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2015
SESSÃO ESPECIAL
REVISÃO DE LITERATURA | CIRURGIA DE PEQUENOS
ANIMAIS
UVEÍTE ANTERIOR EM
CÃES E EM GATOS

Anterior uveitis in dogs and cats

1.Faculdade de Agronomia Medicina Veterinária e Zootecnia – UFMT/ Departamento de Clínica


MV Dr. Alexandre P. Ribeiro1*
Médica Veterinária. Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367, CEP: 78060-900 – Cuiabá, MT, Brasil.
MV, Ma. Deise C. Schroder1 Tel.: +55(65)3615-8000 (ramal 234).
*E-mail: alexandre.aleribs@gmail.com

RESUMO ABSTRACT
O presente artigo tem como objetivos abortar os aspectos da fisiopatogenia da uveíte anterior em The present article reviews physiopathological aspects of anterior uveitis in dogs and cats. Details of the
cães e gatos. Detalhes sobre os resultados de investigações relativas ao uso de anti-inflamatórios results of investigations regarding the use of topical and systemic antiinflammatory are also described,
tópicos e sistêmicos são também abordados, com o intuito de facilitar a escolha de tais fármacos no in order to facilitate the choosing of such drugs for the treatment of such ocular afection.
tratamento dessa afeção ocular.

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INTRODUÇÃO
A uveíte é a inflamação da túnica vascular do olho, a qual pilocarpina a 2% ou prostaglandina F2α e E2 e seus análogos Em quadros de uveíte, as prostaglandinas são responsáveis
é composta pela íris, corpo ciliar e coroide. Na uveíte anterior, (WARD et al. 1991; DZIEZYC et al., 1992; KROHNE et al., 1998ab; por sinais como hiperemia conjuntival, redução da pressão
íris e corpo ciliar são afetados, na posterior, apenas a coroide RANKIN et al. 2002; GILMOUR e LEHENBAUER, 2009; RIBEIRO et al. intraocular (PIO), miose, diminuição do limiar da dor e aumento
é acometida (COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011). A uveíte pode 2009; 2010; PINARD et al. 2011) ou ainda, por ruptura da cápsula na permeabilidade vascular (VAN DER WOERDT, 2001).
ocorrer após dano ao trato uveal ou pela quebra das barreiras anterior da lente em cirurgias oftálmicas convencionais ou com Fisiopatologicamente, elas estão envolvidas na quebra da
hematoaquosa ou hematoretiniana (TOWNSEND, 2008). a utilização de laser para quantificação do flare (MILLICHAMP et barreira hematoaquosa por atuarem dilatando a justaposição
al. 1991). A intensidade da inflamação uveal pode ser mensurada dos vasos do epitélio não pigmentar do corpo ciliar (HENDRIX,
A barreira hematoaquosa é uma estrutura anatômica e
pela presença de prostaglandina E2 (PGE2) e proteínas no humor 2011). A miose, algumas vezes muito evidente na uveíte, ocorre
fisiológica que impede a troca de algumas substâncias entre
aquoso (RIBEIRO et al. 2009; 2010; SCHRODER et al. 2015), por em resposta à presença de prostaglandinas, particularmente a
a câmara anterior e o sangue, permite a passagem de solúveis
fluorofotometria (RANKIN et al. 2013) ou por mensuração do PGF2 e outros mediadores inflamatórios que agem diretamente
lipídicos e restringe a passagem de íons solúveis em água e
flare por laser (KROHNE et al. 1998; RANKIN et al. 2002; 2011). no músculo esfíncter da íris causando dor (TOWNSEND, 2008).
proteínas. O endotélio dos vasos sanguíneos da íris e o epitélio
não pigmentado do corpo ciliar compõem essa barreira As prostaglandinas são importantes mediadores Em cães e gatos a uveíte é uma das alterações oculares mais
(TOWNSEND, 2008). A integridade da barreira hematoaquosa inflamatórios provenientes da cascata do ácido araquidônico comuns e que possui importância significativa (TOWNSEND,
depende da justaposição dos vasos localizadas entre a pars presente na camada fosfolipídica da maioria das membranas 2008). Nessas espécies, as causas mais comuns de uveíte
plicata e a pars plana, duas camadas de epitélio não pigmentado celulares na forma esterificada. A ocorrência de qualquer tipo exógena incluem cirurgia intraocular (Figura 1B), trauma, ceratite
do corpo ciliar, responsáveis pela produção de humor aquoso, de injúria celular provoca a liberação do ácido araquidônico ulcerativa (Figuras 2A e 3A) e feridas penetrantes, enquanto a
que controlam o influxo do fluido aquoso para a câmara da membrana celular pela ação da fosfolipase A2 (GORNIAK, uveíte endógena pode ter origem parasitária, infecciosa (Figura
posterior. Danos a essa barreira levam ao aparecimento do flare 2011). Em seguida, o ácido araquidônico sofre ação das enzimas 4 e 5), lente induzida, neoplásica (Figura 6) ou idiopática (COLITZ,
do aquoso, que corresponde ao aumento da turbidez desse cicloxigenase (COX) e lipoxigenase (LOX). A COX converte 2005; HENDRIX, 2011). Os agentes infecciosos mais comuns que
humor, ocasionado pela exsudação e acúmulo de proteínas o ácido araquidônico em prostaglandinas, tromboxanas e causam uveíte em gatos incluem Toxoplasma gondii, Bartonella
plasmáticas e componentes celulares na câmara anterior prostaciclinas, enquanto a LOX converte em leucotrienos, spp, vírus da leucemia felina, vírus da imunodeficiência felina,
(COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011). O humor aquoso contém cerca hidroperóxido e hidroxieicosatetranóicos (van der WOERDT, vírus da peritonite infecciosa felina (Figura 4) e micoses incluindo
de 1/500 da concentração proteica do plasma (GUM e MACKAY 2001). A cicloxigenase-1 (COX-1) é responsável pela conversão criptococose, histoplamose, blastomicose, coccidiomicose e
2011). Experimentos conduzidos em cães mostraram que os do ácido araquidônico em tromboxanos (tromboxano A2), candidíase (COLITZ, 2005). Em cães, agentes infecciosos como
níveis proteicos no aquoso situam-se entre 5,00 e 26,91 mg/dL prostaglandinas (PGD2, PGE, PGF2-alfa) e prostaciclinas (PGI2), a Erlichia spp. (Figuras 5, 7 e 8), Leishmania spp., Babesia spp.,
(GALERA et al. 2009, RIBEIRO et al. 2009; 2010; GUM e MACKAY, enquanto a cicloxigenase-2 (COX-2) produz grande espectro Toxoplasma gondii e os mesmo fungos mencionados na espécie
2011). A albumina é a única proteína detectável à eletroforese, de prostaglandinas, especificamente PGE2 e prostaciclinas felina são os agentes comumente envolvidos (HENDRIX, 2011).
no humor aquoso secundário de cães (GALERA et al. 2009). (SPARKES et al. 2010). A PGE2 é a prostaglandina mais importante,
Uveíte induzida pela lente é a causa mais comum de uveíte
Experimentalmente, a barreira hematoaquosa pode ser pois atua como mediadora dos sinais típicos da inflamação:
no cão, estando presente em todos os estágios evolutivos
rompida por paracentese da câmara anterior, instilando-se rubor, calor, dor, tumor e diminuição da função (STAREK, 2011).
da catarata (van der WOERDT, 2001). Ela pode resultar de

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microtrauma, e ou resposta inflamatória contra antígenos


provenientes das proteínas da lente apresentados a linfócitos T
(van der WOERDT, 2001). Demonstrou-se que o nível de PGE2
não difere significativamente em cães com catarata senil em
estágio maturo e hipermaturo (RENZO et al. 2014).
Os sinais clínicos da uveíte anterior são numerosos e
não específicos de acordo com a causa. Dentre eles inclui- Figura 2. A - uveíte anterior em cão decorrente de ceratatite ulcerativa com exposição da membrana de Descemet
se a hiperemia conjuntival, o flare (Figuras 4A e 7A), o edema (seta amarela). Nota-se hiperemia conjuntival e injeção ciliar (seta amarela tracejada), edema de córnea (seta pre-
ta) severo e hipópio (seta preta tracejada). B - Cinco dias após confecção de retalho conjuntival pediculado (seta
de córnea (Figura 2A), a diminuição da PIO e da acuidade tracejada) e tratamento da uveíte com prednisona oral, diclofenaco e atropina tópicos, é possível observar a pupila
(seta). C - 21 dias do procedimento cirúrgico e da terapia, o pedículo foi removido (seta) e é possível observar con-
Figura 5. Uveíte anterior em cão decorrente de erliquiose. A - Observe a hiperemia conjuntival (seta preta), edema
corneal moderado (asterisco), de neovasos (seta preta vasada) e discoria (seta vermelha). B - 10 dias após trata-
visual, o hifema (Figura 6), o hipópio (Figura 2A), precipitados trole total da inflamação da câmara anterior com pupila visível com apenas alguns vasos corneais remanescentes
mento da afecção com doxiciclina e terapia anti-inflamatória aliada à dilatação pupilar com atropina, observam-se
(seta amarela tracejada).
ceráticos, miose, blefarospasmo, epífora, além de alterações as aderências remanescentes, alteração na coloração da íris (seta preta tracejada) e discoria (seta amarela) em um
olho mais claro e visual.
irídicas como o seu espessamento, mudanças na sua coloração
e neovascularização (rubeosis iridis) (VAN DER WOERDT, 2001;
COLITZ, 2005; TOWNSEND, 2008). As consequências mais comuns
da cronificação da uveíte anterior são a ocorrência de sinéquias
posterior (entre a lente e a íris) (Figuras 5 e 9) e anterior (entre a
córnea e a íris), formação de íris bombé (quando ocorre sinéquia
posterior em 360° e não há mais passagem do humor aquoso Figura 3. A - uveíte anterior em gato decorrente de extrusão de sequestro corneal. Nota-se ceratite ulcerativa nas
da câmara posterior para a anterior), glaucoma secundário, laterais do sequestro (seta), flare moderado do aquoso e depósito de fibrina sobre os bordos da ceratite ulcerativa
(seta tracejada). B - Flare severo foi observado no pós-operatório imediato (asterisco) devido à perfuração ocular
rubeosis iridis, formação de catarata, luxação da lente e phitisis trans-operatória. C - 30 dias após a cirurgia, observa-se controle total da inflamação.

bulbi (VAN DER WOERDT, 2001; TOWNSEND, 2008).

Figura 1. A - uveíte facolítica branda em cão com catarata hipermatura. B - leve formação de hifema acidental
(seta) ao final da remoção da catarata pela facoemulsificação. C - Cinco dias após a terapia com diclofenaco e
prednisolona tópicos, aliado a administração oral de prednisona, o olho está calmo sendo possível visibilizar opa- Figura 4. A - uveíte anterior em gato decorrente de peritonite infecciosa; observe o flare moderado (asterisco) que
cidades da cápsula posterior (seta). Figura 6. Uveíte anterior em cão decorrente de linfoma. A - No momento do diagnóstico observa-se uveíte bil-
resultou na coloração amarelada do humor aquoso. B - Observe a coloração do humor (seta preta) aquoso e do
tareal com presença de hipópio e hifema sedimentados (seta). B - 15 dias após a quimioterapia específica para a
líquido abdominal (seta tracejada).
neoplasia e terapia tópica com prednisolona.

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TRATAMENTO se observe redução significativa no quadro de uveíte anterior


(COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011).
O objetivo do tratamento da uveíte é aliviar os sintomas
de dor e controlar a inflamação e, se possível, estabilizar a Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)
barreira hematoaquosa, minimizar sequelas e preservar a visão.
Uso sistêmico em cães
Por estes motivos, no tratamento base da uveíte são utilizados
cicloplégicos tópicos, anti-inflamatórios tópicos e sistêmicos e Carprofeno
medicamentos específicos para o tratamento da causa base,
Em um estudo em que a barreira hematoaquosa foi
Figura 7. A - Observe a presença de flare moderado do aquoso e traços de hifema (seta) em cão com diagnóstico quando esta é conhecida (COLITZ, 2005; TOWNSEND, 2008;
rompida devido ao uso de pilocarpina 2%, o carprofeno foi
de erliquiose. B - 24 horas após a terapia com colírio de dexametasona 0,1%, instilado a cada 4 horas
HENDRIX, 2011).
capaz de reduzir, em 68%, o influxo de proteínas para o humor
Midriáticos aquoso, comparativamente ao grupo controle (KROHNE et al.
1998a). Nesse estudo, o carprofeno foi administrado por 3 dias
Em cães e em gatos, os fármacos parassimpatolíticos
consecutivos para, posteriormente, a pilocarpina ser instilada
promovem dilatação pupilar significativa. Em gatos, dilatação
em um primeiro momento com duas repetições, 5 e 7 horas
pupilar é atingida após o uso de atropina 1% (até 96 horas)
após (KROHNE et al. 1998a).
e tropicamida 0,5% (8 horas) (KLAUSS e CONSTANTINESCU,
2004). Ambos os fármacos elevam em até 4,5 mmHg a pressão Em outros dois estudos, o carprofeno não foi eficaz
intraocular na espécie felina (STADTBÄUMER et al. 2006). Em quanto à redução dos níveis de PGE2 do humor aquoso após
cães, resultados similares são obtidos após instilação desses dois paracentese da câmara anterior. Em um deles, a PGE2 do humor
Figura 8. Uveíte anterior em cão decorrente de erliquiose A - A despeito da terapia hipotensora ocular anti-infla-
fármacos (KLAUSS e CONSTANTINESCU, 2004). Todavia, Huskies aquoso foi mensurada, decorridos 1 hora da confecção da
matória, e com pressão intraocular normal (18mmHg), a formação de sinéquia posterior em 360 graus (íris bombé) Siberianos são predispostos a apresentarem hipertensão ocular paracentese (GILMOUR et al. 2009); no outro, a mesma citocina
(seta) resultou em glaucoma secundário (B). B - Note a formação de fraturas na membrana de Descemet (setas)
oriunda buftalmia ensejada pelo glaucoma secundário. e maior variação quando no diâmetro pupilar após instilação foi quantificada, decorridos 5 horas do insulto inflamatório
desses fármacos. (RIBEIRO et al., 2010). No experimento de Ribeiro et al. (2010),
a dose utilizada foi de 4,4 mg/kg, via subcutânea, em dose
Em cães, mas não em gatos, a fenilefrina a 10% pode
única, no momento da realização da primeira paracentese. No
ser utilizada como adjuvante na dilatação pupilar (KLAUSS e
estudo de Gilmour e Lehenbauer (2009), os cães foram tratados
CONSTANTINESCU, 2004; STADTBÄUMER et al., 2006), cautela
com 2,2 mg/kg de carprofeno pela via oral em um momento
deve ser considerada em cães cardiopatas, haja vista que o
inicial, e a mesma dose foi repetida 24 horas após e 1hora antes
fármaco eleva a pressão arterial de cães (HERRING et al. 2000).
da realização da primeira paracentese. No estudo de Ribeiro et
A atropina reduz a produção lacrimal em cães e em gatos, al. (2010), a mesma dose administrada pela via subconjuntival
Figura 9. A - Sinéquias posteriores podem ser vistas às 12 e às 11 horas, assim como catarata madura e aderências mas não a tropicamida (RIBEIRO et al. 2008). Geralmente, esses também não apresentou benefícios. Gilmour e Payton (2012),
de fibrina no endotélio corneal (seta). B - Vista lateral do olho do mesmo cão, demonstrando as mesmas sequelas
e sinéquia anterior às 4 horas. agentes são instilados a cada 8 horas, durante 3 a 5 dias, até que utilizaram o mesmo modelo de indução e quantificação da
uveíte (GILMOUR e LEHENBAUER, 2009), mas administraram o

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carprofeno pela via intravenosa e não observaram benefícios no cirurgia intraocular, o uso isolado da flunixina meglumina inibiu Uso tópico em cães
controle da inflamação intraocular. em apenas, 22,4% o influxo de proteínas para o humor aquoso
Apenas dois experimentos comparando diversos fármacos
(KROHNE e VESTRE, 1987).
Posteriormente, a eficácia do carprofeno no tratamento foram realizados. Nas inflamações induzidas por paracentese
de uveíte anterior induzida em cães foi novamente avaliada Millichamp et al. (1991) relataram, ao induzirem uveíte da câmara anterior e a intensidade do flare quantificada
(PINARD et al. 2011). O fármaco foi administrado diariamente facoclástica a laser em cães, que a flunixina meglumina por laser, o diclofenaco foi o mais eficiente, seguido pelo
nos dois dias que antecederam a paracentese da câmara anterior diminuiu a síntese de PGE2 no humor aquoso e a ocorrência flurbiprofeno e suprofeno. A tolmetina apresentou resultados
e quatro horas antes, no dia do procedimento. Neste estudo, de miose. Gilmour e Payton (2012) observaram novamente similares aos obtidos no grupo controle (WARD, 1996). Todos
ao contrário dos anteriores, o carprofeno foi capaz de inibir que a administração intravenosa de 0,5 mg/kg de flunixina os fármacos testados foram concentrados a 1% (WARD, 1996).
significativamente os níveis de PGE2 uma hora e meia após a melgumina foi capaz de reduzir os níveis de PGE2 no humor Em um experimento onde a inflamação foi induzida pela
indução da uveíte experimental (PINARD et al. 2011). aquoso, decorridos 60 minutos da realização de paracentese da instilação de pilocarpina 2%, o flurbiprofeno, o diclofenaco e o
câmara anterior. suprofeno foram eficazes contra a instalação de miose, sendo o
Meloxicam
flurbiprofeno, o que mais inibiu a formação do flare (KROHNE
Uso sistêmico em gatos
Em três estudos realizados, nenhum conseguiu comprovar et al., 1998b). Todavia, constatou-se elevação significativa da
efeitos benéficos quanto à redução da inflamação intraocular Em gatos, a eficácia de diferentes AINEs, administrados pressão intraocular após o uso de flurbiprofeno (KROHNE et al.
após a administração oral, subcutânea, intravenosa e sistemicamente, sobre a inflamação intraocular induzida por 1998b).
subconjuntival do fármaco (GILMOUR e LEHENBAUER, 2009; paracentese da câmara anterior foi avaliada em apenas dois
Outros fármacos comumente utilizados pela via
RIBEIRO et al. 2009; GILMOUR e PAYTON, 2012). experimentos (RANKIN et al. 2013, SCHRODER et al. 2015). No
sistêmica, já foram testados pela via tópica. A instilação de
de Rankin et al. (2013), a quebra da barreira hematoaquosa foi
Tepoxalina flunixina meglumina foi mais eficiente, comparativamente
quantificada por fluorofotometria e no de Schroder et al. (2015),
à dexametasona, no controle de uveítes de origens diversas
No estudo de Gilmour e Lehenbauer (2009), após indução pela mensuração de PGE2 e proteínas totais do humor aquoso.
em cães (ANDRADE et al., 2003). A instilação de três gotas de
da inflamação intraocular pela paracenese, o fármaco foi capaz
Rankin et al. (2013) observaram que 0,1 mg/kg de carprofeno, a intervalos de 1 hora, reduziu a concentração de
de manter os níveis de PGE2 (6,84 – 12,80 pg/dL) próximos
meloxicam, administrados oralmente a cada 24 horas, foi capaz proteínas no humor aquoso em 44%, comparativamente ao
àqueles encontrados em olhos saudáveis (4,81 – 13,74 pg/dL).
de reduzir a inflamação intraocular, apenas 48 horas após grupo controle (RIBEIRO et al. 2010).
O fármaco não é mais comercializado no Brasil.
a realização da paracentese da câmara anterior. No mesmo
Uso tópico em gatos
Flunixina meglumine estudo, o ácido acetil-salicílico (40,5 mg/kg, 1 vez ao dia) não
foi capaz de controlar a inflamação em qualquer momento (6, Rankin et al. (2011) avaliaram os efeitos da instilação ocular
O primeiro estudo realizado com o fármaco data 1986,
24 e 48 horas) após a paracentese. Schroder et al. (2015) não de anti-inflamatórios e observaram que o diclofenaco 0,1%
no qual se demonstrou que o influxo de PGE2 para o humor
observaram redução nos níveis de PGE2 e proteínas totais do reduziu significativamente o influxo proteico do humor aquoso
aquoso, após a confecção de paracentese da câmara anterior
humor aquoso após a administração de 5 mg/kg de firocoxib, (quantificação do flare por LASER), decorridos 8 e 26 horas da
foi menor em cães tratados com 1,1 mg/kg, que os controles
comparativamente ao grupo controle. Vale lembrar que nesse paracentese da câmara anterior. Nesse estudo, a eficácia do
(REGNIER et al., 1986). Posteriormente, demonstrou-se que após
estudo, os pesquisadores avaliaram a barreira hematoaquosa
por apenas uma hora após a sua ruptura.
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flurbiprofeno sobre a proteção da barreira hematoaquosa não CONSIDERAÇÕES FINAIS uveítes brandas e naqueles pacientes acometidos por doença
foi comprovada e assim como o diclofenaco, o fármaco elevou renal ou infecções onde a imunossupressão for impeditiva, não
Admite-se que em quadros de uveíte, os clínicos devem
significativamente a pressão intraocular dos olhos tratados se recomenda a administração sistêmica de corticosteroides ou
se esforçar para manter a pupilar dilatada, evitando assim
(RANKIN et al. 2011). AINEs.
a formação de sinéquias, seclusão pupilar, formação de íris
Anti-inflamatórios esteroidais bombé e glaucoma. Todavia, pacientes sob terapia com agentes Relativamente à dilatação pupilar, ela deve ser instituída
midriáticos devem ser monitorados, pois os mesmos elevam a com o uso de atropina 1% ou tropicamida 1% e mantida até
Uso sistêmico
pressão intraocular e reduzem a produção lacrimal em cães e que o controle da inflamação seja atingido. O uso combinado
Após cirurgia intraocular em cães, a administração em gatos. de um desses fármacos com a fenilefrina 10% pode ser benéfico
intravenosa de dexametasona foi capaz de reduzir o influxo de em cães, onde a dilatação for dificultosa. Vale lembrar que em
Tentativas de reduzir ao máximo o quantitativo de detritos
proteína para o humor aquoso na ordem de 45,6%. Quando gatos, a ausência de receptores alfa-1 na íris, impede a ação
inflamatórios (proteínas, pus, sangue e fibrina), também são
combinada à flunixina meglumina, administrada pela mesma da fenilefrina. Ademais, cautela deve ser tomada em cães
objetivos que devem ser alcançados, evitando-se dessa forma o
via, esse valor foi elevado para 64,2% (KROHNE e VESTRE, 1987). cardiopatas, haja vista que, mesmo utilizada topicamente, a
entupimento do ângulo iridocorneal e a formação de glaucoma.
fenilefrina causa elevação da pressão arterial.
Em gatos, a administração oral de 0,5 mg/kg prednisolona, Nesse contexto de terapia anti-inflamatória, a quantidade
a cada 24h, foi eficaz no controle da inflamação provocada por de administrações de medicações não deve ser inferior a seis A maioria dos especialistas concorda que a prednisolona a
paracentese da câmara anterior, 24 e 48 horas após quebra instilações diárias, considerando-se ainda, a possibilidade de 1% é o fármaco tópico de escolha para cães e gatos com uveíte
da barreira hematoaquosa (RANKIN et al. 2013). No mesmo instilações durante o período da madrugada, principalmente, anterior, oriunda de qualquer causa. Quando for necessária
estudo, os autores não constataram benefícios com o uso da após a realização de cirurgias intraoculares. a combinação tópica corticosteroide/AINE, admite-se que o
prednisona. diclofenaco a 0,1% seja o fármaco de escolha para cães e gatos.
A terapia tópica sempre deve ser instituída e se não for
Segundo os estudos mostrados na presente revisão, fica claro
Uso tópico proibitivo ao estado geral do paciente, AINEs e corticosteroides
que na opção de utilizar AINEs sistêmicos para cães diabéticos,
tópicos devem ser combinados. Corticosteroides tópicos devem
Apenas um estudo controlado avaliou os efeitos da os autores preferem a flunixina meglumina no manejo da
ser evitados em pacientes diabéticos e naqueles com ulceração
prednisolona 0,12 e 1% sobre a quebra da barreira hematoaquosa inflação intraocular após cirurgias intraoculares, haja vista
corneal. Nesses, o uso tópico de AINEs sempre deve instituído
em cães (KROHNE et al., 1998b). Nesse estudo, a prednisolona que os resultados obtidos com AINEs seletivos para COX-2 não
para o controle da dor corneal, assim como para o controle
foi eficaz nas duas concentrações testadas, mas a sua eficácia foi fornecem base para seu uso em cães, e meloxican e carprofeno
da uveíte. Ainda, em casos de pacientes não diabéticos e que
inferior aos efeitos inibitórios dos AINEs (KROHNE et al., 1998b). não são recomendados pelos autores dessa revisão. Para
apresentem uveítes severas com presença de ceratite ulcerativa
gatos, recomenda-se o meloxicam quando diabetes e doenças
Em gatos, a instilação de prednisolona 1% atuou mais concomitante, os autores sempre recomendam o uso sistêmico
imunossupressoras estiverem presentes. Em ambas as espécies,
precocemente, ou seja, 4 horas após paracentese da câmara de corticosteroides aliado ao tratamento tópico da uveíte com
se possível, a melhor opção ainda é combinar a terapia tópica
anterior, quando comparada ao diclofenaco 0,1% (RANKIN et AINEs, aliada ao tratamento da úlcera e da cirurgia quando
com o uso sistêmico de prednisolona.
al. 2011). No mesmo experimento, a dexametasona 0,1% não indicado. Na presença de diabetes, a combinação da terapia
protegeu a barreira hematoaquosa (RANKIN et al. 2011). tópica e sistêmica com AINEs é sempre bem vinda. Casos de

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