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Moral Sacramentária – Matrimônio e Família

Walisson de Souza Soares - RA00213106

Wilfried Djato – RA00208578

Idosos

I. Constata-se que “a longevidade é a maior conquista social dos últimos cem anos”1.

Segundo Kalache, “a expectativa de vida de um brasileiro nascido há cem anos era de


35 anos. Em 2021, chegará a 77 anos. São 42 anos mais de vida, não de velhice”2.

Hoje 15% da população brasileira é composta por idosos. A estimativa é de que até
2050 esta taxa alcançará 30%.

Graças aos avanços da tecnologia e aos investimentos em promoção de saúde é


possível uma velhice feliz e cada vez mais longa, afirma Belfort Jr. Há que se sublinhar aqui
esse “é possível”. Existe a possibilidade de se viver mais; sua oferta é, porém, desigual.

Reflexo da desigualdade econômica, certas camadas sociais, a saber, os idosos mais


pobres, “têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, mesmo quando a cobertura
desses serviços é adequada”3. Isso leva a um desnível na estimativa de vida entre idosos da
classe mais abastada e os mais pobres. Como mostra Daniel Azevedo, “em São Miguel
Paulista, na zona leste de São Paulo, vive-se em média 71 anos, enquanto no Alto de
Pinheiros, 85. São 14 anos de diferença em distritos que distam entre si meros 30 km”4.

Outra questão levantada é: até que ponto e com quais custos a vida humana deve ser
estendida? Vale a pena um vida longa ainda que massacrante?

1
Rubens Belfort Jr. Pandemia aumentou as tensões nos núcleos familiares (7/04/21). Folha de S. Paulo. In:
https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2021/04/pandemia-aumentou-as-tensoes-nos-nucleos-
familiares.shtml.
2
Alexandre Kalache. Revolução da longevidade é a maior conquista nos últimos cem anos (26/09/20).
Folha de S. Paulo. In: https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2020/09/revolucao-da-longevidade-e-a-
maior-conquista-nos-ultimos-cem-nos.shtml.
3
LIMA-COSTA, Maria Fernanda et al . Desigualdade social e saúde entre idosos brasileiros: um estudo baseado
na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 19, n. 3, p. 752, 
Junho  2003 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2003000300007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  13  de abril de 2021.
4
Daniel Azevedo. Observar a velhice sob a ótica das humanidades traz novas esperanças (2/01/21). Folha
de S. Paulo. In: https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2021/01/observar-a-velhice-sob-a-otica-das-
humanidades-traz-novas-esperancas.shtml.
II. Ageísmo: por este termo se entende a discriminação por idade. Por cauda dela, os idosos
“recebem tratamento diferencial e têm acesso desigual a oportunidades e a direitos sociais,
com base no critério de idade e na falsa crença em que todos os velhos são frágeis,
desamparados, lentos, dependentes e improdutivos, um peso para a sociedade” 5. Esses fatores
conduzem a uma invisibilização da pessoa idosa e a que também ela internalize esses
preconceitos e adotem uma postura de resignação.

III. Do ponto de vista biológico a velhice é entendida como consequência necessária, como
etapa última de um processo natural de “permanente transformação”. “Após o
amadurecimento físico e mental, a vida se extingue paulatinamente”6.

IV. De um ponto de vista filosófico, Cícero compendiava na fala de Catão os supostos


inconvenientes da velhice (os quais pretende refutar):

Na verdade, é meu entendimento que os motivos pelos quais a alguns a


velhice parece deplorável são quatro: primeiro, porque afasta dos negócios;
outro, porque torna o corpo mais sujeito a doenças; terceiro, porque os priva
de quase todos os prazeres e, quarto porque não está muito distante da
morte7.

É um fato que a velhice comporta algumas mudanças na vida pessoal (nesse sentido
este trecho de Cícero é iluminador). Em geral, para um grande número ela significa um
afastamento do trabalho (aposentadoria), em vista da renovação das forças de produção; com
o desgaste físico e mental, se está mais sujeito a diversos tipos de enfermidades; essa nova
condição traz consigo uma desaceleração dos ritmos e uma parcimônia em todo o estilo de
vida; e, por fim, ao final da velhice sobrevém a morte.

Ao lado destes elementos é possível situar outros, talvez mais positivos. A velhice traz
maturidade, acúmulo de experiências e sabedoria de vida. Disso resulta a bela e
compensadora tarefa dos idosos nessa altura da vida: “transmitir aos jovens os bons valores
das gerações anteriores” (Lewandowski).

5
Anita Liberalesso Neri. Vivemos um surto de ageísmo sem precedentes (14/11/20). Folha de S. Paulo. In:
https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2020/11/vivemos-um-surto-de-ageismo-sem-precedentes.shtml.
6
Ricardo Lewandowski. Envelhecer em tempos de pandemia (23/07/20). Folha de S. Paulo. In:
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/07/envelhecer-em-tempos-de-pandemia.shtml.
7
CÍCERO, M. T. De Senectutide apud ALCANTARA. O elogio da velhice no De Senectute de Marco Túlio
Cícero (Tese de Mestrado), 2013, p. 40.
Velhice não significa ociosidade nem amargura, mas para muitos a descoberta de
novas atividades e prazeres (trabalho voluntário, criação artística, vida familiar e espiritual
mais intensa etc.). Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, “quando envelhecem, muitos
homens ganham o mundo do afeto, da família e da casa”, que deixaram de lado ao mergulhar
no trabalho; “as mulheres ganham o mundo da liberdade e da amizade, que não puderam
aproveitar quando mais jovens já que priorizaram o cuidado da família e da casa”8.

V. A Sagrada Escritura ilumina de modo especial a figura do idoso(a)9.

a) AT: tal como os outros povos da antiguidade, também o judaísmo professa um grande
respeito pelos anciãos (Lev 19, 32: levantar-te-ás diante de uma cabeça encanecida,
honrarás a pessoa do ancião...). Além disso, é consenso em Israel que os velhos possuem a
sabedoria e a prudência (Jó 15, 10; Eclo 6,34s; 25, 4-6). Por isso não é estranho que sempre
hajam desempenhado no meio do povo uma função de direção e aconselhamento.

No Antigo Testamento ainda se percebe uma visão positiva da velhice como bênção,
plenitude e cumprimento cheio e fecundo dos objetivos da vida (Gn 25, 8). Os salmos estão
cheios de súplicas e ao mesmo tempo promessas de Deus em relação à velhice dos justos (Sl
92, 13-16).

Cabe aos velhos o papel da instrução (em sentido lato) dos jovens: “Agora, quando
estou velho e de cabelos brancos, não me desampares, ó Deus, até que tenha anunciado a tua
força a esta geração, e o teu poder a todos os vindouros” (Sl 71, 18).

b) No NT, aparece claro que o homem não tem nenhum poder ou influência sobre sua
idade física, já que ela é um dom do criador. E é o próprio Jesus que diz, em Mt 6,27/Lc
12,25: “Qual de vós pode, à força de agitar-se, acrescentar um minuto que seja à duração de
sua vida?”
As mulheres e os homens idosos devem ser tratados com respeito. Em 1 Timóteo 5, 1
encontramos o seguinte conselho: “Não repreendas asperamente a um velho, mas admoesta-o
como a um pai”.

8
Mirian Goldenberg. 'Velho não quer trepar!'(30/09/20). Folha de S. Paulo. In:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/miriangoldenberg/2020/09/velho-nao-quer-trepar.shtml.
9
BINGEMER, M. C. L. A velhice na Bíblia: algumas pistas para hoje (14/02/13).
In: http://arqrio.org/formacao/detalhes/26/a-velhice-na-biblia-algumas-pistas-para-hoje.
São, sobretudo, os idosos os instrumentos e as testemunhas privilegiadas da ação de
Deus: Zacarias, Isabel, Simeão, Ana (no evangelho lucano).
Velhice não é impedimento para nada, sequer para nascer. É a grande revelação que
espanta o incrédulo doutor da Lei Nicodemos (Jo 3, 4ss).

VI. Atenhamo-nos a alguns pronunciamentos recentes do Magistério sobre os idosos.

Os bispos reunidos em Aparecida (2007) chamam a atenção para a valorização dos


idosos, diante de uma cultura do abandono. Eles são verdadeiras testemunhas no seio de suas
famílias, quer por sua história de vida quer pela heroicidade com a qual enfrentam as
enfermidades, a dependência e a solidão:

Muitos de nossos idosos gastaram a vida pelo bem de sua família e da


comunidade, a partir de seu lugar e vocação. Muitos, por seu testemunho e
obras, são verdadeiros discípulos missionários de Jesus. Merecem ser
reconhecidos como filhos e filhas de Deus, chamados a compartilhar a
plenitude do amor e a serem queridos em particular pela cruz de suas
doenças, da capacidade diminuída ou da solidão. A família não deve olhar
só as dificuldades que traz a convivência com eles ou o ter que atendê-los
(Documento de Aparecida, n. 449).

Na Exortação apostólica Evangelii Gaudium (n. 210), o papa Francisco situa os


“idosos cada vez mais sós e abandonados” dentro das “novas formas de pobreza e fragilidade,
nas quais somos chamados a reconhecer Cristo sofredor”.

Francisco denuncia uma cultura individualista/consumista e, como consequência, a


cultura do descarte10, da qual os idosos são vítimas: “objeto de descarte não são apenas os
alimentos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os próprios seres humanos. Vimos o que
aconteceu com as pessoas de idade nalgumas partes do mundo por causa do coronavírus”.

E continua: “Não nos damos conta de que isolar os idosos e abandoná-los à


responsabilidade de outros sem um acompanhamento familiar adequado e amoroso mutila e
empobrece a própria família”. Além de empobrecer a família, isolar ou abandonar os idosos
“acaba por privar os jovens daquele contato que lhes é necessário com as suas raízes e com
uma sabedoria que a juventude, sozinha, não pode alcançar” (Carta encíclica Fratelli Tutti, n.
19). Como ensinavam os bispos em Aparecida, “crianças e anciãos constroem o futuro dos

10
“[H]á também a realidade do abandono dos idosos: quantas vezes se descartam os idosos com atitudes de
abandono que são uma verdadeira e própria eutanásia oculta! É o efeito da cultura do descarte que tanto mal faz
ao nosso mundo” (Discurso do Santo Padre no encontro com os idosos e avós. Praça de São Pedro. Domingo,
28 de setembro de 2014).
povos. As crianças porque levarão adiante a história, os anciãos porque transmitem a
experiência e a sabedoria de suas vidas” (Documento de Aparecida, n. 447).

Na família todos os membros são importantes, todos se enriquecem mutuamente


através da partilha de cada “biografia original” (Fratelli Tutti, n. 98).

Na exortação pós-sinodal Amoris Laetitia, Francisco põe acento na “valorização da


fase conclusiva da vida, [...] porque na sociedade atual se tenta, de todos os modos possíveis,
ocultar o momento da passagem”. Nesse sentido, “a eutanásia e o suicídio assistido - apesar
de legais em muitos países - são graves ameaças para as famílias, em todo o mundo. A Igreja,
ao mesmo tempo que se opõe firmemente a tais práticas, sente o dever de ajudar as famílias
que cuidam dos seus membros idosos e doentes” (n. 48).

Francisco, referindo-se ao Sl 71/70, v. 9 (“Não me rejeites no tempo da velhice; não


me abandones, quando já não tiver forças”) conclama a Igreja a ouvir o grito do idoso que
teme o desprezo e o esquecimento: “como gostaria duma Igreja que desafia a cultura do
descarte com a alegria transbordante dum novo abraço entre jovens e idosos!” (Amoris
Laetitia, n. 191).

Ele recorda ainda quão valiosos são os idosos na transmissão dos valores e da fé. Eles

ajudam a perceber a continuidade das gerações, com o carisma de lançar


uma ponte entre elas. Muitas vezes são os avós que asseguram a
transmissão dos grandes valores aos seus netos, e muitas pessoas podem
constatar que devem a sua iniciação na vida cristã precisamente aos avós
(Amoris Laetitia, n. 192). 

Terminamos com algumas palavras do Santo Padre no Encontro com os idosos e avós
em 28 de setembro de 2014, salientando a capacidade dos idosos em compreender as
situações difíceis, a eficácia de sua oração diante delas e a tarefa própria dos que deixam ao
mundo uma descendência (transmissão da própria experiência e da fé):

“Os idosos, os avós têm uma capacidade particular de compreender as situações mais
difíceis: uma grande capacidade! E, quando rezam por estas situações, a sua oração é forte, é
poderosa!”

“Aos avós, que receberam a bênção de ver os filhos dos filhos (cf. Sal 128/127, 6),
está confiada uma grande tarefa: transmitir a experiência da vida, a história duma família,
duma comunidade, dum povo; partilhar, com simplicidade, uma sabedoria e a própria fé, que
é a herança mais preciosa!”.

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