plasmática resultam em movimentação de
água do compartimento intracelular para o extracelular (desidratação celular). Por outro lado, situações de
+
hiponatremia (↓ Na plasmático) causando redução da osmolalidade plasmática levam a edema celular, uma vez
que esta condição favorece o movimento de água do compartimento extracelular para o compartimento
intracelular. A osmolalidade plasmática se mantém em equilíbrio com a osmolalidade do compartimento intersticial
e intracelular, porque a água é capaz de se difundir livremente entre os compartimentos em resposta à mudança
de osmolalidade de qualquer um deles. Portanto, a mensuração da osmolalidade do plasma pode ser utilizada
como medida indireta da osmolalidade no interior das células. Oscilações na osmolalidade plasmática são
detectadas pelos receptores hipotalâmicos que, por sua vez estimulam ou inibem a liberação de hormônio
antidiurético (HAD) pela hipófise diante da hiperosmolalidade ou hiposmolalidade, respectivamente. O HAD atuará
nos ductos coletores aumentando a permeabilidade renal à água. O SNC também responde à hiperosmolalidade
estimulando a ingestão de água.

O sódio também é o principal determinante do volume extracelular. Anormalidades do volume do LEC são
captadas por receptores presentes no átrio, nos seios carotídeos e nas arteríolas glomerulares aferentes. A
expansão do LEC, resultante do desvio de fluido intercompartimental devido à sobrecarga de sódio, desencadeia
a inibição do eixo renina-angiotensina-aldosterona, aumentando a excreção de sódio. As câmaras cardíacas
(átrios), através da liberação de fator natriurético atrial, e o sistema nervoso simpático também colaboram com a
excreção de sódio. Dessa forma, enquanto os mecanismos de osmorregulação são responsáveis pela distribuição
de água entre os compartimentos, os mecanismos de regulação de volume são indispensáveis pela manutenção
da perfusão tecidual.

Apesar do sódio ser a principal partícula osmoticamente ativa que governa a movimentação de água entre os
compartimentos intra e extracelular, o movimento da água entre os compartimentos intersticial e intravascular
parece não ser substancialmente influenciado por este eletrólito. Isto está relacionado ao fato de que tanto o sódio
como a glicose podem atravessar livremente a barreira capilar, restabelecendo rapidamente o equilíbrio entre as
concentrações destas partículas no liquido intersticial e no plasma sanguíneo.

Movimento de água entre os compartimentos intravascular e intersticial: Dentro do compartimento


extracelular, a direção e a magnitude do movimento de água entre o interstício e plasma são dependentes da
pressão hidrostática e coloidosmótica seguindo a lei de Starling (Seeler, 2007). A pressão hidrostática reflete
a força exercida pelo volume sanguíneo circulante sobre parede capilar e o seu aumento estimula o movimento de
água para fora do compartimento intravascular, ocasionando estados de edema (acúmulo de água) no
compartimento intersticial e transcelular (como na cavidade torácica e abdominal). Situações como insuficiência
cardíaca esquerda podem levar a estase sanguínea e aumento da pressão capilar pulmonar (pressão
hidrostática), com subseqüente edema intersticial e pulmonar. A insuficiência cardíaca direita, por sua vez, resulta
em aumento da pressão hidrostática nos capilares da circulação sistêmica, levando a edema generalizado e
ascite. Edema intersticial secundário a aumento da pressão hidrostática também pode ocorrer em casos de
sobrecarga de volume, como por exemplo na administração excessiva de fluidos pela via intravenosa. Estados de
choque/hipovolemia, por outro lado, resultam em redução da pressão hidrostática capilar, estimulando o
movimento de água no sentido oposto (do compartimento intersticial para o interior do compartimento
intravascular). A pressão coloidosmótica corresponde à atração de água exercida por moléculas hidrofílicas de
grande peso molecular. A albumina é a principal molécula que contribui para a manutenção da pressão
coloidosmótica no compartimento intravascular, mantendo a água no interior dos vasos sanguíneo. Edema
generalizado poderá ser observado em pacientes com valores de albumina plasmática inferiores a 2 g/dL como
resultado do movimento da água do compartimento intravascular para os compartimentos intersticial e transcelular
em virtude da redução substancial da pressão coloidosmótica.

As alterações hidro-eletrolíticas geradas pela maioria das afecções se manifestam inicialmente no LEC (como por
exemplos as perdas de fluidos que ocorrem nas diarréias, na insuficiência renal poliúrica e nos procedimentos
cirúrgicos). A redistribuição de fluidos entre os compartimentos que ocorrem subseqüentemente atua como uma
tentativa de retomada de sua condição isotônica inicial. Associado a isso, as perdas de fluidos deflagradas por
afecções clínicas são terapeuticamente corrigidas através da administração parenteral de fluidos exógenos, os
quais acessam inicialmente o compartimento extracelular.
4- Distúrbios no equilíbrio hídrico: diagnóstico e tratamento

Avaliação do grau de desidratação: Muitos pacientes cirúrgicos apresentam-se desidratados devido a presença
de doenças sistêmicas. O grau de desidratação/hipovolemia deve ser estimado com base nos exames clínico-
laboratoriais (Tabelas 1 e 2) e a estabilização da função circulatória é realizada com fluidos/eletrólitos
prioritariamente antes da indução da anestesia.

123
Tabela 1: Estimativa do grau de desidratação/hipovolemia baseado no exame físico
Desidratação Ressecamento Redução de TPC Profundidade do Freqüência Qualidade
(% Peso Vivo) de Mucosas Elasticidade da Globo Ocular Cardíaca do Pulso
Pele
4-5 % (discreta) + 0 ou + 0 0 0 0
6-8% (moderada) + ++ + + + 0
9-12% (severa) ++ +++ ++ ++ ++ -
> 12% (grave) +++ +++ +++ +++ +++ - -
Legendas: 0 sem alteração; + aumento; - diminuição
Fonte: Slatter,1993

Tabela 2: Valores normais de hematócrito (Ht) e proteína plasmática total (PPT)

Espécie animal Ht PPT (g/dL)

Cão 45 – 55 5.5 – 8.5

Gato 35 – 45 5.7 - 8.5


Obs: valores de referência para animais conscientes (não sedados ou anestesiados)

O hematócrito e a proteína plasmática total são exames laboratoriais úteis na avaliação do grau de desidratação
do paciente cirúrgico. No animal que não apresenta anemia (Ht abaixo dos valores de referência) ou
hipoproteinemia (PPT abaixo dos valores de referência), a desidratação leva a hemoconcentração, comprovada
pelo aumento do hematócrito e/ou da proteína plasmática total devido à perdas na fração líquida do sangue.
Apesar da sua utilidade na avaliação do grau de desidratação, valores de Ht e/ou PPT normais ou abaixo do
normal não necessariamente implicam que o animal não apresenta déficit volêmico, uma vez que situações
como anemia e/ou hipoproteinemia podem mascarar elevações no Ht e PPT mesmo em animais apresentando
desidratação severa (> 10% do peso vivo).
Os valores de referência de Ht e PPT devem ser interpretados cuidadosamente em animais sedados com
tranquilizantes fenotiazínicos ou sob o efeito de anestésicos gerais. A vasodilatação esplênica causada por alguns
fármacos (ex: acepromazina e tiopental sódico) pode levar à redução substancial do Ht. Durante a anestesia geral,
a dimunição da pressão hidrostática capilar associada à ação hipotensora dos anestésicos gerais pode contribuir
para o movimento de água do compartimento intersticial para o compartimento intravascular, ocasionando redução
do Ht e da PPT com o decorrer da anestesia.
Situações envolvendo a perda sanguínea aguda (perda ocorrida há minutos ou poucas horas), não resultam em
alteração significativa do Ht e PPT, a menos que o animal apresente hemodiluição devido a administração de
volumes significativos de soluções cristalóides ou colóides sintéticos.

Desidratação X choque hipovolêmico: O choque é uma síndrome clínica grave caracterizada por um aporte
deficiente de O2 para as células ou incapacidade destas em utilizar o oxigênio. Os estados de choque apresentam
inúmeras causas (hipovolemia/hemorragia, septicemia, doença cardíaca) (o leitor deve-se referir ao capítulo sobre
choque para maiores detalhes.). Caso a desidratação seja severa (> 10%) ou caso o animal apresente perda
aguda de um volume sanguíneo maior que 30-40% do volume sanguíneo circulante (volume sanguíneo total de
um cão: 8% peso vivo = 80 mL/kg) o animal pode desenvolver choque hipovolêmico com seus sinais clássicos
(taquicardia, hipotensão, inconsciência/coma, extremidades frias). Durante a anestesia geral inalatória, alguns
sinais de descompensação fisiológica (hipotensão) podem ser observados com perdas sanguíneas
substancialmente menores (10% do volume sanguíneo total: 8 mL/kg de sangue). Animais sob efeito de
anestésicos gerais são menos tolerantes à hemorragia que animais conscientes (não anestesiados), devido ao
fato dos anestésicos gerais inibirem alguns mecanismos fisiológicos de resposta do animal frente à hemorragia
(ex: inibição do tônus simpático).

Tratamento da desidratação/hipovolemia:

Os cristalóides são soluções contendo pequenas partículas (eletrólitos e outras moléculas) que possuem
capacidade de se difundir através de todos os compartimentos do organismo (intravascular, intersticial e
intracelular) (Tabela 3). As soluções cristalóides podem ser divididas ainda em soluções balanceadas e não
124
balanceadas. As soluções balanceadas possuem composição eletrolítica semelhante à do plasma (Ex: Ringer
Lactato, Ringer), enquanto as soluções não balanceadas diferem substancialmente da composição plasmática
(Ex: solução fisiológica) (Tabela 3). Os cristalóides podem ser ainda classificados em isotônicos e hipertônicos,
de acordo com a sua osmolalidade (tonicidade) em relação ao plasma sanguíneo (Tabela 3). O Ringer Lactato,
Ringer Simples e Solução Fisiológica são considerados soluções isotônicas (tonicidade semelhante à do plasma),
enquanto a solução de NaCl a 7,5% é considerada hipertônica (tonicidade de 2400 mOsm/L versus tonicidade de
300 mOsm/L do plasma). Apesar da solução de glicose 5% possuir osmolalidade próxima à do plasma, esta
solução é considerada hipotônica após a glicose ter sido metabolizada.

Tabela 3: Valores de pH, eletrólitos e osmolaridade de diversos cristalóides em relação ao plasma sanguíneo no
cão.

Plasma Ringer Ringer NaCl 0,9% Glicose 5% NaCl 7,5%


(cão) Lactato
pH 7,4 6,5 5,5 5,0 4,0 5,0
Na+ (mmol/L) 150 130 147,5 154 0 1280
K+(mmol/L) 4 4 4 0 0 0
Cl-(mmol/L) 110 109 156 154 0 1280
Ca++ (mmol/L) 5 3 4,5 0 0 0
Glicose (g/L) 1 0 0 0 50 0
Osmolalidade 300 272 310 308 252 2400
(mOsm/L)

Cristalóides isotônicos: O Ringer lactato é normalmente o fluido empregado na reposição do déficit hídrico de
pacientes desidratados. No entanto há situações onde a solução fisiológica (NaCl a 0,9%) e/ou Ringer Simples
também podem ser empregados. Muito embora os cristalóides isotônicos sejam indicados primariamente em
casos de desidratação, estas soluções também podem ser empregadas em pacientes apresentando choque
traumático/hemorrágico. Quando empregados na reposição de perdas sanguíneas, o volume de cristalóide
isotônico administrado deve ser 3 a 4 vezes maior que o volume de sangue perdido, uma vez que apenas 25% do
volume do cristalóide isotônico permanece no interior do vasos sanguíneos após 1 hora da sua administração.
Durante o exame físico, deve-se ter em mente que qualquer animal apresentando afecção sistêmica associada a
depressão/anorexia pode apresentar déficit volêmico de até 4% sem, no entanto, manifestar sinais óbvios de
desidratação (desidratação discreta ou subclínica) (Tabela 1). O ideal é que toda a desidratação estimada seja
reposta com cristalóides isotônicos antes da indução da anestesia. No entanto, em casos emergenciais,
cristolóides isotônicos podem ser administrados em volume suficiente para repor metade do déficit hídrico
calculado antes da indução da anestesia; o restante do déficit, adicionado de eventuais perdas adicionais deve ser
reposto durante o ato cirúrgico.
Em cães apresentando desidratação severa (>10%) e/ou sinais hipovolemia significativa (choque), os
a
cristalóides isotônicos podem ser administrados na taxa máxima de 90 mL/kg durante a 1 hora de
fluidoterapia. A velocidade de adminstração é reduzida nas horas subsequentes e/ou à medida em que as
funções vitais do animal (ex: pressão arterial e frequência cardíaca) se estabilizam. Na reposição volêmica de
pacientes idosos, com doença cardíaca, ou em felinos apresentado choque hipovolêmico, os cristalóides
podem ser utilizados na taxa de infusão máxima de 40-60 mL/kg/hora.

Para reposição das perdas hídricas que normalmente ocorrem durante o período intra-operatório, o Ringer
lactato é administrado na taxa de 10 mL/kg/hora, sendo que esta velocidade de administração pode ser reduzida
para 5 mL/kg/hora em ciurugias minimamente invasivas ou em animais com doença cardíaca. Em cães
apresentando sinais de hipovolemia/hemorragia significativa durante a anestesia (hipotensão, associada ou não à
taquicardia), administram-se bolus intravenosos de cristalóides isotônicos (Ex: Ringer lactato) na taxa de até 20
mL/kg durante um período de 15 minutos, podendo-se repetir o bolus por até 2 a 3 vezes até a obtenção de
estabilização cardiovascular (ex: normalização da pressão arterial). Em felinos, os cristalóides isotônicos devem
ser administrados mais lentamente (10 a 15 mL/kg durante 15 minutos) devido ao menor volume circulante desta
espécie (volume sanguíneo: 8% do peso vivo em cães versus 6% em felinos). Deve-se considerar que grandes
volumes de critalóides isotônicos resultam hemodiluição com redução do hematócrito e da Ht e da PPT. Caso o
hematócrito atinja valores abaixo de 20%, a transfusão sanguínea deve ser considerada para se manter a
capacidade de transporte de O2 do sangue. Caso a proteína plasmática total atinja valores abaixo de 3,5 g/dL (ou
albumina < 2 g/dL), a administração de colóides colóides sintéticos deve ser considerada para se manter a
pressão oncótica e evitar edema intersticial.
Cristalóides hipertônicos: O solução salina hipertônica (NaCl a 7,5 %) é empregada em casos de hipovolemia
aguda, choque traumático/hemorrágico (4 mL/kg administrados durante 5 minutos). Devido a sua
hiperosmolaridade, a salina hipertônica mobiliza o fluido de outros compartimentos (intersticial e intracelular) para
125
o interior dos vasos sanguíneos, resultando em aumento do retorno venoso (pré-carga), débito cardíaco e pressão
arterial. Outro possível mecanismo de ação da solução salina hipertônica, consiste na liberação de vasopressina
endógena (hormônio antidiurético) (Giusti-Paiva et al, 2007). Sua duração de ação, no entanto, é relativamente
curta (1 hora), devendo-se logo em seguida a sua administração empregar cristalóides isotônicos e/ou outros
fluidos/sangue para reposição do déficit volêmico. Apesar da solução salina hipertônica ser indicada em estados
de hipovolemia aguda (Ex: hemorragia devido a traumatismo, síndrome dilatação/torsão gástrica em cães, cólica
em equinos), esta pode ser relativamente ineficaz em casos de hipovolemia crônica (Ex: vômito e diarréia durante
dias), onde há sinais óbvios de desidratação (Ex: perda de elasticidade da pele, etc..). Neste caso, a eficácia da
solução hipertônica pode ser comprometida pelo fato dos compartimentos intersticial e intracelular, que fornecem o
fluido a ser mobilizado para o espaço intravascular, se encontrarem desidratados.

Colóides sintéticos: Os colóides sintéticos são soluções contendo macromoléculas de elevado peso molecular
empregados em medicina veterinária para corrigir situações de hipovolemia e para estabilizar a pressão
coloidosmótica (situações de hipotroteinemia/hipoalbuminemia). Dentre os colóides disponíveis para uso clínico,
destacam-se os dextranos (Dextran 70), o amido de hidroxietila (Plasmateril®, Hemohaes®, Voluven®) e as
soluções de gelatina (Haemacel®, Gelafundin®).
Soluções de Gelatina: As soluções de gelatina são macromoléculas preparadas a partir do colágeno bovino. No
mercado europeu estão disponíveis as soluções de gelatina obtidas por succinilação (gelatina succinilada -
Gelafundin) ou através de processo de ligação à uréia (gelatina com ligações de uréia – Haemacell). No
homem, a solução de gelatina succinilada possui a capacidade de expandir o plasma na mesma proporção do
volume expandido, com duração de ação de aproximadamente 4 a 5 horas, sendo que cerca de 50% do volume
infundido permanece no plasma neste período. Comparativamente ao amidos de hidroxietila e aos dextranos, as
soluções de gelatina possuem um efeito expansor plasmático de menor duração.
Raramente pode-se observar reações anafiláticas em pacientes recebendo soluções de gelatinas. Em um estudo
realizado no homem, a incidência de reações em pacientes recebendo soluções de gelatina foi de 0,115% (Ring &
Messner, 1977). Em pacientes veterinários, apesar da ausência de estudos retrospectivos em larga escala,
reações anafiláticas também parecem ser raramente observadas.
As soluções de gelatina podem interferir com a coagulação sanguínea, aumentando o sangramento com o
emprego de volumes elevados. Em um estudo realizado no homem, as soluções de gelatina causaram maior
interferência na coagulação que o amido de hidroxietila (de Jonge te al, 1998).
Dextranos: Os dextranos são moléculas de polisacarídeo linear produzidos por determinadas cepas de bactérias
do gênero Leuconostoc. Os Dextranos são apresentados em moléculas de diferentes pesos moleculares (70.000 e
40.000 Daltons). Devido ao seu menor peso molecular médio (Mw), o Dextrano 40 (peso molecular médio =
40.000 Daltons) apresenta menor duração de ação que o dextrano 70 (peso molecular médio = 70.000 Daltons).
Em cães hígidos, 70% o Dextrano 40 é excretado pela urina após 24 horas da sua administração, enquanto ao
mesmo tempo apenas 40% do Dextrano 70 é eliminado pela urina. As moléculas restantes são metabolizadas no
fígado pela enzima dextranase.
Como o efeito expansor plasmático ocorre na relação de aproximadamente 1/1 (o plasma sanguíneo se expande
na mesma proporção que o volume infundido), o Dextrano pode ser empregado no choque
hipovolêmico/hemorrágico na mesma proporção que o sangue perdido. Recomenda-se não ultrapassar a volume
total diário de 20 mL/Kg. Alternativamente, o Dextrano é empregado em associação com a solução salina
hipertônica (NaCl 7,5%) na ressuscitação com pequeno volume em pacientes com choque
traumático/hipovolêmico. Quando empregado desta forma, o Dextrano é diluído em solução salina hipertônica
(NaCl 7,5%) (Plasmadex-Hiper), sendo infudido no volume de aproximadamente 4 mL/Kg durante 5 minutos.
Com esta associação, obtém-se efeito sinergístico, com expansão plasmática mais intensa e de maior duração de
ação, uma vez que a hiperosmolaridade da solução salina hipertônica se soma ao efeito do Dextrano sobre a
pressão oncótica. Estudos de meta-análise realizados no homem revelaram que a associação salina
hipertônica/dextrano resulta em aumento do índice de sobrevida em pacientes com choque traumático quando
comparado à ressuscitação envolvendo o uso isolado da salina hipertônica ou Ringer Lactato isoladamente (Wade
et a, 1994; Wade et al, 1997).
Uma das principais preocupações com o uso das soluções de Dextrano em pequenos animais é a sua
interferência com a hemostase. Em cães, a infusão rápida de Dextrano 70 resultou em uma diminuição da
atividade do fator de von Willebrand e fator VIII, além de aumentos na tempo parcial de tromboplastina ativada e
tempo de sangramento da mucosa bucal (Concannon et al., 1992). Apesar de não haverem estudos
demonstrando aumento da perda sanguínea em pacientes recebendo Dextranos, pode-se observar aumento do
sangramento no trans-operatório em cães e gatos recebendo este tipo de colóide.
Amido de Hidroxietila: O amido de hidroxietila é um polímero sintético da glicose que se assemelha
substancialmente ao glicogênio. Grupamentos hidroxietil são adicionados ao polissacarídeo com uma taxa de
substituição variando de 0.45 a 0.8 (cerca de 45 a 80% das moléculas de glicose possuem grupamentos
hidroxietil). A adição de grupamentos hidroxietil objetiva tornar a molécula mais hidrosolúvel e retardar seu
metabolismo.

126
Há 3 tipos de amido de hidroxietila disponíveis: 1-“hetastarch” (amido de 1ª geração: Plasmateril®); 2-
“pentastarch” (amido de 2ª geração: Hemoahes®); “tetrastatch” (amido de 3ª geração: Voluven®). As diferentes
denominações (hetastarch, pentastarch e tetrastarch) estão relacionadas ao grau de substituição de moléculas de
amido por grupamentos hidroxietil (70% para o hetastarch, 50% para o pentastarch e 40% para o tetrastarch).
Quanto menor o grau de substituição, mais rapidamente o colóide é metabolizado pela amilase plasmática. As
novas gerações de amidos também apresentam menor peso molecular médio (450,000 KDa para o hetastarch;
200,000 KDa para o pentastarch e 140,000 KDa para o tetrastarch), e quanto menor o peso molecular menor sua
persistência na circulação.
De forma geral todos os amidos de hidroxietila aumentam o volume plasmático na mesma proporção que o volume
infundido; persitindo por mais tempo na circulação que os dextranos ou gelatinas devido ao seu maior peso
molecular médio. Em que cães receberam 25 mL/kg de amido de hidroxietila (“hetastarch”) ou dextrano, o efeito
expansor plasmático do amido decaiu para cerca de 38% após 24 horas da sua administração, enquanto para o
Dextrano 70 este efeito era de apenas 18% em tempo similar (Thompson et al., 1970).
Os amidos de hidroxietila pode ser empregados no tratamento do choque traumático/hipovolêmico ou em estados
de pressão oncótica reduzida (hipoproteinemia/hipoalbuminemia). Da mesma forma que o efeito expansor
plasmático, o aumento da pressão oncótica decresce em função do tempo. Em um estudo realizado em cães
apresentando hipoalbuminemia, o emprego do amido de hidroxietila resultou em aumento da pressão oncótica que
perdurou por menos de 12 horas (Moore & Garvey, 1996).
Os amidos de hidroxietila podem interferir com a coagulação sanguínea, porém em menor intensidade que as
gelatinas e os dextranos. Como o fator VIII da coagulação é afetado pela infusão de amido de hidroxietila, este
colóide é contraindicado em pacientes com a doença de von Willebrand. Clinicamente, no entanto, estudos
realizados no homem não tem associado o uso do amido de hidroxietila a um aumento do sangramento (Vogt et
al, 1996). Em cães o amido de hidroxietila (“hetastarch”) pode ser empregado na dose máxima de 20mL/kg/dia
sem apresentar efeito clinicamente evidente na coagulação na maioria dos casos. Os amidos de 2ª (“pentastarch”,
Hemohaes®) e 3ª geração (“tetratarch”, Voluven®) causam menor interferência na coagulação que o “hetastarch”
(Plasmateril®). A menor interfência com a coagulação proprocionada pelos amidos de nova geração parece estar
relacionada a sua menor persitência na circulação (menor grau de substituição de grupamentos hidroxietila).

Colóides X cristalóides no paciente cirúrgico: A principais vantagens dos colóides em relação aos cristalóides
isotônicos no tratamento de estados de hipovolemia incluem: 1) necessidade de menor volume para produzir
expansão do volume circulatório, 2) maior duração do efeito expansor plasmático, 3) maior melhora na
microcirculação; 4) estabilização hemodinâmica mais consistente e prolongada (Friedman et al, 2003). A maior
eficácia dos colóides sintéticos na expansão do volume circulante está relacionada à sua capacidade de manter a
pressão coloidosmótica no compartimento intravascular devido à atração de água exercida pelas macromoléculas
(colóides). Enquanto a expansão do volume circulante produzida por um colóide corresponde a pelo menos 100%
do volume infundido, a expansão volêmica resultante soluções cristalóides isotônicas (Ex: Ringer lactato, NaCl a
0,9%) corresponde a apenas 25% do volume infundido após 1 hora da sua administração. Devido a esta
diferença, considera-se que o volume de cristalóide isotônico necessário para se obter o mesmo efeito expansor
do volume circulante é até quatro vezes maior que o volume de colóide sintético.
Na escolha da solução a ser empregada no paciente hipovolêmico, deve-se levar em conta as vantagens e
desvantagens de cada fluido, o tipo de choque apresentado pelo paciente, a possível presença de distúrbios da
coagulação, bem como fatores econômicos. Em um levantamento de meta-análise recente, evolvendo nove
estudos com um número total de 1889 pacientes humanos com choque traumático (Wade et al, 1997), observou-
se que o emprego de solução salina hipertônica (NaCl 7,5%) associada ao Dextrano 70 (6%) resultou em maior
índice de sobrevivência que os grupos tratados apenas com Ringer Lactato ou NaCl a 7,5% não associado ao
colóide. Aparentemente, o uso de soluções hipertônicas combinadas com colóides favorece uma melhor sobrevida
do paciente com choque traumático. Há ainda evidências que a solução salina hipertônica (NaCl 7,5%) associada
ao Dextrano 70 (6%) na dose de 4-5 mL/kg é benéfica no choque séptico associado a piometra em cães (Fantoni
et al, 1999). A solução salina hipertônica/dextrano 70, não se encontra disponível no mercado brasileiro.
Atualmente se encontra disponível no mercado nacional a solução hipertônica (NaCl a 7.5%) associada ao
amido de hidroxietila de 1ª geração (HyperHAES®). Sua posologia é semelhante a da salina hipertônica /
Dextrano (4-5 mL/kg durante 5 minutos).
O bolus de colóide sintético, no volume de 5 mL/kg administrado durante 15 minutos, pode pode ser
empregados como alternativa ao bolus de cristalóide isotônico (20 mL/kg durante 15 minutos) ou em animais onde
o cristalóides foram ineficazes em produzir estabilização cardiovascular. Há maior preferência pelos amidos de
hidroxietila em geral, em especial aos amidos de 2ª (“pentastarch”: Hemohaes®) e de 3ª geração (“tetrastarch”:
Voluven®), devido à sua menor interferência com a coagulação sanguínea. Apesar dos amidos de ultima geração
poderem ser empregados em volumes totais maiores, de forma geral deve-se evitar volumes maiores que 20
mL/kg a cada 24 horas.

127
5- Distúrbios eletrolíticos: diagnóstico e tratamento

Distúrbios do sódio: Para manter a concentração plasmática de sódio dentro dos limites normais, o organismo
possui mecanismos homeostáticos eficientes, os quais podem ser ativados mesmo em condições de depleção do
conteúdo de sódio corpóreo total. O volume do LEC, ao contrário da concentração plasmática de sódio, é
diretamente dependente do conteúdo de sódio corpóreo total. Variações nesse conteúdo refletirão no volume de
plasmático circulante. Dessa forma, a concentração de sódio mensurada no plasma (ou no soro) não é uma
medida exata do conteúdo de sódio total e um paciente com anormalidade na concentração plasmática de sódio
(hiponatremia ou hipernatremia) pode apresentar conteúdo de sódio corpóreo total aumentado, normal ou
reduzido. Para a avaliação do balanço hídrico (resultante da ingestão e excreção de água), tanto a concentração
plasmática de sódio quanto a osmolalidade plasmática devem ser consideradas.

+
Hipernatremia: A hipernatremia (Na plasmático >155 mEq/L em cães e > 162 mEq/L em gatos) ocorre por
déficit de água pura, perda de fluidos hipotônicos (fluidos com baixa concentração de sódio) ou por excesso de
sódio (administração de solução salina hipertônica, intoxicação por sal). Os animais podem apresentar déficit de
água pura em variadas circunstâncias: 1) acesso inadequado á água, 2) incapacidade física para a ingestão de
água, 3) aumento da temperatura ambiental ou corporal (febre), 4) diabetes insipidus central ou nefrogênica, 5)
terapias com diuréticos osmóticos, como o manitol, 6) exercício extenuante. A perda de fluido hipotônico, por sua
vez, pode ser de origem renal (como ocorre na poliúria causada pela diabetes insipidus, na insuficiência renal
crônica, na diurese pós-obstrutiva, nas terapias com diuréticos osmóticos como manitol e glicose) ou
gastrintestinal (vômito, diarréia). O desvio de fluido hipotônico para compartimentos transcelulares (como ocorre
nas peritonites e pancreatites), embora menos freqüente, também pode resultar em hipernatremia (DiBartola,
2000a; Stockham & Scott, 2002).

A elevação da concentração plasmática de sódio e o aumento da osmolalidade plasmática geralmente ocorrem


paralelamente, pois o sódio é responsável por mais de 95% da osmolalidade plasmática. Em cães e gatos, os
sinais clínicos da hipernatremia geralmente aparecem quando a concentração plasmática de sódio é próxima
ou superior a 170 mEq/L. Por outro lado, a severidade dos sinais clínicos está muito mais relacionada à rapidez
das mudanças do que à sua magnitude. A hiperosmolalidade plasmática resultante do balanço inadequado de
água e sódio plasmático, quando severa, pode ocasionar rápido desvio de água do espaço intracelular para o
espaço extracelular. Os efeitos clínicos da desidratação celular são muito mais intensos no cérebro e podem
culminar em hemorragia intracraniana. Os danos neurológicos mais freqüentes da hipernatremia (e
hiperosmolalidade) são relacionados à disfunção de SNC e podem progredir para convulsões e coma.

Tratamento da hipernatremia: O tratamento deve ser instituído se a concentração de sódio for maior que 170
mEq/L e é baseado no conhecimento do estado de depleção volêmica do paciente e na provável causa da
hipernatremia (DiBartola, 2000a). Pacientes desidratados e hipovolêmicos que apresentam hipernatremia podem
ser tratados inicialmente com fluidos isotônicos convencionais (Ringer lactato). Após o restabelecimento da
volemia, a fluidoterapia de manutenção pode ser realizada com fluidos hipotônicos, como a solução de NaCl a
0,45%. O emprego inicial de fluidos isotônicos (NaCl 0,9%, Ringer lactato) possibilita a redução mais lenta dos
níveis de sódio do LEC, enquanto a rápida correção da hipernatremia crônica através da administração de fluidos
hipotônicos (glicose 5%, NaCl 0,45%) pode resultar em complicações muito mais severas, levando a edema
cerebral, coma e morte.

+
Hiponatremia: O desenvolvimento de hiponatremia (Na < 138 mEq/L em cães e < 146 mEq/L em gatos)
geralmente está associado à redução da osmolalidade do LEC. A hiponatremia, porém, nem sempre resulta em
menor osmolalidade, uma vez que situações como hiperglicemia e administração de manitol podem proporcionar
aumento da osmolalidade mesmo em pacientes hiponatrêmicos (DiBartola, 2000b). A severidade dos sinais e
sintomas da hiponatremia depende da velocidade e intensidade da diminuição do sódio plasmático. Uma rápida
diminuição na osmolalidade do LEC devido à diminuição na concentração de sódio no fluido extracelular pode
causar edema cerebral. No homem, hiponatremia aguda com redução da osmolalidade foi relacionada a edema
cerebral seguido de morte (Cluitmans & Meinders, 1990). Entretanto, não há relatos de hiponatremia resultando
em sinais neurológicos na literatura veterinária. A hiponatremia crônica é menos provável de resultar em
sintomas severos, pois as células cerebrais parecem se adaptar a baixa tonicidade do LEC através da redução de
sua própria tonicidade. Muitos pacientes cirúrgicos podem apresentar hiponatremia com depleção de
volume/desidratação devido à perda de sódio e água através dos rins (hipoadrenocorticismo, administração de
diuréticos como a furosemida), do trato gastrintestinal (vômito, diarréia) ou por perda para terceiro compartimento
(efusão pleural, peritonite, pancreatite, uroabdomen) (DiBartola, 2000b). Além disso, a hiponatremia também pode
estar associada à hipervolemia nos casos de falência cardíaca congestiva, falência renal avançada, síndrome
nefrótica e doenças hepáticas severas (DiBartola, 2000b).

128
Tratamento da hiponatremia: Enquanto o uso de soluções hipertônicas deve ser evitado, o tratamento da
hiponatremia associado à depleção de volume (hipovolemia / desidratação) pode ser baseado na utilização de
fluidos isotônicos convencionais como o Ringer lactato, pois correções excessivamente rápidas no sódio
plasmático podem causar lesões neurológicas degenerativas (desmielinização dos neurônios). Seqüelas
+
neurológicas associadas com correção excessivamente rápida no sódio (incrementos no Na plasmático maiores
que 10-12 mEq/kg/dia) têm sido relatadas em cães (O’Brien et al, 1994; Brady et al, 1999; Churcher et al, 1999;
MacMillan, 2003). O risco de seqüelas parece ser maior em casos de correções rápidas no sódio nos casos de
hiponatremia crônica. Os mecanismos responsáveis pela desmielinização osmótica incluem a combinação de
distúrbios eletrolíticos e alterações moleculares associadas a apoptose. Após aproximadamente 5 a 7 dias, o
cérebro se adapta ao meio externo hipotônico (hiponatremia) com o movimento de eletrólitos e outros osmóis
orgânicos para fora das células neuronais. Neste momento, a rápida elevação do sódio, maior que 12 mmol/L em
24 horas, resultaria em um LEC mais hipertônico que os neurônios com subseqüente movimento de água para
fora do tecido cerebral (DiBartola, 2000b).

Distúrbios do cloreto: o cloreto é o ânion encontrado em maior quantidade no LEC e as mudanças nos níveis
plasmáticos de cloreto influenciam diretamente o equilíbrio ácido-básico. O aumento no cloreto causa acidose
metabólica hiperclorêmica, enquanto que a diminuição no cloreto causa alcalose metabólica hipoclorêmica. Para
interpretar corretamente as mudanças neste eletrólito, a mensuração plasmática de cloreto deve ser corrigida com
-
base na concentração de sódio. Os valores de Cl corrigidos em cães podem ser calculados através da seguinte
fórmula (de Morais, 2000a):

- - +
Cl (corrigido) = Cl (mensurado) x 146/Na (mensurado)

-
Para calcular a correção de Cl em gatos:

- - +
Cl (corrigido) = Cl (mensurado) x 156/Na (mensurado)

Hipocloremia e hipercloremia verdadeiras são definidas , respectivamente, como valores de cloreto abaixo ou
-
acima dos valores de referência para o Cl corrigido (107 a 113 mEq/L em cães e 117 a 123 mEq/L em gatos) (de
Morais, 2000a).

O ânion gap é um parâmetro calculado a partir das concentrações de eletrólitos mensuradas no plasma, sendo
utilizado como auxiliar no diagnóstico de determinados distúrbios do equilíbrio ácido-base. De acordo com a lei da
eletroneutralidade, todos os ânions são anulados por todos os cátions no organismo, não existindo diferença (gap)
entre estes. No entanto, nas mensurações realizadas na prática, observa-se uma diferença entre as somas das
+ + - -
concentrações dos cátions (Na e K ) e a soma das concentrações dos ânions (Cl e HCO3 ). Esta diferença é
denominada ânion gap. Em cães e gatos, o ânion gap normalmente se situa entre 12 e 24 mEq/L:
+ + - -
(Na + K ) - (Cl + HCO3 ) = ÂNION GAP

++ ++
A explicação para esta diferença é a presença de cátions (CNM: Ex: Ca e Mg ) e, principalmente, de ânions
(ANM: Ex: lactato, acetato, β-hidroxibutirato, proteínas) não mensurados. Portanto, caso se leve em consideração
a presença dos íons não mensurados (CNM e ANM), o resultado seria igual a zero (todos os ânions são anulados
por todos os cátions):
+ + - -
(Na + K + CNM) - (Cl + HCO3 + ANM) = 0 (Lei da eletroneutralidade)

O ânion gap é utilizado para auxiliar no diagnóstico de acidose causada por acúmulo de ácidos orgânicos (Ex:
+
acidose lática, causada por acúmulo de ácido lático). Neste caso, o acúmulo do cátion H leva a titulação do
-
HCO3 . Paralelamente ao aumento da concentração ânion não mensurado (lactato) ocorre redução da
concentração do ânion bicarbonato. O acúmulo de lactato leva ao aumento do ânion gap devido à diminuição da
-
concentração do HCO3 que ocorre para se manter a eletroneutralidade.

Hipocloremia: Na alcalose metabólica hipoclorêmica, o cloreto se encontra reduzido enquanto o bicarbonato


está aumentado (> 20 mEq/L). Neste caso, a perda excessiva do ânion cloreto (hipocloremia) é associada a um
aumento da concentração do ânion bicarbonato para se manter a eletroneutralidade. Esta condição pode ser
causada por várias situações clínicas como vômito e terapia com diuréticos. Os diuréticos estimulam a excreção
de quantidades iguais (mEq) de sódio e cloreto pelos rins. Desta forma pode haver perdas desproporcionais de
cloreto, uma vez que este se apresenta em menores quantidades no LEC que o sódio (110 mEq/L para o cloreto
versus 150 mEq/L para o sódio). No entanto, o vômito de conteúdo estomacal, ocasionando perdas excessivas
de HCl, é a causa mais comum de alcalose metabólica hipoclorêmica em cães e gatos (DiBartola, 2000c). Em
muitos animais apresentando vômito, pode haver o desenvolvimento de hipovolemia/desidratação significante. Se
-
o animal apresenta diminuição na concentração de Cl concomitantemente a sinais hipovolemia, então um

129
distúrbio misto pode estar presente [alcalose metabólica hipoclorêmica e acidose lática]. Neste distúrbio misto, o
pH e o bicarbonato podem estar aumentados, diminuídos ou dentro da normalidade, dependendo do distúrbio que
se encontra prevalente (de Morais, 2000a, de Morais, 2000b, DiBartola, 2000c). Uma vez que a acidose
metabólica hipoclorêmica e acidose lática resultam em efeitos opostos sobre o pH e bicarbonato, é possível que
este distúrbio misto passe desapercebido, pois os valores de pH e bicarbonato podem estar dentro dos limites
-
considerados normais. Neste caso, no entanto, o ânion gap e os valores de Cl corrigido ajudam a identificar os
distúrbios mistos: a acidose lática resultaria em aumento do ânion gap a valores acima dos limites de referência
-
(12-24 mEq/L), enquanto que o Cl corrigido estaria abaixo do normal devido a alcalose metabólica. O tratamento é
baseado na reposição do déficit hídrico com fluidos ricos em cloreto (solução e NaCl a 0,9% ou Ringer simples).
+
Desde que a hipocalemia (diminuição do K plasmático) é freqüentemente associada ao vômito induzindo
hipocloremia, é recomendada a adição de potássio, na forma de KCl, à fluidoterapia.

Hipercloremia: Na acidose metabólica hiperclorêmica, o cloreto se encontra aumentado e o bicarbonato


reduzido (< 20 mEq/L), não havendo alterações no ânion gap (valores normais de 12 a 24 mEq/L) (DiBartola,
2000c). Diarréia, administração excessiva de fluido ricos em cloreto e outras condições clínicas podem causar
acidose metabólica hiperclorêmica. O tratamento deve ser direcionado em resolver a causa. A coexistência de
vômito (alcalose metabólica hipoclorêmica) e diarréia (acidose metabólica hiperclorêmica) pode teoricamente levar
a distúrbio misto com efeitos opostos sobre o pH, o bicarbonato e o cloreto, com ânion gap normal (caso não haja
acidose lática). Nestas circunstâncias, as mudanças nas variáveis monitoradas somente serão notadas se um dos
distúrbios prevalecer sobre o outro (de Morais, 2000b).

A acidose metabólica normoclorêmica é causada pelo acúmulo de ácidos orgânicos (ânions não mensurados:
lactato, cetonas, fosfato). Os valores de bicarbonato mensurados pela hemogasometria se encontram reduzidos (<
20 mEq/L), porém o cloreto se encontra dentro dos limites de normalidade, tipicamente, resultando em
aumento do ânion gap (geralmente acima de 24 mEq/L). Com base no tipo de substância ácida acumulada e na
patofisiologia do desequilíbrio ácido-base, a acidose metabólica normoclorêmica pode receber a denominação de
acidose lática, cetoacidose diabética ou ainda acidose urêmica.
Acidose lática: O metabolismo da glicose resulta inicialmente na formação de ácido pirúvico, o qual sob
condições normais (aerobiose) é convertido em acetil-CoA, composto que participa do ciclo de Krebs (fosforilação
oxidativa) ou do processo de gliconeogênese. Por outro lado, sob condições anaeróbicas o piruvato sofre
fermentação lática, resultando na formação de ácido lático. A acidose lática é um problema clínico comum tanto
em pequenos como grandes animais. Este tipo de acidose metabólica é causado pelo acúmulo de ácido lático no
organismo devido ao aporte deficiente de O2 aos tecidos ou devido à incapacidade destes em utilizar o oxigênio
suprido pelo sangue (estados de choque). No choque hipovolêmico ou hemorrágico, por exemplo, a queda do
volume circulante resulta em redução da oferta de O2 para os tecidos (hipóxia tecidual), culminando em acúmulo
de ácido lático. Como já discutido anteriormente, a acidose lática resulta tipicamente em aumento do ânion gap,
uma vez que a redução do bicarbonato ocorre paralelamente à elevação do lactato (ANM):
↑Lactato (ANM)
+ + - -
(Na + K ) - (Cl + ↓HCO3 ) = ÂNION GAP > 24
O fato do animal não apresentar ânion gap aumentado não implica obrigatoriamente na ausência de acidose
orgânica, pois o ânion gap pode ser influenciado por outros fatores. A hipoproteinemia (níveis séricos de albumina
reduzidos), por exemplo, pode mascarar a elevação do ânion gap, por apresentar efeito oposto neste parâmetro.
Cetoacidose diabética: O acúmulo de cetoácidos (acido acético, propiônico e β-hidroxibutírico) levando à
acidose metabólica ocorre na diabetes mellitus. Esta afecção é um distúrbio hormonal do metabolismo da glicose
causado por uma deficiência absoluta ou relativa de insulina, a qual impede absorção da glicose circulante
pelas células e resulta em hiperglicemia (aumento dos níveis de glicose circulante). Paralelamente, ocorre
aumento dos níveis séricos de glucagon, hormônio que estimula a glicogenólise (aumento da glicemia) e
lipólise (formação de cetoácidos). Portanto, devido à deficiência de insulina e excesso de glucagon, ocorre
acúmulo excessivo de cetoácidos (acetato, β-hidroxibutirato), levando à acidose metabólica. Em pacientes
diabéticos com depleção do volume circulante (desidratação), ocorre aumento do ânion gap devido à retenção
de cetoácidos na circulação (acetato, β-hidroxibutirato). Em pacientes diabéticos com o volume circulatório normal
(não desidratados), o ânion gap pode não estar aumentado devido ao aumento dos níveis séricos de cloreto que
ocorre secundariamente à retenção de cloreto pelos rins. Além da cetoacidose, o paciente diabético também pode
apresentar acidose lática caso esteja significativamente desidratado/hipovolêmico.
Acidose urêmica: Na acidose urêmica, os ácidos inorgânicos (fosfato, sulfato) e orgânicos se acumulam no
organismo devido à incapacidade dos rins em excretá-los. No caso de insuficiência renal, observa-se que os
valores séricos de uréia e creatinina se encontram elevados (a uréia e creatinina são metabólitos que dependem
dos rins para sua excreção) e a hemogasometria pode acusar acidose metabólica associada a aumento do ânion
gap (acidose urêmica).

130
O bicarbonato de sódio pode ser empregado no tratamento de acidose metabólica normoclorêmica severa,
quando o pH se encontra abaixo de 7,2 (DiBartola, 2000c). Deve-se considerar que a redução do pH em casos a
acidose metabólica severa (déficit de base mais negativo que -10 mEq/L) pode ser mascarada pela alcalose
respiratória concomitante. Nestes casos, a redução do pH pode se tornar marcante (abaixo de 7.2) após a indução
da anestesia geral, pois os anestésicos deprimem a ventilação pulmonar. Os autores vêem utilizando bicarbonato
de sódio em acidose metabólica severa resultando em déficit de base mais negativo que -10 mEq/L,
independentemente do valor de pH. A quantidade de bicarbonato de sódio é calculada de acordo com a seguinte
fórmula:

NaHCO3 (mEq) = 0.3 x peso corpóreo (kg) x déficit de base

O uso de bicarbonato de sódio não é destituído de complicações e mesmo correções baseadas na fórmula
mencionada anteriormente podem resultar em alcalose metabólica iatrogênica, pois o bicarbonato exógeno pode
se somar ao bicarbonato originado pelo metabolismo do lactato acumulado nos tecidos isquêmicos assim que o
volume circulante é restaurado. A incidência de alcalose metabólica persistente como complicação da terapia com
bicarbonato parece ser baixa se o bicarbonato for utilizado criteriosamente. Para evitar a complicação mencionada
acima, geralmente administra-se somente 1/2 a 1/3 do volume de bicarbonato calculado (com base na fórmula
acima) pela via intravenosa durante 15 a 30 minutos. O bicarbonato somente trata as conseqüências imediatas da
acidose lática (diminuição dos níveis de bicarbonato) e a ênfase inicial deve ser no tratamento da causa da
acidose metabólica. Em quadros de acidose lática devido à hipovolemia, a fluidoterapia deve ser o tratamento
primário, pois a reposição volêmica a melhorar a perfusão dos órgãos e interrompe a produção de ácido lático
pelos tecidos hipóxicos.

Distúrbios do potássio: A manutenção de níveis de potássio normais no organismo depende do equilíbrio entre o
potássio ingerido pela dieta e o potássio excretado, principalmente pela urina.

Hipocalemia: A hipocalemia (K+ < 3.7 mEq/L) é um distúrbio eletrolítico freqüentemente observado em pacientes
anoréticos (déficit na ingestão de potássio) ou apresentando vômito (perdas excessivas de potássio através do
vômito de conteúdo estomacal). A administração de diuréticos expoliadores de potássio (Ex: furosemide) pode
contribuir para os episódios de hipocalemia severa, especialmente em animais que se tornam anoréticos ou que
passam a apresentar vômito concomitantemente à terapia diurética. Este quadro clínico pode ser observado em
animais cardiopatas recebendo terapia com diuréticos como furosemide, os quais passam a apresentar vômito
devido à intoxicação com digitálicos. Finalmente, a hipocalemia também pode estar associada ao excesso do
hormônio aldosterona (hiperaldosteronismo primário). A secreção excessiva de aldosterona (hiperaldosteronismo)
estimula os rins a reabsorver sódio e a excretar potássio, resultando em hipernatremia e hipocalemia. O
hiperaldosteronismo é observado principalmente em felinos (Chiaramonte & Grecco, 2007).

Entre os sintomas clínicos da hipocalemia pode-se citar depressão, fraqueza muscular, letargia e predisposição a
íleo pós-operatório. Além disso, a hipocalemia está associada a taquiarritmias e pode tornar o miocárdio refratário
a antiarritmicos da classe I (lidocaína, procainamida, quinidina) (DiBartola & de Morais, 2000). Portanto, a correção
da hipocalemia deve ser considerada em animais apresentando arritmias ventriculares não responsivas a terapia
antiarrítmica.

Tratamento da hipocalemia: A suplementação de potássio na fluidoterapia de manutenção de pacientes não


submetidos à anestesia e cirurgia é descrita detalhadamente na literatura (DiBartola & de Morais, 2000) e não será
abordada neste capítulo. A suplementação de potássio na fluidoterapia intraoperatória é recomendada quando os
níveis de potássio se encontram abaixo de 3 mEq/L (Seeler, 2007). Neste caso, soluções cristalóides isotônicas
contendo 20 mEq/L de potássio podem ser administradas em uma taxa de manutenção de 10 mL/kg/h no
período intra-operatório, resultando numa velocidade de infusão de potássio de 0,2 mEq/kg/h. A adição de 6 mL
de KCl 19,1% por litro de Ringer ou Ringer lactato ou de 8 mL de KCl 19,1% por litro de solução fisiológica (NaCl a
+
0,9%) resulta na concentração de 20 mEq de K por litro de solução cristalóide (1 mL KCl 19,1% = 2,56 mEq de
+
K ). A taxa máxima de infusão de fluidos isotônicos contendo 20 mEq/L de potássio não deve exceder a 25
mL/kg/h, a qual corresponde a taxa de infusão máxima de potássio (0,5 mL/kg/h) recomendada. A taxa 0,5
+
mEq/kg/h de potássio é recomendada somente em animais com hipocalemia severa (K < 2 mEg/L) e a
monitoração periódica dos níveis de potássio (a cada 1 ou 2 horas) é aconselhável nestas circunstâncias.
Concentrações de até 80 mEq/L de potássio vêm sendo recomendadas no tratamento da hipocalemia severa
(DiBartola & de Morais, 2000). Para se obter esta concentração, deve-se adicionar 28 mL de KCl 19,1% em 1 litro
de Ringer ou Ringer lactato ou 31 mL de KCl 19,1% em 1 litro de NaCl a 0,9% . Esta solução deve ser
+
administrada na velocidade de 6 mL/kg/h (correspondente a 0,5 mEq/kg/h de K ), preferencialmente com o uso de
bomba de infusão para se evitar o risco de sobredosagem de potássio. Na hipocalemia severa, à medida que os
níveis plasmáticos de potássio excedem 3 mEq/L com o tratamento, pode-se reduzir a taxa de infusão de potássio
para velocidades menores que 0,5 mEq/kg/h (tipicamente 0,2 mEq/kg/h). Quando soluções cristalóides contendo
KCl são utilizadas durante a anestesia, deve-se dispor de um segundo frasco de cristalóide isotônico sem adição
131
de potássio (Ex: Ringer lactato, NaCl a 0,9% ou Ringer simples) conectado diretamente ao cateter intravenoso
através de uma torneira de 3 vias. Em caso de necessidade de administração rápida de fluidos no período
intraoperatório (acima de 10 mL/kg/hora), não se deve empregar a solução contendo adição de potássio, mas sim
a solução cristalóide isotônica regular.

+
Hipercalemia: A Hipercalemia (K > 5.5 mEq/L) pode ser observada principalmente em caso excreção renal de
potássio reduzida ou bloqueada devido a obstrução uretral, insuficiência renal anúrica ou oligúrica, uroperitôneo,
ou ainda devido ao hipoadrenocorticismo (doença de Addison). No hipoadrenocorticismo, a deficiência do
hormônio aldosterona leva à perda urinária de sódio (hiponatremia), a qual é acompanhada de retenção de
potássio (hipercalemia) pelos néfrons. O uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA: enalapil,
captopril) pode eventualmente contribuir para a hipercalemia devido a redução da liberação de aldosterona
secundária à inibição da formação de angiotensina II. No entanto, esta complicação somente parece ocorrer
quando os inibidores da ECA são administrados a pacientes com comprometimento renal e que estão recebendo
suplementação de potássio (DiBartola & de Morais, 2000). Diferentemente do furosemide, o qual aumenta a
excreção urinária de potássio, a espironolactona reduz a excreção urinária de potássio, podendo contribuir para a
elevação do potássio sérico, apesar do aumento da diurese (DiBartola & de Morais, 2000).

Como 95% do potássio é encontrado no meio intracelular, aumentos do potássio plasmático (pseudo-
hipercalemia) podem ainda ser observado em casos de lise celular massiva, como ocorre no trauma e nas injúrias
musculares. No entanto, caso a função renal esteja normalizada, a elevação do potássio secundária a trauma /
injúria muscular é de curta duração, pois os rins facilmente excretam o potássio acumulado no LEC. A pseudo-
hipercalemia também pode estar associada à trombocitose ou hemólise, embora, de forma geral, a lise de células
vermelhas não cause elevação do potássio plasmático (estas células são pobres em potássio). A hemólise pode
causar pseudo-hipercalemia em cães da raça akita, uma vez que as células vermelhas nos animais desta raça,
diferentemente de outras raças de cães, é particularmente rica em potássio (Degen, 1987).

Tratamento da hipercalemia: A principal causa de hipercalemia em pacientes cirúrgicos é a excreção renal de


potássio bloqueada ou reduzida devido à obstrução uretral, ruptura de bexiga com uroabdômen e insuficiência
renal anúrica ou oligúrica. A concentração de potássio plasmático deve estar abaixo de 6 mEq/L antes da indução
da anestesia para se minimizar o risco de complicações trans-anestésicas (Seeler, 2007). O uso de fluidos livre de
potássio (solução de NaCl a 0,9%) parece ser mais eficiente em reduzir os níveis de potássio plasmáticos que o
Ringer lactato e outras soluções balanceadas que contenham potássio. A correção da hipercalemia antes da
anestesia deve ser dirigida para a reposição do déficit de fluido com fluidos isotônicos (NaCl a 0.9%) e para o
tratamento de distúrbios metabólicos do equilíbrio ácido-base. Acidose metabólica pode exarcebar a hipercalemia,
+
pois o excesso de íons H se move para o compartimento intracelular para ser tamponado, num mecanismo onde
+
o íon H é trocado com o potássio, que se move para o LEC. O uso de 1 a 2 mEq/kg de bicarbonato de sódio
pela via intravenosa (1 a 2 mL/kg de bicarbonato de sódio a 8,4%) pode auxiliar no retorno do potássio para
+
interior da célula por exercer ação neutralizante dos íons H . A glicose pode ser adicionada à fluidoterapia numa
+
concentração final de 5%, pois ela auxilia indiretamente no movimento de K para o compartimento intracelular ao
estimular a liberação de insulina. A insulina possui ação estimulante direta sobre o mecanismo de transposição
do potássio para o interior das células, sendo eventualmente utilizada no tratamento de gatos com obstrução
uretral (Schaer, 1975). A dose recomendada varia entre 0.55 to 1.1 U/kg de insulina regular administrada pela via
IM ou SC, associada a 2 gramas de glicose IV (4 mL de glicose a 50%) para cada unidade de insulina
administrada. O uso da insulina tem potencial de significativamente interferir com o metabolismo da glicose e deve
ser reservado como última opção, em casos de hipercalemia refratária a outras medidas terapêuticas (DiBartola &
de Morais, 2000; Seeler, 2007).

O gluconato de cálcio (0.5 mL/kg de gluconato de cálcio a 10%, administrados pela via IV em 15 a 30 minutos) é
indicado no tratamento dos sinais de cardiotoxicidade (bradicardia, ausência de ondas P, ondas T elevadas)
+ +
associado a hipercalemia severa (K > 7,5 mEq/L). O cálcio, no entanto, não diminui os níveis plasmáticos de K ,
mas somente contrabalanceia os efeitos cardiotóxicos de níveis excessivamente elevados de potássio por
estabilizar temporariamente a atividade eletrofisiológica das células miocárdicas, re-estabelecendo o gradiente
entre o limiar de potencial de ação e o potencial de repouso (DiBartola & de Morais, 2000; Seeler, 2007) (Figura
2). A duração do efeito é relativamente curta (até 1 hora) e outras medidas para a redução dos níveis de potássio
devem ser adotadas concomitantemente.

132
+30

-30

-60
normal ↑ K+ ↓ K+
-90

-120

Figura 2: Efeitos da hipercalemia (↑K+) e da hipocalemia (↓K+) sobre o potencial de membrana em repouso (PMR: linha
tracejada). A diferença entre o PMR e o limiar do potencial de ação (LPA) é reduzida pela hipercalemia. A administração
de soluções contendo cálcio aumenta da diferença entre o PMR e o LPA, restabelecendo temporariamente este
gradiente e antagonizando os efeitos cardiotóxicos da hipercalemia severa. (Figura parcialmente modificada: de Morais
& DiBartola, 2000).

6- Entendendo os efeitos dos fluidos no equilíbrio eletrolítico e ácido-básico

As soluções cristalóides e colóides podem influenciar o equilíbrio ácido-base e eletrolítico através de 2


mecanismos: 1) expansão do volume do compartimento intravascular; e 2) alteração da concentração de
eletrólitos no plasma e interstício.

A solução de NaCl a 0,9% (ou solução salina fisiológica) é um fluido acidificante. Através da análise quantitativa
proposta por Stewart (1983) para justificar os distúrbios do equilíbrio ácido-base, o efeito acidificante da solução
salina fisiológica (NaCl a 0.9%) pode ser melhor compreendido. Esta análise considera que as concentrações
+ -
plasmáticas de H e HCO3 são variáveis dependentes e ambas são influenciadas por 4 variáveis independentes:
íons fortes (strong ions: SD), ácidos não-voláteis fracos (Atot), água livre e pressão parcial de CO2 (Bailey & Pablo,
1998). O efeito dos íons fortes no equilíbrio (ou desequilíbrio) ácido-base é calculado pela diferença dos íons
+
fortes (strong ions difference / SID), ou seja, a diferenças da concentração plasmática normal de Na e a
-
concentração plasmática corrigida de Cl . No organismo, essa diferença normalmente é positiva e aumento ou
diminuição dessa variável sugere alcalose ou acidose, respectivamente.

+
A composição eletrolítica da solução de NaCl a 0,9% está exposta na Tabela 1. A concentração de Na na solução
de NaCl a 0.9% é similar a do plasma canino (154 mmol/L e 150 mmol/L, respectivamente), enquanto que a
-
concentração de Cl é significativamente maior (154 mEg/L e 110 mEq/L, respectivamente). De acordo com o
- -
conceito de Stewart, quanto maior a concentração plasmática de Cl menor o valor de pH (acidose), pois o Cl ,
+
dissociado em solução aquosa, se liga ao H e origina um ácido forte (HCl). Dessa forma, a administração de
-
grandes volumes de solução de NaCl a 0.9% por um período prolongado pode aumentar a concentração de Cl no
plasma e resultar em acidose metabólica hiperclorêmica.

Em um estudo realizado em pacientes humanos, a administração de volumes relativamente elevados de solução


de NaCl 0.9% (30 mL/kg/h) durante a cirurgia induziu discreta acidose metabólica hiperclorêmica, enquanto que a
administração de volumes similares de Ringer lactato não causou mudanças significativas no equilíbrio eletrolítico
e ácido-base (Scheingraber et al, 1999). Ainda nesse estudo, o equilíbrio ácido-base foi analisado de acordo com
o conceito tradicional (redução no bicarbonato através da equação de Henderson-Hasselbalch) e com o conceito
alternativo de Stewart (diminuição no SID). Em ambas as análises, os resultados foram similares (Scheingraber et
al, 1999). Embora o uso de solução salina fisiológica não ofereça riscos a um paciente hígido, a acidose
metabólica hiperclorêmica resultante da administração desta solução por períodos prolongados pode representar
um problema significativo caso esta solução seja administrada em pacientes com acidose preexistente. Da mesma
forma, a adição de KCl a fluidos isotônicos de manutenção (como a solução salina fisiológica e o Ringer com
-
lactato), com o objetivo de suplementar o potássio, eleva significativamente a concentração de Cl e pode
aumentar o efeito acidificante da solução.

-
Analisando a composição de eletrólitos dos fluidos apresentados na tabela 1, observa-se que o conteúdo de Cl da
solução salina hipertônica (solução de NaCl a 7.5%) é significativamente mais alto (1280 mEq/L) que o do
plasma (110 mEq/L). Portanto, pode-se esperar que a solução salina hipertônica também resulte em hipercloremia
e acidose. Entretanto, este efeito não ocorre na prática quando esta solução é empregada no tratamento do
133
choque hipovolêmico, prevalecendo neste contexto a melhora do equilíbrio ácido-base devido à estabilização
circulatória proporcionada pela salina hipertônica. Este fato pôde ser comprovado quando a solução de NaCl a
7,5% foi empregada no tratamento do choque hemorrágico e acidose lática em suínos (Moon & Kramer, 1995).
Neste estudo, o uso de pequenos volumes de solução de NaCl a 7,5% associada ao dextran-70 (4 mL/kg) causou
apenas diminuição transitória no pH e no excesso de base (BE), as quais perduraram por até 10 minutos (Moon &
Kramer, 1995). Nesse mesmo estudo, os animais que receberam solução hipertônica-dextran, antes da terapia
agressiva com Ringer lactato, apresentaram melhora mais óbvia no equilíbrio ácido-base (menor intensidade da
acidose metabólica) decorridas 2 horas da fluidoterapia que os animais do grupo controle, os quais receberam
solução salina fisiológica (4 mL/kg) ao invés de solução hipertônica-dextran antes da fluidoterapia convencional
com Ringer lactato (Moon & Kramer, 1995).

A concentração de sódio da solução salina hipertônica também é significativamente mais elevada que a do
plasma. Isso implica que, ao se administrar esse tipo de fluido a um paciente, aumentos marcantes serão
observados nos níveis de sódio e, conseqüentemente, na osmolalidade plasmática. A hipernatremia e a
hiperosmolalidade desencadeadas pela solução salina hipertônica são transitórias e costumam ser bem toleradas
e não resultam em efeitos adversos. Por outro lado, sua utilização é contra-indicada em pacientes com
hipernatremia, hiperosmolalidade preexistentes, bem como em pacientes desidratados.

A administração de solução salina hipertônica em animais em choque hemorrágico pode ocasionar redução nos
níveis de potássio (Nakayama et al., 1984; Smith et al., 1985; Tobias et al., 1993). Quando comparada à
administração de volumes elevados de solução salina fisiológica, a hipocalemia após dose padrão de solução
salina hipertônica (4 a 5 mL/Kg) foi mais severa (Tobias et al., 1990).

Embora a solução salina hipertônica possa inicialmente causar hipernatremia, hipercloremia, hipocalemia e
acidose, seus efeitos benéficos sobre o balanço ácido-base são notáveis em pacientes hipovolêmicos. Seus
benefícios estão principalmente relacionados à estabilização cardiovascular (Velasco et al, 1980; Kramer et al,
1986; Moon & Kramer, 1995). Há dois mecanismos propostos para justificar a estabilização cardiovascular
promovida pela solução salina hipertônica: 1) ativação do reflexo vagal pulmonar (neural) desencadeado pela
passagem de solução hipertônica na circulação pulmonar (Younes et al, 1985; Rocha-e-Silva, 1986); e 2)
expansão do volume plasmático devido ao aumento da osmolalidade do compartimento intravascular. O primeiro
mecanismo proposto não foi comprovado em modelos caninos de choque hipovolêmico (Allen et al, 1992) e
atualmente, a teoria do “desvio de fluido” vem sendo reconhecida como o principal mecanismo responsável pelos
efeitos hemodinâmicos benéficos da solução hipertônica em pacientes hipovolêmicos. Associado a isso, o uso
precoce de salina hipertônica pode reduzir o edema cerebral em pacientes traumatizados, provavelmente devido a
seus efeitos sobre a osmolalidade do fluido extracelular (Wisner et al, 1990). Mais recentemente, observou-se que
a administração de solução salina hipertônica (NaCl a 7,5%) pela via intravenosa estimula a liberação de hormônio
antidiurético (também denominado vasopressina), sendo que este potente vasoconstritor parece ser o principal
responsável pela estabilização cardiovascular (melhora da pressão arterial) produzida pela solução salina
hipertônica em estados de choque endotoxêmico (Giusti-Paiva et al, 2007)

A solução de Ringer lactato é tradicionalmente considerada um cristalóide isotônico que produz efeito
alcalinizante. Uma das explicações para o efeito alcalinizante está baseada no metabolismo hepático de sua base
(lactato). O lactato resulta na formação de glicose através da gliconeogênese e, através do metabolismo oxidativo,
dá origem a CO2, água e bicarbonato (DiBartola, 2000a). Ambas as vias metabólicas levam ao consumo de íons
hidrogênio. O metabolismo oxidativo do lactato produz bicarbonato da seguinte forma:

+ -
NaC3H5O3 (lactato de sódio) + 3O2 → 2CO2 + 2H2O + Na + HCO3

A gliconeogênese e o metabolismo oxidativo levam ao consumo de íons hidrogênio, como segue (DiBartola,
2000a):

- +
GLICONEOGENESE: 2C3H5O3 (lactato) + 2H → C6H12O6 (glicose)

- +
METABOLISMO OXIDATIVO: C3H5O3 (lactato) + H +3O2 → 3CO2 + 3H2O

O efeito alcalinizante do lactato é lento e seu uso rotineiro durante o período anestésico-cirúrgico, mesmo em altas
taxas de infusão (30 mL/kg/h), não causa alterações significativas no equilíbrio ácido-base (Scheingraber et al,
1999). Novamente, o conceito de Stewart permite compreender melhor as propriedades alcalinizantes do Ringer
lactato. Baseado na teoria de Stewart para o equilíbrio acido-base pode-se verificar que a concentração de sódio
-
do Ringer lactato (cátion forte: 130 mEq/L) é relativamente maior que a do cloreto (ânion forte: 109 mEq/L). Isto é
possível porque parte do sódio está presente na forma de lactato de sódio ao invés de cloreto de sódio. A

134
administração de fluidos contendo relativamente mais sódio que cloreto aumenta a diferença de íons fortes (SID) e
tem um efeito alcalinizante.

De forma similar, ainda com base na teoria de Stewart, o efeito alcalinizante do bicarbonato de sódio (NaHCO3)
é compreendido como um efeito primário do sódio aumentando a SID. Em solução aquosa, a água fornece um
grupamento hidroxil (OH) formando o hidróxido de sódio (NaOH: base forte de efeito alcalinizante), enquanto que
+ -
o H liberado no processo combinaria com o HCO3 e formaria um ácido fraco (H2CO3 – ácido carbônico), o qual
tem um menor impacto sobre o pH.

A hipovolemia pode estar associada a acidose orgânica (aumento do ácido lático). Quando grandes volumes de
soluções cristalóides isotônicas (Ringer lactato) são utilizados nos estados de choque hipovolêmico, o fluido
isotônico corrige os distúrbios metabólicos por melhorar a perfusão periférica e consequentemente interromper a
produção de ácido lático pelos tecidos hipóxicos. Este efeito é relativamente independente da constituição
eletrolítica do fluido isotônico (exemplo: Ringer lactato versus solução fisiológica). A terapia agressiva com Ringer
lactato nos casos de hipovolemia / hemorragia pode aumentar a concentração plasmática de lactato e apresentar
um efeito inferior na estabilização cardiovascular que pequenos volumes de colóides (amido de hidroxietila)
(Friedman et al, 2003).

O Ringer lactato, por conter cálcio em sua composição, não pode ser administrado concomitantemente com
derivados sanguíneos, devido ao risco de inativação do anticoagulante citrato de sódio pelo cálcio. Teoricamente,
deve-se evitar também a administração concomitante de Ringer lactato e soluções de bicarbonato de sódio pelo
-
mesmo equipo intravenoso, uma vez que há o risco de precipitação ou inativação do HCO3 pelo cálcio presente
Ringer lactato, com a subseqüente formação de carbonato de cálcio. Os autores, entretanto, tem administrado
soluções de bicarbonato de sódio a 8.4% (0.5 a 1 mEq/kg durante 15 a 30 minutos) na mesma via intravenosa em
que está sendo administrada a solução de Ringer lactato sem a constatação de precipitação e sem redução na
eficácia da solução de bicarbonato de sódio.

Enquanto o lactato é a fonte de base nas soluções de ringer com lactato, soluções de acetato são comercialmente
disponíveis em alguns países (Normosol-R, Plasma-Lyte) como uma alternativa ao Ringer lactato. De forma similar
a soluções contendo lactato, o acetato atua como uma fonte de base através de seu meatbolismo. Uma diferença,
entretanto, é o sítio de metabolização: enquanto o lactato é metabolizado no fígado (embora possa ser
metabolizado em outros tecidos), o acetato é metabolizado nos tecidos musculares. Por esta razão, as soluções
de acetato têm sido recomendadas para pacientes com insuficiência hepática.

Referências:

ALLEN DA, SCHERTEL ER, SCHMALL LM, et al.Lung innervation and the hemodynamic response to 7% sodium chloride in
hypovolemic dogs. Circ. Shock, 38:189-94, 1992.
BAILEY JE, PABLO LS. Practical approach to acid-base disorders. Vet Clin North Am Small Anim Pract., 28:645-62, 1998.
BRADY CA, VITE CE, DROBATZ KJ. Severe neurological sequelae in a dog after treatment of hypoadrenal crisis. JAVMA,
215:222-5, 1999.
CHIARAMONTE D, GRECO DS. Feline adrenal disorders. Clin Tech Small Anim Pract. 22: 26-31, 2007.
CHURCHER RK, WATSON ADJ, EATON A. Suspected myelinolysis following rapid correction of hypernatremia in a dog. J Am
Anim Hosp Assoc; 35: 493-497, 1999.
CLUITMANS FH & MEINDERS AE. Management of severe hyponatremia: rapid or slow correction? Am J Med.; 88: 161-166.,
1990,
CONCANNON K.T, HASKINS S.C., FELDMAN B.F. Hemostatic defects associated with two infusion rates of Dextran 70 in
dogs. Am J Vet Res 53:1369-1375, 1992.
DEGEN M. Pseudohyperkalemia in akitas. J Am Vet Med Assoc; 190: 541-543, 1987,
DE MORAIS HAS. Disorders of Chloride: Hyperchloremia and Hypochloremia. In: DiBARTOLA SP (ed). Fluid Therapy in Small
Animal Practice. (2a Ed.). St Louis: Saunders Elsevier, 2000a, p. 73-82.
DE MORAIS HAS. Mixed acid base disorders. In: DiBARTOLA SP (ed). Fluid Therapy in Small Animal Practice. (2a Ed.). St
Louis: Saunders Elsevier, 2000b, p. 251-261.
DE JONGE E., LEVI M., BREBDS F. et al. Impaired hemostasis by intraveous administration of a gelatin-based plasma
expander in human subjects. Thromb Haemost 79:286-290, 1998.
DiBARTOLA SP. Disorders of Sodium and Water. In: DiBARTOLA SP (ed). Fluid Therapy in Small Animal Practice. (2a Ed.). St
Louis: Saunders Elsevier, 2000a, p. 45-72.

135
DiBARTOLA SP. Introduction to Fluid Therapy. In: DiBARTOLA SP (ed). Fluid Therapy in Small Animal Practice. (2a Ed.). St
Louis: Saunders Elsevier, 2000b, p. 265-280.
DiBARTOLA SP. Metabolic Acid-Base Disorders. In: DiBARTOLA SP (ed). Fluid Therapy in Small Animal Practice. (2a Ed.). St
Louis: Saunders Elsevier, 2000c, p. 211-240.
DiBARTOLA SP, DE MORAIS HAS. Disorders of potassium: Hypokalemia and hyperkalemia. In: DiBARTOLA SP (ed). Fluid
Therapy in Small Animal Practice. (2a Ed.). St Louis: Saunders Elsevier, 2000, p. 83-107.
FANTONI DT, AULER JUNIOR JO, FUTEMA F, et al. Intravenous administration of hypertonic sodium chloride solution with
dextran or isotonic sodium chloride solution for treatment of septic shock secondary to pyometra in dogs. J Am Vet Med Assoc
215:1283-1287, 1999.
FRIEDMAN Z, BERKENSTADT H, PREISMAN S, et al. A comparison of lactated ringer' s solution to hydroxyethyl starch 6% in a
model of severe hemorrhagic shock and continuous bleeding in dogs. Anesth Analg; 96: 39-45, 2003.
GIUSTI-PAIVA A, MARTINEZ MR, BISPO-DA-SILVA LB, et al. Vasopressin mediates the pressor effect of hypertonic saline
solution in endotoxic shock. Shock; 27: 416-421, 2007
KRAMER GC, PERRON PR, LINDSEY DC, et al. Small-volume resuscitation with hypertonic saline dextran solution. Surgery;
100: 239-247, 1986.
MACMILLAN KL. Neurologic complications after treatment of canine hypoadrenocorticism. Can Vet J; 44: 490, 2003.
MOON PF, KRAMER GC. Hypertonic saline-dextran resuscitation from hemorrhagic shock induces transient mixed acidosis.
Crit Care Med; 23: 323-331, 1995.
MOORE L.E., GARVEY M.S. The effect of hetastarch on serum colloid oncotic pressure in hypoalbuminemic dogs. J Vet Intern
Med 10: 300-303, 1996
NAKAYAMA S, SIBLEY L, GUNTHER RA, et al. Small-volume resuscitation with hypertonic saline (2,400 mOsm/liter) during
hemorrhagic shock. Circ Shock,13:149-59, 1984.
NAYLOR JM, KRONFELD DS, FREEMAN DE, et al. Hepatic and extrahepatic lactate metabolism in sheep: effects of lactate
loading and pH. Am J Physiol; 247: E747-E755, 1984.
O’BRIEN DP, KROLL RA, JOHNSON GC, et al. Myelinolysis after correction of hyponatremia in two dogs. J Vet Intern Med; 8:
40-48, 1994.
RING J, MESSNER K. Incidence and severity of anaphylactoid reactions to colloid volume substitutes. Lancet 1:446-469, 1977.
ROCHA-E-SILVA M, NEGRAES GA, SOARES AM, et al. Hypertonic resuscitation from severe hemorrhagic shock: patterns of
regional circulation. Circ Shock; 19: 165-175, 1986.
SCHAER M. The use of regular insulin in the treatment of hyperkalemia in cats with urethral obstruction. J Am Anim Hosp
Assoc; 11: 106, 1975.
SCHEINGRABER S, REHM M, SEHMISCH C, et al. Rapid saline infusion produces hyperchloremic acidosis in patients
undergoing gynecologic surgery. Anesthesiology; 90: 1265-1270, 1999.
SEELER DC. Fluid, Electrolyte, and Blood Component Therapy. In: Tranquilli WJ, Thurmon JC, Grimm KA (Eds). Lumb and
Jones’ Veterinary Anesthesia. (4a Ed). Oxford: Blackwell Publishing, 2007, p. 183-202
SMITH GJ, KRAMER GC, PERRON P, et al. A comparison of several hypertonic solutions for resuscitation of bled sheep. J
Surg Res, 39:517-28, 1985.
STEWART PA. Modern quantitative acid-base chemistry. Can J Physiol Pharmacol; 61: 1444-1461, 1983.
STOCKHAM SL & SCOTT MA. Monovalent Electrolytes and Osmolality. In:_______. Fundamentals of Veterinary Clinical
Pathology. (1a Ed.). Oxford: Blackwell Publishing, 2002, p. 337-380.
STRAUSS RG, PENNELL BJ, STUMP DC. A randomized, blinded trial comparing the effects of pentastarch versus hetastarch.
Transfusion; 42: 27-36, 2002.
TOBIAS TA, SCHERTEL ER, SCHMALL LM, et al. Comparative effects of 7.5% NaCl in 6% Dextran 70 and 0.9% NaCl on
cardiorespiratory parameters after cardiac output-controlled resuscitation from canine hemorrhagic shock. Circ Shock, 39:139-
46, 1993.
VELASCO IT, PONTIERI V, ROCHA-E-SILVA M, et al. Hyperosmotic NaCl and severe hemorrhagic shock. Am J Physiol; 239:
H664-H673, 1980.
VOGT N.H., BOTHNER U., LERCH G., et al. Large-dose administration of 6% hydroxyethyl starch 200/0.5 total hip arthroplasty:
Plasma homeostasis, hemostasis, and renal function compared to use of 5% human albumin. Anesth Analg 83:262-268, 1996.
WADE C.E., KRAMER G.C., GRADYJ.J. et al. Efficacy of hypertonic 7.5% saline and 6% dextran-70 in treating trauma: a meta-
analysis of controlled clinical studies. Surgery 122:609-616, 1997.
WISNER DH, SCHUSTER L, QUINN C. Hypertonic saline resuscitation of head injury: effects on cerebral water content. J
Trauma; 30: 75-78, 1990.
YOUNES RN, AUN F, TOMIDA RM, et al. The role of lung innervation in the hemodynamic response to hypertonic sodium
chloride solutions in hemorrhagic shock. Surgery; 98: 900-906, 1985.

136
ANESTESIA DO EQÜINO COM SÍNDROME CÓLICA

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO


1. Introdução:

A mortalidade perianestésica no eqüino é relativamente elevada quando comparada a outras espécies.


Em um estudo retrospectivo recente, o índice de mortalidade durante os sete primeiros dias do período pós-
operatório foi de aproximadamente 1,6% numa população de 6.255 animais submetidos a anestesia geral
(Jonhston et al., 1995). Neste estudo, quando as cirurgias de cólica e cesarianas realizadas sob anestesia geral
não foram consideradas, o índice de mortalidade caiu a 0,9% (Jonhston et al., 1995). Este número ainda é
relativamente elevado se comparado ao índice de mortalidade observado em pequenos animais (0,15 %) (Clarke
& Hall, 1990). A anestesia no eqüino com síndrome cólica representa um desafio em particular e a probabilidade
de complicações durante a anestesia é maior em função possível ocorrência de necrose instestinal, peritonite,
desidratação, endotoxemia, além de outros fatores intrínsecos da espécie. Este texto irá abordar a anestesia do
paciente com síndrome cólica, enfatizando aspectos relacionados ao tratamento e prevenção de complicações
associadas a anestesia.

2. Preparo / estabilização do paciente cirúrgico

2.1. Analgesia

Escolha do analgésico:
O controle da dor é muito importante no paciente cirúrgico. A opção pelo analgésico deve-se basear no
conhecimento das vantagens e desvantagens de cada fármaco. Em casos simples de cólica espasmódica e/ou
inflamatória, de natureza não cirúrgica, o uso de analgésicos discretos é vantajoso por resultar em inibição da dor
sem mascarar processos de maior gravidade. Por outro lado, fármacos de maior poder analgésico devem ser
empregados de forma criteriosa, de forma a não prejudicar o diagnóstico de processos obstrutivos severos,
geralmente compatíveis com dor moderada a intensa (tabela 1). Além de outros parâmetros, a decisão pela
cirurgia pode se basear na necessidade cada vez mais freqüente de analgésicos potentes para se controlar a dor
abdominal. Deve-se ter em mente que a eficácia reduzida agentes analgésicos como o butorfanol e xilazina pode
ser compatível com quadros cirúrgicos de maior gravidade, que necessitam intervenção cirúrgica imediata (Ex:
torção de cólon maior).

Tabela 1: Eficácia relativa dos analgésicos no tratamento da dor abdominal aguda em eqüinos.
Analgésico Dose Eficácia analgésica
Dipirona 10 mg/kg/IV Discreta
Dipirona / hioscina 4 ml/ 100 kg (associação) Discreta a moderada
Flunixin meglumine 1 mg/kg/IV Boa
Xilazina 0,5 mg/kg/IV Boa a excelente
Detomidina 10-20 µg/kg/IV Excelente
Butorfanol 0,05 - 0,1 mg/kg/IV Boa
Fonte: WHITE NA, The equine acute abdomen 1990 (modificado)

Anti-inflamatórios não esteroidais (AINES)


Os AINES são os fármacos mais freqüentemente empregados no controle da controle dor abdominal. A
dipirona é um AINE de eficácia anagésica discreta (tabela 1).O flunixin meglumine além de possuir bom poder
analgésico, inibe a síntese de tromboxana e prostaciclinas, minimizando os efeitos clínicos da endotoxemia
(Moore et al, 1986). Antes que o diagnóstico esteja estabelecido, o flunixin meglumine deve ser empregado
137
cuidadosamente, uma vez que este fármaco pode mascarar os sinais clínicos de obstruções estrangulativas
severas. A síntese de protaglandina endógena é importante para manunteção da integridade da mucosa do trato
gastrointestinal e manutenção do fluxo sanguíneo renal. O uso prolongado de AINES como o flunixin meglumine
pode estar associado a ulceração do trato digestório e insuficiência renal. A perfusão renal pode ser comprometida
em animais endotoxêmicos/desidratados que receberam concomitantemente terapia com aminoglicosídeos
(gentamicina/amicacina) e AINES. O flunixin meglumine pode ser empregado antes da indução da anestesia (0,25
a 1 mg/kg, IV) ou durante a manutenção da anestesia, particularmente em processos estrangulativos onde há a
liberação de grandes quantidades de endotoxima para a circulação sistêmica. Deve-se estar atento, entretanto,
para a manutenção adequada do volume circulatório através de fluidoterapia no trans-operatório (Ringer Lactato,
10-20 mL/kg/hora), bem como para a manutenção da pressão arterial com o uso de dobutamina (0,5-5 µg/kg/min).

Alfa-2 agonistas:
A xilazina, romifidina e detomidina são os alfa-2 agonistas atualmente em uso no eqüino. Estes fármacos
produzem sedação, miorrelaxamento e analgesia intensa, facilitando sobremaneira a realização do exame de
palpação retal no animal com síndrome cólica. A xilazina pode ser utilizada com esta finalidade na dose de 0,3 a
0,5 mg/kg/IV. Os alfa-2 agonistas também são de grande eficácia no controle da dor abdominal severa, não
passível de ser controlada por outros analgésicos (tabela 1). No entanto, estes fármacos devem ser empregados
cuidadosamente em pacientes com comprometimento circulatório, uma vez que agonistas alpha-2 adrenérgicos
como a xilazina (1,1 mg/kg, IV) e detomidina (20 µg/kg, IV) provocam bradicardia, que é acompanhada de uma
queda de aproximadamente 30-40% no débito cardíaco (Wagner et al, 1991). A bradicardia e queda do débito
cardíaco são particularmente mais intensas com o uso da detomidina (Wagner et al, 1991). Doses reduzidas de
xilazina (até 0,4 mg/kg) podem ser empregadas com maior segurança resultando em menor depressão
cardiovascular doses mais elevadas (1,1 mg/kg) (Wagner et al, 1991, Bueno et al., 1999). Os alfa-2 agonistas
causam diurese que é acompanhada de hiperglicemia secundária à inibição da liberação de insulina (Tranquilli et
al, 1984). O aumento da diurese não resulta em maiores complicações em animais normovolêmicos. Porém no
animal desidratado as conseqüências são óbvias. Deve-se portanto estar atento para a reposição do déficit
volêmico do animal. Os alfa-2 agonistas também causam depressão da motilidade intestinal (Adams et al, 1984,
Merrit et al, 1998). A motilidade do jejuno e porção distal da flexura pélvica podem se reduzir por até 2 horas após
o emprego de 1,1 mg/kg de xilazina (Adams et al, 1984). Logo emprego repetido repetido e prolongado dos alfa-2
agonistas deve ser evitado, particularmente em animais c/ distúrbios do trânsito intestinal ou com íleo paralítico. A
xilazina associada ou não ao opióide butorfanol tem sido empregada em casos de dor não controlável por outros
analgésicos. Apesar do butorfanol potencializar a analgesia induzida pela xilazina, deve-se estar atento para a
ocorrência de inibição mais prolongada da motilidade intestinal (Merrit et al, 1998). Em um estudo, a depressão
motilidade duodenal causada pela xilazina (0,5 mg/kg) foi prolongada de 30 para 60 min quando o butorfanol (
mg/kg) foi associado ao alpha-2 agonista.
Opióides:
Dentre os opióides, o butorfanol tem sido o fármaco de uso mais difundido no controle da dor abdominal.
O butorfanol, por ser um opióide agonista/antagonista, proporciona alívio da dor com menor incidência de efeitos
indesejáveis geralmente associados aos opióides agonistas totais como como a morfina. No tratamento da dor
abdominal, podem-se empregar as doses de 0,02 a 0,1 mg/kg/IV. O butorfanol causa menor interferência no
trânsito intestinal que a morfina (Roebel, 1979). Recentemente, foi demonstrado que o uso de uma infusão
contínua de uma dose baixa de butorfanol (23,7 µg/kg/hora) por 24 horas resultou em menor interferência com o
trânsito intestinal que o uso de um bolus único de 0,1 a 0,13 mg/kg (Sellon et al, 2001). O butorfanol é
recomendado no controle da dor abdominal moderada a severa. A principal vantagem a ser considerada é o fato
deste fármaco produzir analgesia sem no entanto interferir significativamente na função cardiorrespiratória
(Robertson et al, 1981, Kalpravidh et al, 1984). Em função desta característica, não há interferência do quadro
circulatório do animal.

2.2. Fluidoterapia

CATETER A SER EMPREGADO

Para reposição volêmica no paciente cirúrgico recomenda-se o emprego de cateter intravenoso de


diâmetro 14 ou 12 G, geralmente introduzido na veia jugular para rápida reposição do déficit hídrico antes da
indução da anestesia. Dentre os cateteres disponíveis no mercado nacional, os de teflon tem sido empregados
com freqüência. Os cateters de teflon (Angiocath) são de custo relativamente baixo (aproximadamente R$ 2,50) e

138
seu emprego é relativamente simples. Entretanto, os cateteres de teflon não devem ser mantidos por períodos
superiores a 48-72 horas devido ao maior risco de tromboflebite (Spurlock et al., 1990). Em eqüinos adultos, o
ideal é o uso de um cateter 14 G longo (13,3 cm) em função da maior segurança na manutenção da veia. No
Brasil, os cateteres 14 G de teflon disponíveis no são relativamente curtos (aproximadamente 4,8 cm). Por outro
lado os cateters de poliuretano (Hydrocath), tem sido empregados com freqüência cada vez maior na América do
Norte e Europa. Os cateteres de poliuretano e os de silicone apresentam maior biocompatibilidade, sendo menos
trombogênicos que os cateteres de teflon (Spurlock et al., 1990). Apesar da escassez de estudos na espécie
eqüina, o autor tem observado cateteres de poliuretano sendo mantidos por até 3 semanas sem complicações
evidentes (tromboflebite). Diferentemente dos cateteres de teflon, os cateteres de poliuretano apresentam menor
risco de apresentar dobras devido a sua maior flexibilidade/maleabilidade, mantendo-se patentes por períodos
prolongados. Os cateteres de poliuretano são de custo maior (aproximademente 100 reais/unidade) e requerem
técnica especial de cateterização através do uso de um fio guia introduzido na veia (técnica de Seldinger) ou
alternativamente através do emprego de um cateter do tipo bi-partido como guia para o cateter de poliuretano.
Apesar do custo elevado, a segurança e praticidade dos cateteres de poliuretano podem justificar o emprego
deste tipo cateter em pacientes que necessitam administração constante de medicamentos por via intravenosa por
períodos prolongados (> 3 dias).

Avaliação do status volêmico e correção dos distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido-básicos


A avaliação do status circulatório, bem como a reposição do déficit volêmico devem ser priorizados. Caso
o animal tenha recebido alfa-2 agonistas, deve-se considerar que estes podem interferir com os parâmetros de
freqüência cardíaca. O uso do flunixim meglumine também pode amenizar os sintomas clínicos da endoxemia.
Para avaliação do status circulatório e défict volêmico, além dos parâmetros de frequência cardíaca, coloração de
mucosas, pregueamento de pele, tempo de preenchimento capilar, temperatura de extremidades, deve-se coletar
sangue heparinizado para determinação do hematócrito (Ht) de proteína plasmática total (PPT) (tabela 2). Na
interpretação dos valores de Ht e PPT, deve-se considerar que pode haver variação nos valores de Ht entre as
diversas raças de eqüinos, bem como podem haver outros fatores (Ex: anemia, hipoproteinemia), que podem
mascarar um eventual quadro de hemoconcentração/desidratação.

Tabela 2: Desidratação (% Peso vivo) em relação com o Hematócrito (Ht %) e proteína plasmática total (PPT
g/dL):
Ht 43-50 Desidratação
PPT 7,0-8,2 Leve (5%)

Ht 50-57 Desidratação
PPT 8,3-9,5 Moderada (8%)

Ht > 57 Desidratação
PPT > 9,5 Severa (>10%)
FONTE: White, N.A., The Equine Acute Abdomen, 1990.

Recomenda-se também realizar hemogasometria/determinação de eletrólitos antes da indução anestésica.


Devido à desidratação, geralmente ocorre o desenvolvimento de acidose metabólica (lática), caracterizada por um
aumento dos valores de “anion gap” acima de 17-20 mEq, valores de bicarbonato < 22 mEq/L, e déficit de bases <
-4 mEq/L (tabela 3). Entretanto, em casos de duodeno-jejunite proximal, pode haver o desenvolmento de alcalose
metabólica devido à perda de íons Cl- por meio do refluxo gástrico (alcalose metabólica hipoclorêmica).

Tabela 3: Valores normais de Hemogasometria e no eqüino.


Sangue Arterial Sangue Venoso
pH 7,36-7,46 7,35-7,40
PCO2 80-100 mm Hg 35-45 mm Hg
PO2 35-45 mm Hg 40-47 mm Hg
-
HCO3 22-27 mEq/L 22-27 mEq/L
139
A reposição do déficit volêmico com solução de Ringer c/ Lactato de Sódio é capaz de reverter o quadro
de acidose metabólica por normalizar a perfusão tecidual. Em caso de acidose metabólica severa (pH < 7,20 ou
déficit de bases < -8 mEq/L), entretanto, deve-se administrar bicarbonato de sódio concomitante mente à
reposição volêmica de acordo com a fórmula:
-
HCO3 (mEq) = 0,3 x Peso (Kg) x Déficit bases (mEq)
Como a reposição volêmica também auxilia na correção do pH e do déficit de bases, geralmente de
administra 1/2 a 1/3 da quantidade de NaHCO2 calculada por esta fórmula e se faz nova hemogasometria para se
determinar a necessidade da administração do restante do volume calculado.
Deve-se estar atento também para possíveis alterações eletrolíticas (tabela 4), uma vez que estas também
podem afetar a estabilidade do sistema cardiovascular e influenciar a qualidade da recuperação anestésica. Em
animais apresentando íleo-adinâmico com grandes quantidades de refluxo gástrico, além da alcalose metabólica
hipoclorêmica, pode-se observar hipopotassemia (K+ < 2,8 mEq/L). A hipopotassemia aumenta o risco de
arritmias e resulta em fraqueza muscular, podendo afetar a qualidade da recuperação anestésica. Em caso de
valores de K+ < 2,8 mEq/L, pode-se adicionar KCl aos fluidos de manutenção (1 ampola de KCl 19,1 % adicionada
a 1 litro de Ringer Lactato = 30 mEq de K+ para cada litro de Ringer Lactato), tomando-se cuidado para não
exceder a a taxa de infusão máxima de 0,5 mEq/kg/hora de potássio. Na maioria das circunstâncias, não é
essencial repor o potássio antes da anestesia, sendo que eventuais medidas terapêuticas podem ser adotadas no
período trans-anestésico. Nesta fase os níveis de potássio devem ser monitorados a cada hora e a suplentaçao de
potássio pode ser interrompida quando da normalização dos níveis séricos do eletrólito.

Tabela 4: Valores normais de eletrólitos no eqüino.


Eletrólito Valor de referência
Sódio (Na+) 132-146 mmol/L
Potássio (K+) 2,8-5,5 mmol/L
Cloreto (Cl-) 99-110 mmol/L
Cálcio (Ca++) 5,3-6,5 mmol/L

A hipocalcemia é outra alteração eletrolítica que tem sido detectada com freqüência em eqüinos com
síndrome cólica (Garcia-Lopez et al, 2001). O cálcio tem um papel crítico na atividade da musculatura lisa e
estriada, influenciando o tônus muscular e a motilidade intestinal. A impressão clínica do autor é que hipocalcemia
pode estar associada a maior instabilidade cardiovascular durante a anestesia. Em um estudo recente, foi
demonstrado que o uso de cálcio intravenoso, resultou em melhora da função cardiovascular em eqüinos
anestesiados com halotano e isoflurano (Grubb et al, 1999). A mensuração do cálcio ionizado tem se mostrado um
método mais sensível para se detectar hipocalcemia que a mensuração do cálcio total (Garcia-Lopez et al, 2001).
Num estudo retrospectivo, cerca de 86% dos eqüinos que foram submetidos à cirurgia de cólica apresentaram
valores de cálcio ionizado abaixo dos valores de referência (Garcia-Lopez et al., 2001). Neste mesmo estudo,
também verificou-se uma alta incidência de hipomagnesemia (54% ao se empregar o magnésio ionizado). Apesar
da importância do magnésio em vários fenômenos biológicos, não há até o momento nenhuma recomendação
terapêutica para o tratamento da hipomagnesemia. Mesmo na impossibilidade de se monitorar cálcio ionizado,
pode-se administrar 0,5 a 1 mL/kg de gluconato de cálcio a 23% dluídos em 5 a 10 litros de Ringer Lactato para se
elevar os níveis séricos da cálcio durante a anestesia.
O Ringer com Lactato de Sódio é o fluido mais empregado para reposição volêmica no paciente com
síndrome cólica. Pacientes severamente desidratados portando patologia intestinal de natureza cirúrgica, devem
receber volume suficiente de fluido antes da indução anestésica. Em casos de desidratação severa (>10%) pode-
se administrar 40-80 mL/kg/hora de Ringer Lactato até a estabilização do quadro circulatório. Na maioria dos
casos, deve-se repor ao menos 50% do déficit estimado antes da indução da anestesia, sendo que o restante do
déficit pode ser reposto no período trans-operatório. Um aspecto importante da fluidoterapia é a velocidade de
infusão empregada. Com o emprego de um cateter 14 G com fluxo livre, a velocidade de infusão é de cerca de 5
Litros/hora (10 mL/kg/hora para um cavalo de 500 kg). Quando infundido sob pressão, pode-se infundir até 10
litros/hora (20 mL/kg/hora para um cavalo de 500 kg). Em casos mais severos pode-se considerar o uso de um
segundo cateter para se acelerar a infusão de fluidos. Pode-se alternativamente empregar uma bomba de infusão
peristáltica de uso laboratorial, a qual permite a infusão de grandes volumes em curto espaço de tempo. Através
do emprego destas bombas, que ao nosso conhecimento não tem sido empregadas no Brasil, pode-se administar
até 40 litros/hora através de um único cateter 14 G (80 mL/kg/hora em um cavalo de 500 kg). A solução salina
hipertônica a 7,5% (4 mL/kg administrada em 10 minutos) é uma alternativa para rápida estabilização do paciente
com choque hipovolêmico/hemorrágico antes da indução da anestesia (Dyson & Pascoe, 1990, Schmall et al.,
140
1990). Porém seu uso deve ser acompanhado de grandes volumes de fluidos (Ringer Lactato), uma vez que seu
efeito é transitório, perdurando por cerca de 1-2 horas. Em pacientes severamente desidratados/toxêmicos o uso
da solução salina hipertônica pode não ser suficiente para a estabilização do paciente devendo-se empregar
concomitantemente fluidoterapia agressiva.
Devem ser realizadas mensurações seriadas do Ht e PPT durante a fluidoterapia. Durante a anestesia,
deve-se procurar manter o Ht entre 30-35% através de fluidoterapia. Com o emprego de fluidoterapia os valores
de PPT podem decrescer abaixo de 4,0 g/dL especialmente em casos de obstruções estrangulativas, onde há
extravazamento de proteína para o lúmen intestinal/cavidade abdominal. Nesta situação deve-se administrar
plasma (10 mL/kg) ou colóides (Dextran 70) para se manter a pressão coloidosmótica e minimizar o risco de
edema pulmonar.
3. Medicação pré-anestésica / Indução e Manutenção da Anestesia

3.1. MPA (Medicação Pré-Anestésica)

Fenotiazínicos (acepromazina):
O fenotiazínicos tem sido empregados com freqüência antes da indução da anestesia geral em
determinados centros. Entretanto, em função da ocorrência de efeito simpatolítico (bloqueio de receptores alfa-
adrenérgicos), a acepromazina não é recomendada em pacientes com comprometimento circulatório (síndrome
cólica).
Alfa-2 agonistas:
A xilazina tem sido empregada com segurança como agente de medicação pré-anestésica no eqüino com
síndrome cólica. Seu emprego é favorecido em função de seus efeitos cardiovasculares serem de menor
intensidade e duração que os demais alfa-2 agonistas utilizados no cavalo (romifidina e detomidina) (Wagner et
al., 1991, Bueno et al., 1999, Freeman et al., 2002). Deve-se ter em mente, entretanto, que a depressão
cardiovascular ocasionada por este fármaco ocorre de forma dose-dependente. Enquanto a dose de 1,1 mg/kg/IV
causa uma queda de aproximadamente 35 % no débito cardíaco (Wagner et al., 1991), doses reduzidas de
xilazina (0,4 mg/kg/IV) resultaram em uma queda de 18% do débito cardíaco aos 5 minutos da administração
intravenosa (Bueno et al. ,1999). A xilazina tem sido empregada como MPA em eqüinos com síndrome cólica em
doses variando de 0,2 a 0,5 mg/kg. O julgamento da dose mais apropriada deve-se basear no
temperamento/intensidade da dor, bem como no estado sistêmico do animal.
Associação dos alfa-2 agonistas com opióides (Neuroleptoanalgesia):
A associação de uma alfa-2 agonista com um opióide produz um estado denominado neuroleptoanalgesia
(sedação e analgesia intensa). Esta associação resulta em maior sedação e analgesia (efeito sinérgico), sendo
empregada para contenção farmacológica em animais que necessitam de sedação e/ou analgesia mais intensas.
A xilazina (0,2 a 0,5 mg/kg/IV), pode ser associada ao butorfanol (0,02 a 0,04 mg/kg/IV) para produzir
neuroleptoanalgesia. Devido a maior eficácia analgésica proporcionada pela associação, esta pode ser
empregada com MPA em animais apresentando dor moderada a severa.

3.2. Indução da anestesia


Deve-se proceder a lavagem da cavidade oral do animal com água corrente para se evitar a introdução de
debris/restos alimentares no interior da traquéia no ato da intubação orotraqueal. Em eqüinos apresentando
obstruções de intestino delgado, com presença de refluxo à sondagem nasogástrica, existe o risco de refluxo
espontâneo e aspiração de conteúdo gástrico quando o animal entra em decúbito lateral, logo após a
administração dos agentes de indução anestésica. Para se minimizar este risco, deve-se procurar esvaziar o
estômago ao máximo antes da indução. Além desta conduta, todos os animais apresentando refluxo gástrico à
sondagem devem ser contidos junto à parede da sala de indução e intubados em decúbito external. Após a
intubação endotraqueal o balonete da sonda deve ser imediatamente inflado, antes de se rolar o animal para o
decúbito lateral na sala de indução, uma vez que neste momento pode haver grande quantidade de refluxo
mesmo em animais onde se efetuou a drenagem copiosa do conteúdo gástrico previamente a indução.
Após pré-medicação com xilazina ou xilazina/butorfanol, a anestesia pode ser induzida com a quetamina
(2,0 mg/kg/IV) associada ao EGG (100 mg/kg/IV). Esta associação permite uma anestesia com maior grau de
miorrelaxamento, graças ao emprego do EGG. Nesta técnica, 5-10 minutos após a xilazina a anestesia é induzida
com EGG a 5 ou 10% administrado por via IV. Logo nos primeiros sinais de ataxia do membros posteriores, a
infusão de EGG é interrompida e a quetamina é administrada sob a forma bolus. Logo após o animal entrar em
decúbito o restante do EGG pode então ser infundido. Em algumas ocasiões o diazepam (0.04 mg/kg) pode ser
associado a quetamina na mesma seringa para se incrementar o grau de miorrelaxamento.
141
3.3. Manutenção da anestesia
Fase inicial
Logo após a indução anestésica o animal é posicionado em decúbito dorsal e conectado ao aparelho de
anestesia, onde a anestesia deve ser mantida preferencialmente com o isoflurano diluído em O2. A opção do autor
é por realizar respiração controlada limitada à volume (volume corrente de 15 mL/kg, relação inspiração/expiração
1/2 –1/3 e freqüência respiratória de 5-6 mov/min. Durante os primeiros 15-20 minutos recomenda-se empregar
altos fluxos de O2 (20 mL/kg/min de O2 ou 10 litros de O2/min para um eqüino adulto de 500 kg) para se remover o
nitrogênio do circuito, aumentando-se assim a fração de O2 inspirada (FiO2) de 20% (ar ambiente) para valores
acima de 90%. O aumento do fluxo de gás diluente (O2) possibilita também que a concentração de anestésico
ajustada no vaporizador chegue mais rapidamente ao animal, acelerando a sua transferência para a anestesia
inalatória. Após a estabilização do plano anestésico e remoção do nitrogênio do circuito pode-se então reduzir o
fluxo de O2 para cerca de 10 mL/kg/min (5 litros de O2 /min para um eqüino adulto)
Uso da respiração mecânica em eqüinos

A anestesia inalatória sob ventilação espontânea resulta em depressão respiratória com conseqüente
elevação da tensão de CO2 arterial PaCO2 acima de 45 mm Hg, resultando em hipercapnia e acidose respiratória.
Uma elevação moderada da PaCO2 (até 70 mm Hg) pode ser benéfica em função da estimulação cardiovascular
decorrente do aumento dos níveis de CO2 e liberação de catecolaminas (Khanna et al., 1995). Além deste fato a
pressão negativa intratorácica gerada durante a inspiração no animal respirando espontaneamente auxilia no
retorno venoso e débito cardíaco.
A respiração mecânica propicia uma maior estabilidade do plano anestésico, uma vez que a concentração
de anestésico inalada é mantida relativamente estável, não apresentado variações de acordo com o padrão
respiratório, como occorre na ventilação espontânea. O emprego da respiração mecânica é eficaz antagonizar a
depressão respiratória, mantendo os valores PaCO2 normais (entre 35 a 45 mm Hg). Apesar de haverem
controvérsias com relação à eficácia da respiração mecânica convencional em aumentar os níveis de oxigenação
arterial (PaO2), estudos retrospectivos tem demonstrado que o emprego de respiração artificial, quando
empregada desde o início da anestesia resulta em menor incidência de hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg) em eqüinos
posicionados em decúbito dorsal (35% de hipoxemia sem ventilação mecânica versus 20% com ventilação
mecânica) (Day et al, 1995). Em animais apresentando distensão excessiva do abdômen com comprometimento
respiratório devido a compressão do diafragma, a respiração mecânica pode ser a única alternativa para se
manter as trocas gasosas pulmonares. O uso de pressão positiva no final da expiração (PEEP) de 10 a 20 cm H2O
em animais ventilados com um volume corrente de 15 mL/kg resulta em melhora da oxigenação arterial em
eqüinos submetidos à anestesia de emergência (cólica) (Wilson & McFeely, 1991). Em eqüinos posicionados em
decúbito lateral, o uso de volumes correntes crescentes (1,5 e 1,7 vezes o volume corrente observado na
ventilação espontânea) associado à PEEP de 10 e 20 cm de H2O resulta em aumento da PaO2, fenômeno este
associado com a distribuição preferencial dos gases inspirados para o pulmão dependente (atelectásico) (Moens
et al, 1998). Apesar do uso da PEEP melhorar a oxigenação arterial, esta também ocasiona maior depressão
cardiovascular, recomendando-se o uso concomitante de agentes inotrópicos/vasopressores.Dentre as
desvantagens da respiração controlada, pode-se citar a maior depressão cardiovascular, uma vez que o retorno
venoso e o débito cardíaco são reduzidos pelo aumento da pressão da cavidade pleural durante a inspiração
(Hodgson e tal, 1986). Porém esta desvantagem pode ser facilmente contornada com o emprego de agentes
inotrópicos/vasopressores (dobutamina) durante a anestesia.

Terapia de suporte cardiovascular


A espécie eqüina é particularmente suceptível à hipotensão (pressão arterial média < 70 mm Hg) durante
a anestesia inalatória. A principal conseqüência da hipotensão é a miosite pós anestésica (Lindsay et al., 1989).
Deve-se portanto manter a pressão arterial média (PAM) acima de 70 mm Hg durante a anestesia. Dentre as
medidas empregadas no tratamento da hipotensão, a mais eficaz consiste no emprego do agente inotrópico
dobutamina por infusão contínua (0,5 a 5 µg/kg/min). No caso da dobutamina, o aumento da pressão arterial está
relacionado principalmente a um aumento na contratilidade e débito cardíaco (Swanson et al., 1985). Com o
emprego de anestesia inalatória (halotano ou isoflurano) para a manutenção da anestesia, cerca de 80-90% dos
animais necessitam de dobutamina para tratamento da hipotensão (Donaldson, 1988).
Em alguns casos, observa-se que a dobutamina apresenta pouca eficácia como agente vasopressor
mesmo em velocidades de infusão elevadas (5 µg/kg/min). Nestes casos, deve-se procurar expandir o
compartimento intravascular por meio de aumento da velocidades de indusão de fluidos (20 mL/kg/hora). Em

142
casos de acidose severa (pH < 7,20), deve-se corrigir o desequilíbrio ácido básico, uma vez que este distúrbio
pode estar associado a depressão cardiovascular e responsividade inadequada ao agente inotrópico/vasopressor.
O uso do gluconato de cálcio (0,5 mL/kg administrado em cerca de 15 minutos) pode, em alguns casos, aumentar
a eficácia vasopressora da dobutamina. Alguns animais apresentado quadro de obstrução estrangulativa severa
(Ex: vôlvulo de intestino delgado, torção de cólon), apresentam de hipotensão severa (PAM < 50-60 mm Hg)
associada a taquicardia (FC > 60 bpm). Nestes casos, quando a dobutamina e a expansão da volume circulante
com o emprego de cristalóides (Ringer Lactato) são ineficazes em reverter a situação, o autor tem empregado
doses reduzidas de xilazina (0,1 mg/kg) a cada 10-15 minutos com o objetivo de se reduzir a quantidade de
anestésico inalatório (Efeito redutor da CAM associado a xilazina). O autor acredita que nestes casos também se
obtem algum efeito vasoconstritor periférico (efeito sobre receptores alfa-1 e alfa-2 pós-sinápticos localizados nos
vasos periféricos), que vem acompanhado de uma redução da freqüência cardíaca,. Deve-se estar atento para a
lavagem do circuito anestésico com O2 puro e redução da concentração do vaporizador antes da administração da
xilazina. O autor tem observado que, através desta conduta, é possível se melhorar a pressão arterial e se
minimizar a taquicardia. A melhora da PAM seria atribuída ao efeito vasoconstritor transitório da xilazina e também
a redução da quantidade de anestésico inalatório. Estudos recentes demonstraram que valores de FC acima de
60-70 bat/min podem resultar em queda do débito cardíaco, devendo portanto ser evitados (Teixeira Neto, 2003).
Finalmente o uso de técnicas de anestesia balanceada, com o emprego de infusão contínua de quetamina
(0,6-1 mg/kg/hora) e/ou lidocaína (50-100 µg/kg/min) (Muir & Sams, 1992; Doherty & Frazier, 1998) em conjunto
com o anestésico inalatório tem o potencial causar em menor depressão cardiovascular devido a redução da
quantidade de anestésico inalatório necessária à manutenção anestésica.
Pode-se observar bradicardia (FC < 25 bpm) durante a anestesia inalatória. Quando a pressão arterial é
mantida em níveis adequados (PAM > 70 mmHg), recomenda-se o tratamento da bradicardia somente em casos
extremos (FC < 20-22 bpm). O tratamento da bradicardia (FC < 25 bpm) é recomendado quando esta estiver
associada a hipotensão não resposiva ao uso de um vasopressor (dobutamina). Dentre as opções existentes
pode-se empregar o sulfato de atropina, o glicopirrolato (não disponível no Brasil) e o N-butilbrometo de hioscina
(buscopan). O sulfato de atropina e o glicopirrolato não são recomendados no tratamento da bradicardia
intraoperatória em função da depressão prolongada da motilidade intestinal ocasionada por estes fármacos
(Ducharme & Fubini 1983; Adams et al, 1984; Singh e tal, 1996; Singh et al, 1997a; Singh et al, 1997b). Por outro
lado, o N-butilbrometo de hioscina (0,1 mg/kg/IV) é uma alternativa para o tratamento da bradicardia intra-
operatória. Estudos demonstraram que este fármaco é eficaz em antagonizar a bradicardia induzida pela
romifidina e detomidina no cavalo (Marques et al., 1998; Valadão et al, 2000). Deve-se empregar cuidadosamente
os agentes anticolinérgicos em animais recebendo dobutamina o outra catecolamina, uma vez que pode ocorrer
taquicardia exacerbada. Caso o animal apresesente bradicardia (FC < 25 bpm) associada a hipotensão,
recomenda-se interromper a infusão de dobutamina 5 minutos antes da administração do anticolinérgico
(hioscina).

Analgesia intraoperatória
O uso de infusão contínua de quetamina (0,6-1 mg/kg/hora) tem se tornado cada vez mais popular em
anestesia eqüina. Dentre as vantagens desta abordagem, pode-se citar a redução da concentração alveolar
mínima (CAM) do anestésico inalatório e boa analgesia (Muir & Sams, 1992). Por outro lado, o uso do butorfanol
durante a anestesia inalatória (0,02 a 0,04 mg/kg IV) parece não encontrar suporte na literatura, uma vez que este
não possui um efeito consistente sobre CAM dos anestésicos inalatórios (Matthews & Lindsay, 1990; Doherty et al,
1997). A metodologia de determinação da CAM, entretanto, usa um modelo de dor somática e o butorfanol é
reconhecidamente um bom analgésico visceral (Muir & Robertson, 1985). Em cirurgias de cólica o autor tem
empregado o butorfanol (0,02-0,04 mg/kg) a cada 1-2 horas em função de seu efeito analgésico visceral durante o
período transoperatório.

4. Recuperação da anestesia
Esta fase é uma das mais críticas de todo o procedimento anestésico, uma vez que os recursos de
monitoração e terapia de suporte são limitados com a transferência do animal para a sala de recuperação.
Complicações observadas durante a recuperação anestésica
A remoção da sonda orotraqueal na fase de recuperação pode ocasionar obstrução das vias aéreas
superiores devido ao relaxamento da glote mesmo em quando a sonda é removida após o retorno do reflexo de
deglutição. Observa-se dispnéia e um ruído inspiratório intenso causado pela glote relaxada, podendo levar o
animal ao pânico caso a dispnéia seja excessiva. Em alguns centros fora do Brasil tem se tornado rotina a
manutenção da sonda endotraqueal até que o animal esteja em estação. Ao contrário do que se possa imaginar,
os animais toleram a sonda que pode ser seguramente fixada por meio de esparadrapo, com sua extremidade
saindo pelo espaço interdentário, evitando-se assim que o animal mastigue ou corte a sonda. Este procedimento
em sido realizado por pelo menos cinco anos consecutivos em todos os animais recuperando de procedimentos
143
anestésicos gerais na Universidade de Guelph sem nenhum relato de complicação diretamente relacionada à
sonda neste período. Geralmente a sonda endotraqueal utilizada na manutenção da anestesia é removida e
substituída por outra sonda com balonete defeituoso. Em caso de refluxo gástico, entretanto, recomenda-se deixar
a sonda original com o balonete inflado para se minimizar o risco de aspiração de conteúdo gástrico.
Alternativamente a manutenção da sonda orotraqueal na recuperação pode-se remover a sonda original e
introduzir uma sonda nasotraqueal de menor diâmetro em caso de dispnéia respiratória severa. Entretanto neste
caso não se oferece boa proteção as vias aéreas em caso de regurgitação.
A suplementação de oxigênio durante a recuperação, embora não mandatória é recomendável. O animal
que durante a anestesia geralmente respira O2 puro com uma uma fração de O2 inspirada (FiO2) > 90%, ao ser
transferido ao ar ambiente passa a respirar 20% de O2, estando mais predisposto a hipoxemia (PaO2 < 60 mm
Hg). O emprego de suplementação de O2 (15 L/min em um animal adulto) através de uma cânula plástica
introduzida no interior da sonda endotraqueal é capaz de enriquecer a FiO2 e prevenir a hipoxemia na maioria dos
casos.
Além do suporte respiratório deve-se propiciar sedação/analgesia adequadas durante a recuperação. A
xilazina (0,1-0,2 mg/kg/IV) ou romifidina (10-20 µg/kg/IV) podem ser empregadas com este objetivo. Deve-se
administrar o sedativo/analgésico somente quando o animal apresenta respiração de boa amplitude, além de
reflexos palpebrais vigorosos e nistagmo. Caso o fármaco seja administrado no animal ainda apresentando plano
anestésico profundo, pode ocorrer apnéia além de outras complicações cardiorespiratórias. A sedação na
recuperação é vantajosa por reduzir a ansiedade do animal, prolongando o decúbito e evitando com que ele tente
se levantar precocemente. A impressão clínica do autor é que as recuperações onde o animal tende a levar 50-60
minutos para realizar a sua primeira tentativa de se levantar geralmente resultam em menor risco de ataxia e
injúria.

5. Referências Bibliográficas:
Adams SB, Lamar CH, Masty J. Motility of the distal portion of the jejunum and pelvic flexure in ponies: Effects of
six drugs. Am J Vet Res 1984; 45: 795-799.
Clarke KW, Hall LW. A survey of anaesthesia in small animal practice: AVA/BSAVA report. J Ass Vet Anaesth
1990; 17: 4-10.
Donaldson LL. Retrospective assessment of dobutamine therapy for hypotension in anesthetized horses. Vet Surg
1988; 17:53-57.
Ducharme NG, Fubini SL. Gastrointestinal complications associated with the use of atropine in horses. J Am Vet
Med Ass 1983; 182: 229-231.
Dyson DH, Pascoe PJ. Influence of preinduction methoxamine, lactated Ringer solution, or hypertonic saline
solution infusion or postinduction dobutamine infusion on anesthetic-induced hypotension in horses. Am J Vet
Res 1990; 51: 17-21.
England GCW, Clarke KW, Goossens L. A comparison of the sedative effects of three α2 adtrenoceptor agonists
(romifidine, detomidine and xylazine) in the horse. J Vet Pharmacol Ther 1992; 15: 194-201.
Freeman SL, Bowen IM, Bettschart-Wolfensberger R, et al. Cardiovascular effects of romifidine in the standing
horse.Res Vet Sci 2002; 72: 123-129.
Garcia-Lopez JM, Provost PJ, Rush JE, et al. Prevalence and prognostic importance of hypomagnesemia and
hypocalcemia in horses that have colic surgery. Am J Vet Res 2001; 62: 7-12.
Grubb TL, Benson GJ, Foreman JH, et al. Hemodynamic effects of ionized calcium in horses anesthetized with
halothane or isoflurane. Hemodynamic effects of ionized calcium in horses anesthetized with halothane or
isoflurane. Am J Vet Res 1999; 60: 1430-1435.
Hamm D, Turchi P, Jöchle W. Sedative and analgesic effects of detomidine and romifidine in horses. Vet Rec
1995; 136: 324-327.
Johnston GM, Taylor PM, Holmes MA, et al. Confidential enquiry of perioperative equine fatalities (CEPEF-1):
preliminary results. Equine Vet J 1995; 27: 193-200.
Kalpravidh M, Lumb WV, Wright M, et al. Analgesic effects of butorphanol in horses. Am J Vet Res 1984; 45: 211-
216.
Khanna AK, McDonell WN, Dyson DH, et al. Cardiopulmonary effects of hypercapnia during controlled intermittent
positive pressure ventilation in the horse. Can J Vet Res 1995; 59: 213-221.
Lindsay WA, Robinson GM, Brunson DB, et al. Induction of equine postanesthetic myositis after halothane-induced
hypotension. Am J Vet Res 1989; 50: 404-410.

144
Marques JA, Teixeira Neto FJ, Campebell RC, Valadão CAA. Effects of hyoscine-N-butylbromide given before
romifidine in horses. Vet Rec 1998; 142: 166-168.
Merritt AM, Burrow JA, Hartless CS. Effect of xylazine, detomidine, and a combination of xylazine and butorphanol
on equine duodenal motility. Am J Vet Res 1998; 59: 619-623.
Moens Y, Lagerweij E, Gootjes P, et al. Influence of tidal volume and positive end-expiratory pressure on
inspiratory gas distribution and gas exchange during mechanical ventilation in horses positioned in lateral
recumbency. Am J Vet Res 1998; 59: 307-312.
Moore JN, Hardee MM, Hardee GE. Modulation of arachidonic acid metabolism in endotoxic horses: comparison of
flunixin meglumine, phenilbutazone and a selective tromboxane synthetase inhibitor. Am J Vet Res 1986; 47:
110-113.
Muir WW 3rd, Sams R. Effects of ketamine infusion on halothane minimal alveolar concentration in horses. Am J
Vet Res 1992; 53: 1802-1806.
Muir WW, Robertson JT. Visceral analgesia: effects of xylazine, butorphanol, meperidine, and pentazocine in
horses. Am J Vet Res 1985; 46: 2081-2084.
Roebel LE, Cavanagh RL, Buyniski JP. Comparative gastrointestinal and biliary tract effects of morphine and
butorphanol (Stadol). J Med 1979; 10: 225-238
Schmall LM, Muir WW, Robertson JT. Haemodynamic effects of small volume hypertonic saline in experimentally
induced haemorrhagic shock. Equine Vet J 1990; 22: 273-277.
Sellon DC, Monroe VL, Roberts MC, et al. Pharmacokinetics and adverse effects of butorphanol administered by
single intravenous injection or continuous intravenous infusion in horses. Am J Vet Res 2001; 62: 183-189.
Singh S, McDonell WN, Young SS, et al. Cardiopulmonary and gastrointestinal effects of xylazine/ketamine-
induced anesthesia in horses previously treated with glycopyrrolate. Am J Vet Res 1996; 57: 1762-1769.
Singh S, Young SS, McDonell WN, et al. Modification of cardiopulmonary and intestinal motility effects of xylazine
with glycopyrrolate in horses. Can J Vet Res 1997a; 61: 99-107.
Singh S, McDonell WN, Young SS, et al. The effect of glycopyrrolate on heart rate and intestinal motility in
conscious horses. J Vet Anaesth 1997b; 24: 14-19.
Sojka JE, Adams SB, Lamar CH, et al. Effect of butorphanol, pentazocine, meperidine, or metoclopramide on
intestinal motility in female ponies. Am J Vet Res 1988; 49:527-529.
Swanson CR, Muir WW 3rd, Bednarski RM, et al. Hemodynamic responses in halothane-anesthetized horses given
infusions of dopamine or dobutamine. Am J Vet Res 1985; 46: 365-370.
Tranquilli WJ, Thurmon JC, Neff-Davis CA, et al. Hyperglycemia and hypoinsulinemia during xylazine-ketamine
anesthesia in Thoroughbred horses. Am J Vet Res. 1984 Jan;45(1):11-4.
Teixeira Neto, FJ. An investigation into the relationship between heart rate and cardiovascular function in
anesthetized horses. Tese de Doutoramento (PhD), University of Guelph, ON, Canada, 2003. 200 p.
Wagner AE, Muir WW, Hinchcliff KW. Cardiovascular effects of xylazine and detomidine in horses. Am J Vet Res
1991; 52:651-657.
Wilson DV, McFeely AM. Positive end-expiratory pressure during colic surgery in horses: 74 cases (1986-1988). J
Am Vet Med Assoc 1991; 199: 917-921.

145
TERAPIA DE SUPORTE NO PACIENTE ANESTESIADO

FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA NETO

Considerações gerais:
A fluidoterapia no paciente anestesiado é um tópico de grande importância em anestesiologia, uma vez que
devido à doenças pré-existentes ou devido ao trauma cirúrgico ocorrem distúrbios significativos do equilíbrio ácido-
básico e hidro-eletrolítico.

Acesso vascular:
A manutenção de uma via de acesso venoso é essencial no paciente a ser submetido à anestesia. Em
pequenos animais, as veias cefálica e safena são de uso mais freqüente, enquanto a veia jugular é eventualmente
utilizada, principalmente em animais chocados onde há colabamento das veias e fragilidade vascular levando à
hemotomas freqüentes. O “scalps” e cateteres do tipo “sobre a agulha” são empregados para o acesso venoso
periférico.

Avaliação do grau de desidratação:


Muitos pacientes cirúrgicos apresentam-se desidratados devido a presença de doenças sistêmicas. O grau de
desidratação/hipovolemia deve ser estimado com base nos exames clínico-laboratoriais (Tabelas 1 e 2) e a
estabilização da função circulatória é realizada com fluidos/eletrólitos prioritariamente antes da indução da
anestesia.

Tabela 1: Estimativa do grau de desidratação/hipovolemia baseado no exame físico


Desidratação Ressecamento Redução de TPC Profundidade Freqüência Qualidade
Globo Ocular do Pulso
(% Peso Vivo) de Mucosas Elasticidade Cardíaca
da Pele

4-5 %
(discreta)
+ 0 ou + 0 0 0 0

6-8%
(moderada)
+ ++ + + + 0

9-12% (severa)
++ +++ ++ ++ ++ -
> 12% (grave)
+++ +++ +++ +++ +++ - -
Legendas: 0 sem alteração; + aumento; - diminuição - Fonte: Slatter, 1993
Tabela 2: Valores normais de hematócrito (Ht) e proteína plasmática total (PPT)
Espécie animal Ht PPT (g/dL)
Cão 34 - 43 5.5 - 7.5
Gato 30 - 40 5.7 - 7.5

Durante o exame físico, deve-se ter em mente que qualquer animal apresentando afecção sistêmica associada a
depressão/anorexia pode apresentar déficit volêmico de até 4% sem, no entanto, manifestar sinais óbvios de
desidratação (desidratação discreta ou subclínica) (Tabela 1). O ideal é que toda a desidratação estimada seja
reposta antes da indução da anestesia. No entanto, em caso de necessidade, a administração de ao menos
metade do déficit calculado é suficiente para que se proceda a indução do animal. Neste caso o restante do déficit,
adicionado de eventuais perdas adicionais e da taxa de manutenção cirúrgica (10 mL/kg/hora) deve ser reposto
durante o ato cirúrgico.

146
O hematócrito e a proteína plasmática total são exames laboratoriais úteis na avaliação do grau de desidratação
do paciente cirúrgico. Na maioria absoluta dos casos, aumentos do Ht e/ou da PPT são decorrentes de
desidratação significativa. A perda de água/eletrólitos (desidratação) devido à diarréia, por exemplo, afeta o
volume de fluidos presentes no interior do compartimento intravascular, resultando em diminuição do volume
circulante. No animal que não apresenta anemia (Ht abaixo dos valores de referência) ou hipoproteinemia (PPT
abaixo dos valores de referência), a desidratação leva também a hemoconcentração (aumento da fração sólida
do sangue), comprovada pelo aumento do hematócrito e/ou da proteína plasmática total devido à perdas na fração
líquida do sangue.
Apesar da sua utilidade na avaliação do grau de desidratação, valores de Ht e/ou PPT normais ou abaixo do
normal não necessariamente implicam que o animal não apresenta déficit volêmico, uma vez que situações
como anemia e/ou hipoproteinemia podem mascarar elevações no Ht e PPT mesmo em animais apresentando
desidratação severa (> 10% do peso vivo).
Situações envolvendo a perda sanguínea aguda (perda ocorrida há minutos, horas), não resultam em alteração
significativa do Ht e PPT, a menos que o animal receba volumes significativos de soluções cristalóides
(hemodiluição associada ao uso de cristalóides). Uma perda volêmica (hemorragia) significativa, ocorre ativação
do sistema renina-angiotensina, com retenção de sódio e água pelos rins além da ativação do centro da sede do
hipotálamo.

Choque hipovolêmico:
O choque é uma síndrome clínica grave caracterizada por um aporte deficiente de O2 para as células ou
incapacidade destas em utlizar o oxigênio.
Caso o animal apresente déficit de volume circulatório severo, este pode apresentar um quadro denominado
choque hipovolêmico. Os estados de choque apresentam inúmeras causas (hipovolemia/hemorragia, septicemia,
doença cardíaca). O choque hipovolêmico pode ser observado em função de perda e/ou déficit na injestão fluidos
em consequência de inúmeras patologias ou devido à perda extensiva de sangue. Caso a desidratação seja
severa (> 10%) ou caso o animal apresente perda aguda de um volume sanguíneo maior que 30-40% do volume
sanguíneo circulante (volume sanguíneo total de um cão: 8% peso vivo = 80 mL/kg) o animal pode desenvolver
choque hipovolêmico.

Tratamento da hipovolemia:
Cristalóides
Tipos de soluções cristalóides: Os cristalóides são soluções contendo pequenas partículas (eletrólitos e outros
compostos) que possuem capacidade de se difundir através de todos os compartimentos do organismo
(intravascular, intersticial e intracelular) (Tabela 3). As soluções cristalóides podem ser divididas ainda em
soluções balanceadas e não balanceadas. As soluções balanceadas possuem composição eletrolítica
relativamente semelhante à do plasma (Ex: Ringer Lactato), enquanto as soluções não balanceadas diferem
substancialmente da composição plasmática (Ex: solução fisiológica) (Tabela 3). Os cristalóides podem ser ainda
classificados em isotônicos e hipertônicos, de acordo com a sua osmolalidade (tonicidade) em relação ao
plasma sanguíneo (Tabela 3). O Ringer Lactato, Ringer Simples e Solução Fisiológica são considerados soluções
isotônicas (tonicidade semelhante à do plasma), enquanto a solução de NaCl a 7,5% é considerada hipertônica
(tonicidade de 2400 mOsm/L versus tonicidade de 300 mOsm/L do plasma). Apesar da solução de glicose 5%
possuir osmolalidade próxima à do plasma, esta solução é considerada hipotônica após a glicose ter sido
metabolizada.

Tabela 3: Valores de pH, eletrólitos e osmolaridade de diversos cristalóides em relação ao plasma sanguíneo no
cão.

Plasma Ringer Ringer NaCl 0,9% Glicose 5% NaCl 7,5%


(cão) Lactato
pH 7,4 6,5 5,5 5,0 4,0 5,0
Na+ (mmol/L) 150 130 147,5 154 0 1280
K+(mmol/L) 4 4 4 0 0 0
Cl-(mmol/L) 110 109 156 154 0 1280

147
Ca++ (mmol/L) 5 3 4,5 0 0 0
Glicose (g/L) 1 0 0 0 50 0
Osmolalidade 300 272 310 308 252 2400
(mOsm/L)

Devido à sua maior semelhança em relação à composição plasmática e seu efeito alcalinizante, o Ringer Lactato
é normalmente o fluido empregado na reposição volêmica de pacientes com choque hipovolêmico. No
entanto há situações onde a solução fisiológica (NaCl a 0,9%) também pode ser empregada.
Velocidade de administração/volume empregado: Em cães apresentando desidratação severa e/ou
hipovolemia significativa, os cristalóides podem ser administrados na taxa máxima de 90 mL/kg/hora.
Geralmente a taxa máxima é mantida somente na primeira hora, reduzindo-se a taxa de reposição nos horas
subsequentes e/ou à medida em que as funções vitais do animal se estabilizam. Na reposição volêmica de
pacientes idosos, com alterações cardíacas ou em felinos, os cristalóides podem ser utilizados na taxa de
infusão máxima de 40-60 mL/kg/hora.
Muito embora os cristalóides isotônicos sejam os fluidos de reposição ideais em casos de desidratação (Ex:
vômito/diarréia), estas soluções também podem ser empregadas na reposição do volume circulante em pacientes
apresentando choque traumático/hemorrágico. Neste caso, no entanto, há a necessidade de que o volume de
cristalóide administrado (Ex: Ringer Lactato) seja de aproximadamente 3 a 4 vezes o volume estimado de
sangue perdido, uma vez estas soluções se distribuem para outros locais além do compartimento intravascular
(compartimento intersticial e intracelular) (DiBartola, 2002). Deve-se considerar que os cristalóides administrados
em grande volume no tratamento de pacientes com choque hemorrágico invariavelmente causam redução do
hematócrito e da proteína plamática total. Caso o hematócrito atinja valores abaixo de 20%, a transfusão
sanguínea deve ser considerada para se manter a capacidade de transporte de O2 do sangue. Por outro lado,
caso a proteína plasmática total atinja valores abaixo de 3,5 g/dL, a administração de plasma ou de colóides
sintéticos (5 até 10 mL/Kg durane 15-30 minutos) deve ser considerada para se manter a pressão oncótica.
O solução salina hipertônica (NaCl a 7,5 %) é empregada em situações de choque traumático/hemorrágico(4
mL/kg administrados durante 5 minutos). Devido a sua hiperosmolaridade, a salina hipertônica mobiliza o fluido de
outros compartimentos (intersticial e intracelular) para o interior dos vasos sanguíneos, resultando em aumento do
retorno venoso (pré-carga), débito cardíaco e pressão arterial, o que se traduz em melhora da perfusão tecidual.
Sua duração de ação, no entanto, é relativamente curta (1,5 – 2 horas), devendo-se logo em seguida empregar
cristalóildes isotônicos e/ou outros fluidos para se repor o déficit volêmico. Apesar da solução salina hipertônica
ser indicada em estados de hipovolemia aguda (Ex: hemorragia devido a traumatismo, síndrome dilatação/torsão
gástrica em cães, cólica em equinos), esta pode ser relativamente ineficaz em casos de hipovolemia crônica (Ex:
vômito e diarréia durante dias), onde há sinais óbvios de desidratação (Ex: perda de elasticidade da pele, etc..).
Neste caso, a eficácia da solução hipertônica pode ser comprometida pelo fato dos compartimentos intersticial e
intracelular, que fornecem o fluido a ser mobilizado para o espaço intravascular, se encontrarem desidratados.

Colóides sintéticos
Os colóides sintéticos são soluções contendo macromoléculas de elevado peso molecular empregados em
medicina veterinária para corrigir situações de hipovolemia e para estabilizar a pressão coloidosmótica (situações
de hipotroteinemia/hipoalbiminemia). Dentre os colóides disponíveis para uso clínico, destacam-se os dextranos
(Dextran 70, Rheomacrodex, Isodex), o amido de hidroxietila (Hetastarch, Plasmateril) e as soluções de gelatina
(Haemacel, Gelafundin).
Dextranos: Os dextranos são moléculas de polisacarídeo linear produzidos por determinadas cepas de bactérias
do gênero Leuconostoc. Os Dextranos são apresentados em moléculas de alto e baixo peso molecular (70.000 e
40.000 Daltons). Devido ao seu menor peso molecular médio (Mw), o Dextrano 40 (peso molecular médio =
40.000 Daltons) apresenta menor duração de ação que o dextrano 70 (peso molecular médio = 70.000 Daltons).
Em cães hígidos, 70% o Dextrano 40 é excretado pela urina após 24 horas da sua administração, enquanto ao
mesmo tempo apenas 40% do Dextrano 70 é eliminado pela urina. As moléculas restantes são metabolizadas no
fígado pela enzima dextranase. Apesar do Dextrano 40 apresentar menor duração de ação que o Dextrano 70, o
primeiro possui maior capacidade de expansão inicial do volume plasmático devido a sua maior concentração.
Como o efeito expansor plasmático ocorre na relação de aproximadamente 1/1 (o plasma sanguíneo se expande
na mesma proporção que o volume infundido), o Dextrano pode ser empregado no choque
hipovolêmico/hemorrágico na mesma proporção que o sangue perdido. Em medicina veterinária, recomenda-se
não ultrapassar a volume total diário de 20 mL/Kg. Alternativamente, o Dextrano é empregado em associação com
a solução salina hipertônica (NaCl 7,5%) na ressuscitação com pequeno volume em pacientes com choque
traumático/hipovolêmico. Quando empregado desta forma, o Dextrano é diluído em solução salina hipertônica
148
(NaCl 7,5%) (Plasmadex-Hiper), sendo infudido no volume de aproximadamete 4 mL/Kg durante 5 minutos. Com
esta associação, obtém-se efeito sinergístico, com expansão plasmática mais intensa e de maior duração de ação,
uma vez que a hiperosmolaridade da solução salina hipertônica se soma ao efito do Dextrano no sentido de
estabilizar a pressão oncótica. Estudos de meta-análise realizados no homem tem revelado que a associação
salina hipertônica/dextrano resulta em aumento do índice de sobrevida em pacientes com choque traumático
quando comparado à ressuscitação envolvendo o uso isolado da salina hipertônica ou Ringer Lactato
isoladamente (Wade et a, 1994; Wade et al, 1997).
Uma das principais preocupações com o uso das soluções de Dextrano em pequenos animais é a sua
interferência com a hemostase. Em cães, a infusão rápida de Dextrano 70 resultou em uma diminuição da
atividade do fator de von Willebrand e fator VIII, além de aumentos na tempo parcial de tromboplastina ativada e
tempo de sangramento da mucosa bucal (Concannon et al., 1992). Apesar de não haverem estudos
demonstrando aumento da perda sanguínea em pacientes recebendo Dextranos, alguns indivíduos tem observado
aumento do sangramento no trans-operatório em cães e gatos recebendo tais tipos de solução.
Amido de Hidroxietila: O amido de hidroxietila é um polímero sintético da glicose que se assemelha
substancialmente ao glicogênio. Grupamentos hidroxietil são adicionados ao polissacarídeo com uma taxa de
substituição variando de 0.5 a 0.8 (cerca de 50 a 80% das moléculas de glicose possuem grupamentos hidroxietil).
A adição de grupamentos hidroxietil objetiva tornar a molécula mais hidrosolúvel e retardar seu metabolismo. A
duração de ação e o efeito sobre a pressão oncótica exercida pela solução de amido de hidroxietila são
relativamente maiores que o dextrano. Esta observação está relacionada ao fato da solução de amido de
hidroxietila possuírem peso molecular médio (Mw) maiores.
De forma similar ao dextrano, o amido de hidroxietila geralmente aumenta o volume plasmático na mesma
proporção do volume infundido. Quando comparado ao Dextrano 70, no entanto, o amido de hidroxietila possui
duração de ação ligeiramente mais prolongada. Em um estudo em que os cães receberam cerca de 25 mL/kg de
amido de hidroxietila ou dextrano, o efeito expansor plasmático do amido de hidroxietila decaiu para cerca de
38%, enquanto para o Dextrano 70 este efeito era de 18% após 24 horas(Thompson et al., 1970).
O amido de hidroxietila pode ser empregado no tratamento do choque traumático/hipovolêmico ou em estados
de pressão oncótica reduzida (hipoproteinemia/hipoalbuminemia). Da mesma forma que o efeito expansor
plasmático, o aumento da pressão oncótica decresce em função do tempo. Em um estudo realizado em cães
apresentando hipoalbuminemia, o emprego do amido de hidroxietila resultou em aumento da pressão oncótica que
perdurou por menos de 12 horas (Moore & Garvey, 1996).
O amido de hidroxietila pode interferir com a coagulação sanguínea. No entanto, este efeito é menos significativo
que no caso dos dextranos. Como o fator VIII da coagulação é afetado pela infusão de amido de hidroxietila, este
colóide é contraindicado em pacientes com a doença de von Willebrand. Clinicamente, no entanto, estudos
realizados no homem não tem associado o uso do amido de hidroxietila a um aumento do sangramento (Vogt et
al, 1996). Em cães o amido de hidroxietila pode ser empregado na dose máxima de 20mL/kg/dia sem apresentar
efeito clinicamente evidente na coagulação.
Soluções de Gelatina: As soluções de gelatina são macromoléculas preparadas a partir do colágeno bovino. No
mercado europeu estão disponíveis as soluções de gelatina obtidas por succinilação (gelatina succinilada -
Gelafundin) ou através de processo de ligação à uréia (gelatina com ligações de uréia – Haemacell). No
homem, a solução de gelatina succinilada possui a capacidade de expandir o plasma na mesma proporção do
volume expandido, com duração de ação de aproximadamente 4 a 5 horas, sendo que cerca de 50% do volume
infundido permanece no plasma neste período. Comparativamente ao amido de hidroxietila, as soluções de
gelatina possuem um efeito expansor plasmático de menor duração.
Raramente pode-se observar reações anafiláticas em pacientes recebendo soluções de gelatinas. Em um estudo
realizado no homem, a incidência de reações em pacientes recebendo soluções de gelatina foi de 0,115% (Ring &
Messner, 1977). Em pacientes veterinários, apesar da ausência de estudos retrospectivos em larga escala,
reações anafiláticas também parecem ser raramente observadas.
Semelhantemente aos demais colóides sintéticos, as soluções de gelatina também podem interferir com a
coagulação sanguínea. Em um estudo realizado no homem, as soluções de gelatina causaram maior interferência
que o amido de hidroxietila na hemostase (de Jonge te al, 1998).
Colóides X Cristalóides: Com relação a escolha da solução a ser empregada na ressuscitação do paciente
hipovolêmico, devem ser levados em conta as vantagens e desvantagens de cada fluido, o tipo de choque
apresentado pelo paciente, a possível presença de distúrbios da coagulação, bem como fatores econômicos. Em
um levantamento de meta-análise recente, evolvendo nove estudos com um número total de 1889 pacientes
humanos com choque traumático (Wade et al, 1997), observou-se que o emprego de solução salina hipertônica
(NaCl 7,5%) associada ao Dextrano 70 (6%) resultou em maior índice de sobrevivência que os grupos tratados
apenas com Ringer Lactato ou NaCl a 7,5% não associado ao colóide. Aparentemente, o uso de soluções
hipertônicas combinado com colóides favorece uma melhor sobrevida do paciente com choque traumático. Há
ainda evidências que a solução salina hipertônica (NaCl 7,5%) associada ao Dextrano 70 (6%) é benéfica no
choque séptico associado a piometra em cães (Fantoni et al, 1999).
149
No período trans-operatório, não há evidências claras que o uso de colóides deve ser favorecido em relação aos
cristalóides. Nesta fase, o anestesista opta quase que invariavelmente por realizar a reposição volêmica inicial
com soluções critalóides. No caso de hemorragia intra-operatória, deve-se procurar estimar a perda sanguínea e
repor o déficit com cristalólide (Ex: Ringer Lactato) na proporção de 3-4 vezes o volume sanguíneo perdido. No
caso de perdas volêmicas extensas, no entanto, a administração repetida de cristalóides perde sua eficácia na
expansão e manutenção do volume intravascular por causar queda excessiva da pressão oncótica (redução da
proteína plasmática total - albumina). Neste contexto, a monitoração seriada do hematócrito e proteína plamática
tota (PPT) se torna essencial. Havendo queda da PPT a valores abaixo de 3,5-4,0 g/dL, recomenda-se a
administração de plasma ou colóides sintéticos (até 10-20 mL/kg) para se obter expansão plasmática e
manutenção da pressão oncótica. Em algumas circunstâncias, diante da evidência de hipovolemia significativa
(Ex: hipotensão intraoperatória refratária a agentes inotrópicos e bolus de cristalóides), pode-se optar pelo uso do
colóides como expansores plasmáticos devido ao seu efeito mais duradouro e eficaz.

Referências Bibliográficas

Concannon K.T, Haskins S.C., Feldman B.F. Hemostatic defects associated with two infusion rates of Dextran 70
in dogs. Am J Vet Res 53:1369-1375, 1992.

de Jonge E., Levi M., Brebds F. Et al. Impaired hemostasis by intraveous administration of a gelatin-based plasma
expander in human subjects. Thromb Haemost 79:286-290, 1998.

DiBartola, S. Introduction to fluid therapy. In: DiBartola, S. (editor). Fluid Therapy in Small Animal Practice. W.B
Saunders, Philadelphia, 2002, p. 265-280

Fantoni DT, Auler Junior JO, Futema F, et al. Intravenous administration of hypertonic sodium chloride solution with
dextran or isotonic sodium chloride solution for treatment of septic shock secondary to pyometra in dogs. J Am Vet
Med Assoc 215:1283-1287, 1999.

Moore L.E., Garvey M.S. The effect of hetastarch on serum colloid oncotic pressure in hypoalbuminemic dogs. J
Vet Intern Med 10Ç300-303, 1996

Ring J, Messner K. Incidence and severity of anaphylactoid reactions to colloid volume substitutes. Lancet 1:446-
469, 1977.

Vogt N.H., Bothner U., Lerch G., et al. Large-dose administration of 6% hydroxyethyl starch 200/0.5 total hip
arthroplasty: Plasma homeostasis, hemostasis, and renal function compared to use of 5% human albumin. Anesth
Analg 83:262-268, 1996.

Wade C.E., Kramer G.C., GradyJ.J. et al. Efficacy of hypertonic 7.5% saline and 6% dextran-70 in treating trauma:
a meta-analysis of controlled clinical studies. Surgery 122:609-616, 1997.

150
ANESTESIA LOCAL E REGIONAL EM BOVINOS

INTRODUÇÃO
A grande capacidade de cooperação dos bovinos aos procedimentos clínicos e manipulações cirúrgicas
permitem a prática de técnicas pouco invasivas para sua contenção. Muitas vezes a simples contenção física é
suficiente para permitir a realização de exames mais acurados (ex. ginecológico, oftálmico), sendo que em outras
situações mais dolorosas necessita-se apenas tranqüilizações suaves, como no tratamento dos cascos. Na
maioria dos procedimentos cirúrgicos nesta espécie pode-se optar por anestesias locais ou regionais, trazendo
vantagens como a permanência do animal em posição quadrupedal, manutenção dos referenciais anatômicos,
menor risco anestésico, maior segurança para o animal e profissionais, custo mais acessível, entre outras. A
associação de anestesia local com tranqüilizantes ou sedativos é requerida sempre que a intervenção é cruenta
ou a animal é irascível. As vantagens das anestesias loco-regionais têm tornado incomum a prática da anestesia
geral em ruminantes, à revelia da evolução da anestesia geral injetável e principalmente inalatória em outras
espécies animais.
A injeção de anestésicos locais na periferia de nervos superficiais (Anestesia Perineural) ou em vasos sangüíneos
periféricos (Anestesia intravenosa de Bier) tem sido largamente utilizada nas cirurgias da cabeça e membros
destes animais respectivamente, enquanto a anestesia Os bloqueios paravertebral, peridural e e anestesia
infiltrativa regional (flanco) permitem intervenções abdominais e caudais. A utilização de anestesia subdural não é
muito indicada devido ao risco de acidentes no transcorrer da anestesia e após a cirurgia por provocar dismetria e
perda da motricidade dos membros posteriores, impondo risco adicional de injúrias no animal (Skarda, 1996).
Para a boa execução das técnicas de anestesia local é imprescindível o conhecimento da neuroanatomia regional,
prevenindo desta maneira os insucessos provenientes do bloqueio parcial das estruturas a serem manipuladas,
bem como conhecer a farmacologia (Lumb & Jones, 1996).
Uma variedade de fármacos anestésicos é utilizada para bloqueio reversível da transmissão nervosa, possuindo
potência, toxicidade e tempo de ação a depender do grupo farmacológico a que pertence. Os anestésicos mais
utilizados em nosso meio para estes fins estão descritos na Tabela 1. A adição de epinefrina (1:200.000) aos
anestésicos locais, aumentam seu tempo de ação por promover vasoconstrição local, o que garante maior tempo
de permanência do fármaco no local injetado. Para Skarda (1996) a associação de hialuronidase aos anestésicos
locais promove diminuição do tempo de latência do mesmo por aumentar a permeabilidade dos tecidos ao
fármaco. Cuidados com a dose máxima dos anestésicos locais em bovinos são geralmente dispensados, desde
que se faça utilização criteriosa destas drogas, pois dificilmente ultrapassará os limites de segurança para as
mesmas.

Tabela 1- Principais anestésicos locais utilizados nas anestesias loco-regionais da espécie bovina.

Droga Nome comercial Potência (Procaína=1) Toxicidade Estabilidade Comentários


e Concentração (Procaína=1)
Procaína Novocaína 1:1 1:1 Solúvel em água Pouco potente e
de curta duração
1-2%
Lidocaína Xilocaína 2:1 0,5%=1:1 Solúvel em água Boa penetração,
pode ser
Xilestesin 0,5% 1,0%=1,4:1 Estável em
autoclavada
solução aquosa
1,0% 2,0%=1,5:1
2,0%
Ropivacaína Naropin 6:1 Baixa toxicidade Solúvel em água Possui longa
ação, potente e
0,75% Estável em
segura
solução aquosa
1,0%
Custo mais
elevado
Bupivacaína Neocaína 8:1 Baixa toxicidade Solúvel em água Potente, pode ser
autoclavada,
Estável em
possui longa ação
solução aquosa

151
ANESTESIAS DA CABEÇA

Segundo Hall & Clark, (1991) os procedimentos para anestesia local na cabeça permitem desde exames
complementares, como o oftalmológico, até cirurgias cruentas como a trepanação ou enucleação do globo ocular.
Os nervos mais comumente bloqueados são o auriculopalpebral, supra-orbital,
supra orbital, zigomaticotemporal (lacrimal),
infraorbitário, oculomotor, abducente e nervo troclear. A maioria destes nervos são provenientes do ramo oftálmico
do trigêmeo
gêmeo (quinto par de nervo cranial).

Anestesia do olho e relaxamento do globo ocular


Quando se requer aquinesia (paralisia reversível) da pálpebra inferior, pode-se
pode se proceder ao bloqueio perineural do
nervo auriculopalpebral. Este procedimento facilita intervenções
intervenções no olho (lavagens, remoções de corpos
estranhos) em combinação com anestesia tópica (colírio anestésico). Como opção para sutura de feridas
superficiais da pálpebra pode-se
se utilizar o bloqueio infiltrativo ao redor das pálpebras (Figura 1).

Figura
gura 1: Posição correta para
infiltração da pálpebra superior (A),
bloqueio do nervo auriculopalpebral
(B), bloqueio na emergência do
forame infraorbitário (C), bloqueio do
ramo cornual do nervo
zigomaticotemporal (D e fotografia)
FONTE: Thurmon et al, 1996
199

Em casos de enucleação do globo ocular, além do bloqueio das pálpebras, como acima citado, deve-se
deve proceder
anestesia retrobulbar injetando-se
se aproximadamente 15 mL de Lidocaína a 2% na região retrobulbar com agulha
longa (10 cm), o qual deve ser introduzido
ntroduzido próximo á comissura nasal beirando o tabique ósseo. Com a ajuda do
dedo indicador, para evitar acidentes, localiza-se
localiza se o ponto correto para introdução da agulha que é o espaço entre
o globo ocular e a órbita em sua comissura nasal (Figura 2). A anestesia
anestesia retrobulbar traz alguns riscos, tais como
introdução da agulha no globo ocular e aplicação sub-aracnóidea
sub aracnóidea a qual poderia levar à sérias complicações por
disseminação do anestésico diretamente no líquido céfalo-raquidiano.
céfalo

Figura 2: Localização do ponto de


introdução da agulha para o bloqueio
retrobulbar. FONTE: Thurmon et al, 1996

Anestesia para descorna:


A anestesia para descorna é feita pela dessensibilização do nervo cornual que é um ramo da porção
zigomaticotemporal (lacrimal) da divisão
divisão oftálmica do nervo trigêmeo (quinto par craniano). O local para injeção é o
terço superior do sulco temporal aproximadamente 2,5 cm abaixo da base do chifre (Figura 1). Uma segunda
aplicação um centímetro caudal à primeira, pode ser feita nos animais adultos
adultos com chifres desenvolvidos, na
intenção de bloquear o ramo cutâneo do segundo nervo cervical. O bloqueio circular da base do chifre é uma
alternativa que pode substituir a técnica anterior em casos de insucesso com a primeira técnica ou em animais
com os chifres muito desenvolvidos.

152
Analgesia nasal e do lábio superior:
Em casos de lacerações envolvendo as narinas e lábio superior ou colocação de argola nasal, é realizada uma
anestesia do nervo infra-orbitário na emergência do forame de mesmo nome. O forame infra-orbitário é palpável e
está localizado rostralmente à tuberosidade facial sobre a linha que se estende da incisura nasomaxilar ao
segundo pré-molar superior (Figura 1).
O bloqueio do nervo mentoniano no ponto de emergência de seu forame, permite intervenções na porção
distal da mandíbula. Em casos de fratura da sínfise mandibular, deve-se proceder o bloqueio do nervo em ambos
os lados.

Observação:
1- Como regra geral, deve-se utilizar 10 mL de cloridrato de lidocaína a 2% em cada aplicação das citadas
técnicas.
2- Os animais irascíveis devem ser tranqüilizados e devidamente contidos para evitar traumatismos aos mesmos e
à equipe médica veterinária. Os tranqüilizantes mais utilizados nos bovinos e suas doses estão na Tabela 2.

Tabela 2- Principais tranqüilizantes utilizados na espécie bovina

Droga Nome comercial Concentração Dose (mg/kg) Observações

Acepromazin Acepran 0,2% 0,05-0,1 IM Não analgésico.


a
(2 mg/mL) Facilita exposi;cão pênis
Menor risco de decúbito que xilazina
1% Considerar outras alternativas em
animais desidratrados/ hipotensos
(10 mg/mL)
Diazepan Valium 1% 0,05-0,1 mg/kg Indicado na sedação de bezerros.
IV
Diazepam (10 mg/mL) Mínima interferência cardiovascular

Xilazina Rompum (2%) 2% 0,02-0,05 IV/IM Usar preferencialmente xilazina 2% em


bovinos.
Coopazine (2%) (20 mg/mL) (sedação em
estação) Raças zebuínas mais sensíveis a
Sedazine (10%)
xilazina
10%
(reduzir dose)
0,1- 0,2 mg/kg
(100 mg/mL)
IM
(decúbito)

Obs: Caso necessite reverter os efeitos depressores da xilazina, pode-se utilizar qualquer dos seguintes
antagonistas específicos: Yoimbina (0,1-0,2 mg/kg), Tolazolina (2-3 mg/kg) ou Atipamezole (0,01–0,03 mg/kg).
Deve-se tomar muito cuidado com o uso de fenotiazínicos, devido à hipotensão arterial e com a xilazina devido ao
risco de regurgitação, necessitando jejum prévio.

153
ANESTESIA DO FLANCO (FOSSA PARALOMBAR)

As anestesias do flanco são largamente utilizadas nas cirurgias abdominais com o animal em posição quadrupedal
(ruminotomia, correção de deslocamento
deslocamento de abomaso, obstrução intestinal), preparação de modelos experimentais
(fístula ruminal), cesarianas, ovariectomia. Os procedimentos mais utilizados são anestesia infiltrativa na linha de
incisão ou em L invertido, bloqueio paravertebral proximal.

Anestesia
tesia infiltrativa em L invertido ou na linha de incisão:
A anestesia infiltrativa é a mais utilizada no campo, principalmente pela facilidade com a qual pode ser
administrada. Existem basicamente duas opções, representadas pelo bloqueio linear e bloqueio em “L invertido”.
O “L invertido” parece ser o preferido por abranger uma maior extensão de tecidos e não haver presença de
anestésico no local da incisão. Trata-se
Trata se de uma técnica de anestesia regional em que todas os nervos aferentes
do campo cirúrgico são o dessensibilizados. O anestésico local é injetado de maneira a formar duas linhas
convergentes, sendo uma paralela à borda caudal da última costela e a outra paralela à coluna vertebral,
promovendo um bloqueio profundo de toda a fossa paralombar (Figura 3).
3). Com uma agulha longa (pelo menos 10-
10
15 cm), além de se infiltrar o anestésico no tecido subcutâneo para se anestesiar a pele, deve-se
deve penetrar os
planos musculares mais profundos. Este procedimento é indicado em todas as cirurgias abdominais pelo flanco e
utiliza-se
se em média 80 a 100 mL de anestésico local (Massone, 1999).

Figura 3: Anestesia regional em bovino pelo flanco utilizando “L invertido”, observar os ramos ventrais dos nervos
T13 a L4. (esquerda) Local para introdução da agulha e injeção do anestésico local (linha branca contínua), região
insensibilizada (linha branca pontilhada)
lhada) e suposto local para incisão do flanco (linha negra) (direita). FONTE:
Skarda, 1996

Bloqueio Paravertebral:
Neste método se promove o bloqueio perineural dos nervos espinhais que emergem do canal vertebral através
dos forames intervertebrais. É utilizada
utilizada para laparotomias e embora seja de mais difícil execução possui
vantagens sobre o método anterior. Promove completa insensibilização da parede abdominal e peritônio com
intenso relaxamento muscular. Vale salientar que a insensibilização ocorre apenas
apenas no lado ipsilateral ao bloqueio
anestésico. Existem duas abordagens. No bloqueio paravertebral proximal, a agulha é introduzida perpendicular
ao processo transverso da vértebra lombar. No bloqueio paravertebral distal a agulha é introduzida em orientação
paralela ao processo transverso da vértebra lombar.

Bloqueio paravertebral proximal:


Trata-se
se de uma excelente opção em substituição à anestesia infiltrativa do flanco. Os nervos espinhais
o o o
anestesiados para realização de laparotomia de flanco são o 13 torácico, 1 e 2 lombares. As referências
o
anatômicas para se bloquear estes nervos são os processos transversos de L1 (anestesia do 13 nervo torácico),
o o
L2 (anestesia do 1 nervo lombar) e L3 (anestesia do 2 nervo lombar). Caso a indicação cirúrgica seja cesariana
(incisão paramamária) ou procedimento na região cranial das glândulas mamárias, pode-se
pode prolongar o bloqueio,
154
o o
atingindo o 3 e 4 nervo lombar. Após proceder tricotomia e desinfecção cirúrgica da área, promove-se promove
insensibilização da pele e planos musculares mais profundos com 2 a 3 mL de Lidocaína 2%, num ponto 5 a 10cm
paralelo às apófises espinhosas das vértebras lombares. Uma agulha de 10- 10-15 cm deve ser introduzida
verticalmente, perperdicular ao processo transverso de L3, buscando-se
buscando se atingir o mesmo. Após se atingir o
processo transverso de L3, deve-sese “caminhar”com a agulha cranialmente até a que esta esteja tangenciando a
borda cranial do processo transverso. Em seguida deve-sedeve se aprofundar a agulha, ultrapassando a fáscia
intertransversa. Neste
e ponto (abaixo do processo transverso de L3) é inoculado 15 mL do anestésico para o
o
bloqueio do ramo ventral do 2 nervo lombar. A agulha é então retraída cerca de 2,5 cm (acima do processo
transverso de L3) onde se aplica mais 10 mL de Lidocaína a 2% para
para dessensibilização do ramo dorsal do nervo.
o o
Para se anestesiar o 1 nervo lombar e 13 nervo torácico, repete-sese o mesmo procedimento, utilizando-se
utilizando o as
o o
apófises transversas de L2 (anestesia do 1 nervo lombar) e L1 (anestesia do 13 nervo torácico), respectivamente
res
(Figura 4).

Figura 4: Pontos para introdução da agulha


na anestesia paravertebral toracolombar
proximal (A), secção tranversal na altura da
primeira vértebra lombar (L1), visualizando a
agulha próxima ao foramen intervertebral (B)
onde “a” ramo dorsal, “b” ramo ventral.
FONTE: Skarda, 1996)

ANESTESIA DO PERÍNEO

A anestesia da região perineal possibilita a realização de fetotomias, partos distócicos, correção de prolapsos
cérvico-vaginais,
vaginais, cirurgias envolvendo a cauda, períneo, ânus, reto, vulva, vagina.

Anestesia peridural caudal (peridural baixa):


As anestesias peridurais caudais em ruminantes permitem manipulações obstétricas tão requeridas nas distocias
fetais/foetotomias e em procedimentos envolvendo toda a região caudal (ânus, vagina,
vagina, reto, prepúcio e escroto).
Trata-se
se de um procedimento pouco dispendioso, prático e eficiente, no qual o anestésico local é aplicado no
espaço peridural entre a última vértebra sacral (S5) e a primeira coccígea (Co1) ou entre a primeira e segunda
coccígea (Co1-Co2).
Co2). A localização do primeiro espaço intercoccígeo (Co1-Co2)
(Co1 Co2) é facilitada pela elevação e
abaixamento da cauda (movimento de cacimba), o qual propicia o aparecimento de uma depressão palpável entre
as vértebras. O espaço peridural sacrococcígeo
sacrococcíg (S5-Co1)
Co1) é mais difícil de localizar por ser menos móvel, sendo
que a articulação sacro-coccígea
coccígea pode estar ossificada (imóvel) em aniamis mais velhos (Figura-5).
(Figura
Depois de preparar a área para procedimento asséptico, faz-se
faz se o bloqueio da pele com 1-2
1 mL de Lidocaína 2%.
Estando a pele insensibilizada inicia-se
inicia se a introdução de uma agulha de 4 cm em ângulo reto com a pele, buscando
penetrar o canal peridural. A penetração do canal pela agulha é seguida por de sucção devido à pressão
subatmosférica ali existente.
stente. A aplicação do anestésico neste ponto (Lidocaína 2% 1mL/100kg) deve ser bastante
fácil, caso contrário é sinal que a agulha não está bem posicionada. A paralisação da cauda e completa anestesia
da região reto-anal
anal ocorre em alguns minutos (10 minutos).
minut

155
Figura 5: Colocação de agulha para anestesia
peridural caudal (A) e passagem de catéter para
anestesia peridural contínua entre Co1-Co2
Co1 em
bovino. Região insensibilizada com anestesia
peridural caudal (linhas pontilhadas do quadro
inferior). FONTE: Skarda, 1996

A anestesia peridural caudal contínua é um procedimento bastante útil para animais com prolapso recorrente de
reto, útero ou vagina, exigindo um tempo de insensibilização e abolição das contrações abdominais por tempo
mais prolongado. Consiste
iste na colocação de um catéter no espaço peridural (Co1-Co2)
(Co1 Co2) para posterior aplicação
de anestésico local, mantendo assim a anestesia por tempo prolongado. Pode-se
Pode se fazer uso da agulha de Tuohy,
para melhor direcionamento do cateter para regiões mais anteriores.
anter

ANESTESIA DO ÚBERE E TETA

O úbere é suprido por fibras originadas no terceiro e quarto segmentos lombares, os quais formam o nervo
genitofemoral. Caudalmente, o úbere é suprido por um ramo mamário do nervo pudendo e ramo cutâneo distal do
nervo perineal, os quais se originam do segundo, terceiro e quarto segmentos espinhais sacrais. A pele e alguma
o o
parte do tecido glandular do úbere são supridos pelo 2 e 3 nervos lombares (Figura-6).
(Figura

Figura 6: Esquema de ilustração do suprimento


nervoso do úbere em bovino. Nervo inguinal (A),
nervo interno anterior (B), nervo inguinal posterior
(C), nervo inguinal externo (D), nervo inguinal
perineal (E). Ramos ventrais do primeiro ao quarto
nervo vertebral lombar
bar (L1, L2, L3). Ramo ventral
do segundo ao quarto nervo vertebral sacral (S2,
S3, S4). FONTE : Skarda 1996

Na maioria dos procedimentos cirúrgicos das mamas é utilizada anestesia local infiltrativa circular ou bloqueio em
“V invertido”, bloqueio regional intravenoso e ainda infusão da cisterna mamária, com o auxílio ou não de
tranqüilizantes (Figura-7).
7). Procedimentos cirúrgicos nas mamas craniais podem ser realizados com anestesia
o o
paravertebral (bloqueio envolvenfo o 2 e 3 nervos lombares) ou com
m anestesia peridural alta, onde se administra
um volume maior de anestésico no espaço intercoccígeo (20 a 30 mL de lidocína a 2%para uma vaca adulta) para
causar migração cranial do anestésico. Nesta abordagem (anestesia peridural alta), o animal irá a decúbito de
(relaxamento dos mebros posteriores) uma vez que o anestésico local ao migrar cranialmente atingirá o nervo
ciático.

156
O bloqueio circular da teta é realizado pela aplicação de 4 a 6 mL de anestésico local sem vasoconstrictor ao redor
da base da mesma.. Tal procedimento permite correção de fístulas ou lacerações do teto, tratamento de feridas
contaminadas, retirada de corpos estranhos e retirada de tetos supra-numerários.
supra

Figura 7: Bloqueios anestésicos da teta:


Circular (A), em “V invertido” (B), infusão
i da
cisterna (C) e bloqueio intravenoso regional
(D). FONTE: Skarda, 1996

Uma alternativa para o bloqueio circular em casos de laceração única é a utilização de anestesia infiltrativa em
forma de “V invertido” acima do local a ser operado.
Para o tratamento de patologias que envolvam a cisterna pode-sepode se utilizar infusão direta dentro do canal da
mesma. Para isso utiliza-se se um torniquete na base da cisterna e uma agulha de teto acoplada à seringa com o
anestésico, injetando-sese 10 mL de lidocaína a 2%2 (Figura-7).
7). Este procedimento deve ser de escolha quando
houver a necessidade de manipular a membrana mucosa da cisterna ressaltando que a pele e musculatura não
serão sensibilizadas com esta técnica. Uma aplicação prática se encontra nos casos de obstrução obstru do canal
galactófaro, nos quais pretende-se se utilizar a agulha de desobstrução cortante. Em casos de patologias que
envolvam a glândula mamária recorre-se
recorre se ao bloqueio regional intravenoso, o qual se realiza injetando anestésico
local na veia superficial da mama com torniquete na base da mesma. (Figura-7).
(Figura

ANESTESIA DOS MEMBROS

A anestesia dos membros pode ser obtida por Infiltração Circular no membro, Anestesia Intravenosa Regional e
Anestesia Perineural.
A anestesia circular é utilizada nas porções distais
distais dos membros abaixo do carpo e do tarso e é obtida pela
infiltração de anestésico local ao redor do membro utilizando-se
utilizando se 20 a 30 mL de Lidocaína a 2% sem
vasocosntrictor em um bovino adulto. Esta técnica permite cirurgias superficiais dos membros como suturas e
retiradas de nódulos, possuindo o inconveniente de exigir várias perfurações para sua execução.
A anestesia intravenosa regional é um método simples e seguro para promover a analgesia dos dígitos dos
ruminantes. Esta técnica envolve a utilização
utilização de torniquetes acima do local a ser manipulado, seguido da
aplicação intravenosa do anestésico local. Nos membros torácicos utilizam-se
utilizam se a veia cefálica, metacarpiana ou
radial e nos membros pélvicos o ramo cranial da veia safena lateral ou veia digital plantar
plantar lateral (Figura-8).
(Figura

157
Figura 8: Garrote e posicionamentos para aplicação de anestesia intravenosa regional no membro anterior e
posterior dos bovinos. Veia metacarpiana dorsal (a), veia radial (b), veia metacarpiana plantar (c), ramo cranial da
safena lateral (d), veia digital plantar lateral (e). FONTE : Skarda 1996

Aplicam-se 10 a 30 mL de lidocaína a 2%, dependendo do tamanho do animal. A pressão digital no sentido distal
do membro é útil para favorecer a disseminação do anestésico, o qual fará seu efeito em 5 a 10 minutos. A
ª
anestesia intravenosa regional permite procedimentos cruentos como a amputação de 3 falange, curetagens e
cauterizações. Alguns autores recomendam cuidados com a retirada precoce do torniquete no intuito de evitar
intoxicação por anestésicos locais. Para tanto, aconselha-se evitar a retirada do torniquete nos primeiros 15 a 20
minutos após a injeção. Outro cuidado a ser tomado é a não permanência do torniquete por mais de 2 horas, o
que poderia predispor a necrose das estruturas distais.
A anestesia perineural dos membros pode ser executada com a aplicação do anestésico local na periferia dos
nervos superficiais do membro. Tal procedimento não é muito requerido nos bovinos, do mesmo modo que é nos
eqüinos, devido à maior dificuldade de localização dos nervos superficiais nos primeiros.

ANESTESIA PARA CASTRAÇÃO

A castração é um dos procedimentos cirúrgicos mais comuns em animais de produção. É indicada para supressão
da libido, mudança comportamental e ganho de peso, sendo esta última finalidade já questionada. Para proceder
a orquiectomia por método cirúrgico pode-se optar pela utilização de anestésicos locais injetando 5 a 10 mL na
pele do escroto, geralmente na calota da bolsa escrotal e posterior bloqueio com a mesma quantidade do fármaco,
no cordão espermático de cada gônada, produzindo assim um bloqueio perineural do ramo testicular do nervo
pudendo (Figura-9). Uma outra opção é substituir a aplicação perineural por uma inoculação de 10 a 20 mL de
lidocaína a 2% diretamente no testículo, a qual vai se disseminar e bloquear as terminações nervosas até o local
da excisão cirúrgica da gônada.
Os métodos não-cirúrgicos como a técnica do Burdizzo ou da borracha na base do escroto podem causar necrose,
inflamação e dor, mantendo a cirurgia como alternativa mais segura (Skarda, 1987).

Figura 9: Ponto para anestesia local para castração de bovino adulto. Pele do escroto (A) e bloqueio perineural do
cordão espermático (B).

Referências bibliográficas:

CHUNG, D.C., LAM, A.M. Fundamentos de Anestesiologia. Rio de Janeiro: Guanabara-Coogan, 1983, 262p.
GOGOI, S.N., NIGAN, J.M., PESHIN, P.K. Studies on Intravenous Regional Analgesia on the Hind Limb in the
Bovine. Journal Veterinary Medical Association, v.38, p.545-552, 1991

158
GOMES DE SEGURA, I.A., TENDILLO, F.J., MARSICO, F. Alpha 2 Agonists for Regional Anaesthesia in the cow.
Journal Veterinary Anaesthesia, v.20, p.32-33, 1993.
GOODMAN AND GILMAN As bases Farmacológicas da Terapêutica. 6ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Coogan,
1983, 345p.
HALL, L.W., CLARK, K.W. Veterinary anesthesia. 9ed. East Sussex: Ballieri Tindal, 1991.
HEAVNER, J.E. Local anesthetics. In: THURMON, J.C., TRANQUILLI, W.J., BENSON, G.J. Lumb & Jones
Vaterinary Anesthesia 3ed. Baltmore: Lea Fibger, 1996, p.330-336.
MASSONE, F. Anestesiologia Veterinária – Farmacologia e técnicas 3ed.. Rio de Janeiro: Guanabara-Coogan,
1999, 225p.
PRADO, I.M., QUESSADA, A.M., VIANA, L., PORTELA, F.J.A., BEZERRA,A. M.E. Lidocaína associada à Xilazina
para anestesia epidural em Bovinos, Congresso Brasileiro de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária, Belo Horizonte,
1998 Anais... p.5.
SHORT, C.E. Preanesthetic Medications in Ruminants and Swine. Veterinary Clinics of North America: Food
Animal Practice, v.2, n.3, November, 1986.
SKARDA, R.T. Local and regional anesthesia. In: SHORT, C.E. Principles and practice of veterinary anesthesia.
Baltimore: Willians & Wilkins, 1987, p.91-133.
SKARDA, R.T. Local and Regional Anesthetic and analgesic tecnics. In: THURMON, J.C., TRANQUILLI, W.J.,
BENSON, G.J. Lumb & Jones Veterinary Anesthesia 3ed. Baltmore: Lea Fibger, 1996, p.426-514.
SKARDA, R.T. Techniques of Local Analgesia in Ruminants and Swine. Veterinary Clinics of North America: Food
Animal Practice, v.2, n.3, p.621-661. November, 1986.
SKARDA, R.T., MUIR, W.W. Segmental Thoracolombar Subarachnoided Analgesia in cows. American Journal
Veterinary Research, v.42, n.4, p.632-638. April, 1988.
SPINOSA, H.S., GÓRNIAK, S.L., BERNARDI, M.M. Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária. Rio de Janeiro:
Guanabara-Coogan, 1996, 545p.

159
ANESTESIA EM SUÍNOS

STELIO PACCA LOUREIRO LUNA

Por tratar-se de animal de interesse predominantemente zootécnico, poucas intervenções cirúrgicas são
realizadas em suínos na medicina veterinária. Exceto em casos de animais de companhia, como o porquinho
Vietnamita, porco de Yucatan e o Pigmeu Africano. Adicionalmente, esta espécie é intensamente utilizada para
pesquisas na área cardiovascular demandando técnicas anestésicas bem elaboradas, que não serão tratadas
neste capítulo.

CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANESTÉSICAS

O temperamento do suíno não permite facilmente contenção física. Desta forma, deve-se usar
preferencialmente contenção química. O ambiente de trabalho deve apresentar o menor estímulo externo possível.
Deve-se tomar muito cuidado com estresse, pois pode ocorrer óbito. As suas características anatômicas também
limitam o acesso venoso.O jejum deve ser de 12 horas alimentar e hídrico de 6 horas.
Deve-se evitar contato visual e olfativo com outros animais do grupo e nunca deixar um animal sedado ou
anestesiado em companhia de outro, já que pode haver canibalismo.
A via de acesso para injeção IV é a veia marginal, tomando-se o cuidado para não administrar fármacos
na artéria marginal que fica na posição central, entre o pavilhão auricular lateral e medial. Deve-se ter certeza que
não há pulso no vaso que esta sendo canulado. Sugere-se canular a veia com scalp ou cateter e fixá-los em caso
de necessidade de reaplicações dos fármacos. A fixação deve ser feita com esparadrapo envolvendo uma seringa
colocada no pavilhão auricular interno.

Via de acesso a veia marginal em suínos (extraído de Thurmon 1996)

160
TRANQUILIZAÇÕES

O suíno é praticamente refratário à xilazina, mesmo com o uso de altas doses. O tranquilizante de escolha
é o azaperone na dose de 1 a 4 mg/kg IM ou IV. Pode-se também utilizar a acepromazina na dose de 0,1 mg/kg
por via IV ou IM.
Pode-se administrar por via IM, deixando o animal isolado por um período de 30 minutos, quando for
possível a contenção, administrar por via IV.
Para uma sedação mais intensa recomenda-se associar na mesma seringa, diazepam (0,1-0,2 mg/kg) ou
midazolam (0,15 mg/kg), lembrando-se que este último, apresenta uma melhor absorção que o diazepam, por via
IM. A cetamina (5-15 mg /kg, IM), também pode ser associada aos fármacos anteriores, para uma contenção
farmacológica mais intensa. Caso possível, pode-se administrar a cetamina (2 mg/kg) por via IV, que produz uma
anestesia dissociativa de em torno de 10 minutos, podendo ser realizada reaplicações sucessivas.
Os opióides, como a morfina (0.2 mg/kg), também pode ser administrada com segurança em suínos e
associada aos fármacos acima.

ANESTESIA LOCAL

As anestesias locais são normalmente no tronco. Em casos de cesariana pode-se realizar a anestesia
infiltrativa subcutânea e intramuscular ou a anestesia epidural lombosacra. Neste caso com o animal na posição
quadrupedal, realiza-se tricotomia e antissepsia da região, introduzindo-se uma agulha 100x12
perpendicularmente até atingir o espaço epidural, confirmado pela sucção de uma gota de anestésico colocada no
canhão da agulha. Injeta-se ao redor de 1 ml/kg de anestésico local (lidocaína 2% com vasoconstrictor). De uma
forma mais criteriosa, recomenda-se utilizar a lidocaína 2% para anestesia epidural em porcas na dose de 1ml
para os primeiros 40cm de comprimento de coluna e 1,5ml para cada 10cm restantes, paresentando tem um
período de ação de 2 a 2,5 horas
Anestesia do cordão espermático para orquiectomia
É empregada da mesma forma que a descrita para eqüinos e bovinos, por meio da utilização de
anestésicos locais injetando 5 a 10 mL na pele do escroto, geralmente na calota da bolsa escrotal e posterior
bloqueio com a mesma quantidade do fármaco, no cordão espermático de cada gônada, produzindo assim um
bloqueio perineural do ramo testicular do nervo pudendo. Uma outra opção é substituir a aplicação perineural pela
injeção de 10 a 20 mL de lidocaína a 2% diretamente no testículo, a qual vai se disseminar e bloquear as
terminações nervosas até o local da excisão cirúrgica da gônada.

INDUÇÃO ANESTÉSICA

O suino é uma das espécies de animais domésticos mais difíceis de serem submetidos à intubação, desta
forma a indução anestésica por via intravenosa é a melhor opção. A dificuldade na intubação se deve ao fato que
o campo visual é limitado, a cavidade orofaríngea e as vias aéreas são estreitas, a língua relativamente larga e
espessa, a laringe é localizada bem atrás na cavidade orofaríngea, direcionando-se ventralmente e o
laringoespasmo é frequente, devendo-se usar lidocaína tópica sobre a laringe antes da intubação, para prevení-lo.
As associações anestésicas mais empregadas são a cetamina (10%) com diazepam (5 mg/mL) (mistura
1:1), no volume de 0.1 mL/kg da mistura ou o propofol (2.5 - 3.5 mg/kg, IV), fornecendo 5-10 min de anestesia
cirúrgica.

161
Cavidade orofaríngea do suíno mostrando o fundo cego (fonte Skarda 1995)

CONSIDERAÇÕES TRANS-ANESTÉSICAS

Devido ao risco de obstrução de vias aéreas, considerar a intubação em procedimentos prolongados e em


casos de salivação excessiva, considerar o uso de anticolinérgicos.
A CAM do halotano no suíno é 0,91 e do isoflurano 1,58. Deve-se tomar cuidado com a hipertermia
maligna, já que animais da raça Landrace e Large White podem desenvolver hipertonia muscular, edema cutâneo
e urticária durante a anestesia com halotano. Neste caso a administração do mesmo deve ser imediatamente
descontinuada, dada a possibilidade de morte por síncope branca.
Uma outra opção para manutenção da anestesia é a anestesia geral IV com a associação de EGG-
cetamina-xilazina, da seguinte forma: 1 gr cetamina + 500 mg xilazina diluídos em 500 mL de EGG (5%),
totalizando 2 mg de cetamina e 1 mg de xilazina por mL da mistura. Utiliza-s o volume de 0.5-1 mL/kg para
indução e 2 mL/kg/hora para manutenção anestésica.

Referências bibliográficas:
HALL, L.W., CLARK, K.W. Veterinary anesthesia. 9ed. East Sussex: Ballieri Tindal, 1991.
HEAVNER, J.E. Local anesthetics. In: THURMON, J.C., TRANQUILLI, W.J., BENSON, G.J. Lumb & Jones
Vaterinary Anesthesia 3ed. Baltmore: Lea Fibger, 1996, p.330-336.
MASSONE, F. Anestesiologia Veterinária – Farmacologia e técnicas 3ed.. Rio de Janeiro: Guanabara-Coogan,
1999, 225p.
SHORT, C.E. Preanesthetic Medications in Ruminants and Swine. Veterinary Clinics of North America: Food
Animal Practice, v.2, n.3, November, 1986.
SKARDA, R.T. Local and regional anesthesia. In: SHORT, C.E. Principles and practice of veterinary anesthesia.
Baltimore: Willians & Wilkins, 1987, p.91-133.
SKARDA, R.T. Local and Regional Anesthetic and analgesic tecnics. In: THURMON, J.C., TRANQUILLI, W.J.,
BENSON, G.J. Lumb & Jones Veterinary Anesthesia 3ed. Baltmore: Lea Fibger, 1996, p.426-514.
SKARDA, R.T. Techniques of Local Analgesia in Ruminants and Swine. Veterinary Clinics of North America: Food
Animal Practice, v.2, n.3, p.621-661. November, 1986.

162
163

Você também pode gostar