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Introdução
A partir dessa questão, o presente texto Na sequência, foi feita uma discussão
objetiva empreender uma discussão acerca acerca do processo de privatização da
do processo de privatização da Educação Educação Infantil no Brasil, ao tempo em
Infantil via convênios entre as entidades que realizou-se uma análise acerca da
comunitárias, confessionais e filantrópicas evolução do atendimento em creches e pré-
sem fins lucrativos no município de escolas da Rede conveniada (Comunitárias,
Teresina, por meio da Secretaria Municipal confessionais e filantrópicas) com o
de Educação (Semec). município de Teresina-PI, com enfoque
Para o desenvolvimento do estudo sobre os aspectos relacionados à política
foram realizadas consultas a fontes voltada para a EI, sobre a expansão da
documentais como: regulamentações, oferta em creches e pré-escolas e quais as
normatizações e Diários Oficiais do estratégias utilizadas pelo município para
munícipio de Teresina-PI. Os documentos garantir essa expansão, considerando a
foram igualmente adquiridos em sites série histórica 2006 a 2016, que
governamentais e na Secretaria Municipal corresponde ao ano anterior à implantação
de Educação do município em tela. No do Fundeb e à universalização do
primeiro momento foram analisados os atendimento na pré-escola,
documentos que dão sustentação à política respectivamente. Para tanto, foi utilizada a
de Educação, tanto do ponto de vista Base de Dados do Site do Inep para
macro quanto micro. No segundo extração dos microdados do Censo Escolar
momento, discutiu-se a oferta da Educação de 2006 a 2016; depois de compilados em
Infantil no município em questão, por meio quadros, tabelas e gráficos, foi possível
das despesas realizadas com a EI, descrevê-los e proceder às primeiras
incluindo as formas de subvenções sociais análises e inferências.
e os convênios celebrados a partir da Por fim, procedeu-se a análise dos
relação público/privado. dados extraídos dos Diários Oficiais do
Para Gil (2008) a pesquisa município de Teresina-PI, dos quais
documental, geralmente, utiliza-se de identificou-se os repasses financeiros
registros cursivos, que são persistentes e transferidos pelo município via subvenções
continuados. Temos como exemplos sociais a instituições de caráter assistencial
clássicos desse tipo de registro os sem fins lucrativos por meio de
documentos elaborados por agências conveniamento que resultaram em ações
governamentais.
voltadas para a EI, com o propósito de indicam alterações nos padrões de oferta
ampliar a oferta e melhorar o atendimento. da educação básica na educação pública do
estado de São Paulo gerando, assim,
O avanço do processo de privatização da
profundas mudanças tanto na
Educação Infantil
problematizada divisão de
Os avanços legais obtidos pela responsabilidades entre estados e
legislação vigente não foram suficientes, municípios quanto nas estratégias adotadas
visto que, além dos tradicionais convênios por estes últimos para arcar com tamanha
do Poder Público municipal com responsabilidade. Somado a isso, as
instituições sem fins lucrativos para o autoras consideram, ainda, a baixa
atendimento em creches, novos arranjos capacidade tributária da maioria dos
vêm se desenhando. Ao analisar o processo municípios brasileiros, que em face disso
de municipalização do ensino fundamental possuem uma relação de dependência
no Estado de São Paulo, Adrião e Borghi econômica com outros entes federados, na
(2008, pp. 99-100) consideram que a medida em que necessitam de repasses
advindos destes últimos para atender às
…tendência de consolidação de
parcerias/convênios entre municípios demandas relacionadas à oferta
paulistas e a iniciativa privada venha educacional.
sendo induzida pelos processos de
descentralização da educação pública A propósito dessa discussão, Cury
paulista, cuja principal medida foi a
(2002) problematiza a política de
municipalização do ensino
fundamental introduzida no Estado privatização no âmbito da educação básica,
de São Paulo mais enfaticamente a
partir de 1996. ressaltando que o repasse de
responsabilidades entre os escalões de
Cumpre salientar que esse processo poderes públicos sem o suporte financeiro
se consolidou com a implantação do Fundo adequado implica redução da capacidade
de Manutenção e Desenvolvimento do de atendimento da demanda e acentua que,
Ensino Fundamental e de Valorização do nesse âmbito, há sérios comprometimentos
Magistério (Fundef), ao priorizar o ensino em relação à EI e à educação de jovens e
fundamental, ampliando, assim, as adultos, pois, para este autor, tais
responsabilidades dos municípios. Em comprometimentos conduzem a uma
análise das consequências de políticas apropriação por parte do setor privado,
descentralizadoras para a oferta do ensino especialmente, por meio de parcerias,
fundamental no Brasil, Adrião e Borghi convênios ou terceirizações dos espaços
(2009) apresentam informações que
que, por dever, deveriam ser ocupados pelo estruturas pouca aparelhadas e com
Poder Público. insuficiência de recursos nos municípios.
Arelaro (2008) considera que a Diante disso, o MEC, a partir de um novo
regulamentação do Fundeb contribuiu para esforço de regulação, instituiu em 2007 um
a consolidação da tradição de convênios e programa de apoio técnico e financeiro aos
parcerias entre o setor público e privado na municípios com piores desempenhos,
oferta de EI, para o pouco empenho das desde que aderissem às medidas de
esferas públicas em construir alternativas responsabilização (acountability) previstas
de atendimento diferentes das que vêm no Termo de Adesão ao Plano de Metas
sendo consagradas como as mais ágeis e Compromisso Todos pela Educação. Além
viáveis para o atendimento emergencial disso, o despreparo técnico dos municípios
das crianças pequenas, assim como para a e o arcabouço legal que regula a gestão
significativa desresponsabilização do pública – como a Emenda Constitucional
Estado pelo atendimento educacional nº 19, aprovada em junho de 1998, e, no
direto. caso dos municípios, a chamada Lei de
No âmbito da Educação Infantil, os Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei
processos de privatização foram Complementar nº 101/2000, que delimitou
fortalecidos pela política de financiamento os gastos do poder público ao fixar em
da educação. Conforme apontam Oliveira e 60% dos orçamentos públicos os gastos
Borghi (2013), no período de vigência do com pessoal – servem de estímulo aos
Fundef houve aumento considerável no municípios pela terceirização dos serviços.
número de municípios paulistas que Contribuindo com essa discussão,
passaram a subsidiar instituições privadas Arelaro (2008) lembra que o financiamento
para a oferta de EI. da educação de crianças pequenas via
Adrião et al. (2009) chama a atenção convênios, em especial de crianças de 0 a 3
para a pulverização da oferta da EI e a anos, é fruto de uma iniciativa proposta
caracteriza como uma das consequências pela já referida EC n° 19/98, que reformou
da transferência de responsabilidade e o Estado brasileiro, restringindo, assim, a
gestão da educação para as esferas sua ampliação, ao tempo em que
municipais, responsáveis pelo surgimento introduziu, pela primeira vez na história
de inúmeros arranjos que buscam republicana do país, o conceito de “público
responder às demandas educacionais (por não-estatal” como expressão sinônima de
acesso e qualidade), sendo redirecionadas a interesses públicos, legitimando e
ter como fim exclusivo o lucro. Isso lado, pela escassez de recursos públicos
significa que uma empresa pode ser direcionados às entidades privadas, ainda
socialmente responsável e voltada para o que sem fins lucrativos, por outro, ao
terceiro setor, enquanto modelo de destinar cada vez mais recursos para essas
negócio, na medida em que seu objetivo instituições, mais o poder público se
pode ser atender a um especial interesse esquiva do seu papel de investir e ampliar
social. Assim, “o negócio social exige uma sua rede própria.
atividade cujos produtos e serviços Essa tendência se confirma em
produtivos e lucrativos estejam alinhados estudo desenvolvido por Bassi (2011, pp.
com objetivos sociais. Em outras palavras, 122), sobre o financiamento da EI em
que estejam focados na geração de impacto creches e pré-escolas públicas e
social positivo” (Grazzioli, 2015, p. 1). conveniadas em seis capitais brasileiras, ao
Exemplo de Setor Dois e Meio poderia ser afirmar que era de se esperar que:
uma Escola Comunitária que cobra uma
...as prefeituras, diante do elevado
taxa simbólica por aluno somente para o custo de manutenção das creches
custeio referente à manutenção da escola e públicas, não coberto pelo FUNDEB,
e da obrigação legal de atender à
ao pagamento dos salários dos professores, demanda crescente da população pela
Educação Infantil, sejam induzidas a
sem, contudo, visar o lucro exagerado para investir na expansão do
o setor. conveniamento – menos oneroso para
os cofres públicos, mas com a
Nesse âmbito, convém destacar que a contrapartida de um atendimento
precário.
expansão da política de convênios entre a
esfera pública e a privada é uma resposta à
Particularmente, importa ressaltar
ausência do Estado na oferta direta da EI.
que o conveniamento não está relacionado
Nas palavras de Adrião et al. (2009b), esse
à qualidade da educação, mas sim ao
formato de oferta implica total ausência do
processo histórico de constituição da EI no
poder público no que se refere ao
Brasil, cuja concepção foi a de que, para as
atendimento a essa etapa de ensino ou na
classes sociais menos favorecidas,
coexistência de instituições públicas e
qualquer tipo de atendimento seria
privadas sem fins lucrativos subsidiadas
suficiente. Com efeito, os sistemas
por recursos públicos. Isso porque, de
públicos de ensino fazem a opção pela
acordo com Corrêa e Adrião (2010), os
oferta de vagas em creches e pré-escolas
convênios são alternativas de baixo custo
via instituições conveniadas, por
que têm expandido, ocasionadas, por um
considerarem alternativas de menor custo.
Esses novos arranjos ganharam corpo serviço a ser prestado à população, foram
oferta da Educação Infantil”. Tal pela política nacional (Lima & Silva,
documento constitui-se em instrumento de 2017). São essas políticas que vêm sendo
Tabela 1 - Matrículas em instituições de ensino infantil (creches e pré-escolas) da rede privada no Brasil (2006-
2016).
Comunitária Confessional Filantrópica
2006 115.620 10.786 453.423
2007 127.063 17.898 486.840
2008 166.200 26.576 483.192
2009 173.492 22.903 463.299
2010 148.113 24.526 468.827
2011 175,466 27.793 460.260
2012 125.747 10.418 433.292
2013 177.460 18.506 549.915
2014 175.441 16.856 570.236
2015 176.512 17.672 572.582
2016 173.522 18.452 577.920
Fonte: Elaborado pela pesquisadora com base nos microdados do Censo Escolar do Inep (2006, 2007, 2008,
2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016).
Como pode ser observado na tabela instituição Filantrópica sem fins lucrativos
acima, fica claro que, somente com as que, mediante o convênio celebrado com a
escolas conveniadas, o gasto foi de R$ PMT, recebeu durante o período de 2010 a
9.833.452,58 entre 2010 e 2016, período 2016 o valor correspondente a R$
em que foram realizados os repasses. Com 5.270.640,24. Contudo, tal instituição
relação aos valores recebidos por meio das oferece Educação Infantil e Ensino
subvenções, quem mais se beneficiou foi a Fundamental. Importa destacar que nesse
Fundação Nossa Senhora da Paz, período houve um repasse substancial de
http://dom.teresina.pi.gov.br/admin/upload
/DOM-1891-08042016.pdf
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 07/10/2020
Aprovado em: 03/11/2020
i Publicado em: 04/12/2020
Programa que consiste na subvenção pública a
instituições privadas com fins lucrativos com um
Received on October 07th, 2020
formato de financiamento adotado para a ampliação Accepted on November 03th, 2020
da oferta de vagas à Educação Infantil, stricto sensu Published on December, 04th, 2020
e, embora receba o nome de “Bolsa Creche”,
financia tanto a creche quanto a pré-escola
Contribuições no artigo: A autora foi a responsável por
(Domiciano, 2016, p. 21). todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
ii escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
Trata-se da materialização da transferência da
gestão de equipamentos públicos de Educação da versão final publicada.
Infantil ao setor privado, com subsídio público, no Author Contributions: The author was responsible for the
município paulista de Campinas (Domiciano, 2016, designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
p. 22). production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version published.
iii
Rede que congrega o maior número de
investidores privados em investimento social no Conflitos de interesse: A autora declarou não haver
Brasil (Adrião, 2017, p. 25). nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Orcid
APA
Lima, C. L. de S. (2020). A relação público-privado na
expansão do atendimento à Educação Infantil no
município de Teresina-PI. Rev. Bras. Educ. Camp., 5,
e10675. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10675
ABNT
LIMA, C. L. de S. A relação público-privado na expansão
do atendimento à Educação Infantil no município de
Teresina-PI. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
5, e10675, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10675