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Apenas a cem quilómetros do Porto, Vila Real não ficava só para lá do Marão, ficava no fim do
mundo. Para se ir de comboio até à “capital do Norte”, tinha de se passar primeiro pela Régua.
Eram 25 quilómetros de via reduzida. As carruagens, muito estreitas, eram iguais às que víamos
nos filmes do “Far West”. Por isso o comboio tinha a doce alcunha de “Texas”. Este demorava, ao
longo de curvas apertadas do vale do Corgo, mais de uma hora para percorrer aquele curto
trajecto. Depois, até ao Porto, eram duas a três horas de esperas e apeadeiros. Em alternativa, o
carro ou a “carreira” tinham de percorrer as famosas “voltinhas do Marão”. Duas a três horas de
enjoo, curvas e perigos. Não se ia ao Porto. Ninguém se deslocava ao Porto. Ia-se de viagem, o
que era diferente. Levava-se mala, cesta e farnel. E garrafão. Mas, para a maior parte, essas
viagens eram raras. Ora, havia outras necessidades, outras urgências. Assim, quando se precisava
de alguma coisa da cidade, do Porto, documento oficial, renda ou medicamento difícil, era
necessário recorrer ao “recoveiro”, um senhor que ia todos os dias de madrugada e regressava à
noite com as encomendas que íamos, ansiosos, buscar à estação de caminho-de-ferro. Trás-os-
Montes não ficava ali. Ficava longe.
Três jornais locais, verdadeiras folhas de couve, faziam a crónica do lugar. “A Voz de Trás-os-
Montes” (“A Voz de Trás”) pertencia à diocese, era impressa nas tipografias do seminário e sempre
foi dirigido por um sacerdote. O “Vila-realense” era republicano, feito, do princípio ao fim, pelo
senhor Heitor Matos, com a ajuda de um extraordinário amador, o José Rocha, e um cronista do
outro mundo, o “Naralhas”, especialista em necrologia. O “Ordem Nova” era, obviamente, da
União Nacional, estava em todo o sítio e ninguém o lia.
https://museu.rtp.pt/livro/50Anos/Prefacio/default.htm 1/1