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ESTUDOS LITERÁRIOS
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ÂNGELA MARIA PELIZER DE ARRUDA
A televisão passa a representar o maior diz que não o vê há muito tempo em função
exemplo de comunicação massiva por atingir da sua opção pelo rock. Quando a
um número extremamente grande de entrevistadora pergunta se seu filho gosta
espectadores. Com esse potencial, a TV é de rock, o garoto, em frente à telinha acredita
capaz de transmitir à quase totalidade da que o homem do outro lado está a lhe olhar
população as diversas vertentes culturais procurando a resposta. O roqueiro diz que
desde a erudita até a popular. O “hábito de sim, que seu filho gosta de rock, e o jovem
assistir à TV se consolida definitivamente e telespectador muda de canal e vê uma
se dissemina por todas as classes sociais” mulher nua na tela.
(Ortiz, 1994, p. 130). Dessa forma, a barreira Primeiramente, é possível observar na
entre as culturas específicas é derrubada, narrativa uma adesão aos temas
pois todas as camadas sócio-econômicas da particulares, traço muito comum no conto
sociedade têm acesso a ela. Nesse contexto, contemporâneo. Não temos aqui fatos
a telinha marca sua forte presença, com grandiosos e coletivos, mas um pequeno
programas diversificados, que vão ao recorte da história de um adolescente que
encontro das necessidades do público, vive assistindo à televisão e que fora
criando uma relação de interdependência abandonado pelo pai quando criança. Ele diz
muito forte entre ambos. ser um adolescente como outro qualquer, que
faz o que é natural de sua idade: “Uma idade
Observando esse fenômeno de expansão
em que se vê muita televisão, e em que se
da televisão como meio de comunicação
muda muito de canal ...” (Scliar, 1995, p. 369).
massiva e tendo em vista que a literatura
Como se pode observar, trata-se de um
contemporânea busca aproximar-se da
pequeno recorte da vida do narrador-
realidade e retratar os vários mundos do
personagem: o exato momento em que está
homem moderno, o presente trabalho propõe-
diante da televisão. O que retrata um aspecto
se nesse momento analisar os personagens
comum ao conto contemporâneo e aos meios
dos contos “Zap”, de Moacyr Scliar e “Por falar
de comunicação de massa – a rapidez. O
na caça às mulheres”, de Roberto Drummond,
homem contemporâneo vive apressadamente
enfocando as relações estabelecidas entre
e não tem tempo ou até paciência para ler
os textos ficcionais e a telinha.
longas histórias ou até para assistir a um
programa inteiro de televisão. Ao contrário,
lê pouco e troca constantemente de canal,
Z A P quando assiste televisão.
Para Italo Calvino, essa rapidez é positiva
O conto “Zap” é narrado em primeira pois “quanto mais tempo economizamos, mais
pessoa, por um garoto de treze anos que vive tempo poderemos perder”. E se refere à
em frente à tv com seu controle remoto, produção literária dizendo que: “A rapidez de
mudando constantemente de canal. O estilo e de pensamento quer dizer antes de
narrador-personagem conta ainda que seu mais nada agilidade, mobilidade,
pai abandonou a família logo depois de seu desenvoltura” (Calvino, 1990, p. 59). Em
nascimento. De repente, em meio à troca de relação à comunicação massiva, a idéia de
canais, diz ver seu pai, um roqueiro que dá velocidade é bem clara; temos propagandas
entrevistas “num programa local de cada vez menores, com cenas desconexas, o
baixíssima audiência”, respondendo à videoclipe, programas também mais curtos.
apresentadora sobre seu filho. O entrevistado Essa noção de velocidade é bem clara no conto
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A PRESENÇA DA COMUNICAÇÃO DE MASSA NA LITERATURA BRASILEIRA
aqui analisado, a começar pelo próprio título: por meio da televisão chega a ponto de o
“Zap” indica a fração de segundos que o garoto imaginar que o homem está olhando
garoto leva para mudar de canal. diretamente para ele, que há uma interação
A velocidade também foi observada por real entre ambos.
Beatriz Sarlo como um fenômeno da Essa falsa interação não se dá apenas
modernidade. Porém, ela é vista pela autora com o personagem do conto, mas também com
com certa negatividade, pois, com seu muitos telespectadores ao verem programas
advento, as imagens perderam a intensidade. de entrevistas ou outros que pedem sua
Essa constante troca de imagens é acionada opinião e até indicam um número de
pelo controle remoto, que, por sua velocidade, telefone, para o qual devem ligar para votar
desvaloriza todas as que estão por vir à frente em alguém num concurso ou dar sua opinião
do espectador. “A televisão explora esse traço sobre algum assunto ou ainda escolher um
como uma qualidade que lhe permite uma final para alguma história. É o que se
enlouquecida repetição de imagens; a denomina de falsa interação ou até de sub-
velocidade do meio é superior à nossa interação porque esta não se dá
capacidade de reter seus conteúdos. O meio completamente. Como num programa,
é mais veloz do que aquilo que transmite. seriado ou telenovela tudo é bem organizado
Estes, nessa velocidade, competem até antecipadamente, o que o telespectador tem
anularem-se os limites entre áudio e vídeo”
são três ou quatro opções. Se sua opinião for
(Sarlo, 1997, p.57-58). Por outro lado, Sarlo
adversa a qualquer uma delas, não há
diz que o zapping acionado pelo controle
possibilidade de votar. O melhor é aceitar a
remoto suscita a liberdade do espectador, que
opinião da maioria, o consenso feito por meio
se vê capaz de substituir uma imagem por
de uma pequena amostra e passado como uma
outra no tempo que quiser, e permanecer ou
porcentagem significativa.
não na imagem seguinte.
Melvin De Fleur e Sandra Ball-Roxeach
propõem, a respeito da influência da
comunicação de massa, a “Teoria de
dependência do sistema de mídia”. Há,
segundo essa teoria, um relacionamento de
interdependência entre mídia e outros
A presença da televisão é muito comum recursos, inclusive o telespectador. “Esse
entre crianças e adolescentes, assim como relacionamento de dependência não é em
o narrador-personagem. A obsessão é mão única. A força da equação não inclui
tamanha que ele pára alguns segundos num apenas como outros dependem dos recursos
canal – o que geralmente não faz – quando da mídia para alcançar suas metas, mas
vê uma entrevista com um velho roqueiro. também como o sistema de mídia depende
Sem pensar duas vezes diz: “É o meu pai”. “É dos recursos controlados por outros” (De
sobre mim que fala”. Fleur; Ball-Roxeach, 1993, p. 323). É dessa
Dessa forma, transporta para a tela seus forma que o telespectador pode não ser
anseios, sua vontade de ver o pai. Não há apenas passivo, mas ativo na escolha por este
indicações exatas de que se trata realmente ou aquele programa, ou ainda, nenhum deles.
do pai do narrador-personagem, ou é apenas O controle remoto é o símbolo maior
um roqueiro qualquer, que fala sobre seu desse poder do telespectador. No conto, o
filho, também abandonado. A ilusão passada narrador faz uso de tal instrumento para
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torna-se também uma parte da ficção programas televisivos; na verdade, são tão
montada pelo contista. Essas influências influenciáveis que destroem o próprio
sofridas pelas pessoas em função das casamento por causa da televisão; a esposa,
transmissões televisivas são apontadas por pelo fascínio que tem pelo ator Reginaldo
Ciro Marcondes Filho como programas que Farias e o esposo, pelo ciúme incontrolável.
vão ao encontro do público para atender suas A partir da leitura desses dois contos, é
necessidades. O autor afirma ainda que o possível observar, mesmo que num pequeno
“fascínio que a comunicação exerce sobre o recorte, os tipos de relações existentes entre
público vem desse aspecto. Há uma efetiva as pessoas e os meios de comunicação de
procura e uma real satisfação no consumo massa, especificamente a televisão. Mesmo
da comunicação por meio da fantasia” em se tratando de personagens fictícios,
(Marcondes Filho, 1985, p. 125). podemos transpor suas atitudes para as
Em “Por falar na caça às pessoas reais, que depositam na telinha seus
mulheres”, Juliana tem um sonhos, seus anseios e seus desejos mais
fascínio por Reginaldo Farias íntimos. Os textos registram a necessidade
que não demonstra ter por seu de reconhecer a forte presença desses
esposo Sérgio. É a partir dessa veículos da comunicação em nosso meio e
fantasia apresentada pelos sua grande capacidade de envolver seus
modelos míticos que é possível espectadores.
fazer uma condensação da realidade, ou seja,
o ator era para Juliana o que ela gostaria T & M
que seu esposo fosse e, possivelmente, não
Texto recebido em maio de 2004.
era. A influência da televisão é tamanha na
Aprovado para publicação em julho de 2004.
vida desses personagens que, por ciúmes do
não real, da fantasia, um acaba por dar fim à
SOBRE A AUTORA:
vida do outro. Na vida real, alguns
Ângela Maria Pelizer de Arruda é Especialista em
psicanalistas vêem a telinha como “condutora Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de Londrina.
do adulto a um estágio ‘oral’ semelhante ao
do bebê alimentado por sua mãe” (Sodré,1983, REFERÊNCIAS:
p. 60). Apesar da afirmação conter um certo CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo
exagero, é necessário perceber que, em maior Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
DE FLEUR, M. L.; BALL-ROXEACH, S. Teorias da comunicação de
ou menor teor, há uma grande dependência massa. Trad. Octavio Velho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
das pessoas em relação a esse meio 1993.
DRUMMOND, R. Quando fui morto em Cuba. São Paulo: Atual,
comunicativo. 1994.
MARCONDES FILHO, C. (Org.). Política e imaginário nos meios de
Ao contrário do protagonista do conto comunicação para massas no Brasil. São Paulo: Summus, 1985.
“Zap”, que, ao fazer uso do controle remoto, ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e
indústria cultural. 5.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
comanda a programação a que deseja assistir ---. Mundialização e Cultura. 2.ed. São Paulo: Brasiliense,
1996.
e se vê com liberdade o suficiente para SARLO. B. Cenas da vida pós-moderna. Trad. Sérgio Alcides.
permanecer ou não ligado àquela imagem, a Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
SCLIAR, M. Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras,
relação entre o aparelho de televisão e os 1995.
protagonistas do conto “Por falar na caça às SODRÉ, M. A comunicação do grotesco: um ensaio sobre a cultura
de massa no Brasil. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.
mulheres” é de dependência desses em
função daquele. Juliana e Sergio não Universidade Estadual do Oeste do Paraná
REVISTA TEMAS & MATIZES
demonstram ter a mesma liberdade de
www.unioeste.br/saber
escolha ou indiferença em relação aos
TEMAS & MATIZES Nº 05 PRIMEIRO SEMESTRE DE 2004
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