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AE-P0029

Publicação: 01/2017

Uber: o dilema de crescer com uma inovação


disruptiva1

Paulo Furquim de Azevedo


Leandro Simões Pongeluppe
Maria Clara de Azevedo Morgulis
Nobuiuki Costa Ito

Era segunda-feira, 3 de agosto de 2015. 2 Daniel Mangabeira, diretor de Relações


Governamentais da Uber, empresa de tecnologia que conecta passageiros a motoristas por meio
digital, acabara de entrar num carro Uber, que quatro minutos antes havia chamado para levá-lo
de uma reunião com representantes do poder público ao escritório da empresa, na região central
de São Paulo. Em um ano de atuação no município, a Uber tinha já crescido sensivelmente.
Estimativas apontavam um total aproximado de 7 mil motoristas e cerca de 700 mil usuários.
Todo esse crescimento empolgava os usuários e os motoristas que se incorporavam à

1 Caso desenvolvido por Paulo Furquim de Azevedo, Leandro Simões Pongeluppe, Maria Clara de Azevedo Morgulis
e Nobuiuki Costa Ito. Os autores agradecem a contribuição da Uber. O caso é somente para fins de discussão em sala
de aula: não se propõe julgar a eficácia ou a ineficácia gerencial, nem tampouco deve servir como fonte de dados
primários.

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fevereiro de 1998.

2 Exemplo fictício.
plataforma, mas, por outro lado, chamava a atenção das autoridades públicas, que não haviam
decidido como tratar esse novo modelo de negócio e, sobretudo, dos taxistas, que temiam o que
chamavam de “concorrência predatória”. Durante a viagem, Daniel Mangabeira aproveitou para
conversar com o motorista, Jorge Teixeira. O papo foi transcorrendo, e a história foi se
mostrando interessante. Jorge contou que havia pouco se tornara um motorista parceiro da Uber
e que, para tanto, havia saído de seu antigo emprego como motoboy e se comprometido com o
financiamento de um veículo com características compatíveis com as exigências da Uber, no
valor aproximado de R$ 70 mil. Contou que o negócio ia bem; em média, ele dizia estar
ganhando 6.000,00 reais por mês. Contudo, mesmo com o rendimento satisfatório, Jorge parecia
aflito com o futuro do negócio. Depois de diversos incidentes conflituosos entre taxistas e
motoristas parceiros da Uber, bem como da incerteza sobre a regulamentação do serviço na
capital paulista, Jorge temia perder o investimento realizado e ficar com o financiamento para
pagar.

A entrada da Uber no mercado brasileiro gerou fortes reações de taxistas, que chegaram a
angariar o apoio de autoridades municipais, numa disputa para barrar o avanço do aplicativo.
No modelo de negócio da Uber, crescer é imperioso, pois, quanto mais passageiros e motoristas
se vincularem à plataforma, maior o valor gerado para ambos. Por outro lado, esse crescimento
desperta a reação daqueles que poderiam se sentir ameaçados por esse novo modelo de negócio,
situação agravada pela falta de uma marco regulatório específico para essa atividade. Assim,
uma pergunta não saía da cabeça de Mangabeira: como crescer por meio de uma tecnologia
disruptiva, baseada em economias de rede, mas ainda sob forte incerteza jurídica?

A viagem finalmente chegara ao fim. Mangabeira desceu do carro sem nem tocar na carteira,
pois um dos benefícios que a Uber oferecia a seus usuários era a simplificação do pagamento
por meio de cartão de crédito pré-cadastrado. Contudo, ao cumprimentar Jorge, ele sabia que a
reunião na prefeitura seria importante não só para a Uber, mas também para a vida de muitos
motoristas e usuários envolvidos no negócio.

A Uber: nascimento e crescimento

A Uber nasceu nos EUA, em São Francisco, Califórnia, no início de 2009. Fundada por Garret
Camp e Travis Kalanick, a concepção inicial era oferecer um serviço de transporte de luxo por
meio de um aplicativo para smartphone. A operação em fase de teste foi iniciada em 2010, mas o
lançamento ocorreu apenas em 2011, inicialmente restrito à cidade de São Francisco. Apesar do
longo tempo entre o início da empresa e seu lançamento, ela se expandiu muito depressa. Ainda
em 2011, a Uber já operava em Paris e continuava a expansão nos EUA.

Entre 2012 e 2014, a empresa conduziu um intenso processo de crescimento internacional


para vários continentes. Em 2012, por exemplo, já operava no Canadá, na Inglaterra e na

2
Austrália. Em 2013, a Ásia e a África passavam a contar com os serviços da Uber em países como
Singapura e África do Sul. A América Latina só recebeu a empresa em 2014, começando pela
cidade de Tijuana, no México. Em outubro de 2015, a Uber operava em mais de 330 cidades, em
60 países.

O crescimento geográfico foi também acompanhado da ampliação dos serviços oferecidos


pela Uber, voltados aos mais variados segmentos de mercado. Para o segmento de alto padrão,
foi desenvolvido o UberBLACK, com carros sedan pretos para até cinco passageiros. O uberX foi
criado para atender o segmento mais sensível a preços, fazendo uso de automóveis compactos,
mas com tarifas significativamente mais baixas. O UberSUV, por sua vez, também um serviço de
luxo, com carros pretos e grandes, atende àqueles que demandavam maior espaço. Além dessas
modalidades, a empresa usava portfólios e variações de serviços conforme o perfil da demanda
em cada cidade. Por exemplo, em 2015, havia em Londres o UberEXEC e UberXL e, em Paris, o
UberBERLINE. Também as exigências dos serviços variavam de acordo com o lugar.

Para usar os serviços da Uber, o usuário instala o aplicativo em seu smartphone e preenche um
cadastro fornecendo: nome, telefone celular, e-mail, idiomas e dados de um cartão de crédito.
Abrindo o aplicativo, o usuário vê um mapa onde pode ajustar sua localização. Por meio do
GPS, o aplicativo Uber associa o passageiro solicitante aos motoristas mais próximos e estima o
tempo de espera. Também se pode ver o preço estimado da viagem antes de confirmar o pedido.
Após confirmar a localização exata, o aplicativo contata o outro lado da plataforma, os
motoristas. Uma vez aceita a viagem, o passageiro recebe as informações sobre o motorista e seu
automóvel, podendo acompanhar seu deslocamento no mapa do aplicativo (Anexo 1 – imagem
do aplicativo Uber). O usuário é avisado da chegada do carro por mensagem de texto.

Entrando no carro, o passageiro nota um padrão de qualidade do serviço. Chegando ao


destino, não precisa pagar, pois a conta é cobrada diretamente no cartão de crédito cadastrado
no aplicativo. O preço final da tarifa também pode ser dividido com mais de um usuário Uber.
Nessa etapa, motorista e passageiro faziam uma avaliação que pretendia colher informações
sobre usuários e motoristas, como forma de incentivar e monitorar a qualidade do serviço
prestado. Os motoristas parceiros são autônomos e livres para exercer suas atividades da forma
como melhor lhes convier. Não estão sujeitos a ordens, têm liberdade para definir quando e por
quanto tempo trabalhar, e deles não se exige exclusividade. O interesse em permanecer
vinculado à plataforma e receber um maior número de corridas é o que os estimula a buscar
boas avaliações, o que garante o padrão de qualidade do serviço. No Brasil, a Uber ficava com
20% do valor de cada viagem do UberBLACK e 25% do uberX, sendo o restante a remuneração
do motorista.

Em todo o mundo, a entrada da Uber enfrentou resistências pesadas, tanto de autoridades


públicas quanto de motoristas de táxi, companhias de táxi e sindicatos. Muitas das reações

3
podiam ser explicadas pela novidade do serviço e pela rapidez de entrada. A falta de regulação
e a potencial concorrência com um serviço que era fortemente regulado – o de táxi – criaram
uma situação em que os carros da Uber atuavam mais livremente que os taxistas. Assim, a Uber
aparecia como um potencial concorrente para os táxis, mas sem precisar observar a mesma
regulação, o que causou as reações adversas.

Entre as principais reações contra a Uber, podem-se citar três principais: (1) acusação de
concorrência desleal, dado que a Uber não precisava observar a mesma regulamentação a que se
sujeitam os taxistas; (2) preocupação com segurança, já que a autoridade municipal não
fiscalizava os automóveis ou motoristas vinculados à plataforma; e (3) relação de trabalho entre
motorista e Uber, pois, para a Uber, o motorista é um empreendedor, prestando seus serviços
autonomamente, enquanto os críticos argumentavam que haveria um vínculo de trabalho, que
exigiria conformidade com a legislação trabalhista. As manifestações e protestos pelo mundo
chegaram a confrontos físicos, com agressões e depredações. Esses conflitos culminaram com a
suspensão de alguns serviços do aplicativo pelo judiciário, em algumas cidades da Espanha, em
dezembro de 2014,3 e na convocação para prestação de esclarecimentos de dois executivos da
Uber na França, em junho de 2015,4 além de diversos incidentes e restrições ao uso do aplicativo
em todo o mundo.

Inovação disruptiva, economia de rede e status quo: em busca do


equilíbrio ideal

O modelo de negócio da Uber pauta-se num tripé que envolve dilemas importantes.
Primeiramente, trata-se de uma inovação disruptiva, ou seja, que mudou radicalmente a relação
entre pessoas que gostariam de se deslocar e outras que detinham um veículo ocioso e estavam
dispostas a transportar as primeiras. Ao ser lançada, a Uber vislumbrou uma oportunidade
econômica ao facilitar a relação entre passageiros potenciais e motoristas, no base no
crescimento exponencial do número de smartphones, que dava a ambas as partes conectividade e
georreferenciamento. Por meio da plataforma digital da Uber, essa transação ocorre de forma
direta, rápida e segura, seja quanto ao valor e ao pagamento da viagem ou quanto à qualidade e
à confiabilidade para passageiros e motoristas.

A Uber atenuou o primeiro risco ao definir que o pagamento se faria diretamente na fatura
do cartão e que o motorista seria creditado diretamente em conta corrente, mediante a prestação
do serviço. Já o segundo risco foi reduzido pela forma de validação dos motoristas no momento
de sua associação ao sistema, bem como por avaliações de usuários.

3 Fonte: BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/business-30395093>. Acesso em: 13 out. 2015.


4 Fonte: Time. Disponível em: <http://time.com/3940092/uber-executives-arrested/>. Acesso em: 13 out. 2015.

4
O resultado imediato desse tipo de inovação foi a redução da assimetria de informação entre as
partes e, portanto, maior segurança e confiança para realizar a transação. Esse era o fundamento
para a regulação do serviço de táxi, que só precariamente conseguia lidar com esse problema
informacional. Nas palavras de Vinícius Marques de Carvalho, presidente do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão de defesa da concorrência brasileira, em
matéria no jornal Folha de S.Paulo de 12 de julho de 2015:

O serviço de táxi é caracterizado por assimetrias de informação. Quando chama o táxi, você não sabe o
estado do veículo, o preço final que irá pagar pela corrida ou a confiabilidade do condutor.5

O negócio da Uber também está sujeito a externalidades de rede, isto é, quanto maior o
número de motoristas parceiros vinculados à plataforma, maior o valor gerado aos potenciais
passageiros, e vice-versa. Isso ocorre porque, conforme aumenta o número de motoristas
parceiros, maior é a probabilidade de haver algum próximo à localização do passageiro,
reduzindo seu tempo de espera. Do mesmo modo, quanto maior o número de usuários, maior o
benefício gerado aos motoristas, que poderão fazer mais viagens e usar mais eficientemente seu
investimento no automóvel. Portanto, o êxito do negócio não se deve apenas ao fato de se tratar
de uma inovação disruptiva, mas também requer ganhar rapidamente massa crítica (número de
pessoas vinculadas à plataforma) suficiente para torná-lo viável.

Para que passasse a ser superavitária, a Uber precisaria crescer até atingir a massa crítica
presente na early majority dos usuários (Anexo 2) de modo a viabilizar seu modelo de negócio de
forma sustentável. Quanto mais a empresa demorar para atingir essa massa crítica, maior será o
déficit de suas operações, além de que essa morosidade pode afugentar early adopters, ao
verificarem poucos benefícios em fazer parte da uma rede que não cresce. Assim, a viabilidade
do negócio da Uber dependia de um desenvolvimento rápido para atingir massa crítica e se
tornar sustentável.

Entretanto, por definição, toda inovação disruptiva afeta as estruturas sociais e econômicas
prévias. Ao fomentar o rápido desenvolvimento de seu modelo de negócios nas cidades
brasileiras, a Uber começou a alterar o status quo do mercado de transporte privado individual
urbano, tendo impacto na modalidade pública desse transporte, aquela feita por meio de táxis
licenciados pelo poder público municipal. Até então praticamente exclusivos na prestação desse
tipo de serviço, os taxistas passaram a enfrentar a concorrência de um novo modelo de negócio,
que opera sob regras bastante distintas, inclusive no que tange aos limites legais à entrada de
novos motoristas. Como era de esperar, a reação dos taxistas à entrada da Uber foi sanguínea e

5 Fonte: Folha de S.Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/07/1654462-melhor-que-


proibir-o-uber-e-fortalecer-os-taxistas-diz-chefe-do-cade.shtml>. Acesso em: 13 jul. 2015.

5
deve ser tanto mais forte quanto mais rápida for a entrada da inovação disruptiva. De outro
lado, para a Uber, a viabilidade do negócio depende de um crescimento rápido. O que fazer?

Uber no Brasil: estratégia de entrada e regulação

No Brasil, a Uber iniciou as operações na cidade do Rio de Janeiro, às vésperas da Copa do


Mundo de Futebol, em maio de 2014. Até junho de 2015, a empresa já atuava em quatro cidades
brasileiras: Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP, Belo Horizonte-MG e Brasília-DF, oferecendo os
serviços UberBLACK, uberX e UberBIKE. Em geral, os serviços da Uber no Brasil ocorriam como
descrito em seção anterior, exceto o UberBIKE, que não consistia no aluguel de uma bicicleta,
mas na possibilidade de chamar um carro com suporte para bicicletas. Assim, o usuário pode
fazer de automóvel um trajeto que complementará com bicicleta em outro momento. As tarifas e
as condições dos veículos eram as mesmas do UberBLACK ou uberX (Anexo 7 – serviços
disponíveis em cada cidade brasileira).

Como era de esperar para um modelo de negócio baseado em externalidades de rede, a


estratégia de entrada da Uber no Brasil foi de um crescimento muito rápido, concentrando a
operação em bairros de maior demanda potencial, seguido de expansão para as demais regiões
da mesma cidade; primeiramente, o Rio de Janeiro, e depois outras capitais com alta densidade e
renda. Essa estratégia se justifica pela natureza do negócio, que exigia a rápida criação de uma
massa de usuários (passageiros) e prestadores de serviço (motoristas) para gerar as economias
de rede. Assim, para funcionar, a plataforma Uber deveria disponibilizar um número grande de
motoristas, que atendessem rapidamente às viagens solicitadas. Ocorrendo isso, os usuários
passariam a ter estímulo para instalar e usar o aplicativo. Mas, ao mesmo tempo, se não
houvesse usuários, os motoristas ficariam ociosos e não teriam estímulo para se cadastrar. Essa
dupla necessidade justificava a estratégia da entrada rápida. Entretanto, no mesmo ritmo em
que a Uber expandiu sua atuação nas cidades brasileiras, taxistas e governos municipais
reagiram a sua entrada.

Efeito Uber no transporte por táxi

Nas cidades em que a Uber atuava, a reação imediata foi dos taxistas, que detinham a
exclusividade do transporte público individual de passageiros por automóvel, numa espécie de
reserva de mercado. De fato, para poder explorar a atividade de táxi, o motorista devia obter
uma licença junto ao poder público municipal, mas este raramente abria espaço para novas
licenças. Alternativamente, o interessado poderia comprar uma licença de um motorista já
atuante, mas pagando um elevado custo de entrada. 6 Em contrapartida, o taxista tinha

6
Essa transação era, contudo, ilegal, visto que as licenças de táxi eram pessoais e intransferíveis. Ainda assim, há
evidências de compra e venda informais de licenças.

6
vantagens para adquirir carros com isenção de tributos e potencialmente auferia rendas
superiores, dado que atuava num mercado cujo número de serviços oferecidos era limitado pelo
governo. Outros motoristas, sem condições financeiras de comprar uma licença no mercado
paralelo, optavam por alugar a licença e o automóvel de terceiros, pagando uma diária que
cobria os custos do automóvel e o direito de operar como taxista.

Ao se estabelecer no mercado, a Uber quebrou essa lógica e não só atuava como forma
alternativa de transporte, mas, principalmente, permitiu a entrada de novos motoristas na
prestação desse serviço, fossem aqueles que já trabalhavam como empresa de transporte
executivo, fossem os que se sentiram estimulados a entrar na atividade. Os mais afetados por
esse novo modelo de negócio foram os detentores de licenças, motoristas ou não, cujo valor
decorria justamente do direito de impedir a entrada de novos motoristas e, assim, assegurar
rendas supracompetitivas. Por exemplo, antes da Uber, o mercado tinha um número definido de
licenças de táxi, que não variava conforme as flutuações de oferta e de demanda, mas por
decisão de cada prefeitura. Estas, por sua vez, poderiam se sujeitar ao interesse daqueles que já
tinham licenças e que não gostariam de ver aumentar a concorrência. Ainda segundo Vinícius
Marques de Carvalho:

Pegando o exemplo Brasília: tem 30 anos que não há novas licenças de táxi. Quantos habitantes havia
em Brasília e quantos há hoje? Será que a demanda não aumentou?7

Em tese, essas licenças não podiam ser negociadas no mercado (ainda que às vezes o fossem
(Anexo 3)), mas podiam ser alugadas, auferindo a seu detentor renda pela concessão do direito
de uso. O Anexo 4 traz uma estimativa do valor presente líquido de uma licença de táxi em
função de alguns parâmetros econômicos. Já o Anexo 5 mostra cinco anos do fluxo de caixa de
um taxista que não tem a licença, descontados os custos do carro e os valores da diária média de
São Paulo.

Por exemplo, no Rio de Janeiro, primeira cidade brasileira onde a Uber operou, estima-se que
uma licença custe aproximadamente R$ 900 mil,8 valor obtido pela média das diárias, referentes
ao aluguel da licença e do automóvel; pelo custo médio de um veículo (R$ 50.000,00) renovado a
cada cinco anos; abatendo-se as isenções tributárias na aquisição de veículos por taxistas; e um
custo anual de manutenção e seguro da ordem de R$ 4 mil, o que gera um fluxo de caixa, de que
se desconta o valor presente líquido por meio da taxa Selic real, de 4,22% a.a. (taxa livre de risco

7
Ibid.
8
Esse valor é superior ao relatado para as transações de compra e venda de licenças no Rio de Janeiro. Trata-se,
contudo, de uma transação informal, que, como tal, apresenta riscos e, portanto, um valor negociado inferior à
expectativa de renda gerada pelo ativo. Por isso, o cálculo é feito a partir da renda derivada do aluguel da licença.

7
descontada a inflação dos últimos doze meses). 9 Já no caso de São Paulo, esse montante,
considerando o valor médio da diária, uma licença custaria cerca de R$ 680 mil. Isso significa
que a entrada da Uber no mercado tem potencial de ampliar a oferta de serviços até o ponto em
que não haja mais valor no direito de limitar a participação de terceiros e, potencialmente,
anulando-se o valor das licenças. Multiplicando o valor presente líquido de cada licença pelo
número de licenças existentes em cada um desses quatro municípios, chega-se um valor
aproximado de R$ 58 bilhões, decorrente do poder de impedir a entrada de concorrentes. Esse é
o tamanho da resistência à expansão da Uber (Anexo 6).

Nota-se aqui a complexidade da questão com que se defrontava a Uber. Se, por um lado,
precisava se implantar rapidamente para garantir os benefícios de economias de rede a seus
usuários, por outro, apressando-se a conseguir uma massa crítica de clientes e fornecedores,
desencadeou uma forte oposição por parte daqueles que se beneficiavam do status quo anterior.
As reações ao modelo de negócio da Uber eram mais do que esperadas. E seus efeitos podiam
extrapolar a mera manifestação pública, visto que a classe de taxistas tradicionalmente tem forte
influência no poder público municipal, com quem tem relação de longa data.

Em contrapartida, os usuários do sistema Uber tinham pouca capacidade de ação coletiva


para defender o modelo. Os ganhos individuais de cada usuário seriam relativamente pequenos,
o que limitava a capacidade e o interesse de coordenação dos vários usuários. Já aqueles que
sofreram reveses com o modelo da Uber, sobretudo os que detinham licenças e os sindicatos de
classe dos taxistas, tinham ampla capacidade de coordenação e de ação coletiva. Nas palavras do
professor João Manoel Pinho de Mello e de Vinícius Carrasco, em artigo publicado na revista
Exame em 10 de agosto de 2015:

Rendas extraordinárias criam incentivos para tentar mantê-las a todo custo. (...) Portanto, os interesses
dos detentores de licença na manutenção do status quo são maiores do que os interesses dos consumidores
em mudá-lo.10

Essa capacidade se exercia notavelmente na viabilização e na manutenção do status quo e


permitiu à classe atuar de diversas formas, desde manifestações e “trancamento” de ruas em
forma de protesto (Anexo 8) até por meio de pressão política e, às vezes, coerção física para a
proibição da Uber. A reportagem de Felipe Souza na Folha de S.Paulo de 19 de junho de 2015
mostra um exemplo dessa situação na declaração do presidente do Simtaxis (Sindicato dos
Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi de São Paulo):

9
Dado que a licença não se deprecia, a série poderia ir ao infinito. Optou-se por um fluxo de caixa mais conservador,
de 30 anos, com a aquisição de um automóvel a cada cinco anos.
10
Fonte: Exame. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/leis-da-oferta/2015/08/10/o-uber-e-a-
natureza-da-regulamentacao/>. Acesso em: 11 ago. 2015.

8
“Não temos como conter a categoria”, “vai ter morte”.1112

Ainda nessa linha, o referido presidente da Simtaxi, Antônio Raimundo Matias dos Santos,
conhecido como Ceará, reforçou:

“Eu quero pedir aos nobres deputados para que tomem providências porque, se não tomarem, não temos
como conter a categoria”.1314

Somada ao crescimento exponencial da Uber e à ameaça que ele implicava, essa reação
intensificou a ânsia de todos por um modelo regulatório para o setor.

O efeito Uber na regulação do mercado

Segundo Frederico Meinberg Ceroy, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital, a


estratégia de entrada da Uber no Brasil tinha um preço:

“A entrada abrupta e ansiosa da Uber tem um preço. O preço é a aversão dos governos que se sentem
desrespeitados”.

A rápida entrada e crescimento da Uber nas cidades teve um efeito adverso no aspecto da
regulação. Em primeiro lugar, a Uber era capaz de atender a qualquer pessoa portando um
smartphone, tornando-se um substituto muito próximo ao táxi, ao menos para esse público.
Entretanto, não era propriamente um serviço de táxi, pois os motoristas não aceitam passageiros
na rua por um gesto, por exemplo. Tampouco tinham os motoristas cadastrados na plataforma
direito aos benefícios tributários de que gozam os taxistas. Em outras palavras, o serviço da
Uber não era um transporte público individual, pois, de fato, não é “aberto ao público em
geral”.

Concluiu-se que a Uber operava num segmento do mercado legal, até então inexistente, mas
que passou a ser economicamente viável pela difusão de smartphones com GPS e uma plataforma
tecnológica que aproximava motoristas a passageiros. Nesses termos, a entrada da empresa no

11
Fonte: Folha de S.Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1644905-vai-ter-
morte-diz-taxista-sobre-regulamentacao-do-aplicativo-uber.shtml>. Acesso em: 20 jun. 2015.
12
Como (além do recuo) o itálico já dá conta de informar o leitor de que se trata de uma citação, sugerimos que se
suprimam as aspas e se diga: Não temos como conter a categoria. Vai ter morte.
13
Ibid.
14
Como (além do recuo) o itálico já dá conta de informar o leitor de que se trata de uma citação, sugerimos que se
suprimam as aspas e se diga: Eu quero pedir aos nobres deputados para que tomem providências porque, se não
tomarem, não temos como conter a categoria. [Daqui em diante, fica subentendida a sugestão da supressão das aspas.

9
mercado era transformadora, e não havia regulações ou experiências prévias para guiar as
autoridades públicas. À falta de regulamentação incontroversa acresceram-se os inúmeros
interesses organizados daqueles que exploravam o mercado de transporte por taxis, sobretudo
os detentores de licenças, e a reação dominante foi votar-se lei municipal proibindo o uso do
aplicativo. Por exemplo, várias cidades brasileiras tinham projetos de lei para proibir a Uber
antes mesmo de a empresa entrar: Curitiba-PR, Vitória-ES, Goiânia-GO, Joinville-SC e Manaus-
AM.

Nas cidades em que a Uber atuava, havia muitas visões diferentes e mesmo diferentes
soluções e encaminhamentos. Em São Paulo, o prefeito fez declarações em favor da
regulamentação da nova tecnologia, o que ia contra a decisão da Câmara de Vereadores, mas a
prática inicial foi restritiva ao aplicativo, incluindo multa e apreensão de veículos. No Rio de
Janeiro, a Câmara dos Vereadores já havia aprovado a lei que proibia a Uber, sancionada pelo
prefeito, mas o judiciário havia concedido liminar autorizando sua operação. Em Belo
Horizonte, um projeto de lei procurava restringir a operação do aplicativo à demanda não
atendida pelos taxistas. Rodrigo Rollemberg, governador do Distrito Federal, vetou o texto da
Câmara Distrital de Brasília que proibia o serviço e, em seguida, enviou ao Legislativo local uma
regulação inovadora para enfim definir localmente as bases da prestação do serviço, mas que a
Câmara Distrital ainda não aprovara. Até o momento da conclusão deste estudo de caso, só a
prefeitura de São Paulo tinha apresentado, por meio de decreto, um modelo de regulação de
transporte individual que contemplava serviços como o prestado pela Uber. Nesse quadro, o
contexto é de incerteza, o que afeta diretamente as decisões da empresa, bem como as de
potenciais concorrentes.

Chegando ao escritório em São Paulo

A conversa com representantes do poder público tinha sido intensa, e Daniel Mangabeira
estava preocupado quando chegou à sala de reuniões do escritório da Uber em São Paulo. O
modelo de negócios pautado na rápida entrada em novos mercados não condizia com a espera
pelo estabelecimento de regulação específica aos serviços, ou mesmo pelo ingresso limitado a
nichos de mercado que não incomodassem os prestadores já estabelecidos. Contudo, apesar dos
benefícios do rápido ganho de massa crítica, essa rapidez era a principal fonte das reações
adversas que a empresa enfrentava. Daniel Mangabeira era o principal interlocutor com as
autoridades públicas e, assim, tinha papel fundamental nos passos seguinte da Uber: que
estratégias de crescimento a Uber deveria adotar nos anos seguintes? Seria possível viabilizar
seu crescimento sem despertar a forte oposição dos taxistas?

10
Anexos

Anexo 1 – O aplicativo e o serviço da Uber

Nota: À direita, foto do aplicativo no momento de solicitação do carro. À esquerda, foto do


serviço uberX.
Fonte: Uber.

Anexo 2 – Curva de adoção de novas tecnologias

Fonte: E. Rogers (1995). Diffusion of Innovations. New York: Free Press.

11
Anexo 3 – Exemplo de forma alternativa para a comercialização de licença/alvará de táxi

Fonte: Mercado Livre. Disponível em: <http://apartamento.mercadolivre.com.br/MLB-


705471096-troco-apartamento-em-licenca-de-taxi-_JM>. Acesso em: 6 out. 2015.

Anexo 4 – VPL estimado de um alvará de táxi nas cidades onde a Uber opera
Núm Descont
Custo Custo ero de o médio IPI
médio da médio dias no + ICMS para Taxa
diária 8h veículo Ano taxistas (%) Selic real
Cidade (R$/dia)* VPL do alvará (R$) (dias) ** (% a.a.) ***
Belo R$ R$
Horizonte R$ 140,00 505.071,50 50.000,00 365 30,00% 4,22%
R$
Brasília
R$ 200,00 811.363,57
Rio de R$
Janeiro R$ 220,00 913.460,93
R$
São Paulo
R$ 175,00 683.741,87
* Fontes: Folha; Acat.taxi.
** Desconto pode variar de estado para estado.
*** Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/htms/selic/selicdia.asp>. Acesso em: 23 set. 2015. Descontada a inflação
de 9,53% acumulada em 12 meses.
**** Fonte: Receita Federal.

12
Anexo 5 – Fluxo de caixa de um taxista em São Paulo
Custo
Taxa Média diária 8h
legal de número de dias em São Custo diário Taxa
depreciação úteis por ano Paulo com combustível Selic**** Taxa Selic Receita líquida
anual (%)* (dias)** (R$/dia)*** 8h (R$/dia) (% a.a.) (Fator diário)**** táxi por hora (R$/h)
R$ R$ R$
20% 253 175,00 60,00 14,15% 0.0100052531% 31,25
Média
Desconto de número
médio IPI + Custo Despesa de horas
Custo ICMS para médio anual aproximada trabalhada VPL anual
médio taxistas **** veículo para (diária média e s por dia Receita anual Amortização aproximado (5
veículo (R$) (%) taxista (R$) combustível)(R$) (h) aproximada anual (R$) anos)
R$ R$ R$ R$ R$
50.000,00 30% 35.000,00 59.455,00 8 63.250,00 7.000,00 R$ 6.265,48
R$ R$ R$
118.910,00 16 126.500,00 7.000,00 R$ 19.247,19
R$ R$ R$
178.365,00 24 189.750,00 7.000,00 R$ 32.228,90

* Fonte: Receita Federal.


** Não considerados fins de semana e feriados.
*** Fontes: Sebrae; G1; Acat.taxi.
**** Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/htms/selic/selicdia.asp>. Acesso em: 23 set. 2015.
**** Desconto pode variar de estado para estado.

Anexo 6 – VPL total das licenças


Numero de
Cidade licenças VPL da licença (R$) VPL em licença/município (mil R$)
Belo 6.992 R$ 505.071,50 R$ 3.531.459,92
Horizonte
Brasília 3.400 R$ 811.363,57 R$ 2.758.636,14
Rio de 32.000 R$ 913.460,93 R$ 29.230.749,70
Janeiro
São Paulo 34.000 R$ 683.741,87 R$ 23.247.223,72
Total R$ 58.768.069,48
Fontes:
Prefeitura SP. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/transportes>.
Acesso em: 12 out. 2015.
IG. Disponível em: <economia.ig.com.br/empresas/comercioservicos/prefeitura-do-rio-
discute-excesso-de-taxis-nas-ruas/n1237859584647.html>. Acesso em: 12 out. 2015.
G1. Disponível em: <g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/07/apos-acordo-gdf-anuncia-
700-novas-autorizacoes-imediatas-para-taxistas.html>. Acesso em: 12 out. 2015.
Câmara Municipal de Belo Horizonte. Disponível em:
<www.cmbh.mg.gov.br/chapeu/servico-de-taxi>. Acesso em: 12 out. 2015.

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Anexo 7 – Serviços da Uber disponíveis em cidades brasileiras
Cidade uberX UberBLACK UberBIKE
Rio de Janeiro – RJ Sim Sim Não
São Paulo – SP Sim Sim Sim
Belo Horizonte – MG Sim Sim Não
Brasília – DF Sim Sim Não
Fonte: Site da Uber. Acesso em: 15 out. 2015.

Anexo 8 – Manifestação de taxistas contra a Uber

Fonte: Portal G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-


paulo/noticia/2015/09/manifestacao-de-taxistas-contra-uber-trava-ruas-importantes-do-centro-
de-sp.html>. Acesso em: 6 out. 2015. Fotos: Carolina Dantas/G1.

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