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DIREITO AO AMBIENTE

Ana Luísa Bernardino


(140109023)
É apenas nos anos 60 e, com particular acuidade, nos anos 70 do passado século que a ecologia
surge como questão política e problema da comunidade. O fenómeno da “questão ambiental” aparece
intimamente relacionado com a “crise do petróleo” e outros factores de ordem política social e cultural,
tais como o movimento de “Maio de 68”, a “revolução hippie” e a “doutrina” do “flower power”, o
pacifismo e a filosofia da “não violência”.1
Assim, como assinala o Professor JORGE MIRANDA 2, “não admira que a consideração
constitucional do ambiente se verifique apenas nesta altura, embora se encontre um ou outro
antecedente curioso; e um deles é o artigo 223.º da nossa primeira Constituição, a de 1822, cometendo
às câmaras municipais a tarefa de promover a plantação de árvores nos baldios e nas terras dos
concelhos”.
A nossa Lei Fundamental de 1976 apresenta a originalidade de consagrar dois modelos
fundamentais de protecção do ambiente3. Por um lado, na perspectiva da sua dimensão objectiva, a
alínea d) do artigo 9.º impõe como tarefa fundamental do Estado a promoção do bem-estar e a
qualidade de vida do povo e a concretização dos direitos ambientais. Por sua vez, a dimensão subjectiva
do direito fundamental ao ambiente de vida humano saudável e ecologicamente equilibrado é
reconhecida no artigo 66.º, nº1, e assegurada como direito social (Parte I, Título III, Capítulo II). Deste
modo, o ambiente adquire, à luz da nossa Constituição, um relevo concomitantemente objectivo e
subjectivo e daí a alusão feita por GOMES CANOTILHO 4 à presença no ordenamento português de uma
verdadeira “Constituição do Ambiente” global e coerente, e não de simples pontualizações
constitucionais, fragmentárias e assistemáticas5.
A dimensão objectiva da “Constituição Portuguesa de Ambiente” traduz-se na consagração de
princípios jurídicos ambientais (como os princípios da prevenção, do desenvolvimento sustentável, do
aproveitamento racional dos recursos naturais e do poluidor-pagador), princípios estes que representam
bases jurídicas - não apenas critérios ou parâmetros decisórios, mas também limites de actuação dos
poderes públicos - quer esteja em causa a realização de tarefas por parte do Legislador, da
Administração ou dos Tribunais. 6 Focando o presente estudo numa perspectiva da actuação
administrativa, poderemos considerar que os princípios constitucionais em matéria ambiental
apresentam simultaneamente uma vertente positiva (como fundamento e critério) e uma vertente
negativa (como limite da actuação administrativa), vinculando directamente a Administração e criando
autónomos critérios decisórios que poderão gerar só por si a invalidade das decisões administrativas
quando desrespeitados ou não considerados. Como ensina o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, “aos
princípios gerais consagrados no artigo 266.º da Constituição (e nos artigos 3.º e 6.º-A do Código de
Procedimento Administrativo) há ainda que acrescentar os princípios fundamentais em matéria de
ambiente, enquanto vinculações avulsas da actividade administrativa cuja violação por uma forma de
actuação administrativa é geradora do vício de violação de lei. Mais: dada a natureza de princípios
fundamentais da ordem jurídica, constitucionalmente consagrados e dotados de aplicabilidade directa, a
sanção correspondente a tal violação não pode deixar de ser a nulidade.”
Não obstante, poder-se-á afirmar que a Constituição estabelece uma preferência pela
subjectivação da tutela jurídica das questões ambientais7 . Também JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE
se pronuncia neste sentido quando afirma que “ a influência da dimensão objectivo-valorativa na
definição do conteúdo do direito actua como limite e não prejudica a hegemonia da dimensão

1 VASCO PEREIRA DA SILVA - Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente, 2002
2 JORGE MIRANDA - A Constituição e o Ambiente in Direito do Ambiente, obra colectiva, INA, 1994
3Neste
sentido, a anotação ao artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa por MARIA DA GLÓRIA GARCIA e
GONÇALO MATIAs in MIRANDA, Jorge/MEDEIROS, Rui - Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2010
4 GOMES CANOTILHO - Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente in Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3802
5 JORGE MIRANDA - ob. cit.
6 VASCO PEREIRA DA SILVA - ob. cit.
7 VASCO PEREIRA DA SILVA - ob. cit.
subjectiva, que caracteriza o sentido e a função dos preceitos constitucionais. É a dimensão subjectiva
que fornece o conteúdo essencial dos preceitos, que não pode ser sacrificado a outros valores
comunitários”. Com efeito, mesmo quando, no artigo 9.º, alínea d) trata das tarefas estaduais, refere-se
expressamente aos direitos ambientais. No entendimento do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, o
direito ao ambiente deverá ser considerado como direito fundamental, não apenas em razão da
consagração constitucional de uma noção ampla de direitos fundamentais, como também pelo
fundamento axiológico enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e por apresentar uma
estrutura comum a todos os direitos fundamentais, de primeira, segunda ou terceira geração, isto é,
combina uma vertente negativa, correspondente a uma esfera protegida de agressões estaduais,
impedindo o Estado de agir, se essa acção puser em causa o ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado, com uma vertente positiva, que obriga à intervenção dos poderes públicos de modo a
permitir a realização plena e efectiva de tais posições de vantagem e que se traduz em concretas
actividades de promoção de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado ou de controlo de acções
capazes de o degradar.
Nesta lógica, os Professores MARIA DA GLÓRIA GARCIA e GONÇALO MATIAS apontam para a
existência de uma nova categoria de direitos humanos, onde o direito ao ambiente se insere, categoria
essa a que se vem chamando direitos/deveres ou direitos circulares. Assim, o direito fundamental ao
ambiente não seria um puro direito perante o Estado, mas, outrossim, um direito que “co-envolve o
dever de todos contribuírem para o que do Estado solicitam, isto é, em concreto a defesa do ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado, o que abre espaço para a dimensão auto-reflexiva do direito”. 8
Deste modo, na perspectiva do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA9, “o entendimento mais
correcto acerca dos direitos fundamentais é o de admitir a sua “dupla natureza”, já que, “por um lado,
eles são direitos subjectivos e, por outro lado, eles constituem “elementos fundamentais da ordem
objectiva da comunidade” (HESSE). Além disto, não se afigura justificável a distinção, aliás maioritária
na doutrina portuguesa, entre direitos de primeira, segunda, ou de terceira categoria, como seriam os
direitos subjectivos, os interesses legítimos e os e os interesses difusos. Será de preferir um tratamento
unificado, pois encontramo-nos perante “posições substantivas de vantagem, destinadas à satisfação de
interesses individuais, que possuem idêntica natureza ainda que podendo apresentar conteúdos
diferenciados, que são por isso de configurar como direitos subjectivos”. 10
No que respeita às consequências em termos de regime decorrentes da natureza jurídica do
direito ao ambiente, observa o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA que não se devem separar o regime
dos direitos, liberdades e garantias e o dos direitos económicos, sociais e culturais, pois “estas regras
jurídicas devem ser aplicadas a todos os direitos fundamentais no que diz respeito às respectivas
vertentes negativa e positiva”. Assim sendo, e focando-nos no direito ao ambiente, será de aplicar o
regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, na medida da sua dimensão negativa, e o regime dos
direitos económicos, sociais e culturais, na medida da sua dimensão positiva”.
A consagração do direito fundamental ao ambiente surge-nos, então, como fundamento para a
existência de relações jurídicas administrativas de ambiente. Como ensina o Professor VASCO PEREIRA
DA SILVA 11 “o alargamento dos direitos subjectivos públicos com base nos direitos fundamentais
implicou, portanto, a reformulação do conceito de relação jurídica, obrigando a considerar como
sujeitos das ligações administrativas outros privados que não apenas aqueles a quem são aplicáveis
normas ordinárias de cariz indiscutivelmente subjectivo, ou que são os imediatos destinatários de actos
administrativos. Esses particulares, titulares de direitos subjectivos públicos, já não podem mais ser
considerados “terceiros” em face da Administração, ou perante aqueloutros privados imediatamente
destinatários da sua acutação, antes como autónomos sujeitos de uma relação multilateral, que tem de
incluir direitos e deveres recíprocos dos particulares (de cada um deles relativamente ao outro, ou
outros, e de cada um deles em face da autoridade administrativa) e da Administração (relativamente a
cada um dos particulares).

8 MIRANDA, Jorge/MEDEIROS, Rui - Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2010


9 VASCO PEREIRA DA SILVA - Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, 2003
10 VASCO PEREIRA DA SILVA - Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente, 2002
11 VASCO PEREIRA DA SILVA - Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, 2003
Em sede de direitos subjectivos em matéria de ambiente, “ através de um acto administrativo
com efeitos em relação a terceiros é criada uma relação triangular, que tem de um lado o Estado, e que,
do lado dos cidadãos, abrange dois afectados - um que é beneficiado pelo Estado e outro que é
prejudicado de forma correspondente a esse benefício” (OSSENBUEHL).
Em Portugal, embora a al. a), nº2 do artigo 53.º do Código de Procedimento Administrativo se
refira a “interesses difusos”, o que, prima facie, apontaria para uma expressa consagração da teoria da
classificação tripartida das posições subjectivas dos particulares em face à Administração (direitos
subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos), afigura-se-nos mais correcto reconduzir esses
“interesses difusos” aos direitos subjectivos públicos, enquanto “direitos de defesa” decorrentes dos
direitos fundamentais.12 Como refere o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, “ao alargar a legitimidade
para a intervenção no procedimento aos particulares afectados em “bens fundamentais” pela actuação
administrativa, o Código do Procedimento Administrativo está a reconhecer a existência de direitos
subjectivos públicos, fundados na Constituição, mesmo quando os seus titulares não são os imediatos
destinatários das medidas administrativas.”
Concluindo, como refere o Professor, a consideração da dupla natureza do direito ao ambiente
(nas suas vertentes positiva e negativa), assim como a adopção de uma noção ampla de direito
subjectivo público, fornecem uma “chave” para a compreensão das relações jurídico-públicas
ambientais, permitindo “fazer a ponte” entre o Direito Constitucional e o Direito Administrativo do
Ambiente, este último resultante de um “processo, forçosamente lento, de consciencialização social e de
integração efectiva no ordenamento jurídico de novas ideias” (TOMÁS-RAMÓN FERNANDEZ).

12 Neste sentido, VASCO PEREIRA DA SILVA - Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, 2003

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