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Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Rio de Janeiro
16ª Vara Federal do Rio de Janeiro
AV. RIO BRANCO, 243, Anexo II - 9º Andar - Bairro: Centro - CEP: 20040-009 - Fone: (21)3218-8163 - www.jfrj.jus.br -
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5024804-74.2020.4.02.5101/RJ


AUTOR: MORHAN - MOVIMENTO DE REINTEGRAÇÃO DAS PESSOAS DAS PESSOAS ATINGIDAS PELA
HANSENÍASE
RÉU: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

SENTENÇA

Tipo A

I - RELATÓRIO

Trato de ação civil pública, movida por MORHAN – Movimento de Reintegração


das Pessoas Atingidas Pela Hanseníase, contra a UNIÃO.

A autora objetiva a condenação da ré a conceder o Auxílio Emergencial, a que


aludem a Medida Provisória nº 937/2020 e a Lei nº 13.832/2020, de forma prioritária, “direta” e
com dispensa da inscrição de seus associados, no cadastro único, previsto por tais diplomas.

Como causa de pedir, a autora alega, em síntese, o seguinte: i) a maioria das


pessoas beneficiadas pela pensão especial, instituída pela Lei nº 11.520/2007, são pessoas
idosas, que precisam de cuidados especiais e vivem em condição vulnerável, face ao COVID-
19; ii) diante desse contexto, tais pessoas merecem, ainda, tratamento prioritário, no que atine à
percepção do Auxílio Emergencial de Proteção Social a Pessoas em Situação de
Vulnerabilidade, devido à Pandemia; iii) a percepção da aludida pensão especial não obsta o
recebimento cumulativo da verba ora postulada, em virtude da disposição do art. 2º, §7º, da Lei
nº 13.832/2020; iv) “conforme incansavelmente demonstrado, a União e o Ministério da
Economia devem ser corresponsabilizados pelo pagamento do auxílio, pois no presente caso há
o envolvimento de direitos difusos do grupo associado, os quais busca a sua proteção, em
decorrência do cenário atual de pandemia global, razão pela qual mostra-se perfeitamente
cabível o manejo da presente ação civil pública, como forma de se buscar a intervenção do
Poder Judiciário para a preservação dos bens jurídicos tutelados pela Constituição”.

A petição inicial foi instruída, com o estatuto da autora, instrumento de mandato e


documentos (Evento 1).

A União manifestou-se, sobre o pleito de liminar, no Evento 8. Preliminarmente,


alegou ilegitimidade ativa ad causam, sob o fundamento de ausência de autorização dos
associados, para a propositura da demanda. Quanto ao mérito, a ré pugnou pela rejeição dos
pleitos autorais, sustentando a impossibilidade de concessão automática do Auxílio
Emergencial, sob pena de violação ao Princípio da Separação dos Poderes. Alegou, ainda, ser
inviável a cumulação de tal Auxílio, com a pensão especial, instituída pela Lei nº 11.520/2007.

A réplica, do Evento 10, rebateu as teses defensivas da União, ratificando os


termos da petição inicial.

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O pedido de liminar foi indeferido, no Evento 14.

A contestação, do Evento 25, reiterou os argumentos anteriormente expostos pela


União, no Evento 8.

O Ministério Público Federal opinou pelo julgamento da improcedência dos


pleitos autorais, em sua promoção, do Evento 29.

A autora peticionou, nos Eventos 11, 12, 30, 31, 33, 35 e 37. Anexou documentos
e reiterou seus pleitos de concessão do provimento liminar e de julgamento de procedência.

É o relato do necessário. Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Da alegação de falta de interesse processual de agir.

A ré resistiu, no mérito, à pretensão de recebimento do Auxílio Emergencial, por


parte dos associados da autora, cumulativamente, com o benefício de pensão especial, instituído
pela Lei nº 11.520/2007.

Diante desse contexto, a ausência de prévio requerimento do Auxílio não


descaracteriza a utilidade/necessidade da demanda, dado que a União antecipou a negativa de
eventuais pleitos administrativos, pertinentes à matéria.

Da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, por ausência de autorização


dos associados da MORHAN.

A orientação do julgado do RE 573.232/SC, proferido pelo Supremo Tribunal


Federal, sob a sistemática do Regime de Repercussão Geral, tem aplicação às ações propostas
por associações, tramitadas sob o procedimento comum do Código de Processo Civil.

No que diz respeito à propositura de ações civis públicas, a legitimação ativa ad


causam das associações configura-se pelo preenchimento dos dois requisitos, previstos pelo art.
5º, inciso V, da Lei nº 7.347/1985, a saber: i) constituição, por período mínimo de um ano, e ii)
pertinência temática.

Logo, a ausência de autorização dos associados de MORHAN não vicia a


propositura desta demanda, nos moldes equivocadamente sustentados pela União.

Observo, a par disso, que a ação foi autuada, em 28.04.2020, mais de um ano após
o registro do ato constitutivo, do Evento 1, ESTATUTO3, junto ao Registro Civil de Pessoas
Jurídicas da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (03.01.2019), restando atendido, assim, o
primeiro dos requisitos do art. 5º, inciso V, da Lei nº 7.347/1985.

Ressalto, em prosseguimento, que a finalidade institucional de MORHAM,


direcionada à proteção do “bem-estar social e econômico” das pessoas atingidas pela
hanseníase, enquadra-se na tutela à ordem econômica, sob o primado da existência digna,

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consagrado pelo art. 170, caput, da CRFB, o que caracteriza o atendimento do último dos
analisados pressupostos da Lei da Ação Civil Pública.

Do mérito.

A Lei nº 13.982/2020, editada no contexto da pandemia do COVID-19, instituiu


benefício de Auxílio Emergencial, nos seguintes termos:

"Art. 2º Durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, será
concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais
ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:

I - seja maior de 18 (dezoito) anos de idade;I - seja maior de 18 (dezoito) anos de


idade, salvo no caso de mães adolescentes;

II - não tenha emprego formal ativo;

III - não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial ou


beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de
renda federal, ressalvado, nos termos dos §§ 1º e 2º, o Bolsa Família;

IV - cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-mínimo
ou a renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos;

V - que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$


28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta
centavos); e

VI - que exerça atividade na condição de:

a) microempreendedor individual (MEI);

b) contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que contribua


na forma do caput ou do inciso I do § 2º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho
de 1991 ; ou

c) trabalhador informal, seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer


natureza, inclusive o intermitente inativo, inscrito no Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou
que, nos termos de autodeclaração, cumpra o requisito do inciso IV.

§ 1º O recebimento do auxílio emergencial está limitado a 2 (dois) membros da


mesma família.

§ 2º O auxílio emergencial substituirá o benefício do Bolsa Família nas situações


em que for mais vantajoso, de ofício.§2º Nas situações em que for mais vantajoso,
o auxílio emergencial substituirá, temporariamente e de ofício, o benefício do
Programa Bolsa Família, ainda que haja um único beneficiário no grupo familiar.

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§ 2º-A. (VETADO).

§ 2º-B. O beneficiário do auxílio emergencial que receba, no ano-calendário de


2020, outros rendimentos tributáveis em valor superior ao valor da primeira faixa
da tabela progressiva anual do Imposto de Renda Pessoa Física fica obrigado a
apresentar a Declaração de Ajuste Anual relativa ao exercício de 2021 e deverá
acrescentar ao imposto devido o valor do referido auxílio recebido por ele ou por
seus dependentes.

§ 3º A mulher provedora de família monoparental receberá 2 (duas) cotas do


auxílio.

§ 4º As condições de renda familiar mensal per capita e total de que trata


o caput serão verificadas por meio do CadÚnico, para os trabalhadores inscritos, e
por meio de autodeclaração, para os não inscritos, por meio de plataforma digital.

§ 5º São considerados empregados formais, para efeitos deste artigo, os


empregados com contrato de trabalho formalizado nos termos da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) e todos os agentes públicos, independentemente da
relação jurídica, inclusive os ocupantes de cargo ou função temporários ou de
cargo em comissão de livre nomeação e exoneração e os titulares de mandato
eletivo.

§ 5º-A. (VETADO).

§ 6º A renda familiar é a soma dos rendimentos brutos auferidos por todos os


membros da unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos, eventualmente
ampliada por outros indivíduos que contribuam para o rendimento ou que tenham
suas despesas atendidas por aquela unidade familiar, todos moradores em um
mesmo domicílio.

§ 7º Não serão incluídos no cálculo da renda familiar mensal, para efeitos deste
artigo, os rendimentos percebidos de programas de transferência de renda federal
previstos na Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 , e em seu regulamento.

§ 8º A renda familiar per capita é a razão entre a renda familiar mensal e o total
de indivíduos na família.

(...)”

§ 11. Os órgãos federais disponibilizarão as informações necessárias à verificação


dos requisitos para concessão do auxílio emergencial, constantes das bases de
dados de que sejam detentores.

(....)”

O referido auxílio tem natureza assistencial, estando, assim, sujeito à


competência privativa da União, para legislar sobre seguridade social (art. 22, inciso XXIII, c/c
art. 194, parágrafo único, da CRFB).
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Diante desse contexto, é inadmissível a concessão de tutela jurisdicional, para
viabilizar o acesso “prioritário” dos associados da autora ao Auxílio, com dispensa do
CadÚnico e sem o preenchimento dos demais requisitos do art. 2º da Lei nº 13.982/2020 (“de
forma direta), dado que tal medida implica interferência do Poder Judiciário, em políticas
públicas, o que é vedado pelo art. 2º da CRFB.

Assiste razão à autora, contudo, no que atine à invalidade jurídica da resistência


da União à concessão do Auxílio Emergencial, cumulativamente, com o pensionamento
especial, que é recebido por seus associados.

Explico. O art. 1º, caput, da Lei nº 11.520/2007 instituiu pensão especial, mensal e
vitalícia, para as pessoas atingidas pela hanseníase, que foram submetidas a isolamento e
internação compulsórios, nos hospitais-colônia, até 31.12.1986, a título de indenização especial.

A verba não tem, assim, as naturezas previdenciária, assistencial, de seguro-


desemprego ou de programa de transferência de renda, a que alude o negritado art. 2º, inciso III,
da Lei nº 13.982/2020, sendo antijurídica, desse modo, a negativa de concessão do Auxílio
Emergencial, sob tal fundamento, aos associados da autora, que atendam a todos os requisitos
do art. 2º da Lei nº 13.982/2020, inclusive, o registro no CadÚnico.

III - DISPOSITIVO

Do exposto:

1) REJEITO as defesas preliminares de falta de interesse processual de agir e de


ilegitimidade ativa ad causam, formuladas pela União.

2) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido (art. 487, inciso I, do


CPC), para condenar a União a se abster de indeferir os requerimentos administrativos de
Auxílio Emergencial, formulados pelos associados da MORHAN, se o único óbice existente for
a percepção cumulativa da pensão especial, instituída pela Lei nº 11.520/2007.

3) Formada certeza jurídica, acerca da validade dessa parcela da pretensão autoral,


e observada a natureza alimentar da verba (periculum in mora) – a qual autoriza, inclusive, o
afastamento do requisito de reversibilidade da medida (art. 300, §3º, a contrario senso, do
CPC), com fundamento no primado da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, inciso III, da
CRFB) -, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA URGÊNCIA, para determinar, à União, o
cumprimento imediato do item 2.

Sem condenação em honorários advocatícios, por força da norma do art. 18 da


Lei nº 7.347/1985. Custas ex lege.

Interposto recurso contra a sentença, intime-se a parte recorrida, para


oferecimento de contrarrazões, no prazo legal.

Sentença sujeita a duplo grau obrigatório de jurisdição. Oportunamente, remetam-


se os autos ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Publique-se. Intimem-se.
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Documento eletrônico assinado por WILNEY MAGNO DE AZEVEDO SILVA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º,
inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 2ª Região nº 17, de 26 de março de 2018. A
conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc.jfrj.jus.br, mediante o
preenchimento do código verificador 510004971691v7 e do código CRC 3c9819b7.

Informações adicionais da assinatura:


Signatário (a): WILNEY MAGNO DE AZEVEDO SILVA
Data e Hora: 3/5/2021, às 22:40:55

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