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INSTITUTO DE HISTÓRIA
DOUTORANDO:
CORIOLANO P. DA ROCHA JUNIOR
ORIENTADOR:
VICTOR ANDRADE DE MELO
Rio de Janeiro
Dezembro de 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA
Tese de Doutorado
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História
Comparada – Universidade
Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor
em História Comparada.
DOUTORANDO:
CORIOLANO P. DA ROCHA JUNIOR
ORIENTADOR:
VICTOR ANDRADE DE MELO
Rio de Janeiro
Dezembro de 2011
ii
FOLHA DE APROVAÇÃO
____________________________
(Prof. Dr. Victor Andrade de Melo, PPGHC-UFRJ - Orientador)
__________________________
(Dr. Rinaldo Cesar Nascimento Leite, UEFS)
__________________________
(Dr. José D‘Assunção Barros, PPGHC- UFRJ)
__________________________
(Dr. Rafael Fortes, UniRIO)
__________________________
(Dr. João Manuel C. M. dos Santos, PPGHC- UFRJ)
iii
DEDICATÓRIA
foi construída a partir e em conjunto com minhas vivências. Assim, existem algumas
pessoas a quem dedico esta produção, por reconhecer que a mim, estas mesmas
Aos meus pais, seu Cori e dona Arabella, que em suas vidas me permitiram
querer ser, me deram de seu tempo e seu carinho, estando ao meu lado e deixando
que eu pudesse seguir minha vida. São eles os responsáveis, mais do que diretos
A Cláudia Flores Stohler, esposa querida e amada. Uma pessoa que a todo
o momento está ao meu lado, me oferecendo seu amor e atenção, dedicando a mim
A vocês, mais do que esta tese, dedico tudo o que de bom consiga pensar,
fazer ou sonhar. Que eu ao longo de minha vida possa retribuir o que me deram e
dão. Mesmo que eu não consiga, saibam que todos são mais do que especiais, são
Em minha vida, por todos os lugares onde passei tenho tido a felicidade de
Assim, deixo para estas pessoas meus agradecimentos, certo que por maiores que
e desejos. Amigos que mesmo distantes e espalhados por esse Brasil imenso estão
sempre ao meu lado. São várias pessoas, dentre elas Carlos Fernando e Luís Lira.
Além destes, com vários amigos compartilhei momentos nesta fase da minha vida
são eles: Agnaldo Quintela, José Cristiano, Adilson Pereira, Flávio Damião, Sílvio
Vilela, Marco Santoro, José Ribamar, Luiz Otávio, Helder Isayama, Ricardo Rabelo,
Destes apenas digo de meu orgulho e alegria em poder conviver e fazer parte
de suas vidas. A todos meu carinho e meu desejo de que ainda por longos anos
possamos estar juntos. Uma homenagem especial eu faço a dois amigos, que por
razões diversas, não estão mais ao nosso lado: Marcelo Guina e Marcos Avellar.
Desde minha chegada na Bahia e mesmo antes disso, alguns amigos sempre
agradecimento e também a sua família. Antonio Bahia, amigo com quem também
fraterno.
notadamente minha irmã Anabella, que também me recebeu em seu lar durante
Meire.
Devo agradecer aos componentes da banca, que souberam ler a tese com
fraterna e solidária. A vocês José D‘Assunção, João Malaia, Rafael Fortes e Rinaldo
amigo que sempre compartilha de forma solidária seus saberes e que por isso, como
pontuando suas indicações. Mas que mais do que isso, soube me entender, me
respeitar. Meu caro amigo Victor Melo meu muito obrigado e por mais que seja
pouco é tudo que aqui posso dizer, com todo carinho e sinceridade.
projeto de vida que percorre longos e diferentes caminhos. Hoje, no fim desta fase,
olho para o que já foi e digo que valeu a pena, que todo o vivido foi uma
amizades, saberes e experiências. Assim, tudo o que se coloca daqui por diante me
Por isso, a todos vocês, digo que o muito que de vocês recebi, recebo e
receberei não sei se poderei retribuir da mesma forma, mas saibam que eu estarei
MUITO OBRIGADO.
vii
EPÍGRAFE
Lá e Cá
Mangueira, Ilê Aiê e viva o baticum
Quando a Padre Miguel encontra com
Olodum
Caymmi com Noel, no Tom maior Jobim
A Penha, a Candelária, o Senhor do Bonfim
Irmão São Salvador e São Sebastião
Tamborim, berimbau na marcação
Pontal do Arpoador, final de Itapoã
Meninos do Pelô, da Flor do Amanhã
Diga aí, diga lá
Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá
Diga lá, diga aí
Você já foi até o Rio, nego? Não? Tem que ir
Rocinha faz parelha lá com Curuzu
Centelha, luz, axé que vem do fundo azul
Do céu, do mar, de Maré até Maricá
No reino de água e sal de mãe Iemanjá
É tanta coisa afim, tanto lá, como cá
Tem Barras, Piedades e Jardim de Alah
São trios e afoxés
Blocos de empolgação
De arranco, negro e branco
Tudo de roldão
Diga aí, diga lá
Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá
Diga lá, diga aí
Você já foi até o Rio, nega? Não? Tem que ir
João, Benjor, Cartola
da Viola, Gil, Velô
Coquejo, Alcyvando
Chico, Ciro, Osmar, Dodô
Geraldos e Ederaldos
Elton, Candeia e Xangô
Rufino, Aldir, Patinhas
da Vila, Ismael, Melô
Monsueto e Batatinha
Silas, Ciata e Sinhô
Salve Mãe Menininha
Clementina voz da cor
Alô, Carlos Cachaça "pedra noventa", falou...
falei: Rio e Bahia...simpatia é quase amor...
Diga aí, diga lá...
(Lenine)
viii
RESUMO
ix
ABSTRACT
This study aimed at comparing the relationship between the construction of projects
of modernity and the conformation of the sports field in Rio de Janeiro and Salvador,
under the governments of Pereira Passos (1902-1906) and J. J. Seabra (1912-1916)
respectively. The established questions to investigate are: how did these cities
mobilize the sport in their intervention projects? What is the impact of the sporting
experience in both cities? The investigation is justified because it is in two major
cities to history of the country, and the lack of related studies. Thus, the comparative
analysis is the most original aspect of this text. To reach the goal, as sources to
investigate the case of Salvador, we research in daily newspapers, notably Diário de
Notícias and A Tarde, we also look at in Jornal de Notícias, Diário da Bahia, Gazeta
do Povo, Correio de Notícias and Correio do Brasil. Some magazines were also
analyzed: Renascença, Revista do Brasil, Artes e Artistas and Semana Sportiva. In
contrast, on Rio de Janeiro, we believe that there is already a considerable
production about the issue, so we chose to work with these previous researches.
Thus, this proposal was to conduct a comparative analysis between what the
literature deals with the Rio de Janeiro and what we had built from source about
Salvador. In conclusion, we found the sporting field, in Rio de Janeiro, had developed
in a broad relation to process of modernization, while this relationship was less
significant in Bahia than in Rio, this implied a smaller sporting development.
x
LISTA DE FOTOS
PÁGINA
Foto 01: Pereira Passos 10
Foto 02: Avenida Central (1905) em obras - atual Av. Rio Branco 12
Foto 03: Postal da Avenida Central (1905), atual Av. Rio Branco 12
Foto 04: J. J. Seabra 14
Foto 05: Avenida Sete de Setembro 20
Foto 06: Imagens da cidade de Salvador em obras 26
Foto 07: Toureira Josefa Mola 38
Foto 08: Fachada do Hipódromo da Boa Viagem (Salvador) 47
Foto 09: Avenida Beira-Mar por ocasião de uma regata 56
Foto 10: Pavilhão de Regatas 57
Foto 11: Imagens da platéia em dia de regatas 61
Foto 12: Vapor Santo Amaro 62
Foto 13: Vencedores de uma regata e o patrão 64
Foto 14: dia de regatas na Enseada dos Tainheiros 65
Foto 15: Oscar Cox 68
Foto 16: Zuza Ferreira 68
Foto 17: imagens da platéia em dia de jogo no Campo dos Martyres 72
Foto 18: Campo dos Martyres 77
Foto 19: Campo do Rio Vermelho 79
Foto 20: Patinadores na espera da largada de uma prova 89
Foto 21: Ciclistas a espera da largada 91
Foto 22: Corridas no Jockey Club/ Grande Prêmio Cruzeiro do Sul 104
Foto 23: Derby Club do Rio de Janeiro em dia de páreo 104
Foto 24: Imagens do Jockey Club São Salvador na década de 1920 107
Foto 25: Símbolo da Federação Brasileira das Sociedades de Remo 110
Foto 26: Capitão de Mar e Guerra Eduardo Ernesto Midosi Primeiro 111
presidente da federação
Foto 27: Símbolo da Federação dos Clubes de Regatas da Bahia 111
Foto 28: Fernando Koch – um dos presidentes e um dos nomes 112
mais importantes do remo na Bahia
Foto 29: Enseada dos Tainheiros em dia de regata 1113
Foto 30: Imagem interna do navio que transportava sócios e 114
convidados do Club Santa Cruz para assistir uma regata
Foto 31: Estádio do Fluminense em dia de jogo 122
Foto 32: Imagem de um dia de jogo no Campo do Rio Vermelho 123
Foto 33: Quadro de presidentes honorários 135
xi
SUMÁRIO
PÁGINA
INTRODUÇÃO 1
1 ESPORTE NAS CIDADES: UMA ANÁLISE COMPARADA 34
1.1 OS PRIMÓRDIOS DO ESPORTE NO RIO DE 35
JANEIRO E EM SALVADOR
1.1.1 AS TOURADAS: PRÁTICA ESPORTIVA OU 36
PRÁTICA PRIMITIVA?
1.1.2 O CRÍQUETE DOS INGLESES E 41
BRASILEIROS: UM PRIMEIRO ESPORTE
1.2 O ESPORTE E SUAS BASES ENTRE 44
CARIOCAS E SOTEROPOLITANOS
1.2.1 O TURFE NO RIO DE JANEIRO E EM 48
SALVADOR
1.2.2 O REMO E UMA NOVA SOCIEDADE 53
1.2.3 O FUTEBOL PELAS CIDADES 68
1.2.4 OUTROS ESPORTES QUE AS CIDADES 85
PRATICAVAM
2 AÇÕES POLÍTICAS E O ESPORTE 93
2.1 A CONSTITUIÇÃO DE CLUBES E ENTIDADES 95
ORGANIZACIONAIS
2.1.1 OS CLUBES 96
2.1.2 AS FEDERAÇÕES 100
2.1.2.1 A ORGANIZAÇÃO NO TURFE 102
2.1.2.2 A ORGANIZAÇÃO NO REMO 109
2.1.2.3 A ORGANIZAÇÃO DO FUTEBOL E DOS 116
OUTROS ESPORTES
2.2 AS ELITES, AS CLASSES POPULARES E O 126
ESPORTE
2.3 AS RELAÇÕES ENTRE OS GOVERNOS E O 131
ESPORTE
A GUISA DE CONCLUSÃO: O CAMPO ESPORTIVO EM TELA: 140
ANÁLISE DAS DUAS CIDADES EM ESTUDO
REFERÊNCIAS 147
xii
INTRODUÇÃO
importante cidade do país, Salvador, que tinha sido a cidade sede do poder,
passava por uma fase de decadência, identificando-se com os ―ares‖ dos séculos
passados, tempos em que viveu seu auge. Nesse cenário, ―a Bahia se viu
tristeza por já não possuir influência comparável a que tivera no Império‖ (LEITE,
2005, p.298).
1
Ao longo deste texto, ao usarmos o nome Bahia, estaremos nos referindo diretamente a sua capital
Salvador. Reconhecemos que é nela que se concentravam as forças políticas e econômicas, mesmo
não sendo um pólo produtor, seja na agricultura, seja na indústria. Além disto, na época abordada
neste estudo, as próprias definições territoriais do estado da Bahia estão ainda bastante difusas.
Exemplo disto são as ações do governo estadual para definição de limites territoriais, como aparece
no Diário de Notícias em 10 de janeiro de 1914, p.1 (com Sergipe) e em 22 de agosto de 1916, p.1
(com Minas Gerais). Tavares (2001) também trata esse assunto.
2
maior movimentação econômica. Enquanto locais como São Paulo e Minas Gerais
mudanças.
estados, inclusive muitos baianos: ―a cidade era, no entanto, o ponto nodal da vida
2
Segundo Leite (2005), o termo era usado por diversos personagens baianos para designar a Bahia
em seus tempos áureos.
4
Na transição dos séculos XIX e XX, mais notadamente nas décadas iniciais
Nesse período, a elite baiana se caracterizava por ser mais conservadora do que a
carioca, muito por conta do poder da cidade em tempos passados; e, ainda que
problemas (econômicos e culturais) para dar vazão a esse desejo. Para melhor
p.7), que afirma que esse estrato da população ―faz referência a categorias ou
de recursos‖. Ou seja, fazer parte da elite representa estar em grupo que detém
controle sobre a sociedade, justo por possuir domínio sobre meios e recursos,
Sevcenko (2003) ao abordar o caso brasileiro afirma que um ―apelo premente para a
que ligava o país a um passado que se queria superar. Segundo Marins (2008,
descobertas, dos inventos, da afirmação da ciência como um bem que alteraria para
escala mundial, com diferenças quanto ao tempo histórico e aos modos de vivência.
extrai seu significado tanto do que nega como do que afirma. [...] a
modernidade sente que o passado não tem lições para ela; seu
impulso é constantemente em direção ao futuro. Ao contrário de
outras sociedades, a sociedade moderna recebe bem e promove a
6
3
Poeta e teórico da arte francesa, visto pela maior parte dos críticos como provável fundador da
poesia dita moderna. Sua poesia tendeu para a expressão de imagens cotidianas. Baudelaire intuiu a
mudança radical provocada pela metrópole na sensibilidade, acompanhando diretamente as
mudanças pela qual passou Paris em uma de suas reformas urbanas.
7
modernidade se deu a partir do desejo e ação das elites, sem maiores diálogos
gostos e as intenções dos mais poderosos, sendo mesmo, em última instância, uma
superar. Além desse expurgo, a nova cidade deveria se afastar de qualquer marca
que a ligasse ao rural, assumindo definitivamente sua face urbana, letrada, científica
e lógica, exigindo dos habitantes uma nova relação com o corpo, com o espaço e
com o tempo.
modernos, servindo mesmo de exemplo para outras cidades, que promoveram suas
compreensão do que se pensou como modernidade para o país, do que se viu como
sendo o espaço público seu grande cenário de vivência, contando ainda com um
afirmam que a Belle Époque se apresenta como um período que, com ―... seus
de explicações‖.
das novas elites, que traziam a herança dos tempos coloniais e das fortunas das
2010; PINHEIRO, 2010). A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como centro das
4
Ocorrido no governo provisório de Deodoro da Fonseca (1889-1891), quando o baiano Rui Barbosa
era o Ministro da Fazenda. Basicamente, tentou-se dar apoio à industrialização brasileira, adotando-
se uma dinâmica de créditos livres para os investimentos, garantidos por emissões monetárias. Isso
gerou uma imensa especulação financeira e consequente inflação e aumento da dívida externa.
Needell (1993) afirma ainda que a palavra foi extraída do linguajar dos hipódromos.
10
Haussmann5, que acabou sendo modelo para as intervenções que foram propostas
6
Foto 01: Pereira Passos
Vale observar que mesmo tendo sido a cidade referência para os projetos de
Foi nesse contexto que o Rio de Janeiro viveu uma de suas fases de
(2003, p.41), ―era preciso, pois, findar com a imagem da cidade insalubre e insegura,
com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago, vivendo no
(atual Avenida Rio Branco). A primeira mostra-a em sua fase de obras, contando
ainda com a ação dos trabalhadores; na seguinte, já se vê a nova via concluída, com
sua opulência.
12
7
Foto 02: Avenida Central (1905) em obras - atual Av. Rio Branco
8
Foto 03: Postal da Avenida Central (1905)
7
Foto extraída de: COHEN, Alberto Alves e GORBERG, Samuel. Rio de Janeiro: o cotidiano carioca
no início do século XX. Rio de Janeiro: AACohem Editora, 2007. p. 25.
13
destruído. Não apenas certas instalações prediais foram expurgadas, mas também
quatro princípios:
progresso.
comportamentos e posturas.
10
Foto 04: J. J. Seabra
Seabra era natural de Salvador e filho de família urbana sem grande fortuna.
Exerceu a carreira jurídica com destaque, mas foi na política que se notabilizou.
de sua participação nas reformas cariocas nos é apresentado por Edmundo (1938),
9
José Joaquim Seabra também governou entre 1920 e 1924, mas nesse estudo interessa-nos o
primeiro mandato. Seabra também foi deputado e senador, além de grande liderança política na
Bahia, sendo seus seguidores chamados de Seabristas. Em Salvador, neste período, era intendente
(equivalente ao prefeito) Júlio Brandão.
10
Foto extraída de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Joaquim_Seabra. Acessado em 12. Jan.
2011.
11
Ocupou o Ministério da Justiça e Negócios Interiores (1902 - 1906) e de forma interina o Ministério
das Relações Exteriores (15 de novembro a 3 de dezembro de 1902). Depois atuou como ministro da
Viação e Obras Públicas (1910 - 1912) na presidência de Hermes da Fonseca.
15
quando afirma que Pereira Passos teria sido convencido pelo então Ministro Seabra
Como ministro,
ganharem peso no Brasil Republicano, até mesmo pelo fato de que seus ―chefes
Por viver sob essa condição de decadência, a Bahia destoava dos princípios
de recursos naturais. Dessa forma, Salvador estava presa a uma lógica econômica
12
No original extraído da internet, o texto não apresenta paginação.
16
de progresso.
uma leva menor de imigrantes estrangeiros, que em outros estados vieram trabalhar
primeiro no campo e depois na incipiente indústria. Tavares (2001, p.359) afirma que
lidou menos com a pressão cultural e econômica imigratória, tornado-se uma cidade
mais fechada, dialogando fortemente com seu interior. Assim, além da limitação
assevera que ―no período considerado da maior imigração para o Brasil, 1916-1930,
para o mar como porta de entrada de pessoas que nela iam viver e trabalhar.
passou a aspirar por mudanças. Se suas condições iniciais diferiam das observadas
no Rio de Janeiro, as questões estruturais não nos parecem muito diferentes entre
ambas.
17
1910: ―se difficil13 se tornava a extinção completa de certos hábitos ruins entre nós,
era porque dependia da remodelação da cidade‖14. Esse trecho nos mostra que
existia um apelo de parte da população, basicamente sua elite branca, por algo que
fizesse a cidade diferente, livre dos vícios ―envelhecidos‖ e livre da miséria, um dos
aspectos mais fortes e duros da vida baiana nesses tempos. Sobre as pretendidas
13
Optamos por manter nas citações, a grafia típica de cada época.
14
Diário de Notícias, 22 de junho de 1912, p.1.
15
A Tarde, 04 de novembro de 1913, p.1.
16
Gazeta do Povo, 29 de junho de 1912, p.1.
18
como ocorreu no Rio de Janeiro, no sentido de promover uma reforma urbana, mas
2005). Nesse quadro, ―as Cidades Alta e Baixa, integrantes de um complexo centro
em sua estrutura física‖ (PERES, 2009, p.39). Flexor (1997) ao tratar esse assunto,
afirma que
17
Trechos do texto extraídos do A Tarde, 18 de agosto de 1917.
19
uma cidade tropical com moldes europeus, intencionando uma imagem de cidade
cidade não possuía recursos em seus cofres para tocar o projeto e, para isso, teve
de contar com empréstimos, que ainda assim, não atingiram o montante desejado.
18
Foto 05: Avenida Sete de Setembro
A dificuldade financeira fez com que a reforma urbana se desse numa escala
menor do que se esperava, frustrando sua elite, que viu a cidade ficar distante do
destacou por possuir uma imensa população negra, que servira de mão de obra nas
local, que considerava que os hábitos e modos dos negros mais se assemelhavam a
18
Foto extraída de: TRINCHÃO, Gláucia Maria Costa. O parafuso: de meio de transporte a cartão
postal. Salvador: EDUFBA, 2009, p. 132.
21
bárbaros e eram símbolos de uma cidade que não havia atingido padrões
―civilizados‖.
Era preciso embranquecer Salvador, acabar com (ou, ao menos jogar, para
Essa tentativa, sob a égide civilizadora, de acabar com festas, gestos, sons e
práticas corporais dos negros não avançou muito. Esses costumes, de certa forma,
santos, deuses e heróis saíam às ruas com seus cultuadores, traziam a tona
p.124).
O Rio de Janeiro também era uma cidade com grande presença de negros e,
uma ansiedade por mudanças que fizeram com que nelas se instaurasse o novo,
outro vestígio que as ligasse ao passado, postura que, segundo Peres (2009), foi
oposição dos rejeitados, que, mesmo sob as forças do poder central e sofrendo as
agir. Nesse sentido, Carvalho (2009) afirma que ―o mundo subterrâneo da cultura
popular engoliu aos poucos o mundo sobreterrâneo da cultura das elites‖ (p.41). Ou
seja, vê-se mesmo uma reação popular às investidas de controle cultural por parte
da elite, lutando para manter vivas suas manifestações, mas também buscando
processo. Ao mesmo tempo em que crescia uma cidade com aspectos modernos,
23
Salvador que a cultura foi um foco das ações modernizadoras; é nela que se
paredes dos prédios e das vias públicas. Para apoiar nossa análise, nos valemos de
um conceito de cultura apresentado por Melo e Alves Junior (2003, p.26), que é o
exemplos desse jogo de forças entre elite e camadas populares. Carvalho (2009,
ressignificando as práticas vividas pelas elites, que também por vezes assumiram
também do estado.
somente na capital, para se ter uma relativa ―paz‖ no quadro político, foi necessário
19
O Diário de Notícias se apresentava neutro politicamente em relação a Seabra e, portanto, tanto
fazia críticas quanto elogios ao seu trabalho. Já A Tarde, em sua fundação (1912), era da base de
apoio ao governador, até o rompimento de seu criador, Ernesto Simões Filho, com Seabra, quando
passou a fazer uma oposição mais rotineira.
25
estabeleceriam na capital e nos seus arredores. De outro lado, o interior (com suas
espaços exigiria um acordo prévio. Essa foi a forma encontrada para dar andamento
referida falta de dinheiro, em grande parte devido à Guerra, que contribuiu para
20
Diário de Notícias, 16 de janeiro de 1915, p.1.
26
22
Foto 06: Imagens da cidade de Salvador em obras
21
A Tarde, 16 de outubro de 1914, p.2.
22
Foto extraída de: A Tarde, 16 de outubro de 1914, p.2.
27
fazer prevalecer certos padrões europeus, o projeto foi implantado a partir de uma
leitura peculiar a cada cidade. Dessa forma, por mais que as propostas se
Foi nesse cenário e sob essas condições que, tanto no Rio de Janeiro como
social que emergia como uma de suas novas formas de vivência, exatamente no
Estes fatores significavam uma busca pelo prazer e por uma excitação
Assim, entre fins do século XIX e início do século XX, tanto no Rio de Janeiro
modernidade.
Bourdieu (1983) afirma que o esporte é uma prática moderna e pode ser
ter em conta que ele se constituiu a partir de uma lógica específica, vinculada às
mesma forma que o próprio projeto de modernidade, o esporte teve uma construção
prática humana para e nas populações, até chegar ao que hoje é mais comumente
aparecem nas definições e escritos sobre o fenômeno, numa trajetória que simboliza
o seu uso continuado e efetivo no cotidiano, o que evidencia a fixação dessa prática
sistematizadas.
30
interesse, tanto pelos projetos da modernidade, quanto pelo esporte, desejando ter
acesso às suas benesses. Mesmo tendo ficado à margem das ações do poder
estudadas. Para Melo (2010b), ―no Brasil, a pretensão e o desejo de ser moderno
não se mostrou apenas nos projetos da capital à época, o Rio de Janeiro, mas se
espalhou e foi observado em outras cidades‖ (p.15). Aliás, não apenas em capitais,
Tomando por base estes dados, este estudo teve como objetivo realizar uma
essas cidades, notadamente, mas não só, nos governos Pereira Passos no Rio de
duas cidades?
Este estudo justifica-se pelo fato de o Rio de Janeiro e Salvador terem sido e
permanecerem sendo duas das mais importantes cidades do país, sendo referência
e modelo para outras. Assim, uma análise comparada sobre as duas permite uma
aspecto mais original deste texto. A ausência de estudos correlatos a este e a pouca
considerável acerca do tema, optamos por trabalhar com estas obras. Sobre
23
São conhecidos apenas estudos que tratam do futebol.
24
O levantamento foi feito nos seguintes espaços: Biblioteca Pública do Estado da Bahia, Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, Fundação Clemente Mariani e Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro).
32
Salvador, que não possui tanta produção sobre o tema estudado, privilegiamos as
fontes jornalísticas. Dessa forma, nossa proposta foi a de realizar uma análise
comparada entre o que a literatura que trata o Rio de Janeiro apresenta e o que
esporte e das práticas corporais. Burke (2005, p. 78) afirma que, ―graças a essa
―virada‖ se deu quando a história passou a dialogar com outras áreas e quando
Ainda sobre o uso de periódicos como fontes, Luca (2006, p.132) afirma que
impressos e seus suportes‖. A mesma autora também vai dizer do cuidado com o
uso dessas fontes, nos mostrando o valor de se ―inquirir sobre suas ligações
seja, há que se ter o cuidado de buscar a crítica interna das próprias fontes,
compreender o contexto da produção, para daí se extrair dados que de fato possam
sobre esporte e modernidade, justamente pelo fato desses dois fenômenos, entre
outras coisas, projetarem uma maior velocidade de ação e uma maior capacidade de
por serem mais ágeis e dialogarem mais diretamente com as formas de agir e de se
portar.
Utilizamos como método de pesquisa nesta tese a história comparada, por ela
Introdução
Conclusão.
34
filiados do que a própria Organização das Nações Unidas (ONU). Os mega eventos
potencial econômico. Sendo assim, é forte sua vinculação com a vida das cidades,
localidade.
século XIX e início do século XX, Melo (2001) propôs uma divisão das
essa atividade passou por fases diferentes até uma consolidação de sua prática e de
seu conceito, tendo sido representada nesse período por diversas atividades.
1) os que hoje estão definidos como esporte moderno, mas que na época
Brasil foram proibidas (rinhas de galo e touradas) e outras que ainda existem,
Acreditamos que essa divisão ajuda a pensar o caso da Bahia, ainda que
e repercussão. Essa divisão nos mostra o quanto o esporte, ao longo dos tempos,
compreensão de que, como uma prática trazida de fora, passaram-se tempos até
Janeiro, quanto em Salvador, encontramos práticas que, se hoje, no Brasil, não são
novo, diferente. Dessas, uma que merece destaque é a tourada, que existiu e
século XX, a tourada foi sim uma atividade de interesse para o público, sendo
efetiva nas festas públicas, como as promovidas pela corte (MELO, 2008a; 2009a).
praticada desde os primeiros tempos desta cidade, representou assim e durante três
medida em que crescia nas cidades um apelo à modernidade. Melo (2008a) afirma
25
Correio de Notícias, 15 de julho de 1898, p.1.
38
que é ―só na transição do século que o urbano definitivamente vai se impor. É nesse
continuaram a existir.
No Rio de Janeiro:
27
Foto 07: Toureira Josefa Mola
26
Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p.28, 15 de abril de 1908, ano. II, n.14, p.24 e
30 de abril de 1908, ano III, n.15, p.9.
27
Foto extraída de: Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p. 28.
39
Outro exemplo é:
Vemos então que na virada dos séculos XIX e XX, período de instalação dos
28
Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p. 28.
29
Revista do Brasil, 15 de abril de 1908, Ano II, n. 14, p. 24.
30
Matérias em jornais também trazem o Derby do Rio Vermelho como um local de touradas neste
período.
40
conviveu com o remo. Este contava com uma representação oposta, sendo tido
como uma atividade esportiva típica dos valores modernos, ajustada às novas
―velho‖ e antiquado, mas com apelo ao gosto popular e de interesse das elites rurais,
conviveu com uma experiência social tida como moderna, que também atraía a
associada a uma elite burguesa. Dessa forma, o ―velho‖ e o ―novo‖ durante tempos
coexistiram como prática social, atraindo o interesse popular e das elites, possuindo
deste estudo, no caso das touradas, parece ter havido semelhança entre o Rio de
Janeiro e Salvador.
época e por motivos parecidos, durando até um período próximo. Da mesma forma,
pessoas. Ainda que sob o conceito adotado não possa ser considerada esporte, a
41
tourada foi uma prática em que constavam alguns dos elementos do campo
terras brasileiras trazida por ingleses. Melo (2001) comenta que no Rio de Janeiro
Club (1864, em São Cristovão) e do Club Brasileiro de Cricket (em 1892, nas
Salvador em meados do século XIX, por meio dos ingleses, e clubes foram fundados
para sua prática, que acontecia normalmente no Campo Grande (LEAL, 2002),
embora também haja notícias de jogos na Fonte do Boi31 e Quinta da Barra (GAMA,
31
Localizada no bairro do Rio Vermelho. Diário da Bahia, 25 de janeiro de 1902, p.1
32
Diário de Notícias, 24 de março de 1903, p.3 e 12 de setembro de 1903, p.3.
33
Diário da Bahia, 11 de janeiro de 1902, p.1. Localizado na Cidade Baixa, na área do bairro da
Ribeira.
42
Da mesma forma que no Rio de Janeiro, essa prática teve vida curta, ficando
clube inicialmente fundado para o críquete, logo depois assumiu o futebol, o Club de
Cricket Victoria, fundado por brasileiros em maio de 1899, que passou a se chamar
Sport Club Victoria. Ainda houve o Club Internacional de Cricket, fundado por
uma prática trazida e praticada por ingleses, com uma inicial participação de
brasileiros, mas com curta duração e pequena aceitação. Logo ficou novamente
restrita aos membros da colônia britânica, até se tornar pouco significativa, enquanto
Salvador: ―não sabemos porque motivo ficou inteiramente abandonado pelos nossos
34
Club Brasileiro.
35
A Tarde, 08 de novembro de 1912, p. 2.
43
sportmen, o interessante e nobre jogo inglês, o cricket. A Bahia, teve nesse jogo, a
com que foi jogado, tanto pelos ingleses quanto pelos baianos, ressaltando os
brasileiros podiam vivenciar um esporte que era digno de um mundo moderno, como
população das duas cidades pelo críquete, pode ter sido o fato dos clubes terem
com a mesma organização dos de estrangeiros. Assim, o esporte teve uma limitada
circulação pelas cidades, dificultando sua apropriação por parte dos diferentes
uma prática moderna. De toda forma, os clubes de criquete foram importantes, pois
foi a partir deles que se estruturam outros que seguiram com o modelo da prática
século XIX, de alguma maneira tem relação com a valorização crescente das
p.53).
práticas esportivas também a partir de suas elites, que viam o esporte como um
símbolo de status, uma nova forma de agir perante um novo mundo. Acerca desse
aspecto, Leite, Rocha Junior e Santos (2010), fazem uma análise sobre Salvador,
Melo (2001) afirma que foi no Rio de Janeiro, por sua condição privilegiada de
encontramos dados que apontam para sua existência ainda no século XIX. O Sport36
(1889), que foi apresentado como um jornal destinado a trazer notícias do mundo
turfístico, mostrava desde programas e resultados, até dicas sobre formas de vestir-
36
O Sport, 27 de janeiro de 1889, ano I. n. 1, p.1.
37
Não foi possível encontrar dados maiores sobre esse Hipódromo. Sabemos que o mesmo tinha
sede no bairro da Boa Viagem (Cidade Baixa), tendo existido outro no bairro do Rio Vermelho.
38
Dados extraídos em: http://www.anima.eefd.ufrj.br/imprensa/consulta/home.asp. Acessado em:
17/01/2011.
39
Diário da Bahia, 06 de abril de 1902, p.1.
46
de outros jornais, eram anunciados os páreos, com suas datas de inscrição, além de
também ―no prado S. Salvador, á Boa Viagem, realisa-se hoje uma corrida cujo
primeiro páreo terá início á 1 da tarde. Nos intervallos tocará a música do 9º.
Batalhão de infantaria‖41. Nos jornais também eram informados alguns páreos que
espaço bastante rudimentar, que não demonstra grande luxo em sua construção.
Não é possível, na imagem, identificar como era a pista, qual sua dimensão ou qual
seu tipo de piso, mas a fachada, por si só, deixa-nos margem para compreender a
de difícil acesso.
40
Diário da Bahia, 19 de julho de 1902, p.1.
41
Diário da Bahia, 03 de agosto de 1902, p.1.
42
Diário da Bahia, 15 de maio de 1902, p.2.
47
43
Foto 08: Fachada do Hipódromo da Boa Viagem (Salvador)
e Mario Gama é quem escreve sobre os esportes. Em seu texto o autor não fez
Salvador e do fim do século XIX no Rio de Janeiro, traziam dados sobre o esporte e
suas corridas.
43
Foto extraída de: A Tarde, 25 de agosto de 1916, p.2. Nesta data já não existia o turfe no
hipódromo, que recebia até seis mil pessoas.
48
Família Imperial.
um fator importante para o avanço do turfe, já que foi essa entidade a responsável
por dar melhor forma ao esporte, que, a princípio, atraía a atenção de um público
específico, as elites.
foi fundado no Rio de Janeiro o Jockey Club, instituição que ocupou importante
No Rio de Janeiro, o turfe foi a prática que, segundo Melo (2007a), primeiro
adotou os parâmetros que usamos para definir o campo esportivo. Cohen e Gorberg
(2007) reafirmam essa importância do turfe para o Rio de Janeiro, ao dizerem que
―entre as opções de lazer dos cariocas no início do Século XX, o turfe foi uma das
Com tudo isso, identificamos que a modalidade assumiu, desde suas origens,
No Rio de Janeiro e nas localidades que tomaram a cidade como exemplo, caso de
Salvador, o turfe simbolizava uma civilidade que começava a ser pensada, sem ser
cidade ainda guardava ares rurais. Assim, a modalidade, mesmo que se organizasse
segundo preceitos modernos, tinha suas bases assentadas em uma lógica rural,
Por ter sido o primeiro esporte a apresentar uma estrutura mais organizada, o
turfe acabou sendo uma referência para as práticas que o sucederam. Dele foram
2007a).
por vezes alvo de críticas por permitir a aposta, considerada inapropriada para uma
cotidiano símbolos que pudessem representar o que era civilizado – e lidar com
contar com clubes. Para tal, foram fundamentais os membros da elite, que fizeram
análise especial. Já vimos que, em fins do século XIX e início do XX, a modalidade
referências que fizessem menção à existência de sua prática formal nos jornais
soteropolitanos.
51
apresentava ainda palpites para os páreos. A edição seguinte45 trouxe esta matéria:
Salvador. No que toca as notícias sobre o esporte, na década de 1910, se viu nos
novamente a ser noticiado, com sua prática concentrada no mesmo hipódromo dos
esse intervalo na cobertura sobre o turfe em Salvador. Sarmento (2009) afirma que a
1ª. Grande Guerra causou fortes impactos na cidade, notadamente em sua vida
existia o hábito das apostas, podemos inferir que a menor circulação de dinheiro
44
Revista Artes e Artistas, anno II, número 43, 1923, p.10.
45
Revita Artes e Artistas, anno II, número 44, 1923, p.12.
46
A Tarde, 17 de agosto de 1915, p.2.
52
apostar e ainda, pela prática ser uma atividade com altos custos de manutenção de
uma campanha contrária por parte de alguns jornais. Eles noticiavam o quanto esse
ser esse um fator da não alusão ao turfe em suas páginas. Outra razão pode ter sido
políticas locais e, portanto, tinham na própria política seu tema de interesse. Assim,
essa pode também ter sido uma causa da diminuição ou desaparecimento do tema
turfe nas páginas dos jornais. Além disso, o reduzido número de revistas pode ter
dado, importando dizer que o turfe foi, em Salvador, uma prática inconstante e de
caráter tópico, sem experimentar uma forte organização na forma de clube, como
ser visto circular por entre os da elite era fato comum no Rio de Janeiro e em
Salvador.
adventos da modernidade. Estar na rua em contato com outras pessoas, bem como
saber portar-se e vestir-se eram marcas das novas ―posses‖ das camadas
53
quanto esta prática, no período, se inseria no cotidiano local, sendo uma atividade
de diversão e ocupação.
47
Diário da Bahia, 12 de setembro de 1902, p.1.
48
Diário da Bahia, 16 de julho de 1902, p.1.
54
Esta modalidade se instalou nas duas cidades como uma prática que, ao
contrário do turfe, tinha no homem seu verdadeiro agente – aquele que se expunha
Europa e o desejo nacional de fazer acontecer aqui o que se tinha por lá. Sobre
Por serem cidades com praias litorâneas, conhecidas baías (com praias) e
importantes portos, pode parecer natural que Rio de Janeiro e Salvador tenham
desenvolvido um esporte aquático. Melo (1999; 2001) nos mostra que a associação
entre a existência do mar e de uma prática esportiva não foi espontânea; antes de
tudo, foi uma construção cultural. O remo simbolizava novos hábitos, novos
comportamentos, uma nova maneira de olhar e lidar com o corpo e também com a
afirma que
que sua prática significou a abertura da cidade para o mar, já que nessas
para banhos ou para qualquer outra atividade. Dessa forma, por ser um esporte
mas foi no remo que sua estruturação foi mais bem delineada. A estruturação da
Dessa forma, o remo, para o Rio de Janeiro e Salvador, foi uma prática
esportiva que teve implicação com a própria dimensão de ―recriação‖ das cidades.
Sua importância para o Rio de Janeiro foi reconhecida até por Pereira Passos 49, que
acabou se tornando seu grande incentivador. Uma de suas empreitadas que foi útil a
espaço, estimulando o uso das praias como local de diversão e de prática esportiva.
50
Foto 09: Avenida Beira-Mar por ocasião de uma regata
49
Abordaremos as ações governamentais e o esporte no Rio de Janeiro e em Salvador no capítulo 2.
50
Foto extraída de: MALAFAIA, Marcos et. alli. (org.) Club de Regatas Vasco da Gama: livro oficial do
centenário. Rio de Janeiro: BR Comunicações, 1998. (Fotografia de Marc Ferrez, Rio de Janeiro,
1906). In: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html.
57
que serviu para receber a elite carioca que assistia às competições. Para Sevcenko,
No Pavilhão, esse público encontrou um local ideal para sua participação nas
população. Além de ser um ―palco‖ para a exibição de homens e mulheres que iam
públicos, tornando-os, por si só, locais de apreciação e também de deleite das novas
benesses da modernidade.
51
Foto 10: Pavilhão de Regatas
51
Foto extraída de: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu1.html. Acessado em: 25. Jan. 2011.
58
O avanço do remo não se fez notar somente entre os ricos da cidade. Como o
esporte de maior apelo nesse início do século, atraía um público diversificado. Entre
no que diz respeito ao sport náutico, pode-se bem dizer que, com a
fundação da ―Federação dos Clubs de Regatas da Bahia‖, em 26 de
junho de 1904, pelos clubs ―Victória‖, ―S. Salvador‖ e ―Itapagipe‖, [...]
teve o seu início entre nós, realisando-se em 02 de abril de 1905, na
52
Fonte: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/docs/menu6.html.
59
soteropolitana54.
Contudo, se, no Rio de Janeiro a área das regatas foi uma marca dos
à enseada das regatas. Toda a área da chamada Península Itapagipana, que foi
durante um tempo uma área de veraneio das elites locais, com sua característica de
seabristas. Estas queriam, acima de tudo, construir uma nova cidade da Bahia,
Dessa forma, a Cidade Baixa não foi palco inicial das reformas urbanas em
53
Esporte Clube Vitória (1899); Clube de Natação e Regatas São Salvador (1902); Clube de Regatas
Itapagipe (1902) e Sport Club Santa Cruz (1904).
54
Sobre isto, ver Grauça, ano I, n.3, edição especial, 2010, p.6-7.
55
A partir da década de 1920, foram realizadas obras nessa parte da cidade, notadamente no Bairro
do Comércio. Antes, na primeira década, também foram realizadas obras de remodelação do Porto.
60
veraneavam e que passaram, com o tempo, a ocupar outras áreas da cidade. Tal
aspecto bem mostra que não havia, por parte dos dirigentes políticos do município e
do estado, maior interesse no apoio à prática esportiva, por mais que essa fosse
Federação de Regatas. O remo e suas provas sempre foram notícia nos jornais
civilidade da cidade e de seus moradores, ora com vivas ora com críticas ao seu
56
Revista do Brasil, 21 de maio de 1906, ano I, n. II, p. 33.
61
58
Foto 11: Imagem da platéia em dia de regatas
fossem vistas com suas novas vestes, com um comportamento elegante. Verificava-
57
Diário de Notícias, 20 de maio de 1913, p.3.
58
Foto extraída de: A Tarde, 17 de maio de 1915, p.2. As regatas ocorreram em 16 de maio de 1915.
62
bem e que todo o público pudesse dele aproveitar da melhor maneira. Para tanto,
59
Foto 12: Vapor Santo Amaro
Janeiro, viam às regatas nas calçadas ou mesmo nas areias. Um exemplo disso está
59
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.23.
63
na foto anterior, em que vemos o vapor Santo Amaro (a serviço do Clube Santa
Dessa forma, esses homens caracterizavam em seus corpos uma aparência mais
bastante diferente. Vê-se a figura do remador, um homem forte e alto, com uma
a esta figura, aparece a imagem do ―patrão‖60. Um homem que deveria ser leve e
pequeno, quase parecendo uma criança (às vezes a função era, de fato,
para que essa pudesse alcançar maiores velocidades e assim, obter sucesso na
60
Homem responsável por dar direção ao barco e ritmo aos remadores.
64
61
Foto 13: Vencedores de uma regata e o patrão
mesma forma, a entidade que foi inicialmente montada, se firmou como a Federação
Esse menor número de clubes pode ser atribuído a alguns fatores, como:
prática; o abandono dos clubes pelas elites que deles participavam, contribuindo pra
61
Foto extraída de: A Tarde, 30 de novembro de 1914, p.2.
62
Como exemplo: Club de Regatas Botafogo – 1894; Grupo de Regatas Gragoatá – 1895; Club de
Regatas Icarahy – 1895; Club de Regatas do Flamengo – 1895; Club de Natação e Regatas – 1896;
Club de Regatas Boqueirão do Passeio – 1897; Club de Regatas Vasco da Gama – 1898; Club de
Regatas Guanabara – 1899; Club de Regatas São Christovão - 1899 e Club Internacional de Regatas
– 1900.
63
São os mesmos que ainda competem na atualidade.
64
O futebol será abordado adiante.
65
Tainheiros (na época, um local de veraneio das elites). Por estar fora do eixo
esse local era difícil, o que, sem dúvida, trazia problemas para a participação do
65
Foto 14: dia de regatas na Enseada dos Tainheiros
que apontam críticas referentes à sua estrutura. Por exemplo, esta, de A Tarde66:
―mais uma vez recomendamos aos que forem por mar assistir a regata de domingo
65
Foto extraída de: A Tarde, 30 de novembro de 1914, p.2.
66
A Tarde, 24 de outubro de 1912, p.2.
66
hora do pareo‖.
Tal pedido era recorrente nos diversos jornais de Salvador e se fazia sempre
antes de cada regata. Significa dizer que realmente eram concorridas as provas, já
que além das embarcações oferecidas pelos clubes, outras, particulares também
iam enseada adentro assistir e participar do evento. Por outro lado, também
completa, mesmo entre a elite. Além disso, esse dado reforça a compreensão do
quanto era difícil o acesso ao local do remo na cidade, sendo o barco, também, uma
ressaltava que, se tivesse havido participação baiana, teria o Brasil visto o valor de
seus jovens:
67
A Tarde, 19 de outubro de 1912, p.2.
68
Em 12 de outubro de 1912.
69
Mesmo parecendo estranho, era esse o nome da competição.
67
jornal reclamava para a Bahia a noção de civilidade que dizia existir no Rio de
Parece-nos que o jornal quer dizer que, apesar desse ―ranço‖ de atraso
limitada organização e o frágil apoio local ao esporte, por mais que esse
Com tudo isso, podemos apontar que o remo, enquanto esporte que
mesmo em Salvador teve uma repercussão como prática esportiva, haja visto os
dados referentes a ele nos jornais de época e a forma com que era tratado.
maior que o esportivo, tornando-se um marco das novas relações sociais. Todavia, o
que se viu foi um avanço maior na cidade do Rio de Janeiro, uma maior organização
entre os soteropolitanos, fato que prossegue até hoje. Tratemos, então, do futebol.
68
Muito se fala que Oscar Cox e Zuza Ferreira foram os responsáveis pela
Enders (2009) afirma que ―em 1897, Oscar Cox retorna ao Rio depois de completar
seus estudos na Suíça. Na bagagem traz uma bola e as regras do futebol, que logo
70 71
Foto 15: Oscar Cox Foto 16: Zuza Ferreira
70
Foto extraída de:
http://www.fluminense.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=70&Itemid=79.
Acessado em: 25. Jan. 2011.
71
Foto extraída de: Acervo Aroldo Maia, SUDESB. Extraído de: SANTOS, Henrique Sena dos. Uma
caixinha de surpresas: Os primeiros anos do futebol em Salvador, 1901 – 1912. Monografia
(Graduação em História). Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – Colegiado de História,
UEFS, Feira de Santana, 2010.
69
por pessoas que de alguma forma já tinham tido contato com o jogo, fora ou dentro
do país, e que queriam dar continuidade à sua prática. Para tanto, precisavam
aspiração, em Salvador.
ele passou a figurar no cotidiano. Também queremos entender como se deu sua
interesse da população, tornando-se uma das práticas mais populares. Sobre isso,
se deu de forma simples e direta, nem tampouco foi de fácil ―digestão‖ para as elites.
europeizada e, portanto, digno de ser praticado pela elite, era de fácil apropriação,
pelas classes populares. Se o povo simples não podia jogá-lo ao estilo original
inglês, fazia o futebol ao seu jeito. Com isso, percebemos que por meio de um
72
Foto 17: imagens da platéia em dia de jogo no Campo dos Martyres
que os jogos de futebol eram também um espaço, mesmo que socialmente dividido
representação dos modos e hábitos da elite. Todavia, foi também uma prática a ser
72
Foto extraída de: A Tarde, 20 de maio de 1915, p.2.
73
A prática futebolística das elites era bem vista e aceita, já que era uma ―bela‖
distinguiam da população de baixa renda, sendo esse esporte uma das maneiras de
Sobre esse aspecto, falando do Rio de Janeiro, Franzini (2009, p.118) mostra-
nos que
encontramos notícias falando mal do esporte, quando este era jogado entre
população local, ao ter interesse por ele, agia como a de cidades mais avançadas –
aspirações das elites cariocas e baianas, que se inspiravam nos modelos europeus
de se portar e vivenciar o dia a dia. Todavia, esse mesmo futebol sofria resistências
74
A Tarde, 08 de dezembro de 1914, p.2.
75
A Tarde, 14 de novembro de 1912, p.2.
76
A Tarde, 30 de setembro de 1914, p.3.
75
Dessa forma, quando jogado por populares, o futebol era uma prática a ser
no esporte também existiu uma lógica social que tentava estabelecer padrões
como uma prática esportiva elitista, mas também como uma popular, com seus
República e na Bahia, é também necessário falar da criação dos clubes, já que esse
fato expressa a forma com que se deu a ―caminhada‖ do futebol nessas cidades.
77
Denominação usada na Bahia para o futebol jogado de maneira livre, equivalente à ―pelada‖ no Rio
de Janeiro.
76
ciclismo, como o América. Somando-se a eles, existiram aqueles que foram criados
Em sua análise sobre o futebol e os clubes na Bahia, Gama (1923) afirma que
começando a praticar o futebol em 1902. Muito por conta de seu lugar original de
novembro de 1899, foi fundado por ingleses o Club Internacional de Cricket, que
outro foi o Sport Club São Paulo-Bahia (1903), entidade criada por jovens paulistas,
Essas duas tendências podem ser identificadas tanto no Rio de Janeiro como
diversos segmentos sociais, seus interesses e valores. Com isso, tanto a elite
futebol deixou de ser apenas um modismo, tornando-se uma prática cultural que
dialogou com as particularidades de cada cidade, o que fez com que este esporte
tivesse ares diversos, por mais que suas raízes fossem as mesmas.
Outro importante fator de análise sobre o futebol são as formas com que seus
LEAL, 2002; SANTOS, 2010) demonstram que o primeiro local escolhido para o
esporte foi uma praça conhecida como Campo da Pólvora (Campo dos Martyres).
78
Foto 18: Campo dos Martyres
78
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.15.
78
A escolha desse local se deu por ele permitir condições mínimas de jogo em
relação ao que eram as exigências oficiais e, por possuir meios de transporte que o
posição do público (junto às linhas laterais, sem separação dos que jogavam),
deixando evidente como o Campo dos Martyres era, na verdade, uma área comum
identificamos que esse esporte teve uma prática inicial ajustada as possibilidades de
assim escreveu:
Seabra. Leite, Rocha Junior e Santos (2010, p.218) apresentam a seguinte matéria
do Diário de Notícias:
79
Diário de Notícias, 10 de outubro de 1906, p.1.
79
Não demorou muito para que outros espaços de Salvador, além do Campo da
Pólvora, fossem usados para a prática do futebol. Vários largos e praças passaram a
ser ―campos‖81. Desses, o principal foi o do Rio Vermelho, no mesmo espaço onde
82
Foto 19: Campo do Rio Vermelho
80
Os mesmos autores afirmam não haver dados que confirmem a construção do referido espaço.
81
Também foram campos: Ground de Brotas, Largo Santos Dumont, Largo do Barbalho, Cabula,
Engenho da Conceição, Largo da Rua do Oiro, Campo do Dique, Campo da Boa Viagem e outros.
82
Foto extraída de: LOPES, Licídio. O Rio Vermelho e suas tradições: memórias de Licídio Lopes.
Salvador: FUNCEB, 1984.
80
Mesmo sem ser um estádio, o espaço do Rio Vermelho apresentava uma estrutura
que assistiam ao jogo podiam se colocar em locais mais afastados da área ocupada
1920, quando foi inaugurado o Campo da Graça: esse, sim, o primeiro específico
como no Rio de Janeiro, foi a fundação de uma entidade que pudesse sistematizá-
lo. Na Bahia, uma primeira experiência se deu quando o Sport Club São Paulo-
83
Liga Bahiana de Sports Terrestres – 15/11/1904: Sport Club Victoria; Club Internacional de Cricket;
Sport Club Bahiano e Sport Club São Paulo-Bahia. O Clube de Natação e Regatas São Salvador se
filia em 02/1905;
84
Jornal de Notícias, 17 de novembro de, p.2.
81
Santos (2010) afirma que, ―formada a liga em 1905, são abertas as inscrições
para o primeiro campeonato baiano. Além dos quatro clubes filiados, o São Salvador
regularidade até 1912, no Campo dos Martyres e no campo do Rio Vermelho. Nesse
período, a instituição sofreu críticas dos jornais, que a ela atribuíam a ―morte‖ dos
Em 1912, o campeonato da Liga Bahiana, o das elites, viveu um crise que foi
85
A Tarde, 14 de novembro de 1912, p.2.
86
Liga Brazileira de Sports Terrestres - 14/09/1913: Ideal F.C; Fluminense F.C; S.C Internacional e Sul
América.
82
acarretaram a ―perda de controle‖ das competições. Por conta disso, a Liga Bahiana
Bahia. Seu campeonato, no Campo dos Martyres, não contava com a participação
diversas entre si. Nessa época, por exigência das entidades diretivas, esse esporte
era jogado em clubes dos quais só participavam pessoas que comprovassem renda,
Assim como na Bahia, essa situação gerou problemas entre aqueles que queriam a
foi fundada pelos seguintes clubes: Botafogo F.C.; Atletic and Foot-Ball Club; Bangu
Com isso, o Rio de Janeiro viveu a experiência de, a partir de uma instituição
reguladora, tentar manter padrões para o futebol. O desejado era que fossem
se, com isso, manter afastadas do esporte as pessoas da classe trabalhadora, que
prática do esporte.
De acordo com Pereira ―a liga servia como um meio de definição mais clara
do caráter que os sportmen dos clubes mais ricos da cidade tentavam dar ao jogo,
Assim, o Rio de Janeiro viu surgir em 1907 a Liga Suburbana de Futebol, uma
entidade que congregou os clubes de periferia, que não tinham como ingressar na
Liga Metropolitana, por não terem como atender as exigências criadas por esta,
vemos que ela não se deu de forma isolada, mas sim articulada com projetos
maiores das cidades. Por mais que reconheçamos sua capacidade de autonomia em
84
relação aos aspectos políticos e econômicos, fica evidente que esses tiveram
Alves viram importância na prática futebolística (PEREIRA, 2000), fato que não nos
Esse interesse de Pereira Passos pelo esporte também foi reconhecido por A
semelhantes, tendo sido a prática desse esporte uma das formas de vivenciar o
Cremos que vale a pena também tratar de práticas corporais que tiveram
87
A Tarde, 15 de outubro de 1912, p.2.
85
mutação cultural foi o desenvolvimento de uma febre esportiva que assolou o século
pessoas à prática esportiva, também foi por esta influenciado. Ou seja, a noção de
que pessoas e cidades deveriam ser ativas, trabalhar por melhorias, valer-se dos
modernidade e seu ideário foram encampados, seja pelas obras na nova urbe, seja
pelo movimento do novo ser humano. Era preciso engajar-se em todas as mudanças
sedentário, assim como a cidade deveria deixar de ser antiquada, colonial. O mundo
afirma que:
Ainda assim, podemos afirmar que foram formas comuns de fazer e viver a
estímulos‖ (p.96).
Com tudo isso, esportes que traziam como experiência maior, justamente, a
Esses esportes podem ser considerados como parte do que Melo (2001)
classificou como o primeiro grupo das práticas esportivas, aquelas que hoje são
efetivamente considerados esporte, mas que tiveram seu início de forma tímida
entre fins do século XIX e início do XX. São atividades corporais que se iniciaram
das cidades, implicando uma nova relação com o ambiente. Ademais, alguns desses
modernidade. Além desses dados, esse esporte, em seu início, surgiu como uma
segurança, necessária nesses novos tempos de relação com o mar, nos quais o
Em Salvador, essa modalidade aparecia por vezes como uma atração de festas,
cidade que passaram por reformas pode demonstrar a vinculação entre a prática
esportiva e a modernidade.
seus sócios, mas também com espaço para não associados. No que diz respeito ao
recorte temporal desse estudo, podemos asseverar que, nas duas cidades, a
Janeiro em 1820, conhecendo grande impulso a partir de 1870 como uma prática de
Melo (2001, p.27) afirma que essa prática corporal, a princípio, não era uma
88
O porto de Salvador constou no projeto de Seabra para melhoramentos da cidade.
89
Diário de Notícias, 11 de maio de 1915, p.3.
88
população podia alugar patins, encontrar uma estrutura física adequada, além de
percorridas.
A próxima imagem demonstra a forma com que esta atividade era encarada.
Vê-se que os praticantes, no instante da largada, se colocam para a foto com uma
postura ―desafiadora‖, de frente, com um olhar e uma feição típicas de uma aparente
são uma mostra do quanto era necessário parecer elegante, segundo os parâmetros
da época. Como se percebe pelos trilhos no chão, a pista não era exatamente a
mais adequada, tornando-se assim mais um risco aos participantes. Foi justamente
90
Foto 20: Patinadores à espera da largada de uma prova
diversão, para Salvador, na maior parte das vezes, esse esporte foi competitivo e
não os de patinação.
O ciclismo foi uma atividade esportiva conhecida no Rio de Janeiro desde fins
tecnologia. Nos anos iniciais do século XX, a cidade já contava com uma presença
90
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.15.
90
Melo (2009c) reconhece que, no Rio de Janeiro, nesse período, provas eram
cotidiano, as bicicletas, por causa de seus altos preços e por exigirem uma destreza
acessíveis a poucos.
clubes de patinação, contando ainda com clubes específicos, como o Riachuelo 91.
Era fato comum que houvesse atividades simultâneas das duas práticas92,
Salvador. Observa-se que o espaço de prática aparenta ser o mesmo (as ruas do
91
Diário de Notícias, 27 de julho de 1914, p.3.
92
Diário de Notícias, 23 de setembro de 1914, p.3.
91
ante os desafios que virão. Eles aparecem cercados por grande número de pessoas,
93
Foto 21: Ciclistas à espera da largada
da Bahia, realizada no bairro do Canela. Nos jornais, eram comuns notas contendo
assumiram a bicicleta, por mais que a geografia e estrutura urbana da cidade, até
sociedades, tendo maior ou menor circulação e impacto, bem como uma variada
sociais e seus papéis na instalação dos esportes nas cidades? Qual foi a relação
Devemos dizer que, por políticas locais, não estamos considerando somente
formas de poder e sua relação com o esporte, como, por exemplo, os clubes e suas
muitas vezes não faziam direta parte da governança, mas que possuíam capacidade
Lukes (1996):
Partindo dessa visão, entendemos que o esporte, como uma das práticas
assumidas, ou não, pelas esferas de poder com o esporte serve para perceber a
outra parte, sobre quem se exerceu esse poder. Embora, reconheçamos que o
população. Assim, aos nos referirmos ao povo como um todo, falamos não apenas
de seus moradores nativos, mas também daqueles que tenham passado e/ou vivido
vivências e dinâmicas.
em cada localidade.
experiências sociais das localidades estudadas. Por conta disso, podem assumir
2.1.1 OS CLUBES
globo, inclusive o Brasil. Esse fator, em parte, se deveu à presença de ingleses nas
Confirmando essa influência inglesa, Burke (2002) lembra que foi a partir do
depois largamente adotado mundo afora. Em reforço a essa posição, Tubino, Tubino
e Garrido (2007) e Vigarello e Holt (2008) afirmam que os clubes têm suas origens
população. Suas práticas culturais, sua língua e seu comportamento eram vistos
Melo (2007a) afirma que os clubes esportivos foram importantes para o país,
princípio, existiu não apenas para que fossem praticados e difundidos os esportes,
mesma, a elite mantinha afastados os populares, com quem não queria ter contato.
no Distrito Federal.
98
Ainda sobre o Rio de Janeiro, Melo (2010d, p.22) afirma que o Club de
Corridas, como já dito, foi criado para estruturar as corridas de cavalos, sendo
Já na Bahia, Leal (2002) e Leite, Rocha Junior e Santos (2010) afirmam que
também foi o modelo inglês que ajudou a instalação dos clubes, fazendo deles
Gama (1923) foi ―sob influencia directa da colonia inglesa, que foram fundados os
95
O autor trata dos clubes em geral, não se referindo especificamente aos esportivos.
99
Podemos então inferir que a instalação dos clubes esportivos trazia consigo a
representação do que deveria ser um espaço demarcado das cidades, onde apenas
urbanas. Para tanto, os populares deveriam ser expurgados dela. Da mesma forma
que nos espaços urbanos, nos clubes, elementos culturais e econômicos serviram
para distanciar a população de menor renda de seus quadros, seja criando limites de
2.1.2 AS FEDERAÇÕES
Esta hierarquização tem por objetivo dar aos esportes uma noção reguladora,
desde seu caráter mais local, com as federações, ao internacional, com o COI e a
FIFA. Também é papel dessas entidades instalar padrões para a prática esportiva,
eventos.
Se, em seu início, as atividades esportivas eram mais restritas a grupos e/ou
Além dessas iniciativas de caráter técnico, outro papel das entidades, em seu
início, foi o de tentar dificultar o acesso à prática dos esportes. Buscavam, com isso,
– ou, ao menos, estabelecer uma separação entre a prática esportiva dessa classe,
Dessa forma, podemos ver que no âmbito esportivo existiu um tipo de ação
que foi semelhante nos projetos de modernidade das cidades estudadas: restringir o
elites.
102
dava à atividade um ar ainda rural, exatamente o que era combatido pelos projetos
ventos civilizadores, sendo vinculada a jogos de azar e mais, por ter sua imagem
padrão de sociedade considerado ultrapassado, o turfe passou a ser visto como uma
atividade esportiva e não como um jogo, que poderia estar sujeito a falcatruas e
brigas, que a esta altura já aconteciam com no turfe (MELO, 2007a). O remo buscou
se associar ao que era aventado como novo, seja nos seus princípios ou na sua
Nesse embate entre o turfe e o remo também era visível o próprio confronto
sua oligarquia rural, fortemente presente no turfe, e com a nova burguesia industrial
reguladora. Existiram, sim, clubes que assumiam esse papel, em função da posição
Por ser mais antigo, o Jockey acabou sendo um modelo para o próprio Derby.
o Derby avançavam.
104
Além disso, mais uma vez, vemos representados nesse embate entre os
construir o novo, apoiado numa outra lógica econômica e cultural, mas ainda se
convivia com a manutenção do ―antigo‖, sustentado por forças econômicas que eram
consideradas antiquadas.
96
Foto 22: Corridas no Jockey Club / Grande Prêmio Cruzeiro do Sul
97
Foto 23: Derby Club do Rio de Janeiro em dia de páreo
96
Foto extraída de: <http://olhonosport.wordpress.com/2011/07/16/corridas-no-jockey-clubgrande-
premio-cruzeiro-do-sul1908/> Acessado em: 05.ago.2011. Fonte: Careta, ano 1, número 3, 20 de
junho de 1908.
105
Club e o Derby Club98 já possuíam uma estrutura bem montada, contando com uma
ver o estilo chic das roupas e os carros, demonstrando que tanto o Jockey quanto o
parte, antiquada. A presença nas competições de turfe não era somente das elites,
mas ela, sem dúvida, fazia uso deste espaço como meio de se posicionar e se
diversão.
corridas.
1984), que foi reinaugurado depois em 1923 99 na Boa Viagem. Assim, é possível
compreender que, até a criação do primeiro Jockey Club, as corridas se davam sem
97
Foto extraída de: <https://cidadesportiva.wordpress.com/2011/07/23/antes-do-templo-do-futebol-o-
palco-dos-cavalos-o-derby/>. Acesso em: 05.ago.2011. Fonte:
<http://serqueira.com.br/mapas/derby.htm>
98
Na década de 1930 se fundiram no atual Jockey Club Brasileiro, como estratégia de manutenção do
turfe.
99
Semana Sportiva, 28 de abril de 1923, n.108, p.5.
106
cavalos, que participavam dos páreos na Boa Viagem e no Rio Vermelho, inclusive
promovendo apostas.
imagens cariocas, vemos um foco quase exclusivo nas ações do páreo. Não há
atenção em relação aos espaços do Hipódromo, nem ao público, por mais que O
Sport101, em suas notícias, informasse que a elite soteropolitana assistia aos páreos
com sua vestimenta chic, contando inclusive com a presença de mulheres, que
100
O Sport, 27 de janeiro de 1889, ano I. n. 1, p.1.
101
O Sport, 27 de janeiro de 1889, ano I. n. 1; O Sport, 10 de fevereiro de 1889, ano I. N. 3, p.3.
107
102
Foto 24: Imagens do Jockey Club São Salvador na década de 1920
falta de uma estrutura organizacional maior, com base num clube regulador, foi
102
Foto extraída de: Semana Sportiva, 24 de maio de 1924, ano IV, n. 156, p. 4.
108
fundamental para essa variação da prática (só surgida em 1919). Dessa forma, a
distância dos hipódromos e o déficit no transporte podem, da mesma forma, ter sido
aspectos importantes para que o turfe, em Salvador, tivesse tido limites em sua
prática.
Assim sendo, nas duas cidades, o turfe apresentou nítidas diferenças quanto
a sua regulação. Mesmo o Rio de Janeiro sendo um modelo para outros estados,
Por outro lado, na Bahia, a organização do turfe a partir de um clube foi mais
concreta na década de 1920. As corridas que existiram até então aconteceram sem
uma aparente regulação. Tal fato observa-se nos próprios jornais, que faziam
anúncios dos páreos sem destacar seu organizador. Com a instalação do Jockey
O remo carioca, a partir da criação de sua entidade maior, que foi inspirada
no Rio de Janeiro;
dos novos tempos anunciados. Para tanto, era necessário regular a prática em todas
as suas fases e seus elementos. Vale dizer que tanto o Conselho Superior de
teve sucesso, já que outros estados contavam com suas próprias associações e
Janeiro, que na condição de Distrito Federal, além do poder político, exercia também
103
Foto 25: Símbolo da Federação Brasileira das Sociedades de Remo
103
Foto extraída de: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/. Acessado em 28. jul. 11.
111
104
Foto extraída de: http://www.lazer.eefd.ufrj.br/remo/. Acessado em 28 .jul. 11.
112
Bahia (FCRB). De sua fundação, como já dito, fizeram parte: Esporte Clube Santa
Cruz; Esporte Clube Victória; Clube de Natação e Regatas São Salvador e Clube de
Remo foi instituída no Rio de Janeiro em 1902, vemos que neste aspecto, a Bahia
105
Foto extraída de: VASCONCELLOS, J.J. Pinheiro de. Manual dos clubes de regatas da Bahia.
Salvador: Dois Mundos, 1917.
106
Foto extraída de: MENDONÇA, Alberto de. História do Sport náutico no Brazil: ligeiro esboço. RJ:
FBSR, 1909. P.89.
113
ainda que de maneiras diferentes, todas as classes sociais. O autor considerava que
seguinte permite uma visão maior do local das provas, deixando ver como toda a
área ficava repleta de gente, dando mostra da atração que o esporte exercia no
povo.
107
Foto 29: Enseada dos Tainheiros em dia de regata .
107
Foto extraída de: A Tarde, 22 de novembro de 1915, p. 3 (regata de 21 de novembro de 1915).
114
dividiam em dois tipos: os populares (que se espalhavam nas áreas – ruas ou areias
matéria108: ―deixamos, aqui um apello ao poder público, para que leve a bom êxito
módico, dada a atual angústia de nossas finanças‖. Esse texto demonstra que,
mesmo sendo atrativo, o remo ainda contava com uma estrutura simplória, sem
apoio real do poder estadual, ao contrário do Rio de Janeiro, que a essa altura já se
108
A Tarde, 30 de novembro de 1914, p.3.
109
Foto extraída de: Renascença, ano I, n.VI, Novembro 1916, p.10.
115
quesito físico, mas também em seu ambiente organizacional e mesmo moral. Tanto
tipos de provas e ainda comportamentos que deveriam ser adotados pelos clubes e
seus remadores.
atividades do esporte, de forma que ele se distinguisse das práticas populares, que
elites.
praticantes, que assim, não tinham como estar ligados as classes trabalhadoras,
mesmo aquelas envolvidas com o mar. Mais uma vez, caracteriza-se no esporte um
116
Nesta atividade, muito por conta da dimensão que teve em cada estado, as
1905.
elite, inspirada em padrões ingleses, e a dos jogos populares, vista como rústica e
sem fundamento.
117
duas experiências diferentes. Apesar de terem sido criadas várias ligas, duas foram
aspecto importante é que as duas nasceram de grupos sociais distintos, sendo que
a Liga Brazileira surgiu a partir do momento em que a Liga Bahiana optou por um
participar do jogo (SANTOS, 2011). Dessa forma, organizar uma entidade diretiva
ela.
significava fazer valer as ações regulatórias tidas como civilizadas e tomar a frente
de uma atividade que crescia em gosto e tinha sua prática em franco processo de
a ele uma dimensão vista como ideal. Além disso, devemos mais uma vez notar a
futebol, que contava com uma plateia que crescia em número e interesse. Sobre os
Salvador.
110
O jogo foi Victória e Internacional, em 10 de junho de 1906.
111
Diário de Notícias, 11 de junho de 1906, p.3.
119
competição – fato que se confirmou, mesmo com as atitudes solidárias dos demais
não sabia como se portar diante de uma nova prática tipicamente moderna, o
futebol, que, segundo seus padrões, exigia atitudes cavalheirescas e acima de tudo
aumento de interesse pelo futebol, esse acabou assumindo âmbitos maiores do que
processo chegou ao extremo nos anos de 1911 e 1912, quando a Liga efetivamente
prática para além de uma juventude restrita às elites e fazendo com que essa
poderiam conviver. Todavia, apenas isso já não atendia aos interesses de elite
urbana carioca.
Algo mais era necessário: criar uma forma de estabelecer controle, também
econômico sobre o jogo, surgindo ideia da Liga: ―seria preciso mais do que manter o
nível de seus associados: era necessário tomar para si a primazia da prática do jogo
altas taxas para a filiação à entidade, e ainda era preciso contar com a indicação de
outros clubes.
Na Bahia, uma nova liga surgiu após a Bahiana desistir de organizar os jogos
Rio de Janeiro viu surgir outra entidade, a Liga Suburbana de Foot-Ball (1907),
quando a Metropolitana ainda era ativa. Assim, a essa altura, o futebol entre os
assim alastrando-se por vários bairros e grupos da cidade‖ (PEREIRA, 2000, p.69).
futebol restrito a uma parcela da população que queria tê-lo como exemplo de
fato de as ligas baiana e carioca não terem atingido seu propósito de manter a
assumida por essa prática e sua circulação entre as mais diferentes camadas da
112
Foto 31: Estádio do Fluminense em dia de jogo
Nos jogos dessas duas ligas, o futebol pareceu ser uma atividade nobre e
elegante, fato visto nos campos de jogo, onde homens e mulheres vestiam-se
festas e as recepções.
112
Foto extraída de: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do
futebol no Rio de Janeiro, 1902-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. Fonte: O malho,
19/08/1905.
123
113
Foto 32: Imagem de um dia de jogo no Campo do Rio Vermelho
competições. Esse afã de organizar tudo que se referisse aos esportes, por outro
lado, fez também com que a Liga Bahiana ficasse sujeita a críticas daqueles que
113
Foto extraída de: A Tarde, 07 de julho de 1914, p.3.
124
olhares quase que exclusivamente para ele, já que essa era a prática de maior
repercussão na Bahia. Como já vimos, o turfe teve uma vida inconstante, o críquete
não avançou muito além dos momentos iniciais dos esportes e as demais (natação,
associadas às ações de seus clubes. A exceção é o remo, que possuía sua própria
mesmo nas praias são esportes pouco jogados, ao contrário do futebol, que desde
futebol, muda sua denominação para Liga Metropolitana de Sports Atléticos (ainda
alteração na projeção de seu papel social. Para além do futebol, a nova entidade
deveria cuidar também dos demais esportes. Tal fato pode ser atribuído ao avanço
ganhando mais adeptos, seja como praticantes ou como público. Da mesma forma
que na Bahia, o remo ficou por conta de sua entidade própria, haja vista ser um
Se, na Bahia, a Liga foi pensada desde o início para cuidar de todos os
acabou sendo igual, ou seja, efetivamente suas ações estavam mais ligadas ao
esporte da bola com os pés, deixando os demais à margem. Tal fato, na capital
federal, provocou reações de alguns clubes que não admitiram essa ingerência do
esportiva, ao ponto desta tornar-se hoje em dia parte do cotidiano da cidade, seja
em seus espaços específicos, seja nos adaptados, caso das praias. Esse maior
envolvimento dos cariocas com o esporte foi possível, entre outras coisas, pela
cultural da cidade.
também para modelar sua prática segundo normas de uma sociedade que se
civilizava. Tais entidades contaram em suas frentes com nomes das elites,
fins do século XIX e início do século XX, período no qual as cidades começavam a
ganhar novos ares e hábitos. Nesse momento, crescia uma elite urbana, burguesa,
tradicional elite brasileira, que tinha por base as atividades agrícolas. Ampliando o já
visto conceito de elite, Busino (apud HEINZ, 2006, p.7) afirma que a palavra se
refere a uma
Essa nova elite brasileira assumia hábitos que a faziam mais próxima dos
forma, incorporar novas práticas culturais era um meio de estabelecer uma distinção
social. Dentre essas práticas estava o esporte (MELO, 2007a; MELO, 2008b).
nova forma de se portar, de ser e estar em sociedade. Como a Inglaterra era uma
referência para esses novos tempos e a atividade esportiva foi uma prática cultural
ingleses residentes nessas cidades. Jesus (1999) afirma, que juntamente com o
poderio econômico e comercial inglês, o esporte também foi difundido mundo afora,
Nessa fase inicial dos esportes em terras brasileiras, os próprios ingleses que
vivência esportiva. Na falta de espaços próprios, iam para as praças, parques e ruas
afinal, a população ainda não estava habituada àquelas atividades, ainda mais em
espaços públicos.
Com o passar dos tempos, o esporte, visto em seu início com estranhamento,
foi incorporado pela elite como um símbolo útil para um processo de distinção social
128
deveriam ser algo exclusivo delas. Sobre essa condição, Bourdieu (2011) afirma:
populares era um mecanismo usado pela elite para afastar-se do real cotidiano das
construir a modernidade significava, dentre outras coisas, viver sob uma nova
dinâmica sócio-cultural, pois para ser ou parecer civilizado era adequado ser e ter
Numa análise das formas de convivência das classes sociais com a prática
esportiva, Bourdieu (1983, p.142) afirma que ―o esporte, como toda prática, é um
2008b).
reconhece que as
procuraram afastar as cidades de seu passado e ainda procuraram fazer com que a
cultura popular, por ser considerada inferior, fosse expurgada do cenário urbano.
Dessa forma, justamente por ser uma produção cultural humana é que o
a cada realidade, fazendo com que sua prática ganhasse sentidos diversos
(BOURDIEU, 2011).
urbana de cada uma, sendo mais correto pensar numa formação esportiva bastante
assumidos pelas classes populares, que trataram de dar outro sentido a sua prática
e a sua organização.
esporte percorreu uma trajetória que o levou a ser uma atividade de imenso
também pensaram suas relações com o esporte, tema que exploramos a seguir.
Foi entre fins do século XIX e início do século XX que o esporte viveu sua
corporal que representava os ideais da modernidade. Por conta disso, foi nesse
política e a prática esportiva pode ser vista no envolvimento direto dos políticos com
Salvador.
Tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia era de interesse dos que detinham o
sociedade. Com isso, a atividade esportiva era um cenário possível, senão ideal,
para que a classe política atuasse e fizesse reverberar seus projetos para cada uma
das cidades.
uma diferença importante entre as duas cidades. No Rio Janeiro, Pereira Passos e
aspecto cultural sempre tenha sido uma das mais significativas cidades brasileiras.
da atividade (MELO, 2001). Além disso, o prefeito era sempre visto nas atividades e
(2000) afirma que Pereira Passos, ao ver que o futebol era também um elemento da
Essas mudanças simbólicas tratadas por Needell (1993) podem ser vistas no
esporte, já que ele significava um novo conjunto de relações do homem com o meio
como plateia significava assumir uma vida em espaço público, que se tornava um
esportiva, pois, dentre outras coisas, facilitaram o deslocamento das pessoas aos
vários bairros da cidade que passaram por reformas acabaram por tornar-se locais
local de prática do remo e de vários clubes esportivos, o que serviu para aproximar
Nesse sentido e por ver que Pereira Passos percebeu a dimensão do esporte,
Melo (2006b) afirma que a relação estabelecida entre o Prefeito e essa ―nova‖
prática cultural pode ser vista como uma ação inicial para a construção de uma
política pública esportiva. Por outro lado, os clubes cariocas de remo e a Federação
Brasileira das Sociedades de Remo perceberam que se aliar aos poderes políticos
dominantes era uma importante estratégia para o seu próprio projeto de poder, que
114
Foto 33: quadro de presidentes honorários
Sociedades de Remo, que chegou a ser superior ao valor que fora pedido pela
entidade. Além dessa ajuda financeira direta, Pereira Passos também auxiliou o
remo,
114
Foto extraída de: MENDONÇA, Alberto de. História do Sport náutico no Brazil: ligeiro esboço. RJ:
FBSR, 1909. P. 51.
136
Com tudo isso, Mendonça (1909) afirma que Pereira Passos tornou-se o
nome mais cultuado do esporte náutico no Brasil, exatamente por conta de seus
serviços como Prefeito, que acabaram sendo úteis ao remo. As ações do Prefeito
pelo esporte. Foi com Pereira Passos que, no Rio de Janeiro, ―o traçado irregular e
acanhado das vielas, largos e becos da área central cedeu ligar aos amplos e
Mesmo que sua atuação favorecesse o remo, Pereira Passos não deixou de
intervir nos espaços ocupados por alguns clubes. Para dar vazão ao andamento das
obras, colocou abaixo algumas sedes náuticas, fato que sem dúvida gerou
Com tudo isso, interessa-nos perceber que, no Rio de Janeiro, o remo ligou-
construir uma reforma nos hábitos e comportamentos dos que viviam na cidade, ou
seja,
137
concordar com Melo (2006b) que todo esse conjunto de atitudes e atividades foi,
capital baiana houve alguma ação política efetiva que tenha favorecido o
Se, no Rio de Janeiro, foi possível até mesmo apontar um primeiro momento
estadual de J.J. Seabra, por mais que o Governador também estivesse executando
experiência de J.J.Seabra em terras cariocas, onde viveu e atuou como ministro, fica
ainda mais evidente a ausência de qualquer ação do Governador baiano que tenha
Governador desejava modernizar Salvador, nos leva a pensar que J.J. Seabra
que colaborassem com sua prática, fato que não se deu e isso, por concordarmos
com Genovez (1998)115 quando afirma que o esporte pode ser ―... como um
instrumento, entre tantos outros, utilizado para inculcar certos valores e normas de
O máximo que podemos considerar acerca das iniciativas de J.J Seabra que,
remodelamento e reforma urbana por ele empreendidas e isso, por conta do fato dos
participantes das equipes esportivas locais fazerem uso de alguns desses espaços
para seus treinos e/ou jogos. Ou seja, eram benefícios indiretos, já que as obras não
115
Texto sem paginação na edição eletrônica.
139
princípio, não deveriam ser usados para o esporte, e sim deveriam servir à
Durante as regatas, sempre havia um páreo com seu nome. Tal fato, além de
simbolizar uma homenagem, também pode ser vista como uma forma de estar
próximo do poder público. Todavia, nem com isso Seabra desviou seus olhares
como fez Pereira Passos, seja com a ação de reformas que facilitassem as práticas.
de um campo esportivo ou se, ao menos, existiu uma ambiência propícia para tal.
Bourdieu (1983). Este autor afirma que uma melhor compreensão sócio-histórica
esportivo nessas duas cidades? E mais, elas se ligavam de alguma forma, existindo
cidades estudadas, concordando com Jesus, quando este afirma que ―os esportes,
que hoje conhecemos, crescendo aquelas, nas quais o movimento humano é central
marcantes;
futebol;
construções virtuais.
É imperativo dizer que esses momentos caracterizam dados que podem ser
histórico do esporte.
bem como desse modelo heurístico operado por Melo, para compreender a história
cidade, entre o final do século XIX e início do século XX, tinha consolidado um
é sua presença nas ações implementadas por Pereira Passos. O mesmo se via em
buscaram uma aproximação com o poder público para também terem ganhos com
Por fim e diante disso, Melo (2010c) afirma que no Rio de Janeiro, o esporte
população. O Rio de Janeiro, portanto, já era uma ―cidade sportiva‖116 (2001, p.73).
entre fins do século XIX e início do século XX, em bases bastante próximas ao visto
no Rio de Janeiro. Nas duas cidades, o modelo heurístico proposto por Melo (2009b,
2010a), pode ser percebido. Todavia, existiram diferenças entre as duas, pois, no
Rio de Janeiro, esse desenvolvimento existiu com mais vigor e de forma mais
porém, de forma mais lenta, com ―intervalos‖ e mesmo quedas da prática esportiva,
cultural e sua própria tradição foram elementos importantes para que em terras
116
Grifo nosso, por reconhecer que esta afirmação é central neste estudo.
144
habilidade com a fala, como Rui Barbosa e mesmo J.J. Seabra, tido como um orador
muito habilidoso.
Assim, a relação estabelecida com o próprio corpo, com o outro e com o ambiente
Da mesma forma que no Rio de Janeiro, na Bahia foram as elites brancas que
isso, tais práticas tiveram um início restrito, sendo o futebol o esporte que melhor
críquete, que foi a modalidade inicial. Outros permaneceram restritos, caso do remo,
passou por ciclos, oscilando entre a prática regular e o ostracismo. Por mais que
autores como Dantas Junior (2010) afirmem que Salvador foi uma inspiração
também culturais. Assim, entre os cariocas, o esporte foi mais explorado do que
entre os soteropolitanos.
―as sociedades (esportivas) contam em seu seio para mais de mil jovens que se
dedicam ao sport, contando sempre com o valioso concurso, daquelles que são e
Da mesma forma, sabemos que nesse período, Salvador via seu campeonato
duas entidades reguladoras, uma para o futebol e outra para o remo – mas, ressalte-
Entretanto, essa condição seguiu até que – nos anos de Seabra no poder,
uma desaceleração em seu processo evolutivo, num período que coincidiu com a
117
Revista do Brasil, 25 de abril de 1906, ano I, n.4, p. 9.
146
primeira Guerra e que trouxe problemas de várias ordens para a Bahia. Já no caso
do Rio de Janeiro, não se reconhece que essa tenha implicado dificuldades maiores.
que ocorria no Rio de Janeiro. Também, a deficiência econômica vivida pela cidade,
uma ambiência para a instalação do campo esportivo, contando, todavia, com limites
118
A Tarde, 19 de outubro de 1912, p.2; 24 de outubro de 1912, p.2; 08 de novembro de 1912, p.2; 14
de novembro de 1912, p.2; 20 de novembro de 1915; 30 de novembro de 1914 – Diário de Notícias,
30 de junho de 1915, p.3 - Gazeta do Povo, 05 de maio de 1912, p.2.
147
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