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DIREITOS SOCIAIS: AFINAL DO QUE SE TRATA?

Article  in  Revista USP · May 1998


DOI: 10.11606/issn.2316-9036.v0i37p34-45

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Vera Da silva Telles


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DIREITOS SOCIAIS
Afinal do que se trata?

Vera da Silva Telles

Belo Horizonte
Editora UFMG
1999
. .

SUMÁRIO
Copyright (Ç)1999 by Vera da Silva Tdle.:s
Este livro ou parte dele nào pode.: se.:r U.F.M.G. . BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA
re.:pr<x.!uzidopor qualquer meio sem
autori;z;I~'ào escrita do Editor
1111111111111111111111111111111111111
Telles, Vera da Silva 192030505
T274d Direitos sol"iais: annal do que
NÃODANIFIQUEESTAETIQUETA
se traia? / Vera da Silva Telles. -

Belo lIori7.0nte: Ed. UfMG, 1999.


Editora UI:MG
194p. - IHumanitas Pock"t)
Av. AntÔnio Carlos, 6627 - Prédio
I. Sodologia - BI~lsil I. Título da lIibliolc.:ca Ce.:ntral - Campus Apresentação 7
11. Série
Pampulha, sala 405 - 31270 - <)() I Política e espaço público na
- lido Horizonte.: - MG
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constituição do "Mundo Comum":
CDU: 3161HI)
Fax: (31) 499-4768 notas sobre o pensamento de
Hannah Arendt 27
E-mail: Editom@bu.urmg.br
Catalogação na publicação: Divisào de
IlIIp:llw\Vw.edilOrJs.com/urnlg Pobreza e cidadania: figurações
Planejamento e Divulgação da Bibliote.:ca
Universitária/UFMG
ConseUlO Editorial da questão social no Brasil
ISBN: 85-7041-182-0
Titlllares Carlos AntÔnio Leite
moderno ___ 77
HistÓria uerslIs I/atllreza: o IlIgarda
Projeto Gráfico Glória Campos -
Mallgâ
IIrandào, Heitor Capuzzo
Filho, Heloisa Maria Murgel pobreza lia sociedade brasileira _ 105
Capa Marcelo Be.:licosobre detalhe Starling, Luiz Otávio Fagundcs Opobre 011o cidadâo: asfig/lms da
de Le Chassellr(1933), de Oscar Amaral, Manoel Otávio da q/lestàosocial 128
Dominguez Costa Rocha, Maria,Helena
Editoração de Texto Ana Mariade [)amaSCeno e Silva Megalc.:, Sociedade civil e espaços
Moraes Romcu Cardoso Guimar:l<:s, pÚblicos: os caminhos (incel1os)
Revisão de Texto e Nonnalização Silvana Maria Leal Côser, da cidadania no Brasil atual _ 135
Simone de Almeida Gomes Wander Meio Miranda
Revisão de Provas LilianValdere.:z Direitos sociais: afinal do que
(Presidente)
Fclicio c Maria Stela Sou7.aReis se trata? u__ 169
SlIplel/leS AntÔnio Luiz Pinho
Produção Gr'.1ÍicaJonas Rodrigue.:s Ribeiro, Beatriz Rezende
Fróis
Dantas, Cristiano Machado
Fonnatação Ramon Alvcs Moure
GOnlijo, Leonardo Barci
UNIVERSIDADE FEDERAL DE Castriola, Maria das Gra~'as
MINAS GERAIS Santa Bárbara, Maurílio Nunes
Reitor Francisco César de Sá Barreto Vicira, Newton Bignolto de
Vice-Reitora Ana Lúcia Almeida Souza, Ikinaldo Martiniano
Gazzola Marques
.

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Em texto célebre, Roberto


... Schwarz comenta o quanto a sensação que este país sempre
deu de dualismos, disparates e contrastes de todos os tipos
deve à experiência do desconcerto diante de uma socie-
dade que se quer moderna, cosmopolita e civilizada, mas
que convive placidamente com a realidade da violência,
do arbítrio e da iniqüidade. RObel10Schwarz fala do século
X1Xe tematiza o descompasso entre representação e real
numa sociedade em que as relações de favor definiam um
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padrão de sociabilidade cuja especial vÍl1ude era esconjurar .! "Brasil real" ganhou identidade(s) e voz(es) própria(s), essa
a brutalidade da escravidão.\ A pobreza brasileira contem- modernidade emergente trouxe consigo as evidências de
porânea traz algo - ou muito - desse desconcel10. São, é um sistema de desigualdades, projetadas que foram, por
claro, outros os termos do desconcerto atual. Em primeiro força de conflitos e lutas sociais, no cenário pÚblico da
lugar, estamos diante de uma sociedade que não apenas sociedade brasileira. Nesse registro, a pobreza é trazida
se quer modema como, em alguma medida, se fez modema: para o lugar em que a linguagem elabora promessas de
é uma sociedade que se industrializou e se urbanizou, que futuro e a ação se faz visível na sua capacidade de, para
usar os termos de Hannah Arendt, interromper o ciclo da
gerou novas classes e grupos sociais, novos padrões de
natureza e dar início a um novo começo.
.
mobilidade e de conflito social, deixando para trás o velho
'.;.
Brasil patriarcal; é uma sociedade pOl1adora de uma dinâ- De fato, sob o impacto das lutas sociais que agitaram
~~
mica associativa que fez emergir novos atores e identidades, toda a década de 80, a nossa velha e nunca resolvida questão
novos comportamentos, valores e demandas, novas f0l111::15 social foi colocada no centro das promessas que acenavam
J
com a construção de uma sociedade capaz de conciliar ~
j de organização e de representação que teceram a face ~
LI
pÚblica de um Brasil moderno; é uma sociedade, enfim, maior liberdade e maior igualdade. Depois de 15 anos de '"
, S
que fez sua entrada na modernidade, que proclamou arbítrio e repressão, uma conflituosidade inédita atravessou
11

direitos, montou um formidável aparato de Previdência as mais diversas dimensões da vida social e fez ecoar 1

Social, que passou pela experiência de conflitos e mobili- por toda a sociedade, através de reivindicações diversas,
zações populares e construiu mecanismos factíveis de a exigência por uma ordem de vida mais justa e mais
negociação de interesses. Nesse caso, a !=>ersistência igualitária. A partir daí, a questão social ganhou dimensão
desconcertante da pobreza parece reativar velhos dualismos institucional evidente: enquanto "dívida social" a ser resga-
li
... tada para que esse país esteja à altura de uma modemidade
nas imagens de um atraso que ata o país às raízes de seu
passado e resiste, tal como a força da natureza, à potência pretendida como projeto, foi incorporada à agenda política
civilizadora do progresso. das forças oposicionistas que se articularam na transição
Em segundo lugar, o atual desconcerto é diferente democrática; com o fim do regime militar,compôs o elenco
porque a iniqüidade não é (ou não pode ser) mais expur- dos compromissos assumidos pela Nova República, foi
gada do real, reduzida que era a um mundo sem nome, já proclamada como prioridade e se transformou em peça
que não havia palavras para u-ansfonná-la numa experiência obrigatória do discurso oficial; no contexto de uma recessão
com significado vivo na sociedade. Se é verdade que o econômica prolongada e de uma sociedade devastada por

81 Pobreza e Cidadalli(/..
IJIHEITOS SOCIAIS 80
~7i

uma inflação descontrolada, transformou-se em item A pobreza contemporânea parece, na verdade, se


~ obrigatório em reiteradas propostas de pactos sociais, apre- constituir numa espécie de ponto cego que desafia teo-
~':'!
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sentadas como saída política para a crise brasileira; enquanto rias e modelos conhecidos de explicação. Ponto cego
~
~J
'l exigência de direitos, polarizou confrontos e negociações instaurado no centro mesmo de um Brasil moderno, a po-
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em debates parlamentares, e nào sem marchas e contra- breza contemporânea arma um novo campo de questões
marchas, avanços e recuos, ambigClidades e indefinições, a ao transbordar dos lugares nos quais esteve configurada
nova Constituiçào, aprovada em 1988,expressou a aspir'<I\:10 "desde sempre": nas franjas do mercado de trabalho, no
por uma sociedade democrática e mais igualil{IIÜ. Ness~l submundo da economia informal, nos confins do mundo
..' perspectiva, o desconcerto de que se fala se apresenta, rural, num Nordeste de pesada herança olig{lI"quica,em
,~~
.".. antes de tudo, como uma enorme perplexidade. Perplexi- tudo o mais, enfim, que fornecia (e ainda fornece) as
to
.1.- dade diante de uma década inaugurada com a promessa evidências da lógica excludente própria das circunst;}ncias
:,
I de redenção para os dramas da sociedade brasileira e que históricas que presidiram a entrada do país no mundo
I~ se encerrou encenando aos olhos de todos o espetáculo capitalista. De fato, ao lado da persistência de uma pobreza
':?I de raízes seculares, a face moderna da pobreza aparece
.1
de uma pobreza talvez jamais vista em nossa história
'.
'"
:. republicana, uma pobreza tão imensa que se começa a registrada no empobrecimento dos trabalhadores urbanos
desconfiar que esse país já ultrdpassou as fronteiras da vid~l integrados nos centros dinfunicos da economia do país.
civilizada. Como vários autores vêm enfatizando, a velha dicotomia
É, pol1anto, no horizonte de uma sociedade que se fez entre mercado formal e informal nào é mais suficiente para
modema e promete a modemidade, que a pobl;~za inquieta. diferenciar pobres e não-pobres, seja pela deterioração
Nas suas múltiplas evidências, evoca o enigma de uma salarial que se aprofundou durante os últimos anos, seja pela
ft' sociedade que não consegue traduzir direitos proclamados degradação dos serviços públicos que afetam a qualidade
em parâmetros mais igualitários de ação. Sinal de uma de vida nos centros urbanos, seja ainda pelo desemprego
população na prática destituída de seus direitos, a pobreza em larga escala que atinge o setor formal da economia.
brasileira não deixa, de fato, de ser enigmática numa socie- Na virada dos anos 80 para os 90, havia em tudo
dade que passou por mudanças de regime, fez a experiência isso, é certo, os efeitos mais evidentes de uma inflação
de conflitos diversos, de mobilizações e reivindicações que corroía salários, de uma crise prolongada e de polí-
populares, que mal ou bem fez sua entrada na moderni- ticas econômicas - políticas de ajuste econômico, como
da de e proclama, por isso mesmo, a universalidade da lei se convencionou dizer - que provocaram recessão e
e dos direitos nela sacramentados. desemprego, que induziram a um arrocho salarial sem

DIHEITOS SOCIAIS 82 83 I'u/Jr('za (' Cidada!/ia


-,
I

proporções em outros períodos da nossa história, que lideranças empresariais, como sinal de desigualdades sociais
levaram à redução dos gastos sociais e provocaram a indefensáveis num país que se quer à altura das nações do
deterioração dos já precários e insuficientes serviços Ptimeiro Mundo. Tema do debate público e alvo privilegiado
públicos. No entanto, se isso explica muito dos dilemas do discurso político, a pobreza é e sempre foi notada,
atuais, não é suficiente para explicar as dimensões da registrada e documentada. Poder-se-ia mesmo dizer que,
pobreza contemporânea. A chamada dívida social aumentou tal como uma sombra, a pobreza acompanha a história
muito nesses anos, mas suas origens vêm de mais longe. E brasileira, compondo o elenco dos problemas e dilemas
é precisamente nisso que começa a se armar o enigma da de um país que fez e ainda faz do progresso um projeto
..~ pobreza brasileira. Nos últimos 30 anos, e isso é consenso nacional. É isso propriamente que especifica o enigma da
~,.:.~
~'t entre analistas, o país construiu base econômica e institu- pobreza brasileira. Pois espanta que essa pobreza persis-
\,,1.-
..'"
.,.' cional para melhorar as condições de vida da população tente, conhecida, registrada e alvo do discurso político,
I)
.. brasileira, diminuir a escala das desigualdades sociais e não tenha sido suficiente para constituir uma opinião
.i viabilizar programas de erradicação da pobreza. Se nos pública crítica capaz de mobilizar vontades políticas na
t':
I,' anos de crescimento econômico as chances não foram defesa de padrões mínimos de vida para que esse país
~i
C. aproveitadas, isso não se deveu, portanto, à lógica cega mereça ser chamado de civilizado. Sobretudo espanta que o
~
I,; da economia, mas a um jogo político muito excludente, aumento visível da pobreza no correr dos anos nunca tenha
que repõe velhos privilégios, cria outros tantos e exclui as suscitado um debate público sobre a justiça e a igualdade,
i maiorias. Se a pobreza contemporânea diz respeito aos pondo em foco as iniqüidades inscritas na trama social.
f impasses do crescimento econômico num pàís situado na Como problema que inquieta e choca a sociedade, a
,~
1
periferia do mundo capitalista, põe em foco sobretudo a pobreza aparece sempre como sinal do atraso, pesado
.... tradição conservadora e autoritária dessa sociedade. tributo que o passado legou ao presente e que envergonha
Porém, ainda assim o enigma pem1anece. Pois, conser- um país que se acostumou a pensar ser o "país do futuro".
vadora e autoritária, a sociedade brasileira sempre teve, Tal como num jogo' de espelhos invertidos, a pobreza
para o bem ou para o mal, a questão social no seu horizonte incomoda ao encenar o avesso do Brasil que se quer
político. É uma sociedade na qual sempre existiu uma moderno e que se espelha na imagem - ou miragem -
consciência pública de uma pobreza persistente - a projetada das luzes do Primeiro Mundo. Nesse registro, a
pobreza sempre apareceu no discurso oficial, mas tam- pobreza é transfom1ada em natureza, resíduo que escapou
bém nas falas públicas ele representantes políticos e de à potência civilizadora da modernização e que ainda tem

DIREITOS SO\.IAIS 84 85 Pobreza (! Cidad(mia"


_.:~l. ~.
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que ser capturado e transformado pelo progresso. Como obsta a construção de um princípio de reciprocidade que
espetáculo, é transformada em paisagem que nos lembra confira ao outro o estatuto de sujeito de interesses válidos
a condição de país subdesenvolvido, mas que evoca as e direitos legítimos. Como bem nota Roberto Da Matta,
possibilidades de sua redenção pela via de um crescimento essa é uma matriz cultural própria de uma sociedade que
econômico capaz de brindar com seus benefícios os deser- não sofreu a revolução igualitária de que falava Tocquevillc,
dados da SOl1e.Entre as imagens do atraso e do progresso, em que as leis, ao contrário dos modelos clássicos, não
a pobreza desaparece como atualidade, como problema foram feitas para dissolver, mas para cimentar os privilégios
que diz respeito aos parâmetros que regem as relações dos "donos do poder"; e em que, por isso rnesmo, a
sociais e às regras da reciprocidade através das quais a modernidade anunciada pela universalidade das regras ..
sociabilidade se efetiva. Num certo sentido, a pobreza formais não chegou a ter o efeito racionalizador de que
contemporânea reatualiza questões já tratadas há muito trata Weber, convivendo com éticas particularistas do mundo
tempo por Sérgio Buarque de Holanda e retomadas em privado das relações pessoais que, ao serem projeta das na
outra chave por Roberto Schwarz. A "pobreza é hOITível", esfera pública, repõem a hierdrquia entre pessoas no lugar ~
4.,
mas não pode ser nomeada enquanto tal - é a aversão ao em que deveria existir a igualdade entre inclivíduos.1 E ~
-
....
real de que fala Buarque de Holanda2 - pois isso obrigaria essa é a matriz da incivilidade que atravessa de ponta a .t
à escolha, ao julgamento e ao questionamento da forte
estrutura de privilégios que caracteriza a sociedade brasileira:
ponta a vida social brasileira, de que são exemplos conhe-
cidos a prepotência e o autoritarismo nas relações de
,
.!-.'

a pobreza é notada e é registrada, mas - para usar os mando, para não falar do reiterado desrespeito aos direitos
termos de Schwarz - a notação não frutifica,o.real não se civis das populações trabalhadoras. Incivilidade que se
constitui como referência cognitiva e valorativa.3 ancora num imaginário persistente que fixa a pobreza como
As figuras de uma pobreza despojada de dimensão ética marca da inferioridade, modo de ser que descredencia
e transfon11ada em natureza fornecem, talvez, uma chave indivíduos para o exercício de seus direitos, já que perce-
para e\ucidar a persistência de uma pobreza em um país bidos numa diferença incomensurável, aquém das regras
que, afinal de contas, deixou para trás o estreito figurino da equivalência que a fOlmalidade da lei supõe e o exercício
da República oligárquica. Seria possível dizer que essa dos direitos deveria concretizar, do que é prova evidente
figuração pública da pobreza diz algo de uma sociedade a violência policial que declara publicamente que nem
em que vigoram as regras culturais de uma tradição hierár- todos são iguais perante a lei e que os mais elementares
quica, plasmadas em um padrão de sociabilidade que direitos civis só valem para os que detêm os atributos de

DIHf.ITOS SOCIAIS 86 87 l'uhrC'z(/ C' Cidad(ll,iCl.


~

:1
!
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respeitabilidade, percebidos como monopólio das "classes que se desdobra na prepotência e na violência presentes .1

i
superiores", reservando às "classes baixas" a imposição na vida social, que desfazem, na prática, o princípio fonnal ;1

autoritária da ordem. O enigma da pobreza está inteira- da igualdade perante a lei, repondo no Brasil moderno a i!

mente implicado no modo como direitos são negados na matriz histórica de uma cidadania definida como privilégio il
!i
trama das relações sociais. Não é por acaso, pOl1anto, que de classe.7 No entanto, não se trata de postular o descom-
tal como figurada no horizonte da sociedade brasileira, a passo entre o Brasil legal e o Brasil real, essa imagem 11

!
pobreza apareça despojada de dimensão ética e o debate sempre evocada pela força expressiva que ela contém 1

i
sobre ela seja dissociado da questão da igualdade e da para dar forma à perplexidade - ou o desconcerto, para i

falar como Schwarz - diante de uma realidade sempre na ,I..


justiça. Pois essa é uma figuração que corresponde a uma
. sociedade em que direitos não fazem pa11edas regras que contramão, contradizendo as promessas proclamadas no
organizam a vida social. É uma figuração que corresponde mundo luminoso das leis, das instituições e do Estado. Pois,
ao modo como as relações sociais se estruturam sem outrd a reposição de hierarquias e diferenças no solo social tem
medida além do poder dos interesses privados, de tal modo a ver com o modo mesmo como direitos, leis e justiça
que o problema do justo e do injusto não se coloca e social montaram os tem10Sda cidadania brasileird e teceram "

nem tem como se colocar, pois a vontade privada - e a as figurds do Brasil moderno.
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defesa de privilégios - é tomada como a medida de E é nisso que se aloja o parddoxo da sociedade brd.Sileird. I}
todas as coisas. ê;
Paradoxo de um projeto de modernidade que desfez as
Seria um equívoco creditar tudo isso à persistência regras da República oligárquica, que desencadeou um
de tradicionalismos de tempos passados, resíduos de um vigoroso processo de modernização econômica, social e
Brasil arcaico. Pois esses termos constroem a peculiaridade institucional, mas repôs a incivilidade nas relações sociais.
do Brasil moderno. É certo que a sociedade brasileira Pois nos anos 30, a concessão de direitos trabalhistas e a
carrega todo o peso da tradição de um país com passado montagem de um formidável sistema de proteção social
escravagista e que fez sua entrada na modernidade capi- tiraram a população trabalhadora do arbítrio, até então sem
talista no interior de uma concepção patriarcal de mando limite, do poder patronal, para jogá-Ia por inteiro sob a
e autoridade,s concepção esta que traduz diferenças e tutela estatal. Trata-se de um peculiar modelo de cidadania,
desigualdades no registro de hierarquias que criam a figurd. dissociado dos direitos políticos e também das regras da
do inferior que tem o dever da obediência, que merece o equivalência jurídica, tendo sido definida estritamente nos
favor e proteção, mas jamais os direitos.6 Tradição essa tennos da proteção do Estado, através dos direitos sociais,

DIREITOS SOCI.~IS 88 89 Pubreza e Cidada"ia...


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como recompensa ao cumprimento com o dever do que as marcas da origem deixam revelar seus efeitos na
trabalho. É a cidadania regulada, de que fala Wanderley cultura política desse país e na armadura institucional
Guilhenne dos Santos.HDissociado de um código universal dos direitos sociais. A persistência de uma percepção
de valores políticos e vinculado ao pel1encimento corpora- dos direitos como doação de um Estado protetor seria
tivo como condição para a existência cívica, é um modelo inexplicável sem essa peculiar experiência de cidadania
de cidadania que não consu\Jiu a figurd1110demado cidadão dissociada da liberdade política, como valor e como prática
referida a uma noção de indivíduo como sujeito moral e efetiva, e que se confunde, se reduz, ao acesso aos direitos
soberano nas suas prerrogativas políticas na sociedade. A sociais. Mas é preciso ver, também, que essa cultUrapolítica
rigor, este não tem lugar na sociedade brasileira, já que sua
identidade é atribuída pelo vínculo profissional sacramen-
se corporifica ao mesmo tempo que é realimentada numa
peculiar trama institucional na qual os direitos sociais se
I
.I
I
I

tado pela lei e que o qualifica para o exercício dos direitos. efetivar.am. Por isso mesmo, vale inten"Ogar-sepela eficácia I
O cidadão como indivíduo não tem identidade e figura desses direitos na moldagem da sociedade brasileira, pois
I
próprias: a verdadeira figura da cidadania é o sindicatoY É são eles que põem em foco os par.adoxos dessa sociedade.
ele que tem a posse de direitos e é através dele que o Não pela evidência do descompasso entre a existência
u-abalhador reconhecido pelo seu vínculo legal à cOlpordção formal de direitos e a realidade da destituição das maiorias.
d
...
profissional pode ter acesso aos benefícios sociais garantidos Ou melhor, pelo que esse descompasso revela da lógica .J
b
pelo Estado. Daí Santos dizer que a carteira de trabalho, que preside a formulação e formalização dos direitos na ~i
mais do que uma evidência trabalhista, é uma cel1idão de sociedade brasileira. Pois o que chama a atenção é a
nascimento cívico.10 Fora dessa condição, vig9ra o estado constituição de um lugar em que a igualdade prometida
de natureza no qual são submergidos todos os que têm pela lei reproduz e legitima desigualdades, um lugar
uma existência percebida como impermeável à regula- que constrói os signos do pertencimento cívico, mas
mentação estatal e que, por isso mesmo, não existem que contém dentro dele próprio o princípio que exclui as
para efeito legal. Desempregados, desocupados, subem- maiorias, um lugar que proclama a realização da justiça
pregados, trabalhadores sem emprego fixo e ocupação social, mas bloqueia os efeitos igualitários dos direitos na
definida são na prática transformados em pré-cidadãos, trama das relações sociais. Voltaremos à questão na segunda
"sujeitos ao tratamento hobbesiano clássico", ou seja, a parte desse texto.
repressão pura e simples, tanto privada como estatal. li Por ora, vale dizer que é nisso que se explicita o
Se é verdade que essa definição estritamente corpora- aspecto mais desconcertante da sociedade brasileira, uma
tiva de cidadania já é coisa do passado, também é certo sociedade que carrega uma peculiar experiência histórica

DIHEITOS SOCIAIS 90 91 Pobreza e Cidadania..,


-i-
,
I

Ii
j

na qual a lei, ao invés de garantir e universalizar direitos, tradição na qual os direitos sociais não foram formulados
destitui indivíduos de suas prerrogativas de cidadania e do ângulo das desigualdades sociais que eles supostamente
produz a fratura entre a figurado trabalhador e a do pobre deveriam compensar. Não foram formulados na perspectiva
incivil. Chama sobretudo a atenção uma lei que, ao pro- do indivíduo-cidadão que encontra nos direitos sociais um
clamare garantirdireitossociais,sacramenta desigualdades, recurso para compensar as vicissitudes da vida social que
repõe hierarquias pelo viés corporativo e introduz seg- o comprometeriam como indivíduo autônomo e soberdno
mentações que transforn1amem pré-cidadãostodos os que nas suas prerrogativas de cidadão. Como mostra Ângela
não têm a posse da carteira de trabalho.12 Maria de Castro Gomes, o Estado getulista definiu uma
Em primeiro lugar, se a partilha corporativa para efeito peculiar noção de igualdade entendida estritamente como . .
de atribuição de direitos já não existe, o pressuposto do igual direito à proteção do Estado, tendo por pressuposto
vínculo ocupacional ainda se mantém, o que significadizer a existência cívica definida pelo pel1encirnento corporativo.
que o acesso aos direitos sociais se dissocia, na prática, de Com isso, as desigualdades sociais se legitimavam no
!l. uma condição inerente de cidadania. Em segundo lugar, registro de hierarquias naturalizadas e traduzidas no orde- ,I
,
;'"
~. vinculados que são ao valor das contribuições fixadas a namento corporativo da sociedade. 1.3 ~
"
.
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..
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partir da renda adquirida através do trabalho, os benefícios É nessa matriz que sobretudo se esclarece o tipo de
,
0'0
#t
garantidos pelo Estado terminam por reproduzir o perfil vínculo entre Estado e sociedade que os direitos sociais
P definem. Tal como foram institucionalizados na sociedade
!
I
das desigualdades sociais.Nesse caso, a universalidade da
I' lei que garante a todos a proteção social c~msagradesi- brasileira, estabelecem uma relação vertical com o Estado
i
!
gualdades e anula na prática os efeitos redistributivos e que retribui na medida da contribuição de cada um, forma-
....
compensatórios que supostamente são os objetivos das lizando no mundo público da lei, uma matriz privada na
políticas sociais. Trata-se do que a literatura especializada qual as garantias contra a doença, a invalidez, a velhice, a
chama de "direito contratual", que, pelo menos no caso orfandade dependem inteiramente da capacidade - e da
brasileiro, tem a especial virtude de neutralizar a questão possibilidade, diríamos nós - de cada um em conquistar o
da igualdade. Mais do que limitações e perversões de um seu lugar no mercado de trabalho. Podem ser entendidos
determinado sistema de contribuição e financiamento da como uma espécie de contrato de serviços que o contri-
Previdência - questão que tem sido alvo privilegiado das buinte estabelece com o Estado. A rigor, não se constituem
críticas ao sistema previdenciário brasileiro -, o que como direitos sociais se por isso entendermos uma forma
importa aqui enfatizar é o quanto isso carrega de uma determinada de contrato social que define os tem10S da

DIREITOS SOCIAIS 92 93 Pobreza e Cidadallia...


INSTITUTODEGEOCIENCIAS
- UFMG
BIBLIOTECA

reciprocidade entre as classes e entre essas e o Estado, minorar a desgraça e ajudar a sobreviver na miséria.1úEsse
a partir das regras de julgamento que problematizam é o lugar dos não-direitos e da não-cidadania. É o lugar no
circunstâncias de vida e de trabalho, tipificando a ordem qual a pobreza vira "carência", a justiça se transforma em
de suas causalidades e responsabilidades. 1.1O fato de que caridade e os direitos em ajuda, a que o indivíduo tem
apenas muito recentemente se admitiu a necessidade de acesso não por sua condição de cidadania, mas pela prova
um seguro-desempregol; é, nesse sentido, caso exemplar de que dela está excluído. É o que Aldaiza Sposati chama
de uma sociedade que joga inteiramente nas costas dos de "mérito da necessidade" que define a natureza perversa
indivíduos a responsabilidade por seu próprio destino, de uma relação com o Estado que cria a figura do neces-
..
quando a perda dos meios de sobrevivência não tem relaç,10 sitado, que faz da pobreza um estigma pela evidência
do fracasso do indivíduo em lidar com os azares da vida
com seus atos, vontades e competências: Mas nesse exem-
plo mesmo fica claro que mais do que as características e que transforma a ajuda numa espécie de celebração
I
formais de um modelo de Previdência, o importante é a pÚblica de sua inferioridade, já que o seu acesso depende
'I tradição na qual ele está ancorado e à qual, de alguma do indivíduo provar que seus filhos estão subnutridos,
!l
.',,,
10.
" forma, dá continuidade. A definição da justiça social como que ele próprio é um incapacitado para a vida em socie-
,.
:~
tarefa do Estado teve por efeito neutralizar a questão da dade e que a desgraça é grande o suficiente para merecer
~l
... igualdade numa lógica perversa em que as desigualdades a ajuda estatal. Se na esfera dos direitos sociais a questão
tf.
j são transfiguradas no registro de diferenças sacramentadas da igualdade e da justiça é ocultada pela hierarquização
I
J
pela distribuição diferenciada dos benefícios, invisibilizando na distribuição dos benefícios sociais, aqui é a própria
I
I
a matriz real das exclusões. noção de responsabilidade pública que se dissolve como
i Direitos que recriam desigualdades, pela sua vinculação se fossem natUraisos azares do destino que jogam homens,
...
profissional são também direitos que não se universalizam mulheres e crianças para fora da sociedade.
e sobrepõem às diferenças sociais uma outra. clivagem que Nesse lugar de uma pobreza transformada em condição
transfonlla em não-cidadãos os que escapam às regic:lSdo natUral, não existem sujeitos. Nele, homens e mulheres se
contrato. Esses são os não-iguais, os que não estão creden- vêem privados de suas identidades, já que homogeneizados
ciados à existência cívica justamente porque privados de na situação estigmatizadora da carência. Sem existência
qualificação para o trabalho. São os pobres, figura clássica jurídica definida, nem mesmo Ihes cabe o recurso legal
da destitUição. Para eles, é reselvado o espaço da assistência a que em princípio os (outros) trabalhadores podem
social, cujo objetivo não é elevar condições de vida mas recorrer quando se percebem lesados nos seus direitos.17

DIRf.I'I'OS SOCIAIS 94 95 Pubreza l' Cidadal/ia..


A assistência social na verdade traduz no regisu"Qda carência filantrópicas e o própri9 Estado. Se é verdade que a matriz
esse mundo sem sujeitos que é o chamado mercado corporativa dos direitos produz a figura da pobreza incivil,
informal de trabalho no qual está submergida sua clientela sabe-se hoje que a tradição assistencial não começa com o
Estado getulista, mas com a filanu'opia privada cujas origens
potencial. É esse um mundo que se estrutura nas fronteiras
remontam ao Brasil colonial. Tradição que será redefinida
ambíguas entre a legalidade e a ilegalidade, um mundo
no século XIX e continuará pelas três primeiras décadas
que parece flutuar ao acaso de circunstâncias sem explicitar
desse século como lugar da "pobreza desvalida".2u Como
sua relação com as estruturas de dominação e poder da
mostra Aldaiza Sposati, no pós-30, o assistencialismo será
sociedade, um mundo onde não existe contrato fonmll de
trabalho, direitos sociais e representação profissional, um resgatado e redefinido pelo Estado getulista, instituciona-
lizando e sacramentando o que os autores chamam de
mundo, portanto, sem a medida por onde necessidades
e interesses possam se universalizar como demandas e "gestão filantrópica da pobreza".21 Paralelamente à centra-
reivindicações coletivas.18Esse é o ten'eno no qual transita lização e estatização dos serviços para os trabalhadores de
posse de seus direitos de cidadania, a assistência social '(
cerca de metade ou mais da população trabalhadora, I ~
, ..
I. seguirá, ao contrário, o caminho da descentralização através
i~
:!-.
I~
entre desempregados e trabalhadores do mercado inf01111al,
sem contar com as crianças, idosos e todos os que, por da articulação do Estado com a filantropia privada respon- 'J
.
)

~
-. razões diversas, estão fora do mercado de trabalho.19 sável pelos destituídos dos atributos da cidadania.22Enquanto :1
1
.
~/
n. a regulamentação profissional segmenta a sociedade em
Essa é uma gente desprovida de qualquer sistema
cidadãos e não-cidadãos, o perl't.ldas instituições de proteção
público de proteção social. Mas é também uma gente que
social irá, portanto, produzir a segmentação estigmatiza-
transita em um mundo social que "não existe" do ponto
dora entre trabalho e pobreza. Trabalho e pobreza trans-
de vista legal. Não existe pois à margem das regras f01111ais ,I
. f0111um-se,assim, em dois modos antinômicos de existência
""
da "cidadania regulada" que, apesar de todas as mudanças
social. Diante de uma figura normativa do trabalhador que
por que passou o país nas últimas décadas, mantém ope-
dá provas da sua capacidade para a vida em sociedade e,
rante o princípio excludente montado nos anos 30. Não
deixa de ser espantosa uma arquitetura institucional que portanto, tem o privilégio da proteção do Estado, a figura
do pobre é inteiramente desenhada em negativo sob o
sempre manteve mais da metade da população fora e à
signo da incapacidade e impotência, fazendo da ajuda a
margem do "Brasil legal" . Fora e à margem do "Brasil
única forma possível para os assim definidos "carentes" se
legal", porém submersa em uma intrincada e obscura
manterem em sociedade.
rede de relações que articulam miríades de organizações

97 J'obrl!za e Cidadallia.
DIREITOS SOCIAIS 96
Estranhos os caminhos da cidadania brasileird. Caminhos que articula os indivíduos em sociedade. Não é, portanto,
que, ao contrário das experiências clássicas conhecidas. num possível nivelamento das condições econômicas que
bloqueiam os efeitos igualitários que em princípio as leis e a igualdade deixa entrever seu significado. A igualdade,
os direitos deveriam produzir. Em texto no qual comenta a enfatiza Gauchet, é um núcleo de sentido, fonte de um
"Democracia na América", Marcel Gauchet chama a atenção imaginário - imaginário igualitário - que mostrd seus efeitos
pard o papel que o Estado modemo desempenhou na cons- no modo como os indivíduos se percebem e são percebidos
trução da "sociedade dos iguais" descrita por Tocquevillc. nas relações da vida em sociedade.
Para além dos efeitos niveladores da lei que dissolve A experiência brasileira parece se constituir ao revés
.
privilégios e hierarquias, o fundamental, diz Gauchet, é da "revolução igualitária" fundadora das sociedades moder-
a dinâmica igualitária que se instaura na sociedade e que nas, pois um mundo de hierarquias e diferenças é reposto
tem como foco o próprio Estado como a referência a e figurado por referência a esse lugar em que os direitos
partir da qual os indivíduos podem se conceber como são proclamados e sacramentada a universalidade da lei.
iguais.23A modema concepção de indivíduo como princípio E o que chama a atenção é o fato de ser precisamente a (
J
.. e fundamento da sociedade,21 diz Gauchet, não poderia justiça social a peça que obstrui a dinâmica igualitária, .
~
)
existir sem a referência a um Estado que se apresenta operando uma espécie de curto-circuito na dimensão j
"
como fonte da lei que deve valer para todos. O Estado é simbólica implicada na universalidade da lei. Aparente .
)
)
"o espelho no qual o indivíduo pôde se reconhecer na sua paradoxo este, pois os direitos sociais deveriam, em prin-
independência e auto-suficiência", liberando-se por essa cípio, mostrar seus efeitos ali onde a igualdade jurídica
via dos constrangimentos próprios dos modos tradicionais encontra o seu limite, levando mais longe o imaginário
de vida.25O Estado instaura sobretudo a referência simbó- igualitário no reconhecimento de que a sociedade deve dar
lica a partir da qual os indivíduos se reconhecem como garantias ao cidadão quando condições adversas compro-
iguais, independentemente de suas vinculações efetivas metem o seu direito à vida e ao trabalho.26 Porém, a justiça
de famHia,classe ou profissão. É essa a dimensão simbólica social brasileira não foi concebida no interior de um imagi-
embutida na fonnalidade da lei e na individualidade abstrata nário igualitário, mas sim no interior de um imaginário
nela pressuposta, que desencadeia uma dinâmica igualitária tutelar que desfigura a própria noção modema de direitos,
que tem a ver não com a supressão das desigualdades fOn11Uladosque são no registro da proteção garantida por
reais - estas irão se reproduzir nas sociedades modemas -, um Estado benevolente. Inútil, portanto, insistirnum descom-
mas com o modo como se concebe a natureza do vínculo passo entre Brasil legal e Brasil real. Pois não se trata de

DIREITOS s(X:I.~IS 98 99 Pobreza e Cidadallia.


r

I
leis que não funcionam e que sào como que revogadas da igualdade, o conflito aparece como acontecimento I

sociologicamente por uma realidade que não se ajusta à inevitável e irredutível da vida social, na medida em que
racionalidade abstrata das regras fonmtis. A persistência de os indivíduos se reconhecem e são reconhecidos no seu
desigualdades hierdrquizadas nào tem a ver com dimensões igual direito de pôr em questão modos de ser em sociedade.
da vida social que estariam subtraídas ao império da lei. Ao Mas o lugar que o conflito ocupa nas sociedades modemas
contrário disso, a lógica das discIiminações operd no modo mostra também que a igualdade não opera como um
mesmo como a legalidade se institui na sociedade brasileird. valor cultural transmitido pela força das tradições. Se assim
Em outros termos, é na própria experiência do mundo fosse, pouca esperança haveria para um Brasil de origem
público da lei que o "pobre" é jogado para a esfera da escravagista, portador de uma tradição que, na lógica das .
natureza, mundo das hierdrquias naturais através das quais diferenciações hierárquicas, atribui a indivíduos e grupos
discriminações e exclusões se processam. Todo o problema sociais modos de ser distintos e incomensuráveis. Mas o
parece estar precisamente na vigência de um mundo legal conflito é o outro pólo por onde a dinâmica igualitária se
que não chega a plasmar as regras da civilidade e os tennos processa. É através do conflito que os excluídos, os não- (
J
de uma identidade cidadã, de tal modo que hierarquias são iguais, impõem seu reconhecimento como indivíduos e
,..
J
repostas onde deveIiam prevalecer os valores modemos da interlocutores legítimos, dissolvendo as hierarquias nas quais
I
igualdade e da justiça. estavam subsumidos numa diferença sem equivalência .I
I
Nessa articulação das características de uma sociedade possível.27 É nele, portanto, que o enigma dos direitos se
!
hierárquica e a tradição autoritária há uma obstrução da decifra, enquanto conquista de reconhecimento e legiti- j
i
dinâmica igualitária própria das sociedades modemas. As midade, sem o que a cidadania formulada nos termos da
dificuldades de se acolher o conflito como acontecimento lei não se universaliza e não tem como se enraizar nas
legítimo são os seus indícios mais evidentes. Como mostrei práticas sociais. É nele ainda que a questão da justiça se
Gauchet, enquanto foco de um imaginário que se traduz qualifica, enquanto garantia de uma eqüidade que a desi-
nas regras da sociabilidade que articula indivíduos e classes, gualdade de posições sempre compromete. Isso significa
a igualdade é precisamente posta à prova no reconheci- que a questão da justiça está implicada na trama dos
mento - de fato e de direito - da diferença do outro. É, conflitos. Na verdade, constitui o próprio campo dos
portanto, apenas no interior de um imaginário igualitário conflitos: é em tomo da medida do justo e do injusto que
que o conflito pode emergir como acontecimento legí- a reivindicação por direitos é formulada, os embates se
timo. Ou melhor: numa sociedade regida pelo código processam e se desdobram numa negociação possível.

OIREn-os SOCI.~IS 100 101 Pobreza e Cidada 1/ia...


pelas mudanças em curso do Brasil contemporâneo, essa
A experiência brasileira mostra quão penosa pode ser
tradição (e imaginário) é reposta nessa figuração dos
a conquista da igualdade. Mostra o quanto pode existir conflitos.
de ambivalência em uma sociedade na qual a dinâmica
igualitária inscrita nas lutas sociais dos últimos anos convive Se é verdade que muita coisa mudou no Brasil contem-
com discriminações sempre repostas pela lógica das hierar- por~tneo, se direitos, participaçJo, representação e nego-
quias enidizada no subsolo moral e cultural da sociedade. ciação j5 fazem parte do vocabulário político ao menos
Mas mostra sobretUdo o quanto tradições podem ser eficazes nos principais centros urbanos do país, a questào da pobreza
no sentido de bloquear a potência propriamente simbólica permanece e persiste desvinculada de um debate público .
dos conflitos. É como se os conflitos fossem reduzidos a sobre critérios de igualdade e justiça. Mesmo que as figuras
uma mera factualidade, percebidos no registro estrito de históricas de um Estado tutelar nJO tenham mais vigência
defesa corporativa de interesses, sem que o seu aconteci- no Brasil atual, mesmo que tenham sido submetida, nos
mento tenha esse desdobidmento no sentido de figurar na últimos anos, a um jogo cruzado de críticas que, à esquerda
" sociedade e para a sociedade a questão da justiça - e, e à direita, por razões diversas e sob lógicas políticas
distintas, denunciaram seus efeitos pelversos na história
portanto, da igualdade - implicada na reivindicação por
direitos. Mesmo quando reconhecidos como fatos rotineiros brasileira, a tradição cobrd e continua cobrando seus tributos
da vida social, a questão da justiça é deles subtidída sob as numa espécie de linha de sombra em que se confunde
I. direitos e ajuda, cidadania e proteção assistencial, ao mesmo
imagens da desordem, da convulsão, da irresponsabilidade
ou da pura e simples inconseqüência diante das "tarefas tempo em que repõe essa espantosa indiferença diante
nacionais" prometidas a gaidntir o interesse de todos. Aqui, do espetáculo da pobreza, que tanto caracteriza a socie-
é a nossa e velha conhecida tradição estatista que se faz dade brasileira. Pois é na própria visibilidade da pobreza
. ., presente na afinnação do Estado como instância exclusiva que a tlddição se ancora pard figurdro seu lugar no horizonte
simbólico da sociedade. Visível por todos os lados, nas suas
de uma ação dotada de sentido e eficácia política, referência
evidências a pobreza é percebida como efeito indesejado
primeira por onde razão estatal e razão nacional se fundem
de uma história sem autores e responsabilidades. Nesse
na construção de um princípio de ordem posto como
anterioridade e fundamento da própria sociedade,28 pólo registro, aparece como chaga aberta a lembrar o tempo
exclusivo de legitimidade sobre o qual se imagina fundar todo o atldSOque envergonha um país que se quer moderno,
de tal modo que sua eliminação é projetada para as
um consenso quanto ao que seja ou deva ser bem público
e interesses da Nação. Mesmo que devidamente temperdda promessas civilizatórias de um progresso que haverá,

103 !'ubreza e Cidadwlia.


DIREITOS SOCIAIS
/02
algum dia, quem sabe, de absorver os que foram até agora comum de equivalência, tendo na lei a referência simbólica
dele excluídos. Como problema que inquieta e choca a a pal1ir da qual os indivíduos, na irredutível singularidade
sociedade, a pobreza aparece no entanto no registro da de cada um, podem se reconhecer como semelhantes.3u
Transformada em paisagem, a pobreza é trivializada e
patologia, seja nas evidências da destituição dos miseráveis
banalizada, dado com o qual se convive - com um
que clamam pela ação protetora e assistencial do Estado,
certo desconforto, é verdade -, mas que não interpela
seja nas imagens da violência que apelam para sua a~'ão
responsabilidades individuais e coletivas. Como se sabe,
preventiva e, sobretudo, repressiva. Num registro ou no
a trivializaçào é sinal de uma incapacidade de discerni-
outro, a pobreza é encenada como algo externo a um ..
mento e julgamento - é a isso que Hannah Arendt se
mundo propriamente social, enquanto mundo no qual sào
construídas as regras das reciprocidades sem as quais a refere quando fala da banalidade do mal..~'Na verdade, a
sociabilidade não poderia se realizar. Fruto de exclusões pobreza brasileira, persistente no correr das décadas, é o
retrato de uma sociedade que confundiu e ainda confunde
múltiplas, parece armar um cenário no qual desaparece ,,
modernização com modernidade, uma sociedade na qual J
como problema que diz respeito aos parâmetros que j
as noções de igualdade, liberdade e justiça - valores defi-
", regem as relações sociais. Nessas formas de encenação I !
nidores dos "tempos modernos" - nào têm funçào crítica
"
",

.,
pública, a pobreza é transformada em paisagem29 que
e, na melhor das hipóteses, viram assunto de uma eterna
j ~
I (;:
,

lembra a todos o atraso do país, atraso que haverá de ser,


: desconversa que é, para Robe110Schwarz, a marca regis-
algum dia, absolvido pelas forças civilizatóriasdo progresso.
trada do que ele chama "desfaçatez de classe",-32
Paisagem que rememOía as origens e que projeta no futuro
as possibilidades de sua redenção, a pobreza não se atualiza História versus natureza: o lugar da pobreza
como presente, ou melhor, na imagem do atraso, aparece na sociedade brasileira
'I, como sinal de uma ausência. Pobreza transformada em natureza: pobreza transfi-
Como paisagem, essa pobreza pode provocar a com- gurada em imagens que desfiguram diferenças, desigual-
paixão, mas não a indignação moral diante de uma regra dades e conflitos num território indiferenciado para além
de justiça que tenha sido violada. Como lembra I-Iannah da sociedade e, pOl1anto, paía além da história. É isso que
Arendt, o primeiro é um sentimento estritamente privado esclarece o sentido de uma exclusão que se processa na
e as ações que são por ele movidas marcam distâncias e lógica de uma cidadania restrita em que os direitos nào se
reafirmam a inferioridade do outro, que é o seu objeto. A universalizam. Pois para além do que existe como regra
indignaçào moral só pode existir se houver uma medida forn1al,os direitos - desde que reconhecidos - estruturam a

101 105 I'ubreza e Ci{/a{/allia..


I>IHHI'O'; ';lX1.\b
I
I

linguagem que torna a defesa de interesses audível na questão social- "a questão social é um caso de polícia"
sociedade e dá f0l1n~1reconhecível aos contlitos. As práticas \ - havia a afirmação de um lugar no qual a pobreza era
I percebida, apreendida e objetivada, para além da cegueira
regidas pelos direitos montam o cenário no qual a experi-
ênci:1da diversidade contlituosa dos interesses se faz como ideológica desse liberalismo peculiar que conseguia a
história na medida mesmo em que constrÓi as balizas por proeza de conviver com a escravidão e conferir razão ao
onde o conflito se bz legível e compreensível nos registros arbítrio embutido num paternalismo de raízes patriarcais. I

de seu acontecimento. De fato, nesse Brasil urbano que se iniciava na vida !


política independente, chama a atenção o quanto a
i
r
Nas imagens que transformam a pobrez~l em natureza, .'
a prÓpria história é neutralizada. Presente e visível como pobreza f~lziapane da experiência de uma sociedade em
paisagem, a pobreza encena o atraso do país - o país dos mudança, que se queria moderna e civilizada, na direção
contrastes. Atraso que aparece como o fardo pesado que a de um progresso sintonizado com o padrão europeu. O
sociedade carrega e que vem de uma história sem autores tema do progresso, verdadeira obsessão da época, montava
um horizonte simbólico que construía as figuras de um
e responsabilidades, transformada, pOl1anto, tJmbém ela,
em natureza que ainda precisa ser capturada e tr:msf0I111ac!a presente dilacerado entre os símbolos nos quais as elites
se reconheciam satisfeitas de sua própria modernidade e
"'
sob o signo do progresso.
os sinais de um atraso associado à incivilidade popular e
É nesse modo de figurar o lugar da pobreza na socie-
que gerava o desconforto, horror e temor diante de uma
dade que o presente evoca a história passada. Se esta pode
realidade que encenava o avesso da sociedade que se
esclarecer algo de nosso próprio presente, é pela possibi-
lidade de esclarecer a lógica de destituição embutida no queria construir.
modo como são construídas as figuras e os lugares da Foi nesse horizonte que a miséria urbana foi tematizada

pobreza na sociedade brasileira. Não se pretende com o por uma opinião pública constituída por jomalistas, cronistas,
que segue reconstituir fatos, acontecimentos e circunstâncias literatos e políticos, por médicos, juristas, sanitaristas,
que montam uma história real. O que impol1a é flagrar as engenheiros e todos os tipos de especialistas que, banhados
do cientificismo da época, advogavam a exigência de uma
imagens da pobreza através elananação que os histoliadores
fazem de um Brasil urbano que se constituía na virada do intervenção reformadora nas cidades para cimentar o
caminho do progresso. Os modos de ser das populações
século passado. Mais especificamente, importa perceber
o lugar que a pobreza ocupava no horizonte simbólico pobres das cidades foram radiografados, encenados e
da sociedade brasileira. Na recusa da existência de uma dramatizados pela literatura e pela crônica jomalística, que

lOõ
107 /'u/)/"{!za (' Cidadal/ia
DllmTOS SOCIAIS
faziam o retrato de uma humanidade degradada pela legado de um passado que se queria esconjurar aparecia
miséria e ignorância;33suas condições de vida, seus hábitos, transfigurado no caráter de uma gente que não podia se
seus costumes, suas práticas amorosas, suas relações fami- constituir num povo de verdade, porque minada na sua
liares foram objeto das atenções de juristas preocupados constituição física e moral pelos efeitos de uma mistura
em tipificar patologias sociais, crimes e comportamentos peIVersa de raças e tradições, uma gente sem vocação
delinqüentes; foram obselvados e analisados por médicos para a vida disciplinada do trabalho e da família, que fazia
e sanitaristas preocupados em descobrir as causas sociais e do ócio e da vadiagem um estilo de vida, que levava uma
morais da doença, da mortalidade infantil e da loucura;}! vida alheia às regrds morais e aos códigos da vida civilizada,
foram alvo das preocupações de militantes liberais que que resistia às luzes da razão em seu apego irracional a -,
denunciavam a anomia em que viviam os pobres da cidade costumes, crenças e crendices de tempos passados, uma
e que defendiam cruzadas moralizantes como condição gente, enfim, que vegetava numa existência degradada,
para a fOffi1açãode indivíduos autônomos e responsáveis, feita de ignorância, promiscuidade e desordem moral.
,I à altura da Nação que se queria construir;3; seus hábitos Essas imagens não existiam como um modelo pronto
,-
01.0
i '
l
I II
itinerantes nas cidades e os usos populares de seus espaços transmitido pela força cultural de tradições. Se é verdade
'..' foram objeto de preocupações de jornalistas, cronistas e que seus telmos foram definidos ainda no BrJ.silescrava-
.
,~
reforma dores urbanos,.3ó mas também de delegados de gista, configurando os dilemas de uma época obcecada
polícia que em seus inquéritos e relatórios individualizavam pela questão da construção da nacionalidade num país de
tipos sociais e discriminavam instrumentos de controle escravos, essas imagens foram, no entanto, reelaboradas e
diferenciados para o vadio, o desempregado, o criminoso, redefinidas no terreno conflituoso da vida urbana. Devem
o mendigo, o inválido, o louco, a criança abandonadaY por isso mesmo serem entendidas como o registro simbó-
'I,
Tudo isso junto montava as figuras de uma pobreza que lico de práticas e acontecimentos que teciam uma história
inquietava a sociedade. Mas se a miséria inquietava, era viva no solo da sociedade: trabalhadores pobres que, através
porque o retrato que dela se fazia exalava a ignorância e a da variedade das ocupações incertas e irregulares que a
incivilidade de uma gente que trazia na própria natureza, vida urbana permitia, ocupavam as ruas da cidade numa
como vício de caráter, um passado que se queria superado. lógica que escapava às regras contratuais do mercado38 e
Os traços visíveis da presença popular nos espaços resistiram como puderam à repressão e destruição de seus
urbanos compunham uma realidade escrita em negativo. espaços, que vierJ.m junto com transformações e refoffi1as
O popular, na verdade, era o próprio vazio social. O urbanas;39moradores de cortiços e bairros pobres da cidade

I>1Hf.ITOS SOCIAIS 108 109 /'ob/"eza e Cidada !Iill ,


cuja heterogeneidade de hábitos, costumes e tradi~'ões não na sua dimensão propriamente histórica, estes só poderiam
se ajustava a um padrão de moralidade projetado das mesmo ser apreendidos no registro da natureza.
elites e classes médias, que construíam as regras de uma Mas talvez seja nas imagens da desordem urbana que
sociabilidade que desfazia, a cada passo, o sentido de mais se esclareça o sentido da experiência inédita que se
ordem que se imaginava possível impor pela lei'lJe que fazia dessa pobreza encenada exatamellle no lugar que
tinham uma "economia moral" que definia uma noção deveria consagrar o progresso como símbolo da elllr~l(b
implícita de direitos e deveres nas suas relações com () do país no panteão das na~'ões civilizadas. A imagem de
Estado, de tal forma que quando a ação deste exorbitava e uma cidade insalubre, insegura e perigosa, habitada por
ultrapassava a fronteil<ldo que era percebido como legítimo, uma população rude, estranha, que nem mesmo falava a
a resposta era a resistência aberta ou mesmo a rebelião, mesma língua, muito menos compartilhava dos mesmos
como aconteceu na Revolta da Vacina;'" operários da costumes e que ameaçava a vida civilizada com o crime, a
indústria nascente que faziam greves e reivindicavam doença, a depravação moral e o motim, traduzia a consci-
" .. direitos, organizavam associações sindicais e publicavam ência do divórcio elllre dois mundos sem equivalência
., "r. jomais e boletins próprios, enfrentaram a polícia, resistiram possível entre si, pois regidos por temporalidades distintas
,.'
'.
"
~lintransigência patronal, colocando, depois de 1917, a por onde se dava o choque entre as forças do atraso e as
,. ::.
'
questão social na ordem do dia elaviciapolítica republicana.'l forças do progresso. É nessa espécie de confronto entre
J, .\
Essa presença popular era fragmentária e descontínua, natureza e cultura que se ancorava a ordem de razões que
além de isolada nos centros urbanos de um país em que o dava sentido à illlolerfll1ciasocial e justificava a repressão
mundo rural ainda predominava como fato' e influência e perseguição às manifestações da cultura popular, suas
política. Mas nem por isso era destituída de eficácia no pr~lticas religiosas, seus espaços de sociabilidade, seus
... .,~
sentido de produzir fatos e acontecimentos que interagiam usos da cidade e, é claro, a toda forma de aglomeração
na dinâmica política que vinha sendo construída em torno que pudesse prefigurar a ameaça do motim e da ação
de um 13rdsilurbano emergente. Porém, nada disso parecia desatinada das massas incultas.
fazer história, eram práticas e acontecimentos registrados Nào por acaso a redenção modernizadora do país ser~l
nos sinais invertidos de um povo ignorante, incivil e pensada nos termos da reforma urbana exigida para orga-
potencialmente perigoso, Na construção dessas imagens, nizar os espaços da cidade, disciplinar seus usos, moralizar
há uma operação simbólica particular que destituía aconte- os costumes e retirar as populações elastrevas da ignordncia.
cimentos de qualquer significação positiva. Desfigurados Para Nicolau Sevcenko, a experiência pel1.urbadora de uma

IJIHEITOS "c)c'I,~" 1/0 1/1 J)(Jhn'ztl (' CidacllllJio.


1I
I

modernidade divorciada do real, que não encontrava um éticas" e pela vigência de toda sorte de voluntarismos
solo fixo onde fecundar e se traduzir enquanto Nação, ser{1 salvacionistas "animados pela noção de Progresso".1(' Na
a matriz da atitude reformista e salvacionista de toda uma interpretação da autora, a predominância na segunda
geração de intelectuais que se auto-representavam como metade do século À1Xdo tema do progresso, associado ~I
agentes e condição da transformação. Convictos da possi- questão da superação da herança colonial e da construção
bilidade de gerir os destinos do país através da ciência, de uma identidade nacional, irá repor a precedência do
esses intelectuais se propuseram a um "mergulho profundo Estado sobre a sociedade, enquanto razão modernizadora
na realidade do país, a tlm de conhecer-lhe as caractelísticas, a paI1irda qual a história poderia ser lida como a passagem
os processos, as tendências e poder encontrar um veredicto progressiva da "cidade indigna" para a "cidade ideal", Daí
.
seguro, capaz de descobrir uma ordem no caos presente a autora dizer que a cultura da reforma conformou os
ou pelo menos diretrizes mais ou menos evidentes, que termos da nova civilização brasileira. A modernização
permitiam um juízo concreto sobre o futuro".'í,~Mas, nesse aparece como mito de origem que legitima o regime na
I.. caso, o real não se apresentava como Inundo social cons- sua tarefa de construção racional da Nação, de tal forma
-.o truído através da interação humana. Para usar os tel1110Sde que essa legitimidade se descola do espaço político dos
.-
... Flora Sussekind, tratava-se do olhar desterrado diante de conflitos por onde foi resolvida a construção republicana
.,
.~i um real que prescindia da reflexão pois já dado, confor- nas sociedades modernas.
mado que foi previamente pelo passado transformado A razão nacional fOl11ll1ladanos termos da cidade ideal
em natureza.~'l Em outras palavras, a notação do real não que se queria construir por uma intelvenção orientada pela
frutificava no sentido de se buscar os tennos'pelos quais ciência correspondia a "uma preocupação excessiva com
problematizar a sociedade a pal1ir de seus acontecimentos o conhecimento sobre a cidade e, principalmente, sobre
.",1
e conflitos.'i; seus habitantes, dado que os refolllladores compartilhavam
Essa é uma questão tratada por Maria Alice Rezende, da crença comum no século XIXde que a verdade equivale à
que localiza nisso, nesse real que não surge como positivi- justiça e que a força da denúncia, ao abolir os preconceitos,
dade - pois percebido no registro do vazio e da ausência eliminaria as iniqüidades".'í7 Mas, a cidade ideal iria se
- a chave que elucida a história de uma República que chocar o tempo todo com a cidade real, com sua sociabi-
"nunca guardou compromisso com uma política e uma lidade conflitiva e plural que desafiava as possibilidades
legalidade detenninadas", uma República sobretudo carac- de um princípio único de ordenamento e que ficava sem
terizada por um "esvaziamento progressivo das questões palavràs para ser nomeada nos termos dos seus conflitos,

DIHEITOS SOCIAIS /12 113 J~(J""{,Ztl e Cidadallia


questão social tal como contemporaneamente é entendida
antagonismos e contradições. Nesse caso, a experiência
- isso significariareconhecer o que não poderia ter lugar:
que se fazia do social repunha a imagem de um~1sociedade
fraturada internamente por tempos e culturas distintos, um uma positivicbde no mundo social apreendida no aconte-
"mundo de insutlciências", como diz Rezendc, fr:.\gmentjrio, cimento dos conflitos e nas relações que at1iculam classes,

inconstante, privado de um princípio de finalidade, de ul grupos e indivíduos. É isso sobretudo que esclarece os
fonna que essa experiência só poderia ser descriu nos tennos pelos quais foi recusada a existência de uma quest~lo
termos de uma desordem que, no limite, punha em risco social, apesar dos conflitos operários, apesar das denúncias
as condiçÔes da vida em sociedade. No contexto do pani- das condiç,'Ôes degradadas de vida c trabalho de que os
..
documentos da época dào v~\rios exemplos, apesar das
cu1arismo e privativismo patriarcal da época, o imaginjrio
do progresso registrava, ao mesmo tempo que repunha, a vozes públicas que advogavam a exigência de direitos e
impossibilidade da experiência das oposiçÔes e connitos de mudanças nas relações de trabalho:''} A questão social
de interesses de construir uma história e baliza!"a memória era negada sob argumentos que forjavam a imagem de
de seu próprio tempo. Esta operação ser~\ projetada na um país transformado em pura natureza - natureza gene-
rosa: um país cheio de recursos, de possibilidades e chances ,,'
ficção de um Estado - Estado demiurgo - capaz de cons-
truir a sociedade pela vontade modernizador:.\: construção, de trabalho e mobilidade social. Um país, portanto, em

portanto, que prescinde de uma soci:1bilidade rotinizaeb que estavam ausentes, ao contrário de outras terras, as
pelo trabalho ou pela institucionalidade política liberal- condições que poderiam alimentar a "desinteligência de
democrática e que se situa no tempo homogêneo da nossas classes operárias" com seus patrões. Daí a questão
modernização, como caminho linear do estado de ausência social não ser um problema relativo à ordem social, mas
para a plenitude prometida pelo progresso. Mas com isso, sim à ordem pública por conta da agitação de uma minoria
J.'~
o divórcio entre sociedade e Estado é reabel10 pela fratura de estrangeiros vindos "de outros climas, habituados a outras
entre a realidade e esse lugar onde uma noção de bem leis e m::lI1irizadospor softimentos por nós desconhecidos". 50
público, referida à "cidade ideal", se constitui. IX Quando se admitia a necessidade da intervenção do Est.:.-I.do,
a ênfase que predominava estava cunhada pelo paterna-
Nesse horizonte simbólico em que o soci~daparece como
lismo assistencialista da época, que propunha a legislação
mundo naturalizado e constituído fora .elaintera~'ãohumana,
social não como um direito do u'abalhador. mas como "uma
em que o povo é figura ausente e o indivíduo é reduzido :\
preocupação de <.:unhos:mitátioe moral,tendo a famíliacomo
pessoa desprovida dos atributos da rnão, da moralidade c
seu objetivo e a casa como seu campo de atuação"." Quanto
da autonomia, não poderia mesmo haver uma no<;:ãode
1/5 /Juhre:a (' Cidadania.
DIHEITOS SOClAh l/-í
aos direitos trabalhistas, eram abeI1amente recusados sob Não se trata aqui de denunciar os horrores da República
Velha. Tampouco cobrar de seus contemporâneos o que
argumentos regidos por todos os preconceitos de uma
talvez estivesse fora do horizonte histórico da época.
sociedade de recente passado escravagista: a tutela fabril
era reafirmada como recurso para disciplinar e formar o Importa, porém, chamar a atenção para uma figuração
caráter de trabalhadores incapazes e despreparados para das desigualdades que obsta a construção de um princípio
receber os direitos que lhes estavam sendo propostos. de equivalência que confird ao outro - as classes populares
Nesse caso, as luzes do progresso identificadas com o - identidade e estatuto de sujeito. É nisso que se explicita
trabalho industrial se associavam com o paternalismo o significado de uma cidadania que excluiu as maiorias e
...:. se transformou em prerrogativa exclusiva do proprietário-
patriarcal que transcrevia relações de trabalho - e o
contlito no seu interior - no registro de hierarquias naturais cidadão.5'\ Pois a regra que define os atributos que qualifi-
cam os indivíduos como cidadãos, confere ao mesmo tem-
projetadas de um modelo privado de autoridade. 52Os
trabalhadores continuavam sendo vistos como pobres, po legitimidade às suas formas de vida e modos de ser.
.4:: gente humilde que precisava da tutela, merecia o favor e Os que escapam à essa medida, não têm a dignidade de
.....
.j.,i a caridade, mas jamais direitos. Como diz Paoli, sujeito. Fora da regra, não fazem parte da sociedade e são
.
.
..
.~

l'
(/u que /1/(10 illdica, es/e buri-
fixados, por isso mesmo, no terreno da natureza: mundo
~.0\1
" naturalizado conformado pela obra cega dos tempos. Se os
zon/e simbólico eI1COlltr(//)(/
J. ')
COI/seIlSO lIloral /ambém Ilas
que estão fora lutam, resistem, protestam, se têm vontades
I

I: classes médias: U11I borizollte e constroem suas próprias razões, nada disso pode emer-
I;
I' gir como algo pertinente à vida em sociedade. No mun-
simbólico que de!>pacbava os
II
i. II trabalbadores pobres para o do público, são apenas os "pobres", expressão que su-
" .,,~ mundo do favor, da depell- gere mais do que uma simples descrição sociológica da
dência, da bierarquia exc!u- realidade porque expressa uma indiferenciação que é a
den/e: uma figu ra que para ser forma mais radical da destituição: os pobres são aqueles
incluída Ila ordem das coisas
que não têm nome, não têm rosto, não têm identidade,
necessi/aua ser IIIIl babitallte
não têm interioridade, não têm vontade e são desprovi-
silel~cioso e sem i/1/erioridade,
dos da razão. Nessa (des)figuração, é definido também o
conslitllído por obra bel1eméli/a
das ch/es5] seu lugar na ordem natural das coisas: são as classes baixas,
as classes inferiores, os ignorantes, que só podem esperar

117 I'obrl!za I! Cidadallia


IJIHEITOS SOCIAIS /lG
no uso bruto c.b fOI"\'ae da violência. Esse mundo não
a proteção benevolente dos superiores ou então a caridade
poderia mesmo se constituir como sociedade - sociedade
da filantropia privada.
civil, poderíamos dizer - se por isso entendermos uma
As figuras da pobreza dizem, portanto, mais do que
esfera de sociabilidade que al1icula indivíduos e classes no
os hOlToresda privação material. Elas montam um celÜrio
próprio terreno conllituoso dos interesses e constrói algo
no qual a sociedade se f~lzver no modo mesmo de sua como uma dic~;:1o comum - mas não idêntica - que
constituição. No interior de um imagin:lrio que desrealiza
permite a interlocuç:lO.
a realidade no registro do vazio e carência, a questão eb

..'
pobreza esclarece algo desse divórcio entre Brasil real e
Num mundo social que tinha por única medida o
particubrismo patriarcal, a ficç:1ode um povo inexistente
.
Brasil legal, entre Estado e Naç~lo,Estado e sociedade, que
vira, pOI1anto,realidade. {vIiivezes repetida, entre o desgosto
inquietava os contempodneos e que foi e ainda é temati-
e o desprezo pela triste realidade brasileira, a idéia de um
zado por tantos quantos se debruçaram sobre nossa história
povo apático, alheio. incivil e desprovido de espírito
republicana. Pois esses são os termos que traduzem os
público dizia algo mais do que o descompasso entre a
4~ paradoxos de uma sociedade na qual o universalismo
,.. realidade brasileira e os modelos conhecidos de cidadão
oU
.. burguês que conferia uma identidade moderna às elites
;.,
..
.. não chegava no plano das relações sociais herdadas do importados de outras realidades. Murilo de Carvalho tem
$ passado colonial e escravagista. Ao "Brasil legal" corres- razão ao dizer que o problema estava na enorme distància
,\ entre a população e as elites que não conseguiam ver
I' pondiam, no "Brasil real", a violência, o mandonismo local
i:: discernimento no compol1amento popular.S6 Mas é essa
i, e a capangagem, o que significa dizer a indistinção entre
i;i ~ distância que interessa compreender. Murilo de Carvalho
público e privado, arbítrio e lei, n0l111ae vontade pessoal.'~
Ii chama a atenç:1o para o fato de que, nos anos iniciais da
,i
!
Ou seja, o retrato perfeito de uma l{epública oligárquica:
.,J um mundo em que a delimitação da dimensào pública da República, as várias propostas - em contlito entre si - de
sociedade que, em princípio, a lei proclama e a institucio- República e cidadania que ocupavam o universo ideológico
nalidade garante, nào tem força nonnativa diante das da época padeciam de uma ambigüidade de fundo quanto
vontades privadas; em que a ordem legal não é para valer ~Isua idéia de povo e ao seu modelo de cidadão. Se era
ou sÓ o é quando torna-se instrumentO de interesses I comum a insatisfação com o passado, também o era a
I I inceneza quanto aos rumos do futuro e, sobretudo, "quanto
pessoais; em que a defesa de interesses prescinde da
mediação representativa porque se faz nas relações de favor I
I à reação do público a que se dirigiam ou, em alguns casos,
1
entre pessoas privadas; em que conOitos e oposições IÚO quanto à própria identidade desse pÚblico".s7 Mas seria
chegam a ganhar forma institucional porque são resolvidos
/19 /Jo!Jreza (' Cidadania
I >lUF.lT( 'S S( ,CIAh
/18
nos termos exclusivos da razão estatal, mas que se realiza,
inútil procurar um povo, pois este não estava em lugar
de fato, na prática patrimonialista da privatização da coisa
nenhum: quando ficava no lugar que lhe era atribuído,
pÚblica. Em segundo lugar, é uma sociedade que se subtrai
correspondia ~timagem de povo humilde, resignado, pací-
a uma reflexão que problematize sua experiência a partir
fico, obediente, mas... bestializado; quando saía desse
das questões postas pelo tempo histórico de seu aconteci-
lugar atrdvés do protesto, do motim ou da greve, dissolvia-se
mento, Não por acaso, a reflexão que em outros lugares
na imagem da turba de desordeiros, ignorantes, vaga-
produziu uma historiografia, aqui se realizou na tentativa de
bundos e desclassificados movidos pela desrazão. Não se
ancorar a singularidade do país na geografia que detennina
trata, pot1anto, da distância empírica entre dois universos ..
., o reino dos fatos e o caráter de sua geme.59 Ao invés dos
sociais e cultlIrdis cujos contornos poderiam ser claramente
fixados sob um olhar antropológico. A distância sugere a
registros da história, é a natureza - aqui, natureza-meio-
que aparece como referência das origens de um país
impossibilidade de uma medida comum que, no interior
da diversidade dos modos de ser e dos antagonismos de sempre em busca de sua própria identidade:úObasta lembrar
que a busca por um "povo brasileiro" sempre se traduziu
( interesses, estabelecesse alguma regra de equivalência
.) na tentativa de fixar tipos sociais enquanto expressão de
.~
u entre as diferenças. A exclusão da cidadania ao mesmo
um caráter nacional produzido na simbiose entre as raças
..
. tempo que expressa, repõe essa impossibilidade.
j e entre estas e a natureza; quanto à idéia de Nação, esta
A exclusão do outro enquanto diferença reconhecida
\ ~ foi sempre associada a uma natureza generosa o "berço -
I ~
! ;.
como identidade e representação significa uma sociedade
esplêndido" - que prefigura o país do futuro - o "gigante
ii sem alteridade. Sem alteridade, é uma sociedade que se
I!
! , fecha ao questionamento que a experiência do conflito
adoffi1ecido" - pelas riquezas que contém, riquezas, é bom

it
notar, que prescindem do trabalho para existir enquanto tal.
I sempre acarreta. Em prirneiro lugar, é uma sociedade que
J Sem alteridade, essa é uma sociedade na qual a reali-
bloqueia a possibilidade da construção propriamente polí-
dade vira o espelho de uma projeção narcísica das elites.
tica de uma noção do bem público na relação sempre
Daí essa espécie de esquizofrenia de que o país padece
tensa e problemática entre a sua definição oficial cOl'pori-
ainda hoje, em que identidades modernas projetadas na
ficada na institucionalidade legal e jurídica e as razões que
imagem (ou miragem) de um Brasil civilizado neutralizam
formulam os critérios de validade e pertinência pública
a incivilidade nas práticas sociais. São os "dois Brasis"
dos interesses em conflito.;'~ Daí a persistência de un1a
embutidos na fonna como as relações sociais se instituem.61
figura do bem público que se confunde com um Estado
De um lado, isso significa uma realidade transformada
demiurgo, uma noção de bem público que é formulada
121 /'ub/'('Z(/ (' Cid(/dallia..
DIREITOS SOCIAIS
120
em cena de delinqüência generalizada em que ninguém duvidar de sua própria identidade. Impossibilidade da
palavra, pois qualquer expressão corre o risco de revelar
é responsável por nada, rois cada um faz de si sua própria
lei e toma seus interesses como a medida de todas as a origem indigna, marca da inferioridade social e sina dos
coisas. Uma sociedade C0l110essa só poderia mesmo ter que não têm lugar fora das relações de tutela e favor. Nas
"Recordações...", Lima 13arretodescreve uma trajetória de
gerado um capitalismo selvagem e predatório - um capi-
destruição da interioridade de um sujeito que não tem
talismo sem ética protestante, como j{l se disse várias
como reagir no mundo e ao mundo, sujeito que a rigor
vezes - no qual inexiste a idéia de povo, território e
não se constitui como tal porque tem sua vontade seqües-
cultUra enquanto valores e categorias políticas que balizam
.~
trada, impotente que é para escolher o seu próprio desti-
o jogo dos interesses por referência a um "mundo comum" no.62São os sonhos de glória que se estilhaçam num mundo
construído como história e legado das gerações. Em segundo
hostil em que cada evento, cada palavra, cada ato declara
lugar - o mais impol1ante, do ponto de vista das questões a sua inferioridade e sua nulidade: a indiferença do senador
aqui discutidas - a realidade do arbítrio, da violência, da que lhe recusa proteção, a acusação de roubo, a recusa de
I
~ iniqüidade fica sem palavras para ser nomeada. A desti- emprego, a desqualificação de sua vontade como presunção
:;J

j,j

1-
tuição do "pobre" encontra aqui a sua tradução mais de alguém que não conhece o seu lugar. Encontrar UI11
..
~
,.

;;
completa: privação da palavra, ou seja, a privação de um lugar nesse mundo significa abrir mão de tudo o que
,~ mundo de significações no qual suas vontades, necessidades
t
.,
poderia constituir uma identidade, pois é lugar atribuído
e aspirações pudessem ser elaboradas e reconhecidas nas por aqueles que detêm poder de decidir, enu'e a humilhação,
;f
suas próprias razões. a indiferença e a cooptação, o destino do outro seu inferior.65
,~
1.1 Nesse ponto, impossível não lembrar da triste figura Nesse caso, o trabalho honesto não é suficiente para definir
!' r de lsaías Caminha. Como sempre acontece, a literatUra se um modo de reconhecimento: é a proteção do superior e
J antecede à reflexão teórica, dando forma e significado ao o prestígio dourado de uma redação de jornal que confere
que ainda se mantém latente e invisível na experiência algo próximo de uma dignidade à mediocridade das tarefas
que os homens fazem do mundo. Ao descrever as desven- de um contínuo humilde e prestativo. Se vem uma pro-
turas de lsaías Caminha, Lima Barreto faz o relato de uma moção inesperada, é porque um golpe de sOl1eo faz cair
experiência muda que por estar privada da palavra não nas graças de alguém "de cima" que soube se aproveitar
de seus talentos. Ao final de tudo isso, resta uma figura
pode criar vínculos com os iguais da sOl1e, experiência
que só pode ser vivida na mais radical solidão e no senti- vazia, espelho no qual o superior-protetor se enxerga
mento dilacerante da humilhação que, no limite, faz envaidecido de seu próprio poder.M

722 723 I'ohre::a <' Cicladal/ia,


DIHEITOS SOCIAIS
I I
.
I
I
!

... social enquanto atributo de honestidade que neutralizava o


estigma da pobreza.ús A figuração política do trabalho se
Na história aberta em 1930, o Estado irá atribuir estatuto confundia, pOI1anto, com figuração do próprio poder no
civil a uma gente que só encontrava lugar nas relações interior de um discurso que fazia da justiça social a obra
de favor e estava sujeita à arbitrariedade sem limites do civilizadora por excelência que tirava o trabalhador do
mando patronal. Este estatuto civil será definido pelo estado de natureza, o redimia da pobreza através da
trabalho, como dever cívico e obrigação moral perante a proteção ao trabalho e o dignificava enquanto Povo e
Nação. Com isso, é certo, o Estado getulista conferiu ao
trabalho uma dignidade que era recusada por uma socie-
Nação. Sob o silêncio imposto pela repressão e pela razão
totalizadora do Estado, esse discurso acompanhava a regu-
. I

dade recém-saída da escravidão. E, através da legislação lamentação da vida fabril, construindo a ficção da lei que
trabalhista, quebrou a exclusividade do mando patronal, garante direitos pela força que emana do lugar de sua
colocando o espaço fabril no âmbito da intelvenção estatal. enunciação e que prescinde da ação coletiva, enquanto
Porém, é no modo como o estatuto do trabalho foi definido luta, conquista e representação.ó6
, _ e a cidadania formulada - que se aloja o enigma de um No entanto, a legislação social e o decreto do salário
J
J
., projeto de modernidade que desestruturou as regras da mínimo não foram suficientes para impedir a deterioração
.. c
) ,J
República oligárquica, mas repôs a incivilidade no plano das condições de vida da população trabalhadora, bem
.
)II das relações sociais. como a fOffi1Ulaçãolegal não significava a vigência prática
h
Nos termos de uma democracia social, o trabalho dos direitos que eram abertamente desrespeitados ou
ganhará um sentido público inédito: será id~ntificado ao então marupulados e instrumentalizados para reforçar ainda
11
. "bem comum" corporificado na figura de um 'Estado que, mais o mando privado patrona1.67Por outro lado, a lei que
através da justiça social, ordena a sociedade e constrói a dava existência jurídica aos direitos do trabalho, também
J
Nação. O trabalho será projetado por inteiro no espaço do prescrevia os modos aceitos de contestação pelas vias
poder, por referência ao qual o lugar de cada um será dos procedimentos jurídicos e dos caminhos burocráticos
definido na sociedade: através do trabalho o indivíduo da Justiça do Trabalho: os direitos se transformaram em
passava a ter existência civil e se trdnsformava em cidadão regras legais no processo de trabalho, mas deslegitimaram
a quem o Estado oferecia a proteção dos direitos sociais; a reivindicação e legalizaram a repressão.ó8 Quanto aos
através do trabalho, o indivíduo ganhava personalidade mordi que tinham uma condição de existência percebida como
enquanto prova de compromisso com a Nação; através impermeável à regulação legal, incapazes portanto de
do trabalho, finalmente, o indivíduo ganhava identidade
125 f'ubreza e Cidadtll/itl.
124
nIH~ITOS SOCIAIS
como algo que não interpela responsabilidades sociais nas
pertencimento cívico, esses eram os "outros", os que
circunstâncias que afetam a vida de toda uma classe. E é
estavam fora, não eram trabalhadores por mais que exer-
isso que arnla o paradoxo de um projeto de modernidade
cessem regularnlente uma atividade produtiva, não faziam
que colocou a questão social no centro da vida política
parte do povo e não mereciam a proteção do Estado:
brasileira, mas repôs os pressupostos de um capitalismo
desempregados, subempregados, trabalhadores uomés-
selvagem e predatório: promete a redenção da pobreza
ticos, autônomos caíam na vala comum de uma condição
criminalizada e indiferenciada que os confundia com o mar- no mesmo ato em que a reproduz na figura do pobre

ginal, o criminoso e o subversivo. Para todos esses, a esfe-


desprotegido; proclama os direitos mas desfaz sua eficácia
nas relações entre as classes.
I
.
ra pública só existia como repressão e toda sua existência
era rigorosamente privatizada e destituída de significado A questão social colocada como tarefa de um Estado
redentor sobretudo parece repor esse imaginário em que
positivo. Na melhor das hipóteses, eram os desprivile-
giados da sorte "cujas dificuldades (eram) vistas apenas o presente é desatualizado e desrealizado entre as imagens
como pessoais, privadas, qualidades negativas ou situa- do atraso e a miragem do futuro em que, por obra do
ções azaradas".w Estado demiurgo, a virtualidade do país - o "país do futuro"
- se realiza. No país das promessas - os populismos de
Numa sociedade tornada pública pela regulamentação
todos os tipos, o que são senão uma reiterada neutralização
estatal, a vida social será privatizada na medida em que
do presente em nome do futuro luminoso prometido? - a
dela é retirada a possibilidade da ação, representação e
pobreza vira a sombra que o passado projeta no presente:
negociação de interesses, repondo a violência nas rela- o desemprego, a fome, a doença, a invalidez, a mortalidade,
ções civis. Dignificado o trabalho no lugar do poder, o
a destituição material ficam por conta de circunstâncias
trabalhador é, ao mesmo tempo, desreconhecido e des-
genéricas em que não existem sujeitos e muito menos
qualificado como sujeito de experiências válidas, já que
responsabilidades, apenas falam dos destinos da história
interpelado como trabalhador pobre desamparado que
que fizeram deste país um país pobre, porém pleno de
precisa da tutela estatal ou então estigmatizado como fonte
possibilidades. Nessa representação, os antagonismos e
do crime e da desordem social. Transfornlada em símbolo
conflitos desaparecem na sua positividade sob a figuração
legitimado r de um poder que fez dela a celebração pública
da "Indústria" como agente da modernização que produz
da modernidade inauguradora dos novos tempos, a justiça
riquezas e gera o emprego para os que dele precisam.
social como dever administra.do pelo Estado irá ao mesmo
Quanto aos dramas da sobrevivência, são desvinculados
tempo desobrigar a sociedade do destino de seus cidadãos,
127 !Juhreza e Cidadania.
DIREITOS SOCI.~IS
12G
ao reconhecimento dos interesses e das razões que dão
das relações de classe e submergidos na figuração desi-
plausibilidade às aspirações por um trabalho mais digno,
dentificadora da pobreza: tornam-se "dado de realidade"
por uma vida mais decente, por uma sociedade mais civi-
nomeado apenas para lembrar as responsabilidades do
lizada nas suas formas de sociabilidade.
Estado em amparar e proteger aqueles que não conseguem,
No horizonte da cidadania, a questão social se redetlne
com seu próprio trabalho, garantir um lugar ao sol numa
sociedade generosa em possibilidades de ascensão e e o "pobre", a rigor, deixa de existir. Sob o risco do exagero,
mobilidade social. diria que pobreza e cidadania são categorias antinômicas.
Radicalizando o argumento, ditia que, na ótica da cidadania,
o pobre ou o cidadão: as figuras da questão pobre e pobreza não existem. O que existe, isso sim, são
social indivíduos e grupos sociais em situações particulares de
Muita coisa mudou no Brasil atual. Para retomar os denegação de direitos. É uma outra figuração da questão
termos da abertura deste capítulo, o "Brasil real" ganhou social, que põe em cena a ordem das causalidades e
I voz própria e se fez ver através de uma sociedade perce- responsabilidades envolvidas em situações diversas e nem
:t
". bida como solo de experiências válidas porque espaço de sempre equivalentes. São situações diversas de de negação
li:
;: representação e negociação de interesses e de formação e privação de direitos, que se processam em campos dife-
:1 de uma opinião pública plural que recusa a exclusividade rentes, com responsabilidades e causalidades identificáveis
'I da voz do poder. Para usar a expressão de Weffort, a
~ e que armam, ao menos virtualmente, arenas distintas de
:J,
"descoberta da sociedade"70 se fez na experiência dos
i representação e reivindicação, de interlocução pública e
:1 movimentos sociais, das lutas operárias, dos embates polí-
I negociação entre atores sociais e entre sociedade e Estado.
ticos que afirmavam, frente ao Estado, a identidade de Ao invés do "pobre" atado pelo destino ao mundo das
j sujeitos que reclamavam por sua autonomia, construindo privações, o cidadão que reivindica e luta por seus direitos:
um espaço público infol111al,descontínuo e plural por onde duas figurações opostas e excludentes da questão social.
circularam reivindicações diversas. Espaço público no qual
A indiferenciação do pobre remete a uma esfera homogênea
se elaborou e se difundiu, para usar a expressão de Lefort,
das necessidades na qual o indivíduo desaparece como
uma "consciência do direito a ter direitos" ,71conformando
identidade, vontade e ação pois plenamente dominado
os tel1110Sde uma experiência inédita na história brasileira,
pelas circunstâncias que o determinam na sua impotência.
em que a cidadania é buscada como luta e conquista e É essa homogeneização carregada de conseqüências, inscrita
a reivindicação de direitos interpela a sociedade en-
na figura do pobre, que a prática da cidadania dissolve. E é
quanto exigência de uma negociação possível, aberta
129 /'ubreza e Cidadallia
DIHEITOS ~IAIS /28
campo dos conflitos que agitaram toda essa década, foi
contra a desrealização da questão da pobreza que a prática
construída uma trama representativa por onde a reivindi-
da cidadania se põe, na medida em que torna presentes
cação por direitos pôde circular, criando identidades onde
necessidades sociais e coletivas no interior de uma lin-
antes parecia só existirem homens e mulheres indiferen-
guagem - a linguagem dos direitos - que as coloca no ciados na sua própria privação. As ambigüidades e ambi-
centro das relações sociais e da dinâmica política da socie-
valências nesse processo, muito ligeiramente sugeridas
dade. Para colocar a questão num OUU'O registro,é através das
acima, "apenas" mostram que é penoso o caminho na
práticas de cidadania que se t~lZa passagem da natureza para direção de uma sociedade mais igualitária e democrática.
a cultura, tirando o outro do indiferenciado e inominado,
Mostram que as conquistas se fazem com dificuldades sob
elaborando sua(s) identidade(s), construindo o(s) seu(s)
o pano de fundo de uma gramática social (e política)
lugar(es) de pertencimento e integrando-o(s) por inteiro regida por regras muito excludentes que repõem velhas
nesse espaço em que a experiência do mundo se faz como
hierarquias, criam outras tantas e excluem do jogo as
I história.
maiorias. Mas mostram também que é pelo ângulo dessa
J Se nos últimos anos a trama da sociedade brasileira se sociedade civil atuante que é possível entrever horizontes
modificou, abrindo-se ao reconhecimento das demandas possíveis para uma utopia democrática.
~

!. populares, mesmo que no modo ambíguo e ambivalente (A versâo original desse texto foi apresentada como o
:
.1 de uma opinião pública sempre pronta a desfazer sua capítulo Cidadania e Pobreza, da tese de doutorado: A
t cidadania inexistente: incivilidade e pobreza. São
legitimidade e evocar as velhas imagens da desordem; se Paulo: Departamento de Sociologia da USP/Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1992, v.2.)
a negociação já se torna factível no lugar en1 que antes
apenas existia a violência que, sem deixar de estar presente
Notas
o tempo todo, já não aparece como resposta exclusiva e
I SCIIWARZ, RobeJ1o. Ao uencedo,'as \ PAOLl, Maria C~lia. Trabalhadores e
evidente por si mesma na ordem de suas razões; se a batatas. 3.l'd. São Paulo: Duas Cidades, cidadania. Experiência do mundo pú-
1988. blico da história do Brasil moderno.
palavra "trabalhador" (e do trabalhador) começa a ser
l IIOLo\KDA, Sérgio Buarque. Raizes Revista de Estudos A lXlnçados da USP,
acolhida positivamente, rompendo o sentido antes unívoco do Brasil. 18.ed. Rio de Janeiro: Jos~ \'.3, n.7, pA0-66, 1989.
de inferioridade, mesmo que a acusação de ignorância e Ol}'mpio, 1981. 6 ClIAuí, Marilena. Conformismo e
J SClIWARZ, Roberto. Um mestre ,za resistência. AspedOS da cultura ropular
incompetência para a coisa pública continue a mobilizar pe,'!(eria do capitalismo. Machado de no Brasil. 2.cd. São Paulo: Brasiliensc,
Assis. São Paulo: Duas Cidades. 1990. 1987.
o imaginário coletivo e a tranqüilizar a opinião pública
. DA MAll:o\, ROOCI10.A casa ea nw. 7 ABREU,~rgio Adorno. Osaprel/dizes
"esclarecida" que se vê confirmada em seus arraigados Espaço, cidadania, mulher e 111011e no do poder. O bacharclismo liberal na
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985.
preconceitos; se tudo isso pôde acontecer é porque no
131 l'uh,'('zc/ e Cit/at/al/ia.
DIREITOS SOCIAIS 130
II SEYCENKO, J'\icolau. Literatura como .1CAHYALlIO. Os bestializados... Ver
lU ABREU, Sérgio Adorno, CASTRO, !
política bõJ.SileiõJ. Rio de Janl.:iro: Paz e missào. Tensões sociais e criação cul- lambém: SILVA, Eduardo. As lJlwL\'as
Terra, 1988. Myrian Me.-;quita. A pobre7..a coloni7~1(.b. tural na Primeira República. São Paulo: do pouo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
I
~ SANTOS, Wanderk:y Guilhenne. Cida-
Se/viço Social e Sociedade. Revista de lkJ.siliense, 1985. 1988.
~
Serviço Social, n.17, pA9-n, 1985; .HESTEYES.Manha de Abreu. Meninas ',l fAUSTO, Boris. 'fi'abalbo IIrb(//1O e
dallia ejustiça. A política soda! na ordem
brJ.SileirJ. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
ABREU,Sérgio Adorno. A gestão filan- cOliflito illdusllial. São Paulo/Rio de
perdidas. Os populares e o cotidiano
? PAOLl. Rc.>tJistade E~tudos Auallçados,
trópica da pobreza urbana. SeloPaulo do amor no Rio de Janeiro da Belle Janeiro: Difel, 1976.
em Perspectiva,FundaçãoSEADE,v.l, ..1SI:\fCEI'\KO.Literatura CUIIlOIIlLwiu....
pAO-66. I~poque. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
n.''I,p.9-17, abr./jun. 1990. 1989; CUNI IA, Maria Clementina. O
10SAI\TOS. Cidadania eJustiça... p.85.
li SPOSA'I1.A vida urlxmaeagestàoda
I1 Idem. espelbo do IIltwdo. Juquery, a história ." SUSSEKIJ'\(). O 13rasilnâo é longe
pobreza. de um a.~ilo.Rio de Janeiro: Paz e TeflJ, e/aqui...
12 Idem. II Idem. 1987; RAGO, Margareth. Docaban?ao .;1"Perdidos no seu próprio presente.
Ij "Era da desigualdade nalural que 21 GAUCIIET, MareeI. Tocque\'ille, 1m:A utopia da cidade disciplinar, Br.lsil e.~ homens vasculharam-no em busca
emergia um delenninado tipo de igual- 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e TerrJ,
I'Amérique et nous. Sur Ia gencse de de indícios de futuro. O que, e\'iden-
dade: o penencimento à comunidade Ia socielé democralique. Libre, Paris, 1985; DE DECCA, Maria Auxiliadora temente, tem efeito reversivo, já que,
nacional por via do penencimenlo à Guzzo. A vida/ora dasfâlJricas: coti-
Payot, n.7, pA3-120, 1980. decretado o desejo de sublimação,
alividade profLo;.~ional."
GOMES, Ângela diano operário em São Paulo (I 920-
l-,A respeito, ver: DUMONT, l..ouis. O o futuro tem o significado de uma
Maria de Castro. A illvellçào do tra/XI- 1931'\).Rio de Janeiro: PazeTeJrJ,1987.
illdividuaIL~mo. Uma perspectiva an- metáforJ. que denuncia os seus anseios,
Ibismo. Política e legislação no BrJ-
tropológica da ideologia moderna. Rio j; ABREU. Os aprendizes do poder... os seus projetos, o seu sentimento e
siI.1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, !
de Janeiro: Rocco, 1985. y, RAGO. Do cabarrJ ao 1(11:..;ESTEYES. sobretudo, sua impotência diante do
1989. p.225.
'I GAUCIIET. Libre, p.106. Meninasperdidas...; SEYCENKO.Lite- presente. E..o;.~as
sua.~ formas de querer,
o; EWALD, fõ,lOçois. L 'Htatprovidellce. I
ratura como missão... ser e sentir têm uma raiz social e é
Paris: Grasset, 1986. 26A respeito, ver: GAUCIIET, MareeI. ~

La Névolutioll des droits de I'bomme. j7 PAULO, Heloisa Ilelena de Jesus. dela que elas falam. O estudo da reali-
I~É sempre bom k:mbõJr: por força das Paris: GaJlimard, 1989. tv1crcado e polícia - São Paulo, 1890- dade brasileira tem, pois, também, esse
pressões do movimento sindical e da 27GAUCIIET. Libre, pA3-120. 1915. Nevista Brasiíeira de História, efeito curioso de aliviar a angústia de
I<.:mbrança perturbadora dos movi- v.1I\, n.7, p.115-130, mar./ago. 1987. homens naufragados entre o passado
fAORO, Raimundo. Os dOllos do po-
:!8
mentos e saques de desempregados jACIIALlIOUB, Sidney. 'fi'abalbo, lare e o presente, à procura de um ponto
der. formação do patronato político
por ocasião da recessão do início da botequim. O cotidiano dos trabalhado- fixo em que se apoiar." SEYCEJ'\KO.
bmsilciro. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo,
dC-cada. res no Rio de Janeiro da 13dle Époque. Literatura como missão..., p.86.
1987.
16SPOSA11, Adaiza. A dela 14rba Ila ea São Paulo: BõJ.Siliense, 1986; 1'11\1'0, .6 CARYALlIO, Maria Alice Rezende.
l'}Tomo aqui de empréstimo uma ex-
gestào da pob/'eza. São Paulo: COl1ez, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano República Bõ&sileirJ:viagem ao mesmo
1988. pressão de SUSSEKU\D, florJ.. O Bmsil e sobrevivência. A vida do tõJbalhador lugar. Dados, Revista de Ciências Sociais,
lIelOé10llgeelaqui. O narlJdor, a viagem. v.30, n.3, p.303-321, 1989.
17Idem. pobre na cidade de São Paulo. São Pau-
São Paulo: Companhia das IgU-.L5,1990.
lo: faculdade de Ilistória da USP, 1981\. 47lbidem. p.315.
IA A propósito do mercado informal, 30AREJ'\DT, Ilannah. Los origelles dei
ver: OLIVEIRA, fõJJ1dsco. O elo perdido. (Tese de Doutorado) 48"Nosso mito, aliado à crôni<:a rejeiç-::io
totalitarismo. Madrid: Taurus, 1971\.
Classe e identidade de cla.-;sc. São Paulo: !fiSEYCEJ\'KO.Litemltlra como missâo... do mundo fatual que herdamos do
Capítulo 9. 1'.31\3-381\:La decadencia
13rJsiliense, 1987. -10ABREU, Sérgio Adorno. A gestão Império, impuseram uma certa des-
de Ia !\ación-Estado Y d final de los
I? Para falar apenas da popula~'ão líJlxl- filantrópica da pobreza urbana. São Pau- confiança de que a Ilistória pudesse
derechos dei hombre.
Ihadora, os dados são impressionan- loem Pr...>rspectitXl,
fundaçào SEADE, v.l\, tornar-se objeto de conhecimento,
jl _' Eicbma/lll à Jel1~salem: levando-nos a construir e venerar a
tes: em 1990,estimava-se que entre o n.1, p.9-17, abr./jun. 1990; CAHYALIIO,
rapport sur Ia banalíté du mal. Paris: José Murilo. Os bestializados. O Rio de memória de alguns heróis, a descon-
desemprego e o trabalho no mercado Gallimard,I966.
Janeiro e a República que não foi. São siderJ.r a nece.o;.~idadede urna historio-
informal, cerca de 52%da população
j1 SCIIWARZ, RolX:110. Um mestre na
ativa estavam desprovidas de qualquer Paulo: Companhia das Letras, 1987. grJfia republicana e a desenvolver uma
periferia do capitalismo...
br:JõJ.ntia e protL'(,.-ão social (I'1\:\D, 1(90).

733 /)uh,.eztl e Cidadallia


DIREITOS SOCIAIS 132
reflexão eternamente em busca do Heprescnta~-ão polítiGl no ocidente. São
Paulo: Brasiliense. 1989.
momento em que o país real pudesse
se 'ajustar' à vida republicana .., O S')Aqui. como não lembrar o percurso
de Euclides da Cunha para fazer de
tema do progresso... repõe o problema
Canudos um fato que releva da natu-
ontológico (da origem da República)
r<':7.3.enquanto meio, neutrali7lmdo. por
que implica a concepção de um inter-
valo aberto entre a realidade - res. <.:ssa via. a cf<.:tividad<.: da história no
acont<.:cimento do conflito.
rei - e o público. t\uma pa\a\'I~l. a n;s
está alÓn do público e se manifesta '" A respeito. ver; SUSSEKI)\;\). O I3rasil
sob a forma de algo atempoml qu<.:.no lleiOé IOllgedaqui...
<.:ntanto, articula e torna signiricativo o 1,1Esse é tema tratado por Hob<.:rlo
mundo histórico."lbid<.:m. p.319. Schwarz in: SClIWARZ. UIIImestre //{/
49Ver: GOMES. Ângcla Maria de Castro. periferia do capitali$mo...
IJU/1juesiae tmlxúlJo. Políticae Icgisb,;ão 1.2 Essa é questão discutida por José
social no Brasil. 1917-1937. Rio de Paulo I'aes in: I'AES.josé Paulo. O po-
janeiro: Campus. 1979. bre diabo no romance brJ..~ileiro.NOllos
soWhashington Luizem programa d<.: J-;$tudos,CEBRAI', 11.20.p.38-53. mar.
lançamento oricialde sua candidatum. 1988.
em 27 de dezembro de 1925. Citado 6~Ver: SCIIWAI{Z. Um lIIestre lia peri-
in: GOMES. IJurguesia e trabaIIJo..., feria do capitali$//IO...
p.l01. 64Idem.
SIIbidem. p.l02. 6SGOMES. A ill1J(!lIçào do tralxilhi$-
S2GOMES. IJurguesia e trabalho...; mo:...
I'AOLl. Maria Célia. Os trabalhadores (i,I'AOLI. Nc..vistade H,StudosAucmçados
na fala dos outros. Tempo, espaço <.: da US/~ p./t0-66.
classe na históriaoperária bmsileir,1.In: 67Idem.
LOPES.José Sérgio Leite (Coard.). 68lbidem. p.57.
Cultura e itúmtidadeoperárla. A~p<.:cto.~ 69I'AOI.I. Maria Célia. Mulheres: o lu-
da culturJ. da classe trabalhadora. Hio gar, a imagem, o movimento. In;
de janeiro; Marco Zero. 1987.p.53-102. FRA1'\CIIETO. Maria l.aura et aI. Pers-
S3I'AOU. Rc.>/)ista
de F.studos Aucmçados pectivas CIIltropológicas da mulher.
da USP, p.'Í6. Rio de janeiro: Zahar. 1985. p.92.
S4ABREU. Osaprelldizesdopoder... 70WEFFORT. Francisco. Por que a de-
ss E.'iSaquestão é discutida por Malilena lIIocracia?São Paulo: Brasiliense. 198/t.
Chauí in: CIIAUí. COllformislllo e re- 71LEFORT. Claude. J-;$saissurfe politi-
sistêllcia.. . que. XIX<-XX" siccles. Paris: Seuil.
56CARVALHO. Os bestializados... 1986. 1'.31-58: Les droits de l'homme
S71bidem. p.66. et I'État-providence.
S8A respeito, ver: TORRES,joão Cados
Brum. Figuras do E$tado Modemo.

DIHEITOS SOCIAIS
13.1

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