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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA


COMPARADA

ESPORTE E MODERNIDADE: UMA ANÁLISE


COMPARADA DA EXPERIÊNCIAESPORTIVA NO RIO
DE JANEIRO E NA BAHIA NOS ANOS FINAIS DO
SÉCULO XIX E INICIAIS DO SÉCULO XX

DOUTORANDO:
CORIOLANO P. DA ROCHA JUNIOR

ORIENTADOR:
VICTOR ANDRADE DE MELO

Rio de Janeiro
Dezembro de 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA


COMPARADA

ESPORTE E MODERNIDADE: UMA ANÁLISE


COMPARADA DA EXPERIÊNCIA ESPORTIVA NO RIO
DE JANEIRO E NA BAHIA NOS ANOS FINAIS DO
SÉCULO XIX E INICIAIS DO SÉCULO XX

Tese de Doutorado
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História
Comparada – Universidade
Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor
em História Comparada.

DOUTORANDO:
CORIOLANO P. DA ROCHA JUNIOR

ORIENTADOR:
VICTOR ANDRADE DE MELO

Rio de Janeiro
Dezembro de 2011

ii
FOLHA DE APROVAÇÃO

Coriolano P. da Rocha Junior

ESPORTE E MODERNIDADE: UMA ANÁLISE COMPARADA DA EXPERIÊNCIA


ESPORTIVA NO RIO DE JANEIRO E NA BAHIA NOS ANOS FINAIS DO SÉCULO
XIX E INICIAIS DO SÉCULO XX

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2011.

____________________________
(Prof. Dr. Victor Andrade de Melo, PPGHC-UFRJ - Orientador)

__________________________
(Dr. Rinaldo Cesar Nascimento Leite, UEFS)

__________________________
(Dr. José D‘Assunção Barros, PPGHC- UFRJ)

__________________________
(Dr. Rafael Fortes, UniRIO)

__________________________
(Dr. João Manuel C. M. dos Santos, PPGHC- UFRJ)
iii
DEDICATÓRIA

Esta tese é resultado de todo um conjunto de experiências vividas até aqui e

foi construída a partir e em conjunto com minhas vivências. Assim, existem algumas

pessoas a quem dedico esta produção, por reconhecer que a mim, estas mesmas

pessoas também dedicaram parte de suas vidas.

Aos meus pais, seu Cori e dona Arabella, que em suas vidas me permitiram

querer ser, me deram de seu tempo e seu carinho, estando ao meu lado e deixando

que eu pudesse seguir minha vida. São eles os responsáveis, mais do que diretos

por tudo que sou ou tento ser.

Aos meus tios Aloir e Aldiléia, que da mesma me dedicaram atenção e

carinho, me recebendo em seu lar em grande parte de minha vida, sempre me

dando tudo o que de bom puderam.

A Cláudia Flores Stohler, esposa querida e amada. Uma pessoa que a todo

o momento está ao meu lado, me oferecendo seu amor e atenção, dedicando a mim

um amor pleno e sincero, compartilhando comigo sua vida.

A vocês, mais do que esta tese, dedico tudo o que de bom consiga pensar,

fazer ou sonhar. Que eu ao longo de minha vida possa retribuir o que me deram e

dão. Mesmo que eu não consiga, saibam que todos são mais do que especiais, são

na verdade essências da minha vida.


iv
AGRADECIMENTO

Em minha vida, por todos os lugares onde passei tenho tido a felicidade de

desfrutar da amizade de várias pessoas, tornando minha existência sempre melhor.

Assim, deixo para estas pessoas meus agradecimentos, certo que por maiores que

sejam estes, sempre serão pouco em relação ao que recebo.

Com estes amigos tenho dividido aspirações, sonhos, angústias, realizações

e desejos. Amigos que mesmo distantes e espalhados por esse Brasil imenso estão

sempre ao meu lado. São várias pessoas, dentre elas Carlos Fernando e Luís Lira.

Além destes, com vários amigos compartilhei momentos nesta fase da minha vida

são eles: Agnaldo Quintela, José Cristiano, Adilson Pereira, Flávio Damião, Sílvio

Vilela, Marco Santoro, José Ribamar, Luiz Otávio, Helder Isayama, Ricardo Rabelo,

Silvio Holanda, Delson Figueiredo, Edivaldo Góis, Edmundo Drummond, Angela

Bretas, Henrique Santos, Rinaldo Leite. Um agradecimento especial ao Antonio

Jorge, orientador de mestrado e amigo querido de todo momento.

Destes apenas digo de meu orgulho e alegria em poder conviver e fazer parte

de suas vidas. A todos meu carinho e meu desejo de que ainda por longos anos

possamos estar juntos. Uma homenagem especial eu faço a dois amigos, que por

razões diversas, não estão mais ao nosso lado: Marcelo Guina e Marcos Avellar.

Desde minha chegada na Bahia e mesmo antes disso, alguns amigos sempre

foram especiais. Fernando Reis, amigo dedicado e sincero, que me recebeu e


v
acolheu em meus primeiros momentos em Salvador, me deixando desfrutar de sua

convivência e aprender com ele a todo o momento. A você querido um especial

agradecimento e também a sua família. Antonio Bahia, amigo com quem também

sempre aprendo, que com sua simplicidade e sinceridade é sempre afetuoso e

fraterno.

Um agradecimento aos familiares, sempre presentes e confiantes,

notadamente minha irmã Anabella, que também me recebeu em seu lar durante

minha estada no Rio de Janeiro.

Agradeço aos colegas do Departamento III da Faculdade de Educação da

UFBA por terem me concedido a licença para doutorado, sendo solidários e

acreditando nesta proposta de estudo. Devo agradecer também aos funcionários da

FACED, que da mesma forma sempre foram atenciosos e dedicados, em especial

Meire.

Uma saudação aos amigos de turma de doutorado e do Laboratório de

História do Sport e do Lazer. Pessoas com quem convivi e aprendi. Particularmente

Maurício Drummond e Luiz Carlos Sant‘anna, colegas de turma.

Um obrigado ao pessoal da secretaria do PPGHC-UFRJ, em especial Márcia,

que sempre foi muito dedicada e competente.

Devo agradecer aos componentes da banca, que souberam ler a tese com

atenção e respeito, que deixaram ensinamentos e orientações, sempre de maneira

fraterna e solidária. A vocês José D‘Assunção, João Malaia, Rafael Fortes e Rinaldo

Leite, um respeitoso obrigado.

Victor Melo, orientador de doutorado, que mais do que orientador, amigo.

Amigo de longa data, de muitas jornadas, muitas viagens, muitos projetos de


vi
trabalho e de estudos. Amigo sempre presente e dedicado, sincero e amoroso. Um

amigo que sempre compartilha de forma solidária seus saberes e que por isso, como

orientador, sempre soube a justa medida do ensinar, do conduzir e do conviver,

sabendo respeitar os tempos e as formulações do outro, mas sempre ponderando e

pontuando suas indicações. Mas que mais do que isso, soube me entender, me

respeitar. Meu caro amigo Victor Melo meu muito obrigado e por mais que seja

pouco é tudo que aqui posso dizer, com todo carinho e sinceridade.

A conclusão do doutorado, mais do que uma tese é todo um processo, um

projeto de vida que percorre longos e diferentes caminhos. Hoje, no fim desta fase,

olho para o que já foi e digo que valeu a pena, que todo o vivido foi uma

representação de um sonho, onde consegui construir, consolidar e descobrir

amizades, saberes e experiências. Assim, tudo o que se coloca daqui por diante me

faz acreditar que também será bom.

Por isso, a todos vocês, digo que o muito que de vocês recebi, recebo e

receberei não sei se poderei retribuir da mesma forma, mas saibam que eu estarei

sempre com este desejo.

MUITO OBRIGADO.

vii
EPÍGRAFE

Lá e Cá
Mangueira, Ilê Aiê e viva o baticum
Quando a Padre Miguel encontra com
Olodum
Caymmi com Noel, no Tom maior Jobim
A Penha, a Candelária, o Senhor do Bonfim
Irmão São Salvador e São Sebastião
Tamborim, berimbau na marcação
Pontal do Arpoador, final de Itapoã
Meninos do Pelô, da Flor do Amanhã
Diga aí, diga lá
Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá
Diga lá, diga aí
Você já foi até o Rio, nego? Não? Tem que ir
Rocinha faz parelha lá com Curuzu
Centelha, luz, axé que vem do fundo azul
Do céu, do mar, de Maré até Maricá
No reino de água e sal de mãe Iemanjá
É tanta coisa afim, tanto lá, como cá
Tem Barras, Piedades e Jardim de Alah
São trios e afoxés
Blocos de empolgação
De arranco, negro e branco
Tudo de roldão
Diga aí, diga lá
Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá
Diga lá, diga aí
Você já foi até o Rio, nega? Não? Tem que ir
João, Benjor, Cartola
da Viola, Gil, Velô
Coquejo, Alcyvando
Chico, Ciro, Osmar, Dodô
Geraldos e Ederaldos
Elton, Candeia e Xangô
Rufino, Aldir, Patinhas
da Vila, Ismael, Melô
Monsueto e Batatinha
Silas, Ciata e Sinhô
Salve Mãe Menininha
Clementina voz da cor
Alô, Carlos Cachaça "pedra noventa", falou...
falei: Rio e Bahia...simpatia é quase amor...
Diga aí, diga lá...
(Lenine)

viii
RESUMO

ROCHA JUNIOR, Coriolano P da. Esporte e modernidade: uma análise comparada


da experiência esportiva no Rio de Janeiro e na Bahia nos anos finais do século XIX
e iniciais do século XX. Tese (Doutorado em História Comparada) – Instituto de
História – Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Este estudo teve por objetivo analisar comparativamente a relação entre a


construção de projetos de modernidade e a conformação do campo esportivo no Rio
de Janeiro e em Salvador, no âmbito dos governos Pereira Passos (1902-1906) e J.
J. Seabra (1912-1916), respectivamente. Estabeleceram-se as seguintes questões a
investigar: como essas cidades mobilizaram o esporte nos seus projetos de
intervenção? Qual o impacto da experiência esportiva nas duas cidades? A
investigação justifica-se por se tratar de duas cidades, historicamente, importantes
para o país, bem como pela ausência de estudos correlatos. A análise comparada é,
pois, o aspecto mais original deste texto. Para o alcance do objetivo, como fontes
para investigar o caso de Salvador, examinamos jornais de circulação diária,
notadamente Diário de Notícias e A Tarde, além de: Jornal de Notícias, Diário da
Bahia, Gazeta do Povo, Correio de Notícias e o Correio do Brasil, como também
algumas revistas foram consultadas: Renascença, Revista do Brasil, Artes e Artistas
e Semana Sportiva. Por entendermos que sobre o Rio de Janeiro já existe uma
produção considerável acerca do tema, optamos por trabalhar com essas
investigações já realizadas. Dessa forma, nossa proposta foi a de realizar uma
análise comparada entre o que a literatura que trata o Rio de Janeiro apresenta e o
que construímos a partir das fontes sobre Salvador. Como conclusão, identificamos
que no Rio de Janeiro o campo esportivo desenvolveu-se em ampla relação com o
processo de modernização, enquanto na Bahia essa relação foi menos significativa,
implicando menor desenvolvimento esportivo.

Palavras-chave: modernidade; esporte; Rio de Janeiro; Bahia.

ix
ABSTRACT

Sports and modernity: a comparative analysis of sporting experience in Rio de


Janeiro and Bahia in the final years of the nineteenth century and early years of the
twentieth century. Thesis (PhD. in Comparative History) – Institute of History – Post
Graduate Program in Comparative History, Federal University of Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2011.

This study aimed at comparing the relationship between the construction of projects
of modernity and the conformation of the sports field in Rio de Janeiro and Salvador,
under the governments of Pereira Passos (1902-1906) and J. J. Seabra (1912-1916)
respectively. The established questions to investigate are: how did these cities
mobilize the sport in their intervention projects? What is the impact of the sporting
experience in both cities? The investigation is justified because it is in two major
cities to history of the country, and the lack of related studies. Thus, the comparative
analysis is the most original aspect of this text. To reach the goal, as sources to
investigate the case of Salvador, we research in daily newspapers, notably Diário de
Notícias and A Tarde, we also look at in Jornal de Notícias, Diário da Bahia, Gazeta
do Povo, Correio de Notícias and Correio do Brasil. Some magazines were also
analyzed: Renascença, Revista do Brasil, Artes e Artistas and Semana Sportiva. In
contrast, on Rio de Janeiro, we believe that there is already a considerable
production about the issue, so we chose to work with these previous researches.
Thus, this proposal was to conduct a comparative analysis between what the
literature deals with the Rio de Janeiro and what we had built from source about
Salvador. In conclusion, we found the sporting field, in Rio de Janeiro, had developed
in a broad relation to process of modernization, while this relationship was less
significant in Bahia than in Rio, this implied a smaller sporting development.

Keywords: modernity, sport, Rio de Janeiro, Bahia.

x
LISTA DE FOTOS

PÁGINA
Foto 01: Pereira Passos 10
Foto 02: Avenida Central (1905) em obras - atual Av. Rio Branco 12
Foto 03: Postal da Avenida Central (1905), atual Av. Rio Branco 12
Foto 04: J. J. Seabra 14
Foto 05: Avenida Sete de Setembro 20
Foto 06: Imagens da cidade de Salvador em obras 26
Foto 07: Toureira Josefa Mola 38
Foto 08: Fachada do Hipódromo da Boa Viagem (Salvador) 47
Foto 09: Avenida Beira-Mar por ocasião de uma regata 56
Foto 10: Pavilhão de Regatas 57
Foto 11: Imagens da platéia em dia de regatas 61
Foto 12: Vapor Santo Amaro 62
Foto 13: Vencedores de uma regata e o patrão 64
Foto 14: dia de regatas na Enseada dos Tainheiros 65
Foto 15: Oscar Cox 68
Foto 16: Zuza Ferreira 68
Foto 17: imagens da platéia em dia de jogo no Campo dos Martyres 72
Foto 18: Campo dos Martyres 77
Foto 19: Campo do Rio Vermelho 79
Foto 20: Patinadores na espera da largada de uma prova 89
Foto 21: Ciclistas a espera da largada 91
Foto 22: Corridas no Jockey Club/ Grande Prêmio Cruzeiro do Sul 104
Foto 23: Derby Club do Rio de Janeiro em dia de páreo 104
Foto 24: Imagens do Jockey Club São Salvador na década de 1920 107
Foto 25: Símbolo da Federação Brasileira das Sociedades de Remo 110
Foto 26: Capitão de Mar e Guerra Eduardo Ernesto Midosi Primeiro 111
presidente da federação
Foto 27: Símbolo da Federação dos Clubes de Regatas da Bahia 111
Foto 28: Fernando Koch – um dos presidentes e um dos nomes 112
mais importantes do remo na Bahia
Foto 29: Enseada dos Tainheiros em dia de regata 1113
Foto 30: Imagem interna do navio que transportava sócios e 114
convidados do Club Santa Cruz para assistir uma regata
Foto 31: Estádio do Fluminense em dia de jogo 122
Foto 32: Imagem de um dia de jogo no Campo do Rio Vermelho 123
Foto 33: Quadro de presidentes honorários 135

xi
SUMÁRIO

PÁGINA
INTRODUÇÃO 1
1 ESPORTE NAS CIDADES: UMA ANÁLISE COMPARADA 34
1.1 OS PRIMÓRDIOS DO ESPORTE NO RIO DE 35
JANEIRO E EM SALVADOR
1.1.1 AS TOURADAS: PRÁTICA ESPORTIVA OU 36
PRÁTICA PRIMITIVA?
1.1.2 O CRÍQUETE DOS INGLESES E 41
BRASILEIROS: UM PRIMEIRO ESPORTE
1.2 O ESPORTE E SUAS BASES ENTRE 44
CARIOCAS E SOTEROPOLITANOS
1.2.1 O TURFE NO RIO DE JANEIRO E EM 48
SALVADOR
1.2.2 O REMO E UMA NOVA SOCIEDADE 53
1.2.3 O FUTEBOL PELAS CIDADES 68
1.2.4 OUTROS ESPORTES QUE AS CIDADES 85
PRATICAVAM
2 AÇÕES POLÍTICAS E O ESPORTE 93
2.1 A CONSTITUIÇÃO DE CLUBES E ENTIDADES 95
ORGANIZACIONAIS
2.1.1 OS CLUBES 96
2.1.2 AS FEDERAÇÕES 100
2.1.2.1 A ORGANIZAÇÃO NO TURFE 102
2.1.2.2 A ORGANIZAÇÃO NO REMO 109
2.1.2.3 A ORGANIZAÇÃO DO FUTEBOL E DOS 116
OUTROS ESPORTES
2.2 AS ELITES, AS CLASSES POPULARES E O 126
ESPORTE
2.3 AS RELAÇÕES ENTRE OS GOVERNOS E O 131
ESPORTE
A GUISA DE CONCLUSÃO: O CAMPO ESPORTIVO EM TELA: 140
ANÁLISE DAS DUAS CIDADES EM ESTUDO
REFERÊNCIAS 147

xii
INTRODUÇÃO

No início do século XX, as duas primeiras capitais do Brasil viviam situações

distintas. Enquanto o Rio de Janeiro era a sede do governo brasileiro e a mais

importante cidade do país, Salvador, que tinha sido a cidade sede do poder,

passava por uma fase de decadência, identificando-se com os ―ares‖ dos séculos

passados, tempos em que viveu seu auge. Nesse cenário, ―a Bahia se viu

progressivamente afastada do exercício mais efetivo do poder, resultando disso a

tristeza por já não possuir influência comparável a que tivera no Império‖ (LEITE,

2005, p.298).

Por ser a capital brasileira, o Rio de Janeiro era o centro da política e da

economia, lócus de tensões marcantes na transição de séculos, cujas ocorrências

mais notáveis foram a abolição da escravatura e a instalação da República. Nesse

quadro, essa cidade se urbanizava mais rapidamente do que a Bahia 1 e tentava se

projetar adiante nos novos tempos, procurando afastar-se de um Brasil colonial,

enquanto Salvador, mesmo querendo avançar, não deixava de olhar o período

imperial com certa nostalgia.

1
Ao longo deste texto, ao usarmos o nome Bahia, estaremos nos referindo diretamente a sua capital
Salvador. Reconhecemos que é nela que se concentravam as forças políticas e econômicas, mesmo
não sendo um pólo produtor, seja na agricultura, seja na indústria. Além disto, na época abordada
neste estudo, as próprias definições territoriais do estado da Bahia estão ainda bastante difusas.
Exemplo disto são as ações do governo estadual para definição de limites territoriais, como aparece
no Diário de Notícias em 10 de janeiro de 1914, p.1 (com Sergipe) e em 22 de agosto de 1916, p.1
(com Minas Gerais). Tavares (2001) também trata esse assunto.
2

No Rio de Janeiro de então, o espaço urbano, os comportamentos, gostos e

valores estavam em transformação. Buscava-se um alinhamento com as mudanças

que vinham ocorrendo na Europa: a ―imagem do progresso – versão prática do

conceito homólogo de civilização – se transforma na obsessão coletiva da nova

burguesia‖ (SEVCENKO, 2003, p.41). Nessa conjuntura,

é o processo de transformação urbana que dá o tom para a definição


da atmosfera cultural da cidade; as relações sociais se estabelecem
como um sucedâneo do projeto urbanístico que as circunscreve
(SEVCENKO, 2003, p.121).

Esse processo também se relacionava com a crescente entrada de capital

internacional e o aumento no volume de negócios, mesmo sem ser o estado com

maior movimentação econômica. Enquanto locais como São Paulo e Minas Gerais

viam suas economias crescerem, e em outros, como a Bahia, percebiam-se baixas

nesse setor, o Rio de Janeiro valia-se da condição de capital para implementar

mudanças.

Na verdade, mesmo tendo passado por crises econômicas oriundas das

transformações experimentadas pelo Brasil no período e pelo declínio da produção

cafeeira do interior, a capital mantinha-se como centro do país, ainda que os

poderes protagonistas da República fossem exercidos por pessoas vindas de outros

estados, inclusive muitos baianos: ―a cidade era, no entanto, o ponto nodal da vida

política brasileira, contendo os poucos espíritos dotados de sensibilidade e poder

para as reformas‖ (SEVCENKO, 2003, p.281).

Ao abordar as implicações das mudanças brasileiras nas áreas da política, da

economia e da cultura, para o Rio de Janeiro, Carvalho (2009) infere que:

não seria exagero dizer que a cidade do Rio de Janeiro passou,


durante a primeira década republicana, pela fase mais turbulenta de
3

sua existência. Grandes transformações de natureza econômica,


social, política e cultural, que se gestavam há algum tempo,
precipitam-se com a mudança do regime político e lançaram a capital
em febril agitação, que só começaria a ceder ao final da década
(p.15).

Diferentemente, a Bahia se prendeu à expectativa de reencontrar as mesmas

forças que possuíra na época imperial, buscando ―o resgate da opulência do

passado e as tentativas de recuperação do status‖ (LEITE, 2005, p.25). O que se viu

foi um apelo ao seu passado de ―glórias‖, decorrente do sentimento coletivo que

considerava o estado e Salvador ―injustiçados‖ diante das novas realidades

nacionais, reclamando-se a retomada de uma época em que fora chamada de

―Rainha do Norte‖2. Efetivamente, como sugere Leite (2005), se:

durante o Império a Bahia foi uma província poderosa, com o


avançar da República foi se tornando uma mera coadjuvante nas
orquestrações políticas — ao hábito de dominar sobreveio a
tendência de ser dominada, realidade que feriu duramente a
orgulhosa sensibilidade das elites baianas (p.227).

Ao analisar a aspiração e o desejo dos baianos de fazerem reviver as

mesmas circunstâncias de períodos históricos anteriores, Leite (2005) assevera que

isso seria um sentimento internalizado, já que

―o esplendor do seu renome de Rainha do Norte‖, como alguém fez


questão de declarar, justificava-se pela certeza, compartilhada por
muitos, de uma preponderância nos campos econômico e político
durante o século XIX. Era corrente o pensamento de que a Bahia
manteve por um longo período a liderança nas atividades
econômicas — e ainda que se tenha visto despojada da liderança,
permaneceu contribuíndo de forma relevante para a renda nacional.
No cenário político, por sua vez, não apenas produziu figuras de
expressivo destaque, mas exerceu, também, um amplo domínio nos
principais cargos administrativos do país por praticamente todo o
Império, em particular no segundo reinado (p.78).

2
Segundo Leite (2005), o termo era usado por diversos personagens baianos para designar a Bahia
em seus tempos áureos.
4

Na transição dos séculos XIX e XX, mais notadamente nas décadas iniciais

do século XX, as duas cidades conviviam com dificuldades em suas estruturas

urbanas e com problemas sociais. Todavia, devido à própria condição político-

econômica e cultural, os agentes causadores se diferenciavam.

Se no Rio de Janeiro, entre outras coisas, os problemas decorriam do rápido

e desordenado crescimento populacional e da malha urbana, em Salvador tinham

relação com as dificuldades econômicas e com a organização social e cultural.

Nesse período, a elite baiana se caracterizava por ser mais conservadora do que a

carioca, muito por conta do poder da cidade em tempos passados; e, ainda que

também se mostrasse interessada nas ―novidades da modernidade‖, encontrava

problemas (econômicos e culturais) para dar vazão a esse desejo. Para melhor

compreendermos o significado de elite, nos apoiamos no conceito de Heinz (2006,

p.7), que afirma que esse estrato da população ―faz referência a categorias ou

grupos que parecem ocupar o ‗topo‘ de estruturas de autoridade ou de distribuição

de recursos‖. Ou seja, fazer parte da elite representa estar em grupo que detém

controle sobre a sociedade, justo por possuir domínio sobre meios e recursos,

notadamente os econômicos e os políticos.

Por entender que as novas realidades políticas e econômicas do país e o

desejo de afastamento do passado criaram uma ―emergência‖ por mudanças,

Sevcenko (2003) ao abordar o caso brasileiro afirma que um ―apelo premente para a

reforma conforme o figurino europeu permeara todos os aspectos da vida urbana e

era absoluto, pelo menos dentre as classes letradas‖ (p.58).

Nesse quadro, se instalaram no Brasil iniciativas distintas de construção de

projetos de modernidade. Essa busca foi dramatizada por tentativas de mudanças


5

de comportamentos e de efetivação de um novo cenário cultural, no qual pessoas e

cidades assumiram papéis e sentidos diferentes do que se conhecia. Era necessário

mudar os hábitos e os padrões que eram vistos como a representação de um atraso

que ligava o país a um passado que se queria superar. Segundo Marins (2008,

p.134) ―urgia civilizar o país, modernizá-lo, espelhar as potências industriais e

democratizadas e inseri-lo, compulsória e firmemente, no trânsito de capitais,

produtos e populações liderados pelo hemisfério norte‖.

Ao considerar o exterior como um modelo, tinha-se em conta a fase das

descobertas, dos inventos, da afirmação da ciência como um bem que alteraria para

sempre os padrões de vida. Como inferem Costa e Schwarcz:

sonhou-se muito na passagem do século XIX para o XX. Era esse o


momento das realizações, da efetivação de projetos de controle das
intempéries naturais. Ainda não pairava no ar o cheiro da guerra; a
idéia do conflito parecia controlada pela fantasia do progresso, e os
novos avanços traziam a confiança de um domínio absoluto sobre a
natureza e os homens (2000, p.11).

Berman (2007) nos mostra que o ideário da modernidade se espalhou em

escala mundial, com diferenças quanto ao tempo histórico e aos modos de vivência.

Costa e Schwarcz asseveram que:

no Brasil, por sua vez, a atmosfera que no Rio de Janeiro ficou


conhecida como ―regeneração‖ parecia corresponder ao surto que
ocorria em outras partes do mundo, além de trazer a sensação de
que o país estava em harmonia com o progresso e a civilização
mundiais (2000, p.27).

A cidade, assim, sintonizava-se com uma dimensão da modernidade

referenciada por Kumar (1996):

extrai seu significado tanto do que nega como do que afirma. [...] a
modernidade sente que o passado não tem lições para ela; seu
impulso é constantemente em direção ao futuro. Ao contrário de
outras sociedades, a sociedade moderna recebe bem e promove a
6

novidade. É possível dizer que ela inventou a ―tradição do novo‖


(p.473).

Numa compreensão que complementa a de Kumar (1996), escrevendo na

condição de intelectual que viveu o período de mudanças, Baudelaire 3 (2007, p.26)

afirma que a ―modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente‖. Ao tratar da

postura e da experiência dos intelectuais com as novidades da modernidade,

Velloso (2010, p.52) assevera que ―modificam-se, radicalmente a autopercepção e a

escrita dos intelectuais. Eles passam a destacar a mutabilidade de sentidos da

experiência urbana, vivenciada como multiplicidade, fragmentação e choque‖.

Fica latente a noção de que a modernidade é, antes de tudo, vivida. Essa

experiência assume significados diversos em função das peculiaridades locais e das

ressignificações individuais. Também Berman (2007) dá à modernidade esse sentido

de experiência. Para o autor, ―ser moderno é viver uma vida de paradoxo e

contradição‖ (p.21). Gunning (2004, p.33) é ainda mais explícito:

por modernidade refiro-me menos a um período histórico demarcado


do que a uma mudança na experiência. Essa nova configuração da
experiência foi formada por um grande número de fatores, que
dependeram claramente da mudança demarcada pela Revolução
Industrial.

Um aspecto fundamental da experiência moderna é sua ambiguidade. As

vivências tornam-se repletas de incongruências, gerando sensações simultâneas de

ganhos e perdas, sentimentos de apoio e de revolta, adesão ao que é novo e

abandono do que é considerado ―velho‖ (NEVES, 2002).

3
Poeta e teórico da arte francesa, visto pela maior parte dos críticos como provável fundador da
poesia dita moderna. Sua poesia tendeu para a expressão de imagens cotidianas. Baudelaire intuiu a
mudança radical provocada pela metrópole na sensibilidade, acompanhando diretamente as
mudanças pela qual passou Paris em uma de suas reformas urbanas.
7

No Brasil, inicialmente, como em outros lugares, a adesão a projetos de

modernidade se deu a partir do desejo e ação das elites, sem maiores diálogos

intencionais com as camadas populares. Foi constituída de forma a atender os

gostos e as intenções dos mais poderosos, sendo mesmo, em última instância, uma

ideologia peculiar a esse estrato social.

A modernidade e seus ―benefícios‖ deveriam ser implementados, mesmo que

fosse necessário forçar o enquadramento das camadas populares, vistas como um

―empecilho‖, até mesmo por incorporar a representação do atraso que se queria

superar. Além desse expurgo, a nova cidade deveria se afastar de qualquer marca

que a ligasse ao rural, assumindo definitivamente sua face urbana, letrada, científica

e lógica, exigindo dos habitantes uma nova relação com o corpo, com o espaço e

com o tempo.

Oliveira (2010), ao apresentar os princípios que nortearam a construção do

ideal de modernidade do Brasil, afirma que:

no início do século XX, planejadores e reformadores implementam


uma política de reformas que vinha de encontro (sic) aos ideais de
mobilidade e ordenamento, os quais, por seu turno, se converteram
nas estratégias principais para a abertura da nova rede de avenidas,
praças, jardins e bairros, bem como para a construção de novas
edificações, que passaram a servir a atividades específicas –
comerciais ou financeiras, lazer ou moradia – e a ter uma arquitetura
uniformizada e ordenada (p.114).

No Brasil, em grande medida, a capital expressou a adoção dos princípios

modernos, servindo mesmo de exemplo para outras cidades, que promoveram suas

leituras específicas. Tal processo, no Rio de Janeiro e em Salvador, teve aspectos

diferentes e ao mesmo tempo comuns, tendo em vista as particularidades e

realidades de cada localidade, que acabavam impondo condições para um maior ou

menor avanço em seus projetos.


8

Dessa forma, as cidades em estudo são duas esferas importantes de

compreensão do que se pensou como modernidade para o país, do que se viu como

suas representações e, sobretudo, do que se efetivou entre fins do século XIX e

início do século XX.

Nesse período, o Rio de Janeiro viu instalar-se a chamada Belle Époque.

Segundo Needell (1993):

a Belle Époque carioca inicia-se com a subida de Campos Sales ao


poder em 1898 e a recuperação da tranquilidade sob a égide das
elites regionais. Neste ano registrou-se uma mudança sensível no
clima político, que logo afetou o meio cultural e social. As jornadas
revolucionárias haviam passado. As condições para a estabilidade e
para uma vida urbana elegante estavam de novo ao alcance da mão
(p.39).

A Belle Époque representou uma fase inédita na vida da sociedade carioca.

Experimentou-se no período grande agitação cultural e valorização de aspectos

típicos da modernidade, com a adoção de um novo modo de vida, mais ―aberto‖,

sendo o espaço público seu grande cenário de vivência, contando ainda com um

apelo ao consumo de artigos de luxo. Esses aspectos representavam parte da

influência cultural européia sobre os cariocas. Costa e Schwarcz (2000, p.22)

afirmam que a Belle Époque se apresenta como um período que, com ―... seus

costumes extravagantes e hábitos mundanos, invade a cena e enche a humanidade

de explicações‖.

Assim, a Belle Époque consagrou-se como uma época de deslumbramento

das novas elites, que traziam a herança dos tempos coloniais e das fortunas das

plantações de café, envolvendo também os novos ricos (pequenos empresários,

comerciantes, trabalhadores liberais, burocratas e funcionários públicos).


9

No plano federal, o governo de Campos Sales (1898-1902) se notabilizou por

algumas ações que permitiram ao país restabelecer suas bases políticas e

econômicas, desgastadas na gestão anterior de Prudente de Morais (1894-1898).

Com a política dos estados, Campos Sales conseguiu certa estabilidade ao

administrar possíveis desavenças com os governadores, dando-lhes poder em suas

bases em troca de apoio no Congresso (CONNIFF, 2006; FAUSTO, 2009).

Outra importante ação foi tentar a recuperação da economia, então corroída

com o que se convencionou chamar de encilhamento, política econômica que

acabou gerando problemas que repercutiram em vários setores4. Campos Sales

propôs a redução da inflação, o corte de gastos e o combate ao déficit público; para

tal, criou impostos novos e recorreu a empréstimos internacionais.

Num quadro de economia melhorada, desavenças políticas internas

controladas e sob a pujança econômica do ciclo da borracha, Rodrigues Alves, no

governo federal seguinte (1902-1906), deu início às reformas no país (PEREIRA,

2010; PINHEIRO, 2010). A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como centro das

ações, buscando-se, entre outras coisas, seu embelezamento e saneamento.

Para encaminhar o seu projeto de mudanças, Rodrigues Alves nomeou para

governar a capital Francisco Pereira Passos, filho de tradicional família cafeicultora

do Rio de Janeiro, engenheiro civil de formação, que tinha vivido em Paris

exatamente no período em que se deu a grande reforma urbana sob os cuidados de

4
Ocorrido no governo provisório de Deodoro da Fonseca (1889-1891), quando o baiano Rui Barbosa
era o Ministro da Fazenda. Basicamente, tentou-se dar apoio à industrialização brasileira, adotando-
se uma dinâmica de créditos livres para os investimentos, garantidos por emissões monetárias. Isso
gerou uma imensa especulação financeira e consequente inflação e aumento da dívida externa.
Needell (1993) afirma ainda que a palavra foi extraída do linguajar dos hipódromos.
10

Haussmann5, que acabou sendo modelo para as intervenções que foram propostas

e executadas no Rio de Janeiro (BENCHIMOL, 2010).

6
Foto 01: Pereira Passos

Vale observar que mesmo tendo sido a cidade referência para os projetos de

modernidade, o processo em Paris não ficou imune a críticas. Exemplo é a posição

de Benjamim (2000, p.20):

a cidade de Paris entrou neste século com a feição que Haussmann


lhe deu. Ele realizou a sua transformação da imagem da cidade com
os meios mais humildes; pá, machadinha, alavanca, e coisas
semelhantes. E que grau de destruição provocaram já estes
instrumentos limitados!

Foi nesse contexto que o Rio de Janeiro viveu uma de suas fases de

modernização. As ações executadas buscaram reordenar o espaço urbano,

marcando um novo momento histórico que possibilitou tornar a cidade um lócus de


5
Georges-Eugène Haussmann foi o responsável pelas reformas urbanas determinadas por Napoleão
III em Paris, tornando-se por isso uma referência para as reformas urbanas ocorridas mundo afora.
6
Foto extraída de: http://www.republicaonline.org.br/html/cd/Palacio/Visitantes/pereirapassos.html.
Acessado em 12. jan. 2011.
11

novas vivências, comportamentos e práticas sociais. Como assevera Sevcenko

(2003, p.41), ―era preciso, pois, findar com a imagem da cidade insalubre e insegura,

com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago, vivendo no

maior desconforto, imundície e promiscuidade‖.

Ciente das dificuldades que enfrentaria, Pereira Passos apresentou a

Rodrigues Alves certas exigências:

sabendo da extensão avultada das demolições e das obras que


deveria executar, do ritmo desenfreado em que deveria implementá-
las, e prefigurando as resistências e reações populares inevitáveis,
Passos exigiu plena liberdade de ação para aceitar o cargo, sem
estar sujeito a embaraços legais, orçamentários ou materiais.
Rodrigues Alves lhe concedeu então carta branca por meio da lei de
29 de dezembro de 1902, que criava um novo estatuto de
organização municipal para o Distrito Federal (SEVCENKO, 2010,
p.68).

Com isso, o Rio de Janeiro passou por uma profunda transformação;

modificaram-se não só os espaços urbanos, como também o próprio modo de vida

de seus moradores. Os principais projetos eram:

o alargamento das ruas e as grandes aberturas através do tecido


urbano antigo. A pavimentação das ruas, a canalização dos rios, o
nivelamento das calçadas estão igualmente na ordem do dia. No
ponto central do programa está a abertura da Avenida Central
(ENDERS, 2009, p.213).

As próximas imagens apresentam cenas da abertura da Avenida Central

(atual Avenida Rio Branco). A primeira mostra-a em sua fase de obras, contando

ainda com a ação dos trabalhadores; na seguinte, já se vê a nova via concluída, com

sua opulência.
12

7
Foto 02: Avenida Central (1905) em obras - atual Av. Rio Branco

8
Foto 03: Postal da Avenida Central (1905)

7
Foto extraída de: COHEN, Alberto Alves e GORBERG, Samuel. Rio de Janeiro: o cotidiano carioca
no início do século XX. Rio de Janeiro: AACohem Editora, 2007. p. 25.
13

Segundo Sevcenko (2010):

o Centro, por sua vez, tornou-se o foco de toda agitação e


exibicionismo da burguesia arrivista: seu pregão, sua vitrine e seu
palco. A zona sul, beneficiada pelos investimentos prioritários das
autoridades municipais e federais, se constituiu no objeto de uma
política de urbanização sofisticada e ambiciosa, voltada para os
poderosos do momento, que encheu de vaidade os novos-ricos e de
lucros os espectadores (p.108).

O novo surgiu em velocidade acelerada, ao mesmo tempo em que o velho foi

destruído. Não apenas certas instalações prediais foram expurgadas, mas também

as pessoas que as ocupavam, sendo seus hábitos considerados não condizentes

com o que se esperava no novo momento.

Para Sevcenko, os projetos de modernidade se constroem tendo por base

quatro princípios:

a condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à


sociedade tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de
cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da
sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos grupos
populares da área central da cidade, que será praticamente isolada
para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um
cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida
parisiense (2003, p.43).

Nesse processo de construir o novo e destruir o velho, importava mais do que

tudo a imagem, a representação de uma nova cidade, ou mesmo um novo cenário.

A ideia de monumentalidade foi fundamental para que se demonstrasse o poder do

progresso.

Com tudo isso, interessa-nos, ao tratar da capital baiana, traçar um quadro

comparativo com o ocorrido na então capital do país. Se no Rio de Janeiro o projeto

de modernidade se desenvolveu sob os auspícios da municipalidade, com forte

apoio do Governo Federal, em Salvador foi durante o governo estadual de J.J.


8
Foto extraída de: http://www.flickr.com/photos/11124678@N02/2373368569/. Acessado em 12.abr.
2011.
14

Seabra9 (1912-1916) que se empreendeu um conjunto de ações que visou

remodelar seu espaço urbano e adequar seus habitantes às novas exigências de

comportamentos e posturas.

10
Foto 04: J. J. Seabra

Seabra era natural de Salvador e filho de família urbana sem grande fortuna.

Formou-se em Direito pela Faculdade de Recife, onde foi também professor.

Exerceu a carreira jurídica com destaque, mas foi na política que se notabilizou.

Seabra foi ministro e colaborador de Rodrigues Alves 11. Um aspecto exemplar

de sua participação nas reformas cariocas nos é apresentado por Edmundo (1938),

9
José Joaquim Seabra também governou entre 1920 e 1924, mas nesse estudo interessa-nos o
primeiro mandato. Seabra também foi deputado e senador, além de grande liderança política na
Bahia, sendo seus seguidores chamados de Seabristas. Em Salvador, neste período, era intendente
(equivalente ao prefeito) Júlio Brandão.
10
Foto extraída de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Joaquim_Seabra. Acessado em 12. Jan.
2011.
11
Ocupou o Ministério da Justiça e Negócios Interiores (1902 - 1906) e de forma interina o Ministério
das Relações Exteriores (15 de novembro a 3 de dezembro de 1902). Depois atuou como ministro da
Viação e Obras Públicas (1910 - 1912) na presidência de Hermes da Fonseca.
15

quando afirma que Pereira Passos teria sido convencido pelo então Ministro Seabra

a aceitar o cargo de Prefeito.

Como ministro,

sua atuação ficou marcada também pelas realizações: além da


reforma da capital federal, deu início a obras na Bahia (reforma da
Faculdade de Medicina após incêndio, porto de Salvador) e
Pernambuco, organizou a polícia civil no Rio de Janeiro, reformou
serviços públicos. Cumpriu, enfim, de forma muito eficiente, as
tarefas do cargo, o que lhe rendeu o reconhecimento do presidente.
Como ministro interino de Negócios Exteriores, em 1902, iniciou as
negociações para incorporar o território do Acre, onde um dos
municípios recebeu seu nome (Vila Seabra) (SARMENTO, 2009,
p.70).

Ainda sobre Seabra, Flexor (1997)12, informa que

fora partidário de Floriano Peixoto e, por isso, foi desterrado, com


outros opositores, para Cucuí, no Alto Amazonas. Depois de
anistiado, exilou-se na França, conhecendo a Paris do Barão de
Haussmann. [...] Portanto, não apenas viveu a experiência
parisiense, como também participou diretamente das reformas do Rio
de Janeiro, promovida por Pereira Passos.

No período da Belle Époque carioca, a Bahia continuava a passar por um

decréscimo de sua importância política e econômica, vendo outros estados

ganharem peso no Brasil Republicano, até mesmo pelo fato de que seus ―chefes

estabelecidos mantiveram-se fiéis ao trono enquanto puderam, e a Bahia foi a última

província a aderir oficialmente ao novo regime‖ (SARMENTO, 2009, p.21).

Por viver sob essa condição de decadência, a Bahia destoava dos princípios

aventados pelo progresso. Em seu cotidiano, os moradores conviviam com

carências em vários serviços públicos: transporte, saneamento, iluminação, moradia,

saúde, energia, limpeza urbana, já se apontando problemas com o uso desmedido

de recursos naturais. Dessa forma, Salvador estava presa a uma lógica econômica

12
No original extraído da internet, o texto não apresenta paginação.
16

que, se não impediu, certamente limitou as aspirações de um maior crescimento e

de progresso.

Por conta do tímido desenvolvimento econômico do período, a Bahia recebeu

uma leva menor de imigrantes estrangeiros, que em outros estados vieram trabalhar

primeiro no campo e depois na incipiente indústria. Tavares (2001, p.359) afirma que

na Bahia ―foi inexpressiva a contribuição dos imigrantes‖. Dessa forma, Salvador

lidou menos com a pressão cultural e econômica imigratória, tornado-se uma cidade

mais fechada, dialogando fortemente com seu interior. Assim, além da limitação

econômica, também a menor presença estrangeira contribuiu para que as mudanças

da modernidade fossem menos efetivas na cidade. Sobre isso, Tavares (2001)

assevera que ―no período considerado da maior imigração para o Brasil, 1916-1930,

só entraram na Bahia 2.172 imigrantes, apesar das iniciativas e estímulos dados à

entrada de estrangeiros por diversos governos baianos‖ (p.359).

O Rio de Janeiro, de forma diferente, se tornava uma cidade ―aberta‖ ao olhar

para o mar como porta de entrada de pessoas que nela iam viver e trabalhar.

Segundo Jesus (1999, p.26):

pelo litoral do Brasil penetraram não apenas os numerosos produtos


da poderosa indústria inglesa, mas também os valores e
comportamentos considerados civilizadores, entre os quais a prática
esportiva. Nesse movimento, destacou-se o Rio de Janeiro.

De toda forma, a elite soteropolitana, a partir de determinado momento,

passou a aspirar por mudanças. Se suas condições iniciais diferiam das observadas

no Rio de Janeiro, as questões estruturais não nos parecem muito diferentes entre

ambas.
17

Vejamos um posicionamento expresso no Diário de Notícias, já na década de

1910: ―se difficil13 se tornava a extinção completa de certos hábitos ruins entre nós,

era porque dependia da remodelação da cidade‖14. Esse trecho nos mostra que

existia um apelo de parte da população, basicamente sua elite branca, por algo que

fizesse a cidade diferente, livre dos vícios ―envelhecidos‖ e livre da miséria, um dos

aspectos mais fortes e duros da vida baiana nesses tempos. Sobre as pretendidas

mudanças, A Tarde15, em 1913, trazia a seguinte compreensão:

não há quem não se interesse pelas remodelações, não há quem


não acompanhe estudando, criticando, dando uma nota, as obras
que se vão fazendo pelas ruas e praças da capital. Commenta-se o
estylo, censura-se o desperdício de material, fala-se da morosidade
dos trabalhadores, diz-se que ficará bonito ou que será um aleijão e,
assim, acompanha-se, cada um com o seu modo de ver, as obras da
Avenida da Barra, da Ladeira de S. Bento, do Palácio Rio Branco etc.

O Gazeta do Povo16, da mesma forma, reforçava o desejo de mudanças:

a Bahia material que guarda ainda todos os característicos de uma


cidade colonial de três séculos atraz, vae desapparecer para ceder
logar a uma cidade moderna construída sob os preceitos rigorosos
do progresso.

Em outra seção desse mesmo jornal, na mesma data, dizia-se que

dentro em pouco as viellas serão avenidas, os velhos pardieiros se


transformarão em prédios onde a architectura moderna deixará seus
traços elegantes e a hygiene, com seus preceitos salutares,
assegurará a estabilidade de seu estado sanitário.

Ao descrever uma cena da cidade, Albuquerque (1996) nos dá condições de

bem compreender o quanto Salvador ainda tinha de colonial, distante de ser

―moderna‖, como aspiravam suas elites:

um grupo de marujos norte-americanos, de passagem pela Bahia,


resolveu dar uma "lição amarga" aos moradores desta terra:

13
Optamos por manter nas citações, a grafia típica de cada época.
14
Diário de Notícias, 22 de junho de 1912, p.1.
15
A Tarde, 04 de novembro de 1913, p.1.
16
Gazeta do Povo, 29 de junho de 1912, p.1.
18

pegaram vassouras e regadores cheios de creolina e - numa clara


referência ao já costumeiro hábito das lavagens festivas dos baianos
- puseram-se a limpar e dedetizar o Terreiro de Jesus, as praças Rio
Branco e Castro Alves, além de outros pontos da cidade. Alguns
moradores tiveram o ímpeto de reagir contra tal afronta dos
estrangeiros, no que foram repelidos, segundo o jornal que noticiou o
fato, por um senhor que admitiu: - "Mas se não fizeram a coleta
daquela esterqueira!", argumento que desfez a tentativa de revide
sentenciando que os marujos norte-americanos tinham razão; afinal,
"cidadãos de centros civilizados, irritavam-lhes taes aspectos de
Costa D‘África, de cabilda de selvagens sem governo‖ (p.104)17.

De fato, na elite local começavam a crescer as preocupações com a

saúde moral e a imagem que os estrangeiros fariam da cidade, já


que para os reformadores republicanos os estrangeiros deveriam
encontrar em terras baianas aspectos familiares e não exóticos. Esta
seria a prova máxima de que a civilização aqui chegara
(SARMENTO, 1996, p.112).

Leite (1996), ao falar sobre as aspirações modernizantes de Salvador,

mostra-nos que se tentava atender ―a um interesse comum de certos segmentos

elitistas da sociedade local, inconformados com a cidade em que viviam‖ (p.18).

O que vemos então é a tentativa de instalação de um projeto de modernidade,

como ocorreu no Rio de Janeiro, no sentido de promover uma reforma urbana, mas

também mudar os hábitos e modos de vida da população (LEITE, 1998; SAMPAIO,

2005). Nesse quadro, ―as Cidades Alta e Baixa, integrantes de um complexo centro

de atividades desenvolvidas há vários séculos, irão passar por mudanças bruscas

em sua estrutura física‖ (PERES, 2009, p.39). Flexor (1997) ao tratar esse assunto,

afirma que

a noção de civilização, que então se impunha, estava ligada ao


modelo urbano das cidades européias, especialmente Paris,
paradigma de urbanização moderna e bem sucedida. A moda de
vestir e peças do mobiliário de higiene parisienses (étager, bidet,
toillet), companhias teatrais francesas, festas de salões e saraus,
cafés, confeitarias, hotéis, o aprendizado do idioma e consumo de

17
Trechos do texto extraídos do A Tarde, 18 de agosto de 1917.
19

produtos franceses invadiram a Bahia do período. Londres e Berlim


eram outros modelos.

Salvador se sentia presa ao seu passado de capital, ―atrasada‖ frente a outras

cidades brasileiras, notadamente o Rio de Janeiro, mas almejava a ―construção de

uma cidade tropical com moldes europeus, intencionando uma imagem de cidade

atraente e confortável aos olhos do visitante‖ (TRINCHÃO, 2009, p.150). Todavia,

paradoxalmente, se via presa ao seu passado, em vários aspectos.

Em sua aventura pela modernidade, Salvador teve de conviver com uma

dificuldade que limitava bastante qualquer aspiração: a fragilidade econômica. A

cidade não possuía recursos em seus cofres para tocar o projeto e, para isso, teve

de contar com empréstimos, que ainda assim, não atingiram o montante desejado.

Segundo Tavares (2001):

na falta de recursos financeiros para continuar a reurbanização da


cidade, negociou um empréstimo internacional de 10 milhões de
libras esterlinas, depois reduzido para os 3 milhões de francos
repassados pelo Crédit Mobilier Français. Lançou apólices que o
governo do presidente Hermes da Fonseca quis proibir classificando-
as de ―moeda ilegalmente emitida‖. Defendeu-se invocando o
princípio federalista (p.333).

Aliado a isso, segundo Trinchão (2009), havia um conjunto de dependências

(cultural, tecnológica e financeira), que explicitavam a ―fragilidade‖ de Salvador

diante dos desejos de mudança. Ou seja, havia a vontade e o sentimento, mas ao

mesmo tempo existiam limitações concretas para sua efetivação plena.


20

18
Foto 05: Avenida Sete de Setembro

A dificuldade financeira fez com que a reforma urbana se desse numa escala

menor do que se esperava, frustrando sua elite, que viu a cidade ficar distante do

sonhado modelo carioca e europeu. Albuquerque comenta que:

o plano inicial de remodelamento planejado por J. J. Seabra teve que


ser revisto, face a escassez de capital para financiá-la. A avenida 7
de setembro, que como diriam os jornais da época era "a menina dos
olhos" de Seabra, originalmente deveria ter dimensões maiores e,
conseqüentemente, promover um maior número de demolições,
envolver mais gastos com pagamento de operários e indenizações.
Todas essas medidas eram despesas muito altas para um Estado
que amargava uma grave crise financeira (1996, p.105).

Se na questão da urbanização Salvador não avançou o quanto esperavam

Seabra e as elites locais, no tocante aos hábitos as mudanças também foram

modestas. Herança do longo tempo de escravatura no país, a cidade sempre se

destacou por possuir uma imensa população negra, que servira de mão de obra nas

fazendas e casas grandes de toda a Bahia. Essa característica envergonhava a elite

local, que considerava que os hábitos e modos dos negros mais se assemelhavam a

18
Foto extraída de: TRINCHÃO, Gláucia Maria Costa. O parafuso: de meio de transporte a cartão
postal. Salvador: EDUFBA, 2009, p. 132.
21

bárbaros e eram símbolos de uma cidade que não havia atingido padrões

―civilizados‖.

Era preciso embranquecer Salvador, acabar com (ou, ao menos jogar, para

fora da cidade) os rituais antigos e práticas dessa população:

era preciso livrar as ruas de práticas como as batucadas e sambas


de rodas que tanto lembravam os tempos coloniais, em que este era
um espaço destinado aos negros de ganho, aos mendigos, aos
moleques de recado. Desfazer-se "das chagas do passado colonial"
se apresentava como tarefa inadiável para os republicanos baianos
(ALBUQUERQUE, 1996, p.106).

Essa tentativa, sob a égide civilizadora, de acabar com festas, gestos, sons e

práticas corporais dos negros não avançou muito. Esses costumes, de certa forma,

já estavam impregnados na cidade: ―quando na velha Bahia da nova ordem os

santos, deuses e heróis saíam às ruas com seus cultuadores, traziam a tona

aspectos sutis, mas relevantes das relações sócio-raciais‖ (ALBUQUERQUE, 1996.

p.124).

O Rio de Janeiro também era uma cidade com grande presença de negros e,

da mesma forma que Salvador, livrar-se da presença da cultura negra era um

objetivo. Enders (2009) afirma que

as autoridades também combatem vigorosamente os usos e


costumes populares considerados degradantes ou geradores de
perturbações da ordem pública. Mais do que nunca, o candomblé e
as práticas religiosas afro-brasileiras devem esconder-se da polícia
(p.212).

Dessa forma, identificamos que nas duas cidades existiu um sentimento e

uma ansiedade por mudanças que fizeram com que nelas se instaurasse o novo,

numa tentativa de apagar o passado. Em ambas, a perspectiva foi de construir sem

se preocupar com a manutenção ou a preservação do patrimônio ou de qualquer


22

outro vestígio que as ligasse ao passado, postura que, segundo Peres (2009), foi

chamada no Rio de Janeiro de ―bota abaixo‖ e na Bahia de ―urbanismo demolidor‖.

Acerca dessa operação demolidora/construtora, Trinchão (2009, p.41)

assevera que ―os vestígios do passado vão sendo deletados ou substituídos, ao

tempo em que vão criando contradições permanentemente renovadas entre o velho

e o novo, o antigo e o moderno, o atraso e o progresso‖.

Segundo a autora (2009, p.61):

a modernização urbana no Brasil, e principalmente em Salvador,


pode ser encarada como ruptura com a cidade colonial através de
adaptações de modelos estrangeiros, que, ao fragmentarem e
tentarem articular os espaços, acentuaram a exclusão espacial
manifestada pela discriminação no uso dos equipamentos urbanos
coletivos [...]; pela diferenciação no uso de espaços públicos; pela
periferização, mesmo que a princípio espontânea e diferenciada para
cada cidade; pelo uso da força policial contra as áreas menos
favorecidas; e pela fragmentação espacial tanto da capital quanto
das demais cidades.

O processo modernizador não se deu sem que houvesse uma ação de

oposição dos rejeitados, que, mesmo sob as forças do poder central e sofrendo as

agruras de seu deslocamento e as violências contra seu modo de cultura, souberam

agir. Nesse sentido, Carvalho (2009) afirma que ―o mundo subterrâneo da cultura

popular engoliu aos poucos o mundo sobreterrâneo da cultura das elites‖ (p.41). Ou

seja, vê-se mesmo uma reação popular às investidas de controle cultural por parte

da elite, lutando para manter vivas suas manifestações, mas também buscando

apreender as que eram vividas pela elite.

Todo o movimento da modernidade não apagou as marcas culturais fincadas

em solo brasileiro, presentes na população marginalizada, que resistira a esse

processo. Ao mesmo tempo em que crescia uma cidade com aspectos modernos,
23

emergia uma pobre, popular. Ou seja, o processo da modernidade também

contribuiu para acentuar a divisão social e cultural nas cidades.

É importante destacar nessa análise comparativa entre Rio de Janeiro e

Salvador que a cultura foi um foco das ações modernizadoras; é nela que se

apoiaram as perspectivas de mudanças do cotidiano das cidades, para além das

paredes dos prédios e das vias públicas. Para apoiar nossa análise, nos valemos de

um conceito de cultura apresentado por Melo e Alves Junior (2003, p.26), que é o

seguinte: ―conjunto de valores, normas e hábitos que regem a vida humana em

sociedade‖. Embora pareça simples, essa definição abrange os elementos que

podem ser considerados centrais na organização cotidiana da vida em sociedade.

O que se operou foi uma tentativa de afirmação de um tipo de cultura, a da

elite, que já se mostrava heterogênea, sobre outra, a popular, como um mecanismo

de afirmação e manipulação de um pretenso poder.

Nas duas cidades-alvo desse estudo, as festas populares e os esportes são

exemplos desse jogo de forças entre elite e camadas populares. Carvalho (2009,

p.163) sugere que

o futebol, o samba e o carnaval (...) deram ao Rio de Janeiro uma


comunidade de sentimentos, por cima e além das grandes diferenças
sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros livres, ex-
escravos, imigrantes, proletários e classe média encontraram aos
poucos um terreno comum de auto-reconhecimento que não lhes era
propiciado pela política.

Mesmo reconhecendo que o autor se refere ao Rio de Janeiro, sua posição

também ajuda a compreender o caso de Salvador, que tem essas mesmas

manifestações culturais como exemplos. Nas duas cidades, mesmo estando à

margem das benesses da modernidade, essa população continuou a existir


24

culturalmente, com seus hábitos e gostos, muitas vezes incorporando e

ressignificando as práticas vividas pelas elites, que também por vezes assumiram

para si certos hábitos populares, ocorrendo, assim, o que podemos chamar de

circularidade cultural (HALL, 2005).

Ainda sobre o tema, Pesavento (1995) afirma que

há que lembrar a ―circularidade cultural‖ que permite a troca de


signos entre o que se poderia chamar a ―cidade real vivida ‖ dos
consumidores da urbe e a ―cidade sonhada‖ dos produtores do
espaço, ou ainda, entre a contracidade dos excluídos do sistema, na
―contramão‖ da vida, e a cidade ordenada, bela, higiênica e segura
das propostas burguesas (p.284).

Em Salvador, Seabra lidou ao mesmo tempo com apoios e resistências às

suas reformas. Jornais como Diário de Notícias e A Tarde19 tanto publicavam

matérias ressaltando o trabalho do governador quanto criticavam suas ações.

Algumas dessas críticas eram referentes ao grande volume de empréstimos e à

concentração da atuação pública nas obras de embelezamento da capital.

Apontava-se a necessidade de efetuar melhorias em outras partes de Salvador e

também do estado.

Como na organização da política baiana os poderes não se concentravam

somente na capital, para se ter uma relativa ―paz‖ no quadro político, foi necessário

se estabelecer acertos com os mandantes do interior, os ―coronéis‖, que brigavam

para manter o poder em suas bases (CONNIFF, 2006).

Num acordo montado a partir da lógica da política dos governadores, definiu-

se que as ações mais gerais de governança e o poder do governador se

19
O Diário de Notícias se apresentava neutro politicamente em relação a Seabra e, portanto, tanto
fazia críticas quanto elogios ao seu trabalho. Já A Tarde, em sua fundação (1912), era da base de
apoio ao governador, até o rompimento de seu criador, Ernesto Simões Filho, com Seabra, quando
passou a fazer uma oposição mais rotineira.
25

estabeleceriam na capital e nos seus arredores. De outro lado, o interior (com suas

divisões) continuaria sendo controlado pelos coronéis; qualquer ação nesses

espaços exigiria um acordo prévio. Essa foi a forma encontrada para dar andamento

à política baiana, permitindo a governabilidade e minimizando confrontos, até

mesmo armados, entre os poderes, da capital e do interior (FALCÓN, 2010).

Nessa época, também se exigiu do governador mais atenção às

consequências da 1ª Grande Guerra. Sobre isso, em seu editorial, o Diário de

Notícias20 fazia críticas as ações de Seabra:

os reflexos da guerra incidem, naturalmente, contra a Bahia,


contribuindo para os vexames de que se vê cercado o pobre povo
desta boa terra [..].
Na Bahia, a causa maior da crise é o Governo do Estado! [..]
Que fez o Governo?
Em vez de agir com prudência, disparatou; em vez de pautar a
administração com a economia severa, que as condições financeiras
do Estado aconselhavam, desbaratou os dinheiros públicos em
quanta coisa sumptuaria lhe ocorreu à imaginação. E, com espanto
para quem delle esperava tino e siso, começaram as decantadas
obras de avenidização da cidade.

De fato, segundo Sarmento (2009, p.119) a:

primeira Guerra Mundial agravara os problemas financeiros do


Estado. A população sofria com o aumento do custo de vida,
especialmente com os altos preços dos alimentos. Diversas
categorias profissionais foram prejudicadas com a guerra, que
aumentou o desemprego, fomentando a insatisfação popular.

Na Bahia, podemos afirmar que as maiores resistências encontradas por

Seabra para seu projeto de modernização aconteceram como consequência da já

referida falta de dinheiro, em grande parte devido à Guerra, que contribuiu para

limitar os empréstimos e interferiu nas exportações de produtos primários da Bahia.

20
Diário de Notícias, 16 de janeiro de 1915, p.1.
26

Nesse período várias obras tiveram atrasos causados pelas constantes

greves dos operários (SARMENTO, 2009). Também os servidores públicos

realizavam greves, deixando a população carente de serviços básicos: limpeza

pública, segurança e educação.

Assim, além de ter de conviver com a poeira das obras, os soteropolitanos

enfrentavam problemas no transporte, que sempre fora deficitário, inclusive por

conta da geografia da cidade (SAMPAIO, 2005) e ainda tinham de dividir espaço

com o lixo acumulado21.

Enfim, no Rio de Janeiro e em Salvador, o projeto de mudanças tentou

descentrar a população, levando-a a incorporar o que se considerava como o mais

civilizado para a época, uma representação construída a partir da cultura europeia.

22
Foto 06: Imagens da cidade de Salvador em obras

21
A Tarde, 16 de outubro de 1914, p.2.
22
Foto extraída de: A Tarde, 16 de outubro de 1914, p.2.
27

Nesse sentido, Hall (2005) lembra que ―as transformações associadas à

modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas

estruturas‖ (p.25). Ou seja, os projetos de modernidade geraram uma possível

desestabilização da população, ao apresentarem novidades que mexiam em seu

cotidiano, incorporando novos elementos e comportamentos, ao mesmo tempo em

que se buscava apagar o que se considerava passado. Todavia, se a intenção era

fazer prevalecer certos padrões europeus, o projeto foi implantado a partir de uma

leitura peculiar a cada cidade. Dessa forma, por mais que as propostas se

baseassem em semelhanças, elas se diferenciaram pelas formas com que se

efetivaram e como foram assimiladas – ou não – pela população.

Foi nesse cenário e sob essas condições que, tanto no Rio de Janeiro como

em Salvador, se iniciaram as ―aventuras‖ da população com o esporte, um fenômeno

social que emergia como uma de suas novas formas de vivência, exatamente no

contexto de construção de um ideário e imaginário moderno. A experiência esportiva

se configura com base em elementos que são estruturantes da própria modernidade,

que também fundamentam a organização do campo esportivo, como: a noção de

competição; a organização interna; o trabalho em busca de recordes e de uma

performance superior; a organização do trabalho; e a divisão de tarefas.

Tal vinculação pode ser atribuída ao fato de o esporte representar valores e

desejos capitalistas, vistos em aspectos como: maior exposição do corpo; um novo

sentido de beleza, movimento, risco e desafio; superação de limites; e valorização

dos conhecimentos científicos.

Estes fatores significavam uma busca pelo prazer e por uma excitação

inovadora e simbolizavam aspirações por mudanças nas formas de agir e de circular


28

do homem na sociedade, ou seja, o esporte caracterizava-se como a representação

dos ideais da modernidade. Assim, o esporte e o seu ―desenvolvimento tem grande

relação com uma sociedade que enfatiza as noções de produção, precisão,

desempenho e disputa‖ (MELO, 2010a, p.94), estando ajustado as dinâmicas da

nova sociedade que se construía.

Acerca desse fato e ao tratar diretamente do Rio de Janeiro, Melo (2001,

p.14) vai nos dizer que a modernidade,

sem dúvida, trouxe mudanças significativas para o cenário social e


cultural brasileiro, principalmente a partir da segunda metade do
século XIX. Nesse contexto, o esporte encontrou terreno fértil e
possibilidades de se estabelecer no País.

Assim, entre fins do século XIX e início do século XX, tanto no Rio de Janeiro

quanto em Salvador, o esporte ganhou projeção e visibilidade, ajustado às

realidades, peculiaridades e dinâmicas culturais de cada cidade. Essa valorização

da prática esportiva se deu justamente por ela representar os ideais da

modernidade.

Bourdieu (1983) afirma que o esporte é uma prática moderna e pode ser

considerado como um campo específico e relativamente autônomo. No campo

esportivo são identificados alguns elementos formadores peculiares: a definição de

regras específicas; a criação de entidades reguladoras; a configuração de um

calendário de competições; a existência de um corpo profissional próprio e a

formação de um mercado ao seu redor. O mesmo autor afirma que campo

se define entre outras coisas através da definição dos objetos de


disputas e dos interesses específicos que são irredutíveis aos
objetos de disputas. [..] Para que um campo funcione, é preciso que
haja objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo,
dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no
reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas,
etc (1983, p.89).
29

Dessa forma, por mais que reconheçamos as influências e ações dos

aspectos socioeconômicos, políticos e culturais sobre o esporte, sempre devemos

ter em conta que ele se constituiu a partir de uma lógica específica, vinculada às

realidades culturais típicas de seus cenários de inserção.

No Brasil, o incremento da experiência esportiva nas cidades e o consequente

aumento da relação da população com essa prática possibilitou a formatação de um

campo esportivo, com diferentes níveis no Rio de Janeiro e em Salvador. Assim, da

mesma forma que o próprio projeto de modernidade, o esporte teve uma construção

diferenciada nessas localidades, em função de suas peculiaridades.

Nesta tese, o esporte foi compreendido como uma prática construída

historicamente e influenciada pelo contexto cultural em que está inserida,

representada sob a forma de manifestações corporais, que vão desde as atividades

espontâneas às sistematizadas. Foi a partir deste conceito que identificamos e

analisamos as experiências esportivas do Rio de Janeiro e de Salvador.

Entendemos que a palavra esporte, com diferentes grafias, nas diferentes

línguas, percorreu uma trajetória capaz de denotar o significado e a extensão dessa

prática humana para e nas populações, até chegar ao que hoje é mais comumente

identificado, seja nas ações, seja nas palavras.

Por isso, trabalhamos com as palavras sport e esporte como variações

lingüísticas de uma mesma representação corporal, ou seja, como palavras que

aparecem nas definições e escritos sobre o fenômeno, numa trajetória que simboliza

o seu uso continuado e efetivo no cotidiano, o que evidencia a fixação dessa prática

no seio das cidades em estudo, das diversões espontâneas às práticas

sistematizadas.
30

Tanto o esporte quanto os projetos de modernidade, a princípio, foram ações

vinculadas a uma pequena parcela da população, detentora do poder econômico e

político, as elites. Mesmo sendo um projeto inicialmente associado a esta

determinada parcela da população, as demais camadas também manifestaram

interesse, tanto pelos projetos da modernidade, quanto pelo esporte, desejando ter

acesso às suas benesses. Mesmo tendo ficado à margem das ações do poder

público, construíram formas de se apropriar desses fenômenos, vinculando-os as

suas experiências e vivências. Assim, segundo Melo (2010a), se o esporte

inicialmente era compreendido como um privilégio das elites, com o


decorrer do tempo, em função das tensões sociais, das distensões
das compreensões iniciais e do próprio contexto de construção do
ideário e imaginário da modernidade, o esporte, em sua nova
estruturação, passa a ser apresentado como uma diversão
apropriada, oferecido como uma alternativa aos antigos jogos
populares (p.91).

É justamente a partir das relações entre a construção de projetos de

modernidade e a instalação de um campo esportivo, que apresentamos os

interesses de estudo. Vale notar que essa correlação entre o esporte e o

desenvolvimento da modernidade, no Brasil, se deu em outras cidades além das

estudadas. Para Melo (2010b), ―no Brasil, a pretensão e o desejo de ser moderno

não se mostrou apenas nos projetos da capital à época, o Rio de Janeiro, mas se

espalhou e foi observado em outras cidades‖ (p.15). Aliás, não apenas em capitais,

mas também em cidades que da mesma forma vivenciaram o desejo de se

modernizar. Esse fato acentua o valor do esporte como um elemento capaz de

dialogar com as realidades cotidianas e com o cenário cultural.

Tomando por base estes dados, este estudo teve como objetivo realizar uma

análise comparada da presença do esporte nos projetos de modernidade


31

observados no Rio de Janeiro e em Salvador. Nosso propósito foi analisar

semelhanças e dessemelhanças, identificando tanto o que é específico e particular,

quanto o que é comum.

O desenvolvimento do trabalho se deu a partir de algumas questões: como

essas cidades, notadamente, mas não só, nos governos Pereira Passos no Rio de

Janeiro (1902-1906) e Seabra na Bahia (1912-1916), mobilizaram o esporte nos

seus projetos de intervenção? E ainda, qual o impacto da experiência esportiva nas

duas cidades?

Este estudo justifica-se pelo fato de o Rio de Janeiro e Salvador terem sido e

permanecerem sendo duas das mais importantes cidades do país, sendo referência

e modelo para outras. Assim, uma análise comparada sobre as duas permite uma

compreensão mais vasta da presença e impacto do esporte no Brasil, sendo este o

aspecto mais original deste texto. A ausência de estudos correlatos a este e a pouca

produção de estudos históricos sobre o esporte na/da Bahia, também ajudam a

justificar esta produção23.

Para o alcance do objetivo, como fontes24 para investigar o caso de Salvador,

usamos jornais de circulação diária, notadamente Diário de Notícias e A Tarde, além

de: Jornal de Notícias, Diário da Bahia, Gazeta do Povo, Correio de Notícias e o

Correio do Brasil. Também algumas revistas foram utilizadas: Renascença, Revista

do Brasil, Artes e Artistas e Semana Sportiva.

Por entendermos que sobre o Rio de Janeiro já existe uma produção

considerável acerca do tema, optamos por trabalhar com estas obras. Sobre

23
São conhecidos apenas estudos que tratam do futebol.
24
O levantamento foi feito nos seguintes espaços: Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, Fundação Clemente Mariani e Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro).
32

Salvador, que não possui tanta produção sobre o tema estudado, privilegiamos as

fontes jornalísticas. Dessa forma, nossa proposta foi a de realizar uma análise

comparada entre o que a literatura que trata o Rio de Janeiro apresenta e o que

construímos a partir das fontes sobre Salvador.

A crescente escolha pelos periódicos como fontes tem se dado pela

percepção da ampliação das temáticas de estudo em história, como o caso do

esporte e das práticas corporais. Burke (2005, p. 78) afirma que, ―graças a essa

virada em direção as práticas, a história do esporte, que antes era tema de

amadores, tornou-se profissionalizada, um campo com suas próprias revistas‖. Essa

―virada‖ se deu quando a história passou a dialogar com outras áreas e quando

novas práticas ganharam sentido nas pesquisas históricas.

Ainda sobre o uso de periódicos como fontes, Luca (2006, p.132) afirma que

―é importante estar alerta para os aspectos que envolvem a materialidade dos

impressos e seus suportes‖. A mesma autora também vai dizer do cuidado com o

uso dessas fontes, nos mostrando o valor de se ―inquirir sobre suas ligações

cotidianas com diferentes poderes e interesses financeiros‖ (LUCA, 2006, p.140). Ou

seja, há que se ter o cuidado de buscar a crítica interna das próprias fontes,

entendendo que elas representam e apresentam interesses e há que se buscar

compreender o contexto da produção, para daí se extrair dados que de fato possam

consubstanciar nossas análises.

Entendemos que os periódicos são peças marcantes para apoiar estudos

sobre esporte e modernidade, justamente pelo fato desses dois fenômenos, entre

outras coisas, projetarem uma maior velocidade de ação e uma maior capacidade de

mobilizar pessoas e fatos. Assim, os periódicos, mais do que os livros, são


33

importantes fontes de dados para análises do cotidiano e de suas representações,

por serem mais ágeis e dialogarem mais diretamente com as formas de agir e de se

portar.

Utilizamos como método de pesquisa nesta tese a história comparada, por ela

apresentar a possibilidade de ―estabelecer o estranhamento, a diversificação, a

pluralização e a singularidade daquilo que parecia empiricamente diferente ou

semelhante, posto pelo habitus e reproduzido pelo senso comum‖ (THEML E

BUSTAMANTE, 2007, p.15).

Por fim, esta tese está assim dividida:

 Introdução

 Capítulo 1: Esporte nas cidades: uma análise comparada: neste

capítulo analisamos comparativamente os primórdios do esporte nas

cidades do Rio de Janeiro e Salvador, definindo as práticas que foram

significativas, sempre procurando estabelecer os vínculos entre a

experiência esportiva e construção dos projetos de modernidade.

 Capítulo 2: Ações políticas e o esporte: neste capítulo procuramos

compreender como se deram as relações entre o poder político e os

esportes, representados nos clubes e nas entidades (federações).

 Conclusão.
34

1 ESPORTE NAS CIDADES: UMA ANÁLISE COMPARADA

O esporte é reconhecido como um dos mais influentes fenômenos da

sociedade moderna. Entidades como o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a

Federação Internacional das Associações de Futebol (FIFA) possuem mais países

filiados do que a própria Organização das Nações Unidas (ONU). Os mega eventos

esportivos internacionais reúnem uma platéia gigantesca, contados os presentes e a

audiência televisiva. Há uma multiplicidade de interesses ao redor do esporte e seu

potencial econômico. Sendo assim, é forte sua vinculação com a vida das cidades,

possuindo a prática esportiva, diferentes representações e sentidos em cada

localidade.

Este capítulo tem objetiva analisar, em sua configuração, a inserção do

esporte no cotidiano do Rio de Janeiro e de Salvador. Fixar-nos-emos no recorte

temporal deste estudo, identificando as práticas corporais que foram significativas,

para então estruturarmos uma concepção acerca de um campo esportivo no Rio de

Janeiro e em Salvador, sempre sob um viés comparativo. Concordamos com a

afirmação de Melo (2007b, p.25) de que:

a história comparada pode conceder boas contribuições para que,


não só extrapolemos a nossa visão sobre os arranjos locais do
fenômeno esportivo [...], como redimensionemos essa visão inicial, já
que na comparação possivelmente surgirão problemas antes não
visualizados. A questão não é, portanto, abandonar o local, mas,
passando do local ao global, tanto compreender o objeto para além
35

de suas peculiaridades, como mesmo reforçar ou negar nosso


entendimento primeiro sobre essas especificidades.

Assim, a base de nossas análises está calcada na vinculação do esporte com

os projetos de modernidade e as formas com que se entrelaçam, considerando tanto

os aspectos gerais quanto os específicos nas cidades em estudo.

1.1 OS PRIMÓRDIOS DO ESPORTE NO RIO DE JANEIRO E EM SALVADOR

Ao analisar a presença da prática esportiva no Rio de Janeiro, entre o final do

século XIX e início do século XX, Melo (2001) propôs uma divisão das

manifestações que eram chamadas de esporte em três grupos. Segundo o autor,

essa atividade passou por fases diferentes até uma consolidação de sua prática e de

seu conceito, tendo sido representada nesse período por diversas atividades.

Os grupos indicados por Melo são:

1) os que hoje estão definidos como esporte moderno, mas que na época

eram ainda atividades incipientes, como a natação e o ciclismo;

2) as atividades que foram chamadas de esporte, mas que não se

consolidaram como tal: corridas de animais (pombos, cachorros); algumas que no

Brasil foram proibidas (rinhas de galo e touradas) e outras que ainda existem,

porém, sem serem esportes (patinação livre, jogo do bicho);

3) as manifestações na época já organizadas nos moldes do campo esportivo

e com boa aceitação social (remo e turfe).


36

Acreditamos que essa divisão ajuda a pensar o caso da Bahia, ainda que

devamos reconhecer que distinções culturais e socioeconômicas entre as duas

cidades implicaram também em diferenças nas práticas esportivas, em sua extensão

e repercussão. Essa divisão nos mostra o quanto o esporte, ao longo dos tempos,

passou por variações de sentido e de formas de manifestação, reforçando nossa

compreensão de que, como uma prática trazida de fora, passaram-se tempos até

que a população local dele se apropriasse. Em seus primórdios, tanto no Rio de

Janeiro, quanto em Salvador, encontramos práticas que, se hoje, no Brasil, não são

chamadas de esporte, em algum tempo já o foram, muito por assumirem o perfil de

atividades de entretenimento, e, em alguma medida, por representarem algo que era

novo, diferente. Dessas, uma que merece destaque é a tourada, que existiu e

repercutiu por um longo tempo nas duas cidades.

1.1.1 AS TOURADAS: PRÁTICA ESPORTIVA OU PRÁTICA PRIMITIVA?

A tourada, uma prática conhecida e de importância na Europa desde muito

tempo, notadamente na Espanha e em Portugal (ainda que com diferenças em sua

organização), também se organizou por terras brasileiras. Para além de discussões

de ordem moral ou legal, vemos em Holt que

esportes tradicionais podem ser praticados em circunstâncias


modernas, tal como um velho vinho pode ser armazenado em novas
garrafas. A persistência das antigas lutas de animais na Londres do
fim do século XIX reforça a compreensão de que atitudes são talvez
37

mais importantes que o contexto físico na determinação do que é ou


não permitido jogar (1989, p.18).

Na atualidade (ao menos brasileira), práticas como as touradas não são

classificadas como esporte e sofrem perseguições de entidades protetoras de

animais e órgãos de justiça. Todavia, entre meados do século XIX e o início do

século XX, a tourada foi sim uma atividade de interesse para o público, sendo

mesmo chamada de esporte.

Sobre o Rio de Janeiro, Melo (2008a, p.15) afirma ser possível

observar um fenômeno interessante: uma prática que tem origens


rurais, naquele cenário ocasionalmente realizado por ocasião das
festas, no contexto da cidade que cresce, torna-se relativamente
autônoma, com espaço fixo, calendário próprio e promovida por
―empresários‖, que contratam os toureiros e ganham dinheiro com os
bilhetes de entrada e apostas.

As touradas foram realizadas desde o período colonial e eram presença

efetiva nas festas públicas, como as promovidas pela corte (MELO, 2008a; 2009a).

Ott (1955) e Silva (1957), ao tratarem de Salvador, apresentam as mesmas

observações sobre a presença das touradas: existiam desde o império e faziam

parte das festas.

Segundo Silva (1957): ―tauromáquia, antiquissima em nosso meio, porque

praticada desde os primeiros tempos desta cidade, representou assim e durante três

centúrias seguidas, o seu principal divertimento‖ (p.17). Como exemplo disso, o

Correio de Notícias25 trazia a seguinte nota: ―esta sociedade philarmonica vae

realisar amanhan beneficio com uma tourada no Derby-Club do Rio Vermelho‖.

As críticas às touradas como práticas de diversão ganhavam peso na mesma

medida em que crescia nas cidades um apelo à modernidade. Melo (2008a) afirma

25
Correio de Notícias, 15 de julho de 1898, p.1.
38

que é ―só na transição do século que o urbano definitivamente vai se impor. É nesse

contexto de mudanças que podemos perceber que, a partir da segunda metade do

século, crescem as críticas às touradas‖ (p.16).

Com tudo isso, dentro do processo ambíguo de constituição da modernidade,

mesmo diante de resistências e já sendo considerada uma prática a ser combatida,

constatamos que, tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador, as touradas

continuaram a existir.

No Rio de Janeiro:

em 1903, o periódico A Canoagem noticiava sempre a realização e


os resultados das corridas de touros. Em 1905, a Revista da
Semana, uma das mais importantes do país, publicava
constantemente fotografias de toureiros e das touradas (MELO,
2008a, p.19).

Em Salvador, a Revista do Brasil26 trazia notícias sobre tardes de tourada,

inclusive com participação feminina:

27
Foto 07: Toureira Josefa Mola

26
Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p.28, 15 de abril de 1908, ano. II, n.14, p.24 e
30 de abril de 1908, ano III, n.15, p.9.
27
Foto extraída de: Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p. 28.
39

a senhorita Josefa Mola, intreída e sympathica toureira, mais


conhecida, nos redondéis como hespanhóes, portuguezes,
mexicanos e do sul da República por La Pepita. A notícia da estréa
da senhorita Josefa Meola e a promessa de attrahentes sortes, feita
nos cartazes, levou ao redondel do Largo de Nazareth animadora e
selecta concorrência, no domingo último. Desta feita, bem no meio
do sol havia um claro enorme e a sombra regorgitava de sombrinhas
e sombreros, de cores e feitios diversos, predominando, porém, os
tons claros e o indefectível matiz da moda – violeta. [..] Pouco
depois, saia o 1º touro, portuguez, para o diretor da praça, que o
aproveitou com boa arte, cravando quatro ferros largos, dos quaes 3
muito bem citados e rematados. A fera foi bem recebida por um bom
salto de vara pelo Angelo. [...] Afinal, para que o animalejo não
recolhesse ao touril sem um pallitos, Minuto, que capeava para a
corajosa Pepita, poz-lhe um par de bandarilhas, muito regulares e
deixou-o ir, pinoetando, de bocca escancellada e língua pendente...
Substitui-o um outro, ligeiro, que não queria cumprir, a despeito dos
esforços da Senhorita Josefa Mola e que entretanto achou geito de
colher a sympathisada matadora junto da trincheira, lançando-a por
terra e pisando-a. Soccorrida, num segundo, pelo Minuto, e por
outros peões, volveu a lide, cravando bom par de ferros na fera e
executando a sorte, muito limpa, da morte simulada28.

Outro exemplo é:

o redondel do Largo de Nazareth alindou-se para a festa do sempre


querido Club de Natação e Regatas S. Salvador; e mui
acertadamente, porque raríssimas vezes apanhará tamanha
concorrência. Feitas as cortezias, o sr. Major da Joaquim da Costa
Freitas, que servia de intelligente, ordenou a saída do 1º touro,
portuguez, para o cavalleiro Adelino Raposo, que, offerecendo a
sorte ao Presidente da Federação e do S. Salvador, cravou com arte
4 ferros, sendo que o último, curto de palmo, arrancou prolongado
palmeio á assistencia29.

Ainda, Silva afirma que

Pessoas existem entre nós e não poucas que presenciaram touradas


entre 1904 e 1908 no Largo de Nazaré num campo situado nos
fundos do atual Ginásio São Salvador e possivelmente no Largo do
Barbalho (1957, p.22)30.

Vemos então que na virada dos séculos XIX e XX, período de instalação dos

projetos de modernidade tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, a tourada –

28
Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p. 28.
29
Revista do Brasil, 15 de abril de 1908, Ano II, n. 14, p. 24.
30
Matérias em jornais também trazem o Derby do Rio Vermelho como um local de touradas neste
período.
40

prática associada a valores considerados ―atrasados‖ e identificados com a ideia de

um Brasil colonial, por possuir características rurais e fazer uso de animais –,

conviveu com o remo. Este contava com uma representação oposta, sendo tido

como uma atividade esportiva típica dos valores modernos, ajustada às novas

exigências de comportamento e posturas, morais e corporais.

Essa coexistência é representativa da ambiguidade da modernidade, onde o

―velho‖ e antiquado, mas com apelo ao gosto popular e de interesse das elites rurais,

conviveu com uma experiência social tida como moderna, que também atraía a

participação popular e que representava os valores de uma nova ideologia,

associada a uma elite burguesa. Dessa forma, o ―velho‖ e o ―novo‖ durante tempos

coexistiram como prática social, atraindo o interesse popular e das elites, possuindo

ambos, em sua organização, elementos constituidores do campo esportivo.

Ao analisarmos a constituição das touradas como um divertimento público,

percebemos como a configuração de um cenário esportivo mais estruturado e

definido não se instalou no Brasil de imediato, construindo-se, portanto, nas relações

diretas do cotidiano e na própria organização da cultura local. No que é específico

deste estudo, no caso das touradas, parece ter havido semelhança entre o Rio de

Janeiro e Salvador.

Constatamos que, nestas cidades, as touradas se iniciaram numa mesma

época e por motivos parecidos, durando até um período próximo. Da mesma forma,

a associação das touradas às festas é fator comum às duas cidades, acontecendo

em praças que eram, naquele momento, sítios importantes e de convivência das

pessoas. Ainda que sob o conceito adotado não possa ser considerada esporte, a
41

tourada foi uma prática em que constavam alguns dos elementos do campo

esportivo e que, por muito tempo, foi considerada integrante deste.

1.1.2 O CRÍQUETE DOS INGLESES E BRASILEIROS: UM PRIMEIRO ESPORTE

Um esporte que merece nossa atenção é o críquete, prática que aportou em

terras brasileiras trazida por ingleses. Melo (2001) comenta que no Rio de Janeiro

essa atividade se desenvolveu por algum tempo, todavia ―nunca chegou a

efetivamente se estruturar na cidade, ficando restrito[a] a poucos aficionados

(normalmente de origem inglesa)‖ (p.28). O autor cita a existência do British Cricket

Club (1864, em São Cristovão) e do Club Brasileiro de Cricket (em 1892, nas

Laranjeiras), além de outros.

As mesmas ocorrências foram vistas em Salvador. O esporte chegou a

Salvador em meados do século XIX, por meio dos ingleses, e clubes foram fundados

para sua prática, que acontecia normalmente no Campo Grande (LEAL, 2002),

embora também haja notícias de jogos na Fonte do Boi31 e Quinta da Barra (GAMA,

1923), no Campo da Pólvora32 e no Largo da Madragoa33.

Gama (1923, p.319) afirma que em Salvador foram

membros da colonia ingleza, que fizeram a introducção de um jogo,


cuja disputa, para elles, tiha já o cunho de sport, - pois sendo a sua
Patria o berço do sport moderno - tinham a noção exacta da

31
Localizada no bairro do Rio Vermelho. Diário da Bahia, 25 de janeiro de 1902, p.1
32
Diário de Notícias, 24 de março de 1903, p.3 e 12 de setembro de 1903, p.3.
33
Diário da Bahia, 11 de janeiro de 1902, p.1. Localizado na Cidade Baixa, na área do bairro da
Ribeira.
42

significação do vocábulo. Esse jogo, foi o cricket, de origem


genuinamente ingleza [...]. Esse cricket de então, era disputado no
local hoje denominado Praça Duque de Caxias.

Também Leite, Rocha Junior e Santos (2010), ao abordarem as práticas

esportivas iniciais em Salvador, afirmam que

os ingleses praticavam o críquete em Salvador desde a segunda


metade do século XIX. Mas foi a partir do começo do século XX que
ocorreu a criação dos primeiros clubes efetivamente esportivos,
fundados por integrantes da elite soteropolitana e que implantaram
modalidades já praticadas na Europa (p. 221).

Da mesma forma que no Rio de Janeiro, essa prática teve vida curta, ficando

basicamente restrita as pessoas de origem britânica. Como na capital carioca34, um

clube inicialmente fundado para o críquete, logo depois assumiu o futebol, o Club de

Cricket Victoria, fundado por brasileiros em maio de 1899, que passou a se chamar

Sport Club Victoria. Ainda houve o Club Internacional de Cricket, fundado por

ingleses, em novembro de 1899.

No que é específico ao críquete, podemos afirmar que, tanto no Rio de

Janeiro quanto em Salvador, sua trajetória se deu de maneira semelhante, ou seja,

uma prática trazida e praticada por ingleses, com uma inicial participação de

brasileiros, mas com curta duração e pequena aceitação. Logo ficou novamente

restrita aos membros da colônia britânica, até se tornar pouco significativa, enquanto

outras práticas ganhavam o interesse da população.

Sobre esse ―esquecimento‖ do esporte, A Tarde35 apresentou uma matéria

em que questionava a si e aos leitores as razões do seu possível abandono em

Salvador: ―não sabemos porque motivo ficou inteiramente abandonado pelos nossos

34
Club Brasileiro.
35
A Tarde, 08 de novembro de 1912, p. 2.
43

sportmen, o interessante e nobre jogo inglês, o cricket. A Bahia, teve nesse jogo, a

muitos annos, sua primeira manifestação sportiva‖.

O jornal, na mesma matéria, valorizava sua importância inicial e as formas

com que foi jogado, tanto pelos ingleses quanto pelos baianos, ressaltando os

valores civilizadores do esporte e o quanto sua prática contribuia para a formação de

novos hábitos, por meio de um espaço onde os ―nobres‖ homens da Inglaterra

tinham a chance de praticar um esporte que simbolizava os ares de sua terra e os

brasileiros podiam vivenciar um esporte que era digno de um mundo moderno, como

também Salvador deveria se tornar.

Um possível elemento da curta duração da prática e do pouco interesse da

população das duas cidades pelo críquete, pode ter sido o fato dos clubes terem

sido constituídos originalmente por ingleses e só depois brasileiros – neste caso,

com a mesma organização dos de estrangeiros. Assim, o esporte teve uma limitada

circulação pelas cidades, dificultando sua apropriação por parte dos diferentes

estratos da população, não alcançando popularidade.

No período da instalação dos clubes de críquete, as cidades ainda mantinham

um aspecto colonial e assim, também os hábitos e gostos não estavam ajustados a

uma prática moderna. De toda forma, os clubes de criquete foram importantes, pois

foi a partir deles que se estruturam outros que seguiram com o modelo da prática

esportiva, ampliando essa experiência.


44

1.2 O ESPORTE E SUAS BASES ENTRE CARIOCAS E SOTEROPOLITANOS

Na transição entre o século XIX e o século XX percebemos uma melhor

conformação do campo esportivo em ambas as cidades, pelo fato de o esporte estar

―adequado às peculiaridades da sociedade ocidental‖ (MELO, 2006a, p.23).

Tal desenvolvimento teve a ver com as dimensões dos projetos de

modernidade, pois: ―o desenvolvimento do esporte, notável a partir da metade do

século XIX, de alguma maneira tem relação com a valorização crescente das

vivências públicas de diversão, uma das marcas da modernidade‖ (MELO, 2010c,

p.53).

De maneira semelhante, as duas cidades inicialmente incorporaram as

práticas esportivas também a partir de suas elites, que viam o esporte como um

símbolo de status, uma nova forma de agir perante um novo mundo. Acerca desse

aspecto, Leite, Rocha Junior e Santos (2010), fazem uma análise sobre Salvador,

que podemos estender ao Rio de Janeiro:

é possível identificar o começo do que podemos chamar de prática


esportiva, cuja incorporação se deu de modo ambíguo, oscilando
entre sinais de aceitação e de resistência. Estranho aos hábitos de
vida da população, o esporte era aceito quando enquadrado dentro
das normas de civilidade e disciplinarização; e passível de
resistência, demonstrada especialmente pelas elites, ao fugir das
regras pré-estabelecidas, aparecendo de forma ―desordenada‖ na
cidade, sem atentar para os princípios da modernidade/civilidade,
dentre eles a regulação de comportamentos (p. 222).
45

Melo (2001) afirma que foi no Rio de Janeiro, por sua condição privilegiada de

capital, que em primeiro lugar se desenvolveu o esporte. Na cidade, as primeiras

experiências datam do século XIX e se deram com o turfe:

depois das experiências pioneiras realizadas desde a década de


1810, foi mesmo a partir de 1825 que as corridas de cavalo se
tornaram mais organizadas e começaram a chamar a atenção da
elite carioca [...]. Ainda assim, é somente em 1847 que se observa
um decisivo avanço. Mais do que um anúncio convocando para as
corridas, foi publicado no Jornal do Commércio um manifesto que
futuramente daria origem ao primeiro clube de turfe brasileiro. Foi a
partir dessa iniciativa que surgiu definitivamente a idéia de
desenvolver no país o esporte de acordo com o que já existia na
Europa. Depois de muitas discussões, o Club de Corridas, de fato a
primeira agremiação estritamente esportiva criada na cidade, realizou
sua atividade inicial em 1849 (MELO, 2009a, p.47).

Se no Rio de Janeiro o turfe foi o esporte inicial, também na Bahia

encontramos dados que apontam para sua existência ainda no século XIX. O Sport36

(1889), que foi apresentado como um jornal destinado a trazer notícias do mundo

turfístico, mostrava desde programas e resultados, até dicas sobre formas de vestir-

se e de comportar-se num hipódromo – no caso, o São Salvador37. Notícias

referentes à modalidade em Salvador também eram apresentadas no Jornal do

Brasil, do Rio de Janeiro38.

Nos jornais baianos, encontramos no Diário da Bahia39 a seguinte notícia:

no Hyppódrmo S. Salvador, á Boa Viagem, realisa-se hoje a 2ª.


Corrida deste anno, tomando parte os melhores palhereiros de nosso
turf.
Abrilhantará a funcção a conhecida Philarmonica Carlos Gomes, que
nos intervallos executará peças de seu variado repertório.

36
O Sport, 27 de janeiro de 1889, ano I. n. 1, p.1.
37
Não foi possível encontrar dados maiores sobre esse Hipódromo. Sabemos que o mesmo tinha
sede no bairro da Boa Viagem (Cidade Baixa), tendo existido outro no bairro do Rio Vermelho.
38
Dados extraídos em: http://www.anima.eefd.ufrj.br/imprensa/consulta/home.asp. Acessado em:
17/01/2011.
39
Diário da Bahia, 06 de abril de 1902, p.1.
46

O mesmo Diário da Bahia, em 15 de maio de 1902, trazia uma matéria sobre

a realização de um páreo no dia 18 de maio de 1902, informando as corridas a

serem disputadas e suas distâncias. Em outras notícias referentes ao turfe, desse e

de outros jornais, eram anunciados os páreos, com suas datas de inscrição, além de

atividades que serviriam de entretenimento do público durante as corridas e nos

intervalos. Como exemplos: ―terá lugar hoje, no Hyppodromo S. Salvador a corrida

extraordinária, já annunciada. Promette ser uma esplendida festa sportiva”40 e

também ―no prado S. Salvador, á Boa Viagem, realisa-se hoje uma corrida cujo

primeiro páreo terá início á 1 da tarde. Nos intervallos tocará a música do 9º.

Batalhão de infantaria‖41. Nos jornais também eram informados alguns páreos que

destinavam renda a entidades beneficentes, um exemplo é42:

Domingo, 13 do corrente, haverá no Hippodromo S. Salvador uma


corrida extraordinária, cujo producto reverterá em auxílio de uma
typographia para continuação da publicação da excellente revista
Leituras Religiosas. Vai nesta notícia um appello á família catholica
da Bahia, attendendo-se a nobreza do fim.

A próxima imagem permite-nos pensar, que, em Salvador, o Hipódromo

possuía estruturas bastante simples. A visão da fachada passa a noção de um

espaço bastante rudimentar, que não demonstra grande luxo em sua construção.

Não é possível, na imagem, identificar como era a pista, qual sua dimensão ou qual

seu tipo de piso, mas a fachada, por si só, deixa-nos margem para compreender a

condição bastante peculiar de um espaço e uma prática esportiva sem grandes

aparatos, realizada num bairro afastado do Centro Histórico de Salvador e, portanto,

de difícil acesso.

40
Diário da Bahia, 19 de julho de 1902, p.1.
41
Diário da Bahia, 03 de agosto de 1902, p.1.
42
Diário da Bahia, 15 de maio de 1902, p.2.
47

43
Foto 08: Fachada do Hipódromo da Boa Viagem (Salvador)

Numa publicação especial do Diário Oficial da Bahia, editada em

comemoração ao centenário de Independência da Bahia (1923), há um conjunto de

textos referentes a vários aspectos da administração pública e do cotidiano baianos

e Mario Gama é quem escreve sobre os esportes. Em seu texto o autor não fez

nenhuma referência ao turfe, seja como esporte inicial ou qualquer outra

circunstância. Todavia, como demonstrado, nos jornais do começo do século XX em

Salvador e do fim do século XIX no Rio de Janeiro, traziam dados sobre o esporte e

suas corridas.

43
Foto extraída de: A Tarde, 25 de agosto de 1916, p.2. Nesta data já não existia o turfe no
hipódromo, que recebia até seis mil pessoas.
48

1.2.1 O TURFE NO RIO DE JANEIRO E EM SALVADOR

Passada a exploração dos primórdios do esporte e seguindo nossa proposta

de estudo, nos deteremos em analisar e comparar as experiências esportivas vividas

nessas duas cidades, iniciando pelo turfe.

No Rio de Janeiro, as primeiras corridas foram organizadas na Praia de

Botafogo (então um arrabalde afastado da cidade) e contaram com o apoio da

Família Imperial.

O surgimento do primeiro Club de Corridas, em 1849 (CARVALHO, 1998) foi

um fator importante para o avanço do turfe, já que foi essa entidade a responsável

por dar melhor forma ao esporte, que, a princípio, atraía a atenção de um público

específico, as elites.

Buscando uma proximidade com os modos de vida na Europa, esse clube

tentava seguir os modelos e padrões vigentes na organização esportiva europeia

(NEEDELL, 1993; MELO, 2010d). O Jockey Club francês, importante entidade na

constituição do esporte (VIGARELLO, 2001), foi um modelo de inspiração. Em 1868,

foi fundado no Rio de Janeiro o Jockey Club, instituição que ocupou importante

posição na organização do turfe, responsável por transformar o esporte numa

prática estruturada e popular (MELO, 2007a).

Pensando a presença do turfe no Brasil e suas origens em bases europeias,

Bueno, Ribas e Rondon (2006), afirmam que


49

as associações turfísticas criadas no Brasil seguiram à risca os


moldes francês e inglês, pois em ambos os lados do Canal da
Mancha atribuía-se grande importância ao turfe [...]. Tanto no Brasil
quanto na Europa, o Jockey Club estava longe de ser uma instituição
voltada apenas para as corridas de cavalo ou um lugar para se fazer
fortuna com as apostas (p.31).

No Rio de Janeiro, o turfe foi a prática que, segundo Melo (2007a), primeiro

adotou os parâmetros que usamos para definir o campo esportivo. Cohen e Gorberg

(2007) reafirmam essa importância do turfe para o Rio de Janeiro, ao dizerem que

―entre as opções de lazer dos cariocas no início do Século XX, o turfe foi uma das

que mais atraíam participantes‖ (p.102).

Ao tratar dos interesses de participação da sociedade carioca no Jockey,

Needell infere que:

a extensa lista de futuros membros do Jockey – provavelmente não


se reuniam por amor ao turfe e aos belos animais, e sim porque o
Jockey era uma instituição cara, aristocrática, prestigiada, à qual era
aconselhado pertencer (1993, p.99).

Com tudo isso, identificamos que a modalidade assumiu, desde suas origens,

o papel de agente civilizador, criando uma entidade na qual as pessoas poderiam

acompanhar uma atividade cultuada na Europa, mesmo sem praticá-la diretamente.

No Rio de Janeiro e nas localidades que tomaram a cidade como exemplo, caso de

Salvador, o turfe simbolizava uma civilidade que começava a ser pensada, sem ser

um rompimento absoluto com as características da sociedade que existia.

No turfe, vimos a coexistência entre o aspecto rural e o urbano, tendo sido o

esporte um exemplo de transição. Aspirava-se a uma modernização; todavia, a

cidade ainda guardava ares rurais. Assim, a modalidade, mesmo que se organizasse

segundo preceitos modernos, tinha suas bases assentadas em uma lógica rural,

demonstrando a ambiguidade da modernidade: ―o que se observou não foi uma


50

cisão, mas uma acomodação entre os diversos setores. Ajustaram-se continuidade e

mudança‖ (MELO, 2010a, p.108).

Por ter sido o primeiro esporte a apresentar uma estrutura mais organizada, o

turfe acabou sendo uma referência para as práticas que o sucederam. Dele foram

usados como modelo as normas, regulamentos, termos, tipos de provas e até

mesmo as instalações e o uso e controle do tempo (VIGARELLO, 2001; MELO,

2007a).

Durante o processo de organização e de afirmação do projeto de

modernidade carioca, o turfe experimentou um decréscimo de seu interesse, sendo

por vezes alvo de críticas por permitir a aposta, considerada inapropriada para uma

sociedade que se queria moderna (MELO, 2001, 2007a). Na gestão de Pereira

Passos, o projeto de modernizar o Rio de Janeiro procurou incorporar em seu

cotidiano símbolos que pudessem representar o que era civilizado – e lidar com

animais no espaço da cidade não estava entre essas marcas.

Assim, durante o processo de modernização, a cidade experimentou uma

diminuição do interesse pela modalidade – que, ainda assim, continuou a existir e

contar com clubes. Para tal, foram fundamentais os membros da elite, que fizeram

dos clubes de turfe um espaço de sociabilização e controle, estruturando-os de

forma a representarem seu modo de ver a sociedade.

No tocante a este esporte, dentro do período estudado, Salvador merece uma

análise especial. Já vimos que, em fins do século XIX e início do XX, a modalidade

aparecia na cidade. Todavia, na década de 1910, foram encontradas poucas

referências que fizessem menção à existência de sua prática formal nos jornais

soteropolitanos.
51

Já na década de 1920, a revista Artes e Artistas44, na seção Sportivas, trazia

constantemente notícias sobre o turfe, como esta: ―para a corrida de hoje no

Hypodromo da Boa Viagem, a directoria organizou o seguinte programma‖. A coluna

apresentava ainda palpites para os páreos. A edição seguinte45 trouxe esta matéria:

realizou-se no domingo último, mais uma excellente corrida no prado


da Boa Viagem. A assistência regular estava um pouco apprehensiva
com os novos parelheiros que tomavam parte em diversos pareos e
marcava seus predilectos nas combinações das duplas e a
proporção que iam se succedendo os pareos ella via com desgosto e
surpreza a derrocada de seus palpites em proveitos dos novos
dentre os quaes fez uma bonita figura o Patusco, que venceu em
dois pareos.

Nosso interesse reside na existência do turfe como prática esportiva em

Salvador. No que toca as notícias sobre o esporte, na década de 1910, se viu nos

principais jornais diários um vazio sobre a modalidade. Nesse período, encontramos

esporadicamente notas sobre corridas de cavalos, como uma atividade de diversão,

associada a alguma festa46. A partir da década de 1920, o esporte passou

novamente a ser noticiado, com sua prática concentrada no mesmo hipódromo dos

tempos iniciais (o da Boa Viagem).

Algumas considerações podem ser feitas sobre as razões que motivaram

esse intervalo na cobertura sobre o turfe em Salvador. Sarmento (2009) afirma que a

1ª. Grande Guerra causou fortes impactos na cidade, notadamente em sua vida

econômica: ―a população sofria com o aumento do custo de vida, especialmente

com os altos preços dos alimentos. Diversas categorias profissionais foram

prejudicadas com a guerra, que aumentou o desemprego‖ (p.113). Como no esporte

existia o hábito das apostas, podemos inferir que a menor circulação de dinheiro

44
Revista Artes e Artistas, anno II, número 43, 1923, p.10.
45
Revita Artes e Artistas, anno II, número 44, 1923, p.12.
46
A Tarde, 17 de agosto de 1915, p.2.
52

pode ter gerado um desestímulo pela modalidade, em função das dificuldades em se

apostar e ainda, pela prática ser uma atividade com altos custos de manutenção de

seu espaço e dos animais.

Com relação às apostas é importante dizer que essas sofreram, em Salvador,

uma campanha contrária por parte de alguns jornais. Eles noticiavam o quanto esse

hábito desencaminharia as boas almas e as boas famílias soteropolitanas, podendo

ser esse um fator da não alusão ao turfe em suas páginas. Outra razão pode ter sido

a dificuldade de deslocamento até a área do Bairro da Boa Viagem.

Também, os jornais do período eram veículos de notícias vinculados a forças

políticas locais e, portanto, tinham na própria política seu tema de interesse. Assim,

essa pode também ter sido uma causa da diminuição ou desaparecimento do tema

turfe nas páginas dos jornais. Além disso, o reduzido número de revistas pode ter

sido mais um fator.

De toda forma, apresentamos apenas algumas interpretações para esse

dado, importando dizer que o turfe foi, em Salvador, uma prática inconstante e de

caráter tópico, sem experimentar uma forte organização na forma de clube, como

aconteceu no Rio de Janeiro. Como semelhança entre ambas as cidades,

assinalamos que a participação do público no turfe era associada a ―bons‖ modos de

comportamento, exigindo-se uma vestimenta ―chique‖. Ir aos hipódromos para ver e

ser visto circular por entre os da elite era fato comum no Rio de Janeiro e em

Salvador.

Enfim, vivia-se nas atividades de turfe um cenário de socialização típico dos

adventos da modernidade. Estar na rua em contato com outras pessoas, bem como

saber portar-se e vestir-se eram marcas das novas ―posses‖ das camadas
53

detentoras de poder. Além disso, apostar e mesmo ser proprietário de animais

simbolizava poder financeiro – e ainda poderia contribuir para o enriquecimento. Eis

dois exemplos sobre o estar num evento de turfe:

no Hyppodromo S. Salvador realisarse-á, no domingo próximo, uma


importante corrida, em beneficio da Sociedade S. Vicente de Paulo,
uma das mais bem conceituadas instituições de caridade deste
estado. Comparecerão as principaes autoridades civis e militares,
além de muitas famílias que vão levar o seu valioso concurso para o
bom êxito de tão importante festa, cujo fim é todo de caridade e amor
á pobreza. Tocarão durante a festa seis bandas de música: a do 9º
batalhão de infantaria, as do 1º e 2º corpos de polícia e as
philarmonicas: Lyra de Appollo, órphãos de São Joaquim e Lyra S.
Vicente de Paulo.47

realisou-se, domingo passado, a corrida extraordinária no


Hippodromo S. Salvador, em benefício da revista leituras religiosas.
As archibancadas estiveram muito movimentadas, notando-se muitas
exmas. famílias. Foram disputados com vantagem todos os páreos,
exhibindo-se excelentes parelheiros, producto de Matta de S. João.48

Os dois trechos de jornal mostrados acima caracterizam as formas de

participação e envolvimento da sociedade soteropolitana com o turfe, deixando ver o

quanto esta prática, no período, se inseria no cotidiano local, sendo uma atividade

de diversão e ocupação.

1.2.2 O REMO E UMA NOVA SOCIEDADE

Se o turfe foi um esporte que de certa forma carregava consigo características

de uma sociedade rural, em que o animal era o verdadeiro astro da atividade e ao

47
Diário da Bahia, 12 de setembro de 1902, p.1.
48
Diário da Bahia, 16 de julho de 1902, p.1.
54

homem cabia o papel de espectador, proprietário e apostador, encontramos, no

remo, uma realidade distinta.

Esta modalidade se instalou nas duas cidades como uma prática que, ao

contrário do turfe, tinha no homem seu verdadeiro agente – aquele que se expunha

à ação corporal e, portanto, vivenciava diretamente a ambiência e os resultados

(físicos e sociais) do esporte. Ademais, representava uma prática que simbolizava a

Europa e o desejo nacional de fazer acontecer aqui o que se tinha por lá. Sobre

esse contexto, Jesus (1999, p.29) assevera que

foi sem dúvida muito grande a receptividade da população carioca


aos esportes na virada do século. Tal atitude se vinculava
diretamente não apenas ao fato de estes representarem uma via
para a vida saudável, mas sobretudo ao fato de constituírem um
elemento civilizador do ideário burguês importado da Europa.

Por serem cidades com praias litorâneas, conhecidas baías (com praias) e

importantes portos, pode parecer natural que Rio de Janeiro e Salvador tenham

desenvolvido um esporte aquático. Melo (1999; 2001) nos mostra que a associação

entre a existência do mar e de uma prática esportiva não foi espontânea; antes de

tudo, foi uma construção cultural. O remo simbolizava novos hábitos, novos

comportamentos, uma nova maneira de olhar e lidar com o corpo e também com a

cidade, uma verdadeira forma de ser – ou, ao menos, parecer – moderno.

Ao tratar os valores e a importância do remo como esporte, Melo (2007a)

afirma que

é um dos mais importantes do século XX, por ter sido o primeiro a


estabelecer definitivamente a ligação entre o esporte, a atividade
física e as preocupações morais com a saúde, considerando aqui
também uma vinculação com a educação moral. Foi o esporte mais
popular no início do século, no Brasil e no mundo, tendo tido grande
influência nos costumes e hábitos da população, principalmente dos
membros das elites (p.140).
55

Ao pensarmos o remo e seu envolvimento com as cidades estudadas, vemos

que sua prática significou a abertura da cidade para o mar, já que nessas

localidades, anteriormente a população não tinha o hábito de buscar as praias, seja

para banhos ou para qualquer outra atividade. Dessa forma, por ser um esporte

praticado em águas marinhas é que o remo simbolizou essa aproximação da

população com as águas dos oceanos e das baías.

Esse esporte incorporava na sua prática corporal/atlética os símbolos do que

se vivia como projeto político nas cidades, a instalação da modernidade. Dessa

forma, experimentavam-se novos significados: de vivência no urbano; de

convivência com pessoas; de relação com a velocidade e com tecnologias; e, ainda,

de aventuras, ações de vigor e de exposição do corpo.

Sobre essa dimensão, Melo (2010a) sugere que

o remo contribuiu de forma fundamental para estabelecer e


estabilizar valores que de alguma forma até hoje permanecem ao
redor da prática esportiva: a valorização do desafio; a ligação com a
atividade física, tão importante para a manutenção da saúde e para a
consolidação de uma nova estética corpórea, na qual a beleza
diretamente ligada à compleição muscular era valorizada; a suposta
honestidade e probidade moral dos que com o esporte se
envolvessem; uma suposta ―escola de virtudes‖. [...]
O remo era, assim, apresentado como o esporte mais adequado aos
―novos tempos‖, estando ligado aos desejos das elites de recriar um
mundo europeu no Brasil (p.109).

Em ambas as cidades, o desenvolvimento do remo também contribuiu para a

ampliação dos clubes e para o aprofundamento da estruturação do esporte. Já

vimos que o turfe ofereceu as primeiras formas de organização do campo esportivo,

mas foi no remo que sua estruturação foi mais bem delineada. A estruturação da

modalidade procurou fazer com que suas entidades e agentes também se


56

envolvessem com a cidade e sua constituição e, com as formas de convivência

social. Segundo Melo (2007a):

era importante apresentar o remo não como uma prática ingênua,


mas como um esporte engajado na ―modernização‖ da sociedade:
um centro de atividade física e saúde, local de preparação dos
jovens que conduziriam a nação à glória e ao progresso (p.140).

Dessa forma, o remo, para o Rio de Janeiro e Salvador, foi uma prática

esportiva que teve implicação com a própria dimensão de ―recriação‖ das cidades.

Sua importância para o Rio de Janeiro foi reconhecida até por Pereira Passos 49, que

acabou se tornando seu grande incentivador. Uma de suas empreitadas que foi útil a

modalidade foi o embelezamento da orla da cidade e a facilitação do acesso àquele

espaço, estimulando o uso das praias como local de diversão e de prática esportiva.

50
Foto 09: Avenida Beira-Mar por ocasião de uma regata

49
Abordaremos as ações governamentais e o esporte no Rio de Janeiro e em Salvador no capítulo 2.
50
Foto extraída de: MALAFAIA, Marcos et. alli. (org.) Club de Regatas Vasco da Gama: livro oficial do
centenário. Rio de Janeiro: BR Comunicações, 1998. (Fotografia de Marc Ferrez, Rio de Janeiro,
1906). In: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html.
57

Outra importante iniciativa foi a construção do Pavilhão de Regatas (1905),

que serviu para receber a elite carioca que assistia às competições. Para Sevcenko,

Pereira Passos ―estabeleceu o nexo entre a Regeneração, a modernidade e os

esportes, ao construir o Pavilhão de Regatas na praia de Botafogo. O novo

logradouro se tornou o foco da juventude elegante da cidade‖ (2008b, p.570).

No Pavilhão, esse público encontrou um local ideal para sua participação nas

regatas, já que o espaço contava apenas com a presença de convidados da elite

carioca e dispunha de todo o conforto e luxo exigidos por essa parcela da

população. Além de ser um ―palco‖ para a exibição de homens e mulheres que iam

assistir às provas, o pavilhão também era uma mostra do trabalho de reconstrução

do Rio de Janeiro, pois a arquitetura utilizada procurou monumentalizar os espaços

públicos, tornando-os, por si só, locais de apreciação e também de deleite das novas

benesses da modernidade.

51
Foto 10: Pavilhão de Regatas

51
Foto extraída de: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu1.html. Acessado em: 25. Jan. 2011.
58

O avanço do remo não se fez notar somente entre os ricos da cidade. Como o

esporte de maior apelo nesse início do século, atraía um público diversificado. Entre

seus fatores de interesse estava a já vista representação dos ideais da

modernidade, mas também chamava atenção a exibição dos corpos masculinos e

seus modos de vestir.

Para Melo, no remo,

o moderno tinha relação com o indivíduo desafiador, audaz,


conquistador, vencedor. Não se tratava mais de colocar cavalos para
correr, e sim de participar mais ativamente, de demonstrar no próprio
corpo saudável e forte os sinais dos novos tempos, de incorporar
efetivamente um novo estilo de vida adequado à velocidade dos
tempos modernos. O remo era o esporte da saúde, do desafio (ao
outro e ao mar), o esporte da velocidade (1999, p.59).

O fato de ser disputado em espaço livre permitiu que a platéia se formasse

para além da do pavilhão, espalhando-se pela orla, ocupando as areias e as

calçadas. Os dias de regatas movimentavam a cidade, mexiam com as aspirações e

sentimentos do povo que, influenciado pelos jornais, avidamente esperava e se

preparava para ir ver os remadores em ação.

Também os intelectuais de época foram admiradores do remo. Entre eles,

destacamos Olavo Bilac: ―dia virá em que se há de reconhecer a grandeza dos

serviços que os clubes de regatas estão prestando ao Brasil‖52. Essa afirmação de

Bilac representa a importância dos clubes de remo na capital brasileira.

Se no Rio de Janeiro o remo mexeu com a cidade, em Salvador encontramos

um quadro semelhante. Ao tratar do tema, Gama (1923) assim se posiciona:

no que diz respeito ao sport náutico, pode-se bem dizer que, com a
fundação da ―Federação dos Clubs de Regatas da Bahia‖, em 26 de
junho de 1904, pelos clubs ―Victória‖, ―S. Salvador‖ e ―Itapagipe‖, [...]
teve o seu início entre nós, realisando-se em 02 de abril de 1905, na

52
Fonte: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html.
59

Enseada dos Tainheiros (Itapagipe), a primeira regata official da


Bahia, com barcos dos typos ―canôas‖ a 2 e a 4 remos e ―baleeiras‖ a
4 remos. Desde então se tem realisado, com regularidade, duas
regatas (no mínimo) por anno, sempre animadas e disputadíssimas
pelos clubs fundadores, e mais o Santa Cruz (p.321).

Em Salvador, esses quatro clubes53 fizeram acontecer as regatas, tornando-

as uma atividade importante para a cidade. Se no Rio de Janeiro as regatas se

deram inicialmente na Enseada de Botafogo e depois foram transferidas para a

Lagoa Rodrigo de Freitas, em Salvador, elas sempre aconteceram na Enseada dos

Tainheiros, o que ajudou a garantir a esse espaço um lugar na memória sentimental

soteropolitana54.

Contudo, se, no Rio de Janeiro a área das regatas foi uma marca dos

avanços da cidade, tendo passado por melhorias, reformas e construções, tornando-

se um novo espaço de sociabilidade, o mesmo não pode ser dito de Salvador.

Nesta, as grandes obras da modernização se deram exatamente em sentido oposto

à enseada das regatas. Toda a área da chamada Península Itapagipana, que foi

durante um tempo uma área de veraneio das elites locais, com sua característica de

lugar tranquilo e belo, manteve-se sem as invasões das reformas urbanas

seabristas. Estas queriam, acima de tudo, construir uma nova cidade da Bahia,

remodelando todo o Centro Histórico e, ainda, expandi-la na direção norte, na linha

da Avenida Sete de Setembro, sua maior obra.

Dessa forma, a Cidade Baixa não foi palco inicial das reformas urbanas em

Salvador55; ao contrário, foi deixada de lado, inclusive por aqueles que lá

53
Esporte Clube Vitória (1899); Clube de Natação e Regatas São Salvador (1902); Clube de Regatas
Itapagipe (1902) e Sport Club Santa Cruz (1904).
54
Sobre isto, ver Grauça, ano I, n.3, edição especial, 2010, p.6-7.
55
A partir da década de 1920, foram realizadas obras nessa parte da cidade, notadamente no Bairro
do Comércio. Antes, na primeira década, também foram realizadas obras de remodelação do Porto.
60

veraneavam e que passaram, com o tempo, a ocupar outras áreas da cidade. Tal

aspecto bem mostra que não havia, por parte dos dirigentes políticos do município e

do estado, maior interesse no apoio à prática esportiva, por mais que essa fosse

encarada por seus praticantes e pela população como mais um ganho na

modernização de Salvador. Dessa forma, o que se viu, desde então, foi a

degradação de toda a região onde, ainda hoje, se pratica o remo.

Como mostrou-nos Gama (1923), grandes regatas eram organizadas

regularmente, uma a cada semestre, sempre sob a organização de um clube ou da

Federação de Regatas. O remo e suas provas sempre foram notícia nos jornais

baianos. Suas competições eram mostradas como uma autêntica demonstração de

civilidade da cidade e de seus moradores, ora com vivas ora com críticas ao seu

desprestígio, como se vê neste trecho:

brilhantíssimas devem ser as Regatas a se realizarem, quinta-feira


24, na Bahia do Porto dos Tainheiros, em Itapagipe. Estão fazendo
os últimos exercícios as diversas guarnicções que vão disputar as
victórias. Sabemos que as guarnições que vão disputar o
campeonato estão muito bem trenadas sendo impossível dizer qual
tem mais probabilidade de ganhar. Sob o caes serão armadas duas
archibancadas, sendo uma da Federação e outra do Club Itapagipe.
Para os sócios do Club de Natação e Regatas Sâo Salvador
assistirem as regatas, partirá da ponte da Companhia Baiana, o
vapor Nasareth às 11h da manhã, dando ingresso o recibo do mez
de abril findo. Acha-se também contractado o vapor Conselheiro
Dantas, para o Sport Club Victória e o Gonsalves Martins para o
Santa Cruz. Parabéns aos valentes sportmen que tão bem tem
sabido desenvolver o Sport entre nós.56

a primeira regata de 1913. A bella festa náutica que foi a primeira


regata deste anno, realizada antehontem, na formosa Enseada dos
Tainheiros, augura uma encantadora estação sportiva em 1913. O
povo com sua presença, os clubs inscriptos, a porfia dos páreos
corridos, o resultado compensador dos esforços da federação, todo
esse conjuncto de elementos palpitantes, nos assegura que outros
―sports‖ vão ter sua temporada sensacional. As palavras que ahi
ficam atestando justas promessas, são ao mesmo tempo da

56
Revista do Brasil, 21 de maio de 1906, ano I, n. II, p. 33.
61

applausos a todos que tomaram parte no interessante tentame,


concorrendo com o seu prestígio e o seu esforço para os magníficos
resultados que vamos registrar. São parabéns a todos os clubs, a
Federação, aos milhares de adeptos dos valentes ―rowers‖ e ao povo
ordeiro desta amada terra pela bravura com que arrastou o mau
tempo e soube festejar com seus cobiçados applausos os
vencedores do dia.57

58
Foto 11: Imagem da platéia em dia de regatas

A imagem anterior permite perceber como as regatas eram, para Salvador,

um local de encontro, um espaço onde as pessoas circulavam de forma tal que

fossem vistas com suas novas vestes, com um comportamento elegante. Verificava-

se um verdadeiro espaço de encontro entre membros das distintas classes sociais

soteropolitanas, acima de tudo das elites. As regatas eram, portanto, um tempo e um

espaço de sociabilidade, um lugar para desfrutar das novas dinâmicas sociais.

57
Diário de Notícias, 20 de maio de 1913, p.3.
58
Foto extraída de: A Tarde, 17 de maio de 1915, p.2. As regatas ocorreram em 16 de maio de 1915.
62

Os jornais locais anunciavam as regatas desde a sua organização, mostrando

quais seriam os páreos e os clubes que participariam de cada um. Comentavam

ainda os cuidados gerais na organização do evento, para que a atividade corresse

bem e que todo o público pudesse dele aproveitar da melhor maneira. Para tanto,

além da prática esportiva em si, as competições também envolviam a participação

de bandas e sinfônicas, que tinham a tarefa de entreter o público.

59
Foto 12: Vapor Santo Amaro

Como no Rio de Janeiro, cada clube colocava à disposição de seus sócios e

convidados um barco para levá-los enseada adentro e, de lá, assistirem às regatas.

Esses barcos tinham o papel de oferecer conforto a essas pessoas e, ao mesmo

tempo, ―afastá-las‖ do convívio com os populares, que, assim como no Rio de

Janeiro, viam às regatas nas calçadas ou mesmo nas areias. Um exemplo disso está

59
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.23.
63

na foto anterior, em que vemos o vapor Santo Amaro (a serviço do Clube Santa

Cruz) transportando os sócios e os admiradores para observarem mais de perto a

regata do segundo semestre de 1916.

Da mesma forma que no Rio de Janeiro, os remadores eram vistos pela

população de Salvador como autênticos mensageiros de uma nova saúde,

representantes da melhor espécie de ―forma‖ e compleição física, verdadeiros

homens que sabiam inspirar a juventude a se portar de maneira ―digna‖ e respeitosa.

Dessa forma, esses homens caracterizavam em seus corpos uma aparência mais

robusta, viril, simbolizando uma melhor condição orgânica, um aparente destemor e

vigor diante dos desafios.

Na imagem seguinte observamos dois tipos de homens, com porte físico

bastante diferente. Vê-se a figura do remador, um homem forte e alto, com uma

roupa (bermudas e camiseta) que deixava à mostra seus músculos. Em contraponto

a esta figura, aparece a imagem do ―patrão‖60. Um homem que deveria ser leve e

pequeno, quase parecendo uma criança (às vezes a função era, de fato,

desempenhada por uma criança), a fim de ocupar pouco espaço na embarcação,

para que essa pudesse alcançar maiores velocidades e assim, obter sucesso na

competição. O contraste entre essas figuras comuns no remo, bem caracteriza o

quanto os corpos passaram a ser explorados, não só visualmente, mas também

tecnicamente, já que a composição entre remadores atléticos e o patrão pequeno,

era essencial para o sucesso esportivo.

60
Homem responsável por dar direção ao barco e ritmo aos remadores.
64

61
Foto 13: Vencedores de uma regata e o patrão

Diferentemente do Rio de Janeiro, que possuiu um vasto número de clubes 62,

Salvador manteve os quatro de origem (Victória, Santa Cruz, Itapagipe e São

Salvador)63, tendo ainda o Sport Club Bahia participado de algumas regatas. Da

mesma forma, a entidade que foi inicialmente montada, se firmou como a Federação

de Clubes de Regatas da Bahia.

Esse menor número de clubes pode ser atribuído a alguns fatores, como:

menor população e menor poder econômico da Bahia; a massiva circulação do

futebol na cidade, em detrimento de outras práticas64; o baixo apoio político à

prática; o abandono dos clubes pelas elites que deles participavam, contribuindo pra

61
Foto extraída de: A Tarde, 30 de novembro de 1914, p.2.
62
Como exemplo: Club de Regatas Botafogo – 1894; Grupo de Regatas Gragoatá – 1895; Club de
Regatas Icarahy – 1895; Club de Regatas do Flamengo – 1895; Club de Natação e Regatas – 1896;
Club de Regatas Boqueirão do Passeio – 1897; Club de Regatas Vasco da Gama – 1898; Club de
Regatas Guanabara – 1899; Club de Regatas São Christovão - 1899 e Club Internacional de Regatas
– 1900.
63
São os mesmos que ainda competem na atualidade.
64
O futebol será abordado adiante.
65

o seu empobrecimento; e a distância do local de prática do remo, a Enseada dos

Tainheiros (na época, um local de veraneio das elites). Por estar fora do eixo

principal de circulação da cidade e fora dos projetos de reforma urbana, o acesso a

esse local era difícil, o que, sem dúvida, trazia problemas para a participação do

público e mesmo dos praticantes.

65
Foto 14: dia de regatas na Enseada dos Tainheiros

Em Salvador, ao mesmo tempo em que observamos os jornais estampando

matérias alusivas ao remo e às regatas, do processo inicial de organização à

divulgação de seus resultados (não só os esportivos), verificamos também matérias

que apontam críticas referentes à sua estrutura. Por exemplo, esta, de A Tarde66:

―mais uma vez recomendamos aos que forem por mar assistir a regata de domingo

65
Foto extraída de: A Tarde, 30 de novembro de 1914, p.2.
66
A Tarde, 24 de outubro de 1912, p.2.
66

vindouro, não ancorarem suas embarcações no meio da raia, nem cortarem-na na

hora do pareo‖.

Tal pedido era recorrente nos diversos jornais de Salvador e se fazia sempre

antes de cada regata. Significa dizer que realmente eram concorridas as provas, já

que além das embarcações oferecidas pelos clubes, outras, particulares também

iam enseada adentro assistir e participar do evento. Por outro lado, também

podemos afirmar que tal pedido implica a compreensão de que a população,

representada nos donos das embarcações, não dominava as lógicas da competição,

chegando mesmo a atrapalhar seu andamento; a ―educação‖ esportiva não era

completa, mesmo entre a elite. Além disso, esse dado reforça a compreensão do

quanto era difícil o acesso ao local do remo na cidade, sendo o barco, também, uma

forma de se chegar ao espaço da enseada.

O mesmo A Tarde67, que desde seu lançamento68 trazia matérias e fotos

sobre esporte na capa, na edição de 19 de dezembro de 1912 apresenta um texto

interessante. Nele, o jornal questionava e lamentava a não participação dos baianos

no Campeonato Brasil de remo69, realizado no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em

que criticava dirigentes esportivos e políticos baianos pelo fato. Na sequência,

ressaltava que, se tivesse havido participação baiana, teria o Brasil visto o valor de

seus jovens:

a equipe baiana estava formada e os seus elementos teriam


salientado galhardamente o nome da Bahia na manifestação de um
costume progressista e avançado. E os cariocas que se orgulham
com razão, de dizer hoje continuarem a manter frente no sport
náutico, ficariam sabendo que na Bahia ―come-se vatapá e caruru‖,
mas acompanha-se também a civilização.

67
A Tarde, 19 de outubro de 1912, p.2.
68
Em 12 de outubro de 1912.
69
Mesmo parecendo estranho, era esse o nome da competição.
67

Ao mesmo tempo em que ressaltava os valores civilizadores do esporte, o

jornal reclamava para a Bahia a noção de civilidade que dizia existir no Rio de

Janeiro. Para isso trazia a lembrança de pratos da culinária local, típicos da

população de origem africana e ligados a suas religiões e sua identidade.

Parece-nos que o jornal quer dizer que, apesar desse ―ranço‖ de atraso

(africano, negro), também os soteropolitanos eram avançados e queriam demonstrar

isso. Em contrapartida, essa não participação baiana reforça o indício de uma

limitada organização e o frágil apoio local ao esporte, por mais que esse

representasse a elite e seus interesses.

Com tudo isso, podemos apontar que o remo, enquanto esporte que

simbolizava valores e sentimentos modernos foi uma potência no Rio de Janeiro e

mesmo em Salvador teve uma repercussão como prática esportiva, haja visto os

dados referentes a ele nos jornais de época e a forma com que era tratado.

A constituição de clubes e federações também representa o valor atribuído ao

esporte. As regatas se transformaram em eventos significativos e de valor muito

maior que o esportivo, tornando-se um marco das novas relações sociais. Todavia, o

que se viu foi um avanço maior na cidade do Rio de Janeiro, uma maior organização

e um forte apoio, enquanto em Salvador essa prática decaiu de importância e

significado, sendo rapidamente substituída pelo futebol no gosto e na aceitação

entre os soteropolitanos, fato que prossegue até hoje. Tratemos, então, do futebol.
68

1.2.3 O FUTEBOL PELAS CIDADES

Muito se fala que Oscar Cox e Zuza Ferreira foram os responsáveis pela

chegada do futebol no Rio de Janeiro e em Salvador. Sobre o Rio de Janeiro,

Enders (2009) afirma que ―em 1897, Oscar Cox retorna ao Rio depois de completar

seus estudos na Suíça. Na bagagem traz uma bola e as regras do futebol, que logo

conhece sucesso fulgurante‖ (p.220).

70 71
Foto 15: Oscar Cox Foto 16: Zuza Ferreira

Já sobre Salvador, Leal (2002, p.180) assevera q ue:

na Bahia, os rapazes desejavam praticar aquela modalidade de


esportes, quando chegou à cidade do Salvador, o estudante José
Ferreira, de alcunha Zuza, que tinha concluído seu curso na

70
Foto extraída de:
http://www.fluminense.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=70&Itemid=79.
Acessado em: 25. Jan. 2011.
71
Foto extraída de: Acervo Aroldo Maia, SUDESB. Extraído de: SANTOS, Henrique Sena dos. Uma
caixinha de surpresas: Os primeiros anos do futebol em Salvador, 1901 – 1912. Monografia
(Graduação em História). Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – Colegiado de História,
UEFS, Feira de Santana, 2010.
69

Inglaterra e viria para empregar-se no Bank of London, nesta capital.


Sabia ele que em Salvador os esportes existentes eram o cricket, no
Campo Grande, praticado pelos ingleses e as corridas de cavalo no
Ground do Rio Vermelho e da Boa Viagem.

Santos Neto (2002) relata a importância que tiveram na instalação da prática

do futebol no país os ex-alunos do Colégio São Luís (Itu/SP). Estes, ao concluírem

os estudos e se espalharem pelo Brasil, carregaram consigo esta experiência

esportiva, colaborando para divulgá-la. Segundo o autor,

Mário César Gonzaga levou a tradição do futebol de Itu para o


Nordeste, especialmente para a Faculdade de Medicina de Salvador
(BA), onde, junto com José Ferreira Júnior, foi um dos pioneiros do
futebol baiano (p.24).

A confiar nesses dados, constataríamos que, entre cariocas e soteropolitanos,

assim como em outras cidades brasileiras, o futebol teria se desenvolvido motivado

por pessoas que de alguma forma já tinham tido contato com o jogo, fora ou dentro

do país, e que queriam dar continuidade à sua prática. Para tanto, precisavam

dinamizar essa experiência em suas localidades.

De maneira geral, entendemos que figuras como Cox e Zuza contribuíram

diretamente para a sistematização do futebol. Entretanto, é difícil atribuir a eles,

isoladamente, o ―nascimento‖ do futebol no Rio de Janeiro e em Salvador, pois este

resultou de um complexo processo de desenvolvimento, com realidades específicas

em cada uma das cidades.

Neste sentido, Franco Junior aponta que

estabelecer paternidades quase heróicas e datas oficiais não


esclarece as relações entre o futebol e a sociedade brasileira. Pelo
contrário, suas significações mais profundas residem no processo de
apropriação pelos diversos setores sociais que o transformaram num
fenômeno de massas (2007, p.62).
70

De qualquer forma, na sua fase inicial, que se deu em períodos bem

próximos, o futebol praticado em ambas as cidades estudadas foi um

palco de afirmação de modismos e hábitos europeus, os estádios


serviam para essa juventude endinheirada como um espaço de
celebração de seu cosmopolitismo e refinamento, em um processo
que ia imprimindo ao futebol por eles praticado a marca da
modernidade (PEREIRA, 2000, p.31).

Assim, evidencia-se que o futebol possuía estreita correspondência com o

ideário da modernidade, no caso do Rio de Janeiro, ou ao menos com sua

aspiração, em Salvador.

Ainda nessa linha de pensamento, DaMatta, afirma que o

futebol foi introduzido no Brasil sob o signo iniludível do novo, pois,


muito mais do que um simples ―jogo‖, ele constava da lista de coisas
civilizadas e moderníssimas a serem adotadas pela sociedade
brasileira, uma sociedade vista por suas elites como atrasada e, com
a Proclamação da República, em alvoroço para recuperar o tempo
perdido. Além disso, esse jogo de bola era algo relativamente
desconhecido, mas que chegava do maior império colonial do
mundo, da prestigiosa Inglaterra – no bojo de uma novidade
chamada ―esporte‖ (2006, p.136).

Da mesma forma, Franzini (2003) escreveu que:

quando o futebol se efetivou no Brasil, em meados da década de


1890, graças aos pés de jovens filhos da elite educados na Europa
ou dos ingleses que aqui vieram trabalhar e residir, esse esporte
encontrou [...] um ambiente de esportivização do cotidiano propício
ao seu pleno desenvolvimento. Ademais, seu potencial integrador
enquanto jogo de equipe, as intensas emoções que despertava e a
facilidade com que podia ser improvisado mesmo sob as condições
mais adversas fizeram-no ultrapassar sem demora os limites dos
seletos clubs e colégios onde se instalara inicialmente para se
alastrar por redutos urbanos menos nobres, como fábricas, várzeas e
subúrbios (p.18).

Ao apontarmos os primórdios do futebol, mais do que identificar responsáveis

por sua chegada ao Rio de Janeiro e a Salvador, interessa-nos compreender como

ele passou a figurar no cotidiano. Também queremos entender como se deu sua

apreensão pela população e as adesões e resistências a sua prática.


71

No Brasil, assim como na Europa, desde sua origem o futebol atraiu o

interesse da população, tornando-se uma das práticas mais populares. Sobre isso,

Melo (2007a, p.74) comenta o seguinte:

enquanto outros esportes exigiam espaços e equipamentos


custosos, para a prática do futebol bastava um terreno vazio, traves e
bolas improvisadas. A prática, aliás, era bem adequada ao gosto
popular, com sua necessidade de coletividade, com suas
possibilidades de improvisação, bem como por certa permissividade
simbólica de uma violência controlada, próxima a algumas
manifestações populares.

É útil percebermos que a apropriação do futebol pelas classes populares não

se deu de forma simples e direta, nem tampouco foi de fácil ―digestão‖ para as elites.

Observamos no movimento de entrada da modalidade no Brasil uma das

características da modernidade: a ambiguidade.

O esporte, ao mesmo tempo em que era símbolo de uma civilidade

europeizada e, portanto, digno de ser praticado pela elite, era de fácil apropriação,

passível de adaptações técnicas e lingüísticas – portanto, facilmente incorporado

pelas classes populares. Se o povo simples não podia jogá-lo ao estilo original

inglês, fazia o futebol ao seu jeito. Com isso, percebemos que por meio de um

ambíguo processo de circularidade cultural, essa atividade esportiva tornou-se uma

prática incorporada pelas elites e pelos populares.


72

72
Foto 17: imagens da platéia em dia de jogo no Campo dos Martyres

A imagem anterior mostra um jogo no Campo dos Martyres. Nela podemos

identificar um grupo de adeptos do esporte na condição de plateia. Nela percebemos

que os jogos de futebol eram também um espaço, mesmo que socialmente dividido

e uma forma de se estar em sociedade, de se valer das diversas dimensões da

modernidade percebidas nos esportes, onde os homens ditos cultos e nobres

podiam desfilar sua elegância e prestígio.

Em seus tempos iniciais, o futebol foi uma prática ―civilizada‖, uma

representação dos modos e hábitos da elite. Todavia, foi também uma prática a ser

combatida, uma prática ―incivilizada‖, quando jogado por populares. Assim, se o

futebol foi um modo de representar um refinamento e elegância, foi também

72
Foto extraída de: A Tarde, 20 de maio de 1915, p.2.
73

apropriado e ressignificado pela população mais simples, tornando-se um de seus

interesses culturais no Rio de Janeiro e em Salvador.

A prática futebolística das elites era bem vista e aceita, já que era uma ―bela‖

atividade, de uma gente que incorporava uma ritualidade comportamental europeia.

O futebol representava hábitos e modos pretensamente ―refinados‖ que as

distinguiam da população de baixa renda, sendo esse esporte uma das maneiras de

se vivenciar a experiência da modernidade.

Sobre esse aspecto, falando do Rio de Janeiro, Franzini (2009, p.118) mostra-

nos que

assim, também na capital da República o futebol deixava de ser um


mero divertimento dos ingleses e de seus descendentes e ampliava o
seu alcance, embora não deixasse de ser britânico em sua essência.
O uniforme, o equipamento e o vocabulário específicos do jogo,
todos importados da Inglaterra, das chuteiras ao grito de goal, eram,
antes de tudo, marcas de distinção social, expressões do elitismo de
seus cavalheiros praticantes.

Já em Salvador, essa aceitação do futebol como um esporte das elites, se vê

em passagens de jornais como esta:

correu brilhante e animadamente a correcta diversão deste tão


bemquisto divertimento que entre nós tanto acolhimento tem
adquirido. Ao signal dado, os clubes Victória e São Paulo Bahia
principaram os renhidos ataques, tendo sempre, no primeiro tempo, o
São Paulo Bahia se defendido heroicamente, no segundo tempo,
porem, os lutadores do Victoria conseguiram fazer dos pontos, sendo
vivamente aclamados.73

Em contrapartida a essa aceitação da prática de futebol, também

encontramos notícias falando mal do esporte, quando este era jogado entre

populares. Vejamos, por exemplo, a nota publicada em A Tarde:

moradores à Rua Ferreira França, ao Polytheama, estão inhibidos de


chegar as jannelas das respectivas residências, porque garotos, de
manhã a noite, jogam bola, com uma gritaria infernal, com gestos e
73
Correio do Brasil, 11 de agosto de 1903, p.1.
74

palavras obscenas. Os guarda civis que ali fazem seu quarto de


policiamento, não tem ouvidos para ouvir taes offensas a moral e
74
nem energia para cohibilos ao jogo perene.

Alguns anos antes, A Tarde75, ao analisar o cenário esportivo baiano apontou

a desorganização do futebol e de outras práticas esportivas, vendo nisso a própria

falência da juventude local. Na mesma coluna, o jornal fazia a defesa de outras

modalidades, exaltando os chamados exercícios atléticos, o lawn tennis, o cricket, o

golfe e o hockey, que eram consideradas mais adequadas à cidade, e criticando o

extenso apoio dado ao futebol, considerado um esporte violento.

Curioso é observar que o próprio A Tarde, em outras edições, começou a

elogiar a prática futebolística por considerá-la um hábito refinado. Assim, a

população local, ao ter interesse por ele, agia como a de cidades mais avançadas –

no caso, o Rio de Janeiro. Dizia assim a matéria:

conforme tinha sido previamente annunciado, realisou-se, hontem,


no ground do Rio Vermelho, o match acima refererido [Estudantes x
Benjamin Constant], e sua assistência foi numerosa e distincta,
apezar de ser um dia útil, o que prova que a nossa população já se
vae educando, com a nossa viva satisfação, a este gênero de sport,
cultivado em todos os centros adiantados76.

Fica evidente que, quando enquadrado nas normas de civilidade e

disciplinarização, a modalidade era aceita e benquista, por expressar os sentidos e

aspirações das elites cariocas e baianas, que se inspiravam nos modelos europeus

de se portar e vivenciar o dia a dia. Todavia, esse mesmo futebol sofria resistências

quando aparecia de forma ―desordenada‖ nas cidades, sem atentar para os

princípios da modernidade/civilidade, entre eles a regulação de comportamentos.

74
A Tarde, 08 de dezembro de 1914, p.2.
75
A Tarde, 14 de novembro de 1912, p.2.
76
A Tarde, 30 de setembro de 1914, p.3.
75

Dessa forma, quando jogado por populares, o futebol era uma prática a ser

combatida. Esse fato deixa transparecer um preconceito de classe, mostrando que

no esporte também existiu uma lógica social que tentava estabelecer padrões

diferenciados de comportamento e valores segundo a condição social e econômica,

espelhando uma realidade então existente no país.

Dentro desse processo ambíguo de aceitação e resistência, o futebol se

desenvolveu nas cidades. Pereira (2000) mostra que, no Rio de Janeiro,

entre o interesse manifesto pela curiosidade de quem se espreme


para assistir aos jogos e a tentativa de começar a praticá-lo em seus
próprios espaços, não parecia haver um caminho muito longo.
Jovens de famílias que não poderiam pagar mensalidades como
aquelas cobradas pelos clubes esportivos da capital logo achariam,
em outros espaços, incentivo e apoio para a prática do novo esporte.
[...] Sem ater-se ao caráter nobre atribuído ao jogo por muitos de
seus defensores, iam fazendo dele uma alternativa de lazer e um
meio de diversão, que atraía um contingente cada vez maior de
admiradores entre as classes trabalhadoras (p.59).

Em Salvador, da mesma forma que no Rio de Janeiro, o futebol caminhou

como uma prática esportiva elitista, mas também como uma popular, com seus

―babas‖77 espalhando-se por toda a cidade.

A respeito desse processo de introdução e fixação do futebol na capital da

República e na Bahia, é também necessário falar da criação dos clubes, já que esse

fato expressa a forma com que se deu a ―caminhada‖ do futebol nessas cidades.

No Rio de Janeiro, com o exponenciar do esporte, vários clubes de futebol

foram fundados. Desses, alguns tinham se originado para a prática do remo

(Flamengo, Botafogo, Vasco da Gama); outros vinham das corridas a pé e do

77
Denominação usada na Bahia para o futebol jogado de maneira livre, equivalente à ―pelada‖ no Rio
de Janeiro.
76

ciclismo, como o América. Somando-se a eles, existiram aqueles que foram criados

diretamente para a prática futebolística, caso do Fluminense e do Bangu.

Em sua análise sobre o futebol e os clubes na Bahia, Gama (1923) afirma que

foi o antigo campo da Pólvora, o scenário do primeiro jogo de foot-


ball (association), levado a effeito por esforços e iniciativas de Arthur
Moraes, Álvaro e Juvenal Tarquínio, Gleig, May e tantos outros
amadores de tão lindo ramo de sport. Esses encontros, que se
tornaram freqüentes, eram disputados por um team de brasileiros,
contra um de inglezes, nos quaes os nossos players, desde logo, se
revelaram excellentes, fazendo vencedores, na maioria dos jogos, as
cores nacionais [...]. E de taes matches, foram surgindo muitos clubs
de foot ball e uma liga foi fundada (p.319).

A primeira agremiação esportiva de Salvador, o Club de Cricket Victoria, foi

criada em maio de 1899. Em 1901, passou a se chamar Sport Club Victoria,

começando a praticar o futebol em 1902. Muito por conta de seu lugar original de

fundação e de sua primeira sede, o Vitória ganhou o apelido de Leão da Barra. Em

novembro de 1899, foi fundado por ingleses o Club Internacional de Cricket, que

logo passou a praticar o futebol. O Sport Club Bahiano (1903), originado de um

grupo de comerciantes, foi o primeiro fundado exclusivamente para o futebol. O

outro foi o Sport Club São Paulo-Bahia (1903), entidade criada por jovens paulistas,

que estudavam medicina em Salvador.

Pensando a organização dos clubes de futebol no Brasil, Franco Júnior (2007)

aponta duas tendências. A primeira consistia justamente na ―formação de equipes

no interior dos grupos dominantes, orientada pelos valores do cavalheirismo, do

fairplay e do amadorismo (p.62)‖. Já a segunda é justamente aquela ―onde as

fronteiras sociais do futebol começaram a ser transpostas desde cedo com a

formação de times improvisados pelos setores populares (p.63)‖.


77

Essas duas tendências podem ser identificadas tanto no Rio de Janeiro como

em Salvador. Todavia, não devemos estabelecer uma hierarquização dessas fases,

entendendo que a criação de agremiações futebolísticas se deu nos diferentes

estratos sociais, num mesmo período, representando a apropriação da modalidade

pela população carioca e soteropolitana.

Ao analisarmos a constituição dos clubes nas duas cidades, percebemos que

na fase de ―iniciação‖ do esporte, foram criados vários clubes, representando os

diversos segmentos sociais, seus interesses e valores. Com isso, tanto a elite

quanto os populares experimentaram a prática do futebol, associando-a aos seus

padrões culturais e ainda, às condições estruturais de cada uma. Dessa forma, o

futebol deixou de ser apenas um modismo, tornando-se uma prática cultural que

dialogou com as particularidades de cada cidade, o que fez com que este esporte

tivesse ares diversos, por mais que suas raízes fossem as mesmas.

Outro importante fator de análise sobre o futebol são as formas com que seus

espaços de prática foram constituídos. Em Salvador, diversos autores (GAMA, 1923;

LEAL, 2002; SANTOS, 2010) demonstram que o primeiro local escolhido para o

esporte foi uma praça conhecida como Campo da Pólvora (Campo dos Martyres).

78
Foto 18: Campo dos Martyres

78
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.15.
78

A escolha desse local se deu por ele permitir condições mínimas de jogo em

relação ao que eram as exigências oficiais e, por possuir meios de transporte que o

ligavam a distintos cantos da cidade, sendo uma área relativamente estruturada.

Na imagem anterior observamos construções ao redor do ―campo‖ e a

posição do público (junto às linhas laterais, sem separação dos que jogavam),

deixando evidente como o Campo dos Martyres era, na verdade, uma área comum

da cidade, adaptada para o futebol. Dessa forma, pela estrutura do campo

identificamos que esse esporte teve uma prática inicial ajustada as possibilidades de

espaço que a cidade oferecia.

Sobre os espaços adaptados para a prática do esporte, o Diário de Notícias79

assim escreveu:

na Bahia, porem, ainda se morre de tédio, de aborrecimento... Não


fosse o gosto pelo sport, actualmente tão accentuado, e aquellas
partidas em que se apagavam os dignos moços em bellos combates
– ainda assim num campo impróprio – e não sabemos o que seria da
Bahia, cada dia mais decahiada!

Em Salvador existiu uma preocupação– ou, ao menos, intenção – com a

construção de espaços específicos para o esporte, antes mesmo da posse de

Seabra. Leite, Rocha Junior e Santos (2010, p.218) apresentam a seguinte matéria

do Diário de Notícias:

Uma vasta área gramada para o foot-ball;


Uma pista cimentada, circular ou oval, nas condições technicas, para
o cyclismo;
Uma pista apropriada para a lawn-tennis, para senhoras e
cavalheiros;
Uma concha coberta para jogo da péla;
Uma pista circular para patinação;
Uma grande piscina para natação;

79
Diário de Notícias, 10 de outubro de 1906, p.1.
79

Um palco coberto e recintos apropriados ao ar livre para


conferencias, musica instrumental e vocal, exhibições theatraes,
cinematographos, etc.;
Uma linha de tiro ao alvo; e promoverão quaesquer outras diversões
ou exhibições, que forem consentidas pelo Conselho Municipal80.

Não demorou muito para que outros espaços de Salvador, além do Campo da

Pólvora, fossem usados para a prática do futebol. Vários largos e praças passaram a

ser ―campos‖81. Desses, o principal foi o do Rio Vermelho, no mesmo espaço onde

eram realizadas as corridas de cavalo, o Hipódromo.

82
Foto 19: Campo do Rio Vermelho

Esta imagem do campo do Rio Vermelho, se comparada à do Campo dos

Martyres, pode significar um avanço quanto à estrutura do futebol em Salvador.

80
Os mesmos autores afirmam não haver dados que confirmem a construção do referido espaço.
81
Também foram campos: Ground de Brotas, Largo Santos Dumont, Largo do Barbalho, Cabula,
Engenho da Conceição, Largo da Rua do Oiro, Campo do Dique, Campo da Boa Viagem e outros.
82
Foto extraída de: LOPES, Licídio. O Rio Vermelho e suas tradições: memórias de Licídio Lopes.
Salvador: FUNCEB, 1984.
80

Mesmo sem ser um estádio, o espaço do Rio Vermelho apresentava uma estrutura

mais ajustada ao esporte. Já não existiam construções nas beiradas e as pessoas

que assistiam ao jogo podiam se colocar em locais mais afastados da área ocupada

pelos jogadores, principalmente nos morros que margeavam a área do gramado.

As condições nem sempre ideais dos campos em Salvador perduraram até

1920, quando foi inaugurado o Campo da Graça: esse, sim, o primeiro específico

para o futebol. Sobre esses espaços, Gama nos mostra que

passou o ground, onde se disputavam os jogos, a ser no antigo


prado do Rio Vermelho, onde o foot-ball teve os seus dias áureos
com os encontros, dentre outros, entre o Sport Club Victoria (antigo
Club de Cricket Victoria) e o Club de Regatas S. Salvador, os quaes
naquelle tempo, eram os leaders do sport (1923, p.320).

Quanto às instalações futebolísticas, no Rio de Janeiro seu deu o mesmo. Se

o futebol aconteceu em campos como o do Fluminense, vários outros espaços foram

apropriados pela população para praticá-lo: fossem adaptados ou formais, quanto

maior o interesse pelo esporte, mais locais de jogo surgiam.

Outra necessidade identificada para organizar o futebol, em Salvador, assim

como no Rio de Janeiro, foi a fundação de uma entidade que pudesse sistematizá-

lo. Na Bahia, uma primeira experiência se deu quando o Sport Club São Paulo-

Bahia, ao lado de outros, fundou a primeira Liga da Bahia 83, em 15 de novembro de

1904. Sobre isto, vemos publicado no Jornal de Notícias84:

ante-hotem, 15, às 11 horas do dia, reunidos alguns sócios dos


clubes Vitória, Internacional, Bahiano e São Paulo, na sede deste,
instalaram a LIGA BAHIANA DE SPORTS TERRESTRES que tem
por fim dar maior desenvolvimento aos sports terrestres na Bahia.
Procedida a eleição a sua diretoria ficou assim composta: -

83
Liga Bahiana de Sports Terrestres – 15/11/1904: Sport Club Victoria; Club Internacional de Cricket;
Sport Club Bahiano e Sport Club São Paulo-Bahia. O Clube de Natação e Regatas São Salvador se
filia em 02/1905;
84
Jornal de Notícias, 17 de novembro de, p.2.
81

Presidente F. G. May, - Vice- Artemio Valente – Secretário Astolfo


Margarido e Tesoureiro Aníbal Pertesen.

Santos (2010) afirma que, ―formada a liga em 1905, são abertas as inscrições

para o primeiro campeonato baiano. Além dos quatro clubes filiados, o São Salvador

também ingressa em fevereiro‖ (p.53). Essa entidade organizou o campeonato com

regularidade até 1912, no Campo dos Martyres e no campo do Rio Vermelho. Nesse

período, a instituição sofreu críticas dos jornais, que a ela atribuíam a ―morte‖ dos

outros esportes na Bahia. A liga era acusada de se interessar apenas em cuidar do

futebol – que, mesmo assim, também acabou entrando em ―esquecimento‖. Dizia

assim a matéria do A Tarde:

a Liga, estava demasiadamente absorvida pelo extraordinário


enthusiasmo do foot-ball e, nos clubs não se cuidava senão d‘esse
jogo de inverno, dos climas frios. Sports terrestres e foot-ball eram
synonimos. Com o tempo, o violento exercício foi decaindo e hoje, já
85
quase esquecido, é sem entusiasmo que d‘elle se fala .

Em setembro de 1913, nova entidade foi criada: a Liga Brazileira de Sports

Terrestres86 – que, em 1920, filiou-se à Confederação Brasileira de Desportos. Em

Salvador existiram ainda outras organizações futebolísticas, como: Sportiva

Nacional, Itapagipana e Rio Branco de Sports Terrestres.

A constituição dessas instituições correspondeu ao avançar da prática de

futebol na cidade. Dessa forma, organizar campeonatos, jogadores e espaços era

vital, pois esse esporte se alastrava e chegava às várias camadas da população,

aos diferentes bairros (mesmo que em campos improvisados).

Em 1912, o campeonato da Liga Bahiana, o das elites, viveu um crise que foi

motivada pela intensa e ―deseducada‖ participação popular nos jogos. Para os

85
A Tarde, 14 de novembro de 1912, p.2.
86
Liga Brazileira de Sports Terrestres - 14/09/1913: Ideal F.C; Fluminense F.C; S.C Internacional e Sul
América.
82

dirigentes da entidade, o envolvimento e o interesse da população pelo futebol

acarretaram a ―perda de controle‖ das competições. Por conta disso, a Liga Bahiana

desistiu de organizar o campeonato.

Com isso, a Liga Brazileira, mais popular, seguiu organizando o futebol na

Bahia. Seu campeonato, no Campo dos Martyres, não contava com a participação

dos primeiros clubes. Na década de 1920, promoveu-se um acordo e as

agremiações da elite – que, reunidas na Liga Bahiana, durante esse período

jogaram apenas amistosos – voltaram a participar do campeonato.

No Rio de Janeiro de Pereira Passos, o futebol experimentou situações

diversas entre si. Nessa época, por exigência das entidades diretivas, esse esporte

era jogado em clubes dos quais só participavam pessoas que comprovassem renda,

pagassem as altas despesas e não exercessem trabalhos que exigissem esforços

manuais – notabilizando a lógica do amadorismo elitista. Ao mesmo tempo, as

camadas populares já se ―aventuravam‖ no esporte. Fosse assistindo aos jogos ou

criando suas agremiações, ―abrasileiravam‖ a prática inglesa dos times tradicionais.

Assim como na Bahia, essa situação gerou problemas entre aqueles que queriam a

modalidade somente entre as elites.

No Rio de Janeiro, a Liga Metropolitana de Foot-Ball foi criada em 08/06/1905

e o campeonato se iniciou em 1906 – portanto, depois da Bahia. A entidade carioca

foi fundada pelos seguintes clubes: Botafogo F.C.; Atletic and Foot-Ball Club; Bangu

A.C e Fluminense F.C.

Com isso, o Rio de Janeiro viveu a experiência de, a partir de uma instituição

reguladora, tentar manter padrões para o futebol. O desejado era que fossem

preservados e mesmo replicados os valores exigidos nos clubes da elite. Tentava-


83

se, com isso, manter afastadas do esporte as pessoas da classe trabalhadora, que

também já lidavam com essa modalidade, estabelecendo padrões restritivos para a

prática do esporte.

De acordo com Pereira ―a liga servia como um meio de definição mais clara

do caráter que os sportmen dos clubes mais ricos da cidade tentavam dar ao jogo,

prevenindo-se contra o movimento de difusão do futebol‖ (2000, p.64).

Analisando as entidades organizadoras do futebol, o mesmo autor afirma:

se queriam preservar a marca fidalga que construíam para o esporte,


seria preciso mais do que manter o nível de seus associados: era
necessário tomar para si a primazia da prática do jogo na cidade,
definindo suas regras e os grupos que poderiam praticá-lo
(PEREIRA, 2000, p.63).

Todavia, isso se mostrou uma tarefa difícil naquele momento, pois,

mesmo conseguindo manter o perfil distinto de seus filiados, a Liga


Metropolitana não teria, porém, como evitar que esses grupos
excluídos de seus quadros continuassem a criar, de forma autônoma,
as suas próprias associações. [..] Disseminados pela cidade, esses
clubes não tardariam a criar outras ligas e campeonatos (PEREIRA,
2000, p.69).

Assim, o Rio de Janeiro viu surgir em 1907 a Liga Suburbana de Futebol, uma

entidade que congregou os clubes de periferia, que não tinham como ingressar na

Liga Metropolitana, por não terem como atender as exigências criadas por esta,

notadamente as financeiras e as sociais. O surgimento dessa liga demonstrou a

força do futebol entre os populares, caracterizando uma possível resistência as

pressões contrárias das elites ao seu envolvimento com a prática futebolística.

Ao analisarmos a trajetória do futebol em Salvador e no Rio de Janeiro,

vemos que ela não se deu de forma isolada, mas sim articulada com projetos

maiores das cidades. Por mais que reconheçamos sua capacidade de autonomia em
84

relação aos aspectos políticos e econômicos, fica evidente que esses tiveram

influência sobre o esporte e sua organização.

Parece-nos que, nesses locais, a modalidade percorreu caminhos

semelhantes, mesmo que com diferenças temporais, estruturais, financeiras e

políticas. Sabemos que, no Rio de Janeiro, Pereira Passos e mesmo Rodrigues

Alves viram importância na prática futebolística (PEREIRA, 2000), fato que não nos

parece ter acontecido na Bahia, com Seabra.

Esse interesse de Pereira Passos pelo esporte também foi reconhecido por A

Tarde: ―entre nós, houve um homem que soube comprehender a necessidade de

auxiliar o sport, concorrendo com grandes donativos e emprehendimentos, quando

dirigiu os negócios públicos. Foi elle o reformador do Rio de Janeiro, o benemérito

prefeito Pereira Passos‖.87

Dos primórdios do futebol como uma atividade associada aos princípios da

modernidade até sua expansão, Salvador e Rio de Janeiro tiveram caminhos

semelhantes, tendo sido a prática desse esporte uma das formas de vivenciar o

processo de modernização das cidades.

1.2.4 OUTROS ESPORTES QUE AS CIDADES PRATICAVAM

Cremos que vale a pena também tratar de práticas corporais que tiveram

menor impacto na composição do cenário esportivo do Rio de Janeiro e de Salvador.

87
A Tarde, 15 de outubro de 1912, p.2.
85

Sevcenko (2008b), ao fazer uma análise dos fatores geradores e das

repercussões das mudanças decorrentes do processo de modernização das

cidades, em especial do Rio de Janeiro, afirma que um ―resultado dessa curiosa

mutação cultural foi o desenvolvimento de uma febre esportiva que assolou o século

XX desde os seus primórdios‖ (p.568).

Dessa forma, compreendemos que a instauração de todo um conjunto de

mudanças nas localidades, ao mesmo tempo em que proporcionou e motivou as

pessoas à prática esportiva, também foi por esta influenciado. Ou seja, a noção de

que pessoas e cidades deveriam ser ativas, trabalhar por melhorias, valer-se dos

avanços científicos, acelerando suas percepções e relações, significou que a

modernidade e seu ideário foram encampados, seja pelas obras na nova urbe, seja

pelo movimento do novo ser humano. Era preciso engajar-se em todas as mudanças

e identificar-se com as novidades.

Para ser moderno, era necessário superar a imagem de um homem lento,

sedentário, assim como a cidade deveria deixar de ser antiquada, colonial. O mundo

da modernidade, ―era marcadamente mais rápido, caótico, fragmentado e

desorientador do que as fases anteriores da cultura humana‖ (SINGER, 2004, p.96).

Nesse sentido, Sevcenko nos apresenta o que chamou de ética do ativismo e

afirma que:

o desenvolvimento dos esportes na passagem do século se


destinava justamente a adaptar os corpos e as mentes à demanda
acelerada de novas tecnologias. Como as metrópoles eram o palco
por excelência para o desempenho dos novos potenciais técnicos,
nada mais natural que a reforma urbana incluísse também a reforma
dos corpos e das mentes (2008b, p.570)
86

Compreendemos que tais considerações podem ser atribuídas às cidades

brasileiras que, em épocas diferentes, experimentaram um projeto de modernidade –

guardadas suas especificidades, que lhes permitiram avanços maiores ou menores.

Ainda assim, podemos afirmar que foram formas comuns de fazer e viver a

modernidade, que para Singer (2004), ―foi concebida como um bombardeio de

estímulos‖ (p.96).

Com tudo isso, esportes que traziam como experiência maior, justamente, a

noção de velocidade, desafio e superação de limites foram praticados e tiveram seu

espaço no cotidiano da gente do Rio de Janeiro e de Salvador, que em épocas

diferentes, viveram as sensações da natação, da patinação e do ciclismo.

Esses esportes podem ser considerados como parte do que Melo (2001)

classificou como o primeiro grupo das práticas esportivas, aquelas que hoje são

efetivamente considerados esporte, mas que tiveram seu início de forma tímida

entre fins do século XIX e início do XX. São atividades corporais que se iniciaram

vinculadas à ideia de desafio e superação de limites, explorando os espaços livres

das cidades, implicando uma nova relação com o ambiente. Ademais, alguns desses

faziam uso de implementos e equipamentos que demarcavam uma nova tecnologia.

Para Vigarello e Holt (2008), ―nadar é ir de encontro a um meio, lutar contra

um elemento, enfrentar a hostilidade‖ (p.403). Tal consideração nos permite afirmar

que a natação tinha em si aspectos que eram significativos no ideário da

modernidade. Além desses dados, esse esporte, em seu início, surgiu como uma

prática saudável e higiênica e estava também associado a uma condição de

segurança, necessária nesses novos tempos de relação com o mar, nos quais o

homem se expunha ao ―risco‖.


87

Tanto no Rio de Janeiro como em Salvador, devido à inexistência de piscinas,

as atividades de natação aconteciam no mar, quase sempre sob a forma de desafio.

Em Salvador, essa modalidade aparecia por vezes como uma atração de festas,

notadamente as do Rio Vermelho.

Entre os funcionários do porto88 da capital baiana existiu o Sport Club

Docas89, que promoveu ―festas de natação‖ para comemorar a inauguração do novo

porto. Essa associação entre um esporte e os trabalhadores de um dos espaços da

cidade que passaram por reformas pode demonstrar a vinculação entre a prática

esportiva e a modernidade.

Assim como no Rio de Janeiro, em Salvador, competições mais estruturadas

de natação estiveram a cargo da Federação de Regatas, que as promovia entre

seus sócios, mas também com espaço para não associados. No que diz respeito ao

recorte temporal desse estudo, podemos asseverar que, nas duas cidades, a

natação passava por uma fase de implantação; tratava-se de uma novidade –

portanto, ainda demoraria a ser assimilada pela população. Só tempos depois

ganharia status e estrutura, avançando acentuadamente após a construção de

piscinas, mais no Distrito Federal de que na capital baiana.

Atividade conhecida desde o século XIX, a patinação teve início no Rio de

Janeiro em 1820, conhecendo grande impulso a partir de 1870 como uma prática de

diversão (MELO, 2007a).

Melo (2001, p.27) afirma que essa prática corporal, a princípio, não era uma

―atividade eminentemente competitiva, mas sim basicamente um espaço onde a

88
O porto de Salvador constou no projeto de Seabra para melhoramentos da cidade.
89
Diário de Notícias, 11 de maio de 1915, p.3.
88

população podia alugar patins, encontrar uma estrutura física adequada, além de

dispor de instrutores dispostos a ensinar os truques da patinação‖. Contudo, no Rio

de Janeiro, seu sucesso começou a decair na década de 1900, já não atraindo

tantos interessados como antes.

Em Salvador é possível perceber que, na década de 1910, a patinação

despertou razoável interesse. Nesse período fundaram-se clubes como o

Internacional Club de Patinagem e o Sport Club Colombo de Ciclo-Patinação e

foram realizados eventos, basicamente nas ruas do Bairro do Comércio ou em

passeios do Centro Histórico ao Rio Vermelho. As atividades dessas agremiações,

na maioria das vezes, assumiam um caráter competitivo: os participantes eram

distribuídos por páreos (como no turfe), em função das distâncias a serem

percorridas.

A próxima imagem demonstra a forma com que esta atividade era encarada.

Vê-se que os praticantes, no instante da largada, se colocam para a foto com uma

postura ―desafiadora‖, de frente, com um olhar e uma feição típicas de uma aparente

segurança frente ao que enfrentarão na prova. As roupas (comuns a todos), também

são uma mostra do quanto era necessário parecer elegante, segundo os parâmetros

da época. Como se percebe pelos trilhos no chão, a pista não era exatamente a

mais adequada, tornando-se assim mais um risco aos participantes. Foi justamente

esse sentido de enfrentamento do que é diferente e de velocidade, que tornou a

patinação uma prática corporal da modernidade.


89

90
Foto 20: Patinadores à espera da largada de uma prova

O perfil da prática da patinação foi uma diferença marcante entre o Rio de

Janeiro e Salvador. Se, para os cariocas, o esporte teve um caráter maior de

diversão, para Salvador, na maior parte das vezes, esse esporte foi competitivo e

organizado em clubes específicos, mesmo que em lugares improvisados, tendo sido

também, eventualmente, uma atividade de divertimento nas festas de clubes, que

não os de patinação.

O ciclismo foi uma atividade esportiva conhecida no Rio de Janeiro desde fins

do século XIX. O ciclismo e a bicicleta envolvem as noções de velocidade, risco e

tecnologia. Nos anos iniciais do século XX, a cidade já contava com uma presença

mais forte de clubes que se dedicavam somente a esse esporte: o ―ciclismo

aumentava o seu espaço destinado às competições, e a bicicleta ganhava as ruas

90
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.15.
90

da cidade, tornando-se pouco a pouco mais presente no cotidiano da população

carioca‖ (SCHETINO, 2007, p. 121).

Melo (2009c) reconhece que, no Rio de Janeiro, nesse período, provas eram

organizadas e os jornais noticiavam o esporte com maior frequência. Assim como no

turfe, as apostas foram importantes na valorização do ciclismo e também na

posterior queda do interesse, em decorrência da proibição de sua prática. No

cotidiano, as bicicletas, por causa de seus altos preços e por exigirem uma destreza

motora específica e desconhecida de grande parte da população, eram ainda

acessíveis a poucos.

Desde os fins do século XIX, os jornais de Salvador noticiavam a existência

de ―garagens‖ e o aluguel de bicicletas, sempre importadas. Com isso, podemos

entender que a prática e o equipamento já eram conhecidos. Todavia, assim como

no Rio de Janeiro, não faziam parte do cotidiano da população.

Em terras baianas, o ciclismo pareceu acontecer sob a mesma estrutura dos

clubes de patinação, contando ainda com clubes específicos, como o Riachuelo 91.

Era fato comum que houvesse atividades simultâneas das duas práticas92,

desenvolvidas pelas mesmas instituições, nos mesmos espaços. As corridas eram

de velocidade, sendo mais comuns no Comércio e no Centro Histórico, ou para

resistência, com deslocamentos até o Rio Vermelho, também fazendo parte de

festividades promovidas por agremiações esportivas.

Na imagem seguinte se vê a aproximação entre a patinação e o ciclismo em

Salvador. Observa-se que o espaço de prática aparenta ser o mesmo (as ruas do

91
Diário de Notícias, 27 de julho de 1914, p.3.
92
Diário de Notícias, 23 de setembro de 1914, p.3.
91

bairro do Comércio) e as vestes são bastante parecidas. Da mesma forma que na

imagem da patinação, os ciclistas demonstram uma postura de segurança e força

ante os desafios que virão. Eles aparecem cercados por grande número de pessoas,

o que demonstra o quanto a prática e o equipamento eram atraentes para o público.

Por outro lado, o menor número de praticantes é simbólico, significando o quanto a

atividade ainda era pouco acessível.

93
Foto 21: Ciclistas à espera da largada

O Jornal de Notícias94 divulgou o que dizia ser a primeira corrida de bicicletas

da Bahia, realizada no bairro do Canela. Nos jornais, eram comuns notas contendo

as provas a serem disputadas, clubes, participantes e premiação, além do local em

si. Após as provas, eram noticiados os vencedores e seus tempos. Ao contrário do

Rio de Janeiro, Salvador não construiu (mesmo na atualidade) um espaço específico


93
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, novembro 1916, p.16.
94
Jornal de Notícias, 23 abril de 1912, p.2.
92

para as provas de ciclismo. Mas, assim como os cariocas, os soteropolitanos

assumiram a bicicleta, por mais que a geografia e estrutura urbana da cidade, até

hoje, dificultem seu uso.


93

2 AÇÕES POLÍTICAS E O ESPORTE

A partir do que foi apresentado, identificamos que no Rio de Janeiro e em

Salvador o esporte teve bases semelhantes, ou seja, se iniciou sob influência

europeia. De todo modo, reconhecemos que a aceitação e a difusão da prática

esportiva esteve relacionada às peculiaridades de cada localidade.

Dessa forma, a presença esportiva gerou diferentes reflexos nas duas

sociedades, tendo maior ou menor circulação e impacto, bem como uma variada

relação com os meios de poder e com a população.

Sendo assim, podemos pensar em questões que reflitam sobre esses

aspectos: quais os sentidos e impactos da constituição de clubes e entidades

organizacionais na configuração dos esportes nas cidades? Quais foram os atores

sociais e seus papéis na instalação dos esportes nas cidades? Qual foi a relação

dos poderes administrativos locais com o esporte?

Procuraremos analisar a constituição do campo esportivo no Rio de Janeiro e

em Salvador e as relações estabelecidas entre esta prática cultural e as políticas

locais. Nosso propósito é discutir as formas usadas pela população para se

relacionar com o esporte, para podermos identificar o efeito deste conjunto de

vivências na construção e consolidação da prática esportiva nas duas cidades.

Devemos dizer que, por políticas locais, não estamos considerando somente

a ação dos órgãos governamentais – ou seja, o governo municipal, no Rio de


94

Janeiro, e o estadual, na Bahia. Também nos interessa analisar outras possíveis

formas de poder e sua relação com o esporte, como, por exemplo, os clubes e suas

entidades organizativas, as federações e mesmo as parcelas da sociedade que

muitas vezes não faziam direta parte da governança, mas que possuíam capacidade

de influenciar os rumos das cidades.

Para apoiar nossa compreensão ampliada de poder, adotamos a ideia de

Lukes (1996):

em seu significado mais genérico, poder é a capacidade de produzir


ou contribuir para resultados - fazer com que ocorra algo que faz
diferença para o mundo. Na vida social, podemos dizer que poder é a
capacidade de fazer isso através de relações sociais: é a capacidade
de produzir ou contribuir para resultados que afetem
significativamente um outro ou outros (p.580).

Partindo dessa visão, entendemos que o esporte, como uma das práticas

sociais assumidas pelas elites e uma das representações da modernidade, esteve

ligado aos interesses e projetos de constituição ou manutenção do poder (em suas

várias dimensões), no Rio de Janeiro e em Salvador. Assim, entender as relações

assumidas, ou não, pelas esferas de poder com o esporte serve para perceber a

dimensão deste na configuração de um novo cenário projetado pela modernidade.

Compreendemos que nas sociedades estudadas existiu uma parcela da

população capaz de exercer o poder, direta ou indiretamente e que também existiu

outra parte, sobre quem se exerceu esse poder. Embora, reconheçamos que o

exercício do poder se exerce em diferentes vias, com variadas parcelas da

população. Assim, aos nos referirmos ao povo como um todo, falamos não apenas

de seus moradores nativos, mas também daqueles que tenham passado e/ou vivido

no Rio de Janeiro e em Salvador, oriundos de outros locais do Brasil e do exterior.


95

Devemos considerar que esses indivíduos se envolveram com o contexto

econômico, cultural e de poder das cidades, influenciando de alguma forma, suas

vivências e dinâmicas.

Buscaremos elementos que nos permitam entender como se deu a instalação

de clubes e entidades e sua relação com os esportes, além de procurarmos

identificar e analisar que parcelas da população atuaram nesse sentido.

2.1 A CONSTITUIÇÃO DE CLUBES E ENTIDADES ORGANIZACIONAIS

Segundo Pesavento (1995), para melhor compreender os projetos de

modernidade desenvolvidos nas cidades, é necessário ―resgatar a cidade como real

através da ‗leitura da cidade‘, ou de suas representações‖ (p.281). Assim, analisar o

esporte, seus clubes e entidades organizacionais, vistos como uma representação

dos projetos de modernização, ajuda a entender o contexto e as dinâmicas vividas

em cada localidade.

Dessa forma, buscaremos uma melhor compreensão das agremiações e das

federações. E isso, por entendermos que ambas se relacionaram com as

experiências sociais das localidades estudadas. Por conta disso, podem assumir

feições por vezes similares ou distintas, exercendo ao mesmo tempo fascínio e

estranhamento, assim como a modernidade e seu ideário.


96

2.1.1 OS CLUBES

Como vimos, a Inglaterra foi uma das inspirações para a construção de

projetos de modernidade mundo afora (SEVCENKO, 2008a). Modelos ingleses de

comportamento, dentre eles o esporte, foram se espraiando por várias partes do

globo, inclusive o Brasil. Esse fator, em parte, se deveu à presença de ingleses nas

cidades, atuando e/ou gerindo negócios e indústrias.

Confirmando essa influência inglesa, Burke (2002) lembra que foi a partir do

mundo anglófono que se criou o hoje conhecido modelo da associação voluntária,

depois largamente adotado mundo afora. Em reforço a essa posição, Tubino, Tubino

e Garrido (2007) e Vigarello e Holt (2008) afirmam que os clubes têm suas origens

no movimento associacionista inglês, em meados do século XVIII, junto ao próprio

movimento, também inglês, de sistematização das práticas esportivas.

Tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador, no período de instalação dos

projetos de modernidade, já era grande a presença inglesa. Os ingleses faziam parte

da elite local e sua participação na vida das cidades influenciou o restante da

população. Suas práticas culturais, sua língua e seu comportamento eram vistos

pela pequena burguesia nativa como modelares.

Interessa-nos identificar como os clubes simbolizaram a representação de um

modo de vida e de poder, já que, segundo Bourdieu,


97

o espaço dos esportes não é um universo fechado sobre si mesmo.


Ele está inserido num universo de práticas e consumos, eles próprios
estruturados e constituídos como sistema. Há boas razões para se
tratar as práticas esportivas como um espaço relativamente
autônomo, mas não se deve esquecer que esse espaço é o lugar de
forças que não se aplicam só a ele (2004, p.210).

Melo (2007a) afirma que os clubes esportivos foram importantes para o país,

sendo um espaço para recreação e de encontro e convergência social das elites.

Assim, a depender do clube, as sedes eram um lócus de sociabilidade e frequentá-

las significava status e distinção.

Essa compreensão permite-nos analisar que o clube, como uma instituição, a

princípio, existiu não apenas para que fossem praticados e difundidos os esportes,

mas também – e, talvez, principalmente – para ser um cenário de convivência e

internalização do poder de uma classe social.

Nas agremiações esportivas, ao mesmo tempo em que dialogava consigo

mesma, a elite mantinha afastados os populares, com quem não queria ter contato.

Buscava, ainda, manter suas práticas culturais, entre as quais o esporte,

distanciadas da classe trabalhadora.

Ao analisar os primeiros clubes do Rio de Janeiro, Melo (2007a, p.36) afirma

que as entidades que estiveram ―diretamente relacionados ao esporte têm forte

influência de ingleses, que desde cedo estiveram envolvidos com a organização de

corridas de cavalos e depois com a criação de associações de cricket‖. Tal

compreensão reafirma o quanto os ingleses radicados na capital carioca foram

fundamentais para a criação de uma ambiência esportiva, instalando espaços para

sua prática e, por consequência, colaborando para a dinamização dessa experiência

no Distrito Federal.
98

Ainda sobre o Rio de Janeiro, Melo (2010d, p.22) afirma que o Club de

Corridas, como já dito, foi criado para estruturar as corridas de cavalos, sendo

―certamente uma das primeiras agremiações exclusivamente esportivas do país‖.

Essa agremiação esportiva certamente se inspirou nos Clubs de corridas da

Inglaterra e também da França.

Os modelos de comportamento e de glamorização das atividades existentes

nos clubes ingleses e franceses serviram de referência para os brasileiros.

Interessava não apenas copiar a organização da estrutura esportiva e competitiva,

mas também reproduzir os padrões de convivência e circulação social, por serem

considerados civilizados. Dessa forma, os cariocas também experimentariam a

modernidade a partir de um de seus elementos de representação, o esporte.

Já na Bahia, Leal (2002) e Leite, Rocha Junior e Santos (2010) afirmam que

também foi o modelo inglês que ajudou a instalação dos clubes, fazendo deles

espaços para compartilhar interesses e modelos de vida e de sociedade. Segundo

Gama (1923) foi ―sob influencia directa da colonia inglesa, que foram fundados os

clubs de ‗Cricket Victoria‘ e ‗Internacional de Cricket‘, marcos inconfundíveis da ideia

de agremiações sportivas entre nós‖ (p.319).

Em ambas as cidades, por serem uma das possibilidades de convivência e

trocas sociais, os clubes eram também um local de ressonância do que se dava na

vida em sociedade. Eram espaços de representação de um modo de vida idealizado

e significavam um lócus de simbolização do poder e ostentação.

Needdel95 (1993, p.164) afirma ser

95
O autor trata dos clubes em geral, não se referindo especificamente aos esportivos.
99

inegável que estas instituições exerciam considerável influência


sociopolítica. Elas serviam como cenário informal para que indivíduos
e famílias ostentassem sua riqueza, exibissem sua posição sócio-
econômica e revelassem em público sua cultura.

Podemos então inferir que a instalação dos clubes esportivos trazia consigo a

representação do que deveria ser um espaço demarcado das cidades, onde apenas

os iguais tinham acesso e tomavam parte das entidades. O mesmo sentido de

exclusividade era o desejado pelas elites para as novas localidades, modernas e

urbanas. Para tanto, os populares deveriam ser expurgados dela. Da mesma forma

que nos espaços urbanos, nos clubes, elementos culturais e econômicos serviram

para distanciar a população de menor renda de seus quadros, seja criando limites de

acesso as práticas esportivas ou impondo altas taxas de associação e manutenção.

Compreendemos que em sua instalação, os esportes e os clubes

reproduziram o projeto de uma sociedade moderna. Dessa forma, essas entidades

assumiram a aura idealizada de um status e de um modo de vida, onde parecer

moderno era um elemento de sociabilidade. Portanto, praticar uma atividade

esportiva e fazer parte de uma agremiação também significava viver segundo a

lógica da modernidade, demonstrando uma vinculação com o novo ideário de

circulação e convivência social. Ser esportivo ou conviver com a prática das

modalidades era a representação de uma civilidade aparente, associada ao que

acontecia no mundo europeu.

Se os clubes eram espaços que faziam movimentar o esporte, com a

sequencia dos anos e com a criação de outras agremiações, de mais práticas e o

maior envolvimento de pessoas com as atividades, notadamente os populares, fazia-


100

se necessário criar entidades para organizar as modalidades. Surgem daí as

federações e associações, das quais trataremos agora.

2.1.2 AS FEDERAÇÕES

Na atual organização esportiva, existem duas grandes entidades

internacionais: O Comitê Olímpico Internacional e a Federação Internacional das

Associações de Futebol. A estas, associam-se as entidades olímpicas e

futebolísticas continentais e as nacionais. No caso da organização esportiva

brasileira, temos o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e a Confederação Brasileira de

Futebol (CBF). Ao COB, se vinculam as confederações nacionais que representam

cada modalidade esportiva e a estas, as federações estaduais. Já à CBF, se

vinculam as federações estaduais de futebol.

Esta hierarquização tem por objetivo dar aos esportes uma noção reguladora,

desde seu caráter mais local, com as federações, ao internacional, com o COI e a

FIFA. Também é papel dessas entidades instalar padrões para a prática esportiva,

dando-lhes um perfil único em sua estrutura e organização, definindo normas para

as ações corporais e para as competições, além de atuarem na organização de

eventos.

Ao analisarmos a história do esporte moderno, veremos que nem sempre foi

assim. Sabemos que as modalidades se iniciaram com a intenção de ser uma


101

prática educativa e formadora de caráter para a aristocracia e reguladora de novas

formas de vida para as outras classes sociais.

Se, em seu início, as atividades esportivas eram mais restritas a grupos e/ou

espaços sociais, com o avançar dos tempos e o alargamento da experiência

esportiva, novas exigências de organização surgiram. Dentre elas, a de criar

entidades que pudessem sistematizar sob um mesmo padrão a vivência e as

competições, definindo inclusive condutas técnicas e morais, além de monopolizar

uma atividade potencialmente comerciável.

Além dessas iniciativas de caráter técnico, outro papel das entidades, em seu

início, foi o de tentar dificultar o acesso à prática dos esportes. Buscavam, com isso,

manter as modalidades como uma atividade representativa do modo de vida da elite

– ou, ao menos, estabelecer uma separação entre a prática esportiva dessa classe,

regulada por um modelo europeizado de comportamento e condutas, e as atividades

comuns da camada popular, sem o mesmo padrão de controle ou regulação e não

necessariamente seguindo parâmetros europeus.

Dessa forma, podemos ver que no âmbito esportivo existiu um tipo de ação

que foi semelhante nos projetos de modernidade das cidades estudadas: restringir o

acesso aos benefícios, marginalizando e inviabilizando possíveis ganhos dos

populares e mesmo dificultando seu acesso a prática dos esportes.

As federações representavam para as elites um cenário de aparente

homogeneidade e mesmo um campo de poder, já que se caracterizaram como um

espaço de regulação da prática, ou seja, uma forma de controlar as dinâmicas e

ambiências do esporte, de maneira a mantê-lo exclusivo ou, ao menos, típico das

elites.
102

Tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador não tardaram a serem

constituídas as federações e ou associações, fato que se deu pouco após a criação

de clubes. Em ambas as cidades, tais iniciativas partiram de membros da elite.

2.1.2.1 A ORGANIZAÇÃO NO TURFE

Como já visto, no Rio de Janeiro, as primeiras experiências de organização

esportiva se deram com o turfe. Todavia, em relação ao projeto de modernidade da

cidade, este esporte, guardava algumas incoerências. O fato de depender do animal

dava à atividade um ar ainda rural, exatamente o que era combatido pelos projetos

de mudança do Distrito Federal.

Além disso, como já apresentamos, a prática turfística tinha incorporado o

princípio da aposta, o que a fazia destoar do ideário da modernização. Apostar era

associado a hábitos vulgares, uma prática atrasada e pouco condizente com os

ventos civilizadores, sendo vinculada a jogos de azar e mais, por ter sua imagem

associada a diversas formas de desvio (moral e financeiro) e desordem (por gerar

tensões e mesmo brigas). Por conta de suas características e da vinculação a um

padrão de sociedade considerado ultrapassado, o turfe passou a ser visto como uma

atividade que não representava a esperada civilidade.

Enquanto decrescia o interesse pelo turfe, o remo ganhava força como o

esporte que representava o espírito da modernidade idealizada, incorporando

elementos de seu ideário. Nas regatas, de maneira oposta às práticas turfísticas,


103

foram abolidas oficialmente as apostas, na intenção de firmar sua imagem como

atividade esportiva e não como um jogo, que poderia estar sujeito a falcatruas e

brigas, que a esta altura já aconteciam com no turfe (MELO, 2007a). O remo buscou

se associar ao que era aventado como novo, seja nos seus princípios ou na sua

organização, tentando se firmar como modelo de prática civilizada.

Nesse embate entre o turfe e o remo também era visível o próprio confronto

existente na sociedade do Rio de Janeiro. Os cariocas conviviam com os poderes de

sua oligarquia rural, fortemente presente no turfe, e com a nova burguesia industrial

e comercial, que se fazia representar no remo. Isso, sem dúvida, denotava a

ambiguidade da modernidade, que, na capital federal, vivia entre o desejo de mudar

seus hábitos e valores e a convivência com as marcas de seu passado rural.

Em sua organização, o turfe não contou exatamente com uma entidade

reguladora. Existiram, sim, clubes que assumiam esse papel, em função da posição

política e da força econômica de seus líderes. Dentre eles, ganharam destaque os já

apresentados Jockey Club, de 1869, e o Derby Clube, de 1885. No debate sobre a

liderança do turfe carioca, segundo Melo (2010d), esses clubes representavam

forças distintas. O Jockey estava mais ligado às antigas forças oligárquicas; já o

Derby representava as novas forças da burguesia emergente.

Por ser mais antigo, o Jockey acabou sendo um modelo para o próprio Derby.

Este, entretanto, acabou superando-o em organização. Essa diferença entre os dois

representava as próprias diferenças econômicas e políticas de seus grupos mais

fortes, ou seja, enquanto a oligarquia e o Jockey perdiam força, a nova burguesia e

o Derby avançavam.
104

Além disso, mais uma vez, vemos representados nesse embate entre os

clubes, os próprios debates internos da modernidade. Vivia-se entre o desejo de

construir o novo, apoiado numa outra lógica econômica e cultural, mas ainda se

convivia com a manutenção do ―antigo‖, sustentado por forças econômicas que eram

consideradas antiquadas.

96
Foto 22: Corridas no Jockey Club / Grande Prêmio Cruzeiro do Sul

97
Foto 23: Derby Club do Rio de Janeiro em dia de páreo

96
Foto extraída de: <http://olhonosport.wordpress.com/2011/07/16/corridas-no-jockey-clubgrande-
premio-cruzeiro-do-sul1908/> Acessado em: 05.ago.2011. Fonte: Careta, ano 1, número 3, 20 de
junho de 1908.
105

Nas imagens anteriores é possível identificar que, no Rio de Janeiro, o Jockey

Club e o Derby Club98 já possuíam uma estrutura bem montada, contando com uma

arquibancada (em parte coberta) e uma raia adequada aos páreos.

Nestas mesmas imagens podemos identificar o perfil do público. É possível

ver o estilo chic das roupas e os carros, demonstrando que tanto o Jockey quanto o

Derby eram espaços de celebração da sociabilidade, autênticos cenários de

convivência e de encontros de uma determinada classe social, que se aproveitava

desses momentos para mostrar-se ajustada aos parâmetros de estilo e

comportamento da modernidade, mesmo que a atividade fosse considerada, em

parte, antiquada. A presença nas competições de turfe não era somente das elites,

mas ela, sem dúvida, fazia uso deste espaço como meio de se posicionar e se

portar. Já as camadas populares, também freqüentavam as atividades turfísticas

como platéia e ali, exploravam a chance de acompanhar de uma atividade de

diversão.

Na Bahia, assim como no Rio de Janeiro, não se conheceu uma entidade

reguladora única para o turfe. Sabemos da existência de dois hipódromos, um na

Boa Viagem e outro no Rio Vermelho, que concentraram, em períodos diferentes, as

corridas.

Salvador viu surgir um Jockey Club, no Rio Vermelho, em 1919 (LOPES,

1984), que foi reinaugurado depois em 1923 99 na Boa Viagem. Assim, é possível

compreender que, até a criação do primeiro Jockey Club, as corridas se davam sem

97
Foto extraída de: <https://cidadesportiva.wordpress.com/2011/07/23/antes-do-templo-do-futebol-o-
palco-dos-cavalos-o-derby/>. Acesso em: 05.ago.2011. Fonte:
<http://serqueira.com.br/mapas/derby.htm>
98
Na década de 1930 se fundiram no atual Jockey Club Brasileiro, como estratégia de manutenção do
turfe.
99
Semana Sportiva, 28 de abril de 1923, n.108, p.5.
106

uma organização em forma de clubes. Existiam, sim, proprietários individuais de

cavalos, que participavam dos páreos na Boa Viagem e no Rio Vermelho, inclusive

promovendo apostas.

A revista O Sport100 noticiava a prática do turfe na Bahia fazendo referência

ao hipódromo São Salvador, destacando as corridas e seus páreos, indicando

favoritos e comentando a frequência do público e suas características. Exemplo é

uma nota de 27 de janeiro de 1889, comentando as corridas dos dias 30 de

dezembro de 1888, 08 de janeiro de 1889 e 13 de janeiro de 1889, apontando os

nomes dos animais vencedores, a distância percorrida e o maior prêmio.

Na próxima imagem, do Jockey Club da Boa Viagem, ao contrário das

imagens cariocas, vemos um foco quase exclusivo nas ações do páreo. Não há

atenção em relação aos espaços do Hipódromo, nem ao público, por mais que O

Sport101, em suas notícias, informasse que a elite soteropolitana assistia aos páreos

com sua vestimenta chic, contando inclusive com a presença de mulheres, que

desfilavam sua elegância. Essa diferença entre as imagens caracteriza a própria

diferenciação da organização do turfe nas duas cidades. No Rio de Janeiro já se

percebia a configuração de clubes mais organizados, com espaços bem montados,

enquanto em Salvador, o enfocado eram as corridas, com menos atenção para as

condições estruturais do Jockey.

100
O Sport, 27 de janeiro de 1889, ano I. n. 1, p.1.
101
O Sport, 27 de janeiro de 1889, ano I. n. 1; O Sport, 10 de fevereiro de 1889, ano I. N. 3, p.3.
107

102
Foto 24: Imagens do Jockey Club São Salvador na década de 1920

Como já dito, observamos que a existência do turfe em Salvador se

caracterizou por uma descontinuidade da prática, ou ao menos, de sua circulação na

sociedade soteropolitana. Vimos que o esporte iniciou-se em fins do século XIX,

sendo inclusive noticiado no Rio de Janeiro, e manteve-se ativo ou aparente até o

período próximo à década de 1910. No decênio até 1920, identificamos poucas

notícias sobre o esporte em Salvador – e estas, quando existem, sempre são

associadas a festas e chamadas de corridas de cavalos.

Já a partir da década de 1920, novamente encontramos a modalidade sendo

tratada com mais constância nos jornais e revistas, identificamos a reorganização do

esporte, com a estruturação de clubes e espaços específicos. Acreditamos que a

falta de uma estrutura organizacional maior, com base num clube regulador, foi

102
Foto extraída de: Semana Sportiva, 24 de maio de 1924, ano IV, n. 156, p. 4.
108

fundamental para essa variação da prática (só surgida em 1919). Dessa forma, a

atividade turfística ficou sujeita a ações isoladas.

Também as dificuldades econômicas vividas pelo estado podem ter

contribuído para que a atividade enfrentasse problemas. Além disso, a já falada

distância dos hipódromos e o déficit no transporte podem, da mesma forma, ter sido

aspectos importantes para que o turfe, em Salvador, tivesse tido limites em sua

prática.

Assim sendo, nas duas cidades, o turfe apresentou nítidas diferenças quanto

a sua regulação. Mesmo o Rio de Janeiro sendo um modelo para outros estados,

inclusive para a Bahia, o alcançado na capital do então Distrito Federal não se

repetiu em Salvador. Na capital federal, desde o início, mesmo na ausência de uma

entidade abrangente, o esporte viveu um processo de maior organização a partir de

clubes que assumiram para si o papel de entidades diretivas.

Por outro lado, na Bahia, a organização do turfe a partir de um clube foi mais

concreta na década de 1920. As corridas que existiram até então aconteceram sem

uma aparente regulação. Tal fato observa-se nos próprios jornais, que faziam

anúncios dos páreos sem destacar seu organizador. Com a instalação do Jockey

Club, podemos perceber a busca por uma melhor estruturação da atividade,

tornando visível uma diferença no modelo de organização dos páreos.


109

2.1.2.2 A ORGANIZAÇÃO NO REMO

O remo carioca, a partir da criação de sua entidade maior, que foi inspirada

no turfe, tentou ser o baluarte da sistematização esportiva brasileira. No Rio de

Janeiro, a proposição de entidades reguladoras desse esporte passou por fases e

denominações diferentes. Essa diferenciação se deveu à abrangência geográfica e

às modalidades abraçadas por cada instituição. A sequência foi esta:

 1895: alguns clubes (Club de Regatas Botafogo; Union de Canotiers; Club de

Regatas Luiz Caldas; Grupo de Regatas Gragoatá e Club de Regatas

Icarahy) se juntaram para criar a União de Regatas Fluminense. Essa foi a

primeira tentativa de organizar o esporte na cidade. Efetivamente, essa

entidade começou a funcionar em 31 de julho de 1897, contando dessa vez

com: Club de Regatas Botafogo; Grupo de Regatas Gragoatá; Club de

Regatas Icarahy e ainda Clube de Regatas do Flamengo, Clube Veteranos do

Remo e Clube Praia Vermelha;

 02 de Março de 1900: o nome da entidade mudou para Conselho Superior de

Regatas, numa tentativa de regular o esporte em todo o Brasil e não apenas

no Rio de Janeiro;

 06 de Maio de 1902: a entidade passou a se chamar Federação Brasileira das

Sociedades de Remo (FBSR). Essa instituição controlou outros esportes além

do remo: a natação, o pólo aquático e os saltos ornamentais.


110

No Rio de Janeiro, a definição de uma federação única para a modalidade

representou o desejo existente de fazer desse esporte uma atividade representativa

dos novos tempos anunciados. Para tanto, era necessário regular a prática em todas

as suas fases e seus elementos. Vale dizer que tanto o Conselho Superior de

Regatas quanto a Federação Brasileira das Sociedades de Remo tentaram ser a

entidade maior do remo e de outros esportes no Brasil. Essa intenção, todavia,não

teve sucesso, já que outros estados contavam com suas próprias associações e

federações e não aceitaram se submeter à do Rio de Janeiro. Essa tentativa,

simbolicamente, pode ser vista como a ressonância do próprio poder do Rio de

Janeiro, que na condição de Distrito Federal, além do poder político, exercia também

uma influência cultural sobre outras cidades.

103
Foto 25: Símbolo da Federação Brasileira das Sociedades de Remo

103
Foto extraída de: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/. Acessado em 28. jul. 11.
111

Foto 26: Capitão de Mar e Guerra Eduardo Ernesto Midosi.


104
Primeiro presidente da federação

Foto 27: Símbolo da Federação dos Clubes de Regatas da Bahia105

104
Foto extraída de: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/. Acessado em 28 .jul. 11.
112

Em 29 de junho de 1904 foi fundada a Federação dos Clubes de Regatas da

Bahia (FCRB). De sua fundação, como já dito, fizeram parte: Esporte Clube Santa

Cruz; Esporte Clube Victória; Clube de Natação e Regatas São Salvador e Clube de

Regatas Itapagipe. Tendo em conta que a Federação Brasileira das Sociedades de

Remo foi instituída no Rio de Janeiro em 1902, vemos que neste aspecto, a Bahia

não tardou a iniciar, em relação aos cariocas, o processo de organização do remo.

Foto 28: Fernando Koch – um dos presidentes


106
e um dos nomes mais importantes do remo na Bahia

Sobre a Fundação da Federação baiana, afirmava Mendonça:

mais tarde, a 29 de junho, quando pujantemente se ostentava o


cultivo do remo e os seus benefícios espalhavam-se indistinctamente
entre todas as suas classes sociaes, uma legião erguia-se nesse
estado e patrocinada pela valia dos Clubs existentes entrava
victoriosa a dirigir os destinos do rowing.

105
Foto extraída de: VASCONCELLOS, J.J. Pinheiro de. Manual dos clubes de regatas da Bahia.
Salvador: Dois Mundos, 1917.
106
Foto extraída de: MENDONÇA, Alberto de. História do Sport náutico no Brazil: ligeiro esboço. RJ:
FBSR, 1909. P.89.
113

Era a ―Federação dos Clubes de Regatas da Bahia‖, possante


aggremiação que actualmente impera em franca execução dos seus
intuitos e que tem como itinerário o meritório afan de não medir a
extensão de suas responsabilidades nem de seus deveres n‘esta
árdua tarefa, que aos seus hombros impoz levar a porto e
salvamento (1909, p.43-44).

Nesta afirmação, Mendonça (1909) mostra que o remo na Bahia já alcançava,

ainda que de maneiras diferentes, todas as classes sociais. O autor considerava que

as regatas em Salvador atraiam o interesse da população soteropolitana. A foto

seguinte permite uma visão maior do local das provas, deixando ver como toda a

área ficava repleta de gente, dando mostra da atração que o esporte exercia no

povo.

107
Foto 29: Enseada dos Tainheiros em dia de regata .

Importa dizer que se notava uma diferença na participação. Quem praticava o

esporte eram prioritariamente os membros da elite; já as competições chamavam a

107
Foto extraída de: A Tarde, 22 de novembro de 1915, p. 3 (regata de 21 de novembro de 1915).
114

atenção da população como um todo. Como plateia, as pessoas de Salvador se

dividiam em dois tipos: os populares (que se espalhavam nas áreas – ruas ou areias

– mais próximas à Enseada dos Tainheiros) e a elite, que assistia às regatas de

seus próprios barcos, ou como convidada nas embarcações dos clubes ou da

federação, ou ainda, nas arquibancadas montadas para as provas.

Um dado sobre a condição do espaço para o público na Bahia é essa

matéria108: ―deixamos, aqui um apello ao poder público, para que leve a bom êxito

um melhoramento inadiável, um pavilhão de regatas, de ferro, embora de preço

módico, dada a atual angústia de nossas finanças‖. Esse texto demonstra que,

mesmo sendo atrativo, o remo ainda contava com uma estrutura simplória, sem

apoio real do poder estadual, ao contrário do Rio de Janeiro, que a essa altura já se

beneficiava com as obras feitas na cidade pela Prefeitura.

Foto 30: Imagem interna do navio que transportava sócios e convidados


109
do Club Santa Cruz para assistir a uma regata

108
A Tarde, 30 de novembro de 1914, p.3.
109
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.10.
115

A foto anterior mostra a área interna de um dos navios, que em Salvador,

levavam os associados e convidados dos clubes para acompanharem as regatas de

dentro da Enseada dos Tainheiros. Nela vemos pessoas elegantemente vestidas,

inclusive as crianças, denotando a imagem de um ambiente para a família.

No caso do remo, as federações do Rio de Janeiro e da Bahia assumiram o

papel de gestoras da modalidade, atribuindo-se um caráter civilizador, ou seja,

contribuíam para que a modalidade encarnasse modelos e atitudes consideradas

adequadas aos novos tempos.

Dentre outras coisas, a federação carioca e a baiana procuraram dar ao remo

um aspecto de atividade representativa dos ideais da modernidade, não só no

quesito físico, mas também em seu ambiente organizacional e mesmo moral. Tanto

a Federação Brasileira das Sociedades de Remo quanto a Federação dos Clubes de

Regatas da Bahia procuraram estruturar as regatas, definindo regras, equipamentos,

tipos de provas e ainda comportamentos que deveriam ser adotados pelos clubes e

seus remadores.

Para tanto, as federações se preocuparam em melhor sistematizar as

atividades do esporte, de forma que ele se distinguisse das práticas populares, que

se caracterizavam por serem espontâneas e terem menor regulação. Esse ideal de

organização também expressaria um modo de vida pretensamente exclusivo das

elites.

As federações do Rio de Janeiro e da Bahia criaram padrões rigorosos de

adesão, cobrando taxas altas e exigindo um suposto amadorismo de seus

praticantes, que assim, não tinham como estar ligados as classes trabalhadoras,

mesmo aquelas envolvidas com o mar. Mais uma vez, caracteriza-se no esporte um
116

processo de discriminação de classes, tentando fazer com que a prática ficasse

restrita à participação das elites. Contudo, os populares acabaram encontrando

meios de aderir ao esporte, mesmo que, a princípio, na condição de plateia.

Se a Federação Brasileira das Sociedades de Remo tentou se assumir como

a entidade representativa nacional da modalidade, o mesmo não se deu no futebol.

Nesta atividade, muito por conta da dimensão que teve em cada estado, as

federações só assumiram responsabilidade sobre as práticas locais.

2.1.2.3 A ORGANIZAÇÃO DO FUTEBOL E DOS OUTROS ESPORTES

No futebol, diferentemente do remo, a Bahia saiu na frente do Rio de Janeiro

no que concerne à estruturação de uma federação. Em terras baianas, a primeira

experiência de organização futebolística aconteceu em 1904; nas cariocas, em

1905.

A profusão de clubes, tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, e o aumento

da quantidade de jogos, fossem eles amistosos ou não, geraram preocupações

relacionadas à organização dessa prática. Julgava-se necessário buscar uma

estrutura mais adequada, com padrões regulares para os certames e para os

praticantes e também estabelecer uma distinção entre a atividade futebolística da

elite, inspirada em padrões ingleses, e a dos jogos populares, vista como rústica e

sem fundamento.
117

Na Bahia, a organização do futebol a partir de entidades diretivas passou por

duas experiências diferentes. Apesar de terem sido criadas várias ligas, duas foram

as mais importantes e representativas, simbolizando a circulação do futebol na

sociedade soteropolitana, as já tratadas Liga Bahiana de Sports Terrestres (1904) e

Liga Brazileira de Sports Terrestres (1913).

É importante ressaltar que essa duas entidades, embora se dizendo ligas de

esportes terrestres, efetivamente, deram atenção primordial ao futebol. Outro

aspecto importante é que as duas nasceram de grupos sociais distintos, sendo que

a Liga Brazileira surgiu a partir do momento em que a Liga Bahiana optou por um

rompimento com a prática esportiva, muito por conta da intensa repercussão da

atividade futebolística no período.

Quando do surgimento da Liga Bahiana, o futebol já despertava interesse na

população, que não se contentava com a condição de plateia, buscando também

participar do jogo (SANTOS, 2011). Dessa forma, organizar uma entidade diretiva

significava também direcionar a prática, de maneira que só a elite tivesse acesso a

ela.

Assumir a prerrogativa de organização do futebol, dentre outras coisas,

significava fazer valer as ações regulatórias tidas como civilizadas e tomar a frente

de uma atividade que crescia em gosto e tinha sua prática em franco processo de

popularização. Assim, a idéia inicial da Liga Bahiana, composta majoritariamente

pelas elites, era a de encampar as possibilidades de jogar futebol, de maneira a dar

a ele uma dimensão vista como ideal. Além disso, devemos mais uma vez notar a

influência dos ingleses no processo, já que o Club Internacional de Cricket (1899),

composto por eles, foi um dos fundadores da Liga.


118

O trabalho da Liga Bahiana seguiu com a organização do campeonato de

futebol, que contava com uma plateia que crescia em número e interesse. Sobre os

jogos iniciais, Santos (2010, p.54) afirma que

o local onde ocorreriam os embates seria o Campo da Pólvora.


Localizado no distrito de Nazaré, o campo foi ligeiramente reformado,
cercado e nivelado. A sua escolha deveu-se também pela sua ótima
localização em decorrência da facilidade de se chegar naquele lugar.
Praticamente todas as linhas de bonde passavam por aquela região.
Sem a existência de arquibancadas o primeiro campeonato contou
com o empréstimo de cadeiras por um circo que estava na cidade
para a acomodação das famílias dos jogadores e demais
autoridades.

Alguns problemas marcaram a desistência de organizar o campeonato pela

Liga Bahiana e a consequente criação da Liga Brazileira. O primeiro se deu ainda

em 1906: numa partida110, os jogadores do Internacional de Cricket foram

ostensivamente hostilizados pelo público presente. Essa atitude da platéia presente

ao jogo foi alvo da imprensa, que a analisou e a relacionou, segundo suas

impressões, ao próprio estado de desenvolvimento da Bahia e dos cidadãos de

Salvador.

Ao abordar o ocorrido, o Diário de Notícias111 assim se posicionou:

é de lamentar que uma malta de desocupados perturbem as belas


partidas a que o público acorre tão cheio de curiosa satisfação,
prejudicando os movimentos dos jogadores, fazendo-os escutar
ofensas quando perdem e dando triste idéia dos nossos foros de
civilização. Convém notar que o Internacional é composto de
ingleses que devem ter de nossa parte, como hóspedes que são,
todas as distinções. Achamos que a polícia bem podia sanar esta
inconveniência que vai se tornando um péssimo costume.

Em sua análise sobre o fato, Santos (2010, p.71) assevera que:

talvez uma das principais lamentações dos periódicos relacione-se


com o fato de que o clube hostilizado era composto por ingleses. Em
todas as notas temos uma sensação de subserviência para com os

110
O jogo foi Victória e Internacional, em 10 de junho de 1906.
111
Diário de Notícias, 11 de junho de 1906, p.3.
119

ingleses, uma vez que estes, pela origem europeia, são os


referenciais de bom comportamento e civilidade.

Esse problema fez com que a Liga se reunisse e procurasse sanar as

dificuldades surgidas, principalmente a idéia do Internacional de abandonar a

competição – fato que se confirmou, mesmo com as atitudes solidárias dos demais

clubes e da Liga Bahiana. Essas instituições fizeram questão de rechaçar a atitude

popular, considerando-a incoerente com as normas civilizadas do esporte.

Essa reação dos clubes, de sua entidade organizativa e de parte da imprensa

demonstrou uma noção elitizante e preconceituosa, a de que a população em geral

não sabia como se portar diante de uma nova prática tipicamente moderna, o

futebol, que, segundo seus padrões, exigia atitudes cavalheirescas e acima de tudo

gentis, expressando ritos e normas de comportamento caracterizados como comuns

a elite soteropolitana e aos ingleses residentes em Salvador.

Outro problema decisivo na atuação da liga foi que, com o progressivo

aumento de interesse pelo futebol, esse acabou assumindo âmbitos maiores do que

o esperado, incentivando rivalidades e exacerbando a competitividade. Este

processo chegou ao extremo nos anos de 1911 e 1912, quando a Liga efetivamente

desistiu da promoção de campeonatos.

No Rio de Janeiro, mesmo tendo surgido depois, a Liga Metropolitana de

Futebol também assumiu o papel de um agente regulador. Da mesma forma que na

Bahia, interessava à entidade que o esporte mantivesse ares e hábitos comuns à

elite, que se considerava dignatária das novas formas de se portar da modernidade.

Seus praticantes, os sportsmen, ―portando-se como os agentes da modernidade,


120

espécie de porta-vozes da civilização, [...] iam fazendo do foot-ball a sua própria

marca‖ (PEREIRA, 2000, p.41).

O futebol, no Rio de Janeiro, começava a ganhar as ruas, espalhando sua

prática para além de uma juventude restrita às elites e fazendo com que essa

transformasse seus clubes num espaço de distinção, onde apenas os iguais

poderiam conviver. Todavia, apenas isso já não atendia aos interesses de elite

urbana carioca.

Algo mais era necessário: criar uma forma de estabelecer controle, também

econômico sobre o jogo, surgindo ideia da Liga: ―seria preciso mais do que manter o

nível de seus associados: era necessário tomar para si a primazia da prática do jogo

na cidade, definindo suas regras e os grupos que poderiam praticá-lo‖ (PEREIRA,

2000, p. 63). Ao tomar para si a organização da prática futebolística no Rio de

Janeiro, a entidade esperava, pretensamente, cuidar e zelar da imagem do esporte.

Assim como na Bahia, existiu por parte da imprensa do Rio de Janeiro um

apoio à formação da Liga. Entendia-se que as grandes e importantes agremiações

futebolísticas cariocas deveriam tomar as rédeas do esporte. Dessa forma, essa

instituição reguladora poderia atuar como um elemento civilizador em si, dirigindo a

modalidade, suas competições e também sua representação, assim:

construindo uma série de obstáculos para o reconhecimento de


clubes menores, incapazes de satisfazer as condições exigidas, a
liga servia como um meio de definição mais clara do caráter que os
sportmen dos clubes mais ricos da cidade tentavam dar ao jogo,
prevenindo-se contra o movimento de difusão do futebol (PEREIRA,
2000, p.64).

Essa tentativa de separar o futebol das elites do popular, a partir da

intervenção da Liga, também se caracterizou no aspecto econômico, visto como um


121

meio de afastar a população da prática regulada do esporte. Para tanto, exigiam-se

altas taxas para a filiação à entidade, e ainda era preciso contar com a indicação de

outros clubes.

Na Bahia, uma nova liga surgiu após a Bahiana desistir de organizar os jogos

do campeonato local e um dos fatores para isso foi a popularização do esporte. Já o

Rio de Janeiro viu surgir outra entidade, a Liga Suburbana de Foot-Ball (1907),

quando a Metropolitana ainda era ativa. Assim, a essa altura, o futebol entre os

cariocas estava ―longe do monopólio pretendido pela Liga Metropolitana, o futebol ia

assim alastrando-se por vários bairros e grupos da cidade‖ (PEREIRA, 2000, p.69).

Podemos afirmar que, em ambas as cidades, as Ligas, no decorrer do tempo,

não alcançaram os resultados pretendidos inicialmente, dentre eles o de manter o

futebol restrito a uma parcela da população que queria tê-lo como exemplo de

atividade corporal associada às novas dimensões civilizadoras da modernidade. O

fato de as ligas baiana e carioca não terem atingido seu propósito de manter a

exclusividade de acesso ao futebol se deveu, em parte, à grande dimensão

assumida por essa prática e sua circulação entre as mais diferentes camadas da

população, tornando-se assim um esporte popular e capilarizado nas sociedades,

seja entre seus estratos sociais, seja em seus espaços geográficos.

O ideal civilizador pretendido pelas ligas se associava aos projetos

construídos nas cidades. Em tempos diferentes, Rio de Janeiro e Salvador

sistematizaram um modelo modernizador, onde a cidade foi reestruturada e o

esporte foi um dos mecanismos adotados para reorganizar a dinâmica social em

adequação ao padrão europeu.


122

112
Foto 31: Estádio do Fluminense em dia de jogo

Nos jogos dessas duas ligas, o futebol pareceu ser uma atividade nobre e

elegante, fato visto nos campos de jogo, onde homens e mulheres vestiam-se

elegantemente e faziam dos espaços de prática um cenário para o desfile de sua

educação e refinamento (como se vê na foto anterior e na próxima). Os eventos

futebolísticos contavam também com outras atividades experimentadas nos

intervalos e após as partidas, como as apresentações de bandas e orquestras, as

festas e as recepções.

112
Foto extraída de: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do
futebol no Rio de Janeiro, 1902-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Fonte: O malho,
19/08/1905.
123

113
Foto 32: Imagem de um dia de jogo no Campo do Rio Vermelho

Outro aspecto a se destacar na ação das Ligas da Bahia e do Rio de Janeiro

é que as duas, em suas atividades iniciais, ocuparam-se em cuidar não apenas do

futebol, mas também das demais práticas esportivas.

Nesse sentido, a entidade baiana assumiu esse interesse já em sua

denominação, Liga Bahiana de Desportos Terrestres. Dessa forma, ficava latente a

vontade de cuidar da prática esportiva na Bahia, gerenciando todas as atividades,

cuidando assim de modelar as ações referentes aos esportes, suas práticas e

competições. Esse afã de organizar tudo que se referisse aos esportes, por outro

lado, fez também com que a Liga Bahiana ficasse sujeita a críticas daqueles que

enxergavam que ela acabava dando atenção somente ao futebol e assim,

colaborava para o menor interesse nas outras modalidades.

113
Foto extraída de: A Tarde, 07 de julho de 1914, p.3.
124

Na medida em que o futebol se expandia, a Liga acabava voltando seus

olhares quase que exclusivamente para ele, já que essa era a prática de maior

repercussão na Bahia. Como já vimos, o turfe teve uma vida inconstante, o críquete

não avançou muito além dos momentos iniciais dos esportes e as demais (natação,

ciclismo e patinação), existiram de maneira pontual e sem grande avanço, muito

associadas às ações de seus clubes. A exceção é o remo, que possuía sua própria

entidade organizativa, ficando distante das ações da Liga Bahiana.

No caso da Bahia, até os dias de hoje, as práticas esportivas aqui

apresentadas padecem de maior organização e capilaridade na cidade. Todas são

atividades bastante restritas e sem nenhum ou pouco espaço específico de prática e

mesmo nas praias são esportes pouco jogados, ao contrário do futebol, que desde

seu início, ganhou projeção significativa na cidade. Ou seja, a afirmação da Liga

Bahiana como a única entidade responsável por administrar as atividades esportivas

terrestres na cidade pode, efetivamente, ter sido de pouca valia para o

desenvolvimento esportivo baiano.

No Rio de Janeiro, a Liga Metropolitana criada em 1907, a princípio para o

futebol, muda sua denominação para Liga Metropolitana de Sports Atléticos (ainda

em 1907) (PEREIRA, 2000). Essa mudança na denominação pretendeu ser uma

alteração na projeção de seu papel social. Para além do futebol, a nova entidade

deveria cuidar também dos demais esportes. Tal fato pode ser atribuído ao avanço

das demais atividades esportivas, que cresciam em interesse no Rio de Janeiro,

ganhando mais adeptos, seja como praticantes ou como público. Da mesma forma

que na Bahia, o remo ficou por conta de sua entidade própria, haja vista ser um

esporte de importante dimensão e estrutura organizacional.


125

Se, na Bahia, a Liga foi pensada desde o início para cuidar de todos os

esportes conhecidos, o mesmo não se deu no Rio de Janeiro. Todavia, o efeito

acabou sendo igual, ou seja, efetivamente suas ações estavam mais ligadas ao

esporte da bola com os pés, deixando os demais à margem. Tal fato, na capital

federal, provocou reações de alguns clubes que não admitiram essa ingerência do

futebol nos demais esportes, provocando a não adesão ou o afastamento de

agremiações esportivas das fileiras de associados da Liga Metropolitana.

No Rio de Janeiro, ao assumir a responsabilidade pelas demais práticas

esportivas, a Liga também desejou tomar a liderança nacional na gestão das

modalidades. A intenção era tornar a entidade a principal organização esportiva do

país, fazendo reverberar nos esportes a liderança sócio-política carioca.

No Rio de Janeiro, ao contrário da Bahia, viu-se uma evolução da prática

esportiva, ao ponto desta tornar-se hoje em dia parte do cotidiano da cidade, seja

em seus espaços específicos, seja nos adaptados, caso das praias. Esse maior

envolvimento dos cariocas com o esporte foi possível, entre outras coisas, pela

consolidação de espaços próprios e vinculação da prática corporal à dinâmica

cultural da cidade.

A princípio, as Ligas existiram não apenas para organizar o esporte, mas

também para modelar sua prática segundo normas de uma sociedade que se

civilizava. Tais entidades contaram em suas frentes com nomes das elites,

assumindo por vezes uma relação de confronto com as iniciativas populares. É

sobre essa elite e essa classe popular que falaremos adiante.


126

2.2 AS ELITES, AS CLASSES POPULARES E O ESPORTE

Tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador, os esportes tiveram início entre

fins do século XIX e início do século XX, período no qual as cidades começavam a

ganhar novos ares e hábitos. Nesse momento, crescia uma elite urbana, burguesa,

formada por profissionais liberais, comerciantes e industriais, diferenciando-se da

tradicional elite brasileira, que tinha por base as atividades agrícolas. Ampliando o já

visto conceito de elite, Busino (apud HEINZ, 2006, p.7) afirma que a palavra se

refere a uma

minoria que dispõe, em uma sociedade determinada, em um dado


momento, de privilégios decorrentes de qualidades naturais
valorizadas socialmente (por exemplo, a raça, o sangue etc.) ou de
qualidades adquiridas (cultura, méritos, aptidões etc.). O termo pode
designar tanto o conjunto, o meio onde se origina a elite (por
exemplo, a elite operária, a elite da nação), quanto os indivíduos que
a compõem, ou ainda, a área na qual ela manifesta sua
preeminência. No plural, a palavra ‗elites‘ qualifica todos aqueles que
compõem o grupo minoritário que ocupa a parte superior da
hierarquia social e que se arrogam, em virtude de sua origem, de
seus méritos, de sua cultura ou de sua riqueza, o direito de dirigir e
negociar as questões de interesse da coletividade.

Essa nova elite brasileira assumia hábitos que a faziam mais próxima dos

projetos de modernização que se instalaram nas duas cidades estudadas. Dessa

forma, incorporar novas práticas culturais era um meio de estabelecer uma distinção

social. Dentre essas práticas estava o esporte (MELO, 2007a; MELO, 2008b).

Justamente por associar-se aos ideários da modernidade, o esporte apareceu

como uma prática de relevo na constituição desses novos comportamentos, dessa


127

nova forma de se portar, de ser e estar em sociedade. Como a Inglaterra era uma

referência para esses novos tempos e a atividade esportiva foi uma prática cultural

sistematizada em terras inglesas, tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, as

primeiras experiências esportivas contariam com a forte presença e influência dos

ingleses residentes nessas cidades. Jesus (1999) afirma, que juntamente com o

poderio econômico e comercial inglês, o esporte também foi difundido mundo afora,

chegando a praticamente todos os cantos do planeta.

Em sua chegada pelos portos, os ingleses, que se tornaram importantes para

as ações comerciais e financeiras, trouxeram os sports e se pretenso papel de

fortalecimento espiritual e corporal (JESUS, 1999).

Nessa fase inicial dos esportes em terras brasileiras, os próprios ingleses que

aqui residiam ou passavam procuravam manter seus hábitos, dentre eles o da

vivência esportiva. Na falta de espaços próprios, iam para as praças, parques e ruas

praticar as modalidades de seu interesse, despertando curiosidade e espanto –

afinal, a população ainda não estava habituada àquelas atividades, ainda mais em

espaços públicos.

A forte presença inglesa na constituição dos esportes, tanto no Rio de

Janeiro, quanto na Bahia, se observou também na criação dos primeiros clubes

(JESUS, 1998). As agremiações assumiam nomes em inglês e guardavam o uso da

terminologia esportiva, também em inglês, fatores que se mantiveram mesmo

quando os fundadores e praticantes passaram a ser brasileiros que tinham vivido no

exterior, ou que simplesmente queriam adotar a lógica inglesa.

Com o passar dos tempos, o esporte, visto em seu início com estranhamento,

foi incorporado pela elite como um símbolo útil para um processo de distinção social
128

e uma forma de manter um distanciamento das classes populares. Segundo desejo

dessas elites, as atividades esportivas, da mesma forma que a modernidade,

deveriam ser algo exclusivo delas. Sobre essa condição, Bourdieu (2011) afirma:

para fugir das diversões comuns, basta que os privilegiados se


deixem guiar, ainda neste aspecto, pelo horror dos ajuntamentos
vulgares que os impele a procurar sempre – alhures, mais acima,
mais longe, a contratempo e a contralugar – a exclusividade ou a
primazia das novas experiências e dos novos espaços virgens, assim
como pelo senso de legitimidade das práticas que depende, é claro,
de seu valor distribucional, mas também do grau em que elas se
prestam à estetização, seja na prática ou no discurso (p.204).

Dessa forma, estabelecer experiências de prática cultural distintas das

populares era um mecanismo usado pela elite para afastar-se do real cotidiano das

cidades. Importava que suas atividades fossem diferenciadas das da população em

geral, e ao máximo, semelhantes às vividas pelos povos a serem copiados. Afinal,

construir a modernidade significava, dentre outras coisas, viver sob uma nova

dinâmica sócio-cultural, pois para ser ou parecer civilizado era adequado ser e ter

hábitos semelhantes aos estrangeiros.

Nesse sentido, por reconhecer que os esportes tinham formas de

sociabilidade e condutas desconhecidas aos populares é que a elite buscou adotá-lo

como um elemento de simbolização de seu status, a representação de sua fidalguia

e altivez, onde a noção de fair-play era a máxima expressão do sportsman.

Ao falarmos de elites e populares, nos referimos a classes sociais. Para

Bourdieu, a classe é representada:

por um conjunto de agentes que ocupam posições semelhantes e


que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a
condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade,
atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de
posição semelhantes (2007, p.136)
129

Numa análise das formas de convivência das classes sociais com a prática

esportiva, Bourdieu (1983, p.142) afirma que ―o esporte, como toda prática, é um

objeto de lutas entre frações da classe dominante e também entre as classes

sociais‖. Dessa maneira entendemos que também no esporte se representou uma

relação de confronto e de adesão entre as elites e os populares, onde ambos

buscaram meios de participar do cenário da chamada febre esportiva (SEVCENKO,

2008b).

Sobre essa tentativa de participação nos esportes, Jesus (1999, p.29)

reconhece que as

camadas populares, parecem ter-se mantido inicialmente reticentes


ao surto esportivo, até porque a adesão a esse modismo implicava
custos materiais elevados (todo o equipamento era importado) e
mesmo a assimilação de estranhos códigos de conduta.

Além dessas dificuldades, os projetos modernizadores, dentre outras coisas,

procuraram afastar as cidades de seu passado e ainda procuraram fazer com que a

cultura popular, por ser considerada inferior, fosse expurgada do cenário urbano.

De toda forma, as classes populares acabaram incorporando a prática dos

esportes em seu cotidiano. Tal fato foi possível a partir de um processo de

reinterpretação das práticas e de seus sentidos, já que entre as classes se

estabelece uma distinção entre padrões e valores culturais e econômicos, pois, ―a

probabilidade de praticar os diferentes esportes depende, em graus diversos para

cada esporte, do capital econômico e. de forma secundária, do capital cultural e do

tempo livre‖ (BOURDIEU, 1983, p.150).

Dessa forma, justamente por ser uma produção cultural humana é que o

esporte permitiu aos praticantes, em ambas as cidades, a possibilidade de uma


130

ressignificação, ou seja, a atribuição a ele de características que fossem peculiares

a cada realidade, fazendo com que sua prática ganhasse sentidos diversos

(BOURDIEU, 2011).

Melo (2009a) afirma que, por ser

uma manifestação cultural importada, que chegava com os ventos da


modernização que sopravam fundamentalmente do continente
europeu, a prática esportiva adquiriu em terras brasileiras contornos
peculiares tanto em função das diferentes naturezas de contato com
o exterior quanto devido aos diálogos estabelecidos com as
especificidades locais (p.36).

Essa peculiaridade e especificidade se construíram num diálogo com o que

era característico do Rio de Janeiro e de Salvador, ou seja, em cada cidade o

esporte teve um desenvolvimento e uma circulação diferente entre as classes. Isto

se deveu às dinâmicas culturais vividas por cada local e à adequação à estrutura

urbana de cada uma, sendo mais correto pensar numa formação esportiva bastante

eclética, assim como foi à cultural.

De toda maneira, se a princípio os esportes e os clubes foram espaços

tipicamente importados, a partir de uma adequação às culturas locais eles foram

assumidos pelas classes populares, que trataram de dar outro sentido a sua prática

e a sua organização.

Dessa forma, a diletante atividade esportiva de bases inglesas, pautada no

amadorismo e no fair-play, passou também a ser encarada como uma atividade de

aspecto popular. Para tanto, elementos como os materiais e os espaços foram

adaptados e a competição e a paixão se tornaram mais presentes.

Além disso, foram criadas pelos populares agremiações e entidades e ainda,

algumas modalidades experimentaram maior sucesso que outras. Acima de tudo, o


131

esporte percorreu uma trajetória que o levou a ser uma atividade de imenso

interesse em todas as camadas da população. Nesse trajeto, os governos locais

também pensaram suas relações com o esporte, tema que exploramos a seguir.

2.3 AS RELAÇÕES ENTRE OS GOVERNOS E O ESPORTE

Foi entre fins do século XIX e início do século XX que o esporte viveu sua

fase de implantação e busca de consolidação de sua prática, como uma experiência

corporal que representava os ideais da modernidade. Por conta disso, foi nesse

período que se constituíram as primeiras iniciativas de ligação entre a atividade

esportiva e a classe política, vista na figura de seus maiores representantes. Nessa

parte do texto nos centraremos na figura do Prefeito Pereira Passos e também do

Presidente da República Rodrigues Alves ao tratarmos o Rio de Janeiro e do

Governador J.J. Seabra ao nos referirmos a Bahia.

O estabelecimento da existência ou não de uma relação entre a classe

política e a prática esportiva pode ser vista no envolvimento direto dos políticos com

as atividades, ou numa convivência mediada pelas entidades dirigentes. Assim,

entender o papel da participação política, na constituição do esporte nas cidades

pode ajudar a análise do próprio desenvolvimento esportivo do Rio de Janeiro e de

Salvador.

Tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia era de interesse dos que detinham o

poder reconhecer e afirmar que o esporte proporcionava ganhos. Assim, o esporte


132

poderia ser utilizado como um elemento a auxiliar a constituição de uma nova

sociedade. Com isso, a atividade esportiva era um cenário possível, senão ideal,

para que a classe política atuasse e fizesse reverberar seus projetos para cada uma

das cidades.

Ao analisarmos as relações do poder político com o esporte, identificamos

uma diferença importante entre as duas cidades. No Rio Janeiro, Pereira Passos e

Rodrigues Alves viram na prática esportiva um espaço de ação; na Bahia, J.J.

Seabra não atuou da mesma forma. Além da ação pessoal e do envolvimento

desses dirigentes com as várias modalidades, devemos reafirmar o próprio peso

político das localidades na ainda recente República brasileira.

O Rio de Janeiro, na condição de Distrito Federal, era a mais importante

cidade brasileira e, portanto, palco dos principais projetos de reforma, enquanto

Salvador tornava-se um local já sem tanto peso e uma capital de menor

representação no caldeirão da política e da economia do período, embora no

aspecto cultural sempre tenha sido uma das mais significativas cidades brasileiras.

No Rio de Janeiro, Pereira Passos e também Rodrigues Alves logo

entenderam que o esporte seria um importante aliado na constituição da almejada

capital moderna, de hábitos e valores europeizados. Segundo Sevcenko (2008b,

p.570) Pereira Passos ―estabeleceu o nexo entre a Regeneração, a modernidade e

os esportes". Ao analisar o Rio de Janeiro, Melo (2006b) afirma que:

a transição do século XIX para o XX traria para o Rio de Janeiro


novas dimensões. O desenvolvimento tecnológico pronunciado, a
industrialização e a urbanização crescentes, o surgimento de uma
burguesia nacional e um novo ordenamento político acabaram
semeando as condições para o forjar de novos parâmetros culturais
a partir da idéia de construção de um ―projeto de modernidade‖ ( p.5).
133

Em sua gestão, desde cedo Pereira Passos compreendeu o papel dos

esportes em seu projeto de modernidade e assim, buscou se relacionar com as

principais práticas esportivas, chegando a ser sócio de algumas agremiações, caso

do Jockey Club (MELO, 2006b). A presença de pessoas do governo nas atividades

do turfe foi vista como fundamental para o desenvolvimento da modalidade, por

pretensamente facilitar os desejados auxílios financeiros, além de reforçar a imagem

da atividade (MELO, 2001). Além disso, o prefeito era sempre visto nas atividades e

competições, não só do turfe, mas de esportes como o ciclismo e o futebol. Pereira

(2000) afirma que Pereira Passos, ao ver que o futebol era também um elemento da

modernidade, ajustado às transformações que fazia na cidade, prometeu interessar-

se por este esporte.

Participar das cerimônias e eventos esportivos significava a incorporação de

valores da pretendida modernidade e não só Pereira Passos agia assim, mas

também Rodrigues Alves, já que eles

almejavam atingir a civilização por meio de mudanças concretas, de


acordo com os modernos padrões europeus (ou seja, franceses). No
entanto, enquanto tomavam essas medidas práticas, também
compartilhavam com outros membros das elites [...] a paixão pelas
mudanças simbólicas (NEEDELL 1993, p.65).

Essas mudanças simbólicas tratadas por Needell (1993) podem ser vistas no

esporte, já que ele significava um novo conjunto de relações do homem com o meio

e consigo mesmo. Na modernidade, vivenciar a prática esportiva como praticante ou

como plateia significava assumir uma vida em espaço público, que se tornava um

palco de consagração e experimentação de um novo modo de viver. Da mesma

maneira, a exploração de novas formas de uso do corpo, exposto e tido como

esbelto e saudável, eram também uma representação dos ideais modernizantes.


134

As ações de Pereira Passos na reforma da cidade ajudaram a atividade

esportiva, pois, dentre outras coisas, facilitaram o deslocamento das pessoas aos

espaços de prática e competição. O Prefeito também construiu equipamentos

públicos específicos para os esportes, como o Pavilhão de Regatas. Além disso,

vários bairros da cidade que passaram por reformas acabaram por tornar-se locais

de moradia da nova burguesia urbana – notadamente a área da zonal sul carioca,

local de prática do remo e de vários clubes esportivos, o que serviu para aproximar

ainda mais os cariocas da prática esportiva.

Nesse sentido e por ver que Pereira Passos percebeu a dimensão do esporte,

Melo (2006b) afirma que a relação estabelecida entre o Prefeito e essa ―nova‖

prática cultural pode ser vista como uma ação inicial para a construção de uma

política pública esportiva. Por outro lado, os clubes cariocas de remo e a Federação

Brasileira das Sociedades de Remo perceberam que se aliar aos poderes políticos

dominantes era uma importante estratégia para o seu próprio projeto de poder, que

passava pela organização do esporte e pelo afã de representar as elites.

Embora atuasse em relação a todos os esportes, foi no remo que Pereira

Passos agiu mais firmemente, tornando-se inclusive Presidente Honorário da

Federação Brasileira das Sociedades de Remo (MENDONÇA, 1909), junto com o

Presidente Rodrigues Alves. A imagem abaixo demonstra a posição desses na

entidade dirigente do remo.


135

114
Foto 33: quadro de presidentes honorários

Mendonça (1909) e Melo (2006b) afirmam que Pereira Passos, através do

Conselho Municipal, instituiu um auxílio financeiro anual a Federação Brasileira de

Sociedades de Remo, que chegou a ser superior ao valor que fora pedido pela

entidade. Além dessa ajuda financeira direta, Pereira Passos também auxiliou o

remo,

interferindo na Alfândega, de forma a tornar mais acessíveis as taxas


de importação de embarcações, importantes para que as
agremiações trouxessem da Europa barcos mais velozes, que
propiciariam um espetáculo mais emocionante. Passos foi comunicar
seu entusiasmo com o remo e seus possíveis auxílios ao esporte
diretamente em uma reunião da diretoria da Federação, o que
animou bastante os representantes dos clubes e os remadores
(MELO, 2006b, p.12).

114
Foto extraída de: MENDONÇA, Alberto de. História do Sport náutico no Brazil: ligeiro esboço. RJ:
FBSR, 1909. P. 51.
136

Com tudo isso, Mendonça (1909) afirma que Pereira Passos tornou-se o

nome mais cultuado do esporte náutico no Brasil, exatamente por conta de seus

serviços como Prefeito, que acabaram sendo úteis ao remo. As ações do Prefeito

dialogavam com os princípios higienistas preconizados à época e representados

pelo esporte. Foi com Pereira Passos que, no Rio de Janeiro, ―o traçado irregular e

acanhado das vielas, largos e becos da área central cedeu ligar aos amplos e

retilíneos bulevares de monumental, símbolos da modernidade capitalista‖ (JESUS,

1999, p.21). Assim se privilegiava a circulação de ares e a mobilidade urbana,

evitando concentrações e aglomerações, consideradas impróprias para uma cidade

moderna (BENCHIMOL, 1990).

Mesmo que sua atuação favorecesse o remo, Pereira Passos não deixou de

intervir nos espaços ocupados por alguns clubes. Para dar vazão ao andamento das

obras, colocou abaixo algumas sedes náuticas, fato que sem dúvida gerou

dificuldades para as agremiações. Para tentar sanar isso, o Prefeito construiu

garagens de barcos para o Boqueirão do Passeio, o Vasco da Gama e o

Internacional (MELO, 2001).

Com tudo isso, interessa-nos perceber que, no Rio de Janeiro, o remo ligou-

se aos projetos de modernização da cidade, sendo um esporte que bem

representava o ideário modernista. Assim, seu alinhamento ao projeto maior de

Pereira Passos acabou favorecendo-o e facilitando seu desenvolvimento e

circulação na cidade. A identificação dessa modalidade com a modernidade foi

mesmo um alicerce no ímpeto do Prefeito de mudar a cidade. O remo ajudou a

construir uma reforma nos hábitos e comportamentos dos que viviam na cidade, ou

seja,
137

mesmo que Pereira Passos dedicasse atenção aos clubes de remo,


tal valor era concedido porque se enquadrava em seu projeto de
modernização. Explicitamente se estabelecia uma relação de uso da
imagem esportiva de acordo com esses fins. As reivindicações dos
clubes eram atendidas se estivessem enquadradas nesse perfil e
não se constituíssem obstáculos para projetos maiores (MELO, 2001,
p.101).

Numa análise final das ações e do envolvimento de Pereira Passos, mas

também de Rodrigues Alves com o esporte, notadamente com o remo, podemos

concordar com Melo (2006b) que todo esse conjunto de atitudes e atividades foi,

sem dúvida, uma embrionária política pública esportiva.

Se não houve efetivamente a instalação de uma política pública, vista como a

construção de um conjunto de proposições que visem ao acesso e à democratização

do fenômeno esportivo, o trabalho de Pereira Passos foi uma aproximação dos

governos municipal e federal com o esporte. Tal fato ajuda-nos a compreender o

potencial desenvolvimento esportivo do Rio de Janeiro, muito favorecido pelo

envolvimento do poder público com a prática, haja vista a compreensão de que o

esporte representava os ideários da modernidade e ajudava a educar novos corpos

e novos homens, para uma nova sociedade.

Com tudo isso, procuraremos agora analisar Salvador e identificar se na

capital baiana houve alguma ação política efetiva que tenha favorecido o

desenvolvimento esportivo, centrando-nos no Governo de J. J Seabra.

Se, no Rio de Janeiro, foi possível até mesmo apontar um primeiro momento

de políticas públicas para o esporte, em Salvador, ao contrário, o que observamos é

um vazio de ações do poder público em relação as atividades esportivas.

Em todo o processo referente ao início e efetivação da prática das

modalidades em Salvador, pouco ou nada se viu de participação do governo


138

estadual de J.J. Seabra, por mais que o Governador também estivesse executando

seu projeto de modernização para a Bahia (mais fortemente em Salvador), assim

como Pereira Passos fizera no Rio de Janeiro.

Se tomarmos por referência que, para a Bahia e todo o Brasil, o Rio de

Janeiro foi o modelo de modernização a ser seguido, e acrescentarmos a própria

experiência de J.J.Seabra em terras cariocas, onde viveu e atuou como ministro, fica

ainda mais evidente a ausência de qualquer ação do Governador baiano que tenha

contribuído com o esporte, ou mesmo que dele fizesse uso.

O fato de alguns clubes terem como fundadores membros da elite baiana,

notadamente a pequena elite burguesa urbana de Salvador, que assim como o

Governador desejava modernizar Salvador, nos leva a pensar que J.J. Seabra

poderia estabelecer uma proximidade com o esporte, desenvolvendo algumas ações

que colaborassem com sua prática, fato que não se deu e isso, por concordarmos

com Genovez (1998)115 quando afirma que o esporte pode ser ―... como um

instrumento, entre tantos outros, utilizado para inculcar certos valores e normas de

comportamento através da repetição‖.

O máximo que podemos considerar acerca das iniciativas de J.J Seabra que,

em algum aspecto, favoreceram o esporte foram as próprias obras de

remodelamento e reforma urbana por ele empreendidas e isso, por conta do fato dos

participantes das equipes esportivas locais fazerem uso de alguns desses espaços

para seus treinos e/ou jogos. Ou seja, eram benefícios indiretos, já que as obras não

tinham por fim o esporte, principalmente se considerarmos que esses espaços, a

115
Texto sem paginação na edição eletrônica.
139

princípio, não deveriam ser usados para o esporte, e sim deveriam servir à

municipalidade para fins de ocupação, mobilidade ou deleite.

Esse afastamento do Governador da Bahia do esporte aconteceu mesmo que

os clubes, principalmente os de remo, operassem iniciativas de aproximação.

Durante as regatas, sempre havia um páreo com seu nome. Tal fato, além de

simbolizar uma homenagem, também pode ser vista como uma forma de estar

próximo do poder público. Todavia, nem com isso Seabra desviou seus olhares

diretamente para o esporte.

O máximo que se viu foi o Governador mandar confeccionar troféus ou

medalhas para os vencedores do páreo em seu nome. Contudo, sequer comparecia

ao evento, enviando sempre um representante, por mais que as regatas, à época,

fossem um palco de celebração de uma modernidade onde a elite baiana, incluindo

as mulheres, se fazia presente, assim como os populares.

Sendo assim, podemos considerar que os esportes na Bahia não alcançaram

o mesmo nível de desenvolvimento do Rio de Janeiro. Dentre as causas, foi

perceptível a falta de apoio à prática esportiva, seja com um financiamento direto,

como fez Pereira Passos, seja com a ação de reformas que facilitassem as práticas.

Ao contrário do Rio de Janeiro, as principais obras de J.J Seabra não aconteceram

em locais da cidade próximos aos espaços esportivos. Com o tempo, a elite

soteropolitana, de forma diferente da carioca, deslocou suas residências e espaços

de veraneio para longe dos locais usados como praças esportivas.


140

A GUISA DE CONCLUSÃO: O CAMPO ESPORTIVO EM TELA -


ANÁLISE DAS DUAS CIDADES EM ESTUDO

Neste espaço final, procuramos compreender o processo de sistematização

da prática esportiva nas duas cidades, a fim de identificar se houve a consolidação

de um campo esportivo ou se, ao menos, existiu uma ambiência propícia para tal.

Ao abordamos a questão do campo esportivo, nos apoiamos no conceito de

Bourdieu (1983). Este autor afirma que uma melhor compreensão sócio-histórica

deste fenômeno deve se pautar na identificação das condições em relação ao

espaço estudado. Sendo assim, como Rio de Janeiro e Salvador se mostravam?

Existiam espaço social e condições históricas para a constituição de um campo

esportivo nessas duas cidades? E mais, elas se ligavam de alguma forma, existindo

influências de uma sobre a outra?

A partir da compreensão de uma relativa autonomia do esporte em sua

constituição histórica e já tendo apresentado uma definição de campo e de seus

elementos formadores, passamos agora a melhor entender esses dados, nas

cidades estudadas, concordando com Jesus, quando este afirma que ―os esportes,

como qualquer outra atividade econômica, dependem fundamentalmente da

materialidade urbana e da organização interna da cidade‖ (1999, p.29).


141

A partir de uma análise geral do desenvolvimento do esporte, Melo (2009b;

2010a) construiu um modelo heurístico que se fundamentou nas características

básicas da trajetória do esporte, em seus momentos distintos. Segundo Melo

(2009c) tal modelo busca

captar as semelhanças e dessemelhanças de seus diversos arranjos


[...] que tem como argumento central a compreensão de que o
campo esportivo seguiu, de forma não linear, não excludente e
sempre dialogando com um conjunto aproximado de transformações
(p.72).

Os momentos são estes:

1º. momento: os primeiros esportes organizados se caracterizaram pelo uso

do animal, basicamente o cavalo, sendo o turfe sua prática básica;

2º. momento: as práticas esportivas estavam numa fase mais aproximada da

que hoje conhecemos, crescendo aquelas, nas quais o movimento humano é central

(o remo é o grande exemplo);

3º. momento: tem seu desenvolvimento marcado pelo uso da tecnologia e de

seus equipamentos e implementos, ampliando os desafios corporais pelo aumento

da velocidade e do risco. As bicicletas e o ciclismo, os carros e o automobilismo são

marcantes;

4º. momento: corresponde à ampliação dos praticantes esportivos, em

espaços específicos, com largo desenvolvimento dos esportes coletivos. São

exemplos os esportes de quadra hoje conhecidos e, mais acentuadamente, o

futebol;

5º. momento: refere-se ao desenvolvimento atual dos esportes, a partir do

estabelecimento do uso de recursos da informática, denotando a própria mudança


142

do sentido de esporte, visto que o mover-se significa trabalhar com simulações e

construções virtuais.

É imperativo dizer que esses momentos caracterizam dados que podem ser

reconstruídos ou ressignificados em cada realidade, a partir de suas peculiaridades,

em consonância com as particularidades culturais e o próprio desenvolvimento

histórico do esporte.

Com isso, na tentativa de estabelecer uma análise acerca do campo esportivo

nas cidades estudadas, nos valemos dos conceitos já apresentados de Bourdieu,

bem como desse modelo heurístico operado por Melo, para compreender a história

do esporte nessas cidades realizando uma análise comparada.

Em seus estudos sobre o esporte no Rio de Janeiro, Melo afirma que a

cidade, entre o final do século XIX e início do século XX, tinha consolidado um

campo esportivo, sendo possível identificar no cotidiano carioca o esporte e sua

prática a partir dos elementos formadores. As práticas esportivas experimentavam,

entre os cariocas, larga aceitação e tinham definido ao redor de si os fatores que

fizeram existir a já citada ―febre esportiva‖ (SEVCENKO, 2008b).

Dessa forma, no Rio de Janeiro,

a experiência moderna era vivida na transição de séculos, ao modo e


jeito carioca. O esporte, conectado com o que ocorria no ―mundo
civilizado‖, era indício e indicador dessa nova forma de encarar a
vida em sociedade (MELO, 2010d, p.47).

No Rio de Janeiro, os esportes estiveram diretamente associados aos

princípios norteadores da construção de um projeto moderno. Uma expressão disso

é sua presença nas ações implementadas por Pereira Passos. O mesmo se via em

sentido contrário: representados em suas entidades dirigentes, os esportes


143

buscaram uma aproximação com o poder público para também terem ganhos com

isso, tentando, entre outras coisas, obter financiamentos e construção ou reforma de

seus espaços específicos de prática (MELO, 2010d).

Por fim e diante disso, Melo (2010c) afirma que no Rio de Janeiro, o esporte

já se constituía em uma das principais práticas de lazer para todos os estratos da

população. O Rio de Janeiro, portanto, já era uma ―cidade sportiva‖116 (2001, p.73).

Na condição de então capital do país, o Rio de Janeiro exerceu influência de

diferentes graus em muitas cidades brasileiras, inclusive nos modos e hábitos

culturais, bem como nas práticas e comportamentos.

Dessa forma, a Bahia também vivenciou a experiência da prática esportiva

entre fins do século XIX e início do século XX, em bases bastante próximas ao visto

no Rio de Janeiro. Nas duas cidades, o modelo heurístico proposto por Melo (2009b,

2010a), pode ser percebido. Todavia, existiram diferenças entre as duas, pois, no

Rio de Janeiro, esse desenvolvimento existiu com mais vigor e de forma mais

acelerada, identificado com o imaginário existente ao redor da modernidade, fato

que se pode atribuir à condição de cidade referência no Brasil de então.

Já na Bahia, podemos afirmar que o desenvolvimento também se deu –

porém, de forma mais lenta, com ―intervalos‖ e mesmo quedas da prática esportiva,

que podem ser associadas à conjuntura da época. Da mesma forma, o aspecto

cultural e sua própria tradição foram elementos importantes para que em terras

baianas o esporte vivesse uma movimentação menor que a do Rio de Janeiro.

Na Bahia (não apenas) existia uma valorização da erudição. Fatores como a

oratória e a discursividade apontavam para um tipo de prática social que contrastava

116
Grifo nosso, por reconhecer que esta afirmação é central neste estudo.
144

com os preconizados pelo esporte. Por exemplo, em Salvador no período desse

estudo, a política apresentava alguns personagens que se notabilizaram por sua

habilidade com a fala, como Rui Barbosa e mesmo J.J. Seabra, tido como um orador

muito habilidoso.

Em Salvador, a instalação da Faculdade de Medicina ajudou a criar na cidade

um ar intelectual. Dessa forma, para a cidade e seus moradores, fatores peculiares

da moderna prática esportiva como movimento, risco, e velocidade não estavam

associados às experiências culturais mais características do povo soteropolitano.

Assim, a relação estabelecida com o próprio corpo, com o outro e com o ambiente

impactaram na menor circulação do esporte na Bahia.

Da mesma forma que no Rio de Janeiro, na Bahia foram as elites brancas que

promoveram a organização inicial da prática esportiva, uma vez que tentavam se

alinhar ao que se dava em cenários considerados avançados e civilizados. Com

isso, tais práticas tiveram um início restrito, sendo o futebol o esporte que melhor

experimentou a popularização de sua experiência. Pode-se associar esse padrão de

desenvolvimento do esporte às tentativas de transformação propaladas pela

modernidade, muito embora, como já demonstrado, na Bahia esse processo tenha

acontecido com limitações e em tempo diferente do ocorrido no Rio de Janeiro.

É concreto afirmar que, na Bahia, os esportes tiveram uma difusão nas

primeiras décadas do século XX – notadamente o futebol, que se transformou em

fenômeno popular. Enquanto isso, alguns caíram no esquecimento, inclusive o

críquete, que foi a modalidade inicial. Outros permaneceram restritos, caso do remo,

do ciclismo, da natação, da patinação e também do tênis e das corridas a pé.


145

O turfe merece análise especial, já que as fontes demonstram que esse

passou por ciclos, oscilando entre a prática regular e o ostracismo. Por mais que

autores como Dantas Junior (2010) afirmem que Salvador foi uma inspiração

―esportiva‖ para outras cidades nordestinas, devemos reconhecer que, em terras

baianas, o esporte não teve um desenvolvimento no mesmo nível que no Rio de

Janeiro. Esse fato se deveu a um conjunto de questões econômicas e políticas, mas

também culturais. Assim, entre os cariocas, o esporte foi mais explorado do que

entre os soteropolitanos.

Reconhecemos que, em seus momentos inicias, a prática esportiva na Bahia

experimentou relativo sucesso, como se vê nesta afirmação da Revista do Brasil117

―as sociedades (esportivas) contam em seu seio para mais de mil jovens que se

dedicam ao sport, contando sempre com o valioso concurso, daquelles que são e

devem ser considerados os ―paes‖ do sport na Bahia‖.

Da mesma forma, sabemos que nesse período, Salvador via seu campeonato

de futebol, as regatas, provas de natação, algo de turfe (ou melhor, corridas de

cavalo) e esporádicas partidas de críquete. Os clubes se expandiam, contando com

duas entidades reguladoras, uma para o futebol e outra para o remo – mas, ressalte-

se, sempre usando espaços improvisados.

Entretanto, essa condição seguiu até que – nos anos de Seabra no poder,

justo quando se buscou ―civilizar‖ a cidade, tentando ligá-la aos fenômenos da

modernidade – percebemos que o esporte, ao contrário do Rio de Janeiro, viveu

uma desaceleração em seu processo evolutivo, num período que coincidiu com a

117
Revista do Brasil, 25 de abril de 1906, ano I, n.4, p. 9.
146

primeira Guerra e que trouxe problemas de várias ordens para a Bahia. Já no caso

do Rio de Janeiro, não se reconhece que essa tenha implicado dificuldades maiores.

Em Salvador, trata-se de um período em que o esporte foi inconstante.

Diversos jornais118 entre os anos de 1912 e 1916 afirmavam a ―morte‖ das

modalidades na Bahia, à exceção do futebol, que experimentou uma larga

popularidade, criticada como um esvaziamento do que seria o sentido ―nobre‖ dessa

prática. As afirmações sobre a queda da atividade esportiva em Salvador eram

associadas ao pouco incentivo do governo a essa prática cultural, ao contrário do

que ocorria no Rio de Janeiro. Também, a deficiência econômica vivida pela cidade,

principalmente entre comerciantes e industriais – que, mesmo poucos, eram os

grandes incentivadores do esporte – foi apontada como um fator possível para a

pouca evolução esportiva baiana.

Com tudo isso, entendemos que, no período estudado, Salvador já possuía

uma ambiência para a instalação do campo esportivo, contando, todavia, com limites

para sua efetiva e plena instalação. Assim, diferentemente do Rio de Janeiro,

podemos afirmar que em Salvador a experiência esportiva teve um desenvolvimento

mais vagaroso, com menor impacto no cotidiano, ajustado as peculiaridades e

possibilidades locais. Os esportes em terras baianas só voltariam a ver crescimento

significativo – então, com mais espaço para a efetivação de um campo esportivo – a

partir da década de 1920.

118
A Tarde, 19 de outubro de 1912, p.2; 24 de outubro de 1912, p.2; 08 de novembro de 1912, p.2; 14
de novembro de 1912, p.2; 20 de novembro de 1915; 30 de novembro de 1914 – Diário de Notícias,
30 de junho de 1915, p.3 - Gazeta do Povo, 05 de maio de 1912, p.2.
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