Você está na página 1de 108

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

FRANKLIN LOPES SILVA

CONDICIONANTES SOCIAIS, LITERATURA E MEDIAÇÃO: um estudo sobre


a trajetória de Jomar Moraes

São Luís
2013
FRANKLIN LOPES SILVA

CONDICIONANTES SOCIAIS, LITERATURA E MEDIAÇÃO: um estudo sobre


a trajetória de Jomar Moraes

Texto apresentado ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da
Universidade Federal do Maranhão para
defesa de dissertação, com fins à
obtenção do grau de mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Dorval do


Nascimento

São Luís
2013

2
FRANKLIN LOPES SILVA

CONDICIONANTES SOCIAIS, LITERATURA E MEDIAÇÃO: um estudo sobre


a trajetória de Jomar Moraes

Texto apresentado ao Programa de Pós-


Graduação em História Social da
Universidade Federal do Maranhão para
defesa de dissertação, com fins à
obtenção do grau de mestre em História.

Aprovada em: ______/______/______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________
Prof. Dr. Dorval do Nascimento (orientador)
Universidade Federal do Maranhão

_____________________________________________________
Profª. Drª. Isabel Ibarra Cabrera
Universidade Federal do Maranhão

_____________________________________________________
Prof. Dr. José Henrique de Paula Borralho
Universidade Estadual do Maranhão

3
Para Elizabeth, minha “horinhas de
descuido”. E à minha avó, domingas,
cujo olhar tranquilo me convence de
tantos motivos pra me alegrar.

4
Sem dúvida temos o direito de supor que
a narrativa autobiográfica inspira-se
sempre, ao menos em parte, na
preocupação de atribuir sentido, de
encontrar a razão, de descobrir uma
lógica ao mesmo tempo retrospectiva e
prospectiva, uma consistência e uma
constância, de estabelecer relações
inteligíveis, como a do efeito com a
causa eficiente, entre estados sucessivos,
constituídos como etapas de um
desenvolvimento necessário.

Pierre Bourdieu

5
AGRADECIMENTOS

Sou imensamente grato a Jomar da Silva Moraes, pela gentileza e confiança a


mim dispensada a cada encontro nosso, pelas muitas horas de entrevistas concedidas e
tantos dias cedendo-me documentos pessoais a serem digitalizados. Espero que encontre
neste trabalho alguma satisfação e que perceba claramente neste esforço de análise da
sua trajetória o tenso limite entre o rigor analítico e uma admiração pessoal brotada.
Nossas horas de conversa renderam-me certamente muito mais que fontes de pesquisa.
Agradeço também ao Programa de Pós-graduação em História Social da UFMA,
experiência nova, relutada, e, por fim, aceita como um passo importante à minha
carreira acadêmica, principalmente pelos autores apresentados nas disciplinas, alguns
então desconhecidos, outros enfim compreendidos. Por intermédio deste Programa
também fui contemplado com uma bolsa de pesquisa financiada pela Fundação de
Amparo à Pesquisa no Estado do Maranhão, indispensável à minha permanência no
curso.
Junto aos amigos de turma, Vinicius, Antonio (mano magrão), Saulo e Melissa
(mel) – o ―quarteto apocalíptico‖ – e Claunísio, vivenciei doces, amargos e etílicos
momentos. Ironicamente talvez tenham sido estes últimos que nos mantiveram firmes.
Sou muito grato também a Dorval do Nascimento, orientador deste trabalho. Seu
apoio, incentivo e postura sempre compreensiva foram fundamentais para que esta etapa
se concluísse, num período turbulento de tantas novidades e exigências profissionais.
Muito obrigado aos professores Henrique Borralho e Isabel Ibarra, que muito
prestigiaram este trabalho compondo sua banca de avaliação. Além de grande estima e
admiração, sinto-me devedor da generosidade e companheirismo manifestos por ambos
em tantos momentos.
Aos irmãos amados Alex, Ana, Mary, Eduardo e Melna, muito obrigado pela
terna amizade, sempre presente. A importância de vocês em nossas vidas extrapola em
muito os limites deste trabalho.
Agradeço também aos colegas do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Maranhão, especialmente a Ronald Ribeiro e Cristiani Hembecker, pelo
apoio concedido na fase de conclusão, e mais difícil, deste trabalho. Sou-lhes muito
grato pela primazia do bom senso em detrimento do excesso burocrático.

6
A Elizabeth, minha amada companheira, agradeço pela alegria que me dá viver
ao seu lado, e cultivar comigo, diariamente, um tanto de lucidez, um descanso na
loucura. O cumprimento desta etapa se deve a muitas outras que desejamos juntos.

7
RESUMO
Esta dissertação é um estudo sobre a trajetória de Jomar da Silva Moraes, o que, nos
marcos teóricos que orientam este trabalho, implica na elaboração analítica das diversas
posições ocupadas por este agente ao longo de seu percurso de vida, inserido em um
espaço social específico, também este resultado de uma construção do pesquisador.
Recusando os encadeamentos lógicos e uma linearidade progressiva consagrados em
sua biografia, este trabalho pretende, em perspectiva sincrônica e diacrônica,
compreender os condicionantes sociais que incidiram sobre a trajetória de Jomar
Moraes, dando-lhe condições objetivas e subjetivas para as posições sociais que logrou.
Portanto, em lugar da primazia sobre seu envelhecimento biológico, pretende-se a
compreensão das lógicas de impressão social identitária sobre este agente: seu
envelhecimento social.

Palavras-chave: Espaço Social. Literatura. Trajetória. Jomar Moraes.

8
ABSTRACT
This dissertation is a study of the trajectory of Jomar Silva Moraes, which, in the
theoretical frameworks that guide this work involves the preparation of various
analytical positions occupied by this agent along your life path, inserted in a specific
social space also a result of this construction of the researcher. Refusing logical threads
and a progressive linearity embodied in his biography, this work aims in synchronic and
diachronic perspective, understanding the social determinants that focused on the
trajectory of Jomar Moraes, giving you objective and subjective conditions for social
positions that succeeded. So in place of primacy over its biological aging, it is intended
to understand the logic of social identity impression about this agent: its aging society.

Keywords: Social Space. Literature. Trajectory. Jomar Moraes.

9
SIGLAS E ABREVIATURAS
ABL Academia Brasileira de Letras
ABT Academia Brasileira de Trovas
ACL Academia Carioca de Letras
ALB Academia de Letras de Brasília
ALTM Academia de Letras do Triângulo Mineiro
AMAI Associação Maranhense de Artistas e Intelectuais
AMC Academia Maranhense de Ciências
AMI Associação Maranhense de Imprensa
AML Academia Maranhense de Letras
AMT Academia Maranhense de Trovas
APBL Academia Paraibana de Letras
APL Academia Paraense de Letras
ASL Academia Santista de Letras
CBAL Cenáculo Brasileiro de Artes e Letras
CCGD Centro Cultural Gonçalves Dias
CLB Círculo Literário de Brasília
CPB Casa do Poeta Brasileiro
EDUFMA Editora da Universidade Federal do Maranhão
FALB Federação das Academias de Letras do Brasil
FUM Fundação Universidade do Maranhão
FUNCMA Fundação de Cultura do Maranhão
ICE Instituto de Cultura Espírita
IGB Instituto Genealógico Brasileiro
IGHGPB Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba
IHCE Instituto Histórico e Geográfico do Ceará
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IHGM Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
IHGPA Instituto Histórico e Geográfico do Pará
IHGPE Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco
IHGPI Instituto Histórico e Geográfico do Piauí
IHGS Instituto Histórico e Geográfico de Santos
IMHM Instituto Maranhense de História da Medicina
LBA Legião Brasileira de Assistência
MPN Movimento Poético Nacional
PIM Parlamento de Imprensa do Maranhão
SECMA Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão
SENAC Serviço Nacional de Apoio ao Comércio
SHLB Sociedade dos Homens de Letras do Brasil
SLMI Sociedade Líbano-Maranhense de Imprensa
SOMACS Sociedade Maranhense de Cultura Superior
SVHM Sociedade Venezuelana de História da Medicina
UEMA Universidade Estadual do Maranhão
UFMA Universidade Federal do Maranhão

10
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12
CAPÍTULO I – Referenciais teóricos e recursos metodológicos ................................... 15
Apontamentos teórico-metodológicos ........................................................................ 19
Constituição das variáveis e representação espacial dos dados .................................. 24
Objetivação do sujeito objetivante ............................................................................. 28
CAPÍTULO II – Perfis sociais: recursos herdados, adquiridos e acionados pelos agentes
........................................................................................................................................ 33
CAPÍTULO III - Redes de relações sociais e retribuições: adesões, mediações e
intermediários ................................................................................................................. 52
Movimentos culturais e inserção em redes ................................................................. 55
Ocupação de cargos públicos estratégicos à atuação intelectual ................................ 63
CAPÍTULO IV - Um caso particular dos possíveis ....................................................... 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 90
LISTA DE FONTES UTILIZADAS .............................................................................. 92
LIVROS E ARTIGOS ................................................................................................ 92
ENTREVISTAS ......................................................................................................... 93
DOCUMENTOS DIGITALIZADOS ..................................................................... 93
SITES ......................................................................................................................... 94
ANEXOS ........................................................................................................................ 96

11
INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste na análise da trajetória social de Jomar da Silva Moraes,


concebendo-a a partir das relações que se estabelecem entre as posições que ocupa em
momentos distintos e as formulações referentes à sua (auto)biografia, elaboradas no
bojo de uma estrutura social específica a que denominamos espaço intelectual
maranhense, resultante de nossa elaboração analítica. Nesse intuito, as posições por ele
ocupadas são consideradas a partir das relações de interdependência entre 37 agentes e
instituições, atentos aos condicionantes sociais que incidem sobre as possibilidades de
acesso e ocupação de suas respectivas posições ocupadas no referido espaço. Para tanto,
foi-nos necessário historicizar o processo de valorização/desvalorização dos recursos
sociais acionados pelos agentes, realizando um diálogo crítico com trabalhos já
produzidos localmente sobre esta temática (lógicas celebração e canonização de
interpretações sobre a história literária local e seus protagonistas, biografias
institucionais, particulares etc.).
Desta forma, pretendemos realizar uma arqueologia dos atributos e
competências legítimas e legitimadoras em torno da noção de ―intelectual‖ em disputa,
a partir de fontes como jornais, dedicatórias, epígrafes etc. Identificando a partir de
determinado período (1945) e em determinado contexto (maranhense) o processo
histórico de constituição do valor relativo atribuído à posse de determinados recursos
pelos 37 agentes em questão e que ensejaram suas condições de entrada na carreira
literária, posições e formas de reconhecimentos diferenciados, o que implica, em
contrapartida, na identificação dos condicionantes sociais que incidem, de um ponto de
vista relacional, sobre suas modalidades de atuação possíveis e estrategicamente mais
rentáveis (publicação de gêneros diversos, profissões exercidas, inserção em
movimentos culturais diversos etc.) para a ocupação de posições melhor alocadas.
Enfatizando neste processo as correlações sucessivas entre posições ocupadas e recursos
detidos e acionados por Jomar Moraes.
Também nos fora indispensável analisar a produção bibliográfica de Jomar
Moraes como tomadas de posição estratégicas, vinculadas às posições que ocupa este
agente no espaço intelectual maranhense. O pressuposto é de que os gêneros (poesia,
romance, biografias etc.) e teor de suas publicações correspondam aos estados
sucessivos deste espaço (processo de autonomização/dependência em relação a outros
domínios, recursos valorizados e em declínio etc.), o que nos possibilitou identificar os

12
condicionantes sociais que interferem nas modalidades de produção, circulação e
apropriação das obras de Jomar Moraes em correlação com as formas de
reconhecimento sobre este agente neste espaço.

Economia do trabalho

No primeiro capítulo, ―Referenciais teóricos e recursos metodológicos‖,


apresentamos a forma como nos apropriamos do referencial analítico desenvolvido por
Pierre Bourdieu, importa-nos a investigação das posições ocupadas por Jomar Moraes,
analisando-se a relação entre o volume dos capitais (recursos, competências,
qualidades, etc.) que possuem os agentes constituintes deste espaço em suas
modalidades variadas (econômico, cultural, social), considerando-os relacionalmente, e
que, portanto, lhes possibilita o acesso a determinadas posições e orienta, relativamente,
suas tomadas de posição no interior deste espaço de lutas, assim caracterizado pela
dinâmica de concorrências em torno das estratégias de conservação ou transformação
das estruturas sociais, alimentadas pela desigual distribuição dos recursos entre os
agentes.
No segundo capítulo, ―Perfis sociais: recursos herdados e adquiridos pelos
agentes‖, pretendemos demonstrar os critérios utilizados para a elaboração dos perfis
sociais de 37 agentes que compõem o espaço intelectual maranhense, selecionados pelo
critério de ingresso na carreira literária entre os anos de 1945 a 1964. As fontes
utilizadas para a obtenção dos dados são em sua maioria biografias, privadas ou
institucionais, a partir das quais coletamos informações sobre suas origens e heranças
sociais (datas e locais de nascimento, escolarização e profissão dos pais, posição na
fratria etc.) e os investimentos feitos posteriormente com respeito à escolarização,
profissionalização etc.
Os dados obtidos pela utilização deste recurso nos possibilitaram identificar –
como se demonstra no momento seguinte deste trabalho – a multiposicionalidade e
multidimensionalidade constituinte do espaço intelectual maranhense, correlacionando
as origens sociais e heranças, constituição de disposições, ações estratégicas e posições
ocupadas pelo conjunto de agentes que constituem a estrutura social em que analisamos
a trajetória de Jomar Moraes. Desta forma pudemos analisar relacionalmente suas
condições possíveis de atuação e os usos estratégicos que fizera dos recursos tangíveis e
intangíveis acumulados ao longo de sua trajetória.

13
No capítulo terceiro, intitulado ―Redes de relações sociais e retribuições:
adesões, mediações e intermediários‖, identificamos o grau de relevância da inserção de
Jomar Moraes em redes de relações sociais situadas em diferentes domínios: político,
cultural etc. E quais funções (publicações, produções etc.) e posições (central, periférica
etc.) exercera nestas redes. Este recurso nos possibilitou conjugar as dimensões de
análise apontadas anteriormente, mais dedicadas à identificação das correspondências
entre disposições herdadas e posições ocupadas, devido ao valor relativo dos recursos
detidos e acionados pelos agentes, a outra mais pessoalizada, atenta ao jogo de
interações e retribuições entre os agentes. Aqui, o objetivo central é identificar a
importância destas relações para as diferentes posições ocupadas por Jomar Moraes
neste espaço intelectual ao longo de sua trajetória.
No quarto e último capítulo, ―Um caso particular dos possíveis‖, no detivemos
especificamente sobre a análise dos relatos autobiográficos concedidos a nós por Jomar
Moraes através de entrevistas em profundidade, todas realizadas em sua residência, no
ambiente de sua biblioteca. Aqui pretendemos demonstrar as correlações existentes
entre duas dimensões analisadas, uma quanto às transformações operadas na estrutura
do espaço intelectual maranhense e os investimentos feitos por Jomar Moraes neste
processo, outra sobre os modos de autorreconhecimento e autoapresentação do seu
percurso biográfico, correlacionando-os às disposições herdadas e adquiridas na sua
vivência familiar, escolar, literária e profissional.

14
CAPÍTULO I – Referenciais teóricos e recursos metodológicos

Jomar Moraes é um ―caso particular do possível‖. Esta assertiva imitada a


Gaston Bachelard sintetiza a concepção analítica adotada neste trabalho, a saber, que
para a compreensão das lógicas constituintes do mundo social é imprescindível a
investigação rigorosa de sua realidade empírica, historicamente situada. Toda posição
ocupada em determinado campo dos possíveis encerra um conjunto de estratégias, a
meio caminho entre o cálculo sistemático e o acionamento de disposições incorporadas
ao longo dos percursos de vida dos agentes, todavia ensejadas por uma relação dialética
entre condicionantes estruturais e suas ações individuais. Sua necessária localização
histórica não desconsidera o fato de que está sempre em processo este terreno habitado
pelos agentes, posto que se pretende com este recurso a compreensão das condições de
permanência de determinadas características sociais nas variações observadas.
Orientando-nos por esta premissa, e dando continuidade à pesquisa iniciada na
graduação1, detenho-me, para os fins deste trabalho que segue, na elaboração mais
consistente do espaço social que naquela ocasião intitulei ―espaço intelectual
maranhense‖, em que investigamos os critérios e condições sociais relativos às
entradas2 na literatura de 37 agentes que fizeram suas primeiras publicações entre os
anos de 1945 a 19643. A partir deste estudo pude perceber que três dimensões se
destacavam entre os critérios de hierarquização neste espaço: a ligação existente entre as
expectativas dos grupos familiares a que pertenciam alguns daqueles agentes e seus
projetos de reprodução de certo capital simbólico herdado, havendo uma estreita relação
entre o processo de declínio e desclassificação social enfrentada por seus grupos
familiares e a reconversão dos capitais herdados (notoriedade, relações sociais etc.) para
a atuação ―literária‖. Em outros casos ocorrendo o inverso, um processo de ascensão

1
Cf. Silva (2010).
2
Utilizamos a noção de ―entradas na literatura‖ como uma adaptação à perspectiva elaborada por Michel
Offerlé de entradas na política. Como esclarece Eliana Reis, este recurso nos permite ―apreender as
mutações e transfigurações dos agentes em sua diversidade de sites de interação acessados ao longo da
vida, bem com as estratégias de reconversão dos domínios nos quais eles investem, tomando as condições
de origem e os trunfos acumulados e investidos nas posições ocupadas ao longo de suas trajetórias‖
(REIS, 2007, p. 58).
3
Ressalte-se que não intencionamos dar conta de todos os nomes que porventura se reivindiquem ou
foram inseridos pela crítica e historiografia local na categoria de ―escritores‖, ou que tenham atuado como
tais neste período, limitamo-nos à análise dos casos que já pertenciam a um banco de dados mais amplo,
por mim elaborado, composto de quadros sinópticos referentes a 137 casos, e que atendiam às opções
metodológicas para a delimitação do universo a ser analisado para os fins desta dissertação: terem
ingressado na carreira literária entre os anos de 1945 a 1964, período em que vigoram relevantes
transformações configuracionais no cenário político e cultural e que coincide com o ingresso de Jomar
Moraes na literatura, com a publicação de ―Ceara em flor‖ (1963).

15
econômica e social (empreendimentos empresariais, investimentos escolares etc.) e o
investimento do capital acumulado na atuação política e intelectual, possibilitando-lhes
o acesso a postos públicos mais elevados, ou mesmo pela posse de trunfos valorizados
em períodos de crise política4 (exílios, engajamento etc.) e, em decorrência desses, a
aquisição da capacidade de falar em nome de questões ―nacionais‖ (através de
experiências e contatos qualificados em outros estados e no exterior), fazendo a ponte
entre as ―regiões‖ mais ―centrais‖ e a ―local‖ no que tange à pauta cultural, conseguindo
ascender socialmente e usufruir de enlevado reconhecimento ―intelectual‖ chegando a
ocupar postos públicos medianos. Acompanham-se em todos os casos os rearranjos
faccionais operados na esfera política no período de entradas daqueles agentes na
carreira ―literária‖.
Neste segundo perfil de agentes, destacam-se as posições ocupadas por Jomar da
Silva Moraes e o conjunto de estratégias por ele acionadas em um contexto crítico de
reconfiguração estrutural, incidindo sobre os critérios relevantes ao ascenso das
posições mais destacadas neste espaço. Disto decorre a importância da ênfase sobre o
estudo de sua trajetória5, como possibilidade de ―exagerar‖, conforme o princípio
weberiano, para compreender, os determinismos sociais que ensejam suas condições de
ingresso, atuação e consagração no espaço intelectual maranhense. Sem pretendermos
reduzir o estudo de um caso em particular ao conhecimento das regularidades sociais
identificadas prosopográfica ou estatisticamente, o nosso intuito é compreendermos o
social no seu estado ―dobrado‖, individualizado, através da investigação de um universo
social específico em seu estado ―desdobrado‖, alargado (LAHIRE, 2005). O que nos
leva a concluir que ―não se pode compreender efetivamente uma trajetória sem levar em
contra o conjunto de relações objetivas que vincularam o agente considerado ao
conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo espaço e que se defrontam no mesmo
espaço dos possíveis‖ (NERIS, 2011, p. 256).
Quanto à premissa indicada em seu estado ―dobrado‖, sobressaem-se nas
narrativas autobiográficas de Jomar Moraes uma série de momentos (ideo)logicamente
encadeados. Nascido na Praia de Cumã, no Município de Guimarães, filho de um
relacionamento extraconjugal do pai, José Alípio de Moraes filho, professor de música e

4
Conforme observado por Eliana Reis, ―a extraordinariedade dos períodos de crises políticas permite a
emergência de novos recursos e repertórios de mobilização‖ (REIS, 2007, p.19).
5
A noção de trajetória por nós utilizada corresponde ao pressuposto elaborado por Pierre Bourdieu e diz
respeito a ―uma série de posições sucessivamente ocupadas por uma mesmo agente (ou um mesmo
grupo), em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes‖ (BOURDIEU,
1996, p. 81).

16
sua mãe, filha de um mestre de barcos, analfabeta. De origem humilde, desloca-se em
1959, junto à família para ―tentar a vida‖ na capital maranhense, tendo à época 19 anos,
período em que ingressa na Polícia Militar, permanecendo na função de soldado por
oito anos até sua promoção a cabo em 1967, ano da morte de seu pai e, filho mais velho
que era de sete irmãos (cinco homens e duas mulheres), consequente encargo de
mantenedor da família. Em 1969, já no posto de Terceiro Sargento, solicita seu
licenciamento do serviço efetivo, por ocasião de sua aprovação em concurso para
Postalista dos Correios. Novo concurso e se torna Fiscal de Rendas do Estado, função
que intercalava com outros tipos de prestação de serviço como cargos públicos
estratégicos junto a Institutos, Secretarias ou Fundações públicas vinculadas à produção
cultural do estado, exercendo funções de direção nestas instituições: Diretor do Serviço
de Administração da Secretaria de Educação e Cultura (1970-71); Diretor da Biblioteca
Pública do Estado – então vinculada, assim como o Teatro Arthur Azevedo6, à
Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão/SECMA (1971-73); Diretor do
Departamento de Assuntos Culturais da Fundação Cultural do Maranhão (1973-75).
Foi também Diretor do Departamento de Assuntos Culturais da UFMA (1981-
85); Secretário da Cultura do Estado do Maranhão (1985-87); pertenceu ao Conselho
Estadual de Cultura e ao Conselho Universitário da UFMA; Advogado desta última,
exercendo por dez anos consecutivos o cargo de Procurador-Chefe; Estagiário da Escola
Superior de Guerra; Membro do conselho de Administração do Instituto de Previdência
do Estado do Maranhão e do Conselho Estadual de Cultura, presidindo-o na função de
Secretário de Estado e da Cultura. Integrou a Comissão Nacional do Centenário da
Abolição, e do Guia Brasileiro de Fontes para a História da África e da Escravidão
Negra e do Negro na Sociedade Atual. Entre suas titulações e condecorações recebidas
destacam-se as de Cidadão honorário de São Luís, de Buriti Bravo e de Alcântara; as
Medalhas Santos Dumont, Brigadeiro Falcão, João Lisboa, do Sesquicentenário da
Adesão do Maranhão à Independência, do Mérito Timbira, da Ordem de Rio Branco, da
Ordem Nacional do Mérito de Portugal (grau de comendador), da Ordem dos Timbiras
(grau de grande oficial) e Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.
Distinguido com 11 prêmios literários e com diplomas de Personalidade Cultural (1980)
e de Mérito Cultural (1981 e 1988), todos da união Brasileira de Escritores do Rio de
Janeiro. Membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do

6
À época dirigido por Arlete Nogueira da Cruz Machado.

17
Distrito Federal; da Academia Paraibana e Paranaense de Letras. Recentemente foi-lhe
Conferido o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do
Maranhão/UEMA, em 2008. Junto à Academia Maranhense de Letras/AML, exerceu
sua presidência de 1984 a 2006, dela afastando-se por motivos de saúde.
A despeito da multiplicidade de funções por ele exercidas, destaca-se tanto em
seus textos autobiográficos quanto de outros agentes a seu respeito, a ênfase sobre sua
atuação como editor e principal intérprete da ―literatura maranhense‖. É o que se
observa nos exemplos que seguem:
Como editor publicou mais de 50 livros com notas ou introduções dos quais
citamos: de Antonio Lobo, Os Novos Atenienses; de Antonio Lopes, Dois
Estudos Maranhenses; de Jerônimo de Viveiros, Alcântara e seu passado
econômico, social e político; de Simão Estácio da Silveira, Relação sumária
das cousas do Maranhão; Obras de João Francisco Lisboa; Almanak do
Maranhão de 1843; O Cativeiro e a Esfinge do Grajaú de Dunshee de
Abranches; Dez Estudos históricos de Mario Meireles; Mensagem de
Fernando Pessoa; Poesia e Prosa escolhidas de Gonçalves Dias e Machado de
Assis; História dos animais e árvores do Maranhão de frei Cristóvão de
Lisboa. Apenas para citar algumas, entretanto, não poderíamos omitir a obra
que talvez seja o maior orgulho do homenageado de hoje. Jomar Moraes
trabalhou por dez anos e superou um severo AVC para concluir a 3 a edição
do Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão, para o qual
escreveu 1508 notas de retificação, esclarecimentos ou atualização e 809
novos verbetes.
Para a festa do centenário da Academia Maranhense de Letras, contribuiu
com a revisão, introdução e notas de doze livros de igual número de
fundadores da Casa sob o patrocínio da Universidade Estadual do Maranhão.
Reeditou a obra Maranhão 1908 de Gaudêncio Cunha para o qual escreveu
uma longa introdução. Editou o livro do Centenário da Academia para o qual
escreveu a maior parcela da obra.
O trabalho de Jomar Moraes no campo editorial, só pode ser comparado aos
de José Maria Correa de Frias, dono da Tipografia do Frias, que publicou a Ia
edição do Dicionário de César Marques e Belarmino de Matos, fundador da
Tipografia B. de Matos que publicou Gonçalves Dias e João Lisboa
Felizmente para nós maranhenses, Jomar Moraes, viveu no século XX e
XXI.
(MORAES, s/d - no prelo).

―[...] Grande parte de minha vida consagrei-a aos livros, fervorosa e


devocionalmente, na incansável faina de adquiri-los, guardá-los, lê-los e
editá-los ou reeditá-los em quantidade que de longe ultrapassa uma centena
de títulos. Muito de propósito deixei para referir secundariamente em relação
a meu trabalho de editor, o de autor, que é modesto, porém digno, razão por
que tenho dele justo orgulho.
(MORAES, 2010).

―Já algumas décadas o escritor, crítico literário e cronista Jomar Moraes vêm
também acumulando o título de nosso maior pesquisador sobre a literatura
maranhense. Possuidor de uma das maiores bibliotecas particular de São
Luís, Moraes poderia ter já se ―debandado‖ para outros horizontes literários
ou se aventurado em diversas pesquisas mais ―universalizantes‖, até já o fez,
mas a busca em fontes primárias sobre a arte literária de sua terra e o
instigante mergulho do norte criativo dos seus devidos autores sempre o
empurraram de volta. Nunca é demais reverenciar o pesquisador Jomar
Moraes, pois a revisão e a crítica literária produzida por esse ―moço da

18
Academia‖ tem papel basilar no trabalho acadêmico que nós, aprendizes,
sempre acabamos por ir ao encontro quando não temos um argumento mais
consistente e mais problematizador. E é através dessas pesquisas, hoje,
publicadas em jornais (e infelizmente ao lado de ―companheiros‖ que falam
de futebol, brigas de trânsito e fazem campanha política ao falar do ―estado
lamentável‖ na qual se encontra a nossa cidade) que Jomar Moraes situa seu
trabalho dentre das grandes obras de pesquisa sobre a nossa literatura
maranhense‖.
(MENEZES, 2012).

Quanto ao período em que ocupara a direção do Serviço de Imprensa e Obras


Gráficas do Estado/SIOGE (1975-80), esta instituição se destaca nas referências
editoriais sobre este estado como um dos mais importantes espaços para as publicações
dos escritores ―locais‖, conforme se atesta na observação feita por Arlete Nogueira da
Cruz Machado:
[...] teremos um saldo de aproximadamente 150 novos títulos de autores
maranhenses, entre edições e reedições, juntando-se aí poetas, ficcionistas,
ensaístas, historiadores etc., que estavam à espera de quem publicasse seus
livros. Nunca se publicou tanto no Maranhão, em que pese alguma
subliteratura incluída aí. (CRUZ, 2003. p. 59. Grifo nosso).

Esta posição destacada no ofício editorial se constitui como sua principal forma
de reconhecimento no espaço intelectual maranhense, portanto, pedra de toque a este
estudo de sua trajetória. Pelo ensejo editorial, liga-se a Jomar Moraes uma série de
outros ―autores‖, atuantes em diferentes domínios e por ―estilos‖ diversos (política,
literatura, jornalismo, história, biógrafos etc.), investindo-o de uma função de mediação
de grande importância neste espaço.

Apontamentos teórico-metodológicos

É indissociável a relação entre metodologia de trabalho e referencial teórico.


Desta forma, são intrínsecos o manuseio técnico do material empírico e as opções
teóricas assimiladas para a construção do objeto, impondo-se, portanto, nesta construção
analítica, os recursos técnicos e metodológicos adequados para o recolhimento dos
dados. Em outros termos, e dito de forma mais precisa, ―é somente em função de um
corpo de hipóteses derivado de um conjunto de pressuposições teóricas que um dado
empírico qualquer pode funcionar como prova‖ (BOURDIEU, 2003, p. 24). Sendo estes
elementos constituintes de um processo único, resta ao pesquisador o problema quanto
ao manuseio de ferramentas analíticas desenvolvidas em relação direta com universos
sociais distintos daquele sobre o qual se debruça. Assim, buscamos no desenvolvimento

19
deste trabalho um cuidado rigoroso quanto possível com os conceitos utilizados,
resistindo às inclinações dos usos normativistas das conceituações.
Parte-se também da premissa de que a importância da pesquisa deve ser
mensurada pela consistência teórica e dos procedimentos metodológicos rigorosamente
acionados e não pelo objeto empírico em si, estando este sempre sujeito às condições da
perspectiva adotada e, portanto, sensível aos diferentes manuseios metodológicos e
formulações analíticas. Quanto a estes dois aspectos, uma primeira distinção se faz
necessária, posto que norteadora de todo o processo de constituição do objeto e do
desenvolvimento de sua análise: trata-se da relação entre tema empírico e objeto
analítico. Esta ruptura operada epistemologicamente incorre também na superação de
um obstáculo: o da confluência entre as questões socialmente constituídas e os
problemas sociológicos a elas relacionados. Pretendendo a superação deste impasse,
orientamo-nos segundo a perspectiva assim resumida por Coradini:
[...] um mesmo tema empírico pode servir para a formulação e definição de
diferentes objetos, conforme a perspectiva em pauta, cuja vinculação entre si
não existe a priori. [...] em segundo lugar (como origem de um dos maiores
mal-entendidos no que tange aos estudos de elites), com a emergência de
esquemas analíticos, como aquele das estruturas de capital e suas relações
com os ―campos‖ e com os processos de agrupamento (ver particularmente
Bourdieu, 1984) e a retomada de determinadas premissas ou hipóteses
contidas em autores como Weber e N. Elias, dentre outros, o que está em
pauta deixa de ser ―as elites‖, passando a ser as estruturas de dominação, nas
quais, evidentemente, as posições dominantes são ocupadas por
determinadas categorias sociais (designadas ou não por ―elites‖)
(CORADINI, 2008, p. 13).

O fragmento acima, além de demarcar as ―estruturas de dominação‖ como


objeto de análise, também apresenta de antemão o objetivo que norteia as escolhas
metodológicas desta dimensão da pesquisa, ou seja, compreender a estrutura das
posições ocupadas por agentes tomados a partir de uma categoria social específica, a de
―escritores‖. Portanto, importa-nos analisar os agentes envolvidos nas lutas simbólicas
em torno das reivindicações acerca da ―literatura‖ no Maranhão, investigando suas
―armas utilizadas, as estratégias postas em prática, levando em consideração não só as
relações de força entre as gerações e entre as classes sociais, mas também as
representações dominantes‖ (LENOIR, 1996, p. 68), neste caso associadas à definição
da atuação destes ―escritores‖ nos interstícios entre os domínios político e intelectual.
Isto posto, segue a demonstração das opções metodológicas adotadas para o
tratamento das fontes que disponho e os aportes conceituais apropriados para sua
análise. Cabe observar que, diferenciando-se a lógica de apresentação da lógica de

20
construção e desenvolvimento da pesquisa, os tópicos que seguem não exprimem
necessariamente um encadeamento unívoco de ambas, sendo expressão de uma tentativa
de aproximação do leitor com as soluções engendradas no bojo dos obstáculos
encontrados na progressão deste trabalho.
Para a investigação dos objetivos apontados, fazemos uso basicamente do que
podemos tratar por duas dimensões de análise. Uma mais voltada à perspectiva
sociográfica, atenta à mensuração das variáveis relativas ao conjunto de informações
sobre as características sociais dos agentes (propriedades, atributos, trunfos etc.) sujeitas
à quantificação. Por esta via pretendemos apreender as competências que em
determinado momento histórico permitiram a determinados indivíduos a composição de
uma minoria, reconhecidos material e simbolicamente como superiores aos demais,
nestes termos, uma elite constituída sob a égide de ―escritores‖, em suas diversas
variações, e reconhecimentos dela derivados, intelectuais, poetas, literatos etc. Quanto à
outra, mais atenta às interações interindividuais em torno das redes de relações e
contatos que um conjunto de agentes estabelece entre si e os vínculos afetivos e
mediações que se estabelecem através do encadeamento destas relações, criando
possibilidades de deslocamento no interior de um espaço social a partir destes vínculos
e aproximações sociais. Em outros termos, pretendemos compreender a relação entre a
ascensão e ocupação de posições por um conjunto de agentes, identificando seus
recursos acionados em jogo e o conjunto de elos administrados no interior de um
universo social específico constituído pelos domínios político e intelectual7.
Para estas escolhas metodológicas, apropriamo-nos do referencial analítico
desenvolvido por Pierre Bourdieu, portanto, a investigação das questões apresentadas
acima se desenvolve através da percepção das posições ocupadas pelos agentes no bojo
de uma estrutura social determinada, analisando-se a relação entre o volume dos
capitais (recursos, competências, qualidades etc.) que possuem em suas modalidades
variadas (econômico, cultural, social etc.), considerando-os relacionalmente, o que lhes
possibilita o acesso a determinadas posições e orienta, relativamente, suas tomadas de
posição no interior de um espaço de lutas, assim caracterizado pela dinâmica de

7
Para melhor organizar estes dados faço uso básico de dois softwares, SPSS (Statistical Package for
Social Sciences) para o tratamento dos dados referentes à primeira dimensão e do UCINET, para o
mapeamento e descrição das redes de relações sociais, bem como a identificação do grau de centralidade
exercido por Jomar Moraes na rede de relações em que se insere.

21
concorrências em torno de estratégias8 acionadas nas lutas pela conservação ou
transformação das estruturas sociais, sustentadas pela desigual distribuição dos recursos
entre os agentes. No que tange a esta pesquisa o espaço em questão é composto de 37
agentes, selecionados pelo critério de publicação de suas primeiras obras entre os anos
de 1945 a 1964 no Maranhão9.
Não foram poucos os momentos de inflexão conjuntural pela qual passaram
estes agentes, e acionaram em tais períodos os recursos disponíveis para manterem-se
vinculados às frações dirigentes. O período de ingresso desses na carreira literária,
consagrado pela historiografia e crítica literária ―local‖ ao surgimento da ―geração‖
precursora do ―modernismo‖ no Maranhão10, congrega ainda – além dos autores que o
reivindicam, ou mesmo são incluídos no restrito ―panteão‖ modernista maranhense –
outros agentes que, privados das honrarias consagradas a este ―movimento‖, quase
sempre resumido aos nomes de Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi, Lucy Teixeira e Lago
Burnett, afirmam-se pela reivindicação de outros recursos e referenciais, diversificando
as lógicas, e estratégias de afirmação ―intelectual‖, principalmente em torno da
―literatura‖. Também se subscreve na história social dos agentes que constituem este
espaço um sistema de posições sociais que extrapola a ideia de ―geração‖, embora por
vezes ela possa também ser acionada como um referencial distintivo no seu interior.
Às voltas com a série de transformações políticas ocorridas em âmbito nacional,
no Maranhão conclui-se o chamado Estado Novo sob novos arranjos faccionais11.
Presencia-se em 1945 a derrocada do grupo ―oligárquico‖ capitaneado por Magalhães
de Almeida e o início do período que a historiografia local denominaria ―vitorinismo‖,
expressão estigmatizante que designaria o predomínio do cenário político estadual por
outra coalizão (BOISSEVAIN, 2003) ―oligárquica‖, agora liderada pelo então senador
Vitorino Freire (PSD – 1945/1965). No bojo destas transformações e pretendendo fazer
frente ao estabelecimento ―vitorinista‖, instaura-se neste período a aliança política

8
Para Bourdieu, a noção de estratégia não diz respeito a um cálculo sistemático, mas à relação – também
não plenamente inconsciente – entre as disposições incorporadas ao longo das trajetórias dos agentes e o
que está em jogo no espaço social em que está inserido.
9
Seguem no Anexo V) os quadros sinópticos com as indicações dos agentes em questão e suas
respectivas informações biográficas coletadas.
10
A respeito do ―modernismo‖ no Maranhão e seus nomes consagrados, ver p. ex. Borralho (2011); Cruz
(2003); Corrêa (1989; 2001).
11
Esta noção é utilizada aqui segundo a elaboração de Boissevain (2003), para quem a facção é uma
forma de organização básica em qualquer processo de disputas políticas ou de outra ordem de
agrupamentos, que tem outra facção como rival na medida em que disputam em torno um mesmo
objetivo, e que se caracteriza como uma ―coalizão de pessoas (seguidores) recrutadas pessoalmente, de
acordo com princípios estruturalmente diversos por, ou em nome de, uma pessoa que está em conflito
com outra ou outras pessoas (...) pela honra e/ou controle dos recursos‖ (p.168, tradução nossa).

22
intitulada por ―Oposições Coligadas‖, agrupando em torno de si diversos partidos e
―intelectuais‖ que atuariam principalmente através da publicação de livros e jornais,
reivindicando para si a tarefa ―libertadora‖ do Maranhão, ―pondo fim à oligarquia que
estimulava o atraso do estado‖ (CRUZ, 2003, p. 44). Entre estes ―intelectuais‖ e os
espaços de atuação mencionados, destacam-se Neiva Moreira (à frente do Jornal do
Povo), Lino Rodrigues Machado (que viria a ser um dos principais líderes da chamada
―Greve de 51‖12 e dirigia o jornal O Combate) e Ribamar Bogéa (proprietário do Jornal
Pequeno). Também contribuíram com esse ―movimento‖ através da literatura Bernardo
Coelho de Almeida, José Louzeiro, Bandeira Tribuzi, José Chagas, para citar apenas os
nomes de maior destaque e que mais nos importam para esta pesquisa, por dois motivos
principais, inserirem-se entre os casos analisados e constituírem-se em personagens
importantes na trajetória de Jomar Moraes, como se demonstra adiante.
As posições ocupadas pelos escritores neste período mantêm uma relação direta
com domínios de atuação que extrapolam o que se poderia considerar de exclusividade
literária, a exemplo da imprensa, que se constitui no principal veículo de divulgação e
tomadas de posição e a política, cujos órgãos vinculados à cultura se estabeleceram
como instâncias privilegiadas de sobrevivência pessoal e fomento à produção e
publicação de suas ―obras13‖.
Não possuindo formas de recrutamento e mecanismos de atuação e consagração,
bem como a constituição de instituições ligadas à produção especificamente literária, o
que caracterizaria um campo de produção relativamente autônomo frente a outros
domínios de atuação social, recorriam às possibilidades ensejadas pelas posições
ocupadas, principalmente nos órgão públicos vinculados à produção cultural para a
publicação de suas ―obras‖ e dos grupos ou ―movimentos‖ a que se vinculavam.
Observa-se em vários casos que muitas destas posições ocupadas na
administração pública devem-se às relações políticas herdadas de familiares cujo
passado áureo, compreendido analiticamente como capital de notoriedade e o capital de
relações sociais herdados é reconvertido e utilizado estrategicamente para a atuação
intelectual amparada pela máquina pública. No entanto, entravam tais recursos em um
12
Movimento liderado pelas ―Oposições Coligadas‖ contra a posse de Eugênio Barros – apoiado por
Vitorino Freire (PSD) – ao cargo de Governador do Maranhão.
13
As aspas sobre alguns termos, quando não se referem a trechos de pronunciamentos dos agentes,
retirados de entrevistas ou quaisquer outros tipos de fontes, referem-se à compreensão epistemológica de
que tais noções, como nos adverte Michel Foucault, não podem ser consideradas como unidades
imediatas (a exemplo de ―obras‖, ―livros‖, ―movimentos‖ etc.) nem como unidades certas, nem como
unidades homogêneas, restando ao pesquisador a tarefa de compreendê-los como um ―nó em uma rede‖,
como funções discursivas, presas a um sistema de remissões (Cf. FOUCAULT, 2007).

23
processo de desvalorização neste espaço social e os que dele se valeram não ocuparam
mais que posições medianas em declínio na administração pública voltada à produção
cultural no Maranhão. Outros recursos passavam a ser mais valorizados, como a
obtenção de títulos escolares e a inserção em redes de relações sociais qualificadas, no
Maranhão, fora do estado ou mesmo fora do país, como nos casos de exílio. Quanto à
valorização interna ao espaço em análise desses recursos veremos adiante os tipos de
formação escolar, os ―movimentos culturais‖ mais relevantes e os tipos de
reciprocidades (MAUSS, 2003) acionados a partir da ocupação de postos públicos
estratégicos, no caso que aqui mais nos interessa, para a produção bibliográfica.
A análise dos perfis dos agentes que ingressaram na carreira literária durante o
período em pauta nos possibilita, portanto, apreender os condicionantes sociais da
atuação literária em um espaço de concorrências, cujas condições prescindem de um
aparelho de celebração autônomo e se caracteriza por sua relativa porosidade e
interseção com outros domínios, implicando em uma relação de imbricamento entre
múltiplas lógicas, registros, recursos em jogo e domínios de atuação.
Outrossim, a opção pelo estudo da trajetória de Jomar Moraes se justifica pela
possibilidade de analisarmos as estratégias e condições de acesso ao exercício do que
fora elaborado discursivamente (Cf. FOUCAULT, 2007) por ―literatura‖ em um
período histórico de transformações conjunturais importantes nacionalmente e cujos
efeitos ―locais‖ se manifestaram sob novas modalidades e critérios de atuação e
consagração ―intelectual‖, acompanhadas de redefinições de coalizões, possibilitando-
nos, em um nível mais geral, deslindar a transição de novas lógicas de afirmação das
elites intelectuais no Maranhão.

Constituição das variáveis e representação espacial dos dados

Para a constituição das variáveis sigo a elaboração do que nos termos do


historiador francês Christophe Charle se pode chamar de uma topografia social do
espaço intelectual maranhense. O que implica na análise da estrutura das posições
diferenciadas estabelecidas entre os agentes e instituições, competindo no interior de um
espaço de lutas em torno dos critérios legítimos de afirmação sob o signo do
reconhecimento intelectual. A constituição deste terreno social e da configuração
promovida por seus acidentes enseja ainda a justificação das opções metodológicas que

24
presidiram a delimitação do universo social analisado e a apresentação dos principais
obstáculos epistemológicos e empíricos enfrentados para sua realização.
Com esse intuito, utilizamos como principal ferramenta de análise o método
prosopográfico que, em termos básicos, consiste em
definir uma população a partir de um ou vários critérios e estabelecer, a
partir dela, um questionário biográfico cujos diferentes critérios e variáveis
servirão à descrição de uma dinâmica social privada, pública, ou mesmo
cultural, ideológica ou política, segundo a população ou o questionário em
análise (CHARLE, 2006, p. 41).

Constituíram-se em importantes fontes para a obtenção de informações relativas


aos referidos agentes e análise de suas estratégias de afirmação, disputas e repertórios
acionados neste processo, as publicações biográficas promovidas por instituições
dedicadas à consagração de personagens que se destacaram no cenário ―intelectual‖
maranhense, como a Academia Maranhense de Letras e o Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão. Além destes, recolhemos informações de biografias, livros de
memórias, prefácios, antologias, sites particulares ou institucionais, entrevistas,
materiais produzidos pelos ―movimentos‖ culturais de que participaram e alguns
trabalhos acadêmicos que nos auxiliaram no mapeamento e caracterização
historiográfica do período em pauta e o conhecimento dos pares geracionais, que
constituem os casos em análise14. Ainda a partir destes trabalhos pudemos cotejar
discursos de posse, homenagens, artigos, e perceber algumas adesões ou oposições e
suas ligações por parentesco, amizade ou política entre os nomes a que se vinculavam.
No que tange especificamente a Jomar Moraes, além de dados cotejados a partir
dos materiais supracitados, realizamos quatro entrevistas em profundidade e
digitalizamos cerca de quinhentos documentos entre portarias de nomeações para os
cargos públicos que ocupou, fotografias, cartas, trechos de jornais etc. disponibilizados
de seu arquivo pessoal.
Concluída esta etapa mais operacional da coleta de dados, que encerra a
construção de quadros sinópticos a partir das informações biográficas recolhidas,
passamos à construção de duas dimensões de análise: 1) A identificação das
características comuns entre os agentes, concomitante à elaboração de seus perfis
sociais; 2) A construção de uma ―linha de vida‖ de Jomar Moraes. O objetivo fora
cruzar as informações biográficas deste último com os momentos de inserção em
determinados cargos públicos, instituições de consagração, publicações etc. tomando
14
As fontes para a construção dos repertórios biográficos utilizados seguem listadas no final deste
trabalho.

25
por parâmetro os recursos detidos e acionados pelos demais agentes. Desta forma,
pudemos operacionalizar a noção de trajetória utilizada neste trabalho, compreendendo
melhor os condicionantes sociais que lhe possibilitaram ocupar determinadas posições
no espaço social em questão, relacionando-as ao valor relativo e global dos recursos em
jogo e das possibilidades de ação e posicionamentos a partir dos seus usos, tomando por
referência o conjunto de agentes indicado.
Ressalte-se, como observa Charle, que o método prosopográfico oferece o risco
ao pesquisador de incorrer em uma espécie de ―ilusão das fontes‖, tomando as
delimitações e seleções sociais de que são reflexo pela própria realidade pronta,
confundindo ―o método com seu fim‖, esquecendo-se que ―ele [o pesquisador] sempre
examina apenas uma fração da realidade, em função das fontes que escolheu e dos
limites do seu próprio questionário biográfico‖ (CHARLE, 2006, p. 45). Portanto, deve-
se deixar claro que ―a utilização da prosopografia encontra-se estritamente relacionada
às questões orientadoras da pesquisa, ao modelo de construção conceitual, através do
qual define o que é tomado enquanto objeto digno de interesse‖ (NERIS, 2009).
Buscamos, então, identificar os processos de definição dos agentes e grupos através de
suas propriedades sociais e construção de imagens acionadas reciprocamente, cujos
valores foram quantificados e qualificados de forma relacional, sem perder de vista os
limites das estruturas que antecedem a construção dos dados.
Desta forma, reunimos uma quantidade representativa de variáveis sobre as
características sociais dos agentes (escolaridade, atividades profissionais, cargos
públicos ocupados, pertencimento a instituições de consagração, inserção em
movimentos culturais etc.), enfaticamente sobre Jomar Moraes, que compõem o
universo em pauta, no intuito de investigar a multiposicionalidade dos agentes neste
espaço social, suas dimensões e princípios de hierarquização, analisados a partir dos
investimentos feitos no âmbito cultural, político, de relações sociais e de parentesco,
buscando perceber os condicionantes das variações nas posições e tomadas de posição
de Jomar Moraes.
Assim, na constituição das variáveis utilizadas tivemos por objetivo apreender os
diferentes usos dos recursos sociais em posse destes agentes, como estratégias de
inserção e afirmação intelectual. Porém, tratando-se de condições de grande porosidade
entre este domínio e o da política, cujo trânsito é pouco obstruído por forças internas
autônomas na forma de princípios próprios de legitimação e mecanismos de censura a
pautas exógenas, estes diferentes usos prescindem da necessidade imediata de

26
reconversão de um domínio para o outro. Portanto, semelhantemente ao cuidado
empregado por Eliana Reis aos diferentes recursos (herdados ou adquiridos) que
possuíam os agentes que analisara (REIS, 2001, 2007), tomo esta circulação entre
domínios pela noção de ―papéis que são endossados e que solicitam dos seus
protagonistas o desenvolvimento de habilidades prescritas para o trânsito entre
linguagens e domínios, assim com para o uso de lógicas multidimensionais‖ (REIS,
2007. p. 58).
Considerando-se a ausência de universos sociais com lógicas de funcionamento
relativamente autônomas, instâncias de consagração e capitais específicos e,
consequentemente, a inexistência de subcampos de produção cultural também
específicos ou relativamente autônomos, dentre eles o literário, optamos pelo uso da
noção de ―intelectuais‖ pretendendo assim nos remeter à associação generalizada entre
os vários domínios de atuação destes agentes em torno da produção cultural e da
atuação política, deixando em aberto ―o problema da passagem de uma lógica de
produção e de legitimação específica para o universo da ‗cultura‘ e da ‗política‘ em
geral‖ (CORADINI, 2003, p. 127). Embora esta noção de ―intelectual‖ possa abarcar –
pela forma como se delimita aqui – a todos os que se envolveram com os mais diversos
segmentos culturais, para os limites deste trabalho tomarei os agentes privilegiando suas
atuações enquanto escritores15.
Cabe observar que, inserindo-se o presente trabalho entre os estudos sobre os
condicionantes sociais dos processos de seleção de elites culturais, o uso da noção de
―intelectuais‖, embora sugira uma consideração desta camada social como objeto de
estudo, é tratada aqui apenas como tema empírico, tomando, isto sim, por objeto de
análise ―os recursos e princípios de legitimação que estruturam suas práticas e,
inclusive, suas relações com as demais categorias sociais, não necessariamente
dominantes‖ (CORADINI 2008, p. 14).
O levantamento inicial dos dados biográficos a partir dos materiais diversos16 já
mencionados nos permitiu ainda fazer um uso da noção de geração evitando a mera

15
Muitos dos agentes aqui analisados atuaram, além da produção literária, através do teatro, cinema, artes
plásticas, música e outras formas de produção cultural. Pretendemos que esta variedade de formas de
atuação seja objeto de estudo posterior.
16
Esta diversidade diz respeito não apenas ao gênero de produção, mas, consequentemente, ao tipo de
informação que eles nos fornecem. Assim, os dados obtidos a partir de biografias, entrevistas e memórias,
para citar alguns exemplos, são trabalhados separadamente, considerando-se a diversidade de estratégias
utilizadas a partir destes diferentes gêneros de produção, que nos fornece indícios importantes sobre as
posições sociais que ocupam seus protagonistas e produtores em determinado momento. Exemplo deste
tratamento diferenciado das fontes pode ser observado em Miceli (2001).

27
reprodução dos enquadramentos prévios baseados em princípios cronológicos,
ideológicos, de parentesco ou estilísticos – principalmente em se tratando de
personagens que atuaram através da literatura –, possibilitando uma apreensão
relacional destes acionamentos geracionais: é o próprio jogo que nomeia e delimita os
―grupos‖ em disputa, e, até onde temos observado, assimilamos destes os
reconhecimentos de seu tempo, as relações sociais, os repertórios e principalmente seus
pares e adversários.
A partir da análise dos perfis sociais construídos, também nos fora possível
deslindar, os condicionantes vinculados às heranças familiares (patrimônio econômico,
político, de relações sociais) e às carreiras literárias desses agentes, analisando suas
influências sobre a atuação e desempenho, posições ocupadas, disposições e tomadas de
posição através da atuação desses agentes no domínio literário e suas interseções com o
espaço do poder político. Desenvolve-se aqui a análise de correspondência entre as
origens sociais, as profissões que exerceram, os graus de escolarização, além de outras
variáveis, e as disposições17 dos agentes a atuarem neste espaço intelectual imbricado a
outros domínios – principalmente o político – e que, por caracterizar-se enquanto
espaço de disputas, conforma possibilidades diferenciadas de atuação, condicionadas
pelas características sociais dessemelhantes entre os agentes. Assim, a partir destas
múltiplas posições e lógicas de atuação, analisamos a correspondência entre a estrutura
das relações objetivas (entre produtores e espaço de produção) e subjetivas,
investigando os alcances – e limites – da relação entre as posições ocupadas por Jomar
Moraes em um espaço social geográfica e historicamente delimitado e as disposições
primárias por ele incorporadas no convívio familiar e adquiridas em seus investimentos
posteriores, escolares, por exemplo, e para determinadas tomadas de posição políticas,
editoriais, literárias etc.

Objetivação do sujeito objetivante

Embora atendendo ao princípio epistemológico da primazia sobre o objeto


analítico, há de se observar que as delimitações do objeto empírico raramente se dão de
forma aleatória, ou, sendo um tanto mais direto, desvinculada do acúmulo de
experiências vividas ao longo da trajetória do pesquisador, afinal tem este sempre

17
Modos de agir e pensar incorporados ao longo da trajetória, cujos acionamentos mantêm intrínseca
relação com as posições ocupadas pelos agentes em um espaço de relações sociais específico.

28
um objecto a conhecer, o mundo social de que ele próprio é produto e, deste
modo, há todas as probabilidades de os problemas que põe a si mesmo
acerca desse mundo [...] sejam produto desse mesmo objecto (BOURDIEU,
2003, p. 34).

Porém, o esquema analítico de Pierre Bourdieu nos fornece subsídios


fundamentais para a operacionalização desta pesquisa sob a prática de uma constante
vigilância na relação entre pesquisador e objeto, disponibilizando recursos analíticos
que permitem o esquivo entre a mera intervenção no jogo das disputas simbólicas
através de um trabalho que pretendesse ser mais uma versão sobre os episódios que
abarcam o universo social e de forma específica a trajetória em análise e as ilusões de
uma pretensa externalidade e neutralidade ante os efeitos de envolvimento com o objeto
analisado, enraizados nas experiências vivenciadas pelo pesquisador. O que se busca é a
prática de um modelo de equilíbrio entre os extremos de uma pretensa autonomia
absoluta em direção ao pleno distanciamento ou de outra absoluta heteronomia pendente
ao pleno envolvimento na relação entre pesquisador e objeto (ELIAS, 1999). Para além
desta relação mais intimista, há o enfrentamento com a resistência à objetivação de uma
prática socialmente consagrada, como o exercício literário, mesmo nas chamadas
ciências humanas e sociais, como a História e a Sociologia, por vezes ainda enraizada às
heranças de uma estética kantiana do gosto puro, para a qual o desinteresse se apresenta
como única garantia da qualidade propriamente estética da contemplação. Refiro-me à
análise do fenômeno literário distanciado da contraposição entre a adesão às lógicas da
representação e a crença, ―através das representações e convenções que a regulam‖, nas
―coisas representadas‖, que remetem, respectivamente, à tendência dos intelectuais e às
exigências sociais comuns (BOURDIEU, 2007, p.12-13).
Este distanciamento reivindicado e a compreensão da experiência literária como
um fenômeno social, não devem ser tomados, no entanto, sob a forma de uma filiação
objetivista, primando o método em detrimento do objeto analisado, evitando objetivar a
relação objetivante, desconsiderando assim as relações imediatas nas quais se
manifestam os ―sentidos desse mundo‖; ou fenomenológica, que pretenda ―a apreensão
do mundo como evidente‖, posto que, assim prosseguindo, excluiria a ―questão das
possibilidades dessa experiência, a saber, a coincidência das estruturas objetivas e das
estruturas incorporadas que oferece a compreensão da ilusão imediata‖ (BOURDIEU,
2009, p. 43-45).
Buscando a compreensão das lógicas de classificação entre os agentes no interior
de um espaço de lutas elaborado analiticamente, faz-se necessário, ainda segundo Pierre

29
Bourdieu (2009), proceder a uma dupla ruptura entre o objetivismo e o subjetivismo.
Assim, o que se pretende é uma síntese entre uma postura inclinada à compreensão das
estruturas sociais à revelia da subjetividade, o que se poderia chamar de um fisicalismo
social e outra prioritária das representações psicológicas dos agentes (BOURDIEU,
1989, p.9). Em lugar desta dicotomia buscamos a realização de um modelo analítico que
dê conta dos processos de interiorização da exterioridade e de exteriorização da
interioridade, presente nas práticas sociais.
Foi-nos também de grande valia o pressuposto da realização de um ofício
científico racional e a necessidade de se pensar o real relacionalmente, processo que
acompanha uma inevitável desmistificação sobre os pesquisadores e sua relação com os
objetos de pesquisa, o que se deve principalmente ao fato de nos oferecer condições
epistemológicas a um progressivo desencantamento – por vezes perturbador – de
algumas representações típicas de uma tradição nas ciências voltadas às relações sociais
sobre o papel do pesquisador e de outras socialmente reconhecidas quanto à essência de
certos objetos, fundamentalmente os considerados artísticos, tal como a literatura.
A referida postura de equilíbrio na relação com o objeto aplicada neste trabalho,
a meio caminho entre uma ilusória postura resolutamente autônoma, que tenderia ao
pleno distanciamento, e ao outro extremo de absoluta heteronomia (ELIAS, 1998), o
que por sua vez implicaria em uma postura plenamente comprometida com o objeto, se
conjuga ainda à necessidade de ruptura com as filiações e afiliações teóricas e
metodológicas. Obviamente, mantendo, o quanto possível, uma vigilância constante
sobre os usos de alguns materiais (fontes) e técnicas, observando o ―trabalho social de
construção do objeto pré-construído‖ e sua pertinência e adequação ao que se pretende
analisar (BOURDIEU, 2003, p. 25-28).
Como apontado acima, adotamos neste trabalho o princípio metodológico de que
para a compreensão das posições e tomadas de posições de determinados agentes ou
grupos é necessário aplicarmos o modo de pensar relacional, ou seja, compreendê-los a
partir de sua inserção em um espaço social de posições múltiplas, situando ―cada agente
ou cada instituição em suas relações objetivas com todos os outros‖ (BOURDIEU,
2005, p. 60). Cabe também ressaltar a importância deste recurso para o exame da
trajetória de Jomar Moraes compreendendo as estratégias e lógicas de classificação de
si e dos outros e suas relações com as demais posições no espaço social construído
analiticamente.

30
Compreendendo a produção bibliográfica de Jomar Moraes como tomadas de
posição objetivamos esquivar-nos dos equívocos de acepção da escrita deste agente à
espécie de uma autocriação da produção literária, que, reproduzindo a crítica feita por
Bourdieu sobre uma história da ciência tradicional, descreve o ―processo de perpetuação
da [literatura] como uma espécie de partenogênese, a [literatura] engendrando-se a si
própria, fora de qualquer intervenção do mundo social‖ (BOURDIEU, 2004, p. 20).
Podemos dizer, sob o risco de simplificação, que a escrita dos textos se engendra nas
práticas dos agentes, elaboradas a partir do conjunto de disposições acionadas por seu
produtor nas relações objetivas que se estabelecem entre este e os demais agentes em
disputa no interior de um espaço social específico. Porém, para a compreensão da
produção literária a partir da relação de homologia entre a estrutura das obras e a
estrutura do espaço social em questão e para a constatação de que as tomadas de
posição estariam determinadas pela estrutura das relações objetivas entre os agentes,
seria necessário que se configurasse, no contexto aqui analisado, um espaço de relativa
autonomia da produção cultural, o que, como já dito implicaria na existência de
princípios de hierarquização e concorrência próprios (BOURDIEU, 2002). No entanto,
estudos como os desenvolvidos por Coradini (2003), Grill e Reis (2010; 2012), Reis
(2007), Neris, (2009); Pécaut (1990) e Sigal (1996), Neiburg (1997), Sorá (2010), entre
outros, demonstram que em condições periféricas, tal como o lócus de análise deste
trabalho, não se configura uma dada situação que se poderia conceber como de relativa
autonomia dos campos, implicando em diferentes processos de constituição dos agentes
e suas relações com as instituições e as lógicas de concorrência entre si, amalgamadas
entre diferentes domínios de atuação. A este respeito, observa Coradini que,
em condições periféricas, não haveria processo histórico nessa situação de
relativa autonomização dos diferentes ‗campos‘, as relações entre a
constituição dos agentes, ou suas respectivas estruturas de capital e
disposições, e as tomadas de posição implicariam, em graus mais elevados,
outras lógicas sociais (CORADINI, 2003, p. 32).

A elaboração analítica do espaço literário aqui realizada ampara-se nas


abordagens desenvolvidas pelos autores supracitados, de forma a substituir a ênfase
sobre as determinações entre posição social de origem, destino social e tomadas de
posição pelo destaque à interseção e amálgamas das lógicas e espaços de atuação dos
agentes.
Através da construção deste espaço de relações de força é que pudemos analisar
relacionalmente as estratégias de afirmação de Jomar Moraes (alianças, investimentos,

31
recursos sociais acionados etc.) em seu interior e sua relação dialética com as
determinações externas a ele, bem como compreender os condicionantes sociais que
incidiram sobre suas possibilidades de acesso aos bens simbólicos, atendo-nos também
às suas disposições incorporadas (gosto, referências, práticas etc.). Nos detivemos
enfaticamente sobre suas origens sociais como parâmetro analítico do processo de
incorporação das disposições acionadas e, ao passo que pusemos à crítica as ilusões da
razão biográfica, nos detivemos em demonstrar as correlações existentes entre suas
disposições incorporadas e as possibilidades objetivas de inserção em determinados
espaços sociais pelo investimento em determinados recursos sociais em processo de
valorização, principalmente quanto à criação de laços de reciprocidade, o que será
melhor discutido no capítulo seguinte.

32
CAPÍTULO II – Perfis sociais: recursos herdados, adquiridos e
acionados pelos agentes
A definição das posições relativas constituintes de uma dada trajetória social
inserida em um espaço social construído analiticamente parte da interpretação deste
universo como um espaço multidimensional, cujos princípios de diferenciação e
hierarquização, aproximação e distanciamento se estabelecem pela desigual distribuição
do montante de capitais – sob condições objetivas – e o seu peso relativo (BOURDIEU,
2005), mensurado pelas propriedades sociais dos agentes que constituem um espaço
social específico. Isto feito, analisamos os condicionantes sociais para as diferentes
posições ocupadas por Jomar Moraes, suas modalidades de atuação e reconhecimento
ante os demais agentes, bem como sobre suas escolhas editoriais, compreendidas como
tomadas de posição, atinentes às condições objetivas a que se encontram submetidos
(porque atuam através da poesia, romance, crônicas etc.) e em torno das pautas
legítimas que se estabelecem neste espaço de lutas. Assim, compreendemos que cada
autor,
[...] afirma a distância diferencial constitutiva de sua posição, seu ponto de
vista, entendido como vista a partir de um ponto, assumindo uma das
posições estéticas possíveis, reais ou virtuais, no campo de possíveis
(tomando, assim, posição em relação a outras posições). Situado, ele não
pode deixar de situar-se, distinguir-se, e isso, fora de qualquer busca pela
distinção [...] (BOURDIEU, 2005, p. 64).

Em uma dimensão mais geral, as origens geográficas se constituíram em


importante variável de análise para esta pesquisa, posto que, através dela – sempre
pensadas de forma relacional – pretendemos investigar as relações existentes entre a
origem geográfica e a posição social dos agentes, bem como a investigação sobre o
controle de alguns recursos sociais condicionados pela relação centro/periferia
(investimentos escolares, contato com tendências e movimentos culturais etc.), no
esforço de aproximação do que Christophe Charle chamou de uma geografia social
(CHARLE, 1977).
A visualização do polo geográfico dispersor dos ―intelectuais‖ analisados nos
conduziram também à investigação das suas condições socioeconômicas no que
pesaram sobre suas origens geográficas e das possibilidades de ingresso na carreira
literária ensejadas pela recorrência aos recursos sociais disponíveis. Realizada esta
primeira observação, analisamos comparativamente esta relação intermunicipal, pondo
em evidência as condições socioeconômicas dos municípios onde nasceram, destacando

33
as possibilidades de investimentos escolares no ―interior‖ do Maranhão em relação a
São Luís.
Os recursos metodológicos aplicados nos demonstraram algumas condições
sociais que estreitam as relações entre a localização espacial na origem e as
possibilidades de ingresso na carreira intelectual no universo social em questão. Assim,
para melhor identificação das formas e espaços de recrutamento dos 37 casos aqui
relacionados elaboramos um conjunto de variáveis sobre seus perfis biográficos, como
os locais, condições socioeconômicas e ano de nascimento, origens familiares,
principais profissões exercidas, lugares e graus de escolarização etc.
Iniciando a demonstração das dimensões de análise indicadas acima, elaboramos
os quadros abaixo em que podemos identificar a quantidade de instituições escolares e
de concluintes do ensino primário, médio e superior no estado, indicam a gradativa
concentração destas instituições na capital à medida que se eleva o grau de escolaridade.
Situando-nos cronologicamente no período de ingresso dos agentes em pauta na carreira
literária, temos, quanto ao nível fundamental, cerca de 12,5% das instituições de ensino
localizadas em São Luís, percentual que aumenta consideravelmente se mantivermos
esta comparação entre a capital e o restante do estado com respeito ao nível médio,
chegando a 88,8% e culminando em 100% das instituições de nível superior situadas em
São Luís18.

Tabela I
Concentração das instituições escolares por graus de ensino

Segundo as categorias do ensino (%)


Ano - 1945 Total fundamental médio superior
862
Maranhão 810 (93,9) 9 (1,0) 2 (0,2)
(100)
136
São Luís 102 (12,5) 8 (88,8) 2 (100)
(15,7)
Fonte: Serviço de Estatística da Educação e Saúde. Tabela extraída de:
Anuário estatístico do Brasil 1948. Rio de Janeiro: IBGE, v. 8, 1949.

18
Considerando-se os equivalentes atuais quanto aos graus de escolaridade.

34
Tabela II
Concentração das conclusões de curso no Maranhão

Segundo as categorias do ensino


Ano - 1945 Total fundamental médio superior
4 310
Maranhão 3 501 (81,2) 327 (7,5) 9 (0,2)
(100)
1 740
São Luís 1 016 (29,0) 306 (93,5) 9 (100)
(40,3)
Fonte: Serviço de Estatística da Educação e Saúde. Tabela extraída de:
Anuário estatístico do Brasil 1950. Rio de Janeiro: IBGE, v. 11, 1951.

É-nos ainda relevante observar que já no início da década de 1960, possuindo o


Maranhão 99 municípios, em apenas 17 deles havia estabelecimentos de ensino em
nível médio19. Em se tratando especificamente das instituições de nível superior, além
da desproporcionalidade entre o volume populacional e a quantidade de instituições
existentes no estado, todas elas concentravam-se em São Luís até meados da década de
1940. A tendência à concentração dos graus de escolaridade mais altos em São Luís
pode ser demonstrada pela distribuição destas instituições nos municípios do estado,
separando-as pelos níveis fundamental, médio e superior. Subdividindo-os ainda quanto
à dependência administrativa responsável por tais instituições temos um outro
indicativo importante para as possibilidades de acesso aos títulos escolares em nível
médio e superior, tendo em vista que 81,8% delas eram instituições particulares.

Tabela III
Número de instituições escolares segundo a dependência administrativa nos
municípios (%)

Municípios em que existiam estabelecimentos de


Ensino Médio e Superior – 1945 (%)
Municípios em
que Dependência administrativa
existiam
Municípios
estabelecimentos Públicos
existentes
de Total
Ensino
Fundamental Federais Estaduais Municipais Particulares

65 (100) 65 (100) 11(16,9) 1 (9,0) 1 (9,0) — 9 (81,8)


Fonte: repertórios biográficos

19
Cf. Serviço de Estatística da Educação e Cultura. Anuário estatístico do Brasil 1961. Rio de Janeiro:
IBGE, v. 22, 1961.

35
A descrição abaixo demonstra a distribuição dos agentes a partir dos seus
municípios de nascimento. O que se intenciona é a visualização dos municípios de
maior concentração dispersora de escritores do estado, o que posteriormente nos servirá
para a identificação de suas principais características socioeconômicas no contexto
estadual (população, importância econômica, condições objetivas de acesso a títulos
escolares em relação ao número de instituições de ensino em cada cidade etc.).

Tabela IV
Locais de nascimento

Cidades Frequência Percentual


São Luís 17 45,95
Grajaú 2 5,41
São Bernardo 1 2,70
Tabatinga-AM 1 2,70
Codó 1 2,70
Bacabal 2 5,41
Mirador 1 2,70
Guimarães 1 2,70
Balsas 1 2,70
Piancó-PB 1 2,70
Timon 1 2,70
Pinheiro 1 2,70
Caxias 2 5,41
São Francisco do Maranhão 1 2,70
Tauá-CE 1 2,70
Barra do Corda 1 2,70
Brejo dos Anapurus 1 2,70
Coelho Neto 1 2,70
Total 37 100,0
Fonte: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

O que se pretende através da análise destes dados relativos à identificação dos


seus locais de nascimento é a investigação das condições sociais de recrutamento dos
agentes que ingressaram na carreira literária entre os anos de 1945 e 1964 e podermos
identificar as condições de acesso e investimentos em recursos sociais valorizados
socialmente e realizados por Jomar Moraes. Portanto, as características dos municípios
onde nasceram – em relação a um contexto mais geral do estado – conjugadas aos
recursos sociais destes agentes neste período de ingresso, nos apresentam dados
importantes sobre o processo de seleção de uma elite intelectual maranhense e nos
indicam as razões para as posições ocupadas pela trajetória em pauta.

36
Demonstra-se neste universo social em análise uma concentração maior de casos
nascidos no Leste do estado e principalmente em sua região Nordeste. Tal desnível
aumenta consideravelmente se levarmos em conta o número de casos nascidos em cada
município, com mais da metade situando-se em São Luís (52%), percentual que nos
serve como importante elemento indicador das condições delimitadas social e
geograficamente quanto às possibilidades de inserção e afirmação na elite intelectual
maranhense, influindo no que podemos chamar de controle das oportunidades
(TARROW, 2009) de investimentos escolares em nível superior e do engajamento em
movimentos culturais que tenderam a se concentrar na capital do estado, posto que,
como já indicado, se constituem em importantes recursos no espaço social analisado.
Tais entraves contribuem, portanto, para o delineamento de polos de atuação
literária entre os produtores da capital e os excluídos do interior, dificultando também o
acesso a importantes espaços de socialização e produção literária – tendo em vista que
também os mais destacados movimentos culturais e os principais nichos editoriais
tenderam ambos a se concentrar em São Luís. Assim, a raridade das opções, agravadas
pelas dificuldades geográficas de acesso, exige um dispêndio maior de recursos
materiais e tempo para investimentos escolares cujos diplomas gozam de maior
valorização social, fossem com respeito ao tipo de instituições ou quanto aos graus de
escolarização, como a possibilidade de investimentos no ensino superior, dificultando a
aquisição e reconversão dos recursos importantes ao ingresso na carreira literária,
principalmente às camadas sociais mais desprovidas de capital econômico.
Considerando os agentes a partir dos locais de obtenção dos graus de
escolaridade mais altos, os dados obtidos na construção dos seus perfis biográficos nos
demonstram que o maior número de casos identificados concentra-se em São Luís (12),
distribuindo-se os demais por outros estados (9), no exterior (3) e situam-se no interior
2. Sobre 11 casos não obtivemos informações sobre seus locais de escolarização.
Quanto à combinação entre os graus e locais de escolarização mais alta, distribuem-se
os casos segundo o quadro abaixo.

37
Tabela V
Locais de aquisição do título escolar mais alto (%)

Nível/Local São Luís ―Interior‖ Outros estados Exterior Total


Médio 5 (13,5) - 1 (2,7) 1 (2,7) 7 (18,9)
Superior 5 (13,5) - 7 (18,9) - 12 (32,4)
Superior + pós 1 (2,7) - 1 (2,7) 2 (5,4) 4 (10,8)
Fundamental 1 (2,7) 2 (5,4) - - 3 (8,1)
Não informados 11 (29,7)
Total de casos 37 (100)
Fonte: repertórios biográficos

Os dados obtidos demonstram ainda que aqueles que fizeram seus investimentos
escolares mais altos em São Luís (12) estudaram em sua maioria em instituições
públicas, tanto para a conclusão do ensino médio quanto para os graduados e pós-
graduados, estes últimos concentrados na Universidade Federal do Maranhão. Apenas 2
casos concluíram os estudos mais altos em instituições particulares de São Luís e
possuem escolaridade em nível médio.
Os nascidos fora de São Luís (17) tenderam a situar, em sua maioria, os
investimentos escolares mais altos nesta cidade (7) ou em outros estados (6), havendo
ainda 1 caso pós-graduado no exterior e 2 que permaneceram no ―interior‖, sobre 1
deles não obtivemos informações a respeito de sua escolaridade. Quanto aos nascidos
em São Luís (20), temos 5 casos situados nesta mesma cidade, 3 que fizeram seus
investimentos escolares mais altos em outros estados e ainda 2 no exterior, 1 com nível
médio e outro com pós-graduação. Destaca-se também o número alto de casos sem
informações relativas à formação escolar. Quanto aos diferentes graus de escolaridade
entre os nascidos na capital e no ―interior‖, destaca-se neste último um maior
investimento na formação superior, apontando para a necessidade de maiores
investimentos deste tipo entre os egressos do ―interior‖ para que tivessem acesso aos
espaços e recursos relevantes ao ingresso na carreira literária.
Tabela VI
Local de nascimento e de investimentos escolares mais altos (%)

Outros Não
Investimentos

São Luís Interior Exterior Total


Nascimento estados informados
escolares

20
5 (13,5) - 3 (8,1) 2 (5,4) 10 (27,0)
São Luís (54,0)
17
7 (18,9) 2 (5,4) 6 (16,2) 1 (2,7) 1 (2,,7)
Interior (45,9)
Fonte: repertórios biográficos

38
Tabela VII
Cidade De Nascimento/Formação Escolar [contagem, linha %, coluna %, total %]

Cidade de nascimento Fundamental Médio Superior Pós-grad Mestrado Total


São Luís 1,0 2,0 4,0 1,0 ,0 8,0
12,5% 25,0% 50,0% 12,5% ,0% 100,0%
33,3% 33,3% 28,6% 33,3% ,0% 29,6%
3,7% 7,4% 14,8% 3,7% ,0% 29,6%
Grajaú ,0 1,0 1,0 ,0 ,0 2,0
,0% 50,0% 50,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% 16,7% 7,1% ,0% ,0% 7,4%
,0% 3,7% 3,7% ,0% ,0% 7,4%
São Bernardo ,0 1,0 ,0 ,0 ,0 1,0
,0% 100,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% 16,7% ,0% ,0% ,0% 3,7%
,0% 3,7% ,0% ,0% ,0% 3,7%
Tabatinga-AM ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% ,0% ,0% 3,7%
,0% ,0% 3,7% ,0% ,0% 3,7%
Codó 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
33,3% ,0% ,0% ,0% ,0% 3,7%
3,7% ,0% ,0% ,0% ,0% 3,7%
Bacabal ,0 ,0 1,0 1,0 ,0 2,0
,0% ,0% 50,0% 50,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% 33,3% ,0% 7,4%
,0% ,0% 3,7% 3,7% ,0% 7,4%
Mirador ,0 ,0 ,0 1,0 ,0 1,0
,0% ,0% ,0% 100,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% ,0% 33,3% ,0% 3,7%
,0% ,0% ,0% 3,7% ,0% 3,7%
Guimarães ,0 ,0 ,0 ,0 1,0 1,0
,0% ,0% ,0% ,0% 100,0% 100,0%
,0% ,0% ,0% ,0% 100,0% 3,7%
,0% ,0% ,0% ,0% 3,7% 3,7%
Balsas ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% ,0% ,0% 3,7%
,0% ,0% 3,7% ,0% ,0% 3,7%
Piancó-PB ,0 1,0 ,0 ,0 ,0 1,0
,0% 100,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% 16,7% ,0% ,0% ,0% 3,7%
,0% 3,7% ,0% ,0% ,0% 3,7%
Timon ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% ,0% ,0% 3,7%
,0% ,0% 3,7% ,0% ,0% 3,7%
39
Cidade de nascimento Fundamental Médio Superior Pós-grad Mestrado Total
Pinheiro ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% ,0% ,0% 3,7%
,0% ,0% 3,7% ,0% ,0% 3,7%
Caxias ,0 ,0 2,0 ,0 ,0 2,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 14,3% ,0% ,0% 7,4%
,0% ,0% 7,4% ,0% ,0% 7,4%
São Francisco do Maranhão 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
33,3% ,0% ,0% ,0% ,0% 3,7%
3,7% ,0% ,0% ,0% ,0% 3,7%
Tauá-CE ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% ,0% ,0% 3,7%
,0% ,0% 3,7% ,0% ,0% 3,7%
Brejo dos Anapurus ,0 1,0 ,0 ,0 ,0 1,0
,0% 100,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% 16,7% ,0% ,0% ,0% 3,7%
,0% 3,7% ,0% ,0% ,0% 3,7%
Coelho Neto ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 7,1% ,0% ,0% 3,7%
,0% ,0% 3,7% ,0% ,0% 3,7%
Total 3,0 6,0 14,0 3,0 1,0 27,0
11,1% 22,2% 51,9% 11,1% 3,7% 100,0%
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

Estas observações nos permitem levantar duas constatações, atentando para o


pressuposto acima sobre a noção de controle das oportunidades. Em primeiro lugar, que
a capital do estado, além de se constituir como espaço privilegiado para a atuação
literária destes agentes (publicação em jornais e através de editoras locais, socialização
em movimentos culturais etc.), afirma-se igualmente como o mais importante polo de
investimentos escolares desta parcela da elite intelectual local; em segundo, aponta para
o destaque dos agentes portadores de diplomas adquiridos fora do estado e –
principalmente em se tratando das pós-graduações – no exterior e os postos que passam
a ocupar na administração pública. Quanto aos tipos de graduação realizadas pelos
nascidos em cidades do ―interior‖ do Maranhão e realizadas fora do estado ou no
exterior, considerando-se apenas seus investimentos mais altos entre os que tiveram
formação superior, temos:

40
Tabela VIII
Cidade de nascimento/Curso superior [contagem, linha %, coluna %, total %]

Cidade de Direito Economia Teatro Medicina Odontologia Serviço Total


nascimento social
São Luís 2,0 1,0 ,0 ,0 1,0 1,0 5,0
40,0% 20,0% ,0% ,0% 20,0% 20,0% 100,0%
16,7% 100,0% ,0% ,0% 100,0% 100,0% 27,8%
11,1% 5,6% ,0% ,0% 5,6% 5,6% 27,8%
Grajaú 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Tabatinga-am 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Bacabal 1,0 ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 2,0
50,0% ,0% ,0% 50,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% 50,0% ,0% ,0% 11,1%
5,6% ,0% ,0% 5,6% ,0% ,0% 11,1%
Mirador 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Guimarães 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Balsas ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
,0% ,0% 5,6% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Timon 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Pinheiro 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Caxias 2,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 2,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
16,7% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 11,1%
11,1% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 11,1%
Tauá-ce ,0 ,0 ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% ,0% ,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%

41
Cidade de Direito Economia Teatro Medicina Odontologia Serviço Total
nascimento social
,0% ,0% ,0% 50,0% ,0% ,0% 5,6%
,0% ,0% ,0% 5,6% ,0% ,0% 5,6%
Coelho neto 1,0 ,0 ,0 ,0 ,0 ,0 1,0
100,0% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
8,3% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
5,6% ,0% ,0% ,0% ,0% ,0% 5,6%
Total 12,0 1,0 1,0 2,0 1,0 1,0 18,0
66,7% 5,6% 5,6% 11,1% 5,6% 5,6% 100,0%
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

Entre estes, 5 casos acumulam duas graduações, conforme se descreve abaixo.

Tabela IX- Cidade de nascimento/Segunda graduação [contagem, linha %, coluna


%, total %]
Cidade de nascimento Pedagogia Psicologia Biblioteconomia Filosofia Total
São Luís 2,0 ,0 ,0 ,0 2,0
100,0% ,0% ,0% ,0% 100,0%
100,0% ,0% ,0% ,0% 40,0%
40,0% ,0% ,0% ,0% 40,0%
Bacabal ,0 1,0 ,0 ,0 1,0
,0% 100,0% ,0% ,0% 100,0%
,0% 100,0% ,0% ,0% 20,0%
,0% 20,0% ,0% ,0% 20,0%
Guimarães ,0 ,0 1,0 ,0 1,0
,0% ,0% 100,0% ,0% 100,0%
,0% ,0% 100,0% ,0% 20,0%
,0% ,0% 20,0% ,0% 20,0%
Timon ,0 ,0 ,0 1,0 1,0
,0% ,0% ,0% 100,0% 100,0%
,0% ,0% ,0% 100,0% 20,0%
,0% ,0% ,0% 20,0% 20,0%
Total 2,0 1,0 1,0 1,0 5,0
40,0% 20,0% 20,0% 20,0% 100,0%
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

Também a expansão do sistema universitário no estado e sua consequente


concentração em São Luís inflexionou lenta e progressivamente aqueles investimentos
escolares feitos fora do estado ou no exterior, o que contribuiu fortemente para o
recrutamento das elites intelectuais ―locais‖ cada vez mais concentrado em São Luís.
Quanto aos que possuem título superior sem pós-graduação (12), apenas 3
nasceram em São Luís, enquanto entre os nascidos no interior contam-se 9. Entre os que
42
possuem pós-graduação (4), 2 nasceram na capital e 2 no interior. Considerando-se
apenas o curso superior preponderante, no caso o bacharelado em direito (11), ocorre
um desequilíbrio pendente ao interior: 9 (81,8%) contra 2 (18,1%) entre os nascidos na
capital.
Quanto à relação entre titulação escolar e inserção em instituições de
consagração, os dados apontam que entre os que não são membros da AML (18,
correspondente a 48,6% do total) é predominante a titulação escolar em nível superior
(5) e 2 casos com pós-graduação. Além destes, 2 possuem nível fundamental e 4
escolaridade em nível Médio. Sobre 5 deles não obtivemos informações quanto à sua
escolaridade. Quanto à titulação escolar entre os membros da AML, dividem-se em 1
com nível fundamental, 3 com nível médio e também prevalece a formação superior
com 7 casos e outros 2 com pós graduações. Também é aproximado o número de casos
não informados, 6.

Tabela XVII
Escolaridade dos que não pertencem à AML

Fundamental 2
Médio 4
Superior 5
Superior + pós 2
Não informados 5
Total 18
Fonte: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

Tabela XI
Escolaridade dos que pertencem à AML

Fundamental 1
Médio 3
Superior 7
Superior + pós 2
Não informados 6
Total 19
Fonte: repertórios biográficos

Além da importância que adquire a capital do estado como principal centro de


investimentos escolares feitos por estes agentes, outro elemento que contribuiu para que
se concentrassem nesta cidade os ―vocacionados‖ à literatura, fora a aglutinação dos

43
principais serviços de imprensa20, que se constituíram em espaços privilegiados de
atuação destes intelectuais, bem como a possibilidade de inserção em movimentos
culturais, coalizões e a proximidade com importantes espaços de publicação também
livresca, fossem de domínio público (SIOGE, SECMA etc.) ou privados aos grupos
faccionais, como as revistas, jornais, editoras etc. todos com maior concentração em São
Luís21. Tomemos a localização dos jornais identificados no acervo da Biblioteca Pública
Benedito Leite e que circularam durante o período de 1945 a 1964 como demonstração
desta centralidade22: dos 68 jornais, 52 (76,4%) localizavam-se em São Luís23.
Através da atuação jornalística estes agentes (25) puderam glosar-se na
reivindicação e críticas das pautas legítimas, também lhes ensejando a publicação de
crônicas, contos, poesias e outros gêneros próprios à literatura, e por meio destes
afirmam-se e distinguem-se literária e faccionalmente. Além disso, servem-lhes os
jornais como importantes espaços de ―sociabilidades e socialização, de tomadas de
posição e criação de vínculos variados, etc. de cristalização de lógicas de identificação e
competição‖ (REIS, 2007, p. 163).
A criação da Fundação Universidade do Maranhão – FUM24, que posteriormente
cederia lugar à Universidade Federal do Maranhão (1966), se constituiu no principal
espaço de aquisição de títulos escolares deste conjunto de agentes. Porém, se por um
25
lado serviam à manutenção do status de pertencimento dos ―herdeiros sem herança‖

20
É de longa data a concentração jornalística dos jornais maranhenses em São Luís. Consta no relatório
organizado por Silva (1981) que entre os anos de 1821 e 1979, registrou-se na região Norte do Brasil
cerca de 397 títulos de impressos, concentrando-se 355 em São Luís e 42 nas demais localidades.
21
Pretendíamos a construção detalhada de uma lista constando a quantidade de publicações por editora,
no entanto, quanto à maioria dos casos não inseridos na AML não obtivemos informações bibliográficas
muito consistentes, limitando-se geralmente à reprodução de suas ―principais‖ obras. Ainda assim, a guisa
de amostra, disponibilizamos no Anexo II uma lista de editoras buscadas por estes agentes e seus
respectivos estados, no intuito de demonstramos a importância dos contatos administrados nas
instituições públicas e nos movimentos culturais para o ensejo de suas publicações, principalmente quanto
às situadas no Maranhão. Enfatizamos que o levantamento destes dados encontra-se ainda em andamento.
22
O Anexo III traz uma listagem com jornais correntes no Maranhão entre os anos de 1945 a 1964,
acompanhados de seus respectivos proprietários ou diretores.
23
As informações utilizadas para a comparação destes dados encontram-se em Silva (1981).
24
A Fundação Universidade do Maranhão – FUM – fora criada pelo Governo Federal através da Lei de
n° 5.152, de 21/10/1966, e abarcava a Faculdade de Filosofia, a Escola de Enfermagem ―São Francisco de
Assis‖ (1948), a Faculdade de Direito (1945), a Escola de Farmácia e Odontologia (1945), a Escola de
Serviço Social (1953), a Faculdade de Ciências Médicas (1958), e a Faculdade de Ciências Econômicas
(1965). Teve como seu primeiro reitor o médico Pedro Neiva de Santana, também eleito posteriormente
(1979) para a AML. Como observa Patrícia Portela, ―o profissional de medicina é considerado, nesse
contexto histórico-social, como uma das profissões qualificadas à ocupação destes novos postos‖ (cargos
públicos) (NUNES, 2000, p. 339). A finalidade da FUM seria a implantação progressiva da Universidade
do Maranhão, que posteriormente, com a criação de novos cursos, passaria a se chamar Universidade
Federal do Maranhão.
25
Trata-se de alguns casos descendentes de personagens reconhecidamente importantes na história
política e intelectual do estado, que, submetidos a transformações conjunturais e a novas condições de

44
aos grupos dirigentes do estado, descendentes que eram, em grande parte, dos vultos
políticos e intelectuais de outrora, por outro atendiam às necessidades de investimentos
de famílias ascendentes politica e economicamente, o que intervirá também nas
diferentes escolhas dos cursos, nos cargos ocupados na administração pública e nos
diferentes gêneros de produção literária investidos por estes agentes. Assim, não
podemos dissociar a análise das diferentes carreiras destes ―intelectuais‖ da história
social de suas famílias.
Esta premissa remete-nos a um problema ainda mais complexo e correlaciona
algumas observações feitas por dois importantes estudos realizados sobre os intelectuais
brasileiros. Por um lado confirma-se neste universo a observação feita por Miceli sobre
a relação que se estabelece entre a situação familiar com relação ao polo dominante no
momento de ingresso na carreira literária e os destinos sociais destes intelectuais a partir
das condições e possibilidades de gerência do capital familiar herdado, segundo segue:
A distribuição dos agentes propensos a uma carreira intelectual pelas
diferentes carreiras possíveis nessa conjuntura vai depender, de um lado, da
posição em que se encontram as famílias desses futuros intelectuais em
relação ao pólo dominante da classe dirigente e, de outro, do montante e dos
tipos de capital escolar e cultural disponível conforme o setor da classe
dirigente a que pertencem (MICELI, 2001, p. 81. Grifo nosso).

No entanto, devemos atentar às críticas feitas por Pécaut quanto à relação de


determinação, subjacente no trecho supracitado, considerando que em universos sociais
onde não se configura a existência de um ―campo cultural autônomo, capaz de produzir
uma hierarquia institucionalizada de posições, esses interesses só podem ter uma
consistência limitada‖ (PÉCAUT, 1999, p. 22). O autor refere-se à noção de ―interesse
de autopreservação‖ da fração de classe a que pertenciam os intelectuais herdeiros da
classe dirigente no Brasil analisados por Miceli, situados entre os anos de 1920-1945
(MICELI, 2001). Observa ainda que um empreendimento analítico que pretenda dar
conta dessa noção de ―interesse‖ deve considerar as variáveis implícitas na citação
acima – a saber, ―o fato de pertencer a um determinado grupo social de origem (a
oligarquia decadente); a identificação com uma categoria social particular (os
escritores); e a inserção no aparelho do Estado (como membros da administração)‖ – a
partir da interseção ente elas, o que me tem proporcionado uma compreensão dos
―interesses‖ em torno da atuação dos agentes na administração pública que não foram
regidos pelas conveniências de acesso aos empregos. Porém, não é intenção deste

vida que lhes impossibilitam a reprodução das heranças e das carreiras de seus ascendentes, passam a
atuar na literatura.

45
trabalho aprofundar a compreensão sobre os investimentos feitos pelos ―intelectuais‖
aqui analisados em torno da noção de ―missão política‖, tal como desenvolvida por
Pécaut. O uso da referida observação feita por Pécaut é tomado aqui como recurso
metodológico para melhor compreensão das relações entre posições e tomadas de
posição em contextos onde não há o estabelecimento de campos culturais autônomos e,
portanto, implicam na percepção de lógicas complementares para a análise dos
processos de mobilidade social dos intelectuais e suas atuações entre o Estado e a
cultura.
A criação da Sociedade Maranhense de Cultura Superior/ SOMACS se constitui
em proveitoso exemplo das relações pouco autônomas que o espaço intelectual
estabelece com outros domínios de atuação social. Tal como observa Patrícia Portela,
trata-se de uma instituição vinculada à Arquidiocese Metropolitana de São Luís. Criada
em 1955, teve como primeiro presidente D. José de Medeiros Delgado e fora de grande
importância para a fundação da Universidade Católica, que abarcava as Faculdades de
Filosofia, Ciências Médicas, Enfermagem e a Escola de Museologia. Ainda segundo a
autora, isto evidencia ―uma estreita relação entre instâncias do campo intelectual e
instâncias do campo religioso‖ (NUNES, 2000, p. 225-226). Seria necessário um estudo
de maior abrangência para a compreensão das formas de seleção e recrutamento de
elites em universos sociais cujos amálgamas entre domínios sociais diversos ocorrem de
forma tão imbricada26.
As ―escolhas‖ dos cursos também nos apresentam importantes indícios sobre as
estratégias de aproximação com os polos mais dominantes, no intuito de atender às
novas demandas criadas na administração pública27, bem como a ausência destes
investimentos escolares justificada pelas inclinações a um distanciamento dos
reconhecimentos institucionais, atendendo a ―estilos de vida‖ mais ―isolados‖ e
―autênticos‖ que caracterizariam para alguns a ―verdadeira vida de poeta‖28.

26
Uma análise rigorosa sobre os condicionantes sociais que presidiam os processos de seleção e
recrutamento de elites da Igreja Católica no Bispado do Maranhão durante o século XIX pode ser
encontrada em Neris (2009).
27
Interessante observar que a Universidade Federal do Maranhão tem sua origem na antiga Faculdade de
Filosofia de São Luís, fundada em 1953, por iniciativa da Academia Maranhense de Letras, da Fundação
Paulo Ramos e da Arquidiocese de São Luís, integrando posteriormente, em 1956, a SOMACS –
Sociedade Maranhense de Cultura Superior -, fundada com o objetivo de ―promover a cultura do estado‖
e que também seria a agência mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas.
28
Cf. entrevista de Nauro Machado concedida a Ricardo Leão em 2003, disponível em
http://www.jornaldepoesia.jor.br/nauro1.html (último acesso em 25/05/2012).

46
Quanto a isto, os dados obtidos demonstram que, em se tratando dos tipos de
formação superior, dividem-se os agentes entre 5 escolhas de cursos para a primeira
graduação e 3 para a segunda, apresentando uma variação de pelos menos 8 tipos de
cursos. Não obstante apresentem uma diversidade razoável, destaca-se a preponderância
pelo curso de direito (11) sobre um total de 16 casos com nível superior completo, entre
graduados e pós-graduados – 11 casos não apresentaram informações relativas a seus
graus de escolaridade. Importante observar que, tomados por área de estudos, à exceção
de 3 graduações na área da saúde, todos os demais se aglutinam em torno dos cursos das
áreas humanas e sociais. A tabela abaixo resume o total de graduações e pós-graduações
obtidas pelos agentes.

Tabela VIIIII
Curso superior [contagem, linha %, coluna %, total %]

Variáveis N Percentual N Percentual N Percentual


Curso superior 18 48.6% 19 51.4% 37 100.0%
Segunda graduação 5 13.5% 32 86.5% 37 100.0%
Pós-graduação 6 16.2% 31 83.8% 37 100.0%
Mestrado 1 2.7% 36 97.3% 37 100.0%
Fonte: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

Observe-se que o total de pós-graduações apresentadas abaixo difere do total de


casos com esse título, já que duas delas pertencem a um único agente. Trata-se de Maria
da Conceição Ferreira, assistente social pela Escola de Serviço Social do Maranhão,
também formada em pedagogia. Após concluir o mestrado em serviço social pela
UFPR, especializou-se em dinâmicas de grupo pela Georgetown University de
Washington. Tem entre suas principais publicações projetos e ensaios sobre educação,
entre elas o Plano para Treinamento de Professores à Superintendência da Valorização
da Amazônia (1954) e Campus Avançado: alternativa para integração e
desenvolvimento? (1989). É Sócia Efetiva do IHGM e membro da Legião Brasileira de
Assistência. Entre os cargos públicos que ocupou, destacam-se o de Chefe do Serviço
de Educação de Adultos; Diretora do Centro de Treinamento do Ensino Supletivo e
Rural, Secretária Executiva do Plano Educacional do Maranhão (1965), além de ter
pertencido ao Conselho Estadual de Educação. Cabe também observar que não
encontramos registros relativos a participações suas em movimentos culturais.

47
Todas as primeiras graduações (16) se deram em instituições federais,
concentrando-se 8 na capital do estado, as 8 demais se distribuem por outras capitais
mais centrais no país. Há 3 casos que possuem segunda graduação, 2 realizadas na
UFMA (filosofia e pedagogia) e uma na UFBA (psicologia). Quanto às pós-graduações
(5), 1 se dera na UFMA, 1 na UFF, 1 na UFPR e 2 em outros países, conforme
demonstrado no quadro a seguir.

Tabela IXII
Instituições de Ensino Superior

Instituições 1° 2° Pós- Total


graduação graduação graduação
UFMA 8 2 1 11
UFF 1 1 2
UFRJ 5 5
UFBA 1 1 2
UFPR 1 1
UFMG 1 1
Exterior 2 2
Fonte: repertórios biográficos

Profissionalmente29, divide-se a população analisada entre professores, médicos,


advogados, bancários, jornalistas e ainda alguns que se mantiveram atrelados apenas a
funções públicas comissionadas, estes não foram contabilizados no quadro a seguir.
Sobre 6 casos não obtivemos informações a respeito de suas profissões.

Tabela XIV
Principal profissão exercida (%)

Profissão n° de casos
Advogado 5 (13,5)
Médico 1 (2,7)
Bancário 1 (2,7)
Jornalista 19 (51,3)
Professor 5 (13,5)
Não Informados 6 (16,2)
Total 37 (100)
Fonte: repertórios biográficos

Em termos percentuais, no entanto, os agentes analisados não apresentam grande


diversificação profissional, estando suas principais atividades concentradas no
jornalismo. Cerca de 64,9% trabalharam nos principais jornais de São Luís, exercendo

29
Considerando-se a profissão mais destacada em suas fontes biográficas.

48
cargos que vão desde editores a repórteres, cronistas, redatores, copidesque ou
chargistas. Porém, o envolvimento nestes jornais serve a estes agentes principalmente
como possibilidade de publicação de crônicas, contos e críticas literárias ou políticas.
Esta observação congrega dois elementos importantes: a constituição dos jornais como
um dos principais espaços de atuação literária destes agentes e sua concentração na
capital do estado – à exceção de alguns casos que passaram a viver em cidades mais
centrais no país.

Tabela XV
Ocupou cargos públicos [contagem, linha %, coluna %, total %]

Variáveis N Percent N Percent N Percent


Ocupou 28 75.7% 9 24.3% 37 100.0%
cargos
públicos
Jornalista 24 64.9% 13 35.1% 37 100.0%
profissional
Fonte: repertórios biográficos

A importância da atuação no jornalismo eleva-se ainda mais se considerarmos os


casos em que não há uma vinculação estritamente profissional, somando 25 (67,5%).
Ainda em termos percentuais, prevalece entre estes agentes a escolaridade em nível
superior (36%), os demais possuem nível médio (24%) e apenas (4%) nível
fundamental. Destaca-se que deste total de graduados, a grande maioria possui o título
de bacharel em direito (87,5%) e dentre estes 37,5% obtiveram seus títulos em outros
estados. O caso residual possui graduação em teatro. Cruzando este conjunto de
informações com a importância dos postos públicos ocupados por estes agentes, temos,
em números absolutos, a seguinte relação:

Tabela XVI
Escolaridade entre os que exerceram o jornalismo

Escolaridade N° de casos
Fundamental 1
Exerceram o
Jornalismo

Médio 6
Superior 7
Superior + pós 2
Não informados 9
Total 25
Fontes: repertórios biográficos

49
Tabela XII
Cargos públicos entre os que exerceram o jornalismo

Cargos públicos / N° de casos


níveis

Exerceram o
Jornalismo
Alto 6
Médio 7
Baixo 6
Não informados 6
Total 25
Fontes: repertórios biográficos

Têm-se também uma relativa aproximação entre o nível dos cargos públicos
ocupados e os investimentos escolares feitos pelos agentes que atuaram no jornalismo.
Esta relação se torna ainda mais evidente se tomarmos apenas os bacharéis em direito
entre estes agentes (9), em que se inserem 3 dos 4 casos que ocuparam os cargos
públicos mais altos.
Os dois que atuaram no jornalismo e possuem pós-graduação ocuparam os
cargos públicos mais próximos do que poderíamos chamar de polo dominante do
Estado, vinculados à receita e ao judiciário e mais distantes dos postos diretamente
relacionados à produção cultural. Um deles é José Vera-Cruz Santana, membro da
Cadeira n° 35 da AML. Além de se dedicar principalmente à produção de obras
jurídicas, exerceu por vários anos a função de chefe do contencioso30 da Caixa
Econômica Federal, no Maranhão. Apontamos, ainda que sucintamente, esta
correspondência, pela indicação de uma das principais hipóteses desenvolvidas neste
trabalho: a existência de uma correlação entre a elevação dos níveis de escolaridade e a
aproximação dos agentes com o polo mais próximo da economia no poder político
maranhense, distanciando-se, portanto, do polo mais dominado da administração
pública, em que se situam os órgãos diretamente vinculados à produção cultural. Além
disso, tenderam os agentes que se assemelham ao perfil de José Vera-Cruz Santana a
investirem em gêneros mais distantes do que se costuma reconhecer socialmente por
―literatura‖, investindo principalmente em gêneros políticos, econômicos ou jurídicos.
Outro dado importante é que estes agentes tendem também a pertencerem às principais
instâncias de consagração intelectual do Estado, como a AML e IHGM 31. A respeito de

30
Órgão da administração pública, ou de empresa privada, encarregado das questões pendentes de
solução judicial.
31
Recentemente fora criada a Academia Maranhense de Ciências/AMC (2010), porém a prosopografia
por mim empreendida para este trabalho não contempla ainda as informações contidas em sua publicação

50
uma função consagradora conferida às Academias de Letras ou a Institutos dedicados
aos domínios da história e geografia regionais, como o IHGM, é exemplar a declaração
feita por Jomar Moraes, quando ocupava ainda a presidência da AML:
As Academias devem pertencer às Academias aquelas pessoas que são
expressivas de um povo na literatura, preferentemente, e que podem influir
na política ou em outros também trabalham como uma tese chamada: dos
expoentes. Acho que ramos de atividade. Alguém que é muito importante
como médico, por que não estar lá? Alguém que é muito importante como
jurista, por que não estar? [...] na média, ou preponderantemente, uma das
coisas que eu acho que deve marcar a Academia, é que eu acho que a
Academia não é ponto de partida, não é da natureza dela. Ela é ponto de
chegada. O normal, mais sério, é que elas cheguem lá porque já foram
reconhecidas. A Academia consagra. (In: NUNES, 2000, p. 219).

Pretendendo resumir neste trecho o perfil dos candidatos à ―imortalidade‖,


conjuga-se à exigência de sua notoriedade literária e ao reconhecimento de sua obra
como expressão de um ―povo‖, a atuação no domínio político ―ou em outros ramos de
atividade‖. Subrepticiamente, o trecho reforça também a importância das formações
acadêmicas em medicina e direito para a ocupação destas posições de destaque.
Tais instituições trazem entre seus patronos e fundadores nomes consagrados na
historiografia maranhense, cultivados como estratégia de afirmação pessoal; em alguns
casos construindo-se sentidos de grupo (REIS, 2007)32, em torno dos quais se aglutinam
reivindicando-se continuadores de um legado da tradição literária maranhense, ou
mesmo tomados como parâmetro para a caracterização de uma literatura marginal e
inovadora, que busca outros estilos, temáticas e formas de reconhecimento.

com resumos biográficos de Patronos e membros Fundadores, embora alguns dos casos analisados aqui
estejam inseridos nesta primeira categoria. São os casos de João Miguel Mohana e José do Nascimento
Moraes Filho. (Cf. ALMEIDA, 2009).
32
A ideia de sentidos utilizada nesta pesquisa se apoia na perspectiva adotada por Eliana Reis, que, dito
sinteticamente, corresponde às ―prerrogativas inerentes àqueles que comungam uma causa vivida‖ (REIS,
2007, p. 295), trabalhando constantemente para a elaboração, atualização e reconstrução de narrativas
históricas e ―geracionais‖ e que contribuem para a definição de pertencimentos a redes de relações
sociais ou para o reconhecimento social de reputações que podem ser acionadas estrategicamente pelos
agentes.

51
CAPÍTULO III - Redes de relações sociais e retribuições: adesões,
mediações e intermediários

Em decorrência da incipiente institucionalização do universo analisado,


identifica-se neste contexto uma forte pessoalização dos recursos sociais, o que significa
que o peso dos capitais simbólicos em jogo está intimamente ligado a quem os possui e
ao grupo social a que pertencem estes agentes, o que também justifica a importância das
relações sociais identificada nesta pesquisa e o quanto isto interfere nos deslocamentos
posicionais operados neste espaço. A mobilidade destes agentes está, portanto,
intimamente relacionada aos laços pessoais, às trocas de favores e reciprocidades, na
lealdade pessoal, ou seja, estes vínculos estruturantes da vida social funcionam através
da mediação de uma rede de relações que ligam os diversos domínios e segmentos
sociais.
Esta fragilidade institucional e forte influência das relações pessoais
constituintes do universo analisado em que se insere a trajetória de Jomar Moraes,
tornaram necessária a utilização de outro referencial teórico que nos auxiliasse à análise
das dinâmicas sociais em seu nível mais pessoalizado, como a constituição de grupos,
facções, quase-grupos, cliques etc., variando entre diferentes modalidades de inserção,
duração no tempo e definição de objetivos. Porém, constituindo-se todas elas em
diferentes formas de organizações de redes de relações fundadas em laços pessoais
(amizade, clientelismo, patronagem etc.).
Num nível mais amplo, isto ocorre devido ao processo de formação dos estados-
nação em contextos periféricos, que possibilita a coexistência, a despeito do
funcionamento das instituições nacionais (Judiciário, Parlamento, Executivo etc.), de
um conjunto de mecanismos denominados por Eric Wolf de instituições informais, que
seriam as mencionadas relações de parentesco, amizade e de patrono-cliente (WOLF,
2003). De forma mais genérica, o que se pretende é a superação de uma crença nas
instituições estatais como um arranjo bem acabado do ponto de vista político e
econômico. Assim, no interior das estruturas burocráticas formais importadas do
ocidente, sem que as acompanhasse o ethos específico à história dos seus locais de
origem, criam-se e renovam-se uma série de relações interpessoais à margem das
estruturas formais e constituintes de estruturas informais, em que as pessoas se ligam
umas às outras em busca de resoluções de problemas privados ou obtenção de bens

52
tangíveis em espaços carentes de institucionalizações formais com relação à economia,
política, cultura e outros domínios.
Estas dinâmicas órfãs, tal como denominadas por Badie e Hermet (1993),
caracterizam-se principalmente pela conformação dos artefatos históricos importados
aos códigos tradicionais próprios da dinâmica social dos contextos importadores. Este
amálgama entre artefatos de uma história externa e suas apropriações a partir dos
conflitos internos – que podem inclusive ter motivado a sua importação – promove,
como observa Eliana Reis ―deslocamentos dos sentidos, dos formatos, das
representações e das posições dos agentes‖ (REIS, 2007, p. 45). Tal processo de dupla
ruptura com a história endógena e exógena promoveu nestes contextos periféricos a
reprodução constante de situações órfãs, embora ―seu processo de ocidentalização
[remeta] muito mais à afirmação dos modelos centrais como ponto de referência, como
fontes ideais, aos quais as ‗dinâmicas órfãs‘ não conseguem fugir‖ (Ibidem).
Em situações que se configuram enquanto campos culturais periféricos (SIGAL,
1996), as condições de acesso e importação destes modelos ocidentais, dadas as
características sociais de determinados agentes, tende a se constituir em ―trunfo
contundente para a conquista ou manutenção de ‗posições de elite‘‖ (Ibidem, p. 46). O
papel exercido pelos intelectuais, dadas as suas possibilidades de importação de
temáticas e referências ocidentais (domínio de linguagens, códigos, pautas etc.) no
processo de constituição das identidades nacionais ou locais, se apresenta como
referência exemplar para a investigação das relações que se estabelecem entre a
periferia e o centro, relação que tende a se tornar ainda mais forte à medida que
adentramos a periferia da periferia em relação ao ocidente, como é o caso do contexto
em análise.
A noção de mediação adotada para esta pesquisa se baseia nos trabalhos
desenvolvidos por Eric Wolf (2003) em que analisa o papel desempenhado por alguns
agentes na função de mediadores entre escalas regionais, atendendo a demandas sociais
em um determinado momento histórico. Sua ênfase recai sobre a percepção de que a
comunidade e as instituições nacionais funcionam como pontes terminais através de
uma rede de intermediários que agem entre as comunidades e as instituições centrais.
Neste processo duas noções de grupos se fazem fundamentais: ―grupos voltados para a
comunidade‖, cujas atividades estariam exclusivamente voltadas para o seu próprio
cotidiano, e ―grupos voltados para a nação‖, envolvidos com a criação e funcionamento
de instituições de caráter nacional (o mercado econômico, partidos políticos, a

53
burocracia estatal etc.), ou como o próprio autor prefere chamar, ―os aparatos políticos e
econômicos‖ encarregados do processo de desenvolvimento.
Importa-nos como apropriação para o desenvolvimento deste trabalho a
percepção de Wolf quanto ao papel social exercido por alguns agentes que, pertencendo
a grupos voltados para a comunidade, dela se destacavam fazendo uma ponte entre a
comunidade a que pertenciam e o sistema de relações institucionais mais altas, agindo,
em síntese, como intermediários entre a comunidade e um sistema mais amplo,
nacional. Esta relação se faz importante pelo nível ―local‖ que caracteriza o lócus de
atuação dos agentes envolvidos nesta pesquisa, dentre os quais, entretanto, alguns se
destacam pelas possibilidades de intermédio entre o contexto local e o nacional,
decorrente de algumas características sociais que os distinguem e criam tais
possibilidades de trânsito. O caso de Jomar Moraes é também ilustrativo do exercício
deste papel de mediação, em nível nacional e internacional, principalmente a partir de
sua atuação à frente do SIOGE e da AML, como se demonstra nos indícios
documentados, expostos no Anexo I.
A identificação de Jomar Moraes como mediador no ramo editorial entre os
níveis local e nacional, conjugada às suas características sociais nos forneceram também
importantes indícios para a compreensão das lógicas de constituição de uma elite
intelectual maranhense, pois as posições destacadas que ocupa neste domínio se devem
à posse e aos usos estratégicos de determinadas características sociais que se tornam
valorizadas pelo processo de desapossamento econômico e cultural dos demais.
Este argumento se torna ainda mais coerente ao percebermos a relação entre os
movimentos realizados por estes dois níveis interdependentes, o local e o nacional e a
criação de novos papéis sociais. Uma mudança significativa no sistema mais amplo
gera, impreterivelmente, novas modalidades de interação entre o local e o nacional
através de novas funções exercidas por atores responsáveis por essa mediação. Um
exercício interessante para a percepção destas dimensões em relação à trajetória de
Jomar Moraes é perceber como este intelectual ―local‖, imbuído da função de mediador,
acessou e interpretou as consequências de importantes transformações ocorridas em
âmbito nacional, no que tange ao exercício literário e à produção bibliográfica mais
geral, durante a fase de abertura das fronteiras políticas e a implantação do que viria a
ser denominado como período de redemocratização do país, em meados da década de
1980.

54
Movimentos culturais e inserção em redes

Os ―movimentos literários‖ dos quais participaram os agentes analisados


cumprem no interregno dos anos de 1945 a 1964 dois importantes papéis. Ao passo que
servem aos agentes como espaços de mobilização e constituição de coalizões faccionais
que se caracterizam, como observa Boissevain, pela fragilidade das organizações
internas, das interdependências e compromissos mútuos entre os indivíduos, sua
instabilidade, efemeridade e concentração, principalmente em seu formato faccional, na
figura de um líder (BOISSEVAIN, 2003). Através dos usos dos recursos sociais de que
dispõem, os membros destas coalizões agem, atendendo a seus objetivos momentâneos,
constituindo repertórios próprios em torno de noções estético-literárias, políticas e
ideológicas, que implicariam, portanto, na reivindicação da posse legítima dos modos
de ser e do estilo literário do autêntico ―ser-poeta‖, por exemplo, além de outras noções
reivindicadas; servem ainda como importantes espaços de socialização e constituição de
sentidos, promovendo certa homogeneidade entre os grupos diversos, ainda que
atendendo a interesses esporádicos, em torno de crenças e afinidades práticas e literárias
(encontros frequentes, gostos culturais, discussões em torno dos grandes autores etc.).
Importa ressaltar que não apenas estes movimentos serviam à construção e partilha das
dinâmicas de pertencimento e gozo de sociabilidades (REIS, 2007), também os
encontros, tão informais quanto frequentes, devem ser percebidos como importantes
espaços de socialização e constituição de redes sociais em torno da produção cultural.
Ilustra um pouco esta assertiva o trecho seguinte:
[...] bebi com Chagas durante cinqüenta anos, era nossa trindade aqui: eu,
José Chagas e o pintor Antonio Almeida, você não conheceu? Nós éramos
três irmãos aqui, durante anos e anos nós bebemos [...] o Chagas é um
grande poeta, basta dizer que ele é o autor dos Canhões do Silêncio, aquilo
vale tudo, aquilo abrange todo aquele bairro do desterro, as madames, as
meretrizes, ele abarca tudo isso. O Almeida também foi um grande pintor,
um intuitivo, porque não tinha uma formação, vamos dizer, ―acadêmica‖,
mas era outro também que lia! O Almeida leu uma vez o Thomas Mann,
rapaz, José e Seus Irmãos, ele lia aquilo e discutia até com as prostitutas e
conversava com elas, sobre o que? Modigliane e sobretudo ―Jesus Cristo‖!
[...] Nós passamos a mocidade no Bar do Castro, no Hotel Central, no Bar
do Pataquinha, mais de quinze ou vinte bares que existiam aqui [...] nós
bebíamos e conversávamos sobre cinema, literatura, artes plásticas, música,
Erasmo Dias não saía do Bar do Castro, nem Erasmo nem Bernardo Coelho
de Almeida [...]33.

A ―drenagem dos produtores da capital‖ (Cf. CHARLE, 1977), conjugada às


experiências literárias trazidas de fora, também possibilitou algumas transformações e o

33
Nauro Machado em entrevista concedida a Franklin Lopes.

55
estabelecimento de novos referenciais literários e consequentemente a valorização e
produção a partir de novos estilos e formas. Se em meados do século XIX temos
presente na literatura maranhense a valorização do simbolismo, parnasianismo e do
romantismo presentes na evocação de poetas como Castro Alves, Paul Verlaine, Charles
Baudelaire e Camões34, os referenciais do vigésimo século – tomados a partir dos
agentes aqui analisados –, são, em sua maioria, o modernismo, o realismo, o
concretismo e neo-concretismo, reverenciando autores como Fernando Sabino, Flaubert,
Dostoievski, Edgar Allan e Thomas Mann, entre outros. O saudosismo romântico, no
entanto, não se descola totalmente deste conjunto de agentes, servindo sua referência
como parâmetro das tradições literárias de um apogeu sempre resgatado: como fonte
legitimadora entre os mais estabelecidos, como ponto de partida renovador entre os
outsiders (ELIAS, 2000).
Arraigados a este processo surgem novos movimentos culturais e o acirramento
das disputas em torno da literatura, fosse reclamando a nova poesia (modernismo,
concretismo, neo-concretismo etc.), fosse pela rendição ao culto das tradições primevas
(romantismo, parnasianismo etc.), o que, obviamente, no decorrer das disputas em torno
dos estilos e métricas poéticas distintas, acompanha a concorrência pelo monopólio dos
espaços de atuação e afirmação concorrencial.
Neste embate entre forças de conservação e de renovação em torno da literatura,
pretende-se impor, junto aos estilos reivindicados, um panteão que os referencie e
diferencie, seja reivindicando-se seus herdeiros ou epígonos nos casos mais tradicionais,
ou investindo contra os vultos estabelecidos exigindo sua substituição. Quanto ao
primeiro caso é exemplar a forma como se estrutura a AML e o IHGM em sua relação
com os Patronos, Fundadores de cadeiras e Ocupantes, cuja genealogia funciona à
espécie de um sistema de parentesco, conforme descreve Alfredo Wagner:
Tem-se um conjunto de autores, representados como personalidades e figuras
tutelares da historiografia regional, que ampara a criação das cadeiras e seus
respectivos fundadores e demais ocupantes. Por disposições estatuárias 35 a
cada cadeira corresponde um patrono, uma figura como ―autoridade em
história, ou geografia e ciências afins‖, e um fundador, que representa aquele
que evoca o patrono ao criar um assento na instituição. O nome dos patronos
jamais poderá ser substituído pelos vindouros ocupantes das cadeiras
conforme reza o art. 31, § Segundo. Seus nomes mantêm vivas e encarnam os
fundamentos das tradições letradas, permitindo aos que aspiram lugares nos

34
Referenciais presentes entre os que ingressaram na carreira literária antes de 1945 e que constituem
nosso banco de dados mais amplo, com informações sobre 137 escritores maranhenses.
35
Consulte-se os Estatutos do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão In: Revista do IHGM, ano
xxviii, n.º 3. São Luís, agosto de 1951, pp. 145-154.

56
panteons e galerias de ―vultos maranhenses‖ uma relação em linha direta com
os seus protetores (ALMEIDA, 2008, p. 29).

Ocorre que, dada a já mencionada frágil institucionalização dos espaços de


produção cultural em contextos semelhantes ao que analisamos aqui, condicionando as
lógicas de concorrência e as estratégias de afirmação à interferência de princípios
externos, os agentes geralmente transitam por vários movimentos, buscando melhor
posicionar-se através dos usos do exercício literário combinados a outros domínios,
sendo a política o principal deles.

Tabela XI - Movimentos culturais [contagem, linha %, coluna %, total %].


CENTRO CULTURAL GONÇALVES DIAS
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 9 24,32 24,32 24,32
Não 2 28 75,68 75,68 100,00
Total 37 100,0 100,0

GRUPO ILHA
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 3 8,11 8,11 8,11
Não 2 34 91,89 91,89 100,00
Total 37 100,0 100,0

MOVELARIA GUANABARA
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 6 16,22 16,22 16,22
Não 2 31 83,78 83,78 100,00
Total 37 100,0 100,0

AFLUENTE
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 2 5,41 5,41 5,41
Não 2 35 94,59 94,59 100,00
Total 37 100,0 100,0

MOVIMENTO GRAALISTA
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 1 2,70 2,70 2,70
Não 2 36 97,30 97,30 100,00
Total 37 100,0 100,0

AMIGOS DE APOLÔNIA
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 1 2,70 2,70 2,70
Não 2 36 97,30 97,30 100,00
Total 37 100,0 100,0

57
MOVIMENTO OS NOVÍSSIMOS ATENIENSES
Value Label Valor Frequência Percentual Valid Percent Cum Percent
Sim 1 1 2,70 2,70 2,70
Não 2 36 97,30 97,30 100,00
Total 37 100,0 100,0
Fontes: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

Entre os agentes analisados, tivemos 19 participantes deste tipo de mobilização


para 7 movimentos identificados, o que aponta para um intenso trânsito dos agentes por
estas estâncias, apesar de uma relativa variedade das temáticas reivindicadas nestes
movimentos culturais. Preferimos utilizar o termo cultural, no sentido mais genérico,
por não se vincularem todos estes movimentos voltados estritamente à literatura, mas
corresponderem a várias modalidades de ação (literatura, teatro, artes plásticas) e
temáticas (cultura do Maranhão, meio ambiente – a exemplo do Movimento em favor da
Ilha, capitaneado por Nascimento Morais filho – etc.). Ressaltamos que sobre o total de
casos analisados não obtivemos informações relativas à participação em movimentos
culturais de 16, e sabe-se que 2 dentre os 37 casos analisados não participaram de
qualquer tipo de movimento cultural36.
Este tipo de mobilização deve ser compreendido à luz da conjuntura em que eles
se estabelecem. Outrossim, superado o chamado Estado Novo, que no Maranhão
transcorre sob a interventoria de Paulo Ramos, destacam-se entre os intelectuais
expoentes e os movimentos em que se engajavam, nomes como os de José do
Nascimento Morais Filho, José Sarney e Bandeira Tribuzi (todos contidos entre os casos
aqui analisados), reconhecidamente lideranças do ―Centro Cultural Gonçalves Dias‖,
―Grupo Ilha‖ e ―Grupo Movelaria Guanabara‖, respectivamente. No interior destes
movimentos destacam-se, vinculados ao ―Centro‖, Bernardo Coelho de Almeida,
Nascimento Moraes Filho, Vera-Cruz Santana, Manuel Sobrinho, Tobias Pinheiro,
Dagmar Desterro, Ferreira Gullar, Lago Burnett, Bandeira Tribuzi – deslocando-se logo
depois para o ―Grupo Ilha‖. Em torno deste último transitavam José Sarney, Bello

36
O número de agentes participantes deste tipo de mobilização é muito maior entre os dados que
possuímos, porém, não encontram-se conferidos aqui por não inserirem-se no principal critério para a
seleção dos casos que analisamos, a saber, terem ingressado na carreira literária entre os anos de 1945 e
1964. Para a compreensão mais detalhada acerca dos movimentos culturais deste período, consulte
Borralho (2011).

58
Parga, Carlos Madeira e Lucy Teixeira. Quanto ao ―Movelaria‖, uniram-se Antonio
Almeida e Lago Burnett, que até então compunha o ―Centro Gonçalves Dias‖37.
Tais agentes utilizam como principal estratégia de afirmação neste espaço a
reivindicação de representantes da ―nova literatura maranhense‖, através da posse de
trunfos adquiridos em experiências fora do estado e no exterior. Como exemplo
podemos observar alguns elementos presentes no perfil de Lucy de Jesus Teixeira,
observados por Arlete Cruz: ―recém chegada de Belo Horizonte onde se formara em
Direito, amiga dos melhores intelectuais mineiros de então, e consciente das modernas
conquistas literárias de seu tempo‖ (CRUZ, 2003, p.36). Refere-se nesta passagem
principalmente às influências de Otto Lara Rezende, Murilo Rubião, Fernando Sabino, e
Paulo Mendes Campos, principais expoentes da chamada 2º geração modernista, que,
como a própria Lucy Teixeira reconhece, muito a influenciaram. Nascida em Caxias,
morou na Europa pela primeira vez como bolsista do Governo italiano. Regressou a São
Luís na segunda metade da década de 40 e a partir de então promoveu diversas
atividades literárias e das artes plásticas. Muda-se para o RJ em 1949, continuando a
publicar em jornais na colaboração em diversos suplementos literários, a exemplo de
sua longa atuação no jornal O Imparcial, de São Luís. Além de participar do movimento
Movelaria Guanabara, organizou em São Luís, com Ferreira Gullar, o Congresso Súbito
de Poesia, de que resultou a fundação do Movimento Anti-Quentismo, segundo ela ―de
repúdio ao sentimento fácil em poesia‖, foi também uma das fundadoras do Grupo Ilha,
do qual também participaram Bandeira Tribuzi e José Sarney. Formada em direito pela
UFMG, dedicou-se principalmente à produção de crônicas e poesias; ocupante da
cadeira n° 7 da AML (recebida por José Sarney); ocupou também importantes cargos
públicos, destacando-se o de Diretora da Secretaria do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Portanto, as vinculações destes agentes a determinados lugares e ―movimentos‖
culturais devem ser analisadas relacionando-se os demais posicionamentos tomados em
domínios diferenciados e considerados estrategicamente como oportunidades para o
estabelecimento de alianças que retroalimentam suas variadas formas de atuação –
facilidades de publicação, nomeação para cargos públicos etc. –, pondo em evidência a
frágil institucionalização estatal e seu consequente imbricamento aos espaços de atuação
intelectual, constituindo lógicas híbridas nas tomadas de posição destes agentes.

37
Dois importantes trabalhos para a aquisição de dados sobre a atuação em movimentos culturais dos
agentes

59
Desta forma a ocupação de cargos públicos vinculados a atividades culturais
como a Secretaria de Cultura, FUNC, SIOGE, Conselho Estadual de Cultura e
instituições culturais e patrimoniais, como o IPHAN, constituem-se em lugares
privilegiados para as relações de aliança faccional, que implicam em relações de trocas
e retribuições entre estes ―intelectuais‖, no trânsito entre os domínios político e
literário38, observe-se que em todas estas instâncias Jomar Moraes teve destacada
atuação, principalmente com respeito ao SIOGE que durante a década de 1970, sob sua
direção, se firmou como principal polo de publicações do estado, como já sublinhado
anteriormente.
Assim considerados, justifica-se o percentual elevado dos agentes que ocuparam
tais funções administrativas, buscando através do granjeamento das instâncias culturais
do estado, condições de sobrevivência, física e principalmente do exercício literário, que
um contexto como o maranhense, sem uma relativa autonomia deste espaço, não lhes
poderia ofertar. Observe-se que em todas as instituições estatais citadas Jomar Moraes
exerceu alguma função administrativa, em sua maioria cargos de direção, além de
permanecer à direção da Academia Maranhense de Letras por 22 anos consecutivos. A
rede de relações ilustrada abaixo apenas exemplifica o exercício de identificação entre
espaços de atuação e agentes mediadores que pretendemos exaurir para compreende
melhor o peso exercido por Jomar Moraes no espaço intelectual maranhense a partir
das funções por ele exercidas no domínio público editorial e de instituições
consagradoras. No exemplo que segue apontamos os elos existentes entre ele, os
pertencentes à AML e o IHGM e os participantes dos movimentos culturais mais
destacados, a saber, o Centro Cultural Gonçalves Dias (CCGD), Movimento Afluente
(AFLU), Grupo Ilha (GRU_I) e Movimento Graalista (MOV_G). Destaca-se o número
de ligações existentes, direta ou indiretamente, entre os agentes constituintes deste
espaço e a AML, o que nos leva a deduzir tamanha importância em ocupar a direção
desta instituição, considerando também as posições ocupadas por este conjunto de
agentes a ela vinculados.

38
Resultados preliminares de uma pesquisa mais ampla, ainda em andamento, acerca dos processos de
afirmação e representações sociais em torno da noção de cultura e a importância da atuação dos agentes
através de instituições voltadas para a produção e condução de políticas públicas no Maranhão, pode ser
encontrada em Reis (2009).

60
Figura I
Rede de instituições e movimentos culturais

Fonte: repertórios biográficos


Gráfico elaborado em UCINET 6

Mesmo em posições duplamente dominadas, os ―escritores‖ aqui analisados,


através do uso estratégico do capital de relações sociais e da posse de determinados
recursos – dentre os quais se destaca o grau de escolaridade e o tipo de formação
superior –, conseguiram estabelecer certo controle das possibilidades de acesso a
determinados cargos públicos, o que se demonstra pelos dados relativos ao número de
casos que possuem graduação, principalmente com relação à formação em direito ou
acrescida de pós-graduação, e o nível dos postos que ocuparam na administração
pública.

61
Tabela XIX
Ocupação de cargos públicos/formação escolar [contagem, linha %, coluna %,
total %]
Frequência Percentual Valid Cum
Ocupantes de Percent Percent
cargos públicos 28 75,68 100,00 100,00
9 24,32 Missing
Total 37 100,0 100,0

Fundamental Médio Superior Pós-grad. Mestrado Total


2,0 4,0 12,0 2,0 1,0 21,0
9,5% 19,0% 57,1% 9,5% 4,8% 100,0%
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
9,5% 19,0% 57,1% 9,5% 4,8% 100,0%
Fontes: repertórios biográficos
Tabela elaborada em SPSS

O quadro abaixo demonstra a relação entre a posse de títulos escolares de nível


superior e os níveis dos cargos públicos ocupados, tratando-se apenas dos 28 casos que
se inserem nesta segunda característica.
Tabela XIIX
Formação escolar e ocupação de cargos públicos

Título Alto Médio Baixo


Cargos públicos

Superior + pós 2 2
Superior 5 3 1
Médio 1 3
Fundamental 2 1
N.I. 3 2 3
Total 10 10 8
Fonte: repertórios biográficos

Observa-se também uma grande concentração quanto ao tipo de graduação que


estes mesmos ocupantes de cargos públicos possuem, prevalecendo a formação em
direito, contando-se os que possuem título superior e pós-graduação.

62
Tabela XXIXIII
Tipos de graduação e ocupação de cargos públicos

Cursos Frequência Percentual


Direito 12 32,43
Economia 1 2,70
Teatro 1 2,70
Medicina 2 5,41
Odontologia 1 2,70
Serviço 1 2,70
Social
19 51,35
Total 37 100,0
Fonte: repertórios biográficos

Da relação entre os tipos de titulação escolar e os níveis dos cargos públicos


ocupados por estes agentes, salta-nos à vista a correspondência entre a formação em
Direito e a importância das funções exercidas na administração pública. Outro dado
interessante é que a combinação da formação jurídica à pós-graduação tende a distanciar
os agentes que possuem tais recursos dos espaços institucionais mais próximos do
domínio cultural e a aproximá-los do domínio econômico, sendo verdadeiro também o
processo inverso, ou seja, quanto mais distante da esfera jurídica e menor o grau de
escolaridade destes agentes, mais próximos se encontram do que chamamos acima de
―polo feminino‖ do estado, inserindo-se em Secretarias e Departamentos vinculados à
produção cultural em sentido amplo. Cabe ainda ressaltar que dentre os que detêm os
mais altos níveis escolares identificados (graduação + pós), nenhum deles ocupou
qualquer cargo eletivo, demonstrando, portanto, ser pouco relevante, no universo social
aqui analisado, a correspondência entre o título escolar e as posições ocupadas no
espaço do poder político local e apontando para a necessidade de se investigar outras
formas de recrutamento e recursos sociais exigidos para o ingresso na carreira política
eletiva neste universo social39.

Ocupação de cargos públicos estratégicos à atuação intelectual

A ocupação de cargos públicos se apresenta como um dado preponderante na


trajetória destes agentes. Ao todo 28 dos 37 casos analisados exerceram algum tipo de
atividade na administração pública, ou seja, 75,6%.

39
Estudos mais acurados acerca das bases sociais de recrutamento e especialização de elites políticas
locais no contexto maranhense podem ser encontrados em Grill; Barros; Lima; Aragão; Santos (2010).

63
Percebemos pela análise dos dados obtidos que em sua quase totalidade
estiveram vinculados a gestões relacionadas à ―cultura‖ em sentido amplo, ou seja, a
Secretarias e Departamentos de Cultura, Educação ou Patrimônio Histórico e direção ou
assessorias de Fundações Culturais, posições dominadas se consideradas em relação às
nomeações atinentes ao polo mais dominante da administração pública, como os órgãos
judiciários ou fazendários. Considerando-se o total de cargos públicos identificados é
notória a superioridade numérica das ocupações de funções ligadas à produção cultural
a partir das instituições mencionadas, porém, filtrando apenas os cargos mais altos
ocupados por estes agentes, esta maioria desloca-se para as instituições ligadas às
administrações fazendária e jurídica, que também concentram o maior número de postos
de nível mais alto. Os casos que se mantêm vinculados à produção cultural do estado,
mesmo considerando-se apenas seus postos mais altos ocupados, tendem a se manter
nos níveis médio e, principalmente, baixo dos postos públicos.
Outro dado importante é a relação que se estabelece entre os graus de
escolaridade dos agentes e os níveis dos cargos públicos que ocuparam. Dos 10 casos
que ocuparam os postos de nível mais altos, 5 possuem título superior, 2 pós-
graduações e a respeito de 3 deles não obtive informações sobre suas formações
escolares. Com perfis escolares muito aproximados os que ocuparam os postos públicos
mais altos em nível médio, distribuem-se entre 3 com título superior, 3 com pós-
graduações 1 em nível médio e 2 com escolaridade de nível fundamental, não obtivemos
informações escolares a respeito de 1 deles. Os 8 casos que ocuparam os cargos
públicos mais baixos tendem também a concentrar, em média, os graus de escolaridade
também mais baixos, mesmo o único com formação superior possui o título de
graduação menos valorizado socialmente entre os tipos identificados nesta pesquisa.
Assim, distribuem-se em 1 com formação superior (Teatro), 3 com nível médio, 1 com
nível fundamental e em relação a 3 casos não obtive informações escolares.
O pertencimento a instituições de consagração intelectual também se apresenta
como um importante recurso entre os agentes que ocuparam cargos públicos. Entre os
28 casos temos 16 registros de assentos na AML e 8 no IHGM, concomitantemente às
duas instituições temos 6 casos. Além destas instituições locais, vinculam-se alguns
agentes a instituições situadas em outros estados (Circulo Literário de Brasília, IGHC,
APL, ALB, etc.) ou de representação nacional (ABL, IHGB, etc.) 40.

40
Segue no Anexo IV uma lista com os nomes dos ocupantes de cargos públicos e as respectivas
instituições de consagração a que pertenceram.

64
Tabela XIVII
Ocupantes de cargos eletivos

Nome Cargos eletivos Cargos públicos Inst. de


consagração
Antenor Prefeito Municipal de Promotor Público de Grajaú e da AML; IHGM
Mourão Grajaú; Deputado Capital; membro da Procuradoria
Bogéa Federal Geral do Estado; membro e
Presidente do Conselho
Penintenciário do Estado; membro
do Conselho Estadual de Cultura.
Durante o Estado Novo, foi chefe
da Divisão de Imprensa do
Departamento Estadual de
Imprensa e Propaganda, e Diretor
da Imprensa Oficial do Estado
(1941-1942); Chefe de Polícia no
Maranhão (1943); Secretário de
Estado na gestão do Interventor
Paulo Ramos e chefe de gabinete
da Interventoria (1943-1945)
Olímpio Vereador Chefe da 3° Inspetoria Regional AMT; ALB;
Martins da do Serviço de Proteção aos Índios, CLB; MPN;
Cruz depois FUNAI SHLB
Bernardo Deputado Estadual em Presidente da extinta Fundação AML
Coelho de três legislaturas Cultural do Maranhão, membro
Almeida do Conselho de Contas dos
Municípios; Adido cultural do
Brasil no Peru; Subchefe de
Gabinete Civil
José Vereador Exerceu depois diversos cargos AML
Francisco em comissão na Administração
das Pública
Chagas
José Suplente de Deputado Diretor da Secretaria do Tribunal AML; IHGM
Sarney Federal (1954), de Justiça do Maranhão
Costa assumindo o mandato
em 1955, depois reeleito
em 1958 e 1962.
Governador do Estado;
Senador; Presidente da
República; Senador
Fonte: repertórios biográficos

Tais constatações referentes às dimensões exploradas nos capítulos anteriores se


demonstram de forma ainda mais clara pela exposição das posições ocupadas por Jomar
Moraes, correlacionando-se a importância das aquisições de títulos escolares e a

65
inserção em redes de relações sociais qualificadas conjugados à sua atuação em
instituições de consagração e ocupação de postos públicos gradativamente distantes do
polo de produção cultural e mais próximos da gerência jurídica e econômica do estado.
É sobre o que nos deteremos a demonstrar no capítulo que segue.

66
67
CAPÍTULO IV - Um caso particular dos possíveis

―Desdobradas‖ as possibilidades ensejadas pelo complexo de relações e recursos


sociais em jogo no espaço intelectual maranhense, vejamos, munidos dos dados e
referenciais analíticos apresentados, alguns elementos destacados nas narrativas
(auto)biográficas de Jomar Moraes, por nós coletadas, relacionando-os às dimensões de
análise desenvolvidas. Nosso objetivo é demonstrar as correlações existentes entre o
processo de ideologização do seu percurso de vida e o conjunto de determinações
estruturais condicionantes de suas ―escolhas‖ e posições ocupadas ao longo de sua
trajetória. Os trechos de entrevistas analisados abaixo foram selecionados com fins à
demonstração das dimensões de análise exploradas ao longo do texto. Assim se
pretende tornar mais clara a correlação entre disposições herdadas, principalmente no
convívio e educação familiar, e os investimentos feitos ao longo de sua trajetória no
âmbito escolar e profissional.
Todas as entrevistas realizadas com Jomar Moraes ocorreram em sua residência,
no salão de sua biblioteca, em datas esporádicas previamente agendadas. Geralmente
pela manhã, nossos encontros foram sempre muito tranquilos, interrompidos apenas vez
por outra por uma visita ou telefonema, em muitos casos de personagens políticas
interessado em seus serviços editoriais. O Acidente Vascular Cerebral sofrido em 2006
trazia-lhe ainda sequelas, principalmente à voz, o que em alguns momentos dificultava-
nos sua compreensão, mas em nada chegara a intervir em sua lucidez e desejo de
continuar pesquisando. De humor comedido e informal, sempre solícito em dispor das
informações e fontes que necessitávamos; vagaroso, mas sempre exato, gostava de
destacar de suas estantes, sem titubeios, os livros e documentos que comprovavam sua
fala. Optamos por manter nas transcrições suas pausas e expressões tal qual expressas,
também como forma de valorização da intimidade que nos permitiu através das valiosas
entrevistas que nos concedeu, nas manhãs e tardes muito agradáveis em sua companhia.
Ressalte-se ainda que a seleção dos fragmentos de entrevistas realizadas com
Jomar Moraes aqui apresentados tem por único intuito a tentativa de demonstração das
correlações perceptíveis entre as transformações operadas no espaço social apresentado,
analiticamente construído, e o conjunto de recursos gradativamente adquiridos e
investidos por este agente objetivando melhor alocar-se no mesmo, o que em nada se
confunde com qualquer compreensão moralizante acerca das suas relações pessoais ou
posicionamentos por ele tomados. Quanto às dimensões de análise, preferimos, por fins

68
didáticos, apresentá-las de forma separada, embora sejam latentes seus amálgamas e
valor relacional dos recursos acionados em tais dimensões. Assim, em cada item
apresentamos fragmentos que identificamos por relevantes à elucidação das conclusões
que pretendemos demonstrar.

4.1 “Porque as coisas não são unívocas, as coisas são complexas”.

Jomar Moraes nasceu em Guimarães em 1940, tendo permanecido ali somente


por seus primeiros meses de vida. Seu pai, descrito por ele como um ―aventureiro‖,
seguiu com a família pelas praias da região até chegar ao extremo oeste do estado, na
fronteira com o Pará, na cidade de Carutapera. Ali se estabeleceram e fora onde Jomar
permaneceu com a família até os 14 anos.
Até este período, são muito os elementos de sua trajetória que merecem
destaque, temos em vista ser este o período convencionalmente destinado à formação
escolar inicial, e também a fase em que as vivências familiares compõem parte
importante na constituição de disposições, indicando os determinantes de classe, renda,
relações sociais em conjugação com toda a força da trajetória dos pais sobre a educação
dos filhos, nos casos em que este convívio se dá.
Bastante heterogênea, a configuração familiar na qual Jomar Moraes nasce é
formada pela mãe, vimarense, iletrada, filha de um mestre de embarcações em
Guimarães e pelo seu pai, professor de música, ludovicense, cujos pais tinham ―certa
procedência‖, nas palavras do escritor.
Eu sou filho de um homem, que era professor, de música, um homem muito
preparado, um homem culto, meu pai era José Alípio de Moraes Filho. Um
homem preparado, mas um homem doidão. Uma espécie de hippie quando
não havia hippie. Minha mãe era de uma família de Guimarães, bem humilde,
minha mãe era filha de um mestre de barcos. Antonio Alcides da Silva, que
morreu num desastre, num desastr... naufrágio. [...] Minha mãe era uma
mulher inteligente, mas não tinha preparo. Tinha o preparo que ela... auriu de
meu pai. Minha mãe era tão inteligên... meu pai era músico, minha mãe
chegou a tocar violino, tocava muito bem, lia música, tocava violino. Mas
meu pai era uma figura meio abstrusa, uma figura singular...

Sobre a escolaridade dos pais:


Minha mãe não era... meu pai, eu já falei, era um homem... não tinha curso
formal, mas era um homem de bastante cultura, um homem preparado. [...]
Meu pai era um intelectual, e, tinha livros... meu pai sabia falar espanhol,
sabia falar francês, sabia falar italiano, sabia falar árabe, até árabe! Era
músico. Mas era doidão, num sabe, era um hippie, depois eu vou até mostrar
pra vocês um livro de poesia dele41.

41
Coincidentemente, Jomar inicia sua carreira literária também com um livro de poesias, único que
publicou neste gênero.

69
Se por um lado o próprio Jomar descreve seus pais destacando as oposições de
caráter hierárquico quanto às competências detidas por eles, de modo a revelar-se o
iletrismo de sua mãe em oposição à erudição de seu pai, ele mesmo chama a atenção
para as capacidades da mãe, e menciona a profissão de seu avô materno, valorizada no
contexto local. Aqui, para a análise pretendida, hora as hierarquizações são irrelevantes,
do ponto de vista de que tais competências exercem força na formação de um
patrimônio de disposições detido por Jomar, hora ganham importância, quando dessas
hierarquias e oposições se compõem arranjos quanto ao que deve ou não deve ser
valorizado em cada contexto do qual Jomar participa (familiar, escolar, profissional,
político, literário etc.) e de como Jomar as aciona. Como veremos, isto se expressa,
entre outras formas, no contraste entre os autos postos ocupados pelo escritor e a forma
coloquial como se comunica e se porta durante as entrevistas, reforçando com gestos e
palavras sua origem pobre, do interior.
Ainda sobre seus pais, Jomar relata de forma um tanto jocosa o modo como se
conheceram e casaram:
Minha mãe era bem humilde, e meu pai era casado, aqui em São Luís. E... a
esposa dele teve uma doença, teve eclampse, uma coisa assim, uma doença
que impedia ela de engravidar, imagina, naquela época... é difícil. Então ele
saiu de casa, e foi lá, no interior. Uma certa aventura, ele que já era
aventureiro mesmo! Gostava de andar para cá e pra ali. Tá gravando, vou
dizer... tá gravando? E comeu essa, essa menina lá! Que era minha mãe, tinha
16 anos, meu pai tinha 40 e tantos anos. Era um pedófilo (risos), quase um
pedófilo. Comeu minha mãe. Dessa comilança nasceu Jomar, minha mãe era
mais velha do que eu só 16 anos. Eu brincava muito com ela e dizia: olha, eu
vou lhe passar, eu vou ficar mais velho do que a senhora. Era engraçado.

São muitos os momentos em que Jomar recorta episódios de sua vida em que se
manifesta o pitoresco e o inesperado. No trecho acima, novamente, chama a atenção
para as oposições entre seus pais, tais como a diferença de idade, que tornava o filho tão
próximo da mãe. Outra característica frequente em seus relatos é o destaque dado à
forma como seu pai agia, definida por ele como a de uma pessoa com ―espírito
aventureiro‖, um ―abstruso‖, ―sonhador‖, ―hippie‖, ―doidão‖, e sua controversa
reprovação/admiração quanto a estas características. Ao mesmo tempo em que
demonstra reprovar tal postura, narrando as consequências e as inseguranças geradas ao
longo de sua infância – ―Porque, de certo modo, eu vou dizer pra vocês, uma coisa
inconsciente, essa coisa de meu pai ser... andar pra cima e pra baixo, fazer o que deu na
cabeça... me traumatizou‖ –, narra estes episódios com humor, reforçando sempre essa

70
lembrança de seu pai. Apresenta a si mesmo como filho dessas aventuras, quando
―dessa comilança nasceu Jomar‖.

4.2 “Eu me fiz do nada...”.

A singularidade na trajetória de Jomar Moraes perpassa frequentemente a sua


relação ambígua com o pai. Quando perguntado sobre sua escolarização, relata a
decisão de Alípio Moraes Filho em não levar seus filhos à escola, onde não
encontrariam a formação projetada por ele, dada a baixa qualidade de ensino na cidade
de Carutapera, principalmente pela má formação dos professores.
Meu pai dizia o seguinte: não, meus filhos. Filho meu não vai estudar com
estas professoras bestas daqui, estas burras, estas professoras não sabem
nada. Eu me lembro dele dizer ―se eu pegar uma professora dessas fizer um
exame, racho a mão delas de bolo‖, e realmente tinha alguma razão.

Além disso, apresentavam uma vida reservada em relação ao contato com as


pessoas da localidade – ―nós fomos criados lá. Pobres, mas com um certo
recolhimento‖. Nas palavras de Jomar:
Pois bem, meu pai nos criou numa certa... a mim, meu irmãos, eu sou o mais
velho de uma, uma ninhada de sete, e manteve um certo isolamento nosso,
assim pra dizer ―não, não se metam com esses moleques, esses moleques não
sabem falar, tudo analfabeto‖, não sei o quê, ―e professora também‖! ―Eu vou
ensinar, eu vou te ensinar, vou ensinar meus filhos aqui em casa‖, meu pai, e
ele tinha o propósito de me ensinar, mas aí eu não a... não aceitei. Ele me
chamava pra uma lição, era uma coisa assistemática, eu ia de má vontade.
―venha cá‖, eu já ia de má vontade, ele se irritava, ―seu moleque‖... ―como é
isso aqui?‖, ―eu num sei!‖, eu sabia, mas num dizia. Aí ficou uma coisa
impraticável. Até que ele se cansou e disse ―eu não vou mais ensinar esse
moleque, deixa esse moleque ficar analfabeto!‖. Fiquei. Mas eu tinha uma
curiosidade intelectual muito grande, sobretudo lá em casa. Era uma casa
pobre, mas era uma casa que tinha livros, meu pai era um intelectual, e tinha
livros... [...] E aí, fui deixado de lado, ―o Jomar não quer estudar, deixa, deixa
ficar aí... não quer!‖.

Se sua infância e adolescência não compreenderam o processo de escolarização,


um fato atípico quando se trata de alguém que se torna conhecido como escritor e
membro da AML, outras foram as vias de acesso para tornar-se letrado, desde a
influência intelectual do pai até seu recorrente intento de desafiá-lo, de ―matá-lo‖.
E eu tinha uma curiosidade intelectual muito grande e meu pai, uma das
coisas que, além dos livros lá da biblioteca, da biblioteca dele, ele assinava a
revista O Cruzeiro, então essa revista me espicaçava a curiosidade. Porque a
revista toda ilustrada, eu pegava a revista, abria e ficava, não me contentava
em ver as figuras, queria saber o que estava dito sobre as figuras, e não sabia.
Aí ficava, e fiquei... Perguntava ―o quê que tá dizendo aqui?‖ Dizia ―tu não
sabe ler? Lê! Não quer estudar!‖, eu fiquei... Aí, o que fiz: num tem aquele

71
caderno escolar, nas costas do caderno escolar tem o hino nacional, não tem?
Eu peguei o papel de seda, superpus ao hino e, com um lápis, comecei a
cobrir as letras do hino nacional brasileiro. E eu sabia a letra, cobria aqui ―o‖,
―u‖, ―v‖, ―i‖, ―ouviram‖, aí, ―ouviram‖, ―do Ipiranga‖, foi uma coisa assim,
eu num sei como aprendi. Aí, num determinado momento eu tinha uma
dificuldade de saber o que era ―b‖ e o que era ―d‖, porque não atinava bem
qual era o que tinha a barriga pra dentro, qual era a barriga virada pra fora.
Foi indo, foi indo... Até que com 13 anos! 13 anos que eu vim a ler, foi minha
mãe que descobriu, e disse pra meu pai ―Seu Moraes, o Jomar tá lendo!‖ -
―não é possível, esse moleque tá lendo?‖, ―tá!‖. Me chamou... Aí eu sabia ler,
mais ou menos, mais não sabia escrever, e não sabia fazer conta, aí foi uma
coisa danada. O certo que, assim foi indo... Aí eu comecei a ler, li como um
desesperado. Era uma leitura feia, era uma leitura assistemática, leitura de
autodidata que você sabe que não tem orientação, mas eu me parabenizo por
isso [...] e daí comecei, eu li a bíblia todinha, tá ali até uma versão da bíblia,
essa é uma versão moderna. Eu li a bíblia do gênesis ao apocalipse e depois
reli. Li, li, loucamente nessa... O que foi que eu li, direi a vocês que eu não
sei, me lembro bem da bíblia. Lia muito, lia, lia, lia, aquilo parece que
libertou minha curiosidade, aí comecei a ler. Aí eu tinha também o apoio de
meu pai, meu pai falava bem, nos corrigia, não dizia ―pra mim fazer, isso é
pra mim fazer‖, é ―pra eu fazer‖. Ele tinha um preconceito, dizia: ―quem diz
'pra mim fazer' é moleque!‖. Essas coisas assim a gente aprendeu.

Este episódio é contado sem o romantismo da genialidade, apontando mais para


certo heroísmo presente no esforço. Ademais, não dispensa o reconhecimento das
lacunas deixadas com o processo de alfabetização alternativo:
Eu como já mencionei, eu aprendi a ler praticamente por mim mesmo. É
difícil dizer ―por mim mesmo‖, claro, por maior o esforço que eu fiz pra
aprender a ler, mas claro que alguém me ensinou o que era ―A‖, o que era
―B‖, o que era ―C‖, eu não podia adivinhar. Mas até chegar a ler, foi um
esforço muito pessoal, e eu cheguei a ler mais ou menos com uns treze anos.
Já tardiamente, agora foi uma tardança que de certo modo foi compensada
porque desde que aprendi a ler eu tive uma leitura muito intensa e muito
variada, e também, naturalmente, assistemática, como a leitura de qualquer...
Do geral dos autodidatas. Lia o que me caía às mãos, principalmente a bíblia
e muitos livros que comentam livros da bíblia. Li muitos autores bíblicos, e
por aí fui, fiz leituras variadas, lia... Eu fiz uma formação irregular,
assistemática... Eu sabia num determinado tempo, eu tinha conhecimento em
parte avançado, em parte atrasado. Havia um tempo em que eu não sabia
fazer conta, não sabia nada de matemática, sabia escrever muito pouco, sabia
mais ler. Mas que depois com o tempo foi se homogeneizando.

E reafirma a importância do pai em sua formação intelectual, considerada,


embora assistemática, uma boa formação – ―eu acho que se eu tivesse estudado pelos
cânones legais, acho que eu seria mais besta do que eu sou‖.
Muito do que eu sou hoje, eu devo a ele [pai]. Informalmente ele terminou
me ensinando, houve aquele negócio, aquele conflito de querer me ensinar
formalmente, eu resisti, não deu certo, mas nós convivíamos, eu aprendi
muita coisa com ele. Porque depois, geralmente à noite, ele... Ficávamos
conversando nós dois, conversando até tarde. Ele tinha um costume de,
gostava que a cabeça dele fosse coçada, e eu coçava a cabeça dele, fazia
aquele cafuné... Tempo, tempos a fio, eu ficava conversando, conversando,
eu devo muito do que eu sei a meu pai. Eram aulas informais, porém muito
proveitosas. Aprendi alguma coisa, a falar português, alguma coisa de
cultura, cultura musical, cultura geral, meu pai era um homem muito
preparado.

72
Aos 14 anos de Jomar, sua família deixa Carutapera e segue para Vitorino
Freire, depois para Santa Inês, acompanhando as decisões de seu pai, que, como afirma,
Era aquele sonhador, ele dizia ―em tal lugar tem muito... é muito bom pra
viver lá, corre dinheiro lá‖, ele era... Meio doido, ele fazia assim uma ideia
que parece que a gente achava dinheiro na rua.

Em 1959, após cinco anos, a família fixa moradia em São Luís. Seu pai
trabalhava então dando aulas de música.
Aí, vim com meu pai, com minha mãe e meus irmãos pra cá, em 59, pra
tentar a vida também, fazer o quê, né... Pobre, nós éramos pobres, e... Meu
pai dava umas aulas de música, uma coisa meio...Incerta, e eu, então, já era
um rapaz de 19 anos.

Jomar, aos 19 anos, com sua formação autodidata e assistemática, como se


refere, sabia escrever, fazia poesia, pretendia também ―tentar a vida‖, trabalhar. Sem
diplomas e certificados escolares, sua primeira profissão foi no quadro da polícia, como
soldado, ainda em 1959. Prestou exames e assumiu o posto em 1º de dezembro.
Neste período seu pai vinha buscando entre sua rede de relações uma indicação
de emprego para o filho mais velho. Novamente se manifesta o intento de Jomar em
fazer-se por si mesmo e sua disposição em desafiar as vontades e projeções do pai sobre
si.
Uma vez ele disse ―eu estou arranjando um emprego pra ti‖, eu disse
―onde?‖, ―eu falei com fulano de tal‖, era um amigo dele, até me lembro
quem era, Deputado Santos Neto[...] ―eu falei com Santos Neto, ele vai
arranjar um emprego pra ti na Assembleia, eu digo, ―não, não meu pai, eu
não quero isso não‖, ―você não quer trabalhar?‖ Eu disse ―quero! Eu vou
trabalhar, mas eu não vou trabalhar pedindo, eu vou...‖ ―pra onde é que você
vai? trabalhar?‖ eu digo ―eu quero lhe comunicar que eu fiz um, um... exame
pra polícia, já fiz o exame e fui aprovado na polícia‖. Era um exame muito
difícil, era um ditado e uma conta de somar, eu fiz, passei. E meu pai disse
―ah! Você quer ser mata-cachorro?‖ eu digo ―é o que eu posso ser, meu pai‖.
―não você não vai ser‖, eu digo ―vou, vou sim senhor, eu acho humilhante -
(trecho incompreensível) - por um pedido, esse eu num vou não. Lá eu vou
entrar, meu pai, é uma coisa humilde, mas... é soldado de polícia mas eu num
pedi pra ninguém pra entrar, eu fiz o exame, passei‖. Aí entrei na polícia.
Fiquei na polícia, essa é uma data cara pra mim... 01 do 12 de 59. Eu entrei
na polícia, com o número 947, era o soldado 947, aí fiquei lá até junho de 67.
Eu... fari... depois fiz um curso de cabo e fui aprovado em primeiro lugar, aí
fiz um curso de sargento, fui aprovado em quarto lugar.

Estando no quadro da polícia durante 8 anos, Jomar investiu em postos mais


altos, fazendo o curso para cabo, posteriormente a seleção, sendo aprovado em primeiro
lugar. Depois o curso de sargento, no qual também teve êxito. Nesse processo o que se
percebe é a reafirmação de uma disposição, cada vez mais consolidada, para o mérito
por esforço, para uma condição autônoma, além de tudo recompensada na admiração e

73
respeito gerada pela superação, pelo improvável e pela segurança que parecia querer
transmitir, especialmente à família, em oposição à inconstância do pai. Isso se confirma
em sua postura de irmão mais velho, aquele que substitui o pai, como se nota em suas
palavras:
Quando eu estava fazendo o curso de cabo, meu pai morreu... Foi aquela
coisa... Eu tinha direito ao que se chama de ―nojo‖, aquele período em que
morre um parente, a gente tem oito dias, né. Entre os militares é chamado
―Nojo‖. Mas eu estava fazendo o curso, se eu gozasse o ―nojo‖ eu era
reprovado... Aí, no dia seguinte, meu pai morreu, no dia seguinte eu me
preparei, eu passei um dia em casa, no outro dia, cedo me preparei, minha
mãe ―meu filho, você já vai pro serviço? Seu pai morreu anteontem!‖,
―minha mãe, o que é que eu vou fazer? meu pai morreu e eu tenho obrigação,
eu sou o mais velho! Eu tenho que dirigir a casa, e esse curso vai melhorar
nossa situação‖, aí fui, no segundo dia provei concurso, fiz, passei em
primeiro lugar.

Sua preocupação com a família o levou, em 1964, a ser delegado em Buriti


Bravo e em Colinas. Aceitou o cargo no interior para viver da gratificação, deixando o
ordenado a ser recebido por sua mãe, por procuração.
Eu me tornei policial aqui, aqui eu fui Cabo, aqui fui Sargento, eu fui para
Buriti Bravo pra ser Delegado de Polícia. Eu fui pra Buriti Bravo porque...
Por uma decisão em favor de minha família, a família, não a com que eu
casei, mas a família dos meus pais. Meu pai morreu, eu o irmão mais velho,
eu precisava dar o máximo de apoio à minha mãe, e eu aqui não podia fazer
isso porque eu tinha que fazer despesas pessoais, eu tinha minhas despesas, e
eu queria dar o máximo que tinha pra minha mãe. O que eu fiz, eu fui para o
interior, deixei meus vencimentos todos pra ela, quando eu digo ―todo‖, era
muito pouco, mas era o que eu tinha, era todo, era muito, era tudo o que
tinha, minha mãe ficou com a procuração, recebendo o que eu recebia, e eu
fiquei em Buriti Bravo vivendo lá do ordenado de Delegado de Polícia. A
estória foi essa.

Jomar decide permanecer em Buriti Bravo, mantendo assim o arranjo familiar


em que se colocava na condição de provedor e decidindo estabilizar-se naquela
profissão. E lá constitui família, tendo esposa e filhos. Por meio de sua cunhada,
consegue o posto de estafeta dos correios, atividade realizada na região, podendo então
ser conciliada à profissão de delegado. Sua intenção era ser efetivado nessa atividade
após cinco nos, como era de praxe à época. Com a ditadura militar e a consequente
mudança do quadro de nomeados, este plano foi interrompido.
Fui pro interior e casei no interior. Pra Buriti Bravo, lá que eu constituí
família. E por isso eu pensei um dia em ficar lá, morar em Buriti Bravo, eu
queria ser Estafeta do correio, trabalhando de Buriti Bravo para Colinas, e
deixar a polícia. Mas veio aquilo que eu falei, veio a Ditadura e aí esses
contratos que havia foram todos desfeitos, mas... Aí, não deu certo. Eu vim
pra São Luís como policial e deixei a família lá. E... Há uma coisa
interessante que aconteceu durante uns 9 anos, foi uns 9 anos... Eu fui casado
com minha mulher, e não vivíamos juntos, porque ela ficou no interior e eu
vim pra cá em função do meu trabalho, primeiro para a polícia, e eu fiquei

74
por aqui sem poder trazer a família, porque o que ganhava não dava pra
manter minha família aqui, a não ser com muito sacrifício, e eu não estava
disposto a fazer este sacrifício. Minha mulher tinha mãe e uma situação lá,
uma pensão, tinha um comerciozinho, uma casinha de comércio, na própria
casa dela, então eles moravam relativamente bem, e eu resolvi que não traria
minha família pra cá pra passar dificuldades. Fiquei nessa situação, ficamos,
ficamos... Até que, finalmente, eu trouxe a família já com todos os meus
filhos nascidos, todos nascidos, 4, 1 homem e 2 mulh... e 3 mulheres. Todos
os filhos, então, nascidos. Foi quando eu vim.

Em 1967 volta a São Luís, é aprovado no concurso para Postalista dos correios,
e encerra sua carreira policial como 3º sargento. Neste período, preocupado com o
obstáculo que se tornou o fato de não ter passado pela escolarização formal – chegou a
iniciar o 1º ano ginasial no Liceu, mas abandonou quando de sua ida a Buriti Bravo –,
começa a prestar os chamados exames de madureza, que correspondem hoje aos cursos
supletivos, na expectativa de encurtar o período para o recebimento dos certificados
escolares.
Eu comecei nesse tempo a ter uma angústia enorme porque eu não tinha
nenhum estudo formal, aí comecei: ―meu deus, como é que eu faço? Eu tenho
que estudar‖. Mas eu achava que estava adiantada a idade pra fazer
seriadamente, aí eu fiz aquele exame de ―madureza‖ que se chamava, que era
o supletivo, que é um curso... Acho que tá hoje meio esculhambado, tem uns
colégios vendendo o curso, os diplomas de supletivo, e naquele tempo, não é
porque eu tenha feito, mas era aquela coisa, era no Liceu. Era uma coisa
séria, exame de supletivo, ―artigo 99‖ que eles chamavam.[...] Mas era uma
época que me doía na cabeça: ―meu deus, o tempo tá indo e minha família lá
no interior e eu não tenho curso nenhum‖. Não era porque eu achava que o
curso ia me ensinar, era porque o curso me dava um título que eu não tinha.
Um dia eu abro o jornal e tem um negócio, ―aberto na Fazenda concurso pra
auxiliar de Fiscal de Rendas‖, eu disse: ―oh, meu deus, eu vou já me
inscrever!‖. Fui lá, falei com a moça e disse ―o que é necessário pra se
inscrever?‖, o certificado do ginasial... eu não tinha porra nenhuma! Aí não
consegui ser auxiliar de Fiscal de Rendas. Voltei calado. O certificado de
ginásio eu não tinha, naquela época se dissessem ―me dá o teu diploma de
doutor do ABC‖, eu não tinha! Não consegui ser...
Então, aí eu ficava... Angustiado, quase todo dia eu acordava, me lembrava:
―o tempo tá passando...‖. Vinte e tantos anos, mas eu achava que o tempo
tava passando e eu não tava fazendo alguma coisa de concreto. Aí lutei, lutei,
fazendo os exercícios da madureza, fiz o de científico, também madureza, e
foi nessa época, nessa época eu entrei na Academia!

Neste período Jomar participara de vários concursos literários promovidos pela


Academia Maranhense de Letras, ficando em primeiro lugar em quatro deles. As
premiações o foram tornando conhecido entre os membros da Academia e, ao surgir
uma vaga para a eleição de novo membro, Jomar considerou candidatar-se, contando
com o apoio de amigos membros da AML.
Houve uma fase na Academia, a Academia fez uns concursos literários, eu
participei de todos. O primeiro concurso que participei, ganhei; o segundo,
ganhei; terceiro, ganhei, quarto, ganhei. Aí, me tornei conhecido e respeitado
na Academia. O professor Luís Rêgo, que era o presidente da Academia,
houve uma vaga, eu disse: ―rapaz – professor amigo meu – eu vou me

75
candidatar à Academia‖. [...] Josué Montello morava em Paris, toquei uma
carta pra lá! Veio uma resposta dizendo: ―voto em você‖.

O momento de ingresso na Academia é narrado por Jomar como uma grande


vitória, enfatizada por ele ao considerar os fatores que tornam sua entrada improvável,
diferenciando-se do perfil esperado para ocupar tal lugar. Destaca os preconceitos pela
profissão antes exercida, a falta de um curso superior, a sua condição econômica, a sua
cor, todos estes elementos que valorizam e particularizam o seu lugar na cadeira 10.
olhe, imagine, eu deixei de ser Sargento da Polícia em 67, ingressei na
Academia em 69, então ainda tava fedendo a cáqui, numa cidade dessa que
era muito mais preconceituosa do que é, foi um salto, foi um salto... foi uma
conquista. [...] E concorreu comigo um rapaz branco, da sociedade, Bancário
do Banco do Estado, Fernando Braga, e sobrinho de um acadêmico. Eu
ganhei dele.
A cadeira número 10 da Academia Maranhense de Letras foi mencionada por
Jomar como elemento simbólico importante. Esta tem como fundador o escritor Raul
Astolfo Marques, negro, nascido ainda sob regime escravocrata (1876), não passou pela
educação formal. Foi servente na Biblioteca Pública do Estado, onde participou da
reunião de fundação da AML, então como membro fundador, por suas publicações,
entre outras, em revista dirigida por Antônio Lobo.
O próprio Jomar Moraes atribui a notoriedade dada a sua posse por ter sido
presidida pelo então governador do Estado José Sarney, membro desde 1952 e naquele
período presidente da AML. Com o ingresso na Academia e a proximidade da
conclusão dos exames de madureza, a formação superior apresenta-se como uma
necessidade e uma forma de reforçar o prestígio alcançado. Tornando-se conhecido no
meio intelectual e político, tal investimento proporcionaria chances maiores e mais
sólidas de inserção e permanência nos círculos de relações ali formados. Com a
formação em Direito, além de ter sido aprovado em concurso para o cargo de fiscal de
rendas do Estado (hoje denominado auditor fiscal), pôde ser indicado para cargos que
lhe exigiram a formação superior.
Eu entrei na Academia, e como acadêmico eu já mais ou menos ficando
conhecido na cidade e fazendo esses exames, que coisa interessante...
Quando eu entrei na Academia, é claro que houve uma certa atenção pra meu
nome... E a minha posse foi muito concorrida porque foi presidida pelo
Governador Sarney, que era o Presidente da Academia, e ele foi à posse, o
Governador, ele com muito prestígio. Então a Academia encheu, não por
mim, mas pelo Governador, certamente. O Governador andava, onde ele
andava... ele teve uma face, ele fez um governo muito importante e de muito
brilho aqui, você não testemunhou isso, acho que você ainda não era nem
nascido, então eu me beneficiei desse brilho quando tomei posse lá, quer
dizer, parcela importante da sociedade sãoluizence me viu lá tomando posse.
E isso mudou minha vida radicalmente. A partir do dia seguinte, as coisas

76
mudaram, gente que não me conhecia começou a falar na rua ―Jomar!‖,
algumas portas começaram a se abrir.

O círculo de relações ligado ao seu ingresso na Academia abriu-lhe portas, como


disse, antes mesmo da graduação. À amizade feita com o professor Cabral – trata-se de
José Maria Cabral Marques, professor de direito e um dos fundadores da Faculdade,
sendo reitor da Universidade Federal do Maranhão na década de 1980 –, Secretário de
educação do governo Sarney naquele período, Jomar atribui grandes conquistas –
―começou uma amizade e que perdura até hoje, e que me foi também muito útil. O Dr.
Cabral tem sido, foi um amigo muito grande‖.
Nesse tempo eu era do correio ainda, aconteceu que o professor Cabral, que
era Secretário da Educação... Tempos depois eu passei a cruzar com ele na
rua e começamos a nos falar, ―oba!‖, ―oba!‖, ―como é que vamos?!‖, não
demorou muito ele me mandou um convite pra eu ir falar com ele, lá na
Secretaria, aí eu fui, o convite era pra ser Diretor do Serviço de
Administração Geral, chamava SAG, Serviço de Administração Geral da
Secretaria, e isso eu sei claramente que se deveu a meu ingresso na
Academia. Então eu assumi esse cargo lá e não tinha nem um curso formal, a
não ser... Estava fazendo exames, acho que na época eu fazia exames ainda
de Ginásio aí quase... Aí, como eu estava num órgão da Secretaria de
Educação, e é uma Secretaria de professores, começaram a me apelidar de
professor, e eu ficava constrangido... ―eu não sou professor, não sou nem
aluno, quanto mais professor!‖, ―professor, professor‖... eu digo, ―puxa, tá
danado isso aqui...‖. Aí, eu estava fazendo os exames, conhecido por todo
mundo daquele grupo, e esse cargo de, esse SAG, era um órgão muito, muito
importante. Na época a estrutura organizacional das Secretarias davam uma
importância muito grande ao SAG, esse SAG não existe mais, agora existe
uma Unidade não sei o que de Administração, que é mais... Que é menos,
tem menos atribuições. Mas as transformações que se operaram em minha
vida [...] com a minha ida pro SAG, já, quer dizer, em consequência da
Academia, depois da Academia, o SAG, foram muito grandes, porque aí eu
passei a dirigir um órgão que era importante, e que na Secretaria era muito
mais importante porque esse órgão tinha uma frota de veículos, e tinha
inclusive avião, dois aviões, subordinados à minha repartição, ao meu SAG,
tinha Departamento de Engenharia...

Ainda sobre sua posse na AML, os ganhos não se restringiram à notoriedade,


prestígio, capital de relações e ocupação de cargos, sendo também um retorno à relação
com o pai, reafirmando sobre si aquela disposição à superação que já vinha se
cumprindo com o ―se fazer sozinho‖, ao mesmo tempo em que atendia às expectativas
do pai quando à posição de destaque do filho. Conforme conta em entrevista:
Mas houve o seguinte, uma vez, uma coisa emocionante, uma vez subindo
pela Rua da Paz com meu pai, papai era bem mais velho do que eu, claro,
meu pai já tinha uns setenta e tantos anos e eu com vinte anos ou desen...
Vinte e um, soldado de polícia, fardado com ele, passamos ali naquela porta
da Academia, e eu disse pra meu pai: ―olhe meu pai, a Academia Maranhense
de Letras‖, e ele disse, ―meu filho você ainda virá pra cá‖, eu digo: ―não meu
pai, não virei nada‖, e ele disse, ―virá!‖, eu digo: ―soldado de polícia, meu
pai, o que que um soldado de polícia vem fazer aqui? Besteira, o senhor está

77
dizendo isso pra me confortar. Eu não virei nunca!‖. No dia em que entrei pra
Academia eu lembrei de meu pai... Uma coisa emocionante.

Ademais, o que se pode observar é que o convívio com uma elite intelectual e
política, associada a uma disposição desenvolvida desde a infância a se impor desafios e
superá-los, compõem o arranjo basilar à trajetória de Jomar Moraes. Deste modo, pôde
mobilizar recursos e encontrar sentido para os altos investimentos e sacrifícios feitos,
entre eles o esforço de estudar, persistindo em concluir todos os exames de madureza e
almejar o vestibular, além do conflito de manter distante a família, que permanecia em
Buriti Bravo – ―Aí foi uma... uma via crucis, eu passei nove anos separado da família,
lá, quer dizer, separado não, mas vivendo... Mas apartado‖.
Eu fui casado com minha mulher, e não vivíamos juntos, porque ela ficou no
interior e eu vim pra cá em função do meu trabalho, primeiro para a polícia, e
eu fiquei por aqui sem poder trazer a família, porque o que ganhava não dava
pra manter minha família aqui, a não ser com muito sacrifício, e eu não
estava disposto a fazer este sacrifício. Minha mulher tinha mãe e uma
situação lá, uma pensão, tinha um comerciozinho, uma casinha de comércio,
na própria casa dela, então eles moravam relativamente bem, e eu resolvi que
não traria minha família pra cá pra passar dificuldades. Fiquei nessa situação,
ficamos, ficamos...

Mesmo depois de ter saído da polícia e ingressado nos correios, ocupando cargos
comissionados como o de Diretor da SAG, Jomar manteve-se geograficamente distante
dos filhos e da esposa, sacrificando o convívio em nome de ―um projeto‖. Em
entrevista, Jomar destaca a dor de ver que em uma de suas viagens de férias, sua filha
não o reconhecia mais. Menciona também existir em si um lado ―bandalha‖, namorador,
à época em que esteve em São Luís sem a família. Mas destaca a fidelidade ao propósito
de manter o casamento e buscar a família assim que comprasse uma casa. Analisando
sua trajetória, o que se pode perceber com a autodisciplina e os esforços aplicados é que
houve uma fidelidade ao projeto de lograr seguridade econômica e reconhecimento
público, sacrificando o convívio familiar, para posteriormente retribuir a seus filhos e
esposa pela espera. Poder-se-ia também falar em dois projetos concomitantes:
estabilidade econômica a ser oferecida à família e o fazer-se por si mesmo, a ser
alcançado no mais alto nível possível. De todo modo, o distanciamento da família
pareceu importante, pois lhe pôde proporcionar o desprendimento necessário para
dedicar-se aos estudos, à escrita, aos encontros com as novas redes sociais em que se
inseria, aos novos desafios a que se lançava. Jomar manifesta compreender isto quando
fala de seu casamento: ―Em Buriti Bravo, eu casei. Terminei casando em Buriti Bravo,

78
aí eu resolvi que eu iria ficar por lá, constituir família... já era um corte na minha
carreira...‖.
A influência dos encontros e do convívio com intelectuais, médicos, professores,
poetas e políticos se manifesta de muitas formas, especialmente na própria escolha do
curso superior. Sem dúvida, Jomar se dispunha a grandes superações, mas estas
ganhavam sustentação nas situações indicativas de êxito e coerência, entre elas as
expectativas deste novo círculo, ao perguntarem com frequência qual a sua formação,
bem como os ocasionais incentivos vindos dali. Novamente a figura do professor Cabral
surge.
Dr. Cabral, pela amizade [...] me estimulava sempre, ―faz teu curso, rapaz‖,
―Dr. eu tô lutando pra fazer‖, aí ele me encontrava, ―rapaz, eu já te disse pra
ti fazer teu curso!‖, eu digo, ―Dr. Cabral o senhor tá pensando que eu tô
brincando? Eu não posso entrar na Universidade sem ter o curso Médio, eu tô
fazendo os exames, não se preocupe!‖[...]. Aí, uma vez, quando finalmente
tirei o diploma, o diploma não, o certificado de curso Médio pra me
inscrever, eu estou numa fila da Caixa Econômica pra pagar o boleto da
inscrição, Dr. Cabral estava na outra fila eu olhei, aí fui lá e disse ―taí, olha,
eu vou fazer o vestibular‖, aí ele disse ―ah! Ótimo! Vai fazer pra que?‖ Eu
disse ―pra Letras‖, ele disse ―não, faça pra Direito‖, eu digo ―que nada siô, eu
não vou fazer pra...‖, eu não tinha noção do que era Letras, eu não... não
tinha noção de nada. Aí ele disse ―não Jomar, faça pra Direito‖, eu digo ―não
siô, eu sou afeiçoado à literatura‖, e ele me disse ―rapaz, deixe de ser besta,
rapaz! Tu não já é escritor?‖, eu digo ―eu não sei... eu sou?‖, ―tu és! Tu vai
fazer o que com Letras?‖, aí me disse ―tu não vais ser escritor, a
Universidade não dá título de escritor pra ninguém, tu vai fazer pra Letras tu
vai ser é professor de Segundo Grau, ou então, se tu conseguires tu vai ser
professor universitário, não faz isso, faz Direito‖. Eu até brinquei com ele
―pra ser o que?‖, ele disse ―olhe, pra ser ou Ministro do Supremo ou taxista‖,
mas se tu for taxista formado em Direito, tu sabes defender teus direitos e os
de teus passageiros, faz Direito que eu tô te dizendo!‖. Realmente, me salvou.
Eu sou hoje Procurador Federal, devo isso a ele. Mas uma vez Cabral na
minha vida!

4.3 “Eu não fui muito longe, mas eu venho de muito longe”.

Jomar Moraes, funcionário dos correios e colocado à disposição do Estado,


permaneceu na SAG durante dois anos. Posteriormente dirigiu a Biblioteca Pública do
Estado (1971-73), o departamento de assuntos culturais da Fundação Cultural do
Maranhão (1973-75) e o SIOGE, serviço de impressa do Estado (1975-80). Em 1976
compra uma casa – em que reside até hoje, onde nos recebeu diversas vezes –, e traz a
família.
Porque eu botei na cabeça, eu disse pra ela: ―Aldeni, enquanto nós não
tivermos casa em São Luís, nós não nos mudamos! Não nos mudaremos‖.
[...] Pois bem, eu dizia pra ela: ―enquanto nós não tivermos uma casa, a
gente... tu não vais pra lá‖. Ela uma vez ensaiou uma, uma vinda pra cá,
arrumou as coisas, veio. [...] ―Aldeni, volta, não dá certo, eu não vou alug...‖,

79
―não, mas tu aluga uma casa!‖, ―não, não alugo! Não alugo casa‖. [...]. Aí até
que chegou um natal que chegou aquele 13°, aquela coisa... eu fui à
construtora e comprei essa casa, e aí trouxe meus filhos, todos já eram
nascidos, todos, aí a gente veio pra cá. Foi assim, passamos os 9 anos, ela lá e
eu aqui, e quando eu tirava férias ia lá, aí comecei a trabalhar noutros lugares,
quando saí da polícia comecei a ganhar melhor e a gente começou a fazer
uma certa economia, até que eu pude comprar esta casa. Foi uma... de certo
modo, é um exemplo até de resistência, né, e de fidelidade a um projeto.

Também em 1976 conclui o curso de Direito, experiência que possibilitou


fortalecer laços sociais, obter uma titulação valorizada e constituir uma carreira bem
remunerada e segura.
Cheguei sem curso superior, eu entrei na Academia sem curso superior, me
tornei Diretor do SAG, mas sem curso superior, sem curso superior fui
Diretor da Biblioteca Pública, mas eu fiquei sempre pensando que sem curso
superior eu não seria mais outra coisa. E realmente não seria. E tratei então
de fazer esse curso e... Esse curso, esse curso de Direito me serviu muito pra
minha vida, senão não tinha concluído dessa maneira.

Seu contato com a Universidade se deu antes mesmo do início do curso, quando
na Academia via-se entre graduados, alguns deles seus futuros professores. O próprio
reitor à época, o Cônego Ribamar Carvalho, foi membro da Academia. Quando ainda
dirigia a SAG, Jomar foi convidado pelo reitor Ribamar Carvalho a ocupar um cargo na
instituição, convite que não pôde ser aceito pela falta do curso superior. Estava ainda
passando pelos exames de madureza no período – ―ele disse ‗eu mandei te chamar
porque se tu tivesse um... o que eu posso te dar é um cargo administrativo que não
interessa, eu pensei que tu tinha curso superior‖.
Pela peculiaridade de sua trajetória, marcada, com efeito, por uma pretensão de
ser o que estava disposto a ser (ou seja, um erudito, uma figura destacada em seu círculo
e bem posicionada socialmente), embora através de uma corrida contra o tempo e a
limitação financeira, Jomar coleciona e relata outras situações pitorescas relacionadas a
essa busca – ―Minha vida não é importante não, mas tem uns lances que parece de
romance‖.
E houve umas coisas engraçadas, que eu fiz os exames, fiz os exames e...
Tava devendo espanhol, uma língua estrangeira, espanhol, pra poder tirar o
curso do Científico, aí se aproximava o vestibular e eu fiquei, ―eu não sei se
dá tempo‖, aí falei com a professora, Concita Quadros, que está viva ainda,
eu soube que está viva, está bem velha, e ela me disse ―eu vou fazer a prova
dia tal‖, estava no prazo para o vestibular, nesse dia, era um sábado, ela
marcou num sábado, eu então falei com o professor, o Diretor do Liceu, que
era o professor Antônio Carlos Beckman, e disse, ―olha professor, eu quero
fazer, eu preciso fazer o vestibular de Direito, estou dependendo de uma
disciplina aqui no Liceu, a professora Concita Quadros me disse que vem
fazer a prova no sábado e sábado é o último dia pra se inscrever no
vestibular‖, e ele me disse ―e o que é que você quer?‖ eu disse ―eu queria lhe
pedir encarecidamente, se fosse possível, que o senhor viesse sábado aqui

80
para que, se eu passar na prova, o senhor assine o meu certificado pra eu sair
correndo pra me inscrever‖, e ele foi muito gentil e me disse ―Jomar, se
depender de mim, eu virei pra assinar o teu certificado, agora vai depender de
você passar‖, eu disse ―está certo‖. Aí eu fui lá fiz o exame, perguntei pra
professora, ―professora, passei?‖, ―passou‖, ―então, por favor, leve esse
resultado logo na secretaria‖, ela mandou levar, ele tava lá, assinou, e eu saí
correndo de lá pra me inscrever, nesse tempo a inscrição do vestibular se
fazia lá naquele col... naquele prédio ―x‖ com a reitoria, da Universidade, na
Praça Gonçalves Dias, você sabe, um prédio de freiras, já funcionou também
pró-reitoria lá, funcionava aqui a inscrição do vestibular, e eu corri aqui do
Liceu a pé, fui correndo, correndo, quando eu cheguei o rapaz disse, ―olha,
chegou na hora, tá encerrando, daqui há pouco encerra‖, aí me inscrevi, aí fiz
o vestibular pra Direito, passei, foi ótimo! Era um sábado, seguramente era
um sábado, e eu dali do Liceu corri para o Largo dos Remédios a pé para me
inscrever no vestibular, na undécima hora. Eu me inscrevi e fui aprovado em
oitavo lugar sem haver feito cursinho, eu não fiz cursinho nenhum, fui
aprovado.

A experiência da graduação em direito e as relações com a universidade foram


então marcadas pela aproximação histórica entre as duas instituições, a Academia e a
Universidade, desde sua fundação. Como chama a atenção Jomar, a Faculdade de
Filosofia, com os cursos de Letras, História e Filosofia, foi fundada com o auxílio da
Academia, tendo sido a sua primeira aula ali, ministrada por um Acadêmico da AML.
Com a junção dos cursos de Direito e Odontologia, posteriormente, foi instituída a
Universidade Católica, que se tornou Universidade Federal do Maranhão. O primeiro
acervo da biblioteca universitária foi uma doação da Academia, que desse modo
contribuiu para seu reconhecimento formal como instituição de ensino superior.
Se do ponto de vista da sua experiência escolar e profissional Jomar encontrava-se
distante da Universidade, por outro lado, atentando às suas relações pessoais e à rede de
contatos costurada em sua aproximação e ingresso na Academia, ele e a Universidade
estavam muito próximos. Chegou a ser membro do Consun – Conselho Universitário –
antes mesmo de ingressar na faculdade, na sua condição de acadêmico. A
representatividade da Academia nesse conselho, criada durante a gestão do reitor
Ribamar Carvalho, amigo de Jomar, tem como base a importância atribuída à Academia
para a fundação da universidade.
Jomar teve como professores dois futuros Acadêmicos da AML, Antenor Bogéa
e Alberto Tavares. Um de seus colegas de turma, Lourival Serejo, foi empossado na
AML, em 2004. Fenando Perdigão, outro Acadêmico, também foi professor de Direito.
Era seu cunhado, casado com uma de suas irmãs mais velhas, filhas do primeiro
casamento de seu pai. O professor Cabral, seu grande amigo, foi reitor da UFMA e
tornou-se membro da Academia em 2001.

81
Podemos notar que, à exceção dos professores Antenor Bogéa e Fernando
Perdigão, Jomar Moraes já compunha o corpo da AML quando na eleição e posse dos
demais citados, participando, portanto, do processo de escolha dos referidos nomes
como novos membros. Também se destaca a relação entre ter sido fundador da
Universidade e ter ingressado na Academia, esta funcionando como uma espaço de
consagração daqueles.
Eu tenho, ainda tenho hoje, um bom relacionamento com colegas, um deles...
Alguns se destacaram, da minha turma um colega tornou-se Desembargador,
que é Lourival Serejo, diversos colegas são Juízes, Promotores,
Procuradores... Muita gente se dis... Outros Advogados, exercendo a
profissão liberal. Recentemente, este ano, mês passado [estávamos em
08/2011], nós nos reunimos na Igreja de... dos Remédios pra celebrar uma
missa pros 35 anos de nossa formatura. Era uma turma boa, chamada San
Martin Savaia, chamava San Martin em homenagem a um colega nosso que
morreu durante o curso, morreu tragicamente num desastre de avi...
automotivo. Foi isso, mais ou menos. Me dei com eles, agora, não fiz, de um
modo geral, relações muito estreitas, porque havia uma certa, um
distanciamento etário de mim para a maioria da minha turma. Eu era bem
mais velho do que os meus colegas. Meus colegas tinham em média 18, 19,
20 anos. Eu tinha 35 e era casado. Quer dizer, havia alguns também com a
minha idade, alguns até mais velhos, mas era, isso era um grupo pequeno. Eu
me relacionei bem com eles, mas não fiz aquela amizade muito próxima que
os colegas realmente fazem quando são da mesma idade, têm os mesmo
objetivos. Eu estudei já tendo outros objetivos. Tive bons professores,
saudosos, entre eles o professor Doroteo Ribeiro e entre eles o professor, meu
amigo, Alberto Tavares, Diretor do... Professor de Direito Penal, professor
Dionísio Nunes, que já morreu, mais ou menos por aí... Meu Diretor, meu
primeiro Diretor foi o professor Antenor Bogéa, Diretor da Faculdade. E eu
comecei estudando ainda no prédio defronte do teatro da Rua do Sol, que era
ainda a sede da Faculdade, depois o curso se transferiu para o campus, é
como hoje está. A convivência hoje é pequena. Dos meus colegas eu tenho
um que é da Academia, Lourival Serejo, conheço, é maior a convivência
porque vive na Academia, eu fui um entusiasta da eleição dele, da Academia,
ele até vem aqui aos domingos geralmente, a gente é muito amigo. Os
outros... Cada um a vida deu destino a cada um... Tem professores, o
professor Alberto é da Academia, professor Antenor Bogéa era da Academia,
mas colegas de turma apenas o Lourival.

Jomar, embora não tivesse um relacionamento muito próximo com os colegas de


sua turma no curso de Direito, como menciona, foi escolhido como orador na ocasião da
formatura. Uma honraria, e provavelmente um reconhecimento do grupo de uma
condição homóloga ali presente, a solenidade da formatura e a figura representativa da
AML na pessoa do Jomar, em que se pressupõe uma postura de distinção e uma
familiaridade com o pronunciamento de discursos, próprias do fazer de um acadêmico.
Fiz o curso de Direito, fui o orador de minha turma e orador de todos os
formandos também, porque nesse tempo ainda as formaturas da UFMA, em
São Luís, que era a única Universidade aqui, era um fato social muito
relevante. Dia de formatura na Universidade todo mundo sabia, os jornais,
televisão, tudo dava, era uma festa importante na cidade. E eu fui escolhido.
Eu estava ausente na reunião pra escolher o orador da turma, eu fui

82
escolhido. E ausente também estava da reunião em que as turmas todas se
reuniram pra escolher o orador da turma, eu também fui escolhido o orador
da turma. Graças a deus tenho essa honra, e fui. Formei-me em Direito,
houve a grande solenidade, isso em 1976, foi... Eu tinha 36 anos.

Durante o curso de direito era ainda funcionário dos correios, à disposição do


Estado, quando ocupou os cargos comissionados de Diretor da Biblioteca Pública do
Estado, Diretor do Departamento de Assuntos Culturais da Fundação Cultural do
Maranhão, e do Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado – SIOGE. Sai dos
correios quando é aprovado em concurso para Fiscal de Rendas do Estado.
Do correio eu saí para exercer alguns cargos em comissão, entre eles de
Diretor do Serviço de Administração Geral do Serviço de Educação, depois
eu fui Diretor da Biblioteca Pública Benedito Leite, cargo de comissão, sendo
Postalista, estava à disposição do Estado, e deixei os correios quando fiz um
concurso pra Fiscal de Rendas, esse cargo que hoje, me parece, é chamado de
Auditor Fiscal do Estado. Eu passei nesse concurso, deixei o correio, e exerci
esse cargo de Fiscal de Rendas. Também exerci pouco tempo. Quando eu
assumi fui para Imperatriz, passei um tempinho lá, voltei, mas também passei
muito tempo à disposição de outros órgãos, quer dizer, sou Fiscal de Rendas
do Estado, mas eu saí da Secretaria e fui ser Diretor do SIOGE, Diretor do
Departamento de Assuntos Culturais da Uni... da Fundação Cultural, e de... E
daí... Depois, fui pra Universidade Federal, lá eu fui Diretor do Departamento
de Assuntos Culturais, depois eu me tornei Advogado da Universidade, e esse
cargo de Advogado, parece que nos anos 90 foi transformado em Procurador.
Fiquei lá até... Parece que 96..., não, até 2006, foi quando eu adoeci. Eu tive
um AVC, aí não voltei mais ao trabalho. Fiquei até cair na ―compulsória‖, eu
me aposentei por invalidez e também pela compulsória, depois. Minha vida
funcional é mais ou menos isso.

Ao longo das conversas com Jomar, podemos perceber o quanto o acadêmico


valoriza a decisão de construir uma carreira, o que se mostra coerente com toda uma
narrativa de si marcada por relatos de superação, esforço – ―Eu não sei se eu sou
inteligente, mas eu sou pelo menos aplicado, eu fui aplicado‖ –, persistência e
conquistas gradativas. Se por várias vezes ocupou cargos comissionados, ou seja, cargos
que pressupõem a mobilização do capital de relações que detinha, por outro lado,
sempre se apoiou em seu próprio esforço, ―fazendo-se por si‖ através da aprovação em
concursos. Assim como recusa a oferta de seu pai de um emprego conseguido através de
um ―favor‖, preferindo incorporar-se à polícia, do mesmo modo não lamenta ter perdido
a função de estafeta, que resultava das influências da prima de sua esposa, nos correios
– ―Pois bem, eu não consegui ser estafeta do correio, a coisa engraçada da vida é isso, aí
fui ser Postalista, que é uma coisa muito superior, por concurso‖.
A valorização da carreira e das características relacionadas à autodisciplina,
persistência e autocrítica, é mencionada diversas vezes, de formas mais ou menos

83
explícitas, e essa ciência de seus objetivos e investimentos se manifesta em uma
sobriedade nos relatos, cujo tom transita entre a deferência e a altivez.
Quando eu comecei no primeiro dia do curso de Direito, eu já era membro da
Academia Maranhense de Letras, tinha livros publicados, já era, portanto, um
nome... mesmo sem querer ser, eu era, era conhecido. Mas eu sempre me
comportei como aluno, nunca quis fazer um papel diferente desse. [...] nunca
fui desrespeitoso, embora muitas vezes havia muitos professores que
reconhecidamente sabiam muito menos do que eu! Mas eu não os
desrespeitava, não os punha a prova, às vezes eles estavam falando besteira,
falando coisa errada, eu ficava calado. E ficava, me comportava muito bem
no papel de aluno. Eu acho que a pessoa deve conhecer o seu lugar, né.
Na verdade eu acho que eu, eu sou um pouco diferente dos meus irmãos, eu
fiz uma carreira [...]. Porque a gente na vida faz um pouco, muito da nossa
vida é feito por nós mesmos. Às vezes a gente nem quer, nem tem
consciência do que tá fazendo, mas faz, não é?
eu sempre fui muito cioso do meu papel. Eu apesar de humilde eu nunca fui
servil, nunca fui capacho, [...] também não fui metido a besta.
Eu não, não... não subo nas tamancas achando que eu sou aquilo ou aquilo
outro, eu tenho dimensão de relatividade.
modéstia à parte, uma coisa que sempre me favoreceu foi uma certa dose de
autocrítica, eu sei mais ou menos o que eu não sou e, por isso, termino
sabendo o que eu sou‖.

Nos postos ocupados, buscou ascender profissionalmente, visando os mais altos


estágios. De soldado da polícia, investe gradativamente em alcançar o posto de 3º
sargento, ―E aí eu cheguei ao ‗alto posto‘ de terceiro sargento, foi o que eu consegui
ser...‖. E menciona ter tido o desejo, após formar-se em direito, de alcançar a posição de
juiz.

Quando eu ingressei na polícia, eu tive uma impressão de que eu iria


permanecer lá, e até me entusiasmei, e por um tempo sonhei em ser... fazer
carreira, em ser Oficial da polícia, mas depois eu tomei consciência que a
polícia não oferecia perspectivas boas. Nesse tempo a polícia era mal
remunerada, muito mais mal remunerada do que hoje. Hoje eu não sei como
é que está, mas parece que ganha pouco, né? Mas eu me lembro que nós
éramos tão mal remunerados que... Eu não sei se o ordenado da polícia era
pequeno, ou se o salário mínimo era grande, eu sei que nós não ganhávamos
mais de um salário mínimo, então... bem abaixo do salário mínimo, então, eu
tive um tempo que ganhar um salário mínimo era uma aspiração da vida.
Digo, ai meu deus, se eu ganhasse um salário mínimo eu era um homem
feliz! A gente tem as aspirações da gente. E houve um tempo em que ser
Cabo da polícia foi um grande sonho meu também. Quando eu tava fazendo o
curso, eu pensava, poxa, se eu passar nesse curso eu serei Cabo! Quer dizer,
era um sonho. Uma espécie de sonhar ser General. Cabo da polícia, todo
mundo tem sonhos... isso é muito relativo. Depois eu vi que não era lá que eu
devia ficar. Aí comecei a fazer... fiz esse concurso para o correio, e fui
aprovado...

Eu tive vontade de ingressar na magistratura, eu tinha muita vontade de ser


juiz. Mas fui vendo, eu, pai de família, já com família, eu fui ver que o que
pagavam a um juiz não era o suficiente pra sustentar a minha família [...] eu
teria que fazer sacrifícios que eu não fazia com o emprego que eu tinha. Por
isso eu não satisfiz à vontade de ser juiz. Hoje a magistratura remunera

84
relativamente bem, mas naquele tempo era uma coisa muito desigual, era
muito... pagava muito mal. Tanto a magistratura quanto o Ministério Público.

Aposentou-se como Procurador federal, cargo originado de um convite de José


Maria Cabral, que, no período em que foi reitor da UFMA, chamou o amigo Jomar a
ocupar o cargo de Advogado da Universidade, cargo transformado posteriormente em
Procurador federal.
Nesses termos, a conquista de uma cadeira na AML, condição que lhe trouxe em
cadeia um conjunto de oportunidades promissoras, é narrada como um dos mais
importantes feitos em sua trajetória, e chega a mencioná-la como algo impensado, ―foi
uma coisa que eu nunca imaginei, um salto mesmo‖, o que pareceria uma contradição.
Possivelmente Jomar refira-se assim a este fato considerando que de todas as sias
investidas, muitas delas exitosas, essa fosse a menos certa, a que dependeu mais
nitidamente de fatores ―externos‖ a ele, além de seus esforços de escrever, obter
premiações, fatores decorrentes da dinâmica do espaço social em que se inseria, em que
sua posição parecia frágil e seu poder de intervenção restrito. Mesmo o fato de ter
parentes seus membros da AML não lhe era um trunfo, pois Jomar não mantinha
relações próximas com essa parte da família, posto que seu pai, primo de Nascimento
Moraes – ―Sim, do lado de meu pai tinha esse pessoal. Eu sou sobrinho de Nascimento‖
–, mantinha-se distante dos parentes, vivia no interior, tendo ainda abandonado o
primeiro casamento.
Mas enfrentamos um preconceito de família muito grande, naquele tempo,
quase tudo mudou agora, né, nós éramos os ―bastardos‖ e eles eram filhos
da... nós éramos ―filhos da puta‖ e eles ―filhos de família‖, né. Aí, as filhas de
meu pai, as duas, Gisa nem tanto, mas Joina era muito preconceituosa, muito
metida a besta, muito bonita também. E foi uma dama da alta sociedade do
Maranhão e São Luís, Joina Moraes, Joina Moraes Perdigão. Meu pai morava
aqui, mas ela não falava com meu pai, não se dava com meu pai, ficou com
ódio porque achava que meu pai largou a mãe dela, não sei o que... disse que
ele foi se meter com uma ―caboca‖ de Guimarães.

Jomar fez ainda várias especializações, entre elas o curso de radio, tv e


propaganda – ―esse curso começou com uns trinta e tantos alunos e terminou apenas
com dois, comigo e uma colega, Dona Élia, só nos dois, demorou tanto que os outros
foram deixando, deixando... nós dois concluímos o curso‖ –, direito empresarial, direito
da carreira, além de ter iniciado a graduação em biblioteconomia e o mestrado em
direito, migrando depois para o mestrado em história, o qual concluiu, em 2002.
Como escritor, tem uma vasta publicação, além de ser um dos mais atuantes editores no
Estado, participando destas obras na produção de introduções, prefácios e notas. O

85
SIOGE, sob sua gestão, foi uma importante ferramenta de publicação de obras literárias
maranhenses, sendo este o período de maior atividade do órgão42. Foi também
presidente da Academia Maranhense de Letras por 22 anos consecutivos, período em
que esta instituição publicou intensamente. Acerca de sua gestão, Jomar nos mostra com
satisfação um discurso proferido por José Sarney em uma solenidade de posse na AML,
em que este o cita de forma honrosa:
Aí, eu que pensava que não entrava na Academia, terminei sendo presidente
da Academia por 22 anos. Por favor, leia isso... A praxe da Academia é de
quem toma posse faz o discurso e no fim é saudado por um acadêmico... Ele
foi saudar o Joaquim Campelo, mas fez menção... leia, por favor, alto.
―Começo, com a permissão do nosso novo confrade prestando minha
homenagem a Jomar Moraes, que em breve deixa a presidência da Academia,
cargo em que exerceu notável gestão. Ele é um grande credor de nossa
gratidão pela dimensão que deu à casa em tantos anos de dedicada atuação,
pela administração que empreendeu levando à Academia projeção e espaço
como o maior centro de defesa e guardiã da tradição cultural do Maranhão,
estado onde as coisas do espírito estão acima de todas as outras. Não tenho
dúvida em afirmar que na história da Academia Maranhense de Letras Jomar
Moraes foi um dos maiores e melhores presidentes que tivemos, aliando o
zelo pela casa a uma sólida cultura, historiador e humanista que é com lugar
consagrado e destacado em nossas letras. Tenho a autoridade de quem há 40
anos, em 1966, teve a honra de também presidir esta Academia por 4 anos‖.

As situações de entrevistas, quando era frequente Jomar receber ligações e


visitas de intelectuais e políticos, muitos deles à procura de informações sobre história
do maranhão, sobre a academia e muito frequentemente solicitando o seu trabalho de
editor ou consultando o andamento de edições, toda essa movimentação confirma a
posição de Jomar como uma espécie de ―operário das letras‖, alguém que se destaca
pelo grau de dedicação e atividade empregada em sua atuação no meio literário, sendo
por isso muito reverenciado entre estes que o procuram.
Jomar construiu-se tomando o gosto pelo desafio como um trunfo, um incentivo,
desde a infância em sua relação com o pai. Desafiar o pai não implica exatamente em
negá-lo, negar sua herança. Como destaca Bourdieu, transmitir uma herança e ser um
herdeiro constituem-se como condições sociais que se completam, caracterizadas pelo
conflito e pelo contraditório em nome da sucessão de uma ordem.
O pai é o sujeito e o instrumento de um ―projeto‖ (ou, melhor, de um
conatus) que, estando inscrito em suas disposições herdadas, é transmitido
inconscientemente, em e por sua maneira de ser, e também, explicitamente,
por ações educativas orientadas para a perpetuação da linhagem (o que, em
certas tradições, é chamada ―a casa‖). Herdar é transmitir essas disposições
imanentes, perpetuar esse conatus, aceitar tornar-se instrumento dócil desse

42
A Imprensa Oficial do Maranhão foi fundada em 1900. Tornou-se Diário Oficial em 1905, tendo sua
primeira publicação em 1906. Em 1947 é denominado SIOGE, e extinto por decreto governamental em
1995.

86
―projeto‖ de reprodução. A herança bem-sucedida é um assassinato do pai
consumado a partir de sua própria injunção, uma superação dele destinada a
conservá-lo, manter seu ―projeto‖ de superação que, enquanto tal, está na
ordem das sucessões (BOURDIEU, 2007, p. 232).

No caso de Jomar, desafiar o pai é também desafiar o mundo, uma ousadia com
caráter de continuidade, como uma herança, já expressa no espírito aventureiro do pai,
que ao desafiar a ordem do mundo foi submetido e submeteu a família à insegurança
financeira – ―era aquele sonhador, ele dizia ‗em tal lugar tem muito... é muito bom pra
viver lá, corre dinheiro lá‘, ele era... meio doido, ele fazia assim uma ideia que parece
que a gente achava dinheiro na rua‖. Jomar também desafiou a ordem que impõe uma
educação formal para a ocupação de determinadas posições sociais, tendo então que se
submeter à mesma, fazendo os cursos e exames tardiamente. O acadêmico é uma
continuidade do projeto do pai, ao herdar a ousadia de ―ser diferente‖, e também é a
expressão clara do êxito desse projeto, quando torna-se um erudito publicamente
reconhecido, como desejou seu pai ao tentar educá-lo por conta própria e quando
imagina seu filho na Academia.
Sua ousadia permanece, quando faz questão de, na condição de figura pública
representante de uma posição erudita, faz questão de usar as formas mais coloquiais de
expressão durante as entrevistas. Nos dois casos, tanto para o pai como para o filho,
desafiar a ordem se configura não só como um ato dotado de algum heroísmo da
ousadia, mas especialmente como uma condição possível: exitosa em determinadas
condições, punida socialmente em outras.

87
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da recomposição dos elementos mais significativos elencados por Jomar


Moraes, no intuito, compreendido analiticamente como não calculado ou cínico, de
conferir a si próprio uma coerência retrospectiva e prospectiva de sua ―biografia‖,
pretendemos identificar as relações existentes entre o interesse desinteressado que
fundamenta suas conexões lógicas, ideologicamente elaboradas, e as posições que ocupa
Jomar Moraes, num movimento de análise sincrônica e diacrônica ligada à sua trajetória
no espaço intelectual maranhense.
Neste sentido, alguns objetivos orientaram esta investigação, a saber: 1)
Compreender os diferentes momentos biográficos em destaque a partir das colocações e
deslocamentos operados pelo agente em questão, em correlação com os sucessivos
estados de distribuição dos diferentes tipos de capital que estiveram em jogo no espaço
social em questão; 2) Identificar o conjunto de relações objetivas a que Jomar Moraes se
vinculou, sejam por alianças ou disputas; 3) Apurar quais recursos em jogo estavam em
processo de desvalorização e valorização, identificando quais agentes investiam nestes
tipos de recursos, destacando as posições ocupadas por Jomar Moraes como referência e
auxílio demonstrativo destes processos em análise.
A dedicação a estas dimensões teve por objetivo a elaboração da superfície
social em que se desenvolve a trajetória social de Jomar Moraes, o que nos permitiu
demonstrar com maior rigor e distanciamento epistemológico o processo de constituição
da personalidade a que se refere o nome próprio Jomar Moraes, subvertendo-se desta
feita a primazia das impressões ideológicas centradas na essencialização do nome
próprio pela objetivação da constituição social de sua individualidade biológica,
identificando o valor relativo do conjunto de atributos e recursos investidos em sua
atuação num determinado espaço social.
A orientação deste trabalho se deu, portanto, de uma percepção
macrossociológica – atenta aos condicionantes sociais que incidiram sobre as
possibilidades de atuação social de Jomar Moraes, engendradas por um espaço analítico
por nós construído a que denominamos espaço intelectual maranhense, compreendido
por um conjunto de 37 agentes que ingressaram na carreira literária entre os anos de
1945 a 1964 – a outra, microssociológica, atenta às lógicas de constituição e
acionamento das disposições internalizadas por este agente, herdadas e adquiridas ao
longo da sua trajetória. Nosso intuito foi demonstrar, através da ênfase sobre um agente,

88
a relação dialética entre os estados ―dobrado‖ e ―desdobrado‖ do que comumente se
compreende por ―biografia individual‖, entendendo o indivíduo como um produto da
dinâmica social, ou seja, da dinâmica entre indivíduos constituídos historicamente e
submetidos às lógicas instituídas também por um processo histórico, superando o que na
prática se convencionou tomar por noções dicotômicas entre indivíduo e sociedade (Cf.
SERRA, 2012).
Tal empreendimento, embora munido de instrumentos de pesquisa, produção e
análise de dados, entre eles a consulta a fontes textuais, a produção de quadros
sinópticos e a realização de entrevistas, buscando assim elaborar um espaço social a ser
analisado, e nele a trajetória de um indivíduo, não pretende esgotar o levantamento e a
discussão dos elementos em processo, os quais são tomados nesse trabalho como objeto.
Um conjunto de fatores macro e microssociológicos intervêm sobre o problema
analítico e não foram identificados ou considerados na presente pesquisa.
Conclui-se que o ingresso e permanência no espaço intelectual maranhense, que,
como vimos, está imbricado a outras dimensões que com ele se cruzam, destacadamente
o espaço político, têm estabelecidas regras específicas com as quais os agentes operam e
disputam. O reconhecimento dessas regras não implica a negação de possibilidades e
casos atípicos, ao contrário, evidencia o nível de rigidez das mesmas e as subversões
possíveis compreendidas a partir da análise de trajetórias destes agentes. Mais do que
como subversões, essas brechas expostas ao analisarmos os casos tidos como
improváveis podem ser entendidas como exemplos do grau de complexidade e de
interdependência social até então não observados.
Importa ainda indicar aqui como os resultados obtidos até essa etapa apontam
indícios a serem explorados em trabalhos posteriores. Uma dessas indicações de
pesquisa corresponde a um banco de dados elaborado a partir do acesso e digitalização
de documentos do arquivo pessoal de Jomar Moraes. São cartas, convites, cartões,
declarações e fotografias que apontam uma rede de relações bem mais ampla que
envolve o círculo de contatos e amizade do escritor, e também das instituições a que
representa, especialmente a Academia Maranhense de Letras. Outra hipótese a ser
investigada e que surge da pesquisa aqui apresentada diz respeito ao papel de Jomar
Moraes como eixo em torno no qual se configura o que poderia ser chamado
inicialmente de mercado editorial maranhense.

89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. A Ideologia da Decadência: leitura antropologia
a uma história da agricultura no Maranhão. Rio de Janeiro: Editora Casa 8/FUA, 2008.
ANJOS, José Carlos dos. Intelectuais, literatura e poder em Cabo Verde. UFRGS,
PPGAS, Tese de Doutorado, 1998.
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma
psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BADIE, Bertrand & HERME, GUY. Las dinámicas huerfanas. In: Política comparada.
México: Fondo de Cultura Econômica, 1993.
BOISSEVAIN, Jeremy. ―Coaliciones‖. In: SANTOS, Félix Requena. Análisis de redes
sociales. Barcelona: Siglo Veintiuno, 2003.
BORRALHO, José Henrique de Paula. Terra e céu de nostalgia. São Luís: Café e
Lapis, 2001.
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: Razões práticas: sobre a teoria da ação.
Campinas: Papirus, 1996.
____________. Leitura, leitores, letrados, literatura. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas
Ditas, São Paulo: Brasiliense, 2004.
____________. A representação política. Elementos para uma teoria do campo político.
In: BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
____________. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP; Porto
Alegre: ZOUK. 2007 (Introdução e primeira parte, pp. 9-94).
____________. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
____________. Crítica da razão teórica. In: BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Rio
de Janeiro: Vozes, 2009.
____________. Sobre o poder simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico,
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
____________. As contradições da herança. In: CATANI, Afrânio; NOGUEIRA, Maria
Alice. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007.
CHARLE, Christophe. Situation spatiale et position sociale: essai de géographie sociale
du champ littéraire àla fin du 19e siécle. In: Actes de la Recherche em Sciences
Sociales, année 1977, volume 13, numéro 1 (pp. 45-59).
____________. Prosopografia ou biografia coletiva: balanço e perspectivas. In: Por
outra história das elites. Flavio Heinz (org.) Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
CORADINI, Odaci Luiz. As elites como objeto de estudo. In: Estudos de grupos
dirigentes no Rio Grande do Sul: algumas contribuições recentes. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2008.
____________. Múltiplas Dimensões de uma agenda comum de Pesquisas: Elites,
Profissionais e Lideranças políticas‖. In : GRILL, Igor Gastal; REIS, Eliana Tavares
dos; BARROS FILHO, José. Elites, Profissionais e Lideranças Políticas: pesquisas
recentes. São Luís: EDUFMA, 2008.
____________. As missões da “cultura" e da "política”: confrontos e reconversões de
elites culturais e políticas no Rio Grande do Sul (1920-1960). Rio de Janeiro: Revista
Estudos Históricos, n° 32, 2003, p. 125-144.
ELIAS, Norbert. Envolvimento e distanciamento. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1997.
ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Portugal: Edições 70, 1999.

90
FOUCAULT, Michel. Sobre a arqueologia das ciências: resposta ao círculo
epistemológico. In: Estruturalismo e teoria da linguagem. Rio de Janeiro: Vozes, 1971
(pp. 9-55).
____________. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
GRILL, Igor. As Bases Sociais da Especialização Política no Rio Grande do Sul e no
Maranhão. In : GRILL, Igor Gastal ; REIS, Eliana Tavares dos ; BARROS FILHO ;
José. Elites, Profissionais e Lideranças Políticas : pesquisas recentes. São Luís:
EDUFMA, 2008.
GRILL, Igor & REIS, Eliana T. Letrados e Votados: Lógicas cruzadas do engajamento
político no Brasil. In: Revista Tomo, n° 13, 2008 (pp. 127-168).
____________. O que escrever quer dizer na política? Carreiras políticas e gêneros de
produção escrita. São Luís: Revista Pós Ciências Sociais, 2012.
GRILL, Igor; BARROS, José; LIMA, João; ARAGÃO, Elthon; SANTOS, Dayana
(orgs.). Eleições municipais no Maranhão: bases sociais, das candidaturas,
especialização política e redes de relações. São Luís: EDUFMA, 2010.
GOLDMANN, Lucien. A sociologia do romance. São Paulo: Paz e Terra, 1976.
HEINICH, Nathalie. A Sociologia da Arte. São Paulo: EDUSC, 2008.
HUGES, Everett C. Ciclos, pontos de inflexão e carreiras. In: Teoria & Pesquisa, n° 48,
janeiro, UFSCar: Universidade Federal de São Carlos. (Tradução de Celso Castro de :
Cycles, Turning Points, and Carreers. In The Sociological eye: selected papers on
instituitions and race. Chicago, Aldine Athernon, 1971, pp. 124-131).
KONDER, Leandro. Sobre o amor. São Paulo: Boitempo, 2007.
KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
LAHIRE, Bernard. Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à
escala individual. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 49, 2005, p. 11-42.
LANDÉ, Carl. Introduction: the dyadic basis of clientelism. In: SCHMIDT, S.W. et alli.
(Eds.). Friends, Followers and Factions. A Reader in political clientelism. Berkeley,
University of California Press, 1977a (em português).
LENOIR, Remi. “Objeto sociológico e problema social”. In: CHAMPAGNE, Patrick
et alii. Iniciação à prática sociológica. Rio de Janeiro: Vozes, 1998 (pp. 59- 106).
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: formação e razão da troca nas sociedades
arcaicas. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify,
2003.
MICELI, Sergio. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945). In: MICELI,
Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. (pp. 69-292).
____________. Poder, sexo e letras na República Velha (estudo clínico dos
anatolianos). In: MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. (pp. 13-68).
____________. Jorge Luís Borges: a trajetória social de um escritor nato. In: Novos
Estudos Cebrap, n° 77, 2007 (pp. 155-182).
NEIBURG, Federico. “O naciocentrismo das ciências sociais e as formas de conceituar
a violência política e os processos de politização da vida social”. In: NEIBURG,
Federico. Et alii. Dossiê Norbert Elias. São Paulo: USP, 1999b. (pp. 37-62).
NERIS, Wheriston S. As bases sociais de recrutamento da elite eclesiástica no Bispado
do Maranhão (1850-1900). Dissertação de mestrado defendida no PPGCS da UFMA,
2009.
____________. O sacerdote paradigma: a trajetória do padre Raimundo Alves da
Fonseca. São Luís: Café e Lápis, 2011.
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São
Paulo: Ática, 1990.

91
PEREIRA, Ariel T. Um espectro ronda a Ilha: o comunismo na imprensa de São Luís
(1935-1937). Dissertação de mestrado defendida no PPGCS da UFMA, 2010.
POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. In: Estudos Históricos, vol 2,
nº3, Rio de Janeiro: Vértice, 1989.
REIS, Eliana T. dos. Juventude, Intelectualidade e Política: espaços de atuação e
repertórios de mobilização no MDB gaúcho dos anos 70. Dissertação de Mestrado
defendida no PPGCP da UFRGS, 2001.
____________. Contestação, Engajamento e Militantismo: da ―luta contra a ditadura‖ à
diversificação das modalidades de intervenção política no Rio Grande do Sul. Tese de
Doutorado em Ciência Política/UFRGS, 2007.
____________. Envolvimento e distanciamento: obstáculos e procedimentos para a
análise dos processos de afirmação ―política‖ e ―intelectual‖ de militantes da ―luta
contra a ditadura‖. IV Simpósio nacional: Estado e Poder: intelectuais. São Luís:
UEMA, 2007b.
____________. Referencial e mediação na produção de políticas públicas para a
cultura no Maranhão. 33° Encontro anual da ANPOCS, 2009.
SAPIRO, Gisèle. Elementos para uma história do processo de autonomização: o
exemplo do campo literário francês. In: Tempo Social: USP, 2004 (pp. 94-104).
SERRA, Elizabeth de O. Configurações sociais e constituição de si: aportes teóricos
para uma psicologia social em perspectiva relacional. Monografia de conclusão do curso
de Psicologia Universidade Federal do Maranhão, 2012.
SIGAL, Silvia. ―Introdução: Intelectuales, cultura y política‖. In.: SIGAL, Silvia.
Intelectuales y poder em Argentina em la década del sesenta. Argentina: Siglo
veintiuno de Argentina Editores, 2002 (pp. 1-17).
SILVA, Franklin L. Intelectuais e política no Maranhão: perfis sociais e posições no
espaço literário maranhense (1945-1964). Monografia de conclusão de curso em Ciências
Sociais. Universidade Federal do Maranhão: São Luís, 2010.
SORÁ, Gustavo. Brasilianas: José Olympio e a gênese do mercado editorial brasileiro.
São Paulo: Edusp / ComArte, 2010.
WACQUANT, Loïc. Mapear o campo artístico. In: Sociologia, problemas e práticas, n°
48, 2005 (pp. 117-123).
WOLF, Eric. Aspectos das relações de grupos em uma sociedade complexa: México. In:
WOLF, Eric. Antropologia e poder: contribuições de Eric R. Wolf. RIBEIRO, Gustavo
Lins, BIANCO, Bela Feldman (Orgs.). Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Imprensa Oficial;
Campinas: Ed. Unicamp, 2003.

LISTA DE FONTES UTILIZADAS

LIVROS E ARTIGOS
Antologia da AML, 1908-1958. AML: São Luís, 2008.
ALMEIDA, Zafira da Silva de. Gênese da Academia Maranhense de Ciências. São Luís:
Editora UEMA, 2009.
BRASIL, Assis. A Poesia Maranhense no Século XX. SIOGE/Imago: São Luís, 1994.
CORRÊA, Rossini. O Modernismo no Maranhão. Corrêa & Corrêa Editores: Brasília,
1989.
_____________. Atenas brasileira: a cultura maranhense na civilização nacional.
Thesaurus; Corrêa & Corrêa: Brasília, 2001.
COUTINHO, Milson. A presença do Maranhão na Câmara dos Deputados (1826-
2006). Editora Legenda: São Luís, 2007.
92
CRUZ, Arlete Nogueira da. Nomes e Nuvens. Unigraf: São Luís, 2003.
DINO, Sálvio. A Faculdade de Direito do Maranhão (1918-1941). EDUFMA: São Luís,
1996.
GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. José Olympio Editora: Rio de Janeiro, 2004.
LEÃO, Ricardo. Tradição e ruptura: a lírica moderna de Nauro Machado. Fundação
Cultural do Maranhão: São Luís, 2002.
Livro do Centenário da AML (1908-2008). Edições AML: São Luís, 2009.
MACHADO, Nauro. Trindade Dantesca. Unigraf: São Luís, 2008.
MEIRELES, Mário M. O ensino superior no Maranhão. In: MEIRELES, Mário M. Dez
estudos históricos (coleção documentos maranhenses). Alumar: São Luís, 1994 (pp. 45-
94).
_____________. Apontamentos para a história da Farmácia no Maranhão.
UFMA/CAPES: São Luís, 1982.
MOHANA, João. A grande música no Maranhão. SECMA: São Luís, 1995.
MORAES, Jomar. Perfis Acadêmicos. Edições AML, 1993.
_____________. Jomar. Cousa alguma... & + alguma coisa de;/sobre Vespasiano
Ramos. s/d (no prelo).
_____________. Feira Minguante. Artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Alternativo, jornal O Estado do Maranhão (17 de novembro de 2010).
_____________. Perfis Acadêmicos. Edições AML, 1987.
_____________. Guia de São Luís do Maranhão. s/d.
_____________. Apontamentos de literatura maranhense. SIOGE: São Luís,
MENEZES, Flaviano. Opinião de pedra: Jomar Moraes. In.:
http://maranharte.blogspot.com.br/2012/06/opiniao-de-pedra-jomar-moraes.html. Última
consulta em dezembro de 2012.
MORAIS, Clóvis. Terra timbira. Brasília, 1980.
RAMOS, Clóvis. A intelectualidade maranhense: fase contemporânea. Centro Gráfico
do Senado Federal: Brasília, 1990.
Supl. Cult. e Lit. JP Guesa Errante: Anuário: São Luís, n° 3, 2005; n° 5, 2007; n° 6,
2008; n° 7, 2009 e edição 221 de 10 de setembro de 2010.
SILVA, Celeste Amância Aranha e. Jornais maranhenses (1821-1979). Func/Biblioteca
Benedito Leite: São Luís, 1981.

ENTREVISTAS
Entrevistas realizadas com Jomar da Silva Moraes.
Duração: 41‘
Tema: escolarização
Duração: 1h30‘.
Tema: origens familiares.
Duração: 1h13‘.
Tema: Profissões.
Entrevistas realizadas com Nauro Diniz Machado.
Duração: 1h24‘
Tema: dados gerais
Duração: 58‘
Tema: dados gerais

DOCUMENTOS DIGITALIZADOS

Mais de 500 itens, até o momento. Entre cartas, documentos de posse em cargos

93
públicos, correspondências com editoras, Academias e Institutos diversos, oriundos de
outros estados e países. Este material está sendo catalogado e seriado para que eu possa
analisá-lo.

SITES
http://www.academiamaranhense
http://maranharte.blogspot.com.br
http://www.guesaerrante.com.br
http://www.ibge

94
95
ANEXOS

ANEXO I – Documentos acerca da atuação editorial de Jomar Moraes

96
97
98
99
100
101
102
ANEXO II – Número de publicações por editora e seus respectivos estados

Editoras n° de casos Estado


Afluente 3 MA
Agir 13 RJ
ALAB 1 MA
Alcântara 1 MA
Alhambra 2 RJ
AML 7 MA
AML/UFMA 2 MA
Artenova 4 RJ
Ass. Com. Do Maranhão 1 MA
Atelier de Arte 1 RJ
Aurora 1 RJ
Bloch 1 RJ
Cátedra 1 RJ
CCGD 1 MA
CEDIBRA 5 RJ
Civilização 18 RJ
CPAD 1 RJ
DASP 1 RJ
Dep. de Cultura 7 MA
Dep. Univ. de Rádio Imprensa e Livro 1 ??
Difel 1 SP
Do Val 1 RJ
EDUFMA 8 MA
Fernandes Editora 1 MA
Forense 1 MA
FUNC 7 MA
Global 1 SP
Globo 8 RJ
Gráfica Diário do Norte 4 MA
Grêmio Cultural Catulo da P. Cearense 2 RJ
IM 3 MA
Imprensa Oficial 1 MA
Instituto Maria 1 MG
Legenda 14 MA
Letras Espíritas 1 RJ
Loyola 11 RJ
Magnólia 1 MA
Mantiqueira 1 BH
Martins 1 SP
MEC 5 RJ
Meimei 1 MA
Nova Fronteira 3 RJ
Novos Rumos 1 MA
O Cruzeiro 3 RJ
Particular 5 MA
Paz e Terra 1 RJ
Pongetti 14 RJ
Porta de Livraria 3 RJ
Recado 1 MA

103
Record 13 RJ
Revista Branca 2 RJ
Sabedoria 1 RJ
São José 1 MA
São josé (RJ) 2 RJ
Sec. De Cult. Tur. e Desp. 1 CE
SECMA 3 MA
Secretaria da Fazenda 1 MA
SENAC 1 RJ
SENAC 1 MA
Senado Federal 8 DF
SIOGE 36 MA
Tempo Brasileiro 1 RJ
Terceiro Mundo 1 RJ
Tipografia M. Silva 2 MA
Tipografia São José 6 MA
Torrente 1 MA
Triunfo 1 MA
Tupy 1 RJ
Vice-Consulado de Portugal 1 MA
Zahar 1 RJ

104
ANEXO III – Jornais circulantes no Maranhão no período de 1945 a 1964
Título Localização Proprietário
Diário Oficial do Estado do
Maranhão São Luís Jornal oficial do estado
Foram seus Diretores Nery de Medeiros (1914-1915); J. Pires
O Imparcial São Luís (1926-1944); Diários Associados (a partir de 1945)
A Tarde São Luís Antonio Lobo
Diário de São Luíz São Luís J. Pires & Cia
O Trabalho Caxias Órgão da Sociedade União Artística Operária Eleitoral Caxiense
Cidade de Pinheiro Pinheiro Elizabeto Barbosa de Carvalho
O Combate São Luís Lino Machado
Euclides Barbosa (1932-1934); Pe. Clóvis Vidigal (1936-1937);
Jornal de Balsas Balsas Cosme Coelho de Souza (1950)
Órgão dos paroquianos de Caxias. Diretores, Vicente Celestino;
Cruzeiro Caxias Leôncio Magono
A Tarde Carolina Catão Maranhão
O Maranhão São Luís
Diário do Norte São Luís Dr. Maurício Pereira e Antonio Lopes
O Globo São Luís Miécio Jorge
O Irapurú São Luís Órgão Oficial do Centro Cultural Humberto de Campos
Jornal da Sociedade Philomática
Maranhense São Luís Memórias sobre as sociedades literárias, ciências e artes
A Juventude São Luís Órgão da Juventude Democrática
Trabalhista Itapecurú-Mirim
O Clarim São Luís Lago Burnett
O Esporte São Luís José Ribamar Bogéa
Órgão da Juventude Espírita Maranhense. Diretor, Antonio
A Luz São Luís Alves Martins
Malazarte São Luís Órgão do PTB. Diretor, Manoel Nogueira de Araújo
Folha Escolar São Luís Profa. Benedita Rosa Soares e Silva e Elda Archer Serra Martins
Pacoilha, Oglobo Órgão dos Diários Associados
O Povinho Coroatá
Tribuna do Povo São Luís Dra. Maria José Aragão
O Brasil Novo São Luís Órgão do Centro Aluízio Azevedo
Diário Popular São Luís J. Pires
Êxito Codó
Horizonte São Luís Órgão da Agremiação Literária João Lisboa
Jornal de Bolso São Luís Celso Bastos (1950); Luís Rocha (1968-1970)
Jornal do Povo São Luís José Neiva de Souza
Satélite São Luis Órgão de divlgação da Classe Satelista. Diretor, Edgar Pantoja
União São Luís Martins de Araújo e Cláudio Ramos
Folha Estudantil São Luís Órgão do Grêmio Liceísta. Diretor, Aucindo O. Braúna
Jornal Pequeno São Luís José Ribamar Bogéa
O Monitor Codó
Novidades São Luís Antonio Afonso de Freitas
Industrial São Luís Ozandy Teixeira
Informaçao Agrícola São Luís
Órgão do Grêmio Cultural Recreativo Desembargador Joaqum
Nosso Sentir São Luís Santos. Diretor, Luís Augusto Rego
O Popular Coroatá
Resistência São Luís Reginal Telles
Boletim Paroquial Arari
Correio da Semana São Luís

105
Jornal do Dia São Luís Senador Clodomir Millet
Reação São Luís Ney Milhomem
Troféu São Luís Dejar Martins
Fundado, mantido e dirigido pela União Gráfica Ateniense, do
Alvorada São Luís Sanatório Aquiles Lisboa
Órgão do Grêmio Cultural Literário Prof. Paulo Freitas. Diretor,
Arte e Cultura São Luís Teódulo Correia
Correio Esportivo São Luís
Diário de Notícias São Luís
Boletim oficial do Sindicato dos trabalhaores nas indústrias
O Gráfico de Athenas São Luís gráficas de São Luís. Diretor, Sebatião R. e Silva
Jornal do Maranhão São Luís Semanário de orientação católica
Movimento Codó Órgão oficial do Ginásio Codoense. Diretor, Armandino Nunes
Sampaio São Luís Ronald da Silva Carvalho
Tocha São Luís Valdemar Santos
Voz da U. R. E. B. Bacabal
Órgão oficial da União Maranhense dos Estudantes. Diretor,
Voz Universitária São Luís Sálvio Dino
O Cometa São Luís Antonio Augusto Coelho
O Grêmio São Luís Órgão do Centro Caixeral. Diretor, Aykerne Ribeiro
O Motivo São Luís Órgão Espírita
Órgão oficial da UME. Redatores, José Mario Santos; R. Wilson
Universitário em Marcha São Luís Lopes; Clóvis Sena; Sálvio Dino e Mário Leal
Correio de Timom Timo Pe. Delfim da Silva Júnior
Notícias Arari
O Liceu São Luís Órgão oficial do Centro Liceísta
Diário da Manhã São Luís Deputado Newton Belo
O Governo São Luís
Correio do Nordeste São Luís Zuzu Nahuz; Amaral Raposo
Fonte: Silva (1981)

106
ANEXO IV – OCUPAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS E PERTENCIMENTO A
INSTITUIÇOES DE CONSAGRAÇÃO
Ocupou cargos
Nome Instituições
públicos
Manuel Alexandre de Santana Sobrinho Sim AML
Olímpio Martins da Cruz Sim AMT; ALB; CLB; CPB; SHLB – DF
Antenor Mourão Bogéa Sim AML; IHGM
Jamil Jorge (pseudônimo de Jamil Daud
Murad Hiluy) Não AMAI; SLMI; AMI
IHGM; IHCE; IHGPE; IHGPA; IMHM; IGB;
Olavo Alexandrino Correia Lima Sim SVHM
Inácio de Mourão Rangel Sim AML
AML; IHGM; IHGS; IGHPB; IHGB; ALTM;
Mário Martins Meireles Sim APL; ACL; ASL
Oswaldino Marques Sim ABL
Franklin de Oliveira (pseudônimo de José
Ribamar de Oliveira Franklin da Costa) Sim AML
Durval Cunha Santos Sim
José Maria Ramos Martins Sim
Maria da Conceição Ferreira Sim IHGM; LBA
Justo Sebastião Jansen Ferreira Sim
Lucy de Jesus Teixeira Sim AML
José do Nascimento Moraes Filho Sim IHGM; AML; AMC (patrono)
AML; IHGM; CBAL; ALB; FALB; ICE; AJEE;
Clóvis Pereira Ramos Sim ABT
José Pereira Brasil Sim ALB
José Vera-Cruz Santana Sim AML
João Batista Bastos Coqueiro Sim
José Francisco das Chagas Sim AML
João Miguel Mohana Não AML; AMC (Patrono)
Dagmar Destêrro e Silva Sim AML; IHGM; PIM
Maria da Conceição Neves Aboud Não AML
Tobias de Sousa Pinheiro Filho Não
Raimundo Nonato Ferro do Lago Não
Bernardo Coelho de Almeida Sim AML
José Tribuzi Pinheiro Gomes Bandeira
Tribuzi Sim
Osmar Rodrigues Marques Não
José Carlos Lago Burnett Sim AML
José Sarney (José Ribamar Ferreira de
Araújo Costa) Sim ABL; AML IHGM; ACL
José Ribamar Ferreira Gullar Sim
José de Jesus Louzeiro Sim AML
Magson Gomes da Silva Não AML
Nauro Diniz Machado Sim
Venúsia Cardoso Neiva Não
Jomar da Silva Moraes Sim AML; IHGPI; APBL
Fontes: repertórios biográficos
José Maria Nascimento Não

107
ANEXO V – QUADROS SINÓPTICOS

108

Você também pode gostar